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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO MESTRADO EM DIREITO MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA Salvador 2005

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA FACULDADE DE DIREITO

MESTRADO EM DIREITO

MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA

Salvador 2005

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MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA

Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia – UFBA, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre, sob a orientação do Professor Doutor Saulo José Casali Bahia

Salvador 2005

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___________________________________________________________________ S192 r Sampaio, Maurício Souza

Representação política e institutos de participação direta / Maurício Souza Sampaio. – Salvador, 2005.

200 f. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal da Bahia. Faculdade

de Direito, 2005. Orientador: Professor Doutor Saulo José Casali Bahia 1. Representação Política. 2. Política. 3. Democracia. 4. Estado. 5.

Referendo. 6. Forma de Governo. 7. Regime Político. I. Bahia, Saulo José Casali (Orientador). II. Universidade Federal da Bahia. Faculdade de Direito. III.Título.

CDD - 320 ___________________________________________________________________

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TERMO DE APROVAÇÃO

MAURÍCIO SOUZA SAMPAIO

REPRESENTAÇÃO POLÍTICA E INSTITUTOS DE PARTICIPAÇÃO DIRETA

Dissertação aprovada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, Universidade Federal da Bahia, pela seguinte banca examinadora:

Nome: Saulo José Casali Bahia Titulação: Doutor em Direito pela PUC/SP Nome: Titulação: Nome: Titulação: Conceito: Salvador,

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A

Claudia, minha esposa, pela paciência e incentivo.

Dida, minha mãe, por ter me oportunizado estudar e aprender.

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Só existem dois dias em que nada pode

ser feito: um se chama ontem, o outro amanhã.

Dalai Lama

RESUMO

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Essa dissertação tem como proposta uma análise da Democracia Semidireta no Brasil pautada numa suposta crise, causada pelos problemas atuais da representação política e pelos limites dos instrumentos de participação direta. Para iniciar, faz-se necessário fazer uma abordagem do que é estado e seus elementos estruturais: formas de governo; povo, participação e cidadania; regimes políticos, aludindo-se com especificidade à Democracia Semidireta, que é o caso brasileiro, suas características, conceitos, histórico, institutos etc. Diante disso, caberá uma análise mais específica e profunda da representação política e suas características, voltando-se principalmente à demonstração da grave crise por que passa essa parte da Democracia Semidireta, além de abordagens acerca dos mecanismos propostos pela legislação à participação popular, especificamente, nas atividades legislativas: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular e suas limitações, tanto as formais quanto as materiais, impostas pela legislação à participação direta da população, o que gera, desta forma, a contestação do Brasil como verdadeira Democracia, em virtude da falta de uso efetivo, como deveria ser, dos institutos acima mencionados e do desvirtuamento da representação política. O objetivo do texto é, portanto, tentar demonstrar que, em razão da excessiva gama de limitações aos mecanismos de participação direta da população e de toda problemática da representatividade, a definição do Regime Político da Constituição Federal brasileira, de 1988, como Democracia Semidireta, ou mesmo como uma Democracia, torna-se discutível e contestável.

Palavras-Chave: Estado; Formas de Governo; Regime Político; Democracia; Participação; Cidadania; Representação Política; Plebiscito; Referendo; Iniciativa Popular; Crise Democrática.

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ABSTRACT

The purpose of this thesis is to analyze the phenomenon of semi-direct democracy in Brazil based on the pressupposition that a political crisis has been created by the existing problems in the actual system of political representation as well as by the limitations caused by the actual instruments of direct democratic participation. The thesis begins with a definition what is the state and the elements of its government: governmental forms; people, participation and citizenship; political regimes, all contextualized in specific reference to semi-direct democracy, with these characteristics utilized principally to demonstrate the serious crisis through which semi-direct democracy passes in Brazil. Also included are descriptions of the mechanisms proposed by current legislation to increase popular participation, specifically in legislative activities: the plebiscite, the referendum as well as other popular initiatives and their limitations, formal as well as material, with the direct participation of the population a goal imposed by current legislation. This generates the question of whether Brazil is truly a democracy, in virtue of its lack of effective use of these institutions and consequent depreciation of true political representation. The objective of the discussion is, as a result, to demonstrate that, in view of the excessive range of limitations on the mechanisms for direct participation as well the range of problems associated with concept representation in Brazil, the definition of political regime of the Brazilian Federal Constitution of 1988 as semi-direct democracy, or even as pure Democracy, becames questionable. Keywords: State; Governmental Forms; Political Regime; Democracy; Participation; Citizenship; Political Representation; Plebiscite; Referendum; Popular Initiative; Democratic Crisis.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 09

2 O ESTADO E SUAS FORMAS DE GOVERNO 12

2.1 O ESTADO 12

2.2 AS FORMAS DE GOVERNO 17

3 O POVO 34

3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS 34

3.2 ASPECTOS RELEVANTES À DEMOCRACIA 40

4 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA 51

4.1 OS ASPECTOS TEÓRICOS DA PARTICIPAÇÃO 51

4.2 A CIDADANIA 57

4.2.1 Contextualização Histórica 57

4.2.2 Contextualização Teórica 60

5 ESPÉCIES DE REGIMES POLÍTICOS 63

5.1 REGIMES NÃO DEMOCRÁTICOS 65

5.2 A DEMOCRACIA 70

5.2.1 O Princípio Democrático 70

5.2.2 O Princípio do Discurso e o Princípio Democrático 80

5.2.3 Origem e desenvolvimento 84

5.2.4 Conceito e aspectos gerais 88

5.2.5 Espécies de democracia 92

6 INSTITUTOS DA DEMOCRACIA SEMIDIRETA 112

6.1 A REPRESENTAÇÃO 112

6.2 A PARTICIPAÇÃO POPULAR DIRETA 114

6.2.1 O Plebiscito 119

6.2.2 O Referendo 121

6.2.3 A Iniciativa Popular 124

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7 DEMOCRACIA FORMAL E DEMOCRACIA SUBSTANCIAL 137

8 A CRISE DA DEMOCRACIA 142

8.1 A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E SUA CRISE 143

8.1.1 A Regra da Maioria 152

8.1.2 Os Partidos Políticos e os Grupos de Pressão 155

8.2 LIMITAÇÕES AOS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA DIRETA 162

8.2.1 Limitações à Iniciativa Popular 162

8.2.2 Limitações ao Plebiscito e ao Referendo 181

8.2.3 Comissão Permanente de Legislação Participativa 186

9 CONCLUSÃO 190

REFERÊNCIAS 196

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1 INTRODUÇÃO

Quando se faz uma análise reflexiva sobre a democracia dos tempos

atuais no Estado brasileiro, principalmente aquela alcançada depois do período de

dominação militar que culminou em um novo texto constitucional, a referência mais

forte que se tem dela é a estabelecida na própria Constituição Federal de 1988,

quando em seu art. 1º expõe que o Brasil é um “Estado Democrático de Direito”

(grifo nosso). Junto a isso, o parágrafo único desse mesmo artigo coloca que “todo o

poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou

diretamente, nos termos desta Constituição” (grifo nosso). Nota-se, portanto, que o

regime político estabelecido por esta Constituição está vinculado à idéia de uma

democracia denominada de semidireta, ou seja, uma combinação de formas de

democracia direta com a democracia representativa.

Ainda de acordo com o texto constitucional, o inciso II do mesmo art. 1º

expõe que um dos fundamentos desse Estado Democrático de Direito é a cidadania

que, baseada em seu sentido estrito, é um vínculo político, próprio do nacional no

exercício de seus direitos políticos, que lhe confere o direito de participar da

formação da vontade política do Estado.

Assim, os atributos da cidadania vinculados ao regime político adotado

pelo Brasil conferem ao indivíduo a possibilidade de participar da vida política do

Estado, seja através da representatividade política, seja pela utilização dos

mecanismos de participação direta na atividade de produção de leis e de políticas

governamentais, que se dão mediante a utilização da iniciativa popular, do plebiscito

e do referendo.

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Acontece que o desvirtuamento do real propósito da representação

política, causado por inúmeras práticas moralmente e juridicamente irregulares, junto

à falta de utilização efetiva e satisfatória dos instrumentos de participação direta

terminam gerando dúvidas acerca da inclusão do Estado brasileiro como uma

verdadeira democracia.

A representação política está desacreditada e a prova disso é o momento

de degradação por que vem passando o Congresso Nacional. Além disso, no

decorrer da história até os dias atuais, na vigência da Constituição de 1988, não

houve no Brasil o uso regular dos institutos do plebiscito, do referendo e da iniciativa

popular de leis, como mecanismos de participação direta.

Surgem, assim, alguns questionamentos: o que vem acontecendo

atualmente com a política brasileira permite afirmar que no Brasil há uma verdadeira

Democracia Representativa? Existe hoje, com base na Constituição Cidadã de 1988

e nas normas infraconstitucionais, o efetivo uso dos mecanismos de participação

direta acima citados? A insuficiência desses mecanismos ou mesmo a falta de

utilização pela população, em razão das excessivas limitações impostas pela

legislação, e ainda a inexistência de uma representatividade política pautada na

vontade da maioria, não estariam decretando a ruína do caráter de Democracia

Semidireta da Constituição de 1988?

Todas essas questões surgidas serão devidamente analisadas e

respondidas no decorrer do texto que se segue, o qual, para que se possa chegar à

conclusão ora suscitada, contará uma exposição de temas importantes, tais como: a

compreensão do que é estado e suas formas de governo; o entendimento do que

seja povo, participação e cidadania; abordagem profunda dos regimes políticos

existentes, principalmente da democracia, com seus principais aspectos,

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características, conceitos e espécies; análise teórica e de dados para a

comprovação do ponto principal do texto: o Brasil, na prática, não é uma

Democracia, apenas o é na teoria.

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2 O ESTADO E SUAS FORMAS DE GOVERNO

2.1 O ESTADO

Sempre houve muita dificuldade em se achar uma definição satisfatória de

“Estado”. Autores como Hans Kelsen e Hegel fazem parte dos inseridos nessa

controvérsia. Para o último, seria mais fácil conhecer a natureza e seus mistérios do

que a sociedade humana e seus problemas, já Kelsen propunha uma conversão da

expressão “Estado” a um juízo de valor, vez que as acepções dessa palavra não

permitem uma precisão conceitual.

Em relação à época do aparecimento do Estado, existem algumas teorias

que tentam explicá-lo: a primeira consiste em afirmar que o Estado, assim como a

própria sociedade, sempre existiu, pois desde que o homem vive sobre a Terra

acha-se integrado numa organização social, dotada de poder e autoridade para

determinar o comportamento de todo o grupo; a segunda posição admite que a

sociedade humana existiu sem o Estado durante um certo período, e que depois, por

diversos motivos, o Estado foi constituído para atender às necessidades ou às

conveniências dos grupos sociais; a terceira é aquela que só admite como Estado a

sociedade política dotada de certas características muito bem definidas, como por

exemplo, o aparecimento da idéia e da prática da soberania, a pluralidade de

autonomias que aparecem no mundo medieval, etc.

O certo é que essa ordem política da sociedade, chamada de Estado, já é

conhecida desde muito tempo, embora nem sempre possuindo essa mesma

denominação.

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Houve época em que o Estado era formado por um conjunto confuso, sem

diferenciação aparente, entre a família, a religião, o Estado e a organização

econômica. Isso se deu nas localidades do Oriente ou do Mediterrâneo. Há duas

características marcantes nesse período: a natureza unitária, pois esse Estado

sempre aparece como uma unidade geral, não admitindo qualquer divisão interior,

nem territorial, nem de funções, mas, talvez, esse tenha sido um expediente que

efetivamente não tenha ocorrido; e, a religiosidade, afirmando-se a autoridade dos

governantes e as normas de comportamento individual e coletivo, como expressão

da vontade de um poder divino. Aqui há uma estreita relação entre o Estado e a

divindade.

O Estado Grego, embora não se tenha notícia da existência de um Estado

único que englobe toda a civilização, já que era dividido em vários reinos, como o da

Macedônia, por exemplo, tem algumas características fundamentais, principalmente

entre os dois principais Estados, Atenas e Esparta, sendo a principal delas a

“cidade-estado”, ou seja, a polis, como a sociedade política de maior expressão,

tendo a auto-suficiência como o ideal buscado.

Quando um Estado Grego era tido como democrático, parte restrita da

população chamada de cidadãos é que participava das decisões políticas, o que

influía também na manutenção das características de cidade-estado.

O Estado Romano é marcado pelo fato de ter alcançado grande expansão

territorial, o que ocasionou dificuldades para se chegar a uma uniformização. Apesar

disso, Roma manteve, principalmente no seu início, as características de cidade-

estado, mantendo-se organizado através de uma base familiar. Desde o Estado

Romano primitivo, a civitas tem origem de grupos familiares (a gens).

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Como no Estado Grego, no Romano, durante muito tempo, o povo

participava diretamente do governo, mas a noção de povo era muito restrita,

compreendendo apenas uma pequena faixa da população. Mais tarde, depois de

lenta e longa evolução, outras camadas sociais foram adquirindo direitos,

aparecendo, então, uma nobreza tradicional. Com isso, já despontava a idéia de

Império. A idéia de Estado em Roma era representada, agora, mediante o uso das

expressões imperium e regnum, que indicavam uma organização de domínio e

poder.

Eis aí a que se reduzia, pois, o Estado Antigo: numa extremidade, a força bruta das tiranias imperiais típicas do Oriente; noutra, a onipotência consuetudinária do Direito ao fazer suprema, em certa maneira, a vontade do corpo social, qualitativamente cifrado na ética teológica da polis grega ou no zelo sagrado da coisa pública, a res publica da civitas romana (BONAVIDES, 2003a, p. 20).

Com a queda do Império Romano, o modelo de governo da Antigüidade

Clássica teve seu fim decretado. Surge, então, a espécie de governo mais conhecida

por todos, denominada agora de “Estado”. O sentido aqui atribuído é o de uma

instituição possuidora de coerção e geradora da unidade de um sistema normativo

com plena eficácia.

Esse é o Estado na Idade Média ou Estado Medieval, tendo laender como

o termo que traduz essa idéia, significando “países” e se restringindo a uma órbita

estritamente territorial. Os principais elementos que se fizeram presentes na

sociedade política medieval para a caracterização desse Estado foram o

cristianismo, como a base de aspirações à universalidade; as invasões bárbaras,

como agente da queda do império romano e de grandes transformações sociais e

culturais; e o feudalismo, como modelo de mudança econômica.

Nicolau Maquiavel, florentino nascido em 03 de maio de 1469, é que vem

empregar, modernamente, a expressão “Estado” dentro de sua obra “O Príncipe”,

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escrita em 1513. Aqui se fala em um Estado que começa a sair da Idade Média,

chamado por alguns de Estado Moderno. Esse Estado Moderno possui uma

imprecisão temporal muito clara, vez que é impossível se precisar quando ele

realmente teve seu início.

Durante os séculos XVI e XVII a expressão foi sendo admitida em escritos

franceses, ingleses e alemães.

Diante dos diferentes pontos de vista para afirmar o verdadeiro momento

do aparecimento do “Estado” e das divergências para se chegar a uma conceituação

objetiva, como mencionado no primeiro parágrafo, alguns estudiosos o caracterizam

seguindo diferentes acepções.

A primeira, em referência, é a concepção filosófica, o “Estado ético-

cultural1” trazido por Hegel (1952, apud BONAVIDES, 2000, p. 62-63), que sintetiza

o Estado como valor social mais alto, conciliando a contradição Família e Sociedade,

sendo uma instituição que está somente abaixo do absoluto, como a arte, a religião

e a filosofia.

De fato, o Estado é um todo orgânico, no qual todas as articulações são necessárias, como num organismo. Ele é um todo orgânico de natureza ética. O que é livre não tem indivíduos: concede-lhes momentos de construção, e, não obstante, o universal conserva a força que mantém essas determinações unidas a si (HEGEL, 1952, apud BOBBIO, 1997, p. 149).

A jurídica, segunda acepção a que se faz referência, é expressa através

da idéia de Immanuel Kant (1954, apud BONAVIDES, 2003a, p. 85), segundo a qual

o Estado é uma abstração, é isento de elementos históricos e independente do

arbítrio humano. O Estado para Kant é um fato absoluto e não apenas um fenômeno

1 “A realidade da idéia ética, da vontade substancial, em que a consciência mesma do indivíduo se eleva à comunidade e, portanto, ao racional em si e para si”. É assim que se constitui o Estado para a filosofia hegeliana (HEGEL, 1952, apud BONAVIDES, 2003a, p. 92).

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histórico ou uma realidade concreta no tempo, ou seja, ele separa o problema

estatal de toda uma causalidade temporal.

A terceira e última acepção se remonta a uma idéia sociológica. Aqui,

uma parte considerável dos pensadores liga o Estado ao aspecto coercitivo,

assinalando que essa instituição é toda sociedade humana onde há diferença entre

governantes e governados, fortes e fracos, ocorrendo, assim, uma dominação dos

primeiros, como titulares do poder coercitivo, sobre os outros (BONAVIDES, 2000, p.

64).

Percebe-se que encontrar um conceito para “Estado” que satisfaça a

todas as correntes é absolutamente impossível, dada à complexidade desse ente

que pode ser abordado sob diversos pontos de vista.

Uma conceituação bastante clara e talvez até concludente é a trazida por

De Plácido e Silva, baseada na etimologia da palavra. Neste sentido a expressão

“Estado” deriva do latim status (estado, posição, ordem, condição) e possui,

distintamente, sentidos próprios no Direito Público e no Direito Privado.

O sentido que mais interessa é o primeiro, que significa:

o agrupamento de indivíduos, estabelecidos ou fixados em um território2 determinado e submetidos à autoridade de um poder público soberano3 que lhe dá autoridade orgânica. É a expressão

2Território “é o limite espacial dentro do qual o Estado exerce de modo efetivo e exclusivo o poder de império sobre pessoas e bens”. Esse é o conceito de Alexander Groppali trazido por José Afonso da Silva (2002, p.98). Segundo Dalmo de Abreu Dallari (1991, p. 76), “o território estabelece a delimitação da ação soberana do Estado”. 3 A palavra soberania tem dois sentidos, segundo Dalmo Dallari (ibid., p. 68), o primeiro é o político, que conceitua soberania como “o poder incontrastável de querer coercitivamente e de fixar as competências”; o segundo, o jurídico, conceituando soberania como “o poder de decidir em última instância sobre a atributividade das normas, vale dizer, sobre a eficácia do direito”. No entanto, Miguel Reale (1960, p. 127) conceitua soberania como “o poder de organizar-se juridicamente e de fazer valer dentro de seu território a universalidade de suas decisões nos limites dos fins éticos de convivência”, não separando, portanto, os aspectos sociais, jurídicos e políticos. Jean Bodin (apud BOBBIO, 1997, p. 96), conhecido como o teórico da soberania dentro da história do pensamento político, expõe que “por soberania se entende o poder absoluto e perpétuo que é próprio do Estado”.

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jurídica mais perfeita da sociedade4, mostrando-se também a organização política de uma nação5, ou um povo6 (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 627).

Mas, se o enfoque principal no conceito de Estado for o componente

jurídico, Dalmo Dallari (1991, p. 101) o conceitua como "a ordem jurídica soberana

que tem por fim o bem comum de um povo situado em determinado território”.

2.2 AS FORMAS DE GOVERNO

A importância de se chegar a um conceito definitivo e conclusivo de

Estado não é o objetivo central desta primeira parte da exposição, apesar de existir a

necessidade de um breve e prévio entendimento sobre o que seja Estado, para se

compreender o restante.

O que verdadeiramente se mostra de grande valia para a compreensão

pretendida é a definição das formas de governo que a partir de agora passará a ser

estudada.

A caracterização das formas de governo é fornecida pela organização das

instituições onde atuam o poder soberano do Estado e suas relações. Há grande

divergência entre os autores no que diz respeito à expressão “Forma de Governo”,

embora a maior parte deles entenda que esta expressão é sinônima de “Regime

Político”. Duverger (1962, p. 9-10), inclusive, dá preferência à segunda, fazendo uma

distinção entre regime político em sentido amplo, que indica a forma que, em um

4 Sociedade “é um meio em que os indivíduos fatalmente vivem. E pode ter sentido equivalente a nação ou a estado, desde que se encontra em qualquer espécie de agrupamento ou associação, seja juridicamente ou politicamente organizada” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 628). 5 Nação “indica agrupamento, quando se mostra unido por uma afinidade de tradição, idioma, costumes e religião, fundado na consciência de uma nacionalidade; mas, nem sempre se exibe na organização política, geradora do Estado, pois pode este ser constituído por mais de uma nação” (ibid., p.628).

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determinado grupo social, assume a distinção entre governantes e governados, e

regime político em sentido estrito, aplicável somente à estrutura governamental

chamada de Estado. Há autores, no entanto, que fazem uma distinção diferente,

permitindo a identificação de espécies distintas como regime político, forma de

Estado e sistema de governo. A primeira referente à estrutura global da realidade

política; a segunda afetando a estrutura da organização política; e a terceira

tipificando as relações entre as instituições políticas. Porém, a expressão “forma de

governo” é mais precisa quando quer se referir à estrutura e às relações dos órgãos

de governo (DALLARI, 1991, p. 188).

Todavia, há também outra grande confusão em torno das expressões

“Forma de Governo” e “Forma de Estado”. Os alemães se referem, baseando-se nas

classificações mais tradicionais, à monarquia, à aristocracia e à democracia, como

“Formas de Estado” (Staatsformen), diferentemente dos franceses que se utilizam da

expressão “Forma de Governo” para se referir aos mesmos institutos.

Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 192), a nomenclatura francesa é a

mais adequada, e nessa linha segue o autor, uma vez que “Formas de Estado” são

a sociedade de Estados, como o Estado Federal e a Confederação, conhecidos

como forma plural de Estado; e o estado simples ou unitário, conhecido como forma

singular de Estado.

No Brasil a distinção se dá como na França. As formas de Estado se

restringem ao modo pelo qual o Estado se estrutura, classificando-se em simples ou

unitário, sendo este o Estado que possui uma unidade de poder político interno, cujo

exercício ocorre de maneira centralizada e onde qualquer grau de descentralização

6 Povo “é um agrupamento humano ou de indivíduos, o qual nem sempre se apresenta com a unidade orgânica e jurídica, que é caráter do Estado” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 628).

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depende da anuência do poder central; e em plural, composto ou complexo, no qual

há uma pluralidade de poderes políticos internos.

Já as Formas de Governo, que se dão pelo modo de organização política

do Estado e pelo funcionamento do poder estatal, são determinadas segundo

critérios relacionados à sua natureza.

O primeiro critério, o do número de titulares do poder soberano, fazendo-

se referência ao “quem”, foi proposto por Aristóteles e por outros autores que

também adotaram posteriormente a mesma classificação com pequena variações.

Os outros critérios, que são mais recentes, são, respectivamente, o da separação

dos poderes e o dos princípios essenciais das práticas de governo.

O referente à separação de poderes é apoiado na teoria de Montesquieu,

dominando todo o período do Liberalismo.

O último critério é o totalmente contemporâneo, sendo uma reação à

rigidez do critério anterior, que se preocupava mais com a simples forma do que com

o fundo das instituições (BONAVIDES, 2000, p. 193).

Muito embora haja uma grande amplitude destes critérios, as

classificações mais tradicionais são as que possuem maior relevância doutrinária.

Diante desta afirmativa, tradicionalmente, as tipologias das formas de

governo dão-se início na discussão entre três persas, Otanes, Megabises e Dario,

proposta por Heródoto, na sua obra “História”.

A importância dessa passagem se dá pelo fato de esses personagens se

referirem, cada um, a uma das três formas de governo clássicas, que são o governo

de muitos, de poucos e de um só: democracia, aristocracia e monarquia,

respectivamente.

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Otanes propôs a entrega do poder ao povo persa, portanto, é partidário da

democracia. Megabises seguiu a linha do governo oligárquico. Já Dario se

manifestou em favor do governo de um só, a monarquia, contestando as outras

formas já expostas. Segundo ele, numa oligarquia é fácil nascer conflitos pessoais

entre aqueles que formam o governo. Todos querendo ser chefe, surgindo facções e

delas os delitos e estes levam à monarquia, provando ser esta a melhor forma de

governo. Quando governa o povo, ainda para Dario, é impossível não haver

corrupção, não provocando inimizades, mas sólidas alianças entre os mal

intencionados. Por isso é que, para ele, a monarquia é a melhor forma de governo

(BOBBIO, 1997, p. 39-41).

Platão, em sua obra “A República”, diferentemente da concepção de

Heródoto, inclui só formas más de formas de governo, mas não com a mesma

intensidade. Para Heródoto, as formas são realizáveis na história, já para Platão, a

forma boa ultrapassa a história, não podendo ser realizada.

As formas corrompidas de Platão são a timocracia, a oligarquia, a

democracia e a tirania, faltando duas das formas tradicionais, a monarquia e a

aristocracia. Mesmo assim, Platão aceita que haja seis formas de governo,

reservando duas para a constituição ideal e quatro para as formas reais que se

afastam da forma ideal.

As quatro formas corrompidas se referem à oligarquia, que é a forma ruim

de aristocracia; à democracia, que teria uma forma ideal, positiva, e outra negativa; e

por fim à tirania, sendo a forma ruim de monarquia. A timocracia, palavra que se

origina da expressão timé, que significa “honra”, é uma forma introduzida por Platão

para designar a transição entre a forma ideal e as três formas corrompidas.

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Nesta representação de Platão há apenas um movimento descendente

para as formas de governo, ou seja, as três formas boas são postas em uma

determinada posição (monarquia, aristocracia e democracia), e as más em uma

posição inversa (democracia, oligarquia e tirania). Platão não explica se a partir

desse ponto ocorre um retorno, nem de que maneira.

O certo é que a democracia está ao mesmo tempo no fim da série “boa” e

no começo da série “má”, ou seja, a democracia é a pior das formas boas e a melhor

das formas más, fazendo um contínuo na concepção de Platão (BOBBIO, 1997, p.

54).

Portanto, as seis formas aceitáveis para Platão são a monarquia, a

aristocracia, a democracia positiva, a democracia negativa, a oligarquia e a tirania,

sendo que as três primeiras são as ideais, mas não as reais.

A teoria clássica das formas de governo é aquela trazida por Aristóteles

(2002, p. 185) em sua classificação: monarquia, aristocracia e democracia. A

monarquia, conhecida como o governo de um só, está relacionada à unicidade da

organização do poder político. Essa expressão vem da palavra grega monarkia que

é a junção de mono (um) com arché (governo) e se caracteriza pela vitaliciedade,

hereditariedade e irresponsabilidade do chefe de Estado. O monarca governa

enquanto viver, e sua escolha é feita dentro da linha de sucessão dinástica.

Portanto, o poder político está concentrado nas mãos de uma só pessoa, sendo

exercido por ela, mas podendo ser delegado.

Em oposição à monarquia surgem a aristocracia e a democracia.

A aristocracia significa o governo de alguns, o governo dos melhores e se

origina da palavra grega aristocratia. Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 193), esta

expressão está ligada à idéia de força, força entendida de modo qualitativo, ligada,

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portanto, à cultura e à inteligência, força dos melhores, daqueles que dirigem o

governo. Neste caso, o governo ou autoridade está nas mãos de uma classe,

constituída por pessoas que se consideram formadoras de uma casta ou elite, em

razão de sua nobreza, fortuna, bravura, talento ou por qualquer outro meio que as

distingam do restante da sociedade. Pode ser, ainda, a aristocracia, eletiva ou

hereditária, se os membros do governo forem escolhidos dentro de uma classe, ou

se está concentrado dentro de uma ou várias famílias, fazendo com que somente o

nascimento dê direito à sucessão política, excluindo-se todos que não forem

descendentes delas.

A democracia, última espécie classificatória de Aristóteles, opõe-se tanto à

monarquia, por ser uma forma de governo plural, quanto à aristocracia, pois o poder

soberano não repousa numa simples classe, mas no próprio povo.

Toda a descrição e classificação das formas de governo de Aristóteles são

trazidas dentro de sua obra “Política”, nos livros três e quatro. O termo utilizado por

ele para se referir à “forma de governo” é politeia, que, na verdade, significa

“constituição”. “A constituição mesma é governo” (ARISTÓTELES, 2002, p. 87).

Considerando-se que as palavras constituição e governo querem dizer a mesma coisa, considerando-se que o governo é autoridade suprema nos Estados e que, necessariamente, tal autoridade suprema deve ficar nas mãos de um apenas, ou de diversos, ou de uma multidão, se sirvam da autoridade com vistas ao interesse coletivo, a constituição é pura e sadia, obrigatoriamente; em vez disso, se se governa pensando no interesse particular, quer dizer, no interesse de um apenas, ou de muitos, ou da multidão, a constituição é viciada e corrompida; [...] (ARISTÓTELES, 2002, p. 89).

Aristóteles formula brevemente a teoria das seis formas de governo de

Platão. Para isso ele se utiliza de dois critérios simultaneamente: quem governa e

como governa. No primeiro, as constituições podem ser distinguidas se o poder está

numa só pessoa (monarquia), em poucas pessoas (aristocracia), e em muitas

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(politia, que significa a boa democracia). No segundo critério, as constituições (forma

de governo) podem ser boas ou más, gerando das três primeiras boas outras três

más (a tirania, a oligarquia e a democracia).

Como já se sabe, monarquia significa governo de um só, mas na teoria de

Aristóteles quer dizer “governo bom de um só”, correspondendo a este um governo

mau de um só, a tirania, porque busca somente o interesse do monarca. A oligarquia

corresponde ao governo mau de poucos, porque vê apenas o interesse dos ricos,

contrapondo-se ao governo bom de poucos, a aristocracia. E, por fim, ele utiliza a

expressão “politia” para designar o bom governo de muitos, contrariamente a

democracia, que significa o governo mau de muitos, buscando apenas o interesse

dos pobres. Assim, as formas boas são aquelas em que os governantes visam ao

interesse comum, e nas más visam ao interesse próprio.

Aristóteles adota um critério numérico para distinguir a oligarquia da

democracia: a diferença entre ricos e pobres.

[...]: a real diferença entre democracia e oligarquia reside na pobreza e na riqueza; é necessário que todas as vezes que a riqueza chega ao poder, com a maioria ou sem ela, haja oligarquia, a democracia, quando os pobres chegam ao poder. Acontece, entretanto, como dissemos, que em geral os ricos formam minoria e os pobres maioria; a opulência pertence a uns, porém a liberdade é de todos. Essa é a razão das diferenças eternas entre uns e outros, quanto ao

governo (ARISTÓTELES, 2002, p. 91).

Bobbio (1997, p. 57) acha estranha a utilização da terminologia politia

usada por Aristóteles, uma vez que está derivada de outra expressão, politeia, que

significa “constituição”, sendo, portanto, um termo muito genérico e pouco

específico.

A melhor forma desta última classificação de Aristóteles seria a utilização

da expressão “democracia” tanto para a forma boa como a má de governo de

muitos, como fez Platão.

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Para Aristóteles, portanto, numa escala hierárquica, as formas de governo

se colocam da seguinte maneira: monarquia, aristocracia, politia, democracia,

oligarquia e tirania, sendo que a pior forma, a tirania, é a degeneração da melhor, a

monarquia e assim sucessivamente.

Expõe ainda ele que o regime mais propício para assegurar a paz social

seria a fusão da oligarquia com a democracia e isso seria chamado de “política”, ou

seja, a fusão constituiria um regime em que a união dos ricos e dos pobres

remediaria as causas dos conflitos sociais (ARISTÓTELES, 2002, p. 91 e ss). E

conclui:

Afirmamos que existem três bons governos; o melhor é necessariamente o administrado pelos melhores chefes. Assim é o Estado onde se acha um indivíduo apenas sobre toda a massa dos cidadãos, ou uma família toda, ou até um povo inteiro que possua uma virtude excelsa, uns sabendo obedecer, outros ordenar, visando à maior soma de ventura possível. Deixamos demonstrados também que, no governo perfeito, a virtude do homem de bem é necessariamente aquela do bom cidadão. É, portanto, notório também que com os mesmos meios e as mesmas virtudes que formam o homem de bem, formar-se-á, do mesmo modo, um Estado aristocrático ou monárquico. Desse modo, a educação e os costumes que constituem os cidadãos serão pouco mais ou menos iguais aos que constituem o rei e o cidadão (ARISTÓTELES, 2002, p. 114-115).

A terceira grande obra em importância para a teoria das formas de

governo na Antigüidade clássica, além dos textos de Platão e Aristóteles, foi

“História” de Políbio.

Para ele existem seis formas de governo, três boas e três más,

representando o uso sistemático das formas de governo. Essas seis formas se

sucedem uma às outras em um determinado ritmo, se alternando no tempo,

constituindo, assim, um ciclo, e isso seria o uso historiográfico das formas. Todavia,

existe, também, uma sétima forma, além das outras seis tradicionais, o governo

misto. Forma esta que seria a melhor de todas por ser a síntese das três boas, e

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aqui estaríamos diante do uso axiológico das formas de governo (BOBBIO, 1997, p.

65-66).

Como já mencionado, em relação à terminologia, Políbio chama de

democracia a terceira forma de governo, ou seja, emprega o termo “democracia”

com conotação positiva, diferentemente de Aristóteles que a chama de politia e de

Platão, que consagra uma denominação má e uma boa para ela.

Assim, Políbio classifica as seis formas boas de governo como monarquia,

aristocracia e democracia, e as três más, derivadas das primeiras, como tirania,

oligarquia e “oclocracia”.

Esta nova expressão, “oclocracia”, introduzida por Políbio como a forma

corrompida de democracia, vem de oclos, que significa multidão, massa, plebe, e

corresponde ao governo de massa ou das massas (BOBBIO, 1997, p. 66-67).

Há uma divergência entre Platão e Políbio no que tange à teoria dos

ciclos. O ciclo polibiano possui uma linha decrescente fragmentada pela ocorrência

de uma alternância de momentos bons e maus no tempo, mas sempre com

tendência negativa, diferentemente do ciclo platônico que possui uma linha

decrescente contínua. Além do fato de que a forma final de Platão é a tirania, e a de

Políbio é a oclocracia, em virtude da alternância.

Mas a principal contribuição de Políbio dentro da teoria das formas de

governo é a idéia de um governo misto. Para ele todas as formas simples são más

porque são simples, sendo assim, o governo misto é aquele que combina as três

formas clássicas de governo, consistindo no fato de que o rei está sujeito ao controle

do povo, que este participa do governo, que é controlado pelo senado.

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Observa-se, então, que a teoria do governo misto de Políbio está atrelada

ao mecanismo de controle entre os poderes. No entanto, não se pode confundi-la

com a teoria moderna da separação dos poderes de Montesquieu.

O que difere, na verdade, o governo misto do governo simples não é o fato

de o primeiro ser estável, e o segundo não, vez que ambos buscam uma

estabilidade, mas o fato de o primeiro possuir uma estabilidade mais duradoura, ou

seja, o ritmo das mudanças é que difere os dois tipos de governo.

Segundo Bobbio (1997, p. 77), “no curso da filosofia política medieval

nada há de genuinamente fundamental para o desenvolvimento das teorias das

formas de governo”. Assim, ultrapassa-se essa fase histórica, a Idade Média, e

começa-se outra abordagem, a de Maquiavel, importante pensador político do início

do século XVI, que traz nova classificação das formas de governo, separando-as de

maneira dualista em monarquia (principado) e república.

Todos os Estados que existem e já existiram são e foram repúblicas ou principados. Os principados ou são hereditários, quando por muitos anos os governantes pertencem à mesma linhagem, ou foram fundados recentemente (MAQUIAVEL, 2003, p. 29).

Neste trecho, logo se observa que o autor substituiu a classificação de

Aristóteles e de Políbio (tripartite) por uma bibartite. O principado (monarquia)

corresponde ao reino, já a república se refere tanto à aristocracia quanto à

democracia. Portanto, os Estados são governados ou por uma só pessoa ou por

muitas. Uma diferença essencialmente quantitativa, mas não somente.

A monarquia é o poder singular e a república é o poder plural que, como

visto acima, engloba a aristocracia e a democracia.

República, etimologicamente, é uma palavra de origem latina, oriunda da

expressão res publica, que significa coisa pública, comum ou bem comum, isto é, o

que é de todos ou pertencente a todos.

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A república aristocrática “é aquela em que o governo somente pode ser

exercido pelas pessoas consideradas como as mais notáveis ou que, por alguma

circunstância, tenham se sobressaído às demais” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p.

1354).

Já a república democrática

é aquela em que se adota a forma de governo, em que o poder soberano ou soberania do Estado reside na vontade do povo ou da totalidade do povo, que o habita, sem exclusões ou privilégios, devendo o mesmo governo ser exercido em seu nome e por sua delegação, por meio de representantes e responsáveis, diretamente ou indiretamente designados pelo povo, conforme sistema eleitoral admitido ou instituído (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 1354)

A modificação substancial entre principado e república é a natureza da

vontade envolvida, se é de um ou de muitos. Da república aristocrática para a

república democrática o que se modifica é o modo de formação da vontade, que

nesse caso já é coletiva, ou seja, se a vontade é de poucos ou de muitos.

Vale ressaltar ainda que na classificação de Maquiavel, além do

desaparecimento da tripartição, falta também a duplicação das formas de governo

em boas e más, como nos outros autores mencionados. Para ele, as três formas de

governo boas podem também se corromper facilmente.

Maquiavel expõe, ainda, uma idéia acerca do ciclo das formas de governo.

Mas, segundo Bobbio (1997, p. 90), sua idéia se contrapõe a de Políbio, uma vez

que Maquiavel, por ser um escritor realista, afirma que os ciclos não podem se

repetir até o infinito, como quis Políbio, já que isso não possui sustentação na

realidade histórica. Conclui Maquiavel, então, que um Estado, chegando ao ponto

mais baixo de sua decadência, não tem força para retornar ao ponto de partida,

sendo presa fácil de outro Estado mais forte. Inicia-se, assim, nova forma de

governo não dentro da estrutura do próprio Estado, mas dentro do domínio de outro.

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Outro autor que contribuiu para a teoria das formas de governo é o francês

Jean Bodin, em sua obra “De La Republique” (1576), a qual é considerada a obra de

teoria política mais ampla e sistemática desde Aristóteles (apud BOBBIO, 1997, p.

95).

Bodin estrutura sua teoria com base na idéia de soberania, ou seja, o

início de seus estudos sobre as formas de governo se dá dentro de uma análise

prévia da definição de soberania, principalmente dentro de dois de seus principais

pontos: o caráter absoluto e a indivisibilidade.

Classifica as formas de governo em três: monarquia, aristocracia e

democracia, além de contestar as teses da duplicação das formas em boas e más e

a do governo misto.

Primeiro, Bodin afirma que as formas de governo são somente três porque

não há distinção entre formas boas e más, baseando-se no argumento de que, se

tivéssemos que distinguir as formas com base nos defeitos ou nas qualidades que

apresentam, o número de categorias seria infinito.

Segundo, expõe que não existe também uma sétima forma como o

governo misto, pois, se houvesse a junção dos poderes real, aristocrático e popular,

o único resultado seria a democracia, portanto, uma forma simples e não mista.

Bodin também faz uma distinção entre “Estado” e “governo7”. Não há para

ele a possibilidade da coexistência de podres soberanos, um único poder predomina

e os outros são subordinados. O predominante constitui o regime (o Estado), e os

outros, o governo. Portanto, diante do seu pensamento, as formas de governo

7 Rousseau, dois séculos depois, faz também a distinção entre Estado e governo. A diferença é que para ele a soberania reside somente no povo que exprime a vontade geral, chamando a forma de Estado de “república” e esta pode ser governada de três formas diferentes pelo poder executivo, dependendo de quem possua o exercício do poder: uma só pessoa, poucas pessoas ou muitas pessoas. Rousseau não rejeita a tese do governo misto como Bodin, porque a entende não como divisão de Estado, mas de governo, ou seja, o fato de o governo ser dividido não implica numa divisão da soberania que se mantém única (BOBBIO, 1997, p. 100-101).

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podem chegar a nove: monarquia monárquica, monarquia aristocrática, monarquia

democrática, aristocracia monárquica, aristocracia aristocrática, aristocracia

democrática, democracia monárquica, democracia aristocrática, democracia

democrática, ou seja, há a possibilidade de existência de um só poder soberano

distribuído por várias formas de governar.

Para Bodin (apud BOBBIO, 1997, p. 102), cada uma das três formas

(monarquia, aristocracia e democracia) pode assumir mais três formas diferentes. A

monarquia pode ser real, despótica e tirânica, a aristocracia pode ser legítima,

despótica e facciosa e a democracia pode ser legítima, despótica e tirânica.

A monarquia real ou legítima é aquela em que os súditos obedecem às leis do rei, e o rei às leis da natureza, restando aos súditos a liberdade natural e a propriedade de seus bens. A monarquia despótica é aquela em que o príncipe se assenhoreou de fato dos bens e das próprias pessoas dos súditos, pelo direito das armas e da guerra justa, governando-os como um chefe de família governa seus escravos. A monarquia tirânica é aquela em que o monarca viola as leis da natureza, abusa dos cidadãos livres e dos escravos, dispondo dos bens dos súditos como se lhe pertencessem.

