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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
Instituto de Geociências
ALEXANDRE PACHECO DA SILVA
VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:
ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS
CAMPINAS
2019
ALEXANDRE PACHECO DA SILVA
VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:
ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS
TESE APRESENTADA AO INSTITUTO DE
GEOCIÊNCIAS DA UNIVERSIDADE ESTADUAL DE
CAMPINAS PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE DOUTOR
EM POLÍTICA CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
ORIENTADOR: PROF. DR. SERGIO ROBLES REIS DE QUEIROZ
ESTE EXEMPLAR CORRESPONDE À VERSÃO FINAL
DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO ALEXANDRE
PACHECO DA SILVA E ORIENTADA PELO PROF. DR.
SERGIO ROBLES REIS DE QUEIROZ.
CAMPINAS
2019
Ficha catalográficaUniversidade Estadual de CampinasBiblioteca do Instituto de Geociências
Marta dos Santos - CRB 8/5892
Silva, Alexandre Pacheco da, 1983- Si38v SilVenture capital à brasileira : adaptações e limitações ao financiamento de
startups / Alexandre Pacheco da Silva. – Campinas, SP : [s.n.], 2019.
SilOrientador: Sérgio Robles Reis de Queiroz. SilTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de
Geociências.
Sil1. Capital de risco. 2. Financiamento. 3. Empresas. 4. Políticas públicas. 5.
Patentes. I. Queiroz, Sérgio Robles Reis de, 1956-. II. Universidade Estadualde Campinas. Instituto de Geociências. III. Título.
Informações para Biblioteca Digital
Título em outro idioma: Venture capital the Brazilian way : adaptations and limitations tostartup financingPalavras-chave em inglês:Venture capitalFinancingStartupPolicyPatentsÁrea de concentração: Política Científica e TecnológicaTitulação: Doutor em Política Científica e TecnológicaBanca examinadora:Sérgio Robles Reis de Queiroz [Orientador]Diogo Rais Rodrigues MoreiraSolange Maria CorderCarlos Américo PachecoMarcelo Hiroshi NakagawaData de defesa: 09-08-2019Programa de Pós-Graduação: Política Científica e Tecnológica
Identificação e informações acadêmicas do(a) aluno(a)- ORCID do autor: https://orcid.org/0000-0002-1028-9392- Currículo Lattes do autor: http://lattes.cnpq.br/9884473852230074
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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS
INSTITUTO DE GEOCIÊNCIAS
AUTOR: Alexandre Pacheco da Silva
VENTURE CAPITAL À BRASILEIRA:
ADAPTAÇÕES E LIMITAÇÕES AO FINANCIAMENTO DE STARTUPS
ORIENTADOR: Prof. Dr. Sergio Robles Reis de Queiroz
Aprovado em: 09 / 08 / 2019
EXAMINADORES:
Prof. Dr. Sergio Robles Reis de Queiroz - Presidente
Prof. Dr. Diogo Rais Rodrigues Moreira
Prof. Dr. Carlos Américo Pacheco
Dra. Solange Maria Corder
Dr. Marcelo Hiroshi Nakagawa
A Ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros, encontra-se disponível no
SIGA - Sistema de Fluxo de Tese e na Secretaria de Pós-graduação do IG.
Campinas, 09 de agosto de 2019.
AGRADECIMENTO
Este é o espaço de reconhecimento de uma rede de apoio fundamental para que este
trabalho tenha se concretizado. Todos aqueles que fizeram parte desta rede merecem o meu
mais profundo agradecimento e gratidão. Poderia descrever aqui, em detalhe, os diversos
momentos e tipos de ajuda que cada um de vocês me ofereceu. Porém, para poupar o leitor,
irei fazer breve menção a cada um de vocês, muito menores do que vocês merecem.
Aos meus pais o agradecimento é pelo suporte de toda a minha trajetória de vida, no
acolhimento quando errei, na comemoração nos momentos em que acertei, na torcida quando
não pudemos estar juntos e, mais recentemente, pela paciência em lidar com um doutorando
ansioso e cheio de angústias. A existência deste trabalho e da minha carreira acadêmica são
resultado da obstinação de vocês em me oferecer uma vida em que eu pudesse ser livre para
escolher o que eu gostaria de ser. Muito obrigado.
Onze anos. Desde a minha graduação e da sua também você está comigo me ouvindo
falar de inovação e do quanto eu gostaria de escrever e discutir o tema. Leu tudo o que eu
escrevi, escutou todas as minhas ideias, viu o quanto eu fiquei feliz com a aprovação no
doutorado da Unicamp e com a possibilidade de construir uma vida acadêmica no Brasil.
Thais, este trabalho é o resultado da sua generosidade, paciência e amor que você me dedicou
ao longo destes anos.
Um café e um convite. Mônica, você foi a pessoa que possibilitou eu trabalhar com
pesquisa e foi, sem dúvida, a maior incentivadora para a construção da minha carreira
acadêmica. Foi no café da FGV Direito SP que você me ofereceu uma vaga de pesquisador,
foi trabalhando com você que eu aprendi como o Direito pode ter um papel transformador
para a sociedade, criando as condições para um futuro mais justo e menos desigual, a minha
carreira como docente foi construída com a sua recomendação. O tema desta pesquisa surgiu
de uma reunião nossa; enfim, não há palavras para agradecer a você.
Ao Professor Sérgio Queiroz o meu agradecimento pela paciência, confiança e pela
orientação do trabalho. Além do cuidado, rigor e precisão na formulação e apresentação de
argumentos, seus comentários e sugestões me fizeram refletir e avançar na pesquisa e reflexão
sobre o tema. Tive uma experiência de muito aprendizado nas suas disciplinas e durante a
orientação. Agradeço a sua generosidade com textos imprecisos, explicações incompletas da
minha parte e por sua confiança de que este trabalho seria concluído.
Grande amigo e leitor mais crítico. Victor, além dos quinze anos de amizade e de
acompanharmos o trabalho um do outro desde nossos tempos de graduação, você sempre foi o
meu interlocutor acadêmico mais generoso e crítico. Crítico no sentido de buscar o melhor
potencial de minhas ideias, a maior clareza nos meus argumentos e uma contribuição que
possa qualificar debates jurídicos fundamentais ao país. Mesmo rigoroso em seus
comentários, sempre me fez enxergar o caminho para melhorar a minha escrita e meus
pensamentos. Muito obrigado, meu amigo.
Grande amiga e companheira de trabalho. Marina, muito obrigado por ter aguentado a
sobrecarga de tarefas nos momentos que tive que me ausentar para a realização desta
pesquisa. Na ansiedade diária e nas dúvidas que enfrentei, você sempre teve uma palavra de
incentivo e recomendações muito úteis sobre como prosseguir.
Aos pesquisadores Ana Paula, Victor Doering, João Pedro, e a minha estagiária
Laurianne-Marie, muito obrigado pelo auxilío na leitura do trabalho e nas sugestões de
modificação do texto para torná-lo mais claro. Ana Paula, um agradecimento especial a você
por toda a ajuda na escolha de palavras e nas conversas que tivemos sobre terminologia para o
tema.
Meus agradecimentos aos Professores Oscar Vilhena Vieira e Adriana Ancona de
Farias, Diretor e Vice-Diretora da FGV Direito SP, pelo apoio na elaboração do trabalho,
autorizando períodos de licença ao longo dos anos de 2017, 2018 e 2019 para que eu pudesse
realizar a pesquisa e redação desta tese.
Por fim, mas não menos importante, agradeço aos Professores Diogo Rais Rodrigues
Moreira e Solange Maria Corder, membros da banca de qualificação deste trabalho. Sua
leitura cuidadosa do texto e suas sugestões foram muito importantes para a evolução da
pesquisa, auxiliaram na minha reflexão sobre o tema e me permitiram avançar.
RESUMO
O financiamento de empresas de alto potencial de crescimento é uma atividade complexa e repleta de
incertezas. Esse tipo de empreendimento apresenta algumas características que afastam investidores
tradicionais, não dispostos a assumir os riscos associados a startups, tais como a assimetria de
informação entre investidor e investido, a ausência de patrimônio da empresa investida, dúvidas sobre
o potencial do negócio, dentre outros. Neste contexto, o venture capital surge como modalidade de
investimento capaz de dar conta deste desafio, dispondo de um método que busca reduzir esses
problemas e obter o retorno sobre o investimento a partir do crescimento da empresa investida. Além
das dificuldades usuais inerentes a este tipo de negócio, as características do mercado brasileiro fazem
com que o venture capital assuma um grau ainda maior de complexidade e incertezas. Mesmo com
avanços na estruturação de veículos de investimento e no desenvolvimento de um ecossistema de
fundos e startups investidas através de políticas públicas de fomento, o venture capital brasileiro
demonstra dificuldades para financiar todos os tipos de empresas de alto potencial de crescimento. O
presente trabalho busca compreender como o ambiente regulatório-institucional brasileiro influenciou
a formação do capital de risco no Brasil, contribuindo para que essa modalidade de investimento
adquirisse suas características “locais”, o que é conhecido como venture capital à brasileira. Para isso,
o ponto de partida é a literatura acadêmica que cuida das características do financiamento de empresas
de alto potencial de crescimento e que versa sobre como o venture capital foi formado e difundido
como uma modalidade de investimento especializada em financiar estes empreendimentos. Desde o
seu surgimento nos Estados Unidos da América até a sua internacionalização, objetiva-se discutir
como a modalidade evoluiu em cada um dos países em que ingressou. No Brasil, a análise inicia-se na
reconstrução da trajetória do capital de risco, verificando como as gestoras de recursos foram se
adaptando ao longo do tempo às características do mercado local, e discute-se quais as percepções
atuais para investimento de capital de risco. Para a constituição da presente pesquisa foram realizadas
entrevistas com dez gestoras de recursos de venture capital com atuação no país, e com três entidades
que desempenham relevante papel na trajetória do capital de risco no país: INPI, B3 e FINEP. A partir
deste cenário, se conclui que o ambiente regulatório-institucional influenciou as características do
venture capital nacional, em especial um extenso backlog de patentes, ausência de um mercado de
acesso em Bolsa de Valores e o alto custo reputacional do fracasso em empreendimentos passados. O
resultado deste ambiente foi a priorização de investimentos em empresas que inovam em modelos de
negócios, em detrimento de empresas de base tecnológica, foco das políticas públicas de fomento ao
setor.
Palavras-chave: Capital de risco. Financiamento. Empresas. Políticas Públicas. Patente. Abertura de
Capital.
ABSTRACT
The financing of companies with high potential of growth is a complex and uncertain activity. This
type of venture suffers from certain characteristics that alienate traditional investment, unwilling to
undertake the risks associated with startups, such as the asymmetry of information between investor
and investee, lack of assets owned by the invested company, uncertainty over the potential of the
business, among others. In this context, venture capital arises as a type of investment capable of taking
over this challenge, providing a methodology that seeks to reduce these problems and obtain return
over the investment based on the growth of the invested company. In addition to the usual difficulties
inherent to this type of business, the characteristics of the Brazilian market result in venture capital
taking over an even higher degree of uncertainty and complexity. Even after developments in the
structuring of investment vehicles and the establishment of an ecosystem of funds and startups funded
through public policies to encourage development, the Brazilian venture capital has shown difficulties
to fund all categories of companies with high potential of growth. This thesis seeks to investigate how
the Brazilian institutional-regulatory environment has influenced the creation of venture capital in
Brazil, resulting in this type of investment developing certain “local” characteristics, which we name
“venture capital the Brazilian way”. For this, we started from the academic literature that deals with
the characteristics of the funding of companies with a high potential for growth and that studies how
venture capital was created and disseminated as a type of investment specialized in funding this type
of activity. From its origins in the United States to its dissemination throughout the world, we discuss
how venture capital has evolved in each of the countries it was adopted. In Brazil, we start our analysis
by recreating the history of venture capital in the country, by discussing how VC funds adapted
throughout the years for the characteristics of the local market and addressing the current view for
venture capital investment in the country. For that, we interviewed ten VC funds that invested in
Brazil and three agencies with high impact in the development of venture capital in Brazil: INPI, B3
and FINEP. Based on this scenario, we conclude that the regulatory-institutional environment has
influenced the features of Brazilian venture capital, particularly the extensive patent backlog, the
absence of an entry market in the stock exchange and the high reputational cost of past failures. This
environment caused the prioritization of investments in companies that innovate more on the business
model, as opposed to companies that develop innovative technology, which are the focus of the
governmental policy in the field.
Keywords: Venture capital. Financing. Startup.Policy. Patent. Initial Public Offering.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 2.1 Ciclos de aporte de capital por estágios de desenvolvimento da empresa nascente ............62
Figura 4.1 Ilustração do Modelo Sina ..................................................................................................164
Figura 5.1 Veículos de investimento de longo prazo e ambiente regulatório (2005)...........................198
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 2.1 O Universo de opções de financiamento para a empresa nascente ......................58
Gráfico 2.2 Fontes de Financiamento por Estágios de Crescimento da Empresa Nascente ....67
Gráfico 5.1 Evolução do capital comprometido alocado ao Brasil como porcentagem do
PIB..........................................................................................................................................200
Gráfico 5.2 Quantidade de negócios desinvestidos (1999 – 2008) ........................................204
Gráfico 5.3 Recursos captados pelas empresas investidas pelo fundo CRIATEC I...............209
Gráfico 5.4 Percentual dos investimentos em PE/VC no Brasil por tipo de estratégia..........235
LISTA DE TABELAS
Tabela 2.1 Graus de incerteza associados a vários tipos de inovações.....................................35
Tabela 2.2 Diferenças entre ativos tangíveis e intangíveis.......................................................44
Tabela 2.3 Tipos de Financiamento & Fontes do Capital.........................................................54
Tabela 2.4 Os seis estágios de financiamento da empresa nascente ........................................68
Tabela 3.1 Captação de Recursos por meio de Empresas de Venture Capital........................118
Tabela 3.2 Porcentagem de investimento de venture capital por estágio de financiamento de
empresas nascentes.................................................................................................................124
Tabela 4.1 Venture Capital internacional na Europa entre 1988-2003...................................131
Tabela 4.2 Captação Internacional de Venture Capital na Ásia em 2004..............................134
Tabela 4.3 Trajetória de Investimentos do WFG (1976-1986) ..............................................153
Tabela 5.1 Características do programa de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica
(Contec) ..................................................................................................................................181
Tabela 5.2 Carteira de investimentos do Contec em dezembro de 1994................................186
Tabela 5.3 Registros de Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (1995 –
2005) ......................................................................................................................................191
Tabela 5.4 Desembolsos do fundo CRIATEC I nas empresas investidas (em R$ milhões)..207
Tabela 5.5 Prazo médio para a abertura de empresas (dias) em diversos países....................215
Tabela 5.6 Formas potenciais de aprimorar a atração de investimentos no ambiente de
negócios no Brasil baseado na experiência de outros mercados.............................................218
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..............................................................................................................14
2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA
NASCENTE ...........................................................................................................................24
2.1 OS QUATRO DESAFIOS PARA O FINANCIAMENTO DE EMPRESAS NASCENTES ..................... 30
2.1.1 INCERTEZA SOBRE O FUTURO .................................................................................. 33
2.1.2 ASSIMETRIA INFORMACIONAL ................................................................................. 39
2.1.3 ATIVOS FLEXÍVEIS .................................................................................................. 43
2.1.4 VOLATILIDADE DAS CONDIÇÕES DE MERCADO ........................................................ 47
2.2 FINANCIAMENTO DE EMPRESAS DE ALTO POTENCIAL DE CRESCIMENTO ......................... 49
2.3 A SOLUÇÃO VENTURE CAPITAL ....................................................................................... 70
2.3.1 SELEÇÃO E AUDITORIA ........................................................................................... 72
2.3.2 FINANCIAMENTO POR ETAPAS ................................................................................. 75
2.3.3 INVESTIMENTOS CONJUNTOS ................................................................................... 77
2.3.4 REMUNERAÇÃO ....................................................................................................... 79
2.3.5 PREFERÊNCIAS E INSTRUMENTOS DE RESGUARDO .................................................. 81
2.3.6 PARTICIPAÇÃO EM ÓRGÃOS DECISÓRIOS ................................................................ 84
3 A FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL .......................................86
3.1 A INFLUÊNCIA DE NEW ENGLAND E DO VALE DO SILÍCIO NO NASCIMENTO DO MODELO
DE VENTURE CAPITAL .................................................................................................................. 87
3.1.1 AMERICAN RESEARCH AND DEVELPOMENT CORPORATION (ARDC) .......................... 90
3.1.2 OS PIONEIROS DO VALE DO SILÍCIO E AS SMALL BUSINNESS INVESTMENT
COMPANIES (SBICS) ...................................................................................................... 101
3.1.3 O VALE DO SILÍCIO E O MODELO DE LIMITED PARTNERSHIP .................................. 107
3.2 EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DE EMPRESAS NASCENTES ..... 113
4 GOVERNOS, INSTITUIÇÕES E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE
CAPITAL ..............................................................................................................................127
4.1 O PROCESSO DE INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE CAPITAL ................................. 127
4.2 CONTEXTO LOCAL, APROPRIAÇÕES E ADAPTAÇÕES................................................... 137
4.2.1 KBG, BANCOS, WFG E O FOMENTO DO VENTURE CAPITAL NA ALEMANHA ............ 145
4.2.2 CRESCIMENTO, ADAPTAÇÃO E ACOMODAÇÃO DE INTERESSES: VENTURE CAPITAL NA
CHINA ............................................................................................................................ 155
5 TRAJETÓRIA DO VENTURE CAPITAL NO BRASIL – POLÍTICAS PÚBLICAS
DE FOMENTO E EVOLUÇÃO DOS VEÍCULOS DE INVESTIMENTO ..................167
5.1 SURGIMENTO DA IDEIA CAPITAL DE RISCO E AS PRIMEIRAS INICIATIVAS: 1974 – 1980 ....173
5.2 INTRODUÇÃO DOS PRIMEIROS CONTORNOS DO CAPITAL DE RISCO NO CENÁRIO
NACIONAL: 1981 – 1994 .......................................................................................................... 178
5.3 ESTRUTURAÇÃO E CRESCIMENTO DO SETOR: 1995 - 2005 ......................................... 189
5.4 BREVE ASCENSÃO E A PRESENÇA DE OBSTÁCULOS INSTITUCIONAIS AO CRESCIMENTO:
2005 - 2015 ............................................................................................................................. 199
5.5 MUDANÇAS NO AMBIENTE REGULATÓRIO E A PERMANÊNCIA DE VELHOS PROBLEMAS:
2016 – 2018 ............................................................................................................................. 223
6 HOSTILIDADE NO AMBIENTE PARA INVESTIMENTOS NO BRASIL – A
PERCEPÇÃO DE INVESTIDORES DE VENTURE CAPITAL ....................................239
6.1 FORMAÇÃO E CARACTERÍSTICAS DOS INVESTIDORES ................................................ 243
6.2 AS PERSPECTIVAS E EXPECTATIVAS DO INVESTIDOR EM RELAÇÃO ÀS EMPRESAS DE
BASE TECNOLÓGICA ................................................................................................................. 259
6.3 O ESVAZIAMENTO DAS PATENTES PARA O INVESTIMENTO DE VENTURE CAPITAL ........ 280
6.4 OS LIMITES PARA O DESINVESTIMENTO NO PAÍS E A INFLUÊNCIA DA TAXA BÁSICA
JUROS .................................................................................................................................298
7 CONCLUSÃO ..............................................................................................................308
REFERÊNCIAS ...................................................................................................................313
ANEXO I – GESTORAS DE RECURSOS DE VENTURE CAPITAL ...........................323
14
1 INTRODUÇÃO
Na acepção Schumpeteriana, capitalismo é definido como ‘a forma de
economia baseada na propriedade privada em que as inovações são
realizadas a partir de dinheiro emprestado’, em que observamos a separação
característica entre emprestadores e tomadores, empreendedor e banqueiro,
compondo as duas faces da mesma moeda da inovação. Contudo, isto não
significa que o seu legado tem sido interpretado ou celebrado pela maioria
dos neo-schumpeterianos. O realce tem, quase em sua totalidade, ficado com
o empreendedor, negligenciando-se os agentes financeiros, não importa o
quão obviamente eles sejam indispensáveis para a inovação1.
(PEREZ, 2007)
Arcar com o risco não faz parte da função do empreendedor. É o capitalista
que suporta o risco. O empreendedor só o faz até o ponto em que além de
empreendedor ele também é um capitalista, porém, na capacidade de
empreendedor, ele perde o dinheiro de outras pessoas2.
(SCHUMPETER, 1939)
O investimento em inovação tecnológica tem sido apontado como um fator
fundamental para a construção de vantagens competitivas sustentáveis para os países em suas
estratégias de crescimento de longo prazo (NELSON; WINTER, 1982; DOSI, 1988;
FREEMAN, 1982). O aporte de recursos financeiros permite que empresas sejam capazes de
adquirir competências para inovar, conferindo ao país aonde estão localizadas maior
competitividade em suas relações comerciais no âmbito internacional (MEIRELLES;
PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008). O financiamento da inovação, dessa forma, é
uma das engrenagens de estratégias do desenvolvimento dos países.
No Brasil, o desafio de financiamento de empresas não se limita ao acesso ao
crédito, expandindo-se para problemas relacionados à mentalidade de curto prazo, aos custos
associados às operações de aporte de capitais em empresas e à baixa liquidez do mercado de
capitais brasileiro (NASCIMENTO, 2006). Assim, a obtenção de financiamento é uma tarefa
árdua na dinâmica nacional, em particular quando os recursos são pleiteados para custear o
1 Tradução nossa do trecho original de Carlota Perez: “In Schumpeter’s basic definition of capitalism as ‘that
form of private property economy in which innovations are carried out by means of borrowed money’, we find
his characteristic separation of borrower and lender, entrepreneur and banker, as the two faces of the
innovation coin. This is not, however, as his legacy has been interpreted and enriched by the great majority of
neo-Schumpeterians. The accent has almost invariably been on the entrepreneur to the neglect of the financial
agent, no matter how obviously indispensable this agent may be to the innovation”. Ver em: (PEREZ, 2007, p.
776). 2 Tradução do trecho original de Joseph A. Schumpeter: “Risk bearing is no part of the entrepreneurial function.
It is the capitalist who bears the risk. The entrepreneur does so only to the extent to which, besides being an
entrepreneur, he is also a capitalist but qua entrepreneur he loses other people’s money.” Ver em:
(SCHUMPETER, 1939, vol. 1, p. 104).
15
crescimento de empresas recém-constituídas para o desenvolvimento de novas tecnologias
(MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008).
É importante observar que empresas de base tecnológica (EBTs) são organizações
privadas caracterizadas pelo seu potencial de crescimento exponencial a partir da aplicação
sistemática de conhecimentos científicos e tecnológicos para a criação de produtos e serviços
a serem disponibilizados ao mercado (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO,
2008). No entanto, este crescimento exponencial tradicionalmente se limita apenas a um
pequeno contingente de empresas, tendo as demais um destino oposto: o encerramento de
suas atividades (LERNER, 2012).
Nesse contexto, expressões como “empresas nascentes”, “empresas emergentes”,
“startups”, dentre outras revelam uma característica própria destas organizações que escapa
ao termo EBT, o pequeno porte no início de suas atividades. Porém, a condição de micro e
pequena empresa seria temporária e não permanente (diferentemente do cenário aplicado a
micro e pequenas empresas tradicionais). Uma startup começa com um porte reduzido, mas
na medida em que o empreendimento alcança os seus resultados a trajetória é de crescimento.
Por outro lado, quando o empreendimento fracassa a condição de empresa de micro ou
pequeno porte também se desfaz com ela.
Todas estas expressões estão inseridas em um conceito mais amplo, o de empresas
com alto potencial de crescimento (SEUDI, 2015, p. 31), nas quais existe um fator de
desencadeamento de seu crescimento acelerado. Além das empresas de base tecnológica,
também pode-se citar o conceito de empresas em que o fator de crescimento é a identificação
de uma oportunidade em um mercado específico e a criação de um modelo de negócio que
seja capaz de explorar esta chance. Assim, mesmo que componentes tecnológicos estejam
presentes neste contexto, o diferencial reside no desenho de seu modelo e não no
desenvolvimento da tecnologia.
A inovação é o fator que as une na expressão empresas de alto potencial de
crescimento, porém o tipo de inovação é o que as diferencia. No caso de empresas
exponenciais de oportunidade o que irá desencadear o seu crescimento são as carecterísticas
de um mercado, falhas ou segmentos pouco explorados. Um exemplo de EEO são as
empresas 99 e Easy Taxi, que identificaram a presença de falhas e oportunidades ligadas à
prestação de serviços de transporte privado de passageiros no Brasil e foram capazes de
inovar na forma como este serviço é prestado, integrando em uma mesma plataforma digital
um sistema de localização de motoristas (e.g. geolocalização), de designação de origem e
16
destino (e.g. sistema de navegação) e meios de pagamento eletrônicos (e.g. cartão de crédito,
paypal, etc.).
Mesmo que a tecnologia seja parte integrante na forma como estas empresas
inovaram no mercado de transporte privado de passageiros, a sua inovação não decorre de
novas descobertas científicas e do desenvolvimento tecnológico de ponta. A inovação destas
empresas está associada a como a sua plataforma digital pode criar melhores condições para
que este mercado funcionasse melhor, atraindo consumidores para sua plataforma o que
desencadeou o seu crescimento exponencial.
Neste trabalho, será utilizado o termo geral “empresas de alto potencial de
crescimento” para nos referirmos às empresas objeto de investimento de venture capital,
distinguindo entre as empresas de base tecnologia (EBTs) e as empresas exponenciais de
oportunidade (EEOs), quando a separação se mostrar necessária. A escolha pela expressão
mais ampla também está associada ao fato de que o venture capital financia empresas
inovadoras, transitando entre EBTs e EEOs em cada um dos países em que está presente.
Também serão utilizadas as expressões startup, empresas nascentes e empresas
emergentes em referência ao termo geral empresas de alto potencial de crescimento para
evitar muitas repetições no texto. Porém, quando a referência for aos tipos de empresas de alto
potencial de crescimento serão utilizadas as expressões próprias EBTs e EEOs.
Nas fases iniciais das atividades de empresas de alto potencial de crescimento, a
ausência de garantias de boa receptividade da tecnologia no mercado ou de sucesso para o
empreendimento recém-criado eram apontadas como fator de inibição de investimentos
(CHRISTENSEN, 1992). Na comparação com outras opções de financiamento, os
investimentos em inovação tecnológica (em especial via EBTs), apresentam o maior grau de
incertezas relacionadas ao retorno sob o capital aportado (SAHLMAN, 1990; BOTTAZZI;
DA RIN; HELLMAN, 2004).
Para além do risco de ordem técnica - possível fracasso no desenvolvimento de
novos processos ou produtos - há dúvidas sobre a própria viabilidade do negócio, pois
geralmente EBTs não possuem patrimônio para serem oferecidos enquanto garantias reais a
um financiamento bancário, ou até um histórico de crescimento acentuado em sua fase inicial
de desenvolvimento de produtos, processos e serviços (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR;
REBELATTO, 2008).
17
Tendo em vista esse contexto, ao classificar os diversos níveis de incerteza
relacionados às atividades inovadoras realizadas por empresas, Christopher Freeman (1982)
aponta3 que mesmo em níveis de incerteza baixos ou até muito baixos o mercado financeiro
serve como alternativa de financiamento para uma parcela pequena de empresas, tendo o
restante delas que depender de recursos próprios ou de outras formas de investimento.
No entanto, no caso do financiamento de EBTs, Darek Klonowski (2018, p. 9)
ressalta que os obstáculos para a captação de recursos no mercado financeiro foram capazes
de criar um ecossistema de capital de risco amplo, diversificado e especializado, cujos agentes
demonstram condições para investir em EBTs sob diferentes formatos, tais como: (i) venture
capital - VC; (ii) corporate venture - CV; (iii) crowdfunding; (iv) initial coin offering – ICO;
(v) programas de aceleração de empresas; (vi) investimento anjo; e (vii) programas
governamentais de fomento e auxílio ao crescimento de EBTs.
Segundo Martin Kenney e Richard Florida (2000, p. 99), o embrião para a
construção deste ecossistema de financiamento de empresas de base tecnológica surge da
criação do venture capital4 no início dos anos de 1950 e sua evolução nos Estados Unidos da
América entre os anos de 1960 e início dos anos de 1990. Foram as características do venture
capital estadunidense que moldaram o financiamento via capital de risco que se
internacionalizou a partir dos anos de 1970, alcançando diversos países nas décadas
subsequentes (LERNER, 2009).
3 Christopher Freeman (1982) classifica as atividades de inovação em uma empresa a partir de seis categorias: (i)
incerteza real, quando se trata de uma invenção fundamental ou de iniciativas de pesquisa básica; (ii) incerteza
muito alta, na hipótese de inovações de produto e de processo produtivo radicais realizados fora da empresa; (iii)
incerteza alta, para inovações de produto relevantes e inovações de processo radicais na própria empresa; (iv)
incerteza moderada, ao tratar das novas gerações de produtos existentes no mercado; (v) incerteza baixa, quando
se refere as inovações já licenciadas, casos de imitações de inovações de produto e adoção precoce de processos
já existentes; e (vi) incerteza muito baixa, para hipótese de um novo modelo, diferenciação de produto,
implementação de nova função para produto já existente e adoção tardia de inovações de processos já existentes.
Mesmo em níveis de incerteza baixos ou muito baixos, o autor ressalta que é pequena a porção de empresas
capazes de obter financiamento via o mercado financeiro, restando para a maior parte delas o financiamento via
recursos próprios. Para mais detalhes, ver em: FREEMAN, Christopher. The economics of industrial innovation.
Londres: Pinter Publishers, 1982. 4 Nos Estados Unidos da América, a National Venture Capital Association (NVCA)
4 define venture capital
como um método de investimento em empresas empreendedoras em seu estágio inicial de crescimento (early-
stage entrepreneurial firms), posicionadas em setores da economia com alto potencial de crescimento. Não há
uma definição sobre quais seriam os setores com alto potencial de crescimento, cabendo uma avaliação caso a
caso por um investidor, também chamado de venture capitalist. A expressão venture capitalist serviria para
designar a instituição de cunho financeiro que implementaria este método, captando recursos de investidores
externos (e.g. fundos de pensão, empresas familiares, bancos de investimento, etc.) para os aportar em
empreendimentos promissores, prometendo aos seus investidores retornos financeiros acima da média de
mercado se comparado com outras espécies de investimento.
18
De um lado, o venture capital estadunidense inova enquanto método de captação
de recursos de agentes externos (e.g. famílias ricas, fundos de pensão, endowments
universitários), na seleção de empresas inovadoras e na forma como organiza a sua saída dos
investimentos, distribuindo os resultados para suas fontes de recursos. De outro lado, o
venture capital estadunidense também inovou na dinâmica do investimento realizado em
empresas de alto potencial de crescimento, transformando a figura do investidor de apenas
fonte de capital para alguém com participação ativa e constante no crescimento da empresa
investida, orientando e aconselhando os seus fundadores ao longo de um período de
investimento, também chamado de “ciclo”.
O que é chamado de venture capital hoje por diversos países, guarda
características construídas no contexto de transformações institucionais nos Estados Unidos
da América entre as décadas de 1960 e 1990, as quais conferiram as feições da atual dinâmica
de financiamento de startups. O formato da limited partnership, os aportes de recursos
financeiros realizados por estágios, a ideia de que o investimento deve respeitar um ciclo de
entrada e saída do investidor, a intensa participação do venture capitalist nos processos de
tomada de decisão de startups, são algumas das características criadas e disseminadas
internacionalmente.
O sucesso norte-americano5 serviu de inspiração para a criação de programas de
fomento ao capital de risco em países como Alemanha, Israel, China, Índia, França, Estônia e,
inclusive, Brasil. Concentrados no início na atração de capitais para a realização dos primeiros
investimentos nestes países, a maior parte das iniciativas governamentais buscava adaptar os
seus contextos locais ao formato de financiamento do venture capital originalmente
desenvolvidos no Estados Unidos. As estratégias de adaptação aos contextos locais variaram
5 Segundo Josh Lerner (2012, p. 63), o sucesso de investimentos de venture capital em empresas como a
Genentech, Apple, Eletronic Arts, Compaq, Federal Express e Tandem Computers alçou venture capitalists
como a Sequoia Capital, Kleiner Perkins Caufield & Byers, Sutter Hill Ventures e a Asset Management
Company a fama durante o início dos anos de 1970. Após a obtenção de retornos extraordinários, entre 150% e
300% em cada uma das empresas mencionadas, o modelo de investimento de venture capital atraiu muita
atenção. Para além da formação de novas empresas que buscavam mimetizar o modelo nos Estados Unidos da
América, como a AEA Investors, TA Associates, Mayfield Fund, Oak Investment Partners, governos de outros
países passaram a instaurar programas de incentivo ao investimento no formato de venture capital. Josh Lerner
(2009, p. 25) aponta que de 1980 até 2008 o volume de recursos financeiros investidos em venture capital saltou
de pouco mais de um bilhão de dólares para 100 bilhões de dólares, sendo acompanhado também pelo
crescimento no número de países que passaram a formatar programas de incentivo para o ingresso destes capitais
para o financiamento de suas EBTs nacionais, bem como para a formação de seus venture capitalists locais. Os
investimentos que eram majoritariamente dominados por venture capitalists estadunidenses em 1996, passaram
por transformações importantes com os crescimentos dos investimentos em países como China, Israel, Inglaterra
e Alemanha.
19
de país para país, criando cenários de acomodação e crescimento de investimentos em um
grupo de países, enquanto em outros casos surgiram cenários de atrito e rejeição ao modelo.
No Brasil foram criadas duas estratégias6 complementares para o fomento ao
venture capital, a capitalização de gestoras de recursos por meio de recursos do BNDES e da
FINEP e os esforços de construção e aprimoramento de veículos de investimento para estas
gestoras, estruturas jurídicas que viabilizariam os investimentos em EBTs. Na primeira frente,
foram testados vários formatos, o de concessão de benefícios fiscais (e.g. sociedade de capital
de risco), o de investimentos diretos (e.g. Contec e Criatec) e os de incubação de gestoras e
formação de redes de relacionamento (e.g. Inovar), buscando-se a atração, formação e o
crescimento de gestoras de recursos para a realização de investimentos no formato de venture
capital. Na segunda frente, também foram testados modelos de fundos de investimento,
iniciando-se com o fundo mútuo de investimento em empresas emergentes e, mais
recentemente, o fundo de investimento e participações, de modo a garantir que os recursos
fossem captados e investidos no país.
Como projeto para criação da modalidade capital de risco no país, estas estratégias
foram bem-sucedidas na formação de gestoras de recursos financeiros dedicadas ao venture
capital ao longo das últimas décadas. Porém, este mesmo projeto não foi capaz de viabilizar o
financiamento de empresas de base tecnológica intensivas em atividades ligadas à ciência e ao
desenvolvimento tecnológico. A não incorporação de reformas jurídico-institucionais em
áreas como propriedade industrial, mercado de capitais, entre outras, no contexto do fomento
ao capital de risco no Brasil fizeram com que os seus agentes adaptassem os seus
comportamentos, conferindo feições próprias ao venture capital realizado no país.
A presença de um backlog de 14 anos em média no registro de patentes, a baixa
liquidez da bolsa de valores brasileira, o alto custo da abertura de capital para empresas de
médio porte, a dificuldade de constituição de novos empreendimentos, dentre outras, são
6O surgimento do venture capital no Brasil se deu por meio de diversas iniciativas realizadas ao longo dos anos
de 1970 e 1980. Em 1974, o BNDES criou três subsidiárias para realização de investimentos em pequenas e
médias empresas no Brasil, sendo fundidas em 1982 para a formação do BNDESPAR, braço do panco para
investimentos com base em participação societária. A primeira gestora privada de recursos destinados ao
investimento sob o formato de venture capital foi a BrasilPar, criada em 1976. Entre os anos de 1981 e 1993,
surgiram as seis primeiras organizações com o propósito de investir sob formatos de venture capital e private
equity no país (MEIRELLES; PIMENTA JÚNIOR; REBELATTO, 2008, p. 14). Em nossa visão, mesmo que
estes esforços iniciais tenham sido fundamentais para o surgimento do venture capital no Brasil, surgiram de
iniciativas isoladas de determinados agentes. Apenas com a criação da figura da sociedade de capital de risco
pelo Decreto n.º 2.287/1986, o venture capital se tornou parte de políticas de fomento ao financiamento de
empresas nascentes de base tecnológica no Brasil. Por esta razão, escolhemos concentrar nossa análise na
evolução dos veículos de investimento no país, suas características e seus usos por agentes econômicos no país.
20
algumas das características do ambiente jurídico-institucional brasileiro que têm influenciado
o comportamento de gestoras de recursos que investem na modalidade capital de risco no
país, criando o que chamaremos de venture capital à brasileira. O conjunto destes fatores
criaram um contexto de hostilidade para a replicação do modelo estadunidense de venture
capital, abrindo espaço para que gestoras de recursos com atuação no país adaptassem seus
comportamentos de investimento ao cenário brasileiro.
Características do modelo estadunidense presentes na descrição da literatura sobre
venture capital são modificadas pelo venture capital brasileiro, construindo um contexto para
o capital de risco nacional com características próprias. Tais características incluem a
valorização do fracasso em empreendimentos anteriores como forma de aquisição de
maturidade para empreender, a incorporação de ativos intangíveis como parte do valor da
empresa para fins de cálculo do investimento a ser realizado, a pluralidade de formas de saída
de investimento para a maximização do retorno sobre o capital investido e a proximidade do
investidor de universidades para a prospecção de oportunidades de investimento, dentre outras
(GOMPERS; LERNER, 1999; KENNEY; FLORIDA, 2000; LERNER, 2012; KLONOWSKI,
2018).
Diante deste quadro, este trabalho se dedica a responder como o modelo de
investimento de venture capital criado nos Estados Unidos da América internacionalizou-se,
sendo trazido ao Brasil, adaptando-se gradativamente ao contexto nacional peculiar, de modo
a criar o “venture capital à brasileira", moldando as práticas do financiamento de capital de
risco estadunidense ao contexto regulatório-institucional brasileiro, definido como hostil.
Nossa tese nesta pesquisa é que mesmo que entidades públicas (e.g. BNDES,
Finep, CVM, etc.) tenham construído uma estratégia para o desenvolvimento do capital de
risco no país, elaborando programas de incentivo e estruturando regras para a constituição de
veículos de investimentos, esta estratégia não criou as condições para que investidores de
venture capital fossem capazes de avaliar toda a extensão dos riscos envolvidos nos
investimentos em empresas de alto potencial de crescimento no país. Incertezas do quadro
regulatório-institucional brasileiro condicionaram a percepção de investidores no Brasil,
influenciando o tipo de empreendimento a ser investido.
Diferentemente do que aponta Leonel (2014, p. 128) ao afirmar que falta
disposição de investidores de venture capital em assumir os riscos do financiamento de
empresas inovadoras no Brasil, nossa tese propõe que o problema não reside na vontade de
investidores, mas sim em como o ambiente regulatório-institucional em que estão inseridos
21
dificulta a sua avaliação sobre a viabilidade de seus investimentos em empresas de alto
potencial de crescimento no país, em especial as de base tecnológica.
Como consequência o venture capital brasileiro adquiriu características próprias
que respondem a este quadro regulatório-institucional, tais como: (i) a priorização de
tecnologias não patenteáveis; (ii) preferência por empresas em mercados consolidados em
oposição à mercados não explorados; (iii) ampliação do grau de monitoramento dos níveis de
endividamento de empresas investidas e de seus fundadores; e (iv) criação de uma aversão à
empreendedores que fracassaram em empresas no passado e se endividaram no processo.
Nesse sentido, nossa tese propõe que ao venture capital brasileiro não falta
disposição ao risco, mas sim que o cálculo dos riscos relacionados ao investimento é um
processo árduo, repleto de incertezas, exigindo esforços adicionais do investidor nacional para
que ele possa estruturar suas operações e se adaptar ao contexto do financiamento de
empresas inovadoras no país.
Para realizarmos esta tarefa, dividimos o trabalho em cinco partes: (i) o papel do
venture capital no financiamento de empresas de alto potencial de crescimento; (ii) a
formação e expansão do modelo de venture capital nos Estados Unidos; (iii) a
internacionalização do venture capital e sua adaptação regional; (iv) trajetória do venture
capital no Brasil – políticas públicas de fomento e evolução dos veículos de investimento; e
(v) hostilidade no ambiente para investimentos no Brasil – a percepção de investidores de
venture capital.
No capítulo 2, procura-se explorar por que o venture capital apresenta
características em sua metodologia de investimento que servem como solução para os 4
problemas típicos do financiamento das atividades de empresas de base tecnológica durante a
sua trajetória de crescimento. Nossa exposição trata da descrição dos quatro problemas,
passando pela comparação entre o venture capital e outras fontes de recursos disponíveis para
o financiamento de startups até a formulação de uma explicação sobre como o venture capital
pode servir de solução para o financiamento de determinados estágios do crescimento de
EBTs.
No capítulo 3, o objetivo é localizar esta metodologia de investimento que
conhecemos hoje em seu local de origem, os Estados Unidos da América, descrevendo o seu
surgimento e evolução no contexto econômico, jurídico e social das regiões de Nova
Inglaterra e do Vale do Silício. A partir de um contexto histórico, pretendemos descrever e
22
analisar o processo de construção do modelo de investimento venture capital, evidenciando a
importância de políticas públicas para o seu fomento e quais foram as mudanças institucionais
e na legislação do país para o seu desenvolvimento e sua posterior internacionalização.
No capítulo 4, explicaremos como se deu o processo de internacionalização do
venture capital inspirado nos bons resultados apresentados por capital de risco norte-
americanos e como este sucesso despertou o interesse de países em sua assimilação. Contudo,
o que havia sido pensado como um transplante de modelo de um país para outro, se tornou
uma árdua adaptação para contextos locais. Utilizaremos para esta discussão duas ilustrações
de difícil assimilação do modelo de investimento de venture capital estadunidense, pontuando
como em um caso as tentativas de adaptação do modelo não foram bem-sucedidas - a
constituição do fundo WFG na Alemanha - e delimitando em outro como as adaptações
obtiveram sucesso - a formação do modelo Sina na China.
Estas duas narrativas tratadas no capítulo 4 nos servirão como referência para
reflexão que propomos no capítulo 5, em que trataremos da entrada e evolução do venture
capital no Brasil. De um lado, se expõe como recursos e políticas públicas formaram a base
das primeiras iniciativas de capital de risco no país e como o foco dos esforços se concentrou
na montagem de um regime jurídico para veículos de investimento (fundos), ferramenta
principal para a captação e retenção de recursos financeiros no país. De outro lado, se explora
como o desenvolvimento do venture capital no Brasil não foi acompanhado por um
aprimoramento do ambiente institucional favorável à sua assimilação pelo país. Nos
concentraremos em três problemas principais, o backlog de patentes no Instituto Nacional de
Propriedade Industrial, a ausência de saída via abertura de capital para EBTs na Bolsa de
Valores brasileira e o tempo e custos envolvidos com abertura e fechamento de empresas no
país.
Para a realização da pesquisa, além de recorrermos à literatura acadêmica
específica e relatórios de pesquisa nacionais e internacionais, como nos capítulos anteriores,
foram entrevistadas 10 gestoras de recursos financeiros que atuam na modalidade venture
capital. A escolha por estas gestoras se baseou em dois critérios: (i) a gestora precisava já ter
completado um ciclo de investimento – entrada e saída; e (ii) a gestora precisava confirmar
que seu foco são empresas de base tecnológica, mesmo que o termo tenha recebido diferentes
23
significados. A lista7 de gestoras foi selecionada a partir dos dados e informações disponíveis
no portal da Associação Brasileira de Venture Capital e Private Equity (ABVCAP).
Além das entrevistas realizadas com as gestoras de recursos, também foram
realizadas entrevistas com um representante da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep),
Daniel Miorando Morita, e com a diretora de patentes, programas de computador e circuitos
integrados do INPI, Liane Lage. Diferente das entrevistas realizadas com as gestoras de
recursos, em que se buscou extrair e classificar suas percepções sobre o funcionamento do
venture capital no Brasil, a realização destas duas entrevistas serviu como forma de
complementação dos dados coletados na literatura que discute os programas de fomento ao
capital de risco da Finep e o surgimento e agravamento do backlog de patentes no INPI.
A consolidação das percepções do funcionamento do venture capital no Brasil a
partir das gestoras entrevistadas está apresentada no capítulo 6 deste trabalho. Nosso objetivo
no capítulo é apresentar como gestoras brasileiras se adaptaram aos problemas apontados no
capítulo 5, revelando a partir destas percepções um modo de funcionamento próprio destes
representantes do capital de risco nacional.
Nossa proposta é discutir que, mesmo com concepções distintas sobre o que cada
uma das gestoras de recursos denomina como empresas de base tecnológica, há
comportamentos comuns entre as gestoras entrevistadas, especialmente sobre três fatores: (i) a
baixa relevância de patentes nos processos de investimento; (ii) a saída bem-sucedida através
da venda estratégica ou alienação para outro investidor8; e (iii) a aversão a investimentos em
empreendedores de EBTs que fracassaram em empreendimentos no passado, devido ao
estigma negativo atribuído a tais empreendedores pelo resto do mercado.
Esses fatores não nascem ou derivam do modelo de venture capital estadunidense,
mas moldaram a atuação das gestoras brasileiras que participaram de nossa pesquisa. Tais
gestoras demonstram um comportamento mais conservador na escolha de EBTs a serem
investidas, em razão da hostilidade do ambiente regulatório-institucional brasileiro, problemas
que circundam o investimento de capital de risco e decorrem do funcionamento de entidades
públicas (e.g. INPI) e entidades privadas (e.g. B3) e do quadro legislativo nacional (e.g. lei de
propriedade industrial).
7 A lista de venture capitalists a serem entrevistados sobre sua atuação no país e sua percepção sobre os
problemas apontados nesta tese terá a seguinte composição: Antera Asset Management, Bossa Nova
Investimentos, CRP Companhia e Participações, DGF Investimentos, Domo Invest, Inseed Investimentos,
Monashees Capital, Provence Capital, Pitanga Fund e Vox Capital. 8 Em oposição a uma saída via mercado de capitais, tradicional no modelo estadunidense.
24
2 O PAPEL DO VENTURE CAPITAL NO FINANCIAMENTO DA EMPRESA
NASCENTE
No início de 2009, o colunista do jornal New York Times, Thomas Friedman,
criticou9 a decisão do governo dos Estados Unidos da América de oferecer bilhões de dólares
como resgate financeiro para as entidades envolvidas na crise econômica de 2008, também
conhecida como crise do sub-prime10
. Na visão do jornalista, os recursos do contribuinte
norte-americano não deveriam ter sido destinados ao resgate de empresas que fracassaram na
economia, mas sim para atores que tivessem demonstrado capacidade de fomentar o
crescimento de empresas inovadoras, com maior possibilidade de gerar retornos para todos.
9 O artigo Start Up the Risk Takers foi publicado pelo jornal The New York Times em 22 de fevereiro de 2009
criticava o auxílio de 20 bilhões de dólares oferecido pelo governo dos Estados Unidos da América às empresas
General Motors e Chrysler após a crise financeira de 2008. Thomas L. Friedman descreve seu desconforto em
ver o governo norte-americano financiar o que chamou de “perdedores”, em alusão a empresas que perdiam
espaço na competição internacional em seu segmento. Para o autor, esse não seria o “american way”, ou a
tradição histórica do país. Segundo o jornalista, se o intuito do governo era salvar empregos e contribuir para o
crescimento da economia do país, bastaria chamar as 20 maiores empresas de venture capital dos Estados
Unidos da América e oferecer 1 bilhão de dólares para cada uma. Com esses recursos eles poderiam financiar a
transformação de ideias inovadoras nas empresas que revolucionarão o mundo, criando empregos e pagando
tributos. Na visão do jornalista, existiriam muitos empreendedores precisando de capital, muitas oportunidades
para serem exploradas e pouca atenção do governo para aqueles que poderiam conduzir o financiamento de tudo
isso, as empresas de venture capital. Setores como biotecnologia, tecnologia da informação, nanotecnologia,
energia limpa, seriam exemplos de oportunidades de investimento em inovação, podendo gerar emprego e
retorno aos contribuintes. Contudo, o governo optou em ajudar empresas pouco competitivas e instituições
financeiras que prejudicaram toda e economia norte-americana. Para ler a versão completa do artigo de Thomas
L. Friedman no The New York Times, acesse: <http://www.nytimes.com/2009/02/22/opinion/22friedman.html>.
Última consulta: 10.12.2017. 10
Segundo o economista e vice-presidente do banco central de Dallas, John V. Duca, a chamada crise do
subprime ou crise do crédito hipotecário nos Estados Unidos pode ser definida como a junção entre a expansão
da oferta de crédito no campo imobiliário por meio da concessão de hipotecas e a criação de novos produtos
financeiros negociados no mercado derivados dessa oferta de crédito. Essa combinação, na visão do economista,
teve início dos anos 2000, quando um conjunto de títulos chamados de Mortgages-backed-securities (MBS)
passaram a estar disponíveis para transações em mercado. Os títulos operavam de formas distintas e bastante
complexas, em alguns casos oferecendo retornos no caso da inadimplência do tomador do crédito hipotecário,
em outros oferecendo retornos no caso do pagamento regular dos créditos. No entanto, a existência desses títulos
permitiu o aumento significativo de crédito para proprietário de imóveis nos Estados Unidos da América no
período, tendo como consequência a elevação de preços dos imóveis e o surgimento de um mercado de compra e
venda de imóveis baseados no crédito obtido por meio de hipotecas. Quando as primeiras instituições de
concessão de crédito hipotecário passaram a não ter condições de oferecer mais crédito, tendo algumas delas
pedido falência na ocasião como a New Century Financial Corp., o sistema colapsou e mais dívidas hipotecárias
passaram a não ser pagas, mais instituições passaram a enfrentar dificuldades financeiras, criando uma espiral de
perdas. Robert J. Shiller, Professor de Economia da Yale University, descreve a crise como o resultado da falta
de capacidade da sociedade norte-americana, em especial de reguladores, em compreender como bolhas
financeiras surgem e como devem ser tratadas para evitar cenários de perdas como essa. Para o economista, a
crise aponta para a necessidade de criação de ferramentas regulatórias que sejam capazes de inibir o
desenvolvimento de bolhas financeiras, como na crise do sub-prime. Para uma visão mais completa das visões de
John V. Duca, consulte: < https://www.federalreservehistory.org/essays/subprime_mortgage_crisis>. Último
acesso: 12.01.2018. Para mais detalhes sobre a visão do Professor Robert J. Shiller, ver: SHILLER, Robert J.
The Subprime Solution: How Today’s Global Financial Crisis Happened, and What to Do about It. Princeton:
Princeton University Press, 2008.
25
Ao contrário, o foco do auxílio governamental deveria ter se concentrado no financiamento de
startups, empresas recém criadas de base tecnológica e com um alto potencial de crescimento,
que pudessem oferecer um maior retorno para a sociedade norte-americana em tecnologia,
emprego, tributos dentre outros.
Ademais, Friedman aponta que empresas especializadas em investimentos de
venture capital têm se provado ao longo das últimas décadas serem excelentes identificadores
de empreendimentos inovadores que irão revolucionar a economia por meio da introdução de
novas tecnologias. Muito antes de outras fontes de financiamento, o venture capital saberia
em quem investir e como investir para que o negócio crescesse em parâmetros acima do que
se observa em empresas tradicionais.
Assim, essa modalidade de investimento seria uma das poucas fontes de capital
que estaria disposta a financiar uma empresa em seu estágio inicial de desenvolvimento e
impulsionar o seu crescimento a partir de uma metodologia própria de acompanhamento de
atividades e indução de comportamentos de empreendedores. O venture capital funcionaria
como uma ponte, na qual, em uma ponta, residiriam projetos pouco estruturados e
promissores, empreendedores inexperientes, empresas ainda sem planejamento e sem foco, e,
em outra uma, empresa madura, líder em seu segmento, com produção de tecnologia de ponta
e uma estrutura interna organizacional consolidada.
Desse modo, Megginson (2004, p. 9) define venture capital como uma estrutura
de gestão profissional de recursos financeiros captados junto a terceiros com o único
propósito de realização de investimentos diretos em empresas com alto potencial de
crescimento, em que o papel do investidor no crescimento da empresa investida se divide
entre servir como fonte do capital e atuar como mentor dos fundadores da empresa investida.
Destaca-se que o venture capitalist, definido pelo autor como o gestor dos
recursos a serem investidos na empresa, é aquele com a capacidade de identificar o talento de
empreendedores e o potencial de novos negócios e, ao mesmo tempo, é também aquele que
demonstra o domínio de uma metodologia específica de investimento, baseada na aquisição
de participação societária – equity capital - orientada por um ciclo de entrada e saída do
investimento e no aconselhamento dos empreendedores da empresa investida.
Em nossa perspectiva, o venture capital poderia ser definido como o capital de
formação da pequena empresa inovadora com alto potencial de crescimento. Investidores
nessa modalidade de investimento, por confirarem em sua metodologia, estariam dispostos a
correr riscos mais elevados se comparados a outras modalidades de financiamento (e.g.
bancos), tendo como principal diferencial a sua participação ativa em processos de tomada de
26
decisão da empresa investida, recomendando novos mercados, apresentando fornecedores ou
potenciais clientes, sugerindo mudanças em produtos e serviços, abrindo canais de
distribuição em outros países dentre outras iniciativas.
Independentemente do debate sobre as controvérsias do resgate de instituições
financeiras durante a crise do sub-prime em 2008, a crítica de Thomas Friedman revela um
entendimento bastante disseminado sobre o investimento de venture capital e seu impacto
sobre empresas com alto potencial de crescimento e a respeito de seus efeitos sobre a
economia norte-americana. Dessa maneira, o venture capital é apontado como a fonte de
capital mais adequada ao financiamento dessas empresas, ao mesmo tempo, o venture
capitalist é descrito a partir do papel positivo que desempenha na trajetória de crescimento de
startups nos Estados Unidos da América.
Desse modo, criou-se uma imagem de que o venture capitalist seria um craftsman
do mundo de investimento, um artesão ou um ourives capaz de selecionar empresas em estado
bruto (fase inicial de operações), lapidá-la durante o seu investimento, para - por fim - extrair
o melhor resultado possível por meio de sua venda a um terceiro (GOMPERS, 1994;
KLONOWSKI, 2018). Logo, o perfil mais favorável ao risco colocaria o venture capitalist
em uma posição privilegiada em comparação a outras fontes de capital, tornando-se uma das
principais referências para os estudos do financiamento de empresas com alto potencial de
crescimento (KRESSEL; LENTO, 2010, p. 18).
É relevante que, entre as empresas de alto potencial de crescimento – promising
young companies –, cabe uma separação para a melhor compreensão entre perfis distintos e
diferentes catalisadores de seu crescimento (SEOUDI, 2015, p. 31). De um lado, são descritas
as empresas em que o seu crescimento está intimamente ligado aos seus processos de
desenvolvimento tecnológico, as também chamadas empresas de base tecnológica, em que há
demanda por fortes investimentos em pesquisa e desenvolvimento. De outro lado, são
mencionadas as empresas que são capazes de explorar oportunidades de mercado (e.g.
ineficiências, problemas de coordenação, etc.) a partir de modelos de negócio capazes de
impulsionar o seu crescimento, chamadas por nós de empresas exponenciais de oportunidade.
Nesse sentido, a Google e a Amazon, respectivamente, são utilizadas como
exemplos didáticos para cada um dos tipos de empresas com alto potencial de crescimento.
No primeiro caso, a criação de algoritmos para busca na internet, algoritmos de recomendação
de conteúdos em plataforma de streaming de vídeo, algoritmos para a veiculação automática
de anúncios são tecnologias desenvolvidas pela Google que são responsáveis por alavancar o
seu crescimento nos últimos anos. No segundo caso, a otimização de canais de distribuição,
27
acordos comerciais bem construídos, um modelo logístico criativo e abrangente são alguns
dos exemplos que descrevem como a Amazon ampliou a sua participação de mercado e
expandiu as suas atividades nos Estados Unidos da América e em outros países.
Ressalta-se que esses dois exemplos são apresentados em caráter exemplificativo,
isso porque hoje as empresas adquiririram porte e complexidade que as incentiva a realizar
iniciativas nas duas frentes, não mais se distinguindo pela classificação demonstrada. Essa
distinção que foi importante para a compreensão do processo de crescimento das duas
empresas hoje não pode mais ser utilizada para uma descrição acurada para a atuação delas.
Além disso, enquanto modalidade de investimento, o venture capital teve um
crescimento acelerado nas últimas décadas. De maneira que, na década de 1970, ele era capaz
de movimentar apenas algumas dezenas de milhares de dólares, contudo, os bons resultados
de investimentos realizados e o crescimento exponencial de empresas investidas passaram a
atrair atenções e novos investimentos ao longo dos anos. Não por acaso, no ano 2000, o setor
registrou a cifra de cento e cinquenta bilhões de dólares captados por empresas de venture
capital no mundo (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
Diante desse contexto, ressalta-se que essa expansão não se deu apenas em
território estadunidense. Isso porque o modelo de venture capital presente nos Estados Unidos
da América incentivou a formação e expansão de empresas de venture capital pelo mundo
(e.g. Israel, China, Brasil, Índia, etc.). Em razão disso, investimentos de empresas de capital
de risco com atuação em mais de um país cresceram de 10% em 1991 para 22.7% em 2008,
acompanhando a tendência de investimentos em países em desenvolvimento. De forma que,
se considerarmos o investimento apenas em países emergentes, os investimentos de venture
capital aumentaram de 8.7% em 1991 para 56% em 2008 (CHEMMANUR; FULGHIERI,
2014, p. 2).
Com base nesses rendimentos, muitos países passaram a organizar políticas
públicas de incentivo para o surgimento e o desenvolvimento dessa modalidade de
financiamento. Segundo Seoudi (2015, p. 31), a imagem do venture capital como forma de
financiamento de empresas de alto potencial de crescimento incentivou países a construirem
programas governamentais para o seu fomento, articulando iniciativas para ampliar a oferta da
modalidade, como também a demanda por ela.
Do lado da demanda, políticas públicas governamentais têm direcionado esforços
para a canalização de recursos financeiros para o financiamento de empresas de alto potencial
de crescimento, sendo elas voltadas ao desenvolvimento tecnológico ou à exploração de
oportunidades de mercado. Além disso, esses esforços também se concentraram na formação
28
e fomento de quadros técnicos na área de investimento para servirem como venture capitalists
no Brasil, formando gestoras de recursos para a captação e emprego de capital nessas
empresas (SEOUDI, 2015, p. 31).
Do lado da oferta, as políticas públicas têm se concentrado na criação e
manutenção de ambientes de fomento ao empreendedorismo, em que se capacita
empreendedores para que possam se tornar empresários, organizam iniciativas de formação
(e.g. incubadoras, aceleradoras, programas de mentoria, etc.) e articulam incentivos e
programas para formação de redes de contato e relacionamento (e.g. eventos, jornadas,
hacktons, etc.), estimulando, desse modo, a criação de ambientes em que valha a pena iniciar
um novo negócio (SEOUDI, 2015, p. 31).
Culturalmente, figuras importantes do cenário político norte-americano também
têm corroborado a imagem do investidor de venture capital como alguém com habilidades
específicas, capaz de lidar com os riscos e incertezas ligados ao empreendedor e à empresa
nascente. O exemplo mais recente é o do ex-presidente Barack Obama, que em entrevista à
revista Bloomberg Businessweek11
expressou a sua vontade de trabalhar com investimentos de
venture capital no do Vale do Silício no estado da Califórnia.
Na entrevista, o ex-presidente comenta sobre essa possibilidade, revelando o seu
fascínio com relação aos impactos desses investimentos sobre empresas nascentes inovadoras,
as quais transformaram a economia norte-americana nas últimas décadas. Um dos exemplos
trazidos na entrevista foram os investimentos de venture capital em empresas de
biotecnologia que tornaram possível o mapeamento genético de um indivíduo ao custo de mil
dólares, abrindo, dessa forma, diversas possibilidades para o tratamento de doenças.
11
Em 13 de junho de 2016, o então presidente dos Estados Unidos da América, Barack Obama, recebeu a equipe
da revista Bloomberg Businessweek para a realização de uma entrevista sobre um balanço das medidas de seu
governo que auxiliaram a economia norte-americana a se recuperar da crise do subprime em 2008. Além de
comentar sobre o curioso apelido que recebeu durante o seu governo, o presidente “anti-business”, em alusão às
medidas regulatórias impostas ao mercado financeiro após 2008, Obama descreve o seu interesse pelo campo de
investimentos, em particular sobre a possibilidade de atuar após a sua saída da presidência em uma empresa de
venture capital no Vale do Silício, Califórnia. Interessante notar a presença de uma visão distinta entre os
investimentos realizados na Costa Leste, em particular por empresas localizadas em Wall Street, Nova York, e
investimentos realizados na Costa Oeste, em especial no Vale do Silício, Califórnia. Nas respostas do ex-
presidente, os investimentos realizados por empresas localizadas em Wall Street teriam sido responsáveis pela
crise de 2008, estando associadas a produtos financeiros complexos, desvinculados do setor produtivo, tendo que
ser regulados e observados de perto para que uma nova crise não ocorra nos próximos anos. Já os investimentos
realizados no Vale do Silício estariam ligados ao fomento de startups, ao surgimento de novas tecnologias,
novos postos de trabalho, algo que deveria ser perseguido pelo governo e que o atrai para a continuidade de suas
atividades após a Casa Branca. Na entrevista, o presidente parece reforçar a ideia de que o venture capital é o
capital que financia a inovação tecnológica. Para obter o conteúdo completo da entrevista do ex-presidente,
consulte:<https://www.bloomberg.com/features/2016-obama-anti-business-president/>. Último acesso:
10.01.2018.
29
Na visão de Obama, uma das vantagens comparativas dos Estados Unidos da
América é o fato de que o país apresenta um sistema financeiro sofisticado, com um fluxo
significativo de capitais direcionados para startups, o que permite que novas tecnologias
alcancem os mercados e novas empresas possam surgir e crescer, ampliando, assim, o
desenvolvimento do país.
Vale ressaltar que o ex-presidente dos Estados Unidos da América não estaria
sozinho no Vale do Silício, encontrando figuras políticas como o ex-Secretário de Defesa
Colin Powell12
, o ex-Vice Presidente Al Gore13
e a ex-Secretária de Estado Condoleezza
Rice14
. Figuras que, mesmo sem uma trajetória específica no mercado financeiro ou em
setores de ciência e tecnologia, têm interesse em emprestar sua reputação, prestígio,
experiência no campo político e de gestão, e sua rede de contatos para desenvolverem suas
carreiras em empresas de venture capital.
12
Em 12 de julho de 2005, o ex-Secretário de Estado dos Estados Unidos da América, Colin L. Powell ingressou
como sócio em uma das mais antigas empresas de venture capital do Vale do Silício, a Kleiner Perkins Caufield
& Byers. Em uma reportagem do jornal The New York Times, o ex-Secretário de Estado comenta sobre a sua
admiração pela empresa e por como o venture capital tem financiado o surgimento de novas tecnologias no
mundo, auxiliando empreendedores a transformar o mundo como conhecemos. Contudo, a reportagem questiona
o que o ex-militar, com mais de 35 anos de serviços prestados, general de 4 estrelas, poderia contribuir para uma
empresa que se especializou ao longo de sua história em investimentos em empresas de biotecnologia e
tecnologia da informação? A resposta dos sócios da Kleiner Perkins Caufield & Byers para a reportagem foi que
o ex-Secretário serviria como um mentor para empresas investidas, disponibilizando sua rede de contatos, sua
experiência em assuntos internacionais, conselhos sobre comportamento estratégico e sua perspectiva global.
Para mais detalhes sobre o ingresso de Collin L. Powell na Kleiner Perkins Caufield & Byers, acesse: <
http://www.nytimes.com/2005/07/13/business/colin-powell-joins-venture-capital-firm.html>. Último acesso:
03.01.2018. 13
O ex-Presidente dos Estados Unidos da América, Al Gore, teve diversos postos ocupados após a sua saída da
Casa Branca. Foi membro do Conselho de Administração da empresa Apple Inc., produziu um documentário
sobre a crise climática no mundo (Uma Verdade Incoveniente) e em 2007 ingressou como sócio da empresa de
venture capital Kleiner Perkins Caufield & Byers. O interesse e a experiência do ex-Presidente com tecnologias
de produção de energia limpa fizeram com a empresa de venture capital fizesse uma proposta para que Al Gore
se tornasse sócio, desempenhando a função de seleção e mentoria de startups na área de energia limpa. Como
parte do acordo, a empresa de venture capital se associou com a Alliance for Climate Protection, uma
organização sem fins lucrativos que busca advogar em prol da adoção de novas tecnologias de energia limpa no
mundo. Como sócio da empresa, o ex-presidente ainda criou a Generation Investment Management, braço de
investimento e pesquisa que busca identificar oportunidades em energias limpas. Para mais detalhes sobre o
ingresso do ex-presidente na empresa de venture capital Kleiner Perkins Caufield & Byers, consulte: <
https://dealbook.nytimes.com/2007/11/12/al-gore-joins-the-vc-game-as-kleiner-perkins-partner/>. Último
acesso: 16.12.2017. 14
Em 13 de dezembro de 2012, a empresa de venture capital Khosla Ventures anunciou a formação de uma
parceria estratégica com a consultoria Rice Handley Gates LLC, da ex-Secretária de Estado dos Estados Unidos
da América, Condoleezza Rice. A aliança foi constituída para ampliar os esforços de inserção internacional de
empresas nascentes investidas pela Khosla Ventures. A consultoria serviria como mentora para esses processos,
em particular na expansão dessas empresas em países emergentes. Os outros dois sócios fundadores da
consultoria são Stephen Hadley, também ex-Secretário de Estado, e Robert Gates, assistente especial do
Departamento de Estado. Na visão da Khosla Ventures, a aliança serviria como um auxílio importante para
empresas nascentes criadas nos Estados Unidos da América se inserirem em mercados com um ambiente
cultural, regulatório e financeiro distinto do contexto norte-americano. Para mais informações sobre a aliança
entre a empresa de venture capital Khosla Ventures e a consultoria da ex-Secretária de Estado, Rice Handley
Gates LLC, consulte: < https://www.forbes.com/sites/tomiogeron/2012/12/13/condoleezza-rices-ricehadleygates-
partners-with-khosla-ventures/#12429c3f781f>. Último acesso: 20.12.2017.
30
Considerando esse contexto, o objetivo deste capítulo é compreender qual a
posição do investimento de venture capital no financiamento de empresas com alto potencial
de crescimento, destacando aquelas de base tecnológica; bem como apresentar o debate sobre
qual pode ser a contribuição dessa modalidade de investimento na trajetória de crescimento
dessas empresas.
Dividimos nossa análise em três pontos: (i) os quatro desafios para o
financiamento de empresas nascentes - em que exploramos os fatores que afastam o interesse
de certas modalidades de financiamento em investir na empresa com alto potencial de
crescimento; (ii) as alternativas de financiamento para a empresa de alto potencial de
crescimento - em que discutimos diferenças entre modalidades de financiamento de empresas
de alto potencial de crescimento; e (iii) o venture capital como solução - em que exploramos
como as características dessa modalidade de investimento enfrentam os desafios presentes
para o financiamento dessas empresas.
2.1 Os quatro desafios para o financiamento de empresas nascentes
No início dos anos 90, Don Brooks, engenheiro de software da Edgerton,
Germehausen, and Grier Inc. (EG&G), empresa privada fornecedora de infraestrutura de
comunicação para o Departamento de Defesa dos Estados Unidos da América, estava
trabalhando no desenvolvimento de soluções de gestão e transferência de documentos entre
entidades governamentais. Quando estava alocado no Idaho National Engineering and
Environment Laboratory do Departamento de Energia, o engenheiro foi capaz de encontrar
uma solução técnica para um problema de transferência de arquivos eletrônicos. A partir de
uma das aplicações do protocolo TCP/IP (gopher protocol), Brooks foi capaz de desenvolver
um dos primeiros navegadores (browser) de internet, possibilitando que um computador fosse
capaz de acessar dados armazenados de outro e interagir com essa informação (GOMPER;
LERNER, 2001, p. 21).
Após o desenho de seu primeiro protótipo, Brooks o apresentou para seus colegas
de diversos departamentos da empresa, incluindo o departamento de pesquisa e
desenvolvimento e outros membros da comunidade científica. Na época, além de elogios ao
seu trabalho, o protótipo de Brooks foi comparado com o Mosaic, navegador criado no
formato de código aberto pela Universidade de Illinois. Engenheiros da área de pesquisa e
desenvolvimento da EG&G recomendaram que o protótipo de Brooks se tornasse parte dos
31
projetos da empresa, tendo como vantagem a facilidade de seu uso, bem como a
confiabilidade no seu funcionamento (GOMPER; LERNER, 2001, p. 21).
Após ter o seu protótipo incorporado pela EG&G em 1991, Brooks tinha certeza
de que o produto desenvolvido a partir de sua ideia seria um sucesso de mercado. No entanto,
quatro anos mais tarde, foi outra empresa que conquistou a liderança do mercado de
navegadores, abriu o seu capital na Nasdaq Stock Exchange (Nasdaq) em 1995, e captou 2.1
bilhões de dólares (GOMPER; LERNER, 2001, p. 21).
Sob a liderança de dois jovens engenheiros, Marc Andreessen e Jim Clark, a
Netscape Communications Corporation (Netscape) foi criada em 1994, em poucos meses
recebeu investimento da Kleiner Perkins Caufield & Byers (KPCB), uma das mais antigas
gestoras de recursos do Vale do Silício. Assim, com apenas 16 meses de atividades, a
Netscape abriu o seu capital na Nasdaq, captando um valor recorde de recursos. Em 1995, a
internet ganhou uma interface acessível para o usuário comum, desencadeando a grande
euforia de investimentos em empresas na área de tecnologia da informação (CAMPBELL,
2015, Kindle Edition).
Antes de criar a Netscape em 1994, Marc Andeerssen havia sido pesquisador no
National Center for Supercomputing Applications (NCSA)15
na Universidade de Illinois. No
NCSA, Andeerssen se dedicou ao projeto Mosaic, um dos primeiros navegadores para a
internet. Durante esse período, o pesquisador fez parte da equipe que realizou os testes do
protótipo junto à comunidade acadêmica, bem como em fóruns técnicos na internet, os quais
comparavam as versões do Mosaic, como X Mosaic com outros navegadores disponíveis na
época (e.g. Midas, Cello, ViolaWWW, dentre outros).
No início de 1994, depois de conhecer o X Mosaic, Jim Clark, o fundador da
Silicon Graphics, procurou Marc Andeerssen com a proposta de formar uma startup,
integrando o desenho do navegador X Mosaic com a interface visual criada por ele na Silicon
Graphics. Inicialmente criada como Mosaic Communications, a empresa alterou o seu nome
em pouco tempo para Netscape Communications Corporation e passou a distribuir
15
O Mosaic da NCSA não foi o primeiro navegador (web browser) desenvolvido para a internet. Ele foi o
navegador de maior adesão nos primórdios da rede. Em 1993, o mosaic v. 1.0 foi lançado com uma interface
fácil para navegação, se comparada com outros navegadores disponíveis, capaz de ser operada por pessoas sem
formação técnica ou conhecimentos de computação. Como o navegador era disponibilizado gratuitamente, a
adesão foi muito rápida, tendo no ano de 1993 5.000 downloads mensais de usuários nos Estados Unidos da
América. Marc Andreessen era um dos desenvolvedores do projeto e foi um dos responsáveis pela adaptação da
nova tecnologia para o mercado privado. Assim como ele, outras 100 empresas licenciaram versões do Mosaic
por meio da empresa Spyglass Inc., que passou a representar os interesses da NCSA no que dizia respeito ao
Mosaic. Para mais informações, consulte: < http://www.ncsa.illinois.edu/enabling/mosaic>. Último acesso:
06.12.2017.
32
gratuitamente o seu navegador e, em pouco tempo, assumiu a liderança do mercado de
navegadores nos Estados Unidos da América.
Diante desse cenário, questiona-se por que Andeerssen e Clark foram bem-
sucedidos e Brooks fracassou. Na visão de Paul Gompers e Josh Lerner (2001, p. 22), a
explicação está no investimento de venture capital realizado pela empresa Kleiner Perkins
Caufield & Byers (KPCB) que aproveitou a oportunidade de acelerar o crescimento de uma
das empresas que desenvolviam navegadores no começo dos anos de 1990.
Destaca-se o fato de que Brooks buscava convencer executivos da EG&G de que
seu navegador poderia ser uma tecnologia promissora no campo das tecnologias da
informação e comunicação, porém, os executivos da empresa relutavam em investir no
protótipo de Brooks, pois estava distante do escopo dos produtos e serviços oferecidos para o
seu principal cliente, o Departamento de Defesa Norte Americano (GOMPERS; LERNER,
2001, p. 22).
Enquanto isso, a KPCB identificou na recém-constituída Netscape uma
oportunidade de investimento, movimentando-se rapidamente para investir na empresa e
acelerar o seu processo de crescimento. Além de oferecer orientação financeira para a
empresa, a KPCB ofereceu profissionais externos para avaliar e orientar as estratégias de
marketing e desenvolvimento do produto, apresentando a startup para outros atores do Vale
do Silício, como os bancos de investimento Morgan Stanley e Hambrecht & Quist
(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 22).
Retrospectivamente, os fundadores da Netscape comentam que a reputação de Jim
Clark, conquistada com o sucesso da Silicon Graphics, já seria suficiente para que a Netscape
fosse capaz de captar recursos financeiros para viabilizar o projeto de crescimento da startup.
Contudo, quando os empreendedores foram procurados pela KPCB, não tiveram dúvidas de
que a melhor estratégia seria receber o investimento da empresa de venture capital. O
histórico de investimentos bem-sucedidos em empresas como Genentech, Sun Microsystems
e Compaq fazia com que os empreendedores acreditassem que o investidor poderia adicionar
valor à empresa nascente (CAMPBELL, 2015, Kindle Edition).
Mesmo não tendo se tornado o principal navegador da internet dos dias atuais16
, a
ascensão da Netscape ilustra uma realidade muito comum para empreendedores: o fato de
16
A Microsoft durante os primeiros anos da década de 1990 era uma desenvolvedora de softwares de grande
porte, internacionalmente conhecida. Entre os anos de 1993 e 1995, a empresa foi objeto de uma investigação
por parte do Departamento de Justiça dos Estados Unidos da América por práticas anticompetitivas no
licenciamento de produtos que operariam em seu sistema operacional. Em 1995, a empresa fez um acordo com o
Departamento de Justiça, cessando práticas consideradas como danosas à concorrência. Em 1997, em uma
33
que, para além da qualidade e do potencial de uma nova tecnologia, o sucesso de um
empreendimento pode depender também de capacidades relacionadas à gestão de negócios,
sendo que as fontes de financiamento obtidas pela empresa podem agregar e contribuir ao
empreendimento. Portanto, os desafios enfrentados por Brooks, Andreessen e Clark ilustram
os desafios enfrentados por empreendedores no financiamento de sua empresa.
É importante a ressalva de que muitos empreendedores não têm ciência de como
um financiador pode auxiliá-los com o seu projeto de crescimento, com a construção de uma
empresa de alto potencial de crescimento que seja capaz de se profissionalizar e crescer muito
rapidamente. Essa falta de compreensão, em muitos casos, impede a empresa emergente de
acessar fontes de financiamento que possam ser úteis para o seu empreendimento.
Frente a esse contexto, Paul Gomper e Josh Lerner (2001, p. 23) listam quatro
problemas presentes em uma empresa nascente que podem reduzir o interesse de agentes
externos financiarem o seu projeto de crescimento, são eles: (i) incerteza sobre o futuro; (ii)
assimetria informacional; (iii) ativos flexíveis; e (iv) volatilidade das condições de mercado.
Destarte, todas as empresas têm que lidar com problemas como esses, mas
empresas com alto potencial de crescimento são particularmente mais vulneráveis,
principalmente se considerarmos as de base tecnológica, uma vez que esses desafios se
mostram mais frequentes e podem servir de obstáculo intransponível em alguns casos para o
financiamento de projetos inovadores.
2.1.1 Incerteza sobre o futuro
A criação de um novo empreendimento é repleta de incertezas. Empresas e
empreendedores têm que enfrentar dúvidas sobre como melhor alocar seus recursos,
identificar quais serão as parcerias mais benéficas para o desenvolvimento do seu negócio,
além de obter os recursos suficientes para financiá-lo, assim como acompanhar as tendências
e mudanças em seu mercado, dentre outras incertezas.
audiência proposta pelo Senador Orin Hatch, os presidentes das empresas Netscape (Jim Barksdale), Sun
Microsystems (Scott McNealy) e da fabricante Dell (Michael Dell), acusaram a Microsoft de práticas
anticompetitivas, acusando violar os termos de seu acordo assinado em 1995, que impedia que o sistema
operacional da empresa operasse apenas com outras aplicações da própria empresa. Em 2000, a Microsoft foi
condenada pela Corte de Apelações (Seventh Circuit) pela prática de bundling (agrupamento de produtos), ilícito
concorrencial nos Estados Unidos da América, tendo que separar suas atividades em duas empresas distintas,
uma para cuidar de seu sistema operacional e outra para tratar do seu navegador, o Internet Explorer. Para mais
informações, consulte a síntese do caso produzida por Nicholas Economides, da New York University,
disponível em: < http://www.stern.nyu.edu/networks/Microsoft_Antitrust.final.pdf>. Último acesso: 20.01.2018.
34
Nesse viés, segundo Freeman e Soete (2008, p. 415), insucessos de projetos
inovadores podem estar relacionados a três tipos de incertezas: (i) técnicas; (ii) de mercado; e
(iii) gerais, que podem se referir a incertezas políticas, econômicas, algumas vezes descritas
como incertezas no ambiente de negócios. Para além dessas incertezas gerais, os autores
também consideram a possibilidade de que contextos específicos possam apresentar
incertezas próprias, não extrapoláveis a outros contextos.
Uma analogia utilizada pelos autores é a da administração de equipes de futebol.
Nessa atividade, os treinadores são capazes de identificar quais são os fatores que podem
contribuir para o seu sucesso. Um bom preparo físico, entrosamento dos seus jogadores,
habilidade, disciplina na execução das recomendações, dentre outros. Mesmo que existam
treinadores mais talentosos do que outros, os autores comentam que os conhecimentos sobre a
atividade são amplamente disseminados. Contudo, a tradução dessas ideias para resultados em
campo se mostra como um fenômeno mais complexo do que aparenta inicialmente. Para os
autores (2008, p. 415), o que pode ser constatado ex-post nem sempre pode ser controlado ex-
ante, tendo em vista que muitas das variáveis não podem ser objetos de manipulação.
Além disso, quando a reflexão é trazida para as incertezas específicas, como a
incerteza técnica, por exemplo, a avaliação sobre ela e seus efeitos não se restringe ao
binômio “funciona” ou “não funciona”, mesmo que esse seja um dos fatores relevantes para o
sucesso de um produto. A incerteza técnica se manifesta em um nível mais sofisticado,
incluindo o padrão de desempenho de uma tecnologia às várias condições operacionais e de
custos de um empreendimento. Processos de produção, viabilidade comercial, entre outros se
tornam fatores que nem sempre serão controlados ex-ante, mesmo que possam ser avaliados
ex-post (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 416).
Nesse sentido, segundo os autores (2008, p. 416) não se deve tratar da mesma
forma riscos associados às inovações técnicas - o que também chamam de incerteza técnica -
com os riscos normais - os que irão definir como os riscos calculáveis. Em referência ao
economista Frank Knight, os autores diferenciam incertezas não calculáveis, ou incertezas de
fato, de riscos propriamente ditos que seriam objeto de cálculo ex-ante por parte de
empresários. Por definição, as inovações técnicas não são sempre parte do grupo de incertezas
não calculáveis, tendo em vista que as inovações podem ser parte de eventos muito distintos
entre si, porém, em muitos casos podem ser descritas a partir dessa categoria.
Entende-se que seguradoras e instituições financeiras estão acostumadas ao risco,
tornaram a avaliação de risco parte integrante de seus produtos e serviços, investindo em
aprimorar suas ferramentas de cálculo e ampliando a sua atuação para diversas áreas.
35
Entretanto, na visão dos autores (2008, p. 417), o fato de determinados agentes econômicos
estarem equipados para avaliar risco não os habilita a lidar com incertezas, tendo que ser
avaliados caso a caso quais são os graus de incerteza que instituições acostumadas ao risco
são capazes de conviver.
Por essa razão, Freeman e Soete (2008, p. 417) construíram um quadro para a
apresentação dos graus de incerteza associados a diferentes tipos de inovação, conforme pode-
se observar abaixo.
Tabela 2.1 Graus de incerteza associados a vários tipos de inovações
Incertezas Verdadeiras Pesquisa Fundamental
Inventos Fundamentais
Níveis Muito Altos de Incerteza Inovações Radicais de Produtos
Inovações Radicais de Processos realizadas fora
da empresa
Altos Níveis de Incerteza Importantes Inovações de Produtos
Inovações Radiciais de Processos obtidas no
próprio estabelecimento ou contexto da empresa
Incertezas Moderadas Novas “Gerações” de produtos já existentes
Pouca Incerteza Inovações Licenciadas
Imitação de Inovações de Produtos
Modificação de Produtos e Processos
Adoção Antecipada de Processos Existentes
Muito Pouca Incerteza Novos “Modelos”
Diferenciação de Produtos
Providências para Inovação de Produtos
Existentes
Adoção Tardia de Inovações de Processos
Existentes e Operações Flaqueadas no Próprio
Estabelecimento
Melhorias Técnicas Menores
Fonte: (FREEMAN; SOETE, 2008, p. 417)
Ressalva-se que, para Freeman e Soete (2008, p. 417), são apenas os níveis de
pouca incerteza e de muito pouca incerteza que são capazes de serem financiados pelo
mercado de capitais, por agentes econômicos externos à empresa. Na visão dos autores, nos
níveis de maior incerteza, apenas a própria empresa que está realizando as atividades de
pequisa e desenvolvimento terá incentivo a aportar recursos, financiando essas atividades com
recursos próprios. Quando isso não ocorre, há duas outras possibilidades na visão dos autores,
o financiamento por meio de programas governamentais ou o financiamento a partir de
pessoas razoalvelmente familiarizadas com o projeto de desenvolvimento tecnológico.
36
Os autores não detalham quem são essas pessoas familiarizadas com o
desenvolvimento tecnológico, e porque estariam dispostas a financiar as atividades de
pesquisa e desenvolvimento da empresa inovadora. Em nossa visão, isso ocorre pelo fato de o
financiamento não ser parte das questões específicas que os autores estão explorando em sua
investigação, bem como a predominância em sua análise de modelos de inovação tecnológica
que tenham como principal referência os departamentos de pesquisa e desenvolvimento de
médias e grandes empresas.
Não obstante, as referências apresentadas pelos autores nos permitem conectá-las
com a reflexão de Gompers e Lerner sobre incertezas no âmbito de investimentos em
empresas com alto potencial de crescimento. No âmbito de incertezas técnicas, o
empreendedor em muitos cenários não demonstra ter condições de controlar as variáveis de
seus processos de desenvolvimento tecnológico ex-ante, mesmo podendo avalia-los ex-post.
No mesmo sentido, muitos potenciais investidores também não demonstram ser capazes de
avaliar ex-ante quais serão os projetos com melhores resultados de crescimento e com maiores
condições de geração de retornos financeiros.
Nessa perspectiva, Gompers e Lerner (2001, p. 23) defendem que a incerteza em
relação ao futuro para o empreendedor deve ser encarada como uma medida da distribuição
de possíveis resultados advindos das atividades necessárias para a construção da empresa com
alto potencial de crescimento. Quanto maior o nível de incerteza sobre o futuro, mais ampla
será a distribuição de potenciais resultados para a construção do empreendimento.
Com efeito, analisar a empresa com alto potencial de cerscimento a partir de
diferentes níveis de incerteza pode auxiliar o empreendedor em sua difícil tarefa de tomar
decisões sobre formação de sua equipe, avaliação do potencial do mercado em que atua, bem
como quais são as melhores opções de captação de recursos para viabilizar o seu crescimento.
Os tipos de incerteza (técnica, de mercado e gerais), bem como os seus diferentes
graus, podem influenciar o financiamento de empresas com alto potencial de crescimento de
diferentes formas. É de se esperar que empresas de base tecnológica sejam mais impactadas
por incertezas de tipo técnico que as empresas exponenciais de oportunidade. Todavia, essa
avaliação é difícil de ser feita de modo abstrato, tendo os referenciais propostos pelos autores
como instrumentos para as análises que iremos apresentar nos capítulos 5 e 6 deste trabalho.
Um exemplo interessante capaz de ilustrar a importância de uma análise dos
níveis de incerteza presentes na empresa de alto potencial de crescimento é o da formação da
37
Genset. Em 1989, Pascal Brandys17
, engenheiro francês com atuação em investimentos no
Vale do Silício, e Marc Vasseur, pesquisador na área de genética, fundaram a empresa de base
tecnológica Genset. O empreendimento buscava identificar aplicações comerciais para uma
nova tecnologia no campo da genética, em particular a reação em cadeia da polimerase
(Polymerase Chain Reaction – PCR), o que permitiria que cientistas pudessem criar milhões
de cópias de DNA a partir de um fragmento.
Nesse cenário, apesar de a tecnologia demonstrar um enorme potencial na época,
era muito difícil prever em qual mercado ela se encaixaria melhor ou mesmo quando as
aplicações comerciais ficariam disponíveis. As incertezas de mercado eram muito grandes na
visão dos empreendedores. Não por acaso, uma das principais dificuldades de Brandys e de
Vasseur foi a construção de um plano de negócio que pudesse convencer investidores a
aportar recursos na empresa.
Além do desafio de transformar a tecnologia PCR em produtos comercialmente
viáveis, ainda haveria o desafio de incerteza geral, no caso, regulatória, para a obtenção da
aprovação de entidades governamentais que cuidam de questões médicas e sanitárias, como a
Food and Drug Administration (FDA). Não havia precedentes no FDA de aprovação de
projetos de natureza genética como esse. A reprovação pelo FDA em qualquer uma das etapas
de análise de uma das aplicações comerciais identificadas pela Genset poderia reduzir o seu
potencial de crescimento, talvez até tornar o seu negócio inviável.
Outro aspecto importante a se entender são as incertezas gerais sobre a reação de
concorrentes ou potenciais concorrentes. Os fundadores da Genset sabiam que a busca por
aplicações comerciais do PCR não era uma exclusividade de seu projeto. Contudo, a
experiência e os conhecimentos de Marc Vasseur davam confiança de que não havia startups
com capacidade de explorar a tecnologia, bem como que os grandes laboratórios no campo
farmacêutico que teriam condições de investir na tecnologia em que não tinham demonstrado
interesse até aquele momento.
17
Pascal Brandys é engenheiro de formação, tendo obtido o seu diploma de graduação em engenharia pela École
Polytechnique e mestrado em ciências econômicas pela Stanford University em 1982. Iniciou a sua atuação
como investidor de venture capital no segmento de biotecnologia durante a década de 1980, tendo realizado
investimentos em empresas no Japão, Inglaterra e Estados Unidos. Além de ter fundado e ocupado a função de
presidente da Genset por alguns anos, captando mais de 1.5 bilhão de dólares em rodadas de investimento, foi
responsável pela criação de diversas outras empresas de investimento, com destaque para Eurocontinental
Ventures. Além de sua atuação como empreendedor, o investidor financiou empresas como Ilog S.A. e a
Innogenetics NV, bem como criou a France Biotech, associaçãoo de empresas com atuação no setor de
biotecnologia na França. Para mais informações sobre o investidor, consulte:
<https://www.crunchbase.com/person/p-brandys> . Último acesso: 25.01.2018.
38
A experiência e o conhecimento de Marc, entretanto, não eram suficientes para
garantir que avanços em sua pesquisa não poderiam atrair a atenção de grandes laboratórios,
levando-os a investir recursos nesta tecnologia, reduzindo os potenciais de crescimento da
Genset.
Um desafio similar foi enfrentado por Jim Clark e Marc Andreessen quando
lançaram o Netscape. Alguns meses após lançarem o Netscape, o navegador alcançou 90% de
participação de mercado, sendo a principal ferramenta de navegação utilizada nos Estados
Unidos da América. Na ocasião, Clark e Andreessen tinham como um desafio avaliar qual
seria a reação de seus potenciais concorrentes, desde projetos que ofertavam outras
ferramentas (e.g. Midas, Cello, etc.), como também de grandes empresas como a Microsoft.
