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1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR MESTRADO PROFISSIONAL ISABELA CAMARGO RODRIGUES TERRITÓRIO E MEMÓRIA: GARIMPO E AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU CHAPADA DIAMANTINA/BA. FEIRA DE SANTANA Setembro, 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO

TERRITORIAL - PLANTERR MESTRADO PROFISSIONAL

ISABELA CAMARGO RODRIGUES

TERRITÓRIO E MEMÓRIA: GARIMPO E AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU – CHAPADA DIAMANTINA/BA.

FEIRA DE SANTANA

Setembro, 2015

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS E FILOSOFIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PLANEJAMENTO TERRITORIAL - PLANTERR

MESTRADO PROFISSIONAL

ISABELA CAMARGO RODRIGUES

TERRITÓRIO E MEMÓRIA: GARIMPO E AS POLÍTICAS DE PRESERVAÇÃO DO

PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU – CHAPADA DIAMANTINA/BA.

Dissertação apresentada ao

Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial – Mestrado

Profissional, da Universidade Estadual de Feira de Santana como

parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em

Planejamento Territorial.

Orientadora: Profª. Drª. Acácia

Batista Dias

FEIRA DE SANTANA

Setembro, 2015.

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Ficha Catalográfica – Biblioteca Central Julieta Carteado

Rodrigues, Isabela Camargo

R613t Território e memória: garimpo e as políticas de preservação do

patrimônio cultural de Igatu – Chapada Diamantina/BA / Isabela Camargo Rodrigues. – Feira de Santana, 2015.

133 f. : il.

Orientadora: Acácia Batista Dias.

Dissertação (mestrado) – Universidade Estadual de Feira de Santana,

Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial, 2015.

1. Patrimônio cultural – Preservação – Igatu, BA. I. Dias, Acácia Batista, orient. II. Universidade Estadual de Feira de Santana. III. Título.

CDU: 93(814.22)

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Na frente ocidental nada de novo.

O povo

continua a resistir.

Sem ninguém que lhe valha

geme e trabalha

até cair.

(Miguel Torga).

...Na oculta argamassa

vou à caça.

E mesmo da sobra

faço a obra

(Lindolf Bell)

.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais Paulo e Maria (in memoriam), aos sobrinhos e às irmãs

Ângela, Elília, Mara, Rita, Luciana pelo amor e incentivo. Em especial à Cecília, Luiza

e Rogério. E também à família Macedo pelas grandes contribuições – Zeu, Dalva,

Marluce e Lucilene.

Aos amigos e colegas da primeira turma da Pós Graduação em Planejamento

Territorial, pelos divertidos e emotivos encontros entre eles - Lívia, pelas risadas e

desabafos.

À professora Acácia pela orientação, segurança e pelos ensinamentos. Aos

professores Nivaldo Vieira de Andrade Júnior, Washington Franca Rocha e Alcides dos

Santos Caldas pelos curtos e riquíssimos momentos de pertinentes observações. Ao

Programa de Pós-Graduação em Planejamento Territorial e a Universidade Estadual de

Feira de Santana, por proporcionar momentos de conhecimento e de crescimento

profissional.

Reconheço também a comunidade de Igatu, por estes anos de estudos e de

encantamento. Ao Secretário de Cultura de Andaraí que se mostrou disposto em

contribuir, ainda que distante, com esta pesquisa.

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RESUMO

Igatu, distrito de Andaraí, está localizado na Chapada Diamantina a 324 km de distância da capital baiana e no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Segundo o

último censo (2010), sua população contava com 360 habitantes. O garimpo de diamantes foi responsável pela formação histórica e geográfica do distrito, cuja

comercialização deste minério se iniciou durante a primeira metade do século XIX. Após o declínio do diamante passou-se a negociar o carbonato, um mineral amorfo e de

cor escura. No entanto, por volta de 1940, esta comercialização também entrou em decadência. A história antiga, assim como a atual estão presentes, no distrito, aqui

designado território de memória. Isto porque, Igatu foi e continua sendo território de poder, de controle, de conflitos, de trabalho, de moradia, das festividades e das

identidades. A memória está presente nos documentos que descrevem o distrito, nos relatos, nas vivências de seus moradores e em sua paisagem. Atualmente Igatu encontra-

se tombado pelo IPHAN e todo seu território de memória está sob a salvaguarda de projetos, leis, decretos e portarias de preservação patrimonial. Diante deste contexto,

esta pesquisa objetivou analisar as políticas públicas de preservação do patrimônio cultural de Igatu. Os procedimentos metodológicos utilizados nesta investigação foram

à pesquisa documental, o estudo de caso, entrevistas, fontes secundárias e o uso de imagens. A pesquisa documental revelou informações sobre a história de Igatu, sua

formação territorial, bem como o cabedal sobre as políticas de preservação do patrimônio local. As entrevistas foram importantes para entendimento da formação

territorial e da memória do distrito. As fontes secundárias foram utilizadas para completar e fundamentar as informações colhidas com os demais procedimentos. E o

uso das imagens integram as informações e reflexões obtidas neste trabalho. As análises obtidas evidenciam que a atividade turística trouxe sérias consequências para o

patrimônio de Igatu, como a degradação de alguns de seus sítios arqueológicos. Isto decorreu da falta de planejamento do governo e da não aplicação das políticas públicas

de salvaguarda do patrimônio local.

Palavras-chaves: Igatu; garimpo; patrimônio; memória.

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ABSTRACT

Igatu, Andaraí district, is located in Chapada Diamantina to 324 km away from

Salvador and east around the Chapada Diamantina National Park. According to the last census (2010), its population has 360 inhabitants. The mining of diamonds was

responsible for the historical and geographical formation of the district, whose commercialization of this ore began during the first half of the nineteenth century. After

the decline of the diamond passed to negotiate carbonate, an amorphous mineral and dark in color. However, by 1940, this market also fell into decay. The ancient history,

and the current are present in the district, here designated territory of memory. This is because Igatu was and remains the territory of power, control, conflicts, work, housing,

festivities and identities. The memory is present in the documents that describe the district, in the reports, in the experiences of its residents and its landscape. Currently

Igatu is listed by IPHAN and all your memory territory is under the protection projects, laws, decrees and ordinances of heritage preservation. Given this context, this study

aimed to analyze the public policy of preserving the cultural heritage of Igatu. The methodological procedures used in this research were to documentary research, case

studies, interviews, secondary sources and the use of images. The documentary research has revealed information about the history of Igatu, their territorial formation, and the

leather on the preservation of local heritage policies. The interviews were important to understanding the territorial formation and the district's memory. Secondary sources

were used to supplement and support the information gathered with the other procedures. And the use of images integrate information and reflections obtained in this

work. The obtained analyzes show that tourism brought serious consequences for equity Igatu such as the degradation of some of its archaeological sites. This was due to the

government's lack of planning and lack of implementation of public policies safeguard local heritage.

Key words: Igatu; mining; heritage; memory.

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

CAT Centro de Atendimento ao Turista CNCR Centro Nacional de Referências Culturais

CONARQ Conselho Nacional de Arquivos

CR Coordenação Regional do IPHAN DEPROT Departamento de Proteção do IPHAN

Embasa Empresa baiana de água e saneamento

FAPESB Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia

FCP Fundação Cultural Palmares

FCpM Fundação Cultural pró Memória IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

INRC Inventário Nacional de Referências Culturais IBPC Instituto Brasileiro do Patrimônio Cultural

IBRAN Instituto Brasileiro de Museus

IPAC Instituto do Patrimônio Artístico Nacional

IPAC - SIC Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – Secretaria da

Indústria e Comércio IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional

MEC Ministério da Educação

PAC Programa de Aceleração do Crescimento

PRONAC Programa Nacional de Apoio à Cultura PNCD Parque Nacional da Chapada Diamantina

SPHAN Subsecretaria do Patrimônio Histórico Artístico Nacional SR Superintendência Regional

ONU Organização das Nações Unidas

UEFS Universidade Estadual de Feira de Santana

UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Localização do distrito de Igatu. 17

Figura 2: Ruas e equipamentos turísticos de Igatu, 2008. 20

Figura 3: Povoado Passagem/Andaraí, 2014. 32

Figura 4: Rua Sete de Setembro em Igatu, 1940. 35

Figura 5: Igreja de São Sebastião de Igatu, 1978/2014. 36

Figura 6: O rancho e o garimpo em Andaraí, 1944. 37

Figura 7: A bateia e o ralo em Andaraí, 1944. 40

Figura 8: Ruínas da Usina de Igatu, 2007. 44

Figura 9: Venda da sempre-viva em Igatu, 1969/1978. 47

Figura 10: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2002. 48

Figura 11: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2015. 48

Figura 12: Rua Sete de Setembro, Igatu 1978. 63

Figura 13: Parte interna e planta baixa da Igreja São Sebastião, Igatu 1978. 65

Figura 14: Toca garimpeira de Igatu, 1978. 66

Figura 15: Parte interna da toca garimpeira, Igatu 1978. 66

Figura 16: Luís dos Santos, Igatu 1978. 67

Figura 17: Rua Sete de Setembro, Igatu 2002. 68

Figura 18: Rancho Luís dos Santos e toca garimpeira, Igatu 2002. 69

Figura 19: Livro do Tombo: Igatu - Chapada Diamantina/BA. 89

Figura 20: Processo de tombamento de Igatu, 1998. 90

Figura 21: Abaixo assinado para tombamento de Igatu, 1997. 90

Figura 22: Proposta de tombamento de Igatu, 1998. 92

Figura 23: Documento de homologação do tombamento de Igatu, 1999. 98

Figura 24: Perspectiva do Alto do Cruzeiro - Embasa, Igatu, 2014. 103

Figura 25: Proposta – Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de Igatu, 2007. 105

Figura 26: Ruínas Luís dos Santos, Igatu, 2013. 106

Figura 27: Afloramentos rochosos - Manga do Céu, Igatu, 2007. 106

Figura 28: Registros do garimpo - Manga do Céu, 2010. 107

Figura 29: Construção nos afloramentos rochosos - Manga do Céu, 2007. 108

Figura 30: Proposta de criação do Centro de Referência da Cultura Garimpeira de Igatu. 109

Figura 31: Ruínas da antiga usina de Igatu, 2007. 110

Figura 32: Área protegidas de Igatu, 2009. 111

Figura 33: Igreja São Sebastião - restauração IPHAN, 2012. 112

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LISTA DE FLUXOGRAMAS E QUADROS

Fluxograma 1: Renda da população de Igatu, 2010. 21

Fluxograma 2: Do diamante ao turismo em Igatu - Linha do tempo. 52 Fluxograma 3: Livro do Tombo do Patrimônio Brasileiro. 74

Fluxograma 4: Atribuições do Programa Monumenta. 97 Fluxograma 5: Recomendações do IPHAN, Igatu, 2003. 100

Fluxograma 6: Proposta – Museu Cultural do Diamante. 115

Quadro 1: Informações sobre os entrevistados de Igatu, 2005. 24

Quadro 2: Etapas para análise dos documentos sobre o patrimônio. 28

Quadro 3: Documentos sobre o patrimônio cultural de Igatu. 29

Quadro 4: População de Igatu, 1978. 64

Quadro 5: Sistematização das políticas públicas de proteção patrimonial: de 1937 à 2010.

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 13

2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO............................................... 17

2.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa ....................................................... 22

3. CONTEXTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO GARIMPO ........................ 31

3.1 A formação do distrito de Igatu ........................................................................ 31

3.2 A primeira crise, suas consequências e o retorno do garimpo ............................ 41

3.3 O último declínio do garimpo .......................................................................... 45

3.4 Igatu: população sempre-viva .......................................................................... 46

3.5 Reflexões geográficas sobre a formação do território de Igatu ........................... 53

4. MEMÓRIA E PATRIMÔNIO ........................................................................... 57

4.1 Igatu: Território de memória e do patrimônio histórico ..................................... 62

5. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL........................................................ 70

5.1 Conceituando Patrimônio ................................................................................ 70

5.2 Políticas públicas de preservação do patrimônio cultural: contexto histórico ...... 72

6. PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU.......................................................... 88

6.1 Proposta para preservação e valorização do patrimônio de Igatu ..................... 114

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................ 121

8. REFERÊNCIAS ............................................................................................... 127

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1. INTRODUÇÃO

Igatu, distrito do município de Andaraí, está situado no alto da Serra do Sincorá, na

Chapada Diamantina, Bahia. A Chapada Diamantina, por sua vez, se localiza no sertão

do estado, possui relevo desgastado pela ação do tempo, assim como cânions, vales,

rios, nascentes, quedas-d’água e cachoeiras. É formada por um conjunto de serras que

sobressaem pela altitude, entre elas a do Sincorá. Esta serra faz parte da Serra do

Espinhaço, que se prolonga de forma descontínua até o Sul de Minas Gerais. Possui 100

km de extensão e está a 1200 m de altitude em relação ao nível do mar. A Serra do

Sincorá é formada por planaltos escarpados, elevações, blocos e picos rochosos. Neste

local estão situados os municípios de Lençóis, Palmeiras, Mucugê e Andaraí – antigos

centros das lavras diamantinas do sertão baiano (TEIXEIRA; LISKER, 2005).

As variações de altitudes entre vales profundos e as serras íngremes isolam

localidades protegendo e diversificando relevo, fauna, nascentes, flora, entre outros. Por

estar situado em um dos pontos altos da Serra do Sincorá (a 729 m de altitude), na

Chapada Diamantina, o distrito de Igatu consiste em um local cercado pela imponência

natural (rochas, poços, rios, córregos, serras, vegetação etc.) e pelas marcas na paisagem

(muros, casas, ruas de pedra) oriundas dos quase 100 anos do garimpo. Devido a sua

natureza, herança cultural e histórica, o distrito de Igatu foi considerado área de

proteção ambiental e palco de ação das políticas de preservação1 patrimonial. Este

cenário instigou essa proposta de investigação, a qual analisou o distrito, o garimpo, as

políticas públicas de preservação, a história, a geografia e a memória deste território,

aqui entendido como resultante das relações, políticas, culturais e econômicas, entre

outras. Diante disto, o objetivo geral desta investigação consiste na análise das políticas

de preservação do patrimônio cultural de Igatu.

Patrimônio cultural significa um conjunto de bens materiais fixos e não fixos que

aludem sobre a cultura de um grupo social. São os modos de viver, os festejos, a

linguagem, os rituais, a culinária deste grupo. O patrimônio de um determinado

território é relevante para seu povo, porque guarda a cultura, a memória e as identidades

desta sociedade. Sua preservação é necessária e de responsabilidade da sociedade civil e

de seus governantes. A institucionalização da preservação emerge através de decretos,

1O conceito de preservação é entendido, segundo Fonseca (2005), como a ação de coletar, tomar como posse, classificar e dar valor a um determinado bem. É uma atividade que está em constante conflito entre

o que conservar e o que não conservar. Para tanto, esta ação deve ser planejada, seguir critérios e estar

legalmente respaldada.

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leis, planos, projetos e ações, denominadas de políticas públicas, cujo objetivo é

resolver problemas, atenuar conflitos e modificar realidades.

A relevância desta investigação parte da riqueza patrimonial e cultural de Igatu e do

número reduzido de publicações, sobretudo aquelas consideradas secundárias, que

tratam de políticas públicas, garimpo e patrimônio. Observa-se, no caso do distrito, uma

lacuna no que diz respeito às ações municipais para preservação do patrimônio, que são

quantitativamente reduzidas. Esta investigação torna-se importante também devido à

aproximação com a área de estudo2. Pois são quase 10 anos de pesquisas sobre o

distrito, o garimpo, sua cultura e sua história.

Durante os anos de estudo sobre o distrito de Igatu, realizados por esta

pesquisadora, a questão patrimonial sempre esteve presente, sobretudo quando havia

contato direto e frequente com a comunidade. À vista disso, algumas inquietações foram

surgindo como: Qual a importância da preservação para população de Igatu? Quando e

como ocorreu o processo de tombamento? Qual a participação do governo federal,

estadual e municipal nesta preservação? Estas e outras inquietações se apresentam como

produto nesta investigação, cujo âmago está nas políticas públicas de preservação

patrimoniais destinadas a este território.

Para análise dos decretos, leis, planos, projetos, programas e ações, este trabalho

questiona quais os principais aspectos e as características mais destacadas nas políticas

de preservação do patrimônio cultural do distrito de Igatu. Para tanto, possui os

seguintes objetivos específicos:

Descrever o contexto geográfico-histórico do garimpo e de Igatu;

Analisar a importância da memória para o patrimônio cultural local;

Identificar e analisar as políticas que visam à preservação do patrimônio cultural

de Igatu e caracterizar o contexto de tais proposições;

Averiguar se há legislação municipal de preservação do patrimônio e como se

estabelece a relação entre órgãos estaduais e federais de preservação e a

prefeitura local.

2Desde a graduação pesquiso sobre o distrito de Igatu. Na especialização o tema foi à cultura garimpeira

representada pela literatura Cascalho, escrita por Herberto Sales em 1944. E nesta investigação, analiso as

políticas de salvaguarda do patrimônio local.

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A partir dos objetivos específicos, a dissertação foi organizada em cinco capítulos

que analisam a história de Igatu, sua formação geográfica e cultural, suas memórias, as

políticas públicas e sua importância para o patrimônio local.

O primeiro capítulo contém uma breve caracterização da área de estudo, no qual

foram apresentadas algumas informações sobre o distrito como a localização, o clima, a

vegetação, o contingente populacional, entre outros. O propósito deste capítulo é

realizar uma apresentação geral sobre o distrito de Igatu. Nesta seção também se

discutiu os procedimentos metodológicos utilizados por esta investigação.

O segundo capítulo versa sobre a formação territorial de Igatu, a história do

garimpo, os períodos de auge e de decadência desta atividade. Desde o aparecimento de

seus primeiros habitantes, à constituição do comércio, o aumento populacional até as

migrações e o decréscimo populacional. Contém também uma análise geográfica sobre

a formação deste território, apresentando significados múltiplos a este conceito.

O terceiro capítulo discute a importância do estudo da memória, suas perspectivas

de análise, conceitos e sua interação com a cultura e com o patrimônio do distrito de

Igatu. A memória é entendida a partir de concepções que estudam o indivíduo e a

sociedade.

O quarto capítulo analisa o patrimônio cultural do Brasil, aborda seus conceitos e

apresenta as políticas públicas de preservação patrimonial do país, desde a constituição

do órgão federal de salvaguarda até o ano de 2010. Foram utilizados uma compilação de

leis, decretos e planos elaborados pela Câmara de Deputados.

E, por fim, o último capítulo direciona-se às políticas específicas de preservação do

patrimônio cultural de Igatu. Foi analisado o dossiê que contém uma série de

documentos, desde abaixo assinado, memorandos, memorial descritivo entre outros que

fazem parte do processo de tombamento do distrito, organizados pelo IPHAN, IPAC e

pela Prefeitura de Andaraí.

A partir da análise sobre a jurisdição e as políticas públicas de preservação do

patrimônio cultural do Brasil e de Igatu, foi idealizada uma proposta - O Museu Cultural

do Diamante para contribuir com a salvaguarda e a valorização da cultura garimpeira no

distrito. Esta proposta contém introdução, breve descrição, acervo a ser preservado que

represente a cultura, a identidade e a memória do território. Bem como, as atribuições

desta instituição museológica. A necessidade de um museu em Igatu consta nos autos

do IPHAN (1998). O Instituto reforça a ideia de que é relevante para o distrito uma

instituição que preserve a cultura e memória local. A partir desta necessidade e do

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estudo da história local foi proposto, neste trabalho dissertativo, o Museu Cultural do

Diamante que busca reforçar as ações de preservação patrimonial de organismos como

IPHAN, IPAC e Prefeitura de Andaraí.

Os procedimentos utilizados para escrever estes capítulos foram o estudo de caso, a

pesquisa documental, entrevistas, análise das fontes secundárias e uso de imagens. O

estudo de caso permeia todas as etapas desta investigação, não é considerado um

procedimento simples e sim uma análise experiente e densa das questões sociais, no

qual é preciso conhecer o cotidiano e a área estudada.

Na pesquisa documental se analisou os decretos, as leis, os programas, os planos, as

ações do governo brasileiro para com o patrimônio, assim como textos antigos que

denotam sobre o garimpo e o distrito de Igatu. As entrevistas com moradores do distrito

foram realizadas durante o ano de 2005, mas receberam tratamento diferenciado

conforme os objetivos desta investigação.

Já as fontes secundárias foram importantes para analisar e também fundamentar as

informações obtidas com a pesquisa documental e com as entrevistas. O uso das

imagens foi essencial para completar a escrita e as reflexões; para auxiliar no estudo da

história, da formação territorial e da memória de Igatu.

Ao escrever sobre a história de Igatu, a finalidade foi evidenciar como a atividade

garimpeira, os trabalhadores e os demais sujeitos foram importantes para formação

deste território. Isto é, importantes para construção dos elementos territoriais como as

casas, as ruas, o comércio, as tocas, os muros, os garimpos, as barragens, a culinária, as

festas, o fazer e o viver que compõe o distrito que foi e continua sendo locus de poder,

de cultura, de trabalho, de moradia, de identidades e de memória.

A cultura garimpeira e as identidades encontradas neste território foram cunhadas

devido à migração de diversos grupos sociais para Igatu, durante o período de auge da

atividade mineradora. A cultura, a história do garimpo e também da formação deste

território estão presentes nas lembranças, nas heranças de sua população. A memória

está incorporada na paisagem, nos relatos e nas vivências de seus moradores.

A memória, a história e a cultura como partes integrantes do patrimônio estão sob a

jurisdição das políticas públicas de preservação patrimonial do país, que são as leis, os

decretos, os programas, os planos e as ações, entre outros, que desde a segunda metade

do século XX vem sendo pensados para salvaguardar o patrimônio cultural brasileiro.

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2. CARACTERIZAÇÃO DA ÁREA DE ESTUDO

Igatu, antiga vila e atualmente distrito de Andaraí3, localiza-se na Chapada

Diamantina, a 13 km da sede do município, a 729 m de altitude e a 324 km da capital do

estado da Bahia. Está entre 200 a 250 metros de altitude em relação à sede Andaraí, na

Serra do Sincorá e no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD).

A Chapada Diamantina, segundo IPHAN (1998), a partir dos dados do IBGE

possui área de 55.599,1Km². É formada por 43 municípios, dos quais Mucugê, Andaraí,

Lençóis e Palmeiras são diamantinos.

Abaixo, a Figura 1 representa a localização do distrito de Igatu e do município de

Andaraí:

Figura 1: Localização do distrito de Igatu.

Fonte: Oliveira e Silva (2009, p. 182).

Segundo Jesus et al (2010), Igatu está localizado na sub-bacia hidrográfica do Rio

Coisa Boa, que é um dos afluentes do Rio Paraguaçu (maior rio em volume de água e

extensão da Chapada Diamantina). As nascentes do Rio Coisa Boa brotam, conforme

autores, em uma localidade denominada pelos moradores do lugar de “Capa Bode”, que

está antes do agropolo industrial de Mucugê.

3Os demais distritos de Andaraí são Ubiraitá e Nova Vista.

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O Rio Coisa Boa está próximo ao centro urbano de Igatu e consiste em um dos rios

que abastece o distrito. Durante os períodos de auge da mineração foi um local de

garimpo, mas atualmente recebe parte do esgoto urbano4. Coisa Boa é um dos principais

rios de Igatu, deságua no Rio Piaba, que é afluente do Paraguaçu. Além deste rio, há

outros que “cortam” o distrito como o Laranjeiras, dos Pombos, Vitorino e Tamburi.

Igatu possui um clima que varia de subúmido a seco. Isto porque, entre os meses de

outubro a março as chuvas são mais regulares, as temperaturas são mais baixas e o ar

fica mais úmido. De abril a setembro as chuvas são mais escassas, deixando o local

mais quente e seco. Já a vegetação que predomina no distrito é denominada de campo

rupestre e encontra-se, sobretudo, nos afloramentos rochosos. Há também no local

vegetação herbáceo-arbustiva e em lugares mais úmidos encontram-se as matas de

galerias (JESUS et al, 2010).

O relevo é formado por serras de superfícies abruptas e por afloramentos rochosos.

Já as rochas predominantes no distrito, segundo Oliveira e Silva (2009), são o grês

avermelhado - argila de grão fino, o conglomerado, o arenito não-conglomerático e os

seixos.

Sua formação, enquanto território de trabalho e vivências foi analisada no capítulo

seguinte. Mas é relevante antecipar que esta formação esteve vinculada diretamente com

o garimpo de diamantes e posteriormente de carbonato (mineral amorfo, cujo nome

técnico é “larita”) que ocorreu entre os fins da primeira metade do século XIX e a

primeira metade do século XX, respectivamente. O garimpo foi por muito tempo a

principal atividade econômica do local e o principal atrativo de migrantes de várias

localidades do país.

Com muitas residências no período de auge da atividade garimpeira e um rentável

comércio de diamantes e carbonato, Igatu se consistiu por muito tempo em uma rica

vila, pertencente à Andaraí. E foi elevada a categoria de distrito no ano de 1888, quatro

anos após o início de sua formação.

Décadas após o término do garimpo, parte do distrito tornou-se área de proteção do

PNCD, no qual qualquer atividade extrativa ficou proibida por lei. Em 1998 a área

4Durante as pesquisas realizadas em Igatu entre os anos de 2005 a 2009 observou-se, enquanto

pesquisadora de iniciação científica financiada pela Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e

pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB) no curso de Geografia desta

instituição, que no distrito de Igatu muitas residências e até mesmos pousadas despejavam esgotos no Rio Coisa Boa. Estas informações foram confirmadas entre 13 a 17 de fevereiro de 2014 – durante uma

viagem de campo para Igatu e Andaraí, cujo objetivo foi de informar a Prefeitura sobre realização desta

pesquisa, assim como solicitar da mesma, documentos sobre o patrimônio de Igatu.

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urbana também integrou a área de proteção cuja responsabilidade ficou a cargo do

Instituto do Patrimônio Artístico Nacional (IPHAN).

No ano de 2010, o distrito contou com 835 famílias residindo em suas ruas, praça e

becos. Este contingente populacional é, segundo o último censo realizado pelo IBGE

(2010), de 3606 moradores, sendo que 187 eram mulheres e 173 homens. A maioria

desta população está distribuída em pequenas casas construídas com pedras localizadas

ao longo de um eixo urbano principal formado pela Rua Nova (entrada da cidade), a

Rua Duque de Caxias e a Rua Sete de Setembro (rua de maior extensão) e outros eixos

secundários interligados ao principal, como a Rua das Flores, dos Casados, dos Negros,

do Maxixe, São Sebastião entre outras, que podem ser visualizadas na Figura 2:

5Este dado refere-se ao número de domicílios privados fornecidos pelo IBGE para o ano de 2000.

Disponível no link http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=1311&z=t&o=4&i=P Acesso 11 de ago. de 2014. 6Censo realizado pelo IBGE no ano de 2010, disponível para consulta no link:

http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/tabela/protabl.asp?c=1378&z=t&o=1&i=P Acesso 11 de ago. de 2014.

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20

Figura 2: Ruas e equipamentos turísticos de Igatu, 20087.

7Esta figura foi elaborada no ano de 2008 para o Relatório de Iniciação Científica (UEFS). E adaptado, conforme, os objetivos desta pesquisa.

Fonte: Rodrigues (2008). – adaptado

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A Figura 2 representa a área urbana de Igatu e informa sobre suas ruas (a maioria

com calçamento), praça e becos, assim como os equipamentos turísticos do distrito

(CAT-Centro de Atendimento ao Turista8, pousadas, restaurantes e outros

estabelecimentos comerciais). Ao longo dos anos, o distrito de Igatu passou por poucas

modificações. Mas seus equipamentos dependem da atividade turística, isto é da

demanda gerada por esta atividade. Por isto, torna-se frequente o surgimento de novos

equipamentos e o desaparecimento de outros. Como por exemplo, a Associação de

Guias de Igatu, a lan house e o CAT que não existem mais.

Desde o início do século XXI, o turismo se constitui na principal atividade

econômica do distrito. Os visitantes que chegam até Igatu são atraídos tanto pela sua

beleza natural, quanto pela sua história e cultura impressa em seu patrimônio cultural

material e imaterial. Estes visitantes promovem uma movimentação do comércio local,

gerando empregos e renda, ainda que insatisfatória, para a população como se observa

nos dados abaixo que revelam a concentração de renda9 dos moradores do distrito.

Fluxograma 1: Renda da população de Igatu, 2010.

Fonte: Rodrigues (2015).

8 Registrou-se em 17/02/14 que o Centro de Atendimento ao Turista de Igatu não estava mais em funcionamento. 9 Os dados são do último censo realizado pelo IBGE no ano de 2010. Neste período o salário mínimo era

de R$ 510,00. Estes valores representados referem-se ao universo pesquisado pelo instituto.

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Somando os dados do Fluxograma 1 percebe-se que a maioria da população

(71,6%) recebeu, no ano de 2010, entre ¼ a 2 salários mínimos. E uma fração pequena

(36 moradores) recebeu de 10 a 15 salários mínimos.

O fluxograma evidencia a desigualdade econômica e social do distrito. Ainda que,

possua outras riquezas (natural e cultural) e oferte alguns dos serviços como água e

esgoto encanados, luz elétrica, uma escola pública que atende aos alunos do ensino

fundamental I e o Centro Cultural Chic Chic que, junto com a Prefeitura de Andaraí e o

IPAC, são responsáveis em executar algumas das políticas públicas de preservação do

patrimônio de Igatu.

O subcapítulo a seguir evidencia os caminhos possíveis para análise das políticas

públicas de preservação do patrimônio cultural, do garimpo, da formação territorial de

Igatu e de suas memórias.

2.1 Procedimentos metodológicos da pesquisa

A abordagem que fundamenta os procedimentos utilizados nesta pesquisa é de base

qualitativa, portanto, propõe interação entre ação e contexto, entre objeto e pesquisador,

preocupando-se com as questões sociais e com o cotidiano analisado (MINAYO;

SANCHES, 1993).

Em uma pesquisa de base qualitativa, conforme Triviños (1987) deve se preocupar

com os significados e com o porquê da existência dos mesmos. Estes significados são

produtos da visão subjetiva do pesquisador, ora respaldada pela teoria.

