universidade estadual de campinas instituto de...

164
1 UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ECONOMIA RAFAEL PASTRE REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS PRINCIPAIS AGROINDÚSTRIAS BRASILEIRAS DE SOJA NA REGIÃO CENTRO-OESTE (1994-2014) CAMPINAS 2016

Upload: others

Post on 29-Mar-2021

6 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

1

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RAFAEL PASTRE

REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS PRINCIPAIS AGROINDÚSTRIAS BRASILEIRAS DE

SOJA NA REGIÃO CENTRO-OESTE (1994-2014)

CAMPINAS 2016

Page 2: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

2

UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ECONOMIA

RAFAEL PASTRE

REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS PRINCIPAIS AGROINDÚSTRIAS BRASILEIRAS DE

SOJA NA REGIÃO CENTRO-OESTE (1994-2014)

Prof. Dr. Humberto Miranda do Nascimento – Orientador

Dissertação apresentada ao Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Mestre em Desenvolvimento Econômico, na área de Desenvolvimento Econômico, Espaço e Meio Ambiente.

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA DISSERTAÇÃO DEFENDIDA PELO ALUNO RAFAEL PASTRE E ORIENTADO PELO PROF. DR. HUMBERTO MIRANDA DO NASCIMENTO.

CAMPINAS 2016

Page 3: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

3

Page 4: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

4

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

RAFAEL PASTRE

REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: O PAPEL DAS PRINCIPAIS AGROINDÚSTRIAS BRASILEIRAS DE

SOJA NA REGIÃO CENTRO-OESTE (1994-2014)

Defendida em 29/02/2016

COMISSÃO JULGADORA

Page 5: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

5

AGRADECIMENTOS

Aos meus pais Armando Pastre e Rosângela Salvi Pastre, e meus avós

Francisco Salvi Sobrinho (em memória) e Iracilda Miranda Salvi pelo grande

exemplo de trabalho e honestidade, pelo afeto e por todas as oportunidades que me

ofereceram ao longo da vida.

Aos Professores do Centro de Estudos do Desenvolvimento Econômico -

CEDE, pela amizade e por terem sido mestres na mais ampla concepção da palavra,

em especial ao Prof. Dr. Humberto M. do Nascimento, a quem tive a felicidade de ter

como orientador. A conclusão desse trabalho teria sido impossível sem as soluções,

o direcionamento e a dinâmica propostos pelo Prof. Humberto, ao qual agradeço

adicionalmente pela paciência, confiança e leitura criteriosa do trabalho. Qualquer

erro ou imprecisão persistentes são de responsabilidade exclusiva do autor.

Aos Professores Pedro Ramos e Fernando Macedo pelo companheirismo e

pelas valiosas reflexões compartilhadas ao longo do processo de elaboração dessa

dissertação, dentro e fora do ambiente acadêmico.

Aos demais professores do Instituto de Economia - UNICAMP, representado

pelo prof. Dr. Wilson Cano. Devo a estes mestres grande admiração e

agradecimento por terem contribuído com minha formação e terem me permito uma

melhor compreensão do país em que vivo.

Aos colegas doutorandos e mestrandos do CEDE, núcleo de trabalho e

pesquisa ao qual estive ligado, o registro de agradecimento pelas conversas

descontraídas e debates partilhados. Em especial aos colegas Pietro e Mariana,

contemporâneos de mestrado, e ao colega Marcos Haddad, com o qual compartilhei

as empreitadas mais intensas e divertidas ao longo desses anos de acalorados

trabalhos tendo como objeto a região Centro-Oeste.

À Fabiana, por dar cor e sabor a vida, por me encantar a cada novo encontro

e fazer dele inesquecível, pelo enorme carinho e generosidade com que acolheu os

meus sonhos e pelo esforço em me ajudar a realizá-los. Sem seu amor,

companheirismo e afeto esse caminho teria sido muito mais escuro e tortuoso: “With

your smile so warm/ And your cheeks so soft/ There is nothing for me but to love you/

And the way you look tonight.” Pra sempre a gatinha linda do Finha.

Page 6: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

6

Aos meus amigos, que mesmo à distância, estiveram ao meu lado em todos

os momentos, renovando minhas energias e dando sentido ao esforço e dedicação

com que decidi encarar a tarefa de tentar contribuir minimamente para a construção

de um país mais economicamente desenvolvido e socialmente justo.

À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior- CAPES

esperando que este trabalho possa, de alguma maneira, retribuir ao apoio financeiro

oferecido por esta instituição.

Aos funcionários do IE/UNICAMP, principalmente da Secretaria de Pós-

Graduação, pelo valioso suporte.

Finalmente, a todos que contribuíram direta ou indiretamente para a

concretização deste trabalho.

Page 7: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

7

RESUMO

Nas últimas duas décadas, apesar de um forte movimento de concentração e desnacionalização do capital no ramo de processamento da soja, aumentou o poder econômico e político das grandes corporações brasileiras do setor sobre alguns espaços do território nacional. Mais do que apenas sobreviver em meio a avalanche de capital estrangeiro, expandiram seus negócios para além das tradicionais atividades em que eram especializadas, adotando estratégias pioneiras em termos de abertura de novas opções logísticas, comerciais e3principalmente territoriais, alçando-se à condição de players internacionais. Por essa razão, o objetivo central dessa dissertação é analisar as trajetórias de crescimento das principais corporações brasileiras do complexo soja, os Grupos Amaggi, Caramuru Alimentos e Fiagril em suas respectivas regiões de atuação. Constatou-se que sua importância vai além de seus pesos como compradores e vendedores no mercado, tendo sido responsáveis pela elaboração de uma série de arranjos e estratégias tanto empresariais, quanto espaciais, decisivas para que a soja brasileira alcançasse a projeção que tem hoje. Partiu-se do princípio de que uma trajetória envolve fatores próprios às empresas e fatores que lhe são externos, que, conjugados, definem o ritmo e a intensidade de seu crescimento. Por isso, além de destacar aquilo que aproxima e diferencia esses grupos, a análise de suas estratégias de crescimento considerou o espaço como elemento integrante da própria análise. A integração vertical e a diversificação geográfica e/ou horizontal promovida por esses grupos emergiram de arranjos de interesses passíveis de delimitação, quer pelas regiões nas quais atuam, quer pelos setores de atividade por ele controlados. Vinte e seis entrevistas semi-estruturadas foram realizadas nos Estados de Mato Grosso, Goiás e Distrito Federal com os produtores rurais, gerentes de fazenda, motoristas de caminhão, membros do governo, representantes de empresas, sindicatos, associações e cooperativas. Identificou-se por parte desses grupos uma elevada capacidade de exercer o controle sobre uso e ocupação não só do solo, como também das instituições, principalmente no Mato Grosso, tornando possível tanto relacionar as trajetórias espaciais ao processo histórico de organização e reorganização desses grupos, como concluir que o monopólio exercido por essas corporações, centralizado em porções específicas do território centro-oestino, foi decisivo para alçar essas empresas à condição de players internacionais.

Palavras-chave: Grande Empresa; Transformações produtivas regionais; Complexos Agroindustriais;

Page 8: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

8

ABSTRACT In the last two decades, despite a strong movement of concentration and denationalization of capital in the soybean processing industry, it was increased the economic and political power of the big Brazilian soybean corporations on some areas of the country. More than just survive amid the avalanche of foreign capital, its expanded their businesses beyond traditional activities that were specialized, adopting pioneering strategies in terms of opening new logistics, commercial and mainly territorial options, raising to the status of international players. Therefore, the main objective of this dissertation is to analyze the growth trajectories of the main Brazilian soy complex corporations, Amaggi Group, Caramuru and Fiagril in their respective operating regions. It was found that its importance goes beyond their weights as buyers and sellers in the market, having been responsible for developing arrangements and strategies, business and spatial, decisive to Brazilian soybean reached the projection it has today. This work understand that a trajectory involves factors inherent to the company and factors that are external, which, together, define the pace and intensity of its growth. Therefore, in addition to highlighting what approach and differentiates these groups, the analysis of their growth strategies considered space as an integral element of the analysis itself. The vertical integration and geographic diversification and / or horizontal promoted by these groups emerged from interest’s arrangements subject to delimitation, by the regions in which they operate, either through sectors controlled by him. Twenty-six semi-structured interviews were conducted in Brazilian States of Mato Grosso, Goiás and the Federal District with rural producers, farm managers, truck drivers, government members, business representatives, trade unions, associations and cooperatives. It was identified a high ability by these groups to exercise control over the use and occupation not only of the land, but also of the institutions, especially in Mato Grosso, making possible to relate both, the spatial trajectories to the historical process of organization and reorganization of these groups, as conclude that the monopoly exercised by these corporations, centered on specific middle-west territory portions, were decisive for these companies raise to status of international players. Keywords: Large Company; Regional Productive Transformations; Agro-industrial Complex;

Page 9: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

9

LISTA DE TABELAS PÁGINA

TABELA 1 – EXPORTAÇÕES, IMPORTAÇÕES SALDO DO COMÉRCIO EXTERIOR DE MANUFATURADOS E TOTAL ................................................................. 15

TABELA 2 – CAPACIDADE INSTALADA DE PROCESSAMENTO ................................ 54

TABELA 3 – PRINCIPAIS EMPRESAS EXPORTADORAS – MATO GROSSO 2004-2010 ............................................................................................................... 60

TABELA 4 – PRINCIPAIS EMPRESAS EXPORTADORAS – GOIÁS 2004-2010 ............. 61

TABELA 5 – EXPORTAÇÕES MUNDIAIS DO COMPLEXO SOJA 1961-20011 .............. 63

TABELA 6 – NOVAS UNIDADES DE ROCESSAMENTO DE SOJA EM MT E GOIÁS (EMPRESAS SELECIONADAS) .............................................................................. 65

TABELA 7 – MAIORES EMPRESAS DE AGROBUSINESS NO BRASIL 2008-2009 ................................................................................................................................ 70

TABELA 8 - MAIORES EMPRESAS EXPORTADORAS DO BRASIL 2014 ..................... 74

TABELA 9 – RENÚNCIAS FISCAIS EM PERCENTUAL DA ARRECADAÇÃO 2008 (ESTADOS SELECIONADOS) .................................................... 118

TABELA 10 – MÉDIA DE EXPORTAÇÕES IN NATURA SOBRE PRODUÇÃO TOTAL DE SOJA ................................................................................................................... 119

TABELA 11 – MOVIMENTAÇÃO DE CARGAS NA HIDROVIA TIETÊ PARANÁ TRAMO NORTE 2009 ......................................................................................... 125

LISTA DE GRÁFICOS PÁGINA

GRÁFICO 1 – EVOLUÇÃO DOS RECURSOS OFICIAIS PARA CRÉDITO RURAL ................................................................................................................................... 39

GRÁFICO 2 – EVOLUÇÃO DA ÁREA PLANTADA SUL X CO ....................................... 40

GRÁFICO 3 – EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE SOJA NO CO (1990-1994) .................. 41

GRÁFICO 4 – EXPORTAÇÕES DO COMPLEXO SOJA (1990-1994) ............................... 42

GRÁFICO 5 – ÁREA PLANTADA X QUANTIDADE PRODUZIDA (MATO GROSSO 1990-2014) ................................................................................................ 82 GRÁFICO 6 – ÁREA PLANTADA X QUANTIDADE PRODUZIDA (SUL GOIAN 1990-2014) ..................................................................................................... 120

GRÁFICO 7 – MOVIMENTAÇÃO DE CARGA DA CARAMURU NA HIDROVIA TIETÊ PARANÁ .............................................................................................. 124

Page 10: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

10

LISTA DE FIGURAS PÁGINA

FIGURA 1 – EXPORTAÇÃO: TRIBUTAÇÃO DO ICMS ANTES E DEPOIS DA LEI KANDIR.................................................................................................................... 48

FIGURA 2 – PARTICIPAÇÃO NO ESMAGAMENTO POR EMPRESA (1995- 2005) ....................................................................................................................................... 50 FIGURA 3 – CAPACIDADE DE ESMAGAMENTO DE SOJA NO BRASIL POR TAMANHO DE PLANTA ENTRE 1997 E 2009 .......................................................... 51

FIGURA 4 – COTAÇÃO DA SOJA (LOCALIDADES VARIADAS) ................................... 53

FIGURA 5 – F&A NO SETOR DE FERTILIZANTES (1996-2000) ..................................... 68 LISTA DE MAPAS PÁGINA

MAPA 1 – EM DESTAQUE MESORREGIOA DO SUL GOIANO ...................................... 64

MAPA 2 – PRODUÇÃO DE SOJA NO MATO GROSSO (1990-2002) ............................... 88

MAPA 3 – EVOLUÇÃO DA PRODUÇÃO DE SOJA EM GOIÁS ENTRE 1990 E 2002 .......................................................................................................................... 115 LISTA DE QUADROS E FIGURAS NO ANEXO PÁGINA

ANEXO A – LISTA DE ENTREVISTAS ..............................................................................142 ANEXO B - EVOLUÇÃO DAS OPERAÇÕES COMPROMISSADAS DE COMPRA E VENDA FUTURA DE COMMODITIES DA FIAGRIL ................................. 144

ANEXO C - DEMONSTRAÇÕES DE RESULTADO E DO ATIVO FIAGRIL 2010-2011 .............................................................................................................. 145

ANEXO D - DEMONSTRAÇÕES DE RESULTADO CARAMURU (2010-2014) .............147

Page 11: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

11

LISTA DE SIGLAS ABIOVE - Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais ALL - América Latina Logística ANP - Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis APROSOJA - Associação dos Produtores de Soja de Mato Grosso APROSOJA/MT - Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso BRICS - Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul CADE - Conselho Administrativo de Defesa Econômica CAIS - Complexos Agroindustriais COACEN – Cooperativa Agropecuária e Industria Celeiro Norte CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento CPR - Cédula de Produto Rural EMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária F&A – Fusões e Aquisições FAMATO - Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso FAOSTAT - Divisão de Estatísticas da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação ICMS - Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços IDE - Investimento Direto Estrangeiro IMEA - Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária MAPA - Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento MDA - Ministério do Desenvolvimento Agrário MATOPIBA - Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia NPK – Nitrogênio, Potássio e Fósforo PAM - Produção Agrícola Municipal PGPM - Política de Garantia de Preços Mínimos PIA - Pesquisa Industrial Anual PIN - Plano de Integração Nacional PNPB - Programa Nacional de Produção e Uso do Biodiesel POLOCENTRO - Programa de Desenvolvimento dos Cerrados PRODEAGRO - Programa de Desenvolvimento Agroambiental do Estado de Mato Grosso PRODECER - Programa de Cooperação Nipo-Brasileiro para o Desenvolvimento do Cerrado SEAF - Seguro da Agricultura Familiar SIDRA - Banco de Dados Agregados do IBGE SNCR - Sistema Nacional de Crédito Rural TGG - Terminal Graneleiro de Grãos UFMT – Universidade Federal do Mato Grosso USDA - Departamento de Agricultura dos Estados Unidos WWF - World Wild Fund

Page 12: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

12

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ....................................................................................................................... 1 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA ....................................................................................... 8

CAPÍTULO 1 – REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: CONSEQUÊNCIAS SOBRE A REESTRUTURAÇÃO DO SISTEMA AGROINDUSTRIAL .....................................................................................11 1.1 COMÉRCIO EXTERIOR E A TESE DA “REPRIMARIZAÇÃO” DA PAUTA EXPORTADORA .................................................................................................................... 11 1.2 MUNDIALIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA, TRANSFORMAÇÕES NO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA ............................................................... 17

1.2.1 TRANSFORMAÇÕES NA ECONOMIA BRASILEIRA PÓS 1980: DO CAPITAL FINANCEIRO À ECONOMIA DO AGRONEGÓCIO................................... 18 1.2.2 GLOBALIZAÇÃO DOS MERCADOS E A POSIÇÃO DAS AGROINDUSTRIAIS DE SOJA NACIONAIS..................................................................................................... 23

1.3 TERRITORIALIZAÇÃO DAS AGROINDÚSTRIAS: TERRITORIALIZAÇÃO DOS MONOPÓLIOS E MONOPOLIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS ............................ 30

CAPÍTULO 2 – EVOLUÇÃO DO MERCADO BRASILEIRO DE SOJA: DESEMPENHO DAS AGROINDÚSTRIAS NACIONAIS VERSUS

ESTRANGEIRAS ................................................................................................................. 38 2.1 A ABERTURA DA ECONOMIA BRASILEIRA E A AGROINDÚSTRIA DA SOJA NOS ANOS 1990 .......................................................................................................... 38 2.2 O PERÍODO 1994-1999 .................................................................................................... 45 2.2.1 A NOVA REGIONALIZAÇÃO DAS ESMAGADORAS DE SOJA ...................... 52 2.3 DO BOOM DE DEMANDA EXTERNA À HEGEMONIA DO CAPITAL ESTRANGEIRO ..................................................................................................................... 56 2.3.1 OS ANOS 2000 ........................................................................................................ 57 2.3.2 O PERÍODO 2010-2014 ........................................................................................... 72

CAPÍTULO 3 – TERRITÓRIOS CORPORATIVOS: AS ESTRATÉGIAS EMPRESARIAIS DOS PRINCIPAIS GRUPOS NACIONAIS DO CENTRO-OESTE 78

3.1 O GRUPO MAGGI E A REGIÃO DO PARECIS-MT ..................................................... 79 3.1.1 O DESENVOLVIMENTO DO MODELO DE NEGÓCIOS ................................... 84 3.1.2 VERTICALIZAÇÃO E INTERNACIONALIZAÇÃO ............................................ 92 3.2 A FIAGRIL E A REGIÃO DO ALTO DO TELES PIRES-MT ......................................... 94

3.2.1 O DESENVOLVIMENTO DO MODELO DE NEGÓCIOS ................................... 98 3.2.2 VERTICALIZAÇÃO E O BOOM DE CRESCIMENTO ....................................... 103

3.3 A CARAMURU E O SUL GOIANO .............................................................................. 112 3.3.1 O DESENVOLVIMENTO DO MODELO DE NEGÓCIOS .................................. 121 3.1.2 VERTICALIZAÇÃO E O BOOM DE CRESCIMENTO ......................................... 130

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................. 135

REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 142

ANEXOS ............................................................................................................................... 146

Page 13: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

1

1

INTRODUÇÃO

A economia brasileira explorou na primeira década deste século um projeto

de desenvolvimento, ora denominado de neodesenvolvimentista, ora de social-

desenvolvimentista, que se apoiava no argumento das vantagens comparativas

naturais das terras, águas, minas e campos petroleiros, acentuando a importância

do segmento ‘primário-exportador’.

Principalmente a partir de 1999, inicia-se um ciclo de expansão das

exportações, com destaque para o período entre 2003 e 2011, no qual se expande

continuamente o valor das exportações primárias brasileiras, em virtude do ciclo de

elevação internacional do preço das commodities. Ao longo desses nove anos, a

participação do Brasil nas exportações mundiais saiu de 1% para alcançar o pico de

1,43% em 2011. A participação média nas exportações mundiais nesse período foi

de 1,2%, contra uma média 0,94% nos nove anos anteriores (1994-2002). Isso

permitiu uma maior inserção da economia brasileira, que elevou sua participação

média no comércio exterior para 1,15% contra 0,88% no período anterior.

Partindo da ótica do fator agregado, verifica-se que o crescimento médio das

exportações de produtos básicos foi de 23% a.a. A de semielaborados foi de 18%

a.a., contra 13,5% a.a. nos manufaturados. Isso fez com que a participação dos

básicos e semimanufaturados na pauta de exportações chegasse a 63,7%. Em

2007, pela primeira vez desde 1980, a exportação de produtos básicos e

semimanufaturados superou a exportação de produtos manufaturados, situação que

se repete desde então, com o avanço ainda maior nos produtos básicos, que em

2014 chegaram a sua maior participação desde 1978, quando o volume era de

48,7%.

Esse aumento na exportação de produtos de baixo valor agregado provocou

discussões sobre a possível “reprimarização” da economia brasileira. Ainda em

2003, Gonçalves (2003) já apresentava dados para os anos noventa a fim de

argumentar a respeito do movimento de reprimarização: a participação do Brasil no

comércio mundial de produtos agrícolas aumentou de 2,43% em 1990-94 para

2,92% em 1995-98, mesmo antes da mudança no sentido da política economia

ensejado pela crise cambial.

Page 14: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

2

2

Tal orientação pode ser atribuída, por um lado, ao ajuste iniciado na década

de oitenta, como enfrentamento aos problemas de financiamento do antigo padrão

de acumulação que culminou com a crise da dívida externa que aprofundou o

processo de orientação da estrutura produtiva do país para o mercado externo. Por

outro, é resultante da maneira como a economia brasileira se insere no contexto do

novo padrão de desenvolvimento capitalista global marcado por mudanças

profundas no sistema monetário e financeiro, na concorrência intercapitalista e no

paradigma tecnológico.

Sob a inspiração de políticas que acentuaram o peso do mercado na

organização da economia - abertura comercial, desnacionalização e privatização - a

formatação de novas relações Estado-Mercado buscaram restringir a ação do

primeiro, reduzindo-se o raio de ação para políticas seletivas. Desnacionalização e

privatização reduziriam os centros internos de decisão da economia, transferindo

para o exterior ou para a iniciativa privada instrumentos importantes para promoção

de um projeto nacional de desenvolvimento.

Por outro lado, ao nos debruçarmos sobre o desempenho das principais

empresas agroexportadoras, pode-se afirmar que o Brasil ampliou sua inserção nas

cadeias agroalimentares e fez frente ao boom de demanda externa provocado pelas

profundas transformações no mercado agroalimentar, sobretudo puxadas pela Ásia,

graças, em grande medida, ao enorme êxito das empresas líderes do setor, que

atuam fortemente no Brasil após 1994, estabelecendo arranjos de governança que

lhes foram favoráveis ao longo de toda cadeia, minimizando seus custos de

transação, fortalecendo suas posições hierárquicas, ao mesmo tempo em que

subsidiaram a enorme ampliação do agronegócio brasileiro.

Em nossas pesquisas, verificou-se que, além de concretização das

estratégias individuais, essas empresas agroindustriais desenvolveram parcerias

que expandiram ainda mais seu poder sobre a produção agropecuária e o controle

das relações com os produtores rurais. Para ambas as partes esse vínculo foi

estratégico, pois foi por meio dele que aumentou sobremaneira a área agricultada

nos biomas amazônico e cerrado e os controlaram-se custos, assegurando-se

previsibilidade na qualidade e na quantidade de matéria-prima. Difundiram-se

rapidamente as inovações tecnológicas e seus custos de transação foram

minimizados, o que fortaleceu suas posições hierárquicas e ampliou seus escopo e

Page 15: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

3

3

capacidade de investimento.

Nesse processo ganha relevância a soja e as empresas atuantes no setor,

devido à expressiva envergadura desse cultivo no agronegócio nacional, conforme

atestam sua dimensão produtiva (80,7 milhões de toneladas produzidas em 2014),

territorial (30,3 milhões de hectares plantados em 2014) e comercial. Em 2014, com

a queda no valor do minério de ferro, o complexo soja - grão, farelo e óleo - tornou-

se o principal produto da pauta de exportações brasileira representando 14% do

valor total.

Por isso distinguimos o mercado em torno da oleaginosa, produto específico

analisado neste trabalho. Sobre essa questão, identificamos vasta literatura a

respeito do protagonismo exercido nesse processo por quatro grupos empresariais

estrangeiros, num contexto de globalização dos mercados agroalimentares: ADM,

Bunge, Cargill e Dreyfus, vulgarmente conhecido como grupo ABCD.

No Brasil, as empresas multinacionais ascenderam rapidamente à condição

de maiores exportadoras do agronegócio. Das dez maiores exportadoras em 2014,

seis são de capital estrangeiro. Segundo a Revista Exame1, para o mesmo ano,

quatro delas estão entre as oito empresas de maior faturamento.

Entretanto, o forte processo de concentração econômico-produtiva e de

desnacionalização do capital no setor, vinculado ao movimento mais geral de

liberalização da economia brasileira na década de 1990, não impediu o enorme

crescimento de importantes grupos nacionais como os Grupo Amaggi, Caramuru e

Fiagril, que além das originárias atividades mercantis, iniciaram ou expandiram seus

investimentos na agroindustrialização, adotando estratégias pioneiras em termos de

abertura de novas opções logísticas, comerciais e principalmente territoriais -

movimentos que as tradings internacionais passariam a imitar.

Com essa dimensão assumida pela soja e pela trajetória dos capitais

relacionadas a ela no Brasil, o debate da coordenação das cadeias permeou os

estudos sobre o tema e permitiu identificar o elo que provocou a dinamização do

setor e a sua governança.

Wesz Junior(2011) reuniu elementos que apontam o segmento das unidades

de processamento como o responsável pela coordenação da cadeia produtiva,

passível de verificação através das estatísticas de concentração do processamento

1 < http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/as-40-maiores-exportadoras-brasileiras-de-2014 >. (Acesso em: 30 set 2015)

Page 16: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

4

4

e exportação da oleaginosa. Segundo Wesz Junior (2011), a Bunge, Cargill, ADM,

Dreyfus e Amaggi dominam: 50% da capacidade de esmagamento da oleaginosa;

65% da produção nacional de fertilizantes; 80% do volume de financiamento liberado

pelas tradings ao cultivo do grão; 85% da soja produzida no país; 95% das

exportações in natura da soja brasileira; e 8,1% das exportações nacionais.

Nessa perspectiva, a agroindústria processadora apresenta enorme potencial

para “imprimir sentido e direção ao comportamento dos diversos agentes

econômicos, direta ou indiretamente envolvidos com o setor, transformando-se

assim na base de novas articulações das relações de produção” (MAZZALI, 2000, p.

12). Portanto, segundo a literatura, as empresas agroalimentares de beneficiamento

e processamento são os agentes líderes de maior relevo na governança das cadeias

produtivas, comandando as transformações na agricultura, ditando o seu ritmo de

expansão, agregando valor ao produto primário e, principalmente, alavancando as

transformações nos padrões de produção e de competitividade do setor (Benetti,

2004).

Para ampliar seu poder sobre as diferentes etapas da cadeia produtiva, estas

corporações realizam joint ventures em áreas onde não possuem grande presença,

como é o caso da inserção no setor de sementes e defensivos. Além de possibilitar

uma integração vertical mais completa, as vendas intra-empresas permitem reduzir

os custos na aquisição dos produtos através da negociação entre pares, extrair o

potencial produtivo e econômico de cada nação e circular entre elas os diferentes

produtos, bem como eliminar intermediários por meio da atuação de uma mesma

empresa em diferentes ramos e países e amortecer os custos de transação, além de

diminuir o preço de venda dos seus produtos em relação aos concorrentes.

Por essas diversas razões, as agroindústrias, ou mais especificamente

as principais agroindústrias de capital nacional, serão objeto de nosso estudo.

Identificou-se ao longo dessa pesquisa que os arranjos de governança

desenvolvidos pelas multinacionais para operar no Brasil contaram com a

participação ou mesmo foram idealizados por frações de capitais nacionais,

suplantados pela capacidade de alavancagem das filiais das multinacionais que

aportaram fortemente no Brasil a partir de meados da década de 1990. Ainda assim,

a despeito do forte movimento de concentração e desnacionalização do capital

provocado por elas no ramo de processamento da soja, aumentou o poder

Page 17: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

5

5

econômico e político das grandes corporações nacionais do setor sobre alguns

espaços do território nacional, devido principalmente aos arranjos de economia

política e ao controle que exerciam sobre o território, os quais alavancaram as

estratégias desses grupos nos espaços de influência, as quais se mostraram

altamente funcionais aos interesses das multinacionais.

O que ocorreu foi a soldagem da relação entre o capital nacional e o

estrangeiro, que há muito tempo apresentam-se entrelaçados, pelo processo de

mundialização em patamar econômico e político distinto. O movimento de fusões e

associações que ocorrem atualmente no agronegócio no Brasil auxiliou inclusive na

figuração dessas empresas nacionais do agronegócio entre as maiores empresas

mundiais de seus respectivos setores.

Do ponto de vista espacial, as atividades ligadas ao exterior agiriam de forma

decisiva na organização do território devido à necessidade de adaptá-lo às

exigências da compressão tempo-espaço impostas pela nova geografia econômica

que integraria umbilicalmente o Brasil à economia mundial neste início de XXI. Esse

processo reflete a relocalização de empresas direcionadas para regiões fora do core

industrial do país, na busca por acompanhar a dinâmica do mercado externo, devido

ao crescimento generalizado do terciário que acompanha a urbanização extensiva.

Essa urbanização, segundo Miranda (2013), surge como um “implante” no meio

desse mar de lavouras favorecedor do escoamento dessa produção. Tal espaço

concentra importantes estruturas logísticas, técnicas e informacionais voltadas para

a produção no meio rural, que internamente se desdobra e propicia novas conexões

entre as produções regionais voltadas ao mercado externo, contribuindo para a

reestruturação do território.

Como demostrou Macedo (2010), a região Centro-Oeste é a que melhor

sintetiza o esforço de inserção comercial do país e a forma como as modernas

atividades modificaram o território, ainda mais aceleradamente quando passam a ser

comandadas por grandes empresas globais, adaptando-o a suas necessidades de

acumulação. No prazo de uma década, o Centro-Oeste viu redefinida sua inserção

na geografia econômica (interna e externa) pela substituição de antigas atividades

baseadas em subsistência e na economia natural por modernas produções do

agronegócio internacionalizado. Com isso, promoveu-se também completa

Page 18: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

6

6

redefinição do uso e da ocupação do solo (rural e urbano). Por consequência, sua

organização espacial foi orientada.

Além disso, é uma região onde a “mundialização da agricultura”, tal como

descrita por Oliveira (2012), se manifesta de forma emblemática através dos

processos de territorialização dos monopólios ou monopolização dos territórios,

palco do controle econômico-territorial exercido pelas frações de capitais nacionais

ligados à soja. Poder este que se manifesta de forma concreta na influência sobre o

sistema de crédito público, no mercado de terras e nas cadeias agroindustriais

articuladas pelas políticas econômicas de Estado como espaço de acumulação de

capital e que se personifica na figura das principais empresas nacionais de

processamento de soja. Esse processo, do ponto de vista da acumulação de capital,

tem caráter de pacto de economia política, e é fundamentado na organização dos

interesses hegemônicos de classes sociais no interior do aparelho do Estado.

A estratégia de acumulação de capital no espaço do agronegócio retorna com

força nos anos 2000 com o boom do comércio exterior e a atuação das tradings

internacionais, mas nunca deixou de estar presente no horizonte das frações do

capital atuantes no Centro-Oeste.

A Região Centro-Oeste tem respondido por parcelas cada vez maiores das

exportações brasileiras, tendo como base a produção das commodities agrícolas. A

expansão da fronteira agrícola e os avanços tecnológicos nos últimos anos

permitiram o crescimento da agropecuária altamente tecnificada, responsável pela

elevação do Produto Interno Bruto (PIB) nacional no setor, com destaque para os

grãos e a pecuária bovina. A força do agronegócio, que a firmou como fornecedora

de produtos primários, fez a região ser responsável por mais de 43% da produção

de grãos do país em 2013.

Só a safra da soja resultou em mais de 35 milhões de toneladas, algo

correspondente a 53% da produção total – segundo a Produção Agrícola Municipal

de 2013, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Os índices de

produtividade na produção de grãos também são superiores à média nacional –

possível resultado da crescente intensidade do capital aplicado à produção e da

ação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Além disso, a

região é líder no abate bovino, com quase 40% do abate total em peso – também

segundo a Produção Pecuária Municipal de 2012, do IBGE. Os índices de

Page 19: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

7

7

produtividade na produção de grãos também são superiores à média nacional –

possível resultado da crescente intensidade do capital aplicado à produção e da

Embrapa.

Existe um grupo de cidades que se destaca por ser locus principal de atuação

dos principais grupos nacionais de esmagamento e comercialização de soja e

derivados. Dentre elas, podemos destacar a região de Sapezal-MT, onde a Amaggi

inicia sua consolidação decisiva como gigante do agronegócio brasileiro. A região de

Rio Verde-GO, na qual a Caramuru Alimentos contava com investimentos

estratégicos que lhe possibilitaram estabelecer estratégias alternativas de logística e

comercialização, bem como alianças e parcerias com grupos estrangeiros

fortalecedores de sua inserção global e capacidade de promover investimentos e

ainda a microrregião do Alto do Teles Pires, onde a Fiagril concentra seus

investimentos estratégias e suas articulações político institucionais.

Esta última, composta por nove cidades (Ipiranga do Norte, Itanhangá, Lucas

do Rio Verde, Nobres, Nova Mutum, Nova Ubiratã, Santa Rita do Trivelato, Sorriso e

Tapurah) e localizada em sua maior parte no eixo da BR-163, é responsável por ¼

da produção de soja e 1/3 da produção de milho do Mato Grosso2. Sorriso e Nova

Mutum são as duas maiores produtoras do Estado. Sozinhas respondem por 12% da

produção estadual de soja e 16% da produção de milho.

Para os objetivos específicos desse trabalho, naquilo que se refere à

microrregião do Alto do Teles Pires, três cidades merecerão maior atenção, as

cidades de Lucas do Rio Verde, Nova Mutum e Sorriso. Em especial a primeira

delas, devido à grande capacidade instalada de processamento de grãos, alvo de

importantes investimentos das empresas selecionadas e sede estratégica de

algumas das maiores empresas nacionais do agronegócio, incluindo as gigantes do

complexo de carnes – integradas ao negócio de grãos -, além de ser o centro de

algumas das principais articulações políticas recentes em torno da produção e

agroindustrialização no Brasil.

Portanto, o principal objetivo deste trabalho é analisar as transformações

pelas quais passou a agricultura brasileira no período 1994-2014, considerando em

particular as características das atividades e das estratégias agroeconômicas

empreendidas pelas corporações agroindustriais nacionais atuantes nos municípios

2 IBGE: Pesquisa Agrícola Municipal, Brasília, 2014.

Page 20: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

8

8

das regiões do Parecis e Alto do Teles Pires, situados no Estado do Mato Grosso, e

da mesorregião do Sul Goiano, em Goiás.

Objetivos específicos:

• Caracterizar e mostrar a evolução das atividades dos grupos

agroindustriais diante das alterações da política macroeconômica e da

política comercial brasileira;

• Analisar os impactos econômico-espaciais das corporações nacionais

Amaggi, Caramuru e Fiagril (Grupo ACF) e estrangeiras (Grupo ABCD), a

partir das estratégias de expansão produtivo-espaciais por elas utilizadas.

• apresentar e discutir a atuação das três corporações agroindustriais

brasileiras, em suas respectivas áreas de influência, considerada a lógica

da atuação corporativa na ocupação de solo tanto pela expansão da

produção de grãos e produção frigorífica quanto pela instalação de

empreendimentos logísticos e de infraestrutura urbana.

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Esta dissertação é parte integrante de um esforço coletivo de pesquisa da

equipe multidisciplinar composta por pesquisadores da Universidade federal de

Goiás, da Pontifícia Universidade Católica de Goiás e da Universidade Estadual de

Campinas em torno do projeto NOVAS DETERMINAÇÕES PRODUTIVAS,

REGIONAIS E URBANAS NA ÁREA DO CERRADO BRASILEIRO: UMA

AVALIAÇÃO SOBRE OS EFEITOS DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA

RODOFERROVIÁRIAS NA INTEGRAÇÃO REGIONAL, financiado pela CAPES em

convênio com o ministério da Integração através do Edital Pró-Integração nº 55/2013

Para a elaboração deste trabalho utilizou-se um amplo conjunto de

procedimentos e técnicas de pesquisa de natureza qualitativa e quantitativa.

Inicialmente, realizou-se a revisão bibliográfica em documentos, Livros, Teses e

Dissertações que discutem a agricultura, o mercado da soja, a infraestrutura e a

urbanização do Centro-Oeste.

Também foi realizada periodicamente a análise documental nos relatórios,

boletins informativos e publicações das empresas a envolvidas com a cadeia

Page 21: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

9

9

produtiva da soja. Além disso, foram pesquisadas organizações de representação

das firmas (Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais/Abiove), dos

agricultores (Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso/Aprosoja-

MT, Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de Mato Grosso/Famato,

Confederação Nacional da Agricultura/CNA, Fundação Mato Grosso) e dos

Transportadores (Confederação Nacional dos Transportes/CNT). Tal instrumento

permitiu a obtenção de dados sobre a estrutura de funcionamento do mercado da

soja e as estratégias desenvolvidas pelos agentes e a compreensão dos tipos de

interação entre os diferentes elos da cadeia produtiva e os interesses defendidos de

parte a parte.

Para complementar essas informações, analisaram-se materiais midiáticos,

especialmente jornais (Valor Econômico, Folha de São Paulo e Estadão, além dos

mato-grossenses) e revistas (Anuário Exame, Globo Rural, Agroanalysis e Dinheiro

Rural).

Outro importante recurso metodológico utilizado foram os dados estatísticos,

os quais apresentam o panorama geral da cadeia produtiva, da área estudada, dos

produtores e das empresas. Os dados foram coletados, sobretudo, nos Censos

Agropecuários/IBGE, Censos Demográficos/IBGE, PAM/IBGE (Produção Agrícola

Municipal), Série Safras e estatísticas de armazenagem da Conab (Companhia

Nacional de Abastecimento), Secex (Estatísticas do Comércio Exterior), IMEA

(Instituto Mato Grossense de Economia Agropecuária), Abiove (Associação

Brasileira de Indústrias de Óleos Vegetais), e FAOSTAT (Divisão de Estatísticas da

Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).

Finalmente, foram empreendidas entrevistas semiestruturadas com uma série

de agentes envolvidos na gestão pública e na produção, movimentação e

comercialização da soja no Centro-Oeste, levadas a cabo nas Microrregiões do Alto

Teles Pires e Sinop (Mato Grosso) na mesorregião do Sul Goiano, e nas Capitais do

Distrito Federal, Mato Grosso e Goiás. A primeira pesquisa de campo foi realizada

entre 02 e 23 de janeiro de 2015. A segunda ocorreu entre os dias 15 e 18 de julho.

As duas pesquisas de campo possibilitaram o acesso a amplo conjunto de

informações com produtores rurais, gerentes de fazenda, caminhoneiros, membros

do executivo, representantes das empresas, poder público, organizações sindicais,

Page 22: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

10

10

associativas e cooperativas. Utilizou-se parte dessas informações nesta dissertação.

A relação de entrevistados encontra-se nos anexos.

Finalmente, optou-se pela construção da dissertação em quatro capítulos,

além dessa introdução. O primeiro capítulo apresenta as consequências do

surgimento da moderna agricultura tecnificada, dos monopólios internacionais nas

cadeias agroalimentares, das escolhas de política macroeconômica e da política

comercial brasileira no período 1994-2014 sobre o sistema agroindustrial. O

segundo capítulo lança luz às consequências desses fenômenos sob o recorte

específico da agroindústria sojífera, comparando o desempenho das empresas de

capital nacionais e as estrangeiras. No terceiro capítulo identificaram-se razões e

estratégias que contribuíram para que as empresas nacionais obtivessem o

desempenho verificado, consideradas, em particular, as estratégias espaciais

desenvolvidas nos municípios das regiões do Parecis e Alto do Teles Pires, situados

no Estado do Mato Grosso, e da mesorregião do Sul Goiano, em Goiás. O quarto e

último capítulo apresenta algumas conclusões acerca do que foi discutido ao longo

da dissertação.

Page 23: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

11

11

CAPÍTULO 1 - REPRIMARIZAÇÃO DO DESENVOLVIMENTO: CONSEQUENCIAS SOBRE A REESTRUTURAÇÃO AGROINDUSTRIAL O objetivo deste capítulo é empreender a revisão, em grandes traços, das

transformações da economia, e mais especificamente da agricultura brasileira nos

últimos 20 anos, período em que se articula e relança a estratégia de geração de

saldos comerciais a partir da exportação de produtos básicos. O capítulo se divide

em três seções. Na primeira, apresenta-se o desempenho do comércio exterior

brasileiro no período e o surgimento da tese da Reprimarização da Pauta

Exportadora. Na segunda seção são recuperadas as transformações pelas quais

passa a agricultura brasileira no contexto de abertura comercial e de mundialização

dos mercados agroalimentares. Na terceira seção identifica-se a expressão espacial

dessas transformações sobre o território do centro-oeste.

1.1 COMÉRCIO EXTERIOR E A TESE DA REPRIMARIZAÇÃO No período de 2002 a 2008, a economia apresentou virtuosa trajetória de

crescimento com taxas médias anuais de 4,6%, quando o dinamismo da economia

mundial, puxado especialmente pelo “efeito-China", estimulou a maior inserção

comercial externa de sua estrutura produtiva, especialmente nas atividades

produtoras de commodities.

É principalmente a partir de 1999 que se inicia o ciclo de expansão das

exportações, com destaque para o período entre 2003 e 2011, no qual, mesmo

diante da crise financeira internacional desencadeada em 2008, se expande

continuamente o valor das exportações brasileiras, que favorecido pelo ciclo de

elevação internacional do preço das commodities. Ao longo desses 9 anos, a

participação do Brasil nas exportações mundiais saiu de 1% para alcançar o pico de

1,43% em 2011. A participação média nas exportações mundiais nesse período foi

de 1,2%, contra uma média 0,94% nos 9 anos anteriores (1994-2002). Isso permitiu

uma maior inserção da economia brasileira, que elevou sua participação média no

comércio exterior para 1,15% contra 0,88% no período anterior.