De um lado, havia a percepção de que a Microsoft não havia demonstrado
interesse em aplicações para a internet, concentrando-se em aplicações off-line, com especial
sucesso de seu sistema operacional Windows e a família de aplicações Office. De outro lado, o
crescimento rápido da Netscape e a ausência de outros navegadores desenvolvidos por outras
grandes empresas da área poderiam convencer a Microsoft que sua entrada poderia lhe render
bons frutos e que a Netscape não teria condições de sustentar a sua posição enquanto líder
deste mercado.
Não estava clara naquele momento qual seria a reação da Microsoft, em especial
qual seria a sua estratégia frente à Netscape. A integração do navegador Explorer ao sistema
operacional Windows, bem como a forte ofensiva de marketing feita pela Microsoft fez com
que a empresa pudesse capturar boa parte dos usuários do navegador Netscape, reduzindo
consideravelmente as suas projeções de crescimento. Incertezas de mercado e gerais foram
suficientes para reduzir a relevância ao longo dos meses após a integração do Explorer no
Windows.
Mesmo tendo captado muitos recursos na abertura de seu capital na Nasdaq, a
entrada da Microsoft no mercado de navegadores gerou um impacto forte no crescimento da
Netscape, bem como na sua aproximação com potenciais investidores. A presença da
Microsoft e sua estratégia agressiva de integração de seu navegador e seu sistema operacional
reduziu o interesse de investidores em novas rodadas de investimento e gradativamente foi
diminuindo suas taxas de crescimento, até a sua aquisição pela America Online (AOL)18
em
18
Em 24 de novembro de 1998, a America Online (AOL) e a Netscape Communications anunciaram que a
aquisição da primeira pela segunda pelo valor de 4.2 bilhões de dólares. A aquisição foi seguida pelo anúncio de
uma parceria entre a AOL e a Sun Microsystems para o desenvolvimento de produtos e serviços de comércio
eletrônico. As duas iniciativas da AOL serviam para fazer frente à recente condenação de uma de suas
concorrentes, a Microsoft, por práticas anticompetitivas. Representantes da AOL, Netscape e Sun Microsystems
39
1998 pelo valor de US$ 10 bilhões. O navegador Netscape sobreviveu até 2007, quando a
AOL anunciou que não iria mais seguir com ele a partir de 2008.
2.1.2 Assimetria Informacional
Segundo Seoudi (2015, p. 32), a existência de falhas de mercado no segmento de
financiamento tradicional de empresas justificaria a intervenção governamental para o
fomento do empreendedorismo e do venture capital. Para o autor, são duas as falhas de
mercado descritas pela teoria econômica, a escassez de oferta de capital para empresas de
base tecnológica, chamada de funding gap, e a presença de externalidades positivas19
e
spillovers20
, que reduziriam os incentivos privados à inovação e ao empreendedorismo. Na
ausência de um segmento de venture capital bem desenvolvido, haveria um potencial de
escassez de financiamento para empresas de base tecnológica.
O domínio sobre informações importantes para a construção e expansão de uma
empresa de alto potencial de crescimento não é exclusividade de empreendedores, tampouco
de seus investidores. A distribuição de informações é assimétrica de diferentes formas. Para
empreendedores, o domínio da informação se dá no desenvolvimento tecnológico, nas rotinas
da sua empresa; para o investidor, o domínio reside nas condições de mercado, na avaliação
sobre condições financeiras, dentre outras informações (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 29).
Nesse contexto, investidores, por sua vez, terão mais ferramentas, contatos e
experiência para avaliar as condições de determinados mercados, identificar problemas em
relação à organização financeira do empreendimento, quais são as condições ideais para uma
participaram ativamente das investigações envolvendo a Microsoft, tendo inclusive testemunhado nas audiências
que envolveram a empresa. Como parte da AOL, o navegador Netscape continuou sendo atualizado até 2008,
quando a empresa anunciou que não iria mais continuar com a aplicação, preservando apenas a marca para
lançá-la em 2011 como uma provedora de serviços de acesso à internet nos Estados Unidos. A empresa Netscape
Communications foi renomeada como New Aurora Corporation, sendo vendida poucos anos depois para a
Microsoft. Pouco antes de sua venda para a AOL, em 1998, a Netscape criou o Projeto Mozilla, disponibilizando
o código fonte de seu navegador para o desenvolvimento de novas aplicações de internet. Em 2003, o projeto se
tornou uma fundação, com a transferência de ativos e equipe para a nova entidade. Hoje, a fundação
disponibiliza gratuitamente o navegador Firefox, tendo uma atuação no desenvolvimento aplicações para a
internet e advogando por temas como liberdade na rede, privacidade, dentre outros. Para mais informações sobre
a aquisição da Netscape Communications pela AOL, consulte: <
http://www.techlawjournal.com/atr/81124.htm>. Último acesso: 20.01.2018. 19
Seoudi (2015, p. 32) define externalidades como os efeitos colaterais da produção de bens ou serviços sobre
outras pessoas que não estão diretamente envolvidas com a atividade. Quando a externalidade é positiva, o autor
menciona a geração de benefícios para pessoas que não estavam envolvidas no processo de produção desses bens
e serviços. 20
Seoudi (2015, p. 32) trata spillover ou transbordamento no mesmo sentido de externalidades positivas, a ideia
trazida pelo autor é que investimentos de venture capital podem beneficiar agentes econômicos que não estão
diretamente relacionados ao contexto de investimento.
40
venda ou para a abertura do capital da empresa de alto potencial de crescimento, dentre outras
informações.
Por essa razão, cria-se uma necessidade de construção de um arranjo de
cooperação entre empreendedor e investidor, sendo fundamental o esforço de ambos para a
redução dessa assimetria informacional, para evitar desnecessárias retenções de informação,
bem como informações incompletas ou até mesmo falsas (GOMPERS; LERNER, 2001, p.
32). O venture capital enquanto metodologia de investimento serviria como esse arranjo de
cooperação, ao reduzir a assimetria de informação entre o investidor e o empreendedor.
Para tanto, ele teria que solucionar dois problemas associados à assimetria de
informação: (i) a seleção adversa; e (ii) o risco moral. Segundo Seoudi (2015, p. 32), a seleção
adversa ocorre em uma situação em que o empreendedor tem mais informação sobre sua
tecnologia do que o investidor e, portanto, pode sobrevalorizar seus pontos fortes. Nesse
contexto, o investidor teria dificuldades em: (i) identificar quais são os empreendedores com
potencial de retorno para receber investimentos, e, (ii) dentre esses, quanto investir em cada
um dos empreendimentos para obter o maior retorno possível.
Um exemplo que traduz o problema de seleção adversa é o de investimento no
mercado de plataformas de comparação de preços no início dos anos 2000 no Brasil. Criada
em 1999, a Buscapé Company se tornou a empresa com maior crescimento no mercado de
comparadores de preço, recebendo investimentos na modalidade venture capital de
investidores como a Great Hill Partners. Contudo, nos primeiros anos de sua atividade era
muito difícil a identificação de seu real potencial de crescimento.
No início dos anos 2000 surgiram diversas startups com plataformas de
comparação de preços cujas tecnologias se mostravam similares às da Buscapé Company.
Bondfaro, Quebarato.com, Corta Contas, são alguns dos exemplos de empresas que nasceram
nesse período. Todas elas apresentavam projeções de crescimento acentuado, plataformas de
comparação de preço funcionais, bem como um quadro de empreendedores qualificados,
tornando a decisão de investimento difícil.
Em consonância a isso, indentificar que os empreendedores da Buscapé Company
seriam aqueles que trariam maior retorno possível entre todos aqueles que estavam
desenvolvendo plataformas de comparação de preços não era uma tarefa fácil. Assim sendo,
os empreendedores detinham o conhecimento mais qualificado sobre o real potencial de sua
tecnologia, valendo-se de sua capacidade de convencer investidores com base nesse
conhecimento. Ao mesmo tempo, os investidores teriam dificuldade de avaliar as informações
41
apresentadas pelas empresas do segmento e definir qual delas apresentava o maior potencial
de crescimento.
Por sua vez, o risco moral no contexto de investimento em tecnologia surge da
dificuldade de monitoramento do comportamento do empreendedor depois de realizado o
investimento. De acordo com Seoudi, o risco moral resultaria da incapacidade do investidor
em avaliar se o empreendedor está empregando os melhores esforços para que o
empreendimento tenha sucesso.
Um exemplo que ilustra o problema de risco moral na relação entre
empreendedores e investidores é o da Ovation Technology. Criada em 1983 em Canton,
Massachusetts, por Tom Gregory, a empresa se dedicava a desenvolver softwares de
avaliação de produtividade, disponibilizando ferramentas como banco de dados, planilhas de
acompanhamento, gráficos de desempenho, dentre outras.
Alguns meses após a sua criação, a empresa captou seis milhões de dólares em
uma primeira rodada de investimento de alguns investidores de venture capital de sua região.
Na ocasião, a experiência de Gregory na área de marketing e o perfil de sua equipe de
desenvolvedores, a maior parte deles vindos de programas de pós-graduação do
Massachusetts Institute of Technology (MIT), atraiu o interesse de investidores da região de
Boston (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).
Então, mesmo com uma equipe heterogênea, a maior parte dos recursos recebidos
pela Ovation Technology foi empregada em iniciativas de marketing, enaltecendo os possíveis
ganhos de funcionalidade que o seu software traria para o mercado em comparação com seus
concorrentes. Com campanhas de marketing, a empresa foi capaz de atrair potenciais
consumidores de seu software mesmo antes de seu lançamento (GOMPERS; LERNER, 2001,
p. 30).
Além disso, as campanhas também foram suficientes para que a empresa firmasse
um contrato com a Tandy Corporation, uma fabricante de computadores pessoais baseados
nas tecnologias desenvolvidas pela IBM. Pelo acordo entre as empresas, o modelo Tandy
2000, microcomputador lançado em 1983, serviria de base para a distribuição do software
criado pela Ovation Technology, chamado de Ovation.
Após o acordo com a Tandy, a empresa realizou diversas apresentações em
conferências destinadas à tecnologia da informação, ressaltando os diferenciais de sua nova
42
tecnologia. Tudo isso, sem a apresentação de um protótipo de seu novo software ou uma data
para o seu lançamento21
.
Com toda atenção do mercado voltada para a Ovation Technologies, seguida pela
formação de uma aliança estratégica com uma das três maiores produtoras de computadores
pessoais da época, a perspectiva dos investidores do empreendimento era de crescimento
rápido por parte da empresa (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).
Ainda que relatórios com a descrição dos gastos fossem entregues periodicamente
aos investidores, o desequilíbrio entre os gastos de marketing e desenvolvimento do produto
não ficavam claros. Ao mesmo tempo, o interesse gerado pelas campanhas realizadas e com
projeções de crescimento da empresa obscureciam a visão dos investidores, confiantes de que
o empreendimento seria bem-sucedido (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 30).
Com o passar do tempo e a não apresentação de um protótipo, o mercado e os
investidores notaram que os gastos com campanhas de marketing haviam sido realizados em
detrimento de investimento em pesquisa e desenvolvimento do produto. Diante disso, fica
claro que tanto a dificuldade dos investidores em acompanhar a evolução do desenvolvimento
do software quanto a ausência de informações inteligíveis sobre a elaboração do produto por
parte da empresa nascente cobraram o seu preço: a Ovation Technology entrou com um
pedido de falência em 1984, encerrando suas atividades por completo em 1985.
Frente a essa situação, entende-se que o um empreendimento que parecia um
investimento que poderia obter retornos extraordinários advindos do rápido crescimento da
empresa acabou por ter como resultado a sua falência. Para além de uma decisão equivocada
de uso dos recursos disponibilizados para o financiamento do empreendimento, o caso da
Ovation Technologies ilustra como a não transmissão ou transmissão incompleta de
informações pode prejudicar o desenvolvimento da empresa de alto potencial de crescimento,
prejudicando todos os atores que contribuíram para o seu desenvolvimento.
21
Na edição da revista Computer World publicada em 24 de outubro de 1983, o jornalista Robert Balt descreveu
a Ovation Technology como uma das empresas de maior destaque no crescimento do segmento de
microcomputadores na Califórnia. De uma empresa que teve um início tímido em 1976, sendo convidada para
participar de algumas feiras de exposição e eventos de divulgação de produtos eletrônicos, a empresa ganhou um
novo status em 1983, sendo avaliada por investidores em 1 milhão de dólares, atraindo mais de 200 parceiros de
negócio e 5.000 usuários de seus produtos. Segundo o jornalista, a empresa fazia parte da onda de
microcomputadores, em que usuários se interessavam tanto por microcomputadores, como por seus periféricos.
Na ocasião, a empresa fazia parte do grupo de empresas investidas por venture capital, formado por Hewlett-
Packard Co., Zilog Inc., Satellite Receiving Systems e Atari Corp, empresas com altas taxas de crescimento e
participação ativa de seus investidores. Para mais informações sobre a reportagem realizada pela Computer
World, consute:
<https://books.google.com/books?id=wFqbDqPhSMcC&lpg=RA1PA90&ots=iQev0dEQgo&pg=RA1-
PA90#v=onepage&q&f=false>. Último acesso: 30.01.2018.
43
Há de se ressaltar que a responsabilidade pela qualidade da informação obtida na
relação entre empreendedores e investidores também é do investidor. De maneira que o
sucesso inicial de um empreendimento ou indicadores positivos de crescimento não devem ser
suficientes para uma avaliação mais detalhada de investidores, em especial ao se levar em
consideração a sua rede de contatos junto às universidades, aos centros de pesquisa, às
empresas e às instituições financeiras.
2.1.3 Ativos Flexíveis
A disponibilidade de financiamento e as suas condições são influenciadas pelo
tipo de ativo que a empresa possui. Determinados tipos de financiadores prezam pela presença
de bens tangíveis para a concessão de financiamento, uma vez que são esses ativos que têm
uma maior liquidez para revenda em um mercado secundário.
Nesse sentido, os ativos da empresa de alto potencial de crescimento podem ser
divididos em duas espécies: os ativos físicos, tangíveis, tais como bens imóveis (e.g. casa,
prédios, conjuntos comerciais, etc.), bens móveis (e.g. máquinas, carros, ferramentas, etc.); e
os ativos flexíveis, intangíveis, como marcas registradas, patentes, direitos autorais, know-
how, programas de computador e outras espécies de conhecimento acumulado (GOMPERS;
LERNER, 2001, p. 34).
Enfatiza-se que, segundo Ribeiro e Tironi (2007, p. 7), os ativos intangíveis que já
desempenham um papel importante para empresas em uma economia baseada em informação,
em empresas com alto potencial de crescimento a sua relevância é ainda maior. Empresas que
recebem aportes financeiros na modalidade de venture capital costumam operar com poucos
ativos tangíveis (e.g. computadores, mesas, cadeiras, etc.), que não poderiam ser oferecidos
como garantias para obtenção de empréstimos bancários. São os ativos intangíveis
construídos pela empresa que depertam o interesse de investidores, que chamam atenção para
a realização de investimentos.
Para a concessão de um empréstimo, é comum que bancos exijam como garantia a
disponibilização de um bem, por exemplo, um carro ou uma casa. Na hipótese de
inadimplemento por parte do tomador, o Banco, mesmo que por um valor abaixo da avaliação
de mercado, terá condições de alienar o bem e recuperar, se não o valor total da dívida, parte
dele. Bancos comerciais e outras instituições financeiras já criaram diversas ferramentas para
44
avaliar a proporção entre valor solicitado para o financiamento e as garantias oferecidas que
resguardariam a transação.
Para investidores, ativos intangíveis podem ser definidos como bens e direitos
sem um lastro físico ou financeiro. Por essa razão, são de difícil identificação, mensuração e
gerenciamento (BLAIR; HOFFMAN; TAMBURO, 2001). Em muitos casos, não são sequer
incluídos em balanços ou demonstrativos financeiros até que possam ser considerados
patrimônios de uma empresa, por exemplo, quando a empresa obtém uma patente em seu
nome (LITAN; WALLISON, 2003).
A principal dificuldade de oferta de ativos intangíveis como garantia para
transações financeiras reside em sua avaliação. Diferente dos ativos tangíveis, os ativos
intangíveis são heterogêneos, não apresentando um mercado organizado para a sua
negociação (LITAN, WALLISON, 2003). A avaliação objetiva desses ativos é muito difícil,
uma vez que não há um conjunto de critérios amplamente aceitos e verificáveis por auditores
independentes que pudessem expressar o seu valor e servir como base para a sua venda
(RIBEIRO; TIRONI, 2007, p. 9).
Desse modo, segundo Teece (2000), há um conjunto de variáveis capazes de
diferenciar ativos intágíveis dos tangíveis, sendo elas: a exclusividade, a velocidade da
depreciação, os custos de transferência, a divulgação de seus atributos, a sua variedade e
extensão, o enforcement (coerção) de direitos de propriedade e a facilidade em reconhecer
oportunidades de transação a partir do ativo. A tabela abaixo apresenta essas variáveis a partir
da tangibilidade do ativo.
Tabela 2.2 Diferenças entre ativos tangíveis e intangíveis
Variável Ativos Intangíveis Ativos Tangíveis
Exclusividade Utilização por uma parte não
exclui a possibilidade de uso
por outra, salvo por proteção
legal.
Utilização por uma parte exclui
a possibilidade de uso por outra
parte.
Depreciação Não desgata, mas deprecia
rapidamente.
Desgasta, podendo depreciar
rápida ou lentamente.
Custos de Transferência Difícil definição Fácil de definir, dependente
apenas de uma avaliação de
custos (e.g. transporte)
Reconhecimento de
Oportunidade de Transação
Difícil Fácil
Divulgação de Atributos Relativamente difícil Relativamente fácil
Variedade Heterogêneos entre si Homogêneos entre si
Direitos de Propriedade Limitado (e.g. patentes, Amplo e relativamente claro
45
(Extensão) segredos industriais, etc.)
Direitos de Propriedade
(enforcement)
Relativamente difícil Relativamente fácil
Fonte: Adaptação de Teece (2000).
Quando tratamos de ativos intangíveis, não há a mesma liquidez para uma
possível revenda em um mercado secundário. A depender do tipo de ativo intangível e do seu
contexto, é possível afirmar que a sua revenda é praticamente impossível. Isso porque, quando
falamos de uma patente, por exemplo, podemos estar falando de apenas uma parcela de uma
tecnologia que pode ainda não ter sido concluída. Da mesma forma, quando estamos tratando
de conhecimento acumulado por parte de um grupo de funcionários de uma empresa nascente,
há dificuldades práticas de transmissão do conhecimento para outros profissionais e outras
empresas.
Ativos intangíveis ou flexíveis raramente dispõem de mercados capazes de
estipularem o seu valor, bem como de atores dispostos a adquiri-los. É claro que em alguns
casos é possível identificar o valor de ativos intangíveis, por exemplo, o valor da reputação de
uma marca consolidada no mercado, como o da Microsoft ou até mesmo da Netscape, durante
os anos de operação de seu navegador. Da mesma maneira, é possível também pensar em
cenários em que um conjunto de patentes que integram a tecnologia desenvolvida por uma
empresa possa ser objeto de interesse de potenciais compradores (GOMPERS; LERNER,
2001, p. 35).
A esse respeito, Blair, Hoffman e Tamburo (2001) diferenciam ainda os ativos
intangíveis passíveis de alienação por parte de empresas dos que não podem ser vendidos. Os
autores separam os ativos intangíveis em três grupos: (i) ativos passíveis de serem protegidos
por propriedade intelectual (e.g. patentes, desenhos de software, bancos de dados, etc.) ou
contratos (e.g. segredo comercial); (ii) ativos organizacionais ou estruturais (e.g. cultura
organizacional, procesoss de gestão, processos de pesquisa e desenvolvimento, sistemas de
comunicação, etc.); e (iii) capital humano e relacional (e.g. habilidades dos gestores, coesão
da equipe, conhecimento especializado, reputação, rede de relacionamentos, etc.). Enquanto o
primeiro grupo pode ser objeto de alienação por parte da empresa, mesmo que a negociação
seja difícil pelas características expostas, os outros dois grupos não são possíveis de serem
alienados pela empresa.
Nas empresas de alto potencial de crescimento, a construção do seu valor
depende da interação entre os seus ativos, em especial o conhecimento, as habilidades, a
experiência e as novas ideias de seus fundadores. Teece (2000) ressalta a importância da
46
construção da capacidade de utilização inteligente de ativos intangíveis em empresas com
perfil empreendedor, com especial atenção para os intangíveis passíveis de negociação, como
os de propriedade intelectual, passando pela reputação, pela rede de relacionamentos, pelas
habilidades dos gestores, dentre outros. O uso inteligente desses ativos pode servir como
catalizador do aumento do valor de mercado da empresa, desencadeando processos de
crescimento.
Sob tal enfoque, a questão no contexto do financiamento de empresas de alto
potencial de crescimento reside no fato de que a sua estrutura patrimonial, em especial nos
primeiros anos de sua operação, concentra-se eminentemente em ativos intangíveis. São raros
os casos em que uma startup pode dispor de ativos tangíveis e recorrer a fontes tradicionais de
financiamento de suas atividades, como bancos comerciais. O cenário mais comum é a forte
presença de ativos intangíveis, em muitos casos consistindo apenas de conhecimentos
acumulados por parte de seus fundadores e patentes ou pedidos de patentes (GOMPERS;
LERNER, 2001, p. 35).
Então, diferentemente de ativos tangíveis, em que bens similares (e.g. carros de
mesma marca e fabricados no mesmo ano) podem servir de referência para a estipulação de
um preço, é muito difícil estipular um preço para bens intangíveis. A patente conferida pela
identificação de um elemento químico que confere mais elasticidade a peças de vestuário
baseadas em algodão pode ter valor apenas se incorporada a outras patentes ou conhecimentos
sobre como integrar esse novo elemento aos processos de produção de roupas. Em muitos
casos, é difícil comparar patentes, uma vez que podem não haver outras soluções técnicas que
possam servir como substitutos.
Além disso, o valor de uma patente, de conhecimentos acumulados ou até mesmo
de uma marca está associado à reputação de um empreendedor ou de uma empresa com alto
potencial de crescimento. A desassociação entre o bem intangível e aqueles que o geraram
pode ter como consequência a perda de valor do bem. Por essa razão, são poucos os tipos de
investidores que estão dispostos a investir em empresas com a maior parte de sua estrutura
patrimonial concentrada em ativos flexíveis.
Mesmo com a existência de indicadores financeiros para avaliação de ativos
intangíveis, investidores tendem a considerar que a qualidade da informação prestada por
parte de empresas que buscam o financiamento de suas atividades é baixa. Na falta de
informação suficiente por parte de empreendedores, investidores buscam por sinais de que a
empresa oferece ao mercado (RIBEIRO, TIRONI, 2007, p. 12). Um exemplo desses sinais é
47
a disposição da equipe de empreendedores em reinvestir os primeiros retornos gerados pela
empresa no aprimoramento de sua tecnologia ou na distrubição de seus produtos.
Ao mesmo tempo, a presença de ativos flexíveis em uma empresa de alto
potencial de crescimento também pode sinalizar para a possibilidade de exploração de novos
mercados. Um bom exemplo disso é o caso da Genset, empresa da área de biotecnologia
discutida anteriormente.
Assim, Pascal Brandys e Marc Vasseur, fundadores da Genset, quando
ingressaram no campo da pesquisa genética ainda não eram capazes de mensurar quais seriam
os desdobramentos de suas descobertas. Após o lançamento do seu programa de pesquisa e a
divulgação de resultados preliminares, sinalizando para potenciais usos comerciais do PCR,
perceberam a importância de ingressar nesse campo em seus estágios iniciais. Os
conhecimentos acumulados pela pesquisa, os pedidos de patentes realizados, o interesse
gerado em investidores, foram indícios de que a empresa estava no caminho certo
(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 36).
Sendo a primeira empresa disposta a encontrar aplicações comerciais no campo da
genética, em especial realizando esforços de mapeamento e análises do genoma humano, o
conjunto de ativos intangíveis acumulados por ela a partir de sua fundação em 1989 colocou a
empresa em uma posição de destaque, recebendo um investimento de 2 milhões de dólares
após alguns meses de operação nos Estados Unidos da América (GOMPERS; LERNER,
2001, p. 37).
Em síntese, quanto maior a parcela da empresa estiver baseada em seus ativos
intangíveis, mais difícil será aferir o seu valor de mercado. As características dos ativos
flexíveis, a ausência de um mercado secundário, bem como a maior propersão de análises
equivocadas sobre o valor de ativos intangíveis, tornam o investimento em empresas de alto
potencial de crescimento um desafio para investidores. Em muitos casos, agentes econômicos
podem escolher não investir pela dificuldade em avaliar o valor desses ativos (RIBEIRO,
TIRONI, 2007, p. 12).
2.1.4 Volatilidade das condições de mercado
Os produtos e o mercado financeiro podem ser significativamente fluidos. A
oferta de capital feita por investidores públicos e privados e o custo da disponibilização desse
capital ao empreendedor podem variar dependendo do cenário econômico de um país, do grau
48
de instabilidade do seu quadro regulatório, das percepções dos investidores sobre
lucratividade futura, do número de investidores com atuação no país, dentre outros aspectos.
O interesse em um determinado segmento, bem como a disposição de dispender
recursos em empresas de um determinado setor pode mudar rapidamente. Um exemplo disso
foi o ciclo de euforia e frustração do final dos anos de 199022
com grandes investimentos
realizados em empresas de internet que atuavam com a criação de aplicações no formato
Business-to-Consumer (B2C) e Business-to-Business (B2B).
Em 199923
, foram realizadas 457 aberturas de capital de empresas nas Bolsas de
Valores dos Estados Unidos, dentre as quais 25% tiveram uma valorização de 100% do valor
de suas ações no primeiro dia de negociações. Em apenas dois anos, o número de empresas
abrindo o seu capital na Bolsa de Valores foi reduzido para 76 e mais da metade das empresas
que abriram seu capital em 1999 entraram com pedidos de falência nos Estados Unidos.
Empresas como a Pet.com, que havia captado 300 milhões de dólares em 1999, Go.com, que
havia captado 790 milhões no mesmo ano, E-toys.com, com uma captação de 247 milhões de
22
A crise ou bolha das empresas .com, ou também chamada de dot-com bubble, pode ser traduzida como um
período de excessiva especulação nas transações de títulos de empresas de internet em bolsas de valores nos
Estados Unidos da América entre os anos de 1997 e 2001. Empresas referidas como dot-com por sua relação
com o ambiente digital, passaram por processos de supervalorização de suas ações e posterior queda, levando
boa parte delas à falência. Um exemplo disso foi a empresa Cisco que no intervalo de poucos dias nos anos 2000
viu suas ações perderem 86% de seu valor. Empresas como Pets.com e Webvan entraram com pedidos de
falência no período, depois de terem captado centenas de milhares de dólares em suas ofertas iniciais de abertura
de capital. Na visão de John Cassidy (2003), a crise envolvendo as empresas dot-com foi resultado da excessiva
confiança de investidores nas oportunidades criadas por empresas na internet. Os resultados de investimentos de
venture capital no início dos anos de 1990, o furor criado por meios de comunicação sobre a revolução
tecnológica da nova rede, a redução da carga tributária sobre ganhos de investimento (Taxpayer Relief Act de
1997) disponibilizando mais recursos para investimento, criaram a receita para a formação de uma bolha
especulativa, em que investidores não avaliavam com detalhe o potencial de empresas nascentes, receosos que
pudessem perder uma oportunidade de investimento para um concorrente, e empresas nascentes captavam mais e
mais recursos do que o necessário ao seu crescimento, utilizando-os em muitos casos para benefício privado de
seus membros. Para um quadro mais detalhado sobre a crise das empresas dot-com, consulte: CASSIDY, John.
Dot.con: How America Lost its Mind and Money in the Internet Era. New York: Harper Perennial, 2003.
Consulte também: LOWENSTEIN, Roger. Origins of the Crash: The Great Bubble and its Undoing. London:
Penguin Books, 2004. 23
Os dados foram levantados pelo jornalista Bryan Martin da revista britânica Wired, em um balanço sobre quais
teriam sido as lições aprendidas com a crise das empresas dot-com no começo dos anos 2000. Na visão do
jornalista, mesmo que os prejuízos financeiros sofridos por empresas e investidores tenham sido
consideravelmente grandes, algumas das tecnologias de maior projeção nos dias atuais foram projetadas durante
o período. Empresas com modelos de negócio para a exploração de tecnologias como Voice over Internet
Protocol (VoIP) e tecnologias de análise de dados (e.g. Big Data) foram criadas em meio à crise e à redução
drástica da oferta de investimentos. Na ocasião, investidores de venture capital ainda dispostos a investir em
empresas da internet passaram a desenvolver mecanismos mais detalhados de seleção e avaliação de empresas e
passaram a recorrer mais a suas redes de especialistas para avaliar os potenciais comerciais dessa nova
tecnologia. O investimento na tecnologia pela tecnologia, presente no comportamento de investidores no final
dos anos de 1990, na visão do jornalista, foi gradativamente sendo substituído por ferramentas de avaliação de
sua receptividade pelo mercado. Para ler o artigo na íntegra, consulte: <
https://www.wired.com/insights/2013/08/tech-boom-2-0-lessons-learned-from-the-dot-com-crash/>. Último
acesso: 02.01.2018.
49
dólares, são exemplos de empresas que, em apenas dois anos, foram de casos de sucesso para
o encerramento total ou redução significativa de suas atividades.
A esse respeito, alguns autores (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003;
GOODNIGHT; GREEN, 2010) sugerem que uma das razões que explicaria a euforia de
investidores em torno das empresas de internet no final dos anos de 1990 (também referidas
como as Dot-Com) foi o ótimo retorno obtido por investidores de venture capital durante a
década. Esses bons resultados chamaram a atenção de investidores que atuavam em outras
áreas (e.g. imobiliária, energia, etc.), os quais migraram seus capitais para investir na nova
tendência, empresas de internet.
A grande disponibilidade de recursos e a disputa entre investidores para financiar
empresas promissoras, mesmo sem uma avaliação mais cuidadosa, fez com que diversos
empreendimentos que ainda não estavam prontos para abrir o seu capital (por exemplo, por
ainda não terem sequer faturamento) mostrassem-se frágeis e incapazes de sustentar o
crescimento extraordinário por eles esperado (LJUNGQVIST; WIKHELM, 2003).
Com a queda do preço das ações das empresas Dot-Com e, em alguns casos, com
pedidos de falência por parte de uma parcela delas, muitos dos investidores presentes no
financiamento de empresas nascentes no final da década de 1990 migraram para outros
mercados, afugentados pelo cenário de devastação de 2001. Mesmo nos casos em que
empresas nascentes demonstravam avanços no desenvolvimento de tecnologias que se
mostraram promissoras anos mais tarde, como VoIP (Voice over Internet Protocol), o que se
notou foi um cenário de redução drástica de investimentos marcado apenas pela atuação mais
tímida de investidores tradicionais do Vale do Silício e de Boston (GOODNIGHT; GREEN,
2010).
Com o passar do tempo e a criação de oportunidades em outros setores, como o
desenvolvimento de aplicações em computação em nuvem, aplicações para smartphones,
blockchain, inteligência artificial, dentre outros, os investimentos em empresas nascentes
foram retomando e até ultrapassando volumes de investimento vistos durante a década de
1990 (KLONOWSKI, 2018, p. 36).
2.2 Financiamento de Empresas de Alto Potencial de Crescimento
Entrepreneurial finance ou “finanças aplicadas ao empreendedorismo” é um dos
campos de estudo em administração de empresas que busca compreender como processos de
captação e alocação de recursos por parte de empreendimentos inovadores são capazes de
50
estimular o crescimento em empresas, ou seja, a criação de valor para os atores envolvidos e a
otimização da relação entre investidores e empreendedores. Em síntese, a área trata da
capacidade do empreendedor de obter recursos financeiros suficientes para financiar o seu
empreendimento (KLONOWSKI, 2018, p. 8).
Em uma perspectiva histórica, estudos na área de financiamento de empresas
enxergavam o empreendedorismo como um campo completamente distinto do financiamento
tradicional de empresas. As abordagens e ferramentas de análise de áreas como finanças e
gestão eram deixadas de lado para o estudo de projetos empreendedores, pois, tinha-se a
percepção de que os fenômenos seriam bastante diferentes (DENIS, 2004, p. 303).
A partir dos anos de 1980, houve uma aproximação entre os estudos de
financiamento tradicional de empresas com o campo do empreendedorismo, em especial a
partir da percepção de que iniciativas empreendedoras compartilham dois problemas
fundamentais presentes no financiamento tradicional de empresas: (i) a presença de assimetria
informacional; e (ii) dificuldades de alinhamento de interesses entre investidores e
empreendedores (DENIS, 2004, p. 303).
Dentre as questões que passaram a ser investigadas pelo campo, Thomas J.
Chemmanur e Paolo Fulghieri (2014, p. 3) destacam o debate sobre quais alternativas estão
disponíveis para o financiamento de empresas com alto potencial de crescimento. Além
desees, os autores ainda fazem referência aos debates sobre quais as vantagens e desvantagens
presentes em cada uma das fontes de financiamento e como uma fonte de capital pode ser
capaz de gerar ou destruir valor em uma empresa de alto potencial de crescimento.
Sob esse aspecto, o consenso reside no fato de que a captação de recursos na
empresa de alto potencial de crescimento é um fenômeno complexo e ainda não
suficientemente explorado (DENIS, 2004, p. 4). Assim, as incertezas apontadas por Freeman
e Soete (2008) presentes na evolução da empresa, bem como a presença majoritária de ativos
intangíveis, as mudanças nas condições de mercado, os problemas derivados da assimetria
informacional são dimensões relevantes que compõem o fenômeno, como discutido no item
anterior.
Mesmo que boa parte dos estudos recentes realizados no campo esteja
concentrada na avaliação dos impactos dos investimentos de venture capital em empresas de
alto potencial de crescimento, em tese, poderíamos tratar de múltiplas fontes de recursos para
as atividades de uma startup. Uma das mais comuns (embora pouco explorada pela literatura)
é a estratégia de financiamento com recursos próprios ou bootstrapping, em que o
51
financiamento da empresa nascente é realizado a partir de recursos gerados pela própria
empresa ou cedidos por familiares e amigos próximos (KLONOWSKI, 2018, p. 8).
Obviamente, cada uma das alternativas de financiamento das atividades da startup
terá limites próprios, relacionados às suas características. Desse modo, a utilização de
recursos próprios dependerá de um crescimento acelerado baseado na geração de receitas,
cenário que nem sempre se manifesta na trajetória da empresa. Da mesma forma, o
investimento anjo que é uma das alterantivas de financiamento de startups se mostra limitado
ao patrimônio e à disposição do investidor, ficando restrito a uma faixa de valores a serem
aportados na empresa.
Um dos desafios para a expansão dos estudos no financiamento de empresas
nascentes é a disponibilidade de dados sobre as fontes de financiamento (DENIS, 2004, p. 5;
CHEMMANUR; FULGHIERI, 2014, p. 4; KLONOWSKI, 2018, p. 11). Algumas das
alternativas de financiamento de empresas de alto potencial de crescimento, como o
investimento anjo, não dispõem de dados ou de estudos que descrevam com detalhe o seu
funcionamento ou o registro de suas operações. Em muitos casos, autores trabalham com
estimativas do que teria sido investido em startups que declararam que receberam
investimento em plataformas como chrunchbase, pitchbook e Transactional Track Record –
TTR (CHEMMANUR; FULGHIERI, 2014, p. 5).
A rigor, a captação de recursos financeiros por parte de uma empresa de alto
potencial de crescimento pode ser agrupada em três instrumentos: (i) subvenção; (ii) emissão
de dívida; e (iii) aquisição de participação societária na empresa investida. Será o perfil do
investidor, seus interesses, as características do ciclo de seu investimento, o tipo de retorno
almejado e o grau de intervenção no negócio da empresa investida que irão definir qual o
instrumento é mais adequado para a empresa nascente (GORINI; TORRES, 2016, p. 38).
No caso da subvenção, entidades governamentais formulam um programa de
incentivo a empresas de alto potencial de crescimento, na maior parte dos casos empresas de
base tecnológica, por meio da disponibilização de recursos financeiros como uma espécie de
doação com uma contrapartida indireta. A subvenção pode ser aplicada no custeio de
atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação de empresas brasileiras.
Nesse caso, os resultados obtidos a partir do financiamento não terão uma contrapartida
financeira para o governo ou até uma participação do governo na empresa tomadora dos
recursos (GORINI; TORRES, 2016, p. 135).
Um exemplo interessante de subvenção foi o programa Startup Brasil, criado em
2013 pelo governo federal brasileiro. Nesse programa, o governo federal disponibilizou
52
recursos financeiros para o custeio de ciclos de aceleração de empresas de alto potencial de
crescimento no Brasil, tendo como contrapartida os benefícios gerados pelo fomento de novos
negócios, tais como a criação de novas tecnologias, a possibilidade de geração de novos
postos de trabalho, dentre outros.
Destaca-se que a lógica de iniciativas de subvenção reside no potencial de valor
que a atividade subvencionada pode gerar para a sociedade. No programa Startup Brasil,
buscava-se o fomento de empresas com alto potencial de crescimento, tecnológicas ou não,
por meio do financiamento de ciclos de aceleração, pois, acreditava-se que esses ciclos
poderiam ser capazes de preparar essas empresas para uma trajetória de crescimento acelerado
ao longo dos anos seguintes.
Esse é um contexto bastante distinto das outras duas categorias de financiamento
de startups, os financiamentos realizados por emissão de dívida e os financiamentos
realizados por aquisição de participação societária. Em ambos os casos há uma contrapartida
direta que beneficia o financiador, variando apenas qual contrapartida será oferecida.
Ainda que seja uma alternativa potencial em estágios iniciais da formação da
empresa de alto potencial de crescimento, a subvenção não se mostra como alternativa
disponível no financiamento de fases posteriores de crescimento, como na sua fase de
expansão (GORINI; TORRES, 2016, p. 137). Além disso, a ausência de uma participação
ativa nos processos de tomada de decisão e, por consequência, no crescimento da startup
típica da subvenção governamental, distancia-se dessa opção de financiamento do objeto de
debate desse trabalho. Por essa razão, concentraremo-nos no financiamento por emissão de
dívida e o por meio da aquisição de participação societária.
Esclarece-se que, o financiamento por dívida e por participação societária, a
intervenção estatal pode se manifestar de diversas formas. A primeira delas é a regulatória,
em que são criadas as regras sobre constituição de empresas, requisitos e modos de
funcionamento, responsabilidade de seus integrantes, estrutura de tributação de suas
atividades, formas de proteção de seus ativos (tangíveis e intangíveis), dentre outras. A
segunda delas é a de fomento a atividades revestidas de interesse público, em que um governo
identifica um segmento (e.g. agricultura), uma categoria de empresas (e.g. empresas de base
tecnológica), uma atividade específica (e.g. pesquisa e desenvolvimento), para ofertar como
incentivos (financeiros ou não) que sejam capazes de encorajar agentes econômicos a se
comportarem conforme esperado pelo governo.
Além da dimensão regulatória, que desempenha um papel de controle sobre a
atuação dos agentes econômicos e pode conferir estabilidade para as transações, a atuação
53
estatal por meio da criação de políticas públicas e programas de incentivo ao financiamento
de empresas de alto potencial de crescimento pode reduzir o problema de escassez de capital
para o financiamento de etapas do crescimento dessas empresas, problema também chamado
de funding gap (SEOUDI, 2015, p. 32).
Ao lado das políticas públicas que buscam reduzir a escassez de recursos em
determinadas etapas do crescimento da startup, discute-se também qual é a modalidade de
financiamento mais adequada para a etapa de crescimento da empresa a ser investida. Dentro
da lógica de fomento estatal, cuida-se da possibilidade de que os programas públicos
incentivem que não só os capitais para investimento estejam disponíveis como também a
modalidade de investimento mais adequada seja ofertada para as empresas que mais precisam
(SEOUDI, 2015, p. 33), gerando efeitos positivos por toda a economia do país.
Entre a emissão de dívida e a aquisição de participação societária, podemos
verificar uma gama de fontes de capital, cada qual com sua estrutura própria de termos e
condições de financiamento. Darek Klonowski (2018, p. 10) cita quais delas se mostram mais
presentes no financiamento de empresas de alto potencial de crescimento: (i) aceleração24
(ii)
investimento anjo25
; (iii) financiamento coletivo com base em participação societária26
- equity
crowdfunding; (iv) capital semente27
(seed capital); (v) bancos comerciais; (vi) bancos de
investimento; (vii) bancos de desenvolvimento; (viii) programas governamentais de incentivo;
24
Aceleração de empresas nascentes é o processo pelo qual uma entidade, com ou sem finalidade lucrativa,
oferece um programa de capacitação da empresa nascente para que ela possa se preparar para receber
investimentos de investidores profissionais, como o venture capital ou o corporate venture. Os programas de
capacitação podem contar com a oferta de recursos financeiros ou não, tendo como contrapartida a aquisição de
participação na empresa nascente acelerada. A aceleração pode ser compreendida como uma espécie de escola
para empreendedores e empresa nascente, em que mentores e especialistas buscam preparar a empresa nascente
para a sua trajetória de crescimento, tendo como principal referência o financiamento a partir de fontes de capital
externas. Entre os programas de aceleração mais conhecidos no Brasil podemos citar o Startup Farm, Wayra e a
Artemisia. 25
O investidor anjo pode ser definido como a pessoa física que dispõe de capital para investir em empresas
nascentes de base tecnológica (ABDI, 2009, p. 15). O investimento pode ocorrer por meio da aquisição de uma
opção de compra de participação societária na empresa nascente ou da aquisição direta de participação por parte
do investidor, tornando-se sócio da empresa investida. O grau de participação do investidor poderá variar a
depender do seu perfil, sendo comum que os investidores que já empreenderam em outros momentos participem
com maior intensidade do desenvolvimento do empreendimento. 26
Equity crowdfunding é a modalidade de investimento que consiste na captação de recursos financeiros do
público em geral a partir de uma plataforma online para o seu investimento em uma empresa nascente. A
contrapartida para aquele que investiu recursos é a obtenção de participação societária no empreendimento. O
diferencial do equity crowdfunding é a presença de uma grande quantidade de investidores, por isso da tradução
investimento coletivo, pois é muito comum termos dezenas de pessoas oferecendo recursos em processos de
captação. 27
Capital semente pode ser definido como um investidor com recursos disponíveis para investir em empresas
nascentes de base tecnológica em sua fase de concepção ou durante a sua formação enquanto empresa. É muito
comum que essa modalidade de financiamento ofereça recursos para empresas nascentes realizarem pesquisas
sobre seus produtos ou serviços, bem como testes de conceito (ABDI, 2009, p. 15).
54
(ix) venture capital; (x) corporate venture28
; (xi) private equity; (xii) financiamento próprio -
bootstrapping29
; e (xiii) abertura de capital em bolsa de valores.
Dentre semelhanças e diferenças entre as fontes de capital, a tabela abaixo agrupa
cada uma delas a partir dos instrumentos financeiros utilizados. Uma diferença importante
para esse trabalho entre os financiadores é o seu grau de participação nas empresas
financiadas. Mesmo que na emissão de dívida seja possível a solicitação de informações,
produção de relatórios, participação em reuniões, dentre outras formas de participação, apenas
a aquisição de participação societária permite que o investidor participe de processos de
tomada de decisão da empresa investida, ampliando o tipo de participação que ele terá no
âmbito de seu investimento. Além dos recursos disponibilizados, há uma participação própria
nas escolhas que podem catalisar o crescimento da empresa objeto de investimento.
Tabela 2.3 Tipos de Financiamento & Fontes do Capital
Instrumento Fonte do Capital
Emissão de Dívida (Debt) Bancos Comerciais, Investimento e Desenvolvimento.
Participação Societária (Equity) Aceleração, crowdfunding, investimento anjo, fundos de
capital semente, venture capital, corporate venture, bancos
de investimento, private equity e bolsa de valores.
Subvenção Organizações não governamentais (ONGs), fundações
públicas e programas governamentais de incentivo.
Fonte: (GORINI; TORRES, 2016).
Contudo, não há como tratar as fontes de capital de maneira homogênea. Fontes
de capital de natureza semelhante, por exemplo, bancos, podem apresentar diferenças
significativas em relação aos seus produtos e condições de financiamento. A origem de seus
28
Corporate venture capital é definido como o investimento realizado pelo braço de investimento de uma
grande corporação em uma empresa nascente de base tecnológica. Para isso, a empresa de grande porte criar um
veículo próprio, como um fundo de investimento. O investimento pode servir como uma forma da empresa
identificar oportunidades desenvolvimento tecnológico externo a ela, contando com a total incorporação da
empresa investida no momento em que a tecnologia se mostra madura. Também pode servir como uma forma da
corporação diversificar os seus investimentos, tendo retornos financeiros extraordinários quando identifica uma
empresa que cresce rapidamente. Essa última faceta, a possibilidade de assimilação da empresa nascente
investida, é o que diferencia os investimentos realizados por fundos de corporate venture em comparação aos
realizados por fundos de venture capital, pois, no caso do venture capital, não há nenhuma intenção de
permanência do fundo, tendo um período planejado para o seu investimento (ABDI, 2009, p. 15). 29
Bootstraping pode ser definido como a modalidade de financiamento da empresa nascente de base tecnológica
que se baseia nos recursos que essa acumulou em sua trajetória de crescimento. Pode se dizer que é uma
estratégia da empresa nascente em crescer com a sua própria rentabilidade, podendo também contar com
recursos financeiros e bens dos sócios da empresa, utilizando o mínimo de recursos externos necessários para o
financiamento de suas atividades (ABDI, 2009, p. 15).
55
recursos, seus objetivos institucionais, seus deveres estatutários, dentre outros fatores podem
explicar as diferenças marcantes entre os produtos e serviços oferecidos por bancos
comerciais (e.g. Bradesco, Itaú, Santander, etc.) em relação aos oferecidos por um banco de
desenvolvimento (e.g. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES).
Além disso, bancos de desenvolvimento podem oferecer mais de uma forma de
financiamento para empresas de alto potencial de crescimento, atuando a partir de
instrumentos de dívida, como a linha de crédito MPME Inovadora oferecida pelo BNDES, ou
a partir da criação de fundos de investimentos dedicados ao financiamento via capital
semente, como as três gerações dos fundos de investimento CRIATEC. Dessa forma, a
depender das características peculiares do comportamento do agente financeiro, ele poderá
transitar entre as categorias mencionadas.
Enfatiza-se que o investimento anjo é definido como o aporte de recursos, sendo
realizado por uma pessoa física e não por uma empresa; seu principal intuito é o
financiamento de empresas com alto potencial de crescimento que estão em um estágio inicial
de desenvolvimento (CUMMING; JOHAN, 2009, p.11).
Por sua vez, o investimento de venture capital é estruturado a partir de veículos
de investimento (e.g. fundos, empresas offshore, etc.), os quais podem dispor tanto de
instrumentos de dívida, quanto da aquisição de participação societária direta, podendo
também financiar diversas etapas do crescimento da startup, sendo a mais comum a fase de
expansão (CUMMING; JOHAN, 2009, p.11). Os diferentes tipos de fontes de capital são
diferentes entre si, sendo necessária uma investigação sobre como cada uma delas se relaciona
com a trajetória de crescimento de startups.
Mesmo que estudos empíricos (HELLMANN, 2002; FULGHIERI; SEVILIR,
2009; CHEMMANUR; CHEN, 2014) tenham buscado definir qual alternativa de
financiamento seria a mais adequada para cada um dos momentos de crescimento da startup,
definindo uma posição de equilíbrio para a tomada de decisão do empreendedor, Thomas J.
Chemmanur e Paolo Fulghieri (2014, p. 3) apontam que os resultados ainda não são
satisfatórios, deixando margem para decisões estratégicas em cada caso concreto.
Dentre as alternativas mencionadas, a prática mais comum é o financiamento com
próprios recursos, em que a empresa reinveste receitas auferidas em seu exercício financeiro
anterior (MYERS; MAJLUF, 1984; MYERS, 2000). Entretanto, são poucos os casos em que
uma startup em seus estágios iniciais passa a gerar recursos suficientes para financiar o seu
crescimento. Diante disso, para as empresas que não conseguem se autofinanciar, a
56
disponibilização de capital se torna fator determinante para o financiamento de seu
crescimento (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 12).
É relevante o fato de que Stewart Myers (2000) sugere uma ordem de preferência
no financiamento das atividades de empresas de alto potencial de crescimento. O
financiamento com recursos próprios ocupa a primeira opção, é o menos custoso para a
empresa e já é um indicador de seu bom desenvolvimento. A emissão de dívida seria a
segunda opção, pois, mesmo que gere custos para a empresa, o credor não irá participar de
processos de tomada de decisão, deixando seus fundadores livres para escolher sobre a
condução de seu negócio. Como terceira opção, o autor sugere que o financiamento via
equity, aquisição de participação societária na empresa, é mais custosa que a emissão de
dívida, pois, além do custo financeiro, há o ingresso de um ou mais sócios na empresa
investida.
Por outra via, Mark Garmaise (2001), aponta que a ordem de preferência sugerida
por Myers se inverte quando o financiamento da startup é realizado por um investidor
especializado, alguém que detém conhecimento e experiência em um segmento específico,
que já tenha atuado em atividades como a comercialização de produtos ou serviços com as
mesma características daqueles vendidos pela empresa investida, dentre outras experiências.
A especialização do investidor se torna um diferencial para o processo de financiamento da
empresa investida. Além dos recursos financeiros disponibilizados, há uma contribuição
efetiva para o crescimento da empresa.
Na comparação entre os dois instrumentos de financiamento, pode-se afirmar que
a captação de recursos a partir da oferta de participação societária se mostra mais vantajosa
para a startup quando a participação do novo investidor for capaz de criar valor para ela,
auxiliá-la em atividades centrais como a comercialização de produtos, a sua organização
financeira, de modo a contribuir para crescimento da empresa. O binômio formado por
recursos financeiros e contribuição para o crescimento da empresa é chamado de smart Money
e, por essa razão, é apontado como uma boa estratégia de financiamento de startups
(CUMMING; JOHAN, 2009, p. 10).
Observa-se que Cosh et al. (2009) sugerem que a capacidade de uma startup ter
acesso a recursos financeiros de investidores especializados é influenciada pelo grau de
assimetria de informação em relação ao seu empreendimento. Informação de baixa qualidade
sobre a tecnologia desenvolvida, endividamento da empresa, perfil de seus empreendedores,
dentre outras, são alguns exemplos de assimetria de informação que podem estar presentes na
relação entre investidores e empreendedores.
57
Nessas situações, dois problemas surgem, o de seleção adversa e o de risco
moral. No primeiro caso, a baixa qualidade da informação oferecida pode elevar o prêmio
(retorno) exigido pelo investidor para disponibilizar os seus recursos para a startup. Empresas
com alto potencial de crescimento podem optar por não recorrer ao financiamento com
prêmios elevados, enquanto, empresas com perspectivas de crescimento mais tímidas estariam
mais dispostas a aceitar as condições oferecidas. No segundo caso, o elevado custo de capital
e a baixa qualidade das informações disponibilizados criariam incentivos para que
empreendedores agissem oportunisticamente, expropriando seus investidores (RIBEIRO;
TIRONI, 2007, p. 13).
Uma das formas de mitigação de cenários de assimetria informacional entre a
empresa e o seu financiador é o emprego de métodos de avaliação, como auditoria (due
diligence) da empresa, de seus ativos, da reputação de seus fundadores, dentre outros.
Todavia, não são todas as modalidades de investimento que estão dispostas a incorrer nos
custos do levantamento dessas informações (e.g. equipe especializada, tempo de reuniões,
custo, etc.), preferindo permanecer com prêmios maiores ou até não oferecendo
financiamento para determinandas empresas.
Alguns tipos de financiadores de empresas que baseiam o seu aporte de recursos
na obtenção de participação societária, como o venture capital ou o corporate venture, são
mais propensos a dispender recursos na obtenção de informações sobre a empresa alvo de
investimento, seus fundadores e sobre a tecnologia que está sendo desenvolvida. Já
investidores que estruturam sua operação na emissão de instrumentos de dívida, concentram-
se na análise da situação presente da empresa tomadora de recursos, restringindo o seu exame
ao quadro patrimonial do empreendimento, o grau de endividamento da empresa e de seus
sócios e as garantias oferecidas no pleito por recursos financeiros (KLONOWSKI, 2018, p.
8).
A maior parte dos bancos comerciais, por exemplo, exige garantias lastreadas em
ativos tangíveis ou em títulos financeiros, tendo uma preferência por projetos de menor risco,
com uma estrutura de pagamentos mensurável por parte do tomador. Empreendimentos sem
um histórico financeiro consistente, garantias em bens tangíveis ou a presença de investidores
com patrimônio (e.g. fiança ou aval) e boa reputação no mercado, têm poucas chances de
obter financiamento de bancos comerciais (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 12).
Dentre as fontes de financiamento apresentadas, o venture capital foi aquela que
se especializou em investir em condições de alta assimetria de informação, criando uma
metodologia de investimento que busca reduzir os efeitos dos problemas derivados da
58
assimetria informacional. O investidor de venture capital se mostrou mais apto a lidar com as
características próprias de empresas de alto potencial de cerscimento (CUMMING; JOHAN,
2009, p. 11).
Na comparação entre as fontes de capital, poucos estudos foram capazes de
analisar cada uma delas segundo sua extensão e importância para o desenvolvimento da
empresa de alto potencial de crescimento. Darek Klonowski (2018, p. 9) foi um dos autores
que procurou consolidar os estudos que buscaram realizar essa tarefa (BERGER; UNDELL,
1995; STEIER, 2003; CASSAR, 2004; COLOMBO; GRILLI, 2007; ROBB; ROBINSON,
2014) e propôs organizar as fontes de capital para startups a partir de posições em um gráfico
divido em dois eixos, o primeiro sendo o nível de assistência à startup, e o segundo sendo a
probabilidade de obtenção do financiamento da fonte de capital. O autor ainda estima o
volume de recursos disponibilizados para a empresa nascente pelo tamanho da representação
da fonte de recursos, conforme pode se verificar a partir da reprodução abaixo:
Gráfico 2.1 O Universo de opções de financiamento para a empresa nascente
Fonte: (KLONOWSKI, 2018, p. 9)
Como se pode observar no gráfico, nenhuma das fontes de capital se encontra no
que Darek Klonowski (2018, p. 9) denomina como “quadrante ideal”, em que a probabilidade
de obtenção do financiamento é alta, acompanhada de um elevado nível de participação do
Probabilidade de obtenção do financiamento
Nível de auxílio
Alta Baixa
Baixo
Alto
Bootstrapping
Crowdfunding
Quadrante Ideal
VC
CV
Bancos Incubação
Anjos
BV
Governo
59
investidor na empresa de alto potencial de crescimento. Há áreas do gráfico que ressaltam
quais são as fontes de financiamento que oferecem maior auxílio ao empreendedor,
destacando-se o corporate venture capital, o investimento anjo e o venture capital. Outras
áreas podem ser descritas como opções de financiamento com maior disponibilidade, porém,
com níveis baixos de envolvimento do investidor com o empreendimento.
Os diversos tamanhos das representações de cada uma das fontes de
financiamento representam uma estimativa feita pelo autor sobre o tamanho de cada uma das
fontes de capital. Quanto maior a figura representativa, maior a relevância do financiador para
a startup. Entre os financiadores externos, destacam-se os bancos, os investidores anjo e o
crowdfunding como as opções mais presentes no financiamento da empresa.
É importante destacar nesse ponto que a incubação, mesmo ocupando o quadrante
em que há uma alta probabilidade de obtenção de financiamento, não é uma fonte de capital
integralmente comparável às demais. Isso porque, na incubação, os valores destinados ao
custeio da infraestrutura de trabalho disponibilizada aos empreendedores são considerados
como disponibilização de capital, em muitos casos não havendo recursos financeiros
ingressando na empresa diretamente. Instituições que realizam atividades de incubação não
aportam recursos diretamente, mas sim pela disponibilização de serviços como telefone,
internet, luz, salas de trabalho, salas de reunião, dentre outras.
Nesse sentido, mesmo que em volume e disponibilidade de recursos essa
modalidade de financiamento seja relevante ao estudo do financiamento de atividades
empreendedoras, ela não é uma alternativa própria de financiamento da formação e do
crescimento de empresas de alto potencial de crescimento, mesmo que possa ter um papel
importante para a formação de seu time de empreendedores. Em nossa visão, a incubação
serve como infraestrutura de preparação para o empreendimento, como base para a formação
da empresa que irá crescer.
No quadrante de maior nível de auxílio à startup, destacam-se o investimento
anjo, o venture capital e o corporate venture como as fontes de capital mais recorrentes ao
financiamento da empresa. É interessante notar que o investimento anjo ocupa a posição mais
próxima do quadrante ideal, enquanto o corporate venture se localiza na posição de maior de
auxílio à startup, estando inclusive mais disponível para a empresa que o venture capital.
Na comparação entre o investimento anjo e o venture capital, nota-se que o
primeiro apresenta um equilíbrio maior entre o auxílio que disponibiliza para a empresa de
alto potencial de crescimento em seu desenvolvimento e a disponibilidade de seu capital ao
empreendedor. O investimento anjo seria, a partir do gráfico, a modalidade de financiamento
60
com maiores vantagens para o financiamento da startup. Todavia, o gráfico não revela
algumas das limitações dessa modalidade.
É necessário esclarecer que investidores anjo são pessoas físicas com
disponibilidade de recursos para realizar investimentos em empresas nascentes. Eles podem
ser divididos entre investidores anjo passivos, que pela pouca experiência no campo dos
negócios buscam investir como uma forma de diversificação de seus investimentos,
participando pouco das atividades da empresa investida, e os investidores anjo ativos, pessoas
físicas com experiência de investimento ou ex-empreendedores bem-sucedidos que tiveram
retornos extraordinários de empreendimentos anteriores (METRICK; YASUDA, 2011, p. 4).
Proporcionalmente, a presença de investidores anjo ativos é muito maior do que a
presença de investidores anjo passivos (METRICK; YASUDA, 2011, p. 4), mesmo que os
dados disponíveis sobre investidores anjo não sejam precisos em razão do grau de
informalidade que se encontra presente no setor. Investidores anjo passivos ingressam nesse
tipo de investimento a partir de grupos de investidores anjo mais experientes, que o chamam
para participar como uma forma de diversificação de seus investimentos, delegando
responsabilidades de monitoramento para outros investidores anjo. Por essa razão, nossas
atenções estarão dedicadas ao investidor anjo ativo.
Mesmo sendo muito presente no dia a dia da empresa investida, a capacidade de
investimento do investidor anjo é reduzida, se comparada com investidores profissionais de
maior porte como fundos de venture capital ou até fundos de corporate venture. A começar
pela capacidade de aporte de recursos que o investidor anjo tem condições de disponibilizar
para a empresa de alto potencial de crescimento. No Brasil, por exemplo, a quantia dispendida
por investidores anjo varia entre cinquenta mil reais e quinhentos mil reais, podendo ser feita
individualmente ou por um grupo de investidores anjo (GORINI; TORRES, 2016, p. 91).
O fôlego de um investidor anjo durante o financiamento das etapas de crescimento
da startup é significativamente menor do que o de investidores profissionais como os de
venture capital e corporate venture, sendo muito comum que o investidor anjo financie
apenas o estágio inicial de construção da empresa de alto potencial de crescimento
(CUMMING; JOHAN, 2009, p. 6).
A relação entre tipo de investidor e volume de capital disponível para
investimento é bastante diferente entre o investidor anjo, o venture capital e o corporate
venture. Enquanto nos Estados Unidos da América a Angel Capital Association30
estima que
30
Os dados apresentados fazem parte de estimativas realizadas por esta associação de investidores anjo e estão
disponíveis na página da Angel Capital Association, podendo ser consultados no link:
61
seriam 300 mil investidores anjo operando no país até 2016, com até um milhão de dólares de
recursos disponíveis para investimento em empresas nascentes, a National Venture Capital
Association31
aponta para a existência de 898 empresas de venture capital atuando no país,
com a constituição de 1.562 fundos de investimento e mais de 41.6 bilhões de dólares
captados para investimento no mesmo ano. Em média, cada fundo de investimento de venture
capital tem 50.8 milhões de dólares para investir em empresas nascentes, podendo fazer novas
captações para investimentos em empresas investidas que tenham superado suas expectativas
de crescimento.
Mesmo que o volume de investimento anjo no agregado seja maior do que o de
investimentos de venture capital e corporate venture, ele também é muito fragmentando, com
muitos investidores aportando um pequeno volume de recursos em cada operação. Nesse
sentido, a capacidade de investimento por operação do venture capital e do corporate venture
é muito maior do que a de um investidor anjo, em especial se forem consideradas as
necessidades de capital de uma empresa em sua fase de expansão.
A partir das diferenças entre as diversas fontes de capital, autores (GOMPERS;
LERNER, 2001; CUMMING; JOHAN, 2009; METRICK; YASUDA, 2011; KLONOWSKI,
2018) propõem que o financiamento da empresa de alto potencial de crescimento seja
realizado por etapas. Cada uma destas etapas terá uma fonte de capital adequada às
necessidades do momento de crescimento em que a empresa estará inserida e terá uma
dinâmica própria. O investimento anjo, por exemplo, seria a modalidade de financiamento
mais adequada para o estágio inicial das atividades da startup, enquanto o venture capital e o
corporate venture seriam modalidades de investimento para estágios mais avançados do
crescimento da empresa nascente, como a sua expansão no mercado. O quadro abaixo
sintetiza essa relação.
<https://www.angelcapitalassociation.org/faqs/#How%20many%20angel%20investors%20are%20there%20in%
20the%20U.S.>. Último acesso: 18.01.2018. 31
Os dados apresentados são resultado dos esforços de consolidação de informações sobre o setor de venture
capital nos Estados Unidos da América realizados pela National Venture Capital Association e publicados em
seu Yearbook de 2017, tendo todo o seu conteúdo disponibilizado no site da instituição:
<https://nvca.org/pressreleases/2017-nvca-yearbook-highlights-busy-year-venture-industry-nvca/>. Último
acesso: 18.01.2018.
62
Figura 2.1 Ciclos de aporte de capital por estágios de desenvolvimento da empresa nascente
Fonte: Adaptação realizada com base no quadro de (GORINI; TORRES, 2016, p. 80).
Essa ilustração apresenta a relação entre modalidades de investimento,
posicionado as fontes de capital em relação à trajetória de crescimento da startup. Os autores
(GORINI; TORRES, 2016) tomam o cuidado de não restringir as peculiaridades das
trajetórias de crescimento e do financiamento de empresas de alto potencial de crescimento ao
quadro proposto, ressaltam que a função do quadro reside na ideia de que tipos de investidor
podem ser mais vantajosos a depender do estágio de desenvolvimento da empresa.
Trajetórias de crescimento podem ser distinguidas entre os dois tipos de empresas
de alto potencial de crescimento. Empresas de base tecnológica podem ter ciclos de
crescimento mais alongados do que empresas exponenciais de oportunidade. O
desenvolvimento de uma nova tecnologia pode tomar mais tempo (e.g. pigmentos mais
resistentes a altas temperaturas) ou até a obtenção das autorizações para a introdução da
solução tecnológica no mercado (e.g. aprovação da autoridade sanitária do país). Os
investidores de cada tipo de empresa de alto potencial de crescimento incorporam o tempo de
cada ciclo, estruturando sua operação de investimento de acordo com essas características do
crescimento de cada empresa (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 7).
OPA
Grande Empresa
Venture Capital
Capital Semente
& Anjo
Capital Próprio
& Família e Amigos
Estágio Maduro
(Late Stage)
Consolidação
Expansão
Estágio Inicial
(Early Stage)
Empresa
Nascente
Tipo de Investidor Estágio de
Desenvolvimento
63
Além disso, no estágio de formação do empreendimento, em que há apenas ideias,
um esboço de projeto, um potencial de exploração de uma descoberta científica ou o embrião
de uma nova tecnologia, a estratégia mais comum de financiamento é o uso de recursos
próprios – boostraping, ou por recursos disponibilizados por familiares ou amigos próximos.
É natural nesse estágio que a maior parcela de recursos seja consumida sem a geração de
nenhum retorno financeiro (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 6).
Mesmo não estando representado no quadro de Gorini e Torres (2016), a inclusão
de recursos advindos de programas de incubação e de aceleração poderiam fazer parte dos
recursos utilizados para o crescimento da startup. No entanto, os autores apresentam uma
justificativa para essa omissão. Em sua visão, esses programas nem sempre aportam recursos
financeiros diretamente na empresa, conforme mencionado anteriormente, valendo-se mais da
oferta de infraestrutura e de programas de treinamento e capacitação para empreendedores.
Após a formação da empresa, inicia-se o financiamento de suas atividades
propriamente ditas. Essa fase é marcada pela disponibilização de porções pequenas de capital
por parte de investidores anjo e fundos de capital semente para que a empresa de alto
potencial de crescimento possa realizar atividades como a prova de conceito de seu produto
ou serviço (METRICK; YASUDA, 2011, p. 15).
A expectativa é que na fase inicial (early stage) a empresa de alto potencial de
cerscimento seja capaz de dar início a algumas ações como a construção de um protótipo, a
realização de estudos sobre o mercado em que irá atuar, a elaboração de seu plano de negócio,
a criação de metas e fluxos de trabalho para suas equipes, dentre outras iniciativas. Em alguns
casos, a empresa já pode ter introduzido o seu produto ou serviço no mercado, tendo realizado
estudos de viabilidade comercial e de receptividade do consumidor (METRICK; YASUDA,
2011, p. 15).
Fundos de capital semente buscam servir como um catalisador de oportunidades
para as empresas que já estão superando a sua fase inicial de desenvolvimento. Esses fundos
são especializados em investir em empresas que não estão completamente estruturadas, ainda
não possuem um planejamento completo ou seus produtos e serviços ainda não aptos a
alcançar o mercado. Eles são descritos como a base de sustentação para a realização de
investimentos futuros de investidores de maior porte (METRICK; YASUDA, 2011, p. 15).
Não por acaso, muitos investidores na modalidade de venture capital, como
Kleiner Perkins Caufield & Byers, SK Ventures, Redpoint Ventures, dentre outros, constituem
fundos de capital semente próprios, incorporando em sua estratégia veículos que sejam
capazes de viabilizar o amadurecimento de empresas de alto potencial de crescimento para
64
que possam receber investimentos deles no futuro. Adrian Lebherz (2010, p. 5) estima que os
investimentos nessa etapa variam entre 50 mil dólares e 500 mil dólares, podendo ser feitos
por um único agente ou por um grupo.
Após a estruturação da empresa e alcançadas, as primeiras metas de
desenvolvimento de produto, os estudos de viabilização e a organização financeira e
administrativa, inicia-se o financiamento de sua expansão, fase na qual a expectativa de seus
investidores é de que o seu crescimento seja acentuado. Nesta etapa, são os fundos de
investimento de venture capital e corporate venture que disponibilizam recursos para
financiar a comercialização de produtos, ajustes de ordem técnica, campanhas de marketing,
aquisição de empresas concorrentes, contratação de pessoal para setores estratégicos (e.g.
vendedores, desenvolvedores de software, etc.), dentre outras iniciativas (METRICK,
YASUDA, 2011, p. 15).
A entrada do investidor de venture capital insere uma nova dinâmica na trajetória
de crescimento da empresa. Mesmo com a parcela minoritária de participação no capital
social da empresa investida, o investidor de venture capital exige poderes para influir nos
processos de tomada de decisão da startup. Entre os poderes estão o direito de vetar decisões
que impactem a saúde financeira da empresa investida, o direito de acompanhar rodadas de
investimento no futuro, direitos de imposição de alienação total da empresa – drag along,
dentre outros (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).
Por meio da aquisição da participação minoritária na empresa, que pode variar de
um mínimo de 5% até alcançar 40% em casos raros, os investidores de venture capital
buscam ingressar na sociedade como sócios temporários, que terão uma função no
crescimento da empresa, mas não irão permanecer por tempo indefinido. A condição de sócio
do investidor serve apenas para a geração de retorno ao seu investimento e para isso irá se
resguardar a partir da criação de mecanismos contratuais de controle dos processos de tomada
de decisão de empreendedores (LEBHERZ, 2010, p. 4), que serão tratados com maior detalhe
no próximo item do presente capítulo.
Adrian Lebherz (2010) reforça o papel estratégico desses investidores. Segundo
esse pensamento, o ingresso de investidores de venture capital cria uma pressão para o
amadurecimento acelerado da empresa investida, desde a profissionalização de sua estrutura
até de sua gestão financeira. Além disso, o investimento de venture capital carrega consigo a
reputação do investidor, carregando a sua validação para o empreendimento, o que poderá
garantir acesso a serviços (e.g. linhas de crédito), fornecedores, clientes, entre outros atores
econômicos.
65
Mesmo considerando investidores anjo com ótima reputação, tendo sido muito
bem-sucedidos como empreendedores e até como investidores no financiamento de empresas,
a escala da rede de contatos de investidores de venture capital, bem como os benefícios que a
sua reputação podem trazer para a empresa (e.g. acesso a bancos de investimento) são
significativamente maiores (METRICK; YASUDA, 2011, p. 16).
É importante entender que a restrição de recursos de investidores anjo somada aos
efeitos da reputação de investidores de venture capital e corporate venture são apontados
como principais obstáculos para que o investimento anjo possa ocupar outro patamar no
financiamento de empresas nascentes. Iniciativas de associação entre investidores anjo e a
criação de fundos de investimento compostos apenas por investidores anjo são formas de
resposta a esses obstáculos. Os chamados de “super anjos”, pela ampliação de sua capacidade
de investimento, têm surgido como um novo ator para concorrer com os investidores de
venture capital e corporate venture no financiamento da fase de expansão da empresa
nascente.
Esclarece-se que crescimento não necessariamente é sinônimo de lucro nessa
etapa. Empresas de alto potencial de crescimento nessa fase podem apresentar indicadores de
crescimento relevantes, porém, podem ainda não oferecer retorno financeiro (e.g. dividendos)
aos seus sócios. Ao contrário, o cenário mais comum é que a empresa consuma a maior parte
de seus recursos reinvestindo em seu crescimento.
As duas últimas etapas, consolidação e estágio maduro (late stage), cumprem
funções similares para a análise do financiamento de empresas de alto potencial de
crescimento. Na hipótese de consolidação de um determinado segmento de mercado, uma
empresa de grande porte pode fazer uma oferta de aquisição da startup, adquirindo a
participação de todos os investidores das etapas anteriores, bem como dos empreendedores
presentes na empresa alvo da aquisição (METRICK; YASUDA, 2011, p. 16).
Nessa fase, a empresa passa a ser incorporada na estrutura da empresa de grande
porte, podendo, a depender do caso, ter maior ou menor autonomia para a realização de suas
atividades. Em alguns casos, a empresa adquirida pode até vir a ser comprada mesmo sem
faturamento, como no caso da aquisição do aplicativo Whatsapp pelo Facebook32
, em que o
32
Em 19 de fevereiro de 2014 a Facebook Inc. comunicou ao mercado a aquisição por 19 bilhões de dólares da
maior parte das ações da WhatsApp Inc., empresa responsável pelo desenvolvimento da aplicação de troca de
mensagens de mesmo nome. A aquisição fazia parte da estratégia de expansão das operações da empresa em
outros mercados, como Brasil e Índia, a partir da neutralização de um concorrente nos serviços de troca de
mensagens. Até a aquisição por parte da Facebook Inc., a WhatsApp Inc. custeava suas atividades a partir de
recursos disponibilizados por investidores de venture capital, em particular as empresas Sequoia Ventures
principal investidora da empresa nascente. Pelos cálculos da plataforma DealBook, a empresa obteve um retorno
66
Facebook adquiriu o Whatsapp por em razão de sua tecnologia de transmissão de dados e por
sua ampla base de usuários em alguns países como Brasil e Índia. Nesse caso, a rede social
líder no mercado mundial mesmo tendo adquirido a empresa manteve a sua estrutura de
funcionários, a integridade de sua tecnologia, influindo apenas na alteração de seu modelo de
negócio.
Por outra via, a uma opção possível é a empresa de alto potencial de crescimento
atingir o estágio de maturidade, em que se considera preparada para a realização da abertura
de seu capital em bolsa de valores. A Oferta Pública de Ações (OPA) é o mecanismo pelo
qual uma sociedade anônima ofereçe ao público a possibilidade de compra de uma parcela de
suas ações, permitindo que a empresa possa ter seus títulos negociados diariamente em uma
bolsa de valores. Essa decisão pode se dar diretamente, como resultado da vontade de seus
sócios, ou pode ser realizada de forma indireta, em que um fundo de private equity se
interessa pela aquisição da participação de outros investidores (e.g. venture capital) para a
realização da abertura de capital da empresa poucos anos mais tarde.
Em ambos os casos, a abertura do capital da empresa aponta para o fim da
trajetória específica, em que a empresa de alto potencial de crescimento já cresceu, não
podendo mais ser tratada como uma startup ou como uma “empresa nascente”. Há uma
sinalização de sucesso do empreendimento, em que houve a transformação de ideias e pessoas
em uma empresa apta a operar em uma Bolsa de Valores. O gráfico abaixo sintetiza esse
percurso, expondo de outra forma a relação entre estágios de crescimento da empresa
nascente suas fontes de capital.
de 50 vezes o seu capital investido na WhatsApp Inc. ao longo de quase quatro anos de investimento. No total, a
empresa investiu 60 milhões de dólares na WhatsApp Inc. tendo como retorno o equivalente a quase 3 bilhões de
dólares de retorno, divididos entre 2.3 bilhões em ações da Facebook Inc. e o restante em dinheiro. A Sequoia
Ventures é uma das empresas mais antigas de venture capital com atuação no Vale do Silício na Califórnia e
também é conhecida pelos investimentos bem-sucedidos em empresas como Apple, Google, Youtube, PayPal e
Yahoo. Para mais informações sobre a operação, consulte: <https://dealbook.nytimes.com/2014/02/20/in-
whatsapp-deal-sequoia-capital-may-make-50-times-its-money/>. Último acesso: 20.01.2018.
67
Gráfico 2.2 Fontes de Financiamento por Estágios de Crescimento da Empresa Nascente
Fonte: (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 7)
Diferentemente do quadro 1, o quadro 2 serve como representação da trajetória de
crescimento da empresa de alto potencial de crescimento, ressaltando a relação entre o
faturamento da empresa, como referencial de crescimento, e os investimento realizados ao
longo do tempo. No quadro 2, a trajetória de crescimento da empresa passa a ser dividida em
três fases: (i) a formação da empresa, com investimentos de amigos, familiares, anjos e capital
semente; (ii) o estágio inicial, com duas rodadas de investimento de venture capital; (iii)
estágio maduro, com duas outras rodadas de investimento realizadas por novos aportes de
venture capital, operações de aquisição da empresa nascente e até a abertura do capital da
empresa nascente.
Evidencia-se que Lebherz (2010, p. 6) aponta que cada momento descrito no
gráfico 2 pode ser traduzido a partir de expectativas comuns do financiador. O investidor de
capital semente, por exemplo, busca aportar recursos financeiros na empresa para o
desenvolvimento de um protótipo ou até uma prova de conceito, enquanto o investidor de
venture capital em seu primeiro aporte está interessado em financiar o ingresso da empresa no
Vale da Morte Tempo
Fat
ura
men
to
VCs, Fusões e Aquisições
Alianças Estratégicas
Estágio
Inicial
Estágio
Maduro
Mezanino
1ª
2ª
3ª
OPA
Bolsa de Valores Anjos, Familiares e
Amigos
Capital Semente
(Pode ser VC)
68
mercado, patrocinando, por exemplo, esforços de venda e produção. Nesse sentido, o tipo de
investidor importa para a avaliação da destinação dos recursos a serem empregados por
empreendedores na empresa. Dificilmente, um investidor de venture capital estará disposto a
aportar recursos em atividades que são comumente financiadas por investidores anjo ou
familiares de empreendedores.
Ao tratar do grau de especialização de investidores no ciclo de crescimento da
empresa, Lebherz divide as expectativas de investidores na trajetória de crescimento da
empresa em dois principais momentos: (i) o estágio inicial da empresa – early stage; e (ii) a
fase de expansão, posicionando os momentos de aporte de recursos presentes no gráfico 2 a
partir das atividades a serem financiadas. A tabela abaixo, elaborada pelo autor, é uma síntese
disso.
Tabela 2.4 Os seis estágios de financiamento da empresa nascente
Financiamento da fase inicial (early stage)
Capital semente (seed capital) Financiamento para o desenvolvimento de um protótipo ou
prova de conceito.
Formação da empresa nascente
(startup)
Recursos para o desenvolvimento do produto e para as
primeiras iniciativas de marketing sobre a empresa nascente.
1ª rodada de investimento (series A) Financiamento do início das vendas de produto e otimização
de processos de produção.
Financiamento da fase de expansão
2ª rodada de investimento (series B) Recursos disponibilizados para o custeio das atividades da
empresa nascente que ainda não é capaz de financiar o seu
crescimento, com a ampliação de sua infraestrutura física e
a contratação de novas equipes de trabalho.
3ª rodada de investimento (series
C)
Financiamento da aquisição de concorrentes, entrada em
outros mercados e expansão para outros países.
Abertura do capital da empresa
(OPA)
Recursos disponibilizados para a abertura do capital da
empresa nascente com a oferta de suas ações em uma
Bolsa de Valores.
Fonte: (LEBHERZ, 2010, p. 6)
A tabela se limita à 3ª rodada de investimento antes da abertura de capital, venda
estratégica ou qualquer outra forma de saída, mas não há um limite para o número de rodadas
de investimento no ciclo de crescimento da empresa. O número de rodadas, bem como os
valores investidos em cada uma delas se relaciona às características e necessidades do
empreendimento, bem como com à velocidade com que as metas previstas são atingidas
(METRICK; YASUDA, 2011). Não há uma fórmula para contagem de rodadas, bem como
não podemos apontar o limite de investimento realizado por rodada, tendo muitas vezes
referências apenas de operações que já foram realizadas.
69
Ademais, a lógica subjacente das rodadas de investimento reside na expectativa de
que seja possível a realização de uma progressão de valores aportados na empresa, indicando
que a cada rodada a empresa atingiu mais uma etapa de seu crescimento. Cada rodada de
investimento seria uma nova oportunidade para que investidores validassem a trajetória da
empresa e renovassem o seu envolvimento com o projeto, pondendo até ampliar seus
investimentos no empreendimento.
Durante o crescimento da empresa alvo de investimento, há uma relação
inversamente proporcial entre os novos investimentos realizados ao longo das rodadas e a
participação societária dos fundadores da empresa. No início, a participação dos fundadores é
majoritária, porém, o valor da empresa é baixo. Ao longo das rodadas de investimento o valor
da empresa aumenta e a participação de seus fundadores diminui. Dessa forma, a diluição da
participação societária de fundadores é uma decorrência do crescimento da empresa, todavia,
mesmo diluídos ao longo do processo de crescimento, o seu resultado financeiro ao final será
muito maior do que no início (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
Se no início de sua trajetória noventa e cinco por cento do capital da empresa
pertence aos seus fundadores, restando cinco por cento para familiares e amigos, momento
quando a empresa vale apenas alguns milhares de reais, após algumas rodadas de
investimento, a participação dos seus fundadores pode ser reduzida a vinte por cento do
capital, porém, a empresa poderá estar valendo alguns milhões de reais.
Com efeito, não serão todos os investidores que participarão das rodadas de
investimento. A tendência é que os investidores com maior volume de recursos (e.g. venture
capital) ocupem as posições mais avançadas na trajetória de crescimento da empresa e que os
investidores de menor porte (e.g. investidores anjo) sejam diluídos com empreendedores
rodada a rodada, podendo até ter as suas participações compradas por fundos de venture
capital quando forem investir. Bancos de investimento também passam a surgir a partir da 2ª
e 3ª rodadas de investimento, sendo trazidos pelo seu bom relacionamento com investidores
de venture capital (CUMMING; JOHAN, 2009, p. 15).
O financiamento da empresa de alto potencial de crescimento se encerra no
momento em que seus investidores são capazes de alienar as suas respectivas participações.
Isso não quer dizer que a empresa não poderá mais captar recursos externos para financiar
projetos e outras iniciativas. Ao final do financiamento, espera-se que a empresa já seja capaz
de caminhar com as suas próprias pernas, já esteja madura para não precisar do
aconselhamento de investidores, já disponha de uma estrutura profissional, organizada e
financeiramente transparente. Em suma, o financiamento da empresa finda quando a empresa
70
já não mais guarda as características e os desafios de uma empresa nascente, discutidas no
item anterior.
Em um cenário favorável, o encerramento do ciclo de investimento pode ocorrer
com a aquisição da empresa nascente por outra empresa ou com a abertura do capital da
empresa em bolsa de valores, em que o público irá adquirir a participação societária dos
investidores da empresa. Nesses casos, o investidor obterá o retorno esperado sobre o seu
investimento, podendo compensar outros investimentos que não foram capazes de trazer os
resultados projetados.
Em um cenário desfavorável, a empresa poderá ser obrigada pelos seus
investidores a adquirir a participação deles para a viabilização de suas respectivas saídas.
Nesses casos, a compra serve como um mecanismo de desinvestimento, em que investidor
não deseja mais permencer no empreendimento e cria as condições de alienar a sua
participação por uma venda simbólica, por exemplo, a 1 real. Nesse sentido, não há uma
busca por retorno, mas apenas um desvencelhamento do negócio.
Em uma perspectiva mais ampla, o investimento de venture capital, mesmo não
sendo a única fonte de capital externa para o financiamento da trajetória de crescimento da
empresa de alto potencial de crescimento, desempenha um papel central no financiamento de
parte desse ciclo, servindo como elo entre a formação da empresa e a sua autonomia no
mercado.
Nesse sentido, o venture capital, enquanto metodologia de investimento, é
apontado (GOMPERS; LERNER, 2001; CUMMING; JOHAN, 2009, LEBHERZ, 2010)
como uma das modalidades de investimento que melhor lida com as características de
empresas de alto potencial de crescimento, servindo como uma solução para problema de
financiamento – funding gap – dessas empresas, especializando-se em algumas fases do
crescimento do empreendimento, bem como servindo de polo de atração para outras
modalidades participarem desse ciclo.
2.3 A solução Venture Capital
Gestoras de recursos financeiros que investem no formato de venture capital têm
consciência de que o retorno sobre o seu investimento reside em sua capacidade de
identificação de empreendimentos promissores em seus estágios iniciais de desenvolvimento.
O ingresso de capital, o auxílio via compartilhamento de experiência e conhecimentos, o
acesso à rede de contatos, a reputação, são todos elementos que permitem que o venture
71
capital seja apontado como uma das principais modalidades de financiamento para empresas
de alto potencial de crescimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 42).
Diferentemente de outras alternativas de financiamento, como bancos, gestoras de
venture capital criaram um modelo de captação, gestão e emprego de recursos financeiros
especializado na coleta, análise e utilização de informações sobre oportunidades de mercado,
potencial de desenvolvimento tecnológico, organização e expansão empresarial e
identificação de empreendedores talentosos. Essas gestoras de recursos construíram um
modelo de investimento que une capital e aconselhamento, reputado como uma potencial
solução para o financiamento de empreendimentos frágeis em seus estágios inciais
(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 42).
Não por acaso, gestoras têm se especializado em determinados setores, nos quais
mantêm uma complexa rede de contatos, passando por especialistas na área tecnológica,
contatos com outras fontes de capital (e.g. bancos de investimento), fornecedores de serviços
(e.g. advogados, contadores, administradores, etc.), executivos de grandes empresas, dentre
outros. É na junção entre especialização e uma complexa rede de relacionamentos que o
venture capital se apresenta como a alternativa de financiamento adequada para dar conta dos
desafios enfrentados pelo empreendedor na construção de seu empreendimento.
No contexto de suas operações de investimento, o comportamento de gestora de
recursos pode ser dividida pelo menos seis estratégias que compõem a sua metodologia de
investimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 43): (i) minucioso processo de seleção e
auditoria de empresas antes da realização do investimento; (ii) financiamento estruturado a
partir de estágios; (iii) investimentos conjuntos – syndication investiment; (iv) estrutura de
remuneração baseada na performance das empresas investidas; (v) estipulação preferências e
instrumentos de resguardo; e (vi) participação nos órgãos de tomada de decisão da empresa
investida (e.g. Conselho de Administração).
Analisados em conjunto, o emprego dessas seis estratégias por parte de gestoras
confere a sua relação com a startup algumas vantagens. Em primeiro lugar, impõe a criação
de uma estrutura profissional para empresa investida e seus fundadores e demais
colaboradores, exigindo uma disciplina financeira, organização de rotinas, transparência nas
atividades, planejamento de médio e longo prazo e uma estratégia própria de remuneração
interna para a retenção de talentos. Em segundo lugar, essas estratégias também buscam
reduzir as incertezas presentes no investimento em empresas de alto potencial de crescimento,
em especial as que dizem respeito à assimetria de informação e mudanças no mercado.
72
2.3.1 Seleção e Auditoria
A primeira etapa no processo de investimento de venture capital é a seleção
cuidadosa de quais são empreendimentos com potencial de crescimento. É muito comum que
gestoras recebam dezenas de projetos e planos de negócio por mês, todos com diferentes
pleitos de financiamento. A escolha nesse vasto campo de possibilidades foi construída pela
metodologia de venture capital a partir de dois fatores: (i) especialização setorial; e (ii) rede
externa de especialistas.
Há uma característica observada em gestoras de recursos que investem no formato
de venture capital, especialização em determinados setores da economia de um país. A
experiência acumulada por meio da realização de investimentos pretéritos permite que o
investidor seja capaz de acompanhar fatores como a evolução tecnológica de um segmento,
habilitando-o a identificar oportunidades de investimento ao separar projetos promissores de
projetos pouco atrativos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 45).
Enfatiza-se que a Benchmark Capital, por exemplo, é uma gestora de venture
capital que se especializou em investir nos segmentos de comunicação, desenvolvimento de
softwares e construção de hardwares. Dado o seu histórico de investimentos bem sucedidos
em empresas desses setores no final dos anos de 1990, a empresa passou a restringir seus
investimentos em empresas que atuem nesses setores. Com o tempo, os sócios da gestora
passaram a se especializar na área, contratando profissionais para compor a sua equipe de
gestores com experiência e formação no que passou a ser o departamento de concentração dos
investimentos da gestora (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 45).
Hoje, dificilmente, projetos que não estejam no foco de atuação da gestora serão
selecionados para uma análise mais cuidadosa para a realização de investimentos. Na verdade,
a empresa já criou uma reputação associada aos setores mencionados, sendo consultada em
alguns casos para realizar avaliações para outras gestoras de venture capital que desejam
realizar um investimento em uma startup, mas ainda não estão seguras de que estão diante de
uma oportunidade, convidando a Benchmark Capital em muitos casos para compor um
investimento conjunto.
Outro fator relevante para o processo de escolha de um projeto é a inserção da
gestora de venture capital em uma rede de especialistas no setor em que pretende investir. É
natural e esperado que mesmo tendo acumulado experiência em determinados segmentos,
investidores de venture capital não tenham a capacidade de analisar detalhadamente os
potenciais de uma determinada tecnologia. Não é de se esperar que um investidor seja capaz
73
de criticar o desenho de um novo semicondutor ou o código de programação de uma aplicação
de internet. Por essa razão, é muito comum que empresas de venture capital construam redes
de contatos com universidades, centros de pesquisa governamentais, consultores, dentre
outros.
A proximidade com setores de pesquisa universitários é uma via de mão dupla,
pois, ao mesmo tempo que professores e pesquisadores são chamados para avaliar novas
tecnologias, comparar soluções técnicas, também podem apresentar projetos e planos de
negócio para empresas de venture capital (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 46). Em alguns
casos, como na construção do ecossistema de inovação do Vale do Silício, a aproximação
entre as universidades Stanford e Berkeley com investidores da região de Sand Hill foi capaz
de criar um fluxo contínuo de investimentos, gerando uma rede complexa de relações, da qual
iremos tratar no próximo capítulo.
Após a escolha da startup, inicia-se a análise minuciosa da empresa, de seus
fundadores, de seus potenciais concorrentes e da tecnologia que está em fase de
desenvolvimento. Esse é um dos momentos em que o venture capitalist (gestora) se vale de
sua rede de contatos de especialistas, os quais serão contratados para auxiliá-lo no campo
tecnológico, financeiro, contábil e jurídico para avaliar quais são os riscos e oportunidades
presentes ali (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 44).
Mesmo que a coleta de documentos e informações sobre um projeto seja
padronizada, a avaliação sobre qual empresa representa uma oportunidade de investimento
varia de investidor para investidor. Tom Perkins, co-fundador da Kleiner Perkins Caufeld &
Byers, consulta especialistas para verificar se já existem outras empresas desenvolvendo
tecnologias superiores ou se a tecnologia analisada é de titularidade de alguma outra empresa
ou indivíduo (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 47).
