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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS Instituto de Geociências ALEXANDRE PACHECO DA SILVA VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA: ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS CAMPINAS 2019

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

Instituto de Geociências

ALEXANDRE PACHECO DA SILVA

VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:

ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS

CAMPINAS

2019

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ALEXANDRE PACHECO DA SILVA

VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:

ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS

TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE

GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE

CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR

EM POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA

ORIENTADOR: PROF. DR. SERGIO ROBLES REIS DE QUEIROZ

ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL

DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO ALEXANDRE

PACHECO DA SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR.

SERGIO ROBLES REIS DE QUEIROZ.

CAMPINAS

2019

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Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geociências

Marta dos Santos - CRB 8/5892

Silva, Alexandre Pacheco da, 1983- Si38v SilVenture capital à brasileira : adaptações e limitações ao financiamento de

startups / Alexandre Pacheco da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.

SilOrientador: Sérgio Robles Reis de Queiroz. SilTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de

Geociências.

Sil1. Capital de risco. 2. Financiamento. 3. Empresas. 4. Políticas públicas. 5.

Patentes. I. Queiroz, Sérgio Robles Reis de, 1956-. II. Universidade Estadualde Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Venture capital the Brazilian way : adaptations and limitations tostartup financingPalavras-chave em inglês:Venture capitalFinancingStartupPolicyPatentsÁrea de concentração: Política Científica e TecnológicaTitulação: Doutor em Política Científica e TecnológicaBanca examinadora:Sérgio Robles Reis de Queiroz [Orientador]Diogo Rais Rodrigues MoreiraSolange Maria CorderCarlos Américo PachecoMarcelo Hiroshi NakagawaData de defesa: 09-08-2019Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica

Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-1028-9392- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9884473852230074

Powered by TCPDF (www.tcpdf.org)

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS

AUTOR: Alexandre Pacheco da Silva

VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:

ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS

ORIENTADOR: Prof. Dr. Sergio Robles Reis de Queiroz

Aprovado em: 09 / 08 / 2019

EXAMINADORES:

Prof. Dr. Sergio Robles Reis de Queiroz - Presidente

Prof. Dr. Diogo Rais Rodrigues Moreira

Prof. Dr. Carlos Américo Pacheco

Dra. Solange Maria Corder

Dr. Marcelo Hiroshi Nakagawa

A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no

SIGA - Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de Pós-graduação do IG.

Campinas, 09 de agosto de 2019.

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AGRADECIMENTO

Este é o espaço de reconhecimento de uma rede de apoio fundamental para que este

trabalho tenha se concretizado. Todos aqueles que fizeram parte desta rede merecem o meu

mais profundo agradecimento e gratidão. Poderia descrever aqui, em detalhe, os diversos

momentos e tipos de ajuda que cada um de vocês me ofereceu. Porém, para poupar o leitor,

irei fazer breve menção a cada um de vocês, muito menores do que vocês merecem.

Aos meus pais o agradecimento é pelo suporte de toda a minha trajetória de vida, no

acolhimento quando errei, na comemoração nos momentos em que acertei, na torcida quando

não pudemos estar juntos e, mais recentemente, pela paciência em lidar com um doutorando

ansioso e cheio de angústias. A existência deste trabalho e da minha carreira acadêmica são

resultado da obstinação de vocês em me oferecer uma vida em que eu pudesse ser livre para

escolher o que eu gostaria de ser. Muito obrigado.

Onze anos. Desde a minha graduação e da sua também você está comigo me ouvindo

falar de inovação e do quanto eu gostaria de escrever e discutir o tema. Leu tudo o que eu

escrevi, escutou todas as minhas ideias, viu o quanto eu fiquei feliz com a aprovação no

doutorado da Unicamp e com a possibilidade de construir uma vida acadêmica no Brasil.

Thais, este trabalho é o resultado da sua generosidade, paciência e amor que você me dedicou

ao longo destes anos.

Um café e um convite. Mônica, você foi a pessoa que possibilitou eu trabalhar com

pesquisa e foi, sem dúvida, a maior incentivadora para a construção da minha carreira

acadêmica. Foi no café da FGV Direito SP que você me ofereceu uma vaga de pesquisador,

foi trabalhando com você que eu aprendi como o Direito pode ter um papel transformador

para a sociedade, criando as condições para um futuro mais justo e menos desigual, a minha

carreira como docente foi construída com a sua recomendação. O tema desta pesquisa surgiu

de uma reunião nossa; enfim, não há palavras para agradecer a você.

Ao Professor Sérgio Queiroz o meu agradecimento pela paciência, confiança e pela

orientação do trabalho. Além do cuidado, rigor e precisão na formulação e apresentação de

argumentos, seus comentários e sugestões me fizeram refletir e avançar na pesquisa e reflexão

sobre o tema. Tive uma experiência de muito aprendizado nas suas disciplinas e durante a

orientação. Agradeço a sua generosidade com textos imprecisos, explicações incompletas da

minha parte e por sua confiança de que este trabalho seria concluído.

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Grande amigo e leitor mais crítico. Victor, além dos quinze anos de amizade e de

acompanharmos o trabalho um do outro desde nossos tempos de graduação, você sempre foi o

meu interlocutor acadêmico mais generoso e crítico. Crítico no sentido de buscar o melhor

potencial de minhas ideias, a maior clareza nos meus argumentos e uma contribuição que

possa qualificar debates jurídicos fundamentais ao país. Mesmo rigoroso em seus

comentários, sempre me fez enxergar o caminho para melhorar a minha escrita e meus

pensamentos. Muito obrigado, meu amigo.

Grande amiga e companheira de trabalho. Marina, muito obrigado por ter aguentado a

sobrecarga de tarefas nos momentos que tive que me ausentar para a realização desta

pesquisa. Na ansiedade diária e nas dúvidas que enfrentei, você sempre teve uma palavra de

incentivo e recomendações muito úteis sobre como prosseguir.

Aos pesquisadores Ana Paula, Victor Doering, João Pedro, e a minha estagiária

Laurianne-Marie, muito obrigado pelo auxilío na leitura do trabalho e nas sugestões de

modificação do texto para torná-lo mais claro. Ana Paula, um agradecimento especial a você

por toda a ajuda na escolha de palavras e nas conversas que tivemos sobre terminologia para o

tema.

Meus agradecimentos aos Professores Oscar Vilhena Vieira e Adriana Ancona de

Farias, Diretor e Vice-Diretora da FGV Direito SP, pelo apoio na elaboração do trabalho,

autorizando períodos de licença ao longo dos anos de 2017, 2018 e 2019 para que eu pudesse

realizar a pesquisa e redação desta tese.

Por fim, mas não menos importante, agradeço aos Professores Diogo Rais Rodrigues

Moreira e Solange Maria Corder, membros da banca de qualificação deste trabalho. Sua

leitura cuidadosa do texto e suas sugestões foram muito importantes para a evolução da

pesquisa, auxiliaram na minha reflexão sobre o tema e me permitiram avançar.

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RESUMO

O financiamento de empresas de alto potencial de crescimento é uma atividade complexa e repleta de

incertezas. Esse tipo de empreendimento apresenta algumas características que afastam investidores

tradicionais, não dispostos a assumir os riscos associados a startups, tais como a assimetria de

informação entre investidor e investido, a ausência de patrimônio da empresa investida, dúvidas sobre

o potencial do negócio, dentre outros. Neste contexto, o venture capital surge como modalidade de

investimento capaz de dar conta deste desafio, dispondo de um método que busca reduzir esses

problemas e obter o retorno sobre o investimento a partir do crescimento da empresa investida. Além

das dificuldades usuais inerentes a este tipo de negócio, as características do mercado brasileiro fazem

com que o venture capital assuma um grau ainda maior de complexidade e incertezas. Mesmo com

avanços na estruturação de veículos de investimento e no desenvolvimento de um ecossistema de

fundos e startups investidas através de políticas públicas de fomento, o venture capital brasileiro

demonstra dificuldades para financiar todos os tipos de empresas de alto potencial de crescimento. O

presente trabalho busca compreender como o ambiente regulatório-institucional brasileiro influenciou

a formação do capital de risco no Brasil, contribuindo para que essa modalidade de investimento

adquirisse suas características “locais”, o que é conhecido como venture capital à brasileira. Para isso,

o ponto de partida é a literatura acadêmica que cuida das características do financiamento de empresas

de alto potencial de crescimento e que versa sobre como o venture capital foi formado e difundido

como uma modalidade de investimento especializada em financiar estes empreendimentos. Desde o

seu surgimento nos Estados Unidos da América até a sua internacionalização, objetiva-se discutir

como a modalidade evoluiu em cada um dos países em que ingressou. No Brasil, a análise inicia-se na

reconstrução da trajetória do capital de risco, verificando como as gestoras de recursos foram se

adaptando ao longo do tempo às características do mercado local, e discute-se quais as percepções

atuais para investimento de capital de risco. Para a constituição da presente pesquisa foram realizadas

entrevistas com dez gestoras de recursos de venture capital com atuação no país, e com três entidades

que desempenham relevante papel na trajetória do capital de risco no país: INPI, B3 e FINEP. A partir

deste cenário, se conclui que o ambiente regulatório-institucional influenciou as características do

venture capital nacional, em especial um extenso backlog de patentes, ausência de um mercado de

acesso em Bolsa de Valores e o alto custo reputacional do fracasso em empreendimentos passados. O

resultado deste ambiente foi a priorização de investimentos em empresas que inovam em modelos de

negócios, em detrimento de empresas de base tecnológica, foco das políticas públicas de fomento ao

setor.

Palavras-chave: Capital de risco. Financiamento. Empresas. Políticas Públicas. Patente. Abertura de

Capital.

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ABSTRACT

The financing of companies with high potential of growth is a complex and uncertain activity. This

type of venture suffers from certain characteristics that alienate traditional investment, unwilling to

undertake the risks associated with startups, such as the asymmetry of information between investor

and investee, lack of assets owned by the invested company, uncertainty over the potential of the

business, among others. In this context, venture capital arises as a type of investment capable of taking

over this challenge, providing a methodology that seeks to reduce these problems and obtain return

over the investment based on the growth of the invested company. In addition to the usual difficulties

inherent to this type of business, the characteristics of the Brazilian market result in venture capital

taking over an even higher degree of uncertainty and complexity. Even after developments in the

structuring of investment vehicles and the establishment of an ecosystem of funds and startups funded

through public policies to encourage development, the Brazilian venture capital has shown difficulties

to fund all categories of companies with high potential of growth. This thesis seeks to investigate how

the Brazilian institutional-regulatory environment has influenced the creation of venture capital in

Brazil, resulting in this type of investment developing certain “local” characteristics, which we name

“venture capital the Brazilian way”. For this, we started from the academic literature that deals with

the characteristics of the funding of companies with a high potential for growth and that studies how

venture capital was created and disseminated as a type of investment specialized in funding this type

of activity. From its origins in the United States to its dissemination throughout the world, we discuss

how venture capital has evolved in each of the countries it was adopted. In Brazil, we start our analysis

by recreating the history of venture capital in the country, by discussing how VC funds adapted

throughout the years for the characteristics of the local market and addressing the current view for

venture capital investment in the country. For that, we interviewed ten VC funds that invested in

Brazil and three agencies with high impact in the development of venture capital in Brazil: INPI, B3

and FINEP. Based on this scenario, we conclude that the regulatory-institutional environment has

influenced the features of Brazilian venture capital, particularly the extensive patent backlog, the

absence of an entry market in the stock exchange and the high reputational cost of past failures. This

environment caused the prioritization of investments in companies that innovate more on the business

model, as opposed to companies that develop innovative technology, which are the focus of the

governmental policy in the field.

Keywords: Venture capital. Financing. Startup.Policy. Patent. Initial Public Offering.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 2.1 Ciclos de aporte de capital por estágios de desenvolvimento da empresa nascente ............62

Figura 4.1 Ilustração do Modelo Sina ..................................................................................................164

Figura 5.1 Veículos de investimento de longo prazo e ambiente regulatório (2005)...........................198

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 2.1 O Universo de opções de financiamento para a empresa nascente ......................58

Gráfico 2.2 Fontes de Financiamento por Estágios de Crescimento da Empresa Nascente ....67

Gráfico 5.1 Evolução do capital comprometido alocado ao Brasil como porcentagem do

PIB..........................................................................................................................................200

Gráfico 5.2 Quantidade de negócios desinvestidos (1999 – 2008) ........................................204

Gráfico 5.3 Recursos captados pelas empresas investidas pelo fundo CRIATEC I...............209

Gráfico 5.4 Percentual dos investimentos em PE/VC no Brasil por tipo de estratégia..........235

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LISTA DE TABELAS

Tabela 2.1 Graus de incerteza associados a vários tipos de inovações.....................................35

Tabela 2.2 Diferenças entre ativos tangíveis e intangíveis.......................................................44

Tabela 2.3 Tipos de Financiamento & Fontes do Capital.........................................................54

Tabela 2.4 Os seis estágios de financiamento da empresa nascente ........................................68

Tabela 3.1 Captação de Recursos por meio de Empresas de Venture Capital........................118

Tabela 3.2 Porcentagem de investimento de venture capital por estágio de financiamento de

empresas nascentes.................................................................................................................124

Tabela 4.1 Venture Capital internacional na Europa entre 1988-2003...................................131

Tabela 4.2 Captação Internacional de Venture Capital na Ásia em 2004..............................134

Tabela 4.3 Trajetória de Investimentos do WFG (1976-1986) ..............................................153

Tabela 5.1 Características do programa de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica

(Contec) ..................................................................................................................................181

Tabela 5.2 Carteira de investimentos do Contec em dezembro de 1994................................186

Tabela 5.3 Registros de Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (1995 –

2005) ......................................................................................................................................191

Tabela 5.4 Desembolsos do fundo CRIATEC I nas empresas investidas (em R$ milhões)..207

Tabela 5.5 Prazo médio para a abertura de empresas (dias) em diversos países....................215

Tabela 5.6 Formas potenciais de aprimorar a atração de investimentos no ambiente de

negócios no Brasil baseado na experiência de outros mercados.............................................218

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................14

2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA

NASCENTE ...........................................................................................................................24

2.1 OS QUATRO DESAFIOS PARA O FINANCIAMENTO DE EMPRESAS NASCENTES ..................... 30

2.1.1 INCERTEZA SOBRE O FUTURO .................................................................................. 33

2.1.2 ASSIMETRIA INFORMACIONAL ................................................................................. 39

2.1.3 ATIVOS FLEXÍVEIS .................................................................................................. 43

2.1.4 VOLATILIDADE DAS CONDIÇÕES DE MERCADO ........................................................ 47

2.2 FINANCIAMENTO DE EMPRESAS DE ALTO POTENCIAL DE CRESCIMENTO ......................... 49

2.3 A SOLUÇÃO VENTURE CAPITAL ....................................................................................... 70

2.3.1 SELEÇÃO E AUDITORIA ........................................................................................... 72

2.3.2 FINANCIAMENTO POR ETAPAS ................................................................................. 75

2.3.3 INVESTIMENTOS CONJUNTOS ................................................................................... 77

2.3.4 REMUNERAÇÃO ....................................................................................................... 79

2.3.5 PREFERÊNCIAS E INSTRUMENTOS DE RESGUARDO .................................................. 81

2.3.6 PARTICIPAÇÃO EM ÓRGÃOS DECISÓRIOS ................................................................ 84

3 A FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL .......................................86

3.1 A INFLUÊNCIA DE NEW ENGLAND E DO VALE DO SILÍCIO NO NASCIMENTO DO MODELO

DE VENTURE CAPITAL .................................................................................................................. 87

3.1.1 AMERICAN RESEARCH AND DEVELPOMENT CORPORATION (ARDC) .......................... 90

3.1.2 OS PIONEIROS DO VALE DO SILÍCIO E AS SMALL BUSINNESS INVESTMENT

COMPANIES (SBICS) ...................................................................................................... 101

3.1.3 O VALE DO SILÍCIO E O MODELO DE LIMITED PARTNERSHIP .................................. 107

3.2 EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DE EMPRESAS NASCENTES ..... 113

4 GOVERNOS, INSTITUIÇÕES E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE

CAPITAL ..............................................................................................................................127

4.1 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE CAPITAL ................................. 127

4.2 CONTEXTO LOCAL, APROPRIAÇÕES E ADAPTAÇÕES................................................... 137

4.2.1 KBG, BANCOS, WFG E O FOMENTO DO VENTURE CAPITAL NA ALEMANHA ............ 145

4.2.2 CRESCIMENTO, ADAPTAÇÃO E ACOMODAÇÃO DE INTERESSES: VENTURE CAPITAL NA

CHINA ............................................................................................................................ 155

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5 TRAJETÓRIA DO VENTURE CAPITAL NO BRASIL – POLÍTICAS PÚBLICAS

DE FOMENTO E EVOLUÇÃO DOS VEÍCULOS DE INVESTIMENTO ..................167

5.1 SURGIMENTO DA IDEIA CAPITAL DE RISCO E AS PRIMEIRAS INICIATIVAS: 1974 – 1980 ....173

5.2 INTRODUÇÃO DOS PRIMEIROS CONTORNOS DO CAPITAL DE RISCO NO CENÁRIO

NACIONAL: 1981 – 1994 .......................................................................................................... 178

5.3 ESTRUTURAÇÃO E CRESCIMENTO DO SETOR: 1995 - 2005 ......................................... 189

5.4 BREVE ASCENSÃO E A PRESENÇA DE OBSTÁCULOS INSTITUCIONAIS AO CRESCIMENTO:

2005 - 2015 ............................................................................................................................. 199

5.5 MUDANÇAS NO AMBIENTE REGULATÓRIO E A PERMANÊNCIA DE VELHOS PROBLEMAS:

2016 – 2018 ............................................................................................................................. 223

6 HOSTILIDADE NO AMBIENTE PARA INVESTIMENTOS NO BRASIL – A

PERCEPÇÃO DE INVESTIDORES DE VENTURE CAPITAL ....................................239

6.1 FORMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS INVESTIDORES ................................................ 243

6.2 AS PERSPECTIVAS E EXPECTATIVAS DO INVESTIDOR EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS DE

BASE TECNOLÓGICA ................................................................................................................. 259

6.3 O ESVAZIAMENTO DAS PATENTES PARA O INVESTIMENTO DE VENTURE CAPITAL ........ 280

6.4 OS LIMITES PARA O DESINVESTIMENTO NO PAÍS E A INFLUÊNCIA DA TAXA BÁSICA

JUROS .................................................................................................................................298

7 CONCLUSÃO ..............................................................................................................308

REFERÊNCIAS ...................................................................................................................313

ANEXO I – GESTORAS DE RECURSOS DE VENTURE CAPITAL ...........................323

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14

1 INTRODUÇÃO

Na acepção Schumpeteriana, capitalismo é definido como ‘a forma de

economia baseada na propriedade privada em que as inovações são

realizadas a partir de dinheiro emprestado’, em que observamos a separação

característica entre emprestadores e tomadores, empreendedor e banqueiro,

compondo as duas faces da mesma moeda da inovação. Contudo, isto não

significa que o seu legado tem sido interpretado ou celebrado pela maioria

dos neo-schumpeterianos. O realce tem, quase em sua totalidade, ficado com

o empreendedor, negligenciando-se os agentes financeiros, não importa o

quão obviamente eles sejam indispensáveis para a inovação1.

(PEREZ, 2007)

Arcar com o risco não faz parte da função do empreendedor. É o capitalista

que suporta o risco. O empreendedor só o faz até o ponto em que além de

empreendedor ele também é um capitalista, porém, na capacidade de

empreendedor, ele perde o dinheiro de outras pessoas2.

(SCHUMPETER, 1939)

O investimento em inovação tecnológica tem sido apontado como um fator

fundamental para a construção de vantagens competitivas sustentáveis para os países em suas

estratégias de crescimento de longo prazo (NELSON; WINTER, 1982; DOSI, 1988;

FREEMAN, 1982). O aporte de recursos financeiros permite que empresas sejam capazes de

adquirir competências para inovar, conferindo ao país aonde estão localizadas maior

competitividade em suas relações comerciais no âmbito internacional (MEIRELLES;

PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008). O financiamento da inovação, dessa forma, é

uma das engrenagens de estratégias do desenvolvimento dos países.

No Brasil, o desafio de financiamento de empresas não se limita ao acesso ao

crédito, expandindo-se para problemas relacionados à mentalidade de curto prazo, aos custos

associados às operações de aporte de capitais em empresas e à baixa liquidez do mercado de

capitais brasileiro (NASCIMENTO, 2006). Assim, a obtenção de financiamento é uma tarefa

árdua na dinâmica nacional, em particular quando os recursos são pleiteados para custear o

1 Tradução nossa do trecho original de Carlota Perez: “In Schumpeter’s basic definition of capitalism as ‘that

form of private property economy in which innovations are carried out by means of borrowed money’, we find

his characteristic separation of borrower and lender, entrepreneur and banker, as the two faces of the

innovation coin. This is not, however, as his legacy has been interpreted and enriched by the great majority of

neo-Schumpeterians. The accent has almost invariably been on the entrepreneur to the neglect of the financial

agent, no matter how obviously indispensable this agent may be to the innovation”. Ver em: (PEREZ, 2007, p.

776). 2 Tradução do trecho original de Joseph A. Schumpeter: “Risk bearing is no part of the entrepreneurial function.

It is the capitalist who bears the risk. The entrepreneur does so only to the extent to which, besides being an

entrepreneur, he is also a capitalist but qua entrepreneur he loses other people’s money.” Ver em:

(SCHUMPETER, 1939, vol. 1, p. 104).

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15

crescimento de empresas recém-constituídas para o desenvolvimento de novas tecnologias

(MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008).

É importante observar que empresas de base tecnológica (EBTs) são organizações

privadas caracterizadas pelo seu potencial de crescimento exponencial a partir da aplicação

sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos para a criação de produtos e serviços

a serem disponibilizados ao mercado (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO,

2008). No entanto, este crescimento exponencial tradicionalmente se limita apenas a um

pequeno contingente de empresas, tendo as demais um destino oposto: o encerramento de

suas atividades (LERNER, 2012).

Nesse contexto, expressões como “empresas nascentes”, “empresas emergentes”,

“startups”, dentre outras revelam uma característica própria destas organizações que escapa

ao termo EBT, o pequeno porte no início de suas atividades. Porém, a condição de micro e

pequena empresa seria temporária e não permanente (diferentemente do cenário aplicado a

micro e pequenas empresas tradicionais). Uma startup começa com um porte reduzido, mas

na medida em que o empreendimento alcança os seus resultados a trajetória é de crescimento.

Por outro lado, quando o empreendimento fracassa a condição de empresa de micro ou

pequeno porte também se desfaz com ela.

Todas estas expressões estão inseridas em um conceito mais amplo, o de empresas

com alto potencial de crescimento (SEUDI, 2015, p. 31), nas quais existe um fator de

desencadeamento de seu crescimento acelerado. Além das empresas de base tecnológica,

também pode-se citar o conceito de empresas em que o fator de crescimento é a identificação

de uma oportunidade em um mercado específico e a criação de um modelo de negócio que

seja capaz de explorar esta chance. Assim, mesmo que componentes tecnológicos estejam

presentes neste contexto, o diferencial reside no desenho de seu modelo e não no

desenvolvimento da tecnologia.

A inovação é o fator que as une na expressão empresas de alto potencial de

crescimento, porém o tipo de inovação é o que as diferencia. No caso de empresas

exponenciais de oportunidade o que irá desencadear o seu crescimento são as carecterísticas

de um mercado, falhas ou segmentos pouco explorados. Um exemplo de EEO são as

empresas 99 e Easy Taxi, que identificaram a presença de falhas e oportunidades ligadas à

prestação de serviços de transporte privado de passageiros no Brasil e foram capazes de

inovar na forma como este serviço é prestado, integrando em uma mesma plataforma digital

um sistema de localização de motoristas (e.g. geolocalização), de designação de origem e

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16

destino (e.g. sistema de navegação) e meios de pagamento eletrônicos (e.g. cartão de crédito,

paypal, etc.).

Mesmo que a tecnologia seja parte integrante na forma como estas empresas

inovaram no mercado de transporte privado de passageiros, a sua inovação não decorre de

novas descobertas científicas e do desenvolvimento tecnológico de ponta. A inovação destas

empresas está associada a como a sua plataforma digital pode criar melhores condições para

que este mercado funcionasse melhor, atraindo consumidores para sua plataforma o que

desencadeou o seu crescimento exponencial.

Neste trabalho, será utilizado o termo geral “empresas de alto potencial de

crescimento” para nos referirmos às empresas objeto de investimento de venture capital,

distinguindo entre as empresas de base tecnologia (EBTs) e as empresas exponenciais de

oportunidade (EEOs), quando a separação se mostrar necessária. A escolha pela expressão

mais ampla também está associada ao fato de que o venture capital financia empresas

inovadoras, transitando entre EBTs e EEOs em cada um dos países em que está presente.

Também serão utilizadas as expressões startup, empresas nascentes e empresas

emergentes em referência ao termo geral empresas de alto potencial de crescimento para

evitar muitas repetições no texto. Porém, quando a referência for aos tipos de empresas de alto

potencial de crescimento serão utilizadas as expressões próprias EBTs e EEOs.

Nas fases iniciais das atividades de empresas de alto potencial de crescimento, a

ausência de garantias de boa receptividade da tecnologia no mercado ou de sucesso para o

empreendimento recém-criado eram apontadas como fator de inibição de investimentos

(CHRISTENSEN, 1992). Na comparação com outras opções de financiamento, os

investimentos em inovação tecnológica (em especial via EBTs), apresentam o maior grau de

incertezas relacionadas ao retorno sob o capital aportado (SAHLMAN, 1990; BOTTAZZI;

DA RIN; HELLMAN, 2004).

Para além do risco de ordem técnica - possível fracasso no desenvolvimento de

novos processos ou produtos - há dúvidas sobre a própria viabilidade do negócio, pois

geralmente EBTs não possuem patrimônio para serem oferecidos enquanto garantias reais a

um financiamento bancário, ou até um histórico de crescimento acentuado em sua fase inicial

de desenvolvimento de produtos, processos e serviços (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR;

REBELATTO, 2008).

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Tendo em vista esse contexto, ao classificar os diversos níveis de incerteza

relacionados às atividades inovadoras realizadas por empresas, Christopher Freeman (1982)

aponta3 que mesmo em níveis de incerteza baixos ou até muito baixos o mercado financeiro

serve como alternativa de financiamento para uma parcela pequena de empresas, tendo o

restante delas que depender de recursos próprios ou de outras formas de investimento.

No entanto, no caso do financiamento de EBTs, Darek Klonowski (2018, p. 9)

ressalta que os obstáculos para a captação de recursos no mercado financeiro foram capazes

de criar um ecossistema de capital de risco amplo, diversificado e especializado, cujos agentes

demonstram condições para investir em EBTs sob diferentes formatos, tais como: (i) venture

capital - VC; (ii) corporate venture - CV; (iii) crowdfunding; (iv) initial coin offering – ICO;

(v) programas de aceleração de empresas; (vi) investimento anjo; e (vii) programas

governamentais de fomento e auxílio ao crescimento de EBTs.

Segundo Martin Kenney e Richard Florida (2000, p. 99), o embrião para a

construção deste ecossistema de financiamento de empresas de base tecnológica surge da

criação do venture capital4 no início dos anos de 1950 e sua evolução nos Estados Unidos da

América entre os anos de 1960 e início dos anos de 1990. Foram as características do venture

capital estadunidense que moldaram o financiamento via capital de risco que se

internacionalizou a partir dos anos de 1970, alcançando diversos países nas décadas

subsequentes (LERNER, 2009).

3 Christopher Freeman (1982) classifica as atividades de inovação em uma empresa a partir de seis categorias: (i)

incerteza real, quando se trata de uma invenção fundamental ou de iniciativas de pesquisa básica; (ii) incerteza

muito alta, na hipótese de inovações de produto e de processo produtivo radicais realizados fora da empresa; (iii)

incerteza alta, para inovações de produto relevantes e inovações de processo radicais na própria empresa; (iv)

incerteza moderada, ao tratar das novas gerações de produtos existentes no mercado; (v) incerteza baixa, quando

se refere as inovações já licenciadas, casos de imitações de inovações de produto e adoção precoce de processos

já existentes; e (vi) incerteza muito baixa, para hipótese de um novo modelo, diferenciação de produto,

implementação de nova função para produto já existente e adoção tardia de inovações de processos já existentes.

Mesmo em níveis de incerteza baixos ou muito baixos, o autor ressalta que é pequena a porção de empresas

capazes de obter financiamento via o mercado financeiro, restando para a maior parte delas o financiamento via

recursos próprios. Para mais detalhes, ver em: FREEMAN, Christopher. The economics of industrial innovation.

Londres: Pinter Publishers, 1982. 4 Nos Estados Unidos da América, a National Venture Capital Association (NVCA)

4 define venture capital

como um método de investimento em empresas empreendedoras em seu estágio inicial de crescimento (early-

stage entrepreneurial firms), posicionadas em setores da economia com alto potencial de crescimento. Não há

uma definição sobre quais seriam os setores com alto potencial de crescimento, cabendo uma avaliação caso a

caso por um investidor, também chamado de venture capitalist. A expressão venture capitalist serviria para

designar a instituição de cunho financeiro que implementaria este método, captando recursos de investidores

externos (e.g. fundos de pensão, empresas familiares, bancos de investimento, etc.) para os aportar em

empreendimentos promissores, prometendo aos seus investidores retornos financeiros acima da média de

mercado se comparado com outras espécies de investimento.

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De um lado, o venture capital estadunidense inova enquanto método de captação

de recursos de agentes externos (e.g. famílias ricas, fundos de pensão, endowments

universitários), na seleção de empresas inovadoras e na forma como organiza a sua saída dos

investimentos, distribuindo os resultados para suas fontes de recursos. De outro lado, o

venture capital estadunidense também inovou na dinâmica do investimento realizado em

empresas de alto potencial de crescimento, transformando a figura do investidor de apenas

fonte de capital para alguém com participação ativa e constante no crescimento da empresa

investida, orientando e aconselhando os seus fundadores ao longo de um período de

investimento, também chamado de “ciclo”.

O que é chamado de venture capital hoje por diversos países, guarda

características construídas no contexto de transformações institucionais nos Estados Unidos

da América entre as décadas de 1960 e 1990, as quais conferiram as feições da atual dinâmica

de financiamento de startups. O formato da limited partnership, os aportes de recursos

financeiros realizados por estágios, a ideia de que o investimento deve respeitar um ciclo de

entrada e saída do investidor, a intensa participação do venture capitalist nos processos de

tomada de decisão de startups, são algumas das características criadas e disseminadas

internacionalmente.

O sucesso norte-americano5 serviu de inspiração para a criação de programas de

fomento ao capital de risco em países como Alemanha, Israel, China, Índia, França, Estônia e,

inclusive, Brasil. Concentrados no início na atração de capitais para a realização dos primeiros

investimentos nestes países, a maior parte das iniciativas governamentais buscava adaptar os

seus contextos locais ao formato de financiamento do venture capital originalmente

desenvolvidos no Estados Unidos. As estratégias de adaptação aos contextos locais variaram

5 Segundo Josh Lerner (2012, p. 63), o sucesso de investimentos de venture capital em empresas como a

Genentech, Apple, Eletronic Arts, Compaq, Federal Express e Tandem Computers alçou venture capitalists

como a Sequoia Capital, Kleiner Perkins Caufield & Byers, Sutter Hill Ventures e a Asset Management

Company a fama durante o início dos anos de 1970. Após a obtenção de retornos extraordinários, entre 150% e

300% em cada uma das empresas mencionadas, o modelo de investimento de venture capital atraiu muita

atenção. Para além da formação de novas empresas que buscavam mimetizar o modelo nos Estados Unidos da

América, como a AEA Investors, TA Associates, Mayfield Fund, Oak Investment Partners, governos de outros

países passaram a instaurar programas de incentivo ao investimento no formato de venture capital. Josh Lerner

(2009, p. 25) aponta que de 1980 até 2008 o volume de recursos financeiros investidos em venture capital saltou

de pouco mais de um bilhão de dólares para 100 bilhões de dólares, sendo acompanhado também pelo

crescimento no número de países que passaram a formatar programas de incentivo para o ingresso destes capitais

para o financiamento de suas EBTs nacionais, bem como para a formação de seus venture capitalists locais. Os

investimentos que eram majoritariamente dominados por venture capitalists estadunidenses em 1996, passaram

por transformações importantes com os crescimentos dos investimentos em países como China, Israel, Inglaterra

e Alemanha.

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de país para país, criando cenários de acomodação e crescimento de investimentos em um

grupo de países, enquanto em outros casos surgiram cenários de atrito e rejeição ao modelo.

No Brasil foram criadas duas estratégias6 complementares para o fomento ao

venture capital, a capitalização de gestoras de recursos por meio de recursos do BNDES e da

FINEP e os esforços de construção e aprimoramento de veículos de investimento para estas

gestoras, estruturas jurídicas que viabilizariam os investimentos em EBTs. Na primeira frente,

foram testados vários formatos, o de concessão de benefícios fiscais (e.g. sociedade de capital

de risco), o de investimentos diretos (e.g. Contec e Criatec) e os de incubação de gestoras e

formação de redes de relacionamento (e.g. Inovar), buscando-se a atração, formação e o

crescimento de gestoras de recursos para a realização de investimentos no formato de venture

capital. Na segunda frente, também foram testados modelos de fundos de investimento,

iniciando-se com o fundo mútuo de investimento em empresas emergentes e, mais

recentemente, o fundo de investimento e participações, de modo a garantir que os recursos

fossem captados e investidos no país.

Como projeto para criação da modalidade capital de risco no país, estas estratégias

foram bem-sucedidas na formação de gestoras de recursos financeiros dedicadas ao venture

capital ao longo das últimas décadas. Porém, este mesmo projeto não foi capaz de viabilizar o

financiamento de empresas de base tecnológica intensivas em atividades ligadas à ciência e ao

desenvolvimento tecnológico. A não incorporação de reformas jurídico-institucionais em

áreas como propriedade industrial, mercado de capitais, entre outras, no contexto do fomento

ao capital de risco no Brasil fizeram com que os seus agentes adaptassem os seus

comportamentos, conferindo feições próprias ao venture capital realizado no país.

A presença de um backlog de 14 anos em média no registro de patentes, a baixa

liquidez da bolsa de valores brasileira, o alto custo da abertura de capital para empresas de

médio porte, a dificuldade de constituição de novos empreendimentos, dentre outras, são

6O surgimento do venture capital no Brasil se deu por meio de diversas iniciativas realizadas ao longo dos anos

de 1970 e 1980. Em 1974, o BNDES criou três subsidiárias para realização de investimentos em pequenas e

médias empresas no Brasil, sendo fundidas em 1982 para a formação do BNDESPAR, braço do panco para

investimentos com base em participação societária. A primeira gestora privada de recursos destinados ao

investimento sob o formato de venture capital foi a BrasilPar, criada em 1976. Entre os anos de 1981 e 1993,

surgiram as seis primeiras organizações com o propósito de investir sob formatos de venture capital e private

equity no país (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008, p. 14). Em nossa visão, mesmo que

estes esforços iniciais tenham sido fundamentais para o surgimento do venture capital no Brasil, surgiram de

iniciativas isoladas de determinados agentes. Apenas com a criação da figura da sociedade de capital de risco

pelo Decreto n.º 2.287/1986, o venture capital se tornou parte de políticas de fomento ao financiamento de

empresas nascentes de base tecnológica no Brasil. Por esta razão, escolhemos concentrar nossa análise na

evolução dos veículos de investimento no país, suas características e seus usos por agentes econômicos no país.

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algumas das características do ambiente jurídico-institucional brasileiro que têm influenciado

o comportamento de gestoras de recursos que investem na modalidade capital de risco no

país, criando o que chamaremos de venture capital à brasileira. O conjunto destes fatores

criaram um contexto de hostilidade para a replicação do modelo estadunidense de venture

capital, abrindo espaço para que gestoras de recursos com atuação no país adaptassem seus

comportamentos de investimento ao cenário brasileiro.

Características do modelo estadunidense presentes na descrição da literatura sobre

venture capital são modificadas pelo venture capital brasileiro, construindo um contexto para

o capital de risco nacional com características próprias. Tais características incluem a

valorização do fracasso em empreendimentos anteriores como forma de aquisição de

maturidade para empreender, a incorporação de ativos intangíveis como parte do valor da

empresa para fins de cálculo do investimento a ser realizado, a pluralidade de formas de saída

de investimento para a maximização do retorno sobre o capital investido e a proximidade do

investidor de universidades para a prospecção de oportunidades de investimento, dentre outras

(GOMPERS; LERNER, 1999; KENNEY; FLORIDA, 2000; LERNER, 2012; KLONOWSKI,

2018).

Diante deste quadro, este trabalho se dedica a responder como o modelo de

investimento de venture capital criado nos Estados Unidos da América internacionalizou-se,

sendo trazido ao Brasil, adaptando-se gradativamente ao contexto nacional peculiar, de modo

a criar o “venture capital à brasileira", moldando as práticas do financiamento de capital de

risco estadunidense ao contexto regulatório-institucional brasileiro, definido como hostil.

Nossa tese nesta pesquisa é que mesmo que entidades públicas (e.g. BNDES,

Finep, CVM, etc.) tenham construído uma estratégia para o desenvolvimento do capital de

risco no país, elaborando programas de incentivo e estruturando regras para a constituição de

veículos de investimentos, esta estratégia não criou as condições para que investidores de

venture capital fossem capazes de avaliar toda a extensão dos riscos envolvidos nos

investimentos em empresas de alto potencial de crescimento no país. Incertezas do quadro

regulatório-institucional brasileiro condicionaram a percepção de investidores no Brasil,

influenciando o tipo de empreendimento a ser investido.

Diferentemente do que aponta Leonel (2014, p. 128) ao afirmar que falta

disposição de investidores de venture capital em assumir os riscos do financiamento de

empresas inovadoras no Brasil, nossa tese propõe que o problema não reside na vontade de

investidores, mas sim em como o ambiente regulatório-institucional em que estão inseridos

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dificulta a sua avaliação sobre a viabilidade de seus investimentos em empresas de alto

potencial de crescimento no país, em especial as de base tecnológica.

Como consequência o venture capital brasileiro adquiriu características próprias

que respondem a este quadro regulatório-institucional, tais como: (i) a priorização de

tecnologias não patenteáveis; (ii) preferência por empresas em mercados consolidados em

oposição à mercados não explorados; (iii) ampliação do grau de monitoramento dos níveis de

endividamento de empresas investidas e de seus fundadores; e (iv) criação de uma aversão à

empreendedores que fracassaram em empresas no passado e se endividaram no processo.

Nesse sentido, nossa tese propõe que ao venture capital brasileiro não falta

disposição ao risco, mas sim que o cálculo dos riscos relacionados ao investimento é um

processo árduo, repleto de incertezas, exigindo esforços adicionais do investidor nacional para

que ele possa estruturar suas operações e se adaptar ao contexto do financiamento de

empresas inovadoras no país.

Para realizarmos esta tarefa, dividimos o trabalho em cinco partes: (i) o papel do

venture capital no financiamento de empresas de alto potencial de crescimento; (ii) a

formação e expansão do modelo de venture capital nos Estados Unidos; (iii) a

internacionalização do venture capital e sua adaptação regional; (iv) trajetória do venture

capital no Brasil – políticas públicas de fomento e evolução dos veículos de investimento; e

(v) hostilidade no ambiente para investimentos no Brasil – a percepção de investidores de

venture capital.

No capítulo 2, procura-se explorar por que o venture capital apresenta

características em sua metodologia de investimento que servem como solução para os 4

problemas típicos do financiamento das atividades de empresas de base tecnológica durante a

sua trajetória de crescimento. Nossa exposição trata da descrição dos quatro problemas,

passando pela comparação entre o venture capital e outras fontes de recursos disponíveis para

o financiamento de startups até a formulação de uma explicação sobre como o venture capital

pode servir de solução para o financiamento de determinados estágios do crescimento de

EBTs.

No capítulo 3, o objetivo é localizar esta metodologia de investimento que

conhecemos hoje em seu local de origem, os Estados Unidos da América, descrevendo o seu

surgimento e evolução no contexto econômico, jurídico e social das regiões de Nova

Inglaterra e do Vale do Silício. A partir de um contexto histórico, pretendemos descrever e

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analisar o processo de construção do modelo de investimento venture capital, evidenciando a

importância de políticas públicas para o seu fomento e quais foram as mudanças institucionais

e na legislação do país para o seu desenvolvimento e sua posterior internacionalização.

No capítulo 4, explicaremos como se deu o processo de internacionalização do

venture capital inspirado nos bons resultados apresentados por capital de risco norte-

americanos e como este sucesso despertou o interesse de países em sua assimilação. Contudo,

o que havia sido pensado como um transplante de modelo de um país para outro, se tornou

uma árdua adaptação para contextos locais. Utilizaremos para esta discussão duas ilustrações

de difícil assimilação do modelo de investimento de venture capital estadunidense, pontuando

como em um caso as tentativas de adaptação do modelo não foram bem-sucedidas - a

constituição do fundo WFG na Alemanha - e delimitando em outro como as adaptações

obtiveram sucesso - a formação do modelo Sina na China.

Estas duas narrativas tratadas no capítulo 4 nos servirão como referência para

reflexão que propomos no capítulo 5, em que trataremos da entrada e evolução do venture

capital no Brasil. De um lado, se expõe como recursos e políticas públicas formaram a base

das primeiras iniciativas de capital de risco no país e como o foco dos esforços se concentrou

na montagem de um regime jurídico para veículos de investimento (fundos), ferramenta

principal para a captação e retenção de recursos financeiros no país. De outro lado, se explora

como o desenvolvimento do venture capital no Brasil não foi acompanhado por um

aprimoramento do ambiente institucional favorável à sua assimilação pelo país. Nos

concentraremos em três problemas principais, o backlog de patentes no Instituto Nacional de

Propriedade Industrial, a ausência de saída via abertura de capital para EBTs na Bolsa de

Valores brasileira e o tempo e custos envolvidos com abertura e fechamento de empresas no

país.

Para a realização da pesquisa, além de recorrermos à literatura acadêmica

específica e relatórios de pesquisa nacionais e internacionais, como nos capítulos anteriores,

foram entrevistadas 10 gestoras de recursos financeiros que atuam na modalidade venture

capital. A escolha por estas gestoras se baseou em dois critérios: (i) a gestora precisava já ter

completado um ciclo de investimento – entrada e saída; e (ii) a gestora precisava confirmar

que seu foco são empresas de base tecnológica, mesmo que o termo tenha recebido diferentes

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significados. A lista7 de gestoras foi selecionada a partir dos dados e informações disponíveis

no portal da Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (ABVCAP).

Além das entrevistas realizadas com as gestoras de recursos, também foram

realizadas entrevistas com um representante da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),

Daniel Miorando Morita, e com a diretora de patentes, programas de computador e circuitos

integrados do INPI, Liane Lage. Diferente das entrevistas realizadas com as gestoras de

recursos, em que se buscou extrair e classificar suas percepções sobre o funcionamento do

venture capital no Brasil, a realização destas duas entrevistas serviu como forma de

complementação dos dados coletados na literatura que discute os programas de fomento ao

capital de risco da Finep e o surgimento e agravamento do backlog de patentes no INPI.

A consolidação das percepções do funcionamento do venture capital no Brasil a

partir das gestoras entrevistadas está apresentada no capítulo 6 deste trabalho. Nosso objetivo

no capítulo é apresentar como gestoras brasileiras se adaptaram aos problemas apontados no

capítulo 5, revelando a partir destas percepções um modo de funcionamento próprio destes

representantes do capital de risco nacional.

Nossa proposta é discutir que, mesmo com concepções distintas sobre o que cada

uma das gestoras de recursos denomina como empresas de base tecnológica, há

comportamentos comuns entre as gestoras entrevistadas, especialmente sobre três fatores: (i) a

baixa relevância de patentes nos processos de investimento; (ii) a saída bem-sucedida através

da venda estratégica ou alienação para outro investidor8; e (iii) a aversão a investimentos em

empreendedores de EBTs que fracassaram em empreendimentos no passado, devido ao

estigma negativo atribuído a tais empreendedores pelo resto do mercado.

Esses fatores não nascem ou derivam do modelo de venture capital estadunidense,

mas moldaram a atuação das gestoras brasileiras que participaram de nossa pesquisa. Tais

gestoras demonstram um comportamento mais conservador na escolha de EBTs a serem

investidas, em razão da hostilidade do ambiente regulatório-institucional brasileiro, problemas

que circundam o investimento de capital de risco e decorrem do funcionamento de entidades

públicas (e.g. INPI) e entidades privadas (e.g. B3) e do quadro legislativo nacional (e.g. lei de

propriedade industrial).

7 A lista de venture capitalists a serem entrevistados sobre sua atuação no país e sua percepção sobre os

problemas apontados nesta tese terá a seguinte composição: Antera Asset Management, Bossa Nova

Investimentos, CRP Companhia e Participações, DGF Investimentos, Domo Invest, Inseed Investimentos,

Monashees Capital, Provence Capital, Pitanga Fund e Vox Capital. 8 Em oposição a uma saída via mercado de capitais, tradicional no modelo estadunidense.

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2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA

NASCENTE

No início de 2009, o colunista do jornal New York Times, Thomas Friedman,

criticou9 a decisão do governo dos Estados Unidos da América de oferecer bilhões de dólares

como resgate financeiro para as entidades envolvidas na crise econômica de 2008, também

conhecida como crise do sub-prime10

. Na visão do jornalista, os recursos do contribuinte

norte-americano não deveriam ter sido destinados ao resgate de empresas que fracassaram na

economia, mas sim para atores que tivessem demonstrado capacidade de fomentar o

crescimento de empresas inovadoras, com maior possibilidade de gerar retornos para todos.

9 O artigo Start Up the Risk Takers foi publicado pelo jornal The New York Times em 22 de fevereiro de 2009

criticava o auxílio de 20 bilhões de dólares oferecido pelo governo dos Estados Unidos da América às empresas

General Motors e Chrysler após a crise financeira de 2008. Thomas L. Friedman descreve seu desconforto em

ver o governo norte-americano financiar o que chamou de “perdedores”, em alusão a empresas que perdiam

espaço na competição internacional em seu segmento. Para o autor, esse não seria o “american way”, ou a

tradição histórica do país. Segundo o jornalista, se o intuito do governo era salvar empregos e contribuir para o

crescimento da economia do país, bastaria chamar as 20 maiores empresas de venture capital dos Estados

Unidos da América e oferecer 1 bilhão de dólares para cada uma. Com esses recursos eles poderiam financiar a

transformação de ideias inovadoras nas empresas que revolucionarão o mundo, criando empregos e pagando

tributos. Na visão do jornalista, existiriam muitos empreendedores precisando de capital, muitas oportunidades

para serem exploradas e pouca atenção do governo para aqueles que poderiam conduzir o financiamento de tudo

isso, as empresas de venture capital. Setores como biotecnologia, tecnologia da informação, nanotecnologia,

energia limpa, seriam exemplos de oportunidades de investimento em inovação, podendo gerar emprego e

retorno aos contribuintes. Contudo, o governo optou em ajudar empresas pouco competitivas e instituições

financeiras que prejudicaram toda e economia norte-americana. Para ler a versão completa do artigo de Thomas

L. Friedman no The New York Times, acesse: <http://www.nytimes.com/2009/02/22/opinion/22friedman.html>.

Última consulta: 10.12.2017. 10

Segundo o economista e vice-presidente do banco central de Dallas, John V. Duca, a chamada crise do

subprime ou crise do crédito hipotecário nos Estados Unidos pode ser definida como a junção entre a expansão

da oferta de crédito no campo imobiliário por meio da concessão de hipotecas e a criação de novos produtos

financeiros negociados no mercado derivados dessa oferta de crédito. Essa combinação, na visão do economista,

teve início dos anos 2000, quando um conjunto de títulos chamados de Mortgages-backed-securities (MBS)

passaram a estar disponíveis para transações em mercado. Os títulos operavam de formas distintas e bastante

complexas, em alguns casos oferecendo retornos no caso da inadimplência do tomador do crédito hipotecário,

em outros oferecendo retornos no caso do pagamento regular dos créditos. No entanto, a existência desses títulos

permitiu o aumento significativo de crédito para proprietário de imóveis nos Estados Unidos da América no

período, tendo como consequência a elevação de preços dos imóveis e o surgimento de um mercado de compra e

venda de imóveis baseados no crédito obtido por meio de hipotecas. Quando as primeiras instituições de

concessão de crédito hipotecário passaram a não ter condições de oferecer mais crédito, tendo algumas delas

pedido falência na ocasião como a New Century Financial Corp., o sistema colapsou e mais dívidas hipotecárias

passaram a não ser pagas, mais instituições passaram a enfrentar dificuldades financeiras, criando uma espiral de

perdas. Robert J. Shiller, Professor de Economia da Yale University, descreve a crise como o resultado da falta

de capacidade da sociedade norte-americana, em especial de reguladores, em compreender como bolhas

financeiras surgem e como devem ser tratadas para evitar cenários de perdas como essa. Para o economista, a

crise aponta para a necessidade de criação de ferramentas regulatórias que sejam capazes de inibir o

desenvolvimento de bolhas financeiras, como na crise do sub-prime. Para uma visão mais completa das visões de

John V. Duca, consulte: < https://www.federalreservehistory.org/essays/subprime_mortgage_crisis>. Último

acesso: 12.01.2018. Para mais detalhes sobre a visão do Professor Robert J. Shiller, ver: SHILLER, Robert J.

The Subprime Solution: How Today’s Global Financial Crisis Happened, and What to Do about It. Princeton:

Princeton University Press, 2008.

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Ao contrário, o foco do auxílio governamental deveria ter se concentrado no financiamento de

startups, empresas recém criadas de base tecnológica e com um alto potencial de crescimento,

que pudessem oferecer um maior retorno para a sociedade norte-americana em tecnologia,

emprego, tributos dentre outros.

Ademais, Friedman aponta que empresas especializadas em investimentos de

venture capital têm se provado ao longo das últimas décadas serem excelentes identificadores

de empreendimentos inovadores que irão revolucionar a economia por meio da introdução de

novas tecnologias. Muito antes de outras fontes de financiamento, o venture capital saberia

em quem investir e como investir para que o negócio crescesse em parâmetros acima do que

se observa em empresas tradicionais.

Assim, essa modalidade de investimento seria uma das poucas fontes de capital

que estaria disposta a financiar uma empresa em seu estágio inicial de desenvolvimento e

impulsionar o seu crescimento a partir de uma metodologia própria de acompanhamento de

atividades e indução de comportamentos de empreendedores. O venture capital funcionaria

como uma ponte, na qual, em uma ponta, residiriam projetos pouco estruturados e

promissores, empreendedores inexperientes, empresas ainda sem planejamento e sem foco, e,

em outra uma, empresa madura, líder em seu segmento, com produção de tecnologia de ponta

e uma estrutura interna organizacional consolidada.

Desse modo, Megginson (2004, p. 9) define venture capital como uma estrutura

de gestão profissional de recursos financeiros captados junto a terceiros com o único

propósito de realização de investimentos diretos em empresas com alto potencial de

crescimento, em que o papel do investidor no crescimento da empresa investida se divide

entre servir como fonte do capital e atuar como mentor dos fundadores da empresa investida.

Destaca-se que o venture capitalist, definido pelo autor como o gestor dos

recursos a serem investidos na empresa, é aquele com a capacidade de identificar o talento de

empreendedores e o potencial de novos negócios e, ao mesmo tempo, é também aquele que

demonstra o domínio de uma metodologia específica de investimento, baseada na aquisição

de participação societária – equity capital - orientada por um ciclo de entrada e saída do

investimento e no aconselhamento dos empreendedores da empresa investida.

Em nossa perspectiva, o venture capital poderia ser definido como o capital de

formação da pequena empresa inovadora com alto potencial de crescimento. Investidores

nessa modalidade de investimento, por confirarem em sua metodologia, estariam dispostos a

correr riscos mais elevados se comparados a outras modalidades de financiamento (e.g.

bancos), tendo como principal diferencial a sua participação ativa em processos de tomada de

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decisão da empresa investida, recomendando novos mercados, apresentando fornecedores ou

potenciais clientes, sugerindo mudanças em produtos e serviços, abrindo canais de

distribuição em outros países dentre outras iniciativas.

Independentemente do debate sobre as controvérsias do resgate de instituições

financeiras durante a crise do sub-prime em 2008, a crítica de Thomas Friedman revela um

entendimento bastante disseminado sobre o investimento de venture capital e seu impacto

sobre empresas com alto potencial de crescimento e a respeito de seus efeitos sobre a

economia norte-americana. Dessa maneira, o venture capital é apontado como a fonte de

capital mais adequada ao financiamento dessas empresas, ao mesmo tempo, o venture

capitalist é descrito a partir do papel positivo que desempenha na trajetória de crescimento de

startups nos Estados Unidos da América.

Desse modo, criou-se uma imagem de que o venture capitalist seria um craftsman

do mundo de investimento, um artesão ou um ourives capaz de selecionar empresas em estado

bruto (fase inicial de operações), lapidá-la durante o seu investimento, para - por fim - extrair

o melhor resultado possível por meio de sua venda a um terceiro (GOMPERS, 1994;

KLONOWSKI, 2018). Logo, o perfil mais favorável ao risco colocaria o venture capitalist

em uma posição privilegiada em comparação a outras fontes de capital, tornando-se uma das

principais referências para os estudos do financiamento de empresas com alto potencial de

crescimento (KRESSEL; LENTO, 2010, p. 18).

É relevante que, entre as empresas de alto potencial de crescimento – promising

young companies –, cabe uma separação para a melhor compreensão entre perfis distintos e

diferentes catalisadores de seu crescimento (SEOUDI, 2015, p. 31). De um lado, são descritas

as empresas em que o seu crescimento está intimamente ligado aos seus processos de

desenvolvimento tecnológico, as também chamadas empresas de base tecnológica, em que há

demanda por fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento. De outro lado, são

mencionadas as empresas que são capazes de explorar oportunidades de mercado (e.g.

ineficiências, problemas de coordenação, etc.) a partir de modelos de negócio capazes de

impulsionar o seu crescimento, chamadas por nós de empresas exponenciais de oportunidade.

Nesse sentido, a Google e a Amazon, respectivamente, são utilizadas como

exemplos didáticos para cada um dos tipos de empresas com alto potencial de crescimento.

No primeiro caso, a criação de algoritmos para busca na internet, algoritmos de recomendação

de conteúdos em plataforma de streaming de vídeo, algoritmos para a veiculação automática

de anúncios são tecnologias desenvolvidas pela Google que são responsáveis por alavancar o

seu crescimento nos últimos anos. No segundo caso, a otimização de canais de distribuição,

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acordos comerciais bem construídos, um modelo logístico criativo e abrangente são alguns

dos exemplos que descrevem como a Amazon ampliou a sua participação de mercado e

expandiu as suas atividades nos Estados Unidos da América e em outros países.

Ressalta-se que esses dois exemplos são apresentados em caráter exemplificativo,

isso porque hoje as empresas adquiririram porte e complexidade que as incentiva a realizar

iniciativas nas duas frentes, não mais se distinguindo pela classificação demonstrada. Essa

distinção que foi importante para a compreensão do processo de crescimento das duas

empresas hoje não pode mais ser utilizada para uma descrição acurada para a atuação delas.

Além disso, enquanto modalidade de investimento, o venture capital teve um

crescimento acelerado nas últimas décadas. De maneira que, na década de 1970, ele era capaz

de movimentar apenas algumas dezenas de milhares de dólares, contudo, os bons resultados

de investimentos realizados e o crescimento exponencial de empresas investidas passaram a

atrair atenções e novos investimentos ao longo dos anos. Não por acaso, no ano 2000, o setor

registrou a cifra de cento e cinquenta bilhões de dólares captados por empresas de venture

capital no mundo (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

Diante desse contexto, ressalta-se que essa expansão não se deu apenas em

território estadunidense. Isso porque o modelo de venture capital presente nos Estados Unidos

da América incentivou a formação e expansão de empresas de venture capital pelo mundo

(e.g. Israel, China, Brasil, Índia, etc.). Em razão disso, investimentos de empresas de capital

de risco com atuação em mais de um país cresceram de 10% em 1991 para 22.7% em 2008,

acompanhando a tendência de investimentos em países em desenvolvimento. De forma que,

se considerarmos o investimento apenas em países emergentes, os investimentos de venture

capital aumentaram de 8.7% em 1991 para 56% em 2008 (CHEMMANUR; FULGHIERI,

2014, p. 2).

Com base nesses rendimentos, muitos países passaram a organizar políticas

públicas de incentivo para o surgimento e o desenvolvimento dessa modalidade de

financiamento. Segundo Seoudi (2015, p. 31), a imagem do venture capital como forma de

financiamento de empresas de alto potencial de crescimento incentivou países a construirem

programas governamentais para o seu fomento, articulando iniciativas para ampliar a oferta da

modalidade, como também a demanda por ela.

Do lado da demanda, políticas públicas governamentais têm direcionado esforços

para a canalização de recursos financeiros para o financiamento de empresas de alto potencial

de crescimento, sendo elas voltadas ao desenvolvimento tecnológico ou à exploração de

oportunidades de mercado. Além disso, esses esforços também se concentraram na formação

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e fomento de quadros técnicos na área de investimento para servirem como venture capitalists

no Brasil, formando gestoras de recursos para a captação e emprego de capital nessas

empresas (SEOUDI, 2015, p. 31).

Do lado da oferta, as políticas públicas têm se concentrado na criação e

manutenção de ambientes de fomento ao empreendedorismo, em que se capacita

empreendedores para que possam se tornar empresários, organizam iniciativas de formação

(e.g. incubadoras, aceleradoras, programas de mentoria, etc.) e articulam incentivos e

programas para formação de redes de contato e relacionamento (e.g. eventos, jornadas,

hacktons, etc.), estimulando, desse modo, a criação de ambientes em que valha a pena iniciar

um novo negócio (SEOUDI, 2015, p. 31).

Culturalmente, figuras importantes do cenário político norte-americano também

têm corroborado a imagem do investidor de venture capital como alguém com habilidades

específicas, capaz de lidar com os riscos e incertezas ligados ao empreendedor e à empresa

nascente. O exemplo mais recente é o do ex-presidente Barack Obama, que em entrevista à

revista Bloomberg Businessweek11

expressou a sua vontade de trabalhar com investimentos de

venture capital no do Vale do Silício no estado da Califórnia.

Na entrevista, o ex-presidente comenta sobre essa possibilidade, revelando o seu

fascínio com relação aos impactos desses investimentos sobre empresas nascentes inovadoras,

as quais transformaram a economia norte-americana nas últimas décadas. Um dos exemplos

trazidos na entrevista foram os investimentos de venture capital em empresas de

biotecnologia que tornaram possível o mapeamento genético de um indivíduo ao custo de mil

dólares, abrindo, dessa forma, diversas possibilidades para o tratamento de doenças.

11

Em 13 de junho de 2016, o então presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, recebeu a equipe

da revista Bloomberg Businessweek para a realização de uma entrevista sobre um balanço das medidas de seu

governo que auxiliaram a economia norte-americana a se recuperar da crise do subprime em 2008. Além de

comentar sobre o curioso apelido que recebeu durante o seu governo, o presidente “anti-business”, em alusão às

medidas regulatórias impostas ao mercado financeiro após 2008, Obama descreve o seu interesse pelo campo de

investimentos, em particular sobre a possibilidade de atuar após a sua saída da presidência em uma empresa de

venture capital no Vale do Silício, Califórnia. Interessante notar a presença de uma visão distinta entre os

investimentos realizados na Costa Leste, em particular por empresas localizadas em Wall Street, Nova York, e

investimentos realizados na Costa Oeste, em especial no Vale do Silício, Califórnia. Nas respostas do ex-

presidente, os investimentos realizados por empresas localizadas em Wall Street teriam sido responsáveis pela

crise de 2008, estando associadas a produtos financeiros complexos, desvinculados do setor produtivo, tendo que

ser regulados e observados de perto para que uma nova crise não ocorra nos próximos anos. Já os investimentos

realizados no Vale do Silício estariam ligados ao fomento de startups, ao surgimento de novas tecnologias,

novos postos de trabalho, algo que deveria ser perseguido pelo governo e que o atrai para a continuidade de suas

atividades após a Casa Branca. Na entrevista, o presidente parece reforçar a ideia de que o venture capital é o

capital que financia a inovação tecnológica. Para obter o conteúdo completo da entrevista do ex-presidente,

consulte:<https://www.bloomberg.com/features/2016-obama-anti-business-president/>. Último acesso:

10.01.2018.

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Na visão de Obama, uma das vantagens comparativas dos Estados Unidos da

América é o fato de que o país apresenta um sistema financeiro sofisticado, com um fluxo

significativo de capitais direcionados para startups, o que permite que novas tecnologias

alcancem os mercados e novas empresas possam surgir e crescer, ampliando, assim, o

desenvolvimento do país.

Vale ressaltar que o ex-presidente dos Estados Unidos da América não estaria

sozinho no Vale do Silício, encontrando figuras políticas como o ex-Secretário de Defesa

Colin Powell12

, o ex-Vice Presidente Al Gore13

e a ex-Secretária de Estado Condoleezza

Rice14

. Figuras que, mesmo sem uma trajetória específica no mercado financeiro ou em

setores de ciência e tecnologia, têm interesse em emprestar sua reputação, prestígio,

experiência no campo político e de gestão, e sua rede de contatos para desenvolverem suas

carreiras em empresas de venture capital.

12

Em 12 de julho de 2005, o ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, Colin L. Powell ingressou

como sócio em uma das mais antigas empresas de venture capital do Vale do Silício, a Kleiner Perkins Caufield

& Byers. Em uma reportagem do jornal The New York Times, o ex-Secretário de Estado comenta sobre a sua

admiração pela empresa e por como o venture capital tem financiado o surgimento de novas tecnologias no

mundo, auxiliando empreendedores a transformar o mundo como conhecemos. Contudo, a reportagem questiona

o que o ex-militar, com mais de 35 anos de serviços prestados, general de 4 estrelas, poderia contribuir para uma

empresa que se especializou ao longo de sua história em investimentos em empresas de biotecnologia e

tecnologia da informação? A resposta dos sócios da Kleiner Perkins Caufield & Byers para a reportagem foi que

o ex-Secretário serviria como um mentor para empresas investidas, disponibilizando sua rede de contatos, sua

experiência em assuntos internacionais, conselhos sobre comportamento estratégico e sua perspectiva global.

Para mais detalhes sobre o ingresso de Collin L. Powell na Kleiner Perkins Caufield & Byers, acesse: <

http://www.nytimes.com/2005/07/13/business/colin-powell-joins-venture-capital-firm.html>. Último acesso:

03.01.2018. 13

O ex-Presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore, teve diversos postos ocupados após a sua saída da

Casa Branca. Foi membro do Conselho de Administração da empresa Apple Inc., produziu um documentário

sobre a crise climática no mundo (Uma Verdade Incoveniente) e em 2007 ingressou como sócio da empresa de

venture capital Kleiner Perkins Caufield & Byers. O interesse e a experiência do ex-Presidente com tecnologias

de produção de energia limpa fizeram com a empresa de venture capital fizesse uma proposta para que Al Gore

se tornasse sócio, desempenhando a função de seleção e mentoria de startups na área de energia limpa. Como

parte do acordo, a empresa de venture capital se associou com a Alliance for Climate Protection, uma

organização sem fins lucrativos que busca advogar em prol da adoção de novas tecnologias de energia limpa no

mundo. Como sócio da empresa, o ex-presidente ainda criou a Generation Investment Management, braço de

investimento e pesquisa que busca identificar oportunidades em energias limpas. Para mais detalhes sobre o

ingresso do ex-presidente na empresa de venture capital Kleiner Perkins Caufield & Byers, consulte: <

https://dealbook.nytimes.com/2007/11/12/al-gore-joins-the-vc-game-as-kleiner-perkins-partner/>. Último

acesso: 16.12.2017. 14

Em 13 de dezembro de 2012, a empresa de venture capital Khosla Ventures anunciou a formação de uma

parceria estratégica com a consultoria Rice Handley Gates LLC, da ex-Secretária de Estado dos Estados Unidos

da América, Condoleezza Rice. A aliança foi constituída para ampliar os esforços de inserção internacional de

empresas nascentes investidas pela Khosla Ventures. A consultoria serviria como mentora para esses processos,

em particular na expansão dessas empresas em países emergentes. Os outros dois sócios fundadores da

consultoria são Stephen Hadley, também ex-Secretário de Estado, e Robert Gates, assistente especial do

Departamento de Estado. Na visão da Khosla Ventures, a aliança serviria como um auxílio importante para

empresas nascentes criadas nos Estados Unidos da América se inserirem em mercados com um ambiente

cultural, regulatório e financeiro distinto do contexto norte-americano. Para mais informações sobre a aliança

entre a empresa de venture capital Khosla Ventures e a consultoria da ex-Secretária de Estado, Rice Handley

Gates LLC, consulte: < https://www.forbes.com/sites/tomiogeron/2012/12/13/condoleezza-rices-ricehadleygates-

partners-with-khosla-ventures/#12429c3f781f>. Último acesso: 20.12.2017.

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Considerando esse contexto, o objetivo deste capítulo é compreender qual a

posição do investimento de venture capital no financiamento de empresas com alto potencial

de crescimento, destacando aquelas de base tecnológica; bem como apresentar o debate sobre

qual pode ser a contribuição dessa modalidade de investimento na trajetória de crescimento

dessas empresas.

Dividimos nossa análise em três pontos: (i) os quatro desafios para o

financiamento de empresas nascentes - em que exploramos os fatores que afastam o interesse

de certas modalidades de financiamento em investir na empresa com alto potencial de

crescimento; (ii) as alternativas de financiamento para a empresa de alto potencial de

crescimento - em que discutimos diferenças entre modalidades de financiamento de empresas

de alto potencial de crescimento; e (iii) o venture capital como solução - em que exploramos

como as características dessa modalidade de investimento enfrentam os desafios presentes

para o financiamento dessas empresas.

2.1 Os quatro desafios para o financiamento de empresas nascentes

No início dos anos 90, Don Brooks, engenheiro de software da Edgerton,

Germehausen, and Grier Inc. (EG&G), empresa privada fornecedora de infraestrutura de

comunicação para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, estava

trabalhando no desenvolvimento de soluções de gestão e transferência de documentos entre

entidades governamentais. Quando estava alocado no Idaho National Engineering and

Environment Laboratory do Departamento de Energia, o engenheiro foi capaz de encontrar

uma solução técnica para um problema de transferência de arquivos eletrônicos. A partir de

uma das aplicações do protocolo TCP/IP (gopher protocol), Brooks foi capaz de desenvolver

um dos primeiros navegadores (browser) de internet, possibilitando que um computador fosse

capaz de acessar dados armazenados de outro e interagir com essa informação (GOMPER;

LERNER, 2001, p. 21).

Após o desenho de seu primeiro protótipo, Brooks o apresentou para seus colegas

de diversos departamentos da empresa, incluindo o departamento de pesquisa e

desenvolvimento e outros membros da comunidade científica. Na época, além de elogios ao

seu trabalho, o protótipo de Brooks foi comparado com o Mosaic, navegador criado no

formato de código aberto pela Universidade de Illinois. Engenheiros da área de pesquisa e

desenvolvimento da EG&G recomendaram que o protótipo de Brooks se tornasse parte dos

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31

projetos da empresa, tendo como vantagem a facilidade de seu uso, bem como a

confiabilidade no seu funcionamento (GOMPER; LERNER, 2001, p. 21).

Após ter o seu protótipo incorporado pela EG&G em 1991, Brooks tinha certeza

de que o produto desenvolvido a partir de sua ideia seria um sucesso de mercado. No entanto,

quatro anos mais tarde, foi outra empresa que conquistou a liderança do mercado de

navegadores, abriu o seu capital na Nasdaq Stock Exchange (Nasdaq) em 1995, e captou 2.1

bilhões de dólares (GOMPER; LERNER, 2001, p. 21).

Sob a liderança de dois jovens engenheiros, Marc Andreessen e Jim Clark, a

Netscape Communications Corporation (Netscape) foi criada em 1994, em poucos meses

recebeu investimento da Kleiner Perkins Caufield & Byers (KPCB), uma das mais antigas

gestoras de recursos do Vale do Silício. Assim, com apenas 16 meses de atividades, a

Netscape abriu o seu capital na Nasdaq, captando um valor recorde de recursos. Em 1995, a

internet ganhou uma interface acessível para o usuário comum, desencadeando a grande

euforia de investimentos em empresas na área de tecnologia da informação (CAMPBELL,

2015, Kindle Edition).

Antes de criar a Netscape em 1994, Marc Andeerssen havia sido pesquisador no

National Center for Supercomputing Applications (NCSA)15

na Universidade de Illinois. No

NCSA, Andeerssen se dedicou ao projeto Mosaic, um dos primeiros navegadores para a

internet. Durante esse período, o pesquisador fez parte da equipe que realizou os testes do

protótipo junto à comunidade acadêmica, bem como em fóruns técnicos na internet, os quais

comparavam as versões do Mosaic, como X Mosaic com outros navegadores disponíveis na

época (e.g. Midas, Cello, ViolaWWW, dentre outros).

No início de 1994, depois de conhecer o X Mosaic, Jim Clark, o fundador da

Silicon Graphics, procurou Marc Andeerssen com a proposta de formar uma startup,

integrando o desenho do navegador X Mosaic com a interface visual criada por ele na Silicon

Graphics. Inicialmente criada como Mosaic Communications, a empresa alterou o seu nome

em pouco tempo para Netscape Communications Corporation e passou a distribuir

15

O Mosaic da NCSA não foi o primeiro navegador (web browser) desenvolvido para a internet. Ele foi o

navegador de maior adesão nos primórdios da rede. Em 1993, o mosaic v. 1.0 foi lançado com uma interface

fácil para navegação, se comparada com outros navegadores disponíveis, capaz de ser operada por pessoas sem

formação técnica ou conhecimentos de computação. Como o navegador era disponibilizado gratuitamente, a

adesão foi muito rápida, tendo no ano de 1993 5.000 downloads mensais de usuários nos Estados Unidos da

América. Marc Andreessen era um dos desenvolvedores do projeto e foi um dos responsáveis pela adaptação da

nova tecnologia para o mercado privado. Assim como ele, outras 100 empresas licenciaram versões do Mosaic

por meio da empresa Spyglass Inc., que passou a representar os interesses da NCSA no que dizia respeito ao

Mosaic. Para mais informações, consulte: < http://www.ncsa.illinois.edu/enabling/mosaic>. Último acesso:

06.12.2017.

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gratuitamente o seu navegador e, em pouco tempo, assumiu a liderança do mercado de

navegadores nos Estados Unidos da América.

Diante desse cenário, questiona-se por que Andeerssen e Clark foram bem-

sucedidos e Brooks fracassou. Na visão de Paul Gompers e Josh Lerner (2001, p. 22), a

explicação está no investimento de venture capital realizado pela empresa Kleiner Perkins

Caufield & Byers (KPCB) que aproveitou a oportunidade de acelerar o crescimento de uma

das empresas que desenvolviam navegadores no começo dos anos de 1990.

Destaca-se o fato de que Brooks buscava convencer executivos da EG&G de que

seu navegador poderia ser uma tecnologia promissora no campo das tecnologias da

informação e comunicação, porém, os executivos da empresa relutavam em investir no

protótipo de Brooks, pois estava distante do escopo dos produtos e serviços oferecidos para o

seu principal cliente, o Departamento de Defesa Norte Americano (GOMPERS; LERNER,

2001, p. 22).

Enquanto isso, a KPCB identificou na recém-constituída Netscape uma

oportunidade de investimento, movimentando-se rapidamente para investir na empresa e

acelerar o seu processo de crescimento. Além de oferecer orientação financeira para a

empresa, a KPCB ofereceu profissionais externos para avaliar e orientar as estratégias de

marketing e desenvolvimento do produto, apresentando a startup para outros atores do Vale

do Silício, como os bancos de investimento Morgan Stanley e Hambrecht & Quist

(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 22).

Retrospectivamente, os fundadores da Netscape comentam que a reputação de Jim

Clark, conquistada com o sucesso da Silicon Graphics, já seria suficiente para que a Netscape

fosse capaz de captar recursos financeiros para viabilizar o projeto de crescimento da startup.

Contudo, quando os empreendedores foram procurados pela KPCB, não tiveram dúvidas de

que a melhor estratégia seria receber o investimento da empresa de venture capital. O

histórico de investimentos bem-sucedidos em empresas como Genentech, Sun Microsystems

e Compaq fazia com que os empreendedores acreditassem que o investidor poderia adicionar

valor à empresa nascente (CAMPBELL, 2015, Kindle Edition).

Mesmo não tendo se tornado o principal navegador da internet dos dias atuais16

, a

ascensão da Netscape ilustra uma realidade muito comum para empreendedores: o fato de

16

A Microsoft durante os primeiros anos da década de 1990 era uma desenvolvedora de softwares de grande

porte, internacionalmente conhecida. Entre os anos de 1993 e 1995, a empresa foi objeto de uma investigação

por parte do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América por práticas anticompetitivas no

licenciamento de produtos que operariam em seu sistema operacional. Em 1995, a empresa fez um acordo com o

Departamento de Justiça, cessando práticas consideradas como danosas à concorrência. Em 1997, em uma

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que, para além da qualidade e do potencial de uma nova tecnologia, o sucesso de um

empreendimento pode depender também de capacidades relacionadas à gestão de negócios,

sendo que as fontes de financiamento obtidas pela empresa podem agregar e contribuir ao

empreendimento. Portanto, os desafios enfrentados por Brooks, Andreessen e Clark ilustram

os desafios enfrentados por empreendedores no financiamento de sua empresa.

É importante a ressalva de que muitos empreendedores não têm ciência de como

um financiador pode auxiliá-los com o seu projeto de crescimento, com a construção de uma

empresa de alto potencial de crescimento que seja capaz de se profissionalizar e crescer muito

rapidamente. Essa falta de compreensão, em muitos casos, impede a empresa emergente de

acessar fontes de financiamento que possam ser úteis para o seu empreendimento.

Frente a esse contexto, Paul Gomper e Josh Lerner (2001, p. 23) listam quatro

problemas presentes em uma empresa nascente que podem reduzir o interesse de agentes

externos financiarem o seu projeto de crescimento, são eles: (i) incerteza sobre o futuro; (ii)

assimetria informacional; (iii) ativos flexíveis; e (iv) volatilidade das condições de mercado.

Destarte, todas as empresas têm que lidar com problemas como esses, mas

empresas com alto potencial de crescimento são particularmente mais vulneráveis,

principalmente se considerarmos as de base tecnológica, uma vez que esses desafios se

mostram mais frequentes e podem servir de obstáculo intransponível em alguns casos para o

financiamento de projetos inovadores.

2.1.1 Incerteza sobre o futuro

A criação de um novo empreendimento é repleta de incertezas. Empresas e

empreendedores têm que enfrentar dúvidas sobre como melhor alocar seus recursos,

identificar quais serão as parcerias mais benéficas para o desenvolvimento do seu negócio,

além de obter os recursos suficientes para financiá-lo, assim como acompanhar as tendências

e mudanças em seu mercado, dentre outras incertezas.

audiência proposta pelo Senador Orin Hatch, os presidentes das empresas Netscape (Jim Barksdale), Sun

Microsystems (Scott McNealy) e da fabricante Dell (Michael Dell), acusaram a Microsoft de práticas

anticompetitivas, acusando violar os termos de seu acordo assinado em 1995, que impedia que o sistema

operacional da empresa operasse apenas com outras aplicações da própria empresa. Em 2000, a Microsoft foi

condenada pela Corte de Apelações (Seventh Circuit) pela prática de bundling (agrupamento de produtos), ilícito

concorrencial nos Estados Unidos da América, tendo que separar suas atividades em duas empresas distintas,

uma para cuidar de seu sistema operacional e outra para tratar do seu navegador, o Internet Explorer. Para mais

informações, consulte a síntese do caso produzida por Nicholas Economides, da New York University,

disponível em: < http://www.stern.nyu.edu/networks/Microsoft_Antitrust.final.pdf>. Último acesso: 20.01.2018.

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Nesse viés, segundo Freeman e Soete (2008, p. 415), insucessos de projetos

inovadores podem estar relacionados a três tipos de incertezas: (i) técnicas; (ii) de mercado; e

(iii) gerais, que podem se referir a incertezas políticas, econômicas, algumas vezes descritas

como incertezas no ambiente de negócios. Para além dessas incertezas gerais, os autores

também consideram a possibilidade de que contextos específicos possam apresentar

incertezas próprias, não extrapoláveis a outros contextos.

Uma analogia utilizada pelos autores é a da administração de equipes de futebol.

Nessa atividade, os treinadores são capazes de identificar quais são os fatores que podem

contribuir para o seu sucesso. Um bom preparo físico, entrosamento dos seus jogadores,

habilidade, disciplina na execução das recomendações, dentre outros. Mesmo que existam

treinadores mais talentosos do que outros, os autores comentam que os conhecimentos sobre a

atividade são amplamente disseminados. Contudo, a tradução dessas ideias para resultados em

campo se mostra como um fenômeno mais complexo do que aparenta inicialmente. Para os

autores (2008, p. 415), o que pode ser constatado ex-post nem sempre pode ser controlado ex-

ante, tendo em vista que muitas das variáveis não podem ser objetos de manipulação.

Além disso, quando a reflexão é trazida para as incertezas específicas, como a

incerteza técnica, por exemplo, a avaliação sobre ela e seus efeitos não se restringe ao

binômio “funciona” ou “não funciona”, mesmo que esse seja um dos fatores relevantes para o

sucesso de um produto. A incerteza técnica se manifesta em um nível mais sofisticado,

incluindo o padrão de desempenho de uma tecnologia às várias condições operacionais e de

custos de um empreendimento. Processos de produção, viabilidade comercial, entre outros se

tornam fatores que nem sempre serão controlados ex-ante, mesmo que possam ser avaliados

ex-post (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 416).

Nesse sentido, segundo os autores (2008, p. 416) não se deve tratar da mesma

forma riscos associados às inovações técnicas - o que também chamam de incerteza técnica -

com os riscos normais - os que irão definir como os riscos calculáveis. Em referência ao

economista Frank Knight, os autores diferenciam incertezas não calculáveis, ou incertezas de

fato, de riscos propriamente ditos que seriam objeto de cálculo ex-ante por parte de

empresários. Por definição, as inovações técnicas não são sempre parte do grupo de incertezas

não calculáveis, tendo em vista que as inovações podem ser parte de eventos muito distintos

entre si, porém, em muitos casos podem ser descritas a partir dessa categoria.

Entende-se que seguradoras e instituições financeiras estão acostumadas ao risco,

tornaram a avaliação de risco parte integrante de seus produtos e serviços, investindo em

aprimorar suas ferramentas de cálculo e ampliando a sua atuação para diversas áreas.

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Entretanto, na visão dos autores (2008, p. 417), o fato de determinados agentes econômicos

estarem equipados para avaliar risco não os habilita a lidar com incertezas, tendo que ser

avaliados caso a caso quais são os graus de incerteza que instituições acostumadas ao risco

são capazes de conviver.

Por essa razão, Freeman e Soete (2008, p. 417) construíram um quadro para a

apresentação dos graus de incerteza associados a diferentes tipos de inovação, conforme pode-

se observar abaixo.

Tabela 2.1 Graus de incerteza associados a vários tipos de inovações

Incertezas Verdadeiras Pesquisa Fundamental

Inventos Fundamentais

Níveis Muito Altos de Incerteza Inovações Radicais de Produtos

Inovações Radicais de Processos realizadas fora

da empresa

Altos Níveis de Incerteza Importantes Inovações de Produtos

Inovações Radiciais de Processos obtidas no

próprio estabelecimento ou contexto da empresa

Incertezas Moderadas Novas “Gerações” de produtos já existentes

Pouca Incerteza Inovações Licenciadas

Imitação de Inovações de Produtos

Modificação de Produtos e Processos

Adoção Antecipada de Processos Existentes

Muito Pouca Incerteza Novos “Modelos”

Diferenciação de Produtos

Providências para Inovação de Produtos

Existentes

Adoção Tardia de Inovações de Processos

Existentes e Operações Flaqueadas no Próprio

Estabelecimento

Melhorias Técnicas Menores

Fonte: (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 417)

Ressalva-se que, para Freeman e Soete (2008, p. 417), são apenas os níveis de

pouca incerteza e de muito pouca incerteza que são capazes de serem financiados pelo

mercado de capitais, por agentes econômicos externos à empresa. Na visão dos autores, nos

níveis de maior incerteza, apenas a própria empresa que está realizando as atividades de

pequisa e desenvolvimento terá incentivo a aportar recursos, financiando essas atividades com

recursos próprios. Quando isso não ocorre, há duas outras possibilidades na visão dos autores,

o financiamento por meio de programas governamentais ou o financiamento a partir de

pessoas razoalvelmente familiarizadas com o projeto de desenvolvimento tecnológico.

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Os autores não detalham quem são essas pessoas familiarizadas com o

desenvolvimento tecnológico, e porque estariam dispostas a financiar as atividades de

pesquisa e desenvolvimento da empresa inovadora. Em nossa visão, isso ocorre pelo fato de o

financiamento não ser parte das questões específicas que os autores estão explorando em sua

investigação, bem como a predominância em sua análise de modelos de inovação tecnológica

que tenham como principal referência os departamentos de pesquisa e desenvolvimento de

médias e grandes empresas.

Não obstante, as referências apresentadas pelos autores nos permitem conectá-las

com a reflexão de Gompers e Lerner sobre incertezas no âmbito de investimentos em

empresas com alto potencial de crescimento. No âmbito de incertezas técnicas, o

empreendedor em muitos cenários não demonstra ter condições de controlar as variáveis de

seus processos de desenvolvimento tecnológico ex-ante, mesmo podendo avalia-los ex-post.

No mesmo sentido, muitos potenciais investidores também não demonstram ser capazes de

avaliar ex-ante quais serão os projetos com melhores resultados de crescimento e com maiores

condições de geração de retornos financeiros.

Nessa perspectiva, Gompers e Lerner (2001, p. 23) defendem que a incerteza em

relação ao futuro para o empreendedor deve ser encarada como uma medida da distribuição

de possíveis resultados advindos das atividades necessárias para a construção da empresa com

alto potencial de crescimento. Quanto maior o nível de incerteza sobre o futuro, mais ampla

será a distribuição de potenciais resultados para a construção do empreendimento.

Com efeito, analisar a empresa com alto potencial de cerscimento a partir de

diferentes níveis de incerteza pode auxiliar o empreendedor em sua difícil tarefa de tomar

decisões sobre formação de sua equipe, avaliação do potencial do mercado em que atua, bem

como quais são as melhores opções de captação de recursos para viabilizar o seu crescimento.

Os tipos de incerteza (técnica, de mercado e gerais), bem como os seus diferentes

graus, podem influenciar o financiamento de empresas com alto potencial de crescimento de

diferentes formas. É de se esperar que empresas de base tecnológica sejam mais impactadas

por incertezas de tipo técnico que as empresas exponenciais de oportunidade. Todavia, essa

avaliação é difícil de ser feita de modo abstrato, tendo os referenciais propostos pelos autores

como instrumentos para as análises que iremos apresentar nos capítulos 5 e 6 deste trabalho.

Um exemplo interessante capaz de ilustrar a importância de uma análise dos

níveis de incerteza presentes na empresa de alto potencial de crescimento é o da formação da

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37

Genset. Em 1989, Pascal Brandys17

, engenheiro francês com atuação em investimentos no

Vale do Silício, e Marc Vasseur, pesquisador na área de genética, fundaram a empresa de base

tecnológica Genset. O empreendimento buscava identificar aplicações comerciais para uma

nova tecnologia no campo da genética, em particular a reação em cadeia da polimerase

(Polymerase Chain Reaction – PCR), o que permitiria que cientistas pudessem criar milhões

de cópias de DNA a partir de um fragmento.

Nesse cenário, apesar de a tecnologia demonstrar um enorme potencial na época,

era muito difícil prever em qual mercado ela se encaixaria melhor ou mesmo quando as

aplicações comerciais ficariam disponíveis. As incertezas de mercado eram muito grandes na

visão dos empreendedores. Não por acaso, uma das principais dificuldades de Brandys e de

Vasseur foi a construção de um plano de negócio que pudesse convencer investidores a

aportar recursos na empresa.

Além do desafio de transformar a tecnologia PCR em produtos comercialmente

viáveis, ainda haveria o desafio de incerteza geral, no caso, regulatória, para a obtenção da

aprovação de entidades governamentais que cuidam de questões médicas e sanitárias, como a

Food and Drug Administration (FDA). Não havia precedentes no FDA de aprovação de

projetos de natureza genética como esse. A reprovação pelo FDA em qualquer uma das etapas

de análise de uma das aplicações comerciais identificadas pela Genset poderia reduzir o seu

potencial de crescimento, talvez até tornar o seu negócio inviável.

Outro aspecto importante a se entender são as incertezas gerais sobre a reação de

concorrentes ou potenciais concorrentes. Os fundadores da Genset sabiam que a busca por

aplicações comerciais do PCR não era uma exclusividade de seu projeto. Contudo, a

experiência e os conhecimentos de Marc Vasseur davam confiança de que não havia startups

com capacidade de explorar a tecnologia, bem como que os grandes laboratórios no campo

farmacêutico que teriam condições de investir na tecnologia em que não tinham demonstrado

interesse até aquele momento.

17

Pascal Brandys é engenheiro de formação, tendo obtido o seu diploma de graduação em engenharia pela École

Polytechnique e mestrado em ciências econômicas pela Stanford University em 1982. Iniciou a sua atuação

como investidor de venture capital no segmento de biotecnologia durante a década de 1980, tendo realizado

investimentos em empresas no Japão, Inglaterra e Estados Unidos. Além de ter fundado e ocupado a função de

presidente da Genset por alguns anos, captando mais de 1.5 bilhão de dólares em rodadas de investimento, foi

responsável pela criação de diversas outras empresas de investimento, com destaque para Eurocontinental

Ventures. Além de sua atuação como empreendedor, o investidor financiou empresas como Ilog S.A. e a

Innogenetics NV, bem como criou a France Biotech, associaçãoo de empresas com atuação no setor de

biotecnologia na França. Para mais informações sobre o investidor, consulte:

<https://www.crunchbase.com/person/p-brandys> . Último acesso: 25.01.2018.

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38

A experiência e o conhecimento de Marc, entretanto, não eram suficientes para

garantir que avanços em sua pesquisa não poderiam atrair a atenção de grandes laboratórios,

levando-os a investir recursos nesta tecnologia, reduzindo os potenciais de crescimento da

Genset.

Um desafio similar foi enfrentado por Jim Clark e Marc Andreessen quando

lançaram o Netscape. Alguns meses após lançarem o Netscape, o navegador alcançou 90% de

participação de mercado, sendo a principal ferramenta de navegação utilizada nos Estados

Unidos da América. Na ocasião, Clark e Andreessen tinham como um desafio avaliar qual

seria a reação de seus potenciais concorrentes, desde projetos que ofertavam outras

ferramentas (e.g. Midas, Cello, etc.), como também de grandes empresas como a Microsoft.

De um lado, havia a percepção de que a Microsoft não havia demonstrado

interesse em aplicações para a internet, concentrando-se em aplicações off-line, com especial

sucesso de seu sistema operacional Windows e a família de aplicações Office. De outro lado, o

crescimento rápido da Netscape e a ausência de outros navegadores desenvolvidos por outras

grandes empresas da área poderiam convencer a Microsoft que sua entrada poderia lhe render

bons frutos e que a Netscape não teria condições de sustentar a sua posição enquanto líder

deste mercado.

Não estava clara naquele momento qual seria a reação da Microsoft, em especial

qual seria a sua estratégia frente à Netscape. A integração do navegador Explorer ao sistema

operacional Windows, bem como a forte ofensiva de marketing feita pela Microsoft fez com

que a empresa pudesse capturar boa parte dos usuários do navegador Netscape, reduzindo

consideravelmente as suas projeções de crescimento. Incertezas de mercado e gerais foram

suficientes para reduzir a relevância ao longo dos meses após a integração do Explorer no

Windows.

Mesmo tendo captado muitos recursos na abertura de seu capital na Nasdaq, a

entrada da Microsoft no mercado de navegadores gerou um impacto forte no crescimento da

Netscape, bem como na sua aproximação com potenciais investidores. A presença da

Microsoft e sua estratégia agressiva de integração de seu navegador e seu sistema operacional

reduziu o interesse de investidores em novas rodadas de investimento e gradativamente foi

diminuindo suas taxas de crescimento, até a sua aquisição pela America Online (AOL)18

em

18

Em 24 de novembro de 1998, a America Online (AOL) e a Netscape Communications anunciaram que a

aquisição da primeira pela segunda pelo valor de 4.2 bilhões de dólares. A aquisição foi seguida pelo anúncio de

uma parceria entre a AOL e a Sun Microsystems para o desenvolvimento de produtos e serviços de comércio

eletrônico. As duas iniciativas da AOL serviam para fazer frente à recente condenação de uma de suas

concorrentes, a Microsoft, por práticas anticompetitivas. Representantes da AOL, Netscape e Sun Microsystems

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1998 pelo valor de US$ 10 bilhões. O navegador Netscape sobreviveu até 2007, quando a

AOL anunciou que não iria mais seguir com ele a partir de 2008.

2.1.2 Assimetria Informacional

Segundo Seoudi (2015, p. 32), a existência de falhas de mercado no segmento de

financiamento tradicional de empresas justificaria a intervenção governamental para o

fomento do empreendedorismo e do venture capital. Para o autor, são duas as falhas de

mercado descritas pela teoria econômica, a escassez de oferta de capital para empresas de

base tecnológica, chamada de funding gap, e a presença de externalidades positivas19

e

spillovers20

, que reduziriam os incentivos privados à inovação e ao empreendedorismo. Na

ausência de um segmento de venture capital bem desenvolvido, haveria um potencial de

escassez de financiamento para empresas de base tecnológica.

O domínio sobre informações importantes para a construção e expansão de uma

empresa de alto potencial de crescimento não é exclusividade de empreendedores, tampouco

de seus investidores. A distribuição de informações é assimétrica de diferentes formas. Para

empreendedores, o domínio da informação se dá no desenvolvimento tecnológico, nas rotinas

da sua empresa; para o investidor, o domínio reside nas condições de mercado, na avaliação

sobre condições financeiras, dentre outras informações (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 29).

Nesse contexto, investidores, por sua vez, terão mais ferramentas, contatos e

experiência para avaliar as condições de determinados mercados, identificar problemas em

relação à organização financeira do empreendimento, quais são as condições ideais para uma

participaram ativamente das investigações envolvendo a Microsoft, tendo inclusive testemunhado nas audiências

que envolveram a empresa. Como parte da AOL, o navegador Netscape continuou sendo atualizado até 2008,

quando a empresa anunciou que não iria mais continuar com a aplicação, preservando apenas a marca para

lançá-la em 2011 como uma provedora de serviços de acesso à internet nos Estados Unidos. A empresa Netscape

Communications foi renomeada como New Aurora Corporation, sendo vendida poucos anos depois para a

Microsoft. Pouco antes de sua venda para a AOL, em 1998, a Netscape criou o Projeto Mozilla, disponibilizando

o código fonte de seu navegador para o desenvolvimento de novas aplicações de internet. Em 2003, o projeto se

tornou uma fundação, com a transferência de ativos e equipe para a nova entidade. Hoje, a fundação

disponibiliza gratuitamente o navegador Firefox, tendo uma atuação no desenvolvimento aplicações para a

internet e advogando por temas como liberdade na rede, privacidade, dentre outros. Para mais informações sobre

a aquisição da Netscape Communications pela AOL, consulte: <

http://www.techlawjournal.com/atr/81124.htm>. Último acesso: 20.01.2018. 19

Seoudi (2015, p. 32) define externalidades como os efeitos colaterais da produção de bens ou serviços sobre

outras pessoas que não estão diretamente envolvidas com a atividade. Quando a externalidade é positiva, o autor

menciona a geração de benefícios para pessoas que não estavam envolvidas no processo de produção desses bens

e serviços. 20

Seoudi (2015, p. 32) trata spillover ou transbordamento no mesmo sentido de externalidades positivas, a ideia

trazida pelo autor é que investimentos de venture capital podem beneficiar agentes econômicos que não estão

diretamente relacionados ao contexto de investimento.

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venda ou para a abertura do capital da empresa de alto potencial de crescimento, dentre outras

informações.

Por essa razão, cria-se uma necessidade de construção de um arranjo de

cooperação entre empreendedor e investidor, sendo fundamental o esforço de ambos para a

redução dessa assimetria informacional, para evitar desnecessárias retenções de informação,

bem como informações incompletas ou até mesmo falsas (GOMPERS; LERNER, 2001, p.

32). O venture capital enquanto metodologia de investimento serviria como esse arranjo de

cooperação, ao reduzir a assimetria de informação entre o investidor e o empreendedor.

Para tanto, ele teria que solucionar dois problemas associados à assimetria de

informação: (i) a seleção adversa; e (ii) o risco moral. Segundo Seoudi (2015, p. 32), a seleção

adversa ocorre em uma situação em que o empreendedor tem mais informação sobre sua

tecnologia do que o investidor e, portanto, pode sobrevalorizar seus pontos fortes. Nesse

contexto, o investidor teria dificuldades em: (i) identificar quais são os empreendedores com

potencial de retorno para receber investimentos, e, (ii) dentre esses, quanto investir em cada

um dos empreendimentos para obter o maior retorno possível.

Um exemplo que traduz o problema de seleção adversa é o de investimento no

mercado de plataformas de comparação de preços no início dos anos 2000 no Brasil. Criada

em 1999, a Buscapé Company se tornou a empresa com maior crescimento no mercado de

comparadores de preço, recebendo investimentos na modalidade venture capital de

investidores como a Great Hill Partners. Contudo, nos primeiros anos de sua atividade era

muito difícil a identificação de seu real potencial de crescimento.

No início dos anos 2000 surgiram diversas startups com plataformas de

comparação de preços cujas tecnologias se mostravam similares às da Buscapé Company.

Bondfaro, Quebarato.com, Corta Contas, são alguns dos exemplos de empresas que nasceram

nesse período. Todas elas apresentavam projeções de crescimento acentuado, plataformas de

comparação de preço funcionais, bem como um quadro de empreendedores qualificados,

tornando a decisão de investimento difícil.

Em consonância a isso, indentificar que os empreendedores da Buscapé Company

seriam aqueles que trariam maior retorno possível entre todos aqueles que estavam

desenvolvendo plataformas de comparação de preços não era uma tarefa fácil. Assim sendo,

os empreendedores detinham o conhecimento mais qualificado sobre o real potencial de sua

tecnologia, valendo-se de sua capacidade de convencer investidores com base nesse

conhecimento. Ao mesmo tempo, os investidores teriam dificuldade de avaliar as informações

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41

apresentadas pelas empresas do segmento e definir qual delas apresentava o maior potencial

de crescimento.

Por sua vez, o risco moral no contexto de investimento em tecnologia surge da

dificuldade de monitoramento do comportamento do empreendedor depois de realizado o

investimento. De acordo com Seoudi, o risco moral resultaria da incapacidade do investidor

em avaliar se o empreendedor está empregando os melhores esforços para que o

empreendimento tenha sucesso.

Um exemplo que ilustra o problema de risco moral na relação entre

empreendedores e investidores é o da Ovation Technology. Criada em 1983 em Canton,

Massachusetts, por Tom Gregory, a empresa se dedicava a desenvolver softwares de

avaliação de produtividade, disponibilizando ferramentas como banco de dados, planilhas de

acompanhamento, gráficos de desempenho, dentre outras.

Alguns meses após a sua criação, a empresa captou seis milhões de dólares em

uma primeira rodada de investimento de alguns investidores de venture capital de sua região.

Na ocasião, a experiência de Gregory na área de marketing e o perfil de sua equipe de

desenvolvedores, a maior parte deles vindos de programas de pós-graduação do

Massachusetts Institute of Technology (MIT), atraiu o interesse de investidores da região de

Boston (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).

Então, mesmo com uma equipe heterogênea, a maior parte dos recursos recebidos

pela Ovation Technology foi empregada em iniciativas de marketing, enaltecendo os possíveis

ganhos de funcionalidade que o seu software traria para o mercado em comparação com seus

concorrentes. Com campanhas de marketing, a empresa foi capaz de atrair potenciais

consumidores de seu software mesmo antes de seu lançamento (GOMPERS; LERNER, 2001,

p. 30).

Além disso, as campanhas também foram suficientes para que a empresa firmasse

um contrato com a Tandy Corporation, uma fabricante de computadores pessoais baseados

nas tecnologias desenvolvidas pela IBM. Pelo acordo entre as empresas, o modelo Tandy

2000, microcomputador lançado em 1983, serviria de base para a distribuição do software

criado pela Ovation Technology, chamado de Ovation.

Após o acordo com a Tandy, a empresa realizou diversas apresentações em

conferências destinadas à tecnologia da informação, ressaltando os diferenciais de sua nova

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42

tecnologia. Tudo isso, sem a apresentação de um protótipo de seu novo software ou uma data

para o seu lançamento21

.

Com toda atenção do mercado voltada para a Ovation Technologies, seguida pela

formação de uma aliança estratégica com uma das três maiores produtoras de computadores

pessoais da época, a perspectiva dos investidores do empreendimento era de crescimento

rápido por parte da empresa (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).

Ainda que relatórios com a descrição dos gastos fossem entregues periodicamente

aos investidores, o desequilíbrio entre os gastos de marketing e desenvolvimento do produto

não ficavam claros. Ao mesmo tempo, o interesse gerado pelas campanhas realizadas e com

projeções de crescimento da empresa obscureciam a visão dos investidores, confiantes de que

o empreendimento seria bem-sucedido (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).

Com o passar do tempo e a não apresentação de um protótipo, o mercado e os

investidores notaram que os gastos com campanhas de marketing haviam sido realizados em

detrimento de investimento em pesquisa e desenvolvimento do produto. Diante disso, fica

claro que tanto a dificuldade dos investidores em acompanhar a evolução do desenvolvimento

do software quanto a ausência de informações inteligíveis sobre a elaboração do produto por

parte da empresa nascente cobraram o seu preço: a Ovation Technology entrou com um

pedido de falência em 1984, encerrando suas atividades por completo em 1985.

Frente a essa situação, entende-se que o um empreendimento que parecia um

investimento que poderia obter retornos extraordinários advindos do rápido crescimento da

empresa acabou por ter como resultado a sua falência. Para além de uma decisão equivocada

de uso dos recursos disponibilizados para o financiamento do empreendimento, o caso da

Ovation Technologies ilustra como a não transmissão ou transmissão incompleta de

informações pode prejudicar o desenvolvimento da empresa de alto potencial de crescimento,

prejudicando todos os atores que contribuíram para o seu desenvolvimento.