Analisando pela ótica do fator agregado, verifica-se que o crescimento médio

Page 24: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

12

12

das exportações de produtos básicos foi de 23% a.a, a de semielaborados de 18%

a.a. e a de manufaturados 13,5% a.a no período 2003-2011. Isso fez com que a

participação dos básicos e semimanufaturados na pauta de exportações chegasse a

63,7%. Em 2007, pela primeira vez desde 1980, a exportação de produtos básicos e

semimanufaturados superou a exportação de produtos manufaturados. Tal situação

repete-se desde então com o avanço ainda maior nos produtos básicos que em

2014 chegaram a sua maior participação desde 1978, com 48,7%. O Brasil acentuou

sua inserção internacional e exerceu o papel de fornecedor de mercadorias

consideradas como bens primários, parte delas como commodities.

Tal orientação pode ser atribuída, por um lado, ao ajuste iniciado na década

de 1980, como enfrentamento aos problemas de financiamento do antigo padrão de

acumulação que culminou com a crise da dívida externa aprofundadora do processo

de reorientação da estrutura produtiva do país para o mercado externo. Lembre-se

que a economia brasileira, até meados da década de 1980, possuía, enquanto

estratégia predominante, o padrão desenvolvimentista voltado prioritariamente à

industrialização do país, buscando a redução da dependência das importações e a

dinamização do mercado interno, no qual o Estado intervinha fortemente.

Esse processo de industrialização se refletiu sobre as exportações e

importações. Observou-se na pauta das exportações uma maior diversificação dos

produtos e o aumento dos bens manufaturados, que passaram de 10,5% para 45%

entre 1968 e 1980. Já a participação no PIB dos produtos importados declinou de

13,7% para 7% ao ano entre 1947 e 1980. Como lembra Martins (2005), a partir da

década de oitenta, com a crise da dívida, rompe-se esse elo funcional entre

exportações e importações, com a drenagem progressiva das primeiras para o

exterior a título de remuneração dos passivos externos. Consequentemente, o elo

entre comércio exterior e crescimento tornar-se-ia menos direto e menos definido

(MARTINS, 2005 apud MACEDO, 2010).

Por outro, esse processo é também resultante da maneira como a economia

brasileira se insere no contexto do novo padrão de desenvolvimento capitalista

global marcado por mudanças profundas no sistema monetário e financeiro, na

concorrência intercapitalista e no paradigma tecnológico. Sob a inspiração de

políticas que acentuaram o peso do mercado na organização da economia - abertura

comercial, desnacionalização e privatização - a formatação de novas relações

Page 25: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

13

13

Estado-mercado direcionaram-se à restrição da ação do primeiro, reduzindo o raio

de ação das políticas públicas. Desnacionalização e privatização ofuscaram os

centros internos de decisão da economia, transferindo para o exterior ou para a

iniciativa privada instrumentos importantes de promoção da organização do território.

Desde a crise da dívida nos anos 1980 e dos decorrentes problemas fiscais a

performance do investimento público, principal sustentáculo do padrão de

acumulação pretérito, declina progressivamente. Essa tendência acentuou nos anos

90 com a nova estratégia de desenvolvimento de inspiração liberal que tem como

um dos eixos relevantes as privatizações. Posteriormente, o ajuste fiscal agrava o

problema ao sacrificar os gastos com investimentos para obter altos superávits

primários. A análise de um período mais curto e mais recente, após 1980, mostra

entre esse ano e o Plano Real em 1994 um declínio em termos reais e,

simultaneamente, do investimento privado e público.

A estratégia neoliberal do governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2003de

abertura da economia - com o fim dos subsídios e a queda das tarifas de importação

- como instrumento que forçaria a modernização e aumento de competitividade na

indústria brasileira e sua maior internacionalização, apresentou, primeiramente,

efeito contrário, ao expor o parque produtivo do país à concorrência abrupta a qual

ele não poderia enfrentar no curto prazo.

O aumento da participação estrangeira ocorreu por meio da

desnacionalização da propriedade. Na segunda metade dos anos 1990, o estoque

de IDE cresceu 150%, ou seja, a uma taxa média anual de 19%. Esse ritmo

desacelerou um pouco, mas manteve-se intenso nos anos 2000, com aumento de

100% e uma taxa média anual de 14%. O confronto com a evolução do estoque de

capital doméstico – aumento total de 23% entre 1995 e 2003, com crescimento

anual de 2,7% – exprime a intensidade da desnacionalização e o exacerbado caráter

patrimonial da riqueza gerada.

Da ótica da propriedade, a privatização mudou o perfil da presença

estrangeira na economia brasileira, aprofundando-a e diversificando-a. Há

evidências de que essa mudança associada à posterior ampliação do IDE alterou os

determinantes do investimento e, portanto, o dinamismo da economia. Em primeiro

lugar, tornou o investimento doméstico mais dependente do ciclo internacional, o

que, nos anos 2000, se refletiu na ampliação da importância do setor primário por

Page 26: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

14

14

conta das atividades extrativas e na intensidade do ciclo de preços de commodities.

Nos setores que requerem grande prazo de maturação, antes dominados por

estatais e mais associados à infraestrutura, a lógica do investimento foi modificada,

suprimindo a estratégia de crescimento da oferta à frente da demanda.

Por sua vez, em vários segmentos produtivos, simplificaram-se atividades

com aumento de especialização e articulação na rede de global sourcing.

Importantes centros de decisão passaram para empresas estrangeiras e tornaram o

controle sobre o ordenamento territorial muito mais articulado às decisões externas

das grandes corporações globalizadas. A mobilidade desses agentes produtivos, a

flexibilidade do capital, a simplificação tecnológica, as redes de comunicação e a

globalização dos mercados combinaram-se para definir espaços de produção que

perderam progressivamente certas virtudes territoriais (proximidade socioespacial,

manejo econômico, construção política e governança local, etc.) em benefício de

conformações socioespaciais menos consolidadas, tornando-se atravessadas por

forças globais que as reestruturaram.

Quando analisamos a evolução das importações brasileiras, evidencia-se a

face perversa dessa inserção externa subordinada ao capital internacional, que

reforçaria o papel especializado e regressivo do país na divisão internacional do

trabalho.

O comércio exterior brasileiro, nos anos noventa, apresentou redução da

participação de produtos manufaturados nas exportações concomitantemente ao

aumento das exportações de produtos básicos de origem agrícola e mineral. Esse

aumento de exportação de produtos de baixo valor agregado provocou discussões

acerca da possível reprimarização da economia brasileira. Gonçalves (2003)

apresentou dados para os anos noventa argumentando a respeito do movimento de

reprimarização.

A participação do Brasil no comércio mundial de produtos agrícolas aumentou

de 2,43% em 1990-94 para 2,92% em 1995-98. Por outro lado, os produtos

manufaturados mostram tendência de aumento na primeira metade da década de

1990, mas queda ao longo da segunda metade da década. A participação média das

exportações brasileiras no comércio mundial de manufaturados reduziu-se de 0,76%

em 1990-94 para 0,68% em 1995-98.

No resultado da política econômica de ajuste exportador dos anos oitenta e a

Page 27: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

15

15

política neoliberal pós-1990 de integração competitiva, verificam-se os claros limites

ao desenvolvimento do país, abalado o cerne do aparelho produtivo, o que afetou,

por consequência, a organização espacial ao tencionar importantes links integrantes

da produtivamente o território.

A quebra de elos de cadeias produtivas, a partir da década de 90, e a

desindustrialização na seguinte, significam, territorialmente, rupturas nas

articulações inter-regionais e interestaduais. Redefiniu assim a estrutura e os

determinantes locacionais do investimento produtivo do país que – a despeito de se

manter baixo, vis-à-vis suas taxas históricas – tornou-se desde então, muito mais

atrelado ao dinamismo da economia internacional do que ao crescimento do

mercado interno, como ocorrera entre 1920 e 1980.

Após breve recuperação no início dos anos 2000, o déficit comercial nos

manufaturados expande aceleradamente, chegando à casa dos US$100 Bilhões de

dólares em 2013 e comprometendo a evolução dos saldos comerciais.

Tabela 1 – Exportações, Importações, Saldo do Comércio Exterior de Manufaturas e Saldo Comercial Total - 2003-2013 (Bilhões de US$)

Ano Exportações de Manufaturados

Importações de Manufaturados

Saldo dos Manufaturados

Saldo Comercial Total

2003 39,7 37,8 1,9 24,9 2004 52,9 47,7 5,2 33,8 2005 65,1 56,8 8,4 44,9 2006 75,0 69,9 5,1 46,5 2007 83,9 93,2 -9,2 40,0 2008 92,7 132,5 -39,8 25,0 2009 67,3 103,8 -36,5 25,3 2010 79,6 150,8 -71,2 20,1 2011 92,9 184,8 -91,8 29,8 2012 90,9 184,8 -94,0 19,4 2013 93,8 198,1 -104,3 2,3

Fonte: SECEX – Elaboração Própria.

A política cambial adotada ao longo do período incentivou fortemente a

substituição da produção nacional em inúmeros elos de cadeias produtivas, o que

Page 28: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

16

16

impôs importantes perdas à indústria de transformação, com impactos regionais não

desprezíveis, em decorrência de seu enfraquecimento. Em contrapartida, a

estratégia de acumulação de capital no espaço do agronegócio retornou com força

nos anos 2000 como estratégia para geração de divisas necessárias à continuidade

da nova rodada de modernização dos padrões de consumo.

Esse processo, do ponto de vista da acumulação de capital, tem caráter de

pacto de economia política e é fundamentado na organização dos interesses

hegemônicos de classes sociais no interior do aparelho do Estado. Este último, por

sua vez, continua a ter papel ativo na montagem da ossatura do território para

realizar a integração competitiva. Seja por meio da política econômica e dos

incentivos às exportações, seja pela priorização de investimentos direcionados para

escoamento das produções regionais de primários ao mercado externo.

A ação federal concentra-se então cada vez mais no atendimento aos

interesses do mercado, numa clara ruptura com o padrão do período anterior (1930-

1980), quando os investimentos em infraestrutura, capitaneados pelo capital estatal,

dinamizavam o mercado interno e integravam o território nacional em movimento

sincrônico no qual industrialização e urbanização eram impulsionados por taxas

elevadas de Formação Bruta de Capital Fixo (FBKF) em que aquele é realimentado

pelo crescimento destas.

Numa situação de baixo dinamismo da economia brasileira e de redução

drástica da FBKF, os investimentos em infraestrutura, quando realizados, são

ordenados pela lógica privada de valorização da riqueza, sobretudo atrelada às

exportações e comandada pelas finanças mundializadas. O resultado foi o

aprofundamento das atividades primário exportadoras baseadas nas vantagens

comparativas naturais em detrimento das atividades intensivas em capital e

tecnologia. Como efeito, observa-se a “especialização regressiva”3 de nossa pauta

de exportações e a dependência das importações nos setores de alta e média alta

tecnologia.

Neste cenário, a maior inserção externa da economia brasileira impacta

significativamente sobre o ordenamento territorial, cada vez mais influenciado pelas

decisões privadas dos grupos exportadores e importadores e pela centralidade que

a logística voltada ao comércio exterior assume como vetor de competitividade para 3 CARNEIRO, R. Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América Latina. CEPAL - Serie Macroeconomía del desarrollo N° 117, jan. 2012.

Page 29: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

17

17

as empresas localizadas no país e que aprofundam suas integrações competitivas.

Por todas essas características, a inserção externa impacta fortemente a

organização territorial. Seja pela continuidade da “itinerância da agricultura”4, pelos

efeitos espaciais do crescimento da extrativa, pelo crescimento generalizado do

terciário que acompanha a urbanização extensiva ou ainda pelo efeito da

relocalização de empresas direcionadas a regiões fora do core industrial do país,

acompanhando a dinâmica do mercado externo, ou pelo papel fundamental da

infraestrutura e da logística e seus impactos na reestruturação do território.

Essas características são importantes, pois foi justamente o perfil das

atividades ligadas ao exterior que agiu de forma mais decisiva na organização do

território, tamanha a necessidade adaptá-lo às exigências da “compressão tempo-

espaço”5 impostas pela nova geografia econômica que integrariam o Brasil à

economia mundial através do processo de mundialização dos mercados

agroalimentares.

A partir de 2010 manifestaram-se evidências da exaustão desse ‘modelo’,

mas foi preciso que em 2014 se evidenciassem a reversão dos preços externos das

‘commodities’ (petróleo, ferro, açúcar, etc.) e a deficiência nas finanças públicas para

que se explicitasse a fragilidade do modelo ‘nacional-desenvolvimentista primário-

exportador’ e a validade das críticas a essa estratégia de reprimarização do

desenvolvimento brasileiro.

A maior inserção externa da economia brasileira, cada vez mais influenciada

pelas decisões privadas dos grupos exportadores e importadores, só poderia

resultar no crescimento ciclotímico e baixo da economia brasileira, passível de

retomada em patamares mais altos apenas quando liquidez e demanda especulativa

de commodities nos mercados internacionais foram reiniciadas, tal como aponta

Cano (2011) e diversos outros autores.

1.2 MUNDIALIZAÇÃO DA AGRICULTURA BRASILEIRA: TRANSFORMAÇÕES

NO COMPLEXO AGROINDUSTRIAL DA SOJA NO PERÍODO 1994-2014

4 CANO, W. Desconcentração produtiva regional no Brasil 1970-2005. Unesp, 2008. 5 HARVEY, D. A produção capitalista do espaço. Annablume, 2005.

Page 30: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

18

18

A abertura da economia e a queda de barreiras à importação no Plano Real

transformaram a agricultura e a agroindústria em segmentos distintos daqueles

encontrados no início da modernização do campo. Entre as modificações de maior

magnitude merecem destaque a intensificação dos processos de desnacionalização

das empresas, a internacionalização dos mercados, a concentração empresarial e a

centralização do capital.

Esses processos seguem os determinantes mais gerais da evolução recente,

tanto da política econômica brasileira, quanto das profundas transformações do

modo capitalista de produção, derivadas da consolidação do processo de

mundialização do capitalismo monopolista através do neoliberalismo. Seu motor de

crescimento foram a liberalização do comércio internacional, as decisivas inovações

tecnológicas na agricultura (plantio direto, uso de sementes transgênicas,

tecnologias de precisão, etc.), os processos de gestão (novas tecnologias de

comunicação e informação, profissionalização da administração, organização das

empresas em redes de serviços) e a atuação de empresas transnacionais que

exploram as vantagens abertas ao capital com a adoção disseminada dos preceitos

do consenso de Washington.

Vejamos como as alterações na orientação da política econômica e as

transformações no modo capitalista de produção impactaram o complexo

agroindustrial da soja no Brasil.

1.2.1 Transformações na economia brasileira pós 1980: Do capital financeiro ao

agronegócio

O período histórico correspondente à vigência da ditadura militar no Brasil,

1964-1985, relaciona-se ao período de intensa modernização da agricultura

brasileira, no qual se desenvolve a agricultura capitalista e sua integração com a

economia urbana e industrial. Gestou-se a transformação da base técnica da

produção rural e a constituição dos denominados complexos agroindustriais. A

expansão do crédito rural e agroindustrial propiciou condições para a articulação das

relações entre agricultura e indústria processadora, que se modernizava junto à de

bens de capital, exigindo maior penetração de insumos industriais e serviços de

apoio especializados no campo.

Page 31: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

19

19

Perseguia-se a política que reduzisse os riscos estruturais do processo

produtivo inerente à agricultura aliando oferta de crédito subsidiado a incentivos

fiscais ao planejamento induzido dos mercados de produtos rurais pelos programas

estatais de aquisição de alimentos e de política de preços mínimos. Estimulou-se a

adoção de pacotes tecnológicos da “revolução Verde” e ampliaram-se os

investimentos em pesquisa por meio da criação da Embrapa.

Em 1965, através da Lei n. 4.829, foi criado o SNCR – Sistema Nacional de Credito Rural –, que viria a ter uma grande importância na agroindústria. Juntamente com a criação desse aparato financeiro que respaldava a modernização na agricultura, surgiram instruções normativas criando um fundo especifico para a agroindústria – o Funagri (Fundo Geral para a indústria e Agricultura) –, ao mesmo tempo em que vinculavam a aplicação de recursos estabelecidos pelas exigibilidades do crédito rural não utilizadas pelos bancos a esse mesmo fundo. (BELIK 2007, p. 158)

Além do Funagri criaram-se vários outros fundos de financiamento junto ao

BNDE visando ao financiamento industrial e passando pela agroindústria. Mas em

1975, com o lançamento do PND II é que se dá o principal passo em direção à

integração agricultura-indústria. Entre 1975-1979, no governo Geisel, o II PND

(Plano Nacional de Desenvolvimento) diante da crise do petróleo e diante da

dependência externa de nossa matriz industrial, assumirá a estratégia de

crescimento a qualquer custo, o que desencadeou enorme carga de incentivos e

subsídios para as indústrias com potencial exportador.

Diante dessas condições de financiamento, foram construídas grandes plantas industriais para o esmagamento da soja com elevada capacidade ociosa para aproveitar as facilidades oferecidas pelo governo. (GIEMBINSKY, 2006, apud WEZS JUNIOR, 2011, p. 39).

Ampliaram-se as ligações do produtor no campo com o setor industrial,

comercial e de serviços em geral, o que ampliaria as necessidades de financiamento

e, portanto, de articulação com o setor financeiro. As organizações rurais

estruturadas em termos empresariais geriram melhorar essas novas exigibilidades,

contribuindo para o processo de concentração da produção, comercialização e

Page 32: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

20

20

processamento por empresas socialmente organizadas. Para o caso da soja, que

ainda era predominantemente cultivada na região Sul do país, as cooperativas

concentravam 52,8% dos grãos comercializados em 1980 (DELGADO, 2012). Nas

regiões de fronteira como na região Centro-Oeste, onde o mercado é restrito e os

custos de frete diminuem a rentabilidade dos agricultores, quando não se inviabilizou

o desenvolvimento da pequena produção, aumentou a fragilidade desta perante os

demais elos da cadeia. Em contrapartida, ampliou-se a participação do capital

financeiro na agricultura, dado seu poder de promoção da coordenação e da

integração dos capitais.

Integração de capitais, entendida como forma de fusão de capitais agrários, industriais, comerciais e bancários, conjugada ao apoio financeiro dessas corporações no âmbito da política governamental, representa uma maneira particular de capital financeiro com a agricultura (DELGADO, 2012, p. 29).

Este modelo de crescimento teve como fonte prioritária os financiamentos

externos por meio de recursos reais e financeiros. Com a reversão da conjuntura

macroeconômica internacional e a erupção da crise da dívida nos anos 1980 e dos

desequilíbrios orçamentários, a performance do investimento público, principal

sustentáculo do padrão de acumulação pretérito na agricultura, declina

progressivamente. As políticas conjunturais desmontaram o aparato institucional que

subsidiou a acumulação de capital na agricultura ao longo do período militar.

De 1981 em diante, houve uma mudança e um “esgotamento do padrão de financiamento da agroindústria baseado em recursos do Tesouro [...] e com o Estado em crise inicia-se o desmonte dos mecanismos e instituições que permitiam a decolagem da agroindústria (BELIK, 2007, p. 161).

O escasso crédito oficial aliado ao consequente aumento das exigências de

autofinanciamento originaram novas modalidades de relacionamento direto entre

Page 33: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

21

21

fornecedores e agroindústrias, como a compra direta antecipada e os contratos

privados fortemente utilizados nas culturas da soja e do milho, o que certamente

favoreceu a posição e das empresas mais capitalizadas. Nessa conjuntura de

escassez de crédito, estabelece-se a seleção da clientela, com emergência de

clientes preferenciais, normalmente selecionados pela abrangência e consistência

de seus negócios (massa de lucros), geralmente agroindústrias, tradings e

revendedoras de insumos. Constituiu-se, assim, um grupo restrito de operadores

capazes de articular seus interesses no interior do Estado.

A partir de 1982, a equipe econômica do governo militar lança uma estratégia

de saldos comerciais para fazer frente aos serviços da dívida que explodiram com a

elevação do patamar das taxas de juros internacionais. Esses são buscados

basicamente na redução das importações e expansão das exportações de produtos

básicos e agroprocessados que avançam pela fronteira agrícola do Centro-Oeste.

Apesar da baixa dos preços dos produtos agrícolas, perseguiu-se a rentabilidade

desses capitais por meio da política cambial, bem como da frouxidão das políticas

de governança fundiária, a redução dos custos de mão de obra, perdão de dívidas e

estoques públicos suportados pela emissão monetária do Banco do Brasil (Delgado,

2012).

Ainda assim, a retirada da forte presença do Estado cria impasse para a

maior parte dos setores agroindustriais constituídos. Muitos desses setores ou

cadeias agroindustriais não estavam em plena maturidade para assumirem

plenamente a estratégia e o planejamento inerente ao desenvolvimento de seus

negócios. Outros foram capazes de reestruturar suas estratégias produtivas e

comerciais, como é a caso do complexo de grãos e carnes. Verifica-se que já

naquele momento o poder de coordenação da cadeia agroindustrial transita da

agroindústria para os setores de distribuição. Para o setor processador, ou mesmo

para a agropecuária, essa função de coordenação seria de grande complexidade

pois, na maioria dos casos, esses elos da cadeia estão distantes do mercado,

dificultando o ajuste em relação às mudanças do consumo e à necessária

segmentação de mercado.

Tal transição resultará em nova rodada de disputa entre capitais, agora pelo

controle da informação, acesso aos mercados e, consequentemente, melhores

margens de lucro. Contribui para isso a adoção de novas tecnologias impulsionadas

Page 34: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

22

22

pela informática e as telecomunicações, como é o caso dos softwares de

gerenciamento. Os resultados dessa mudança nas relações da agroindústria com os

demais elos da cadeia refletem no crescimento das fusões e aquisições e na

emergência de novas formas de relacionamento através de parcerias e contratos de

longo prazo com fornecedores e distribuidores.

Nos anos 90, parcela expressiva da capacidade de esmagamento de soja era

propriedade de grandes grupos nacionais de bens de consumo, sobretudo carne

processada, como Sadia, Seara, Perdigão, assim como o setor de fertilizantes

também contou com forte presença de estatais.

Segundo Belik (2007), a principal fonte de financiamento para investimento de

capital de origem pública a partir de meados da década foi o BNDES, através de

repasses de recursos obtidos no exterior. Esses recursos, tomados junto ao sistema

financeiro a taxas de juros reduzidas, permitiram a relocalização e modernização de

plantas industriais, como foi o caso dos créditos obtidos pelos frigoríficos (aves,

suinos e bovinos), conservas e óleos vegetais.

Emerge, assim, um novo padrão competitivo que incorpora as vantagens da produção em massa, mas ao mesmo tempo privilegia a segmentação de produtos e de mercados. Essa nova fase produtiva revela também a falência das políticas macroeconômicas dos estados nacionais abrindo espaço as novas formas de regulação econômica e social. Nesse contexto, há um reposicionamento intra-setorial e ao mesmo tempo inter-regional. No primeiro caso, ele ocorre entre grandes e pequenas empresas; entre produtores de matérias-primas, fabricantes e distribuição. No caso do reposicionamento inter-regional, este se da com o ressurgimento ou reconversão de atividades regionais (BELIK 2007, p. 164).

Concomitantemente a esse reposicionamento estratégico por parte de

distribuidoras e agroindústrias, a economia brasileira passa por um momento de

abertura comercial e de demanda de produtos mais baratos com maior qualidade.

Sob a inspiração de políticas que acentuaram o peso do mercado na organização da

economia - abertura comercial, desnacionalização e privatização - a formatação de

novas relações Estado-mercado restringiram a ação do primeiro, reduzindo o raio de

ação das políticas seletivas. Desnacionalização e privatização reduziriam os centros

internos de decisão da economia, transferindo para o exterior ou para a iniciativa

Page 35: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

23

23

privada instrumentos importantes para a promoção do projeto nacional de

desenvolvimento.

Dentro desse encaminhamento, os ganhos na competitividade setorial

passariam apenas por decisões empresariais e não poderiam mais ser criados

artificialmente por políticas do governo. As processadoras medianas acabariam

suprimidas em meio ao ambiente concorrencial desfavorável, o que aumentava

consideravelmente a dependência das empresas das estratégias do setor privado do

que da intervenção estatal.

Configurou-se um ambiente acessível à entrada ou fortalecimento dos

grandes grupos estrangeiros, pois estes independiam de financiamentos brasileiros

e na viabilização de seus investimentos, bem como na construção de novos parques

e na implementação de novas unidades. Wesz Junior(2011) apurou nos dados do

Banco Central o crescimento dos empréstimos externos feitos por empresas

multinacionais com filiais no Brasil (Valor Econômico, 27/08/2001). Segundo a fonte,

em 2001 a Bunge “foi uma das companhias que elevou o volume de empréstimos de

longo prazo de empresas do mesmo grupo no exterior”. A Cargill e a ADM também

adquiriram recursos da matriz, inclusive para apoiar os produtores no fornecimento

de crédito para custeio.

Conformou-se assim o processo de internacionalização da agricultura

brasileira, o que significa a integração crescente das empresas instaladas no Brasil

nos circuitos comerciais e financeiros mundiais. Façamos uma breve recapitulação

do processo de “mundialização da agricultura” e dos seus efeitos sobre as

agroindústrias de capital brasileiro.

1.2.2 Globalização dos mercados e a posição das agroindústrias nacionais

No final do Século XX, o modo capitalista de produção conheceu profundas

transformações, derivadas, segundo Oliveira (2009), da crise e do fim do socialismo

no leste europeu de um lado, e de outro, da consolidação do processo de

mundialização do capitalismo monopolista através do neoliberalismo.

A produção capitalista mundializada derivou dos monopólios que se formaram

a partir da onda de liberalização dos fluxos de capitais e mercadorias pelo globo.

Construiu-se forte discurso ideológico em torno dos preceitos contidos no chamado

Consenso de Washington, que esteve na base dos planos de estabilização e

Page 36: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

24

24

ajustamento das economias dos países endividados internacionalmente, de modo a

adaptá-los à nova realidade do capitalismo mundial. Impuseram-se reformas

institucionais no sentido das aberturas financeira e comercial das economias

nacionais.

Assim, geraram-se as bases da produção internacional, qual seja, o controle

da força de trabalho, dos mercados e das fontes de matérias-primas nacionais6. Este

controle redundou na formação do mercado mundial de mão-de-obra e,

simultaneamente, na posse dos monopólios das fontes de matérias-primas e na

repartição dos mercados, substituindo a disputa pela cooperação entre as empresas

estrangeiras que se associaram ou fundiram-se com as nacionais.

O Plano Real no Brasil é, em grande medida, o próprio Consenso.

Resumidamente, ele engendrou a realização de reformas estruturais: privatizações,

desregulamentação do mercado e liberalização financeira e comercial necessárias

para a retomada dos investimentos estrangeiros e a inserção do Brasil nas cadeias

globais de valor. Esse movimento se dará com maior intensidade nos setores

primário exportadores, onde a produção de grãos cresce em importância ao longo

das duas últimas décadas.

No que se refere à agricultura, a globalização dos mercados, por sua vez, é

caracterizada pelo processo em que:

A agricultura, que antes baseava-se na produção dos camponeses sustentada por fortes subsídios agrícolas, na revolução verde, na agroquímica, no sistema de estoques governamentais, e tinha na FAO seu órgão mundial, passou a conhecer um profundo processo de mudança. Primeiro, foi a pregação neoliberal contra os subsídios, e consequentemente, contra a agricultura de base familiar camponesa. Segundo, o fim dos estoques governamentais e a substituição das políticas de soberania alimentar pela política de segurança alimentar, sacada da área da saúde pública e alçada para a área das políticas públicas de abastecimento alimentar. Terceiro, a substituição dos estoques governamentais pelos estoques das multinacionais e o mercado como único regulador. Quarto, a criação da Organização Mundial do Comércio - OMC, como órgão mundial de regulação e de decisões mundiais entre os países com contendas comerciais. Dessa forma, a agricultura sob o capitalismo monopolista mundializado, passou a estruturar-se sobre três pilares: na produção de commodities, nas bolsas de mercadorias e de futuro e nos monopólios mundiais. Primeiro, visou transformar toda produção agropecuária, silvicultura e extrativista, em produção de mercadorias para o

6 Vide a voracidade de governos de alguns países, tais como o Brasil, em transferir para o capital estrangeiro o controle de empresas estatais ligadas a base de recursos naturais.

Page 37: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

25

25

mercado mundial. Portanto, a produção de alimentos deixou ser questão estratégica nacional, e, passou a ser mercadoria a ser adquirida no mercado mundial onde quer que ela seja produzida (OLIVEIRA, 2012, p. 6).

Portanto, a mundialização na agricultura assumiu as características básicas

do capitalismo monopolista no final do século XX, integrando o capital na escala

mundial, criando as empresas mundiais, monopólios mundiais do comércio,

beneficiamento e controle de matérias primas. Ou seja, abriu a essas empresas a

capacidade de produzir em "qualquer lugar do mundo" - onde quer que as

possibilidades de redução de custo e acesso ao patamar tecnológico vigente sejam

possíveis - aquilo que possa ser realizado no mercado internacional, grande parte

commodities. A hegemonia desse padrão capitalista se deu pelo processo de

consolidação dos oligopólios internacionais denominados empresas multinacionais,

sejam elas cartéis, trustes ou monopólios industriais e/ou financeiros.

A constituição dos monopólios mundiais permitiu o controle monopolista da produção das commodities do setor. Estas empresas mundiais tem nas multinacionais suas bases constituintes. Elas formaram-se pelo processo mundial de investimentos diretos de capitais através das filiais, fusões, associações, franquias etc (OLIVEIRA, 2012, p. 7).

Para ampliar seu poder de coordenação sobre as diferentes etapas da cadeia

produtiva, estas corporações realizam joint ventures em áreas onde não possuem

grande presença, como é o caso da inserção no setor de sementes e defensivos.

Além de possibilitar a integração vertical mais completa, permitiram a execução de

suas estratégias em nível global. As vendas intra-empresas reduziram os custos na

aquisição dos produtos através da negociação entre pares, a extração do potencial

produtivo e econômico de cada nação e a circulação entre elas dos diferentes

produtos, internacionalizando as atividades nas quais o país oferecia vantagens

competitivas, inclusive como plataforma global de exportação para a obtenção do

restante via comércio intrafirma, ou mesmo com parcerias estratégicas, muitas vezes

determinadas em nível global. Essas estratégias eliminaram intermediários por meio

da atuação da mesma empresa em diferentes ramos e países, amortecendo os

Page 38: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

26

26

custos de transação e diminuindo o preço de venda dos seus produtos em relação

aos concorrentes.

Esse processo integrou o capital em escala mundial, criando as empresas mundiais. Assim, a agricultura estrutura-se através da produção de commodities, bolsas de mercadorias e de futuro e monopólios mundiais. A mundialização atua na agricultura através dos processos de territorialização dos monopólios e monopolização dos territórios. O primeiro atua simultaneamente, no controle da propriedade privada da terra, do processo produtivo no campo e do processamento industrial da produção agropecuária. O segundo é desenvolvido pelas empresas de comercialização e de processamento industrial, que sem produzir no campo, podem controlar fazendeiros capitalistas e camponeses através de mecanismos de subordinação (OLIVEIRA, 2012, p. 1).

De fato, nas regiões alvo deste trabalho, verificou-se nas pesquisas de campo

que além de concretização das estratégias individuais, essas empresas

agroindustriais desenvolveram parcerias entre si e com as empresas nacionais para

expandir de forma acelerada seu poder sobre a produção agropecuária e o controle

das relações com os produtores rurais.

Para ambas as partes esse vínculo foi estratégico, o qual expandiu

sobremaneira a área agricultada nos biomas amazônico e cerrado, controlou custos,

assegurou previsibilidade na qualidade e quantidade de matéria-prima, difundiu

rapidamente as inovações tecnológicas e minimizou seus custos de transação

fortalecendo as posições hierárquicas e ampliando o escopo e capacidade de

reinvestimento, tanto de agroindústrias quando de produtores.

Por essa razão, a análise atenta da trajetória dos grupos agroindustriais no

Brasil nos últimos 20 anos atesta que o país ampliou sua inserção nas cadeias

agroalimentares, no comércio internacional e enfrentou o boom de demanda externa

provocado pelas profundas transformações no mercado agroalimentar, sobretudo

puxadas pelas Ásia7, graças, em grande medida, ao enorme êxito dessas empresas

em estabelecer arranjos de governança que lhes favoreceram ao longo de toda

cadeia. A operação minimizou custos de transação e fortaleceu posições

7 O complexo soja representou 28% das exportações para bloco Ásia (Exclusive Oriente Médio) em 2014, no caso da China, a soja in natura representou 40% do total exportado.

Page 39: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

27

27

hierárquicas, ao mesmo tempo em que garantiu o subsídio à enorme ampliação do

agronegócio brasileiro.

Wesz Junior(2011) apurou ainda que para o caso da soja, principal produto do

agronegócio brasileiro, tanto pela ótica produtiva (80,7 milhões de toneladas

produzidas em 2014), territorial (30,3 milhões de hectares plantados em 2014), ou

comercial (com a queda no valor do minério de ferro, o complexo soja - grão, farelo e

óleo - passou a ser o principal produto da pauta de exportações brasileira

representando 14% do valor total em 2014), o sucesso comercial do Brasil pode

estar ligado à forte presença das multinacionais líderes do setor a partir do início dos

anos 2000. Nos casos da Bunge, Cargill, ADM e Dreyfus, parte expressiva produção

de soja dominada por elas no Brasil é encaminhada para as suas próprias unidades

na China, onde controlam 80% do grão importado neste país e 50% da capacidade

de esmagamento. Portanto, a Bunge exporta a soja brasileira para a Bunge situada

na China. Essa foi a intenção da Amaggi no momento em que decidiu comprar 51% da

Denofa – agroindústria localizada na Noruega”. (Valor Econômico, 09/09/2008).

O processo de globalização dos mercados condicionou uma série de

mudanças ao longo dos anos, afetando diretamente também as estruturas e as

formas de relacionamento entre os diferentes agentes que compunham os elos da

cadeia. Isso pode ser visualizado no âmbito das grandes empresas exportadoras,

também conhecidas como tradings, cuja presença não se dá somente em uma

nação ou continente. A expansão geográfica favorece essas empresas no

aproveitamento dos recursos disponíveis nos diferentes lugares do globo e a sua

comercialização em nível mundial, muitas vezes através do comércio intra-firma que

obriga as empresas de capital nacional a redefinirem suas estratégias de atuação,

repensando-as em escala global.

A presença de agroindústrias de capital estrangeiro no Brasil, ampliada a

partir do Plano Real, aliada à integração dos mercados à economia mundial,

conformou o processo de internacionalização da agricultura brasileira. Isso enseja a

integração crescente das empresas instaladas no Brasil nos circuitos comerciais e

financeiro.

Como contrapartida interna a essa globalização dos mercados alimentares,

verifica-se a mundialização da agricultura brasileira, abordada por Oliveira (2012):

Page 40: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

28

28

As empresas mundiais nasceram, pois, tanto de empresas estrangeiras como das nacionais que possuindo o controle monopolista da produção galgam o patamar mundial associando-se majoritariamente com empresas nacionais concorrentes (OLIVEIRA, 2012, p. 7).

O processo de mundialização soldou em outro patamar econômico e político

a relação entre o capital nacional e estrangeiro que, há muito tempo, apresentam-se

entrelaçados. O movimento de fusões e associações que ocorreram no agronegócio

no Brasil tornaram, inclusive, algumas empresas nacionais protagonistas, em seus

respectivos setores, do agronegócio em escala mundial.

Identificou-se ao longo dessa pesquisa que os arranjos de governança

desenvolvidos pelas multinacionais para operar no Brasil contaram com a

participação ou mesmo foram idealizados por frações de capitais nacionais,

posteriormente superados pela capacidade de alavancagem das filiais de

multinacionais aportadas no Brasil a partir de meados da década de 1990. Ainda

assim, a despeito do forte movimento de concentração e desnacionalização do

capital no ramo de processamento da soja, aumentou o poder econômico e políticos

das grandes corporações nacionais do setor sobre alguns espaços do território

nacional, devido principalmente aos arranjos de economia política que alavancaram

as estratégias desses grupos nos espaços de exercício de influência e se mostraram

funcionais aos interesses das multinacionais.

O forte processo de concentração econômico-produtiva e desnacionalização

do capital no setor, vinculado ao movimento mais geral de liberalização da economia

brasileira na década de 1990, não impediu o enorme crescimento de importantes

grupos nacionais como o Grupo Amaggi Alimentos, Caramuru e Fiagril, que, além

das tradicionais atividades em que eram especializadas, iniciaram ou expandiram

seus investimentos em praticamente todos os elos da cadeia, adotando estratégias

pioneiras em termos de abertura de novas opções logísticas, comerciais e

principalmente territoriais. As tradings internacionais imitariam mais tarde esse

movimento.

Com esta dimensão assumida pela soja, principal produto da pauta de

exportações brasileira, e pelas empresas relacionadas a ela no Brasil, um dos

debates que permeou os estudos sobre o tema na década passada refere-se à

Page 41: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

29

29

coordenação das cadeias, ou seja, a identificação do elo dinamizador do setor e a

sua governança.

O que se observa é que as unidades de processamento estão sendo o segmento responsável pela coordenação da cadeia produtiva. O fato dos subprodutos da soja (óleo bruto e farelo) serem homogêneos e padronizados reduz o papel e o peso dos compradores na governança, principalmente pela baixa diferenciação das mercadorias (CASTRO, 2002; SOUZA, 1999; apud WESZ JUNIOR, 2011, p. 21).

Diante do exposto, não é difícil perceber que agroindústria processadora, que

também assume o principal papel no financiamento e comercialização do grão,

apresenta enorme potencial para “imprimir sentido e direção ao comportamento dos

diversos agentes econômicos, direta ou indiretamente envolvidos com o setor,

transformando-se assim na base de novas articulações das relações de produção”

(MAZZALI, 2000, p. 12). Segundo a literatura, as empresas agroalimentares de

beneficiamento e processamento são os atores líderes de maior relevo na

governança das cadeias produtivas, comandando as transformações na agricultura,

ditando o seu ritmo de expansão, agregando valor ao produto primário e,

principalmente, alavancando as transformações nos padrões de produção e de

competitividade do setor (BENETTI, 2004).

Traduz-se em uma verdadeira monopolização do território desenvolvida pelas

empresas de comercialização e/ou processamento industrial da produção agrícola,

que sem produzir no campo controlam ao mesmo tempo através, de mecanismos de

subordinação, camponeses e capitalistas produtores do campo. As empresas

monopolistas atuam como players no mercado futuro das bolsas de mercadorias do

mundo, e, às vezes controlam a produção dos agrotóxicos e fertilizantes.

Porém, o que raramente está presente na literatura é que o aprofundamento

desse fenômeno dependeu da existência de governos nacionais empenhados na

economia internacionalizada. O processo de mundialização do capital e mais

especificamente da agricultura agroindústria brasileira, criou novas bases para as

relações Estado e empresa, que entram em uma nova dinâmica de alianças. Em

resumo, a base da natureza das novas alianças entre as empresas e os Estados

nacionais está no fato de que essas empresas precisam do Estado nacional para

Page 42: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

30

30

enfrentar a mundialização. Porém, para se mundializar, o Estado nacional precisa

das empresas mundializadas para garantir sua legitimidade. Destaca-se que muitos

desses processos de fusões, associações, aquisições e diversificação/verticalização

de investimentos foram feitas com a participação dos entes federais e subnacionais,

do BNDES e dos fundos de pensão dos trabalhadores das estatais brasileiras.

Os investimentos pioneiros em multimodalidade e diversificação industrial

levados a cabos pelas tradings nacionais contaram com a participação direta dos

entes subnacionais. Os arranjos político-institucionais regionais consolidados em

torno da soja viabilizaram a expansão da área agricultada ao canalizar recursos

sociais para abertura e reforma estradas ao longo da fronteira agrícola, viabilizando

o escoamento da produção. Foi também dessas iniciativas que surgiram cultivos que

fizeram o Centro-Oeste despontar em termos de eficiência e produtividade. Por isso,

o próximo item trata dessas diversas dimensões.

1.3 TERRITORIALIZAÇÃO DAS AGROINDÍSTRIAS: TERRITORIALIZAÇÃO

DOS MONOPÓLIOS E MONOPOLIZAÇÃO DOS TERRITÓRIOS

Nas últimas duas décadas, aumentou o poder econômico e políticos das

grandes corporações, principalmente do setor de grãos, sobre alguns espaços do

território nacional. A soja, principalmente, tem sido um cultivo muito relevante para a

economia nacional e destacada como exemplo de eficiência e de competitividade

agropecuária. Em 2014, com a queda no valor do minério de ferro, o complexo da

soja (em grão, farelo e óleo) tornou-se o principal produto da pauta de exportações

brasileira, representando 14% do valor total.

Ao observarmos desempenho do setor agroindustrial de processamento de

soja no Brasil identificamos o deslocamento geográfico-espacial das unidades de

esmagamento e a nova configuração regional assumida no período recente.

Nas pesquisas de campos verificou-se que as empresas agroindustriais

desenvolveram parcerias nas regiões de fronteira de expansão agrícola para

expandir ainda mais seu poder sobre a produção agropecuária e o controle das

relações com os produtores rurais. Para ambas as partes, esse vínculo foi

Page 43: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

31

31

estratégico, pois a partir dele expandiram sobremaneira a área agricultada nos

biomas amazônico e cerrado e o controle dos custos assegurou a previsibilidade na

qualidade e quantidade de matéria-prima. A difusão rápida das inovações

tecnológicas e a minimização de seus custos de transação fortaleceram suas

posições hierárquicas e ampliaram seus escopo e capacidade de investimento.