É relevante que Arthur Rock, um dos primeiros investidores de venture capital do
Vale do Silício, buscava se concentrar na análise da qualidade dos empreendedores que
estavam conduzindo o projeto. O investidor, famoso pelos seus sucessos na Intel, Apple
Computer, Scientific Data Systems, buscava conhecer os empreendedores, o seu histórico,
suas ideias, o seu grau de comprometimento com o projeto, sua visão para a empresa, sua
honestidade intelectual, as recomendações de pessoas que já haviam trabalhado com eles,
dentre outras informações. Para o investidor, a integridade pessoal e inteligência dos
empreendedores eram muito mais relevantes para a sua decisão de investimento do que
informações de mercado ou cenário tecnológico (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 48).
74
Em contrapartida, Don Valentine, fundador da Sequoia Capital, tem outra
abordagem. O seu foco de análise está nas condições de mercado para o ingresso de um novo
produto ou um novo serviço. O mercado é grande o suficiente para o novo produto ou
serviço? Ele irá se expandir? Há indícios de que consumidores serão receptivos com o
produto ou o serviço? A empresa conseguiu demonstrar que conseguirá explorar os mercados
mais promissores? São perguntas que o investidor já fez durante processos de seleção de
investimentos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 47).
A comparação entre as distintas formas de avaliação do potencial de crescimento
de empreendimentos também nos permite distinguir os dois tipos de empresas de alto
potencial de crescimento, a empresa de base tecnológica e a empresa exponencial de
oportunidade. O foco de avaliação de Tom Perkins, suas perguntas, busca por empresas em
que o principal catalizador do crescimento do empreendimento é o desenvolvimento
tecnológico, orientando a sua seleção para empresas de base tecnológica. Don Valentine, por
sua vez, sinaliza a sua predileção por empresas exponenciais de oportunidade, em que o
crescimento está voltado a identificação de oportunidades de mercado, a possibilidade de
exploração de uma falha ou um mal funcionamento de um determinado mercado.
Obviamente, essas distinções não são estanques. Tanto Tom Perkins, como Don
Valentine já realizaram investimentos em empresas com os dois perfis em suas gestoras,
porém, a descrição que oferecem sobre como identificam empreendimentos com potencial de
crescimento nos auxilia em uma melhor compreensão sobre o que é mais valorizado em cada
um dos tipos de empresas de alto potencial de crescimento.
Além disso, as diferenças na análise de projetos permitem também que
empreendedores e empresas com características distintas tenham a oportunidade de encontrar
um investidor que se aproxime de suas expectativas, que seja capaz de se envolver com o
projeto e contribuir para a sua evolução. Diferentemente das alternativas de financiamento
baseadas em dívida, focadas no binômio patrimônio-garantia, o investidor de venture capital
pode apresentar uma pluralidade de critérios de avaliação para um projeto.
No processo de exame da empresa selecionada, o investidor apresenta ao
empreendedor um term sheet, documento não vinculante que sintetiza os termos e condições
preliminares para a realização do investimento. No documento, o investidor expõe qual será a
estrutura da operação, as datas e prazos em que serão realizadas auditorias na empresa, a data
limite para a tomada de decisão sobre o investimento, dentre outras disposições (DE VRIES et
al.; 2016, Kindle Edition).
75
Um term sheet bem construído serve como um instrumento de alinhamento de
expectativas, no qual são delimitados os elementos essenciais para que a operação de
investimento possa ser realizada, bem como quais são os pontos de consenso e os de dissenso
entre investidores e empreendedores antes do dispêndio de recursos na concretização de um
investimento. Pode-se dizer que a elaboração de um term sheet permite que as partes
envolvidas possam compreender como cada uma delas vê o empreendimento e facilita o
processo de decisão sobre o investimento (DE VRIES et al., 2016, Kindle Edition).
A partir das avaliações e dos pareceres realizados por especialistas, a gestora terá
condições de decidir se vale a pena investir no projeto. Se a decisão for pelo investimento,
inicia-se a elaboração dos contratos entre o investidor e a empresa em que serão definidos os
estágios de investimentos, as metas a serem alcançadas, as penalidades pelo descumprimento
de disposições do acordo, dentre outras.
2.3.2 Financiamento por etapas
Uma das descrições mais comuns do investimento de venture capital é a de que é
um investimento que ocorre por meio de estágios (CUMMING; JOHAN, 2009; METRICK;
YASUDA, 2011; GERKEN; WHITTAKER, 2014; BAIRD, 2017). O financiamento por
etapas não se confunde com os estágios de financiamento. Estágios são os momentos de
crescimento da startup que podem ser financiados por diferentes perfis de investidores (e.g.
anjo, semente, venture capital, etc.). Financiamento por etapas é a realização de aportes de
recursos diferidos no tempo e condicionados ao cumprimento de objetivos pré-estabelecidos.
Em vez de oferecer à vista a totalidade dos recursos prometidos para o
financiamento do empreendimento, o venture capitalist organiza o seu investimento em
parcelas, divididas conforme as etapas de crescimento da empresa de alto potencial de
crescimento e suas necessidades específicas durante a condução do negócio.
Em um investimento de 1 milhão de dólares, por exemplo, a primeira parcela de
200 mil dólares estará associada ao desenvolvimento da versão beta do software da empresa
investida, ou até a criação de um protótipo de demonstração do produto em funcionamento. A
liberação de novas parcelas do financiamento de 1 milhão de dólares ficará condicionada à
entrega do que foi acertado entre as partes, bem como de uma avaliação da qualidade do que
foi entregue.
Os resultados apresentados nessa etapa condicionam as ações subsequentes do
investidor. Se a empresa de alto potencial de crescimento não apresentar o que foi pactuado
76
(por exemplo, uma versão beta de seu software), é provável que o investidor não prossiga
com o investimento ou reavalie o potencial da empresa, reduzindo a sua oferta de
investimento.
Na hipótese da entrega se dar de acordo com os parâmetros estipulados, o
investimento segue o seu curso programado contratualmente, sendo realizado o pagamento da
segunda parcela do financiamento para, por exemplo, o início de testes de usabilidade de um
software. Porém, se os resultados apresentados forem superiores aos projetados, é possível
que o investidor aumente a sua proposta de investimento na empresa, ampliando a sua
participação no empreendimento.
Nessa perspectiva, o financiamento por etapas oferece a oportunidade para que o
investidor possa diluir os riscos de perda de seus investimentos, uma vez que o valor
prometido para o investimento não necessariamente será disponibilizado à empresa
integralmente, ao mesmo tempo que a divisão de pagamentos permite que o investidor possa
monitorar a evolução tecnológica e organizacional da startup. Como a estratégia, a divisão do
financiamento por estapas desempenha um papel importante no controle de potenciais
conflitos entre empreendedores e investidores (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 48).
Dada à impossibilidade financeira do estabelecimento de um controle diário ou
semanal das empresas investidas, o investidor organiza a sua relação com a empresa a partir
de etapas de seu desenvolvimento, tendo períodos em que todas as suas atenções estarão
voltadas para a empresa investida e períodos em que o investidor poderá se dedicar ao
monitoramento das atividades de outras empresas investidas em seu portfólio.
A divisão do financiamento por etapas não implica uma padronização dos
períodos de investimento, ao contrário, cada um deles será avaliado de acordo com o
segmento, tecnologia e mercado em que a startup está inserida. O intervalo de tempo para o
desenvolvimento de um software será significativamente menor do que o tempo necessário
para realização do mapeamento genético de uma planta, reforçando a lógica de especialização
por parte de gestoras de venture capital (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).
Isso não significa que gestoras não realizem visitas esporádicas ou encontros com
as equipes de suas empresas investidas. Ao contrário, quanto melhores forem os resultados
apresentados em cada uma das etapas de desenvolvimento da empresa, mais frequente serão
as visitas de membros da equipe de investidores. Outro momento em que as visitas passam a
ser frequentes são os momentos de crise da empresa investida. Investidores, buscando reduzir
as suas perdas, ampliam a sua presença na empresa com dificuldades, desenhando cenários
para a recuperação do seu investimento (e.g. alienação de patentes) ou até a liquidação de seu
77
investimento por um preço irrisório – write-off (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle
Edition).
Empresas de alto potencial de crescimento que apresentem os resultados
esperados, mas falhem ao oferecer as informações solicitadas pelo investidor passam a ser
monitoradas com maior frequência. Os períodos de avaliação são reduzidos, as etapas passam
a ser condicionadas não apenas por entregas de protótipos, mas também de documentos de
ordem financeira e contábil. O principal receio por parte dos investidores é que, mesmo que a
empresa esteja evoluindo no âmbito tecnológico, a falta de uma organização financeira pode
prejudicar o seu crescimento no futuro (GERKEN; WHITTAKER, 2014, Kindle Edition).
É muito comum também que empreendedores na condução de seu negócio optem
por investir os recursos disponibilizados pelo investidor de forma diferente do que ele
recomendaria. Aquisição de máquinas e ferramentas de última geração, gastos com viagens
para prospecção de novas tecnologias, expansão da estrutura física da empresa, são decisões
que podem não estar alinhadas com as expectativas do investidor. A divisão por etapas serve
como forma de incentivar a convergência de comportamentos.
Isso ocorre porque, mesmo que o investidor não tente interferir na
discricionariedade das decisões tecnológicas da empesa investida, a organização de sua
estratégia de monitoramento por meio de etapas de avaliação de desempenho da empresa,
bem como a consulta a sua rede de especialistas serão utilizadas como forma de controle
sobre o seu investimento, tendo em vista o cumprimento de seus deveres fiduciários frente aos
seus limited partners – investidores de origem (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 50).
2.3.3 Investimentos conjuntos
Syndication, junção de investidores para a realização de um investimento conjunto
em uma determinada empresa, é um fenômeno muito comum no contexto do venture capital,
servindo como forma de gestoras de recursos diversificarem os seus investimentos, diluírem
os riscos presentes em cada uma de suas operações, bem como de ampliar as suas chances
obtenção de retorno a partir de seus investimentos (BYGRAVE, 1987; LERNER, 1994;
LOCKET; WRIGHT, 2001; DIMOV; MILANOV, 2010).
Enquanto prática de investimento de venture capital, o fenômeno de syndication
ocorre quando duas ou mais empresas de venture capital adquirem igual participação em uma
empresa investida e compartilham as responsabilidades e os resultados do seu investimento.
78
Para garantir que as gestoras estarão alinhadas entre si, o seu investimento em uma startup é
precedido pela celebração de um acordo de investimento entre as gestoras, estabelecendo as
condições em que a sua participação se dará na startup investida e como as investidoras irão
repartir os resultados de seu investimento (LOCKET;WRIGHT, 2001, p. 375).
Tradicionalmente, a junção de investidores para a realização de um investimento
em conjunto é vista como uma forma de diluição de riscos por meio da diversificação das
empresas investidas, entretanto, no contexto de investimentos de venture capital, também
pode ser encarada como uma resposta à necessidade de ter acesso a mais informações em um
determinado segmento, bem como compartilhar contatos em redes de relacionamento com
universidades, bancos de investimento, escritórios de advocacia, consultorias financeiras,
dentre outros (BYGRAVE, 1987, p. 140; LOCKET; WRIGHT, 2001, p. 376; DIMOV;
MILANOV, 2010, p. 332).
O compartilhamento de informações e a presença de mais de um investidor
qualifica o processo de auditoria realizado na empresa investida, uma vez que permite que os
investidores tenham um universo maior de comparações entre a startup e outras empresas que
façam parte do portfólio dos investidores, bem como permite que o monitoramento das etapas
e das atividades da empresa investida sejam realizadas por mais de uma gestora, reforçando os
incentivos presentes para a convergência de expectativas entre empreendedores e investidores
(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 51).
Outra consequência do investimento conjunto é o fortalecimento dos laços entre
gestoras de venture capital e uma forma de compartilhamento de práticas e rotinas de
investimento. Cada gestora de venture capital carrega consigo toda a sua rede e experiência
acumulada de investimentos anteriores, permitindo que alianças estratégicas possam ser
formadas (DIMOV; MILANOV, 2010, p. 333).
Investidores menos experientes, por exemplo, com um pequeno número de
operações realizadas enxergam no investimento em parceria com gestoras de maior
experiência e ótima reputação no mercado a oportunidade de ampliar os seus investimentos,
mesmo que ao custo de redução de potenciais retornos (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 52).
Destaca-se que Kleiner Perkins Caufield & Byers foi uma das primeiras gestoras
de venture capital a realizar investimentos conjuntos no final dos anos de 1970. Em cada uma
das oportunidades a empresa buscava formar alianças para ingressar em um novo mercado e
depois para consolidar-se no mercado à espera de novas oportunidades. Boa parte dos seus
parceiros de investimento aproveitaram as oportunidades de investimento conjunto para
ajustar seus modelos de investimento e ampliar suas redes de relacionamento a partir dos
79
contatos disponibilizados pela Kleiner Perkins Caufield & Byers (GOMPERS, LERNER,
2001, p. 53).
A Softbank é um bom exemplo disso. Ingressou no mercado na metade dos anos
de 1990 com investimentos em startups que desenvolviam soluções para internet, tendo feito
investimentos bem-sucedidos no formato de syndication em diversas empresas, destacando-se
a Yahoo!, US Web, Verisign e eLoan. Além dos seus resultados positivos, esses investimentos
serviram como aprendizado e estratégia de construção de sua reputação no mercado. Para
além do financiamento oferecido pela Sofbank, empresas de alto potencial de crescimento
buscavam no investidor a possibilidade de acesso a empresas líderes de mercado, como a
Yahoo!, ou o selo de validação no mercado de um investidor que já havia sido bem-sucedido
em outras operações de investimento (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 53).
2.3.4 Remuneração
Em gestoras de venture capital a estrutura de remuneração do gestor está
orientada ao resultado trazido aos seus investidores originários (e.g. fundos de pensão, family
offices, fundos de endownment, bancos de desenvolvimento, etc.), também referidos como
limited partners. Como gestores dos recursos financeiros disponibilizados por investidores
originários, os gestores têm como dever fiduciário33
de maximização do retorno sob o capital
investido. Todavia, os investidores originários não dispõem de mecanismos de monitoramento
das atividades dos gestores de seu capital, depositando sua confiança nos momentos de
prestação de contas anuais ou até aguardando o fim do ciclo de investimento para verificar
qual foi o retorno obtido (GOMPERS; LERNER; 2001, p. 54).
Por essa razão, a estrutura de remuneração de gestoras é encarada como uma
ferramenta de alinhamento de expectativas entre os investidores originários e os gestores de
seus recursos. Por essa razão, a maior parte da remuneração oferecida às gestoras baseia-se
em uma participação sobre os resultados agregados obtidos nos investimentos em empresas
33
Nos Estados Unidos, dever fiduciário ou fiduciary duty é definido como uma obrigação que uma parte tem de
zelar pelo melhor interesse de uma outra parte, empregando esforços e cuidados para que ela não seja
prejudicada. No contexto de investimentos de venture capital, este é o dever que o gestor de um fundo tem
perante os seus investidores, pessoas que disponibilizaram os seus recursos para o investimento em empresas
nascentes de base tecnológica e esperam o maior retorno possível sobre o seu investimento. Qualquer ação por
parte do gestor de recursos que possa ser interpretada como prejudicial à maximização do retorno sobre o
investimento realizado, como a recusa de uma oferta de compra da empresa nascente por parte do gestor, pode
gerar a responsabilização do gestor e o pagamento de uma indenização aos investidores. Para maior
aprofundamento, conferir o dicionário jurídico da Cornell University, disponível em:
<https://www.law.cornell.edu/wex/fiduciary_duty>. Último acesso: 07.02.2018.
80
investidas (SAHLMAN, 1990, p. 491; GOMPERS; LERNER; 2001, p. 54; DE VRIES; VAN
LOON, 2016, Kindle Edition).
Desse modo, a metodologia de organização de investimentos de venture capital
estrutura a remuneração de gestores de duas formas: (i) um pagamento fixo anual,
remunerando as suas atividades de gestão de recursos financeiros; e (ii) um percentual de
participação nos resultados obtidos após os investimentos realizados, remunerando os seus
esforços de maximização do retorno sobre o investimento realizado pelos investidores
originários (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
No pagamento fixo anual, o valor é fixado com base em um percentual sobre todo
o capital administrado pelo venture capitalist, que, a depender do gestor e do perfil do
investidor originário, pode variar entre 1.5 e 3%. Já a remuneração baseada na participaçãodo
gestor sobre os resultados no investimento correspondem a 20% do retorno obtido no total dos
investimentos realizados (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
Mesmo que a estrutura de remuneração tenha se mantido estável desde os anos de
1970, a parcela de participação dos gestores sobre o resultado obtido variou nos últimos anos,
ampliando a participação dos investidores originários nos resultados obtidos. Em 1980, por
exemplo, o percentual de participação nos resultados obtidos pelos investimentos realizados
era em média de 60%, restando 40% de participação para os investidores originários. Em
1992, essa proporção se inverteu, passando para os patamares atuais de 20% para os venture
capitalists e 80% para os investidores originários (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle
Edition).
Segundo Paul A. Gompers e Josh Lerner (2006, Kindle Edition), as variações na
participação sobre o resultado do investimento respondem a dois momentos distintos da
evolução do investimento de venture capital, o aumento da concorrência entre gestoras de
venture capital a partir dos anos de 1980 e a ampliação dos valores fixos pagos a título de
administração dos recursos disponibilizados para investimento. Na visão dos autores, o
crescimento do número de gestoras de venture capital buscando por captação de recursos no
mercado alterou as condições de remuneração dos gestores, criando o modelo que temos
atualmente.
Mesmo nos momentos em que o retorno esperado não se concretizava ao final do
ciclo de investimento em startups, como no caso da crise das empresas dot-com no começo
dos anos 2000, a proporção de 80-20 na participação sobre o resultado nos investimentos
realizados se manteve como modelo que melhor se alinha aos interesse entre investidores
originários e o gestores de recursos (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
81
Uma lógica muito semelhante de remuneração é aplicada por gestores em sua
relação com os empreendedores em empresas investidas. Nas negociações que antecedem o
ingresso do investidor na startup um dos tópicos tratados é a remuneração dos membros
atuais da empresa e a construção de uma política de remuneração para futuros ingressantes.
Neste momento, o investidor busca reduzir ao mínimo a remuneração fixa (e.g. pró-labore,
salário, etc.) e aumentar ao máximo a remuneração variável (e.g. stock-option, vesting, etc.)
de empreendedores e outros membros da empresa investida (GOMPERS; LERNER, 2001, p.
54).
Além disso, gestores também buscam utilizar instrumentos de remuneração
variável, como stock options34
, como ferramenta de retenção de empreendedores talentosos,
criando disposições contratuais que permitam que na hipótese de sua saída da empresa ele
perca a sua participação societária futura (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 54).
Outra disposição que impacta a remuneração do empreendedor na empresa
investida é a possibilidade de diluição da participação societária de seus fundadores quando os
objetivos traçados em uma das etapas do investimento não são alcançados. Como forma de
sanção aos empreendedores, o gestor prevê contratualmente a possibilidade de que se as
metas traçadas não forem alcançadas, um novo investimento de sua parte só irá ocorrer se a
participação de empreendedores for reduzida, passando parte dela para o investidor (DE
VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
Esses mecanismos contratuais conferem maior controle do investidor sobre os
empreendedores na empresa de alto potencial de crescimento, criando incentivos para que as
metas de desenvolvimento tecnológico, por exemplo, sejam cumpridas. Nenhum
empreendedor deseja perder parte de sua participação no empreendimento que criou em razão
do não cumprimento de objetivos que ele mesmo concordou em perseguir.
2.3.5 Preferências e Instrumentos de Resguardo
Preocupados com as incertezas que circundam o crescimento da startup, gestoras
buscam incluir direitos de preferência e privilégios de pagamentos em seus contratos de
investimento. Esta prática almeja, a um só tempo, priorizar o pagamento para a gestora de
34
Stock Option ou opção de compra de participação societária pode ser definida como o contrato entre duas ou
mais partes que confere o direito a uma delas de adquirir participação de uma empresa em data futura por um
preço pré-definido em data presente. O titular deste direito de aquisição poderá exercê-lo ou não, dependendo
exclusivamente de sua vontade e disponibilidade de capital para o pagamento do valor pré-definido (ABDI,
2009, p. 15).
82
venture capital na hipótese de venda da startup para um terceiro, estabelecendo uma ordem de
recebimento de valores em que a gestora seja a primeira a receber, da mesma forma que serve
como tentativa de reduzir potenciais perdas na hipótese do empreendimento não evoluir da
forma esperada, sendo encerrado e tendo os seus bens e direitos liquidados no mercado, em
que novamente a gestora terá prioridade na ordem de pagamentos (GOMPERS; LERNER,
2001, p. 55).
Um exemplo de preferência conferida à gestora em seus acordos de investimento
com a empresa investida são os convertible preferred equity ou convertible debt, contratos
que preveem a possibilidade de um aporte de recursos ser realizado por meio da constituição
de uma dívida em favor da gestora, que poderá ter a opção de conversão de seu crédito em
participação na startup. Esse contrato, nos Estados Unidos da América, também permite que a
gestora ganhe prioridade na ordem de pagamentos a ser realizada na hipótese de a empresa
investida não prosperar e de ter que liquidar os seus bens para ressarcir parcialmente seus
investidores (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 56).
Esse tipo de preferência nem sempre é autorizado por ordenamentos jurídicos, não
deixando margem para a estipulação contratual do investidor. No Brasil, por exemplo, a
estipulação de uma ordem de preferência só é possível nos cenários em que a empresa está
prosperando e recebe uma oferta de compra, não sendo possível o estabelecimento de
privilégios na ordem de pagamentos quando a empresa está em crise. A Lei n.º 11.101, de 9
de fevereiro de 2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial), em seu artigo 83 classifica os
tipos de crédito e estabelece a ordem obrigatória de pagamentos a ser realizada quando a
empresa enfrenta uma crise financeira que a submete à uma recuperação judicial ou até a sua
falência.
No caso particular da convertible debt o investidor detém uma dívida conversível
em participação societária frente à empresa investida, em que ele poderá executar como um
crédito se não estiver satisfeito com o desempenho da startup, a qual será devedora de uma
parcela paga no âmbito do investimento ou o investidor poderá, caso a empresa esteja
cumprindo as metas estipuladas, converter a sua dívida em participação societária na empresa
investida, tornando-se sócio ou ampliando a sua participação anterior (DE VRIES; VAN
LOON, 2016, Kindle Edition).
Outra disposição presente nos contratos de investimento são as proteções
antidiluição para a gestora. Essas proteções estabelecem uma proibição a qualquer
empreendedor de vender uma participação societária sua na startup para terceiros em
83
condições diferentes às que foram estipuladas aos investidores, mesmo que esses ainda não
tenham ingressado formalmente na sociedade, sendo apenas credores dela (convertible debt).
Um diretor da startup não poderá oferecer a um amigo, familiar ou a outros
investidores uma participação na empresa investida com um preço menor do que o que foi
pago ao investidor de venture capital, bem como não poderá estipular preferências no
pagamento de dividendos especiais para novos ingressantes, dentre outros direitos que
colocariam o investidor de venture capital em uma situação desfavorável em relação a esses
novos ingressantes (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
Ao lado das restrições ao tratamento diferenciado de novos ingressantes, gestoras
incluem em seus acordos de investimento disposições que exigem a sua aprovação para a
alienação de bens da startup, como por exemplo, patentes e direitos autorais. Previsões como
essa são limitações impostas pelo investidor para reduzir os riscos de decisões de
empreendedores que favoreçam apenas o seu benefício privado em detrimento ao projeto de
crescimento da empresa, bem como servem como instrumento de controle para o investidor,
uma vez que esse não está presente no dia a dia das atividades da empresa (GOMPERS;
LERNER, 2001, p. 56).
Contratos de investimento de venture capital também incluem os chamados
redemption rights obrigatórios (direitos de reembolso ou resgate), em que a gestora de venture
capital pode impor que a empresa nascente seja vendida para outra empresa ou até seja parte
de uma operação de fusão, mesmo que a contragosto de seus fundadores ou outros sócios da
empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
Juridicamente, o termo redemption rights se refere ao dever da startup em
recomprar a participação societária do investidor após um período de tempo, em média de 5 a
7 anos, a partir de um valor fixado no começo da operação de investimento. A disposição
pode também servir como forma de recuperar parte dos valores investidos na hipótese de crise
da empresa investida, contudo, é mais utilizada para forçar a saída de um investidor que não
está mais interessado em permanecer na empresa (DE VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle
Edition).
Do ponto de vista da startup, redemption rights não são uma boa alternativa, uma
vez que em muitos casos a empresa pode não dispor de recursos financeiros em caixa para
realizar a aquisição, tendo que adquirir um passivo grande, capaz de prejudicar a continuidade
do seu crescimento. Em muitos casos, uma vez ativada a previsão de redemption rights,
empreendedores passam a buscar ou ser mais favoráveis a alternativas como a venda da
empresa investida ou fusão com outras empresas.
84
A presença de instrumentos de preferência ao investidor transfere parte dos riscos
associados ao insucesso da empresa investida para seus fundadores. Ao mesmo tempo, os
privilégios de preferência podem reduzir comportamentos oportunistas por parte do
empreendedor, como, por exemplo, a recusa de repasse de valores ao investidor em razão de
controvérsias sobre o preço a ser pago por sua participação na empresa em uma hipótese de
venda dela.
2.3.6 Participação em Órgãos Decisórios
A participação em órgãos de tomada de decisão da empresa investida cumpre um
duplo papel na metodologia de investimento de venture capital, contribuir para que decisões
corretas possam ser tomadas em um cenário de incertezas e evitar que decisões equivocadas
possam ser tomadas ou que até gerem efeitos por muito tempo, podendo comprometer o
crescimento da startup.
Então, órgãos de tomada de decisão na empresa de alto potencial de crescimento
podem ser considerados o seu sistema nervoso central, dispondo sobre o seu planejamento,
contratações, investimentos, dentre outras decisões importantes para o empreendimento. A
depender do país, o formato de um órgão decisório pode variar, sendo chamado de Board of
Directors nos Estados Unidos da América, Canadá, Ingleterra e Austrália, Conselho de
Administração ou Assembleia de Sócios no Brasil, Conseil D’Administration, na França.
Ao atuar nos órgãos de tomada de decisão da empresa investida, a gestora busca
reduzir a assimetria de informação entre o gestor e a equipe de empreendedores, bem como
influenciar os rumos a serem tomados pela empresa, em especial as decisões financeiras, de
planejamento, marketing e organizacionais. A sua presença e participação nos órgãos de
tomada de decisão da startup busca servir como guia para a equipe de empreendedores, em
muitos casos ainda não preparada completamente para comandar um processo acelerado de
crescimento e profissionalização interna (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 54).
É muito comum que gestoras de venture capital se preocupem inclusive com o
desenho e a composição dos órgãos decisórios da empresa. Disposições que determinem um
limite para o número de membros desses órgãos, no mínimo 5 e no máximo 7 representantes,
bem como uma divisão proporcional entre os fundadores da empresa, a gestora de venture
capital, e outros investidores ainda presentes na empresa (e.g. investidor anjo), são
negociadas nos acordos de investimento que antecedem o aporte de recursos na empresa (DE
VRIES; VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
85
Em uma composição de 5 membros, por exemplo, 2 são indicados por
empreendedores, 2 são indicados pela gestora e o último é indicado em conjunto, em geral
sendo um representante do setor de atuação da empresa, alguém que não possui uma relação
direta com ela, conferindo credibilidade ao empreendimento. Na medida em que existam mais
interesses a serem acomodados na startup, o número de representantes pode aumentar, sempre
preservando o número ímpar de representantes e a presença de um membro externo à
empresa, de modo a evitar qualquer cenário de empate nas suas decisões internas (DE VRIES;
VAN LOON, 2016, Kindle Edition).
Mesmo como investidores minoritários na empresa, as gestoras podem se
comportar como sócios majoritários em alguns contextos. Como já discutido no item anterior,
gestoras podem impor a partir de seus acordos de investimento que decisões como a venda de
participação na empresa investida, bem como a estipulação de privilégios para novos
ingressantes terão que contar com a sua aprovação (GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle
Edition).
Outra disposição muito comum é a necessidade de aprovação por parte da gestora
do ingresso de qualquer novo investidor, mesmo sendo outro investidor de venture capital
(e.g. séries B, C, D, etc.), na empresa investida. Esses vetos servem como um instrumento de
controle da equipe de empreendedores, que mesmo com a maior participação na empresa,
podem se encontrar sem condições de impor sua vontade na condução do empreendimento
(GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
Em alguns cenários de investimento, é possível que a gestora assuma a posição de
controle sobre o órgão decisório, presidindo os encontros e conduzindo os debates internos
entre os membros presentes. Esses cenários são raros e não desejados por investidores de
venture capital. Isso pode ocorrer quando o investidor não deposita mais sua confiança na
administração da empresa, fazendo-se mais presente em seu dia a dia, bem como quando o
investidor e parte dos membros da empresa investida decidem por substituir o seu presidente,
também chamado de Chief Executive Officer (CEO) após resultados ruins seguidos
(GOMPERS; LERNER, 2006, Kindle Edition).
Em síntese, os órgãos de tomada de decisão da empresa investida são o ambiente
precípuo para o exercício de direitos do investidor de venture capital. São os locais em que
disposições contratuais se manifestam e permitem que as recomendações do investidor
possam se materializar em contribuições efetivas para o crescimento da startup ou até em uma
redução de perdas para ele.
86
3 A FORMAÇÃO E EXPANSÃO DO VENTURE CAPITAL
Poucas pessoas compreendem o porquê coisas funcionam aqui e em Boston
como funcionam. É muito difícil mimetizar estes empreendimentos. Muitas
pessoas pensam que o fator crítico neste ambiente é o dinheiro. Para mim, o
fator crítico no ambiente são os empreendedores.35
O nascimento, a evolução e a formalização do venture capital são resultados da
capacidade de grupos de investidores de extrair retornos extraordinários de empresas
nascentes de base tecnológica. A promessa por retornos acima da média em comparação a
outros investimentos foi capaz de atrair variadas fontes de capitais (fundos de pensão,
empresas de gestão de patrimônio de famílias, endowment universitários, etc.) para o
financiamento de empresas nascentes, criando um modelo de investimento.
Venture capital como instituição para o financiamento de empresas nascentes não
foi uma evolução natural de investimentos realizados por investidores não profissionais que
decidiram se profissionalizar ao longo do tempo e de bons resultados. Ao contrário, foi uma
criação consciente e organizada por setores empresariais da costa leste, em especial a região
de New England, e da costa oeste, em particular a região do Vale do Silício na Califórnia
(HSU; KENNEY, 2005, p. 580).
A sua evolução ao longo das décadas de 1940 até os anos 90 construiu o quadro
de características que observamos até hoje no setor: a participação de venture capitalists no
desenvolvimento da empresa nascente, o modelo de limited partnership como referência para
a captação de recursos e a especialização das fontes de capital no financiamento da empresa
nascente, diferenciando as funções de investidores anjo, capital semente e o venture capital.
Compreender o processo de formação e expansão do venture capital nos permite analisar o
que persiste enquanto característica intrínseca ao venture capital e o que pode ter sido
temporário, contingente, ao longo de sua evolução.
35
A passagem é atribuída à Donald Valentine, fundador da Sequoia Capital uma das empresas de venture capital
mais antigas com atuação no Vale do Silício. Ele é chamado de o vovô do venture capital no Vale do Silício,
pois foi um dos primeiros investidores a criar uma empresa de investimento concentrada em empresas nascentes,
tendo tido um papel muito importante na história do financiamento de empresas no setor de comunicação e
tecnologia da informação. O trecho selecionado é uma tradução livre da seguinte passagem: “Very few people
understand why what works here and in Boston works. It’s very difficult to clone those environments. Too many
people think that the criticality in the environment is the money. For me the criticality in the environment are the
entrepreneurs.” Para ver mais, consulte: KENNEY, Martin; FLORIDA, Richard. Venture Capital in Silicon
Valley: Fueling New Firm Formation. In: KENNEY, Martin (Ed.). Understanding Silicon Valley: The Anatomy
of an Entrepreneurial Region. Stanford: Stanford University Press, 2000, p. 98.
87
Por esta razão, o objetivo deste capítulo é examinar como o investimento de
venture capital se institucionalizou como empresa de investimento e modelo de captação de
recursos financeiros entre as décadas de 1940 e 1970, e discutir como esse processo teve
como consequência o crescimento no número de venture capitalists com atuação nos Estados
Unidos da América e a atração de fundos de pensão, investidores de grande porte, que
sustentaram a expansão do volume financeiro aportado pelo venture capital em empresas
nascentes. Em nossa visão, a conjunção de todos esses fatores é capaz de explicar o processo
de especialização de fontes de capital observado nos dias atuais na trajetória de crescimento
da empresa nascente, tema discutido no capítulo anterior.
3.1 A influência de New England e do Vale do Silício no nascimento do modelo de
venture capital
Mesmo não tendo nascido no Vale do Silício na Califórnia, o modelo de
investimento de venture capital adquiriu suas feições contemporâneas da experiência e da
atuação de investidores que construíram a sua carreira na região ao longo da segunda metade
do século XX (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 99). Não foram poucos os casos em que um
investimento inicial de alguns milhares de dólares se transformou em um empreendimento de
resultados extraordinários. Esses resultados construíram a associação entre o venture capital e
o Vale do Silício, influenciando o interesse de outras regiões dos Estados Unidos da América
e de outros países em replicá-lo com a esperança de obtenção dos mesmos resultados
(LERNER, 2012).
Geograficamente, o Vale do Silício corresponde ao Vale de Santa Clara, região
que se localiza entre as montanhas de Santa Cruz e a baía de São Francisco, da cidade de
Redwood, passando pelas cidades de Palo Alto, Montain View, Sunnyvale, Santa Clara até San
José. No início, a cidade de São Francisco não fazia parte do que era conhecido como o Vale
do Silício. Contudo, com o crescimento no número de startups, investidores de venture
capital, centros de pesquisa e outros atores associados à região, a cidade foi incorporada e, ao
lado de Berkeley e Emeryville, tornou-se parte de uma das principais regiões de investimento
e desenvolvimento de empresas nascentes de base tecnológica (RAO, 2013, Kindle Edition).
Hoje conhecida como celeiro de empresas nascentes de base tecnológica em áreas
como biotecnologia, energias limpas e tecnologia da informação, a região não teve destaque
ao longo de sua formação como o polo das primeiras descobertas científicas ou dos primeiros
esforços tecnológicos nos setores mencionados. A virtude do Vale do Silício foi servir como
88
ambiente favorável para a transformação de descobertas e esforços tecnológicos em projetos
empresariais (RAO, 2013, Kindle Edition).
A construção do Vale do Silício36
como uma referência no fomento de empresas
nascentes de base tecnológica esteve intrinsecamente ligada à institucionalização do venture
capital como um elo fundamental na rede de instituições que são capazes de financiar e
auxiliar essas empresas (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 99). Compreender qual a influência
do Vale do Silício sobre a institucionalização de um modelo de investimento para o venture
capital pode nos auxiliar na identificação de seus limites, em especial na compreensão do que
esse tipo de investimento exige enquanto ambiente de negócios e projetos a serem investidos.
O nome Vale do Silício é atribuído ao jornalista Don Hoefler que em 11 de
janeiro de 1971 escreveu uma série de artigos intitulados “Silicon Valley US” para o jornal
Eletronic News, descrevendo o processo de multiplicação de empresas do ramo de
semicondutores na região de Santa Clara. Os artigos narravam como empresas recém-
formadas eram capazes de crescer rapidamente a partir de um novo tipo de investimento
(RAO, 2013, Kindle Edition).
Um dos artigos explicava como o empresário Arthur Rock ajudou Gordon Moore
e Robert Noyce a captar 2.5 milhões de dólares para a criação da Intel Corp., a primeira
empresa de grande porte do setor de semicondutores criada na região. Em outro de seus
artigos, o jornalista menciona a criação da Genentech, primeira empresa a sintetizar insulina
para o tratamento de diabetes em seres humanos, que iniciou suas atividades com a captação
de 250 mil dólares de alguns investidores e foi capaz de gerar um retorno de 3.500% para
cada um deles (RAO, 2013, Kindle Edition).
Com o passar dos anos, outras histórias contribuíram para construir a reputação
próspera da região, reforçando a percepção sobre a capacidade de empresários da região de
captarem recursos e obterem retornos extraordinários. Uma das mais conhecidas é a da
36
Segundo Arun Rao, o maior venture capitalist do Vale do Sílício foi o governo dos Estados Unidos da
América. A região foi muito beneficiada por processos de transformação de tecnologias desenvolvidas no âmbito
militar para o domínio das relações civis. Um exemplo disso pode ser visto no impulso inicial de investimentos
dado pelas forças armadas ao desenvolvimento de uma infraestrutura técnica de comunicação por meio de ondas
de rádio, muito utilizada no contexto da II Guerra Mundial. Diversos protótipos e dispositivos eletrônicos criados
para uso militar foram gradativamente sendo incorporados para uso civil. A criação de circuitos integrados, o
microcomputador, a rede mundial de computadores, são todos exemplos de tecnologias que tiveram
investimentos das forças armadas dos Estados Unidos e que depois foram transformadas em produtos por
empresas nascentes da região, tendo muito sucesso no mercado (RAO, 2013, Kindle Edition). Optamos por não
nos debruçar neste capítulo sobre a influência das forças armadas na formação do Vale do Silício, pois este será
um dos temas tratados no capítulo seguinte quando trataremos da crítica de alguns autores, como de Mariana
Mazzucato, à importância atribuída ao venture capital em processos de inovação tecnológica.
89
criação da Apple Corp., uma das empresas que liderou o desenvolvimento do mercado de
microcomputadores no mundo.
A empresa foi criada em 1977 a partir do investimento do empresário Mike
Markkula, que disponibilizou para os estudantes universitários Steve Jobs e Steve Wozniack a
quantia de 250 mil dólares, divididos em 80 mil de investimento direto na empresa e 170 mil
de um empréstimo bancário garantido com seu patrimônio pessoal, tornando-se proprietário
de um terço da empresa.
Para além do investimento na empresa, o empresário foi responsável por indicar o
primeiro presidente da Apple Corp. (Chief Executive Officer – CEO) e por conduzir o
processo de abertura de capital da Apple em 12 de dezembro de 1980 na Bolsa de Valores
Nasdaq. Com a abertura de capital da empresa, o empresário detentor de sete milhões de
ações da Apple Corp., teve a possibilidade de aliená-las por 203 milhões de dólares, em uma
abertura de capital que avaliou a empresa em 1.8 bilhões de dólares (RAO, 2013, Kindle
Edition).
Em uma entrevista para a revista Failure37
, Steve Wozniack comenta que ele e
Steve Jobs levaram todo o crédito pelo sucesso da empresa, mas que Mike Markkula é aquele
que deveria ser lembrado como o principal responsável pelo crescimento da empresa e pelo
seu sucesso repentino. Mesmo que ele e Steve Jobs tenham sido peças importantes para a
construção dos produtos da Apple, foi Mike Markkula que organizou o empreendimento no
formato de uma empresa, que captou recursos, fez contatos para a empresa, trabalhou com as
equipes de marketing e organizou o seu crescimento, obtendo um retorno extraordinário no
empreendimento.
Em contrapartida, esse cenário de investimentos nem sempre esteve presente na
região. Até a década de 1950, empreendedores como Steve Jobs e Steve Wozniack teriam
poucas opções para financiar o seu novo empreendimento. No Vale do Silício, a primeira
opção seria recorrer a investidores não profissionais para financiar o início da empresa. Esses
investidores eram muito parecidos com o que hoje em dia denominamos investidores anjo,
pois, na maior parte dos casos, disponibilizavam pouco capital e investiam em nome próprio
no novo negócio (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 98).
Uma segunda opção na época seria buscar financiamento nos bancos da costa
leste dos Estados Unidos da América. Banqueiros com forte atuação no financiamento de
37
A entrevista realizada pela revista Faliure com Steve Wozniack trata do processo de formação da Apple Corp.
e da relação entre Wozniack e Steve Jobs na empresa. Além da relação entre os fundadores, a entrevista oferece
uma visão sobre o papel de Mike Markkula na empresa. Para mais informações, consulte:
<http://failuremag.com/article/steve-wozniak-interview>. Último acesso: 04.02.2018.
90
empresas nas regiões de Nova York e Boston, como os Morgans, Whitneys e os Rockfellers38
,
mesmo interessados em novas ideias e novos projetos, preferiam investir em projetos em
franca expansão, empresas que já estivessem operando no mercado. Dessa maneira, ainda que
o financiamento estivesse disponível para empreendedores da Costa Oeste, eram poucos deles
que preenchiam os requisitos para receber investimentos dos banqueiros da costa leste,
criando um cenário de escassez de recursos até o final dos anos de 1940 (KENNEY;
FLORIDA, 2000, p. 98).
3.1.1 American Research and Develpoment Corporation (ARDC)
Há muitas versões sobre o surgimento do venture capital. Em uma acepção mais
ampla, como o financiamento de novos empreendimentos, projetos arriscados, o nascimento
do venture capital encontra as suas origens no financiamento de expedições marítimas pela
Ásia e costa da África durante o século XV, em particular na forma dos contratos de comenda
em que famílias de mercadores de Genova e Veneza financiavam grandes empreendimentos
de comércio marítimo (LERNER, 2012, p. 65).
Em uma definição mais restrita, como prática de investimento em empresas
nascentes de base tecnológica, as empresas Bessemer Venture Partners e J. H. Whitney
reivindicam o posto de terem sido os primeiros investidores da modalidade, a primeira por ter
feito o primeiro investimento em uma startup em 1911 e a segunda por ter se constituído no
início dos anos 50 com o objetivo de investir em empresas nascentes de base tecnológica
(LERNER, 2012, p. 64).
Todavia, a criação da American Research and Development Corporation (ARDC)
é apontada como a gênese do investimento de venture capital profissional, evidenciando
algumas das características que a modalidade de investimento guarda até os dias atuais. Essa
foi a primeira tentativa de constituição de uma empresa não familiar com dedicação exclusiva
ao financiamento de empresas voltadas ao desenvolvimento de novas tecnologias (KENNEY;
FLORIDA, 2000; BANATAO; FONG, 2000 LERNER, 2012; SCARUFFI, 2016).
38
Nos dias atuais é muito comum que empresas de venture capital captem recursos financeiros para a criação de
seus fundos de investimento em empresas nascentes de empresas ou fundos familiares. Famílias historicamente
abastadas como os Rockfellers, os Whitneys, os Paysons e os Trask disponibilizam capitais para investimentos de
venture capital realizados por empresas na costa leste e na costa oeste do território norte americano. Todavia,
estes investimentos só começaram a ser realizados a partir da década de 1950, quando os primeiros resultados
bem sucedidos de investimentos realizados pela American Research e Development Corporation começaram a
surgir. Até então, os capitais destas famílias se dividiam em diversas frentes, tendo instituições financeiras
próprias para a realização de financiamento de empreendimentos de maior risco (HSU; KENNEY, 2005, p. 580).
91
A ARDC foi a primeira empresa profissional dedicada a financiar empresas
nascentes de base tecnológica a partir das seguintes características: (i) auxílio à empresa
nascente por meio da participação na organização, planejamento e gestão do negócio; (ii)
criação de incentivos para a comercialização de produtos com novas tecnologias embarcadas;
e (iii) disseminação da cultura de investimento em empresas nascentes com base em
participação ativa no empreendimento (HSU; KENNEY, 2005, p. 581).
A ARDC foi fundada em 1946 pelo general Georges Doriot, ex-diretor da
faculdade de administração de empresas da universidade de Harvard, pelo engenheiro
mecânico e industrialista Ralph Flanders, e pelo físico e ex-presidente do Massachusetts
Institute of Technology (MIT) Karl Taylor Compton, com o propósito específico de financiar
empresas nascentes na região de New England, com especial destaque para a cidade de
Boston (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 103).
Todos compartilhavam da preocupação sobre como a economia da região de New
England39
poderia se recuperar dos efeitos da grande depressão e se inserir nas reformas
propostas pelo New Deal40
. Em sua visão, pequenas empresas inovadoras ou empresas com a
intenção de expandir suas operações na região poderiam gerar ganhos significativos para
região a partir de seu crescimento, oferecendo uma alternativa para o desenvolvimento local
(HSU; KENNEY, 2005, p. 580).
Para os fundadores da ARDC, os resultados de avanços científicos e tecnológicos
poderiam formar a base para a formação de novas empresas, o que resultaria na formação de
novas indústrias, gerando o desenvolvimento de toda a região. Porém, o principal gargalo para
39
A ideia de uma instituição especializada no financiamento de novas empresas, com o oferecimento de
orientação para o crescimento da empresa investida, surge na região de New England no final dos anos de 1920,
como uma resposta ao declínio da indústria têxtil presente na região. Com o final da I Guerra Mundial, a região
de New England sofreu um forte processo de desindustrialização. Em 1919, as manufaturas de algodão em
Massachusetts empregavam cerca de 124 mil funcionários, distribuídos em vários locais pelo estado. Em 1929,
poucos meses antes do crash da Bolsa de Nova York, o número de empregados nas manufaturas de algodão no
estado caiu para 71 mil. Em 1940, o número de empregados no setor de algodão no estado foi reduzido a cerca
de 30 mil funcionários. Ao lado da gradativa redução das manufaturas de algodão na região, observava-se o
surgimento de novas indústrias na centro-oeste dos Estados Unidos da América, como a indústria
automobilística, a de rádio-transmissão e de bens de consumo duráveis (HSU; KENNEY, 2005, p. 582). 40
A grande depressão nos Estados Unidos da América teve impactos em múltiplas dimensões, erodindo a
confiança de diversos setores da sociedade norte americana em suas instituições econômicas. Entre os anos de
1929 e 1939, o número de pessoas empregadas na indústria caiu 13,5% e o número de plantas industriais
decresceu 10,9%. De modo geral, o período apresentou uma tendência de crescimento de plantas industriais de
grande porte e concentração de empresas. Fábricas de pequeno porte e pequenas empresas apresentavam muitas
dificuldades de conduzir suas atividades e pouca disponibilidade de financiamento externo para manter suas
estruturas. Esta mesma tendência de concentração era observada no setor financeiro, cada vez mais voltado para
investimentos mais conservadores, como trusts e para empreendimentos de grande porte (CHERNOW, 1990, p.
351; HSU; KENNEY, 2005, p. 583).
92
o fomento dessas empresas residia na escassez41
de fontes de capital profissional e
especializado para o financiamento dos estágios iniciais do desenvolvimento da empresa
nascente (HSU; KENNEY, 2005, p. 580).
Nesse contexto, bancos42
na região frequentemente recusavam pedidos de
empreendedores locais e vindos da Costa Oeste, uma vez que não dispunham de patrimônio
ou de um histórico de crescimento sustentável. Indivíduos e famílias abastadas, mesmo que
dispostos a investir em um novo empreendimento, eram vistos como uma alternativa
insuficiente de financiamento de projetos inovadores por sua falta de constância em investir
no segmento, sendo facilmente distraídos por outras oportunidades de investimento, como -
por exemplo - investimentos no setor imobiliário (LERNER, 2012, p. 66).
Esse cenário de escassez de recursos já se mostrava presente desde a década de
1920, intensificando-se muito na década de 1930, período em que os efeitos da Grande
Depressão mais afetaram a região de New England. Para além das acusações de que grandes
corporações financeiras seriam as culpadas pela crise econômica que o país atravessava,
grupos de trabalhadores culpavam a tecnologia nas fábricas pelo crescente desemprego,
concentrando seu discurso na automação de funções. De acordo com esses grupos, a
associação entre o comportamento ganancioso e fraudulento de instituições financeiras e a
crescente automação na produção industrial seria responsável pela catástrofe econômica e
pelo o desemprego na região (HART, 1998).
41
Os criadores da ARDC acreditavam que dois fatores eram responsáveis pela escassez de capital de risco para o
financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. O primeiro deles foi a implementação de reformas no
sistema financeiro norte americano no contexto do programa New Deal, que aumentaram fortemente a tributação
sobre a renda e reorganizaram o sistema financeiro para aumentar os custos de operações de investimento de alto
risco, como a compra de ações em bolsa de valores. O segundo fator apontado foi a ascensão dos investimentos
em trusts, que ofereciam segurança para os investimentos, sendo mais conservadores na gestão de recursos
financeiros e populares em uma época de mudanças e instabilidade nos Estados Unidos da América. Durante a
década de 30 e o início dos anos 40, boa parte da poupança popular do país estava concentrada em companhias
de seguro, com especial destaque para os seguros de vida, e em trusts, referência de estabilidade patrimonial na
época. Para os fundadores da ARDC, o venture capital profissional serviria como um mecanismo para
redirecionar parte da poupança popular para empresas nascentes de base tecnológica, criando e explorando o que
o economista Joseph A. Schumpeter denominou de “novos espaços econômicos” ou new economic spaces (HSU;
KENNEY, 2005, p. 581). 42
As reformas realizadas no contexto do New Deal fizeram com que os bancos norte-americanos que tinham um
pequeno papel no financiamento de empresas nascentes de base tecnológica, oferendo empréstimos em alguns
cenários, passassem a não ocupar nenhum papel. Em 1933, o Glass-Steagall Banking Act alterou a estrutura dos
bancos da época, forçando a cisão das atividades de abertura de contas, custodia de depósitos e oferta de
empréstimo fossem separadas das suas operações de investimento. Esta lei criou as figuras do banco comercial e
do banco de investimento, não permitindo mais com que os recursos financeiros presentes nos depósitos de
correntistas destes bancos pudessem servir como parte da estratégia de investimento da instituição. Bancos que
até este momento aceitavam realizar investimentos que tivessem como contrapartida a aquisição de participação
societária na empresa investida, passaram a não poder mais realizar tal operação, tendo que criar um braço de
investimento especializado e com patrimônio próprio para tanto (CHERNOW, 1990, p. 360).
93
As tensões na região eram crescentes, com protestos de movimentos de
trabalhadores e pressões políticas para a retomada do crescimento regional. Não por acaso,
membros da elite empresarial da região, como o industrialista Lincoln Filene, Merrill
Griswold, gestor do Massachusetts Investment Trust, Ralph Flanders, Karl Taylor Compton,
dentre outros, criaram iniciativas de auxílio a pequenas empresas, tentando criar alternativas
de financiamento para a geração de novas empresas na região (HART, 1998).
Em 1926, Lincoln Filene propôs a criação do New England Council (NEC),
entidade que reunia políticos da região, empresários locais e professores universitários para
discutir e propor medidas de recuperação da região. Em 1929, o relatório do NEC já advogava
pela criação de iniciativas de financiamento de empresas nascentes da região a partir do
capital de investidores locais. Bancos não eram vistos como uma opção viável de
financiamento, tendo em vista as contrapartidas patrimoniais necessárias para a concessão de
empréstimos ou de outros formatos de financiamento (HSU; KENNEY, 2005, p. 585).
Em 1939, o NEC criou um subcomitê para investigar como a criação de novos
produtos poderia ajudar a região de New England a se recuperar economicamente. Além de
Karl Taylor Compton e Ralph Flanders, o general Georges Doriot, professor de administração
de empresas da Harvard University, também foi convidado para compor o subcomitê e liderar
os estudos a serem produzidos. Em seu relatório final, ficava clara a percepção do subcomitê
de que havia a necessidade de criação de uma organização profissional de investimento em
empresas nascentes, que fosse capaz de manter seus investimentos de forma perene e que
auxiliasse a empresa nascente em sua trajetória de crescimento (HSU; KENNEY, 2005, p.
584).
Na visão de Ralph Flanders, fundador da ARDC, o problema residia no fato de
que empresas de grande porte estariam dispostas a investir apenas em pesquisas e no
desenvolvimento tecnológico que tivessem relações diretas com as suas operações presentes,
não tendo qualquer interesse em deslocar recursos para a criação de novas indústrias. Esse
comportamento, na visão de Ralph Flanders, teria desacelerado o desenvolvimento da região,
impondo um fardo pesado para a economia local. O foco dos investimentos privados e dos
esforços governamentais deveria estar no fomento de empresas nascentes de base tecnológica
(HSU; KENNEY, 2005, p. 583).
Até a criação da ARDC, as iniciativas de fomento de empresas nascentes se
limitavam à oferta de pequenos financiamentos por parte de empresários locais, o que
chamaríamos de investimento anjo nos dias atuais, e pela busca por aproximar empresas com
as universidades da região, em especial o MIT, contribuindo pouco com o desenvolvimento
94
regional e com o aplacamento do crescente desemprego. Foi só com o fim da II Guerra
Mundial que a região passou a retomar o seu desenvolvimento, tendo no discurso de fomento
à ciência e tecnologia uma de suas principais referências (HART, 1998).
Nesse aspecto, Vannevar Bush, por exemplo, além de ser professor do MIT e
diretor do Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento Científico (Office of Scientific
Research and Development) do governo de Franklin D. Roosevelt, era um dos entusiastas no
fomento de empresas nascentes de base tecnológica e da sua aproximação com universidades
e centros de pesquisa da região. Em 1922, o professor havia criado a sua própria empresa
nascente, a Raytheon Corporation, vivenciando as dificuldades de captação de recursos para o
financiamento de um novo empreendimento (HART, 1998).
A experiência na Raytheon Corporation e as discussões com seus colegas de MIT,
em especial Karl Taylor Compton, fizeram com que Vannevar Bush reforçasse a sua crença
na importância da transferência da pesquisa científica para empresas poderem inovar nos
Estados Unidos da América, associada com a disponibilidade de capitais para o financiamento
de suas atividades. O governo ficaria responsável pelo financiamento da ciência e da pesquisa
básica, disponibilizando a matéria-prima para a inovação, e o setor privado ficaria responsável
pelos investimentos em empresas nascentes, responsáveis pela conversão da pesquisa básica
em novos produtos na economia (HSU; KENNEY, 2005).
Em 1941, no contexto dos projetos criados com base no subcomitê de novos
produtos do NEC, empresários da cidade de Boston criaram a New England Industrial
Development Corporation (NEIDC), empresa voltada ao investimento em empresas nascentes
na região. Em 1946, outro conjunto de empresários do NEC criou a New Enterprises Inc.,
empresa também focada no investimento em novos empreendimentos na região. Mesmo tendo
como objetivo o investimento em empresas nascentes, as duas empresas não foram
consideradas pela literatura como investidoras de venture capital, pois não incorporavam o
auxílio às atividades e ao planejamento da empresa investida como parte do financiamento.
Foi só com a ARDC que as funções de análise, auxílio e monitoramento das atividades da
empresa nascente passaram a integrar uma estrutura única de financiamento (ETZKOWITZ,
1993, p. 344).
A American Research and Development Corporation foi criada em 1946 a partir
de recursos provenientes de investidores profissionais e da abertura de seu capital, captando
recursos do público. Seu objetivo inicial era de captar 5 milhões de dólares para iniciar suas
operações de investimento, mas foi capaz apenas de levantar pouco mais do que 3.5 milhões
de dólares, cerca de 1.6 milhão vindos da abertura de seu capital e 1.9 milhão de investidores
95
profissionais como trusts, companhias de seguro e fundos universitários de endowment43
(HSU; KENNEY, 2005, p. 590).
A empresa teve como primeiro presidente e principal figura de captação de
investimento o general Georges Doriot. No meio acadêmico o general era conhecido por ter
criado o curso de empreendedorismo na universidade e pelo seu envolvimento com empresas
nascentes de base tecnológica na cidade de Boston (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 103).
A seleção de empresas para a realização de investimentos era feita a partir da rede
de relacionamentos de que os fundadores da ARDC dispunham, de forma que muitos projetos
foram derivados de indicações de membros da NEC e de empresas que surgiam no contexto
das universidades de Harvard e do MIT, derivadas de projetos de professores e em alguns
casos de alunos. Segundo David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 594), nos primeiros cinco
anos da empresa 60% de seus investimentos eram realizados em empresas ligadas a
professores ou alunos da Harvard University ou do MIT, porcentagem que foi sendo
gradativamente reduzida ao longo dos anos de operação da ARDC.
Na distribuição de investimentos por setores, a ARDC apontava em seus relatórios
anuais uma predileção pela diversificação de seus investimentos, citando como áreas de
interesse a eletrônica, a física aplicada, instrumentação, dentre outras. Na prática, a maior
parte de seus investimentos se concentrou em três áreas: produtos alimentícios, serviços
profissionais e comunicação e mídia (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 104). Muitos
investimentos foram realizados entre os anos de sua existência (1946-1973), sendo sua
principal característica a escolha por projetos em que seus fundadores tivessem experiência
pregressa com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).
Não havia uma clareza quanto à estruturação das operações de investimento. A
montagem de como seriam feitos os aportes de recursos e as contrapartidas do investimento
eram construídas caso a caso. Eram utilizados instrumentos de dívida (e.g. debentures) e de
participação societária (e.g. preferred stock), em alguns casos isolados, em outros
combinados. David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 607) apontam que 15% dos
investimentos realizados pela empresa eram feitos apenas baseados no aporte de recursos por
meio da emissão de dívida, em que a ARDC seria credora da empresa nascente. Em 34% dos
43
Entre os principais investidores da ARDC estão a Adams Express Company, empresa de Nova York que
investiu pouco mais do que 1.3 milhão de dólares da empresa, a John Hancock Mutual Life Insurance,
seguradora de Boston que investiu 300 mil dólares e o fundo universitário de endowment do MIT, que
disponibilizou 225 mil dólares para a ARDC. Mesmo tendo captado uma soma inferior ao que havia projetado, a
expectativa da empresa era de que o sucesso dos investimentos poderia atrair novos investidores para o projeto,
elevando a sua capacidade de aportar recursos em empresas nascentes (HSU; KENNEY, 2005, p. 590).
96
investimentos, o aporte era feito exclusivamente com base em participação societária, tendo a
maior parte das operações um formato híbrido.
Nos 85% de empresas investidas em que a ARDC detinha participação societária,
conferindo-lhe a capacidade de participar das reuniões e de órgãos da empresa investida, a
ARDC se mostrou bastante ativa. Além de monitorar as atividades de suas investidas, a
ARDC sempre buscou indicar um de seus profissionais para compor o Board of Directors de
cada empresa, tendo em alguns casos forçado a substituição de diretores e presidentes que não
conseguiam obter os resultados esperados pela investidora (HSU; KENNEY, 2005, p. 609).
No relatório anual da empresa de 1950, Georges Doriot menciona que após três
anos de investimento na Circo Products, promissora na área de comunicação e mídia, a
empresa não conseguia crescer, ficando estagnada na condição de apenas arcar com os seus
próprios custos. Diversas reuniões com a equipe de gestão da empresa haviam sido realizadas
e sugestões feitas por ele e outros profissionais da ARDC não foram levadas em consideração.
Por essa razão, Georges Doriot decidiu substituir todos os membros que administravam a
empresa, começando por seu presidente (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
A presença constante de profissionais da ARDC, em especial as visitas e reuniões
conduzidas por Georges Doriot, era uma novidade no comportamento de empresas de
investimento. A revista Time criou a expressão “estilo Doriot” ou Doriot style, em alusão ao
que seria um novo comportamento de investimento, uma nova relação entre investidor e
empresa investida. Como parte de seu monitoramento, Georges Doriot matinha um diário com
anotações sobre cada empresa investida, incluindo registros sobre o negócio e sobre a vida
privada de cada um de seus membros (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
Em suas anotações, o general demonstrava preocupação sobre como problemas
matrimoniais de membros da empresa nascente poderiam impactar a sua produtividade. Em
uma ocasião, a ARDC chegou a contratar um psicólogo para atender o presidente de uma de
suas empresas investidas, pois ele estava enfrentando problemas em seu casamento. Em mais
de uma oportunidade, a ARDC contratou empregadas domésticas para permitir com que
empreendedores pudessem dedicar mais tempo para o empreendimento nascente (GUPTA,
2004, Kindle Edition).
O pró-ativismo de Georges Doriot inaugurou uma prática que se tornaria uma das
características fundamentais do investimento de venture capital, o investimento realizado a
partir de etapas, as chamadas rodadas de investimento. Em um memorando interno não datado
redigido pelo general, ele ressalta a importância desta prática:
97
Qualquer financiamento deve ser feito ou deveria ser realizado de tal modo a
tornar o próximo menos custoso para a empresa. Em outras palavras, deve
existir um fator de progressão, de sucesso, antes da necessidade de um
próximo financiamento. Existem muitas razões sobre o por que é
aconselhável para uma empresa nascente ter uma quantidade de capital
limitada a sua disposição no início de suas atividades. Uma das principais
razões reside no fato de que o nível comprometimento de pessoas
inexperientes de todas as espécies são frequentemente baixos e o capital tem
uma tendência de desaparecer em uma velocidade muito alta. Neste
momento, ser limitado às despesas é uma boa forma de treinamento. 44
As palavras de Georges Doriot reforçam a ideia de que o investimento realizado
pela ARDC detinha um componente de preparo e capacitação da empresa nascente, de
controle sobre sua evolução e crescimento, fator que se encontra presente até hoje nos
investimentos de venture capital e que os diferencia de outras modalidades de investimento.
Um dos exemplos disso foi o investimento de maior retorno da ARDC, a Digital Equipment
Corporation (DEC).
A empresa nascente foi fundada em 1957 a partir do investimento de 70 mil
dólares da ARDC para a produção da sua primeira linha de produtos na área de computação.
Com os recursos obtidos, seus fundadores, Ken Olsen, Harlan Anderson e Gordon Bell,
apresentaram à ARDC um computador de pequeno porte capaz de servir de alternativa mais
simples para os mainframes fabricados pela IBM para grandes corporações (GUPTA, 2004,
Kindle Edition).
A apresentação de um computador como principal produto da DEC preocupou os
sócios da ARDC. Computadores na época tinham a reputação de serem produtos caros,
difíceis de utilizar e complicados, não atraindo a atenção de empresas de pequeno e médio
porte, mercado alvo da DEC. Por essa razão, Georges Doriot sugeriu que o nome do produto a
ser comercializado fosse Programmed Data Processor (PDP), utilizando uma campanha
publicitária para demonstrar o quanto o produto seria de fácil utilização. A ARDC
recomendou inclusive a contratação de anúncios em que a expressão “minicomputador” fosse
associada ao PDP, dando a impressão de que o PDP seria uma versão reduzida, mais simples
44
Tradução nossa do trecho original: “Any financing must be done or should be done in such a way as to make
the next one less expensive to the Company. In other words, there must have been an element of progress, of
success, before the next financing is necessary…There are many reasons why it is advisable for the new
company to have a limited amount of capital at its disposal at the very start. One of the main reasons is that in
the hands of an inexperienced person commitments of all types are often made quite recklessly and capital has a
way of disappearing at a remarkable high rate of speed. At that time, being limited as to expenditures is a good
form of training.” Ver em: (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
98
dos mainframes da IBM. Assim como o nome PDP, a expressão minicomputador foi sugestão
de Georges Doriot (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
O sucesso do produto foi grande e o retorno sobre o investimento também. Os 70
mil dólares investidos na empresa por 25% de participação em 1957 se tornaram 355 milhões
de dólares em 1971, quando a ARDC vendeu a sua participação na empresa (GUPTA, 2004,
Kindle Edition). Todavia, o sucesso observado no investimento da DEC não alcançou outros
financiamentos realizados pela ARDC. Segundo David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p.
599) a DEC foi uma exceção no histórico de investimentos realizados pela ARDC, muitos
deles não alcançando a sua viabilidade econômica.
Nessa perspectiva, segundo Patrick L. Liles (1977, p. 83) o retorno médio anual
sobre os investimentos da ARDC durante 1946 e 1971, sem considerar os retornos obtidos
pelo investimento na DEC, foi de 7.4%. Considerando o retorno obtido pela DEC, o retorno
médio dos investimentos realizados pela ARDC saltaria para 14.7% ao ano. Os retornos
obtidos no investimento da DEC foram suficientes para garantir novos investimentos por
parte da ARDC, mas não foram o suficiente para garantir a sua permanência no mercado de
venture capital até os dias atuais.
Destaca-se que foram três os principais problemas que a empresa teve de enfrentar
e que são apontados como responsáveis pelo encerramento de suas atividades em 1971. O
primeiro deles foi o surgimento de novos investidores dispostos a financiar empresas
nascentes inspirados pelos retornos obtidos pela ARDC na DEC. O segundo problema da
empresa residia nas restrições regulatórias que a sua forma jurídica impunha à sua atuação,
em especial os limites para a remuneração de seus profissionais. O terceiro problema
enfrentado pela ARDC foi a mudança de seus processos de seleção de empresas nascentes,
privilegiando empresas em setores consolidados em detrimento de novos mercados.
Outrossim, o início da concorrência em investimentos de venture capital se deu
em duas frentes, a primeira com a criação das Small Business Investment Corporations
(SBICs) em 1958, um novo formato de empresa de investimento que teria benefícios no
campo tributário e maior liberdade para estruturar seus investimentos em empresas nascentes,
e a segunda com o surgimento de um novo formato para o financiamento de venture capital, a
Limited Partnership, criada no Vale do Silício na Califórnia por empreendedores e ex-alunos
do curso de empreendedorismo do general Georges Doriot na Harvard University. Trataremos
cada um deles com maior atenção nas próximas seções deste trabalho.
Ressalta-se ainda que a ARDC foi constituída como uma closed-end investment
company, submetida às regras do Investment Company Act de 1940, lei que regia as empresas
99
e operações de investimento nos Estados Unidos da América. Pela legislação, funcionários ou
sócios de empresas de investimento sob o formato de closed-end investment company eram
proibidos de receber como parte de sua remuneração qualquer participação ou opção de
compra em empresas investidas pela empresa em que estivessem empregados.
Na prática, representantes da ARDC recebiam como remuneração um salário e um
bônus baseado nos resultados obtidos pelos investimentos realizados. Charles Waite, por
exemplo, foi um investment officer da ARDC e obteve sucesso no investimento realizado na
Optical Scanning, partindo de um aporte de alguns milhares de dólares em duas rodadas de
investimento para uma saída de 10 milhões de dólares para a ARDC. Após 4 anos de trabalho
no projeto, a ARDC pagou um bônus de 2 mil dólares ao seu funcionário. Meses mais tarde,
ele se desligou da empresa para ingressar em uma empresa do Vale do Silício (HSU;
KENNEY, 2005, p. 609).
Com o surgimento de novas empresas e diferentes formatos de investimento, os
salários e bônus pagos pela ARDC ficavam cada vez mais defasados, estando muito abaixo
dos oferecidos pelo mercado, em especial na região do Vale do Silício na Califórnia. Segundo
o general Georges Doriot, a Securities Exchange Commission (SEC), autoridade regulatória
do mercado de capitais, não conseguia compreender que a restrição regulatória imposta pelo
Investment Company Act afetava a competitividade da ARDC. Nas palavras do general:
A SEC nunca entendeu, e eu acredito que nunca houve um esforço para a
compreensão dos problemas de remuneração de pessoal da ARDC. É difícil
convencer indivíduos talentosos, em especial os mais jovens, a trabalhar na
ARDC quando você não pode oferecer opções. Foi especialmente difícil
explicar para os agentes de investimento da ARDC porque eles teriam de
trabalham duro para o portfólio da ARDC ao invés do portfólio de uma
empresa que poderia lhe oferecer opções.45
Essas restrições se tornaram ainda mais severas para a ARDC durante a década de
1960, quando as empresas de investimento do Vale do Silício começaram a apresentar os
primeiros resultados positivos de seus investimentos, atraindo profissionais da ARDC e de
outras empresas de investimento da região de New England que atuavam sob o mesmo
formato da ARDC. Some-se a esse cenário o auxílio financeiro governamental recebido por
empresas de investimento que assumissem o formato de SBIC, podendo oferecer para os seus
45
Tradução nossa do trecho original: “SEC never understood, and I believe never made an effort to understand
the problems of compensation of ARD personnel…It is difficult to convince top quality individuals, particularly
younger ones, to work for ARD when it could not offer options. It was especially difficult to explain to ARD’s
investment officers why they should work so hard for an ARD portfolio company instead of a portfolio firm
where they could receive options.” Ver em: (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
100
funcionários a possibilidade de participação nos resultados de empresas investidas como parte
de sua remuneração (HSU; KENNEY, 2005, p. 609).
Vale observar que Joseph Powell, braço direito do general Georges Doriot na
ARDC, é um exemplo disso. Presente desde o início das operações de investimento da
ARDC, o profissional se desligou da empresa para criar a sua própria, a Boston Capital
Corporation, uma SBIC, competindo diretamente com a ARDC na região de New England
durante toda a década de 1960. Assim como no caso de Powell, a ARDC foi perdendo seus
investment officers para novos concorrentes ou para a possibilidade de empreender no
mercado de investimento (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
Nesse cenário, alterar a qualificação jurídica da ARDC não seria um processo
simples. A captação de recursos via o mercado de ações condicionava a ARDC a permanecer
como uma closed-end investment company. Os obstáculos à mudança serviam como uma
forma de proteção os detentores de ações da empresa e das empresas que haviam sido
investidas por ela. Além disso, parte dos sócios da empresa não concordava com uma
reestruturação da empresa, discordando sobre o modelo a ser perseguido (HSU; KENNEY,
2005, p. 610).
A dificuldade de retenção de talentos foi se transformando em uma mudança no
perfil dos profissionais responsáveis pela seleção de empresas nascentes a serem investidas
pela ARDC. A busca por empresas que estivessem buscando desenvolver novas tecnologias,
produtos que poderiam inaugurar um novo mercado, foi substituída por escolhas mais
conservadoras de investimento em empresas que atuassem em setores estabelecidos.
Em um memorando interno escrito em 1964, Georges Doriot critica a postura de
novos funcionários da ARDC em não buscar empresas que procuram explorar novas ideias,
projetos que possam se basear em conhecimento novo, novas tecnologias. O general comenta
que os projetos que alcançaram a sua mesa representam o que chamou de conhecimento
antigo, old knowledge. Em um memorando interno de 1965, o general comenta que não via
mais interesse pelo novo por parte de funcionários da ARDC. O cuidado de outros momentos
não fazia mais parte do comportamento dos membros da ARDC, prejudicando os seus
investimentos (GUPTA, 2004, Kindle Edition).
Diante das limitações regulatórias e competitivas, a ARDC foi vendida em 1973
para a Textron, que não prosseguiu com as atividades de investimento em empresas nascentes,
transformando a ARDC em uma subsidiária para a realização de outros investimentos da
empresa. Mesmo com o fim da ARDC, enquanto primeira investidora de venture capital, os
101
efeitos de seu modelo e da atuação de um de seus fundadores, o general Georges Doriot,
influenciaram profundamente a evolução do setor e o seu crescimento no Vale do Silício.
Uma importante fonte de difusão do modelo de investimento da ARDC, que
conferiu o primeiro formato ao que chamamos de venture capital, foram os cursos oferecidos
pelo general Georges Doriot na faculdade de administração da universidade de Harvard, em
particular o curso intitulado de Manufacturing. Nesse curso, um dos tópicos tratados era como
o investimento em empresas nascentes de base tecnológica deveria ser estruturado,
ressaltando os aportes financeiros por estágios de crescimento da empresa e a participação
ativa do investidor (HSU; KENNEY, 2005, p. 600).
Muitos de seus alunos se tornaram investidores de venture capital, contudo, a
maior parte deles na região do Vale do Silício na Califórnia. Arthur Rock, por exemplo, aluno
da classe de 1951 do general Georges Doriot, depois de uma carreira em um banco de
investimento em Nova York (Hayden, Stone & Company), criou a sua empresa de venture
capital no Vale do Silício em 1965 (Davis & Rock), sendo um dos primeiros investidores em
empresas como a Intel Corporation, Scientific Data Systems, Teledyne, dentre outras (HSU;
KENNEY, 2005, p. 600).
Em 1962, a ARDC participou da criação de diversas empresas de venture capital
no Canadá e na Europa, como parte de uma estratégia do general Doriot para disseminar o
modelo de investimento em empresas nascentes. Além de dar palestras e frequentar reuniões
com profissionais da ARDC, Doriot oferecia treinamentos para capacitar profissionais de
empresas parceiras da ARDC no Canadá e na Europa, sinalizando a possibilidade de
realização de investimentos em conjunto.
O legado da ARDC é o da criação de uma nova modalidade de investimento para
o financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. Mesmo que o modelo atual de
investimento não seja o mesmo que o praticado pela ARDC, foi a empresa que estabeleceu
por suas práticas quais seriam as características que definiriam o que viria a ser chamado de
venture capital. Entender a formação e trajetória da ARDC nos auxilia a compreender o
porquê de o venture capital apresentar tais características.
3.1.2 Os pioneiros do Vale do Silício e as Small Businness Investment Companies
(SBICs)
A associação entre a formação de empresas nascentes de base tecnológica na
região do Vale do Silício na Califórnia e a busca por um financiamento baseado em
102
participação societária é um fenômeno que tem início no começo da década de 1950
(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 105). Indivíduos com uma trajetória no mercado financeiro
da Costa Leste e engenheiros com uma carreira no setor industrial passaram a formar projetos
de empresas que seriam financiadas a partir de uma nova modalidade de investimento, mais
adequada ao contexto de uma empresa recém-formada e voltada ao desenvolvimento de novas
tecnologias.
É válida a observação de que Frank Chambers, formado na Escola de
Administração da Universidade de Harvard em 1939, ex-aluno do general Georges Doriot, foi
um desses indivíduos que iniciou operações de investimento na região do Vale do Silício. A
partir de recursos próprios familiares e de empréstimos bancários, Frank Chambers criou sua
própria empresa nascente na década de 1940, a Magna Power Tools, vendida para a Sears
Roebuck em 1950, convertendo o retorno obtido na venda no investimento em empresas como
Signboard Trim em 1956 e Guardian Packaging no ano seguinte (KENNEY; FLORIDA,
2000, p. 105).
Enfatiza-se que Reid Dennis, também formado em administração, dedicou o início
de sua carreira à gestão dos investimentos da Fireman’s Fund Insurance Company (FFIC),
fundo de pensão de bombeiros na região da Costa Leste dos Estados Unidos da América. Da
mesma forma que Chambers, Reid Dennis ganhou experiência observando o modelo de
investimento da ARDC e buscava desenvolver o mercado de investimentos em empresas
nascentes de base tecnológica. Os resultados da ARDC na DEC e o seu investimento bem-
sucedido em uma empresa chamada Ampex, via FFIC, encorajaram-no a criar sua própria
empresa de investimento na década de 1950 (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
O início da década de 1950 marca o começo da formação da primeira rede de
investidores em empresas nascentes na região do Vale do Silício, o que veio a ser conhecido
como “O Grupo” (The Group), um conjunto de jovens e ricos investidores que tiveram como
principal foco o investimento em pequenas empresas intensivas em desenvolvimento
tecnológico (small technology-intensive start-ups) na região de Palo Alto, na Califórnia. Anos
mais tarde, o grupo composto por Reid Dennis, Frank Chambers, William Bryan, William
Edwards, William K. Bowes e Daniel McGanney formou as empresas que estruturariam a
maior parte dos investimentos de venture capital no Vale do Silício (SCARUFFI, 2016,
Kindle Edition).
103
Todavia, o ambiente do Vale do Silício, mesmo com oportunidades de
investimento46
, não dispunha de um modelo de investimento capaz de dar um padrão para o
financiamento de empresas nascentes na região. Mesmo que muitos investidores se
inspirassem no modelo da ARDC, adaptações e mudanças eram muito frequentes nos
investimentos. Com exceção da empresa Draper, Gaither and Anderson (DGA), fundada em
1959, que criou o seu próprio modelo de investimento, a Limited Partnership, foi apenas com
o Small Business Act promulgado em 1958 que investidores do Vale do Silício passaram a se
orientar segundo um mesmo referencial (KEENEY, FLORIDA, 2000, p. 106).
A criação de uma lei de fomento ao investimento em empresas de pequeno porte
já havia sido tema de governos estaduais nos Estados Unidos da América. Assim como o New
England Council, o Estado da Califórnia buscava alternativas para o crescimento da região e
tratava o financiamento de empresas nascentes como um tópico estratégico para o
desenvolvimento regional. Entre diversas discussões ao longo da década de 1940, o tema foi
objeto de análise do relatório da California State Reconstruction and Reemployment
Commission, que reforçava a necessidade de institucionalização do investimento de venture
capital como uma das alternativas para o investimento em empresas nascentes. Nas palavras
do autor do relatório, o Professor da Universidade da Califórnia Paul Wendt:
O mercado para o financiamento via participação societária de pequenas
empresas na Califórnia é predominantemente caracterizado como local e
informal. Bancos de Investimento, que ocupam uma posição central no
46
A região do Vale do Silício era apontada como uma região repleta de oportunidades de investimentos por
quatro fatores: (i) presença de instituições de ensino e pesquisa como a Stanford University e a Berkeley
University, capazes de gerar uma mão de obra disposta e com as condições de conduzir atividades de pesquisa e
desenvolvimento em empresas; (ii) disponibilidade de capital de famílias abastadas da região, que começavam a
acreditar que investir em empresas de tecnologia poderia ser uma forma de diversificação de seus investimentos;
(iii) presença do Departamento de Defesa como um contratante e como comprador de novas empresas
desenvolvedoras de novas tecnologias; e (iv) primeiras empresas nascentes da região obtendo resultados
extraordinários advindos de sua abertura de capital na Bolsa de Valores de Nova York (New York Stock
Exchange). Em 1956, a empresa Varian Corporation, uma das pioneiras no desenvolvimento de máquinas de
raio-X, abriu o seu capital na Bolsa de Valores de Nova York com resultados bem acima da média de
investimentos realizados na época. No ano seguinte, a Hewlett Packard (HP), empresa desenvolvedora de
equipamentos eletrônicos, criadora do modelo 200B, um oscilador de áudio de baixo custo e sucesso de vendas,
também lançou com sucesso as suas ações de sua empresa na Bolsa de Valores de Nova York. Em 1958 foi a vez
da Ampex, empresa fabricante de produtos eletrônicos, repetindo o sucesso de suas antecessoras. Fredrick
Emmons Terman (chamado de Fred Terman), Diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade de Stanford
teve participação na formação e desenvolvimento das três empresas. Na Varian Corporation, Fred Terman foi
convidado por seus ex-alunos, Russell varian, Sigurd Varian e William Hansen para compor o Conselho de
Administração da empresa (Board of Directors) e participar dos projetos envolvendo o Departamento de Defesa
norte-americano, em particular a adaptação do Klystron, aparelho de micro-ondas da empresa, para usos
militares. Na HP, o professor foi convidado por um ex-aluno, David Packard, para participar do Conselho da
empresa e servir de consultor para a equipe de pesquisa em projetos específicos. Na Ampex, Fred Terman além
de compor o Conselho, também apresentou os fundadores da empresa para seus primeiros investidores, Joseph e
Henry Mcking, que adquiriram 50% de participação na Ampex pelo valor de 365 mil dólares, sendo considerado
um dos primeiros investimentos de venture capital realizados na região (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
104
financiamento por participação societária e por dívida em grandes
corporações, não são uma fonte importante de capital para pequenas
empresas. Consequentemente, os recursos para o investimento baseado em
participação societária são obtidos pelos fundadores da empresa nascente e
vendidos em formato de ações de suas empresas privadamente para amigos,
parentes ou seus conhecidos.47
No relatório há menções a esforços de investimento em empresas nascentes da
região, contudo, ainda pouco estruturadas. Segundo o Professor, esforços como os da ARDC
na Costa Leste, de empresas como Industrial Capital Corporation e Pacific Coast Enterprises
Corporation na Costa Oeste se manifestavam de maneira isolada, e necessitavam de auxílio
governamental para ampliar o número de investimentos em empresas nascentes, o volume dos
valores aportados e a quantidade de empresas de investimento no setor. O relatório, assim
como a pressão de empresas de investimento, teve um importante papel na elaboração e na
aprovação do Small Business Act (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
Como uma lei federal, o Small Business Act criava benefícios para empresas de
investimento dispostas a investir em empresas nascentes de base tecnológica nos Estados
Unidos da América. Empresas de investimento poderiam requisitar para a Small Business
Administration (SBA) a sua qualificação como uma Small Business Investment Company
(SBIC), tendo benefícios para a realização de seus investimentos em empresas nascentes.
Para a aprovação do pedido de qualificação como uma SBIC, a empresa de
investimento deveria demonstrar que havia captado no mínimo 150 mil dólares, disponíveis
em uma conta bancária, pelos quais poderia receber uma alavancagem de até 200% sobre esse
valor em recursos públicos federais, oferecidos por meio de operações de dívida (empréstimos
e emissão de debêntures não conversíveis) com juros de no máximo 5% ao ano e 20 anos para
serem pagos. Para captações maiores do que 150 mil dólares, os valores de alavancagem
decresciam proporcionalmente (HSU; KENNEY, 2005, p. 603).
Além da possibilidade de alavancagem com recursos públicos, o Small Business
Act criava benefícios fiscais para o investimento feito por empresas qualificadas como SBIC
em empresas nascentes, reduzindo o imposto de renda de até 90% sobre os lucros obtidos em
operações de investimento em ações para 25%. A lei federal criou o cenário ideal para o
impulsionamento da multiplicação de empresas de investimento de venture capital no formato
SBIC.
47
Tradução nossa do original: “The market for equity capital for the small enterprise in California is dominantly
local and informal in character. Investment bankers, who occupy a key position in furnishing equity and loan
capital to large corporations, are an unimportant source of equity capital to the small concern. Consequently,
equity funds are obtained through investment of owners’ savings and sale of stock privately to friends, relatives,
and associates. Ver em: (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 104).
105
Uma vez qualificada, a empresa de investimento ficaria submetida às regras
previstas na lei federal, que dispunham sobre deveres da empresa com seus investidores e com
o governo dos Estados Unidos da América, restrições de captação de recursos após o
investimento na empresa nascente, cenários de conflito de interesse, prestação de informação
sobre investimentos dentre outros.
Além disso, foi o primeiro diploma legal a definir empresa de investimento de
venture capital e empresa objeto do investimento, ou em sua definição development
companies, empresas de investimento que promovem e auxiliam no crescimento de empresas
de pequeno porte, que não apresentem uma avaliação superior a 6 milhões de dólares ou uma
média de faturamento de mais de 2 milhões de dólares em seu último ano de operações (Small
Business Act, Definitions, 12, A, i e ii).
Na prática, o Small Business Act criou um modelo institucional para o
investimento de venture capital nos Estados Unidos da América, congregando benefícios
fiscais, captação de recursos privados e dívida pública em condições favoráveis para
investidores. No final de 1959, era difícil encontrar empresas de investimento no Vale do
Silício e na região de New England que não estivessem sob o formato de SBIC (KENNEY;
FLORIDA, 2000, p. 107).
Nesse cenário, Frank Chambers foi um dos primeiros a qualificar a sua empresa
de investimento, a Continental Capital Corp. Sutter Hill, como uma SBIC. A empresa havia
sido constituída para investir no mercado imobiliário da Califórnia, mas os benefícios
oferecidos pelo Small Business Act fizeram com que o investidor alterasse o foco de
investimentos da empresa. Assim como ele, no mesmo ano Bill Draper e Franklin Johnson,
ex-alunos do general Georges Doriot, também converteram as suas empresas de investimento
em SBICs. Até o Bank of America, banco comercial que não tinha investimentos em empresas
nascentes, criou em 1959 uma empresa específica para qualificá-la como uma SBIC
(SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
Então, entre 1959 e 1968, o SBIC se tornou a principal estrutura organizacional
para o investimento em empresas nascentes nos Estados Unidos da América, concentrando-se
nas regiões do Vale do Silício e de New England. Segundo Dado P. Banatao e Kevin A. Fong
(2000, p. 297), a criação do Small Business Act profissionalizou investidores e
institucionalizou o formato de empresas de investimento de venture capital.
Em 1962, por exemplo, os investidores que compunham o chamado “Grupo”,
criaram a Western Association of Small Business Investment Companies, associação de SBICs
com atuação na Costa Oeste dos Estados Unidos da América. As empresas de investimento
106
que compunham a associação já eram responsáveis pela captação de grandes volumes de
capitais de fundos de investimento de famílias abastadas da região, bem como de fundos de
endowments universitários (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
Ao lado das captações privadas, entre 1958 e 1969, o governo dos Estados Unidos
da América investiu pouco mais do que três bilhões de dólares em empresas nascentes via
recursos disponibilizados pela SBA para empresas qualificadas como Small Business
Investment Companies. A cada dólar captado no âmbito privado, o governo norte-americano
desembolsava até dois dólares para o investimento em empresas nascentes (NOONE;
RUBEL, 1970, p. 52).
Salienta-se que Piero Scaruffi (2016, Kindle Edition) aponta que para os pioneiros
do investimento de venture capital no Vale do Silício e na região de New England a principal
contribuição do Small Business Act foi a sua capacidade de capitalizar diversos investidores e
canalizar seus interesses para empresas nascentes. Bill Draper, um dos primeiros investidores
de venture capital da Costa Oeste, comentou que nunca teria ingressado no investimento de
venture capital se não fossem pelas vantagens oferecidas pelo Small Business Act
(SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
Mesmo ainda em vigor, o Small Business Act e a o formato de SBICs foram
perdendo relevância para o investimento de venture capital a partir do final dos anos 60,
sendo substituídos pelo modelo de limited partnership. Diversas razões podem ser apontadas
para explicar o progressivo abandono do modelo previsto no Small Business Act. A primeira
delas foram os diversos casos de constituição de SBICs com desvio de finalidade, a
qualificação de empresas como SBICs que não investiam em empresas nascentes, estando
interessadas apenas nos benefícios fiscais e nos recursos oferecidos pela SBA (KENNEY;
FLORIDA, 2000, 109).
Outro motivo levantado foi a percepção de empresas de venture capital,
qualificadas como SBIC, de que as exigências regulatórias de prestação de informações para a
SBA, as dificuldades no trato com a burocracia da instituição e a constante mudança nos
requisitos de captação de recursos seriam entraves significativos para o seu crescimento em
novas operações de investimento. Após o auxílio governamental, muitas empresas de venture
capital já se viam capazes de operar de forma autônoma, sem depender dos recursos da SBA
(KENNEY; FLORIDA, 2000, 109).
Todavia, David H. Hsu e Martin Kenney (2005, p. 605) afirmam que o abandono
progressivo do formato SBIC ocorreu pelas vantagens que o modelo de limited partnership
oferecia para empresas de venture capital no período. Segundo os autores, o modelo de
107
limited partnership oferecia a possibilidade de maior retorno financeiro se comparado com o
modelo da ARDC e maior autonomia na gestão e emprego de recursos captados em
comparação com a SBIC. A partir da década de 1970, a limited partnership se tornou a
principal estrutura institucional para o investimento de venture capital nos Estados Unidos da
América.
3.1.3 O Vale do Silício e o Modelo de Limited Partnership
O modelo de limited partnership foi criado pela empresa de venture capital
Draper, Gaither, and Anderson48
(DGA) em 1959 em Palo Alto na Califórnia. Em uma
entrevista para Martin Kenney (2011, p. 1698), Julia Stern, advogada tributarista que atuava
na região do Vale do Silício na época, relata que a ideia do modelo foi inspirada no
financiamento de empreendimentos arriscados da indústria do petróleo, em que se
disponibilizavam valores para extração de recursos em determinadas regiões do território
norte-americano, sem a certeza de que haveria petróleo na região. Mesmo com estudos e
prospecções, havia um alto grau de incerteza para o aporte de recursos em empreendimentos
de extração de petróleo nos Estados Unidos da América na primeira metade do século XX.
No modelo de limited partnership criado pela DGA havia duas figuras
fundamentais, o limited partner (LP), entidade (e.g. fundos de pensão, bancos de
investimento, endowments universitários, etc.) que disponibiliza os recursos para o
investimento da empresa de venture capital com a expectativa de retornos extraordinários
advindos do conjunto dos investimentos realizados pela empresa, e o general partner (GP), o
gestor dos recursos financeiros, profissional da empresa de venture capital responsável pela
seleção, monitoramento, auxílio e saída da empresa nascente (KENNEY, 2011, p. 1968).
Entre LP e GP é celebrado um contrato de investimento, em que se definem os
direitos e obrigações que cada um deles terá durante o período de investimento. No acordo,
48
Os criadores da DGA já possuíam larga experiência no setor financeiro. William H. Draper III. antes de fundar
a DGA havia construído sua carreira como gestor de investimento no banco Dillon Reed, tendo servido também
durante a II Guerra Mundial como assessor para assuntos econômicos do governo norte-americano. Em 1948, ele
se tornou subsecretário das forças armadas, também ocupando a presidência da Mexican Power and Light no
início dos anos de 1950. O general Frederick L. Anderson, foi por muitos anos o comandante do oitavo
esquadrão anti-bombas do exército norte-americano, dedicando a sua aposentadoria ao mercado de investimentos
em empresas nascentes no final dos anos de 1950. Horace Rowan Gaither Jr., construiu a sua carreira na
advocacia ao longo das décadas de 1940 e 1950 em empresas como a RAND Corporation, sendo o primeiro
presidente do conselho de administraçãoo da MITRE Corporation no começo dos anos de 1950. Para mais
detalhes sobre a história dos criadores da DGA, ver em: (KENNEY, 2011, p. 1699)
108
LP e GP se tornam parceiros em um empreendimento, no investimento em empresas
nascentes por um período determinado de tempo, tendo cada um uma parcela sobre os
resultados obtidos quando da saída da empresa de venture capital, a general partner, das
empresas nascentes investidas, transformando as suas participações em recursos financeiros.