Para elaborar uma análise carregada de significados, com consistência e coerência,

os procedimentos utilizados nesta investigação e discutidos neste texto estão

apresentados conforme a sequência de exibição dos capítulos da dissertação (indicada

no sumário) que possui como base os objetivos específicos propostos. Portanto, esta

seção foi preparada segundo a ordem de exposição da pesquisa, por assim entender que

se tornou mais propício para elaboração dos cinco capítulos que compõem este trabalho.

Antes de iniciar a discussões sobre os procedimentos metodológicos adotados por

esta investigação, a partir dos capítulos, é necessário destacar, conceituar e caracterizar

o procedimento estudo de caso que está presente em todas as etapas deste trabalho.

O estudo de caso não consiste em uma fase exploratória da pesquisa, não é somente

uma estratégia de coleta de dados e tão pouco apenas uma forma de planejar a pesquisa.

Para se realizar um estudo de caso qualitativo é necessário experiência, treino e contínua

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interação entre os dados coletados e a teoria estudada. O estudo de caso busca uma

análise profunda e subjetiva das questões sociais, por isto, é de interesse das ciências

humanas. Esta análise profunda necessita da interação com outros procedimentos

metodológicos (YIN, 2001).

Os procedimentos que completam o estudo de caso são as pesquisas com

documentos e as entrevistas. Os documentos podem ser cartas, memorando, atas ou

aqueles administrativos que consistem em propostas, leis, decretos, relatório, entre

outros. Os pontos positivos da pesquisa com documentos consistem no fato de que é

considerada uma fonte estável, podendo ser revisada várias vezes. O negativo refere-se

ao difícil acesso a tais fontes. Já as entrevistas, que também completa o estudo de caso,

permite que o pesquisador questione, peça opiniões ou realize interpretações sobre

assuntos ou acontecimentos informados (YIN, 2001).

Iniciando às discussões procedimentais por capítulo, o primeiro desta pesquisa,

intitulado “Caracterização da Área de Estudo” teve por objetivo apresentar informações

iniciais sobre o distrito de Igatu, tais como, localização, contingente populacional e

aspectos naturais (hidrografia, vegetação, relevo entre outros). Informações relevantes

para alcançar uma visão mais geral da área analisada. Para tanto, foi realizada uma

revisão de literatura, que consiste na busca de escritos que tratem sobre o tema, tais

como livros, teses, dissertações e artigos denominados aqui de fontes secundárias. As

fontes secundárias são importantes porque permitem ao pesquisador obter informações

sobre o tema estudado a partir de publicações nas quais o mesmo já foi abordado. Tais

publicações são utilizadas para fundamentar a pesquisa, sustentando os dados obtidos

com os demais procedimentos metodológicos.

Os artigos, as teses e as dissertações remetem ao que há de mais atual publicado

sobre o tema ou área de estudo, e, geralmente, refletem o estado mais recente do

conhecimento sobre o que está sendo pesquisado, assim como as teorias e metodologias

mais utilizadas.

O capítulo seguinte (II), denominado de “Contexto Geográfico e Histórico do

Garimpo” possui o objetivo de discorrer sobre a formação do distrito de Igatu,

apresentando os momentos históricos importantes e as alterações provocadas pela

atividade garimpeira. Para tanto, foram utilizados como fontes as narrativas de

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entrevistas realizadas no ano de 2005 com alguns moradores do local10

, a pesquisa

documental, a revisão bibliográfica, e o uso de imagens.

As entrevistas, nesta pesquisa, foram utilizadas para fundamentar as informações

obtidas tanto oriundas dos documentos, quanto dos artigos, das dissertações, das teses e

de livros que tratam sobre o garimpo em Igatu. Para tanto, compreende-se que um

relato, segundo Alberti (2005), consiste em uma história de vida, no qual o entrevistado

ao falar sobre seu cotidiano expõe também acontecimentos coletivos de um grupo ou de

uma sociedade em geral. Tais relatos são também, conforme a autora, temáticos, porque

informam a opinião e a participação do entrevistado no tema. Para o caso de Igatu, as

entrevistas realizadas foram caracterizadas como histórias de vida porque ao expor seu

cotidiano e suas vivências, o entrevistado apresentou acontecimentos de um coletivo,

acontecimentos referentes ao garimpo de diamantes e são também temáticas porque o

informante destacou sua participação na sociedade garimpeira.

As entrevistas realizadas em Igatu, em 2005, tiveram oito informantes que foram

avisados previamente que seus relatos seriam publicados e que consentiram sua

publicação, desde que seus nomes não fossem revelados. Para tanto, são apresentadas

nesta pesquisa e foram registrados em outras anteriores, nomes fictícios dos

entrevistados, seguindo a descrição do Quadro 1.

Quadro 1: Informações sobre os entrevistados de Igatu, 2005.

Fonte: Rodrigues (2014).

10As entrevistas foram realizadas entre setembro e dezembro de 2005, tendo como sujeitos da pesquisa

moradores da comunidade de Igatu, para o Projeto “Trilhas de Igatu” uma parceria entre a UEFS e FAPESB. A realização das entrevistas foi possível devido ao trabalho de iniciação científica através da

bolsa de pesquisa financiada pela FAPESB. Na época, o estudo foi submetido e aprovado pelo Comitê de

Ética e Pesquisa da UEFS.

Entrevistado/a

(nomes fictícios)

Data de realização Idade (2005) Situação do

informante (2005)

Adelma Dez./2005 61 Aposentada

Bruno Dez./2005 80 Aposentado

Carlos Nov./2005 79 Aposentado

Daniel Set./2005 78 Aposentado

Elias Set./2005 41 Comerciante

Filipe Dez./2005 88 Aposentado

Gabriel Set./2005 Não informada Aposentado

Hugo Set./2005 70 Aposentado

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Os entrevistados, durante o ano de 2005, foram escolhidos de acordo com a

representatividade e conhecimento sobre Igatu. Neste mesmo ano, foi realizado um

breve esboço sobre quais os possíveis informantes. Estes foram convidados a

participarem da pesquisa e a maioria contatada aceitou. Os relatos foram gravados e

transcritos.

A pesquisa documental, outro procedimento aplicado neste capítulo, utiliza de

documentos de épocas anteriores para obtenção de informações sobre o objeto

analisado. Para alcançar informações mais consistentes, o pesquisador deve conhecer

quem escreve, porque foi escrito e para quem se destina o documento (SÁ-SILVA et

al., 2009).

São considerados documentos textos, vídeos e fotografias que aludem a um passado

relativamente distante e também textos oficiais que estabelecem um marco legal e

comprovam um determinado acontecimento como políticas públicas, leis, decretos que

não receberam tratamento ou que podem passar por uma nova análise (SÁ-SILVA et

al., 2009).

Na pesquisa documental não há contato direto do pesquisador com os grupos

pesquisados ou com a área de estudo. Isto não a torna desprovida de dados, pelo

contrário, este procedimento possibilita uma leitura mais profunda dos conteúdos e

ainda é considerada de baixo custo (PIANA, 2009).

Há alguns obstáculos que dificultam a utilização mais frequente deste

procedimento, como o tratamento inadequado dado aos documentos. Alguns arquivos

públicos do país estão em más condições, outros se assemelham a depósitos, pois os

documentos são deixados em qualquer lugar e de qualquer jeito. Estas fontes acabam se

perdendo, impossibilitando, na maioria das vezes, que o pesquisador consiga sequências

de informações, promovendo assim, análises aleatórias.

Os documentos, oriundos de arquivos públicos de Mucugê, Andaraí e outros

disponíveis na internet, analisados para compor este capítulo foram: Acauã (1847),

Pereira (1937), Sales (1944 e 1955), Aguiar (1979), IPHAN (1998) 11

e Brasil (2007),

todos discorrem sobre o garimpo entre outros assuntos relacionados à Chapada

Diamantina. Acauã (1847), no relatório sobre os terrenos diamantinos, traz uma

11IPHAN (1998) consiste no processo de Tombo do distrito de Igatu. Este dossiê reúne documentos

importantes que evidenciam a importância cultural, histórica e arqueológica do distrito, justificando assim a preservação de seu patrimônio cultural material. Este processo contém outros documentos, estes

históricos, importantes para caracterização do distrito. O processo de tombamento contém informações

atuais e antigas do distrito de Igatu e será analisado a seguir.

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contribuição significativa, pois seus relatos são sobre os principais territórios de

garimpagem, como Mucugê, Lençóis, Andaraí e Igatu. O livro de Pereira (1937) é sobre

o município de Andaraí, nele há também contribuições sobre o distrito de Igatu. Sales

(1944), no romance cujo título é “Cascalho”, também considerado como documento,

relata a história do garimpo, o cotidiano do garimpeiro e de outros personagens, a

exemplo do coronel – personalidade típica da região. A referência à Sales (1955) diz

respeito a um relatório técnico sobre o garimpo de diamantes da Bahia escrito logo após

o romance acima citado. E por fim, Aguiar (1979) apresenta descrições sobre o estado

baiano, entre eles os locais de extração diamantina.

Para a revisão literária, outro procedimento deste capítulo, que foi apresentado em

parágrafos anteriores, utilizou-se as fontes secundárias Andrade (2005), Guanaes (2001;

2006), Toledo (2008) e Rodrigues (2012). Todos apresentam análises sobre o garimpo

em diferentes municípios da Chapada Diamantina. Outros autores foram utilizados para

respaldar a análise proposta neste capítulo, como Duarte (2009) que estuda a espécie

sempre-viva, planta comercializada durante a década de 70 do século XX em Igatu, e

que fez parte de seu ciclo econômico.

Já o uso de imagens, último procedimento utilizado para compor este capítulo, tem

por objetivo complementar a escrita sobre a formação histórica e geográfica do distrito

de Igatu. Estas imagens foram retiradas dos seguintes documentos Quadronização do

Cascalho (1977), IPAC-SIC (1980), IPHAN (1998) e IPAC (2002) entre outros. Das

fontes secundárias e outras adquiridas e cedidas em visitas ao distrito de Igatu e que

compõe o acervo pessoal da pesquisadora.

Entende-se que uma imagem consiste em um código da expressão e comunicação

humana vinculada aos sentimentos, à identidade e a memória de grupos sociais. Estas

podem ser uma obra pictórica, uma fotografia, o cinema e um desenho. A imagem não

substitui a escrita, ambas se complementam. A importância do uso da imagem como

parte do processo de investigação se dá pelo fato de que estas são repletas de signos e

significados que atendem a um público bem maior que a escrita (WELLER; BASSALO,

2008).

Os tipos de imagens utilizadas por esta investigação, para integrar a escrita, foram

fotografias e desenhos. Segundo Weller e Bassalo (2008), as fotografias são

instrumentos de pesquisa que captam a realidade a sua frente, isto é captam pessoas e/ou

paisagens em um determinado lugar e sobre determinado assunto. Já o desenho,

segundo Dias (2005) é a expressão do real no papel elaborada habilmente através de

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traços pelos indivíduos. Esta realidade expressa através do desenho deve ser

entendida/decodificada por quem o observa.

O capítulo III está dividido em dois subcapítulos. O primeiro versa sobre memória e

objetiva discutir sobre sua importância para entendimento do território e para análise de

políticas de preservação ao patrimônio cultural. Os procedimentos utilizados foram

também os já apresentados: pesquisa documental, bibliográfica, uso de imagens e as

entrevistas. Os documentos e as entrevistas utilizados neste capítulo, considerados como

fontes de memória, são aqueles informados nos parágrafos anteriores. Estes

procedimentos auxiliaram na reflexão sobre a memória do distrito de Igatu e na sua

associação com o patrimônio local. Das fontes secundárias foram utilizadas os autores

Sá (2007), Costa e Castro (2008) e Halbwachs (2006), entre outros. Já o segundo

subcapítulo utiliza-se do documento IPAC-SIC (1980), que consiste em um inventário

realizado pela Secretária da Indústria e Comércio do Estado da Bahia no ano de 1978 e

publicado em 1980. Este inventário reúne quatro livros e possui o intuito de proteger o

acervo cultural de algumas das localidades do estado baiano. O livro que trata do

distrito de Igatu apresenta o título “Monumentos e Sítios da Serra Geral e Chapada

Diamantina”, apresenta informações sobre sua história, cultura, arquitetura e memória

do distrito. Este documento foi escrito entre os anos de 1978-79, isto é, 38 anos após o

declínio do garimpo, portanto consiste em uma importante fonte de memória sobre o

local.

Sobre memória, Sá (2007) e Costa e Castro (2008) acreditam que esta é um híbrido

resultante das recordações do indivíduo com suas lembranças sociais. A memória

agrega acontecimentos do passado com os do presente. Esta memória individual e ao

mesmo tempo social é denominada de memória coletiva, conforme Halbwachs (2006).

A memória coletiva é uma memória particular comum a outros indivíduos.

O IV capítulo também se subdivide em dois subcapítulos e analisa as políticas de

preservação do patrimônio cultural no Brasil. Para tanto, o primeiro, inicia conceituando

patrimônio cultural (primeiro subcapítulo) utilizando o documento sobre a legislação e

as políticas públicas elaboradas por Cavalcanti (2008), assim como os textos de

Pelegrini (2006), Thomaz (2010), entre outros. Os procedimentos utilizados neste

subcapítulo consistem na pesquisa documental e na revisão da literatura.

O segundo subcapítulo aborda a trajetória das políticas públicas destinadas ao

patrimônio cultural brasileiro através da pesquisa documental e da revisão bibliográfica.

Para análise destas políticas públicas foi consultado o documento elaborado por Brasil

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(2010) que consiste em leis decretos de 1937 a 201012

. Os documentos que compõe a

legislação sobre o patrimônio cultural do Brasil versam sobre sua dimensão material e

imaterial, foi publicada em 2010 pela Câmara dos Deputados e está disponível na

internet. Para auxiliar no entendimento dos documentos analisados neste subcapítulo

utilizaram-se das reflexões de Fonseca (2005).

Estes documentos apresentados acima foram analisados conforme a teoria da

pesquisa documental, para tanto se elaborou um plano de análise, segundo as premissas

de Sá-Silva et al., (2009) e Piana (2009). Este plano de análise está sintetizado no

Quadro 2. Cada documento foi analisado conforme os elementos que aparecem:

Quadro 2: Etapas para análise dos documentos sobre o patrimônio.

Referência do documento:

Lugar utilizado

Objetivos do documento

Conjuntura do texto Citação p.:

Conteúdo do texto Citação p.:

O público que destina Citação p.:

Conceitos do texto Citação p.:

Breve síntese do documento

Fonte: Rodrigues (2014).

E, por fim, o último capítulo, cujos procedimentos empregados também foram a

pesquisa documental e a revisão de literatura, a qual objetiva discorrer sobre as políticas

públicas de preservação do patrimônio cultural de Igatu. Os documentos sobre o

patrimônio cultural foram obtidos através de pesquisas realizadas no IPHAN, IPAC e na

Prefeitura de Andaraí, estes órgãos disponibilizaram para consulta apenas documentos

referentes ao patrimônio material. Mas é importante ressaltar que os documentos

definidos pelos órgãos federais estaduais e municipais de preservação utilizam tanto das

discussões sobre patrimônio imaterial quanto material para fundamentar suas ações.

Assim, está presente nas políticas públicas sobre o patrimônio de Igatu discussões tanto

sobre a dimensão material quanto imaterial. Os documentos analisados sobre as

políticas públicas do distrito de Igatu estão sistematizados no Quadro 3.

12Legislação sobre Patrimônio Cultural. Biblioteca Digital da Câmara dos Deputados – Centro de

Documentação e Informação: Brasília, 2010.

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Quadro 3: Documentos analisados sobre o patrimônio cultural de Igatu.

Fonte: Rodrigues (2014).

Os documentos definidos para análise são os pesquisados no IPHAN, IPAC e

Prefeitura de Andaraí, são bastante representativos, pois os demais consistem em ações

isoladas realizadas pela população local solicitando destes órgãos competentes

liberações para reforma de seus imóveis.

Estes documentos foram observados segundo a teoria da pesquisa documental, já

apresentada neste trabalho e da análise de conteúdo, que conforme Triviños (1987)

consiste em um procedimento referente tanto à pesquisa qualitativa, quanto à

13Este documento está assinado pela prefeitura de Andaraí. Também pode ser encontrado no endereço

http://xa.yimg.com/kq/groups/27471536/267582466/name/Parque+IgatuA3+2.pdf. Acesso 26 de abril de

15.

Documento Objetivos Breve descrição Material

Conj. Arquitetônico

Urbanístico e

Paisagístico de Igatu Processo, nº 1411-T-

98.

Proteção ao

patrimônio

material de Igatu

Reúne vários documentos sobre o

patrimônio material de Igatu, desde

ofícios, abaixo assinado realizado pela população local e projetos. Os

documentos datam de 1998 a 2005.

(Processo de tombamento)

Fotografias

realizadas no

acervo do Iphan – Maio e Junho de

2014.

Área contígua de

proteção do Centro Histórico de Igatu

(Decreto Estadual nº

8.357/02) – IPAC

(2002).

Proteção ao

patrimônio material de

Igatu

Reúne uma série de documentos sobre

o patrimônio material, desde matérias de jornais, ofícios, a descrições que

datam de 1978 a 2001. (Processo de

tombamento)

Disponível em

meio digital. Pesquisa no IPAC

– Maio e Junho de

2014.

IPAC-SIC (1980).

Inventariar os bens

materiais de

Igatu.

Possui como fontes documentos e entrevistas com moradores do distrito.

São descrições históricas e

arquitetônicas do local.

Disponível em meio digital.

Pesquisa no IPAC

– Maio e Junho de

2014.

Prefeitura Municipal de Andaraí. Parque

Urbano de Igatu.

Companhia do

Restauro, 200713.

Criação do Parque

Urbano de

Proteção

Ambiental, Histórico e de

Lazer.

Contém fotografias, dados históricos e atuais do distrito de Igatu. Além da

proposta de proteção histórica,

patrimonial e ambiental das Ruínas e

dos afloramentos rochosos Manga do Céu.

Disponível em meio digital. Foi

assinado pela

prefeitura de

Andaraí. A execução

Companhia do

Restauro.

IPAC, Relatório nº

02/2009. Salvador: IPAC, 2009.

Elaborar

poligonal de proteção.

Contém metas para reconhecimento

dos valores culturais locais, como do patrimônio cultural material pela

população.

Disponível em

meio digital. Pesquisa em

Andaraí/Igatu –

Fev. 2014.

PAC – Cidades

históricas (Andaraí – 2010-2013).

Traçar metas

para preservação

do patrimônio

de Igatu.

O documento consiste em slides

elaborados pela prefeitura de Andaraí, baseado no documento federal – PAC

cidades históricas.

Disponível em

meio digital. Pesquisa em

Andaraí/Igatu –

Fev. 2014.

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30

quantitativa e existe desde que os indivíduos passaram a interpretar os livros,

inicialmente os sagrados.

Este método torna-se mais consistente na segunda metade do século XX, quando

foram estabelecidas algumas de suas técnicas. Já nas décadas finais deste mesmo século,

elaborou-se uma teoria específica, na qual as técnicas, os princípios e os conceitos

fundamentais foram detalhados para obter uma análise em outros textos, além dos

sagrados (TRIVIÑOS, 1987).

O procedimento de análise de conteúdo consiste em um meio de se estudar a

comunicação entre indivíduos, dando ênfase ao que foi escrito (TRIVIÑOS, 1987).

Portanto, através deste procedimento o pesquisador pode obter informações referentes

às crenças, motivações, diretrizes, atitudes, princípios de grupos sociais, adquirindo uma

visão mais profunda e complexa do que foi estudado.

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3. CONTEXTO GEOGRÁFICO E HISTÓRICO DO GARIMPO

3.1 A formação do distrito de Igatu

As informações mais antigas, utilizadas por esta pesquisa, sobre a formação do que

hoje é o de distrito de Igatu, datam de 1847, oriundas do relatório técnico escrito por

Acauã (1847), cujo título é “Memória sobre os terrenos diamantinos da Bahia”.

Benedito Marques Acauã foi Inspetor Geral dos Terrenos Diamantíferos do território

baiano de 1846 a 1847, a mando do Império. Segundo Toledo (2008), Acauã foi

chamado para inspecionar os terrenos diamantinos porque pouco se sabia sobre o lugar,

sobretudo nas questões de ordem geológicas de tais terrenos. A intenção do governo

brasileiro era conhecer a rentabilidade da comercialização de diamantes.

Acauã (1847) inicia este documento com informações sobre a estrutura física dos

terrenos nos quais foram encontrados os diamantes. São descrições sobre as serras, os

rios e como chegar até aos locais diamantinos. Um dos pontos mais representativos do

documento é a descrição sobre como e quando ocorreram as primeiras ocupações na

Chapada Diamantina. Segundo Acauã (1847), no ano de 1844, foram descobertas

grandes quantidades de diamantes no leito dos Rios Mucugê e Cumbucas, isto atraiu,

em poucos meses, uma população de quase 25 mil pessoas para tal território.

E foi assim, segundo este autor, que se estabeleceu a grande referência de comércio

da Chapada, que consistia na povoação denominada Paraguaçu Diamantino, hoje

Mucugê. Esta povoação se formou em 1844 nas proximidades dos Rios Cumbucas e

Mucugê e em 1846 possuía cem estabelecimentos destinados ao comércio, consistindo

no centro de relações comerciais.

A descrição continua pelos terrenos diamantinos da Bahia traçados por Acauã

(1847) retratando também as terras do Povoado Passagem, hoje pertencente ao

Município de Andaraí. Segundo o autor, este povoado é banhado pelo rio Paraguaçu e

nos anos de 1846 a 1847 já possuía grandes áreas agrícolas, se constituindo também em

um terreno farto de diamantes. O povoado de Passagem também foi descrito na

literatura documental de Sales (1944), como local do qual se extraíram muitas riquezas

(Figura 3).

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Figura 3: Povoado Passagem/Andaraí, 2014.

Fonte: Rodrigues (2014).

O povoado Passagem, Figura 3, localizado próximo ao rio Paraguaçu, local

atualmente pertencente ao município de Andaraí, foi um rico garimpo, no qual

trabalharam muitos garimpeiros na extração de diamantes.

Já em Igatu, Acauã (1847) escreveu neste documento, que o distrito era

denominado de povoação de Chique-Chique14

. O autor afirma que este povoado cresceu

à margem do rio que possuía o mesmo nome do local. Do rio Chique-Chique retiraram

grandes quantidades de diamante tanto do seu leito, quanto dos barrancos, dos córregos

que nele desaguam e também dos brejos formados por suas águas. A quantidade de

diamantes encontrada neste local foi importante para o crescimento do povoado que

distavam duas léguas do povoado de Andaraí, cuja população era pequena, quando

comparada às demais.

Na referida serrania do Sincorá, onde começam os terrenos diamantinos, em

distância de vinte léguas se acha a serra do Andarahy, em cujas fraldas está a

povoação deste nome, que distando da do Chique-Chique duas léguas ao sul

e da do Paraguaçu quatro, não contém menos de três mil almas (...) (ACAUÃ, 1847 p. 212).

O início do que hoje consiste o distrito de Igatu também é de 184415

, como afirma

Pereira (1937) 16

. Conforme o autor, depois que encontraram diamantes nas

14Chique-Chique foi o primeiro nome de Igatu, segundo alguns autores aqui mencionados. Mas este trabalho utilizará preferencialmente o nome atual do distrito, mesmo quando referenciar acontecimentos

passados. 15Há, no entanto, algumas evidências que levantam dúvidas de que a formação do distrito é mais antiga

que os documentos evidenciam. Em pesquisas realizadas em Igatu, no cemitério ao lado da igreja São Sebastião, há lápides no qual foram enterradas pessoas cuja data é anterior a 1844. Segundo autores, este

ano consiste no momento em que apareceram as primeiras pessoas e assim construíram as primeiras

moradias.

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proximidades do Paraguaçu Diamantino (Mucugê), os garimpeiros se direcionaram para

o nordeste, até chegar a um rio bastante rico em diamantes que foi denominado de

Chique-Chique.

Pereira (1937) apresenta duas versões para o primeiro nome de Igatu17

. A primeira

viria de um garimpeiro que trabalhava no local, no qual todos os chamavam de Chique-

Chique ou Xique-Xique. A segunda decorreria da grande quantidade do cacto xique-

xique. Mas, é importante frisar que em 1847, quase noventas anos antes da publicação

de Pereira (1937), Acauã já o denominava de Chique-Chique. E no livro “Memória

histórica e descriptiva de Andarahy”, cujo autor é Pereira (1937), a terceira parte desta

obra é composta por um capítulo cujo subtítulo é “Chique-Chique”, ao referir-se à

história de Igatu.

A formação geográfica de Igatu é semelhante à de muitos locais da Chapada

Diamantina e está descrita tanto nos documentos, quanto nos livros de ficção que narra

histórias sobre o lugar. O atual distrito foi formado a partir de uma população oriunda

de diversas localidades da Bahia, de outros estados e até de outros países. Este

contingente populacional foi atraído pela possibilidade de ascensão econômica que o

diamante promovia. De acordo com IPHAN (1998), o fascínio pelo diamante levou para

Igatu migrantes dos mais variados tipos: aventureiros, ricas famílias, outras tantas

fugitivas das secas. Sobre as migrações para a Chapada Diamantina, especificamente

Lençóis, em decorrência do garimpo de diamantes, Gonçalves (2000) afirma:

Anos atrás, em 1845, com a abertura do garimpo no rio dos Lençóis, o então

povoado, foi também centro de um intenso movimento migratório, atraindo

pessoas de várias classes e ofícios de toda parte da província e das áreas mineradoras de Minas Gerais. Locais até então despovoados, apenas com os

roceiros vistos por Spix e Martius em 1818, ganharam em pouco tempo um

contingente de 1.800 a 2 mil garimpeiros (GONÇALVES, 2000, p. 40).

Um dos garimpos mais rentáveis, apresentado por Pereira (1937) e que, portanto,

atraia migrantes, foi o Canal da Fumaça. Este canal consiste em um “corte” encontrado

na estrutura geológica do local. É bastante fundo em determinadas áreas, já em outras

apresenta pouca profundidade, consequências também da atividade garimpeira18

.

16Gonçalo de Athayde Pereira nasceu em São João do Paraguaçu (hoje Mucugê), foi sócio fundador do Instituto Genealógico da Bahia e escreveu alguns livros sobre Andaraí, Mucugê e Lençóis. Os assuntos

que o autor evidencia nestes livros são de ordem econômica, histórica e em alguns casos política. 17Diz sobre o primeiro nome de Igatu, aquele que aparece no mais antigo documento sobre o distrito,

encontrado nos arquivos públicos na região. Consiste em Chique-Chique apresentado em 1847 por Benedito Marques Acauã. 18Estas informações advêm das observações no distrito, do estudo de caso no local realizado por esta

pesquisadora.

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Segundo Pereira (1937), utilizando informações dos moradores locais durante a época

em que escreveu o livro, o canal:

(...) vae em linha recta atravessar o Paraguassú, passando na Massa, garimpo onde há anos em 1886 encontram-se grandes depósitos de diamantes em

manchas, e é hoje serviço pertencente ao Coronel Joaquim Vieira Coutinho,

próximo ao Rio Garapa, Caminho dos Lençóes (PEREIRA, 1937, p. 80).

Este garimpo e tantos outros de Igatu como o Luís dos Santos, Bom-Será, Bicame,

Torres e Criminoso, atraíram muitas pessoas, que migraram para tais locais em busca de

trabalhos, moradias e de melhores condições de vida. Há também outros grupos que

passaram a residir no distrito para manter o padrão de vida ou aumentar a riqueza que

possuíam como afirma Pereira (1937):

O Chique-Chique ou Xique-Xique foi um centro comercial importante onde

reuniram-se famílias de prestígio e ricas, muitas vindas de Minas Geraes.

Essas famílias, senhoras de importantes serviços de mineração, ali preponderaram bastante, dando também impulso ao logar, construindo

importantes vivendas etc. (PEREIRA, 1937, p. 80)19.

Portanto, o garimpo de diamante e consequentemente as migrações foram

responsáveis pela formação territorial de Igatu. A possibilidade de mudanças da

qualidade de vida atraiu grupos de diversas partes do país, muitos fugindo de secas,

fome e doenças. Estes grupos formaram a força de trabalho do local, eram os

trabalhadores braçais do garimpo e as lavadeiras20

. Sales (1944), no seu livro ficcional

de elevado caráter documental evidência este cotidiano das migrações em Andaraí, na

Chapada Diamantina:

(...) foram chegando homens de distantes terras, estranhos homens que chegavam em batalhões esfarrapados, homens magros e sujos que fugiam da

seca do nordeste, homens que evadiam as plantações de fumo de Ilhéus e São

Félix para viver a grande aventura do maravilhoso país do garimpo. (SALES,

1944 p. 40)

Estes grupos assim que chegavam aos terrenos diamantinos habitavam os garimpos

como Califórnia, Bambolim, Forca, entre outros; habitavam também as extremidades,

as pontas das ruas, como afirma o autor citado acima. O morar era o mais simples

possível, como, por exemplo, nas tocas. Nos locais de trabalho e de moradia, os

garimpeiros permaneciam horas buscando o brilho do diamante e melhores condições

de vidas.

19As informações apresentadas acima, conforme Pereira (1937) vieram de informantes do local, segundo a

mediação do Coronel Lindolpho Lellis. Foram ouvidos moradores antigos cuja autoridade e critérios

foram definidos pelo autor. 20Segundo as entrevistas, as lavadeiras consistiam no grupo de mulheres que trabalhavam, ganhavam

dinheiro lavando as roupas nos rios e córregos da Chapada Diamantina. Muitas eram esposas de

garimpeiros que com trabalho completavam a renda familiar. Outras sustentavam sozinhas suas famílias.

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Já no centro urbano de Igatu, ao longo da Rua da Carapaça, hoje denominada Rua

Sete de Setembro, a maior do local, se estabelecia o comércio onde os proprietários dos

mesmos exerciam suas atividades de venda de tecidos, calçados, produtos importados,

gêneros alimentícios e compra de diamantes. A Rua Sete de Setembro foi também local

de posse dos grupos de maior renda do local. A Figura 4 mostra a Praça Aureliano

Gondim e o início da Rua Sete de Setembro, e data da primeira metade do século XX.