Isso permitiu o avanço na monopolização da venda de insumos, a prestação

de serviços e aquisição da produção do agricultor, bem como o controle dos canais

de distribuição, de elementos fundamentais para o seu funcionamento e

crescimento. No caso da soja, objeto específico deste trabalho, identificamos vasta

literatura a respeito do protagonismo nesse setor pelo grupo ABCD, principalmente

nas áreas de expansão do cultivo: o estado do Mato Grosso, em meados dos anos

1990; o Oeste baiano, quase no mesmo período, o Sudoeste goiano e, mais

recentemente, a região conhecida como “Matopiba” – Maranhão, Tocantins, Piauí e

Bahia - além de algumas áreas na região Norte, como é o caso de Humaitá no

Amazonas e Santarém no Pará.

Em apenas dez anos a posição dos grupos empresariais pertencentes ao capital internacional toma a dianteira, forçando um processo de concentração econômica via aquisição de plantas industriais anteriormente de propriedade de famílias brasileiras, além de investimentos em novas plantas, geralmente localizadas nas regiões de expansão do cultivo da soja, que a literatura vem designando como “fronteira agrícola” (WESZ JUNIOR, 2011, p. 18).

A região Centro-Oeste foi estratégica ao desenvolvimento das empresas

multinacionais pelo fato de ser a região que apresenta a maior disponibilidade de

matéria-prima e menor oferta de infraestrutura social, tal como estrutura pública de

armazenagem e acesso a crédito rural oficial. O cooperativismo na área de

esmagamento e comercialização da soja também estavam menos presentes do que

nas regiões de agricultura consolidada do Centro Sul, o que possibilitou a rápida

construção de várias sinergias positivas entre produtores e tradings nas mais

diversas etapas da cadeia. Estes fatores estimularam investimentos massivos,

Page 44: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

32

32

principalmente no estado do Mato Grosso, o que rendeu elevado poder de controle

sobre a capacidade instalada de esmagamento da soja às tradings e um importante

faturamento bruto através das volumosas exportações e importações dali oriundas.

Sobre esse aspecto, Macedo (2010) demostrou:

A região Centro-Oeste é a que melhor sintetiza o esforço de inserção comercial do país e a forma acelerada como as modernas atividades comandadas por grandes empresas globais modificaram o território, adaptando-o a suas necessidades de acumulação, redefinindo, assim, sua inserção na geografia econômica (interna e externa) pela substituição de antigas atividades baseadas em subsistência e na economia natural por modernas produções do agronegócio internacionalizado. Com isso, promoveu-se completa redefinição do uso e ocupação do solo (rural e urbano) e, por consequência, reorientação de sua organização espacial (MACEDO 2010, p.190).

Mas a região Centro-Oeste também é onde a mundialização da agricultura,

tal como descrita por Oliveira (2012), se manifesta de forma emblemática através

dos processos de territorialização dos monopólios e monopolização dos territórios.

Nela se amalgamam os interesses em comum dos monopólios globais e os

processos de ascensão internacional de setores das burguesias nacionais com

apoio dos Estados, palco do controle territorial exercido pelas frações de capitais

nacionais ligados a soja.

Em comum nas estratégias desses grupos esteve a capacidade de exercer o

controle político do território, poder que se manifesta de forma concreta na influência

sobre o sistema de investimento e crédito público no mercado de terras e nas

cadeias agroindustriais articuladas pelas políticas econômicas de Estado como

espaço de acumulação de capital. Esse processo, do ponto de vista da acumulação

de capital, caracteriza pacto de economia política e é fundamentado na organização

dos interesses hegemônicos de classes sociais no interior do aparelho do Estado.

A estratégia de acumulação de capital no espaço do agronegócio retornou

com força nos anos 2000 ante as oportunidades abertas pelo boom de demanda

asiática e da necessidade de geração de divisas patrocinadoras da nova rodada de

modernização dos padrões de consumo (DELGADO, 2012; SAMPAIO, 2005). Essa

Page 45: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

33

33

estratégia retorna com força a partir do boom de comércio exterior e a atuação das

tradings internacionais, mas sempre esteve presente no horizonte das frações do

capital atuantes no Centro-Oeste.

A Região responde por parcelas cada vez maiores das exportações

brasileiras, tendo como base a produção das commodities agrícolas. A expansão da

fronteira agrícola e os avanços tecnológicos nos últimos anos permitiram o

crescimento da agropecuária altamente tecnificada, responsável pela elevação do

Produto Interno Bruto (PIB) nacional no setor, com destaque para os grãos e a

pecuária bovina. A força do agronegócio, que a firmou como fornecedora de

produtos primários, tornou a região responsável por mais de 43% da produção de

grãos do país em 2013.

Só a safra da soja resultou em mais de 35 milhões de toneladas, ou 53% da

produção total – segundo dados da PAM de 2013, do IBGE. Os índices de

produtividade na produção de grãos também são superiores à média nacional –

possível resultado da crescente intensidade do capital aplicado à produção e da

ação da Embrapa. Além disso, a região é líder no abate bovino, com quase 40% do

abate total em peso – também segundo a Estatística da Produção Pecuária de 2012,

do IBGE. Os índices de produtividade na produção de grãos superam a média

nacional – possível resultado da crescente intensidade do capital aplicado à

produção e da ação da Embrapa.

A especialização a que se referem Carneiro (2007), Macedo (2010) e Delgado

(2012) fica evidente na alta concentração da pauta exportadora do Centro-Oeste, a

maior do país. Sua crescente participação nas exportações brasileiras, que se

multiplicou por cinco entre os anos de 1998 e 2014, contribui para o crescimento do

saldo comercial do país. Entre o período citado, a região Centro-Oeste elevou sua

participação nas exportações brasileiras de 2,38% para 12,15%. Apenas o estado do

Mato Grosso responde por mais da metade dessa contribuição, 6,57%. Esse

excepcional desempenho se deve à agropecuária e à agroindústria alimentar que,

juntas, totalizaram, em 2014, US$ 11,5 bilhões. Em 2014 apenas as exportações de

soja e carne responderam por mais de 65% das exportações da região.

Em suma, o Mato Grosso é estratégico ao desenvolvimento das empresas

analisadas pelo fato de ser a federação que apresenta a maior disponibilidade de

matéria-prima, possibilitando a construção de várias outras sinergias positivas. Estes

Page 46: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

34

34

fatores estimularam investimentos massivos no estado, o que rendeu elevado poder

de controle sobre a capacidade instalada de esmagamento da soja e um importante

faturamento bruto às tradings através das volumosas exportações e importações dali

oriundas. Além de atingirem seus objetivos centrais, o Grupo ABCD e Amaggi

contribuem fundamentalmente para a geração de divisas no Mato Grosso, o que

aumenta significativamente o seu poder de negociação com o governo do estado.

Existe um grupo de cidades que se destacam por serem grandes regiões

produtoras e locus principal de atuação dos principais grupos nacionais de

esmagamento e comercialização de soja e derivados. Dentre elas podemos destacar

a microrregião do Parecis-MT, em especial a cidade de Sapezal-MT, onde a Amaggi

inicia seus passos decisivos em direção à consolidação como um dos gigantes do

agronegócio brasileiro.

A forte influência da empresa adentra por Rondônia em direção a Porto Velho,

onde é pioneira no transporte de soja para os portos do norte através do Rio

Madeira. A empresa possui na região capacidade instalada de armazenagem para

800 mil toneladas de grãos. Só em Sapezal, a capacidade chega a 281 mil

toneladas. Possuem ainda empresas não estritamente ligadas à área de

agribusiness, como a Amaggi Construções (na área de construção civil) e a Cidezal,

que é uma empresa de apoio no fornecimento de infraestrutura para Sapezal. Aliás,

essa praticamente surgiu a partir da Fazenda Tucunaré, de propriedade da Amaggi

Agro, que fracionou parte da área da para a instalação da cede do município. A

energia elétrica de Sapezal foi inicialmente suprida por uma usina hidroelétrica da

propriedade do Sr. André Maggi. Estradas, instalações de distribuição de energia,

água, cabos telefônicos e até mesmo casas foram também resultado de

investimentos próprios do Sr. André, conduzidos pela sua empresa Cidezal.

A microrregião do Alto do Teles Pires, também no Mato Grosso, é onde a

Fiagril concentra seus investimentos estratégicos e suas articulações político

institucionais. A microrregião é composta por 9 cidades (Ipiranga do Norte,

Itanhangá, Lucas do Rio Verde, Nobres, Nova Mutum, Nova Ubiratã, Santa Rita do

Trivelato, Sorriso e Tapurah) e localizada em sua maior parte no eixo da BR-163.

Responde por ¼ da produção de soja e 1/3 da produção de milho Mato Grosso.

Sorriso e Nova Mutum são as duas maiores produtoras do Estado, correspondendo

sozinhas por 12% da produção estadual de soja e 16% da de milho.

Page 47: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

35

35

Em especial, três cidades dessa região chamam atenção devido à enorme

capacidade instalada de processamento de grãos, por serem alvo de importantes

investimentos das empresas e serem sede de algumas das maiores empresas

nacionais do agronegócio, incluindo as gigantes nacionais do complexo carnes –

integradas ao negócio de grãos. São as cidades de Sorriso, Nova Mutum e Lucas do

Rio Verde, que além das características acima citadas, também se destacam por

serem o centro de algumas das principais articulações políticas recentes em torno

da produção e agroindustrialização no Brasil.

No ano de 2008, por exemplo, entrou em operação a fábrica de Biodiesel da

Fiagril em Lucas do Rio Verde, com capacidade para produzir 200 milhões de litros

por ano de biocombustível. A Amaggi financiou R$ 111,6 milhões pelo BNDES para a

implementação da planta de esmagamento do grão em Lucas do Rio Verde (MT).

Em junho de 2009, a Bunge inaugurou uma fábrica de processamento de soja

em Nova Mutum, a 264 km de Cuiabá (MT). Com um investimento de R$ 150

milhões, a planta tem capacidade para esmagar 1,3 milhão de toneladas de soja por

ano. É a segunda maior unidade de industrialização de soja da Bunge no Brasil,

sendo que a maior delas se localiza também no estado de Mato Grosso, em

Rondonópolis. Em 2013, a Bunge Brasil inaugurou sua primeira fábrica para a

produção de biodiesel, construída ao lado da esmagadora de soja da empresa no

município. Com investimentos da ordem de R$ 60 milhões, a nova unidade produzirá

aproximadamente 150 mil m3 de biodiesel por ano. Logo em seguida, no início de

2014, desativou sua unidade de processamento de soja em Passo Fundo (RS). A

unidade da Bunge foi desativada, a empresa declarou que a desativação foi

motivada por razões tributárias no Brasil que favoreceram a venda da matéria-prima

em detrimento do produto processado:

Alguns fatores concorreram para esta decisão... Alguns desses

fatores têm impactado as atividades de esmagamento de soja no

nosso país, favorecendo a venda de grãos em detrimento do

processamento de produtos como óleo e farelo (BUNGE BRASIL,

2014)8.

8 Disponível em: < http://br.reuters.com/article/businessNews/idBRSPEA0S2HU20140116 >. Acesso em: 1 out. 2015

Page 48: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

36

36

Segundo dados da conab, ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Fiagril respondem

por 40% das 1,9 milhões de toneladas de capacidade estática de armazenagem em

Lucas do Rio verde. Fiagril e Amaggi possuem as maiores capacidades, a primeira

com 217 e a segunda 215 mil toneladas de capacidade, o que demonstra a

importância estratégica do município para a empresa.

Já em Nova Mutum, apenas as 4 multinacionais apresentavam capacidade de

armazenagem, somando 31% de um total de 1,43 milhões de toneladas. A Bunge

lidera com capacidade de 195 mil toneladas.

Amaggi e Fiagril possuem ainda importante participação no município de

Sorriso, maior município produtor de soja do país, onde disputam com as

multinacionais do grupo ABCD as primeiras posições com capacidade de

armazenagem, sendo Amaggi a terceira e a Fiagril a quinta maior, à frente da LDC.

Destaca-se ainda a região do Sul Goiano, envolvendo as cidades de Rio

Verde-GO até as margens do rio Paranaíba, de itumbiara à São Simão, na

divisa com o triângulo mineiro. A Caramuru Alimentos contava com

investimentos estratégicos na região, maior produtora de soja do Estado, que lhe

possibilitaram estabelecer estratégias alternativas de logística e comercialização,

bem como alianças e parcerias com grupos estrangeiros que fortaleceram sua

inserção global. A empresa é pioneira no transporte de grãos pela hidrovia Tietê-

Paraná e na integração hidroferroviária com a malha viária da MSR. Possui

capacidade instalada de armazenagem de quase, 1,8 milhões de toneladas e 7

unidades de processamento de soja em Goiás, sendo duas de biodiesel, todas no

Sudeste Goiano, no entorno do rio Paranaíba, que faz parte do complexo da hidrovia

Tietê-Paraná.

Esse conjunto de regiões de influência dessas três empresas apresenta uma

série de características em comum. O vertiginoso crescimento econômico e

populacional nas últimas duas décadas, a integração dos complexos grãos-carnes,

com a presença de importantes frigoríficos e das principais indústrias de

esmagamento e a comercialização de grãos são algumas delas. Outra característica

principal de interesse desse trabalho é a oferta deficitária de infraestrutura produtiva,

seja em termos de logística de transportes, energia ou armazenagem, para a qual a

iniciativa privada, na figura das três empresas alvo deste trabalho, proveu soluções

inovadoras e eficazes, ainda que precárias, viabilizando sua exploração econômica

Page 49: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

37

37

ao mesmo tempo em que ampliava sobremaneira o poder exercido por essas

corporações sobre esses territórios.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Neste capítulo, corroboramos, com base na revisão da literatura, com a

hipótese de que o monopólio exercido por essas corporações, centralizado em

porções específicas do território centro-oestino, foi decisivo para alçar essas

empresas à condição de players internacionais capazes não só de sobreviver ao

forte processo de concentração econômico-produtiva e desnacionalização do capital

no setor, mas de expandir-se para além das tradicionais atividades em que eram

especializadas, iniciando ou expandindo seus investimentos em praticamente todos

os elos da cadeia, adotando estratégias pioneiras em termos de abertura de novas

opções logísticas, comerciais e, principalmente, territoriais, movimentos que as

tradings internacionais imitaram depois.

A ideia de que uma corporação avança sozinha, pelas próprias pernas, e

assim conquista o monopólio de determinados setores como mérito por sua

administração eficiente, entretanto, é falsa e perigosa. Esses capitais exerceram

forte influência política na seletividade espacial dos investimentos para o

atendimento aos seus objetivos privados, bem como na abertura de novas frentes de

valorização do capital, configurando aquilo que Oliveira (2012) chamou de

territorialização de monopólios e monopolização de territórios.

Foram os “arranjos de economia política” - ou seja, a capacidades desses

capitais em construir verdadeiras redes regionais de atores políticos e econômicos

solidários aos seus interesses - os principais responsáveis pela implementação e

fortalecimento das estratégias dos grupos nacionais analisados, em especial, nos

espaços onde exerciam maior influência e poder. Só assim obtiveram a expansão

pretendida. As estratégias desses grupos nacionais, adotadas para alcançar tal

resultado, serão analisadas detalhadamente no próximo capítulo, que as diferenciará

daquelas adotadas pelas tradings estrangeiras.

Page 50: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

38

38

CAPÍTULO 2 – EVOLUÇÃO DO MERCADO BRASILEIRO DE SOJA:

DESEMPENHO DAS AGROINDÚSTRIAS NACIOAIS VERSUS

ESTRANGEIRAS 1994-2014

Os processos de reestruturação da economia brasileira, as modificações no

modo de intervenção estatal, alinhados em relação ao mercado internacional, bem

como a forma de organização encontrada por cada empreendimento, conduziram à

conformação do novo desenho setorial nos segmentos da soja. O objetivo deste

capítulo é mensurar a importância que as agroindústrias esmagadoras de soja do

Centro-Oeste têm nesse processo, traçando um paralelo entre seu desempenho no

período mais recente e aquele observado nos momentos imediatamente anteriores e

posteriores ao período neoliberal (pós 1990).

2.1 A ABERTURA DA ECONOMICA BRASILEIRA E A AGROINDÚSTRIA DA SOJA

NOS ANOS 1990.

O início dos anos 1990 foi favorável à expansão da infraestrutura de

esmagamento da soja. A política econômica favorecia a exportação de bens

primários e semielaborados devido à persistente estratégia de geração de saldos

comerciais para o país. As empresas, por sua vez, interessavam-se no óleo e no

farelo de soja pela agregação de valor em relação à comercialização em grão. O

marco regulatório fiscal anterior à Lei Kandir9 ainda não apresentava disparidades

entre o produto in natura e o elaborado no momento da exportação, o que tornava o

esmagamento mais atrativo às agroindústrias pela maior rentabilidade

proporcionada.

Os produtores mais capitalizados, em busca de se apropriar de parcelas cada

vez maiores do excedente, começam um movimento de verticalização, investindo

em atividades complementares à agricultura, como a produção de sementes,

9 A Lei Kandir, lei complementar que entrou em vigor em setembro de 1996, isenta do tributo ICMS os produtos primários, produtos industrializados semi-elaborados e serviços destinados à exportação

Page 51: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

39

39

revenda de insumos, armazenamento, transporte e logística10.

A verticalização em direção ao controle do fornecimento de insumos se torna

especialmente importante nesse período, pois se configura como modalidade de

crédito no período em que o crédito rural oficial é bastante reduzido. Essa inovação

em termos de relacionamento entre produtores e tradings contribuirá para a

expansão do cultivo mesmo em um momento de escasseamento das fontes de

financiamento. Começam a se tornar comuns nesse período as operações

compromissadas de adiantamento dos insumos em troca de parte da produção.

Gráfico 1 – Evolução dos Recursos Oficiais Para Crédito Rural – Valores Constantes

Fonte: Bacen.

Vale destacar ainda que os arranjos político-institucionais em torno da soja e

da renda da terra também se consolidavam no Centro-Oeste. Os cultivares

desenvolvidos pela Fundação MT, inicialmente em parceria com Centro Nacional de

Pesquisa de Soja da EMBRAPA, e posteriormente de forma independente,

permitiram a superação de doenças que atingiam as lavouras do Centro-Oeste e a

expansão para novas áreas de cultivo no cerrado e em áreas de transição.

10 No próximo capítulo será demonstrado que o Grupo Maggi foi um dos que evolui de forma mais agressiva nessa direção, com importantes repercussões sobre a produção.

Page 52: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

40

40

Em 1990, a região respondia por 33% tanto da área plantada de soja quanto

da quantidade produzida no país, contra 53% e 57 % da região Sul,

respectivamente. Desde de então, a região expandiu em termos de área e de

produção, sendo que em 1994 as participações já haviam sido alteradas para 37% e

41% do Centro-Oeste e 48% e 44% no Sul.

Fonte: Conab – Elaboração Própria.

A produtividade média do Centro-Oeste foi o grande diferencial, saindo de

28,4 sacas/ha na safra 1989/1990 para a marca de 39 sacas/ha na safra 1993/1994.

No mesmo período, a produtividade da região Sul evoluiu de 31 para 35 sacas/ha. A

produtividade média da região saiu de 28,4 sacas/ha na safra 1989/1990 para a

marca de 39 sacas/ha na safra 1993/1994. No mesmo período a produtividade da

região Sul evoluiu de 31 para 35 sacas/ha.

-

1.000,0

2.000,0

3.000,0

4.000,0

5.000,0

6.000,0

1990/91 1991/92 1992/93 1993/94 1994/95

Gráfico 2 - Evolução da Área Plantada(ha) - Sul x Centro-Oeste

CENTRO-OESTE SUL

Page 53: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

41

41

Fonte: Conab - Elaboração Própria.

Tamanha evolução permitiu ao Mato Grosso mais do que dobrar a produção

no intervalo de cinco safras, respondendo por mais de 80% do crescimento da

produção no período.

Em relação ao setor externo, os dados obtidos nesse trabalho em relação às

exportações mundiais do complexo soja (grão, óleo e farelo) correspondem a

período mais longo (1991-2001) e atestam que as exportações cresceram 70% (em

volume) ao longo da década, tendo o grão exportado in natura respondido por 81%

desse crescimento, segundo Faostat (2014). Mesmo se comparado à década

seguinte (2001-2011), com o boom de demanda asiática, quando o crescimento, em

termos percentuais seria de 55%, verifica-se um cenário bastante positivo. As

exportações brasileiras do complexo soja cresceram 30% entre 1990 e 1994, tendo

a porcentagem de grãos exportados sem beneficiamento sofrido leve redução de

32% para 29,3%.

Page 54: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

42

42

Fonte: Secex - Elaboração Própria.

Do ponto de vista regional, observa-se clara especialização. Longe do

mercado consumidor e com isonomia tributária, a soja da região Centro-Oeste era

em sua maioria enviada aos estados do Sul e Sudeste, onde a capacidade de

esmagamento herdada das décadas anteriores era muito mais desenvolvida e a

disponibilidade de armazéns, inclusive de propriedade pública ou de cooperativas

era muito maior, reduzindo os custos dessa etapa. Então acontecia a agregação de

valor e o excedente direcionado ao mercado externo.

De acordo com Costa & Tosta (1995), naquele ano o Centro-Oeste contava

com capacidade estática de armazenagem de granéis de 17,4 milhões de toneladas,

sendo em torno de 80% de propriedade privada, em torno de 12,5% de cooperativas

e o restante de entidades públicas. Já na Região Sul, a capacidade era de 27,9

milhões de toneladas, sendo 44,5% pertencentes a cooperativas, 6,5% a entidades

oficiais e os demais 49% a entidades privadas.

Entre as UF's, Mato Grosso contava com capacidade estática de 5,8, Goiás

7,5 e Mato Grosso do Sul 4,1 milhões t. Naquele ano, apenas a Safra de Soja do

Mato Grosso chegou a 5,4 milhões t. Se somadas as safras de milho e arroz, chega-

se a 7,1 milhões t, uma produção 30% maior do que a capacidade estática. Já nos

estados do Sul a Produção desses grãos chegou a 31,6 milhões t, 13% maior do

que a safra desses grãos selecionados.

Isso demonstra que a logística sempre desempenhou papel relevante no

0

2.000

4.000

6.000

8.000

10.000

12.000

14.000

1990 1991 1992 1993 1994

Gráfico 4 - Expotações do Complexo Soja 1990-1994

Sul Centro-Oeste

Page 55: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

43

43

setor de grãos do Centro-Oeste, uma vez que as regiões de produção se

distanciavam cada vez mais das regiões de estocagem e consumo11. Em termos de

governança da cadeia, a etapa de comercialização fortalece-se nas regiões de

fronteira agrícola pela possibilidade de tornar cativa a produção dispersa

territorialmente, através tanto das operações compromissadas de crédito com

liquidação em espécie, quanto da coordenação da logística integrando

logisticamente a vinda de insumos do Centro Sul, onde se localizam as fábricas e

fertilizantes e defensivos, e o escoamento da produção rumo aos portos.

Por essa série de razões, o capital privado desponta com maior protagonismo

nas áreas marginais de ocupação mais recente, entre final dos anos 1980 e início

dos anos 1990. No caso do Mato Grosso, onde as regiões produtoras se localizam a

mais de 2.000km dos principais portos do país, Castro (1995) demonstra que, dentre

as principais agroindústrias pelo critério de ICMS pago, 61% eram empresas de

capital nacional, 20% de capital regional, e apenas 11% de cooperativas e 8% de

capitais internacionais.

Ainda assim, a Ceval, principal empresa de capital nacional no ramo de

esmagamento de soja, até 1995, liderava o ranking das agroindústrias do complexo

soja no Estado em 1991, atrás apenas da Sadia, também esmagadora, seguidas

então pelas Sementes Maggi (CASTRO 1995). Isso refletiu a importância do setor

de esmagamento até então e a concomitante ascensão das empresas organizadas

como tradings. Juntas, Ceval e Sadia concentravam 40% da capacidade de

esmagamento do estado.

Já no caso de Goiás, cujos investimentos em agro industrialização são

anteriores a 1985 e contaram com programas estaduais de incentivo, a presença de

empresas de capital estrangeiro representava 21% e as cooperativas 25%, enquanto

que as de capitais regional e nacional eram de 34,31% e 20%, respectivamente,

sendo 85% delas ligadas ao complexo grãos-carnes.

Verifica-se que estrutura de mercado é mais heterogênea em Goiás. A

presença de cooperativas torna a disponibilidade de grãos mais incerta, uma vez

que parte delas conta com financiamento adequado para diversificar seus

investimentos em direção ao processamento de soja e à integração com frigoríficos

11 Os dados mais recentes obtidos correspondem a 1998 e estão presentes na tabela 2.3.1 quando a capacidade de esmagamento do estado era de 9 mil ton/dia, enquanto nos estados do Paraná e Rio Grande do Sul superando 30 mil ton/dia.

Page 56: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

44

44

(CASTRO, 1995). Os arranjos regionais se apresentavam mais complexos e o

tamanho dos empreendimentos e grau de verticalização apresentava maior

variação.

De qualquer maneira, a Cargill já despontava como principal empresa

pagadora de ICMS em 1991, originando os grãos no Estado, mas beneficiando-os

em suas plantas do Centro-Sul. A empresa atuava por meio da compra antecipada

da safra via entrega se insumos com liquidação em grãos, financiando inclusive a

compra de maquinário em um esquema cruzado com a Maxion, fabricante de

tratores e colheitadeiras. O valor elevado desses bens assegurava vínculo extenso

entre produtores e a empresa. Esta, por sua vez, gozava de posição privilegiada

junto a bancos de investimentos.

A Cargill, diferentemente das outras multinacionais, possuía uma fábrica de

processamento de soja em Uberlândia, nas proximidades do cerrado goiano, porém

do outro lado da divisa estadual com Minas Gerais.

Segundo Castro (1995) as multinacionais, que direcionavam seus produtos

basicamente para os mercados internacionais, não deslocaram suas plantas para as

regiões de maior potencial agrícola do cerrado, devido basicamente a uma

estratégia conservadora, procurando manter boa parte de suas atividades nas áreas

tradicionais.

Grandes players nacionais como Ceval e Sadia não aparecerem entre as

principais agroindústrias de Goiás em 1991, sendo que a Sadia nem mesmo atuava

no Estado, apesar da importância dos frigoríficos naquele momento (45% das

principais empresas pagadores de ICMS em Goiás em 1991 eram frigoríficos). Isso

se explica pelo fato de que ao mesmo tempo em que os arranjos regionais

competem entre si com maior intensidade, restringindo seu espaço de atuação, as

exigências em termos de alavancagem e coordenação para os capitais que

pretendem atuar em larga escala eram maiores no Estado se comparados ao Mato

Grosso.

Ainda de acordo com Castro (1995) a capacidade de processamento em

Goiás em 1992 era de 5.200 ton/dia, divididas em 10 unidades fabris. Nesse ano, a

Caramuru já operava uma planta com capacidade para 1.000 ton/dia, ou seja,

sozinha detinha 20% da capacidade total de processamento do estado em uma

única planta.

Page 57: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

45

45

2.2 O PERÍODO 1994-1999

A implementação do Plano Real terá um duplo impacto sobre o mercado da

soja. Ao mesmo tempo em que a sobrevalorização cambial dificultou as exportações

e barateou os preços internos dos alimentos, pressionando a renda agrícola,

aumentou a concorrência no mercado interno pela entrada das multinacionais no

ramo de esmagamento e produção de alimentos. As margens reduzidas tornaram

fundamental o ganho de escala, a otimização da tecnologia e a negociação de

grandes volumes na redução de custos e ampliação da rentabilidade. Favoreceram,

assim, a crescente concentração da soja, não só nas grandes comercializadoras e

esmagadoras, como nos grandes produtores.

Conforme os dados dos Censos Agropecuários, o número de produtores com

cultivo de soja de 1975 a 2006 foi reduzido à metade – passou de 487 mil para 217

mil. Entretanto, neste mesmo período a área cultivada aumentou 216% e a de

produção 430%, o que evidencia um processo de concentração do cultivo em um

menor número de agricultores ao longo das safras. Mas essa redução não

aconteceu de forma generalizada, mas sobretudo naqueles com menores áreas e

cuja condição social é de maior vulnerabilidade e instabilidade (parceiros e

ocupantes).

Ao analisar os dados dos Censos Agropecuários no intervalo dos últimos

trinta anos disponíveis, percebe-se que o estrato de produtores de soja com menos

de 100 hectares de área total reduziu bruscamente de 1975 a 2006, principalmente

aqueles com menos de 10 hectares. De cada 4 agricultores, apenas um manteve-se

cultivando a soja.

Por outro lado, o número de produtores cujo estabelecimento possui área total

entre 100 e 1.000 (ha) aumentou em termos absolutos. Entretanto, o crescimento foi

muito mais expressivo no estrato com mais de mil hectares, principalmente em

termos de área colhida e produção de soja, ampliada em mais de três mil pontos

percentuais. Este estrato também apresentou os maiores aumentos relativos no

período em análise, passando de 8% da produção e da área cultivada para

aproximadamente 50% do total. Assim, os dados do Censo Agropecuário de 2006

indicam a grande concentração da soja produzida no Brasil, visto que menos de 3%

dos produtores respondem por 50% do grão.

Page 58: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

46

46

Ainda que a soja seja uma commodity que apresente normas técnicas bem

definidas, dentro dos patamares mínimos para as cadeias globais, ela não está

isenta dos processos de (re)qualificação dos mercados que adequam os produtos

aos padrões das transações internacionais e às demandas dos novos agentes no

cenário agroalimentar, como destacaram alguns autores das redes de produção

globais (HENDERSON et al., 2002; COE et al., 2004; Coe Et al., 2007, apud WESZ

JUNIOR, 2011).

Do ponto de vista da produção, ocorreram importantes transformações, com

decisivas inovações tecnológicas na agricultura (plantio direto, uso de sementes

transgênicas, tecnologias de precisão, etc.) e nos processos de gestão (novas

tecnologias de comunicação e informação, profissionalização da administração,

organização das empresas em redes de serviços, etc.) (GRAS E HERNÁNDES,

2013). Conforme Aracri (2005), esses elementos conformam o tripé ciência-técnica-

informação, que assume grande relevância na produção agropecuária

contemporânea.

Isso se traduz em um intenso processo de introjeção tecnológica no setor de

grãos e ampliando as exigibilidades em termos de capacidades empresariais,

padronização a regularidade no fornecimento, intensidade de capital, escala,

serviços de auxílio à produção e, principalmente, de crédito. Tais características

alavancariam os processos de integração vertical no setor industrial e de

comercialização, assim como a consequente concentração e subordinação da

produção no campo.

Essa configuração enfraqueceu as empresas regionais voltadas para a

produção de alimentos ao mercado interno, pois tinham que negociar com grandes

produtores para obtenção de matéria-prima, ao mesmo tempo em que enfrentavam

a concorrência das grandes empresas que implantavam estratégias para

monopolizar a origem dos grãos.

Até mesmo grandes empresas venderam suas unidades de negócio diante do

entendimento de que o mercado de commodities, com baixas margens de

lucratividade, é efetivamente voltado para grandes players internacionais, exigindo

requisitos de escala e de controle das redes de comercialização inatingíveis para

aquelas empresas nacionais (CASTRO, 2002, p. 23).

Tamanha complexidade de competição no ambiento interno, num contexto de

Page 59: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

47

47

queda das margens, fez com que as empresas do complexo de carnes, algumas

entre as maiores esmagadoras do país, adotassem uma estratégia de

desverticalização estratégica, por meio da qual algumas delas focalizaram um

negócio principal, vendendo o segmento menos rentável e competitivo. Sendo mais

vantajoso adquirir o farelo no mercado, empresas como a Sadia venderam suas

plantas industriais de soja, apostando nos produtos diversificados da cadeia

proteica.

Outras ainda venderam suas unidades de negócio por conta do

endividamento diante das condições macroeconômicas adversas.

De fato, as multinacionais entraram no mercado brasileiro de soja investindo

pesado nas diversas etapas da cadeia produtiva, como a produção e venda de

insumos, oferta de financiamento, assessoramento técnico, compra do grão,

processamento, produção de óleo, farelo e mais tarde biodiesel, exportação da soja

in natura e venda de mercadorias prontas para o consumo, tanto no mercado

doméstico quanto internacional. Esta iniciativa, conhecida como verticalização da

produção, além de elevar a margem de lucro, reduzir custos produtivos e de

transação, minimizar riscos e gerar complementaridades e sinergias entre os

diferentes setores, tornou o produtor rural mais dependente de uma mesma

empresa.

Por atuarem no nível global, estarem em diferentes países e de forma

verticalizada, essas empresas fortaleceram o comércio intrafirma transnacional. Um

exemplo é quando a Bunge direciona a produção agrícola do Cone Sul à Ásia e à

Europa, enquanto que estes países enviam fertilizantes para as unidades da Bunge

na América Latina. A atuação global e vertical das empresas transnacionais, além de

dinamizar sua competitividade e ampliar suas margens de lucro, intensifica ainda

mais os processos de internacionalização dos mercados, concentração empresarial

e desnacionalização das firmas.

Frente a esse cenário, em que ao mesmo tempo se amplia a dificuldade de

concorrer no mercado interno e o câmbio valorizado estreita as margens do

exportador, a capacidade de estabelecer logística de movimentação de cargas

eficiente, interligando as regiões produtoras em expansão aos portos com custos

minimamente adequados, converte-se em ferramenta competitiva extremamente

valiosa. Isso porque abrem-se alternativas de comercialização ao mesmo tempo em

Page 60: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

48

48

que a empresa compete pela origem em melhores condições sem que se inviabilize

a exportação.

A partir da entrada em vigência da Lei Kandir, tornou-se mais custosa a venda

para o mercado externo dos produtos processados fora do Estado onde a matéria-

prima é produzida. O esquema abaixo disponibilizado pela Abiove ajuda a entender

o mecanismo:

Figura 1 – Exportação: Tributação do ICMS antes e depois da Lei Kandir (Soja e

Derivados)

Fonte: ABIOVE < http://abiove.org.br/site/index.php >.

Por essa razão, dispor de uma planta próxima às regiões produtoras com

saída eficiente para os portos se torna uma vantagem competitiva ainda mais

determinante para o setor de esmagamento. Isso permite à empresa dar

continuidade à agregação de valor e, consequente, à ampliação da margem de

lucros. A contrapartida é que essa se torna uma condição necessária - porém, não

suficiente - no enfrentamento da avalanche de capital estrangeiro que aportaria no

Brasil naquele momento. Poucas empresas, tais como a Caramuru, usufruiriam

Page 61: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

49

49

dessa alternativa, uma vez que é necessária a conjunção de baixo custo de

matérias-primas (quanto mais distante dos portos, menor é o valor pago pelos grãos

devido às deduções referentes ao custo do frete), custos de logísticos adequados

(transporte e armazenagem) e operação em larga escala.

Nesse sentido, a publicação da Lei Kandir reconfigurou e reestruturou as

empresas esmagadoras de soja à medida em que a isenção de impostos aumentou

as margens de lucro na comercialização in natura e diminuiu a rentabilidade dos

produtos beneficiados pela agroindústria. Essa configuração foi reforçada pela

redução da proteção tarifária praticada pelos países emergentes que apresentam

grande potencial de consumo. Isso ocorreu com a China, que facilitou a compra de

matérias-primas, mas dificultou a aquisição de produtos de maior valor agregado.

Como consequência, esse marco regulatório afetou a competitividade do país

na exportação de produtos industrializados, pois a incidência de menor carga

tributária sobre os itens primários reduziu a parcela de produtos com maior valor

agregado exportados pelo Brasil.

Ocorreu o distanciamento entre a soja produzida e a esmagada no Brasil a

partir de 1995. A partir de 2000, com a mudança na política econômica, esse valor

cai para a casa dos 50%. Isso significa que o setor de exportações amplia sua

concorrência para com o de esmagamento.

Obviamente, as esmagadoras marginais foram expulsas do mercado, não

verticalizadas, sem acesso ao mercado externo, com menor poder de monopsônio,

trabalhando então com elevada capacidade ociosa por conta da concorrência das

multinacionais na originação. As empresas menores, com baixa capacidade de

investimento em “progresso técnico”, ainda verão o diferencial de custos em relação

às plantas maiores se elevar por não acompanharem as mudanças tecnológicas no

ramo de equipamentos, processos e produtos (MAZZALI, 2000).

Há situações em que a construção de uma nova unidade com capacidade maior e com menores custos produtivos acaba por concentrar o esmagamento em um empreendimento, dados os ganhos de escala e escopo, inviabilizando funcionamento de outras plantas menores” (WESZ JUNIOR, 2011, p. 54).

Page 62: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

50

50

O principal reflexo das fusões e aquisições e da expulsão das esmagadoras

menores foi a concentração empresarial e ampliação das escalas de produção, que

podem ser apuradas na figura a seguir:

Figura 2 – Participação no Esmagamento por Empresa (1995 - 2005)

Apud: Wesz Junior (2011).

Page 63: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

51

51

Figura 3 - Capacidade de Esmagamento de Soja no Brasil por Tamanho da

Planta (tonelada/dia) entre 1977 e 2009.

Apud: Wesz Junior (2011).

O período de 1994 a 1998 obrigou as agroindústrias de soja a eliminarem os

concorrentes para aumentar seu poder de compradora no mercado, dar saltos de

etapas no processo de crescimento horizontal, construindo escalas de produção

compatíveis com o novo padrão de desenvolvimento altamente exigente quanto à

incorporação continuada de tecnologia e assegurar o suprimento de matérias-primas

e de canais de distribuição dos bens finais já estruturados pela empresa adquirida e

no caso das multinacionais entrar rapidamente no mercado doméstico, aproveitando

a expansão da produtividade doméstica e da demanda externa.

Wesz Junior (2011) apurou que a Sadia, que vendeu suas plantas industriais

de soja para a ADM a partir de 1997 e “apostou nos produtos diversificados da

cadeia proteica, disputou o segmento de refeições prontas” (CASTRO, 2002, p. 23).

A Matosul vendeu as operações de soja para a Cargill em 1997. A Ceval, Santista e

Incobrasa foram adquiridas pela Bunge e a Coinbra-Dreyfus comprou a Gessy

Lever. Das dez líderes em 1995, apenas 3 continuam controladas pelos mesmos

grupos em 2005, enquanto a sua participação na capacidade de esmagamento

passa de 53% em 1995, para 71% em 2005.

Destaca-se o elevado percentual da capacidade paralisada, como é o caso de

Santa Cataria (58%), Mato Grosso do Sul (36%), São Paulo (31%), Rio Grande do

Sul (30%) e Paraná (22%) apesar da ampliação da capacidade em termos

Page 64: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

52

52

absolutos, em alguns estados.. Isso porque a Lei Kandir promoveu forte impacto do

ponto de vista espacial, atrelando a capacidade de esmagamento à região

produtora.

Em síntese, o período caracteriza-se: i) pela concentração e

desnacionalização no setor de esmagamento; ii) pelo aumento da área média dos

estabelecimentos produtores; iii) pelo aumento das exportações in natura em

detrimento dos produtos processados. Inicia-se também um processo de

reposicionamento geográfico da capacidade de esmagamento, que se consolidara

nos anos seguintes. Assunto da próxima seção.

2.2.1 A nova Regionalização das Esmagadoras de Soja

A Lei Kandir desonera o ICMS na exportação de produtos básicos e semi-

elaborados, mas não na circulação interna. Caso a matéria-prima cruze as fronteiras

estaduais para que seja processada, pagará ICMS. Caso o excedente seja

exportado, o imposto pago não será diferido, uma vez que não há incidência de

imposto nessa etapa.

As empresas de esmagamento localizadas em regiões onde a produção é

reduzida, como nos casos do Estado de São Paulo e de Santa Catarina, ou cujas

vantagens logísticas locacionais para exportação são mais competitivas, como nos

casos do Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e Paraná, sofrem maior

concorrência do setor externo. É justamente nesses Estados onde estava

concentrada grande parte da capacidade instalada de esmagamento de propriedade

de capitais nacionais, regionais e cooperativas.

Em um momento em que a demanda internacional por soja, especificamente

in natura, passa a crescer de forma acelerada, ampliando o esforço para obtenção

do grão nas áreas privilegiadas de acesso ao mercado externo, a concorrência

nesses espaços torna-se controlada por grandes players internacionais, exigindo

requisitos de escala e de controle das redes de comercialização em nível global, a

capacidade de operar com elevados graus de capacidade ociosa, altos volumes de

financiamento (com custos financeiros adequados) e o arbítrio em que lugar do

globo, o que é mais vantajoso à concentração de cada etapa produtiva.

As plantas paralisadas na Região Centro-Sul, pelas razões apresentadas

Page 65: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

53

53

acima, nem sempre voltaram a funcionar. Enquanto isso, nas áreas com condições

inferiores de infraestrutura de transportes, o preço do grão é fortemente afetado

pelos custos logísticos, reflexos da distância até os portos e da precária

infraestrutura de transportes e armazenagem.

Figura 4 – Cotação da Soja (localidades variadas)

Fonte: Safras & Mercado, acessado em 06/08/2015 < http://www.safras.com.br/ >.

A figura acima confirma que o preço pago pelo grão é inversamente

proporcional à distância dos portos e a oferta de armazenagem, chegando a variar

mais de 20% no exemplo selecionado. É justamente nessas áreas, em especial no

Mato Grosso, onde a produção mais se desenvolverá, concomitantemente à maior

inserção do Brasil no mercado internacional de proteínas. Como os custos de

transporte do produto final ao consumidor tem impacto reduzido na cadeia de

proteínas, enquanto a ração fornecida aos rebanhos responde por percentual

elevado dos custos, os frigoríficos também intensificarão seu processo de

Page 66: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

54

54

relocalização espacial. Como exemplo:

Responsável por 60% do custo de um frango, a alimentação é um dos pontos mais críticos da cadeia produtiva e, quando bem administrado, pode representar a maior vantagem competitiva de uma empresa, região ou país produtor (BNDES, 2007, p. 229).