A aristocracia e a democracia se utilizam mais ou menos dessa mesma

forma que a monarquia.

Hobbes, seguindo as idéias de Bodin, não aceita as teses das formas de

governo boas e más e do governo misto.

No que tange ao problema das formas boas e más, Hobbes sustenta que

o poder soberano é absoluto, pois se não fosse absoluto não seria soberano. No

entanto, sua posição diante da de Bodin diverge na intensidade desse caráter

absoluto. Para o francês, o poder soberano, embora absoluto, comporta certos

limites: as leis naturais e divinas e os direitos privados. Para o inglês, esses limites

não existem. Ele não nega a existência das leis naturais e divinas, mas não se

tratando como leis positivas, porque não são aplicadas com a força de um poder

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comum, não sendo, portanto, obrigatórias externamente, mas no nível interno, da

consciência. Já os direitos privados, para Bodin, não podem ser interferidos pelo

soberano, pois não fazem parte de sua alçada, pelo fato de estarem atrelados aos

indivíduos em suas relações econômicas, independente da sociedade política.

Hobbes não concorda com tal posição porque, se o Estado for instituído, a esfera

privada se junta à esfera pública.

A outra tese de Hobbes, a crítica da teoria do governo misto, parte da

característica da indivisibilidade da soberania. Para esse teórico, é certo que o poder

soberano não pode ser dividido, somente a preço da sua destruição. Diante de seu

raciocínio, se o poder soberano estiver dividido, não é mais soberano.

Partindo da crítica de Hobbes ao governo misto, outro problema surge: a

confusão entre essa teoria e a teoria da separação de poderes.

A coincidência dessas duas teorias se dá apenas no fato de ambas

buscarem a divisão das funções do Estado, e por aqui pára. Na verdade, no governo

misto a função legislativa, que é a principal, é exercida em conjunto pelas três partes

que o compõem (rei, nobres e povo). Na separação de poderes, cada um dos

componentes assume uma função específica (executiva, judiciária e legislativa).

Para haver uma verdadeira sobreposição seria necessário estabelecer que ao rei

caberia a função executiva, ao senado a judiciária e ao povo a legislativa, mas não é

isso que acontece.

Por fim, ainda no tocante à teoria das formas de governo, aparece

Montesquieu, classificando-as em república8, monarquia9 e despotismo10. Segundo

ele,

8 A república tem um sentido muito próximo do significado de democracia, uma vez que indica a possibilidade de participação do povo no governo. Com Maquiavel essa forma de governo tem um sentido de oposição à monarquia. Suas características são a temporariedade (o chefe do governo

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o governo republicano é aquele que o povo, como um todo, ou somente uma parcela do povo, possui o poder soberano; a monarquia é aquela em que um só governa, mas de acordo com as leis fixas e estabelecidas, enquanto, no governo despótico, uma só pessoa, sem obedecer às leis e regras, realiza tudo por sua vontade e seus caprichos (MONTESQUIEU, 2003, p. 23).

Nesta teoria, a república também compreende a democracia e a

aristocracia, como em Maquiavel. “Quando, na república, é o povo inteiro que dispõe

do poder supremo, tem-se uma democracia. Quando o poder supremo se encontra

nas mãos de uma parte do povo, uma aristocracia” (MONTESQUIEU, 2003, p. 24).

A tipologia de Montesquieu não corresponde à tripartição tradicional

(monarquia, aristocracia e democracia), apesar de ser também tríplice, nem à

dúplice de Maquiavel (principado e república). A particularidade da teoria de

Montesquieu em relação à antiga é que ele acrescenta à monarquia e à república

uma terceira que até então era considerada uma forma específica de monarquia, o

despotismo.

Essa terceira forma de governo de Montesquieu corresponde a uma das

formas más ou corrompidas na teoria clássica.

Segundo Bobbio (1997, p. 135), “não há dúvida de que a preferência de

Montesquieu se inclina para a monarquia”. Para este o poder do monarca é

controlado pelos chamados corpos intermediários (“contrapoderes”), ou seja, por

uma faixa intermediária de poder situada entre os súditos e o soberano que

recebe um mandato com o prazo de duração preestabelecido), a eletividade (o chefe de governo é eleito pelo povo) e a responsabilidade (o chefe de governo é politicamente responsável). 9 A monarquia se trata do regime das separações, das variações e dos desequilíbrios sociais. É o governo de um só, mas o soberano fica adstrito a governar mediante leis estabelecidas. Os poderes da monarquia são o clero, a justiça e a nobreza, que atuam na presença do monarca. Suas características fundamentais são a vitaliciedade (o monarca governa enquanto viver), a hereditariedade (observa-se a linha de sucessão na escolha do monarca) e a irresponsabilidade (o monarca não tem responsabilidade política). A monarquia anterior ao Estado Moderno era absoluta, ou seja, sem limitações ao poder do monarca. Passando depois, aos poucos, a ser qualificada como monarquia constitucional, em virtude da resistência ao absolutismo e da observância de limitações jurídicas.

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impedem o abuso da autoridade por parte do monarca. Esses “contrapoderes”

exercem funções estatais que não permitem a concentração do poder público nas

mãos de uma só pessoa. Essa é uma forma de divisão de poder chamada de

“horizontal”.

Ao lado dessa divisão horizontal existe uma divisão “vertical”, que constitui

a famosa teoria da divisão de poderes de Montesquieu. Essa teoria, com já

mencionada, pode ser considerada como a interpretação moderna da teoria clássica

do governo misto, mas não se equiparando na sua plenitude.

Montesquieu, quando se refere à teoria da separação dos poderes, utiliza-

se da expressão “governo moderado”, que deriva da dissociação do poder soberano,

separando-o nas três funções fundamentais do Estado, a legislativa, a executiva e a

judiciária.

Em conclusão,

a importância que Montesquieu atribui à separação dos poderes, que caracteriza o governo moderado, confirma a tese de que, ao lado da tríplice classificação das formas de governo (república, monarquia e despotismo), que corresponde ao uso descritivo e histórico da tipologia, há uma outra tipologia, mais simples, relacionada com o uso prescritivo, a qual distingue os governos em moderados e despóticos (abrangendo estes últimos não só monarquias mas também repúblicas) (BOBBIO, 1997, p. 137-138).

O que interessa, no entanto, embora haja tantas considerações acerca

das formas de Governo, é que a Democracia, estando ela enquadrada como Forma

de Governo, de Estado ou como Regime Político, ainda vai ser a melhor opção

diante das outras aqui enumeradas. E é dentro dessa ótica, da melhor opção para

qualquer Estado, que o autor segue sua análise.

10 O despotismo se resume à ignorância ou transgressão da lei, reinando, o monarca, fora da ordem jurídica. Aqui há o império do medo, da desconfiança, da insegurança e da incerteza.

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3 O POVO

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3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

Este capítulo propõe mais que uma breve análise acerca de um dos

componentes do Estado, é um estudo sobre um dos mais importantes elementos da

democracia: “o povo” e sua relevância para a compreensão deste regime político e

de sua estrutura.

O crescimento do interesse em torno desse elemento constitutivo do

Estado, principalmente dentro dos parâmetros dos modelos de democracia no

mundo, é inquestionável. Esse interesse se dá diante do aparecimento de

questionamentos que geram a necessidade de esclarecimento do conceito de “povo”

e de como ocorre a efetivação de sua participação dentro dos processos

democráticos.

Antes, porém, é preciso fazer uma distinção acerca de alguns vocábulos

que podem ser confundidos: povo, população e nação.

A nação, como visto no capítulo anterior, invoca certos sentimentos,

identidades culturais, sociais e políticas. Para Lênio Streck (2001, p. 154), é um

conceito “psicossocioantropológico”. O constitucionalista português Jorge Miranda

(2002, p. 190) afirma que “o específico da nação encontra-se no domínio do espírito,

da cultura, da subjetividade [...]. Uma nação não é qualquer grupo cultural. É uma

comunidade cultural com vocação ou aspiração à comunidade política”.

Por outro lado, muitos autores designam como população e não como

povo o elemento pessoal que constitui o Estado. A população é uma simples

expressão numérica, abrangendo todas as pessoas que estejam no território de um

Estado definitiva ou temporariamente. Acontece que a inclusão na população de um

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determinado Estado não significa a posse de vínculos jurídicos e também políticos

com este. Assim, não se pode confundir as expressões população e povo. Este

possui direitos e obrigações políticas, enquanto aquela não.

O conceito de povo pode ser estabelecido de pontos de vista distintos: do

político, do sociológico ou do jurídico.

O conceito político foi conhecido desde a Antigüidade, quando Cícero

(apud BONAVIDES, 2000, p. 74), escritor romano, disse que “povo é a reunião da

multidão associada pelo consenso do direito e pela comunhão da utilidade”.

Durante a Idade Média o conceito de povo, em seu sentido político, não

existia como o é hoje. A teoria do Estado se baseava no território, na organização

feudal. A formação política do conceito, mais próximo do que é atualmente

conhecido, vem aparecer nas idéias da Revolução Francesa com a implantação da

sociedade liberal-burguesa, uma vez que o absolutismo não conhecia este aspecto,

já que só identificava a comunidade estatal como um conjunto de súditos.

Com os ideais democráticos e com a implantação do sufrágio, o povo

passou a ser “o quadro humano sufragante, que se politizou, ou seja, o corpo

eleitoral” (BONAVIDES, 2000, p. 75).

O conceito sociológico, conhecido também como conceito naturalista ou

étnico, decorre de dados culturais. Desta ótica há uma equivalência do conceito de

povo com o de nação11. O povo é compreendido como todos os componentes da

sociedade, de todas as gerações e de todas as épocas, ou seja, os vivos e mortos, e

os que irão viver. É o povo que é colocado numa dimensão histórica que liga todos

os tempos e que transcende a contemporaneidade de sua existência.

11 Por sua origem etimológica, do latim natio, de natus (nascido), já se tem a idéia de que nação significa a reunião de pessoas, nascidas em um território dado, procedentes da mesma raça, falando o mesmo idioma, tendo os mesmos costumes e adotando a mesma religião, formando assim, um

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Por último, o conceito jurídico. Essa noção de povo aparece num momento

mais recente, dada a necessidade de se disciplinar juridicamente esse instituto, ou

seja, só o Direito pode explicar o conceito de povo de forma completa.

Na Grécia antiga cidadão era apenas aquele que participava das decisões

políticas. Já existia aí uma noção jurídica, pois, quando se falava no povo de uma

cidade-estado, só se incluía aqueles que tinham direitos.

Atualmente, o conceito jurídico de povo está ligado à idéia de um conjunto

de indivíduos vinculados a um determinado ordenamento jurídico. Não basta afirmar

que povo é o elemento humano possuidor de direitos e deveres. Tem-se que

enfatizar o laço de cidadania, o vínculo que une o indivíduo a um certo sistema de

leis.

Para Hans Kelsen (2000, p. 334) povo “é constituído pela unidade da

ordem jurídica válida para os indivíduos cuja conduta é regulamentada pela ordem

jurídica nacional, ou seja, é a esfera pessoal de validade dessa ordem”. Para ele,

portanto, o indivíduo só pertencerá ao povo quando estiver na esfera pessoal de

validade de sua ordem jurídica, ou seja, o povo constitui uma unidade jurídica e não

natural, porque, da mesma maneira que o Estado possui apenas um território cuja

unidade é jurídica, tem somente um povo também.

Jellinek fixa a noção jurídica de povo e disciplina sua participação na vida

do Estado, fazendo a distinção entre um aspecto subjetivo e outro objetivo desse

elemento. Para ele “o Estado é sujeito do poder público, e o povo, como seu

elemento componente, participa dessa condição. [...]. Por outro lado, o mesmo povo

é objeto da atividade do Estado, [...]” (JELLINEK apud DALLARI, 1991, p. 84). O

primeiro, quando o que está em evidência é sua qualidade de cidadão, é o aspecto

povo, cujos elementos componentes trazem consigo as mesmas características raciais e se mantêm unidos pelos hábitos, tradições, religião e língua (DE PLÁCIODO E SILVA, 1967, p. 1047).

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subjetivo do povo; e o segundo, quando o que está em evidência é sua qualidade de

súdito, é seu aspecto objetivo.

Quanto ao aspecto subjetivo, Jellinek sustenta que o simples fato de se

reunir várias pessoas e submetê-las a uma autoridade não chegaria a ser um

Estado. Mas se essas pessoas se reunirem com outros elementos em um dado

momento jurídico, tornam-se uma unidade, surgindo, assim, um Estado. Cada

indivíduo que integra essa unidade participa também da natureza de sujeito, da qual

deriva duas situações: a primeira, quando os indivíduos, enquanto objeto do poder

do Estado, estão numa relação de subordinação, sendo sujeito de deveres; a

segunda, enquanto membros do Estado, os indivíduos, se relacionam com ele e com

os outros integrantes coordenadamente, sendo sujeitos de direitos.

Nas palavras de Jorge Miranda (2002, p. 182), “o povo vem a ser,

simultaneamente, sujeito e objecto do poder, princípio activo e princípio passivo na

dinâmica social”.

A qualidade subjetiva de certa comunidade garante o sentido de povo, que

é causa da unidade do Estado. Esta unidade, proveniente dos laços que unem os

indivíduos, permite que seja sujeito de direitos, já a subordinação lhes confere uma

sujeição ao poder do Estado, sendo, assim, sujeito de deveres.

Portanto, todo indivíduo submetido ao Estado é reconhecido como pessoa,

participando ao mesmo tempo de sua constituição, exercendo funções como sujeito

de deveres e como sujeito de direitos, sendo titular de direitos públicos subjetivos12.

12 Para Eduardo Espínola (1941, p. 573 e ss), o direito subjetivo “é a relação que une um bem da vida a um determinado sujeito, e da qual resulta, para o sujeito, o poder de, por si ou representado, tirar, no interesse próprio, de outrem, ou coletivo, toda a utilidade de que é suscetível o mesmo bem, ficando à disposição exclusiva de tal sujeito movimentar a ação coercitiva do direito”. Esse direito subjetivo é público porque tem natureza de prerrogativa oponível a qualquer tempo, pelo cidadão, seu titular, erga omne, contra o Estado (BRITO, 1993, p. 60-61).

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Para que esta subjetividade de oposição ao Estado realmente aconteça é

necessário que este reconheça o indivíduo como membro da comunidade. Todavia,

esse reconhecimento se deu de forma tardia, porque, o indivíduo teve apenas

reconhecido o seu direito na esfera privada. A aceitação de um direito público

subjetivo foi alcançada ao longo de um processo histórico iniciado na Antigüidade e

se efetivou na Idade Média, com a luta entre o Estado e a Igreja. Essa luta permitiu o

aparecimento da doutrina do direito natural e do direito originário da liberdade de

consciência religiosa na Inglaterra, que em 1628 editou a Petition of Rights13 e em

1689 o Bill of Rights14. Isto contribuiu para a primeira tentativa de positivação de

direitos públicos subjetivos na América do Norte.

O primeiro documento não criou nenhum direito novo, reafirmando apenas

o antigo, que eram as limitações da coroa britânica; o segundo, reconhecia a

liberdade de consciência a todos os homens que habitavam as treze colônias

inglesas na America. Nessas colônias é que, em 1776, ocorreu a Declaração de

Direitos do Bom Povo de Virgínia, que previa uma gama de direitos que o povo

poderia exigir do Estado como, por exemplo, as vedações à expedição de mandados

gerais de busca ou de detenção, sem especificação exata e prova do crime, além de

outras.

Essa Declaração foi inspirada por tudo que também inspirou a Declaração

dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789, que gerou a Constituição Francesa

13 Era um documento dirigido ao monarca em que os membros do Parlamento de então pediram o reconhecimento de diversos direitos e liberdades para os súditos de sua majestade. A petição constituiu um meio de transação entre o Parlamento e o rei, que este cedeu, porquanto aquele já detinha o poder financeiro, de sorte que o monarca não poderia gastar dinheiro sem autorização parlamentar (SILVA, 2002, p. 152). 14 Decorreu da Revolução Gloriosa do mesmo ano (1688), pela qual se firmara a soberania do Parlamento, impondo a abdicação do rei Jaime II e designando novos monarcas, Guilherme III e Maria II, cujos poderes reais limitavam com a declaração de direitos a eles submetida e por eles aceita (SILVA, 2002., p. 153).

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de 1791 e outras constituições na Europa, muito embora tivesse nascida 15 anos

antes. A partir daí, nasce a doutrina do direito público subjetivo, que reconhece ao

indivíduo certa posição perante o Estado, passando a ser visto como membro do

povo, considerado em sua qualidade subjetiva.

Para Jellinek (apud DALLARI, 1991, p. 84), portanto, ser cidadão cabe a

todos que participam da constituição do Estado, existindo uma categoria especial

que são aqueles que têm cidadania ativa (como a do eleitor), ou seja, aqueles que

exercem certas atribuições que o Estado reconhece. Essas atribuições se dão da

seguinte maneira: a exigência pelo Estado de atitudes negativas, pois o Direito, que

disciplina os indivíduos, garante que o Estado não ultrapasse seus limites; de

atitudes positivas, quando o Estado é obrigado a agir para proteger e favorecer o

indivíduo; por fim, de atitudes de reconhecimento, pois há indivíduos que agem no

interesse do Estado e este é obrigado é reconhecê-los como órgãos seus.

Esse reconhecimento em relação às atitudes positivas traduz a idéia de

que o Estado deve implementar ações positivas que estarão a serviço de interesses

individuais, com a finalidade de proteger e favorecer a comunidade estatal, sendo

uma compensação que o Estado oferece ao indivíduo pelos sacrifícios impostos.

Assim, no que tange a relação dos indivíduos com o Estado, o povo

permanece sendo componente ativo mesmo depois de o Estado ser constituído. “O

povo é elemento que dá condições ao Estado para formar e externar sua vontade”

(DALLARI, 1991, p. 85).

Deve-se compreender como povo o conjunto dos indivíduos que, através de um momento jurídico, se unem para constituir um Estado, estabelecendo com este um vínculo jurídico de caráter permanente, participando da formação da vontade do Estado e do exercício do poder soberano (DALLARI, 1991, p. 85).

“Bill”, segundo De Plácido e Silva (1967, p.254), é o “nome que se dá, na Inglaterra, à minuta ou projeto de lei que é apresentado ao parlamento ou à Câmara, para ser examinado e que, se aprovado, é reduzido à lei ou ato”.

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A participação e o exercício dos indivíduos podem, também, ser

subordinados ao atendimento de certas condições objetivas, condições estas que

garantam a total aptidão desses indivíduos quando atuarem dentro do Estado.

Todos aqueles que façam parte juridicamente do Estado, quando da sua

constituição, adquirem a condição de cidadãos. Povo, assim, passa a ser “o conjunto

dos cidadãos do Estado” (DALLARI, 1991, p. 85).

3.2 ASPECTOS RELEVANTES À DEMOCRACIA

Trata-se esta parte referente a povo de uma abordagem desse elemento

componente do Estado, sujeito indispensável da transição estritamente teórica para

a prática, numa perspectiva voltada à compreensão da democracia.

Para José Afonso da Silva (2002, p. 134-135), o conceito trazido por

Abraham Lincoln de que “democracia é o governo do povo, pelo povo e para o

povo”, é essencialmente correto se for dada uma interpretação real aos termos que o

compõem, embora possua limitações. Uma, quando ele define democracia como

governo, vez que ela é mais um regime, forma de vida ou um processo; outra, em

relação à formalidade, mas essa limitação desaparece com o sentido real proposto.

Segundo esse mesmo autor,

governo do povo significa que este é fonte e titular do poder [...]. Governo pelo povo quer dizer governo que se fundamenta na vontade popular, que se apóia no consentimento popular; [...] Governo para o povo há de ser aquele que procure liberar o homem de toda imposição autoritária e garantir o máximo de segurança (SILVA, 2002, p. 135)

Apesar dessas limitações expostas, é fato que toda democracia assenta

suas bases no povo. O povo é o elemento fundante do regime democrático.

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Tal análise se inicia com o postulado de Rousseau (1987, p. 66) de que as

premissas básicas da democracia são a liberdade e a igualdade e que, de acordo

com ele:

Se quisermos saber no que consiste, precisamente, o maior de todos os bens, qual deva ser a finalidade de todos os sistemas de legislação, verificar-se-á que se resume nestes dois objetivos principais: a liberdade e a igualdade. A liberdade, porque qualquer dependência particular corresponde a outro tanto de força tomada ao corpo do Estado, e a igualdade, porque a liberdade não pode subsistir sem ela.

Em relação às doutrinas mais atuais, tem-se que acrescentar mais uma

premissa básica e necessária para nortear os Estados como exigência da

democracia: a supremacia da vontade popular já abordada em capítulo anterior, que

Dallari (1991, p. 128) arrola junto a três outros pontos fundamentais (a preservação

da liberdade e a igualdade de direitos15).

É exatamente dentro dessa premissa da supremacia da vontade popular

que sobressai a idéia central do texto.

Quando se expõe que “todo poder emana do povo”, nota-se que essa

máxima é o estandarte da democracia moderna, sendo, portanto, a vontade popular

o ponto mais importante para a construção de um Estado legítimo.

No entanto, o postulado ideal da supremacia da vontade popular se tornou

um objetivo difícil de ser alcançado, por causa do alargamento da própria base

popular que constitui o Estado moderno, desde a concepção desse modelo de

Estado.

Dentro dessa ótica é que Friedrich Müller desenvolveu uma análise crítica

da utilização do termo “povo”, em inúmeras constituições do mundo, e do papel que

15É entendida a preservação da liberdade como o poder de fazer tudo que não incomodasse o outro e como o poder de dispor de seus bens e de si próprio, sem qualquer interferência do Estado, já a igualdade de direitos é entendida como a proibição de diferenças nos gozos dos direitos entre os

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lhe é atribuído pelos diversos ordenamentos jurídicos, sempre em busca de se

legitimarem a partir do uso dessa importante palavra para as democracias

modernas.

Para Müller o conceito de povo assume um caráter plurívoco, traduzindo

esse termo como: povo ativo; como instância global de atribuição de legitimidade;

como ícone; e como destinatário de prestações civilizatórias do Estado.

A espécie de legitimidade, que se venha a inferir do poder constituinte do povo, pode ser formulada em gradações: a incorporação dessa pretensão ao texto da constituição tem por interlocutor o povo enquanto instância de atribuição; o procedimento democrático de pôr em vigor a constituição dirige-se ao povo ativo; e a preservação de um cerne constitucional (que sempre é também democrático) na duração do tempo investe o povo-destinatário nos seus direitos. Lá, onde esses aspectos da pretensão de legitimação permanecem apenas fictícios, o discurso se torna icônico (MÜLLER, 2000, p. 108).

No entendimento de Müller, o Estado é, basicamente, uma expressão de

poder-violência, ficando evidente quando da constatação de que o Estado é o

detentor do monopólio da aplicação da justiça e da imposição de penas. Neste

sentido o Estado detém a legitimidade para exercê-la em nome de todos e diante de

todos os partícipes da sociedade. Tal legitimidade decorre exatamente da presença

do povo como elemento humano na conformação do Estado.

Definir o significado e o alcance de “povo”, empregado nas constituições

democráticas tornou-se imprescindível, em virtude do aperfeiçoamento do Estado e

de sua evolução até se tornar um Estado Democrático de Direito. Essa

imprescindibilidade aumentou à medida que o Estado passou a buscar os

significados de democracia e soberania popular.

Aqui se trata do conceito jurídico ou, mais precisamente, dos modos de emprego da expressão ‘povo’ nos textos das normas de uma constituição democrática; de uma constituição, para dizê-lo em outros

indivíduos, principalmente quando se refere a motivos econômicos ou de discriminação social (DALLARI,1991, p. 128).

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termos, que quer justificar o seu aparelho de Estado e o exercício de sua violência e do seu poder enquanto ‘democráticos’. ‘Quem é o povo?’ transmuda-se aqui na pergunta: como se pode empregar ‘povo’ nesse contexto, caso a pretensão de legitimidade ‘do governo do povo’ deva fazer suficientemente sentido? (MÜLLER, 2000, p.52).

Trata-se, portanto, de buscar legitimar as ações do Estado. E para Müller,

essa legitimação tem de ser buscada dentro de uma perspectiva democrática e que

sua busca deve ser constante.

Como mencionado, seu ponto de partida é o “povo como povo ativo”,

atribuindo um caráter político ao tema. Esse termo significa a totalidade de eleitores,

constituindo-se fonte da determinação da convivência social por meio de imposições

jurídicas, sendo considerados os titulares da nacionalidade (MÜLLER, 2000, p. 55).

Numa constituição que se diga democrática, consegue-se uma primeira

identificação de povo, como no caso da brasileira de 1988, quando coloca em seu

art. 1°, parágrafo único, que “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente”.

Müller (2000, p. 79) afirma que “o povo ativo está definido ainda mais

estreitamente pelo direito positivo (textos de normas sobre o direito a eleições e

votações, inclusive a possibilidade de ser eleito para diversos cargos públicos)”, ou

seja, o povo corresponde ao maior grau de legitimação de um regime representativo,

estando presente em eleições ou em votações.

Quando se fala em eleições está-se referindo à escolha pelo povo dos

seus representantes através do voto. Essa escolha visa ao preenchimento dos

cargos políticos - no caso brasileiro - dentro da estrutura dos Poderes Executivo e

Legislativo, servindo como uma procuração para que os escolhidos ajam em nome

da maioria.

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Vale ressaltar que todos aqueles que recebem essa incumbência de

exercer em nome do povo as funções de decidir o futuro do país e, principalmente,

aqueles que têm o encargo de elaborar a constituição, precisam ter a origem do seu

exercício do poder reconhecida pelo povo.

Dependendo do modelo democrático de referência, os cargos passíveis de

preenchimento através da escolha popular irão crescer. Em alguns casos a

radicalização da democracia é tanta que cargos de direção em empresas públicas,

por exemplo, serão preenchidos dessa maneira.

Mas na verdade, o importante é o preenchimento dos cargos com

competências decisórias e de elaboração de normas, para que a sociedade seja

gerida da maneira mais democrática possível. Ressalta-se aqui a Democracia

Representativa, que vem passando por séria crise dentro da realidade brasileira e

mundial.

Além das eleições dentro da idéia de “povo como povo ativo”, existem

outras formas de participação popular na definição do direito a ser criado, que são

as votações em consultas plebiscitárias, referendárias ou por iniciativa popular de

leis. Estes são os casos de participação popular de forma direta e não mais de

escolha dos seus representantes através do voto.

Dentro desse modelo de participação popular, Carole Pateman (1992, p.

38-42) se refere a uma “teoria da democracia participativa”, cujo maior expoente

seria Rousseau, entendendo que a participação é um fenômeno necessário para o

crescimento e desenvolvimento da democracia, como meio de exercício social de

poder. A grande relevância da participação se dá pelo seu caráter educativo16; como

modo de proteger os interesses privados e de assegurar um bom governo; como

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meio de libertar o indivíduo, na medida em que funciona como forma de controle

sobre os que executam a lei e sobre seus representantes; quando permite que as

decisões coletivas sejam aceitas mais facilmente pelo indivíduo; e como meio de

integração do indivíduo em sua comunidade.

A participação se configura, dentro do pensamento rousseauniano, como

prática educativa auto-alimentadora.

Além de Pateman, outros autores, dentro da perspectiva de

implementação de novas formas de interferência nas discussões políticas, também

se utilizam da expressão “democracia participativa”, como Bobbio, José Joaquim

Gomes Canotilho, como nomes estrangeiros, e José Afonso da Silva e José Alfredo

de Oliveira Baracho, na sua “Teoria geral da cidadania”, como referências nacionais.

Bobbio utiliza o termo quando menciona os problemas do sistema político

contemporâneo e as possíveis soluções aplicáveis.

Dos quatro remédios de que falamos no item anterior, o que parecia mais decisivo, o quarto (ou o controle a partir de baixo, o poder de todos, a democracia participativa, o Estado baseado no consenso, a realização no limite do ideal rousseauniano da liberdade como autonomia), é também aquele para o qual se orientam, com particular intensidade, as formas mais recentes e mais insistentes de contestação (BOBBIO, 1992, p. 151).

Canotilho (1991, p. 413) faz menção quando expõe que “a teoria da

democracia participativa considera-se como teoria crítica da teoria pluralista e como

alternativa para o impasse do sistema representativo”.

No que tange aos autores nacionais, José Afonso da Silva (2002, p. 141)

faz referência ao termo quando expõe que

qualquer forma de participação que dependa de eleição não realiza a democracia participativa no sentido atual dessa expressão. A eleição consubstancia o princípio representativo, segundo o qual o eleito

16 No entendimento de Pateman (1992, p. 38), essa é a principal função da participação para Rousseau. Para ela “a função central da partcipação na teoria de Rousseau é educativa, considerando-se o termo ‘educação’ em seu sentido mais amplo”.

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pratica atos em nome do povo. O princípio participativo caracteriza-se pela participação direta e pessoal da cidadania na formação dos atos de governo.

A utilização dos meios de intervenção popular direta na formação da

vontade nacional agrega-se à idéia de que o aumento da participação é o melhor

caminho para o implemento do funcionamento de uma democracia que se pretenda

mais efetiva e real. Todavia, a utilização desses instrumentos esbarra em muitas

dificuldades práticas, estando, portanto, em crise, da mesma forma que a

democracia representativa.

A primeira conclusão crítica chegada por Müller (2000, p. 58) é a de que a

delimitação do alcance do conceito de povo e da idéia de cidadania provoca o

esgotamento do direito de participação do indivíduo: “Não há nenhuma razão

democrática para despedir-se simultaneamente de um possível conceito mais abrangente

de povo: do da totalidade dos atingidos pelas normas: one man one vote”.

Müller também dá ao povo a concepção de “instância global de atribuição

de legitimidade”, mas esse sentido só pode ser admitido em situações em que o

“povo ativo” existe. Isto quer dizer que somente em sociedades democráticas é

possível observar-se essa instância atributiva do povo.

Nos Estados onde os funcionários públicos e juízes não são eleitos pelo

povo, necessitam de uma instância legitimadora de suas atividades. O Judiciário vai

aplicar as normas produzidas pelo Legislativo eleito pelo povo, cujos destinatários

são potencialmente o próprio povo, formando, com isso, um ciclo de atos de

legitimação que não pode ser interrompido. É assim que o povo desempenha o seu

papel de instância global da atribuição de legitimidade democrática.

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Segundo Müller (2000, p. 79), “o povo como instância de atribuição está

restrito aos titulares da nacionalidade, de forma mais ou menos clara nos textos

constitucionais”.

Quando é declarado que “todo poder emana do povo”, uma constituição

está afirmando que, mesmo indiretamente, todos aqueles que exercem uma parcela

do poder do Estado só pode desempenhar suas tarefas em conformidade com a

vontade popular e por sua delegação.

Os poderes ‘executantes’ Executivo e Judiciário não estão apenas instituídos e não são apenas controlados conforme o Estado de Direito; estão também comprometidos com a democracia. O povo ativo elege os seus representantes; do trabalho dos mesmos resultam (entre outras coisas) os textos das normas; estes são, por sua vez, implementados nas diferentes funções do aparelho de Estado; os destinatários, os atingidos por tais atos são potencialmente todos, a saber, o ‘povo’ enquanto população. Tudo isso forma uma espécie de ciclo de atos de legitimação, que em nenhum lugar pode ser interrompido (de modo não-democrático). Esse é o lado democrático do que foi denominado estrutura de legitimação. [...]. Parece plausível ver nesse caso o papel do povo de outra maneira, como instância global da atribuição de legitimidade democrática. É nesse sentido que são proferidas e prolatadas decisões judiciais, ‘em nome do povo’ (MÜLLER, 2000, p. 60).

Ainda dentro de uma reflexão de legitimidade surge a próxima idéia de

povo para Müller, a de “povo como ícone”, embora seguindo outra vertente

diferentemente da anterior, uma vez que se refere à utilização da palavra povo,

quando o Estado funciona sem obedecer aos ditames democráticos.

O Estado possui a exclusividade do emprego da violência, como meio de

fazer cumprir suas normas. Todavia, essa prerrogativa está fortemente relacionada à

condição de legitimidade desse Estado. Segundo Müller (2000, p. 66), “o Estado

Constitucional possui o monopólio do exercício legítimo da violência, não o

monopólio do exercício ilegítimo da mesma”.

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O surgimento da função de povo como ícone se dá quando se tratar de um

Estado autoritário e anti-democrático, sem legitimidade portanto, já que nem sempre

o Estado vai estar investido numa.

Essa vertente de povo induz a práticas extremadas. A iconização consiste

em abandonar o povo a si mesmo. A população é mitificada e instituída como

detentora de uma tutela abstrata, tornando-a inócua como possuidora do poder-

violência (MÜLLER, 2000, p. 67).

O povo icônico refere-se a ninguém no âmbito do discurso de legitimação. Ocorre que por ocasião da politização crescente e de um emprego ainda pseudo-sacral (mitologia revolucionária do ‘povo’) as inclusões e exclusões assumem um tom enérgico (MÜLLER, 2000, p. 79).

Neste sentido, Müller (2000, p. 67) menciona a possibilidade de se “criar o

povo”, quando a população real impedir aos planos de legitimação, como nos casos

de colonização, expulsão, reassentamento, ou até mesmo por meio da “limpeza

étnica”, denotando uma prática tão bárbara quanto antiga.

Com isso, um dos caminhos para se alcançar a desmistificação do

conceito de povo é através da previsão e implantação de instrumentos de maior

participação popular, da conquista de espaços de discussão e debate sobre os

problemas de Estado e da abertura de canais institucionais de interferência do povo

nas decisões, que mesmo assim não permitirá, muitas das vezes, a inclusão por

completo e não impedirá também que algumas práticas bárbaras ainda continuem

acontecendo.

Mas se o povo – mesmo no conjunto normativamente restrito de povo ativo – deve apresentar-se como sujeito político real, fazem-se necessárias instituições e, por igual, procedimentos: a eleição de uma assembléia constituinte, o referendo popular sobre o texto constitucional, instituições jurídicas plebiscitárias, eleições livres e destituição por meio do procedimento plebiscitário e votação. Alternativas e sanções devem ser normatizadas de forma cogente no tocante aos procedimentos. A pequena lâmpada diante do ícone

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pode extinguir-se; o povo – nem que seja apenas o seu conjunto parcial dos cidadãos titulares de direitos ativos – entra em cena como destinatário e agente de responsabilidade e controle (MÜLLER, 2000, p. 73)

Nessa seara, a última visão para Müller é a de “povo como destinatário de

prestações civilizatórias do Estado”. Aqui, ao povo não são impostos somente ônus

e obrigações, mas também direitos. Com isso ele quer dizer que todo homem, não

importando se nacional ou não, desde que em território de Estado Democrático, será

destinatário de benefícios e prestações.

Para se entender um pouco mais profundamente essa última função de

“povo”, é necessário relembrar as outras até aqui vistas. Seja como povo ativo

(abrangendo os eleitores), como instância global de atribuição (compreendendo os

cidadãos de um respectivo país) ou ícone, sempre se esteve tratando de uma

parcela delimitada da população, nunca ela completamente.

Na verdade, a questão é saber se o povo está na sua totalidade contido

entre os que se apresentam como povo ativo, ou se haveria pessoas que não são

eleitoras, mas que também merecem a condição de titulares do poder.

Müller (2000, p. 76-77) entende que

o corpo de textos de uma democracia de conformidade com o Estado de Direito se legitima por duas coisas: em primeiro lugar procurando dotar a possível minoria dos cidadãos ativos, não importa quão mediata ou imediatamente, de competências de decisão e de sancionamento claramente definidas; em segundo lugar e ao lado desse fator de ordem procedimental, a legitimidade ocorre pelo modo, mediante o qual todos, o ‘povo inteiro’, a população, a totalidade dos atingidos são tratados por tais decisões e seu modo de implementação. [...]. Podemos denominar essa camada funcional do problema ‘o povo como destinatário de prestações civilizatórias do Estado’, como ‘povo-destinatário’.

Mesmo depois de toda essa exposição tendente a separar povo de

população, não é inaceitável limitar o povo aos eleitores ou mesmo aos nacionais de

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um país. O povo, e o sentido que melhor explica isso é o jurídico, são todos aqueles

que merecem a proteção do direito e que se submetem às normas de um

determinado Estado, englobando aí os loucos, os turistas estrangeiros etc,

diferentemente do sentido político, que, neste caso, tem uma conotação muito

restrita.

Müller (2000, p. 79-80) conclui que ninguém pode ser excluído da noção

de povo como destinatário.

Por fim, ninguém está legitimamente excluído do povo-destinatário; também não e. g. os menores, os doentes mentais ou as pessoas que perdem – temporariamente – os direitos civis. Também eles possuem uma pretensão normal ao respeito dos seus direitos fundamentais e humanos, à proteção do inquilino, à proteção do trabalho, às prestações da previdência social e a circunstâncias de fato similares, que são materialmente pertinentes no seu caso.

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4 PARTICIPAÇÃO E CIDADANIA

4.1 ASPECTOS TEÓRICOS DA PARTCIPAÇÃO

Quem participa do processo de formação da vontade nacional, como o

título sugere, é o povo, ou seja, o elemento humano constitutivo do Estado visto no

item anterior, que se transformou em cidadão.

A democratização da sociedade passa necessariamente pelos processos

de participação da sociedade civil (do povo) e pela conseqüente luta por acesso à

cidadania.

Nos países ocidentais, incluindo-se aí o Brasil, muitas foram as lutas em

busca da conquista de espaços onde fosse possível exercer a participação de forma

cidadã. Mas o que é “participação” afinal?

Etimologicamente, a palavra participação é derivada da expressão latina

participatio, que vem de participare (ter parte, partilhar, comunicar), além de ser um

vocábulo empregado em diversas situações, tanto técnicas como coloquiais. Mas o

que vai interessar é o seu sentido que designa a ação de participar ou intervir, tomar

parte em algum ato, em qualquer condição. É, portanto, a ação de ser parte, ou ter

cooperado para que alguma coisa se fizesse ou fosse feita (DE PLÁCIDO E SILVA,

1967, p. 1123).

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Dentro do vocabulário político e popular, e porque não também dentro do

vocabulário científico, incluindo-se aqui o Direito17, “participação” é uma das palavras

mais utilizadas nos tempos atuais.

Dependendo da época ou do processo histórico, essa expressão,

geralmente, vem associada a outros termos como democracia, representação,

conscientização, cidadania etc.

O sentido atribuído à palavra “participação” varia de acordo com os

teóricos que o determinam, podendo ser analisada segundo três níveis: o

conceptual, que apresenta um alto grau de ambigüidade e varia segundo o

paradigma teórico em que se fundamenta; o político, usualmente associado a

processos de democratização, mas pode também ser utilizado como um discurso

mistificador em busca da mera integração social de indivíduos, isolados em

processos que objetivam reiterar os mecanismos de regulação e normatização da

sociedade, resultando em políticas sociais de controle social; e o da prática social,

que se relaciona ao processo social propriamente dito, tratando-se de ações

concretas engendradas nas lutas, movimentos e organizações para realizar algum

intento. “Aqui a participação é um meio viabilizador fundamental” (GOHN, 2003, p.

14).

As análises teóricas sobre participação conduzem ao aparecimento de

diversas formas de compreensão de seu significado. As teorias consideradas

clássicas são a liberal, a autoritária, a revolucionária e a democrática.

Na primeira concepção, a participação tem como escopo o fortalecimento

da sociedade civil, fortalecendo-a para evitar as ingerências do Estado, ou seja, seu

controle, tirania e interferência na vida do indivíduo. Esta concepção baseia-se nos

17 É importante salientar que nesse momento não cabe uma discussão teórica se o Direito é uma ciência ou não.

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pressupostos do liberalismo, principalmente aquele que assegure a liberdade

individual.

Dentro das relações capitalistas, a concepção liberal serve para reformar a

estrutura da democracia representativa, tentando evitar os obstáculos burocráticos à

participação, desestimulando a intervenção do governo e ampliando os canais de

informação aos cidadãos para que eles possam manifestar suas preferências antes

que as decisões sejam tomadas.

Segundo Maria da Glória Gohn (2003, p. 15-16),

a participação liberal se baseia, portanto, em um princípio da democracia de que todos os membros da sociedade são iguais, e a participação seria o meio, o instrumento para a busca de satisfação dessas necessidades.

Existem dois tipos de participação derivados da liberal: a participação

corporativa e a participação comunitária. A corporativa é entendida como um

movimento espontâneo dos indivíduos, que advém de uma concordância com certa

ordem social que cria o “bem comum”, sendo isto a razão do impulso dos indivíduos

e não o interesse pessoal; a comunitária concebe o fortalecimento da sociedade civil

em termos de integração, dos órgãos representativos da sociedade aos órgãos

deliberativos e administrativos do Estado, sendo, portanto, uma participação

institucionalizada. “Ambas entendem a participação como um movimento

espontâneo do indivíduo, em que não se colocam as questões das diferenças de

classe, raças, etnias etc” (GOHN, 2003, p. 17).