Figura 4: Rua Sete de Setembro em Igatu, 1940.

Neste local, evidenciado pela Figura 421

, percebe-se um período de grande

movimentação, no qual o comércio era intenso. Isto pode ser visto pela forma das casas,

nesta imagem, casas grandes, com várias portas, umas próximas às outras, para dar

conta de uma movimentação que ocorria quando as ruas do local estavam repletas de

pessoas.

No ano de 1854, conforme IPAC-SIC (1980) 22

, portanto, dez anos após os

primeiros minérios encontrados em Igatu, um garimpeiro encontrou um diamante de

elevado valor, em pagamento a uma promessa que havia feito construiu a igreja de

pedra do distrito – a Igreja São Sebastião, que está localizada entre o bairro Luís dos

Santos, localidade habitada em sua maior parte por trabalhadores do garimpo e pelas

21A fotografia representada neste trabalho, como Figura 4, é de 1940. Foi capturada da dissertação de Andrade (2005), segundo a autora, pertence ao arquivo pessoal da família de Gomes da Silva. 22Segundo o documento IPAC-SIC (1980), estas informações foram colhidas através de conversas com a

população local.

Fonte: Andrade (2005, p. 55).

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lavadeiras, e o centro urbano de Igatu, no qual se situava o comércio e os comerciantes.

A Figura 5 mostra duas fotografias da igreja São Sebastião:

Figura 5: Igreja de São Sebastião de Igatu, 1978/2014.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 181). Fonte: Rodrigues (2014).

A imagem em preto e branco, retirada do documento IPAC-SIC (1980), retrata a

arquitetura original da igreja, uma vez que os imóveis mais antigos, localizados na área

urbana do distrito, foram construídos com pedras e rebocados. Já a imagem colorida

representa a arquitetura atual da igreja São Sebastião, sem o reboco.

Haviam outros locais de moradia além do centro urbano do povoado, locais estes

habitados pela maioria da população. Sobre a ocupação do território de Igatu, esta

obedecia, na maioria das vezes, as seguintes etapas para os migrantes que iriam

trabalhar com o garimpo. Na primeira etapa, aqueles que chegavam ao povoado

ocupavam as suas extremidades, como afirmam Sales (1944) e Rodrigues (2012).

Toledo (2008) também evidencia que esta etapa de ocupação das extremidades ocorria

também em Lençóis ao relatar o bamburro23

de um garimpeiro:

Ceciliano, pai de João da Gia, teria chegado em Lençóis em 1914. Filho de um

escravo alforriado do Recôncavo, que teria ganhado um pedaço de terra em Rio de Contas. De Rio de Contas foi para Chique-Chique de Igatu garimpar

diamantes e de lá para Lençóis. Levou consigo sua família e instalou em uma

toca, fora da cidade, o que era bastante comum (...) (TOLEDO, 2008 p. 183).

O rancho (Figura 6) era local de garimpo e também de moradia, utilizado para

alimentação e descanso depois de um dia de trabalho dos garimpeiros.

23A palavra “bamburro” era utilizada quando o garimpeiro conseguia encontrar um diamante que lhe

rendesse somas avultosas de dinheiro.

Fonte (Fotografia 1): IPAC, 2002. Fonte: (Fotografia 2): Rodrigues, Isabela C. 2014.

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Figura 6: O rancho e o garimpo em Andaraí, 1944.

Fonte: Clássicos ilustrados. Cascalho – quadronização do romance (1977, p. 24)24.

A imagem acima é oriunda de uma proposta geral de quadrinização de alguns dos

romances brasileiros25

, cujo desenho é de André Le Blanc, para esta obra, inspirado no

texto do romance Cascalho de Herberto Sales, o qual representa o cotidiano de

garimpeiros, nos locais de trabalho, nas lavras diamantinas, neste caso no território de

Andaraí.

Segundo o IPHAN (1998), o rancho era uma residência do garimpeiro feita de

pedra e coberto por folha da pindoba. Em Igatu os ranchos se concentravam na ruas do

Bambolin, Barriguda e em maior número no bairro Luís dos Santos.

Na segunda etapa, depois que o garimpeiro conseguia encontrar um diamante

valioso e se estabelecer financeiramente, como afirma Sales (1944), Toledo (2008) e

Rodrigues (2012), mudava sua residência para uma casa localizada na rua do centro

urbano, como ilustra o autor: “Foi um bamburro que permitiu ao garimpeiro levar sua

família para uma casa na cidade, casa onde João nasceu (TOLEDO, 2008, p. 183)”.

Esta possibilidade de ascensão foi conferida ao garimpeiro somente nos tempos de

grande movimentação comercial. Isto é, nos períodos em que o mercado, sobretudo o

europeu, comprava diamantes da Chapada, fazendo com que fosse estabelecida uma

dinâmica econômica, conferida pelo trabalho de garimpagem e pela negociação do

minério.

24

Clássicos ilustrados. Cascalho (em quadrinhos). Rio de Janeiro. Editora Brasil-América, 1977. 25Foram transformados em quadrinhos 15 romances de autores brasileiros como José de Alencar, José

Lins do Rego, Jorge Amado, Euclides da Cunha, entre outros. A última edição, portanto, a de número 15

é de Herberto Sales, alguns destes desenhos estão nesta dissertação.

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Os momentos de grande movimentação do comércio ocorriam, principalmente aos

sábados, tanto na sede de Andaraí, quanto no distrito de Igatu, após a chegada dos

trabalhadores do garimpo aos centros urbanos. A rotina semanal destes trabalhadores

braçais era realizada obedendo uma certa disciplina, não tão rígida. Estes trabalhadores

saiam de suas casas e se direcionavam aos locais de garimpo, os quais não eram sempre

os mesmos, pois isto dependia da quantidade de diamantes que era encontrada.

Geralmente os garimpeiros saiam em um dia da semana, levando consigo os

mantimentos para a alimentação, e no sábado retornavam para os centros urbanos

(RODRIGUES, 2012).

Mesmo não econtrando o diamante, o garimpeiro retornava à área urbana, nos dias

de sábado, porque sabia que, nos períodos de auge do garimpo, outros tantos

garimpeiros estariam vendendo o minério. E isto garantia este movimento nas ruas e nos

estabelecimentos comerciais do local. Rodrigues (2012), utilizando a documentação de

Sales (1944; 1945), evidencia que o sábado era determinado como o dia da festa, o dia

do retorno, no qual o garimpeiro pagava aos donos do garimpo o valor do diamante

encontrado, recebendo sua parte que era consumida em produtos vendidos no comércio

local.

Os garimpos, em sua maioria, pertenciam a um ou mais indivíduos, que em geral

não eram garimpeiros. Estes trabalhadores, por sua vez, ao garimpar deveriam pagar

pelo uso da terra. O pagamento era estabelecido após o encontro do diamante e a

avaliação de seu valor. Esta avaliação era realizada pelo dono26

do garimpo que, na

maioria das vezes não pagava aos garimpeiros o valor devido, subtraia do valor do

minério o valor pelo uso da terra.

O valor do diamante era estabelecido pelos seus compradores e sofria influências

do mercado. Os europeus eram os que mais compravam diamantes da Chapada

Diamantina e portanto, eram os que ditavam seus preços. Somente alguns indivíduos de

cada território da Chapada se responsabilizavam em negociar com os compradores

europeus, como informam Pereira (1937), Sales (1944; 1945) e Rodrigues (2012), estes

indivíduos possuiam fortes ligações com o coronelismo local.

O coronel representava a autoridade, ele configurava de forma bem definida os três

poderes, pois criava regras, as executavam e era quem julgava as ações locais, tanto

eleitorais, quanto militares, entre outras. O coronel, portanto, simbolizava a economia e

26Os donos dos garimpos eram, em geral, pessoas de elevado poder aquisitivo, como coronéis, seus

parentes próximos ou então seus aliados.

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a política local, para conseguir isto, possuia fortes vínculos com chefes de governo e

outros chefes políticos. Para o garimpeiro, o coronel era quem fazia valer a ordem nos

locais lavristas, esta ordem ao entrar em confronto com seus interesses deixava de valer.

Sales (1944) denuncia em seu livro o abuso enfrentado pela população garimpeira com

o coronelismo nas mais diversas situações, desde a exploração em decorrência de um

trabalho árduo, ao pagamento mínimo em dinheiro pela garimpagem até à exposição aos

trabalhos mais arriscados etc. O autor utiliza também uma passagem do livro para

evidenciar como a violência era deflagrada pelo coronel de Andaraí – Aureliano de

Brito Gondim, pois ao saber que no local havia um homem pobre, negro e temito por

todos, tratou de trazê-lo para perto de si, dando a este homem um cargo de fiscal cujo

objetivo era averiguar o trabalhado dos demais garimpeiros, estes também quase todos

pobres e negros. Mas, na primeira vez que este homem temido enfrentou o coronel foi

morto por seus capangas.

O cotidiano do garimpeiro era bem diferente do cotidiano dos donos e negociantes

do diamante. Sua sobrevivência dependia das condições físicas nas quais eram

encontrados os diamantes, dos interesses dos compradores e das necessidades do

mercado. Sales (1944) evidenciou este cotidiano do garimpeiro, apresentando o

trabalho, as festas, a família e sobretudo, sua dependência do lugar de moradia, trabalho

e do mercado que diretamente consumia o diamante. Para destacar este cotidiano, os

entrevistados expõem:

A vida do garimpeiro era quebrando a cabeça! Quando pegava, pegava!

Quando não pegava, não pegava! Era no ralo, no fervedor, na batéia, na

marreta, cunha para quebrar pedra, marreta para quebrar pedra (...) (Adelma, 2005).

No começo as pessoas daquela época, a maioria se dava bem. Uns mais que

outros. Os donos de garimpo, por exemplo, eram os mais beneficiados. O trabalhador tinha o básico para sobreviver. (...) o garimpeiro pagava o quinto

para os donos, que eram donos da terra (Elias, 2005).

Como ilustração dos depoimentos dos entrevistados Adelma e Elias, a Figura 7

demonstra o trabalho no garimpo, assim como dois dos instrumentos símbolos desta

atividade: a batéia e o ralo.

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Figura 7: A bateia e o ralo em Andaraí, 1944.

Fonte: Clássicos ilustrados. Cascalho – quadronização do romance (1977, p. 25).

O garimpo de diamantes em Igatu, assim como nos demais municípios da Chapada

trouxe riquezas, tanto no âmbito econômico quanto cultural. No econômico, a riqueza

construída no distrito foi relevante, sobretudo, para as famílias mais abastadas do local,

pois o garimpeiro era estimulado a consumir quase todo o dinheiro adquirido com o

trabalho, enquanto os donos de comércio e de garimpos acumulavam renda e bens. Para

o âmbito cultural o garimpo foi de extrema relevância, pois foi a junção da cultura de

diversos grupos oriundos de vários locais do país, atraídos pela possibilidade de

melhorias na qualidade de vida, que se cunhou a cultura garimpeira.

De acordo com Pereira (1937), Igatu possuia no período de auge do garimpo (início

em 1844) quatro mil habitantes que residiam em 925 casas. O local ainda possuia dois

povoados denominados de Luís dos Santos e Califórnia. O interessante, destas

informações, é que esta primeira está bem próxima do centro urabano de Igatu e foi

caracterizada pelos moradores atuais como uma extensão, uma espécie de bairro do

lugar27

. Mas a afirmação de Pereira (1937) de que o local consistia em um povoado,

vem do fato desta localidade, no período de auge do garimpo, ter sido populosa,

registrou-se um número elevado de habitantes. Esta população juntamente com a venda

de diamantes e de demais mercadorias fez deste território um importante centro

27Esta caracterização, realizada pelos moradores atuais, de que a localidade Luís dos Santos consistia em

uma extensão de Igatu, uma espécie de bairro e não um povoado foi confirmado por outras pessoas

residentes do lugar durante os anos de pesquisa da graduação.

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comercial que se destacava por apresentar tais características e por contar com serviços

de água encanada, esgoto encanado e ruas pavimentadas.

As ruas, as casas, as barragens, os canais, os muros e demais construções, assim

como os rejeitos do garimpo, a culinária, o modo de falar, de agir, de vestir, as festas e

os rituais dos indivíduos que fazem parte do grupo dos garimpeiros, consitituem os

elementos de sua cultura, cunhada através da união de vários povos que ali

permaneceram durante o período de auge do garimpo.

3.2 A primeira crise, suas consequências e o retorno do garimpo

Algumas décadas após o início do garimpo ocorreu o primeiro declínio da

comercialização de diamantes na Chapada Diamantina. Esta crise foi provocada pela

exploração dos diamantes da África, sendo que o comércio diamantino foi deslocado

para este lugar. A exploração dos diamantes africanos diferenciava-se do que ocorria no

Brasil, pelo fato de que neste continente foi encontrado o kimberlito, um complexo

rochoso, uma espécie de fonte, do qual eram retirados grandes quantidades de

diamantes. Já no Brasil, estes estavam distribuídos irregularmente pelos terrenos

diamantinos.

Com a descoberta dos diamantes do Cabo da Boa Esperança, baixaram na

Europa os preços do diamante ao ponto de repentinamente quebrar o

comércio inteiro das lavras; ficando reduzidos à miséria os negociantes,

quase todos capangueiros, e que empregavam nesse giro todo o capital de que dispunham (AGUIAR, 1979 p. 137).

Os efeitos da seca da segunda metade do século XIX, que ainda eram sentidos na

década da crise da atividade garimpeira agravaram a situação, provocando migrações

massivas da população da Chapada para outros locais do país. Isto também é afirmado

por Gonçalves (2000) que apresenta um estudo sobre os longos períodos de estiagem na

Bahia durante o século XIX. Conforme Gonçalves (2000), a estiagem que aconteceu no

estado, concomitante ao período de declínio do garimpo na Chapada Diamantina,

provocou uma série de consequências desastrosas para Lençóis (local pesquisado pela

autora), como afastamento dos tropeiros que traziam mantimentos para consumo,

portanto, faltaram alimentos para a população que permaneceu nos locais diamantinos e

aqueles alimentos que foram produzidos no lugar ficaram com os preços elevados. Isto

agravou a situação, pois durante o período de declínio houve pouca circulação de

capital, consequentemente, o grupo formado pelos trabalhadores consistiu naquele que

possuía menos recursos para garantir a sobrevivência.

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É importante ressaltar que tanto o declínio das negociações do diamante como este

longo período de estiagem aconteceram não somente em Lençóis, mas em outras

localidades da Chapada, como foi o caso de Igatu. Ainda para Gonçalves (2000),

mesmo com o garimpo e o comércio comprometidos, os locais diamantinos da Bahia

ainda receberam aqueles migrantes do sertão baiano que estavam completamente

desalojados, desanimados e enfrentando longos períodos de fome.

Assim, como afirma Sales (1945), esta crise do comércio de diamantes afetou

muitas pessoas da Chapada, famílias inteiras deixaram os territórios diamantinos. Esse

autor descreveu a saída de famílias de Andaraí por conta da crise do comércio de

diamantes. Nestas descrições mostra que tais famílias aproveitavam os dias de feira para

vender suas mobílias, o objetivo era deixar de vez o local (SALES, 1944).

A respeito da crise deste comércio, Aguiar (1979, p. 137) evidencia: “Foi um

completo desastre que afetou não só a Praça da Bahia como a todos os terrenos

vizinhos, que, mais ou menos se alimentavam da influência do diamante”.

O declínio estabelecido foi o da comercialização do diamante não por conta do

esgotamento do minério no solo, subsolo e rios do local, mas pela negação da compra

estabelecida pelo mercado europeu. Isto é, o diamante da Chapada perdeu o valor para o

diamante encontrado na África e isto trouxe uma nova dinâmica para o local. Muitas

pessoas migraram à procura de empregos, deixando os centros urbanos diamantinos.

Aqueles que permaneceram nestes locais de garimpagem passaram por muitas

dificuldades.

Alguns anos depois desta primeira crise do garimpo na Chapada Diamantina, um

minério de cor escura e de cristalização imperfeita que era descartado pelos garimpeiros

quando estes estavam à procura do diamante, passou a ser valorizado pelo mercado.

Este minério foi o carbonado, que no território é conhecido como carbonato28

. E

consiste em um espécime amorfo do diamante, que foi utilizado na construção civil. A

comercialização deste minério foi responsável por fazer reviver o movimento de

garimpagem, o comércio e as festividades de Igatu. Para Guanaes (2006), o carbonato é

um tipo de diamante em seu estado bruto, que levou para a Chapada aquela dinâmica

política e econômica esquecida com o primeiro declínio das negociações do diamante.

Sobre a utilização do carbonato a autora afirma:

(...) diamantes negros (carbonato), que foram amplamente utilizados na

construção de pontes, viadutos, túneis e estradas. O carbonato chegou a ser

28Segundo IPHAN (1998), o carbonato era também localmente conhecido como Lirita.

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exportado para a Europa, principalmente à França e Inglaterra (GUANAES,

2006, p. 88).

Ainda segundo essa autora, há três tipos de diamantes no mundo, o diamante

facetado presente no Brasil e em outros locais do planeta, o bort encontrado na África e

o carbonato. Segundo Sales (1955) e Guanaes (2001) o carbonato é, em todo mundo,

encontrado somente em alguns locais da Bahia, como Lençóis e Igatu.

Aguiar (1979) afirma que o carbonato era vendido por um preço maior que o do

diamante, sobretudo o encontrado em Lençóis, que era o mais utilizado pela construção

civil. A venda do carbonato, conforme este autor, movimentou o comércio na Chapada

Diamantina ainda que de forma incipiente. Para Guanaes (2001), as negociações em

Lençóis e a dinâmica desta cidade comercial promovida pelo carbonato não foram

semelhantes àquelas ocorridas pela venda do diamante. E prossegue afirmando que o

carbonato em Lençóis não causou tanto alvoroço como nas primeiras décadas de

comercialização do diamante. Mas em contrapartida, projetou internacionalmente

Lençóis e a Chapada Diamantina.

Ainda que, para alguns autores, como Aguiar (1979) e Guanaes (2001) o comércio

de carbonato não rendeu tantas quantias de dinheiro, outras perspectivas, como a de

Sales (1955) e o registro no processo de tombamento do IPHAN (1998) apontam que as

riquezas foram garantidas. Sendo assim, é relevante informar que neste período de

venda do carbonato instalou-se a usina de energia elétrica de Igatu. No próprio distrito,

com a força das águas de um de seus rios e com uma maquinaria vinda de fora do país,

gerou-se energia elétrica que abastecia o comércio e iluminava as ruas do local. Esta

energia substituiu os lampiões à base de carbureto que ficam pendurados nos postes das

ruas.

A seguir, o entrevistado Carlos, descreve o funcionamento da usina elétrica de

Igatu, instalada devido ao garimpo e comercialização do carbonato:

Igatu já teve correio, luz elétrica, telefone. Até os meus doze anos o distrito

tinha energia elétrica, vinda da usina na margem do Rio (...) abaixo do local

que hoje é a Galeria, ficava a usina com duas barragens. Nas ruas tinham postes de madeira que iluminavam o local (Carlos, 2005).

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Igatu contou com energia elétrica, gerada por uma usina bem próxima do centro

urbano. Assim como ruas calçadas, água e esgoto encanados (pluvial) 29

. Isto fazia de

Igatu um lugar diferenciado de outras localidades da Chapada, uma vez que, a sede do

município de Andaraí não possuía todos estes recursos, como afirma Pereira (1937).

Segundo este autor, a data de edificação da usina é do final da década de 80 do século

XIX. Sua construção ficou a cargo do exército brasileiro, que trouxe dos Estados

Unidos equipamentos e peças para seu funcionamento. Para um dos informantes, sobre

a usina de Igatu: “(...) quem tomava conta era seu Aurino Socorro, foi quem deixou essa

usina aqui para o comércio, antes era lampião, aquela borra branca, quando era no outro

dia quem labutava?” (Bruno, 2005).

Conforme o IPHAN (1998), a usina gerou energia para o distrito durante as décadas

de 20 e 30 do século XX. Era uma usina privada (Figura 8) que acrescentou benefícios

nos serviços do distrito, como as duas encanações de água, o cinema e a linha telefônica

que ligava Igatu à Mucugê, Lençóis e a sede de Andaraí. Estes serviços eram fornecidos

principalmente para o comércio e a população em geral possuía pouco acesso.

Figura 8: Ruínas da usina de Igatu, 2007.

Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 7).

A usina, o calçamento das ruas, as casas, os muros, as pontes, entre outros objetos

que formam o distrito de Igatu constituem símbolos do período de auge da garimpagem

29Os entrevistados somente informaram da existência de um sistema de esgoto no local. Mas em IPHAN (1998) observa-se que este sistema de esgoto existente em Igatu era do tipo pluvial. Isto é, formado por

galerias subterrâneas que evitava enchentes, escoando para os rios toda água da chuva que atingia o

distrito. O esgoto foi construído pelos trabalhadores do garimpo.

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e negociação do diamante. Símbolos da história, memória, cultura e da vida do

garimpeiro que acontecia neste território.

3.3 O último declínio do garimpo

Entre os anos de 1940 e 1950, ocorreu o declínio do garimpo de carbonato em

Igatu, provocado por questões de ordem econômica e política. Pois, criou-se uma liga

de metal que substituiu o carbonato nas máquinas da construção civil. Assim como na

primeira crise, a população sem perspectiva deslocou-se de Igatu procurando outros

locais de trabalho.

A entrevistada a seguir apresenta os motivos políticos pelos quais muitos dos

moradores migraram de Igatu:

(...) aqui quando saiu a maioria do povo daqui, foi na eleição de Juraci

Magalhães. Nesta época foi que saiu daqui S. Manuel Dias, Artur Pinto, Antoniel, Joãozinho Batista, eu sei que a maioria saiu! O povo rico foi tudo

embora! O povo dos Castelhanos foi tudo embora, ali naquelas árvores,

naquela Pousada Pedra de Igatu ele morava ali. Ali onde é Chiquinho era a

padaria. Ali onde é... que vai lá assim... era a venda de Zé. Ah, menina era muito bom! (Adelma, 2005).

Em 1931, Juraci Magalhães foi nomeado interventor da Bahia pelo presidente do

país Getúlio Vargas. O então interventor se uniu aos coronéis do interior do estado e

afirmou sua liderança política. Apoiou Getúlio Vargas na eleição presidencial indireta e

alguns anos após foi nomeado governador constitucional. Foi um político de atitudes

repressivas e agressivas contra qualquer movimento que fazia oposição ao governo.

Juraci Magalhães entregou o título de governador do estado. Mas em 1950 fez

campanha para retornar ao cenário político, porém sua tentativa não logrou resultados

positivos. Esta situação constitui a conjuntura política narrada pela entrevistada Adelma

(2005) - a derrota de Juraci Magalhães que era aliado político dos poderosos, dos

descendentes do coronelismo em Andaraí e Igatu. A aposta no retorno deste político

representou a certeza da permanência e manutenção dos privilégios das famílias ricas da

Chapada Diamantina.

Os jovens do distrito saíram para trabalhar nas indústrias da região Sudeste,

sobretudo em São Paulo. Enquanto as crianças e os indivíduos com idade mais

avançada permaneceram em Igatu, uns sobrevivendo de pequenas vendas do diamante,

cujo trabalho, segundo IPHAN (1998), era pago com alimentos.

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Quando 10 anos depois passamos nas lavras, em lugar da riqueza, atividade e

do grande movimento comercial, encontramos a pobreza, a escassez e o

desânimo. Os garimpeiros quase abandonados; e os poucos garimpeiros, que ainda teimavam mal ganhavam para comer (AGUIAR, 1979, p. 137).

A descrição acima evidencia a conjuntura das cidades lavristas com o fim da grande

comercialização do carbonato. Situação semelhante à primeira crise do garimpo de

diamantes, mas com suas diferenças, visto que não houve mais períodos de auge do

garimpo e o distrito de Igatu, a partir deste momento, viveu outras conjunturas

econômicas, políticas e sociais que trouxeram significações para sua história e cultura.

3.4 Igatu: população sempre-viva

Em 1970, outra atividade extrativa constituiu a forma de sustento das famílias que

resistiram na Chapada Diamantina com o fim do comércio e da garimpagem. Esta

atividade foi à retirada de uma flor localmente denominada de sempre-viva30

.

A sempre-viva, ainda que retirada do solo, conserva suas estruturas e aparências

vivas. Na Chapada Diamantina a espécie mais encontrada é a sempre-viva-de-mucugê

(Syngonanthus mucugensis, eriocaulaceae). Esta planta chega a possuir 50 cm de

comprimento, contém de 10 a 14 hastes, sendo que em cada haste há uma parte floral. É

encontrada em elevadas altitudes, acima de 1000 metros, nos morros próximos à

Mucugê.

A planta era comprada por membros de uma fábrica da região Sul do Brasil. O

valor pago pelos fechos eram baixo, mas a quantidade retirada foi elevada, ao ponto de

quase provocar a extinção da planta. A Figura 9 evidencia a exposição da sempre-viva,

nas ruas do distrito. A planta estava amarrada aos fechos para secar e posteriormente ser

comercializada:

30A sempre-viva ou Syngonathus spp é uma espécie pertencente à família Eriocaulaceae. É encontrada em

locais de vegetação campos rupestre. Está em maior número e em maior quantidade de espécie na

América do Sul, sendo que em locais temperados há pouca quantidade (DUARTE, 2009).

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Figura 9: Venda da sempre-viva em Igatu, 1969/1978.

Fonte (imagem A): Marconi (1997).

Fonte (imagens B e C): IPAC-SIC (1980, p. 177).

A Figura 9 (imagens A, B e C) mostra imagens capturadas, de um calendário

publicado no ano de 1997, elaborado por Rino Marconi31

e do documento organizado

no ano de 1978 e publicado em 1980 pela Secretaria de Indústria e Comércio da Bahia,

respectivamente. Esta figura evidencia o período de declínio do garimpo, no qual as

casas foram abandonadas por boa parte de seus moradores. Algumas destas casas,

localizadas ao longo do eixo urbano de Igatu, não resistiram às intempéries e

desmoronaram. No lugar destas habitações foi construída a atual praça do distrito –

Praça José Gomes da Silva (Figura 10).

31Rino Marconi é fisioterapeuta e fotógrafo. Presenteou muitos dos moradores de Igatu com um

calendário, do qual havia fotografias antigas do distrito. Estas fotografias foram tiradas em 1969, quando

o fotógrafo foi fazer uma reportagem em Igatu.

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Figura 10: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2002.

Fonte: Site Guia Turístico Chapada Diamantina Bahia/Brasil32

A Figura 10 mostra a Praça José Gomes da Silva construída em 1988,

apresentando a mesma arquitetura desde a construção. Já a Figura 11 é da mesma praça,

no entanto após as reformas realizadas pelo IPHAN no ano de 2012.

Figura 11: Praça José Gomes da Silva, Igatu 2015.

Fonte: Site Mochila e mundo33

Ambas (figura 10 e 11) revelam as modificações espaciais provocadas pelo

declínio do comércio do diamante. No lugar da atual Praça José Gomes da Silva34

havia

32 http://www.guiachapadadiamantina.com.br/cidades-e-vilas/igatu Acesso 25 de abril de 2015. 33Fonte: amochilaeomundo.blogspot.com.br. Acesso 20 de julho de 2015.

Fonte: Nolasco, 2002.

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casas que serviam ao comércio local. Estas moradias não resistiram, porque seus

moradores migraram para outros locais, devido à dificuldade econômica que passavam,

e as casas ficaram abandonadas.

A venda da sempre-viva foi importante para as famílias que não migraram do

distrito, pois a sua comercialização contribuiu para a permanência em Igatu. A flor,

encontrada na vegetação local, era colhida por homens, mulheres e crianças. Após a

retirada da sempre-viva, as famílias que realizam a coleta vendiam a planta para alguns

dos moradores de Igatu e estes a negociavam com indivíduos de outras localidades do

país.

A sempre-viva a gente pegou foi muito, mas agora ninguém tem pegado

mais. Sempre-viva, botão, a gente saia com os meninos e ia pegar (...) (Adelma, 2005).

A sempre-viva quem comprava eram as grandes firmas. Eram quantidades

enormes, o lugar que era pego, era longe, nos gerais. Pessoas iam na sexta-feira e só voltavam no domingo, com os feixes de sempre-viva na cabeça.

Muitas pessoas não sabem por que querem a flor. Uns dizem que eram para

ornamentação, outros que era para explosivos. A flor era vendida barata,

ficavam secando na praça. Minha família pensou em sair em 1960. As sempre-vivas começaram a serem compradas por volta de 1967. Usamos a

sempre-viva para enfeitar a casa, antes de tornar artigo de venda. Os

moradores saiam para o mato e com o dinheiro da flor compravam comida

(Filipe, 2005).

Para discorrer esta parte da formação geográfica e histórica do distrito de Igatu, as

fontes orais trazem uma contribuição única e significativa, pois não há registros escritos

sobre como a flor de sempre-viva foi comercializada, quando e por que. As fontes

secundárias utilizadas nesta investigação, falam brevemente sobre esta planta, não

apresentando discussões sobre sua história e influência na economia local.

A comercialização da sempre-viva foi intensa apesar do baixo preço que era

vendida. Não há registros escritos e a população local não sabe ao certo para quem foi

vendida, há apenas alguns nomes, como o do lugar de origem dos compradores.

Algumas pessoas, sobretudo aquelas que diretamente se envolveram com o comércio,

mencionam uma empresa da região Sul do país como negociante da planta. Esta

empresa enviou, na segunda metade do século XX, um de seus representantes até o

distrito, este portava uma espécie da sempre-viva e se mostrou disposto a comprar a

planta, caso os moradores encontrassem em quantidades. E assim, se estabeleceu o

comércio intenso da flor, tão intenso que a mesma quase foi extinta.

34A Praça José Gomes da Silva foi construída em 1988. Sua arquitetura conflitava com a arquitetura local.