Constroem-se assim os novos fatores locacionais que influirão diretamente no

reposicionamento geográfico das esmagadoras. O deslocamento para o Centro-

Oeste e outras regiões de fronteira intensificando-se intensificou ao longo dos

primeiros anos da década de 2000, quando as empresas construíram novas plantas

industriais no Mato Grosso (Rondonópolis, Cuiabá e Alto Araguaia), Goiás (Rio

Verde e Luziânia), Piauí (Uruçuí) e Amazonas (Itacoatiara). Diante disso, o Centro-

Oeste aumentou a sua participação para 37%, em 2004, enquanto o Sul a reduziu

para um quarto e o Sudeste manteve-se próximo dos 20%.

Ao contrário do Sul e Sudeste, os Estados do Centro-Oeste, principalmente o

Mato Grosso, pela distância dos principais centros consumidores, pela menor

importância regional no cultivo da oleaginosa até início dos anos 90 e pela isonomia

tributária, contava com uma estrutura de esmagamento bem mais reduzida e com

estratégias regionais mais bem consolidadas em torno de empresas organizadas

enquanto tradings, impossibilitando que as multinacionais avançassem rapidamente

através dos processos de Fusões e aquisições no setor de esmagamento, principal

elo de governança da cadeia até então.

Tabela 2 – Capacidade Instalada de Processamento

Região/Estado UF 1998 2000 2003 2006 2009 2012 2014

ton/dia ton/dia ton/dia ton/dia ton/dia ton/dia ton/dia Mato Grosso MT 8.770 10.520 14.500 21.400 29.300 35.486 40.410 Goiás GO 9.660 9.760 10.320 18.800 20.050 21.285 23.585 Mato Grosso do Sul MS 7.480 7.530 6.980 9.360 12.725 10.790 10.590 Distrito Federal DF 600 600 0 0 0 0 0 Paraná PR 36.770 37.730 28.950 32.950 34.150 35.745 35.745 Rio Grande do Sul RS 28.930 28.650 20.100 23.600 28.500 30.560 29.190 Santa Catarina SC 5.210 5.440 4.000 4.034 4.034 2.750 3.200

Page 67: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

55

55

São Paulo SP 13.780 15.350 14.450 16.400 17.780 13.950 14.773 Minas Gerais MG 5.900 5.900 6.350 6.600 6.800 9.100 9.100 Bahia BA 2.750 4.800 5.460 5.500 5.530 6.600 6.691 Piauí PI 260 260 1.760 2.460 2.530 2.800 2.800 Maranhão MA 0 0 0 0 1.500 1.525 1.500 Pernambuco PE 600 400 400 400 400 400 400 Ceará CE 200 200 0 0 0 100 100 Amazonas AM 0 0 2.000 2.000 2.000 2.000 2.000 Rondônia RO 0 0 0 0 0 350 300

Brasil 120.910 127.140 115.270 143.504 165.299 173.441 180.384 Fonte: ABIOVE - COORDENADORIA DE ECONOMIA E ESTATÍSTICA.

É verdadeiro que a entrada ou fortalecimento dos grandes grupos

estrangeiros ficou mais acessível, pois estes independiam de financiamentos

brasileiros para viabilizar seus investimentos em construção de novos parques e a

implementação de novas unidades. Isso se verifica nos dados do Banco Central, que

mostram o crescimento dos empréstimos externos feitos por empresas

multinacionais com filiais no Brasil (Valor Econômico, 27/08/2001). Segundo essa

mesma fonte, em 2001 a Bunge “foi uma das companhias que elevou o volume de

empréstimos de longo prazo de empresas do mesmo grupo no exterior”. A Cargill e a

ADM também adquiriram recursos da matriz, inclusive para apoiar os produtores no

fornecimento de crédito para custeio.

No entanto, será demonstrado no capítulo seguinte que as estratégias

adotadas pelas multinacionais para ampliar sua presença no Centro-Oeste foram

muito mais dependentes da associação com empresas regionais. Diferentemente do

que ocorreu nos estados do Sul e Sudeste, a complexidade da questão fundiária, os

arranjos em torno da renda da terra (grilagem e financiamento extraoficial) e o

controle, inclusive político, da logística com forte presença do Estado e de entes

subnacionas na montagem das estratégias obrigaram as multinacionais a optar pelo

estabelecimento de parcerias estratégicas com os capitais nacionais ali atuantes até

que fosse possível criar suas próprias estratégias individuais, o que nem sempre se

mostrou uma opção, dado que as associações entre essas empresas ampliando-se

ampliou ao longo dos últimos 15 anos.

Foi exigido um esforço acelerado de adaptação do Centro-Oeste às

necessidades de acumulação das modernas atividades comandadas por grandes

empresas globais que redefinisse sua inserção na geografia econômica (interna e

externa) pela substituição de antigas atividades baseadas em subsistência e na

Page 68: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

56

56

economia natural por modernas produções do agronegócio internacionalizado. Com

isso, era preciso promover uma completa redefinição do uso e ocupação do solo

(rural e urbano) e, por consequência, reorientar sua organização espacial.

Do ponto de vista da acumulação de capital, esse movimento caracteriza-se

pelo pacto de economia política e é fundamentado na organização dos interesses

hegemônicos de classes sociais no interior do aparelho do Estado. Esses capitais

exerceram forte influência política na seletividade espacial dos investimentos para o

atendimento aos seus objetivos privados, bem como na abertura de novas frentes de

valorização do capital. Ao mesmo tempo, inviabilizou-se a possibilidade da pequena

e média empresa agroindustrial subsistirem no Centro-Oeste.

Oliveira (2012) trata da ascensão internacional de setores das burguesias

nacionais com apoio dos Estados. As associações entre empresas monopolistas

internacionais com empresas nacionais transformaram a ambas, nas empresas

mundiais. Ou seja, o capital disseminou-se pelos países emergentes, arrebatando

setores das burguesias nacionais, transformando-os em capitalistas mundiais.

2.3 DO BOOM DE DEMANDA EXTERNA À HEGEMONIA DO CAPITAL

ESTRANGERO

Viu-se até aqui que a competição no setor de esmagamento se torna

extremamente desfavorável aos capitais de pequeno e médio porte que operam com

menor escala de produção. Por sua vez, o excedente estadual não processado

internamente passa a ter como principal destino o mercado externo, tornando as

empresas exportadoras, as tradings, um elo importante na cadeia da soja em

estados com baixa capacidade de esmagamento. A primeira década do século XXI

será um período de ascensão das grandes tradings multinacionais no setor agrícola

brasileiro, que passarão a disputar espaço com os grandes grupos nacionais que se

consolidaram ao longo das décadas de 1980 e 1990.

Para o caso específico da soja, motivadas pelo boom de demanda externa e

impulsionada pelos aportes de recursos das matrizes, as multinacionais, a exemplo

do que faziam as empresas nacionais, diversificaram seus investimentos em

Page 69: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

57

57

infraestrutura e ampliaram sua influência no campo, principalmente por meio do

“pacto tecnológico”12.

O sucesso das estratégias adotadas pelas multinacionais alterará

definitivamente as condições de concorrência no mercado da soja, que começavam

a se modificar no final dos anos 1990. As exigências em termos de escala e

capacidade de coordenação consolidam o setor como reduto de grandes capitais

capazes de operar em nível global. Ao longo da década, as empresas nacionais do

grupo ACF se associarão às multinacionais para viabilizar seus negócios, ao mesmo

tempo em que exerciam seu protagonismo no controle do território, no

relacionamento com os produtores e na abertura de novas opções espaciais para

expansão dos cultivos.

Apesar dos anos 2000 marcarem a ascensão das multinacionais no setor

agrícola brasileiro, a associação com os capitais nacionais também alçou as

empresas do grupo ACF à condição de grandes players do setor. A partir da segunda

década do século XXI, essas empresas darão seus primeiros passos no sentido da

internacionalização.

2.3.1 Os anos 2000

Foi visto que Goiás e Mato Grosso apresentavam aumento expressivo da

produção com forte direcionamento ao mercado externo. No caso o Mato grosso, em

apenas cinco anos, entre 1997, ano em que as multinacionais começam as

aquisições no Centro-Oeste, e 2002, quando começam a expansão da capacidade,

as exportações do complexo soja cresceram 284%. Nesse período, os portos do

Norte (Manaus e Itacotiara) participaram de modo importante do escoamento dessa

produção. Em 1998, foram responsáveis por 36% do escoamento da safra, à frente

de Paranaguá (34%) e São Francisco do Sul (19%). Em 1999, esse movimento ficou

um pouco atrás de Paranaguá, 30,8% contra 33%. Apenas no ano 2000 é que o

12 O Pacote Tecnológico é um tipo de operação compromissada entre compradores e produtores que permite que os compradores, no caso as tradings, controlem de perto todo o processo produtivo. O arranjo envolve a oferta, por parte do comprador, de financiamento da produção, através do fornecimento dos insumos (sementes, fertilizantes e defensivos), de assessoria técnica, para escolha adequada dos insumos que melhor se adaptem às condições edafoclimáticas da região do produtor e a compra antecipada de parte da produção, garantindo que o produtor cubra pelo menos seus custos. Dados os riscos inerentes à atividade agrícola, esse tipo de arranjo torna-se vantajoso para ambas as partes ao assegurar às comercializadoras previsibilidade na qualidade e quantidade de matéria-prima, a rápida difusão de inovações tecnológicas e a redução dos seus custos de transação.

Page 70: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

58

58

porto de Santos começa a ter maior importância para o escoamento da produção

estadual, com 34% (Paranaguá 30%, Itacoatiara/Manaus 24%).

Vale lembrar que o Grupo Maggi deteve o monopólio do transporte de grãos

pela hidrovia do Rio Madeira entre os anos de 1997 e 2003. Os dados mais recentes

disponíveis de exportações Estaduais por empresa datam exatamente de 2003.

Esse período corresponde ao início da ampliação da capacidade instalada de

esmagamento das multinacionais no Centro-Oeste. Naquele ano, a Amaggi ocupava

a segunda posição no ranking de empresas exportadoras do Estado de Mato

Grosso, logo atrás da Bunge. No ano de 2004, a Bunge liderou o ranking com

diferença mínima em relação a Amaggi, com participação de 17,93% no total de

exportações contra 17,47%, bem à frente da terceira colocada, a ADM, com 11,5%.

Coimbra-Dreyfus (6,42%) e Cargill (4,78%) completavam o quadro das cinco

maiores exportadoras do estado, concentrando 58% das exportações.

Os dados atestam a importância do controle da infraestrutura para as

estratégias empresariais. Em 2003, a Fiagril, não contava com unidade de

processamento e aparecia como 15ª maior exportadora do estado o Mato Grosso. A

Fiagril centralizava suas operações na maior região produtora de grãos do estado.

Segundo a dados da Conab, a defasagem entre produção de grãos (soja, milho e

arroz) e capacidade estática de armazenagem de granéis chegava a 30% da safra

em 1995. Até aquele momento, a capacidade esmagamento na região era reduzida,

6.600 ton/dia em 1992, 8.770 ton/dia em 1998. As primeiras unidades de grande

porte das multinacionais começam a ser implantadas em 2002.

Em entrevistas realizadas por Castro (1995) junto às esmagadoras, tais como

Sadia e Ceval, uma das vantagens em se trabalhar nas regiões de fronteira agrícola

em ascensão eram, entre outras:

(…) o fato de os produtores agrícolas negociarem diretamente com a indústria, depositando a soja diretamente nos seus armazéns, ao contrário do Sul e Sudeste, onde a presença de cooperativas fortalece a posição dos agricultores pulverizados (CASTRO, 1995, p. 102).

Page 71: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

59

59

Numa região em que até mesmo as indústrias de processamento eram

reduzidas, eleva-se o poder das empresas ligadas à armazenagem e

comercialização, como é o caso da Fiagril, que ainda trabalhava com as

modalidades de crédito e importação e revenda de insumos. Tal procedimento abriu

margem para a coordenação de logística eficiente de movimentação de grãos,

ampliando as taxas internas de lucros das empresas em detrimento das atingidas

pelos produtores.

Já a Caramuru apresentava forte liderança nas exportações estaduais em

Goiás nos anos de 2003 e 2004. A empresa ascendeu a essa condição em um curto

espaço de tempo. Com uma planta de grande escala operando desde 1986, numa

das regiões mais produtivas do estado, com integração logística multimodal numa

localização privilegiada quanto ao acesso ao mercado externo, a empresa

concentrou 17,39% das exportações estaduais em 2003, seguida por Sementes

Selecta com 9,13% e Bunge alimentos 9%. Em 2004 sua participação alcança os

20,74%, novamente seguida por Sementes Selecta com 12,29% e Bunge alimentos

9,77%. Desde de 1995, a empresa é a principal movimentadora de cargas da

hidrovia Tietê-Parana. Naquele ano Instalou uma fábrica de processamento de soja

em São Simão (GO) e um terminal hidroviário para escoamento da produção pela

hidrovia Paranaíba-Tietê-Paraná, com integração ao modal ferroviário em

Pederneiras-SP, para escoamento até o Porto de Santos.

Em 1995, a empresa já possuía 3 unidades de processamento de soja em

Goiás, próximas das regiões produtoras, somando a redução dos custos do

transporte intermodal à vantagem tributária de processar a matéria-prima dentro do

estado produtor. Como foi possível apurar, uma delas tinha capacidade de

processamento de 1.000 ton/dia. Os dados mais antigos disponibilizados pela

Abiove apontam que a capacidade de processamento instalada em Goiás, em 1998,

era de 9600 ton/dia. Isso significa dizer que apenas uma unidade da Caramuru

concentrava os 10% de toda capacidade instalada de processamento de Goiás.

Ainda em 1999, por meio de acordo operacional com a Citrosuco/Fischer,

aplicaram-se US$ 4 milhões no Porto de Santos, no armazém XL, com capacidade

de 65.000 toneladas, e US$ 1 milhão na construção do terminal hidroferroviário em

Pederneiras-SP, com capacidade para armazenar 60.000t de produtos. Em 2000,

inicia-se a parceria com a ALL – América Latina Logística do Brasil S.A. no Terminal

Page 72: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

60

60

XXXIX, com capacidade estática de 180 mil toneladas de grãos e farelo. Em 2003,

adquiriu cinco locomotivas GE C-30 e 102 vagões graneleiros Hopper, com 100m³ e

125m³ de capacidade para operar no trecho ferroviário entre o terminal da Caramuru

em Pederneiras e o Porto de Santos.

Constata-se que as empresas regionais de esmagamento e comercialização

de grãos do Centro-Oeste tiveram grande protagonismo no desenvolvimento desse

setor até o início dos anos 2000. A partir de então, as operações das multinacionais

arquitetadas na segunda metade da década de 1990 consolidam-se, calcadas no

aporte de recursos das matrizes13, nas alianças com as empresas nacionais líderes

e no avanço sobre regiões onde as tradings nacionais ainda não possuíam maior

influência. Apesar de Amaggi, Fiagril e Caramuru manterem suas posições relativas,

verifica-se que grande parte do incremento nas exportações a partir de 2003 foi

absorvido pelas multincionais14.

Tabela 3 - Principais Empresas Exportadoras – Mato Grosso (2004-2010)

Fonte: Secex - Elaboração Própria.

Não é possível obter dados das exportações de produtos por empresa,

13 Algumas vezes somados aos aportes do BNDES, seja de forma direta ou por meio de arranjos com empresas nacionais ou estrangeiras dos setores de logística. 14 Entre os anos de 2005 e 2010 o faturamento da Louis Dreyfus Commodities (LDC) no Brasil ampliou-se de R$ 3,2 bilhões para R$ 10,8 bilhões em 2010. Nesse período, foram investidos antes dos R$ 3,2 bilhões. CEO da LDC para a região norte da América Latina, que inclui o Brasil, declarou naquele ano: “Temos tido um retorno de 30% dos investimentos que fizemos e gerado caixa para investir. Por isso não tem sido necessário, por exemplo, abrir o capital.” < http://www.zaninionline.com.br/posts/dreyfus-planeja-investir-r-7-bi-no-pais-ate-2016/ >.

2004 (Jan/Dez) 2010 (Jan/Dez)

Colocação EMPRESAS US$ F.O.B. Part% Colocação EMPRESAS US$ F.O.B. Part% Cresc.

1 BUNGE ALIMENTOS S/A 556.216.209 17,93 1 BUNGE ALIMENTOS S/A 1.661.841.622 19,66 198,78%

2 AMAGGI EXPORTACAO E IMP 542.093.485 17,47 2 ADM DO BRASIL LTDA 940.625.591 11,13 162,64%

3 ADM DO BRASIL LTDA 358.148.998 11,54 3 AMAGGI EXPORTACAO E IM 894.823.520 10,59 65,07%

4 COINBRA S/A 199.054.448 6,42 4 CARGILL AGRICOLA S A 831.954.763 9,84 460,88%

5 NAO CONSTA NO CADASTRO 159.648.184 5,15 5 LOUIS DREYFUS COM 710.960.464 8,41 257,17%

6 CARGILL AGRICOLA S A 148.331.218 4,78 6 JBS S/A 387.618.793 4,59 -%

7 DENOFA DO BRASIL SA 99.027.460 3,19 7 SADIA S.A. 344.193.655 4,07 461,41%

8 INLOGS LOGISTICA LTDA 94.927.001 3,06 8 MULTIGRAIN S.A. 305.357.491 3,61 -%

9 FRIBOI LTDA 90.549.242 2,92 9 BRF - BRASIL FOODS S.A. 237.841.630 2,81 -%

10 SADIA ALIMENTOS S/A 61.308.543 1,98 10 NOBLE BRASIL S.A. 184.121.139 2,18 -%

30 FIAGRIL LTDA 8.786.982 0,28 12 CARAMURU ALIMENTOS S/A. 135.030.712 1,6 -%

26 FIAGRIL LTDA 25.705.031 0,3 192,54%

Page 73: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

61

61

entretanto a análise das exportações dos Estados de Goiás e principalmente do

Mato Grosso nos inteiram do que acontece no mercado da Soja. Em média, 75%

das exportações desse Estado correspondem ao complexo soja e milho, cultura

largamente utilizada como rotação no plantio direto da soja e que, na maioria das

vezes, é negociada de forma semelhante com as mesmas tradings.

Entre 2004 e 2010, a participação do Grupo ABCD nas exportações do Mato

Grosso subiram de 40,6% para 48,5%. Do incremento total das exportações do

Estado na comparação entre 2004 e 2010 (5,02 Bilhões), 56% (2,83 bilhões) foi obra

desse Grupo.

Já a economia goiana é mais diversificada, com maior presença da indústria

de transformação e serviços de transporte e logística fortemente apoiados em

programas estaduais de incentivos fiscais. Ainda assim, o Grupo ABCD avançou

consideravelmente nas exportações estaduais entre 2004 e 2010 em termos

percentuais. A concentração das exportações por essas empresas subiu de 14,7%

para 21,7%, respondendo por 24% do incremento das exportações.

Tabela 4 - Principais Empresas Exportadoras – Goiás (2004-2010)

Fonte: Secex - Elaboração Própria.

Num primeiro momento, verifica-se que os IDE não vieram para se somar ao

patrimônio existente e não tiveram o caráter de complementação e diversificação da

2004 (jan/Dez) 2010 (jan/Dez)

Colocação Empresa US$ F.O.B. Part. % Colocação Empresa US$ F.O.B. Part. % Cresc.

1 CARAMURU ALIMENTOS LTDA 292.825.114 20,74 1 MINERACAO MARACA 504.658.668 12,48 -%

2 SEMENTES SELECTA LTDA 173.553.541 12,29 2 BRF - BRASIL FOODS S.A. 441.280.219 10,91 -%

3 BUNGE ALIMENTOS S/A 137.923.948 9,77 3 CARAMURU ALIMENTOS S/A. 307.557.206 7,6 5%

4 PERDIGAO AGROINDUSTRIAL S/A 110.523.887 7,83 4 BUNGE ALIMENTOS S/A 299.804.988 7,41 117%

5 FRIBOI LTDA 86.206.585 6,11 5 JBS S/A 244.879.883 6,05 -

6 SERTAO MINERACAO LTDA 44.187.878 3,13 6 LOUIS DREY FUS BRASIL S.A. 242.755.524 6 785%

7 MINORCO LIMITADA 43.807.941 3,1 7 MINERVA S.A. 213.059.370 5,27 -%

8 SAMA - LTDA 40.090.810 2,84 8 ADM DO BRASIL LTDA 209.607.655 5,18 610%

9 35.392.849 2,51 9 MINERACAO SERRA GRANDE 191.489.652 4,73 -%

10 ADM DO BRASIL LTDA 29.519.421 2,09 10 GRANOL INDUSTRia SA 133.811.348 3,31 -

11 DREY FUS/COINBRA S/A 27.432.172 1,94 11 CARGILL AGRICOLA S A 125.581.373 3,1 421%

14 CARGILL AGRICOLA S A 24.106.828 0,95

COOPERATIVA INDUST DE CARNES

Page 74: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

62

62

estrutura produtiva, mas simplesmente avançaram sobre as plantas já existentes,

trocando os empresários nacionais por estrangeiros. As multinacionais aproveitaram

o vácuo deixado pelo total abandono à possibilidade do projeto de desenvolvimento

para o país e pela ausência crônica de capital financeiro nacional capaz de

coordenar a integração competitiva entre os capitais nacionais.

Até 1995, somente a Cargill possuía três unidades de esmagamento de soja

no Brasil. Após intenso processo de fusões e aquisições, ADM, Bunge e Dreyfus

também tiveram controle sobre a propriedade das unidades de beneficiamento do

grão, chegando em 1997 a 20 agroindústrias (WESZ JUNIOR, 2011). Entre 1998 e

2002, a capacidade instalada em Goiás não se alterou, no Mato Grosso do Sul se

reduziu, enquanto que em Mato Grosso cresceu 30% pela ampliação e

modernização de plantas.

A partir de então, impulsionadas pelo boom de demanda internacional, as

multinacionais expandem no setor de esmagamento de forma conservadora15, com a

modernização e ampliação de plantas localizadas estrategicamente próximas às

áreas de elevada produção e distantes dos principais portos, porém, com ligação

imediata com as principais vias de escoamento. Posteriormente, com uma demanda

doméstica adicional do setor de carnes e biodiesel, começarão sua expansão com

novas plantas.

Ainda que o principal aumento na demanda internacional seja por grãos in

natura, e de ter sido dessa forma que se deu a grande expansão das exportações do

Centro-Oeste, a dupla possibilidade – de beneficiar ou simplesmente exportar in

natura – permite manobras importantes e fundamentais para o aumento da

rentabilidade das empresas, pois possibilita que elas façam opções conforme o

contexto presente16.

15 O plano Nacional de Produção e Uso de Biodiesel, por exemplo, confirma o carácter especulativo e mercantil das esmagadoras estrangeiras. A adesão ao plano se deu majoritariamente pelas empresas brasileiras, principalmente num primeiro momento, anterior à crise internacional que afetou algumas das economias centrais. 16 No quarto trimestre do exercício 2014, encerrado em 30 de setembro, a ADM, como a Bunge, registrou queda das vendas e aumento do lucro líquido. A receita caiu 15,3% em relação ao mesmo período do ano passado, para US$ 18.1 bilhões, enquanto o ganho aumentou quase 57%, para US$ 747 milhões. Com a retração dos preços do milho que afetou o faturamento com vendas, o resultado operacional das atividades de processamento do cereal, inclusive para a produção de etanol nos EUA, quase dobrou e alcançou US$ 356 milhões.

Page 75: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

63

63

Tabela 5 - Exportações Mundiais do complexo soja período 1961-2011 (t)

Fonte: Faostat 2014.

A logística complementa essa estratégia de consolidação das grandes

tradings. A enorme distância dos portos, o custo elevado do transporte rodoviário, a

baixa oferta de outros modais e as necessidades de escala, verticalização e

alavancagem financeira para atuar nesse contexto tornam ainda mais complexa a

competição no ramo de comercialização por parte das empresas de menor porte.

Em 1996 - a trading Esteve Irmãos anunciou sua saída do negócio de soja, alegando que o cenário competitivo do setor iria acirrar em função da necessidade de se entender precisamente aspectos de logística e infraestrutura e efetuar pesados investimentos nesta área (JUNIOR et al 2006, p.15).

A região de Rondonópolis e o Sul Goiano, por configurarem importantes

entroncamentos logísticos de vias que se originam nas principais regiões produtoras

com acesso aos principais portos, foram as que inicialmente mais receberam

investimentos em ampliação e modernização de plantas antigas.

Ano 1961 1971 1981 1991 2001 2011

Soja em grão 4.173.433 12.338.094 26.218.980 27.191.302 56.959.901 91.021.479

Óleo de soja 390.592 1.333.010 3.489.350 3.618.013 8.524.995 10.003.845

Farelo de soja 1.189.279 6.277.986 20.155.074 26.782.150 43.431.572 64.907.007

total 5.753.304 19.949.090 49.863.404 57.591.465 108.916.468 165.932.331

Page 76: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

64

64

MAPA I – Em Destaque Mesorregião do Sul Goiano

FONTE: Rio Verde (2013).

Rondonópolis é cortada pela BR-163, que liga a principal região produtora do

Mato Grosso, e pela BR-070, que se encontram com a BR-364, seguindo até

próximo à divisa com o estado de São Paulo, passando por Rio Verde-GO e

chegando até o porto de São Simão, para daí articular-se com os trilhos da Ferroban

(antiga FEPASA - Ferrovia Paulista S.A.) e seguir até o porto de Santos.

O Sul Goiano, por sua vez, recebe a continuação das BR-153, BR-158 e BR-

06017, além da citada BR-364, que margeia o município de Rio Verde, um dos que

mais estratégicos para os Complexos Grãos e Carnes. A elevada e crescente

produção de grãos fez com que o município liderasse o recebimento de recursos do

FCO no período de 2004 a 2008, pouco mais de 247 milhões de reais.

Posteriormente, com a junção entre elevada produção e as melhorias na BR-

163, as novas plantas foram se localizaram no eixo BR-163 rumo ao norte, entre

Nova Mutum e Sorriso. As melhorias no transporte abriram a dupla possibilidade de

escoar a produção no sentido Sul/Rondonópolis, até o terminal Ferroviário da ALL,

ou no sentido Norte/Santarém, até o porto daquela localidade.

17 Outra importante rodovia federal corta a região: a BR-452, que liga Rio Verde a Itumbiara-GO. Também, a GO-174 corta Rio Verde no sentido norte-sul, sendo o corredor pelo qual a produção de grãos de Rio Verde alcança São Simão (150km de distância), porto goiano da Hidrovia Paranaíba-Tietê-Paraná.

Page 77: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

65

65

Tabela 6 – Novas Unidades de Processamento de Soja em MT e GO ( Empresas

Selecionadas)

(1) No início de maio daquele ano, a Cooperativa Mista dos Produtores Rurais do Sudoeste Goiano (Comigo) inaugurou em Rio Verde uma indústria de processamento de soja com capacidade de processar 2,5 mil toneladas/dia de soja. Com investimentos de R$ 50 milhões, a cooperativa passou a esmagar até 3,5 mil toneladas por dia. Considerada a principal cooperativa do Centro-Oeste, a Comigo industrializa rações, fertilizantes, laticínios, suplemento mineral, além de outros produtos. (2) Naquele, a Dreyfus, então Coinbra, encerrou as operações de esmagamento de soja nas unidades de Londrina (PR) e Cruz Alta (RS) e ampliou a capacidade de processamento nas fábricas de Ponta Grossa (PR) e Jataí (GO), passando de 1.000 para 2.000ton/dia na segunda (Do Valor

Econômico, 01/2005)

Ainda no que se refere à logística, a atuação dessas multinacionais nas

diversas etapas da cadeia em que fizeram investimento se concentrarão inicialmente

no corredor de exportação tipicamente rodoviário do Centro-Oeste, onde se

observou o incremento na movimentação pelas BR-163 e BR-153 e mais

recentemente pelo sistema de ferrovias que ligam aos portos de Santos e

Paranaguá. O Caos logístico que será tão denunciado e discutido está diretamente

ligado às escolhas dessas multinacionais. Pode-se dizer que as mesmas não

abandonaram a “estratégia conservadora” a que se referiu Castro em 1995.

Como forma de garantir a ampliação das movimentações de carga frente à

precária infraestrutura intermodal herdada da fase de sucateamento dos anos 1990,

a solução dessas empresas foi optar pela otimização do transporte rodoviário, mas

Localização Recursos BNDES

Ano Empresa da Unidade / Planta UF Capacidade (Milhões R$)

2004 Cargill Rio Verde (1) GO - -

2004 Coinbra Alto Araguaia (2) MT 3.000 72

2005 Caramuru Ipameri GO 3.000 11

2006 Caramuru São Simão GO Biodiesel 23

2007 Fiagril Lucas do Rio Verde MT Biodiesel 29

2008 Amaggi Lucas do Rio Verde MT 3.000 112

2009 Bunge Nova Mutum MT 3.600

2009 Cargill Primavera do Leste MT 3.000 165

2012 Caramuru Sorriso MT 626 68

2013 Bunge Nova Mutum MT Biodiesel

2015 Caramuru Itumbiara GO Biodiesel

Page 78: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

66

66

flexível, cuja expansão da oferta pode se dar de forma dispersa no tempo e com

exigências de founding muito menores por parte das empresas do setor.

A opção por direcionar para o mercado externo o produto in natura torna o

escoamento da safra mais concentrado no tempo, pulando a etapa de armazenagem

nas regiões produtoras (nas quais não se dispunha, tão pouco se investiu de forma

mais contundente em armazenagem), preferindo, se necessário, armazenar os

grãos nos terminais portuários a fim de dar escala para o transporte marítimo até os

destinos internacionais.

Tanto Cargill, quanto Bunge, ADM e Dreyfus, investiram principalmente no

aumento da capacidade de armazenagem, carregamento e embarcação nos

principais portos brasileiros do centro-sul (Rio Grande/RS, São Francisco do Sul/SC,

Tubarão/SC, Paranaguá/PR, Santos-Guarujá/SP,Vitória/ES). A maioria desses

investimentos ocorreu por meio de parcerias, a fim de garantir maior grau de

utilização e taxa de retorno compatível com o investimento18.

Sempre que possível, substituía-se ainda o armazém convencional pelos

caminhões, tornados silos ambulantes nas filas de espera das zonas portuárias,

dada a capacidade limitada de descarga dos principais portes brasileiros.

Segundo Junior (2008), no seu estudo sobre a hidrovia Tietê-paraná.

(…) a Cargill utiliza muito pouco a intermodalidade e a Hidrovia Tietê-Paraná para transportar suas commodities, sendo predominante o escoamento destas até o porto de Santos-SP através do modal rodoviário. Tal fato elucida o contexto nacional, pois há uma opção pelo transporte rodoviário de cargas em detrimento dos modais ferroviário e hidroviário interior (JUNIOR, 2008, p. 220).

Valente (2013) afirma que a utilização de caminhões com sobrepeso e a não

observação das leis trabalhistas em relação aos motoristas tornam o transporte

rodoviário competitivo. Segundo declaração recente do presidente da ADM no Brasil,

constata-se que o maior número de caminhões no mercado [decorrente do crédito

mais barato para compra de caminhões] foi providencial para manter o elevado

poder de mercado das tradings na fixação dos preços de transporte, que são

18 Cargill Agrícola (60%) e da Louis Dreyfus Commodities (40%) possuem uma joint venture no Terminal Exportador do Guarujá (TEG) para operação de grãos e o Terminal Exportador de Açúcar do Guarujá (TEAG). A Bunge divide desde 2006 um terminal no porto de Santos com a Amaggi e a ALL o Terminal Graneleiro do Guarujá (TGG), construído com 175 milhões de financiamento do BNDES. O Terminal de Grãos do Maranhão (Tegram), construído no Porto de Itaqui, é uma joint venture da Amaggi e Louis Dreyfus.

Page 79: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

67

67

contratados por um preço praticamente de monopsônio, diante do mercado

competitivo de oferta de fretes em expansão versus a capacidade que as grandes

comercializadoras planejam de forma mais eficiente em sua logística, de acordo com

sua capacidade estática de armazenagem.

A Mosaic, Joint Venture entre a Cargill e IMC Global (International

Management Corporation), por exemplo, conta no Brasil com unidades de

fertilizantes localizadas em Cascavel e Paranaguá (PR), Passo Fundo e Rio Grande

(RS) e Cubatão (SP); localidades privilegiadas em relação aos portos. Percebe-se

que esse arranjo possibilita a obtenção de carga nos dois sentidos dos principais

eixos de escoamento da safra de soja, o que barateia o custo de transporte, gerando

o “frete de retorno”. Os principais portos de escoamento de grãos utilizados pela

Cargill têm sido Santos (SP), Paranaguá (PR), Rio Grande (RS) e São Francisco do

Sul (SC).

O exemplo acima revela a outra faceta das estratégias das multinacionais.

Além do processamento e comercialização da soja, as multinacionais se envolveram

com a exportação de milho, na produção e venda de fertilizantes, oferta de

financiamento, compra do grão, armazenagem, processamento da produção e

venda de mercadorias prontas para o consumo e têm grande presença no setor de

sementes e defensivos19.

A Cargill começou a atuar no elo de fertilizantes no Brasil em 1994, mas é a

partir de 1998 que sua estratégia de verticalização se desenha de fato, quando

adquiriu uma fábrica em Candeias/BA e posteriormente obteve o controle da

Solorrico S.A. Conquistou em 2000 o controle acionário da Fertiza e em 2001 ela é

incorporada à Solorrico. Em 2004, Cargill e IMC Global (International Management

Corporation) se uniram e formaram a Mosaic.

Em 1997, a Bunge comprou a Iap e, em 1998, incorporou a unidade de negócios de fertilizantes da Elekeiroz, além de adquirir parte do capital da

19 Além disso, o IDE refletiu as estratégias globais dessas empresas, atraindo seus parceiros à montante e à jusante, que seguiram as mesmas estratégias de F&A e Joint Ventures no Brasil promovendo a concentração em outros setores, como o de sementes e máquinas agrícolas. Segundo entrevistas realizadas junto aos representantes dos produtores, os “pacotes tecnológicos” vendidos nos contratos de originação com os produtores envolvem a utilização de determinados insumos, originários dessas parcerias estratégicas. Como exemplo, a Solae Company (joint venture entre a Bunge e a DuPont) produzia 90 mil toneladas anuais de proteína de soja, localizada em Esteio (RS).

Page 80: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

68

68

Takenaka, detentora da marca Ouro Verde. Em 31 de agosto de 2000, nasceu a Bunge Fertilizantes, formada pela incorporação da Fertilizante Serrana à Manah, cujo controle foi adquirido em abril do mesmo ano pela Bunge. Hoje, a Bunge Fertilizantes, com suas marcas Iap, Manah, Ouro Verde e Serrana, é a maior empresa de fertilizantes da América do Sul e líder no segmento de nutrição animal. (WESZ JUNIOR, 2011, p. 81)

Desde 2001, a Bunge Fertilizantes aparece como uma das maiores empresas

importadoras do País. Naquele ano registrou o 13º lugar no ranking. Em 2013, ainda

aparecia entre as 40 maiores, com US$ 794 milhões em importações.

Posteriormente, em 2013, a Bunge acordou definiticamente com a Yara International

ASA, que adquiriu o negócio de Fertilizantes da Bunge Brasil. Em 2000, a Yara

adquiriu os Adubos Trevo e estabeleceu sua sede em Porto Alegre (RS). Em 2006, a

Yara adquiriu também a Fertibrás e assumiu a segunda posição no mercado

nacional20.

Figura 5 – F&A no Setor de Fertiliantes (1996-200)

A

pud: Wesz Junior(2011).

20 O acordo assinado com a Yara previu ainda que esta forneça produto à Bunge e, assim, à empresa poderá manter o negócio de troca de fertilizantes por grãos com produtores rurais como parte de suas atividades na originação.

Page 81: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

69

69

Em 2003, as empresas Bunge e Amaggi assinaram o contrato pelo qual a

Amaggi aluga parte de sua capacidade no porto de Itacoatiara/AM para a Bunge, no

qual possibilita o escoamentos dos produtos desta multinacional pelo norte do país.

Em 2007, já consolidada como grande player no sul de Goiás, inclusive possuindo

planta com capacidade de esmagamento de 4.000 ton/dia operando em Luziânia,

fecha acordo com a Caramuru para utilizar sua estrutura de armazenagem e mover

grãos pela hidrovia Tietê-Paraná e ferrovia até o porto de Santos. A operação

reduziu os custos de transporte para a multinacional, mas permitiu que a Caramuru

continuasse a obter grãos em quantidade suficiente para suprir suas plantas na

região do Rio Paranaíba. Até então esta sofria a concorrência crescente do Grupo

ABCD na região pela originação.

A ADM chegou ao Brasil em 1997, e, paralelamente ao investimento no

segmento de esmagamento, adquiriu duas misturadoras terceirizadas de

fertilizantes. Na divisão de logística, A ADM inicia suas operações intermodais em

Santa Maria da Serra - SP (rio Piracicaba), adquirindo concessão para navegação

em 1996 por meio da subsidiária SARTCO. Utiliza sua rede logística para transportar

mais de 15 milhões de toneladas de produtos todos os anos por estradas, ferrovias e

hidrovias, oferece transporte fluvial nas hidrovias Tietê-Paraná e Paraguai-Paraná, e

tem operações nos portos de Santos (SP), Tubarão (ES), Paranaguá (PR), São

Francisco do Sul (SC), Rio Grande (RS), Ponta da Madeira (MA) e Aratu (BA). A

empresa conta com 23 rebocadores, 73 barcaças, 140 vagões e 180 caminhões.

O Grupo Louis Dreyfus produz e comercializa fertilizantes somente em 2008.

A estratégia foi adquirir misturadoras já existentes no mercado brasileiro. Entre as

motivações do investimento esteve o aumento do preço dos adubos, que cresceu

três vezes de 2007 para 2008, e a tentativa de se aproximar dos instrumentos

usados pelos demais concorrentes, a expansão do consumo de fertilizantes no país

e a viabilidade de usar o insumo como moeda de troca para aquisição das safras

futuras. Em 2002, o grupo já havia comprado o terminal da Comercial Quintella, em

Pederneiras-SP, a qual presta serviços de movimentação de cargas para o grupo na

hidrovia desde 1996.

O resultado desse conjunto de ações se reflete na participação que o Grupo

ABCD atingiu no setor agrícola brasileiro.

Page 82: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

70

70

Tabela 7 - Maiores empresas de agribusiness no Brasil (2008-2009)

* Posição entre as maiores empresas brasileiras; classificação de 2008 entre parênteses. Fonte: Exame, As mil maiores empresas brasileiras.

O faturamento conjunto do grupo no Brasil em 2011 somou nada menos do

US$ 33 bilhões (considerando-se as subsidiárias), equivalente a 1,39% do PIB,

contra US$ 4,2 bilhões do grupo AFC, segundo a publicação “Melhores e Maiores”

da Revista Exame. Portanto, a chegada dos trilhos da Ferronorte em Rondonopólis,

no ano de 2011, com financiamento da ordem de 700 milhões do BNDS, se deu em

um momento em que as estratégias das multinacionais já estavam consolidadas,

construídas fundamentalmente por meio da desnacionalização e concentração do

capital, inclusive do material genético e das fontes estratégicas de matérias-primas.

Os trilhos chegaram com atraso, porém à frente dos instrumentos estatais de

intervenção de desenvolvimentos agrário, da montagem de uma infraestrutura de

armazenagem dentro das fazendas e cooperativas e de um capital financeiro

integrador da cadeia dispersa de produtores de sementes, defensivos, fertilizantes,

operadores logísticos e empreiteiras em torno de uma estratégia comum.

O arranjo feito entre as cinco maiores tradings do Mato Grosso (Grupo ABCD

+ Amaggi), que precocemente centralizaram suas atividades em Rondonópolis, e a

operadora da ferrovia em torno do terminal de Rondonópolis, ampliaria a capacidade

de apropriação do excedente por parte dessas empresas, reafirmando sua liderança

Page 83: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

71

71

no mercado de originação e processamento de soja em detrimento dos produtores.

No Mato Grosso, a única opção ferroviária de acesso aos portos de Santos

(SP) ou Paranaguá (PR) se dá pela Ferronorte, malha controlada pela América

Latina Logística (ALL). Caso o produtor não queira escoar sua safra pela ferrovia, os

únicos caminhos que tem são a BR-163, que corta o Centro-Oeste até chegar a

Santarém (PA), onde é possível acessar o rio Amazonas, e a BR-364, que avança

até Porto Velho (RO), chegando ao rio Madeira.

Essa situação faz com que, praticamente, quase toda produção da região

envolva a intermediação de uma das cinco tradings. Essas grandes companhias, por

meio de um contrato já firmado com a ALL, transportam a produção até os portos do

país, onde elas também detêm terminais de armazenamento.

Para a formação do preço da soja ou do milho, as tradings sempre se

baseiam no frete rodoviário, apesar de mais da metade da produção já sair pela

ferrovia (Aprosoja, 2015). Essas companhias contratam um preço competitivo de

frete ferroviário com a ALL, mas ao negociarem com os produtores, o custo

embutido na conta é o do frete dos caminhões, regularmente mais caro que o da

ferrovia. Segundo Fávaro, da Aprosoja.

Quem paga o custo é o produtor. Como a ferrovia sabe das limitações dos caminhões, ela pratica um preço alto também, normalmente esse frete chega a 95% do das rodovias. Se formos procurá-los diretamente, sem a participação das tradings, pode chegar a 105% do preço das estradas21.