Os recursos dos LP são oferecidos à empresa de venture capital em um acordo de
investimento com prazo de início e data de encerramento, o que veio a se chamar de ciclo de
investimento. A partir dos recursos disponibilizados pelo LP, o GP irá realizar investimentos
em empresas nascentes, auxiliando-a em sua trajetória de crescimento. Nesse processo, o LP
não terá qualquer poder de ingerência sobre o GP para definir que empresas serão investidas e
quais medidas devem ser tomadas para o fomento do desenvolvimento da empresa nascente,
cabendo-lhe aguardar os resultados obtidos ao final do ciclo de investimento.
No modelo da DGA, a empresa, na posição de general partner, detinha 40% de
participação sobre os resultados obtidos por seus investimentos realizados em empresas
nascentes por um período de 5 anos, restando 60% de participação para os LPs, entidades que
haviam disponibilizados os recursos financeiros para tanto. Além da participação nos
resultados obtidos nos investimentos, cada um da equipe de investimento da DGA recebia
como remuneração fixa o valor de 25 mil dólares anuais (KENNEY, 2011, p. 1698).
Após os 5 anos de investimento, todos os resultados financeiros obtidos deveriam
ser distribuídos aos LPs, cabendo apenas a eles a decisão sobre a realização de novos
investimentos por meio da celebração de um novo acordo com os GPs. Ao final do ciclo de
investimento, LPs poderiam receber o retorno financeiro das operações realizadas e não
reinvestir os valores, encerrando a sua relação com a empresa de venture capital, que poderia
buscar por novas fontes de recursos. Outro cenário possível seria o reinvestimento de parte
dos recursos obtidos em novas operações de investimento, renovando o acordo entre as partes.
A escolha pela Califórnia foi resultado da avaliação dos fundadores da DGA de
que a região do Vale do Silício teria um número grande de empresas nascentes com potencial
de crescimento, em especial pela presença da Stanford University na região e pela pouca
quantidade de investidores nas proximidades. O modelo era favorável à captação de recursos
na região, tendo em vista o pouco conhecimento sobre o Small Business Act em 1959 e o bom
relacionamento dos fundadores da empresa com empresários locais (KENNEY, 2011, p.
1699).
O foco inicial da DGA era o investimento em empresas nascentes criadas por ex-
alunos e professores da Stanford University, tendo como principal interlocutor o professor de
engenharia elétrica da universidade. Por meio da captação de recursos, projetos criados no
109
contexto da faculdade de engenharia da universidade poderiam ser financiados, ampliando a
indústria de eletrônica na região. Com esse discurso, os fundadores da DGA foram capazes de
captar 6 milhões de dólares49
de diferentes tipos de investidores, implementando o seu novo
modelo de empresa de venture capital, a limited partership.
Pouco mais de um ano após a sua criação, boa parte dos investidores retiraram o
seu investimento da empresa. No início de 1960, Horace Rowan Gaither Jr., um dos
fundadores da DGA, foi diagnosticado com câncer, tendo que se afastar da empresa. Sem ele
na equipe da DGA, alguns dos investidores optaram por vender sua participação para
terceiros. Em novembro de 1960, o Rockfeller Brothers Inc. desfez seu investimento na
empresa, sendo acompanhado meses mais tarde pelo banco de investimento Lazar Freres.
(KENNEY, 2011, p. 1700).
A saída repentina de investidores pouco tempo após o início das operações da
DGA mostra o quão frágil e instável era o ambiente de investimento no Vale do Silício no
início dos anos de 1960. Os laços pessoais dos fundadores, em especial de Horace Rowan
Gaither Jr., mostraram-se críticos para garantir a permanência de alguns dos investidores da
DGA.
Ao longo de seus oito anos de operação entre a captação de recursos e o início de
suas operações de investimento, a DGA investiu em 23 empresas nascentes, sendo apenas 12
delas relacionadas com atividades de pesquisa e desenvolvimento. Em 1967 a empresa
encerrou as suas atividades, não tendo destaque por seus resultados (KENNEY, 2011, p.
1700).
A empresa é constantemente estudada pela literatura de financiamento de
empresas nascentes por ter inaugurado o modelo de limited partnership, adotado amplamente
por empresas de venture capital a partir dos anos de 1970. Segundo David H. Hsu e Martin
Kenney (2005, p. 605) o modelo apresentava pelo menos sete vantagens se comparado com o
proposto pelo Small Business Act e pela experiência da ARDC.
49
Martin Kenney (2011, p. 1968) aponta que foram 5 as fontes de recursos para a formação da DGA. A primeira
delas foi o investidor anjo Edward H. Heller, que disponibilizou 1.5 milhão de dólares para a DGA investir em
spin-offs da Stanford University. A segunda fonte de recursos foi o banco de investimento Lazar Freres, que
tinha um ótimo relacionamento com William H. Draper III, tendo participado de investimentos conjuntos na
época em que William H. Draper III trabalhava no banco Dillon Reed. A terceira fonte de recursos foi o
Rockfeller Brothers Inc., empresa destinada a investimentos em diversas áreas, disponibilizando 1.2 milhão de
dólares como parte de sua estratégia de diversificação. O quarto investidor da DGA foi a empresa Gadran
Corporation, empresa privada criada em Nova York para a realização de investimentos em setores de risco,
tendo investido na região de New England na década de 1950. A empresa investiu 1.2 milhão de dólares. Os 600
mil dólares restante foi aportado pelos fundadores da DGA, William H. Draper III, o general Frederick L.
Anderson e Horace Rowan Gaither Jr.
110
A primeira vantagem do modelo de limited partnership é que ele oferecia a
possibilidade dos LPs, investidores da empresa de venture capital, não serem tributados no
momento da distribuição dos resultados dos investimentos realizados em empresas nascentes.
Nas empresas qualificadas como SBIC ou no caso do closed-end investment Company, como
a ARDC, o pagamento de dividendos aos acionistas era tributado com imposto sobre a renda
gerada. No caso da limited partnership, em que não havia a formação de uma estrutura
corporativa, mas sim a celebração de um contrato para a realização de um investimento
comum entre diversas partes (LPs e GP), não havia uma previsão explícita na legislação fiscal
para a tributação sobre as rendas obtidas nesse formato, permitindo a retenção integral dos
resultados sem tributação sobre a renda.
Outra vantagem do modelo é a flexibilidade na combinação entre remuneração
fixa, salários, e variável, baseada nos retornos obtidos nos investimentos realizados. Diferente
da ARDC, que combinava salários e bônus abaixo dos valores oferecidos no mercado, ou das
empresas qualificadas como SBICs, que tinham obstáculos regulatórios para a remuneração
de seus profissionais, a remuneração no modelo de limited partnership era definida no acordo
de investimento celebrado entre os limited partners e o general partner, podendo se adequar
aos contextos de maior ou menor oferta de capitais para investimento.
A existência de uma remuneração fixa independente do resultado dos
investimentos também é considerada como uma vantagem do modelo de limited partnership.
No caso da ARDC, os recursos para remunerar os funcionários da empresa nascente
financiada pela ARDC estavam ligados aos ganhos obtidos pela distribuição de dividendos
das empresas nascentes investidas, causando pressões contínuas de disponibilidade de caixa
para a ARDC. No modelo da limited partnership, a remuneração fixa dos funcionários da
empresa de venture capital é extraída dos recursos disponibilizados para o investimento,
sendo esse um custo da operação. Essa mudança reduziu a pressão sobre a empresa de venture
capital, pois ela poderia esperar por mais tempo para extrair resultados de seu investimento na
empresa nascente.
Diferentemente da ARDC e da SBICs, o modelo de limited partnership não se
utilizava de instrumentos de dívida como parte de suas operações de financiamento de
empresas nascentes, sendo capaz de atrair investidores que não buscassem retornos de curto
prazo ou pressionassem por distribuição de dividendos ou de juros de dívidas. Como o
modelo de limited partnership está integralmente estruturado na aquisição de participação
societária, o retorno sobre o investimento realizado ocorrerá apenas no momento da saída da
empresa de venture capital do investimento na empresa nascente.
111
O modelo da limited partnership ainda foi capaz de conferir maior autonomia para
as empresas de venture capital, se comparado com as SBICs. Pela relação entre o GP e os
LPs, as decisões sobre em que empresa investir, qual o tipo de auxílio oferecido à empresa
nascente, quais serão as iniciativas de monitoramento, entre outras decisões durante o
investimento ficam a cargo da empresa de venture capital. Esse cenário é bastante diferente
do observado nas SBICs, que tinham na Small Business Administration um agente externo
que tinha poderes de intervir nos processos de investimento, exigindo documentos e até
justificativas sobre decisões tomadas pelos gestores.
A duração máxima do investimento criado pela limited partnership (inicialmente
de 5 anos na DGA, mas de 10 anos enquanto prática de mercado posterior) criou incentivos
para que a reputação da empresa de venture capital se tornasse um fator crítico para a
obtenção de novos recursos para o financiamento de novos projetos e para que os
investimentos fossem realizados em setores em que a trajetória de crescimento das empresas
nascentes não tomasse mais do que 7 ou 8 anos (e.g. eletrônica, tecnologia da informação,
biotecnologia, etc.).
O fato de a ARDC e das SBICs assumirem o formato corporativo, não tendo data
certa para o encerramento de seus investimentos, fez com que os empreendimentos perdessem
o horizonte sobre o momento de obtenção do retorno total sobre o investimento realizado. Em
muitos casos, apostava-se no retorno diluído a partir do pagamento de dividendos e juros, sem
se vislumbrar que esses pagamentos poderiam estar reduzindo a capacidade de crescimento da
empresa investida. Além disso, o modelo corporativo da ARDC e das SBICs fez com que
seus investimentos não se especializassem em setores específicos, em que seria possível
aprender com experiências passadas (sobre a duração média da trajetória de crescimento de
empresas, por exemplo).
Por fim, a última vantagem do modelo da limited partnership foi o fato de que os
recursos eram captados de uma vez só, não havendo novas chamadas durante o processo de
investimento. Hoje, a dinâmica de captação no modelo de limited partnership permite que os
GP requisitem mais recursos de seus LPs em determinadas rodadas de investimento, mas
quando esse modelo surgiu a captação única era vista como uma vantagem para as empresas
de venture capital, pois exigia-se uma menor mobilização de recursos por parte de
investidores. O investidor sabia de início qual o montante e por quanto tempo esse ficaria
imobilizado na empresa de venture capital.
Após a DGA, outras empresas de venture capital passaram a ser formadas como
limited partnerships. Em 1961, Arthur Rock e Thomas Davis criaram a sua empresa de
112
venture capital no Vale do Silício, denominando-a de Davis & Rock (D&R). Os dois venture
capitalists captaram 3.5 milhões de dólares de empreendedores bem-sucedidos das empresas
Teledyne, Genreal Transistor e Fairchild, nas quais Arthur Rock havia participado do
financiamento de sua trajetória de crescimento. Segundo Martin Kenney (2011, p. 1699), o
histórico bem-sucedido dos investimentos e os laços pessoais entre Arthur Rock e os
empreendedores foram fundamentais para que a D&R fosse constituída como uma limited
partnership. Arthur Rock queria total controle sobre seus investimentos e ampla liberdade
para selecionar as empresas a serem investidas.
No acordo inicial, a repartição dos resultados obtidos nos investimentos seria de
20% para a D&R e 80% para os empreendedores dispostos a investir (KENNEY, 2011, p.
1701). A partir da experiência acumulada em outros investimentos, Arthur Rock e Thomas
Davis se concentraram exclusivamente em investimentos em empresas na área de eletrônica e
computação, voltadas ao desenvolvimento de novas tecnologias. Entre as investidas, a de
maior retorno foi a Scientific Data Systems, uma das primeiras a adotar circuitos integrados na
construção de computadores e a criar produtos com transistores de silício, tendo como
principal comprador de seus produtos a National Aeronautics and Space Administration
(NASA).
A D&R investiu 257 mil dólares na Scientifc Data Systems e após 7 anos de
investimento na empresa vendeu a sua participação e a de seus demais sócios para a Xerox
Corporation por 1 bilhão de dólares, encerrou as atividades do D&R em 1970, distribuindo
para cada um de seus investidores iniciais 94.5 milhões de dólares. O resultado chamou a
atenção de diversos investidores, atraindo o interesse para a região do Vale do Silício no
início dos anos de 1970 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 112).
Diferente da experiência da ARDC, que mesmo com os elevados retornos de seu
investimento na DEC recebia críticas pelas limitações de seu modelo de remuneração, os
retornos extraordinários obtidos pela D&R foram acompanhados da validação do modelo de
limited partnership, pois permitia que tanto os investidores quanto os venture capitalists
pudessem reter parcelas dos retornos elevados do investimento em empresas nascentes. A
participação nos resultados trazida pelo modelo de limited partnership foi percebida como um
mecanismo mais adequado para remunerar os venture capitalists do que o bônus da ARDC.
Além disso, a D&R também inaugurou um perfil novo para equipe de
investimento em empresa de venture capital, sendo a primeira a incorporar profissionais com
formação técnica em áreas como engenharia e ciência da computação. Esses profissionais se
mostraram importantes para a seleção e o acompanhamento das empresas investidas, tendo
113
um papel importante também no contato com universidades da região, em particular com a
Stanford University.
Gradativamente, profissionais da ARDC e de SBICs passaram a adotar o modelo
de limited partnership. Na Costa Leste, a primeira limited partnership surge da saída de
William Elfers, funcionário da ARDC, em 1965, para criar a Greylock Partners com recursos
vindos de famílias da região de New England, com especial destaque para os fundos da
família de Thomas J. Watson, ex-presidente da IBM. A limited partnership se tornou a
referência para a expansão do investimento de venture capital como parte do financiamento
de empresas nascentes nos Estados Unidos da América, inspirando a adoção por outros países
anos mais tarde.
3.2 Expansão do venture capital no financiamento de empresas nascentes
A expansão do venture capital pode ser explicada a partir de dois movimentos: o
crescimento no número de empresas de venture capital na década de 1970, como uma
decorrência do interesse gerado nos investimentos da DEC e da Scientific Data Systems, e o
aumento no volume de recursos captados por empresas de venture capital a partir da década
de 1980, com mudanças legislativas importantes para permitir que fundos de pensão
pudessem investir parte de seu patrimônio em operações de venture capital.
Até o início dos anos de 1970, as operações de venture capital nos Estados
Unidos da América eram pequenas se comparadas com os investimentos realizados nos anos
de 1980. A gestão de recursos por empresas de venture capital não ultrapassava a média de 10
milhões de dólares, com poucas exceções que chegavam a alcançar o montante de 20 milhões.
O fluxo anual de recursos financeiros movimentados por empresas de venture capital nunca
ultrapassou 200 milhões de dólares, sendo em alguns anos inferior a 150 milhões de dólares
(GOMPERS, 1994, p. 10).
Entre 1968 e 1975, trinta novas empresas de venture capital foram criadas no
Vale do Silício, todas elas sob o modelo de limited partnership. Esse crescimento foi fruto de
um complexo processo de divisão de empresas de venture capital, bem como da formação de
spinoffs de empresas investidas, em que um empreendedor, após acumular recursos em sua
empresa nascente, passa a posição de venture capitalist, criando ou sendo incorporado em
uma empresa de venture capital (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 111).
Reid Dennis, por exemplo, deixou a empresa AMEXCO em 1974 e fundou a
Institutional Venture Associates em parceria com Burton McMurty, que havia criado a Palo
114
Alto Investment anos antes. Em 1976, A Institutional Venture Associates foi dividida em duas
empresas, a Technology Venture Associates, de Burton McMurty, e a Institutional Venture
Partners, de Reid Dennis. No ano seguinte, a sociedade entre C. Richard Kramlich e Arthur
Rock foi desfeita para que C. Richard Kramlich fundasse a sua própria empresa de venture
capital, a New Enterprise Associates (NEA), também gerando novas empresas de venture
capital por iniciativa de ex-funcionários (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 111).
Executivos de bancos e empreendedores também passaram a formar empresas de
venture capital. O melhor exemplo disso foi a formação da Kleiner, Perkins, Caufield, and
Byers (KPCB) no início dos anos de 1970. Eugene Keiner, por exemplo, havia sido um dos
engenheiros que participou da criação e do crescimento da Fairchild Semiconductor
International Inc., enquanto que Thomas Perkins havia acumulado experiência como diretor
do departamento de pesquisa da Hewlett-Packard (HP) no início dos anos de 1960
(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 112).
Outro ex-funcionário da Fairchild Semiconductor International Inc. a criar sua
empresa de venture capital foi Donald Valentine, que em 1972 fundou a Capital Management
Services (CPS), mudando de nome alguns anos mais tarde para Sequoia Capital, uma das
maiores empresas de venture capital até hoje no Vale do Silício. A empresa ficou conhecida
por ter sido a primeira a realizar investimentos no mercado de vídeo games em 1975,
investindo 600 mil dólares na Atari Inc., vendida para a Warner Communications Inc. em
1976 por 30 milhões de dólares (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).
Ao mesmo tempo, algumas empresas de investimento da Costa Leste, em especial
de Nova York, deslocaram-se para o Vale do Silício para se aproximarem das empresas que
estavam operando no novo formato de limited partnership, buscando oportunidades de
investimento na região. Em 1968, a Bessemer Securities mudou a sua sede da cidade de Nova
York para a cidade de Palo Alto. Quatro anos mais tarde, foi a vez do Citicorp criar sua
empresa de venture capital (Citicorp Venture Capital Ltd.) no Vale do Silício e, em 1979, a
Adler Partners fez o mesmo (SCARUFFI, 2016, Kindle Edition).
As divisões de bancos criadas para atuar com investimentos de venture capital
também passaram a ampliar suas operações no Vale do Silício. Contudo, não foram os
resultados financeiros que marcaram a atuação de bancos como o Citicorp ou do Bank of
America na região, mas sim o seu papel de preparação de jovens venture capitalists. Durante
os anos 60 e início dos anos 70, era muito difícil que bancos pudessem concorrer com a
estrutura de remuneração criada pela limited partnership e mesmo pelo modelo do Small
Business Act. Nos investimentos realizados por venture capitalists de instituições financeiras,
115
não havia a possibilidade de participação nos resultados obtidos na empresa nascente,
tornando pouco atrativa a posição de venture capitalist em instituições financeiras. Todavia,
jovens executivos utilizaram a posição como forma de aprendizado para a criação de suas
próprias empresas de venture capital (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).
Na década de 1970, por exemplo, 7 executivos da divisão de investimento do
Bank of America se deligaram da instituição financeira para criar as suas próprias empresas de
venture capital, 5 deles entre os anos de 1979 e 1980. No mesmo período, 23 executivos da
divisão de investimentos do Citicorp se tornaram venture capitalists em suas próprias
empresas no Vale do Silício (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 113).
Essas saídas constantes de executivos foram prejudicando as operações de
investimento dessas instituições. Se, por um lado, esses executivos ganhavam experiência
para compreender a estrutura e as etapas do investimento em empresas nascentes de base
tecnológica; por outro, muitos deles não permitiam com que os conhecimentos adquiridos nas
operações, bem como a reputação adquiridas durante os investimentos ficasse retida nas
divisões de investimento destes bancos. Boa parte dos conhecimentos e experiências obtidas
eram levadas para as novas empresas de venture capital, tornando os bancos atores de menor
impacto no setor de investimentos em empresas nascentes no período.
O período também foi marcado pelo surgimento dos primeiros fundos de
investimento de grande porte, também chamados de mega-funds: a Heizer Corporation e o
New Court Private Equity Fund, ambos criados em 1969. As duas entidades foram as
primeiras experiências de captação de altos volumes de recursos para o investimento em
empresas nascentes, servindo como primeira imagem do que viria a ser o porte de empresas
de venture capital na década de 1980. Ao contrário das limited partnerships do Vale do
Silício, com captações de recursos de empreendedores, endowments universitários e famílias
abastadas, ou as SBICs, dependentes de recursos governamentais, os dois mega-funds
atraíram investidores institucionais de grande porte, em especial fundos de pensão (KENNEY,
2011, p. 1701).
Não havia um formato específico para os mega-funds, tendo a Heizer Corporation
se inspirado no formato da ARDC e o New Court Private Equity Fund assumido o modelo da
limited partnership. No entanto, o que caracterizou as duas entidades foi a sua capacidade de
atrair grandes volumes de recursos financeiros de atores que ainda não faziam parte do
investimento de venture capital, em particular os fundos de pensão. Até a criação dos mega-
funds, o investimento em empresas nascentes não era considerado como uma alternativa de
116
investimento destes agentes, tendo-se dúvidas se seria possível que fundos de pensão
aportassem recursos em setores de maior risco (GOMPERS, 1994, p. 16).
A Heizer Corporation, fundada pelo executivo Edward F. Heizer em Chicago,
surgiu inspirada nos resultados da ARDC em seu investimento na DEC. Seu fundador havia
dedicado anos de trabalho na divisão de investimento da seguradora Allstate e havia realizado
alguns investimentos em empresas nascentes no início dos anos 60 pela seguradora. A divisão
teve bons resultados50
em seus investimentos em empresas nascentes como a Memorex,
Scientifc Data Systems e Teledyne realizados no Vale do Silício em parceria com a D&R.
(KENNEY, 2011, p. 1701).
Na Allstate, Edward F. Heizer foi capaz de com apenas 4% dos recursos
financeiros da empresa gerar retornos que compreenderam 50% dos lucros dela durante os
anos de 1962-1969. Por um breve período, os investimentos de venture capital representaram
o maior retorno de investimentos realizados pela seguradora, concorrendo com a sua atividade
principal, os serviços de seguro. Porém, mesmo tendo trazido resultados significativos, a
Allstate não alterou a estrutura de remuneração de seus executivos, não permitindo que eles
tivessem participação em nenhum dos resultados obtidos, criando uma insatisfação que teve
como consequência a saída de vários deles da empresa (KENNEY, 2011, p. 1701).
Diante dos resultados obtidos na Allstate, Edward F. Heizer foi capaz de captar 81
milhões de dólares, entre os anos de 1969 e 1970, de diversos investidores, muitos deles sem
qualquer experiência no mercado de venture capital. Entre os seus investidores estavam doze
companhias seguradoras, não incluída a Allstate, seis bancos comerciais, dois bancos de
investimento, o American Museum of Natural History, o Art Institute of Chicago, a Stanford
University, o State of Wisconsin Investment Board, a University of California, a University of
Chicago e a University of Rochester Endowments (KENNEY, 2011, p. 1701).
De 1970 a 1977, foram 32 empresas nascentes investidas, tendo 6 (Amdahl,
Commodore Corporation, Data 100 Corporation, Fotomat, Material Sciences Corporation e
SpectraPhysics) se destacado pelo seu crescimento e ofertado suas ações na Bolsa de Valores
Nasdaq no final de 1977. O retorno obtido apenas com essas 6 empresas foi de 121 milhões
de dólares para a Heizer Corporation, permitindo que ela realizasse mais uma captação de
50
Além dos investimentos realizados nas empresas nascentes Scientific Data Systems e Teledyne, já discutidos
na apresentação da D&R, a Memorex, empresa fabricante e distribuidora de fitas para computadores, recebeu um
investimento de 200 mil dólares durante a década de 1960. A partir destes recursos a empresa expandiu suas
atividades para fornecer periféricos e unidades de disco para computadores da IBM, ampliando suas operações
de venda por diversos estados norte-americanos. Em 1965 a empresa abre o seu capital com um preço inicial de
25 dólares por ação, fechando o dia de negociações com ações vendidas a 32 dólares, tendo sido vendida anos
mais tarde para a Burroughs Corporation fabricante de produtos eletrônicos por 8 milhões de dólares. Para mais
informações sobre a operação consulte: KENNEY, 2011.
117
recursos bem-sucedida para investir em empresas como a Federal Express, a Precision
Instrument e a Southwest Airlines anos mais tarde (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).
Mesmo sem ter registrado perdas nesse período, o ingresso de fundos de pensão
em investimentos de venture capital foi objeto de controvérsias no início dos anos de 1970.
Além da recessão econômica causada pela primeira crise do petróleo entre os anos de 1973 e
1974, havia uma dúvida jurídica sobre a possibilidade de fundos de pensão investirem seus
recursos em setores de alto risco. A dúvida permaneceu até 1974, quando foi editada a
Employee Retirement Income Security (ERISA), lei norte americana que passou a regular a
atuação de fundos de pensão, criando a “prudent man rule”, ou regra do homem prudente,
para orientar as decisões de investimento de fundos de pensão (GOMPERS, 1994, p. 12).
Segundo a prudent man rule, gestores de fundos de pensão teriam que dispor de
seus recursos financeiros conforme um homem prudente o faria, evitando expor os recursos
financeiros sob sua responsabilidade a investimentos demasiadamente arriscados. Não havia
na ERISA uma indicação de parâmetro de risco para investimentos, cabendo aos gestores a
avaliação sobre o que considerariam como investimentos arriscados (GOMPERS; LERNER,
2001, p. 91).
Entre 1974 e 1979, o que se observou foi uma postura conservadora de gestores
de fundos de pensão, com a correspondente saída desses de investimentos de venture capital,
como, por exemplo, a State of Wisconsin Investment Board, fundo de pensão que fazia parte
dos investidores da Heizer Corporation. Além dos fundos de pensão, outros investidores
como fundos de famílias ricas e endowments universitários também adotaram uma postura
mais conservadora, tornando as captações de recursos mais difíceis nesse período
(GOMPERS; LERNER, 2001, p. 92).
Em 1975, por exemplo, foram captados apenas 10 milhões de dólares para
investimentos de venture capital, tendo alguns venture capitalists dificuldades de tirar o seu
projeto de empresa de investimento do papel. O cenário de escassez de recursos para
investimento teve uma progressiva melhora com o crescimento de investimentos de famílias
ricas e ex-empreendedores ao longo dos anos de 1976 e 1977. Contudo, esse cenário foi
definitivamente alterado em 1979, quando o Department of Labor editou uma orientação de
flexibilização da prudent man rule presente na ERISA (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).
Pela orientação do Department of Labor, a prudent man rule deveria ser
interpretada restritivamente, não inviabilizando estratégias de diversificação de investimentos
de fundos de pensão. Assim, fundos de pensão estariam autorizados a mobilizar pequenas
frações de seus recursos financeiros, definindo-se um limite de até 10% do patrimônio, para
118
investimentos de maior risco, como, por exemplo, os investimentos em empresas nascentes de
base tecnológica (GOMPERS, 1994, p. 13).
A participação de fundos de pensão nos investimentos de venture capital alterou a
escala dos investimentos. No início dos anos de 1980, fundos de pensão dispunham de pouco
mais do que 3 trilhões de dólares em investimentos, diluídos em diversos títulos. Gestores
buscavam ampliar as suas posições em investimentos de maior risco, buscando resultados
extraordinários. Segundo Paul A. Gompers (1994, p. 13), pessoas físicas eram a principal
fonte de recursos de empresas de venture capital em 1978, correspondendo a 32% de todos os
investimentos realizados. Dez anos mais tarde, em 1988, fundos de pensão já eram
responsáveis por 46% de todos os recursos disponibilizados para empresas de venture capital,
enquanto pessoas físicas representavam 8%. A tabela abaixo mostra esse crescimento.
Tabela 3.1 Captação de Recursos por meio de Empresas de Venture Capital
Ano da Captação
de Recursos
Número de Fundos de
Investimento criados por
Empresas de Venture Capital
Volume de
Recursos Captados
(Em milhões de dólares)
1978 23 482
1979 27 546
1980 57 1.407
1981 81 1.934
1982 98 2.359
1983 147 6.159
1984 150 5.466
1985 99 4.733
1986 86 5.001
1987 112 6.075
1988 78 4.199
1989 88 3.905
1990 50 2.831
1991 34 1.727
1992 31 2.271
1993 46 2.888
1994 80 4.171
1995 84 4.710
1996 80 7.924
1997 103 9.385
1998 161 19.717
1999 209 38.240
2000 228 69.741
Fonte: (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 93).
119
O salto no volume de recursos disponível para investimentos de venture capital
alterou o comportamento das empresas de investimento no setor. Uma mesma empresa de
venture capital passou a ter a possibilidade de constituir mais de um fundo para seus
investimentos, captando recursos em maior quantidade e de fontes mais diversificadas. O
tamanho das limited partnerships também se ampliou, tendo a formação de mega-funds se
difundindo como prática de empresas de venture capital durante a década de 1980
(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 114).
Por um lado, a expansão do porte das empresas de venture capital e o seu
relacionamento com fundos de pensão impuseram uma formalização à relação entre empresa
de venture capital e empresa nascente de base tecnológica. Prestação de contas periódicas,
criação de rotinas de registro escrito de reuniões e relatórios, dentre outras medidas, tornaram-
se rotinas disseminadas nas operações de investimento de venture capital (GOMPERS, 1994,
p. 13). Por outro lado, a presença de fundos de pensão também criou pressões mais forte por
resultados no curto prazo, intervalos de 1 a 3 anos (LAKONISHOK et al., 1991; GOMPERS,
1994; GOMPERS; LERNER, 2001) em que gestores de fundo avaliam os resultados de cada
uma das empresas investidas.
Os laços pessoais entre investidores e venture capitalists se tornaram menos
importantes para as operações de captação de recursos, que passaram a ter como principal
referência os indicadores de histórico de investimento (investment track record) de cada uma
das empresas de venture capital, elaborados com base nos resultados de seus investimentos ao
longo da década de 1970 (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 94).
Mesmo que a segunda metade da década de 1970 tenha sido descrita como um
período de maiores dificuldades para a captação de recursos financeiros por parte de empresas
de venture capital, esse também foi o período de apresentação dos melhores resultados de
investimentos em empresas nascentes de base tecnológica até então. Segundo Paul A.
Gompers (1994, p. 13), o retorno médio anual de empresas de venture capital no período foi
de 25% ao ano, tendo como principal imagem da época os retornos obtidos em investimentos
na Apple Computer Company no início de 1980 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 115).
Criada em 1976 por Steve Jobs, Steve Wozniak e Ronald Wayne, a empresa
recebeu seu primeiro investimento em 1978, tendo como investidores a Venrock Partners,
com um aporte de 288 mil dólares e 9.6% de participação, a Sequoia Capital, com 150 mil
dólares e 5% de participação, e o investidor Arthur Rock, com 57.600 dólares e 1.92% de
participação na empresa. O investimento conjunto na empresa foi uma resposta à dificuldade
de captação de recursos para investimento que marcou o período. Entre os anos de 1978 e
120
1980, foram mais duas rodadas de investimento em que os investidores injetaram mais
recursos na Apple Computer Company, tendo como investimento de maior expressão o aporte
de 1 milhão de dólares feito pela Venrock Partner em 1979 (KENNEY; FLORIDA, 2000, p.
115).
Na primeira rodada de investimento a empresa foi avaliada em 3 milhões de
dólares e foram pagos 9 centavos por cada uma de suas ações. Na rodada seguinte, foram
pagos 28 centavos por cada uma de suas ações e a empresa foi capaz de atrair 704 mil dólares
em investimentos. Na terceira rodada de investimentos, o preço pago por ação da Apple
Computer Company foi de 97 centavos, tendo obtido 2.3 milhões de dólares em
investimentos. No final de 1980, a empresa abriu o seu capital na Bolsa de Valores Nasdaq ao
preço de 22 dólares por cada uma de suas ações, tendo sido avaliada em 1.15 bilhões de
dólares (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 49).
Resultados como esse eram vistos como uma espécie de pote de ouro no final do
arco-íris para fundos de pensão. Gestores de fundos acreditavam que a maior disponibilização
de recursos potencializaria os ganhos obtidos nos investimentos realizados em empresas
nascentes, em especial as do Vale do Silício. O caso da Apple Computer Company tornou-se
referência para processos de captação, servindo para que as empresas envolvidas pudessem
crescer significativamente durante os anos 80 (GOMPERS; LERNER, 2001, p. 50).
A própria localização atual das principais empresas de venture capital do Vale do
Silício foi consequência do processo de expansão do venture capital durante o período.
Originalmente, a maior parte das sedes das empresas de venture capital na Costa Oeste ficava
localizadas na cidade de São Francisco. Com a fragmentação de empresas durante a década de
1970, a escolha de diversos venture capitalists foi constituir as suas sedes na cidade de Palo
Alto, para ficarem mais próximas de empreendedores na região do Vale do Silício
(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 115).
A mudança para a cidade começou em 1972 com a instalação da KPCB na Sand
Hill Road, tendo sido acompanhada pelos membros do Grupo (Reid Dennis, William Bryan e
William Edwards), que também instalaram suas empresas na mesma rua. No final da década
de 1980, a maioria das empresas de venture capital dos Estados Unidos da América se
localizava na Sand Hill Road, criando uma associação direta entre a rua e o investimento de
venture capital. A expressão Sand Hill passou a se tornar sinônimo da comunidade de venture
capitalists do Vale do Silício (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 116).
Entre os anos de 1978 e 1983 foram constituídas 50 novas empresas de venture
capital em Sand Hill Road, ocorrendo um deslocamento significativo de empresas da costa
121
leste para a região. TA Associates, J. H. Whitney, Greylock Partners, L. F. Rothschild e a
General Eletric Venture Capital são alguns exemplos de empresas de venture capital que se
mudaram para a mesma rua na cidade de Palo Alto na Califórnia. A concentração de empresas
na região facilitou inclusive os processos de captação, pois diversos fundos de pensão
passaram a ter profissionais dedicados a trabalhar com esses investimentos na região
(KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 116).
A ampliação no número de empresas e no volume de recursos disponíveis para
investimento não foram acompanhados pelo crescimento no número de oportunidades de
investimento em empresas nascentes, marcando a década de 1980 como um período de perdas
significativas em investimentos de venture capital. Plexus Computer, Momenta, Dynabook
Technologies, MasPar Computer, Go Corporation, ON Technologies, Stellar Computer e
Ardent Computer são exemplos mais conhecidos de investimentos malsucedidos durante os
anos de 1980, o que foi apontado como um período de investimentos descuidados em setores
como desenvolvimento de discos rígidos e sistemas operacionais proprietários (KENNEY;
FLORIDA, 2000, p. 117).
O descuido era resultado da pressão de investidores, em especial dos fundos de
pensão, sobre os venture capitalists para que os recursos disponibilizados fossem aportados
em empresas nascentes. Segundo Paul A. Gompers (1994, p. 8) investimentos eram realizados
por empresas de venture capital sem uma avaliação cuidadosa sobre o plano de negócios
apresentado pela empresa e a tecnologia a ser desenvolvida. Além disso, a concorrência entre
as empresas de venture capital criou uma espiral de crescimento na avaliação do valor de
empresas nascentes, fazendo com que diversas empresas passassem a valer milhões de dólares
sem possuir sequer um protótipo.
A mesma empresa de venture capital, a KPCB, criou três fundos de investimento
entre 1978 e 1983, KPCB I, II, III, cada um deles concorrendo com outros fundos criados por
outras empresas de venture capital. Cada um desses fundos era chamado de mega-fund por ter
milhões de dólares para investimento, quantias maiores do que empresas de venture capital
eram capazes captar na década anterior (GOMPERS, 1994). Em 1988, o venture capitalist
Arthur Rock comentou a mudança:
O negócio está mudando gradativamente por causa do volume de recursos
financeiros que os fundos de venture capital conseguiram captar pelos
últimos 7 ou 8 anos. Com os megafunds eles têm de investir os recursos
captados, e como resultado eu acredito que venture capitalists estão se
tornando mais administradores de portfólio do que realmente venture
capitalists... Existem todos estes fundos, todo este dinheiro disponível para
122
estes fundos, é literalmente impossível gastar tempo com as empresas
investidas... Se você tem 3 ou 4 sócios você não tem muito tempo para gastar
com cada empresa nascente. As empresas de venture capital precisam
demonstrar resultados para captar mais recursos financeiros, desta forma elas
continuam forçando o investimento nestas empresas nascentes.51
Gradativamente, empresas de venture capital passaram a buscar por investimentos
de maior porte. Com mais recursos financeiros e demandas por resultados no curto prazo,
venture capitalists voltaram o seu interesse para o investimento em empresas mais avançadas
em seus estágios de crescimento, passando a aportar recursos em projetos de expansão e
comercialização de produtos e não mais em estágios iniciais do negócio ou até mesmo na
formação da empresa nascente. Investimentos inferiores a 1 milhão de dólares não eram mais
realizados por venture capitalists, da mesma forma que a prática de investimento conjunto
entre empresas de venture capital passou a não ser mais observada a partir dos anos de 1980,
tendo em vista a presença de fundos de pensão nestes investimentos (KENNEY; FLORIDA,
2000, p. 117).
A pressão imposta pelo ingresso de fundos de pensão no contexto de
investimentos de venture capital desencadeou um processo de especialização no
financiamento de empresas nascentes de base tecnológica. Desde sua formação, o
investimento de venture capital nos Estados Unidos da América financiava os diversos
estágios do crescimento da empresa nascente, tendo como diferencial a identificação do
potencial de crescimento da empresa nascente em sua fase inicial. A partir dos anos de 1980,
o investimento de venture capital passou a ocupar uma posição específica no financiamento
de empresas nascentes, a do financiamento de fases de expansão, comercialização de produtos
e serviços e da aquisição de outras empresas do mesmo setor (leverage buyout – LBO).
Para ocupar o espaço deixado por venture capitalists, ressurge a figura do
investidor anjo, a pessoa física disposta a investir na empresa nascente e auxiliá-la em sua
fase inicial de desenvolvimento, que estava presente antes da institucionalização e
profissionalização do venture capital como empresa de investimento em startups. O
investidor anjo passava a compor o seu quadro de investidores, se tornando um limited
51
O trecho foi retirado de uma entrevista realizada por Martin Kenney e Richard Florida em 1988 com o venture
capitalist Arthur Rock. Tradução nossa do excerto original: “Business is gradually changing because of the
amount of money that venture capital funds have raised for the last 7 or 8 years. With the megafunds they have
to get that money invested, and as a result I think the venture capitalists are becoming more portfolio managers
than actually venture capitalists… There are all these monies available in all these funds, it’s just literally
impossible to spend much time with the companies… If you have 3 or 4 partners you don’t have much time to
spend with each company… The venture capital companies need to show some results to keep on raising their
money, so they keep on pushing the companies.”. Ver em: KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 117.
123
partner da empresa de venture capital, até voltar a ser uma das fontes de capital para a
empresa nascente.
Ao mesmo tempo, a transformação das empresas de venture capital criou um
espaço para a criação de fundos de investimento de capital semente, seed capital, que
preencheriam a posição até então ocupada por empresas de venture capital em investimentos
inferiores a 1 milhão de dólares em empresas que estivessem em sua fase inicial de
desenvolvimento.
Interessante notar que no início foram dissidências de empresas de venture capital
que com recursos próprios criaram os fundos de capital semente como uma forma de não
perder oportunidades de investimento em empresas promissoras. O primeiro venture capitalist
a criar um fundo de capital semente foi Wally Davis em 1988, quando havia se desligado da
gestão de um dos fundos da Mayfield Fund. Wally Davis, ao lado de dois outros investidores,
captou 17 milhões de dólares para a formação da Alpha Partners, a primeira empresa
especializada em investimentos de capital semente em empresas nascentes (KENNEY;
FLORIDA, 2000, p. 118).
A média de investimentos da Alpha Partners era de 750 mil dólares por empresa
nascente, com o enfoque nos estágios iniciais da empresa. Tanto a Alpha Partners como
outras empresas de capital semente criadas posteriormente, Crosspoint Ventures e Onset
Partners, enxergava os seus investimentos como parte de um processo amplo de
financiamento da empresa nascentes, em que cada fonte de capital desempenharia uma função
e teria um ciclo próprio de entrada e saída da empresa nascente. Não por acaso, empresas de
capital semente vislumbravam como saída para seus investimentos em empresas nascentes a
entrada de uma empresa de venture capital, que em muitos casos adquiria a participação
destas empresas nas startups (KENNEY; FLORIDA, 2000, p. 118).
Paul A. Gompers (1994, p. 17) apresenta um levantamento que descreve a
redução gradativa da presença de empresas de venture capital no financiamento de empresas
nascentes em sua fase inicial e a ampliação de seus investimentos nas fases mais avançadas de
desenvolvimento de startups. A tabela abaixo mostra a porcentagem de capital investido por
empresas de venture capital nos Estados Unidos da América entre os anos de 1980 e 1988 por
estágio do financiamento de empresas nascentes.
124
Tabela 3.2 Porcentagem de investimento de venture capital por estágio de financiamento de empresas
nascentes
Ano Fase Inicial Expansão & Comercialização
de Produtos
Aquisição de Concorrentes
(LBO)
1980 25.0% 75.0% 0.0%
1981 22.6% 77.4% 0.0%
1982 20.0% 68.0% 12.0%
1983 17.2% 70.8% 12.0%
1984 21.0% 67.0% 12.0%
1985 15.0% 69.0% 16.0%
1986 19.0% 58.0% 23.0%
1987 13.0% 69.0% 18.0%
1988 12,5% 67.5% 20.0%
Fonte: (GOMPERS, 1994, p. 17).
A passagem do venture capital para o financiamento de fases mais avançadas do
crescimento da empresa nascente responde à pressão imposta por fundos de pensão por
retornos no curto prazo. Empresas de venture capital, para manter seus níveis altos de
captação de recursos financeiros, optaram po migrar para investimentos maiores em empresas
mais maduras, pois acreditava-se que teriam uma maior probabilidade de gerar retornos
extraordinários do que investimentos menores em uma grande quantidade de empresas
nascentes em seus estágios iniciais de desenvolvimento (KENNEY; FLORIDA, 2000, p.
118).
É interessante mencionar que Paul A. Gompers (1994, p. 18) critica a mudança no
comportamento das empresas de venture capital durante os anos de 1980. Segundo o autor, a
redução dos investimentos de empresas de venture capital não foi integralmente substituída
por empresas de capital semente, reduzindo os recursos disponíveis para o financiamento de
estágios iniciais de empresas nascentes no período. Os bons retornos obtidos durante os
primeiros anos de 1980 foram resultado de projetos que surgiram na década anterior, nutrindo
um mercado de oportunidades para serem exploradas durante a década. Para Gompers, a
diminuição foi sentida no final da década de 1980, quando empresas de venture capital com
recursos disponíveis para investimento acusavam uma oferta limitada de oportunidades de
investimento em empresas nascentes.
Ao lado disso, a expansão do volume de capitais disponíveis para o investimento
de venture capital criou uma espiral de valorização de empresas nascentes, criando bolhas em
setores como o de desenvolvimento de discos rígidos. William A. Sahlman e Howard H.
(1985) Stevenson descrevem que 400 milhões de dólares foram investidos em 43 empresas
nascentes desenvolvedoras de discos rígidos entre o final dos anos de 1970 e início dos anos
125
de 1980. Dois terços desses recursos foram investidos entre os anos de 1982 e 1984, sendo
que 800 milhões de dólares foram captados a partir da abertura do capital dessas empresas na
Bolsa de Valores Nasdaq.
Segundo os autores, enquanto o crescimento nas vendas de discos rígidos entre
1978 e 1983 foi de 27 milhões de dólares para 1.3 bilhões, questionava-se a avaliação
atribuída para cada uma das empresas do setor. Em 1983, as empresas investidas por
empresas de venture capital estavam avaliadas em 5.4 bilhões de dólares, não se sabendo ao
certo se todas prosperariam após a abertura de seu capital. No ano seguinte, o mercado de
produção de discos rígidos sofreu uma queda de 98%, e as empresas que haviam ingressado
na Bolsa de Valores Nasdaq tiveram suas avaliações reduzidas para 1.4 bilhão de dólares,
tendo em vista o excesso de oferta de discos rígidos no mercado norte-americano.
Ainda assim, isso foi considerado como um sucesso enquanto investimento de
venture capital, pois ofereceu retornos extraordinários para empresas venture capital e
investidores institucionais, como fundos de pensão, mas pode também ser considerado um
desastre enquanto financiamento produtivo via mercado de capitais, tendo em vista as perdas
registradas de pessoas e empresas que adquiriram as ações das empresas nascentes do setor de
produção de discos rígidos em 1983, que perdeu boa parte do seu valor em 1984.
Nesse sentido, Martin Kenney e Richard Florida (2000, p. 119) ressaltam que o
próprio perfil dos venture capitalists mudou durante os anos de 1980. Gestores de fundos de
investimento em outros setores, como o ramo imobiliário, migraram para posições em
empresas de venture capital, a maior parte deles sem experiência pregressa com esse tipo de
investimento ou com o contexto de desenvolvimento de empresas nascentes.
Empresas com apenas dois anos de existência, ainda não preparadas para ingressar
no mercado, eram pressionadas a abrir o seu capital em Bolsa de Valores por empresas de
venture capital ansiosas por novos processos de captação de recursos junto a investidores
institucionais. Bastava um bom resultado na abertura de capital da empresa nascente para que
novos processos de captação de recursos pudessem ser realizados junto a investidores
institucionais, gerando bolhas em determinados setores, como observado no setor de discos
rígidos (GOMPERS; 1994, p. 20).
No início da década de 1990 a exaustão do mercado já era sentida, conforme nota-
se na tabela 3.2, em que entre os anos de 1990 e 1994 o número de fundos criados cai
significativamente, de 88 em 1989 para 34 em 1991, bem como no volume de recursos
investidos, aumentando as dificuldades de captação por parte de empresas de venture capital.
A estratégia de investir em uma empresa nascente e abrir o seu capital em 2 ou 3 anos já não
126
prosperava como na década anterior, sendo apenas retomada com a ascensão da internet a
partir da segunda metade dos anos de 1990.
Durante os anos de 1990, o volume de recursos disponibilizados para o
investimento de venture capital continuou a crescer. Contudo, esses recursos passaram a se
concentrar em um número menor de fundos de investimentos, especializados em
determinadas áreas do conhecimento como a tecnologia da informação e a biotecnologia.
Conforme pode se observar na tabela 3.2, se em 1987 foram constituídos 112 fundos de
investimento, mobilizando pouco mais de 6 bilhões de dólares, em 1997 eram 103 fundos de
investimento para pouco mais do que 9.3 bilhões de recursos financeiros captados.
O mesmo processo observado no final dos anos 80, exemplificado com os
investimentos no setor de desenvolvedores de discos rígidos, foi observado na crise das
empresas dot-com no final dos anos de 1990, fazendo com que alguns autores (GOMPERS;
LERNER, 2001; METRICK; YASUDA, 2011; KLONOWSKI, 2018) descrevessem o
investimento de venture capital a partir de ciclos de euforia e depressão ou de “booms and
burts”, atribuindo a criação de bolhas como uma decorrência do comportamento de empresas
de investimento.
Todavia, a novidade dos anos 1990 foi a ampliação de políticas públicas de
fomento ao venture capital em diversos países pelo mundo. O modelo de investimento
formado nos Estados Unidos da América passou a servir de inspiração para governos de
países como Israel, China, Índia, Canadá, Inglaterra e Brasil criarem políticas públicas de
fomento à formação de empresas de venture capital, bem como de atração de empresas
estrangeiras para investirem em seus mercados nacionais (LERNER, 2009), fenômeno de que
trataremos no próximo capítulo.
127
4 GOVERNOS, INSTITUIÇÕES E A INTERNACIONALIZAÇÃO DO VENTURE
CAPITAL
VCs que já contaram vantagem por não ter de dirigir mais do que meia hora
para visitar uma empresa investida. Hoje, estão viajando para Austrália por
engenheiros óticos, para Israel para especialistas em segurança da
informação, para a Índia e para o Cazaquistão para programação de software,
para a Coréia do Sul para jogos online e para o Japão para microchips
gráficos. Para o crescimento além das fronteiras, China é o destino
obrigatório a se visitar.52
(BROWN, 2004)
4.1 O processo de internacionalização do venture capital
Guler e Guillén (2010, p. 187) descrevem o venture capital enquanto organização
e metodologia de investimento em uma instituição local, responsiva ao contexto econômico,
cultural e jurídico do país em que atua. Os autores descrevem que a invenção da gestora de
venture capital é fruto de um processo histórico que deu origem a uma metodologia de
investimento capaz de atrair grandes volumes de capital para o financiamento de empresas
repletas de incertezas, as startups.
A mobilização de capitais rumo ao venture capital nos Estados Unidos suscitou a
atenção de outros países. E mesmo em seus momentos iniciais, alguns países buscaram se
aproximar da experiência estadunidense para compreender qual o potencial desta
metodologia, e se seria possível o fomento da modalidade de investimento em seus cenários
nacionais. O Vale do Silício servia de foco de interesse mesmo quando ainda pairavam
dúvidas sobre qual o real potencial do venture capital no financiamento de empresas de alto
potencial de crescimento (AVNIMELECH, 2010, p. 104).
Ocorreram diversos experimentos nacionais de fomento para a criação de gestoras
de recursos financeiros dedicadas ao venture capital. Todavia, nenhum deles foi capaz de
mimetizar por completo o formato e o contexto estadunidense, em particular se considerarmos
os retornos financeiros obtidos pelas gestoras no país, e a projeção internacional que o padrão
52
O trecho foi extraído do artigo publicado pela jornalista Erika Brown, na revista Forbes, em 29 de novembro
de 2004. Tradução nossa do texto original: “VCs who once bragged about never driving more than half an hour
to visit a portfolio company are jetting to Australia for optical engineers, Israel for security whizzes, India and
Kazakhstan for brute software coding, South Korea for online gaming and Japan for graphics chips. For growth
across the board China is the place to go.”. Ver em:
<https://www.forbes.com/forbes/2004/1129/150.html#240ef0674cd8>. Último acesso: 01.03.2018.
128
norte-americano conquistou a partir do final dos anos de 1980 (AVNIMELECH, 2010, p.
104).
Em suma, entre os experimentos nacionais de criação de gestoras de recursos
especializadas em venture capital, há adaptações bem-sucedidas e adaptações mal-sucedidas.
Em comum, todas elas têm inspiração nas narrativas de sucesso do Vale do Silício, ou seja,
governos nacionais almejando resultados financeiros, e o ambiente pujante de criação de
empresas e de crescimento, tentando adaptar os seus contextos locais por meio de políticas
públicas e programas de incentivo para a atração de capitais destinados à realização de
investimentos em empresas com alto potencial de crescimento (WRIGHT et al., 2005, p.
137).
Martin Kenney et al. (2004, p. 53) consideram que as mudanças no contexto
institucional estadunidense moldaram o investimento sobre o venture capital internamente e
influenciaram outros países a atrairem investimentos e adaptarem seu contexto local às
características dessa modalidade de investimento. Porém, na visão dos autores, o papel do
governo estadunidense na formação e na expansão do venture capital no país foi importante,
mas indireto. Diferente do que muitos países fizeram, o governo não optou por atuar como
investidor originário de gestoras de recursos nos Estados Unidos da América.
Mesmo no Small Business Act, que oferecia vantagens financeiras para a
constituição de SBICs, não havia uma imposição para que gestoras de recursos que quisessem
atuar com investidoras de venture capital assumissem tal formato. Até a presença das forças
armadas como parceira de centros de pesquisa universitários para o desenvolvimento
tecnológico e como compradora de produtos e serviços de startups não é encarada pelos
autores como uma participação governamental direta no setor de venture capital, pois o
governo norte-americano em nenhum momento assumiu a posição de gestor, reproduzindo as
características de sua organização e estrutura de investimento (KENNEY et al., 2004, p. 54).
Nesse sentido, o processo de internacionalização do venture capital estadunidense
não guarda relação direta com as ações do governo norte-americano no sentido de fomento à
modalidade de investimento, mas sim com as características da modalidade em si, podendo
variar, de país para país, as políticas públicas que seriam utilizadas para a sua adaptação em
contextos locais. A inspiração no Vale do Silício foi suficiente para a exportação do modelo
de investimento de venture capital, porém, não despertou o interesse dos países em
transplantar as instituições que deram sustentação para o seu desenvolvimento
(AVNIMELECH, 2010, p. 103).
129
No início dos anos de 1990, países como Israel e Índia passaram a incluir em suas
políticas públicas de fomento à ciência e à tecnologia projetos de atração do investimento
estrangeiro de venture capital destinados à formação de empresas nacionais de venture
capital. Para além da gradativa construção de um ambiente favorável à pesquisa e ao
desenvolvimento tecnológico internos, os resultados observados no Vale do Silício
influenciaram no modo como outros governos passaram a encarar a incorporação do venture
capital enquanto alternativa de financiamento de startups (AVNIMELECH, 2010, p. 103).
Os retornos extraordinários obtidos em empresas como 3Com, Amgen, AMD,
Compaq, Cisco, Federal Express, Genetech, Intel, Oracle e Sun Microsystems se tornaram
referências poderosas para que países como Israel, Índia, China, Alemanha, Singapura
buscassem no venture capital uma opção para o financiamento de suas empresas de pequeno e
médio porte (KENNEY et al., 2004, p. 52).
Acerca dessa expansão internacional, convém recobrar que até o final da década
de 1980, gestoras de venture capital não demonstravam qualquer intenção em ampliar sua
atuação para além das fronteiras regionais, como o Vale do Silício ou a região de New
England. Ao mesmo tempo, não havia iniciativas governamentais que buscassem atrair essas
gestoras e seus capitais para o financiamento de empresas de pequeno porte nesses países.
Mesmo com grande interesse no venture capital, a ideia era construir um ecossistema próprio,
nacional, de financiamento de startups, tendo como principal instrumento políticas públicas
de fomento aos empreendedores e investidores locais (LERNER, 2009, p. 28).
Segundo Josh Lerner (2009, p. 12), o ingresso de gestoras de venture capital
norte-americanas em novos mercados foi um processo gradual e cauteloso, posto que as
gestoras internacionais, em suas primeiras operações, optaram por compreender a realidade
local e por avaliar quais incentivos os governos locais ofereciam para a sua entrada no
mercado. Mesmo o governo dos Estados Unidos tendo sido apontado como responsável por
intensificar a internacionalização do venture capital no mundo, contribuindo para a
disseminação do modelo norte-americano, foi a inspiração dos resultados do Vale do Silício
que desencadeou apropriações e adaptações regionais. Ainda na visão de Lerner, os governos
utilizaram de duas estratégias principais: (i) mudanças em seu ambiente regulatório-
institucional para receber investimentos em empresas de alto potencial de crescimento; e (ii)
disponibilização de capital para fundos de investimento (AVNIMELECH, 2010, p. 104).
Esse movimento não se deu de forma linear. Iniciou-se com adaptações regionais
em países como a Alemanha na segunda metade da década de 1979, passando pelo ingresso
de gestoras de recursos no Reino Unido no início dos anos de 1980, até alcançar países da
130
Europa Ocidental e Japão no final da década de 1980 (OOGHE et al., 1991). Posteriormente,
alcançou Israel, Brasil, Singapura e Taiwan no início da década de 1990, iniciando
movimentos de reformas regulatório-institucionais nesses países (KEENEY et al., 2004, p.
53).
O caso alemão é interessante, pois ilustra a estratégia mal-sucedida de criação de
ecossistemas de financiamento nacional inspirados pelo Vale do Silício, que dispensavam o
ingresso de gestoras de recursos estrangeiras. Contudo, mesmo que estivesse sob direta
inspiração dos resultados obtidos no contexto estadunidense, o governo alemão acreditava que
poderia traduzir o modelo norte-americano adaptando-o ao seu contexto nacional. Porém, o
que se observou na prática foram resultados abaixo do esperado, e uma mudança de
orientação no fomento ao financiamento de startups, migrando para a atração de gestoras de
recursos estrangeiras (BECKER; HELLMAN, 2005).
Compreender a entrada de gestoras estrangeiras como parte do processo de
internacionalização do venture capital é analisar três fenômenos complementares entre si: (i)
o aumento da disponibilização de capitais estrangeiros para gestoras de venture capital
investirem nos países; (ii) o desejo de expansão por parte de gestoras de venture capital,
alcançando novos mercados e diferentes tipos de empresas; e (iii) a disseminação de
conceitos, modelos regulatório-institucionais e valores culturais ligados ao empreendedorismo
norte-americano em diversos países pelo mundo (WRIGHT, 2005, p. 136).
Em 1988, por exemplo, a Europa Ocidental registrou a entrada de pouco mais do
que 700 milhões de dólares de investidores não europeus para gestoras de venture capital
constituídas poucos anos antes. Em 2000, o volume de recursos captados de investidores não
europeus alcançou a cifra de 22,8 bilhões de dólares, espalhando-se por diversos países do
continente, como a França e a Holanda (WRIGHT, 2005, p. 137).
131
Tabela 4.1 Venture Capital internacional na Europa entre 1988-2003
Ano Recursos
financeiros
captados fora da
Europa
(milhões de euros)
Percentual de
Recursos financeiros
captados na Europa,
e não no país de
origem sobre o total
captado
Percentual de
recursos financeiros
captados fora da
Europa sobre o
total da captação
Recursos investidos
fora do país de
origem na Europa
(milhões de euros)
1988 706 11.2 9.1 267
1989 1883 8.0 24.4 515
1990 1318 14.4 14.4 554
1991 964 13 10. 435
1992 695 7.7 8.8 519
1993 648 7.2 11.7 435
1994 1746 7.0 19.9 734
1995 1001 11.6 11.2 673
1996 2241 11.4 16.7 1104
1997 10.163 17.3 33.5 1884
1998 9738 16.8 31.1 3355
1999 10.894 21.3 21.6 5705
2000 22.838 20.7 26.9 9546
2001 21.205 18.4 34.6 6979
2002 13.762 21.1 28.9 6726
2003 12.035 16.3 28.3 8389
Fonte: Invest Europe (2008)53
Segundo Guler e Guillén (2010, p. 187), o processo de internacionalização do
venture capital passa pelo reconhecimento da importância do crescimento do fluxo de capitais
entre os países, em particular entre a Europa, os Estados Unidos e alguns países da Ásia,
intensificando a competição na atração desses recursos. Em 2004, por exemplo, mais da
metade dos recursos financeiros de venture capitalists na Europa e na Ásia foram captados de
organizações de diferentes países, enquanto nos Estados Unidos, apenas 10% da captação
corresponde a fontes externas.
O gradativo aumento no fluxo de capitais, ao longo do ano, traz como novidade a
incorporação da metodologia venture capital, tida como ideal para a atração de recursos
voltados ao investimento de empresas com alto potencial de crescimento (GULER;
GUILLÉN, 2010, p. 189). Por sua vez, a internacionalização não foi um processo que
priorizou um tipo específico de empresa de alto potencial de crescimento, tanto as empresas
de base tecnológica quanto as empresas exponenciais de oportunidade foram objeto das
atenções de gestoras estrangeiras (LERNER, 2009).
53
Dados extraídos da base de dados Invest Europe e organizados no formato de tabela. Para acesso integral aos
dados, ver em: < https://www.investeurope.eu>. Último acesso: 10.05.2018.
132
Em muitos casos, o contexto nacional definiu quais empresas seriam mais
procuradas por gestoras estrangeiras. No caso de Israel, o programa Yozma foi responsável
pela priorização de investimentos em empresas de base tecnológica (AVNIMELECH, 2010,
p. 104). Na China, o modelo Sina também foi capaz de canalizar recursos para empresas de
base tecnológica, contando com investimentos governamentais para a aproximação de
investidores e para as pesquisas realizadas em universidades e centros de pesquisa (ZHANG,
2016). Já na Índia, o quadro foi distinto, os investimentos se concentraram em empresas
exponenciais de oportunidade (LERNER, 2009).
Estas distinções, como no caso indiano, não estavam claras desde o início. Em um
primeiro momento, as políticas e programas miraram o financiamento de pequenas e médias
empresas, sofisticando-se à medida que se associavam às atividades da ciência, da tecnologia,
do crescimento acelerado, dentre outras (LERNER, 2009, p. 28). O diferencial investidor foi a
associação entre o formato do venture capital norte-americano com a capacidade de atração
de recursos estrangeiros para o financiamento de empresas nascentes de base tecnológica em
diversos países.
Os países que melhor convencessem as gestoras estrangeiras de que se
adequariam ao modelo de venture capital norte-americano, mesmo com pequenas adaptações
locais, venceriam a corrida da obtenção de capitais para o financiamento de startups. A
França, a Inglaterra, a Escócia e a Suécia, por exemplo, promoveram iniciativas internas de
fomento ao venture capital, bem como mudanças em suas legislações para acomodar esse
novo modelo em seus contextos nacionais.
A Alemanha foi a exceção no contexto da Europa Ocidental. Desde a década de
1960, o financiamento de pequenas e médias empresas no país se concentrava em instituições
bancárias, tendo como principal instrumento a emissão de dívidas de médio e longo prazo,
com juros subsidiados por programas governamentais. O surgimento das primeiras iniciativas
de venture capital no país foi bastante influenciado pela ideia de que os bancos nacionais
alemães poderiam servir de catalizadores para a implementação desse modelo de
investimento, não sendo necessária a entrada de venture capitalists de outras localidades.
Contudo, as dificuldades de implementação por parte dos representantes de bancos fizeram
com que a Alemanha também se alinhasse ao movimento de busca por investimento de
venture capitalists estrangeiros (AVNIMELECH, 2010, p. 105).
A partir da segunda metade da década de 1990, o cenário da internacionalização
do venture capital se consolida na disputa por capitais estrangeiros para financiamento de
pequenas e médias empresas. Investidores europeus e norte-americanos passam a buscar
133
oportunidades também em mercados emergentes, e em países dispostos a mudar o seu
ambiente regulatório-institucional, como forma de convencer investidores a investirem em
suas empresas. Israel, Índia, China e Singapura foram os países que mais tiveram sucesso na
captação de recursos em suas tentativas de acomodação de um modelo de investimento
oriundo de venture capital (WRIGHT, 2005, p. 137).
A China é o exemplo mais curioso entre os países que receberam o ingresso de
capitais de gestoras estrangeiras. Isto porque o ingresso das gestoras ocorreu de forma
indireta, por meio de um modelo próprio para o financiamento de empresas de alto potencial
de crescimento serem capazes de se estabelecer no país. Esse modelo, voltado ao
financiamento de empresas de grande porte, é referido como uma das adaptações ao venture
capital estadunidense mais bem-sucedidos no mundo, tendo sido integrado anos mais tarde
pelas políticas do governo chinês.
Em 2004, por exemplo, mais de 60% dos recursos captados para o investimento
de venture capital em Hong Kong, Índia, Vietnam e Tailândia eram de investidores
estrangeiros. Nesse mesmo período, Hong Kong, a Coréia do Sul e o Japão já captavam mais
recursos estrangeiros para o venture capital do que a maior parte dos países europeus, com
exceção da França, do Reino Unido e da Alemanha (WRIGHT, 2005, p. 139).
Hong Kong, integrada à China desde 1998, é tratada como uma unidade própria
de análise pelas diferenças que ainda guardava em relação à China naquele período, em
particular devido aos seus laços com instituições britânicas. Não por acaso, Hong Kong era o
local com maior volume de recursos captados para investimentos, sendo a maior parte deles
vindos da Inglaterra e dos Estados Unidos da América (WRIGHT, 2005, p. 139).
134
Tabela 4.2 Captação Internacional de Venture Capital na Ásia em 2004
País Recursos financeiros
captados fora do
país (milhões de
dólares)
Recursos financeiros
captados na região, e não no
país de origem sobre o total
de recursos captados (%)
Recursos financeiros
captados fora da Ásia
sobre o total de
recursos captados (%)
Austrália 805 5 12
China 2841 23 24
Hong
Kong
23.157 22 67
Índia 1929 19 60
Indonésia 61 16 24
Japão 4133 3 18
Coréia do
Sul
2188 7 28
Malásia 397 23 26
Nova
Zelândia
76 13 0
Filipinas 169 15 43
Singapura 6438 28 38
Taiwan 939 5 10
Tailândia 464 14 66
Vietnam 99 11 76
Fonte: (WRIGHT, 2005, p. 139)
Da mesma forma que os países europeus, a busca por capitais para o investimento
de venture capital desencadeou mudanças no Oriente, em especial em Singapura, China, Índia
e Japão. Essas mudanças se materializaram em reformas na legislação desses países, bem
como na elaboração de arranjos alternativos de investimento, como o caso chinês com o
modelo Sina. Em comum, o comportamento das gestoras de venture capital constituídas na
Europa e na Ásia reproduziam o esforço de convencer investidores de outros países, capazes
de capitalizar fundos de investimento, a investir em suas startups locais (WRIGHT, 2005, p.
141).
Diferentemente do modo como se deu o processo de desenvolvimento do venture
capital nos Estados Unidos, os investimentos realizados por gestoras estrangeiras na Europa
Ocidental e na Ásia se concentraram em empresas em fases mais avançadas de
desenvolvimento. Empresas em estágios iniciais não eram vistas como alvo principal de
investimentos de venture capital, sendo o foco tanto do capital semente quanto do
investimento anjo.
135
Em um levantamento realizado por Mike Wright et al. (2005, p. 138), de todos os
recursos investidos por empresas de venture capital em 2002 na Ásia, apenas 22% foram
disponibilizados para o financiamento de empresas em sua fase inicial de desenvolvimento
(early stage). Na Europa, apenas 11% de todos os recursos desse tipo foram destinados ao
financiamento de startups nesse estágio.
Do processo de internacionalização também deriva o argumento de que a presença
de bolsas de valores fortes, com grande volume de transações, favoreceria a atração de
capitais estrangeiros para o país e auxiliaria o crescimento de empresas de venture capital,
uma vez que elas teriam mais opções para a retirada de investimentos realizados em startups
por meio da abertura de seu capital (BLACK; GILSON, 1998, p. 244).
Economias com um mercado de capitais forte ofereceriam um ambiente mais
vantajoso para acomodar as expectativas de gestoras de recursos em ciclos de investimento de
venture capital, opondo-se a uma estrutura de financiamento via instituições bancárias. A
presença de uma bolsa de valores que garantia a saída de gestoras mesmo sem um comprador
para sua participação, dava maior liberdade para que pudessem explorar investimentos em
mercados ainda não explorados (BLACK; GILSON, 1998, p. 244). Mesmo que a participação
das bolsas não fossemuma condição para a realização de investimentos de venture capital,
poderiam ampliar a disposição de gestoras em investir em perfis diversificados de startups,
em mercados ainda não ocupados por outras empresas (LERNER, 2009). A preocupação em
identificar potenciais compradores seria menor na presença de uma bolsa de valores que
pudesse servir como alternativa à saída de gestoras de venture capital.
Países como Alemanha e Japão, em que o financiamento de startups, mesmo com
a presença de gestoras de venture capital, ainda depende de uma estrutura bancária
concentrada, não apresentariam as condições ideais para o venture capital, uma vez que
gestoras de recursos atuantes nesses países estariam condicionadas a saídas via a compra de
suas participações, dependendo de empresas de maior porte ou até de outros investidores
interessados no crescimento das empresas investidas (BLACK; GILSON, 1998, p. 245;
LERNER, 2009).
Leslie A. Jeng e Philippe C. Wells (2000) corroboram com o argumento de que
fatores regulatório-institucionais podem moldar o venture capital nos países, condicionando
comportamentos e adicionando características aos seus agentes. Para os autores, é possível
criar adaptações locais que sejam capazes de compensar arranjos regulatório-institucionais
que não acomodem bem as características da metodologia de investimento do venture capital.
136
Em um levantamento sobre investimentos de venture capital realizado por John
Armour e Douglas Cumming (2006), em que foram analisados 15 países por um período de
13 anos, os autores afirmam que o ambiente jurídico e o envolvimento de autoridades
governamentais são igualmente importantes ao desenvolvimento da modalidade de
investimento. Desse modo, uma legislação que permita que empreendedores possam falir
mais de uma vez e iniciarem uma nova empresa com apenas alguns anos de diferença pode
estimular o venture capital, pois o fracasso serviria de aprendizado para empreendedores na
criação de novos empreendimentos. Ainda de acordo em Armour e Cumming (2006, p. 601),
a construção de um sistema jurídico com tais fins, e que após um período de tempo tornaria as
empresas isentas de suas obrigações e dívidas para que pudessem constituir uma nova
empresa, é uma escolha política capaz de atrair mais investimentos de venture capital. Países
que mantém o empreendedor preso a dívidas de seu empreendimento inicial por longo tempo
optam por desperdiçar os ganhos de aprendizagem e relacionamento advindos da primeira
tentativa.
A depender do país, diferentes fatores podem desempenhar papéis na atração e no
desenvolvimento de investimentos de venture capital. Em nossa visão, características de
nosso mercado de capitais (e.g. falta de liquidez da bolsa de valores brasileira), estruturas
administrativas pouco responsivas (e.g. INPI e o backlog de patentes) e características do
sistema jurídico nacional (e.g. responsabilização ilimitada de empreendedores) são fatores
fundamentais para restringir o potencial de crescimento do venture capital como uma das
alternativas de investimento em empresas de alto potencial de crescimento no país, tópico que
iremos tratar no próximo capítulo.
Nas próximas seções deste capítulo, discutiremos duas formas pelas quais se deu
o processo de internacionalização do venture capital. A primeira delas na Alemanha, em que
o que se internacionaliza é a ideia de um financiamento próprio para startups, cuja proposta é
a criação de um modelo próprio baseado na ideia de venture capital. A segunda, na China, o
venture capital é exportado enquanto metodologia de investimento e fonte de capital, com
gestoras estrangeiras, em que foi necessária a criação de uma adaptação local, chamada de
modelo Sina, para que a modalidade pudesse se desenvolver no país.
No caso alemão, nossa intenção é discutir qual o papel adequado a ser
desempenhado por bancos no fomento ao venture capital. No caso chinês, queremos tratar de
como construir adaptações locais em um cenário regulatório-institucional hostil (e.g. presença
de restrições ao investimento em setores como o de tecnologia da informação).
137
Os dois casos nos servem como ilustrações de processos de internacionalização e
não reproduções fidedignas das trajetórias desses países. Como não realizamos nenhuma
pesquisa de campo nos países mencionados, com entrevistas em gestoras de recursos e outros
atores relevantes para o investimento, essas duas ilustrações nos servirão como referências
para uma melhor compreensão da trajetória brasileira de construção do venture capital.
Cenários descritos no caso alemão e no caso chinês dialogam com a trajetória nacional e irão
nos servir no próximo capítulo para que possamos compreender escolhas em nosso desenho
regulatório-institucional.
4.2 Contexto local, apropriações e adaptações
A influência da promoção de mudanças regulatórias no comportamento dos
agentes na trajetória de internacionalização do venture capital não deve ser tratada como um
fenômeno unidimensional. Como primeira camada, o conceito de instituições varia entre
diversos autores, tornando difícil a tarefa de examinar quais os fatores explicam a relação
entre governos e o estímulo ao venture capital (GULER; GUILLÉN, 2010, p. 187). Uma
segunda camada é a diferenciação do papel dessas instituições em países desenvolvidos e em
desenvolvimento, tendo em vista que os sentidos das transformações são distintos em cada um
dos contextos locais (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 300). Uma terceira camada, por sua
vez, abarca as narrativas que têm convencido os países e agentes privados a empregarem
recursos e esforços na criação de políticas públicas de fomento ao venture capital
internamente (LERNER, 2009, p. 64).
A primeira definição de instituições tida como referência para nossa análise dos
processos de internacionalização do venture capital foi elaborada pelo economista Douglass
North (1990), que descreveu enquanto “regras do jogo na sociedade” o quadro de normas
inscritas na legislação e no corpo administrativo de um país. Essa definição foi rapidamente
expandida por autores que se debruçaram no tema, mas não conseguiam explorar esse
conceito de forma instrumental para as formulações de explicações sobre o porquê alguns
países eram mais bem-sucedidos em iniciativas de estímulo ao venture capital, enquanto
outros fracassavam (HIRSCH; LOUNSBURY, 1997; AHLSTROM; BRUTON, 2006, p.
302).
138
W. Richard Scott (2014, p. 49-50)54
oferece um conceito mais amplo para
instituições, definindo-as como estruturas sociais multifacetadas e permanentes, criadas a
partir de atividades sociais, recursos materiais e elementos simbólicos. Instituições, na visão
do autor, ofereceriam orientação e recursos para a ação, bem como proibições e limites para
os atos de indivíduos. Mesmo que sua presença seja sútil, as instituições se mostram
pervasivas e possuem uma forte influência nas crenças e metas de indivíduos, grupos e
organizações na sociedade.
Scott (2014) categoriza tais instituições em três grupos: (i) regulatórias; (ii)
normativas; e (iii) grupos cognitivos. Instituições regulatórias seriam os referenciais presentes
nas normas escritas, dispostas na legislação e nos regulamentos administrativos. Podem ser
descritas como as instituições formais, idênticas às definidas por Douglass North. Instituições
normativas seriam os padrões de comportamento esperados de indivíduos, grupos e
organizações, podendo, ou não, ser codificados em uma lei ou regulamento proferido por uma
autoridade oficial, seja ela governamental (e.g. Comissão de Valores Mobiliários) ou não (e.g.
Conselhos Regionais de Medicina). E instituições como grupos cognitivos constituem
percepções, crenças, referenciais do senso comum que estão presentes nas interações sociais e
podem servir como guias de comportamentos.
Nos estudos sobre os processos de internacionalização do venture capital, discute-
se como práticas organizacionais, rotinas e escolhas estratégicas podem ser influenciadas por
instituições de países pelo mundo, bem como quais são os efeitos da assimilação de
instituições estrangeiras, em particular a norte-americana, presente no modelo de investimento
de venture capital. Dessa forma, a análise institucional evidencia como fatores jurídicos,
sociais e culturais podem influenciar escolhas e alterar contextos locais (AHLSTROM;
BRUTON, 2006, p. 302; GULER; GUILLÉN, 2010, p. 187).
Não por acaso, um segundo nível de preocupações da análise institucional busca
diferenciar as transformações derivadas do processo de internacionalização de países
desenvolvidos daqueles que ainda se encontram em desenvolvimento. Enquanto no primeiro
54
A definição de instituições proposta por W. Richard Scott não encerra o debate sobre o tema e está longe de
ser um consenso entre todos os autores do campo (HIRSCH; LOUNSBURY, 1997). Na literatura sobre análise
institucional, autores tomam como referencial de análise conceitos com graus distintos de extensão e
profundidade, limitando-se às regras oficiais como Douglass North, ou ampliando seu campo de visão como W.
Richard Scott. Optamos por um conceito mais amplo por dois motivos. A definição mais ampla é a mais
utilizada em trabalhos que tentam investigar mudanças institucionais provocadas pelo processo de
internacionalização do venture capital (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 301), nos servindo como um
instrumento importante para uma avaliação dos impactos no Brasil, tarefa que iremos realizar no próximo
capítulo. Além disso, um conceito mais amplo de instituições nos oferece um maior conjunto de variáveis de
análise e comparação entre as transformações dos países, e em especial como o Brasil respondeu ao ingresso do
investimento de venture capital no país.
139
caso, países como a Alemanha, o Japão e a França buscaram promover mudanças em um
contexto de estabilidade institucional, países em desenvolvimento, como a China, a Índia, a
Tailândia e Taiwan tiveram de criar estratégias de atração do venture capital em ambientes de
baixa previsibilidade e instabilidade institucional (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 300).
Mesmo com diferenças importantes no campo econômico, social, jurídico e
cultural, países desenvolvidos têm demonstrado um maior grau de previsibilidade na
construção e condução de suas instituições, ainda que em momentos de crise (PENG;
SHEKSHNIA, 2001; MEYER, 2001; AHLSTROM; BRUTON, 2006). A intensa velocidade
das transformações, a sua falta de coerência com iniciativas anteriores, o peso dos
relacionamentos pessoais e por parentesco em tomadas de decisão, além da presença de
corrupção de agentes públicos criam um ambiente em que as mudanças institucionais
respeitam uma dinâmica própria, merecedora de um exame apartado (AHLSTROM;
BRUTON, 2006).
Em relação aos países desenvolvidos, o debate se traduz em dois contextos: os que
apresentam um quadro institucional adaptado ao ingresso do modelo de venture capital norte-
americano, como o Reino Unido e o Canadá, considerando as semelhanças entre os seus
sistemas financeiros, e as afinidades culturais entre seus povos; e países que apresentam um
sistema financeiro com características distintas, em particular com forte atuação do sistema
bancário e interesse na promoção de mudanças institucionais para acomodar o modelo de
investimento e de investidores de venture capital estrangeiros (PENG; SHEKSHNIA, 2001;
MEYER, 2001; AHLSTROM; BRUTON , 2006).
Nesse sentido, o caso alemão é exemplar, visto que seu sistema financeiro é
tradicionalmente descrito a partir do papel dominante de bancos no financiamento de
empresas. Segundo Ralf Becker e Thomas Hellman (2005), o financiamento de empresas
alemãs de diferentes portes se concentrou no crédito bancário durante o século XX, sendo, em
alguns casos, subsidiadas pelo governo alemão (e.g. crédito para pequenas empresas).
Em 1975, o governo alemão criou o Deutsche Wagnisfinanzierungsgesellschaft
(WFG), primeiro fundo de investimento em venture capital do país baseado nos recursos
financeiros e na participação de seus bancos nacionais. O WFG serviria como veículo para o
financiamento de startups daquele país, que teriam capital e tempo para se desenvolver.
Todavia, em dez anos de funcionamento, o fundo foi um fracasso, registrando um prejuízo de
38,4 milhões de marcos, reforçando a percepção de que a entrada de gestoras de recursos
estrangeiros seria importante para o desenvolvimento do segmento no país.
140
Os resultados negativos da WFG serviram como referência quando o assunto é a
dificuldade de sistemas financeiros em adaptarem a metodologia de venture capital ao seu
contexto local. Esse fator se tornou decisivo, inclusive, para o convencimento de investidores
alemães e de outros países europeus a adotarem o padrão estadunidense por completo no final
dos anos de 1980. Essa adoção iniciou um processo de acomodação do modelo, aproximando
algumas instituições formais alemãs das norte-americanas (BECKER; HELLMANN, 2005).
Outro cenário é descrito nos países em desenvolvimento no continente asiático.
As preocupações extrapolam as mudanças nas instituições formais, alcançando análises sobre
fatores regulatórios e de grupos cognitivos. Na pesquisa55
realizada por David Ahlstrom e
Garry D. Bruton (2006) sobre o ingresso de gestoras de venture capital nos países do leste da
Ásia, os autores apontam que relações pessoais entre investidores e empreendedores, e
contatos de empreendedores com autoridades governamentais locais descrevem melhor a
dinâmica de investimentos na região do que as normas presentes na legislação, ou os direitos
e obrigações inscritos nos contratos celebrados entre empreendedores e investidores.
Em uma das entrevistas conduzidas pelos autores (2006, p. 310), um gestor com
atuação em Singapura, China e Taiwan comenta:
Se você não for atento, seus ativos poderão sair pela porta. Nós tivemos uma
empresa montada que sumiu. Em outra empresa que nós trabalhamos, o
empreendedor fugiu com todo o dinheiro investido, os bens comercializáveis
e até o carro da empresa. Um administrador que nós conhecemos foi além;
ele secretamente vendeu todos os ativos de uma joint venture – incluindo a
parte que não era de propriedade de investidores locais – para um
departamento governamental [China]. Em outro empreendimento financiado,
o indivíduo emprestou dinheiro em nome da empresa – uma grande quantia
– e desapareceu. Ele deixou tudo para trás, incluindo sua família e saiu do
país. Nós temos aprendido que é necessário ter um representante local
próximo do investimento no leste da Ásia, especialmente na China. Em
Singapura, é bem mais difícil desaparecer por completo, pois o país é
pequeno. Contudo, em outros países do leste da Ásia é fácil, os tribunais são
de pouca ajuda56
(AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 310).
55
A pesquisa conduzida por David Ahlstrom e Garry D. Bruton (2006) teve abordou como os venture capitalists
lidam com a imprevisibilidade inerente aos ambientes institucionais de economias em desenvolvimento. Como
método de pesquisa, os autores fizeram uso da literatura acadêmica sobre a internacionalização do venture
capital e conduziram entrevistas com 5 representantes de governos (Hong Kong, Taiwan, China, Singapura e
Coréia do Sul) e 60 representantes de empresas de venture capital com atuação nos países do leste da Ásia. As
entrevistas foram presenciais e realizadas a partir de formulários semiestruturados, permitindo que as respostas
pudessem extrapolar o escopo do que foi questionado. Os resultados foram divididos em quatro categorias: (i)
seleção de empresas para investimento em países emergentes; (ii) estruturação e monitoramento; (iii) valor
adicionado; e (iv) saída. Em cada uma dessas categorias os autores descrevem como a relação entre venture
capitalists e empreendedores nos países do leste da Ásia segue uma dinâmica própria, distinta da dos países
desenvolvidos, marcada pela força dos laços pessoais e de conexões com autoridades governamentais. Ver em:
(AHLSTROM; BRUTON, 2006). 56
Tradução nossa do original: “If you are not quite vigilant, your assets will walk out the door. We had a whole
firm full of equipment vanish on us. In another firm we were working with, the entrepreneur absconded with all
141
Em outro conjunto de entrevistas, gestores mencionam as dificuldades em exercer
seus direitos de sócios em órgãos de tomada de decisão, como o Board of Directors, nas
empresas de tais regiões. Dois direitos presentes em todos os acordos de investimento com
startups locais – (i) o de veto de decisões contrárias ao seu interesse, e (ii) o de remoção do
CEO da empresa – não eram respeitados por empreendedores locais e, em muitos casos, não
eram postos em prática por tribunais da região, em particular na China e em Taiwan. A
depender do grau de deterioração da relação entre investidores e empreendedores, a opinião
de gestores não seria sequer considerada para a tomada de decisão sobre os rumos da startup
(AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 309).
Em outros casos, investidores mencionam a importância do empreendedor ter um
bom relacionamento com a burocracia governamental de seu país, como na China, para a
aquisição de bens imóveis ou a venda de produtos controlados, influenciando o diferencial
competitivo para o ingresso de um novo produto no mercado, para a expansão do
empreendimento, ou para a realização de novas rodadas de investimento (AHLSTROM;
BRUTON, 2006, p. 310).
Diante desse cenário, a estratégia mais mencionada para lidar com os riscos de
desvio de recursos, com as dificuldades de intervir na startup ou com a necessidade de
relacionamento com representantes governamentais, foi a aposta dos gestores na formação de
redes regionais de representação. Essas redes seriam constituídas por nacionais contratadas
que conhecessem empreendedores, possuíssem relacionamento com autoridades
governamentais e que se relacionassem com representantes de outras gestoras de venture
capital (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 311).
A construção das redes facilitou a atuação de gestores, em especial no âmbito das
instituições normativas e dos grupos cognitivos nos países do leste da Ásia. Os investidores
perceberam que os empreendedores passaram a receber melhor suas opiniões via
representantes locais, pois mantinha-se a aparência de que o controle sobre o empreendimento
continuava nas mãos dos empreendedores locais, preservando o que foi descrito como minzi,
grupo cognitivo que simbolizava o respeito hierárquico na região (AHLSTROM; BRUTON,
2006, p. 311). the money, the saleable assets, and even the company car. One manager we know of went further than that; he
secretly sold all of a funded joint venture – even the part that the local investors did not own – to a government
department [in China]. In another funded venture, the guy borrowed money under the company name – a lot of it
– and disappeared. He left everything behind, including his family and slipped out of the country completely. We
have learned you must have people on the ground near your investment in East Asia, especially China. In
Singapore, it is a lot tougher to disappear completely, because it is a small place. But in other East Asian
countries, it is easier; the laws and courts are of little help.”
142
Outra estratégia também utilizada pelos gestores na Ásia foi a elaboração de
termos, declarações e contratos durante as operações de investimento tendo como base a
legislação do estado da Califórnia (EUA). Tornou-se rotina a celebração de termos de adesão
às regras norte-americanas de proteção à propriedade intelectual, bem como a elaboração de
acordos de investimento com menção expressa à aplicabilidade das normas do estado da
Califórnia (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 313).
O objetivo dessa estratégia era aproximar gradualmente as práticas, as rotinas, as
regras e os comportamentos típicos da relação entre gestores e empreendedores no Vale do
Silício com a de gestores e empreendedores em países do leste da Ásia. Sobre a aproximação,
um dos gestores entrevistados ressalta que a estratégia foi bem-sucedida, uma vez que o
sistema jurídico de países como Singapura e Taiwan reconheciam a validade de contratos que
estipulam a aplicação de leis de outros países (AHLSTROM; BRUTON, 2006, p. 313).
Sobre esse momento, é interessante notar também que, mesmo com diferenças
significativas de acomodação do modelo de investimento entre países da Europa e da Ásia, as
narrativas construídas por governos e agentes privados que justificavam o emprego de
recursos em projetos de fomento ao venture capital coincidem, em alguns casos chegam a ser
idênticas.
Josh Lerner (2009, p. 66) ao examinar os motivos mais evocados por governos na
Europa e na Ásia para a criação de iniciativas de estímulo ao venture capital, chama atenção
para três grupos principais: (i) a crença de autoridades públicas de que o fomento ao venture
capital pode iniciar um ciclo virtuoso de crescimento no número de empresas de alto
potencial de crescimento no país; (ii) a perspectiva de que o envolvimento governamental
pode reduzir as assimetrias de informação intrínsecas à relação entre empreendedores e
investidores, orientando investimentos para áreas não financiadas; e (iii) a busca pela
disseminação de ganhos (spillovers) de conhecimentos resultantes do fomento de atividades
empreendedoras realizadas por empresas de alto potencial de crescimento, investidas por
gestoras de recursos.
Conceitualmente, por ciclo virtuoso, o autor (2009, p. 67) descreve o processo
pelo qual profissionais da área de ciência e tecnologia, posicionados no mercado ou na
academia, passam a ter incentivos para empreender, apostando no modelo em que o
crescimento de sua empresa será fruto de sua sociedade com outros empreendedores e com as
categorias de investidores que compõem a dinâmica do venture capital.
A partir de interações complexas, pautadas pela duração do ciclo de investimento
de venture capital e pelas características comportamentais de seus investidores, os
143
empreendedores passam a se familiarizar com os dilemas (trade-offs) associados ao venture
capital, orientando as suas decisões empresariais por uma trajetória de crescimento acelerada
até o momento da saída dos investidores. À medida que o número de empresas de alto
potencial de crescimento com investimento de venture capital cresce, prestadores de serviços
como advogados, contadores e consultores passam a também ser demandados por atuarem
segundo a dinâmica de investimento do venture capital, gerando aprendizados e criando
sinergias entre diversas áreas para facilitar a trajetória de crescimento de startups.
O crescimento no número de empresas de alto potencial de crescimento, a
presença de profissionais capazes de dar suporte para essas atividades e o surgimento dos
primeiros casos de sucesso criaram as condições de interesse e confiança para que fontes de
recursos de maior porte, como bancos de investimento, fundos de pensão e empresas de
grande porte optassem por capitalizar gestoras de recursos de venture capital, ampliando a
demanda por novas startups, atraindo ainda mais profissionais do mercado e da academia,
formando um ciclo virtuoso.
Como resultado esperado, governos que buscavam o estímulo ao venture capital
acreditaram que a criação desse ciclo virtuoso seria capaz de gerar mais oportunidades de
empregos, proporcionando crescimento econômico para o país, em vista dos ganhos advindos
de seus processos de inovação tecnológica. Nessa visão, seria recomendável que os governos
adaptassem o seu quadro normativo (e.g. leis e regulamentos), bem como a atuação de suas
instâncias administrativas (e.g. registros de empresas, marcas e patentes) às características do
investimento de venture capital, articulando os incentivos adequados para o estímulo de
comportamentos que desencadeassem os efeitos esperados e contribuíssem para o crescimento
do país.
O segundo motivo para a criação de iniciativas governamentais de fomento ao
venture capital seria a redução de assimetrias de informação, próprias da relação entre
empreendedores e investidores, por meio da criação de incentivos para setores pouco
valorizados, ou mesmo em tecnologias ainda pouco exploradas por empresas de alto potencial
de crescimento. Nos Estados Unidos, o venture capital tem se concentrado em determinados
setores de tempos em tempos. No início dos anos 2000, os segmentos de tecnologia da
informação e da saúde eram os principais alvos de investimentos, recebendo mais de 90% do
volume de capital. Oito anos mais tarde, segmentos como o de energia limpa e aplicações de
segurança da informação passaram a rivalizar com investimentos nestas áreas, sustentando um
ritmo de crescimento durante o período. Contudo, alguns setores historicamente não
144
receberam atenção de gestoras de venture capital, suscitando o argumento de que a ausência
de interesse está associada à ausência dos incentivos adequados (LERNER, 2009, p. 70).
Josh Lerner (2009, p. 71) não desconsidera que processos históricos de construção
de uma infraestrutura de ciência e tecnologia possam favorecer determinadas áreas, criando
mais oportunidades de financiamento. Da mesma forma, não ignora o fato de que em
determinados setores, o alto volume de capital inicial para atividades de pesquisa e
desenvolvimento podem inviabilizar a construção de empresas de base tecnológica, como por
exemplo na área de exploração de energia nuclear. A preocupação com a ampliação dos
setores para o investimento de venture capital vem justamente da possibilidade de falta de
investimento para áreas que contam com uma infraestrutura montada pelo poder público,
contudo, pouco exploradas pelo setor privado de investimento.