E desde setembro de 1998 foi mencionado que necessitaria de reforma (IPHAN, 1998). No entanto, esta

reforma iniciou no ano de 2013.

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Eu peguei tanta sempre-viva que meu depósito, em uma vez chegou a ter

1.200 kg da sempre-viva, só minha! (....) A colheita de sempre-viva era uma coisa que ia todo mundo, crianças, mulheres, homens, todos iam para o

mato buscar a flor. O dinheiro vinha adiantado. Corria dinheiro na cidade

com a descoberta da flor (...). A flor era vendida no quilo, começou a custar

barato (...) (Carlos, 2005).

Tendo como referência os informantes das entrevistas realizadas em 2005, com

relação à comercialização da sempre-viva, o valor entregue a população para sua

colheita era pago adiantado em cheque, uma vez que os moradores necessitavam deste

dinheiro para sobrevivência. O pagamento em cheque protegia o comprador, caso um ou

outro vendedor faltasse com o compromisso, e consistia em uma forma de controle da

empresa sobre o valor comercializado. O fato é que, segundo estes informantes, o

cheque chegava até eles em nome de uma empresa, mas o nome da mesma não se sabia

ao certo, contudo, a cidade em que o cheque estava lotado era Joinville, no estado de

Santa Catarina.

Não sei o que faziam com elas, quando compravam de nós, não embalavam as flores. Entregamos os feixes de sempre-viva, eles amontoavam na

carroceria de um carro, amarravam com uma corda, jogavam por cima uma

lona para não molhar e tornavam a amarrar. Então, a gente não acha que é

para ornamentação, como eles dizem que era. Para nós não era! Porque era levado de todo jeito, sem qualquer tipo de embalagem. Aquelas flores que

perdiam os talos eram colocadas todas em um saco, pesadas e vendidas

(Carlos, 2005).

As narrativas dos entrevistados mencionam que os primeiros interessados na planta

foram indivíduos da cidade de Gouveia, em Minas Gerais, mas que dos 10 anos de

extração e comercialização da sempre-viva, oito anos de venda foram com a empresa de

Joinville em Santa Catarina. Um dos informantes citou o nome da empresa que

comprava a sempre-viva - “Siger ou Singer.” Este mesmo informante afirma que a

planta era levada para fora do país.

As informações acima referem-se à década de 70, do século XX. Em um

documento elaborado pelo Instituto Chico Mendes (BRASIL, 2007), registra-se que a

atividade extrativa da sempre-viva provocou consequências negativas para este tipo de

vegetação. Das espécies de sempre-viva encontradas na Chapada Diamantina, duas

possuem maior valor econômico. Este documento traz informações atuais que somam

com as fornecidas pelos entrevistados identificados acima, de que ainda há atualmente

contrabando de uma das espécies da sempre-viva no Brasil, que faz a planta possuir um

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elevado valor em dinheiro. Acredita que o destino atual da planta contrabandeada da

Chapada Diamantina é o Extremo Oriente.

Abaixo uma citação do documento elaborado pelo Instituto Chico Mendes que se

assemelha muito com o relato do entrevistado Carlos, apresentado neste trabalho:

O uso conhecido dado a esta planta é ornamental, sendo aproveitada para

confecção de enfeites e arranjos, mas há rumores que haveria outros usos, talvez medicinais, não divulgados. Isto justificaria o alto preço pago pelos

contrabandistas por cada quilo de sempre-viva e explicaria porque mesmo os

capítulos quebrados ou brácteas soltas são levados junto com o material em

bom estado (BRASIL, 2007 p. 74).

Desde o início da comercialização da sempre-viva até o ano de 2007, data da

publicação deste documento do Instituto Chico Mendes, são 37 anos e as informações

que se tem sobre o destino, comercialização e contrabando da planta continuam as

mesmas, isto é, apenas rumores de que está sendo exportada, mas não se sabe ao certo,

como, quanto e para quem? A extração foi proibida por leis, há fiscalização para barrar

o contrabando, mas se desconhece o seu destino, o público de interesse e para que eram

utilizadas. Vários estudos35

foram realizados sobre a sempre-viva objetivando retirá-la

da lista de plantas em estado de extinção. Segundo Duarte (2009), diversas pesquisas

foram realizadas sobre as estratégias de vida, a propagação e a produção de sementes da

sempre-viva. Mas o que a autora não mencionou é que há poucos estudos de ordem

política e econômica no que tange ao contrabando da planta.

A comercialização da sempre-viva persistiu até a década de 80 do século XX. Neste

mesmo período, segundo Guanaes (2001), foram instaladas em Lençóis e em outros

locais da Chapada máquinas para retirada de diamantes. São as chamadas dragas, que

retiravam o minério em maior escala. Por conta disto, os desastres para o meio físico

foram maiores. Devido à sua posição geográfica, Igatu não entrou na rota das

localidades com garimpos mecanizados, os garimpeiros que permaneceram no local e se

aventuravam na procura do diamante o faziam de forma tradicional36

.

Nos fins do século XX, pelo Decreto Federal 91.655/85, foi criado o Parque

Nacional da Chapada Diamantina (PNCD), área de proteção que abrange 152.400ha,

cujo objetivo é a preservação da fauna e flora da serra do Sincorá, uma das elevações

35Estes estudos referem-se às teses, dissertações e artigos etc. Assim como o projeto Sempre Viva, em Mucugê, que tem o objetivo proteger, propagar e cultivar espécies da planta. 36O garimpo tradicional utiliza mais a força humana do que os garimpos mecanizados. Assim como

ferramentas mais simples (bateia, ralo, entre outros).

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que constituem a Chapada Diamantina que é parte da Serra do Espinhaço. Esta Lei

proíbe toda e qualquer atividade extrativa (BRASIL, 2007).

A criação do PNCD decorre de mobilizações locais e de ambientalistas que buscou

proteger a serra da atividade garimpeiras, que ainda persistiam, e da criação extensiva

de gado. Estão no perímetro de proteção do Parque os municípios de Mucugê, Lençóis,

Palmeiras, Ibicoara e Andaraí (TEIXEIRA; LINSKER, 2005). A criação, formação e

regulamentação do PNCD propiciou o surgimento de novas formas de uso e valorização

do território de Igatu.

Para resumir a formação histórica e geográfica de Igatu, o Fluxograma 2 evidencia

os acontecimentos e o período em que eles ocorreram no distrito.

Fluxograma 2: Do diamante ao turismo em Igatu - Linha do tempo.

Fonte: Rodrigues (2015).

O Fluxograma 2 data de 1844, inicio do garimpo em Igatu e vai até os anos de

1994, período de ascensão do turismo no local. Estão presentes neste fluxograma,

acontecimentos como a construção da Igreja São Sebastião, patrimônio que também

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representa a cultura local, o declínio do garimpo de diamantes, o princípio da mineração

do carbonato e a construção da usina que serviu ao comércio local. Assim como, o fim a

derrocada da garimpagem, a migração massiva da população, a venda da sempre-viva e

por fim a criação do PNCD e o crescimento da atividade turística.

3.5 Reflexões geográficas sobre a formação do território de Igatu

Este subcapítulo possui o objetivo de refletir, a partir da geografia, sobre a

formação histórica do distrito de Igatu, apresentada neste trabalho. Para tanto, a teoria

que fundamenta tal reflexão advém das discussões sobre o conceito de território em uma

perspectiva integradora.

A perspectiva integradora concebe o território a partir de múltiplas dimensões tais

como o poder, os conflitos, o trabalho e a cultura. Para se estabelecer uma análise

segundo esta perspectiva é necessário usar escalas diferentes, isto é, ir do local ao

global, assim como entender que este território é um híbrido resultante das relações,

políticas, culturais e econômicas, entre outras (HAESBAERT, 2011). Estas dimensões

serão apresentadas de forma separadas, na discussão a seguir, por entender que, desta

forma, o texto terá uma melhor organização.

Território é um conceito que interessa a diversas ciências. Cada uma destas ciências

atribui um significado específico ao território, dando maior enfoque à dimensão mais

próxima do seu objeto de estudo. Este enfoque vai da materialidade, à simbologia, ao

poder, à função, às relações sociais do território. Há também outras ciências que

definem território, portanto, há outras contribuições que endossam o conceito. Mas, não

é necessário adentrar em todas estas ciências para conhecer esta diversidade de

contribuições, pois a geografia se propõe a realizar isto, através da perspectiva

integradora (HAESBAERT, 2011).

Território consiste na forma, no uso, na apropriação e nos significados que são

atribuídos por uma população que se distribui, utiliza e valoriza uma determinada área.

Ao atribuir ao território de Igatu um sentido material, próximo àquele definido por

Haesbaert (2011), quando analisa a construção, a (des) construção e a reconstrução

territorial por grupos migrantes, percebe-se que a população que se deslocou de seus

territórios de origem com destino a Igatu promoveu a formação deste território, assim

como, a (des)construção daqueles de origem. O processo migratório em Igatu era

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constante, devido à negociação do diamante, este território à medida que recebia

populações de outras localidades era constantemente refeito.

O significado material atribuído ao território, neste caso o de Igatu, se amplia

quando entende os sentimentos e/ou a consciência dos trabalhadores do garimpo que se

deslocavam de seus territórios de origem para o distrito. O sentimento seria o de

pertencimento, de apropriação deste novo território e a consciência viria daquele chão

que guardava a sua sobrevivência, portanto, sua permanência. É válido destacar que

muito dos indivíduos que se deslocavam para Igatu, sobretudo aqueles que faziam parte

do grupo dos garimpeiros, fugiam de seus territórios devido à falta de alimento e aos

longos períodos de estiagem.

Os trabalhadores dos garimpos não foram os únicos migrantes que se deslocaram de

seus territórios de origem até Igatu. Famílias ricas, tradicionais dos garimpos de Minas

Gerais também buscaram permanecer e utilizar este território, cuja apropriação ocorreu

de forma mais intensa, pois tais famílias assim se designaram donas dos garimpos,

portanto, donas do território - uma dominação legitimada pelos governantes do Estado.

Sob este ponto de vista, o território de Igatu, esteve dividido entre grupos que

apresentavam interesses diversos, um grupo buscando a manutenção da riqueza e dos

privilégios e o outro garimpando a sobrevivência e a permanência neste território. Além

de dividido esteve controlado pelo mercado europeu que ditavam os preços do diamante

e posteriormente do carbonato. Os preços eram passados para os donos do garimpo em

Igatu e Andaraí37

, que por sua vez, repassavam aos garimpeiros. Estes pagavam, aos

donos do garimpo, pelo uso da terra uma porcentagem que era descontada, juntamente

com os mantimentos que adquiriam, no valor do diamante. Foi desta forma que se

estabeleceu a cisão e o controle deste território. Esta é uma das dimensões políticas e

econômicas de Igatu, território de poder e domínio.

Igatu foi também território de conflito porque os interesses dos grupos que o

utilizavam eram contraditórios. Enquanto havia um determinado grupo que buscava

manutenção do status, poder e riqueza. Outro ansiava melhores condições de vida. O

cotidiano neste território diamantino evidenciava este conflito, que estava expresso nas

vestimentas e nos semblantes dos indivíduos. As construções mais afastadas do centro

urbano de Igatu eram pequenas, bem próximas uma das outras, suas ruas não eram

planas, não possuíam esgotos e água encanada, não apresentavam pavimentação e, em

37Assim como em outras localidades da Chapada Diamantina.

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geral, consistiam no lugar de moradia dos trabalhadores do garimpo. E quanto mais

moradores havia nestas construções, mais trabalhadores havia no garimpo e mais

dinheiro circulava neste território. Já as construções ao longo da atual Rua Duque de

Caxias, Praça José Gomes da Silva e Rua Sete de Setembro, que constituía a malha

urbana, formada por estas vias principais e algumas ruas paralelas, eram mais amplas,

com construções que continham várias portas e janelas. Já as ruas, calçadas, com

esgotos e água encanada e iluminadas consistia no local de moradia e trabalho dos

comerciantes, compradores de diamantes, do coronel, seus parentes e aliados.

O território de Igatu esteve vinculado ao controle e ao poder, sobretudo, quando em

questão estavam os feitos dos coronéis do distrito. Este poder assumido pelo coronel é

também um poder político, centralizado e que dependia das interações estabelecidas

entre o grupo formado pelos seus aliados e do domínio sob o grupo dos trabalhadores do

garimpo, este último dependia econômica e politicamente da figura do coronel. Tal

dependência promovia a manutenção do poder dos coronéis.

Este modo de viver, esta dependência, assim como o trabalho, as linguagens, as

memórias e festividades, entre outros, constituem elementos simbólicos de um

território. Em Igatu, a dimensão simbólica de seu território evidencia como esta

sociedade legitimou sua exploração e apresentou sua resistência. No caso da sociedade

formada pelos trabalhadores, esta legitimação é vista na dependência que o garimpeiro

possuía dos donos do garimpo. Esta dependência era criada pelos grupos poderosos, na

medida em que estabeleciam formas articuladas que faziam do garimpeiro um indivíduo

condicionado. O dono do garimpo estabelecia com os garimpeiros uma relação de

trabalho, na qual a terra e os diamantes não os pertenciam. Quando encontravam

diamantes, estes eram vendidos e extraia do valor da pedra um valor pelo uso da terra e

do alimento consumido nos garimpos. O dinheiro que restava ao garimpeiro era

utilizado para adquirir alimentos, roupas entre outros bens não duráveis, comprados nos

estabelecimentos comerciais que também pertenciam aos donos de garimpos.

Ao encontrar diamantes, os garimpeiros faziam dos centros urbanos diamantinos o

seu território. O dinheiro do diamante era festejado, assim, bebia-se, cantava-se e

dançava-se, as ruas se tornavam suas! Este dia é considerado o dia do retorno (SALES,

1944), simbolicamente significa a resistência e a afirmação do garimpeiro em seu

território, ainda que de forma condicionada.

Adotou-se como discussão teórica para definição e análise do território, nesta

pesquisa, o que Haesbaert (2011) chamou de perspectiva integradora, no qual um

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território pode ser compreendido através de diversos aspectos, cada um com suas

especificidades, que estão articulados e conectados um com os demais. Foi através desta

perspectiva integradora que se analisou a formação histórica e geográfica do distrito de

Igatu, no qual o território foi entendido como um híbrido resultante da interação entre o

poder, a economia e as vivências cotidianas promovidas pela atividade garimpeira

durante um século.

Igatu foi formado enquanto território de poder, domínio, controle, trabalho,

festividades, memória e linguagens, isto é, aspectos do acontecer da vida. Esta formação

ocorreu devido à necessidade externa de obtenção do diamante, porque havia em

quantidade nos rios, solo e subsolo do distrito e também porque existiam trabalhadores

para garimpá-lo. Na medida em que o trabalho foi surgindo e os trabalhadores

aumentando em número, o território foi se materializando e as relações políticas,

econômicas e simbólicas foram surgindo. A formação histórica e geográfica do distrito

de Igatu lhe conferiu características específicas, diferentes de outros territórios da

Chapada Diamantina que passaram por processos históricos semelhantes. Estas

características foram importantes para definir as novas formas de apropriação deste

território, que serão analisadas nos capítulos seguintes.

A atividade garimpeira em geral, tanto a tradicional que perdurou mais de cem

anos, quanto à mecanizada que persistiu por algumas décadas, trouxe graves

consequências ao território natural que compõe a Chapada Diamantina, como

assoreamento de rios, diminuição de algumas espécies da flora e fauna do local. A

criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina consistiu em uma ação

governamental cujo objetivo foi barrar tais ações, buscando preservar o território natural

da Chapada. Esta medida foi relevante para promover o aumento do turismo, que por

sua vez gerou problemas para a Chapada e para Igatu. A atividade turística se tornou

uma alternativa de permanência da população no distrito, chamando atenção do Estado

para valorização da cultura garimpeira e para elaboração de políticas públicas de

preservação do patrimônio cultural imaterial e material de algumas cidades e do

território de Igatu. Estes assuntos são analisados nos próximos capítulos.

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4. MEMÓRIA E PATRIMÔNIO

Este capítulo divide-se em duas seções. A primeira busca refletir sobre a categoria

memória, sobre sua relevância, suas perspectivas de estudo e a interação com o

território de Igatu. A segunda seção analisa os documentos IPAC-SIC (1980) e IPHAN

(1998) e IPAC (2002). O primeiro documento apresenta descrições e fotografias sobre o

distrito, datadas de 1978. Este documento foi elaborado pelo governo da Bahia e

consiste em uma das iniciativas pioneiras cujo objetivo era a proteção do patrimônio

cultural de algumas localidades do estado. O segundo consiste no processo de

tombamento do distrito. Para tanto, apresenta descrições sobre a história, arquitetura e

memória do distrito. Já o terceiro documento, consiste em um estudo para tombamento

de Igatu. Deste, utilizou-se as imagens do distrito, datadas de 2002.

O estudo da memória constitui-se em um importante procedimento para

compreensão dos indivíduos vistos como organismos vivos e também como sujeitos

históricos, culturais, políticos que se organizam em sociedade (SÁ, 2007).

Os registros mais antigos sobre o estudo da memória datam do século V a.C com a

sociedade grega. Este reconhecimento foi estabelecido por estudiosos da filosofia e da

história. Mas, foi no século XIX que a memória passou a ser considerada como objeto

de estudo das ciências humanas. Já no século XX, este reconhecimento perpassou por

diversas áreas como filosofia, ciências da cognição, história, informática, sociologia,

neurociência e geografia (NUNES; MATOS; CABRAL, 2009).

Conforme os autores Costa e Castro (2008), há duas perspectivas pioneiras no

estudo da memória. Uma denominada psicossocial que está atrelada a antropologia e

acredita que a memória é resultante do psicológico dos indivíduos. A outra,

cognominada de sociológica que entende a memória como construção coletiva e

passível de transformações.

De acordo com Sá (2007), a perspectiva sociológica refere-se à memória como

resultante da convivência social. Sua forma e conteúdo são definidos exclusivamente

pelo viver em sociedade. Já a perspectiva psicossocial afirma que a memória é

unicamente resultante dos processos psicológicos do indivíduo.

A teoria que Gilles Deleuze, francês que estudou e escreveu sobre filosofia entre

outros assuntos, defendeu sobre memória evidencia severas críticas à perspectiva

psicossocial. Pois, tal concepção defende que a memória é resultante de um acúmulo

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antigo de conhecimento e possui caráter majestoso. Em uma perspectiva mais crítica,

vinculada às ciências humanas, Gilles Deleuze discute memória aliada ao tempo - a uma

noção não linear, na qual outros momentos coexistem simultaneamente. Portanto, a

ideia de memória deste filósofo liga-se ao múltiplo e ao híbrido (HUR, 2013).

Costa e Castro (2008) informam que os estudos mais atuais da memória articulam

tanto a perspectiva psicossocial quanto a sociológica, formando uma terceira, chamada

de interdisciplinar. A memória, nesta perspectiva interdisciplinar consiste nas

lembranças individuais e sociais determinadas pelos grupos e instituições de uma

sociedade.

Segundo Fornazari (2004), o filósofo francês Henri Bergson ao se dedicar ao estudo

da matéria e da memória, apresentou dois aspectos da memória. O primeiro que está

fortemente vinculado às lembranças e o segundo ligado aos fatores de sua acumulação.

O primeiro aspecto descreve os elementos do passado que estão conservados no

presente, afirmando que cada modificação feita nestes elementos torna mais evidente

este passado. O segundo diz sobre as acumulações dos elementos do passado no

presente. Estas acumulações fazem com que se percebam diferentes períodos temporais

em um ou mais elementos do presente.

Segundo a premissa de Henri Bergson interpretada por Fornazari (2004) para o

distrito de Igatu, compreende-se que prevalece neste território uma memória vinculada

às lembranças. Pois, mesmo com as mudanças acontecidas neste território, seus

elementos modificados ou recentemente construídos guardam aspectos do passado

garimpeiro.

Para tanto, o conceito utilizado neste trabalho se baseia na teoria de Sá (2007),

Costa e Castro (2008), os quais consideram a memória como um híbrido resultante das

lembranças do indivíduo e de suas experiências sociais. A memória une os

acontecimentos tanto do passado quanto ao que está sendo vivido no presente. Portanto,

a memória está presente no território, nos relatos dos moradores, nos documentos

históricos e nos documentos públicos.

Os documentos, que aludem passados distantes, analisados no capítulo II desta

pesquisa, são, segundo as premissas de Sá (2007), fontes de memórias, as quais

denominam de memórias históricas documentais e possuem o objetivo de entender a

interação entre as lembranças e os acontecimentos do passado. Tais documentos estão

disponíveis em arquivos, bibliotecas e museus, mas para serem considerados como

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memórias históricas devem ser lidos, utilizados e apreciados por grupos sociais

contemporâneos.

As entrevistas, também utilizadas nesta pesquisa, são fontes de memória, fontes não

documentais que relatam histórias de vida, acontecimentos e participações de grupos em

eventos sociais. As entrevistas são, segundo Sá (2007), entendidas como fontes de

memórias, porque revelam preocupação com a preservação dos relatos, com a

confiabilidade das fontes, com o fato de que tais relatos são construídos, reconstruídos e

atualizados por grupos sociais. Conforme Bosi (2003), as entrevistas devem ser

utilizadas e não arquivadas, pois tem um papel fundamental na transformação do

território de onde emana.

As políticas públicas, analisadas neste trabalho, podem ser consideradas como

memórias públicas, segundo a premissa de Sá (2007). Porque se referem às

organizações das sociedades modernas e democráticas, nas quais estão em questão os

interesses e discursos políticos. Em tais políticas se evidencia a interação entre memória

e poder, cujo objetivo é desenvolver responsabilidades e buscas coletivas pelos direitos

humanos.

A memória está presente nos textos escritos, falados, nas imagens, nos desenhos,

nas fotografias, no afeto, nos sentimentos, nos sons, nos movimentos, nos cheiros, na

cultura, na política, na diversidade, no tempo e no território individual e coletivo. O

território coletivo da memória torna-se relevante porque aproxima pessoas,

acontecimentos e lembranças. O território coletivo é lugar de memória, é também

testemunho do passado.

A paisagem de um determinado território também pode guardar elementos do

passado que trazem referências identitárias de sua população. Segundo Abreu (1998),

vive-se em uma época de valorização do passado, porque pouco restou daquele

otimismo sobre o futuro, otimismo este oriundo das ideias Iluministas do século XVIII.

A atual noção de progresso que atravessa a humanidade projetou nos indivíduos,

conforme o autor, uma desconfiança sobre o futuro, um apego ao presente e uma

valorização das boas referências do passado.

Esta valorização do passado é também o reconhecimento de um território cuja

formação está fortemente ligada aos acontecimentos anteriores. E com esse

reconhecimento há também a necessidade de atentar-se para suas singularidades. A

valorização do passado é a valorização do território e da memória.

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Transpondo o estudo da memória para o caso de Igatu compreende-se que este é um

território de manifestações das lembranças sociais e individuais. Memória que está

presente nos documentos sobre o distrito, na arquitetura, nos relatos de seus moradores,

nas famílias, no silêncio, nos sons, nos cheiros e em seus movimentos. Este território de

heranças individuais e sociais é também testemunho de um passado, que se apresenta

em sua paisagem e revela elementos vinculados às histórias do garimpo, dos

garimpeiros e demais trabalhadores. Estes elementos são os muros, as casas, as

pequenas barragens, as montoeiras, as tocas de garimpeiros, entre outros feitos.

Mas, qual o lugar que a memória ocupa no distrito? A memória está presente em

todo o território de Igatu, nas histórias, no afeto, na culinária, nas ruas e na arte. O

passado é importante para os moradores deste local e ganhou mais visibilidade e

compartilhamento quando indivíduos de outras localidades se interessaram pelas

histórias, encantos e mistérios que os moradores do distrito revelam. Com esta busca

pela memória de Igatu os acontecimentos passados (re) assumiram sua importância e

tornaram a ser revividos com mais frequência pelos moradores. Transpondo estes

acontecimentos sobre Igatu para a teoria de Halbwachs compreende-se que: “Nossas

lembranças permanecem coletivas e nos são lembradas por outros, ainda que se trate de

eventos em que somente nós estivemos envolvidos e objetos que somente nós vimos.

Isto acontece porque jamais estamos sós” (HALBWACHS, 2006, p. 30).

A memória coletiva é, conforme Halbwachs (2006), constituída por lembranças

individuais interligadas entre si, das quais existem pontos de contatos entre uma e outra.

São lembranças particulares comuns a outros indivíduos. No caso de Igatu, a partir do

momento que esta memória é interligada torna-se suficiente para reproduzir ou conhecer

acontecimentos passados.

As entrevistas e as conversas informais com alguns dos moradores de Igatu

evidenciaram que juntando as lembranças de um com as de outros foi possível descrever

fatos e acontecimentos referentes ao passado, montando sequências históricas. Estas

lembranças são individuais e se ligam umas às outras formando uma memória coletiva.

Para Halbwachs (2006), a memória pode se organizar através de duas formas, a

primeira gira em torno de uma pessoa, a qual apresenta uma leitura dos acontecimentos

individuais e coletivos por meio de seu ponto de vista, isto é suas lembranças estão

vinculadas à sua personalidade e vida pessoal; a segunda forma de organização da

memória vincula-se em torno dos grupos sociais e como as lembranças estão

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distribuídas socialmente. Assim, a primeira forma representa a memória individual e a

segunda à coletiva.

Estas duas memórias, individual e coletiva, estão fortemente vinculadas uma à

outra, dessa forma, uma sempre recorre à outra a fim de confirmar lembranças e

preencher lacunas. A memória individual recorre frequentemente à coletiva, esta por sua

vez contém as memórias individuais (HALBWACHS, 2006).

Mesmo só, distante temporariamente e espacialmente de um ou mais

acontecimentos, um indivíduo pode expressar sua memória coletiva, porque ele reporta

ao que foi vivido coletivamente. Isto mostra a força que tais acontecimentos possuem

em sua vida (HALBWACHS, 2006).

As entrevistas e as conversas informais realizadas em Igatu revelam que mesmo

distantes dos períodos de auge e decadência do garimpo e das histórias de vida dos

garimpeiros, os moradores falavam de acontecimentos passados como se estivessem

vivendo àquela época, isto porque evocavam uma memória coletiva que possuí fortes

influências em sua vida atual.

Algumas destas lembranças que remontam a um ou mais acontecimentos do

passado, no caso de Igatu, são ou não lembranças diretas. Mesmo não vivendo tais

acontecimentos os indivíduos formam fatos ou imagens a partir de descrições de outras

pessoas e as lembram como se estivessem vivido. De tanto ouvir as histórias do garimpo

no seu período de auge e/ou decadência, os moradores de Igatu não apresentam

dificuldade em contá-las como se as tivessem testemunhado diretamente. Isto porque,

elementos deste passado ainda estão presentes. O passado está fortemente ávido neste

território.

Para que a memória de um indivíduo complete e reforce a de outros indivíduos é

necessário que estes tenham ligações com um passado, com um tempo e território

comum (HALBWACHS, 2006). Quanto aos moradores de Igatu que contribuíram com

esta pesquisa, a maioria possui idade semelhante e viveu no território de Igatu durante o

mesmo período. Portanto, compartilham de um passado, um tempo e um território

comum. Ao compartilhar um passado e um território comum, os indivíduos vivem

histórias semelhantes e dividem os objetos (fixos ou não) que estão no território. Estes

objetos agregam a memória de um indivíduo com a dos demais. “Em torno de

determinados objetos, nosso pensamento também encontra o dos outros” (...)

(HALBWACHS, 2006, p. 116).

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Os objetos fixos no território de Igatu estão concentrados na área urbana do distrito

e ao seu redor. Estes objetos, segundo documentação consultada, datam do século XIX

e referem-se à cultura garimpeira cunhada pela junção de vários grupos sociais que

foram para o local em busca do dinheiro proporcionado pelo comércio de diamantes.

Estes grupos levaram para o distrito sua cultura, a qual se misturou com a de outros

grupos, formando a cultura garimpeira.

Os objetos fixos ou não, que formam o território de Igatu são de origem natural ou

cultural. Os objetos de origem natural é a vegetação, clima, relevo e hidrografia entre

outros. Já os de origem cultural são todos aqueles construídos e modificados pelos

indivíduos.

Estes objetos presentes no território de Igatu são testemunhos do passado e indicam

a permanência deste passado no presente. Eles representam a história do garimpo,

consistem na marca deste tempo, marca de grupos e da cultura garimpeira. Os

moradores deste território conseguem projetar, imaginar e recriar a história do garimpo,

através destes objetos que estão carregados de significados e são importantes para a

memória individual e coletiva do distrito.

Igatu, assim mencionado, é mais que uma coleção de objetos (fixos ou não) no

território. É também lugar das relações sociais e pessoais, da cultura, da história, do

comportamento e dos hábitos de seus moradores. Igatu é território de memórias.

Segundo Thomaz (2010), os territórios de memórias - de um passado comum, de

identidades, de lembranças e de sentimentos, são também territórios que necessitam da

preservação patrimonial. Já Pollak (1992) assegura que os acontecimentos que fazem

parte da história de um território passam a fazer parte da história e memória dos

indivíduos.

4.1 Igatu: Território de memória e do patrimônio histórico

Este subcapítulo possui o intuito de apresentar descrições e representações sobre a

arquitetura, história e formação territorial de Igatu e sua importância para preservação

da memória local. Para tanto, utilizou-se dos registros IPAC-SIC (1980), IPHAN (1998)

e as imagens de IPAC (2002). O documento IPAC-SIC (1980) 38

é um inventário do

acervo material cultural sobre a Serra Geral e a Chapada Diamantina, realizado em 1978

38Este documento consiste em um Inventário de Proteção do Acervo Cultural da Bahia – IPAC-SIC

composto por quatro volumes, dos quais o volume IV é que analisa a Serra Geral e a Chapada

Diamantina.

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e publicado em 1980 pela Secretaria da Indústria e Comércio do Estado, em parceria

com SPHAN, para promoção do turismo. Os registros apresentados pelo IPHAN (1998)

referem-se ao processo que levou o tombamento do distrito e será analisado com mais

detalhes no capítulo V. Já os estudos realizados pelo IPAC, no ano de 2002, possuem

um acervo de imagens do distrito, cujo objetivo foi a promoção do tombamento estadual

do local. Destes estudos foram utilizadas algumas imagens.