21

Na edição da revista Computer World publicada em 24 de outubro de 1983, o jornalista Robert Balt descreveu

a Ovation Technology como uma das empresas de maior destaque no crescimento do segmento de

microcomputadores na Califórnia. De uma empresa que teve um início tímido em 1976, sendo convidada para

participar de algumas feiras de exposição e eventos de divulgação de produtos eletrônicos, a empresa ganhou um

novo status em 1983, sendo avaliada por investidores em 1 milhão de dólares, atraindo mais de 200 parceiros de

negócio e 5.000 usuários de seus produtos. Segundo o jornalista, a empresa fazia parte da onda de

microcomputadores, em que usuários se interessavam tanto por microcomputadores, como por seus periféricos.

Na ocasião, a empresa fazia parte do grupo de empresas investidas por venture capital, formado por Hewlett-

Packard Co., Zilog Inc., Satellite Receiving Systems e Atari Corp, empresas com altas taxas de crescimento e

participação ativa de seus investidores. Para mais informações sobre a reportagem realizada pela Computer

World, consute:

<https://books.google.com/books?id=wFqbDqPhSMcC&lpg=RA1PA90&ots=iQev0dEQgo&pg=RA1-

PA90#v=onepage&q&f=false>. Último acesso: 30.01.2018.

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Há de se ressaltar que a responsabilidade pela qualidade da informação obtida na

relação entre empreendedores e investidores também é do investidor. De maneira que o

sucesso inicial de um empreendimento ou indicadores positivos de crescimento não devem ser

suficientes para uma avaliação mais detalhada de investidores, em especial ao se levar em

consideração a sua rede de contatos junto às universidades, aos centros de pesquisa, às

empresas e às instituições financeiras.

2.1.3 Ativos Flexíveis

A disponibilidade de financiamento e as suas condições são influenciadas pelo

tipo de ativo que a empresa possui. Determinados tipos de financiadores prezam pela presença

de bens tangíveis para a concessão de financiamento, uma vez que são esses ativos que têm

uma maior liquidez para revenda em um mercado secundário.

Nesse sentido, os ativos da empresa de alto potencial de crescimento podem ser

divididos em duas espécies: os ativos físicos, tangíveis, tais como bens imóveis (e.g. casa,

prédios, conjuntos comerciais, etc.), bens móveis (e.g. máquinas, carros, ferramentas, etc.); e

os ativos flexíveis, intangíveis, como marcas registradas, patentes, direitos autorais, know-

how, programas de computador e outras espécies de conhecimento acumulado (GOMPERS;

LERNER, 2001, p. 34).

Enfatiza-se que, segundo Ribeiro e Tironi (2007, p. 7), os ativos intangíveis que já

desempenham um papel importante para empresas em uma economia baseada em informação,

em empresas com alto potencial de crescimento a sua relevância é ainda maior. Empresas que

recebem aportes financeiros na modalidade de venture capital costumam operar com poucos

ativos tangíveis (e.g. computadores, mesas, cadeiras, etc.), que não poderiam ser oferecidos

como garantias para obtenção de empréstimos bancários. São os ativos intangíveis

construídos pela empresa que depertam o interesse de investidores, que chamam atenção para

a realização de investimentos.

Para a concessão de um empréstimo, é comum que bancos exijam como garantia a

disponibilização de um bem, por exemplo, um carro ou uma casa. Na hipótese de

inadimplemento por parte do tomador, o Banco, mesmo que por um valor abaixo da avaliação

de mercado, terá condições de alienar o bem e recuperar, se não o valor total da dívida, parte

dele. Bancos comerciais e outras instituições financeiras já criaram diversas ferramentas para

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avaliar a proporção entre valor solicitado para o financiamento e as garantias oferecidas que

resguardariam a transação.

Para investidores, ativos intangíveis podem ser definidos como bens e direitos

sem um lastro físico ou financeiro. Por essa razão, são de difícil identificação, mensuração e

gerenciamento (BLAIR; HOFFMAN; TAMBURO, 2001). Em muitos casos, não são sequer

incluídos em balanços ou demonstrativos financeiros até que possam ser considerados

patrimônios de uma empresa, por exemplo, quando a empresa obtém uma patente em seu

nome (LITAN; WALLISON, 2003).

A principal dificuldade de oferta de ativos intangíveis como garantia para

transações financeiras reside em sua avaliação. Diferente dos ativos tangíveis, os ativos

intangíveis são heterogêneos, não apresentando um mercado organizado para a sua

negociação (LITAN, WALLISON, 2003). A avaliação objetiva desses ativos é muito difícil,

uma vez que não há um conjunto de critérios amplamente aceitos e verificáveis por auditores

independentes que pudessem expressar o seu valor e servir como base para a sua venda

(RIBEIRO; TIRONI, 2007, p. 9).

Desse modo, segundo Teece (2000), há um conjunto de variáveis capazes de

diferenciar ativos intágíveis dos tangíveis, sendo elas: a exclusividade, a velocidade da

depreciação, os custos de transferência, a divulgação de seus atributos, a sua variedade e

extensão, o enforcement (coerção) de direitos de propriedade e a facilidade em reconhecer

oportunidades de transação a partir do ativo. A tabela abaixo apresenta essas variáveis a partir

da tangibilidade do ativo.

Tabela 2.2 Diferenças entre ativos tangíveis e intangíveis

Variável Ativos Intangíveis Ativos Tangíveis

Exclusividade Utilização por uma parte não

exclui a possibilidade de uso

por outra, salvo por proteção

legal.

Utilização por uma parte exclui

a possibilidade de uso por outra

parte.

Depreciação Não desgata, mas deprecia

rapidamente.

Desgasta, podendo depreciar

rápida ou lentamente.

Custos de Transferência Difícil definição Fácil de definir, dependente

apenas de uma avaliação de

custos (e.g. transporte)

Reconhecimento de

Oportunidade de Transação

Difícil Fácil

Divulgação de Atributos Relativamente difícil Relativamente fácil

Variedade Heterogêneos entre si Homogêneos entre si

Direitos de Propriedade Limitado (e.g. patentes, Amplo e relativamente claro

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(Extensão) segredos industriais, etc.)

Direitos de Propriedade

(enforcement)

Relativamente difícil Relativamente fácil

Fonte: Adaptação de Teece (2000).

Quando tratamos de ativos intangíveis, não há a mesma liquidez para uma

possível revenda em um mercado secundário. A depender do tipo de ativo intangível e do seu

contexto, é possível afirmar que a sua revenda é praticamente impossível. Isso porque, quando

falamos de uma patente, por exemplo, podemos estar falando de apenas uma parcela de uma

tecnologia que pode ainda não ter sido concluída. Da mesma forma, quando estamos tratando

de conhecimento acumulado por parte de um grupo de funcionários de uma empresa nascente,

há dificuldades práticas de transmissão do conhecimento para outros profissionais e outras

empresas.

Ativos intangíveis ou flexíveis raramente dispõem de mercados capazes de

estipularem o seu valor, bem como de atores dispostos a adquiri-los. É claro que em alguns

casos é possível identificar o valor de ativos intangíveis, por exemplo, o valor da reputação de

uma marca consolidada no mercado, como o da Microsoft ou até mesmo da Netscape, durante

os anos de operação de seu navegador. Da mesma maneira, é possível também pensar em

cenários em que um conjunto de patentes que integram a tecnologia desenvolvida por uma

empresa possa ser objeto de interesse de potenciais compradores (GOMPERS; LERNER,

2001, p. 35).

A esse respeito, Blair, Hoffman e Tamburo (2001) diferenciam ainda os ativos

intangíveis passíveis de alienação por parte de empresas dos que não podem ser vendidos. Os

autores separam os ativos intangíveis em três grupos: (i) ativos passíveis de serem protegidos

por propriedade intelectual (e.g. patentes, desenhos de software, bancos de dados, etc.) ou

contratos (e.g. segredo comercial); (ii) ativos organizacionais ou estruturais (e.g. cultura

organizacional, procesoss de gestão, processos de pesquisa e desenvolvimento, sistemas de

comunicação, etc.); e (iii) capital humano e relacional (e.g. habilidades dos gestores, coesão

da equipe, conhecimento especializado, reputação, rede de relacionamentos, etc.). Enquanto o

primeiro grupo pode ser objeto de alienação por parte da empresa, mesmo que a negociação

seja difícil pelas características expostas, os outros dois grupos não são possíveis de serem

alienados pela empresa.

Nas empresas de alto potencial de crescimento, a construção do seu valor

depende da interação entre os seus ativos, em especial o conhecimento, as habilidades, a

experiência e as novas ideias de seus fundadores. Teece (2000) ressalta a importância da

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construção da capacidade de utilização inteligente de ativos intangíveis em empresas com

perfil empreendedor, com especial atenção para os intangíveis passíveis de negociação, como

os de propriedade intelectual, passando pela reputação, pela rede de relacionamentos, pelas

habilidades dos gestores, dentre outros. O uso inteligente desses ativos pode servir como

catalizador do aumento do valor de mercado da empresa, desencadeando processos de

crescimento.

Sob tal enfoque, a questão no contexto do financiamento de empresas de alto

potencial de crescimento reside no fato de que a sua estrutura patrimonial, em especial nos

primeiros anos de sua operação, concentra-se eminentemente em ativos intangíveis. São raros

os casos em que uma startup pode dispor de ativos tangíveis e recorrer a fontes tradicionais de

financiamento de suas atividades, como bancos comerciais. O cenário mais comum é a forte

presença de ativos intangíveis, em muitos casos consistindo apenas de conhecimentos

acumulados por parte de seus fundadores e patentes ou pedidos de patentes (GOMPERS;

LERNER, 2001, p. 35).

Então, diferentemente de ativos tangíveis, em que bens similares (e.g. carros de

mesma marca e fabricados no mesmo ano) podem servir de referência para a estipulação de

um preço, é muito difícil estipular um preço para bens intangíveis. A patente conferida pela

identificação de um elemento químico que confere mais elasticidade a peças de vestuário

baseadas em algodão pode ter valor apenas se incorporada a outras patentes ou conhecimentos

sobre como integrar esse novo elemento aos processos de produção de roupas. Em muitos

casos, é difícil comparar patentes, uma vez que podem não haver outras soluções técnicas que

possam servir como substitutos.

Além disso, o valor de uma patente, de conhecimentos acumulados ou até mesmo

de uma marca está associado à reputação de um empreendedor ou de uma empresa com alto

potencial de crescimento. A desassociação entre o bem intangível e aqueles que o geraram

pode ter como consequência a perda de valor do bem. Por essa razão, são poucos os tipos de

investidores que estão dispostos a investir em empresas com a maior parte de sua estrutura

patrimonial concentrada em ativos flexíveis.

Mesmo com a existência de indicadores financeiros para avaliação de ativos

intangíveis, investidores tendem a considerar que a qualidade da informação prestada por

parte de empresas que buscam o financiamento de suas atividades é baixa. Na falta de

informação suficiente por parte de empreendedores, investidores buscam por sinais de que a

empresa oferece ao mercado (RIBEIRO, TIRONI, 2007, p. 12). Um exemplo desses sinais é

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a disposição da equipe de empreendedores em reinvestir os primeiros retornos gerados pela

empresa no aprimoramento de sua tecnologia ou na distrubição de seus produtos.

Ao mesmo tempo, a presença de ativos flexíveis em uma empresa de alto

potencial de crescimento também pode sinalizar para a possibilidade de exploração de novos

mercados. Um bom exemplo disso é o caso da Genset, empresa da área de biotecnologia

discutida anteriormente.

Assim, Pascal Brandys e Marc Vasseur, fundadores da Genset, quando

ingressaram no campo da pesquisa genética ainda não eram capazes de mensurar quais seriam

os desdobramentos de suas descobertas. Após o lançamento do seu programa de pesquisa e a

divulgação de resultados preliminares, sinalizando para potenciais usos comerciais do PCR,

perceberam a importância de ingressar nesse campo em seus estágios iniciais. Os

conhecimentos acumulados pela pesquisa, os pedidos de patentes realizados, o interesse

gerado em investidores, foram indícios de que a empresa estava no caminho certo

(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 36).

Sendo a primeira empresa disposta a encontrar aplicações comerciais no campo da

genética, em especial realizando esforços de mapeamento e análises do genoma humano, o

conjunto de ativos intangíveis acumulados por ela a partir de sua fundação em 1989 colocou a

empresa em uma posição de destaque, recebendo um investimento de 2 milhões de dólares

após alguns meses de operação nos Estados Unidos da América (GOMPERS; LERNER,

2001, p. 37).

Em síntese, quanto maior a parcela da empresa estiver baseada em seus ativos

intangíveis, mais difícil será aferir o seu valor de mercado. As características dos ativos

flexíveis, a ausência de um mercado secundário, bem como a maior propersão de análises

equivocadas sobre o valor de ativos intangíveis, tornam o investimento em empresas de alto

potencial de crescimento um desafio para investidores. Em muitos casos, agentes econômicos

podem escolher não investir pela dificuldade em avaliar o valor desses ativos (RIBEIRO,

TIRONI, 2007, p. 12).

2.1.4 Volatilidade das condições de mercado

Os produtos e o mercado financeiro podem ser significativamente fluidos. A

oferta de capital feita por investidores públicos e privados e o custo da disponibilização desse

capital ao empreendedor podem variar dependendo do cenário econômico de um país, do grau

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de instabilidade do seu quadro regulatório, das percepções dos investidores sobre

lucratividade futura, do número de investidores com atuação no país, dentre outros aspectos.

O interesse em um determinado segmento, bem como a disposição de dispender

recursos em empresas de um determinado setor pode mudar rapidamente. Um exemplo disso

foi o ciclo de euforia e frustração do final dos anos de 199022

com grandes investimentos

realizados em empresas de internet que atuavam com a criação de aplicações no formato

Business-to-Consumer (B2C) e Business-to-Business (B2B).

Em 199923

, foram realizadas 457 aberturas de capital de empresas nas Bolsas de

Valores dos Estados Unidos, dentre as quais 25% tiveram uma valorização de 100% do valor

de suas ações no primeiro dia de negociações. Em apenas dois anos, o número de empresas

abrindo o seu capital na Bolsa de Valores foi reduzido para 76 e mais da metade das empresas

que abriram seu capital em 1999 entraram com pedidos de falência nos Estados Unidos.

Empresas como a Pet.com, que havia captado 300 milhões de dólares em 1999, Go.com, que

havia captado 790 milhões no mesmo ano, E-toys.com, com uma captação de 247 milhões de

22

A crise ou bolha das empresas .com, ou também chamada de dot-com bubble, pode ser traduzida como um

período de excessiva especulação nas transações de títulos de empresas de internet em bolsas de valores nos

Estados Unidos da América entre os anos de 1997 e 2001. Empresas referidas como dot-com por sua relação

com o ambiente digital, passaram por processos de supervalorização de suas ações e posterior queda, levando

boa parte delas à falência. Um exemplo disso foi a empresa Cisco que no intervalo de poucos dias nos anos 2000

viu suas ações perderem 86% de seu valor. Empresas como Pets.com e Webvan entraram com pedidos de

falência no período, depois de terem captado centenas de milhares de dólares em suas ofertas iniciais de abertura

de capital. Na visão de John Cassidy (2003), a crise envolvendo as empresas dot-com foi resultado da excessiva

confiança de investidores nas oportunidades criadas por empresas na internet. Os resultados de investimentos de

venture capital no início dos anos de 1990, o furor criado por meios de comunicação sobre a revolução

tecnológica da nova rede, a redução da carga tributária sobre ganhos de investimento (Taxpayer Relief Act de

1997) disponibilizando mais recursos para investimento, criaram a receita para a formação de uma bolha

especulativa, em que investidores não avaliavam com detalhe o potencial de empresas nascentes, receosos que

pudessem perder uma oportunidade de investimento para um concorrente, e empresas nascentes captavam mais e

mais recursos do que o necessário ao seu crescimento, utilizando-os em muitos casos para benefício privado de

seus membros. Para um quadro mais detalhado sobre a crise das empresas dot-com, consulte: CASSIDY, John.

Dot.con: How America Lost its Mind and Money in the Internet Era. New York: Harper Perennial, 2003.

Consulte também: LOWENSTEIN, Roger. Origins of the Crash: The Great Bubble and its Undoing. London:

Penguin Books, 2004. 23

Os dados foram levantados pelo jornalista Bryan Martin da revista britânica Wired, em um balanço sobre quais

teriam sido as lições aprendidas com a crise das empresas dot-com no começo dos anos 2000. Na visão do

jornalista, mesmo que os prejuízos financeiros sofridos por empresas e investidores tenham sido

consideravelmente grandes, algumas das tecnologias de maior projeção nos dias atuais foram projetadas durante

o período. Empresas com modelos de negócio para a exploração de tecnologias como Voice over Internet

Protocol (VoIP) e tecnologias de análise de dados (e.g. Big Data) foram criadas em meio à crise e à redução

drástica da oferta de investimentos. Na ocasião, investidores de venture capital ainda dispostos a investir em

empresas da internet passaram a desenvolver mecanismos mais detalhados de seleção e avaliação de empresas e

passaram a recorrer mais a suas redes de especialistas para avaliar os potenciais comerciais dessa nova

tecnologia. O investimento na tecnologia pela tecnologia, presente no comportamento de investidores no final

dos anos de 1990, na visão do jornalista, foi gradativamente sendo substituído por ferramentas de avaliação de

sua receptividade pelo mercado. Para ler o artigo na íntegra, consulte: <

https://www.wired.com/insights/2013/08/tech-boom-2-0-lessons-learned-from-the-dot-com-crash/>. Último

acesso: 02.01.2018.

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dólares, são exemplos de empresas que, em apenas dois anos, foram de casos de sucesso para

o encerramento total ou redução significativa de suas atividades.

A esse respeito, alguns autores (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003;

GOODNIGHT; GREEN, 2010) sugerem que uma das razões que explicaria a euforia de

investidores em torno das empresas de internet no final dos anos de 1990 (também referidas

como as Dot-Com) foi o ótimo retorno obtido por investidores de venture capital durante a

década. Esses bons resultados chamaram a atenção de investidores que atuavam em outras

áreas (e.g. imobiliária, energia, etc.), os quais migraram seus capitais para investir na nova

tendência, empresas de internet.

A grande disponibilidade de recursos e a disputa entre investidores para financiar

empresas promissoras, mesmo sem uma avaliação mais cuidadosa, fez com que diversos

empreendimentos que ainda não estavam prontos para abrir o seu capital (por exemplo, por

ainda não terem sequer faturamento) mostrassem-se frágeis e incapazes de sustentar o

crescimento extraordinário por eles esperado (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003).

Com a queda do preço das ações das empresas Dot-Com e, em alguns casos, com

pedidos de falência por parte de uma parcela delas, muitos dos investidores presentes no

financiamento de empresas nascentes no final da década de 1990 migraram para outros

mercados, afugentados pelo cenário de devastação de 2001. Mesmo nos casos em que

empresas nascentes demonstravam avanços no desenvolvimento de tecnologias que se

mostraram promissoras anos mais tarde, como VoIP (Voice over Internet Protocol), o que se

notou foi um cenário de redução drástica de investimentos marcado apenas pela atuação mais

tímida de investidores tradicionais do Vale do Silício e de Boston (GOODNIGHT; GREEN,

2010).

Com o passar do tempo e a criação de oportunidades em outros setores, como o

desenvolvimento de aplicações em computação em nuvem, aplicações para smartphones,

blockchain, inteligência artificial, dentre outros, os investimentos em empresas nascentes

foram retomando e até ultrapassando volumes de investimento vistos durante a década de

1990 (KLONOWSKI, 2018, p. 36).

2.2 Financiamento de Empresas de Alto Potencial de Crescimento

Entrepreneurial finance ou “finanças aplicadas ao empreendedorismo” é um dos

campos de estudo em administração de empresas que busca compreender como processos de

captação e alocação de recursos por parte de empreendimentos inovadores são capazes de

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estimular o crescimento em empresas, ou seja, a criação de valor para os atores envolvidos e a

otimização da relação entre investidores e empreendedores. Em síntese, a área trata da

capacidade do empreendedor de obter recursos financeiros suficientes para financiar o seu

empreendimento (KLONOWSKI, 2018, p. 8).

Em uma perspectiva histórica, estudos na área de financiamento de empresas

enxergavam o empreendedorismo como um campo completamente distinto do financiamento

tradicional de empresas. As abordagens e ferramentas de análise de áreas como finanças e

gestão eram deixadas de lado para o estudo de projetos empreendedores, pois, tinha-se a

percepção de que os fenômenos seriam bastante diferentes (DENIS, 2004, p. 303).

A partir dos anos de 1980, houve uma aproximação entre os estudos de

financiamento tradicional de empresas com o campo do empreendedorismo, em especial a

partir da percepção de que iniciativas empreendedoras compartilham dois problemas

fundamentais presentes no financiamento tradicional de empresas: (i) a presença de assimetria

informacional; e (ii) dificuldades de alinhamento de interesses entre investidores e

empreendedores (DENIS, 2004, p. 303).

Dentre as questões que passaram a ser investigadas pelo campo, Thomas J.

Chemmanur e Paolo Fulghieri (2014, p. 3) destacam o debate sobre quais alternativas estão

disponíveis para o financiamento de empresas com alto potencial de crescimento. Além

desees, os autores ainda fazem referência aos debates sobre quais as vantagens e desvantagens

presentes em cada uma das fontes de financiamento e como uma fonte de capital pode ser

capaz de gerar ou destruir valor em uma empresa de alto potencial de crescimento.

Sob esse aspecto, o consenso reside no fato de que a captação de recursos na

empresa de alto potencial de crescimento é um fenômeno complexo e ainda não

suficientemente explorado (DENIS, 2004, p. 4). Assim, as incertezas apontadas por Freeman

e Soete (2008) presentes na evolução da empresa, bem como a presença majoritária de ativos

intangíveis, as mudanças nas condições de mercado, os problemas derivados da assimetria

informacional são dimensões relevantes que compõem o fenômeno, como discutido no item

anterior.

Mesmo que boa parte dos estudos recentes realizados no campo esteja

concentrada na avaliação dos impactos dos investimentos de venture capital em empresas de

alto potencial de crescimento, em tese, poderíamos tratar de múltiplas fontes de recursos para

as atividades de uma startup. Uma das mais comuns (embora pouco explorada pela literatura)

é a estratégia de financiamento com recursos próprios ou bootstrapping, em que o

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financiamento da empresa nascente é realizado a partir de recursos gerados pela própria

empresa ou cedidos por familiares e amigos próximos (KLONOWSKI, 2018, p. 8).

Obviamente, cada uma das alternativas de financiamento das atividades da startup

terá limites próprios, relacionados às suas características. Desse modo, a utilização de

recursos próprios dependerá de um crescimento acelerado baseado na geração de receitas,

cenário que nem sempre se manifesta na trajetória da empresa. Da mesma forma, o

investimento anjo que é uma das alterantivas de financiamento de startups se mostra limitado

ao patrimônio e à disposição do investidor, ficando restrito a uma faixa de valores a serem

aportados na empresa.

Um dos desafios para a expansão dos estudos no financiamento de empresas

nascentes é a disponibilidade de dados sobre as fontes de financiamento (DENIS, 2004, p. 5;

CHEMMANUR; FULGHIERI, 2014, p. 4; KLONOWSKI, 2018, p. 11). Algumas das

alternativas de financiamento de empresas de alto potencial de crescimento, como o

investimento anjo, não dispõem de dados ou de estudos que descrevam com detalhe o seu

funcionamento ou o registro de suas operações. Em muitos casos, autores trabalham com

estimativas do que teria sido investido em startups que declararam que receberam

investimento em plataformas como chrunchbase, pitchbook e Transactional Track Record –

TTR (CHEMMANUR; FULGHIERI, 2014, p. 5).

A rigor, a captação de recursos financeiros por parte de uma empresa de alto

potencial de crescimento pode ser agrupada em três instrumentos: (i) subvenção; (ii) emissão

de dívida; e (iii) aquisição de participação societária na empresa investida. Será o perfil do

investidor, seus interesses, as características do ciclo de seu investimento, o tipo de retorno

almejado e o grau de intervenção no negócio da empresa investida que irão definir qual o

instrumento é mais adequado para a empresa nascente (GORINI; TORRES, 2016, p. 38).

No caso da subvenção, entidades governamentais formulam um programa de

incentivo a empresas de alto potencial de crescimento, na maior parte dos casos empresas de

base tecnológica, por meio da disponibilização de recursos financeiros como uma espécie de

doação com uma contrapartida indireta. A subvenção pode ser aplicada no custeio de

atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação de empresas brasileiras.

Nesse caso, os resultados obtidos a partir do financiamento não terão uma contrapartida

financeira para o governo ou até uma participação do governo na empresa tomadora dos

recursos (GORINI; TORRES, 2016, p. 135).

Um exemplo interessante de subvenção foi o programa Startup Brasil, criado em

2013 pelo governo federal brasileiro. Nesse programa, o governo federal disponibilizou

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recursos financeiros para o custeio de ciclos de aceleração de empresas de alto potencial de

crescimento no Brasil, tendo como contrapartida os benefícios gerados pelo fomento de novos

negócios, tais como a criação de novas tecnologias, a possibilidade de geração de novos

postos de trabalho, dentre outros.

Destaca-se que a lógica de iniciativas de subvenção reside no potencial de valor

que a atividade subvencionada pode gerar para a sociedade. No programa Startup Brasil,

buscava-se o fomento de empresas com alto potencial de crescimento, tecnológicas ou não,

por meio do financiamento de ciclos de aceleração, pois, acreditava-se que esses ciclos

poderiam ser capazes de preparar essas empresas para uma trajetória de crescimento acelerado

ao longo dos anos seguintes.

Esse é um contexto bastante distinto das outras duas categorias de financiamento

de startups, os financiamentos realizados por emissão de dívida e os financiamentos

realizados por aquisição de participação societária. Em ambos os casos há uma contrapartida

direta que beneficia o financiador, variando apenas qual contrapartida será oferecida.

Ainda que seja uma alternativa potencial em estágios iniciais da formação da

empresa de alto potencial de crescimento, a subvenção não se mostra como alternativa

disponível no financiamento de fases posteriores de crescimento, como na sua fase de

expansão (GORINI; TORRES, 2016, p. 137). Além disso, a ausência de uma participação

ativa nos processos de tomada de decisão e, por consequência, no crescimento da startup

típica da subvenção governamental, distancia-se dessa opção de financiamento do objeto de

debate desse trabalho. Por essa razão, concentraremo-nos no financiamento por emissão de

dívida e o por meio da aquisição de participação societária.

Esclarece-se que, o financiamento por dívida e por participação societária, a

intervenção estatal pode se manifestar de diversas formas. A primeira delas é a regulatória,

em que são criadas as regras sobre constituição de empresas, requisitos e modos de

funcionamento, responsabilidade de seus integrantes, estrutura de tributação de suas

atividades, formas de proteção de seus ativos (tangíveis e intangíveis), dentre outras. A

segunda delas é a de fomento a atividades revestidas de interesse público, em que um governo

identifica um segmento (e.g. agricultura), uma categoria de empresas (e.g. empresas de base

tecnológica), uma atividade específica (e.g. pesquisa e desenvolvimento), para ofertar como

incentivos (financeiros ou não) que sejam capazes de encorajar agentes econômicos a se

comportarem conforme esperado pelo governo.

Além da dimensão regulatória, que desempenha um papel de controle sobre a

atuação dos agentes econômicos e pode conferir estabilidade para as transações, a atuação

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estatal por meio da criação de políticas públicas e programas de incentivo ao financiamento

de empresas de alto potencial de crescimento pode reduzir o problema de escassez de capital

para o financiamento de etapas do crescimento dessas empresas, problema também chamado

de funding gap (SEOUDI, 2015, p. 32).

Ao lado das políticas públicas que buscam reduzir a escassez de recursos em

determinadas etapas do crescimento da startup, discute-se também qual é a modalidade de

financiamento mais adequada para a etapa de crescimento da empresa a ser investida. Dentro

da lógica de fomento estatal, cuida-se da possibilidade de que os programas públicos

incentivem que não só os capitais para investimento estejam disponíveis como também a

modalidade de investimento mais adequada seja ofertada para as empresas que mais precisam

(SEOUDI, 2015, p. 33), gerando efeitos positivos por toda a economia do país.

Entre a emissão de dívida e a aquisição de participação societária, podemos

verificar uma gama de fontes de capital, cada qual com sua estrutura própria de termos e

condições de financiamento. Darek Klonowski (2018, p. 10) cita quais delas se mostram mais

presentes no financiamento de empresas de alto potencial de crescimento: (i) aceleração24

(ii)

investimento anjo25

; (iii) financiamento coletivo com base em participação societária26

- equity

crowdfunding; (iv) capital semente27

(seed capital); (v) bancos comerciais; (vi) bancos de

investimento; (vii) bancos de desenvolvimento; (viii) programas governamentais de incentivo;

24

Aceleração de empresas nascentes é o processo pelo qual uma entidade, com ou sem finalidade lucrativa,

oferece um programa de capacitação da empresa nascente para que ela possa se preparar para receber

investimentos de investidores profissionais, como o venture capital ou o corporate venture. Os programas de

capacitação podem contar com a oferta de recursos financeiros ou não, tendo como contrapartida a aquisição de

participação na empresa nascente acelerada. A aceleração pode ser compreendida como uma espécie de escola

para empreendedores e empresa nascente, em que mentores e especialistas buscam preparar a empresa nascente

para a sua trajetória de crescimento, tendo como principal referência o financiamento a partir de fontes de capital

externas. Entre os programas de aceleração mais conhecidos no Brasil podemos citar o Startup Farm, Wayra e a

Artemisia. 25

O investidor anjo pode ser definido como a pessoa física que dispõe de capital para investir em empresas

nascentes de base tecnológica (ABDI, 2009, p. 15). O investimento pode ocorrer por meio da aquisição de uma

opção de compra de participação societária na empresa nascente ou da aquisição direta de participação por parte

do investidor, tornando-se sócio da empresa investida. O grau de participação do investidor poderá variar a

depender do seu perfil, sendo comum que os investidores que já empreenderam em outros momentos participem

com maior intensidade do desenvolvimento do empreendimento. 26

Equity crowdfunding é a modalidade de investimento que consiste na captação de recursos financeiros do

público em geral a partir de uma plataforma online para o seu investimento em uma empresa nascente. A

contrapartida para aquele que investiu recursos é a obtenção de participação societária no empreendimento. O

diferencial do equity crowdfunding é a presença de uma grande quantidade de investidores, por isso da tradução

investimento coletivo, pois é muito comum termos dezenas de pessoas oferecendo recursos em processos de

captação. 27

Capital semente pode ser definido como um investidor com recursos disponíveis para investir em empresas

nascentes de base tecnológica em sua fase de concepção ou durante a sua formação enquanto empresa. É muito

comum que essa modalidade de financiamento ofereça recursos para empresas nascentes realizarem pesquisas

sobre seus produtos ou serviços, bem como testes de conceito (ABDI, 2009, p. 15).

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(ix) venture capital; (x) corporate venture28

; (xi) private equity; (xii) financiamento próprio -

bootstrapping29

; e (xiii) abertura de capital em bolsa de valores.

Dentre semelhanças e diferenças entre as fontes de capital, a tabela abaixo agrupa

cada uma delas a partir dos instrumentos financeiros utilizados. Uma diferença importante

para esse trabalho entre os financiadores é o seu grau de participação nas empresas

financiadas. Mesmo que na emissão de dívida seja possível a solicitação de informações,

produção de relatórios, participação em reuniões, dentre outras formas de participação, apenas

a aquisição de participação societária permite que o investidor participe de processos de

tomada de decisão da empresa investida, ampliando o tipo de participação que ele terá no

âmbito de seu investimento. Além dos recursos disponibilizados, há uma participação própria

nas escolhas que podem catalisar o crescimento da empresa objeto de investimento.

Tabela 2.3 Tipos de Financiamento & Fontes do Capital

Instrumento Fonte do Capital

Emissão de Dívida (Debt) Bancos Comerciais, Investimento e Desenvolvimento.

Participação Societária (Equity) Aceleração, crowdfunding, investimento anjo, fundos de

capital semente, venture capital, corporate venture, bancos

de investimento, private equity e bolsa de valores.

Subvenção Organizações não governamentais (ONGs), fundações

públicas e programas governamentais de incentivo.

Fonte: (GORINI; TORRES, 2016).

Contudo, não há como tratar as fontes de capital de maneira homogênea. Fontes

de capital de natureza semelhante, por exemplo, bancos, podem apresentar diferenças

significativas em relação aos seus produtos e condições de financiamento. A origem de seus

28

Corporate venture capital é definido como o investimento realizado pelo braço de investimento de uma

grande corporação em uma empresa nascente de base tecnológica. Para isso, a empresa de grande porte criar um

veículo próprio, como um fundo de investimento. O investimento pode servir como uma forma da empresa

identificar oportunidades desenvolvimento tecnológico externo a ela, contando com a total incorporação da

empresa investida no momento em que a tecnologia se mostra madura. Também pode servir como uma forma da

corporação diversificar os seus investimentos, tendo retornos financeiros extraordinários quando identifica uma

empresa que cresce rapidamente. Essa última faceta, a possibilidade de assimilação da empresa nascente

investida, é o que diferencia os investimentos realizados por fundos de corporate venture em comparação aos

realizados por fundos de venture capital, pois, no caso do venture capital, não há nenhuma intenção de

permanência do fundo, tendo um período planejado para o seu investimento (ABDI, 2009, p. 15). 29

Bootstraping pode ser definido como a modalidade de financiamento da empresa nascente de base tecnológica

que se baseia nos recursos que essa acumulou em sua trajetória de crescimento. Pode se dizer que é uma

estratégia da empresa nascente em crescer com a sua própria rentabilidade, podendo também contar com

recursos financeiros e bens dos sócios da empresa, utilizando o mínimo de recursos externos necessários para o

financiamento de suas atividades (ABDI, 2009, p. 15).

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recursos, seus objetivos institucionais, seus deveres estatutários, dentre outros fatores podem

explicar as diferenças marcantes entre os produtos e serviços oferecidos por bancos

comerciais (e.g. Bradesco, Itaú, Santander, etc.) em relação aos oferecidos por um banco de

desenvolvimento (e.g. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES).

Além disso, bancos de desenvolvimento podem oferecer mais de uma forma de

financiamento para empresas de alto potencial de crescimento, atuando a partir de

instrumentos de dívida, como a linha de crédito MPME Inovadora oferecida pelo BNDES, ou

a partir da criação de fundos de investimentos dedicados ao financiamento via capital

semente, como as três gerações dos fundos de investimento CRIATEC. Dessa forma, a

depender das características peculiares do comportamento do agente financeiro, ele poderá

transitar entre as categorias mencionadas.

Enfatiza-se que o investimento anjo é definido como o aporte de recursos, sendo

realizado por uma pessoa física e não por uma empresa; seu principal intuito é o

financiamento de empresas com alto potencial de crescimento que estão em um estágio inicial

de desenvolvimento (CUMMING; JOHAN, 2009, p.11).

Por sua vez, o investimento de venture capital é estruturado a partir de veículos

de investimento (e.g. fundos, empresas offshore, etc.), os quais podem dispor tanto de

instrumentos de dívida, quanto da aquisição de participação societária direta, podendo

também financiar diversas etapas do crescimento da startup, sendo a mais comum a fase de

expansão (CUMMING; JOHAN, 2009, p.11). Os diferentes tipos de fontes de capital são

diferentes entre si, sendo necessária uma investigação sobre como cada uma delas se relaciona

com a trajetória de crescimento de startups.

Mesmo que estudos empíricos (HELLMANN, 2002; FULGHIERI; SEVILIR,

2009; CHEMMANUR; CHEN, 2014) tenham buscado definir qual alternativa de

financiamento seria a mais adequada para cada um dos momentos de crescimento da startup,

definindo uma posição de equilíbrio para a tomada de decisão do empreendedor, Thomas J.

Chemmanur e Paolo Fulghieri (2014, p. 3) apontam que os resultados ainda não são

satisfatórios, deixando margem para decisões estratégicas em cada caso concreto.

Dentre as alternativas mencionadas, a prática mais comum é o financiamento com

próprios recursos, em que a empresa reinveste receitas auferidas em seu exercício financeiro

anterior (MYERS; MAJLUF, 1984; MYERS, 2000). Entretanto, são poucos os casos em que

uma startup em seus estágios iniciais passa a gerar recursos suficientes para financiar o seu

crescimento. Diante disso, para as empresas que não conseguem se autofinanciar, a

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disponibilização de capital se torna fator determinante para o financiamento de seu

crescimento (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 12).

É relevante o fato de que Stewart Myers (2000) sugere uma ordem de preferência

no financiamento das atividades de empresas de alto potencial de crescimento. O

financiamento com recursos próprios ocupa a primeira opção, é o menos custoso para a

empresa e já é um indicador de seu bom desenvolvimento. A emissão de dívida seria a

segunda opção, pois, mesmo que gere custos para a empresa, o credor não irá participar de

processos de tomada de decisão, deixando seus fundadores livres para escolher sobre a

condução de seu negócio. Como terceira opção, o autor sugere que o financiamento via

equity, aquisição de participação societária na empresa, é mais custosa que a emissão de

dívida, pois, além do custo financeiro, há o ingresso de um ou mais sócios na empresa

investida.

Por outra via, Mark Garmaise (2001), aponta que a ordem de preferência sugerida

por Myers se inverte quando o financiamento da startup é realizado por um investidor

especializado, alguém que detém conhecimento e experiência em um segmento específico,

que já tenha atuado em atividades como a comercialização de produtos ou serviços com as

mesma características daqueles vendidos pela empresa investida, dentre outras experiências.

A especialização do investidor se torna um diferencial para o processo de financiamento da

empresa investida. Além dos recursos financeiros disponibilizados, há uma contribuição

efetiva para o crescimento da empresa.

Na comparação entre os dois instrumentos de financiamento, pode-se afirmar que

a captação de recursos a partir da oferta de participação societária se mostra mais vantajosa

para a startup quando a participação do novo investidor for capaz de criar valor para ela,

auxiliá-la em atividades centrais como a comercialização de produtos, a sua organização

financeira, de modo a contribuir para crescimento da empresa. O binômio formado por

recursos financeiros e contribuição para o crescimento da empresa é chamado de smart Money

e, por essa razão, é apontado como uma boa estratégia de financiamento de startups

(CUMMING; JOHAN, 2009, p. 10).

Observa-se que Cosh et al. (2009) sugerem que a capacidade de uma startup ter

acesso a recursos financeiros de investidores especializados é influenciada pelo grau de

assimetria de informação em relação ao seu empreendimento. Informação de baixa qualidade

sobre a tecnologia desenvolvida, endividamento da empresa, perfil de seus empreendedores,

dentre outras, são alguns exemplos de assimetria de informação que podem estar presentes na

relação entre investidores e empreendedores.

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Nessas situações, dois problemas surgem, o de seleção adversa e o de risco

moral. No primeiro caso, a baixa qualidade da informação oferecida pode elevar o prêmio

(retorno) exigido pelo investidor para disponibilizar os seus recursos para a startup. Empresas

com alto potencial de crescimento podem optar por não recorrer ao financiamento com

prêmios elevados, enquanto, empresas com perspectivas de crescimento mais tímidas estariam

mais dispostas a aceitar as condições oferecidas. No segundo caso, o elevado custo de capital

e a baixa qualidade das informações disponibilizados criariam incentivos para que

empreendedores agissem oportunisticamente, expropriando seus investidores (RIBEIRO;

TIRONI, 2007, p. 13).

Uma das formas de mitigação de cenários de assimetria informacional entre a

empresa e o seu financiador é o emprego de métodos de avaliação, como auditoria (due

diligence) da empresa, de seus ativos, da reputação de seus fundadores, dentre outros.

Todavia, não são todas as modalidades de investimento que estão dispostas a incorrer nos

custos do levantamento dessas informações (e.g. equipe especializada, tempo de reuniões,

custo, etc.), preferindo permanecer com prêmios maiores ou até não oferecendo

financiamento para determinandas empresas.

Alguns tipos de financiadores de empresas que baseiam o seu aporte de recursos

na obtenção de participação societária, como o venture capital ou o corporate venture, são

mais propensos a dispender recursos na obtenção de informações sobre a empresa alvo de

investimento, seus fundadores e sobre a tecnologia que está sendo desenvolvida. Já

investidores que estruturam sua operação na emissão de instrumentos de dívida, concentram-

se na análise da situação presente da empresa tomadora de recursos, restringindo o seu exame

ao quadro patrimonial do empreendimento, o grau de endividamento da empresa e de seus

sócios e as garantias oferecidas no pleito por recursos financeiros (KLONOWSKI, 2018, p.

8).

A maior parte dos bancos comerciais, por exemplo, exige garantias lastreadas em

ativos tangíveis ou em títulos financeiros, tendo uma preferência por projetos de menor risco,

com uma estrutura de pagamentos mensurável por parte do tomador. Empreendimentos sem

um histórico financeiro consistente, garantias em bens tangíveis ou a presença de investidores

com patrimônio (e.g. fiança ou aval) e boa reputação no mercado, têm poucas chances de

obter financiamento de bancos comerciais (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 12).

Dentre as fontes de financiamento apresentadas, o venture capital foi aquela que

se especializou em investir em condições de alta assimetria de informação, criando uma

metodologia de investimento que busca reduzir os efeitos dos problemas derivados da

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assimetria informacional. O investidor de venture capital se mostrou mais apto a lidar com as

características próprias de empresas de alto potencial de cerscimento (CUMMING; JOHAN,

2009, p. 11).

Na comparação entre as fontes de capital, poucos estudos foram capazes de

analisar cada uma delas segundo sua extensão e importância para o desenvolvimento da

empresa de alto potencial de crescimento. Darek Klonowski (2018, p. 9) foi um dos autores

que procurou consolidar os estudos que buscaram realizar essa tarefa (BERGER; UNDELL,

1995; STEIER, 2003; CASSAR, 2004; COLOMBO; GRILLI, 2007; ROBB; ROBINSON,

2014) e propôs organizar as fontes de capital para startups a partir de posições em um gráfico

divido em dois eixos, o primeiro sendo o nível de assistência à startup, e o segundo sendo a

probabilidade de obtenção do financiamento da fonte de capital. O autor ainda estima o

volume de recursos disponibilizados para a empresa nascente pelo tamanho da representação

da fonte de recursos, conforme pode se verificar a partir da reprodução abaixo:

Gráfico 2.1 O Universo de opções de financiamento para a empresa nascente

Fonte: (KLONOWSKI, 2018, p. 9)

Como se pode observar no gráfico, nenhuma das fontes de capital se encontra no

que Darek Klonowski (2018, p. 9) denomina como “quadrante ideal”, em que a probabilidade

de obtenção do financiamento é alta, acompanhada de um elevado nível de participação do

Probabilidade de obtenção do financiamento

Nível de auxílio

Alta Baixa

Baixo

Alto

Bootstrapping

Crowdfunding

Quadrante Ideal

VC

CV

Bancos Incubação

Anjos

BV

Governo

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investidor na empresa de alto potencial de crescimento. Há áreas do gráfico que ressaltam

quais são as fontes de financiamento que oferecem maior auxílio ao empreendedor,

destacando-se o corporate venture capital, o investimento anjo e o venture capital. Outras

áreas podem ser descritas como opções de financiamento com maior disponibilidade, porém,

com níveis baixos de envolvimento do investidor com o empreendimento.

Os diversos tamanhos das representações de cada uma das fontes de

financiamento representam uma estimativa feita pelo autor sobre o tamanho de cada uma das

fontes de capital. Quanto maior a figura representativa, maior a relevância do financiador para

a startup. Entre os financiadores externos, destacam-se os bancos, os investidores anjo e o

crowdfunding como as opções mais presentes no financiamento da empresa.

É importante destacar nesse ponto que a incubação, mesmo ocupando o quadrante

em que há uma alta probabilidade de obtenção de financiamento, não é uma fonte de capital

integralmente comparável às demais. Isso porque, na incubação, os valores destinados ao

custeio da infraestrutura de trabalho disponibilizada aos empreendedores são considerados

como disponibilização de capital, em muitos casos não havendo recursos financeiros

ingressando na empresa diretamente. Instituições que realizam atividades de incubação não

aportam recursos diretamente, mas sim pela disponibilização de serviços como telefone,

internet, luz, salas de trabalho, salas de reunião, dentre outras.

Nesse sentido, mesmo que em volume e disponibilidade de recursos essa

modalidade de financiamento seja relevante ao estudo do financiamento de atividades

empreendedoras, ela não é uma alternativa própria de financiamento da formação e do

crescimento de empresas de alto potencial de crescimento, mesmo que possa ter um papel

importante para a formação de seu time de empreendedores. Em nossa visão, a incubação

serve como infraestrutura de preparação para o empreendimento, como base para a formação

da empresa que irá crescer.

No quadrante de maior nível de auxílio à startup, destacam-se o investimento

anjo, o venture capital e o corporate venture como as fontes de capital mais recorrentes ao

financiamento da empresa. É interessante notar que o investimento anjo ocupa a posição mais

próxima do quadrante ideal, enquanto o corporate venture se localiza na posição de maior de

auxílio à startup, estando inclusive mais disponível para a empresa que o venture capital.

Na comparação entre o investimento anjo e o venture capital, nota-se que o

primeiro apresenta um equilíbrio maior entre o auxílio que disponibiliza para a empresa de

alto potencial de crescimento em seu desenvolvimento e a disponibilidade de seu capital ao

empreendedor. O investimento anjo seria, a partir do gráfico, a modalidade de financiamento

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com maiores vantagens para o financiamento da startup. Todavia, o gráfico não revela

algumas das limitações dessa modalidade.

É necessário esclarecer que investidores anjo são pessoas físicas com

disponibilidade de recursos para realizar investimentos em empresas nascentes. Eles podem

ser divididos entre investidores anjo passivos, que pela pouca experiência no campo dos

negócios buscam investir como uma forma de diversificação de seus investimentos,

participando pouco das atividades da empresa investida, e os investidores anjo ativos, pessoas

físicas com experiência de investimento ou ex-empreendedores bem-sucedidos que tiveram

retornos extraordinários de empreendimentos anteriores (METRICK; YASUDA, 2011, p. 4).

Proporcionalmente, a presença de investidores anjo ativos é muito maior do que a

presença de investidores anjo passivos (METRICK; YASUDA, 2011, p. 4), mesmo que os

dados disponíveis sobre investidores anjo não sejam precisos em razão do grau de

informalidade que se encontra presente no setor. Investidores anjo passivos ingressam nesse

tipo de investimento a partir de grupos de investidores anjo mais experientes, que o chamam

para participar como uma forma de diversificação de seus investimentos, delegando

responsabilidades de monitoramento para outros investidores anjo. Por essa razão, nossas

atenções estarão dedicadas ao investidor anjo ativo.

Mesmo sendo muito presente no dia a dia da empresa investida, a capacidade de

investimento do investidor anjo é reduzida, se comparada com investidores profissionais de

maior porte como fundos de venture capital ou até fundos de corporate venture. A começar

pela capacidade de aporte de recursos que o investidor anjo tem condições de disponibilizar

para a empresa de alto potencial de crescimento. No Brasil, por exemplo, a quantia dispendida

por investidores anjo varia entre cinquenta mil reais e quinhentos mil reais, podendo ser feita

individualmente ou por um grupo de investidores anjo (GORINI; TORRES, 2016, p. 91).

O fôlego de um investidor anjo durante o financiamento das etapas de crescimento

da startup é significativamente menor do que o de investidores profissionais como os de

venture capital e corporate venture, sendo muito comum que o investidor anjo financie

apenas o estágio inicial de construção da empresa de alto potencial de crescimento

(CUMMING; JOHAN, 2009, p. 6).

A relação entre tipo de investidor e volume de capital disponível para

investimento é bastante diferente entre o investidor anjo, o venture capital e o corporate

venture. Enquanto nos Estados Unidos da América a Angel Capital Association30

estima que

30

Os dados apresentados fazem parte de estimativas realizadas por esta associação de investidores anjo e estão

disponíveis na página da Angel Capital Association, podendo ser consultados no link:

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seriam 300 mil investidores anjo operando no país até 2016, com até um milhão de dólares de

recursos disponíveis para investimento em empresas nascentes, a National Venture Capital

Association31

aponta para a existência de 898 empresas de venture capital atuando no país,

com a constituição de 1.562 fundos de investimento e mais de 41.6 bilhões de dólares

captados para investimento no mesmo ano. Em média, cada fundo de investimento de venture

capital tem 50.8 milhões de dólares para investir em empresas nascentes, podendo fazer novas

captações para investimentos em empresas investidas que tenham superado suas expectativas

de crescimento.

Mesmo que o volume de investimento anjo no agregado seja maior do que o de

investimentos de venture capital e corporate venture, ele também é muito fragmentando, com

muitos investidores aportando um pequeno volume de recursos em cada operação. Nesse

sentido, a capacidade de investimento por operação do venture capital e do corporate venture

é muito maior do que a de um investidor anjo, em especial se forem consideradas as

necessidades de capital de uma empresa em sua fase de expansão.

A partir das diferenças entre as diversas fontes de capital, autores (GOMPERS;

LERNER, 2001; CUMMING; JOHAN, 2009; METRICK; YASUDA, 2011; KLONOWSKI,

2018) propõem que o financiamento da empresa de alto potencial de crescimento seja

realizado por etapas. Cada uma destas etapas terá uma fonte de capital adequada às

necessidades do momento de crescimento em que a empresa estará inserida e terá uma

dinâmica própria. O investimento anjo, por exemplo, seria a modalidade de financiamento

mais adequada para o estágio inicial das atividades da startup, enquanto o venture capital e o

corporate venture seriam modalidades de investimento para estágios mais avançados do

crescimento da empresa nascente, como a sua expansão no mercado. O quadro abaixo

sintetiza essa relação.

<https://www.angelcapitalassociation.org/faqs/#How%20many%20angel%20investors%20are%20there%20in%

20the%20U.S.>. Último acesso: 18.01.2018. 31

Os dados apresentados são resultado dos esforços de consolidação de informações sobre o setor de venture

capital nos Estados Unidos da América realizados pela National Venture Capital Association e publicados em

seu Yearbook de 2017, tendo todo o seu conteúdo disponibilizado no site da instituição:

<https://nvca.org/pressreleases/2017-nvca-yearbook-highlights-busy-year-venture-industry-nvca/>. Último

acesso: 18.01.2018.

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62

Figura 2.1 Ciclos de aporte de capital por estágios de desenvolvimento da empresa nascente

Fonte: Adaptação realizada com base no quadro de (GORINI; TORRES, 2016, p. 80).

Essa ilustração apresenta a relação entre modalidades de investimento,

posicionado as fontes de capital em relação à trajetória de crescimento da startup. Os autores

(GORINI; TORRES, 2016) tomam o cuidado de não restringir as peculiaridades das

trajetórias de crescimento e do financiamento de empresas de alto potencial de crescimento ao

quadro proposto, ressaltam que a função do quadro reside na ideia de que tipos de investidor

podem ser mais vantajosos a depender do estágio de desenvolvimento da empresa.

Trajetórias de crescimento podem ser distinguidas entre os dois tipos de empresas

de alto potencial de crescimento. Empresas de base tecnológica podem ter ciclos de

crescimento mais alongados do que empresas exponenciais de oportunidade. O

desenvolvimento de uma nova tecnologia pode tomar mais tempo (e.g. pigmentos mais

resistentes a altas temperaturas) ou até a obtenção das autorizações para a introdução da

solução tecnológica no mercado (e.g. aprovação da autoridade sanitária do país). Os

investidores de cada tipo de empresa de alto potencial de crescimento incorporam o tempo de

cada ciclo, estruturando sua operação de investimento de acordo com essas características do

crescimento de cada empresa (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 7).

OPA

Grande Empresa

Venture Capital

Capital Semente

& Anjo

Capital Próprio

& Família e Amigos

Estágio Maduro

(Late Stage)

Consolidação

Expansão

Estágio Inicial

(Early Stage)

Empresa

Nascente

Tipo de Investidor Estágio de

Desenvolvimento

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Além disso, no estágio de formação do empreendimento, em que há apenas ideias,

um esboço de projeto, um potencial de exploração de uma descoberta científica ou o embrião

de uma nova tecnologia, a estratégia mais comum de financiamento é o uso de recursos

próprios – boostraping, ou por recursos disponibilizados por familiares ou amigos próximos.

É natural nesse estágio que a maior parcela de recursos seja consumida sem a geração de

nenhum retorno financeiro (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 6).

Mesmo não estando representado no quadro de Gorini e Torres (2016), a inclusão

de recursos advindos de programas de incubação e de aceleração poderiam fazer parte dos

recursos utilizados para o crescimento da startup. No entanto, os autores apresentam uma

justificativa para essa omissão. Em sua visão, esses programas nem sempre aportam recursos

financeiros diretamente na empresa, conforme mencionado anteriormente, valendo-se mais da

oferta de infraestrutura e de programas de treinamento e capacitação para empreendedores.

Após a formação da empresa, inicia-se o financiamento de suas atividades

propriamente ditas. Essa fase é marcada pela disponibilização de porções pequenas de capital

por parte de investidores anjo e fundos de capital semente para que a empresa de alto

potencial de crescimento possa realizar atividades como a prova de conceito de seu produto

ou serviço (METRICK; YASUDA, 2011, p. 15).

A expectativa é que na fase inicial (early stage) a empresa de alto potencial de

cerscimento seja capaz de dar início a algumas ações como a construção de um protótipo, a

realização de estudos sobre o mercado em que irá atuar, a elaboração de seu plano de negócio,

a criação de metas e fluxos de trabalho para suas equipes, dentre outras iniciativas. Em alguns

casos, a empresa já pode ter introduzido o seu produto ou serviço no mercado, tendo realizado

estudos de viabilidade comercial e de receptividade do consumidor (METRICK; YASUDA,

2011, p. 15).

Fundos de capital semente buscam servir como um catalisador de oportunidades

para as empresas que já estão superando a sua fase inicial de desenvolvimento. Esses fundos

são especializados em investir em empresas que não estão completamente estruturadas, ainda

não possuem um planejamento completo ou seus produtos e serviços ainda não aptos a

alcançar o mercado. Eles são descritos como a base de sustentação para a realização de

investimentos futuros de investidores de maior porte (METRICK; YASUDA, 2011, p. 15).

Não por acaso, muitos investidores na modalidade de venture capital, como

Kleiner Perkins Caufield & Byers, SK Ventures, Redpoint Ventures, dentre outros, constituem

fundos de capital semente próprios, incorporando em sua estratégia veículos que sejam

capazes de viabilizar o amadurecimento de empresas de alto potencial de crescimento para

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que possam receber investimentos deles no futuro. Adrian Lebherz (2010, p. 5) estima que os

investimentos nessa etapa variam entre 50 mil dólares e 500 mil dólares, podendo ser feitos

por um único agente ou por um grupo.

Após a estruturação da empresa e alcançadas, as primeiras metas de

desenvolvimento de produto, os estudos de viabilização e a organização financeira e

administrativa, inicia-se o financiamento de sua expansão, fase na qual a expectativa de seus

investidores é de que o seu crescimento seja acentuado. Nesta etapa, são os fundos de

investimento de venture capital e corporate venture que disponibilizam recursos para

financiar a comercialização de produtos, ajustes de ordem técnica, campanhas de marketing,

aquisição de empresas concorrentes, contratação de pessoal para setores estratégicos (e.g.

vendedores, desenvolvedores de software, etc.), dentre outras iniciativas (METRICK,

YASUDA, 2011, p. 15).

A entrada do investidor de venture capital insere uma nova dinâmica na trajetória

de crescimento da empresa. Mesmo com a parcela minoritária de participação no capital

social da empresa investida, o investidor de venture capital exige poderes para influir nos

processos de tomada de decisão da startup. Entre os poderes estão o direito de vetar decisões

que impactem a saúde financeira da empresa investida, o direito de acompanhar rodadas de

investimento no futuro, direitos de imposição de alienação total da empresa – drag along,

dentre outros (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).

Por meio da aquisição da participação minoritária na empresa, que pode variar de

um mínimo de 5% até alcançar 40% em casos raros, os investidores de venture capital

buscam ingressar na sociedade como sócios temporários, que terão uma função no

crescimento da empresa, mas não irão permanecer por tempo indefinido. A condição de sócio

do investidor serve apenas para a geração de retorno ao seu investimento e para isso irá se

resguardar a partir da criação de mecanismos contratuais de controle dos processos de tomada

de decisão de empreendedores (LEBHERZ, 2010, p. 4), que serão tratados com maior detalhe

no próximo item do presente capítulo.

Adrian Lebherz (2010) reforça o papel estratégico desses investidores. Segundo

esse pensamento, o ingresso de investidores de venture capital cria uma pressão para o

amadurecimento acelerado da empresa investida, desde a profissionalização de sua estrutura

até de sua gestão financeira. Além disso, o investimento de venture capital carrega consigo a

reputação do investidor, carregando a sua validação para o empreendimento, o que poderá

garantir acesso a serviços (e.g. linhas de crédito), fornecedores, clientes, entre outros atores

econômicos.

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Mesmo considerando investidores anjo com ótima reputação, tendo sido muito

bem-sucedidos como empreendedores e até como investidores no financiamento de empresas,

a escala da rede de contatos de investidores de venture capital, bem como os benefícios que a

sua reputação podem trazer para a empresa (e.g. acesso a bancos de investimento) são

significativamente maiores (METRICK; YASUDA, 2011, p. 16).

É importante entender que a restrição de recursos de investidores anjo somada aos

efeitos da reputação de investidores de venture capital e corporate venture são apontados

como principais obstáculos para que o investimento anjo possa ocupar outro patamar no

financiamento de empresas nascentes. Iniciativas de associação entre investidores anjo e a

criação de fundos de investimento compostos apenas por investidores anjo são formas de

resposta a esses obstáculos. Os chamados de “super anjos”, pela ampliação de sua capacidade

de investimento, têm surgido como um novo ator para concorrer com os investidores de

venture capital e corporate venture no financiamento da fase de expansão da empresa

nascente.

Esclarece-se que crescimento não necessariamente é sinônimo de lucro nessa

etapa. Empresas de alto potencial de crescimento nessa fase podem apresentar indicadores de

crescimento relevantes, porém, podem ainda não oferecer retorno financeiro (e.g. dividendos)

aos seus sócios. Ao contrário, o cenário mais comum é que a empresa consuma a maior parte

de seus recursos reinvestindo em seu crescimento.

As duas últimas etapas, consolidação e estágio maduro (late stage), cumprem

funções similares para a análise do financiamento de empresas de alto potencial de

crescimento. Na hipótese de consolidação de um determinado segmento de mercado, uma

empresa de grande porte pode fazer uma oferta de aquisição da startup, adquirindo a

participação de todos os investidores das etapas anteriores, bem como dos empreendedores

presentes na empresa alvo da aquisição (METRICK; YASUDA, 2011, p. 16).

Nessa fase, a empresa passa a ser incorporada na estrutura da empresa de grande

porte, podendo, a depender do caso, ter maior ou menor autonomia para a realização de suas

atividades. Em alguns casos, a empresa adquirida pode até vir a ser comprada mesmo sem

faturamento, como no caso da aquisição do aplicativo Whatsapp pelo Facebook32

, em que o

32

Em 19 de fevereiro de 2014 a Facebook Inc. comunicou ao mercado a aquisição por 19 bilhões de dólares da

maior parte das ações da WhatsApp Inc., empresa responsável pelo desenvolvimento da aplicação de troca de

mensagens de mesmo nome. A aquisição fazia parte da estratégia de expansão das operações da empresa em

outros mercados, como Brasil e Índia, a partir da neutralização de um concorrente nos serviços de troca de

mensagens. Até a aquisição por parte da Facebook Inc., a WhatsApp Inc. custeava suas atividades a partir de

recursos disponibilizados por investidores de venture capital, em particular as empresas Sequoia Ventures

principal investidora da empresa nascente. Pelos cálculos da plataforma DealBook, a empresa obteve um retorno

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Facebook adquiriu o Whatsapp por em razão de sua tecnologia de transmissão de dados e por

sua ampla base de usuários em alguns países como Brasil e Índia. Nesse caso, a rede social

líder no mercado mundial mesmo tendo adquirido a empresa manteve a sua estrutura de

funcionários, a integridade de sua tecnologia, influindo apenas na alteração de seu modelo de

negócio.

Por outra via, a uma opção possível é a empresa de alto potencial de crescimento

atingir o estágio de maturidade, em que se considera preparada para a realização da abertura

de seu capital em bolsa de valores. A Oferta Pública de Ações (OPA) é o mecanismo pelo

qual uma sociedade anônima ofereçe ao público a possibilidade de compra de uma parcela de

suas ações, permitindo que a empresa possa ter seus títulos negociados diariamente em uma

bolsa de valores. Essa decisão pode se dar diretamente, como resultado da vontade de seus

sócios, ou pode ser realizada de forma indireta, em que um fundo de private equity se

interessa pela aquisição da participação de outros investidores (e.g. venture capital) para a

realização da abertura de capital da empresa poucos anos mais tarde.

Em ambos os casos, a abertura do capital da empresa aponta para o fim da

trajetória específica, em que a empresa de alto potencial de crescimento já cresceu, não

podendo mais ser tratada como uma startup ou como uma “empresa nascente”. Há uma

sinalização de sucesso do empreendimento, em que houve a transformação de ideias e pessoas

em uma empresa apta a operar em uma Bolsa de Valores. O gráfico abaixo sintetiza esse

percurso, expondo de outra forma a relação entre estágios de crescimento da empresa

nascente suas fontes de capital.

de 50 vezes o seu capital investido na WhatsApp Inc. ao longo de quase quatro anos de investimento. No total, a

empresa investiu 60 milhões de dólares na WhatsApp Inc. tendo como retorno o equivalente a quase 3 bilhões de

dólares de retorno, divididos entre 2.3 bilhões em ações da Facebook Inc. e o restante em dinheiro. A Sequoia

Ventures é uma das empresas mais antigas de venture capital com atuação no Vale do Silício na Califórnia e

também é conhecida pelos investimentos bem-sucedidos em empresas como Apple, Google, Youtube, PayPal e

Yahoo. Para mais informações sobre a operação, consulte: <https://dealbook.nytimes.com/2014/02/20/in-

whatsapp-deal-sequoia-capital-may-make-50-times-its-money/>. Último acesso: 20.01.2018.

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Gráfico 2.2 Fontes de Financiamento por Estágios de Crescimento da Empresa Nascente

Fonte: (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 7)

Diferentemente do quadro 1, o quadro 2 serve como representação da trajetória de

crescimento da empresa de alto potencial de crescimento, ressaltando a relação entre o

faturamento da empresa, como referencial de crescimento, e os investimento realizados ao

longo do tempo. No quadro 2, a trajetória de crescimento da empresa passa a ser dividida em

três fases: (i) a formação da empresa, com investimentos de amigos, familiares, anjos e capital

semente; (ii) o estágio inicial, com duas rodadas de investimento de venture capital; (iii)

estágio maduro, com duas outras rodadas de investimento realizadas por novos aportes de

venture capital, operações de aquisição da empresa nascente e até a abertura do capital da

empresa nascente.

Evidencia-se que Lebherz (2010, p. 6) aponta que cada momento descrito no

gráfico 2 pode ser traduzido a partir de expectativas comuns do financiador. O investidor de

capital semente, por exemplo, busca aportar recursos financeiros na empresa para o

desenvolvimento de um protótipo ou até uma prova de conceito, enquanto o investidor de

venture capital em seu primeiro aporte está interessado em financiar o ingresso da empresa no

Vale da Morte Tempo

Fat

ura

men

to

VCs, Fusões e Aquisições

Alianças Estratégicas

Estágio

Inicial

Estágio

Maduro

Mezanino

OPA

Bolsa de Valores Anjos, Familiares e

Amigos

Capital Semente

(Pode ser VC)

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mercado, patrocinando, por exemplo, esforços de venda e produção. Nesse sentido, o tipo de

investidor importa para a avaliação da destinação dos recursos a serem empregados por

empreendedores na empresa. Dificilmente, um investidor de venture capital estará disposto a

aportar recursos em atividades que são comumente financiadas por investidores anjo ou

familiares de empreendedores.

Ao tratar do grau de especialização de investidores no ciclo de crescimento da

empresa, Lebherz divide as expectativas de investidores na trajetória de crescimento da

empresa em dois principais momentos: (i) o estágio inicial da empresa – early stage; e (ii) a

fase de expansão, posicionando os momentos de aporte de recursos presentes no gráfico 2 a

partir das atividades a serem financiadas. A tabela abaixo, elaborada pelo autor, é uma síntese

disso.

Tabela 2.4 Os seis estágios de financiamento da empresa nascente

Financiamento da fase inicial (early stage)

Capital semente (seed capital) Financiamento para o desenvolvimento de um protótipo ou

prova de conceito.

Formação da empresa nascente

(startup)

Recursos para o desenvolvimento do produto e para as

primeiras iniciativas de marketing sobre a empresa nascente.

1ª rodada de investimento (series A) Financiamento do início das vendas de produto e otimização

de processos de produção.

Financiamento da fase de expansão

2ª rodada de investimento (series B) Recursos disponibilizados para o custeio das atividades da

empresa nascente que ainda não é capaz de financiar o seu

crescimento, com a ampliação de sua infraestrutura física e

a contratação de novas equipes de trabalho.

3ª rodada de investimento (series

C)

Financiamento da aquisição de concorrentes, entrada em

outros mercados e expansão para outros países.

Abertura do capital da empresa

(OPA)

Recursos disponibilizados para a abertura do capital da

empresa nascente com a oferta de suas ações em uma

Bolsa de Valores.

Fonte: (LEBHERZ, 2010, p. 6)

A tabela se limita à 3ª rodada de investimento antes da abertura de capital, venda

estratégica ou qualquer outra forma de saída, mas não há um limite para o número de rodadas

de investimento no ciclo de crescimento da empresa. O número de rodadas, bem como os

valores investidos em cada uma delas se relaciona às características e necessidades do

empreendimento, bem como com à velocidade com que as metas previstas são atingidas

(METRICK; YASUDA, 2011). Não há uma fórmula para contagem de rodadas, bem como

não podemos apontar o limite de investimento realizado por rodada, tendo muitas vezes

referências apenas de operações que já foram realizadas.

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Ademais, a lógica subjacente das rodadas de investimento reside na expectativa de

que seja possível a realização de uma progressão de valores aportados na empresa, indicando

que a cada rodada a empresa atingiu mais uma etapa de seu crescimento. Cada rodada de

investimento seria uma nova oportunidade para que investidores validassem a trajetória da

empresa e renovassem o seu envolvimento com o projeto, pondendo até ampliar seus

investimentos no empreendimento.

Durante o crescimento da empresa alvo de investimento, há uma relação

inversamente proporcial entre os novos investimentos realizados ao longo das rodadas e a

participação societária dos fundadores da empresa. No início, a participação dos fundadores é

majoritária, porém, o valor da empresa é baixo. Ao longo das rodadas de investimento o valor

da empresa aumenta e a participação de seus fundadores diminui. Dessa forma, a diluição da

participação societária de fundadores é uma decorrência do crescimento da empresa, todavia,

mesmo diluídos ao longo do processo de crescimento, o seu resultado financeiro ao final será

muito maior do que no início (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Se no início de sua trajetória noventa e cinco por cento do capital da empresa

pertence aos seus fundadores, restando cinco por cento para familiares e amigos, momento

quando a empresa vale apenas alguns milhares de reais, após algumas rodadas de

investimento, a participação dos seus fundadores pode ser reduzida a vinte por cento do

capital, porém, a empresa poderá estar valendo alguns milhões de reais.

Com efeito, não serão todos os investidores que participarão das rodadas de

investimento. A tendência é que os investidores com maior volume de recursos (e.g. venture

capital) ocupem as posições mais avançadas na trajetória de crescimento da empresa e que os

investidores de menor porte (e.g. investidores anjo) sejam diluídos com empreendedores

rodada a rodada, podendo até ter as suas participações compradas por fundos de venture

capital quando forem investir. Bancos de investimento também passam a surgir a partir da 2ª

e 3ª rodadas de investimento, sendo trazidos pelo seu bom relacionamento com investidores

de venture capital (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 15).

O financiamento da empresa de alto potencial de crescimento se encerra no

momento em que seus investidores são capazes de alienar as suas respectivas participações.

Isso não quer dizer que a empresa não poderá mais captar recursos externos para financiar

projetos e outras iniciativas. Ao final do financiamento, espera-se que a empresa já seja capaz

de caminhar com as suas próprias pernas, já esteja madura para não precisar do

aconselhamento de investidores, já disponha de uma estrutura profissional, organizada e

financeiramente transparente. Em suma, o financiamento da empresa finda quando a empresa

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já não mais guarda as características e os desafios de uma empresa nascente, discutidas no

item anterior.

Em um cenário favorável, o encerramento do ciclo de investimento pode ocorrer

com a aquisição da empresa nascente por outra empresa ou com a abertura do capital da

empresa em bolsa de valores, em que o público irá adquirir a participação societária dos

investidores da empresa. Nesses casos, o investidor obterá o retorno esperado sobre o seu

investimento, podendo compensar outros investimentos que não foram capazes de trazer os

resultados projetados.

Em um cenário desfavorável, a empresa poderá ser obrigada pelos seus

investidores a adquirir a participação deles para a viabilização de suas respectivas saídas.

Nesses casos, a compra serve como um mecanismo de desinvestimento, em que investidor

não deseja mais permencer no empreendimento e cria as condições de alienar a sua

participação por uma venda simbólica, por exemplo, a 1 real. Nesse sentido, não há uma

busca por retorno, mas apenas um desvencelhamento do negócio.

Em uma perspectiva mais ampla, o investimento de venture capital, mesmo não

sendo a única fonte de capital externa para o financiamento da trajetória de crescimento da

empresa de alto potencial de crescimento, desempenha um papel central no financiamento de

parte desse ciclo, servindo como elo entre a formação da empresa e a sua autonomia no

mercado.

Nesse sentido, o venture capital, enquanto metodologia de investimento, é

apontado (GOMPERS; LERNER, 2001; CUMMING; JOHAN, 2009, LEBHERZ, 2010)

como uma das modalidades de investimento que melhor lida com as características de

empresas de alto potencial de crescimento, servindo como uma solução para problema de

financiamento – funding gap – dessas empresas, especializando-se em algumas fases do

crescimento do empreendimento, bem como servindo de polo de atração para outras

modalidades participarem desse ciclo.

2.3 A solução Venture Capital

Gestoras de recursos financeiros que investem no formato de venture capital têm

consciência de que o retorno sobre o seu investimento reside em sua capacidade de

identificação de empreendimentos promissores em seus estágios iniciais de desenvolvimento.

O ingresso de capital, o auxílio via compartilhamento de experiência e conhecimentos, o

acesso à rede de contatos, a reputação, são todos elementos que permitem que o venture

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capital seja apontado como uma das principais modalidades de financiamento para empresas

de alto potencial de crescimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 42).

Diferentemente de outras alternativas de financiamento, como bancos, gestoras de

venture capital criaram um modelo de captação, gestão e emprego de recursos financeiros

especializado na coleta, análise e utilização de informações sobre oportunidades de mercado,

potencial de desenvolvimento tecnológico, organização e expansão empresarial e

identificação de empreendedores talentosos. Essas gestoras de recursos construíram um

modelo de investimento que une capital e aconselhamento, reputado como uma potencial

solução para o financiamento de empreendimentos frágeis em seus estágios inciais

(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 42).

Não por acaso, gestoras têm se especializado em determinados setores, nos quais

mantêm uma complexa rede de contatos, passando por especialistas na área tecnológica,

contatos com outras fontes de capital (e.g. bancos de investimento), fornecedores de serviços

(e.g. advogados, contadores, administradores, etc.), executivos de grandes empresas, dentre

outros. É na junção entre especialização e uma complexa rede de relacionamentos que o

venture capital se apresenta como a alternativa de financiamento adequada para dar conta dos

desafios enfrentados pelo empreendedor na construção de seu empreendimento.

No contexto de suas operações de investimento, o comportamento de gestora de

recursos pode ser dividida pelo menos seis estratégias que compõem a sua metodologia de

investimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 43): (i) minucioso processo de seleção e

auditoria de empresas antes da realização do investimento; (ii) financiamento estruturado a

partir de estágios; (iii) investimentos conjuntos – syndication investiment; (iv) estrutura de

remuneração baseada na performance das empresas investidas; (v) estipulação preferências e

instrumentos de resguardo; e (vi) participação nos órgãos de tomada de decisão da empresa

investida (e.g. Conselho de Administração).

Analisados em conjunto, o emprego dessas seis estratégias por parte de gestoras

confere a sua relação com a startup algumas vantagens. Em primeiro lugar, impõe a criação

de uma estrutura profissional para empresa investida e seus fundadores e demais

colaboradores, exigindo uma disciplina financeira, organização de rotinas, transparência nas

atividades, planejamento de médio e longo prazo e uma estratégia própria de remuneração

interna para a retenção de talentos. Em segundo lugar, essas estratégias também buscam

reduzir as incertezas presentes no investimento em empresas de alto potencial de crescimento,

em especial as que dizem respeito à assimetria de informação e mudanças no mercado.

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2.3.1 Seleção e Auditoria

A primeira etapa no processo de investimento de venture capital é a seleção

cuidadosa de quais são empreendimentos com potencial de crescimento. É muito comum que

gestoras recebam dezenas de projetos e planos de negócio por mês, todos com diferentes

pleitos de financiamento. A escolha nesse vasto campo de possibilidades foi construída pela

metodologia de venture capital a partir de dois fatores: (i) especialização setorial; e (ii) rede

externa de especialistas.

Há uma característica observada em gestoras de recursos que investem no formato

de venture capital, especialização em determinados setores da economia de um país. A

experiência acumulada por meio da realização de investimentos pretéritos permite que o

investidor seja capaz de acompanhar fatores como a evolução tecnológica de um segmento,

habilitando-o a identificar oportunidades de investimento ao separar projetos promissores de

projetos pouco atrativos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 45).

Enfatiza-se que a Benchmark Capital, por exemplo, é uma gestora de venture

capital que se especializou em investir nos segmentos de comunicação, desenvolvimento de

softwares e construção de hardwares. Dado o seu histórico de investimentos bem sucedidos

em empresas desses setores no final dos anos de 1990, a empresa passou a restringir seus

investimentos em empresas que atuem nesses setores. Com o tempo, os sócios da gestora

passaram a se especializar na área, contratando profissionais para compor a sua equipe de

gestores com experiência e formação no que passou a ser o departamento de concentração dos

investimentos da gestora (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 45).

Hoje, dificilmente, projetos que não estejam no foco de atuação da gestora serão

selecionados para uma análise mais cuidadosa para a realização de investimentos. Na verdade,

a empresa já criou uma reputação associada aos setores mencionados, sendo consultada em

alguns casos para realizar avaliações para outras gestoras de venture capital que desejam

realizar um investimento em uma startup, mas ainda não estão seguras de que estão diante de

uma oportunidade, convidando a Benchmark Capital em muitos casos para compor um

investimento conjunto.

Outro fator relevante para o processo de escolha de um projeto é a inserção da

gestora de venture capital em uma rede de especialistas no setor em que pretende investir. É

natural e esperado que mesmo tendo acumulado experiência em determinados segmentos,

investidores de venture capital não tenham a capacidade de analisar detalhadamente os

potenciais de uma determinada tecnologia. Não é de se esperar que um investidor seja capaz

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de criticar o desenho de um novo semicondutor ou o código de programação de uma aplicação

de internet. Por essa razão, é muito comum que empresas de venture capital construam redes

de contatos com universidades, centros de pesquisa governamentais, consultores, dentre

outros.

A proximidade com setores de pesquisa universitários é uma via de mão dupla,

pois, ao mesmo tempo que professores e pesquisadores são chamados para avaliar novas

tecnologias, comparar soluções técnicas, também podem apresentar projetos e planos de

negócio para empresas de venture capital (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 46). Em alguns

casos, como na construção do ecossistema de inovação do Vale do Silício, a aproximação

entre as universidades Stanford e Berkeley com investidores da região de Sand Hill foi capaz

de criar um fluxo contínuo de investimentos, gerando uma rede complexa de relações, da qual

iremos tratar no próximo capítulo.

Após a escolha da startup, inicia-se a análise minuciosa da empresa, de seus

fundadores, de seus potenciais concorrentes e da tecnologia que está em fase de

desenvolvimento. Esse é um dos momentos em que o venture capitalist (gestora) se vale de

sua rede de contatos de especialistas, os quais serão contratados para auxiliá-lo no campo

tecnológico, financeiro, contábil e jurídico para avaliar quais são os riscos e oportunidades

presentes ali (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 44).

Mesmo que a coleta de documentos e informações sobre um projeto seja

padronizada, a avaliação sobre qual empresa representa uma oportunidade de investimento

varia de investidor para investidor. Tom Perkins, co-fundador da Kleiner Perkins Caufeld &

Byers, consulta especialistas para verificar se já existem outras empresas desenvolvendo

tecnologias superiores ou se a tecnologia analisada é de titularidade de alguma outra empresa

ou indivíduo (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 47).

É relevante que Arthur Rock, um dos primeiros investidores de venture capital do

Vale do Silício, buscava se concentrar na análise da qualidade dos empreendedores que

estavam conduzindo o projeto. O investidor, famoso pelos seus sucessos na Intel, Apple

Computer, Scientific Data Systems, buscava conhecer os empreendedores, o seu histórico,

suas ideias, o seu grau de comprometimento com o projeto, sua visão para a empresa, sua

honestidade intelectual, as recomendações de pessoas que já haviam trabalhado com eles,

dentre outras informações. Para o investidor, a integridade pessoal e inteligência dos

empreendedores eram muito mais relevantes para a sua decisão de investimento do que

informações de mercado ou cenário tecnológico (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 48).

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Em contrapartida, Don Valentine, fundador da Sequoia Capital, tem outra

abordagem. O seu foco de análise está nas condições de mercado para o ingresso de um novo

produto ou um novo serviço. O mercado é grande o suficiente para o novo produto ou

serviço? Ele irá se expandir? Há indícios de que consumidores serão receptivos com o

produto ou o serviço? A empresa conseguiu demonstrar que conseguirá explorar os mercados

mais promissores? São perguntas que o investidor já fez durante processos de seleção de

investimentos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 47).

A comparação entre as distintas formas de avaliação do potencial de crescimento

de empreendimentos também nos permite distinguir os dois tipos de empresas de alto

potencial de crescimento, a empresa de base tecnológica e a empresa exponencial de

oportunidade. O foco de avaliação de Tom Perkins, suas perguntas, busca por empresas em

que o principal catalizador do crescimento do empreendimento é o desenvolvimento

tecnológico, orientando a sua seleção para empresas de base tecnológica. Don Valentine, por

sua vez, sinaliza a sua predileção por empresas exponenciais de oportunidade, em que o

crescimento está voltado a identificação de oportunidades de mercado, a possibilidade de

exploração de uma falha ou um mal funcionamento de um determinado mercado.

Obviamente, essas distinções não são estanques. Tanto Tom Perkins, como Don

Valentine já realizaram investimentos em empresas com os dois perfis em suas gestoras,

porém, a descrição que oferecem sobre como identificam empreendimentos com potencial de

crescimento nos auxilia em uma melhor compreensão sobre o que é mais valorizado em cada

um dos tipos de empresas de alto potencial de crescimento.

Além disso, as diferenças na análise de projetos permitem também que

empreendedores e empresas com características distintas tenham a oportunidade de encontrar

um investidor que se aproxime de suas expectativas, que seja capaz de se envolver com o

projeto e contribuir para a sua evolução. Diferentemente das alternativas de financiamento

baseadas em dívida, focadas no binômio patrimônio-garantia, o investidor de venture capital

pode apresentar uma pluralidade de critérios de avaliação para um projeto.

No processo de exame da empresa selecionada, o investidor apresenta ao

empreendedor um term sheet, documento não vinculante que sintetiza os termos e condições

preliminares para a realização do investimento. No documento, o investidor expõe qual será a

estrutura da operação, as datas e prazos em que serão realizadas auditorias na empresa, a data

limite para a tomada de decisão sobre o investimento, dentre outras disposições (DE VRIES et

al.; 2016, Kindle Edition).

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Um term sheet bem construído serve como um instrumento de alinhamento de

expectativas, no qual são delimitados os elementos essenciais para que a operação de

investimento possa ser realizada, bem como quais são os pontos de consenso e os de dissenso

entre investidores e empreendedores antes do dispêndio de recursos na concretização de um

investimento. Pode-se dizer que a elaboração de um term sheet permite que as partes

envolvidas possam compreender como cada uma delas vê o empreendimento e facilita o

processo de decisão sobre o investimento (DE VRIES et al., 2016, Kindle Edition).

A partir das avaliações e dos pareceres realizados por especialistas, a gestora terá

condições de decidir se vale a pena investir no projeto. Se a decisão for pelo investimento,

inicia-se a elaboração dos contratos entre o investidor e a empresa em que serão definidos os

estágios de investimentos, as metas a serem alcançadas, as penalidades pelo descumprimento

de disposições do acordo, dentre outras.

2.3.2 Financiamento por etapas

Uma das descrições mais comuns do investimento de venture capital é a de que é

um investimento que ocorre por meio de estágios (CUMMING; JOHAN, 2009; METRICK;

YASUDA, 2011; GERKEN; WHITTAKER, 2014; BAIRD, 2017). O financiamento por

etapas não se confunde com os estágios de financiamento. Estágios são os momentos de

crescimento da startup que podem ser financiados por diferentes perfis de investidores (e.g.

anjo, semente, venture capital, etc.). Financiamento por etapas é a realização de aportes de

recursos diferidos no tempo e condicionados ao cumprimento de objetivos pré-estabelecidos.

Em vez de oferecer à vista a totalidade dos recursos prometidos para o

financiamento do empreendimento, o venture capitalist organiza o seu investimento em

parcelas, divididas conforme as etapas de crescimento da empresa de alto potencial de

crescimento e suas necessidades específicas durante a condução do negócio.

Em um investimento de 1 milhão de dólares, por exemplo, a primeira parcela de

200 mil dólares estará associada ao desenvolvimento da versão beta do software da empresa

investida, ou até a criação de um protótipo de demonstração do produto em funcionamento. A

liberação de novas parcelas do financiamento de 1 milhão de dólares ficará condicionada à

entrega do que foi acertado entre as partes, bem como de uma avaliação da qualidade do que

foi entregue.

Os resultados apresentados nessa etapa condicionam as ações subsequentes do

investidor. Se a empresa de alto potencial de crescimento não apresentar o que foi pactuado

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(por exemplo, uma versão beta de seu software), é provável que o investidor não prossiga

com o investimento ou reavalie o potencial da empresa, reduzindo a sua oferta de

investimento.

Na hipótese da entrega se dar de acordo com os parâmetros estipulados, o

investimento segue o seu curso programado contratualmente, sendo realizado o pagamento da

segunda parcela do financiamento para, por exemplo, o início de testes de usabilidade de um

software. Porém, se os resultados apresentados forem superiores aos projetados, é possível

que o investidor aumente a sua proposta de investimento na empresa, ampliando a sua

participação no empreendimento.

Nessa perspectiva, o financiamento por etapas oferece a oportunidade para que o

investidor possa diluir os riscos de perda de seus investimentos, uma vez que o valor

prometido para o investimento não necessariamente será disponibilizado à empresa

integralmente, ao mesmo tempo que a divisão de pagamentos permite que o investidor possa

monitorar a evolução tecnológica e organizacional da startup. Como a estratégia, a divisão do

financiamento por estapas desempenha um papel importante no controle de potenciais

conflitos entre empreendedores e investidores (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 48).

Dada à impossibilidade financeira do estabelecimento de um controle diário ou

semanal das empresas investidas, o investidor organiza a sua relação com a empresa a partir

de etapas de seu desenvolvimento, tendo períodos em que todas as suas atenções estarão

voltadas para a empresa investida e períodos em que o investidor poderá se dedicar ao

monitoramento das atividades de outras empresas investidas em seu portfólio.

A divisão do financiamento por etapas não implica uma padronização dos

períodos de investimento, ao contrário, cada um deles será avaliado de acordo com o

segmento, tecnologia e mercado em que a startup está inserida. O intervalo de tempo para o

desenvolvimento de um software será significativamente menor do que o tempo necessário

para realização do mapeamento genético de uma planta, reforçando a lógica de especialização

por parte de gestoras de venture capital (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).

Isso não significa que gestoras não realizem visitas esporádicas ou encontros com

as equipes de suas empresas investidas. Ao contrário, quanto melhores forem os resultados

apresentados em cada uma das etapas de desenvolvimento da empresa, mais frequente serão

as visitas de membros da equipe de investidores. Outro momento em que as visitas passam a

ser frequentes são os momentos de crise da empresa investida. Investidores, buscando reduzir

as suas perdas, ampliam a sua presença na empresa com dificuldades, desenhando cenários

para a recuperação do seu investimento (e.g. alienação de patentes) ou até a liquidação de seu

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investimento por um preço irrisório – write-off (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle

Edition).

Empresas de alto potencial de crescimento que apresentem os resultados

esperados, mas falhem ao oferecer as informações solicitadas pelo investidor passam a ser

monitoradas com maior frequência. Os períodos de avaliação são reduzidos, as etapas passam

a ser condicionadas não apenas por entregas de protótipos, mas também de documentos de

ordem financeira e contábil. O principal receio por parte dos investidores é que, mesmo que a

empresa esteja evoluindo no âmbito tecnológico, a falta de uma organização financeira pode

prejudicar o seu crescimento no futuro (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).

É muito comum também que empreendedores na condução de seu negócio optem

por investir os recursos disponibilizados pelo investidor de forma diferente do que ele

recomendaria. Aquisição de máquinas e ferramentas de última geração, gastos com viagens

para prospecção de novas tecnologias, expansão da estrutura física da empresa, são decisões

que podem não estar alinhadas com as expectativas do investidor. A divisão por etapas serve

como forma de incentivar a convergência de comportamentos.

Isso ocorre porque, mesmo que o investidor não tente interferir na

discricionariedade das decisões tecnológicas da empesa investida, a organização de sua

estratégia de monitoramento por meio de etapas de avaliação de desempenho da empresa,

bem como a consulta a sua rede de especialistas serão utilizadas como forma de controle

sobre o seu investimento, tendo em vista o cumprimento de seus deveres fiduciários frente aos

seus limited partners – investidores de origem (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 50).

2.3.3 Investimentos conjuntos

Syndication, junção de investidores para a realização de um investimento conjunto

em uma determinada empresa, é um fenômeno muito comum no contexto do venture capital,

servindo como forma de gestoras de recursos diversificarem os seus investimentos, diluírem

os riscos presentes em cada uma de suas operações, bem como de ampliar as suas chances

obtenção de retorno a partir de seus investimentos (BYGRAVE, 1987; LERNER, 1994;

LOCKET; WRIGHT, 2001; DIMOV; MILANOV, 2010).

Enquanto prática de investimento de venture capital, o fenômeno de syndication

ocorre quando duas ou mais empresas de venture capital adquirem igual participação em uma

empresa investida e compartilham as responsabilidades e os resultados do seu investimento.

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Para garantir que as gestoras estarão alinhadas entre si, o seu investimento em uma startup é

precedido pela celebração de um acordo de investimento entre as gestoras, estabelecendo as

condições em que a sua participação se dará na startup investida e como as investidoras irão

repartir os resultados de seu investimento (LOCKET;WRIGHT, 2001, p. 375).

Tradicionalmente, a junção de investidores para a realização de um investimento

em conjunto é vista como uma forma de diluição de riscos por meio da diversificação das

empresas investidas, entretanto, no contexto de investimentos de venture capital, também

pode ser encarada como uma resposta à necessidade de ter acesso a mais informações em um

determinado segmento, bem como compartilhar contatos em redes de relacionamento com

universidades, bancos de investimento, escritórios de advocacia, consultorias financeiras,

dentre outros (BYGRAVE, 1987, p. 140; LOCKET; WRIGHT, 2001, p. 376; DIMOV;

MILANOV, 2010, p. 332).

O compartilhamento de informações e a presença de mais de um investidor

qualifica o processo de auditoria realizado na empresa investida, uma vez que permite que os

investidores tenham um universo maior de comparações entre a startup e outras empresas que

façam parte do portfólio dos investidores, bem como permite que o monitoramento das etapas

e das atividades da empresa investida sejam realizadas por mais de uma gestora, reforçando os

incentivos presentes para a convergência de expectativas entre empreendedores e investidores

(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 51).

Outra consequência do investimento conjunto é o fortalecimento dos laços entre

gestoras de venture capital e uma forma de compartilhamento de práticas e rotinas de

investimento. Cada gestora de venture capital carrega consigo toda a sua rede e experiência

acumulada de investimentos anteriores, permitindo que alianças estratégicas possam ser

formadas (DIMOV; MILANOV, 2010, p. 333).

Investidores menos experientes, por exemplo, com um pequeno número de

operações realizadas enxergam no investimento em parceria com gestoras de maior

experiência e ótima reputação no mercado a oportunidade de ampliar os seus investimentos,

mesmo que ao custo de redução de potenciais retornos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 52).

Destaca-se que Kleiner Perkins Caufield & Byers foi uma das primeiras gestoras

de venture capital a realizar investimentos conjuntos no final dos anos de 1970. Em cada uma

das oportunidades a empresa buscava formar alianças para ingressar em um novo mercado e

depois para consolidar-se no mercado à espera de novas oportunidades. Boa parte dos seus

parceiros de investimento aproveitaram as oportunidades de investimento conjunto para

ajustar seus modelos de investimento e ampliar suas redes de relacionamento a partir dos

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contatos disponibilizados pela Kleiner Perkins Caufield & Byers (GOMPERS, LERNER,

2001, p. 53).

A Softbank é um bom exemplo disso. Ingressou no mercado na metade dos anos

de 1990 com investimentos em startups que desenvolviam soluções para internet, tendo feito

investimentos bem-sucedidos no formato de syndication em diversas empresas, destacando-se

a Yahoo!, US Web, Verisign e eLoan. Além dos seus resultados positivos, esses investimentos

serviram como aprendizado e estratégia de construção de sua reputação no mercado. Para

além do financiamento oferecido pela Sofbank, empresas de alto potencial de crescimento

buscavam no investidor a possibilidade de acesso a empresas líderes de mercado, como a

Yahoo!, ou o selo de validação no mercado de um investidor que já havia sido bem-sucedido

em outras operações de investimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 53).

2.3.4 Remuneração

Em gestoras de venture capital a estrutura de remuneração do gestor está

orientada ao resultado trazido aos seus investidores originários (e.g. fundos de pensão, family

offices, fundos de endownment, bancos de desenvolvimento, etc.), também referidos como

limited partners. Como gestores dos recursos financeiros disponibilizados por investidores

originários, os gestores têm como dever fiduciário33

de maximização do retorno sob o capital

investido. Todavia, os investidores originários não dispõem de mecanismos de monitoramento

das atividades dos gestores de seu capital, depositando sua confiança nos momentos de

prestação de contas anuais ou até aguardando o fim do ciclo de investimento para verificar

qual foi o retorno obtido (GOMPERS; LERNER; 2001, p. 54).

Por essa razão, a estrutura de remuneração de gestoras é encarada como uma

ferramenta de alinhamento de expectativas entre os investidores originários e os gestores de

seus recursos. Por essa razão, a maior parte da remuneração oferecida às gestoras baseia-se

em uma participação sobre os resultados agregados obtidos nos investimentos em empresas

33

Nos Estados Unidos, dever fiduciário ou fiduciary duty é definido como uma obrigação que uma parte tem de

zelar pelo melhor interesse de uma outra parte, empregando esforços e cuidados para que ela não seja

prejudicada. No contexto de investimentos de venture capital, este é o dever que o gestor de um fundo tem

perante os seus investidores, pessoas que disponibilizaram os seus recursos para o investimento em empresas

nascentes de base tecnológica e esperam o maior retorno possível sobre o seu investimento. Qualquer ação por

parte do gestor de recursos que possa ser interpretada como prejudicial à maximização do retorno sobre o

investimento realizado, como a recusa de uma oferta de compra da empresa nascente por parte do gestor, pode

gerar a responsabilização do gestor e o pagamento de uma indenização aos investidores. Para maior

aprofundamento, conferir o dicionário jurídico da Cornell University, disponível em:

<https://www.law.cornell.edu/wex/fiduciary_duty>. Último acesso: 07.02.2018.

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investidas (SAHLMAN, 1990, p. 491; GOMPERS; LERNER; 2001, p. 54; DE VRIES; VAN

LOON, 2016, Kindle Edition).

Desse modo, a metodologia de organização de investimentos de venture capital

estrutura a remuneração de gestores de duas formas: (i) um pagamento fixo anual,

remunerando as suas atividades de gestão de recursos financeiros; e (ii) um percentual de

participação nos resultados obtidos após os investimentos realizados, remunerando os seus

esforços de maximização do retorno sobre o investimento realizado pelos investidores

originários (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

No pagamento fixo anual, o valor é fixado com base em um percentual sobre todo

o capital administrado pelo venture capitalist, que, a depender do gestor e do perfil do

investidor originário, pode variar entre 1.5 e 3%. Já a remuneração baseada na participaçãodo

gestor sobre os resultados no investimento correspondem a 20% do retorno obtido no total dos

investimentos realizados (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

Mesmo que a estrutura de remuneração tenha se mantido estável desde os anos de

1970, a parcela de participação dos gestores sobre o resultado obtido variou nos últimos anos,

ampliando a participação dos investidores originários nos resultados obtidos. Em 1980, por

exemplo, o percentual de participação nos resultados obtidos pelos investimentos realizados

era em média de 60%, restando 40% de participação para os investidores originários. Em

1992, essa proporção se inverteu, passando para os patamares atuais de 20% para os venture

capitalists e 80% para os investidores originários (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle

Edition).

Segundo Paul A. Gompers e Josh Lerner (2006, Kindle Edition), as variações na

participação sobre o resultado do investimento respondem a dois momentos distintos da

evolução do investimento de venture capital, o aumento da concorrência entre gestoras de

venture capital a partir dos anos de 1980 e a ampliação dos valores fixos pagos a título de

administração dos recursos disponibilizados para investimento. Na visão dos autores, o

crescimento do número de gestoras de venture capital buscando por captação de recursos no

mercado alterou as condições de remuneração dos gestores, criando o modelo que temos

atualmente.

Mesmo nos momentos em que o retorno esperado não se concretizava ao final do

ciclo de investimento em startups, como no caso da crise das empresas dot-com no começo

dos anos 2000, a proporção de 80-20 na participação sobre o resultado nos investimentos

realizados se manteve como modelo que melhor se alinha aos interesse entre investidores

originários e o gestores de recursos (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

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81

Uma lógica muito semelhante de remuneração é aplicada por gestores em sua

relação com os empreendedores em empresas investidas. Nas negociações que antecedem o

ingresso do investidor na startup um dos tópicos tratados é a remuneração dos membros

atuais da empresa e a construção de uma política de remuneração para futuros ingressantes.

Neste momento, o investidor busca reduzir ao mínimo a remuneração fixa (e.g. pró-labore,

salário, etc.) e aumentar ao máximo a remuneração variável (e.g. stock-option, vesting, etc.)

de empreendedores e outros membros da empresa investida (GOMPERS; LERNER, 2001, p.

54).

Além disso, gestores também buscam utilizar instrumentos de remuneração

variável, como stock options34

, como ferramenta de retenção de empreendedores talentosos,

criando disposições contratuais que permitam que na hipótese de sua saída da empresa ele

perca a sua participação societária futura (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 54).

Outra disposição que impacta a remuneração do empreendedor na empresa

investida é a possibilidade de diluição da participação societária de seus fundadores quando os

objetivos traçados em uma das etapas do investimento não são alcançados. Como forma de

sanção aos empreendedores, o gestor prevê contratualmente a possibilidade de que se as

metas traçadas não forem alcançadas, um novo investimento de sua parte só irá ocorrer se a

participação de empreendedores for reduzida, passando parte dela para o investidor (DE

VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Esses mecanismos contratuais conferem maior controle do investidor sobre os

empreendedores na empresa de alto potencial de crescimento, criando incentivos para que as

metas de desenvolvimento tecnológico, por exemplo, sejam cumpridas. Nenhum

empreendedor deseja perder parte de sua participação no empreendimento que criou em razão

do não cumprimento de objetivos que ele mesmo concordou em perseguir.

2.3.5 Preferências e Instrumentos de Resguardo

Preocupados com as incertezas que circundam o crescimento da startup, gestoras

buscam incluir direitos de preferência e privilégios de pagamentos em seus contratos de

investimento. Esta prática almeja, a um só tempo, priorizar o pagamento para a gestora de

34

Stock Option ou opção de compra de participação societária pode ser definida como o contrato entre duas ou

mais partes que confere o direito a uma delas de adquirir participação de uma empresa em data futura por um

preço pré-definido em data presente. O titular deste direito de aquisição poderá exercê-lo ou não, dependendo

exclusivamente de sua vontade e disponibilidade de capital para o pagamento do valor pré-definido (ABDI,

2009, p. 15).

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82

venture capital na hipótese de venda da startup para um terceiro, estabelecendo uma ordem de

recebimento de valores em que a gestora seja a primeira a receber, da mesma forma que serve

como tentativa de reduzir potenciais perdas na hipótese do empreendimento não evoluir da

forma esperada, sendo encerrado e tendo os seus bens e direitos liquidados no mercado, em

que novamente a gestora terá prioridade na ordem de pagamentos (GOMPERS; LERNER,

2001, p. 55).

Um exemplo de preferência conferida à gestora em seus acordos de investimento

com a empresa investida são os convertible preferred equity ou convertible debt, contratos

que preveem a possibilidade de um aporte de recursos ser realizado por meio da constituição

de uma dívida em favor da gestora, que poderá ter a opção de conversão de seu crédito em

participação na startup. Esse contrato, nos Estados Unidos da América, também permite que a

gestora ganhe prioridade na ordem de pagamentos a ser realizada na hipótese de a empresa

investida não prosperar e de ter que liquidar os seus bens para ressarcir parcialmente seus

investidores (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 56).

Esse tipo de preferência nem sempre é autorizado por ordenamentos jurídicos, não

deixando margem para a estipulação contratual do investidor. No Brasil, por exemplo, a

estipulação de uma ordem de preferência só é possível nos cenários em que a empresa está

prosperando e recebe uma oferta de compra, não sendo possível o estabelecimento de

privilégios na ordem de pagamentos quando a empresa está em crise. A Lei n.º 11.101, de 9

de fevereiro de 2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial), em seu artigo 83 classifica os

tipos de crédito e estabelece a ordem obrigatória de pagamentos a ser realizada quando a

empresa enfrenta uma crise financeira que a submete à uma recuperação judicial ou até a sua

falência.

No caso particular da convertible debt o investidor detém uma dívida conversível

em participação societária frente à empresa investida, em que ele poderá executar como um

crédito se não estiver satisfeito com o desempenho da startup, a qual será devedora de uma

parcela paga no âmbito do investimento ou o investidor poderá, caso a empresa esteja

cumprindo as metas estipuladas, converter a sua dívida em participação societária na empresa

investida, tornando-se sócio ou ampliando a sua participação anterior (DE VRIES; VAN

LOON, 2016, Kindle Edition).