Na segunda concepção, a autoritária, a participação é aquela orientada

para a integração social da sociedade e da política. Ocorrem em regimes políticos

autoritários de massa da direita, como o fascismo e o nazismo, e de esquerda, como

nos regimes socialistas.

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A terceira concepção, a revolucionária, tem uma participação estruturada

em coletivos organizados para lutar contra as relações de dominação e pela divisão

do poder político, podendo ser realizada de acordo com o ordenamento jurídico em

vigor ou por canais paralelos.

A última concepção, a democrática, tem a soberania popular como seu

princípio regulador. A participação é concebida como um fenômeno que se

desenvolve tanto na sociedade civil quanto no plano institucional, ou seja, nas

instituições formais políticas. Aqui o objetivo é fortalecer a sociedade civil para a

construção de caminhos que apontem para uma nova realidade social, sem

injustiças, exclusões e desigualdades. A marca dessa concepção é o pluralismo. A

participação tem caráter plural. Nos processos que envolvem a participação popular,

os indivíduos são considerados cidadãos. A participação articula-se, nesta

concepção, com o tema cidadania.

Autores como Carole Pateman (1992, p. 9) e o teórico norte-americano

Sherry Arnstein (1969, p. 216-224), preferem trabalhar com tipologias que tratam dos

diferentes graus de participação. O primeiro define três situações: a

pseudoparticipação, quando há somente consulta sobre um assunto por parte das

autoridades; a participação parcial, sendo aquela em que muitos participam do

processo, mas só uma parte define o fato; e a participação total, situação em que

cada grupo de indivíduo tem igual influência na decisão final. Entende Pateman

também que o conceito de participação perdeu importância junto aos teóricos

contemporâneo da política e da sociologia política, em relação ao papel que lhe foi

atribuído pelos clássicos, uma vez que eles entendem que um aumento da

participação poderia abalar a estabilidade do sistema democrático. O segundo

elaborou uma escala decrescente de oito tipos de participação cidadã em âmbito

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público. Para ele o melhor e ideal tipo de participação seria o do controle pelo

cidadão; o segundo tipo seria o da delegação do poder; o terceiro, a parceria; o

quarto, a pacificação; o quinto, a consulta; o sexto, a informação; o sétimo, a terapia;

o último e pior tipo se daria através da manipulação, que é uma quase não-

participação.

Outros autores também criaram suas teorias sócio-políticas sobre a

participação.

Rousseau, na sua teoria política, considera a participação individual direta

de cada cidadão no processo de tomada de decisões de uma comunidade e a vê

como um modo de proteger os interesses privados e assegurar um bom governo.

Segundo ele, uma pessoa só pode ser verdadeiramente um cidadão quando quer o

bem geral e não o seu bem particular, e a principal função da participação deve ser

o caráter educativo que exerce sobre as pessoas.

O filósofo e economista britânico John Stuart Mill (apud Gohn, 2003, p. 23)

se preocupa com o desenvolvimento mental de uma comunidade e vê a possibilidade deste desenvolvimento se expressar em ações que denotem um espírito público, com caráter ativo dos indivíduos, no contexto de instituições populares participativas.

No entanto, Mill não aceita a tese de Rousseau da necessária igualdade

política. Para ele o sistema tem de ser elitista, as leis devem ser preparadas por uma

comissão especial e o papel dos representantes eleitos é meramente de

debatedores e não de legisladores, destacando a função integrativa da participação.

Alexis de Tocqueville (1998, p. 72), expõe que a comuna é a grande força

dos homens livres, “onde o povo é a força dos poderes sociais”. Nota-se aqui um

sistema de participação representativo que ia da comuna18 (Estados Unidos do

18 “Comuna é a divisão territorial de um departamento ou província, na qual se estabelece um poder administrativo para superintender os negócios relativos a esta circunscrição. Corresponde aos

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século XIX) até o poder central, passando pelos condados, onde a soberania do

povo é vista como uma forma de governo, e o estado social democrático como

inevitável.

Para Karl Marx o conceito de participação é encontrado dentro das lutas e

movimentos sociais. Esses movimentos são voltados para a transformação das

condições sociais, econômicas e culturais existentes, ou seja, trata-se do processo

de luta histórica das classes sociais menos favorecidas.

Para Dalmo Dallari (1984, p. 51 e 91), dentro da área política, “entre as

mais eficientes formas de participação política estão os trabalhos de conscientização

e de organização”. Para ele, ainda, há uma distinção entre participação política

formal - aquela que se limita aos aspectos secundários do processo político - e

participação política real - aquela que influi nas decisões políticas fundamentais.

Bobbio (1999, p. 888) estabelece três formas de participação política: a

presencial, que é uma forma com menos intensidade, com comportamentos

receptivos ou passivos; a ativação, aquela que possibilita a um indivíduo

desenvolver uma série de atividades a ele delegadas de forma permanente; e a

participação propriamente dita, consistindo naquela em que o indivíduo contribui

direta ou indiretamente para uma decisão política.

Cabe ressaltar que o tipo de participação política mais citado e o mais

valorizado nas democracias é o voto, e, em segundo lugar, fica a participação nas

atividades político-partidárias.

O importante disso tudo, no entanto, é saber que

participar é visto como criar uma cultura de dividir as responsabilidades na construção coletiva de um processo, é dividir responsabilidades com a comunidade. Essa última é vista como parceira, como co-responsável permanente, não apenas um ator

Municípios, ou aos Conselhos, adotados em idênticas circunstâncias e para os mesmos fins” (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 376).

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coadjuvante em programas esporádicos. A participação envolve também lutas pela divisão das responsabilidades dentro do governo. Essas lutas possuem várias frentes, tais como a constituição de uma linguagem democrática não-excludente nos espaços participativos criados ou existentes, o acesso dos cidadãos a todo tipo de informação que lhe diga respeito e o estímulo à criação e desenvolvimento de meios democráticos de comunicações (GOHN, 2003, p. 19).

Em conclusão, salienta-se que “na Sociologia a palavra participação

ganhou, nas últimas décadas, o estatuto de uma medida de cidadania [...]” (GOHN,

2003, p. 27).

Embora muitos autores estabeleçam diferentes classificações ou tipos de

participação, nota-se que elas divergem apenas nas óticas de observância e nas

nomenclaturas. O que se refuta mais adequado, entretanto, é entendê-las como a

um fenômeno com caráter plural, estreitamente ligado à cidadania e à democracia,

desenvolvendo-se tanto na sociedade civil, quanto no plano das instituições

políticas.

4.2 A CIDADANIA

4.2.1 Contextualização Histórica

Nota-se que a participação é inerente à cidadania. Mas o que é cidadania?

Segundo De Plácido e Silva (1967, p. 335), a cidadania é uma palavra que

deriva de cidade, mas que, apesar disso, não indica somente a qualidade daquele

que a habita e sim o direito político que lhe é conferido para que possa participar da

vida política do país em que vive, portanto,

a cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se

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encontra investida no uso e gozo de seus direitos políticos, que se indicam, pois, o gozo dessa cidadania.

Ser cidadão é possuir direitos civis garantidos pela lei, como o direito à

vida, à liberdade, à propriedade, à igualdade, etc; é também ter direitos políticos,

participando do destino da sociedade, votando e sendo votado. Mas esses direitos

civis e políticos não asseguram a democracia sem os direitos sociais, ou seja,

aqueles que garantem a participação do indivíduo na riqueza coletiva, como o direito

à educação, à saúde, ao trabalho etc.

Tomando por base a idéia de que a cidadania diz respeito à qualidade

daquele que possa participar da vida do país na sua integralidade, sendo cidadão,

diferentes modos de se observar essa qualidade podem ser descritos no decorrer da

evolução da história do homem, já que cidadania não é uma definição estanque,

variando no espaço e no tempo. É um conceito histórico.

Ser cidadão é diferente nos diversos cantos do mundo: Europa, América,

Ásia ou África, em virtude das divergências culturais, sociais e jurídicas que

envolvem cada nação, diversificando não só os titulares da cidadania, como também

seus direitos e deveres.

Essa diversificação provoca a impossibilidade de uma seqüência única,

determinista e necessária para a evolução da cidadania no mundo. Todavia, há um

processo de evolução que caminha da ausência de direitos de cidadania para a sua

ampliação, com o passar dos tempos.

Na Antigüidade Clássica, cidadão era aquele que morava na cidade e

participava de seus negócios (BARACHO, 1994, p. 1). Era aquele que podia ter

acesso aos cargos públicos e à vida pública da cidade, uma minoria, portanto, já que

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havia, na época, uma grande diferença entre estrangeiros e escravos em relação

aos homens livres.

Com o início da Idade Média, toda vontade do indivíduo foi tolhida e

direcionada à vontade de Deus, ou melhor, da Igreja. Assim, cidadão era aquele que

detinha riquezas e estava situado numa camada restrita e distinta do restante da

grande e carente massa popular. Cidadão eram os nobres, os clérigos ou aqueles

permitidos pelos detentores do poder.

No período histórico do Liberalismo, com a queda do Absolutismo que

reinava da Idade Média, percebe-se uma profunda mudança na maneira de se

considerar a relação entre o Estado e os indivíduos que o compunham.

Até então a posição era a de que o Estado possuía o direito de comandar

e ordenar, e o indivíduo, o de obedecer. Essa ótica foi modificada a partir do

momento em que os indivíduos decidiram por sua união, pela instituição de um

governo, de uma nação comum a todos, e pela resistência ao poder instituído.

Assim, a cidadania se convertia na possibilidade do indivíduo se defender das

investidas do Estado contra a sua liberdade e segurança e de não mais estar

adstrito a um comando de uma minoria dominante, mas sob as imposições daquilo

que era estabelecido pelas leis.

Todavia, essa idéia de liberdade alcançada nesse período estava

camuflada por outra ótica de cidadania, aquela que determinava que cidadão era

somente aquele que possuía bens, ou seja, os proprietários, uma vez que somente a

estes passaram a pertencer os direitos de votar e ser votado. Começa aqui, no

século XVIII, a busca dos indivíduos por seus direitos políticos.

Ao longo do século XIX, os direitos políticos começam a ser ampliados

mediante sua extensão a uma maior parte da população, mesmo àqueles que não

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possuíam bens materiais. Mas a cidadania ainda se encontrava muito restrita a uma

idéia de sufrágio.

No século XX, começa a despontar o Estado Social e com ele a crescente

participação popular no processo de produção, no domínio econômico e,

conseqüentemente, na sociedade pensada de forma coletiva, sem esquecer da

participação política que ainda persiste, mas agora com maior intensidade,

mudando-se de um sufrágio restrito para um universal.

O cidadão passa a ser então o indivíduo portador não apenas de direitos

políticos, que foram se incrementando paulatinamente, mas também detentor de

direitos individuais, sociais e econômicos. Passa a ser imprescindível para a vida em

sociedade a participação de todos, de todas as classes no processo político e

também no econômico.

Em 1948, o conceito de cidadania teve significativa ampliação com a

elaboração da Declaração Universal dos Direitos dos Homens, a qual passou a

determinar que cidadão não era mais somente aquele que pertencia a um

determinado Estado, mas todos aqueles que viviam no Planeta. Portanto, o conceito

de cidadania acabava de ser universalizado.

4.2.2 Contextualização Teórica

Há em relação ao instituto da cidadania duas linhas teóricas: uma no

campo do indivíduo e outra no campo da democracia.

Em relação à primeira linha, é dentro do quadro do conflito entre liberais e

comunitários (republicanos) que ocorrem os fundamentos mais recentes de

cidadania. O filósofo norte-americano Michael Walzer (1997, p. 121-122) ressalta

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que este conflito ocorre entre uma concepção mais voltada aos direitos (status legal)

contra uma perspectiva mais voltada aos deveres cívicos. Para ele a cidadania

comunitária, nascida com os ideais greco-romanos e consolidada na Revolução

Francesa, é uma responsabilidade, um ônus orgulhosamente assumido. A cidadania

é pesada mediante a análise dos direitos e deveres do indivíduo dentro da

sociedade.

No que tange à segunda linha, aquela que ligada o universo da cidadania

sob a ótica de um processo democrático, cabe mencionar a contribuição de Jürgen

Habermas (1990, p. 100-113). O objetivo deste autor é estabelecer uma concepção

de democracia radical mediante a noção de espaço público19, como mecanismo

procedimental, para a construção dessa forma política. Habermas critica a

dependência do mundo das políticas administrativo-sociais do Estado de Bem-Estar

Social, questionando o esvaziamento do processo democrático-representativo,

defendendo a materialização de uma nova dinâmica através de um discurso

comunicativo. Portanto, um dos quadros teóricos mais completos sobre os desafios

da cidadania é esse habermasiano de espaço público.

No entanto, a idéia de cidadania só estaria completa se o Estado desse a

possibilidade ao indivíduo de buscar a plenitude de sua participação na vida do País.

E isso só seria possível se os meios e mecanismos para isso existissem. Assim, por

cidadão toma-se aquele que possui e exerce todos os seus direitos e deveres. Não é

apenas aquele que vota, mas todos que participam da construção do futuro do país,

com a detenção dos instrumentos de que precisa para se autodeterminar.

19 Espaço público, segundo Paulo Bonavides (2003b, p. 278), é conceito contemporâneo de extrema importância, enquanto auxiliar poderoso na construção dos sistemas participativos da democracia direta, onde é possível conviver, ainda, sem incompatibilidade absoluta, com formas remanescentes de representação. Encerrando-se, portanto, nas virtualidades do processo democrático mais aberto, intenso e profundo a que se possa aspirar, enraizado na consciência e na razão dos que, com a expansão da criatividade, introduziram novos instrumentos para erguer a chamada representação política, cuja crise é aparente.

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Cidadão torna-se, então, aquele que possui e exerce todos os direitos

constitucional e legalmente garantidos. Observe-se que possui-los apenas não é

suficiente, tem-se que exercê-los com efetividade.

Na sua concepção mais ampla, cidadania, portanto, é a expressão

concreta do exercício da democracia.

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5 ESPÉCIES DE REGIMES POLÍTICOS

Conforme expõe José Afonso da Silva (2002, p. 123), o regime político

não tem encontrado conceituação uniforme na doutrina e que, segundo Maurice

Duverger, constitui um conjunto de instituições políticas que, num determinado

momento, funciona em certo local, tendo como base o fenômeno essencial da

autoridade, do poder, da distinção entre governantes e governados, aparecendo,

assim, como um conjunto de respostas a quatro problemas fundamentais relativos à

autoridade dos governantes e sua obediência; escolha dos governantes; estrutura

dos governantes; e limitação dos governantes. Nessa ótica, por se relacionar

diretamente com o problema constitucional, o regime político será mais ou menos

sinônimo de regime constitucional.

Outros autores, como Jiménez de Parga e Guelli, colocam pontos de vista

diferentes em relação a esse advogado por Duverger. O primeiro concebe o regime

político como a solução que se dá, de fato, aos problemas políticos de um povo,

podendo ou não coincidir com o sistema de soluções estabelecidas pela

Constituição, solução efetiva, ou como solução política, valorando-se com as normas

jurídicas ou com critérios morais; o segundo, tem uma concepção diversa da de

Parga. Para ele, a característica de um determinado regime político encontra-se na

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solução do problema da justificação do poder, ou seja, das relações entre

governantes e governados.

Para José Afonso da Silva (2002, p. 124), o regime político pressupõe a

existência de um conjunto de instituições e princípios fundamentais que informam

determinada concepção política do Estado e da sociedade, não deixando, porém, de

ser também um conceito ativo, uma vez que tem de haver superposição do elemento

funcional ao fato estrutural, por implicar numa atividade e num fim. Supõe-se o

regime político, portanto, dinamismo, sem redução a uma simples atividade de

governo, sendo, então, “um complexo estrutural de princípios e forças políticas que

configuram determinada concepção do Estado e da sociedade, e que inspiram seu

ordenamento jurídico”.

Santi Romano, segundo ainda José Afonso da Silva (2002, p. 124),

entende que regime é o governo enquanto quer se exaltar o princípio ou diretriz

política fundamental, que informa todas as instituições do Estado e constitui também

a suprema diretiva de sua atividade.

Jorge Xifras (1957, apud SILVA, 2002, p. 124) define regime político como

um conceito amplo que se baseia numa semelhança ideológica e entre instituições,

envolvendo sistemas de governo (presidencialismo e parlamentarismo etc.) e até

forma de Estado (unitário e federal) e de governo (república, monarquia), mostrando

a síntese integradora das instituições, das forças e das idéias que operam numa

sociedade. Ainda, segundo Xifras, atualmente, os regimes políticos resumem-se na

dicotomia autocracia-democracia, ou seja, em regimes democráticos, aqueles que

dão instrumentos e garantias à realização da participação do povo no plano prático,

e em regimes autocráticos ou não-democráticos, aqueles que não oferecem

garantias e tolhem a participação popular.

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Portanto, os regimes políticos podem ser classificados, de acordo com o

grau de respeito à vontade do povo nas decisões do Estado, em democráticos e

não-democráticos.

5.1 REGIMES NÃO DEMOCRÁTICOS

A maioria dos autores sustenta a existência de diversos graus de regimes

não-democráticos. De acordo com a maior ou menor participação popular na

formação da vontade nacional, eles serão autoritários, totalitários ou ditatoriais. A

característica comum desses regimes é a não-prevalência da vontade popular na

formação do governo.

O regime autoritário, segundo De Plácido e Silva (1967, p. 200 - 201),

é aquele em que o poder discricionário do governo prevalece sobre as próprias leis, opondo-se ao regime liberal ou democrático. O regime autoritário, formador do Estado autoritário, é forma disfarçada de ditadura, onde, em regra, o governo enfeixa em suas mãos as atribuições dos Poderes Executivo e Legislativo. O Estado totalitário foi praticado no Brasil sob a forma de Estado Novo.

Diferentemente das democracias que repousam na competição política e

no pluralismo, os Estados Autoritários se caracterizam pela centralização e

concentração do poder político; pelo grande peso da burocracia estatal, altamente

desenvolvida e de uma estrutura administrativa complexa a serviço do Estado e não

da sociedade; pela censura e manipulação dos meios de comunicação; pela

limitação da competição política e castração da participação popular; pela

prevalência da ordem à justiça; pela indiferença aos direitos fundamentais; pelo culto

à personalidade etc.

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Quando se fala em Estado Totalitário20, todas essas características do

Autoritarismo são tomadas em seu nível máximo. Figura-se nele também, além das

características já enumeradas, um partido único; uma ideologia política integradora,

que delimita e explica, ou pelo menos pretende delimitar e explicar, totalmente, a

realidade social, com base em premissas e argumentos pretensamente científicos

(baseada na religião, raça etc.); pela presença de inimigos comuns ou construção de

inimigos; pela ampla mobilização da massa; pela intervenção na vida privada; pelo

uso reiterado da mentira etc. Muito embora não se possa negar que tudo isso

também ocorra nas democracias, mas com menor freqüência.

Esses estados têm uma característica peculiar quando se faz referência

aos partidos políticos. A principal função desses partidos é reforçar o controle sobre

a população, uma vez que não passam de meros instrumentos políticos sem um

programa de atuação concreto e real, vinculados apenas ao sistema burocrático do

estado, constituídos por uma parte da população mais elitizada e abastada.

Atualmente, os partidos políticos que dão suporte aos estados totalitários

são grandes estruturas que servem como canais de ascensão social e como

mecanismos de preservação de privilégios dos seus membros, principalmente

aqueles que compõem a cúpula do partido. São, também, um veículo de

transmissão de propaganda ideológica governamental e não de concretização dos

interesses reais da maioria da população.

As ideologias transmitidas através de propagandas que distorcem as

realidades dos fatos, apresentando informações de acordo com os interesses das

20 Totalitário, no sentido político, é o regime em que o Estado absorve e subordina os interesses dos indivíduos aos interesses da coletividade, adotando como forma de governo a ditadura pessoal ou de grupo. No regime totalitário é o Estado que dirige todas as atividades da vida social do país, nele somente admitindo a existência do partido ou do grupo de onde saem seus dirigentes ou administradores. O Totalitarismo, por sua vez, é a doutrina que preconiza o sistema de governo totalitário, cujo dirigente age discricionariamente, absorvendo, em regra, todos os poderes (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 1572-1573).

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elites detentoras do poder, têm o intuito de atingir as massas populares com

propostas de salvações sociais e econômicas absurdas, como no Nazismo21, no

Fascismo22 ou no Comunismo23. Contemporaneamente, o líder, num estado

totalitário, tem alto carisma, com grande apelo político demagógico junto à

população, visando impor ao indivíduo um grupo político específico e com

qualidades discutíveis.

O peso da burocracia estatal tem extrema relevância dentro do estado

totalitário, servindo, na maioria das vezes, como constituídos de uma sociedade

paralela à oficial, onde impera a desfaçatez individual, a artimanha, o suborno e um

grande mercado negro destinado a facilitações. Assim era a URSS no auge da sua

existência, uma sociedade socialista que só existia no imaginário (ALVES, 2005, p.

3).

Outro elemento importante dentro da estrutura dos estados totalitários é o

desenvolvimento de um rígido controle e manipulação do fluxo de informações

passadas à sociedade civil. Esse controle se dá através da censura às espécies de

produção e circulação de notícias, arte e cultura que venham a ser contrárias aos

interesses dos que dominam, ao passo que, os interesses reais do poder são

transmitidos à população de forma subliminar, com o intuito de direcionar a

21 Partido e doutrina do movimento nacional-socialista alemão chefiado por Adolf Hitler. 22 Denominação dada ao partido político italiano, que se apoderou do poder em 1922. O vocábulo se formou de fasces, emblema dotado por seus partidários. Funda-se num regime ditatorial, em caráter permanente, conhecido pelo nome de totalitário (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 677) 23 Sistema político e social que pretende estabelecer o princípio de que todos os bens ou riquezas produzidas pertencem ao Estado, para serem usufruídos por todos os seus componentes, segundo as regras preestabelecidas. Há, pois, no regime comunista, a idéia da formação de uma só comunidade entre todos os cidadãos, onde não se permite qualquer espécie de acumulação, visto que, como base dominante, nele não se admite o sistema dito capitalista. O comunismo se funda na teoria econômica criada por Karl Marx, a que se chama de “materialismo filosófico”, formulado com a intenção de criar uma nova ordem em benefício do trabalhador. Como se vê, segundo o intuito mirado, o vocábulo se formou justamente de comum, para indicar o sistema ou a teoria que prega a coletividade (comunhão) de todos os interesses e bens, isto é, seja da terra ou do trabalho (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 378-379).

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população para os verdadeiros objetivos do regime, principalmente para a sua

legitimação.

A imagem do ditador, no estado totalitário, é construída pelas

propagandas como a de figuras sobre-humanas, extremamente dotadas de uma

visão política e social muito ampla e de uma capacidade administrativa

extraordinária, contrariamente ao que verdadeiramente são.

O caráter policial é outra importante característica do estado totalitário. Há

uma intenção, por parte do poder dominante, de eliminar completamente as tensões

e insatisfações existentes na sociedade.

Assim, o controle repressivo e difuso do Estado e de seu aparelho

burocrático sobre o indivíduo e sobre a sociedade marca as principais características

do estado totalitário.

Sob essa ótica totalitária, cabe ressaltar que, segundo Bonavides (2001, p.

129-131), Carl J. Friedrich interpreta o pensamento de Hegel no sentido de

identificar com a moralidade, e não no de constituir o Estado como instrumento

dessa moralidade. Assim, tal semelhança bastaria para excluir a concepção do

Estado como aparelho totalmente coativo, como ocorreu no Estado nacional-

socialista de Hitler, levando-se a crer, destarte, que Hegel, por mais que parecesse

um filósofo do totalitarismo, ou para muitos tratadistas latinos, o papa do absolutismo

nos tempos modernos, verdadeiramente não o era.

No que diz respeito à ditadura, ela é a denominação dada ao governo

discricionário que é exercido por um ditador24.

24 Palavra derivada de dictator, de dictare (ditar, mandar, ordenar), era a designação que se dava, na antiga Roma, ao magistrado que, nos momento de perigo, era escolhido para dirigir os negócios públicos modernamente serve para indicar a pessoa que exerce o governo em caráter discricionário e absoluto, tendo em suas mãos todos os poderes, ou somente os Poderes Executivo e Legislativo, deixando em normal funcionamento somente o Judiciário (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 552).

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O termo “ditadura”, tanto na linguagem comum como na especializada, é o

que hoje prevalece para determinar um governo absoluto, exclusivo, pessoal, com

práticas morais e jurídicas discutíveis. Os termos “tirania” e “despotismo” caíram em

desuso e o termo “ditadura” é aplicado às diversas situações (BOBBIO, 1997, p.

173).

Em Roma, a ditadura tinha caráter temporário, sendo, portanto, uma

magistratura monocrática, com poderes extraordinários, mas legítimos, e limitada no

tempo. Em relação à tirania, a ditadura se distingue por aquela não ser legítima, nem

necessariamente temporária. Já o despotismo tem todas as características da

ditadura romana, porém não tinha um caráter temporário, pelo contrário, era um

regime de longa duração.

Esse termo passou a ser usado de uma forma mais abrangente quando de

sua referência ao fascismo italiano, ao nacional-socialismo alemão, ao stalinismo,

aos governos do Pinochet no Chile e de Vargas e dos militares no Brasil. Nesses

casos o governo constitucional precedente fora afastado pela força de um grupo

armado que continua exercendo a violência no seu governo, suprimindo as

liberdades civis e políticas dos cidadãos.

Rousseau, no seu Contrato Social, destina um capítulo inteiro à análise da

ditadura. Sua insistência gira em torno do caráter executivo da ditadura, afirmando

que o ditador pode calar as leis, suspendendo sua aplicação temporariamente, mas

não podia fazê-las falar, ou seja, não podia alterá-las ou modificá-las, não podia

promulgar novas leis e do seu caráter temporário.

A idéia da implantação de uma ditadura para os países subdesenvolvidos

ou semidesenvolvidos, como o Brasil ou a Índia, não é a verdadeira solução para

seus problemas. O que é importante para esses países é um governo forte, e

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ditadura não é sinônimo de governo forte e sim de governo de força. “Governo forte

é governo de lei, governo de autoridade. E autoridade não se faz por obra da força,

senão do assentimento, ou seja, da confiança dos governados” (Bonavides, 2003a,

p. 224). O governo forte mais apropriado para esses países não pode ser diferente

do governo democrático assentado na legitimidade e no Direito, na confiança e

cooperação mútua entre governantes e governados.

Assim, a busca do bem comum da sociedade e da nação recai sobre a

responsabilidade do governo e dos cidadãos que necessitam de instrumentos

apropriados, como meios de condução da política e das atividades administrativas. E

esse ideal só pode ser alcançado através dos instrumentos trazidos pela

democracia, de forma efetiva.

Portanto, depois, de uma breve análise dos regimes ditos não-

democráticos, passar-se-á ao desenvolvimento da democracia, seus conceitos,

espécies e aspectos de forma mais abrangente, uma vez que esta é o cerne mais

importante do tema ora proposto.

5.2 A DEMOCRACIA

5.2.1 O Princípio Democrático

A primeira manifestação concreta do princípio democrático aconteceu há

vários séculos, na polis grega, como a do estilo clássico do Estado Ateniense. Essa

experiência trazida pela Grécia antiga foi a gênese da idéia democrática que

influenciou a república romana e vem influenciando os tempos modernos.

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A democracia, como realização de valores de convivência humana, é um

conceito mais abrangente do que de Estado de Direito, que surgiu como expressão

jurídica da democracia liberal, ou seja, com a queda do absolutismo e a implantação

de um Estado Liberal.

Segundo Paulo Bonavides (2003a, p. 251), o Estado de Direito

não é uma forma de Estado nem uma forma de governo. Trata-se de um status quo institucional, que reflete nos cidadãos a confiança depositada sobre os governantes como fiadores e executores das garantias constitucionais, aptos a proteger o homem e a sociedade nos seus direitos e nas suas liberdades fundamentais. [...]. O Estado de Direito teve sua base ideológica principal formada à sombra dos combates que a liberdade feriu contra o absolutismo, razão por que seus laços políticos mais íntimos são com as crenças liberais da sociedade burguesa do século passado.

O Estado de Direito, mais do que um conceito jurídico, é um conceito

político que vem à tona no final do séc. XVIII e início do séc. XIX. Nasce com os

movimentos revolucionários burgueses que tentavam subjugar os governantes à

vontade legal, mas não de qualquer lei. No entanto, não bastava que o Estado

estivesse submetido à lei, era necessário dar-lhe outra dimensão. O Estado, então,

passa a ter suas tarefas limitadas basicamente à manutenção da ordem, à proteção

da liberdade e da propriedade individual. É a idéia de um Estado mínimo que não

interviesse na vida dos indivíduos, a não ser para o cumprimento de suas funções

básicas.

Historicamente, o Estado de Direito, de conceito tipicamente liberal,

nasceu com o advento da Revolução Francesa, que aparecia como oposição ao

absolutismo, caracterizado pela força reunida apenas nas mãos do rei e da nobreza.

Foi a burguesia, até então a classe dominada, que passou à classe dominante,

formulando os princípios filosóficos de sua revolta social. Começa, a partir daí, um

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novo momento na história, o momento da liberdade do homem perante o Estado, a

idade do Liberalismo.

Antes da Revolução Francesa, o binômio absolutismo-feudalismo

explicava tudo. Depois da Revolução muda-se o binômio para democracia-burguesia

ou democracia-liberalismo. Antes o político (o poder do rei) tinha ascendência sobre

o econômico (o feudo). Depois a ordem é invertida: é o econômico (a burguesia, o

industrialismo) que controla e dirige o político (a democracia) (BONAVIDES, 2001, p.

54-55).

Mas, na verdade, a burguesia, ou seja, quem detinha o poder no novo

Estado liberal-democrático, ocultava os reais interesses como classe dominante.

O Estado de Direito, por ter um conceito tipicamente liberal, é chamado de

Estado Liberal de Direito, possuindo as seguintes características: submissão ao

império da lei; divisão de poderes; enunciado e garantias dos direitos individuais

(SILVA, 2002, p. 112-113).

Começa daí, do Estado Liberal, a obra de destruição da primeira fase do

constitucionalismo burguês. O curso das idéias pede um novo caminho. Da

Liberdade do Homem perante o Estado avança-se para a idéia mais democrática da

participação total e indiscriminada desse mesmo Homem, na formação da verdade

estatal. Do princípio liberal chega-se ao princípio democrático. Do governo de uma

classe, ao governo de todas as classes.

A burguesia, a partir daí, passou a defender o princípio da representação,

mas esta era destoada por privilégios concedidos e aparentes discriminações.

O Estado Liberal, portanto, humanizou a idéia estatal, democratizando-a

teoricamente pela primeira vez na Idade Moderna. Estado de uma classe – a

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burguesia - viu-se ele, porém, condenado à morte, desde que começou o declínio do

capitalismo.

Com o passar dos tempos, durante a ordem liberal estabelecida, uma só

classe foi quem dominou indiscriminadamente, essa classe era a burguesia. As

características individualistas e de exclusão do Estado Liberal provocaram imensas

injustiças assoladoras das massas. Ocorreram, com isso, desde o séc. XIX até início

do séc. XX, movimentos sociais contrários ao pensamento liberal, permitindo que, a

partir daí, aparecesse a primeira consciência de justiça social.

Pode-se chegar a uma breve e primeira conclusão afirmando que o Estado

de Direito, deste momento em diante, não poderia mais ser classificado como liberal,

já que a sociedade aclamava por mais equilíbrio e justiça social. Então, o Estado de

Direito deixou de ser formal, neutro e individualista, para transformar-se em um

Estado que pudesse realizar a justiça social, ou seja, transformou-se em Estado

Social, ou, para outros, Estado Social de Direito. “Onde o qualificativo ‘social’ refere-

se à correção do individualismo clássico liberal pela afirmação dos chamados direito

sociais e realização de objetivos de justiça social”. A característica aparente do

Estado Social é conseguir compatibilizar dois elementos, a saber: o capitalismo,

como forma de produção; e a consecução do bem-estar social, servindo de base ao

Welfare State (DIAZ, 1973 apud SILVA, 2002, p.115).

Teve o Estado Social o seu apogeu nos países do chamado primeiro

mundo, logo após a Segunda Grande Guerra, servindo de uma doutrina

constitucional cuja inspiração maior se cifrava na justiça, na igualdade, no

estabelecimento da paz social, na cessação dos conflitos de classe, na mudança

hegemônica que passa do princípio da legalidade para o princípio da legitimidade.

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A amplitude do Estado Social contemporâneo é evidente. Este Estado

compreende direitos da primeira, da segunda, da terceira e da quarta geração, que

se inicia com os direitos individuais, chega aos sociais, prossegue com os direitos da

fraternidade e alcança, finalmente, o último direito da condição política do homem: o

direito à democracia. Todavia, dentro de uma ótica da democracia como participação

e esta, consequentemente, como parte do direito à liberdade, caberia a democracia,

não nos direitos de quarta geração, mas de primeira. No entanto, tal discussão

pouco influi para a proposta do tema ora apresentado.

Mas para ficar mais clara a compreensão, tomando por base a sua

titularidade, os direitos humanos de primeira geração pertencem ao indivíduo, os da

segunda ao grupo, os da terceira à comunidade e os da quarta ao gênero humano.

Portanto, é o Estado Social aquele em que o Estado avulta menos e a

sociedade mais; onde a liberdade e a igualdade já não se contradizem com a

veemência do passado; onde o poder e o cidadão se convergem, buscando a

concretização de direitos, princípios e valores que fazem o homem ter possibilidades

de ser, efetivamente, livre, igualitário e fraterno25.

O Estado Social, em seu mais alto grau de legitimidade, será sempre, ao

ver de vários autores, aquele que melhor consagra os valores de um sistema

democrático. Valores que colocam como um dos elementos mais importantes de sua

fundamentação as expressões participativas da sociedade, tais como a iniciativa, o

plebiscito e o referendo.

25 Observem-se, entretanto, os conflitos sociais mais recentes na França, principalmente os ocorridos no segundo semestre de 2005, onde não há convergência entre poder e o cidadão da periferia. Não há igualdade, nem fraternidade; o que existe é a explosão desses ícones, dessas abstrações-valores no papel legal.

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Embora o Estado de Direito possa ter aparecido tanto no Estado Liberal de

Direito, quanto no Estado Social de Direito, nem sempre ele irá caracterizar-se como

um Estado Democrático. Este se funda no princípio da soberania popular, que

impõe a participação efetiva e operante do povo na coisa pública, participação que não se exaure, [...], na simples formação das instituições representativas, que constituem um estágio da evolução do Estado Democrático, mas não o seu completo desenvolvimento (CROSA, 1946, apud SILVA, 2002, p. 117).

A base do conceito de Estado democrático é, sem dúvida, segundo Dallari

(1991, p. 123), a noção de governo do povo, revelada pela própria etimologia do

termo democracia. E sua defesa, conseqüentemente, pretende afastar a tendência

humana ao autoritarismo.

O Estado Democrático nasce então de toda essa transformação histórica

da estrutura da sociedade e do Estado. Desde o aparecimento do Liberalismo, com

os direitos naturais da pessoa humana (Revolução Inglesa, Revolução Americana e

Revolução Francesa) até o implemento do Estado Social em tempos mais atuais.

Foram esses movimentos e essas idéias que preponderaram na história

do homem, que determinaram as diretrizes na organização do Estado a partir de

então, consolidando-se a idéia de Estado Democrático como ideal supremo, ou seja,

segundo José Afonso da Silva (2002, p. 118), a igualdade do Estado de Direito se

funda num elemento puramente formal e abstrato, a generalidade da lei. Não há

base material que se realiza na vida concreta. A tentativa de corrigir tal problema foi

a construção do Estado Social de Direito, que não foi capaz de assegurar a justiça

social nem a autêntica participação democrática do povo no processo político

(LUCAS VERDÚ, 1974, apud SILVA, 2002, p. 118).

A concepção mais recente do Estado Democrático é o Estado

Democrático de Direito, como Estado de legitimidade justa (de justiça material), que

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se funda numa sociedade democrática, onde se instaure um processo de efetiva

incorporação de todo o povo nos mecanismos de controle das decisões, e de sua

real participação nos rendimentos da produção (DÍAZ, 1973, apud SILVA, 2002, p.

118).

Acontece que o Estado Democrático de Direito não se configura numa

união formal dos conceitos de Estado Democrático com Estado de Direito, mas num

conceito novo, levando em conta os conceitos dos elementos componentes, embora

os superando na medida em que incorpora um componente revolucionário de

transformação do status quo.

Por tudo isso, o princípio democrático é aquele que exprime a idéia da

integral participação de todos e de cada um dos indivíduos na vida política do país,

com o objetivo de garantir o respeito à soberania popular da forma mais ampla

possível.

Para Dalmo Dallari (1991, p. 128), a supremacia popular é

que colocou o problema da participação popular no governo, suscitando acesas controvérsias e dando margem às mais variadas experiências, tanto no tocante à representatividade, quanto à extensão do direito de sufrágio e aos sistemas eleitorais e partidários.

A prevalência da vontade do povo sobre a de qualquer indivíduo do grupo

é um dos elementos substanciais da democracia, segundo Dallari (1991, p. 256).

Quando um governo, mesmo que bem intencionado, coloca sua vontade acima de

qualquer outra, não há democracia.

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Várias Constituições estrangeiras26 demonstram nos seus textos a

necessidade e importância do exercício da soberania popular, através da

participação do povo na condução da vontade nacional.

A Constituição alemã expõe na parte 2 do artigo 2027 que “todo poder

estatal emana do povo. É exercido pelo povo por meio de eleições e votações e

através de órgãos especiais dos poderes legislativo, executivo e judiciário”.

A dos vizinhos argentinos coloca em seu artigo 3728 que

essa Constituição garante o pleno exercício dos direitos políticos,

com respeito ao princípio da soberania popular e das leis que editem

em conseqüência. O sufrágio é universal, igual, secreto e

obrigatório. A igualdade real de oportunidades entre homens e

mulheres para o acesso a cargos eletivos e partidários se garantirá

por ações positivas na regulamentação dos partidos políticos e em

regime eleitoral.

A de Cuba, em seu artigo 13129, ressalta que

todos os cidadãos, com capacidade legal para isso, têm direito a intervir na direção do Estado, diretamente ou por intermédio de seus representantes eleitos para integrar os órgão do Poder Popular, e a participar, com este propósito, na forma prevista na lei, em eleições periódicas e referendos populares, que serão de voto livre, igual e secreto. Cada eleitor tem direito a um só voto.

26 Textos constitucionais tirados do site da Presidência da República: www.presidencia.gov.br, em jul/05. 27 Art. 20, parte 2, da Constituição alemã – “Alle Staatsgewalt geht vom Volke aus. Sie wird vom volke in wahlen und Abstimmungen und durch besondere Organe der Gesetzgebung, der vollziehenden Gewald und der Rechsprechung ausgeübt”. 28 Art. 37 da Constituição Argentina – “Esta Constituición garantiza el pleno ejercicio de los derechos políticos, com arreglo al principio de la soberania popular y de las leyes que se dicten en consecuencia. El sufrágio es universal, igual, secreto y abligatorio. La igualdad real de oportunidades entre varones y mujeres para el acesso a cargos electivos y partidários se garantizará por acciones positivas em la regulación de los partidos políticos y em el règimen electoral”. 29 Art. 131 da Constituição cubana – “Todos los ciudadanos, com capacidad legal por ello, tienen derecho a intervenir em la dirección del Estado, bien directamente o por intermédio de sus representantes elegidos para integrar los órganos del Poder Popular, y a participar, com este propósito, em la forma prevista em la ley, em elecciones periódicas y referendos populares, que serán de voto libre, igual e secreto. Cada elector tiene derecho a um solo voto”.

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A parte 1 do artigo 2330 da Constituição espanhola diz que “os cidadãos

têm o direito a participar dos assuntos públicos diretamente ou por meio de seus

representantes, livremente eleitos em eleições periódicas por sufrágio universal” e a

parte 1 do artigo 6831 que “o Congresso se compõe de um mínimo de 300 e um

máximo de 400 Deputados, eleitos por sufrágio universal, livre, igual, direto e

secreto, nos termos estabelecidos na lei”.

A italiana expõe em seu artigo 48 (1)32 que

são eleitores todos os cidadãos, homens e mulheres, que atingirem a maioridade. O voto é pessoal e igual, livre e secreto. O seu exercício é dever cívico. [...]. O direito de voto não pode ser limitado, exceto por incapacidade civil ou por efeito de sentença penal irrevogável ou nos casos de indignidade moral, indicados pela lei.

A Constituição portuguesa aborda o tema em vários artigos. No artigo 48,

item I, coloca que “todos os cidadãos têm o direito de tomar parte na vida política e

na direção dos assuntos públicos do país, directamente ou por intermédio de

representantes livres eleitos”. No artigo 49, itens 1 e 2, é estabelecido que “têm

direito de sufrágio todos os cidadãos maiores de dezoito anos, ressalvadas as

incapacidades previstas na lei geral. O exercício do direito de sufrágio é pessoal e

constitui um dever cívico”. O artigo 108 diz que “o poder político pertence ao povo e

é exercido nos termos da Constituição” e o artigo 109 que

a participação directa e activa de homens e mulheres na vida política constitui condição e instrumento fundamental de consolidação do sistema democrático, devendo a lei promover a igualdade no exercício dos direitos cívicos e políticos e a não discriminação em função do sexo no acesso a cargos políticos.