A criação de iniciativas governamentais de investimento conjunto com gestoras de
venture capital por meio da criação de fundos públicos de investimento, bem como tentativas
de atração de pesquisadores e profissionais para áreas com pouca atenção, via programas de
incentivo, como a concessão de bolsas de estudo ou subsídios para pesquisa, geram
alternativas para atenuar as tendências de subvalorização de determinados campos,
aproveitando infraestruturas de ciência e tecnologia constituídas no país.
O terceiro motivo para o envolvimento de autoridades públicas no fomento do
venture capital reside na busca pela ampliação de fluxos de conhecimentos derivados de
atividades empreendedoras, posto que ampliam os ganhos da disseminação de informações,
experiências e práticas derivadas da trajetória de crescimento das startups. Mesmo sem a
identificação de quais startups irão alcançar os níveis mais altos em sua trajetória de
crescimento, a criação de um ambiente favorável a investimentos de venture capital permite
que ganhos de aprendizado e conhecimento sejam gerados para o mercado, ainda que o
desenvolvimento tecnológico seja realizado por um grupo de empresas e a exploração
comercial por outro (LERNER, 2009, p. 71).
Enquanto empresas como Hewlett Packard e Lenovo foram as primeiras
fabricantes de computadores pessoais nos anos de 1980, e a Lotus e WordPerfect foram as
primeiras a criar soluções técnicas para o desenvolvimento de sistemas operacionais para
computadores pessoais, foram empresas como a Intel, no segmento de microprocessadores, e
a Microsoft, no desenvolvimento de sistemas operacionais, que, com auxílio do venture
capital, obtiveram os maiores ganhos na comercialização de produtos ligados aos
computadores pessoais no final dos anos de 1980 e início de 1990 (LERNER, 2009, p. 71).
145
Diante disso, é fato que o quadro institucional de um país deveria servir como um
ambiente que permitisse as empresas disputarem recursos para o seu desenvolvimento
tecnológico, bem como para a criação de estratégias criativas de comercialização de produtos,
para que o fluxo de conhecimentos e experiências fossem ampliados pelas disputas entre
startups nos diversos estágios de seu crescimento (LERNER, 2009, p. 72).
Para analisar com mais detalhes os dois sentidos para o processo de
internacionalização do venture capital, escolhemos duas ilustrações de adaptação do modelo
de venture capital: a criação do WFG na Alemanha, e o modelo Sina na China. A seleção
desses exemplos, mesmo que ocorridos em momentos distintos, serve como forma de discutir
dois aspectos relevantes para a trajetória do venture capital no Brasil: (i) qual o papel
adequado para bancos no ciclo de investimento de venture capital; e (ii) como o ambiente
regulatório-institucional hostil de um país molda o comportamento de investidores de venture
capital. Acerca de como esses dois aspectos fizeram parte da trajetória brasileira será tratado
no próximo capítulo.
4.2.1 KBG, bancos, WFG e o fomento do venture capital na Alemanha
As atividades de venture capital alemão são caracterizadas pela sua mudança
de atitude em relação aos empreendedores. O ano de 1986 demonstrou que
mudanças significativas estão começando a tomar corpo; os donos e
administradores de pequenas e médias empresas estão tomando consciência
de que o crescimento deve ser encarado como a principal estratégia para o
seu empreendimento. O desenvolvimento gradual, de longo prazo, com
baixa rotatividade de funcionários e personalismos do fundador da empresa
estão lentamente dando espaço para orientações mais voltadas ao mercado,
com maiores exigências de profissionalismo e experiência em gestão.
Apenas quando esta mentalidade estiver inserida no pensamento estratégico
de empreendimentos financiados por venture capital executivos bem
preparados de grandes corporações serão convencidos a deixar seus postos
para ingressar em equipes de startups (PLAGGE, 2006, p. 43-44).57
O financiamento de iniciativas empreendedoras na região que hoje, na Alemanha,
remonta da Idade Média, em particular do século XVI, quando aristocratas locais passaram a
57
Tradução nossa do original: “German venture capital activities are characterized by the changing attitude of
entrepreneurs. The year 1986 demonstrated that significant changes are beginning to take place; the owners and
managers of small and medium-size companies are becoming more aware of growth as a central strategy for
their enterprises. Gradual, long-term development, very low turnover rates of employees and the central role of
a founding personality are slowly giving way to a market-driven orientation that requires a high degree of
professional management experience. Only when this orientation becomes the accepted mode of strategic
thinking can venture capital financed enterprises begin to appeal to the highly skilled groups of middle
managers in the larger corporations, who have far elected to stay on the sidelines instead of joining the
management teams of start-ups.” Ver em: (PLAGGE, 2006, pp. 43-44).
146
financiar a criação das primeiras ligas de comércio e a formação dos primeiros bancos para
financiá-las. A criação de gestoras de venture capital no país, no entanto, é um fenômeno
recente, com início na década de 1960, com o surgimento da
Kapitalbeteiligungsgesellschaften (KBG), passando pela estruturação do Deutsche
Wagnisfinanzierungsgesellschaft (WFG), até alcançar o modelo de limited partnership dos
dias atuais (PLAGGE, 2006, p. 39).
Os primeiros programas governamentais de apoio a pequenas e médias empresas
na Alemanha remontam dos primeiros anos do pós-II Guerra Mundial como parte das
iniciativas de reconstrução do setor industrial do país. Dentre as principais medidas no
período, o European Recovery Program (ERP) foi criado em 1947, também chamado de
Plano Marshall, e disponibilizou recursos para o processo de reconstrução europeu, criando
linhas de financiamento específicas para o incentivo a pequenas e médias empresas (JENG;
WELLS, 2000, p. 282).
Os fundos criados pelo ERP disponibilizaram recursos ao banco alemão para
compensação (Deutsche Augleichsbank) e ao banco alemão para reconstrução (Deutsche Bank
fuer Wiederaufbau). Essas instituições seriam as responsáveis por criar linhas de crédito para
o financiamento de pequenas e médias empresas, tendo linhas específicas para atividades
ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico – P&D (JENG; WELLS, 2000, p. 282).
Além desses recursos, estados alemães também constituíram programas de apoio,
tendo como principal instrumento a criação de linhas de crédito subsidiado, espelhando as
iniciativas do governo federal. Consequentemnete, os pedidos de empréstimo eram
formulados com a descrição das atividades a serem financiadas (e.g. pesquisa e
desenvolvimento de novos produtos), e a parcela subsidiada variava de acordo com a
atividade, sendo a P&D uma das que ofereciam melhores condições para financiamentos
(JENG; WELLS, 2000, p. 282).
No início dos anos de 1950, complementando as linhas de crédito oferecidas por
instituições financeiras, o governo alemão criou as primeiras empresas de investimento
voltadas ao auxílio e à orientação de pequenas e médias empresas na Alemanha, as chamadas
Kapitalbeteiligungsgesellschaften (KBG). As KBGs eram constituídas com recursos
financeiros de bancos alemães e de governos estaduais do país, funcionando de forma muito
similar às Small Business Investment Companies (SBICs) dos Estados Unidos. A proposta
dessas instituições era oferecer recursos para pequenas empresas do país em troca de
participação societária nos empreendimentos (PLAGGE, 2006, p. 40).
147
Em seu desenho oficial, uma KBG teria como função oferecer recursos para
pequenas empresas, sem distinção de seu mercado de atuação, oferecendo suporte e
orientação para suas atividades, em especial para a comercialização de seus produtos e
serviços. Dessa forma, deveria servir como apoio para a trajetória de crescimento da empresa,
buscando a saída do empreendimento apenas quando demonstrasse envergadura para poder
sustentar seu crescimento com seus próprios recursos (JENG; WELLS, 2000, p. 282).
O investimento era então realizado a partir da combinação entre instrumentos de
dívida e participação societária, em que a pequena ou média empresa assumia dois
compromissos: o de pagar parte dos recursos com juros e o de recomprar a participação de sua
própria empresa em, no mínimo, após 5 e no máximo até 10 anos de financiamento da KBG
(AVNIMELECH, 2010, p. 104).
Na prática, o grau de envolvimento de KBGs com empresas investidas foi muito
baixo, limitando-se ao comparecimento de representantes das KBGs em encontros e reuniões
obrigatórias. Além disso, muitas das KBGs constituídas optavam por não investir em
pequenas empresas, concentrando seus esforços em empresas de médio porte. Essa posição
foi inclusive registrada em comunicações oficiais de algumas KBGs para o governo alemão,
nas quais ressaltavam que os riscos associados a pequenas empresas eram muito elevados para
o seu negócio (AVNIMELECH, 2010, p. 104).
Mesmo com a presença de linhas de crédito dedicados, o modelo de
financiamento para esse nicho específico durante os anos de 1950 e 1960 se concentrou no
uso de recursos próprios. No período, pequenas empresas alemãs eram sinônimas de empresas
familiares, pouco conectadas com setores ligados à ciência e tecnologia, e com baixo
envolvimento com empresas como as KBGs (JENG; WELLS, 2000, p. 283).
Esse desvínculo se dava, segundo Gil Avnimelech et al. (2010, p. 104), porque a
estabilidade do emprego em grandes empresas e a segurança associada ao prestígio de
professores e pesquisadores em universidades alemãs, serviam como desestímulo para que
esses profissionais buscassem empreender, criando suas próprias empresas. Paralelamente, em
muitas universidades, a comercialização de descobertas científicas não era vista como uma
das funções da universidade, o que tornava essas descobertas uma espécie de bens públicos da
sociedade alemã.
Assim, os acordos entre a academia e a indústria eram raros no período, em parte
pelo modelo de custeio das universidades, fortemente ligado aos recursos públicos estaduais e
federais. Mesmo entre os pesquisadores que tentavam traduzir suas descobertas científicas em
148
uma empresa de base tecnológica, havia uma falta de interesse e de capacidade para a
realização de atividades de gestão do próprio negócio (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 49).
A criação do Deutsche Wagnisfinanzierungsgesells (WFG), em 1974, foi a
primeira tentativa do governo alemão em estruturar um modelo de financiamento de pequenas
empresas para incentivá-las a realizar atividades ligadas à pesquisa e ao desenvolvimento
tecnológico. O WFG foi integralmente pensado no modelo de investimento baseado em
participação societária (equity), tendo como objetivo a mudança do perfil de pequenas
empresas alemãs (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 33).
Enquanto criação de um modelo, a iniciativa teve inspiração na experiência do
Vale do Silício e nas primeiras empresas que tiveram a sua trajetória de crescimento
financiadas pelo venture capital. Ainda assim, havia, por parte do governo alemão, a
consciência de que o transplante do modelo estadunidense para o país não seria a melhor
alternativa. Por essa razão, o WFG foi a tentativa de traduzir a lógica do venture capital de
investimentos em startups ao contexto do mercado financeiro alemão, aproveitando uma boa
ideia da realidade local.
O WFG pode ser definido como um fundo de investimento público-privado, com
o enfoque em prover recursos para empresas de base tecnológica. O fundo foi constituído em
1975 por 29 instituições financeiras alemãs, cada uma com participação societária no WFG, e
pelo governo alemão, que se oferecia como garantidor em casos de prejuízos (BECKER;
HELLMAN, 2005, p. 40).
Inicialmente, o WFG foi criado com a duração de 15 anos, podendo ser ampliado
de acordo com os resultados de seus investimentos. O fundo era composto por um Conselho
Diretor (Board of Directors) e por gestores, responsáveis pela escolha, monitoramento e
prestação de informações sobre os investimentos realizados pelo WFG. Esse Conselho
Diretivo tinha como função definir quais setores seriam priorizados e quantos recursos
deveriam ser captados para a realização dos aportes de recursos. A composição do conselho
era feita por indicação do governo em conjunto com bancos associados, tendo no total doze
membros divididos da seguinte forma: dois representantes da indústria, três representantes dos
bancos associados, dois consultores administrativos, dois cientistas e três representantes do
governo (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 40).
A sua criação foi resultado da combinação de diversos fatores. De um lado, o
perfil de baixa profissionalização de pequenas empresas na Alemanha associado à baixa
disposição de profissionais de grandes empresas e de pesquisadores universitários em criar
novos empreendimentos. De outro lado, as fontes de financiamento de médias empresas,
149
realizados pela KBG e pelas linhas de crédito de bancos alemães, não alcançavam as
pequenas empresas, por isso muitas delas não buscavam por tais financiamentos e, quando
buscavam não obtinham sucesso (JENG; WELLS, 2000, p. 283).
O WFG iniciou suas operações com a captação de 10 milhões de marcos (cerca de
6 milhões de dólares); três anos mais tarde passou para 30 milhões de marcos (cerca de 18
milhões de dólares). Após 5 anos de sua criação, obteve um aporte de 50 milhões de marcos
(cerca de 30 milhões de dólares) de bancos alemães. Nesse período, a captação foi principal
estímulo para a disponibilização dos recursos por parte dos bancos na garantia oferecida pelo
governo federal alemão. Na hipótese de prejuízos nos investimentos realizados pelo WFG, o
governo arcaria com até 75% das perdas, indenizando os bancos associados ao WFG
(BECKER; HELLMAN, 2005, p. 40).
Desde o início, no entanto, os interesses dos bancos associados ao WFG e do
governo alemão pareciam não convergir. O governo estava preocupado em como transportar a
excelência científica, presente nas universidades alemãs, para o ambiente de pequenas e
médias empresas, ampliando o surgimento de novos negócios, por isso, os representantes
governamentais presentes na WFG pressionavam os gestores do fundos para investirem nas
empresas de base tecnológica ainda em estágios iniciais de desenvolvimento, reforçando a
importância de sua ligação com o contexto de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos
(BECKER; HELLMAN, 2005, p. 50).
Diferentemente do governo, os bancos alemães associados ao WFG não
enxergavam que o financiamento de pequenas e médias empresas via participação societária
deveria seguir uma outra dinâmica, além do crédito. Por essa razão, mesmo disponibilizando
recursos para a formação da WFG, os bancos procuravam não se envolver nos investimentos,
buscando apenas reduzir os potenciais prejuízos associados (BECKER; HELLMAN, 2005, p.
50).
Segundo Leslie A. Jeng e Philippe Wells (2000, p. 283), seria muito difícil a
estruturação de qualquer programa governamental de fomento ao financiamento de empresas
na década de 1970 sem a atuação de bancos alemães. A estrutura bancária estava presente em
todo o país e controlava todas as operações financeiras. A inclusão dos 29 bancos na
formação do WFG foi fruto da pressão do governo federal, inserindo-os em suas iniciativas
para o estímulo do venture capital.
Os bancos alemães não compartilhavam dos diagnósticos do governo alemão,
bem como não tinham um interesse particular no financiamento de empresas de base
tecnológica e, principalmente, no financiamento via participação societária. Dessa maneira, o
150
envolvimento dos bancos associados no WFG foi descrito pelo seu papel como fonte de
capitalização dos recursos do fundo, e não como parte dos esforços estratégicos para a
orientação dos investimentos a serem realizados pelo WFG. A escolha de áreas prioritárias e o
tipo de empresa a ser investida (early-stage startups), por exemplo, eram definidos pelo
Conselho Diretivo, porém, a participação dos bancos nesssas decisões era mínima, enquanto a
do governo alemão era frequente (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 51).
As semelhanças na relação entre investidores originários e gestoras de recursos de
venture capital não abarcam a relação entre gestores e empreendedores. Enquanto o modelo
estadunidense é marcado pela intensa presença e participação do gestor na investida –
estipulando direitos específicos de participação em órgãos da startup, a possibilidade de
remoção de seus dirigentes, direitos de vetos em decisões, dentre outros –, o WFG se limitava
a oferecer suporte jurídico e contábil para suas investidas. Logo, os gestores não tinham
qualquer poder de ingerência sobre a empresa investida, não podendo influir sobre a sua
trajetória de crescimento (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 44).
Diante do exposto, pode-se analisar que o baixo envolvimento do WFG em
investidas era fruto da combinação da postura passiva de instituições financeiras da época e
do desejo de empreendedores de que a WFG não se envolvesse com o empreendimento.
Acerca disso, um dos presidentes do Conselho Diretivo, Karl-Heinz Fanselow, descreve a
postura de empreendedores financiados pelo WFG no período:
Empreendedores não estavam muito abertos para uma postura participava do
venture capital. Eu os considerava arrogantes. Eles não enxergavam que a
ideia isolada não gera sucesso – eles se consideravam como inventores e não
gostando e respeitando aspectos relacionados ao negócio (BECKER;
HELLMAN, 2005, p. 45).58
Os empreendedores alemães eram muito relutantes em concordar com a
participação do WFG em seus processos de tomada de decisão. Segundo Karl-Heinz
Fanselow (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 45), nenhuma das empresas nascentes, que
recebeu investimento, concordou com uma postura ativa de gestores do WFG, além de
ressaltarem que uma participação indesejada poderia servir de motivo para que o
financiamento fosse desfeito. Por sua vez, na maior parte das negociações tais
empreendedores afirmavam que a busca por recursos do WFG se dava em razão da
58
O trecho foi extraído de uma entrevista realizada por Ralf Becker e Thomas Hellman (2005) com
representantes do fundo de investimento WFG. Tradução nossa do original: “Entrepreneurs were not very open
to a hands-on venture capital approach. I found them arrogant. They did not see that an idea alone does not
imply success – they considered themselves as inventors and disliked and disrespected business aspects.” Ver
em: (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 45).
151
contrapartida do financiamento, participação na empresa, e não pelas características do
financiador (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 46).
Outro aspecto que diferenciava o WFG do modelo de limited partnership
estadunidense era a presença de uma cláusula dando a opção de recompra da participação do
WFG para a empresa investida, fixando o preço de saída a partir dos custos de aquisição,
acrescidos juros abaixo dos de mercado. Assim, seis das quatorze empresas investidas pelo
WFG que geraram algum lucro durante o investimento exerceram esse direto, oferecendo um
retorno pequeno para o fundo (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 48).
Os retornos extraordinários em uma empresa que fosse bem-sucedida em sua
trajetória de crescimento não eram retidos pelo WFG, que reproduzia a ideia de obtenção de
retorno sob o capital investido na estipulação de uma recompra com preço pré-fixado. Essa
mudança, influenciada pela presença de bancos alemães no WFG, esvaziou uma das
principais características do investimento de venture capital, o fato de que o retorno
extraordinário de empresas bem-sucedidas iria compensar o fracasso das que não atingiram
suas metas de crescimento, ainda gerando um alto retorno para os investidores de venture
capital.
Além disso, na maior parte dos investimentos realizados pelo WFG, os
empreendedores alemães incluíram cláusulas que forçavam a saída do fundo assim que a
empresa investida alcançasse a sua sustentabilidade financeira, permitindo que a empresa
recomprasse toda a participação da WFG pelo preço estipulado no acordo de investimento
(BECKER; HELLAMN, 2005, p. 48). Inevitavelmente, a junção desses fatores criou uma
barreira jurídica para que o WFG pudesse obter retornos financeiros sobre seus investimentos
em empresas de base tecnológica em ascensão.
Tomando como referência a experiência norte-americana, na qual são os retornos
extraordinários obtidos de uma ou duas empresas investidas que viabilizaram os ciclos de
investimentos realizados por gestoras de recursos, o modelo criado pelo WFG tinha poucas
perspectivas de prosperar. Afinal, os investimentos bem-sucedidos não serviram como forma
de financiar os malsucedidos, bem como o WFG não tinha ferramentas para tentar corrigir
problemas advindos de erros de empreendedores na condução de seus empreendimentos.
Além dos fatores de diferenciação entre o modelo norte-americano e a experiência
do WFG já mencionados, outro de grande relevância foi a criação de critérios rígidos de
seleção de empresas a serem investidas. Durante suas operações, o Conselho Diretivo da
WFG definiu quatro critérios para a seleção de empresas: (i) o produto ou processo criado
pelo empreendedor é suficientemente inovador de um ponto de vista tecnológico; (ii) há a
152
identificação de um mercado alvo, e a empresa tem condições de lucrar neste mercado; (iii) o
empreendedor ou a equipe de empreendedores apresentam qualificação técnica e experiência
de negócio para conduzir a startup ao crescimento; e (iv) o WFG financiará apenas empresas
que não conseguiram obter financiamento em outras fontes de capital (BECKER;
HELLMAN, 2005, p. 50).
Nas práticas de gestoras de venture capital norte-americanas, a avaliação era feita
caso a caso e não pela definição de um conjunto de critérios fixos e pré-definidos; já o que
chama atenção no processo de seleção do WFG é a necessidade de demonstração por parte da
startup interessada no financiamento de que ela não foi capaz de obter recursos de nenhuma
outra fonte de capital e, por essa razão, estaria recorrendo ao WFG. Esse critério de seleção
pode parecer estranho ao funcionamento dos investimentos de venture capital, contudo, é
explicado por uma preocupação de instituições financeiras na época.
Mesmo não tendo participação na definição do tipo de empresa ou setor a serem
investidos pelo WFG, os bancos alemães associados temiam que o WFG servisse como um
concorrente às suas linhas de crédito tradicionais para pequenas e médias empresas. Nesse
sentido, o critério de seleção servia como garantia de que a startup teria recorrido a um banco
antes de pleitear um financiamento do WFG, mantendo a predominância dos bancos nesse
nicho de financiamento (BECKER, HELLMAN, 2005, p. 50).
No cenário norte-americano, o venture capital foi construído em associação com
narrativas de crescimento e sucesso de empresas de alto potencial de crescimento, enquanto
isso, o venture capital alemão, em sua primeira tentativa, era visto como uma fonte
subsidiária de recursos, de menor relevância no quadro geral de financiamento de
empreendimentos no país. Mesmo que em seu discurso a ideia de fomento ao crescimento
acelerado de empresas de base tecnológica estivesse presente, na prática, o venture capital
alemão não apresentou investimentos de sucesso durante os seus primeiros anos.
Leslie A. Jeng e Philippe Wells (2000, p. 283) apontam que o WFG como
programa governamental de fomento ao venture capital foi um completo fracasso. Além das
significativas perdas financeiras, apresentando retornos negativos médios de 25% ao ano, o
fundo de investimento não conseguiu investir em empresas de base tecnológica que pudessem
ter crescido.
Na visão dos autores (2000, p. 284), a saída dos investimentos foi um dos
principais problemas do WFG, pois diferente da postura norte-americana em que a abertura
do capital e a aquisição da empresa investida marcaram as estratégias de gestoras de venture
capital, no caso do WFG, a recompra da participação com valor pré-fixado se mostrou a
153
prática mais frequente. A opção alemã ocorreria de duas formas: a primeira pelo valor fixado
no acordo entre investidor e empresa investida, garantindo algum retorno ao primeiro, ou pela
atribuição de um valor irrisório para permitir que o WFG pudesse sair com prejuízos.
Em dez anos de atuação em operações, o fundo acumulou perdas de 38,4 milhões
de marcos, aos quais o governo alemão arcou com 37,7 milhões, cerca de 98,1%, deixando
apenas pouco menos de 1 milhão de marcos como prejuízo para as instituições financeiras.
Contratualmente, o governo alemão havia se comprometido a arcar com até 75% dos
prejuízos, contudo, os resultados foram tão desanimadores que o levou a assumir a quase
totalidade das perdas como uma forma de incentivo para que os bancos alemães continuassem
a fazer parte de iniciativas de fomento a pequenas e médias empresas (AVNIMELECH, 2010,
p. 104).
Em 1985, o diagnóstico negativo do WFG fez com que o fundo passasse a investir
em outro perfil de empresas, desistindo do projeto de financiamento de empresas de base
tecnológica em seus estágios iniciais de desenvolvimento. A partir disso, o fundo passou a se
concentrar em empresas de maior porte, que precisavam de recursos para seus projetos de
expansão. Gradativamente, o WFG optou por desfazer de suas participações até esvaziar todas
as suas posições em 1991, desvinculando-se por completo de seus investimentos do venture
capital (AVNIMELECH, 2010, p. 104).
Na análise da trajetória do WFG, Ralf Becker e Thomas Hellman (2005, p. 56)
ressaltam que mesmo que as receitas sobre os investimentos realizados pelo fundo
apresentassem um crescimento gradual ao longo dos anos, as limitações de seleção de
empresas, o baixo nível de participação em suas investidas e as dificuldades para realizar
saídas lucrativas fizeram com que os prejuízos fossem inevitáveis. Para os autores (2005, p.
61), o caso alemão ilustra bem como o desenho de um veículo de investimento e o
comportamento de seus operadores podem ter efeitos negativos sobre iniciativas de fomento
ao venture capital.
Tabela 4.3 Trajetória de Investimentos do WFG (1976-1986)
Ano 76 77 78 79 80 81 82 83 84 85 86
Receita dos
Investimentos
Realizados pelo
WFG (Milhões de
Marcos – DM)
0 0 0 0.1 0.2 0.7 1 1.9 2.2 3.7 4
Receita de subsídios
governamentais
(Milhões de Marcos
0.8 2.1 3.2 11.4 4.2 1.9 2 2.1 10 0 0
154
– DM)
Número de
Companhias
Investidas
3 11 19 22 14 11 19 27 34 28 25
Número de
Falências de
Empresas
Investidas
0 0 1 2 3 1 0 0 4 3 1
Número de
Aquisições e
Recompras de
Empresas
Investidas
0 0 0 0 8 4 0 1 0 3 2
Número de
Abertura do
Capital de
Empresas
Investidas
0 0 0 0 0 0 0 2 0 0 0
Fonte: (BECKER; HELLMAN, 2005, p. 41).
O fracasso do WFG também foi fundamental para que o governo alemão mudasse
a sua estratégia de estímulo ao venture capital no país recorrendo a incentivos direcionados a
empresas constituídas segundo o modelo da limited partnership norte-americana.
Posteriormente, subsidiárias de gestoras de venture capital norte-americanas começaram a ser
constituídas em território alemão no final da década de 1980, e as primeiras incubadoras
universitárias foram financiadas pelo governo alemão no mesmo período. Ao mesmo tempo,
as primeiras gestoras de venture capital alemão sob o formato norte-americano também
passaram a ser criadas, investindo em parcerias com as gestoras estadunidenses
(AVNIMELECH, 2010, p. 105).
O mercado alemão de investimentos triplicou o seu tamanho em 1990, tendo o
ingresso de 1,2 bilhão de dólares em investimentos de venture capital em empresas alemãs.
Por conseguinte, o número de aberturas de capital de empresas de alto potencial de
crescimento investidas por venture capitalists no país alcançou a média de 19 operações por
ano entre 1991 e 1999, ampliando também a presença de spin-offs de universidades como
empresas objeto de investimento de venture capital (AVNIMELECH, 2010, p. 105).
As alterações nas características do investimento de venture capital alemão, com a
progressiva adoção do modelo de limited partnership, influenciaram a orientação de políticas
públicas de fomento ao venture capital. Em 1987, por exemplo, o parlamento alemão aprovou
a concessão de benefícios fiscais para gestoras de venture capital alemãs e estrangeiras que
investissem em starups alemãs. Em 1995, o governo alemão passou a oferecer programas de
155
fomento ao capital semente, que disponibilizassem recursos para gestoras de venture capital
investirem em startups alemãs em estágios embrionários de seu desenvolvimento, buscando
ampliar o volume de recursos disponíveis para novos empreendimentos (AVNIMELECH,
2010, p. 105).
Em comparação com outros países europeus, a Alemanha não é apontada como
uma referência ao venture capital, pois está atrás em volume de investimentos em empresas
de alto potencial de crescimento de países como Inglaterra e França. Contudo, o estudo da
trajetória do venture capital alemão, em especial do WFG, traz contribuições importantes para
a reflexão sobre a relação entre a dinâmica do investimento de venture capital e o papel de
bancos nesse processo. Aliás, o caso alemão mostra como elementos de ordem normativa e
cognitiva podem limitar o desenvolvimento de uma modalidade de investimento como o
venture capital.
Em nossa visão, a trajetória do WFG nos permite vislumbrar quais foram os
equívocos na formulação do programa, permitindo-nos compreender melhor como o venture
capital se comporta em um ambiente institucional distinto daquele em que foi criado, além de
oferecer subsídios para evitá-los na formulação de políticas públicas no futuro. Além disso,
nos permite vislumbrar com clareza quais comportamentos não são compatíveis com o
modelo de venture capital que se internacionalizou.
4.2.2 Crescimento, adaptação e acomodação de interesses: Venture Capital na China
Após uma década de crescimento entre os anos de 2003 e 2013, a China se tornou
o segundo maior mercado de investimentos de venture capital do mundo, atrás apenas dos
Estados Unidos. De acordo com dados da Zero2IPO59
, enquanto em 1995 existiam apenas 10
gestoras de venture capital com atuação no país, em 2005 o número passou para 500 gestoras
e em 2012 para 5.000.
Entre os anos de 2002 e 2012, a taxa média de crescimento nos investimentos
dessa modalidade no país foi de 17% ao ano, movimentando 53 bilhões de dólares em
59
Os dados apresentados foram extraídos da base de dados da consultoria Zero2IPO, a principal fonte de
informações sobre o mercado de venture capital e private equity no país. Segundo informações da própria
empresa, os dados de investimento de venture capital na China são obtidos por meio da aplicação de um
questionário de perguntas estruturadas para representantes de empresas de venture capital com atuação no país.
As entrevistas são conduzidas por telefone e tratam das operações realizadas no ano da entrevista. A consultoria
faz levantamentos sobre o setor de investimentos desde o ano de 1999 e publica os seus resultados em seu sítio
eletrônico para usuários cadastrados e pagantes. Ver em: < http://www.zero2ipo.com.cn/en/>. Último acesso:
06.03.2018.
156
investimentos em empresas chinesas de alto potencial de crescimento em pouco mais do que
7,9 mil operações, com mais de mil aberturas de capital de empresas chinesas no período
(ZHANG, 2016, p. 72).
Em 2008, foram registradas 311 gestoras estrangeiras60
de venture capital com
atuação na China, distribuídas em 22 estados diferentes, sendo 154 delas com escritórios
localizados em mais de uma cidade chinesa. Os Estados Unidos é o país com maior volume de
recursos e gestoras com atuação na China, tendo 147 gestoras e 55 com filiais locais. No ano,
foram investidos 14,3 bilhões de dólares em empresas chinesas de alto potencial de
crescimento, sendo 78,7% destes recursos oriundos de gestoras de venture capital com
controle estrangeiro (ZHANG, 2016, p. 72).
Em 2009, o número de gestoras nacionais superou pela primeira vez o número de
gestoras estrangeiras. Dois anos mais tarde, o volume de recursos investidos por gestoras
nacionais já era maior do que por estrangeiras no país. Em 2012, investidores nacionais já
possuíam um portfólio de empresas investidas avaliadas em 26.6 bilhões de dólares,
acompanhados por 22.8 bilhões de gestoras estrangeiras (ZHANG, 2016, p. 73).
A trajetória de crescimento do capital de risco na China ilustra bem como o
processo de internacionalização do venture capital foi capaz de pavimentar uma estrada
própria para a sua expansão na região. Isso porque a China, mesmo com diferenças
significativas no campo social, cultural, jurídico e econômico, foi capaz de se apropriar e
expandir o modelo norte-americano (AHLSTROM et al.; 2007, p. 253).
Mesmo sem referenciais comuns do modelo estadunidense, como a presença de
alta liquidez de bolsa de valores, ou de um sistema forte de proteção da propriedade
intelectual, a China foi capaz de construir uma solução para acomodar o modelo de venture
capital norte-americano ao seu cenário de restrições à entrada do capital estrangeiro,
demonstrando que é possível a construção de alternativas de adaptação e acomodação de
interesses quando se trata da inserção do venture capital em países em desenvolvimento
(AHLSTROM et al.; 2007, p. 252).
Mesmo diante de restrições de captação de recursos estipuladas pelo governo
chinês, empreendedores foram capazes de elaborar uma estrutura jurídica que contornasse as
60
Classificamos como empresas estrangeiras de venture capital as que possuam sua sede em um país diferente
do local da realização de seu investimento, bem como as empresas que mesmo que tenham um escritório ou até
sejam constituídas no país em que realizam o seu aporte de recursos, têm a maior parte de seu corpo de
acionistas com sede ou residentes em outro país que não o que receberá os investimentos de venture capital.
Nesse sentido, empresas de venture capital nacionais são aquelas em que a maior parte do controle sobre a
empresa está nas mãos de empresas ou indivíduos que residem no país que receberá o investimento, incluindo
empresas que têm como seu principal sócio governos nacionais.
157
proibições. O modelo Sina ilustra a criatividade jurídica, pois serviu de alternativa para a
expansão do venture capital na China, ao mesmo tempo em que contou com a tolerância do
governo chinês, que até 2017 não interviu para destruir o modelo. Nesse sentido, pode-se
considerar o modelo Sina como uma ilustração de adaptação do venture capital no contexto
chinês e de acomodação de interesses entre o governo chinês e os empreendedores no país.
As preocupações do governo chinês com o financiamento de pequenas e médias
empresas tiveram início na primeira metade da década de 1980, como fruto de iniciativas de
modernização iniciadas em 1978 pela gestão de Deng Xiaoping (ZHANG, 2016, p. 75).
Desde a ascensão do partido comunista em 1949, até as reformas promovidas no final dos
anos de 1970, a formação e o financiamento de pequenas e médias empresas não figuravam
entre as prioridades do governo chinês (AHLSTROM; DING, 2014, p. 612).
Segundo Harry Harding (1987), o empreendedorismo na China61
era muito pouco
estimulado, em alguns casos a criação de novos negócios era vedada pelo governo chinês. Sob
forte influência do regime soviético de organização da economia, o autor aponta que até o
início dos anos de 1970, a maior parte das decisões de empresas constituídas na China
precisavam da autorização de representantes governamentais para poderem ser executadas, a
exemplo do dispêndio de recursos em nome da empresa: superior a 50 yuans, o equivalente a
10 dólares nos dias atuais.
Diversas iniciativas ligadas à ciência e tecnologia foram inseridas no conjunto de
programas previstos nas reformas de modernização62
, a partir de 1978, como elementos
cruciais para o desenvolvimento econômico do país na perspectiva do governo de Deng
Xiaoping (ZHANG, 2016, p. 75). Curiosamente, não foram os bancos públicos estatais
apontados como os principais financiadores de pequenas e médias empresas ligadas ao
desenvolvimento tecnológico, mas sim o venture capital. Porém, um venture capital
controlado e monitorado pelo governo chinês, em que os investimentos poderiam vir de
61
David Ahlstrom e Zhujun Ding (2014, p. 612) comentam que, na China pré-industrial, soberanos e autoridades
locais reivindicavam toda a propriedade sobre invenções realizadas em suas terras. Inovações criadas por
artesãos ou inventores eram frequentemente confiscadas por nobres e monarcas, atribuindo, na menor parte dos
casos, uma pequena compensação para os criadores. Segundo os autores, era muito comum em diversas regiões
da China que famílias com posses evitassem converter o seu patrimônio em capital ou investir em projetos de
grande porte, criando um padrão de comportamento presente na cultura chinesa até o século XX. 62
O conjunto de reformas iniciado no final dos anos 1970 tinha dois objetivos principais. O primeiro deles era
aumentar os resultados do país na área de ciência e tecnologia, baseando-se no pressuposto de que quanto maior
a oferta de tecnologia, maior seria a sua difusão e implementação no mercado, gerando ganhos de crescimento
econômico para o país. O segundo objetivo seria o início das mudanças das responsabilidades nos processos de
alocação de recursos na economia do governo chinês, passando da total centralização burocrática para a gestão
por meio de organizações regionais (e.g. institutos de pesquisa, redes de produtores locais, distribuidores
regionais etc.). Essas mudanças foram acompanhadas por uma postura do governo chinês em criar indicadores de
performance financeira de suas organizações regionais, buscando ampliar as condições de competitividade de
suas regiões (WHITE et al., 2005, p. 898).
158
investidores estrangeiros, mas para setores da indústria autorizados pelo governo chinês
(AHLSTROM, 2007, p. 250).
Em 1985, o Comitê Central do Partido Comunista (CCPC) publicou a decisão
sobre as reformas do sistema de ciência e tecnologia do país, ressaltando que a construção de
um segmento de venture capital seria um dos pilares para o desenvolvimento de empresas de
alta tecnologia63
, desempenhando papel estratégico para o crescimento da China nos anos
subsequentes (WHITE et al., 2005, p. 896).
Por venture capital, o CCPC64
adotava uma definição próxima da norte-
americana, mesmo que naquele momento não houvesse uma adoção do modelo da limited
partnership como referência principal para a constituição das primeiras gestoras de recursos
no país. Para o CCPC, venture capital seria uma modalidade de financiamento de
empreendimentos promissores, que utilizaria como principal instrumento a obtenção de
participação societária na empresa investida, permitindo que seu investidor fosse capaz de
contribuir para a aceleração de seu crescimento, tendo o potencial de gerar, ao final do
período, retornos extraordinários ao investidor (AHLSTROM et al., 2007, p. 249).
O CCPC não diferenciava os investimentos de venture capital dos de private
equity, direcionando seus projetos para a atribuição de um foco específico no financiamento
de empresas de alto potencial de crescimento. A especialização do venture capital no país foi
um processo gradual que contou com esforços do Ministério de Ciência e Tecnologia do
governo chinês, formulando programas e políticas para intensificar o foco em pequenas e
médias empresas em determinadas regiões, e na atração do capital estrangeiro para o país
(ZHANG, 2016, p. 76).
63
O sistema de venture capital chinês cresceu como resultado de uma série de reformas jurídico-econômicas e
de programas governamentais na área de ciência e tecnologia, que tiveram início no final da década de 1970. O
governo chinês encarava o estímulo ao surgimento de um sistema de venture capital no país como uma estratégia
de aproximação das capacidades de sua infraestrutura em ciência e tecnologia com suas metas de
desenvolvimento regional e nacional (WHITE et al., 2005, p. 898). 64
Uma questão importante para o CCPC na definição do venture capital como parte das reformas de
modernização do país foi a mentalidade de planificação da economia, ainda forte em membros de alto escalão do
governo chinês. Mesmo que líderes do partido comunista reconhecessem a presença de ineficiências e de pouca
efetividade nas estratégias de planificação da economia chinesa, a mudança de uma postura de centralização para
uma postura de atração do capital internacional na realização de investimentos foi um processo gradual que
contou com resistências internas de membros do alto escalão do governo chinês. A própria comunicação entre as
entidades que desenvolviam atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico no país (e.g. universidades,
centros de pesquisa, departamentos de P&D de empresas públicas etc.) demonstravam dificuldade de mudar um
sistema centralizado na figura do Estado chinês, para assumir responsabilidades na construção de um
relacionamento com investidores estrangeiros e empresas nascentes de base tecnológica (WHITE et al., 2005, p.
898).
159
Em 1986, foi criada a primeira investidora de venture capital do país, a China
New Technology Venture Investment Corporation65
, constituída como uma empresa pública
de investimentos a partir de recursos públicos da Comissão Nacional de Ciência e Tecnologia
(CNCT), que viria a se transformar anos mais tarde no Ministério de Ciência e Tecnologia
(ZHANG, 2016, p. 77). E mesmo não sendo a única investidora de venture capital constituída
pelo governo chinês na segunda metade da década de 1980, tornou-se uma referência para o
estudo do venture capital chinês, pois abriu o caminho para que o Ministério de Ciência e
Tecnologia identificasse o fomento a empresas de alto potencial de crescimento como uma de
suas prioridades (ZHANG, 2016, p. 76).
No mesmo período, foi autorizado, pela primeira vez, o registro de gestoras
estrangeiras de venture capital para a realização de aportes de recursos em empresas chinesas.
Contudo, até o início dos anos de 1990 poucos investimentos foram realizados no país, em
sua maioria no mercado imobiliário, na construção de novos hotéis e na infraestrutura de
turismo de algumas cidades (AHLSTROM et al., 2007, p. 250). Nesse tempo, ainda que o
modelo de investimento fosse chamado de venture capital pelos agentes envolvidos nas
transações, é difícil configurar esses primeiros investimentos nesta categoria.
Além disso, a entrada do venture capital no país não era livre, foram criadas
restrições jurídicas que vedavam as gestoras estrangeiras de adquirirem participação societária
em empresas chinesas em determinados setores da indústria. Na ocasião, o governo chinês
dividiu sua economia em segmentos da indústria, de modo que os investimentos estrangeiros
poderiam ser classificados como permitidos, restritos ou proibidos. A ideia subjacente dessa
classificação era evitar que gestoras estrangeiras pudessem alcançar setores estratégicos para
o governo chinês ou até setores que já se desenvolviam com certo sucesso, como os de
telecomunicações, software, dentre outros (BUCKLEY et al., 2010).
Para Jun Zhang (2016, p. 77), o início efetivo dos investimentos de venture
capital no país se deu apenas em 1993, com a entrada das primeiras gestoras estrangeiras de
venture capital – a International Data Group (IDG), a Walden International e o H&Q Asia
Pacific –, que formaram joint ventures com o governo chinês para investirem em empresas de
alto potencial de crescimento. A IDG, por exemplo, captou 50 milhões de dólares em 1993
65
A criação da China New Technology Venture Investment Corporation, em 1986, pela Comissão Nacional de
Ciência e Tecnologia, com recursos do Ministério de Finanças, foi uma tentativa dos membros da Comissão de
replicarem o modelo de financiamento de empresas nascentes de base tecnológica presente no Vale do Silício, na
Califórnia. Todavia, a reprodução do modelo do Vale do Silício não foi acompanhada por um quadro
institucional presente em seu país de origem, demonstrando para membros do governo chinês que reformas no
seu contexto jurídico-econômico seriam necessárias, em especial na organização de sua estrutura regulatória
corporativa, perante as normas que versam sobre o investimento estrangeiro no país e na constituição de seu
mercado de capitais (WHITE et al., 2005, p. 900).
160
para a formação de fundos na região do Pacífico, tendo como principal alvo a China. Em
1994, a empresa norte-americana formou 3 joint ventures com as Comissões de Ciência e
Tecnologia de Pequim, Xangai e Guangzhou para investimentos em startups formadas em
cada uma das cidades.
Todavia, a entrada das primeiras gestoras estrangeiras no país não foi seguida pelo
crescimento expressivo no volume de capitais aplicados em pequenas e médias empresas de
desenvolvimento tecnológico. Muitas empresas que captaram recursos durante os anos de
1990 para investir na região demonstravam dificuldades em encontrar planos de negócio
promissores ou empresas de alto potencial de crescimento nos setores designados pelo
governo chinês, além disso, os setores que mais interessavam as gestoras de recursos
contavam com restrições ou proibições de aquisição de participação societária de empresas
chinesas (ZHANG, 2016, p. 77).
Gradativamente, gestoras de venture capital que se propunham a investir na
região optaram por aportar recursos em países como Taiwan, Coréia do Sul e Singapura, que
não dispunham das mesmas restrições que a China, reduzindo os seus esforços de
investimentos em empresas chinesas até o início dos anos 2000 (BUCKLEY et al., 2010).
Ademais, o desejo por investir em setores como o de tecnologia da informação na
China estava relacionado ao ambiente de investimento dos Estados Unidos. No início dos
anos 2000, a principal tendência de investimento eram as empresas .com, que surgiam como
oportunidades de crescimento rápido e retornos extraordinários. Porém, o que se iniciou com
euforia, tornou-se frustração com o estouro da bolha das empresas .com entre os anos de 2001
e 2002, intensificando o interesse de gestoras em explorarem mercados em outros países. A
abertura do capital bem-sucedida das primeiras empresas chinesas de tecnologia (AsiaInfo,
UTStarcom, Sina, Sohu, Netease) na bolsa de valores norte-americana Nasdaq serviu como
estímulo para a retomada do interesse pelo mercado chinês (BUCKLEY et al., 2010).
A partir da abertura de capital das primeiras empresas chinesas na Nasdaq, o
ritmo da entrada de recursos estrangeiros cresceu. Em entrevista realizada pelo professor
Goubin Yang (2001, p. 36) com o fundador da empresa Sohu, Charles Zhang, o empresário
comenta qual era o cenário de investimentos na China em 1996, quando voltou de um MBA
no MIT para fundar sua startup. Segundo o empresário, as oportunidades de financiamento na
época eram próximas de zero. Zhang tentou recorrer a bancos, que em todas as oportunidades
recusaram os seus pedidos de empréstimo pela ausência de ativos tangíveis como garantia e
buscou programas governamentais, mas muitos deles estavam ligados à preparação da
empresa, e não ao investimento propriamente dito. Apenas três anos após a criação de sua
161
empresa, o empreendedor obteve o seu primeiro investimento, e em menos de dois anos
abriria o seu capital nos Estados Unidos.
Para David Ahlstrom et al. (2007, p. 250), a escassez de modalidades de
financiamento de empresas de alto potencial de crescimento na China só se tornou uma
oportunidade para gestoras de venture capital estrangeiras por uma junção de dois fatores. No
âmbito da geração de oportunidades de investimento, a oferta de empresas aumentou quando
os esforços de incubação promovidos pelos Comitês de Ciência e Tecnologia em diversas
regiões do país começaram a gerar resultados com projetos estruturados. No âmbito da
atração de capital estrangeiro, o volume de recursos aportados aumentou a partir da criação e
disseminação do modelo Sina, estrutura de investimento que tinha como intuito viabilizar
investimentos, em setores da indústria, que sofriam com restrições ou proibições ao capital
estrangeiro.
Não por acaso, a partir de 2004, muitas gestoras de venture capital criadas no
Vale do Silício, como a Sequoia Capital e a KPCB, passaram a organizar suas primeiras
operações de investimentos no país. Todavia, diferente dos anos anteriores, em que gestoras
formalizaram parcerias com instâncias do governo chinês, os investidores passaram a adotar
uma estrutura denominada de variable interest enterprises (VIEs). Esse modelo ficou
conhecido como Sina, em alusão à primeira empresa chinesa capaz de receber aportes de
venture capital sem a participação do governo chinês (ZHANG, 2016, p. 78).
Xie Guomin, diretor jurídico da startup Sina no início dos anos 2000, desenvolveu
um modelo criativo para a solução do problema de financiamento ao crescimento da empresa.
Convencido que o financiamento da Sina poderia vir do capital estrangeiro, o advogado
buscou construir uma alternativa para a captação junto a gestoras de fora do país. Para isso,
teria de contornar a proibição de aquisição de participação societária por investidores
estrangeiros estabelecida pelo governo chinês no setor de provimento de serviços de internet
(BUCKLEY et al., 2010).
Entre as alternativas de captação, o crédito bancário havia sido descartado em
razão de diversas negativas de instituições financeiras, e a abertura de capital, mesmo que em
um estágio inicial, estava obstaculizada por uma norma da Chinese Securities Regulatory
Commission (CSRC), que exigia a demonstração de lucro por três anos consecutivos para
empresas que pleiteavam a abertura de seu capital em qualquer uma das bolsas de valores
chinesas (BUCKLEY et al., 2010).
Outro fator que tornava a opção de abertura de capital difícil era o backlog das
autorizações de abertura de capital no país, que em 2001 estava em média de 9 anos. A
162
empresa que protocolasse o seu pedido em 2001, teria uma resposta favorável ou não apenas
em 2010. Contudo, esse prazo se mostrava incompatível com o crescimento acelerado da Sina
e com o desejo de seus sócios em expandir os seus negócios, que até então se concentravam
na criação do microblog Weibo e no fornecimento de serviços de conexão de internet por
meio da Sina Online e da Sinanet (ZHANG, 2016).
Para contornar as restrições impostas pelo regime chinês, Xie Guomin
desenvolveu a estrutura da variable interest enterprise, que consistia em uma estrutura de
contratos que articulavam a emissão de dívidas entre investidor e investida e a participação
societária entre os mesmos agentes. Para isso, seriam criadas três entidades: (i) uma empresa
chinesa chamada de VIE, representando os empreendedores chineses; (ii) uma wholly foreign
owned entity chamada de WFOE, que serviria de intermediária entre investidor e investida; e
(iii) uma shell company66
, também chamada de empresa offshore ou mirror image company,
que serviria para representar as gestoras fora do país (ZHANG, 2016, p. 77).
Neste arranjo, a VIE e a WFOE teriam de ser empresas constituídas em território
chinês, reguladas pela legislação chinesa, com a diferença que a VIE seria uma empresa
operacional e a WFOE seria uma licenciadora de produtos e serviços para a VIE. A offshore
seria uma empresa de investimento constituída fora do país67
– em muito casos em um paraíso
fiscal, como as Ilhas Cayman. A offshore teria a totalidade das ações da WFOE (ZHANG,
2016, p. 78).
Para a capitalização da startup chinesa (VIE), a intermediária (WFOE) ofereceria
um empréstimo sem juros e com prazo de pagamento de 5 a 7 anos, tendo como garantia para
o pagamento do empréstimo a possibilidade de compra de uma participação minoritária da
VIE. Na prática, a combinação entre offshore e WFOE garantiam ao gestor que se a empresa
investida crescesse e gerasse retorno, este poderia retornar na forma de pagamento do
66
A Securities and Exchange Commission define Shell Company como uma empresa com nenhum patrimônio
tangível, com exceção de dinheiro. Jun Zhang (2016, p. 78) expande esse conceito, definindo uma Shell
Company como uma empresa regularmente constituída, mas que só existe no papel, não tendo um escritório de
operações, funcionários contratados ou unidade produtiva. Essas empresas possuem contas bancárias e, em regra,
são criadas com o propósito de realizar transações financeiras e reter a propriedade sobre ativos intangíveis (e.g.
patentes). Em geral, são constituídas e geridas por escritórios de advocacia ou de contabilidade, que as utilizam
em benefício de seus clientes para conferir maior segurança em operações internacionais de investimento,
dificultando em muitos arranjos a identificação dos proprietários de determinados ativos financeiros. 67
Uma Offshore Financial Centre são jurisdições especializadas na oferta de serviços financeiros e comerciais
para operações internacionais de investimento. Não são consideradas sinônimos de paraísos fiscais, contudo,
muitas delas oferecem ambientes de baixa ou até nenhuma tributação para a constituição de empresas e para os
ganhos obtidos em investimentos realizados em outros países. O termo foi criado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI) e serve como referência para debates sobre processos de internacionalização de capitais,
bem como para a configuração de práticas ilícitas de agentes econômicos como as de evasão de divisas, lavagem
de dinheiro, e sonegação fiscal. Ver em: < https://www.imf.org/external/np/mae/oshore/2000/eng/back.htm>.
Último acesso: 12.03.2018.
163
empréstimo ou até em participação societária da VIE, podendo ser vendida para outra
empresa posteriormente (BUCKLEY et al., 2010).
Do ponto de vista regulatório, a WFOE servia como instituição financeira,
atividade permitida para aportes de recursos vindos de investidores estrangeiros. E desde que
os recursos aportados pela offshore para empresas chinesas se dessem pela modalidade de
crédito, o arranjo estaria em conformidade com as regras de investimento estrangeiro no país.
Os lucros da WFOE seriam repassados para a offshore, remunerando seus investidores a partir
desses repasses. Assim, o patrimônio da offshore seria sua participação societária na WFOE e
os dividendos advindos das operações financeiras realizadas por ela (BUCKLEY et al., 2010).
A offshore também é referida como listed company, pois além da captação
privada de recursos financeiros junto aos investidores externos (e.g. fundos de pensão, bancos
de investimento, Family offices, endowments universitários etc.) poderia abrir o seu capital em
bolsas de valores em países como os Estados Unidos da América, captando recursos sob o
argumento de realização de investimentos em startups chinesas (BUCKLEY et al., 2010).
Do ponto de vista da participação da gestora na empresa investida, o modelo Sina
permitia que a offshore, única acionista da WFOE, pudesse influir nos processos de tomada de
decisão da startup chinesa (VIE), pois como credora tinha a sua participação em reuniões e
encontros justificada. Contudo, na posição de credora, a gestora não disporia formalmente de
direito de veto nas deliberações da empresa ou direito de remoção dos diretores. Na prática, o
contrato de empréstimo entre a VIE e a WFOE tem como uma de suas cláusulas a estipulação
de uma procuração com amplos poderes por parte da VIE para a WFOE, que confere à WFOE
a capacidade de viabilizar a sua saída em caso de uma oferta de compra da VIE, bem como
direitos de influenciar a tomada de decisão das deliberações da VIE (BUCKLEY et al., 2010).
Além disso, o modelo Sina mantinha as atividades de captação de recursos
financeiros junto aos investidores externos, e as de saída do investimento na empresa
investida chinesa fora do território chinês, permitindo que os momentos mais sensíveis do
investimento da gestora de venture capital fossem pouco afetados pelo contexto regulatório-
institucional chinês. Ao longo dos anos, essa característica do Sina se mostrou uma vantagem
quando comparada às gestoras de venture capital constituídas no país e não adeptas do
modelo. Nos investimentos realizados por elas em empresas chinesas de alto potencial de
crescimento, a saída via abertura de capital se mostrava mais custosa e demorada (ZHANG,
2016, p. 78).
Mesmo as gestoras de venture capital que se mantiveram como nacionais, como a
Shenzhen Capital Group, New Margin e Legend Capital, a partir de 2004 passaram a exigir
164
também de suas investidas a constituição de WFOE associadas a offshores, reforçando o
diagnóstico de preferência pelo Sina (ZHANG, 2016, p. 79).
Em vista de uma melhor visualização do modelo Sina, preparamos a ilustração
abaixo para servir de síntese deste arranjo.
Figura 4.1 Ilustração do Modelo Sina
Fonte: Elaboração do próprio autor.
Desde de 2013, o modelo Sina tem sido objeto de questionamentos por parte do
governo chinês. Entre 2003 e 2013, autoridades governamentais mantinham-se silentes quanto
à sua licitude, observando os resultados obtidos pelos investimentos realizados. Porém,
autoridades fiscais do país passaram a editar normativas para restringir o que consideram
brechas nas regras de investimento e movimentação de capitais. A intenção dessas normas é
reduzir o que consideram simulações de operações de crédito, transvestidas de operações de
investimento. Contudo, os bons resultados somados à pressão de grandes empresas chinesas
têm garantido a permanência do modelo como principal referência para o venture capital
chinês (ZHANG, 2016, p. 79).
Ao mesmo tempo, o governo chinês tem buscado se aproximar ainda mais de
estruturas de venture capital do Ocidente, promovendo mudanças nas regras que regulam
Offshore (Venture Capitalist)
WFOE (Intermediário Financeiro)
VIE (Startup Chinesa)
Fora do Território Chinês
Investidores (Fonte do Capital)
Empreendedores Chineses
Território Chinês
165
investimentos e empresas no país. Em 2007, por exemplo, o país aprovou a criação de limited
partnerships para a formação de gestoras de venture capital, sem a necessidade de formação
de joint ventures com nenhuma instância governamental. Na mesma linha, em 2009, o país
inaugurou a sua primeira bolsa de valores voltada para a abertura de capitais de suas empresas
de alto potencial de crescimento, a ChiNext, assumindo publicamente a inspiração no modelo
da Bolsa de Valores NASDAQ (ZHANG, 2016, p. 80).
Todavia, a constituição da ChiNext não foi suficiente para convencer estrangeiros
e nacionais a desistirem do Sina. Isto porque a ChiNext não apresenta a oferta de capitais que
o investimento de venture capital, via modelo Sina, disponibiliza. Nessas situações, a aposta
do governo é que a criação da ChiNext induza um processo de transição, pois permite que
gestoras estrangeiras possam adquirir ações de empresas chinesas por operações na bolsa de
valores (ZHANG, 2016, p. 81).
Em nossa visão, a criação da ChiNext não se mostra suficiente para convencer
gestores estrangeiros a abandonarem o modelo Sina. De um lado, a sua presença fora do país
(offshore) facilita a captação de recursos junto a investidores externos. De outro lado, a
relação entre a WFOE e a VIE por meio de uma associação de crédito somado a uma
procuração com amplos poderes para a WFOE deixa o gestor de recursos estrangeiros em
uma posição confortável para acompanhar a startup chinesa, não tendo que se envolver em
suas dívidas ou disputas com o governo chinês.
Além disso, o modelo Sina permite que gestoras de recursos estrangeiras e
nacionais possam formar parcerias para a realização de investimentos em conjunto
(syndicated networks), que consistem na formação de acordos entre gestoras para aportarem
recursos nas mesmas startups chinesas (WANG, 2017, p. 2). Segundo Jun Zhang (2016, p.
84), em 2008, 77% das operações de investimento conjunto na China foram realizadas entre
gestoras estrangeiras e uma gestora nacional, sendo 50% delas realizadas na cidade de
Pequim.
Ao longo dos últimos 10 anos, o crescimento no número de gestoras com
operações na China foi acompanhado por um processo de concentração dessas organizações
em quatro cidades: Shenzhen, Pequim, Xangai e Hangzhou. De acordo com Jun Zhang (2016,
p. 82), em 2008, 95% das gestoras estrangeiras de venture capital estavam localizadas em
Pequim, Xangai e Hong Kong e no final de 2013, a mesma porcentagem se aplicaria às
cidades de Shenzhen68
, Pequim, Xangai e Hangzhou.
68
A ascensão da cidade de Shenzhen como um dos principais centros de investimento em novas tecnologias é
um símbolo do crescimento econômico do país nos últimos anos. Próxima da cidade de Hong Kong, Shenzhen
166
Essa transformação pode ser explicada pela mudança na configuração do que Jun
Zhang (2016, p. 83) chama de networked entrepreneurial habitats ou ecossistemas de
fomento às empresas de alto potencial de crescimento. Segundo o autor, ao longo da primeira
década dos anos 2000, os Comitês Regionais de Ciência e Tecnologia da China empregaram
recursos e esforços para a criação de uma infraestrutura dedicada a facilitar o surgimento e o
crescimento de startups chinesas em determinadas cidades. Esses comitês ofereciam
benefícios e empregavam recursos para a formação e atração de incubadoras, aceleradoras,
associações de investidores anjo, universidades, dentre outros agentes, para que com o tempo
fosse formado um ecossistema69
de empresas, investidores e apoiadores.
O principal programa governamental para a criação desse ecossistema foi o
Torch70
, de 1988, em que o governo chinês oferecia recursos financeiros para universidades e
institutos de pesquisa para financiarem a abertura e os primeiros anos de atividades de
startups de seus alunos, professores e pesquisadores. Entre 2003 e 2013, empresas surgidas no
programa Torch se tornaram objeto de investimento de gestoras no modelo Sina, reforçando a
importância dos primeiros esforços governamentais no estímulo de startups no país (WHITE
et al., 2005, p. 899).
Mesmo que não tenha sido de forma coordenada, as iniciativas de estímulo ao
desenvolvimento de startups criadas pelo governo chinês desde a década de 1980 obtiveram
no modelo Sina uma alternativa eficaz de atração de investimentos estrangeiros. Ainda que
controverso, o modelo contribuiu para a formação do 2º maior mercado de venture capital do
mundo.
foi escolhida, em 1979, como a primeira cidade a fazer parte das zonas econômicas especiais, regiões autorizadas
pelo governo chinês a receberem recursos estrangeiros. A cidade fazia parte do conjunto de reformas de
modernização criadas pelo governo chinês na gestão de Deng Xiaoping e teria o desafio de se tornar um dos
polos de exportação de novas tecnologias do país (AHLSTROM et al., 2007). Contudo, no início dos anos de
1980, a cidade era descrita como uma vila de pescadores, tendo 280 mil habitantes e uma economia baseada na
subsistência de sua população. Em 30 anos, a cidade cresceu e se desenvolveu intensamente, saltando para uma
população de mais de 10 milhões de habitantes e se tornando uma das cidades com maior produto interno bruto
da Ásia. Hoje, a cidade é o maior centro financeiro do sul da China, abrigando empresas como Huawei, Nepstar,
Hytera e JXD (ZHANG, 2016, p. 83). 69
Os primeiros institutos de pesquisa e as universidades criadas durante as décadas de 1970 e 1980 tiveram
grande importância no surgimento das primeiras incubadoras de empresas nascentes, e na criação dos primeiros
empreendimentos, chamados de startups na década de 1990. No início dos anos 90, as universidades eram as
principais fontes de recursos para a formação de empresas nascentes, tendo programas específicos de capital
semente para alunos de graduação e de pós-graduação em áreas de exatas (e.g. engenharia) e biológicas
formarem suas primeiras empresas (WHITE et al., 2005, p. 898). 70
A principal fonte de recursos para o programa Torch eram os bancos públicos chineses, que por determinação
do governo federal deveria repassar recursos para universidades e institutos de pesquisa localizados em zonas
econômicas especiais. No programa Torch, os bancos públicos chineses funcionavam apenas como
intermediários financeiros, não tendo nenhuma participação nos processos de criação e organização de empresas
nascentes chinesas, papel ocupado pelas universidades e institutos de pesquisa (WHITE et al., 2005, p. 899).
167
5 TRAJETÓRIA DO VENTURE CAPITAL NO BRASIL – POLÍTICAS
PÚBLICAS DE FOMENTO E EVOLUÇÃO DOS VEÍCULOS DE INVESTIMENTO
Desde logo, tal discussão deve enfocar como um aspecto central da natureza
de empresas desse tipo em economias periféricas o fato de suas estratégias
tecnológicas e mercadológicas serem quase sempre pautadas pela imitação.
Em consequência, as EBTs brasileiras em geral não “criam” seus mercados.
Elas não são pioneiras na introdução dos produtos, mas, sim, entrantes de
segunda ou terceira geração e, por isso, defrontam-se – quando não
diretamente, pelo menos nocionalmente – com concorrentes externos mais
maduros, estruturados e de maior porte.
(PINHO; CÔRTES; FERNANDES, 2002, p. 157)
Com relação ao caso brasileiro, é oportuno mencionar a existência de
relutância dos investidores, em particular dos privados, em aportar recursos
para fomentar empresas nascentes de base tecnológica. Uma das razões que
desencoraja investidores financeiros é o desbalanceamento da relação de
risco e retorno do investimento em empresas de base tecnológica, em
comparação com projetos de investimento de outra natureza. Investidores
estratégicos nacionais, por sua vez, começam a enxergar investimentos em
fundos de VC como complementares àqueles feitos internamente em
pesquisa e desenvolvimento (P&D), com os benefícios de desenvolver
empresas parceiras e obter potenciais retornos extraordinários.
(SILVA; BIAGINI, 2015, p. 107)
Os excertos acima descrevem dois cenários distintos na trajetória do venture
capital no Brasil. No primeiro caso, o diagnóstico de que empresas brasileiras de base
tecnológica não eram vistas como oportunidades de investimento vantajosas, uma vez que não
demonstravam ser unidades de produção de novas tecnologias de fronteira, limitando-se ao
papel de imitadoras de tecnologias externas, ao mesmo tempo em que não se mostravam
mercadologicamente atraentes, com planos de negócio estruturados ou modelos de exploração
de oportunidades de mercado promissoras. A percepção para fins de investimento era de baixa
qualidade na oferta de empresas para a realização de investimentos, associada à percepção de
que o mercado nacional ainda estava pouco preparado para assimilar as características do
investimento de venture capital no país.
Treze anos mais tarde, chega-se ao cenário expresso pelo segundo excerto:
desloca-se o foco de preocupações da empresa alvo do investimento para o ambiente jurídico-
institucional no qual ela se insere. A percepção é de que a mensuração de risco em cada
operação de investimento é complexa e, em alguns casos, incerta, desencorajando investidores
a aportar recursos mesmo em empresas que pareçam promissoras. Ora, se os investidores
168
demonstram interesse e disponibilidade de recursos, e as empresas apresentam melhores
modelos de negócio e sinalizam com tecnologias que acompanham a evolução técnica de
mercados internacionais, essa associação de fatores deveria ser suficiente para que o venture
capital no Brasil se tornasse uma das principais alternativas para o financiamento de empresas
de base tecnológica no país; contudo, ele ainda não o é.
O venture capital no Brasil pode ser visto como um projeto público-privado em
construção: público pela atuação contínua e longeva de entes governamentais,
especificamente da FINEP e do BNDES na elaboração e execução de programas de incentivo,
na atuação como investidor direto ou na sua contribuição para a capitalização de fundos de
investimento em parceira com entes privados; e privado pela atuação de gestores e empresas
na captação de recursos financeiros, na formação de veículos de investimento, no
monitoramento e avaliação das empresas investidas e nas tentativas de saída de investimento e
distribuição dos lucros e prejuízos obtidos. A partir deste esforço conjunto, o venture capital
no Brasil saiu da condição de modalidade de investimento rara no país para a condição de
alternativa disponível para o financiamento de empresas de base tecnológica brasileiras.
Se comparado com outros países, o percentual do capital de risco no país em
relação ao Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil é pequeno. Segundo dados da KPMG (2015,
p. 21), os investimentos de private equity e venture capital juntos variaram, de 2013 a 2015,
entre 0,31% e 0,37% do PIB brasileiro respectivamente. A porcentagem pode parecer alta se
comparada com outros países, porém, ela leva em consideração a junção entre private equity e
venture capital. Se separada, ela será muito menor, em especial se for considerada a diferença
na proporção do volume de capital comprometido nesta junção em 2015, que foi de 96,5%
para o private equity, e de 3,5% para o venture capital no país71
. Se considerado apenas o
venture capital em 2015, ele representaria 0,01% do PIB nacional, mobilizando
aproximadamente 233 milhões de reais, o equivalente a 59, 3 milhões de dólares72
.
71
Esta diferença de proporção entre os investimentos de private equity e os de venture capital é explorada pelo
levantamento realizado pela ABVCAP (2018, p. 5). Segundo o estudo, mesmo que o número de empresas
investidas em 2016 tenha sido próximo, 73 para os investimentos de private equity e 84 para os investimentos de
venture capital, o valor médio aportado por empresa foi significativamente distinto entre as duas modalidades de
investimento, tendo o venture capital registrado investimentos médios de 9 milhões de reais e o private equity
de 144 milhões de reais. 72
A cotação utilizada como referência para o cálculo do equivalente em dólares de todo o capital investido na
modalidade de venture capital no Brasil, em 2015, foi R$ 3,9042. Reconhecemos que a cotação não representa o
câmbio presente nas operações ao longo do ano de 2015, tendo em vista que em janeiro desse ano a cotação foi
de R$ 2,634. Contudo, escolhemos a cotação maior pois os estudos produzidos sobre o mercado de venture
capital, em 2016, tomaram como base a última cotação da moeda para transformar o valor em reais para dólares
estadunidenses. Para realização das simulações de câmbio consulte:
<https://www.bcb.gov.br/acessoinformacao/legado?url=https:%2F%2Fwww4.bcb.gov.br%2Fpec%2Ftaxas%2Fp
ort%2Fptaxnpesq.asp>. Último acesso: 01.03.2019.
169
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) 73
, só o venture capital nos Estados Unidos, entre 2013 até 2016,
correspondeu a 0,37% do PIB, seguido por Israel, com 0,35% de seu PIB. Países como a
França, Estônia e a Hungria apresentaram no mesmo ano percentuais de 0,045%, 0,04% e
0,035% de investimentos de venture capital em relação ao seu PIB, tendo proporcionalmente
de 4 a 3 vezes mais volume de investimentos do que o Brasil nessa modalidade. Em números
absolutos, o Brasil, em 2015, movimentou na modalidade de venture capital valores próximos
aos investidos em empresas na Nova Zelândia, que no período registrou investimentos de
cerca de US$ 64 milhões de dólares, estando a frente de países como Rússia (US$ 46
milhões) e Hungria (US$ 34 milhões).
Mesmo considerando os contextos distintos dos investimentos de venture capital
nos países, após diversos esforços governamentais criou-se a expectativa de que o volume de
investimentos de venture capital no Brasil estaria em um patamar mais elevado do que está
hoje se comparado com outros países (LEONEL, 2014, p. 128). Ainda que tenha apresentado
um crescimento médio de 20% ao ano entre 2002 e 2012 (SILVA: BIAGINI, 2015, p. 102),
ainda permanece a percepção de que o venture capital no país é uma modalidade de
financiamento de pequeno porte se comparado com países ricos do hemisfério norte, o que
ainda não é suficiente para o financiamento das etapas do crescimento de empresas de base
tecnológicas.
Para Leonel (2014, p. 128), o venture capital no Brasil, mesmo com forte
incentivo estatal, não foi capaz de contribuir para o financiamento do desenvolvimento
tecnológico do país. Na visão da autora, o problema reside na falta de disposição de atores
privados em assumir os riscos que o financiamento de empresas de base tecnológica carrega
consigo: não ter ocorrido nenhuma mudança nas características da atuação do venture capital
no Brasil. Afinal, no país, ainda se apresenta uma modalidade que almeja investir em
empreendimentos que realizem imitações de tecnologias, que já se provaram em mercados
mais desenvolvidos e que têm uma forte dependência de recursos governamentais,
desestimulando investimentos diretos e exclusivos.
Diferentemente de Leonel (2014), Silva e Biagini (2015, p. 105) descrevem o
venture capital no Brasil como uma obra em construção. Os autores reconhecem a relutância
73
Os dados sobre a participação de investimentos de venture capital no produto interno bruto dos países
membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico está disponível na biblioteca digital
da entidade. Consulte: <https://www.oecd-ilibrary.org/docserver/entrepreneur_aag-2017-25-
en.pdf?expires=1551623034
&id=id&accname=guest&checksum=1B05A0198AA0AE25EB25B4D4506992FF>. Último acesso: 01.03.2019.
170
de investidores privados em aportar recursos em empresas de base tecnológica no país, porém,
não concordam com o argumento de que falta disposição. Na visão dos autores há no Brasil
um desbalanceamento na relação ao risco e ao retorno do investimento em EBTs. De todo
modo, não há como compreender a trajetória do venture capital no Brasil com o enfoque
apenas no comportamento dos agentes que fazem parte das operações de investimento, é
também necessário observar o ambiente em que estão inseridos.
Nesse sentido, não há, também, como estudar o venture capital nos Estados
Unidos da América sem compreender o Vale do Silício, as leis e órgãos do estado da
Califórnia, as políticas de incentivo do governo federal norte-americano, dentre outros fatores.
O mesmo poderia ser dito de Tel Aviv, em Israel, ou de Tallinn, na Estônia, cidades que
apresentam trajetórias de sucesso para o crescimento de investimentos de venture capital em
suas regiões. Por esta razão, não há como estudar o venture capital no Brasil sem inseri-lo no
contexto latino-americano e na perspectiva das dificuldades em se manter os incentivos e
programas de incentivo ao investimento no país.
Regionalmente, o Brasil ocupa uma posição de destaque em investimentos de
venture capital. Em levantamento realizado pela ABVCAP (2018, p. 10), a partir de dados da
Association for Provate Capital Investment in Latin America (LAVCA), o Brasil é o país na
América Latina com maior volume de capital investido (US$ 279 milhões) em operações de
venture capital na região em 2016, representando 56% de todo o capital investido na região,
seguido por México (US$ 130 milhões) e Peru (US$ 31 milhões).
A posição de líder, ocupada pelo México nos anos anteriores, passou a ser
ocupada pelo Brasil, tendo sua razão de ser nos volumes de investimentos. Entre as dez
maiores operações de investimentos da América Latina, seis foram realizadas no Brasil, com
especial destaque para os investimentos no segmento financeiro, realizados por fintechs. Duas
delas, Nubank e Creditas, foram responsáveis por 35% do volume total de investimentos na
região.
Em relação ao número de operações (ABVCAP, 2018, p. 10), o Brasil ainda
ocupa o segundo posto, com 64 operações de investimento em 2016, atrás somente do
México, com 73 operações. A Argentina, com 26 operações, e a Colômbia, com 13 operações,
ocupam respectivamente a terceira e quarta colocações, estando distantes dos primeiros
colocados. Essas operações estão concentradas em empresas com desenvolvimento na área de
tecnologia da informação, espalhadas em setores como o financeiro (fintech), educação
(edutech), marketing (adtech), logística, transporte e agricultura (agritech). A distância de
171
Brasil e México em relação aos demais países aponta para uma relevância regional em meio a
um processo de evolução em andamento.
Segundo Rodrigo Borges74
, fundador da Domo Invest, a presença de investidores
com recursos e disposição para investir na fase late stage ou a partir da terceira rodada de
investimento (series C), na qual os investimentos já alcançam as dezenas de milhões de reais,
é um fenômeno recente. A presença do BNDES e da FINEP teria sido responsável pela
estruturação e incentivo aos investimentos em fase de early stage (em regra, capital semente e
primeira rodada de investimentos), tendo os seus casos de sucesso encorajado investidores a
aportar recursos nessas fases, no passado, e agora em estágios mais avançados.
Da mesma forma, o investidor comenta que para além dessa atuação, houve um
processo de aprendizado por parte de empresas e investidores para a compreensão sobre os
reais riscos envolvidos nessas operações. Desde a escolha pelo tipo de sociedade (limitada ou
anônima), passando pelo planejamento tributário para o crescimento do empreendimento, pela
organização do capital investido, da formalização de empregados e estruturação de seus
contratos, terminando na proteção de seus ativos, como por exemplo na elaboração de
contratos e registros de patentes.
Para ele, não há uma falta de disposição da parte dos investidores, mas sim
esforços para a construção de soluções para a transposição de incertezas presentes no
ambiente de negócios brasileiro. Desde a burocracia e a demora para a abertura e o
fechamento de empresas, passando pela demora crônica de obtenção de uma patente no país,
pelas dificuldades e o custo de abertura de capital de empresas no país, até alcançar a desleal
concorrência de investimentos financeiros indexados pela elevada taxa básica de juros da
economia brasileira (Taxa Selic), que oferecem vultuosas remunerações para investidores
dispostos a deixar seus recursos longe da área produtiva e do desenvolvimento tecnológico,
nota-se que o capital de risco não padece apenas de falta de disposição de investidores, mas
sim de um ambiente de negócios que se mostra pouco receptivo ao capital privado, e hostil ao
financiamento de empresas por meio da aquisição de participação societária.
Ramalho (2010) também descreve a trajetória brasileira como um processo,
ressaltando os efeitos positivos das políticas públicas de apoio ao capital de risco no país,
ressaltando a importância da atuação de braços do governo brasileiro (BNDES e FINEP) nas
operações de investimento, mas também reforçando o papel fundamental do Estado brasileiro
na construção de um arcabouço regulatório específico para o venture capital nacional.
74
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.
172
Segundo o autor, o comportamento dos investidores passa pelas características do ambiente
jurídico-institucional do país como, por exemplo, a existência de veículos de investimento
(e.g. fundos), formas de proteção de ativos intangíveis (e.g. patentes), benefícios fiscais (e.g.
isenções ou descontos), separação patrimonial entre empresas e indivíduos (e.g. personalidade
jurídica), dentre outros.
Para o autor (RAMALHO, 2010), antes de uma trajetória tímida e marcada por
investidores pouco dispostos a investir em empresas brasileiras de base tecnológica, a
trajetória brasileira foi marcada pela forte tentativa de indução estatal aos investimentos
privados, articulando políticas públicas e capitais públicos, seguindo um ritmo de breves
lampejos de ascensão de ciclos de investimento (e.g. 2005-2008), intercalado por dificuldades
da continuidade das políticas públicas em razão de períodos de retração da economia
nacional.
Ferraz (2013) chama atenção para o papel desempenhado pelo BNDES e pela
FINEP na cadeia de valores do venture capital no Brasil. Segundo o autor, o ambiente de
incerteza para esses investimentos foi contrabalançeado por uma atuação destas entidades no
fomento de investimentos em estágios iniciais de empresas (e.g. capital semente e primeira
rodada), permitindo que os esforços de atração de investidores privados não fossem
desperdiçados com a descontinuidade de algumas políticas públicas, ou até com a falta de
reformas jurídico-institucionais necessárias para a modalidade de investimento.
Nesse sentido, este capítulo tem por objetivo reconstruir a trajetória da formação e
do crescimento do venture capital no Brasil, reorganizando algumas das classificações
propostas por Pavani (2003) e Leonel (2014), bem como propondo novas interpretações para
o percurso do capital de risco nacional, expandindo a explicação de Leonel sobre a falta de
disposição de investidores privados no país, para uma interpretação da trajetória do venture
capital que incorpora a hostilidade do ambiente jurídico-institucional brasileiro como um dos
fatores que condicionou as características e o desempenho dessa modalidade de investimento
no país.
Para a realização desta reconstrução, foram utilizadas como base as seguintes
fontes de pesquisa: (i) literatura acadêmica brasileira sobre a trajetória do venture capital no
Brasil; (ii) relatórios da KPMG sobre a consolidação de dados sobre a modalidade de
investimento entre 2012 e 2016; (iii) relatórios da ABVCAP nos anos de 2017 e 2018 sobre o
venture capital no país; (iv) as bases de dados da Crunchbase e da Preqin, consultadas como
forma de validação de dados citados por outros autores; (v) o 1º e 2º Censos brasileiros da
indústria de private equity e venture capital publicados pela Agência Brasileira de
173
Desenvolvimento Industrial – ABDI; (vi) entrevistas realizadas junto a gestores de capital de
risco com atuação no país; e (vii) entrevista com representantes de entidades públicas com
atuação no setor, em particular FINEP, INPI e BNDES.
Alguns cuidados metodológicos foram tomados para a elaboração desta
reconstrução. Em primeiro lugar, buscamos priorizar os levantamentos de dados que
separaram a modalidade de venture capital da modalidade private equity. Nem sempre essa
separação foi possível, porém, buscamos evidenciar para o leitor quando o dado se refere às
duas modalidades e quando se referia apenas ao venture capital. Em segundo lugar, tentamos
reconstruir a trajetória do venture capital a partir de levantamentos que pudessem conversar
entre si, tentando construir correlações entre estudos produzidos em momentos históricos
distintos, descartando aqueles que não faziam menção à metodologia de construção de suas
bases de dados ou não traziam uma descrição de como os dados foram obtidos. Em terceiro
lugar, quando possível, conferimos os dados citados por autores em seus trabalhos
acadêmicos nas bases de dados mencionadas por estes (e.g. crunchbase), dando prioridade
para os dados que até hoje são passíveis de serem testados novamente.
Dessa forma, dividimos o capítulo em cinco partes: (i) o surgimento e as primeiras
iniciativas do venture capital no país; (ii) a introdução dos primeiros contornos do capital de
risco no cenário nacional; (iii) a estruturação e o crescimento do setor; (iv) breve ascensão e a
presença de obstáculos institucionais ao crescimento; e (v) mudanças no ambiente regulatório
e a permanência de velhos problemas. Optamos por posicionar cada uma das partes por
períodos, designando cada um deles por fatos marcantes no âmbito de mudanças jurídico-
institucionais, criação de políticas públicas, entrada de novos investidores e pela atuação de
entes públicos.
5.1 Surgimento da ideia capital de risco e as primeiras iniciativas: 1974 – 1980
O venture capital no Brasil nasce na metade dos anos de 1970 como um dos
instrumentos previstos para o financiamento de projetos do II Plano Nacional de
Desenvolvimento (II PND), lançado pelo governo Geisel no final de 1974, tendo como
principal intuito o estímulo da produção nacional de bens de capital, insumos básicos e
energia (LEONEL, 2014, p. 142). Ainda incipiente e sem as características que o definem nos
dias atuais, o chamado “capital de risco” servia como alternativa ao então predominante
financiamento bancário.
174
Diferente da forma como é descrito hoje, o capital de risco brasileiro no regime
militar tinha como foco o financiamento de projetos de grande porte, sendo intrinsecamente
ligado aos programas e ao planejamento do estado desenvolvimentista. Questiona-se a própria
classificação de algumas práticas como capital de risco. Porém, considerando o nome dado, o
governo militar buscava modalidades de financiamento que fossem capazes de viabilizar o
processo de industrialização nacional, tendo como principal referencial a infraestrutura
bancária, porém, sem deixar de lado a possibilidade de financiamento via operações
societárias (PAVANI, 2003, p. 47).
Para Ary Burger (1994, p. 27), um dos fundadores da Companhia Rio-Grandense
de Participações (CRP Companhia de Participações), a perspectiva nacional-
desenvolvimentista no início dos anos de 1970 estava inebriada pela disponibilidade de
capital e pelos projetos de grande porte, sem uma compreensão profunda sobre as funções que
o capital poderia desempenhar em estruturas empresariais de diferentes portes. Na visão do
investidor, a facilidade na obtenção de recursos do início da década contribuiu para
desperdícios e para a geração de projetos empresariais que apenas fariam sentido se fossem
alimentados com recursos públicos. Não havia, segundo Burger, uma preocupação por parte
do governo brasileiro em desenvolver a capacidade empresarial daqueles que estavam
iniciando seus empreendimentos, o que teria levado à criação de laços de dependência com os
recursos públicos.
Mesmo assim, as notícias e dados sobre o sucesso da indústria de microeletrônica
nos Estados Unidos fizeram com que a expressão venture capital alcançasse alguns
empresários nacionais e alguns representantes governamentais. Segundo Burger (1994, p. 29),
o sucesso no campo da microeletrônica e o perfil das empresas que comercializavam produtos
do segmento fizeram com que alguns empresários associassem o capital de risco ao
financiamento de pequenas empresas, favorecendo o seu crescimento em um curto espaço de
tempo. Todavia, essa associação não foi acompanhada por uma descrição completa sobre
como a modalidade de investimento funcionava nos Estados Unidos, tampouco por uma
consideração sobre se o Brasil apresentava as condições para recebê-la, limitando-a a servir
como a oportunidade de negócios da vez.
Para Oliveira (1994, p. 16), começa-se no regime militar a se disseminar a
percepção de que seria necessária a criação de alternativas de financiamento para empresas de
pequeno e médio porte. Esta ideia não viria para ameaçar o projeto desenvolvimentista
baseado no fomento da industrialização via substituição de importações, mas serviria como
175
forma de alcançar outros segmentos da economia brasileira, em especial os empreendimentos
que não eram capazes de acessar o financiamento bancário.
Além disso, mesmo a oferta de crédito por instituições financeiras para a indústria
já encontrava alguns limites e gerava algumas frustrações ao segmento industrial. Segundo
Coutinho (1999, p. 361), o financiamento de empresas via produtos financeiros de bancos de
operação a partir de uma lógica comercial de curto prazo, ofereciam, por exemplo, produtos
voltados a necessidades pontuais, como a disponibilização de empréstimo para capital de giro
enquanto produtos de ciclos de investimento longos não eram vistos como rentáveis, e
também não despertavam interesse de instituições financeiras em razão de inconstâncias da
economia nacional.
A ideia da realização de investimentos de venture capital surge com o apelo forte
dos números da indústria da microeletrônica, só que ganha corpo por convencer entes
governamentais e alguns empresários nacionais que buscavam por diversificação a
participarem dos investimentos, mesmo sem o domínio completo das características desta
modalidade (COSTA, 2006, p. 23).
No âmbito privado, a primeira iniciativa de capital de risco no país foi a criação
da Brasilpar Comércio e Participações (BCP) em 1976. O empreendimento nasce de uma
parceria entre os bancos Unibanco e Paribas, tendo como principal foco o investimento em
empresas brasileiras que poderiam apresentar o crescimento de empresas da indústria da
microeletrônica nos Estados Unidos da América (COSTA, 2006, p. 23). Muito embora a
iniciativa seja tida como a primeira empresa de capital de risco do país, uma análise cuidadosa
revela que ela se assemelha mais ao private equity do que ao venture capital. Isto porque, em
seus primeiros investimentos, os aportes foram realizados em empresas de grande porte, e, em
alguns casos, eram feitos empréstimos entre empresas ao invés da aquisição de participação
minoritária com saída posterior. Entre 1976 e 1981, a empresa não obteve o retorno esperado,
tendo o ingresso de novos investidores (Pão de Açúcar, Multibrás, Villares e Banco Mundial)
a partir de 1981, conferido as características do capital de risco propriamente dito (LEONEL,
2014, p. 144).
No âmbito governamental, duas foram as principais entidades para o fomento da
modalidade de investimento no país: (i) o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico
(BNDE); e (ii) a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP). A primeira delas ocorreu a
partir da criação de três subsidiárias do banco para a realização de investimentos temporários
em participações minoritárias de empresas brasileiras localizadas em setores estratégicos para
a política industrial do governo federal; a segunda, a partir do programa ADTEN (Apoio ao
176
Desenvolvimento Tecnológico da Empresa Nacional), que oferecia financiamento de
atividades consideradas de risco para empresas a partir de determinados instrumentos
financeiros (PAVANI, 2003, p. 48).
Segundo Albergoni (2006, p. 61), o programa ADTEN não deve ser encarado
como um programa de fomento ao capital de risco no Brasil, apesar de trazer em sua
descrição a expressão por diversas oportunidades. Na leitura de Albergoni, o ADTEN pode
ser definido como a primeira iniciativa no contexto nacional de incentivo à participação
privada em empreendimentos com potencial de crescimento, seja via desenvolvimento
tecnológico ou não. Isto porque o programa oferecia linhas de financiamentos reembolsáveis
associadas ao projeto apresentado junto à FINEP.
Além disso, não havia um formato para a realização da operação de investimento,
podendo cada uma delas ser realizada a partir de diferentes formas de disponibilização dos
recursos financeiros, por vezes se valendo de debêntures (conversíveis ou não), empréstimos
amortizáveis com base na oferta de royalties, amortizações ligadas ao sucesso do
empreendimento, dentre outras. Assim, as transações eram realizadas caso a caso e
negociadas a partir de uma avaliação da FINEP.
Dentre os objetivos do programa estava a utilização do capital de risco para o
fomento tecnológico no país, tendo como estratégia a disponibilização de recursos para
projetos tecnológicos em diferentes formatos (SOUZA NETO; STAL, 1991, p. 41). Contudo,
o ADTEN não teve um longo fôlego e também não recebeu projetos com as características
que almejava, tendo sido encerrado em 1991, em meio às reformas do governo Collor. A
principal motivação para o seu encerramento foi o fato de apresentar um déficit crescente de
seu portfólio ao longo de suas operações de financiamentos, tendo 60 operações no momento
da finalização de suas atividades (ALBERGONI, 2006, p. 61).
A ausência de um perfil de projeto ou de empresa a ser financiada, associada às
diferentes percepções sobre o que viria a ser um projeto tecnológico empresarial, fez com que
o ADTEN não resistisse aos questionamentos sobre a sua continuidade, bem como sobre a
racionalidade de seus investimentos. Em um momento de reestruturação de contas públicas, o
programa passou a ser um exemplo didático do que não deveria ser a estratégia de
investimentos por parte do governo (COSTA, 2006, p. 24).
Em outro espectro, foram criadas três subsidiárias pelo BNDE como parte de sua
política de apoio ao incipiente capital de risco nacional. Foram elas: (i) Insumos Básicos S.A.
(FIBASE), dedicada à capitalização de empresas produtoras de insumos básicos (e.g.
metalurgia, química, petroquímica etc.); (ii) Mecânica Brasileira S.A. (EMBRAMEC),
177
estruturada para financiar empresas do segmento de bens de capital; e (iii) Investimentos
Brasileiros S.A. (IBRASA), destinada a aportar recursos em empresas dos demais setores
produtivos da economia (LEONEL, 2014, p. 143).
Na Exposição de Motivos nº 1, de 06 de maio de 1976, o BNDE explicita que a
criação dessas subsidiárias serviria para cumprir uma dupla função, de um lado, serviria como
mecanismo operacional para a intensificação do desenvolvimento da indústria brasileira no
fortalecimento da empresa nacional; e, de outro lado, como facilitadora do processo de
abertura e dinamização do mercado de capitais do país (GORGULHO, 1996, p. 131).
Todavia, a criação da FIBASE, EMBRAMEC e da IBRASA não foi seguida da
institucionalização de um modelo de investimento de capital de risco para o país. Até meados
dos anos de 1980, o país não dispunha de um modelo contratual, de um veículo de
investimento, de uma metodologia de avaliação de empresas, aspectos próprios para o
exercício do venture capital, tendo investidores privados se valendo de figuras jurídicas
disponíveis, como as sociedades de participação ou holdings, bem como de interpretações
contábeis e fiscais para descrever suas operações, realizando transações de compra e venda de
cotas e ações de empresa sem um formato que lhes conferisse segurança de que a operação
não fosse anulada ou que os custos envolvidos fossem majorados (PAVANI, 2003, p. 48).
Segundo Gorgulho (1996, p. 131), das três subsidiárias, a IBRASA foi a que mais
apresentou características de investimento de capital de risco. Havia por parte da empresa
uma disposição explícita em investir a partir de ciclos mais longos, bem como em adquirir
participações minoritárias do capital de empresas brasileiras com o intuito de obtenção de
retorno a partir da saída do investimento. Para a autora, o ciclo mais alongado do
investimento, com a entrada e a saída da investidora, tinha como intuito a expansão do
mercado de ações brasileiro, ainda incipiente à época.