Outra disposição presente nos contratos de investimento são as proteções

antidiluição para a gestora. Essas proteções estabelecem uma proibição a qualquer

empreendedor de vender uma participação societária sua na startup para terceiros em

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83

condições diferentes às que foram estipuladas aos investidores, mesmo que esses ainda não

tenham ingressado formalmente na sociedade, sendo apenas credores dela (convertible debt).

Um diretor da startup não poderá oferecer a um amigo, familiar ou a outros

investidores uma participação na empresa investida com um preço menor do que o que foi

pago ao investidor de venture capital, bem como não poderá estipular preferências no

pagamento de dividendos especiais para novos ingressantes, dentre outros direitos que

colocariam o investidor de venture capital em uma situação desfavorável em relação a esses

novos ingressantes (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Ao lado das restrições ao tratamento diferenciado de novos ingressantes, gestoras

incluem em seus acordos de investimento disposições que exigem a sua aprovação para a

alienação de bens da startup, como por exemplo, patentes e direitos autorais. Previsões como

essa são limitações impostas pelo investidor para reduzir os riscos de decisões de

empreendedores que favoreçam apenas o seu benefício privado em detrimento ao projeto de

crescimento da empresa, bem como servem como instrumento de controle para o investidor,

uma vez que esse não está presente no dia a dia das atividades da empresa (GOMPERS;

LERNER, 2001, p. 56).

Contratos de investimento de venture capital também incluem os chamados

redemption rights obrigatórios (direitos de reembolso ou resgate), em que a gestora de venture

capital pode impor que a empresa nascente seja vendida para outra empresa ou até seja parte

de uma operação de fusão, mesmo que a contragosto de seus fundadores ou outros sócios da

empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Juridicamente, o termo redemption rights se refere ao dever da startup em

recomprar a participação societária do investidor após um período de tempo, em média de 5 a

7 anos, a partir de um valor fixado no começo da operação de investimento. A disposição

pode também servir como forma de recuperar parte dos valores investidos na hipótese de crise

da empresa investida, contudo, é mais utilizada para forçar a saída de um investidor que não

está mais interessado em permanecer na empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle

Edition).

Do ponto de vista da startup, redemption rights não são uma boa alternativa, uma

vez que em muitos casos a empresa pode não dispor de recursos financeiros em caixa para

realizar a aquisição, tendo que adquirir um passivo grande, capaz de prejudicar a continuidade

do seu crescimento. Em muitos casos, uma vez ativada a previsão de redemption rights,

empreendedores passam a buscar ou ser mais favoráveis a alternativas como a venda da

empresa investida ou fusão com outras empresas.

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84

A presença de instrumentos de preferência ao investidor transfere parte dos riscos

associados ao insucesso da empresa investida para seus fundadores. Ao mesmo tempo, os

privilégios de preferência podem reduzir comportamentos oportunistas por parte do

empreendedor, como, por exemplo, a recusa de repasse de valores ao investidor em razão de

controvérsias sobre o preço a ser pago por sua participação na empresa em uma hipótese de

venda dela.

2.3.6 Participação em Órgãos Decisórios

A participação em órgãos de tomada de decisão da empresa investida cumpre um

duplo papel na metodologia de investimento de venture capital, contribuir para que decisões

corretas possam ser tomadas em um cenário de incertezas e evitar que decisões equivocadas

possam ser tomadas ou que até gerem efeitos por muito tempo, podendo comprometer o

crescimento da startup.

Então, órgãos de tomada de decisão na empresa de alto potencial de crescimento

podem ser considerados o seu sistema nervoso central, dispondo sobre o seu planejamento,

contratações, investimentos, dentre outras decisões importantes para o empreendimento. A

depender do país, o formato de um órgão decisório pode variar, sendo chamado de Board of

Directors nos Estados Unidos da América, Canadá, Ingleterra e Austrália, Conselho de

Administração ou Assembleia de Sócios no Brasil, Conseil D’Administration, na França.

Ao atuar nos órgãos de tomada de decisão da empresa investida, a gestora busca

reduzir a assimetria de informação entre o gestor e a equipe de empreendedores, bem como

influenciar os rumos a serem tomados pela empresa, em especial as decisões financeiras, de

planejamento, marketing e organizacionais. A sua presença e participação nos órgãos de

tomada de decisão da startup busca servir como guia para a equipe de empreendedores, em

muitos casos ainda não preparada completamente para comandar um processo acelerado de

crescimento e profissionalização interna (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 54).

É muito comum que gestoras de venture capital se preocupem inclusive com o

desenho e a composição dos órgãos decisórios da empresa. Disposições que determinem um

limite para o número de membros desses órgãos, no mínimo 5 e no máximo 7 representantes,

bem como uma divisão proporcional entre os fundadores da empresa, a gestora de venture

capital, e outros investidores ainda presentes na empresa (e.g. investidor anjo), são

negociadas nos acordos de investimento que antecedem o aporte de recursos na empresa (DE

VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

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85

Em uma composição de 5 membros, por exemplo, 2 são indicados por

empreendedores, 2 são indicados pela gestora e o último é indicado em conjunto, em geral

sendo um representante do setor de atuação da empresa, alguém que não possui uma relação

direta com ela, conferindo credibilidade ao empreendimento. Na medida em que existam mais

interesses a serem acomodados na startup, o número de representantes pode aumentar, sempre

preservando o número ímpar de representantes e a presença de um membro externo à

empresa, de modo a evitar qualquer cenário de empate nas suas decisões internas (DE VRIES;

VAN LOON, 2016, Kindle Edition).

Mesmo como investidores minoritários na empresa, as gestoras podem se

comportar como sócios majoritários em alguns contextos. Como já discutido no item anterior,

gestoras podem impor a partir de seus acordos de investimento que decisões como a venda de

participação na empresa investida, bem como a estipulação de privilégios para novos

ingressantes terão que contar com a sua aprovação (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle

Edition).

Outra disposição muito comum é a necessidade de aprovação por parte da gestora

do ingresso de qualquer novo investidor, mesmo sendo outro investidor de venture capital

(e.g. séries B, C, D, etc.), na empresa investida. Esses vetos servem como um instrumento de

controle da equipe de empreendedores, que mesmo com a maior participação na empresa,

podem se encontrar sem condições de impor sua vontade na condução do empreendimento

(GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

Em alguns cenários de investimento, é possível que a gestora assuma a posição de

controle sobre o órgão decisório, presidindo os encontros e conduzindo os debates internos

entre os membros presentes. Esses cenários são raros e não desejados por investidores de

venture capital. Isso pode ocorrer quando o investidor não deposita mais sua confiança na

administração da empresa, fazendo-se mais presente em seu dia a dia, bem como quando o

investidor e parte dos membros da empresa investida decidem por substituir o seu presidente,

também chamado de Chief Executive Officer (CEO) após resultados ruins seguidos

(GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).

Em síntese, os órgãos de tomada de decisão da empresa investida são o ambiente

precípuo para o exercício de direitos do investidor de venture capital. São os locais em que

disposições contratuais se manifestam e permitem que as recomendações do investidor

possam se materializar em contribuições efetivas para o crescimento da startup ou até em uma

redução de perdas para ele.

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86

3 A FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL

Poucas pessoas compreendem o porquê coisas funcionam aqui e em Boston

como funcionam. É muito difícil mimetizar estes empreendimentos. Muitas

pessoas pensam que o fator crítico neste ambiente é o dinheiro. Para mim, o

fator crítico no ambiente são os empreendedores.35

O nascimento, a evolução e a formalização do venture capital são resultados da

capacidade de grupos de investidores de extrair retornos extraordinários de empresas

nascentes de base tecnológica. A promessa por retornos acima da média em comparação a

outros investimentos foi capaz de atrair variadas fontes de capitais (fundos de pensão,

empresas de gestão de patrimônio de famílias, endowment universitários, etc.) para o

financiamento de empresas nascentes, criando um modelo de investimento.

Venture capital como instituição para o financiamento de empresas nascentes não

foi uma evolução natural de investimentos realizados por investidores não profissionais que

decidiram se profissionalizar ao longo do tempo e de bons resultados. Ao contrário, foi uma

criação consciente e organizada por setores empresariais da costa leste, em especial a região

de New England, e da costa oeste, em particular a região do Vale do Silício na Califórnia

(HSU; KENNEY, 2005, p. 580).

A sua evolução ao longo das décadas de 1940 até os anos 90 construiu o quadro

de características que observamos até hoje no setor: a participação de venture capitalists no

desenvolvimento da empresa nascente, o modelo de limited partnership como referência para

a captação de recursos e a especialização das fontes de capital no financiamento da empresa

nascente, diferenciando as funções de investidores anjo, capital semente e o venture capital.

Compreender o processo de formação e expansão do venture capital nos permite analisar o

que persiste enquanto característica intrínseca ao venture capital e o que pode ter sido

temporário, contingente, ao longo de sua evolução.

35

A passagem é atribuída à Donald Valentine, fundador da Sequoia Capital uma das empresas de venture capital

mais antigas com atuação no Vale do Silício. Ele é chamado de o vovô do venture capital no Vale do Silício,

pois foi um dos primeiros investidores a criar uma empresa de investimento concentrada em empresas nascentes,

tendo tido um papel muito importante na história do financiamento de empresas no setor de comunicação e

tecnologia da informação. O trecho selecionado é uma tradução livre da seguinte passagem: “Very few people

understand why what works here and in Boston works. It’s very difficult to clone those environments. Too many

people think that the criticality in the environment is the money. For me the criticality in the environment are the

entrepreneurs.” Para ver mais, consulte: KENNEY, Martin; FLORIDA, Richard. Venture Capital in Silicon

Valley: Fueling New Firm Formation. In: KENNEY, Martin (Ed.). Understanding Silicon Valley: The Anatomy

of an Entrepreneurial Region. Stanford: Stanford University Press, 2000, p. 98.

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87

Por esta razão, o objetivo deste capítulo é examinar como o investimento de

venture capital se institucionalizou como empresa de investimento e modelo de captação de

recursos financeiros entre as décadas de 1940 e 1970, e discutir como esse processo teve

como consequência o crescimento no número de venture capitalists com atuação nos Estados

Unidos da América e a atração de fundos de pensão, investidores de grande porte, que

sustentaram a expansão do volume financeiro aportado pelo venture capital em empresas

nascentes. Em nossa visão, a conjunção de todos esses fatores é capaz de explicar o processo

de especialização de fontes de capital observado nos dias atuais na trajetória de crescimento

da empresa nascente, tema discutido no capítulo anterior.

3.1 A influência de New England e do Vale do Silício no nascimento do modelo de

venture capital

Mesmo não tendo nascido no Vale do Silício na Califórnia, o modelo de

investimento de venture capital adquiriu suas feições contemporâneas da experiência e da

atuação de investidores que construíram a sua carreira na região ao longo da segunda metade

do século XX (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 99). Não foram poucos os casos em que um

investimento inicial de alguns milhares de dólares se transformou em um empreendimento de

resultados extraordinários. Esses resultados construíram a associação entre o venture capital e

o Vale do Silício, influenciando o interesse de outras regiões dos Estados Unidos da América

e de outros países em replicá-lo com a esperança de obtenção dos mesmos resultados

(LERNER, 2012).

Geograficamente, o Vale do Silício corresponde ao Vale de Santa Clara, região

que se localiza entre as montanhas de Santa Cruz e a baía de São Francisco, da cidade de

Redwood, passando pelas cidades de Palo Alto, Montain View, Sunnyvale, Santa Clara até San

José. No início, a cidade de São Francisco não fazia parte do que era conhecido como o Vale

do Silício. Contudo, com o crescimento no número de startups, investidores de venture

capital, centros de pesquisa e outros atores associados à região, a cidade foi incorporada e, ao

lado de Berkeley e Emeryville, tornou-se parte de uma das principais regiões de investimento

e desenvolvimento de empresas nascentes de base tecnológica (RAO, 2013, Kindle Edition).

Hoje conhecida como celeiro de empresas nascentes de base tecnológica em áreas

como biotecnologia, energias limpas e tecnologia da informação, a região não teve destaque

ao longo de sua formação como o polo das primeiras descobertas científicas ou dos primeiros

esforços tecnológicos nos setores mencionados. A virtude do Vale do Silício foi servir como

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88

ambiente favorável para a transformação de descobertas e esforços tecnológicos em projetos

empresariais (RAO, 2013, Kindle Edition).

A construção do Vale do Silício36

como uma referência no fomento de empresas

nascentes de base tecnológica esteve intrinsecamente ligada à institucionalização do venture

capital como um elo fundamental na rede de instituições que são capazes de financiar e

auxiliar essas empresas (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 99). Compreender qual a influência

do Vale do Silício sobre a institucionalização de um modelo de investimento para o venture

capital pode nos auxiliar na identificação de seus limites, em especial na compreensão do que

esse tipo de investimento exige enquanto ambiente de negócios e projetos a serem investidos.

O nome Vale do Silício é atribuído ao jornalista Don Hoefler que em 11 de

janeiro de 1971 escreveu uma série de artigos intitulados “Silicon Valley US” para o jornal

Eletronic News, descrevendo o processo de multiplicação de empresas do ramo de

semicondutores na região de Santa Clara. Os artigos narravam como empresas recém-

formadas eram capazes de crescer rapidamente a partir de um novo tipo de investimento

(RAO, 2013, Kindle Edition).

Um dos artigos explicava como o empresário Arthur Rock ajudou Gordon Moore

e Robert Noyce a captar 2.5 milhões de dólares para a criação da Intel Corp., a primeira

empresa de grande porte do setor de semicondutores criada na região. Em outro de seus

artigos, o jornalista menciona a criação da Genentech, primeira empresa a sintetizar insulina

para o tratamento de diabetes em seres humanos, que iniciou suas atividades com a captação

de 250 mil dólares de alguns investidores e foi capaz de gerar um retorno de 3.500% para

cada um deles (RAO, 2013, Kindle Edition).

Com o passar dos anos, outras histórias contribuíram para construir a reputação

próspera da região, reforçando a percepção sobre a capacidade de empresários da região de

captarem recursos e obterem retornos extraordinários. Uma das mais conhecidas é a da

36

Segundo Arun Rao, o maior venture capitalist do Vale do Sílício foi o governo dos Estados Unidos da

América. A região foi muito beneficiada por processos de transformação de tecnologias desenvolvidas no âmbito

militar para o domínio das relações civis. Um exemplo disso pode ser visto no impulso inicial de investimentos

dado pelas forças armadas ao desenvolvimento de uma infraestrutura técnica de comunicação por meio de ondas

de rádio, muito utilizada no contexto da II Guerra Mundial. Diversos protótipos e dispositivos eletrônicos criados

para uso militar foram gradativamente sendo incorporados para uso civil. A criação de circuitos integrados, o

microcomputador, a rede mundial de computadores, são todos exemplos de tecnologias que tiveram

investimentos das forças armadas dos Estados Unidos e que depois foram transformadas em produtos por

empresas nascentes da região, tendo muito sucesso no mercado (RAO, 2013, Kindle Edition). Optamos por não

nos debruçar neste capítulo sobre a influência das forças armadas na formação do Vale do Silício, pois este será

um dos temas tratados no capítulo seguinte quando trataremos da crítica de alguns autores, como de Mariana

Mazzucato, à importância atribuída ao venture capital em processos de inovação tecnológica.

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criação da Apple Corp., uma das empresas que liderou o desenvolvimento do mercado de

microcomputadores no mundo.

A empresa foi criada em 1977 a partir do investimento do empresário Mike

Markkula, que disponibilizou para os estudantes universitários Steve Jobs e Steve Wozniack a

quantia de 250 mil dólares, divididos em 80 mil de investimento direto na empresa e 170 mil

de um empréstimo bancário garantido com seu patrimônio pessoal, tornando-se proprietário

de um terço da empresa.

Para além do investimento na empresa, o empresário foi responsável por indicar o

primeiro presidente da Apple Corp. (Chief Executive Officer – CEO) e por conduzir o

processo de abertura de capital da Apple em 12 de dezembro de 1980 na Bolsa de Valores

Nasdaq. Com a abertura de capital da empresa, o empresário detentor de sete milhões de

ações da Apple Corp., teve a possibilidade de aliená-las por 203 milhões de dólares, em uma

abertura de capital que avaliou a empresa em 1.8 bilhões de dólares (RAO, 2013, Kindle

Edition).

Em uma entrevista para a revista Failure37

, Steve Wozniack comenta que ele e

Steve Jobs levaram todo o crédito pelo sucesso da empresa, mas que Mike Markkula é aquele

que deveria ser lembrado como o principal responsável pelo crescimento da empresa e pelo

seu sucesso repentino. Mesmo que ele e Steve Jobs tenham sido peças importantes para a

construção dos produtos da Apple, foi Mike Markkula que organizou o empreendimento no

formato de uma empresa, que captou recursos, fez contatos para a empresa, trabalhou com as

equipes de marketing e organizou o seu crescimento, obtendo um retorno extraordinário no

empreendimento.

Em contrapartida, esse cenário de investimentos nem sempre esteve presente na

região. Até a década de 1950, empreendedores como Steve Jobs e Steve Wozniack teriam

poucas opções para financiar o seu novo empreendimento. No Vale do Silício, a primeira

opção seria recorrer a investidores não profissionais para financiar o início da empresa. Esses

investidores eram muito parecidos com o que hoje em dia denominamos investidores anjo,

pois, na maior parte dos casos, disponibilizavam pouco capital e investiam em nome próprio

no novo negócio (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 98).

Uma segunda opção na época seria buscar financiamento nos bancos da costa

leste dos Estados Unidos da América. Banqueiros com forte atuação no financiamento de

37

A entrevista realizada pela revista Faliure com Steve Wozniack trata do processo de formação da Apple Corp.

e da relação entre Wozniack e Steve Jobs na empresa. Além da relação entre os fundadores, a entrevista oferece

uma visão sobre o papel de Mike Markkula na empresa. Para mais informações, consulte:

<http://failuremag.com/article/steve-wozniak-interview>. Último acesso: 04.02.2018.

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90

empresas nas regiões de Nova York e Boston, como os Morgans, Whitneys e os Rockfellers38

,

mesmo interessados em novas ideias e novos projetos, preferiam investir em projetos em

franca expansão, empresas que já estivessem operando no mercado. Dessa maneira, ainda que

o financiamento estivesse disponível para empreendedores da Costa Oeste, eram poucos deles

que preenchiam os requisitos para receber investimentos dos banqueiros da costa leste,

criando um cenário de escassez de recursos até o final dos anos de 1940 (KENNEY;

FLORIDA, 2000, p. 98).

3.1.1 American Research and Develpoment Corporation (ARDC)

Há muitas versões sobre o surgimento do venture capital. Em uma acepção mais

ampla, como o financiamento de novos empreendimentos, projetos arriscados, o nascimento

do venture capital encontra as suas origens no financiamento de expedições marítimas pela

Ásia e costa da África durante o século XV, em particular na forma dos contratos de comenda

em que famílias de mercadores de Genova e Veneza financiavam grandes empreendimentos

de comércio marítimo (LERNER, 2012, p. 65).

Em uma definição mais restrita, como prática de investimento em empresas

nascentes de base tecnológica, as empresas Bessemer Venture Partners e J. H. Whitney

reivindicam o posto de terem sido os primeiros investidores da modalidade, a primeira por ter

feito o primeiro investimento em uma startup em 1911 e a segunda por ter se constituído no

início dos anos 50 com o objetivo de investir em empresas nascentes de base tecnológica

(LERNER, 2012, p. 64).

Todavia, a criação da American Research and Development Corporation (ARDC)

é apontada como a gênese do investimento de venture capital profissional, evidenciando

algumas das características que a modalidade de investimento guarda até os dias atuais. Essa

foi a primeira tentativa de constituição de uma empresa não familiar com dedicação exclusiva

ao financiamento de empresas voltadas ao desenvolvimento de novas tecnologias (KENNEY;

FLORIDA, 2000; BANATAO; FONG, 2000 LERNER, 2012; SCARUFFI, 2016).

38

Nos dias atuais é muito comum que empresas de venture capital captem recursos financeiros para a criação de

seus fundos de investimento em empresas nascentes de empresas ou fundos familiares. Famílias historicamente

abastadas como os Rockfellers, os Whitneys, os Paysons e os Trask disponibilizam capitais para investimentos de

venture capital realizados por empresas na costa leste e na costa oeste do território norte americano. Todavia,

estes investimentos só começaram a ser realizados a partir da década de 1950, quando os primeiros resultados

bem sucedidos de investimentos realizados pela American Research e Development Corporation começaram a

surgir. Até então, os capitais destas famílias se dividiam em diversas frentes, tendo instituições financeiras

próprias para a realização de financiamento de empreendimentos de maior risco (HSU; KENNEY, 2005, p. 580).

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A ARDC foi a primeira empresa profissional dedicada a financiar empresas

nascentes de base tecnológica a partir das seguintes características: (i) auxílio à empresa

nascente por meio da participação na organização, planejamento e gestão do negócio; (ii)

criação de incentivos para a comercialização de produtos com novas tecnologias embarcadas;

e (iii) disseminação da cultura de investimento em empresas nascentes com base em

participação ativa no empreendimento (HSU; KENNEY, 2005, p. 581).

A ARDC foi fundada em 1946 pelo general Georges Doriot, ex-diretor da

faculdade de administração de empresas da universidade de Harvard, pelo engenheiro

mecânico e industrialista Ralph Flanders, e pelo físico e ex-presidente do Massachusetts

Institute of Technology (MIT) Karl Taylor Compton, com o propósito específico de financiar

empresas nascentes na região de New England, com especial destaque para a cidade de

Boston (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 103).

Todos compartilhavam da preocupação sobre como a economia da região de New

England39

poderia se recuperar dos efeitos da grande depressão e se inserir nas reformas

propostas pelo New Deal40

. Em sua visão, pequenas empresas inovadoras ou empresas com a

intenção de expandir suas operações na região poderiam gerar ganhos significativos para

região a partir de seu crescimento, oferecendo uma alternativa para o desenvolvimento local

(HSU; KENNEY, 2005, p. 580).

Para os fundadores da ARDC, os resultados de avanços científicos e tecnológicos

poderiam formar a base para a formação de novas empresas, o que resultaria na formação de

novas indústrias, gerando o desenvolvimento de toda a região. Porém, o principal gargalo para

39

A ideia de uma instituição especializada no financiamento de novas empresas, com o oferecimento de

orientação para o crescimento da empresa investida, surge na região de New England no final dos anos de 1920,

como uma resposta ao declínio da indústria têxtil presente na região. Com o final da I Guerra Mundial, a região

de New England sofreu um forte processo de desindustrialização. Em 1919, as manufaturas de algodão em

Massachusetts empregavam cerca de 124 mil funcionários, distribuídos em vários locais pelo estado. Em 1929,

poucos meses antes do crash da Bolsa de Nova York, o número de empregados nas manufaturas de algodão no

estado caiu para 71 mil. Em 1940, o número de empregados no setor de algodão no estado foi reduzido a cerca

de 30 mil funcionários. Ao lado da gradativa redução das manufaturas de algodão na região, observava-se o

surgimento de novas indústrias na centro-oeste dos Estados Unidos da América, como a indústria

automobilística, a de rádio-transmissão e de bens de consumo duráveis (HSU; KENNEY, 2005, p. 582). 40

A grande depressão nos Estados Unidos da América teve impactos em múltiplas dimensões, erodindo a

confiança de diversos setores da sociedade norte americana em suas instituições econômicas. Entre os anos de

1929 e 1939, o número de pessoas empregadas na indústria caiu 13,5% e o número de plantas industriais

decresceu 10,9%. De modo geral, o período apresentou uma tendência de crescimento de plantas industriais de

grande porte e concentração de empresas. Fábricas de pequeno porte e pequenas empresas apresentavam muitas

dificuldades de conduzir suas atividades e pouca disponibilidade de financiamento externo para manter suas

estruturas. Esta mesma tendência de concentração era observada no setor financeiro, cada vez mais voltado para

investimentos mais conservadores, como trusts e para empreendimentos de grande porte (CHERNOW, 1990, p.

351; HSU; KENNEY, 2005, p. 583).

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o fomento dessas empresas residia na escassez41

de fontes de capital profissional e

especializado para o financiamento dos estágios iniciais do desenvolvimento da empresa

nascente (HSU; KENNEY, 2005, p. 580).

Nesse contexto, bancos42

na região frequentemente recusavam pedidos de

empreendedores locais e vindos da Costa Oeste, uma vez que não dispunham de patrimônio

ou de um histórico de crescimento sustentável. Indivíduos e famílias abastadas, mesmo que

dispostos a investir em um novo empreendimento, eram vistos como uma alternativa

insuficiente de financiamento de projetos inovadores por sua falta de constância em investir

no segmento, sendo facilmente distraídos por outras oportunidades de investimento, como -

por exemplo - investimentos no setor imobiliário (LERNER, 2012, p. 66).

Esse cenário de escassez de recursos já se mostrava presente desde a década de

1920, intensificando-se muito na década de 1930, período em que os efeitos da Grande

Depressão mais afetaram a região de New England. Para além das acusações de que grandes

corporações financeiras seriam as culpadas pela crise econômica que o país atravessava,

grupos de trabalhadores culpavam a tecnologia nas fábricas pelo crescente desemprego,

concentrando seu discurso na automação de funções. De acordo com esses grupos, a

associação entre o comportamento ganancioso e fraudulento de instituições financeiras e a

crescente automação na produção industrial seria responsável pela catástrofe econômica e

pelo o desemprego na região (HART, 1998).

41

Os criadores da ARDC acreditavam que dois fatores eram responsáveis pela escassez de capital de risco para o

financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. O primeiro deles foi a implementação de reformas no

sistema financeiro norte americano no contexto do programa New Deal, que aumentaram fortemente a tributação

sobre a renda e reorganizaram o sistema financeiro para aumentar os custos de operações de investimento de alto

risco, como a compra de ações em bolsa de valores. O segundo fator apontado foi a ascensão dos investimentos

em trusts, que ofereciam segurança para os investimentos, sendo mais conservadores na gestão de recursos

financeiros e populares em uma época de mudanças e instabilidade nos Estados Unidos da América. Durante a

década de 30 e o início dos anos 40, boa parte da poupança popular do país estava concentrada em companhias

de seguro, com especial destaque para os seguros de vida, e em trusts, referência de estabilidade patrimonial na

época. Para os fundadores da ARDC, o venture capital profissional serviria como um mecanismo para

redirecionar parte da poupança popular para empresas nascentes de base tecnológica, criando e explorando o que

o economista Joseph A. Schumpeter denominou de “novos espaços econômicos” ou new economic spaces (HSU;

KENNEY, 2005, p. 581). 42

As reformas realizadas no contexto do New Deal fizeram com que os bancos norte-americanos que tinham um

pequeno papel no financiamento de empresas nascentes de base tecnológica, oferendo empréstimos em alguns

cenários, passassem a não ocupar nenhum papel. Em 1933, o Glass-Steagall Banking Act alterou a estrutura dos

bancos da época, forçando a cisão das atividades de abertura de contas, custodia de depósitos e oferta de

empréstimo fossem separadas das suas operações de investimento. Esta lei criou as figuras do banco comercial e

do banco de investimento, não permitindo mais com que os recursos financeiros presentes nos depósitos de

correntistas destes bancos pudessem servir como parte da estratégia de investimento da instituição. Bancos que

até este momento aceitavam realizar investimentos que tivessem como contrapartida a aquisição de participação

societária na empresa investida, passaram a não poder mais realizar tal operação, tendo que criar um braço de

investimento especializado e com patrimônio próprio para tanto (CHERNOW, 1990, p. 360).

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As tensões na região eram crescentes, com protestos de movimentos de

trabalhadores e pressões políticas para a retomada do crescimento regional. Não por acaso,

membros da elite empresarial da região, como o industrialista Lincoln Filene, Merrill

Griswold, gestor do Massachusetts Investment Trust, Ralph Flanders, Karl Taylor Compton,

dentre outros, criaram iniciativas de auxílio a pequenas empresas, tentando criar alternativas

de financiamento para a geração de novas empresas na região (HART, 1998).

Em 1926, Lincoln Filene propôs a criação do New England Council (NEC),

entidade que reunia políticos da região, empresários locais e professores universitários para

discutir e propor medidas de recuperação da região. Em 1929, o relatório do NEC já advogava

pela criação de iniciativas de financiamento de empresas nascentes da região a partir do

capital de investidores locais. Bancos não eram vistos como uma opção viável de

financiamento, tendo em vista as contrapartidas patrimoniais necessárias para a concessão de

empréstimos ou de outros formatos de financiamento (HSU; KENNEY, 2005, p. 585).

Em 1939, o NEC criou um subcomitê para investigar como a criação de novos

produtos poderia ajudar a região de New England a se recuperar economicamente. Além de

Karl Taylor Compton e Ralph Flanders, o general Georges Doriot, professor de administração

de empresas da Harvard University, também foi convidado para compor o subcomitê e liderar

os estudos a serem produzidos. Em seu relatório final, ficava clara a percepção do subcomitê

de que havia a necessidade de criação de uma organização profissional de investimento em

empresas nascentes, que fosse capaz de manter seus investimentos de forma perene e que

auxiliasse a empresa nascente em sua trajetória de crescimento (HSU; KENNEY, 2005, p.

584).

Na visão de Ralph Flanders, fundador da ARDC, o problema residia no fato de

que empresas de grande porte estariam dispostas a investir apenas em pesquisas e no

desenvolvimento tecnológico que tivessem relações diretas com as suas operações presentes,

não tendo qualquer interesse em deslocar recursos para a criação de novas indústrias. Esse

comportamento, na visão de Ralph Flanders, teria desacelerado o desenvolvimento da região,

impondo um fardo pesado para a economia local. O foco dos investimentos privados e dos

esforços governamentais deveria estar no fomento de empresas nascentes de base tecnológica

(HSU; KENNEY, 2005, p. 583).

Até a criação da ARDC, as iniciativas de fomento de empresas nascentes se

limitavam à oferta de pequenos financiamentos por parte de empresários locais, o que

chamaríamos de investimento anjo nos dias atuais, e pela busca por aproximar empresas com

as universidades da região, em especial o MIT, contribuindo pouco com o desenvolvimento

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regional e com o aplacamento do crescente desemprego. Foi só com o fim da II Guerra

Mundial que a região passou a retomar o seu desenvolvimento, tendo no discurso de fomento

à ciência e tecnologia uma de suas principais referências (HART, 1998).

Nesse aspecto, Vannevar Bush, por exemplo, além de ser professor do MIT e

diretor do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (Office of Scientific

Research and Development) do governo de Franklin D. Roosevelt, era um dos entusiastas no

fomento de empresas nascentes de base tecnológica e da sua aproximação com universidades

e centros de pesquisa da região. Em 1922, o professor havia criado a sua própria empresa

nascente, a Raytheon Corporation, vivenciando as dificuldades de captação de recursos para o

financiamento de um novo empreendimento (HART, 1998).

A experiência na Raytheon Corporation e as discussões com seus colegas de MIT,

em especial Karl Taylor Compton, fizeram com que Vannevar Bush reforçasse a sua crença

na importância da transferência da pesquisa científica para empresas poderem inovar nos

Estados Unidos da América, associada com a disponibilidade de capitais para o financiamento

de suas atividades. O governo ficaria responsável pelo financiamento da ciência e da pesquisa

básica, disponibilizando a matéria-prima para a inovação, e o setor privado ficaria responsável

pelos investimentos em empresas nascentes, responsáveis pela conversão da pesquisa básica

em novos produtos na economia (HSU; KENNEY, 2005).

Em 1941, no contexto dos projetos criados com base no subcomitê de novos

produtos do NEC, empresários da cidade de Boston criaram a New England Industrial

Development Corporation (NEIDC), empresa voltada ao investimento em empresas nascentes

na região. Em 1946, outro conjunto de empresários do NEC criou a New Enterprises Inc.,

empresa também focada no investimento em novos empreendimentos na região. Mesmo tendo

como objetivo o investimento em empresas nascentes, as duas empresas não foram

consideradas pela literatura como investidoras de venture capital, pois não incorporavam o

auxílio às atividades e ao planejamento da empresa investida como parte do financiamento.

Foi só com a ARDC que as funções de análise, auxílio e monitoramento das atividades da

empresa nascente passaram a integrar uma estrutura única de financiamento (ETZKOWITZ,

1993, p. 344).

A American Research and Development Corporation foi criada em 1946 a partir

de recursos provenientes de investidores profissionais e da abertura de seu capital, captando

recursos do público. Seu objetivo inicial era de captar 5 milhões de dólares para iniciar suas

operações de investimento, mas foi capaz apenas de levantar pouco mais do que 3.5 milhões

de dólares, cerca de 1.6 milhão vindos da abertura de seu capital e 1.9 milhão de investidores

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profissionais como trusts, companhias de seguro e fundos universitários de endowment43

(HSU; KENNEY, 2005, p. 590).

A empresa teve como primeiro presidente e principal figura de captação de

investimento o general Georges Doriot. No meio acadêmico o general era conhecido por ter

criado o curso de empreendedorismo na universidade e pelo seu envolvimento com empresas

nascentes de base tecnológica na cidade de Boston (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 103).

A seleção de empresas para a realização de investimentos era feita a partir da rede

de relacionamentos de que os fundadores da ARDC dispunham, de forma que muitos projetos

foram derivados de indicações de membros da NEC e de empresas que surgiam no contexto

das universidades de Harvard e do MIT, derivadas de projetos de professores e em alguns

casos de alunos. Segundo David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 594), nos primeiros cinco

anos da empresa 60% de seus investimentos eram realizados em empresas ligadas a

professores ou alunos da Harvard University ou do MIT, porcentagem que foi sendo

gradativamente reduzida ao longo dos anos de operação da ARDC.

Na distribuição de investimentos por setores, a ARDC apontava em seus relatórios

anuais uma predileção pela diversificação de seus investimentos, citando como áreas de

interesse a eletrônica, a física aplicada, instrumentação, dentre outras. Na prática, a maior

parte de seus investimentos se concentrou em três áreas: produtos alimentícios, serviços

profissionais e comunicação e mídia (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 104). Muitos

investimentos foram realizados entre os anos de sua existência (1946-1973), sendo sua

principal característica a escolha por projetos em que seus fundadores tivessem experiência

pregressa com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

Não havia uma clareza quanto à estruturação das operações de investimento. A

montagem de como seriam feitos os aportes de recursos e as contrapartidas do investimento

eram construídas caso a caso. Eram utilizados instrumentos de dívida (e.g. debentures) e de

participação societária (e.g. preferred stock), em alguns casos isolados, em outros

combinados. David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 607) apontam que 15% dos

investimentos realizados pela empresa eram feitos apenas baseados no aporte de recursos por

meio da emissão de dívida, em que a ARDC seria credora da empresa nascente. Em 34% dos

43

Entre os principais investidores da ARDC estão a Adams Express Company, empresa de Nova York que

investiu pouco mais do que 1.3 milhão de dólares da empresa, a John Hancock Mutual Life Insurance,

seguradora de Boston que investiu 300 mil dólares e o fundo universitário de endowment do MIT, que

disponibilizou 225 mil dólares para a ARDC. Mesmo tendo captado uma soma inferior ao que havia projetado, a

expectativa da empresa era de que o sucesso dos investimentos poderia atrair novos investidores para o projeto,

elevando a sua capacidade de aportar recursos em empresas nascentes (HSU; KENNEY, 2005, p. 590).

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investimentos, o aporte era feito exclusivamente com base em participação societária, tendo a

maior parte das operações um formato híbrido.

Nos 85% de empresas investidas em que a ARDC detinha participação societária,

conferindo-lhe a capacidade de participar das reuniões e de órgãos da empresa investida, a

ARDC se mostrou bastante ativa. Além de monitorar as atividades de suas investidas, a

ARDC sempre buscou indicar um de seus profissionais para compor o Board of Directors de

cada empresa, tendo em alguns casos forçado a substituição de diretores e presidentes que não

conseguiam obter os resultados esperados pela investidora (HSU; KENNEY, 2005, p. 609).

No relatório anual da empresa de 1950, Georges Doriot menciona que após três

anos de investimento na Circo Products, promissora na área de comunicação e mídia, a

empresa não conseguia crescer, ficando estagnada na condição de apenas arcar com os seus

próprios custos. Diversas reuniões com a equipe de gestão da empresa haviam sido realizadas

e sugestões feitas por ele e outros profissionais da ARDC não foram levadas em consideração.

Por essa razão, Georges Doriot decidiu substituir todos os membros que administravam a

empresa, começando por seu presidente (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

A presença constante de profissionais da ARDC, em especial as visitas e reuniões

conduzidas por Georges Doriot, era uma novidade no comportamento de empresas de

investimento. A revista Time criou a expressão “estilo Doriot” ou Doriot style, em alusão ao

que seria um novo comportamento de investimento, uma nova relação entre investidor e

empresa investida. Como parte de seu monitoramento, Georges Doriot matinha um diário com

anotações sobre cada empresa investida, incluindo registros sobre o negócio e sobre a vida

privada de cada um de seus membros (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

Em suas anotações, o general demonstrava preocupação sobre como problemas

matrimoniais de membros da empresa nascente poderiam impactar a sua produtividade. Em

uma ocasião, a ARDC chegou a contratar um psicólogo para atender o presidente de uma de

suas empresas investidas, pois ele estava enfrentando problemas em seu casamento. Em mais

de uma oportunidade, a ARDC contratou empregadas domésticas para permitir com que

empreendedores pudessem dedicar mais tempo para o empreendimento nascente (GUPTA,

2004, Kindle Edition).

O pró-ativismo de Georges Doriot inaugurou uma prática que se tornaria uma das

características fundamentais do investimento de venture capital, o investimento realizado a

partir de etapas, as chamadas rodadas de investimento. Em um memorando interno não datado

redigido pelo general, ele ressalta a importância desta prática:

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Qualquer financiamento deve ser feito ou deveria ser realizado de tal modo a

tornar o próximo menos custoso para a empresa. Em outras palavras, deve

existir um fator de progressão, de sucesso, antes da necessidade de um

próximo financiamento. Existem muitas razões sobre o por que é

aconselhável para uma empresa nascente ter uma quantidade de capital

limitada a sua disposição no início de suas atividades. Uma das principais

razões reside no fato de que o nível comprometimento de pessoas

inexperientes de todas as espécies são frequentemente baixos e o capital tem

uma tendência de desaparecer em uma velocidade muito alta. Neste

momento, ser limitado às despesas é uma boa forma de treinamento. 44

As palavras de Georges Doriot reforçam a ideia de que o investimento realizado

pela ARDC detinha um componente de preparo e capacitação da empresa nascente, de

controle sobre sua evolução e crescimento, fator que se encontra presente até hoje nos

investimentos de venture capital e que os diferencia de outras modalidades de investimento.

Um dos exemplos disso foi o investimento de maior retorno da ARDC, a Digital Equipment

Corporation (DEC).

A empresa nascente foi fundada em 1957 a partir do investimento de 70 mil

dólares da ARDC para a produção da sua primeira linha de produtos na área de computação.

Com os recursos obtidos, seus fundadores, Ken Olsen, Harlan Anderson e Gordon Bell,

apresentaram à ARDC um computador de pequeno porte capaz de servir de alternativa mais

simples para os mainframes fabricados pela IBM para grandes corporações (GUPTA, 2004,

Kindle Edition).

A apresentação de um computador como principal produto da DEC preocupou os

sócios da ARDC. Computadores na época tinham a reputação de serem produtos caros,

difíceis de utilizar e complicados, não atraindo a atenção de empresas de pequeno e médio

porte, mercado alvo da DEC. Por essa razão, Georges Doriot sugeriu que o nome do produto a

ser comercializado fosse Programmed Data Processor (PDP), utilizando uma campanha

publicitária para demonstrar o quanto o produto seria de fácil utilização. A ARDC

recomendou inclusive a contratação de anúncios em que a expressão “minicomputador” fosse

associada ao PDP, dando a impressão de que o PDP seria uma versão reduzida, mais simples

44

Tradução nossa do trecho original: “Any financing must be done or should be done in such a way as to make

the next one less expensive to the Company. In other words, there must have been an element of progress, of

success, before the next financing is necessary…There are many reasons why it is advisable for the new

company to have a limited amount of capital at its disposal at the very start. One of the main reasons is that in

the hands of an inexperienced person commitments of all types are often made quite recklessly and capital has a

way of disappearing at a remarkable high rate of speed. At that time, being limited as to expenditures is a good

form of training.” Ver em: (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

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dos mainframes da IBM. Assim como o nome PDP, a expressão minicomputador foi sugestão

de Georges Doriot (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

O sucesso do produto foi grande e o retorno sobre o investimento também. Os 70

mil dólares investidos na empresa por 25% de participação em 1957 se tornaram 355 milhões

de dólares em 1971, quando a ARDC vendeu a sua participação na empresa (GUPTA, 2004,

Kindle Edition). Todavia, o sucesso observado no investimento da DEC não alcançou outros

financiamentos realizados pela ARDC. Segundo David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p.

599) a DEC foi uma exceção no histórico de investimentos realizados pela ARDC, muitos

deles não alcançando a sua viabilidade econômica.

Nessa perspectiva, segundo Patrick L. Liles (1977, p. 83) o retorno médio anual

sobre os investimentos da ARDC durante 1946 e 1971, sem considerar os retornos obtidos

pelo investimento na DEC, foi de 7.4%. Considerando o retorno obtido pela DEC, o retorno

médio dos investimentos realizados pela ARDC saltaria para 14.7% ao ano. Os retornos

obtidos no investimento da DEC foram suficientes para garantir novos investimentos por

parte da ARDC, mas não foram o suficiente para garantir a sua permanência no mercado de

venture capital até os dias atuais.

Destaca-se que foram três os principais problemas que a empresa teve de enfrentar

e que são apontados como responsáveis pelo encerramento de suas atividades em 1971. O

primeiro deles foi o surgimento de novos investidores dispostos a financiar empresas

nascentes inspirados pelos retornos obtidos pela ARDC na DEC. O segundo problema da

empresa residia nas restrições regulatórias que a sua forma jurídica impunha à sua atuação,

em especial os limites para a remuneração de seus profissionais. O terceiro problema

enfrentado pela ARDC foi a mudança de seus processos de seleção de empresas nascentes,

privilegiando empresas em setores consolidados em detrimento de novos mercados.

Outrossim, o início da concorrência em investimentos de venture capital se deu

em duas frentes, a primeira com a criação das Small Business Investment Corporations

(SBICs) em 1958, um novo formato de empresa de investimento que teria benefícios no

campo tributário e maior liberdade para estruturar seus investimentos em empresas nascentes,

e a segunda com o surgimento de um novo formato para o financiamento de venture capital, a

Limited Partnership, criada no Vale do Silício na Califórnia por empreendedores e ex-alunos

do curso de empreendedorismo do general Georges Doriot na Harvard University. Trataremos

cada um deles com maior atenção nas próximas seções deste trabalho.

Ressalta-se ainda que a ARDC foi constituída como uma closed-end investment

company, submetida às regras do Investment Company Act de 1940, lei que regia as empresas

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e operações de investimento nos Estados Unidos da América. Pela legislação, funcionários ou

sócios de empresas de investimento sob o formato de closed-end investment company eram

proibidos de receber como parte de sua remuneração qualquer participação ou opção de

compra em empresas investidas pela empresa em que estivessem empregados.

Na prática, representantes da ARDC recebiam como remuneração um salário e um

bônus baseado nos resultados obtidos pelos investimentos realizados. Charles Waite, por

exemplo, foi um investment officer da ARDC e obteve sucesso no investimento realizado na

Optical Scanning, partindo de um aporte de alguns milhares de dólares em duas rodadas de

investimento para uma saída de 10 milhões de dólares para a ARDC. Após 4 anos de trabalho

no projeto, a ARDC pagou um bônus de 2 mil dólares ao seu funcionário. Meses mais tarde,

ele se desligou da empresa para ingressar em uma empresa do Vale do Silício (HSU;

KENNEY, 2005, p. 609).

Com o surgimento de novas empresas e diferentes formatos de investimento, os

salários e bônus pagos pela ARDC ficavam cada vez mais defasados, estando muito abaixo

dos oferecidos pelo mercado, em especial na região do Vale do Silício na Califórnia. Segundo

o general Georges Doriot, a Securities Exchange Commission (SEC), autoridade regulatória

do mercado de capitais, não conseguia compreender que a restrição regulatória imposta pelo

Investment Company Act afetava a competitividade da ARDC. Nas palavras do general:

A SEC nunca entendeu, e eu acredito que nunca houve um esforço para a

compreensão dos problemas de remuneração de pessoal da ARDC. É difícil

convencer indivíduos talentosos, em especial os mais jovens, a trabalhar na

ARDC quando você não pode oferecer opções. Foi especialmente difícil

explicar para os agentes de investimento da ARDC porque eles teriam de

trabalham duro para o portfólio da ARDC ao invés do portfólio de uma

empresa que poderia lhe oferecer opções.45

Essas restrições se tornaram ainda mais severas para a ARDC durante a década de

1960, quando as empresas de investimento do Vale do Silício começaram a apresentar os

primeiros resultados positivos de seus investimentos, atraindo profissionais da ARDC e de

outras empresas de investimento da região de New England que atuavam sob o mesmo

formato da ARDC. Some-se a esse cenário o auxílio financeiro governamental recebido por

empresas de investimento que assumissem o formato de SBIC, podendo oferecer para os seus

45

Tradução nossa do trecho original: “SEC never understood, and I believe never made an effort to understand

the problems of compensation of ARD personnel…It is difficult to convince top quality individuals, particularly

younger ones, to work for ARD when it could not offer options. It was especially difficult to explain to ARD’s

investment officers why they should work so hard for an ARD portfolio company instead of a portfolio firm

where they could receive options.” Ver em: (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

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funcionários a possibilidade de participação nos resultados de empresas investidas como parte

de sua remuneração (HSU; KENNEY, 2005, p. 609).

Vale observar que Joseph Powell, braço direito do general Georges Doriot na

ARDC, é um exemplo disso. Presente desde o início das operações de investimento da

ARDC, o profissional se desligou da empresa para criar a sua própria, a Boston Capital

Corporation, uma SBIC, competindo diretamente com a ARDC na região de New England

durante toda a década de 1960. Assim como no caso de Powell, a ARDC foi perdendo seus

investment officers para novos concorrentes ou para a possibilidade de empreender no

mercado de investimento (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

Nesse cenário, alterar a qualificação jurídica da ARDC não seria um processo

simples. A captação de recursos via o mercado de ações condicionava a ARDC a permanecer

como uma closed-end investment company. Os obstáculos à mudança serviam como uma

forma de proteção os detentores de ações da empresa e das empresas que haviam sido

investidas por ela. Além disso, parte dos sócios da empresa não concordava com uma

reestruturação da empresa, discordando sobre o modelo a ser perseguido (HSU; KENNEY,

2005, p. 610).

A dificuldade de retenção de talentos foi se transformando em uma mudança no

perfil dos profissionais responsáveis pela seleção de empresas nascentes a serem investidas

pela ARDC. A busca por empresas que estivessem buscando desenvolver novas tecnologias,

produtos que poderiam inaugurar um novo mercado, foi substituída por escolhas mais

conservadoras de investimento em empresas que atuassem em setores estabelecidos.

Em um memorando interno escrito em 1964, Georges Doriot critica a postura de

novos funcionários da ARDC em não buscar empresas que procuram explorar novas ideias,

projetos que possam se basear em conhecimento novo, novas tecnologias. O general comenta

que os projetos que alcançaram a sua mesa representam o que chamou de conhecimento

antigo, old knowledge. Em um memorando interno de 1965, o general comenta que não via

mais interesse pelo novo por parte de funcionários da ARDC. O cuidado de outros momentos

não fazia mais parte do comportamento dos membros da ARDC, prejudicando os seus

investimentos (GUPTA, 2004, Kindle Edition).

Diante das limitações regulatórias e competitivas, a ARDC foi vendida em 1973

para a Textron, que não prosseguiu com as atividades de investimento em empresas nascentes,

transformando a ARDC em uma subsidiária para a realização de outros investimentos da

empresa. Mesmo com o fim da ARDC, enquanto primeira investidora de venture capital, os

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101

efeitos de seu modelo e da atuação de um de seus fundadores, o general Georges Doriot,

influenciaram profundamente a evolução do setor e o seu crescimento no Vale do Silício.

Uma importante fonte de difusão do modelo de investimento da ARDC, que

conferiu o primeiro formato ao que chamamos de venture capital, foram os cursos oferecidos

pelo general Georges Doriot na faculdade de administração da universidade de Harvard, em

particular o curso intitulado de Manufacturing. Nesse curso, um dos tópicos tratados era como

o investimento em empresas nascentes de base tecnológica deveria ser estruturado,

ressaltando os aportes financeiros por estágios de crescimento da empresa e a participação

ativa do investidor (HSU; KENNEY, 2005, p. 600).

Muitos de seus alunos se tornaram investidores de venture capital, contudo, a

maior parte deles na região do Vale do Silício na Califórnia. Arthur Rock, por exemplo, aluno

da classe de 1951 do general Georges Doriot, depois de uma carreira em um banco de

investimento em Nova York (Hayden, Stone & Company), criou a sua empresa de venture

capital no Vale do Silício em 1965 (Davis & Rock), sendo um dos primeiros investidores em

empresas como a Intel Corporation, Scientific Data Systems, Teledyne, dentre outras (HSU;

KENNEY, 2005, p. 600).

Em 1962, a ARDC participou da criação de diversas empresas de venture capital

no Canadá e na Europa, como parte de uma estratégia do general Doriot para disseminar o

modelo de investimento em empresas nascentes. Além de dar palestras e frequentar reuniões

com profissionais da ARDC, Doriot oferecia treinamentos para capacitar profissionais de

empresas parceiras da ARDC no Canadá e na Europa, sinalizando a possibilidade de

realização de investimentos em conjunto.

O legado da ARDC é o da criação de uma nova modalidade de investimento para

o financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. Mesmo que o modelo atual de

investimento não seja o mesmo que o praticado pela ARDC, foi a empresa que estabeleceu

por suas práticas quais seriam as características que definiriam o que viria a ser chamado de

venture capital. Entender a formação e trajetória da ARDC nos auxilia a compreender o

porquê de o venture capital apresentar tais características.

3.1.2 Os pioneiros do Vale do Silício e as Small Businness Investment Companies

(SBICs)

A associação entre a formação de empresas nascentes de base tecnológica na

região do Vale do Silício na Califórnia e a busca por um financiamento baseado em

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102

participação societária é um fenômeno que tem início no começo da década de 1950

(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 105). Indivíduos com uma trajetória no mercado financeiro

da Costa Leste e engenheiros com uma carreira no setor industrial passaram a formar projetos

de empresas que seriam financiadas a partir de uma nova modalidade de investimento, mais

adequada ao contexto de uma empresa recém-formada e voltada ao desenvolvimento de novas

tecnologias.

É válida a observação de que Frank Chambers, formado na Escola de

Administração da Universidade de Harvard em 1939, ex-aluno do general Georges Doriot, foi

um desses indivíduos que iniciou operações de investimento na região do Vale do Silício. A

partir de recursos próprios familiares e de empréstimos bancários, Frank Chambers criou sua

própria empresa nascente na década de 1940, a Magna Power Tools, vendida para a Sears

Roebuck em 1950, convertendo o retorno obtido na venda no investimento em empresas como

Signboard Trim em 1956 e Guardian Packaging no ano seguinte (KENNEY; FLORIDA,

2000, p. 105).

Enfatiza-se que Reid Dennis, também formado em administração, dedicou o início

de sua carreira à gestão dos investimentos da Fireman’s Fund Insurance Company (FFIC),

fundo de pensão de bombeiros na região da Costa Leste dos Estados Unidos da América. Da

mesma forma que Chambers, Reid Dennis ganhou experiência observando o modelo de

investimento da ARDC e buscava desenvolver o mercado de investimentos em empresas

nascentes de base tecnológica. Os resultados da ARDC na DEC e o seu investimento bem-

sucedido em uma empresa chamada Ampex, via FFIC, encorajaram-no a criar sua própria

empresa de investimento na década de 1950 (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

O início da década de 1950 marca o começo da formação da primeira rede de

investidores em empresas nascentes na região do Vale do Silício, o que veio a ser conhecido

como “O Grupo” (The Group), um conjunto de jovens e ricos investidores que tiveram como

principal foco o investimento em pequenas empresas intensivas em desenvolvimento

tecnológico (small technology-intensive start-ups) na região de Palo Alto, na Califórnia. Anos

mais tarde, o grupo composto por Reid Dennis, Frank Chambers, William Bryan, William

Edwards, William K. Bowes e Daniel McGanney formou as empresas que estruturariam a

maior parte dos investimentos de venture capital no Vale do Silício (SCARUFFI, 2016,

Kindle Edition).

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103

Todavia, o ambiente do Vale do Silício, mesmo com oportunidades de

investimento46

, não dispunha de um modelo de investimento capaz de dar um padrão para o

financiamento de empresas nascentes na região. Mesmo que muitos investidores se

inspirassem no modelo da ARDC, adaptações e mudanças eram muito frequentes nos

investimentos. Com exceção da empresa Draper, Gaither and Anderson (DGA), fundada em

1959, que criou o seu próprio modelo de investimento, a Limited Partnership, foi apenas com

o Small Business Act promulgado em 1958 que investidores do Vale do Silício passaram a se

orientar segundo um mesmo referencial (KEENEY, FLORIDA, 2000, p. 106).

A criação de uma lei de fomento ao investimento em empresas de pequeno porte

já havia sido tema de governos estaduais nos Estados Unidos da América. Assim como o New

England Council, o Estado da Califórnia buscava alternativas para o crescimento da região e

tratava o financiamento de empresas nascentes como um tópico estratégico para o

desenvolvimento regional. Entre diversas discussões ao longo da década de 1940, o tema foi

objeto de análise do relatório da California State Reconstruction and Reemployment

Commission, que reforçava a necessidade de institucionalização do investimento de venture

capital como uma das alternativas para o investimento em empresas nascentes. Nas palavras

do autor do relatório, o Professor da Universidade da Califórnia Paul Wendt:

O mercado para o financiamento via participação societária de pequenas

empresas na Califórnia é predominantemente caracterizado como local e

informal. Bancos de Investimento, que ocupam uma posição central no

46

A região do Vale do Silício era apontada como uma região repleta de oportunidades de investimentos por

quatro fatores: (i) presença de instituições de ensino e pesquisa como a Stanford University e a Berkeley

University, capazes de gerar uma mão de obra disposta e com as condições de conduzir atividades de pesquisa e

desenvolvimento em empresas; (ii) disponibilidade de capital de famílias abastadas da região, que começavam a

acreditar que investir em empresas de tecnologia poderia ser uma forma de diversificação de seus investimentos;

(iii) presença do Departamento de Defesa como um contratante e como comprador de novas empresas

desenvolvedoras de novas tecnologias; e (iv) primeiras empresas nascentes da região obtendo resultados

extraordinários advindos de sua abertura de capital na Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock

Exchange). Em 1956, a empresa Varian Corporation, uma das pioneiras no desenvolvimento de máquinas de

raio-X, abriu o seu capital na Bolsa de Valores de Nova York com resultados bem acima da média de

investimentos realizados na época. No ano seguinte, a Hewlett Packard (HP), empresa desenvolvedora de

equipamentos eletrônicos, criadora do modelo 200B, um oscilador de áudio de baixo custo e sucesso de vendas,

também lançou com sucesso as suas ações de sua empresa na Bolsa de Valores de Nova York. Em 1958 foi a vez

da Ampex, empresa fabricante de produtos eletrônicos, repetindo o sucesso de suas antecessoras. Fredrick

Emmons Terman (chamado de Fred Terman), Diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Stanford

teve participação na formação e desenvolvimento das três empresas. Na Varian Corporation, Fred Terman foi

convidado por seus ex-alunos, Russell varian, Sigurd Varian e William Hansen para compor o Conselho de

Administração da empresa (Board of Directors) e participar dos projetos envolvendo o Departamento de Defesa

norte-americano, em particular a adaptação do Klystron, aparelho de micro-ondas da empresa, para usos

militares. Na HP, o professor foi convidado por um ex-aluno, David Packard, para participar do Conselho da

empresa e servir de consultor para a equipe de pesquisa em projetos específicos. Na Ampex, Fred Terman além

de compor o Conselho, também apresentou os fundadores da empresa para seus primeiros investidores, Joseph e

Henry Mcking, que adquiriram 50% de participação na Ampex pelo valor de 365 mil dólares, sendo considerado

um dos primeiros investimentos de venture capital realizados na região (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

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104

financiamento por participação societária e por dívida em grandes

corporações, não são uma fonte importante de capital para pequenas

empresas. Consequentemente, os recursos para o investimento baseado em

participação societária são obtidos pelos fundadores da empresa nascente e

vendidos em formato de ações de suas empresas privadamente para amigos,

parentes ou seus conhecidos.47

No relatório há menções a esforços de investimento em empresas nascentes da

região, contudo, ainda pouco estruturadas. Segundo o Professor, esforços como os da ARDC

na Costa Leste, de empresas como Industrial Capital Corporation e Pacific Coast Enterprises

Corporation na Costa Oeste se manifestavam de maneira isolada, e necessitavam de auxílio

governamental para ampliar o número de investimentos em empresas nascentes, o volume dos

valores aportados e a quantidade de empresas de investimento no setor. O relatório, assim

como a pressão de empresas de investimento, teve um importante papel na elaboração e na

aprovação do Small Business Act (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

Como uma lei federal, o Small Business Act criava benefícios para empresas de

investimento dispostas a investir em empresas nascentes de base tecnológica nos Estados

Unidos da América. Empresas de investimento poderiam requisitar para a Small Business

Administration (SBA) a sua qualificação como uma Small Business Investment Company

(SBIC), tendo benefícios para a realização de seus investimentos em empresas nascentes.

Para a aprovação do pedido de qualificação como uma SBIC, a empresa de

investimento deveria demonstrar que havia captado no mínimo 150 mil dólares, disponíveis

em uma conta bancária, pelos quais poderia receber uma alavancagem de até 200% sobre esse

valor em recursos públicos federais, oferecidos por meio de operações de dívida (empréstimos

e emissão de debêntures não conversíveis) com juros de no máximo 5% ao ano e 20 anos para

serem pagos. Para captações maiores do que 150 mil dólares, os valores de alavancagem

decresciam proporcionalmente (HSU; KENNEY, 2005, p. 603).

Além da possibilidade de alavancagem com recursos públicos, o Small Business

Act criava benefícios fiscais para o investimento feito por empresas qualificadas como SBIC

em empresas nascentes, reduzindo o imposto de renda de até 90% sobre os lucros obtidos em

operações de investimento em ações para 25%. A lei federal criou o cenário ideal para o

impulsionamento da multiplicação de empresas de investimento de venture capital no formato

SBIC.

47

Tradução nossa do original: “The market for equity capital for the small enterprise in California is dominantly

local and informal in character. Investment bankers, who occupy a key position in furnishing equity and loan

capital to large corporations, are an unimportant source of equity capital to the small concern. Consequently,

equity funds are obtained through investment of owners’ savings and sale of stock privately to friends, relatives,

and associates. Ver em: (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 104).

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105

Uma vez qualificada, a empresa de investimento ficaria submetida às regras

previstas na lei federal, que dispunham sobre deveres da empresa com seus investidores e com

o governo dos Estados Unidos da América, restrições de captação de recursos após o

investimento na empresa nascente, cenários de conflito de interesse, prestação de informação

sobre investimentos dentre outros.

Além disso, foi o primeiro diploma legal a definir empresa de investimento de

venture capital e empresa objeto do investimento, ou em sua definição development

companies, empresas de investimento que promovem e auxiliam no crescimento de empresas

de pequeno porte, que não apresentem uma avaliação superior a 6 milhões de dólares ou uma

média de faturamento de mais de 2 milhões de dólares em seu último ano de operações (Small

Business Act, Definitions, 12, A, i e ii).

Na prática, o Small Business Act criou um modelo institucional para o

investimento de venture capital nos Estados Unidos da América, congregando benefícios

fiscais, captação de recursos privados e dívida pública em condições favoráveis para

investidores. No final de 1959, era difícil encontrar empresas de investimento no Vale do

Silício e na região de New England que não estivessem sob o formato de SBIC (KENNEY;

FLORIDA, 2000, p. 107).

Nesse cenário, Frank Chambers foi um dos primeiros a qualificar a sua empresa

de investimento, a Continental Capital Corp. Sutter Hill, como uma SBIC. A empresa havia

sido constituída para investir no mercado imobiliário da Califórnia, mas os benefícios

oferecidos pelo Small Business Act fizeram com que o investidor alterasse o foco de

investimentos da empresa. Assim como ele, no mesmo ano Bill Draper e Franklin Johnson,

ex-alunos do general Georges Doriot, também converteram as suas empresas de investimento

em SBICs. Até o Bank of America, banco comercial que não tinha investimentos em empresas

nascentes, criou em 1959 uma empresa específica para qualificá-la como uma SBIC

(SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

Então, entre 1959 e 1968, o SBIC se tornou a principal estrutura organizacional

para o investimento em empresas nascentes nos Estados Unidos da América, concentrando-se

nas regiões do Vale do Silício e de New England. Segundo Dado P. Banatao e Kevin A. Fong

(2000, p. 297), a criação do Small Business Act profissionalizou investidores e

institucionalizou o formato de empresas de investimento de venture capital.

Em 1962, por exemplo, os investidores que compunham o chamado “Grupo”,

criaram a Western Association of Small Business Investment Companies, associação de SBICs

com atuação na Costa Oeste dos Estados Unidos da América. As empresas de investimento

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106

que compunham a associação já eram responsáveis pela captação de grandes volumes de

capitais de fundos de investimento de famílias abastadas da região, bem como de fundos de

endowments universitários (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

Ao lado das captações privadas, entre 1958 e 1969, o governo dos Estados Unidos

da América investiu pouco mais do que três bilhões de dólares em empresas nascentes via

recursos disponibilizados pela SBA para empresas qualificadas como Small Business

Investment Companies. A cada dólar captado no âmbito privado, o governo norte-americano

desembolsava até dois dólares para o investimento em empresas nascentes (NOONE;

RUBEL, 1970, p. 52).

Salienta-se que Piero Scaruffi (2016, Kindle Edition) aponta que para os pioneiros

do investimento de venture capital no Vale do Silício e na região de New England a principal

contribuição do Small Business Act foi a sua capacidade de capitalizar diversos investidores e

canalizar seus interesses para empresas nascentes. Bill Draper, um dos primeiros investidores

de venture capital da Costa Oeste, comentou que nunca teria ingressado no investimento de

venture capital se não fossem pelas vantagens oferecidas pelo Small Business Act

(SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

Mesmo ainda em vigor, o Small Business Act e a o formato de SBICs foram

perdendo relevância para o investimento de venture capital a partir do final dos anos 60,

sendo substituídos pelo modelo de limited partnership. Diversas razões podem ser apontadas

para explicar o progressivo abandono do modelo previsto no Small Business Act. A primeira

delas foram os diversos casos de constituição de SBICs com desvio de finalidade, a

qualificação de empresas como SBICs que não investiam em empresas nascentes, estando

interessadas apenas nos benefícios fiscais e nos recursos oferecidos pela SBA (KENNEY;

FLORIDA, 2000, 109).

Outro motivo levantado foi a percepção de empresas de venture capital,

qualificadas como SBIC, de que as exigências regulatórias de prestação de informações para a

SBA, as dificuldades no trato com a burocracia da instituição e a constante mudança nos

requisitos de captação de recursos seriam entraves significativos para o seu crescimento em

novas operações de investimento. Após o auxílio governamental, muitas empresas de venture

capital já se viam capazes de operar de forma autônoma, sem depender dos recursos da SBA

(KENNEY; FLORIDA, 2000, 109).

Todavia, David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 605) afirmam que o abandono

progressivo do formato SBIC ocorreu pelas vantagens que o modelo de limited partnership

oferecia para empresas de venture capital no período. Segundo os autores, o modelo de

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107

limited partnership oferecia a possibilidade de maior retorno financeiro se comparado com o

modelo da ARDC e maior autonomia na gestão e emprego de recursos captados em

comparação com a SBIC. A partir da década de 1970, a limited partnership se tornou a

principal estrutura institucional para o investimento de venture capital nos Estados Unidos da

América.

3.1.3 O Vale do Silício e o Modelo de Limited Partnership

O modelo de limited partnership foi criado pela empresa de venture capital

Draper, Gaither, and Anderson48

(DGA) em 1959 em Palo Alto na Califórnia. Em uma

entrevista para Martin Kenney (2011, p. 1698), Julia Stern, advogada tributarista que atuava

na região do Vale do Silício na época, relata que a ideia do modelo foi inspirada no

financiamento de empreendimentos arriscados da indústria do petróleo, em que se

disponibilizavam valores para extração de recursos em determinadas regiões do território

norte-americano, sem a certeza de que haveria petróleo na região. Mesmo com estudos e

prospecções, havia um alto grau de incerteza para o aporte de recursos em empreendimentos

de extração de petróleo nos Estados Unidos da América na primeira metade do século XX.

No modelo de limited partnership criado pela DGA havia duas figuras

fundamentais, o limited partner (LP), entidade (e.g. fundos de pensão, bancos de

investimento, endowments universitários, etc.) que disponibiliza os recursos para o

investimento da empresa de venture capital com a expectativa de retornos extraordinários

advindos do conjunto dos investimentos realizados pela empresa, e o general partner (GP), o

gestor dos recursos financeiros, profissional da empresa de venture capital responsável pela

seleção, monitoramento, auxílio e saída da empresa nascente (KENNEY, 2011, p. 1968).

Entre LP e GP é celebrado um contrato de investimento, em que se definem os

direitos e obrigações que cada um deles terá durante o período de investimento. No acordo,

48

Os criadores da DGA já possuíam larga experiência no setor financeiro. William H. Draper III. antes de fundar

a DGA havia construído sua carreira como gestor de investimento no banco Dillon Reed, tendo servido também

durante a II Guerra Mundial como assessor para assuntos econômicos do governo norte-americano. Em 1948, ele

se tornou subsecretário das forças armadas, também ocupando a presidência da Mexican Power and Light no

início dos anos de 1950. O general Frederick L. Anderson, foi por muitos anos o comandante do oitavo

esquadrão anti-bombas do exército norte-americano, dedicando a sua aposentadoria ao mercado de investimentos

em empresas nascentes no final dos anos de 1950. Horace Rowan Gaither Jr., construiu a sua carreira na

advocacia ao longo das décadas de 1940 e 1950 em empresas como a RAND Corporation, sendo o primeiro

presidente do conselho de administraçãoo da MITRE Corporation no começo dos anos de 1950. Para mais

detalhes sobre a história dos criadores da DGA, ver em: (KENNEY, 2011, p. 1699)

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LP e GP se tornam parceiros em um empreendimento, no investimento em empresas

nascentes por um período determinado de tempo, tendo cada um uma parcela sobre os

resultados obtidos quando da saída da empresa de venture capital, a general partner, das

empresas nascentes investidas, transformando as suas participações em recursos financeiros.

Os recursos dos LP são oferecidos à empresa de venture capital em um acordo de

investimento com prazo de início e data de encerramento, o que veio a se chamar de ciclo de

investimento. A partir dos recursos disponibilizados pelo LP, o GP irá realizar investimentos

em empresas nascentes, auxiliando-a em sua trajetória de crescimento. Nesse processo, o LP

não terá qualquer poder de ingerência sobre o GP para definir que empresas serão investidas e

quais medidas devem ser tomadas para o fomento do desenvolvimento da empresa nascente,

cabendo-lhe aguardar os resultados obtidos ao final do ciclo de investimento.

No modelo da DGA, a empresa, na posição de general partner, detinha 40% de

participação sobre os resultados obtidos por seus investimentos realizados em empresas

nascentes por um período de 5 anos, restando 60% de participação para os LPs, entidades que

haviam disponibilizados os recursos financeiros para tanto. Além da participação nos

resultados obtidos nos investimentos, cada um da equipe de investimento da DGA recebia

como remuneração fixa o valor de 25 mil dólares anuais (KENNEY, 2011, p. 1698).

Após os 5 anos de investimento, todos os resultados financeiros obtidos deveriam

ser distribuídos aos LPs, cabendo apenas a eles a decisão sobre a realização de novos

investimentos por meio da celebração de um novo acordo com os GPs. Ao final do ciclo de

investimento, LPs poderiam receber o retorno financeiro das operações realizadas e não

reinvestir os valores, encerrando a sua relação com a empresa de venture capital, que poderia

buscar por novas fontes de recursos. Outro cenário possível seria o reinvestimento de parte

dos recursos obtidos em novas operações de investimento, renovando o acordo entre as partes.

A escolha pela Califórnia foi resultado da avaliação dos fundadores da DGA de

que a região do Vale do Silício teria um número grande de empresas nascentes com potencial

de crescimento, em especial pela presença da Stanford University na região e pela pouca

quantidade de investidores nas proximidades. O modelo era favorável à captação de recursos

na região, tendo em vista o pouco conhecimento sobre o Small Business Act em 1959 e o bom

relacionamento dos fundadores da empresa com empresários locais (KENNEY, 2011, p.

1699).

O foco inicial da DGA era o investimento em empresas nascentes criadas por ex-

alunos e professores da Stanford University, tendo como principal interlocutor o professor de

engenharia elétrica da universidade. Por meio da captação de recursos, projetos criados no

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contexto da faculdade de engenharia da universidade poderiam ser financiados, ampliando a

indústria de eletrônica na região. Com esse discurso, os fundadores da DGA foram capazes de

captar 6 milhões de dólares49

de diferentes tipos de investidores, implementando o seu novo

modelo de empresa de venture capital, a limited partership.

Pouco mais de um ano após a sua criação, boa parte dos investidores retiraram o

seu investimento da empresa. No início de 1960, Horace Rowan Gaither Jr., um dos

fundadores da DGA, foi diagnosticado com câncer, tendo que se afastar da empresa. Sem ele

na equipe da DGA, alguns dos investidores optaram por vender sua participação para

terceiros. Em novembro de 1960, o Rockfeller Brothers Inc. desfez seu investimento na

empresa, sendo acompanhado meses mais tarde pelo banco de investimento Lazar Freres.

(KENNEY, 2011, p. 1700).

A saída repentina de investidores pouco tempo após o início das operações da

DGA mostra o quão frágil e instável era o ambiente de investimento no Vale do Silício no

início dos anos de 1960. Os laços pessoais dos fundadores, em especial de Horace Rowan

Gaither Jr., mostraram-se críticos para garantir a permanência de alguns dos investidores da

DGA.

Ao longo de seus oito anos de operação entre a captação de recursos e o início de

suas operações de investimento, a DGA investiu em 23 empresas nascentes, sendo apenas 12

delas relacionadas com atividades de pesquisa e desenvolvimento. Em 1967 a empresa

encerrou as suas atividades, não tendo destaque por seus resultados (KENNEY, 2011, p.

1700).

A empresa é constantemente estudada pela literatura de financiamento de

empresas nascentes por ter inaugurado o modelo de limited partnership, adotado amplamente

por empresas de venture capital a partir dos anos de 1970. Segundo David H. Hsu e Martin

Kenney (2005, p. 605) o modelo apresentava pelo menos sete vantagens se comparado com o

proposto pelo Small Business Act e pela experiência da ARDC.

49

Martin Kenney (2011, p. 1968) aponta que foram 5 as fontes de recursos para a formação da DGA. A primeira

delas foi o investidor anjo Edward H. Heller, que disponibilizou 1.5 milhão de dólares para a DGA investir em

spin-offs da Stanford University. A segunda fonte de recursos foi o banco de investimento Lazar Freres, que

tinha um ótimo relacionamento com William H. Draper III, tendo participado de investimentos conjuntos na

época em que William H. Draper III trabalhava no banco Dillon Reed. A terceira fonte de recursos foi o

Rockfeller Brothers Inc., empresa destinada a investimentos em diversas áreas, disponibilizando 1.2 milhão de

dólares como parte de sua estratégia de diversificação. O quarto investidor da DGA foi a empresa Gadran

Corporation, empresa privada criada em Nova York para a realização de investimentos em setores de risco,

tendo investido na região de New England na década de 1950. A empresa investiu 1.2 milhão de dólares. Os 600

mil dólares restante foi aportado pelos fundadores da DGA, William H. Draper III, o general Frederick L.

Anderson e Horace Rowan Gaither Jr.

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110

A primeira vantagem do modelo de limited partnership é que ele oferecia a

possibilidade dos LPs, investidores da empresa de venture capital, não serem tributados no

momento da distribuição dos resultados dos investimentos realizados em empresas nascentes.

Nas empresas qualificadas como SBIC ou no caso do closed-end investment Company, como

a ARDC, o pagamento de dividendos aos acionistas era tributado com imposto sobre a renda

gerada. No caso da limited partnership, em que não havia a formação de uma estrutura

corporativa, mas sim a celebração de um contrato para a realização de um investimento

comum entre diversas partes (LPs e GP), não havia uma previsão explícita na legislação fiscal

para a tributação sobre as rendas obtidas nesse formato, permitindo a retenção integral dos

resultados sem tributação sobre a renda.

Outra vantagem do modelo é a flexibilidade na combinação entre remuneração

fixa, salários, e variável, baseada nos retornos obtidos nos investimentos realizados. Diferente

da ARDC, que combinava salários e bônus abaixo dos valores oferecidos no mercado, ou das

empresas qualificadas como SBICs, que tinham obstáculos regulatórios para a remuneração

de seus profissionais, a remuneração no modelo de limited partnership era definida no acordo

de investimento celebrado entre os limited partners e o general partner, podendo se adequar

aos contextos de maior ou menor oferta de capitais para investimento.

A existência de uma remuneração fixa independente do resultado dos

investimentos também é considerada como uma vantagem do modelo de limited partnership.

No caso da ARDC, os recursos para remunerar os funcionários da empresa nascente

financiada pela ARDC estavam ligados aos ganhos obtidos pela distribuição de dividendos

das empresas nascentes investidas, causando pressões contínuas de disponibilidade de caixa

para a ARDC. No modelo da limited partnership, a remuneração fixa dos funcionários da

empresa de venture capital é extraída dos recursos disponibilizados para o investimento,

sendo esse um custo da operação. Essa mudança reduziu a pressão sobre a empresa de venture

capital, pois ela poderia esperar por mais tempo para extrair resultados de seu investimento na

empresa nascente.

Diferentemente da ARDC e da SBICs, o modelo de limited partnership não se

utilizava de instrumentos de dívida como parte de suas operações de financiamento de

empresas nascentes, sendo capaz de atrair investidores que não buscassem retornos de curto

prazo ou pressionassem por distribuição de dividendos ou de juros de dívidas. Como o

modelo de limited partnership está integralmente estruturado na aquisição de participação

societária, o retorno sobre o investimento realizado ocorrerá apenas no momento da saída da

empresa de venture capital do investimento na empresa nascente.

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111

O modelo da limited partnership ainda foi capaz de conferir maior autonomia para

as empresas de venture capital, se comparado com as SBICs. Pela relação entre o GP e os

LPs, as decisões sobre em que empresa investir, qual o tipo de auxílio oferecido à empresa

nascente, quais serão as iniciativas de monitoramento, entre outras decisões durante o

investimento ficam a cargo da empresa de venture capital. Esse cenário é bastante diferente

do observado nas SBICs, que tinham na Small Business Administration um agente externo

que tinha poderes de intervir nos processos de investimento, exigindo documentos e até

justificativas sobre decisões tomadas pelos gestores.

A duração máxima do investimento criado pela limited partnership (inicialmente

de 5 anos na DGA, mas de 10 anos enquanto prática de mercado posterior) criou incentivos

para que a reputação da empresa de venture capital se tornasse um fator crítico para a

obtenção de novos recursos para o financiamento de novos projetos e para que os

investimentos fossem realizados em setores em que a trajetória de crescimento das empresas

nascentes não tomasse mais do que 7 ou 8 anos (e.g. eletrônica, tecnologia da informação,

biotecnologia, etc.).

O fato de a ARDC e das SBICs assumirem o formato corporativo, não tendo data

certa para o encerramento de seus investimentos, fez com que os empreendimentos perdessem

o horizonte sobre o momento de obtenção do retorno total sobre o investimento realizado. Em

muitos casos, apostava-se no retorno diluído a partir do pagamento de dividendos e juros, sem

se vislumbrar que esses pagamentos poderiam estar reduzindo a capacidade de crescimento da

empresa investida. Além disso, o modelo corporativo da ARDC e das SBICs fez com que

seus investimentos não se especializassem em setores específicos, em que seria possível

aprender com experiências passadas (sobre a duração média da trajetória de crescimento de

empresas, por exemplo).

Por fim, a última vantagem do modelo da limited partnership foi o fato de que os

recursos eram captados de uma vez só, não havendo novas chamadas durante o processo de

investimento. Hoje, a dinâmica de captação no modelo de limited partnership permite que os

GP requisitem mais recursos de seus LPs em determinadas rodadas de investimento, mas

quando esse modelo surgiu a captação única era vista como uma vantagem para as empresas

de venture capital, pois exigia-se uma menor mobilização de recursos por parte de

investidores. O investidor sabia de início qual o montante e por quanto tempo esse ficaria

imobilizado na empresa de venture capital.

Após a DGA, outras empresas de venture capital passaram a ser formadas como

limited partnerships. Em 1961, Arthur Rock e Thomas Davis criaram a sua empresa de

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112

venture capital no Vale do Silício, denominando-a de Davis & Rock (D&R). Os dois venture

capitalists captaram 3.5 milhões de dólares de empreendedores bem-sucedidos das empresas

Teledyne, Genreal Transistor e Fairchild, nas quais Arthur Rock havia participado do

financiamento de sua trajetória de crescimento. Segundo Martin Kenney (2011, p. 1699), o

histórico bem-sucedido dos investimentos e os laços pessoais entre Arthur Rock e os

empreendedores foram fundamentais para que a D&R fosse constituída como uma limited

partnership. Arthur Rock queria total controle sobre seus investimentos e ampla liberdade

para selecionar as empresas a serem investidas.

No acordo inicial, a repartição dos resultados obtidos nos investimentos seria de

20% para a D&R e 80% para os empreendedores dispostos a investir (KENNEY, 2011, p.

1701). A partir da experiência acumulada em outros investimentos, Arthur Rock e Thomas

Davis se concentraram exclusivamente em investimentos em empresas na área de eletrônica e

computação, voltadas ao desenvolvimento de novas tecnologias. Entre as investidas, a de

maior retorno foi a Scientific Data Systems, uma das primeiras a adotar circuitos integrados na

construção de computadores e a criar produtos com transistores de silício, tendo como

principal comprador de seus produtos a National Aeronautics and Space Administration

(NASA).

A D&R investiu 257 mil dólares na Scientifc Data Systems e após 7 anos de

investimento na empresa vendeu a sua participação e a de seus demais sócios para a Xerox

Corporation por 1 bilhão de dólares, encerrou as atividades do D&R em 1970, distribuindo

para cada um de seus investidores iniciais 94.5 milhões de dólares. O resultado chamou a

atenção de diversos investidores, atraindo o interesse para a região do Vale do Silício no

início dos anos de 1970 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 112).

Diferente da experiência da ARDC, que mesmo com os elevados retornos de seu

investimento na DEC recebia críticas pelas limitações de seu modelo de remuneração, os

retornos extraordinários obtidos pela D&R foram acompanhados da validação do modelo de

limited partnership, pois permitia que tanto os investidores quanto os venture capitalists

pudessem reter parcelas dos retornos elevados do investimento em empresas nascentes. A

participação nos resultados trazida pelo modelo de limited partnership foi percebida como um

mecanismo mais adequado para remunerar os venture capitalists do que o bônus da ARDC.

Além disso, a D&R também inaugurou um perfil novo para equipe de

investimento em empresa de venture capital, sendo a primeira a incorporar profissionais com

formação técnica em áreas como engenharia e ciência da computação. Esses profissionais se

mostraram importantes para a seleção e o acompanhamento das empresas investidas, tendo

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113

um papel importante também no contato com universidades da região, em particular com a

Stanford University.

Gradativamente, profissionais da ARDC e de SBICs passaram a adotar o modelo

de limited partnership. Na Costa Leste, a primeira limited partnership surge da saída de

William Elfers, funcionário da ARDC, em 1965, para criar a Greylock Partners com recursos

vindos de famílias da região de New England, com especial destaque para os fundos da

família de Thomas J. Watson, ex-presidente da IBM. A limited partnership se tornou a

referência para a expansão do investimento de venture capital como parte do financiamento

de empresas nascentes nos Estados Unidos da América, inspirando a adoção por outros países

anos mais tarde.

3.2 Expansão do venture capital no financiamento de empresas nascentes

A expansão do venture capital pode ser explicada a partir de dois movimentos: o

crescimento no número de empresas de venture capital na década de 1970, como uma

decorrência do interesse gerado nos investimentos da DEC e da Scientific Data Systems, e o

aumento no volume de recursos captados por empresas de venture capital a partir da década

de 1980, com mudanças legislativas importantes para permitir que fundos de pensão

pudessem investir parte de seu patrimônio em operações de venture capital.

Até o início dos anos de 1970, as operações de venture capital nos Estados

Unidos da América eram pequenas se comparadas com os investimentos realizados nos anos

de 1980. A gestão de recursos por empresas de venture capital não ultrapassava a média de 10

milhões de dólares, com poucas exceções que chegavam a alcançar o montante de 20 milhões.

O fluxo anual de recursos financeiros movimentados por empresas de venture capital nunca

ultrapassou 200 milhões de dólares, sendo em alguns anos inferior a 150 milhões de dólares

(GOMPERS, 1994, p. 10).

Entre 1968 e 1975, trinta novas empresas de venture capital foram criadas no

Vale do Silício, todas elas sob o modelo de limited partnership. Esse crescimento foi fruto de

um complexo processo de divisão de empresas de venture capital, bem como da formação de

spinoffs de empresas investidas, em que um empreendedor, após acumular recursos em sua

empresa nascente, passa a posição de venture capitalist, criando ou sendo incorporado em

uma empresa de venture capital (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 111).

Reid Dennis, por exemplo, deixou a empresa AMEXCO em 1974 e fundou a

Institutional Venture Associates em parceria com Burton McMurty, que havia criado a Palo

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114

Alto Investment anos antes. Em 1976, A Institutional Venture Associates foi dividida em duas

empresas, a Technology Venture Associates, de Burton McMurty, e a Institutional Venture

Partners, de Reid Dennis. No ano seguinte, a sociedade entre C. Richard Kramlich e Arthur

Rock foi desfeita para que C. Richard Kramlich fundasse a sua própria empresa de venture

capital, a New Enterprise Associates (NEA), também gerando novas empresas de venture

capital por iniciativa de ex-funcionários (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 111).

Executivos de bancos e empreendedores também passaram a formar empresas de

venture capital. O melhor exemplo disso foi a formação da Kleiner, Perkins, Caufield, and

Byers (KPCB) no início dos anos de 1970. Eugene Keiner, por exemplo, havia sido um dos

engenheiros que participou da criação e do crescimento da Fairchild Semiconductor

International Inc., enquanto que Thomas Perkins havia acumulado experiência como diretor

do departamento de pesquisa da Hewlett-Packard (HP) no início dos anos de 1960

(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 112).

Outro ex-funcionário da Fairchild Semiconductor International Inc. a criar sua

empresa de venture capital foi Donald Valentine, que em 1972 fundou a Capital Management

Services (CPS), mudando de nome alguns anos mais tarde para Sequoia Capital, uma das

maiores empresas de venture capital até hoje no Vale do Silício. A empresa ficou conhecida

por ter sido a primeira a realizar investimentos no mercado de vídeo games em 1975,

investindo 600 mil dólares na Atari Inc., vendida para a Warner Communications Inc. em

1976 por 30 milhões de dólares (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).

Ao mesmo tempo, algumas empresas de investimento da Costa Leste, em especial

de Nova York, deslocaram-se para o Vale do Silício para se aproximarem das empresas que

estavam operando no novo formato de limited partnership, buscando oportunidades de

investimento na região. Em 1968, a Bessemer Securities mudou a sua sede da cidade de Nova

York para a cidade de Palo Alto. Quatro anos mais tarde, foi a vez do Citicorp criar sua

empresa de venture capital (Citicorp Venture Capital Ltd.) no Vale do Silício e, em 1979, a

Adler Partners fez o mesmo (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).

As divisões de bancos criadas para atuar com investimentos de venture capital

também passaram a ampliar suas operações no Vale do Silício. Contudo, não foram os

resultados financeiros que marcaram a atuação de bancos como o Citicorp ou do Bank of

America na região, mas sim o seu papel de preparação de jovens venture capitalists. Durante

os anos 60 e início dos anos 70, era muito difícil que bancos pudessem concorrer com a

estrutura de remuneração criada pela limited partnership e mesmo pelo modelo do Small

Business Act. Nos investimentos realizados por venture capitalists de instituições financeiras,

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não havia a possibilidade de participação nos resultados obtidos na empresa nascente,

tornando pouco atrativa a posição de venture capitalist em instituições financeiras. Todavia,

jovens executivos utilizaram a posição como forma de aprendizado para a criação de suas

próprias empresas de venture capital (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).

Na década de 1970, por exemplo, 7 executivos da divisão de investimento do

Bank of America se deligaram da instituição financeira para criar as suas próprias empresas de

venture capital, 5 deles entre os anos de 1979 e 1980. No mesmo período, 23 executivos da

divisão de investimentos do Citicorp se tornaram venture capitalists em suas próprias

empresas no Vale do Silício (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).

Essas saídas constantes de executivos foram prejudicando as operações de

investimento dessas instituições. Se, por um lado, esses executivos ganhavam experiência

para compreender a estrutura e as etapas do investimento em empresas nascentes de base

tecnológica; por outro, muitos deles não permitiam com que os conhecimentos adquiridos nas

operações, bem como a reputação adquiridas durante os investimentos ficasse retida nas

divisões de investimento destes bancos. Boa parte dos conhecimentos e experiências obtidas

eram levadas para as novas empresas de venture capital, tornando os bancos atores de menor

impacto no setor de investimentos em empresas nascentes no período.

O período também foi marcado pelo surgimento dos primeiros fundos de

investimento de grande porte, também chamados de mega-funds: a Heizer Corporation e o

New Court Private Equity Fund, ambos criados em 1969. As duas entidades foram as

primeiras experiências de captação de altos volumes de recursos para o investimento em

empresas nascentes, servindo como primeira imagem do que viria a ser o porte de empresas

de venture capital na década de 1980. Ao contrário das limited partnerships do Vale do

Silício, com captações de recursos de empreendedores, endowments universitários e famílias

abastadas, ou as SBICs, dependentes de recursos governamentais, os dois mega-funds

atraíram investidores institucionais de grande porte, em especial fundos de pensão (KENNEY,

2011, p. 1701).

Não havia um formato específico para os mega-funds, tendo a Heizer Corporation

se inspirado no formato da ARDC e o New Court Private Equity Fund assumido o modelo da

limited partnership. No entanto, o que caracterizou as duas entidades foi a sua capacidade de

atrair grandes volumes de recursos financeiros de atores que ainda não faziam parte do

investimento de venture capital, em particular os fundos de pensão. Até a criação dos mega-

funds, o investimento em empresas nascentes não era considerado como uma alternativa de

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116

investimento destes agentes, tendo-se dúvidas se seria possível que fundos de pensão

aportassem recursos em setores de maior risco (GOMPERS, 1994, p. 16).

A Heizer Corporation, fundada pelo executivo Edward F. Heizer em Chicago,

surgiu inspirada nos resultados da ARDC em seu investimento na DEC. Seu fundador havia

dedicado anos de trabalho na divisão de investimento da seguradora Allstate e havia realizado

alguns investimentos em empresas nascentes no início dos anos 60 pela seguradora. A divisão

teve bons resultados50

em seus investimentos em empresas nascentes como a Memorex,

Scientifc Data Systems e Teledyne realizados no Vale do Silício em parceria com a D&R.

(KENNEY, 2011, p. 1701).

Na Allstate, Edward F. Heizer foi capaz de com apenas 4% dos recursos

financeiros da empresa gerar retornos que compreenderam 50% dos lucros dela durante os

anos de 1962-1969. Por um breve período, os investimentos de venture capital representaram

o maior retorno de investimentos realizados pela seguradora, concorrendo com a sua atividade

principal, os serviços de seguro. Porém, mesmo tendo trazido resultados significativos, a

Allstate não alterou a estrutura de remuneração de seus executivos, não permitindo que eles

tivessem participação em nenhum dos resultados obtidos, criando uma insatisfação que teve

como consequência a saída de vários deles da empresa (KENNEY, 2011, p. 1701).

Diante dos resultados obtidos na Allstate, Edward F. Heizer foi capaz de captar 81

milhões de dólares, entre os anos de 1969 e 1970, de diversos investidores, muitos deles sem

qualquer experiência no mercado de venture capital. Entre os seus investidores estavam doze

companhias seguradoras, não incluída a Allstate, seis bancos comerciais, dois bancos de

investimento, o American Museum of Natural History, o Art Institute of Chicago, a Stanford

University, o State of Wisconsin Investment Board, a University of California, a University of

Chicago e a University of Rochester Endowments (KENNEY, 2011, p. 1701).

De 1970 a 1977, foram 32 empresas nascentes investidas, tendo 6 (Amdahl,

Commodore Corporation, Data 100 Corporation, Fotomat, Material Sciences Corporation e

SpectraPhysics) se destacado pelo seu crescimento e ofertado suas ações na Bolsa de Valores

Nasdaq no final de 1977. O retorno obtido apenas com essas 6 empresas foi de 121 milhões

de dólares para a Heizer Corporation, permitindo que ela realizasse mais uma captação de

50

Além dos investimentos realizados nas empresas nascentes Scientific Data Systems e Teledyne, já discutidos

na apresentação da D&R, a Memorex, empresa fabricante e distribuidora de fitas para computadores, recebeu um

investimento de 200 mil dólares durante a década de 1960. A partir destes recursos a empresa expandiu suas

atividades para fornecer periféricos e unidades de disco para computadores da IBM, ampliando suas operações

de venda por diversos estados norte-americanos. Em 1965 a empresa abre o seu capital com um preço inicial de

25 dólares por ação, fechando o dia de negociações com ações vendidas a 32 dólares, tendo sido vendida anos

mais tarde para a Burroughs Corporation fabricante de produtos eletrônicos por 8 milhões de dólares. Para mais

informações sobre a operação consulte: KENNEY, 2011.

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recursos bem-sucedida para investir em empresas como a Federal Express, a Precision

Instrument e a Southwest Airlines anos mais tarde (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).

Mesmo sem ter registrado perdas nesse período, o ingresso de fundos de pensão

em investimentos de venture capital foi objeto de controvérsias no início dos anos de 1970.

Além da recessão econômica causada pela primeira crise do petróleo entre os anos de 1973 e

1974, havia uma dúvida jurídica sobre a possibilidade de fundos de pensão investirem seus

recursos em setores de alto risco. A dúvida permaneceu até 1974, quando foi editada a

Employee Retirement Income Security (ERISA), lei norte americana que passou a regular a

atuação de fundos de pensão, criando a “prudent man rule”, ou regra do homem prudente,

para orientar as decisões de investimento de fundos de pensão (GOMPERS, 1994, p. 12).

Segundo a prudent man rule, gestores de fundos de pensão teriam que dispor de

seus recursos financeiros conforme um homem prudente o faria, evitando expor os recursos

financeiros sob sua responsabilidade a investimentos demasiadamente arriscados. Não havia

na ERISA uma indicação de parâmetro de risco para investimentos, cabendo aos gestores a

avaliação sobre o que considerariam como investimentos arriscados (GOMPERS; LERNER,

2001, p. 91).

Entre 1974 e 1979, o que se observou foi uma postura conservadora de gestores

de fundos de pensão, com a correspondente saída desses de investimentos de venture capital,

como, por exemplo, a State of Wisconsin Investment Board, fundo de pensão que fazia parte

dos investidores da Heizer Corporation. Além dos fundos de pensão, outros investidores

como fundos de famílias ricas e endowments universitários também adotaram uma postura

mais conservadora, tornando as captações de recursos mais difíceis nesse período

(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 92).

Em 1975, por exemplo, foram captados apenas 10 milhões de dólares para

investimentos de venture capital, tendo alguns venture capitalists dificuldades de tirar o seu

projeto de empresa de investimento do papel. O cenário de escassez de recursos para

investimento teve uma progressiva melhora com o crescimento de investimentos de famílias

ricas e ex-empreendedores ao longo dos anos de 1976 e 1977. Contudo, esse cenário foi

definitivamente alterado em 1979, quando o Department of Labor editou uma orientação de

flexibilização da prudent man rule presente na ERISA (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).

Pela orientação do Department of Labor, a prudent man rule deveria ser

interpretada restritivamente, não inviabilizando estratégias de diversificação de investimentos

de fundos de pensão. Assim, fundos de pensão estariam autorizados a mobilizar pequenas

frações de seus recursos financeiros, definindo-se um limite de até 10% do patrimônio, para

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investimentos de maior risco, como, por exemplo, os investimentos em empresas nascentes de

base tecnológica (GOMPERS, 1994, p. 13).

A participação de fundos de pensão nos investimentos de venture capital alterou a

escala dos investimentos. No início dos anos de 1980, fundos de pensão dispunham de pouco

mais do que 3 trilhões de dólares em investimentos, diluídos em diversos títulos. Gestores

buscavam ampliar as suas posições em investimentos de maior risco, buscando resultados

extraordinários. Segundo Paul A. Gompers (1994, p. 13), pessoas físicas eram a principal

fonte de recursos de empresas de venture capital em 1978, correspondendo a 32% de todos os

investimentos realizados. Dez anos mais tarde, em 1988, fundos de pensão já eram

responsáveis por 46% de todos os recursos disponibilizados para empresas de venture capital,

enquanto pessoas físicas representavam 8%. A tabela abaixo mostra esse crescimento.

Tabela 3.1 Captação de Recursos por meio de Empresas de Venture Capital

Ano da Captação

de Recursos

Número de Fundos de

Investimento criados por

Empresas de Venture Capital

Volume de

Recursos Captados

(Em milhões de dólares)

1978 23 482

1979 27 546

1980 57 1.407

1981 81 1.934

1982 98 2.359

1983 147 6.159

1984 150 5.466

1985 99 4.733

1986 86 5.001

1987 112 6.075

1988 78 4.199

1989 88 3.905

1990 50 2.831

1991 34 1.727

1992 31 2.271

1993 46 2.888

1994 80 4.171

1995 84 4.710

1996 80 7.924

1997 103 9.385

1998 161 19.717

1999 209 38.240

2000 228 69.741

Fonte: (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 93).

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O salto no volume de recursos disponível para investimentos de venture capital

alterou o comportamento das empresas de investimento no setor. Uma mesma empresa de

venture capital passou a ter a possibilidade de constituir mais de um fundo para seus

investimentos, captando recursos em maior quantidade e de fontes mais diversificadas. O

tamanho das limited partnerships também se ampliou, tendo a formação de mega-funds se

difundindo como prática de empresas de venture capital durante a década de 1980

(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).

Por um lado, a expansão do porte das empresas de venture capital e o seu

relacionamento com fundos de pensão impuseram uma formalização à relação entre empresa

de venture capital e empresa nascente de base tecnológica. Prestação de contas periódicas,

criação de rotinas de registro escrito de reuniões e relatórios, dentre outras medidas, tornaram-

se rotinas disseminadas nas operações de investimento de venture capital (GOMPERS, 1994,

p. 13). Por outro lado, a presença de fundos de pensão também criou pressões mais forte por

resultados no curto prazo, intervalos de 1 a 3 anos (LAKONISHOK et al., 1991; GOMPERS,

1994; GOMPERS; LERNER, 2001) em que gestores de fundo avaliam os resultados de cada

uma das empresas investidas.

Os laços pessoais entre investidores e venture capitalists se tornaram menos

importantes para as operações de captação de recursos, que passaram a ter como principal

referência os indicadores de histórico de investimento (investment track record) de cada uma

das empresas de venture capital, elaborados com base nos resultados de seus investimentos ao

longo da década de 1970 (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 94).

Mesmo que a segunda metade da década de 1970 tenha sido descrita como um

período de maiores dificuldades para a captação de recursos financeiros por parte de empresas

de venture capital, esse também foi o período de apresentação dos melhores resultados de

investimentos em empresas nascentes de base tecnológica até então. Segundo Paul A.

Gompers (1994, p. 13), o retorno médio anual de empresas de venture capital no período foi

de 25% ao ano, tendo como principal imagem da época os retornos obtidos em investimentos

na Apple Computer Company no início de 1980 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 115).

Criada em 1976 por Steve Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne, a empresa

recebeu seu primeiro investimento em 1978, tendo como investidores a Venrock Partners,

com um aporte de 288 mil dólares e 9.6% de participação, a Sequoia Capital, com 150 mil

dólares e 5% de participação, e o investidor Arthur Rock, com 57.600 dólares e 1.92% de

participação na empresa. O investimento conjunto na empresa foi uma resposta à dificuldade

de captação de recursos para investimento que marcou o período. Entre os anos de 1978 e

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1980, foram mais duas rodadas de investimento em que os investidores injetaram mais

recursos na Apple Computer Company, tendo como investimento de maior expressão o aporte

de 1 milhão de dólares feito pela Venrock Partner em 1979 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p.

115).

Na primeira rodada de investimento a empresa foi avaliada em 3 milhões de

dólares e foram pagos 9 centavos por cada uma de suas ações. Na rodada seguinte, foram

pagos 28 centavos por cada uma de suas ações e a empresa foi capaz de atrair 704 mil dólares

em investimentos. Na terceira rodada de investimentos, o preço pago por ação da Apple

Computer Company foi de 97 centavos, tendo obtido 2.3 milhões de dólares em

investimentos. No final de 1980, a empresa abriu o seu capital na Bolsa de Valores Nasdaq ao

preço de 22 dólares por cada uma de suas ações, tendo sido avaliada em 1.15 bilhões de

dólares (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 49).

Resultados como esse eram vistos como uma espécie de pote de ouro no final do

arco-íris para fundos de pensão. Gestores de fundos acreditavam que a maior disponibilização

de recursos potencializaria os ganhos obtidos nos investimentos realizados em empresas

nascentes, em especial as do Vale do Silício. O caso da Apple Computer Company tornou-se

referência para processos de captação, servindo para que as empresas envolvidas pudessem

crescer significativamente durante os anos 80 (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 50).

A própria localização atual das principais empresas de venture capital do Vale do

Silício foi consequência do processo de expansão do venture capital durante o período.

Originalmente, a maior parte das sedes das empresas de venture capital na Costa Oeste ficava

localizadas na cidade de São Francisco. Com a fragmentação de empresas durante a década de

1970, a escolha de diversos venture capitalists foi constituir as suas sedes na cidade de Palo

Alto, para ficarem mais próximas de empreendedores na região do Vale do Silício

(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 115).