A arquitetura de Igatu vincula-se a sua memória. Ainda que decorridos 30 anos do

fim do garimpo, quando se analisa o documento escrito em 1978, percebe-se que na

arquitetura do distrito estão presentes objetos como casas, tocas, ranchos, ruas,

calçamentos, locas etc. Estes objetos datam do século XX, referem-se à cultura

garimpeira, cunhada devido à migração de diversos povos.

O documento elaborado no ano de 1978 apresenta o distrito como uma aglomeração

mononuclear – com um único centro (Figura 12), no qual possuem casas e sobrados

cujas paredes são de alvenaria, adobe e pedra. Estas habitações surgiram de forma

espontânea, onde seus moradores, sem formação técnica, aproveitavam o cascalho -

material em abundância, para construí-las (IPAC-SIC, 1980).

Figura 12: Rua Sete de Setembro, Igatu 1978.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 177).

A Figura 12 retrata a Rua Sete de Setembro, no ano de 1978, através da vista frontal

da atual Praça José Gomes da Silva. Esta rua consistia em uma área, na qual se

concentrava o comércio e a população com maior poder aquisitivo, durante o período de

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auge do garimpo. Neste ano já apresentava sinais de deterioração decorrente das

migrações sucessivas.

Igatu possuía, em 1978, 163 construções, das quais 155 precisavam urgentemente

de restauração. E apenas oito edifícios estavam em bom estado de conservação.

Portanto, neste período, o distrito já apresentava sinais de deterioração devido ao

abandono, pois muitos de seus moradores já haviam migrado para outros locais do país

(IPAC-SIC, 1980).

Os moradores de Igatu migraram, sobretudo, para o estado de São Paulo em

decorrência da falta de perspectiva, de emprego no distrito, da abertura da rodovia Rio-

Bahia e da crescente industrialização do sudeste do país. Neste ano de 1978, constatou-

se que a população de Igatu era de 445 habitantes.

Quadro 4: População de Igatu, 1978.

.

Fonte: Rodrigues (2015) 39.

Neste período, boa parte da população com idade para trabalhar, que consistia à

força de trabalho do distrito havia migrado, 61% dos moradores em idade maior que 10

anos estavam sem emprego ou sem outras ocupações (IPAC-SIC, 1998).

A falta de moradores em algumas das habitações na Rua Sete de Setembro

propiciou sua deterioração. Isto não ocorreu com a Igreja São Sebastião, localizada

entre o centro urbano e o antigo bairro garimpeiro Luís dos Santos. Pois, sua

manutenção estava sob a responsabilidade de outro município da Bahia. Em 1978, o

IPAC-SIC (1980) registrou em seus autos que esta Igreja havia passado por uma

pequena reforma, no qual havia mudado o piso. Isto comprova que foi mantido um

cuidado com o imóvel, diferentemente dos demais que estavam deteriorando devido à

falta de residentes.

39Baseado nos dados do IPAC-SIC, 1980.

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Este edifício de Igatu, a Igreja São Sebastião (Figura 13), foi construída em 1854 e

está situado fora do núcleo central do distrito, na Rua São Sebastião. A Igreja, em 1978,

possuía revestimento externo e encontrava-se em estado satisfatório de conservação.

Durante os séculos XVII e XVIII era comum à construção de Igrejas com planta

semelhante, no entanto esta se diferencia das demais por ser construída em alvenaria e

pedra. Ao lado da igreja está o cemitério, do distrito, que apresenta grandes mausoléus

de alvenaria (IPAC-SIC, 1980).

Figura 13: Parte interna e planta baixa da Igreja São Sebastião, Igatu 1978.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 182).

A Igreja São Sebastião, em 1978, pertencia à diocese do município de Rui

Barbosa/BA. Estava em estado satisfatório de conservação, mas não havia nenhuma

legislação que a salvaguardava. Corria-se perigo de degradação, tanto a igreja quanto o

cemitério, devido à falta de proteção (IPAC-SIC, 1980).

Saindo da Igreja em direção ao bairro Luís dos Santos observa-se uma arquitetura

típica de habitação garimpeira, que surgiu no período em que o garimpo era mais

intenso – ranchos e tocas. Este tipo de habitação está presente nos municípios de

Mucugê, Lençóis e Andaraí. Em Igatu existe em maior número (IPAC-SIC, 1980).

As tocas ou locas, como são localmente conhecidas, consistem em moradias nas

quais se aproveita a estrutura da rocha como parte superior da habitação (telhado). Já as

paredes são construídas com alvenaria e pedra sem revestimento interno e externo e o

piso é de barro (Figura 14). No centro urbano do distrito não há este tipo de moradia

temporária (IPAC-SIC, 1980).

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Figura 14: Toca garimpeira de Igatu, 1978.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 183).

Estas habitações, como mostra a Figura 14, assim como os ranchos, surgiram

durante o período de auge da atividade mineradora. Possuem arquitetura simples,

espontânea e única, que se distingue das demais do país. Estão presentes nas localidades

como Bambolim, Barriguda e, sobretudo no antigo bairro Luís dos Santos (IPHAN,

1998). As tocas possuem teto natural (rocha) com paredes de alvenaria e pedra seca,

porta e janelas feitas de madeira (Figura 15). A parte interna possui poucos cômodos

como sala, cozinha e um quarto (IPAC-SIC, 1980).

Figura 15: Parte interna da toca garimpeira, Igatu 1978.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 184).

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Já os ranchos, também considerados como habitações primitivas e típicas, fazem

referência à história do garimpo do sertão baiano, possuem o traçado urbano simples e

eram construídos com pedras e cobertos com folhas secas de pindoba (IPHAN, 1998).

O antigo bairro garimpeiro Luís dos Santos (Figura 16), também considerado um

dos garimpos mais antigo, apresenta uma paisagem singular, marcadas pelas tocas e,

sobretudo, pelos ranchos dos garimpeiros. Sua arquitetura remota ao passado, devido à

rusticidade das habitações. Em Igatu, principalmente no Luís dos Santos, concentra-se a

maior quantidade de ranchos e tocas da Chapada Diamantina (IPHAN, 1998).

Em 1950, o bairro Luís dos Santos, representado pela Figura 16, ainda estava

habitado. Mas em 1978, registrou-se que seus ranchos já apresentavam sinais de

deterioração e já não havia mais residentes (IPAC-SIC, 1980).

Figura 16: Luís dos Santos, Igatu, 1978.

Fonte: IPAC-SIC (1980, p. 186).

É importante destacar que o documento IPAC-SIC (1980) não faz referência à

atividade turística como promotora desta deterioração. Outros dados sobre a população

de Igatu foram apresentados neste documento, como a origem de seus moradores. Dos

445 habitantes, 89% (396 hab.) eram naturais do município de Andaraí, 11% (49 hab.)

provenientes de outras localidades. Além de destacar que a maioria da população era

nativa do distrito, este documento afirma que não há no local perspectiva de

desenvolvimento, a não ser pela retomada da mineração. E menciona que a atividade

mineradora, realizada com máquinas, como estava acontecendo em outras localidades

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do município de Andaraí, poderia colocar em risco os bens de Igatu. No entanto, o

garimpo mecanizado não foi realizado no distrito.

A partir destas descrições compreende-se que o território de Igatu é também

território da memória do garimpo, dos escravos, das mulheres, da arquitetura e dos

garimpeiros. Pois o distrito surgiu em decorrência das sucessivas migrações e da

procura pelo diamante/carbonato. Neste território, estão ainda presentes as marcas dos

ofícios, dos modos de fazer e de viver e as representações de sua população.

A Figura 17 mostra o centro urbano do distrito, no ano de 2002, vista da atual Praça

José Gomes da Silva. Igatu, território de memória, guarda as contradições de diferentes

períodos e de diferentes grupos sociais que nele viveram. Períodos de circulação de

muito dinheiro, de conquistas, de dificuldades e também de muito trabalho árduo e

arriscado.

Figura 17: Rua Sete de Setembro, Igatu 2002.

Fonte: IPAC (2002, p. s/nº).

No centro urbano do distrito, hoje preservado, viviam os grupos com maior renda.

Nos locais mais afastados, nas tocas e ranhos viviam os garimpeiros que buscavam

melhores condições de vida.

As tocas e os ranchos eram considerados moradias simples e temporárias (Figura

18), visto que o garimpeiro quando encontrava um valioso diamante poderia escolher se

continuava nestes locais ou se adquiria uma casa no centro do distrito.

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Figura 18: Rancho Luís dos Santos e toca garimpeira, Igatu 2002.

Fonte: IPAC (2002, p. s/nº).

Os garimpos Luís dos Santos, Criminoso, Bom-Será, Porteira, Barranchudo,

Bicame, Torres, Gererê, Catinguiba, Reginaldo, Caetano Martins, Cantinho, entre

outros, surgidos no período de auge do garimpo, consistiam em locais de moradia e

também de trabalho (IPAC-SIC, 1980). Estes garimpos/moradias tiveram seu solo e/ou

suas rochas reviradas, o cascalho lavado e o diamante ou carbonato encontrado.

Consistindo em um território de trabalho árduo e também de renovação cotidiana dos

sonhos.

Os ranchos, as tocas e outras moradias do distrito estão sob a salvaguarda das

políticas públicas de preservação patrimonial. A formulação e execução destas políticas

são de responsabilidade de instituições – IPHAN, IPAC, Prefeitura de Andaraí . Estas

políticas são importantes para assegurar este passado comum, para fortalecer as

identidades, a história, a memória deste território e serão analisadas nos próximos

capítulos.

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5. PATRIMÔNIO CULTURAL NO BRASIL

5.1 Conceituando Patrimônio

A gênese da palavra patrimônio vem do latim e refere-se aos bens e direitos

herdados. Sua origem historicamente está vinculada ao legado, a herança passada por

gerações. Segundo Oliveira (2005), a palavra é oriunda dos vocábulos pater e nomos.

Pater representa o criador, o pai, o fundador. E nomos refere-se às leis. Portanto,

patrimônio consiste na posse passada, de forma legal, daquele que o construiu o

adquiriu para seus descendentes.

Em se tratando de políticas públicas – decretos, planos, programas e leis, o conceito

de patrimônio cultural aparece pela primeira vez em 1937. Este conceito vincula-se a

história e a arte de bens móveis e imóveis. Isto é, aos objetos e edificações cuja

preservação era de interesse público. É importante ressaltar que em 1937, a ideia de

patrimônio cultural reforçava a referência aos bens culturais materiais.

O termo patrimônio provém daquilo que se herda e também do que se repassa entre

famílias. Silveira (2011) estuda o termo patrimonialismo, que se aproxima de algumas

discussões trazidas por este trabalho, principalmente no que tange ao conceito de

patrimônio da primeira metade do século XX. Para Silveira (2011), o termo

patrimonialismo refere-se ao tratamento que governantes dão ao setor público, como se

fossem privados, portanto está diretamente ligado à dominação que passa por gerações –

o autor chama de dominação tradicional. Esta dominação é indicada como obediência as

leis e ao poder, portanto consiste em uma dominação legítima. Esta dominação legítima

se torna tradicional quando é passada por gerações, isto é, quando durante anos a

sociedade crê nestas ordens e poderes, legitimando o exercício da dominação.

Segundo Costa e Castro (2008), patrimônio refere-se a algo do passado que

permanece na atualidade. É um bem significativo para uma sociedade e esta o guarda a

fim de que não sofra sérios danos. Para Oliveira (2005), patrimônio é o testemunho da

história e da memória de uma época.

Atualmente a noção de patrimônio está vinculada a outros termos como identidade,

memória, história e cultura. Patrimônio cultural, conceito de destaque neste trabalho,

pode ser classificado como material e imaterial. Das discussões sobre patrimônio

material, surgiram outras destinadas especificamente à proteção da cultural imaterial

que se refere aos modos de viver, aos festejos simbólicos, à linguagem, entre outros,

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que são constantemente modificados, mas que mantém um forte vínculo com o passado

(CAVALCANTI, 2008). Pelegrini (2006) acrescenta que o patrimônio cultural imaterial

é a vivência, a oralidade, os rituais festivos e religiosos, a culinária de um grupo social

que é transmitida por gerações.

Patrimônio são as manifestações culturais, bem como os símbolos nacionais que

merecem proteção, cujo objetivo consiste em preservá-los para futuras gerações. São

bens como igrejas, saberes, paisagens, palácios, coleções etnográficas, festas,

chafarizes, pontes, lendas, esculturas, pinturas, vestígios arqueológicos, cantos, entre

outros. Em termos jurídicos, patrimônio consiste em objeto de proteção obrigatória por

parte do poder público (FONSECA, 2005).

Patrimônio cultural, conforme o IPHAN40

consiste em um conjunto de bens

materiais (arqueológicos, paisagísticos, etnográficos, históricos, e artísticos entre

outros), que estão fixos no espaço urbano como os imóveis e monumentos, e também

aqueles não fixos, como coleções arqueológicas, acervos museológicos, documentais,

bibliográficos, videográficos, fotográficos e cinematográficos. A cultura imaterial

também faz parte do patrimônio e são as práticas, representações, expressões,

conhecimentos e técnicas de uma comunidade.

Segundo o IPAC41

, patrimônio cultural consiste em tudo que faz parte da

construção histórica dos sujeitos e divide-se em patrimônio cultural material que são os

prédios, monumentos, conjuntos urbanos, artefatos, obras de arte, entre outros; e

imaterial que é tudo aquilo que depende da ação contínua dos indivíduos.

Para a Constituição de 1988, patrimônio cultural representa bens de natureza

material e imaterial, portadores de referências à identidade brasileira, tombados

individualmente ou em conjunto.

O patrimônio cultural se refere às dimensões múltiplas da cultura, é a memória de

um passado que deve ser preservada porque está repleta de significados sobre um ou

vários povos. A noção de patrimônio, entendido como resultante da história e do saber

fazer de um grupo social, advém dos valores da Revolução Francesa, portanto possui

uma forte ligação com a identidade nacional (TOMAZ, 2010). Segundo Meira (2004), a

relação estabelecida entre identidade, nação e patrimônio foi proposital, pois, dessa

forma se passava a ideia para a população brasileira que não havia conflitos no país.

40O conceito de patrimônio cultural defendido pelo IPHAN pode ser encontrado em: http://portal.iphan.gov.br/portal/montarPaginaSecao.do?id=12297&retorno=paginaIphan Acesso 10 de

setembro de 2013. 41Patrimônio cultural segundo o IPAC: http://www.ipac.ba.gov.br/ Acesso 23 de janeiro de 2013.

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5.2 Políticas públicas de preservação do patrimônio cultural: contexto histórico

Esta seção do trabalho tem o objetivo de discorrer sobre as políticas públicas

destinadas ao patrimônio cultural do Brasil. O estudo se inicia com análise do

documento elaborado no ano de 2010 pela biblioteca digital da Câmara dos Deputados.

Este documento consiste em leis, decretos, planos e programas sobre o patrimônio

cultural do país, com publicações entre o ano de 1937 a 2010. A bibliografia secundária

foi utilizada para complementar e fundamentar este documento.

As políticas públicas identificam como o Estado intervém na sociedade, almejando

a resolução de problemas e de conflitos, reformando realidades (SARAVIA, 2006).

Políticas públicas versam sobre as ações, projetos e planos de responsabilidade do

Estado voltados para diferentes esferas da sociedade. A elaboração, implantação e

sustentação de uma política pública envolvem o Estado e também seu corpo social

(HÖFLING, 2001).

Entende-se que as políticas públicas consistem em ações do Estado destinadas á

determinada questão ou que busquem soluções para um ou mais problemas. O intuito

das políticas para com o patrimônio do Brasil é reforçar a identidade coletiva, bem

como a importância histórica, cultural, arqueológica destes bens. Através das políticas

públicas bens são selecionados e posteriormente preservados, objetivando informar

sobre sua importância para a sociedade. Para que isto ocorra é necessário que estas

ações do Estado possuam objetivos teoricamente elaborados, práticas socialmente

definidas e que estejam regidas por leis e/ou decretos (FONSECA, 2005).

No Brasil, o ato de tornar um bem patrimônio, isto é, de preocupar-se com sua

história, arte e sua preservação, para as populações seguintes, ganhou força a partir de

1920. Neste período alguns dos museus já estavam funcionando e alguns dos

intelectuais demonstravam interesses no patrimônio e em sua preservação, promovendo

aumento nas discussões sobre o assunto. Em 1936, os debates sobre história, arte e

memória destes intelectuais contribuíram para implantação do SPHAN (Serviço do

Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) que se estabeleceu como instituição

vinculada à cultura. Dois acontecimentos marcaram a constituição do SPHAN. Foram o

movimento cultural modernista42

e o governo autoritário do Estado Novo. Os

modernistas se preocupavam com a importância cultural, com a memória do patrimônio

42Movimento cultural, literário e artístico que permeou a primeira metade do século XX, no Brasil.

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e com a preservação destes bens. Já o objetivo desta nova ordem política, econômica e

social, propiciada pelo Estado Novo, era integrar proteção, preservação ao patrimônio à

construção de uma ideia nacionalista (FONSECA, 2005).

Em 30 de dezembro de 1937, durante o governo do Presidente Getúlio Vargas, foi

aprovado o Decreto-Lei de número 25 que organizou a proteção do patrimônio histórico

e artístico nacional. Neste texto, o patrimônio estava ligado à história do Brasil e

possuía grande valor arqueológico, etnográfico e artístico (BRASIL, 2010). Este

Decreto de 37 definiu que o valor do patrimônio decorria do seu vínculo com a história

e memória ou devido sua arquitetura, arte, arqueologia e etnografia. Desde a sua

homologação, até os dias atuais, o Decreto 25 é utilizado para respaldar as políticas

públicas de preservação do patrimônio cultural do país.

Durante este período de 1937, a cultura estava fortemente vinculada com a política.

Pois, no governo de Vargas as tradições culturais eram utilizadas para legitimar sua

administração e para mobilizar as massas buscando a criação de uma ideia de cultura

homogênea, na qual a população se identificava com o regime vigente. Entretanto, os

conflitos ideológicos presente na educação, literatura, na arte e na arquitetura fez

contraponto a este governo (FONSECA, 2005).

Com o Decreto-Lei de número 25, o patrimônio histórico e artístico foi definido

como o conjunto de bens fixos e não fixos (móveis e imóveis) existentes no território

brasileiro, inscritos em um dos quatro Livros do Tombo. Com grande valor histórico,

arqueológico, cuja conservação destes bens é de interesse da sociedade. Segundo Godoy

e Rabelo (2008) a concepção de patrimônio, desta legislação, estava orientada pelos

objetos (fixos ou não) e pela noção de cultura material. Isto é, eram aceitos como

patrimônio apenas os bens culturais materiais – as construções e os edifícios. A

instituição de proteção ao patrimônio brasileiro, nesta época, foi o SPHAN que elaborou

o Decreto-Lei 25 de 1937 e definiu os quatro Livros do Tombo:

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Fluxograma 3: Livros do Tombo do Patrimônio Brasileiro.

Fonte: Rodrigues (2015).

O tombamento, único instrumento de preservação de 1937, era destinado aos bens

tanto de natureza jurídica, quanto física e realizado de forma voluntária ou

compulsoriamente. No tombamento voluntário, o bem que possuía requisito, era

submetido ao Conselho Consultivo do SPHAN, por meio de inscrição ou notificação

realizada pelo proprietário. Quando o proprietário de um ou mais bens se recusava a

inscrevê-los, este recebia notificações do SPHAN (BRASIL, 2010). No entanto, havia

lacunas neste documento, sobretudo no que se refere ao tombamento, pois diante da

ação compulsória do tombo, os proprietários de bens poderiam cancelar o processo. O

segundo parágrafo do artigo 19 oferecia meios para que isto acontecesse.

O tombamento consiste na seleção e valorização de bens. Sendo um ato

administrativo e também discriminatório, no qual estão envolvidos fatores de ordem

ideológica e política (FONSECA, 2005). Segundo Fonseca (2000), o tombamento no

documento de 1937enfrentou dificuldades quanto à sua aplicação, pois proprietários

destes imóveis não abdicavam do direito aos bens.

As solicitações de tombo partiam, em geral, do SPHAN, raros eram os pedidos de

tombamento oriundos de fora da instituição. Diante disto é importante destacar que o

número de bens religiosos tombados foi maior que os demais, como indica a autora:

Foram tombados, até o final de 1969, 803 bens, sendo 368 de arquitetura

religiosa, 289 de arquitetura civil, 43 de arquitetura militar, 46 conjuntos, 36

bens imóveis, seis bens arqueológicos e quinze bens naturais (FONSECA,

2005 p. 113).

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É necessário ressaltar que os bens de grande valor estético, como alguns religiosos

de origem barroca foram inscritos no Livro de Belas Artes. Já o Livro Histórico43

e o

Livro Arqueológico, Etnográfico e Paisagístico abrigavam aqueles bens, assim

definidos de baixo interesse estético. Isto promoveu uma hierarquização nos Livros do

Tombo (FONSECA, 2005). Uma das justificativas para isto é que:

(...) a constituição do patrimônio no Brasil foi realizada a partir de uma

perspectiva predominantemente estética. Inclusive, praticamente não havia historiadores no quadro de funcionários do SPHAN, tendo ficado a seção de

História entregue a pessoas, como Carlos Drummond de Andrade, que,

apesar de seu inegável valor intelectual, não era um especialista na matéria.

Não havia, então, por parte do SPHAN, a preocupação de incorporar os avanços da historiografia nacional e internacional (FONSECA, 2005 p. 114).

Em 1940, outro Decreto-Lei foi aprovado, o de número 2.848, para complementar o

de 1937. Neste instituiu-se a penalização e multa para os indivíduos que destruíssem,

inutilizassem ou deteriorassem um bem tombado. Além da multa, a penalidade poderia

vir sob a forma de detenção que variava entre seis meses a dois anos, dependendo da

ação contra o patrimônio. Já o Decreto-Lei de número 3.866, aprovado em 1941,

atribuía ao Presidente da República - Getúlio Vargas, plenos poderes para cancelar o

tombamento de um bem pertencente à União, aos estados, municípios ou mesmo

privado (BRASIL, 2010).

Entre os anos de 1947-48 iniciou-se o tombamento de alguns dos bens da

arquitetura moderna. Estes estavam concentrados principalmente no Sudeste do país

(Belo Horizonte e Rio de Janeiro). Segundo Andrade Júnior (2009), as décadas de 1940

e 1950 foram referência para a arquitetura moderna brasileira.

A Lei de número 3.924, de 1961, trata da escavação e da preservação de

monumentos arqueológicos e pré-históricos (poços sepulcrais, jazigos, aterrados, entre

outros). Já a Lei de 1965, de número 4.737, denota sobre os crimes eleitorais44

contra o

patrimônio. É considerado crime contra o patrimônio quando se escreve, assinala e/ou

pinta em um logradouro público. A penalidade consiste em até seis meses de detenção e

pagamento de multas. Se esta ação se realizar em um logradouro tombado, a penalidade

vai de seis meses a dois anos de detenção e multas.

Também no mesmo ano de 1965, foi aprovada a Lei de número 4.845, que proibia a

saída de obras de artes e ofícios tradicionais do país, datadas até o fim do período

43Em 1960, a prioridade das inscrições de tombamento transferiu-se para o Livro Histórico (FONSECA,

2005). 44Refere-se aos candidatos que durante os períodos eleitorais fazem propagandas em imóveis públicos.

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monárquico. Em 1968, esta proibição foi ampliada e então se tornou condenável à

exportação de obras e acervos documentais brasileiros ou que relatam sobre o Brasil,

editadas entre os séculos XVI e XIX (Lei n. 5.471). E passa a ser permitida a saída

destas obras e acervos documentais apenas quando autorizadas pelo governo federal e

cujos interesses forem culturais (BRASIL, 2010).

A década de 1960 foi considerada de grande modificação para o patrimônio

brasileiro, em decorrência da industrialização, urbanização intensa e da construção de

Brasília. Estes acontecimentos se opunham à tradição, exigindo ações mais intensas do

SPHAN. Para tanto, esta instituição recorreu à Organização das Nações Unidas para a

Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) isto promoveu a vinculação do SPHAN

com as diretrizes deste organismo internacional (FONSECA, 2005).

Em 1972, a Lei 5.805 estabeleceu normas para preservar obras literárias que se

tornaram de domínio público. Neste mesmo ano, o Decreto de número 71, aprovou o

texto da Convenção sobre patrimônio realizada pela UNESCO, ocorrida em 1970. O

objetivo da convenção foi definir medidas que deveriam ser adotadas pelos Estados-

Parte45

, no que diz sobre a proibição da importação, exportação e transferência dos bens

culturais. Dessa forma, os Estados-Parte, possuem o dever moral de proteger e respeitar

seu patrimônio e o de outras nações, combatendo práticas que o coloque em risco. A

proteção do patrimônio tornar-se-á mais eficaz quando houver uma cooperação entre

Estados-Parte e as bases internacionais de proteção patrimonial.

Neste mesmo evento declarou-se que bens culturais consistem em bens de caráter

religioso e/ou profano que possuem importância histórica ou pré-histórica,

arqueológica, literária, artística ou científica. Os bens culturais, segundo a convenção de

1970, são elementos básicos da civilização e da cultura dos povos (BRASIL, 2010).

Os Estados-Parte que ainda não possuem instituições ou serviços de proteção ao

patrimônio devem criá-los. Estas instituições possuem o objetivo de preparar projetos

de lei, regulamentos, isto é, políticas públicas que proíbam a importação, exportação e

transferência de bens culturais importantes. Assim, devem elaborar medidas para

estimular e desenvolver o respeito ao patrimônio cultural, como criar e/ou manter

atualizado um inventário nacional de bens sobre proteção. As normas e leis criadas pela

instituição devem estar, segundo o texto, em conformidade com os princípios da

convenção de 1970 elaborado pela UNESCO.

45Estados-Parte são aqueles participantes da Convenção sobre patrimônio realizada pela (UNESCO) em

1970 e também aqueles que adotaram suas medidas, diretrizes e propostas.

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Segundo Fonseca (2005), as ações da UNESCO em colaboração com o IPHAN46

não foram suficientes para satisfazer as demandas desta época. Para tanto foram criados

o Programa de Reconstrução das Cidades Históricas (PCH) em 1973 e o Centro

Nacional de Referência Cultural (CNRC) no ano de 1975. Estas iniciativas objetivaram

a proteção de patrimônios ameaçados pelo processo de industrialização e urbanização

do país. O Programa de Reconstrução das Cidades Históricas possuía a intenção de

criação de infraestrutura para o turismo no Norte e Nordeste, bem como revitalizar

monumentos degradados.

O PCH consistia em um programa que buscava associar a riqueza e beleza dos

patrimônios com a atividade turística. Seu intuito seria buscar desenvolvimento urbano

e regional por meio de iniciativas econômicas que garantissem a redução das

desigualdades regionais. Esta política pública pode ser considerada uma das iniciativas

de maior consistência para preservação do patrimônio no país, pois estava pautada no

desenvolvimento econômico através da retomada dos investimentos à esfera pública

(CORREA; FARIA, 2011).

Já o CNRC possuía como participantes os intelectuais ligados a Universidade de

Brasília em parcerias com o Governo do Distrito Federal. E seus desígnios eram mais

amplos que o PCH:

Tratava-se não de eleger símbolos da nação nem de conhecer e divulgar as tradições brasileiras, e sim de buscar indicadores para elaboração de um

modelo de desenvolvimento apropriado às necessidades nacionais. Desse

modo, deslocava-se o centro de interesse para a questão atual do

desenvolvimento e articulava-se a cultura às áreas mais fortes do governo (FONSECA, 2005 p. 144).

O modelo de desenvolvimento proposto pelo CNRC abarcava as condições locais.

Portanto, se referenciava na diversidade cultural brasileira. Segundo Fonseca (2005),

quatro programas estruturava o CNRC: o programa mapeamento do artesanato

brasileiro, história da ciência e tecnologia no Brasil, levantamentos socioculturais e

levantamento de documentação sobre o Brasil. O primeiro programa alcançou

resultados mais significativos e esteve presente em alguns dos estados do Nordeste,

Sudeste e Centro-Oeste.

Ainda em 1975, após a aprovação do texto elaborado pela Convenção de 1970, o

país aprovou o Decreto Legislativo de número 74, relativo ao evento organizado pela

UNESCO. Este decreto trata sobre o patrimônio cultural e natural, sobre as ameaças

46É importante ressaltar que neste momento (1973) a então instituição SPHAN já havia sido denominada

de IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

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que ambos passam devido às tradições de degradação e ao desenvolvimento da vida

social e econômica. Para proteger, preservar e valorizar o patrimônio cultural e natural,

os Estados-Parte devem dispor de políticas públicas que deem vida e coletividade ao

patrimônio, através de medidas jurídicas, administrativas e técnicas, estudos e

pesquisas.

Este Decreto Legislativo de 1974 aprovou a criação de um comitê

intergovernamental denominado “Comitê do Patrimônio Mundial”, que protege e

universaliza os patrimônios que estão em um inventário de bens do patrimônio cultural

e natural elaborado por cada Estado-Parte. Este inventário deve ser atualizado a cada

dois anos.

Para a Convenção de 1970, cada Estado-Parte poderia criar um fundo, caso

considerasse necessário, de preservação de seus bens patrimoniais. Esta Convenção

criou o seu próprio fundo – O Fundo do Patrimônio Mundial, que buscava recursos a

partir das contribuições bianuais dos Estados-Parte e de doações para programas ou

projetos específicos elaborados ou executados pela Convenção. Caso o Estado-Parte

ficasse um quadriênio sem contribuir com o Fundo, não seria eleito para o Comitê do

Patrimônio Mundial47

.

Em 1979, devido à visibilidade do CNRC e do PCH ocorreu uma fusão entre estes

programas e o IPHAN, reunindo assim, todos em uma única instituição. Para tanto,

criou-se um órgão normativo denominado de Secretaria do Patrimônio Artístico

Nacional (SPHAN) 48

e outro órgão executivo - a Fundação Cultural pró-Memória

(FCpM). Esta fusão fez o IPHAN se preocupar mais com as manifestações populares,

com o bem cultural móvel. No entanto, havia um obstáculo, pois os critérios utilizados

pelo Instituto para valorização das manifestações populares eram aqueles utilizados para

a cultura erudita (FONSECA, 2005).