Assim permaneceu a itinerância dos cultivos como alternativa de acumulação

e ampliação da massa de lucros por parte dos produtores, com forte representação

no Congresso Nacional, através do qual obtém a persistência do descaso com a

questão fundiária e ambiental.

Já as multinacionais e suas parceiras locais avançam com seu poder e

influência sobre a economia brasileira e os territórios onde atuam. O grupo ACF não

só conviveu nem associou-se22 à concorrência das multinacionais, como ampliou

suas fatias de mercado em nichos em que essas empresas não têm interesse em

21 < http://www.segurotransportes.net/frete-de-trem-mais-caro-do-que-de-caminhao-em-mt/ >. 22 Uma descrição caso a caso das parcerias entre as empresas dos dois grupos será apresentada no capítulo 3.

Page 84: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

72

72

atuar. Galgaram assim patamares de movimentação de grãos que lhes permitiu a

execução de estratégias individuais de investimento conflitantes com as pretensões

das multinacionais.

A partir de 2008, e com maior força nos anos seguintes, o grupo ACF começa

a diversificar suas atividades no ramo de esmagamento e a dar seus primeiros

passos no sentindo da internacionalização. Identifica-se que esses movimentos,

influenciados em certo medida por políticas Federais e Estaduais de incentivo, estão

timidamente dando início a uma nova rodada de modificações nas condições de

concorrência no setor, as quais precisarão ser acompanhadas de perto nos próximos

anos.

2.3.2. Período 2010-2014

No final da década de 2000, as empresas nacionais do Grupo ACF

apresentavam condições estáveis de operação em meio ao oligopólio formado pelo

grupo ABCD no ramo da soja. As parcerias estabelecidas entre as empresas dos

dois grupos permitiram que as ambas as partes aumentassem suas participações no

mercado. Além disso, os investimentos em infraestrutura23 e principalmente as

políticas de incentivo levadas a cabo pelos Governos Federais e Estaduais

favoreceram as decisões de investimento do grupo ACF no ramo de

esmagamento24. A plena entrada em funcionamento das novas plantas do grupo

elevou o patamar de faturamento e a taxa interna de lucro dessas empresas ao

longo dos últimas cinco anos, sobretudo no mercado interno.

O governado do Estado do Mato Grosso, por exemplo, concedeu incentivos

fiscais para que a Fiagril e Amaggi se instalassem no município de Lucas do Rio

Verde. Estabeleceu-se um arranjo com o complexo industrial da Sadia, que recebe o

farelo da esmagadora de soja da Amaggi, que por sua vez opera em conjunto com

fábrica de biodiesel da Fiagril ligadas por um duto de óleo diesel. Um negócio que

certamente ampliou a margem de lucros, houve redução nos custos com transporte

e matéria-prima para ambas as empresas.

23 Para uma melhor visão sobre os investimentos de infraestrutura voltados para o escoamento da safra de grãos nos últimos anos consultar Valente (2013) e Pastre (2015). 24 No capítulo 3 essas decisões de investimento serão analisadas em maiores detalhes.

Page 85: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

73

73

Além das fábricas de Biodiesel em Goiás, em 2012 a Caramuru também

obteve financiamento de 67 milhões do BNDES para a produção de farelo de alto

teor de proteína em Sorriso, no Mato Grosso. Ainda no complexo de Sorriso,

atualmente a Caramuru ergue uma unidade de produção de biodiesel a partir de

aportes de R$ 24,5 milhões, financiados pelo Fundo Constitucional de

Financiamento do Centro-Oeste (FCO).

Em 2014, segundo dados da Revista Exame, o Grupo ABCD aparece com um

faturamento total de US$26,3 bilhões no Brasil, enquanto o grupo ACF subiu para

US$ 4,8 Bilhões, reduzindo o enorme hiato entre os dois grupos.

No front externo, em 2008, a Amaggi, empresa com maior faturamento dentre

as tradings nacionais, dá início a internacionalização com a abertura de um escritório

de importação e exportação de produtos agrícolas em Roterdam, na Holanda. Em

2009, o grupo se tornou responsável pelo controle de 51% das ações da Denofa,

empresa norueguesa de esmagamento de grãos. Em 2013, o controle foi de 100%.

Entre 2008 e 2014, enquanto Santa Catarina e Paraná interromperam as

exportações de soja para a Noruega, Mato Grosso passou a monopolizar as

exportações brasileiras para de soja para esse mercado.

A Amaggi continuou sua expansão internacional com a abertura de escritórios

de originação e comercialização na Argentina, Paraguai e Suíça. Em 2011, a

empresa tentou inclusive internacionalizar a produção com o plantio de 5 mil

hectares e planos de chegar a 30 mil hectares em cinco anos. No entanto, mesmo

contando a seu favor com a eficiência logística tão aclamada pelas instituições

representativas dos produtores brasileiros, desistiu do negócio no país vizinho por

não ter o retorno esperado, ou mais precisamente, por não encontrar ambiente

institucional semelhante ao oferecido pelos governos brasileiros. "A adaptação ao

modelo argentino foi difícil. Um terço é retido pelo governo, um terço vai para o

arrendamento da terra e um terço para produzir. As margens não são boas". (LOTO,

2014).

Já a Caramuru e Fiagril ampliaram suas negociações com exterior através da

captação de recursos junto a instituições internacionais. A Caramuru tem fechado a

contratação de um financiamento junto a um grupo de 15 bancos liderado pelo

Rabobank, de origem holandesa. A operação é um pré-pagamento de exportação

com prazo de quitação fixado em quatro anos. Em 2011, o financiamento foi de US$

Page 86: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

74

74

140 milhões, em 2012, de US$ 203 milhões e em 2013 chegou a 220 milhões. Parte

da operação envolve a conversão em ações de créditos em nome da instituição

financeira.

A Fiagril, por sua vez, teve fatia de 25% adquirida pelo fundo de investimento

americano Amerra Capital Management. A Fiagril vinha tendo parte de suas

exportações financiadas com recursos da Amerra antes de a gestora se tornar sócia

do negócio, algo semelhante às operações que a Caramuru desenvolve com

instituições estrangeiras e que pode resultar em um desmembramento semelhante.

A contrapartida dessas iniciativas foi o aumento da participação do Grupo

ACF nas exportações brasileiras, saindo de uma participação de 0,76% em 2010

para 1,16% em 2014. Em termos absolutos, as exportações do grupo cresceram

71%, passando de U$ 1,52 bilhão para U$ 2,61 Bilhões, contra 46% do grupo ABCD,

apesar desse grupo ter saído de um patamar de U$ 11,7 bilhões para U$ 17,1

Bilhões.

Tabela 8 – Maiores Empresas Exportadoras do Brasil 2014 (jan/Dez)

Fonte: Secex.

Diferentemente do que foi observado para o mercado interno, o hiato entre a

inserção das multinacionais e das empresas nacionais nos mercados internacionais

de grãos continuou se ampliando, o que exigiria um aprofundamento dos estudos do

atual cenário do setor de processamento da soja no Brasil e sua inserção nas

Colocação Empresa US$ F.O.B. Part. % Cresc.

1 VALE S.A. 20.484.139.285 9,1 908%

2 PETROLEO BRASILEIRO S A PETROBRAS 13.023.395.898 5,79 196%

3 BUNGE ALIMENTOS S/A 6.156.111.597 2,73 217%

4 JBS S/A 4.667.627.380 2,07 -

5 BRF S.A. 4.261.225.410 1,89 -

6 CARGILL AGRICOLA S A 4.258.157.389 1,89 266%

7 EMBRAER 3.811.618.237 1,69 90%

8 LOUIS DREYFUS COMMODITIES BRASIL S.A. 3.404.804.174 1,51 389%

9 ADM DO BRASIL LTDA 3.293.966.273 1,46 372%

10 SAMARCO MINERACAO S.A. 3.176.028.018 1,41 -

16 AMAGGI EXPORTACAO E IM. 1.776.814.065 0,79 356%

63 CARAMURU ALIMENTOS S/A. 593.610.065 0,26 204%

141 FIAGRIL LTDA 241.015.649 0,11 -

Page 87: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

75

75

cadeias globais de valor, elaborando possíveis alternativas de políticas públicas que

favoreçam as empresas nacionais e o processamento interno do grão.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

O período ultra-liberal redundou em elevados déficits no balanço de

pagamentos, desnacionalização e desindustrialização, com a quebra de importantes

elos da cadeia industrial, inclusive na agroindústria. O relançamento da estratégia de

acumulação de capital na agricultura, com vistas à geração de divisas que

sustentasse um novo período de modernização dos padrões de consumo não

reduziu a vulnerabilidade da economia brasileira, muito menos constituiu um padrão

macroeconômico de acumulação capaz de promover sustentadamente o

crescimento da economia brasileira.

Apesar da omissão estratégica dos Governos Federais e Estaduais em

relação à questão Fundiária, Ambiental e trabalhista, da ampliação dos recursos do

orçamento e do tesouro para o financiamento subsidiado ao agronegócio e à

infraestrutura de escoamento e das alterações nos marcos regulatórios dos setores

de infraestrutura em benefício dos investimentos privados terem contribuído para um

enorme crescimento da cultura da soja no país, o tratamento indiferenciado dado a

empresas nacionais e estrangeiras alavancou as estratégias das segundas. O que

significa dizer que grande parte dos esforços sociais, materializados na forma de

renúncia fiscal e redução dos serviços ambientais, foram apropriados pelas

multinacionais.

A entrada volumosa de IDE a partir de 1994 e a desnacionalização da

propriedade fizeram com que parte das divisas fossem consumidas com a ampliação

das remessas de lucros e dividendos, principalmente na indústria de alimentos

bebidas. Por outro lado, a integração subordinada da indústria brasileira às cadeias

globais de valor, com a quebra de importantes elos das cadeias de valor, promoveu

a substituição da produção nacional por importações em inúmeras etapas

produtivas. Em muitos casos, os empresários da indústria simplesmente fecharam

as linhas de montagem e atuaram como importadores. Verificaram-se constantes e

crescentes déficits na balança comercial de manufaturados consumindo outra

parcela importante das divisas geradas pelo setor primário exportador.

Page 88: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

76

76

Como demonstrado por Macedo (2010) e Carneiro (2007), amplia-se a

vulnerabilidade da economia aos choques externos, pois não se constituiu um

padrão macroeconômico de acumulação promovedor do crescimento sustentado da

economia brasileira. O que se verifica é o padrão de crescimento do PIB baixo e

volátil, em geral, resultado de variações da demanda agregada, associadas à

flutuações do consumo ou das exportações líquidas, com o investimento ocupando

um papel subordinado ou reflexo.

No último quadriênio, a exaustão desse ‘modelo’ tornou-se evidente, mas foi

preciso que em 2014 se desnudassem ainda mais a reversão dos preços externos

das ‘commodities’ (petróleo, ferro, açúcar, etc.) e a deficiência nas finanças públicas,

a fim de explicar a fragilidade do modelo ‘nacional-desenvolvimentista primário-

exportador’. Daí a validade da tese da reprimarização, discutida no capítulo 1, com o

acréscimo de que a maior inserção externa da economia brasileira está por demais

influenciada pelas decisões privadas dos grupos exportadores e importadores.

Apesar das exportações brasileiras do complexo da soja apresentarem

importante concentração pelas grandes tradings nacionais e internacionais, os

dados secundários das maiores empresas exportadoras, divulgados pelo MDIC,

demonstram que o valor das exportações25 pelas maiores tradings do agronegócio

em relação às exportações totais do complexo soja variam muito por Estado. No

conjunto de Estados da região Sul do país, o valor exportado pelo conjunto desse

conjunto de empresas selecionadas26 equivale a 29% das exportações do complexo

soja, enquanto no Centro-Oeste essa porcentagem sobe para 52%. Nos estados

que compõem o MATOPIBA, o volume chega a 66%, sendo que na Bahia

corresponde a 85% do valor exportado27. São Paulo, o único Estado que exporta

uma quantidade maior do que produz participa com apenas 5% das exportações do

complexo. Mesmo assim não se identificou valor expressivo de exportação através

das empresas selecionadas.

Pelas diferenças regionais fica evidente que diferentes arranjos de acesso a

crédito e isenções fiscais, estrutura fundiária e arranjos de economia política

resultam em diferentes trajetórias empresariais nesse setor. A utilização dos 25 Refere-se ao valor total das exportações pela empresa não discriminado por produto. É importante ter em mente que essas tradings, além de soja e derivados, também atuam na comercialização de outras commodities como milho, algodão, açúcar e álcool. 26 As tradings selecionadas foram a ADM, Amaggi, Bunge, Caramuru, Cargil, Luys Dreyfys, Fiagril, Nidera, Noble, Mitsui e Multigrain. 27 MDIC – Exportações do Brasil / IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal.

Page 89: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

77

77

instrumentos de incentivo e coordenação da economia, aplicados de forma coerente

com um projeto de desenvolvimento nacional, ainda excessivamente pautado na

concentração funcional da renda, deram competitividade aos capitais nacionais

frente às grandes empresas globais.

O conteúdo apresentado até aqui verifica que a estrutura industrial existente

em torno da produção e processamento de grãos em meados da década de 1990

era suficientemente madura para inserir as empresas brasileiras de forma

competitiva na globalização dos mercados agroalimentares. Demonstrar-se-á no

próximo capítulo que os capitais nacionais que dispuseram de instrumentos

competitivos semelhantes aos estrangeiros prosperaram e ampliaram suas

estratégias de acumulação.

A falta de instrumentos de coordenação, a supressão dos investimentos em

infraestrutura e logística e a forma privilegiada com que foram tratados os capitais

forâneos fortaleceram suas estratégias e reduziram a valiosa contribuição que a

agricultura brasileira poderia ter dado ao desenvolvimento econômico-social do país.

O lançamento do Plano Nacional de Produção e Uso do Biodiesel, que devolveu ao

setor alguns desses elementos, contribuiu para a retomada da expansão do

processamento do grão internamente, principalmente por capitais domésticos. Ainda

que não tenha contribuído para a mitigação da degradação socioambiental

provocada pela expansão do cultivo, demonstrou que a existência de instrumentos

de coordenação leva ao crescimento mais justo do ponto de vista social e mais

racional do ponto de vista econômico.

Uma política macroeconômica e agrícola que oferecessem um tratamento

diferenciado aos capitais locais, pelo menos do ponto de vista da construção de

sinergias, bem como um orçamento menos engessado e mais comprometido com os

investimentos em infraestrutura, além de uma maior preocupação com a questão

ambiental, permitiriam contribuição semelhante ao esforço de crescimento e

modernização pelo qual passou a economia brasileira na primeira década dos anos

2000 pelo agronegócio brasileiro sem que fosse promovida devastação tão violenta

dos recursos naturais e da pequena e média propriedades rurais e agroindústrias.

Page 90: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

78

78

CAPÍTULO III – TERRITÓRIOS CORPORATIVOS: AS ESTRATÉGIAS

DOS PRINCIPAIS GRUPOS AGROINDUSTRIAIS NACIONAIS NO

CENTRO-OESTE

A mundialização dos mercados trouxe como novidade a presença, no plano

mundial, de monopólios formados em países emergentes, ao lado de processos de

ascensão internacional de setores das burguesias nacionais com apoio dos Estados.

As associações entre empresas monopolistas internacionais com empresas

nacionais transformaram ambas nas empresas mundiais. Ou seja, o capital

disseminou-se pelos países emergentes, arrebatando setores das burguesias

nacionais, transformando-os em capitalistas mundiais.

A Soja foi um dos produtos agrícolas de maior destaque pelo aumento da

presença no comércio internacional nas duas últimas décadas, fazendo que com

algumas das empresas que atuam no ramo de processamento e comercialização

desse grão figurassem entre as maiores exportadoras da economia brasileira.

Dentre elas, três empresas de capital nacional, que ampliaram e diversificaram seus

investimentos, mesmo diante do acirramento da concorrência do oligopólio global

formado pelo Grupo vulgarmente conhecido como ABCD.

Por isso, esse capítulo se presta a realizar estudo de caso sobre a atuação

das três corporações agroindustriais brasileiras em suas respectivas áreas de

influência. A Amaggi na microrregião do Parecis, a Fiagril na microrregião do Alto do

Teles Pires e a Caramuru no Sul Goiano. Estamos considerando a lógica da atuação

corporativa na ocupação de solo, tanto pela expansão da produção de grãos e

produção frigorífica, quanto pela instalação de empreendimentos logísticos e de

infraestrutura urbana, uma vez que a ampliação da produção dessa commodities

teve forte impacto do ponto de vista do ordenamento territorial, notoriamente pela

expansão da fronteira agrícola e pela interiorização da infraestrutura e da

urbanização.

Page 91: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

79

79

3.1 AMAGGI E A REGIÃO DO PARECIS-MT

O então Grupo Maggi28 dá início às suas atividades no Mato Grosso em fins

da década de 70, no auge das políticas de integração nacional do Governo militar,

as quais, com a abertura da fronteira agrícola em direção ao Norte do Centro-Oeste,

abriram oportunidades de aquisição de extensas e mais baratas áreas agricultáveis:

As primeiras aquisições do Grupo Maggi no Centro-Oeste foram no Sul do Estado

do Mato Grosso, no município de Itiquira, que faz divisa com Rondonópolis. A região

estava conectada aos mercados consumidores do centro Sul por um conjunto de

rodovias federais, mostrava-se com excelente potencial para a produção de grãos e

iniciava os primeiros empreendimentos em larga escala com soja.

Segundo Lazarrini e Faveret (1997) a Sementes Maggi também já expandia

suas atividades com armazenagem e comercialização de soja no Mato Grosso.

Naquela época, a empresa chegava a movimentar cerca de 1,2 milhão de sacas.

Firmando-se definitivamente na região, o Sr. André Maggi passou a arrendar parte

das terras no Paraná. O Grupo André Maggi, de natureza familiar, se consolidava

então nas atividades de cultivo e comercialização de soja.

Por volta de 1986, o Grupo visualizou a oportunidade de crescimento em

direção à Chapada dos Parecis, situada no noroeste do Mato Grosso, que contava

com solos extremamente planos e profundos e um regime pluviométrico muito

regular, porém praticamente inexplorada, devido à precária infraestrutura de

transportes (distante 2500 km do porto de Paranaguá) que a isolava das demais

regiões. A aquisição de uma fazenda de 70 mil ha naquela região em 1986 - a

Fazenda Tucunaré - foi um passo pioneiro na exploração intensiva na Chapada, que

se tornaria uma importante fronteira agrícola do Brasil.

O interesse do Grupo Maggi pela região dos cerrados foi resultante de três

fatores básicos assim enumerados por LAZARRINI & FAVERET (1997):

28 Até 2013, o grupo de empresas fundadas pelo Sr. André Maggi e posteriormente administrada por seu filho, Blairo, adotou o nome de Grupo Maggi. A partir de 2014, de olho na crescente internacionalização de suas atividades, o grupo alterou o nome para Amaggi. Por isso, as duas nomenclaturas são usadas indiscriminadamente para nos referirmos mesmo conjunto de empresas, ligadas diretamente ao agronegócio.

Page 92: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

80

80

a) aspectos edafo-climáticos favoráveis (topografia plana, regularidade de chuvas, temperatura elevada e profundidade dos solos); b) a busca de terras mais baratas, visando aumentar da rentabilidade da exploração agrícola (lucro sobre ativos) e também a escala de operação, uma vez que, com um mesmo valor patrimonial, tornava-se possível aumentar o número de ha cultivados e ainda por cima auferir, na maioria dos casos, ganhos com a valorização do capital fundiário; c) a busca de explorar economias de escala: estimativas da Universidade de Brasília indicam que o custo de produção por saca de soja reduz-se em cerca de 40-45% quando a escala operacional aumenta de 50 a 1.000 ha (LAZARRINI & FAVERET, 1997, p. 7).

A afirmativa dos autores revela duas características, diretamente

correlacionadas, que caracterizam a ocupação capitalista das áreas de fronteira do

Mato Grosso. Primeiro, a necessidade de operar em escala, ou seja, de promover a

concentração fundiária. Segundo, a capacidade de acessar fundos públicos e ditar o

sentido e a dinâmica de uso e ocupação do solo por meio da influência econômica e

política que esses capitais em ascensão exerceramnesses territórios. Os interesses

e arranjos políticos que darão origem a uma série de novos municípios no front

agrícola matogrossense se darão em torno dessas corporações.

Por se tratarem de verdadeiros vazios, do ponto de vista da infraestrutura

necessária à agricultura capitalista que passa ser praticada em larga escala nessas

regiões, esses capitais precisaram diversificar suas atividades a fim de estruturar

toda uma gama de serviços de apoio exigidos pela atividade núcleo, inclusive no que

se refere a serviços públicos básicos. Oliveira (Amazônia revelada), apurou a

seguinte declaração o Cel. José Meirelles, comandante do 9º Batalhão de

Engenharia e Construção do Exército quando da construção da BR-163:

É fácil fazer uma estrada, mesmo na selva, como foi o caso da Cuiabá-Santarém. Isso não é nenhuma epopeia. Epopeia mesmo é fazer com que o poder público interiorize os seus mecanismos de assistência e promoção humana, de valorização do homem[...] Isso é quase impossível (OLIVEIRA, 2000).

No caso específico do Parecis, a cidade de Sapezal praticamente surgiu a

Page 93: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

81

81

partir da Fazenda Tucunaré. O Sr. André Maggi fracionou parte da área da Fazenda

para a instalação da cidade. Lazzarini e Favaret afirmam que em 1997 a energia

elétrica de Sapezal era suprida por uma usina hidroelétrica da propriedade do Sr.

Maggi, com potência total de 5.500 KW. Estradas, instalações de distribuição de

energia, água, cabos telefônicos e até mesmo casas resultaram de investimentos

próprios do Sr. André conduzidos pela sua empresa, a Cidezal. A sua iniciativa foi

reconhecida pelos habitantes de Sapezal que, quando transformado em município

em 1994 (desmembrando-se de Campo Novo do Parecis), elegeu o Sr. André Maggi

prefeito que não enfrentou candidatos na disputa.

Assim, consolidavam-se os arranjos políticos institucionais em torno da soja e

da renda da terra na região do Parecis. Outra importante ação do Grupo Maggi em

associação com outros pioneiros e que envolveu a capacidade de mobilizar recursos

e instituições públicas foi o desenvolvimento de soluções para o aumento da

produtividade. Os cultivares desenvolvidos pela Fundação MT, inicialmente em

parceria com Centro Nacional de Pesquisa de Soja da EMBRAPA, e posteriormente

de forma independente, superaram doenças que atingiam as lavouras do Centro-

Oeste e expandiam para novas áreas de cultivo no cerrado e em áreas de transição.

Entre os anos de 1990 e 1995, as doenças cancro da haste29 e nematoide de

cisto30 chegaram a dizimar várias lavouras de soja na região Centro-Oeste. Nesta

época, os sojicultores dispunham de apenas uma única cultivar, a FT-Cristalina (FT

Sementes). Dados da Conab mostram que na safra 1995/1996, a produção da

região Centro-Oeste foi de 8.846 mil toneladas. Já na safra seguinte (1996/1997), o

número saltou para 10.438 mil toneladas. Desde o lançamento de cultivares da

Fundação MT, o índice de produção tem aumentado. Em Mato Grosso, a produção

na safra 1995/1996 foi de 4.686 mil toneladas, nas seguintes saltou para 5.712 e

7.150 mil toneladas nas safras 1996/97 e 1997/1998, respectivamente.

29 O cancro da haste foi identificado pela primeira vez em fevereiro de 1989, no Paraná e, em maio do mesmo ano, no Mato Grosso. Desde então, a doença espalhou-se por todas as regiões produtoras de soja do país, do Maranhão ao Rio Grande do Sul. Plantas severamente infectadas sofrem quebra da haste e severo acamamento. Lavouras altamente infectadas podem ser, em poucos dias, totalmente dizimadas. (AGROLINK. Disponível em: < http://www.agrolink.com.br/culturas/soja/cancro-da-haste_1892.html > Acessado em 18/12/2015). 30 O nematoide de cisto da soja (NCS), Heterodera glycines, é um dos principais problemas sanitários da cultura da soja. Foi constatado no Brasil pela primeira vez na safra 91/92; Está presente em cerca de 150 municípios de dez Estados (MG, MS, MT, GO, SP, PR, RS, BA, TO e MA). O nematoide invade as raízes da planta hospedeira, induzindo modificações num conjunto de células no local da penetração. Estabelece um sítio de alimentação, denominado síncito, que alimenta o nematoide, reduzindo a nutrição e, consequentemente, a produtividade da planta. Sua erradicação da área plantada é praticamente impossível. Algumas medidas ajudam a minimizar as perdas, que, em algumas situações, podem chegar a 100 %, apesar da rotação de culturas com espécies vegetais não hospedeiras e o uso de cultivares de soja resistentes (DIAS et al, 2009).

Page 94: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

82

82

O gráfico 5 demonstra que o ano de 1996 representa um marco importante

para a produtividade da região, pois a partir de então o aumento da quantidade

produzida passa a ser contínua e crescentemente superior à expansão da área

cultivada com soja.

Gráfico 5 – Área Plantada x Quantidade Produzida (Mato Grosso 1990-2004)

Fonte: Conab – Elaboração Própria.

A Fundação MT é fruto da ação coletiva de 23 produtores de sementes e soja

do Estado, sendo um dos maiores incentivadores o Sr. Blairo Maggi, e apesar dos

resultados amadurecerem a partir da segunda metade dos anos 90, toda sua

estruturação e início dos trabalhos ocorreram nos primeiros anos da década de

1990, quando do domínio amplo do mercado de originação e processamento de soja

por capitais nacionais, especialmente o Grupo Maggi, para o caso do Mato Grosso.

A fundação MT ainda adaptaria o uso de máquinas, uma vez que no início dos anos

90 o plantio da soja ainda era feito manualmente:

Visando atender as necessidades dos produtores, quanto a disponibilização de novas cultivares para solução dos problemas encontrados na agricultura, para que adequasse também às necessidades de mercado global, a Fundação MT projetou e realizou mecanismos de adaptação de máquinas e

-

5.000,0

10.000,0

15.000,0

20.000,0

25.000,0

30.000,0

19

89

/90

19

90

/91

19

91

/92

19

92

/93

19

93

/94

19

94

/95

19

95

/96

19

96

/97

19

97

/98

19

98

/99

19

99

/00

20

00

/01

20

01

/02

20

02

/03

20

03

/04

20

04

/05

20

05

/06

20

06

/07

20

07

/08

20

08

/09

20

09

/10

20

10

/11

20

11

/12

20

12

/13

20

13

/14

Área Plantada (há) Produção (milhões t)

Page 95: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

83

83

implementos agrícolas para utilizar na pesquisa. O sistema de plantar manualmente teve de ser trocado por máquinas, a fim de dar mais precisão, segurança, velocidade e qualidade à pesquisa, pois a agricultura moderna depende cada vez mais do desenvolvimento científico (FUNDAÇÃO MATO GROSSO, 2015).

A Agropecuária Maggi apresentava ainda forte expressão espacial, pois

atuava diretamente no cultivo, tendo produzido na safra 1996/97 cerca de 98,2 mil

toneladas de soja, sendo 66% oriundas da unidade em Sapezal, 14 mil toneladas de

milho "safrinha", 5 mil toneladas de algodão e 1 mil toneladas de arroz.

Entretanto, sua influência sobre o desenvolvimento do cultivo da soja na

região do Parecis vai muito além desses números. Segundo Lazzarini & Filho

(2000), em 1996, a empresa Sementes Maggi, divisão de sementes do grupo,

representava a principal empresa do Grupo em termos de faturamento. Contava com

uma importante estrutura de entrepostos em polos produtores de grãos, com uma

capacidade estática total de armazenagem da ordem de 509 mil toneladas. A

aquisição de soja de terceiros era realizada por uma equipe comercial atuando

proativamente na realização de contratos de entrega futura de soja com os

produtores: “muitas vezes incluindo o fornecimento de crédito, o que se torna uma

necessidade ante à elevada competição por aquisição de soja no Brasil, tanto por

esmagadoras quanto por tradings” (LAZARRINI & FAVERET, 1997, p. 4).

O financiamento envolvia o adiantamento das sementes, cuja tecnologia era

obtida por meio de parcerias com órgãos especializados de pesquisa: o Centro

Nacional de Pesquisa de Soja da EMBRAPA e pela Fundação MT, da qual era sócia

e idealizadora. Ainda segundos os autores, que entrevistaram os Srs. André e Blairo

Maggi e o Gerente da Sementes Maggi na época, Sérgio Pizzato:

“A Sementes Maggi atua também na comercialização de insumos, notadamente fertilizantes e defensivos agrícolas. Tais produtos são normalmente atrelados a operações de financiamento dos produtores, não havendo vendas em nível de varejo. Outra atividade realizada pela empresa, mais como coadjuvante do seu negócio central, é a coordenação do transporte de grãos e insumos agrícolas, utilizando frota de terceiros.”

Page 96: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

84

84

A experiência na região do Parecis dilapidou o modelo de negócios que o

Grupo replicaria nas regiões onde atuaria, as quais muitas vezes apresentavam

condições semelhantes em termos de carência de infraestrutura de transportes e

armazenagem, canais de comercialização e escassez de crédito.

3.1.1. Desenvolvendo o modelo de Negócios

O grupo Maggi, desde o início de suas atividades no Mato Grosso, teve a

percepção do quão fundamental seria a construção de unidades de armazenagem

para uso próprio e de terceiros. Diante do cenário de escassez de oferta desse

serviço, da ainda incipiente inexistência de indústrias esmagadoras de soja na

região e da imprevisibilidade sobre as condições de deslocamento da safra, ofertar

serviços de armazenagem abriria oportunidades para a ampliação do cultivo e

vantagens na obtenção do grão, indo de encontro à escala desejada pela empresa,

permitindo inclusive que esta atuasse como coordenador logístico.

Outro aspecto importante a ser ressaltado é o papel do grupo no

financiamento da produção. Retornando ao gráfico 1, é entende-se a importância

desse posicionamento, tanto de ponto de vista da expansão da produção de grãos

nas regiões onde atuava, quanto para estratégia interna do grupo. O período de

expansão do grupo na região do Parecis, final dos anos 1980 até meados de 1990, é

também um período de instabilidade e escasseamento do crédito oficial rural, o que

poderia prejudicar a evolução da agriculta na região. Entretanto, verificou-se a

aceleração da expansão da produção de soja no período. Os dados quantitativos

mais antigos obtidos remontam ao relatório da empresa para o ano de 2004, onde

consta que o grupo financiava aproximadamente 500 produtores rurais todos os

anos. Tais dados, porém, endossam a informação qualitativa apresentada na seção

anterior sobre a atuação da empresa no financiado da produção. A modalidade de

financiamento envolvendo o fornecimento de insumos e compra futura da produção

contornava a escassez de recursos para ativar a produção, reduzia os riscos de

mercado do produtor e permitia à empresa calcular com antecedência o volume de

grãos que teria disponível para negociar.

A expansão do cultivo e dos ganhos de produtividade da soja no Mato

Grosso, ambos influenciados pelas alternativas e capturadas pelas estratégias

Page 97: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

85

85

desenvolvidas pelo Grupo Maggi, abriram ainda a possibilidade da empresa lançar-

se no negócio de exportação, acessando recursos mais baratos via ACCs

(Adiantamento de Contratos de Câmbio) que podem ser repassados aos produtores

nos contratos de aquisição de soja envolvendo pagamento antecipado.

Vale citar que naquele momento a Maggi ainda não fazia entregas diretas a

outros países, tendo que contar com a intermediação de tradings especializadas,

como a Cargill, o Grupo Sumitomo (Japão) e a empresa suíca André. No entanto,

essas empresas não dispunham naquele momento da estrutura física e do grau de

verticalização necessários para exercer o poder de coordenação na cadeia de soja.

Não dispunham dos insumos nem da infraestrutura logística necessária para

subordinar a produção.

Logo, o que se verifica é que as estratégias adotadas pelo grupo Maggi até

aquele momento representaram a formação de um verdadeiro monopólio calcado no

controle do território. Ao monopolizar o sistema de armazenagem, obtém vantagem

na originação dos grãos; ao coordenar a logística, se apropria de parte da redução

dos custos de transporte; ao atuar no financiamento, se apropria da renda financeira.

Somam-se ainda os lucros da atividade de produção e comercialização de grãos.

Por certo, a capitalização e conjunto de estratégias adotado precocemente

pela empresa a movimentação de cerca de 589 mil toneladas de soja em 1996, 10%

do total produzido no Estado, com uma taxa interna de lucros acima da taxa média

dos concorrentes.

Segundo Steindl (1952), a concentração de capital ocorre como consequência

do processo de acumulação interna de lucros nas empresas mais favorecidas, que

funciona como importante incentivo ao investimento, culminando inclusive em outros

escoadouros, como a diversificação produtiva, dentro ou fora da indústria. Ao longo

da década de 1990, o grupo atuou continuamente na ampliação e diversificação de

investimentos, traçando estratégias para o desenvolvimento produtivo das regiões

onde atuava:

Só no âmbito da Chapada dos Parecis, estimativas da Sementes Maggi indicam que, se mantidos bons preços para a soja nos próximos 5 anos, a região poderá incorporar mais 235 mil ha aos seus atuais 535 mil (um crescimento da ordem de 43,9%) (Anexo 14), gerando uma produção

Page 98: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

86

86

potencial de 2,3 milhões de toneladas. Evidentemente, tal cenário reflete a euforia da soja na região e pode ser frustrado na ocorrência de uma reversão do patamar de preços nos próximos anos. O Grupo tem analisado estas novas regiões e pesquisas têm sido direcionadas para a seleção de variedades de soja mais adaptadas e para o desenvolvimento de tecnologias específicas de cultivo (por exemplo, nos campos de Humaitá é preciso estabelecer sistemas de drenagem). O modelo de expansão para estas fronteiras deve envolver produtores locais já instalados (embora descapitalizados) e agricultores do Mato Grosso buscando oportunidades de crescimento (AMAGGI, 2005, p.12).

A esse conjunto de estratégias para obtenção de lucros extraordinários,

somar-se-á a abertura de nova opção logística nos anos seguintes, confirmando o

papel preponderante que o controle territorial desempenha na evolução da empresa.

Em 1993, o grupo André Maggi criou a Hidrovia do Madeira através da

Hermasa Navegação da Amazônia, integralmente controlada pelo Grupo André

Maggi, constituída através da associação com a Ciamapar Investimentos e

Participações S/A, empresa criada para viabilizar a participação do Governo do

Amazonas em empreendimentos privados. Considerando-se o conjunto dos

investimentos para a implantação da hidrovia, desde os portos até os comboios, as

fontes de recursos utilizadas foram a Sementes Maggi (com 37,2%), o Governo do

Amazonas (com 27,8%) e o BNDES (com 23,1%).

A Hermasa, por sua vez, recebeu financiamento do BNDES para aquisição de

dois comboios fluviais, compostos cada um por um empurrador, quatro balsas

fluviais e duas balsas graneleiras para transporte de granéis sólidos,

especificamente grãos e insumos agrícolas. As condições do crédito foram as

seguintes: 18 meses de carência e 144 meses de amortização (prazo total: 13,5

anos), juros de 4% ao ano sobre crédito atualizado pela variação do dólar norte-

americano. A participação do crédito atingiu 85% do valor do investimento.

A hidrovia inicia em 1997, quando a companhia passa a exportador pelos

portos do Norte, representando uma vantagem absurda em termos de custos

logísticos. Segundo Lazzarini & Faveret (1997), com a abertura da saída para o

norte a Maggi obtém vantagem em termos de custos logísticos de 20% em relação

aos seus concorrentes que escoam pelo porto de Santos e Paranaguá:

Page 99: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

87

87

As vantagens da hidrovia frente ao corredor tradicional são a economia de frete, de custos portuários e de tempo (Anexo 13). No cômputo final, a economia de frete e custos portuários deverá ficar em cerca de US$ 24/t ao longo do ano, ou seja, 22% a menos do que Paranaguá. Além disso, o percurso total demandará 23 dias até Rotterdam (pelo Madeira), quando hoje leva pelo menos 30 dias por Paranaguá (LAZARRINI & FAVERET, 1997, p.10).

Esse fato ampliará ainda mais seu diferencial em termos de taxas internas de

lucro. Espacialmente, o resultado conjunto de estratégias é o crescimento explosivo

na produção de soja na microrregião do Parecis ao longo da década de 1990. Foi a

microrregião que mais acrescentou áreas ao cultivo de Soja, nada menos do que 1,6

milhões de hectares, passando de uma participação de 20% para 30% na área total

de cultivo do Estado. Com a produção aconteceu exatamente o mesmo, tanto a

microrregião do Parecis quanto do Alto Teles Pires participavam com 20% da

produção estadual em 1990. Em 1999, período em que as grandes tradings

estrangeiras ainda iniciavam suas operações no eixo da BR-163, microrregião do

Parecis já expandira sua participação para 30%, contra 25% daquela.

Page 100: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

88

88

Mapa II – Produção de Soja no Mato Grosso (1990-2002)

Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal, Instituto Brasileiro de Estatísticas. Elaboração própria.

Os resultados confirmam os planos que o Grupo Maggi traçava para a região

em meados da década de 1990 e demonstram que momento em que as

multinacionais começam a competir fortemente no mercado de originação e

processamento de grãos no Mato Grosso, o Grupo Maggi já apresentava uma

estrutura fortemente verticalizada, influenciava a alocação de recursos públicos,

contava com financiamento adequado, tanto de fontes próprias quanto de terceiros

(em especial o BNDES), e dispunha de infraestrutura logística compatível com o tipo

de produto com o qual trabalhava. Condições com as quais a maioria dos demais

grupos nacionais não puderam contar e capazes de fazer frente ao padrão de

concorrência internacional que se consolidava nos mercados agroalimentares.

É possível uma analogia afirmando que o padrão desenvolvimentista de

intervenção na economia impulsionador do crescimento brasileiro entre as décadas

de 1930 e 1980 funcionou ininterruptamente para o grupo Maggi nos anos 90, dados

os arranjos político-institucionais que costurou. Em 2002, eleito governador, Blairo

Maggi - sucessor do pai na condução da empresa - acrescenta influência política ao

Page 101: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

89

89

poder econômico. Isso ampliou o direcionamento de recursos captados junto aos

governos federal e estadual, com os de empresas privadas, incluindo a sua, e de

empréstimos internacionais, como os da Corporação Financeira Internacional (IFC,

em inglês), braço de financiamento privado do Banco Mundial, para projetos de

expansão das áreas de cultivo. Os recursos, destinados a projetos de infraestrutura

de transporte representaram verdadeiro convite ao desmatamento da Amazônia:

novas estradas, portos e hidrovias bem no coração da floresta.

Na prática, isso criou um dos mais importantes corredores logísticos

intermodais do país, formado pela BR-163 e pela hidrovia Tapajós-Amazonas a partir

de uma demanda privada específica dessa agroindústria e seus parceiros

estratégicos.

Com a alta nos preços da terra no Cerrado, produtores de soja redirecionam o

avanço da fronteira agrícola para as áreas de floresta, facilitado por estradas e

acessos ilegais. Concomitantemente, O Grupo Amaggi ampliou seus espaços de

acumulação mercantil por meio de oferta de crédito, sementes e agrotóxicos e a

construção de infraestrutura para exportação, de forma que Controle do território é o

mais forte incentivo ao investimento. O grupo é responsável pela ‘mudança’ que

ocorre na Amazônia –introduziu a soja no Mato Grosso e impulsionou sua expansão

para dentro da floresta. No primeiro ano de governo, a taxa anual de desmatamento

no estado aumentou em cerca de 30%.

A Maggi chegaria ao ano de 2003 (dados mais antigos obtidos) como

segunda maior exportadora do Mato Grosso. Em 2004, com uma participação de

17,47% no total de exportações estaduais, ficou atrás apenas da Bunge, líder do

ranking por diferença mínima (17,93%) e bem à frente das demais empresas - ADM,

com 11,5%. Coinbra-dreyfus (6,42%) e Cargill (4,78%).

Nos próximos anos, as multinacionais citadas adotarão estratégias muito

semelhantes às do Grupo Maggi, inclusive construindo parcerias com a mesma para

operar em regiões para onde a empresa expandiu sua influência, como Rondônia,

Pará e no Matopiba. Ainda assim, o grupo manterá sua posição até 2014, ampliando

sua gama de atuação, industrializando o grão inclusive no exterior.

Outra vantagem foi ter concentrado inicialmente sua atuação em diversas

etapas da cadeia produtiva. No momento em que se torna desvantajoso processar o

grão internamente e a concorrência das multinacionais avança sobre esse setor, ter

Page 102: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

90

90

operações consolidadas e voltadas para movimentação da produção deu novo

fôlego à empresa. Em 1996, a empresa movimentou 590 mil toneladas de soja, das

quais 25% foram exportadas e a capacidade estática de seus armazéns era de 509

mil toneladas. Em 2004, já eram 2,4 milhões de toneladas de soja comercializadas,

sendo 57% desse volume exportado (1,37 milhões toneladas), sendo 60% através

do Rio Madeira. A capacidade estática de armazenagem atingia a 2,1 milhões de

toneladas (AMAGGI, 2005).

Na cidade de Sapezal, o Grupo Maggi mantém capacidade estática de

armazenagem de 283 mil toneladas, contra 69 mil toneladas da Bunge e 105 mil

toneladas da Cargill. Destaca-se no município a capacidade de propriedade do

Grupo Bom Futuro pertencente à outra parte da família Maggi e dirigido pelo primo

de Blairo, Eraí Maggi. O Grupo bom futuro armazena 410 mil toneladas de grãos,

23% da capacidade total do município.