A mudança para a cidade começou em 1972 com a instalação da KPCB na Sand

Hill Road, tendo sido acompanhada pelos membros do Grupo (Reid Dennis, William Bryan e

William Edwards), que também instalaram suas empresas na mesma rua. No final da década

de 1980, a maioria das empresas de venture capital dos Estados Unidos da América se

localizava na Sand Hill Road, criando uma associação direta entre a rua e o investimento de

venture capital. A expressão Sand Hill passou a se tornar sinônimo da comunidade de venture

capitalists do Vale do Silício (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 116).

Entre os anos de 1978 e 1983 foram constituídas 50 novas empresas de venture

capital em Sand Hill Road, ocorrendo um deslocamento significativo de empresas da costa

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leste para a região. TA Associates, J. H. Whitney, Greylock Partners, L. F. Rothschild e a

General Eletric Venture Capital são alguns exemplos de empresas de venture capital que se

mudaram para a mesma rua na cidade de Palo Alto na Califórnia. A concentração de empresas

na região facilitou inclusive os processos de captação, pois diversos fundos de pensão

passaram a ter profissionais dedicados a trabalhar com esses investimentos na região

(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 116).

A ampliação no número de empresas e no volume de recursos disponíveis para

investimento não foram acompanhados pelo crescimento no número de oportunidades de

investimento em empresas nascentes, marcando a década de 1980 como um período de perdas

significativas em investimentos de venture capital. Plexus Computer, Momenta, Dynabook

Technologies, MasPar Computer, Go Corporation, ON Technologies, Stellar Computer e

Ardent Computer são exemplos mais conhecidos de investimentos malsucedidos durante os

anos de 1980, o que foi apontado como um período de investimentos descuidados em setores

como desenvolvimento de discos rígidos e sistemas operacionais proprietários (KENNEY;

FLORIDA, 2000, p. 117).

O descuido era resultado da pressão de investidores, em especial dos fundos de

pensão, sobre os venture capitalists para que os recursos disponibilizados fossem aportados

em empresas nascentes. Segundo Paul A. Gompers (1994, p. 8) investimentos eram realizados

por empresas de venture capital sem uma avaliação cuidadosa sobre o plano de negócios

apresentado pela empresa e a tecnologia a ser desenvolvida. Além disso, a concorrência entre

as empresas de venture capital criou uma espiral de crescimento na avaliação do valor de

empresas nascentes, fazendo com que diversas empresas passassem a valer milhões de dólares

sem possuir sequer um protótipo.

A mesma empresa de venture capital, a KPCB, criou três fundos de investimento

entre 1978 e 1983, KPCB I, II, III, cada um deles concorrendo com outros fundos criados por

outras empresas de venture capital. Cada um desses fundos era chamado de mega-fund por ter

milhões de dólares para investimento, quantias maiores do que empresas de venture capital

eram capazes captar na década anterior (GOMPERS, 1994). Em 1988, o venture capitalist

Arthur Rock comentou a mudança:

O negócio está mudando gradativamente por causa do volume de recursos

financeiros que os fundos de venture capital conseguiram captar pelos

últimos 7 ou 8 anos. Com os megafunds eles têm de investir os recursos

captados, e como resultado eu acredito que venture capitalists estão se

tornando mais administradores de portfólio do que realmente venture

capitalists... Existem todos estes fundos, todo este dinheiro disponível para

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122

estes fundos, é literalmente impossível gastar tempo com as empresas

investidas... Se você tem 3 ou 4 sócios você não tem muito tempo para gastar

com cada empresa nascente. As empresas de venture capital precisam

demonstrar resultados para captar mais recursos financeiros, desta forma elas

continuam forçando o investimento nestas empresas nascentes.51

Gradativamente, empresas de venture capital passaram a buscar por investimentos

de maior porte. Com mais recursos financeiros e demandas por resultados no curto prazo,

venture capitalists voltaram o seu interesse para o investimento em empresas mais avançadas

em seus estágios de crescimento, passando a aportar recursos em projetos de expansão e

comercialização de produtos e não mais em estágios iniciais do negócio ou até mesmo na

formação da empresa nascente. Investimentos inferiores a 1 milhão de dólares não eram mais

realizados por venture capitalists, da mesma forma que a prática de investimento conjunto

entre empresas de venture capital passou a não ser mais observada a partir dos anos de 1980,

tendo em vista a presença de fundos de pensão nestes investimentos (KENNEY; FLORIDA,

2000, p. 117).

A pressão imposta pelo ingresso de fundos de pensão no contexto de

investimentos de venture capital desencadeou um processo de especialização no

financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. Desde sua formação, o

investimento de venture capital nos Estados Unidos da América financiava os diversos

estágios do crescimento da empresa nascente, tendo como diferencial a identificação do

potencial de crescimento da empresa nascente em sua fase inicial. A partir dos anos de 1980,

o investimento de venture capital passou a ocupar uma posição específica no financiamento

de empresas nascentes, a do financiamento de fases de expansão, comercialização de produtos

e serviços e da aquisição de outras empresas do mesmo setor (leverage buyout – LBO).

Para ocupar o espaço deixado por venture capitalists, ressurge a figura do

investidor anjo, a pessoa física disposta a investir na empresa nascente e auxiliá-la em sua

fase inicial de desenvolvimento, que estava presente antes da institucionalização e

profissionalização do venture capital como empresa de investimento em startups. O

investidor anjo passava a compor o seu quadro de investidores, se tornando um limited

51

O trecho foi retirado de uma entrevista realizada por Martin Kenney e Richard Florida em 1988 com o venture

capitalist Arthur Rock. Tradução nossa do excerto original: “Business is gradually changing because of the

amount of money that venture capital funds have raised for the last 7 or 8 years. With the megafunds they have

to get that money invested, and as a result I think the venture capitalists are becoming more portfolio managers

than actually venture capitalists… There are all these monies available in all these funds, it’s just literally

impossible to spend much time with the companies… If you have 3 or 4 partners you don’t have much time to

spend with each company… The venture capital companies need to show some results to keep on raising their

money, so they keep on pushing the companies.”. Ver em: KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 117.

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123

partner da empresa de venture capital, até voltar a ser uma das fontes de capital para a

empresa nascente.

Ao mesmo tempo, a transformação das empresas de venture capital criou um

espaço para a criação de fundos de investimento de capital semente, seed capital, que

preencheriam a posição até então ocupada por empresas de venture capital em investimentos

inferiores a 1 milhão de dólares em empresas que estivessem em sua fase inicial de

desenvolvimento.

Interessante notar que no início foram dissidências de empresas de venture capital

que com recursos próprios criaram os fundos de capital semente como uma forma de não

perder oportunidades de investimento em empresas promissoras. O primeiro venture capitalist

a criar um fundo de capital semente foi Wally Davis em 1988, quando havia se desligado da

gestão de um dos fundos da Mayfield Fund. Wally Davis, ao lado de dois outros investidores,

captou 17 milhões de dólares para a formação da Alpha Partners, a primeira empresa

especializada em investimentos de capital semente em empresas nascentes (KENNEY;

FLORIDA, 2000, p. 118).

A média de investimentos da Alpha Partners era de 750 mil dólares por empresa

nascente, com o enfoque nos estágios iniciais da empresa. Tanto a Alpha Partners como

outras empresas de capital semente criadas posteriormente, Crosspoint Ventures e Onset

Partners, enxergava os seus investimentos como parte de um processo amplo de

financiamento da empresa nascentes, em que cada fonte de capital desempenharia uma função

e teria um ciclo próprio de entrada e saída da empresa nascente. Não por acaso, empresas de

capital semente vislumbravam como saída para seus investimentos em empresas nascentes a

entrada de uma empresa de venture capital, que em muitos casos adquiria a participação

destas empresas nas startups (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 118).

Paul A. Gompers (1994, p. 17) apresenta um levantamento que descreve a

redução gradativa da presença de empresas de venture capital no financiamento de empresas

nascentes em sua fase inicial e a ampliação de seus investimentos nas fases mais avançadas de

desenvolvimento de startups. A tabela abaixo mostra a porcentagem de capital investido por

empresas de venture capital nos Estados Unidos da América entre os anos de 1980 e 1988 por

estágio do financiamento de empresas nascentes.

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124

Tabela 3.2 Porcentagem de investimento de venture capital por estágio de financiamento de empresas

nascentes

Ano Fase Inicial Expansão & Comercialização

de Produtos

Aquisição de Concorrentes

(LBO)

1980 25.0% 75.0% 0.0%

1981 22.6% 77.4% 0.0%

1982 20.0% 68.0% 12.0%

1983 17.2% 70.8% 12.0%

1984 21.0% 67.0% 12.0%

1985 15.0% 69.0% 16.0%

1986 19.0% 58.0% 23.0%

1987 13.0% 69.0% 18.0%

1988 12,5% 67.5% 20.0%

Fonte: (GOMPERS, 1994, p. 17).

A passagem do venture capital para o financiamento de fases mais avançadas do

crescimento da empresa nascente responde à pressão imposta por fundos de pensão por

retornos no curto prazo. Empresas de venture capital, para manter seus níveis altos de

captação de recursos financeiros, optaram po migrar para investimentos maiores em empresas

mais maduras, pois acreditava-se que teriam uma maior probabilidade de gerar retornos

extraordinários do que investimentos menores em uma grande quantidade de empresas

nascentes em seus estágios iniciais de desenvolvimento (KENNEY; FLORIDA, 2000, p.

118).

É interessante mencionar que Paul A. Gompers (1994, p. 18) critica a mudança no

comportamento das empresas de venture capital durante os anos de 1980. Segundo o autor, a

redução dos investimentos de empresas de venture capital não foi integralmente substituída

por empresas de capital semente, reduzindo os recursos disponíveis para o financiamento de

estágios iniciais de empresas nascentes no período. Os bons retornos obtidos durante os

primeiros anos de 1980 foram resultado de projetos que surgiram na década anterior, nutrindo

um mercado de oportunidades para serem exploradas durante a década. Para Gompers, a

diminuição foi sentida no final da década de 1980, quando empresas de venture capital com

recursos disponíveis para investimento acusavam uma oferta limitada de oportunidades de

investimento em empresas nascentes.

Ao lado disso, a expansão do volume de capitais disponíveis para o investimento

de venture capital criou uma espiral de valorização de empresas nascentes, criando bolhas em

setores como o de desenvolvimento de discos rígidos. William A. Sahlman e Howard H.

(1985) Stevenson descrevem que 400 milhões de dólares foram investidos em 43 empresas

nascentes desenvolvedoras de discos rígidos entre o final dos anos de 1970 e início dos anos

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125

de 1980. Dois terços desses recursos foram investidos entre os anos de 1982 e 1984, sendo

que 800 milhões de dólares foram captados a partir da abertura do capital dessas empresas na

Bolsa de Valores Nasdaq.

Segundo os autores, enquanto o crescimento nas vendas de discos rígidos entre

1978 e 1983 foi de 27 milhões de dólares para 1.3 bilhões, questionava-se a avaliação

atribuída para cada uma das empresas do setor. Em 1983, as empresas investidas por

empresas de venture capital estavam avaliadas em 5.4 bilhões de dólares, não se sabendo ao

certo se todas prosperariam após a abertura de seu capital. No ano seguinte, o mercado de

produção de discos rígidos sofreu uma queda de 98%, e as empresas que haviam ingressado

na Bolsa de Valores Nasdaq tiveram suas avaliações reduzidas para 1.4 bilhão de dólares,

tendo em vista o excesso de oferta de discos rígidos no mercado norte-americano.

Ainda assim, isso foi considerado como um sucesso enquanto investimento de

venture capital, pois ofereceu retornos extraordinários para empresas venture capital e

investidores institucionais, como fundos de pensão, mas pode também ser considerado um

desastre enquanto financiamento produtivo via mercado de capitais, tendo em vista as perdas

registradas de pessoas e empresas que adquiriram as ações das empresas nascentes do setor de

produção de discos rígidos em 1983, que perdeu boa parte do seu valor em 1984.

Nesse sentido, Martin Kenney e Richard Florida (2000, p. 119) ressaltam que o

próprio perfil dos venture capitalists mudou durante os anos de 1980. Gestores de fundos de

investimento em outros setores, como o ramo imobiliário, migraram para posições em

empresas de venture capital, a maior parte deles sem experiência pregressa com esse tipo de

investimento ou com o contexto de desenvolvimento de empresas nascentes.

Empresas com apenas dois anos de existência, ainda não preparadas para ingressar

no mercado, eram pressionadas a abrir o seu capital em Bolsa de Valores por empresas de

venture capital ansiosas por novos processos de captação de recursos junto a investidores

institucionais. Bastava um bom resultado na abertura de capital da empresa nascente para que

novos processos de captação de recursos pudessem ser realizados junto a investidores

institucionais, gerando bolhas em determinados setores, como observado no setor de discos

rígidos (GOMPERS; 1994, p. 20).

No início da década de 1990 a exaustão do mercado já era sentida, conforme nota-

se na tabela 3.2, em que entre os anos de 1990 e 1994 o número de fundos criados cai

significativamente, de 88 em 1989 para 34 em 1991, bem como no volume de recursos

investidos, aumentando as dificuldades de captação por parte de empresas de venture capital.

A estratégia de investir em uma empresa nascente e abrir o seu capital em 2 ou 3 anos já não

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126

prosperava como na década anterior, sendo apenas retomada com a ascensão da internet a

partir da segunda metade dos anos de 1990.

Durante os anos de 1990, o volume de recursos disponibilizados para o

investimento de venture capital continuou a crescer. Contudo, esses recursos passaram a se

concentrar em um número menor de fundos de investimentos, especializados em

determinadas áreas do conhecimento como a tecnologia da informação e a biotecnologia.

Conforme pode se observar na tabela 3.2, se em 1987 foram constituídos 112 fundos de

investimento, mobilizando pouco mais de 6 bilhões de dólares, em 1997 eram 103 fundos de

investimento para pouco mais do que 9.3 bilhões de recursos financeiros captados.

O mesmo processo observado no final dos anos 80, exemplificado com os

investimentos no setor de desenvolvedores de discos rígidos, foi observado na crise das

empresas dot-com no final dos anos de 1990, fazendo com que alguns autores (GOMPERS;

LERNER, 2001; METRICK; YASUDA, 2011; KLONOWSKI, 2018) descrevessem o

investimento de venture capital a partir de ciclos de euforia e depressão ou de “booms and

burts”, atribuindo a criação de bolhas como uma decorrência do comportamento de empresas

de investimento.

Todavia, a novidade dos anos 1990 foi a ampliação de políticas públicas de

fomento ao venture capital em diversos países pelo mundo. O modelo de investimento

formado nos Estados Unidos da América passou a servir de inspiração para governos de

países como Israel, China, Índia, Canadá, Inglaterra e Brasil criarem políticas públicas de

fomento à formação de empresas de venture capital, bem como de atração de empresas

estrangeiras para investirem em seus mercados nacionais (LERNER, 2009), fenômeno de que

trataremos no próximo capítulo.

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127

4 GOVERNOS, INSTITUIÇÕES E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE

CAPITAL

VCs que já contaram vantagem por não ter de dirigir mais do que meia hora

para visitar uma empresa investida. Hoje, estão viajando para Austrália por

engenheiros óticos, para Israel para especialistas em segurança da

informação, para a Índia e para o Cazaquistão para programação de software,

para a Coréia do Sul para jogos online e para o Japão para microchips

gráficos. Para o crescimento além das fronteiras, China é o destino

obrigatório a se visitar.52

(BROWN, 2004)

4.1 O processo de internacionalização do venture capital

Guler e Guillén (2010, p. 187) descrevem o venture capital enquanto organização

e metodologia de investimento em uma instituição local, responsiva ao contexto econômico,

cultural e jurídico do país em que atua. Os autores descrevem que a invenção da gestora de

venture capital é fruto de um processo histórico que deu origem a uma metodologia de

investimento capaz de atrair grandes volumes de capital para o financiamento de empresas

repletas de incertezas, as startups.

A mobilização de capitais rumo ao venture capital nos Estados Unidos suscitou a

atenção de outros países. E mesmo em seus momentos iniciais, alguns países buscaram se

aproximar da experiência estadunidense para compreender qual o potencial desta

metodologia, e se seria possível o fomento da modalidade de investimento em seus cenários

nacionais. O Vale do Silício servia de foco de interesse mesmo quando ainda pairavam

dúvidas sobre qual o real potencial do venture capital no financiamento de empresas de alto

potencial de crescimento (AVNIMELECH, 2010, p. 104).

Ocorreram diversos experimentos nacionais de fomento para a criação de gestoras

de recursos financeiros dedicadas ao venture capital. Todavia, nenhum deles foi capaz de

mimetizar por completo o formato e o contexto estadunidense, em particular se considerarmos

os retornos financeiros obtidos pelas gestoras no país, e a projeção internacional que o padrão

52

O trecho foi extraído do artigo publicado pela jornalista Erika Brown, na revista Forbes, em 29 de novembro

de 2004. Tradução nossa do texto original: “VCs who once bragged about never driving more than half an hour

to visit a portfolio company are jetting to Australia for optical engineers, Israel for security whizzes, India and

Kazakhstan for brute software coding, South Korea for online gaming and Japan for graphics chips. For growth

across the board China is the place to go.”. Ver em:

<https://www.forbes.com/forbes/2004/1129/150.html#240ef0674cd8>. Último acesso: 01.03.2018.

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128

norte-americano conquistou a partir do final dos anos de 1980 (AVNIMELECH, 2010, p.

104).

Em suma, entre os experimentos nacionais de criação de gestoras de recursos

especializadas em venture capital, há adaptações bem-sucedidas e adaptações mal-sucedidas.

Em comum, todas elas têm inspiração nas narrativas de sucesso do Vale do Silício, ou seja,

governos nacionais almejando resultados financeiros, e o ambiente pujante de criação de

empresas e de crescimento, tentando adaptar os seus contextos locais por meio de políticas

públicas e programas de incentivo para a atração de capitais destinados à realização de

investimentos em empresas com alto potencial de crescimento (WRIGHT et al., 2005, p.

137).

Martin Kenney et al. (2004, p. 53) consideram que as mudanças no contexto

institucional estadunidense moldaram o investimento sobre o venture capital internamente e

influenciaram outros países a atrairem investimentos e adaptarem seu contexto local às

características dessa modalidade de investimento. Porém, na visão dos autores, o papel do

governo estadunidense na formação e na expansão do venture capital no país foi importante,

mas indireto. Diferente do que muitos países fizeram, o governo não optou por atuar como

investidor originário de gestoras de recursos nos Estados Unidos da América.

Mesmo no Small Business Act, que oferecia vantagens financeiras para a

constituição de SBICs, não havia uma imposição para que gestoras de recursos que quisessem

atuar com investidoras de venture capital assumissem tal formato. Até a presença das forças

armadas como parceira de centros de pesquisa universitários para o desenvolvimento

tecnológico e como compradora de produtos e serviços de startups não é encarada pelos

autores como uma participação governamental direta no setor de venture capital, pois o

governo norte-americano em nenhum momento assumiu a posição de gestor, reproduzindo as

características de sua organização e estrutura de investimento (KENNEY et al., 2004, p. 54).

Nesse sentido, o processo de internacionalização do venture capital estadunidense

não guarda relação direta com as ações do governo norte-americano no sentido de fomento à

modalidade de investimento, mas sim com as características da modalidade em si, podendo

variar, de país para país, as políticas públicas que seriam utilizadas para a sua adaptação em

contextos locais. A inspiração no Vale do Silício foi suficiente para a exportação do modelo

de investimento de venture capital, porém, não despertou o interesse dos países em

transplantar as instituições que deram sustentação para o seu desenvolvimento

(AVNIMELECH, 2010, p. 103).

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No início dos anos de 1990, países como Israel e Índia passaram a incluir em suas

políticas públicas de fomento à ciência e à tecnologia projetos de atração do investimento

estrangeiro de venture capital destinados à formação de empresas nacionais de venture

capital. Para além da gradativa construção de um ambiente favorável à pesquisa e ao

desenvolvimento tecnológico internos, os resultados observados no Vale do Silício

influenciaram no modo como outros governos passaram a encarar a incorporação do venture

capital enquanto alternativa de financiamento de startups (AVNIMELECH, 2010, p. 103).

Os retornos extraordinários obtidos em empresas como 3Com, Amgen, AMD,

Compaq, Cisco, Federal Express, Genetech, Intel, Oracle e Sun Microsystems se tornaram

referências poderosas para que países como Israel, Índia, China, Alemanha, Singapura

buscassem no venture capital uma opção para o financiamento de suas empresas de pequeno e

médio porte (KENNEY et al., 2004, p. 52).

Acerca dessa expansão internacional, convém recobrar que até o final da década

de 1980, gestoras de venture capital não demonstravam qualquer intenção em ampliar sua

atuação para além das fronteiras regionais, como o Vale do Silício ou a região de New

England. Ao mesmo tempo, não havia iniciativas governamentais que buscassem atrair essas

gestoras e seus capitais para o financiamento de empresas de pequeno porte nesses países.

Mesmo com grande interesse no venture capital, a ideia era construir um ecossistema próprio,

nacional, de financiamento de startups, tendo como principal instrumento políticas públicas

de fomento aos empreendedores e investidores locais (LERNER, 2009, p. 28).

Segundo Josh Lerner (2009, p. 12), o ingresso de gestoras de venture capital

norte-americanas em novos mercados foi um processo gradual e cauteloso, posto que as

gestoras internacionais, em suas primeiras operações, optaram por compreender a realidade

local e por avaliar quais incentivos os governos locais ofereciam para a sua entrada no

mercado. Mesmo o governo dos Estados Unidos tendo sido apontado como responsável por

intensificar a internacionalização do venture capital no mundo, contribuindo para a

disseminação do modelo norte-americano, foi a inspiração dos resultados do Vale do Silício

que desencadeou apropriações e adaptações regionais. Ainda na visão de Lerner, os governos

utilizaram de duas estratégias principais: (i) mudanças em seu ambiente regulatório-

institucional para receber investimentos em empresas de alto potencial de crescimento; e (ii)

disponibilização de capital para fundos de investimento (AVNIMELECH, 2010, p. 104).

Esse movimento não se deu de forma linear. Iniciou-se com adaptações regionais

em países como a Alemanha na segunda metade da década de 1979, passando pelo ingresso

de gestoras de recursos no Reino Unido no início dos anos de 1980, até alcançar países da

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Europa Ocidental e Japão no final da década de 1980 (OOGHE et al., 1991). Posteriormente,

alcançou Israel, Brasil, Singapura e Taiwan no início da década de 1990, iniciando

movimentos de reformas regulatório-institucionais nesses países (KEENEY et al., 2004, p.

53).

O caso alemão é interessante, pois ilustra a estratégia mal-sucedida de criação de

ecossistemas de financiamento nacional inspirados pelo Vale do Silício, que dispensavam o

ingresso de gestoras de recursos estrangeiras. Contudo, mesmo que estivesse sob direta

inspiração dos resultados obtidos no contexto estadunidense, o governo alemão acreditava que

poderia traduzir o modelo norte-americano adaptando-o ao seu contexto nacional. Porém, o

que se observou na prática foram resultados abaixo do esperado, e uma mudança de

orientação no fomento ao financiamento de startups, migrando para a atração de gestoras de

recursos estrangeiras (BECKER; HELLMAN, 2005).

Compreender a entrada de gestoras estrangeiras como parte do processo de

internacionalização do venture capital é analisar três fenômenos complementares entre si: (i)

o aumento da disponibilização de capitais estrangeiros para gestoras de venture capital

investirem nos países; (ii) o desejo de expansão por parte de gestoras de venture capital,

alcançando novos mercados e diferentes tipos de empresas; e (iii) a disseminação de

conceitos, modelos regulatório-institucionais e valores culturais ligados ao empreendedorismo

norte-americano em diversos países pelo mundo (WRIGHT, 2005, p. 136).

Em 1988, por exemplo, a Europa Ocidental registrou a entrada de pouco mais do

que 700 milhões de dólares de investidores não europeus para gestoras de venture capital

constituídas poucos anos antes. Em 2000, o volume de recursos captados de investidores não

europeus alcançou a cifra de 22,8 bilhões de dólares, espalhando-se por diversos países do

continente, como a França e a Holanda (WRIGHT, 2005, p. 137).

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131

Tabela 4.1 Venture Capital internacional na Europa entre 1988-2003

Ano Recursos

financeiros

captados fora da

Europa

(milhões de euros)

Percentual de

Recursos financeiros

captados na Europa,

e não no país de

origem sobre o total

captado

Percentual de

recursos financeiros

captados fora da

Europa sobre o

total da captação

Recursos investidos

fora do país de

origem na Europa

(milhões de euros)

1988 706 11.2 9.1 267

1989 1883 8.0 24.4 515

1990 1318 14.4 14.4 554

1991 964 13 10. 435

1992 695 7.7 8.8 519

1993 648 7.2 11.7 435

1994 1746 7.0 19.9 734

1995 1001 11.6 11.2 673

1996 2241 11.4 16.7 1104

1997 10.163 17.3 33.5 1884

1998 9738 16.8 31.1 3355

1999 10.894 21.3 21.6 5705

2000 22.838 20.7 26.9 9546

2001 21.205 18.4 34.6 6979

2002 13.762 21.1 28.9 6726

2003 12.035 16.3 28.3 8389

Fonte: Invest Europe (2008)53

Segundo Guler e Guillén (2010, p. 187), o processo de internacionalização do

venture capital passa pelo reconhecimento da importância do crescimento do fluxo de capitais

entre os países, em particular entre a Europa, os Estados Unidos e alguns países da Ásia,

intensificando a competição na atração desses recursos. Em 2004, por exemplo, mais da

metade dos recursos financeiros de venture capitalists na Europa e na Ásia foram captados de

organizações de diferentes países, enquanto nos Estados Unidos, apenas 10% da captação

corresponde a fontes externas.

O gradativo aumento no fluxo de capitais, ao longo do ano, traz como novidade a

incorporação da metodologia venture capital, tida como ideal para a atração de recursos

voltados ao investimento de empresas com alto potencial de crescimento (GULER;

GUILLÉN, 2010, p. 189). Por sua vez, a internacionalização não foi um processo que

priorizou um tipo específico de empresa de alto potencial de crescimento, tanto as empresas

de base tecnológica quanto as empresas exponenciais de oportunidade foram objeto das

atenções de gestoras estrangeiras (LERNER, 2009).

53

Dados extraídos da base de dados Invest Europe e organizados no formato de tabela. Para acesso integral aos

dados, ver em: < https://www.investeurope.eu>. Último acesso: 10.05.2018.

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Em muitos casos, o contexto nacional definiu quais empresas seriam mais

procuradas por gestoras estrangeiras. No caso de Israel, o programa Yozma foi responsável

pela priorização de investimentos em empresas de base tecnológica (AVNIMELECH, 2010,

p. 104). Na China, o modelo Sina também foi capaz de canalizar recursos para empresas de

base tecnológica, contando com investimentos governamentais para a aproximação de

investidores e para as pesquisas realizadas em universidades e centros de pesquisa (ZHANG,

2016). Já na Índia, o quadro foi distinto, os investimentos se concentraram em empresas

exponenciais de oportunidade (LERNER, 2009).

Estas distinções, como no caso indiano, não estavam claras desde o início. Em um

primeiro momento, as políticas e programas miraram o financiamento de pequenas e médias

empresas, sofisticando-se à medida que se associavam às atividades da ciência, da tecnologia,

do crescimento acelerado, dentre outras (LERNER, 2009, p. 28). O diferencial investidor foi a

associação entre o formato do venture capital norte-americano com a capacidade de atração

de recursos estrangeiros para o financiamento de empresas nascentes de base tecnológica em

diversos países.

Os países que melhor convencessem as gestoras estrangeiras de que se

adequariam ao modelo de venture capital norte-americano, mesmo com pequenas adaptações

locais, venceriam a corrida da obtenção de capitais para o financiamento de startups. A

França, a Inglaterra, a Escócia e a Suécia, por exemplo, promoveram iniciativas internas de

fomento ao venture capital, bem como mudanças em suas legislações para acomodar esse

novo modelo em seus contextos nacionais.

A Alemanha foi a exceção no contexto da Europa Ocidental. Desde a década de

1960, o financiamento de pequenas e médias empresas no país se concentrava em instituições

bancárias, tendo como principal instrumento a emissão de dívidas de médio e longo prazo,

com juros subsidiados por programas governamentais. O surgimento das primeiras iniciativas

de venture capital no país foi bastante influenciado pela ideia de que os bancos nacionais

alemães poderiam servir de catalizadores para a implementação desse modelo de

investimento, não sendo necessária a entrada de venture capitalists de outras localidades.

Contudo, as dificuldades de implementação por parte dos representantes de bancos fizeram

com que a Alemanha também se alinhasse ao movimento de busca por investimento de

venture capitalists estrangeiros (AVNIMELECH, 2010, p. 105).

A partir da segunda metade da década de 1990, o cenário da internacionalização

do venture capital se consolida na disputa por capitais estrangeiros para financiamento de

pequenas e médias empresas. Investidores europeus e norte-americanos passam a buscar

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133

oportunidades também em mercados emergentes, e em países dispostos a mudar o seu

ambiente regulatório-institucional, como forma de convencer investidores a investirem em

suas empresas. Israel, Índia, China e Singapura foram os países que mais tiveram sucesso na

captação de recursos em suas tentativas de acomodação de um modelo de investimento

oriundo de venture capital (WRIGHT, 2005, p. 137).

A China é o exemplo mais curioso entre os países que receberam o ingresso de

capitais de gestoras estrangeiras. Isto porque o ingresso das gestoras ocorreu de forma

indireta, por meio de um modelo próprio para o financiamento de empresas de alto potencial

de crescimento serem capazes de se estabelecer no país. Esse modelo, voltado ao

financiamento de empresas de grande porte, é referido como uma das adaptações ao venture

capital estadunidense mais bem-sucedidos no mundo, tendo sido integrado anos mais tarde

pelas políticas do governo chinês.

Em 2004, por exemplo, mais de 60% dos recursos captados para o investimento

de venture capital em Hong Kong, Índia, Vietnam e Tailândia eram de investidores

estrangeiros. Nesse mesmo período, Hong Kong, a Coréia do Sul e o Japão já captavam mais

recursos estrangeiros para o venture capital do que a maior parte dos países europeus, com

exceção da França, do Reino Unido e da Alemanha (WRIGHT, 2005, p. 139).

Hong Kong, integrada à China desde 1998, é tratada como uma unidade própria

de análise pelas diferenças que ainda guardava em relação à China naquele período, em

particular devido aos seus laços com instituições britânicas. Não por acaso, Hong Kong era o

local com maior volume de recursos captados para investimentos, sendo a maior parte deles

vindos da Inglaterra e dos Estados Unidos da América (WRIGHT, 2005, p. 139).

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134

Tabela 4.2 Captação Internacional de Venture Capital na Ásia em 2004

País Recursos financeiros

captados fora do

país (milhões de

dólares)

Recursos financeiros

captados na região, e não no

país de origem sobre o total

de recursos captados (%)

Recursos financeiros

captados fora da Ásia

sobre o total de

recursos captados (%)

Austrália 805 5 12

China 2841 23 24

Hong

Kong

23.157 22 67

Índia 1929 19 60

Indonésia 61 16 24

Japão 4133 3 18

Coréia do

Sul

2188 7 28

Malásia 397 23 26

Nova

Zelândia

76 13 0

Filipinas 169 15 43

Singapura 6438 28 38

Taiwan 939 5 10

Tailândia 464 14 66

Vietnam 99 11 76

Fonte: (WRIGHT, 2005, p. 139)

Da mesma forma que os países europeus, a busca por capitais para o investimento

de venture capital desencadeou mudanças no Oriente, em especial em Singapura, China, Índia

e Japão. Essas mudanças se materializaram em reformas na legislação desses países, bem

como na elaboração de arranjos alternativos de investimento, como o caso chinês com o

modelo Sina. Em comum, o comportamento das gestoras de venture capital constituídas na

Europa e na Ásia reproduziam o esforço de convencer investidores de outros países, capazes

de capitalizar fundos de investimento, a investir em suas startups locais (WRIGHT, 2005, p.

141).

Diferentemente do modo como se deu o processo de desenvolvimento do venture

capital nos Estados Unidos, os investimentos realizados por gestoras estrangeiras na Europa

Ocidental e na Ásia se concentraram em empresas em fases mais avançadas de

desenvolvimento. Empresas em estágios iniciais não eram vistas como alvo principal de

investimentos de venture capital, sendo o foco tanto do capital semente quanto do

investimento anjo.

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135

Em um levantamento realizado por Mike Wright et al. (2005, p. 138), de todos os

recursos investidos por empresas de venture capital em 2002 na Ásia, apenas 22% foram

disponibilizados para o financiamento de empresas em sua fase inicial de desenvolvimento

(early stage). Na Europa, apenas 11% de todos os recursos desse tipo foram destinados ao

financiamento de startups nesse estágio.

Do processo de internacionalização também deriva o argumento de que a presença

de bolsas de valores fortes, com grande volume de transações, favoreceria a atração de

capitais estrangeiros para o país e auxiliaria o crescimento de empresas de venture capital,

uma vez que elas teriam mais opções para a retirada de investimentos realizados em startups

por meio da abertura de seu capital (BLACK; GILSON, 1998, p. 244).

Economias com um mercado de capitais forte ofereceriam um ambiente mais

vantajoso para acomodar as expectativas de gestoras de recursos em ciclos de investimento de

venture capital, opondo-se a uma estrutura de financiamento via instituições bancárias. A

presença de uma bolsa de valores que garantia a saída de gestoras mesmo sem um comprador

para sua participação, dava maior liberdade para que pudessem explorar investimentos em

mercados ainda não explorados (BLACK; GILSON, 1998, p. 244). Mesmo que a participação

das bolsas não fossemuma condição para a realização de investimentos de venture capital,

poderiam ampliar a disposição de gestoras em investir em perfis diversificados de startups,

em mercados ainda não ocupados por outras empresas (LERNER, 2009). A preocupação em

identificar potenciais compradores seria menor na presença de uma bolsa de valores que

pudesse servir como alternativa à saída de gestoras de venture capital.

Países como Alemanha e Japão, em que o financiamento de startups, mesmo com

a presença de gestoras de venture capital, ainda depende de uma estrutura bancária

concentrada, não apresentariam as condições ideais para o venture capital, uma vez que

gestoras de recursos atuantes nesses países estariam condicionadas a saídas via a compra de

suas participações, dependendo de empresas de maior porte ou até de outros investidores

interessados no crescimento das empresas investidas (BLACK; GILSON, 1998, p. 245;

LERNER, 2009).

Leslie A. Jeng e Philippe C. Wells (2000) corroboram com o argumento de que

fatores regulatório-institucionais podem moldar o venture capital nos países, condicionando

comportamentos e adicionando características aos seus agentes. Para os autores, é possível

criar adaptações locais que sejam capazes de compensar arranjos regulatório-institucionais

que não acomodem bem as características da metodologia de investimento do venture capital.

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Em um levantamento sobre investimentos de venture capital realizado por John

Armour e Douglas Cumming (2006), em que foram analisados 15 países por um período de

13 anos, os autores afirmam que o ambiente jurídico e o envolvimento de autoridades

governamentais são igualmente importantes ao desenvolvimento da modalidade de

investimento. Desse modo, uma legislação que permita que empreendedores possam falir

mais de uma vez e iniciarem uma nova empresa com apenas alguns anos de diferença pode

estimular o venture capital, pois o fracasso serviria de aprendizado para empreendedores na

criação de novos empreendimentos. Ainda de acordo em Armour e Cumming (2006, p. 601),

a construção de um sistema jurídico com tais fins, e que após um período de tempo tornaria as

empresas isentas de suas obrigações e dívidas para que pudessem constituir uma nova

empresa, é uma escolha política capaz de atrair mais investimentos de venture capital. Países

que mantém o empreendedor preso a dívidas de seu empreendimento inicial por longo tempo

optam por desperdiçar os ganhos de aprendizagem e relacionamento advindos da primeira

tentativa.

A depender do país, diferentes fatores podem desempenhar papéis na atração e no

desenvolvimento de investimentos de venture capital. Em nossa visão, características de

nosso mercado de capitais (e.g. falta de liquidez da bolsa de valores brasileira), estruturas

administrativas pouco responsivas (e.g. INPI e o backlog de patentes) e características do

sistema jurídico nacional (e.g. responsabilização ilimitada de empreendedores) são fatores

fundamentais para restringir o potencial de crescimento do venture capital como uma das

alternativas de investimento em empresas de alto potencial de crescimento no país, tópico que

iremos tratar no próximo capítulo.

Nas próximas seções deste capítulo, discutiremos duas formas pelas quais se deu

o processo de internacionalização do venture capital. A primeira delas na Alemanha, em que

o que se internacionaliza é a ideia de um financiamento próprio para startups, cuja proposta é

a criação de um modelo próprio baseado na ideia de venture capital. A segunda, na China, o

venture capital é exportado enquanto metodologia de investimento e fonte de capital, com

gestoras estrangeiras, em que foi necessária a criação de uma adaptação local, chamada de

modelo Sina, para que a modalidade pudesse se desenvolver no país.

No caso alemão, nossa intenção é discutir qual o papel adequado a ser

desempenhado por bancos no fomento ao venture capital. No caso chinês, queremos tratar de

como construir adaptações locais em um cenário regulatório-institucional hostil (e.g. presença

de restrições ao investimento em setores como o de tecnologia da informação).

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137

Os dois casos nos servem como ilustrações de processos de internacionalização e

não reproduções fidedignas das trajetórias desses países. Como não realizamos nenhuma

pesquisa de campo nos países mencionados, com entrevistas em gestoras de recursos e outros

atores relevantes para o investimento, essas duas ilustrações nos servirão como referências

para uma melhor compreensão da trajetória brasileira de construção do venture capital.

Cenários descritos no caso alemão e no caso chinês dialogam com a trajetória nacional e irão

nos servir no próximo capítulo para que possamos compreender escolhas em nosso desenho

regulatório-institucional.

4.2 Contexto local, apropriações e adaptações

A influência da promoção de mudanças regulatórias no comportamento dos

agentes na trajetória de internacionalização do venture capital não deve ser tratada como um

fenômeno unidimensional. Como primeira camada, o conceito de instituições varia entre

diversos autores, tornando difícil a tarefa de examinar quais os fatores explicam a relação

entre governos e o estímulo ao venture capital (GULER; GUILLÉN, 2010, p. 187). Uma

segunda camada é a diferenciação do papel dessas instituições em países desenvolvidos e em

desenvolvimento, tendo em vista que os sentidos das transformações são distintos em cada um

dos contextos locais (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 300). Uma terceira camada, por sua

vez, abarca as narrativas que têm convencido os países e agentes privados a empregarem

recursos e esforços na criação de políticas públicas de fomento ao venture capital

internamente (LERNER, 2009, p. 64).

A primeira definição de instituições tida como referência para nossa análise dos

processos de internacionalização do venture capital foi elaborada pelo economista Douglass

North (1990), que descreveu enquanto “regras do jogo na sociedade” o quadro de normas

inscritas na legislação e no corpo administrativo de um país. Essa definição foi rapidamente

expandida por autores que se debruçaram no tema, mas não conseguiam explorar esse

conceito de forma instrumental para as formulações de explicações sobre o porquê alguns

países eram mais bem-sucedidos em iniciativas de estímulo ao venture capital, enquanto

outros fracassavam (HIRSCH; LOUNSBURY, 1997; AHLSTROM; BRUTON, 2006, p.

302).

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138

W. Richard Scott (2014, p. 49-50)54

oferece um conceito mais amplo para

instituições, definindo-as como estruturas sociais multifacetadas e permanentes, criadas a

partir de atividades sociais, recursos materiais e elementos simbólicos. Instituições, na visão

do autor, ofereceriam orientação e recursos para a ação, bem como proibições e limites para

os atos de indivíduos. Mesmo que sua presença seja sútil, as instituições se mostram

pervasivas e possuem uma forte influência nas crenças e metas de indivíduos, grupos e

organizações na sociedade.

Scott (2014) categoriza tais instituições em três grupos: (i) regulatórias; (ii)

normativas; e (iii) grupos cognitivos. Instituições regulatórias seriam os referenciais presentes

nas normas escritas, dispostas na legislação e nos regulamentos administrativos. Podem ser

descritas como as instituições formais, idênticas às definidas por Douglass North. Instituições

normativas seriam os padrões de comportamento esperados de indivíduos, grupos e

organizações, podendo, ou não, ser codificados em uma lei ou regulamento proferido por uma

autoridade oficial, seja ela governamental (e.g. Comissão de Valores Mobiliários) ou não (e.g.

Conselhos Regionais de Medicina). E instituições como grupos cognitivos constituem

percepções, crenças, referenciais do senso comum que estão presentes nas interações sociais e

podem servir como guias de comportamentos.

Nos estudos sobre os processos de internacionalização do venture capital, discute-

se como práticas organizacionais, rotinas e escolhas estratégicas podem ser influenciadas por

instituições de países pelo mundo, bem como quais são os efeitos da assimilação de

instituições estrangeiras, em particular a norte-americana, presente no modelo de investimento

de venture capital. Dessa forma, a análise institucional evidencia como fatores jurídicos,

sociais e culturais podem influenciar escolhas e alterar contextos locais (AHLSTROM;

BRUTON, 2006, p. 302; GULER; GUILLÉN, 2010, p. 187).

Não por acaso, um segundo nível de preocupações da análise institucional busca

diferenciar as transformações derivadas do processo de internacionalização de países

desenvolvidos daqueles que ainda se encontram em desenvolvimento. Enquanto no primeiro

54

A definição de instituições proposta por W. Richard Scott não encerra o debate sobre o tema e está longe de

ser um consenso entre todos os autores do campo (HIRSCH; LOUNSBURY, 1997). Na literatura sobre análise

institucional, autores tomam como referencial de análise conceitos com graus distintos de extensão e

profundidade, limitando-se às regras oficiais como Douglass North, ou ampliando seu campo de visão como W.

Richard Scott. Optamos por um conceito mais amplo por dois motivos. A definição mais ampla é a mais

utilizada em trabalhos que tentam investigar mudanças institucionais provocadas pelo processo de

internacionalização do venture capital (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 301), nos servindo como um

instrumento importante para uma avaliação dos impactos no Brasil, tarefa que iremos realizar no próximo

capítulo. Além disso, um conceito mais amplo de instituições nos oferece um maior conjunto de variáveis de

análise e comparação entre as transformações dos países, e em especial como o Brasil respondeu ao ingresso do

investimento de venture capital no país.

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139

caso, países como a Alemanha, o Japão e a França buscaram promover mudanças em um

contexto de estabilidade institucional, países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a

Tailândia e Taiwan tiveram de criar estratégias de atração do venture capital em ambientes de

baixa previsibilidade e instabilidade institucional (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 300).

Mesmo com diferenças importantes no campo econômico, social, jurídico e

cultural, países desenvolvidos têm demonstrado um maior grau de previsibilidade na

construção e condução de suas instituições, ainda que em momentos de crise (PENG;

SHEKSHNIA, 2001; MEYER, 2001; AHLSTROM; BRUTON, 2006). A intensa velocidade

das transformações, a sua falta de coerência com iniciativas anteriores, o peso dos

relacionamentos pessoais e por parentesco em tomadas de decisão, além da presença de

corrupção de agentes públicos criam um ambiente em que as mudanças institucionais

respeitam uma dinâmica própria, merecedora de um exame apartado (AHLSTROM;

BRUTON, 2006).

Em relação aos países desenvolvidos, o debate se traduz em dois contextos: os que

apresentam um quadro institucional adaptado ao ingresso do modelo de venture capital norte-

americano, como o Reino Unido e o Canadá, considerando as semelhanças entre os seus

sistemas financeiros, e as afinidades culturais entre seus povos; e países que apresentam um

sistema financeiro com características distintas, em particular com forte atuação do sistema

bancário e interesse na promoção de mudanças institucionais para acomodar o modelo de

investimento e de investidores de venture capital estrangeiros (PENG; SHEKSHNIA, 2001;

MEYER, 2001; AHLSTROM; BRUTON , 2006).

Nesse sentido, o caso alemão é exemplar, visto que seu sistema financeiro é

tradicionalmente descrito a partir do papel dominante de bancos no financiamento de

empresas. Segundo Ralf Becker e Thomas Hellman (2005), o financiamento de empresas

alemãs de diferentes portes se concentrou no crédito bancário durante o século XX, sendo, em

alguns casos, subsidiadas pelo governo alemão (e.g. crédito para pequenas empresas).

Em 1975, o governo alemão criou o Deutsche Wagnisfinanzierungsgesellschaft

(WFG), primeiro fundo de investimento em venture capital do país baseado nos recursos

financeiros e na participação de seus bancos nacionais. O WFG serviria como veículo para o

financiamento de startups daquele país, que teriam capital e tempo para se desenvolver.

Todavia, em dez anos de funcionamento, o fundo foi um fracasso, registrando um prejuízo de

38,4 milhões de marcos, reforçando a percepção de que a entrada de gestoras de recursos

estrangeiros seria importante para o desenvolvimento do segmento no país.

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140

Os resultados negativos da WFG serviram como referência quando o assunto é a

dificuldade de sistemas financeiros em adaptarem a metodologia de venture capital ao seu

contexto local. Esse fator se tornou decisivo, inclusive, para o convencimento de investidores

alemães e de outros países europeus a adotarem o padrão estadunidense por completo no final

dos anos de 1980. Essa adoção iniciou um processo de acomodação do modelo, aproximando

algumas instituições formais alemãs das norte-americanas (BECKER; HELLMANN, 2005).

Outro cenário é descrito nos países em desenvolvimento no continente asiático.

As preocupações extrapolam as mudanças nas instituições formais, alcançando análises sobre

fatores regulatórios e de grupos cognitivos. Na pesquisa55

realizada por David Ahlstrom e

Garry D. Bruton (2006) sobre o ingresso de gestoras de venture capital nos países do leste da

Ásia, os autores apontam que relações pessoais entre investidores e empreendedores, e

contatos de empreendedores com autoridades governamentais locais descrevem melhor a

dinâmica de investimentos na região do que as normas presentes na legislação, ou os direitos

e obrigações inscritos nos contratos celebrados entre empreendedores e investidores.

Em uma das entrevistas conduzidas pelos autores (2006, p. 310), um gestor com

atuação em Singapura, China e Taiwan comenta:

Se você não for atento, seus ativos poderão sair pela porta. Nós tivemos uma

empresa montada que sumiu. Em outra empresa que nós trabalhamos, o

empreendedor fugiu com todo o dinheiro investido, os bens comercializáveis

e até o carro da empresa. Um administrador que nós conhecemos foi além;

ele secretamente vendeu todos os ativos de uma joint venture – incluindo a

parte que não era de propriedade de investidores locais – para um

departamento governamental [China]. Em outro empreendimento financiado,

o indivíduo emprestou dinheiro em nome da empresa – uma grande quantia

– e desapareceu. Ele deixou tudo para trás, incluindo sua família e saiu do

país. Nós temos aprendido que é necessário ter um representante local

próximo do investimento no leste da Ásia, especialmente na China. Em

Singapura, é bem mais difícil desaparecer por completo, pois o país é

pequeno. Contudo, em outros países do leste da Ásia é fácil, os tribunais são

de pouca ajuda56

(AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 310).

55

A pesquisa conduzida por David Ahlstrom e Garry D. Bruton (2006) teve abordou como os venture capitalists

lidam com a imprevisibilidade inerente aos ambientes institucionais de economias em desenvolvimento. Como

método de pesquisa, os autores fizeram uso da literatura acadêmica sobre a internacionalização do venture

capital e conduziram entrevistas com 5 representantes de governos (Hong Kong, Taiwan, China, Singapura e

Coréia do Sul) e 60 representantes de empresas de venture capital com atuação nos países do leste da Ásia. As

entrevistas foram presenciais e realizadas a partir de formulários semiestruturados, permitindo que as respostas

pudessem extrapolar o escopo do que foi questionado. Os resultados foram divididos em quatro categorias: (i)

seleção de empresas para investimento em países emergentes; (ii) estruturação e monitoramento; (iii) valor

adicionado; e (iv) saída. Em cada uma dessas categorias os autores descrevem como a relação entre venture

capitalists e empreendedores nos países do leste da Ásia segue uma dinâmica própria, distinta da dos países

desenvolvidos, marcada pela força dos laços pessoais e de conexões com autoridades governamentais. Ver em:

(AHLSTROM; BRUTON, 2006). 56

Tradução nossa do original: “If you are not quite vigilant, your assets will walk out the door. We had a whole

firm full of equipment vanish on us. In another firm we were working with, the entrepreneur absconded with all

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Em outro conjunto de entrevistas, gestores mencionam as dificuldades em exercer

seus direitos de sócios em órgãos de tomada de decisão, como o Board of Directors, nas

empresas de tais regiões. Dois direitos presentes em todos os acordos de investimento com

startups locais – (i) o de veto de decisões contrárias ao seu interesse, e (ii) o de remoção do

CEO da empresa – não eram respeitados por empreendedores locais e, em muitos casos, não

eram postos em prática por tribunais da região, em particular na China e em Taiwan. A

depender do grau de deterioração da relação entre investidores e empreendedores, a opinião

de gestores não seria sequer considerada para a tomada de decisão sobre os rumos da startup

(AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 309).

Em outros casos, investidores mencionam a importância do empreendedor ter um

bom relacionamento com a burocracia governamental de seu país, como na China, para a

aquisição de bens imóveis ou a venda de produtos controlados, influenciando o diferencial

competitivo para o ingresso de um novo produto no mercado, para a expansão do

empreendimento, ou para a realização de novas rodadas de investimento (AHLSTROM;

BRUTON, 2006, p. 310).

Diante desse cenário, a estratégia mais mencionada para lidar com os riscos de

desvio de recursos, com as dificuldades de intervir na startup ou com a necessidade de

relacionamento com representantes governamentais, foi a aposta dos gestores na formação de

redes regionais de representação. Essas redes seriam constituídas por nacionais contratadas

que conhecessem empreendedores, possuíssem relacionamento com autoridades

governamentais e que se relacionassem com representantes de outras gestoras de venture

capital (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 311).

A construção das redes facilitou a atuação de gestores, em especial no âmbito das

instituições normativas e dos grupos cognitivos nos países do leste da Ásia. Os investidores

perceberam que os empreendedores passaram a receber melhor suas opiniões via

representantes locais, pois mantinha-se a aparência de que o controle sobre o empreendimento

continuava nas mãos dos empreendedores locais, preservando o que foi descrito como minzi,

grupo cognitivo que simbolizava o respeito hierárquico na região (AHLSTROM; BRUTON,

2006, p. 311). the money, the saleable assets, and even the company car. One manager we know of went further than that; he

secretly sold all of a funded joint venture – even the part that the local investors did not own – to a government

department [in China]. In another funded venture, the guy borrowed money under the company name – a lot of it

– and disappeared. He left everything behind, including his family and slipped out of the country completely. We

have learned you must have people on the ground near your investment in East Asia, especially China. In

Singapore, it is a lot tougher to disappear completely, because it is a small place. But in other East Asian

countries, it is easier; the laws and courts are of little help.”

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142

Outra estratégia também utilizada pelos gestores na Ásia foi a elaboração de

termos, declarações e contratos durante as operações de investimento tendo como base a

legislação do estado da Califórnia (EUA). Tornou-se rotina a celebração de termos de adesão

às regras norte-americanas de proteção à propriedade intelectual, bem como a elaboração de

acordos de investimento com menção expressa à aplicabilidade das normas do estado da

Califórnia (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 313).

O objetivo dessa estratégia era aproximar gradualmente as práticas, as rotinas, as

regras e os comportamentos típicos da relação entre gestores e empreendedores no Vale do

Silício com a de gestores e empreendedores em países do leste da Ásia. Sobre a aproximação,

um dos gestores entrevistados ressalta que a estratégia foi bem-sucedida, uma vez que o

sistema jurídico de países como Singapura e Taiwan reconheciam a validade de contratos que

estipulam a aplicação de leis de outros países (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 313).

Sobre esse momento, é interessante notar também que, mesmo com diferenças

significativas de acomodação do modelo de investimento entre países da Europa e da Ásia, as

narrativas construídas por governos e agentes privados que justificavam o emprego de

recursos em projetos de fomento ao venture capital coincidem, em alguns casos chegam a ser

idênticas.

Josh Lerner (2009, p. 66) ao examinar os motivos mais evocados por governos na

Europa e na Ásia para a criação de iniciativas de estímulo ao venture capital, chama atenção

para três grupos principais: (i) a crença de autoridades públicas de que o fomento ao venture

capital pode iniciar um ciclo virtuoso de crescimento no número de empresas de alto

potencial de crescimento no país; (ii) a perspectiva de que o envolvimento governamental

pode reduzir as assimetrias de informação intrínsecas à relação entre empreendedores e

investidores, orientando investimentos para áreas não financiadas; e (iii) a busca pela

disseminação de ganhos (spillovers) de conhecimentos resultantes do fomento de atividades

empreendedoras realizadas por empresas de alto potencial de crescimento, investidas por

gestoras de recursos.

Conceitualmente, por ciclo virtuoso, o autor (2009, p. 67) descreve o processo

pelo qual profissionais da área de ciência e tecnologia, posicionados no mercado ou na

academia, passam a ter incentivos para empreender, apostando no modelo em que o

crescimento de sua empresa será fruto de sua sociedade com outros empreendedores e com as

categorias de investidores que compõem a dinâmica do venture capital.

A partir de interações complexas, pautadas pela duração do ciclo de investimento

de venture capital e pelas características comportamentais de seus investidores, os

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empreendedores passam a se familiarizar com os dilemas (trade-offs) associados ao venture

capital, orientando as suas decisões empresariais por uma trajetória de crescimento acelerada

até o momento da saída dos investidores. À medida que o número de empresas de alto

potencial de crescimento com investimento de venture capital cresce, prestadores de serviços

como advogados, contadores e consultores passam a também ser demandados por atuarem

segundo a dinâmica de investimento do venture capital, gerando aprendizados e criando

sinergias entre diversas áreas para facilitar a trajetória de crescimento de startups.

O crescimento no número de empresas de alto potencial de crescimento, a

presença de profissionais capazes de dar suporte para essas atividades e o surgimento dos

primeiros casos de sucesso criaram as condições de interesse e confiança para que fontes de

recursos de maior porte, como bancos de investimento, fundos de pensão e empresas de

grande porte optassem por capitalizar gestoras de recursos de venture capital, ampliando a

demanda por novas startups, atraindo ainda mais profissionais do mercado e da academia,

formando um ciclo virtuoso.

Como resultado esperado, governos que buscavam o estímulo ao venture capital

acreditaram que a criação desse ciclo virtuoso seria capaz de gerar mais oportunidades de

empregos, proporcionando crescimento econômico para o país, em vista dos ganhos advindos

de seus processos de inovação tecnológica. Nessa visão, seria recomendável que os governos

adaptassem o seu quadro normativo (e.g. leis e regulamentos), bem como a atuação de suas

instâncias administrativas (e.g. registros de empresas, marcas e patentes) às características do

investimento de venture capital, articulando os incentivos adequados para o estímulo de

comportamentos que desencadeassem os efeitos esperados e contribuíssem para o crescimento

do país.

O segundo motivo para a criação de iniciativas governamentais de fomento ao

venture capital seria a redução de assimetrias de informação, próprias da relação entre

empreendedores e investidores, por meio da criação de incentivos para setores pouco

valorizados, ou mesmo em tecnologias ainda pouco exploradas por empresas de alto potencial

de crescimento. Nos Estados Unidos, o venture capital tem se concentrado em determinados

setores de tempos em tempos. No início dos anos 2000, os segmentos de tecnologia da

informação e da saúde eram os principais alvos de investimentos, recebendo mais de 90% do

volume de capital. Oito anos mais tarde, segmentos como o de energia limpa e aplicações de

segurança da informação passaram a rivalizar com investimentos nestas áreas, sustentando um

ritmo de crescimento durante o período. Contudo, alguns setores historicamente não

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receberam atenção de gestoras de venture capital, suscitando o argumento de que a ausência

de interesse está associada à ausência dos incentivos adequados (LERNER, 2009, p. 70).

Josh Lerner (2009, p. 71) não desconsidera que processos históricos de construção

de uma infraestrutura de ciência e tecnologia possam favorecer determinadas áreas, criando

mais oportunidades de financiamento. Da mesma forma, não ignora o fato de que em

determinados setores, o alto volume de capital inicial para atividades de pesquisa e

desenvolvimento podem inviabilizar a construção de empresas de base tecnológica, como por

exemplo na área de exploração de energia nuclear. A preocupação com a ampliação dos

setores para o investimento de venture capital vem justamente da possibilidade de falta de

investimento para áreas que contam com uma infraestrutura montada pelo poder público,

contudo, pouco exploradas pelo setor privado de investimento.

A criação de iniciativas governamentais de investimento conjunto com gestoras de

venture capital por meio da criação de fundos públicos de investimento, bem como tentativas

de atração de pesquisadores e profissionais para áreas com pouca atenção, via programas de

incentivo, como a concessão de bolsas de estudo ou subsídios para pesquisa, geram

alternativas para atenuar as tendências de subvalorização de determinados campos,

aproveitando infraestruturas de ciência e tecnologia constituídas no país.

O terceiro motivo para o envolvimento de autoridades públicas no fomento do

venture capital reside na busca pela ampliação de fluxos de conhecimentos derivados de

atividades empreendedoras, posto que ampliam os ganhos da disseminação de informações,

experiências e práticas derivadas da trajetória de crescimento das startups. Mesmo sem a

identificação de quais startups irão alcançar os níveis mais altos em sua trajetória de

crescimento, a criação de um ambiente favorável a investimentos de venture capital permite

que ganhos de aprendizado e conhecimento sejam gerados para o mercado, ainda que o

desenvolvimento tecnológico seja realizado por um grupo de empresas e a exploração

comercial por outro (LERNER, 2009, p. 71).

Enquanto empresas como Hewlett Packard e Lenovo foram as primeiras

fabricantes de computadores pessoais nos anos de 1980, e a Lotus e WordPerfect foram as

primeiras a criar soluções técnicas para o desenvolvimento de sistemas operacionais para

computadores pessoais, foram empresas como a Intel, no segmento de microprocessadores, e

a Microsoft, no desenvolvimento de sistemas operacionais, que, com auxílio do venture

capital, obtiveram os maiores ganhos na comercialização de produtos ligados aos

computadores pessoais no final dos anos de 1980 e início de 1990 (LERNER, 2009, p. 71).

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Diante disso, é fato que o quadro institucional de um país deveria servir como um

ambiente que permitisse as empresas disputarem recursos para o seu desenvolvimento

tecnológico, bem como para a criação de estratégias criativas de comercialização de produtos,

para que o fluxo de conhecimentos e experiências fossem ampliados pelas disputas entre

startups nos diversos estágios de seu crescimento (LERNER, 2009, p. 72).

Para analisar com mais detalhes os dois sentidos para o processo de

internacionalização do venture capital, escolhemos duas ilustrações de adaptação do modelo

de venture capital: a criação do WFG na Alemanha, e o modelo Sina na China. A seleção

desses exemplos, mesmo que ocorridos em momentos distintos, serve como forma de discutir

dois aspectos relevantes para a trajetória do venture capital no Brasil: (i) qual o papel

adequado para bancos no ciclo de investimento de venture capital; e (ii) como o ambiente

regulatório-institucional hostil de um país molda o comportamento de investidores de venture

capital. Acerca de como esses dois aspectos fizeram parte da trajetória brasileira será tratado

no próximo capítulo.

4.2.1 KBG, bancos, WFG e o fomento do venture capital na Alemanha

As atividades de venture capital alemão são caracterizadas pela sua mudança

de atitude em relação aos empreendedores. O ano de 1986 demonstrou que

mudanças significativas estão começando a tomar corpo; os donos e

administradores de pequenas e médias empresas estão tomando consciência

de que o crescimento deve ser encarado como a principal estratégia para o

seu empreendimento. O desenvolvimento gradual, de longo prazo, com

baixa rotatividade de funcionários e personalismos do fundador da empresa

estão lentamente dando espaço para orientações mais voltadas ao mercado,

com maiores exigências de profissionalismo e experiência em gestão.

Apenas quando esta mentalidade estiver inserida no pensamento estratégico

de empreendimentos financiados por venture capital executivos bem

preparados de grandes corporações serão convencidos a deixar seus postos

para ingressar em equipes de startups (PLAGGE, 2006, p. 43-44).57

O financiamento de iniciativas empreendedoras na região que hoje, na Alemanha,

remonta da Idade Média, em particular do século XVI, quando aristocratas locais passaram a

57

Tradução nossa do original: “German venture capital activities are characterized by the changing attitude of

entrepreneurs. The year 1986 demonstrated that significant changes are beginning to take place; the owners and

managers of small and medium-size companies are becoming more aware of growth as a central strategy for

their enterprises. Gradual, long-term development, very low turnover rates of employees and the central role of

a founding personality are slowly giving way to a market-driven orientation that requires a high degree of

professional management experience. Only when this orientation becomes the accepted mode of strategic

thinking can venture capital financed enterprises begin to appeal to the highly skilled groups of middle

managers in the larger corporations, who have far elected to stay on the sidelines instead of joining the

management teams of start-ups.” Ver em: (PLAGGE, 2006, pp. 43-44).

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financiar a criação das primeiras ligas de comércio e a formação dos primeiros bancos para

financiá-las. A criação de gestoras de venture capital no país, no entanto, é um fenômeno

recente, com início na década de 1960, com o surgimento da

Kapitalbeteiligungsgesellschaften (KBG), passando pela estruturação do Deutsche

Wagnisfinanzierungsgesellschaft (WFG), até alcançar o modelo de limited partnership dos

dias atuais (PLAGGE, 2006, p. 39).

Os primeiros programas governamentais de apoio a pequenas e médias empresas

na Alemanha remontam dos primeiros anos do pós-II Guerra Mundial como parte das

iniciativas de reconstrução do setor industrial do país. Dentre as principais medidas no

período, o European Recovery Program (ERP) foi criado em 1947, também chamado de

Plano Marshall, e disponibilizou recursos para o processo de reconstrução europeu, criando

linhas de financiamento específicas para o incentivo a pequenas e médias empresas (JENG;

WELLS, 2000, p. 282).

Os fundos criados pelo ERP disponibilizaram recursos ao banco alemão para

compensação (Deutsche Augleichsbank) e ao banco alemão para reconstrução (Deutsche Bank

fuer Wiederaufbau). Essas instituições seriam as responsáveis por criar linhas de crédito para

o financiamento de pequenas e médias empresas, tendo linhas específicas para atividades

ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico – P&D (JENG; WELLS, 2000, p. 282).

Além desses recursos, estados alemães também constituíram programas de apoio,

tendo como principal instrumento a criação de linhas de crédito subsidiado, espelhando as

iniciativas do governo federal. Consequentemnete, os pedidos de empréstimo eram

formulados com a descrição das atividades a serem financiadas (e.g. pesquisa e

desenvolvimento de novos produtos), e a parcela subsidiada variava de acordo com a

atividade, sendo a P&D uma das que ofereciam melhores condições para financiamentos

(JENG; WELLS, 2000, p. 282).

No início dos anos de 1950, complementando as linhas de crédito oferecidas por

instituições financeiras, o governo alemão criou as primeiras empresas de investimento

voltadas ao auxílio e à orientação de pequenas e médias empresas na Alemanha, as chamadas

Kapitalbeteiligungsgesellschaften (KBG). As KBGs eram constituídas com recursos

financeiros de bancos alemães e de governos estaduais do país, funcionando de forma muito

similar às Small Business Investment Companies (SBICs) dos Estados Unidos. A proposta

dessas instituições era oferecer recursos para pequenas empresas do país em troca de

participação societária nos empreendimentos (PLAGGE, 2006, p. 40).

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Em seu desenho oficial, uma KBG teria como função oferecer recursos para

pequenas empresas, sem distinção de seu mercado de atuação, oferecendo suporte e

orientação para suas atividades, em especial para a comercialização de seus produtos e

serviços. Dessa forma, deveria servir como apoio para a trajetória de crescimento da empresa,

buscando a saída do empreendimento apenas quando demonstrasse envergadura para poder

sustentar seu crescimento com seus próprios recursos (JENG; WELLS, 2000, p. 282).

O investimento era então realizado a partir da combinação entre instrumentos de

dívida e participação societária, em que a pequena ou média empresa assumia dois

compromissos: o de pagar parte dos recursos com juros e o de recomprar a participação de sua

própria empresa em, no mínimo, após 5 e no máximo até 10 anos de financiamento da KBG

(AVNIMELECH, 2010, p. 104).

Na prática, o grau de envolvimento de KBGs com empresas investidas foi muito

baixo, limitando-se ao comparecimento de representantes das KBGs em encontros e reuniões

obrigatórias. Além disso, muitas das KBGs constituídas optavam por não investir em

pequenas empresas, concentrando seus esforços em empresas de médio porte. Essa posição

foi inclusive registrada em comunicações oficiais de algumas KBGs para o governo alemão,

nas quais ressaltavam que os riscos associados a pequenas empresas eram muito elevados para

o seu negócio (AVNIMELECH, 2010, p. 104).

Mesmo com a presença de linhas de crédito dedicados, o modelo de

financiamento para esse nicho específico durante os anos de 1950 e 1960 se concentrou no

uso de recursos próprios. No período, pequenas empresas alemãs eram sinônimas de empresas

familiares, pouco conectadas com setores ligados à ciência e tecnologia, e com baixo

envolvimento com empresas como as KBGs (JENG; WELLS, 2000, p. 283).

Esse desvínculo se dava, segundo Gil Avnimelech et al. (2010, p. 104), porque a

estabilidade do emprego em grandes empresas e a segurança associada ao prestígio de

professores e pesquisadores em universidades alemãs, serviam como desestímulo para que

esses profissionais buscassem empreender, criando suas próprias empresas. Paralelamente, em

muitas universidades, a comercialização de descobertas científicas não era vista como uma

das funções da universidade, o que tornava essas descobertas uma espécie de bens públicos da

sociedade alemã.

Assim, os acordos entre a academia e a indústria eram raros no período, em parte

pelo modelo de custeio das universidades, fortemente ligado aos recursos públicos estaduais e

federais. Mesmo entre os pesquisadores que tentavam traduzir suas descobertas científicas em

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uma empresa de base tecnológica, havia uma falta de interesse e de capacidade para a

realização de atividades de gestão do próprio negócio (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 49).

A criação do Deutsche Wagnisfinanzierungsgesells (WFG), em 1974, foi a

primeira tentativa do governo alemão em estruturar um modelo de financiamento de pequenas

empresas para incentivá-las a realizar atividades ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento

tecnológico. O WFG foi integralmente pensado no modelo de investimento baseado em

participação societária (equity), tendo como objetivo a mudança do perfil de pequenas

empresas alemãs (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 33).

Enquanto criação de um modelo, a iniciativa teve inspiração na experiência do

Vale do Silício e nas primeiras empresas que tiveram a sua trajetória de crescimento

financiadas pelo venture capital. Ainda assim, havia, por parte do governo alemão, a

consciência de que o transplante do modelo estadunidense para o país não seria a melhor

alternativa. Por essa razão, o WFG foi a tentativa de traduzir a lógica do venture capital de

investimentos em startups ao contexto do mercado financeiro alemão, aproveitando uma boa

ideia da realidade local.

O WFG pode ser definido como um fundo de investimento público-privado, com

o enfoque em prover recursos para empresas de base tecnológica. O fundo foi constituído em

1975 por 29 instituições financeiras alemãs, cada uma com participação societária no WFG, e

pelo governo alemão, que se oferecia como garantidor em casos de prejuízos (BECKER;

HELLMAN, 2005, p. 40).

Inicialmente, o WFG foi criado com a duração de 15 anos, podendo ser ampliado

de acordo com os resultados de seus investimentos. O fundo era composto por um Conselho

Diretor (Board of Directors) e por gestores, responsáveis pela escolha, monitoramento e

prestação de informações sobre os investimentos realizados pelo WFG. Esse Conselho

Diretivo tinha como função definir quais setores seriam priorizados e quantos recursos

deveriam ser captados para a realização dos aportes de recursos. A composição do conselho

era feita por indicação do governo em conjunto com bancos associados, tendo no total doze

membros divididos da seguinte forma: dois representantes da indústria, três representantes dos

bancos associados, dois consultores administrativos, dois cientistas e três representantes do

governo (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 40).

A sua criação foi resultado da combinação de diversos fatores. De um lado, o

perfil de baixa profissionalização de pequenas empresas na Alemanha associado à baixa

disposição de profissionais de grandes empresas e de pesquisadores universitários em criar

novos empreendimentos. De outro lado, as fontes de financiamento de médias empresas,

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realizados pela KBG e pelas linhas de crédito de bancos alemães, não alcançavam as

pequenas empresas, por isso muitas delas não buscavam por tais financiamentos e, quando

buscavam não obtinham sucesso (JENG; WELLS, 2000, p. 283).

O WFG iniciou suas operações com a captação de 10 milhões de marcos (cerca de

6 milhões de dólares); três anos mais tarde passou para 30 milhões de marcos (cerca de 18

milhões de dólares). Após 5 anos de sua criação, obteve um aporte de 50 milhões de marcos

(cerca de 30 milhões de dólares) de bancos alemães. Nesse período, a captação foi principal

estímulo para a disponibilização dos recursos por parte dos bancos na garantia oferecida pelo

governo federal alemão. Na hipótese de prejuízos nos investimentos realizados pelo WFG, o

governo arcaria com até 75% das perdas, indenizando os bancos associados ao WFG

(BECKER; HELLMAN, 2005, p. 40).

Desde o início, no entanto, os interesses dos bancos associados ao WFG e do

governo alemão pareciam não convergir. O governo estava preocupado em como transportar a

excelência científica, presente nas universidades alemãs, para o ambiente de pequenas e

médias empresas, ampliando o surgimento de novos negócios, por isso, os representantes

governamentais presentes na WFG pressionavam os gestores do fundos para investirem nas

empresas de base tecnológica ainda em estágios iniciais de desenvolvimento, reforçando a

importância de sua ligação com o contexto de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos

(BECKER; HELLMAN, 2005, p. 50).

Diferentemente do governo, os bancos alemães associados ao WFG não

enxergavam que o financiamento de pequenas e médias empresas via participação societária

deveria seguir uma outra dinâmica, além do crédito. Por essa razão, mesmo disponibilizando

recursos para a formação da WFG, os bancos procuravam não se envolver nos investimentos,

buscando apenas reduzir os potenciais prejuízos associados (BECKER; HELLMAN, 2005, p.

50).

Segundo Leslie A. Jeng e Philippe Wells (2000, p. 283), seria muito difícil a

estruturação de qualquer programa governamental de fomento ao financiamento de empresas

na década de 1970 sem a atuação de bancos alemães. A estrutura bancária estava presente em

todo o país e controlava todas as operações financeiras. A inclusão dos 29 bancos na

formação do WFG foi fruto da pressão do governo federal, inserindo-os em suas iniciativas

para o estímulo do venture capital.

Os bancos alemães não compartilhavam dos diagnósticos do governo alemão,

bem como não tinham um interesse particular no financiamento de empresas de base

tecnológica e, principalmente, no financiamento via participação societária. Dessa maneira, o

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envolvimento dos bancos associados no WFG foi descrito pelo seu papel como fonte de

capitalização dos recursos do fundo, e não como parte dos esforços estratégicos para a

orientação dos investimentos a serem realizados pelo WFG. A escolha de áreas prioritárias e o

tipo de empresa a ser investida (early-stage startups), por exemplo, eram definidos pelo

Conselho Diretivo, porém, a participação dos bancos nesssas decisões era mínima, enquanto a

do governo alemão era frequente (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 51).

As semelhanças na relação entre investidores originários e gestoras de recursos de

venture capital não abarcam a relação entre gestores e empreendedores. Enquanto o modelo

estadunidense é marcado pela intensa presença e participação do gestor na investida –

estipulando direitos específicos de participação em órgãos da startup, a possibilidade de

remoção de seus dirigentes, direitos de vetos em decisões, dentre outros –, o WFG se limitava

a oferecer suporte jurídico e contábil para suas investidas. Logo, os gestores não tinham

qualquer poder de ingerência sobre a empresa investida, não podendo influir sobre a sua

trajetória de crescimento (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 44).

Diante do exposto, pode-se analisar que o baixo envolvimento do WFG em

investidas era fruto da combinação da postura passiva de instituições financeiras da época e

do desejo de empreendedores de que a WFG não se envolvesse com o empreendimento.

Acerca disso, um dos presidentes do Conselho Diretivo, Karl-Heinz Fanselow, descreve a

postura de empreendedores financiados pelo WFG no período:

Empreendedores não estavam muito abertos para uma postura participava do

venture capital. Eu os considerava arrogantes. Eles não enxergavam que a

ideia isolada não gera sucesso – eles se consideravam como inventores e não

gostando e respeitando aspectos relacionados ao negócio (BECKER;

HELLMAN, 2005, p. 45).58

Os empreendedores alemães eram muito relutantes em concordar com a

participação do WFG em seus processos de tomada de decisão. Segundo Karl-Heinz

Fanselow (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 45), nenhuma das empresas nascentes, que

recebeu investimento, concordou com uma postura ativa de gestores do WFG, além de

ressaltarem que uma participação indesejada poderia servir de motivo para que o

financiamento fosse desfeito. Por sua vez, na maior parte das negociações tais

empreendedores afirmavam que a busca por recursos do WFG se dava em razão da

58

O trecho foi extraído de uma entrevista realizada por Ralf Becker e Thomas Hellman (2005) com

representantes do fundo de investimento WFG. Tradução nossa do original: “Entrepreneurs were not very open

to a hands-on venture capital approach. I found them arrogant. They did not see that an idea alone does not

imply success – they considered themselves as inventors and disliked and disrespected business aspects.” Ver

em: (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 45).

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contrapartida do financiamento, participação na empresa, e não pelas características do

financiador (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 46).

Outro aspecto que diferenciava o WFG do modelo de limited partnership

estadunidense era a presença de uma cláusula dando a opção de recompra da participação do

WFG para a empresa investida, fixando o preço de saída a partir dos custos de aquisição,

acrescidos juros abaixo dos de mercado. Assim, seis das quatorze empresas investidas pelo

WFG que geraram algum lucro durante o investimento exerceram esse direto, oferecendo um

retorno pequeno para o fundo (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 48).

Os retornos extraordinários em uma empresa que fosse bem-sucedida em sua

trajetória de crescimento não eram retidos pelo WFG, que reproduzia a ideia de obtenção de

retorno sob o capital investido na estipulação de uma recompra com preço pré-fixado. Essa

mudança, influenciada pela presença de bancos alemães no WFG, esvaziou uma das

principais características do investimento de venture capital, o fato de que o retorno

extraordinário de empresas bem-sucedidas iria compensar o fracasso das que não atingiram

suas metas de crescimento, ainda gerando um alto retorno para os investidores de venture

capital.

Além disso, na maior parte dos investimentos realizados pelo WFG, os

empreendedores alemães incluíram cláusulas que forçavam a saída do fundo assim que a

empresa investida alcançasse a sua sustentabilidade financeira, permitindo que a empresa

recomprasse toda a participação da WFG pelo preço estipulado no acordo de investimento

(BECKER; HELLAMN, 2005, p. 48). Inevitavelmente, a junção desses fatores criou uma

barreira jurídica para que o WFG pudesse obter retornos financeiros sobre seus investimentos

em empresas de base tecnológica em ascensão.

Tomando como referência a experiência norte-americana, na qual são os retornos

extraordinários obtidos de uma ou duas empresas investidas que viabilizaram os ciclos de

investimentos realizados por gestoras de recursos, o modelo criado pelo WFG tinha poucas

perspectivas de prosperar. Afinal, os investimentos bem-sucedidos não serviram como forma

de financiar os malsucedidos, bem como o WFG não tinha ferramentas para tentar corrigir

problemas advindos de erros de empreendedores na condução de seus empreendimentos.

Além dos fatores de diferenciação entre o modelo norte-americano e a experiência

do WFG já mencionados, outro de grande relevância foi a criação de critérios rígidos de

seleção de empresas a serem investidas. Durante suas operações, o Conselho Diretivo da

WFG definiu quatro critérios para a seleção de empresas: (i) o produto ou processo criado

pelo empreendedor é suficientemente inovador de um ponto de vista tecnológico; (ii) há a

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identificação de um mercado alvo, e a empresa tem condições de lucrar neste mercado; (iii) o

empreendedor ou a equipe de empreendedores apresentam qualificação técnica e experiência

de negócio para conduzir a startup ao crescimento; e (iv) o WFG financiará apenas empresas

que não conseguiram obter financiamento em outras fontes de capital (BECKER;

HELLMAN, 2005, p. 50).

Nas práticas de gestoras de venture capital norte-americanas, a avaliação era feita

caso a caso e não pela definição de um conjunto de critérios fixos e pré-definidos; já o que

chama atenção no processo de seleção do WFG é a necessidade de demonstração por parte da

startup interessada no financiamento de que ela não foi capaz de obter recursos de nenhuma

outra fonte de capital e, por essa razão, estaria recorrendo ao WFG. Esse critério de seleção

pode parecer estranho ao funcionamento dos investimentos de venture capital, contudo, é

explicado por uma preocupação de instituições financeiras na época.

Mesmo não tendo participação na definição do tipo de empresa ou setor a serem

investidos pelo WFG, os bancos alemães associados temiam que o WFG servisse como um

concorrente às suas linhas de crédito tradicionais para pequenas e médias empresas. Nesse

sentido, o critério de seleção servia como garantia de que a startup teria recorrido a um banco

antes de pleitear um financiamento do WFG, mantendo a predominância dos bancos nesse

nicho de financiamento (BECKER, HELLMAN, 2005, p. 50).

No cenário norte-americano, o venture capital foi construído em associação com

narrativas de crescimento e sucesso de empresas de alto potencial de crescimento, enquanto

isso, o venture capital alemão, em sua primeira tentativa, era visto como uma fonte

subsidiária de recursos, de menor relevância no quadro geral de financiamento de

empreendimentos no país. Mesmo que em seu discurso a ideia de fomento ao crescimento

acelerado de empresas de base tecnológica estivesse presente, na prática, o venture capital

alemão não apresentou investimentos de sucesso durante os seus primeiros anos.

Leslie A. Jeng e Philippe Wells (2000, p. 283) apontam que o WFG como

programa governamental de fomento ao venture capital foi um completo fracasso. Além das

significativas perdas financeiras, apresentando retornos negativos médios de 25% ao ano, o

fundo de investimento não conseguiu investir em empresas de base tecnológica que pudessem

ter crescido.

Na visão dos autores (2000, p. 284), a saída dos investimentos foi um dos

principais problemas do WFG, pois diferente da postura norte-americana em que a abertura

do capital e a aquisição da empresa investida marcaram as estratégias de gestoras de venture

capital, no caso do WFG, a recompra da participação com valor pré-fixado se mostrou a

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prática mais frequente. A opção alemã ocorreria de duas formas: a primeira pelo valor fixado

no acordo entre investidor e empresa investida, garantindo algum retorno ao primeiro, ou pela

atribuição de um valor irrisório para permitir que o WFG pudesse sair com prejuízos.

Em dez anos de atuação em operações, o fundo acumulou perdas de 38,4 milhões

de marcos, aos quais o governo alemão arcou com 37,7 milhões, cerca de 98,1%, deixando

apenas pouco menos de 1 milhão de marcos como prejuízo para as instituições financeiras.

Contratualmente, o governo alemão havia se comprometido a arcar com até 75% dos

prejuízos, contudo, os resultados foram tão desanimadores que o levou a assumir a quase

totalidade das perdas como uma forma de incentivo para que os bancos alemães continuassem

a fazer parte de iniciativas de fomento a pequenas e médias empresas (AVNIMELECH, 2010,

p. 104).

Em 1985, o diagnóstico negativo do WFG fez com que o fundo passasse a investir

em outro perfil de empresas, desistindo do projeto de financiamento de empresas de base

tecnológica em seus estágios iniciais de desenvolvimento. A partir disso, o fundo passou a se

concentrar em empresas de maior porte, que precisavam de recursos para seus projetos de

expansão. Gradativamente, o WFG optou por desfazer de suas participações até esvaziar todas

as suas posições em 1991, desvinculando-se por completo de seus investimentos do venture

capital (AVNIMELECH, 2010, p. 104).

Na análise da trajetória do WFG, Ralf Becker e Thomas Hellman (2005, p. 56)

ressaltam que mesmo que as receitas sobre os investimentos realizados pelo fundo

apresentassem um crescimento gradual ao longo dos anos, as limitações de seleção de

empresas, o baixo nível de participação em suas investidas e as dificuldades para realizar

saídas lucrativas fizeram com que os prejuízos fossem inevitáveis. Para os autores (2005, p.

61), o caso alemão ilustra bem como o desenho de um veículo de investimento e o

comportamento de seus operadores podem ter efeitos negativos sobre iniciativas de fomento

ao venture capital.

Tabela 4.3 Trajetória de Investimentos do WFG (1976-1986)

Ano 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86

Receita dos

Investimentos

Realizados pelo

WFG (Milhões de

Marcos – DM)

0 0 0 0.1 0.2 0.7 1 1.9 2.2 3.7 4

Receita de subsídios

governamentais

(Milhões de Marcos

0.8 2.1 3.2 11.4 4.2 1.9 2 2.1 10 0 0

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154

– DM)

Número de

Companhias

Investidas

3 11 19 22 14 11 19 27 34 28 25

Número de

Falências de

Empresas

Investidas

0 0 1 2 3 1 0 0 4 3 1

Número de

Aquisições e

Recompras de

Empresas

Investidas

0 0 0 0 8 4 0 1 0 3 2

Número de

Abertura do

Capital de

Empresas

Investidas

0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0

Fonte: (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 41).

O fracasso do WFG também foi fundamental para que o governo alemão mudasse

a sua estratégia de estímulo ao venture capital no país recorrendo a incentivos direcionados a

empresas constituídas segundo o modelo da limited partnership norte-americana.

Posteriormente, subsidiárias de gestoras de venture capital norte-americanas começaram a ser

constituídas em território alemão no final da década de 1980, e as primeiras incubadoras

universitárias foram financiadas pelo governo alemão no mesmo período. Ao mesmo tempo,

as primeiras gestoras de venture capital alemão sob o formato norte-americano também

passaram a ser criadas, investindo em parcerias com as gestoras estadunidenses

(AVNIMELECH, 2010, p. 105).

O mercado alemão de investimentos triplicou o seu tamanho em 1990, tendo o

ingresso de 1,2 bilhão de dólares em investimentos de venture capital em empresas alemãs.

Por conseguinte, o número de aberturas de capital de empresas de alto potencial de

crescimento investidas por venture capitalists no país alcançou a média de 19 operações por

ano entre 1991 e 1999, ampliando também a presença de spin-offs de universidades como

empresas objeto de investimento de venture capital (AVNIMELECH, 2010, p. 105).

As alterações nas características do investimento de venture capital alemão, com a

progressiva adoção do modelo de limited partnership, influenciaram a orientação de políticas

públicas de fomento ao venture capital. Em 1987, por exemplo, o parlamento alemão aprovou

a concessão de benefícios fiscais para gestoras de venture capital alemãs e estrangeiras que

investissem em starups alemãs. Em 1995, o governo alemão passou a oferecer programas de

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155

fomento ao capital semente, que disponibilizassem recursos para gestoras de venture capital

investirem em startups alemãs em estágios embrionários de seu desenvolvimento, buscando

ampliar o volume de recursos disponíveis para novos empreendimentos (AVNIMELECH,

2010, p. 105).

Em comparação com outros países europeus, a Alemanha não é apontada como

uma referência ao venture capital, pois está atrás em volume de investimentos em empresas

de alto potencial de crescimento de países como Inglaterra e França. Contudo, o estudo da

trajetória do venture capital alemão, em especial do WFG, traz contribuições importantes para

a reflexão sobre a relação entre a dinâmica do investimento de venture capital e o papel de

bancos nesse processo. Aliás, o caso alemão mostra como elementos de ordem normativa e

cognitiva podem limitar o desenvolvimento de uma modalidade de investimento como o

venture capital.

Em nossa visão, a trajetória do WFG nos permite vislumbrar quais foram os

equívocos na formulação do programa, permitindo-nos compreender melhor como o venture

capital se comporta em um ambiente institucional distinto daquele em que foi criado, além de

oferecer subsídios para evitá-los na formulação de políticas públicas no futuro. Além disso,

nos permite vislumbrar com clareza quais comportamentos não são compatíveis com o

modelo de venture capital que se internacionalizou.

4.2.2 Crescimento, adaptação e acomodação de interesses: Venture Capital na China

Após uma década de crescimento entre os anos de 2003 e 2013, a China se tornou

o segundo maior mercado de investimentos de venture capital do mundo, atrás apenas dos

Estados Unidos. De acordo com dados da Zero2IPO59

, enquanto em 1995 existiam apenas 10

gestoras de venture capital com atuação no país, em 2005 o número passou para 500 gestoras

e em 2012 para 5.000.

Entre os anos de 2002 e 2012, a taxa média de crescimento nos investimentos

dessa modalidade no país foi de 17% ao ano, movimentando 53 bilhões de dólares em

59

Os dados apresentados foram extraídos da base de dados da consultoria Zero2IPO, a principal fonte de

informações sobre o mercado de venture capital e private equity no país. Segundo informações da própria

empresa, os dados de investimento de venture capital na China são obtidos por meio da aplicação de um

questionário de perguntas estruturadas para representantes de empresas de venture capital com atuação no país.

As entrevistas são conduzidas por telefone e tratam das operações realizadas no ano da entrevista. A consultoria

faz levantamentos sobre o setor de investimentos desde o ano de 1999 e publica os seus resultados em seu sítio

eletrônico para usuários cadastrados e pagantes. Ver em: < http://www.zero2ipo.com.cn/en/>. Último acesso:

06.03.2018.

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156

investimentos em empresas chinesas de alto potencial de crescimento em pouco mais do que

7,9 mil operações, com mais de mil aberturas de capital de empresas chinesas no período

(ZHANG, 2016, p. 72).

Em 2008, foram registradas 311 gestoras estrangeiras60

de venture capital com

atuação na China, distribuídas em 22 estados diferentes, sendo 154 delas com escritórios

localizados em mais de uma cidade chinesa. Os Estados Unidos é o país com maior volume de

recursos e gestoras com atuação na China, tendo 147 gestoras e 55 com filiais locais. No ano,

foram investidos 14,3 bilhões de dólares em empresas chinesas de alto potencial de

crescimento, sendo 78,7% destes recursos oriundos de gestoras de venture capital com

controle estrangeiro (ZHANG, 2016, p. 72).

Em 2009, o número de gestoras nacionais superou pela primeira vez o número de

gestoras estrangeiras. Dois anos mais tarde, o volume de recursos investidos por gestoras

nacionais já era maior do que por estrangeiras no país. Em 2012, investidores nacionais já

possuíam um portfólio de empresas investidas avaliadas em 26.6 bilhões de dólares,

acompanhados por 22.8 bilhões de gestoras estrangeiras (ZHANG, 2016, p. 73).

A trajetória de crescimento do capital de risco na China ilustra bem como o

processo de internacionalização do venture capital foi capaz de pavimentar uma estrada

própria para a sua expansão na região. Isso porque a China, mesmo com diferenças

significativas no campo social, cultural, jurídico e econômico, foi capaz de se apropriar e

expandir o modelo norte-americano (AHLSTROM et al.; 2007, p. 253).

Mesmo sem referenciais comuns do modelo estadunidense, como a presença de

alta liquidez de bolsa de valores, ou de um sistema forte de proteção da propriedade

intelectual, a China foi capaz de construir uma solução para acomodar o modelo de venture

capital norte-americano ao seu cenário de restrições à entrada do capital estrangeiro,

demonstrando que é possível a construção de alternativas de adaptação e acomodação de

interesses quando se trata da inserção do venture capital em países em desenvolvimento

(AHLSTROM et al.; 2007, p. 252).

Mesmo diante de restrições de captação de recursos estipuladas pelo governo

chinês, empreendedores foram capazes de elaborar uma estrutura jurídica que contornasse as

60

Classificamos como empresas estrangeiras de venture capital as que possuam sua sede em um país diferente

do local da realização de seu investimento, bem como as empresas que mesmo que tenham um escritório ou até

sejam constituídas no país em que realizam o seu aporte de recursos, têm a maior parte de seu corpo de

acionistas com sede ou residentes em outro país que não o que receberá os investimentos de venture capital.

Nesse sentido, empresas de venture capital nacionais são aquelas em que a maior parte do controle sobre a

empresa está nas mãos de empresas ou indivíduos que residem no país que receberá o investimento, incluindo

empresas que têm como seu principal sócio governos nacionais.

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157

proibições. O modelo Sina ilustra a criatividade jurídica, pois serviu de alternativa para a

expansão do venture capital na China, ao mesmo tempo em que contou com a tolerância do

governo chinês, que até 2017 não interviu para destruir o modelo. Nesse sentido, pode-se

considerar o modelo Sina como uma ilustração de adaptação do venture capital no contexto

chinês e de acomodação de interesses entre o governo chinês e os empreendedores no país.

As preocupações do governo chinês com o financiamento de pequenas e médias

empresas tiveram início na primeira metade da década de 1980, como fruto de iniciativas de

modernização iniciadas em 1978 pela gestão de Deng Xiaoping (ZHANG, 2016, p. 75).

Desde a ascensão do partido comunista em 1949, até as reformas promovidas no final dos

anos de 1970, a formação e o financiamento de pequenas e médias empresas não figuravam

entre as prioridades do governo chinês (AHLSTROM; DING, 2014, p. 612).

Segundo Harry Harding (1987), o empreendedorismo na China61

era muito pouco

estimulado, em alguns casos a criação de novos negócios era vedada pelo governo chinês. Sob

forte influência do regime soviético de organização da economia, o autor aponta que até o

início dos anos de 1970, a maior parte das decisões de empresas constituídas na China

precisavam da autorização de representantes governamentais para poderem ser executadas, a

exemplo do dispêndio de recursos em nome da empresa: superior a 50 yuans, o equivalente a

10 dólares nos dias atuais.

Diversas iniciativas ligadas à ciência e tecnologia foram inseridas no conjunto de

programas previstos nas reformas de modernização62

, a partir de 1978, como elementos

cruciais para o desenvolvimento econômico do país na perspectiva do governo de Deng

Xiaoping (ZHANG, 2016, p. 75). Curiosamente, não foram os bancos públicos estatais

apontados como os principais financiadores de pequenas e médias empresas ligadas ao

desenvolvimento tecnológico, mas sim o venture capital. Porém, um venture capital

controlado e monitorado pelo governo chinês, em que os investimentos poderiam vir de

61

David Ahlstrom e Zhujun Ding (2014, p. 612) comentam que, na China pré-industrial, soberanos e autoridades

locais reivindicavam toda a propriedade sobre invenções realizadas em suas terras. Inovações criadas por

artesãos ou inventores eram frequentemente confiscadas por nobres e monarcas, atribuindo, na menor parte dos

casos, uma pequena compensação para os criadores. Segundo os autores, era muito comum em diversas regiões

da China que famílias com posses evitassem converter o seu patrimônio em capital ou investir em projetos de

grande porte, criando um padrão de comportamento presente na cultura chinesa até o século XX. 62

O conjunto de reformas iniciado no final dos anos 1970 tinha dois objetivos principais. O primeiro deles era

aumentar os resultados do país na área de ciência e tecnologia, baseando-se no pressuposto de que quanto maior

a oferta de tecnologia, maior seria a sua difusão e implementação no mercado, gerando ganhos de crescimento

econômico para o país. O segundo objetivo seria o início das mudanças das responsabilidades nos processos de

alocação de recursos na economia do governo chinês, passando da total centralização burocrática para a gestão

por meio de organizações regionais (e.g. institutos de pesquisa, redes de produtores locais, distribuidores

regionais etc.). Essas mudanças foram acompanhadas por uma postura do governo chinês em criar indicadores de

performance financeira de suas organizações regionais, buscando ampliar as condições de competitividade de

suas regiões (WHITE et al., 2005, p. 898).

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158

investidores estrangeiros, mas para setores da indústria autorizados pelo governo chinês

(AHLSTROM, 2007, p. 250).

Em 1985, o Comitê Central do Partido Comunista (CCPC) publicou a decisão

sobre as reformas do sistema de ciência e tecnologia do país, ressaltando que a construção de

um segmento de venture capital seria um dos pilares para o desenvolvimento de empresas de

alta tecnologia63

, desempenhando papel estratégico para o crescimento da China nos anos

subsequentes (WHITE et al., 2005, p. 896).

Por venture capital, o CCPC64

adotava uma definição próxima da norte-

americana, mesmo que naquele momento não houvesse uma adoção do modelo da limited

partnership como referência principal para a constituição das primeiras gestoras de recursos

no país. Para o CCPC, venture capital seria uma modalidade de financiamento de

empreendimentos promissores, que utilizaria como principal instrumento a obtenção de

participação societária na empresa investida, permitindo que seu investidor fosse capaz de

contribuir para a aceleração de seu crescimento, tendo o potencial de gerar, ao final do

período, retornos extraordinários ao investidor (AHLSTROM et al., 2007, p. 249).

O CCPC não diferenciava os investimentos de venture capital dos de private

equity, direcionando seus projetos para a atribuição de um foco específico no financiamento

de empresas de alto potencial de crescimento. A especialização do venture capital no país foi

um processo gradual que contou com esforços do Ministério de Ciência e Tecnologia do

governo chinês, formulando programas e políticas para intensificar o foco em pequenas e

médias empresas em determinadas regiões, e na atração do capital estrangeiro para o país

(ZHANG, 2016, p. 76).

63

O sistema de venture capital chinês cresceu como resultado de uma série de reformas jurídico-econômicas e

de programas governamentais na área de ciência e tecnologia, que tiveram início no final da década de 1970. O

governo chinês encarava o estímulo ao surgimento de um sistema de venture capital no país como uma estratégia

de aproximação das capacidades de sua infraestrutura em ciência e tecnologia com suas metas de

desenvolvimento regional e nacional (WHITE et al., 2005, p. 898). 64

Uma questão importante para o CCPC na definição do venture capital como parte das reformas de

modernização do país foi a mentalidade de planificação da economia, ainda forte em membros de alto escalão do

governo chinês. Mesmo que líderes do partido comunista reconhecessem a presença de ineficiências e de pouca

efetividade nas estratégias de planificação da economia chinesa, a mudança de uma postura de centralização para

uma postura de atração do capital internacional na realização de investimentos foi um processo gradual que

contou com resistências internas de membros do alto escalão do governo chinês. A própria comunicação entre as

entidades que desenvolviam atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no país (e.g. universidades,

centros de pesquisa, departamentos de P&D de empresas públicas etc.) demonstravam dificuldade de mudar um

sistema centralizado na figura do Estado chinês, para assumir responsabilidades na construção de um

relacionamento com investidores estrangeiros e empresas nascentes de base tecnológica (WHITE et al., 2005, p.

898).

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Em 1986, foi criada a primeira investidora de venture capital do país, a China

New Technology Venture Investment Corporation65

, constituída como uma empresa pública

de investimentos a partir de recursos públicos da Comissão Nacional de Ciência e Tecnologia

(CNCT), que viria a se transformar anos mais tarde no Ministério de Ciência e Tecnologia

(ZHANG, 2016, p. 77). E mesmo não sendo a única investidora de venture capital constituída

pelo governo chinês na segunda metade da década de 1980, tornou-se uma referência para o

estudo do venture capital chinês, pois abriu o caminho para que o Ministério de Ciência e

Tecnologia identificasse o fomento a empresas de alto potencial de crescimento como uma de

suas prioridades (ZHANG, 2016, p. 76).

No mesmo período, foi autorizado, pela primeira vez, o registro de gestoras

estrangeiras de venture capital para a realização de aportes de recursos em empresas chinesas.

Contudo, até o início dos anos de 1990 poucos investimentos foram realizados no país, em

sua maioria no mercado imobiliário, na construção de novos hotéis e na infraestrutura de

turismo de algumas cidades (AHLSTROM et al., 2007, p. 250). Nesse tempo, ainda que o

modelo de investimento fosse chamado de venture capital pelos agentes envolvidos nas

transações, é difícil configurar esses primeiros investimentos nesta categoria.

Além disso, a entrada do venture capital no país não era livre, foram criadas

restrições jurídicas que vedavam as gestoras estrangeiras de adquirirem participação societária

em empresas chinesas em determinados setores da indústria. Na ocasião, o governo chinês

dividiu sua economia em segmentos da indústria, de modo que os investimentos estrangeiros

poderiam ser classificados como permitidos, restritos ou proibidos. A ideia subjacente dessa

classificação era evitar que gestoras estrangeiras pudessem alcançar setores estratégicos para

o governo chinês ou até setores que já se desenvolviam com certo sucesso, como os de

telecomunicações, software, dentre outros (BUCKLEY et al., 2010).

Para Jun Zhang (2016, p. 77), o início efetivo dos investimentos de venture

capital no país se deu apenas em 1993, com a entrada das primeiras gestoras estrangeiras de

venture capital – a International Data Group (IDG), a Walden International e o H&Q Asia

Pacific –, que formaram joint ventures com o governo chinês para investirem em empresas de

alto potencial de crescimento. A IDG, por exemplo, captou 50 milhões de dólares em 1993

65

A criação da China New Technology Venture Investment Corporation, em 1986, pela Comissão Nacional de

Ciência e Tecnologia, com recursos do Ministério de Finanças, foi uma tentativa dos membros da Comissão de

replicarem o modelo de financiamento de empresas nascentes de base tecnológica presente no Vale do Silício, na

Califórnia. Todavia, a reprodução do modelo do Vale do Silício não foi acompanhada por um quadro

institucional presente em seu país de origem, demonstrando para membros do governo chinês que reformas no

seu contexto jurídico-econômico seriam necessárias, em especial na organização de sua estrutura regulatória

corporativa, perante as normas que versam sobre o investimento estrangeiro no país e na constituição de seu

mercado de capitais (WHITE et al., 2005, p. 900).

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160

para a formação de fundos na região do Pacífico, tendo como principal alvo a China. Em

1994, a empresa norte-americana formou 3 joint ventures com as Comissões de Ciência e

Tecnologia de Pequim, Xangai e Guangzhou para investimentos em startups formadas em

cada uma das cidades.

Todavia, a entrada das primeiras gestoras estrangeiras no país não foi seguida pelo

crescimento expressivo no volume de capitais aplicados em pequenas e médias empresas de

desenvolvimento tecnológico. Muitas empresas que captaram recursos durante os anos de

1990 para investir na região demonstravam dificuldades em encontrar planos de negócio

promissores ou empresas de alto potencial de crescimento nos setores designados pelo

governo chinês, além disso, os setores que mais interessavam as gestoras de recursos

contavam com restrições ou proibições de aquisição de participação societária de empresas

chinesas (ZHANG, 2016, p. 77).

Gradativamente, gestoras de venture capital que se propunham a investir na

região optaram por aportar recursos em países como Taiwan, Coréia do Sul e Singapura, que

não dispunham das mesmas restrições que a China, reduzindo os seus esforços de

investimentos em empresas chinesas até o início dos anos 2000 (BUCKLEY et al., 2010).