Em 1981, criou-se a Secretaria de Cultura que estava vinculada ao Ministério da

Educação (MEC). Esta Secretaria possuía o objetivo de elaborar políticas públicas

culturais destinadas à sociedade. Já em 1985 a secretaria é substituída pelo Ministério da

Cultura.

47Este contexto é marcado por uma série de manifestações sociais a favor da melhoria da qualidade da

vida urbana, as greves no ABC paulista, o movimento negro, a criação de partidos políticos de esquerda

entre outras, engrossaram a luta pelos direitos políticos e contra o Golpe de 1964. Segundo Fonseca

(2005), foi à crise internacional relacionada ao petróleo que provocou a crise de legitimidade do regime militar. 48 Neste período o IPHAN é dividido em secretarias. Estava na condição de órgão normativo vinculado a

Fundação Cultural pró-Memória (FCpM).

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Em agosto de 1988 foi publicada no Diário Oficial da União, a Lei de número

7.668 que autorizou a criação da Fundação Cultural Palmares – FCP. Esta fundação está

vinculada ao Ministério da Cultura e possui o objetivo de preservar valores sociais,

culturais e econômicos decorrentes da influência negra, assim como identificar

remanescentes quilombolas delimitando e demarcando suas terras. Para tanto, a

fundação passa a ter legitimidade de demarcação de títulos em cartórios mobiliários

(BRASIL, 2010).

Tanto a Convenção de 1970 (UNESCO), como a Fundação Cultural Palmares e

outros decretos e leis foram importantes para se elaborar e aprovar a constituição de

1988, que atribuiu ao Estado o dever de proteger o patrimônio do país, de zelar e

incentivar as manifestações culturais de índios, de negros e de outros grupos

participantes da sociedade brasileira, de garantir o direito à cultura, assim como de

resguardar documentos e obras de caráter histórico-artístico e cultural, impedindo sua

descaracterização e destruição. É dever dos municípios proteger o patrimônio histórico e

cultural do local, respeitando a legislação e as ações federais e estaduais.

A Constituição de 1988 promoveu um novo sentido ao conceito de patrimônio

cultural, que se distancia da ideia apresentada no Decreto-Lei de 1937. Está incluso, na

Constituição, as manifestações culturais imateriais, a possibilidade de a população

brasileira indicar aquilo que compõe seus bens e a importância do patrimônio para

construção dos símbolos, da memória, da identidade dos grupos sociais. Ainda que a

Carta Magna traga conceitos importantes, esta não provocou alterações imediatas para a

preservação dos bens patrimoniais imateriais do país (GODOY; RABELO, 2008).

A Constituição foi de fato importante para o patrimônio cultural porque estabeleceu

que a cultura imaterial também deveria estar sob a salvaguarda das políticas públicas de

preservação (TOMAZ, 2010). Em 1988 ocorreu a oficialização de que o patrimônio

cultural imaterial necessitava de preservação. Sobre este assunto Cavalcanti (2008)

acrescenta:

O Ministério da Cultura e o IPHAN optaram pela expressão patrimônio

cultural imaterial, tendo por fundamento o art. 216 da Constituição Federal

de 1988 (...). Realça-se, todavia, o fato de que a noção de patrimônio cultural imaterial permitiu destacar um conjunto de bens culturais que, até então, não

era oficialmente incluído nas políticas públicas de patrimônio orientadas pelo

critério de excepcional valor artístico e histórico do bem a ser protegido

(CAVALCANTI, 2008, p. 13).

A Constituição de 1988 estabeleceu o Plano Nacional de Cultura visando o seu

incentivo e a integração entre os poderes federais, estaduais e municipais para proteção

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do patrimônio do Estado em colaboração com a sociedade brasileira. Esta proteção

aconteceu por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação

de bens (BRASIL, 2010).

Já em 1990, a Lei 8.029, dissolveu o SPHAN e criou o Instituto Brasileiro do

Patrimônio Cultural (IBPC) que se responsabilizou pelas competências desta extinta

secretaria49

. Segundo Fonseca (2005), nos primeiros anos desta década houve uma

redução no número de bens tombados no país devido à paralização das atividades do

SPHAN, provocada pela reforma administrativa na instituição, isto é pela criação do

IBPC. Neste período a FCpM foi extinta e funcionários foram demitidos.

Conforme Luporini (1997), os anos 90 foram marcados por mudanças no contexto

mundial. Estas mudanças imprimiam uma diferente interação entre as nações, em razão

de uma hierarquização das políticas públicas e da grande desigualdade social entre

alguns dos países. Já a sociedade brasileira estava marcada por tensões e pela presença

mínima do Estado.

Um ano após a lei que concebeu o IBPC, este instituto criou- a política nacional de

arquivos públicos e privados, aprovada pela Lei 8.159/91 que submete ao governo

federal, estadual e municipal a gestão, avaliação e arquivamento de documentos

produzidos e recebidos por órgãos públicos, instituições de caráter público e entidades

privadas. Além da proteção, o poder público deve garantir o direito ao acesso à

documentos de arquivos. São considerados documentos públicos aqueles produzidos e

recebidos por instituições públicas ou documentos de instituições privadas encarregadas

da gestão de serviços públicos. Já os arquivos privados podem ser definidos como de

interesse público e social quando considerados como fontes para a história e para o

desenvolvimento científico nacional (BRASIL, 2010).

Aqueles documentos considerados como sigilosos que colocam em risco a

segurança da sociedade e do Estado ficam restritos à consulta por 30 anos, sendo que

este prazo pode ser prorrogado. Os documentos também sigilosos que se referem à

honra e a imagem de pessoas ficarão restritos por um prazo de 100 anos, contados a

partir da data de produção. Esta Lei aprovada em 1990 diz que os indivíduos ou as

instituições que desfigurarem ou destruírem documentos ficarão sujeitos a penalidades

civil e administrativa (BRASIL, 2010). No entanto, não há nada escrito sobre aquelas

49

Antes de ser dissolvido o órgão federal de proteção patrimonial foi dividido em secretarias e estava

vinculado à Fundação Cultural pró-Memória (FCpM).

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pessoas e/ou instituições que tomam para si documentos de caráter público e social, pois

isto se torna frequente em muitos dos arquivos públicos do país.

Em 1991, o Congresso Nacional sancionou a Lei 8.313 que instituiu o Pronac

(Programa Nacional de Apoio à Cultura), cujo objetivo é o de captar recursos para

estimulara à regionalização da produção cultural artística brasileira, apoiando,

valorizando e difundindo suas manifestações culturais. Este apoio à cultura deve

ocorrer, segundo o documento, mediante concessão de bolsas de estudos e prêmios,

oferta de cursos vinculados à cultura e a arte, produção de obras cinematográficas e

realização de exposições e espetáculos entre outros. Em um dos capítulos desta Lei de

1991, o Governo Federal estimulou a criação de Conselhos de Cultura nas esferas

federal, estadual e municipal objetivando a participação da comunidade nas resoluções

sobre os assuntos culturais (BRASIL, 2010).

A Lei 9.605 de 1998 dispõe sobre as sanções penais e administrativas para aqueles

que lesarem o meio ambiente. No capítulo V, na seção IV, deste documento discorre-se

sobre o espaço urbano e o patrimônio. Torna-se crime contra o ordenamento urbano e o

patrimônio cultural destruir, inutilizar ou deteriorar bem patrimonial protegido por lei,

assim como os arquivos, os registros, os museus, as bibliotecas e as pinacotecas. A

penalidade para aqueles que cometerem tais crimes consistem em multa e reclusão de

seis meses a três anos. É também considerado crime alterar o aspecto ou estrutura da

edificação em razão do seu valor paisagístico, ecológico, turístico, artístico, histórico,

cultural, religioso, arqueológico, etnográfico ou monumental. A punição consiste em

multa e reclusão (BRASIL, 2010).

Já no ano de 1999, foi criado o Programa Monumenta, que buscou recuperar e

preservar o patrimônio cultural, tanto material quanto imaterial, de algumas cidades que

foram escolhidas pela representatividade histórica e artística, atrelando desenvolvimento

social e econômico à preservação. Esta política pública atraia fortes interesses

econômicos, pois o discurso sobre desenvolvimento seduzia a iniciativa privada,

sobretudo aqueles promotores da atividade turística.

Segundo IPHAN (1998), o Programa Monumenta atuou em áreas consideradas

como sítios históricos, conjuntos urbanos ou monumentos tombados individualmente,

em parceria com o setor público, iniciativa privada e comunidade. E possuía como

financiador o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID).

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O Decreto 3.551/2000 instituiu o Registro de Bens Culturais de Natureza Imaterial

que aprovou a inscrição de bens nos Livros de Registros. São quatro os Livros que

catalogam as manifestações culturais imateriais: Celebrações, Saberes, Lugares e

Formas de Expressão. Meses após a criação deste decreto, o IPHAN publicou a

metodologia que fundamenta o INCR (Inventário Nacional de Referências Culturais).

Esta política pública levantou, identificou e documentou os bens culturais imateriais

ancorando no conceito de referências culturais50

. A atuação do INRC concentrou-se nas

regiões Nordeste e Sudeste. Isto ocorreu devido à integração entre o IPHAN e as

instituições culturais locais que capacitaram agentes das comunidades para realização de

pesquisas sobre as manifestações culturais (GODOY; RABELO, 2008).

No ano de 2002, o Decreto 4.073 regulamentou a Lei 8.159 de 1991 que dispõe

sobre as políticas nacionais dos arquivos públicos. Este decreto afirmou que o Conarq

(Conselho Nacional de Arquivos), criado em 1991, tinha por finalidade definir as

políticas tanto para arquivos públicos, quanto para os de caráter privados, orientando,

gerindo e protegendo os documentos. Já em 2003, o Congresso Nacional decretou a Lei

10.753 que institui a Política Nacional do Livro. Tal política assegurou aos cidadãos o

direito de acesso e uso do livro. O livro é considerado meio principal e insubstituível da

difusão da cultura, conhecimento, do fomento da pesquisa científica e da conservação

do patrimônio nacional (BRASIL, 2010).

Em 2004, o Decreto 5.264 instituiu o Sistema Brasileiro de Museus buscando a

interação entre as instituições museológicas, assim como a valorização, o registro e a

disseminação do conhecimento específico neste campo. As instituições museológicas

vinculadas ao Ministério da Cultura passaram a integrar o Sistema Brasileiro de

Museus. A criação deste sistema objetivou a interação entre os museus no que se diz

sobre aquisição de bens, capacitação de recursos humanos, documentação, pesquisa,

conservação e restauração (BRASIL, 2010).

Já o Decreto Legislativo de 2006, aprovou o texto da Convenção para a

Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial realizada no ano de 2003 pela UNESCO.

Este documento é oriundo da 32ª sessão da Conferência Geral das Organizações das

Nações Unidas (ONU) e instrumentaliza as políticas públicas de preservação do

patrimônio imaterial do país (BRASIL, 2010).

50

Referências culturais são práticas e/ou objetos através dos quais grupos (re)criam a sua identidade, sua

territorialidade. São as artes, os ofícios, as festas e os lugares (GODOY; RABELO, 2008).

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O objetivo deste documento é salvaguardar o patrimônio cultural imaterial,

conscientizando as populações em escala local, nacional e internacional de sua

importância, através da cooperação e assistência desta organização. No documento:

Entende-se por “patrimônio cultural imaterial” as práticas, representações,

expressões, conhecimentos e técnicas - junto com os instrumentos, objetos,

artefatos e lugares culturais que lhes são associados - que as comunidades, os

grupos e, em alguns casos, os indivíduos reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural (UNESCO, 2006, p. 04).

A Convenção para Salvaguarda é um documento técnico que atribui medidas e

diretrizes para os Estados que estão vinculados à UNESCO. Estes deverão se reunir a

cada dois anos para tomada de decisões sobre o patrimônio cultural imaterial de seu

país. As atribuições da UNESCO quanto à preservação do patrimônio é acompanhar,

assessorar, avaliar, regular e estabelecer caminhos a serem seguidos pelos Estados.

Cabe a cada Estado identificar e definir os patrimônios culturais imateriais que

estão em seu território, através da participação popular. Após esta identificação dos bens

e da elaboração de um inventário, os países devem notificar à UNESCO. Assim, cada

Estado adotará medidas e diretrizes, segundo as orientações da Convenção, para

organização e salvaguarda dos patrimônios (UNESCO, 2006).

O documento elaborado pela UNESCO deixa evidente que estas políticas, para

preservação dos patrimônios independem da sucessão governamental, para tanto, cada

Estado necessitará:

Adotar uma política geral visando promover a função do patrimônio cultural imaterial na sociedade e integrar sua salvaguarda em programas de

planejamento. Designar ou criar um ou vários organismos competentes para a

salvaguarda do patrimônio cultural imaterial presente em seu território

(UNESCO, 2006, p. 08).

Além disto, cabe aos Estados fomentar pesquisas científicas, fortalecer instituições

para gestão, criar instituições de documentação e garantir o acesso ao patrimônio

cultural imaterial, assegurando respeito e valorização dos mesmos, através de

intervenções, de campanhas educativas e de conscientização.

Outro Decreto, este de número 5.761/2006, foi aprovado para regulamentar a Lei

8.313/1991, estabelecendo sistemáticas de execução do Pronac (Programa Nacional de

Apoio À Cultura). O qual deveria apoiar programa, projetos e ações culturais que

valorizavam a cultura nacional, a expressão cultural dos diferentes grupos, a

preservação e o uso sustentável do patrimônio cultural brasileiro, as ações de artistas,

mestres, técnicos e estudiosos da cultura brasileira, promovendo a erradicação da

discriminação e do preconceito. Os recursos do Fundo Nacional da Cultura poderão ser

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utilizados pelo Pronac através de bolsas de estudos, premiações, custeios de passagens,

transferência aos estados para financiar programas, projetos e ações culturais entre

outros (BRASIL, 2010).

Em 2009, a Lei 11.904, instituiu-se o Estatuto dos Museus. Os museus são

considerados instituições voltadas para a preservação patrimonial e o desenvolvimento

socioeconômico e cultural, em seus espaços se expõem coleções de valor histórico,

artístico, científico, técnicos ou de qualquer outra natureza cultural, importantes para a

preservação, educação, pesquisa, estudo, contemplação e turismo. Este Estatuto está

vinculado ao Plano Nacional de Cultura, ao regime de proteção e valorização do

patrimônio. Todo e qualquer bem cultural presente no museu deverá ser identificado e

adquirido conforme pesquisa. Estes bens deverão ser documentados por meio de

registros e inventários que garantirão sua proteção e preservação. Ainda neste mesmo

ano aprovou-se outra Lei - a de número 11.906 que criou o Instituto Brasileiro de

Museus (Ibram) de autarquia federal e vinculado ao Ministério da Cultura. O Ibram

possui o objetivo de promover e assegurar a implantação de políticas públicas nas

instituições museológicas (BRASIL, 2010).

Já em 2010, a lei 12.192 dispôs sobre o depósito das obras musicais na Biblioteca

Nacional. São considerados parte deste acervo as obras musicais, partituras, fonogramas

e videogramas musicais produzidos por qualquer meio ou processo destinados à venda

ou de distribuição gratuita.

Para resumir estas leis, decretos, planos e programas direcionados ao patrimônio

cultural elaborou-se um quadro contendo as datas destas políticas públicas de

preservação.

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Quadro 5: Sistematização das políticas públicas de preservação patrimonial: de

1937 a 2010.

Fonte: Rodrigues (2015).

O Quadro 5 destaca as políticas públicas de preservação patrimonial do país, de

1937 a 2010. O Decreto de 1937 foi importante para o patrimônio porque oficializou o

planejamento e as ações de salvaguarda. No entanto, estas políticas estão direcionadas

para os bens materiais, sobretudo os de arquitetura católica e barroca. Este quadro

começou a mudar em 1947, quando alguns bens de arquitetura moderna foram

tombados. Porém, permanece como preferência bens do patrimônio material e de grande

valor estético. As demais políticas públicas dão continuidade ao processo de

preservação do patrimônio cultural do país, e embora tenha importância reconhecida,

não proporcionam excepcionais mudanças.

Em 1970, a Convenção da UNESCO estabeleceu que os Estados participantes

deveriam proteger seu patrimônio e o de outras nações. Neste momento, foi criado o

Comitê do Patrimônio Mundial que ficou responsável pela elaboração de um inventário

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de bens. Esta iniciativa designou que o patrimônio inscrito seria de interesse universal.

Em 1973 foi instituído o primeiro programa, na escala federal, que investiu de forma

significativa no patrimônio das cidades - o Programa Reconstrução das Cidades

Históricas, o qual buscou diminuir as desigualdades regionais, sobretudo entre o

Nordeste e o Sudeste. Assim, o desenvolvimento viria com a atividade turística e teria

como meio o patrimônio das cidades históricas.

Através da iniciativa de uma equipe interdisciplinar da Universidade de Brasília

com o governo local, no ano de 1975, instituiu-se o CNRC – O Centro Nacional de

Referências Culturais, que possuía intenções audaciosas como a de descrever e analisar

a dinâmica cultural do país. Suas ações consistiram na construção de um banco de dados

com o acervo coletado, na preservação de monumentos e no apoio à arte entre outros.

A Portaria de número 11, de setembro de 1986, decretou que para compor o

processo de tombo, as Coordenações Regionais (CR), deveriam elaborar um parecer

técnico sobre a área a ser salvaguardada com base nas informações sobre sua formação

e desenvolvimento. Assim como, apresentar a poligonal de tombamento, sua

representação gráfica, planta de localização e o valor cultural do bem tombado. Já em

caso de tombamento de conjuntos edificados, aqueles imóveis sem mérito devem ser

excluídos (IPHAN, 1998). Estas instruções foram enviadas às CR’s para que estas

elaborassem, conforme a jurisdição vigente, o dossiê para tombamento.

A Constituição de 1988 foi considerada um marco para as políticas de preservação,

porque ampliou o conceito de patrimônio cultural, definindo-o como um bem tanto

material, quanto imaterial. Já o ano de 1990 foi marcado por uma série de situações

inadequadas ao patrimônio. Foram dissolvidas secretarias, extintos alguns dos

programas e realizadas demissões de funcionários ligados à instituições de proteção.

Em 2000 foi criado o Inventário Nacional de Referências Culturais – INRC, após

uma série de discussões realizadas pela equipe do IPHAN do que poderia ser

identificado enquanto bem cultural. Assim definido, o INRC buscou a valorização da

identidade, da memória e dos símbolos de grupos sociais. Os bens culturais contidos no

inventário referem-se às celebrações, aos saberes, aos lugares e as formas de expressão

destes grupos. Já em 2006 foi aprovado o texto da Convenção para Salvaguarda do

Patrimônio Imaterial, realizada pela UNESCO. Esta Convenção elaborou diretrizes,

direcionadas aos Estados, no que tange ao patrimônio cultural imaterial.

Em 2009, na cidade mineira de Ouro Preto, foi aprovado o PAC (Plano de

Aceleração do Crescimento) - Cidades Históricas. Este plano destinava a preservação de

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conjuntos ou sítios protegidos no âmbito federal. Para integrar-se ao PAC o município,

em conjunto com o estado e o Iphan, deveria elaborar um Plano de Ação com um

planejamento integrado, coerente com o Sistema Nacional do Patrimônio Cultural.

Estas políticas públicas de proteção patrimonial são necessárias para entendimento

do valor que o governo e a sociedade atribuem a estes bens. São relevantes porque são

fontes e representantes da memória, da história, da arte e das identidades de grupos

sociais.

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6. PATRIMÔNIO CULTURAL DE IGATU

Esta seção da pesquisa apresenta o percurso que levou o tombamento de Igatu, bem

como as políticas públicas que sustentam sua preservação. Para tanto, provem dos

documentos que compõe o dossiê de tombo organizado pelo IPHAN, no ano de 199851

,

das fontes reunidas pelo IPAC sobre o patrimônio de Igatu52

e da proposta de

tombamento municipal elaborado também pelo IPAC em 2009. Assim como, dos

documentos elaborados pela prefeitura de Andaraí53

que consistem no projeto Parque

Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de Igatu54

, baseado no Decreto

Municipal de 15/03/2007 em parceria com o centro cultural do distrito (Centro Cultural

Chic - Chic)55

.

No ano de 2009 a prefeitura de Andaraí elaborou alguns slides baseados no

programa Federal PAC – Cidades Históricas (Plano de Aceleração do Crescimento),

com vigência entre os anos de 2010 a 2013, objetivando atrelar preservação patrimonial

com crescimento econômico. Estes slides também foram analisados nesta investigação.

Outro documento analisado foi à proposta de Consolidação e Restauração das

Ruínas Luís dos Santos inscrita pela Companhia do Restauro cujo financiamento viria

do Programa Petrobrás Cultural56

.

Igatu está tombado como Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico,

incluindo as ruínas de habitação de pedra, localmente denominada de Luís dos Santos,

cujo número do processo é 1411–T–98. Após uma sucessão de denúncias, investigações

e discussões, estas analisadas nesta seção, o distrito foi inscrito nos Livros do Tombo. A

Figura 19 evidencia estes livros, seus respectivos volumes, a página e a data da

inscrição.

51Estes documentos consistem em memorandos, ofícios, portarias, pareceres, programas, projetos, entre outros que compõem o processo de tombamento de Igatu. Estão disponíveis para consulta no

IPHAN/Salvador/BA. 52Consistem em ofícios, portarias, projetos, reportagens que datam de 1998 a 2002. Estão disponíveis para

consulta na sede do IPAC/Salvador/BA. 53Estes documentos foram obtidos em 2014 durante a viagem de campo para a sede do município de

Andaraí e o distrito de Igatu. 54Este documento está assinado pela prefeitura de Andaraí. Também pode ser encontrado no endereço

http://xa.yimg.com/kq/groups/27471536/267582466/name/Parque+IgatuA3+2.pdf. Acesso 26 de abril de 2015. 55O Centro Cultural Chic-Chic foi formado durante o ano de 1998 através de iniciativas conjuntas entre

antigos e recentes moradores do distrito. 56 Entre os anos 2005 e 2006, o distrito foi selecionado pelo Programa Petrobrás Cultural, cujo objetivo seria realização de pesquisas nas Ruínas Luís dos Santos para restauração e consolidação destas. Esta

proposta foi inscrita pela Companhia do Restauro, uma empresa de restauração de imóveis do estado de

São Paulo.

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Figura 19: Livros do Tombo: Igatu – Chapada Diamantina/BA57

Fonte: Brasil (2009, p. 5).

Segundo Fonseca (2005), o tombamento consiste em um instrumento de cunho

jurídico cujas ações estão refletidas na esfera econômica e social. É um importante

dispositivo de valorização do bem cultural. É uma prática significativa das políticas

públicas de preservação do patrimônio do país. Sobre os processos de tombamento de

bens no Brasil, a autora acrescenta:

(...) a partir da década de 1960 esses processos passaram a ser formados segundo uma certa sistemática, constituindo-se em verdadeiros dossiês, a que

são anexados não apenas os documentos oficiais (pedido de tombamento,

notificação ao proprietário, pareceres, ata do conselho consultivo, eventuais

impugnações e contra-razões etc.) como todo material que diga respeito ao processo (recorte de jornais e revistas, cartas, abaixo-assinado, informações

extraídas de livros e folhetos, fotos, plantas, desenhos etc.) (FONSECA, 2005,

p. 181-2)

O dossiê que promoveu o tombamento de Igatu, dividido em dois volumes (Figura

20) permite acompanhar toda a história de valorização da cultura local pelo governo

federal. Trata-se de ofícios, memorandos, portarias, abaixo-assinado, projetos entre

outros documentos. No distrito o processo de tombamento começa no ano de 1997, por

iniciativa dos moradores em contribuição com o IPHAN e esta ação veio assegurar sua

feição arquitetônica oriunda da história da atividade garimpeira.

57BRASIL, Bens Móveis e Imóveis Inscritos nos Livros do Tombo do Instituto do Patrimônio Histórico e

Artístico Nacional 1938 – 2009. 5ª ED. Ministério da Cultura/IPHAN: Brasília, 2009.

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Figura 20: Processo de tombamento de Igatu, 1998.

Fonte: Rodrigues (2013).

O interesse que moveu alguns dos moradores pelo processo de tombamento do

distrito foi determinado pela degradação do antigo bairro garimpeiro, hoje denominado

Ruínas Luís dos Santos. Muitas pedras utilizadas para construção de moradias que

formava este antigo bairro, no período de auge do garimpo, foram retiradas, provocando

assim a deterioração do local. As pedras utilizadas para a construção de tocas e ranchos

durante o período de auge da garimpagem foram retiradas por residentes de outras

localidades. O tombamento do distrito foi solicitado pelos moradores de Igatu por meio

de um abaixo-assinado (Figura 21).

Figura 21: Abaixo assinado para tombamento de Igatu, 1997. 58

Fonte: Rodrigues (2013).

58 Amélia Rodrigues de Oliveira, que aparece no abaixo assinado, era funcionária do Escritório Técnico

de Lençóis e Mucugê pertencente a 7ª Coordenação Regional do IPHAN (Salvador/BA).

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Os moradores, segundo IPHAN (1998), não possuíam informações de como

solicitar a salvaguarda dos bens contidos no distrito, sobretudo da área que estava mais

susceptível a degradação - as ruínas. Em 31 de agosto de 1997, foi realizada uma visita

ao local, por um dos responsáveis pela Área de Patrimônio Natural e Arqueológica do

IPHAN. Isto fez com que fossem solicitadas informações pela população de Igatu de

como requerer esta proteção. Neste momento alguns dos moradores redigiram um

abaixo assinado. Com posse no abaixo assinado, o responsável pela Área de Patrimônio

Natural e Arqueológica escreveu um Memorando59

ao DEPROT (Departamento de

Proteção do IPHAN) descrevendo o ocorrido, solicitando o tombamento.

Em março de 1998 um morador de Andaraí telefonou ao DEPROT relatando a

situação de degradação das ruínas. Assim como, da venda de terrenos nesta localidade e

em outros lugares do distrito. Estes terrenos foram vendidos por qualquer quantia e sua

venda legalizada no cartório da sede do município de Andaraí. Os compradores foram,

sobretudo, aqueles que não residiam no local. Esta denúncia resultou em um

memorando60

que foi incorporado à documentação do IPHAN (1998). O Instituto

federal de proteção patrimonial considerou esta ação como fraudulenta, devido o valor

pago ser inferior ao valor do bem.

O garimpo deixou de movimentar a economia local. Com a proibição de toda

atividade extrativa tornou-se mais difícil sobreviver no distrito. Isto justifica, mas não

torna aceitável, a venda de terrenos por moradores de Igatu a preços irrisórios, para

indivíduos de outras localidades.

Para dar continuidade a ações que levariam ao tombamento, em abril deste mesmo

ano, o Chefe da Divisão de Proteção enviou outro memorando61

ao DEPROT,

solicitando que o mesmo entrasse em contato com a 7ª Coordenação Regional - 7ªCR

(Salvador/BA) para dar mais informações sobre o distrito e sobre seus sítios

arqueológicos. Esta é uma ação conforme a legislação federal sobre preservação

patrimonial.

No dia 13 de abril de 1998, foi aberto o Processo de Tombamento62

das Ruinas de

Habitação de Pedra no Distrito de Igatu, localizadas no Município de Andaraí, Estado

59 DEPROT/IPHAN/RJ/Nº807/97 de 03.09.1997. 60 127/98 de 04.03.1998. 61 DEPROT/IPHAN/RJ/Nº208/98 de 02.04.98 62 Número de Tombo 1411 – T- 1998. Memorando 084 de 13. 04. 1999.

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da Bahia. Foi solicitado da 7ª CR63

a identificação, a quantidade e o mapeamento das

casas de pedra do distrito, bem como que a instituição entrasse em contato com o IPAC,

a fim de dar ciência do processo.

Nos meses seguintes tramitou um documento interno, no Departamento de

Proteção, informando sobre a continuidade das vendas de terreno no distrito. Segundo

este ofício64

, o processo de tombamento não impede a venda, ainda que estas estejam

ocorrendo de forma fraudulenta, como aconteceu em Igatu. O instituto considerou esta

ação fraudulenta, pois o valor pago pelo terreno era bastante inferior ao seu valor real.

Mas, se prontificou em coibir os atos de degradação que estavam ocorrendo neste

distrito, solicitando apoio da prefeitura65

local.

Em 12 de agosto de 1998, a Equipe Técnica de Lençóis e Mucugê pertencentes a

7ªCR publicou um relatório técnico (Figura 22) como proposta de tombamento

denominado de Igatu – Museu vivo do garimpo.

Figura 22: Proposta de tombamento de Igatu, 1998.

Fonte: Rodrigues (2013).

Este relatório contém descrições sobre as casas, as ruas, a Igreja São Sebastião, o

Cemitério, o Casarão - residência do antigo coronel de Igatu. Assim como, sobre o

clima, altitude, temperatura entre outros aspectos gerais do distrito. Apresenta também

informações sobre apenas duas pousadas no local, que atendiam ao turismo. E que a

63 Memorando 312/98 de 21. 05. 98 64 Ofício GAB/DEPROT/Nº048/98 65Ofício GAB/DEPROT/Nº059/98 ao prefeito de Andaraí.

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atividade turística estimulava a especulação imobiliária sem atribuir a devida

importância à memória e cultura local (IPHAN, 1998).

As metas deste relatório seriam a proteção e o cadastramento de bens móveis e

imóveis, bem como a restauração daqueles que necessitavam. Criação de um Museu e

Centro de Pesquisa e elaboração de um levantamento dos garimpos existentes e que

poderiam ser destinados à visitação turística. Para a preservação da cultura e memória

local seriam oferecidos cursos à comunidade (IPHAN, 1998).