30 Art. 23, parte 1 da Constituição espanhola – “Los ciudadanos tienen el derecho a participar em los asuntos públicos, directamente o por médio de representantes, libremente elegidos em elecciones periódicas por sufrágio universal”. 31 Art. 68, parte 1 da Constituição espanhola – “El Congreso se compone de um mínimo de 300 y um máximo de 400 Diputados, elegidos por sufragio universal, libre, igual, directo y secreto, em los términos que establezca la ley”. 32 Art. 48 (1) da Constituição italiana – “Sono elettori i cittadini, uomini e donne, che hanno raggiunto la maggiori età. Il voto è personale ed eguale, libero e segreto. Il suo esercizio è dovere cívico. [...]. Il diritto di voto non può essere limitado se non per incapacità civili o per effetto di sentenza penale irrevocabile o nei casi di indegnità morale indicati dalla legge”.

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A Constituição suíça33 possui dois capítulos inteiros que abordam sobre a

matéria. O primeiro, o Capítulo 2 do Título 2º, intitulado de “Cidadania e Direitos

Políticos”, vai do artigo 37 ao 40. O segundo, o Capítulo 2 do Título 4º, intitulado de

“Iniciativa e Referendo”, vai do artigo 138 ao 142.

Além dessas constituições americanas e européias, vale ressaltar como se

comportam outras constituições de continentes diferentes. A Constituição da Coréia

do Sul coloca em seu artigo 41 que “A Assembléia Nacional é composta de

membros eleitos por voto universal, igual, direto e secreto dos cidadãos”. A

Constituição de Moçambique, no seu artigo 3034, expõe que

o povo moçambicano exercitará o poder político mediante a eleição de seus representantes por sufrágio universal, direto, secreto e periódico, através de referendo nacional e através da participação democrática e permanente dos cidadãos nos assuntos da nação.

Assim, com a análise do Direito alienígena, nota-se que também em

outros países e não só no Brasil a soberania popular é exercida por meio da

Democracia representativa e pela Democracia Direta, utilizando-se dos mecanismos

de participação direta do povo na formação da vontade nacional como o plebiscito, o

referendo e a iniciativa popular de leis. O que leva ao aparecimento, agora, uma vez

que as características democráticas estão contidas dentro dos textos das

Constituições, de um Estado Democrático Constitucional.

A idéia central desse Estado gira em torno de um novo papel da

Constituição, através da capacidade dos seus princípios em alongar a sua influência

33 Art. 39 (1) da Constituição suíça - "La Confederazione disciplina l'esercizio dei diritti politici in materia federale e i Cantoni in materia cantonale e comunale". Art. 139 (nuovo) - Iniziativa popolare elaborata per la revisione parziale della Constituzione federale (Título do artigo). 34 Art. 30 da Constituição moçambicana – “The Mozambican people shall exercize political power through electing their representatives by universal, direct, secret and periodic suffrage, through referenda on major national issues, and through permanent democratic participation by citizens in the affairs of nation”.

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sobre os limites da lei, passando a exercer um caráter não apenas declarativo ou

político, mas normativo, dando à democracia condições para se revigorar.

Com essa nova ótica, a Constituição busca redefinir uma nova visão de

sujeito, resgatando e ampliando o conceito de cidadania, não mais somente como o

direito do povo de participar politicamente do poder através do voto, mas como uma

participação mais ampla na sociedade, dentro de valores mais abrangentes de

inclusão social.

A democracia deve, com isso, transformar a noção de cidadania, vista até

agora como participação política, numa objetiva participação social, através do

universo amplo das características constitucionais. O que não exclui de forma

nenhuma a democracia dentro de uma idéia de um discurso político, apenas

acrescenta a esse já existente e afirmado uma nova perspectiva mais ampla.

5.2.2 O princípio do discurso e o principio democrático

Para Jürgen Habermas, o princípio da democracia é concebido como a

institucionalização do princípio do discurso. É através deste princípio que ele propõe

uma solução para a fundamentação da democracia.

Com essa teoria discursiva, Habermas (1990) irá fundamentar a

normatividade, jurídica em que se efetiva o princípio democrático, abordando a teoria

da democracia sob aspectos da legitimação. Dentro dessa postura, ele busca

radicalmente a implementação da liberdade e da autonomia. Mas não a liberdade e

autonomias modernas e sim a liberdade como fusão da liberdade antiga, coletiva e

da liberdade moderna, individual, privada.

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Somente com a adoção do paradigma da intersubjetividade, onde é

gerado o princípio do discurso, será possível explicar o surgimento da legitimidade a

partir da legalidade, colocando o Direito como fonte primária de integração social.

Assim, dentro dessa ótica é que o modelo democrático vai implicar em iguais direitos

de participação e comunicação para a formação da vontade política, na qual a única

coerção é a do argumento mais racional.

Como Habermas (1990) propõe tal assertiva?

O princípio do discurso se baseia numa razão comunicativa,

procedimental, apresentando uma normatividade apenas mediata ou indireta para a

ação, ou seja, ele possui um conteúdo normativo, já que explicita o sentido da

imparcialidade de juízos práticos, mas essa normatividade não é a mesma atribuída

à razão prática. Esse princípio não exprime o modelo correto de agir, mas tão-

somente o procedimento válido para atribuição de tal predicado ao agir humano.

A questão central da teoria discursiva e de sua fundamentação para a

democracia repousa na idéia de como manter uma relação do direito com a moral e

ao mesmo tempo fazer com que o direito não seja mera cópia de um princípio moral,

de um direito natural, uma vez que, este, o princípio moral, também explicita um

conteúdo procedimentalista, na medida em que é abstrato e depende de um

processo de concretização como o princípio do discurso.

A saída está no grau de abstração do princípio do discurso, que lhe

permite permanecer neutro em relação ao direito e à moral. Este princípio quando

assume a forma jurídica se transforma no princípio da democracia, destinando-se a

amarrar um procedimento de normatização legítima do Direito, qual seja, a

autolegislação comunicativo-discursiva, onde são garantidas as condições sob as

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quais os cidadãos podem avaliar, á luz do princípio do discurso, se o Direito que

estão criando é legítimo.

O princípio democrático, portanto, contempla a autonomia pública e

privada porque consegue sair da relação de subordinação entre Direito e Moral e

estabelecer um procedimento discursivo de formação de opinião e da verdade

política do código do Direito.

Esse código do Direito se constitui de forma co-originária com o princípio

democrático, já que é somente por meio desse código que os cidadãos podem

realizar a normatização política autônoma, ou seja, somente na condição de sujeitos

de direitos os cidadãos tomam parte nos processos de formação da vontade

nacional, tornando efetiva sua autonomia.

Ainda segundo Habermas (1990), existem três modelos normativos de

democracia: a concepção liberal de política; a concepção republicana de política; e a

política deliberativa.

Os dois primeiros tipificam a primazia do princípio liberal dos direitos

humanos, de um lado, e a primazia do princípio da soberania popular, do outro.

O cidadão, para a concepção liberal, é portador de direitos subjetivos,

concebidos como direitos negativos que asseguram a posição do indivíduo diante do

Estado. Os direitos políticos têm a mesma estrutura dos direitos subjetivos, portanto,

oferecem aos cidadãos a possibilidade de conferir validação a seus interesses

particulares, agregando-se a outros direitos particulares por meio de votações,

formações parlamentares e composição de governo. Assim, conclui-se que o

processo de formação da vontade política é constituído da justaposição de

interesses particulares.

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No que tange à concepção republicana de política, o cidadão não é

determinado pelo modelo das liberdades negativas. Seus direitos políticos, de

participação da vontade nacional, são entendidos como direitos positivos e não

como garantias de preservação da liberdade. Nesse sentido, o cidadão é aquele que

resgata sua autonomia através da participação de modo comum a todos de

formação da opinião e da vontade política. Não há uma agregação de interesses

particulares no processo político, ele se torna o espaço próprio onde é exercida a

autonomia e a busca de interesses, através do acordo mútuo em torno de objetivos

e normas comuns.

Essas diferenças entre a concepção liberal e republicana recaem também

sobre o conceito de direito, no que tange a suas dimensões objetiva e subjetiva,

onde, para a concepção liberal, a esfera subjetiva precede a objetiva e a

fundamenta. Já a republicana entende que os direitos subjetivos é que se originam

do objetivo.

Outra diferença diz respeito à natureza do processo político. Na

concepção liberal, a política corresponderá a um espaço de justaposição de

interesses privados, assim, o processo político é definido não de acordo com um

consenso, mas segundo o critério quantitativo do número de votos. Para a

concepção republicana, diferentemente, o processo político é o espaço do agir

orientado pelo entendimento mútuo, ou seja, aqui os cidadãos chegam a um acordo

mútuo sobre os objetivos e interesses comuns da sociedade.

O terceiro modelo normativo de democracia é a política deliberativa, que

para Habermas (1990), é o ideal, uma vez que o republicano é muito idealista e o

liberal reduz a esfera política a um processo de negociação entre interesses

particulares opostos. Assim, para ele, o modelo de democracia se atrela a um

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conceito de política deliberativa, devendo abranger ambas as formas comunicativas,

tanto a do modelo liberal, quanto a do republicano, ou seja, deve haver um auto-

entendimento mútuo de caráter ético e um equilíbrio entre interesses divergentes por

meio de uma fundamentação moral.

Esse terceiro modelo de democracia ressalta as condições de

comunicação sob as quais o processo político supõe-se capaz de alcançar

resultados racionais, justamente por cumprir-se, em todo seu alcance, de modo

deliberativo.

Assim, mediante a institucionalização das formas de comunicação, a teoria

do discurso faz o processo político de formação da vontade depender em conjunto

da conduta ética dos cidadãos, como na concepção republicana, e de uma

negociação de interesses ou luta por poder estatal, como na concepção liberal,

sendo essa junção exatamente o que propõe a política deliberativa.

5.2.3 Origem e desenvolvimento

Democracia é uma palavra originada da junção das expressões gregas

demos, que significa povo, e arché, que significa governo, portanto democracia é,

etimologicamente, “governo do povo”.

Essa palavra foi atestada primeiramente por Heródoto (apud PEDRA,

2003, p. 3) no século V a.C. como “governo (do povo) pelo povo” e depois por

Péricles na oração póstuma aos atenienses mortos na Guerra do Peloponeso:

nosso regime político é a democracia e assim se chama porque busca a utilidade do maior número e não a vantagem de alguns. Todos somos iguais perante a lei, e quando a República outorga honrarias o faz para recompensar virtudes e não para consagrar privilégios. Nossa cidade se acha aberta a todos os homens.

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O contexto histórico de democracia vem das cidades-estado da Grécia

Antiga, especialmente de Atenas, em que ela nasceu. O pensamento político

reservava, portanto, o termo democracia para as formas políticas que correspondiam

àquelas instituições desenvolvidas entre o século V e VI a.C.

Na Grécia, então, democracia significava o exercício direto pelo povo,

reunido em assembléia, dos poderes legislativos e judiciais, sendo as funções

executivas ocupadas por um curto período de tempo por meio de eleições ou sorteio

(MAUÉS, 1999, p. 79). Nessa época as cidades-estado eram pequenas e

autônomas e os cidadãos eram poucos e homogêneos, com interesses harmônicos.

Na Idade Antiga e Medieval, como em Roma, Veneza e Florença, Estados

que adotaram a forma republicana, alguns elementos da democracia grega

continuaram a se manifestar. Aqui, a republica compartilhava com a democracia “a

idéia de que um bom regime político é aquele que promove e reflete a virtude cívica

de seus cidadãos, isto é, a predisposição de procurar o bem comum em todos os

assuntos públicos” (MAUÉS, 1999, p. 80). Mas, apesar de tudo isso, ainda havia,

dentro da sociedade, interesses divergentes entre aqueles que a compunham.

Nos Estados gregos e romanos a democracia foi idealizada e praticada

sob a forma direta, ou seja, o povo se governava por si mesmo, reunindo-se em

assembléias gerais através do voto, por intermédio de sufrágio realizado em praças

públicas. O que veio, contemporaneamente, a se repetir nos Cantões da

Confederação Helvética.

A democracia, durante a história, nas suas idas e vindas, teve o seu

reaparecimento já no mundo moderno no final do século XVIII, como ideal político

que irá se realizar em contextos distintos. A primeira diferença em relação às

cidades-estado da Grécia Antiga era a de que a democracia não necessariamente

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poderia só acontecer em Estados de pequena extensão. Mas o problema que surgia

com isso era o dos limites impostos à participação direta do povo, em virtude da

maior amplitude da cidadania e das dimensões territoriais dos Estados-Nação. Isso é

o que termina explicando o término da idéia exclusiva da democracia como exercício

direto do poder pelo povo, para uma idéia de democracia exercida por meio de

representantes. A partir disso, os Parlamentos que representavam interesses sociais

muito divergentes passaram, por meio do mecanismo de eleições periódicas, a

representar interesses um pouco mais homogêneos, representando toda a Nação.

Depois, com a universalização do sufrágio o processo democrático se tornou mais

aparente.

Outra diferença entre a democracia antiga e moderna está relacionada ao

instituto da propriedade. Nas sociedades antigas, a democracia foi pensada e

galgada na idéia da não-existência de propriedade produtiva individual, em que

todos seriam ou poderiam ser proprietários de modo equivalente. Já nas modernas,

teve de haver uma adaptação da democracia à idéia de propriedade produtiva

pertencente apenas a alguns membros da sociedade, portanto distribuída

desigualmente.

Assim, diante desse processo evolutivo, três grandes linhas de

pensamento político-democrático nasceram na tentativa de explicar o que seria a

democracia diante de suas tradições históricas: a teoria clássica, a teoria medieval e

a teoria moderna.

A primeira teoria tem como fio condutor as observações de Aristóteles,

baseadas em sua percepção das três formas de governo. A democracia, aqui, ganha

sentido quando confrontada com a monarquia e a aristocracia, como já visto no

capítulo 2. Enquanto que a monarquia é a forma que concentra o poder nas mãos de

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uma só pessoa e a aristocracia nas mãos de poucos, que se denominam de “os

melhores”, a democracia é o governo de todos, de todos aqueles que gozam de

cidadania.

A segunda teoria, a medieval, que, segundo Bobbio (1999, p. 319), teve

como influência o universo romano, tendo como sustentáculo a soberania popular,

bem como também a influência da tradição da Igreja Católica, que mesmo mantendo

o conceito de democracia ausente dos estudos medievais de forma explícita, acabou

mencionando por volta dos séculos XII a XIV, sobre a influência do pensamento

aristotélico, e das bases do pensamento renascentista, a discussão em torno da

questão da soberania, preparando o caminho para toda uma tradição que se iniciava

com a obra de Maquiavel.

Surge, na Idade Média, portanto, as percepções de uma soberania popular

ascendente e elitista descendente. A primeira forma de soberania é aquela que se

sustenta na tese de que o poder deriva do povo, enquanto na segunda se funda na

tradição que predominou na época medieval, em que a soberania descendente

deriva do príncipe e é transmitida por delegação de um ente superior a um inferior.

Por fim, a teoria moderna que ainda, segundo Bobbio, é conhecida como a

teoria de Maquiavel, na qual a democracia emerge como uma das formas de

governo usada como estratégia na crítica ao poder absoluto dos soberanos. Essa

associação, no entanto, trouxe prejuízos ao conceito democrático, quando reduziu o

seu universo a uma idéia de instrumento para se alcançar um fim determinado, que

era a república, em detrimento da monarquia que se pretendia derrubar.

Todavia, nos dias atuais, pode-se mencionar uma quarta tradição que vem

se fortalecendo, mas que já tem certa influencia sobre o conceito de democracia: a

teoria da pós-modernidade.

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Essa teoria foi construída dentro da idéia da pós-modernidade como uma

fase de fragmentação e destruição dos velhos paradigmas nas ciências sociais.

Essa fragmentação, observada do campo político, se torna mais aguda com o

aparecimento do fenômeno da globalização, que serve como uma nova visão

ideológica onde há uma expansão das fronteiras do Estado nacional, e com isso

ocorre uma nova construção para os conceitos de nacional, território e cidadania.

5.2.4 Conceito e aspectos gerais

A análise do que deve ser entendido por democracia é disputada por

juristas, filósofos, cientistas políticos e sociólogos, uma vez que o seu conceito é

multidisciplinar. É, no entanto, necessário certo cuidado para não sair muito dos

limites do jurídico. Regina Maria Macedo Nery Ferrari (1986, p. 211) compactua da

mesma idéia:

é necessário reconhecer que a compreensão do princípio democrático deve estribar-se em sua conformação constitucional, e isto, em que pese sua importância interdisciplinar, o que faz ser necessário, constantemente, incursões históricas e políticas sobre o conceito de democracia.

Assim, o princípio democrático, não obstante sua importância para outras

disciplinas, deve ser identificado com a própria ordem constitucional, guardando

fidelidade, portanto, com as normas jurídicas (DUARTE NETO, 2005, p. 22).

A democracia, na verdade, não é um conceito estático, é um processo,

estando, portanto, constantemente, envolto em mutações, crescimentos, evoluções,

servindo, assim, para diversos tipos de Estado e em diversas épocas distintas.

Possui, esse processo histórico, a singularidade de seu tempo e as características

próprias de cada ordenamento.

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Pedro Nunes (1993, p. 305) define democracia como

regime político originariamente criado em Atenas, no século IV a.C. e defendido por Platão e Aristóteles. Funda-se na autodeterminação e soberania do povo que, por sua maioria e em sufrágio universal, escolhe livremente os seus governantes e seus delegados às câmaras legislativas, os quais, juntamente com os membros do poder judiciário, formam os poderes institucionais, autônomos e harmônicos entre si, em que se divide o governo da nação, onde todos os cidadãos gozam de inteira igualdade perante a lei.

Dentro dessa mesma ótica, Maria Helena Diniz (1998, v. 2, p. 52)

conceitua democracia como

forma de governo em que há a participação dos cidadãos, influência popular no governo através da livre escolha dos governantes pelo voto direto. É o sistema que procura igualar as liberdades públicas e implantar o regime de representação política popular, é o Estado político em que a soberania pertence à totalidade dos cidadãos.

Paulo Bonavides (2000, p. 266) entende tratar-se a democracia da melhor

e mais sábia forma de organização do poder, conhecida na história política e social

de todas as civilizações, embora existam claras dificuldades no estabelecimento de

um conceito perfeito para ela.

Para Winston Churchill, ainda segundo Bonavides (2000, p. 266), “a

democracia é a pior de todas as formas imagináveis de governo, com exceção de

todas as demais que já se experimentaram”.

Bonavides (2000, p. 267) também menciona em sua obra as posições de

Pareto e Bryce no que tange à definição de democracia. O primeiro reconhece,

quando pedido a significação exata de democracia, que “é ainda mais indeterminado

que o termo completamente indeterminado ‘religião’”. O segundo dá uma larga e

indecisa amplitude ao termo, definindo-o de modo um tanto vago como a forma de

governo na qual “o povo impõe sua vontade de todas as questões importantes”.

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Nota-se, assim, que raros termos de ciência política vêm sendo objeto de

tão freqüentes abusos e distorções, quanto à democracia (BONAVIDES, 2000, p.

267).

Norberto Bobbio (1986, p. 18), em duas de suas obras, tenta dar uma

explicação sobre democracia. Primeiramente, ele afirma que

o único modo de se chegar a um acordo quando se fala de democracia, entendida como a contraproposta a todas as formas de governo autocrático, é o de considerá-la caracterizada por um conjunto de regras (primárias ou fundamentais) que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos.

Segundamente, expõe Bobbio (1987, p. 135) que

da idade clássica a hoje o termo ‘democracia’ foi sempre empregado para designar uma das formas de governo, ou melhor, um dos diversos modos com que pode ser exercido o poder político. Especificamente, designa a forma de governo na qual o poder político é exercido pelo povo.

Para J. J. Calmon de Passos35, Bobbio dá uma definição mínima de

democracia, salientando-a, apenas, como um conjunto de regras de procedimento

para formação de decisões coletivas em que está prevista e facilitada a participação

mais ampla possível dos interessados, tratando-se, assim, de uma definição

procedimental criticada pelos “substancialistas” da esquerda, mas não existindo

outra suficientemente clara e capaz de oferecer um critério infalível. “Nada mais

correto. A democracia, seja ela qual for, não é algo pronto, é sempre o processo”.

Os resultados do processo democrático, segundo Calmon de Passos, são

incertos, indeterminados de antemão e só o povo, isto é, as forças políticas que

35 Palavras proferidas em aula sobre o tema “Democracia e constitucionalismo. A produção do direito num Estado de Direito Constitucional. A crise da democracia e do constitucionalismo. Reflexos nas funções legislativa e jurisdicional”, que faz parte do material fornecido pelo autor na disciplina “Teoria Geral do Processo” do Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia, em abril de 2005.

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competem pela realização de seus interesses e valores é que determinam esses

resultados.

A conclusão a que Calmon chega estabelece a democracia como um

sistema de desfecho regulado e aberto, ou seja, uma incerteza organizada. O que

não quer dizer que essa incerteza estabeleça que tudo inerente à democracia seja

possível ou que nada seja previsível. O que os atores efetivamente não sabem é o

resultado concreto.

Portanto, o resultado disso é o da convicção de que não há “a

democracia”, nem “uma democracia”, mas um arranjo diverso de significados com

intensidades variáveis, mas sempre atrelado ao grau de participação, igualdade e

inclusão da população nos assuntos dos Estados.

José Afonso da Silva (2002, p. 126-128) compartilha da idéia de que a

democracia não precisa de pressupostos especiais, diferentemente da posição de

uma visão elitista, segundo a qual existem diversos pressupostos necessários à sua

existência e à sua realização, como a desigualdade. Para ele basta a existência de

uma sociedade. “Se seu governo emana do povo é democrática; se não, não o é”. A

democracia pressupõe luta incessante pela justiça social. Não pressupõe que todos

sejam instruídos, cultos, educados, perfeitos, mas há de buscar distribuir a todos

instrução, cultura, educação, aperfeiçoamento, nível de vida digno, fundamentando-

se na garantia da igualdade, não tolerando a extrema desigualdade entre os

indivíduos na sociedade.

Variam-se, assim, de maneira considerável as posições doutrinárias

acerca do que legitimamente se há de entender como democracia. Mas de um ponto

meramente formal, distinguem-se, na história das instituições políticas, três

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modalidades ou espécies básicas de democracia: a democracia direta; a democracia

representativa, também chamada de indireta; e a semidireta ou participativa.

5.2.5 Espécies de democracia

A principal característica do Estado Democrático é a idéia de o próprio

povo governar, mas isso traz à tona o problema de como ele irá fazê-lo, ou seja,

como serão estabelecidos os meios e instrumentos para que o povo possa

expressar a sua vontade diante dos assuntos do Estado.

Esse problema instrumental se acentua mais ainda quando se toma como

referência os dias atuais, uma vez que há predominância de colégios eleitorais muito

numerosos e intensa atividade legislativa, impossibilitando a ocorrência de

freqüentes manifestações e reuniões públicas que busquem saber a vontade da

população, como ocorria na democracia da Grécia antiga.

Embora bastante reduzida, essa participação popular semelhante à que

acontecia nas cidades-estado gregas ainda acontece nos dias atuais, como no caso

das Landsgemeinde, que ainda se encontra em alguns Cantões suíços como Glaris,

Unterwalden e Appenzell (DALLARI, 1991, p. 129).

A Landsgemeinde foi o órgão supremo em todos os pequenos Cantões da

Suíça central e oriental, mas que começou a sua abolição no século XIX. Esse órgão

é uma assembléia que se reúne ordinariamente uma vez por ano, num domingo da

primavera, mas podendo haver convocações extraordinárias. É aberta a todos os

cidadãos do Cantão que tenham o direito de votar, sendo o seu comparecimento um

dever. Sua convocação se dá pelo Conselho Cantonal, mas havia Cantões que

admitiam sua convocação por certo número de cidadãos. Há uma publicação prévia

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dos assuntos a serem discutidos e submetidos à deliberação (DALLARI, 1991, p.

129).

Nesse órgão são votadas leis ordinárias e emendas à Constituição do

Cantão, tratados intercantonais, autorização para a cobrança de impostos e para a

realização de despesas públicas e também sobre a naturalização cantonal (BRIDEL,

1959 apud DALLARI, 1991, p. 129).

Entretanto, essa prática utilizada em partes da Suíça possui algumas

peculiaridades que descaracterizam a verdadeira participação direta, tornando a

decisão do povo só aparente, e impossibilitando a sua utilização em outras partes do

mundo: essa prática só é possível em Cantões menos populosos; um Conselho

eletivo é que prepara os trabalhos, limitando-se a aprovar ou não aprovar aquilo que

já foi estabelecido pelo mesmo Conselho; quando se tratar de trabalhos jurídicos ou

técnicos, a assembléia não está apta a discutir; sua implantação em outros locais do

mundo se torna impossível pela necessidade de restrição do colégio eleitoral.

Assim, com toda essa impossibilidade prática da democracia direta

demonstrada através das características da Landsgemeinde, surgiu a necessidade

de criação de uma outra forma de governo: a democracia representativa ou indireta.

Essa democracia representativa é a forma de o povo ser soberano, decidir

e ter poder, mesmo sendo numeroso e espalhado por um grande território. É a forma

na qual a vontade do povo seria expressada nos órgãos competentes pelos seus

representantes. Assim, o remédio para a democracia, fundada e legitimada no

consentimento dos cidadãos, tinha que ser através de um regime representativo.

Todavia, nos tempos atuais, resolveu-se criar uma modalidade onde

existissem e se alternassem características da forma clássica de democracia, a

direta, com a democracia representativa, com o intuito de se estabelecer uma

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aproximação cada vez maior da democracia direta idealizada pelos gregos com

aquela empregada nos Estados modernos. Essa nova forma de governo é a

democracia semidireta, na qual a soberania está com o povo e o governo, mediante

o qual esta soberania é exercitada, pertence por igual ao elemento humano do

Estado, no que diz respeito às matérias mais importantes da vida pública.

a) A Democracia Direta

Essa democracia supõe o exercício do poder político pelo povo, reunindo-

se em assembléia plenária da coletividade. O povo exerce, por si, os poderes

governamentais, fazendo leis, administrando e julgando (SILVA, 2002, p. 136). Mas,

como visto, essa modalidade de democracia é impraticável face à impossibilidade

material de sua realização, por causa do grande número de cidadãos que compõem

um Estado.

Historicamente, a Grécia Antiga foi o berço da democracia direta. Em

Atenas, o povo se reunia no Ágora36, para o exercício direto e imediato do poder

político, decidindo as questões fundamentais da sociedade.

A democracia antiga era a democracia de uma cidade, de um povo que desconhecia a vida civil, que se devotava por inteiro à coisa pública, que deliberava com ardor sobre as questões do Estado, que fazia de sua assembléia um poder concentrado no exercício da plena soberania legislativa, executiva e judicial (BONAVIDES, 2000, p. 268).

Naquela época, no entanto, a participação popular nas decisões do

Estado se restringia àqueles indivíduos chamados de homens livres, privilegiados

diante de uma maioria escrava da população. Gerando, para alguns autores, uma

36 Um Ágora é uma praça onde os cidadãos se reuniam para exercitar o poder político, deliberando sobre os rumos da sociedade. Fazia o Ágora, nas cidades gregas, o papel do Parlamento nos tempos modernos.

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idéia de que na Grécia não houve uma verdadeira democracia, mas uma aristocracia

democrática ou, ainda, uma democracia minoritária.

Segundo Francesco Nitti (apud BONAVIDES, 2000, p. 268), “com efeito,

disse Hegel que o Oriente fora a liberdade de um só, a Grécia e Roma a liberdade

de alguns, e o mundo germânico, ou seja, o mundo moderno, a liberdade de todos”.

As cidades-estado da Grécia conseguiram funcionar com esse sistema de

democracia direta: primeiro, por causa da base social escrava que permitia ao

homem se ocupar quase que exclusivamente dos negócios públicos, ou seja, não

existia quase nenhuma preocupação de ordem laboral que atormentasse o cidadão

naquela época; e, segundo, pela condição social da vida da cidade, na qual o

cidadão grego fazia questão de conservar aceso o interesse pela causa da sua

democracia e a valorar a sua participação na vida pública.

As instituições democráticas para os gregos firmavam-se nos princípios da

isonomia, da isotimia e da isagoria.

O princípio da isonomia significava a igualdade de todos na elaboração

legislativa e na submissão à lei criada, que, por sua vez, não agasalhava o privilégio

ou a discriminação que não fosse fundada em mérito ou desmerecimento do

contemplado. A base de sustentação desse princípio era a idéia da igualdade de

todos perante a lei sem distinção de grau, classe ou riqueza, onde toda

discriminação de ordem jurídica em proveito de classes ou grupos sociais equivaleria

à quebra desse princípio (NITTI, 1933 apud BONAVIDES, 2000, p. 270-271).

A isotimia dizia respeito ao acesso dos cidadãos gregos a qualquer cargo

ou funções no exercício das atividades públicas e à posse ou contemplação de

títulos, por merecimento, honradez ou confiança, abolindo, assim, as funções e

posses que se valiam da hereditariedade, raça ou sangue.

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A isogaria se refere aos direitos que todos os cidadãos tinham de falar, de

se pronunciar nas assembléias populares que aconteciam no Ágora, de debater

publicamente os negócios do governo.

As duas principais cidades-estado da Grécia Antiga, Esparta e Atenas,

diferenciavam-se quanto à estruturação do poder político. Na primeira, a participação

popular era veiculada por meio da Assembléia Popular (Apella), do Conselho de

Anciãos (Gerúsia), dos Comissários e dos reis. O Conselho de Anciãos era formado

por vinte e oito cidadãos com mais de sessenta anos e elaborava as proposições

que deveriam ser apresentadas às assembléias. A Apella era presidida por cinco

Comissários com mais de trinta e cinco anos, e as decisões eram tomadas por

maioria dos votos sem direito a debates ou discussão. O caráter oligárquico

prevalecia em Esparta, uma vez que as decisões da Apella nem sempre era

respeitada pelos reis e pelo Conselho de Anciãos.

Em Atenas, o principal órgão da vida pública era o Conselho Popular

(Boulè), formado por quinhentos membros, sorteados anualmente entre as tribos da

polis, e sua principal função era preparar os projetos que seriam apreciados pela

Assembléia Popular (Eclésia). Na Eclésia, as propostas eram não só votadas, mas

discutidas por todos os cidadãos com idade superior a 21 anos (SGARBI, 1999, p.

92-95).

Pode-se, portanto, conceituar a democracia direta como “o sistema político

em que havia identificação entre governantes e governados, e a coisa pública era

gerenciada (legislação, jurisdição e administração) conjuntamente” (DUARTE NETO,

2005, p. 28).

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b) A Democracia Representativa ou Indireta

Os Estados cresceram e se tornaram cada vez mais populosos, tanto

assim, que, atualmente, seria muito difícil conceber uma participação direta pura, em

prazo relativamente curto, principalmente se for levado em consideração a

quantidade de participantes nas antigas cidades-estado e a maneira pela qual se

reuniam para deliberar. Apesar da existência, ainda, dessa prática em alguns

Cantões suíços, hodiernamente, são elas consideradas ultrapassadas, não sendo

mais praticados com tanta freqüência.

Assim, tecnicamente inviável, esse modelo de democracia, a direta, foi

sucedido pelo modelo representativo ou indireto.

A democracia representativa significa, dentro de uma análise genérica,

que as deliberações concernentes à coletividade são tomadas, não diretamente por

aqueles que dela fazem parte, mas por indivíduos eleitos para essa finalidade.

Dizia Montesquieu, um dos primeiros teoristas da democracia moderna, que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar. Precisava o povo, portanto, de representantes, que queriam decidir e querer em nome do povo (BONAVIDES, 2000, p. 272).

Mas não é somente da razão exposta por Montesquieu que se valem as

idéias da implantação de uma democracia diferente da instituída na Grécia antiga. O

Estado moderno, dada a sua imensa massa de eleitorado, fica impedido de

congregar todos os cidadãos em praça pública, seja para fazer leis ou para

administrar. O homem do Estado moderno é um homem apenas acessoriamente

político, pois não tem um grande volume de participação como acontecia na Grécia,

uma vez que precisa prover com mais intensidade às necessidades materiais de sua

existência.

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Esse modelo de democracia tem como traços característicos a soberania

popular, como fonte de todo o poder legítimo, que se traduz através da vontade

geral; o sufrágio universal, com pluralidade de candidatos e partidos; a observância

constitucional do principio da distinção dos poderes; igualdade de todos perante a

lei; a representação como base das instituições políticas; a limitação de

prerrogativas dos governantes e outros (BONAVIDES, 2000, p. 274).

Na democracia representativa a participação popular é indireta, periódica e formal, por via das instituições eleitorais que visam a disciplinar as técnicas de escolha dos representantes. A ordem democrática, contudo, não é apenas uma questão de eleições periódicas, em que, por meio do voto, são escolhidas as autoridades governamentais. Por um lado, ela consubstancia um procedimento técnico para a designação de pessoas para o exercício de funções governamentais. Por outro, eleger significa expressar preferência entre alternativas, realizar um ato formal de decisão política (SILVA, 2002, p. 137-138).

A representação política tem origem com a evolução das instituições

inglesas. O surgimento do Estado inglês fez eclodir a técnica primeiramente em seu

território. Na Europa Continental, especificamente na França, a técnica surgiu mais

tardiamente.

No século XII, a princípio, a prática política exigia que o monarca ouvisse

os nobres e os eclesiásticos, que compunham o Magnum Concilium, antes de tomar

decisões; depois, os homens livres, que estavam de fora dos eventos políticos,

passaram a ser chamados às reuniões, convocando dois representantes de cada

condado e mais dois de cada burgo. Esse é o início do aparecimento da Câmara dos

Comuns.

Esse costume de reunir junto aos lordes os representantes dos homens

comuns se repetiu por diversas vezes, culminando depois no aparecimento das

câmaras gêmeas: a Câmara dos Lordes e a dos Comuns. A primeira, representando

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os nobres e o clero; a outra, representando os condados e os burgos (DUARTE

NETO, 2005, p. 33).

Com o correr dos tempos, os parlamentares passaram a representar todo

o povo inglês e não somente o distrito e circunscrição que os elegeram. Assim,

estava construída a marca da representatividade moderna, consubstanciada no

mandato político.

Esse mandato político representativo é gerado pelas eleições, constituindo

o elemento básico da democracia representativa. Nele são

inseridos os princípios da representação e o da autoridade legítima,

segundo José Afonso da Silva (2002, p. 138). O primeiro significa que o poder, que

reside no povo, é exercido, em seu nome, por seus representantes periodicamente

eleitos; o segundo significa que o mandato realiza a técnica constitucional por meio

da qual o Estado, que não possui vontade real e própria, adquire condições de

manifestar-se e decidir através do mandato dos representantes do povo.

Mandato político representativo é “uma situação jurídico-política com base

na qual alguém, designado por via eleitoral, desempenha uma função política na

democracia representativa”. É denominado mandato representativo para distinguir-

se do mandato de direito privado (procuração) e do mandato imperativo, sendo este

último aquele existente antes da Revolução Francesa, onde os representantes

ficavam vinculados à decisão dos representados, caso os temas de discussão e

deliberação nas assembléias não fossem já estabelecidos previamente (SILVA,

2002, p. 138-139).

A representação de direito público é inteiramente distinta da representação

de direito privado, portanto, os princípios fundamentais desta não podem ser

aplicados àquela (SCHMITT, 1961 apud BONAVIDES, 2000, p. 15).

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A representação política não faz o representante ficar vinculado aos

representados, por não se tratar de uma relação contratual. Tem como

características as qualidades de ser geral, livre e irrevogável, em princípio. Geral,

porque o eleito é representante de todos que habitam o território do Estado e não

somente daqueles integrantes de uma determinada circunscrição; livre porque os

representantes não estão vinculados a seus eleitores ou a qualquer instrução sua; e

irrevogável, porque o eleito tem o direito de manter o mandato durante o tempo

previsto para a sua duração, salvo perdas indicadas na própria legislação.

c) A Democracia Semidireta ou Participativa.

A terceira forma de democracia, a chamada democracia semidireta, trata-

se de uma modalidade que objetiva alterar as formas tradicionais de democracia

representativa para aproximá-la cada vez mais da democracia direta. Há uma

combinação de ambas as formas de democracia; é a democracia representativa,

com alguns instrumentos de participação direta do povo na formação da vontade

nacional.

Há a verificação da impossibilidade de se alcançar a democracia direta

como foi idealizada e praticada na Grécia Antiga, no entanto, percebeu-se que há a

possibilidade de se criar “instituições que fizessem do governo popular um meio-

termo entre a democracia direta dos antigos e a democracia representativa

tradicional dos modernos” (BONAVIDES, 2000, p. 274).

Na democracia semidireta, a alienação política da vontade popular,

contida na democracia representativa, fez-se apenas parcialmente; a soberania está

com o povo, e o governo, sendo o meio executor e comunicador dessa soberania,

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pertence por igual ao elemento popular nas matérias mais importantes da vida

pública.

O alcance dessa democracia semidireta se dá através de determinados

institutos que tentam tornar efetiva a intervenção do povo, garantindo-lhes um poder

de decisão de última instância, definitivo.

Na democracia semidireta, o povo não serve somente como eleitor, mas

como colaborador jurídico. “O povo não só elege, como legisla” (BONAVIDES, 2000,

p. 275). Funde-se uma certa participação jurídica à participação política da

democracia representativa. É reconhecida ao povo competência para decidir

diretamente sobre determinadas matérias observadas pelo ordenamento jurídico.

Após a Primeira Guerra Mundial, durante as três primeiras décadas do

século passado, época em que as instituições democráticas do ocidente passavam

por uma crise acentuada, a democracia semidireta alcançou o seu período de maior

proliferação.

Houve uma irradiação de suas instituições pela Europa. Na América do

Norte, seus institutos são praticados desde o fim século XVIII. A Constituição

Federal dos Estados Unidos da América não faz referência a essa modalidade de

organização do poder democrático, ficando, apenas, às constituições dos Estados o

seu cabimento. A Constituição de Weimar, na Alemanha, estabelece em seu texto

modalidades originais de emprego dos institutos da democracia semidireta. Na

França, a Constituição de 1793 dispunha sobre a democracia semidireta, embora

nunca entrando em vigor. Com isso, o contato francês com a democracia semidireta

só ocorreu nos tempos modernos no Ato Adicional do Império de 1815, com a

Constituição de 1852 e no constitucionalismo de Charles De Gaulle contemporâneo.

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Após a Segunda Grande Guerra, o constitucionalismo contemporâneo fez

emprego das técnicas de intervenção da democracia semidireta. Embora, nessa

época, com crescimento dos partidos políticos, começou-se o declínio dessa

modalidade de democracia. “A descrença generalizada nos partidos tem

determinado uma reversão tocante ao futuro dos instrumentos da democracia

semidireta” (BONAVIDES, 2000, p. 277).

No Brasil, para Maria Vitória Benevides (2003, p. 111), a democracia

semidireta é “uma nova ‘velha’ idéia”. Muito embora, o quadro da soberania popular

ser desalentador e parecer uma ficção.

As propostas de criação de formas de democracia semidireta no Brasil não

são inéditas em sua história política, não se restringindo, também, ao ideário

jacobino ou das esquerdas em geral, apesar de limitar-se à área dos estudos

jurídicos e parlamentares.

A primeira forma de democracia semidireta surgida no Brasil, segundo

Benevides (2003, p. 112), embora não se possa falar em democracia no seu sentido

contemporâneo de participação popular livre e soberana, foi o princípio da

revogação dos mandatos representativos que remonta do processo eleitoral para as

províncias do Império. O texto do decreto de 16 de fevereiro de 1822 estabelecia

que, caso os procuradores eleitos para o Conselho de Procuradores do Estado não

desempenhassem devidamente suas obrigações poderiam perder seus mandatos

por iniciativa dos eleitores. Era um tipo de revogação de mandato aliado à idéia do

mandato imperativo. Mas tal experiência durou somente entre 2 de junho de 1822 a

7 de abril de 1823.

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A ação popular, outro tipo de participação direta do cidadão, foi pensada

no Império, quando a Constituição de 182437 previa a responsabilização penal dos

juízes de direito e dos oficiais de justiça.

Muito embora a Constituição republicana de 1891 não contivesse

nenhuma instituição de democracia semidireta, o seu processo de elaboração

passou por idéias de participação popular. Houve uma proposta positivista de

apreciação popular para a discussão e não para a votação dessa Constituição. O

governo temia uma elaboração com participação do povo, alegando a necessidade

da atuação de pessoas competentes por serem estas as capazes de assumir tal

tarefa.