Ademais, o desejo por investir em setores como o de tecnologia da informação na

China estava relacionado ao ambiente de investimento dos Estados Unidos. No início dos

anos 2000, a principal tendência de investimento eram as empresas .com, que surgiam como

oportunidades de crescimento rápido e retornos extraordinários. Porém, o que se iniciou com

euforia, tornou-se frustração com o estouro da bolha das empresas .com entre os anos de 2001

e 2002, intensificando o interesse de gestoras em explorarem mercados em outros países. A

abertura do capital bem-sucedida das primeiras empresas chinesas de tecnologia (AsiaInfo,

UTStarcom, Sina, Sohu, Netease) na bolsa de valores norte-americana Nasdaq serviu como

estímulo para a retomada do interesse pelo mercado chinês (BUCKLEY et al., 2010).

A partir da abertura de capital das primeiras empresas chinesas na Nasdaq, o

ritmo da entrada de recursos estrangeiros cresceu. Em entrevista realizada pelo professor

Goubin Yang (2001, p. 36) com o fundador da empresa Sohu, Charles Zhang, o empresário

comenta qual era o cenário de investimentos na China em 1996, quando voltou de um MBA

no MIT para fundar sua startup. Segundo o empresário, as oportunidades de financiamento na

época eram próximas de zero. Zhang tentou recorrer a bancos, que em todas as oportunidades

recusaram os seus pedidos de empréstimo pela ausência de ativos tangíveis como garantia e

buscou programas governamentais, mas muitos deles estavam ligados à preparação da

empresa, e não ao investimento propriamente dito. Apenas três anos após a criação de sua

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empresa, o empreendedor obteve o seu primeiro investimento, e em menos de dois anos

abriria o seu capital nos Estados Unidos.

Para David Ahlstrom et al. (2007, p. 250), a escassez de modalidades de

financiamento de empresas de alto potencial de crescimento na China só se tornou uma

oportunidade para gestoras de venture capital estrangeiras por uma junção de dois fatores. No

âmbito da geração de oportunidades de investimento, a oferta de empresas aumentou quando

os esforços de incubação promovidos pelos Comitês de Ciência e Tecnologia em diversas

regiões do país começaram a gerar resultados com projetos estruturados. No âmbito da

atração de capital estrangeiro, o volume de recursos aportados aumentou a partir da criação e

disseminação do modelo Sina, estrutura de investimento que tinha como intuito viabilizar

investimentos, em setores da indústria, que sofriam com restrições ou proibições ao capital

estrangeiro.

Não por acaso, a partir de 2004, muitas gestoras de venture capital criadas no

Vale do Silício, como a Sequoia Capital e a KPCB, passaram a organizar suas primeiras

operações de investimentos no país. Todavia, diferente dos anos anteriores, em que gestoras

formalizaram parcerias com instâncias do governo chinês, os investidores passaram a adotar

uma estrutura denominada de variable interest enterprises (VIEs). Esse modelo ficou

conhecido como Sina, em alusão à primeira empresa chinesa capaz de receber aportes de

venture capital sem a participação do governo chinês (ZHANG, 2016, p. 78).

Xie Guomin, diretor jurídico da startup Sina no início dos anos 2000, desenvolveu

um modelo criativo para a solução do problema de financiamento ao crescimento da empresa.

Convencido que o financiamento da Sina poderia vir do capital estrangeiro, o advogado

buscou construir uma alternativa para a captação junto a gestoras de fora do país. Para isso,

teria de contornar a proibição de aquisição de participação societária por investidores

estrangeiros estabelecida pelo governo chinês no setor de provimento de serviços de internet

(BUCKLEY et al., 2010).

Entre as alternativas de captação, o crédito bancário havia sido descartado em

razão de diversas negativas de instituições financeiras, e a abertura de capital, mesmo que em

um estágio inicial, estava obstaculizada por uma norma da Chinese Securities Regulatory

Commission (CSRC), que exigia a demonstração de lucro por três anos consecutivos para

empresas que pleiteavam a abertura de seu capital em qualquer uma das bolsas de valores

chinesas (BUCKLEY et al., 2010).

Outro fator que tornava a opção de abertura de capital difícil era o backlog das

autorizações de abertura de capital no país, que em 2001 estava em média de 9 anos. A

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162

empresa que protocolasse o seu pedido em 2001, teria uma resposta favorável ou não apenas

em 2010. Contudo, esse prazo se mostrava incompatível com o crescimento acelerado da Sina

e com o desejo de seus sócios em expandir os seus negócios, que até então se concentravam

na criação do microblog Weibo e no fornecimento de serviços de conexão de internet por

meio da Sina Online e da Sinanet (ZHANG, 2016).

Para contornar as restrições impostas pelo regime chinês, Xie Guomin

desenvolveu a estrutura da variable interest enterprise, que consistia em uma estrutura de

contratos que articulavam a emissão de dívidas entre investidor e investida e a participação

societária entre os mesmos agentes. Para isso, seriam criadas três entidades: (i) uma empresa

chinesa chamada de VIE, representando os empreendedores chineses; (ii) uma wholly foreign

owned entity chamada de WFOE, que serviria de intermediária entre investidor e investida; e

(iii) uma shell company66

, também chamada de empresa offshore ou mirror image company,

que serviria para representar as gestoras fora do país (ZHANG, 2016, p. 77).

Neste arranjo, a VIE e a WFOE teriam de ser empresas constituídas em território

chinês, reguladas pela legislação chinesa, com a diferença que a VIE seria uma empresa

operacional e a WFOE seria uma licenciadora de produtos e serviços para a VIE. A offshore

seria uma empresa de investimento constituída fora do país67

– em muito casos em um paraíso

fiscal, como as Ilhas Cayman. A offshore teria a totalidade das ações da WFOE (ZHANG,

2016, p. 78).

Para a capitalização da startup chinesa (VIE), a intermediária (WFOE) ofereceria

um empréstimo sem juros e com prazo de pagamento de 5 a 7 anos, tendo como garantia para

o pagamento do empréstimo a possibilidade de compra de uma participação minoritária da

VIE. Na prática, a combinação entre offshore e WFOE garantiam ao gestor que se a empresa

investida crescesse e gerasse retorno, este poderia retornar na forma de pagamento do

66

A Securities and Exchange Commission define Shell Company como uma empresa com nenhum patrimônio

tangível, com exceção de dinheiro. Jun Zhang (2016, p. 78) expande esse conceito, definindo uma Shell

Company como uma empresa regularmente constituída, mas que só existe no papel, não tendo um escritório de

operações, funcionários contratados ou unidade produtiva. Essas empresas possuem contas bancárias e, em regra,

são criadas com o propósito de realizar transações financeiras e reter a propriedade sobre ativos intangíveis (e.g.

patentes). Em geral, são constituídas e geridas por escritórios de advocacia ou de contabilidade, que as utilizam

em benefício de seus clientes para conferir maior segurança em operações internacionais de investimento,

dificultando em muitos arranjos a identificação dos proprietários de determinados ativos financeiros. 67

Uma Offshore Financial Centre são jurisdições especializadas na oferta de serviços financeiros e comerciais

para operações internacionais de investimento. Não são consideradas sinônimos de paraísos fiscais, contudo,

muitas delas oferecem ambientes de baixa ou até nenhuma tributação para a constituição de empresas e para os

ganhos obtidos em investimentos realizados em outros países. O termo foi criado pelo Fundo Monetário

Internacional (FMI) e serve como referência para debates sobre processos de internacionalização de capitais,

bem como para a configuração de práticas ilícitas de agentes econômicos como as de evasão de divisas, lavagem

de dinheiro, e sonegação fiscal. Ver em: < https://www.imf.org/external/np/mae/oshore/2000/eng/back.htm>.

Último acesso: 12.03.2018.

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empréstimo ou até em participação societária da VIE, podendo ser vendida para outra

empresa posteriormente (BUCKLEY et al., 2010).

Do ponto de vista regulatório, a WFOE servia como instituição financeira,

atividade permitida para aportes de recursos vindos de investidores estrangeiros. E desde que

os recursos aportados pela offshore para empresas chinesas se dessem pela modalidade de

crédito, o arranjo estaria em conformidade com as regras de investimento estrangeiro no país.

Os lucros da WFOE seriam repassados para a offshore, remunerando seus investidores a partir

desses repasses. Assim, o patrimônio da offshore seria sua participação societária na WFOE e

os dividendos advindos das operações financeiras realizadas por ela (BUCKLEY et al., 2010).

A offshore também é referida como listed company, pois além da captação

privada de recursos financeiros junto aos investidores externos (e.g. fundos de pensão, bancos

de investimento, Family offices, endowments universitários etc.) poderia abrir o seu capital em

bolsas de valores em países como os Estados Unidos da América, captando recursos sob o

argumento de realização de investimentos em startups chinesas (BUCKLEY et al., 2010).

Do ponto de vista da participação da gestora na empresa investida, o modelo Sina

permitia que a offshore, única acionista da WFOE, pudesse influir nos processos de tomada de

decisão da startup chinesa (VIE), pois como credora tinha a sua participação em reuniões e

encontros justificada. Contudo, na posição de credora, a gestora não disporia formalmente de

direito de veto nas deliberações da empresa ou direito de remoção dos diretores. Na prática, o

contrato de empréstimo entre a VIE e a WFOE tem como uma de suas cláusulas a estipulação

de uma procuração com amplos poderes por parte da VIE para a WFOE, que confere à WFOE

a capacidade de viabilizar a sua saída em caso de uma oferta de compra da VIE, bem como

direitos de influenciar a tomada de decisão das deliberações da VIE (BUCKLEY et al., 2010).

Além disso, o modelo Sina mantinha as atividades de captação de recursos

financeiros junto aos investidores externos, e as de saída do investimento na empresa

investida chinesa fora do território chinês, permitindo que os momentos mais sensíveis do

investimento da gestora de venture capital fossem pouco afetados pelo contexto regulatório-

institucional chinês. Ao longo dos anos, essa característica do Sina se mostrou uma vantagem

quando comparada às gestoras de venture capital constituídas no país e não adeptas do

modelo. Nos investimentos realizados por elas em empresas chinesas de alto potencial de

crescimento, a saída via abertura de capital se mostrava mais custosa e demorada (ZHANG,

2016, p. 78).

Mesmo as gestoras de venture capital que se mantiveram como nacionais, como a

Shenzhen Capital Group, New Margin e Legend Capital, a partir de 2004 passaram a exigir

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também de suas investidas a constituição de WFOE associadas a offshores, reforçando o

diagnóstico de preferência pelo Sina (ZHANG, 2016, p. 79).

Em vista de uma melhor visualização do modelo Sina, preparamos a ilustração

abaixo para servir de síntese deste arranjo.

Figura 4.1 Ilustração do Modelo Sina

Fonte: Elaboração do próprio autor.

Desde de 2013, o modelo Sina tem sido objeto de questionamentos por parte do

governo chinês. Entre 2003 e 2013, autoridades governamentais mantinham-se silentes quanto

à sua licitude, observando os resultados obtidos pelos investimentos realizados. Porém,

autoridades fiscais do país passaram a editar normativas para restringir o que consideram

brechas nas regras de investimento e movimentação de capitais. A intenção dessas normas é

reduzir o que consideram simulações de operações de crédito, transvestidas de operações de

investimento. Contudo, os bons resultados somados à pressão de grandes empresas chinesas

têm garantido a permanência do modelo como principal referência para o venture capital

chinês (ZHANG, 2016, p. 79).

Ao mesmo tempo, o governo chinês tem buscado se aproximar ainda mais de

estruturas de venture capital do Ocidente, promovendo mudanças nas regras que regulam

Offshore (Venture Capitalist)

WFOE (Intermediário Financeiro)

VIE (Startup Chinesa)

Fora do Território Chinês

Investidores (Fonte do Capital)

Empreendedores Chineses

Território Chinês

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investimentos e empresas no país. Em 2007, por exemplo, o país aprovou a criação de limited

partnerships para a formação de gestoras de venture capital, sem a necessidade de formação

de joint ventures com nenhuma instância governamental. Na mesma linha, em 2009, o país

inaugurou a sua primeira bolsa de valores voltada para a abertura de capitais de suas empresas

de alto potencial de crescimento, a ChiNext, assumindo publicamente a inspiração no modelo

da Bolsa de Valores NASDAQ (ZHANG, 2016, p. 80).

Todavia, a constituição da ChiNext não foi suficiente para convencer estrangeiros

e nacionais a desistirem do Sina. Isto porque a ChiNext não apresenta a oferta de capitais que

o investimento de venture capital, via modelo Sina, disponibiliza. Nessas situações, a aposta

do governo é que a criação da ChiNext induza um processo de transição, pois permite que

gestoras estrangeiras possam adquirir ações de empresas chinesas por operações na bolsa de

valores (ZHANG, 2016, p. 81).

Em nossa visão, a criação da ChiNext não se mostra suficiente para convencer

gestores estrangeiros a abandonarem o modelo Sina. De um lado, a sua presença fora do país

(offshore) facilita a captação de recursos junto a investidores externos. De outro lado, a

relação entre a WFOE e a VIE por meio de uma associação de crédito somado a uma

procuração com amplos poderes para a WFOE deixa o gestor de recursos estrangeiros em

uma posição confortável para acompanhar a startup chinesa, não tendo que se envolver em

suas dívidas ou disputas com o governo chinês.

Além disso, o modelo Sina permite que gestoras de recursos estrangeiras e

nacionais possam formar parcerias para a realização de investimentos em conjunto

(syndicated networks), que consistem na formação de acordos entre gestoras para aportarem

recursos nas mesmas startups chinesas (WANG, 2017, p. 2). Segundo Jun Zhang (2016, p.

84), em 2008, 77% das operações de investimento conjunto na China foram realizadas entre

gestoras estrangeiras e uma gestora nacional, sendo 50% delas realizadas na cidade de

Pequim.

Ao longo dos últimos 10 anos, o crescimento no número de gestoras com

operações na China foi acompanhado por um processo de concentração dessas organizações

em quatro cidades: Shenzhen, Pequim, Xangai e Hangzhou. De acordo com Jun Zhang (2016,

p. 82), em 2008, 95% das gestoras estrangeiras de venture capital estavam localizadas em

Pequim, Xangai e Hong Kong e no final de 2013, a mesma porcentagem se aplicaria às

cidades de Shenzhen68

, Pequim, Xangai e Hangzhou.

68

A ascensão da cidade de Shenzhen como um dos principais centros de investimento em novas tecnologias é

um símbolo do crescimento econômico do país nos últimos anos. Próxima da cidade de Hong Kong, Shenzhen

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Essa transformação pode ser explicada pela mudança na configuração do que Jun

Zhang (2016, p. 83) chama de networked entrepreneurial habitats ou ecossistemas de

fomento às empresas de alto potencial de crescimento. Segundo o autor, ao longo da primeira

década dos anos 2000, os Comitês Regionais de Ciência e Tecnologia da China empregaram

recursos e esforços para a criação de uma infraestrutura dedicada a facilitar o surgimento e o

crescimento de startups chinesas em determinadas cidades. Esses comitês ofereciam

benefícios e empregavam recursos para a formação e atração de incubadoras, aceleradoras,

associações de investidores anjo, universidades, dentre outros agentes, para que com o tempo

fosse formado um ecossistema69

de empresas, investidores e apoiadores.

O principal programa governamental para a criação desse ecossistema foi o

Torch70

, de 1988, em que o governo chinês oferecia recursos financeiros para universidades e

institutos de pesquisa para financiarem a abertura e os primeiros anos de atividades de

startups de seus alunos, professores e pesquisadores. Entre 2003 e 2013, empresas surgidas no

programa Torch se tornaram objeto de investimento de gestoras no modelo Sina, reforçando a

importância dos primeiros esforços governamentais no estímulo de startups no país (WHITE

et al., 2005, p. 899).

Mesmo que não tenha sido de forma coordenada, as iniciativas de estímulo ao

desenvolvimento de startups criadas pelo governo chinês desde a década de 1980 obtiveram

no modelo Sina uma alternativa eficaz de atração de investimentos estrangeiros. Ainda que

controverso, o modelo contribuiu para a formação do 2º maior mercado de venture capital do

mundo.

foi escolhida, em 1979, como a primeira cidade a fazer parte das zonas econômicas especiais, regiões autorizadas

pelo governo chinês a receberem recursos estrangeiros. A cidade fazia parte do conjunto de reformas de

modernização criadas pelo governo chinês na gestão de Deng Xiaoping e teria o desafio de se tornar um dos

polos de exportação de novas tecnologias do país (AHLSTROM et al., 2007). Contudo, no início dos anos de

1980, a cidade era descrita como uma vila de pescadores, tendo 280 mil habitantes e uma economia baseada na

subsistência de sua população. Em 30 anos, a cidade cresceu e se desenvolveu intensamente, saltando para uma

população de mais de 10 milhões de habitantes e se tornando uma das cidades com maior produto interno bruto

da Ásia. Hoje, a cidade é o maior centro financeiro do sul da China, abrigando empresas como Huawei, Nepstar,

Hytera e JXD (ZHANG, 2016, p. 83). 69

Os primeiros institutos de pesquisa e as universidades criadas durante as décadas de 1970 e 1980 tiveram

grande importância no surgimento das primeiras incubadoras de empresas nascentes, e na criação dos primeiros

empreendimentos, chamados de startups na década de 1990. No início dos anos 90, as universidades eram as

principais fontes de recursos para a formação de empresas nascentes, tendo programas específicos de capital

semente para alunos de graduação e de pós-graduação em áreas de exatas (e.g. engenharia) e biológicas

formarem suas primeiras empresas (WHITE et al., 2005, p. 898). 70

A principal fonte de recursos para o programa Torch eram os bancos públicos chineses, que por determinação

do governo federal deveria repassar recursos para universidades e institutos de pesquisa localizados em zonas

econômicas especiais. No programa Torch, os bancos públicos chineses funcionavam apenas como

intermediários financeiros, não tendo nenhuma participação nos processos de criação e organização de empresas

nascentes chinesas, papel ocupado pelas universidades e institutos de pesquisa (WHITE et al., 2005, p. 899).

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5 TRAJETÓRIA DO VENTURE CAPITAL NO BRASIL – POLÍTICAS

PÚBLICAS DE FOMENTO E EVOLUÇÃO DOS VEÍCULOS DE INVESTIMENTO

Desde logo, tal discussão deve enfocar como um aspecto central da natureza

de empresas desse tipo em economias periféricas o fato de suas estratégias

tecnológicas e mercadológicas serem quase sempre pautadas pela imitação.

Em consequência, as EBTs brasileiras em geral não “criam” seus mercados.

Elas não são pioneiras na introdução dos produtos, mas, sim, entrantes de

segunda ou terceira geração e, por isso, defrontam-se – quando não

diretamente, pelo menos nocionalmente – com concorrentes externos mais

maduros, estruturados e de maior porte.

(PINHO; CÔRTES; FERNANDES, 2002, p. 157)

Com relação ao caso brasileiro, é oportuno mencionar a existência de

relutância dos investidores, em particular dos privados, em aportar recursos

para fomentar empresas nascentes de base tecnológica. Uma das razões que

desencoraja investidores financeiros é o desbalanceamento da relação de

risco e retorno do investimento em empresas de base tecnológica, em

comparação com projetos de investimento de outra natureza. Investidores

estratégicos nacionais, por sua vez, começam a enxergar investimentos em

fundos de VC como complementares àqueles feitos internamente em

pesquisa e desenvolvimento (P&D), com os benefícios de desenvolver

empresas parceiras e obter potenciais retornos extraordinários.

(SILVA; BIAGINI, 2015, p. 107)

Os excertos acima descrevem dois cenários distintos na trajetória do venture

capital no Brasil. No primeiro caso, o diagnóstico de que empresas brasileiras de base

tecnológica não eram vistas como oportunidades de investimento vantajosas, uma vez que não

demonstravam ser unidades de produção de novas tecnologias de fronteira, limitando-se ao

papel de imitadoras de tecnologias externas, ao mesmo tempo em que não se mostravam

mercadologicamente atraentes, com planos de negócio estruturados ou modelos de exploração

de oportunidades de mercado promissoras. A percepção para fins de investimento era de baixa

qualidade na oferta de empresas para a realização de investimentos, associada à percepção de

que o mercado nacional ainda estava pouco preparado para assimilar as características do

investimento de venture capital no país.

Treze anos mais tarde, chega-se ao cenário expresso pelo segundo excerto:

desloca-se o foco de preocupações da empresa alvo do investimento para o ambiente jurídico-

institucional no qual ela se insere. A percepção é de que a mensuração de risco em cada

operação de investimento é complexa e, em alguns casos, incerta, desencorajando investidores

a aportar recursos mesmo em empresas que pareçam promissoras. Ora, se os investidores

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demonstram interesse e disponibilidade de recursos, e as empresas apresentam melhores

modelos de negócio e sinalizam com tecnologias que acompanham a evolução técnica de

mercados internacionais, essa associação de fatores deveria ser suficiente para que o venture

capital no Brasil se tornasse uma das principais alternativas para o financiamento de empresas

de base tecnológica no país; contudo, ele ainda não o é.

O venture capital no Brasil pode ser visto como um projeto público-privado em

construção: público pela atuação contínua e longeva de entes governamentais,

especificamente da FINEP e do BNDES na elaboração e execução de programas de incentivo,

na atuação como investidor direto ou na sua contribuição para a capitalização de fundos de

investimento em parceira com entes privados; e privado pela atuação de gestores e empresas

na captação de recursos financeiros, na formação de veículos de investimento, no

monitoramento e avaliação das empresas investidas e nas tentativas de saída de investimento e

distribuição dos lucros e prejuízos obtidos. A partir deste esforço conjunto, o venture capital

no Brasil saiu da condição de modalidade de investimento rara no país para a condição de

alternativa disponível para o financiamento de empresas de base tecnológica brasileiras.

Se comparado com outros países, o percentual do capital de risco no país em

relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é pequeno. Segundo dados da KPMG (2015,

p. 21), os investimentos de private equity e venture capital juntos variaram, de 2013 a 2015,

entre 0,31% e 0,37% do PIB brasileiro respectivamente. A porcentagem pode parecer alta se

comparada com outros países, porém, ela leva em consideração a junção entre private equity e

venture capital. Se separada, ela será muito menor, em especial se for considerada a diferença

na proporção do volume de capital comprometido nesta junção em 2015, que foi de 96,5%

para o private equity, e de 3,5% para o venture capital no país71

. Se considerado apenas o

venture capital em 2015, ele representaria 0,01% do PIB nacional, mobilizando

aproximadamente 233 milhões de reais, o equivalente a 59, 3 milhões de dólares72

.

71

Esta diferença de proporção entre os investimentos de private equity e os de venture capital é explorada pelo

levantamento realizado pela ABVCAP (2018, p. 5). Segundo o estudo, mesmo que o número de empresas

investidas em 2016 tenha sido próximo, 73 para os investimentos de private equity e 84 para os investimentos de

venture capital, o valor médio aportado por empresa foi significativamente distinto entre as duas modalidades de

investimento, tendo o venture capital registrado investimentos médios de 9 milhões de reais e o private equity

de 144 milhões de reais. 72

A cotação utilizada como referência para o cálculo do equivalente em dólares de todo o capital investido na

modalidade de venture capital no Brasil, em 2015, foi R$ 3,9042. Reconhecemos que a cotação não representa o

câmbio presente nas operações ao longo do ano de 2015, tendo em vista que em janeiro desse ano a cotação foi

de R$ 2,634. Contudo, escolhemos a cotação maior pois os estudos produzidos sobre o mercado de venture

capital, em 2016, tomaram como base a última cotação da moeda para transformar o valor em reais para dólares

estadunidenses. Para realização das simulações de câmbio consulte:

<https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww4.bcb.gov.br%2Fpec%2Ftaxas%2Fp

ort%2Fptaxnpesq.asp>. Último acesso: 01.03.2019.

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169

Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento

Econômico (OCDE) 73

, só o venture capital nos Estados Unidos, entre 2013 até 2016,

correspondeu a 0,37% do PIB, seguido por Israel, com 0,35% de seu PIB. Países como a

França, Estônia e a Hungria apresentaram no mesmo ano percentuais de 0,045%, 0,04% e

0,035% de investimentos de venture capital em relação ao seu PIB, tendo proporcionalmente

de 4 a 3 vezes mais volume de investimentos do que o Brasil nessa modalidade. Em números

absolutos, o Brasil, em 2015, movimentou na modalidade de venture capital valores próximos

aos investidos em empresas na Nova Zelândia, que no período registrou investimentos de

cerca de US$ 64 milhões de dólares, estando a frente de países como Rússia (US$ 46

milhões) e Hungria (US$ 34 milhões).

Mesmo considerando os contextos distintos dos investimentos de venture capital

nos países, após diversos esforços governamentais criou-se a expectativa de que o volume de

investimentos de venture capital no Brasil estaria em um patamar mais elevado do que está

hoje se comparado com outros países (LEONEL, 2014, p. 128). Ainda que tenha apresentado

um crescimento médio de 20% ao ano entre 2002 e 2012 (SILVA: BIAGINI, 2015, p. 102),

ainda permanece a percepção de que o venture capital no país é uma modalidade de

financiamento de pequeno porte se comparado com países ricos do hemisfério norte, o que

ainda não é suficiente para o financiamento das etapas do crescimento de empresas de base

tecnológicas.

Para Leonel (2014, p. 128), o venture capital no Brasil, mesmo com forte

incentivo estatal, não foi capaz de contribuir para o financiamento do desenvolvimento

tecnológico do país. Na visão da autora, o problema reside na falta de disposição de atores

privados em assumir os riscos que o financiamento de empresas de base tecnológica carrega

consigo: não ter ocorrido nenhuma mudança nas características da atuação do venture capital

no Brasil. Afinal, no país, ainda se apresenta uma modalidade que almeja investir em

empreendimentos que realizem imitações de tecnologias, que já se provaram em mercados

mais desenvolvidos e que têm uma forte dependência de recursos governamentais,

desestimulando investimentos diretos e exclusivos.

Diferentemente de Leonel (2014), Silva e Biagini (2015, p. 105) descrevem o

venture capital no Brasil como uma obra em construção. Os autores reconhecem a relutância

73

Os dados sobre a participação de investimentos de venture capital no produto interno bruto dos países

membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico está disponível na biblioteca digital

da entidade. Consulte: <https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/entrepreneur_aag-2017-25-

en.pdf?expires=1551623034

&id=id&accname=guest&checksum=1B05A0198AA0AE25EB25B4D4506992FF>. Último acesso: 01.03.2019.

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de investidores privados em aportar recursos em empresas de base tecnológica no país, porém,

não concordam com o argumento de que falta disposição. Na visão dos autores há no Brasil

um desbalanceamento na relação ao risco e ao retorno do investimento em EBTs. De todo

modo, não há como compreender a trajetória do venture capital no Brasil com o enfoque

apenas no comportamento dos agentes que fazem parte das operações de investimento, é

também necessário observar o ambiente em que estão inseridos.

Nesse sentido, não há, também, como estudar o venture capital nos Estados

Unidos da América sem compreender o Vale do Silício, as leis e órgãos do estado da

Califórnia, as políticas de incentivo do governo federal norte-americano, dentre outros fatores.

O mesmo poderia ser dito de Tel Aviv, em Israel, ou de Tallinn, na Estônia, cidades que

apresentam trajetórias de sucesso para o crescimento de investimentos de venture capital em

suas regiões. Por esta razão, não há como estudar o venture capital no Brasil sem inseri-lo no

contexto latino-americano e na perspectiva das dificuldades em se manter os incentivos e

programas de incentivo ao investimento no país.

Regionalmente, o Brasil ocupa uma posição de destaque em investimentos de

venture capital. Em levantamento realizado pela ABVCAP (2018, p. 10), a partir de dados da

Association for Provate Capital Investment in Latin America (LAVCA), o Brasil é o país na

América Latina com maior volume de capital investido (US$ 279 milhões) em operações de

venture capital na região em 2016, representando 56% de todo o capital investido na região,

seguido por México (US$ 130 milhões) e Peru (US$ 31 milhões).

A posição de líder, ocupada pelo México nos anos anteriores, passou a ser

ocupada pelo Brasil, tendo sua razão de ser nos volumes de investimentos. Entre as dez

maiores operações de investimentos da América Latina, seis foram realizadas no Brasil, com

especial destaque para os investimentos no segmento financeiro, realizados por fintechs. Duas

delas, Nubank e Creditas, foram responsáveis por 35% do volume total de investimentos na

região.

Em relação ao número de operações (ABVCAP, 2018, p. 10), o Brasil ainda

ocupa o segundo posto, com 64 operações de investimento em 2016, atrás somente do

México, com 73 operações. A Argentina, com 26 operações, e a Colômbia, com 13 operações,

ocupam respectivamente a terceira e quarta colocações, estando distantes dos primeiros

colocados. Essas operações estão concentradas em empresas com desenvolvimento na área de

tecnologia da informação, espalhadas em setores como o financeiro (fintech), educação

(edutech), marketing (adtech), logística, transporte e agricultura (agritech). A distância de

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Brasil e México em relação aos demais países aponta para uma relevância regional em meio a

um processo de evolução em andamento.

Segundo Rodrigo Borges74

, fundador da Domo Invest, a presença de investidores

com recursos e disposição para investir na fase late stage ou a partir da terceira rodada de

investimento (series C), na qual os investimentos já alcançam as dezenas de milhões de reais,

é um fenômeno recente. A presença do BNDES e da FINEP teria sido responsável pela

estruturação e incentivo aos investimentos em fase de early stage (em regra, capital semente e

primeira rodada de investimentos), tendo os seus casos de sucesso encorajado investidores a

aportar recursos nessas fases, no passado, e agora em estágios mais avançados.

Da mesma forma, o investidor comenta que para além dessa atuação, houve um

processo de aprendizado por parte de empresas e investidores para a compreensão sobre os

reais riscos envolvidos nessas operações. Desde a escolha pelo tipo de sociedade (limitada ou

anônima), passando pelo planejamento tributário para o crescimento do empreendimento, pela

organização do capital investido, da formalização de empregados e estruturação de seus

contratos, terminando na proteção de seus ativos, como por exemplo na elaboração de

contratos e registros de patentes.

Para ele, não há uma falta de disposição da parte dos investidores, mas sim

esforços para a construção de soluções para a transposição de incertezas presentes no

ambiente de negócios brasileiro. Desde a burocracia e a demora para a abertura e o

fechamento de empresas, passando pela demora crônica de obtenção de uma patente no país,

pelas dificuldades e o custo de abertura de capital de empresas no país, até alcançar a desleal

concorrência de investimentos financeiros indexados pela elevada taxa básica de juros da

economia brasileira (Taxa Selic), que oferecem vultuosas remunerações para investidores

dispostos a deixar seus recursos longe da área produtiva e do desenvolvimento tecnológico,

nota-se que o capital de risco não padece apenas de falta de disposição de investidores, mas

sim de um ambiente de negócios que se mostra pouco receptivo ao capital privado, e hostil ao

financiamento de empresas por meio da aquisição de participação societária.

Ramalho (2010) também descreve a trajetória brasileira como um processo,

ressaltando os efeitos positivos das políticas públicas de apoio ao capital de risco no país,

ressaltando a importância da atuação de braços do governo brasileiro (BNDES e FINEP) nas

operações de investimento, mas também reforçando o papel fundamental do Estado brasileiro

na construção de um arcabouço regulatório específico para o venture capital nacional.

74

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.

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Segundo o autor, o comportamento dos investidores passa pelas características do ambiente

jurídico-institucional do país como, por exemplo, a existência de veículos de investimento

(e.g. fundos), formas de proteção de ativos intangíveis (e.g. patentes), benefícios fiscais (e.g.

isenções ou descontos), separação patrimonial entre empresas e indivíduos (e.g. personalidade

jurídica), dentre outros.

Para o autor (RAMALHO, 2010), antes de uma trajetória tímida e marcada por

investidores pouco dispostos a investir em empresas brasileiras de base tecnológica, a

trajetória brasileira foi marcada pela forte tentativa de indução estatal aos investimentos

privados, articulando políticas públicas e capitais públicos, seguindo um ritmo de breves

lampejos de ascensão de ciclos de investimento (e.g. 2005-2008), intercalado por dificuldades

da continuidade das políticas públicas em razão de períodos de retração da economia

nacional.

Ferraz (2013) chama atenção para o papel desempenhado pelo BNDES e pela

FINEP na cadeia de valores do venture capital no Brasil. Segundo o autor, o ambiente de

incerteza para esses investimentos foi contrabalançeado por uma atuação destas entidades no

fomento de investimentos em estágios iniciais de empresas (e.g. capital semente e primeira

rodada), permitindo que os esforços de atração de investidores privados não fossem

desperdiçados com a descontinuidade de algumas políticas públicas, ou até com a falta de

reformas jurídico-institucionais necessárias para a modalidade de investimento.

Nesse sentido, este capítulo tem por objetivo reconstruir a trajetória da formação e

do crescimento do venture capital no Brasil, reorganizando algumas das classificações

propostas por Pavani (2003) e Leonel (2014), bem como propondo novas interpretações para

o percurso do capital de risco nacional, expandindo a explicação de Leonel sobre a falta de

disposição de investidores privados no país, para uma interpretação da trajetória do venture

capital que incorpora a hostilidade do ambiente jurídico-institucional brasileiro como um dos

fatores que condicionou as características e o desempenho dessa modalidade de investimento

no país.

Para a realização desta reconstrução, foram utilizadas como base as seguintes

fontes de pesquisa: (i) literatura acadêmica brasileira sobre a trajetória do venture capital no

Brasil; (ii) relatórios da KPMG sobre a consolidação de dados sobre a modalidade de

investimento entre 2012 e 2016; (iii) relatórios da ABVCAP nos anos de 2017 e 2018 sobre o

venture capital no país; (iv) as bases de dados da Crunchbase e da Preqin, consultadas como

forma de validação de dados citados por outros autores; (v) o 1º e 2º Censos brasileiros da

indústria de private equity e venture capital publicados pela Agência Brasileira de

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Desenvolvimento Industrial – ABDI; (vi) entrevistas realizadas junto a gestores de capital de

risco com atuação no país; e (vii) entrevista com representantes de entidades públicas com

atuação no setor, em particular FINEP, INPI e BNDES.

Alguns cuidados metodológicos foram tomados para a elaboração desta

reconstrução. Em primeiro lugar, buscamos priorizar os levantamentos de dados que

separaram a modalidade de venture capital da modalidade private equity. Nem sempre essa

separação foi possível, porém, buscamos evidenciar para o leitor quando o dado se refere às

duas modalidades e quando se referia apenas ao venture capital. Em segundo lugar, tentamos

reconstruir a trajetória do venture capital a partir de levantamentos que pudessem conversar

entre si, tentando construir correlações entre estudos produzidos em momentos históricos

distintos, descartando aqueles que não faziam menção à metodologia de construção de suas

bases de dados ou não traziam uma descrição de como os dados foram obtidos. Em terceiro

lugar, quando possível, conferimos os dados citados por autores em seus trabalhos

acadêmicos nas bases de dados mencionadas por estes (e.g. crunchbase), dando prioridade

para os dados que até hoje são passíveis de serem testados novamente.

Dessa forma, dividimos o capítulo em cinco partes: (i) o surgimento e as primeiras

iniciativas do venture capital no país; (ii) a introdução dos primeiros contornos do capital de

risco no cenário nacional; (iii) a estruturação e o crescimento do setor; (iv) breve ascensão e a

presença de obstáculos institucionais ao crescimento; e (v) mudanças no ambiente regulatório

e a permanência de velhos problemas. Optamos por posicionar cada uma das partes por

períodos, designando cada um deles por fatos marcantes no âmbito de mudanças jurídico-

institucionais, criação de políticas públicas, entrada de novos investidores e pela atuação de

entes públicos.

5.1 Surgimento da ideia capital de risco e as primeiras iniciativas: 1974 – 1980

O venture capital no Brasil nasce na metade dos anos de 1970 como um dos

instrumentos previstos para o financiamento de projetos do II Plano Nacional de

Desenvolvimento (II PND), lançado pelo governo Geisel no final de 1974, tendo como

principal intuito o estímulo da produção nacional de bens de capital, insumos básicos e

energia (LEONEL, 2014, p. 142). Ainda incipiente e sem as características que o definem nos

dias atuais, o chamado “capital de risco” servia como alternativa ao então predominante

financiamento bancário.

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Diferente da forma como é descrito hoje, o capital de risco brasileiro no regime

militar tinha como foco o financiamento de projetos de grande porte, sendo intrinsecamente

ligado aos programas e ao planejamento do estado desenvolvimentista. Questiona-se a própria

classificação de algumas práticas como capital de risco. Porém, considerando o nome dado, o

governo militar buscava modalidades de financiamento que fossem capazes de viabilizar o

processo de industrialização nacional, tendo como principal referencial a infraestrutura

bancária, porém, sem deixar de lado a possibilidade de financiamento via operações

societárias (PAVANI, 2003, p. 47).

Para Ary Burger (1994, p. 27), um dos fundadores da Companhia Rio-Grandense

de Participações (CRP Companhia de Participações), a perspectiva nacional-

desenvolvimentista no início dos anos de 1970 estava inebriada pela disponibilidade de

capital e pelos projetos de grande porte, sem uma compreensão profunda sobre as funções que

o capital poderia desempenhar em estruturas empresariais de diferentes portes. Na visão do

investidor, a facilidade na obtenção de recursos do início da década contribuiu para

desperdícios e para a geração de projetos empresariais que apenas fariam sentido se fossem

alimentados com recursos públicos. Não havia, segundo Burger, uma preocupação por parte

do governo brasileiro em desenvolver a capacidade empresarial daqueles que estavam

iniciando seus empreendimentos, o que teria levado à criação de laços de dependência com os

recursos públicos.

Mesmo assim, as notícias e dados sobre o sucesso da indústria de microeletrônica

nos Estados Unidos fizeram com que a expressão venture capital alcançasse alguns

empresários nacionais e alguns representantes governamentais. Segundo Burger (1994, p. 29),

o sucesso no campo da microeletrônica e o perfil das empresas que comercializavam produtos

do segmento fizeram com que alguns empresários associassem o capital de risco ao

financiamento de pequenas empresas, favorecendo o seu crescimento em um curto espaço de

tempo. Todavia, essa associação não foi acompanhada por uma descrição completa sobre

como a modalidade de investimento funcionava nos Estados Unidos, tampouco por uma

consideração sobre se o Brasil apresentava as condições para recebê-la, limitando-a a servir

como a oportunidade de negócios da vez.

Para Oliveira (1994, p. 16), começa-se no regime militar a se disseminar a

percepção de que seria necessária a criação de alternativas de financiamento para empresas de

pequeno e médio porte. Esta ideia não viria para ameaçar o projeto desenvolvimentista

baseado no fomento da industrialização via substituição de importações, mas serviria como

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forma de alcançar outros segmentos da economia brasileira, em especial os empreendimentos

que não eram capazes de acessar o financiamento bancário.

Além disso, mesmo a oferta de crédito por instituições financeiras para a indústria

já encontrava alguns limites e gerava algumas frustrações ao segmento industrial. Segundo

Coutinho (1999, p. 361), o financiamento de empresas via produtos financeiros de bancos de

operação a partir de uma lógica comercial de curto prazo, ofereciam, por exemplo, produtos

voltados a necessidades pontuais, como a disponibilização de empréstimo para capital de giro

enquanto produtos de ciclos de investimento longos não eram vistos como rentáveis, e

também não despertavam interesse de instituições financeiras em razão de inconstâncias da

economia nacional.

A ideia da realização de investimentos de venture capital surge com o apelo forte

dos números da indústria da microeletrônica, só que ganha corpo por convencer entes

governamentais e alguns empresários nacionais que buscavam por diversificação a

participarem dos investimentos, mesmo sem o domínio completo das características desta

modalidade (COSTA, 2006, p. 23).

No âmbito privado, a primeira iniciativa de capital de risco no país foi a criação

da Brasilpar Comércio e Participações (BCP) em 1976. O empreendimento nasce de uma

parceria entre os bancos Unibanco e Paribas, tendo como principal foco o investimento em

empresas brasileiras que poderiam apresentar o crescimento de empresas da indústria da

microeletrônica nos Estados Unidos da América (COSTA, 2006, p. 23). Muito embora a

iniciativa seja tida como a primeira empresa de capital de risco do país, uma análise cuidadosa

revela que ela se assemelha mais ao private equity do que ao venture capital. Isto porque, em

seus primeiros investimentos, os aportes foram realizados em empresas de grande porte, e, em

alguns casos, eram feitos empréstimos entre empresas ao invés da aquisição de participação

minoritária com saída posterior. Entre 1976 e 1981, a empresa não obteve o retorno esperado,

tendo o ingresso de novos investidores (Pão de Açúcar, Multibrás, Villares e Banco Mundial)

a partir de 1981, conferido as características do capital de risco propriamente dito (LEONEL,

2014, p. 144).

No âmbito governamental, duas foram as principais entidades para o fomento da

modalidade de investimento no país: (i) o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico

(BNDE); e (ii) a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). A primeira delas ocorreu a

partir da criação de três subsidiárias do banco para a realização de investimentos temporários

em participações minoritárias de empresas brasileiras localizadas em setores estratégicos para

a política industrial do governo federal; a segunda, a partir do programa ADTEN (Apoio ao

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Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional), que oferecia financiamento de

atividades consideradas de risco para empresas a partir de determinados instrumentos

financeiros (PAVANI, 2003, p. 48).

Segundo Albergoni (2006, p. 61), o programa ADTEN não deve ser encarado

como um programa de fomento ao capital de risco no Brasil, apesar de trazer em sua

descrição a expressão por diversas oportunidades. Na leitura de Albergoni, o ADTEN pode

ser definido como a primeira iniciativa no contexto nacional de incentivo à participação

privada em empreendimentos com potencial de crescimento, seja via desenvolvimento

tecnológico ou não. Isto porque o programa oferecia linhas de financiamentos reembolsáveis

associadas ao projeto apresentado junto à FINEP.

Além disso, não havia um formato para a realização da operação de investimento,

podendo cada uma delas ser realizada a partir de diferentes formas de disponibilização dos

recursos financeiros, por vezes se valendo de debêntures (conversíveis ou não), empréstimos

amortizáveis com base na oferta de royalties, amortizações ligadas ao sucesso do

empreendimento, dentre outras. Assim, as transações eram realizadas caso a caso e

negociadas a partir de uma avaliação da FINEP.

Dentre os objetivos do programa estava a utilização do capital de risco para o

fomento tecnológico no país, tendo como estratégia a disponibilização de recursos para

projetos tecnológicos em diferentes formatos (SOUZA NETO; STAL, 1991, p. 41). Contudo,

o ADTEN não teve um longo fôlego e também não recebeu projetos com as características

que almejava, tendo sido encerrado em 1991, em meio às reformas do governo Collor. A

principal motivação para o seu encerramento foi o fato de apresentar um déficit crescente de

seu portfólio ao longo de suas operações de financiamentos, tendo 60 operações no momento

da finalização de suas atividades (ALBERGONI, 2006, p. 61).

A ausência de um perfil de projeto ou de empresa a ser financiada, associada às

diferentes percepções sobre o que viria a ser um projeto tecnológico empresarial, fez com que

o ADTEN não resistisse aos questionamentos sobre a sua continuidade, bem como sobre a

racionalidade de seus investimentos. Em um momento de reestruturação de contas públicas, o

programa passou a ser um exemplo didático do que não deveria ser a estratégia de

investimentos por parte do governo (COSTA, 2006, p. 24).

Em outro espectro, foram criadas três subsidiárias pelo BNDE como parte de sua

política de apoio ao incipiente capital de risco nacional. Foram elas: (i) Insumos Básicos S.A.

(FIBASE), dedicada à capitalização de empresas produtoras de insumos básicos (e.g.

metalurgia, química, petroquímica etc.); (ii) Mecânica Brasileira S.A. (EMBRAMEC),

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estruturada para financiar empresas do segmento de bens de capital; e (iii) Investimentos

Brasileiros S.A. (IBRASA), destinada a aportar recursos em empresas dos demais setores

produtivos da economia (LEONEL, 2014, p. 143).

Na Exposição de Motivos nº 1, de 06 de maio de 1976, o BNDE explicita que a

criação dessas subsidiárias serviria para cumprir uma dupla função, de um lado, serviria como

mecanismo operacional para a intensificação do desenvolvimento da indústria brasileira no

fortalecimento da empresa nacional; e, de outro lado, como facilitadora do processo de

abertura e dinamização do mercado de capitais do país (GORGULHO, 1996, p. 131).

Todavia, a criação da FIBASE, EMBRAMEC e da IBRASA não foi seguida da

institucionalização de um modelo de investimento de capital de risco para o país. Até meados

dos anos de 1980, o país não dispunha de um modelo contratual, de um veículo de

investimento, de uma metodologia de avaliação de empresas, aspectos próprios para o

exercício do venture capital, tendo investidores privados se valendo de figuras jurídicas

disponíveis, como as sociedades de participação ou holdings, bem como de interpretações

contábeis e fiscais para descrever suas operações, realizando transações de compra e venda de

cotas e ações de empresa sem um formato que lhes conferisse segurança de que a operação

não fosse anulada ou que os custos envolvidos fossem majorados (PAVANI, 2003, p. 48).

Segundo Gorgulho (1996, p. 131), das três subsidiárias, a IBRASA foi a que mais

apresentou características de investimento de capital de risco. Havia por parte da empresa

uma disposição explícita em investir a partir de ciclos mais longos, bem como em adquirir

participações minoritárias do capital de empresas brasileiras com o intuito de obtenção de

retorno a partir da saída do investimento. Para a autora, o ciclo mais alongado do

investimento, com a entrada e a saída da investidora, tinha como intuito a expansão do

mercado de ações brasileiro, ainda incipiente à época.

Ao lado da criação das subsidiárias do BNDE, a iniciativa privada também

constituiu empresas para a realização de investimentos aos moldes do capital de risco da

época. Para além da Brasilpar Comércio e Participações, segundo estimativas de Costa (2006,

p. 24), cerca de dez empresas privadas fizeram investimentos semelhantes aos realizados

pelas subsidiárias do BNDE. Contudo, não havia continuidade nos investimentos e

rapidamente essas empresas passaram a mudar o foco de sua atuação para a aquisição de

participações em bancos, distribuidoras e corretoras, desvirtuando as características iniciais do

investimento.

Nessa primeira fase, investimentos públicos e privados compartilhavam de uma

característica: seus recursos financeiros começavam como aquisição de participação societária

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de empresas de pequeno e médio porte e rapidamente se convertiam em investimentos em

empresas brasileiras de grande porte. Se a ideia de capital de risco surge e busca se converter

em iniciativas de investimento no período, enquanto prática ela só veio a desenvolver suas

características no início da década de 1980. Na prática, não havia um esforço em

disponibilizar recursos para o financiamento de pequenos e médios empreendimentos com

potencial inovador em seus estágios iniciais (SOUZA NETO; STAL, 1991).

Em 1982, já com a atual denominação em decorrência do Decreto-lei nº 1.940, o

BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desistiu da estratégia de

segmentação de seus investimentos de capital de risco por setores da economia e fundiu suas

três subsidiárias para a formação de uma nova empresa, a BNDES Participações S.A.

(BNDESPAR), empresa que ficaria como uma das responsáveis pela construção do modelo de

capital de risco no país (LEONEL, 2014, p. 143).

5.2 Introdução dos primeiros contornos do capital de risco no cenário nacional: 1981

– 1994

O contexto brasileiro do início dos anos de 1980 é descrito como um período

marcado pela instabilidade econômica e por sucessivas tentativas de estabilização da

economia, tendo como principal batalha o combate ao crescente processo inflacionário por

meio de planos econômicos. Embora o cenário pudesse afugentar qualquer iniciativa do recém

surgido capital de risco no país, nesse período o setor foi capaz de estruturar algumas das

condições para o seu desenvolvimento na década seguinte (PAVANI, 2003, p. 49).

Segundo Castello Branco (1994, p. 48), desde o início dos anos de 1980, o

BNDES observava o crescimento, ainda tímido, do número de empresas de base tecnológica

próximas a locais com uma infraestrutura científica e tecnológica. Cidades como Campinas,

São José dos Campos, Campina Grande, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo,

Florianópolis e Belo Horizonte, são alguns exemplos de localidades em que empresas de base

tecnológica surgiam e buscavam por financiamento para crescerem.

Conforme o autor (Ibidem, p. 49), não havia à época nenhuma política nacional

para a promoção de empresas de base tecnológica no país. No entanto, foi nessa década que

surgiu o interesse governamental em associar empresas de base tecnológica ao capital de

risco. Enquanto iniciativas, o autor menciona o apoio ainda tímido conferido a empresas de

base tecnológica nas cidades de São Carlos e Florianópolis, em particular por programas

criados no âmbito das universidades federais presentes nas duas cidades.

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A percepção do BNDESPAR era de que havia (mesmo que pequena) capacidade

empreendedora no Brasil, em particular em pequenas e médias empresas de base tecnológica.

Contudo, faltava-lhes um maior nível de profissionalização de sua gestão e uma maior

conscientização para a importância de aspectos financeiros e administrativos na condução do

empreendimento (Ibidem, 1994, p. 50). Essa percepção orientou a construção de políticas

públicas de exploração do capital de risco pela subsidiária.

No período, duas iniciativas foram fundamentais para a estruturação do capital de

risco no país: (i) a atuação do BNDESPAR na capitalização dos primeiros investidores do

segmento e no investimento direto em empresas brasileiras; e (ii) a criação do regime jurídico

da sociedade de capital de risco, estabelecendo um tratamento fiscal diferenciado para

empresas brasileiras como estratégia de fomento ao capital de risco no país (PAVANI, 2003,

p. 49). Em sua atuação, no início dos anos 1980, o BNDESPAR se dividia entre investimentos

em companhias regionais de capital de risco, servindo como sócio minoritário dessas

empresas por um período de tempo, e também como investidor de empresas brasileiras de

base tecnológica, realizando aportes diretos de capital. Em 1991, o BNDESPAR criou o

programa Capitalização de Empresas de Base Tecnológica (Contec), que inaugurou um fundo

de investimento próprio (um condomínio sem personalidade jurídica e de natureza escritural)

para a realização dos aportes de recursos financeiros em empresas de base tecnológica.

O Contec, como programa, formalizou as ações de investimento esparsas do

BNDESPAR ao longo dos anos de 1980, conferindo uma estrutura e uma direção a esta

atuação. No âmbito das Políticas Operacionais do Sistema BNDES, o Contec foi criado para

financiar pequenas e médias empresas, tendo uma preferência declarada para aquelas de base

tecnológica. Seu objetivo era gerar, por meio da oferta de recursos no formato de capital de

risco, ganhos de competitividade para empresas brasileiras, coadunando-se ao que era

concebido à época como moderna política industrial. Os recursos disponibilizados pelo

programa serviriam à implementação de uma estrutura de produção na qual uma rede de

pequenas e médias empresas, tecnologicamente dinâmicas, iria introduzir inovações no

mercado por si mesmas, ou por meio de parcerias com empresas de maior porte, fortalecendo

a economia nacional e contribuindo para o crescimento econômico do país (CASTELLO

BRANCO, 1994, p. 52).

Segundo Pinho, Cortês e Fernandes (2002, p. 151), o programa estava estruturado

para a aquisição de participações minoritárias, com um limite de 30% do capital social de

empresas investidas, e estava direcionado para EBTs que já tivessem demonstrado a sua

viabilidade comercial, não podendo ainda estar em fase pré-operacional. Além disso, segundo

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os autores, havia uma preferência por parte do programa em realizar investimentos a partir de

debêntures conversíveis em ações.

Ademais, exigia-se que a empresa a ser investida tivesse sido constituída no Brasil

e com capital brasileiro, tendo apurado em seu exercício fiscal anterior um faturamento

líquido igual ou superior a US$ 7 milhões. Não era necessário que a empresa pleiteante

apresentasse quaisquer garantias reais para receber os recursos financeiros oferecidos pelo

programa. A ausência de garantias, típica de investimentos de capital de risco, até então era

muito pouco comum nas operações realizadas pelo banco (CASTELLO BRANCO, 1994, p.

53).

Além do apoio direto por meio de aportes de recursos em empresas de base

tecnológica, o Contec também estruturou a capitalização de investidores nacionais, chamados

na época de Companhias de Capital de Risco (CCRs), as quais poderiam receber aportes para

investimentos em empresas. Nestes aportes, o risco máximo suportado pelo programa era de

US$ 4 milhões, também tendo 30% como participação máxima no capital da CCR, podendo

ser ampliado para 40% caso a CCR demonstrasse que ao menos 20% de seus investimentos

haviam sido realizados em empresas brasileiras de base tecnológica (Ibidem, 1994, p. 53).

Nota-se que mesmo com as atenções do BNDESPAR voltadas às empresas de

base tecnológica, a exigência para as Companhias de Capital de Risco era tímida. Para uma

capitalização em que o BNDESPAR iria aportar 40% de todo o capital de uma CCR, a

contrapartida seria o investimento em 20% de empresas de base tecnológica, podendo ser os

80% de recursos financeiros remanescentes investidos em outras empresas. Nesse sentido,

mesmo que o compromisso com o fomento ao desenvolvimento tecnológico estivesse

presente, em nossa visão, ainda se manifestava de forma tímida.

Mesmo assim, pode-se apontar que a atuação do BNDESPAR com capital de

risco teve um significado maior. O BNDESPAR, em particular por meio do programa Contec,

foi responsável pela formação dos primeiros investidores brasileiros com as características

próprias do investimento de capital de risco, a CRP Companhia de Participações, a

Pernambuco Participações S.A., Acel Sociedade de Capital de Risco, PAD Investimentos e

Arbi (PAVANI, 2003, p. 50). Pavani (2003, p. 50) sintetizou as características do Contec na

tabela a seguir:

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Tabela 5.1 Características do programa de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica (Contec)

Objetivo Estimular o desenvolvimento tecnológico no Brasil e fortalecer as

pequenas e médias empresas que desenvolvam tecnologia

Formas de operação Subscrição de ações ou debêntures conversíveis.

Características das

empresas

Privadas;

Faturamento líquido anual de até R$ 7 milhões no último exercício;

Produtos ou processos tecnologicamente diferenciados;

Atuação em nichos de mercado promissores;

Vantagens competitivas em seu mercado;

Perspectivas de rápido crescimento e elevada rentabilidade;

Gestão idônea e eficiente.

Características do

aporte

Aporte máximo de R$ 1 milhão por empresa;

Participação máxima de 30% do capital futuro.

Formas de acesso das

empresas ao programa

As empresas deveriam apresentar um plano de negócios detalhado,

abordando aspectos técnicos, econômico-financeiros, societários,

organizacionais, jurídicos e mercadológicos.

Fonte: (PAVANI, 2003, p. 50).

Segundo Castello Branco (1994, p. 45), o Contec foi capaz de evidenciar, seja na

atuação direta do BNDESPAR, seja em sua ação indireta junto às CCRs, as características do

capital de risco no Brasil. Sob forte inspiração estadunidense, o programa concebia o capital

de risco como um investimento: (i) com participação societária minoritária na empresa

investida; (ii) temporário; (iii) com o acompanhamento e contribuições efetivas do investidor

na empresa investida; (iv) com ausência de garantias; (v) com preferência por

empreendimentos de maior risco; e (vi) com expectativa de altos retornos sobre o capital

investido.

Além dos Estados Unidos da América, a França foi uma inspiração para os

investimentos realizados pelo BNDESPAR (CASTELLO BRANCO, 1994, p. 47). Os

investimentos realizados pelo estado francês em pequenas e médias empresas de base

tecnológica no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, por meio do quase-capital e

da participação de entes públicos na capitalização de fundos privados, também serviram de

referência para a formação do programa Contec.

No Brasil, a CRP Companhia e Participações e a Pernambuco Participações S.A.

foram as principais Companhias de Capital de Risco. O BNDESPAR, por meio do Contec,

ofereceu recursos para a formação de veículos de investimento em cada uma das companhias,

inaugurando a atuação do banco como cotista de fundos de investimentos nacionais

(PAVANI, 2003, p. 51).

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Todavia, o BNDES não era o único banco público a atuar na formação dos

primeiros investidores privados de capital de risco do país. A CRP Companhia e

Participações, fundada por Ary Burger, em 1981, teve aportes do Banco de Desenvolvimento

do Rio Grande do Sul (Badesul) e do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico

(BRDE), além de recursos advindos da Participações Rio-Grandenses S.A. (PARGS), grupo

de 150 empresas privadas da região sul para investimentos em capital de risco. A companhia

era vista como uma ferramenta da estratégia de desenvolvimento regional do governo do

Estado do Rio Grande do Sul, sendo considerada a primeira empresa de capital de risco com

foco em empresas de base tecnológica no país (LEONEL, 2014, p. 144).

No início, a Companhia e Participações (CRP) operava a sua própria carteira de

investimento, selecionando pequenas empresas localizadas na região sul para investimento.

Com o transcorrer da década de 1980, a empresa passou também a operar carteiras de outras

Companhias de Capital de Risco, como a Caderi Capital de Risco S.A., além de dividir os

seus investimentos em fundos específicos, como o RSTec e o SCTec, com focos em empresas

de base tecnológica nos estados do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina respectivamente

(PAVANI, 2003, p. 52).

Segundo Burger (1994, p. 30), a Companhia Rio-Grandense Participações pode

ser descrita a partir de dois momentos distintos. No primeiro, entre 1982 até 1987, o objetivo

foi identificar empresas com potencial de crescimento, sem uma necessária associação com

desenvolvimento tecnológico. O alvo eram sociedades anônimas do estado, via de regra

médias empresas, ou empresas pequenas no formato de sociedades limitadas que pelo seu

crescimento poderiam assumir o formato de sociedades anônimas. A preferência por

sociedades anônimas se dava em razão da estrutura da operação da Companhia, centrada na

aquisição de ações e na gestão de uma carteira de investimentos. A ideia seria investir nas

empresas que poderiam fazer parte ou já estavam listadas na Bolsa de Valores do Rio Grande

do Sul.

Contudo, segundo o fundador da CRP Companhia de Participações (1994, p. 30),

os primeiros resultados negativos de investimentos realizados pela companhia associados às

mudanças constantes na economia em razão dos diversos planos econômicos no período

tornaram o modelo de investimento da CRP Companhia de Participações inviável. Foi apenas

com a criação do Contec por parte do BNDESPAR que a Companhia de Capital de Risco foi

capaz de se reestruturar. Os recursos do programa ao lado de um novo perfil de empresas a

serem investidas, passando de investimentos em médias empresas para investimentos em

pequenos empreendimentos, alguns de cunho tecnológico, fizeram com que a CRP

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apresentasse melhores resultados, perpetuando a sua atuação no segmento de capital de risco

até os dias atuais.

Com atuação similar, a Pernambuco Participações S.A. também foi formada com

a participação do BNDESPAR, e de um consórcio de 81 empresas privadas localizadas no

estado de Pernambuco. Constituída com um capital de oito milhões de dólares (40% do

BNDESPAR), a empresa se destinava a realizar investimentos em empresas com alto

potencial de crescimento nos estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do

Norte (PAVANI, 2003, p. 52).

Duas eram as estruturas jurídicas utilizadas por Companhias de Capital de Risco

no início da década de 1980 para a realização de investimentos em empresas no país. A

holding, sociedade comercial para a aquisição de participação de outras empresas, e a

offshore, sociedades comerciais constituídas fora do país (e.g. em paraísos fiscais) com

investimentos no país (LEONEL, 2014, p. 145). Até 1986, não havia nenhum tratamento

diferenciado para empresas que buscassem atuar no setor de capital de risco, bem como não

havia nenhum formato jurídico ou qualificação jurídica para os investimentos de capital de

risco. Cabia às primeiras empresas escolherem e testarem quais tipos de sociedade e estrutura

de investimento mais vantajosos para suas pretensões.

Segundo Freitas (2015, p. 162), o formato predominante no período era o de

holding, com clara inspiração no formato das investment companies estadunidenses, contudo,

ainda sem uma identidade própria de venture capital, posto que os investimentos temporários

em pequenas e médias empresas de base tecnológica eram realizados ao lado de investimentos

com outras características, em particular os investimentos de private equity. Em alguns casos,

o investidor assumia o controle da empresa investida, contrariando a lógica da participação

minoritária, em outros casos os investidores assumiam uma postura passiva diante do

investimento, intervindo muito pouco para o crescimento do negócio investido.

A edição do Decreto-lei n.º 2.287 de 23 de julho de 1986, seguida pelas

resoluções do Banco Central n.º 1.184/86 e 1.346/87, criou a Sociedade de Capital de Risco

(SCR), qualificação jurídica para sociedades comerciais que tivessem como objeto social

exclusivo a aplicação de seu capital em pequenas e médias empresas. Empresas como a CRP

Companhia e Participações e a Pernambuco Participações S.A., a partir de 1986, poderiam

alcançar o status de Sociedades de Capital de Risco, tendo como principal vantagem a

obtenção de benefícios na apuração de seu imposto de renda, tais como: (i) exclusão de

dividendos e bonificações pagos pela empresa investida para a SCR do lucro líquido do

exercício (art. 16 do Decreto-lei n.º 2.287/86); (ii) exclusão dos dividendos, bonificações,

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lucros e recursos financeiros resultantes da alienação ou liquidação de participações

societárias distribuídos à SCR do desconto do imposto de renda na fonte (art. 17 do Decreto-

lei n.º 2.287/86); e (iii) alíquota de 23% de imposto de renda para os rendimentos distribuídos

pela SCRs aos seus sócios por ganhos de capital que eles tenham auferido (art. 18 do Decreto-

lei n.º 2.287/86).

O uso da expressão “sociedade” na SCR pode gerar confusão no âmbito jurídico.

Diferente da sociedade limitada ou a sociedade anônima, a sociedade de capital de risco não

foi criada como um tipo de sociedade empresária: tratava-se de uma classificação que

sociedades empresárias poderiam receber para a obtenção de benefícios na apuração de

tributos. Não há por parte das regras que criaram a SCR qualquer disposição sobre

deliberação de sócios, prestação de contas, responsabilidade, dentre outras características

típicas de um regime societário.

Além disso, não se deve confundir a denominação de Companhias de Capital de

Risco com Sociedade de Capital de Risco. A CCR foi a primeira denominação atribuída para

empresas que tinham como propósito investimentos de capital de risco. O nome não

representava uma figura jurídica, mas sim uma classificação para servir como referência para

programas como o Contec. A denominação servia como identificador do investidor nesta nova

modalidade de investimento no país.

Gorgulho (1996, p. 125) descreve que foram dois fatores os responsáveis pela

baixa adesão ao regime de Sociedade de Capital de Risco no Brasil: (i) a obrigação da SCR só

aplicar recursos próprios para seus investimentos, impedindo a sua capitalização por meio de

instrumentos de dívida; e (ii) restrições presentes na regulação do Bacen sobre ganhos de

capital. Gradativamente, os poucos que haviam aderido ao regime jurídico da sociedade de

capital de risco foram abandonando o modelo, tendo perdido a sua relevância já na década de

1990, para dar lugar aos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE).

Além disso, Sá (1994, p. 10) critica o fato da Sociedade de Capital de Risco não

ter sido criada como um veículo de investimento, com regras próprias para a captação de

recursos, com figuras próprias do capital de risco como fonte de recursos para a capitalização

dos investimentos, para o administrador ou gestor de recursos e para as empresas a serem

investidas. Ao contrário, na visão do autor, concedeu-se um pequeno prêmio financeiro no

formato de benefício fiscal que não foi capaz de atrair por muito tempo as empresas dispostas

a investir na modalidade de capital de risco.

A crise que atravessou a década de 1980, teve continuidade no início dos anos de

1990, só que agora em outro cenário político e com uma diferente perspectiva para a

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economia. A lógica de resguardo da indústria nacionais e de proteção da economia foi

rapidamente substituída por iniciativas de liberalização. A ideia era abrir a economia nacional

e permitir que nossas empresas pudessem ampliar sua produtividade e competitividade a

partir da concorrência com empresas estrangeiras. Além disso, buscava-se atrair

investimentos estrangeiros para o país a partir dessa nova postura, tendo nos planos

econômicos Collor I e II tentativas de pôr em prática o projeto de liberalização da economia e

de desregulamentação financeira de setores como estratégia de atração de investidores

estrangeiros para empreendimentos nacionais. Tais esforços, como se observou, não

obtiveram os resultados esperados (LEONEL, 2014, p. 146).

Entre o final de 1991 e meados de 1994, foi criado um binômio importante para a

estruturação do capital de risco no país: o lançamento do programa Contec, em 1991, e a

criação do primeiro veículo de investimento destinado ao capital de risco – os Fundos Mútuos

de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEEs), instituídos pela Comissão de Valores

Mobiliários (CVM).

De um lado, o BNDES consolidou a atuação do BNDESPAR a partir de uma

política pública para o capital de risco no Brasil. O que até então eram iniciativas pontuais

passaram a compor um programa estruturado. De outro lado, a Comissão de Valores

Mobiliários criou o primeiro veículo de investimento para empresas de capital de risco no

país, uma estrutura jurídica que estabeleceria as regras para a aquisição de participações em

EBTs brasileiras.

De acordo com Pavani (2003, p. 50), a criação do Contec fortaleceu as

Companhias de Capital de Risco criadas durante a década de 1980 no país, disponibilizando

recursos para manter os seus investimentos em empresas no início da década de 1990,

algumas delas sendo EBTs. Foram 15 empresas investidas entre 1991 e 1994, com quinze

milhões de dólares aportados em empresas como a CRP Companhia e Participações e a

Pernambuco Participações S.A. A autora, com base em levantamento feito por Gorgulho

(1996), reuniu uma lista com todas as empresas investidas pelo BNDESPAR, assimiladas pelo

Contec no início de 1991.

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Tabela 5.2 Carteira de investimentos do Contec em dezembro de 1994

Empresa Localização Ano do

Investimento

Setor

Autel SP 1988 Telecomunicações

Batik MG 1988 Telecomunicações

Alfatest SP 1989 Informática

Bio Fill PR 1990 Biotecnologia

Bese MG 1991 Informática

Altus RS 1992 Automação

ENB SP 1992 Química

Relastomer BA/RJ 1992 Produtos Reciclados

Embrabio SP 1992 Biotecnologia

Asga SP 1993 Microeletrônica

Autotrac DF 1993 Telecomunicações

Americainvest RJ 1994 Software

Couro Vegetal AC/AM/RJ 1994 Produtos Ecológicos

Rooster SC 1994 Informática

Nutec RS 1994 Software

Total Investido US$ 15 milhões Investimento

médio

US$ 1 milhão

Fonte: (PAVANI, 2003, p. 91).

Após a realização da audiência pública para discutir a proposta de criação do

Fundo de Empresas Brasileiras Emergentes (FEBRE) em março de 1994, a CVM ponderou as

contribuições que recebeu e editou a instrução normativa n.º 209, que criava o Fundo Mútuo

de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE). O objetivo da iniciativa era oferecer aos

investidores de capital de risco no país uma estrutura jurídica para a realização de seus

investimentos em pequenas e médias empresas (LEONEL, 2014, p. 146).

Os FMIEEs buscavam servir de alternativa ao uso de holdings e offshores por

parte de investidores. O intuito da iniciativa era partir da oferta de um modelo jurídico

pensado para o capital de risco e da concessão de benefícios fiscais, buscava-se uma melhor

visualização sobre os investimentos de capital de risco e um maior controle sobre as

operações realizadas. Diferentemente de sociedades comerciais, tributadas a cada exercício

fiscal, a nova regulação permitia que, por meio do FMIEE, os ganhos auferidos pelo fundo

fossem tributados no final de seus ciclos de investimento, no momento em que iriam apurar os

resultados de cada uma de suas operações de investimento. Além disso, caberia a CVM

fiscalizar a atuação dos FMIEEs, tendo estes fundos deveres de prestação de informação a

entidade (PAVANI, 2003, p. 55).

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187

Além disso, a mudança para o formato FMIEE permitia que a tributação incidente

fosse sobre os ganhos de capital, posicionando os investimentos de capital de risco como

investimentos de renda variável. Essa mudança atraiu também, além dos investidores que já

atuavam na modalidade, os investidores que não estavam no segmento, como instituições

paraestatais como o Sebrae, Sesi e Senai, que passaram a disponibilizar uma parcela pequena

de seus recursos financeiros para FMIEEs (PAVANI, 2003, p. 55).

Se o Contec foi o primeiro programa a formalizar as características do venture

capital como prática de investimento, a Instrução Normativa n.º 209/94 institucionalizou o

FMIEE como o primeiro veículo para a realização de investimentos com as características

próprias do venture capital, prevendo o período máximo de 10 anos para a duração do fundo,

definindo como foco do investimento as pequenas e médias empresas com alto potencial de

crescimento, permitindo a negociação das cotas do fundo no mercado secundário e

concentrando a sua captação em investidores institucionais (PAVANI, 2003, p. 54).

Na estrutura do FMIEE, a captação se daria preferencialmente para investidores

institucionais, podendo também obter recursos de empresas de grande porte, family offices

(gestoras de grandes fortunas) e até de investidores estrangeiros. Para isso, estabeleceu-se

como cota mínima de capitalização do fundo o montante de R$ 100 mil para colocação

pública e R$ 200 mil para emissões privadas.

Criou-se a figura do administrador do fundo – alguém que cumpriria o duplo

papel realizado pelo venture capitalist, qual seja: (i) a captação de recursos financeiros

perante investidores; e (ii) a realização de investimentos em pequenas e médias empresas com

alto potencial de crescimento, também chamadas de empresas emergentes. Além disso, o

administrador assumiria a responsabilidade pelos investimentos realizados, sendo o

representante daqueles que capitalizaram o fundo de investimento. Ele, ao mesmo tempo,

seria responsável pela seleção de empresas a serem investidas, pelo acompanhamento dessas

empresas, pelo desinvestimento e pela distribuição dos resultados, rendendo penalização pelo

descumprimento do regulamento do fundo assinado por todos os investidores que aportaram

recursos (SÁ, 1994, p. 10).

O conceito de empresa emergente também é uma novidade para a trajetória do

capital de risco no país. No modelo da SCR, o tipo de investimento a ser realizado não levava

em consideração o perfil da empresa investida, mas sim exclusivamente o seu porte. No

modelo do FMIEE, o porte é considerado como fator importante para o investimento, porém,

não exclusivo. Segundo Pavani (2003, p. 54), a ideia de empresa emergente incorporava uma

preocupação de foco em empreendimentos com alto potencial de crescimento.

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Para Sá (1994, p. 12), mesmo que não expresso no texto da Instrução Normativa,

o sentido pensado para o conceito de empresas emergentes incorporava a ideia de vocação

para crescer, de empresas com alto potencial de crescimento, as quais em pouco tempo

sairiam da condição de pequenas para se tornarem empresas de médio e, posteriormente, de

grande porte.

Não havia, contudo, uma preocupação de que o crescimento de empresas

emergentes fosse uma decorrência do desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse sentido,

empresas emergentes no contexto dos FMIEE não eram encaradas como sinônimos de

empresas de base tecnológica, mesmo que em muitos casos FMIEEs investissem em EBTs.

Nos debates sobre quais seriam os mercados mais promissores, dos quais

surgiriam empresas emergentes em busca de investimento, em muitos casos não havia uma

relação direta com o desenvolvimento tecnológico. Sá (1994, p. 12) menciona o setor de

franchising (franquias) como um dos de maior potencial para investimento, destacando as

franquias de hospitais, cita também a indústria do audiovisual, que havia sofrido

transformações recentes com a edição da Lei Rouanet (Lei n.º 8.313/91), permitindo o

investimento privado na produção de obras artísticas, até alcançar a indústria do lazer, com

empreendimentos em grandes cidades no Brasil. Por sua vez, setores como informática e

biotecnologia eram citados, porém, sem a mesma percepção de que se constituiriam como

oportunidades de investimento.

O art. 1º, parágrafo 1º da Instrução Normativa n.º 209/94 estabelece que a

empresa emergente é aquela com faturamento líquido anual, ou líquido anual consolidado,

inferior a sessenta milhões de reais, apurado no balanço do exercício fiscal anterior. Mesmo

que o cenário de investimentos realizados pelo FMIEE não tenha alcançado empresas com

faturamentos próximos ao limite (PAVANI, 2003), pode-se questionar o limite como a

referência para médias empresas no país.

Além disso, a instrução normativa exigia que os investimentos fossem realizados

em sociedades anônimas (S.A.) e não em sociedades limitadas ou outras figuras societárias. A

escolha pelo tipo S.A. é questionável, pois, mesmo que pequenas empresas formalmente

possam ser constituídas como S.A., os custos envolvidos de publicação e de estrutura interna

neste tipo afastam empresas de pequeno porte desse tipo societário. Mesmo disponível, o tipo

estava distante das escolhas de pequenas empresas, afastando-as dos FMIEEs, ou obrigando-

as a se transformarem, uma vez que recebessem uma abordagem sinalizando que um

investimento pudesse ocorrer.

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Outra novidade trazida pela criação do FMIEE foi a autorização dada aos fundos

de pensão no Brasil para que pudessem investir até 2% de seus recursos na aquisição de cotas

desses fundos, permitindo inclusive que a aquisição pudesse ser realizada em bolsa de valores.

O ingresso dos fundos de pensão, da mesma forma que nos Estados Unidos da América,

serviria como mecanismo para conferir liquidez ao capital de risco no Brasil por meio da

capitalização dos FMIEEs (LEONEL, 2014, p. 151; PAVANI, 2003, p. 55).

5.3 Estruturação e crescimento do setor: 1995 - 2005

O período de dez anos entre 1995 e 2005 foi marcado pelo crescimento do capital

de risco no país em número de operações realizadas, volume de recursos empregados e

constituição de fundos de investimento para o setor. Ao lado deste crescimento, esses anos

também podem ser descritos como um momento de ampliação das políticas públicas voltadas

ao fomento de investimentos no país, auxiliando a estruturação de operações de investimento

e desinvestimento, com destaque para as ações75

do BNDES e da FINEP durante o período.

O crescimento do capital de risco, que poderia servir de alternativa à ausência de

crédito para o financiamento de empresas de base tecnológica, não foi suficiente para suprir

essa lacuna. Na visão de Corder e Salles-Filho (2004, p. 130), havia no período um forte

distanciamento entre a oferta de crédito por meio do sistema bancário e do sistema produtivo,

em especial com aqueles que realizam atividades de cunho tecnológico. Para os autores, foi o

setor público que buscou suprir essa carência de recursos por meio de programas e

investimentos diretos. Contudo, a inconstante disponibilidade de capital e os sucessivos

contingenciamentos do governo federal em meio a contextos de austeridade fiscal limitaram a

atuação do setor público.

A FINEP, por exemplo, mesmo tendo a responsabilidade de fomento de projetos

inovadores no país, teve que enfrentar variações significativas do montante de recursos

disponível para financiar projetos e empreendimentos. Corder e Salles-Filho (2004, p. 131)

descrevem que entre 1994 e 1996 a entidade tinha à sua disposição R$ 400 milhões para ações

75

Segundo Corder e Salles-Filho (2004, p. 132), existe uma diferença importante entre a captação de recursos do

BNDES e a da FINEP. Enquanto os recursos da FINEP dependem de decisões de caráter orçamentário do Poder

Executivo, podendo sofrer com variações ano a ano, no caso do BNDES, os recursos têm como fonte principal as

contribuições do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público

(PIS/PASEP) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Além disso, os retornos obtidos nas operações de

investimento do BNDESPAR também podem ser utilizados no financiamento de projetos, sendo uma parte

destes recursos utilizados para o fomento do capital de risco no país. Na visão dos autores, a dependência da

FINEP aos recursos do Tesouro Nacional limita a sua capacidade de cumprir com o seu objetivo principal, o

financiamento de tecnologias para empresas nacionais.

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de crédito, passando para R$ 700 milhões em 1997, e apenas R$ 300 milhões em 1999. Os

valores repassados foram ainda menores entre os anos de 2000, 2001 e 2002, sendo R$ 83,6

milhões, R$ 115,4 milhões e 138,3 milhões, respectivamente.

Mesmo diante das dificuldades do setor público, o período é descrito como o

primeiro momento de ascensão do capital de risco no país. Segundo Pavani (2003, p. 57),

entre 1980 e 1995 foram realizadas 50 operações de investimento em pequenas e médias

empresas que apresentavam características de capital de risco no país. De 1995 a 2001, foram

realizadas 250 operações. Dados coletados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) relatam que

apenas no ano 2000 foram realizados 125 aportes financeiros em empresas de pequeno e

médio porte com o perfil de capital de risco (ABDI, 2011).

A criação dos fundos mútuos de investimento em empresas emergentes teve um

papel importante no crescimento, pois conferiam um formato para o capital de risco no país.

No entanto, a Instrução Normativa n.º 209/94 não foi suficiente para atrair um volume

expressivo de investidores no ano seguinte de sua edição (PAVANI, 2003, p. 56). A liberdade

que o formato holding e que estruturas offshore proporcionavam para investidores os

desencorajava em um primeiro momento a aderir aos FMIEEs, um formato em que ficariam

sob a supervisão da CVM.

A participação do BNDES também contribuiu, e de acordo com Corder e Salles-

Filho (2004, p. 134), a partir de 1997 o BNDES passou a atuar como cotista de FMIEEs,

tendo Companhias de Capital de Risco como gestoras destes recursos. Os valores aportados,

segundo os autores, variavam entre R$ 2 e R$ 8 milhões, tendo sido aportados em fundos com

parceiros já conhecidos pelo Banco, como a CRP Companhia de Participações.

No entanto, ainda segundo os autores (2004, p. 134), o volume de recursos

disponibilizado para o financiamento de empresas de base tecnológica continuava a ser pouco

expressivo. Mesmo que os novos fundos assumissem o protagonismo em relação aos demais

participantes do financiamento nacional desses empreendimentos, se comparados com outras

fontes de recursos para projetos no país ou até mesmo com outros fundos de investimento

constituídos na época (e.g. Fundos Mútuos de Privatização da Petrobras e Companhia Vale do

Rio Doce), ainda assim permaneceriam de pequena expressão.

Ao longo dos anos, o número de fundos criados, mesmo que pequeno, foi

gradativamente crescendo e contando com a adesão de Companhias de Capital de Risco. Em

levantamento realizado por Leide Albergoni (2006, p. 64), entre 1995 e 1999 foram

registrados na CVM 4 fundos mútuos de investimento em empresas emergentes de um total

de 22 FMIEEs criados entre 1995 e 2005. O baixo número de fundos criados no período pode

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ser explicado pela falta de experiência em investimentos de capital de risco no país. Não por

acaso, um dos quatro fundos registrados era gerido pela CRP Companhia e Participações.

Tabela 5.3 Registros de Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (1995 – 2005)

Ano Fundos

Registrados

Instituições Gestoras

1995 1 Banco Santander Brasil S.A.

1996 1 Santa Catarina Adm Fundos Ltda.

1997 0

1998 1 Banco Fator S.A.

1999 1 CRP Companhia de Participações

2000 2 Brasilprivate Cons. E Part.

Dynamo V.C. Administradora de Recursos Ltda.

2001

4

CRP Companhia de Participações

Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM

FIR Capital Partners Ltda.

Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A.

2002

6

DGF Gestão de Fundos Ltda.

GP Administração de Recursos S.A.

Stratus Investimentos Ltda.

SP Administração de Fundos Ltda.

Mercatto Venture Partners S/C Ltda.

Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM

2003 4 Oliveira Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.

Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A.

Pactual Asset Manag. S.A. DTVM

Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM

2004 1 Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM

2005 1 CRP Companhia de Participações

Total 22

Fonte: (ALBERGONI, 2006, p. 65).

O encerramento do Contec, em 1994, e a transição para a criação dos fundos

CRIATEC, em 2007, também podem ser apontados como explicações para o baixo número de

fundos criados entre 1995 e 1999. Isto porque, em 1995, o BNDES iniciou suas atividades de

apoio à estruturação de fundos fechados via subscrição de ações pela BNDESPAR. O banco

foi uma das primeiras instituições a utilizar esse instrumento no país (SILVA; BIAGINI,

2015, p. 109).

Todavia, seu primeiro aporte de recursos em fundos de capital semente só ocorreu

em 1999, com investimentos realizados no RSTec, fundo criado pela CRP Companhia e

Participações para investimentos em pequenas e médias empresas no estado do Rio Grande do

Sul. Foi a partir desse ano que o BNDESPAR passou a capitalizar FMIEEs de modo a servir

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como agente indutor do crescimento do setor de capital de risco no país (SILVA; BIAGINI,

2015, p. 109).

Em 2001, o BNDESPAR investiu na SCTec, também gerida pela CRP

Companhia e Participações, investindo também na SPTec e Nordeste I, em 2002, e MVP

Tech Fund em 2003. Além da busca por fundos regionais, a escolha do banco priorizava os

investimentos de base tecnológica, bem como fundos de pequeno porte, com patrimônio

máximo de quinze milhões de reais. Por meio dos FMIEEs foram investidos R$ 63 milhões de

reais em 41 empresas (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 110).

A atuação do BNDES, entre 1999 e 2005, foi importante para introduzir o

conceito e as características do capital de risco aos pequenos empreendedores nacionais, e

para sinalizar que a modalidade estaria disponível para essas empresas. Além disso, a

transparência na atuação do BNDESPAR permitiu o surgimento dos primeiros casos de

investimentos bem-sucedidos, que mais tarde se tornariam referências importantes para a

atração de novos empreendedores e para a formação de gestores de fundos de investimento

(SILVA; BIAGINI, 2015, p. 110).

Todavia, as limitações do patrimônio dos FMIEEs criados no período não

permitiam que seus investimentos pudessem ser realizados em mais de uma rodada. Segundo

Silva e Biagini (2015, p. 110), os recursos disponíveis para investimento estavam aquém do

necessário para que FMIEEs pudessem se envolver em rodadas de investimento que

exigissem alta monta de recursos financeiros. Por essa razão, os autores apontam que os

FMIEEs ficavam constritos à posição de capital semente, e em alguns casos, na posição de

series A (investidor de primeira rodada), não alcançando as etapas de maior maturidade

(series B, C, D, e demais rodadas) das empresas investidas.

Mesmo com forte incentivo estatal, a participação de investidores privados nos

diversos estágios do financiamento do ciclo de crescimento de empresas de base tecnológica

tem sido baixa até os últimos anos. Segundo Rodrigo Borges76

, da Domo Invest, a presença de

investidores de capital de risco em rodadas mais avançadas de investimento (Series C, D, E,

em diante) tem sido observadas com maior frequência apenas nos últimos quatro anos, em

particular pelo maior número de investidores estrangeiros. Antes disso, podia se observar a

presença do capital privado em investimentos de primeira rodada e no máximo de segunda

rodada. Em casos pontuais, observou-se a realização de investimentos de maior monta,

contudo, nada que constituísse um comportamento típico dos investidores privados.

76

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.

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Além disso, outras iniciativas também contribuíram para a disseminação de uma

nova cultura ligada ao capital de risco, com destaque para a disseminação da expressão em

diversas localidades pelo país. Pavani (2003, p. 60) cita o Programa de Apoio ao Setor de

Software (Prosoft) criado pelo BNDES, o Projeto Inovar concebido pela FINEP, o surgimento

da Associação Brasileira de Capital de Risco (ABCR), que mais tarde se tornaria a

Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e a criação do projeto

Segundos Mercados pelas Bolsas de Valores do Rio (BVRJ) e de São Paulo (Bovespa), como

iniciativas que tornavam a expressão capital de risco e seu significado visível para empresas e

para os membros do mercado de capitais brasileiro.

Para Albergoni (2006, p. 65), a contribuição da FINEP e a formação da ABCR

reforçaram o interesse pela modalidade de investimento. O projeto Inovar, por exemplo, tinha

por objetivo a criação de um arcabouço institucional capaz de conectar empresas com alto

potencial de crescimento e investidores, de modo a estimular a cultura, ainda incipiente, de

investimentos no formato de capital de risco. O programa se referia às empresas como

nascentes, destacando a sua criação recente, e também como emergentes, ressaltando o seu

alto potencial de crescimento em razão da exploração de novas tecnologias.

Segundo Corder e Salles Filho (2004, p. 134), o Projeto Inovar se dedicava ao

desenvolvimento de uma estrutura institucional para o fomento aos investimentos de capital

de risco em empresas de base tecnológica, articulando seis iniciativas: (i) incubadora de

fundos Inovar; (ii) criação do fundo Brasil Venture; (iii) elaboração do portal de internet

Capital de Risco Brasil; (iv) instauração do Venture Fórum Brasil; (v) associação à formação

da Rede de Prospecção de Negócios; e (vi) programa de capacitação em capital de risco.

Dentre as iniciativas, a criação da Incubadora de Fundos Inovar merece destaque

por tratar-se de um instrumento para a criação de fundos de investimento no país. Essa

estratégia servia como forma de ampliar o crescimento no número de fundos e o volume de

recursos aportados em empresas de base tecnológica, em especial diante do tímido

crescimento dos FMIEEs (LEONEL, 2014, p. 169; PAVANI, 2003, p. 61).

Outra iniciativa notória pelos seus resultados foi o estabelecimento do Venture

Fórum – uma série de eventos, apresentações e rodadas de negócios para estimular

investimentos em empresas e a formação de uma rede cooperada nacional de agentes de

capital de risco, para a prospecção de negócios e o apoio a empresas na elaboração de seus

planos de negócio, e acompanhamento por parte de seus investidores (LEONEL, 2014, p. 169;

PAVANI, 2003, p. 61).

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194

Leide Albergoni (2006, p. 66) explica que o Projeto Inovar foi construído com

base em um diagnóstico com duas dimensões. A primeira delas residia na percepção de que o

Brasil dispunha de um bom nível de atividade científica e tecnológica e bons cientistas.

Contudo, tais atividades ficavam restritas ao contexto acadêmico, não alcançando a esfera

empresarial, não sendo, portanto, direcioná-las para a criação de empreendimentos de base

tecnológica. A segunda dimensão estava associada à falta de conhecimento sobre o

financiamento de empresas na modalidade venture capital, seja como oportunidade de

negócio na captação de recursos e seu emprego posterior, seja como alternativa de

financiamento para empresas de base tecnológica.

Não por acaso, uma das iniciativas do projeto foi o Venture Fórum, um programa

de aproximação e formação contínuo, cujo objetivo era justamente preparar empreendedores

para a submissão de suas empresas a rodadas de negociação com investidores convidados. Por

meio da iniciativa, a FINEP servia como intermediária entre empresas e investidores,

oferecendo um ambiente de orientação estratégica para empresas e um local único de

oportunidades de investimento para investidores. Entre 2000 e 2005, 135 empresas foram

selecionadas para participar, de um total de 270 empresas participantes nas 20 edições do

Venture Forum entre 2000 e 201277

.

Em 2011, a FINEP iniciou o processo de transferência do Venture Fórum para a

Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital e para a Federação das Indústrias

do Estado do Paraná, capacitando seus representantes para coordenarem as atividades de

aproximação entre empresas e investidores. Até 2011, sob a coordenação da FINEP, das 270

empresas participantes do fórum, 195 apresentaram seus projetos para investidores e 45 delas

receberam investimentos de venture capital (LEONEL, 2014, p. 170).

Ao lado do Venture Fórum, a Incubadora de Fundos Inovar teve uma contribuição

para o fomento do capital de risco no período. Fruto de um consórcio entre FINEP, Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID/Fumim), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e

Pequena Empresas (SEBRAE) e da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (PETROS), a

incubadora promoveu entre 2001 e 2012 treze chamadas públicas para realizar investimentos

em fundos de venture capital no Brasil, com 21 fundos de VC capitalizados com recursos da

Incubadora de Fundos Inovar, totalizando 189,3 milhões de reais em investimentos na

modalidade (LEONEL, 2014, p. 170).

77

O número de empresas participantes do Venture Forum, bem como as datas de realização da capacitação de

empreendedores e das rodadas de negócios foram disponibilizadas no sítio eletrônico da Financiadora de Estudos

e Projetos. Para consulta das informações na íntegra sobre os participantes, acesse:

<http://download.finep.gov.br/programas/inovar/VentureForumbc.pdf>. Último acesso: 02.12.2018.

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195

Ao lado dessas iniciativas, em 2001, foi aprovada a Lei n.º 10.332/01, que

autorizou a aquisição de participação minoritária por parte da FINEP em empresas de base

tecnológica no Brasil, abrindo caminho para que a entidade pudesse desenvolver iniciativas de

investimento direto em EBTs. Além disso, a Lei ainda autorizou que a entidade pudesse

utilizar a sua reserva de liquidez de investimentos privados para capitalizar fundos de

investimento destinados às EBTs no Brasil (CORDER; SALLES-FILHO, 2004, p. 135).

No mesmo ano, houve também esforços para a ampliação do volume de recursos a

serem aportados em fundos de investimento, em particular com a aprovação do aumento do

volume de capital que poderia ser aportado por fundos de pensão em fundos de investimento

CVM. A Resolução n.º 2.829/2001 do Conselho Monetário Nacional autorizou que fundos de

pensão pudessem adquirir carteiras de renda variável no limite de 20% de seus recursos. Na

prática, antes da Resolução, os fundos de pensão que poderiam comprometer apenas 2% de

seu portfólio de investimentos com cotas de fundos, após a Resolução, passaram a poder

dispender até 20%, ampliando as possibilidades de liquidez de fundos como o FMIEE.

Também em 2001, a Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/76) foi alterada

pela Lei n.º 10.303/01, redefinindo as regras de fiscalização e prestação de informações para

acionistas, bem como estipulando novos direitos. Dentre as mudanças, a inclusão do direito de

tag along para ações ordinárias da sociedade anônima significou uma melhora nas condições

de saída para os investidores de venture capital. Assim, o direito de tag along prevê aos

acionistas minoritários a garantia de condições idênticas ou semelhantes de venda de suas

ações às do acionista majoritário na hipótese deste receber uma proposta de compra de sua

participação, além de obrigá-lo a alienar a sua participação em conjunto com o acionista

minoritário (e.g. FMIEE).

Na prática, o direito de tag along servia como uma proteção para o investidor

minoritário; em nosso caso, para o venture capitalist, garantia que a sua saída não fosse

prejudicada na hipótese de que empreendedores ou outros investidores desejassem alienar

suas participações para um terceiro que oferecesse um bom preço pela empresa investida.

No mesmo sentido, surgiam também disposições prevendo o direito de drag

along, que criavam o direito de acionistas majoritários obrigarem acionistas minoritários a

venderem suas participações quando surgisse uma proposta de aquisição da empresa como um

todo, arrastando-os para uma venda integral do empreendimento. No âmbito do capital de

risco, a previsão servia para viabilizar a alienação integral da empresa, impedindo que um

acionista específico obstaculizasse a saída dos demais na hipótese de que o comprador

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196

interessado quisesse a empresa por completo, por exemplo, para integrá-la em sua cadeia

produtiva.

Contudo, mesmo com as mudanças de cunho regulatório, registravam-se críticas

em relação a algumas limitações presentes nos FMIEEs. Duas delas em particular são

destacadas por Freitas (2015, p. 163). A primeira se refere ao limite máximo do tamanho das

empresas que poderiam receber investimentos por meio desse veículo. A percepção é de que

os fundos, mesmo se quisessem oferecer financiamento em rodadas mais avançadas de

investimento (series C, D, E, e assim em diante), não conseguiriam pelo limite de faturamento

previsto na Instrução Normativa n.º 209 da CVM. A segunda trata da ausência de disposições

normativas que permitissem que gestores desses fundos participassem de forma mais ativa

dos processos de tomada de decisão das empresas investidas. Sobre este último aspecto, o

autor sublinha que mesmo que não fosse proibida a participação por parte de gestores de

fundos, havia a expectativa de que a regulação lhes atribuísse tal papel.

A criação dos Fundos de Investimento e Participação (FIP) pela Instrução CVM

n.º 391/2003, mesmo não tendo por objetivo principal dar início ao processo de substituição

do modelo de FMIEEs, na prática atingiu este resultado. Atendendo às demandas de

investidores de private equity por um veículo de investimento com mais disposições voltadas

à governança corporativa para investimentos, a CVM editou a Instrução Normativa, criando a

figura do FIP. Observou-se na prática que o veículo apresentava algumas características que

atraíam também gestores de venture capital que passaram a adotá-la, iniciando um processo

de substituição dos FMIEEs por FIPs (FREITAS, 2015, p. 164).

O art. 2º da Instrução CVM n.º 391/2003 definia o FIP como um condomínio

fechado destinado à aquisição de valores mobiliários (ações, debêntures, bônus de subscrição

etc.) de sociedades anônimas abertas ou fechadas, em que este tivesse participação no

processo decisório da companhia investida, exercendo efetiva influência na definição da

política estratégica e na gestão da empresa, indicando membros para seu Conselho de

Administração.

A norma deixa claras algumas das características que o investimento por meio de

FIPs guardaria. Em primeiro lugar, o investimento em sociedades anônimas, e não em

sociedades limitadas: tradicionalmente, empresas de pequeno e médio porte no Brasil são

constituídas sob a forma de sociedade limitada. Além de possuir uma estrutura organizacional

mais simples, esse tipo societário não traz exigências de registro e prestação de informações,

que no âmbito das sociedades anônimas são extensivas.

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197

Mesmo que seja possível a criação de uma sociedade anônima para empresas de

pequeno porte, os custos e o volume de obrigações tornam a sociedade anônima uma

realidade de empresas de maior porte. Nesse sentido, a escolha pelos FIPs já revelava que os

investimentos se concentrariam em fases mais avançadas de empresas no país.

Em segundo lugar, a participação no processo decisório, com influência efetiva

nos processos de tomada de decisão estratégica da empresa investida revela um papel até

então não declarado do capital de risco no país, qual seja, além de ser uma fonte de recursos

para o financiamento de empresas emergentes, serviria como um parceiro de negócios, o qual

teria a responsabilidade de contribuir de maneira efetiva para o crescimento da empresa,

compartilhando suas redes de relacionamento, indicando representantes para conselhos,

auxiliando em sua administração financeira, orientando sobre estratégias de mercado, dentre

outras formas de participação.

Curioso notar que, mesmo com o início do processo de substituição dos FMIEEs

pela adoção dos FIPs por parte de gestores de venture capital, o arcabouço institucional criado

para a associação entre o capital de risco e o financiamento de empresas de base tecnológica

estava voltado para o FMIEE. Uma das evidências disso foi a aprovação da lei de inovação

(Lei n.º 10.973/04), em 2004, com uma menção expressa aos fundos mútuos de investimento

em empresas emergentes em seu art. 23.

A lei, que se dispunha a organizar a aproximação entre universidades públicas e

empresas privadas, regulando diversas hipóteses de parcerias e desenvolvimento conjunto de

novas tecnologias, autorizava em seu art. 23 a constituição de FMIEEs para o investimento

em empresas cujo objetivo principal seria a inovação. Havia a perspectiva de que este seria o

veículo por excelência do financiamento de empresas de base tecnológica em determinados

estágios de seu crescimento, algo que pouco tempo depois já se mostrava inconsistente com a

realidade.

Castro Filho (2005) busca sintetizar a posição e o papel esperado entre os veículos

de investimentos e as espécies de empreendimentos a receberem seus recursos financeiros.

Como se pode notar do quadro abaixo, a expectativa era de que o FMIEE fosse utilizado por

venture capitalists e que gestores de private equity fizessem uso do FIP, deixando outros

veículos de investimento disponíveis para outros investidores. Contudo, como trataremos na

próxima seção, o que se observou foi o progressivo abandono ao FMIEE e a adoção do FIP

por gestores de venture capital e private equity.

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198

Figura 5.1 Veículos de investimento de longo prazo e ambiente regulatório (2005)

Fonte: (CASTRO FILHO, 2005)

Na avaliação de Leide Albergoni (2006, p. 68), a percepção geral, em 2005, era de

que todos os estágios de financiamento de empresas estavam abarcados pelo arcabouço

jurídico-institucional brasileiro. Investimentos de capital semente e de venture capital

estariam na alçada do FMIEE, com alguns casos ainda sendo realizados por holdings.

Empreendimentos de maior porte teriam à sua disposição a estrutura FIP, fundos de renda

variável e fixa, e em alguns casos investimentos realizados por meio de hedge funds. Por fim,

os fundos de pensão teriam alguma atuação ao longo dos diversos tipos de investimento, e

disponibilizariam recursos financeiros para capitalizar as outras estruturas presentes na figura

acima.

Gradativamente, o capital de risco ganhava uma estrutura mais acabada. A criação

de um veículo próprio de investimento (FMIEE passando para o FIP), a presença de um ente

estatal indutor de investimentos (BNDESPAR), a formulação de políticas públicas de

aproximação de investidores e empresas (Venture Fórum), bem como de capacitação e

formação de fundos (Incubadora de Fundos Inovar), somadas às alterações jurídicas para

facilitar a saída de investimentos, conferiram os traços do venture capital no Brasil.

Hedge Funds

Fundos Regulados

Veículos Não Regulados

Fundos de Pensão (3121)

Seed Capital

Venture Capital

Private Equity

Mezanino

PIPE (Liquidez)

Ações, Renda Fixa,

Derivativos

FMIEE CVM 209/CVM 405

FIPs CVM 391

Renda Variável/Fixa CVM 302

Holding/ Empresas de Participações Limited Partnerships

Carteira de Participações Renda Variável/ Renda Fixa

Mer

cad

o/

Inst

rum

ento

s d

e

Inves

tim

ento

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199

5.4 Breve ascensão e a presença de obstáculos institucionais ao crescimento: 2005 -

2015

O período de 2005 até 2015 é marcado por três movimentos importantes: (i)

formação pelo BNDES dos fundos CRIATEC, braço de capital semente para investimentos

em empresas de base tecnológica no país: (ii) o ingresso efetivo de investidores estrangeiros

de venture capital no país; e (iii) o crescimento no número de fundos de investimento

nacionais. Estes três movimentos podem ser divididos em dois períodos distintos: o primeiro,

de 2005 até 2009, de breve ascensão do mercado de capitais brasileiro, com o crescimento de

aberturas de capital de empresas; e o período de 2010 até 2015, de reorganização dos

investimentos do setor, na esteira da eclosão da Crise de 2008-2009.

Mesmo reconhecendo a existência de dois períodos com características distintas,

optamos por tratar os dois períodos em uma mesma seção, pois esta junção nos permite

visualizar os ciclos de investimentos que se iniciaram entre os anos de 2005 e 2007,

analisando os diversos atores mencionados acima (BNDES, investidores estrangeiros, fundos

nacionais), tendo por base o tempo médio de 10 anos de duração de fundos de investimento de

capital de risco.

Segundo dados do II Censo Brasileiro da Indústria de Private Equity e Venture

Capital (ABDI, 2011, p. 146), US$ 28 bilhões foram captados entre os anos de 2005 e 2009.

Desses valores, US$ 9 bilhões foram levantados por 52 das 67 organizações gestoras de

capital que iniciaram suas atividades a partir de 2005, e US$ 12 bilhões foram captados pelas

26 organizações remanescentes, que iniciaram suas atividades no Brasil entre 1981 e 2004.