Campos de Júlio, o grupo tem capacidade para 110 mil toneladas, 14% do

total, contra 48 mil toneladas da Bunge e em Campo Novo do Parecis, o mesmo

concentra 18% do total da capacidade, 330 mil toneladas, conta 80 toneladas da

ADM, 45 toneladas da Bunge e 43 toneladas da Cargill. Em Diamantino, além da

Amaggi, apenas a Louis Dreyfus, dentre as grandes tradings, possui armazéns, com

capacidade para 35 mil toneladas, contra 68 toneladas da primeira. Novamente o

Grupo bom futuro se destaca, com 244 mil.

Tamanha estrutura, atuante em um setor onde as margens de lucro são

reduzidas e um acirramento da competitividade compromete a rentabilidade de todo

o conjunto, certamente inibiu o avanço das multinacionais sobre os espaços onde a

Amaggi exercia seu monopólio. Quando decidiram por fazê-lo, ao invés de levar a

cabo uma guerra concorrencial, optaram pela estratégia de associação, dando

indícios de que as multinacionais possivelmente identificaram na Amaggi uma

empresa com atividades suficientemente estruturadas para resistir a seu avanço,

podendo utilizar de expedientes que certamente resultariam em prejuízos não

absorvíveis dentro das estratégias dessas empresas.

As empresas Bunge e Amaggi assinaram em 2003 um contrato pelo qual a

Amaggi aluga parte de sua capacidade no porto de Itacoatiara/AM para a Bunge,

abrindo a possibilidade para esta transnacional escoar os seus produtos pelo norte

do país. As duas tornar-se-iam sócias no projeto do Terminal Graneleiro de Grãos

Page 103: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

91

91

(TGG) em Santos/SP. No final de 2013, estas duas empresas divulgaram uma nova

joint venture (Navegações Unidas Tapajós Ltda. – Unitapajós), que será responsável

pelo escoamento de grãos originados em Mato Grosso pela hidrovia Tapajós-

Amazonas até Santarém/PA. No próprio corredor do rio Madeira, onde já se

movimentam 2,8 milhões de toneladas de grãos por ano, há investimentos para

dobrar o volume com o novo porto de Porto Velho, um terminal flutuante em

Itacoatiara (AM), barcaças, armazéns entre outras estruturas que darão suporte ao

novo crescimento.

Além das parcerias no ramo de logística e infraestrutura no vetor centro-norte,

os grupos Dreyfus e a Amaggi realizaram uma joint venture a fim de atuar no

mercado de grãos na Bahia, Maranhão, Piauí e Tocantins, a nova fronteira agrícola

MATOPIBA, onde a disponibilidade de grãos é ainda reduzida em relação às regiões

Sul e Centro-Oeste, impondo dificuldades para geração da escala desejada pelas

empresas individualmente.

Além disso, diferentemente das outras tradings que concentram seus

negócios prioritariamente na comercialização de soja transgênica produzidas com

sementes geneticamente modificadas pelas grandes multinacionais do setor (tais

como Monsanto, Bayer, BASF, Syngenta), com as quais mantém parcerias no nível

global (uma vez que optaram por direcionam grande parte dos grãos que originam

para suas plantas nos países asiáticos, menos criteriosos em termos de controle de

qualidade e originação), foi visto que a Amaggi desenvolve seu próprio programa de

fornecimento de insumos aos produtores, inclusive sementes. O mesmo vale para as

multinacionais, porém a proximidade da Amaggi no campo e o fato de produzir em

torno de 15% dos grãos que comercializa permite a ela garantir uma série de

cuidados com a lavoura que conferem ao seu produto um valor diferenciado nos

mercados mais exigentes (União Europeia e Japão).

A Amaggi desenvolveu um Sistema de Gestão Ambiental e Social que inclui

programa que monitora e melhora o desempenho ambiental dos produtores de soja

pré-financiados pela empresa. O programa cumpre exigências ambientais, sociais e

de segurança do trabalho constantes na legislação incidente31, e comprova que o

31 É pertinente frisar que Blairo Maggi e outros importantes representantes dos interesses do agronegócio influenciaram diretamente na “legislação incidente” por meio de atuação no executivo e no legislativo Estadual e Federal. A pedido do setor produtivo o projeto do ZSEE-MT (Zoneamento Socioeconômico Ecológico do Estado de Mato Grosso) retirou-se da Assembléia Legislativa pelo Governo do Estado em 2005, para Avaliação Técnica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. A Mesa Diretora do O ZSEE-MT (2009 – 2011) foi integrada pelo

Page 104: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

92

92

grão é não-OGM (organismo geneticamente modificado). Dessa forma, o Grupo

obtém selos que conferem acesso aos mercados consumidores mais importantes e

exigentes. Nesse nicho, além do prêmio pago pelos compradores, a empresa não

enfrenta a concorrência das multinacionais e tem seus custos de transação

reduzidos, dado o volume de grãos próprios produzidos nas áreas atendidas pela

hidrovia do rio madeira.

3.1.3 Verticalização e internacionalização

Dedicar parte de suas operações ao nicho específico de Não-OGM foi um dos

principais incentivos ao início da verticalização na direção do processamento

industrial da soja por parte de Amaggi. Nesse nicho, além do prêmio pago pelos

compradores, a empresa não enfrenta a concorrência das multinacionais e tem seus

custos de transação reduzidos, dado o volume de grãos próprios produzidos nas

áreas atendidas pela hidrovia do rio madeira. Assim, compreende-se porquê a

empresa implantou uma unidade de esmagamento de soja em Itacoatiara, com

capacidade de processamento de 1.900 ton/dia de grãos dado o posicionamento

geográfico estratégico para o acesso aos mercados europeus. Muitos desses

mercados, ao contrário da Ásia (exclusive Japão), têm maior interesse pelo produto

processado.

Em 2008, a empresa aprofunda o processo de verticalização ao inaugurar

uma nova esmagadora de soja, localizada no município de Lucas do Rio Verde (MT)

com capacidade de processamento de 3 mil toneladas do grão por dia. A intenção foi

comercializar o farelo com as integradoras de aves e suínos da região da cidade e o

óleo com usinas de biodiesel, conforme explica Bongyolo. Então presidente da

empresa: "Com essa unidade, atingimos a meta de processamento de 50% da

nossa originação de soja, percentual que antes dessa planta estava em

25%"(AGROLINK, 11/02/2008). O BNDES financiou 112 dos R$ 130 milhões

Presidente e 1º Secretário da Assembléia Legislativa os Deputados Estaduais José Riva e Sergio Ricardo respectivamente, tendo como Governador Blairo Maggi (2003-2010). O discurso do ZSEE-MT enfatizava o desenvolvimento produzido “pelo e para” o agronegócio, legitimando o território como produtor de commoditites.

Neto (2013), em estudo sobre Mato Grosso, afirma que seu processo histórico é marcado pelas políticas que favorecem o crescimento da expropriação camponesa, excluindo a ideia de reforma agrária e incluindo a do latifúndio, seja para especulação fundiária ou à produção de commodities. O ZSEE-MT é outra forma de desarticular o modo de vida camponês favorecendo apenas no aumento das áreas de produção agrícola e a redução da cobertura vegetal com discurso de desenvolvimento socioeconômico ecológico.

Page 105: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

93

93

investidos.

No mesmo ano, a Amaggi inicia seu processo de internacionalização, abrindo

espaço nos mercados exteriores mais rentáveis, com o escritório de importação e

exportação de produtos agrícolas em Roterdam na Holanda. Em 2009, a família

Maggi se tornou responsável pelo controle de 51% das ações da Denofa, empresa

norueguesa de esmagamento de grãos. Em 2013, o controle passou a ser de 100%.

Entre 2008 e 2014, Santa Catarina e Paraná interromperam as exportações

de soja para a Noruega, enquanto Mato Grosso monopolizou as exportações

brasileiras de soja para esse mercado. A Amaggi expande-se internacionalmente

com a abertura de escritórios de originação e comercialização na Argentina,

Paraguai e Suíça, país que importou em torno de 5 milhões de toneladas anuais de

soja do Brasil nos últimos anos,

Segundo o Relatório de Sustentabilidade da Amaggi 2014, o desafio para o

futuro é se posicionar cada vez mais como uma companhia global, originando nos

grandes mercados produtores de grãos, como América do Sul e Estados Unidos, e

comercializando para mercados como Europa e Ásia. A empresa já planeja uma

atuação mais estruturada no mercado chinês.

“O grande desafio é se tornar uma empresa global...ainda não temos uma estratégia de venda estruturada para a Ásia e não estamos originando nos Estados Unidos.” (diretoria – CEO - AMAGGI, 2014).

A empresa tem plena convicção da necessidade de atuar em âmbito global,

estabelecendo investimentos estratégicos que a permitiram desestimular a atitude

dos concorrentes multinacionais no sentido deslocar a empresa de suas posições do

mercado, bem como a estratégia de nicho permite maior acessibilidade a diferentes

mercados. A possibilidade de realizar o comércio intrafirma garante suas fatias de

mercado, inserindo a empresa no oligopólio mundial de comércio de grãos.

Ao recuperarmos as ações práticas que elevaram a empresa a esse patamar

de estabilidade diante do oligopólio global que se estabeleceu no setor, podemos

Page 106: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

94

94

elencar com fundamentais:

i) Os investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento levados a cabo pela

Embrapa, que reuniu forças com a Fundação Mato Grosso;

ii) Os arranjos Institucionais que criam fontes de receita e a canalizaram para

o desenvolvimento do setor;

iii) Financiamento em volume e condições competitivas;

iv) Disponibilidade de infraestrutura de transportes e logística compatíveis

com o tipo de produto movimentado pela empresa;

Em suma, foi tomado um conjunto de ações compatíveis com o objetivo de

conferir à empresa a condição de competir internacionalmente, iniciadas em um

momento em que o setor ainda contava com certa proteção tarifária, cambial e

tributária. Tal realidade endossa o argumento de que é necessário fortalecer a

política científica e rever os objetivos atuais da política macroeconômica.

3.2 FIAGRIL E A REGIÃO DO ALTO TELES PIRES-MT

A Fiagril iniciou suas atividades na microrregião do Alto do Teles Pires, mais

especificamente no município de Lucas do Rio Verde, onde encontra-se sua sede,

bem como a maior parte de seus investimentos estratégicos e suas articulações

político institucionais.

A ocupação capitalista da microrregião é anterior à região do Parecis. Iniciou-

se a partir dos programas de colonização levados a cabo pelos Governo Militares

nas décadas de 1970 e 1980, alguns concedidos à iniciativa privada, outros

operacionalizados pela própria administração pública através do INCRA (Instituto

Nacional de Reforma Agrária) com apoio dos Bancos Públicos, como no caso

específico da cidade de Lucas do Rio Verde. A microrregião é cortada pela da BR-

163 no sentido Norte Sul e nos dias atuais responde por ¼ da produção e soja e 1/3

da produção de milho Mato Grosso. Sorriso e Nova Mutum são as duas maiores

produtoras do Estado. Sozinhas correspondem a 12% da produção estadual de soja

e a 16% da de milho.

Page 107: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

95

95

Fundada em 1989, a Fiagril, apesar de não atuar diretamente na produção de

grãos no campo, adotou conjunto de atividades que em certo grau se assemelham

às estratégias do Grupo Maggi. A empresa iniciou suas atividades no comércio com

atuação diferenciada na região. Comercializava defensivos agrícolas, fertilizantes,

sementes e oferecia assistência técnica especializada para os cultivos.

Chama-se aqui a atenção para três aspectos fundamentais que estão por

detrás da simples comercialização de insumos: i) a oferta de crédito; ii) a

coordenação da logística; iii) a assistência técnica; a oportunidade e a maneira de

atuar em cada uma dessas frentes está intimamente ligada às características

específicas da região, por isso ressalte-se brevemente quais condições enfrentaram

os colonizadores ao chegarem à região para entender a lógica da atuação da

empresa e as consequentes influências sobre a ocupação de solo rural e urbano nas

regiões onde concentra sua atuação.

É vasta a literatura que trata da colonização da região, das dificuldades

enfrentadas pelos pioneiros por conta da quase inexistência de infraestrutura e da

dificuldade em obter crédito e assistência técnica por parte, principalmente dos

assentados pelos programas de reforma agrária do INCRA. Tratava-se de uma

região de vegetação nativa, até então não integrada ao processo capitalista de

produção. Parcamente povoada por indígenas e camponeses que se dedicavam a

produção para subsistência, carente de estradas, rede elétrica e de todos os outros

serviços básicos de utilidade pública.

A abertura de estradas federais e de algumas pequenas unidades de geração

de energia viabilizam a ocupação da região, complementadas com os programas de

financiamento e incentivos fiscais para a ocupação das novas terras. Os postos de

combustíveis que se instalam inicialmente ao longo das BR's levam o óleo diesel

que moverá os geradores e os poucos tratores que os agricultores mais

capitalizados adquiriram junto as linhas de crédito subsidiado para investimento.

Os programas de colonização se dividiram basicamente em dois modelos. Um

promovido pela iniciativa privada, voltado para agricultores com maior capacidade de

autofinanciamento. Nesse tipo de empreendimento, empresas colonizadoras

adquiriam grandes quantidades de terra junto à união a preços altamente atrativos.

Essas áreas eram divididas em lotes e revendidas a produtores do sul e sudeste que

buscavam novas oportunidades em regiões onde o preço da terra equivalia a uma

Page 108: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

96

96

pequena fração do que era praticado em suas regiões de origem. Dessa forma, os

títulos de propriedade dessas áreas dispunham de segurança jurídica, podendo ser

negociados livremente no mercado.

Alguns agricultores venderam suas terras nas regiões de agricultura

consolidada e com o dinheiro adquiriram porções de terra muito maiores nas regiões

do norte do Mato Grosso. Outros, mais capitalizados, expandiram suas posses para

a nova região32. Assim como na Região do Pareceis, o tamanho dos lotes era uma

condição necessária para a viabilidade dos programas, dada a distância dos centros

consumidores e os elevados custos provocados pela precária oferta de

infraestrutura.

O outro modelo se refere aos programas de reforma agrária, sob

responsabilidade do INCRA, com apoio de recursos da união e linhas de

financiamento abertas pelos bancos públicos, sobretudo o Banco do Brasil.

Buscavam mitigar os efeitos da busca por terras no sul do país e os movimentos de

luta pela democratização do acesso à terra33.

Nos programas de reforma agrária, o assentado não dispõe do título de

propriedade da terra, o que lhe conferiria o direito de negociá-la com terceiros. É

conferida a ele apenas a posse da terra para que dela faça uso em benefício próprio.

Isso terá importantes implicações sobre a dinâmica do financiamento dessas

regiões.

Alguns aspectos tornarão especialmente difícil a fixação dos assentados

nesses programas. Tratavam-se de lotes menores, transferidos a agricultores menos

familiarizados com a lógica empresarial de produção no campo à qual teriam de se

adequar devido às características do solo dos cerrados, que pela aridez e

insuficiência de nutrientes, demandam uma série de insumos que não são passíveis

de serem produzidos pela agricultura de subsistência, tendo que recorrer ao

mercado. O sucesso do cultivo da terra dependeria ainda da oferta de extensão

rural, uma vez que a exploração do solo do cerrado era ainda recente, não havendo

tempo para o desenvolvimento de um conhecimento tácito por parte dos assentados

e exigindo um aporte muito maior em termos conhecimento científico. A preparação

32 Volochko (2015) descreve a origem dos agricultores que se dirigiram para a região de Lucas do Rio Verde. 33 Para uma visão mais acurada sobre os diferentes processos de colonização da região consultar Ramos & Macedo (2015), Lacerda et al (2015) e Volochko (2015).

Page 109: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

97

97

do solo dependia ainda da utilização de maquinário não incluso nas linhas de

financiamento disponibilizadas aos assentados.

Diante desse cenário, o poder público, na figura do INCRA, certamente

estava ciente de que teria que tomar algumas precações no sentido de disponibilizar

ao assentado uma estrutura de apoio minimamente coerente com essas exigências.

Porém, há indícios de que tenha ocorrido o contrário34. Por outro lado, não faltou

ímpeto por parte da iniciativa privada a dissolver programas, dando início ao

processo de aliciamento, apropriação indevida e grilagem de terras na região,

culminando com a expropriação de muitos assentados e a concentração de terras

nas mãos de alguns poucos produtores envolvidos de alguma maneira nessas

práticas.

Outro aspecto influenciará a dinâmica da agricultura e da agroindústria na

região. Foi visto que o investimento público começa a declinar na década de 1980 e

que os instrumentos de incentivo à agricultura são transformados. Os programas de

preços mínimos, crédito oficial e estoques públicos dão lugar a incentivos cambiais e

fiscais, transferindo à iniciativa privada as decisões de investimento na agricultura de

acordo com a lógica dos mercados. Os investimentos, obviamente, obedecerão à

lógica privada de valorização e se concentrarão nas atividades e nas culturas com

maior demanda, sobretudo por exportações.

Por essa razão, os agricultores do Mato Grosso não contarão com as

mesmas condições disponíveis aos seus congêneres do Centro Sul. Foi visto na

sessão 2.3 que em meados da década de 1990 o Centro-Oeste apresentava um

déficit muito maior em termos de capacidade estática de armazenagem de graneis

se comparado aos estados do Sul do país, sendo o Mato Grosso o estado com

maior defasagem. Um claro reflexo da redução dos investimentos públicos. Se por

um lado isso representa um gargalo aos produtores, por outro abre uma nova

oportunidade de negócios. A capacidade de armazenagem ofertada no Centro-

Oeste estava muito mais concentrada na iniciativa privada, sendo muito reduzida a

participação dos armazéns públicos e de cooperativas.

O mesmo é válido para os serviços de assistência técnica e comercialização,

de forma que apenas os colonos com capitalização e escala suficientes para adquirir

34 O informativo da Comissão Pastoral da terra de julho de 1984 investigou a condição dos assentados em Lucas do Rio Verde. O documento denuncia práticas de estelionato praticado contra os assentados por empresas e assessoria rural com a participação de funcionários do INCRA e do Banco do Brasil.

Page 110: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

98

98

esses serviços junto à iniciativa privada conseguirão viabilizar seus negócios na

região – favorecendo a concentração da propriedade. Será exatamente nesses

seguimentos que a Fiagril concentrará suas estratégias de crescimento.

3.2.2 O Desenvolvimento do Modelo de Negócios

Conforme consta no site do Grupo Fiagril, a empresa começou um negócio de

venda de insumos em 1989 no município de Lucas do Rio Verde. Diferentemente da

situação relatada pelo informativo da CPT de 1984, de frustração de safra e

abandono dos cultivos, em 1990 Lucas do Rio Verde já aparecia como o décimo

maior produtor de soja do Mato Grosso, um pouco atrás da vizinha Nova Mutum,

também originária de um projeto de colonização, porém um processo desencadeado

pela iniciativa privada. O Censo Agropecuário de 1996 aponta que 70% dos 468

estabelecimentos recenseados concentravam-se na faixa acima de 200 ha.

O comércio de defensivos agrícolas deu origem às atividades da Fiagril na

região do Médio-Norte de Mato Grosso, porém a venda também era acompanhada

da oferta de assistência técnica especializada para os cultivos de soja e milho, entre

outros, conferindo um diferencial à empresa, que ajudou a implementar a

modernização no campo.

É interessante recuperar o perfil e a trajetória de seu principal acionista.

Marino José Franz é técnico agrícola e se mudou para a região de Lucas do Rio

Verde como extensionista do EMPA-Empresa de Pesquisa Agropecuária, instituto

governamental que trabalhava com pesquisas de soja e arroz. Portanto, a

proximidade com os produtores da região vem de longa data, assim como sua

presença na vida política do município.

A empresa do Sr. Franz foi diversificando sua oferta de produtos e

comercializou fertilizantes e semestes. O fato de muitas dessas operações de

fornecimento de insumos envolverem o pagamento no final da safra, após a

comercialização da produção, faz com que as empresas fornecedoras atuem muitas

vezes como fonte de financiamento para os produtores.

Foi visto que o período em que a Fiagril inicia suas atividades foi de grande

restrição nas linhas de crédito oficial, porém no caso de Lucas do Rio Verde existe

um fator adicional de de crédito escasso. O fato é que as propriedades se formaram

a partir de lotes destinados à reforma agrária. A titulação desses lotes conferiam a

posse, porém não a propriedade do imóvel a seus beneficiários, portanto, não

Page 111: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

99

99

dispõe de segurança jurídica, podendo a terra ser reavida pelo estado. Isso amplia

os riscos ao emprestador, elevando a taxa de juros e diminuindo a alocação de

recursos para essas áreas35. Já a Fiagril, por conta de sua proximidade e

conhecimento da comunidade de produtores, ingressará precocemente nessa

função.

Nos anos seguintes, apesar das restrições de crédito, com enorme elevação

da área, mas também com ganhos expressivos de produtividade, o município de

Lucas do Rio Verde chega a 1996 como o sétimo maior produtor de soja do estado.

De maneira lógica, a Fiagril amplia seu escopo de atuação no seguimento de

logística, através da Fiagril Agromercantil, voltada para o ramo de armazenamento e

também comercialização de grãos36.

Ciente da importância da qualidade em todos os segmentos de atuação, a Fiagril, desde 1997, investe no aprimoramento de suas unidades armazenadoras de grãos e no processo de comercialização dos produtos. A estratégia de expansão da estrutura física de capacidade estática de armazenagem, que permitiu um salto de 13.000 toneladas para mais de 700.000 toneladas, adotou processos de classificação e padronização por meio de modernos equipamentos que certificam os produtos para comercialização tanto no mercado interno como no exigente mercado externo. Com forte atuação na região do Médio-Norte de Mato Grosso, no eixo da BR-163, a empresa organizou uma infraestrutura logística que garante o escoamento contínuo da produção até os principais portos brasileiros37.

A Fiagril desenhou rapidamente um pacote de negócios que fornecia ao

produtor a assistência técnica para as escolhas de plantio, vendia os insumos

35 Demsetz (1967) chamou a atenção para a importância dos direitos de propriedade para a análise econômica, porque eles formam as expectativas (na forma da lei, costumes e moral) que os indivíduos podem razoavelmente sustentar em seu intercâmbio com os outros. 36 Em 1997, o Sr. Franz inicia suas atividades como vice-prefeito na esteira do prefeito eleito Otaviano Pivetta, principal acionista da Cooagril (Cooperativa de Agropecuário e Industrial Luverdense), acusada de envolvimento no escândalo da Coorperlucas, no qual 4 produtores foram condenados pelo desvio de R$ 230 milhões em grãos dos estoques públicos da Conab. A condenação afirma que foram emitidos com a colaboração da empresa Coagril (Cooperativa Agropecuária e Industrial Luverdense Ltda) e Safrão Armazens Gerais, conhecimentos de depósito sem a existência de produtos agrícolas, obtendo financiamento para plantio agrícola de maneira fraudulenta, da agência do Banco do Brasil em Lucas do Rio Verde. Posteriormente o irmão e também sócio de Marino Franz assumiu a presidência da Cooagril. 37 Disponível em: <http://www.fiagril.com.br/ >Acesso em agosto de 2015.

Page 112: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

100

100

necessários, muitas vezes estruturados numa operação de financiamento e fechava

o ciclo com o armazenamento e comercialização do grão junto as indústrias

processadoras e tradings através da BR-163. De forma concomitante, passou a

coordenar a logística, arbitrando o melhor momento para casar o frete dos grãos

com o dos insumos que atendiam aos produtores. Essa forma de atuação

assemelhou-se à do à do Grupo Maggi, ainda que naquele momento a Fiagril não

dispusesse de escala suficiente para promover tal verticalização. Por conta disso, é

provável que a Fiagril conviveu com uma estrutura de custos mais favorável do que

a dos concorrentes da região, arquitetada no período anterior à chegada das

grandes tradings à região.

A proximidade com os produtores e o conhecimento ímpar da dinâmica

política e empresarial local rendeu importantes parcerias à Fiagril junto às grandes

tradings estrangeiras, quando essas chegavam à região em busca da produção de

grãos que crescia aceleradamente na região naquele momento. De forma

semelhante ao Grupo Maggi, a empresa acessava diretamente administração

pública através da figura de vice-prefeito e acionista majoritário Marino Franz, e

exercia sua influência no campo por meio das operações de assessoria técnica e

financiamento.

Além disso, os ativos adquiridos pelas multinacionais se concentravam

majoritariamente em Rondonópolis e Cuiabá, onde os grãos eram armazenados e

processados para o atendimento dos mercados do Centro-Sul e aos maiores

mercados consumidores locais. As multinacionais não dispuseram imediatamente de

infraestrutura na região do Alto do Teles Pires, cuja participação na produção

estadual de soja cresceu de 19% para 25% entre 1990 e 1999. Um acréscimo de 1,4

milhões de toneladas, equivalente a um crescimento de 213%.

Por isso, as tradings enxergaram na Fiagril um parceiro estratégico para

iniciarem suas atividades naquele espaço. A empresa passou a intermediar

operações de barter38 entre as multinacionais e os produtores - ficando com parte

das taxas incidentes sobre o financiamento. “A companhia passou a captar recursos

junto às tradings internacionais para financiar a aquisição de insumos pelos

38 As operações de barter nada mais são do que operações de financiamento com liquidação em espécie. A empresa entrega os insumos ao produtor em troca da garantia do recebimento do valor equivalente (acrescido de uma taxa de juros) após a colheita.

Page 113: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

101

101

produtores por meio das operações de barter – um modelo de operação então em

franca expansão no Estado”. (JAIME BINSFELD, 2012)39.

Isso ampliou sua capacidade de atendimento aos produtores, ao mesmo

tempo em que viabilizou a ampliação dos cultivos na região. Prince (2012) apontou

algumas razões pelas quais os agricultores têm preferência pelo financiamento

privado - mesmo as taxas de juros sendo em média três vezes mais altas do que as

do crédito oficial subsidiado – que são a maior facilidade para aprovação do crédito

e a rapidez na liberação dos recursos40.No caso da cidade de Lucas do Rio Verde e

de outras da região41, soma-se a essas razões a questão da irregularidade nos

títulos de propriedade das terras.

Desde então, o crescimento da empresa, assim como da importância política

de seus proprietários, se acelerou. Em 2001, passou a realizar operações de

exportação e estendeu sua atuação para Sorriso, maior produtora de grãos do país,

com a abertura da Sorriagro Insumos e Produtos Agropecuários Ltda. Em 2003, ano

em que Blairo Maggi se Elege Governador do Estado, Marino Franz assume a

prefeitura de Lucas do Rio Verde no lugar de Pivetta e no ano seguinte se elege

prefeito de Luca do Rio Verde.

Ainda em 2003, o Governador Maggi lança um programa de convênios

rodoviários no território mato-grossense para a pavimentação asfáltica das rodovias

estaduais. Esse programa de Parcerias Público-Privadas – PPP's – ficou conhecido

como PPP's Caipiras. A primeira Parceria Público Privada firmada em Mato Grosso

foi logo com a Associação dos Beneficiários da Rodovia da Mudança, no trecho

Lucas do Rio Verde – Tapurah42.

39 Disponível em: < http://www.revistaferroviaria.com.br/index.asp?InCdEditoria=2&InCdMateria=18409 >. Acessado em: 10 nov. 2015. 40 F. Prince da Silva. Financiamento da Cadeia de Grãos no Brasil: O Papel das Tradings e Fornecedores de Insumos. (Dissertação de Mestrado) Unicamp, 2012. 41 Como a cidade de Ipiranga do Norte. 42 Curiosamente, Marino Franz foi preso em 2014 acusado de liderar uma quadrilha de grilagem de terra nos assentamentos em Tapurah. O assentamento Tapurah/Itanhangá é o segundo maior da América Latina. Possui 115 mil hectares e é dotado de 1.149 lotes com 100 hectares cada. São terras de alta produtividade, localizadas próximo a municípios grandes produtores de grãos. A investigação comprovou que os trabalhadores rurais clientes da reforma agrária foram aliciados, coagidos e ameaçados para venderem ou entregarem os lotes de cerca de 100 hectares, avaliados em R$ 1 milhão cada um. Marino é apontado pela Polícia Federal como o braço político e financeiro do grupo:

“Há indícios de que Marino atua como fornecedor de insumos, defensivos agrícolas e sementes para os fazendeiros integrantes da suposta organização criminosa, bem como que participaria ativamente das atividades e tomada de decisões junto dos demais integrantes”, (trecho da investigação)

Page 114: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

102

102

Nesse mesmo ano, concentrando seus investimentos no eixo da BR-163,

constrói uma Unidade Armazenadora em Sorriso e adquire uma em Sinop. Em 2005,

fechou acordo logístico com a Ferronorte para ampliar as exportações através do

Porto de Santos e, finalmente, em 2006 duplica a capacidade de armazenagem total

para 349.000 toneladas, consolidando suas operações nos seguimentos de logística

e comercialização.

Dessa forma, contando com amplo escopo de atividades consolidadas em

torno da BR-163 e com profundo conhecimento da dinâmica produtiva, empresarial e

político-institucional desse território, que lhe conferiram uma posição de estabilidade

perante o avanço do Grupo ABCD na região, a Fiagril inicia um programa mais

ousado de expansão. Foi visto que a Fiagril desde o início desenvolveu um

relacionamento bastante próximo com os produtores locais. Trabalhos como de

Wesz Junior(2014) demonstraram que as decisões de troca entre produtores e

compradores vai além das decisões de mercado pura e simplesmente. As redes de

relacionamento interpessoal, os contratos tácitos, firmados “ao fio do bigode”, a

reputação, a amizade e os longos anos de parceria são fortemente levados em

consideração pelos agricultores no momento de fechar seus negócios.

Soma-se a isso a influência dos acionistas da empresa junto às instituições

públicas que vai desde a administração local até o governo estadual e instituições

públicas federais. Em certo sentido, essas figuras se tornam depositárias e guardiãs

dos produtores locais, uma vez que formam uma verdadeira rede de atuação no

território. Por isso é válido creditar boa parte do sucesso da Fiagril em exercer o

controle do uso e ocupação do solo na região de Lucas do Rio Verde, seja através

A acusação afirma ainda que o então prefeito utilizou de seu poderio financeiro (possivelmente corrompendo pessoas na Prefeitura, Câmara Municipal e Incra) para regularizar o Lote 581-A perante o Incra, Prefeitura e cartórios”, diz outro trecho da decisão. O termo de doação número 003, de 13 de março de 2006, indicaria que o Incra teria feito a doação do terreno em questão, localizado no município de Itanhangá, à prefeitura da localidade. A transação teria sido uma suposta regularização fundiária:

“Todavia, o que teria ocorrido, em verdade, é que o documento em questão teria sido deliberadamente falsificado, tendo o lote sido revertido em benefício da empresa Fiagril, cujo sócio-gerente é Marino Franz”.

O lote acabou sendo cedido pela prefeitura à Bunge Alimentos. As investigações apontam que a multinacional explorou economicamente as terras por um período de cinco anos e, posteriormente, repassou os lotes à empresa Fiagril.

“Foi realizada a doação fraudulenta de diversos lotes, num total de 840,77 hectares, concedida ao município de Itanhangá – que primeiramente foi cedido a Bunge – que o explorou economicamente por cinco anos e, atualmente foi alienado, via licitação direcionada, à empresa Fiagril (de Marino Franz)”, (trecho da representação).

Page 115: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

103

103

da alocação de recursos públicos, na definição do plano diretor ou no financiamento

das atividades produtivas.

Finalmente em 2007, quando as multinacionais já haviam penetrado na

região, a Fiagril integraliza capital do BNDESPar e constrói uma fábrica de biodiesel

em Lucas do Rio Verde dando o primeiro salto em direção à completa verticalização

de suas atividades.

3.2.3 – Verticalização e o boom de Crescimento

A partir de 2007, por conta da integralização de Capital do BNDESPar, a

empresa divulga seus balanços no Diário Oficial do Mato Grosso. Através deles é

possível ver o salto vertiginoso de crescimento da empresa a partir daquele

momento, bem como identificar e dimensionar algumas práticas anteriormente

citadas.

A operação com o BNDES abre à empresa a dupla possibilidade de

processar ou vender o grão in natura, ampliando sua presença no negócio de

originação, bem como no de exportação, dada sua capacidade ampliada de

armazenagem e coordenação da logística, agora com operações estruturadas via

Ferronorte. A operação com o BNDES representou aporte de recursos na casa de

R$ 29 milhões, tendo sido investidos R$ 36 milhões na construção da Planta. Abriu

também novas oportunidades de relacionamento com grandes atores do setor, tais

como a Amaggi.

Os dados do Balanço Patrimonial revelam que o faturamento da empresa

passou de R$ 605 milhões em 200743 para 1,18 bilhão em 2008. O Lucro contábil

saltou de pouco mais de R$ 1 milhão para R$ 15 milhões com a entrada em

funcionamento da usina de Biodiesel, enquadrada no programa de Produção e Uso

de Biodiesel.

Lembre-se que a região de Lucas do Rio Verde está a uma distância de

aproximadamente 2.200 km dos principais portos utilizados para exportação de

grãos. Como demonstrado na seção 2.3, isso torna mais baixo o preço do grão por

conta dos custos logísticos deduzidos do preço pago ao produtor, reforçando assim

a pressão pela produção em larga escala. Por essa razão, grandes frigoríficos e

43 Por volta de 30% do total de R$ 335,7 milhões das vendas da Fiagril Agromercantil em 2007 são resultantes de exportações de grãos. Ainda no quesito vendas, a Fiagril Comércio teve um faturamento de R$ 248,1 milhões.

Page 116: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

104

104

esmagadoras foram atraídas para a região. A política de uso e produção de

Biodiesel potencializará as oportunidades de esmagamento da soja na região, e

portanto, dará fôlego a uma nova rodada de expansão de seu cultivo, inclusive sobre

as áreas destinadas mais recentemente à reforma agrária.

Desde de 2007 essa foi a microrregião que mais contribuiu para o

crescimento da produção estadual em termos absolutos, adicionando 1,7 milhão de

toneladas à quantidade produzida até 2014. Também foi a região que mais ampliou

a área plantada em termos absolutos, quase 600 mil (ha) a mais.

Entre os anos de 2007 e 2008, as contas a receber de clientes saltaram de

R$ 146 milhões para R$ 391 milhões. Segundo relatório da empresa, ainda foram

concedidos financiamentos com liquidação em espécie da ordem de R$ 33 milhões

em cada ano:

Os adiantamentos a fornecedores de soja e milho serão realizados mediante a entrega dos produtos até o término da safra previsto para março de 2009 e estão sendo atualizados a juros médios de 1,5% ao mês. Os adiantamentos estão garantidos por penhor de safra representado por cédula de produtor rural e fianças prestadas por terceiros (FIAGRIL, 2009).

Com a entrada em funcionamento de Biodiesel, a Fiagril controla acordos de

financiamento com produtores fixados nos assentamentos de reforma agrária da

região para se enquadrar no Selo Combustível Social, concedido pelo Ministério do

Desenvolvimento Agrário (MDA). O selo do governo federal confere incentivos fiscais

e garantia de participação no leilão de biodiesel da Agência Nacional do Petróleo

(ANP) às usinas em troca da compra de produção oriunda da agricultura familiar.

As usinas recorrem aos assentamentos e incentivam o cultivo de soja para

atingir os 15% de gastos com a agricultura familiar previstos pelo Selo. O estado do

Mato Grosso não possui uma agricultura familiar forte. Restrita basicamente aos

assentados, a produção familiar ainda enfrenta grandes dificuldades e o cultivo de

soja nos projetos, apesar de muitas vezes ser uma opção econômica, é considerado

Page 117: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

105

105

pelo Incra como contrário aos objetivos da reforma agrária (a produção diversificada

de alimentos)44.

Os contratos de compra e venda previstos pelo Selo devem ser avalizados

por entidade representativa dos agricultores (entidades sindicais ou cooperativas),

mas de acordo com relatório do Centro de Monitoramento de Agrocombustíveis

sobre a safra 2009/10, os assentados afirmaram que receberam das usinas pré-

financiamentos convencionais que incluem sementes, adubo e agrotóxicos que

viabilizam a atividade agrícola, pois todas as políticas públicas de incentivo e

financiamento estão paralisadas em função do embargo ambiental. Afirmaram ainda

que não há participação do sindicato no processo.

Procurada pelo CMA sobre critérios socioambientais para a compra de

matéria-prima, a Fiagril afirmou que adquiriu soja também nos assentamentos

Mercedes 5 e Itanhangá/Tapurah45. Reconheceu que não levava em conta

problemas legais de seus parceiros nas relações comerciais. A usina também disse

computar todas as compras para fins de atendimento aos 15% de gastos com a

agricultura familiar.

Em 2009, o faturamento se estabiliza na casa de R$1,1 bilhão e o lucro

contábil na casa de R$ 15 milhões, porém os contratos compromissados de entrega

de grão para os mercados interno e externo começam a se multiplicar (Anexo B).

Entre 2007 e 2010, os contratos de compra e venda de grãos para o mercado

interno e externo cresceram 460% em volume, saltando de R$ 85 milhões para R$

434 milhões.

Em 2011, consta que a Fiagril avançou suas posições em armazenagem e

originação principalmente nas áreas de assentamentos, onde novamente aparece o

de Itanhangá:

Mantivemos os investimentos nas atividades de originação de grãos com aquisição de novas unidades armazenadoras localizadas em Itanhangá, São Luiz Gonzaga e Mercedes, neste Estado, o que, elevou a capacidade estática de armazenamento para 581.000 toneladas, das quais 551.000 são próprias e apenas 30.000 toneladas locadas de terceiros (FIAGRIL, 2012).

44 Segundo relatoria da CMA, por conta do avanço da soja sobre os assentamentos, o Incra encontrava dificuldades de implementar projetos de desenvolvimento sustentável e regularização ambiental nos assentamentos. Isso conduz a uma situação de insegurança social e jurídica, como problemas de subsistência, irregularidades fundiárias e crimes ambientais. 45 Aquele mesmo a que se refere a nota 34

Page 118: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

106

106

Observa-se aqui a consolidação de uma estratégia de nicho adotada Fiagril. A

empresa reforçou suas posições em áreas onde a regulação fundiária e ambiental

apresenta alguns complicadores, tornando-se menos atrativas para empresas que

tenham menos aporte jurídico em relação à propriedade da terra46. Deveria se

esperar que os agricultores dessas áreas também fossem pouco familiarizados com

a agricultura empresarial, uma vez que são assentados de programas de reforma

agrária. Sendo assim, provavelmente são áreas onde a dependência do produtor em

relação aos compradores é importante.

Consta no BP 2011 da empresa que:

A estrutura comercial da companhia vem sendo sempre revisada, ampliada e aprimorada com o objetivo de melhorar o atendimento aos clientes, sempre observando a elevação da rentabilidade das vendas atrelada ao crescimento ocorrido. A área industrial voltada à produção de biodiesel novamente obteve excelente performance técnica e econômica, mantendo-se como uma das principais fornecedoras do programa da Política Nacional de Produção de Biodiesel do Governo Federal-PNPB (FIAGRIL, 2012).

O Faturamento líquido dá novo salto naquele ano, agora para a casa de 1,6

bilhão, sendo 90% desse valor obtido com operações no mercado interno. As contas

a receber de clientes estabilizados em torno de R$ 280 milhões, saltam para R$ 525

milhões. (Anexo C)

É possível identificar que a Fiagril exercia influência direta na produção da

região. Os números e as informações qualitativas do Balanço demonstram que a

empresa se especializava cada vez mais no fornecimento de insumos com vistas na

operação casada com a originação de grãos a serem entregues a outras empresas 46 Em 2012 a Fiagril participa de uma operação inédita no mercado, junto às empresas Octante, Syngenta e Bunge Brasil. Foi lançada a primeira Oferta Pública de CRAs (Certificados de Recebíveis do Agronegócio) para investidores pessoas físicas, criando um título de crédito para levantar financiamento para agricultores. A modalidade permite que os produtores de soja e grãos financiem um pacote completo de insumos. A operação, em resumo, consiste na emissão de CDCAs (Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio) por quatro distribuidores da Syngenta (Fiagril, Sinagro, Agrocat e Agrícola Panorama) lastreados por 120% de recebíveis de operações de barter. A securitizadora, então, emite os CRAs com lastro nestes CDCAs, devidamente cobertos por seguro de crédito. Ou seja, a Fiagril e as outras três empresas atuam como avalistas dos produtores, ao serem elas quem deve remunerar os investidores no termino da operação.

Page 119: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

107

107

de processamento e à sua própria usina. Nesse caso, o conhecimento e o controle

da dinâmica territorial são componentes determinantes para o sucesso da

empresa.

Ter sabido se posicionar em regiões com potencial de expansão dos cultivos

e nas operações nas quais o território é mais carente, como as áreas de logística de

transportes e armazenagem, construiu as bases materiais paras que a empresa

pudesse desenvolver suas estratégias. Porém, foi o conhecimento tácito para lidar

com os agricultores da região e a possibilidade de influenciar a alocação de recursos

públicos e até de ditar o desenho das instituições que estão ali instaladas que, na

prática, permitiram à empresa a construção de verdadeiras redes territoriais de

negócios em torno de si.

(…) a organização das empresas em redes de negócios que permitiram a introdução de fontes financeiras de outros setores, a ampliação da mobilidade dos atores e a possibilidade de controlar um maior volume de áreas em diferentes regiões.(…) é possível dizer que as relações de troca entre produtores e empresas no mercado da soja estão baseadas, condicionadas e influenciadas por três grandes esferas – instituições, redes sociais e quadros cognitivos – que atuam de forma inter-relacionada e encadeada (WESZ JUNIOR, 2014a p. 192).