Acontece que, mesmo com as idéias contrárias à participação popular, o

projeto da Constituição de 1891 foi submetido a um plebiscito. Mas, persiste ainda a

dúvida quanto à necessidade de aprovação popular do texto definitivo, uma vez que

a interpretação dos artigos 1º e 7º do Decreto nº 1, de 15 de novembro de 1889, que

proclamava provisoriamente a República, remontava a esse entendimento. Todavia,

o artigo 90 da própria Constituição esclarece que a aprovação desta é tarefa

exclusiva do Congresso Nacional e que ela só poderá ser reformada por iniciativa

deste ou das assembléias estaduais.

As constituições republicanas de alguns Estados da federação trouxeram

outras formas de democracia semidireta. A de São Paulo, de 14 de julho de 1891,

admitia não apenas a revogação dos mandatos legislativos, como também o veto

popular, podendo ocorrer a anulação das deliberações das autoridades municipais,

mediante proposta de 1/3 e aprovação de 2/3 dos eleitores reunidos em assembléia,

37 Art. 157 – “Por suborno, peita, peculato e concussão, haverá contra eles a ação popular, que poderá ser intentada dentro de um ano e dia pelo próprio queixoso ou por qualquer do povo, guardada a ordem do processo estabelecida na lei” (BENEVIDES, 2003, p. 112).

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segundo o texto do artigo 53. No entanto esses institutos foram abolidos no texto

constitucional de 09 de julho de 1905 (BENEVIDES, 2003, p. 115).

Os Estados do Rio Grande do Sul, Goiás e Santa Catarina, em suas

primeiras constituições republicanas, introduziram um dos institutos da democracia

semidireta, o recall38, como poder de o eleitorado cassar o mandato de seus

representantes. Mas não há registro, nem evidência histórica da utilização concreta

desse instituto, sendo abolido com as reformas constitucionais de Goiás de 1898, de

Santa Catarina de 1910 e do Rio Grande do Sul de 1913.

Embora a subcomissão encarregada de preparar o anteprojeto da

Constituição de 1934 tenha discutido na emenda que estabelecia nada menos do

que a possibilidade de cassação do mandato do Presidente da República, por meio

de plebiscito, seu texto definitivo não acolheu os mecanismos de democracia

semidireta.

A Carta de 1937 estabelecia quatro possibilidades de plebiscito: para

incorporação, subdivisão ou desmembramento de Estado (art. 5º); para que fossem

conferidos poderes de legislação ao Conselho de Economia Nacional, sobre

matérias de sua competência (art. 63); plebiscito nacional para aprovação de

eventual projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando

38 O recall é uma instituição norte-americana que tem aplicação em duas hipóteses diferentes: uma para revogar a eleição de um legislador ou funcionário eletivo; a outra para reformar decisão judicial sobre constitucionalidade de lei. No primeiro caso, há a exigência do requerimento por parte de certo número de eleitores de uma consulta à opinião do eleitorado, sobre a manutenção ou revogação do mandato conferido a alguém, exigindo-se dos requerentes um depósito em dinheiro. Dá-se, em muitos casos, a possibilidade daquele que tem seu mandato em jogo de imprimir sua defesa na própria cédula usada pelos eleitores. Se a maioria decidir pela revogação esta se efetivará, se não, o mandato não é revogado e os requerentes perdem o dinheiro depositado para o Estado. No outro caso, as decisões de juízes e tribunais, excluída apenas a Suprema Corte Norte Americana, negando a aplicação de uma lei por julgá-la inconstitucional, deveriam poder ser anuladas pelo voto da maioria dos eleitores. Ocorrida essa anulação, a lei deveria ser considerada constitucional, devendo ser aplicada. Essa idéia foi preconizada por Roosevelt em 1912, numa de suas campanhas eleitorais.

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houvesse desacordo entre o projeto de iniciativa do Presidente da República e o

projeto de iniciativa da Câmara de Deputados (art. 174, §4º); o próprio texto

constitucional deveria ser submetido a plebiscito, por decreto do Presidente da

República - art. 187 (BENEVIDES, 2003, p. 118).

A Constituição de 1946 previa o plebiscito apenas para os casos de

alteração dos territórios, ou seja, incorporação, subdivisão ou desmembramento de

Estados39. Predominou nesse período o princípio da democracia representativa

pura, repudiando-se qualquer menção ao mandato imperativo ou ao recall,

ampliando a participação eleitoral da população.

Nos anos 50 e 60, o plebiscito permaneceu vinculado à discussão sobre

as possibilidades de reforma constitucional. Em outubro de 1952 ocorreu uma

discussão plenária na Câmara Federal de um projeto do Deputado Artur Audrá, do

PTB paulista, prevendo a realização de plebiscito para decisão popular sobre

revisão parcial ou total da Constituição Federal, no caso de discordância entre o

Senado e a Câmara dos Deputados (Audrá, 1952 apud BENEVIDES, 2003, p. 120).

Nesse período, diversos outros projetos de lei sobre a realização de

plebiscito ou referendo foram apresentados no Congresso Nacional. Vários sobre

questões territoriais (criação, fusão ou desmembramento de Estados e municípios),

mas outros temas também foram suscitados, como o divórcio, pena de morte, defesa

do meio ambiente e plano de reforma agrária. Todos esses projetos tramitaram pelas

comissões específicas, mas foram arquivados definitivamente por decurso de prazo

ou rejeição do relator.

Dentre tais projetos de plebiscito, destacam-se os de autoria de Sérgio Magalhães (PTB-GB), sobre a divisão administrativa do Estado da Guanabara, apresentados ainda em 1963 (e arquivados

Existem apontados vários inconvenientes em todas as modalidades de recall, o que provoca raridade em seu uso. Ressalta-se que os parlamentares, a quem deveria caber o aperfeiçoamento do instituto, preferem eliminá-lo para não ficarem sujeitos a seus efeitos (DALLARI, 1991, p. 131-132). 39 Art. 2º - “Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros ou formarem novos Estados, mediante votos das respectivas assembléias legislativas, plebiscitos das populações diretamente interessadas e aprovação do Congresso Nacional”.

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em 1967); o de Peixoto da Silveira (PSD-GO), sobre a reforma agrária, apresentado em 1963 e arquivado em 1969; o de Doutel de Andrade (PTB-SC), sobre o sistema de governo, apresentado em 1961 e arquivado em 1966; e o de Simão da Cunha (MDB-MG), sobre a recriação da União dos Estudantes no plano nacional, estadual e municipal, apresentado em 1968 e arquivado em 1971. (BENEVIDES, 2003, p. 120-121).

Em 6 de janeiro de 1963 houve um plebiscito nacional. O eleitor nessa

data foi convocado para se manifestar a favor ou contra a manutenção do

parlamentarismo, sistema implantado no Brasil por emenda constitucional de

setembro de 1961.

A realização desse plebiscito não encontraria respaldo jurídico no texto

constitucional vigente, uma vez que se tratava de matéria sobre sistema de governo.

A realização desse instituto da democracia semidireta só foi possível depois de

intensa batalha parlamentar, iniciada logo em seguida à renúncia de Jânio Quadros

e à edição da Emenda Constitucional nº 4, de 2 de setembro de 1961, que instituiu o

parlamentarismo. A organização desse novo sistema só seria completada mediante

lei votada nas duas casas do Congresso Nacional, dispondo sobre a realização de

plebiscito que decidia sobre a manutenção do sistema parlamentarista ou volta ao

sistema presidencialista, devendo a consulta plebiscitária acontecer nove meses

antes do termo do atual período presidencial.

Foram às urnas cerca de 12 milhões e 200 mil eleitores, tendo o Brasil um

eleitorado com cerca de 18 milhões, vencendo a volta do presidencialismo em

virtude da aceitação de quase cinco vezes mais votos que aqueles defensores da

manutenção do parlamentarismo.

Os estudiosos conclamam que essa consulta plebiscitária se baseava

apenas na aprovação a um nome e não a uma proposta. A imensa maioria não

percebia a distinção entre os dois sistemas de governo, votando a favor ou contra

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maiores poderes para João Goulart, seguindo a propaganda da aliança PSD-PTB (a

favor do presidencialismo) ou a do bloco UDN-PL (a favor do parlamentarismo).

Os anos de 1972, 1975 e 1977 foram marcados pela apresentação de três

projetos prevendo plebiscito sobre o divórcio.

Em 1968 foi apresentado um projeto de Francisco Amaral do MDB-SP,

para a realização de plebiscito sobre a eleição direta para Presidente da República,

o que também aconteceu em mais quatro propostas entre os anos de 1981 e 1985.

O meio ambiente e a defesa das populações indígenas também foram

temas de vários projetos para a realização de plebiscitos. Como a proposta por

Nadyr Rosseti para a desativação das usinas Angra I e Angra II. Além de outros

temas como o proposto por Jorge Carone, em 1983, para a cessão ou concessão,

em território nacional, de área destinada à instalação de base militar de forças

estrangeiras; ou o projeto de Francisco Dias sobre a moratória da dívida externa,

pelo prazo de dois anos (BENEVIDES, 2003, P. 121).

No entanto, tais propostas, com exceção da de 1963 (parlamentarismo ou

presidencialismo?), não foram aprovadas e talvez sequer tenham sido notificadas

pela imprensa, permanecendo fechadas no recinto parlamentar e relegadas aos

anais do Congresso Nacional (BENEVIDES, 2003, p. 121).

A Carta Magna de 196740, bem como a Emenda nº 1 de 1969, não utilizou

o termo plebiscito, mas manteve a exigência de consulta prévia às populações para

a criação de municípios. Exigência que não existia para o caso de subdivisão,

anexação ou desmembramento de Estados.

A história política brasileira mostra que no período de transição do regime

militar para o democrático, a sociedade começou a se organizar com um nível

40 Art. 14 – “Lei complementar estabelecerá os requisitos mínimos de população e renda pública, bem como a forma de consulta prévia às populações, para a criação de municípios”.

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satisfatório de participação em torno das questões que até então eram discutidas

apenas pelos juristas, políticos e governos.

Surgem, nesse período, propostas de criação de plenários, comitês e

movimentos pró-participação popular, como: o Plenário Pró-Participação Popular na

Constituinte de São Paulo, através de Goffredo Telles Jr., que divulga a “Carta dos

Brasileiros ao Presidente da República e ao Congresso Nacional”, onde é proposta a

criação de mecanismos de participação em todos os municípios do país e denuncia

a convocação de uma Constituinte composta de órgãos já constituídos (Câmara e

Senado); o Movimento Nacional pela Constituinte, do Rio de Janeiro (Duque de

Caxias) e outros (BENEVIDES, 2003, p. 123).

No início dos trabalhos constituintes, houve uma proposta, do então relator

da Comissão Mista do Congresso Nacional, Flávio Bierrenbach, quando examinou a

proposta do Executivo para a convocação da Constituinte, que previa a consulta

plebiscitária à população sobre se delegaria o poder constituinte a representantes

seus, eleitos exclusivamente para essa finalidade, ou ao Congresso Nacional eleito

em 1986. A proposta estabelecia, também, a necessidade de referendo popular

acerca dos temas constitucionais que, mesmo rejeitados, tivessem recebido votos

favoráveis de, no mínimo, 2/5 dos constituintes e que fossem objeto de destaque

solicitado também por 2/5.

Ambas as propostas foram rejeitadas no Congresso, mas serviu como

mola propulsora de debates acerca do assunto em pauta, a participação popular.

Já dentro da Assembléia Nacional Constituinte, em março de 1987, uma

grande campanha pelo direito de apresentação de emendas populares foi iniciada.

Essa campanha logrou êxito, uma vez que o regimento interno da Constituinte

garantiu o direito à emenda popular, além da possibilidade de apresentação de

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sugestões e de audiências públicas nas subcomissões temáticas. As três emendas

populares sobre a inclusão de institutos de participação no texto constitucional

(referendo e iniciativa popular) reuniram mais de 400 mil assinaturas sob a

promoção dos Plenários de São Paulo e de Minas Gerais e do Movimento Gaúcho

da Constituinte.

Importantes subsídios para a discussão – incluindo o meio jurídico e partidário – foram os anteprojetos de Constituição, apresentados por juristas e partidos políticos, desde 1985. Destacam-se, entre esses, aqueles que mais aprofundaram a participação popular: o de José Afonso da Silva, [...], estabelece que não apenas o referendo e a iniciativa popular, inclusive no nível constitucional, mas também o veto popular e a revogação dos mandatos; o de Fábio Konder Comparato, quase integralmente encampado pelo Partido dos Trabalhadores (que o solicitara), aprofunda a abrangência dos institutos da democracia semidireta na atividade legislativa, na função pública e na função judicante (1986); o de Pinto Ferreira defende, igualmente, a iniciativa e o referendo para a matéria constitucional (1985) (BENEVIDES, 2003, p. 125).

A Constituinte, com isto, aprovou, no primeiro turno da votação o

referendo, o plebiscito, a iniciativa popular e o veto popular41, com 360 votos

favoráveis, 89 contra e 12 abstenções. No segundo turno, caiu o direito ao veto

popular.

Ressalta Benevides (2003, p. 125-126) que a discussão das propostas na

subcomissão dos Direitos Políticos, dos Direitos Coletivos e Garantias, culminou no

documento que tinha por titulo “Todo poder emana do povo e com ele será exercido”

e que essa comissão encampou praticamente todos os pontos defendidos por José

Afonso da Silva. Mas, apesar disso, o princípio consagrador da intervenção direta do

41 O veto popular é um instituto que guarda certa semelhança com o referendo, sendo denominado por alguns doutrinadores americanos de mandatory referendum. Através dele, dá-se aos eleitores, após a aprovação de um projeto de lei pelo Legislativo, um prazo, geralmente de sessenta e nove dias, para que requeiram a aprovação popular. A lei não entra em vigor antes de decorrido o prazo e, desde que haja a solicitação de certo número de eleitores, ela continuará suspensa até as próximas eleições, quando então o eleitorado decidirá se ela deve ser posta em vigor ou não (DALLARI, 1991, p. 131).

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cidadão no processo legislativo foi duramente contestado nos trabalhos

constituintes.

Os argumentos levantados contra a iniciativa popular podem ser vistos como exemplos de uma certa “cultura política” das elites – a “presciência” de que falava a antiga UDN – reveladora da persistente tradição oligárquica, personalista e paternalista em nossos parlamentares (BENEVIDES, 2003, p. 126).

A título exemplificativo, Benevides (2003, p. 126-127) coloca dois

testemunhos colhidos durante os debates da subcomissão. O primeiro, de Samir

Achôa (PMDB-SP) diz que:

Quanto à iniciativa dada à população, acho que constitui um desrespeito ao próprio Parlamento, porque ninguém há de negar que, se qualquer cidadãos aqui chegar e me apresentar um projeto, posso não concordar com ele, mas o encaminho. Portanto não há necessidade de criarmos instrumentos que dificultem essa apresentação. Todos nós recebemos, diariamente, sugestões até na rua. E as apresentamos ou não [...] Se somos advogados constituídos do povo, ou somos bons advogados ou não somos. Passarmos a nós mesmos um atestado de incompetência e incapacidade é um absurdo. Creio ainda que exigirmos um número mínimo de assinaturas – 20 mil, 30 mil, 50 mil – que correspondem aos votos que recebemos aqui para representarmos esse mesmo povo, seria a mesma questão de o cliente passar à frente do advogado e discutir com o juiz (Diário da Constituinte, 22 abr.1987).

O segundo, de Ziza Valadares (PMDB-MG) que diz:

Essa não é a forma. Isso é para enganar. Desafio os srs. Constituintes a trazer aqui, honestamente feita, qualquer proposta com 30 mil assinaturas, acompanhadas do título de eleitor, endereço, número de filhos, e CPF dos proponentes. Além disso, registrada em cartório eleitoral. Acho que temos realmente de abrir canais, na nova Constituição, que permitam uma participação mais efetiva da população. Mas não dessa forma. Somos responsáveis pelo que estamos discutindo e pelo que colocamos em nosso Regimento. Isso aqui não é brincadeira [...] Sou novato na Casa. O pessoal de Minas, inclusive, procurou-me hoje, porque estava, na rua, tentando coletar as 30 mil assinaturas. Disse-lhes: substituam as 30 mil pela minha assinatura. Assim evitarão o trabalho, as emendas serão apresentadas. Desta forma, acho que, na nova Constituição, temos de inserir mecanismos que facilitem, e não como esse que dificultem (Diário da Constituinte, 22 abr.1987).

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Mesmo assim, com toda manifestação desfavorável à participação popular

direta, a Constituição Federal de 1988, promulgada em 5 de outubro, consagrou os

institutos do plebiscito, do referendo e da iniciativa popular de leis.

Desta forma, o regime político adotado pela Constituição brasileira de

1988, segundo seu artigo 1º, baseia-se no princípio democrático42, constituindo-se,

assim, o Brasil, num Estado Democrático de Direito, fundado na soberania, na

cidadania, na dignidade da pessoa humana, nos valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa e no pluralismo político.

E ainda, segundo o artigo 1º da Constituição Federal de 1988, em seu

parágrafo único, “todo poder emana do povo, que o exerce por meio de

representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”. Assim,

conclui-se, diante de todo o exposto neste capítulo, que o regime político adotado

pelo Brasil é a Democracia Semidireta.

42 Trata-se de princípio complexo, ostentando um aspecto substancial normativo, como conjunto de valores condicionantes do exercício do poder político e procedimental normativo, vinculado a uma série de regras e procedimentos de manifestação da vontade política. O aspecto substancial normativo materializa-se não só nos valores que o condicionam, mas no fim buscado pelo governo do povo, pelo povo e para o povo. Por sua vez, seu campo procedimental normativo encontra-se nas normas disciplinadoras da exteriorização da decisão política, com a participação menor ou maior da vontade popular (SILVA, 2002 apud DUARTE NETO, 2005, p. 26).

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6 INSTITUTOS DA DEMOCRACIA SEMIDIRETA

A democracia semidireta, como já visto, resume-se à junção da

democracia representativa com a democracia direta pura. Os Estados que se

declaram inseridos no contexto desse regime conjugado são regidos pela

participação indireta da população nas decisões políticas da nação, através da

representatividade, e possuem institutos próximos aos utilizados nas democracias

gregas, aqueles que permitem a participação direta da população nos negócios do

Estado: o referendo, o plebiscito, a iniciativa popular, o recall e o veto popular.

Muito embora alguns Estados se utilizem do recall e do veto popular, no

Brasil, a participação direta da população se restringe aos outros três institutos.

6.1 A REPRESENTAÇÃO

A representação gera para o povo a necessidade de eleger seus

representantes. Vários foram os critérios utilizados na história para a escolha dos

governantes, desde o da força física, usada nas sociedades primitivas, até outros

critérios, como o de sorteio, o de sucessão hereditária e o de eleição, que é

característico do Estado Democrático. Mesmo longe da perfeição, o sistema eleitoral

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ainda é o que mais se aproxima da expressão direta da vontade popular, além de

permitir que os próprios governados escolham seus governantes.

O mecanismo de controle da escolha dos representantes é denominado

de sufrágio, que para alguns se trata de um direito, para outros, uma função ou

ainda uma expressão de um dever eleitoral. Mas a opinião prevalecente é a de que

o sufrágio é concomitantemente um direito e uma função. Primeiro, porque cabe ao

indivíduo e se exerce na esfera pública para a consecução de fins públicos, portanto

é um direito público subjetivo. Depois, porque se constitui uma função social, já que

há a necessidade de escolha dos governantes para que se complete a formação da

vontade do Estado e tenha meios de expressão (DALLARI, 1991, p. 155-156).

A expressão “sufrágio” vem do latim sufragium, que significa aprovação,

apoio e significa, no entendimento de Carlos S. Fayt, “um direito público subjetivo de

natureza política, que tem o cidadão de eleger, ser eleito e de participar da

organização e da atividade do poder estatal”. É a instituição fundamental da

democracia representativa e é através de seu exercício que o eleitorado, instrumento

técnico do povo, outorga legitimidade aos governantes (SILVA, 2002, p. 348).

O sufrágio pode ser universal ou restrito. A primeira forma é aquele que

ocorre quando se outorga o direito de votar a todos os nacionais de um país, sem

restrições derivadas de condições de nascimento, de fortuna e capacidade especial.

Enquanto que a segunda é a que ocorre quando o direito de votar só é conferido a

indivíduos qualificados por condições econômicas ou de capacidades especiais.

Apesar de todos os cidadãos terem o direito de participar da escolha de

seus governantes, todas as Constituições estabelecem algumas restrições,

consideradas muitas vezes justas, mas, outras, conservadoras ou defensoras de

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privilégios. Essas restrições podem ser por idade43, por motivo de ordem

econômica44 (sufrágio censitário), por motivo de sexo45, por deficiência de

instrução46 (sufrágio capacitário), por deficiência física ou mental47, por condenação

criminal48 ou por engajamento no serviço militar49.

As palavras sufrágio e voto são, muitas vezes, empregadas como

sinônimas, mas a Constituição brasileira de 1988 lhes dá sentidos diferentes, uma

vez que seu artigo 14 expõe que “a soberania popular será exercida pelo sufrágio

universal e pelo voto direto e secreto, com igual valor para todos, [...]”. O sufrágio é

universal e o voto é direto, secreto e igual. Escrutínio é outra expressão que gera

confusão com sufrágio e voto. Portanto, sufrágio é o direito, o voto é o seu exercício

e escrutínio é o modo de seu exercício.

6.2 A PARTICIPAÇÃO POPULAR DIRETA

Segundo Paulo Bonavides (2000, p. 281), a participação direta do povo na

esfera legislativa foi doutrinariamente preconizada, desde o século XVIII, com o

Contrato Social de Rousseau. Mas, apesar dos tratadistas enumerarem os

43 Determinação de um limite para começar a participar da vida política do Estado, baseada na maturidade necessária para agir conscientemente na vida pública. Não há um consenso para o estabelecimento do limite mínimo de idade, mas a tendência é de fixar nos dezoito anos. 44 Essas restrições ainda contam com alguns adeptos, mas que, aos poucos, vêm sendo eliminadas e, em muitos casos, proibidas. São aquelas que limitam a participação nas eleições àqueles que possuem um certo grau de capacidade econômica. 45 Quando da implantação do sufrágio, as mulheres foram proibidas de votar, mas com o passar dos tempos a concessão desse direito passou a existir em certos locais, como no Estado norte-americano do Wyoming, em 1869, e quando a própria Constituição americana passou a proibir qualquer restrição política por motivo de sexo, em 1920. No Brasil, as mulheres passaram a votar em 1932. 46 Aqui há a consideração da necessidade de um grau mínimo de instrução para o exercício do sufrágio. No Brasil os analfabetos podem votar de forma facultativa. 47 Nesse caso há a exclusão daqueles que não tenham condição de votar obedecendo às exigências da pessoalidade e do segredo do voto, como no caso dos deficientes mentais e físicos. 48 Ocorre o impedimento daqueles que cometem crimes e que tenha reconhecida sua responsabilidade criminal de participar da vida política do país, até quando durarem os efeitos da sentença. 49 Restrições do direito de voto aos militares, com vistas a impedir que a política penetre nos quartéis.

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mecanismos de participação popular em cinco (referendo, plebiscito, iniciativa, recall

e o veto popular), a segunda parte do artigo 14 da Constituição de 1988, nos seus

incisos I, II e III, faz referência apenas a três desses institutos de participação

popular direta: o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular.

Outras constituições50 também fazem referência a esses institutos de

participação direta do povo. A portuguesa, em seu artigo 115 coloca que

os cidadãos eleitores recenseados no território nacional podem ser chamados a pronunciar-se directamente, a título vinculativo, através de referendo, por decisão do Presidente da República, mediante proposta da Assembléia da República ou do Governo, em matérias das respectivas competências, nos casos e nos termos previstos na Constituição e na lei. O referendo pode ainda resultar da iniciativa de cidadãos dirigida à Assembléia, que será apresentada e apreciada nos termos e nos prazos fixados por lei. O referendo só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela Assembléia da República ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo (grifo nosso).

A Constituição italiana51 expõe em seu artigo 75 que

É convocado referendo popular para deliberar sobre a ab-rogação, total ou parcial, de uma lei ou de um ato que tenha valor de lei, quando o solicitarem quinhentos mil eleitores ou cinco Conselhos Regionais. Não é admitido o referendo para as leis tributárias e de balanço, de anistia e de indulto, de autorização para ratificar tratados internacionais. Têm o direito de participar do referendo, todos os cidadãos chamados a eleger a Câmara de Deputados. A proposta submetida a referendo será aprovada se participar da votação a maioria dos que têm direito, e se for atingida a maioria dos votos validamente expressos. A lei determina as modalidades de atuação do referendo (grifo nosso).

O artigo 39 da Constituição Argentina52 estabelece que

50 Textos retirados do site www.presidencia.gov.br, em jul/05. 51 Art. 75 – “È indetto referendum popolare per deliberare l’abrogazione, totale o parziale, di una legge o di un atto avente valore di legge, quando lo richiedono cinquecentomila elettori o cinque Consigli regionali. Non è ammesso il referendum per legge tributarie e di balancio, di amnistia e de indulto, de autorizzazione a ratificare trattati internazionali. Hanno diritto di partecipare al referendum tutti i cittadini chimati ad eleggere la Câmara dei deputati. La proposta soggetta a referendum è aprovata se há partecipato alla votazione la maggioranza degli aventi diritto, e se è ragiunta la maggioranza dei voti validamente espressi. La legge determina le modalità di attuazione del referendum”. 52 Art. 39 – “Los ciudadanos tienen el derecho de iniciativa para presentar proyectos de ley em la Cámara de Diputados. El Congresso deberá darles expresso tratamiento dentro del término de doce

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os cidadãos têm o direito de iniciativa de apresentar projetos de lei a Câmara de Deputados. O Congresso deverá dar expresso tratamento dentro de até doze meses. O Congresso, com o voto da maioria da totalidade dos membros de cada Câmara, sancionará uma lei regulamentar que não poderá exigir mais de três por cento do eleitorado nacional, dentro do qual deverá contemplar uma adequada distribuição territorial para subscrever a iniciativa. [...] (grifo nosso).

e o artigo 40 que

o Congresso, mediante iniciativa da Câmara dos Deputados, poderá submeter à consulta popular um projeto de lei. A lei de convocação não poderá ser vetada. O voto afirmativo do projeto pelo povo da Nação Argentina o converterá em lei e sua promulgação será automática. O Congresso ou o Presidente da Nação, dentro de suas respectivas competências, poderão convocar a consulta popular não vinculante. Neste caso o voto não será obrigatório. O Congresso mediante o voto da maioria absoluta dos membros de cada Casa, regulamentará as matérias, procedimentos e oportunidades da consulta popular (grifo nosso).

Por vezes ocorrem dúvidas em torno da utilização dos termos plebiscito e

referendo, freqüentemente usados como sinônimos. “Em países de democracia

semidireta, como a Suíça, não se há atentado com rigor na distinção que

inumeráveis publicistas reclamam para fazer cientificamente precisas as duas

noções” (BONAVIDES, 2000, p. 288). Mas as tentativas de diferenciação chegaram,

até agora, aos seguintes resultados: a) o plebiscito, ao contrário do referendo, seria

circunscrito apenas à lei e teria por objeto medidas políticas, matérias constitucionais

e tudo aquilo que se referisse à estrutura essencial do Estado ou do governo; b)

caracterizar-se-ia como um pronunciamento popular válido por si mesmo,

meses. El Congresso, con el voto de la mayoría de la totalidad de los miembros de cada Cámara, sancionará una ley regulamentaria que no podrá exigir más del tres por ciento del padrón electoral nacional, dentro del cual deberá contemplar una edecuada distribuición territorial para suscribir la iniciativa. No serán objecto de iniciativa popular los proyectos referidos a reforma constitucional, tratados internacionales, tributos, presssupuestos y matéria penal”. Art. 40 – “El Congresso, a iniciativa de la Cámara de Diputados, podrá someter a consulta popular un proyecto de ley. La ley de convocatória no podrá ser vetada. El voto afirmativo del proyecto por el pueblo de la Nación lo convertirá em ley y su promulgación será automática. El Congresso o el presidente de la Nación, dentro de sus respectivas competecias, podrán convocar a consulta popular no vinculante. En este caso el voto no será obligatorio. El Congresso, con el voto de la mayoría

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inteiramente unilateral, independente do concurso de qualquer outro órgão do

Estado, diferentemente do referendo que precisaria do consentimento tanto do povo

quanto do Parlamento. Mas estas não são efetivamente as distinções feitas no

Brasil.

Segundo Bonavides (2000, p. 289), Maurice Duverger entende que

a distinção entre plebiscito e referendum deve ser rigorosa. Ao passo que o referendum demanda apenas a “aprovação de uma reforma”, o plebiscito “consiste em dar confiança a um homem”, conceder-lhe faculdades ilimitadas de poder, prestigiá-lo com ampla base de sustentação popular, identificando ou harmonizando a causa do governante com os sentimentos e interesses das classes populares; enfim, segundo o mesmo autor, no referendum “vota-se por um texto”; no plebiscito, “por um nome”.

Para Maria Vitória Benevides (2003, p. 35), sob a influência dos autores

italianos, tende a predominar

a idéia de que o referendo vincula-se a deliberação sobre ato prévio dos órgãos estatais, para ratificar ou rejeitar (lei já em vigor ou projeto de lei, projeto ou norma constitucional). O plebiscito seria uma consulta “de caráter geral”, ou pronunciamento popular sobre fator ou eventos (e não atos normativos) excepcionais e que, justamente por serem excepcionais – e não “regulares”, como para o referendo -, fogem à disciplina constitucional.

Para ela, na verdade, a “excepcionalidade” das questões sobre as quais o

povo deve ser ouvido não é, necessariamente, o critério distintivo entre os dois

institutos, uma vez que o termo plebiscito nunca é citado, em alguns países, em

textos constitucionais ou debates políticos e acadêmicos, como nos exemplos das

Constituições acima demonstrados. No Uruguai e no Chile, o termo plebiscito é

utilizado, mas no sentido de referendo.

Vale ressaltar que o plebiscito e o referendo são citados separadamente

na Constituição brasileira de 1988, um no inciso I e o outro no II do artigo 14,

absoluta de la totalidad de los miembros de cada Cámara, reglamentará las materias, procedimientos y oportunidad de la consulta popular”.

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resultando na impossibilidade de serem sinônimos. Portanto, no ordenamento

jurídico brasileiro essas expressões divergem, ainda mais quando o artigo 49 coloca

que cabe ao Congresso “autorizar”, quanto ao referendo e “convocar”, quanto ao

plebiscito.

Basicamente, essa divergência tenta ser explicada em virtude do momento

de suas respectivas realizações. Enquanto que o segundo é uma consulta prévia

que se faz ao cidadão sobre determinada matéria a ser posteriormente discutida

pelo Congresso Nacional, o primeiro consiste em uma consulta posterior sobre

determinado ato governamental para ratificá-lo.

Segundo as definições publicadas pelos jornais (e não contestadas por constituintes e/ou juristas), através do referendo a população aprova ou rejeita um projeto que já tenha sido aprovado pelo Legislativo; no plebiscito, a população decide pelo voto uma determinada questão (BENEVIDES, 2003, p. 36).

Todavia, esse posicionamento gera um grande questionamento: como,

então, denominar de plebiscito a consulta prevista nos Atos das Disposições

Constitucionais Transitórias (ADCT) sobre a forma e o sistema de governo, uma vez

que já estavam consagrados na Constituição? Não seria aí um caso de referendo

para aprovar ou rejeitar um texto já promulgado?

A posição de Benevides (2003, p. 36) é a de que esse questionamento

serve, simplesmente, para ilustrar a ambigüidade e a subjetividade dos conceitos,

mas que é possível que tenha predominado a tese de que se trata de “questão

excepcional”, revestida de “solenidade” e que, portanto, escaparia ao âmbito mais

banal dos referendos.

Essa posição de Benevides não é pacífica. Há uma outra ótica de clara

compreensão: a de que o que ocorreu em 1993 foi realmente um plebiscito, já que,

se houvesse a mudança para Parlamentarismo ou Monarquia, haveria a

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necessidade de mudança constitucional, caracterizando, assim, a anterioridade da

consulta popular para posterior construção normativa.

Conclui Benevides (2003, p. 40) que o que distingue plebiscito de

referendo é a “natureza da questão que motiva a consulta popular – se normas

jurídicas ou qualquer outro tipo de medida política – e o momento de convocação”.

Em relação à natureza, o referendo se refere apenas a normas legais ou

constitucionais, e o plebiscito, a qualquer tipo de questão de interesse público, não

necessariamente de ordem normativa. Quanto ao momento da convocação, o

referendo é convocado sempre após a edição de atos normativos, enquanto que o

plebiscito é uma consulta popular anterior à edição ou não de norma jurídica. Essa

última é a posição dominante no Brasil.

6.2.1 O Plebiscito

A palavra “plebiscito” tem origem nas expressões latinas plebis (plebe) e

sciscere (decretar), formando o vocábulo plebiscitum (aprovados pelos plebeus). No

Direito Romano, assim se dizia da lei que era aprovada pelos plebeus reunidos em

comício. Em sentido amplo, quer exprimir a manifestação da vontade popular ou a

opinião do povo, expressa por meio de votação, acerca de assunto de vital interesse

político ou social (DE PLÁCIDO E SILVA, 1967, p. 1167).

O plebiscito é o primeiro dos instrumentos de democracia participativa

colocados à disposição do povo (art. 14, inc. I da CF/88 e Lei n. 9709/98) e consiste

numa consulta prévia à opinião popular, para adotar providências legislativas ou

outras quaisquer, dependendo do resultado da consulta, ou seja, consiste na

possibilidade de o eleitorado decidir uma determinada questão de grande relevo

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para os destinos da sociedade, com efeito vinculante para as autoridades públicas

atingidas.

Ressalta, no entanto, Paulo Bonavides (2003a, p. 259-261), que esse

instituto é utilizado freqüentemente pelos ditadores, com o intuito de manipular as

massas, mediante o monopólio dos meios de comunicação. O que aconteceu na

França, nos períodos de Napoleão e Napoleão III; com Hitler, Mussolini e Stalin, bem

como com Pinochet no Chile, no século XX.

Graças ao plebiscito, os ditadores fizeram passar as reformas que

desejavam para obter faculdades ilimitadas de poder, prestigiar-se ou mesmo

legitimar a perpetuidade no poder.

Mas isso não quer dizer que estejamos excluindo de aplicação as intervenções legítimas do elemento popular, configurativas da chamada democracia semidireta. Com esta, o povo se empossa das faculdades soberanas de participação, exercitando em toda a plenitude um poder decisório legítimo. Nesse caso as instituições democráticas se aperfeiçoam ou saem fortalecidas (BONAVIDES, 2003a, p. 261).

No Brasil, além do já mencionado plebiscito de 1963, que foi convocado

pela primeira vez na história política brasileira, ocorreu em 1993, pela segunda vez,

um plebiscito em que foi chamado o eleitorado brasileiro para decidir uma importante

questão de ordem político-institucional: a forma (republicana ou monárquica) e o

sistema de governo (presidencialista ou parlamentarista), que já estava previsto no

texto constitucional de 1988, no artigo 2º dos ADCT53.

Primeiro, os monarquistas comemoraram a vitória que consistiu na

inclusão da votação sobre a monarquia nos ADCT da Constituição Federal de 1988.

Depois, amargaram a derrota da proposta monárquica para a republicana, decidida

53 Art. 2º - “No dia 07 de setembro de 1993 o eleitorado definirá, através de plebiscito, a forma (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarismo ou presidencialismo) que devem vigorar no País”.

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na votação, que também optou pela permanência do Presidencialismo em vez do

Parlamentarismo.

6.2.2 O Referendo

Referendo se origina da expressão latina ad referendum, que significa

submeter certas decisões à aprovação de outrem, para que possam ser tidas como

definitivamente tomadas e, assim, surjam ou extingam os efeitos jurídicos, que lhes

são próprios. Com ele, o povo adquire o poder de sancionar as leis, ou seja, a lei

elaborada pelo Estado só se faz juridicamente perfeita e obrigatória depois da

aprovação popular.

Origina-se da prática de consultas populares para que se tornassem

válidas as votações nas Assembléias cantonais, em certas localidades suíças, desde

o século XV, como nos cantões de Valais e Grisons (BENEVIDES, 2003, p. 34).

Segundo Bonavides (2000, p. 282-283), o referendo se classifica nas

seguintes modalidades: a) quanto à matéria ou ao objeto pode ser constituinte ou

legislativo. Constituinte quando se tratar de leis constitucionais, e legislativo quando

se aplica a leis ordinárias; b) quanto aos efeitos é constitutivo, quando a norma

jurídica passa a existir, e ab-rogativo, quando a norma vigente expira; c) quanto à

natureza jurídica é obrigatório, quando a Constituição estabelece que a norma

elaborada pela Casa Legislativa seja submetida à aprovação da vontade popular, e

facultativo, quando se confere a determinado órgão ou a uma parcela do corpo

eleitoral competência para fazer ou requerer consulta aos eleitores, consulta que

não representa obrigação constitucional; d) quanto ao tempo é ante legem, anterior,

consultivo, preventivo ou programático, quando a manifestação da vontade popular

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antecede a lei, buscando conhecer de antemão o pensamento da massa eleitoral, e

post legem, sucessivo ou pós-legislativo, quando houver consulta popular depois de

a lei já ter sido votada pelo Legislativo.

É esta classificação quanto ao tempo que provoca as grandes discussões

acerca da diferença entre o referendo e o plebiscito, o que, no caso brasileiro, já

ficou pacificado o entendimento de que o ato anterior à elaboração da lei é

plebiscito, e o posterior é referendo.

A idéia de referendo trazida na Constituição brasileira de 1988 gera outro

problema. Como se diferir um referendo meramente consultivo de um vinculante?

O referendo consultivo não apenas antecede a lei, mas também não

garante nenhuma deliberação das autoridades no sentido de acatar a vontade

popular, desejando apenas conhecer a opinião do povo. Diferentemente do

vinculante que obriga a tomada de posição do Estado em relação ao que foi decidido

na consulta popular.

Na opinião de Benevides (2003, p. 135), independentemente da omissão

constitucional brasileira, é razoável estabelecer que os referendos devam ter caráter

vinculante. Diferentemente dos plebiscitos, que poderiam ser implementados ou não,

dado o caráter de consulta de decisões futuras.

Numa análise da ocorrência de referendos no mundo contemporâneo,

desde o inicio do século XX até a década de 70, a natureza e os tipos dos

referendos convocados por diferentes países variou bastante. Decidiu-se por

consulta populares sobre questões como a autonomia nacional (Noruega, em 1905,

para se separar da Suécia; Islândia, em 1944, para se separar da Noruega;

Gibraltar, em 1967, para permanecer vinculada à Inglaterra); disputas de fronteiras

em decorrência de guerras; e questões de alcance bem mais limitado, que incidem

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sobre o cotidiano da sociedade, como a mudança de lado das ruas, onde os

veículos trafegam na Suécia, ocorrida em 1955 (MOISÉS, 1990, p. 65).

Mas, do final da década de 60, até os anos 90, o uso do referendo passou

a questões de significado mais importante para a soberania nacional e para a

política interna dos países. O referendo vem sendo utilizado por países que querem

ingressar ou permanecer na Comunidade Européia (Inglaterra, em 1975; Noruega,

em 1972); por países que enfrentaram tentativas separatistas (Canadá, no final dos

anos 60); por países que desejaram mudar suas regras institucionais, seus regimes

políticos ou formas de governo (França, em 1969; Gâmbia, em 1975 e Gana, em

1978); e países que quiseram acelerar ou bloquear política e institucionalmente o

seu processo de transição de um regime autoritário para um de natureza

democrática, como a Grécia, em 1974; a Espanha, em 1976; o Uruguai, em 1985 e

1989; e o Chile, em 1988 (MOISÉS, 1990, p. 65-66).

No início de 2005, dois países europeus, França e Holanda, passaram por

referendos na tentativa de aprovação e aceitação popular acerca da utilização de

uma Constituição comum entre os países que compõem o Mercado Comum

Europeu. Referendos estes que confirmaram a não-aceitação do povo de ambos os

países em relação a essa Constituição.

Atualmente, entre os países que incluem o referendo nos seus textos

constitucionais, encontram-se a Austrália, Alemanha, Argentina, Brasil, Canadá,

Dinamarca, Espanha, França, Finlândia, Grécia, Itália, Irlanda, Portugal, alguns

países da África e outros.

REFERENDOS NACIONAIS EM 16 PAÍSES (1900 – 1980)

Número de Referendos Realizados

Anos 1900-45 1945-62 1963-80 Total

Suíça 83 97 102 282

Austrália 0 5 13 18

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N.Zelândia 0 9 8 17

Dinamarca 3 3 8 14

França 0 8 2 10

Irlanda 1 1 7 9

Itália 0 1 3 4

Suécia 1 1 2 4

Áustria 0 0 1 1

Bélgica 0 1 0 1

Noruega 0 0 1 1

Inglaterra 0 0 1 1

Alemanha 2 0 0 2

Holanda 0 0 0 0

EUA 0 0 0 0

Brasil* 0 0 0 0

Total 90 126 148 364 Fonte: MOISÉS, 1990, p. 68, in A comparative study os practice and theory, A Interprise Institute, Washington, 1978; e A. Lijphart, Democracies, Yale University, New Haven e London, 1984. * Dados inseridos pelo autor

O Brasil só veio a ter seu primeiro referendo no ano de 2005, quando em

23 outubro foi questionado se a comercialização de armas de fogo e munição no

País deveria continuar ou ser proibida.