Em 2008, o capital comprometido pelos segmentos de private equity e venture capital

representava 1,8% do PIB – muito acima do 1% de 2004, embora abaixo da média mundial,

de 3,7%.

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200

Gráfico 5.1 Evolução do capital comprometido alocado ao Brasil como porcentagem do PIB

Fonte: (ABDI, 2011, p. 150).

Ainda que no volume de recursos a captação de private equity seja naturalmente

maior pelas características e pela posição que a modalidade de investimento ocupa, o

crescimento acompanhou tanto este setor como o de venture capital. Nos dois Censos (2005 e

2011) realizados na área, os dados coletados congregavam os investimentos de private equity

e venture capital, tratando-os como etapas distintas de uma cadeia de investimentos

compartilhada.

Em uma acepção ampla, venture capital e private equity tratam da aquisição de

participações societárias em um contexto de investimento temporário, com etapas de

investimento e desinvestimento como parte de sua lógica de aporte de recursos. Contudo, o

perfil de empresas a serem investidas, as teses de investimento e o comportamento de

investidores nas empresas investidas diferenciam significativamente as duas modalidades.

Além disso, a junção partia de uma percepção de que o private equity poderia servir como

uma fonte de recursos para viabilizar o desinvestimento de investidores de venture capital,

fato que não se observou no país.

Além disso, uma diferença importante no comportamento de investidores da

modalidade de private equity no Brasil foi a aquisição de participações societárias

majoritárias, como forma de obtenção do controle de empresas investidas para a realização de

mudanças profundas na gestão e na condução das atividades dessas empresas.

Em razão dessas diferenças, os levantamentos dos últimos três anos realizados por

associações (e.g. ABVCAP) e pelo governo (e.g. ABDI) têm separado os segmentos, uma vez

0,63% 0,77%

0,91% 0,93%

0,87%

0,97%

0,82%

1,24%

1,66%

1,70%

2,33%

0,00%

0,50%

1,00%

1,50%

2,00%

2,50%

1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008

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201

que já há uma percepção recente de que as modalidades apresentam características distintas e

que estas devem ser consideradas na construção de políticas públicas de apoio, elaboradas

para cada uma das modalidades e não para as duas em conjunto.

Em 2009, foi identificada pelo II Censo da Indústria de Private Equity e Venture

Capital (ABDI, 2011, p. 149) a existência de 252 veículos de investimento sob a

administração de 144 gestoras, de um total de 180 gestoras existentes, com o propósito de

investimentos em private equity ou venture capital. Além de um cenário macroeconômico

favorável ao país, o estudo aponta que o aumento de liquidez financeira mundial associado

com incentivos de ordem interna, como a redução da taxa de juros durante o período, foram

capazes de atrair investimentos para as modalidades, inclusive gerando efeitos positivos sobre

o mercado de capitais brasileiro, em particular no aumento da abertura de capital de empresas

no Brasil.

Em uma análise de 45 destas organizações (ABDI, 2011) em 2009, foi constatado

que 41% dos investimentos foram realizados na modalidade de private equity, 31% foram do

tipo venture capital, 15% de capital semente e 13% classificados como outros investimentos.

Ainda que esta parcela de gestores de capital de risco não seja um retrato absolutamente

fidedigno da distribuição dos investimentos realizados no período, pode ser considerada

suficiente para nos permitir uma visualização da proporção de investimentos realizados pelas

diferentes modalidades.

Além disso, uma outra característica do período de 2005 a 2009 foi a

predominância de investimentos em empresas da área de tecnologia da informação por

gestoras de capital de risco. Segundo o levantamento realizado pela ABDI (2011, p. 196), do

total de 502 empresas investidas por fundos de private equity e venture capital, os setores

com maior número de empresas objeto de investimento foram: (i) informática e eletrônica,

com 103 empresas; (ii) construção civil e imobiliário, com 69 empresas; e (iii) energia e

combustíveis, com 56 empresas e indústrias diversas, com 55 empresas.

Sidney Chameh78

, fundador do DGF Investimentos, aponta que havia

oportunidades interessantes de investimento na área de tecnologia da informação na época.

Havia profissionais da área de software com bastante potencial, e uma disposição de empresas

em absorver soluções de TI que pudessem auxiliá-las em ganhos de eficiência em suas

cadeias produtivas ou na gestão e planejamento de suas operações. Também não havia

78

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor.

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202

necessidade de registro do software, as empresas mostravam ser capazes de gerar receitas

rapidamente e demonstravam consistência em seu crescimento.

Para Leonel (2014, p. 152), o perfil dos investimentos realizados por gestores de

private equity e venture capital é uma sinalização da tendência do capital de risco no Brasil

em não se concentrar em empreendimentos intensivos em conhecimento, voltados ao

desenvolvimento de novas tecnologias. Para a autora, há uma prevalência de investimentos

em setores tradicionais, com baixo dinamismo tecnológico, como o setor de construção civil,

se comparado com um setor altamente intensivo em conhecimento, como o de biotecnologia,

que recebeu apenas 1% dos investimentos no período.

Segundo o fundador da DGF Investimentos79

, setores como biotecnologia, além

do maior tempo de maturação para a empresa apresentar resultados, já se mostravam, à época,

bastante difíceis de se investir. No único investimento realizado pela DGF Investimentos na

área de biotecnologia, além de diversas autorizações de entidades públicas, as incertezas que

cercam a obtenção de uma patente se mostravam como fator de forte desestímulo ao

investimento. Na visão do investidor, empresas de maior porte aparentam ter melhores

condições de enfrentar a demora burocrática de órgãos e entidades públicas.

Outro fator importante para o crescimento no volume de investimentos realizados

foi a presença dos fundos de pensão como fontes de capitalização de fundos de investimento

de capital de risco. Destaque-se a participação de fundos como o PREVI (fundo de pensão do

Banco do Brasil), o PETROS (fundo de pensão da Petrobrás), e FUNCEF (fundo de pensão

da Caixa Econômica Federal), que gradativamente ampliaram as suas posições em gestoras de

capital de risco para a realização de investimentos em private equity e venture capital. Em

2009, os fundos de pensão aportaram US$ 7,9 bilhões em gestoras de fundos de private equity

e venture capital, representando 22% de todos os recursos captados (LEONEL, 2014, p. 151).

Mesmo assim, segundo comentário de Sidney Chameh80

, a melhora na taxa de

juros não era suficiente para desencorajar uma transferência maior de recursos de fundos de

pensão alocados em renda fixa para investimentos de renda variável, como no caso do capital

de risco. Além do alto retorno, também havia o conforto de que essas operações se

mostrariam mais seguras de acordo com o histórico da economia brasileira, alternando

períodos de melhora e de piora em seu crescimento.

Se, de um lado, o período de 2005 e 2009 foi marcado pela ampliação da captação

de recursos para investimentos no setor; de outro, também pode ser descrito como o período

79

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor. 80

Ibidem.

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203

de ascensão de desinvestimentos bem-sucedidos, em especial via abertura de capital em bolsa

de valores. Ao longo da trajetória do venture capital no Brasil, desinvestimentos

concentraram-se na venda estratégica da participação do investidor para um terceiro – via de

regra, uma empresa de grande porte com atuação no mesmo mercado da empresa investida. A

novidade do período, no entanto, foi o crescimento do número de aberturas de capital como

estratégia de desinvestimento.

Em 2006, por exemplo, duas aberturas de capital chamaram atenção na Bolsa de

Valores de São Paulo (Bovespa): a da Totvs, empresa do segmento de tecnologia da

informação com pretensões de expansão e consolidação do setor no país, e a da Lupatech,

empresa de Caxias do Sul (RS), fabricante de válvulas e bombas destinadas à indústria do

petróleo. A capitalização realizada por essas empresas serviu como símbolo do processo de

ascensão do segmento de capital de risco no país. Isto porque, o aumento no volume das

aberturas de capital no período, ao lado, do crescimento na oferta de fontes de investimento

criava um cenário de otimismo em relação ao capital de risco.

A primeira investidora de uma das empresas que viria a se incorporada e se tornar

a Totvs, a Logocenter, foi investida pela DGF Investimentos. Segundo Sidney Chameh81

, o

início das atividades do DGF Investimentos foi marcado pela oferta do Banco Interamericano

de Desenvolvimento (BID) em disponibilizar US$ 8,3 milhões de dólares para a constituição

do primeiro fundo de venture capital da DGF Investimentos e pelo investimento na

Logocenter e sua posterior absorção pela Microsiga, que se tornaria a Totvs. Na visão do

investidor, recursos estavam disponíveis, oportunidades surgiam (ainda que de forma tímida)

e havia um certo otimismo com o mercado de capitais brasileiro para a realização de

operações de desinvestimento.

No caso da Lupatech, sua primeira investidora foi a CRP Companhia de

Participações, no contexto de seus investimentos na região sul, a empresa fez o seu primeiro

aporte de recursos em 1987, e permaneceu investindo na empresa até 2003, tendo alienado

suas participações em 2006, com a abertura de capital da Lupatech. Ao lado da CRP

Companhia de participações, o BNDESPAR, a GP Investimentos e o fundo francês Natexis

aportaram recursos para o financiamento das atividades da empresa ao longo de dezenove

anos, obtendo retornos generosos sobre seus investimentos em 200682

com a oferta pública de

ações da empresa investida (FREITAS, 2015, p. 165).

81

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor. 82

No ano, a Lupatech negociou 45,11% de suas ações na Bolsa, tendo captado R$ 450 milhões, divididos em

155 de recursos novos e 295 da venda de participações de seus acionistas, viabilizando a saída de diversos de

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204

Em levantamento realizado em 2011, o Centro de Estudos em Private Equity e

Venture Capital (GVCEPE) comparou as mudanças entre os tipos de saída de investimento

realizados por investidores de private equity e venture capital em dois períodos, 1999 – 2004

e 2005 – 2008. Na comparação, nota-se que, entre 2005 e 2008, a abertura de capital ganhou

um protagonismo em relação às outras formas de desinvestimento, algo novo naquele

momento e que não se repetiria nos anos seguintes.

Gráfico 5.2 Quantidade de negócios desinvestidos (1999 – 2008)

1999 - 2004

2005 - 2008

Fonte: (FURTADO; LARA; RAMALHO, 2011, p. 197).

Dados da ABDI (2011, p. 197) apontam que entre 2005 e 2009 foram realizadas

183 operações de desinvestimento, distribuídas da seguinte forma: (i) 60 por vendas

estratégicas; (ii) 54 por vendas para outro investidor institucional; (iii) 49 por aberturas de

capital em bolsa de valores; e (iv) 20 por recompra da participação do investidor por parte da

empresa investida. É interessante notar que entre 2005 e 2007 o número de saídas via abertura

de capital cresceu ano a ano, tendo sido 8, em 2005; 17, em 2006; e 19, em 2007. Com a Crise

seus investidores. A alienação ainda possibilitou a capitalização da holding da família de Nestor Perini,

fundadora da empresa, que reduziu a sua participação de 34,75% para 25,9% e se tornou investidora de fundos

de investimento no futuro (FREITAS, 2015, p. 165).

33%

29%

21%

17%

Venda Estratégica

Perda Total do Investimento

Recompra de Acões pela Empresa

Oferta Públicade Acões/ Venda Secundária

45%

21%

18%

16%

Oferta Pública de Ações e Venda Secundária

Perda Total do Investimento

Venda Estratégica

Recompra da Participação de Investidores

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205

de 2008-2009, houve apenas uma abertura de capital em 2008, seguida por 4 aberturas de

capital em 2009 (ABDI, 2011, p. 197).

A breve ascensão das saídas via abertura de capital no Brasil entre os anos de

2005 e 2007 criava a expectativa de que a bolsa de valores no Brasil poderia se tornar uma

das alternativas para investidores de venture capital no país. O que se observou após a Crise

de 2008-2009 foi a queda de recursos disponibilizados para o capital de risco associada a uma

redução no número de saídas via bolsa de valores, em particular para investimentos de venture

capital.

Para Leonel (2014, p. 151), a crise econômica internacional reduziu o interesse de

investidores em direcionar seus recursos financeiros para ativos de alto risco, impactando

diretamente a capitalização de gestoras de venture capital. Cabe notar que na avaliação da

autora, a elevação do status do Brasil para o nível de investimento ou Investment Grade,

conferido pela Standard & Poor’s, em 2008, não foi suficiente para manter o nível de

captação de recursos recorde de US$ 7,2 bilhões registrado em 2007.

Segundo Robert E. Binder83

, da Antera Gestora de Recursos, conquistar o nível de

investimento é um importante símbolo para a atração de investimentos, mas essa atração não

acontece de imediato. Em sua avaliação sobre o ambiente durante a Crise de 2008-2009, havia

um clima de desconfiança em relação ao mercado, e receio em relação à realização de aportes

em países emergentes. Além disso, mesmo com o otimismo em relação ao país, muitos

investidores estrangeiros observavam a capacidade do Brasil em manter o nível de

investimento, postergando a sua entrada no capital de risco no país, ou até realizando

investimentos gradualmente.

Na avaliação de Leonel (2014, p. 151), a redução de 36% de captação de recursos

por gestoras de private equity e venture capital em 2008, na comparação com os resultados de

2007, denota que a crise gerou efeitos sobre o segmento de capital de risco, mesmo que já em

2009, o volume de recursos captados já retomasse o seu crescimento, reportando uma

captação de US$ 6,1 bilhões, um aumento de 32,6% em relação ao ano anterior, porém

majoritariamente com captações de private equity voltadas a distressed assets.

No ano de maior otimismo em relação ao capital de risco no país, o BNDES

decide ampliar a sua atuação no setor com a criação do fundo CRIATEC. A iniciativa

diversificava a atuação do BNDEPAR, intensificando o seu envolvimento com o capital de

83

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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206

risco no país, passando a ter, em 2007, um fundo de investimento de capital semente voltado

para investimentos em empresas emergentes de base tecnológica.

Segundo Silva e Biagini (2015, p. 111), o aprendizado acumulado pelo BNDES

na estruturação do capital de risco no país durante 1999 e 2003, período de seus investimentos

em fundos de investimento regionais, encorajou o banco a desenvolver um novo modelo para

a sua atuação no âmbito do venture capital nacional. Mesmo tendo tido investimentos que não

trouxeram o retorno esperado e tendo de estender a duração de sua presença em alguns fundos

de investimento regionais, o banco havia identificado uma oportunidade na criação de um

fundo de investimento de capital semente voltado a empresas emergentes de base tecnológica.

Além de uma definição sobre o tipo de empresa a ser investida – empresas de

pequeno porte em seus estágios iniciais de desenvolvimento com alto potencial de

crescimento –, em razão de seus esforços em desenvolver novas tecnologias, o banco

concentrou a sua atuação em setores mais intensivos em conhecimento, como o de tecnologia

da informação, biotecnologia, novos materiais, nanotecnologia, agronegócio, dentre outros

(LEONEL, 2014, p. 151).

A construção de um fundo cumpriria algumas funções. Em primeiro lugar,

serviria como uma fonte de financiamento em estágios iniciais de desenvolvimento de

empresas de base tecnológica, suprindo uma lacuna de ofertas de recursos financeiros,

presente no financiamento de empresas no país. Em segundo lugar, o modelo do BNDES

serviria como modelo indutor da geração de oportunidades de investimento para investidores

de venture capital no país (e.g. series A e B), uma vez que ampliaria o número de empresas

preparadas para receberem o investimento de fundos no formato FIP, com exigências de

governança corporativa mais sofisticadas.

Todavia, o modelo não seria gerido pelo próprio banco ou pelo BNDESPAR. Em

2007, sob a denominação de projeto CRIATEC, foi lançado um edital de seleção para a

contratação de gestores do fundo de investimento (FMIEE), a ser criado pelo BNDES com

recursos provenientes do BNDESPAR (80%) e do Banco do Nordeste (20%), totalizando uma

captação de R$ 100 milhões. O desenho do projeto contemplava a formação de uma equipe de

gestão nacional de investimentos e sete representações regionais, tendo por objetivo investir e

acelerar o crescimento de 36 empresas de base tecnológica em pelo menos sete estados

brasileiros (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 111).

Como fundo de investimento na modalidade de capital semente, o CRIATEC I foi

concebido para ter 10 anos de duração entre a captação de recursos e o seu encerramento com

a distribuição de seus resultados, podendo ser prorrogável por mais 5 anos, tendo como tempo

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207

de investimento em empresas o período de 5 a 7 anos. Desse período, os quatro primeiros

anos foram dedicados à prospecção de investimentos e seleção de empresas, os anos

subsequentes, com empresas já investidas, foram dedicados ao monitoramento e à aceleração

do crescimento das empresas investidas, tendo como principal foco a expansão produtiva das

investidas e o desenvolvimento da distribuição comercial de seus produtos (SILVA;

BIAGINI, 2015, p. 113).

Tabela 5.4 Desembolsos do fundo CRIATEC I nas empresas investidas (em R$ milhões)

2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015

4,1 8,6 9,9 17,7 17,4 3,4 4,9 2,1

Fonte: (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 122).

As gestoras de recursos Inseed Investimentos e Antera Gestão de Recursos foram

selecionadas para conduzir as ações do primeiro fundo criado, o CRIATEC I, tendo como

principais objetivos: (i) capitalizar micro e pequenas empresas nascentes; (ii) prover apoio

gerencial adequado e próximo às empresas investidas; (iii) desenvolver gestores locais

especializados em gerenciamento de empresas inovadoras; (iv) projetar produtos

desenvolvidos localmente para o mercado nacional e, possivelmente, global; (v) promover o

mercado de investidores em capital de risco; e (vi) desenvolver empresas de alta tecnologia no

Brasil, mesmo em locais de baixa atividade econômica (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 113).

Segundo Gustavo Junqueira84

, fundador da Inseed Investimentos, o diagnóstico do

BNDES era que a criação do CRIATEC poderia servir para a construção de uma ponte entre o

mercado e a ciência. Tanto a Inseed Investimentos, quanto a Antera Gestora de Recursos

foram selecionadas para fazer a gestão dos recursos do CRIATEC I, pois apresentaram uma

proposta que tinha por diagnóstico o fato de que o conhecimento científico desenvolvido em

universidades brasileiras não tinha meios para se converter em negócio, faltando canais e

instrumentos de financiamento para aqueles pesquisadores que quisessem empreender

pudessem fazê-lo. Por essa razão, o CRIATEC tinha como propósito a transformação do

conhecimento científico mais profundo em negócios com alto potencial de crescimento.

O projeto teve continuidade nos anos seguintes com a criação do CRIATEC II, em

2013, gerido pela Bozano Investimentos, e do CRIATEC III, com a gestão da Inseed

Investimentos. Em conjunto, CRIATEC II e III captaram cerca de R$ 400 milhões, R$ 186

milhões o CRIATEC II e R$ 202,5 milhões o CRIATEC III, tendo como objetivo a realização

84

Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.

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208

de investimentos em 72 empresas de base tecnológica, divididas nas cinco regiões geográficas

do país (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 117).

Cabe ressaltar que o BNDES foi gradativamente reduzindo o seu aporte de

recursos nas edições seguintes do CRIATEC, tendo aportado R$ 62,3 milhões, seguido por

investimentos do Banco do Nordeste (R$ 30 milhões), Banco de Desenvolvimento de Minas

Gerais (R$ 10 milhões), Banco de Brasília (R$ 10 milhões), Badesul Desenvolvimento (R$ 10

milhões) e de sua própria gestora (R$ 2,3 milhões).

Mesmo com a ampliação do quadro de investidores, o perfil do parceiro de

investimento é muito similar, bancos públicos com interesse no desenvolvimento de suas

regiões a partir da ampliação do financiamento disponível para empresas de base tecnológica.

Esse perfil só se modificaria a partir da captação realizada pelo CRIATEC III, que além do

BNDESPAR contou com a participação da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais

(Fapemig), Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), Agência de Fomento do

Estado do Paraná (Fomento Paraná), da Valid S.A. (empresa privada da área de tecnologia da

informação listada na B3), de sua própria gestora, além de bancos regionais, como o Banco de

Desenvolvimento do Espírito Santo S.A., o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A.,

o Badesul e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul S.A.

Uma das principais inovações do modelo do CRIATEC foi a sua capilaridade pelo

país, dispondo não apenas de um escritório para a gestão nacional, mas, e fundamentalmente,

contanto com representantes espalhados pelo país. Essa estratégia, além de se mostrar bem-

sucedida para a ampliação de oportunidades de investimento em empresas de base

tecnológica, foram 1.847 propostas recebidas para investimentos, também permitiu que o

projeto pudesse estar próximo aos investimentos que realizou, acumulando conhecimento

sobre cenários regionais e oportunidades presentes em universidades públicas, incubadoras e

aceleradoras privadas espalhadas pelo país.

Esse conhecimento foi capaz de atrair outros gestores de fundos de venture capital

que estavam interessados em conhecer as empresas que já haviam passado pelo filtro do

projeto CRIATEC e investir naquelas em que enxergassem um alto potencial de crescimento.

Nesse sentido, o projeto CRIATEC servia como vitrine de oportunidades de investimento,

pois já contava com o processo de prospecção realizado pelo fundo de capital semente, e já

contava com empresas preparadas para receber investimentos, tendo em vista que tais

esforços já haviam sido realizados durante os aportes do CRIATEC I.

Além disso, os gestores do CRIATEC I também auxiliavam suas empresas

investidas na obtenção de recursos para o financiamento de suas atividades em outras fontes,

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209

desde investidores de venture capital, passando por programas governamentais de fomento

até o financiamento por meio da emissão de dívidas de longo prazo como, por exemplo, pela

emissão de debêntures (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 123). Nota-se, também, que o papel do

CRIATEC extrapola a oferta de recursos financeiros para o financiamento de empresas

nascentes de base tecnológica, alcançando diversas dimensões da trajetória de crescimento da

empresa investida. Essa postura de auxílio e orientação permaneceu como marca do projeto

em suas versões 2 e 3. Tal como foi o caso da Inseed Investimentos.

Segundo Gustavo Junqueira85

, a participação da gestora no CRIATEC I permitiu

que ela pudesse construir um histórico de investimentos e organizar captações junto a outras

fontes de recursos para ampliar a sua atuação no âmbito do venture capital no país. Além

disso, a gestora voltou a participar e foi selecionada para gerir os recursos do CRIATEC III,

intensificando sua atuação no âmbito do capital semente no país.

Gráfico 5.3 Recursos captados pelas empresas investidas pelo fundo CRIATEC I

Fonte: (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 124).

Ao lado do BNDES, a Finep desempenhou um papel relevante na atração de

investidores e na formação de fundos de investimento com capital estrangeiro. Em 2010, a

Burrill & Company gestora de fundos estadunidense, com forte atuação com capital semente e

venture capital no Vale do Silício, constituiu o Fundo Burrill Brasil 1, um FIP dedicado às

áreas de biotecnologia e ciências da vida (LEONEL, 2014, p. 153).

Observa-se que a constituição do fundo contou com recursos públicos e privados.

Do lado público, o fundo captou junto ao Fundo de Pensão da Caixa Econômica Federal

(FUNCEF), da FINEP e da Agência Estadual de Fomento do Estado do Rio de Janeiro

85

Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.

28

32

20

0 5 10 15 20 25 30 35

Coinvestimento

Subvenção

Financiamento de longo prazo

R$ milhões

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210

(AgeRio). Do lado privado, foram obtidos recursos do Multilateral Investment Fund (braço de

investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID), da Monsanto, Novartis

Venture Funds, Procter & Gamble, dentre outras empresas. No total foram levantados US$

125 milhões para investimentos no país (LEONEL, 2014, p. 153).

Em 2011, outros investidores estadunidenses ingressaram no país para a

realização de investimentos de venture capital, cabendo mencionar a Accel Partners e o

Redpoint pelos aportes realizados. Porém, diferente da Burrill & Company, essas

organizações não constituíram fundos de investimento no Brasil para a realização de

investimentos, optando pelo uso de seus veículos de investimento (offshores) localizados fora

do país (e.g. Ilhas Cayman).

Segundo Leonel (2014, p. 154), havia a percepção de algumas gestoras de capitais

estrangeiras de que o uso de offshores localizadas em países com incentivos tributários, como

as Ilhas Cayman, confeririam maior flexibilidade e agilidade para investimentos, além de um

custo menor às operações como um todo. Ao mesmo tempo, a não constituição de fundos

locais também ofereceria às gestoras de capital um tempo para ambientação e familiarização

ao ambiente jurídico-institucional para investimentos no Brasil.

Além de uma estrutura offshore, alguns investidores estrangeiros também

passaram a solicitar das empresas investidas a constituição de uma empresa espelho para a

empresa investida em território estrangeiro geralmente em Delaware, estado dos Estados

Unidos da América. Segundo André Kabbani86

, da Bossa Investimentos, a prática de

constituição de uma empresa espelho fora do território brasileiro servia como forma de

facilitar o aporte de recursos entre o investidor e a empresa investida, e em certa medida

facilitar o processo de internacionalização da empresa investida, que em um determinado

momento indicaria a empresa localizada fora do país como sede, e a empresa localizada no

Brasil como filial.

Em estudo87

realizado pela KPMG (2013, p. 8), o volume de recursos

comprometido com investimentos de private equity e venture capital no país passou de R$ 9,7

bilhões para R$ 52,7 bilhões entre 2011 e 2012. Crescimento significativo que contou com

pouco mais da metade dos recursos vindos de investidores estrangeiros, contudo, também foi

fortemente influenciado pela atuação de fundos de pensão nacionais (KPMG, 2013, p. 9).

86

KABBANI, André. Entrevista realizada em 14.03.2019. 87

O estudo foi realizado junto a 90 gestores de recursos de capital nacionais e estrangeiros, mediante coleta de

dados entre os anos de 2012 e 2013. Os dados coletados tiveram como origem o sistema da ABVCAPData,

informações reportadas pelos próprios gestores e informações públicas disponíveis em outras pesquisas sobre o

setor. Foram feitas solicitações para os gestores no sentido de destacar dados sobre o capital comprometido para

investimentos no Brasil, investimentos realizados e desinvestimentos feitos no país (KPMG, 2013, p. 5).

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211

Proporcionalmente, a participação do venture capital em comparação ao private

equity é pequena. Segundo a KPMG (2013, p. 11), a participação do venture capital no

volume de recursos captados para investimento foi de 2,6%, em 2011; 3,5%, em 2012; e 4%,

em 2013, tendo a modalidade private equity registrado participações de 92,5%, em 2011;

88,3%, em 2012; e 92,1%, em 2013.

Mesmo com o crescimento do venture capital entre os anos de 2011 e 2013, a sua

participação não despontava em volume de investimentos. Embora fosse natural que, em

volume de recursos captados, a modalidade ficasse atrás do private equity, desse modo, a

distância entre as duas no período foi significativa se comparada com a média em outros

países (KPMG, 2013, p. 11).

Parte da explicação dessa distância está nos mercados que receberam mais

investimentos no período. Em 2011, o setor de infraestrutura (12,5%), saúde/farmácia

(11,9%) e óleo/gás (10%), foram os segmentos com maior volume de investimentos

registrados por fundos de private equity e venture capital. Em 2012, o setor de varejo

(21,8%), óleo/gás (13,3%) e construção civil/imobiliário (12,6%) foram os que tiveram maior

aporte de recursos (KPMG, 2013, p. 7).

Como o próprio estudo ressalta, os setores com maiores investimentos são

influenciados pela modalidade de investimento com maiores recursos disponíveis, no caso do

estudo o private equity. Além disso, o cenário político econômico do país também favorecia

investimentos na área de infraestrutura e de óleo/gás, tendo diversos fundos migrado para

investir nestes setores.

Segundo Leonel (2014, p. 156), há uma tendência no Brasil de que tanto os

investimentos de private equity, quanto os de venture capital se concentram em setores menos

intensivos em conhecimento (e.g. infraestrutura e varejo). Para a autora, mesmo com a

presença de gestoras de capital estrangeira com foco em empresas de base tecnológica (e.g.

Burrill & Company, Redpoint, Accel Partners), o cenário de capital de risco no país ainda

permanecia pouco voltado a setores intensivos em conhecimento.

Em estudo88

realizado pelo Global Entrepreneurship Lab do Massachusetts

Institute of Technology (MIT) em 2013, o cenário brasileiro de venture capital foi descrito

88

O estudo foi elaborado a pedido da gestora de fundos Ideiasnet e contou com a participação de outras 21

gestoras de capital com atuação em venture capital. Além de entrevistas e aplicação de questionários, a pesquisa

contou com dados secundários obtidos a partir de publicações sobre o setor, artigos acadêmicos sobre o mercado

nacional de investimentos e contribuições de outros atores (e.g. aceleradoras). Seu principal objetivo era a

construção de uma descrição sobre o ecossistema de venture capital no país, em 2013, e a elaboração de cenários

futuros de evolução desse ecossistema nos próximos cinco a dez anos (MIT, 2013, p. 3).

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212

como promissor em oportunidades de investimento e de forte inspiração no modelo de limited

partnership criado no Vale do Silício (MIT, 2013, p. 5).

Como características do que o estudo chamou de ecossistema de venture capital

presente no país, cabe a menção ao conjunto de características traçado pelo estudo: (i) forte

presença governamental no fomento do setor, atuando desde a oferta de capital até o aporte de

recursos em empresas de base tecnológica; (ii) crescente ingresso de investidores

estrangeiros, majoritariamente estadunidenses; (iii) concentração de investimentos em

empresas de internet.- internet-enabled companies; e (iv) foco em modelos de negócio que já

se provaram (e.g. comércio eletrônico, plataformas digitais, marketplaces etc.).

A descrição apresentada corrobora com o diagnóstico presente em outros estudos

sobre a trajetória do venture capital no país. Porém, a pesquisa realizada pelo Global

Entrepreneurship Lab é a primeira a explorar qual o perfil de empresas que recebem

investimentos no país e como este perfil é capaz de ilustrar parte das características do venture

capital no Brasil. Sobre o perfil, destacam-se as empresas ligadas à tecnologia da informação,

em especial aos negócios de internet, e que apresentam modelos de negócio que já se

provaram, mercados que possuem correspondentes de sucesso em outros países.

Essa preferência por empresas na área de tecnologia da informação evidencia que

até 2013, na avaliação do Global Entrepreneurship Lab, os investimentos de venture capital

no país buscavam um padrão de inovação de caráter incremental, e não com características

radicais, por exemplo, com a criação de novos mercados. O relatório ressalta que a escolha

por modelos de negócio que já tenham se provado não significa que os investimentos se

concentrassem em copycats, ou imitações de modelos de negócio que prosperaram no exterior

e eram trazidos em sua integralidade para o país. Haviam adaptações realizadas no país, por

parte das empresas investidas, que não permitem chama-las de imitações. Contudo, a

referência de empresas com modelos similares e mercados já testados estiveram presentes em

vários investimentos à época (MIT, 2013, p. 5).

Além disso, segundo o estudo (MIT, 2013, p. 5), algumas características do

mercado brasileiro contribuíram para que os investimentos tivessem se concentrado em

empresas de internet ao longo dos anos. Dentre as características, ele ressalta o crescimento

de uma classe média integrada com dispositivos digitais conectados, o crescimento na

presença de smartphones e serviços de provimento de internet no país e um significativo

espaço para o crescimento de serviços de internet banda larga. Fatores que em conjunto

seriam capazes de formar uma massa crítica suficiente para um mercado consumidor de

serviços que garantisse o crescimento acelerado de empresas nascentes ligadas ao setor.

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213

Ademais, um dos principais entraves apontados para o desenvolvimento do

ecossistema de venture capital no país foi a limitação de alternativas de saída dos

investimentos realizados (MIT, 2013, p. 6). A ausência de um histórico amplo de saídas bem-

sucedidas associada à dificuldade de realização de abertura de capital em bolsa de valores

para empresas investidas por FMIEE e FIPs criou um ambiente de incertezas quanto ao

desinvestimento no país. Mesmo com a perspectiva de que em determinados setores a saída de

investimento via venda estratégica não só seria possível, como também provável, eram ainda

poucos os casos de um investidor que fosse capaz de construir mais de um ciclo de

investimentos e desinvestimentos em que o sucesso de investimentos no passado fomentasse

novas captações de recursos no futuro. Foram poucas gestoras de recursos capazes de realizar

2 ou 3 ciclos no país, destacando-se a CRP Companhia e Participações.

Ao lado da limitação de alternativas de saída, o estudo aponta para o que chamou

de fricções locais ou fatores institucionais que obstaculizariam o crescimento e a

diversificação dos investimentos no país (MIT, 2013, p. 6). Esses fatores seriam: (i) a

presença de um complexo regime tributário; (ii) regulação restritiva para empresas; (iii)

rigidez no mercado de trabalho; e (iv) burocracia ineficiente e pouco responsiva.

Essas fricções locais teriam duas consequências na época, reduziriam a disposição

de se investir no país na modalidade de venture capital, bem como influenciariam as decisões

de investimento daqueles dispostos a investir, incluído os custos associados a essas fricções

em seu cálculo para o aporte de recursos em empresas no país.

A complexidade do sistema tributário brasileiro se materializaria não apenas pelo

número de normas tributárias no país, como também por dificuldades relacionadas à

apuração, lançamentos e formas de pagamento de tributos. Porém, o relatório não traz uma

explicação sobre como essa estrutura condiciona ou influencia as organizações de venture

capital para além de serem tratadas como custos relacionados às operações realizadas no

Brasil.

A criação do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das

Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) por meio da Lei n.º 9.317/96 em

1996 serviu de auxílio para a simplificação da apuração e para o pagamento de tributos,

contudo, não alcançou empresas de porte médio, muitas delas capazes de receber

investimentos de venture capital. Além disso, a complexidade do sistema tributário extrapola

o debate sobre investimentos, alcançando diversas dimensões da vida social, não sendo objeto

específico desta reflexão.

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214

A própria minirreforma fiscal promovida pela Medida Provisória n.º 66/02,

convertida na Lei n.º 10.637/02, que previa a possibilidade de empresas realizarem deduções

fiscais de gastos operacionais realizados em atividades pesquisa e desenvolvimento

tecnológico, não foi suficiente para mudar o comportamento de investidores de venture

capital no país, concentrados em setores de menor intensidade em conhecimento.

Ademais, a minirreforma ainda previa a possibilidade de exclusão da totalidade

dos gastos realizados por empresas que se convertessem no depósito de patentes a ser

realizado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e em pelo menos outra

jurisdição fora do país como, por exemplo, o European Patent Office, Japan Patent Office ou

o United States Patent and Trade Mark Office (CORDER; SALLES-FILHO, 2004, p. 148).

Todavia, como se notou ao longo dos anos, esse incentivo também foi se

deteriorando com o crescimento do backlog de patentes no país, tornando o depósito de

patentes próximo da irrelevância para muitos investidores de venture capital, uma vez que o

tempo médio de seu ciclo de investimento é, em média, menor do que o tempo médio de

duração da análise de pedidos de concessão de patentes no INPI.

Outro debate trazido pelo estudo do MIT, sobre a rigidez do mercado de trabalho,

ainda é uma questão controversa no país. De um lado, argumenta-se que não há rigidez, mas

sim uma construção histórica de direitos que almeja a proteção do trabalhador e a concessão

de garantias mínimas para que este possa realizar o seu trabalho de forma digna. De outro,

argumenta-se que há um excesso de garantias ao trabalhador que tornam o custo de sua

contratação alto e a sua demissão custosa e de difícil operação no país, incentivando empresas

a contratar profissionais em regimes precários, como o da prestação de serviços.

Sem dúvida o problema afeta a empresa de base tecnológica e, em muitos casos,

será objeto de solicitação de adequação por parte do fundo de investimento interessado em

aportar recursos na empresa, contudo, em nossa visão não há uma relação direta entre o

ecossistema de venture capital e o debate sobre a rigidez do mercado de trabalho brasileiro.

Isto porque, é comum que na fase de seleção de empresas para investimento haja a realização

de auditorias e estudos de avaliação de riscos econômicos e jurídicos. A contratação em

regimes precários é vista como um risco de potencial processo judicial e, por isso, são

evitadas por parte de investidores.

Gilberto Ribeiro89

, da Vox Capital, Robert E. Binder90

, da Antera Gestão de

Recursos, e Clovis Meurer91

, da CRP Companhia e Participações, comentaram em suas

89

Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019. 90

Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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215

entrevistas que todos os seus investimentos incluem a realização de auditorias (due diligence)

com diversas dimensões, dentre elas a dimensão jurídica de readequação de regimes de

contratação. É comum para a realização de investimentos que contratos de prestação de

serviços sejam substituídos por contratos de trabalho, reduzindo os riscos de passivos

trabalhistas no futuro derivados de ações judiciais.

O terceiro aspecto tratado no estudo são os obstáculos à atividade empresarial no

Brasil. Em nossa visão, esse debate se confunde com a discussão sobre a ineficiência e baixa

capacidade de responder em tempo hábil por parte da burocracia estatal. No âmbito dos

investimentos de venture capital realizados no país, dois casos se destacam, o tempo de

abertura, o de realização de modificações em documentos de empresas no Brasil, e o tempo de

espera para a obtenção de patentes.

Restrições na regulação de empresas são mencionadas a partir de três momentos

da vida empresarial, a criação de empresas, a modificação de seus documentos e o

encerramento de suas atividades. Mesmo que o relatório não trate detalhadamentede tais

restrições, a série de estudos Doing Busisness produzida pelo Banco Mundial, desde 2002,

tem criado alguns parâmetros para a avaliação de ambientes de negócio, dentre eles o tempo

de abertura e encerramento de empresas, o número de procedimentos necessários, e o custo

dos procedimentos têm servido de base comparativa entre os países. Em 2013, por exemplo, o

Brasil não figurava entre os priores países no que tange ao número de procedimentos e no

custo de abertura de uma empresa, contudo, era um dos países de maior demora para abertura

de empresas (WB, 2013, p. 59).

Tabela 5.5 Prazo médio para a abertura de empresas (dias) em diversos países

Tempo de Abertura de Empresa (Dias)

Rápido Lento

Nova Zelândia 1 Zimbábue 90

Austrália 2 Laos 92

Geórgia 2 Timor-leste 94

Macedônia 2 Brunei 101

Hong Kong (China) 3 Haiti 105

Ruanda 3 Brasil 119

Cingapura 3 Guiné Equatorial 135

Albânia 4 Venezuela 144

Bélgica 4 República do Congo 161

Canadá 5 Suriname 694

Fonte: (WB, 2013, p. 59).

91

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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216

Ao lado do tempo para a abertura de empresas, o Brasil também figura entre os

países em que a realização de alterações de documentos relevantes para as atividades da

empresa (e.g. estatuto social) é morosa. Mesmo considerando que há cenários em que a

complexidade de uma operação societária demandaria uma análise mais cuidadosa, que

exigisse maior tempo para o exame, elas representariam a minoria das operações na atividade

empresarial brasileira. Muitas alterações se referem a mudanças típicas do cotidiano da

empresa (e.g. mudança de endereço), fatores de baixa complexidade, que passam a fazer parte

de uma fila comum que congrega atos de baixa complexidade e de alta complexidade.

No relatório Doing Business de 2016, o Brasil ainda figurava como um dos países

em que a abertura e a realização de modificações em documentos da empresa eram descritas

como as de maior demora. Porém, mesmo que os números absolutos não sejam bons, a

redução do tempo para a abertura de empresas é digna de nota. Em 2015, o Brasil registrou o

prazo médio de 83 dias para a abertura de empresas, redução significativa se comparada com

os 119 dias registrados em 2013 (WB, 2016, p. 190); esse resultado aponta para uma melhora

no ambiente empresarial, mesmo que o cenário descrito ainda esteja longe do esperado.

Um contexto muito diferente deste é o da demora na análise de pedidos de

patentes realizados pelo INPI. O backlog, acúmulo de trabalho ou de pedidos sem análise por

parte de agentes públicos (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 172), no campo das

patentes, tem atingido níveis de demora crescentes. A análise de pedidos realizados por

indivíduos e empresas tinha como prazo de duração médio, em 2003, cerca de 7 anos. Em

2013, este prazo aumentou para 10,8 anos e, em 2018, alcançou 14 anos.

Diferente da situação de gradativa melhora no contexto de registros empresariais,

o backlog de patentes só se agrava no país. A demora crônica na análise dos pedidos gera no

âmbito de investimentos duas consequências: (i) a não incorporação de novas tecnologias

como parte do patrimônio da EBT no momento de investimento por um fundo, uma vez que

estas não terão uma proteção jurídica frente a cópias de terceiros; e (ii) a formação de uma

preferência por mercados em que EBTs não necessitem da proteção por patentes (e.g.

tecnologia da informação e agricultura), podendo obter proteção jurídica pelo regime de

direitos autorais ou da proteção aos cultivá-los.

No primeiro caso, a demora excessiva faz com que investidores não incorporem o

valor da tecnologia em seu investimento. Segundo o art. 40 da Lei n.º 9.279/96 (Lei de

Propriedade Industrial), o prazo concedido pelo Estado brasileiro para a exploração de

patentes é de 15 anos para patentes de modelo de utilidade, e 20 anos para patentes de

invenção.

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217

No cálculo do investidor de venture capital, não parece fazer sentido pagar por

uma tecnologia que poderá ser explorada por 15 ou 20 anos se o tempo de demora para a

concessão do certificado que ateste esta possibilidade demorará 14 anos para ser obtido. Além

disso, cabe ressaltar que o prazo de duração médio de um FIP é de 10 anos – fato que

corrobora com a tendência de fundos não quererem incorporar em seus investimentos o valor

que uma patente poderia ter se fosse concedida à EBT.

Em entrevista realizada com Liane E. C. Lage92

, a Diretora de Patentes,

Programas de Computador e Circuitos Integrados do INPI explica que o problema de backlog

de patentes se revela a partir de diversas causas. A primeira é a de falta de examinadores em

quantidade suficiente para atender a demanda de pedidos. A segunda é a redução no número

de examinadores ano a ano em razão de suas aposentadorias, sem, contudo, uma autorização

para a realização de concursos para substituir os que se aposentam. A terceira é a dificuldade

de atração de profissionais com especialização nas áreas de maior demanda. Não basta a

contratação de um engenheiro civil como examinador para a análise de pedidos na área de

telecomunicações, por exemplo.

Segundo a diretora, nos dois últimos anos houve uma queda de cerca de 30% no

número médio de pedidos de depósito de patentes no INPI. Esta queda não pode ser

relacionada apenas ao crescimento do backlog, contudo, na percepção da diretora, a demora

na análise contribuiu para que empresas e inventores não tenham buscado o depósito com a

mesma intensidade que no passado. Para Liane E. C. Lage, estamos vendo um processo de

deterioração da patente, como um instrumento jurídico de proteção às soluções de ordem

tecnológica, que, mesmo disponível, perde a sua relevância para os investidores de empresas

de base tecnológica.

Acrescente-se o fato de que não são todas as tecnologias que necessitam da

proteção jurídica por meio de patentes, destacando-se os mercados de tecnologia da

informação, em que a proteção jurídica ocorre por meio do direito autoral e não há nenhuma

certificação necessária para conferir a propriedade sobre um software, por exemplo; e o de

agricultura, em que a proteção se dá por meio do certificado de proteção de cultivo, e para a

proteção de novas criações de variedade ou espécie vegetal. Nesses mercados, a proteção

jurídica oferecida provê maiores facilidades para ser incorporada na avaliação realizada pelo

investidor no âmbito de seu investimento, tendo mais chances de incorporar o preço pago para

a compra de participação na EBT.

92

Liane E. C. Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.

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218

Exploraremos, no próximo capítulo, com mais detalhes, as razões de dois dos

problemas apontados pelo estudo do MIT, a limitação das alternativas de saída ao

investimento de venture capital e o problema da ineficiência e baixo poder de resposta da

burocracia estatal, cuidando do caso específico do backlog de patentes no INPI. Além de

explorar as questões presentes nos problemas mencionados, discutiremos também como eles

influenciam o comportamento de investidores no país, moldando o que chamamos de venture

capital à brasileira.

Na avaliação do MIT (2013, p. 7), o ambiente para investimentos de venture

capital no Brasil apresenta potencial para crescimento, contudo, é um ambiente frágil, que

rapidamente pode esvaziar seu crescimento. O Global Entrepreneurship Lab reconheceu que

há um interesse por parte de investidores estrangeiros em aportar recursos em EBTs

brasileiras, contudo, a preferência é a de investir com um parceiro local, com uma busca

particular por organizações públicas, como a FINEP ou o BNDES.

Mesmo tendo adotado o modelo de limited partnership para fins de investimento,

o venture capital brasileiro teve de se adaptar ao seu contexto local, em especial aos cenários

ligados ao seu arcabouço jurídico na área empresarial, por exemplo, ao baixo poder de

resposta de sua burocracia estatal e ao contexto de pouca liquidez de sua bolsa de valores

(MIT, 2013, p. 8). Por essas razões, o Global Entrepreneurship Lab sugeriu a realização de

algumas reformas jurídico-institucionais, apresentadas na tabela abaixo:

Tabela 5.6 Formas potenciais de aprimorar a atração de investimentos no ambiente de negócios no Brasil

baseado na experiência de outros mercados

Política Pública (Policy) Reforma Sugerida

Ambiente de negócios Reestruturação do regime jurídico de falência de

empresas, de modo a permitir que empreendedores

possam rapidamente iniciar novas empresas quando

fracassarem em projetos anteriores.

Reduzir o número de tributos que

empreendedores têm de pagar no início de suas

operações como empresários, e facilitar a constituição de

empresas no país.

Financiamento internacional Melhorar as condições do mercado de capitais no

país.

Redução de barreiras administrativas e jurídicas

para a formação de veículos de investimento com

características próprias de venture capital.

Equiparar a proteção jurídica de investidores

locais para os fundos estrangeiros com atuação no país.

Regime trabalhista Reduzir a rigidez do mercado de trabalho (e.g.

reduzir o custo da demissão).

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219

Encorajar o ingresso de mão de obra estrangeira

com formação em áreas tecnológicas em empresas de

base tecnológica no país.

Alterar a forma de proteção no contexto do

desemprego: tornar mais fácil a demissão e mais forte o

apoio ao desempregado.

Propriedade Intelectual Fortalecer as entidades de proteção à propriedade

industrial e à proteção autoral.

Criar uma proteção jurídica para violações no

uso não autorizado de dados de empresas de base

tecnológica.

Desenvolver estruturas jurídicas para garantir o

cumprimento dos contratos e um sistema facilitado e

rápido de análise de disputas envolvendo patentes e

contratos ligados à tecnologia. Fonte: (MIT, 2013, p. 9).

Nota-se que as recomendações transitam entre sugestões de reformas mais amplas

(e.g. melhorar as condições do mercado de capitais brasileiro) e reformas mais específicas

(e.g. criar uma proteção para violações no uso não autorizado de dados de EBTs). Além disso,

há traços presentes nas recomendações de uma visão liberal de economia, reforçando esta

perspectiva como a mais adequada para atração de investimentos. A menção às

recomendações não nos servirá como receita para o que deveria ter sido feito no país, mas sim

como leitura útil sobre quais críticas eram apresentadas ao ambiente jurídico-institucional

disponível para investimentos de venture capital no Brasil em 2013.

No congresso da ABVCAP de abril de 201493

, Robert E. Binder, sócio da Antera

Investimentos e gestor do CRIATEC I afirmou que o capital de risco no Brasil surge de forma

invertida, primeiro com a formação e consolidação do private equity, depois com as tentativas

de construção de investimentos de venture capital e capital semente, e só no final com o

surgimento de investidores anjo e aceleradoras.

Para o gestor, a inovação estava presente nas universidades, mas o processo de

transformação de cientistas-pesquisadores em empreendedores-empresários era um desafio

muito grande, ainda não resolvido no país. Para ele, os elos entre empresa e investidores não

estão bem construídos no ambiente jurídico-institucional brasileiro, bem como a própria

cooperação entre os diversos investidores durante o crescimento da empresa de base

tecnológica.

93

O congresso de private equity e venture capital organizado pela ABVCAP contou com a participação de

diversas gestoras de fundos de investimento, tendo recolhido impressões e diagnósticos do ambiente jurídico

institucional brasileiro. Na ocasião, a associação registrou as falas de gestores em sua cobertura do evento,

destacando as mais específicas ao setor. Disponível no endereço: <https://www.abvcap.com.br/sala-de-

imprensa/noticias-abvcap.aspx?id=2734>. Último acesso: 10.12.2018.

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220

Além disso, em entrevista, Robert E. Binder94

comenta que o discurso sobre a

importância do fracasso do empreendedor não condiz com a forma como a sociedade

brasileira enxerga a falência de negócios. Segundo o gestor, o discurso público vigente é que é

positivo para o empreendedor ter acumulado experiência em empresas que fracassaram no seu

passado, que a falência de empresas é sinal de ganho de experiência e maturidade, que ele

estará mais preparado se tiver estes episódios em seu currículo. Binder reforça também que o

discurso não se observa na prática: o passivo de dívidas que a falência de uma empresa pode

trazer para empreendedores, a imagem do fracasso que pode desencorajar a celebração de

contratos com fornecedores e até instituições financeiras que podem dificultar a abertura de

contas e a realização de operações financeiras, são alguns dos aspectos que constituem o que

ele chamou de herança maldita do fracasso de empreendedores.

Na visão do investidor, mesmo com uma mudança na legislação de recuperação

judicial e falências, como proposto pelo MIT, dificilmente o comportamento de agentes

econômicos diante do fracasso de empreendedores no passado seria alterado. Em sua

percepção, o discurso de incentivo ao fracasso, muito popular nos Estados Unidos, não teria

correspondência na realidade cultural brasileira, encontrando limitações nas relações

comerciais que circundam a empresa investida, em especial nas áreas financeiras e na relação

com fornecedores.

Isso não significa que investidores de capital de risco irão incorporar aos seus

processos de seleção de empresas para investimento, um campo no qual o fracasso de projetos

no passado pode servir como desestímulo para o investimento no presente. Na visão do

investidor, há muitos agentes do capital de risco que enxergam positivamente o fracasso e o

consideram um aspecto positivo sobre o empreendedor. Todavia, ao realizar as suas auditorias

para um investimento, as dívidas do passado podem servir de desestímulo.

Interessante notar que mesmo que as propostas de mudança sugeridas do MIT não

tenham sido contempladas, em um levantamento realizado pela KPMG (2015, p. 11), o ano de

2014, foi marcado como o da captação de recursos por parte de fundos de investimento.

Gestoras de capital de risco buscaram avaliar o histórico de seus investimentos passados e

prospectar novos mercados para investimentos no país, formulando novas teses de

investimento para a captação de recursos junto aos investidores.

Além disso, o relatório ressalta que a instabilidade no cenário político e

econômico e incertezas ligadas ao processo eleitoral fizeram com que o ano também tenha

94

Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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221

sido marcado por um nível muito baixo de investimentos por parte de fundos, concentrados

em ações de levantamento de recursos, aguardando o novo governo assumir em 2015.

Em 2015, a KPMG (2015, p. 11) descreve uma mudança de comportamento por

parte de fundos de investimento. Esse foi um ano de aumento no volume de transações

realizadas em empresas emergentes (tecnológicas ou não), mesmo em um contexto de

valorização do dólar perante o real. Segundo o levantamento da consultoria (KPMG, 2015, p.

12), o volume de capital de fundos de investimento comprometidos em empresas aumentou

em relação a 2014, contudo, a participação do venture capital no volume de investimentos

totais realizados ainda permaneceu muito pequena.

Na análise de capital por modalidade de investimento em 2015, o levantamento da

KPMG (2015, p. 12) aponta que apenas 3,5% de todo o capital comprometido no âmbito do

capital de risco foram destinados ao venture capital, tendo o private equity ficado com 96,5%

restantes. Se considerado o capital disponível para investimentos e para despesas, o venture

capital representou apenas 4,4% do montante geral, enquanto o private equity representou

95,6%. Essa disparidade entre as duas modalidades permanece como uma característica do

capital de risco no país, mesmo com diversos esforços para o crescimento do venture capital

no país.

Todavia, se em capital aportado o venture capital ainda demonstra uma

participação pequena, em quantidade de empresas investidas a modalidade é bastante

representativa. Em 2015, do total de empresas que receberam aportes de capital de risco,

60,4% foram feitos por venture capital, enquanto 39,6% por private equity.

Não há dados no levantamento realizado pela mesma consultoria, em 2013, que

nos permita compará-los, porém, a diferença em número de empresas investidas já reforça

uma das características do venture capital em investir em um grande número de empresas e

esperar que uma delas se destaque e cresça muito rapidamente, compensando os demais

investimentos que não prosperaram e remunerando seus investidores.

Uma mudança entre 2013 e 2015 ocorreu nos setores com maior volume de

investimentos por capital de risco. Em 2013, os setores com maior volume de capitais

aportados eram os setores de óleo/gás (38%), logística e transporte (12%). Em 2015, o setor

da saúde (38%) assumiu a liderança no âmbito da aplicação de recursos, seguido pelo setor de

educação (12%). O crescimento do setor de saúde se justifica pela alteração no texto do art.

23 da Lei 8.080/90, que cuida da organização e funcionamento de prestadoras de serviços de

saúde no Brasil. O artigo foi alterado pela Lei 13.097 em 2015, permitindo que investimentos

estrangeiros pudessem ser realizados em prestadoras de serviço de saúde no país.

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222

Dessa forma, investidores estrangeiros poderiam participar do capital social de

empresas brasileiras da área da saúde, como produtores de medicamentos, distribuidores de

medicamentos, hospitais, clínicas médicas, laboratório de exames, dentre outras. Esta

participação, inclusive, poderia ser majoritária, seja ingressando diretamente como sócia ou

indiretamente por meio de investimentos de fundos de investimento criados para investir no

setor.

Antes da mudança, investimentos estrangeiros em empresas da área de saúde eram

restringidos pela legislação. O setor era visto como estratégico para o país e havia

preocupações com questões de acesso a medicamentos e serviços de saúde que serviriam de

justificativa para a permanência destes limites ao ingresso do capital estrangeiro. A partir da

mudança, os gestores entrevistados pela KPMG (2015, p. 20) apontaram que surgiram muitas

oportunidades, em especial para a aquisição de participações em redes de hospitais e de

empresas prestadoras de serviços laboratoriais no Brasil.

Nota-se pela descrição da percepção dos entrevistados que os investimentos

realizados, mesmo que em um setor mais intensivo em conhecimento, não se voltaram para

aportar recursos em empresas de base tecnológica brasileiras, em um setor chamado

healthtech. Concentrou-se em investimentos na modalidade de private equity, que buscavam

oportunidades em empresas de grande porte com problemas (e.g. gestão), capazes de, ao

receber investimentos, se reestruturar e voltar a crescer.

Contudo, se os investimentos em healthtech não aconteceram em 2015, com a

mudança na legislação, a disponibilidade de capital para investimentos na área da saúde foi

importante para os aportes mais significativos neste setor acontecerem em 2017, tendo como

principal destaque o aporte de R$ 3,5 milhões na empresa Portal do Médico95

, uma plataforma

digital de comercialização de produtos de saúde, realizado pela Kick Ventures, gestora de

fundos de investimento que atua nas áreas de tecnologia em saúde e educação.

Outro dado que chama atenção é o registro da percepção dos gestores

entrevistados pelo estudo de que o nível de preparo de empreendedores e de empresas estava

melhor se comparado com anos anteriores, ampliando a oferta de empresas capazes de receber

seus investimentos. A partir de esforços de incubadoras, aceleradoras, políticas públicas de

capacitação (e.g. programa Startup Brasil da Apex), startups participantes, muitas delas

EBTs, ampliaram a sua profissionalização interna, estrutura de governança e de cumprimento

95

Para obter mais informações sobre o investimento realizado pela Kicks Ventures na empresa Portal do

Médico, consulte: <https://startupi.com.br/2017/06/startup-de-saude-capta-r35-milhoes-e-planeja-estar-presente-

em-100-cidades-ate-o-fim-de-2017/>. Último acesso: 06.01.2019.

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223

das normas jurídicas do país (e.g. formalização de relações de trabalho), de modo a tornar

mais fácil o aporte de recursos por parte de fundos de investimento.

Nas entrevistas concedidas, todos os investidores concordaram com a noção de

que os esforços recentes de aceleradoras, incubadoras e políticas públicas de capacitação do

Sebrae e, especialmente, da FINEP contribuíram para a melhora das apresentações de

propostas de negócios e para a estruturação e profissionalização de empresas de base

tecnológica no país.

Contudo, a percepção da necessidade de reformas para a melhora do ambiente de

investimentos permaneceu uma lacuna no entendimento dos investidores entrevistados pela

KPMG (2015), pois, mesmo com a melhora no nível de preparo das empresas, já se iniciavam

debates para a realização de modificações na regulamentação dos fundos de investimento e

participações, bem como para a melhora no ambiente de investimento no país, em especial do

investimento anjo. Esta busca por reformas no setor permanecerá como um traço importante

para os anos mais recentes.

5.5 Mudanças no ambiente regulatório e a permanência de velhos problemas: 2016 –

2018

O período de 2016 a 2018 foi marcado por mudanças importantes no ambiente

regulatório que envolve o venture capital no Brasil. Dentre as mudanças, duas delas foram as

mais significativas no ambiente de investimentos, a edição da Instrução CVM n.º 578/2016,

alterando as regras que regulam os fundos de investimento e participações, e a promulgação

da Lei n.º 13.243/16, que alterou diversas normas que cuidavam da atividade científica e do

desenvolvimento tecnológico no país por meio de parcerias e criação de empresas.

Essas alterações no ambiente regulatório, contudo, serviram como aprimoramento

dos modelos existentes, não enfrentando desafios antigos presentes no país, em especial

atrasos crônicos da burocracia estatal nacional e limitações à saída de investimentos via

abertura de capital. Se, por um lado, as mudanças podem ser encaradas como um avanço no

fortalecimento dos instrumentos para a boa articulação entre ciência, desenvolvimento

tecnológico e investimento empresarial; por outro lado, as mudanças não deram conta de

superar problemas permanentes no contexto nacional.

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224

No estudo realizado pelo Dínamo96

(2018, p. 13), sobre o ambiente regulatório

brasileiro para investimentos em startups, aponta-se que os formatos jurídicos disponíveis

para estas empresas não contemplam as necessidades de mudanças constantes e ágeis que o

seu crescimento acentuado exige. Na visão da entidade, empresas com alto potencial de

crescimento precisam de estruturas jurídicas adequadas e de uma burocracia estatal responsiva

que sejam capazes de facilitar o seu crescimento por meio de um ciclo de investimentos

realizados por atores de diversos perfis (e.g. investidores anjo, capital semente, venture

capital etc.). No Brasil, as estruturas jurídicas ágeis disponíveis (e.g. regime de

microempreendedor individual) servem à empresa em seus momentos iniciais, tendo limites

de tamanho e governança, e as estruturas de melhor governança (e.g. sociedade anônima) não

apresentam grau de agilidade suficiente para a realização de mudanças com o ingresso ou

saídas de investidores.

No Brasil, a forma mais utilizada por startups, incluindo as EBTs, é a de

sociedade limitada (DÍNAMO, 2018, p. 12). Conforme a empresa cresce, recebe

investimentos e expande suas atividades, criam-se demandas por estruturas mais complexas

de tomada de decisão, prestação de contas, planejamento de atividades, de estrutura

organizacional, dentre outras. Neste momento, é comum que a startup seja transformada em

uma sociedade anônima, uma estrutura jurídica que oferece um conjunto mais amplo de

possibilidades de organização dos processos e rotinas internas de empresas no país.

Na visão do Dínamo (2018, p. 13), a sociedade limitada, ao não permitir que os

sócios façam parte da gestão da empresa, dificulta a atuação de investidores de capital de

risco, uma vez que a sua atuação na empresa não se limita à oferta de recursos financeiros,

mas também alcança participação efetiva nos processos de tomada de decisão. No caso da

sociedade anônima, mesmo com regras que favoreçam a participação de sócios na gestão da

empresa e tenham uma separação bem clara de papéis e obrigações dos sócios, ela exige uma

estrutura mais complexa e custosa para seus sócios dispondo, por exemplo, de obrigações de

publicação periódica de informações em veículos de ampla circulação (e.g. jornais). Além

96

O Dínamo é um movimento de profissionais de diversas áreas (e.g. direito, economia, finanças, etc.) ligados

ao empreendedorismo, que busca promover estudos e projetos para o fomento do ecossistema de startups no

país. Segundo sua própria definição, o movimento busca reunir profissionais para construir uma ponte entre a

sociedade civil organizada (startups, associações empresas etc.) e o governo, buscando a articulação de políticas,

de conteúdo e apoio em uma rede de especialistas para promoção da agenda de empreendedorismo no país. Em

2018, o Dínamo produziu a primeira publicação de sua série, coleção Dínamo Playbooks, sobre políticas

públicas de apoio a startups no Brasil, dedicando o número ao tópico ambiente regulatório. A edição cuida do

debate sobre caminhos possíveis para a atuação governamental brasileira a partir da apresentação de casos de

boas práticas no Brasil e no exterior. Para mais informações, consulte: < http://playbook.dinamo.org.br>. Último

acesso: 10.11.2018.

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225

disso, o processo de realização de mudanças na composição de seus acionistas, ou alterações

em documentos da empresa também são morosos se comparados com prazos de outros países

(WB, 2016).

A estrutura jurídica empresarial mais rápida e fácil de ser constituída é a de

microempreendedor individual (MEI), podendo ser realizada por um procedimento único e

online (DÍNAMO, 2018, p. 13). Todavia, a MEI não é capaz de atender empresas de base

tecnológica com altas taxas de crescimento, servindo apenas como um formato a ser adotado

nos estágios iniciais destas empresas. Isto porque a MEI foi criada com o intuito de servir

como formato jurídico para formalizar a atividade de empresários individuais. Não há apenas

uma proibição do estabelecimento de um quadro de sócios nesta estrutura jurídica, há também

um limite máximo de faturamento (R$ 81 mil reais) para a empresa se manter neste formato.

Empresas de base tecnológica com alto potencial de crescimento têm, na entrada

de investidores, a possibilidade de financiar os seus processos de expansão, exigindo

movimentações societárias com mudanças em seus documentos e suas estruturas empresariais

com maior frequência do que em outros contextos de negócio (DÍNAMO, 2018, p. 14). A

ausência de uma estrutura jurídica que seja capaz de contemplar essas necessidades se mostra

como um obstáculo para o ambiente jurídico-institucional de investimentos de venture capital

no país.

O tempo para constituição de empresas e realização de mudanças passa a ser

incorporado como uma variável de custo para a formatação dos ciclos de entrada e saída de

investidores. A falta de um formato próprio para empresas de base tecnológica, passa a ser

outro componente de custo para condicionar a atuação de investidores de venture capital em

empresas nacionais, exigindo que empresas de base tecnológica se constituíssem como

sociedades anônimas a um custo maior do que outros formatos, mesmo em estágios em que

esta estrutura não seria necessária.

Como proposta, o Dínamo (2018, p. 14) sugere a criação de um modelo societário

de sociedade anônima simplificada, com abertura e fechamento de empresas, podendo ser

realizado eletronicamente e pela internet, com modelos de documentos padronizados, para

facilitar a análise de mudanças na sociedade, além de uma estrutura de governança baseada

em níveis de crescimento da empresa, ampliando a complexidade a partir de faixas de

faturamento ou número de empregados da empresa. A proposta visa destacar este segmento,

pois o diagnóstico traçado pela entidade é de que investidores e empresas apresentam uma

dinâmica peculiar que justifica a sua separação do regime regulatório geral de empresas.

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226

A tecnologia para a realização dessas mudanças já é uma realidade em diversos

países. Na Índia, o registro empresarial de startups já pode ser realizado por meio de um

aplicativo criado pelo governo do país, permitindo que o envio dos documentos para a

formalização do registro possa ser realizado por meio digital. Na Nova Zelândia, além do

registro online de empresas, a autenticação dos documentos também é feita pela internet,

utilizando bancos de dados públicos para verificações de autenticidade de documentos,

dispensando os cartórios de títulos e documentos. Um processo muito similar já acontece

também na Estônia, com certificados eletrônicos sendo gerados por meio de assinatura digital

(DÍNAMO, 2018, p. 15).

No Brasil, a infraestrutura tecnológica já existe (Infraestrutura de Chaves Públicas

Brasil), sendo empregada para a geração de notas fiscais eletrônicas e para a assinatura digital

de documentos. Hoje, o envio da declaração de proventos para fins de apuração do imposto de

renda é exclusivamente digital e online. A apresentação de petições e requisições ao Poder

Judiciário também se dá por meio de assinatura eletrônica, com transmissão online. Já se nota

a presença de experiências bem-sucedidas na implementação desta infraestrutura, há uma

necessidade de promoção de mudanças, porém, não há nenhuma manifestação pública de que

um projeto com essas características está formatado ou executado por parte de Juntas

Comerciais estaduais, ou até por parte do governo federal para sociedades limitadas ou

anônimas.

Tais preocupações também não estiveram presentes nos debates sobre a

construção do Marco Legal para a Ciência e Tecnologia em 2016. Segundo Nazareno (2016,

p. 5), os debates para a criação do Projeto de Lei n.º 2.177/2011, que se converteria no Marco

Legal da Ciência e da Tecnologia, basearam-se no diagnóstico da existência de entraves

burocráticos na aproximação entre estruturas públicas de pesquisa e desenvolvimento e o

ambiente empresarial privado, contudo, sem estender este diagnóstico ao próprio ambiente

empresarial privado como entrave. Os debates se concentraram na readequação jurídica da

cooperação entre entidades públicas e entidades privadas no âmbito de projetos de cunho

tecnológico.

Desde a Lei da Inovação em 2004, questionava-se quais eram os limites da

atuação conjunta entre organizações públicas de pesquisa e entes privados. Mesmo que a lei

cuidasse da aproximação entre o público e privado por meio de arranjos de cooperação (e.g.

parcerias de desenvolvimento tecnológico conjunto, transferência de tecnologia da

universidade para a empresa, intercâmbio de profissionais da academia em empresas etc.),

restavam dúvidas sobre a constitucionalidade da participação de entidades pública em projetos

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227

que visavam lucro, uma vez que desvirtuariam a finalidade pela qual teriam sido criadas

(NAZARENO, 2016).

Este tema foi objeto de discussões na Comissão Especial criada em 2013, na

Câmara dos Deputados, para a elaboração do que viria a ser o Marco Legal da Ciência e da

Tecnologia. Nessa Comissão, liderada pelo deputado federal Sibá Machado, constatou-se a

necessidade de elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) para

dirimir quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de cooperação entre entidades públicas e

privadas no âmbito de projetos de desenvolvimento tecnológico no país. O resultado dos

trabalhos realizados pela Comissão Especial foi a PEC n.º 290 de 2013, convertida na

Emenda Constitucional n.º 85 de 2015, por votação do Congresso Nacional, abrindo caminho

para a aprovação da Lei n.º 13.243/2016.

Entre as alterações propostas no texto constitucional, cabe a menção específica

para a redação do art. 218, que passou a incluir inovação no capítulo que tratava de ciência e

tecnologia, e explicitou o dever do Estado brasileiro de apoiar e estimular a articulação de

entes públicos e privados na execução de atividades ligadas à ciência, tecnologia e inovação,

incluindo o compartilhamento de pessoas e a realização de projetos em conjunto.

Além disso, o art. 219-B inseriu no texto constitucional a expressão “Sistema

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI)”, arranjo institucional a ser promovido

pelo Estado brasileiro para a articulação de entidades públicas e privadas ligadas ao

desenvolvimento de atividades de ciência, tecnologia e inovação, tendo como referência

inicial as mudanças promovidas pelo Marco Legal da Ciência e da Tecnologia.

O texto da nova lei foi organizado a partir de três dimensões para o regime de

fomento à ciência e tecnologia no país, quais sejam: (i) a integração de empresas privadas ao

sistema público de pesquisa; (ii) a simplificação de processos administrativos, de pessoal e

financeiro nas instituições públicas de pesquisa; e (iii) a descentralização do fomento ao

desenvolvimento de setores de CTI nos Estados e Municípios (NAZARENO, 2016, p. 7).

Chama atenção que mesmo que um dos pilares do novo texto tenha sido a

integração de empresas privadas ao sistema público de pesquisa, não foram incluídos na

proposta formulada pela Comissão Especial temas como a reforma jurídico dos registros

empresariais, ou até mesmo o problema do backlog de patentes no país. Esses elementos já

faziam parte de diagnósticos realizados à época sobre os obstáculos presentes no ambiente

jurídico-institucional brasileiro para investimentos, porém, não foram integrados nas

iniciativas ligadas às alterações do regime de ciência e tecnologia no Brasil.

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228

As alterações propostas se concentraram em alterações significativas na Lei de

Inovação e nas mudanças pontuais em outras legislações97

dedicadas a contratações públicas,

regime jurídico de servidores públicos (e.g. professores e pesquisadores universitários) e

importações. Nota-se que mesmo com avanços no desenho da estrutura jurídica das atividades

ligadas à ciência, tecnologia e inovação, as reformas se basearam em um diagnóstico de

ambiente, limitando a relação entre a produção científica e tecnológica na área pública e sua

aproximação com o setor privado. Mesmo com avanços na integração de algumas

ferramentas, o Marco Legal da Ciência e da Tecnologia poderia ter servido também como

instrumento para o fomento de investimentos em empresas de base tecnológica no país.

No âmbito de investimentos de capital de risco ligados à inovação tecnológica, a

mudança no parágrafo 2º do art. 19 da Lei de Inovação introduziu uma novidade importante.

Na redação original, de 2004, havia uma previsão genérica sobre quais seriam os instrumentos

de fomento ao desenvolvimento de produtos e processos produtivos inovadores. Não havia

uma lista de ferramentas voltadas a essa finalidade, bem como a menção à subvenção

econômica, ao financiamento de atividades, ou a aquisição de participação societária não

traziam consigo qualquer explicação sobre como poderiam ser executadas por parte do Poder

Público. Na nova redação do art. 19, mais especificamente do §2º, o texto legal traz uma lista

extensa98

de instrumentos de estímulo à inovação nas empresas, com a menção expressa dos

fundos de investimento e dos fundos de participação como parte dos esforços de inovação.

Além disso, a inclusão do §6º, em particular de seus incisos VI e XII, no art. 19 da

Lei de Inovação, explicitaram o mercado de capitais como parte integrante ao Sistema

Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro, bem como o apoio ao

97

O Marco Legal da Ciência e da Tecnologia promoveu mudanças em diversas leis no Brasil. A Lei com maior

número de mudanças foi a Lei n.º 10.973/04, Lei de Inovação, que teve o seu texto praticamente rescrito.

Trataremos de algumas dessas alterações em nossa reflexão deste capítulo, contudo, cabe mencionar as outras

leis alteradas pelo Marco Legal. O Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80) foi alterado para admitir a

possibilidade de emissão de visto temporário para pesquisador estrangeiro; e a Lei de Importações de CTI (Lei

n.º 8.010/90) foi modificada para incluir Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) no rol de

agentes habilitados a importar produtos com isenção de tributos. Além disso, foram alteradas a Lei de Licitações

Públicas (Lei n.º 8.666/93) para incluir uma dispensa de licitação de produtos para CTI, a Lei que criou o

Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC – para permitir a adoção do RDC para entidades de CTI e

a Lei de Contratação Temporária no Serviço Público (Lei 8.745/93), ampliando a hipótese de contratação

temporária em instituições de CTI. Por fim, foi alterada também a Lei que cuida dos planos de carreiras de

servidores em universidades públicas (Lei n.º 12.772/2012), admitindo que professores universitários da área

pública em regime de dedicação exclusiva possam ocupar cargos de direção em fundação de apoio, sendo

remunerados pela função. 98

O artigo 19, § 2º da Lei n.º 10.973/2004, na nova redação proposta pela Lei n.º 13.243/2016, traz os seguintes

instrumentos de estímulo à inovação: (i) subvenção econômica; (ii) financiamento; (iii) participação societária;

(iv) bônus tecnológico; (v) encomenda tecnológica; (vi) incentivos fiscais; (vii) concessão de bolsas; (viii) uso

do poder de compra do Estado; (ix) fundos de investimento; (x) fundos de participação; (xi) títulos financeiros,

incentivados ou não; e (xii) previsão de investimento em pesquisa e desenvolvimento em contratos de concessão

de serviços públicos ou em regulações setoriais.

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229

desenvolvimento tecnológico para micro e pequenas empresas que realizem atividades de

cunho inovador. Acrescente-se a disposição do inciso IV do art. 27 que estipula a concessão

de um tratamento especial para micro e pequenas empresas de base tecnológica criadas no

ambiente de atividades das ICTs em processos de aquisição de bens e serviços por parte do

Poder Público, nos termos da Lei n.º 8.958/94.

Contudo, a nova redação da Lei de Inovação não oferece um conceito de empresa

de base tecnológica, mesmo essa figura sendo central para a realização de atividades ligadas

ao desenvolvimento tecnológico e a inovação. Não fica claro se apenas a realização de

atividades ligadas à tecnologia e inovação serão suficientes para a configuração de uma

empresa como EBT, ou se o tamanho da empresa importará, posto que a lei em diversas

disposições faz menção às micro e pequenas empresas, evidenciando que para alguns

contextos o tamanho importa.

Além do tamanho, o novo texto cria duas categorias de micro e pequenas

empresas. A primeira delas com uma ligação junto a ICTs, via de regra surgidas no contexto

de universidades e centros de pesquisa, podendo também ter participação de programas de

incubação; e a segunda para micro e pequenas empresas sem qualquer tipo de relação com

ICTs. Ambas fariam parte do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, podendo

ter acesso aos instrumentos de estímulo à inovação, contudo, só a primeira categoria de micro

e pequenas empresas teria prioridade em contratações de bens e serviços por parte do Poder

Público.

Segundo o Dínamo (2018, p. 9), o Marco Legal da Ciência e da Tecnologia

também deixou de lado a identificação de atores relevantes ao fomento de empresas com alto

potencial de crescimento, não incorporando em seu texto as aceleradoras e a figura dos

investidores anjo, cujas pessoas físicas que realizam investimentos em nome próprio

poderiam realizar em conjunto com entidades públicas. Na visão da entidade, se a lei traz as

incubadoras e os fundos de investimento como partes integrantes do novo sistema, deveria

também incorporar outros atores que fazem parte do ciclo de estímulo ao crescimento de

empresas de base tecnológica no país, sob pena de seu desenho jurídico-institucional ficar

incompleto.

Em nossa visão, a expressão a ser utilizada pelo texto legal deveria ser empresa

nascente de base tecnológica, pois comtemplaria a característica de que micro e pequenas

empresas merecem um tratamento especial para que possam se desenvolver, ao mesmo tempo

em que ressaltaria a característica de que estas empresas estariam necessariamente associadas

ao desenvolvimento de novas tecnologias e processos de inovação. Ademais, a adoção de uma

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230

denominação para EBTs no texto da Lei de Inovação reforçaria a importância deste ator no

âmbito das políticas de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e de processos de inovação.

Isto porque, a definição de micro e pequenas empresas se encontra na legislação tributária

(Lei Complementar n.º 123/2006) e é feita a partir do critério de limite de faturamento. Em

nossa visão, EBTs merecem um tratamento próprio, não limitado ao seu faturamento, que

contemple os diferentes estágios de seu desenvolvimento e os diversos atores que são capazes

de auxiliar o seu crescimento.

Como esforço de melhor identificação dos agentes que fazem parte do

desenvolvimento de EBTs, a Comissão de Valores Mobiliários avançou com a edição da

Instrução Normativa n.º 578 de 2016 (IN n.º 578/2016), alterando a regulação de FIPs de

modo a definir tipos de FIPs pelo tipo e porte de investimentos realizados. Por meio da

especialização de FIPs a partir de uma nova atribuição de funções para cada um deles, a CVM

foi capaz de conferir uma identidade mais clara para cada um dos agentes, separando, por

exemplo, o capital semente do venture capital. Além disso, a edição da IN n.º 578/2016

promoveu também a consolidação de regras sobre FIPs, uma vez que desde a sua criação

foram editadas outras 16 Instruções Normativas que versavam sobre o tema e agora passaram

a seguir uma estrutura jurídica única, consolidada em um documento, com a revogação das

referidas Instruções Normativas.

A Instrução Normativa n.º 578/2016 também promoveu a substituição definitiva

dos FMIEEs, criando o FIP Capital Semente e o FIP Empresas Emergentes, duas figuras

destinadas ao investimento em EBTs e que explicitam características deste investimento a

partir de uma estrutura de governança mais sofisticada para as empresas investidas. O

processo de substituição já estava em andamento, tendo tido início com a edição da Instrução

Normativa n.º 309/2003.Contudo, havia FMIEEs ativos e em processos de investimento

quando da criação dos FIPs, tornando a sua substituição um processo gradativo que teve que

passar pelo encerramento de FMIEEs ao longo dos anos. Com a IN n.º 578/2016, os FIPs

ganham um novo grau de especialização, e os FMIEEs já não se fazem necessários e já estão

praticamente extintos.

As categorias de FIP criadas pela IN n.º 578/2016 foram: (i) capital semente – FIP

Capital Semente; (ii) empresas emergentes – FIP EE; (iii) infraestrutura – FIP IE; (iv)

produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação – FIP PD&I; e (v)

Multiestratégia – FIP M. Nota-se que não são todos os FIPs que cuidam de investimentos em

empresas voltadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação. Isto

ocorre, pois, os fundos de investimento e participação foram criados para servir de veículos de

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231

investimento para diversas finalidades, incluindo, por exemplo, o private equity. Com o

tempo, agentes econômicos passaram a utilizar este instrumento para diversas finalidades,

criando usos comuns para este veículo. Dessa forma, a IN n.º 578/2016 veio reunir os

diversos usos para o FIP, diferenciando as características de cada um dos contextos em que o

fundo era utilizado.

Dentre as cinco categorias de FIPs previstas na Instrução, duas delas (FIP Capital

Semente e FIP EE) merecem uma análise mais cuidadosa por estarem relacionadas aos

investimentos em EBTs. O FIP Capital Semente, foi construído como veículo de investimento

para empresas de base tecnológica em fase inicial de desenvolvimento de seus produtos e

serviços. Esta figura responde a uma crítica feita ao modelo de FIP de 2003: em sua primeira

versão, os fundos de investimento e participações obrigavam os gestores de fundos a

investirem apenas em sociedades anônimas, não permitindo que investissem em sociedades

limitadas.

Isso fazia com que empresas em estágios iniciais, que não quisessem arcar com os

custos de uma sociedade anônima, não estivessem aptas a receber investimentos de FIPs. A

partir dos FIPs de capital semente, sociedades limitadas passaram a ser capazes de receber

investimentos deste veículo. Não por acaso, as regras de governança exigidas pela versão de

2003 dos FIPs não são aplicáveis ao investimento do FIP Capital Semente. Apenas se a

empresa investida crescer durante os períodos de investimento, as regras de governança (e.g.

criação de um conselho de administração) serão demandas para ela.

Como perfil da empresa a ser investida, a Instrução n.º 878/2016 prevê que apenas

empresas de base tecnológica com receita bruta de até R$ 16 milhões de reais, apurada no

exercício fiscal anterior à data do investimento, estão aptas a receber recursos deste veículo.

Além disso, as empresas investidas não poderão ser controladas por sociedade ou grupo

econômico que apresente um conjunto total de ativos superior a R$ 80 milhões, ou uma

receita anual superior a R$ 100 milhões. Essas características estão muito próximas do perfil e

das regras de investimentos criadas pelo BNDESPAR na aplicação dos recursos dos fundos

CRIATEC.

Nesse sentido, as mudanças regulatórias no formato e na tipologia dos fundos de

investimento e participação parecem ter absorvido parte da experiência de investimento de

capital semente realizada pelos fundos CRIATEC, reconhecendo a importância do modelo

criado pelo banco e do aprendizado coletado ao longo de diversos investimentos realizados no

país.

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232

O segundo FIP estruturado para o investimento em empresas de base tecnológica

foi o FIP Empresas Emergentes. Da mesma forma que o FIP Capital Semente, o FIP

Empresas Emergentes foi criado sem a limitação de investimentos em apenas sociedades

anônimas, podendo aportar recursos em sociedades limitadas. Todavia, o perfil da sociedade

limitada capaz de receber investimentos é diferente em porte e tipo de sócio. A empresa

investida pode ter uma receita bruta anual de até R$ 300 milhões e pode ser controlada por

sociedade ou grupo de empresas que tenham um total de ativos de até R$ 240 milhões, ou

receita anual bruta de até R$ 300 milhões.

Sob uma lógica idêntica à dispensa das regras de governança corporativa presente

no FIP Capital Semente, o FIP Empresas Emergentes foi estruturado para não apresentar as

mesmas exigências do FIP de 2003, não tendo as mesmas exigências de estruturação de

operações (e.g. proibição de emissão de partes beneficiárias, estabelecimento de mandato

unificado para o Conselho de Administração etc.), bem como os mesmos níveis de

transparência na prestação de contas (e.g. auditoria anual de suas demonstrações contábeis por

auditores independentes registrados na CVM).

O termo FIP Empresas Emergentes foi utilizado para resgatar a referência dos

antigos FMIEEs, voltados a empresas que não teriam tido muito tempo de exercício de suas

atividades, ao mesmo tempo, está associado a empresas com alto potencial de crescimento

derivado do sucesso do desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse sentido, a edição da

Instrução Normativa 578/2016 tentou incorporar termos ligados à trajetória institucional do

venture capital brasileiro, como empresa emergente e capital semente, bem como separar

estas modalidades de investimento de outras modalidades, como o private equity, criando

veículos próprios para estes investimentos, como o FIP Multiestratégia, ou o FIP

Infraestrutura. Além disso, também buscou separar os investimentos em atividades de P&D

em empresas de maior porte dos investimentos em empresas de base tecnológica,

diferenciando os FIPs Capital Semente e Empresas Emergentes do FIP PD&I.

Até 2016, a especialização dos veículos de investimento foi fruto do desenho

atribuído por agentes privados, mais especificamente por gestores de fundos de investimento,

que ao desenvolver a sua tese, desenhavam a estrutura para a realização de seus aportes de

recursos. Com a nova configuração dos FIPs, conferindo maior grau de especialização para

cada um dos fundos, o perfil do investidor fica mais claro para aquele que busca por

investimentos e também evita a existência de fundos de investimento capazes de investir em

perfis de empresas muito distintos entre si, mesclando, por exemplo, investimentos em

empresas de pequeno e de grande porte.

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233

Além disso, o novo desenho dos FIPs não eliminou a adoção da estrutura offshore

de investimento, como foi mencionado por Sullyen Almeida99

, analista de investimento da

Monashees, empresa brasileira de investimentos de venture capital. Desde a sua criação, a

Monashees optou por organizar seus investimentos em empresas localizadas fora do país, com

especial preferência pelas Ilhas Cayman e pelo estado de Delaware nos Estados Unidos da

América. Uma vez escolhida a empresa a ser investida, a investidora solicita que esta crie uma

empresa “espelho”, de igual objeto da nacional fora do país, e investe nela, abrindo toda a sua

estrutura para fora das fronteiras brasileiras.

Segundo a analista de investimentos, o uso desta estrutura, além de ser vantajoso

do ponto de vista tributário, implicando uma carga de tributos menor, a razão para a sua

adoção é a agilidade e uma maior facilidade de saída de investimentos. Mesmo com as

diversas mudanças na estrutura de fundos de investimentos realizadas no Brasil, na visão da

investidora, o ambiente brasileiro ainda não está maduro o suficiente para justificar a criação

de uma estrutura de investimento integralmente nacional.

Do ponto de vista de saída do investimento, Sullyen Almeida ressalta que a

investidora se sente mais confortável com a possibilidade de venda estratégica no Brasil ou

abertura de capital nos Estados Unidos da América, o que favorece a criação de uma estrutura

de investimento fora do país. Além disso, do ponto de vista da proteção dos ativos imateriais

da empresa investida, coma presença de um backlog de patentes de 14 anos em 2018, a

patente que interessa para o investidor não é a brasileira, mas sim a estadunidense, obtida

junto ao USPTO – United States Patent and Trademark Office, mais um elemento que

corrobora com a estrutura do investimento ser localizada fora das fronteiras do Brasil. Além

disso, a analista de investimentos cita que a estratégia da Monashees se concentra em

segmentos que possam ter uma inserção global, com oportunidades que mesmo que surjam e

cresçam no contexto brasileiro, possam se expandir internacionalmente, dentro de uma

estratégia global.

Contudo, há investidores que mesmo tendo adotado estruturas distintas ao longo

de sua trajetória no país, optaram por incorporar FIPs como veículo, inclusive as novas

formas de especialização. Um exemplo disso é o Bozano Investimentos, que recentemente

alterou o seu nome para Crescera Investimentos, que gera o CRIATEC II e possui fundos de

investimento em venture capital e private equity. Segundo Fernando Silva (ABVCAP; APEX,

2018, p. 20), sócio da Crescera Investimentos, a investidora é uma das poucas empresas a

99

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019 pelo autor.

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234

atuar nos mercados de private equity e venture capital ao mesmo tempo como forma de

pensar estes investimentos de maneira integrada.

Em sua visão (ABVCAP; APEX, 2018, p. 20), a criação de fundos em diferentes

estágios do desenvolvimento da empresa alvo de investimento pode gerar efeitos de

“polinização cruzada”, em que a presença do investidor, ao longo da cadeia, pode dar maior

segurança para a empresa investida de que se financiada em seus estágios iniciais, já que o seu

investidor poderá acompanhar o seu crescimento com financiamentos de diferentes

características, começando pelo capital semente, passando pelo venture capital e alcançando o

private equity.

Mesmo que os gestores de cada um dos fundos de investimento constituídos pela

Crescera Investimentos tenham teses e comportamentos distintos entre si, há um interesse da

gestora de recursos em integrar seus investimentos, quando possível, e fomentar a geração de

efeitos de “polinização cruzada” nos investimentos realizados pelos seus fundos. Por isso, a

gestora buscou aplicar a mesma lógica à gestão dos recursos do CRIATEC II, após ter sido

escolhida como uma das gestoras do fundo de capital semente do BNDES, realizando essa

atividade em parceria com a gestora Triaxis (ABVCAP; APEX, 2018, p. 20).

Segundo Fernando Silva, a gestão do CRIATEC II não impôs à Crescera

Investimentos uma escolha de setores a serem investidos, porém, a seleção da gestora se deu

em razão de suas teses de investimento voltarem-se para empresas de base tecnológica e da

potencial integração entre os estágios de investimento sinalizados pela gestora. O foco, não

apenas dos investimentos realizados via CRIATEC II mas por outros investimentos de capital

semente e venture capital por parte da Crescera Investimentos (ABVCAP; APEX, 2018, p.

21), são os mercados de FinTech (tecnologias em serviços financeiros), HealthTech

(tecnologias na área de prestação de serviços de saúde), AgriTech (tecnologias na área de

agricultura), RetailTech (tecnologia no varejo) e LogisticsTech (tecnologias na área de

logística).

Em levantamento realizado pela ABVCAP (2017, p. 6) junto a 40 investidores de

private equity e venture capital com atuação no país, a opção pela constituição de fundos de

investimento é majoritária nas duas modalidades, sendo a preferência de 63% de investidores

de private equity, e 53% dos de venture capital. Além disso, os investidores internacionais

demonstraram um volume de aportes de recursos significativo no formato de co-investimentos

(14%) com investidores nacionais.

Quando perguntados sobre quais os seus planos para investimentos nos próximos

3 anos, 62% dos investidores estrangeiros participantes da pesquisa responderam que

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235

pretendem realizar investimentos em regime de co-investimentos com investidores locais,

enquanto 70% dos investidores nacionais pretendem realizar investimentos de forma direta,

sem a presença de um parceiro. Segundo Rodrigo Borges100

, fundador da Domo Invest, há

fortes barreiras à entrada de um investidor atuante no Brasil. A complexidade do sistema

jurídico, as incoerências do sistema político, a rivalidade da taxa de juros, dentre outros

fatores criam uma vantagem competitiva para investidores nacionais, ou até mesmo para

investidores estrangeiros com gestores nacionais. A busca por co-investimento é reflexo disso,

bem como a ideia de que se a empresa adquire um porte de empresa média, com a

possibilidade de internacionalizar os seus produtos e serviços, valerá a pena tirá-la do país,

construindo uma estrutura jurídica fora do Brasil.

Entre os investidores entrevistados pela ABVCAP (2017, p. 8), os investimentos

realizados foram divididos em 7 tipos de estratégia de investimento, conforme nota-se no

gráfico abaixo.

Gráfico 5.3 Percentual dos investimentos em PE/VC no Brasil por tipo de estratégia

Fonte: (ABVCAP, 2017, p. 8).

Observa-se do gráfico acima a preponderância dos investimentos na modalidade

growth e buyout, estratégias típicas do private equity, passando por investimentos em

infraestrutura, tendo o venture capital uma posição intermediária entre as estratégias

100

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.

10%

1%

5%

27%

21%

11%

26%

5%

2%

4%

9%

10%

28%

42%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Outros

Distressed

Real State

Infraestrutura

VC/Seed

Buyout

Growth

Estrangeiro Nacional

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236

escolhidas por investidores com atuação no Brasil. Além disso, nota-se que o percentual de

investimentos de investidores nacionais é pouco mais que o dobro (21%) em comparação aos

investimentos internacionais (10%), evidenciando um predomínio nacional.

Contudo, quando questionados (ABVCAP, 2017, p. 9) sobre quais seriam os seus

planos para estratégias de investimento nos próximos 3 anos, 44% dos investidores

estrangeiros afirmaram que buscaram aumentar seus investimentos na modalidade de venture

capital e seed capital, em comparação aos 31% dos investidores nacionais que manifestaram

o mesmo interesse. Dentre os entrevistados, 74% dos investidores nacionais afirmaram que

pretendem aumentar seus investimentos em distressed assets, sinalizando uma perspectiva

negativa para a economia nacional.

Analisando a percepção dos investidores sobre o desempenho de seus

investimentos, a pesquisa (ABVCAP, 2017, p. 12) aponta que 52% dos investidores nacionais

e 39% dos investidores estrangeiros apontaram que suas carteiras de investimento ficaram

dentro do que haviam sido projetados desde o início. Do restante, 48% dos investidores

nacionais afirmaram que o desempenho foi pior do que o esperado (16% pouco pior e 32%

muito pior), e 54% dos investidores estrangeiros também apontaram para um desempenho

pior do que o esperado (27% pouco pior, e 27% muito pior). Para aqueles com carteiras de

desempenho abaixo do esperado, a principal explicação oferecida foi o cenário

macroeconômico brasileiro ao lado de fatores locais. 63% dos investidores estrangeiros

apontaram esses dois fatores como os principais, enquanto 47% dos investidores nacionais

expuseram a mesma preocupação. Fatores como o desempenho dos gestores ou o desempenho

dos setores investidos foram vistos como menos influentes para o desempenho das carteiras

em 2017.

Entre os setores mais buscados em 2017 (ABVCAP, 2017, p. 13), destacam-se os

setores do agronegócio, educação e serviços financeiros. O interesse nestes setores se

materializa pela criação das expressões agritech, edutech e fintech, termos que traduzem a

atividade realizada por empresas de base tecnológica que desenvolvem soluções de tecnologia

da informação para cada um destes setores. Para Rodrigo Borges101

, da Domo Invest,

investidores de venture capital estão em busca de empresas que consigam demonstrar ser

capazes de construir camadas de software para as atividades de setores fortes na economia

brasileira. De um lado, a empresa que desenvolver soluções de software para estes mercados

conseguirá clientes, oferecendo como diferenciais a redução de custos e ganhos de

101

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.

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237

produtividade. De outro, o investidor é capaz de enxergar empresas de grande porte nestes

setores, capazes de viabilizar a sua saída via venda estratégica de sua participação nas

empresas em que investiu.

Em levantamento realizado pela aceleradora ACE (2018), com base nos dados

disponibilizados pela plataforma Crunchbase102

, constatou-se que o volume de investimentos

de venture capital no país cresceu 10 vezes em relação aos valores aportados em 2013,

concentrando-se em investimentos em estágios mais avançados (late stage) do

desenvolvimento em empresas de base tecnológica no país. Parte da responsabilidade por esse

crescimento são as empresas que têm sido chamadas de os primeiros unicórnios103

brasileiros,

a Ifood e a Nubank. Em janeiro de 2018, a Nubank ingressou no grupo de empresas

reconhecidas internacionalmente como unicórnios após investimentos realizados por Sequoia

Capital, Redpoint e.ventures e Kaszek Ventures. Em novembro de 2018, foi a vez da Ifood

ingressar no grupo, tendo recebido investimentos da Naspers, Just Eat e Movile.

Segundo a descrição da ACE, em 2018, o quadro de investimentos realizados

aponta para uma atuação majoritária de investidores brasileiros na fase early stage (seed e

series A) de empresas de base tecnológica, e investidores estrangeiros na fase late stage

(series B e C). Investimentos recentes em empresas como 99 (R$ 639 milhões - series C),

Movile (R$ 262 milhões – series H), Creditas (R$ 160 milhões – series C), Guia Bolso (R$

160 milhões - series C) e Dr. Consulta (R$ 160 milhões - series C) são exemplos desse

processo de especialização do venture capital no Brasil.

Na visão de Rodrigo Borges104

, o investidor nacional tem melhores condições de

avaliar o potencial de crescimento de empresas de base tecnológica no Brasil, bem como de

compreender quais são os custos envolvidos no investimento nas fases iniciais de

desenvolvimento – early stage – destas empresas. Além disso, o investidor aponta que a

102

A crunchbase é uma plataforma, parcialmente aberta e colaborativa, de dados sobre investimentos em

startups realizadas pelo mundo. A plataforma reúne em uma base de dados todas as informações que são

disponibilizadas por investidores (e.g. anjos, semente, venture capital etc.) que aportam recursos em startups.

Esta é uma das bases de dados para consulta sobre dados do setor, contudo, dada a sua natureza de plataforma

aberta, ela depende das informações disponibilizadas por investidores e empresas investidas. Para o uso de todos

os recursos de busca e geração de tabelas e gráficos, a plataforma é fechada, cobrando o acesso a partir de

pacotes de assinatura. Consulte: <https://www.crunchbase.com>. Último acesso: 01.03.2019. 103

O termo unicórnio no campo de investimentos serve como designação de empresas privadas avaliadas em

mais de 1 bilhão de dólares. O termo foi criado pelo venture capitalist Aileen Lee, que fez referência à figura

mitológica do unicórnio para representar o fenômeno estatisticamente em crescimento acentuado de algumas

empresas até alcançarem a cifra de US$ 1 bilhão. A plataforma CBinsights oferece um quadro completo de

definições e a listagem dos unicórnios espalhados pelo mundo, cabendo citar empresas como a Uber, WeWork,

Airbnb, Epic Games, Pinterest, dentre outras. Para a listagem completa, consulte:

<https://www.cbinsights.com/research-unicorn-companies>. Último acesso: 01.03.2019. 104

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.

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238

atuação da FINEP e do BNDES facilitaram a formação e a consolidação de investidores

nacionais na cadeia de investimento de venture capital, auxiliando na construção de um

ambiente em que investidores nacionais são capazes de disponibilizar capital em uma

primeira (series A), ou, em alguns casos, em uma segunda rodada de investimento (series B).

Aos investidores estrangeiros, ficariam fases mais avançadas, em que a empresa

alvo de investimento já demonstraria uma trajetória de investimento mais acentuada e

potencial de se internacionalizar, aproveitando a maior capacidade de investimento de

investidores estrangeiros em rodadas mais avançadas. Nesta fase, o nível de incerteza sobre a

empresa alvo do investimento é considerado menor, uma vez que ela já adquiriu uma estrutura

profissional, já apresenta números de crescimento consistentes e já articula uma estratégia

para a sua expansão em diversos mercados.

A análise do volume de investimentos também corrobora com esta descrição.

Segundo a ACE, 60% de todo o capital investido na modalidade de venture capital

declaradopara a plataforma Crunchbase até hoje, se concentrou em investimentos em 10

empresas brasileiras, totalizando o montante de 4,4 bilhões de reais aportados

majoritariamente por investidores estrangeiros, como Naspers, Softbank, Sequoia, dentre

outros. Mesmo que, em número de operações de investimento os investidores nacionais

tenham uma significativa vantagem sobre investidores estrangeiros, em volume de capital

aportado, a presença de investimentos estrangeiros na modalidade de venture capital tem sido

significativa.

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239

6 HOSTILIDADE NO AMBIENTE PARA INVESTIMENTOS NO BRASIL – A

PERCEPÇÃO DE INVESTIDORES DE VENTURE CAPITAL

Zero. Eu sei que esta posição pode parecer muito radical e eu compreendo

que as patentes podem ser um importante indicador para o desenvolvimento

tecnológico no país. Se eu tiver que apresentar resultados em um comitê de

investimento criado em uma parceria com entes públicos, eu vou falar de

patentes, ou até mostrar pedidos de patentes. Contudo, com a demora atual,

ela não me trás valor nenhum. Não considero como ativo para empresa

investida e não tenho retorno vindo do registro. Hoje, a patente não significa

nada para o meu tipo de investimento. (Robert E. Binder, fundador da Antera

Gestão de Recursos)

A principal característica da empresa alvo para fins de investimento nosso é

a equipe, o perfil, o caráter, os valores, a competência dos empreendedores

envolvidos. Dentro desta característica que não é negociável, o que é

negociável é o setor. Dentro do setor de tecnologia, tudo é muito amplo, há

setores em que nós acreditamos que possam prosperar no Brasil, tecnologia

da informação é um exemplo disso, outros setores, as condições de país não

permitem com que nós acreditemos que vale a pena investir. Já tivemos

investimentos realizados em biotecnologia e no mercado de vending

machines que só nos trouxeram dor de cabeça. Em biotecnologia, a

quantidade de registros públicos necessários, o tempo de demora para

obtenção de autorizações, a velocidade do consumo dos recursos financeiros

tornou impossível obter retornos. (Sidney Chameh, fundador do DGF

Investimentos)

Poupart (2016, p. 215) ao comentar sobre o uso de entrevistas no contexto de

pesquisas qualitativas por parte de pesquisadores da universidade de Chicago, comenta sobre

os ganhos trazidos à pesquisa científica no ato de interrogar atores sociais e utilizá-los

enquanto recurso para a compreensão de realidades sociais complexas. Na visão do autor,

uma das vantagens da pesquisa qualitativa em ciências sociais é poder ampliar o escopo de

sentido do que as ciências da natureza já foram capazes de produzir a partir de seus métodos.

A entrevista serviria como uma ferramenta para adicionar uma camada na análise de

realidades sociais, incorporando a perspectiva dos atores sociais.

Nesta perspectiva, condutas sociais não seriam completamente compreendidas,

tampouco explicadas por completo, fora da perspectiva dos atores sociais e por esta razão, o

método de entrevista seria uma das formas disponíveis para construção deste conhecimento.