Segundo o autor, na esfera institucional se encontram as regras formais e

informais estabelecidas pelos agentes do mercado, Estado e grupos de interesse

que reduzem a incerteza da transação, constroem instrumentos de proteção e

confirmam as expectativas. No mercado da soja, as regras são materializadas em

contratos que muitas vezes definem preço, prazos, formas de pagamento, etc.

(WESZ JUNIOR, 2014a).

O autor prossegue afirmando que em relação às redes sociais, elas também

são fundamentais na realização dos negócios. Inclusive, quando as empresas são

novas na região, elas contratam pessoas que atuam no local para fazer a ponte

entre o cliente e a firma, pois são indivíduos que conhecem o público-alvo que

também é reconhecido por eles.

Parece ter sido exatamente a função que a Fiagril desempenhou ao longo dos

últimos anos, pois além do contato direto com os produtores, a empresa tem forte

ligação com a estrutura institucional formal e informal local. Essa configuração

Page 120: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

108

108

originou o conjunto de soluções locais que driblaram os impedimentos legais e a

escassez de recursos oficiais, permitindo a expansão do cultivo de grãos na região

de influência da empresa.

Os quadros cognitivos, por sua vez, dizem respeito à importância dos

elementos subjetivos e dos valores simbólicos que estão presentes em qualquer tipo

de mercado e relação econômica.

Nas negociações entre produtores e empresas estes valores aparecem quando os entrevistados apontam que, para a relação, são fundamentais a seriedade, a honestidade, a transparência e a competência, bem como as reputações de sucesso, empreendedorismo etc (WESZ JUNIOR, 2014a, p. 193).

O sucesso da empresa e de seus acionistas em meio ao avanço das

multinacionais e a manutenção da relação próxima que tinham com os produtores no

campo certamente credenciaram–na como referencial para qualquer grupo que

pretenda se instalar na região, e estabeleceu-se assim certa hierarquia, uma espécie

de direito adquirido pela empresa Fiagril. Seria como dizer que o pacto de

dominação sobe o território, forjado entre as elites políticas e econômicas locais

cobra pedágio daqueles que pretendem usar suas vias de valorização.

Além das multinacionais que estabeleceram parcerias no negócio de

financiamento aos produtores, alavancando as posições da Fiagril, a Amaggi, por

exemplo, financiou R$ 111,6 milhões pelo BNDES para a implementação da planta

de esmagamento do grão em Lucas do Rio Verde (MT). O então governador do

Estado, Blairo Maggi, concedeu incentivos fiscais para que a Fiagril e Sadia também

se instalassem no mesmo município. Através desse arranjo, o complexo industrial da

Sadia, a fábrica de biodiesel da Fiagril e a esmagadora de soja de Blairo Maggi

passaram a operar em conjunto ligadas por uma “fareloduto” e um duto de óleo

diesel. Um negócio ampliou a margem de lucros, pois com este fareloduto houve

redução nos custos com transporte e matéria-prima para ambas as empresas.

Segundo dados da conab, ADM, Amaggi, Bunge, Cargill e Fiagril respondem

por 40% do 1,9 milhão de toneladas de capacidade estática de armazenagem em

Lucas do Rio verde. Fiagril e Amaggi possuem as maiores capacidades, a primeira

Page 121: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

109

109

com 217 e a segunda 215 mil toneladas de capacidade. Já em Nova Mutum,

segunda maior produtora de soja do estado, a apenas 90 km de Lucas do Rio Verde,

as 4 multinacionais apresentavam capacidade de armazenagem somando 31% de

um total de 1,43 milhão de toneladas. A Bunge lidera com capacidade de 195 mil

toneladas. Isso demonstra a influência da Fiagril para Lucas do Rio Verde por um

lado, e por outro lado a importância estratégica do município para a empresa.

Fazendo uma analogia com o caso da Amaggi, analisado no item anterior, é

possível dizer que as estratégias adotadas pela Fiagril até aquele momento

representaram, em menor grau, a formação de poder de monopólio calcado no

controle do território. Essa conformação se deu através não só do controle da

logística e do crédito, mas também pelas redes de negócio que a empresa construiu

em torno de si, a saber: condições dos contratos, histórico de relacionamento (com

produtores e instituições), confiança, amizade, vínculos familiares, reciprocidade,

lealdade, compromisso moral, status, competência, condições de atendimento,

conveniência etc.

A partir de 2011, a empresa recompra as ações em propriedade do BNDES e

para de divulgar seus balanços, no entanto, segundo consta em seu próprio site, e

pela análise dos dados do MDIC, as vendas ao mercado externo tem se ampliado.

Em entrevista realizada em 20/01/2015 com o Sócio Proprietário da Fiagril e também

vice-prefeito de Lucas do Rio Verde (provável candidato da situação para prefeito

em 2016) Miguel Vaz Ribeiro, a empresa tem negociado intensamente com os

chineses, um mercado reconhecidamente menos exigente em termos

responsabilidade sócio-ambiental.

Em 2012 a empresa movimentou 2,5 milhões de toneladas de grãos, um

aumento de 40,4% sobre 2011. Com isso, a receita líquida saltou 44% e alcançou,

pela primeira vez, a marca de R$ 2,42 bilhões. A Fiagril investiu cerca de R$ 71

milhões em sua estrutura de armazenagem, elevando sua capacidade para 639 mil

toneladas em 2012.

Segundo o presidente da Fiagril, Jaime Binsfeld, o comércio de grãos

representou cerca de 60% do faturamento da companhia. As vendas de insumos,

por meio de operações de barter, respondem por 25% e a produção de biodiesel,

por 15%.

Page 122: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

110

110

Naquele ano, com vistas às exportações, a empresa busca a diversificação

regional, inaugurando sua primeira unidade de recebimento em Tocantins, no

município de Silvanópolis, com capacidade estática para 60 mil toneladas.

“Tocantins tem uma logística muito melhor que a de Mato Grosso. É cortado pela

ferrovia Norte-Sul, com acesso ao porto de Itaqui (MA)”.

A empresa também passa a apostar suas fichas na criação de um novo

corredor para a exportação de soja de Mato Grosso após a integração da BR-163

com a hidrovia do Rio Tapajós. Em um movimento pioneiro semelhante ao do Grupo

Maggi no Rio Madeira, a empresa criou uma operadora logística (Cianport) em

sociedade com a comercializadora de grãos Agrosoja, para construir e operar

estruturas de recebimento e embarque de grãos em Itaituba (PA) e no Porto de

Santana (AP). Para financiar o projeto, a empresa captou R$ 73 milhões do fundo da

marinha mercante, operado pelo BNDES, mas a previsão é que o investimento

consuma cerca de R$ 350 milhões.

A Fiagril também investiu na produção de sementes. Criou uma joint venture

(Sementes Serra Bonita) com a trading Sinagro para a reprodução de variedades de

milho e soja.

Em 2013, o faturamento da empresa foi de R$ 2,75 bilhões, sendo US$ 200

milhões com exportações. Em 2014, a empresa faturou U$241 milhões com

exportações e teve 25% das ações compradas por um fundo americano. Segundo o

executivo do grupo Craig Tashjian: “Acreditamos que a empresa detém um conjunto

único de ativos em sua carteira, permitindo se diferenciar por meio de

armazenamento, logística de transporte e, agora, sementes”47

À vista de conclusão, ao recuperarmos as ações práticas que elevaram a

Fiagril a esse patamar de estabilidade diante do oligopólio global que se avança no

setor, elencamos como fundamentais:

i) Os arranjos Institucionais que criam condições para o desenvolvimento do

cultivo da soja e de sua industrialização na região:

- as redes de relacionamento com produtores construíram a possibilidade de

ampliar a produção mesmo onde não se possuía garantias (tais como as

47 Disponível em: <http://exame.abril.com.br/negocios/noticias/fundo-americano-amerra-compra-25-da-fiagril>. Acessado em 15 dez. 2015.

Page 123: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

111

111

hipotecas, e a aquisição dos insumos na revenda se pautou nas relações de

confiança);

- o status: Os produtores preferem negociar com as empresas que “têm

dom” ou que possuem determinadas qualificações/relacionamentos.

ii) A possibilidade de contar com financiamento em volume e condições

competitivas;

- as captações junto as multinacionais ampliaram a capacidade incial de

financiamento aos produtores;

- as redes de relacionamento político-empresariais construíram

possibilidades de diversificar seus investimentos que resultaram na redução

de custos logísticos e impulsionaram a empresa em direção a verticalização;

- Os aportes do BNDES foram decisivos para o grande salto de patamar da

empresa e abriram vantagens competitivas exclusivas caso os investimentos

em logística avancem por parte do governo federal;

iv) O Desenvolvimento de infraestrutura de transportes e logística

minimamente compatíveis com o tipo de produto movimentado pela empresa;

- a escala alcançada após abertura da usina de biodiesel viabilizou as

operações de adiantamento aos produtores e o controle da logística;

- as obras de infraestrutura na região viabilizaram a ampliação dos negócios

de originação;

Através desses três conjuntos de fatores, acesso a financiamento,

infraestrutura e logística e influência político-institucional, a empresa tomou a direção

da verticalização, através da qual reduz seus custos operacionais e amplia sua

margem interna de lucros. Portanto, a empresa conviveu com condições

semelhantes às que o Grupo Maggi encontrou, segundo as quais o conjunto de

medidas político institucionais valiaram as ações estratégicas desenhadas pelo

grupo.

As estratégias adotadas pelos dois grupos guardam certas diferenças em

termos de mercado alvo e verticalização, porém as condições ambientais

Page 124: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

112

112

encontradas e o poder de moldá-las foram semelhantes. Dentre esse conjunto de

condições, destacam-se mais uma vez a omissão estratégica dos Governos e

Instituições Federais e Estaduais em relação à questão Fundiária, Ambiental e

trabalhista. A ausência de políticas de fortalecimento da agricultura familiar e do

cooperativismo e a utilização dos recursos do orçamento e do tesouro para o

financiamento subsidiado ao agronegócio e a infraestrutura de escoamento foram

fundamentais para o objetivo alcançado em ambos os casos.

Na prática, isso se reflete na concentração de esforços sociais em benefício

majoritário da apropriação privada por parte de algumas famílias. Assim, crescem as

especulações em torno da venda da empresa para algum grupo estrangeiro. Caso

isso aconteça, significará a transferência desses esforços em benefício de famílias

não residentes, podendo inclusive enfraquecer outros capitais nacionais do setor.

3.3 CARAMURU E O SUL GOIANO

O mesmo ímpeto na direção da diversificação e verticalização pode ser

verificado para o caso da atuação da Caramuru Alimentos na região Sul do Estado

de Goiás no início da década de 1990, ainda que sob diferentes direções naquilo

que se refere às condições de logística e apoio institucional. A empresa adentrou o

século XXI exercendo a liderança nas exportações estaduais, tendo ascendido a

essa condição em um curto espaço de tempo. Com elevada capacidade instalada de

armazenagem e processamento de soja, numa das regiões mais produtivas do

estado, dotada de integração logística multimodal e localização privilegiada quanto

ao acesso ao mercado externo, a empresa concentrou 17,39% das exportações

estaduais em 2003 e 20,74% em 2004.

Diferentemente das regiões de influências das empresas anteriores, a região

do Sul Goiano já apresentava maior adensamento populacional e produtivo. A

ferrovia já atingira o sul do estado de Goiás nos primeiros anos do século XX,

mercantilizando a fronteira e viabilizando a exploração agrícola e a especulação de

terras. O capital industrial, financeiro e mercantil existente no Triângulo Mineiro,

região que geograficamente separa Goiás de São Paulo, se beneficiou diretamente

Page 125: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

113

113

deste fator e subordinou as atividades econômicas do Centro-Oeste, sobretudo as

de Goiás.

Mas a modernização das estruturas produtivas do Centro-Oeste começa a

mudar de fato a partir do final da década de 1960, marcada pelo ingresso de novos

migrantes e novos produtos – sobretudo a soja – deslocando os produtos

tradicionais de abertura de fronteira - como arroz, milho e feijão. As políticas de

incentivos públicos foram decisivas para a ocorrência deste processo. Assim, as

décadas de 1960 e 1970 viram difundir rapidamente pelo Cerrado um novo modelo

produtivo com práticas transformadoras da realidade até então existente.

O Governo Federal criou a Superintendência do Desenvolvimento do Centro-

Oeste – Sudeco, em 1967, para exercer a função de planejar e gerir as políticas

públicas implantadas na região. Foram criados programas para o fortalecimento

econômico e social da região que seriam desenvolvidos dentro dos grandes planos

nacionais do Governo Federal, como PAEG I e II PNDs. Estes programas receberam

os mais diversos nomes e tinham as mais diversas finalidades: Prodoeste –

Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste; Pladesco – Plano de

Desenvolvimento Econômico e Social do Centro-Oeste; Polocentro – Programa de

Desenvolvimento dos Cerrados; entre outros.

Neste período, constituíram-se as bases para a introdução das frentes

modernas que impactaram vigorosamente a economia e a estrutura urbana, como

as políticas nacionais de colonização, integração e interiorização da economia, a

fundação de Brasília contidas no Plano de Metas. Além delas, verificou-se a

modernização das vias de transportes, das bases energéticas e das

telecomunicações.

A região do Sudoeste Goiano, por sua vez, recebeu a continuação das BR-

153, BR-158, BR-060 e BR-364, esta última margeando o município de Rio Verde,

um dos mais estratégicos para os Complexos de Grãos e Carnes48. Essas Rodovias

interligavam a região com os mais importantes mercados consumidores do país,

além fazem dela entreposto para matérias uma série de matérias primas vindas das

regiões mais interiores do continente.

É nessa onda de investimentos endossados pelo Governo Militar que a

Caramuru chega a Goiás em 1975 criando a unidade industrial de milho de

48 A elevada e crescente produção de grãos fez com que o município liderasse o recebimento de recursos do FCO no período de 2004 a 2008, pouco mais de 247 milhões de reais.

Page 126: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

114

114

Itumbiara. Como visto no capítulo 1, entre 1975-1979, o governo, diante da crise do

petróleo e à dependência externa de nossa matriz industrial, assumirá a estratégia

de crescimento a qualquer custo, o que desencadeia uma enorme carga de

incentivos e subsídios para as indústrias com potencial exportador.

Em 1984, o estado de Goiás cria o Fundo de Participação e Fomento à

Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR), o qual contribui decisivamente

para o desenvolvimento da indústria goiana. Neste período, surgiram os primeiros

grandes empreendimentos do ramo de processamento de alimentos, com a atração

de empresas como a Perdigão, Granol, Caramuru, e a forte expansão de empresas

locais como a Mabel e a então Arisco.

Já em 1986, a Caramuru Alimentos possuía uma planta de esmagamento de

soja em Itumbiara-GO, às margens da BR-153 e do rio Paranaíba, com capacidade

de esmagamento de 1.000 ton/dia e posicionamento estratégico em relação aos

principais mercados consumidores do país (Mapa I). A planta era considerada de

grande porte para os padrões da época. Como apurado em Castro (1995), a

capacidade de processamento em Goiás em 1992 era de 5.200 ton/dia, divididas em

10 unidades fabris. Isso significa que apenas a Caramuru detinha 20% da

capacidade total de processamento do estado em uma única planta.

A demanda por grãos das agroindústrias que migraram para região, com

destaque para a Caramuru, certamente impulsionou o cultivo da oleaginosa na

região. Apesar do grande salto de produtividade no período pós 1998, que é quando

as multinacionais começam a aportar na região, a consolidação do cultivo e remonta

ao início da década de 1990, gerando o acúmulo de know-how que favoreceu o

rápido desenvolvimento do cultivo nos anos seguintes.

Page 127: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

115

115

MAPA III – Evolução da Produção de Soja Goiás entre 1990 e 2002 (1 ponto = 1000 t)

Fonte: IBGE: Pesquisa Agrícola Municipal – Elaboração Própria.

Desde o início, empresa adotou um conjunto de estratégias coerente com a

sua escala operacional, as quais condizem com o ambiente de negócios formado

pela conjunção de fatores favoráveis ao desenvolvimento agroindustrial da região

que redundou na concentração (geográfica e setorial) de empresas e instituições.

Estas, em sua interação, geraram um “agricluster”, que gira em torno de grandes

companhias de alimentos (especialmente carnes de aves e suínos). Além disso, os

investimentos realizados pela Caramuru Alimentos no setor de processamento

remontam ao período em que a moderna agricultura passa a depender da dinâmica

da indústria e das estratégias dos capitais integrados nessa cadeia. Grande parte

das atividades agrícolas integrou-se profundamente à matriz de relações

interindustriais, sendo seu funcionamento determinado de forma conjunta de acordo

com a dinâmica própria de cada complexo.

A expansão do crédito rural e agroindustrial propiciou condições para a

articulação das relações entre agricultura e indústria processadora, tornando o

produtor um empresário por meio da expansão das cooperativas. Isso conferiu

Page 128: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

116

116

heterogeneidade à estrutura de mercado agroindustrial goiana em comparação aos

dois outros estados do Centro-Oeste. A presença de cooperativas torna a

disponibilidade de grãos mais incerta para os capitais independentes, uma vez que

parte delas decide por diversificar seus investimentos em direção à

agroindustrialização. Os arranjos regionais se apresentavam mais complexos e o

tamanho dos empreendimentos e grau de verticalização apresentavam maior

variação.

Entre os anos de 1980 e 1990, ciente dessa condição e da defasagem

temporal entre oferta de matéria primas agrícolas, concentrada nos períodos de

colheita, e a demanda por parte da indústria, distribuída ao longo do ano, a empresa

investiu pesado em capacidade armazenagem. A posse desses ativos permite a

melhoria na gestão de estoques e adiciona a vantagem de custos em aquisição dos

grãos durante os períodos de colheita das safras, quando o preço dos mesmos sofre

pressões de baixa.

Posteriormente, a oferta desse serviço aos produtores garantiria a

continuidade da originação de grãos mesmo diante da entrada de novos

concorrentes, que apesar de chegarem com maior poder de alavancagem, não

dispunham de infraestrutura física semelhante à da empresa, concentrada

principalmente na região do Sudoeste Goiano, principal região produtora de grãos

do estado.

A região teve ainda o seu potencial produtivo reforçado por conta de

melhorias no setor de transportes realizadas no início da década de 1990, voltadas

para o escoamento da produção do Centro-Oeste para os mercados internos do

Centro-Sul e externos através da ligação hidro-ferroviária/hidro-rodoviária com o

Porto de Santos através da Hidrovia Tietê-Paraná.

A Caramuru, logo de início, foi a principal movimentadora de cargas no Tramo

Norte da hidrovia Tiete-Paraná. Naquele ano, instalou uma fábrica de

processamento de soja em São Simão (GO) e um terminal hidroviário para

escoamento da produção com integração ao modal ferroviário em Pederneiras-SP

para escoamento até o Porto de Santos.

Contava já naquele momento com três unidades de processamento na região,

próximas tanto das regiões produtoras, quanto das opções de transporte intermodal

Page 129: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

117

117

quase exclusivas oferecidas pelo Estado de Goiás nas proximidades com São

Paulo.

Após a lei Kandir, somou-se a essas condições a vantagem tributária por

parte da Caramuru de processar a matéria-prima dentro do estado produtor. Naquele

momento (1996), dentre os grandes players do setor, apenas a Caramuru possuía

unidades de esmagamento em Goiás. Segundo Castro (1995), as multinacionais que

direcionavam seus produtos basicamente para os mercados internacionais não

deslocaram suas plantas para as regiões de maior potencial agrícola do cerrado

devido basicamente à estratégia conservadora, procurando manter boa parte de

suas atividades nas áreas tradicionais próximas dos mercados consumidores onde

comercializariam seus excedentes.

Nem mesmo os grandes players nacionais como Ceval e Sadia - que depois

foram adquiridos pelas multinacionais como estratégia de ganho na participação de

mercado de forma acelerada - apareciam entre as principais agroindústrias de Goiás

em 1991, sendo que a Sadia nem mesmo atuava no estado. Apenas a Cargill

possuía uma fábrica de processamento de soja em Uberlândia, nas proximidades do

cerrado goiano, porém do outro lado da divisa estadual com Minas Gerais.

Naquele momento, a agregação de valor à soja no país era ainda relevante,

77,5% das exportações saíram na forma de farelo e óleo no ano de 1996, o que

conferiu uma vantagem precoce de custos à empresa Caramuru.

Em entrevista realizada com representantes da empresa, além de destacarem

a coordenação da logística como o principal diferencial competitivo da empresa, por

meio dos mecanismos descritos anteriormente, foi enfatizada a questão dos

incentivos fiscais por parte do Governo de Goiás para a agregação de valor dentro

do Estado. Mas o que nos chama atenção é o fato de que esses programas

remontam a períodos anteriores às iniciativas adotadas futuramente pelos demais

Estados. A caramuru, diferentemente das outras empresas estudadas, iniciou suas

atividades com foco no esmagamento voltada para o mercado interno, e mesmo

assim resistiu à desnacionalização promovida no setor.

Segundo os entrevistados, os Programas Fomentar49 e Produzir50

compensaram as desvantagens no processamento introduzidas com a lei Kandir.

49Segundo Ariel e Deus (2015), a criação do Fundo de Participação e Fomento à Industrialização do Estado de Goiás (FOMENTAR) em 1984 contribui decisivamente para o desenvolvimento da indústria goiana. Neste período surgiram os primeiros grandes empreendimentos do ramo de processamento de alimentos, com a

Page 130: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

118

118

Em um Estudo foi pela SEFAZ/MT em 2013 identificaram-se as representatividades

desse conjunto de iniciativas para o Estado de Goiás.

Tabela 9 – Renuncias Fiscais em Percentual da Arrecadação - 2008 (Estados

selecionados)

Os investimentos realizados pela Caramuru Alimentos no setor de

processamento contaram precocemente com esses incentivos, que até hoje vigoram

em favor da empresa, além de outros mecanismos exclusivos que foram sendo

desenvolvidos em parceria com o Governo do Estado de Goiás e Mato Grosso.

Segundo os entrevistados, esses programas foram fundamentais para a

diversificação da empresa e também de outros grupos no sentido da industrialização

da matéria prima, passando a produzir além de alimentos direcionados diretamente

ao consumo humano e animal, insumos industriais de alto valor agregado e

biodiesel.

O estado de Goiás figura como o quarto maior produtor de soja do país desde

o início da década 1990. Cruzando os dados de exportação com os de produção,

verifica-se que de lá para cá o estado tem sido um dos que exporta as menores

atração de empresas como a Perdigão, Granol, Caramuru, e a forte expansão de empresas locais como a Mabel e a então Arisco. Desde a implantação do programa Fomentar foram aprovados 1.565 projetos, sendo que destes, 364 foram efetivamente implementados. Até maio de 2012 já haviam encerrado a utilização do benefício 224 projetos e 140 ainda estavam dentro do período de utilização. Com o programa Produzir, no período de 2001 a maio de 2012 foram 1.399 projetos aprovados, sendo que 650 foram contratados. 50 Posteriormente, no ano de 2000, Goiás tornou-se mais agressivo na atração de empreendimentos industriais, substituindo o FOMENTAR pelo Programa de Desenvolvimento Industrial de Goiás (Produzir). O PRODUZIR e o MICROPRODUZIR atuam sob a forma de financiamento de parcela mensal de ICMS, até 73% ou 90%, respectivamente, devido pelas empresas beneficiárias.

Page 131: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

119

119

porcentagens de grão in natura em relação a produção total dentre os maiores

estados produtores,. Essas porcentagens foram tanto menores no período ao

anterior à tomada da hegemonia do mercado da soja em Goiás pelas multinacionais

do grupo ABCD.

Tabela 10 – Média de Exportações in natura Sobre Produção Total de Soja

(Anos Selecionados)

1998-2002 2002-2012 1998-2012

Mato Grosso 33,4 48,1 43,2

Paraná 46,9 43,0 44,3

Rio Grande do Sul 27,0 45,8 39,5

Goiás 16,7 35,7 29,4

Mato Grosso do Sul 6,8 21,8 16,8

Minas Gerais 31,0 29,2 29,8

Bahia 11,3 36,0 27,7 Fonte: Pesquisa Agrícola Municipal – Produção total de Soja/Secex – Exportações de Soja em Grão. Elaboração Própria.

Portanto, no momento posterior, final da década de 1990 e início dos 2000,

quando Perdigão, empresas como Seara, Nestlé e Cica ramificaram-se para Rio

Verde, a indústria nacional de produção de insumos industriais derivados da soja já

dispunha de condições financeiras, administrativas e tecnológicas para atender a

demanda especializada dessas empresas, assim como os arranjos com produtores

permitiram a rápida expansão da oferta de grãos.

Page 132: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

120

120

Fonte: IBGE - Pesquisa Agrícola Municipal. Elaboração própria.

Este fator pode ser elencado com um dos que contribuíram para o

crescimento da Caramuru ao longo das duas últimas décadas, permitindo inclusive

sua expansão geográfica. A empresa pode ainda avançar no processo de agregação

de valor à matéria-prima porque adotou, assim como a Amaggi em parte de suas

operações, uma estratégia de nicho, priorizando o processamento de grãos não-

OGM, reduzindo a concorrência exercida pelas tradings internacionais na originação

e garantindo acesso a mercados mais exigentes, demandante de derivados de alto

valor agregado, direcionados a nichos específicos de compradores51.

Em 2014, apesar de plenamente maturadas as estratégias das grandes

multinacionais do setor de esmagamento em Goiás, a Caramuru possuía

capacidade instalada de armazenagem no Estado de quase 1,8 milhões de

51 Dentre esses produtos está o SPC (farelo concentrado protéico) possui entre 60% e 70% de teor de proteína. Este farelo é normalmente exportado para criadores de peixes e suínos de países como Noruega e Chile. O óleo bruto de soja é utilizado na fabricação da lecitina de soja, outro produto de alto valor agregado. Apresenta propriedades de cor, sabor e principalmente a característica emulsificante, podendo ser aplicada em vários segmentos da indústria de alimentos, como: chocolates, margarinas, sorvetes, biscoitos, pães e massas, produtos instantâneos, doces e molhos. Além disso, é utilizada na fabricação de produtos dietéticos e farmacêuticos, devido ao seu alto valor nutritivo, e em cosméticos, devido à sua origem natural e vegetal.

0

1000000

2000000

3000000

4000000

5000000

6000000

7000000

8000000

19

90

19

91

19

92

19

93

19

94

19

95

19

96

19

97

19

98

19

99

20

00

20

01

20

02

20

03

20

04

20

05

20

06

20

07

20

08

20

09

20

10

20

11

20

12

20

13

20

14

Gráfico 6 - Área Plantada x Quantidade Produzida (Sul Goiano 1990-2014)

Área plantada (Hectares) Quantidade produzida (Toneladas)

Page 133: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

121

121

toneladas e capacidade de processamento, segundo sitio eletrônico institucional, de

5.600 t/dia, sendo a maior esmagadora estadual, com aproximadamente 24% da

capacidade total apurada pela ABIOVE. A empresa ainda aparece entre as 7

maiores exportadoras do estado, com participação nas exportações que giram em

torno de 5% nos últimos anos.

Nas próximas seções serão analisadas as estratégias específicas adotas pela

empresa e o ambiente institucional que contribuíram para tal desempenho. Por

serem determinantes do ponto de vista do crescimento interno da empresa e

didáticos em relação à evolução do mercado da Soja no Brasil nas últimas duas

décadas, esses dois aspectos serão analisados em maiores detalhes,

estabelecendo-se, sempre que pertinentes, comparações com às estratégias

desenvolvidas pelas duas empresas anteriormente estudadas e com a evolução

mais geral do complexo da soja no Brasil.

A próxima subseção recupera em termos gerais as ações tomadas pela

empresa a partir dos anos 1990. Procurar-se-á identificar as razões que levaram a

empresa a optar por determinados direcionamentos.

3.3.2 O Desenvolvimento do Modelo de Negócios.

Os investimentos realizados pela Caramuru Alimentos no setor de

processamento remontam ao período no qual a moderna agricultura passa a

depender da dinâmica da indústria e das estratégias dos capitais integrados nessa

cadeia. Grande parte das atividades agrícolas integrou-se profundamente na matriz

de relações interindustriais, sendo seu funcionamento determinado de forma

conjunta, de acordo com a dinâmica própria de cada complexo. Ao mesmo tempo,

as obras de infraestrutura e as políticas de incentivo objetivavam a integração do

mercado interno e o adensamento das cadeias produtivas. Construíram-se grandes

plantas industriais para o esmagamento da soja com elevada capacidade ociosa

para aproveitar as facilidades oferecidas pelo governo.

Entretanto, desde o início, a Caramuru adotou coerentemente um conjunto de

estratégias condizente com a escala a que se propunha operar e com o ambiente

favorável de negócios que se formou no Sul Goiano através da conjunção de fatores

institucionais e científico-tecnológicos. Isso fez com que a empresa adicionasse

Page 134: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

122

122

eficiência e competitividade à carga de incentivos que contribuíam à sua operação.

Quando se deu a abertura da economia brasileira e a desnacionalização do setor de

esmagamento, a empresa já possuía um conjunto de atividades suficientemente

estruturadas para resistir a esse processo e continuar seu processo de expansão.

A logística foi sem dúvida o principal pilar naquile que se refere à construção

de vantagens competitivas em favor da Caramuru. A logística de transportes e

armazenamento é basilar para a reprodução do capital, estabelecer a otimização

dessas atividades permite o aumento da eficiência na distribuição das mercadorias,

maior segurança ao longo dos trajetos, redução e controle de estoques e entrega

das encomendas nos prazos estabelecidos em contrato. As estratégias ligadas ao

transporte significam escolher rotas mais rápidas e/ou que permitam um diferencial

de custos em favor da empresa, como a opção pelos modais ferroviário, hidroviário e

pela intermodalidade em detrimento do rodoviário, entre outras estratégias

relacionadas à coordenação da logística que a Caramuru adotou ao longo de toda

cadeia.

O custo do transporte intermodal de cargas, sobretudo de commodities (soja,

farelo de soja, milho, sorgo e trigo), em comparação ao modal rodoviário, é

substancialmente menor. Fatores como o preço do frete, manutenção de vagões e

chatas, grande capacidade de transporte, gasto menor com combustível, baixo

índice de acidentes e perda de mercadorias, inexistência de congestionamentos,

entre outros, são determinantes para elevar o lucro das empresas que utilizam as

vantagens do transporte fluvial e intermodal de produtos de baixo valor agregado.

A disponibilidade de transporte hidroviário interior e a intermodalidade são um

dos fatores que fomentaram a produção agrícola (soja, milho, sorgo, cana, trigo etc.)

e o processamento agroindustrial (farelos para ração animal) em Goiás, em especial

para o caso das empresas componentes do oligopólio52 dominante do transporte de

cargas pela hidrovia Tietê-Paraná.

Foi na década de 1990, mais precisamente a partir de 1991, com a

construção do canal artificial de Pereira Barreto-SP interconectando os tramos Tietê

e Paraná, que a hidrovia se configura como um sistema de transporte (800

quilômetros englobando os rios Tietê e Piracicaba e 1.600 quilômetros

52 No tramo norte da hidrovia do Paraná, quatro empresas de navegação fluvial realizam o transporte de carga: LDC-LOUIS DREYFUS COMMODITIES BRASIL S.A.,TNPM – TRANSPORTE, NAVEGAÇÃO E PORTOS MULTIMODAIS LTDA, PBV –TRANSPORTE HIDROVIÁRIO e a SARTCO.

Page 135: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

123

123

compreendendo os rios Paraná, Paranaíba e Grande) relevante à agroindústria do

Sul Goiano. A partir desse momento, tem-se a integração entre as vias aquáticas

que ligam as regiões produtoras aos mercados consumidores e aos portos.

Começa então a surgir alguns terminais intermodais privados: em

Pederneiras-SP, a Comercial Quintella Comércio e Exportação S.A. instala um

terminal trimodal (rodo-ferro-hidroviário) em 1993 para armazenamento e

movimentação de grãos e, em 1994, a Torque S.A. monta um estaleiro para

construção de chatas de navegação. Em Anhembi-SP, no ano de 1996, a

Torque/Caramuru Alimentos instalam um terminal bimodal (hidro-rodoviário) para

transporte e estocagem de grãos e farelos53, marcando a entrada definitiva da

Caramuru Alimentos no transporte hidroviário pela hidrovia Tietê-Paraná.

Para o setor de esmagamento, após a Lei Kandir, dispor naquele momento de

uma planta próxima às regiões produtoras com saída multimodal eficiente para os

portos se tornou uma vantagem competitiva absolutamente determinante. Isso

permitiu à empresa dar continuidade a agregação de valor e, consequente, a

ampliação da margem de lucros. Esta se torna condição necessária - porém não

suficiente – para enfrentar a avalanche de capital estrangeiro que passaria a aportar

no Brasil naquele momento. Poucas empresas, tais como a Caramuru, usufruiriam

dessa alternativa, uma vez que é necessária a conjunção de disponibilidade de

matérias-primas de baixo custo (quanto mais distante dos portos, menor e o valor

pago pelos grãos devido as deduções referentes ao custo do frete), custos de

logísticos adequados (transporte e armazenagem) e operação em larga escala.

Por sua vez, a possibilidade de deslocamento fluvial e intermodal das

mercadorias, somada à existência de terminais privados, potencializou a produção

local e os fluxos materiais (MAPA III), pois estabeleceu diferencial de custos que

favoreceu a continuidade do crescimento das empresas usuárias da hidrovia e

consequentemente de sua demanda por matérias-primas.

53 A empresa Caramuru atua no Porto Intermodal em cooperação com o Grupo Torque Ltda, que se encarrega de transportar grãos de soja e farelo pela Hidrovia Tietê-Paraná. O Grupo Torque atua em vários ramos, como metalurgia e, principalmente, transporte hidroviário. A empresa é responsável por toda a parte logística e operacional ligada ao transporte fluvial de cargas, descarregamento dos comboios, condução das cargas até o armazém, e daí para os vagões que escoam a carga até o Porto de Santos-SP. Assim, grande parte da infraestrutura existente – comboios, chapas de retirada da soja e farelo das chatas, esteiras que conduzem a carga até o armazém e posteriormente aos vagões, juntamente com o estaleiro para construção de barcaças – pertencem à Torque. Por sua vez, as mercadorias, o armazém para estocar a soja e o farelo e cerca e as locomotivas e vagões pertencem à Caramuru.

Page 136: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

124

124

A Caramuru Alimentos utiliza a Hidrovia Tietê-Paraná desde 1996, em

Anhembi-SP, e desde 2001, em Pederneiras-SP54. Possui 65 armazéns e silos e três

industriais em regiões atendidas pela hidrovia: São Simão-GO, Itumbiara-GO (sede

do grupo) e Ipameri. A interligação das áreas produtoras de grãos com o porto

intermodal de São Simão-GO é realizada via rodovia (transporte em caminhões),

onde, posteriormente, ocorre a transformação de granéis de soja em farelos (a partir

de 2006 passa a ser produzido também o Biodiesel). Suas mercadorias escoadas

pelo sistema Tietê-Paraná, com destaque à soja e ao farelo de soja, se destinam ao

mercado externo (Europa e Ásia). Do total das cargas que saem do terminal trimodal

de Pederneiras-SP e chegam até o porto de Santos-SP, 98% seguem via ferrovia e

2% via rodovia.

Gráfico 7. Movimentação de carga da Caramuru Hidrovia Tietê Paraná

Fonte: Caramuru (2011).

Segundo dados obtidos para o ano de 2009, a Caramuru respondeu por 42%

do volume de cargas transportadas pelo Tramo Norte da Hidrovia, 14%

54 O terminal da Caramuru/Torque, em Pederneiras-SP, transporta soja, farelo de soja, sorgo e milho. Localizado às margens do rio Tietê, possui um armazém com capacidade de estocar 30 mil toneladas de cargas (outro está em construção e terá a mesma capacidade de armazenagem). A Torque, através da DNP – Indústria de Navegação Ltda, presta serviço de transporte fluvial à Caramuru Alimentos, escoando commodities de São Simão-GO, no rio Paranaíba, até os terminais de Pederneiras-SP e Anhembi-SP, ambos no rio Tietê.

Page 137: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

125

125

considerando todos os Tramos e tipos de produtos. Segundo Caramuru (2011), na

alternativa intermodal, os custos com logística reduzem entre 15% e 20%.

Tabela 11. Movimentação de Carga (2009) – Hidrovia Tietê-Paraná Tramo Norte

Fonte: ANTAQ 2009.

Ainda em 1999, por meio de um acordo operacional com a Citrosuco/Fischer,

aplicaram-se US$ 4 milhões no Porto de Santos, no armazém XL, com capacidade

de 65.000t, e US$ 1 milhão na construção do terminal hidroferroviário em

Pederneiras- SP, com capacidade para armazenar 60.000t de produtos. Em 2000 dá

início a parceria com a ALL – América Latina Logística do Brasil S.A. no Terminal

XXXIX, com capacidade estática de 180 mil t de grãos e farelo. O volume de

operações permitiu que fosse firmado um acordo com a Ferronorte, ferrovia que une

Mato Grosso do Sul ao Porto de Santos, para a colocação de 10 locomotivas e 300

vagões em seus trilhos. Isso decorreu da aposta no volume crescente de produtos

que a empresa precisava transportar – e transportar com continuidade e rapidez. Foi

um investimento de US$ 10 milhões.

O Fato de a Caramuru optar desde cedo pela industrialização dos grãos

utilizando com sucesso as políticas de incentivos voltadas para a agregação de valor

à matéria-prima colocadas à disposição pelo Governo de Goiás também fez com

que a empresa tivesse investido precocemente em armazenagem para garantir o

Page 138: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

126

126

suprimento de matérias primas para suas esmagadoras ao longo do ano. Segundo

Fulana (2008, p. 76), em 1990 a empresa contava com 52 unidades de

armazenagem. Com o Boom de demanda externa e os ganhos de produtividade no

final da década de 90, dispor de armazéns foi outro trunfo fundamental para a

continuidade das atividades da empresa com diferencial interno de custos.

Foi visto que a disponibilidade de armazéns no Centro-Oeste, além de

insuficiente, estava concentrada na iniciativa privada (COSTA & TOSTA, 1995).

Oferecer ao produtor a garantia de ter onde depositar sua produção logo após a

colheita abria a possibilidade de a empresa continuar suas estratégias de originação,

mesmo quando as multinacionais avançavam com voracidade sobra a região. Ainda

hoje a infraestrutura de armazenagem à disposição da empresa se destaca entre as

grandes comercializadoras da região, contando com 65 armazéns apenas na região

sudeste do Estado de Goiás, com capacidade de armazenamento de 2174 milhões

de toneladas (Caramuru 20015)55. A Caramuru se destaca pela capacidade

instalada de armazenagem em rio Verde, Jataí, Chapadão do céu, Catalão,

Montividiu, Mineiros e Ipameri, os maiores municípios produtores do Estado de

Goiás, estando sempre entre as duas empresas com maior oferta de capacidade

(CONAB 2015)56, sendo que nenhuma das multinacionais tem presença relevante

no conjunto dessa região.

As multinacionais pouco investiram no setor de armazenamento no Estado,

devido a ter suas operações voltadas fundamentalmente para a exportação,

utilizando de outros mecanismos para a obtenção dos grãos, tais como a oferta de

crédito, via pacote tecnológico e coordenação da logística por meio da utilização de

frota de terceiros, dada a disponibilidade crescente do serviço no Estado de Goiás,

outro setor fortemente incentivado, o que atraiu grande número de empresas57.

De qualquer maneira, a falta de estrutura física geraria ineficiências às

operações das multinacionais em algum momento, dado o volume crescente de

grãos a escoar e do congestionamento provocado nos portos de Santos e

Paranaguá por conta da estratégia “solta” adotada por essas empresas. Na falta de 55 Caramuru, sitio eletrônico < http://www.caramuru.com/institucional/?page_id=158 > Consultado dez. 2015. 56 Segundo Junior (2008), em 1975 a empresa abre sua filial na cidade de Itumbiara, com inauguração da unidade de armazenamento que desencadeou o desenvolvimento do negócio na cidade de Inaciolância, Lagoa do Bauzinho, Vicentinópolis, Montividiu e Portelândia, São Simão, Chapadão do Céu. Em 1989, a Caramuru proporciona à cidade de Rio Verde (GO) uma unidade armazenadora que se dedica à exportação de soja em grãos e comercialização para atendimento das demandas de industrialização e comercialização. 57 Para uma melhor visão dos efeitos dos incentivos fiscais no setor de transportes em Goiás consultar Macedo e Angelis (2013)

Page 139: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

127

127

armazéns e silos, as empresas muitas vezes usavam os caminhões praticamente

como silos ambulantes, enviando os grãos da fazenda para seus armazéns nos

portos sem nenhum tipo de agendamento. A capacidade de armazenagem dessas

empresas nos portos de Santos e Paranaguá é bastante elevada, pois para ela é

mais vantajoso concentrar todos grãos comprados dispersamente em um único

local, garantindo a escala para a realização de embarques em navios de grande

porte, auferindo ganhos logísticos.

Essa estratégia transfere para o transportador o ônus de possíveis atrasos

nas filas para desembarque no porto, situação comum nos períodos de safra, pois a

colheita é concentrada no tempo, sendo a maior parte direcionada diretamente ao

porto por conta da estratégia elaborada pelas próprias empresas58.

Mas a depender do tamanho do atraso e das condições do mercado de fretes,

isso pode significar perdas para as próprias empresas. Um dia de atraso desse tipo

de navio gera um prejuízo elevado, que dessa vez tem de ser arcado pelo

exportador. O atraso na chegada dos grãos à estação de transbordo provocado

pelas filas de caminhão que chegavam ao mesmo tempo aos portos ocasionaria o

prejuízo de centenas de milhares de dólares aos exportadores de commodities que

oferecem margens de lucros estreitas, altamente vulneráveis, a pequenos aumentos

dos custos de transação.