Ao lado da criação das subsidiárias do BNDE, a iniciativa privada também
constituiu empresas para a realização de investimentos aos moldes do capital de risco da
época. Para além da Brasilpar Comércio e Participações, segundo estimativas de Costa (2006,
p. 24), cerca de dez empresas privadas fizeram investimentos semelhantes aos realizados
pelas subsidiárias do BNDE. Contudo, não havia continuidade nos investimentos e
rapidamente essas empresas passaram a mudar o foco de sua atuação para a aquisição de
participações em bancos, distribuidoras e corretoras, desvirtuando as características iniciais do
investimento.
Nessa primeira fase, investimentos públicos e privados compartilhavam de uma
característica: seus recursos financeiros começavam como aquisição de participação societária
178
de empresas de pequeno e médio porte e rapidamente se convertiam em investimentos em
empresas brasileiras de grande porte. Se a ideia de capital de risco surge e busca se converter
em iniciativas de investimento no período, enquanto prática ela só veio a desenvolver suas
características no início da década de 1980. Na prática, não havia um esforço em
disponibilizar recursos para o financiamento de pequenos e médios empreendimentos com
potencial inovador em seus estágios iniciais (SOUZA NETO; STAL, 1991).
Em 1982, já com a atual denominação em decorrência do Decreto-lei nº 1.940, o
BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) desistiu da estratégia de
segmentação de seus investimentos de capital de risco por setores da economia e fundiu suas
três subsidiárias para a formação de uma nova empresa, a BNDES Participações S.A.
(BNDESPAR), empresa que ficaria como uma das responsáveis pela construção do modelo de
capital de risco no país (LEONEL, 2014, p. 143).
5.2 Introdução dos primeiros contornos do capital de risco no cenário nacional: 1981
– 1994
O contexto brasileiro do início dos anos de 1980 é descrito como um período
marcado pela instabilidade econômica e por sucessivas tentativas de estabilização da
economia, tendo como principal batalha o combate ao crescente processo inflacionário por
meio de planos econômicos. Embora o cenário pudesse afugentar qualquer iniciativa do recém
surgido capital de risco no país, nesse período o setor foi capaz de estruturar algumas das
condições para o seu desenvolvimento na década seguinte (PAVANI, 2003, p. 49).
Segundo Castello Branco (1994, p. 48), desde o início dos anos de 1980, o
BNDES observava o crescimento, ainda tímido, do número de empresas de base tecnológica
próximas a locais com uma infraestrutura científica e tecnológica. Cidades como Campinas,
São José dos Campos, Campina Grande, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo,
Florianópolis e Belo Horizonte, são alguns exemplos de localidades em que empresas de base
tecnológica surgiam e buscavam por financiamento para crescerem.
Conforme o autor (Ibidem, p. 49), não havia à época nenhuma política nacional
para a promoção de empresas de base tecnológica no país. No entanto, foi nessa década que
surgiu o interesse governamental em associar empresas de base tecnológica ao capital de
risco. Enquanto iniciativas, o autor menciona o apoio ainda tímido conferido a empresas de
base tecnológica nas cidades de São Carlos e Florianópolis, em particular por programas
criados no âmbito das universidades federais presentes nas duas cidades.
179
A percepção do BNDESPAR era de que havia (mesmo que pequena) capacidade
empreendedora no Brasil, em particular em pequenas e médias empresas de base tecnológica.
Contudo, faltava-lhes um maior nível de profissionalização de sua gestão e uma maior
conscientização para a importância de aspectos financeiros e administrativos na condução do
empreendimento (Ibidem, 1994, p. 50). Essa percepção orientou a construção de políticas
públicas de exploração do capital de risco pela subsidiária.
No período, duas iniciativas foram fundamentais para a estruturação do capital de
risco no país: (i) a atuação do BNDESPAR na capitalização dos primeiros investidores do
segmento e no investimento direto em empresas brasileiras; e (ii) a criação do regime jurídico
da sociedade de capital de risco, estabelecendo um tratamento fiscal diferenciado para
empresas brasileiras como estratégia de fomento ao capital de risco no país (PAVANI, 2003,
p. 49). Em sua atuação, no início dos anos 1980, o BNDESPAR se dividia entre investimentos
em companhias regionais de capital de risco, servindo como sócio minoritário dessas
empresas por um período de tempo, e também como investidor de empresas brasileiras de
base tecnológica, realizando aportes diretos de capital. Em 1991, o BNDESPAR criou o
programa Capitalização de Empresas de Base Tecnológica (Contec), que inaugurou um fundo
de investimento próprio (um condomínio sem personalidade jurídica e de natureza escritural)
para a realização dos aportes de recursos financeiros em empresas de base tecnológica.
O Contec, como programa, formalizou as ações de investimento esparsas do
BNDESPAR ao longo dos anos de 1980, conferindo uma estrutura e uma direção a esta
atuação. No âmbito das Políticas Operacionais do Sistema BNDES, o Contec foi criado para
financiar pequenas e médias empresas, tendo uma preferência declarada para aquelas de base
tecnológica. Seu objetivo era gerar, por meio da oferta de recursos no formato de capital de
risco, ganhos de competitividade para empresas brasileiras, coadunando-se ao que era
concebido à época como moderna política industrial. Os recursos disponibilizados pelo
programa serviriam à implementação de uma estrutura de produção na qual uma rede de
pequenas e médias empresas, tecnologicamente dinâmicas, iria introduzir inovações no
mercado por si mesmas, ou por meio de parcerias com empresas de maior porte, fortalecendo
a economia nacional e contribuindo para o crescimento econômico do país (CASTELLO
BRANCO, 1994, p. 52).
Segundo Pinho, Cortês e Fernandes (2002, p. 151), o programa estava estruturado
para a aquisição de participações minoritárias, com um limite de 30% do capital social de
empresas investidas, e estava direcionado para EBTs que já tivessem demonstrado a sua
viabilidade comercial, não podendo ainda estar em fase pré-operacional. Além disso, segundo
180
os autores, havia uma preferência por parte do programa em realizar investimentos a partir de
debêntures conversíveis em ações.
Ademais, exigia-se que a empresa a ser investida tivesse sido constituída no Brasil
e com capital brasileiro, tendo apurado em seu exercício fiscal anterior um faturamento
líquido igual ou superior a US$ 7 milhões. Não era necessário que a empresa pleiteante
apresentasse quaisquer garantias reais para receber os recursos financeiros oferecidos pelo
programa. A ausência de garantias, típica de investimentos de capital de risco, até então era
muito pouco comum nas operações realizadas pelo banco (CASTELLO BRANCO, 1994, p.
53).
Além do apoio direto por meio de aportes de recursos em empresas de base
tecnológica, o Contec também estruturou a capitalização de investidores nacionais, chamados
na época de Companhias de Capital de Risco (CCRs), as quais poderiam receber aportes para
investimentos em empresas. Nestes aportes, o risco máximo suportado pelo programa era de
US$ 4 milhões, também tendo 30% como participação máxima no capital da CCR, podendo
ser ampliado para 40% caso a CCR demonstrasse que ao menos 20% de seus investimentos
haviam sido realizados em empresas brasileiras de base tecnológica (Ibidem, 1994, p. 53).
Nota-se que mesmo com as atenções do BNDESPAR voltadas às empresas de
base tecnológica, a exigência para as Companhias de Capital de Risco era tímida. Para uma
capitalização em que o BNDESPAR iria aportar 40% de todo o capital de uma CCR, a
contrapartida seria o investimento em 20% de empresas de base tecnológica, podendo ser os
80% de recursos financeiros remanescentes investidos em outras empresas. Nesse sentido,
mesmo que o compromisso com o fomento ao desenvolvimento tecnológico estivesse
presente, em nossa visão, ainda se manifestava de forma tímida.
Mesmo assim, pode-se apontar que a atuação do BNDESPAR com capital de
risco teve um significado maior. O BNDESPAR, em particular por meio do programa Contec,
foi responsável pela formação dos primeiros investidores brasileiros com as características
próprias do investimento de capital de risco, a CRP Companhia de Participações, a
Pernambuco Participações S.A., Acel Sociedade de Capital de Risco, PAD Investimentos e
Arbi (PAVANI, 2003, p. 50). Pavani (2003, p. 50) sintetizou as características do Contec na
tabela a seguir:
181
Tabela 5.1 Características do programa de Capitalização de Empresas de Base Tecnológica (Contec)
Objetivo Estimular o desenvolvimento tecnológico no Brasil e fortalecer as
pequenas e médias empresas que desenvolvam tecnologia
Formas de operação Subscrição de ações ou debêntures conversíveis.
Características das
empresas
Privadas;
Faturamento líquido anual de até R$ 7 milhões no último exercício;
Produtos ou processos tecnologicamente diferenciados;
Atuação em nichos de mercado promissores;
Vantagens competitivas em seu mercado;
Perspectivas de rápido crescimento e elevada rentabilidade;
Gestão idônea e eficiente.
Características do
aporte
Aporte máximo de R$ 1 milhão por empresa;
Participação máxima de 30% do capital futuro.
Formas de acesso das
empresas ao programa
As empresas deveriam apresentar um plano de negócios detalhado,
abordando aspectos técnicos, econômico-financeiros, societários,
organizacionais, jurídicos e mercadológicos.
Fonte: (PAVANI, 2003, p. 50).
Segundo Castello Branco (1994, p. 45), o Contec foi capaz de evidenciar, seja na
atuação direta do BNDESPAR, seja em sua ação indireta junto às CCRs, as características do
capital de risco no Brasil. Sob forte inspiração estadunidense, o programa concebia o capital
de risco como um investimento: (i) com participação societária minoritária na empresa
investida; (ii) temporário; (iii) com o acompanhamento e contribuições efetivas do investidor
na empresa investida; (iv) com ausência de garantias; (v) com preferência por
empreendimentos de maior risco; e (vi) com expectativa de altos retornos sobre o capital
investido.
Além dos Estados Unidos da América, a França foi uma inspiração para os
investimentos realizados pelo BNDESPAR (CASTELLO BRANCO, 1994, p. 47). Os
investimentos realizados pelo estado francês em pequenas e médias empresas de base
tecnológica no final da década de 1970 e início dos anos de 1980, por meio do quase-capital e
da participação de entes públicos na capitalização de fundos privados, também serviram de
referência para a formação do programa Contec.
No Brasil, a CRP Companhia e Participações e a Pernambuco Participações S.A.
foram as principais Companhias de Capital de Risco. O BNDESPAR, por meio do Contec,
ofereceu recursos para a formação de veículos de investimento em cada uma das companhias,
inaugurando a atuação do banco como cotista de fundos de investimentos nacionais
(PAVANI, 2003, p. 51).
182
Todavia, o BNDES não era o único banco público a atuar na formação dos
primeiros investidores privados de capital de risco do país. A CRP Companhia e
Participações, fundada por Ary Burger, em 1981, teve aportes do Banco de Desenvolvimento
do Rio Grande do Sul (Badesul) e do Banco Regional de Desenvolvimento Econômico
(BRDE), além de recursos advindos da Participações Rio-Grandenses S.A. (PARGS), grupo
de 150 empresas privadas da região sul para investimentos em capital de risco. A companhia
era vista como uma ferramenta da estratégia de desenvolvimento regional do governo do
Estado do Rio Grande do Sul, sendo considerada a primeira empresa de capital de risco com
foco em empresas de base tecnológica no país (LEONEL, 2014, p. 144).
No início, a Companhia e Participações (CRP) operava a sua própria carteira de
investimento, selecionando pequenas empresas localizadas na região sul para investimento.
Com o transcorrer da década de 1980, a empresa passou também a operar carteiras de outras
Companhias de Capital de Risco, como a Caderi Capital de Risco S.A., além de dividir os
seus investimentos em fundos específicos, como o RSTec e o SCTec, com focos em empresas
de base tecnológica nos estados do Rio Grande do Sul e em Santa Catarina respectivamente
(PAVANI, 2003, p. 52).
Segundo Burger (1994, p. 30), a Companhia Rio-Grandense Participações pode
ser descrita a partir de dois momentos distintos. No primeiro, entre 1982 até 1987, o objetivo
foi identificar empresas com potencial de crescimento, sem uma necessária associação com
desenvolvimento tecnológico. O alvo eram sociedades anônimas do estado, via de regra
médias empresas, ou empresas pequenas no formato de sociedades limitadas que pelo seu
crescimento poderiam assumir o formato de sociedades anônimas. A preferência por
sociedades anônimas se dava em razão da estrutura da operação da Companhia, centrada na
aquisição de ações e na gestão de uma carteira de investimentos. A ideia seria investir nas
empresas que poderiam fazer parte ou já estavam listadas na Bolsa de Valores do Rio Grande
do Sul.
Contudo, segundo o fundador da CRP Companhia de Participações (1994, p. 30),
os primeiros resultados negativos de investimentos realizados pela companhia associados às
mudanças constantes na economia em razão dos diversos planos econômicos no período
tornaram o modelo de investimento da CRP Companhia de Participações inviável. Foi apenas
com a criação do Contec por parte do BNDESPAR que a Companhia de Capital de Risco foi
capaz de se reestruturar. Os recursos do programa ao lado de um novo perfil de empresas a
serem investidas, passando de investimentos em médias empresas para investimentos em
pequenos empreendimentos, alguns de cunho tecnológico, fizeram com que a CRP
183
apresentasse melhores resultados, perpetuando a sua atuação no segmento de capital de risco
até os dias atuais.
Com atuação similar, a Pernambuco Participações S.A. também foi formada com
a participação do BNDESPAR, e de um consórcio de 81 empresas privadas localizadas no
estado de Pernambuco. Constituída com um capital de oito milhões de dólares (40% do
BNDESPAR), a empresa se destinava a realizar investimentos em empresas com alto
potencial de crescimento nos estados de Pernambuco, Alagoas, Paraíba e Rio Grande do
Norte (PAVANI, 2003, p. 52).
Duas eram as estruturas jurídicas utilizadas por Companhias de Capital de Risco
no início da década de 1980 para a realização de investimentos em empresas no país. A
holding, sociedade comercial para a aquisição de participação de outras empresas, e a
offshore, sociedades comerciais constituídas fora do país (e.g. em paraísos fiscais) com
investimentos no país (LEONEL, 2014, p. 145). Até 1986, não havia nenhum tratamento
diferenciado para empresas que buscassem atuar no setor de capital de risco, bem como não
havia nenhum formato jurídico ou qualificação jurídica para os investimentos de capital de
risco. Cabia às primeiras empresas escolherem e testarem quais tipos de sociedade e estrutura
de investimento mais vantajosos para suas pretensões.
Segundo Freitas (2015, p. 162), o formato predominante no período era o de
holding, com clara inspiração no formato das investment companies estadunidenses, contudo,
ainda sem uma identidade própria de venture capital, posto que os investimentos temporários
em pequenas e médias empresas de base tecnológica eram realizados ao lado de investimentos
com outras características, em particular os investimentos de private equity. Em alguns casos,
o investidor assumia o controle da empresa investida, contrariando a lógica da participação
minoritária, em outros casos os investidores assumiam uma postura passiva diante do
investimento, intervindo muito pouco para o crescimento do negócio investido.
A edição do Decreto-lei n.º 2.287 de 23 de julho de 1986, seguida pelas
resoluções do Banco Central n.º 1.184/86 e 1.346/87, criou a Sociedade de Capital de Risco
(SCR), qualificação jurídica para sociedades comerciais que tivessem como objeto social
exclusivo a aplicação de seu capital em pequenas e médias empresas. Empresas como a CRP
Companhia e Participações e a Pernambuco Participações S.A., a partir de 1986, poderiam
alcançar o status de Sociedades de Capital de Risco, tendo como principal vantagem a
obtenção de benefícios na apuração de seu imposto de renda, tais como: (i) exclusão de
dividendos e bonificações pagos pela empresa investida para a SCR do lucro líquido do
exercício (art. 16 do Decreto-lei n.º 2.287/86); (ii) exclusão dos dividendos, bonificações,
184
lucros e recursos financeiros resultantes da alienação ou liquidação de participações
societárias distribuídos à SCR do desconto do imposto de renda na fonte (art. 17 do Decreto-
lei n.º 2.287/86); e (iii) alíquota de 23% de imposto de renda para os rendimentos distribuídos
pela SCRs aos seus sócios por ganhos de capital que eles tenham auferido (art. 18 do Decreto-
lei n.º 2.287/86).
O uso da expressão “sociedade” na SCR pode gerar confusão no âmbito jurídico.
Diferente da sociedade limitada ou a sociedade anônima, a sociedade de capital de risco não
foi criada como um tipo de sociedade empresária: tratava-se de uma classificação que
sociedades empresárias poderiam receber para a obtenção de benefícios na apuração de
tributos. Não há por parte das regras que criaram a SCR qualquer disposição sobre
deliberação de sócios, prestação de contas, responsabilidade, dentre outras características
típicas de um regime societário.
Além disso, não se deve confundir a denominação de Companhias de Capital de
Risco com Sociedade de Capital de Risco. A CCR foi a primeira denominação atribuída para
empresas que tinham como propósito investimentos de capital de risco. O nome não
representava uma figura jurídica, mas sim uma classificação para servir como referência para
programas como o Contec. A denominação servia como identificador do investidor nesta nova
modalidade de investimento no país.
Gorgulho (1996, p. 125) descreve que foram dois fatores os responsáveis pela
baixa adesão ao regime de Sociedade de Capital de Risco no Brasil: (i) a obrigação da SCR só
aplicar recursos próprios para seus investimentos, impedindo a sua capitalização por meio de
instrumentos de dívida; e (ii) restrições presentes na regulação do Bacen sobre ganhos de
capital. Gradativamente, os poucos que haviam aderido ao regime jurídico da sociedade de
capital de risco foram abandonando o modelo, tendo perdido a sua relevância já na década de
1990, para dar lugar aos Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE).
Além disso, Sá (1994, p. 10) critica o fato da Sociedade de Capital de Risco não
ter sido criada como um veículo de investimento, com regras próprias para a captação de
recursos, com figuras próprias do capital de risco como fonte de recursos para a capitalização
dos investimentos, para o administrador ou gestor de recursos e para as empresas a serem
investidas. Ao contrário, na visão do autor, concedeu-se um pequeno prêmio financeiro no
formato de benefício fiscal que não foi capaz de atrair por muito tempo as empresas dispostas
a investir na modalidade de capital de risco.
A crise que atravessou a década de 1980, teve continuidade no início dos anos de
1990, só que agora em outro cenário político e com uma diferente perspectiva para a
185
economia. A lógica de resguardo da indústria nacionais e de proteção da economia foi
rapidamente substituída por iniciativas de liberalização. A ideia era abrir a economia nacional
e permitir que nossas empresas pudessem ampliar sua produtividade e competitividade a
partir da concorrência com empresas estrangeiras. Além disso, buscava-se atrair
investimentos estrangeiros para o país a partir dessa nova postura, tendo nos planos
econômicos Collor I e II tentativas de pôr em prática o projeto de liberalização da economia e
de desregulamentação financeira de setores como estratégia de atração de investidores
estrangeiros para empreendimentos nacionais. Tais esforços, como se observou, não
obtiveram os resultados esperados (LEONEL, 2014, p. 146).
Entre o final de 1991 e meados de 1994, foi criado um binômio importante para a
estruturação do capital de risco no país: o lançamento do programa Contec, em 1991, e a
criação do primeiro veículo de investimento destinado ao capital de risco – os Fundos Mútuos
de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEEs), instituídos pela Comissão de Valores
Mobiliários (CVM).
De um lado, o BNDES consolidou a atuação do BNDESPAR a partir de uma
política pública para o capital de risco no Brasil. O que até então eram iniciativas pontuais
passaram a compor um programa estruturado. De outro lado, a Comissão de Valores
Mobiliários criou o primeiro veículo de investimento para empresas de capital de risco no
país, uma estrutura jurídica que estabeleceria as regras para a aquisição de participações em
EBTs brasileiras.
De acordo com Pavani (2003, p. 50), a criação do Contec fortaleceu as
Companhias de Capital de Risco criadas durante a década de 1980 no país, disponibilizando
recursos para manter os seus investimentos em empresas no início da década de 1990,
algumas delas sendo EBTs. Foram 15 empresas investidas entre 1991 e 1994, com quinze
milhões de dólares aportados em empresas como a CRP Companhia e Participações e a
Pernambuco Participações S.A. A autora, com base em levantamento feito por Gorgulho
(1996), reuniu uma lista com todas as empresas investidas pelo BNDESPAR, assimiladas pelo
Contec no início de 1991.
186
Tabela 5.2 Carteira de investimentos do Contec em dezembro de 1994
Empresa Localização Ano do
Investimento
Setor
Autel SP 1988 Telecomunicações
Batik MG 1988 Telecomunicações
Alfatest SP 1989 Informática
Bio Fill PR 1990 Biotecnologia
Bese MG 1991 Informática
Altus RS 1992 Automação
ENB SP 1992 Química
Relastomer BA/RJ 1992 Produtos Reciclados
Embrabio SP 1992 Biotecnologia
Asga SP 1993 Microeletrônica
Autotrac DF 1993 Telecomunicações
Americainvest RJ 1994 Software
Couro Vegetal AC/AM/RJ 1994 Produtos Ecológicos
Rooster SC 1994 Informática
Nutec RS 1994 Software
Total Investido US$ 15 milhões Investimento
médio
US$ 1 milhão
Fonte: (PAVANI, 2003, p. 91).
Após a realização da audiência pública para discutir a proposta de criação do
Fundo de Empresas Brasileiras Emergentes (FEBRE) em março de 1994, a CVM ponderou as
contribuições que recebeu e editou a instrução normativa n.º 209, que criava o Fundo Mútuo
de Investimento em Empresas Emergentes (FMIEE). O objetivo da iniciativa era oferecer aos
investidores de capital de risco no país uma estrutura jurídica para a realização de seus
investimentos em pequenas e médias empresas (LEONEL, 2014, p. 146).
Os FMIEEs buscavam servir de alternativa ao uso de holdings e offshores por
parte de investidores. O intuito da iniciativa era partir da oferta de um modelo jurídico
pensado para o capital de risco e da concessão de benefícios fiscais, buscava-se uma melhor
visualização sobre os investimentos de capital de risco e um maior controle sobre as
operações realizadas. Diferentemente de sociedades comerciais, tributadas a cada exercício
fiscal, a nova regulação permitia que, por meio do FMIEE, os ganhos auferidos pelo fundo
fossem tributados no final de seus ciclos de investimento, no momento em que iriam apurar os
resultados de cada uma de suas operações de investimento. Além disso, caberia a CVM
fiscalizar a atuação dos FMIEEs, tendo estes fundos deveres de prestação de informação a
entidade (PAVANI, 2003, p. 55).
187
Além disso, a mudança para o formato FMIEE permitia que a tributação incidente
fosse sobre os ganhos de capital, posicionando os investimentos de capital de risco como
investimentos de renda variável. Essa mudança atraiu também, além dos investidores que já
atuavam na modalidade, os investidores que não estavam no segmento, como instituições
paraestatais como o Sebrae, Sesi e Senai, que passaram a disponibilizar uma parcela pequena
de seus recursos financeiros para FMIEEs (PAVANI, 2003, p. 55).
Se o Contec foi o primeiro programa a formalizar as características do venture
capital como prática de investimento, a Instrução Normativa n.º 209/94 institucionalizou o
FMIEE como o primeiro veículo para a realização de investimentos com as características
próprias do venture capital, prevendo o período máximo de 10 anos para a duração do fundo,
definindo como foco do investimento as pequenas e médias empresas com alto potencial de
crescimento, permitindo a negociação das cotas do fundo no mercado secundário e
concentrando a sua captação em investidores institucionais (PAVANI, 2003, p. 54).
Na estrutura do FMIEE, a captação se daria preferencialmente para investidores
institucionais, podendo também obter recursos de empresas de grande porte, family offices
(gestoras de grandes fortunas) e até de investidores estrangeiros. Para isso, estabeleceu-se
como cota mínima de capitalização do fundo o montante de R$ 100 mil para colocação
pública e R$ 200 mil para emissões privadas.
Criou-se a figura do administrador do fundo – alguém que cumpriria o duplo
papel realizado pelo venture capitalist, qual seja: (i) a captação de recursos financeiros
perante investidores; e (ii) a realização de investimentos em pequenas e médias empresas com
alto potencial de crescimento, também chamadas de empresas emergentes. Além disso, o
administrador assumiria a responsabilidade pelos investimentos realizados, sendo o
representante daqueles que capitalizaram o fundo de investimento. Ele, ao mesmo tempo,
seria responsável pela seleção de empresas a serem investidas, pelo acompanhamento dessas
empresas, pelo desinvestimento e pela distribuição dos resultados, rendendo penalização pelo
descumprimento do regulamento do fundo assinado por todos os investidores que aportaram
recursos (SÁ, 1994, p. 10).
O conceito de empresa emergente também é uma novidade para a trajetória do
capital de risco no país. No modelo da SCR, o tipo de investimento a ser realizado não levava
em consideração o perfil da empresa investida, mas sim exclusivamente o seu porte. No
modelo do FMIEE, o porte é considerado como fator importante para o investimento, porém,
não exclusivo. Segundo Pavani (2003, p. 54), a ideia de empresa emergente incorporava uma
preocupação de foco em empreendimentos com alto potencial de crescimento.
188
Para Sá (1994, p. 12), mesmo que não expresso no texto da Instrução Normativa,
o sentido pensado para o conceito de empresas emergentes incorporava a ideia de vocação
para crescer, de empresas com alto potencial de crescimento, as quais em pouco tempo
sairiam da condição de pequenas para se tornarem empresas de médio e, posteriormente, de
grande porte.
Não havia, contudo, uma preocupação de que o crescimento de empresas
emergentes fosse uma decorrência do desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse sentido,
empresas emergentes no contexto dos FMIEE não eram encaradas como sinônimos de
empresas de base tecnológica, mesmo que em muitos casos FMIEEs investissem em EBTs.
Nos debates sobre quais seriam os mercados mais promissores, dos quais
surgiriam empresas emergentes em busca de investimento, em muitos casos não havia uma
relação direta com o desenvolvimento tecnológico. Sá (1994, p. 12) menciona o setor de
franchising (franquias) como um dos de maior potencial para investimento, destacando as
franquias de hospitais, cita também a indústria do audiovisual, que havia sofrido
transformações recentes com a edição da Lei Rouanet (Lei n.º 8.313/91), permitindo o
investimento privado na produção de obras artísticas, até alcançar a indústria do lazer, com
empreendimentos em grandes cidades no Brasil. Por sua vez, setores como informática e
biotecnologia eram citados, porém, sem a mesma percepção de que se constituiriam como
oportunidades de investimento.
O art. 1º, parágrafo 1º da Instrução Normativa n.º 209/94 estabelece que a
empresa emergente é aquela com faturamento líquido anual, ou líquido anual consolidado,
inferior a sessenta milhões de reais, apurado no balanço do exercício fiscal anterior. Mesmo
que o cenário de investimentos realizados pelo FMIEE não tenha alcançado empresas com
faturamentos próximos ao limite (PAVANI, 2003), pode-se questionar o limite como a
referência para médias empresas no país.
Além disso, a instrução normativa exigia que os investimentos fossem realizados
em sociedades anônimas (S.A.) e não em sociedades limitadas ou outras figuras societárias. A
escolha pelo tipo S.A. é questionável, pois, mesmo que pequenas empresas formalmente
possam ser constituídas como S.A., os custos envolvidos de publicação e de estrutura interna
neste tipo afastam empresas de pequeno porte desse tipo societário. Mesmo disponível, o tipo
estava distante das escolhas de pequenas empresas, afastando-as dos FMIEEs, ou obrigando-
as a se transformarem, uma vez que recebessem uma abordagem sinalizando que um
investimento pudesse ocorrer.
189
Outra novidade trazida pela criação do FMIEE foi a autorização dada aos fundos
de pensão no Brasil para que pudessem investir até 2% de seus recursos na aquisição de cotas
desses fundos, permitindo inclusive que a aquisição pudesse ser realizada em bolsa de valores.
O ingresso dos fundos de pensão, da mesma forma que nos Estados Unidos da América,
serviria como mecanismo para conferir liquidez ao capital de risco no Brasil por meio da
capitalização dos FMIEEs (LEONEL, 2014, p. 151; PAVANI, 2003, p. 55).
5.3 Estruturação e crescimento do setor: 1995 - 2005
O período de dez anos entre 1995 e 2005 foi marcado pelo crescimento do capital
de risco no país em número de operações realizadas, volume de recursos empregados e
constituição de fundos de investimento para o setor. Ao lado deste crescimento, esses anos
também podem ser descritos como um momento de ampliação das políticas públicas voltadas
ao fomento de investimentos no país, auxiliando a estruturação de operações de investimento
e desinvestimento, com destaque para as ações75
do BNDES e da FINEP durante o período.
O crescimento do capital de risco, que poderia servir de alternativa à ausência de
crédito para o financiamento de empresas de base tecnológica, não foi suficiente para suprir
essa lacuna. Na visão de Corder e Salles-Filho (2004, p. 130), havia no período um forte
distanciamento entre a oferta de crédito por meio do sistema bancário e do sistema produtivo,
em especial com aqueles que realizam atividades de cunho tecnológico. Para os autores, foi o
setor público que buscou suprir essa carência de recursos por meio de programas e
investimentos diretos. Contudo, a inconstante disponibilidade de capital e os sucessivos
contingenciamentos do governo federal em meio a contextos de austeridade fiscal limitaram a
atuação do setor público.
A FINEP, por exemplo, mesmo tendo a responsabilidade de fomento de projetos
inovadores no país, teve que enfrentar variações significativas do montante de recursos
disponível para financiar projetos e empreendimentos. Corder e Salles-Filho (2004, p. 131)
descrevem que entre 1994 e 1996 a entidade tinha à sua disposição R$ 400 milhões para ações
75
Segundo Corder e Salles-Filho (2004, p. 132), existe uma diferença importante entre a captação de recursos do
BNDES e a da FINEP. Enquanto os recursos da FINEP dependem de decisões de caráter orçamentário do Poder
Executivo, podendo sofrer com variações ano a ano, no caso do BNDES, os recursos têm como fonte principal as
contribuições do Programa de Integração Social e do Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público
(PIS/PASEP) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). Além disso, os retornos obtidos nas operações de
investimento do BNDESPAR também podem ser utilizados no financiamento de projetos, sendo uma parte
destes recursos utilizados para o fomento do capital de risco no país. Na visão dos autores, a dependência da
FINEP aos recursos do Tesouro Nacional limita a sua capacidade de cumprir com o seu objetivo principal, o
financiamento de tecnologias para empresas nacionais.
190
de crédito, passando para R$ 700 milhões em 1997, e apenas R$ 300 milhões em 1999. Os
valores repassados foram ainda menores entre os anos de 2000, 2001 e 2002, sendo R$ 83,6
milhões, R$ 115,4 milhões e 138,3 milhões, respectivamente.
Mesmo diante das dificuldades do setor público, o período é descrito como o
primeiro momento de ascensão do capital de risco no país. Segundo Pavani (2003, p. 57),
entre 1980 e 1995 foram realizadas 50 operações de investimento em pequenas e médias
empresas que apresentavam características de capital de risco no país. De 1995 a 2001, foram
realizadas 250 operações. Dados coletados pela Fundação Getulio Vargas (FGV) relatam que
apenas no ano 2000 foram realizados 125 aportes financeiros em empresas de pequeno e
médio porte com o perfil de capital de risco (ABDI, 2011).
A criação dos fundos mútuos de investimento em empresas emergentes teve um
papel importante no crescimento, pois conferiam um formato para o capital de risco no país.
No entanto, a Instrução Normativa n.º 209/94 não foi suficiente para atrair um volume
expressivo de investidores no ano seguinte de sua edição (PAVANI, 2003, p. 56). A liberdade
que o formato holding e que estruturas offshore proporcionavam para investidores os
desencorajava em um primeiro momento a aderir aos FMIEEs, um formato em que ficariam
sob a supervisão da CVM.
A participação do BNDES também contribuiu, e de acordo com Corder e Salles-
Filho (2004, p. 134), a partir de 1997 o BNDES passou a atuar como cotista de FMIEEs,
tendo Companhias de Capital de Risco como gestoras destes recursos. Os valores aportados,
segundo os autores, variavam entre R$ 2 e R$ 8 milhões, tendo sido aportados em fundos com
parceiros já conhecidos pelo Banco, como a CRP Companhia de Participações.
No entanto, ainda segundo os autores (2004, p. 134), o volume de recursos
disponibilizado para o financiamento de empresas de base tecnológica continuava a ser pouco
expressivo. Mesmo que os novos fundos assumissem o protagonismo em relação aos demais
participantes do financiamento nacional desses empreendimentos, se comparados com outras
fontes de recursos para projetos no país ou até mesmo com outros fundos de investimento
constituídos na época (e.g. Fundos Mútuos de Privatização da Petrobras e Companhia Vale do
Rio Doce), ainda assim permaneceriam de pequena expressão.
Ao longo dos anos, o número de fundos criados, mesmo que pequeno, foi
gradativamente crescendo e contando com a adesão de Companhias de Capital de Risco. Em
levantamento realizado por Leide Albergoni (2006, p. 64), entre 1995 e 1999 foram
registrados na CVM 4 fundos mútuos de investimento em empresas emergentes de um total
de 22 FMIEEs criados entre 1995 e 2005. O baixo número de fundos criados no período pode
191
ser explicado pela falta de experiência em investimentos de capital de risco no país. Não por
acaso, um dos quatro fundos registrados era gerido pela CRP Companhia e Participações.
Tabela 5.3 Registros de Fundos Mútuos de Investimento em Empresas Emergentes (1995 – 2005)
Ano Fundos
Registrados
Instituições Gestoras
1995 1 Banco Santander Brasil S.A.
1996 1 Santa Catarina Adm Fundos Ltda.
1997 0
1998 1 Banco Fator S.A.
1999 1 CRP Companhia de Participações
2000 2 Brasilprivate Cons. E Part.
Dynamo V.C. Administradora de Recursos Ltda.
2001
4
CRP Companhia de Participações
Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM
FIR Capital Partners Ltda.
Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A.
2002
6
DGF Gestão de Fundos Ltda.
GP Administração de Recursos S.A.
Stratus Investimentos Ltda.
SP Administração de Fundos Ltda.
Mercatto Venture Partners S/C Ltda.
Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM
2003 4 Oliveira Trust Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários S.A.
Mellon Serviços Financeiros DTVM S.A.
Pactual Asset Manag. S.A. DTVM
Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM
2004 1 Rio Bravo Investimentos S.A. DTVM
2005 1 CRP Companhia de Participações
Total 22
Fonte: (ALBERGONI, 2006, p. 65).
O encerramento do Contec, em 1994, e a transição para a criação dos fundos
CRIATEC, em 2007, também podem ser apontados como explicações para o baixo número de
fundos criados entre 1995 e 1999. Isto porque, em 1995, o BNDES iniciou suas atividades de
apoio à estruturação de fundos fechados via subscrição de ações pela BNDESPAR. O banco
foi uma das primeiras instituições a utilizar esse instrumento no país (SILVA; BIAGINI,
2015, p. 109).
Todavia, seu primeiro aporte de recursos em fundos de capital semente só ocorreu
em 1999, com investimentos realizados no RSTec, fundo criado pela CRP Companhia e
Participações para investimentos em pequenas e médias empresas no estado do Rio Grande do
Sul. Foi a partir desse ano que o BNDESPAR passou a capitalizar FMIEEs de modo a servir
192
como agente indutor do crescimento do setor de capital de risco no país (SILVA; BIAGINI,
2015, p. 109).
Em 2001, o BNDESPAR investiu na SCTec, também gerida pela CRP
Companhia e Participações, investindo também na SPTec e Nordeste I, em 2002, e MVP
Tech Fund em 2003. Além da busca por fundos regionais, a escolha do banco priorizava os
investimentos de base tecnológica, bem como fundos de pequeno porte, com patrimônio
máximo de quinze milhões de reais. Por meio dos FMIEEs foram investidos R$ 63 milhões de
reais em 41 empresas (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 110).
A atuação do BNDES, entre 1999 e 2005, foi importante para introduzir o
conceito e as características do capital de risco aos pequenos empreendedores nacionais, e
para sinalizar que a modalidade estaria disponível para essas empresas. Além disso, a
transparência na atuação do BNDESPAR permitiu o surgimento dos primeiros casos de
investimentos bem-sucedidos, que mais tarde se tornariam referências importantes para a
atração de novos empreendedores e para a formação de gestores de fundos de investimento
(SILVA; BIAGINI, 2015, p. 110).
Todavia, as limitações do patrimônio dos FMIEEs criados no período não
permitiam que seus investimentos pudessem ser realizados em mais de uma rodada. Segundo
Silva e Biagini (2015, p. 110), os recursos disponíveis para investimento estavam aquém do
necessário para que FMIEEs pudessem se envolver em rodadas de investimento que
exigissem alta monta de recursos financeiros. Por essa razão, os autores apontam que os
FMIEEs ficavam constritos à posição de capital semente, e em alguns casos, na posição de
series A (investidor de primeira rodada), não alcançando as etapas de maior maturidade
(series B, C, D, e demais rodadas) das empresas investidas.
Mesmo com forte incentivo estatal, a participação de investidores privados nos
diversos estágios do financiamento do ciclo de crescimento de empresas de base tecnológica
tem sido baixa até os últimos anos. Segundo Rodrigo Borges76
, da Domo Invest, a presença de
investidores de capital de risco em rodadas mais avançadas de investimento (Series C, D, E,
em diante) tem sido observadas com maior frequência apenas nos últimos quatro anos, em
particular pelo maior número de investidores estrangeiros. Antes disso, podia se observar a
presença do capital privado em investimentos de primeira rodada e no máximo de segunda
rodada. Em casos pontuais, observou-se a realização de investimentos de maior monta,
contudo, nada que constituísse um comportamento típico dos investidores privados.
76
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.
193
Além disso, outras iniciativas também contribuíram para a disseminação de uma
nova cultura ligada ao capital de risco, com destaque para a disseminação da expressão em
diversas localidades pelo país. Pavani (2003, p. 60) cita o Programa de Apoio ao Setor de
Software (Prosoft) criado pelo BNDES, o Projeto Inovar concebido pela FINEP, o surgimento
da Associação Brasileira de Capital de Risco (ABCR), que mais tarde se tornaria a
Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP) e a criação do projeto
Segundos Mercados pelas Bolsas de Valores do Rio (BVRJ) e de São Paulo (Bovespa), como
iniciativas que tornavam a expressão capital de risco e seu significado visível para empresas e
para os membros do mercado de capitais brasileiro.
Para Albergoni (2006, p. 65), a contribuição da FINEP e a formação da ABCR
reforçaram o interesse pela modalidade de investimento. O projeto Inovar, por exemplo, tinha
por objetivo a criação de um arcabouço institucional capaz de conectar empresas com alto
potencial de crescimento e investidores, de modo a estimular a cultura, ainda incipiente, de
investimentos no formato de capital de risco. O programa se referia às empresas como
nascentes, destacando a sua criação recente, e também como emergentes, ressaltando o seu
alto potencial de crescimento em razão da exploração de novas tecnologias.
Segundo Corder e Salles Filho (2004, p. 134), o Projeto Inovar se dedicava ao
desenvolvimento de uma estrutura institucional para o fomento aos investimentos de capital
de risco em empresas de base tecnológica, articulando seis iniciativas: (i) incubadora de
fundos Inovar; (ii) criação do fundo Brasil Venture; (iii) elaboração do portal de internet
Capital de Risco Brasil; (iv) instauração do Venture Fórum Brasil; (v) associação à formação
da Rede de Prospecção de Negócios; e (vi) programa de capacitação em capital de risco.
Dentre as iniciativas, a criação da Incubadora de Fundos Inovar merece destaque
por tratar-se de um instrumento para a criação de fundos de investimento no país. Essa
estratégia servia como forma de ampliar o crescimento no número de fundos e o volume de
recursos aportados em empresas de base tecnológica, em especial diante do tímido
crescimento dos FMIEEs (LEONEL, 2014, p. 169; PAVANI, 2003, p. 61).
Outra iniciativa notória pelos seus resultados foi o estabelecimento do Venture
Fórum – uma série de eventos, apresentações e rodadas de negócios para estimular
investimentos em empresas e a formação de uma rede cooperada nacional de agentes de
capital de risco, para a prospecção de negócios e o apoio a empresas na elaboração de seus
planos de negócio, e acompanhamento por parte de seus investidores (LEONEL, 2014, p. 169;
PAVANI, 2003, p. 61).
194
Leide Albergoni (2006, p. 66) explica que o Projeto Inovar foi construído com
base em um diagnóstico com duas dimensões. A primeira delas residia na percepção de que o
Brasil dispunha de um bom nível de atividade científica e tecnológica e bons cientistas.
Contudo, tais atividades ficavam restritas ao contexto acadêmico, não alcançando a esfera
empresarial, não sendo, portanto, direcioná-las para a criação de empreendimentos de base
tecnológica. A segunda dimensão estava associada à falta de conhecimento sobre o
financiamento de empresas na modalidade venture capital, seja como oportunidade de
negócio na captação de recursos e seu emprego posterior, seja como alternativa de
financiamento para empresas de base tecnológica.
Não por acaso, uma das iniciativas do projeto foi o Venture Fórum, um programa
de aproximação e formação contínuo, cujo objetivo era justamente preparar empreendedores
para a submissão de suas empresas a rodadas de negociação com investidores convidados. Por
meio da iniciativa, a FINEP servia como intermediária entre empresas e investidores,
oferecendo um ambiente de orientação estratégica para empresas e um local único de
oportunidades de investimento para investidores. Entre 2000 e 2005, 135 empresas foram
selecionadas para participar, de um total de 270 empresas participantes nas 20 edições do
Venture Forum entre 2000 e 201277
.
Em 2011, a FINEP iniciou o processo de transferência do Venture Fórum para a
Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital e para a Federação das Indústrias
do Estado do Paraná, capacitando seus representantes para coordenarem as atividades de
aproximação entre empresas e investidores. Até 2011, sob a coordenação da FINEP, das 270
empresas participantes do fórum, 195 apresentaram seus projetos para investidores e 45 delas
receberam investimentos de venture capital (LEONEL, 2014, p. 170).
Ao lado do Venture Fórum, a Incubadora de Fundos Inovar teve uma contribuição
para o fomento do capital de risco no período. Fruto de um consórcio entre FINEP, Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID/Fumim), Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e
Pequena Empresas (SEBRAE) e da Fundação Petrobrás de Seguridade Social (PETROS), a
incubadora promoveu entre 2001 e 2012 treze chamadas públicas para realizar investimentos
em fundos de venture capital no Brasil, com 21 fundos de VC capitalizados com recursos da
Incubadora de Fundos Inovar, totalizando 189,3 milhões de reais em investimentos na
modalidade (LEONEL, 2014, p. 170).
77
O número de empresas participantes do Venture Forum, bem como as datas de realização da capacitação de
empreendedores e das rodadas de negócios foram disponibilizadas no sítio eletrônico da Financiadora de Estudos
e Projetos. Para consulta das informações na íntegra sobre os participantes, acesse:
<http://download.finep.gov.br/programas/inovar/VentureForumbc.pdf>. Último acesso: 02.12.2018.
195
Ao lado dessas iniciativas, em 2001, foi aprovada a Lei n.º 10.332/01, que
autorizou a aquisição de participação minoritária por parte da FINEP em empresas de base
tecnológica no Brasil, abrindo caminho para que a entidade pudesse desenvolver iniciativas de
investimento direto em EBTs. Além disso, a Lei ainda autorizou que a entidade pudesse
utilizar a sua reserva de liquidez de investimentos privados para capitalizar fundos de
investimento destinados às EBTs no Brasil (CORDER; SALLES-FILHO, 2004, p. 135).
No mesmo ano, houve também esforços para a ampliação do volume de recursos a
serem aportados em fundos de investimento, em particular com a aprovação do aumento do
volume de capital que poderia ser aportado por fundos de pensão em fundos de investimento
CVM. A Resolução n.º 2.829/2001 do Conselho Monetário Nacional autorizou que fundos de
pensão pudessem adquirir carteiras de renda variável no limite de 20% de seus recursos. Na
prática, antes da Resolução, os fundos de pensão que poderiam comprometer apenas 2% de
seu portfólio de investimentos com cotas de fundos, após a Resolução, passaram a poder
dispender até 20%, ampliando as possibilidades de liquidez de fundos como o FMIEE.
Também em 2001, a Lei das Sociedades por Ações (Lei n.º 6.404/76) foi alterada
pela Lei n.º 10.303/01, redefinindo as regras de fiscalização e prestação de informações para
acionistas, bem como estipulando novos direitos. Dentre as mudanças, a inclusão do direito de
tag along para ações ordinárias da sociedade anônima significou uma melhora nas condições
de saída para os investidores de venture capital. Assim, o direito de tag along prevê aos
acionistas minoritários a garantia de condições idênticas ou semelhantes de venda de suas
ações às do acionista majoritário na hipótese deste receber uma proposta de compra de sua
participação, além de obrigá-lo a alienar a sua participação em conjunto com o acionista
minoritário (e.g. FMIEE).
Na prática, o direito de tag along servia como uma proteção para o investidor
minoritário; em nosso caso, para o venture capitalist, garantia que a sua saída não fosse
prejudicada na hipótese de que empreendedores ou outros investidores desejassem alienar
suas participações para um terceiro que oferecesse um bom preço pela empresa investida.
No mesmo sentido, surgiam também disposições prevendo o direito de drag
along, que criavam o direito de acionistas majoritários obrigarem acionistas minoritários a
venderem suas participações quando surgisse uma proposta de aquisição da empresa como um
todo, arrastando-os para uma venda integral do empreendimento. No âmbito do capital de
risco, a previsão servia para viabilizar a alienação integral da empresa, impedindo que um
acionista específico obstaculizasse a saída dos demais na hipótese de que o comprador
196
interessado quisesse a empresa por completo, por exemplo, para integrá-la em sua cadeia
produtiva.
Contudo, mesmo com as mudanças de cunho regulatório, registravam-se críticas
em relação a algumas limitações presentes nos FMIEEs. Duas delas em particular são
destacadas por Freitas (2015, p. 163). A primeira se refere ao limite máximo do tamanho das
empresas que poderiam receber investimentos por meio desse veículo. A percepção é de que
os fundos, mesmo se quisessem oferecer financiamento em rodadas mais avançadas de
investimento (series C, D, E, e assim em diante), não conseguiriam pelo limite de faturamento
previsto na Instrução Normativa n.º 209 da CVM. A segunda trata da ausência de disposições
normativas que permitissem que gestores desses fundos participassem de forma mais ativa
dos processos de tomada de decisão das empresas investidas. Sobre este último aspecto, o
autor sublinha que mesmo que não fosse proibida a participação por parte de gestores de
fundos, havia a expectativa de que a regulação lhes atribuísse tal papel.
A criação dos Fundos de Investimento e Participação (FIP) pela Instrução CVM
n.º 391/2003, mesmo não tendo por objetivo principal dar início ao processo de substituição
do modelo de FMIEEs, na prática atingiu este resultado. Atendendo às demandas de
investidores de private equity por um veículo de investimento com mais disposições voltadas
à governança corporativa para investimentos, a CVM editou a Instrução Normativa, criando a
figura do FIP. Observou-se na prática que o veículo apresentava algumas características que
atraíam também gestores de venture capital que passaram a adotá-la, iniciando um processo
de substituição dos FMIEEs por FIPs (FREITAS, 2015, p. 164).
O art. 2º da Instrução CVM n.º 391/2003 definia o FIP como um condomínio
fechado destinado à aquisição de valores mobiliários (ações, debêntures, bônus de subscrição
etc.) de sociedades anônimas abertas ou fechadas, em que este tivesse participação no
processo decisório da companhia investida, exercendo efetiva influência na definição da
política estratégica e na gestão da empresa, indicando membros para seu Conselho de
Administração.
A norma deixa claras algumas das características que o investimento por meio de
FIPs guardaria. Em primeiro lugar, o investimento em sociedades anônimas, e não em
sociedades limitadas: tradicionalmente, empresas de pequeno e médio porte no Brasil são
constituídas sob a forma de sociedade limitada. Além de possuir uma estrutura organizacional
mais simples, esse tipo societário não traz exigências de registro e prestação de informações,
que no âmbito das sociedades anônimas são extensivas.
197
Mesmo que seja possível a criação de uma sociedade anônima para empresas de
pequeno porte, os custos e o volume de obrigações tornam a sociedade anônima uma
realidade de empresas de maior porte. Nesse sentido, a escolha pelos FIPs já revelava que os
investimentos se concentrariam em fases mais avançadas de empresas no país.
Em segundo lugar, a participação no processo decisório, com influência efetiva
nos processos de tomada de decisão estratégica da empresa investida revela um papel até
então não declarado do capital de risco no país, qual seja, além de ser uma fonte de recursos
para o financiamento de empresas emergentes, serviria como um parceiro de negócios, o qual
teria a responsabilidade de contribuir de maneira efetiva para o crescimento da empresa,
compartilhando suas redes de relacionamento, indicando representantes para conselhos,
auxiliando em sua administração financeira, orientando sobre estratégias de mercado, dentre
outras formas de participação.
Curioso notar que, mesmo com o início do processo de substituição dos FMIEEs
pela adoção dos FIPs por parte de gestores de venture capital, o arcabouço institucional criado
para a associação entre o capital de risco e o financiamento de empresas de base tecnológica
estava voltado para o FMIEE. Uma das evidências disso foi a aprovação da lei de inovação
(Lei n.º 10.973/04), em 2004, com uma menção expressa aos fundos mútuos de investimento
em empresas emergentes em seu art. 23.
A lei, que se dispunha a organizar a aproximação entre universidades públicas e
empresas privadas, regulando diversas hipóteses de parcerias e desenvolvimento conjunto de
novas tecnologias, autorizava em seu art. 23 a constituição de FMIEEs para o investimento
em empresas cujo objetivo principal seria a inovação. Havia a perspectiva de que este seria o
veículo por excelência do financiamento de empresas de base tecnológica em determinados
estágios de seu crescimento, algo que pouco tempo depois já se mostrava inconsistente com a
realidade.
Castro Filho (2005) busca sintetizar a posição e o papel esperado entre os veículos
de investimentos e as espécies de empreendimentos a receberem seus recursos financeiros.
Como se pode notar do quadro abaixo, a expectativa era de que o FMIEE fosse utilizado por
venture capitalists e que gestores de private equity fizessem uso do FIP, deixando outros
veículos de investimento disponíveis para outros investidores. Contudo, como trataremos na
próxima seção, o que se observou foi o progressivo abandono ao FMIEE e a adoção do FIP
por gestores de venture capital e private equity.
198
Figura 5.1 Veículos de investimento de longo prazo e ambiente regulatório (2005)
Fonte: (CASTRO FILHO, 2005)
Na avaliação de Leide Albergoni (2006, p. 68), a percepção geral, em 2005, era de
que todos os estágios de financiamento de empresas estavam abarcados pelo arcabouço
jurídico-institucional brasileiro. Investimentos de capital semente e de venture capital
estariam na alçada do FMIEE, com alguns casos ainda sendo realizados por holdings.
Empreendimentos de maior porte teriam à sua disposição a estrutura FIP, fundos de renda
variável e fixa, e em alguns casos investimentos realizados por meio de hedge funds. Por fim,
os fundos de pensão teriam alguma atuação ao longo dos diversos tipos de investimento, e
disponibilizariam recursos financeiros para capitalizar as outras estruturas presentes na figura
acima.
Gradativamente, o capital de risco ganhava uma estrutura mais acabada. A criação
de um veículo próprio de investimento (FMIEE passando para o FIP), a presença de um ente
estatal indutor de investimentos (BNDESPAR), a formulação de políticas públicas de
aproximação de investidores e empresas (Venture Fórum), bem como de capacitação e
formação de fundos (Incubadora de Fundos Inovar), somadas às alterações jurídicas para
facilitar a saída de investimentos, conferiram os traços do venture capital no Brasil.
Hedge Funds
Fundos Regulados
Veículos Não Regulados
Fundos de Pensão (3121)
Seed Capital
Venture Capital
Private Equity
Mezanino
PIPE (Liquidez)
Ações, Renda Fixa,
Derivativos
FMIEE CVM 209/CVM 405
FIPs CVM 391
Renda Variável/Fixa CVM 302
Holding/ Empresas de Participações Limited Partnerships
Carteira de Participações Renda Variável/ Renda Fixa
Mer
cad
o/
Inst
rum
ento
s d
e
Inves
tim
ento
199
5.4 Breve ascensão e a presença de obstáculos institucionais ao crescimento: 2005 -
2015
O período de 2005 até 2015 é marcado por três movimentos importantes: (i)
formação pelo BNDES dos fundos CRIATEC, braço de capital semente para investimentos
em empresas de base tecnológica no país: (ii) o ingresso efetivo de investidores estrangeiros
de venture capital no país; e (iii) o crescimento no número de fundos de investimento
nacionais. Estes três movimentos podem ser divididos em dois períodos distintos: o primeiro,
de 2005 até 2009, de breve ascensão do mercado de capitais brasileiro, com o crescimento de
aberturas de capital de empresas; e o período de 2010 até 2015, de reorganização dos
investimentos do setor, na esteira da eclosão da Crise de 2008-2009.
Mesmo reconhecendo a existência de dois períodos com características distintas,
optamos por tratar os dois períodos em uma mesma seção, pois esta junção nos permite
visualizar os ciclos de investimentos que se iniciaram entre os anos de 2005 e 2007,
analisando os diversos atores mencionados acima (BNDES, investidores estrangeiros, fundos
nacionais), tendo por base o tempo médio de 10 anos de duração de fundos de investimento de
capital de risco.
Segundo dados do II Censo Brasileiro da Indústria de Private Equity e Venture
Capital (ABDI, 2011, p. 146), US$ 28 bilhões foram captados entre os anos de 2005 e 2009.
Desses valores, US$ 9 bilhões foram levantados por 52 das 67 organizações gestoras de
capital que iniciaram suas atividades a partir de 2005, e US$ 12 bilhões foram captados pelas
26 organizações remanescentes, que iniciaram suas atividades no Brasil entre 1981 e 2004.
Em 2008, o capital comprometido pelos segmentos de private equity e venture capital
representava 1,8% do PIB – muito acima do 1% de 2004, embora abaixo da média mundial,
de 3,7%.
200
Gráfico 5.1 Evolução do capital comprometido alocado ao Brasil como porcentagem do PIB
Fonte: (ABDI, 2011, p. 150).
Ainda que no volume de recursos a captação de private equity seja naturalmente
maior pelas características e pela posição que a modalidade de investimento ocupa, o
crescimento acompanhou tanto este setor como o de venture capital. Nos dois Censos (2005 e
2011) realizados na área, os dados coletados congregavam os investimentos de private equity
e venture capital, tratando-os como etapas distintas de uma cadeia de investimentos
compartilhada.
Em uma acepção ampla, venture capital e private equity tratam da aquisição de
participações societárias em um contexto de investimento temporário, com etapas de
investimento e desinvestimento como parte de sua lógica de aporte de recursos. Contudo, o
perfil de empresas a serem investidas, as teses de investimento e o comportamento de
investidores nas empresas investidas diferenciam significativamente as duas modalidades.
Além disso, a junção partia de uma percepção de que o private equity poderia servir como
uma fonte de recursos para viabilizar o desinvestimento de investidores de venture capital,
fato que não se observou no país.
Além disso, uma diferença importante no comportamento de investidores da
modalidade de private equity no Brasil foi a aquisição de participações societárias
majoritárias, como forma de obtenção do controle de empresas investidas para a realização de
mudanças profundas na gestão e na condução das atividades dessas empresas.
Em razão dessas diferenças, os levantamentos dos últimos três anos realizados por
associações (e.g. ABVCAP) e pelo governo (e.g. ABDI) têm separado os segmentos, uma vez
0,63% 0,77%
0,91% 0,93%
0,87%
0,97%
0,82%
1,24%
1,66%
1,70%
2,33%
0,00%
0,50%
1,00%
1,50%
2,00%
2,50%
1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008
201
que já há uma percepção recente de que as modalidades apresentam características distintas e
que estas devem ser consideradas na construção de políticas públicas de apoio, elaboradas
para cada uma das modalidades e não para as duas em conjunto.
Em 2009, foi identificada pelo II Censo da Indústria de Private Equity e Venture
Capital (ABDI, 2011, p. 149) a existência de 252 veículos de investimento sob a
administração de 144 gestoras, de um total de 180 gestoras existentes, com o propósito de
investimentos em private equity ou venture capital. Além de um cenário macroeconômico
favorável ao país, o estudo aponta que o aumento de liquidez financeira mundial associado
com incentivos de ordem interna, como a redução da taxa de juros durante o período, foram
capazes de atrair investimentos para as modalidades, inclusive gerando efeitos positivos sobre
o mercado de capitais brasileiro, em particular no aumento da abertura de capital de empresas
no Brasil.
Em uma análise de 45 destas organizações (ABDI, 2011) em 2009, foi constatado
que 41% dos investimentos foram realizados na modalidade de private equity, 31% foram do
tipo venture capital, 15% de capital semente e 13% classificados como outros investimentos.
Ainda que esta parcela de gestores de capital de risco não seja um retrato absolutamente
fidedigno da distribuição dos investimentos realizados no período, pode ser considerada
suficiente para nos permitir uma visualização da proporção de investimentos realizados pelas
diferentes modalidades.
Além disso, uma outra característica do período de 2005 a 2009 foi a
predominância de investimentos em empresas da área de tecnologia da informação por
gestoras de capital de risco. Segundo o levantamento realizado pela ABDI (2011, p. 196), do
total de 502 empresas investidas por fundos de private equity e venture capital, os setores
com maior número de empresas objeto de investimento foram: (i) informática e eletrônica,
com 103 empresas; (ii) construção civil e imobiliário, com 69 empresas; e (iii) energia e
combustíveis, com 56 empresas e indústrias diversas, com 55 empresas.
Sidney Chameh78
, fundador do DGF Investimentos, aponta que havia
oportunidades interessantes de investimento na área de tecnologia da informação na época.
Havia profissionais da área de software com bastante potencial, e uma disposição de empresas
em absorver soluções de TI que pudessem auxiliá-las em ganhos de eficiência em suas
cadeias produtivas ou na gestão e planejamento de suas operações. Também não havia
78
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor.
202
necessidade de registro do software, as empresas mostravam ser capazes de gerar receitas
rapidamente e demonstravam consistência em seu crescimento.
Para Leonel (2014, p. 152), o perfil dos investimentos realizados por gestores de
private equity e venture capital é uma sinalização da tendência do capital de risco no Brasil
em não se concentrar em empreendimentos intensivos em conhecimento, voltados ao
desenvolvimento de novas tecnologias. Para a autora, há uma prevalência de investimentos
em setores tradicionais, com baixo dinamismo tecnológico, como o setor de construção civil,
se comparado com um setor altamente intensivo em conhecimento, como o de biotecnologia,
que recebeu apenas 1% dos investimentos no período.
Segundo o fundador da DGF Investimentos79
, setores como biotecnologia, além
do maior tempo de maturação para a empresa apresentar resultados, já se mostravam, à época,
bastante difíceis de se investir. No único investimento realizado pela DGF Investimentos na
área de biotecnologia, além de diversas autorizações de entidades públicas, as incertezas que
cercam a obtenção de uma patente se mostravam como fator de forte desestímulo ao
investimento. Na visão do investidor, empresas de maior porte aparentam ter melhores
condições de enfrentar a demora burocrática de órgãos e entidades públicas.
Outro fator importante para o crescimento no volume de investimentos realizados
foi a presença dos fundos de pensão como fontes de capitalização de fundos de investimento
de capital de risco. Destaque-se a participação de fundos como o PREVI (fundo de pensão do
Banco do Brasil), o PETROS (fundo de pensão da Petrobrás), e FUNCEF (fundo de pensão
da Caixa Econômica Federal), que gradativamente ampliaram as suas posições em gestoras de
capital de risco para a realização de investimentos em private equity e venture capital. Em
2009, os fundos de pensão aportaram US$ 7,9 bilhões em gestoras de fundos de private equity
e venture capital, representando 22% de todos os recursos captados (LEONEL, 2014, p. 151).
Mesmo assim, segundo comentário de Sidney Chameh80
, a melhora na taxa de
juros não era suficiente para desencorajar uma transferência maior de recursos de fundos de
pensão alocados em renda fixa para investimentos de renda variável, como no caso do capital
de risco. Além do alto retorno, também havia o conforto de que essas operações se
mostrariam mais seguras de acordo com o histórico da economia brasileira, alternando
períodos de melhora e de piora em seu crescimento.
Se, de um lado, o período de 2005 e 2009 foi marcado pela ampliação da captação
de recursos para investimentos no setor; de outro, também pode ser descrito como o período
79
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor. 80
Ibidem.
203
de ascensão de desinvestimentos bem-sucedidos, em especial via abertura de capital em bolsa
de valores. Ao longo da trajetória do venture capital no Brasil, desinvestimentos
concentraram-se na venda estratégica da participação do investidor para um terceiro – via de
regra, uma empresa de grande porte com atuação no mesmo mercado da empresa investida. A
novidade do período, no entanto, foi o crescimento do número de aberturas de capital como
estratégia de desinvestimento.
Em 2006, por exemplo, duas aberturas de capital chamaram atenção na Bolsa de
Valores de São Paulo (Bovespa): a da Totvs, empresa do segmento de tecnologia da
informação com pretensões de expansão e consolidação do setor no país, e a da Lupatech,
empresa de Caxias do Sul (RS), fabricante de válvulas e bombas destinadas à indústria do
petróleo. A capitalização realizada por essas empresas serviu como símbolo do processo de
ascensão do segmento de capital de risco no país. Isto porque, o aumento no volume das
aberturas de capital no período, ao lado, do crescimento na oferta de fontes de investimento
criava um cenário de otimismo em relação ao capital de risco.
A primeira investidora de uma das empresas que viria a se incorporada e se tornar
a Totvs, a Logocenter, foi investida pela DGF Investimentos. Segundo Sidney Chameh81
, o
início das atividades do DGF Investimentos foi marcado pela oferta do Banco Interamericano
de Desenvolvimento (BID) em disponibilizar US$ 8,3 milhões de dólares para a constituição
do primeiro fundo de venture capital da DGF Investimentos e pelo investimento na
Logocenter e sua posterior absorção pela Microsiga, que se tornaria a Totvs. Na visão do
investidor, recursos estavam disponíveis, oportunidades surgiam (ainda que de forma tímida)
e havia um certo otimismo com o mercado de capitais brasileiro para a realização de
operações de desinvestimento.
No caso da Lupatech, sua primeira investidora foi a CRP Companhia de
Participações, no contexto de seus investimentos na região sul, a empresa fez o seu primeiro
aporte de recursos em 1987, e permaneceu investindo na empresa até 2003, tendo alienado
suas participações em 2006, com a abertura de capital da Lupatech. Ao lado da CRP
Companhia de participações, o BNDESPAR, a GP Investimentos e o fundo francês Natexis
aportaram recursos para o financiamento das atividades da empresa ao longo de dezenove
anos, obtendo retornos generosos sobre seus investimentos em 200682
com a oferta pública de
ações da empresa investida (FREITAS, 2015, p. 165).
81
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 14.03.2019 pelo autor. 82
No ano, a Lupatech negociou 45,11% de suas ações na Bolsa, tendo captado R$ 450 milhões, divididos em
155 de recursos novos e 295 da venda de participações de seus acionistas, viabilizando a saída de diversos de
204
Em levantamento realizado em 2011, o Centro de Estudos em Private Equity e
Venture Capital (GVCEPE) comparou as mudanças entre os tipos de saída de investimento
realizados por investidores de private equity e venture capital em dois períodos, 1999 – 2004
e 2005 – 2008. Na comparação, nota-se que, entre 2005 e 2008, a abertura de capital ganhou
um protagonismo em relação às outras formas de desinvestimento, algo novo naquele
momento e que não se repetiria nos anos seguintes.
Gráfico 5.2 Quantidade de negócios desinvestidos (1999 – 2008)
1999 - 2004
2005 - 2008
Fonte: (FURTADO; LARA; RAMALHO, 2011, p. 197).
Dados da ABDI (2011, p. 197) apontam que entre 2005 e 2009 foram realizadas
183 operações de desinvestimento, distribuídas da seguinte forma: (i) 60 por vendas
estratégicas; (ii) 54 por vendas para outro investidor institucional; (iii) 49 por aberturas de
capital em bolsa de valores; e (iv) 20 por recompra da participação do investidor por parte da
empresa investida. É interessante notar que entre 2005 e 2007 o número de saídas via abertura
de capital cresceu ano a ano, tendo sido 8, em 2005; 17, em 2006; e 19, em 2007. Com a Crise
seus investidores. A alienação ainda possibilitou a capitalização da holding da família de Nestor Perini,
fundadora da empresa, que reduziu a sua participação de 34,75% para 25,9% e se tornou investidora de fundos
de investimento no futuro (FREITAS, 2015, p. 165).
33%
29%
21%
17%
Venda Estratégica
Perda Total do Investimento
Recompra de Acões pela Empresa
Oferta Públicade Acões/ Venda Secundária
45%
21%
18%
16%
Oferta Pública de Ações e Venda Secundária
Perda Total do Investimento
Venda Estratégica
Recompra da Participação de Investidores
205
de 2008-2009, houve apenas uma abertura de capital em 2008, seguida por 4 aberturas de
capital em 2009 (ABDI, 2011, p. 197).
A breve ascensão das saídas via abertura de capital no Brasil entre os anos de
2005 e 2007 criava a expectativa de que a bolsa de valores no Brasil poderia se tornar uma
das alternativas para investidores de venture capital no país. O que se observou após a Crise
de 2008-2009 foi a queda de recursos disponibilizados para o capital de risco associada a uma
redução no número de saídas via bolsa de valores, em particular para investimentos de venture
capital.
Para Leonel (2014, p. 151), a crise econômica internacional reduziu o interesse de
investidores em direcionar seus recursos financeiros para ativos de alto risco, impactando
diretamente a capitalização de gestoras de venture capital. Cabe notar que na avaliação da
autora, a elevação do status do Brasil para o nível de investimento ou Investment Grade,
conferido pela Standard & Poor’s, em 2008, não foi suficiente para manter o nível de
captação de recursos recorde de US$ 7,2 bilhões registrado em 2007.
Segundo Robert E. Binder83
, da Antera Gestora de Recursos, conquistar o nível de
investimento é um importante símbolo para a atração de investimentos, mas essa atração não
acontece de imediato. Em sua avaliação sobre o ambiente durante a Crise de 2008-2009, havia
um clima de desconfiança em relação ao mercado, e receio em relação à realização de aportes
em países emergentes. Além disso, mesmo com o otimismo em relação ao país, muitos
investidores estrangeiros observavam a capacidade do Brasil em manter o nível de
investimento, postergando a sua entrada no capital de risco no país, ou até realizando
investimentos gradualmente.
Na avaliação de Leonel (2014, p. 151), a redução de 36% de captação de recursos
por gestoras de private equity e venture capital em 2008, na comparação com os resultados de
2007, denota que a crise gerou efeitos sobre o segmento de capital de risco, mesmo que já em
2009, o volume de recursos captados já retomasse o seu crescimento, reportando uma
captação de US$ 6,1 bilhões, um aumento de 32,6% em relação ao ano anterior, porém
majoritariamente com captações de private equity voltadas a distressed assets.
No ano de maior otimismo em relação ao capital de risco no país, o BNDES
decide ampliar a sua atuação no setor com a criação do fundo CRIATEC. A iniciativa
diversificava a atuação do BNDEPAR, intensificando o seu envolvimento com o capital de
83
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
206
risco no país, passando a ter, em 2007, um fundo de investimento de capital semente voltado
para investimentos em empresas emergentes de base tecnológica.
Segundo Silva e Biagini (2015, p. 111), o aprendizado acumulado pelo BNDES
na estruturação do capital de risco no país durante 1999 e 2003, período de seus investimentos
em fundos de investimento regionais, encorajou o banco a desenvolver um novo modelo para
a sua atuação no âmbito do venture capital nacional. Mesmo tendo tido investimentos que não
trouxeram o retorno esperado e tendo de estender a duração de sua presença em alguns fundos
de investimento regionais, o banco havia identificado uma oportunidade na criação de um
fundo de investimento de capital semente voltado a empresas emergentes de base tecnológica.
Além de uma definição sobre o tipo de empresa a ser investida – empresas de
pequeno porte em seus estágios iniciais de desenvolvimento com alto potencial de
crescimento –, em razão de seus esforços em desenvolver novas tecnologias, o banco
concentrou a sua atuação em setores mais intensivos em conhecimento, como o de tecnologia
da informação, biotecnologia, novos materiais, nanotecnologia, agronegócio, dentre outros
(LEONEL, 2014, p. 151).
A construção de um fundo cumpriria algumas funções. Em primeiro lugar,
serviria como uma fonte de financiamento em estágios iniciais de desenvolvimento de
empresas de base tecnológica, suprindo uma lacuna de ofertas de recursos financeiros,
presente no financiamento de empresas no país. Em segundo lugar, o modelo do BNDES
serviria como modelo indutor da geração de oportunidades de investimento para investidores
de venture capital no país (e.g. series A e B), uma vez que ampliaria o número de empresas
preparadas para receberem o investimento de fundos no formato FIP, com exigências de
governança corporativa mais sofisticadas.
Todavia, o modelo não seria gerido pelo próprio banco ou pelo BNDESPAR. Em
2007, sob a denominação de projeto CRIATEC, foi lançado um edital de seleção para a
contratação de gestores do fundo de investimento (FMIEE), a ser criado pelo BNDES com
recursos provenientes do BNDESPAR (80%) e do Banco do Nordeste (20%), totalizando uma
captação de R$ 100 milhões. O desenho do projeto contemplava a formação de uma equipe de
gestão nacional de investimentos e sete representações regionais, tendo por objetivo investir e
acelerar o crescimento de 36 empresas de base tecnológica em pelo menos sete estados
brasileiros (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 111).
Como fundo de investimento na modalidade de capital semente, o CRIATEC I foi
concebido para ter 10 anos de duração entre a captação de recursos e o seu encerramento com
a distribuição de seus resultados, podendo ser prorrogável por mais 5 anos, tendo como tempo
207
de investimento em empresas o período de 5 a 7 anos. Desse período, os quatro primeiros
anos foram dedicados à prospecção de investimentos e seleção de empresas, os anos
subsequentes, com empresas já investidas, foram dedicados ao monitoramento e à aceleração
do crescimento das empresas investidas, tendo como principal foco a expansão produtiva das
investidas e o desenvolvimento da distribuição comercial de seus produtos (SILVA;
BIAGINI, 2015, p. 113).
Tabela 5.4 Desembolsos do fundo CRIATEC I nas empresas investidas (em R$ milhões)
2008 2009 2010 2011 2012 2013 2014 2015
4,1 8,6 9,9 17,7 17,4 3,4 4,9 2,1
Fonte: (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 122).
As gestoras de recursos Inseed Investimentos e Antera Gestão de Recursos foram
selecionadas para conduzir as ações do primeiro fundo criado, o CRIATEC I, tendo como
principais objetivos: (i) capitalizar micro e pequenas empresas nascentes; (ii) prover apoio
gerencial adequado e próximo às empresas investidas; (iii) desenvolver gestores locais
especializados em gerenciamento de empresas inovadoras; (iv) projetar produtos
desenvolvidos localmente para o mercado nacional e, possivelmente, global; (v) promover o
mercado de investidores em capital de risco; e (vi) desenvolver empresas de alta tecnologia no
Brasil, mesmo em locais de baixa atividade econômica (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 113).
Segundo Gustavo Junqueira84
, fundador da Inseed Investimentos, o diagnóstico do
BNDES era que a criação do CRIATEC poderia servir para a construção de uma ponte entre o
mercado e a ciência. Tanto a Inseed Investimentos, quanto a Antera Gestora de Recursos
foram selecionadas para fazer a gestão dos recursos do CRIATEC I, pois apresentaram uma
proposta que tinha por diagnóstico o fato de que o conhecimento científico desenvolvido em
universidades brasileiras não tinha meios para se converter em negócio, faltando canais e
instrumentos de financiamento para aqueles pesquisadores que quisessem empreender
pudessem fazê-lo. Por essa razão, o CRIATEC tinha como propósito a transformação do
conhecimento científico mais profundo em negócios com alto potencial de crescimento.
O projeto teve continuidade nos anos seguintes com a criação do CRIATEC II, em
2013, gerido pela Bozano Investimentos, e do CRIATEC III, com a gestão da Inseed
Investimentos. Em conjunto, CRIATEC II e III captaram cerca de R$ 400 milhões, R$ 186
milhões o CRIATEC II e R$ 202,5 milhões o CRIATEC III, tendo como objetivo a realização
84
Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.
208
de investimentos em 72 empresas de base tecnológica, divididas nas cinco regiões geográficas
do país (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 117).
Cabe ressaltar que o BNDES foi gradativamente reduzindo o seu aporte de
recursos nas edições seguintes do CRIATEC, tendo aportado R$ 62,3 milhões, seguido por
investimentos do Banco do Nordeste (R$ 30 milhões), Banco de Desenvolvimento de Minas
Gerais (R$ 10 milhões), Banco de Brasília (R$ 10 milhões), Badesul Desenvolvimento (R$ 10
milhões) e de sua própria gestora (R$ 2,3 milhões).
Mesmo com a ampliação do quadro de investidores, o perfil do parceiro de
investimento é muito similar, bancos públicos com interesse no desenvolvimento de suas
regiões a partir da ampliação do financiamento disponível para empresas de base tecnológica.
Esse perfil só se modificaria a partir da captação realizada pelo CRIATEC III, que além do
BNDESPAR contou com a participação da Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais
(Fapemig), Agência de Fomento do Estado do Amazonas (Afeam), Agência de Fomento do
Estado do Paraná (Fomento Paraná), da Valid S.A. (empresa privada da área de tecnologia da
informação listada na B3), de sua própria gestora, além de bancos regionais, como o Banco de
Desenvolvimento do Espírito Santo S.A., o Banco de Desenvolvimento de Minas Gerais S.A.,
o Badesul e o Banco Regional de Desenvolvimento do Extremo Sul S.A.
Uma das principais inovações do modelo do CRIATEC foi a sua capilaridade pelo
país, dispondo não apenas de um escritório para a gestão nacional, mas, e fundamentalmente,
contanto com representantes espalhados pelo país. Essa estratégia, além de se mostrar bem-
sucedida para a ampliação de oportunidades de investimento em empresas de base
tecnológica, foram 1.847 propostas recebidas para investimentos, também permitiu que o
projeto pudesse estar próximo aos investimentos que realizou, acumulando conhecimento
sobre cenários regionais e oportunidades presentes em universidades públicas, incubadoras e
aceleradoras privadas espalhadas pelo país.
Esse conhecimento foi capaz de atrair outros gestores de fundos de venture capital
que estavam interessados em conhecer as empresas que já haviam passado pelo filtro do
projeto CRIATEC e investir naquelas em que enxergassem um alto potencial de crescimento.
Nesse sentido, o projeto CRIATEC servia como vitrine de oportunidades de investimento,
pois já contava com o processo de prospecção realizado pelo fundo de capital semente, e já
contava com empresas preparadas para receber investimentos, tendo em vista que tais
esforços já haviam sido realizados durante os aportes do CRIATEC I.
Além disso, os gestores do CRIATEC I também auxiliavam suas empresas
investidas na obtenção de recursos para o financiamento de suas atividades em outras fontes,
209
desde investidores de venture capital, passando por programas governamentais de fomento
até o financiamento por meio da emissão de dívidas de longo prazo como, por exemplo, pela
emissão de debêntures (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 123). Nota-se, também, que o papel do
CRIATEC extrapola a oferta de recursos financeiros para o financiamento de empresas
nascentes de base tecnológica, alcançando diversas dimensões da trajetória de crescimento da
empresa investida. Essa postura de auxílio e orientação permaneceu como marca do projeto
em suas versões 2 e 3. Tal como foi o caso da Inseed Investimentos.
Segundo Gustavo Junqueira85
, a participação da gestora no CRIATEC I permitiu
que ela pudesse construir um histórico de investimentos e organizar captações junto a outras
fontes de recursos para ampliar a sua atuação no âmbito do venture capital no país. Além
disso, a gestora voltou a participar e foi selecionada para gerir os recursos do CRIATEC III,
intensificando sua atuação no âmbito do capital semente no país.
Gráfico 5.3 Recursos captados pelas empresas investidas pelo fundo CRIATEC I
Fonte: (SILVA; BIAGINI, 2015, p. 124).
Ao lado do BNDES, a Finep desempenhou um papel relevante na atração de
investidores e na formação de fundos de investimento com capital estrangeiro. Em 2010, a
Burrill & Company gestora de fundos estadunidense, com forte atuação com capital semente e
venture capital no Vale do Silício, constituiu o Fundo Burrill Brasil 1, um FIP dedicado às
áreas de biotecnologia e ciências da vida (LEONEL, 2014, p. 153).
Observa-se que a constituição do fundo contou com recursos públicos e privados.
Do lado público, o fundo captou junto ao Fundo de Pensão da Caixa Econômica Federal
(FUNCEF), da FINEP e da Agência Estadual de Fomento do Estado do Rio de Janeiro
85
Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.
28
32
20
0 5 10 15 20 25 30 35
Coinvestimento
Subvenção
Financiamento de longo prazo
R$ milhões
210
(AgeRio). Do lado privado, foram obtidos recursos do Multilateral Investment Fund (braço de
investimento do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID), da Monsanto, Novartis
Venture Funds, Procter & Gamble, dentre outras empresas. No total foram levantados US$
125 milhões para investimentos no país (LEONEL, 2014, p. 153).
Em 2011, outros investidores estadunidenses ingressaram no país para a
realização de investimentos de venture capital, cabendo mencionar a Accel Partners e o
Redpoint pelos aportes realizados. Porém, diferente da Burrill & Company, essas
organizações não constituíram fundos de investimento no Brasil para a realização de
investimentos, optando pelo uso de seus veículos de investimento (offshores) localizados fora
do país (e.g. Ilhas Cayman).
Segundo Leonel (2014, p. 154), havia a percepção de algumas gestoras de capitais
estrangeiras de que o uso de offshores localizadas em países com incentivos tributários, como
as Ilhas Cayman, confeririam maior flexibilidade e agilidade para investimentos, além de um
custo menor às operações como um todo. Ao mesmo tempo, a não constituição de fundos
locais também ofereceria às gestoras de capital um tempo para ambientação e familiarização
ao ambiente jurídico-institucional para investimentos no Brasil.
Além de uma estrutura offshore, alguns investidores estrangeiros também
passaram a solicitar das empresas investidas a constituição de uma empresa espelho para a
empresa investida em território estrangeiro geralmente em Delaware, estado dos Estados
Unidos da América. Segundo André Kabbani86
, da Bossa Investimentos, a prática de
constituição de uma empresa espelho fora do território brasileiro servia como forma de
facilitar o aporte de recursos entre o investidor e a empresa investida, e em certa medida
facilitar o processo de internacionalização da empresa investida, que em um determinado
momento indicaria a empresa localizada fora do país como sede, e a empresa localizada no
Brasil como filial.
Em estudo87
realizado pela KPMG (2013, p. 8), o volume de recursos
comprometido com investimentos de private equity e venture capital no país passou de R$ 9,7
bilhões para R$ 52,7 bilhões entre 2011 e 2012. Crescimento significativo que contou com
pouco mais da metade dos recursos vindos de investidores estrangeiros, contudo, também foi
fortemente influenciado pela atuação de fundos de pensão nacionais (KPMG, 2013, p. 9).
86
KABBANI, André. Entrevista realizada em 14.03.2019. 87
O estudo foi realizado junto a 90 gestores de recursos de capital nacionais e estrangeiros, mediante coleta de
dados entre os anos de 2012 e 2013. Os dados coletados tiveram como origem o sistema da ABVCAPData,
informações reportadas pelos próprios gestores e informações públicas disponíveis em outras pesquisas sobre o
setor. Foram feitas solicitações para os gestores no sentido de destacar dados sobre o capital comprometido para
investimentos no Brasil, investimentos realizados e desinvestimentos feitos no país (KPMG, 2013, p. 5).
211
Proporcionalmente, a participação do venture capital em comparação ao private
equity é pequena. Segundo a KPMG (2013, p. 11), a participação do venture capital no
volume de recursos captados para investimento foi de 2,6%, em 2011; 3,5%, em 2012; e 4%,
em 2013, tendo a modalidade private equity registrado participações de 92,5%, em 2011;
88,3%, em 2012; e 92,1%, em 2013.
Mesmo com o crescimento do venture capital entre os anos de 2011 e 2013, a sua
participação não despontava em volume de investimentos. Embora fosse natural que, em
volume de recursos captados, a modalidade ficasse atrás do private equity, desse modo, a
distância entre as duas no período foi significativa se comparada com a média em outros
países (KPMG, 2013, p. 11).
Parte da explicação dessa distância está nos mercados que receberam mais
investimentos no período. Em 2011, o setor de infraestrutura (12,5%), saúde/farmácia
(11,9%) e óleo/gás (10%), foram os segmentos com maior volume de investimentos
registrados por fundos de private equity e venture capital. Em 2012, o setor de varejo
(21,8%), óleo/gás (13,3%) e construção civil/imobiliário (12,6%) foram os que tiveram maior
aporte de recursos (KPMG, 2013, p. 7).
Como o próprio estudo ressalta, os setores com maiores investimentos são
influenciados pela modalidade de investimento com maiores recursos disponíveis, no caso do
estudo o private equity. Além disso, o cenário político econômico do país também favorecia
investimentos na área de infraestrutura e de óleo/gás, tendo diversos fundos migrado para
investir nestes setores.
Segundo Leonel (2014, p. 156), há uma tendência no Brasil de que tanto os
investimentos de private equity, quanto os de venture capital se concentram em setores menos
intensivos em conhecimento (e.g. infraestrutura e varejo). Para a autora, mesmo com a
presença de gestoras de capital estrangeira com foco em empresas de base tecnológica (e.g.
Burrill & Company, Redpoint, Accel Partners), o cenário de capital de risco no país ainda
permanecia pouco voltado a setores intensivos em conhecimento.
Em estudo88
realizado pelo Global Entrepreneurship Lab do Massachusetts
Institute of Technology (MIT) em 2013, o cenário brasileiro de venture capital foi descrito
88
O estudo foi elaborado a pedido da gestora de fundos Ideiasnet e contou com a participação de outras 21
gestoras de capital com atuação em venture capital. Além de entrevistas e aplicação de questionários, a pesquisa
contou com dados secundários obtidos a partir de publicações sobre o setor, artigos acadêmicos sobre o mercado
nacional de investimentos e contribuições de outros atores (e.g. aceleradoras). Seu principal objetivo era a
construção de uma descrição sobre o ecossistema de venture capital no país, em 2013, e a elaboração de cenários
futuros de evolução desse ecossistema nos próximos cinco a dez anos (MIT, 2013, p. 3).
212
como promissor em oportunidades de investimento e de forte inspiração no modelo de limited
partnership criado no Vale do Silício (MIT, 2013, p. 5).
Como características do que o estudo chamou de ecossistema de venture capital
presente no país, cabe a menção ao conjunto de características traçado pelo estudo: (i) forte
presença governamental no fomento do setor, atuando desde a oferta de capital até o aporte de
recursos em empresas de base tecnológica; (ii) crescente ingresso de investidores
estrangeiros, majoritariamente estadunidenses; (iii) concentração de investimentos em
empresas de internet.- internet-enabled companies; e (iv) foco em modelos de negócio que já
se provaram (e.g. comércio eletrônico, plataformas digitais, marketplaces etc.).
A descrição apresentada corrobora com o diagnóstico presente em outros estudos
sobre a trajetória do venture capital no país. Porém, a pesquisa realizada pelo Global
Entrepreneurship Lab é a primeira a explorar qual o perfil de empresas que recebem
investimentos no país e como este perfil é capaz de ilustrar parte das características do venture
capital no Brasil. Sobre o perfil, destacam-se as empresas ligadas à tecnologia da informação,
em especial aos negócios de internet, e que apresentam modelos de negócio que já se
provaram, mercados que possuem correspondentes de sucesso em outros países.
Essa preferência por empresas na área de tecnologia da informação evidencia que
até 2013, na avaliação do Global Entrepreneurship Lab, os investimentos de venture capital
no país buscavam um padrão de inovação de caráter incremental, e não com características
radicais, por exemplo, com a criação de novos mercados. O relatório ressalta que a escolha
por modelos de negócio que já tenham se provado não significa que os investimentos se
concentrassem em copycats, ou imitações de modelos de negócio que prosperaram no exterior
e eram trazidos em sua integralidade para o país. Haviam adaptações realizadas no país, por
parte das empresas investidas, que não permitem chama-las de imitações. Contudo, a
referência de empresas com modelos similares e mercados já testados estiveram presentes em
vários investimentos à época (MIT, 2013, p. 5).
Além disso, segundo o estudo (MIT, 2013, p. 5), algumas características do
mercado brasileiro contribuíram para que os investimentos tivessem se concentrado em
empresas de internet ao longo dos anos. Dentre as características, ele ressalta o crescimento
de uma classe média integrada com dispositivos digitais conectados, o crescimento na
presença de smartphones e serviços de provimento de internet no país e um significativo
espaço para o crescimento de serviços de internet banda larga. Fatores que em conjunto
seriam capazes de formar uma massa crítica suficiente para um mercado consumidor de
serviços que garantisse o crescimento acelerado de empresas nascentes ligadas ao setor.
213
Ademais, um dos principais entraves apontados para o desenvolvimento do
ecossistema de venture capital no país foi a limitação de alternativas de saída dos
investimentos realizados (MIT, 2013, p. 6). A ausência de um histórico amplo de saídas bem-
sucedidas associada à dificuldade de realização de abertura de capital em bolsa de valores
para empresas investidas por FMIEE e FIPs criou um ambiente de incertezas quanto ao
desinvestimento no país. Mesmo com a perspectiva de que em determinados setores a saída de
investimento via venda estratégica não só seria possível, como também provável, eram ainda
poucos os casos de um investidor que fosse capaz de construir mais de um ciclo de
investimentos e desinvestimentos em que o sucesso de investimentos no passado fomentasse
novas captações de recursos no futuro. Foram poucas gestoras de recursos capazes de realizar
2 ou 3 ciclos no país, destacando-se a CRP Companhia e Participações.
Ao lado da limitação de alternativas de saída, o estudo aponta para o que chamou
de fricções locais ou fatores institucionais que obstaculizariam o crescimento e a
diversificação dos investimentos no país (MIT, 2013, p. 6). Esses fatores seriam: (i) a
presença de um complexo regime tributário; (ii) regulação restritiva para empresas; (iii)
rigidez no mercado de trabalho; e (iv) burocracia ineficiente e pouco responsiva.
Essas fricções locais teriam duas consequências na época, reduziriam a disposição
de se investir no país na modalidade de venture capital, bem como influenciariam as decisões
de investimento daqueles dispostos a investir, incluído os custos associados a essas fricções
em seu cálculo para o aporte de recursos em empresas no país.
A complexidade do sistema tributário brasileiro se materializaria não apenas pelo
número de normas tributárias no país, como também por dificuldades relacionadas à
apuração, lançamentos e formas de pagamento de tributos. Porém, o relatório não traz uma
explicação sobre como essa estrutura condiciona ou influencia as organizações de venture
capital para além de serem tratadas como custos relacionados às operações realizadas no
Brasil.
A criação do Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das
Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (SIMPLES) por meio da Lei n.º 9.317/96 em
1996 serviu de auxílio para a simplificação da apuração e para o pagamento de tributos,
contudo, não alcançou empresas de porte médio, muitas delas capazes de receber
investimentos de venture capital. Além disso, a complexidade do sistema tributário extrapola
o debate sobre investimentos, alcançando diversas dimensões da vida social, não sendo objeto
específico desta reflexão.
214
A própria minirreforma fiscal promovida pela Medida Provisória n.º 66/02,
convertida na Lei n.º 10.637/02, que previa a possibilidade de empresas realizarem deduções
fiscais de gastos operacionais realizados em atividades pesquisa e desenvolvimento
tecnológico, não foi suficiente para mudar o comportamento de investidores de venture
capital no país, concentrados em setores de menor intensidade em conhecimento.
Ademais, a minirreforma ainda previa a possibilidade de exclusão da totalidade
dos gastos realizados por empresas que se convertessem no depósito de patentes a ser
realizado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) e em pelo menos outra
jurisdição fora do país como, por exemplo, o European Patent Office, Japan Patent Office ou
o United States Patent and Trade Mark Office (CORDER; SALLES-FILHO, 2004, p. 148).
Todavia, como se notou ao longo dos anos, esse incentivo também foi se
deteriorando com o crescimento do backlog de patentes no país, tornando o depósito de
patentes próximo da irrelevância para muitos investidores de venture capital, uma vez que o
tempo médio de seu ciclo de investimento é, em média, menor do que o tempo médio de
duração da análise de pedidos de concessão de patentes no INPI.