6.2.3 A Iniciativa Popular

“De todos os institutos da democracia semidireta, o que mais atende às

exigências populares de participação positiva nos atos legislativos é talvez a

iniciativa” (BONAVIDES, 2000, p. 289).

Pactuar sem ressalvas dessa opinião causa séria desconexão com a

proposta central do trabalho. É aceitável a idéia de ser esse instituto o que mais

freqüentemente ocorre, mas somente em relação aos outros dois referidos. A

iniciativa está longe de ser utilizada no Brasil com a devida freqüência desejada pelo

princípio democrático. Mas esse assunto será tratado oportunamente em capítulo

próprio.

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O conceito de iniciativa popular é estabelecido por diversos autores. José

Horácio Meirelles Teixeira (1991, p. 477) entende que iniciativa popular “consiste em

atribuir-se a uma certa parte ou porcentagem do eleitorado o direito de iniciar ou

propor a legislação, que deverá ser elaborada pelo Legislativo”.

Diogo de Figueiredo Moreira Neto (1992 apud DUARTE NETO, 2005, p.

106) define o instituto como

o direito político de participação que se atribui aos cidadãos, em quorum especialmente definido, mas que pode ser estendido a certos tipos de pessoas jurídicas representativas de categorias de interesses, para propor uma medida legislativa ou uma decisão administrativa.

Celso Ribeiro Bastos (1989 apud DUARTE NETO, 2005, p. 106) o

conceitua como “a transmissão da faculdade de iniciar o procedimento de

elaboração legislativa, tanto ordinária quanto constitucional, a uma determinada

fração do corpo eleitoral”.

Para José Duarte Neto (2005, p. 107), a iniciativa popular é “o direito

político subjetivo concedido a um número de cidadãos, de, por intermédio de um ato

coletivo, iniciar o processo de elaboração legislativa”.

Não é exclusividade do Brasil a inserção desse instituto no seu

ordenamento, já que outros países espalhados pelo mundo também o prevêem nos

seus textos legais54.

A Constituição suíça atual faz menção à iniciativa popular, não olvidando

de mencionar que a utilização de processos de participação popular no Estado

Helvético, que é considerado o berço da democracia participativa moderna, data de

longo tempo.

54 Pesquisa realizada no site: www.presidencia.gov.br, em jul/05.

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Os mecanismos de participação no ordenamento jurídico suíço foram

inicialmente aceitos no âmbito cantonal (Saint Gall – 1831, Eale – 1832, Valais –

1839 e Lucena – 1841). Em 1848, os processos já estavam em todas as demais

constituições cantonais, sendo absorvidos pela Constituição do país no mesmo ano.

Em 1º de janeiro de 2000, entrou em vigor o novo texto constitucional

suíço que passou por um processo de elaboração de cerca de trinta anos. Foi em

1965 que primeiro se pensou numa modificação constitucional e foram iniciadas as

primeiras discussões acerca do assunto. Em 1973, foi aprovado um primeiro

relatório que permitia a elaboração de um anteprojeto que contou com a aprovação

popular, por meio de um referendo. Em 1992, o povo rejeitou a adesão suíça ao

Mercado Comum Europeu, causando a paralisação dos trabalhos constitucionais. O

novo texto foi publicado em 1996, aprovado pela Assembléia Federal em 18 de

dezembro de 1998 e ratificado pelo povo em 18 de abril de 1999.

Na esfera federal, a iniciativa se resume à edição ou revogação de normas

constitucionais. Não há previsão para sua utilização para leis federais, da mesma

forma que se apresentava no texto constitucional anterior. Já na esfera cantonal,

pode ser utilizada tanto para as normas constitucionais quanto para as demais leis.

O texto constitucional estabelece que mediante subscrição popular é

possível iniciar a revisão total ou parcial da Constituição suíça. De acordo com o

artigo 136, 1 e 2, são aptos a tal ato aqueles com dezoito anos de idade, de

nacionalidade suíça, que não esteja interditado por enfermidade ou doença mental55.

55 “Art. 136 Diritti politici – (1) I diritti politici in materia federale spettano a tutte le persone di cittadinanza svizzera che hanno compiuto il diciottesimo anno d’età, purché non siano interdette per infermità o debolezza mentali. Tutte hanno gli stessi diritti e doveri politici. (2) Esse possono participare alle elezioni del Consiglio nazionale e alle votazioni federali, nonché lanciare e firmare iniziative popolari e referendum in materia federale”.

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Segundo o artigo 138, parte 1, a revisão total é atribuída à iniciativa de

cem mil eleitores56. Uma vez apresentada, comporta consulta popular. Admitida a

proposta pelos cidadãos, a Assembléia Federal será dissolvida, ocorrendo uma

reeleição de seus membros, tendo a incumbência de reformar segundo as linhas

traçadas no projeto popular57.

A reforma parcial se dará mediante a mesma quantidade de assinaturas

da reforma total, mas com procedimentos diferenciados.

O aspecto que se sobressai em relação à iniciativa no âmbito federal na

Suíça é o seu vínculo com o referendo. Depois de passado por todas as fases –

iniciativa popular, discussão e aprovação do parlamento – a nova norma só entrará

em vigor se ao final for aprovada pela maioria dos cidadãos e dos cantões, ambos

ouvidos em referendo obrigatório58.

Outro aspecto importante a mencionar é a inexistência de maiores

formalidades para a colheita das assinaturas. Na lista tem de figurar o nome do

cantão e da comuna onde serão recolhidas seguidas das referidas assinaturas.

Deverão, ainda, ser acompanhadas de uma certidão da autoridade competente,

dando conta de que os subscritores possuem capacidade legal para o exercício dos

direitos políticos. Não há necessidade de autenticação das assinaturas, mas as listas

contêm advertência quanto à responsabilidade penal no caso de falsidade.

56 “Art. 138 Iniziativa popolare per la revisione totale della Costituzione federale – (1) 100 000 aventi diritto di voto possono proporre la revisione totale della Costituzione entro diciotto mesi dalla pubblicazione ufficiale della relativa iniziativa. (2) Tale proposta va sottoposta al Popolo per approvazione”. 57 “Art. 193 Revisione totale – (1) La revisione totale della Costituzione può essere proposta dal Popolo o da una delle due Camere oppure decisa dall’Assemblea federale. (2) Se la revisione totale è proposta mediante iniziativa popolare o se non vi è unanimità di vedute tra le due Camere il Popolo decide se si debba procedere alla revisione totale. (3) Se il Popolo si pronuncia per la revisione totale, si procede alla rielezione delle due Camere”. 58 “Art. 140 Referendum obbligatorio – (1) Sottostanno al voto del popolo e dei Cantoni: a. le modifiche della Constituzione; [...]”.

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Segundo Duarte Neto (2005, p. 65), “a iniciativa popular encontra-se

permanentemente associada à prática política suíça, sendo instrumento de

indiscutível educação popular”.

Mais de um século de experiência nesse campo tem incutido no cidadão suíço um sentimento democrático sem correspondência no restante do mundo, fazendo-o o núncio de um modelo em que a iniciativa popular legislativa é uma forma de expressão (DUARTE NETO, 2005, p. 66).

Nos Estados Unidos da América, a iniciativa popular constitucional é

prerrogativa dos cidadãos para darem início à revisão constitucional. Difere-se do

ordenamento jurídico suíço quando não permite esse procedimento para a

Constituição Federal, mas somente para as estaduais.

Não ocorre em todos os Estados, só dezessete possuem esse instituto

(Arizona, Arkansas, Califórnia, Colorado, Flórida, Illinois, Massachusetts, Michigan,

Missouri, Montana, Nebrasca, Nevada, Dakota do Norte, Ohio, Oklahoma, Oregon e

Dakota do Sul), assumindo cada um contornos peculiares (DUARTE NETO, 2005, p.

69).

Uma das particularidades que vale ser ressaltada é a existência da

iniciativa popular direta na quase totalidade desses Estados mencionados, com

exceção a Oregon e Massachusetts, que optaram pela indireta, ou seja, há, no

primeiro caso, a dispensa da intervenção do parlamento no procedimento, enquanto

no segundo, o Poder Legislativo recebe a proposta com as assinaturas para

discussão e votação.

Outro aspecto relevante são as formalidades exigidas na colheita de

assinaturas. Na maioria dos Estados mencionados, as regras estabelecidas para a

arrecadação são muito rígidas.

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Primeiro, o projeto tem de ser apresentado a uma autoridade superior, que

o intitulará. Depois, passa-se ao recolhimento das assinaturas, onde uma pessoa é

encarregada de indicar os nomes e endereços, controlando as assinaturas e

verificando se realmente se trata de eleitores. Na maioria dos Estados, o secretário

de Estado, com a ajuda de servidores locais, confere as listas, assinaturas e

endereços.

Alguns Estados procedem às verificações dos dados das listas apenas por

amostragem. Oklahoma e Dakota do Sul são os únicos que dispensam qualquer

verificação, mas exigindo-a se surgirem litígios.

A quantidade de assinaturas exigidas para o encaminhamento do projeto

se baseia em percentagem sobre o número de cidadãos ativos, sendo aqueles que

participaram da última eleição e não sobre todos os eleitores. Essa percentagem não

é baixa. Em Massachusets é de 3%, e vai variando entre os outros Estados até o

maior, que é de 15% em Oklahoma e no Arizona.

Como na Suíça, os projetos de iniciativa popular deverão obedecer ao

princípio da unidade da matéria, não podendo veicular mais de um assunto

(DUARTE NETO, 2005, p. 72).

Existe também a possibilidade de iniciativa popular para o processo

legislativo comum. É mais ampla que o constitucional, sendo prevista em vinte e um

Estados, dentre eles estão Califórnia, Michigan, Washington e Arizona, e doze deles

disciplinam a iniciativa de forma direta.

Não há conferência de tratamento privilegiado às leis elaboradas por

proposta popular. Quando em vigor, poderão ser alteradas ou revogadas por outras

leis de iniciativa do Poder Legislativo, reservada a possibilidade de convocação de

referendo facultativo. Mas em outros Estados podem ser observadas algumas

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prerrogativas como: vedação de revisão durante certo prazo; revogação por maioria

qualificada; revisão com necessidade de concordância popular, sendo realizado

referendo, etc.

Outros ordenamentos também disciplinam a iniciativa popular, apesar de

não possuir a mesma importância atribuída aos outros instrumentos da democracia

semidireta: o referendo e plebiscito.

Na Europa, a iniciativa popular foi prevista antes da Primeira Grande

Guerra, na Constituição francesa de 1793. A Constituição de Weimar, de 1919,

previa a iniciativa popular no seu artigo 73, item 3, embora pouco usada,

diferentemente dos outros mecanismos, principalmente o plebiscito, que foi

extremamente útil ao Nazismo.

Depois da Segunda Grande Guerra, várias constituições previam em seus

textos algum dos mecanismos de participação direta, mas somente a italiana (1948)

e a espanhola (1978) previam a possibilidade de se iniciar o processo legislativo

pela iniciativa popular (DUARTE NETO, 2005, p. 79).

A Constituição Italiana previa o instituto no seu artigo 71, abordando sobre

a quantidade de assinaturas e a elaboração de uma proposta redigida em artigos59.

A espanhola previu o mecanismo de iniciativa popular em seu artigo 87,

parte 3, o qual estabelece a necessidade de quinhentas mil assinaturas para dar

início ao processo60, não permitindo o seu uso para a hipótese de reforma

constitucional.

59 Art. 71 – “L’iniziativa delle leggi appartiene al Governo, a ciascun membro delle Camere ed agli organi ed enti ai quali sai conferita da legge costituzionale. Il popolo esercita l’iniziativa delleleggi, mediante la proposta, da parte di almeno cinquentamila elettori, di um proggeto redatto in articoli”. 60 Art. 87, parte 3 - “Una ley orgánica regulará las formas de ejercicio y requisitos de la iniciativa popular para la presentación de proposiciones de ley. En todo caso se exigirán no menos de 500.000 firmas acreditadas. No procedrá dicha iniciativa em materias proprias de ley orgánica, tributarias e de carácter internacional, ni en lo relativo a la prerrogativa de gracia”.

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O emprego da iniciativa popular na Espanha teve regulamentação por

meio de lei (Lei n. 3 de 26 de março de 1984), conforme determinava a Constituição.

Somente os cidadãos maiores de idade e inscritos perante o censo eleitoral são

permitidos assinar.

Na América do Sul, o instituto aparece em diversas constituições, mas

nunca como na americana ou na suíça. A Constituição uruguaia61 (art. 331, A) prevê

a iniciativa popular tanto para sua reforma quanto para a elaboração de leis. A

Argentina62 (art. 39) somente prevê o instituto para as leis comuns, vedando

expressamente a sua utilização para a reforma constitucional. As Constituições

colombiana e venezuelana também tratam da possibilidade dos cidadãos exercerem

por si a soberania popular.

Na Colômbia63 é permitido que uma pessoa indicada pelos cidadãos seja

ouvida pelas duas Câmaras durante o processo legislativo de iniciativa popular. Na

Venezuela64, o processo legislativo iniciado por meio popular obriga a que as

discussões parlamentares comecem na sessão legislativa ordinária que seguir a

apresentação da proposta. Se isso não acontecer, o projeto será enviado para um

referendo aprobatório.

No Brasil, a Constituição de 1988 instituiu a iniciativa popular nos três

níveis em que se organiza o sistema político brasileiro (o federal65, o estadual66 e o

61 Art. 331 – “La presente Constitución podrá ser reformada, total o parcialmente, conforme a los seguientes procedimientos: A) Por iniciativa del diez por ciento de los ciudadanos inscriptos en el Registro Cívico Nacional, [...]”. 62 Art. 39 – “[...]. No serán objeto de iniciativa popular los proyectos referidos a reforma constitucional, tratados internacionales, tributos, pressupuesto y materia penal”. 63 Art. 155 – “[...]. Los ciudadanos proponentes tendrán derecho a designar un vocero que será oído por lãs Cámaras em todas lãs etapas del trámite. 64 Art. 205 – “La discusión de los proyectos de ley presentados por los electores y electoras [...] se iniciará a más tardar en el periodo de sesiones ordinarias siguiente al que se haya presentado. [...]”. (Retirados do site: www.presidencia.gov.br). 65 Art. 61, § 2º - “A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara de Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles”. 66 Art. 27, §4º – “A lei disporá sobre a iniciativa popular no processo legislativo estadual”.

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municipal67) e não permitiu a utilização desse instrumento para alterar suas próprias

normas, restringindo-o à deflagração do processo da legislação ordinária e

complementar.

A possibilidade de iniciativa popular para leis ordinárias e complementares

da competência legislativa da União é estabelecida no § 2º do artigo 61 da

Constituição brasileira de 1988.

A iniciativa popular teve sua regulamentação junto aos outros instrumentos

da democracia semidireta, o plebiscito e o referendo, com a promulgação da Lei n.

9709, de 18 de novembro de 1998. O instituto é tratado nos artigos 13 e 14 da

respectiva lei, sendo que o primeiro se desdobra em dois parágrafos.

O art. 13 reitera o texto apresentado pela Constituição, já que, se fosse

modificado, cairia em vício de inconstitucionalidade. O § 1º estabelece a

possibilidade de o projeto abordar somente sobre um assunto, com o intuito de

facilitar os trabalhos legislativos e a compreensão da matéria pelos cidadãos, e o §

2º estabelece a impossibilidade de a Câmara rejeitar o projeto por vício de técnica

legislativa ou de redação. Caso ocorra alguma falha nesses, a Casa Legislativa deve

adequar o projeto apresentado68.

O art. 14 estabelece que o andamento do projeto de iniciativa popular será

consoante às normas do Regimento Interno da Câmara69.

67 Art. 29 – “O Município reger-se-á por lei orgânica, [...], atendidos os princípios estabelecidos nesta Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos: XIII – iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidades ou de bairros, através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do eleitorado”. 68 “Art. 13 – A iniciativa popular consiste na apresentação de projeto de lei à Câmara dos Deputados, subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos dos eleitores de cada um deles. § 1º - O projeto de lei de iniciativa popular deverá circunscrever-se a um só assunto. § 2º - O projeto de lei de iniciativa popular não poderá ser rejeitado por vício de forma, cabendo à Câmara dos Deputados, por seu órgão competente, providenciar a correção de eventuais improbidades de técnica legislativa ou de redação”. 69 “Art. 14 – A Câmara dos Deputados, verificando o cumprimento das exigências estabelecidas no art. 13 e respectivos parágrafos, dará seguimento à iniciativa popular, consoante as normas do Regimento Interno”.

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No Regimento, a matéria encontra-se disciplinada no art. 252, com dez

incisos70. Nos incisos I, II e IV estão estabelecidos requisitos indispensáveis ao

colhimento das assinaturas, ou seja, técnicas para se aferir sua legitimidade e

autenticidade (DUARTE NETO, 2005, p. 133 – 135).

O inciso III tem de ser observado e aplicado com extremo cuidado para

não servir à iniciativa popular de leis, a interesses de grandes empresas,

organizações, ou mesmo a segmentos minoritários da sociedade disfarçados de

entidades ou associações, que fazem uso do poder econômico. Vale ressaltar que a

proposta desse inciso não é a da sociedade civil sozinha dar início ao processo, mas

tão-somente o de patrocinar e ajudar no recolhimento das assinaturas.

Uma particularidade do projeto de iniciativa popular é o estabelecido no

inciso VII. Mesmo o projeto tramitando da mesma maneira que qualquer outra

70 “Art. 252 – A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um centésimo do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três milésimos dos eleitores de cada um deles, obedecidas as seguintes condições: I – a assinatura de cada eleitor deverá ser acompanhada de seu nome completo e legível, endereço e dados identificadores de seu título eleitoral; II – as listas de assinatura serão organizadas por Município e por Estado, Território e Distrito Federal, em formulário padronizado pela Mesa da Câmara; III – será lícito à entidade da sociedade civil patrocinar a apresentação do projeto de lei de iniciativa popular, responsabilizando-se inclusive pela coleta de assinaturas; IV – o projeto será instruído com documento hábil da Justiça Eleitoral quanto ao contingente de eleitores alistados em cada Unidade da Federação, aceitando-se, para esse fim, os dados referentes ao ano anterior, se não disponíveis outros mais recentes; V – o projeto será protocolizado perante a Secretaria-Geral da Mesa, que verificará se foram cumpridas as exigências constitucionais para sua apresentação; VI – o projeto de lei de iniciativa popular terá a mesma tramitação dos demais, integrando a numeração geral das proposições; VII – nas Comissões ou no Plenário, transformado em Comissão Geral, poderá usar da palavra para discutir o projeto de lei, pelo prazo de vinte minutos, o primeiro signatário, ou quem este tiver indicado quando da apresentação do projeto; VIII – cada projeto de lei deverá circunscrever-se a um único assunto, podendo, caso contrário, ser desdobrado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Redação em proposições autônomas, para tramitação em separado; IX – não se rejeitará, liminarmente, projeto de lei de iniciativa popular por vícios de linguagem, lapsos ou imperfeições de técnica legislativa, incumbindo a Comissão de Constituição e Justiça e de Redação escoimá-lo dos vícios formais para sua regular tramitação; X – a Mesa designará Deputado para exercer, em relação ao projeto de lei de iniciativa popular, os poderes ou atribuições conferidos por este regimento ao Autor de proposição, devendo a escolha recair sobre quem tenha sido, com a sua anuência, previamente indicado com essa finalidade pelo primeiro signatário do projeto” (Textos retirados do site: www.camara.gov.br, em jul/05).

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proposição, há a possibilidade de uma pessoa estranha à Casa Legislativa vir a

Plenário para discutir o projeto, podendo ser o primeiro subscritor ou pessoa por este

indicada.

Com o intuito de cuidar do projeto e de sua tramitação, suscitando questão

de ordem, a Mesa Diretora da Câmara designará Deputado com os mesmos

poderes ou atribuições do autor da proposição.

Esse Deputado designado tem também a prerrogativa de, em aceitando a

tarefa, defender o projeto na esfera judicial em caso de violação por ocasião de seu

trâmite. A competência para tal causa é do Supremo Tribunal Federal (DUARTE

NETO, 2005, p. 137).

Para José Duarte Neto (2005., p. 141) seria importante para esse

mecanismo popular ser conjugado com o referendo.

O § 4º do art. 27 da Constituição Federal de 1988 estabelece a

competência dos Estados-membros para disciplinar a iniciativa popular de leis no

âmbito de cada um deles, dada a sua autonomia e sua capacidade de auto-

legislação.

A maioria das constituições estaduais aborda a matéria de iniciativa

popular de leis de forma muito próxima. Cabe ressaltar que em algumas delas é

possível a utilização desse instituto para emendas à Constituição e não só para leis

estaduais (ordinárias e complementares).

As emendas à Constituição podem ser estabelecidas por iniciativa popular

nas Constituições do Acre (art. 53, § 5º); Amapá (art. 103, IV); Alagoas (art. 85, IV e

art. 86, § 2º); Amazonas (art. 32, IV); Bahia71 (art. 74, IV); Espírito Santo (art. 62, III);

Goiás (art. 19, IV); Pará (art. 103, V); Pernambuco (art. 17, III); Rio Grande do Sul

71 Art. 74, IV da Constituição do Estado da Bahia – “Esta Constituição poderá ser emendada mediante proposta: [...]; IV – dos cidadãos, subscrita por, no mínimo, um por cento do eleitorado do Estado”.

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(art. 58, IV); Roraima (art. 39, IV); Santa Catarina (art. 49, IV); São Paulo (art. 22,

IV); e Sergipe (art. 56, IV).

Os demais Estados estabelecem nas suas Constituições72 a possibilidade

de utilização da iniciativa popular somente para a criação de leis estaduais ordinárias

ou complementares, são eles: Ceará (art. 60, IV, c/c arts. 61 e 62); Maranhão (arts.

42 e 44); Mato Grosso do Sul (art. 67, caput); Minas Gerais (arts. 65, caput, e 67, §§

1º e 2º); Rio Grande do Norte (art. 46); Rondônia (art. 39, caput e § 2º); Paraná (arts.

65 e 67); Paraíba (art. 63, caput e § 2º); Piauí (art. 75, § 1º); e Rio de Janeiro (arts.

112, caput, e 119).

A Constituição do Estado da Bahia73 disciplina a iniciativa popular para as

leis estaduais ordinárias e complementares no seu art. 82. Enquanto que o

Regimento Interno da Assembléia Legislativa da Bahia74 faz menção apenas à

possibilidade de emendas à Constituição por via de iniciativa popular, repetindo o

que a Constituição estadual já mencionara.

A única Constituição estadual que inovou na proposta do estabelecimento

da iniciativa popular foi a do Rio Grande do Sul, quando estabeleceu a

obrigatoriedade de convocação de referendo, caso o projeto de lei de iniciativa

popular venha a ser rejeitado pela Assembléia Legislativa do Estado (art. 68, § 3º).

Essa idéia de vincular a iniciativa ao referendo vem dos ordenamentos suíços e

americanos (DUARTE NETO, 2005, p. 145).

Particularidades quanto a outros Estados devem também ser

mencionadas. As Constituições Acreana e Mineira estabelecem em seus arts. 53, §

72 Dados retirados do site: www.presidencia.gov.br, em jul/05. 73 “Art. 82 – É assegurado aos cidadãos o direito da iniciativa popular, mediante apresentação à Assembléia Legislativa de projeto de lei subscrito por, no mínimo, meio por cento do eleitorado estadual”. 74 “Art. 196 – A proposta de emenda à Constituição poderá ser apresentada: [...]; IV – pelos cidadãos, subscrita por, no mínimo, um por cento do eleitorado do Estado”.

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5º e 67, respectivamente, da mesma forma que o Regimento Interno da Câmara de

Deputados, a possibilidade de patrocínio aos projetos populares por sociedades

civis. A de Minas Gerais vai mais adiante na inovação, quando estabelece a

subscrição da proposta de iniciativa popular por um número fixo de dez mil eleitores,

e não um percentual, o que facilita muito a prática de tal instrumento.

Na esfera municipal, a iniciativa popular é estabelecida no art. 29, inc. XIII

da Constituição Federal de 1988. Esse mecanismo é possível nas propostas de lei

de interesse do município, cidade ou bairro, mediante a subscrição de cinco por

cento do eleitorado.

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7 REFLEXÃO TEÓRICA: DEMOCRACIA FORMAL E SUBSTANCIAL

Já que a parte demonstrativa dos institutos da democracia semidireta foi

abordada no capítulo anterior, há a necessidade, agora, de uma reflexão teórica que

sirva de transição à análise principal do trabalho, que se dará no capítulo seguinte.

A definição de democracia numa abordagem mais ampla, suas nuanças e

sua evolução histórica foram vistas anteriormente, tornando desnecessária sua

repetição. No entanto, dois conceitos em especial precisam ser abordados com mais

profundidade: o da Democracia Formal e o da Democracia Substancial. Conceitos

estes trazidos por Norberto Bobbio em sua obra “Dicionário de Política”.

Bobbio (1995, p. 328) conceitua democracia mediante a análise dessas

duas diferentes espécies, porque,

segundo uma velha fórmula que considera a Democracia como Governo do povo para o povo, a democracia formal é mais um Governo do povo; a substancial é mais um Governo para o povo. Como a democracia formal pode favorecer uma minoria restrita de detentores do poder econômico e portanto não ser um poder para o povo, embora seja um Governo do povo, assim uma ditadura política pode favorecer em períodos de transformação revolucionária, quando não existem condições para o exercício de uma Democracia formal, a classe mais numerosa dos cidadãos, e ser, portanto, um Governo para o povo, embora não seja um Governo do povo.

Aqui, o termo Democracia tem dois significados distintos: primeiro, a

“Democracia Formal”, que indica um certo número de instrumentos ou meios

trazidos pelo ordenamento jurídico; segundo, a “Democracia Substancial”, indicando

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não mais os meios, mas os fins que podem ser alcançados com sua efetiva

utilização. No caso brasileiro, a democracia existe somente para estabelecer que o

Regime Político adotado pela Constituição de 1988 é a Democracia Semidireta,

independentemente dos fins que possam ser alcançados, o que impede a

demonstração na prática de que o Brasil é, realmente, uma Democracia Semidireta,

já que a democracia substancial não existe efetivamente, existindo apenas a formal.

Outros teóricos sustentam idéias próximas da trazida por Bobbio, de que a

prevalência deve estar adstrita à materialização ou à efetivação e não somente à

formalização pura e simples daquilo que caracteriza a estrutura política e normativa

de um Estado, reforçando ainda mais a necessidade de efetivação das normas para

que verdadeiramente a Nação tenha contornos reais de democracia.

Ferdinand Lassalle (2001, p. 5), em sua obra “A essência da Constituição”,

inicia a exposição em torno do questionamento: o que é uma Constituição?

Ressalta o autor que a Constituição está ligada aos fatores reais de poder

que atuam em toda sociedade, informando todas as leis e instituições jurídicas

vigentes.

Os fatores reais de poder que atuam no seio de cada sociedade são essa força ativa e eficaz que informa todas as leis e instituições vigentes, determinando que não possam ser, em substância, a não ser tal como elas são (LASSALLE, 2001, p. 10-11).

Conclui Lassalle que a Constituição de um país é, em essência, os

somatórios de todos os fatores reais de poder, que podem ser o que o rei, uma

minoria, a burguesia, os banqueiros ou a classe trabalhadora determina,

dependendo de que forma a sociedade é gerida e dominada, não se restringindo a

uma mera folha de papel. O que prevalece é a Constituição como essência, real, e

não uma Constituição jurídica, baseada meramente numa simples construção

textual.

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Pactua dessa mesma idéia Edvaldo Brito (1993, p. 34), quando analisa o

próprio Ferdinand Lassalle, Carl Schmitt e Konrad Hesse. Ele reconhece que

“Constituição jurídica é um ‘conceito’ em crise”. Porque, a Constituição como

essência seria a expressão dos fatores reais do poder, expressos por um elemento

sociológico, que são a “variedade de segmentos de poder que medram na

sociedade civil para dar legitimidade ao poder político”, atuando no seio de cada

sociedade e correspondendo a uma força ativa e eficaz que informa todas as leis e

instituições jurídicas vigentes.

Neste mesmo sentido, Otto Bachof (1994, p. 39) distingue a Constituição

Formal da Constituição Material:

nos termos desta distinção, Constituição em sentido formal será uma lei formal qualificada essencialmente através de características formais – particularidades do processo de formação e da designação, maior dificuldade de alteração – ou também uma pluralidade de tais leis: corresponderá, portanto, ao conteúdo global, muitas vezes mais ou menos acidental, das disposições escritas da Constituição. Por Constituição em sentido material entende-se em geral o conjunto das normas jurídicas sobre a estrutura, atribuições e competências dos órgãos supremos do Estado, sobre as instituições fundamentais do Estado e sobre a posição do cidadão no Estado.

Não é satisfatório, portanto, para a existência de uma verdadeira

constituição, seu conteúdo normativo ser estabelecido apenas por um texto escrito,

sem a efetivação do que ele realmente estabelece, como no caso da democracia

semidireta estabelecida na Constituição brasileira de 1988. O reflexo das normas

constitucionais de forma efetiva na sociedade é essencial para a superação de uma

órbita meramente formal notadamente excessiva, como ocorre na Constituição

Federal de 1988, em relação aos aspectos ligados ao princípio democrático.

Assim, uma vez que a realidade teórica e formalizada é uma e a realidade

fática e prática é outra totalmente diversa, tanto a diferença entre essas duas

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espécies referidas por Bobbio, quanto às abordagens trazidas pelos outros teóricos,

demonstram o foco principal da crise por que passa a democracia no Brasil. Gera-se

com isso os seguintes questionamentos: na prática, e isso é o que realmente

importa, o Brasil pode ser considerado uma Democracia em que sua Constituição

permita e dê oportunidades reais, para que a população possa participar diretamente

do processo de formação da vontade nacional (Democracia Direta pura), através dos

seus institutos: plebiscito, referendo e iniciativa popular? Seus representantes agem

de acordo com a vontade da maioria popular (Democracia Representativa) e não por

forças alheias à vontade do povo, como o poder econômico, por exemplo?

O ideal, para se caracterizar uma democracia perfeita, seria a integração

entre a Democracia Formal e a Substancial, e as conseqüentes idéias de

Constituição Essência e Jurídica, Material e a Formal.

A idéia trazida por Calmon de Passos75 demonstra claramente esses

ideais acima referidos:

uma imagem que parece poder ajudar a pensar. Posso colocar no papel um projeto de uma casa tecnicamente perfeito. Tudo previsto com acerto e corretamente disciplinado. Esse projeto é de todo impotente para me proporcionar a realidade “casa”. Mas igualmente posso dispor de tijolos, cimento, areia, brita, ferragens etc, e isso não me proporcionará, por seu turno, obter a casa que desejo. As duas coisas são essenciais e exigem o operador humano que leve a cabo a interação. [...]. Quando há instituições formais sem respaldo em instituição sociais sempre teremos disfuncionalidade. Resultados positivos só logramos quando há correspondência entre o repertório e a estrutura formalizadas e as interações que efetivamente se cumprem em nível de sociedade.

Mas isso é utópico, uma falácia quando se fala de Brasil. O exagero de

limitações dentro do ordenamento jurídico e a atuação desvirtuada dos

75 Palavras proferidas em aula sobre o tema “Democracia e constitucionalismo. A produção do direito num Estado de Direito Constitucional. A crise da democracia e do constitucionalismo. Reflexos nas funções legislativa e jurisdicional”, que faz parte do material fornecido pelo autor na disciplina “Teoria Geral do Processo”, do Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia, em abril de 2005.

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representantes políticos da população tornam, na prática, a Democracia Semidireta

inviável neste País.

Vale ressaltar, no entanto, que a proposta aqui discutida se refere apenas

à participação popular na função legislativa, aquela que qualifica o cidadão como

eleitor, deixando de fora uma apreciação mais profunda das modalidades de

participação nas outras esferas, embora não negando sua existência.

Além dos aludidos institutos (plebiscito, referendo e iniciativa popular), são

também contabilizados outras modalidades de participação popular, principalmente

aquelas ligadas à Administração Pública. Primeiro, a que identifica o cidadão como

agente de poder, ou seja, como no caso daqueles que ingressam como servidores

no poder público, por concurso ou não, mas que são nomeados para exercer algum

cargo ou função pública. Segundo, o que identifica o cidadão enquanto colaborador

na gestão privada de interesses públicos, como no caso de delegação de serviços

públicos a particulares, mediante concessão, permissão e autorização; na

subscrição de particulares como acionistas em sociedade de economia mista; no

exercício de funções ou cargos honoríficos; no trabalho, em conjunto com a defesa

civil, em situações de catástrofes e calamidades; na prática de mutirões para a

construção de obras públicas ou de interesse público; e na participação em

conselhos ou colegiados de órgãos públicos.

Muito embora a análise das democracias substancial e formal ora proposta

caiba perfeitamente aos institutos de participação popular, na esfera legislativa, não

se dá dessa mesma maneira o encaixe desse respaldo teórico, quando se fala em

participação na esfera administrativa, uma vez que neste caso a participação popular

acontece com muito mais freqüência, deixando a democracia consubstanciada tanto

formalmente quanto materialmente.

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8 A CRISE DA DEMOCRACIA

Diante das impressões apresentadas por Müller em sua obra “Quem é o

povo?”, principalmente dentro de sua perspectiva de povo ativo, em que pese nesse

ponto o povo presente em eleições (a Democracia Representativa) e em votações (a

Democracia Direta), e de povo ícone, foi possível formular uma tese básica em torno

dos diferentes significados do conceito de povo, que podem ser utilizados na

Constituição brasileira de 1988.

Esses diferentes significados dependem de como a realidade do local se

apresenta, sendo que o maior risco é o da normatividade constitucional tornar-se

mera normatividade formal – diferenciação trazida por Bobbio e apresentada no

capítulo anterior do texto -, tendo apenas a intenção de alcançar a democracia

nominal ou formal sem, contudo, dar efetividade à previsão de um Estado em que o

poder emana realmente do povo.

Portanto, uma breve conclusão a que se chega, respaldada pelo conceito

de povo como ícone, é que se está muito longe de poder afirmar que, efetivamente,

a realidade brasileira vive em uma democracia plena – política, social e econômica.

Isto é o que se irá demonstrar neste capítulo, especificamente na órbita política.

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8.1 A DEMOCRACIA REPRESENTATIVA E SUA CRISE

Quem primeiro falou do povo como agente político fundamental foi

Rousseau, por isso é necessário mencionar as idéias políticas referentes à

democracia e à representação expostas por ele. Todavia, antes, faz-se necessário

reportar-se a outros nomes que se referem também ao tema.

John Locke acreditava num modelo em que os deputados seriam os

verdadeiros representantes do povo, com liberdades para agir em seu nome, como

se exercessem uma parcela da soberania originária, ou seja, quando escolhidos, o

representante tinha plena autonomia para decidir em nome dos representados.

Da mesma forma, John Milton, autor político inglês, entendia que, depois

das eleições, os deputados já não são responsáveis perante os eleitores.

Segundo Bonavides (2000, p. 204), essa tese adquiriu força no século

XVIII, com o reforço que lhe deram pensadores como Blackstone e Burke. Segundo

Blackstone, os membros do Parlamento representam o reino inteiro e não um distrito

eleitoral particular. Burke afirmou que seriam “coisas extremamente desconhecidas

ao direito do nosso país” admitir que do eleitor derivassem instruções “imperativas” e

“mandatos”, bastantes para compelir o deputado a segui-los cegamente,

obedecendo-lhes ou aceitando seu voto ou argumento.

Contudo, foi Montesquieu o primeiro a apresentar na Europa a versão

continental do sistema representativo, pregando a idéia de que a maior vantagem

dos representantes é que eles, em substituição do povo, são aptos a discutir os

negócios. Para ele, dos eleitores bastava o representante trazer uma orientação

geral. Nada de instruções particulares acerca de cada assunto, como na Alemanha

(BONAVIDES, 2000, p. 205).

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Montesquieu (2003, cap. 6, passim) ressalta a incapacidade do povo para

debater a coisa pública ou gerir os negócios coletivos, atuando como poder

executivo. No sistema representativo cabe ao povo somente a escolha dos

representantes, atribuição para o qual está qualificado.

Rousseau (1987, p. 40 e ss), entretanto, doutrinava uma idéia contrária a

estas. Primeiro, ele descaracterizou a democracia de forma bastante grave quando

afirmou que “a tomar o termo em sua acepção rigorosa, jamais houve, jamais haverá

verdadeiramente democracia” e mais: “se houvesse um povo de deuses, esse povo

se governaria democraticamente. Um governo tão perfeito não convém a seres

humanos”.

Se sua visão de democracia era feita dessa forma, muito mais longe lhe

parecia a idéia de uma representatividade. Rousseau considerava que o poder

soberano, cujo detentor primeiro é o povo, uno e indivisível, é totalmente atribuído

ao Estado, quando de sua constituição, não admitindo uma soberania divisível e que

o povo pudesse delegá-la a representantes escolhidos para o fim de substituí-lo na

tarefa única de decidir as questões do Estado.

Afirmo, pois, que a soberania, não sendo senão o exercício da vontade geral, jamais pode alienar-se, e que o soberano, que a nada é senão um ser coletivo, só pode ser representado por si mesmo. O poder pode transmitir-se; não, porém, a vontade. (ROUSSEAU, 1987, p. 40-43). A soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada; consiste ela essencialmente na vontade geral e a vontade não se representa: ou é ela mesma ou algo diferente; não há meio termo. Os deputados do povo não são nem podem ser seus representantes, eles não são senão comissários; nada podem concluir em definitivo. Toda lei que o povo não haja pessoalmente ratificado é nula; não é lei. O povo inglês cuida que é livre, mas se engana bastante, pois unicamente o é quando elege os membros do parlamento: tanto que os elege, é escravo, não é nada, nos breves momentos de liberdade, o emprego que dela faz bem merece que a perca (ROUSSEAU, 1987, p. 107-108).

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Rousseau (1987, p. 108) prossegue com sua exposição no tocante à

representação, estabelecendo uma distinção entre o Poder Legislativo e o Poder

Executivo. No primeiro, no que diz respeito à lei e à declaração da vontade geral, o

povo não pode ser representado; no segundo, que é a força aplicada à lei, o povo

não somente pode como deve ser representado.

Lastima, ainda, Rousseau, que nos grandes Estados, um de seus piores

inconvenientes seja o Poder Legislativo não se manifestar por si mesmo, o que gera

a corrupção presente nos corpos representativos. E que contra esse mal da

corrupção existem dois meios para suplantá-lo: a renovação freqüente das

assembléias, encurtando-se o mandato, e a submissão destes às instruções de seus

representados, a quem devem prestar contas de suas atividades.

Como se nota, a posição de Rousseau diante da possibilidade de

delegação de poderes do povo a um representante seria uma grande hipocrisia,

camuflando a verdadeira noção de democracia, em que o poder deveria ser exercido

por todos, através de instrumentos de intervenção direta nas decisões políticas.

Voltando-se para o Brasil e trazendo à tona uma idéia contemporânea

dessa crise anunciada por Rousseau, Raymundo Faoro (1976 apud BENEVIDES,

2003, p. 26), dentro de uma perspectiva de democracia como soberania popular,

expõe que

em última instância, a soberania popular não existe senão como farsa, escamoteação ou engodo [...]. O poder, a soberania nominalmente popular, tem donos que não emanam da Nação, da sociedade, da plebe ignara e pobre. O chefe não é um delegado, mas um gestor de negócios, gestor de negócios e não mandatário.

No entendimento de Maria Victória Benevides (2003, p. 13)

a representação política – legítima e indispensável nas democracias modernas – é uma instituição deficiente para exprimir, com fidelidade, a vontade popular e a realização dos interesses do povo, na multiplicidade de suas manifestações.

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A frase “os políticos são todos iguais” não sai da cabeça do povo em

virtude do descrédito da classe política. Os parlamentares e as próprias instituições

da democracia representativa, como os partidos políticos e o Poder Legislativo,

estão vivendo sob uma forte desconfiança da população.

Em virtude desse descrédito constante, o exercício dos direitos eleitorais

tem encontrado forte resistência junto à população, numa clara demonstração de

esgotamento do modelo democrático representativo. A crise da representação

política está presente, atualmente, nos estudos de vários autores brasileiros, como

Benevides, e de estrangeiros, significando um risco para os fundamentos basilares

da democracia.

Os eleitores deixaram de se sentir representados e exprimem tal sentimento ao denunciarem uma classe política cujo único objetivo seria seu próprio poder e, por vezes, até mesmo o enriquecimento pessoal de seus membros (TOURAINE, 1996, p. 18).

Além do Brasil, essa crise se apresenta em diversos países do mundo,

inclusive naqueles com longa tradição de lutas pela democracia, como França, Itália

e Alemanha, mas observada também em países de formação mais recente, como a

Austrália e os Estados Unidos da América.