Em 12 de julho de 1998, o Jornal A Tarde publicou uma reportagem, que está no

arquivo reunido pelo IPHAN (1998) e nos documentos do IPAC (2002), sobre a

necessidade de preservação do distrito. A reportagem cita a arquitetura peculiar das

ruínas, as tocas, a igreja, o cemitério e alguns casarões com estilo rococó66

. Chama

atenção para a deterioração de antigas casas e ruinas construídas com pedra. Estas

pedras foram retiradas para construção de novas moradias, sobretudo de indivíduos da

cidade de Salvador.

Em setembro deste mesmo ano, circulou outro memorando67

entre os

departamentos do IPHAN com o parecer sobre o relatório escrito pelo Escritório

Técnico de Lençóis e Mucugê. Os especialistas do Instituto informaram ao DEPROT

que, ao ler o relatório, não acreditavam que as ruinas teriam valor arqueológico e sim

histórico e/ou urbanístico. Mas estes mesmos técnicos sugeriram uma nova avaliação,

uma vez que não há no país e no cadastro do IPHAN outras habitações com

características semelhantes.

Em outubro de 1998, um técnico em preservação arquitetônica pediu prioridade ao

processo 1411-T-98, em decorrência das ameaças de destruição que o distrito estava

passando. A proposta de tombamento deveria ser encaminhada com urgência ao

Conselho Consultivo do IPHAN. Foi sugerida a retificação do nome do processo68

, uma

vez que, o relatório, elaborado pela Equipe Técnica de Lençóis e Mucugê, não se refere

somente as ruinas, mas a todo o distrito. O processo passou a ser denominado de

Conjunto arquitetônico, urbanístico e paisagístico da cidade de Igatu, inclusive das

ruinas de habitação de pedra. Por meio de um parecer, solicitou-se para que o processo

fosse inscrito nos Livros do Tombo Arqueológico e Paisagístico e no Livro do Tombo

Histórico.

66

Rococó consiste em um estilo artístico francês. Faz referencia ao barroco, mas de forma mais sutil. 67MEMO DEPROT/RJ/Nº617/98 de 24.09.98 68 Parecer 057/98 de 05.10.98

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Neste mesmo mês e ano através do memorando 647/98 69

foi exposto pelo IPHAN

à urgência em tombar o distrito, suas singularidades e sobre o processo de degradação

do local. Clamando atenção para a ausência de planejamento da atividade turística.

Neste memorando é citado como medida de urgência para coibir a degradação, um

tombamento provisório.

Este documento é bastante significativo, pois, denuncia crimes contra o patrimônio

de Igatu e pressiona seu tombamento. Segundo este documento, no primeiro Festival de

Inverno da Chapada Diamantina, realizado em 1997, que aconteceu no distrito, foi

provocado um alargamento da entrada do local, próximo a Rua Nova, através do uso de

dinamites, para dar passagem aos ônibus que traziam turistas. No entanto, não há nesta

fonte registro sobre os responsáveis por este dano e também não costa nestes autos se

alguma medida foi tomada. O festival deixou de acontecer em Igatu e retornou a

ocorrer no ano de 2013.

Já em novembro de 1998, o processo de tombamento estagnou porque algumas

informações necessárias foram apresentadas de forma indevida. Segundo o Memorando

241/9870

, a poligonal da área tombada estava imprecisa. Isto poderia trazer problemas,

uma vez que proprietários de bens não saberiam localizar se seu imóvel estaria ou não

tombado. E também, tal procedimento faria com que o distrito perdesse a totalidade da

salvaguarda. No mês de dezembro de 1998, o IPHAN solicitou, com urgência, que esta

questão fosse solucionada.

O conteúdo de denúncias voltou a fazer parte dos memorandos do IPHAN. No

documento 798/98 de 26 de novembro de 1998 mencionou-se a construção do campo de

futebol, em Igatu, pela Prefeitura de Andaraí. Segundo esta fonte retirou-se grande

quantidade de terra dos vales dos rios do distrito para aplainar o campo. Esta construção

foi de elevado custo para a prefeitura local. Mas, o que se constituiu na forma mais

intensa de pressão ao tombamento consiste:

A importância de Igatu como sítio legendário já seria reconhecida desde os

primórdios do IPHAN. Segundo a Técnica da Divisão de Estudos e

Acautelamento do DEPROT, Arqueóloga Regina Coeli Pinheiro da Silva, o Dr.

Rodrigo de Melo Franco, preocupado com boatos sobre uma legendária cidade milenar na Bahia, descrita por um manuscrito catalogado, à época sob o

número 512 na Biblioteca Nacional, contratou um alemão, Hermann Kruse,

que percorreu toda a Bahia, à procura de uma cidade que poderia ser Igatu, que se associa a essas lendas graças ao relatório de Hermann Kruse, ora no Arquivo

do IPHAN, e que muito teria a informar (IPHAN, 1998, p. 144 e 145).

69 CORDEP/DEPROT/647/98 de 14.10.98 70 MEMO/PROJUR/IPHAN/RJ/241/98 de 09.11.98

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O autor do documento que faz parte do dossiê do IPHAN (1998) é Carlos Fernando

de Moura Delphim, que em viagem para Igatu escreveu sobre suas riquezas, seu meio

físico e vivenciou acontecimentos importantes no distrito. Mas o que chama mais

atenção, neste memorando, é sua citação sobre o registro do distrito em um catálogo que

hoje se encontra na Biblioteca Nacional no Rio de Janeiro.

A permanência de Rodrigo de Melo Franco, como fundador e diretor do IPHAN,

duraram 30 anos (de 1936 a 1967). Entre os anos de 1939 e 1941, o então diretor

autorizou a excursão de Hermann Kruse para o interior baiano em busca de “locais

perdidos”. O objetivo de Hermann Kruse foi também à catalogação de obras e

monumentos de valor histórico e artístico, segundo o Decreto 25 de 1937. Muitas destas

peças foram encaminhadas a museus federais (CHUVA, 2012). Provavelmente um

destes “locais perdidos” seria o distrito de Igatu.

Em dezembro de 1998, o Ministério Público da Bahia solicitou à 7ª CR71

e ao

IPAC72

informações, por meio de ofícios, sobre o estado de preservação de Igatu.

Segundo o Ministério Público havia internamente um processo administrativo

tramitando sobre o distrito, para tanto, a instituição necessitava de esclarecimentos. Os

ofícios não fazem referencia sobre o conteúdo do processo que tramitava no Ministério

Público.

A Procuradoria da República da Bahia solicitou73

da 7ª CR, no início março de

1999, informações sobre a situação de Igatu. A Coordenação Regional informou à

Procuradoria que o distrito estava em processo de tombamento e que seu estado de

conservação era preocupante, uma vez que seu sítio arqueológico estava sendo

destruído, devido a retiradas de pedras para construção de novas moradias. Foi

informado também que a prefeitura de Andaraí havia sido notificada pelo IPHAN sobre

o processo tombo, no qual foi solicitado providências (IPAC, 2002).

A notificação realizada pela 7ª CR à prefeitura de Andaraí possuía o conteúdo de

que o distrito estava em processo de tombamento e qualquer alteração neste sítio o

IPHAN deveria ser notificado, pois, trata-se de um bem de grande valor arquitetônico,

histórico e paisagístico amparado pela legislação federal (IPAC, 2002).

71 Ofício 2804/98 de 11.12.1998 - IPHAN 72 Ofício 2805/98 de 11.12.1998 - IPAC 73Ofício nº 443 de 12.03.1999

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Já em 23 de março deste mesmo ano, o IPHAN publicou as coordenadas que

compõe a poligonal74

de preservação do distrito de Igatu, isto é a área que seria

tombada. A poligonal se inicia em cima da Ponte do Rio Coisa Boa que está próximo ao

distrito, passa pelas ruinas Luís dos Santos, alça o Poço do Brejo75

, indo em direção às

rochas denominadas de Três Navios, à localidade Bambolim, à Rua da Estrela, Rua da

Biquinha, Cemitério dos Bexiguentos, Ponte Riacho dos Pombos, Cruzeiro, finalizando

a poligonal em cima da Ponte do rio Coisa Boa.

Em abril de 1999, o Superintendente da 7ª CR solicitou de um profissional da

Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) um projeto de mapeamento do

distrito a partir da proposta de tombamento elaborado pelo Escritório Técnico de

Lençóis e Mucugê (Igatu - Museu Vivo do Garimpo). Segundo este projeto, as

instituições envolvidas foram UEFS, Prefeitura de Andaraí, IPHAN, IPAC e como

patrocinadora parcial a Fundação Boticário (IPHAN, 1998). O produto deste projeto

consistiu em um relatório descritivo sobre Igatu, no qual contém informações sobre a

história do local, sua população e, sobretudo, sua arquitetura. No entanto, não está

presente nos autos do IPHAN (1998) e IPAC (2002).

Já em julho deste mesmo ano, o IPAC notificou os proprietários de imóveis de

Igatu sobre a abertura do processo76

de tombamento, informando que antes de qualquer

alteração nos imóveis, o Instituto deveria ser notificado (IPAC, 2002).

Os documentos seguintes, elaborados pela 7ª CR e pelo DEPROT, que compõe o

dossiê IPHAN (1998), também consistem em notificações aos proprietários de Igatu

sobre o processo, a poligonal de tombamento, que o distrito estava provisoriamente

tombado e que sua proteção decorre do Poder Público Federal, por intermédio do

IPHAN. Os proprietários foram informados que teriam 15 dias para comprovar a posse

de um ou mais imóveis.

No segundo semestre de 1999, o Conselho Consultivo publicou um parecer

favorável ao tombamento de Igatu, no qual estava escrito sobre sua importância

histórica, sua arquitetura e os danos que a atividade turística estava provocando ao

distrito. Após este parecer, em 17 de agosto de 1999, o Ministério da Cultura e o

IPHAN decidiram por unanimidade, em uma reunião, recomendar o tombamento do

74Poligonal do sítio Histórico de Igatu, Nº 45/99. 75Antigo local de garimpo, que está sendo reaberto a alguns para visitação turística. 76Processo de número 011/95 de 08.09.1995.

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97

local. O Ministro da Cultura estava presente neste encontro, para também informar

sobre o programa vigente de preservação patrimonial – O Monumenta77

.

As atribuições do Programa Monumenta, que estava na fase inicial de experimento,

foram a recuperação e a restauração do patrimônio urbano que se encontrava sob a

tutela federal, sendo eles sítios históricos, conjuntos urbanos ou monumentos

individuais, através de medidas de preservação atreladas com a economia e a educação.

As ações do programa deveriam ser custeadas por um fundo municipal cujo objetivo

seria a administração de recursos para salvaguarda patrimonial. Além do fundo deveria

ser criado um conselho gestor que teria representação legal das esferas municipais,

estaduais e federais (IPHAN, 1998).

O desenvolvimento econômico proposto pelo Monumenta estava atrelado à

atividade turística, que foi nestes autos reprovada pelos membros técnicos do IPHAN. O

programa pretendia promover roteiros para o turismo cultural, produzir materiais de

divulgação do local tombado, apoiar os espetáculos artísticos e as manifestações

culturais com a finalidade de atrair turistas e fazê-lo permanecer nestes locais (IPHAN,

1998).

Fluxograma 4: Atribuições do Programa Monunenta.

Fonte: Rodrigues (2015).

77Os objetivos do programa, as metas e os procedimentos estavam anexados da ata do parecer realizado

pelo Conselho Consultivo.

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98

Durante a primeira etapa do programa, alguns locais78

do país foram selecionados

para participarem do Monumenta porque possuíam experiências com processo de

preservação (IPHAN, 1998). Mesmo sendo apresentado em uma reunião na qual estava

sendo julgado um parecer sobre o tombamento de Igatu, este não foi incluso.

Enfim, a Portaria de número 430, do Ministério da Cultura, assinada por Francisco

Weffort, na data de 23 de novembro de 1999, homologou o tombamento (Figura 23) do

Conjunto Arquitetônico, Urbanístico e Paisagístico na Cidade de Igatu, inclusive as

habitações de pedra, localizado no Município de Andaraí.

Figura 23: Documento de homologação do tombamento de Igatu, 1999.

Fonte: Rodrigues (2013).

A homologação do tombamento ocorreu em 1999 (Figura 23), mas as inscrições

nos Livros do Tombo foram efetivadas na data 20 de junho de 2000, no qual foi lavrada

e assinada a Certidão de Tombamento por um técnico em preservação arquitetônica e

pelo chefe de arquivo do IPHAN, em 10 de julho de 2000.

Em junho de 2001, o IPHAN solicitou que seus técnicos fizessem uma vistoria em

Igatu, devido às denúncias de uso de dinamite em alguns dos substratos rochosos na

localidade do Alto do Cruzeiro, para construção de novas moradias no distrito. Após a

inspeção concluiu-se que houve retirada da vegetação local, mas de maneira quase

imperceptível. Quanto ao uso da dinamite, os técnicos não souberam identificar se foi

ou não utilizado. No entanto, esta vistoria foi importante para que a instituição se

certificasse que havia, no local, construções irregulares, estas estavam desfigurando o

bem tombado. Para tanto, a prefeitura de Andaraí foi notificada. (IPHAN, 1998).

78Os estados selecionados foram Bahia, Minas, Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e Maranhão.

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99

Já em 2002, Igatu foi tombado pelo governo do estado da Bahia79

. O processo foi

aberto no ano de 1999, conforme IPAC (2002), o qual foi acatado pelo instituto; o

pedido foi solicitado pela prefeitura de Andaraí80

. Este processo data de 1995 e somente

em 2002 foi aceito pelo IPAC, isto provavelmente em decorrência das iniciativas de

tombamento do IPHAN.

Neste mesmo ano, uma moradora do município de Andaraí, enviou à 7ªCR um

oficio requerendo o direito de receber indenização devido ao tombamento do distrito de

Igatu. Esta moradora se diz proprietária, meeira, condômina e inventariante de um

imóvel que se localiza na Fazenda Igatu, em Andaraí. A Procuradoria Jurídica do

IPHAN respondeu que não há título que a faz proprietária do imóvel, que o tombamento

é apenas um instrumento com limitações administrativas à propriedade e sua prática não

gera indenizações, porque o proprietário continua exercendo seus direitos de titular

(IPHAN, 1998).

Na data de 28 de março de 2003, o IPHAN enviou à 7ª SR81

– Superintendência

Regional (Salvador/BA) a “1ª Cartilha do Morador de Igatu” 82

que continha

informações sobre as possíveis intervenções que o proprietário poderia fazer em seu

imóvel. Assim como, o estilo arquitetônico e os elementos decorativos dos imóveis do

distrito. O fluxograma mostra as recomendações do IPHAN:

79Processo nº8357 de 05. 11.2002 80Processo 001/95 de 08.09.1995 81Em outros documentos, o escritório do IPHAN em Salvador/BA era denominado de 7ª CR

(Coordenação Regional), neste foi chamado de 7 ª SR (Superintendência Regional). 82Memo 90/03.

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Fluxograma 5: Recomendações do IPHAN, Igatu, 2003.

Fonte: Rodrigues (2015).

Estas recomendações são específicas do IPHAN aos proprietários de imóveis do

distrito, foram enviadas para a 7ª SR que a revisou em abril deste mesmo ano. Constam

nos documentos sugestões realizadas pela 7ª SR e as descrições feitas pelo presidente da

Superintendência de que a cartilha iria para o arquivo até futuras discussões.

No final de 2003, o Centro de Estudos de Ciências Humanas, localizado na cidade

de Salvador/BA, enviou à 7ª SR um plano de acompanhamento arqueológico da vila de

Igatu83

. Este Centro de Estudos se responsabilizou em realizar diagnóstico

arqueológico, de prospecção de sub-superfície, análise laboratorial, restauração e

interpretação cultural dos sítios encontrados em Igatu na medida em que a Empresa

Baiana de Águas e Saneamento (Embasa) realizasse obras com o intuito de implantar o

sistema de abastecimento de água no distrito. Assim, no momento que a Embasa

realizasse escavações em decorrência das obras, as pesquisas arqueológicas seriam

concretizadas (IPHAN, 1998).

83 Protocolo Nº 2284/03 de 14.12.2003.

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101

A Embasa realizou a implantação do sistema de abastecimento de água em Igatu e

patrocinou os trabalhos de campo, as análises laboratoriais, as pesquisas em arquivos do

acompanhamento arqueológico realizado em Igatu pelo Centro de Estudos de Ciências

Humanas, autorizado pelo IPHAN.

Em documentos enviados a 7ª SR, a Embasa informou que construção de concreto

que ficasse aparente, para reserva e tratamento da água, devido ao relevo do local e as

exigências das Normas Técnicas brasileiras, deveria ser revestida por placas de rochas

retiradas do distrito, a fim de evitar impacto visual. A encanação de água deveria ser

construída no passeio preservando a pavimentação original das ruas. Já o Centro de

Estudos de Ciências Humanas, cujo objetivo era o acompanhamento da implantação do

sistema de abastecimento de água de Igatu realizado pela Embasa, fez algumas

sugestões à empresa como: envelopar ou cobrir com pedra toda tubulação aparente, para

a quebra de grandes rochas deveria usar argamassa expandida, não passar nenhum

equipamento ou tubulação pelas ruinas, não utilizar pedras das ruinas e todo achado no

subsolo do distrito deveria ser exposto no Centro Cultural de Igatu ou salvaguardado

pela Prefeitura de Andaraí ou pela 7ª SR, conforme autorização do IPHAN (IPHAN,

1998).

Em fevereiro de 2004, a 7ª SR e a Prefeitura de Andaraí firmaram um termo de

cooperação técnica para preservação e revitalização do acervo cultural de Andaraí. As

ações deste termo consistiam em revitalizar e difundir os bens culturais, incentivar

projetos de educação patrimonial, restaurar e preservar móveis, entre outros. O

financiamento de tais ações viria das instituições envolvidas (IPHAN, 1998).

Na data 24 de agosto de 2004, foi publicado no Diário Oficial da União84

a

autorização fornecida pelo IPHAN para que o Centro de Estudos de Ciências Humanas

acompanhasse a implantação do sistema de abastecimento de água em Igatu. Também

foram dadas algumas atribuições a 7ª SR como, fiscalizar a execução da obra realizada

pela Embasa e guardar todo material coletado por esta empresa.

Mas em setembro de 2005, a Prefeitura de Andaraí enviou um documento à 7ª SR

alertando que a Embasa estava realizando escavações para instalação do sistema de água

e com isto, modificando todo o calçamento original do distrito (IPHAN, 1998). Isto é,

as indicações de que as tubulações seriam feitas no passeio para não modificar a

estrutura original do calçamento não foram cumpridas pela empresa.

84 Portaria 148 de 03.08.04

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Na Rua dos Negros técnicos do Instituto constataram que a pavimentação foi refeita

durante o trabalho da Embasa, a qual modificou a estrutura original do calçamento

provocando acúmulo de água85

. Nesta mesma rua, um pequeno muro foi construído pela

empresa para passagem da tubulação e estava provocando infiltrações nas casas

vizinhas. Já o reservatório de água que estava sendo construído utilizava concreto e não

apresentava estrutura semelhante às demais construções. O IPHAN embargou a obra por

descumprimento do requerido e exigiu sua paralização imediata (IPHAN, 1998).

Em decorrência destes fatos e de outros, o Centro de Estudos de Ciências Humanas

enviou um comunicado à 7ª SR86

, informando que a construtora encarregada pelas obras

da Embasa estava descumprindo totalmente as determinações em acordo e

desrespeitando os trabalhos e os técnicos envolvidos nos estudos. A 7ª SR enviou um

ofício87

a Embasa solicitando providências. O IPHAN, em Brasília, também foi

informado sobre os problemas entre a equipe do Centro de Estudos de Ciências

Humanas e a Embasa. No entanto, mostrou-se imparcial em relação às divergências.

Em viagem ao distrito de Igatu88

, constatou-se que a Embasa fez algumas

modificações na estrutura externa da caixa d’água (Figura 24) e em um de seus

edifícios. Já o muro que define a área da empresa foi construído com pedra, no entanto

não obedecem as recomendações definidas pelo IPHAN, pois esta sede localiza no

centro urbano do distrito, então deveria está rebocado e pintado como as demais

construções.

85 Informações técnicas nº 13/06 de 23.01.13 86 Correspondência 0011/2006 de 01.02.2006 87 Ofício nº 0148/06 de 03.02.2006 88 Viagem de campo realizada no ano de 2013.

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Figura 24: Perspectiva do Alto do Cruzeiro - Embasa, Igatu, 2014.

Fonte: Rodrigues (2014).

A área marcada em cor amarela constitui a sede da Embasa do distrito de Igatu

(Figura 24). A caixa d’água, após as intervenções do IPHAN, recebeu revestimento

externo feito com pedra. E um de seus edifícios foi pintado na tentativa de mimetizar

com o verde do local. No entanto, as construções realizadas pela empresa não estão

integradas à paisagem, como sugere o legislação do IPHAN.

Em 20 de novembro de 2006, o Centro de Estudos de Ciências Humanas

encaminhou à Embasa e ao IPHAN o relatório final89

de acompanhamento arqueológico

do distrito. Os achados arqueológicos foram representados por moedas do período

Brasil República, metal, ossos de aves, porcelanas de origem portuguesa, chinesa,

inglesa. Além de vidros (maior quantidade), seixos trabalhados, madeira e uma fruta

petrificada (elemento fóssil) encontrada na Rua São Sebastião (IPHAN, 1998).

Um dos grandes achados foi às cerâmicas vitrificadas e afro-brasileiras, bastante

encontrada no Recôncavo Baiano, datadas do século XIX, presente neste local.

Mostrando a presença de grupos negros nessa localidade. Foi encontrado também, um

pequeno fragmento de louça japonesa, sendo que, segundo o Centro de Estudos de

Ciências Humanas, consiste na primeira vez que aparece este tipo de achado

arqueológico na Bahia. Já os vidros encontrados, como os de remédios possuíam

89 Correspondência 0199/2006.

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origem, em sua maior parte, do Sudeste e Sul do país, as bebidas e perfumes de origem

europeia (IPHAN, 1998).

O acervo arqueológico encontrado em Igatu, não ficou na comunidade, não está sob

a responsabilidade da Prefeitura de Andaraí ou da 7 ª SR, como ficou acordado entre

Embasa, Centro de Estudos de Ciências Humanas e IPHAN . Este acervo encontra-se

para apreciação pública no Museu Arqueológico da Embasa, localizado na cidade de

Salvador/BA. Este documento consiste em um dos últimos do processo de tombamento

do distrito.

Os documentos a partir desta data referem-se aos pedidos de autorização para

reformas e construções realizadas no local e que foram analisadas pelo Instituto. A

documentação completa que se referente ao tombamento e a salvaguarda do patrimônio

de Igatu, IPHAN (1998), está guardada em quatro caixas, disponível para pesquisa em

forma de xerocópia.

As solicitações de tombamento chegam ao IPHAN acompanhadas de argumentos

que justificam o tombo. Estes argumentos decorrem do valor histórico, arquitetônico,

cultural e artístico do bem. No entanto, muitos pedidos foram impugnados ou

demoraram para ser julgados (FONSECA, 2005). Em 1980, o IPAC-SIC publicou um

inventário sobre a arquitetura de Igatu. Foi o primeiro estudo desta categoria realizada

sobre o distrito. Após duas décadas da produção do inventário pelo IPAC-SIC o

tombamento de Igatu foi concretizado.

No ano 2000, o Programa Petrobrás Cultural90

realizou uma seleção pública para

preservação do patrimônio e da memória de algumas localidades do Brasil, no qual

foram destinados 43,4 milhões de reais para financiamento. Entre os anos de 2005 e

2006, o distrito de Igatu foi selecionado com o Projeto de Consolidação e Reabilitação

do Conjunto de Ruínas de Luís dos Santos - Igatu, Andaraí/BA91

que se iniciou no ano

de 2007. Este projeto possuía o objetivo de diagnosticar, levantar, avaliar e mensurar o

potencial arqueológico das Ruínas de Igatu, através do levantamento aerofotogramétrico

e de escavações arqueológicas no distrito92

.

A Petrobrás, em seu site oficial, informa que seria construído e publicado na

internet, um banco de dados com os resultados do programa. No entanto, as

90O Programa Petrobrás Cultural realiza seleções públicas para financiamento de projetos na área de

literatura, artes cênicas, artes visuais e patrimônios entre outros. 91Projeto de protocolo (Nº 2955), proponente Repellere Soluções Integradas Ltda, localizado no estado de São Paulo. Informações retiradas do site: http://www.petrobras.com.br/pt/busca/?q=igatu acesso 19 de

abril de 2015. 92Fonte: Diário Oficial da união – Seção 1. Nº 40 28/02/2007. INSS 1677042.

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informações sobre tais resultados consistem nas inscrições contempladas pelo

programa.

Baseado no Decreto Municipal de 15 de maio de 2007 criou-se uma proposta

(Figura 25) de criação do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer

de Igatu93

, que compreende o antigo bairro Luís dos Santos (ruínas) e os afloramentos

rochosos denominado de Manga do céu. O objetivo desta proposta é a proteção natural e

patrimonial destas duas localidades, atrelando conhecimento e lazer.

Figura 25: Proposta – Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e

Lazer de Igatu, 2007.

Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 01 e 24).

O antigo bairro garimpeiro, hoje as Ruinas Luís dos Santos, não recebe a devida

proteção, diante de seu valor histórico, paisagístico e arqueológico, afirmado pelo

IPHAN. Conforme este documento (figura 25) 94

, as ruínas encontram-se em estado de

abandono e sofre com a degradação devido aos incêndios, depredação e deterioração

decorrentes dos fenômenos naturais como elevadas temperaturas e chuvas (Figura 26).

93Esta proposta está em meio digital, em formato PDF e foi fornecida pela Prefeitura Municipal de Andaraí. 94Refere-se à proposta de criação do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e Lazer de

Igatu.

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Figura 26: Ruínas Luís dos Santos, Igatu, 2013.

Fonte: Rodrigues (2013).

Segundo a proposta de criação do Parque Urbano de Igatu, os afloramentos

rochosos denominado de Manga do Céu (Figura 27) foi local de garimpo, sendo

considerados os afloramentos de maiores altitudes próximo ao centro urbano do distrito.

Possuem diversas espécies de plantas nativas, nascentes e cacimbas. Esta área resulta

das ações geológicas e do garimpo, no qual foram formados caminhos e evidenciados

paredões rochosos (RUSS, 2012).

Figura 27: Afloramentos rochosos – Manga do Céu, Igatu, 2007.

Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 10).

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Manga do Céu abriga a memória da mineração compreendida através das tocas e

dos registros do garimpo como montoeiras de cascalhos, cacimbas de água (Figura 28),

entre outros elementos. Segundo Russ (2012), além de área de garimpo, na Manga do

Céu se encontrava e era retirado o material de liga utilizado, no auge da mineração,

como uma espécie de argamassa para sustentar as construções do distrito.

Figura 28: Registros do garimpo – Manga do Céu, 2010.

Fonte:

Rodrigues (2013) 95.

A preservação histórica e ambiental desta antiga área de garimpagem também está

inclusa na proposta de criação do Parque Urbano de Igatu. Pois, a ocupação irregular

coloca em risco o valor patrimonial, tanto no âmbito histórico, quanto arqueológico e

natural da Manga do Céu (Figura 29). Além de provocar mudanças na paisagem e

problemas de ordem ambientais.

95

Esta figura foi elaborada no ano de 2010, modificada e adaptada conforme os objetivos desta pesquisa.

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Figura 29: Construção nos afloramentos rochosos – Manga do Céu, 2007.

Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 20).

A Figura 29 evidencia uma edificação que não está de acordo com as

recomendações propostas pelo IPHAN. Foi construída com tijolos, cimento e não

recebeu nenhum revestimento de pedra. Está totalmente divergente do estilo

arquitetônico do distrito, portanto, não mimetiza com a paisagem local.

Esta proposta de criação do Parque Urbano, que abrange as Ruínas Luís dos Santos

e a Manga do Céu, além de impedir que as ocupações desordenadas aconteçam, também

pretende criar um memorial virtual das tocas garimpeiras contendo os registros e a

localização destas habitações. Assim como do Centro de Referência da Cultura

Garimpeira, cuja planta arquitetônica foi elaborada por Marcelo Ferraz96

. Este Centro

deveria situar-se na entrada do Parque Urbano de Preservação Ambiental, Histórica e

Lazer de Igatu (Figura 30).

96Marcelo Ferraz, arquiteto formado em 1980, pela Universidade de São Paulo (USP). No ano de 2012 foi

premiado com o Projeto Design “As lembranças do garimpo” que consiste na criação do Centro de

Referência da Cultura garimpeira.

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Figura 30: Proposta de criação do Centro de Referência da Cultura Garimpeira de

Igatu.

Fonte: Site Brasil Arquitetura97

O Centro de Referência da Cultura Garimpeira não teria a pretensão de ser um

museu e sim um espaço no qual estará tematizado os traços, os costumes, o cotidiano, a

oralidade e a culinária dos moradores de Igatu98

. Sua área é de 570 m² e está presente na

proposta de criação do Parque Urbano de Igatu.

Assim como este Centro de Referência e o memorial virtual das tocas garimpeiras,

este documento propõe construir um museu ao ar livre, na área da antiga usina de Igatu

hoje em ruínas (Figura 31). Os objetivos do museu é interligar história, preservação

ambiental e uso consciente dos recursos naturais, reunindo o imóvel da usina, uma

típica construção do distrito, com os equipamentos que vieram do exterior e que ainda

podem ser encontrados no distrito.

97Fonte: http://brasilarquitetura.com/projetos/museu-de-igatu Acesso 20 de abril de 2015. 98Informações retiradas do site: http://brasilarquitetura.com/projetos/museu-de-igatu Acesso 20 de abril

de 2015.

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Figura 31: Ruínas da antiga usina de Igatu, 2007.

Fonte: Prefeitura Municipal de Andaraí (2007, p. 20).