Para Poupart (2016, p. 217), a entrevista teria uma dupla função, serve como método para

apreender a experiência e visão do entrevistado no âmbito do fenômeno que está sendo

estudado, bem como pode ser empregado como instrumento ao pesquisador para elucidar

cenários sociais em que o entrevistado tenha feito parte, uma vez que a construção de

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240

explicações sobre contextos sociais complexos depende também de análises da perspectiva

dos atores.

Os excertos apresentados como epígrafes deste capítulo são exemplos de nossa

empreitada neste capítulo. Para além de reconstrução da trajetória do venture capital no

Brasil, realizamos uma pesquisa baseada na realização de entrevistas para compreender qual a

percepção de investidores de venture capital sobre o ambiente em que eles se encontram

inseridos para investir em empresas no Brasil.

A partir da lista de investidores de venture capital presentes nas bases da

ABVCAP e da AMBIMA, foram realizados 30 contatos com a solicitação de entrevistas.

Destes, 22 foram realizados por e-mail, quando o site da gestora de recursos disponibilizava a

informação e quando não, o contato foi realizado por telefone, solicitando o e-mail para a

realização o envio da proposta de entrevista. Nesta proposta, descrevemos o escopo da

pesquisa, encaminhávamos o questionário de entrevista e solicitávamos a autorização para o

seu registro em áudio. De todos os pedidos, foram realizadas 10 entrevistas, tendo sido todas

elas registradas em áudio.

Como recorte para a seleção dos entrevistados seguimos três critérios: (i) o

entrevistado precisa representar uma gestora que tenha completado um ciclo de investimento,

tendo já tido saídas realizadas; (ii) o entrevistado deve ter participado das decisões de

investimento da gestora, podendo ser um de seus fundadores, gestor ou analista sênior; e (iii)

o entrevistado precisa ter participado dos esforços de captação de recursos para investimento e

precisa atuar junto com os empreendedores de empresas investidas pela gestora.

Desta forma, o perfil de nossos entrevistados abarcou os profissionais que em

gestoras de recursos investem na modalidade de venture capital, participando tanto dos

processos de captação de recursos financeiros para investimento, passando pela seleção de

empresas, cuidando do monitoramento das investidas, até a execução de sua saída do

investimento, com a posterior distribuição dos resultados obtidos aos investidores iniciais.

Privilegiamos os entrevistados que têm uma participação completa no ciclo de investimento

de venture capital.

Além das entrevistas realizadas com representantes de gestoras de recursos que

investem na modalidade de venture capital, também entrevistamos Liane Lage, Diretora de

Patentes do INPI (Anexo II), Daniel Morita, analista e responsável por programas de capital

de risco da Finep (Anexo III), e Luís Fernando Cunha Villar105

, gerente de regulação da B3.

105

A entrevista com o gerente de regulação da B3, Luís Fernando Cunha Villar, foi realizada no dia 10.05.2019

em seu escritório. Foram propostas duas perguntas: (i) Na sua avaliação, por que a B3 não tem observado

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Estas três entrevistas foram realizadas como forma de aprofundamento de aspectos tratados

nas entrevistas com os investidores de venture capital. Isto porque, temas como backlog de

patentes, captação de recursos, programas de fomento público, aproximação com

universidades, abertura de capital como possibilidade de saída de investimento, entre outros,

foram aspectos mencionados ênfase nas entrevistas.

A presença destas três falas foi importante para uma melhor compreensão das

causas e explicações sobre o que ficou marcado na fala de investidores que é a hostilidade do

ambiente brasileiro para a realização de investimentos de capital de risco. Além de registrar a

percepção de investidores, as falas do INPI, B3 e Finep podem colocar em perspectiva quais

as dificuldades para se implementarem mudanças e quais as causas para que, por exemplo,

tenhamos que conviver com um grande backlog de patentes e a ausência de um mercado de

acesso para a abertura de capital de empresas de base tecnológica no país.

As entrevistas foram realizadas presencialmente quando a gestora de recursos

dispunha de sede ou filial na cidade de São Paulo e por telefone ou videoconferência quando a

gestora estava localizada fora de São Paulo.

Buscamos tomar alguns cuidados para a realização da coleta de dados utilizando o

método de entrevista. O primeiro deles foi a utilização do mesmo questionário para todas as

entrevistas, resguardando que os parâmetros de comparação entre as suas respostas pudessem

ser preservados pela apresentação das mesmas perguntas para cada um dos entrevistados. O

segundo cuidado que tomamos foi a escolha de construir um questionário semiestruturado, em

que as perguntas não seriam fechadas ou até com opções de escolha de resposta. Nossa

intenção foi permitir com que o entrevistado pudesse, mantido o sentido da pergunta,

apresentar a sua percepção sobre a pergunta proposta, podendo inclusive acrescentar aspectos

que em sua visão ampliariam o escopo do questionamento proposto.

Conforme se pode verificar no Anexo I, o questionário elaborado para a realização

das entrevistas foi organizado segundo cinco blocos de perguntas: (i) descrição do investidor;

(ii) oportunidades, seleção e participação em empresas investidas; (iii) papel do Poder Público

e Parcerias; (iv) saída de investimentos; e (v) ambiente institucional. A construção destes

blocos se deu a partir do processo de elaboração do capítulo anterior sobre a trajetória do

venture capital no Brasil, tendo as perguntas do questionário a função de permitir com que

nós aprofundemos nossa análise sobre o capital de risco no país.

aberturas de capital por empresas investidas por gestoras de recursos na modalidade venture capital? e (ii) Quais

são os desafios para a criação de um mercado de acesso no Brasil? Tendo em vista que foram apresentadas

apenas duas perguntas ao gerente, não criamos um anexo específico para elas.

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242

Nesse sentido, a construção das seções deste capítulo foi resultado do processo de

comparação das respostas dos entrevistados e de nossa tentativa dar sentido as suas

experiências de investimento no país. Um exemplo disso foi a fala do investidor Robert E.

Binder, fundador da Antera Gestão de Recursos. Quando perguntado sobre a importância da

obtenção de patentes por parte da empresa a ser investida, o investidor apresenta uma resposta

enfática e direta que sintetiza a percepção dos demais investidores que foram consultados

durante a pesquisa, a de que a obtenção de patentes no Brasil não tem importância para seus

processos de investimento, mesmo que em alguns contextos (e.g. parcerias com entes

públicos como a Finep) empresas investidas tenham realizado pedidos de obtenção junto ao

INPI.

O trecho ainda nos permite capturar a sutileza de que a patente pode ter uma

função no âmbito de investimentos realizados com parceiros públicos e não a sua função

principal que é a possibilidade de exploração econômica de uma solução de ordem técnica a

partir de um direito de exclusividade concedido pelo estado brasileiro. O pedido de obtenção

de uma patente não se reverte para o investidor como a possibilidade futura de obtenção de

uma proteção jurídica que pode trazer resultados econômicos, mas sim como um requisito de

natureza política para garantir a manutenção de uma parceria estratégica com um ente

público, como no caso do BNDES e da Finep, parceiros da Antera Gestora de Recursos.

Da mesma forma, na análise do ambiente para investimentos de venture capital no

Brasil, podemos extrair aspectos relevantes da percepção de Sidney Chameh, em especial no

que pretendemos tratar como hostilidade. Quando perguntado sobre qual o perfil de empresa

em que a DGF Investimentos busca ao investir, o fundador menciona que a equipe de

empreendedores é o principal fator, ressaltando que caráter, valores e comprometimento são

elementos fundamentais e inegociáveis. Porém, o investidor ressalta que o setor em que esta

empresa estiver inserida importa também. Na visão de Sidney Chameh, há setores, como o de

biotecnologia, em que não compensa se investir no formato de venture capital, seja por

características da burocracia envolvida, seja pela demora na obtenção de retorno.

Na sua percepção, o ambiente brasileiro (e.g. estrutura normativa, entidades

públicas de registro de atos e contratos, agentes de fiscalização, etc.) tornam alguns setores

menos atrativos para investimentos na modalidade de venture capital, criando uma sensação

de que é muito difícil enveredar por este caminho ou até que é impossível investir em

determinados setores a partir da lógica de investimento do capital de risco. Interessante notar

que esta percepção foi criada e é reproduzida por ele a partir de sua experiência de

investimento. As perdas que ele obteve aportando recursos em poucas empresas da área de

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243

biotecnologia o convenceram de que o ambiente brasileiro não comporta investimentos de

venture capital para financiar empresas do segmento de biotecnologia.

Estes são dois exemplos do que buscaremos desenvolver neste capítulo. A partir

da percepção de investidores e de entrevistas com representantes de entidades que estão no

centro do debate sobre o aprimoramento das condições de desenvolvimento do capital de risco

no Brasil, buscaremos construir o conceito de hostilidade do ambiente brasileiro para

investimentos, associando-o com o comportamento de investidores no país, delimitando que

suas trajetórias de investimento em empresas de base tecnológica no país foram influenciadas

por suas percepções sobre o ambiente brasileiro.

Para isto, dividimos o capítulo em quatro partes: (i) formação e características dos

investidores; (ii) expectativas do investidor em relação às empresas de base tecnológica; (iii)

irrelevância das patentes para o investimento de venture capital; e (iv) os limites para o

desinvestimento no país e a influência da taxa básica juros. Esta divisão foi baseada nas

respostas oferecidas pelos entrevistados.

Nosso questionário nos serviu de guia para a coleta de percepções, contudo, não

foram todas as respostas que nos ofereceram material para análise. Em alguns poucos casos as

respostas foram muito curtas, com poucos detalhes sobre razões e exemplos da experiência de

investimento de gestores. Em outros casos, os investidores solicitaram para não mencionar a

sua resposta depois da entrevista. Nos dois casos, optamos por não as inserir neste capítulo.

6.1 Formação e características dos investidores

Na construção de nosso primeiro bloco de questões, o que cuidava da descrição do

investidor, questionamos nosso grupo de entrevistados sobre o ano de criação da gestora, as

razões para a sua criação, qual o perfil de seus fundadores, mercados em que buscou atuar ou

que surgiram como oportunidades de negócio para investimento, quais os veículos de

investimento que utilizam e, por fim, qual o perfil da equipe de investimento da gestora.

No âmbito de sua formação, as entrevistadas podem ser categorizadas em três

grupos em relação ao capital disponível para o início de suas atividades: (i) as que tiveram

recursos provenientes de entidades públicas, em especial bancos públicos; (ii) as que tiveram

recursos vindos de entidades internacionais, com especial destaque para o Banco

Interamericano de Desenvolvimento; (iii) as que tiveram seus recursos captados na área

privada em razão da trajetória de seus fundadores no Brasil e no Vale do Silício nos Estados

Unidos.

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244

No primeiro grupo, temos a criação da CRP Companhia e Participações, da Inseed

Investimentos e da Antera Gestora de Recursos. Conforme já explorado no capítulo anterior, a

CRP Companhia e Participações foi criada com recursos financeiros advindos do Badesul

(Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul) e do BRDE (Banco Regional de

Desenvolvimento Econômico), em que estes agentes aportaram 40% de todo o capital da

gestora, sendo os 60% restantes de recursos financeiros aportados foram disponibilizados pela

Participações Rio Grandenses S.A. (PARGS), que reunia 150 empresários da região sul.

Segundo Clovis Meurer106

, a criação da CRP Companhia de Participações foi

movida pela pretensão de bancos de desenvolvimento com atuação na região sul que almejam

a promoção de pequenas empresas de cunho tecnológico, pois observava-se o surgimento de

algumas empresas com este perfil emergindo na região sul no início dos anos de 1980. A ideia

era prover capital para empresas que estavam desenvolvendo tecnologias na área de

computação e tecnologia digital, com especial atenção para os engenheiros ligados às

faculdades da região.

Além disso, o fundador da CRP Companhia de Participações revelou que foi a

disposição dos bancos regionais em participar da empreitada que encorajou a participação de

empresários da região, que estariam dispostos a ingressar no empreendimento, tendo nestas

instituições uma referência de segurança para os investimentos, uma vez que segundo o

investidor as empresas com potencial de serem investidas não possuíam contabilidade, plano

de negócios ou até a forma de sociedade comercial, sendo na maioria dos casos uma reunião

de engenheiros ligados à instituições de ensino da região (doutorandos ou professores

universitários).

A ideia de criação de uma Companhia de Capital de Risco, no formato de uma

holding, com parte de seus recursos vindos de bancos de desenvolvimento regionais foi

apresentada à Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul pelos três fundadores

da CRP Companhia de Participações, acompanhados dos representantes dos bancos de

desenvolvimento que apoiavam a iniciativa. A ideia foi bem recebida e formou-se após este

encontro a PARGS, que iria representar os empresários da região.

Mesmo não tendo a maior parte do capital, a presença dos bancos de

desenvolvimento foram fundamentais para a formação da gestora e foram fundamentais para

auxiliá-la durante as oscilações de planos econômicos presentes ao longo de toda a década de

1980 e início dos anos de 1990. Além do respaldo financeiro, a proximidade com o governo

106

Clovis Meurer. Entrevista concedida no dia 15.03.2019.

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245

local foi também muito importante para a mobilização de capital e para o ingresso destes

empresários no setor de capital de risco.

Segundo Clovis Meurer, no início dos anos de 1990 foi criada também a CRP

Caderi, nome que usaria as primeiras letras da expressão de capital de risco. A empresa foi

criada com um capital de US$ 5 milhões, tendo como investidores iniciais o BNDESPAR, do

Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, com o objetivo de ampliar a

atuação da CRP em investimentos em empresas de base tecnológica no Brasil com alto

potencial de crescimento. Estas entidades foram responsáveis por aportar 75% dos recursos

para a criação da Companhia de participações e os demais recursos foram aportados pelos

próprios sócios da CRP Companhia e Participações (5%) e por 5 empresários que fizeram

parte da PARGS, criada no âmbito dos investimentos anteriores.

A CRP - Companhia e Participações passou a ser a gestora dos recursos captados

pela CRP Caderi, investindo os recursos em um modelo de holding, mas que já se

assemelhava bastante ao modelo de seleção e aporte que seria utilizado pela empresa nos

fundos de investimento que ela iria constituir nos anos seguintes. Em 1999, a CRP Caderi

constituiu o seu primeiro FMIEE, utilizando a mesma estrutura de investimento criada pela

CRP Caderi com recursos do BNDESPAR, o RSTec. Nos anos seguintes foram criados

também com fundos do BNDESPAR, o FSTec e SCTec com base no mesmo modelo, todos

eles administrados pela CRP Companhia e Participações.

Em sua trajetória de formação, a CRP Companhia e Participações se transformou

de uma empresa de investimentos no formato de holding, aportando recursos de seus sócios,

para uma gestora de recursos via fundos de investimento, captando recursos e os empregando

em empresas tendo um prazo de duração e uma tese de investimentos para cada captação que

realiza. Interessante notar que nos dois formatos, além de permanecer no âmbito do capital de

risco, nos dois formatos a presença de parceiros públicos foi fundamental para o crescimento

e a evolução da entidade.

No caso da Inseed Investimentos, a gestora foi criada no âmbito do lançamento do

CRIATEC I, sendo a escolhida para gerir os recursos do fundo criado pelo BNDESPAR,

tendo sido criada no início de 2002. Antes de se tornar Inseed Investimentos, a gestora já

tinha projetos na área de inovação por meio do Instituto de Inovação, uma entidade que se

dedicava ao fomento de novos negócios na área de tecnologia. A partir do momento em que

passou a gerir os recursos do CRIATEC I, a Inseed Investimentos também ampliou o escopo

da atuação do Instituto de Inovação e passou a se tornar uma das gestoras mais relevantes no

segmento de capital de risco no país.

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Na visão de Gustavo Junqueira107

, um dos fundadores da Inseed Investimentos, a

origem da gestora está ligada a origem do Instituto de Inovação, construir uma ponte entre

ciência e mercado. A tese de investimento da Inseed em 2002 partia de duas premissas: (i) o

Brasil possuía empreendedores com conhecimento em ciência, alguns deles com nível

avançado no âmbito internacional; e (ii) este conhecimento disponível e construído por uma

infraestrutura pública não conseguia alcançar o mercado, não era convertido em negócios e a

principal razão disso era a falta de financiamento para transformar conhecimento em

empresas. Nesse sentido, a tese criada pela Inseed Investimentos ao BNDESPAR no edital

lançado em 2007 para a seleção do gestor do CRIATEC I foi de uma gestora que

transformaria o conhecimento profundo presente na ciência brasileira em negócios escaláveis.

A gestora registrou o seu primeiro fundo no âmbito do CRIATEC I em 2009, só

que já havia apresentado sua tese de investimento e realizado ações com o BNDES desde

2002, algumas delas como Instituto de Inovação e outras delas já como Inseed Investimentos,

captando recursos de poucos investidores privados. Para Gustavo Junqueira, a Inseed

Investimentos existe em razão do CRIATEC I, uma vez que os recursos disponibilizados pelo

BNDESPAR e pelo Banco do Nordeste e a rede que a gestora foi capaz de construir com os

investimentos realizados tornaram ela o que ela é hoje.

Apenas como comparação, antes do seu ingresso no CRIATEC I, os cinco sócios

do Instituto de Inovação realizaram investimentos em 5 empreendimentos durante os anos de

2002 e 2007, sendo investimentos de pequena monta, variando entre um investidor anjo e um

investimento de capital semente. No CRIATEC I foram 36 investimentos, espalhados por

diversas regiões do país. O ingresso no CRIATEC I alterou o tamanho da Inseed

Investimentos, ampliou sua rede de atuação, ampliou o volume e o tamanho de seus

investimentos e permitiu com que a Inseed hoje seja capaz de captar recursos junto à

investidores privados, os quais tem como principal referência o histórico de resultados do

CRIATEC I.

Também no âmbito do CRIATEC I, pode-se dizer que a criação e expansão da

Antera Gestora de Recursos foi diretamente influenciada pelo consórcio de investimento que

formou com a Inseed Investimentos para gerir os recursos do CRIATEC I. Fundada em 2005

por Robert E. Binder, José Arnaldo Deutscher, Andre Massa e Helena Ventura, a Antera

Gestora de Recursos nasce com o mesmo diagnóstico da Inseed Investimentos, buscando

captar recursos para investimentos em empresas de base tecnológica no país.

107

Gustavo Junqueira. Entrevista concedida no dia 11.02.2019.

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247

Segundo Robert E. Binder108

, a Antera Gestora de Recursos foi criada com a tese

de investir em empresas em sua fase inicial de desenvolvimento, em que a gestora

disponibilizaria recursos de capital semente. Em sua visão, a presença do BNDES e da Finep,

bem como alguns exemplos de investimentos realizados com sucesso no país no início dos

anos 2000, encorajaram os fundadores da Antera a montar uma gestora de recursos e buscar

parceiros que compartilhariam os riscos de investimento de venture capital no país.

No mesmo ano de sua criação, 2005, a gestora conheceu os projetos do Instituto

de Inovação e passou a trabalhar com a prospecção de oportunidades de investimento, tendo

suas primeiras aproximações com profissionais do BNDESPAR. Foram eventos, reuniões,

encontros em universidades que foram gradativamente fomentando a ideia de que não havia

oferta suficiente de capital semente no país e que seria necessária a criação de um ator que

pudesse suprir esta carência no financiamento de empresas de base tecnológica no país. A

aproximação entre a Antera e a Inseed ocorreu nestes espaços e ambos propuseram o

consórcio que se tornou o gestor de recursos do CRIATEC I. Foram geridos R$ 100 milhões

disponibilizados pelo BNDESPAR e pelo Banco do Nordeste, tendo investimentos realizados

de até R$ 5 milhões por empresa, alcançando 36 empresas distribuídas em 8 estados

brasileiros.

Hoje, além do CRIATEC I, a Antera Gestora de Recursos também gere os

recursos do Primatec, FIP criado no escopo do programa Inova Empresa da Finep. Lançado

em 2015, o fundo se destina a investir em empresas de base tecnológica com alto potencial de

crescimento surgidas de incubadoras de universidade e parques tecnológicos no Brasil. O

objetivo do fundo é fortalecer o financiamento para as chamadas spin-offs universitárias,

empresas de base tecnológica fundadas no contexto de pesquisas realizadas no âmbito

acadêmico e que podem se tornar negócios com alto potencial de crescimento.

Na visão de Robert E. Binder, foi a participação no CRIATEC I e a rede formada

em parceria com a Inseed Investimentos que criou as condições para que a Antera fosse capaz

de assumir a gestão do Primatec. A experiência nos investimentos de capital semente,

permitiram com que a gestora ganhasse experiência, formasse equipe e criasse uma rotina de

acompanhamento de seus investimentos que permite hoje a gestão de recursos em projetos

como o Primatec e projetos de investimento com captação de recursos junto à investidores

privados. O Primatec é exemplo disso. Além dos R$ 40 milhões disponibilizados pela Finep,

108

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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248

a gestora foi capaz de captar mais R$ 60 milhões de investidores privados para dar início as

operações de investimento realizadas pelo FIP Primatec em 2015.

Interessante notar que neste primeiro grupo de gestores de capital de risco a

disponibilização de recursos públicos foi fundamental para a sua formação e para a sua

consolidação como investidores de capital de risco no país. Mesmo que criados em momentos

distintos, os investidores deste primeiro grupo têm como ponto em comum teses de

investimento associadas a empresas de base tecnológica com alto potencial de crescimento,

apoiadas por parte de entidades públicas que tem como uma de suas missões o

desenvolvimento do país por meio do fomento à inovação.

No segundo grupo de gestoras estão a Vox Capital e DGF Investimentos. Ambas

contaram com recursos advindos de entidades internacionais que disponibilizaram recursos

financeiros para aplicações de capital de risco. Interessante notar, que o perfil destes

investidores é diferente. Enquanto a Vox Capital se concentra em negócios de impacto social,

tendo como referencial não apenas o retorno financeiro da empresa, mas também indicadores

de impacto do negócio nas classes C, D e E na economia nacional, a DGF Investimentos pode

ser descrita como uma investidora de venture capital mais tradicional, concentrada em

negócios com alto potencial de crescimento, não tendo como uma preocupação imediata

qualquer tipo de impacto social direto.

O surgimento da Vox Capital está diretamente ligado ao início dos primeiros

negócios de impacto social do país. Segundo Gilberto Ribeiro109

, sócio da Vox Capital, a

gestora nasce a partir da frustração de seu fundador, Daniel Izzo, com a falta de propósito de

negócios na economia tradicional. Após dez anos de trabalho na Johnson & Johnson na área

de novos negócios, Daniel Izzo passou a entrar em contato com a literatura sobre negócios de

impacto social e com os primeiros projetos de negócios que buscavam comungar retorno

financeiro e formas de inclusão da base da pirâmide social a produtos e serviços da economia

nacional.

Na época, Daniel Izzo foi convidado por um empreendedor social chamado

Henrique Bussacus para conhecer um dos primeiros negócios de impacto social, chamado de

Tecorra, uma rede que organizava artesãos na região amazônica, para distribuir os seus

produtos em lojas do varejo tradicional, negociando de forma conjunta para ampliar o retorno

obtido pelos artesãos. A partir do contato com esta iniciativa o Daniel Izzo investiu como

pessoa física no negócio, se tornando investidor anjo da Tecorra.

109

Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019.

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249

Segundo Gilberto Ribeiro, no momento em que o Daniel investiu na Tecorra

como investidor anjo ele passou a enxergar este segmento como uma oportunidade. Em um

primeiro momento, outros projetos passaram a ser apresentados a ele por empreendedores que

tinham passagens por segmentos tradicionais e compartilhavam da ideia de negócios com

propósito social. O Henrique Bussacus, por exemplo, além de formado em administração de

empresas pela FGV/SP, tinha trabalhado por anos no JP Morgan na área financeira, porém,

ainda demonstrar encontrar muitas dificuldades para acessar capital para o financiamento de

sua empresa. Para Gilberto, o diagnóstico na época era de que se empreendedores com este

perfil não conseguem acessar capital, há uma oportunidade para a realização de

investimentos.

Henrique Bussacus apresentou Daniel Izzo para a aceleradora Artemísia, que

cuidava da formação e realizava investimentos de pequeno porte para empresas de impacto

social, introduzindo-o como alguém com interesse em criar um fundo de investimento de

capital de risco focado em negócios de impacto social. Segundo Gilberto Ribeiro, as empresas

que passavam pelo processo de aceleração da Artemísia não encontravam investidores que

compreendiam como estruturar investimentos de capital de risco para negócios de impacto. A

percepção na época, segundo Gilberto Ribeiro110

, era “ou você dá lucro ou você é uma

organização não governamental, não tem meio termo, não tem abordagem alternativa, só

existe um capital de risco”.

No contexto das conversas realizadas na Artemísia, Daniel Izzo criou o seu

primeiro fundo de investimentos, ainda não de capital de risco, concentrado na concessão de

empréstimos para negócios de impacto social chamado de Geração de Impacto. Dois anos

depois da criação do fundo para empréstimos, em 2012, foi criado o fundo de investimento de

capital de risco (FIP) para negócios de impacto social, com a captação de pouco mais de R$

83 milhões.

Segundo Gilberto Ribeiro, o perfil dos cotistas do fundo de capital de risco pode

ser dividido entre três blocos de cotistas: (i) 40% de recursos advindos da Financiadora de

Estudos e Projetos (FINEP), IDB Labs, um dos braços de investimento do Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF), Banco

de desenvolvimento da América Andina; (ii) 30% dos recursos vindos de institutos e

fundações empresariais brasileiras (e.g. instituto alana) e uma estrangeira, a Potencia

110

Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019.

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250

Ventures, que é a fundadora da Artemísia; e (iii) 30% de recursos vindos de escritórios

patrimoniais de famílias de alta renda, chamados de Family offices.

Atualmente, o Vox Capital constituiu o seu segundo FIP e está em fase de

captação de recursos. Até o momento já captou R$ 43 milhões, tendo como meta alcançar o

montante de R$ 70 milhões para a realização de investimentos. De acordo com Gilberto

Ribeiro111

, o perfil dos cotistas que aportaram recursos no novo fundo de investimentos é

muito similar ao dos cotistas do primeiro fundo criado pela gestora de recursos e foram

influenciados pelos resultados obtidos no primeiro ciclo de investimentos realizados pela Vox

Capital.

No caso da DGF Investimentos, a sua formação está intimamente ligada ao Banco

Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo Sidney Chameh, fundador da DGF

Investimentos, teve sua primeira experiência com capital de risco em 1998 no banco em que

trabalhava a época. No portfólio da instituição financeira que o entrevistado solicitou que não

revelássemos, havia um fundo de investimento em pequenas empresas emergentes (FMIEE),

ao qual ninguém no banco tinha interesse em gerir. O fundo ficou abandonado pelos seus dois

primeiros anos e neste período não havia realizado nenhum investimento. Ele se interessou

pelo perfil, muito em razão de ter realizado a sua pós-graduação nos Estados Unidos da

América, momento em que teve contato com a literatura de investimentos de venture capital.

Em 19998 pediu para o diretor de investimentos do banco para se tornar o gestor do fundo,

pedido que foi prontamente atendido.

A maior parte dos recursos financeiros deste FMIEE tinham vindo do Banco

Interamericano de Desenvolvimento, que cobrava por uma postura mais proativa do banco

que geria os recursos para a seleção e aplicação dos recursos disponibilizados. Em 1999, já

sob a gestão de Sidney Chameh, o fundo realizou seu primeiro investimento na empresa

Logocenter, que dois anos após o investimento foi vendida para a Microsiga, que

posteriormente se tornaria a Totvs. Em 2001, o fundo já havia realizado sete investimentos em

empresas emergentes, tendo tido três saídas bem-sucedidas.

Contudo, mesmo com retorno sobre os investimentos realizados, o volume das

operações e o perfil das empresas investidas não interessou o banco para a constituição de

novos veículos para investimento em empresas emergentes. Havia a sensação, na percepção

de Sidney Chameh, de que o formato de capital de risco e a demanda de participação ativa nos

processos de tomada de decisão das empresas investidas não estaria alinhado com a estratégia

111

Ibidem.

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251

de investimento do banco. Mesmo com os seus esforços em buscar novos cotistas, na visão do

gestor, não existiam mais as condições para prosseguir naquela estrutura.

Em junho de 2001, Sidney Chameh fundou a DGF Investimentos. Segundo

Sidney Chameh112

, a gestora de recursos nasce em uma conversa que ele teve com um

executivo do BID, chamado Nobu, que acompanhou os investimentos realizados por ele no

Banco e agora gostaria de continuar fomentando o capital de risco no país, tendo nele a figura

para conduzir os investimentos. Foram disponibilizados US$ 8.3 milhões para investimentos,

tendo Sidney que obter mais US$ 1.7 milhão para completar o fundo de investimento que

seria criado. Com contatos no banco Sudameris, Sidney Chameh obteve os recursos

necessários e iniciou as atividades da gestora de recursos.

Para o investidor, no momento em que a DGF Investimentos foi criada existiam

atores dispostos a prover capital para investimentos de venture capital no país, contudo, o

conhecimento sobre a modalidade de investimento e as condições da economia, em especial a

rivalidade de outros tipos de investimento, como investimentos de renda fixa, tornavam o

venture capital muito pouco atrativo para a atração de potenciais gestores. Fazendo um

balanço das razões que o motivaram para que ingressasse nesta modalidade, ele destaca que

via um potencial de alto retorno neste tipo de investimento e também a via que faltavam

gestores que pudessem explorar esta oportunidade.

No terceiro grupo de gestoras entrevistadas estão a Monashees, Domo Invest,

Bossa Nova Investimentos e Provence Capital. Todas elas foram fundadas a partir da

trajetória de seus fundadores, um deles como empreendedor no Brasil (Rodrigo Borges) e os

demais a partir de suas experiências fora do país, em especial no Vale do Silício na Califórnia.

O que caracteriza este grupo de investidores é o fato de terem como referência principal o

modelo de investimento de venture capital norte-americano, ao qual buscam aplicar no

contexto nacional.

A Monashees foi fundada em 2005 por Erik Acher e Fábio Igel, com o propósito

de trazer o modelo de venture capital utilizado no Vale do Silício para o financiamento de

empresas de base tecnológica para o Brasil. Segundo Sullyen Almeida113

, representante da

Monashees, os fundadores da gestora acreditam que há setores da economia nacional que

poderiam se desenvolver com base na estrutura de investimento de venture capital, que

poderiam se beneficiar com esta modalidade de investimento.

112

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019. 113

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019.

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252

A trajetória dos fundadores da Monashees passa por uma relação muito próxima

com o contexto estadunidense. Erik Acher, por exemplo, estudou nos Estados Unidos na

universidade de Northwestern em Chicago para a obtenção do seu MBA (Master in Business

Administration) e trabalhou por alguns anos em uma gestora de recursos (General Atlantic)

que investe na modalidade de venture capital e private equity. Quando retornou ao Brasil,

iniciou suas atividades como representante da General Atlantic no país para investimentos de

venture capital e posteriormente organizou a captação de recursos para a criação da

Monashees com Fábio Igel.

Fábio Igel, um dos herdeiros do grupo empresarial Ultra, formado pela

universidade de Hosta na Suiça, atuou por muitos anos como investidor anjo nos Estados

Unidos da América e no Brasil aportando recursos em empresas com alto potencial de

crescimento, tendo como preferência os investimentos em empresas de base tecnológica. A

ideia dos fundadores da Monashees era de construir um modelo de investimento de venture

capital, adaptado às condições do Brasil, capaz de financiar empresas de classe mundial,

conforme explicado por Sullyen Almeida114

.

Do ponto de vista de atuação, a Monashees é uma gestora de recursos financeiros

que atua na modalidade de venture capital, contudo, seus investimentos não são

exclusivamente realizados no Brasil. Além de sua atuação em escritórios espalhados pelo

país, a gestora também investe em empresas latino-americanas e tem também aportado

recursos para empresas que tenham empreendedores brasileiros que constituíram suas

empresas nos Estados Unidos da América e na Estônia. Segundo Sullyen Almeida, a

concepção da Monashees é de investir em empresas de classe mundial e fomentar

empreendedores brasileiros com grande talento, podendo estes estar localizados em diferentes

partes do globo.

Por esta razão, a gestora não adotou a estrutura de fundo de investimento e

participações constituído no Brasil, optando por uma estrutura comum no Vale do Silício de

Limited Liability Company (LLC), com sede nas Ilhas Cayman, com subsidiárias registradas

no estado de Delaware nos Estados Unidos da América, que controlam as empresas que

realizam aportes em cada um dos países, no caso brasileiro uma sociedade de participações no

regime de limitada. Esta sociedade limitada é a que realiza os investimentos em empresas

brasileiras, tendo como contrapartida as participações minoritárias de cada um dos negócios.

Segundo Sullyen Almeida115

, neste formato a Monashees é capaz de captar recursos de

114

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 115

Ibidem.

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253

entidades localizadas em outros países, em particular de investidores nos Estados Unidos da

América.

Ao longo de seus investimentos, a gestora consolidou duas teses de investimento,

realizando aportes em empresas nas áreas de mobilidade urbana, serviços financeiros,

logística e serviços educacionais, priorizando soluções técnicas na área de tecnologia da

informação, contudo, não se limitando apenas a elas. Segundo Sullyen Almeida, a Monashees

iniciou suas atividades de forma a ser agnóstica em relação aos segmentos que atuariam,

entendendo que teriam de observar as oportunidades de investimento e as condições de cada

mercado. Com o tempo, percebeu-se que soluções na área de tecnologia da informação e

comunicação seriam mais viáveis e alguns setores começaram a se destacar em número de

oportunidades apresentadas, como, por exemplo, segmentos chamados de fintech e edutech.

Interessante notar que diferente dos dois primeiros grupos de gestoras

entrevistadas, em que a equipe da gestora é composta majoritariamente por profissionais com

formação na área de administração e finanças, no caso da Monashees, a sua equipe

permanente é bastante diversificada na formação de seus profissionais. O modelo tradicional

de contratação de consultores externos para o auxílio nos investimentos por gestoras de

recursos, é alterado pela percepção da Monashees de que a identificação de empresas de base

tecnológicas promissoras passa por um profundo conhecimento sobre mudanças tecnológicas

em diferentes mercados. Na explicação de Sullyen Almeida116

, contratar engenheiros,

cientistas da computação, químicos, publicitários e até psicólogos ajudaram a gestora a

identificar oportunidades de investimento em mercados pouco explorados por outros

investidores.

Esta, porém, é uma característica específica da Monashees se comparada com as

outras duas entrevistadas do terceiro grupo. Isto porque, mesmo que a Domo Invest disponha

de profissionais da área de engenharia na sua equipe permanente, as funções por estes

profissionais estão relacionadas as atividades de investimento e não de prospecção

tecnológica. A Domo Invest da mesma forma que as outras gestoras entrevistadas nos grupos

1 e 2, optaram por contratações pontuais de consultores associados à projetos específicos em

que foi necessária uma análise tecnológica.

A Domo Invest como gestora de recursos surge no início de 2016, formando o seu

primeiro fundo de investimento e participações com capital de R$ 100 milhões, tendo por

base a captação de recursos no mercado nacional. Contudo, mesmo tendo sido criada

116

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019.

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254

formalmente em 2016, a Domo Invest enquanto prática de investimento reunindo seus sócios

atuais foi iniciada sete anos antes, com o aporte de recursos em um fundo de investimento e

participações com foco em empresas de base tecnológicas.

Ainda atuando em empresas privadas, os cinco fundadores da Domo Invest

decidiram investir em um fundo dedicado para investimentos de venture capital,

disponibilizando recursos de seu próprio patrimônio para a modalidade. Após o encerramento

do ciclo de investimentos e a apuração de bons resultados, estes investidores decidiram

formar em conjunto uma gestora de investimentos, para formarem seus próprios fundos e

investirem em empresas de base tecnológica no país.

A Domo Invest foi criada por empreendedores que dispunham de recursos após

bons resultados financeiros nas empresas que criaram, como o caso de Rodrigo Borges,

fundador da Buscapé Company, e Gustavo Stocco, fundador do Banco Original, e por

executivos de empresas, como Gabriel Sidi, Felipe Andrade e Marcelo Andrade. Na visão de

Rodrigo Borges, a formação da Domo Invest se deu, pois, os sócios da gestora puderam ver

na condição de cotistas de um fundo de investimentos de venture capital como um ciclo de

investimento pode ser realizado no país de forma bem-sucedida.

Todos os sócios, mesmo que em posições diferentes em suas empresas, já haviam

tido algum tipo de contato com investimentos de venture capital. No caso dos

empreendedores, o seu relacionamento era com os investidores do empreendimento que

criaram, no caso dos executivos, a sua experiência estava na participação das empresas em

que trabalhavam em fundos de investimento nesta modalidade. Todavia, mesmo com o

contato com a modalidade de investimento, foi apenas quando os sócios participaram de um

investimento desta natureza que ficou claro que poderiam se dedicar a construção de uma

gestora de recursos para investimentos de venture capital, inclusive utilizando a suas redes de

contato para a articulação da primeira captação de recursos financeiros para a gestora.

Na metade de 2018, a Domo Invest, mesmo com um histórico recente de

investimentos, foi selecionada entre diversas gestoras para gerir os recursos financeiros de um

novo fundo de investimento criado pelo BNDESPAR, que se dedicará a investimentos em

empresas de base tecnológica. O chamado de Fundo de Coinvestimento Anjo terá a duração

de 10 anos e um patrimônio de R$ 100 milhões, divididos entre R$ 60 milhões aportados pelo

BNDESPAR e o restante captado no mercado. O fundo investirá em empresas que já tenham

auferido receita, tendo como teto para investimento as empresas que tenham tido como receita

operacional líquida o valor de R$ 1 milhão no último exercício fiscal.

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255

Para Rodrigo Borges117

, a criação da Domo Invest se insere em um novo contexto

do capital de risco no país. Em sua visão o amadurecimento do mercado mostra que empresas

de base tecnológica estão mais preparadas para receber investimentos, cresce o apoio de entes

públicos com aportes de capital e programas de incentivo, e cresce a disposição de indivíduos

em formarem as suas gestoras de recursos para a realização de investimentos de venture

capital, em especial por conseguirem vislumbrar ciclos de investimento completos com saídas

bem sucedidas no país.

André Kabbani, representante da Bossa Nova Investimento concorda com esta

visão sobre o ambiente atual. Fundada em 2011 por Pierre Schurmann, a Bossa Nova

Investimento nasce para ampliar a capacidade de investimento de seu fundador.

Empreendedor no início de sua trajetória, Pierre Schurmann criou em 1997 o segundo maior

site brasileiro de buscas na internet, a Zeek, tendo recebido investimento de um fundo

internacional de capital de risco chamado idea para o financiamento de seu empreendimento.

Após a venda de sua participação em 2004, passou a atuar como investidor anjo,

amadurecendo a ideia de constituir a sua própria gestora de recursos para investimentos em

capital de risco.

De 2004 até 2011, Pierre Schurmann realizou 20 investimentos em empresas com

alto potencial de crescimento em suas fases iniciais de desenvolvimento, ainda ser auferir

faturamento na maior parte dos casos. Segundo André Kabbani118

, em 2011, Pierre

Schurmann decidiu reunir todos os seus investimentos e captar recursos junto à terceiros para

ampliar a sua capacidade de financiamento de empresas com alto potencial de crescimento. A

experiência como anjo, mesmo tendo gerado bons retornos financeiros, fazia com que o

investidor saísse de seus investimentos ainda muito cedo, criando a sensação de que poderia

obter retornos maiores nos investimentos que realizou ao longo de sua trajetória.

No mesmo ano, João Kepler, outro investidor anjo com atuação em diversos

segmentos, foi convidado por Pierre Schurmann a incorporar o seu portfólio de investimento

anjo na Bossa Nova Investimentos, de modo a ampliar a envergadura da gestora de recursos e

atrair mais capital e empresas de alto potencial de crescimento para receberem investimentos.

João Kepler, já havia realizado investimentos com Pierre Schurmann em algumas empresas e

compartilhava da mesma sensação de que em algumas empresas em que investiu a sua saída

foi muito precoce, conforme descreve André Kabbani119

.

117

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019. 118

KABBNI, André. Entrevista realizada em 14.03.2019. 119

Ibidem.

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Além de recursos provenientes de seus dois fundadores, a Bossa Nova

Investimentos captou recursos junto ao Banco BMG e escritórios de gestão patrimonial de

grandes fortunas (Family Offices). Hoje, a gestora dispõe de pouco mais de R$ 70 milhões

alocados em investimentos de empresas com alto potencial de crescimento, podendo estas ser

empresas de base tecnológica ou não. O aporte se dá a partir de fundos de investimento e

participação constituídos a partir das teses de investimento da gestora.

Entre os segmentos de empresas em que a gestora buscou investir estão o de

educação, varejo, soluções de comércio eletrônico, dentre outros. Segundo André Kabbani120

,

a escolha dos segmentos se deu em boa medida pela experiência pregressa de investimento

dos fundadores da gestora. Já havia uma experiência acumulada por parte deles durante a sua

trajetória como investidores anjo que foi aproveitada na seleção de empresas para

investimento.

Uma característica peculiar da equipe da Bossa Nova Investimentos em

comparação com as demais gestoras é a inclusão em sua equipe permanente de

empreendedores que já tiveram empresas investidas por gestoras de capital de risco. Na

explicação de André Kabbani121

, os fundadores da Bossa Nova Investimentos acreditam que

profissionais que já participaram de ciclos de investimento na posição de empreendedores tem

melhores condições de compreender os problemas e dificuldades de um investimento de

venture capital e estão em boas condições para auxiliar as empresas investidas em suas

trajetórias de crescimento.

Esta característica também pode definir a última gestora entrevistada no escopo da

pesquisa, a Provence Capital. Segundo Marcelo Mitre122

, responsável por operações de

investimento da Provence Capital, a gestora foi criada por Leo Figueiredo em 2014, como

uma forma de diversificação dos investimentos realizados pelo empreendedor. Após a venda

de sua empresa em 2006, a Hedging-Griffo, para o banco Credit Suisse em uma operação de

358 milhões de francos suíços, o empreendedor decidiu utilizar parte dos recursos financeiros

recebidos para a realização de investimentos em empresas de base tecnológica, em seus

primeiros anos como investidor anjo, e em 2014 a partir de sua própria gestora de recursos.

Diferente de outras gestoras de recursos, a Provence Capital foi criada

exclusivamente com recursos disponibilizados por Leo Figueiredo e com a equipe de

profissionais que trabalhou com ele na Hedging-Griffo, incorporando ao longo do tempo

120

Ibidem. 121

Ibidem. 122

Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.

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outros empreendedores que faziam porte do seu portfólio de investimento enquanto investidor

anjo. Por esta razão, Marcelo Mitre123

, descreve a Provence Capital como uma gestora que

realiza investimento no formato de venture capital, contudo, não capta ou emprega recursos

como uma investidora típica de capital de risco, uma vez que aplica apenas os recursos

disponibilizados por Leo Figueiredo.

Entre 2010 e 2014, o empreendedor realizou 14 investimentos na condição de

anjo, dentre eles o investimento na Gympass, empresa que oferece um serviço de assinatura

digital para uso em academia de ginastica espalhadas pelo mundo, que em 2019 foi avaliada

em US$ 1.1 bilhão pela investidora japonesa Softbank e pela estadunidense General Atlantic

que irão investir na rodada de investimento mais recente para financiar o crescimento da

empresa. Assim como a Gympass, as empresas presentes no portfólio de investimento anjo de

Leo Figueiredo foram incorporadas ao portfólio da Provence Capital, que passou a

acompanhar as rodadas de investimento de venture capital, conforme as empresas passaram a

crescer e demandar por mais capital.

A ideia era a criação de uma estrutura profissional para cuidar dos investimentos

do empreendedor, com a apropriação da lógica de investimentos de venture capital, em

especial a participação efetiva nos processos de tomada de decisão das empresas investidas,

porém, sem a necessidade de prestação de informações e geração de relatórios de atividades e

desempenho para as entidades fornecedoras do capital da gestora, os limited partners. Na

Provence Capital, a fonte de recursos financeiros se confunde com a figura do diretor da

gestora de recursos, alterando as características deste venture capitalist.

Além disso, a formação da equipe da Provence Capital contou com diversos

profissionais que ocupavam posições na Hedging-Griffo, e com o tempo, também

incorporando empreendedores que haviam recebido investimentos do empresário na condição

de investidor anjo. A pessoalidade na relação e a identificação de talentos para investimentos

são marcas da formação da equipe da Provence Capital. Nesse sentido, segundo Marcelo

Mitre124

, a formação da equipe da Provence Capital é resultado direto da trajetória e da rede

de relacionamentos de seu fundador. Não há como desvincular as teses de investimento, a

equipe e a forma de atuação da gestora da pessoa Leo Figueiredo.

Por esta razão, a atuação da Provence Capital tem se concentrado na leitura que

Leo Figueiredo faz das oportunidades de investimento no mercado nacional. Segundo

123

Idem. 124

Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.

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Marcelo Mitre125

, a atuação da Provence Capital não se associa a um segmento da economia

ou a um mercado específico. Na visão do fundador da gestora, a economia brasileira não tem

um segmento que sozinho possa oferecer uma ampla oferta de empresas de base tecnológica

para investimento. Mesmo segmentos com mais de 200 empresas em trajetórias de

crescimento, como o segmento de fintechs, ainda é muito difícil construir um portfólio

rentável com base em um setor.

Nas palavras de Marcelo Mitre, “a Provence Capital adota uma estratégia de

consistência, que é buscar bons empreendedores, independentemente da indústria em que eles

estão”. Esta postura, voltada a ideia de consistência da empresa investida, fez com que a

Provence Capital tenha tido retorno, mesmo que pequeno, em todos os investimentos que

realizou. Além de uma análise financeira e jurídica de cada uma das empresas investidas e de

seus empreendedores, há uma avaliação conservadora sobre a viabilidade do plano de

negócios apresentados, com a exigência de resultados até mesmo no curto prazo, analisando-

se a lista de clientes, receitas auferidas, entre outros indicadores.

A partir da descrição de Marcelo Mitre, a Provence Capital apresenta um

comportamento atípico em relação à outras gestoras de recursos na modalidade de venture

capital, ela não espera que os retornos financeiros obtidos nas poucas empresas bem-

sucedidas em suas trajetórias de crescimento compensem as perdas obtidas nos demais

investimentos. Na Provence Capital, a avaliação pormenorizada e as exigências de

consistência de curto-prazo, fazem com que a gestora, mesmo que não invista em um grande

portfólio, reduz o seu risco de perdas com as empresas que figuram no seu portfólio.

Em relação a sua estrutura, a Provence Capital optou por um formato idêntico ao

da Monashees, em que possui uma empresa nas Ilhas Cayman, controlando empresas

formadas no estado de Delaware nos Estados Unidos que irão investir em sociedades de

participação constituídas no Brasil no formato de empresas limitadas. Contudo, diferente de

Sullyen Almeida da Monashees, Marcelo Mitre explicou as razões da adoção deste modelo

em detrimento do modelo de fundos de investimento e participações. Na explicação dele, a

estrutura Cayman-Delaware-São Paulo serve como forma de atração de investidores de maior

porte que poderão aportar recursos em rodadas de investimento subsequentes.

A Provence Capital investe nas fases de capital semente, series A e series B,

aportando recursos em empresas de base tecnológica. Contudo, para ampliar as suas

condições de saída do investimento, aumentando as chances de um investidor comprar a sua

125

Ibidem.

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participação na empresa investida, ela cria uma estrutura que atraia investidores estrangeiros,

aos quais se sentem mais a vontade de adquirir participações de empresas localizadas nos

Estados Unidos da América, em particular em Delaware. Neste sentido, a construção do

modelo Cayman-Delaware-São Paulo serve para permitir com que a empresa nacional

investida seja objeto de investimento via Delaware, sem a necessidade que o investidor

estrangeiro tenha que ingressar no Brasil ou até que a empresa Brasileira tenha que abrir o seu

capital na bolsa de valores brasileira.

Cabe ressaltar que a estrutura Cayman-Delaware-São Paulo também pode servir

para que a empresa brasileira possa, caso seus investidores concordem, buscar abrir o seu

capital nos Estados Unidos da América, mais especificamente na bolsa de valores Nasdaq. A

empresa que abriria o capital já estaria constituída em Delaware e seria o espelho da empresa

nacional, criando uma lógica de que a empresa sediada nos Estados Unidos seja a matriz e a

empresa brasileira seja uma espécie de filial.

6.2 As perspectivas e expectativas do investidor em relação às empresas de base

tecnológica

O universo de gestora de recursos financeiros entrevistadas por esta pesquisa está

dividido no investimento nos seguintes estágios: (i) capital semente; (ii) series A, ou primeira

rodada de investimentos; e (iii) series B, ou segunda rodada de investimento. Todas as

entrevistadas ressaltaram que mesmo tendo investimentos em diferentes estágios do

crescimento de empresas com alto potencial de crescimento, disponibilizam recursos para o

que chamaram de early stage, as fases iniciais de desenvolvimento da empresa investida. Pela

descrição dos entrevistados, os aportes realizados no early stage são aportes que podemos

categorizar como capital semente, seguindo a mesma lógica de investimentos com

contrapartida de participação societária minoritária.

Uma exceção digna de destaque é a Domo Invest, que recentemente foi

selecionada pelo BNDESPAR para a gestão de um fundo de coinvestimento anjo, realizando

aportes em empresas ainda em fase embrionária. Interessante notar que o termo anjo é

utilizado em alusão ao valor aportado em cada empresa, no investimento anjo típico entre R$

50 mil e R$ 250 mil, e pelo estágio em que este valor é investido, quando a empresa ainda

está desenvolvendo sua linha de produtos e serviços e ainda não demonstra ser completamente

operacional. Porém, diferente de um investidor anjo típico, uma pessoa física, o investimento

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260

será realizado por meio de um fundo de investimento e com recursos provenientes do

BNDESPAR e de outros investidores.

Em relação aos estágios que são financiados, houve consenso por parte dos

entrevistados que a disponibilização de recursos para terceira (series C), quarta (series D),

quinta (series E), e demais rodadas de investimento subsequentes não é comum entre gestora

de recursos financeiros localizadas no Brasil. Ao longo dos anos e com forte incentivo

governamental, os entrevistados concordaram que foram criadas as condições para a

estruturação de investimento anjo, capital semente e de duas rodadas de investimento por

meio de investidoras e gestoras de recursos financeiros que atuam na modalidade de venture

capital. Contudo, o financiamento de estágios mais avançados, que demandam por mais

recursos, é realizado por investidores estrangeiros.

Neste sentido, nossos entrevistados apontaram para dois caminhos possíveis. O

primeiro o da internacionalização das empresas investidas no país. A ideia de que seguindo

uma trajetória bem-sucedida de crescimento a empresa poderá alcançar mercados externos,

expandir-se, e como consequência chamar atenção de investidores estrangeiros que poderão

manter o ritmo de seus processos de expansão. O segundo o da absorção por empresas de

maior porte no Brasil, que após os aportes de primeira e segunda rodada se interessariam em

adquirir a empresa objeto de investimento de venture capital como uma forma de assimilar

uma nova tecnologia ou um novo modelo de negócio em sua estrutura produtiva.

A adoção de uma estrutura de investimentos Cayman-Delaware-São Paulo

favorece a atração de investimentos estrangeiros, e não por acaso, a expectativa de gestoras

como a Monashees e da Provence Capital é de identificar empreendimentos que tenham a

possibilidade de alcançar mercados em outros países. Mesmo na estrutura de investimento

baseada em fundos de investimento e participações, como no caso da DGF Investimentos, a

expectativa de que a empresa tem de apresentar as condições para se internacionalizar ao

longo de sua trajetória de crescimento esteve presente na fala dos entrevistados.

Outro aspecto que foi mencionado por três dos entrevistados foi a possibilidade de

investimentos realizados por gestoras de private equity após a realização de uma segunda

rodada de investimentos. Segundo Marcelo Mitre126

da Provence Capital, alguns fundos de

private equity têm buscado oportunidade de investimento na área de venture capital. O

número de oportunidades de investimento em empresas nesta modalidade de investimento não

é tão vasto como já foi há 5 anos atrás, e o financiamento de estágios mais avançados de

126

Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.

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261

crescimento de empresas de base tecnológica tem atraído a atenção de alguns fundos.

Todavia, mesmo que o interesse existe e alguns fundos tenham realizado investimentos nestes

estágios, Marcelo Mitre ressalta que ainda não superam o investimento estrangeiro e a venda

estratégica da empresa.

A segunda expectativa das gestoras entrevistadas se refere a sua percepção do que

é uma boa oportunidade de investimento no contexto do venture capital. Um ponto em

comum entre todas as respostas obtidas foi o fato de que o aspecto mais importante analisado

pelos investidores são os empreendedores, suas características pessoais, o seu potencial, a sua

visão sobre o negócio e como vislumbra o crescimento de seu empreendimento. Todos os

entrevistados ressaltaram a importância de identificar características no empreendedor que

sejam capazes de convencê-los de que vale a pena investir no negócio.

As características do empreendimento apresentado, da tecnologia desenvolvida,

da viabilidade do planejamento financeiro apresentado foram fatores que estiveram presentes

nas respostas dos entrevistados em diferentes graus de importância, porém, o que todos

fizeram questão de sublinhar foi a importância da identificação do potencial dos

empreendedores envolvidos no empreendimento como um fator determinante para a seleção

da empresa que será investida.

Outro fator que também esteve presente nas respostas dos investidores foi o

interesse em empresas voltadas a oferecer produtos e serviços business to business (B2B).

Gustavo Junqueira da Inseed Investimentos, explica que a gestora se concentra em empresas

no segmento de B2B, uma vez que a estruturação de um plano de crescimento neste segmento

já se provou no passado e há riscos altos associados a empresas que ofereçam negócios no

segmento de business to consumer (B2C).

Um fator também presente na fala de todos os entrevistados foi a importância de a

empresa investida ser uma empresa de base tecnológica. Contudo, a percepção sobre o que

significa ser uma empresa de base tecnológica variou entre os entrevistados. Para a análise das

respostas dos entrevistados utilizamos os referenciais apresentados por Pinho, Côrtês e

Fernandes (2002, p. 138), que definem empresas de base tecnológica como empresas que

dispõem de competência rara ou exclusiva em termos de produtos ou processos, viáveis

comercialmente, que incorporam grau elevado de conhecimento.

Os atores se aprofundam na conceituação, buscando distinguir empresas de base

tecnológica de empresas que operem processos produtivos modernos e/ou tecnologicamente

densos, mas não necessariamente dinâmicos. EBTs seriam as empresas que realizam esforços

tecnológicos significativos e concentram suas operações na aplicação sistemática de

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262

conhecimento técnico-científico para a criação de novos produtos e processos (PINHO;

CÔRTES; FERNANDES, 2002, p. 138).

Aplicando este conceito as respostas apresentadas, podemos propor uma divisão

entre as gestoras. O primeiro grupo de gestoras pode ser definido como aquele que aplica o

conceito apresentado em toda a sua extensão. Este grupo é formado pelas gestoras que

receberam recursos de entidades como a FINEP e o BNDESPAR, busca se aproximar de

processos de incubação em universidades públicas e privadas, entende que desenvolvimento

tecnológico está associado com desenvolvimento científico e que há a necessidade de

transformar cientistas dispostos a empreender em empresários bem-sucedidos. Entre os

entrevistados, identificamos a Inseed Investimentos, a CRP Companhia e Participações, a

Antera Gestora de Recursos e o Pitanga Fund como membros do grupo.

Nas palavras de Gustavo Junqueira127

da Inseed Investimentos “buscamos

empresas baseadas em conhecimento profundo, não facilmente replicável, que resolve

problemas claros e de ordem técnica, que se mostrem relevantes ao mercado e que sejam

capazes de alterar a forma como se constrói um produto ou se desenha um processo

produtivo”. O gestor ressalta que a concepção de empresa de base tecnológica foi um dos

compromissos criados para a realização de investimentos no contexto do CRIATEC I e que se

consolidou como a postura da gestora em seus investimentos em empresas, mesmo fora do

contexto do CRIATEC I.

Robert E. Binder128

da Antera Gestora de Recursos ainda ressalta:

Só investimos em empresas de base tecnológica. Lógico que é importante

que o empreendedor tenha brilho nos olhos, que ele tenha boa formação, que

ele demonstre potencial e criatividade. Contudo, isto já se tornou tão batido

que não vale mais fazermos referência. Na nossa visão, o empreendedor, a

empresa, precisam estar na trajetória tecnológica correta. Se queremos o seu

crescimento rápido e derivado do potencial de sua tecnologia, faz sentido ela

estar associada com trajetórias tecnológicas promissoras, com ciência de

ponta. Muito se fala em investimentos em inteligência artificial e outros

segmentos que estão na moda. Porém, para nós o importante é a

consistência, é o fato da tecnologia se mostrar nova, o desenvolvimento ter

esforços do empreendedor ou dos empreendedores. É necessário que a

tecnologia consiga mudar o mercado e que por causa disso o crescimento da

empresa seja exponencial. Isso é o que queremos. (Robert E. Binder, 2019)

Clovis Meurer129

da CRP Companhia e Participações ressalta que para além da

análise do grupo de empreendedores, o componente tecnológico de fronteira é muito relevante

127

Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019. 128

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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para a seleção das empresas a serem investidas. Na visão do investidor, é a tecnologia de

ponta que tornará o negócio da empresa escalável. Em suas palavras “o empreendedor pode

ser muito bom no desenvolvimento de próteses, da manipulação de espécies vegetais,

contudo, se este conhecimento profundo não sai do contexto científico e é traduzido para o

ambiente empresarial, a inovação não surge. Nós investimos na inovação, na que muda as

coisas.”

Gabriel Perez130

do Pitanga Fund diferencia o que muitas gestoras no Brasil

chamam de empresa de base tecnológica e o que ele acredita ser uma empresa de base

tecnológica. Para o gestor empresas de internet, como plataformas de comércio eletrônico ou

plataformas de matchmaking (e.g. tinder) não devem ser consideradas como empresas de base

tecnológica. Ele toma o cuidado de dizer que estas podem ser excepcionais oportunidades de

investimento, mas não devem ser consideradas como base tecnológica.

Em sua visão, há o grupo de empresas que busca a realização de esforços de

desenvolvimento tecnológico, que destacam equipes específicas para este desenvolvimento,

que acrescentam ao contexto de aprimoramento técnico de uma área do conhecimento. Outro

grupo, distinto do primeiro, são as empresas que são capazes de incorporar tecnologias

disponíveis, que as inserem em modelos de negócios inovadores, que conseguem extrair valor

da combinação entre estas tecnologias disponíveis e modelos de negócio bem estruturados.

Um exemplo deste último grupo são as empresas no mercado de fintechs, segundo

o gestor. Ele aponta que empresas como Nubank, Creditas, Pagseguro, dentre outras foram

capazes de a partir de soluções tecnológicas disponíveis na área digital realizar

melhoramentos capazes de organizar modelos de negócio significativamente inovadores,

permitindo com que crescessem de forma acentuada, atraindo investimentos e atenção no

contexto nacional. Outro exemplo citado pelo gestor é o da Gympass, que não mostra uma

inovação no âmbito tecnológico, mas sim em modelo de negócio.

Para Gabriel Perez, a barreira de entrada para a montagem destes projetos é baixa,

há profissionais competentes que se dispõem a abrir mão das suas carreiras para ingressar

nestes projetos, já há uma procura por este tipo de empreendimento, pode-se se dizer que já

uma massa crítica de empresas neste perfil de investimento. Contudo, este perfil não deve ser

encarado como o que devemos almejar, o que iremos chamar de empresas de base

tecnológica, aquelas que serão as maiores responsáveis por processos de mudança na

economia e na sociedade brasileira.

129

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019. 130

Gabriel Perez. Entrevista 01.04.2019.

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264

Apesar de serem oportunidades de negócio bastante rentáveis, o gestor não

acredita que elas devam ser encaradas como empresas de base tecnológica e inseridas como

prioridade de programas públicos de incentivo ao investimento de capital de risco no país. Na

visão de Gabriel Perez, não é porque a maior parte das gestoras de recursos no Brasil que

realizam investimentos de venture capital buscam estas empresas que as políticas públicas

devem reproduzir esta procura e garantir que a oferta de empresas a serem investidas

reproduzam este comportamento. Em sua perspectiva, as empresas que são capazes de investir

em conhecimento profundo, em desenvolvimento tecnológico de ponta deveriam ser

priorizados pelos programas públicos.

Além disso, na visão do gestor há também uma confusão de outras gestoras que se

referem a copycats, empresas que reproduzem tecnologias e modelos de negócios testados e

bem-sucedidos em outros países no mercado local, como empresas de base tecnológica. Para

o gestor, chamar estas empresas de empresas de base tecnológica é um equívoco comum e se

torna grave quando estas empresas se habilitam a participar de programas de fomento público

ao empreendedorismo. Estas não deveriam ser a prioridade do Poder Público, uma vez que

não inovam em nenhuma das frentes possíveis para empresas de base tecnológica no país.

No segundo grupo, as gestoras apresentaram respostas que definem empresas de

base tecnológica a partir de percepções mais fluídas sobre a tecnologia. Diferente do conceito

apresentado e utilizado como referência pelo primeiro grupo, neste grupo não há uma

associação entre tecnologia e ciência, a tecnologia desenvolvida pela empresa investida não

precisa ser uma novidade completa, podendo ter tecnologias correspondentes em outros

países, não há uma aproximação significativa com universidades públicas e privadas, salvo

pequenos contatos com programas de aceleração.

Na visão de Rodrigo Borges131

da Domo Invest, o que se vê muito no mercado

brasileiro enquanto oportunidade de investimento é software. Em suas palavras “hoje, existe o

problema e o mercado, se você coloca uma camada de software que te dá eficiência e

escalabilidade você cria um negócio grande, então aí que você tem um grande diferencial”.

Nesse sentido, o que o gestor considera como tecnologia e empresa de base tecnológica é a

empresa que apresenta a competência para construir esta camada de software em segmentos

que podem ganhar em eficiência e com isso crescer rapidamente.

Na fala de Rodrigo Borges e ao longo da entrevista, o gestor indicou que a

solução tecnológica não precisa ser desenvolvida pelo empreendedor ou grupo de

131

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.

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empreendedores, mas precisa ser inserida em um contexto da atividade corporativa em que ela

consiga corrigir uma ineficiência, que promova, por exemplo, ganhos de produtividade. Por

esta razão, quando perguntado se buscava oportunidades de investimento em universidades

públicas e privadas, o investidor disse que não, que não enxergava a universidade no Brasil

como um local em que encontraria empreendedores com potencial.

Ele ressalta em sua fala que o cenário brasileiro é muito diferente do que o cenário

do Vale do Silício na Califórnia. Em sua visão, no Brasil é muito difícil investir em

tecnologias que sejam profundas em conhecimento ou derivadas de esforços intensivos em

ciência que poderão ser convertidos em protótipos e posteriormente em produtos ou

processos. Um exemplo desta percepção foi o investimento que a Domo Invest realizou na

empresa Loggi, tendo já tido uma saída bem-sucedida. Nas palavras de Rodrigo Borges:

Tem um monte de motoboy desorganizado no mercado brasileiro. Empresas

com estruturas ruins e com uma gestão péssima. Você coloca o software,

roteiriza, identifica as oportunidades de entrega. Aí você ganha escala e

constrói a maior empresa de entregas do Brasil. Então vira a Loggi e faz

sentido nós investirmos. (Rodrigo Borges, 2019)

Um exemplo similar foi mencionado por Marcelo Mitre da Provence Capital, ao

comentar o investimento da gestora na Gympass. Para ele, havia uma ineficiência nos planos

de assinatura de academias de ginástica que poderia ser explorada e foi criando uma camada

de software interligando sistemas de academias de ginástica espalhadas pelo Brasil e pelo

mundo que a empresa passou a crescer. O modelo de acesso a academias e o sistema de

pagamentos por acesso individualizado foram diferenciais explorados pela empresa. Ao

mesmo tempo, as soluções de software utilizadas, mesmo que eficientes, não representaram

uma novidade diante do quadro tecnológico disponível.

André Kabbani da Bossa Nova Investimentos aponta para um cenário similar.

Segundo ele, para que a gestora invista, é necessária alguma base tecnológica, um aplicativo,

um “facilitador eletrônico”, em suas palavras, ou qualquer tipo de camada de software.

Todavia, esta camada tecnológica não precisa ser o diferencial da empresa. Um modelo de

negócio que explore ineficiências de um mercado específico já é suficiente para convencer a

gestora a investir na empresa, mesmo que a base tecnológica seja simples e esteja disponível

para sua exploração.

Além disso, quando questionados sobre como participam nas empresas investidas,

as gestoras de recursos apresentaram respostas que nos permitem agrupá-las em dois grupos

novamente. No primeiro grupo, temos as gestoras que atuam de forma muito próxima,

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reunindo-se semanalmente, participando de reuniões de trabalho, conectando os

empreendedores com fornecedores de serviços e produtos, bem como com potenciais clientes.

Neste grupo de gestoras podemos inserir a CRP Companhia e Participações,

Inseed Investimentos e Bossa Nova Investimentos. Entre as falas que sintetizam esta posição

está a de Clóvis Meurer da CRP Companhia e Participações. Nas palavras do gestor:

Nesta modalidade de investimento, o venture capital, a gente é muito

parceiro das empresas. De estar presente no dia a dia. Mesmo sendo

minoritário, a nossa expectativa é de um acompanhamento muito próximo.

Arrisco dizer que na maioria dos empreendedores a expectativa é a mesma.

Estamos toda a semana nas empresas investidas. Recebemos ligações

constantes dos empreendedores. Confesso que nem sempre sobre os

problemas da empresa, em alguns casos, sobre problemas pessoais. Além

disso, nós sempre participamos do conselho de administração, a gente

participa dos comitês internos ou até grupos de trabalho. Participamos de

reuniões estratégicas, mercadológicas, auxílio na elaboração de proposta, até

aconselhamento sobre o regime de apuração de tributos, se ainda vale a pena

permanecer no simples nacional ou não. Ajudamos muito na área de

contabilidade e prestação de contas. Quanto mais nova a empresa é mais ela

vai precisar de auxílio na área de contabilidade. (Clovis Meurer, 2019)

Gustavo Junqueira da Inseed Investimentos afirma que para a gestora, o ponto

crucial é participar das decisões estratégicas da empresa investida. É estar presente, se fazer

notar. O gestor da como exemplo a indicação de contratação de funcionários, participação em

conselhos, participação em reuniões, grupos de trabalho internos e qualquer forma que torne

as rotinas mais eficientes e os empreendedores mais seguros para a condução dos seus

negócios. Para o gestor, muitas vezes o empreendedor tem todos os dados e argumentos para

tomar uma decisão que seja adequada ao seu empreendimento, mas precisa da validação do

investidor para ficar seguro de que mesmo se a decisão trouxer consequências negativas, ele

não decidiu sozinho.

Esta presença contínua do investidor é uma das características que descreve o

primeiro grupo. A gestora se estrutura para permitir com que os seus profissionais sejam mais

próximos dos empreendedores. Interessante notar que a própria composição das equipes das

gestoras evidencia esta característica. As gestoras que contam com ex-empreendedores se

mostram mais dispostas a estar continuamente presente nas empresas investidas. Não

podemos afirmar que há uma relação de causalidade em relação à composição de equipes de

gestoras de recursos e a sua participação nas empresas investidas, contudo, notamos neste

grupo que a presença de ex-empreendedores nestas equipes corroborou para a adoção deste

comportamento.

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Para Sullyen Almeida132

da Monashees, nas empresas de pequeno porte que ainda

estão em sua fase inicial de desenvolvimento, no que ela se referiu como early stage, os

recursos financeiros aportados são um fôlego para a continuidade da empresa, são uma

perspectiva de futuro e continuidade das atividades em sua trajetória de crescimento, porém

não será o diferencial para garantir que a empresa prospere. Em sua visão, a principal

contribuição do investidos na empresa investida é a aproximação com parceiros estratégicos

para o desenvolvimento do negócio. Em suas palavras:

A Monashees já investiu em mais de 80 empresas ao longo de sua história e

já vimos muitos negócios saindo do zero para o um e do um para o cem e o

que se nota é que as empresas que estão dispostas a receber a indicação e as

sugestões de seus investidores de aproximação com parceiros estratégicos

são aquelas que crescem e se tornam bem-sucedidas. Hoje no nosso portfólio

nós temos o grupo Zap, que possui a Zap Imóveis, tínhamos a 99, antiga 99

taxi, já tivemos a Loggi. Nós já vimos várias empresas que olhavam mais

para os recursos financeiros e muito menos para as sugestões e

recomendações de seus investidores. E é neste ponto que notamos que a

empresa erra na compreensão sobre o que é capital de risco e aumenta as

suas chances de fracassar. (Sullyen Almeida, 2019)

Na visão da representante da Monashees, a expectativa dela como investidora de

capital de risco é que a empresa investida compreenda que o mais relevante na entrada de um

investidor de venture capital é o seu auxílio no processo de tomada de decisões estratégicas,

de que agora as sugestões e recomendações feitas pelo investidor caminham no interesse de

que a empresa investida cresça em um curto espaço de tempo e que é esta contribuição e não

o dinheiro disponibilizado que desempenhará esta função durante a sua trajetória.

No segundo grupo, a concepção de contribuição à empresa investida é distinta. As

ideias de presença contínua e participação constante dão lugar ao auxílio em atividades de

cunho estratégico ao crescimento. O investidor cumpre o seu papel quando ele trabalha junto

com a equipe de empreendedores em um gargalho ou ponto fraco que tenha impedido a

empresa a crescer de forma acentuada.

Na visão de Robert E. Binder133

da Antera Gestora de Recursos, a principal

contribuição da gestora ao longo dos seus investimentos foi auxiliar empresas investidas na

construção de seus modelos de negócio, criando um dos pilares para o seu futuro crescimento

acentuado. Na visão do gestor, as atividades do dia a dia pertencem aos empreendedores. Em

suas palavras, “não dá para pensar que estaremos em todas as nossas investidas durante as

suas atividades, seria um mau uso de nosso tempo e de nossa expertise”. Segundo Robert E. 132

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 133

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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Binder, o sentido do acompanhamento das atividades na empresa investida é influir como as

empresas investidas podem converter os seus recursos, em especial suas tecnologias, em uma

estrutura que permita o seu crescimento acentuado, não tendo que neste processo substituir o

empreendedor nas funções que ele deve desempenhar.

Segundo Sidney Chameh134

da DGF Investimentos, a contribuição de uma gestora

de capital de risco em uma empresa investida se dá a partir da estruturação de uma atividade,

medida ou plano que a empresa não saiba como elaborar e precisa do auxílio do investidor

para fazê-lo. Segundo o gestor, em empresas de maior porte, na primeira ou segunda rodada

de investimento, a contribuição do investidor se dá na construção de uma melhor estrutura de

capital entre todos os sócios da empresas investida.

Em paralelo, nas empresas mais promissoras dentro do seu portfólio, o investidor

pode contribuir na implementação de uma governança corporativa, que nas palavras do gestor

“robustece a capacidade de administração destas empresas”. Acrescente-se ainda a

possibilidade de complementação destas medidas com a criação de programas de stock option

e bonificações por desempenho para profissionais que tenham se destacado na empresa.

Para Sidney Chameh, quando você implementa estas iniciativas em empresas de

médio porte ou naquelas em que estão na transição de pequena para média empresa você

ganha uma identidade associada a premiação por performance, você comunica para os

membros da sua empresa que o esforço individual será recompensado, você incentiva com

que os membros da empresa investida te entreguem desempenhos acima da média, dedicação

acima da média. Nas palavras do gestor, quando você cria uma estrutura de premiação

baseada na performance com bonificações e stock options “parece que você está injetando

gasolina em um carro que estava prestes a parar e de repente começa a dar sinais de retomada

rápido e volta a apresentar as explosões esperadas de um motor de combustão”.

No caso das empresas de pequeno porte, a contribuição se dá mais no

acompanhamento do dia a dia e o acompanhamento é muito mais de cunho pessoal. Aqui o

investidor ajuda muito na execução dos planos e iniciativas da empresa investida. Para ajudar

na execução, o gestor aponta que o investidor “abre portas comerciais e você indica

profissionais talentosos para preencher vagas estratégicas na empresa investida”. São estes

dois fatores que na visão de Sidney Chameh são as contribuições de um investidor de capital

de risco nas empresas que ainda estão no início de suas atividades, no early stage

134

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.

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Interessante notar que para Sidney Chameh a participação do investidor na

empresa investida deve considerar o porte da empresa. Nas respostas das demais gestoras de

recursos esta distinção não ficou clara, contudo, se cruzarmos suas respostas com o perfil de

empresas em que mais investem, podemos observar uma correspondência entre o porte da

empresa e a percepção sobre qual a contribuição da gestora na empresa investida. A proposta

de diferenciação do tipo de participação do investidor a partir do porte e do estágio em que a

empresa investida se encontra nos parece fazer sentido e pode servir como variável de análise

em pesquisas futuras sobre o comportamento de investidores de venture capital no Brasil.

Outra questão, objeto de nossas entrevistas, foi como os gestores encarram os

fracassos anteriores de empreendedores que solicitam investimento para suas novas empresas.

Formulamos uma questão que buscou verificar se o discurso de que falhar, ter empresas que

encerraram suas atividades no passado ou até vieram a falir, é encarado como parte do

processo de aprendizado de empreendedores e é visto como uma característica positiva

durante o processo de tomada de decisão sobre se vale a pena ou não investir na empresa.

Todos os entrevistados mencionaram que o fracasso pode contribuir para o

aprendizado do empreendedor e que há sim diversas vantagens que ele pode trazer para a

condução de um novo negócio. Como percepção dos entrevistados, o fracasso pode ser sim

uma vantagem e pode sim operar como um fator de amadurecimento do empreendedor, como

um indicador que ele compreende melhor como funciona a dinâmica de financiamento de uma

empresa por estágios e como nesta dinâmica ele tem que melhor empregar os recursos que

dispõe.

Todavia, metade dos entrevistados ressaltou que há uma diferença importante

entre a dimensão do discurso e a dimensão das práticas de investimento. No discurso, o

consenso é que o fracasso representa aprendizado, amadurecimento e experiência. Nas

práticas de investimento, o fracasso pode se converter em dívidas no nome do empreendedor

não pagas no passado que poderão encarecer o investimento no novo empreendimento.

Também podem significar restrições para o crescimento da empresa, pois fornecedores com

experiências ruins com um empreendedor em razão do fracasso de empresas no passado

podem decidir não mais fazer negócios com a empresa nova pela presença deste

empreendedor. Bancos podem recursar a oferta de serviços financeiros para estes

empreendedores já fracassaram no passado e tiveram que renegociar dívidas.

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Na visão de Rodrigo Borges135

da Domo Invest, ter empreendido no passado traz

experiência, contudo, as vantagens de aprendizado dependem do quão profunda foi esta

experiência e quantos estágios de investimento o empreendedor participou. Onde ele

fracassou importa para a análise dos benefícios deste fracasso, não basta apenas fracassar, mas

sim, um fracasso que permita com que ele tenha uma visão ampla sobre como funciona a

dinâmica de investimento de venture capital. Se ele fracassou no início, no early stage, ou se

ele fracassou quando tinha um protótipo, o gestor afirma que é um tipo de fracasso pouco

profundo, com um valor menor para o investidor. Se o fracasso se deu em uma segunda

rodada de investimento (series B), o fracasso já se mostra de maior profundidade, com um

potencial de aprendizagem maior por parte do empreendedor.

Rodrigo Borges aponta que dependendo do tipo de fracasso, cria-se um trauma no

próprio empreendedor. Ele passa, em alguns casos, a ser mais conservador em relação ao uso

de seus recursos. Ele não toma os riscos que tomou no passado, mesmo sendo orientado por

seus investidores que este risco possa fazer sentido para a crescimento do seu

empreendimento. Nas palavras de Rodrigo Borges, “o empreendedor traumatizado fica um

pouco mais conservador, pensa consigo, eu fiz este erro porque eu fui muito agressivo, mas é

melhor ser agressivo e ir até o final e provar que deu errado, ter um aprendizado profundo, se

não o custo de oportunidade de ser empreendedor é muito alto”.

Para Robert E. Binder136

da Antera Gestora de Recursos, o fracasso é positivo

pela experiência que pode criar no empreendedor, em suas palavras “pode dar rodagem para

ele”, porém, na prática a sociedade brasileira diferente de outras sociedades não encara o

fracasso de forma positiva. Na visão do gestor, não há como ignorar que o fracasso no Brasil é

punido de diversas formas, desde as dívidas que o empreendedor irá carregar com ele na

forma de execuções judiciais, passando pelas “listas negras” de fornecedores e bancos que

criarão limites para o exercício de suas atividades, até o estigma que passa a incorporar a

imagem do empreendedor perante o mercado. Em suas palavras, “mesmo que o investidor fale

em público que o fracasso é bom, no Brasil não há como o investidor ignorar as

consequências do fracasso em sua decisão de investimento”.

Na visão de Marcelo Mitre137

da Provence Capital, a diferença entre a dimensão

do discurso e da prática de investimento fica muito clara no Brasil. Segundo o representante

da Provence Capital, quando se discute fracasso com investidores dos Estados Unidos da

135

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019. 136

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 137

Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.

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271

América ou de Israel, o fracasso é tido como um fator positivo, bem avaliado para fins de

investimento. Nas palavras do representante, “se você quebrou duas ou três empresas em

Israel, é quase que certeza que você irá conseguir financiamento para a sua empresa via

venture capital, os investidores adoram este perfil”.

Para Marcelo Mitre, o fracasso no Brasil é um episódio traumático e que gera

efeitos para o financiamento do crescimento da empresa de base tecnológica. A partir de sua

experiência, ele já recusou propostas de investimento em empresas que tinham

empreendedores que fracassaram em negócios no passado e tinham como herança destes

empreendimentos dívidas grandes associadas ao seu nome. Em alguns dos casos, já observou

que excelentes empreendedores após o fracasso de suas empresas voltam ao mercado,

trabalham por dois ou três anos como empregados, pagam suas dívidas, e só assim conseguem

voltar a empreender, começam a notar que as portas voltam a se abrir. Também já observou

que há empreendedores que não conseguem mais pagar as suas dívidas e não voltam para

empreender mais.

Segundo Clóvis Meurer138

da CRP Companhia e Participações, a ideia

disseminada em eventos a empreendedores de que quanto mais se fracassa, mais próximo do

sucesso você estará, não é uma verdade no contexto brasileiro. Aqui no Brasil, o fracasso

cobra um preço. O empreendedor que fracassou uma vez, dificilmente irá empreender logo

em seguida. Em sua perspectiva, o mais comum é o empreendedor ter alguns anos de

recuperação para tentar uma segunda vez. Empreendedores que já fracassaram quatro, cinco,

seis vezes, não são uma realidade para o país e dificilmente irão conseguir captar recursos de

um investidor de venture capital no país.

Na visão do gestor, o fracasso no Brasil não é visto como um mérito do

empreendedor, mas sim um fardo que ele irá carregar perante a sociedade brasileira. Nesse

sentido, reforça a ideia de que esta é uma peculiaridade do contexto brasileiro de

investimentos de venture capital, não há como ignorar que o fracasso no Brasil gera

consequências que alteram a forma como o investidor de venture capital irá se comportar, não

reproduzindo o comportamento de um investidor, por exemplo, dos Estados Unidos da

América.

Na perspectiva de Clóvis Meurer, há dois aspectos importantes na análise do

fracasso. O primeiro é pensar que o modelo jurídico que cuida da insolvência no país não foi

pensado para tratar de casos em que a recuperação da empresa ou até a falência de empresas

138

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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272

possam ser encarados como processos de aprendizagem de empresários nacionais. Não se

entende que no âmbito de empresas de base tecnológica, o fracasso pode servir de

aprendizagem para a geração de negócios promissores, com alto potencial de crescimento. A

insolvência no Brasil é pensada como um instrumento exclusivo de proteção à credores.

Por esta razão, Clóvis Meurer afirma que nos investimentos realizados pela

CRP Companhia e Participações busca-se identificar o mais rápido possível os

empreendimentos que não irão crescer na velocidade esperada ou até começam a apresentar

os sinais de que não irão dar certo. Quando isto acontece, a gestora já inicia o seu processo de

saída, nestes casos a partir de cláusulas contratuais que permitem com que a empresa

investida adquira a participação da investidora por apenas um real, facilitando a sua saída.

Segundo Clóvis Meurer, o discurso que encara o fracasso como uma virtude é um discurso

que olha o fracasso nos outros, pois em sua visão, nenhuma gestora de venture capital gosta

de ser associada a escolhas que não deram certo. Nesse sentido, o fracasso não é também uma

virtude do empreendedor quando acontece nos ciclos de investimento que o investidor

participa.

O segundo aspecto são as lacunas que se criam quando o empreendedor fracassa

uma vez e tenta empreender de novo. No âmbito do investimento de venture capital há

lacunas de oferta de financiamento importantes durante a trajetória de investimento, em

especial para os empreendedores que já fracassaram. Nas palavras de Clóvis Meurer139

:

Quando uma empresa de base tecnológica recebe investimento anjo, passa

por uma aceleradora e busca por capital semente para se financiar, em alguns

casos pode não encontrar. Se tiver um empreendedor marcado pelo fracasso

anterior, é mais provável que não encontre. Se for para uma primeira rodada

de investimento, encontra, mas muitos investidores podem não estar

dispostos a investir em uma empresa com um empreendedor com dívidas.

Passando para segunda rodada, o número disponível de investidores é menor

e para uma terceira ainda é menor. O investidor não quer perder dinheiro e o

fracasso no Brasil aumenta as chances de você perder dinheiro, ou pelas

dívidas, ou pelas portas que o fracasso fecha. (Clovis Meurer, 2019)

A respeito das lacunas de oferta de recursos ao longo da trajetória de investimento

da empresa de base tecnológica no Brasil, questionamos as gestoras de recurso sobre os locais

em que buscam por oportunidades de investimento, tendo perguntas específicas sobre sua

proximidade com universidades, programas de incubação e aceleração de empresas. Entre as

entrevistadas, todas responderam que as aceleradoras são uma fonte de oportunidades de

139

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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273

investimento, também mencionaram que há uma série de eventos aos quais servem como

oportunidade de conhecer empresas para se investir.

Em relação à proximidade com universidade e programas de incubação de

empresas, podemos dividir as respostas obtidas em dois grupos: (i) gestoras que recebem ou

receberam recursos de entes públicos, em particular BNDESPAR e Finep; e (ii) gestoras com

captação de recursos junto a entidades privadas. Enquanto o primeiro grupo busca se

aproximar de universidades, em especial de centros de pesquisa e programas de incubação em

universidades públicas, o segundo grupo foca os seus esforços em programas de aceleração,

eventos e na indicação de oportunidades de investimento por pessoas que façam parte de sua

rede de contatos.

Robert E. Binder140

da Antera Gestora de Recursos, aponta que nos investimentos

realizados pela gestora a participação do BNDESPAR foi fundamental para a inclusão de

universidades como fonte de prospecção de oportunidades de investimento. No caso do

CRIATEC I, mas não se limitando a ele, a atuação da gestora está organizada em torno de

escritórios regionais de inovação, com uma interlocução contínua com os programas de

incubação universitários. O convívio é contínuo e fortemente estimulado. Nas palavras do

gestor:

Eu acredito no modelo de tripla hélice, com uma atuação conjunta de

empresas, governo e academia, e por isso nossa atuação tem levado em

consideração a ideia de que há oportunidades de investimento nas

universidades e de que é possível transformar cientistas em empresários. Ao

longo de nossa história de investimento, já investimos em 40 empresas que

nasceram na universidade e que dispunham de cientistas extremante

talentosos. Há uma certa desconfiança de alguns investidores com este

ambiente, em especial com a universidade pública. Contudo, em nossa visão,

na prática os desafios de investimento são os mesmos para um spin-off

universitário para uma empresa de base tecnológica que nasce em outro

ambiente. (Robert E. Binder, 2019)

Gustavo Junqueira141

da Inseed Investimentos também ressaltou a importância das

universidades como fonte de oportunidades de investimento, reforçando que a o BNDESPAR

teve um papel fundamental na atuação da Inseed Investimentos em sua aproximação com

programas de incubação e centros de pesquisa universitários. Segundo o gestor, pouco menos

da metade de todos os investimentos realizados pela Inseed Investimentos teve origem em

incubadoras universitárias, tendo as incubadoras de universidades públicas assumido um

papel de protagonistas nestes investimentos. 140

Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 141

Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.

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274

Clóvis Meurer142

da CRP Companhia e Participações ressalta que a proximidade é

grande com universidades e que boa parte do seu tempo é utilizada com eventos, visitas,

apresentações e reuniões que acontecem e incubadoras no âmbito universitário. Participa de

discussões e debates para apresentar o venture capital nas universidades e tenta disseminar

conceitos e características da modalidade de investimentos em universidades brasileiras.

Segundo o gestor, um dos desafios para o venture capital é alcançar locais em que há ciência

de boa qualidade, cientistas dispostos a se tornar empresários e uma infraestrutura mínima

para que eles possam dar os seus primeiros passos, prepara-los para iniciar sua trajetória de

empreendedorismo.

Na visão do gestor, a ABVCAP tem cumprido um papel importante na

disseminação da cultura e dos conceitos de capital de risco no Brasil. A entidade tem tentado

se fazer presente em vários estados brasileiros, bem como seus representantes têm buscado

sensibilizar gestoras que estão distantes destes ambientes a se aproximar, promovendo

eventos e encontros para desmistificar algumas percepções sobre os programas de incubação

em universidades brasileiras.

No segundo grupo de investidores, a universidade não é encarada como uma fonte

de oportunidades de investimento. Sidney Chameh143

da DGF Investimentos não acredita que

o ambiente universitário seja propício para a prospecção de oportunidades de investimento.

Na perspectiva do gestor, o ambiente universitário não incentiva com que professores se

tornem empreendedores, ao contrário, desestimula. Este desestímulo, contudo, não é fruto de

restrições regulatórias, mas sim de um contexto próprio da cultura universitária. Nas apalavras

do investidor:

Eu visitei Estados Unidos, Inglaterra, Israel, dentre outros países para

entender melhor a figura da spin-off universitária. Na minha visão um dos

gargalos é como nós tratamos o professor universitário. Não acho que é um

problema da legislação, longe disso. Temos leis que tratam disso, de permitir

o professor de criar sua empresa. O Problema está no ambiente universitário.

Na minha visão este movimento não é bem visto na universidade. Não é

incentivado no plano de carreira. As métricas de avaliação não têm variáveis

que permitam com que o professor possa explorar comercialmente uma

ideia, uma pesquisa, que ele possa pensar em sua carreira como alguém que

irá empreender. Professor é avaliado por suas publicações acadêmicas, é o

erudito, não é aquele que empreende. Aquele que tenta empreender parece

que está fazendo algo errado. (Sidney Chameh, 2019)

142

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019. 143

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.

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275

Para Sidney Chameh, o professor tem no ambiente universitário um obstáculo

para empreender. A experiência do gestor em tentar investir em empresas que foram

incubadas no contexto universitário foi decepcionante. Os professores de universidades

públicas que se envolviam em incubação e depois receberam investimentos da DGF

Investimentos foram chamados de “não acadêmicos” e “vira casacas”. Em um investimento

realizado pela gestora, os professores envolvidos no investimento foram acusados de estarem

desviando o patrimônio da universidade pública, pois estavam utilizando de resultados de

pesquisa da universidade para a construção de sua empresa. Há 10 anos o gestor decidiu não

mais prospectar empresas em universidades pelo Brasil, porém, no último ano investiu em

duas empresas de base tecnológica de empreendedores brasileiros que terminaram o seu

doutorado e foram incubados pela universidade de Stanford nos Estados Unidos da América.

Quando perguntado sobre o tema spin-off universitária, Rodrigo Borges144

da

Domo Invest afirma que não se pode confundir empresas criadas por amigos e colegas que se

conheceram na faculdade ou em centros de pesquisa e empresas que foram criadas no

contexto de pesquisa e incubação de negócios na universidade. Ele faz referência a sua

própria trajetória, quando fundou a Buscapé Company com outros amigos na Escola

Politécnica da Universidade de São Paulo. Nas palavras do gestor:

Nós trabalhávamos no Laboratório de Arquitetura e Redes de Computação

da USP, que é o LARC e tal. Porém, não era nenhum problema que o LARC

estava resolvendo, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. A Buscapé

Company criou uma solução de comparação de preços de produtos e este

não estava na agenda de pesquisas do LARC. Eu trabalhava lá e a gente fazia

pesquisa sobre a internet 2, não sei se você chegou a ouvir falar. Eu até

estranhava esta terminologia, pois o conceito da internet é que nunca vai

existir a 2, mas era um Laboratório renomado e pessoas muito sérias tocando

as atividades. A gente cuidava do projeto de streaming de vídeo e

aprendemos muita coisa lá, mas a Buscapé não surgiu lá. A equipe se

conheceu lá. Por isso, não dá para dizer que a empresa saiu da faculdade.

(Rodrigo Borges, 2019)

Na Domo Invest, Rodrigo Borges já realizou investimentos em empresas em que

os laços entre os empreendedores foram criados na universidade, em que a ideia para o

negócio surge no âmbito de atividades de ensino ou de pesquisa. Contudo, não teve nenhum

investimento até hoje que nasceu enquanto empreendimento de pesquisa no âmbito de um

centro de pesquisa, não aportou recursos em nenhum negócio que foi incubado por um

programa universitário. Na perspectiva do gestor, mesmo com a presença de incubadoras em

144

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.

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diversas universidades, elas ainda não são capazes de preparar as empresas para o

investimento de venture capital. Hoje, a Domo Invest busca oportunidades em aceleradoras,

não tendo buscado nada em universidades no país.

Nas duas oportunidades em que tentou se aproximar de universidades, notou que

os centros de pesquisa que contatou na área de engenharia estavam muito mais preocupados

em desenvolver projetos para a indústria. Sua impressão foi a de que o interesse estava mais

voltado para parcerias para desenvolvimento tecnológico conjunto, aproximação com

departamentos de pesquisa e desenvolvimento e não com o ambiente de empreendedorismo a

partir de empresas de base tecnológica. O gestor ressalta em sua resposta que esta foi a sua

experiência e que não deve ser encarada como um retrato do cenário brasileiro. Todavia, foi a

partir dela que hoje não demonstra interesse em se aproximar de programas de incubação ou

de centros de pesquisa em busca de oportunidades de investimento.

Para Marcelo Mitre da Provence Capital, a universidade no Brasil não conseguiu

demonstrar ainda que é capaz de formar bons empreendedores. Por enquanto, a universidade

foi capaz de capacitar os profissionais que podem ser capazes de empreender, contudo, não é

o ambiente em que a empresa com alto potencial de crescimento pode surgir ou ser preparada

para surgir. O gestor afirma que em comparação a outros países, as universidades brasileiras

não se mostram como o local que fomenta o empreendedorismo, tendo apenas algumas

exceções presentes no país.

Na visão do gestor, não é um problema apenas brasileiro, é muito comum que

gestoras de recursos com atuação na Europa também não busquem por oportunidades de

investimento em universidades, salvo raras exceções. Recentemente, alguns fundos iniciaram

prospecções no ambiente de universidades europeias, contudo, este é um cenário novo. Na

visão do gestor, a proximidade intensiva de investidores de venture capital e universidades é

um fenômeno restrito a alguns países, tendo como principais referências os Estados Unidos da

América, Israel e a Inglaterra.

Por fim, no conjunto de questões que examinou a percepção sobre o preparo de

empresas de base tecnológica para receber investimentos de venture capital, houve consenso

de que hoje as empresas já identificam quais são os aspectos que importam para os

investidores de capital de risco. Entre os fatores que contribuíram para a melhora na qualidade

das empresas que buscam por investimentos de venture capital, foram citados pelos

entrevistados: (i) os programas de aceleração de empresas; (ii) o papel do BNDES e da Finep

na capitalização de gestoras e em seus programas de fomento; (iii) o maior interesse das

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pessoas em empreender; e (iv) o aumento no número de casos de sucesso no Brasil de

empresas investidas que prosperaram.

Robert E. Binder145

da Antera Gestora de Recursos comenta que houve uma

melhora significativa na oferta de empresas de base tecnológica. O preparo do empreendedor

é maior, não se limita mais a uma apresentação ou um plano de intenções. Hoje a empresa se

apresenta com um plano de negócio, um canvas, uma estrutura financeira mínima, muitas

delas já tem receita, já testaram seus produtos e serviços no mercado. Segundo o gestor, esta

melhora está associada a presença e ao crescimento de aceleradoras de empresas no Brasil. As

aceleradoras moldam as empresas de base tecnológica às características que são desejadas por

investidores de capital semente e de primeira rodada de investimento, ampliando a oferta para

estes investidores.

Contudo, mesmo com a melhora ainda há muitos problemas com o preparo das

empresas de base tecnológica. Segundo o gestor, a estrutura societária de sociedade limitada

não é a ideal para investimentos de venture capital, contudo, a maior parte das empresas ainda

se apresenta a partir desta estrutura. Além disso, há problemas relacionados ao pouco

conhecimento que os empreendedores têm de aspectos sobre o dia a dia da empresa, em

especial sobre contabilidade e finanças. É muito comum a presença de uma combinação de

estrutura societária mal construída, erros contábeis e uma precária organização financeira em

empresas de base tecnológica no país. Mesmo as mais promissoras, ainda demonstram falhas

ou carências em seu preparo para receber investimentos.

Clóvis Meurer da CRP Companhia e Participações comenta que o cenário é muito

melhor se comparado a dez anos atrás. Melhor ainda se comparado a vinte anos atrás. Hoje o

empreendedor domina a terminologia do venture capital, ele tem uma rede de apoio para

acessar investidores que se estende entre aceleração, programas da Finep, do Sebrae, cursos

disponíveis, alguns deles online. O cenário está completamente diferente e boa parte da

diferença foi devido a atuação do BNDES e da Finep. Criou-se, na visão do investidor, um

maior interesse em se empreender, há hoje um certo glamour, um reconhecimento social de

que empreender mesmo que difícil é bom, é bem visto, pode servir de alternativa para o

desenvolvimento pessoal e financeiro.

Rodrigo Borges146

da Domo Invest aponta que há uma evolução do ambiente de

investimento na modalidade de venture capital no Brasil e esta evolução contou com a

participação fundamental do BNDES e da Finep. A percepção é de que estas entidades não

145

Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 146

Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.

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competiram com nenhuma gestora, mas sim tornaram projetos de gestoras em realidade ou até

viabilizaram gestoras que só adquiriram o seu porte atual em razão da atuação destas duas

entidades. Nas palavras do gestor:

O BNDES teve e tem um papel de fomentar o mercado. Então, acho que ele

não entrou para competir com alguém. A atuação dele foi identificar onde o

mercado precisa de mais energia para ele ficar maior, não desguarnecer

empresas que precisam de recursos financeiros. Com isso, começam a

aparecer outros fundos que passam a operar semente, series A, series B,

investindo recursos. Então, já existem estes canais e eles vão se expandindo.

Tem muito dinheiro em series A e capital semente, então o BNDES criar um

fundo para investimento anjo. Agora não tem muitos recursos para series A,

então busca-se criar um programa para capitalizar ou atrair investidores para

este estágio. Divulga-se quando as empresas investidas dão certo. O BNDES

ocupou espaços quando poucos ocupavam e hoje o ingresso contínuo de

investidores se dá pela presença do BNDES, pela segurança que esta

presença trouxe. (Rodrigo Borges, 2019)

Na passagem extraída da fala de Rodrigo Borges, podemos depreender a

percepção de que o BNDES tem cumprido o papel de ponto de equilíbrio para o investimento

de venture capital, oxigenando estágios do ciclo de investimento em empresas de base

tecnológica que estão esvaziados de investidores ou desprovidos de recursos financeiros para

a realização de aportes de recursos. Além disso, na atuação do BNDES, Rodrigo Borges ainda

menciona o papel de divulgação de casos de empresas investidas bem-sucedidas, criando um

histórico capaz de atrair pessoas para empreender e investidores para o capital de risco.

André Kabbani147

da Bossa Nova Investimentos ressalta a importância dos casos

de sucesso para a atração de empreendedores e até mesmo para aqueles que dispõe de

recursos para capitalizar gestoras de recursos para venture capital. Estes casos chamam a

atenção, as pessoas começam a buscar informação, investidores passam a perguntar sobre

fundos de investimento com este perfil. Segundo André Kabbani, a disseminação desta nova

cultura em torno do empreendedorismo tem contado com o intenso apoio do BNDES e da

Finep.

Na visão de Sidney Chameh148

da DGF Investimentos, a Finep ocupou um papel

muito relevante no fomento do venture capital no Brasil. Todavia, na visão do gestor os

benefícios trazidos pela Finep foram diretamente proporcionais à qualidade dos gestores que

comandavam as iniciativas da entidade. Nos momentos em que a Finep teve profissionais com

experiência e formação em capital de risco os programas foram bem formulados e executados,

147

André Kabbani. Entrevista realizada em 14.03.2019. 148

Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.

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279

dando continuidade a iniciativas em andamento também. Quando os profissionais da Finep

não possuíam experiência com capital de risco, iniciativas foram descontinuadas para dar

lugar a outras que muitas vezes não interessaram gestoras de venture capital.

Nesse sentido, diferente do BNDES, em que na percepção de Sidney Chameh

houve uma continuidade e coerência em relação a sua atuação, na Finep, a sensação foi de que

em alguns momentos programas promissores, como o INOVAR, tiveram problemas em

relação a trocas de equipes e reestruturação de sua atuação. Isto não significa que o gestor

reduz a importância da Finep, ao contrário. Em sua visão, a entidade foi fundamental para o

desenvolvimento do venture capital no Brasil. Ele dá um exemplo deste papel:

Nós temos um fundo com 70% de recursos capitalizados junto à Finep,

nosso fundo vintage 12. Já temos 7 empresas investidas neste fundo. Foi um

programa que a Finep criou que investidor anjo para capitalizar o fundo. Nós

temos nesse fundo o investimento dos sócios da DGF, que compraram 5%,

temos 70% da Finep e 25% de pessoas físicas, são no total 46 pessoas

físicas. Porque deu para conseguir montar um fundo assim, porque a Finep

garantiu que nos 25% que ela não investiria e nem a DGF investiria, ela

cobriria até 80% do valor nominal das perdas do fundo. Quando eu falei para

os meus clientes e amigos próximo, todos se interessaram. O risco seria

muito baixo e eu ainda tinha o meu histórico de investimento em outros

fundos para convencê-los. Neste programa tiveram apenas dois proponentes.

Olha que foi uma chamada pública. Programa maravilhoso para o investidor.

Algo surreal, que após os primeiros resultados, outras gestoras passaram a

bater na porta da Finep para aderir. Só que após a primeira edição, não foi

proposta uma segunda e nenhum outro programa parecido foi editado. A

equipe que elaborou o programa saiu e os novos profissionais que entraram

decidiram por outras iniciativas. Isto dificilmente aconteceria no BNDES.