Conforme dados apresentados por Müller (1999, p. 20), a crise na

democracia representativa norte-americana gera conseqüências graves.

Isso se expressa diretamente na participação tendencialmente decrescente nas eleições: na sua primeira eleição, Ronald Reagan tinha obtido os votos de menos de 30% dos eleitores, na sua segunda eleição, Bill Clinton tinha obtido mal 25% dos votos dos eleitores; e a participação nas eleições de 1994 para o Congresso Nacional dos EUA foi de 38%.

Nas eleições de 2000, o eleitor norte-americano demonstrou grande

desinteresse pelas eleições presidenciais. Pesquisas do “Centro de Imprensa,

Política e Políticas Públicas Joan Shorestein”, ligado à Escola de Governo John

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Fitzgerald Kennedy, da Universidade de Harvard, mostravam, dias antes do pleito,

que 70% dos eleitores que não votavam e 67% dos que votavam manifestavam a

mesma opinião de que a campanha eleitoral era um teatro76.

Segundo Paulo Sérgio Pinheiro (1995, p. 19), as grandes democracias

mundiais, não só os EUA, passam por essa crise.

Nas grandes democracias, vale dizer, no G7, o Grupo dos Sete, as eleições revelam altos níveis de abstenção. Nas últimas eleições na França, chegou-se ao patamar de 50%, ou seja, metade dos votantes. Nos Estados Unidos, índices de 30, 40, 50% de abstenção são normais.

Outro país de secular tradição democrática, a Suíça, também demonstra

um esgotamento do modelo político representativo, o que fica claro mediante a

análise dos índices de participação da população em eleições para a escolha dos

membros do Conselho Nacional, uma das câmaras componentes da Assembléia

Federal Suíça. Em 1919, a taxa de comparecimento às eleições nacionais foi de

80,4% do eleitorado. Na de 1922, o índice caiu para 76,4%. Por muito tempo o

percentual se manteve nessa faixa, mas em 1959 os índices sofreram uma

considerável baixa para 68,5%. Desde então a queda foi constante e, conforme os

dados de 1983, a participação popular nas eleições foi de apenas 48,9% do total do

eleitorado (AUBERT, 1986, p. 253).

Internamente, Maria Victória Benevides (2003, p. 25), ressalta que “a

população brasileira, ontem como hoje, não se sente ‘bem representada’ no

Legislativo”. O eleitor brasileiro pode ser ignorante por acreditar num salvador da

pátria, mas pode também, por outro lado, ser politizado e participar de movimentos

populares na defesa de interesses coletivos. “Mas, decididamente, não confia nos

‘representantes do povo’. O que, sem dúvida, não é bom para a democracia”.

76 NASCIMENTO, Sandra. O desinteresse do eleitor americano. Gazeta Mercantil, São Paulo, p. A-3, 06 dez. 2000.

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Prova disso são os índices brasileiros de abstenção eleitoral, próximos aos

dos demais países quanto ao seu percentual e gradual aumento, mas diferentes

quanto a um ponto: no Brasil o voto é obrigatório.

Em 1994, o Brasil tinha 94 782 803 eleitores. Nas eleições para Presidente

da República, Governadores de Estado, Senadores e Deputados Federais e

Estaduais, nas quais foi eleito Fernando Henrique Cardoso em 1° turno com 54,27%

dos votos (77 948 464 votos), o Tribunal Superior Eleitoral77 - TSE constatou uma

abstenção de 17,76%, correspondente a 16 824 339 eleitores, sendo que do total

dos votos computados 9,22% foram brancos (7 192 116 eleitores) e 9,55% foram

nulos (7 444 017 eleitores).

Durante as eleições para os mesmos cargos, em 1998, quando o País

tinha 106 101 067 eleitores, ficou constatada uma abstenção de quase 21,5% (22

803 294 eleitores). No mesmo pleito foi verificado que 8,03% dos votos foram

brancos (6 688 403 eleitores) e que 10,67% dos que votaram anularam seu voto (8

886 895 eleitores). Com isso, o candidato à Presidência da República eleito em 1º

turno, Fernando Henrique Cardoso, obteve 53,06% dos votos (83 297 773 votos) do

total de 106 101 167 eleitores registrados e habilitados a participarem do pleito.

Em 2002, nas últimas eleições para Presidente da República e para os

cargos acima mencionados, o Brasil tinha 115 253 447 de eleitores. Luis Inácio Lula

da Silva foi eleito em 2º turno com 61,27% dos votos, onde 79,53% do eleitorado

votaram (91 664 259 eleitores), sendo que 1,88% votou em branco (1 727 760

votos), 4,12% anulou o voto (3 772 138 votos) e 20,47% abstiveram-se de votar (23

589 188 eleitores).

77 Todos os dados referentes às eleições presidenciais e para o Governo do Estado da Bahia foram retirados do site do Tribunal Superior Eleitoral www.tse.gov.br , em 05 de maio de 2005.

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Não foi diferente com as eleições para Governador no Estado da Bahia,

que em 1994 tinha 7 031 624 eleitores. Paulo Souto foi eleito em 2° turno com

58,64% de um total de 4 368 192 votos (62,12% do eleitorado), sendo que 1,73%

(75 722 votos) desses votos válidos foram brancos e 10,98% (479 768) foram nulos.

A abstenção foi de 37,88% (2 663 433 eleitores).

Com um eleitorado de 7 932 228, a Bahia em 1998 elegeu César Borges

para o Governo Estadual em 1º turno com 69,91% de um total de 5 406 422 votos

(68,16% do eleitorado), com 26,25% (1 419 238 votos) de brancos, 9,75% (527 326

votos) nulos e 31,84% (2 525 806 eleitores) de abstenções.

Por fim, nas eleições de 2002, a Bahia tinha 8 568 602 eleitores e foi eleito

Paulo Souto para Governador em 1º turno, com 53,69% dos votos válidos. Votaram

6 399 829 eleitores (74,69%), sendo que 4,88% (311 961 eleitores) votaram em

branco e 11,57% (740 409 eleitores) anularam o voto. A abstenção foi de 25,31% do

eleitorado (2 168 773 eleitores).

Portanto, com esse alto índice de abstenção, votos nulos e brancos

nessas três últimas eleições, perfazendo uma média de mais de 30% do eleitorado,

sem falar na escolha dos membros do Legislativo, uma vez que a média

abstencional circula em torno dos mesmos percentuais, nota-se que a população

esteve, está e provavelmente estará descrente com a classe de representantes e,

conseqüentemente, com a Democracia Representativa. Lembra-se, mais uma vez

que o voto no Brasil é obrigatório, havendo sanções para quem não participa do

pleito.

Segundo entendimento de Benevides (2003, p. 25),

as críticas mais moderadas à representação parlamentar apontam os vícios decorrentes de uma tradição oligárquica incontestável (o que levam a extrema “privatização” da política) e de defeitos inerentes à legislação, como a sub-representação dos Estados mais populosos e desenvolvidos. As críticas mais radicais apontam para o

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que se convencionou chamar de verdadeiro “estelionato político”, decorrente da perversão da representação.

Para ela, além da descrença do povo na política e nos políticos, o

coronelismo, nas várias formas de clientelismo, o populismo, o sistema eleitoral

viciado e o abuso do poder econômico, em resumo, são os principais problemas da

representatividade política no Brasil, os quais chama de “males da representação”

(BENEVIDES, 2003, p. 25-26).

O coronelismo não aconteceu somente no passado, ele perdura até hoje.

Quando se observa o poder da situação política dominante detentora do erário, dos

empregos, dos favores, da força policial, oprimindo e subjugando a população, nota-

se claramente a sua presença, principalmente nas regiões rurais e menos

esclarecidas do País.

O clientelismo se refere à lealdade que a população tinha aos coronéis,

que persiste até hoje, tomando agora a forma de relação entre o Executivo e o

Legislativo. Os representantes legislativos passam a ser meros intermediários de

favores, de proteções e de exigências frente ao detentor de recursos e nomeações,

o Poder Executivo e aos financiadores de campanhas. Com isso, a representação

passa a ter um papel secundário (BENEVIDES, 2003, p. 29).

Essa questão do clientelismo, ainda para Benevides (2003, p. 30-31), traz

à baila “o papel dos partidos políticos como canais privilegiados da ligação entre o

Estado e a sociedade”. Ela critica aqueles que acham que para fazer política é

necessário entrar num partido, uma vez que, se é tarefa dos partidos o

encaminhamento de demandas e a representação de interesses, eles não são

detentores do monopólio da ação política democrática.

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Benevides (2003, p. 29-30) traz também dentro de sua obra dois discursos

de políticos brasileiros acerca desse clientelismo que valem ser reproduzidos,

retirados dos Anais da Câmara de Deputados (ACD).

O Primeiro é de José Joffily, deputado paraibano, que em 20 de outubro

de 1961 disse:

Não é mistério para nenhum de nós que parcela ponderável da representação desta casa, a que pertencemos com tanta honra, mantém suas posições à custa da política de clientela, isto é, à custa daquela política que se faz em duas faixas: a faixa do emprego, dos favores pessoais, e a faixa de verbas que não têm primeira essencialidade no elenco dos problemas nacionais, mas têm primeira essencialidade diante do quadro municipal, e às vezes distrital, que vai decidir da sorte do Deputado, do Senador, do Vereador ou do Governador [...]. O orçamento, via de regra, é retrato de corpo inteiro dessa política de clientela, que nos transforma em despachantes de luxo.

O segundo é o de Tancredo Neves de 24 de julho de 1963:

O que é a República? República é representação. Mas quem fala em representação, fala em partidos, e quem fala em partidos fala em voto. E que é o voto no Brasil nos dias de hoje? É duro confessá-lo e mais duro ainda proclamá-lo: caminha celeremente para o descrédito, a desmoralização e o vilipêndio. Degradou-o a demagogia, corrompeu-o o poder econômico.

Para Benevides (2003, p. 25), ainda, uma das deficiências mais sentidas

na representação política no Brasil é a “total ausência de responsabilidade efetiva

dos representantes perante o povo”, existindo poucos mecanismos jurídicos para

sua cobrança, e que assim mesmo nunca são aplicados.

Dessa mesma maneira pensa J. J. Calmon de Passos78. Segundo ele o

representado passa pela seguinte situação:

tenho poder de eleger os que vão decidir, mas não participo das decisões nem tenho controle sobre elas, sem poder, inclusive, de

78 Palavras proferidas em aula sobre o tema “Democracia e constitucionalismo. A produção do direito num Estado de Direito Constitucional. A crise da democracia e do constitucionalismo. Reflexos nas funções legislativa e jurisdicional”, que faz parte do material fornecido pelo autor na disciplina “Teoria Geral do Processo”, do Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia, em abril de 2005.

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fiscalizar o exercício do mandato outorgado no tocante à sua fidelidade aos poderes conferidos. Trata-se quase de uma procuração em causa própria, mais uma alienação da vontade política que de seu exercício.

Entretanto, não só esses problemas vistos até agora provocam a crise na

democracia representativa. Outros favorecem ao agravamento da situação.

8.1.1 A Regra da Maioria

Afora todos os problemas já mencionados, outro que aparece com

bastante relevância é o desrespeito à regra da maioria, sendo um dos

procedimentos que melhor organizam as relações entre o Direito e a Democracia,

uma vez que é através dele que se mede a vontade popular e o governo das leis, a

partir de um critério de escolha da maior parte dos cidadãos. A democracia aqui é

estabelecida a partir do momento em que todos têm um mesmo poder de escolha,

que será tomada do consenso da maioria. Campilongo (2000, p. 16) dá uma

definição parcial e incompleta, mas com ciência das suas limitações de regra da

maioria.

A regra da maioria é uma técnica rápida de tomada de decisões coletivas que maximiza a liberdade individual e assegura a ampla e igual participação política dos cidadãos, aproximando governantes e governados por meio de uma prática social de legitimação eventual, finita no espaço e no tempo, que sujeita as decisões à contínua revisão e mantém a sociedade unida.

Entretanto, o dilema trazido pela regra da maioria se subscreve na idéia de

se questionar quem escolhe e quem decide nos processos trazidos pela democracia

representativa no caso do Brasil. A regra da maioria prevalece dentro do Brasil ou o

que se impõe, realmente, é a condução dos trabalhos legislativos dos

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representantes do povo por uma minoria que dita os rumos do País: aqueles que

detêm o Poder Econômico?

Alejandro Serrano Caldera (1996, p. 100), ao examinar esses dilemas da

democracia, pontua que

a prática da democracia indica a todos que querem ver que se produziu uma separação entre a minoria governante e a maioria governada, entre os representantes e os supostamente representados e que o destino de um país se encontra nas mãos de um número significativamente reduzido de dirigentes políticos. O vértice, absolutamente minoritário, decide pelo resto da pirâmide. A conduta do corpo social, dirigida por uma cúpula cada vez mais reduzida (não importa o corpo de partidos políticos), é de confrontação ou de indiferença, não de participação, que é o que, na realidade, constitui a essência do ser e da prática da democracia.

Dentro dessa ótica, vale ressaltar o que isso se convencionou chamar de

uma “ditadura da minoria”, ou seja, uma ditadura implantada por meio de

deliberações tomadas por uma minoria esclarecida que impõe sua vontade sob a

aparência de uma decisão discutida e elaborada por toda a sociedade de forma

coletiva, embora, na realidade, o que prevalece são as idéias de um grupo

minoritário e poderoso que faz uso dos mecanismos dispostos à democracia de

forma indiscriminada.

Alexis de Tocqueville (1998, p. 294-323) se refere a esse problema

usando o termo “tirania da maioria” e alerta para os riscos de um governo

democrático pautado na “onipotência da maioria”, sem freios e sem limites para as

suas decisões.

Portanto, quando vejo concederem o direito e a faculdade de fazer tudo a uma força qualquer, seja ela chamada povo ou rei, democracia ou aristocracia, seja ela exercida numa monarquia ou numa república, digo: aí está o germe da tirania (TOCQUEVILLE, 1998, p. 296).

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O resultado disso é a derrocada do princípio do respeito à vontade da

maioria, cujas bases morais, de acordo com Tocqueville (1998, p. 290-291), seriam:

há mais sabedoria em muitos homens reunidos do que num só; e os interesses da

maioria devem ter preferência sobre os da minoria.

Como complemento, Alvin e Heide Toffler79 (1997, p. 121) comungam da

idéia de que em algum futuro os historiadores

poderão olhar para trás e considerar o voto e a procura de maiorias como um ritual arcaico seguido por primitivos em termos de comunicação. Hoje, entretanto, em um mundo perigoso, não podemos abrir mão nem mesmo da fraca influência popular que existe nos sistemas majoritários e não podemos permitir que as minorias tomem vastas decisões que tiranizem todas as demais minorias.

Portanto, nota-se que a implantação plena da vontade da maioria, base

de sustentação da Democracia Representativa, foi suplantada pela vontade de

grupos específicos, notadamente a classe com maior poder, seja ele econômico ou

outro qualquer, os chamados “Grupos de Pressão”.

Essa minoria são os grupos sociais que, para satisfazer interesses

próprios, procuram obter determinadas medidas dos Poderes do Estado e influenciar

a opinião pública. Em conseqüência, tais grupos intimidam os governantes que

passam a seguir suas instruções, defendendo seus interesses em detrimento dos da

coletividade.

79 Esses são os autores do livro intitulado de “A Terceira Onda”, de 1980, onde expõem a idéia de que a humanidade passou por várias mudanças chamadas de Primeira, Secunda e Terceira Ondas. Onde a primeira mudança se refere à revolução agrícola, que levou milhares de anos para se esgotar; a segunda se refere ao advento da revolução industrial, que levou apenas cem anos; e a terceira à revolução da informação, sendo esta a “mais profunda convulsão social e reestruturação criativa de todos os tempos” (TOFFLER, 1997, p. 19). Nesta última, eles colocam a revolução da informação numa perspectiva histórica, comparando-a com as outras duas grandes revoluções referidas, e fazem

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8.1.2 Os Partidos Políticos e os Grupos de Pressão

Bonavides (2000, p. 426 e 429) expõe que os interesses coletivos, em

busca de representação, servem-se de dois canais para chegarem até ao Estado:

dos partidos políticos e dos grupos de pressão.

Para ele tantos os partidos políticos quanto os grupos de pressão têm

como característica comum serem categorias interpostas entre o cidadão e o

Estado, servindo como ponte entre ambos. Mas alguns traços distintivos os

diferenciam, como: a) o caráter permanente dos partidos e transitório dos grupos de

pressão; b) a perspectiva política global dos partidos e a perspectiva parcial dos

grupos de pressão; c) o envolvimento dos partidos para o interesse geral e dos

grupos para interesses particulares; d) a existência de responsabilidade política

definida em um programa exposto à publicidade dos partidos e a inexistência de

responsabilidade dos grupos.

Antes de definir grupos de pressão, porém, Bonavides (2000, p. 427) faz

questão de distingui-los de “grupos de interesses”, alertando que os primeiros

derivam destes. Para ele “os grupos de interesses podem existir organizados e

ativos sem contudo exercerem a pressão política. São potencialmente grupos de

pressão e constituem o gênero do qual os grupos vêm a ser a espécie”. Grupo de

pressão, entretanto, “se define em verdade pelo exercício de influência sobre o

poder político para obtenção eventual de uma determinada medida de governo que

lhe favoreça os interesses”.

Para aquele que acha que a ação dos grupos de pressão sobre o

processo político é um fato recente na história da humanidade, privativo do século

referência à interferência das mudanças implementadas pela Terceira Onda dentro da política, campanhas políticas e operações governamentais.

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XX ou XXI, engana-se redondamente. Murillo Aragão (1994, p. 18), citando Karl

Deutsch, menciona que os antigos reinos nos vales dos rios da Índia, Mesopotâmia

e Egito permitiram dois grupos de pressão: guerreiros e sacerdotes. Os guerreiros

pretendiam se tornar nobres e os sacerdotes aspiravam ser proprietários de terras.

Durante o século XIX, dentro do Welfare State, outros exemplos de

grupos de pressão também aparecem, em virtude do aumento da esfera de

competência dos poderes públicos, que gera uma maior dependência dos

governados em relação ao Estado. Com isso, há um aumento significativo dos

grupos de pressão, tentando defender seus interesses perante o Estado ou através

de influência sobre ele.

No que diz respeito ao Brasil, a atuação dos grupos de pressão sobre o

Poder Legislativo é comprovada, também, desde o século XIX, também. Mário

Augusto Santos (1991, p. 16) salienta que a Associação Comercial da Bahia,

entidade fundada em 1811, atuou em defesa de diversos interesses de seus

associados junto ao Congresso Nacional, durante a Primeira República.

A identificação dos grupos de pressão não é facilmente obtida. Alguns

autores preferem identificá-los segundo a ordem dos seus interesses, distinguindo

os que se ocupam de vantagens materiais e os que propõem fins menos egoístas,

de âmbito moral ou ideológico. Outros entendem que os grupos podem ser

identificados segundo a sua técnica de ação, ou seja, segundo os métodos

empregados por ele para alcançar os resultados propostos. Embora haja essa

distinção, o certo é que o que vem prevalecendo dentro do processo político

brasileiro é a superposição dos grupos que buscam vantagens particulares em

detrimento daqueles que visam ao interesse coletivo.

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O grande problema causado pelos grupos de pressão recai sobre a

ausência de regulamentação na atuação desses grupos no Parlamento e nos outros

órgãos do Governo. Nem a legislação ordinária, tampouco a Constituição Federal

aloja nos seus teores qualquer nota remissiva aos grupos de pressão, deixando-os à

vontade para agir. O resultado disso, portanto, é a geração de grave perigo à

democracia representativa e aos partidos políticos.

Os EUA, em 1946, introduziram em suas leis a matéria sobre a

institucionalização dos grupos de pressão com o Federal Regulation of Lobbying Act,

disciplinando pela primeira vez a atividade dos grupos de pressão, que já atuavam,

há muito tempo, junto ao Congresso norte-americano, debaixo das seguintes

denominações: lobby80, ou seja, o grupo organizado, lobbying, o método de ação

empregado e lobbyisten, as pessoas que se entregam a esse gênero de atuação

política. Essa lei reconheceu como legítimo os trabalhos dos grupos de interesses

realizados pelos lobbyisten, trazendo uma série de disposições restritivas, como a

obrigação de registro das pessoas que atuavam nisso na Câmara dos

Representantes e na Secretaria do Senado e a revelação da origem das somas

empregadas no exercício de influência, bem como dar publicidade dos propósitos

dos grupos e das quantias gastas com o ato (BONAVIDES, 2000, p. 435). Todavia,

mesmo com a implementação dessa lei, a prática do lobby feita de forma irregular

continua acontecendo nesse País, o que garante a subida ao poder daqueles que

interessam aos grupos de pressão.

Apesar da paridade de objetivos dos partidos políticos e dos grupos de

pressão, uma vez que são, ambos, pontes que ligam o cidadão e o Estado, autores

80 O termo lobby é de origem norte-americana e já é empregado em outros países como o Brasil. Literalmente, significa a parte de um prédio que se encontra aberta ao público, “antecâmara”, “corredor”, “vestíbulo”, evocando o local da casa legislativa onde os agentes dos grupos de pressão buscavam estabelecer contato ou audiência com os congressistas (BONAVIDES, 2000, p. 434-435).

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mais modernos advertem para o declínio e a morte dos partidos políticos com a

ascensão dos grupos de pressão.

Munro há cerca de meio século já os batizara de “governo invisível”. Truman entende que eles são os “verdadeiros” sujeitos da ação política. Outros publicistas, exprimindo as mesmas apreensões, vêem nos grupos a imagem de “Estados dentro do Estado” ou chegam ao ponto de asseverar, conforme ressalta Kruger, que o Estado e seus órgãos já sucumbiram ao assalto dessas formações (Bonavides, 2000 , p. 427).

A Constituição brasileira de 1988, em seu artigo 17, regulamentou os

partidos políticos como instrumentos necessários para a preservação do Estado

Democrático de Direito, assegurando-os autonomia para definir a sua estrutura

interna, organização e funcionamento.

No entanto, a crise do sistema representativo está ligada à crise desses

partidos, apresentando vários problemas como o da falta de imposição majoritária de

suas idéias em respeito e consonância à vontade da maioria, causando, como já

dito, um grande descrédito da população em relação aos seus representantes no

parlamento.

Outros problemas ligados à democracia de partidos vêm do sistema

eleitoral brasileiro e seu desvirtuamento da proporcionalidade; da questão da

fidelidade partidária; do financiamento de campanha.

A proporcionalidade da representação tem o objetivo de assegurar a cada

partido a perfeita correspondência de sua força numérica na sociedade dentro do

Poder Legislativo.

No entanto, o sistema eleitoral brasileiro gera um importante problema

dentro dessa perspectiva: a proporcionalidade, baseada no quociente eleitoral e no

quociente partidário, na verdade, gera nas eleições do Poder Legislativo uma

verdadeira desproporção, fazendo com que nem sempre aqueles que assumem

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160

seus lugares nas casas legislativas sejam, realmente, os que obtiveram mais votos

nas eleições. Veja o exemplo do Deputado Federal paulista Enéas nas eleições de

2002, quando, em virtude da quantidade de votos obtidos por ele e,

conseqüentemente, para a sua legenda, levou consigo para o Congresso Nacional

deputados de seu partido, o PRONA, que obtiveram insignificante votação dentro do

universo de votos de outros candidatos. Daí o surgimento da dúvida se o que é

estabelecido pelo sistema eleitoral brasileiro reflete a verdadeira idéia de democracia

representativa, uma vez que essa distorção democrática provoca um distanciamento

entre a vontade expressa pelo Parlamento e a vontade da maioria popular.

As democracias parlamentares européias são construídas sobre uma

sólida base partidária: como no parlamentarismo pluripartidário com partidos

políticos fortes e ideológicos com governos de coalizão; no parlamentarismo

bipartidário como o da Inglaterra; e no parlamentarismo multipartidário com diversos

partidos políticos.

O sistema parlamentarista pode ser um sistema extremamente

democrático se todos os seus pressupostos de implementação estiverem presentes,

como: partidos políticos fortes e ideológicos; fidelidade partidária; cultura política e

sistema eleitoral que permitam que os eleitores votem na proposta de governo e não

em pessoas.

Mesmo que não seja adotado no Brasil um sistema parlamentar, a

existência de partidos políticos fortes, com fidelidade partidária e um programa

definido, é fundamental para a democracia representativa.

A fidelidade partidária aparece como outro problema da

representatividade, já que após as eleições ocorre com freqüência o total

desligamento do parlamentar de seu partido político e de sua conjuntura ideológica

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161

acontecendo, muitas vezes, uma inversão de ideologia de extrema direita para outra

de extrema esquerda. Ou seja, a troca de partidos, sem sanções, feita pelos

representantes virou um hábito, causando instabilidade dentro das estruturas

partidárias e das próprias casas parlamentares.

Por fim, a falta de uma legislação apropriada para a obtenção de

financiamento de campanhas políticas no Brasil gera outro problema para a

democracia representativa: o financiamento proporcionado pelo setor privado

dificulta o controle e causa inevitavelmente o fortalecimento do poder econômico no

resultado das eleições, voltando à idéia do clientelismo e de uma representação

política de minoria poderosa e privilegiada.

O grande exemplo disso é o que acontece nos Estados Unidos da

América do Norte. O financiamento privado e sem teto de gastos no

presidencialismo norte-americano é visto como um dos mecanismos que

caracterizam o sofisticado sistema de filtros, que perpetuam o poder nas mãos do

poder econômico por detrás dos dois grandes partidos – o Republicano e o

Democrático – que representam, na verdade, os mesmos interesses e o mesmo

projeto de poder econômico e dominação global. Lá é praticamente impossível que

um projeto alternativo e uma candidatura estranha ao sistema chegue à Casa

Branca. A democracia norte-americana nos níveis federal e estadual é meramente

formal e aparente (MAGALHÃES, 2002, p. 14).

Nas palavras de Calmon de Passos81: “os representantes dos cidadãos

representam mais os interesses de seus financiadores que os interesses de seus

eleitores”.

81 Palavras proferidas em aula sobre o tema “Democracia e constitucionalismo. A produção do direito num Estado de Direito Constitucional. A crise da democracia e do constitucionalismo. Reflexos nas funções legislativa e jurisdicional”, que faz parte do material fornecido pelo autor na disciplina “Teoria

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162

Com tudo isto, os partidos políticos deixam de constituir-se no mais

importante veículo de coleta das aspirações populares e direcionador das decisões

políticas do Estado, abrindo espaço, cada vez mais, para a atuação dos grupos de

pressão, que passam por um crescimento quantitativo e qualitativo surpreendente.

F. Badia (1987, p. 19) ressalta que

os grupos de interesse e de promoção crescem cada dia mais. Ora, todo grupo de interesse ou de promoção que veja prejudicada a sua razão de ser e seus objetivos por causa de extra-limitações do poder público ou da prepotência de outros grupos de sua espécie, e que não ache meios adequados de participação política e social para defender os seus interesses e as suas causas, ver-se-á obrigado a influenciar diretamente sobre as instituições do Estado, para salvaguardar seus objetivos próprios ou, então, influenciar indiretamente sobre a opinião pública, tornando-se dessa forma – e circunstancialmente – um grupo de pressão.

Chega-se à conclusão de que hoje em dia a importância dos grupos de

pressão aumentou tanto que não há nenhum exagero em afirmar que são parte da

Constituição viva ou da Constituição material, tanto quanto os partidos políticos, mas

independente de toda institucionalização ou reconhecimento formal nos textos

jurídicos (BONAVIDES, 2000 , p. 428).

Na Alemanha, em debate realizado em 1987 sobre a crise da democracia,

ficaram constatadas algumas causas da deterioração da representação: a) a

corrosão de referências morais e ideológicas na definição de direitos e deveres dos

cidadãos; b) na transformação da representação em mera representação de

interesses e em mera troca de serviços entre representante e representado; c) a

dupla lealdade dos partidos políticos, aos seus eleitores e aos poderes instituídos; d)

a manipulação do medo em troca de proteção, em virtude da propaganda do caos,

do terrorismo, do desemprego, da inflação, do desastre ecológico etc; e) a

Geral do Processo”, do Mestrado em Direito Público da Universidade Federal da Bahia, em abril de 2005.

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163

incompetência dos representantes. Constatando-se, assim, quase todos os motivos

da derrocada da democracia representativa acima expostos.

8.2 LIMITAÇÕES AOS INSTITUTOS DA DEMOCRACIA DIRETA

A idéia de Müller de povo ativo presente em votações reforça a

participação popular nos processos de formação nacional na sua parte específica da

Democracia direta. Essa parte encontra-se na Constituição Federal de 1988, quando

aborda sobre os institutos da democracia semidireta: o plebiscito, o referendo e a

iniciativa popular.

Os três institutos, no entanto, dentro do que é estabelecido na

Constituição Federal de 1988, nas Constituições estaduais e em lei

infraconstitucional, possuem inúmeras limitações que os tornam ineficazes. O que

faz com que a sua utilização efetiva no Brasil se restrinja a quase nada, quando

comparada ao que se fez e ao que se faz, em relação à participação na formação da

vontade nacional marcada pela atuação do poder público, principalmente na esfera

do Poder Executivo.

8.2.1 Limitações à Iniciativa Popular

A iniciativa popular é a manifestação direta do povo na elaboração das

leis federais ordinárias ou mesmo complementares, como dispõe o art. 61, §2º da

Constituição Federal, bem como na hipótese de legislação municipal ou estadual,

como expõem os arts. 27, §4º e 29, XIII, também da CF.

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164

Nessas observações iniciais, notam-se as primeiras limitações impostas

pelo ordenamento aos institutos de participação direta da população. O art. 61, em

seu §2º, impõe que a proposta de iniciativa popular deverá ser subscrita, no mínimo,

por um por cento do eleitorado nacional e que estes eleitores estejam distribuídos

em pelo menos cinco Estados brasileiros, cuja manifestação por Estado não seja

inferior a três décimos por cento do eleitorado.

[...] a iniciativa popular, tal como prevista no art. 61, § 2º, da Constituição Federal, demonstra-se mais um óbice do que a concretização desse instrumento democrático. É o que se verifica da sua redação: [...]. Essa fórmula deverá ser simplificada, a fim de possibilitar ao cidadão o efetivo acesso à função legislativa, realizando a mens legis, obstaculizada por uma redação impermeável à idéia democrática da participação, no caso, do exercício do poder de elaboração das leis (GARCIA, 1997, apud DUARTE NETO, 2005, p. 130).

Esse dispositivo constitucional não vem tendo a efetividade que deveria. O

primeiro motivo se deve às dificuldades práticas do recolhimento de quase um

milhão de assinaturas, por cinco Estados. Em 1989, essa exigência significava que

qualquer proposta de iniciativa popular, no plano federal, exigiria um mínimo de 820

mil assinaturas, para um eleitorado de aproximadamente 82 milhões. Hoje, com um

eleitorado de aproximadamente 115 milhões de pessoas, a quantidade de

assinaturas necessárias subiria para cerca de 1,15 milhão

de assinaturas. Outro problema de ordem formal diz respeito à própria coleta de

assinaturas. Como recolhê-las? Quem recolhe as assinaturas pode receber por

isso? Quem controla a autenticidade das assinaturas? Deve haver fiscalização dos

partidos políticos, de entidades privadas ou do Poder Judiciário? Mas tais perguntas

não foram esclarecidas pelo ordenamento pátrio.

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165

O segundo motivo decorre do primeiro, porque é muito mais fácil e barato

obter um “apadrinhamento” de um representante do legislativo federal e, com isso,

cair , mais uma vez, no problema da representatividade.

Além dessa limitação formal aparente, impende analisar ainda os limites

materiais a esse instituto. Quais as matérias que os cidadãos poderiam propor

projetos, ou sobre quais eles não o poderiam fazer? No entanto, nessa seara, o

constituinte e o legislador ordinário foram omissos.

Mas, retornando a limitação formal, vale ressaltar que, com o passar dos

anos, desde a promulgação da Constituição de 1988, poucos são os projetos que

contaram com a mobilização popular, e que desse modo chegaram à Câmara dos

Deputados.

São apenas três os projetos de iniciativa popular apresentados ao

Parlamento em quase duas décadas de história da Constituição vigente.

LEGISLAÇÃO FEDERAL

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1988* 35 2 0 0 37

1989 276 3 0 0 279

1990 166 2 0 0 168

1991 238 6 0 0 244

1992 222 1 2 0 225

1993 225 7 2 1 235

1994 131 3 0 0 134

1995 281 2 5 0 288

1996 177 5 6 0 188

1997 169 4 2 0 175

1998 178 3 3 0 184

1999 175 5 4 1 185

2000 218 3 7 0 228

2001 230 10 4 0 244

2002 237 2 4 0 243

2003 197 1 3 0 201

2004 252 1 3 0 256

2005** 99 1 3 0 103

Total 3471 61 48 2 3583 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.senado.gov.br Senado Federal

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Em: 23.05.2005 * Levantamento feito a partir de 10/05/1988 (Constituição Federal) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

A primeira proposta de projeto de iniciativa popular foi apresentada em 19

de janeiro de 1992, sob o n. 2710/92. Esse projeto tem como co-autor o Deputado

Nilmário Miranda (PT-MG) e pretende a criação de um Fundo Nacional de Moradia

Popular, objetivando garantir a quem ganha até cinco salários mínimos recursos

para a construção, compra ou reforma da casa própria, arrendamentos de unidades

habitacionais, urbanização, saneamento básico e mesmo aquisição de materiais de

construção, já que o Brasil tem um déficit habitacional de sete milhões de moradias.

Os recursos do fundo serão distribuídos de forma descentralizada aos Estados e aos

Municípios, que terão de oferecer contrapartida na forma de recursos financeiros,

bens imóveis ou serviços vinculados aos empreendimentos habitacionais. Fica

também instituído o Sistema Nacional de Habitação de Interesses Sociais (SNHIS),

que centralizará todos os programas e projetos destinados a habitações populares

por meio da articulação entre a União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

A proposta contava com mais de 800 mil assinaturas, distribuídas por

dezoito Estados. Foi admitido pela Mesa do Senado, que teve de superar o

obstáculo da autenticidade das firmas. Oficiou-se o Tribunal Superior Eleitoral - TSE

para que, por amostragem, conferisse a situação eleitoral dos subscritos. Contudo, a

Justiça Eleitoral ficou impossibilitada de cumprir a tarefa, pela falta de um cadastro

nacional integral. Mas, apesar disso, o projeto foi admitido e enviado para as

Comissões. Sua redação final foi aprovada pela Câmara dos Deputados em 03 de

junho de 2004 e posteriormente teve seu texto enviado ao Senado (09 de junho de

2004), onde ainda encontra-se tramitando.

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167

O segundo projeto de iniciativa popular foi apresentado em 09 de

setembro de 1993, sob o n. 4.146/93, encabeçado pela dramaturga Glória Perez,

depois da ocorrência do trágico assassinato de sua filha, a atriz Daniela Perez, pelo

também ator Guilherme de Pádua. O projeto que tinha o apoio da classe artística,

dos meios de comunicação e da população em geral tinha o objetivo de dar nova

redação ao art. 1º da Lei n. 8.072/90, que dispõe sobre os crimes hediondos, que

passaria a incluir o homicídio qualificado no rol dos crimes por ela estabelecidos.

Sua tramitação foi bastante rápida, em vista do projeto anteriormente citado, já que

em 06 de setembro de 1994 o projeto foi transformado na Lei n. 8.930.

O terceiro projeto foi apresentado no ano de 1999, respaldado por um

milhão de assinaturas, sob o n. 1.517, com a participação da Conferência Nacional

dos Bispos do Brasil (CNBB). Objetivava combater a corrupção eleitoral, alterando

dispositivos da Lei n. 9.504, de 30 de setembro de 1997, e da Lei n. 4.737, de 15 de

julho de 1965 (Código Eleitoral). Em 28 de setembro de 1999 o projeto foi

transformado na Lei n. 9.840.

No âmbito federal, o Brasil tem cerca de 3.512 leis, entre ordinárias,

complementares e emendas à Constituição, sendo que apenas 3 foram propostas

por iniciativa popular, insignificantes 0,085% do total, ou seja, nada.

Nas esferas municipal e estadual, a iniciativa popular não está longe do

que acontece na federal. O art. 29, XIII, que se refere aos municípios, expõe que a

iniciativa popular de projetos de lei de interesse específico do Município, da cidade

ou de bairros, se dará através de manifestação de, pelo menos, cinco por cento do

eleitorado; já o art. 27, §4º se reporta à necessidade de lei que disporá sobre a

iniciativa popular no processo legislativo estadual. Gerando, assim, problemas da

mesma ordem dos projetos para o legislativo federal.

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168

O reflexo dessas limitações está claramente demonstrado na quantidade

de leis estaduais e emendas às constituições dos Estados da Federação que

tenham sido propostas por iniciativa popular.

Na Região Norte do Brasil ainda não há projetos de iniciativa popular

transformados em lei. A única proposta estava no Estado do Pará, mas já foi

arquivada. Esse Projeto de Emenda Constitucional, com origem externa (iniciativa

popular), inscrito sob o n. 03/98, visava isentar portadores de deficiência, com

dificuldade de locomoção, de tarifa dos transportes coletivos, rodoviários e

aquaviários.

ESTADO DO PARÁ

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 21 0 0 0 21

1990 52 5 0 0 57

1991 78 3 0 0 81

1992 20 2 0 0 22

1993 63 4 1 0 68

1994 88 12 0 0 100

1995 50 4 2 0 56

1996 83 1 4 0 88

1997 83 3 5 0 91

1998 82 2 1 0 85

1999 98 0 3 0 101

2000 68 1 1 0 70

2001 83 1 1 0 85

2002 93 5 0 0 98

2003 89 2 5 0 96

2004 94 3 5 0 102

2005** 51 1 2 0 54

Total 1196 49 30 0 1275 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.alepa.pa.gov.br Assembléia Legislativa do Pará Em: 02.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

ESTADO DO AMAZONAS

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 17 1 0 0 18

1990 76 1 1 0 78

1991 91 2 9 0 102

1992 72 2 1 0 75

1993 89 2 1 0 92

1994 58 2 2 0 62

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1995 52 2 8 0 62

1996 58 1 2 0 61

1997 49 3 4 0 56

1998 44 1 7 0 52

1999 61 2 1 0 64

2000 42 4 1 0 47

2001 86 6 1 0 93

2002 66 0 2 0 68

2003 89 0 4 0 93

2004 70 8 5 0 83

2005** 45 5 4 0 13

Total 1065 42 53 0 1160

ESTADO DE RORAIMA

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989

1990

1991* 14 0 0 0 14

1992 21 1 0 0 22

1993 26 1 1 0 28

1994 27 8 1 0 36

1995 36 5 1 0 42

1996 38 5 1 0 44

1997 25 1 1 0 27

1998 35 6 0 0 41

1999 27 7 2 0 36

2000 32 4 1 0 37

2001 42 17 3 0 62

2002 34 6 2 0 42

2003 49 9 1 0 59

2004 25 2 0 0 27

2005** 17 1 0 0 18

Total 448 73 14 0 535 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.rr.gov.br Assembléia Legislativa de Roraima Em: 14.04.2005 * Levantamento feito a partir de 31/12/1991 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

ESTADO DO TOCANTINS

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 42 0 1 0 43

1990 44 2 0 0 46

1991 56 0 2 0 58

1992 115 3 1 0 119

1993 93 0 0 0 93

1994 54 1 0 0 55

1995 44 2 0 0 46

LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.aleam.gov.br Assembléia Legislativa do Amazonas Em: 05.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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170

1996 33 3 0 0 36

1997 38 1 1 0 40

1998 56 6 2 0 64

1999 35 4 1 0 40

2000 55 3 1 0 59

2001 84 3 3 0 90

2002 40 5 1 0 46

2003 60 1 1 0 62

2004 114 5 0 0 119

2005** 68 0 0 0 68

Total 1031 39 14 0 1084 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.to.gov.br Assembléia Legislativa do Tocantins Em: 14.04.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

ESTADO DO AMAPÁ

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989

1990

1991* 0 0 0 0 0

1992 53 3 0 0 56

1993 89 1 0 0 90

1994 53 5 1 0 59

1995 65 1 3 0 69

1996 65 4 4 0 73

1997 82 1 2 0 85

1998 35 0 1 0 36

1999 53 1 3 0 57

2000 99 0 7 0 106

2001 50 0 4 0 54

2002 83 4 4 0 91

2003 68 3 2 0 73

2004 68 4 1 0 73

2005** 22 2 2 0 26

Total 885 29 34 0 948 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.ap.gov.br Assembléia Legislativa do Amapá Em: 09.05.2005 * Levantamento feito a partir de 20/12/1991 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

ESTADO DE RONDÔNIA

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 21 1 0 0 22

1990 47 10 1 0 58

1991 55 13 1 0 69

1992 99 18 1 0 118

1993 90 35 1 0 126

1994 54 21 0 0 75

1995 48 19 0 0 67

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171

1996 57 23 2 0 82

1997 63 33 1 0 97

1998 25 9 1 0 35

1999 83 11 11 0 105

2000 86 19 0 105

2001 66 8 4 0 78

2002 141 17 1 0 159

2003 11 21 0 0 32

2004 131 14 0 0 145

2005** 37 1 0 0 38

Total 1114 273 24 0 1411 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emenda Constitucional / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.ale.ro.gov.br Assembléia Legislativa de Rondônia Em: 03.05.2005 * Levantamento feito a partir de 28/09/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

A maioria esmagadora das leis ordinárias promulgadas nessa Região

expõe sobre a instituição de datas comemorativas, sobre declaração de utilidade

pública de instituições e sobre indicações de nomes para prédios públicos.