Outro debate trazido pelo estudo do MIT, sobre a rigidez do mercado de trabalho,
ainda é uma questão controversa no país. De um lado, argumenta-se que não há rigidez, mas
sim uma construção histórica de direitos que almeja a proteção do trabalhador e a concessão
de garantias mínimas para que este possa realizar o seu trabalho de forma digna. De outro,
argumenta-se que há um excesso de garantias ao trabalhador que tornam o custo de sua
contratação alto e a sua demissão custosa e de difícil operação no país, incentivando empresas
a contratar profissionais em regimes precários, como o da prestação de serviços.
Sem dúvida o problema afeta a empresa de base tecnológica e, em muitos casos,
será objeto de solicitação de adequação por parte do fundo de investimento interessado em
aportar recursos na empresa, contudo, em nossa visão não há uma relação direta entre o
ecossistema de venture capital e o debate sobre a rigidez do mercado de trabalho brasileiro.
Isto porque, é comum que na fase de seleção de empresas para investimento haja a realização
de auditorias e estudos de avaliação de riscos econômicos e jurídicos. A contratação em
regimes precários é vista como um risco de potencial processo judicial e, por isso, são
evitadas por parte de investidores.
Gilberto Ribeiro89
, da Vox Capital, Robert E. Binder90
, da Antera Gestão de
Recursos, e Clovis Meurer91
, da CRP Companhia e Participações, comentaram em suas
89
Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019. 90
Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
215
entrevistas que todos os seus investimentos incluem a realização de auditorias (due diligence)
com diversas dimensões, dentre elas a dimensão jurídica de readequação de regimes de
contratação. É comum para a realização de investimentos que contratos de prestação de
serviços sejam substituídos por contratos de trabalho, reduzindo os riscos de passivos
trabalhistas no futuro derivados de ações judiciais.
O terceiro aspecto tratado no estudo são os obstáculos à atividade empresarial no
Brasil. Em nossa visão, esse debate se confunde com a discussão sobre a ineficiência e baixa
capacidade de responder em tempo hábil por parte da burocracia estatal. No âmbito dos
investimentos de venture capital realizados no país, dois casos se destacam, o tempo de
abertura, o de realização de modificações em documentos de empresas no Brasil, e o tempo de
espera para a obtenção de patentes.
Restrições na regulação de empresas são mencionadas a partir de três momentos
da vida empresarial, a criação de empresas, a modificação de seus documentos e o
encerramento de suas atividades. Mesmo que o relatório não trate detalhadamentede tais
restrições, a série de estudos Doing Busisness produzida pelo Banco Mundial, desde 2002,
tem criado alguns parâmetros para a avaliação de ambientes de negócio, dentre eles o tempo
de abertura e encerramento de empresas, o número de procedimentos necessários, e o custo
dos procedimentos têm servido de base comparativa entre os países. Em 2013, por exemplo, o
Brasil não figurava entre os priores países no que tange ao número de procedimentos e no
custo de abertura de uma empresa, contudo, era um dos países de maior demora para abertura
de empresas (WB, 2013, p. 59).
Tabela 5.5 Prazo médio para a abertura de empresas (dias) em diversos países
Tempo de Abertura de Empresa (Dias)
Rápido Lento
Nova Zelândia 1 Zimbábue 90
Austrália 2 Laos 92
Geórgia 2 Timor-leste 94
Macedônia 2 Brunei 101
Hong Kong (China) 3 Haiti 105
Ruanda 3 Brasil 119
Cingapura 3 Guiné Equatorial 135
Albânia 4 Venezuela 144
Bélgica 4 República do Congo 161
Canadá 5 Suriname 694
Fonte: (WB, 2013, p. 59).
91
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.
216
Ao lado do tempo para a abertura de empresas, o Brasil também figura entre os
países em que a realização de alterações de documentos relevantes para as atividades da
empresa (e.g. estatuto social) é morosa. Mesmo considerando que há cenários em que a
complexidade de uma operação societária demandaria uma análise mais cuidadosa, que
exigisse maior tempo para o exame, elas representariam a minoria das operações na atividade
empresarial brasileira. Muitas alterações se referem a mudanças típicas do cotidiano da
empresa (e.g. mudança de endereço), fatores de baixa complexidade, que passam a fazer parte
de uma fila comum que congrega atos de baixa complexidade e de alta complexidade.
No relatório Doing Business de 2016, o Brasil ainda figurava como um dos países
em que a abertura e a realização de modificações em documentos da empresa eram descritas
como as de maior demora. Porém, mesmo que os números absolutos não sejam bons, a
redução do tempo para a abertura de empresas é digna de nota. Em 2015, o Brasil registrou o
prazo médio de 83 dias para a abertura de empresas, redução significativa se comparada com
os 119 dias registrados em 2013 (WB, 2016, p. 190); esse resultado aponta para uma melhora
no ambiente empresarial, mesmo que o cenário descrito ainda esteja longe do esperado.
Um contexto muito diferente deste é o da demora na análise de pedidos de
patentes realizados pelo INPI. O backlog, acúmulo de trabalho ou de pedidos sem análise por
parte de agentes públicos (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 172), no campo das
patentes, tem atingido níveis de demora crescentes. A análise de pedidos realizados por
indivíduos e empresas tinha como prazo de duração médio, em 2003, cerca de 7 anos. Em
2013, este prazo aumentou para 10,8 anos e, em 2018, alcançou 14 anos.
Diferente da situação de gradativa melhora no contexto de registros empresariais,
o backlog de patentes só se agrava no país. A demora crônica na análise dos pedidos gera no
âmbito de investimentos duas consequências: (i) a não incorporação de novas tecnologias
como parte do patrimônio da EBT no momento de investimento por um fundo, uma vez que
estas não terão uma proteção jurídica frente a cópias de terceiros; e (ii) a formação de uma
preferência por mercados em que EBTs não necessitem da proteção por patentes (e.g.
tecnologia da informação e agricultura), podendo obter proteção jurídica pelo regime de
direitos autorais ou da proteção aos cultivá-los.
No primeiro caso, a demora excessiva faz com que investidores não incorporem o
valor da tecnologia em seu investimento. Segundo o art. 40 da Lei n.º 9.279/96 (Lei de
Propriedade Industrial), o prazo concedido pelo Estado brasileiro para a exploração de
patentes é de 15 anos para patentes de modelo de utilidade, e 20 anos para patentes de
invenção.
217
No cálculo do investidor de venture capital, não parece fazer sentido pagar por
uma tecnologia que poderá ser explorada por 15 ou 20 anos se o tempo de demora para a
concessão do certificado que ateste esta possibilidade demorará 14 anos para ser obtido. Além
disso, cabe ressaltar que o prazo de duração médio de um FIP é de 10 anos – fato que
corrobora com a tendência de fundos não quererem incorporar em seus investimentos o valor
que uma patente poderia ter se fosse concedida à EBT.
Em entrevista realizada com Liane E. C. Lage92
, a Diretora de Patentes,
Programas de Computador e Circuitos Integrados do INPI explica que o problema de backlog
de patentes se revela a partir de diversas causas. A primeira é a de falta de examinadores em
quantidade suficiente para atender a demanda de pedidos. A segunda é a redução no número
de examinadores ano a ano em razão de suas aposentadorias, sem, contudo, uma autorização
para a realização de concursos para substituir os que se aposentam. A terceira é a dificuldade
de atração de profissionais com especialização nas áreas de maior demanda. Não basta a
contratação de um engenheiro civil como examinador para a análise de pedidos na área de
telecomunicações, por exemplo.
Segundo a diretora, nos dois últimos anos houve uma queda de cerca de 30% no
número médio de pedidos de depósito de patentes no INPI. Esta queda não pode ser
relacionada apenas ao crescimento do backlog, contudo, na percepção da diretora, a demora
na análise contribuiu para que empresas e inventores não tenham buscado o depósito com a
mesma intensidade que no passado. Para Liane E. C. Lage, estamos vendo um processo de
deterioração da patente, como um instrumento jurídico de proteção às soluções de ordem
tecnológica, que, mesmo disponível, perde a sua relevância para os investidores de empresas
de base tecnológica.
Acrescente-se o fato de que não são todas as tecnologias que necessitam da
proteção jurídica por meio de patentes, destacando-se os mercados de tecnologia da
informação, em que a proteção jurídica ocorre por meio do direito autoral e não há nenhuma
certificação necessária para conferir a propriedade sobre um software, por exemplo; e o de
agricultura, em que a proteção se dá por meio do certificado de proteção de cultivo, e para a
proteção de novas criações de variedade ou espécie vegetal. Nesses mercados, a proteção
jurídica oferecida provê maiores facilidades para ser incorporada na avaliação realizada pelo
investidor no âmbito de seu investimento, tendo mais chances de incorporar o preço pago para
a compra de participação na EBT.
92
Liane E. C. Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.
218
Exploraremos, no próximo capítulo, com mais detalhes, as razões de dois dos
problemas apontados pelo estudo do MIT, a limitação das alternativas de saída ao
investimento de venture capital e o problema da ineficiência e baixo poder de resposta da
burocracia estatal, cuidando do caso específico do backlog de patentes no INPI. Além de
explorar as questões presentes nos problemas mencionados, discutiremos também como eles
influenciam o comportamento de investidores no país, moldando o que chamamos de venture
capital à brasileira.
Na avaliação do MIT (2013, p. 7), o ambiente para investimentos de venture
capital no Brasil apresenta potencial para crescimento, contudo, é um ambiente frágil, que
rapidamente pode esvaziar seu crescimento. O Global Entrepreneurship Lab reconheceu que
há um interesse por parte de investidores estrangeiros em aportar recursos em EBTs
brasileiras, contudo, a preferência é a de investir com um parceiro local, com uma busca
particular por organizações públicas, como a FINEP ou o BNDES.
Mesmo tendo adotado o modelo de limited partnership para fins de investimento,
o venture capital brasileiro teve de se adaptar ao seu contexto local, em especial aos cenários
ligados ao seu arcabouço jurídico na área empresarial, por exemplo, ao baixo poder de
resposta de sua burocracia estatal e ao contexto de pouca liquidez de sua bolsa de valores
(MIT, 2013, p. 8). Por essas razões, o Global Entrepreneurship Lab sugeriu a realização de
algumas reformas jurídico-institucionais, apresentadas na tabela abaixo:
Tabela 5.6 Formas potenciais de aprimorar a atração de investimentos no ambiente de negócios no Brasil
baseado na experiência de outros mercados
Política Pública (Policy) Reforma Sugerida
Ambiente de negócios Reestruturação do regime jurídico de falência de
empresas, de modo a permitir que empreendedores
possam rapidamente iniciar novas empresas quando
fracassarem em projetos anteriores.
Reduzir o número de tributos que
empreendedores têm de pagar no início de suas
operações como empresários, e facilitar a constituição de
empresas no país.
Financiamento internacional Melhorar as condições do mercado de capitais no
país.
Redução de barreiras administrativas e jurídicas
para a formação de veículos de investimento com
características próprias de venture capital.
Equiparar a proteção jurídica de investidores
locais para os fundos estrangeiros com atuação no país.
Regime trabalhista Reduzir a rigidez do mercado de trabalho (e.g.
reduzir o custo da demissão).
219
Encorajar o ingresso de mão de obra estrangeira
com formação em áreas tecnológicas em empresas de
base tecnológica no país.
Alterar a forma de proteção no contexto do
desemprego: tornar mais fácil a demissão e mais forte o
apoio ao desempregado.
Propriedade Intelectual Fortalecer as entidades de proteção à propriedade
industrial e à proteção autoral.
Criar uma proteção jurídica para violações no
uso não autorizado de dados de empresas de base
tecnológica.
Desenvolver estruturas jurídicas para garantir o
cumprimento dos contratos e um sistema facilitado e
rápido de análise de disputas envolvendo patentes e
contratos ligados à tecnologia. Fonte: (MIT, 2013, p. 9).
Nota-se que as recomendações transitam entre sugestões de reformas mais amplas
(e.g. melhorar as condições do mercado de capitais brasileiro) e reformas mais específicas
(e.g. criar uma proteção para violações no uso não autorizado de dados de EBTs). Além disso,
há traços presentes nas recomendações de uma visão liberal de economia, reforçando esta
perspectiva como a mais adequada para atração de investimentos. A menção às
recomendações não nos servirá como receita para o que deveria ter sido feito no país, mas sim
como leitura útil sobre quais críticas eram apresentadas ao ambiente jurídico-institucional
disponível para investimentos de venture capital no Brasil em 2013.
No congresso da ABVCAP de abril de 201493
, Robert E. Binder, sócio da Antera
Investimentos e gestor do CRIATEC I afirmou que o capital de risco no Brasil surge de forma
invertida, primeiro com a formação e consolidação do private equity, depois com as tentativas
de construção de investimentos de venture capital e capital semente, e só no final com o
surgimento de investidores anjo e aceleradoras.
Para o gestor, a inovação estava presente nas universidades, mas o processo de
transformação de cientistas-pesquisadores em empreendedores-empresários era um desafio
muito grande, ainda não resolvido no país. Para ele, os elos entre empresa e investidores não
estão bem construídos no ambiente jurídico-institucional brasileiro, bem como a própria
cooperação entre os diversos investidores durante o crescimento da empresa de base
tecnológica.
93
O congresso de private equity e venture capital organizado pela ABVCAP contou com a participação de
diversas gestoras de fundos de investimento, tendo recolhido impressões e diagnósticos do ambiente jurídico
institucional brasileiro. Na ocasião, a associação registrou as falas de gestores em sua cobertura do evento,
destacando as mais específicas ao setor. Disponível no endereço: <https://www.abvcap.com.br/sala-de-
imprensa/noticias-abvcap.aspx?id=2734>. Último acesso: 10.12.2018.
220
Além disso, em entrevista, Robert E. Binder94
comenta que o discurso sobre a
importância do fracasso do empreendedor não condiz com a forma como a sociedade
brasileira enxerga a falência de negócios. Segundo o gestor, o discurso público vigente é que é
positivo para o empreendedor ter acumulado experiência em empresas que fracassaram no seu
passado, que a falência de empresas é sinal de ganho de experiência e maturidade, que ele
estará mais preparado se tiver estes episódios em seu currículo. Binder reforça também que o
discurso não se observa na prática: o passivo de dívidas que a falência de uma empresa pode
trazer para empreendedores, a imagem do fracasso que pode desencorajar a celebração de
contratos com fornecedores e até instituições financeiras que podem dificultar a abertura de
contas e a realização de operações financeiras, são alguns dos aspectos que constituem o que
ele chamou de herança maldita do fracasso de empreendedores.
Na visão do investidor, mesmo com uma mudança na legislação de recuperação
judicial e falências, como proposto pelo MIT, dificilmente o comportamento de agentes
econômicos diante do fracasso de empreendedores no passado seria alterado. Em sua
percepção, o discurso de incentivo ao fracasso, muito popular nos Estados Unidos, não teria
correspondência na realidade cultural brasileira, encontrando limitações nas relações
comerciais que circundam a empresa investida, em especial nas áreas financeiras e na relação
com fornecedores.
Isso não significa que investidores de capital de risco irão incorporar aos seus
processos de seleção de empresas para investimento, um campo no qual o fracasso de projetos
no passado pode servir como desestímulo para o investimento no presente. Na visão do
investidor, há muitos agentes do capital de risco que enxergam positivamente o fracasso e o
consideram um aspecto positivo sobre o empreendedor. Todavia, ao realizar as suas auditorias
para um investimento, as dívidas do passado podem servir de desestímulo.
Interessante notar que mesmo que as propostas de mudança sugeridas do MIT não
tenham sido contempladas, em um levantamento realizado pela KPMG (2015, p. 11), o ano de
2014, foi marcado como o da captação de recursos por parte de fundos de investimento.
Gestoras de capital de risco buscaram avaliar o histórico de seus investimentos passados e
prospectar novos mercados para investimentos no país, formulando novas teses de
investimento para a captação de recursos junto aos investidores.
Além disso, o relatório ressalta que a instabilidade no cenário político e
econômico e incertezas ligadas ao processo eleitoral fizeram com que o ano também tenha
94
Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
221
sido marcado por um nível muito baixo de investimentos por parte de fundos, concentrados
em ações de levantamento de recursos, aguardando o novo governo assumir em 2015.
Em 2015, a KPMG (2015, p. 11) descreve uma mudança de comportamento por
parte de fundos de investimento. Esse foi um ano de aumento no volume de transações
realizadas em empresas emergentes (tecnológicas ou não), mesmo em um contexto de
valorização do dólar perante o real. Segundo o levantamento da consultoria (KPMG, 2015, p.
12), o volume de capital de fundos de investimento comprometidos em empresas aumentou
em relação a 2014, contudo, a participação do venture capital no volume de investimentos
totais realizados ainda permaneceu muito pequena.
Na análise de capital por modalidade de investimento em 2015, o levantamento da
KPMG (2015, p. 12) aponta que apenas 3,5% de todo o capital comprometido no âmbito do
capital de risco foram destinados ao venture capital, tendo o private equity ficado com 96,5%
restantes. Se considerado o capital disponível para investimentos e para despesas, o venture
capital representou apenas 4,4% do montante geral, enquanto o private equity representou
95,6%. Essa disparidade entre as duas modalidades permanece como uma característica do
capital de risco no país, mesmo com diversos esforços para o crescimento do venture capital
no país.
Todavia, se em capital aportado o venture capital ainda demonstra uma
participação pequena, em quantidade de empresas investidas a modalidade é bastante
representativa. Em 2015, do total de empresas que receberam aportes de capital de risco,
60,4% foram feitos por venture capital, enquanto 39,6% por private equity.
Não há dados no levantamento realizado pela mesma consultoria, em 2013, que
nos permita compará-los, porém, a diferença em número de empresas investidas já reforça
uma das características do venture capital em investir em um grande número de empresas e
esperar que uma delas se destaque e cresça muito rapidamente, compensando os demais
investimentos que não prosperaram e remunerando seus investidores.
Uma mudança entre 2013 e 2015 ocorreu nos setores com maior volume de
investimentos por capital de risco. Em 2013, os setores com maior volume de capitais
aportados eram os setores de óleo/gás (38%), logística e transporte (12%). Em 2015, o setor
da saúde (38%) assumiu a liderança no âmbito da aplicação de recursos, seguido pelo setor de
educação (12%). O crescimento do setor de saúde se justifica pela alteração no texto do art.
23 da Lei 8.080/90, que cuida da organização e funcionamento de prestadoras de serviços de
saúde no Brasil. O artigo foi alterado pela Lei 13.097 em 2015, permitindo que investimentos
estrangeiros pudessem ser realizados em prestadoras de serviço de saúde no país.
222
Dessa forma, investidores estrangeiros poderiam participar do capital social de
empresas brasileiras da área da saúde, como produtores de medicamentos, distribuidores de
medicamentos, hospitais, clínicas médicas, laboratório de exames, dentre outras. Esta
participação, inclusive, poderia ser majoritária, seja ingressando diretamente como sócia ou
indiretamente por meio de investimentos de fundos de investimento criados para investir no
setor.
Antes da mudança, investimentos estrangeiros em empresas da área de saúde eram
restringidos pela legislação. O setor era visto como estratégico para o país e havia
preocupações com questões de acesso a medicamentos e serviços de saúde que serviriam de
justificativa para a permanência destes limites ao ingresso do capital estrangeiro. A partir da
mudança, os gestores entrevistados pela KPMG (2015, p. 20) apontaram que surgiram muitas
oportunidades, em especial para a aquisição de participações em redes de hospitais e de
empresas prestadoras de serviços laboratoriais no Brasil.
Nota-se pela descrição da percepção dos entrevistados que os investimentos
realizados, mesmo que em um setor mais intensivo em conhecimento, não se voltaram para
aportar recursos em empresas de base tecnológica brasileiras, em um setor chamado
healthtech. Concentrou-se em investimentos na modalidade de private equity, que buscavam
oportunidades em empresas de grande porte com problemas (e.g. gestão), capazes de, ao
receber investimentos, se reestruturar e voltar a crescer.
Contudo, se os investimentos em healthtech não aconteceram em 2015, com a
mudança na legislação, a disponibilidade de capital para investimentos na área da saúde foi
importante para os aportes mais significativos neste setor acontecerem em 2017, tendo como
principal destaque o aporte de R$ 3,5 milhões na empresa Portal do Médico95
, uma plataforma
digital de comercialização de produtos de saúde, realizado pela Kick Ventures, gestora de
fundos de investimento que atua nas áreas de tecnologia em saúde e educação.
Outro dado que chama atenção é o registro da percepção dos gestores
entrevistados pelo estudo de que o nível de preparo de empreendedores e de empresas estava
melhor se comparado com anos anteriores, ampliando a oferta de empresas capazes de receber
seus investimentos. A partir de esforços de incubadoras, aceleradoras, políticas públicas de
capacitação (e.g. programa Startup Brasil da Apex), startups participantes, muitas delas
EBTs, ampliaram a sua profissionalização interna, estrutura de governança e de cumprimento
95
Para obter mais informações sobre o investimento realizado pela Kicks Ventures na empresa Portal do
Médico, consulte: <https://startupi.com.br/2017/06/startup-de-saude-capta-r35-milhoes-e-planeja-estar-presente-
em-100-cidades-ate-o-fim-de-2017/>. Último acesso: 06.01.2019.
223
das normas jurídicas do país (e.g. formalização de relações de trabalho), de modo a tornar
mais fácil o aporte de recursos por parte de fundos de investimento.
Nas entrevistas concedidas, todos os investidores concordaram com a noção de
que os esforços recentes de aceleradoras, incubadoras e políticas públicas de capacitação do
Sebrae e, especialmente, da FINEP contribuíram para a melhora das apresentações de
propostas de negócios e para a estruturação e profissionalização de empresas de base
tecnológica no país.
Contudo, a percepção da necessidade de reformas para a melhora do ambiente de
investimentos permaneceu uma lacuna no entendimento dos investidores entrevistados pela
KPMG (2015), pois, mesmo com a melhora no nível de preparo das empresas, já se iniciavam
debates para a realização de modificações na regulamentação dos fundos de investimento e
participações, bem como para a melhora no ambiente de investimento no país, em especial do
investimento anjo. Esta busca por reformas no setor permanecerá como um traço importante
para os anos mais recentes.
5.5 Mudanças no ambiente regulatório e a permanência de velhos problemas: 2016 –
2018
O período de 2016 a 2018 foi marcado por mudanças importantes no ambiente
regulatório que envolve o venture capital no Brasil. Dentre as mudanças, duas delas foram as
mais significativas no ambiente de investimentos, a edição da Instrução CVM n.º 578/2016,
alterando as regras que regulam os fundos de investimento e participações, e a promulgação
da Lei n.º 13.243/16, que alterou diversas normas que cuidavam da atividade científica e do
desenvolvimento tecnológico no país por meio de parcerias e criação de empresas.
Essas alterações no ambiente regulatório, contudo, serviram como aprimoramento
dos modelos existentes, não enfrentando desafios antigos presentes no país, em especial
atrasos crônicos da burocracia estatal nacional e limitações à saída de investimentos via
abertura de capital. Se, por um lado, as mudanças podem ser encaradas como um avanço no
fortalecimento dos instrumentos para a boa articulação entre ciência, desenvolvimento
tecnológico e investimento empresarial; por outro lado, as mudanças não deram conta de
superar problemas permanentes no contexto nacional.
224
No estudo realizado pelo Dínamo96
(2018, p. 13), sobre o ambiente regulatório
brasileiro para investimentos em startups, aponta-se que os formatos jurídicos disponíveis
para estas empresas não contemplam as necessidades de mudanças constantes e ágeis que o
seu crescimento acentuado exige. Na visão da entidade, empresas com alto potencial de
crescimento precisam de estruturas jurídicas adequadas e de uma burocracia estatal responsiva
que sejam capazes de facilitar o seu crescimento por meio de um ciclo de investimentos
realizados por atores de diversos perfis (e.g. investidores anjo, capital semente, venture
capital etc.). No Brasil, as estruturas jurídicas ágeis disponíveis (e.g. regime de
microempreendedor individual) servem à empresa em seus momentos iniciais, tendo limites
de tamanho e governança, e as estruturas de melhor governança (e.g. sociedade anônima) não
apresentam grau de agilidade suficiente para a realização de mudanças com o ingresso ou
saídas de investidores.
No Brasil, a forma mais utilizada por startups, incluindo as EBTs, é a de
sociedade limitada (DÍNAMO, 2018, p. 12). Conforme a empresa cresce, recebe
investimentos e expande suas atividades, criam-se demandas por estruturas mais complexas
de tomada de decisão, prestação de contas, planejamento de atividades, de estrutura
organizacional, dentre outras. Neste momento, é comum que a startup seja transformada em
uma sociedade anônima, uma estrutura jurídica que oferece um conjunto mais amplo de
possibilidades de organização dos processos e rotinas internas de empresas no país.
Na visão do Dínamo (2018, p. 13), a sociedade limitada, ao não permitir que os
sócios façam parte da gestão da empresa, dificulta a atuação de investidores de capital de
risco, uma vez que a sua atuação na empresa não se limita à oferta de recursos financeiros,
mas também alcança participação efetiva nos processos de tomada de decisão. No caso da
sociedade anônima, mesmo com regras que favoreçam a participação de sócios na gestão da
empresa e tenham uma separação bem clara de papéis e obrigações dos sócios, ela exige uma
estrutura mais complexa e custosa para seus sócios dispondo, por exemplo, de obrigações de
publicação periódica de informações em veículos de ampla circulação (e.g. jornais). Além
96
O Dínamo é um movimento de profissionais de diversas áreas (e.g. direito, economia, finanças, etc.) ligados
ao empreendedorismo, que busca promover estudos e projetos para o fomento do ecossistema de startups no
país. Segundo sua própria definição, o movimento busca reunir profissionais para construir uma ponte entre a
sociedade civil organizada (startups, associações empresas etc.) e o governo, buscando a articulação de políticas,
de conteúdo e apoio em uma rede de especialistas para promoção da agenda de empreendedorismo no país. Em
2018, o Dínamo produziu a primeira publicação de sua série, coleção Dínamo Playbooks, sobre políticas
públicas de apoio a startups no Brasil, dedicando o número ao tópico ambiente regulatório. A edição cuida do
debate sobre caminhos possíveis para a atuação governamental brasileira a partir da apresentação de casos de
boas práticas no Brasil e no exterior. Para mais informações, consulte: < http://playbook.dinamo.org.br>. Último
acesso: 10.11.2018.
225
disso, o processo de realização de mudanças na composição de seus acionistas, ou alterações
em documentos da empresa também são morosos se comparados com prazos de outros países
(WB, 2016).
A estrutura jurídica empresarial mais rápida e fácil de ser constituída é a de
microempreendedor individual (MEI), podendo ser realizada por um procedimento único e
online (DÍNAMO, 2018, p. 13). Todavia, a MEI não é capaz de atender empresas de base
tecnológica com altas taxas de crescimento, servindo apenas como um formato a ser adotado
nos estágios iniciais destas empresas. Isto porque a MEI foi criada com o intuito de servir
como formato jurídico para formalizar a atividade de empresários individuais. Não há apenas
uma proibição do estabelecimento de um quadro de sócios nesta estrutura jurídica, há também
um limite máximo de faturamento (R$ 81 mil reais) para a empresa se manter neste formato.
Empresas de base tecnológica com alto potencial de crescimento têm, na entrada
de investidores, a possibilidade de financiar os seus processos de expansão, exigindo
movimentações societárias com mudanças em seus documentos e suas estruturas empresariais
com maior frequência do que em outros contextos de negócio (DÍNAMO, 2018, p. 14). A
ausência de uma estrutura jurídica que seja capaz de contemplar essas necessidades se mostra
como um obstáculo para o ambiente jurídico-institucional de investimentos de venture capital
no país.
O tempo para constituição de empresas e realização de mudanças passa a ser
incorporado como uma variável de custo para a formatação dos ciclos de entrada e saída de
investidores. A falta de um formato próprio para empresas de base tecnológica, passa a ser
outro componente de custo para condicionar a atuação de investidores de venture capital em
empresas nacionais, exigindo que empresas de base tecnológica se constituíssem como
sociedades anônimas a um custo maior do que outros formatos, mesmo em estágios em que
esta estrutura não seria necessária.
Como proposta, o Dínamo (2018, p. 14) sugere a criação de um modelo societário
de sociedade anônima simplificada, com abertura e fechamento de empresas, podendo ser
realizado eletronicamente e pela internet, com modelos de documentos padronizados, para
facilitar a análise de mudanças na sociedade, além de uma estrutura de governança baseada
em níveis de crescimento da empresa, ampliando a complexidade a partir de faixas de
faturamento ou número de empregados da empresa. A proposta visa destacar este segmento,
pois o diagnóstico traçado pela entidade é de que investidores e empresas apresentam uma
dinâmica peculiar que justifica a sua separação do regime regulatório geral de empresas.
226
A tecnologia para a realização dessas mudanças já é uma realidade em diversos
países. Na Índia, o registro empresarial de startups já pode ser realizado por meio de um
aplicativo criado pelo governo do país, permitindo que o envio dos documentos para a
formalização do registro possa ser realizado por meio digital. Na Nova Zelândia, além do
registro online de empresas, a autenticação dos documentos também é feita pela internet,
utilizando bancos de dados públicos para verificações de autenticidade de documentos,
dispensando os cartórios de títulos e documentos. Um processo muito similar já acontece
também na Estônia, com certificados eletrônicos sendo gerados por meio de assinatura digital
(DÍNAMO, 2018, p. 15).
No Brasil, a infraestrutura tecnológica já existe (Infraestrutura de Chaves Públicas
Brasil), sendo empregada para a geração de notas fiscais eletrônicas e para a assinatura digital
de documentos. Hoje, o envio da declaração de proventos para fins de apuração do imposto de
renda é exclusivamente digital e online. A apresentação de petições e requisições ao Poder
Judiciário também se dá por meio de assinatura eletrônica, com transmissão online. Já se nota
a presença de experiências bem-sucedidas na implementação desta infraestrutura, há uma
necessidade de promoção de mudanças, porém, não há nenhuma manifestação pública de que
um projeto com essas características está formatado ou executado por parte de Juntas
Comerciais estaduais, ou até por parte do governo federal para sociedades limitadas ou
anônimas.
Tais preocupações também não estiveram presentes nos debates sobre a
construção do Marco Legal para a Ciência e Tecnologia em 2016. Segundo Nazareno (2016,
p. 5), os debates para a criação do Projeto de Lei n.º 2.177/2011, que se converteria no Marco
Legal da Ciência e da Tecnologia, basearam-se no diagnóstico da existência de entraves
burocráticos na aproximação entre estruturas públicas de pesquisa e desenvolvimento e o
ambiente empresarial privado, contudo, sem estender este diagnóstico ao próprio ambiente
empresarial privado como entrave. Os debates se concentraram na readequação jurídica da
cooperação entre entidades públicas e entidades privadas no âmbito de projetos de cunho
tecnológico.
Desde a Lei da Inovação em 2004, questionava-se quais eram os limites da
atuação conjunta entre organizações públicas de pesquisa e entes privados. Mesmo que a lei
cuidasse da aproximação entre o público e privado por meio de arranjos de cooperação (e.g.
parcerias de desenvolvimento tecnológico conjunto, transferência de tecnologia da
universidade para a empresa, intercâmbio de profissionais da academia em empresas etc.),
restavam dúvidas sobre a constitucionalidade da participação de entidades pública em projetos
227
que visavam lucro, uma vez que desvirtuariam a finalidade pela qual teriam sido criadas
(NAZARENO, 2016).
Este tema foi objeto de discussões na Comissão Especial criada em 2013, na
Câmara dos Deputados, para a elaboração do que viria a ser o Marco Legal da Ciência e da
Tecnologia. Nessa Comissão, liderada pelo deputado federal Sibá Machado, constatou-se a
necessidade de elaboração de uma Proposta de Emenda à Constituição Federal (PEC) para
dirimir quaisquer dúvidas sobre a possibilidade de cooperação entre entidades públicas e
privadas no âmbito de projetos de desenvolvimento tecnológico no país. O resultado dos
trabalhos realizados pela Comissão Especial foi a PEC n.º 290 de 2013, convertida na
Emenda Constitucional n.º 85 de 2015, por votação do Congresso Nacional, abrindo caminho
para a aprovação da Lei n.º 13.243/2016.
Entre as alterações propostas no texto constitucional, cabe a menção específica
para a redação do art. 218, que passou a incluir inovação no capítulo que tratava de ciência e
tecnologia, e explicitou o dever do Estado brasileiro de apoiar e estimular a articulação de
entes públicos e privados na execução de atividades ligadas à ciência, tecnologia e inovação,
incluindo o compartilhamento de pessoas e a realização de projetos em conjunto.
Além disso, o art. 219-B inseriu no texto constitucional a expressão “Sistema
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI)”, arranjo institucional a ser promovido
pelo Estado brasileiro para a articulação de entidades públicas e privadas ligadas ao
desenvolvimento de atividades de ciência, tecnologia e inovação, tendo como referência
inicial as mudanças promovidas pelo Marco Legal da Ciência e da Tecnologia.
O texto da nova lei foi organizado a partir de três dimensões para o regime de
fomento à ciência e tecnologia no país, quais sejam: (i) a integração de empresas privadas ao
sistema público de pesquisa; (ii) a simplificação de processos administrativos, de pessoal e
financeiro nas instituições públicas de pesquisa; e (iii) a descentralização do fomento ao
desenvolvimento de setores de CTI nos Estados e Municípios (NAZARENO, 2016, p. 7).
Chama atenção que mesmo que um dos pilares do novo texto tenha sido a
integração de empresas privadas ao sistema público de pesquisa, não foram incluídos na
proposta formulada pela Comissão Especial temas como a reforma jurídico dos registros
empresariais, ou até mesmo o problema do backlog de patentes no país. Esses elementos já
faziam parte de diagnósticos realizados à época sobre os obstáculos presentes no ambiente
jurídico-institucional brasileiro para investimentos, porém, não foram integrados nas
iniciativas ligadas às alterações do regime de ciência e tecnologia no Brasil.
228
As alterações propostas se concentraram em alterações significativas na Lei de
Inovação e nas mudanças pontuais em outras legislações97
dedicadas a contratações públicas,
regime jurídico de servidores públicos (e.g. professores e pesquisadores universitários) e
importações. Nota-se que mesmo com avanços no desenho da estrutura jurídica das atividades
ligadas à ciência, tecnologia e inovação, as reformas se basearam em um diagnóstico de
ambiente, limitando a relação entre a produção científica e tecnológica na área pública e sua
aproximação com o setor privado. Mesmo com avanços na integração de algumas
ferramentas, o Marco Legal da Ciência e da Tecnologia poderia ter servido também como
instrumento para o fomento de investimentos em empresas de base tecnológica no país.
No âmbito de investimentos de capital de risco ligados à inovação tecnológica, a
mudança no parágrafo 2º do art. 19 da Lei de Inovação introduziu uma novidade importante.
Na redação original, de 2004, havia uma previsão genérica sobre quais seriam os instrumentos
de fomento ao desenvolvimento de produtos e processos produtivos inovadores. Não havia
uma lista de ferramentas voltadas a essa finalidade, bem como a menção à subvenção
econômica, ao financiamento de atividades, ou a aquisição de participação societária não
traziam consigo qualquer explicação sobre como poderiam ser executadas por parte do Poder
Público. Na nova redação do art. 19, mais especificamente do §2º, o texto legal traz uma lista
extensa98
de instrumentos de estímulo à inovação nas empresas, com a menção expressa dos
fundos de investimento e dos fundos de participação como parte dos esforços de inovação.
Além disso, a inclusão do §6º, em particular de seus incisos VI e XII, no art. 19 da
Lei de Inovação, explicitaram o mercado de capitais como parte integrante ao Sistema
Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação brasileiro, bem como o apoio ao
97
O Marco Legal da Ciência e da Tecnologia promoveu mudanças em diversas leis no Brasil. A Lei com maior
número de mudanças foi a Lei n.º 10.973/04, Lei de Inovação, que teve o seu texto praticamente rescrito.
Trataremos de algumas dessas alterações em nossa reflexão deste capítulo, contudo, cabe mencionar as outras
leis alteradas pelo Marco Legal. O Estatuto do Estrangeiro (Lei n.º 6.815/80) foi alterado para admitir a
possibilidade de emissão de visto temporário para pesquisador estrangeiro; e a Lei de Importações de CTI (Lei
n.º 8.010/90) foi modificada para incluir Instituições Científicas, Tecnológicas e de Inovação (ICTs) no rol de
agentes habilitados a importar produtos com isenção de tributos. Além disso, foram alteradas a Lei de Licitações
Públicas (Lei n.º 8.666/93) para incluir uma dispensa de licitação de produtos para CTI, a Lei que criou o
Regime Diferenciado de Contratações Públicas – RDC – para permitir a adoção do RDC para entidades de CTI e
a Lei de Contratação Temporária no Serviço Público (Lei 8.745/93), ampliando a hipótese de contratação
temporária em instituições de CTI. Por fim, foi alterada também a Lei que cuida dos planos de carreiras de
servidores em universidades públicas (Lei n.º 12.772/2012), admitindo que professores universitários da área
pública em regime de dedicação exclusiva possam ocupar cargos de direção em fundação de apoio, sendo
remunerados pela função. 98
O artigo 19, § 2º da Lei n.º 10.973/2004, na nova redação proposta pela Lei n.º 13.243/2016, traz os seguintes
instrumentos de estímulo à inovação: (i) subvenção econômica; (ii) financiamento; (iii) participação societária;
(iv) bônus tecnológico; (v) encomenda tecnológica; (vi) incentivos fiscais; (vii) concessão de bolsas; (viii) uso
do poder de compra do Estado; (ix) fundos de investimento; (x) fundos de participação; (xi) títulos financeiros,
incentivados ou não; e (xii) previsão de investimento em pesquisa e desenvolvimento em contratos de concessão
de serviços públicos ou em regulações setoriais.
229
desenvolvimento tecnológico para micro e pequenas empresas que realizem atividades de
cunho inovador. Acrescente-se a disposição do inciso IV do art. 27 que estipula a concessão
de um tratamento especial para micro e pequenas empresas de base tecnológica criadas no
ambiente de atividades das ICTs em processos de aquisição de bens e serviços por parte do
Poder Público, nos termos da Lei n.º 8.958/94.
Contudo, a nova redação da Lei de Inovação não oferece um conceito de empresa
de base tecnológica, mesmo essa figura sendo central para a realização de atividades ligadas
ao desenvolvimento tecnológico e a inovação. Não fica claro se apenas a realização de
atividades ligadas à tecnologia e inovação serão suficientes para a configuração de uma
empresa como EBT, ou se o tamanho da empresa importará, posto que a lei em diversas
disposições faz menção às micro e pequenas empresas, evidenciando que para alguns
contextos o tamanho importa.
Além do tamanho, o novo texto cria duas categorias de micro e pequenas
empresas. A primeira delas com uma ligação junto a ICTs, via de regra surgidas no contexto
de universidades e centros de pesquisa, podendo também ter participação de programas de
incubação; e a segunda para micro e pequenas empresas sem qualquer tipo de relação com
ICTs. Ambas fariam parte do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, podendo
ter acesso aos instrumentos de estímulo à inovação, contudo, só a primeira categoria de micro
e pequenas empresas teria prioridade em contratações de bens e serviços por parte do Poder
Público.
Segundo o Dínamo (2018, p. 9), o Marco Legal da Ciência e da Tecnologia
também deixou de lado a identificação de atores relevantes ao fomento de empresas com alto
potencial de crescimento, não incorporando em seu texto as aceleradoras e a figura dos
investidores anjo, cujas pessoas físicas que realizam investimentos em nome próprio
poderiam realizar em conjunto com entidades públicas. Na visão da entidade, se a lei traz as
incubadoras e os fundos de investimento como partes integrantes do novo sistema, deveria
também incorporar outros atores que fazem parte do ciclo de estímulo ao crescimento de
empresas de base tecnológica no país, sob pena de seu desenho jurídico-institucional ficar
incompleto.
Em nossa visão, a expressão a ser utilizada pelo texto legal deveria ser empresa
nascente de base tecnológica, pois comtemplaria a característica de que micro e pequenas
empresas merecem um tratamento especial para que possam se desenvolver, ao mesmo tempo
em que ressaltaria a característica de que estas empresas estariam necessariamente associadas
ao desenvolvimento de novas tecnologias e processos de inovação. Ademais, a adoção de uma
230
denominação para EBTs no texto da Lei de Inovação reforçaria a importância deste ator no
âmbito das políticas de estímulo ao desenvolvimento tecnológico e de processos de inovação.
Isto porque, a definição de micro e pequenas empresas se encontra na legislação tributária
(Lei Complementar n.º 123/2006) e é feita a partir do critério de limite de faturamento. Em
nossa visão, EBTs merecem um tratamento próprio, não limitado ao seu faturamento, que
contemple os diferentes estágios de seu desenvolvimento e os diversos atores que são capazes
de auxiliar o seu crescimento.
Como esforço de melhor identificação dos agentes que fazem parte do
desenvolvimento de EBTs, a Comissão de Valores Mobiliários avançou com a edição da
Instrução Normativa n.º 578 de 2016 (IN n.º 578/2016), alterando a regulação de FIPs de
modo a definir tipos de FIPs pelo tipo e porte de investimentos realizados. Por meio da
especialização de FIPs a partir de uma nova atribuição de funções para cada um deles, a CVM
foi capaz de conferir uma identidade mais clara para cada um dos agentes, separando, por
exemplo, o capital semente do venture capital. Além disso, a edição da IN n.º 578/2016
promoveu também a consolidação de regras sobre FIPs, uma vez que desde a sua criação
foram editadas outras 16 Instruções Normativas que versavam sobre o tema e agora passaram
a seguir uma estrutura jurídica única, consolidada em um documento, com a revogação das
referidas Instruções Normativas.
A Instrução Normativa n.º 578/2016 também promoveu a substituição definitiva
dos FMIEEs, criando o FIP Capital Semente e o FIP Empresas Emergentes, duas figuras
destinadas ao investimento em EBTs e que explicitam características deste investimento a
partir de uma estrutura de governança mais sofisticada para as empresas investidas. O
processo de substituição já estava em andamento, tendo tido início com a edição da Instrução
Normativa n.º 309/2003.Contudo, havia FMIEEs ativos e em processos de investimento
quando da criação dos FIPs, tornando a sua substituição um processo gradativo que teve que
passar pelo encerramento de FMIEEs ao longo dos anos. Com a IN n.º 578/2016, os FIPs
ganham um novo grau de especialização, e os FMIEEs já não se fazem necessários e já estão
praticamente extintos.
As categorias de FIP criadas pela IN n.º 578/2016 foram: (i) capital semente – FIP
Capital Semente; (ii) empresas emergentes – FIP EE; (iii) infraestrutura – FIP IE; (iv)
produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação – FIP PD&I; e (v)
Multiestratégia – FIP M. Nota-se que não são todos os FIPs que cuidam de investimentos em
empresas voltadas a atividades de pesquisa, desenvolvimento tecnológico e inovação. Isto
ocorre, pois, os fundos de investimento e participação foram criados para servir de veículos de
231
investimento para diversas finalidades, incluindo, por exemplo, o private equity. Com o
tempo, agentes econômicos passaram a utilizar este instrumento para diversas finalidades,
criando usos comuns para este veículo. Dessa forma, a IN n.º 578/2016 veio reunir os
diversos usos para o FIP, diferenciando as características de cada um dos contextos em que o
fundo era utilizado.
Dentre as cinco categorias de FIPs previstas na Instrução, duas delas (FIP Capital
Semente e FIP EE) merecem uma análise mais cuidadosa por estarem relacionadas aos
investimentos em EBTs. O FIP Capital Semente, foi construído como veículo de investimento
para empresas de base tecnológica em fase inicial de desenvolvimento de seus produtos e
serviços. Esta figura responde a uma crítica feita ao modelo de FIP de 2003: em sua primeira
versão, os fundos de investimento e participações obrigavam os gestores de fundos a
investirem apenas em sociedades anônimas, não permitindo que investissem em sociedades
limitadas.
Isso fazia com que empresas em estágios iniciais, que não quisessem arcar com os
custos de uma sociedade anônima, não estivessem aptas a receber investimentos de FIPs. A
partir dos FIPs de capital semente, sociedades limitadas passaram a ser capazes de receber
investimentos deste veículo. Não por acaso, as regras de governança exigidas pela versão de
2003 dos FIPs não são aplicáveis ao investimento do FIP Capital Semente. Apenas se a
empresa investida crescer durante os períodos de investimento, as regras de governança (e.g.
criação de um conselho de administração) serão demandas para ela.
Como perfil da empresa a ser investida, a Instrução n.º 878/2016 prevê que apenas
empresas de base tecnológica com receita bruta de até R$ 16 milhões de reais, apurada no
exercício fiscal anterior à data do investimento, estão aptas a receber recursos deste veículo.
Além disso, as empresas investidas não poderão ser controladas por sociedade ou grupo
econômico que apresente um conjunto total de ativos superior a R$ 80 milhões, ou uma
receita anual superior a R$ 100 milhões. Essas características estão muito próximas do perfil e
das regras de investimentos criadas pelo BNDESPAR na aplicação dos recursos dos fundos
CRIATEC.
Nesse sentido, as mudanças regulatórias no formato e na tipologia dos fundos de
investimento e participação parecem ter absorvido parte da experiência de investimento de
capital semente realizada pelos fundos CRIATEC, reconhecendo a importância do modelo
criado pelo banco e do aprendizado coletado ao longo de diversos investimentos realizados no
país.
232
O segundo FIP estruturado para o investimento em empresas de base tecnológica
foi o FIP Empresas Emergentes. Da mesma forma que o FIP Capital Semente, o FIP
Empresas Emergentes foi criado sem a limitação de investimentos em apenas sociedades
anônimas, podendo aportar recursos em sociedades limitadas. Todavia, o perfil da sociedade
limitada capaz de receber investimentos é diferente em porte e tipo de sócio. A empresa
investida pode ter uma receita bruta anual de até R$ 300 milhões e pode ser controlada por
sociedade ou grupo de empresas que tenham um total de ativos de até R$ 240 milhões, ou
receita anual bruta de até R$ 300 milhões.
Sob uma lógica idêntica à dispensa das regras de governança corporativa presente
no FIP Capital Semente, o FIP Empresas Emergentes foi estruturado para não apresentar as
mesmas exigências do FIP de 2003, não tendo as mesmas exigências de estruturação de
operações (e.g. proibição de emissão de partes beneficiárias, estabelecimento de mandato
unificado para o Conselho de Administração etc.), bem como os mesmos níveis de
transparência na prestação de contas (e.g. auditoria anual de suas demonstrações contábeis por
auditores independentes registrados na CVM).
O termo FIP Empresas Emergentes foi utilizado para resgatar a referência dos
antigos FMIEEs, voltados a empresas que não teriam tido muito tempo de exercício de suas
atividades, ao mesmo tempo, está associado a empresas com alto potencial de crescimento
derivado do sucesso do desenvolvimento de novas tecnologias. Nesse sentido, a edição da
Instrução Normativa 578/2016 tentou incorporar termos ligados à trajetória institucional do
venture capital brasileiro, como empresa emergente e capital semente, bem como separar
estas modalidades de investimento de outras modalidades, como o private equity, criando
veículos próprios para estes investimentos, como o FIP Multiestratégia, ou o FIP
Infraestrutura. Além disso, também buscou separar os investimentos em atividades de P&D
em empresas de maior porte dos investimentos em empresas de base tecnológica,
diferenciando os FIPs Capital Semente e Empresas Emergentes do FIP PD&I.
Até 2016, a especialização dos veículos de investimento foi fruto do desenho
atribuído por agentes privados, mais especificamente por gestores de fundos de investimento,
que ao desenvolver a sua tese, desenhavam a estrutura para a realização de seus aportes de
recursos. Com a nova configuração dos FIPs, conferindo maior grau de especialização para
cada um dos fundos, o perfil do investidor fica mais claro para aquele que busca por
investimentos e também evita a existência de fundos de investimento capazes de investir em
perfis de empresas muito distintos entre si, mesclando, por exemplo, investimentos em
empresas de pequeno e de grande porte.
233
Além disso, o novo desenho dos FIPs não eliminou a adoção da estrutura offshore
de investimento, como foi mencionado por Sullyen Almeida99
, analista de investimento da
Monashees, empresa brasileira de investimentos de venture capital. Desde a sua criação, a
Monashees optou por organizar seus investimentos em empresas localizadas fora do país, com
especial preferência pelas Ilhas Cayman e pelo estado de Delaware nos Estados Unidos da
América. Uma vez escolhida a empresa a ser investida, a investidora solicita que esta crie uma
empresa “espelho”, de igual objeto da nacional fora do país, e investe nela, abrindo toda a sua
estrutura para fora das fronteiras brasileiras.
Segundo a analista de investimentos, o uso desta estrutura, além de ser vantajoso
do ponto de vista tributário, implicando uma carga de tributos menor, a razão para a sua
adoção é a agilidade e uma maior facilidade de saída de investimentos. Mesmo com as
diversas mudanças na estrutura de fundos de investimentos realizadas no Brasil, na visão da
investidora, o ambiente brasileiro ainda não está maduro o suficiente para justificar a criação
de uma estrutura de investimento integralmente nacional.
Do ponto de vista de saída do investimento, Sullyen Almeida ressalta que a
investidora se sente mais confortável com a possibilidade de venda estratégica no Brasil ou
abertura de capital nos Estados Unidos da América, o que favorece a criação de uma estrutura
de investimento fora do país. Além disso, do ponto de vista da proteção dos ativos imateriais
da empresa investida, coma presença de um backlog de patentes de 14 anos em 2018, a
patente que interessa para o investidor não é a brasileira, mas sim a estadunidense, obtida
junto ao USPTO – United States Patent and Trademark Office, mais um elemento que
corrobora com a estrutura do investimento ser localizada fora das fronteiras do Brasil. Além
disso, a analista de investimentos cita que a estratégia da Monashees se concentra em
segmentos que possam ter uma inserção global, com oportunidades que mesmo que surjam e
cresçam no contexto brasileiro, possam se expandir internacionalmente, dentro de uma
estratégia global.
Contudo, há investidores que mesmo tendo adotado estruturas distintas ao longo
de sua trajetória no país, optaram por incorporar FIPs como veículo, inclusive as novas
formas de especialização. Um exemplo disso é o Bozano Investimentos, que recentemente
alterou o seu nome para Crescera Investimentos, que gera o CRIATEC II e possui fundos de
investimento em venture capital e private equity. Segundo Fernando Silva (ABVCAP; APEX,
2018, p. 20), sócio da Crescera Investimentos, a investidora é uma das poucas empresas a
99
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019 pelo autor.
234
atuar nos mercados de private equity e venture capital ao mesmo tempo como forma de
pensar estes investimentos de maneira integrada.
Em sua visão (ABVCAP; APEX, 2018, p. 20), a criação de fundos em diferentes
estágios do desenvolvimento da empresa alvo de investimento pode gerar efeitos de
“polinização cruzada”, em que a presença do investidor, ao longo da cadeia, pode dar maior
segurança para a empresa investida de que se financiada em seus estágios iniciais, já que o seu
investidor poderá acompanhar o seu crescimento com financiamentos de diferentes
características, começando pelo capital semente, passando pelo venture capital e alcançando o
private equity.
Mesmo que os gestores de cada um dos fundos de investimento constituídos pela
Crescera Investimentos tenham teses e comportamentos distintos entre si, há um interesse da
gestora de recursos em integrar seus investimentos, quando possível, e fomentar a geração de
efeitos de “polinização cruzada” nos investimentos realizados pelos seus fundos. Por isso, a
gestora buscou aplicar a mesma lógica à gestão dos recursos do CRIATEC II, após ter sido
escolhida como uma das gestoras do fundo de capital semente do BNDES, realizando essa
atividade em parceria com a gestora Triaxis (ABVCAP; APEX, 2018, p. 20).
Segundo Fernando Silva, a gestão do CRIATEC II não impôs à Crescera
Investimentos uma escolha de setores a serem investidos, porém, a seleção da gestora se deu
em razão de suas teses de investimento voltarem-se para empresas de base tecnológica e da
potencial integração entre os estágios de investimento sinalizados pela gestora. O foco, não
apenas dos investimentos realizados via CRIATEC II mas por outros investimentos de capital
semente e venture capital por parte da Crescera Investimentos (ABVCAP; APEX, 2018, p.
21), são os mercados de FinTech (tecnologias em serviços financeiros), HealthTech
(tecnologias na área de prestação de serviços de saúde), AgriTech (tecnologias na área de
agricultura), RetailTech (tecnologia no varejo) e LogisticsTech (tecnologias na área de
logística).
Em levantamento realizado pela ABVCAP (2017, p. 6) junto a 40 investidores de
private equity e venture capital com atuação no país, a opção pela constituição de fundos de
investimento é majoritária nas duas modalidades, sendo a preferência de 63% de investidores
de private equity, e 53% dos de venture capital. Além disso, os investidores internacionais
demonstraram um volume de aportes de recursos significativo no formato de co-investimentos
(14%) com investidores nacionais.
Quando perguntados sobre quais os seus planos para investimentos nos próximos
3 anos, 62% dos investidores estrangeiros participantes da pesquisa responderam que
235
pretendem realizar investimentos em regime de co-investimentos com investidores locais,
enquanto 70% dos investidores nacionais pretendem realizar investimentos de forma direta,
sem a presença de um parceiro. Segundo Rodrigo Borges100
, fundador da Domo Invest, há
fortes barreiras à entrada de um investidor atuante no Brasil. A complexidade do sistema
jurídico, as incoerências do sistema político, a rivalidade da taxa de juros, dentre outros
fatores criam uma vantagem competitiva para investidores nacionais, ou até mesmo para
investidores estrangeiros com gestores nacionais. A busca por co-investimento é reflexo disso,
bem como a ideia de que se a empresa adquire um porte de empresa média, com a
possibilidade de internacionalizar os seus produtos e serviços, valerá a pena tirá-la do país,
construindo uma estrutura jurídica fora do Brasil.
Entre os investidores entrevistados pela ABVCAP (2017, p. 8), os investimentos
realizados foram divididos em 7 tipos de estratégia de investimento, conforme nota-se no
gráfico abaixo.
Gráfico 5.3 Percentual dos investimentos em PE/VC no Brasil por tipo de estratégia
Fonte: (ABVCAP, 2017, p. 8).
Observa-se do gráfico acima a preponderância dos investimentos na modalidade
growth e buyout, estratégias típicas do private equity, passando por investimentos em
infraestrutura, tendo o venture capital uma posição intermediária entre as estratégias
100
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.
10%
1%
5%
27%
21%
11%
26%
5%
2%
4%
9%
10%
28%
42%
0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%
Outros
Distressed
Real State
Infraestrutura
VC/Seed
Buyout
Growth
Estrangeiro Nacional
236
escolhidas por investidores com atuação no Brasil. Além disso, nota-se que o percentual de
investimentos de investidores nacionais é pouco mais que o dobro (21%) em comparação aos
investimentos internacionais (10%), evidenciando um predomínio nacional.
Contudo, quando questionados (ABVCAP, 2017, p. 9) sobre quais seriam os seus
planos para estratégias de investimento nos próximos 3 anos, 44% dos investidores
estrangeiros afirmaram que buscaram aumentar seus investimentos na modalidade de venture
capital e seed capital, em comparação aos 31% dos investidores nacionais que manifestaram
o mesmo interesse. Dentre os entrevistados, 74% dos investidores nacionais afirmaram que
pretendem aumentar seus investimentos em distressed assets, sinalizando uma perspectiva
negativa para a economia nacional.
Analisando a percepção dos investidores sobre o desempenho de seus
investimentos, a pesquisa (ABVCAP, 2017, p. 12) aponta que 52% dos investidores nacionais
e 39% dos investidores estrangeiros apontaram que suas carteiras de investimento ficaram
dentro do que haviam sido projetados desde o início. Do restante, 48% dos investidores
nacionais afirmaram que o desempenho foi pior do que o esperado (16% pouco pior e 32%
muito pior), e 54% dos investidores estrangeiros também apontaram para um desempenho
pior do que o esperado (27% pouco pior, e 27% muito pior). Para aqueles com carteiras de
desempenho abaixo do esperado, a principal explicação oferecida foi o cenário
macroeconômico brasileiro ao lado de fatores locais. 63% dos investidores estrangeiros
apontaram esses dois fatores como os principais, enquanto 47% dos investidores nacionais
expuseram a mesma preocupação. Fatores como o desempenho dos gestores ou o desempenho
dos setores investidos foram vistos como menos influentes para o desempenho das carteiras
em 2017.
Entre os setores mais buscados em 2017 (ABVCAP, 2017, p. 13), destacam-se os
setores do agronegócio, educação e serviços financeiros. O interesse nestes setores se
materializa pela criação das expressões agritech, edutech e fintech, termos que traduzem a
atividade realizada por empresas de base tecnológica que desenvolvem soluções de tecnologia
da informação para cada um destes setores. Para Rodrigo Borges101
, da Domo Invest,
investidores de venture capital estão em busca de empresas que consigam demonstrar ser
capazes de construir camadas de software para as atividades de setores fortes na economia
brasileira. De um lado, a empresa que desenvolver soluções de software para estes mercados
conseguirá clientes, oferecendo como diferenciais a redução de custos e ganhos de
101
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.
237
produtividade. De outro, o investidor é capaz de enxergar empresas de grande porte nestes
setores, capazes de viabilizar a sua saída via venda estratégica de sua participação nas
empresas em que investiu.
Em levantamento realizado pela aceleradora ACE (2018), com base nos dados
disponibilizados pela plataforma Crunchbase102
, constatou-se que o volume de investimentos
de venture capital no país cresceu 10 vezes em relação aos valores aportados em 2013,
concentrando-se em investimentos em estágios mais avançados (late stage) do
desenvolvimento em empresas de base tecnológica no país. Parte da responsabilidade por esse
crescimento são as empresas que têm sido chamadas de os primeiros unicórnios103
brasileiros,
a Ifood e a Nubank. Em janeiro de 2018, a Nubank ingressou no grupo de empresas
reconhecidas internacionalmente como unicórnios após investimentos realizados por Sequoia
Capital, Redpoint e.ventures e Kaszek Ventures. Em novembro de 2018, foi a vez da Ifood
ingressar no grupo, tendo recebido investimentos da Naspers, Just Eat e Movile.
Segundo a descrição da ACE, em 2018, o quadro de investimentos realizados
aponta para uma atuação majoritária de investidores brasileiros na fase early stage (seed e
series A) de empresas de base tecnológica, e investidores estrangeiros na fase late stage
(series B e C). Investimentos recentes em empresas como 99 (R$ 639 milhões - series C),
Movile (R$ 262 milhões – series H), Creditas (R$ 160 milhões – series C), Guia Bolso (R$
160 milhões - series C) e Dr. Consulta (R$ 160 milhões - series C) são exemplos desse
processo de especialização do venture capital no Brasil.
Na visão de Rodrigo Borges104
, o investidor nacional tem melhores condições de
avaliar o potencial de crescimento de empresas de base tecnológica no Brasil, bem como de
compreender quais são os custos envolvidos no investimento nas fases iniciais de
desenvolvimento – early stage – destas empresas. Além disso, o investidor aponta que a
102
A crunchbase é uma plataforma, parcialmente aberta e colaborativa, de dados sobre investimentos em
startups realizadas pelo mundo. A plataforma reúne em uma base de dados todas as informações que são
disponibilizadas por investidores (e.g. anjos, semente, venture capital etc.) que aportam recursos em startups.
Esta é uma das bases de dados para consulta sobre dados do setor, contudo, dada a sua natureza de plataforma
aberta, ela depende das informações disponibilizadas por investidores e empresas investidas. Para o uso de todos
os recursos de busca e geração de tabelas e gráficos, a plataforma é fechada, cobrando o acesso a partir de
pacotes de assinatura. Consulte: <https://www.crunchbase.com>. Último acesso: 01.03.2019. 103
O termo unicórnio no campo de investimentos serve como designação de empresas privadas avaliadas em
mais de 1 bilhão de dólares. O termo foi criado pelo venture capitalist Aileen Lee, que fez referência à figura
mitológica do unicórnio para representar o fenômeno estatisticamente em crescimento acentuado de algumas
empresas até alcançarem a cifra de US$ 1 bilhão. A plataforma CBinsights oferece um quadro completo de
definições e a listagem dos unicórnios espalhados pelo mundo, cabendo citar empresas como a Uber, WeWork,
Airbnb, Epic Games, Pinterest, dentre outras. Para a listagem completa, consulte:
<https://www.cbinsights.com/research-unicorn-companies>. Último acesso: 01.03.2019. 104
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019 pelo autor.
238
atuação da FINEP e do BNDES facilitaram a formação e a consolidação de investidores
nacionais na cadeia de investimento de venture capital, auxiliando na construção de um
ambiente em que investidores nacionais são capazes de disponibilizar capital em uma
primeira (series A), ou, em alguns casos, em uma segunda rodada de investimento (series B).
Aos investidores estrangeiros, ficariam fases mais avançadas, em que a empresa
alvo de investimento já demonstraria uma trajetória de investimento mais acentuada e
potencial de se internacionalizar, aproveitando a maior capacidade de investimento de
investidores estrangeiros em rodadas mais avançadas. Nesta fase, o nível de incerteza sobre a
empresa alvo do investimento é considerado menor, uma vez que ela já adquiriu uma estrutura
profissional, já apresenta números de crescimento consistentes e já articula uma estratégia
para a sua expansão em diversos mercados.
A análise do volume de investimentos também corrobora com esta descrição.
Segundo a ACE, 60% de todo o capital investido na modalidade de venture capital
declaradopara a plataforma Crunchbase até hoje, se concentrou em investimentos em 10
empresas brasileiras, totalizando o montante de 4,4 bilhões de reais aportados
majoritariamente por investidores estrangeiros, como Naspers, Softbank, Sequoia, dentre
outros. Mesmo que, em número de operações de investimento os investidores nacionais
tenham uma significativa vantagem sobre investidores estrangeiros, em volume de capital
aportado, a presença de investimentos estrangeiros na modalidade de venture capital tem sido
significativa.
239
6 HOSTILIDADE NO AMBIENTE PARA INVESTIMENTOS NO BRASIL – A
PERCEPÇÃO DE INVESTIDORES DE VENTURE CAPITAL
Zero. Eu sei que esta posição pode parecer muito radical e eu compreendo
que as patentes podem ser um importante indicador para o desenvolvimento
tecnológico no país. Se eu tiver que apresentar resultados em um comitê de
investimento criado em uma parceria com entes públicos, eu vou falar de
patentes, ou até mostrar pedidos de patentes. Contudo, com a demora atual,
ela não me trás valor nenhum. Não considero como ativo para empresa
investida e não tenho retorno vindo do registro. Hoje, a patente não significa
nada para o meu tipo de investimento. (Robert E. Binder, fundador da Antera
Gestão de Recursos)
A principal característica da empresa alvo para fins de investimento nosso é
a equipe, o perfil, o caráter, os valores, a competência dos empreendedores
envolvidos. Dentro desta característica que não é negociável, o que é
negociável é o setor. Dentro do setor de tecnologia, tudo é muito amplo, há
setores em que nós acreditamos que possam prosperar no Brasil, tecnologia
da informação é um exemplo disso, outros setores, as condições de país não
permitem com que nós acreditemos que vale a pena investir. Já tivemos
investimentos realizados em biotecnologia e no mercado de vending
machines que só nos trouxeram dor de cabeça. Em biotecnologia, a
quantidade de registros públicos necessários, o tempo de demora para
obtenção de autorizações, a velocidade do consumo dos recursos financeiros
tornou impossível obter retornos. (Sidney Chameh, fundador do DGF
Investimentos)
Poupart (2016, p. 215) ao comentar sobre o uso de entrevistas no contexto de
pesquisas qualitativas por parte de pesquisadores da universidade de Chicago, comenta sobre
os ganhos trazidos à pesquisa científica no ato de interrogar atores sociais e utilizá-los
enquanto recurso para a compreensão de realidades sociais complexas. Na visão do autor,
uma das vantagens da pesquisa qualitativa em ciências sociais é poder ampliar o escopo de
sentido do que as ciências da natureza já foram capazes de produzir a partir de seus métodos.
A entrevista serviria como uma ferramenta para adicionar uma camada na análise de
realidades sociais, incorporando a perspectiva dos atores sociais.
Nesta perspectiva, condutas sociais não seriam completamente compreendidas,
tampouco explicadas por completo, fora da perspectiva dos atores sociais e por esta razão, o
método de entrevista seria uma das formas disponíveis para construção deste conhecimento.
Para Poupart (2016, p. 217), a entrevista teria uma dupla função, serve como método para
apreender a experiência e visão do entrevistado no âmbito do fenômeno que está sendo
estudado, bem como pode ser empregado como instrumento ao pesquisador para elucidar
cenários sociais em que o entrevistado tenha feito parte, uma vez que a construção de
240
explicações sobre contextos sociais complexos depende também de análises da perspectiva
dos atores.
Os excertos apresentados como epígrafes deste capítulo são exemplos de nossa
empreitada neste capítulo. Para além de reconstrução da trajetória do venture capital no
Brasil, realizamos uma pesquisa baseada na realização de entrevistas para compreender qual a
percepção de investidores de venture capital sobre o ambiente em que eles se encontram
inseridos para investir em empresas no Brasil.
A partir da lista de investidores de venture capital presentes nas bases da
ABVCAP e da AMBIMA, foram realizados 30 contatos com a solicitação de entrevistas.
Destes, 22 foram realizados por e-mail, quando o site da gestora de recursos disponibilizava a
informação e quando não, o contato foi realizado por telefone, solicitando o e-mail para a
realização o envio da proposta de entrevista. Nesta proposta, descrevemos o escopo da
pesquisa, encaminhávamos o questionário de entrevista e solicitávamos a autorização para o
seu registro em áudio. De todos os pedidos, foram realizadas 10 entrevistas, tendo sido todas
elas registradas em áudio.
Como recorte para a seleção dos entrevistados seguimos três critérios: (i) o
entrevistado precisa representar uma gestora que tenha completado um ciclo de investimento,
tendo já tido saídas realizadas; (ii) o entrevistado deve ter participado das decisões de
investimento da gestora, podendo ser um de seus fundadores, gestor ou analista sênior; e (iii)
o entrevistado precisa ter participado dos esforços de captação de recursos para investimento e
precisa atuar junto com os empreendedores de empresas investidas pela gestora.
Desta forma, o perfil de nossos entrevistados abarcou os profissionais que em
gestoras de recursos investem na modalidade de venture capital, participando tanto dos
processos de captação de recursos financeiros para investimento, passando pela seleção de
empresas, cuidando do monitoramento das investidas, até a execução de sua saída do
investimento, com a posterior distribuição dos resultados obtidos aos investidores iniciais.
Privilegiamos os entrevistados que têm uma participação completa no ciclo de investimento
de venture capital.
Além das entrevistas realizadas com representantes de gestoras de recursos que
investem na modalidade de venture capital, também entrevistamos Liane Lage, Diretora de
Patentes do INPI (Anexo II), Daniel Morita, analista e responsável por programas de capital
de risco da Finep (Anexo III), e Luís Fernando Cunha Villar105
, gerente de regulação da B3.
105
A entrevista com o gerente de regulação da B3, Luís Fernando Cunha Villar, foi realizada no dia 10.05.2019
em seu escritório. Foram propostas duas perguntas: (i) Na sua avaliação, por que a B3 não tem observado
241
Estas três entrevistas foram realizadas como forma de aprofundamento de aspectos tratados
nas entrevistas com os investidores de venture capital. Isto porque, temas como backlog de
patentes, captação de recursos, programas de fomento público, aproximação com
universidades, abertura de capital como possibilidade de saída de investimento, entre outros,
foram aspectos mencionados ênfase nas entrevistas.
A presença destas três falas foi importante para uma melhor compreensão das
causas e explicações sobre o que ficou marcado na fala de investidores que é a hostilidade do
ambiente brasileiro para a realização de investimentos de capital de risco. Além de registrar a
percepção de investidores, as falas do INPI, B3 e Finep podem colocar em perspectiva quais
as dificuldades para se implementarem mudanças e quais as causas para que, por exemplo,
tenhamos que conviver com um grande backlog de patentes e a ausência de um mercado de
acesso para a abertura de capital de empresas de base tecnológica no país.
As entrevistas foram realizadas presencialmente quando a gestora de recursos
dispunha de sede ou filial na cidade de São Paulo e por telefone ou videoconferência quando a
gestora estava localizada fora de São Paulo.
Buscamos tomar alguns cuidados para a realização da coleta de dados utilizando o
método de entrevista. O primeiro deles foi a utilização do mesmo questionário para todas as
entrevistas, resguardando que os parâmetros de comparação entre as suas respostas pudessem
ser preservados pela apresentação das mesmas perguntas para cada um dos entrevistados. O
segundo cuidado que tomamos foi a escolha de construir um questionário semiestruturado, em
que as perguntas não seriam fechadas ou até com opções de escolha de resposta. Nossa
intenção foi permitir com que o entrevistado pudesse, mantido o sentido da pergunta,
apresentar a sua percepção sobre a pergunta proposta, podendo inclusive acrescentar aspectos
que em sua visão ampliariam o escopo do questionamento proposto.
Conforme se pode verificar no Anexo I, o questionário elaborado para a realização
das entrevistas foi organizado segundo cinco blocos de perguntas: (i) descrição do investidor;
(ii) oportunidades, seleção e participação em empresas investidas; (iii) papel do Poder Público
e Parcerias; (iv) saída de investimentos; e (v) ambiente institucional. A construção destes
blocos se deu a partir do processo de elaboração do capítulo anterior sobre a trajetória do
venture capital no Brasil, tendo as perguntas do questionário a função de permitir com que
nós aprofundemos nossa análise sobre o capital de risco no país.
aberturas de capital por empresas investidas por gestoras de recursos na modalidade venture capital? e (ii) Quais
são os desafios para a criação de um mercado de acesso no Brasil? Tendo em vista que foram apresentadas
apenas duas perguntas ao gerente, não criamos um anexo específico para elas.
242
Nesse sentido, a construção das seções deste capítulo foi resultado do processo de
comparação das respostas dos entrevistados e de nossa tentativa dar sentido as suas
experiências de investimento no país. Um exemplo disso foi a fala do investidor Robert E.
Binder, fundador da Antera Gestão de Recursos. Quando perguntado sobre a importância da
obtenção de patentes por parte da empresa a ser investida, o investidor apresenta uma resposta
enfática e direta que sintetiza a percepção dos demais investidores que foram consultados
durante a pesquisa, a de que a obtenção de patentes no Brasil não tem importância para seus
processos de investimento, mesmo que em alguns contextos (e.g. parcerias com entes
públicos como a Finep) empresas investidas tenham realizado pedidos de obtenção junto ao
INPI.
O trecho ainda nos permite capturar a sutileza de que a patente pode ter uma
função no âmbito de investimentos realizados com parceiros públicos e não a sua função
principal que é a possibilidade de exploração econômica de uma solução de ordem técnica a
partir de um direito de exclusividade concedido pelo estado brasileiro. O pedido de obtenção
de uma patente não se reverte para o investidor como a possibilidade futura de obtenção de
uma proteção jurídica que pode trazer resultados econômicos, mas sim como um requisito de
natureza política para garantir a manutenção de uma parceria estratégica com um ente
público, como no caso do BNDES e da Finep, parceiros da Antera Gestora de Recursos.
Da mesma forma, na análise do ambiente para investimentos de venture capital no
Brasil, podemos extrair aspectos relevantes da percepção de Sidney Chameh, em especial no
que pretendemos tratar como hostilidade. Quando perguntado sobre qual o perfil de empresa
em que a DGF Investimentos busca ao investir, o fundador menciona que a equipe de
empreendedores é o principal fator, ressaltando que caráter, valores e comprometimento são
elementos fundamentais e inegociáveis. Porém, o investidor ressalta que o setor em que esta
empresa estiver inserida importa também. Na visão de Sidney Chameh, há setores, como o de
biotecnologia, em que não compensa se investir no formato de venture capital, seja por
características da burocracia envolvida, seja pela demora na obtenção de retorno.
Na sua percepção, o ambiente brasileiro (e.g. estrutura normativa, entidades
públicas de registro de atos e contratos, agentes de fiscalização, etc.) tornam alguns setores
menos atrativos para investimentos na modalidade de venture capital, criando uma sensação
de que é muito difícil enveredar por este caminho ou até que é impossível investir em
determinados setores a partir da lógica de investimento do capital de risco. Interessante notar
que esta percepção foi criada e é reproduzida por ele a partir de sua experiência de
investimento. As perdas que ele obteve aportando recursos em poucas empresas da área de
243
biotecnologia o convenceram de que o ambiente brasileiro não comporta investimentos de
venture capital para financiar empresas do segmento de biotecnologia.
Estes são dois exemplos do que buscaremos desenvolver neste capítulo. A partir
da percepção de investidores e de entrevistas com representantes de entidades que estão no
centro do debate sobre o aprimoramento das condições de desenvolvimento do capital de risco
no Brasil, buscaremos construir o conceito de hostilidade do ambiente brasileiro para
investimentos, associando-o com o comportamento de investidores no país, delimitando que
suas trajetórias de investimento em empresas de base tecnológica no país foram influenciadas
por suas percepções sobre o ambiente brasileiro.
Para isto, dividimos o capítulo em quatro partes: (i) formação e características dos
investidores; (ii) expectativas do investidor em relação às empresas de base tecnológica; (iii)
irrelevância das patentes para o investimento de venture capital; e (iv) os limites para o
desinvestimento no país e a influência da taxa básica juros. Esta divisão foi baseada nas
respostas oferecidas pelos entrevistados.
Nosso questionário nos serviu de guia para a coleta de percepções, contudo, não
foram todas as respostas que nos ofereceram material para análise. Em alguns poucos casos as
respostas foram muito curtas, com poucos detalhes sobre razões e exemplos da experiência de
investimento de gestores. Em outros casos, os investidores solicitaram para não mencionar a
sua resposta depois da entrevista. Nos dois casos, optamos por não as inserir neste capítulo.
6.1 Formação e características dos investidores
Na construção de nosso primeiro bloco de questões, o que cuidava da descrição do
investidor, questionamos nosso grupo de entrevistados sobre o ano de criação da gestora, as
razões para a sua criação, qual o perfil de seus fundadores, mercados em que buscou atuar ou
que surgiram como oportunidades de negócio para investimento, quais os veículos de
investimento que utilizam e, por fim, qual o perfil da equipe de investimento da gestora.
No âmbito de sua formação, as entrevistadas podem ser categorizadas em três
grupos em relação ao capital disponível para o início de suas atividades: (i) as que tiveram
recursos provenientes de entidades públicas, em especial bancos públicos; (ii) as que tiveram
recursos vindos de entidades internacionais, com especial destaque para o Banco
Interamericano de Desenvolvimento; (iii) as que tiveram seus recursos captados na área
privada em razão da trajetória de seus fundadores no Brasil e no Vale do Silício nos Estados
Unidos.
244
No primeiro grupo, temos a criação da CRP Companhia e Participações, da Inseed
Investimentos e da Antera Gestora de Recursos. Conforme já explorado no capítulo anterior, a
CRP Companhia e Participações foi criada com recursos financeiros advindos do Badesul
(Banco de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul) e do BRDE (Banco Regional de
Desenvolvimento Econômico), em que estes agentes aportaram 40% de todo o capital da
gestora, sendo os 60% restantes de recursos financeiros aportados foram disponibilizados pela
Participações Rio Grandenses S.A. (PARGS), que reunia 150 empresários da região sul.
Segundo Clovis Meurer106
, a criação da CRP Companhia de Participações foi
movida pela pretensão de bancos de desenvolvimento com atuação na região sul que almejam
a promoção de pequenas empresas de cunho tecnológico, pois observava-se o surgimento de
algumas empresas com este perfil emergindo na região sul no início dos anos de 1980. A ideia
era prover capital para empresas que estavam desenvolvendo tecnologias na área de
computação e tecnologia digital, com especial atenção para os engenheiros ligados às
faculdades da região.
Além disso, o fundador da CRP Companhia de Participações revelou que foi a
disposição dos bancos regionais em participar da empreitada que encorajou a participação de
empresários da região, que estariam dispostos a ingressar no empreendimento, tendo nestas
instituições uma referência de segurança para os investimentos, uma vez que segundo o
investidor as empresas com potencial de serem investidas não possuíam contabilidade, plano
de negócios ou até a forma de sociedade comercial, sendo na maioria dos casos uma reunião
de engenheiros ligados à instituições de ensino da região (doutorandos ou professores
universitários).
A ideia de criação de uma Companhia de Capital de Risco, no formato de uma
holding, com parte de seus recursos vindos de bancos de desenvolvimento regionais foi
apresentada à Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul pelos três fundadores
da CRP Companhia de Participações, acompanhados dos representantes dos bancos de
desenvolvimento que apoiavam a iniciativa. A ideia foi bem recebida e formou-se após este
encontro a PARGS, que iria representar os empresários da região.
Mesmo não tendo a maior parte do capital, a presença dos bancos de
desenvolvimento foram fundamentais para a formação da gestora e foram fundamentais para
auxiliá-la durante as oscilações de planos econômicos presentes ao longo de toda a década de
1980 e início dos anos de 1990. Além do respaldo financeiro, a proximidade com o governo
106
Clovis Meurer. Entrevista concedida no dia 15.03.2019.
245
local foi também muito importante para a mobilização de capital e para o ingresso destes
empresários no setor de capital de risco.
Segundo Clovis Meurer, no início dos anos de 1990 foi criada também a CRP
Caderi, nome que usaria as primeiras letras da expressão de capital de risco. A empresa foi
criada com um capital de US$ 5 milhões, tendo como investidores iniciais o BNDESPAR, do
Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, com o objetivo de ampliar a
atuação da CRP em investimentos em empresas de base tecnológica no Brasil com alto
potencial de crescimento. Estas entidades foram responsáveis por aportar 75% dos recursos
para a criação da Companhia de participações e os demais recursos foram aportados pelos
próprios sócios da CRP Companhia e Participações (5%) e por 5 empresários que fizeram
parte da PARGS, criada no âmbito dos investimentos anteriores.
A CRP - Companhia e Participações passou a ser a gestora dos recursos captados
pela CRP Caderi, investindo os recursos em um modelo de holding, mas que já se
assemelhava bastante ao modelo de seleção e aporte que seria utilizado pela empresa nos
fundos de investimento que ela iria constituir nos anos seguintes. Em 1999, a CRP Caderi
constituiu o seu primeiro FMIEE, utilizando a mesma estrutura de investimento criada pela
CRP Caderi com recursos do BNDESPAR, o RSTec. Nos anos seguintes foram criados
também com fundos do BNDESPAR, o FSTec e SCTec com base no mesmo modelo, todos
eles administrados pela CRP Companhia e Participações.
Em sua trajetória de formação, a CRP Companhia e Participações se transformou
de uma empresa de investimentos no formato de holding, aportando recursos de seus sócios,
para uma gestora de recursos via fundos de investimento, captando recursos e os empregando
em empresas tendo um prazo de duração e uma tese de investimentos para cada captação que
realiza. Interessante notar que nos dois formatos, além de permanecer no âmbito do capital de
risco, nos dois formatos a presença de parceiros públicos foi fundamental para o crescimento
e a evolução da entidade.
No caso da Inseed Investimentos, a gestora foi criada no âmbito do lançamento do
CRIATEC I, sendo a escolhida para gerir os recursos do fundo criado pelo BNDESPAR,
tendo sido criada no início de 2002. Antes de se tornar Inseed Investimentos, a gestora já
tinha projetos na área de inovação por meio do Instituto de Inovação, uma entidade que se
dedicava ao fomento de novos negócios na área de tecnologia. A partir do momento em que
passou a gerir os recursos do CRIATEC I, a Inseed Investimentos também ampliou o escopo
da atuação do Instituto de Inovação e passou a se tornar uma das gestoras mais relevantes no
segmento de capital de risco no país.
246
Na visão de Gustavo Junqueira107
, um dos fundadores da Inseed Investimentos, a
origem da gestora está ligada a origem do Instituto de Inovação, construir uma ponte entre
ciência e mercado. A tese de investimento da Inseed em 2002 partia de duas premissas: (i) o
Brasil possuía empreendedores com conhecimento em ciência, alguns deles com nível
avançado no âmbito internacional; e (ii) este conhecimento disponível e construído por uma
infraestrutura pública não conseguia alcançar o mercado, não era convertido em negócios e a
principal razão disso era a falta de financiamento para transformar conhecimento em
empresas. Nesse sentido, a tese criada pela Inseed Investimentos ao BNDESPAR no edital
lançado em 2007 para a seleção do gestor do CRIATEC I foi de uma gestora que
transformaria o conhecimento profundo presente na ciência brasileira em negócios escaláveis.
A gestora registrou o seu primeiro fundo no âmbito do CRIATEC I em 2009, só
que já havia apresentado sua tese de investimento e realizado ações com o BNDES desde
2002, algumas delas como Instituto de Inovação e outras delas já como Inseed Investimentos,
captando recursos de poucos investidores privados. Para Gustavo Junqueira, a Inseed
Investimentos existe em razão do CRIATEC I, uma vez que os recursos disponibilizados pelo
BNDESPAR e pelo Banco do Nordeste e a rede que a gestora foi capaz de construir com os
investimentos realizados tornaram ela o que ela é hoje.
Apenas como comparação, antes do seu ingresso no CRIATEC I, os cinco sócios
do Instituto de Inovação realizaram investimentos em 5 empreendimentos durante os anos de
2002 e 2007, sendo investimentos de pequena monta, variando entre um investidor anjo e um
investimento de capital semente. No CRIATEC I foram 36 investimentos, espalhados por
diversas regiões do país. O ingresso no CRIATEC I alterou o tamanho da Inseed
Investimentos, ampliou sua rede de atuação, ampliou o volume e o tamanho de seus
investimentos e permitiu com que a Inseed hoje seja capaz de captar recursos junto à
investidores privados, os quais tem como principal referência o histórico de resultados do
CRIATEC I.
Também no âmbito do CRIATEC I, pode-se dizer que a criação e expansão da
Antera Gestora de Recursos foi diretamente influenciada pelo consórcio de investimento que
formou com a Inseed Investimentos para gerir os recursos do CRIATEC I. Fundada em 2005
por Robert E. Binder, José Arnaldo Deutscher, Andre Massa e Helena Ventura, a Antera
Gestora de Recursos nasce com o mesmo diagnóstico da Inseed Investimentos, buscando
captar recursos para investimentos em empresas de base tecnológica no país.
107
Gustavo Junqueira. Entrevista concedida no dia 11.02.2019.
247
Segundo Robert E. Binder108
, a Antera Gestora de Recursos foi criada com a tese
de investir em empresas em sua fase inicial de desenvolvimento, em que a gestora
disponibilizaria recursos de capital semente. Em sua visão, a presença do BNDES e da Finep,
bem como alguns exemplos de investimentos realizados com sucesso no país no início dos
anos 2000, encorajaram os fundadores da Antera a montar uma gestora de recursos e buscar
parceiros que compartilhariam os riscos de investimento de venture capital no país.
No mesmo ano de sua criação, 2005, a gestora conheceu os projetos do Instituto
de Inovação e passou a trabalhar com a prospecção de oportunidades de investimento, tendo
suas primeiras aproximações com profissionais do BNDESPAR. Foram eventos, reuniões,
encontros em universidades que foram gradativamente fomentando a ideia de que não havia
oferta suficiente de capital semente no país e que seria necessária a criação de um ator que
pudesse suprir esta carência no financiamento de empresas de base tecnológica no país. A
aproximação entre a Antera e a Inseed ocorreu nestes espaços e ambos propuseram o
consórcio que se tornou o gestor de recursos do CRIATEC I. Foram geridos R$ 100 milhões
disponibilizados pelo BNDESPAR e pelo Banco do Nordeste, tendo investimentos realizados
de até R$ 5 milhões por empresa, alcançando 36 empresas distribuídas em 8 estados
brasileiros.
Hoje, além do CRIATEC I, a Antera Gestora de Recursos também gere os
recursos do Primatec, FIP criado no escopo do programa Inova Empresa da Finep. Lançado
em 2015, o fundo se destina a investir em empresas de base tecnológica com alto potencial de
crescimento surgidas de incubadoras de universidade e parques tecnológicos no Brasil. O
objetivo do fundo é fortalecer o financiamento para as chamadas spin-offs universitárias,
empresas de base tecnológica fundadas no contexto de pesquisas realizadas no âmbito
acadêmico e que podem se tornar negócios com alto potencial de crescimento.
Na visão de Robert E. Binder, foi a participação no CRIATEC I e a rede formada
em parceria com a Inseed Investimentos que criou as condições para que a Antera fosse capaz
de assumir a gestão do Primatec. A experiência nos investimentos de capital semente,
permitiram com que a gestora ganhasse experiência, formasse equipe e criasse uma rotina de
acompanhamento de seus investimentos que permite hoje a gestão de recursos em projetos
como o Primatec e projetos de investimento com captação de recursos junto à investidores
privados. O Primatec é exemplo disso. Além dos R$ 40 milhões disponibilizados pela Finep,
108
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
248
a gestora foi capaz de captar mais R$ 60 milhões de investidores privados para dar início as
operações de investimento realizadas pelo FIP Primatec em 2015.
Interessante notar que neste primeiro grupo de gestores de capital de risco a
disponibilização de recursos públicos foi fundamental para a sua formação e para a sua
consolidação como investidores de capital de risco no país. Mesmo que criados em momentos
distintos, os investidores deste primeiro grupo têm como ponto em comum teses de
investimento associadas a empresas de base tecnológica com alto potencial de crescimento,
apoiadas por parte de entidades públicas que tem como uma de suas missões o
desenvolvimento do país por meio do fomento à inovação.
No segundo grupo de gestoras estão a Vox Capital e DGF Investimentos. Ambas
contaram com recursos advindos de entidades internacionais que disponibilizaram recursos
financeiros para aplicações de capital de risco. Interessante notar, que o perfil destes
investidores é diferente. Enquanto a Vox Capital se concentra em negócios de impacto social,
tendo como referencial não apenas o retorno financeiro da empresa, mas também indicadores
de impacto do negócio nas classes C, D e E na economia nacional, a DGF Investimentos pode
ser descrita como uma investidora de venture capital mais tradicional, concentrada em
negócios com alto potencial de crescimento, não tendo como uma preocupação imediata
qualquer tipo de impacto social direto.
O surgimento da Vox Capital está diretamente ligado ao início dos primeiros
negócios de impacto social do país. Segundo Gilberto Ribeiro109
, sócio da Vox Capital, a
gestora nasce a partir da frustração de seu fundador, Daniel Izzo, com a falta de propósito de
negócios na economia tradicional. Após dez anos de trabalho na Johnson & Johnson na área
de novos negócios, Daniel Izzo passou a entrar em contato com a literatura sobre negócios de
impacto social e com os primeiros projetos de negócios que buscavam comungar retorno
financeiro e formas de inclusão da base da pirâmide social a produtos e serviços da economia
nacional.
Na época, Daniel Izzo foi convidado por um empreendedor social chamado
Henrique Bussacus para conhecer um dos primeiros negócios de impacto social, chamado de
Tecorra, uma rede que organizava artesãos na região amazônica, para distribuir os seus
produtos em lojas do varejo tradicional, negociando de forma conjunta para ampliar o retorno
obtido pelos artesãos. A partir do contato com esta iniciativa o Daniel Izzo investiu como
pessoa física no negócio, se tornando investidor anjo da Tecorra.
109
Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019.
249
Segundo Gilberto Ribeiro, no momento em que o Daniel investiu na Tecorra
como investidor anjo ele passou a enxergar este segmento como uma oportunidade. Em um
primeiro momento, outros projetos passaram a ser apresentados a ele por empreendedores que
tinham passagens por segmentos tradicionais e compartilhavam da ideia de negócios com
propósito social. O Henrique Bussacus, por exemplo, além de formado em administração de
empresas pela FGV/SP, tinha trabalhado por anos no JP Morgan na área financeira, porém,
ainda demonstrar encontrar muitas dificuldades para acessar capital para o financiamento de
sua empresa. Para Gilberto, o diagnóstico na época era de que se empreendedores com este
perfil não conseguem acessar capital, há uma oportunidade para a realização de
investimentos.
Henrique Bussacus apresentou Daniel Izzo para a aceleradora Artemísia, que
cuidava da formação e realizava investimentos de pequeno porte para empresas de impacto
social, introduzindo-o como alguém com interesse em criar um fundo de investimento de
capital de risco focado em negócios de impacto social. Segundo Gilberto Ribeiro, as empresas
que passavam pelo processo de aceleração da Artemísia não encontravam investidores que
compreendiam como estruturar investimentos de capital de risco para negócios de impacto. A
percepção na época, segundo Gilberto Ribeiro110
, era “ou você dá lucro ou você é uma
organização não governamental, não tem meio termo, não tem abordagem alternativa, só
existe um capital de risco”.
No contexto das conversas realizadas na Artemísia, Daniel Izzo criou o seu
primeiro fundo de investimentos, ainda não de capital de risco, concentrado na concessão de
empréstimos para negócios de impacto social chamado de Geração de Impacto. Dois anos
depois da criação do fundo para empréstimos, em 2012, foi criado o fundo de investimento de
capital de risco (FIP) para negócios de impacto social, com a captação de pouco mais de R$
83 milhões.