Após a elaboração da proposta do Parque Urbano de Igatu, o IPAC publicou, em

2009, um relatório contendo a proposta de tombamento da sede do município de

Andaraí, do povoado Passagem e do distrito de Igatu, articulando as esferas municipais,

estaduais e federais. Nesta proposta estão representadas as áreas de proteção do distrito

Em 1985, a criação do Parque Nacional da Chapada Diamantina consistiu na

primeira forma de proteção destinada à Igatu. Em seguida, o IPHAN definiu o perímetro

urbano do distrito pelo processo de tombamento de 1998 que abrange o núcleo central e

as ruínas Luís dos Santos. A área tombada pelo IPAC, data do ano de 2002, e está

situada no entorno da área de proteção do IPHAN. Já criação do Parque Urbano de

Igatu, que compreende as áreas Manga do Céu e Ruínas Luís dos Santos, foram

propostas em 2007 pela prefeitura do município.

Este relatório, elaborado pelo IPAC (2009), estabeleceu uma parceria entre IPHAN

e a Prefeitura de Andaraí, uma vez que tanto a área de proteção federal, quanto as áreas

municipais estão sobrepostas à área de salvaguarda definida pelo IPAC (Figura 32).

Esta ação conjunta possui objetivo de elaborar um estudo para redefinição da poligonal

de tombamento. Para tanto, foram realizadas oficinas, tanto na sede de Andaraí quanto

no distrito de Igatu, com o tema promoção da educação patrimonial nestas localidades.

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Figura 32: Áreas protegidas de Igatu, 2009.

Fonte: IPAC (2009, p. 17).

Neste mesmo ano de 2009, a Presidência da República, o governo do estado da

Bahia, o IPHAN e a Prefeitura de Andaraí assinaram um acordo referente ao PAC –

Cidades Históricas que previa investimentos para preservação do patrimônio de Igatu,

durante os anos de 2010 e 2013. As ações deste plano consistiriam em consolidação das

Ruinas e a construção do Centro de Referência Histórica e de Memória de Igatu. Assim

como, melhoria na iluminação no distrito, construção da Casa do Patrimônio e

instalação de um cinema digital no Centro Cultural Chic- Chic de Igatu99

.

As propostas sugeridas pelo PAC – Cidades Históricas se assemelham com outras

analisadas neste trabalho, como a consolidação e restauração das ruínas, cujo

proponente foi uma empresa de restauração em parceria com o Programa Petrobrás

99Fonte:

http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=15179&sigla=Noticia&retorno=detalheN

oticia Acesso 01 de julho de 2010.

Eu moro.

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Cultural; já a criação de um Centro de Referências (proposta do PAC) se assemelha com

a proposta municipal de construção do Centro de Referência da Cultura Garimpeira -

presente no projeto sobre o Parque Urbano de Igatu.

Em resposta ao PAC – Cidades Históricas, a Prefeitura de Andaraí elaborou alguns

slides de anuência, com vigência para os anos 2010 a 2013100

. Os objetivos da proposta

municipal estavam atrelados à preservação patrimonial. Para tanto, buscavam registrar

as referências culturais do distrito, assegurar planejamento no que se diz sobre ocupação

do solo, criar um conselho gestor para o patrimônio e financiar ações para recuperação

de imóveis privados. Assim como criar um plano de manejo para o Parque de Igatu, um

observatório Astronômico nos afloramentos Manga do Céu, objetivando atrair um

público maior de turistas entre outros.

O IPHAN, em junho de 2012, entregou à população de Igatu, os bens restaurados

pelo instituto que foram a Igreja (Figura 33), o Cemitério, a Igreja São Sebastião

localizado no distrito e a Praça José Gomes da Silva. As obras foram executadas com

recursos do PAC - Cidades Históricas101

.

Figura 33: Igreja São Sebastião – restauração IPHAN, 2012.

Fonte: Rodrigues (2012).

100Estes slides foram fornecidos pela prefeitura municipal de Andaraí, durante o trabalho de campo realizado tanto na sede do município quanto no distrito de Igatu. 101http://portal.iphan.gov.br/portal/montarDetalheConteudo.do?id=16686&sigla=Noticia&retorno=detalh

eNoticia Acesso 20 de abril de 2015.

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Neste mesmo ano, Lei municipal de 28 de maio de 2012102

criou o fundo de

Preservação do Patrimônio Cultural do Município de Andaraí vinculado à Secretaria

Municipal de Cultura e Meio Ambiente cujo objetivo foi financiar ações de preservação.

O gestor do fundo deverá estar vinculado à secretaria de Andaraí e sua gestão contará

com a participação de quatro representantes do município, um Representante do IPHAN

e outro do IPAC. A verba do fundo virá de alugueis, concessões de uso de imóveis

preservados e de doações.

Em contato mantido com um representante da Prefeitura de Andaraí103

sobre as

políticas de preservação do patrimônio de Igatu, foi informado que esta Lei de 18 de

maio de 2012 regulamentou o conselho para gerir os assuntos sobre o patrimônio do

município. O Conselho é formado por representantes da UEFS, do Instituto Chico

Mendes, da Prefeitura, do Centro Cultural Chic-Chic e da sociedade. As definições do

conselho, oriundas de reuniões trimestrais, também orientariam as ações do Parque

Urbano de Igatu. No entanto, este conselho está inativo, mas, segundo informações da

prefeitura de Andaraí há intenção de reativá-lo104

.

102 Lei número 74/2012. 103Este contato foi realizado por e-mail com representante da Prefeitura de Andaraí, em outubro de 2014 e maio de 2015. 104As informações foram concedidas pela Prefeitura de Andaraí, no entanto, não se sabe por quando

tempo o conselho esteve ativo e o motivo que desativou.

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6.2 Proposta para preservação e valorização do patrimônio de Igatu

Esta proposta de criação de preservação e valorização do patrimônio local foi

elaborada pela autora desta dissertação e consiste em um dos produtos do Mestrado

Profissional em Planejamento Territorial/UEFS. Seu objetivo é representar/preservar a

história, cultura, memória, identidade e arquitetura de Igatu. A proposta se intitula

Museu Cultural do Diamante.

A necessidade de construção de um instituto que represente a história e identidade

do distrito foi mencionada pelo IPHAN em 1998105

durante o processo de tombamento

do mesmo. No entanto, Salvo a Galeria de Arte e Memória, que disponibiliza para

apreciação e conhecimento objetos da cultura garimpeira, outras tantas iniciativas não

foram aproveitadas e executadas.

Esta instituição Museológica proposta poderá estar vinculada à 7ªSR -

Salvador/Bahia, ao IPAC e à Prefeitura de Andaraí. Seu objetivo será recolher,

classificar, conservar e expor elementos característicos da sociedade garimpeira. Assim

como a preservação da memória, da cultura e da história do garimpo, através de um

acervo de objetos arqueológicos da Bahia, da Chapada Diamantina, de Igatu e da

mineração. Estes objetos, obtidos através de pesquisas, deverão se relacionar com as

vivências dos moradores deste lugar. Trata-se de objetos antigos, que remetem ao

período de mineração, como também contemporâneos elaborados pelos moradores

locais. Este acervo possibilitará diversas leituras sobre o comportamento, o modo de

viver e o contexto histórico, político e econômico de Igatu.

O Museu Cultural do Diamante será uma instituição de caráter pública, destinada às

manifestações culturais e a preservação patrimonial, cujo acervo possibilitará o acesso

ao conhecimento, bem como a salvaguarda e a valorização do patrimônio local.

105Desde 1998 o IIPHAN sugere como medida para assegurar e fortalecer a preservação do distrito, a

criação de uma instituição museológica.

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Fluxograma 6: Proposta - Museu Cultural do Diamante

Fonte: Rodrigues (2015).

O Museu Cultural do Diamante

Igatu é um importante distrito de valor histórico, cultural, artístico, arquitetônico e

científico. As paisagens, manifestações culturais e a arte presentes no distrito são

relevantes fontes para a pesquisa, estudo, contemplação e turismo. Sendo assim, é

imprescindível a criação de uma ou mais instituições museológicas, no distrito de Igatu,

voltadas para reforçar o trabalho de preservação e valorização patrimonial de organismo

como IPHAN e IPAC.

De acordo com a Lei 11.904 de 14 de janeiro de 2009 que institui o Estatuto dos

Museus no Brasil, constituem princípios destas instituições o engrandecimento da

dignidade humana, a promoção da cidadania, o cumprimento de sua função social, a

valorização e preservação do patrimônio cultural e ambiental, o respeito e a valorização

da diversidade cultural.

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Para tanto, este trabalho dissertativo possui como proposta a criação do Museu

Cultural do Diamante em Igatu que poderá ser organizado em um imóvel do distrito que

contém suas características históricas e culturais. O objetivo deste museu é dispor de um

acervo de objetos ou bens de valor artesanal, histórico, cultural, artístico e/ou científico

que fazem referência a este território, à identidade, à cultura e a memória da sociedade

garimpeira.

Ações para criação do Museu Cultural do Diamante de Igatu:

1. Público alvo:

O Museu Cultural do Diamante será destinado ao público que se interessa pela pesquisa,

estudo, valorização, preservação, contemplação de objetos culturais. Representará a

diversidade cultural, regional, linguística e étnica da Chapada Diamantina e do Brasil.

Estes objetos ou bens culturais dispostos serão identificados e adquiridos conforme

pesquisas realizadas e deverão ser documentados sistematicamente através de registros e

inventários.

2. Financiamento:

O financiamento do museu fica a cargo do poder público, conforme a Lei 11.904 de 14

de janeiro de 2009, mediante um planejamento anual. Isto não impossibilita a buscar

convênios.

3. Acervo:

Os originais e as réplicas referentes aos bens culturais dos museus deverão seguir a

legislação vigente. Assim como o valor cobrado pelo acesso ao museu ou a sua

gratuidade.

4. Gestão:

Os funcionários deverão ser qualificados segundo a legislação vigente. O museu poderá

está vinculado à união, ao estado ou ao município. E sua gestão virá de uma destas

esferas que garantirá o quadro de funcionários qualificados e o cumprimento de suas

finalidades.

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4.1. Seus funcionários deverão assegurar e preservar os objetos culturais do museu

regulando o acesso público.

4.2 Além de assegurar a preservação e valorização da cultura, o museu deverá

apresentar um calendário anual de atividades como exposições, apresentações, oficinas

e cursos com o objetivo de promover a cultura local, assim como ações educativas,

respeito à diversidade cultural e participação da população neste processo de

preservação cultural.

4.3 Conforme a legislação vigente é obrigatoriedade dos museus elaborar o Plano

Museológico contendo o diagnóstico sobre a instituição, a identificação do imóvel e dos

bens culturais, a identificação do público, isto é, a quem se destina o museu, a gestão, as

exposições, as ações educativas e culturais, a forma de financiamento.

4.4 O museu deverá ter um livro contendo a data, localidade, profissão e nome dos

visitantes. Esta estatística é para conhecimento e controle do público que o frequenta.

Acervo do Museu Cultural do Diamante – Igatu, Chapada Diamantina/BA.

O Museu Cultural do Diamante tem a finalidade de recolher, classificar, conservar e

expor elementos característicos da sociedade garimpeira. São objetos de valor histórico

relacionados com a mineração que iniciou em 1844 e finalizou por volta de 1940. O

acervo poderá conter artefatos religiosos, instrumentos de castigos, mobiliário,

partituras de músicas, utensílios do garimpo entre outros. Assim como, objetos

produzidos pela população que represente a cultura, memória e história do garimpo.

Estes objetos foram denominados, neste trabalho, de contemporâneos.

Artefatos religiosos:

A religião, sobretudo a católica, estava presente na sociedade garimpeira e se

manifestava nas celebrações como a Festa do Divino em Andaraí e a de São

Sebastião no distrito de Igatu (realizadas até o momento). Assim como nos

objetos sacros como os santos, esculturas em madeiras, oratórios etc. Há

também artefatos das religiões de origem africana, que está presente na Chapada

Diamantina.

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Instrumentos de castigo:

Houve um período na Chapada Diamantina, assim como em outros lugares no

país, em que predominou o trabalho escravo. Nas lavras diamantinas, negros

escravos que se negavam a trabalhar na mineração ou que eram acusados de

roubo sofriam pesados castigos. Os instrumentos utilizados eram feitos de ferro

devido a sua resistência e peso, a exemplo: o colar de ferro que era preso aos

punhos ou tornozelos, a bola de ferro - uma espécie peso para impedir fugas, o

chicote etc.

O mobiliário:

A mobília presente na habitação popular e nas residências de pessoas de maior

poder aquisitivo era construída basicamente de madeira e couro. Tratava-se de

mesas, cadeiras, bancos etc. Além do mobiliário, o distrito de Igatu no período

de auge da mineração chegou a formar uma filarmônica que tocava músicas da

época nas comemorações sacras e nos festejos mais populares.

Utensílios do garimpo:

São os objetos utilizados por garimpeiros e/ou donos de garimpos como a bateia,

o ralo, os martelos, as peneiras, as balanças, os crivos e os conjuntos de pesos

para medição do diamante etc.

Documentos pessoais, recibos, cartas:

Igatu possui um acervo riquíssimo no que se refere à cartas, documentos

pessoais, escritura mobiliária, recibos e documento topográfico datados do

século XIX e XX. O documento topográfico é de 1932, de uma localidade do

distrito, próxima ao Rio Paraguaçu, denominada de “Come Gente”. A escritura

imobiliária é de 1965, de uma residência no centro urbano do distrito e apresenta

o material usado e a altura da construção, assim como o estilo arquitetônico do

imóvel (CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008)106

.

106Este texto trata-se em inventário patrimonial de Igatu elaborado pelo Centro Cultural Chic Chic, no ano

de 2008, cujo financiamento veio do Programa Banco do Nordeste do Brasil de Cultura.

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Fotografias:

Também compõe o acervo do Centro Cultural Chic Chic (2008) fotografias em

preto e branco que retratam a religiosidade, o cotidiano e os rituais fúnebres de

Igatu durante os séculos XIX e XX.

Partituras:

O acervo conta com 768 partituras pertencentes a Filamônica de Igatu. Possui

canções próprias que homenageiam São Sebastião e os garimpeiros. Destas

partituras, 243 necessitam urgentemente de intervenção, pois seu caráter de

deterioração é crítico (CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008).

Revistas e Jornais:

O inventário possui algumas revistas como O Malho, O Globo, O Cruzeiro,

Carioca, Sul América e Vamos Ler! Os Jornais são O Sertão e A Noite Ilustrada

(CENTRO CULTURAL CHIC CHIC, 2008).

Contemporâneos:

Consistem em réplicas das tocas e ranchos garimpeiros que são elaborados e

vendidos pela população. Nas bonecas e bonecos negros denominados de Catitas

e Mateus. Assim como, nos tecidos bordados e pintados, nos colares de

sementes e na renda de bilro.

Este documento, elaborado pelo Centro Cultural, evidencia que o acervo que

compõe o inventário patrimonial de Igatu necessita de algumas intervenções como

ordenar os documentos para recuperação de dados, dividi-los em categorias e higienizá-

los periodicamente evitando ações de microrganismos. Uma instituição museológica de

caráter público possuiria o local, as condições de armazenamento com temperaturas

adequadas para acondicionar este acervo. Assim como profissionais capacitados para

recolher, classificar, conservar e expô-lo.

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O Museu Cultural do Diamante no circuito Nacional

No ano de 2006 o governo brasileiro criou o Cadastro Nacional de Museus com o

objetivo de interligar as instituições museológicas garantindo visitas frequentes,

conhecimento, melhorias e cultura.

Para está incluso neste cadastro é necessário que a instituição museológica seja sem

fins lucrativos e que seu objetivo consista em conservar, pesquisar, comunicar, expor

para estudo, investigações e contemplação objetos ou coleções de valor histórico,

artístico, científico, técnico ou de outra natureza cultural, abertos ao público, a serviço

da sociedade e de seu desenvolvimento.

Já foram mapeadas 3,4 mil museus no país. Por conta disto o cadastro para novas

instituições está temporariamente suspenso. Mas o pré-cadastro pode ser realizado e

garantindo o funcionamento da instituição.

O Cadastro Nacional de Museus é uma forma de dar destaque à instituição a nível

nacional. É também um instrumento para aprimoramento das políticas públicas

destinadas a estas instituições. Outra forma de promoção dos museus, garantindo

público e conhecimento, é construir sua agenda periódica de eventos ofertando

palestras, oficinas, mostras de filmes, entre outros. É relevante também integrá-lo a

eventos importantes como seminários, congressos, escolas, universidades, etc.

Igatu por constituir um território de história e memória necessita de uma instituição

que exponha, conserve e pesquise objetos que represente a sociedade garimpeira

contribuindo para preservação do patrimônio local. Em Minas Gerais, na cidade de

Diamantina, há o Museu do Diamante que reúne objetos e coleções deste período

econômico. Este museu em conjunto com o Museu Cultural do Diamante de Igatu

poderá formar o sub circuito do diamante.

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7. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tombamento consiste em uma prática relevante de preservação dos bens

patrimoniais do país. É um importante instrumento que garante a manutenção da

história, cultura e memória de uma população e de seu território. Realizado pelo poder

público federal, estadual ou municipal, este ato administrativo, faz parte das políticas

públicas de preservação que impede a destruição ou descaracterização do patrimônio.

Em Igatu, o tombamento pode ser considerado tardio, pois, há quatro momentos

que evidenciam a falta de iniciativas por parte do poder federal, estadual e municipal no

que tange a salvaguarda dos bens do lugar.

O primeiro ocorreu entre os anos de 1939 a 1941 quando o IPHAN executou

pesquisas no distrito, reconhecendo seu valor histórico e cultural. O segundo data de

1969, quando o fotógrafo Rino Marconi foi contratado por um Jornal do Estado para

compor uma matéria sobre o distrito. O processo de decadência de algumas das casas

localizadas no centro urbano do local foi registrado em fotografias. Esta reportagem

evidenciou a urgência de medidas de preservação para com o patrimônio de Igatu.

Já o terceiro é de 1978 e 79, momento em que a Secretária da Indústria e Comércio

da Bahia realizou viagens até o distrito com o intuito de analisar sua arquitetura. Estas

viagens resultaram em um inventário das habitações do centro urbano de Igatu, da Igreja

São Sebastião, dos ranchos e tocas. Estas duas últimas habitações passavam por sérios

problemas de degradação.

E por fim, o quarto momento que evidenciou a falta de organização e de ações por

parte dos Institutos de preservação, data de setembro de 1995, quando a Prefeitura de

Andaraí abriu um processo no IPAC, solicitando o tombamento de Igatu. Este

tombamento estadual ocorreu somente sete anos após a solicitação da prefeitura e 22

anos após a publicação do inventário sobre o distrito, o qual foi elaborado pela

Secretária da Indústria e Comércio da Bahia.

Igatu é considerado um importante sítio arqueológico representante da cultura,

história e memória da mineração diamantina da Bahia. Não há no país sítio com

características e feições iguais as encontradas neste distrito. Após 60 anos do fim do

garimpo, e, sobretudo, devido às deteriorações que estavam ocorrendo, moradores de

Igatu solicitam do IPHAN providências quanto à preservação dos imóveis do local.

As destruições e deteriorações decorriam da recente atividade turística, que trouxe

sérios danos para o lugar. As providências solicitadas pelos moradores referem-se ao

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pedido de tombamento, datado de 1997, com o objetivo de preservar o patrimônio e

cessar a venda de terrenos do distrito para indivíduos de outras localidades, que estavam

causando o desmanche das ruínas para construção de novas moradias.

Após estas iniciativas por parte da comunidade de Igatu, em abril de 1998, o

IPHAN abriu oficialmente o processo de tombamento. Mas a venda de terreno e a

destruição de ruínas permaneceram. Para tanto, este instituto federal solicitou iniciativas

da Superintendência Regional (Salvador) e da Prefeitura de Andaraí, a qual não

apresentou ações com resultados almejados.

Já a Superintendência Regional (Salvador) junto ao Escritório Técnico de Lençóis e

Mucugê enviou a proposta de tombo denominada Igatu - Museu vivo do garimpo. Que

atestava seu valor enquanto patrimônio, bem como a necessidade de preservá-lo. Para

assegurar e fortalecer a salvaguarda algumas ações deveriam ser promovidas no distrito,

segundo a proposta de tombamento, como a criação de centros de pesquisas e museus

(sugestão reforçada nessa dissertação). A proposta de tombamento foi além da

orientação do IPHAN, isto fez com que o instituto federal ampliasse a área tombada.

A atividade turística trouxe movimento para Igatu, visto antes com o garimpo de

diamantes e carbonato. No entanto, passou a ser considerada como a principal

promotora da deterioração do patrimônio do distrito, uma vez que ocorria de forma

aleatória, sem qualquer planejamento. As políticas públicas adotadas até então

promoviam o crescimento desta atividade, mas não atenuava seus danos. Em Igatu, a

primeira edição do Festival de Inverno, por parte do poder local, provocou, por meio de

dinamites, um alargamento da entrada do distrito, para atender um número maior de

turistas no festival. Contudo, tal ação promoveu o cancelamento desta festividade nos

anos seguintes. Voltando a acontecer somente em 2013. As consequências econômicas,

sociais e ambientais do retorno do festival, para a população e o patrimônio cultural do

distrito poderão ser analisadas em outras investigações.

As denúncias sobre a deterioração do local continuaram, assim como os crimes

contra o patrimônio de Igatu. Mas o processo de tombo permaneceu estagnado em

decorrência da imprecisão da poligonal de tombamento elaborada pelo IPHAN. Diante

destes impasses e da falta de resultados, a população acionou o Ministério Público e a

Procuradoria do Estado da Bahia. Estes órgãos pressionaram a Superintendência

Regional (Salvador) e a Prefeitura de Andaraí para que providências fossem tomadas

quanto aos problemas que ocorriam no distrito. Enfim, a poligonal foi definida e o

processo continuou a tramitar no IPHAN.

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Em agosto de 1999, o Instituto Federal de Preservação Patrimonial reuniu seu

conselho consultivo e aprovou por unanimidade o tombamento de Igatu que, em 2000,

foi inscrito em três Livros do Tombo. Ainda que tombado, as denúncias de deterioração

do patrimônio de Igatu permaneceram, promovendo a realização de uma vistoria de

técnicos do IPHAN no local. Estes constataram que havia muitas construções, julgadas

como irregulares, pois destoava dos bens tombados. Diante disto, o IPHAN elaborou

uma cartilha com recomendações para construções e reforma do estilo arquitetônico de

Igatu e a enviou para a Superintendência Regional (Salvador) para que fosse analisada e

endereçada aos moradores do distrito. No entanto, não se conseguiu informações nas

pesquisas realizadas no município de Andaraí sobre esta cartilha, ficando este ponto

para estudos futuros.

No ano de 2003, a Embasa iniciou a construção do sistema de abastecimento de

água de Igatu. Antes das obras desta empresa, a captação foi construída por seus

moradores que encanaram a água diretamente de rios, córregos e nascentes, em geral

localizadas distante do centro urbano a fim de evitar contaminações. A captação de água

construída pelos moradores não representava problemas para o distrito. No entanto, a

falta de tratamento do esgoto doméstico ainda consiste em um transtorno, uma vez que

este é lançado nos rios próximos ao centro urbano, contaminando-os. A Embasa

realizou somente a construção do sistema de abastecimento de água.

Este sistema edificado pela empresa é semelhante ao construído pelos moradores de

Igatu. A água foi canalizada e levada a um reservatório em ambos os casos. A diferença

é que a Embasa promove seu tratamento.

As escavações para edificação do sistema de abastecimento de água de Igatu foram

acompanhadas pelo Centro de Estudos de Ciências Humanas que realizou pesquisas

arqueológicas. Tanto o IPHAN, quanto o IPAC e o Centro de Estudos de Ciências

Humanas orientaram a Embasa sobre as escavações e os restauros das mesmas. A

empresa não cumpriu a maioria das determinações solicitadas. Em alguns lugares o

calçamento original do distrito foi modificado, em outros esta modificação provocou

acúmulo de água nas ruas. Os edifícios construídos pela Embasa, em sua sede, como a

caixa d’água, os tanques de tratamento, o escritório e o muro que define sua área foram

erguidos não respeitando o padrão arquitetônico local.

A Embasa não cumpriu com todas as sugestões dos institutos de preservação.

Assim como descumpriu a determinação de entregar à comunidade o material

encontrado em seu subsolo. A empresa expôs em seu museu todos os achados

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arqueológicos encontrados em Igatu durante as escavações, como moedas, porcelanas,

vidros, metais, elemento fóssil, entre outros. Objetos que referem à cultura, memória e

identidade desta população, portanto, deveria está próximo a seu povo.

Igatu adquiriu notoriedade decorrente de sua riqueza natural e patrimonial o que

promoveu a elaboração de significativos projetos, programas, decretos, leis, isto é,

políticas públicas com o intuito de resguardar e fortalecer a preservação do local. Como

o projeto de consolidação das ruínas Luís dos Santos, financiado pelo Programa

Petrobrás Cultural, a proposta de criação do Parque Urbano de Igatu que envolve

patrimônio, cultura, natureza e lazer cujas ações seriam a construção de museus e

Centro de Referência, bem como o projeto que inventariou o patrimônio de Igatu,

financiado pelo Programa BNB de Cultura, executado pelo Centro Cultural Chic Chic,

no qual foram catalogados documentos como fotografias, revistas, jornais entre outros

referentes ao período do garimpo e de grande relevância para a população local.

Em 2009, sete anos após a homologação do tombamento estadual, o IPAC e a

prefeitura de Andaraí definiram a poligonal da área tombada, que se situa entre

poligonal do IPHAN e a do PNCD. O IPAC realizou também oficinas sobre educação

patrimonial objetivando conscientizar a comunidade de Andaraí e de Igatu sobre a

importância da preservação de seu patrimônio.

Para completar este cabedal de políticas públicas, Igatu foi incluso no programa

federal PAC-Cidades Históricas. Que possuía o intuito de assegurar a preservação

patrimonial atrelando ao crescimento econômico. Os inúmeros objetivos propostos pelo

PAC são semelhantes aos objetivos de outros projetos, programas e planos, já propostos

para Igatu. Mas, como resultados destas ações, foi entregue à população do distrito a

Igreja São Sebastião, o Cemitério e a Praça José Gomes da Silva, estes reformados com

recursos do Plano de Aceleração do Crescimento. Em 1998, constava nos autos do

IPHAN, que esta praça necessitava de uma reforma, para que apresentasse o estilo

arquitetônico do local.

Portanto, compreende-se que o reconhecimento do valor histórico, cultural e

arquitetônico deste território de memória que é Igatu, ainda que tardio, foi e continua

sendo fundamental para a salvaguarda de seus bens patrimoniais. Pois, o distrito possui

uma singular arquitetura, memória, história que guarda feições do período de auge do

garimpo de diamantes do sertão da Bahia, seja pela sua posição geográfica (729 m de

altitude) e/ou pelas ações das políticas públicas de preservação patrimonial. Constata-se

que há muitas proposições para com o patrimônio do distrito. Contudo, diante destas

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propostas apresentadas, a execução das mesmas não se viabiliza, ou seja, percebe-se

uma diversidade de planos de ação, mas pouca execução. Para manter sua memória,

história e valor arquitetônico se faz necessário mais ações do poder público para com o

patrimônio de Igatu, tanto na esfera municipal, estadual quanto na federal. Isto é, é

necessário mais investigações para o aprimoramento das políticas públicas. Bem como,

a participação da população na cobrança das execuções destas políticas.

Os contratempos da pesquisa

Ao propor uma investigação e iniciar sua execução, o pesquisador se defronta com

alguns obstáculos, uns menores e outros de grandes proporções que são responsáveis

por um desenho da dissertação diferente do proposto. O destaque destes obstáculos,

nesta seção da pesquisa é para frisar os problemas externos encontrados na obtenção de

fontes (políticas públicas e documentos históricos) ou em seu acervo.

As políticas públicas que tratam sobre patrimônio existem em grande número, isto

seria uma questão relevante para o pesquisador se não fosse o fato de que estas políticas

encontram-se dispersas em sites na internet tornando seu acesso difícil. Esta dispersão

torna impossível confiar na origem do documento ainda que os nomes indicados na

fonte sejam o poder público.

Seria relevante que tanto o governo federal, quanto o estadual e os municípios

criassem bancos de dados contendo informações sobre as políticas públicas. Este banco

de dados possuiria referências sobre o tema tratado, a data e os objetivos das políticas

públicas. Bem como, a situação atual do documento e o material para consulta e

pesquisa. Isto facilitaria a obtenção e tratamento desta fonte, além de promover o acesso

da sociedade a estes textos.

As políticas públicas sobre patrimônio cultural brasileiro estão reunidas em um

caderno elaborado pela Câmara de Deputados no ano de 2010. Isto facilitou a analise do

documento, pois leis, decretos e programas estavam agrupados em um só material. No

entanto, foi necessário consultar outras fontes e o problema de dispersão as políticas

públicas dificultou sua análise.

Outro obstáculo que esta pesquisa enfrentou foi com relação às fontes reservadas

para consulta no IPHAN. O instituto disponibiliza material xerocado referente ao

processo e à área tombada. Há uma sala separada para consulta e os documentos ficam

guardados por categorias. No entanto, os responsáveis por localizar o documento, em

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meio a muitos processos, não sabiam. Foi necessária muita insistência para que todo

documento referente ao tombo de Igatu fosse fotografado. Alguns textos não estavam

organizados por data, estavam soltos, provavelmente foram anexados após. Havia

documentos citados nos autos do IPHAN que não foram encontrados no processo de

tombamento. Esta falta de organização por parte do Instituto também dificultou a

realização da pesquisa.

Quanto à pesquisa no IPAC, os funcionários localizaram com facilidade parte do

material, até porque estão guardados em uma pasta de papel. Havia outros documentos,

relatórios assinados pelo instituto. No entanto, os funcionários não sabiam informar se

de fato existiam, do que se tratava e que lugar estava. No prédio do IPAC, o lugar

destinado para se realizar a pesquisa é inapropriado, pois não há uma sala reservada, a

obtenção das fostes foram feitas na sala de trabalho dos funcionários em meio à

realização de suas atividades.

Já com relação aos autos da Prefeitura de Andaraí, a dificuldade encontrada foi em

localizar as fontes, saber de fato o que existe e a assim selecionar o material de acordo

com os objetivos da pesquisa. Foram realizados contatos com a Prefeitura e esta

entregou alguns documentos, estes relevantes para a investigação. Mas esta seleção não

foi realizada pelo investigante.

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8. REFERÊNCIAS

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