A possibilidade de contar com uma via alternativa para atingir o porto

contornando esses problemas certamente conferiria ao exportador uma vantagem

em termos de custos. Era exatamente essa alternativa que a Caramuru abria com as

operações multimodais estruturadas com a hidrovia e a linha férrea da MRS.

Somada à oferta de armazéns distribuídos pelos principais municípios produtores de

Goiás, configurava-se em favor da Caramuru uma estrutura extremamente favorável

do ponto de vista da otimização da movimentação de cargas, aumentando a

eficiência na distribuição das mercadorias, maior segurança ao longo dos trajetos,

redução e controle de estoques e entrega das encomendas nos prazos

estabelecidos em contrato.

Segundo ESALQ (2010), 40% do valor agregado no complexo da soja

encontra-se nas atividades de transporte, armazenagem e comercialização. De

acordo com Caramuru (2009), a multimodalidade resultava na redução de até 50%

58 Sobre os congestionamentos formados nos portos no período de escoamento da safra consultar Valente (2013)

Page 140: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

128

128

em seus custos de transportes se comparado aos concorrentes, o que representa de

15% a 20% de redução nos custos finais, uma importante contribuição à margem

final de lucros da empresa. Uma vantagem calcada na oportunidade de fazer parte

do oligopólio dominante do transporte de cargas pela hidrovia Tietê-Paraná, do qual

fazem parte também a Dreyfus e a ADM através da Sartico. A Cargill, por sua vez,

mantém contratos com a Torque, mesma empresa que tem parceria e movimenta

cargas com a Caramuru. Já a Bunge se viu excluída dessa alternativa, sendo a

empresa com maior capacidade financeira, que mais origina, movimenta e exporta

soja em Goiás.

Não demoraria para que a Bunge procurasse a Caramuru para estabelecerem

parceria. Além da infraestrutura de movimentação de cargas na hidrovia, pesou em

favor da empresa a sua estrutura de armazéns e silos. SANTOS (2011) apurou que

a Bunge compra dos fazendeiros e entrega para a Caramuru (silo ou armazém). A

Caramuru dá a destinação que necessita aos grãos, quer sejam volumes

transgênicos ou não transgênicos, geralmente esmagando a soja e o milho nas

unidades que possui no sudeste de Goiás. Em contrapartida, a Caramuru, visto que

atua em várias regiões do país, devolve o grão tomado da Bunge no Porto de

Santos.

Como foi citado anteriormente, a Bunge é a maior originadora de grãos em

Goiás, exercendo forte influência sobre os produtores de todo o território Sul Goiano,

no entanto quem possui presença física no território é a Caramuru. Com armazéns e

silos estrategicamente distribuídos, a distância média dos armazéns da Caramuru

aos produtores acaba sendo sempre menor. A Bunge, que compra em praticamente

todas as localidades, amplia sua margem repassando o custo do transporte do grão

até seus armazéns para o produtor, mas deslocando o grão até um dos armazéns

da Caramuru, mais próximos, baixando a despesa que ela tem com frete.

A Caramuru, por sua vez, separa para si os grãos de melhor qualidade,

inclusive os não OGM, uma vez que a Bunge não distingue entre grãos OGM e não

OGM. Assim, a empresa supre a demanda por matérias primas para suas fábricas

de derivados de alto valor agregado, como às de óleos, margarinas e farinhas não-

transgênicas. Mesmo as multinacionais tendo maior capacidade financeira e

exercendo domínio sobre o destino que os produtores dão aos seus grãos, por conta

da vantagem logística construída precocemente pela empresa, esta continua tendo

Page 141: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

129

129

posição privilegiada na obtenção de matérias primas, selecionando-as junto à maior

compradora do estado.

Garantida a oferta de matéria prima, a parceria com a Bunge dará o impulso

definitivo para a estratégia de diversificação e expansão espacial da empresa,

melhor apresentada na seção seguinte. Antes é preciso mencionar um terceiro fator

que contribuiu para o sucesso da Caramuru no ramo de processamento: as políticas

de incentivo.

Segundo apurado nas notas explicativas do Balanço Patrimonial, exercício

2012, a empresa ainda conta com créditos do programa FOMENTAR, obtidos em

condições altamente favoráveis:

c) Incentivos Fiscais: Como parte representativa das operações da

Sociedade está localizada no Estado de Goiás, esta é beneficiária de

Benefícios Fiscais promovidos por esse Estado, que possuem as seguintes

características: Programa de Incentivos Fiscais à Industrialização no Estado

de Goiás – FOMENTAR: por meio desse incentivo fiscal (...) a Sociedade

financia, mensalmente, o equivalente a 70% do ICMS devido, para

pagamento na quantidade de parcelas equivalente a quantidade de meses

dos impostos apurados em aberto, após a carência de 20 anos contados a

partir da data de apuração do ICMS devido, sem atualização monetária, com

juros de 2,4% ao ano, pagos mensalmente a partir do mês subsequente ao

da obtenção do financiamento (CARAMURU, 2013).

Sob tais condições de taxa de juros, obtém-se uma fonte constante e

subsidiada de recursos para custeio e financiamento, o que somado às vantagens

logísticas, cria a oportunidade da empresa operar com taxas internas de retorno

superiores às de seus concorrentes que não optaram por industrializar o grão,

favorecendo as decisões de investimento em direção a diversificação.

Page 142: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

130

130

3.3.2 Verticalização e Boom de Crescimento

A parceria com a Bunge se estabelece em 2008. Nesse ano, a Caramuru dá

um salto de faturamento, saindo de R$ 1,42 Bilhão em 2007 para R$ 2,15 Bilhões,

crescimento de 51% no faturamento em apenas um ano. Desse aumento, R$ 380

milhões foram em operações destinadas ao mercado interno e R$ 356 milhões ao

mercado externo. A parceria favoreceu a continuidade da originação do grão,

permitindo uma expansão inicial das operações, ampliando a utilização da fábrica de

Biodiesel construída pela empresa em 2006. Entretanto, até 2011 o faturamento da

empresa permaneceu nesse patamar, sem que a mesma avançasse no front

externo. As exportações variaram em torno de U$ 470 milhões, até que ocorresse

novo salto de crescimento em 2012, passando de um faturamento R$ 2,2 para em

2011, para outro de R$ 3 bilhões.

Os balanços divulgados pela empresa (ANEXO D) não são padronizados, e

até 2010 não discriminavam o faturamento por produto, mas a partir de então é

possível verificar a evolução por produto. É nítido que a partir de 2012 a ampliação

das vendas se deu por conta da ampliação das vendas de farelo de soja não

transgênico e Biodiesel. Em 2010, a Caramuru constrói nova fábrica de Biodiesel em

Ipameri e amplia a de São Simão com aporte de recursos no montante de R$ 75

milhões do BNDES. A entrada em funcionamento dessa nova capacidade de

esmagamento produz novo salto de faturamento da empresa, tanto no mercado

interno quanto externo.

O diferencial de taxa de juros desses financiamentos e as vantagens

oferecidas pelos programas estaduais foram o convite ao investimento por parte da

Caramuru, cuja estrutura de custos logísticos já se se mostrava inferior ao dos

concorrentes. Soma-se a isso o aproveitamento do Programa Nacional de Produção

e uso de Biodiesel (PNPB), que abria espaço para o ganho de escopo com a

verticalização rumo à produção de Biodiesel, o que também não deixou de

representar reserva de mercado interessante, ainda mais para empresas como

Caramuru e Fiagril, que vinham trabalhando com produtores com perfil mais familiar.

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) exigiu

que parte da produção fosse adquirida junto a agricultores familiares, que são

aqueles que mais produzem soja não transgênica, a qual independe do pacote

tecnológico oferecido pelas multinacionais. As unidades de processamento da

Page 143: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

131

131

Caramuru são integradas ao Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel

(PNPB) do Governo Federal, e segundo site institucional atendem em média 3.806

famílias, prestando assistência técnica a 2.058 agricultores de perfil familiar, em uma

área total de 101.733,55 mil hectares de soja. A opção pela soja não OGM oferece

uma reserva de mercado a esses produtores, enquanto a boa aceitação dos

mercados europeus e japonês à soja não-transgênica abriu vantagem para os

produtos da Caramuru, assim como acontece com a Amaggi.

Portanto, a integração com esses produtores somava-se à parceria com a

Bunge em favor da obtenção de grãos não OGM, ampliando as oportunidades de

investimento da empresa no seguimento. Em 2012 realiza Investimentos de mais R$

100 milhões na nova fábrica voltada para a produção de SPC. Produzido a partir da

soja, o SPC é um suplemento de proteína concentrada de alto valor agregado. A

partir de 2013 a produção do farelo SPC (não OGM) começa a se destacar entre as

operações da empresa (Anexo D), que alça também a um novo patamar de

exportações (U$ 775 milhões em 2013). A produção de farelo de maior valor

agregado é direcionada a mercados mais exigentes, como os criadores de salmão

da Noruega.

O faturamento da Caramuru chegou a R$ 3,2 bilhões em 2014, dos quais

exportou US$ 623 milhões. Apesar da queda nas exportações, verifica-se que a

maior redução no faturamento da empresa foi referente à venda de grãos in natura

(ANEXO D), tendo os produtos de maior valor agregado apresentado avanço

significativo. O faturamento com farelo SPC cresceu 110% e o lucro líquido do

exercício saltou de R$ 15 para R$ 26 milhões. Apenas 16% do faturamento da

empresa é obtido da venda de grãos.

A título de comparação, segundo Wesz Junior(2014b), nos últimos anos, entre

70% e 75% da oleaginosa produzida na Argentina é esmagada e transformada em

óleo, farelo ou outros subprodutos internamente, sendo que o principal destino das

exortações da soja argentina é a China, que desde 2003 atinge entre 20% e 30% do

valor exportado. O principal produto enviado ao país asiático é a soja em grão. O

segundo principal destino é a Europa, que responde por 22% do valor total do

complexo soja, porcentagem próxima ao que tem sido enviado à China. Neste caso,

a demanda é pelo farelo que representa mais de 90% das compras do setor, sendo

enviado principalmente à Espanha, Itália, Holanda e Polônia.

Page 144: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

132

132

Isso demonstra que existe demanda por produtos processados no mercado

internacional. As informações apresentadas anteriormente a respeito da evolução da

empresa Caramuru Alimentos, por sua vez, permitem pensar que existem

alternativas para o aumento do processamento dos grãos dentro do território

brasileiro. Ficou demonstrado também que existe uma série de condicionantes para

que essa opção se concretize. Ao recuperarmos as ações práticas que elevaram a

empresa a esses patamares de diversificação e faturamento podemos elencar com

fundamentais:

i) Os arranjos Institucionais que criam condições para o desenvolvimento do

cultivo da soja e de sua industrialização na região:

- Os programas estaduais de fomento à industrialização permitiram tanto a

redução dos custos operacionais quanto financeiros;

- O Programa Nacional de Produção e Uso de Biodiesel construiu uma

reserva de mercado para a agricultura família, fortaleceu a estratégia de

nicho, estabeleceu uma nova fonte de receitas e contribuiu para a verticalizar

ao ampliar a taxa interna de retorno e a escala de operação do Grupo;

ii) A possibilidade de contar com financiamento em volume e condições

competitivas:

- Os investimentos inicias da empresa em plantas industriais datam do

período em que o governo assumirá uma estratégia voltada para o

crescimento das forças produtivas internas, desencadeando uma enorme

carga de incentivos e subsídios para as indústrias com potencial exportador.

Construíram-se plantas de elevada capacidade ociosa para aproveitar as

facilidades oferecidas pelo governo;

- Os aportes do BNDES foram decisivos para o grande salto de patamar da

empresa e ampliara as vantagens competitivas em custos, escala e

tecnologia;

iii) Investimentos estatais que resultaram na redução de custos logísticos

Page 145: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

133

133

- a oferta precoce de infraestrutura de transportes e logística compatíveis com

o tipo de produto movimentado pela empresa e impulsionou-a em direção a

verticalização:

- O acesso privilegiado à opção multimodal fortaleceu a empresa no negócio

de originação;

Em termos gerais, as condições que permitiram que a Caramuru Alimentos

resistisse à concorrência do capital estrangeiro e ampliasse sua escala e escopo de

atuação foram muito semelhantes às condições encontradas pela Amaggi e Fiagril

ao longo de suas trajetórias. Obtidas através de diferentes instrumentos, as

vantagens construídas por essas empresas estiveram intimamente ligadas ao

controle político e material do território.

SÍNTESE DO CAPÍTULO

Esse capítulo dedicou-se ao resgate da trajetória das principais agroindústrias

brasileiras de soja, antes e depois do forte processo de concentração e

desnacionalização, com intuito de demostrar como cada uma contribuiu para o

crescimento do setor. Partiu-se do princípio de que uma trajetória envolve fatores

próprios ao grupo e fatores que lhe são externos, que conjugados, definem o ritmo e

a intensidade de seu crescimento. Por essa razão, além de destacar aquilo que

aproxima e diferencia esses grupos, a análise de suas estratégias de crescimento

levou em consideração o espaço como elemento integrante da própria análise.

Constatou-se que a importância desses grupos vai além de seu peso como

compradores e vendedores no mercado, tendo sido responsáveis pela elaboração

de uma série de arranjos e estratégias tanto empresariais, quanto espaciais,

decisivas para que a soja brasileira alcançasse a projeção que tem hoje.

A integração vertical e a diversificação geográfica e/ou horizontal emergiram

de arranjos de interesses passíveis de delimitação, quer pelas regiões nas quais os

grupos atuam, quer pelos setores de atividade por ele controlados. Identificou-se por

parte desses grupos uma elevada capacidade de exercício do controle sobre uso e

ocupação não só do solo, como também das instituições, principalmente no Mato

Page 146: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

134

134

Grosso, relacionando as trajetórias espaciais ao processo histórico de organização e

reorganização desses grupos.

Page 147: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

135

135

CAPÍTULO 4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS

Pode-se concluir que no momento da entrada dos concorrentes estrangeiros

no mercado brasileiro de processamento e exportação de soja, três elementos se

mostraram absolutamente fundamentais para que os capitais nacionais pudessem

enfrentar o recrudescimento da concorrência. O Primeiro deles se trata de uma

estrutura verticalizada, ou pelo menos a existência de um arranjo de parcerias que

permitissem ao comprador do grão fornecer o “pacote tecnológico” do qual o

produtor necessitava para poder produzir no campo.

O segundo, o controle ou acesso a uma infraestrutura logística que atingisse

os mercados consumidores distantes com custos adequados de transporte e ao

mesmo tempo oferecesse segurança ao produtor quanto à aquisição da produção,

cuja oferta é concentra e a demanda é dispersa no tempo. Para isso, era a

fundamental a posse de capacidade de armazenagem, que por isso sua vez,

permitiria que se organizasse a logística de movimentação de forma mais eficiente.

Um terceiro, relacionado à condição de oferta concentrada e a demanda

dispersa no tempo, está a necessidade de crédito, aos quais os produtores do

Centro-Oeste tiveram menos acesso por vias oficiais, gerando a necessidade de

fontes alternativas e abrindo oportunidades para que agentes privados ampliassem

ainda mais seu poder sobre os produtores.

Foi visto ao longo da dissertação que o conjunto de empresas estadas dispôs

desse conjunto de condicionantes e pode utilizá-los em favor de seu crescimento e

do desenvolvimento de todo o setor. Não foram as multinacionais que introduziram a

produção de soja em larga escala no país ou que viabilizaram sua expansão para as

regiões de solos menos férteis e infraestrutura débil. A trajetória das empresas

nacionais e suas alianças institucionais demonstram que o que ocorreu foi uma

facilitação da tomada da hegemonia do setor por parte das multinacionais a partir da

abertura econômica em meados dos anos 1990 conquistada a partir de seu poderio

financeiro.

Identificou-se ao longo dessa pesquisa que os arranjos de governança

desenvolvidos pelas multinacionais para operar no Brasil contaram com a

participação ou mesmo foram idealizados e concretizados por frações de capitais

Page 148: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

136

136

nacionais, posteriormente superados pela capacidade de alavancagem das filiais do

grupo ABCD. Confirmou-se a hipótese de que as estratégias adotadas por essas

multinacionais para ampliar sua presença no Centro-Oeste foram dependentes da

associação com as empresas nacionais e que, apesar de terem sido favoráveis a

essas últimas, teriam sido desnecessárias dado o grau de avanço tecnológico e

organizacional que a agroindústria brasileira atingiu em meados dos anos 90.

Uma política macroeconômica e agrícola que oferecesse um tratamento

diferenciado aos capitais locais, pelo menos do ponto de vista da construção de

sinergias, bem como um orçamento menos engessado e mais comprometido com os

investimentos em infraestrutura, além de uma maior preocupação com a questão

ambiental, poderiam ter permitido que o agronegócio brasileiro desse uma

contribuição semelhante ao esforço de crescimento e modernização pelo qual

passou a economia brasileira na primeira década dos anos 2000 sem devastar tão

violentamente os recursos naturais e da pequena e média propriedades rurais e

agroindústrias.

Mesmo após a forte desnacionalização no setor de esmagamento e

comercialização, as estratégias de nicho e as soluções logísticas desenvolvidas pelo

grupo ACF, pautadas principalmente no controle político-institucional do território,

permitiram que estas preservassem seu monopólio sobre certas regiões, inibindo o

avanço das multinacionais nesses espaços, obrigando-as, quando decididas a fazê-

lo, a optar pelo o estabelecimento de parcerias que foram em grande medida

favoráveis às empresas brasileiras, num claro sinal do poder identificado pelas

multinacionais no grupo ACF.

Ocorreu que, a partir de então, o processo de mundialização da agricultura

brasileira soldou em um outro patamar econômico e político a relação entre o capital

nacional e estrangeiro. Com os aportes e sinergias geradas a partir dessas

parcerias, aumentou o poder econômico e políticos das empresas do grupo ACF

sobre alguns espaços do território nacional, fortalecendo principalmente a

construção de arranjos de economia política em defesa de seus interesses. Cabe

refletir em que medida a construção desses enclaves de poderio regional também

não circundaram as possibilidades de expansão das empresas brasileiras no

mercado mundial da soja.

Page 149: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

137

137

As políticas voltadas para agregação de valor e redução de custos logísticos

no setor de grãos e a atuação do BNDES, somadas às parcerias com as

multinacionais a partir de meados da década de 2000, auxiliaram no protagonismo

de algumas empresas entre as maiores do ramo no mundo, avançando no seu

processo de internacionalização e na produção de derivados de grãos cada vez

mais intensivos em tecnologia, reduzindo o distanciamento entre o faturamento das

empresas do grupo ABCD e ACF no mercado interno.

Entretanto, naquilo que se refere às exportações, é enorme o hiato aberto

entre os dois grupos, motivado exclusivamente pelo enorme aumento das operações

de exportação da soja in natura apropriadas pelas multinacionais. Somente entre

2010 e 2014 as exportações do grupo ABCD saíram de um patamar de U$ 11,7

bilhões para U$ 17,1 Bilhões, enquanto as do grupo ACF passaram de U$ 1,52

bilhão para U$ 2,61 Bilhões.

Poderiam se destacar os benefícios dessa expansão a partir do ponto de vista

dos produtores no campo, da geração de postos de trabalho e de renda, entretanto,

segundo ESAQL (2010) mais de 40% do valor agregado no setor corresponde às

etapas de comercialização, transporte e armazenagem, justamente nas quais as

multinacionais têm concentrado sua presença. Significa dizer que grande parte do

desmatamento realizado para ampliação das áreas de lavoura no Norte e Centro-

Oeste se deu em benefício dos capitais estrangeiros. A mesma renda poderia ser

auferida pelas famílias brasileiras com um desmatamento muito menor e com um

volume muito menor de grãos transportados pelas estradas e portos do Centro-Sul,

caso tivessem sido tomadas medidas de fortalecimento da agricultura familiar, da

infraestrutura dentro da porteira, da oferta pública de serviços de transporte e

armazenagem, de contenção tanto da degradação ilegal, e mesmo legal, da

natureza, quanto da entrada de capitais estrangeiros no setor.

O estudo das estratégias territoriais desenvolvidas pelas empresas

analisadas nesse estudo, principalmente as que tem como sede o Mato Grosso, não

apenas revelam a ocorrência, mas identificam como componente estratégico

fundamental para o desenvolvimento do setor agroexportador a omissão por parte

dos governos e instituições federais e estaduais em relação à questão fundiária,

ambiental e trabalhista.

Page 150: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

138

138

A apropriação capitalista do território matogrossense foi seguida de enorme

devastação do ecossistema natural, sem maiores preocupações com as

consequências que isso traria no longo prazo até mesmo para a continuidade da

produção, bem como das populações que ali habitavam ou que foram deslocadas

para lá para servir de mão de obra aos novos empreendimentos.

Segundo a coordenadora do projeto de combate ao trabalho escravo da

Organização Internacional do Trabalho (OIT) no Brasil, Patrícia Audi, o caso

específico do Mato Grosso registra muitos casos de trabalhadores aliciados para

trabalhar na devastação da floresta para o plantio de pasto, algodão e soja ou para a

limpeza de áreas já desmatadas.

Por detrás do discurso do desenvolvimento se instaura na fronteira, longe dos

centros de controle social e com a conivência das autoridades, práticas de crimes

contra a natureza e os direitos humanos. Apenas em 2005, segundo dados do

Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), foram libertados 1.411 trabalhadores

encontrados em condições análogas à escravidão no estado do Mato Grosso. Um

Grupo Móvel de Fiscalização do Ministério do Trabalho chegou a ser recebido a tiros

pela própria Polícia Militar do Mato Grosso.

ONG’s como a Repórter Brasil denunciam o assédio aos trabalhadores no

interior do nordeste, através de propostas de emprego tentadoras, com benefícios

que se estendem a toda família, divulgadas em propagandas na rádios,

principalmente do Maranhão e Pernambuco. Muitos trabalhadores, que vivem em

condições precárias nessas localidades encaram o anúncio como a oportunidade de

suas vidas. Eles alugam ônibus, que chegam lotados em Mato Grosso. Mas o tão

sonhado "Eldorado" se transforma em pesadelo. Estes trabalhadores encontram, na

verdade, uma situação degradante. Sem condições minimamente dignas de

alimentação e alojamento, dormem, por exemplo, em galpões onde o proprietário da

terra guarda o seu produto que chama de "mais valioso", o veneno que será aplicado

na plantação. Obrigados a pagar pela moradia e comprar sua comida no mercadinho

da fazenda, criam dívidas impagáveis junto ao dono da terra, tornando-se na prática

escravos deste.

A ausência de políticas de fortalecimento da agricultura familiar e do

cooperativismo e a utilização dos recursos do orçamento e do tesouro para o

Page 151: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

139

139

financiamento subsidiado ao agronegócio e à infraestrutura de escoamento também

cumpriram seu papel na construção do sucesso do setor agroexportador.

Os exemplos de uso das instituições e dos recursos socialmente produzidos

para uso privado são vários. Em pesquisas de campo verificou-se que Estado do

Mato grosso conta com uma estrutura de apoio ao agronegócio, que inclui o IMEA

(Instituto Matogrossense de Economia Agrícola), a FAMATO (Federação da

Agricultura do Mato Grosso), A Aprosoja (associação dos Produtores de Soja) o

FETHAB (Fundo Estadual para Transportes e Habitação, contribuição sobre a

produção agropecuária), cuja repartição dos recursos é de 70% para a

pavimentação de estradas que escoam a safra e 30% para obras de habitação

popular e infraestrutura urbana. Por outro lado, a extensão rural dispõe de recursos

mínimos para a promoção da agricultura familiar. Em estudo da Universidade La

Salle, de Lucas do Rio Verde, constatou-se que 80% dos alimentos consumidos na

região provêm de outras localidades do país.

Na prática, o desenvolvimento do complexo agroindustrial da soja no Brasil se

exprimi na concentração de esforços sociais em benefício da apropriação privada

por parte de algumas famílias. Foi demonstrado que boa parte do crescimento

dessas empresas nos últimos anos ocorreu nas operações com o mercado interno,

principalmente nos casos da Fiagril e Caramuru, fortemente amparadas pelas

políticas nacionais e estaduais de incentivo e pelo aporte de recursos subsidiados do

BNDES. Crescem as especulações em torno da venda dessas empresas para algum

grupo estrangeiro, como já ocorreu em outros setores incentivados e com uma fatia

de 25% da Fiagril. Caso isso aconteça, significará a transferência desses esforços

em benefício de famílias não residentes, podendo inclusive enfraquecer outros

capitais nacionais do setor, obrigando-os a seguir o mesmo caminho.

Por isso, a agenda de trabalhos futuros sobre o tema inclui um esforço inicial

de compreensão da posição do Brasil no mercado internacional de soja em relação

a seus atuais concorrentes e novos entrantes que disputem mercado nesse setor. A

correta compreensão desses fatores é fundamental, pois pode-se conjecturar a

respeito do arranjo de políticas para o setor que amarre os interesses em torno do

projeto de ascensão dos capitais nacionais no nível global. Tamanha capacidade de

internalizar lucros e a pressão competitiva das grandes corporações globais,

obrigara-os a se modernizar, ampliando suas demandas em atividades intensivas

Page 152: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

140

140

em conhecimento. Todavia, isso não se resultou em aumento percentual do maket

share do grupo ACF nas exportações frente ao grupo ABCD.

Por outro lado, ficou demonstrado que as estratégias de nicho desenvolvidas

pelas empresas e as políticas de incentivo voltadas para o mercado interno

cumpriram seu papel indutor, ampliando a competitividade das empresas brasileiras

e sua liderança em mercados específicos. O sucesso dessas iniciativas indicam que

existe espaço para que, partindo-se da correta compreensão desse mercado em

suas mais diversas escalas, tomem-se ações que fortaleçam essas empresas

também no front externo, com ganhos sistêmicos, externalidades positivas,

adensamentos produtivos e diversificação dos investimentos, tornando-as capazes

de aproveitar as capacidades empresariais criadas nesse momento para expandir

suas atividades para o nível global, com maior agregação de valor e renda para o

país.

Apesar de terem sido apresentados alguns estudos afirmando que 80% das

exportações do complexo soja no Brasil passam pelas grandes tradings nacionais e

internacionais, os dados secundários das maiores empresas exportadoras,

divulgados pelo MDIC demonstram que o valor das exportações59 pelas maiores

tradings do agronegócio em relação às exportações totais do complexo soja variam

muito por Estado. No conjunto de estados da região sul do país, o valor exportado

pelo conjunto de empresas selecionadas60 equivale a 29% das exportações do

complexo soja, enquanto que no Centro-Oeste essa porcentagem sobe para 52%.

Nos estados que compõe o MATOPIBA chega a 66%, sendo que na Bahia

corresponde a 85% do valor exportado61. São Paulo, o único Estado que exporta

quantidade maior do que produz participa com apenas 5% das exportações do

complexo. Mesmo assim, não foi possível identificar valor expressivo de exportação

através das empresas selecionadas.

Fica evidente pelas diferenças regionais que diferentes arranjos de acesso a

crédito e isenções fiscais, infraestrutura, estrutura fundiária e arranjos de economia

política resultam em diferentes trajetórias empresariais nesse setor. É objetivo do

autor desvendá-las em trabalhos seguintes, a fim de fornecer à sociedade subsidio

59 Refere-se ao valor total das exportações pela empresa não discriminado por produto. É importante ter em mente que essas tradings, além de soja e derivados, também atuam na comercialização de outras commodities como milho, algodão, açúcar e álcool. 60 As tradings selecionadas foram a ADM, Amaggi, Bunge, Caramuru, Cargil, Luys Dreyfys, Fiagril, Nidera, Noble, Mitsui e Multigrain. 61 MDIC – Exportações do Brasil / IBGE – Pesquisa Agrícola Municipal

Page 153: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

141

141

para tomada de decisões que coloquem o setor em uma trajetória que traga

melhores contribuições para o desenvolvimento nacional.

Page 154: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

142

142

REFERÊNCIAS

AMAGGI. Sobre o Grupo. 2015. Disponível em: <http://www.grupoandremaggi.com.br>. Acesso em: jan. de 2015.

ABIOVE – Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais. Capacidade Instalada da Indústria de Óleos Vegetais. 2015. Disponível em: <http://www.abiove.com.br/capacidade_br.html>. Acesso em: dez. 2015.

ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis. Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – 2013. Rio de Janeiro: ANP, 2014.

ADM. Sobre o Grupo. 2015. Disponível em <http://www.adm.com/pt-BR/worldwide/brazil/Paginas/default.aspx> Acesso em: jan. de 2015.

BACEN - BANCO CENTRAL DO BRASIL. Anuário Estatístico de crédito rural 2011. Disponível em: www.bcb.gov.br Acesso em: agosto de 2015

BELIK, W. Agroindústria processadora e política econômica. 1992. Tese de Doutorado. Programa de Pós-Graduação em Economia – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1992.

—. Agroindústria e reestruturação industrial no Brasil: elementos para uma avaliação. In: Ramos, P.; Reydon, B. P. Agropecuária e agroindústria no Brasil: ajuste, situação atual e perspectivas. Campinas: ABRA, 1995.

—. Agroindústria e política agroindustrial no Brasil. In: Ramos, P. (Org.) Dimensões doAgronegócio Brasileiro: políticas, instituições e perspectivas. Brasília: Nead, 2007.

BIODIESELBR. Usinas de Biodiesel: Mato Grosso. 2013. Disponível em: <http://www.biodieselbr.com/usinas/mato-grosso> Acesso em: out. 2013.

BRANDÃO, C. (2006). Notas sobre a dimensão urbano-regional do desenvolvimento capitalista no Brasil. In: In: SEI (2006). Desenvolvimento Regional: análises do Nordeste e da Bahia. Série Estudos e Pesquisas, 73, Salvador (BA), Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais, SEI/BA, p. 37-52.

BUNGE. Perfil. 2015 < http://www.bunge.com.br/Bunge/Perfil.aspx> Acesso em: jan. de 2015.

CANO, Marcelo. O recente processo de fusões e incorporações na economia brasileira. Campinas, SP: [s.n.], 2003

CANO, W. Padrões diferenciados das principais regiões cafeeiras (1850-1930). Estudos Econômicos, São Paulo: USP/IPE, v. 15, n. 2maio/ago.

CANO, W. Reflexões sobre o papel do capital mercantil na questão regional e urbana do Brasil. Texto para discussão, Campinas, nº 177, maio/2010.

CANO, W. (2012). Novas determinações sobre as questões regional e urbana após 1980. Revista Brasileira de Estudos Urbanos e Regionais, Local de publicação, 13, junho.

CARAMURU. Nossos Produtos. 2015. Disponível em: <http://www.caramuru.com/>. Acesso em: dez. 2015.

Page 155: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

143

143

__________

CARGIL. Sobre o Grupo. 2015. Disponível em: <http://www.cargill.com.br/> Acesso em: jan. de 2015.

CARNEIRO, R. Desenvolvimento em crise: a economia brasileira no último quarto do século XX. São Paulo: Editora Unesp/Unicamp, 2002.

____________. Commodities, choques externos e crescimento: reflexões sobre a América Latina. CEPAL - Serie Macroeconomía del desarrollo N° 117, jan. 2012.

COSTA, R.C. e TOSTA, E.J. Armazenagem: diagnóstico e perspectivas. Revista de Política Agrícola, Brasília, ano 4, n.3, p. 18-27, jul/ago/set, 1995.

CONAB – Companhia Nacional de Abastecimento. Série Histórica de Produção: safras de 1976/77 a 2014/15. 2011. Disponível em: <http://www.conab.gov.br>.

DELGADO, G. D. C. Capital financeiro e agricultura no Brasil. 1. ed. Campinas: Ícone/Ed.Unicamp, 1985.

______. Do capital financeiro na agricultura à economia do agronegócio - mudanças cíclicas em meio século. Porto Alegre: UFRGS, 2012.

DEMSETZ, H. Toward a theory of property rights. The American Economic Review, v. 58, n. 2, p. 347-359,1967.

FAOSTAT – División de Estadísticas de la Organización de las Naciones Unidas para la Alimentación y la Agricultura. Estadísticas generales. 2013. Disponível em: < http://faostat.fao.org/> Acesso em: abr. 2015.

FLEXOR, G. G. A Globalização do Sistema Agroalimentar e seus desafi os para o Brasil.Economia Ensaios, v. 21, p. 63-96, 2006.

IBGE – Instituto Brasileiro de Economia e Estatística. Banco de dados agregados. 2015. Disponível em: <http://www.sidra.ibge.gov.br.> Acesso em: dez. 2015.

IMEA - Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária. Conhecimento em conjuntura e estrutura do agronegócio do Mato Grosso. 2013. Disponível em: <http://www.imea.com.br/upload/pdf/arquivos/2013_25_06_Apresentacao_MT.pdf> Acesso em set. 2015.

______. Conjuntura e estrutura do agronegócio de Mato Grosso. 2013. Disponível em: <http://www.imea.com.br/upload/pdf/arquivos/2013_25_06_Apresentacao_MT.pdf>. Acesso em: jan. 2015.

______. Estatísticas. 2014. Disponível em: <http://www.imea.com.br/>. Acesso em: jan. 2014.

______. Vinte grupos concentram 20% da área plantada de soja em MT. 2010. Disponível em: <http://www.imea.com.br/noticias.php?id=217>. Acesso em: jul. 2015.

JUNIOR, P. A. V; BUAINAIN, A. M. VIEIRA, A. C. P. Analise da governança da cadeia da soja. In: Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología Rural, 2006, Quito. Anais do Congreso de la Asociación Latinoamericana de Sociología Rural, 2006.

Page 156: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

144

144

JUNIOR, N. F. F. A Hidrovia Tietê-Paraná e a intermodalidade no Estado de São Paulo. 2008. 290 f. Dissertação (Mestrado em Geografia) Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Presidente Prudente, 2008.

KAGEYAMA, A. et al. O novo padrão agrícola brasileiro: do complexo rural aos complexos agroindustriais. In: Delgado, G. C.; Gasques, J. G.; Villa Verde, C. M. (Orgs.). Agricultura e Políticas Públicas. Brasília, Ipea, 1990 (Série Ipea, 127).

LAZZARINI, S. G e FAVARET, PAULO F. Grupo André Maggi: Financiando um novo corredor de exportação, 1997.

MACEDO, F. C. Inserção Externa e Território: impactos do comércio exterior na dinâmica regional e urbana no Brasil (1989-2008). Tese (Livre-Docência). 2010. Tese (Livre Docência) – Instituto de Economia, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.

MACEDO, F. C; ANGELIS, A. Guerra fiscal dos portos e desenvolvimento regional no Brasil. Redes (Santa Cruz do Sul. Online), v. 18, p. 185-212, 2013.

MAIA, G B. S. Panorama da armazenagem de produtos agrícolas no Brasil. Revista do BNDES nº40, Rio de Janeiro, dezembro de 2013.

MIRANDA, H. Problemática Urbana Brasileira. Revista Política Social e Desenvolvimento, v.1, n.1, p. 8-15, nov., 2013.

MYRDAL, G. Teoria econômica e regiões subdesenvolvidas. Rio de Janeiro, Editora Saga, 2ª edição, 1968.

OLIVEIRA, A.U. A Amazônia norte-matogrossense: grilagem, corrupção e violência. Tese de Livre Docência - FFLCH/USP, São Paulo, 1997.

OLIVEIRA, Fabio L.P. Desenvolvimento capitalista e trajetórias empresariais em Pernambuco. Tese (doutorado). Campinas, SP: IE-UNICAMP, 2014.

RAMOS, P. Referencial teórico e analítico sobre a agropecuária brasileira. In: Ramos, P. (Org.). Dimensões do agronegócio brasileiro: políticas, instituições e perspectivas. Brasília: Nead, 2007.

REVISTA EXAME. Maiores e melhores empresas, vários anos. São Paulo: Abril, 2015.

SANTOS, A. B. Alianças estratégicas horizontais em logística de distribuição: análise de uma rede do agronegócio da soja. 2011. 115 f. Dissertação (Mestrado em Desenvolvimento Regional) – Faculdade Alvares de Faria, Goiânia, 2011.

SECEX – Secretaria de Comércio Exterior. Indicadores e Estatísticas de Comércio Exterior. 2015. Disponível em: <http://www2.desenvolvimento.gov.br/sitio/secex/secex/>.

STEINDL, J. (1952) Maturidade e estagnação no capitalismo americano. São Paulo, Abril Cultural, 1983.

VALOR ECONÔMICO. Disponível em: <http://www.valoronline.com.br/>. Acesso

em jun. 2015.

WESZ JUNIOR, V. J. Dinâmicas e estratégias das agroindústrias de soja no Brasil. Rio de Janeiro: E-papers, 2011.

_________. O mercado da soja e as relações de troca entre produtores rurais e

Page 157: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

145

145

empresas no Sudeste de Mato Grosso (Brasil). 2014. 220 f. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Instituto de Ciências Humanas e Sociais, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. 2014a.

_________ O mercado da soja no Brasil e na Argentina: semelhanças, diferenças e interconexões. Século XXI - Revista de Ciências Sociais, v. 4, p. 91-113, 2014b.

ZYLBERSZTAJN, D. Estruturas de governança e coordenação do agribusiness: uma aplicação da nova economia das instituições São Paulo. Tese de Livre-Docência. Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo. São Paulo/SP, 1995.

Page 158: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

146

146

ANEXO A – LISTA DE ENTREVISTAS REALIZADAS EM PESQUISA DE CAMPO

Quadro 1 - Lista de Entrevistas

Nome/Função Vínculo Institucional Data

1.Daniel Latorraca/Gestor de Projetos. IMEA 19/01/2015

2.Frederico Azevedo/Coordenador e Quésia Nascimento/ex Coordenadora.

APROSOJA/Movimento Pró-Logística 19/01/2015

3.Silvia Regina Fernandes/Supervisora de Desenvolvimento Sustentável. CIPEM 19/01/2015

4.Prof. Dr. Benedito Dias Pereira/Coordenador do curso de Economia

UFMT 20/01/2015

5. Leonardo Araújo Silva/Diretor de Operações MT Fomento 20/01/2015

6.Anilton do Carmo/Gerente de Transportes Rodoviário e Ferroviário e Ivan Cicolani/Logística Corporativa. AMAGGI 20/01/2015

7.Osmar Otoni/Secretário de Agricultura e Meio Ambiente Prefeitura de Nova Mutum 21/01/2015

8.Luiz Carlos Gonçalves/Presidente e Vereador Sindicato Rural de Nova Mutum 22/01/2015

9.Miguel Vaz Ribeiro/Acionista majoritário e ex-Presidente Fiagril 22/01/2015

10.Luciane Bertinatto/Secretária Agricultura e Meio Ambiente, Prefeitura de Lucas do

Rio Verde 22/01/2015 Márcio Albiere/Secretário de Desenvolvimento Econômico

11.Nilfo Wantcher/ ex-presidente Sind. Trab. Rurais de Lucas do Rio Verde

23/01/2015

12.Valdeci Scherer/Presidente Sind. Trab. da BR Foods Lucas do Rio Verde

23/01/2015

Page 159: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

147

147

13.Transportadora Mafra: Renan Gomes/Gerente do escritório local Transportadora Nova Fronteira: Mário Sérgio Mendonça/gerente de logística.

Transportadoras de Lucas do Rio Verde 23/01/2015

14.Dilceu Rossato/Prefeito, Diogo Urchimura/Técnico e Jorge Campos/Técnico.

Prefeitura de Sorriso 26/01/2015

15.Sergio Trinches/Presidente Sindicato dos produtores Rurais de Sorriso

26/01/2015

16.Márcio/Presidente Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Sorriso

27/01/2015

17.Alexandre de Arruda Amorin/Gerente de Logística e Leandro Biachini/Analista de Mercado Agrícola.

COACEN – Cooperativa Agropecuária e Industria Celeiro Norte

27/01/2015

18.Vargas/Secretário, Beno Kaiser, Ivone Beatriz e Flávio Secretaria de Agr. e Des. Sustentável de Sinop

28/01/2015 Lisboa/Técnicos 19.José e Eriane/Urbanistas Codeurb Sinop 28/01/2015

20.Júlio César Reis/Pesquisador EMBRAPA Agrossilvipastoril 29/01/2015

21.Sérgio Damani/Técnico responsável pelo Programa Estadual de Incentivos Fiscais (PRODEIC).

Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico e Mineração:

30/01/2015

22.João José de Amorim/Superintendente FIEMT 30/01/2015

23. Antônio Ismael Balan – Gerente de logística

Cristiano Gonçalves Faria – Logística de Commodities Caramuru Alimentos 16/07/2015

24.Luis Antônio Fayel/Consultor para infraestrutura e logística

CNA 16/07/2015

25.Edeon Vaz/Coordenador Movimento Pró-Logística/MT

17/07/2015

26.Engenheiro Volnei Vieira de Freitas, Coordenador de Engenharia DNIT/GO 22/10/2015

Page 160: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

148

148

ANEXO B – EVOLUÇÃO DAS OPERAÇÕES COMPROMISSADAS DE COMPRA E VENDA FUTURA DE COMMODITIES DA FIAGRIL

Page 161: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

149

149

ANEXO C – DEMONSTRAÇÕES DE RESULTADO E DO ATIVO DA FIAGRIL 2010-

2011

Page 162: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

150

150

Page 163: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

151

151

ANEXO D - DEMONSTRAÇÕES DE RESULTADO CARAMURU (2010-2014)

Page 164: UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE …repositorio.unicamp.br/jspui/bitstream/REPOSIP/305658/1/Pastre_Ra… · mapa 3 – evoluÇÃo da produÇÃo de soja em goiÁs entre

152

152