Talvez um programa como este não existiria e se existisse, com certeza seria

continuado. Eles são mais consistentes. (Sidney Chameh, 2019)

O exemplo descrito por Sidney Chameh revela, ao mesmo tempo, condições

extraordinárias para gestores de recursos financeiros investirem na modalidade de venture

capital, algo que já caracteriza a disposição da Finep em fomentar o capital de risco no país,

bem como a falta de continuidade de alguns dos programas iniciados pela entidade. Chama a

atenção também na resposta de Sidney Chameh a baixa adesão por parte de gestoras de

recursos. Segundo o gestor, mesmo com chamadas públicas e campanhas, em muitos casos as

entidades de fomento como a Finep tinha de “bater na porta” de investidores, tinha de fazer

um esforço para atraí-los, para envolve-los em seus programas. Sem dúvida, a não

continuidade pode explicar parte da baixa adesão, contudo, há uma parcela de

responsabilidade de gestoras de recursos também, na visão do gestor.

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280

6.3 O esvaziamento das patentes para o investimento de venture capital

Em sua concepção tradicional, a patente é um direito assegurado pelo Estado que

confere ao seu detentor a exclusividade da exploração de uma tecnologia. A oferta deste

direito de exploração exclusiva por parte do Estado traz como contrapartida para aquele que

pleiteia a patente o dever de disponibilizar uma descrição sobre as características de seu

invento, os pontos essenciais que garantam não só a compreensão sobre o que se trata aquela

tecnologia, como também como ela funciona na prática (BARBOSA, 2003, p. 295).

Os requisitos para a obtenção de uma patente no regime jurídico brasileiro estão

listados no art. 8º, caput, da Lei n.º 9.279/96, que estipula que “é patenteável a invenção que

atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.”. Segundo

Barbosa (2003, p. 296), a patente amplia a ideia de invento e busca proteger a invenção. Para

o autor, o invento é a solução técnica para um problema técnico. A invenção parte do invento,

mas se traduz por meio de sua aplicação industrial ou aplicação em uma estrutura empresarial.

Nesse sentido, o invento é juridicamente uma solução para um problema, que por si só não é

protegida pela patente, que só se revestirá de proteção por meio da sua aplicação, a invenção.

Todavia, a patente não é a única forma de proteção jurídica de uma invenção.

Segundo Barbosa (2003, p. 295), a invenção tecnológica pode também ser protegida por meio

do segredo. Juridicamente o segredo pode ser mantido por meio de contratos, tendo como

principal exemplo os acordos de confidencialidade. Na visão do autor, quando possível, a

proteção de uma tecnologia por meio de patentes é preferível do que a estratégia de proteção

por meio do segredo. Isto porque, os custos associados com a manutenção do segredo são

altos, há sempre o risco de vazamentos de informação, bem como a depender do tipo de

invenção há o risco da engenharia reversa.

No caso da patente, não há o risco de engenharia reversa ou de vazamento de

informações sobre a tecnologia objeto da proteção. A descrição da tecnologia já se encontra

no documento que formaliza a sua concessão por parte do Estado (carta patente) e como a

patente é um direito de exploração por tempo determinado, 15 anos para os modelos de

utilidade e 20 anos para as invenções, há uma vedação legal para o uso não autorizado da

tecnologia protegida pela patente.

Para Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 172), o regime jurídico de proteção de

tecnologias via patentes funciona como um mecanismo de troca. De um lado o Estado

brasileiro oferece um privilégio, que garante que nenhum concorrente do inventor irá poder se

utilizar da tecnologia protegida pelo tempo conferido para exploração comercial exclusiva. De

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281

outro lado, a sociedade pode acessar as informações de ordem técnica presentes em uma

solução tecnológica no momento em que ela será explorada no mercado, ampliando nível

geral de conhecimento sobre novas tecnologias.

Neste regime de proteção jurídica, o tempo é um fator fundamental. Isto porque o

direito de exploração exclusiva é temporário. A justificativa para isto é a tensão entre o

inventor que deseja recuperar o investimento que realizou em pesquisa e desenvolvimento

para a criação de sua invenção, podendo fazê-lo por meio da exploração comercial exclusiva

de sua invenção, e a sociedade que oferece a infraestrutura social ampla (e.g. sistema

educacional) que contribui para que esta invenção seja construída e deseja que a tecnologia

esteja disponível para a sua exploração em diversas finalidades.

Busca-se por um equilíbrio entre o tempo conferido para a exploração da

tecnologia por seu inventor e um tempo de espera razoável para que a sociedade possa se

apropriar da tecnologia e aplica-la de diversas formas. A expectativa é que o regime jurídico

de patentes possa construir este ponto de equilíbrio (BARBOSA, 2003). Contudo, uma nova

dimensão para o tempo no regime de patentes tem surgido nas últimas décadas, o direito à

razoável duração do procedimento administrativo (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p.

173).

Segundo Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 172), institutos nacionais de

propriedade industrial (INAPIs) têm observado aumentos significativos no número de pedidos

de patentes em suas jurisdições. Este aumento impôs a elevação na carga de trabalho de

examinadores de pedidos, bem como pressiona com que a infraestrutura de análise dos

pedidos seja cada vez mais ágil, eficiente e rigorosa na aplicação dos critérios previstos em

lei.

A questão reside em como melhorar as condições dos processos de análise de

patentes em um contexto de expansão contínua de pedidos. Segundo King (2003), a melhora

destas condições passa por algumas mudanças nos institutos nacionais de propriedade

industrial. Em primeiro lugar um aumento da produtividade de seus examinadores, reduzindo

o tempo de análise em cada um dos pedidos. Contudo, esta medida tem um limite, há uma

barreira de ordem física e outra de ordem jurídica, a sua jornada de trabalho. Em segundo

lugar, a melhora passa pela ampliação no número de examinadores ou pela aquisição de

sistemas eletrônicos que sejam capazes dar conta do que o aumento da produtividade dos

examinadores não deu. Em terceiro lugar, concentrar o aumento do número de examinadores

nas áreas de maior demanda por pedidos de patentes, garantindo a correlação entre formação

do examinador e as características da tecnologia examinada.

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282

Contudo, no estudo realizado por King (2003) concluiu-se que em muitas

jurisdições, mesmo com aumentos de produtividade de examinadores, o tempo médio de

duração para o exame de patentes tem progressivamente aumentado. A fila que se cria, com

pedidos pendentes de exame, foi chamada de backlog. Não há uma definição técnica da

expressão backlog, podendo incorporar sentidos como o de pedidos não examinados ou de

excesso de requerimentos, extrapolando a capacidade de INAPIs (BARBOSA, 2013, p. 2).

Para fins de nossa reflexão nesta seção, adotamos a definição de Barbosa (2013, p.

2) que descreve o backlog de patentes no Brasil como o tempo médio para a obtenção de uma

decisão do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) de um pedido de obtenção de

uma patente. Para fins de avaliação deste tempo médio, estão incluídos os prazos legais, os 18

meses de sigilo no ato de depósito/prioridade da patente (art. 30 da Lei n.º 9.279/96) e os 36

meses concedidos para o inventor solicitar o exame ao INPI para fins da concessão da patente.

Segundo Barbosa (2013, p. 2), um pedido poderia, para ser analisado, ter de

aguardar o prazo de sigilo e o prazo disponível para o inventor para a análise. O autor aponta

que no Brasil o exame de patentes poderia demorar 48 meses (18 meses de sigilo mais 36

meses de análise) para se iniciar. Além disso, segundo o autor, estes prazos não servem como

limites máximos para o exame de pedidos de patentes. Isto porque, estes são os prazos

relacionados ao pedido do inventor e não aos deveres de análise do INPI, resguardado o

acesso de terceiros no período de sigilo.

O regime jurídico brasileiro de proteção às patentes não prevê um tempo máximo

de exame para pedidos apresentados junto ao INPI. A disposição na Lei de propriedade

industrial mais próxima disso está no parágrafo único do art. 40, que dispõe que a vigência de

uma patente não poderá ser inferior a 10 anos, para patente de invenção, e 7 anos, para patente

de modelo de utilidade. Isto significa que aquele que a Lei confere o direito para aquele

obtiver uma patente de usufruir de seu direito de exclusividade por, no mínimo, 10 anos ou 7

anos.

Hoje, segundo Liane Lage149

diretora de patentes, programas de computador e

topografias de circuitos integrados (DIRPA – INPI) o prazo médio de espera entre o protocolo

do pedido de patentes e a decisão final de deferimento ou indeferimento do pedido é de 14

anos. Para a diretora do DIRPA - INPI, o problema do backlog de patentes pode ser explicado

a partir de múltiplas dimensões, as quais ela divide em: (i) nascimento; (ii) demanda corrente;

(iii) temáticas e especializações; e (iv) perda de valor da patente.

149

Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.

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283

Em relação à origem do backlog de patentes, a diretora posiciona o problema na

edição da atual Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/1996). Em sua visão, a inclusão

dos fármacos no registro de patentes a partir da Lei de Propriedade Industrial em 1996

aumentou a demanda por registros de patentes no país. Além de um número maior de pedidos,

o Instituto Nacional de Propriedade Industrial passou a ter a necessidade de selecionar novos

examinadores com especialização na área de medicamentos, dividindo-se em campos do

conhecimento como química, biologia, farmacologia, dentre outros.

Contudo, o volume de pedidos realizados a partir da aprovação da Lei de

Propriedade Industrial em 1996 não foi acompanhado pela incorporação de novos

examinadores com este grau de especialização, criando uma fila que cresceu ao longo dos

anos e foi alcançando pedidos de diversas outras áreas do conhecimento. Isto porque, segundo

a diretora há também o problema da rotatividade de examinadores. Em alguns casos, o

examinador que é selecionado via concurso enxerga a posição dele no INPI como transitória,

prestando outros concursos ou até solicitando a transferência para outros órgãos da

administração pública federal que possam oferecer mais vantagens para a sua trajetória de

carreira. Desta forma, além da questão da especialização, a rotatividade contribui para o

crescimento do tempo de espera de pedidos de patentes.

Se em um ano o número de engenheiros com especialização em telecomunicações

é suficiente, é possível que no próximo ano o número caia de 20% a 30%, criando um gargalo

no fluxo de análise de pedidos de depósitos de patentes que tenham como solução técnica uma

tecnologia na área de telecomunicações.

Outro problema comum relacionado à origem do backlog de patentes e a demanda

corrente de novos pedidos ingressando no INPI é a baixa atratividade da função de

examinador para algumas áreas do conhecimento. Segundo Liane Lage, a contratação de

examinadores por parte do INPI via concurso público deve respeitar a exigência legal de que

os selecionados apresentem no mínimo o título de mestre em sua área de conhecimento. O

bacharelado não é considerado como suficiente para a seleção de examinadores de pedidos de

patentes, pois considera-se que o exame de patentes requer um grau mínimo de especialização

na área que apenas a pós-graduação stricto sensu é capaz de conferir.

Todavia, para a diretora, ainda é um desafio atrair profissionais com pós-

graduação em determinadas áreas do conhecimento, uma vez que a carreira como examinador

de patentes não se mostra vantajosa o suficiente. Um exemplo dado por Liane Lage é o de

seleção de engenheiros com especialização em telecomunicações. Há alguns anos atrás a

demanda do INPI sobre patentes de ligadas a tecnologias de televisões digitais cresceu.

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284

Inicialmente foram deslocados engenheiros da área de mecânica para as primeiras análises,

contudo, seriam necessários profissionais com especialização na área de telecomunicações.

Foi aberto processo de seleção e não houve candidatos o suficiente que preenchiam os

requisitos para a posição. Na avaliação da diretora, o requisito de apresentação de mestrado

dificulta, além do fato que o setor privado já absorve profissionais em algumas áreas em

condições mais vantajosas do que o INPI pode oferecer.

Cria-se um processo de intensificação do atraso. Anos atrás os pedidos de patente

começaram a aumentar, passou-se a deslocar examinadores sem um grau de especialização

próprio para a análise dos pedidos, buscou-se a contratação de profissionais com

especialização, porém em alguns casos sem sucesso, o atraso que era um fenômeno de

algumas áreas do conhecimento alcançou todas as áreas do INPI, criando o problema crônico

do backlog de patentes.

Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 174), o problema do atraso crônico reside na

incerteza relacionada a capacidade de empresas em explorar economicamente uma tecnologia

que investiu recursos para produzir. Segundo os autores, uma empresa que desenvolveu uma

nova tecnologia e realizou o seu pedido de patentes não irá aguardar a decisão final do INPI

para buscar explorar economicamente a sua tecnologia. Mesmo sem a decisão, ela irá celebrar

contratos de licenciamento ou de cessão de uso de sua tecnologia com outras empresas,

prevendo uma remuneração pela exploração de sua tecnologia.

O problema deste cenário é a hipótese do pedido ser indeferido pelo INPI ao final

do processo de análise, hoje de 14 anos. Caso tenha sido indeferido, a expectativa de direito

do depositante em obter uma patente e, portanto, o direito de explorar a tecnologia em regime

de exclusividade não terá se materializado, tendo por consequência a invalidação de todos os

contratos de licença e cessão que foram celebrados com base na expectativa inicial de

obtenção de uma patente. Todos os valores pagos a título de exploração da tecnologia objeto

destes contratos terão de ser devolvidos e quaisquer aprimoramentos a tecnologia não serão

protegidos.

Para os autores (2017, p. 174), a incerteza se aplica a todos os agentes que se

interessam pela exploração de uma patente. Os depositantes não se sentem seguros de

explorar suas tecnologias apenas com base na expectativa futura de deferimento de seu pedido

de depósito de patentes. Seus concorrentes não sabem se uma tecnologia apenas pelo fato de

um pedido ter sido depositado pode ser considerada como protegida, tendo dúvidas sobre o

seu próprio desenvolvimento tecnológico que poderia utilizar tecnologias que não serão

objeto de proteção no futuro. E o investidor de empresas que realizam desenvolvimento

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285

tecnológico, que não se sente seguro em disponibilizar recursos para uma proteção que

demora tanto para ser obtida.

Hoss (2012) aponta que estes problemas não são uma exclusividade de um INAPI,

mas sim um problema que se manifesta de diferentes formas em INAPIs. Em cada caso são

fatores distintos os responsáveis pelo problema do backlog de patentes e ele pode ser mais

dramático em alguns países se comparados a outros, contudo, este é um problema que afeta

diversas jurisdições. Isto porque, segundo o autor, a adesão de diversos países ao Trade

Related Aspects of Intellectual Property (TRIPS), acordo internacional que promoveu

mudanças nos regimes jurídicos de propriedade intelectual em diversos países, dentre eles o

Brasil com a inclusão de fármacos no registro de patentes, fez com que o backlog se

disseminasse em muitos países.

Para o autor, as causas do backlog se relacionam com o aumento no número de

pedidos em diversos países, bem como com a complexidade das tecnologias envolvidas, a

falta de recursos suficientes de INAPIs e até com o comportamento dos depositantes. Para

Hoss (2012), além da incerteza sobre a proteção, o backlog cria um desincentivo para

investimentos em tecnologia que depende da proteção via patente para não serem replicados,

uma vez que os custos de engenharia reversa seriam muito baixos.

Para Liane Lage150

, o efeito do backlog de patentes acentuado, como se observa

no Brasil, é a gradativa desvalorização da patente como instrumento de proteção e resguardo

jurídico de soluções técnicas com aplicação industrial no país. Empresas passam a buscar por

outras formas de se resguardar como em arranjos contratuais em que preveem cláusulas de

confidencialidade, segredo comercial ou industrial. Além disso, também analisam se não vale

mais a pena depositarem patentes em outros países, para garantir pelo menos a proteção em

mercados em que possam atuar.

Segundo a diretora, nota-se no INPI nos últimos anos uma redução no número de

pedidos de depósitos. Em 2014, foram realizados pouco mais de trinta mil pedidos de

depósitos de patentes. Quatro anos mais tarde, em 2018, o número de pedidos alcançou pouco

mais de vinte e sete mil solicitações de depósito de patentes. Em sua avaliação, não há como

afirmar que a redução observada nestes anos tem como única causa o crescimento do backlog

de patentes, porém, a diretora reconhece que há uma influência importante na presença de um

atraso que se intensifica ano a ano.

150

Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.

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286

Contudo, se não há uma relação direta entre a redução dos pedidos e o contínuo

crescimento do backlog de patentes, a diretora afirma que em sua visão são poucos agentes

econômicos capazes de suportar esta demora. Empresas multinacionais, com departamentos

de pesquisa e desenvolvimento bem estruturados, mesmo que não confortáveis com o backlog

de 14 anos, são capazes de absorver os custos e organizar os seus contratos a partir da

expectativa de direito. Já empresas de pequeno porte e inventores independentes terão muita

dificuldade de lidar com os custos e a complexidade das transações baseadas em expectativa

de direito envolvendo patentes. A queda no número de pedidos pode já ser um sinal desta

dificuldade.

Além disso, outro problema enfrentado pelo INPI é a redução progressiva no

número de examinadores disponíveis para a realização de análises de pedidos de patentes.

Atualmente são 326 examinadores para a realização das análises de pedidos. Na avaliação de

Liane Lage151

, para dar conta do volume de pedidos atuais seriam necessários mais 170 novos

examinadores, distribuídos em diferentes áreas. Para a diretora a relação não é apenas de base

aritmética, mas sim de ordem estratégica. Segundo o seu relato, há um volume alto de

examinadores que já sinalizaram que pretendem se aposentar neste ou no próximo ano, há

uma dificuldade de se contratar para algumas áreas e há certas indefinições sobre a

disponibilidade orçamentária para a realização de contratações. Todos os fatores somados, em

sua avaliação o backlog de patentes parece não encontrar saídas via aumento de

examinadores.

A diretora ainda complementa, apontando para o fato de que mesmo se fossem

contratados em 2019 o número necessário de examinadores por concurso público, os efeitos

desta contratação só começariam a ser sentidos em 3 anos. Isto porque, quando os

examinadores tomam posse em seus cargos eles não começam a desempenhar as suas

atividades imediatamente. Há um período de formação promovido pelo INPI para capacitá-los

na realização de exames de patentes, além de um período de acompanhamento de outros

examinadores. Por esta razão, Liane Lage afirma que mesmo que o governo federal autorize a

abertura de concursos os efeitos do ingresso de novos examinadores só seriam notados daqui

3 anos.

Nas entrevistas realizadas junto às gestoras de recursos para investimento de

venture capital houve um consenso sobre o fato de que o backlog de patentes brasileiro tornou

a proteção conferida pelo INPI irrelevante. Se o ciclo de investimento do capital de risco no

151

Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.

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287

país varia entre 5 a 8 anos entre os entrevistados, um período de 14 anos de espera torna esta

proteção pouco útil como um patrimônio da empresa investida.

Para as gestoras de recursos que adotam o formato Cayman-Delaware-São Paulo,

em que o investidor demanda a criação de uma empresa espelho nos Estados Unidos da

América como condição de investimento, o registro de patente é realizado diretamente no

USPTO, não se cogitando o registro no Brasil. No caso das gestoras que constituem fundos de

investimento no Brasil, o registro de patentes no país não é uma demanda do investidor e em

muitos casos a própria gestora se mostra favorável em que a empresa investida entre com o

pedido no exterior, na maior parte dos casos no USPTO, dispondo-se inclusive em arcar com

os custos de um registro fora do país.

Robert E. Binder da Antera Gestora de Recurso aponta que não há como

incorporar o período de espera atual como parte do seu investimento no formato de capital de

risco. Em sua entrevista, o gestor fez questão de repetir o fato de que Bill Gates, fundador da

Microsoft, quando perguntado sobre a importância das patentes para o crescimento da

empresa disse que elas representavam muito pouco, que poderiam ser consideradas como

irrelevantes em alguns contextos. Isto porque, na visão de Bill Gates, a velocidade da

mudança no mercado de software não era acompanhada pela velocidade da análise do

conteúdo tecnológico das patentes. Robert E. Binder afirmou que a velocidade do ciclo de

investimentos de venture capital já é maior do que o tempo de espera para a obtenção de uma

patente no Brasil, tornando-a irrelevante para o capital de risco brasileiro.

A irrelevância das patentes para o investimento de capital de risco foi um dos

poucos pontos de consenso entre todos os entrevistados. Todavia, metade deles fez referência

explícita em suas respostas que a patente que não importa para o seu investimento é a patente

brasileira. Gustavo Perez do Pitanga Fund, Sidney Chameh da DGF Investimentos, Gilberto

Ribeiro da Vox Capital, Gustavo Junqueira do Inseed Investimentos e Sullyen Almeida da

Monashees responderam que solicitam dos empreendedores de empresas investidas que

ingressem com pedidos de depósitos de patentes nos Estados Unidos da América e, quando

necessário pelas características da operação, solicitam o registro em países europeus.

Nesse sentido, a proteção via patente pode ser considerada relevante ao

investimento de venture capital, contudo, a presença de um atraso crônico no registro faz com

ela perca valor e relevância para a modalidade de investimento. Segundo Clóvis Meurer da

CRP Companhia e Participações, a proteção via patentes foi se deteriorando até alcançar o

patamar atual, não sendo vista mais por investidores como patrimônio relevante das empresas

investidas.

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288

Para André Kabbani da Bossa Nova Investimentos o depósito de patentes no INPI

por empresas investidas não é inserido na avaliação que estipula o valor (valuation) da

empresa que solicitam por aportes de recursos. Segundo o representante da gestora, um

horizonte temporal tão alongado, excessivamente extenso torna a sua inclusão improvável em

investimentos de venture capital no Brasil. Ele acrescenta que o aumento contínuo do backlog

cria a expectativa de que o problema não será resolvido no curto prazo, de que não há

incentivos para se reconsiderar uma postura que inclua as patentes na avaliação da empresa a

ser investida.

Na perspectiva de Marcelo Mitre da Provence Capital o tipo de empresa que tem

atraído investidores de venture capital no Brasil são as empresas desenvolvedoras de

software, desenvolvendo tecnologias em diversas áreas, desde soluções no varejo, no

comércio eletrônico até alcançar mais recentemente mercados como os financeiro e o da

saúde. Marcelo Mitre ressalta que empresas que dependem de patentes para proteger sua

tecnologia e para competir no mercado devem sair do país, pois no Brasil dificilmente irão

atrair investimentos no formato de venture capital.

Segundo Marcelo Mitre, na Provence Capital a propriedade intelectual é pouco

importante, em alguns casos completamente irrelevante. O perfil das empresas em que gestora

de recursos busca investir está ligado a soluções de software, as quais a mudança é constante e

ocorre em uma velocidade que a legislação ou as entidades públicas não conseguem

acompanhar. A solução foi apostar em contratos, em resguardo jurídico via segredo e quando

estas proteções não funcionam, apostar nas pessoas, na capacidade da equipe de

empreendedores em aprimorar seus produtos e serviços mesmo na hipótese de que seus

concorrentes os copiem. Nesse sentido, nas palavras do representante da Provence Capital: “o

maior ativo que você pode ter em uma empresa investida são as pessoas lá dentro, garantindo

com que elas fiquem, não há proteção jurídica melhor para o desenvolvimento tecnológico”.

Gabriel Perez do Pitanga Fund trata o tema backlog de patentes no Brasil como

um dado, um cenário ao qual o investidor irá considerar, mas não tem capacidade de

contribuir para a sua melhora. Na visão do gestor, o caminho no Brasil diante deste cenário

não é a patente, mas sim na ideia de investimento que consiga atrair empresas globalmente

inovadoras. Em sua visão, o investimento em empresas em que o seu desenvolvimento

tecnológico possa alcançar outros países permite com que a estratégia de proteção tecnológica

seja realizada em outras jurisdições, compensando o cenário de backlog de patentes no país.

Ao invés de buscar uma proteção exclusiva no Brasil, a equipe de

empreendedores com o auxílio de seus investidores pode buscar a proteção em outros países,

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em particular em jurisdições nos Estados Unidos da América ou em países localizados no

continente europeu. Neste contexto, a estrutura internacionalizada da empresa torna a patente

obtida em outros países um ativo muito mais importante para o investimento, ingressando no

patrimônio que a empresa investida terá, do que um pedido de depósito de patente realizado

no Brasil que dificilmente acompanhará o ciclo de investimento do venture capital na

empresa investida.

Sullyen de Almeida da Monashees também compartilha da mesma visão sobre a

importância de patentes e da estratégia de investimento em empresas capazes de se tornarem

globais. Segundo Sullyen Almeida, a patente só tem sentido se puder ser uma referência de

valor para a empresa investida. Hoje, a patente no Brasil não é mais referência de valor no

âmbito de investimentos realizados, em sua visão. A deterioração do registro no Brasil tornou

a patente brasileira uma opção de proteção custosa ao empreendedor e irrelevante para o

investidor de capital de risco no Brasil, pois a demora se mostra incompatível com o seu ciclo

de investimento.

Nos últimos anos o INPI elaborou três iniciativas para reduzir o backlog de

patentes no país, não obtendo os resultados esperados em nenhuma delas. As iniciativas

foram: (i) terceirização de etapas do exame de patentes; (ii) criação do regime simplificado de

análise de patentes; e (iii) intensificação dos acordos internacionais de cooperação – Patent

Prosecution Highway (PPH).

Segundo Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 190), a terceirização de etapas do

exame de patentes pode ser dividida em dois métodos: (i) paper-based outsourcing; e (ii)

dialogue-based outsourcing. Em ambos os métodos, uma INAPI realiza uma chamada pública

de seleção de pesquisadores com experiência em áreas do conhecimento pré-estabelecidas,

escolhendo profissionais que poderão realizar algumas das etapas do processo de exame de

pedidos de patentes. No primeiro método, o pesquisador contratado irá realizar a busca de

anterioridade e uma avaliação do estado da técnica relacionados ao pedido de patente

apresentado, utilizando-se do sistema da INAPI, e irá elaborar um relatório de sua pesquisa,

anexando todos os documentos pertinentes, para a posterior entrega deste relatório ao

examinador designado para a análise do pedido. No segundo método, além da elaboração do

relatório, o pesquisador irá apresenta-lo oralmente para o examinador, tendo este a

possibilidade de esclarecimentos de dúvidas.

A remuneração dos pesquisadores selecionados está atrelada aos relatórios e

apresentações que ele produz, bem como a sua vinculação está associada aos exames de

patentes que foram designados a ele pela INAPI. Nesse sentido, seu vínculo com a INAPI é

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290

precário e temporário, sendo que cada pesquisador pode ser substituído a qualquer momento.

A ideia subjacente ao modelo é que há um contingente grande de especialistas em

universidades e centros de pesquisa que estariam dispostos a realizar parte do trabalho técnico

de examinadores de patentes, sem, contudo, comprometer a suas carreiras acadêmicas ou

profissionais. Doutorandos, por exemplo, poderiam encarar esta como uma oportunidade de

complementação de sua renda, ampliando seus conhecimentos na área em que atuam.

Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 190) descrevem que o modelo de terceirização

foi utilizado como estratégia de controle do backlog de patentes no Japão e na Coreia do Sul.

Segundo os autores, a terceirização foi uma forma dos dois países darem conta da crescente

carga de trabalho de examinadores de patentes em decorrência do aumento dos pedidos de

depósito de patentes nestes países ao longo da década de 1990. A estratégia foi bem-sucedida,

pois permite com que a INAPI equilibre a contratação de pesquisadores de acordo com as

suas necessidades de análise de pedidos de depósito de patentes. Quando o contingente estiver

ligado ao setor de telecomunicações, as chamadas se concentram em pesquisadores com esta

formação, quando a maior demanda for na área de bioquímica, muda-se o foco da chamada de

pesquisadores.

Em 2004, foram processados 203 pedidos de depósito de patentes por

examinadores no Japão, enquanto nos Estados Unidos da América foram analisados 83

pedidos por examinadores. Em 2012, foram examinados 239 pedidos por examinadores no

Japão, enquanto nos Estados Unidos foram examinados em média 77 pedidos por

examinadores. No Brasil, em 2013 foram analisados 24 pedidos por examinadores, passando

28 pedidos em 2014 e 31 pedidos em 2015 (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 188).

Mesmo com a melhora no número de pedidos analisados em média por

examinadores no Brasil, ainda apresentamos um número baixo de pedidos analisados por

examinadores. Parte da explicação sobre o pequeno número de pedidos analisados pelos

examinadores do INPI está no fato do Instituto ter tentado adotar o modelo de terceirização e

ter sido proibido pelo Poder Judiciário Brasileiro no ano 2000.

Em 14 de dezembro de 1999 foi editada a Medida Provisória n.º 2.006, alterando a

Lei n.º 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), acrescentando-lhe os artigos 229-A, 229-B,

229-C, pertinentes à concessão de patentes de produtos agropecuários e farmacêuticos.

Segundo Liane Lage, a Medida Provisória vinha atender a demanda do INPI em aumentar o

seu quadro de examinadores para dar conta do aumento no número de pedidos de depósito de

patentes que derivaria da inclusão de medicamentos no rol de tecnologias objeto da proteção

por meio de patentes.

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291

A proposta prevista na Medida Provisória era autorizar o INPI a contratar

servidores temporários, pelo período de 12 meses, para dar conta do contingente crescente de

pedidos de patentes no país em 1999. No mesmo ano, o Partido dos Trabalhadores (PT)

ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.125-7 frente ao Presidente da

República no Supremo Tribunal Federal, alegando que a proposta da Medida Provisória

violaria o inciso IX do art. 37 e o art. 246 da Constituição, uma vez que só uma lei e não uma

medida provisória poderia prever os casos de contratação temporária (vício formal), bem

como estaria usurpando a competência do Poder Legislativo Federal em criar, transformar,

extinguir cargos, empregos e funções públicas, prevista no inciso X do art. 48 da Constituição

Federal (vício material).

Na visão do Partido dos Trabalhadores, não é permitido pelo texto constitucional

que o Presidente da República delegue a outras instâncias da Administração Pública Federal,

como o INPI, a prerrogativa de criar funções, cargos ou empregos públicos por meio de

medida provisória. Não apenas o instrumento estaria errado segundo a Constituição brasileira,

como também esvaziaria a competência do Congresso Nacional, igualmente vedada no texto

da Constituição Federal.

Para o Ministro Maurício Correa, designado como Relator e no âmbito da análise

da concessão de medida liminar para suspensão da Medida Provisória, não teria havido vício

formal por parte do Presidente da República ao editar a Medida Provisória n.º 2.006/99 tendo

em vista que o art. 246 da Constituição Federal já havia sido regulamentado pela Lei n.º

8.745/93. Porém, o Ministro considerou que teria havido um vício material por parte do

Presidente da República na edição da Medida Provisória. Nas palavras do Ministro Maurício

Correa (2000, pp. 60-61):

Estou convencido de que o exercício de tarefas dessa grandeza só pode ser

permitido a técnicos da carreira pertencente ao quadro da autarquia,

admitidos pelo meio de concurso público. Ora, não me parece que atividades

como essas, que exigem conhecimentos técnicos, sobretudo aquelas relativas

à carreira jurídica, que reclamam conhecimentos especializados, possam ser

ocupadas mediante simples seleção, sem o crivo indispensável do concurso

público, como determina o inciso II do art. 37 da Constituição Federal.

‘Necessidade temporária de excepcional interesse público não pode ser

escudo a justificar a contratação temporária ampla e irrestrita de servidores,

a pretexto da permissão prevista no inciso IX do artigo 37 da Carta de 1998,

em evidente usurpação de cargos específicos e típicos de carreira.

Com base neste entendimento, o Ministro Maurício Correa deferiu a medida

liminar solicitada pelo Partido dos Trabalhadores e suspendeu os efeitos do art. 2º da Medida

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Provisória n.º 2.006/99, impedindo o INPI de contratar em regime temporário novos

examinadores para a análise de pedidos de depósito de patentes. Dois anos mais tarde, com a

Medida Provisória já revogada pelo Medida Provisória n.º 2.014-6, suprimindo a disposição

que versava sobre a possibilidade de contratação temporária pelo INPI, a Ação Direta de

Inconstitucionalidade foi considerada sem objeto e foi julgada prejudicada, sendo arquivada

pelo Supremo Tribunal Federal.

Na visão de Liane Lage, o início do backlog de patentes ocorreu na mudança da

Lei de Propriedade Industrial em 1996, incluindo os fármacos no rol de tecnologias capazes

de serem patenteadas. Porém, o agravamento do backlog de patentes teve início com a decisão

que não permitiu a contratação temporária de examinadores no ano 2000. Segundo a diretora,

o INPI recebeu uma resposta clara do Poder Judiciário de que modelos de alternativos ao

concurso público, o de contratação temporária ou de terceirização, com a contratação de

pesquisadores não seriam aceitos como forma de combater o backlog de patentes.

Outra tentativa do INPI para reduzir o backlog de patentes no país foi a

proposta152

de criação de um processo simplificado de exame de patentes no país. Em 31 de

julho de 2017, o INPI publicou um aviso de consulta pública para coletar contribuições da

sociedade sobre sua proposta de norma que instaurava um procedimento simplificado de

análise de patentes. Pelo texto proposto, um pedido de depósito de patente que fosse admitido

pelo INPI pelo procedimento simplificado seria automaticamente aprovado no prazo de 90

dias, expedindo-se a sua carta-patente.

A proposta busca com que os requerentes que estão aguardando a decisão sobre o

seu pedido de patentes solicitem a admissão de seus pleitos no processo simplificado, tendo

como resultado a aprovação de seus pedidos no prazo de 90 dias, conforme estabelece a

proposta. O processo simplificado serviria, portanto, como uma aprovação automática sem

exame pelo INPI, eliminando a maior parte da fila de pedidos ainda não analisados pelo

Instituto.

Estariam excluídos da proposta de procedimento simplificado os requerimentos de

certificado de adição, os pedidos divididos e os pedidos relacionados aos produtos e processos

farmacêuticos. Além disso, a proposta de norma também autorizava que pedidos de patente

fossem excluídos do processo simplificado, sendo por oposição de terceiros ou por pedido do

próprio requerente do depósito, respeitado o prazo previsto na norma.

152

INPI. Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/consultas-publicas>. Último acesso:

10.04.2019.

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293

Também estariam excluídos do procedimento simplificado todos os pedidos de

patentes depositados após a entrada em vigor da norma. A justificativa desta exclusão estaria

no fato do procedimento simplificado servir como ferramenta de redução do backlog e não

como alteração do procedimento padrão do INPI na análise de patentes, previsto na Lei de

Propriedade Industrial. O procedimento cuidaria apenas dos pedidos pendentes e não de

pedidos de depósitos novos de patentes.

Como justificativa da proposta de processo simplificado153

, o INPI apresenta o

seguinte diagnóstico, mesmo com o aumento progressivo da produtividade dos examinadores

durante os anos de 2015, 2016 e 2017, o Instituto não tem obtido resultados em seus esforços

de redução do estoque de pedidos de patentes. Segundo a entidade, a relação se tornou tão

desproporcional que mesmo se o número de examinadores pouco mais que dobrasse (326 para

687), seriam necessários 8 anos para a eliminação do backlog nos termos que ele se manifesta.

Nas estimativas do INPI, para o ingresso destes novos examinadores seria

necessário um investimento de pouco mais do que R$ 1 bilhão, sendo que se forem

contratados por concurso público, tomando posse como funcionários públicos, após os 8 anos

de esforços na redução do backlog de patentes, podem gerar um novo problema segundo a

entidade que é o de ociosidade de seus quadros de examinadores de patentes. Na visão da

entidade, o backlog é um problema grave, contudo, a sua solução via a contratação de novos

examinadores não deve criar um novo problema, examinadores subaproveitados ou ociosos.

Nas contribuições apresentadas para a consulta pública, notamos a presença de

membros do INPI contrários a proposta, explicando as razões que consideram pertinentes para

considerar a proposta ilegal ou até prejudicial ao modelo de proteção da propriedade industrial

no país. Além de sugestões de mudança no texto para a remoção de ambiguidades ou para

aprimorar sua redação, duas foram as principais críticas apresentadas: (i) o INPI não poderia

editar uma norma administrativa para alterar o processo de exame de pedidos de depósito de

patentes, a forma adequada para fazê-lo seria alterar o texto da Lei de Propriedade Industrial;

e (ii) o procedimento simplificado iria ensejar um processo de judicialização de pedidos de

depósito de patentes com características similares, transferindo disputas que ocorrem no

Instituto para o Poder Judiciário, também congestionado com outras demandas.

Interessante notar que na primeira crítica, alguns examinadores154

do INPI se

manifestaram contra a proposta, em particular por acharem que seria necessária uma alteração

153

Ibidem. 154

Dentre os examinadores que manifestaram sua opinião sobre a proposta de procedimento simplificado,

destacam-se os que se manifestaram em nome próprio como Alessandra Alves da Costa e Nathalia Pereira

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294

na Lei de Propriedade Industrial e não a edição de uma norma em sede administrativa pelo

INPI. No mesmo sentido da manifestação examinadores, associações como a ABIA

(Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) apontaram que uma norma de natureza

administrativa não poderia alterar o procedimento de deferimento de pedidos de depósito de

patentes previsto nos artigos 35 e 36 da Lei de Propriedade Industrial. Acrescente-se que

segundo os examinadores do INPI contrários à proposta de procedimento simplificado, o

artigo 46 da Lei de Propriedade Industrial prevê que é nula a patente concedida contrariando

as disposições da Lei, tornando as patentes concedidas no procedimento simplificado nulas.

Na contribuição de Alessandra Alves da Costa155

, a dificuldade do INPI em

examinar em tempo hábil os pedidos de patentes esbarra em obstáculos que fogem da

competência do Instituto, não dependendo apenas dele para resolver o problema. A

Administração Pública Federal deveria se empenhar em dispor de recursos para abrir mais

concursos, contratar mais examinadores e prover a infraestrutura necessária para o exame de

patentes. Em sua visão, o INPI e seus examinadores devem se preocupar com o caráter

técnico da análise de patentes e não devem apelar para medidas extremas para cuidar de um

problema que é maior do que o escopo de sua competência.

Chama atenção na contribuição de Alessandra Alves da Costa e dos demais

examinadores do INPI a percepção de que o backlog de patentes não faz parte da

responsabilidade do INPI em oferecer um serviço público em tempo razoável. Observa-se

uma oposição entre o que é responsabilidade da Administração Pública Federal e o que é de

responsabilidade do Instituto. Para os examinadores contrários à proposta o backlog é fruto da

omissão por parte do Governo Federal e por isso deve ser resolvida por ele. Nota-se também a

percepção de que o procedimento simplificado poderia esvaziar a necessidade de renovação e

Cavaleiro, bem como os que se manifestaram de forma coletiva sobre a proposta, sendo eles: Alessandra Alves

da Costa, Amanda Mangeon Vieira Ferreira, Erika Tarre, Borges Antonelli Giany Oliveira de Melo, Juliana

Manasfi Figueredo, Luiz Fernando Zmetek Granja, Nathalia Pereira Cavaleiro, Nathaly Nunes choa, Rosana

Bernardo da Silva, Vania Lucia F. Linhares da Silva, Adriana Brigante Deorsola, Tatiana Carestiato da Silva,

Luiz Eduardo Kaercher, João Marcelo Rocha Fontoura, Sandro Guimarães Viveiros Rosa, Aline Mara Barbosa

Pires, Marco Antônio Souza Aguiar, Cibele Cristina Osawa, Dárcio Gomes Pereira, Ricardo Schmitz Ongaratto,

Edilson Gr nheidt Borges, José Rufino de Oliveira Junior, Vitor Brait Carmona, Rodrigo Danieli, Sandra Regina

Gomes Fraga Ronney, Adriano Ribeiro, Patricia Carvalho dos Reis, Rafael Ribeiro Brandão,Renata Fittipaldi

Pessôa, Mariana Moura Sampaio de Arruda, Clarice Maria Buarque de Macedo, Márcia Tie Kawamura, Maria

Elisa Marciano Martinez, Maria Hercilia Paim Fortes, Ai Ren Tan, Paula Salles de Oliveira Martins, Carmen

Lúcia Novis Cardoso, Anicet Okinga, Thayse Cristina Pereira Bertucci, Mauricio da Silva Martins Almeida,

Paula Candida Fonseca, Helcy da Silva Gonçalves, Airton José de Luna, Edgar Jose Garcia Neto Segundo, Ian

Nascimento Vieira, Michele de Moraes Sedrez, Cláudio Picanço Magalhães, Andre Luiz Jeovanio da Silva,

Luciana Portal da Silva, Helio Santa Rosa Costa, João Gilberto Sampaio Ferreira da Silva José, Mauro Bernardo

Merquita, Adriana Machado Fróes e Cristiane Fonseca H bner. 155

Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/consultas-publicas>. Último acesso:

10.04.2019.

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295

ampliação dos quadros do Instituto, servindo como paliativo para os problemas de

infraestrutura do INPI.

Em nossa visão, reconhecemos que o procedimento simplificado reduz o foco de

atenções ao problema de renovação e ampliação dos quadros do INPI, porém, não

consideramos justificada a posição de que o problema do backlog de patentes é exclusivo da

Administração Pública Federal. Não há como encarar o problema a partir de uma visão

exclusivista. Há dimensões do problema que afetam diretamente o Instituto e que devem ser

encarados a partir de uma postura de compartilhamento de responsabilidades. Mesmo que o

procedimento simplificado não seja o caminho ideal, uma vez que inova em relação ao texto

da Lei de Propriedade Industrial, extrapolando a hierarquia normativa entre Lei e Norma

Administrativa, deve-se elogiar a iniciativa de proposição de um plano para tratar do backlog

de patentes no país.

No tocante à segunda crítica ao procedimento simplificado, a judicialização da

propriedade intelectual, a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina e

Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA)156

sintetizou o posicionamento apontando

que o procedimento simplificado gerará um enorme volume de concessões de patentes sem

mérito, aprovando pedidos que teriam uma baixa probabilidade de serem concedidos, em

muitos casos criando cenários em que pedidos podem versar sobre a mesma solução técnica.

Davison Rego Menezes157

, pesquisador em Propriedade Industrial do INPI, aponta

que o procedimento simplificado estaria apenas transferindo o problema da Administração

Pública Federal para o Poder Judiciário. Em sua visão, esta transferência seria temerária, uma

vez que diferente do INPI que dispõe de quadros técnicos, mesmo que insuficientes, em

contraposição ao Poder Judiciário que não dispõe de turmas de magistrados com este grau de

especialização. Conclui que o backlog sairia do INPI e seria espalhado por instâncias de

julgamento do Poder Judiciário, podendo criar um cenário de decisões conflitantes e

incertezas sobre a exploração tecnológica no país.

O conjunto de examinadores contrários ao procedimento simplificado também se

manifestou sobre o risco de judicialização. Em sua avaliação, mesmo que o procedimento

simplificado possa trazer efeitos imediatos de redução do backlog de patentes no curto prazo,

a incerteza permanecerá em muitos casos. Isto porque, o que hoje é expectativa de direito de

pedidos apresentados e não analisados se converteria em direito de exploração de uma

tecnologia via a concessão de patentes. Porém, este direito poderia ser rapidamente contestado

156

Ibidem. 157

Ibidem.

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no Poder Judiciário, recriando o cenário de incerteza presente no contexto do atraso crônico

das análises do INPI. Isto geraria um desmerecimento do caráter técnico do INPI sem trazer

benefícios para a sociedade brasileira.

Segundo Liane Lage158

, a avaliação da Diretoria de Patentes do INPI não é de

transferência de disputas sobre patentes do INPI para o Poder Judiciário. Em sua avaliação, o

atraso de 14 anos já torna diversos pedidos de patentes pouco úteis para seus requerentes, em

muitos casos os seus potenciais retornos não justificariam os custos de um processo judicial.

Desta forma, para a cúpula do INPI a judicialização irá ocorrer, contudo, será residual, não

afetará a maior parte dos pedidos que hoje estão na fila da análise.

Em razão do prazo atual e do aumento progressivo do backlog de patentes,

também acreditamos que a judicialização seja uma transferência integral da análise de

patentes do INPI para o Poder Judiciário. Há um contingente de pedidos que não possuem

mais utilidade para sua exploração nos dias atuais tendo em vista o desenvolvimento

tecnológico dos últimos anos. Dificilmente estas tecnologias que não mais demonstram

utilidade em sua exploração seriam objeto de ações judiciais, mesmo em cenários em que

pedidos poderiam apresentar características similares.

Além disso, o argumento de desmerecimento da atividade de caráter técnico do

INPI e de seus examinadores acreditamos que não seja consistente com o quadro atual. Isto

porque, o quadro atual exige com que o examinador tenha que se colocar na situação de

examinar um pedido de depósito de patente que foi proposto há 14 anos atrás, tendo que

examiná-lo de acordo com o contexto de 14 anos atrás. Em nossa visão, esta tarefa prejudica

mais o exercício das atividades do examinador, uma vez que ele terá dificuldade de se colocar

nesta posição, tendo que se valer de referenciais de análise que hoje e até a poucos anos atrás

já se tornaram obsoletos, do que o fato de que a aprovação automática de pedidos antigos

poderia gerar para o exercício de suas atividades. O examinador com o procedimento

simplificado poderia se concentrar em pedidos que se relacionam ao seu tempo, permitindo

com que ele possa exercer suas funções em melhores condições.

Segundo Liane Lage159

, após a consulta pública a proposta do procedimento

simplificado não conseguiu apoio do Governo Federal. Na transição entre o governo de

Michel Temer e Jair Bolsonaro, o foco de atenções do antigo Ministério da Fazenda para o

novo Ministério da Economia mudou e a proposta de procedimento simplificado perdeu força

e apoio. Atualmente, há esforços em ampliar o uso de ferramentas eletrônicas para a

158

Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019. 159

Ibidem.

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modernização do processamento de patentes, como o e-Patentes, e para a celebração de

acordos de cooperação com outras INAPIs, os chamados de Patent Prosecution Highway

(PPH).

Enquanto a adoção de ferramentas eletrônicas ainda não demonstra efeitos sobre o

backlog de patentes no Brasil, pode-se notar que a ampliação no número de PPHs firmados

pelo INPI têm criado caminhos para acelerar a concessão de patentes no Brasil quando

obtidas no exterior. O objetivo de um PPH é atenuar a duplicidade de trabalho entre INAPIs,

fazendo com que um exame de patente realizado em um país possa ser utilizado como base

para a aprovação em outro país que tenha um acordo de cooperação na área. Proposto

inicialmente no Japão, o PPH tem sido um instrumento importante para o início de processos

de harmonização entre critérios de análise de pedidos de patente no mundo (GARCEZ

JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 179).

Segundo relatório160

do INPI sobre PPHs, após um escritório de patentes parceiro

do INPI considerar patenteável a matéria de um pedido de patente, o mesmo pedido torna-se

passível de priorização no país, podendo passar na frente na fila de espera do Instituto. O PPH

permite com que as informações que foram prestadas no exame realizado pelo Escritório de

Primeiro Exame (OEE) possam ser reaproveitadas pelos depositantes nacionais e sejam

utilizadas pelo examinador do INPI, tendo uma prioridade em relação aos demais pedidos na

fila. Hoje, o INPI tem 7 acordos de PPH em vigor, sendo o primeiro deles firmado em 2016

com os Estados Unidos da América (PPH INPI-USPTO) e o mais recente com a China (PPH

INPI-SIPO) em 2018.

Os acordos se restringem à campos técnicos específicos, como por exemplo o

PPH INPI-USPTO que cuida de patentes de tecnologia da informação, petróleo e gás, ou o

PPH INPI-SIPO que trata de tecnologia da informação, química e embalagens. Além disso,

cada um dos acordos estipula um limite máximo de pedidos que podem ingressar no exame

prioritário do INPI. No PPH INPI-USPTO o número é de 200 petições, no PPH INPI-EPO

(União Europeia) o limite é de 600 petições ano.

No contexto do debate sobre formas de redução do backlog de patentes, a

existência de um limite de pedidos capazes de receber análise prioritária aponta para um

alcance reduzido dos PPHs no Brasil. Isto porque, sem este limite de pedidos por ano que

poderiam receber análise prioritária do INPI, patentes obtidas no exterior poderiam ser

160

Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/projeto-piloto-pph>. Último acesso em:

15.04.2019.

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298

trazidas e exploradas em menor tempo no Brasil. Segundo o relatório161

do INPI sobre PPHs,

o tempo médio de decisão de uma patente aceita no âmbito de um PPH é de 265 dias.

Segundo Liane Lage162

, o projeto piloto de PPHs funciona melhor como uma

estratégia de cooperação internacional e harmonização de critérios de análise de pedidos de

patentes do que uma ferramenta para a redução do backlog de patentes no Brasil. Na visão da

diretora, o cenário brasileiro atual é de atraso crônico de pedidos em geral de patentes e

exceções específicas que permitem com que a análise ocorra a partir da priorização de

pedidos. Além dos PPHs, a diretora cita os pedidos realizados por requerentes com idade

acima de 60 anos (Resolução INPI PR n.º 151/2015), patentes de tecnologias verdes

(Programa Patentes Verdes), processos cujo objeto é o tratamento de doenças específicas

(Resolução INPI PR n.º 217/2018), processos pertencentes a instituições científicas,

tecnológica e de inovação (programa Patentes ICTs), processos pertencentes a microempresas

e/ou empresas de pequeno porte (Projeto Patentes MPE), dentre outros.

Em sua visão, o cenário atual é o de articulação de grupos de interesse para a

obtenção de um programa que permita o estabelecimento de trâmite prioritário, criando um

conjunto crescente de exceções ao regime geral de exame de patentes no Brasil. Após diversas

tentativas de reduzir o backlog de patentes, parece que o caminho mais efetivo, mesmo que

não o ideal, é a criação de diversas modalidades de trâmites prioritários, segmentados pelo

perfil do requerente, pela matéria estratégica tratada, pela situação do pedido, dentre outros

critérios. Nota-se uma percepção de que a tarefa de tratar o problema backlog de patentes de

forma ampla e integrada não tem dado resultados e que a melhor estratégia é esvaziar o

regime principal de exame de patentes por meio da criação de diversas hipóteses de processos

com trâmite prioritário, tornando o que era exceção, regra.

6.4 Os limites para o desinvestimento no país e a influência da taxa básica juros

Juros é a pior coisa que existe no mundo, disparado, para a economia real,

né. Burocracia é pouco perto do que os juros causam de malefício para a

economia sem gerar valor real, né. Numa visão de investidor em ativo real,

em que realmente compete, em que o cara se acomoda. O mercado fala que

os juros são a cocaína para os detentores de recursos para investimento.

Captar é difícil do país para venture capital porque é cômodo ficar como se

está. E até para as próprias startups os juros têm um efeito ruim. As vezes o

empreendedor poderia se financiar com um empréstimo. Há momentos em

que isto poderia fazer sentido. Em muitos casos o negócio é bom. Porém,

não é imaginável em uma economia saudável que um negócio bom,

161

Ibidem. 162

Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.

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redondinho, tenha que pegar um dinheiro tão caro. O ideal seria, em alguns

momentos o empreendedor buscar capital no formato de equity para fazer o

seu negócio crescer e ele agregar um capital inteligente aqui. Ao longo do

tempo, ele vai precisar de outras fontes também, para financiar algumas de

suas atividades, principalmente no curto prazo, no giro do negócio. Só que o

custo disso no Brasil é maluco. Há programas aqui e acolá e o BNDES tem

feito um esforço grande, contudo, não há uma integração. Aí quando você

investidor quer sair do negócio, a pressão é que você apresente retornos

extraordinários, acima do que é esperado em outros países para este tipo de

investimento. Só que no Brasil ou é venda estratégica ou venda estratégica!

Não tem outra opção. Não há uma bolsa de valores que seja capaz de

competir com a renda fixa. É um efeito em cadeia, entende? (Rodrigo

Borges, fundador da Domo Invest)

Nos investimentos de venture capital, a presença de oportunidades de saída do

investidor é condição necessária para a existência do capital de risco em um país. Mesmo

dependendo de diversos fatores, como a competência do investidor, as características do

empreendimento, o quadro regulatório local, especificidades do mercado em se atua, a saída é

parte integrante da ideia de ciclo de investimento que define a metodologia do venture capital.

A expectativa do gestor de recursos em um fundo de venture capital é de que a saída seja

capaz de cobrir os custos de oportunidade de seus cotistas, que disponibilizaram os seus

recursos financeiros para investimentos, na esperança que este capital possa lhes trazer

retornos extraordinários se empregados corretamente no financiamento de empresas

promissoras (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 55).

O negócio de gestoras de recursos financeiros que realizam investimentos de

venture capital é estruturado para ser temporário, e nele se constroem expectativas de entrada

e saída de empresas promissoras selecionadas para investimento. A identificação do momento

adequado para a saída, e do mecanismo ideal para viabilizá-la, são fatores importantes para a

obtenção dos retornos financeiros capazes de recompensar aqueles que disponibilizaram o

capital para o investimento, quando em um formato de fundo, os cotistas do fundo de

investimentos. Nesta perspectiva, a estruturação das oportunidades de saída de um

investimento em uma empresa promissora condiciona a organização do ciclo de investimento

e parte da atuação do gestor na empresa promissora investida (GLADSTONE, 1998, p. 216).

Saídas de investimento podem ser realizadas a partir de cinco mecanismos: (i)

venda estratégica – trade sale; (ii) venda de participação para outro investidor – secondary

sale; (iii) abertura de capital em bolsa de valores – initial public offering; (iv) recompra pelo

empreendedor – buyback; (v) liquidação – write-off. Estes podem ser divididos em três

situações distintas na trajetória da empresa investida. Os três primeiros mecanismos são

utilizados em situações em que os investimentos realizados permitiram com que a empresa

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investida crescesse e pudesse atingir os seus objetivos de desenvolvimento, são as saídas em

contextos de sucesso. O quarto mecanismo, a recompra pelo empreendedor, mostra-se como

uma saída intermediária, em que a empresa investida não apresentou os resultados esperados

de crescimento, contudo, apresenta resultados suficientes para a sua continuidade. O quinto

mecanismo é a saída em um cenário de fracasso da empresa investida, momento em que o

investidor irá absorver as perdas e sair do empreendimento sem retorno sobre o capital

investido (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 57).

Segundo Ribeiro e Almeida (2005, p. 56), mesmo que a referência de

investimento de venture capital seja o modelo construído nos Estados Unidos da América,

nota-se que este modelo vem sendo adaptado à contextos locais em países pelo mundo, em

especial no que toca à disponibilidade de oportunidades de saída de investimento, ou também

chamadas de estratégias de desinvestimento. Ambientes regulatório-institucional (e.g.

tributação, regime de falências, propriedade intelectual, etc.) distintos têm gerado incentivos

para o comportamento do venture capital nestes países, influindo não apenas em ações na

saída, como também em diversos momentos do ciclo de investimentos (e.g. seleção de

empresas a serem investidas).

No estudo realizado Ribeiro e Almeida (2005) sobre o contexto de saída no Brasil,

os autores apontam a predominância e a preferência pelo mecanismo de venda estratégica por

parte de gestores de recursos, e explicam que esta preferência não se manifesta apenas no

momento da saída do investimento, estando presente desde a seleção da empresa promissora a

ser investida. Investe-se em empresas promissoras no país a partir de uma estrutura que

facilite a venda estratégica, podendo em alguns casos adaptar estas estruturas para vendas

para outros investidores.

Na avaliação dos autores (2005, p. 59), gestores brasileiros se enquadram no que a

literatura internacional classifica como estratégia de saída planejadora. Estratégias de saída

são construídas em função do ambiente em que uma gestora de recursos está inserida. No caso

da estratégia planejadora – path-sketchers, as operações de investimento são planejadas com

foco em garantir condições para saída, influenciando fortemente o processo de investimento e

a fase de acompanhamento das atividades das empresas investidas. Os planejadores levam em

consideração a criação de oportunidades de saída desde a negociação com empreendedores,

passando pela avaliação do plano de negócios, ao ponto de manter consigo listas de nomes de

potenciais compradores da empresa objeto de investimento.

A estratégia planejadora se opõe à estratégia oportunista - opportunists, em que

não há uma preocupação com a saída até o momento em que a empresa investida se mostra

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madura o suficiente para que seus investidores comecem a organizar a sua saída. A saída não

é parte integrante do início do processo de investimento, sendo uma decorrência da qualidade

da empresa investida, do mercado em que atua e dos profissionais que serão envolvidos (e.g.

consultores). Nesta estratégia, a saída tem pouca influência na análise de projetos ou até na

decisão de investir (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 59).

Gestoras de recursos com preferência por saídas via abertura de capital em bolsa

de valores têm uma tendência em organizar seus investimentos a partir de estratégias

oportunistas, em que a sua decisão de investimento está orientada aos negócios que sejam

capazes de sustentar o seu crescimento independentemente da aquisição por outra empresa,

chamados de standalone business. Na década de 1990, Black e Gilson (1998) argumentavam

que o capital de risco não teria condições de se desenvolver, e até subsistir em alguns

contextos, em países com reduzidas oportunidades de saída de investimento via abertura de

capital em bolsa de valores.

Esta visão foi sendo gradativamente alterada por Macintosh (1997) e estudos

subsequentes (CUMMING; MACINTOSH, 2003; CUMMING, 2003) que buscaram tratar a

saída a partir da teoria de fatores determinantes, em que fatores do contexto em que o venture

capital se insere condicionam o comportamento de seus agentes, permitindo com que

realizem suas ações de investimento com base na criação de alternativas que viabilizem a sua

saída, como por exemplo quando se comportam como planejadores e não como oportunistas

para a organização de seus processos de desinvestimento.

Em 2004, Ribeiro e Almeida (2005, p. 60) conduziram uma pesquisa sobre

desinvestimento no Brasil junto a 18 gestoras de venture capital no Brasil para compreender

quais são suas preferências e estratégias. Enviaram questionários estruturados com questões

de múltipla escolha para as gestoras selecionadas a partir do guia do Instituto Endeavor,

replicando perguntas que já haviam sido aplicadas em outros países por Cumming e

Macintosh (2003).

Como resultado, 11 das 18 gestoras entrevistadas revelaram que se utilizam

exclusivamente da venda estratégica como forma de desinvestimento, tendo as demais 7

gestoras se mostrado dispostas a realizar venda estratégica, venda para outros investidores e a

realização de abertura de capital em bolsa de valores. Na avaliação dos autores (2005, p. 61),

a preferência pela venda estratégica não está relacionada com a origem da gestora, sua

experiência em outras operações ou com o tempo em que atua no país.

Diferente dos Estados Unidos da América em que a preferência é pela abertura de

capital em bolsa de valores, os autores (2005, p. 62) identificaram cinco razões para a

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preferência pela venda estratégica: (i) baixa liquidez e valorização de ativos listados em bolsa

de valores no Brasil dificulta a abertura de capital de empresas de médio porte; (ii) capacidade

de gestores brasileiros em antecipar tendências e identificar estratégias de consolidação em

determinados setores da economia, obtendo altos retornos em razão disso; (iii) rapidez na

saída, venda estratégica não demanda o tempo de preparação que uma abertura de capital em

bolsa de valores exige; (iv) empresas de médio porte investidas por venture capital não tem

condições de arcar com os custos fixos da abertura de capital em bolsa de valores no Brasil; e

(v) a venda estratégica é menos sensível à volatilidade dos mercados financeiros.

A conclusão do trabalho (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 63) aponta que o

venture capital no Brasil é mais seletivo em relação aos seus investimentos, buscando por

negócios que já demonstrem ter potenciais compradores que poderiam viabilizar a sua saída,

bem como durante o acompanhamento do investimento gestores tendem a realizar análises

estratégicas e do mercado de potenciais compradores para as empresas em seu portfólio de

investimento. Dos respondentes, 83% disseram que mantinham contato com potenciais

compradores de suas empresas durante o período de seu investimento, sinalizando para estes

potenciais compradores em quais momentos estariam dispostos a vender a sua participação.

Em nosso questionário de entrevistas, tomamos por base questões e conclusões da

pesquisa realizada por Ribeiro e Almeida em 2005 e aplicamos para o conjunto de gestores

que concordam em participar de nossa pesquisa. No questionário que aplicamos, separamos as

questões que cuidaram do desinvestimento das questões que tratavam dos impactos da taxa

básica de juros da economia no Brasil. Contudo, durante a entrevista sete dos dez gestores

entrevistados correlacionavam estes dois tópicos, apontando relações entre eles. Por esta

razão, unimos os dois assuntos em uma mesma seção deste capítulo.

O consenso entre todas as respostas obtidas entre os entrevistados foi o fato de

que o principal mecanismo de desinvestimento é a venda estratégica. De todos os

entrevistados ao serem questionados sobre quais saídas já realizaram no Brasil, a totalidade já

fez saídas no formato de venda estratégica. Em segundo lugar entre as saídas realizadas está a

venda de participação para outro investidor, em que seis dos dez entrevistados mencionaram

que já realizaram este tipo de saída. Além das saídas bem-sucedidas, todos os gestores

entrevistados também citaram que já realizaram saída por meio de liquidação, em que

exerceram o seu direito de venda de sua participação por um valor simbólico (R$ 1,00) apenas

para se desligar da empresa investida que não alcançou os seus resultados. Apenas dois dos

dez entrevistados mencionaram que já realizaram desinvestimento por meio da recompra de

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303

sua participação por parte dos fundadores da empresa investida. Mesmo já tendo participado,

fizeram questão de dizer que foi em apenas casos muito específicos e pontuais.

Outro ponto de consenso entre as respostas foi a confirmação de que a estratégia

planejadora caracteriza o comportamento de desinvestimento das gestoras entrevistadas no

contexto de nossa pesquisa. Todas as gestoras entrevistas responderam que na seleção de

empresas para investimento avaliam as condições de saída e estruturam sua operação de

investimento para viabilizar a saída.

Contudo, neste ponto notamos uma divisão entre os respondentes. Quando

perguntados se a presença de potenciais compradores (e.g. empresas de grande porte no

mercado de atuação da empresa investida) foi um fator determinante para a decisão de

investimento em empresas de base tecnológica, seis respondentes disseram que não foi um

fator determinante, que a avaliação de potenciais compradores não se limita ao momento do

investimento, se dá ao longo do processo de investimento. Na visão destes respondentes, a

empresa investida ao longo do investimento poderá mudar a sua estratégia de negócios, os

seus produtos e até o foco de sua atuação. É possível que os potenciais compradores no

momento de seleção do investimento não sejam os potenciais compradores durante o

acompanhamento do investimento.

Clóvis Meurer163

da CRP Companhia e Participações sintetiza esta visão ao

afirmar durante a sua entrevista que o importante para o investimento é que o segmento de

atuação da empresa investida esteja povoado por empresas ou investidores (e.g. private

equity) com condições e potencial de adquirir sua participação no futuro. Além disso, segundo

o gestor, parte do seu papel como investidor é influenciar as empresas em seu portfólio a

explorar mercados em que ele visualize ao mesmo tempo a capacidade de crescimento da

empresa e a sua possibilidade de saída. Em suas palavras:

A entrada em um negócio sempre tem uma avaliação sobre a venda. Se a

empresa está na área de saúde, sempre discutimos quem vai comprar, se será

um hospital, uma farmacêutica, rede de laboratórios. Se for na área de

educação, sempre pensamos em um grande grupo educacional, como a

Anhanguera, ou qualquer outro. Isso sempre nos acompanha e pode mudar

também. A empresa lançar algo, nós tentamos direcioná-la para onde ela vai

conseguir clientes, crescer e onde há interesse na compra dela no futuro. Esta

influência existe. Você precisa dar uma mapeada, onde tu achas que vai ter

interesse para vender. (Clóvis Meurer, 2019)

163

Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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Para Rodrigo Borges, da Domo Invest, a saída bem-sucedida de um investimento

de venture capital no Brasil tem de ser por meio de venda estratégica e, em alguns casos, por

meio da venda para outro investidor interessado. Na visão do gestor, é muito difícil conceber

uma operação de investimento no Brasil sem incorporar a lógica da contínua preparação da

empresa investida para a venda futura, seja ela para uma empresa de grande porte, seja para

um investidor institucional (e.g. fundo de investimento de private equity). Em sua visão, o que

muda é a intensidade com que esta preocupação se manifesta em cada operação de

investimento.

No investimento da Loggi, plataforma digital de aproximação entre demandantes

por entregas e motociclistas dispostos a entregar, identificava-se um grande contingente de

interessados tanto em investir quanto em comprar a empresa, por isso a preocupação não era

tão grande e intensa. No caso do investimento em uma empresa desenvolvedora de aplicativos

de jogos para telefones celulares, a preocupação foi constante, tanto na avaliação sobre o

negócio e sua atratividade para potenciais compradores, bem como na sua preparação para ser

vendida no futuro, reforçando os contatos entre a Domo Invest, empresas de maior porte e

investidores institucionais.

No caso de gestoras de recursos que investem em empresas em fases iniciais de

desenvolvimento – early stage, ou até tem investimentos de capital semente, como a Bossa

Nova Investimentos, a Inseed e a Provence Capital, a saída comum é a alienação de suas

participações para investidores de venture capital em estágios mais avançados no ciclo de

investimentos, como por exemplo series A e series B. No caso da Provence Capital, quando a

gestora está investindo em early stage, o mais comum é a venda de sua participação para um

investidor que ingressará em uma próxima rodada de investimento. Segundo Marcelo

Mitre164

, é muito comum a discussão internamente sobre qual a melhor forma de saída. A

escolha da gestora tem sido por aceitar as ofertas de investidores de primeira ou segunda

rodada para adquirir as participações da Provence Capital, porém, uma aposta que a gestora

está começando a fazer é ampliar o número de saídas por venda estratégica.

André Kabbani165

da Bossa Nova Investimentos aponta que a saída é um processo

que a investidora precisa construir, que ela não ocorrerá de forma espontânea no contexto de

investimentos no Brasil. Mesmo tendo realizado saídas majoritariamente por venda

estratégica, a possibilidade de saídas por alienação de sua participação para investidores

institucionais confere alternativas para a gestora trabalhar a sua saída, permite com que a

164

Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019. 165

André Kabbani. Entrevista realizada em 14.03.2019.

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intensidade de seu trabalho junto aos potenciais compradores de sua participação possa ser

calibrada com o contexto da empresa investida.

A ausência da abertura de capital em bolsa de valores como mecanismo de saída

também foi um ponto em comum entre todas as respostas. Quando perguntados sobre quais

foram as saídas que realizaram até hoje, nenhum dos gestores fez referência a abertura de

capital em bolsa de valores e quando perguntados sobre as razões desta ausência, as respostas

variaram entre eles. A percepção geral é a de que a bolsa de valores brasileira (B3) exige um

porte de empresa que a maior parte das empresas investidas no Brasil não conseguem alcançar

até o momento da saída de seus investidores. Além disso, a B3 não oferece a liquidez capaz

de garantir que a abertura de capital possa gerar os retornos esperados para viabilizar uma

saída bem-sucedida no contexto brasileiro, sendo muito mais segura a saída pela venda.

Neste grupo, Rodrigo Borges da Domo Invest sintetiza o argumento da seguinte

forma:

Na nossa cabeça, a primeira alternativa é sempre a [venda] estratégica. Se

pudesse ter um IPO melhor. Talvez valorizasse melhor, precificasse melhor,

mas hoje a venda estratégica é a via de saída mesmo. Aqui no Brasil você

precisa ter uma escala muito grande, lá fora não tanto. O que influencia lá

fora é a sua reputação como investidor, você atrai interesses em uma

abertura de capital, por exemplo nos Estados Unidos [da América]. Por isso,

dá para ver diversos investidores internacionalizando suas estruturas. Pessoal

com estruturas em Delaware. Lá fora não precisa da escala daqui e ainda

você tem uma maior liquidez. Aí o IPO vira uma opção, inverte, entende. E

se tiver um estratégico querendo comprar antes, excelente, mas o caminho

natural é o IPO fora do país, no modelo norte-americano. Aqui no Brasil não

é assim. (Rodrigo Borges, 2019)

No mesmo sentido, Sidney Chameh da DGF Investimentos ressalta que o Brasil

tem muita dificuldade de construir um ambiente de investimento em que a sua bolsa de

valores possa se tornar um referencial de investimentos para a população em geral. Na visão

do gestor, a B3 está muito longe em tamanho e liquidez se comparada com bolsas de valores

de países desenvolvidos em que o venture capital é uma ferramenta para o financiamento de

empresas de base tecnológica. Para Sidney Chameh, parte da explicação está no que ele

chamou de cultura “rentista” brasileira, o brasileiro médio não quer investir em renda

variável, na esfera produtiva, ele prefere, e tem muitas opções para isso, investir na renda fixa,

não produtiva, em que obtém retornos sem gerar efeitos sobre a produção e o mercado

nacional. Em sua visão, a tendência do brasileiro em ter um comportamento “rentista” foi

reforçada por iniciativas governamentais de altas da taxa básica de juros na economia,

tornando a renda fixa muito atrativa para o brasileiro.

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Além disso, Sidney Chameh discorda que seja apenas uma questão de porte da

empresa e nesse sentido, uma questão de custo da abertura de capital. Em sua visão, parte do

problema também está na incerteza que a burocracia inerente a abertura de capital traz para

viabilização de uma saída de investimentos de venture capital. Um exemplo disso é a

dificuldade em se saber qual o custo médio de aberturas de capital no país. Operações com

características parecidas apresentam variações de custo significativas na visão do gestor. Não

é apenas o alto custo, são as surpresas de aumento de valores a serem dispendidos durante os

processos de abertura de capital. Por isso que, em sua percepção, a abertura de capital fora do

país também é mais fácil, uma vez que além dos custos envolvidos serem menores na

percepção dele, não existiram surpresas durante o processo de abertura que elevarão os custos.

Diferente de Sidney Chameh e de Rodrigo Borges, Sullyen Almeida166

da

Monashees respondeu que mesmo a gestora de recursos não tendo tido nenhuma saída via

abertura de capital em bolsa de valores no Brasil, ela ainda é considerada como uma saída. Na

visão da gestora, a abertura de capital é uma alternativa para o seu desinvestimento fora do

país. Isto porque, na estrutura Cayman-Delaware-São Paulo que a gestora montou é possível

que a empresa “espelho” formada fora do país possa abrir o capital na Nasdaq ou em qualquer

outra bolsa de valores orientada para empresas de base tecnológica.

Em sua visão, um dos problemas da B3 é a ausência de um ambiente de

negociação de ações concentrado em empresas de base tecnológica, como a Nasdaq é nos

Estados Unidos da América. Há um interesse da sociedade em novos negócios, em cultura

empreendedora, em inovação tecnológica que poderia ser aproveitado para gerar liquidez em

um ambiente específico de negociação de ações. Este ambiente poderia ser moldado às

características do capital de risco, incorporando o perfil das empresas de base tecnológica e de

seus investidores. Em sua visão, haveria um esforço de investidores em fomentar este

ambiente, em construir sua reputação como identificador de empreendimentos inovadores.

Empresas de base tecnológica teriam neste ambiente mais uma alternativa para a atração de

investimentos.

Robert E. Binder167

da Antera Gestora de Recursos menciona que projetos de

criação de segmentos de bolsa de valores específicos para empresas de base tecnológica já

foram propostos e discutidos por diversas oportunidades no Brasil. O gestor, em particular,

participou de dois destes projetos, o Bovespa Mais da já extinta Bolsa de Valores de São

Paulo e o da Sociedade Operadora de Mercado de Acesso (SOMA) criada pela também já

166

Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 167

Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.

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extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Em ambos os casos, o gestor comenta que os

projetos não foram continuados.

Segundo Robert E. Binder, o Bovespa Mais não contou com esforços suficientes

para identificá-lo como um ambiente propício para listagem de empresas de base tecnológica.

Ao invés dos esforços se concentrarem nas características destas empresas e de seus

investidores, o foco residiu em criar um ambiente para empresas de médio porte com regras

mais simples. Na perspectiva do gestor, este foi um equívoco, pois um segmento voltado para

empresas de base tecnológica tem de considerar que estas empresas não se resumem ao seu

tamanho e que seus investidores teriam como principal interesse a viabilização de sua saída.

Por esta razão, na perspectiva do gestor, o Bovespa Mais ficou restrito a um contingente

pequeno de empresas e um volume baixo de transações até os dias atuais.

No caso da SOMA, Robert E. Binder atribuiu a não continuidade do projeto ao

fato da Bolsa de Valores de São Paulo ter absorvido a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.

Não faria sentido a permanência de projetos similares para o mesmo segmento, bem como na

avaliação do gestor a opção pelo projeto Bovespa Mais se deu pelo fato de ter sido a Bolsa de

Valores de São Paulo que absorveu a do Rio de Janeiro. Desta forma, o gestor aponta que a

ausência de saídas de investimento pelo venture capital no Brasil via abertura de capital em

bolsa de valores é fruto da falta de continuidade de projetos que tentaram criar ambientes

propícios para que estas saídas pudessem ocorrer.

Além disso, o gestor ainda observa que há um movimento de investidores de

venture capital em procurar bolsas estrangeiras para viabilizar suas saídas. A abertura de

capital da empresa brasileira Pagseguro na Bolsa de Valores de Nova Iorque seria uma

evidência disso. Em sua avaliação, há empresas no Brasil hoje como a Nubank, 99, Gympass,

entre outras que já alcançaram avaliações de mercado suficientes para a sua abertura de

capital e seus investidores parecem não enxergar a abertura de capital na B3 como uma

alternativa para a sua saída. Nas palavras de Robert E. Binder: “Gestoras estão estruturando as

suas operações de investimento em empresas brasileiras para prepará-las para uma abertura de

capital fora do país, pois já não acreditam mais que a B3 possa ser uma opção para a sua

saída”.

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7 CONCLUSÃO

É uma realidade diferente que nós temos no Brasil. Bem diferente dos

Estados Unidos. Muitos gestores aqui parecem mais conservadores. Não se

buscam empresas mais disruptivas como em outros países, com tecnologia

de ponta. A busca é por modelos de negócio, que exploram oportunidades,

que já tem um histórico de receitas, que irão crescer e em alguns casos

crescer muito olhando para o que se pode explorar de determinados

mercados. Já é muito, muito arriscado investir em empresas. No Brasil este

risco aumenta e aumenta muito. Não dá para fechar os olhos para isto. Já é

muito arriscado investir em oportunidades de negócio, imagina em

tecnologia de ponta. A nossa lógica aqui na gestora é buscar o retorno

extraordinário, focar em tecnologia de ponta, só que a gente sabe que mirar

em alta tecnologia não é a postura comum das gestoras no Brasil. E, veja só,

nós só conseguimos uma saída bem-sucedida e mesmo assim não

alcançamos o retorno extraordinário que almejávamos. No Brasil, não há

como contestar a estratégia de olhar para oportunidades, mesmo que todo

mundo fale tanto em desenvolvimento tecnológico.168

(Gabriel Perez, 2019)

Em uma análise sobre a trajetória do venture capital no Brasil, Leonel (2014, p.

128) afirma que, mesmo com grandes esforços do governo federal na promoção da

modalidade de investimento, não se identifica a capacidade do venture capital em financiar

empresas que realizem atividades de desenvolvimento tecnológico no país. Para a autora,

faltaria disposição de investidores em assumir os riscos próprios deste tipo de investimento.

Investidores de venture capital no Brasil não assumiriam o seu papel no financiamento de

empresas inovadoras, frustrando os esforços públicos na construção de políticas de fomento

ao capital de risco no país. Mesmo com recursos e com o apoio governamental, gestores

optariam em não investir em EBTs.

Mesmo que concordemos com Leonel (2014) em seu diagnóstico sobre o papel

fundamental do governo federal na construção do arcabouço regulatório-institucional do

venture capital no país, com destaque para o BNDES e para a FINEP, este trabalho buscou

desconstruir o argumento que reputa apenas a falta de disposição de investidores em assumir

os riscos do investimento de venture capital como o principal problema do financiamento de

empresas de alto potencial de crescimento no Brasil. Nossa tese busca compreender como o

capital de risco no Brasil respondeu às condições do ambiente regulatório-institucional 168

Gabriel Perez. Entrevista realizada em 01.04.2019.

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brasileiro hostil, que, para além das vontades individuais de gestores, também foi responsável

por moldar suas características atuais e influir sobre a percepção de gestores em suas decisões

de investimento em startups no país.

Concordamos que a reduzida proximidade de alguns gestores de venture capital

com universidades públicas no Brasil pode ser explicado, em parte, pela sua falta de

disposição em construir relacionamentos em espaços de incubação universitários, bem como

em se aproximar de centros e núcleo de pesquisa, como se observa nos Estados Unidos da

América e na China. Porém, a preferência por empresas exponenciais de oportunidade, por

tecnologias não patenteáveis e por saídas via venda estratégica de sua participação, bem como

a aversão a empreendedores que fizeram parte de empreendimentos fracassados no passado

devem ser compreendidos a partir da influência de um ambiente regulatório-institucional

hostil no país.

Estes fatores explicam que determinadas características do capital de risco

nacional são criadas a partir de percepções que gestores formaram ao longo dos anos sobre

seus investimentos realizados no Brasil. Estas percepções se materializam na forma como

estes gestores constroem suas teses de investimento, bem como em suas descrições sobre qual

o perfil de empresa buscam, como podem contribuir para o crescimento de empresas

investidas, quais são suas expectativas para uma saída, moldando as características do capital

de risco no país, o que chamamos de venture capital à brasileira.

A passagem da entrevista de Gabriel Perez, gestor do Pitanga Fund, ilustra nosso

argumento. Quando perguntado sobre sua avaliação do ambiente brasileiro para o

investimento de venture capital, o gestor fez questão de ressaltar que a avaliação de risco no

país não é uma tarefa trivial e que a baixa tolerância ao risco não é uma expressão apenas da

vontade de investidores, mas sim de um ambiente que molda percepções e comportamentos.

Para o gestor, a aparência de que o investidor de venture capital é conservador em relação aos

seus investimentos é resultado de um contexto de dificuldades de mensuração de riscos, em

especial em relação às novas tecnologias.

O gestor ressalta a importância do venture capital no financiamento de empresas

de alto potencial de crescimento, contudo, reconhece que não serão todas as financiadas pelo

capital de risco no país. Em sua visão, empresas exponenciais de oportunidade são mais

procuradas por investidores, pois os riscos associados ao seu investimento são menores do

que os presentes em empresas de base tecnológica no país. Isto não significa que empresas de

base tecnológica não receberão investimentos, porém, não serão as mais procuradas.

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A posição do gestor é uma síntese do percurso que buscamos construir neste

trabalho. Mesmo que o ambiente regulatório-institucional hostil não sendo o único fator que

influencia o comportamento do gestor de venture capital, é uma variável relevante e nos

auxila na construção de uma explicação completa sobre os processos de tomada de decisão de

investimentos em empresas de alto potencial de crescimento no Brasil. Entre as empresas

inovadoras no país, a preferência por investimentos em empresas exponenciais de

oportunidade não é apenas uma escolha, é também fruto do quadro regulatório-institucional

brasileiro.

A própria percepção sobre o que é designado como empresa de base tecnológica é

algo que chama atenção em nossa pesquisa junto às gestoras de recursos no país. Isto porque,

a maior parte delas afirmou que o foco de seus investimentos residia na busca por empresas

de base tecnológica no país, contudo, quando descreviam as características das empresas

investidas por ela ou o que entendiam por empresa de base tecnológica, a descrição se

aproximava mais de empresas exponenciais de oportunidade do que empresas de base

tecnológica. Mesmo que os investimentos descritos ressaltassem a presença de tecnologias,

como por exemplo o desenvolvimento de plataformas digitais (e.g. Loggi), a principal

novidade do empreendimento se encontrava no modelo, na exploração de oportunidades de

um mercado.

Os investimentos em empresas de base tecnológica estiveram presentes nas falas

dos gestores de venture capital envolvidos diretamente com entes públicos, como a FINEP e

o BNDES. Inseed Investimentos, Antera Gestora de Recursos e CRP Companhia e

Participações foram as gestoras que descreveram investimentos em EBTs e uma busca por

projetos de base tecnológica ou nas expressões usadas nas entrevistas “projetos baseados em

conhecimento profundo” e “projeto baseados em ciência e tecnologia”. A busca por EBTs não

excluiu investimentos em empresas exponenciais de oportunidade, tendo estas gestoras

ressaltado na entrevista que também se interessam por este tipo de empresa inovadora.

A exceção durante as entrevistas foi a Pitanga Fund que apontou que só investe

em EBTs, não buscando projetos com características de EEOs. Diferente dos dois perfis de

entrevistados, o primeiro voltado a investimentos em EEOs e o segundo com investimentos

em EEOs e EBTs, a gestora concentra os seus investimentos em EBTs. Diferente dos demais

entrevistados, a Pitanga Fund só aportou recursos em 3 empresas de base tecnológica, tendo

tido apenas uma saída.

A descrição dos investimentos da gestora feita por Gabriel Perez deixa clara que a

opção por investimentos exclusivamente em EBTs não trouxe os resultados esperados, e que

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311

este, na visão do gestor, não é o padrão de investimentos entre as gestoras de venture capital.

No caso da Pitnaga Fund, a gestora descreveu dificuldades na seleção de EBTs para

investimentos, na estruturação de suas operações de investimento e na sua saída.

Neste contexto, entre as incertezas descritas por Freeman e Soete (2008, p. 415) e

discutidas no capítulo 2 deste trabalho, a que se mostra mais significativa para uma melhor

compreensão do cenário nacional são as incertezas gerais, mais especificamente as incertezas

relacionadas ao quadro regulatório-institucional brasileiro. A presença de um longo backlog

de patentes, a aversão por empreendedores que já fracassaram em empreendimentos passados,

o menor número de alternativas de saída para o investimento são algumas características do

ambiente regulatório-institucional que conferem a característica de hostil ao ambiente de

investimento nacional.

O ambiente regulatório-institucional brasileiro é hostil ao modelo de venture

capital, pois é percebido como ameaçador, agressivo às características do modelo de

investimento estadunidense, exigindo com que o gestor de recursos brasileiro se adapte, se

comporte de forma a criar alternativas para que ele possa investir segundo a metodologia de

venture capital, porém, acomodando o modelo às peculiaridades de um ambiente que não

busca absorvê-lo.

A percepção de hostilidade regulatório-institucional influenciou a tolerância ao

risco, empurrando gestoras brasileiras a investimentos em empresas com menores graus de

incerteza, concentrando-se em empreendimentos com pouca incerteza ou com muito pouca

incerteza, conforme tabela 2.1 (p. 35). Mesmo que a metodologia de investimento do venture

capital possa servir como solução para incertezas de ordem técnica e de mercado em muitos

países, no Brasil, as incertezas de ordem regulatório-institucional moldaram o venture capital

a financiar com maior intensidade empresas exponenciais de oportunidade.

A atuação de entidades públicas no fomento do venture capital no país buscou

atenuar estes riscos, direcionando recursos (e.g. CRIATEC) e construindo programas voltados

à investimentos em EBTs. Contudo, mesmo tendo um papel fundamental na formação do

venture capital no país e no seu desenvolvimento, os seus esforços não foram suficientes para

que o foco do venture capital no Brasil estivesse nos investimentos em EBTs.

Enquanto a trajetória de desenvolvimento do venture capital nos Estados Unidos

da América foi capaz de conciliar o fomento ao capital de risco e mudanças regulatórias que

permitissem a sua acomodação e expansão no contexto do financiamento de empresas de alto

potencial de crescimento, no Brasil, mesmo que tenhamos avançado na criação e

aprimoramento de veículos de investimento e programas de fomento ao capital de risco, não

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conseguimos avançar em reformas regulatório-institucionais que diminuíssem o grau de

hostilidade do ambiente de investimentos no país.

Flertamos com algumas destas reformas, em especial no âmbito de iniciativas para

a redução do backlog de patentes no país (programa de contratação de servidores temporários

e instauração do regime simplificado de exame de patentes) e abertura de capital (tentativas

de criação de mercados de acesso – Bovespa Mais e SOMA). Porém, estas reformas não

encontraram as condições ideais para serem implementadas, no caso do backlog de patentes

encontrando resistências internas para que elas não fossem realizadas, reforçando o caráter

hostil do ambiente para investimentos de venture capital no país.

Esta percepação também se materializa na estruturação do investimento por parte

de algumas das gestoras entrevistadas, no que chamamos de modelo Cayman-Delaware-São

Paulo. Da mesma maneira do que o modelo Sina na China, o modelo Cayman-Delaware-São

Paulo se mostra como um arranjo jurídico construído para reduzir os riscos do investimento

para gestoras de recursos. Se para aqueles que aportam recursos em uma startup o modelo

confere maior proteção, para o país é um modelo permite a fuga de riquezas que possam advir

deste financiamento. Isto porque, a orbigatoridade de criação de estraturas fora do país, como

uma empresa “espelho”, faz com que em uma startup brasileira bem-sucedida migre para

outro país, como os Estados Unidos da América, transportando consigo a sua riqueza

construída a partir de diversos fatores, o talento de seus fundadores, a orientação de seus

investidores e os programas públicos de incentivo ao seu crescimento (e.g. incubação).

Em nossa visão, o venture capital à brasileira é uma amálgama entre escolhas de

gestoras e influências do ambiente regulatório-institucional brasileiro, criando uma

modalidade de investimento com características próprias e preferências específicas. Os

esforços governamentais bem-sucedidos na formação da modalidade não foram suficientes

para atribuir às gestoras todas as feições descritas em programas e políticas públicas, mais

especificamente a concentração de investimentos em EBTs. Em nosso universo de análise, o

venture capital pode ser descrito como um dos instrumentos de financiamento de empresas

inovadoras, porém, o tipo de inovação financiada não é majoritariamente de base tecnológica

em razão de componentes de caráter local. Empresas exponenciais de oportunidade se

mostram como empreendimentos com maior potencial de crescimento e retorno ao venture

capital brasileiro.

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323

ANEXO I – GESTORAS DE RECURSOS DE VENTURE CAPITAL169

Bloco 1: Descrição do Investidor

Pergunta 1: Quando a gestora foi criada e sob qual fundamento (tese de investimento)?

Pergunta 2: Quem são os seus fundadores e o que os motivou ao capital de risco?

Pergunta 3: Quais os mercados em que busca atuar?

Pergunta 4: Qual o veículo de investimento utilizado?

Pergunta 5: Qual a formação dos profissionais que trabalham na gestora (e.g. finanças,

biotecnologia, robótica, etc.)?

Bloco 2: Oportunidades, Seleção e Participação em Empresas Investidas

Pergunta 1: Qual o perfil de empresas buscada pela gestora?

Pergunta 2: Há uma necessidade que a empresa seja de base tecnológica?

Pergunta 3: Empresas brasileiras estão preparadas para receber investimentos de fundos?

Pergunta 4: Quais são os problemas mais comuns?

Pergunta 5: O fracasso de empreendedores em outros empreendimentos importa para a

decisão de investimento? (e.g. empreendedores com pendências em aberto – dívidas)

Pergunta 6: Como o investidor contribui para a empresa investida? (e.g. profissionalização da

gestão, rede de relacionamentos, estratégia de marketing, expansão, etc.)

Pergunta 7 & 8: A obtenção de patentes importa para a realização de investimentos? E outra

forma de proteção de ativos intangíveis?

Pergunta 9: Quando a gestora investe, ela o faz sozinha ou em conjunto?

Pergunta 10: Há parceiros contínuos para a realização destes investimentos?

169

Este questionário foi elaborado pelo pesquisador com perguntas extraídas a partir de suas percepções da

literatura especializada do tema e de suas percepções de dados de mercado. Todos os questionamentos são de sua

integral responsabilidade, bem como o pesquisador se compromete a obter o consentimento de seus

entrevistados, resguardado o direito de cada um deles em não se identificar pessoalmente, apenas pela sua área

de atuação.

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324

Bloco 3: Papel do Poder Público e Parcerias

Pergunta 1: A gestora já participou de investimentos com o BNDES

(BNDESPAR/CRIATEC) ou com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)? Outros?

Pergunta 2: Qual o perfil da empresa investida em conjunto?

Pergunta 3: Houve alguma demanda por parte do investidor público para o investimento

conjunto?

Pergunta 4: Há iniciativas de prospecção de oportunidades em Universidades Públicas, em

particular com uma atuação em incubadoras de base tecnológica? Qual?

Bloco 4: Saída de Investimentos

Pergunta 1: Quais foram os tipos de saída realizadas pela gestora?

Pergunta 2: Caso não tenha saído por abertura de capital, poderia explicar o por que?

Pergunta 3: A presença de uma empresa de grande porte influencia a escolha da empresa a ser

investida? Como?

Pergunta 4: Qual a sua percepção sobre a saída de investimentos no Brasil?

Bloco 5: Ambiente Institucional

Pergunta 1: Você considera o ambiente de investimento favorável ao investimento de venture

capital? Explique.

Pergunta 2: A presença de um backlog médio de patentes de 11 anos impacta a sua avaliação

sobre empresas brasileiras? Como?

Pergunta 3 & 4: A variação da taxa Selic (juros da economia nacional) impacta a sua decisão

de captação de recursos? Impacta também o tipo de empresa a ser investida?

Pergunta 5: A gestora já foi envolvida em processos judiciais por dívidas da empresa

investida que ultrapassavam o valor de seus investimentos? (efeitos da desconsideração da

personalidade jurídica)

Pergunta 6: Há outros obstáculos identificados pela gestora para o investimento de venture

capital no Brasil?

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325

ANEXO II - INPI

Bloco 1: origem e causas do Backlog de Patentes

Pergunta 1: Quando o atraso na análise se tornou um problema para o INPI?

Pergunta 2: Quais são as causas da existência do backlog?

Pergunta 3: Na sua visão, qual o tempo razoável médio para a análise de pedidos de patentes?

Bloco 2: Medidas para reduzir o backlog de patentes

Pergunta 1: Quais são as medidas que têm sido utilizadas para reduzir o backlog de patentes?

Pergunta 2: Sobre a contratação de novos examinadores, quais foram os motivos apresentados

para a não integração dos aprovados em concursos públicos realizados pelo INPI nos últimos

anos?

Pergunta 3: A respeito da cooperação internacional, na sua visão, a criação de uma fast-track

entre o Brasil e outros países poderia reduzir o backlog de patentes?

Pergunta 4: A contratação temporária de profissionais por 12 meses para realização da

análise de pedidos não poderia ser uma estratégia para redução do backlog de patentes?

Pergunta 5: Qual a visão do INPI sobre a medida liminar na ADI n.º 2.125 que decidiu que

apenas técnicos de carreira poderiam exercer as atividades realizadas pelo INPI?

Pergunta 6: Como surgiu a proposta de criação de um procedimento simplificado de

deferimento de patentes no INPI?

Pergunta 7: Quais os obstáculos para a implementação desta proposta no país?

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326

Bloco 3: Efeitos do backlog de patentes

Pergunta 1: Na sua visão, quais são as consequências do backlog de patentes para as empresas

no Brasil?

Pergunta 2: Quais são os efeitos do backlog de patentes para os examinadores do INPI?

Pergunta 3: A demora tem feito com que empresas que ingressaram com pedidos de patentes

tenham judicializado os seus pedidos, solicitando para que o INPI pule a fila ou até aprove o

pedido?

Pergunta 4: Na sua visão, a criação do procedimento simplificado apresenta um risco de

judicialização das patentes concedidas? Qual é o tamanho deste risco?

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327

ANEXO III – FINEP

Bloco 1: Políticas Públicas da FINEP no Fomento do Venture Capital no Brasil

a. Programa Inovar (Dados)

i. Incubadora de Fundos

ii. Venture Fórum

iii. Plataforma Digital (Aproximação + Informação)

Bloco 2: Participação da FINEP na captação de recursos de fundos de Venture

Capital

b. Quais são os fundos que contaram com recursos da Finep?

c. Quais foram os critérios de seleção para a escolha destes fundos?

d. Há alguma participação da Finep na formação de fundos em áreas específicas?

e. Qual o valor aportado pela Finep nestes fundos?

Bloco 3: Posição da FINEP no financiamento de capital de risco no Brasil

f. Na sua visão, qual o papel que a FINEP desempenha no capital de risco no

Brasil?

g. Na sua visão, há barreiras institucionais para a atuação da FINEP no Brasil?

Bloco 4: Programas mais recentes de fomento ao investimento de venture capital

no Brasil?

h. Existem outros programas que a Finep associa ao investimento de capital de

risco no país?

i. Quais as razões para a criação destes novos programas?

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328

ANEXO IV – Glossário de Termos e Expressões170

Termo Definição

Avaliação de Empresas –

Valuation

Projeção do valor de uma empresa a partir de metodologias

específicas, tais como: (i) fluxo de caixa descontado; (ii) comparação

de múltiplos e opções reais; dentre outras.

Bootstraping Estratégia de crescimento empresarial que utiliza como fonte de capital

recursos próprios, rentabilidade do negócio ou recursos advindos de

seus sócios, demandando o mínimo possível de capital de terceiros

para o financiamento das atividades da empresa.

Plano de Negócios –

Business Plan

Documento que descreve integralmente a estratégia da empresa para a

condução de suas atividades, ressaltando os seus potenciais e definindo

de forma clara e coesa a sua atuação.

Capital Comprometido Aporte de recursos financeiros contratualmente pré-estabelecido por

um gestor de recursos aos seus investidores, como forma de garantir

condições de execução da tese de investimento de um fundo.

Co-investimento Aporte de recursos realizado por mais de um investidor em um mesmo

empreendimento com o objetivo de reduzir a exposição dos

investidores à riscos específicos relacionados à empresa investida

Comitê de Investimento –

Investment Committees

Órgão com competência para deliberar e decidir sobre os

investimentos a serem realizados, bem como sobre o momento mais

adequado para a saída de investimentos de uma organização de venture

capital.

Comprador Estratégico –

Strategic Buyer

Companhia ou grupo econômico que adquire uma empresa comprando

a participação de sócios que lhe garanta o controle sobre o capital ou

que adquira a totalidade das ações da empresa alvo do investimento.

Corporate Venture

Capital

Modalidade de financiamento de empresas de alto potencial de

crescimento que se baseada na criação de um veículo de investimento

por uma empresa de grande porte. A modalidade reproduz a

metodologia de investimento do venture capital, contudo, o veículo

criado responde aos interesses da empresa que o criou.

Debêntures Valor mobiliário representativo de uma dívida emitida por uma

170

A elaboração do glossário de termos relevantes ao investimento de venture capital foi baseado no glossário

do livro produzido pela ABDI sobre o tema. Selecionamos os termos que dialogam com este trabalho, bem como

adaptamos algumas definições apresentadas no livro para se adequrem ao contexto do debate proposto neste

trabalho. Para conferir o conteúdo integral de base para este glossário, consulte: AGÊNCIA BRASILEIRA DE

DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Introdução ao Private Equity e Venture Capital para

Empreendedores. São Paulo: Série Cadernos da Indústria, Vol. XIV, 2009, pp. 14 – 21.

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329

empresa em favor de terceiros, tendo como característica que o seu

pagamento será realizado em períodos mais longos, gerando direitos de

crédito para os terceiros adquirentes do título.

Drag-along Cláusula que dispõe que determinados acionistas, minoritários ou não,

da sociedade anônima terão o direito de obrigar os demais a alienar

suas participações societárias na empresa em caso de oferta de

aquisição.

Due Diligence Processo de auditoria em documentos da empresa (contratos,

declarações, demonstrativos, etc.) para a avliação do estado em que

esta se encontra, objetivando a construção de uma avaliação de riscos

(e.g. jurídico, financeiro, etc.) para o investimento.

Family Offices Escritórios especializados na gestão do patrimônio de famílias ricas.

General Partners (GP) No modelo de limited partnership, os general partners são aqueles

responsáveis pela capitalização do veículo de investimento, via de

regra pela capitalização de fundos de investimento. Eles também são

chamados de investidores originários, uma vez que são aqueles que

aportam os recursos que permitem com que uma gestora seja capaz de

iniciar os seus investimentos em empresas.

Governança Corporativa Conjutno de práticas, processos, princípios e valores para melhorar a

direção, condução e monitoramento das atividades de uma companhia.

Busca ampliar as condições de transparência e boas práticas de gestão

para companhias.

Holding Sociedade cujo objeto social descreve a aquisição e alienação de

participações em empresas.

Investidor Anjo Pessoa física com capital disponível para a realização de investimentos

em empresas de alto potencial de crescimento em estágios iniciais do

desenvolvimento de suas atividades. O investidor pode assumir uma

postura ativa, influindo nos processos de tomada de decisão da

empresa investida, ou passivo, servindo apenas como fonte de capital

para o financiamento das atividades da empresa.

Joint Venture Empreendimento realizado por empresas em conjunto, permitindo com

que estas explorem oportunidades de negócio em uma organização

única.

Limited Partnership Estrutura de captação de recursos, organização de competências, e

atribuição de responsabilidades entre os general partners e o gestor de

recursos – limited partner. Nela, o gestor assume a responsabilidade de

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330

atuar no melhor interesse de seus investidores originários, de modo a

maximizar o retorno sobre os investimentos em empresas executando a

sua tese de investimento.

Lock Up Cláusula que dispõe sobre a impossibilidade de alienação da

participação societária por empreendedores durante um período pré-

estabelecido por investidores durante as negociações para a realização

de investimentos na empresa de alto potencial de crescimento.

Mezanino Momento de investimento em empresas em que estas demonstram alto

potencial de geração de caixa.

Oferta Pública de Acões –

Initial Public Offering

Processo pelo qual uma companhia realiza pela primeira vez a oferta

de uma parcela de suas ações para negociação em Bolsa de Valores,

criando as condições para que os recursos financeiros captados pela

oferta possam ser direcionados para o financiamento das atividades da

companhia.

Perda Total do

Investimento – Write-off

Liquidação integral dos ativos da empresa investida com a subsequente

alienação da participação societária do investidor – put option - por um

valor simbólico (e.g. R$ 1,00).

Capital Semente –

Seed Capital

Modalidade de investimento dedicada ao financiamento de estágios

iniciais de desenvolvimento da empresa de alto potencial de

crescimento.

Stock Option Direito de um sócio em optar pela compra de participação societária na

empresa a partir de um preço pré-fixado.

Tag Along Cláusula que dispõe sobre o direito de um acionista minoritário

garantir iguais condições de alienação de sua participação em relação

ao acionista majoritário na hipótese de uma proposta de aquisição da

empresa ou de parte dela.

Taxa de Administração Valor cobrado pelo gestor para garantir a manutenção das atividades

realizdas pela gestora de recursos.

Taxa de Performance Valor cobrado na saída do investimento por parte do gestor, como

forma de premiação do gestor pelos resultados obtidos com os

investimentos realizados em empresas de alto potencial de

crescimento.

Taxa Mínima de

Atratividade –

Hurdle Rate

Valor de referência mínimo para a realização de investimentos em

empresas de alto potencial de crescimento. É composto por três

fatores: (i) custo de oportunidade; (ii) risco do negócio; e (iii) liquidez

do empreendimento.

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331

Term Sheet Documento não vinculante celebrado entre investidores e

empreendedores, no qual o investidor manifesta a sua intenção em

investir e alinha as suas expectativas com as dos investidores.

Track Record Informações de histórico de resultados de investimentos realizados por

gestoras de recursos, utilizado em contextos de investimentos bem-

sucedidos.

Venda Estratégica –

Trade Sale

Estratégia de saída do investidor a partir da alienação de sua

participação societária na empresa de alto potencial de crescimento. A

aquisição pode ser realizada por uma empresa de grande porte ou por

outros fundos de investimento com estratégias de investimento em

empresas em estágios mais avançados de seu desenvolvimento.