Com os Estados da Região Centro-Oeste do Brasil e no Distrito Federal a

iniciativa popular de leis é utilizada com a mesma intensidade, ou seja, nos Estados

de Goiás, Mato Grosso do Sul e Mato Grosso não há leis que tenham advindo de

iniciativa popular.

Segundo a Agência de Notícias do Legislativo - ANL da Assembléia

Legislativa do Mato Grosso do Sul, as entidades e a população procuram os

gabinetes dos parlamentares para obterem orientações, e a assessoria do deputado

se encarrega de formular a lei com seu aval. O Deputado Paulo Tadeu, Ouvidor

Legislativo da Câmara Legislativa do Distrito Federal, também informa que não há

registros de lei ordinária, complementar ou emenda constitucional de iniciativa

popular, após a promulgação da Lei Orgânica de 1993 (informação documental por

meio de mensagem eletrônica).

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172

ESTADO DE GOIÁS

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 114 1 0 0 115

1990 296 3 1 0 300

1991 273 5 2 0 280

1992 221 4 2 0 227

1993 349 1 0 0 350

1994 313 0 4 0 317

1995 288 4 2 0 294

1996 189 2 3 0 194

1997 210 2 7 0 219

1998 121 4 1 0 217

1999 138 1 2 0 141

2000 201 5 1 0 207

2001 295 3 5 0 303

2002 308 2 1 0 311

2003 267 8 3 0 278

2004 423 4 2 0 429

2005** 345 5 1 0 351

Total 4442 54 37 0 4533

ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 50 2 0 0 52

1990 104 2 0 0 106

1991 134 0 0 0 134

1992 101 0 0 0 101

1993 121 1 0 0 122

1994 84 1 0 0 85

1995 87 0 0 0 87

1996 81 2 0 0 83

1997 89 1 0 0 90

1998 121 1 0 0 122

1999 126 4 2 0 132

2000 142 4 0 0 146

2001 185 7 3 0 195

2002 210 4 3 0 217

2003 192 3 1 0 196

2004 178 4 0 0 182

2005** 120 1 2 0 123

Total 2125 37 11 0 2173 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.ms.gov.br Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul Em: 10.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.assembleia.go.gov.br Assembléia Legislativa de Goiás Em: 09.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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ESTADO DO MATO GROSSO

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 52 0 0 0 52

1990 159 7 0 0 166

1991 199 4 2 0 205

1992 240 14 1 0 255

1993 216 5 5 0 226

1994 233 3 1 0 237

1995 109 7 1 0 117

1996 114 3 1 0 118

1997 132 1 0 0 133

1998 118 11 2 0 131

1999 143 11 2 0 156

2000 139 15 3 0 157

2001 213 18 1 0 232

2002 262 20 1 0 283

2003 183 30 3 0 216

2004 226 58 8 0 292

2005** 79 13 5 0 97

Total 2817 220 36 0 3073 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.mt.gov.br Assembléia Legislativa do Mato Grosso Em: 09.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

DISTRITO FEDERAL

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989

1990

1991

1992

1993* 112 0 0 0 112

1994 209 4 1 0 214

1995 152 4 2 0 158

1996 366 7 10 0 383

1997 450 40 10 0 500

1998 403 130 3 0 536

1999 241 88 6 0 335

2000 140 67 1 0 208

2001 209 94 2 0 305

2002 253 245 5 0 503

2003 161 10 0 0 171

2004 239 11 1 0 251

2005** 148 7 1 0 156

Total 3083 707 41 0 3832 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.cl.df.gov.br Câmara Legislativa do Distrito Federal Em: 23.05.2005 * Levantamento feito a partir de 09/06/1993 (Lei Orgânica) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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O Rio Grande do Sul, como representante nos levantamentos da Região

Sul do País, também não possui registro de lei estadual criada através de iniciativa

popular.

RIO GRANDE DO SUL

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 58 0 0 0 58

1990 208 9 0 0 217

1991 301 4 1 0 306

1992 312 3 2 0 317

1993 239 0 1 0 240

1994 301 8 2 0 311

1995 317 2 7 0 326

1996 224 12 0 0 236

1997 158 6 9 0 173

1998 216 10 2 0 228

1999 104 5 3 0 112

2000 162 5 0 0 167

2001 143 5 2 0 150

2002 156 10 5 0 171

2003 171 9 6 0 186

2004 153 6 7 0 166

2005** 115 4 3 0 122

Total 3338 98 50 0 3486

O Sudeste é a região do País que possui o maior número de projetos de

lei de iniciativa popular, embora somente um deles tenha se transformado

efetivamente em lei e ainda esteja em vigor.

Os Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro não contribuíram com esse

ranking. Somente os Estados do Espírito Santo e de Minas Gerais possuem projetos

de iniciativa popular.

LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.rs.gov.br Em: 23.05.2005 Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul * Levantamento feito a partir de 03/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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175

ESTADO DE SÃO PAULO

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 140 14 0 0 154

1990 376 7 1 0 384

1991 658 21 0 0 679

1992 544 28 0 0 572

1993 342 44 0 0 386

1994 508 45 0 0 553

1995 278 16 1 0 295

1996 141 17 2 0 160

1997 428 17 0 0 445

1998 294 16 2 0 312

1999 295 7 2 0 304

2000 216 28 1 0 245

2001 316 19 4 0 339

2002 306 27 3 0 336

2003 284 17 0 0 301

2004 200 12 3 0 215

2005** 316 12 1 0 329

Total 5642 347 20 0 6009 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.sp.gov.br Assembléia Legislativa de São Paulo Em: 17.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

ESTADO DO RIO DE JANEIRO

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 58 1 0 0 59

1990 183 14 0 0 197

1991 166 4 4 0 174

1992 106 1 1 0 108

1993 156 3 0 0 159

1994 167 1 1 0 169

1995 127 2 0 0 129

1996 160 4 0 0 164

1997 218 3 0 0 221

1998 281 3 4 0 288

1999 188 1 2 0 191

2000 174 4 4 0 182

2001 225 6 7 0 238

2002 310 4 5 0 319

2003 202 2 4 0 208

2004 223 1 1 0 225

2005** 141 1 1 0 143

Total 3085 55 34 0 3174 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.alerj.rj.gov.br Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro Em: 10.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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176

No Espírito Santo houve um projeto de lei de iniciativa popular (n. 124/98)

que se transformou na Lei n. 5.743 de 20 de outubro de 1998, que teve o meio

ambiente como matéria e tinha como ementa: ”Institui a consulta plebiscitária sobre

saneamento básico e dá outras providências”. Essa lei dispunha que a concessão à

iniciativa privada dos serviços de fornecimento de água potável, de coleta,

tratamento e disposição de esgoto sanitário e domiciliar no Espírito Santo, seria

objeto de prévia consulta popular sob a forma de plebiscito. Acontece que tal lei só

vigorou por oito dias, quando foi expressamente revogada pela Lei n. 5.749 de 28 de

outubro de 1998, através do projeto n. 202/98, de iniciativa do então Governador do

Estado Vitor Buaiz. Portanto, um dos poucos exemplos de lei de iniciativa popular

promulgadas no Brasil teve “morte” prematura.

ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 57 0 0 0 57

1990 185 9 3 0 197

1991 122 0 0 0 122

1992 118 21 0 0 139

1993 139 13 2 0 154

1994 146 14 1 0 161

1995 161 15 1 0 177

1996 195 20 4 0 219

1997 201 19 1 0 221

1998 254 25 4 0 283

1999 243 37 9 0 289

2000 495 22 4 0 521

2001 481 28 7 0 516

2002 401 36 3 0 440

2003 262 20 7 0 289

2004 263 29 2 0 294

2005** 253 17 0 0 270

Total 3976 325 48 0 4349 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.es.gov.br Assembléia Legislativa do Espírito Santo Em: 16.05.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

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177

Minas Gerais é um dos Estados com maior contingente legal e é também

o que possui maior quantidade de projetos de iniciativa popular, dois. Um foi

transformado em lei depois de passar por todo o processo legislativo como projeto

de iniciativa popular, enquanto que o outro foi anexado a outro projeto de iniciativa

do Poder Legislativo, sendo promulgado como tal. Assim, resta no Estado apenas

uma lei em vigor que foi iniciada através da participação popular.

O Projeto de Lei de iniciativa popular n. 1.644, de 16 de setembro de

1993, que tinha como objetivo Instituir o Fundo Estadual de Moradia Popular, teve

sua redação final aprovada em 13 de junho de 1995 e foi transformado na Lei n.

11.830/95.

Já o Projeto de Lei de iniciativa popular n. 1.789, de 05 de junho de 1998,

que dispunha sobre a destinação de verba de subvenção social no Estado de Minas

Gerais, foi, durante sua tramitação no Poder Legislativo, anexado ao Projeto de Lei

n. 1.698/98, de autoria do Deputado Germano Batista (PSDB), que posteriormente

foi transformado na Lei n. 12.925, de 30 de junho de 1998. Assim, esse projeto

iniciou-se como de iniciativa popular, mas fora transformado em lei como projeto de

iniciativa do Poder Legislativo.

ESTADO DE MINAS GERAIS

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 150 0 0 0 150

1990 276 0 0 0 276

1991 212 5 2 0 219

1992 425 2 5 0 432

1993 381 5 4 0 390

1994 366 5 2 0 373

1995 319 5 5 1 330

1996 412 7 2 0 421

1997 281 2 11 0 294

1998 355 2 6 0 363

1999 356 3 2 0 361

2000 389 4 9 0 402

2001 327 4 4 0 335

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178

2002 423 2 3 0 428

2003 453 9 7 0 469

2004 493 9 7 0 509

2005** 325 1 2 0 355

Total 5970 65 71 1 6107 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.almg.gov.br Assembléia Legislativa do Espírito Santo Em: 16.05.2005 * Levantamento feito a partir de 21/09/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

Os Estados do Nordeste pesquisados não possuem também vestígios de

leis estaduais ou emendas às constituições que tenham sido originados de projetos

de iniciativa popular.

As leis do Estado da Paraíba, de Pernambuco e de Sergipe, na sua

maioria, possuem como matéria a concessão de títulos de cidadania, a nomeação

de logradouros públicos e o reconhecimento de utilidade pública de algumas

entidades. Existe, no Estado da Paraíba, um rol elevado de projetos transformados

em lei que tiveram origem dos seus Municípios. Tais projetos tinham como objetivo a

criação, fixação ou retificação de limites dos territórios municipais.

ESTADO DA PARAÍBA

Ano/órgão PL TC PE MP PJ LC Mun IP Total

1989* 7 7 45 2 7 2 0 0 70

1990 69 0 60 2 3 1 2 0 137

1991 112 2 68 6 9 7 4 0 208

1992 95 3 66 1 6 0 1 0 172

1993 79 4 57 6 6 4 1 0 157

1994 91 4 56 7 14 4 51 0 227

1995 145 5 40 3 9 1 5 0 208

1996 143 0 45 1 7 3 13 0 212

1997 113 3 43 2 1 6 3 0 171

1998 58 3 47 4 7 1 5 0 125

1999 84 1 29 2 5 2 2 0 125

2000 78 0 37 1 5 1 1 0 123

2001 65 0 27 0 2 1 6 0 101

2002 199 2 67 4 13 10 4 0 299

2003 134 0 87 2 9 12 2 0 246

2004 86 0 76 1 6 2 3 0 174

2005** 9 0 16 0 2 0 0 0 27

Total 1567 34 866 44 111 57 103 0 2782 PL: Poder Legislativo / TC: Tribunal de Contas / PE: Poder Executivo / MP: Ministério Público / PJ: Poder Judiciário / LC: Leis Complementares / Mun: Leis de iniciativa dos Municípios / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.pb.gov.br

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Assembléia Legislativa da Paraíba Em: 28.03.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

ESTADO DE PERNAMBUCO

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 147 0 0 0 147

1990 126 3 0 0 129

1991 174 0 0 0 174

1992 150 6 3 0 159

1993 161 1 2 0 164

1994 178 3 4 0 185

1995 121 3 2 0 126

1996 101 2 0 0 103

1997 94 2 3 0 99

1998 108 2 0 0 110

1999 111 6 6 0 123

2000 183 2 0 0 185

2001 237 13 1 0 251

2002 156 3 0 0 159

2003 211 11 1 0 223

2004 213 8 1 0 222

2005** 158 13 2 0 173

Total 2629 78 25 0 2732

ESTADO DE SERGIPE

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 77 0 0 0 77

1990 174 4 4 0 182

1991 188 4 3 0 195

1992 157 2 1 0 160

1993 143 4 1 0 148

1994 149 2 1 0 152

1995 104 9 0 0 113

1996 110 8 3 0 121

1997 117 4 1 0 122

1998 145 5 0 0 150

1999 142 3 5 0 150

2000 138 11 8 0 157

2001 149 11 0 0 160

2002 251 12 1 0 264

2003 523 12 2 0 537

2004 243 11 3 0 257

2005** 202 7 2 0 211

Total 3012 109 35 0 3156

LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.alepe.pe.gov.br Assembléia Legislativa de Pernambuco Em: 11.04.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constitucional Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

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180

LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.se.gov.br Assembléia Legislativa de Sergipe Em: 28.03.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005

O Estado do Ceará não tem também leis promulgadas advindas de

projetos de iniciativa popular. A título de curiosidade, a Assembléia Legislativa do

Estado tem, até a data do levantamento dos dados demonstrada na tabela abaixo,

um total de 333 projetos de lei deliberados, referente ao período de maio de 2002 a

fevereiro de 2005 e 57 tramitando, referente ao período de novembro de 2001 a

fevereiro de 2005, mas nenhum dos projetos é de iniciativa popular.

ESTADO DO CEARÁ

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989*

1990*** 122 0 0 0 122

1991 128 1 6 0 135

1992 149 0 3 0 152

1993 199 0 0 0 199

1994 164 1 10 0 175

1995 140 2 6 0 148

1996 123 1 2 0 126

1997 112 2 6 0 120

1998 97 2 4 0 103

1999 114 10 6 0 130

2000 93 5 2 0 100

2001 94 3 2 0 99

2002 91 5 4 0 100

2003 154 6 4 0 164

2004 143 14 1 0 158

2005** 105 0 0 0 105

Total 2028 52 56 0 2136 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fonte: www.al.ce.gov.br Assembléia Legislativa do Ceará Em: 11.04.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 19/10/2005 *** Só há registro a partir de 1990

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No que se refere ao Estado da Bahia, a própria Constituição baiana82

estabelece, através do seu art. 82, limitações ao instituto da Iniciativa Popular de

Leis causando, dessa maneira, os mesmos problemas ocorridos na esfera federal e

nos outros Estados da Federação. Assim, da mesma forma que a maioria dos outros

Estados, a Bahia não tem nenhuma lei ou emenda constitucional que tenha sido

proposta por iniciativa popular.

ESTADO DA BAHIA

Ano/órgão LO LC EC IP Total

1989* 224 1 0 0 225

1990 433 2 1 0 436

1991 362 4 2 0 368

1992 90 1 0 0 91

1993 101 0 0 0 101

1994 153 2 2 0 157

1995 225 0 1 0 226

1996 90 1 0 0 91

1997 228 2 0 0 230

1998 187 1 0 0 188

1999 140 0 1 0 141

2000 180 1 1 0 182

2001 237 1 0 0 238

2002 550 2 0 0 552

2003 426 2 2 0 430

2004 323 1 0 0 324

2005** 378 0 1 0 379

Total 4327 21 11 0 4359 LO: Lei Ordinária / LC: Lei Complementar / EC: Emendas Constitucionais / IP: Iniciativa Popular Fontes: www.bahia.ba.gov.br/assemb e anais da Assembléia Legislativa do Estado Assembléia Legislativa da Bahia Em: 30.08.2005 * Levantamento feito a partir de 05/10/1989 (Constituição Estadual) ** Levantamento atualizado em 20/10/2005

Chega-se à conclusão de que num universo de 61 897 leis e emendas

constitucionais, levantadas em dezenove Estados, Distrito Federal e Legislação

Federal, somente três leis de iniciativa popular vigoram no Brasil hoje: duas federais

e uma do Estado de Minas Gerais. Um projeto, do Estado do Pará, foi arquivado,

82 Art. 82 – “É assegurado aos cidadãos o direito da iniciativa popular, mediante apresentação à Assembléia Legislativa de projeto de lei subscrito por, no mínimo, meio por cento do eleitorado estadual”.

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182

uma lei do Espírito Santo foi revogada depois de oito dias da promulgação, e um

projeto mineiro foi anexado, ainda em fase de tramitação, a um projeto de iniciativa

do Poder Legislativo. Portanto, somente 0,005% das leis que vigoram no País

tiveram origem através de iniciativa popular. Praticamente, esse percentual significa

0,0%, ou seja, nada.

8.2.2 Limitações ao Plebiscito e ao Referendo

O art.14 da CF estabelece que estes institutos, inclusive a iniciativa

popular, devem ser regulamentados mediante lei federal ordinária.

Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular (grifo nosso).

Este era o primeiro limite: a necessidade de os institutos serem

regulamentados. Até a regulamentação ser instituída, a CF só previa a utilização do

plebiscito na hipótese arrolada no seu art.18, §§ 3º e 4º 83.

Com a redação atual84 dada pela Emenda Constitucional n.15/96,

expondo que a criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios

teriam de ser feitas mediante lei estadual, dependendo de consulta prévia, mediante

83 Art. 18 – “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. § 3º Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se para se anexarem a outros, ou formarem novos Estados ou Territórios Federais, mediante aprovação da população diretamente interessada, através de plebiscito, e do Congresso Nacional, por lei complementar. § 4º A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de municípios preservarão a continuidade e a unidade histórico-cultural do ambiente urbano, far-se-ão por lei estadual, obedecidos os requisitos previstos em lei complementar estadual, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações diretamente interessadas”. 84 § 4º do art. 18 – “A criação, a incorporação, a fusão e o desmembramento de Municípios far-se-ão por lei estadual, dentro do período determinado por lei complementar federal, e dependerão de consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos, após divulgação dos

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plebiscito, às populações dos municípios envolvidos, mais a necessidade de

regulamentação através de lei complementar federal, cessou a criação desmedida

de municípios que até então vinha acontecendo, já que tal prática era disciplinada

pela Lei Complementar n. 01/67, dispondo sobre os limites materiais do plebiscito e

terminando como única necessidade de sua utilização a hipótese de criação de

município85.

O curioso é que somente no ano de 1989, mesmo antes da promulgação

da Emenda Constitucional n. 15/96, a Constituição baiana já limitava a criação de

novos municípios, o que fez com que em datas anteriores à sua promulgação

(05/10/1989) fossem criados 51 municípios no Estado da Bahia. No entanto, depois

dessa data somente dois municípios foram criados. O que gerou essa desproporção

foi a existência na Constituição do Estado86 do art. 54 que, em seu inciso I, vinculou

a criação, incorporação, desmembramento e fusão de municípios à consulta prévia,

através de plebiscito, entre as populações diretamente interessadas. Como exemplo

da violação constitucional há a ADIn n. 60/BA, de 17 de junho de 1999, do Ministro

Néri da Silveira:

Lei estadual nº 4.851, de 5 de abril de 1989, criação do Município de Adustina. Alegação de violação ao princípio da autonomia municipal. Vulneração do art. 18, § 4º, da Constituição. Pedido que se prende ao argumento da ausência de prévia consulta plebiscitária às populações interessadas - ADI 60/BA, 17.06.1999, Tribunal Pleno do STF, Rel. Min. Néri da Silveira (grifo nosso).

Estudos de Viabilidade Municipal, apresentados e publicados na forma da lei” (Redação dada pela Emenda Constitucional n. 15/96). 85 Art. 3º - As Assembléias Legislativas, atendidas as exigências do artigo anterior, determinarão a realização de plebiscito para consulta à população da área territorial a ser elevada à categoria de Município. Parágrafo único. A forma de consulta plebiscitária será regulada mediante resoluções expedidas pelos Tribunais Regionais Eleitorais”. 86 Art. 54 – “Lei complementar estadual disporá sobre a criação, incorporação, desmembramento e fusão de Municípios, estabelecendo os critérios e requisitos mínimos relativos à população, eleitorado, número de domicílios e renda, observadas as seguintes condições: I – consulta prévia, através de plebiscito, às populações diretamente interessadas, com manifestação favorável à maioria absoluta dos respectivos eleitores; [...]”.

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Essa prática não se resumiu ao Estado da Bahia. Segundo a ADIn n.

458/MA – Maranhão, de 08 de junho de 1998, que teve como relator o Ministro

Sydney Sanches, foi configurada a violação do § 4º do art. 18 da Constituição

Federal, declarando-se “ex tunc” a inconstitucionalidade do art. 48 do ADCT da

Constituição do Estado do Maranhão, que criou mais de 100 municípios sem

consulta prévia às populações interessadas mediante plebiscito:

Quando da promulgação da Constituição do Estado do Maranhão, em 1989, em cujo art. 48 do ADCT foram criados mais de cem municípios, e também à época da Lei estadual nº 4.956, que é de 05.12.1989, estava em vigor a redação originária do § 4º do art. 18 da Constituição Federal, de 05.10.1988. À época dos atos impugnados, não havia lei complementar estadual, fixando os requisitos para a criação dos Municípios. E, além disso, as populações diretamente interessadas não foram consultadas mediante plebiscito (grifo nosso). [...] Aliás, também as exigências contidas na nova redação, introduzida pela E.C. nº 13/96, não estariam atendidas, se fosse o caso de aplicá-la, como texto superveniente, quais sejam as relativas ao período a ser fixado em lei complementar federal e à consulta prévia, mediante plebiscito, às populações dos Municípios envolvidos - ADI 458/MA, 08.06.1998, Tribunal Pleno do STF, Rel. Min. Sydney Sanches (grifo nosso).

A ADIn n. 479/AM, de 05 de junho de 1996, também expõe que:

Ação direta julgada procedente para declarar a inconstitucionalidade, no art. 12 da Constituição do Amazonas, na parte em que implicou a criação de municípios, sem observância dos requisitos estabelecidos no § 4º do art. 18 da Constituição Federal, notadamente a realização de plebiscito - ADI 479/AM, 05.06.1996, Tribunal Pleno do STF, Rel. Min. Octavio Gallotti (grifo nosso).

A Constituição Federal, em seu art. 14, não impõe, contudo, limites

materiais ao exercício da soberania popular pelo plebiscito e referendo. O legislador

constituinte além de fornecer status constitucional a esses mecanismos, também

abriu possibilidades de serem regulamentados pela legislação infraconstitucional,

não se limitando às questões territoriais entre municípios.

A regulamentação do artigo constitucional veio através da Lei n.9.709 de

18 de novembro de 1998, nascida do substitutivo n. 3.589/93, do Deputado Federal

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Almino Afonso (PSDB/SP), e com ela passou-se a ter a possibilidade de,

efetivamente, a população participar diretamente do processo de formação da

vontade nacional mediante a utilização destes três institutos. No entanto, esse novo

diploma legislativo pouco trouxe de novo à disciplina da iniciativa popular, guardando

novidades apenas para os outros dois mecanismos.

O art. 2º dessa lei ressalta que as consultas através do plebiscito e do

referendo serão sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional,

legislativa ou administrativa. Os §§ 1º e 2º desse mesmo artigo reforçam a diferença

entre os dois institutos dentro do ordenamento jurídico brasileiro87, idéia já trazida no

capítulo 6 do texto.

O primeiro problema da Lei 9.709/98 salta aos olhos, trazendo outra

limitação à utilização dos institutos: o que vem a ser matéria de acentuada

relevância? Quem decide sobre essa relevância? Existe matéria constitucional que

não seja de acentuada relevância?

Iniciando a análise pela última questão, é difícil imaginar uma matéria

constitucional que não seja de acentuada relevância. Por ser constitucional, a

matéria é, obrigatoriamente, de acentuada relevância, ao menos sob a ótica do

constituinte, tanto assim que integra o texto da Constituição.

Todavia, nem toda matéria constitucional poderá ser levada à consulta

popular, mesmo que seja reconhecidamente de acentuada relevância. A razão disso

está estabelecida no art. 49, XV da Constituição Federal, quando expõe que é da

competência exclusiva do Congresso Nacional a autorização de referendo e a

87 Art. 2º - “Plebiscito e referendo são consultas formuladas ao povo para que delibere sobre matéria de acentuada relevância, de natureza constitucional, legislativa ou administrativa”. § 1º - “O plebiscito é convocado anteriormente a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”. § 2º - “O referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo, cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”.

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186

convocação de plebiscito, e no art. 3º da Lei 9.709/98, quando reforça a atribuição

da competência ao mesmo Poder Legislativo Federal.

Não parece lógico que nas matérias de exclusiva iniciativa do Poder

Judiciário, do Poder Executivo ou mesmo de competência privativa do Congresso

Nacional, quando não for possível a delegação de competência, possa ocorrer a

convocação ou autorização do plebiscito ou do referendo como se apresenta pela

Lei 9.709/98, restringindo-se a um único Poder, o Legislativo.

No que tange às matérias não constitucionais, a Lei 9.709/98 continua a

limitar a participação popular, quando responde, ainda em seu art. 3º, as duas outras

questões formuladas acima: “[...] o plebiscito e o referendo são convocados

mediante decreto legislativo, por proposta de um terço, no mínimo, dos membros

que compõem qualquer das Casas do Congresso Nacional, [...]”. Portanto, quem diz

quais matérias são de acentuada relevância é o Poder Legislativo Federal. O povo

não escolhe sobre o que irá decidir, mediante a utilização do plebiscito e do

referendo.

Um exemplo atual do estabelecimento da acentuada relevância de

determinada matéria para ser objeto de consulta popular é questionamento mediante

referendo do dia 23 de outubro de 2005, que decidiu pela manutenção da

comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, como

estabelece o art. 35, caput e § 1º da Lei n. 10.826, de 22 de dezembro de 2006

(Estatuto do Desarmamento). Não há dúvidas de que esta matéria é de acentuada

relevância para a Nação. Mas sempre vai ser assim? O Poder Legislativo saberá

sempre estabelecer a importância de determinada matéria para ser objeto de

plebiscito ou de referendo?

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187

O certo é que, mesmo com o advento da lei regulamentadora, as

possibilidades do uso desses mecanismos de participação direta da população estão

limitadas àquilo que os representantes querem e não o que o povo deseja,

transferindo-se a determinação do que seja acentuada relevância para o corpo

legislativo, voltando-se, mais uma vez, à questão da crise da representatividade

dentro do processo democrático brasileiro, onde esta depende, não da vontade da

maioria popular, mas da vontade da minoria dominante.

8.2.3 Comissão Permanente de Legislação Participativa

Como tentativa de aliviar as limitações impostas pela Constituição Federal

ao instituto de iniciativa popular, facilitando a participação popular no processo de

elaboração das leis, a Câmara dos Deputados criou, em 30 de maio de 2001, a

Comissão Permanente de Legislação Participativa – CLP.

A iniciativa da criação da Comissão partiu do então Presidente da Câmara

Deputado Aécio Neves, constituindo-se em instrumento de educação política e de

fortalecimento da democracia representativa. A sua criação viabilizou maior

participação da sociedade no processo legislativo, ao permitir que proposições

baseadas em sugestões (Sugestões Legislativas) elaboradas por associações e

órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil tramitem no

Parlamento, apresentadas pela própria Comissão. As sugestões são vedadas aos

Partidos Políticos e aos organismos internacionais.

São admitidas todas as iniciativas que se enquadrem na competência das

comissões permanentes da Casa Legislativa Federal, como projetos de lei

complementar e ordinária, de resolução, requerimentos de convocação, informação,

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audiência pública, decretos legislativos e emendas à Lei Orçamentária Anual e ao

Plano Plurianual. Não podem ser apresentadas sugestões de Proposta à Emenda

Constitucional (PEC), nem de Requerimento de Criação de Comissões

Parlamentares de Inquérito (RCPI), nem de Proposta de Fiscalização e Controle

(PFC). Convém lembrar que são inconstitucionais proposições que incidam sobre

assuntos de iniciativa privativa do Presidente da República, do Supremo Tribunal

Federal, dos Tribunais Superiores e do Ministério Público.

A tabela e o gráfico abaixo permitem visualizar a quantidade de sugestões

apresentadas à CLP ao longo de sua existência. Salienta-se que a Comissão foi

instalada em 08 de agosto de 2001 e que nenhuma das sugestões foi proposta por

entidades do Estado da Bahia.

ANO Quantidade Recebida Quantidade Aprovada

2001 35 07

2002 80 34

2003 74 30

2004 40 16

2005 46 16

Total 275 103 Fonte: www.camara.gov.br Câmara dos Deputados Em: 26.08.2005

O Senado Federal também tem uma Comissão de Legislação

Participativa. Essa idéia também foi seguida por várias casas legislativas estaduais.

Assembléias Legislativas Nome Situação

Acre Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

Amazonas Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

Maranhão Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

Mato Grosso do Sul Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

Santa Catarina Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

São Paulo Comissão de Legislação Participativa Em funcionamento

Minas Gerais Comissão de Legislação Popular Em funcionamento

Paraíba Comissão de Legislação Cidadã Em funcionamento

Rio Grande do Sul Comissão de Participação Legislativa Popular

Em funcionamento

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189

Goiás Não há nome Em fase de instalação

Pernambuco Não há nome Em fase de instalação Fonte: www.camara.gov.br Câmara dos Deputados Em: 26.08.2005

Embora houvesse boa intenção do Poder Legislativo Federal na criação

dessa Comissão, está claro que ela serve para fortalecer a democracia

representativa e não a participação direta da população, principalmente porque fica

a sugestão adstrita ao relatório de um Parlamentar e à apreciação da Comissão

quanto à sua aceitação ou não, para, a partir daí, ser encaminhada à Mesa da

Câmara, iniciando, assim, sua tramitação na Casa como projeto da própria

Comissão, de acordo com o art. 3º da Resolução 21/01 que cria a Comissão88.

A pergunta que se pode fazer, como conclusão, é a seguinte: a Comissão de Participação Legislativa abriu uma real saída para os impasses que se criaram com a Iniciativa Popular de Lei e criou um mecanismo substitutivo ao instrumento previsto na Constituição, de tal forma que se possa esquecê-lo de vez, já que, com os problemas indicados, é como se este instrumento não existisse? (WHITAKER, 2003, p. 198).

Portanto, da mesma maneira que acontece com os procedimentos

necessários para a convocação do plebiscito, que fica restrito à vontade do

Congresso Nacional, a participação popular, através da Comissão de Legislação

Participativa, fica também dependente da vontade do Poder Legislativo, limitando a

participação do povo diretamente e reabrindo as discussões em torno da

88 Art. 3º - “O art. 254 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados passa a vigorar com a seguinte redação: “Art. 254. A participação da sociedade civil poderá, ainda, ser exercida mediante o oferecimento de sugestões de iniciativa legislativa, de pareceres técnicos, de exposições e propostas oriundas de entidades científicas e culturais e de qualquer das entidades mencionadas na alínea “a” do inciso XVII do art. 32. § 1º As sugestões de iniciativa legislativa que, observado o disposto no inciso I do artigo 253, receberem parecer favorável da Comissão de Legislação Participativa serão transformadas em proposição legislativa de sua iniciativa, que será encaminhada à Mesa para tramitação. § 2º As sugestões que receberem parecer contrário da Comissão de Legislação Participativa serão encaminhadas ao arquivo”.

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190

Democracia Representativa no Brasil, ou seja, aquela de que a maioria não tem

vontade, restringindo-se à vontade da minoria dominante.

Neste capítulo, portanto, ficou demonstrado de maneira cabal, que não

basta o atendimento aos aspectos formais ou meramente procedimentais para que

se possa garantir a existência de uma verdadeira democracia e sim a utilização

prática e real daquilo estabelecido na lei formalmente. Como diz Touraine (1996, p.

20): “As regras de procedimento não passam de meios a serviço de fins nunca

alcançados, mas devem dar seu sentido às atividades políticas”.

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9 CONCLUSÕES

O fato é que, não há dúvidas de que a Democracia brasileira passa por

uma grave crise.

A proposta de uma “complementaridade” entre as formas de

representação e de participação, isto é, a junção do referendo, do plebiscito e da

iniciativa popular aos direitos políticos já garantidos nas eleições para cargos

executivos e legislativos, é uma tentativa de solução da crise democrática.

A complementaridade, portanto, é a união entre a representação

tradicional, ligada à eleição de representantes no Executivo e no Legislativo, e as

formas de participação direta, com a votação em questões de interesse público, que

se dá através da utilização do plebiscito e do referendo, mais a apresentação de

projetos de lei pela iniciativa popular.

Nota-se que essa complementaridade, que é proposta por Maria Victória

Benevides, é nada mais nada menos que a Democracia Semidireta, a qual seria

uma solução para um Estado que por ventura fosse pautado ou na Democracia

Direta Pura ou na Democracia Representativa apenas. Mas esse não é o caso do

Brasil que, por determinação constitucional, já se enquadra nesse Regime Político

intermediário.

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Acontece que, segundo seus defensores, esse sistema só teria sucesso

se propiciasse satisfatório equilíbrio entre a representação e a soberania popular

direta, isto é, o Parlamento dividindo com o povo o poder constituinte e o poder

legislativo. Entretanto, como foi incansavelmente demonstrado, esse equilíbrio entre

os dois lados da mesma moeda democrática, políticos e população, no caso

brasileiro, não existe. Primeiro, em virtude do desvirtuamento da representatividade,

ocorrido principalmente pela falta de controle das atividades políticas pelo povo,

deixando ao livre arbítrio dos políticos todas as decisões importantes para o Estado

e para a sociedade, e segundo, pelas impossibilidades práticas e reais da utilização

satisfatória pelo povo dos instrumentos de participação direta que só estão

estabelecidos no papel.

As soluções para o Estado brasileiro se enquadrar efetivamente na

proposta constitucional de uma Democracia Semidireta verdadeira se iniciam com

uma ampla reestruturação política e terminam com mudanças legais na disciplina do

plebiscito, do referendo e da iniciativa popular, principalmente com a diminuição da

quantidade de limitações impostas a esses institutos.

A crise do sistema representativo encontra-se ligada diretamente à crise

dos partidos políticos e de seus membros. Essa afirmativa está mais do que

comprovada, em tempos atuais, pelos graves fatos que vêm ocorrendo dentro do

Poder Legislativo Federal brasileiro, nesse ano de 2005, com o aparecimento

comprovado de propinas e desvios de verbas públicas através de “mensalões” e

“mensalinhos”89.

89 Termo utilizado para se referir ao pagamento de propina pelo Governo Federal a alguns membros do Poder Legislativo federal, que veio à tona no ano de 2005.

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193

Há a necessidade, portanto, dos partidos políticos e da própria

democracia representativa sofrerem alguns aprimoramentos, com a finalidade de

aproximação da vontade do povo à vontade do Parlamento.

Assim, a própria Constituição tem que mudar no sentido de não mais

permitir a elegibilidade, ou seja, a disputa a cargos eletivos, somente por meio de

filiação partidária, ou, se isso continuar assim, haver um maior controle para a

prática exagerada de mudança de partido, alterando radicalmente as normas de

fidelidade partidária; os quadros partidários necessitam de maior democratização,

possibilitando o acesso ao pleito, de forma igualitária, a todos aqueles que

pretendam cargos eletivos; o sistema político da proporcionalidade para as eleições

de cargos do Legislativo tem que ser revisto, no intuito de expressar

verdadeiramente a vontade da maioria; tem de haver um maior controle por parte da

população em relação aos políticos que se desvirtuam das ideologias partidárias e

das propostas de campanha, no sentido de se impor penalidades mais graves,

chegando até a perda do mandato; criação de regulamentação na atuação dos

grupos de pressão diante do Parlamento; mudança na forma e aumento no controle

dos financiamentos de campanha, etc.

Dados revelam que entre 1985 e 6 de outubro de 2001, quando foi

encerrado o prazo de filiação partidária, tendo em vista a eleição de 2002, nada

menos do que 846 parlamentares, entre titulares e suplentes, mudaram de partido

na Câmara dos Deputados, sendo que 138 deles trocaram de partido pelo menos

duas vezes na mesma legislatura. Portanto, nas hipóteses de infidelidade partidária

ou de mudança volitiva de partido, poderia ser estabelecida uma espécie de

“quarentena política”, para que o parlamentar só pudesse participar de novas

eleições depois de um determinado prazo, ou seja, o mandato pertenceria à legenda

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194

e seria necessário que o candidato fosse filiado, no mínimo, há três ou quatro anos a

um partido, para concorrer em uma eleição. No entanto, há uma solução mais

drástica: a perda do mandato daqueles que abandonassem voluntariamente a

legenda. Esta alternativa seria mais difícil de ser aprovada, pois implicaria numa

mudança constitucional, mas para a primeira bastaria mudança na legislação

ordinária.

O controle do eleitorado sobre os parlamentares, por práticas que violem

preceitos constitucionais ou legais, pode ser feito através de mecanismo semelhante

ao recall norte-americano, que concede ao eleitor legitimidade para a propositura de

procedimento de perda de mandato.

As atividades dos grupos de pressão no Parlamento brasileiro podem ser

controladas através de um instituto semelhante, também, ao utilizado pelos norte-

americanos, chamado de Lobby Act, que obriga aos grupos informar quanto é gasto

com suas atividades e de onde vem o dinheiro.

O financiamento das campanhas deve ser público para que seja possível

o controle efetivo dos gastos e para que haja condição de igualdade de competição

entre as propostas políticas, que devem ser apresentadas à população de maneira

objetiva e clara. O financiamento privado dificulta o controle e causa o fortalecimento

do poder econômico no resultado das eleições.

No que tange aos institutos da Democracia Direta, há a necessidade de

sua maior utilização, uma vez que isso é raro ou quase inexistente no Brasil.

O plebiscito ocorreu apenas duas vezes, sendo que uma aconteceu antes

da Constituição de 1988 e outra, depois, no ano de 1993. O referendo aconteceu

somente uma vez em 23 de outubro de 2005. Já a iniciativa popular de leis, como

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visto, tem um percentual de 0,005% do total de leis federais e estaduais levantadas,

comprovando que seu uso é quase inexistente.

O implemento do uso dos instrumentos de participação popular está

diretamente ligado à diminuição ou mesmo ao término da crise que a Democracia

Semidireta vem passando atualmente no Brasil.

A primeira solução diz respeito à iniciativa popular. Os limites impostos a

esse instrumento causam sua quase inexistência, por isto, a proposta feita pela

Deputada Luiza Erundina (PT-SP), em 1999, de diminuir o número de assinaturas

exigidas para a apresentação do projeto, que passaria a ser de 0,5% do eleitorado

nacional, seria um início de melhoria, ou mesmo, talvez, com a diminuição ainda

mais desse percentual. Outra solução seria a possibilidade de dirigentes de

entidades, com um correspondente número de associados, assinarem em seu nome

o projeto de lei de iniciativa popular, desde que tenha sido aprovado em assembléias

das suas respectivas entidades.

Em relação aos outros institutos, o plebiscito e o referendo, só valeria

aperfeiçoar os atuais dispositivos constitucionais, totalmente inócuos quanto à

expressão direta da vontade popular, se esse aperfeiçoamento os fizesse perder o

caráter de “propaganda enganosa” da Constituição Cidadã, criando uma real

possibilidade de o próprio povo, sem intermediários, determinar o que deve ser

ouvido em questões que ele mesmo considere fundamentais, diferentemente do que

está estabelecido na legislação vigente, quando determina que esta função cabe ao

Congresso Nacional.

Assim, fica demonstrado de maneira cabal, que não basta o atendimento

aos aspectos formais ou meramente procedimentais, para que se possa garantir a

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existência de uma verdadeira democracia e sim a utilização prática e real daquilo

estabelecido na lei formalmente.

Portanto, a conclusão final, caso essas adequações, modificações e

inclusões não ocorram no ordenamento jurídico brasileiro, é a de que o plebiscito, o

referendo e a iniciativa popular nunca serão, como nunca foram, utilizados

satisfatoriamente como meios de dar plena efetividade ao disposto no art. 1º da

Constituição Federal, colocando em xeque a existência de um dos lados da

Democracia Semidireta no Brasil, a Democracia Direta pura. Ou mesmo

questionando o outro lado da Democracia Semidireta, a Democracia Representativa,

uma vez que ela não se apresenta na prática da maneira que deveria, levando, com

isso, à descaracterização não da Democracia Semidireta apenas, representada por

um de seus lados, mas do próprio Regime Democrático brasileiro na sua totalidade.

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