Segundo Gilberto Ribeiro, o perfil dos cotistas do fundo de capital de risco pode
ser dividido entre três blocos de cotistas: (i) 40% de recursos advindos da Financiadora de
Estudos e Projetos (FINEP), IDB Labs, um dos braços de investimento do Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID), Corporação Andina de Fomento (CAF), Banco
de desenvolvimento da América Andina; (ii) 30% dos recursos vindos de institutos e
fundações empresariais brasileiras (e.g. instituto alana) e uma estrangeira, a Potencia
110
Gilberto Ribeiro. Entrevista realizada em 11.02.2019.
250
Ventures, que é a fundadora da Artemísia; e (iii) 30% de recursos vindos de escritórios
patrimoniais de famílias de alta renda, chamados de Family offices.
Atualmente, o Vox Capital constituiu o seu segundo FIP e está em fase de
captação de recursos. Até o momento já captou R$ 43 milhões, tendo como meta alcançar o
montante de R$ 70 milhões para a realização de investimentos. De acordo com Gilberto
Ribeiro111
, o perfil dos cotistas que aportaram recursos no novo fundo de investimentos é
muito similar ao dos cotistas do primeiro fundo criado pela gestora de recursos e foram
influenciados pelos resultados obtidos no primeiro ciclo de investimentos realizados pela Vox
Capital.
No caso da DGF Investimentos, a sua formação está intimamente ligada ao Banco
Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo Sidney Chameh, fundador da DGF
Investimentos, teve sua primeira experiência com capital de risco em 1998 no banco em que
trabalhava a época. No portfólio da instituição financeira que o entrevistado solicitou que não
revelássemos, havia um fundo de investimento em pequenas empresas emergentes (FMIEE),
ao qual ninguém no banco tinha interesse em gerir. O fundo ficou abandonado pelos seus dois
primeiros anos e neste período não havia realizado nenhum investimento. Ele se interessou
pelo perfil, muito em razão de ter realizado a sua pós-graduação nos Estados Unidos da
América, momento em que teve contato com a literatura de investimentos de venture capital.
Em 19998 pediu para o diretor de investimentos do banco para se tornar o gestor do fundo,
pedido que foi prontamente atendido.
A maior parte dos recursos financeiros deste FMIEE tinham vindo do Banco
Interamericano de Desenvolvimento, que cobrava por uma postura mais proativa do banco
que geria os recursos para a seleção e aplicação dos recursos disponibilizados. Em 1999, já
sob a gestão de Sidney Chameh, o fundo realizou seu primeiro investimento na empresa
Logocenter, que dois anos após o investimento foi vendida para a Microsiga, que
posteriormente se tornaria a Totvs. Em 2001, o fundo já havia realizado sete investimentos em
empresas emergentes, tendo tido três saídas bem-sucedidas.
Contudo, mesmo com retorno sobre os investimentos realizados, o volume das
operações e o perfil das empresas investidas não interessou o banco para a constituição de
novos veículos para investimento em empresas emergentes. Havia a sensação, na percepção
de Sidney Chameh, de que o formato de capital de risco e a demanda de participação ativa nos
processos de tomada de decisão das empresas investidas não estaria alinhado com a estratégia
111
Ibidem.
251
de investimento do banco. Mesmo com os seus esforços em buscar novos cotistas, na visão do
gestor, não existiam mais as condições para prosseguir naquela estrutura.
Em junho de 2001, Sidney Chameh fundou a DGF Investimentos. Segundo
Sidney Chameh112
, a gestora de recursos nasce em uma conversa que ele teve com um
executivo do BID, chamado Nobu, que acompanhou os investimentos realizados por ele no
Banco e agora gostaria de continuar fomentando o capital de risco no país, tendo nele a figura
para conduzir os investimentos. Foram disponibilizados US$ 8.3 milhões para investimentos,
tendo Sidney que obter mais US$ 1.7 milhão para completar o fundo de investimento que
seria criado. Com contatos no banco Sudameris, Sidney Chameh obteve os recursos
necessários e iniciou as atividades da gestora de recursos.
Para o investidor, no momento em que a DGF Investimentos foi criada existiam
atores dispostos a prover capital para investimentos de venture capital no país, contudo, o
conhecimento sobre a modalidade de investimento e as condições da economia, em especial a
rivalidade de outros tipos de investimento, como investimentos de renda fixa, tornavam o
venture capital muito pouco atrativo para a atração de potenciais gestores. Fazendo um
balanço das razões que o motivaram para que ingressasse nesta modalidade, ele destaca que
via um potencial de alto retorno neste tipo de investimento e também a via que faltavam
gestores que pudessem explorar esta oportunidade.
No terceiro grupo de gestoras entrevistadas estão a Monashees, Domo Invest,
Bossa Nova Investimentos e Provence Capital. Todas elas foram fundadas a partir da
trajetória de seus fundadores, um deles como empreendedor no Brasil (Rodrigo Borges) e os
demais a partir de suas experiências fora do país, em especial no Vale do Silício na Califórnia.
O que caracteriza este grupo de investidores é o fato de terem como referência principal o
modelo de investimento de venture capital norte-americano, ao qual buscam aplicar no
contexto nacional.
A Monashees foi fundada em 2005 por Erik Acher e Fábio Igel, com o propósito
de trazer o modelo de venture capital utilizado no Vale do Silício para o financiamento de
empresas de base tecnológica para o Brasil. Segundo Sullyen Almeida113
, representante da
Monashees, os fundadores da gestora acreditam que há setores da economia nacional que
poderiam se desenvolver com base na estrutura de investimento de venture capital, que
poderiam se beneficiar com esta modalidade de investimento.
112
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019. 113
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019.
252
A trajetória dos fundadores da Monashees passa por uma relação muito próxima
com o contexto estadunidense. Erik Acher, por exemplo, estudou nos Estados Unidos na
universidade de Northwestern em Chicago para a obtenção do seu MBA (Master in Business
Administration) e trabalhou por alguns anos em uma gestora de recursos (General Atlantic)
que investe na modalidade de venture capital e private equity. Quando retornou ao Brasil,
iniciou suas atividades como representante da General Atlantic no país para investimentos de
venture capital e posteriormente organizou a captação de recursos para a criação da
Monashees com Fábio Igel.
Fábio Igel, um dos herdeiros do grupo empresarial Ultra, formado pela
universidade de Hosta na Suiça, atuou por muitos anos como investidor anjo nos Estados
Unidos da América e no Brasil aportando recursos em empresas com alto potencial de
crescimento, tendo como preferência os investimentos em empresas de base tecnológica. A
ideia dos fundadores da Monashees era de construir um modelo de investimento de venture
capital, adaptado às condições do Brasil, capaz de financiar empresas de classe mundial,
conforme explicado por Sullyen Almeida114
.
Do ponto de vista de atuação, a Monashees é uma gestora de recursos financeiros
que atua na modalidade de venture capital, contudo, seus investimentos não são
exclusivamente realizados no Brasil. Além de sua atuação em escritórios espalhados pelo
país, a gestora também investe em empresas latino-americanas e tem também aportado
recursos para empresas que tenham empreendedores brasileiros que constituíram suas
empresas nos Estados Unidos da América e na Estônia. Segundo Sullyen Almeida, a
concepção da Monashees é de investir em empresas de classe mundial e fomentar
empreendedores brasileiros com grande talento, podendo estes estar localizados em diferentes
partes do globo.
Por esta razão, a gestora não adotou a estrutura de fundo de investimento e
participações constituído no Brasil, optando por uma estrutura comum no Vale do Silício de
Limited Liability Company (LLC), com sede nas Ilhas Cayman, com subsidiárias registradas
no estado de Delaware nos Estados Unidos da América, que controlam as empresas que
realizam aportes em cada um dos países, no caso brasileiro uma sociedade de participações no
regime de limitada. Esta sociedade limitada é a que realiza os investimentos em empresas
brasileiras, tendo como contrapartida as participações minoritárias de cada um dos negócios.
Segundo Sullyen Almeida115
, neste formato a Monashees é capaz de captar recursos de
114
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 115
Ibidem.
253
entidades localizadas em outros países, em particular de investidores nos Estados Unidos da
América.
Ao longo de seus investimentos, a gestora consolidou duas teses de investimento,
realizando aportes em empresas nas áreas de mobilidade urbana, serviços financeiros,
logística e serviços educacionais, priorizando soluções técnicas na área de tecnologia da
informação, contudo, não se limitando apenas a elas. Segundo Sullyen Almeida, a Monashees
iniciou suas atividades de forma a ser agnóstica em relação aos segmentos que atuariam,
entendendo que teriam de observar as oportunidades de investimento e as condições de cada
mercado. Com o tempo, percebeu-se que soluções na área de tecnologia da informação e
comunicação seriam mais viáveis e alguns setores começaram a se destacar em número de
oportunidades apresentadas, como, por exemplo, segmentos chamados de fintech e edutech.
Interessante notar que diferente dos dois primeiros grupos de gestoras
entrevistadas, em que a equipe da gestora é composta majoritariamente por profissionais com
formação na área de administração e finanças, no caso da Monashees, a sua equipe
permanente é bastante diversificada na formação de seus profissionais. O modelo tradicional
de contratação de consultores externos para o auxílio nos investimentos por gestoras de
recursos, é alterado pela percepção da Monashees de que a identificação de empresas de base
tecnológicas promissoras passa por um profundo conhecimento sobre mudanças tecnológicas
em diferentes mercados. Na explicação de Sullyen Almeida116
, contratar engenheiros,
cientistas da computação, químicos, publicitários e até psicólogos ajudaram a gestora a
identificar oportunidades de investimento em mercados pouco explorados por outros
investidores.
Esta, porém, é uma característica específica da Monashees se comparada com as
outras duas entrevistadas do terceiro grupo. Isto porque, mesmo que a Domo Invest disponha
de profissionais da área de engenharia na sua equipe permanente, as funções por estes
profissionais estão relacionadas as atividades de investimento e não de prospecção
tecnológica. A Domo Invest da mesma forma que as outras gestoras entrevistadas nos grupos
1 e 2, optaram por contratações pontuais de consultores associados à projetos específicos em
que foi necessária uma análise tecnológica.
A Domo Invest como gestora de recursos surge no início de 2016, formando o seu
primeiro fundo de investimento e participações com capital de R$ 100 milhões, tendo por
base a captação de recursos no mercado nacional. Contudo, mesmo tendo sido criada
116
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019.
254
formalmente em 2016, a Domo Invest enquanto prática de investimento reunindo seus sócios
atuais foi iniciada sete anos antes, com o aporte de recursos em um fundo de investimento e
participações com foco em empresas de base tecnológicas.
Ainda atuando em empresas privadas, os cinco fundadores da Domo Invest
decidiram investir em um fundo dedicado para investimentos de venture capital,
disponibilizando recursos de seu próprio patrimônio para a modalidade. Após o encerramento
do ciclo de investimentos e a apuração de bons resultados, estes investidores decidiram
formar em conjunto uma gestora de investimentos, para formarem seus próprios fundos e
investirem em empresas de base tecnológica no país.
A Domo Invest foi criada por empreendedores que dispunham de recursos após
bons resultados financeiros nas empresas que criaram, como o caso de Rodrigo Borges,
fundador da Buscapé Company, e Gustavo Stocco, fundador do Banco Original, e por
executivos de empresas, como Gabriel Sidi, Felipe Andrade e Marcelo Andrade. Na visão de
Rodrigo Borges, a formação da Domo Invest se deu, pois, os sócios da gestora puderam ver
na condição de cotistas de um fundo de investimentos de venture capital como um ciclo de
investimento pode ser realizado no país de forma bem-sucedida.
Todos os sócios, mesmo que em posições diferentes em suas empresas, já haviam
tido algum tipo de contato com investimentos de venture capital. No caso dos
empreendedores, o seu relacionamento era com os investidores do empreendimento que
criaram, no caso dos executivos, a sua experiência estava na participação das empresas em
que trabalhavam em fundos de investimento nesta modalidade. Todavia, mesmo com o
contato com a modalidade de investimento, foi apenas quando os sócios participaram de um
investimento desta natureza que ficou claro que poderiam se dedicar a construção de uma
gestora de recursos para investimentos de venture capital, inclusive utilizando a suas redes de
contato para a articulação da primeira captação de recursos financeiros para a gestora.
Na metade de 2018, a Domo Invest, mesmo com um histórico recente de
investimentos, foi selecionada entre diversas gestoras para gerir os recursos financeiros de um
novo fundo de investimento criado pelo BNDESPAR, que se dedicará a investimentos em
empresas de base tecnológica. O chamado de Fundo de Coinvestimento Anjo terá a duração
de 10 anos e um patrimônio de R$ 100 milhões, divididos entre R$ 60 milhões aportados pelo
BNDESPAR e o restante captado no mercado. O fundo investirá em empresas que já tenham
auferido receita, tendo como teto para investimento as empresas que tenham tido como receita
operacional líquida o valor de R$ 1 milhão no último exercício fiscal.
255
Para Rodrigo Borges117
, a criação da Domo Invest se insere em um novo contexto
do capital de risco no país. Em sua visão o amadurecimento do mercado mostra que empresas
de base tecnológica estão mais preparadas para receber investimentos, cresce o apoio de entes
públicos com aportes de capital e programas de incentivo, e cresce a disposição de indivíduos
em formarem as suas gestoras de recursos para a realização de investimentos de venture
capital, em especial por conseguirem vislumbrar ciclos de investimento completos com saídas
bem sucedidas no país.
André Kabbani, representante da Bossa Nova Investimento concorda com esta
visão sobre o ambiente atual. Fundada em 2011 por Pierre Schurmann, a Bossa Nova
Investimento nasce para ampliar a capacidade de investimento de seu fundador.
Empreendedor no início de sua trajetória, Pierre Schurmann criou em 1997 o segundo maior
site brasileiro de buscas na internet, a Zeek, tendo recebido investimento de um fundo
internacional de capital de risco chamado idea para o financiamento de seu empreendimento.
Após a venda de sua participação em 2004, passou a atuar como investidor anjo,
amadurecendo a ideia de constituir a sua própria gestora de recursos para investimentos em
capital de risco.
De 2004 até 2011, Pierre Schurmann realizou 20 investimentos em empresas com
alto potencial de crescimento em suas fases iniciais de desenvolvimento, ainda ser auferir
faturamento na maior parte dos casos. Segundo André Kabbani118
, em 2011, Pierre
Schurmann decidiu reunir todos os seus investimentos e captar recursos junto à terceiros para
ampliar a sua capacidade de financiamento de empresas com alto potencial de crescimento. A
experiência como anjo, mesmo tendo gerado bons retornos financeiros, fazia com que o
investidor saísse de seus investimentos ainda muito cedo, criando a sensação de que poderia
obter retornos maiores nos investimentos que realizou ao longo de sua trajetória.
No mesmo ano, João Kepler, outro investidor anjo com atuação em diversos
segmentos, foi convidado por Pierre Schurmann a incorporar o seu portfólio de investimento
anjo na Bossa Nova Investimentos, de modo a ampliar a envergadura da gestora de recursos e
atrair mais capital e empresas de alto potencial de crescimento para receberem investimentos.
João Kepler, já havia realizado investimentos com Pierre Schurmann em algumas empresas e
compartilhava da mesma sensação de que em algumas empresas em que investiu a sua saída
foi muito precoce, conforme descreve André Kabbani119
.
117
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019. 118
KABBNI, André. Entrevista realizada em 14.03.2019. 119
Ibidem.
256
Além de recursos provenientes de seus dois fundadores, a Bossa Nova
Investimentos captou recursos junto ao Banco BMG e escritórios de gestão patrimonial de
grandes fortunas (Family Offices). Hoje, a gestora dispõe de pouco mais de R$ 70 milhões
alocados em investimentos de empresas com alto potencial de crescimento, podendo estas ser
empresas de base tecnológica ou não. O aporte se dá a partir de fundos de investimento e
participação constituídos a partir das teses de investimento da gestora.
Entre os segmentos de empresas em que a gestora buscou investir estão o de
educação, varejo, soluções de comércio eletrônico, dentre outros. Segundo André Kabbani120
,
a escolha dos segmentos se deu em boa medida pela experiência pregressa de investimento
dos fundadores da gestora. Já havia uma experiência acumulada por parte deles durante a sua
trajetória como investidores anjo que foi aproveitada na seleção de empresas para
investimento.
Uma característica peculiar da equipe da Bossa Nova Investimentos em
comparação com as demais gestoras é a inclusão em sua equipe permanente de
empreendedores que já tiveram empresas investidas por gestoras de capital de risco. Na
explicação de André Kabbani121
, os fundadores da Bossa Nova Investimentos acreditam que
profissionais que já participaram de ciclos de investimento na posição de empreendedores tem
melhores condições de compreender os problemas e dificuldades de um investimento de
venture capital e estão em boas condições para auxiliar as empresas investidas em suas
trajetórias de crescimento.
Esta característica também pode definir a última gestora entrevistada no escopo da
pesquisa, a Provence Capital. Segundo Marcelo Mitre122
, responsável por operações de
investimento da Provence Capital, a gestora foi criada por Leo Figueiredo em 2014, como
uma forma de diversificação dos investimentos realizados pelo empreendedor. Após a venda
de sua empresa em 2006, a Hedging-Griffo, para o banco Credit Suisse em uma operação de
358 milhões de francos suíços, o empreendedor decidiu utilizar parte dos recursos financeiros
recebidos para a realização de investimentos em empresas de base tecnológica, em seus
primeiros anos como investidor anjo, e em 2014 a partir de sua própria gestora de recursos.
Diferente de outras gestoras de recursos, a Provence Capital foi criada
exclusivamente com recursos disponibilizados por Leo Figueiredo e com a equipe de
profissionais que trabalhou com ele na Hedging-Griffo, incorporando ao longo do tempo
120
Ibidem. 121
Ibidem. 122
Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.
257
outros empreendedores que faziam porte do seu portfólio de investimento enquanto investidor
anjo. Por esta razão, Marcelo Mitre123
, descreve a Provence Capital como uma gestora que
realiza investimento no formato de venture capital, contudo, não capta ou emprega recursos
como uma investidora típica de capital de risco, uma vez que aplica apenas os recursos
disponibilizados por Leo Figueiredo.
Entre 2010 e 2014, o empreendedor realizou 14 investimentos na condição de
anjo, dentre eles o investimento na Gympass, empresa que oferece um serviço de assinatura
digital para uso em academia de ginastica espalhadas pelo mundo, que em 2019 foi avaliada
em US$ 1.1 bilhão pela investidora japonesa Softbank e pela estadunidense General Atlantic
que irão investir na rodada de investimento mais recente para financiar o crescimento da
empresa. Assim como a Gympass, as empresas presentes no portfólio de investimento anjo de
Leo Figueiredo foram incorporadas ao portfólio da Provence Capital, que passou a
acompanhar as rodadas de investimento de venture capital, conforme as empresas passaram a
crescer e demandar por mais capital.
A ideia era a criação de uma estrutura profissional para cuidar dos investimentos
do empreendedor, com a apropriação da lógica de investimentos de venture capital, em
especial a participação efetiva nos processos de tomada de decisão das empresas investidas,
porém, sem a necessidade de prestação de informações e geração de relatórios de atividades e
desempenho para as entidades fornecedoras do capital da gestora, os limited partners. Na
Provence Capital, a fonte de recursos financeiros se confunde com a figura do diretor da
gestora de recursos, alterando as características deste venture capitalist.
Além disso, a formação da equipe da Provence Capital contou com diversos
profissionais que ocupavam posições na Hedging-Griffo, e com o tempo, também
incorporando empreendedores que haviam recebido investimentos do empresário na condição
de investidor anjo. A pessoalidade na relação e a identificação de talentos para investimentos
são marcas da formação da equipe da Provence Capital. Nesse sentido, segundo Marcelo
Mitre124
, a formação da equipe da Provence Capital é resultado direto da trajetória e da rede
de relacionamentos de seu fundador. Não há como desvincular as teses de investimento, a
equipe e a forma de atuação da gestora da pessoa Leo Figueiredo.
Por esta razão, a atuação da Provence Capital tem se concentrado na leitura que
Leo Figueiredo faz das oportunidades de investimento no mercado nacional. Segundo
123
Idem. 124
Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.
258
Marcelo Mitre125
, a atuação da Provence Capital não se associa a um segmento da economia
ou a um mercado específico. Na visão do fundador da gestora, a economia brasileira não tem
um segmento que sozinho possa oferecer uma ampla oferta de empresas de base tecnológica
para investimento. Mesmo segmentos com mais de 200 empresas em trajetórias de
crescimento, como o segmento de fintechs, ainda é muito difícil construir um portfólio
rentável com base em um setor.
Nas palavras de Marcelo Mitre, “a Provence Capital adota uma estratégia de
consistência, que é buscar bons empreendedores, independentemente da indústria em que eles
estão”. Esta postura, voltada a ideia de consistência da empresa investida, fez com que a
Provence Capital tenha tido retorno, mesmo que pequeno, em todos os investimentos que
realizou. Além de uma análise financeira e jurídica de cada uma das empresas investidas e de
seus empreendedores, há uma avaliação conservadora sobre a viabilidade do plano de
negócios apresentados, com a exigência de resultados até mesmo no curto prazo, analisando-
se a lista de clientes, receitas auferidas, entre outros indicadores.
A partir da descrição de Marcelo Mitre, a Provence Capital apresenta um
comportamento atípico em relação à outras gestoras de recursos na modalidade de venture
capital, ela não espera que os retornos financeiros obtidos nas poucas empresas bem-
sucedidas em suas trajetórias de crescimento compensem as perdas obtidas nos demais
investimentos. Na Provence Capital, a avaliação pormenorizada e as exigências de
consistência de curto-prazo, fazem com que a gestora, mesmo que não invista em um grande
portfólio, reduz o seu risco de perdas com as empresas que figuram no seu portfólio.
Em relação a sua estrutura, a Provence Capital optou por um formato idêntico ao
da Monashees, em que possui uma empresa nas Ilhas Cayman, controlando empresas
formadas no estado de Delaware nos Estados Unidos que irão investir em sociedades de
participação constituídas no Brasil no formato de empresas limitadas. Contudo, diferente de
Sullyen Almeida da Monashees, Marcelo Mitre explicou as razões da adoção deste modelo
em detrimento do modelo de fundos de investimento e participações. Na explicação dele, a
estrutura Cayman-Delaware-São Paulo serve como forma de atração de investidores de maior
porte que poderão aportar recursos em rodadas de investimento subsequentes.
A Provence Capital investe nas fases de capital semente, series A e series B,
aportando recursos em empresas de base tecnológica. Contudo, para ampliar as suas
condições de saída do investimento, aumentando as chances de um investidor comprar a sua
125
Ibidem.
259
participação na empresa investida, ela cria uma estrutura que atraia investidores estrangeiros,
aos quais se sentem mais a vontade de adquirir participações de empresas localizadas nos
Estados Unidos da América, em particular em Delaware. Neste sentido, a construção do
modelo Cayman-Delaware-São Paulo serve para permitir com que a empresa nacional
investida seja objeto de investimento via Delaware, sem a necessidade que o investidor
estrangeiro tenha que ingressar no Brasil ou até que a empresa Brasileira tenha que abrir o seu
capital na bolsa de valores brasileira.
Cabe ressaltar que a estrutura Cayman-Delaware-São Paulo também pode servir
para que a empresa brasileira possa, caso seus investidores concordem, buscar abrir o seu
capital nos Estados Unidos da América, mais especificamente na bolsa de valores Nasdaq. A
empresa que abriria o capital já estaria constituída em Delaware e seria o espelho da empresa
nacional, criando uma lógica de que a empresa sediada nos Estados Unidos seja a matriz e a
empresa brasileira seja uma espécie de filial.
6.2 As perspectivas e expectativas do investidor em relação às empresas de base
tecnológica
O universo de gestora de recursos financeiros entrevistadas por esta pesquisa está
dividido no investimento nos seguintes estágios: (i) capital semente; (ii) series A, ou primeira
rodada de investimentos; e (iii) series B, ou segunda rodada de investimento. Todas as
entrevistadas ressaltaram que mesmo tendo investimentos em diferentes estágios do
crescimento de empresas com alto potencial de crescimento, disponibilizam recursos para o
que chamaram de early stage, as fases iniciais de desenvolvimento da empresa investida. Pela
descrição dos entrevistados, os aportes realizados no early stage são aportes que podemos
categorizar como capital semente, seguindo a mesma lógica de investimentos com
contrapartida de participação societária minoritária.
Uma exceção digna de destaque é a Domo Invest, que recentemente foi
selecionada pelo BNDESPAR para a gestão de um fundo de coinvestimento anjo, realizando
aportes em empresas ainda em fase embrionária. Interessante notar que o termo anjo é
utilizado em alusão ao valor aportado em cada empresa, no investimento anjo típico entre R$
50 mil e R$ 250 mil, e pelo estágio em que este valor é investido, quando a empresa ainda
está desenvolvendo sua linha de produtos e serviços e ainda não demonstra ser completamente
operacional. Porém, diferente de um investidor anjo típico, uma pessoa física, o investimento
260
será realizado por meio de um fundo de investimento e com recursos provenientes do
BNDESPAR e de outros investidores.
Em relação aos estágios que são financiados, houve consenso por parte dos
entrevistados que a disponibilização de recursos para terceira (series C), quarta (series D),
quinta (series E), e demais rodadas de investimento subsequentes não é comum entre gestora
de recursos financeiros localizadas no Brasil. Ao longo dos anos e com forte incentivo
governamental, os entrevistados concordaram que foram criadas as condições para a
estruturação de investimento anjo, capital semente e de duas rodadas de investimento por
meio de investidoras e gestoras de recursos financeiros que atuam na modalidade de venture
capital. Contudo, o financiamento de estágios mais avançados, que demandam por mais
recursos, é realizado por investidores estrangeiros.
Neste sentido, nossos entrevistados apontaram para dois caminhos possíveis. O
primeiro o da internacionalização das empresas investidas no país. A ideia de que seguindo
uma trajetória bem-sucedida de crescimento a empresa poderá alcançar mercados externos,
expandir-se, e como consequência chamar atenção de investidores estrangeiros que poderão
manter o ritmo de seus processos de expansão. O segundo o da absorção por empresas de
maior porte no Brasil, que após os aportes de primeira e segunda rodada se interessariam em
adquirir a empresa objeto de investimento de venture capital como uma forma de assimilar
uma nova tecnologia ou um novo modelo de negócio em sua estrutura produtiva.
A adoção de uma estrutura de investimentos Cayman-Delaware-São Paulo
favorece a atração de investimentos estrangeiros, e não por acaso, a expectativa de gestoras
como a Monashees e da Provence Capital é de identificar empreendimentos que tenham a
possibilidade de alcançar mercados em outros países. Mesmo na estrutura de investimento
baseada em fundos de investimento e participações, como no caso da DGF Investimentos, a
expectativa de que a empresa tem de apresentar as condições para se internacionalizar ao
longo de sua trajetória de crescimento esteve presente na fala dos entrevistados.
Outro aspecto que foi mencionado por três dos entrevistados foi a possibilidade de
investimentos realizados por gestoras de private equity após a realização de uma segunda
rodada de investimentos. Segundo Marcelo Mitre126
da Provence Capital, alguns fundos de
private equity têm buscado oportunidade de investimento na área de venture capital. O
número de oportunidades de investimento em empresas nesta modalidade de investimento não
é tão vasto como já foi há 5 anos atrás, e o financiamento de estágios mais avançados de
126
Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.
261
crescimento de empresas de base tecnológica tem atraído a atenção de alguns fundos.
Todavia, mesmo que o interesse existe e alguns fundos tenham realizado investimentos nestes
estágios, Marcelo Mitre ressalta que ainda não superam o investimento estrangeiro e a venda
estratégica da empresa.
A segunda expectativa das gestoras entrevistadas se refere a sua percepção do que
é uma boa oportunidade de investimento no contexto do venture capital. Um ponto em
comum entre todas as respostas obtidas foi o fato de que o aspecto mais importante analisado
pelos investidores são os empreendedores, suas características pessoais, o seu potencial, a sua
visão sobre o negócio e como vislumbra o crescimento de seu empreendimento. Todos os
entrevistados ressaltaram a importância de identificar características no empreendedor que
sejam capazes de convencê-los de que vale a pena investir no negócio.
As características do empreendimento apresentado, da tecnologia desenvolvida,
da viabilidade do planejamento financeiro apresentado foram fatores que estiveram presentes
nas respostas dos entrevistados em diferentes graus de importância, porém, o que todos
fizeram questão de sublinhar foi a importância da identificação do potencial dos
empreendedores envolvidos no empreendimento como um fator determinante para a seleção
da empresa que será investida.
Outro fator que também esteve presente nas respostas dos investidores foi o
interesse em empresas voltadas a oferecer produtos e serviços business to business (B2B).
Gustavo Junqueira da Inseed Investimentos, explica que a gestora se concentra em empresas
no segmento de B2B, uma vez que a estruturação de um plano de crescimento neste segmento
já se provou no passado e há riscos altos associados a empresas que ofereçam negócios no
segmento de business to consumer (B2C).
Um fator também presente na fala de todos os entrevistados foi a importância de a
empresa investida ser uma empresa de base tecnológica. Contudo, a percepção sobre o que
significa ser uma empresa de base tecnológica variou entre os entrevistados. Para a análise das
respostas dos entrevistados utilizamos os referenciais apresentados por Pinho, Côrtês e
Fernandes (2002, p. 138), que definem empresas de base tecnológica como empresas que
dispõem de competência rara ou exclusiva em termos de produtos ou processos, viáveis
comercialmente, que incorporam grau elevado de conhecimento.
Os atores se aprofundam na conceituação, buscando distinguir empresas de base
tecnológica de empresas que operem processos produtivos modernos e/ou tecnologicamente
densos, mas não necessariamente dinâmicos. EBTs seriam as empresas que realizam esforços
tecnológicos significativos e concentram suas operações na aplicação sistemática de
262
conhecimento técnico-científico para a criação de novos produtos e processos (PINHO;
CÔRTES; FERNANDES, 2002, p. 138).
Aplicando este conceito as respostas apresentadas, podemos propor uma divisão
entre as gestoras. O primeiro grupo de gestoras pode ser definido como aquele que aplica o
conceito apresentado em toda a sua extensão. Este grupo é formado pelas gestoras que
receberam recursos de entidades como a FINEP e o BNDESPAR, busca se aproximar de
processos de incubação em universidades públicas e privadas, entende que desenvolvimento
tecnológico está associado com desenvolvimento científico e que há a necessidade de
transformar cientistas dispostos a empreender em empresários bem-sucedidos. Entre os
entrevistados, identificamos a Inseed Investimentos, a CRP Companhia e Participações, a
Antera Gestora de Recursos e o Pitanga Fund como membros do grupo.
Nas palavras de Gustavo Junqueira127
da Inseed Investimentos “buscamos
empresas baseadas em conhecimento profundo, não facilmente replicável, que resolve
problemas claros e de ordem técnica, que se mostrem relevantes ao mercado e que sejam
capazes de alterar a forma como se constrói um produto ou se desenha um processo
produtivo”. O gestor ressalta que a concepção de empresa de base tecnológica foi um dos
compromissos criados para a realização de investimentos no contexto do CRIATEC I e que se
consolidou como a postura da gestora em seus investimentos em empresas, mesmo fora do
contexto do CRIATEC I.
Robert E. Binder128
da Antera Gestora de Recursos ainda ressalta:
Só investimos em empresas de base tecnológica. Lógico que é importante
que o empreendedor tenha brilho nos olhos, que ele tenha boa formação, que
ele demonstre potencial e criatividade. Contudo, isto já se tornou tão batido
que não vale mais fazermos referência. Na nossa visão, o empreendedor, a
empresa, precisam estar na trajetória tecnológica correta. Se queremos o seu
crescimento rápido e derivado do potencial de sua tecnologia, faz sentido ela
estar associada com trajetórias tecnológicas promissoras, com ciência de
ponta. Muito se fala em investimentos em inteligência artificial e outros
segmentos que estão na moda. Porém, para nós o importante é a
consistência, é o fato da tecnologia se mostrar nova, o desenvolvimento ter
esforços do empreendedor ou dos empreendedores. É necessário que a
tecnologia consiga mudar o mercado e que por causa disso o crescimento da
empresa seja exponencial. Isso é o que queremos. (Robert E. Binder, 2019)
Clovis Meurer129
da CRP Companhia e Participações ressalta que para além da
análise do grupo de empreendedores, o componente tecnológico de fronteira é muito relevante
127
Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019. 128
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
263
para a seleção das empresas a serem investidas. Na visão do investidor, é a tecnologia de
ponta que tornará o negócio da empresa escalável. Em suas palavras “o empreendedor pode
ser muito bom no desenvolvimento de próteses, da manipulação de espécies vegetais,
contudo, se este conhecimento profundo não sai do contexto científico e é traduzido para o
ambiente empresarial, a inovação não surge. Nós investimos na inovação, na que muda as
coisas.”
Gabriel Perez130
do Pitanga Fund diferencia o que muitas gestoras no Brasil
chamam de empresa de base tecnológica e o que ele acredita ser uma empresa de base
tecnológica. Para o gestor empresas de internet, como plataformas de comércio eletrônico ou
plataformas de matchmaking (e.g. tinder) não devem ser consideradas como empresas de base
tecnológica. Ele toma o cuidado de dizer que estas podem ser excepcionais oportunidades de
investimento, mas não devem ser consideradas como base tecnológica.
Em sua visão, há o grupo de empresas que busca a realização de esforços de
desenvolvimento tecnológico, que destacam equipes específicas para este desenvolvimento,
que acrescentam ao contexto de aprimoramento técnico de uma área do conhecimento. Outro
grupo, distinto do primeiro, são as empresas que são capazes de incorporar tecnologias
disponíveis, que as inserem em modelos de negócios inovadores, que conseguem extrair valor
da combinação entre estas tecnologias disponíveis e modelos de negócio bem estruturados.
Um exemplo deste último grupo são as empresas no mercado de fintechs, segundo
o gestor. Ele aponta que empresas como Nubank, Creditas, Pagseguro, dentre outras foram
capazes de a partir de soluções tecnológicas disponíveis na área digital realizar
melhoramentos capazes de organizar modelos de negócio significativamente inovadores,
permitindo com que crescessem de forma acentuada, atraindo investimentos e atenção no
contexto nacional. Outro exemplo citado pelo gestor é o da Gympass, que não mostra uma
inovação no âmbito tecnológico, mas sim em modelo de negócio.
Para Gabriel Perez, a barreira de entrada para a montagem destes projetos é baixa,
há profissionais competentes que se dispõem a abrir mão das suas carreiras para ingressar
nestes projetos, já há uma procura por este tipo de empreendimento, pode-se se dizer que já
uma massa crítica de empresas neste perfil de investimento. Contudo, este perfil não deve ser
encarado como o que devemos almejar, o que iremos chamar de empresas de base
tecnológica, aquelas que serão as maiores responsáveis por processos de mudança na
economia e na sociedade brasileira.
129
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019. 130
Gabriel Perez. Entrevista 01.04.2019.
264
Apesar de serem oportunidades de negócio bastante rentáveis, o gestor não
acredita que elas devam ser encaradas como empresas de base tecnológica e inseridas como
prioridade de programas públicos de incentivo ao investimento de capital de risco no país. Na
visão de Gabriel Perez, não é porque a maior parte das gestoras de recursos no Brasil que
realizam investimentos de venture capital buscam estas empresas que as políticas públicas
devem reproduzir esta procura e garantir que a oferta de empresas a serem investidas
reproduzam este comportamento. Em sua perspectiva, as empresas que são capazes de investir
em conhecimento profundo, em desenvolvimento tecnológico de ponta deveriam ser
priorizados pelos programas públicos.
Além disso, na visão do gestor há também uma confusão de outras gestoras que se
referem a copycats, empresas que reproduzem tecnologias e modelos de negócios testados e
bem-sucedidos em outros países no mercado local, como empresas de base tecnológica. Para
o gestor, chamar estas empresas de empresas de base tecnológica é um equívoco comum e se
torna grave quando estas empresas se habilitam a participar de programas de fomento público
ao empreendedorismo. Estas não deveriam ser a prioridade do Poder Público, uma vez que
não inovam em nenhuma das frentes possíveis para empresas de base tecnológica no país.
No segundo grupo, as gestoras apresentaram respostas que definem empresas de
base tecnológica a partir de percepções mais fluídas sobre a tecnologia. Diferente do conceito
apresentado e utilizado como referência pelo primeiro grupo, neste grupo não há uma
associação entre tecnologia e ciência, a tecnologia desenvolvida pela empresa investida não
precisa ser uma novidade completa, podendo ter tecnologias correspondentes em outros
países, não há uma aproximação significativa com universidades públicas e privadas, salvo
pequenos contatos com programas de aceleração.
Na visão de Rodrigo Borges131
da Domo Invest, o que se vê muito no mercado
brasileiro enquanto oportunidade de investimento é software. Em suas palavras “hoje, existe o
problema e o mercado, se você coloca uma camada de software que te dá eficiência e
escalabilidade você cria um negócio grande, então aí que você tem um grande diferencial”.
Nesse sentido, o que o gestor considera como tecnologia e empresa de base tecnológica é a
empresa que apresenta a competência para construir esta camada de software em segmentos
que podem ganhar em eficiência e com isso crescer rapidamente.
Na fala de Rodrigo Borges e ao longo da entrevista, o gestor indicou que a
solução tecnológica não precisa ser desenvolvida pelo empreendedor ou grupo de
131
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.
265
empreendedores, mas precisa ser inserida em um contexto da atividade corporativa em que ela
consiga corrigir uma ineficiência, que promova, por exemplo, ganhos de produtividade. Por
esta razão, quando perguntado se buscava oportunidades de investimento em universidades
públicas e privadas, o investidor disse que não, que não enxergava a universidade no Brasil
como um local em que encontraria empreendedores com potencial.
Ele ressalta em sua fala que o cenário brasileiro é muito diferente do que o cenário
do Vale do Silício na Califórnia. Em sua visão, no Brasil é muito difícil investir em
tecnologias que sejam profundas em conhecimento ou derivadas de esforços intensivos em
ciência que poderão ser convertidos em protótipos e posteriormente em produtos ou
processos. Um exemplo desta percepção foi o investimento que a Domo Invest realizou na
empresa Loggi, tendo já tido uma saída bem-sucedida. Nas palavras de Rodrigo Borges:
Tem um monte de motoboy desorganizado no mercado brasileiro. Empresas
com estruturas ruins e com uma gestão péssima. Você coloca o software,
roteiriza, identifica as oportunidades de entrega. Aí você ganha escala e
constrói a maior empresa de entregas do Brasil. Então vira a Loggi e faz
sentido nós investirmos. (Rodrigo Borges, 2019)
Um exemplo similar foi mencionado por Marcelo Mitre da Provence Capital, ao
comentar o investimento da gestora na Gympass. Para ele, havia uma ineficiência nos planos
de assinatura de academias de ginástica que poderia ser explorada e foi criando uma camada
de software interligando sistemas de academias de ginástica espalhadas pelo Brasil e pelo
mundo que a empresa passou a crescer. O modelo de acesso a academias e o sistema de
pagamentos por acesso individualizado foram diferenciais explorados pela empresa. Ao
mesmo tempo, as soluções de software utilizadas, mesmo que eficientes, não representaram
uma novidade diante do quadro tecnológico disponível.
André Kabbani da Bossa Nova Investimentos aponta para um cenário similar.
Segundo ele, para que a gestora invista, é necessária alguma base tecnológica, um aplicativo,
um “facilitador eletrônico”, em suas palavras, ou qualquer tipo de camada de software.
Todavia, esta camada tecnológica não precisa ser o diferencial da empresa. Um modelo de
negócio que explore ineficiências de um mercado específico já é suficiente para convencer a
gestora a investir na empresa, mesmo que a base tecnológica seja simples e esteja disponível
para sua exploração.
Além disso, quando questionados sobre como participam nas empresas investidas,
as gestoras de recursos apresentaram respostas que nos permitem agrupá-las em dois grupos
novamente. No primeiro grupo, temos as gestoras que atuam de forma muito próxima,
266
reunindo-se semanalmente, participando de reuniões de trabalho, conectando os
empreendedores com fornecedores de serviços e produtos, bem como com potenciais clientes.
Neste grupo de gestoras podemos inserir a CRP Companhia e Participações,
Inseed Investimentos e Bossa Nova Investimentos. Entre as falas que sintetizam esta posição
está a de Clóvis Meurer da CRP Companhia e Participações. Nas palavras do gestor:
Nesta modalidade de investimento, o venture capital, a gente é muito
parceiro das empresas. De estar presente no dia a dia. Mesmo sendo
minoritário, a nossa expectativa é de um acompanhamento muito próximo.
Arrisco dizer que na maioria dos empreendedores a expectativa é a mesma.
Estamos toda a semana nas empresas investidas. Recebemos ligações
constantes dos empreendedores. Confesso que nem sempre sobre os
problemas da empresa, em alguns casos, sobre problemas pessoais. Além
disso, nós sempre participamos do conselho de administração, a gente
participa dos comitês internos ou até grupos de trabalho. Participamos de
reuniões estratégicas, mercadológicas, auxílio na elaboração de proposta, até
aconselhamento sobre o regime de apuração de tributos, se ainda vale a pena
permanecer no simples nacional ou não. Ajudamos muito na área de
contabilidade e prestação de contas. Quanto mais nova a empresa é mais ela
vai precisar de auxílio na área de contabilidade. (Clovis Meurer, 2019)
Gustavo Junqueira da Inseed Investimentos afirma que para a gestora, o ponto
crucial é participar das decisões estratégicas da empresa investida. É estar presente, se fazer
notar. O gestor da como exemplo a indicação de contratação de funcionários, participação em
conselhos, participação em reuniões, grupos de trabalho internos e qualquer forma que torne
as rotinas mais eficientes e os empreendedores mais seguros para a condução dos seus
negócios. Para o gestor, muitas vezes o empreendedor tem todos os dados e argumentos para
tomar uma decisão que seja adequada ao seu empreendimento, mas precisa da validação do
investidor para ficar seguro de que mesmo se a decisão trouxer consequências negativas, ele
não decidiu sozinho.
Esta presença contínua do investidor é uma das características que descreve o
primeiro grupo. A gestora se estrutura para permitir com que os seus profissionais sejam mais
próximos dos empreendedores. Interessante notar que a própria composição das equipes das
gestoras evidencia esta característica. As gestoras que contam com ex-empreendedores se
mostram mais dispostas a estar continuamente presente nas empresas investidas. Não
podemos afirmar que há uma relação de causalidade em relação à composição de equipes de
gestoras de recursos e a sua participação nas empresas investidas, contudo, notamos neste
grupo que a presença de ex-empreendedores nestas equipes corroborou para a adoção deste
comportamento.
267
Para Sullyen Almeida132
da Monashees, nas empresas de pequeno porte que ainda
estão em sua fase inicial de desenvolvimento, no que ela se referiu como early stage, os
recursos financeiros aportados são um fôlego para a continuidade da empresa, são uma
perspectiva de futuro e continuidade das atividades em sua trajetória de crescimento, porém
não será o diferencial para garantir que a empresa prospere. Em sua visão, a principal
contribuição do investidos na empresa investida é a aproximação com parceiros estratégicos
para o desenvolvimento do negócio. Em suas palavras:
A Monashees já investiu em mais de 80 empresas ao longo de sua história e
já vimos muitos negócios saindo do zero para o um e do um para o cem e o
que se nota é que as empresas que estão dispostas a receber a indicação e as
sugestões de seus investidores de aproximação com parceiros estratégicos
são aquelas que crescem e se tornam bem-sucedidas. Hoje no nosso portfólio
nós temos o grupo Zap, que possui a Zap Imóveis, tínhamos a 99, antiga 99
taxi, já tivemos a Loggi. Nós já vimos várias empresas que olhavam mais
para os recursos financeiros e muito menos para as sugestões e
recomendações de seus investidores. E é neste ponto que notamos que a
empresa erra na compreensão sobre o que é capital de risco e aumenta as
suas chances de fracassar. (Sullyen Almeida, 2019)
Na visão da representante da Monashees, a expectativa dela como investidora de
capital de risco é que a empresa investida compreenda que o mais relevante na entrada de um
investidor de venture capital é o seu auxílio no processo de tomada de decisões estratégicas,
de que agora as sugestões e recomendações feitas pelo investidor caminham no interesse de
que a empresa investida cresça em um curto espaço de tempo e que é esta contribuição e não
o dinheiro disponibilizado que desempenhará esta função durante a sua trajetória.
No segundo grupo, a concepção de contribuição à empresa investida é distinta. As
ideias de presença contínua e participação constante dão lugar ao auxílio em atividades de
cunho estratégico ao crescimento. O investidor cumpre o seu papel quando ele trabalha junto
com a equipe de empreendedores em um gargalho ou ponto fraco que tenha impedido a
empresa a crescer de forma acentuada.
Na visão de Robert E. Binder133
da Antera Gestora de Recursos, a principal
contribuição da gestora ao longo dos seus investimentos foi auxiliar empresas investidas na
construção de seus modelos de negócio, criando um dos pilares para o seu futuro crescimento
acentuado. Na visão do gestor, as atividades do dia a dia pertencem aos empreendedores. Em
suas palavras, “não dá para pensar que estaremos em todas as nossas investidas durante as
suas atividades, seria um mau uso de nosso tempo e de nossa expertise”. Segundo Robert E. 132
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 133
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
268
Binder, o sentido do acompanhamento das atividades na empresa investida é influir como as
empresas investidas podem converter os seus recursos, em especial suas tecnologias, em uma
estrutura que permita o seu crescimento acentuado, não tendo que neste processo substituir o
empreendedor nas funções que ele deve desempenhar.
Segundo Sidney Chameh134
da DGF Investimentos, a contribuição de uma gestora
de capital de risco em uma empresa investida se dá a partir da estruturação de uma atividade,
medida ou plano que a empresa não saiba como elaborar e precisa do auxílio do investidor
para fazê-lo. Segundo o gestor, em empresas de maior porte, na primeira ou segunda rodada
de investimento, a contribuição do investidor se dá na construção de uma melhor estrutura de
capital entre todos os sócios da empresas investida.
Em paralelo, nas empresas mais promissoras dentro do seu portfólio, o investidor
pode contribuir na implementação de uma governança corporativa, que nas palavras do gestor
“robustece a capacidade de administração destas empresas”. Acrescente-se ainda a
possibilidade de complementação destas medidas com a criação de programas de stock option
e bonificações por desempenho para profissionais que tenham se destacado na empresa.
Para Sidney Chameh, quando você implementa estas iniciativas em empresas de
médio porte ou naquelas em que estão na transição de pequena para média empresa você
ganha uma identidade associada a premiação por performance, você comunica para os
membros da sua empresa que o esforço individual será recompensado, você incentiva com
que os membros da empresa investida te entreguem desempenhos acima da média, dedicação
acima da média. Nas palavras do gestor, quando você cria uma estrutura de premiação
baseada na performance com bonificações e stock options “parece que você está injetando
gasolina em um carro que estava prestes a parar e de repente começa a dar sinais de retomada
rápido e volta a apresentar as explosões esperadas de um motor de combustão”.
No caso das empresas de pequeno porte, a contribuição se dá mais no
acompanhamento do dia a dia e o acompanhamento é muito mais de cunho pessoal. Aqui o
investidor ajuda muito na execução dos planos e iniciativas da empresa investida. Para ajudar
na execução, o gestor aponta que o investidor “abre portas comerciais e você indica
profissionais talentosos para preencher vagas estratégicas na empresa investida”. São estes
dois fatores que na visão de Sidney Chameh são as contribuições de um investidor de capital
de risco nas empresas que ainda estão no início de suas atividades, no early stage
134
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.
269
Interessante notar que para Sidney Chameh a participação do investidor na
empresa investida deve considerar o porte da empresa. Nas respostas das demais gestoras de
recursos esta distinção não ficou clara, contudo, se cruzarmos suas respostas com o perfil de
empresas em que mais investem, podemos observar uma correspondência entre o porte da
empresa e a percepção sobre qual a contribuição da gestora na empresa investida. A proposta
de diferenciação do tipo de participação do investidor a partir do porte e do estágio em que a
empresa investida se encontra nos parece fazer sentido e pode servir como variável de análise
em pesquisas futuras sobre o comportamento de investidores de venture capital no Brasil.
Outra questão, objeto de nossas entrevistas, foi como os gestores encarram os
fracassos anteriores de empreendedores que solicitam investimento para suas novas empresas.
Formulamos uma questão que buscou verificar se o discurso de que falhar, ter empresas que
encerraram suas atividades no passado ou até vieram a falir, é encarado como parte do
processo de aprendizado de empreendedores e é visto como uma característica positiva
durante o processo de tomada de decisão sobre se vale a pena ou não investir na empresa.
Todos os entrevistados mencionaram que o fracasso pode contribuir para o
aprendizado do empreendedor e que há sim diversas vantagens que ele pode trazer para a
condução de um novo negócio. Como percepção dos entrevistados, o fracasso pode ser sim
uma vantagem e pode sim operar como um fator de amadurecimento do empreendedor, como
um indicador que ele compreende melhor como funciona a dinâmica de financiamento de uma
empresa por estágios e como nesta dinâmica ele tem que melhor empregar os recursos que
dispõe.
Todavia, metade dos entrevistados ressaltou que há uma diferença importante
entre a dimensão do discurso e a dimensão das práticas de investimento. No discurso, o
consenso é que o fracasso representa aprendizado, amadurecimento e experiência. Nas
práticas de investimento, o fracasso pode se converter em dívidas no nome do empreendedor
não pagas no passado que poderão encarecer o investimento no novo empreendimento.
Também podem significar restrições para o crescimento da empresa, pois fornecedores com
experiências ruins com um empreendedor em razão do fracasso de empresas no passado
podem decidir não mais fazer negócios com a empresa nova pela presença deste
empreendedor. Bancos podem recursar a oferta de serviços financeiros para estes
empreendedores já fracassaram no passado e tiveram que renegociar dívidas.
270
Na visão de Rodrigo Borges135
da Domo Invest, ter empreendido no passado traz
experiência, contudo, as vantagens de aprendizado dependem do quão profunda foi esta
experiência e quantos estágios de investimento o empreendedor participou. Onde ele
fracassou importa para a análise dos benefícios deste fracasso, não basta apenas fracassar, mas
sim, um fracasso que permita com que ele tenha uma visão ampla sobre como funciona a
dinâmica de investimento de venture capital. Se ele fracassou no início, no early stage, ou se
ele fracassou quando tinha um protótipo, o gestor afirma que é um tipo de fracasso pouco
profundo, com um valor menor para o investidor. Se o fracasso se deu em uma segunda
rodada de investimento (series B), o fracasso já se mostra de maior profundidade, com um
potencial de aprendizagem maior por parte do empreendedor.
Rodrigo Borges aponta que dependendo do tipo de fracasso, cria-se um trauma no
próprio empreendedor. Ele passa, em alguns casos, a ser mais conservador em relação ao uso
de seus recursos. Ele não toma os riscos que tomou no passado, mesmo sendo orientado por
seus investidores que este risco possa fazer sentido para a crescimento do seu
empreendimento. Nas palavras de Rodrigo Borges, “o empreendedor traumatizado fica um
pouco mais conservador, pensa consigo, eu fiz este erro porque eu fui muito agressivo, mas é
melhor ser agressivo e ir até o final e provar que deu errado, ter um aprendizado profundo, se
não o custo de oportunidade de ser empreendedor é muito alto”.
Para Robert E. Binder136
da Antera Gestora de Recursos, o fracasso é positivo
pela experiência que pode criar no empreendedor, em suas palavras “pode dar rodagem para
ele”, porém, na prática a sociedade brasileira diferente de outras sociedades não encara o
fracasso de forma positiva. Na visão do gestor, não há como ignorar que o fracasso no Brasil é
punido de diversas formas, desde as dívidas que o empreendedor irá carregar com ele na
forma de execuções judiciais, passando pelas “listas negras” de fornecedores e bancos que
criarão limites para o exercício de suas atividades, até o estigma que passa a incorporar a
imagem do empreendedor perante o mercado. Em suas palavras, “mesmo que o investidor fale
em público que o fracasso é bom, no Brasil não há como o investidor ignorar as
consequências do fracasso em sua decisão de investimento”.
Na visão de Marcelo Mitre137
da Provence Capital, a diferença entre a dimensão
do discurso e da prática de investimento fica muito clara no Brasil. Segundo o representante
da Provence Capital, quando se discute fracasso com investidores dos Estados Unidos da
135
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019. 136
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 137
Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019.
271
América ou de Israel, o fracasso é tido como um fator positivo, bem avaliado para fins de
investimento. Nas palavras do representante, “se você quebrou duas ou três empresas em
Israel, é quase que certeza que você irá conseguir financiamento para a sua empresa via
venture capital, os investidores adoram este perfil”.
Para Marcelo Mitre, o fracasso no Brasil é um episódio traumático e que gera
efeitos para o financiamento do crescimento da empresa de base tecnológica. A partir de sua
experiência, ele já recusou propostas de investimento em empresas que tinham
empreendedores que fracassaram em negócios no passado e tinham como herança destes
empreendimentos dívidas grandes associadas ao seu nome. Em alguns dos casos, já observou
que excelentes empreendedores após o fracasso de suas empresas voltam ao mercado,
trabalham por dois ou três anos como empregados, pagam suas dívidas, e só assim conseguem
voltar a empreender, começam a notar que as portas voltam a se abrir. Também já observou
que há empreendedores que não conseguem mais pagar as suas dívidas e não voltam para
empreender mais.
Segundo Clóvis Meurer138
da CRP Companhia e Participações, a ideia
disseminada em eventos a empreendedores de que quanto mais se fracassa, mais próximo do
sucesso você estará, não é uma verdade no contexto brasileiro. Aqui no Brasil, o fracasso
cobra um preço. O empreendedor que fracassou uma vez, dificilmente irá empreender logo
em seguida. Em sua perspectiva, o mais comum é o empreendedor ter alguns anos de
recuperação para tentar uma segunda vez. Empreendedores que já fracassaram quatro, cinco,
seis vezes, não são uma realidade para o país e dificilmente irão conseguir captar recursos de
um investidor de venture capital no país.
Na visão do gestor, o fracasso no Brasil não é visto como um mérito do
empreendedor, mas sim um fardo que ele irá carregar perante a sociedade brasileira. Nesse
sentido, reforça a ideia de que esta é uma peculiaridade do contexto brasileiro de
investimentos de venture capital, não há como ignorar que o fracasso no Brasil gera
consequências que alteram a forma como o investidor de venture capital irá se comportar, não
reproduzindo o comportamento de um investidor, por exemplo, dos Estados Unidos da
América.
Na perspectiva de Clóvis Meurer, há dois aspectos importantes na análise do
fracasso. O primeiro é pensar que o modelo jurídico que cuida da insolvência no país não foi
pensado para tratar de casos em que a recuperação da empresa ou até a falência de empresas
138
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.
272
possam ser encarados como processos de aprendizagem de empresários nacionais. Não se
entende que no âmbito de empresas de base tecnológica, o fracasso pode servir de
aprendizagem para a geração de negócios promissores, com alto potencial de crescimento. A
insolvência no Brasil é pensada como um instrumento exclusivo de proteção à credores.
Por esta razão, Clóvis Meurer afirma que nos investimentos realizados pela
CRP Companhia e Participações busca-se identificar o mais rápido possível os
empreendimentos que não irão crescer na velocidade esperada ou até começam a apresentar
os sinais de que não irão dar certo. Quando isto acontece, a gestora já inicia o seu processo de
saída, nestes casos a partir de cláusulas contratuais que permitem com que a empresa
investida adquira a participação da investidora por apenas um real, facilitando a sua saída.
Segundo Clóvis Meurer, o discurso que encara o fracasso como uma virtude é um discurso
que olha o fracasso nos outros, pois em sua visão, nenhuma gestora de venture capital gosta
de ser associada a escolhas que não deram certo. Nesse sentido, o fracasso não é também uma
virtude do empreendedor quando acontece nos ciclos de investimento que o investidor
participa.
O segundo aspecto são as lacunas que se criam quando o empreendedor fracassa
uma vez e tenta empreender de novo. No âmbito do investimento de venture capital há
lacunas de oferta de financiamento importantes durante a trajetória de investimento, em
especial para os empreendedores que já fracassaram. Nas palavras de Clóvis Meurer139
:
Quando uma empresa de base tecnológica recebe investimento anjo, passa
por uma aceleradora e busca por capital semente para se financiar, em alguns
casos pode não encontrar. Se tiver um empreendedor marcado pelo fracasso
anterior, é mais provável que não encontre. Se for para uma primeira rodada
de investimento, encontra, mas muitos investidores podem não estar
dispostos a investir em uma empresa com um empreendedor com dívidas.
Passando para segunda rodada, o número disponível de investidores é menor
e para uma terceira ainda é menor. O investidor não quer perder dinheiro e o
fracasso no Brasil aumenta as chances de você perder dinheiro, ou pelas
dívidas, ou pelas portas que o fracasso fecha. (Clovis Meurer, 2019)
A respeito das lacunas de oferta de recursos ao longo da trajetória de investimento
da empresa de base tecnológica no Brasil, questionamos as gestoras de recurso sobre os locais
em que buscam por oportunidades de investimento, tendo perguntas específicas sobre sua
proximidade com universidades, programas de incubação e aceleração de empresas. Entre as
entrevistadas, todas responderam que as aceleradoras são uma fonte de oportunidades de
139
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.
273
investimento, também mencionaram que há uma série de eventos aos quais servem como
oportunidade de conhecer empresas para se investir.
Em relação à proximidade com universidade e programas de incubação de
empresas, podemos dividir as respostas obtidas em dois grupos: (i) gestoras que recebem ou
receberam recursos de entes públicos, em particular BNDESPAR e Finep; e (ii) gestoras com
captação de recursos junto a entidades privadas. Enquanto o primeiro grupo busca se
aproximar de universidades, em especial de centros de pesquisa e programas de incubação em
universidades públicas, o segundo grupo foca os seus esforços em programas de aceleração,
eventos e na indicação de oportunidades de investimento por pessoas que façam parte de sua
rede de contatos.
Robert E. Binder140
da Antera Gestora de Recursos, aponta que nos investimentos
realizados pela gestora a participação do BNDESPAR foi fundamental para a inclusão de
universidades como fonte de prospecção de oportunidades de investimento. No caso do
CRIATEC I, mas não se limitando a ele, a atuação da gestora está organizada em torno de
escritórios regionais de inovação, com uma interlocução contínua com os programas de
incubação universitários. O convívio é contínuo e fortemente estimulado. Nas palavras do
gestor:
Eu acredito no modelo de tripla hélice, com uma atuação conjunta de
empresas, governo e academia, e por isso nossa atuação tem levado em
consideração a ideia de que há oportunidades de investimento nas
universidades e de que é possível transformar cientistas em empresários. Ao
longo de nossa história de investimento, já investimos em 40 empresas que
nasceram na universidade e que dispunham de cientistas extremante
talentosos. Há uma certa desconfiança de alguns investidores com este
ambiente, em especial com a universidade pública. Contudo, em nossa visão,
na prática os desafios de investimento são os mesmos para um spin-off
universitário para uma empresa de base tecnológica que nasce em outro
ambiente. (Robert E. Binder, 2019)
Gustavo Junqueira141
da Inseed Investimentos também ressaltou a importância das
universidades como fonte de oportunidades de investimento, reforçando que a o BNDESPAR
teve um papel fundamental na atuação da Inseed Investimentos em sua aproximação com
programas de incubação e centros de pesquisa universitários. Segundo o gestor, pouco menos
da metade de todos os investimentos realizados pela Inseed Investimentos teve origem em
incubadoras universitárias, tendo as incubadoras de universidades públicas assumido um
papel de protagonistas nestes investimentos. 140
Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 141
Gustavo Junqueira. Entrevista realizada em 11.02.2019.
274
Clóvis Meurer142
da CRP Companhia e Participações ressalta que a proximidade é
grande com universidades e que boa parte do seu tempo é utilizada com eventos, visitas,
apresentações e reuniões que acontecem e incubadoras no âmbito universitário. Participa de
discussões e debates para apresentar o venture capital nas universidades e tenta disseminar
conceitos e características da modalidade de investimentos em universidades brasileiras.
Segundo o gestor, um dos desafios para o venture capital é alcançar locais em que há ciência
de boa qualidade, cientistas dispostos a se tornar empresários e uma infraestrutura mínima
para que eles possam dar os seus primeiros passos, prepara-los para iniciar sua trajetória de
empreendedorismo.
Na visão do gestor, a ABVCAP tem cumprido um papel importante na
disseminação da cultura e dos conceitos de capital de risco no Brasil. A entidade tem tentado
se fazer presente em vários estados brasileiros, bem como seus representantes têm buscado
sensibilizar gestoras que estão distantes destes ambientes a se aproximar, promovendo
eventos e encontros para desmistificar algumas percepções sobre os programas de incubação
em universidades brasileiras.
No segundo grupo de investidores, a universidade não é encarada como uma fonte
de oportunidades de investimento. Sidney Chameh143
da DGF Investimentos não acredita que
o ambiente universitário seja propício para a prospecção de oportunidades de investimento.
Na perspectiva do gestor, o ambiente universitário não incentiva com que professores se
tornem empreendedores, ao contrário, desestimula. Este desestímulo, contudo, não é fruto de
restrições regulatórias, mas sim de um contexto próprio da cultura universitária. Nas apalavras
do investidor:
Eu visitei Estados Unidos, Inglaterra, Israel, dentre outros países para
entender melhor a figura da spin-off universitária. Na minha visão um dos
gargalos é como nós tratamos o professor universitário. Não acho que é um
problema da legislação, longe disso. Temos leis que tratam disso, de permitir
o professor de criar sua empresa. O Problema está no ambiente universitário.
Na minha visão este movimento não é bem visto na universidade. Não é
incentivado no plano de carreira. As métricas de avaliação não têm variáveis
que permitam com que o professor possa explorar comercialmente uma
ideia, uma pesquisa, que ele possa pensar em sua carreira como alguém que
irá empreender. Professor é avaliado por suas publicações acadêmicas, é o
erudito, não é aquele que empreende. Aquele que tenta empreender parece
que está fazendo algo errado. (Sidney Chameh, 2019)
142
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019. 143
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.
275
Para Sidney Chameh, o professor tem no ambiente universitário um obstáculo
para empreender. A experiência do gestor em tentar investir em empresas que foram
incubadas no contexto universitário foi decepcionante. Os professores de universidades
públicas que se envolviam em incubação e depois receberam investimentos da DGF
Investimentos foram chamados de “não acadêmicos” e “vira casacas”. Em um investimento
realizado pela gestora, os professores envolvidos no investimento foram acusados de estarem
desviando o patrimônio da universidade pública, pois estavam utilizando de resultados de
pesquisa da universidade para a construção de sua empresa. Há 10 anos o gestor decidiu não
mais prospectar empresas em universidades pelo Brasil, porém, no último ano investiu em
duas empresas de base tecnológica de empreendedores brasileiros que terminaram o seu
doutorado e foram incubados pela universidade de Stanford nos Estados Unidos da América.
Quando perguntado sobre o tema spin-off universitária, Rodrigo Borges144
da
Domo Invest afirma que não se pode confundir empresas criadas por amigos e colegas que se
conheceram na faculdade ou em centros de pesquisa e empresas que foram criadas no
contexto de pesquisa e incubação de negócios na universidade. Ele faz referência a sua
própria trajetória, quando fundou a Buscapé Company com outros amigos na Escola
Politécnica da Universidade de São Paulo. Nas palavras do gestor:
Nós trabalhávamos no Laboratório de Arquitetura e Redes de Computação
da USP, que é o LARC e tal. Porém, não era nenhum problema que o LARC
estava resolvendo, uma coisa não tinha nada a ver com a outra. A Buscapé
Company criou uma solução de comparação de preços de produtos e este
não estava na agenda de pesquisas do LARC. Eu trabalhava lá e a gente fazia
pesquisa sobre a internet 2, não sei se você chegou a ouvir falar. Eu até
estranhava esta terminologia, pois o conceito da internet é que nunca vai
existir a 2, mas era um Laboratório renomado e pessoas muito sérias tocando
as atividades. A gente cuidava do projeto de streaming de vídeo e
aprendemos muita coisa lá, mas a Buscapé não surgiu lá. A equipe se
conheceu lá. Por isso, não dá para dizer que a empresa saiu da faculdade.
(Rodrigo Borges, 2019)
Na Domo Invest, Rodrigo Borges já realizou investimentos em empresas em que
os laços entre os empreendedores foram criados na universidade, em que a ideia para o
negócio surge no âmbito de atividades de ensino ou de pesquisa. Contudo, não teve nenhum
investimento até hoje que nasceu enquanto empreendimento de pesquisa no âmbito de um
centro de pesquisa, não aportou recursos em nenhum negócio que foi incubado por um
programa universitário. Na perspectiva do gestor, mesmo com a presença de incubadoras em
144
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.
276
diversas universidades, elas ainda não são capazes de preparar as empresas para o
investimento de venture capital. Hoje, a Domo Invest busca oportunidades em aceleradoras,
não tendo buscado nada em universidades no país.
Nas duas oportunidades em que tentou se aproximar de universidades, notou que
os centros de pesquisa que contatou na área de engenharia estavam muito mais preocupados
em desenvolver projetos para a indústria. Sua impressão foi a de que o interesse estava mais
voltado para parcerias para desenvolvimento tecnológico conjunto, aproximação com
departamentos de pesquisa e desenvolvimento e não com o ambiente de empreendedorismo a
partir de empresas de base tecnológica. O gestor ressalta em sua resposta que esta foi a sua
experiência e que não deve ser encarada como um retrato do cenário brasileiro. Todavia, foi a
partir dela que hoje não demonstra interesse em se aproximar de programas de incubação ou
de centros de pesquisa em busca de oportunidades de investimento.
Para Marcelo Mitre da Provence Capital, a universidade no Brasil não conseguiu
demonstrar ainda que é capaz de formar bons empreendedores. Por enquanto, a universidade
foi capaz de capacitar os profissionais que podem ser capazes de empreender, contudo, não é
o ambiente em que a empresa com alto potencial de crescimento pode surgir ou ser preparada
para surgir. O gestor afirma que em comparação a outros países, as universidades brasileiras
não se mostram como o local que fomenta o empreendedorismo, tendo apenas algumas
exceções presentes no país.
Na visão do gestor, não é um problema apenas brasileiro, é muito comum que
gestoras de recursos com atuação na Europa também não busquem por oportunidades de
investimento em universidades, salvo raras exceções. Recentemente, alguns fundos iniciaram
prospecções no ambiente de universidades europeias, contudo, este é um cenário novo. Na
visão do gestor, a proximidade intensiva de investidores de venture capital e universidades é
um fenômeno restrito a alguns países, tendo como principais referências os Estados Unidos da
América, Israel e a Inglaterra.
Por fim, no conjunto de questões que examinou a percepção sobre o preparo de
empresas de base tecnológica para receber investimentos de venture capital, houve consenso
de que hoje as empresas já identificam quais são os aspectos que importam para os
investidores de capital de risco. Entre os fatores que contribuíram para a melhora na qualidade
das empresas que buscam por investimentos de venture capital, foram citados pelos
entrevistados: (i) os programas de aceleração de empresas; (ii) o papel do BNDES e da Finep
na capitalização de gestoras e em seus programas de fomento; (iii) o maior interesse das
277
pessoas em empreender; e (iv) o aumento no número de casos de sucesso no Brasil de
empresas investidas que prosperaram.
Robert E. Binder145
da Antera Gestora de Recursos comenta que houve uma
melhora significativa na oferta de empresas de base tecnológica. O preparo do empreendedor
é maior, não se limita mais a uma apresentação ou um plano de intenções. Hoje a empresa se
apresenta com um plano de negócio, um canvas, uma estrutura financeira mínima, muitas
delas já tem receita, já testaram seus produtos e serviços no mercado. Segundo o gestor, esta
melhora está associada a presença e ao crescimento de aceleradoras de empresas no Brasil. As
aceleradoras moldam as empresas de base tecnológica às características que são desejadas por
investidores de capital semente e de primeira rodada de investimento, ampliando a oferta para
estes investidores.
Contudo, mesmo com a melhora ainda há muitos problemas com o preparo das
empresas de base tecnológica. Segundo o gestor, a estrutura societária de sociedade limitada
não é a ideal para investimentos de venture capital, contudo, a maior parte das empresas ainda
se apresenta a partir desta estrutura. Além disso, há problemas relacionados ao pouco
conhecimento que os empreendedores têm de aspectos sobre o dia a dia da empresa, em
especial sobre contabilidade e finanças. É muito comum a presença de uma combinação de
estrutura societária mal construída, erros contábeis e uma precária organização financeira em
empresas de base tecnológica no país. Mesmo as mais promissoras, ainda demonstram falhas
ou carências em seu preparo para receber investimentos.
Clóvis Meurer da CRP Companhia e Participações comenta que o cenário é muito
melhor se comparado a dez anos atrás. Melhor ainda se comparado a vinte anos atrás. Hoje o
empreendedor domina a terminologia do venture capital, ele tem uma rede de apoio para
acessar investidores que se estende entre aceleração, programas da Finep, do Sebrae, cursos
disponíveis, alguns deles online. O cenário está completamente diferente e boa parte da
diferença foi devido a atuação do BNDES e da Finep. Criou-se, na visão do investidor, um
maior interesse em se empreender, há hoje um certo glamour, um reconhecimento social de
que empreender mesmo que difícil é bom, é bem visto, pode servir de alternativa para o
desenvolvimento pessoal e financeiro.
Rodrigo Borges146
da Domo Invest aponta que há uma evolução do ambiente de
investimento na modalidade de venture capital no Brasil e esta evolução contou com a
participação fundamental do BNDES e da Finep. A percepção é de que estas entidades não
145
Robert E Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019. 146
Rodrigo Borges. Entrevista realizada em 01.03.2019.
278
competiram com nenhuma gestora, mas sim tornaram projetos de gestoras em realidade ou até
viabilizaram gestoras que só adquiriram o seu porte atual em razão da atuação destas duas
entidades. Nas palavras do gestor:
O BNDES teve e tem um papel de fomentar o mercado. Então, acho que ele
não entrou para competir com alguém. A atuação dele foi identificar onde o
mercado precisa de mais energia para ele ficar maior, não desguarnecer
empresas que precisam de recursos financeiros. Com isso, começam a
aparecer outros fundos que passam a operar semente, series A, series B,
investindo recursos. Então, já existem estes canais e eles vão se expandindo.
Tem muito dinheiro em series A e capital semente, então o BNDES criar um
fundo para investimento anjo. Agora não tem muitos recursos para series A,
então busca-se criar um programa para capitalizar ou atrair investidores para
este estágio. Divulga-se quando as empresas investidas dão certo. O BNDES
ocupou espaços quando poucos ocupavam e hoje o ingresso contínuo de
investidores se dá pela presença do BNDES, pela segurança que esta
presença trouxe. (Rodrigo Borges, 2019)
Na passagem extraída da fala de Rodrigo Borges, podemos depreender a
percepção de que o BNDES tem cumprido o papel de ponto de equilíbrio para o investimento
de venture capital, oxigenando estágios do ciclo de investimento em empresas de base
tecnológica que estão esvaziados de investidores ou desprovidos de recursos financeiros para
a realização de aportes de recursos. Além disso, na atuação do BNDES, Rodrigo Borges ainda
menciona o papel de divulgação de casos de empresas investidas bem-sucedidas, criando um
histórico capaz de atrair pessoas para empreender e investidores para o capital de risco.
André Kabbani147
da Bossa Nova Investimentos ressalta a importância dos casos
de sucesso para a atração de empreendedores e até mesmo para aqueles que dispõe de
recursos para capitalizar gestoras de recursos para venture capital. Estes casos chamam a
atenção, as pessoas começam a buscar informação, investidores passam a perguntar sobre
fundos de investimento com este perfil. Segundo André Kabbani, a disseminação desta nova
cultura em torno do empreendedorismo tem contado com o intenso apoio do BNDES e da
Finep.
Na visão de Sidney Chameh148
da DGF Investimentos, a Finep ocupou um papel
muito relevante no fomento do venture capital no Brasil. Todavia, na visão do gestor os
benefícios trazidos pela Finep foram diretamente proporcionais à qualidade dos gestores que
comandavam as iniciativas da entidade. Nos momentos em que a Finep teve profissionais com
experiência e formação em capital de risco os programas foram bem formulados e executados,
147
André Kabbani. Entrevista realizada em 14.03.2019. 148
Sidney Chameh. Entrevista realizada em 13.03.2019.
279
dando continuidade a iniciativas em andamento também. Quando os profissionais da Finep
não possuíam experiência com capital de risco, iniciativas foram descontinuadas para dar
lugar a outras que muitas vezes não interessaram gestoras de venture capital.
Nesse sentido, diferente do BNDES, em que na percepção de Sidney Chameh
houve uma continuidade e coerência em relação a sua atuação, na Finep, a sensação foi de que
em alguns momentos programas promissores, como o INOVAR, tiveram problemas em
relação a trocas de equipes e reestruturação de sua atuação. Isto não significa que o gestor
reduz a importância da Finep, ao contrário. Em sua visão, a entidade foi fundamental para o
desenvolvimento do venture capital no Brasil. Ele dá um exemplo deste papel:
Nós temos um fundo com 70% de recursos capitalizados junto à Finep,
nosso fundo vintage 12. Já temos 7 empresas investidas neste fundo. Foi um
programa que a Finep criou que investidor anjo para capitalizar o fundo. Nós
temos nesse fundo o investimento dos sócios da DGF, que compraram 5%,
temos 70% da Finep e 25% de pessoas físicas, são no total 46 pessoas
físicas. Porque deu para conseguir montar um fundo assim, porque a Finep
garantiu que nos 25% que ela não investiria e nem a DGF investiria, ela
cobriria até 80% do valor nominal das perdas do fundo. Quando eu falei para
os meus clientes e amigos próximo, todos se interessaram. O risco seria
muito baixo e eu ainda tinha o meu histórico de investimento em outros
fundos para convencê-los. Neste programa tiveram apenas dois proponentes.
Olha que foi uma chamada pública. Programa maravilhoso para o investidor.
Algo surreal, que após os primeiros resultados, outras gestoras passaram a
bater na porta da Finep para aderir. Só que após a primeira edição, não foi
proposta uma segunda e nenhum outro programa parecido foi editado. A
equipe que elaborou o programa saiu e os novos profissionais que entraram
decidiram por outras iniciativas. Isto dificilmente aconteceria no BNDES.
Talvez um programa como este não existiria e se existisse, com certeza seria
continuado. Eles são mais consistentes. (Sidney Chameh, 2019)
O exemplo descrito por Sidney Chameh revela, ao mesmo tempo, condições
extraordinárias para gestores de recursos financeiros investirem na modalidade de venture
capital, algo que já caracteriza a disposição da Finep em fomentar o capital de risco no país,
bem como a falta de continuidade de alguns dos programas iniciados pela entidade. Chama a
atenção também na resposta de Sidney Chameh a baixa adesão por parte de gestoras de
recursos. Segundo o gestor, mesmo com chamadas públicas e campanhas, em muitos casos as
entidades de fomento como a Finep tinha de “bater na porta” de investidores, tinha de fazer
um esforço para atraí-los, para envolve-los em seus programas. Sem dúvida, a não
continuidade pode explicar parte da baixa adesão, contudo, há uma parcela de
responsabilidade de gestoras de recursos também, na visão do gestor.
280
6.3 O esvaziamento das patentes para o investimento de venture capital
Em sua concepção tradicional, a patente é um direito assegurado pelo Estado que
confere ao seu detentor a exclusividade da exploração de uma tecnologia. A oferta deste
direito de exploração exclusiva por parte do Estado traz como contrapartida para aquele que
pleiteia a patente o dever de disponibilizar uma descrição sobre as características de seu
invento, os pontos essenciais que garantam não só a compreensão sobre o que se trata aquela
tecnologia, como também como ela funciona na prática (BARBOSA, 2003, p. 295).
Os requisitos para a obtenção de uma patente no regime jurídico brasileiro estão
listados no art. 8º, caput, da Lei n.º 9.279/96, que estipula que “é patenteável a invenção que
atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial.”. Segundo
Barbosa (2003, p. 296), a patente amplia a ideia de invento e busca proteger a invenção. Para
o autor, o invento é a solução técnica para um problema técnico. A invenção parte do invento,
mas se traduz por meio de sua aplicação industrial ou aplicação em uma estrutura empresarial.
Nesse sentido, o invento é juridicamente uma solução para um problema, que por si só não é
protegida pela patente, que só se revestirá de proteção por meio da sua aplicação, a invenção.
Todavia, a patente não é a única forma de proteção jurídica de uma invenção.
Segundo Barbosa (2003, p. 295), a invenção tecnológica pode também ser protegida por meio
do segredo. Juridicamente o segredo pode ser mantido por meio de contratos, tendo como
principal exemplo os acordos de confidencialidade. Na visão do autor, quando possível, a
proteção de uma tecnologia por meio de patentes é preferível do que a estratégia de proteção
por meio do segredo. Isto porque, os custos associados com a manutenção do segredo são
altos, há sempre o risco de vazamentos de informação, bem como a depender do tipo de
invenção há o risco da engenharia reversa.
No caso da patente, não há o risco de engenharia reversa ou de vazamento de
informações sobre a tecnologia objeto da proteção. A descrição da tecnologia já se encontra
no documento que formaliza a sua concessão por parte do Estado (carta patente) e como a
patente é um direito de exploração por tempo determinado, 15 anos para os modelos de
utilidade e 20 anos para as invenções, há uma vedação legal para o uso não autorizado da
tecnologia protegida pela patente.
Para Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 172), o regime jurídico de proteção de
tecnologias via patentes funciona como um mecanismo de troca. De um lado o Estado
brasileiro oferece um privilégio, que garante que nenhum concorrente do inventor irá poder se
utilizar da tecnologia protegida pelo tempo conferido para exploração comercial exclusiva. De
281
outro lado, a sociedade pode acessar as informações de ordem técnica presentes em uma
solução tecnológica no momento em que ela será explorada no mercado, ampliando nível
geral de conhecimento sobre novas tecnologias.
Neste regime de proteção jurídica, o tempo é um fator fundamental. Isto porque o
direito de exploração exclusiva é temporário. A justificativa para isto é a tensão entre o
inventor que deseja recuperar o investimento que realizou em pesquisa e desenvolvimento
para a criação de sua invenção, podendo fazê-lo por meio da exploração comercial exclusiva
de sua invenção, e a sociedade que oferece a infraestrutura social ampla (e.g. sistema
educacional) que contribui para que esta invenção seja construída e deseja que a tecnologia
esteja disponível para a sua exploração em diversas finalidades.
Busca-se por um equilíbrio entre o tempo conferido para a exploração da
tecnologia por seu inventor e um tempo de espera razoável para que a sociedade possa se
apropriar da tecnologia e aplica-la de diversas formas. A expectativa é que o regime jurídico
de patentes possa construir este ponto de equilíbrio (BARBOSA, 2003). Contudo, uma nova
dimensão para o tempo no regime de patentes tem surgido nas últimas décadas, o direito à
razoável duração do procedimento administrativo (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p.
173).
Segundo Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 172), institutos nacionais de
propriedade industrial (INAPIs) têm observado aumentos significativos no número de pedidos
de patentes em suas jurisdições. Este aumento impôs a elevação na carga de trabalho de
examinadores de pedidos, bem como pressiona com que a infraestrutura de análise dos
pedidos seja cada vez mais ágil, eficiente e rigorosa na aplicação dos critérios previstos em
lei.
A questão reside em como melhorar as condições dos processos de análise de
patentes em um contexto de expansão contínua de pedidos. Segundo King (2003), a melhora
destas condições passa por algumas mudanças nos institutos nacionais de propriedade
industrial. Em primeiro lugar um aumento da produtividade de seus examinadores, reduzindo
o tempo de análise em cada um dos pedidos. Contudo, esta medida tem um limite, há uma
barreira de ordem física e outra de ordem jurídica, a sua jornada de trabalho. Em segundo
lugar, a melhora passa pela ampliação no número de examinadores ou pela aquisição de
sistemas eletrônicos que sejam capazes dar conta do que o aumento da produtividade dos
examinadores não deu. Em terceiro lugar, concentrar o aumento do número de examinadores
nas áreas de maior demanda por pedidos de patentes, garantindo a correlação entre formação
do examinador e as características da tecnologia examinada.
282
Contudo, no estudo realizado por King (2003) concluiu-se que em muitas
jurisdições, mesmo com aumentos de produtividade de examinadores, o tempo médio de
duração para o exame de patentes tem progressivamente aumentado. A fila que se cria, com
pedidos pendentes de exame, foi chamada de backlog. Não há uma definição técnica da
expressão backlog, podendo incorporar sentidos como o de pedidos não examinados ou de
excesso de requerimentos, extrapolando a capacidade de INAPIs (BARBOSA, 2013, p. 2).
Para fins de nossa reflexão nesta seção, adotamos a definição de Barbosa (2013, p.
2) que descreve o backlog de patentes no Brasil como o tempo médio para a obtenção de uma
decisão do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) de um pedido de obtenção de
uma patente. Para fins de avaliação deste tempo médio, estão incluídos os prazos legais, os 18
meses de sigilo no ato de depósito/prioridade da patente (art. 30 da Lei n.º 9.279/96) e os 36
meses concedidos para o inventor solicitar o exame ao INPI para fins da concessão da patente.
Segundo Barbosa (2013, p. 2), um pedido poderia, para ser analisado, ter de
aguardar o prazo de sigilo e o prazo disponível para o inventor para a análise. O autor aponta
que no Brasil o exame de patentes poderia demorar 48 meses (18 meses de sigilo mais 36
meses de análise) para se iniciar. Além disso, segundo o autor, estes prazos não servem como
limites máximos para o exame de pedidos de patentes. Isto porque, estes são os prazos
relacionados ao pedido do inventor e não aos deveres de análise do INPI, resguardado o
acesso de terceiros no período de sigilo.
O regime jurídico brasileiro de proteção às patentes não prevê um tempo máximo
de exame para pedidos apresentados junto ao INPI. A disposição na Lei de propriedade
industrial mais próxima disso está no parágrafo único do art. 40, que dispõe que a vigência de
uma patente não poderá ser inferior a 10 anos, para patente de invenção, e 7 anos, para patente
de modelo de utilidade. Isto significa que aquele que a Lei confere o direito para aquele
obtiver uma patente de usufruir de seu direito de exclusividade por, no mínimo, 10 anos ou 7
anos.
Hoje, segundo Liane Lage149
diretora de patentes, programas de computador e
topografias de circuitos integrados (DIRPA – INPI) o prazo médio de espera entre o protocolo
do pedido de patentes e a decisão final de deferimento ou indeferimento do pedido é de 14
anos. Para a diretora do DIRPA - INPI, o problema do backlog de patentes pode ser explicado
a partir de múltiplas dimensões, as quais ela divide em: (i) nascimento; (ii) demanda corrente;
(iii) temáticas e especializações; e (iv) perda de valor da patente.
149
Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.
283
Em relação à origem do backlog de patentes, a diretora posiciona o problema na
edição da atual Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/1996). Em sua visão, a inclusão
dos fármacos no registro de patentes a partir da Lei de Propriedade Industrial em 1996
aumentou a demanda por registros de patentes no país. Além de um número maior de pedidos,
o Instituto Nacional de Propriedade Industrial passou a ter a necessidade de selecionar novos
examinadores com especialização na área de medicamentos, dividindo-se em campos do
conhecimento como química, biologia, farmacologia, dentre outros.
Contudo, o volume de pedidos realizados a partir da aprovação da Lei de
Propriedade Industrial em 1996 não foi acompanhado pela incorporação de novos
examinadores com este grau de especialização, criando uma fila que cresceu ao longo dos
anos e foi alcançando pedidos de diversas outras áreas do conhecimento. Isto porque, segundo
a diretora há também o problema da rotatividade de examinadores. Em alguns casos, o
examinador que é selecionado via concurso enxerga a posição dele no INPI como transitória,
prestando outros concursos ou até solicitando a transferência para outros órgãos da
administração pública federal que possam oferecer mais vantagens para a sua trajetória de
carreira. Desta forma, além da questão da especialização, a rotatividade contribui para o
crescimento do tempo de espera de pedidos de patentes.
Se em um ano o número de engenheiros com especialização em telecomunicações
é suficiente, é possível que no próximo ano o número caia de 20% a 30%, criando um gargalo
no fluxo de análise de pedidos de depósitos de patentes que tenham como solução técnica uma
tecnologia na área de telecomunicações.
Outro problema comum relacionado à origem do backlog de patentes e a demanda
corrente de novos pedidos ingressando no INPI é a baixa atratividade da função de
examinador para algumas áreas do conhecimento. Segundo Liane Lage, a contratação de
examinadores por parte do INPI via concurso público deve respeitar a exigência legal de que
os selecionados apresentem no mínimo o título de mestre em sua área de conhecimento. O
bacharelado não é considerado como suficiente para a seleção de examinadores de pedidos de
patentes, pois considera-se que o exame de patentes requer um grau mínimo de especialização
na área que apenas a pós-graduação stricto sensu é capaz de conferir.
Todavia, para a diretora, ainda é um desafio atrair profissionais com pós-
graduação em determinadas áreas do conhecimento, uma vez que a carreira como examinador
de patentes não se mostra vantajosa o suficiente. Um exemplo dado por Liane Lage é o de
seleção de engenheiros com especialização em telecomunicações. Há alguns anos atrás a
demanda do INPI sobre patentes de ligadas a tecnologias de televisões digitais cresceu.
284
Inicialmente foram deslocados engenheiros da área de mecânica para as primeiras análises,
contudo, seriam necessários profissionais com especialização na área de telecomunicações.
Foi aberto processo de seleção e não houve candidatos o suficiente que preenchiam os
requisitos para a posição. Na avaliação da diretora, o requisito de apresentação de mestrado
dificulta, além do fato que o setor privado já absorve profissionais em algumas áreas em
condições mais vantajosas do que o INPI pode oferecer.
Cria-se um processo de intensificação do atraso. Anos atrás os pedidos de patente
começaram a aumentar, passou-se a deslocar examinadores sem um grau de especialização
próprio para a análise dos pedidos, buscou-se a contratação de profissionais com
especialização, porém em alguns casos sem sucesso, o atraso que era um fenômeno de
algumas áreas do conhecimento alcançou todas as áreas do INPI, criando o problema crônico
do backlog de patentes.
Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 174), o problema do atraso crônico reside na
incerteza relacionada a capacidade de empresas em explorar economicamente uma tecnologia
que investiu recursos para produzir. Segundo os autores, uma empresa que desenvolveu uma
nova tecnologia e realizou o seu pedido de patentes não irá aguardar a decisão final do INPI
para buscar explorar economicamente a sua tecnologia. Mesmo sem a decisão, ela irá celebrar
contratos de licenciamento ou de cessão de uso de sua tecnologia com outras empresas,
prevendo uma remuneração pela exploração de sua tecnologia.
O problema deste cenário é a hipótese do pedido ser indeferido pelo INPI ao final
do processo de análise, hoje de 14 anos. Caso tenha sido indeferido, a expectativa de direito
do depositante em obter uma patente e, portanto, o direito de explorar a tecnologia em regime
de exclusividade não terá se materializado, tendo por consequência a invalidação de todos os
contratos de licença e cessão que foram celebrados com base na expectativa inicial de
obtenção de uma patente. Todos os valores pagos a título de exploração da tecnologia objeto
destes contratos terão de ser devolvidos e quaisquer aprimoramentos a tecnologia não serão
protegidos.
Para os autores (2017, p. 174), a incerteza se aplica a todos os agentes que se
interessam pela exploração de uma patente. Os depositantes não se sentem seguros de
explorar suas tecnologias apenas com base na expectativa futura de deferimento de seu pedido
de depósito de patentes. Seus concorrentes não sabem se uma tecnologia apenas pelo fato de
um pedido ter sido depositado pode ser considerada como protegida, tendo dúvidas sobre o
seu próprio desenvolvimento tecnológico que poderia utilizar tecnologias que não serão
objeto de proteção no futuro. E o investidor de empresas que realizam desenvolvimento
285
tecnológico, que não se sente seguro em disponibilizar recursos para uma proteção que
demora tanto para ser obtida.
Hoss (2012) aponta que estes problemas não são uma exclusividade de um INAPI,
mas sim um problema que se manifesta de diferentes formas em INAPIs. Em cada caso são
fatores distintos os responsáveis pelo problema do backlog de patentes e ele pode ser mais
dramático em alguns países se comparados a outros, contudo, este é um problema que afeta
diversas jurisdições. Isto porque, segundo o autor, a adesão de diversos países ao Trade
Related Aspects of Intellectual Property (TRIPS), acordo internacional que promoveu
mudanças nos regimes jurídicos de propriedade intelectual em diversos países, dentre eles o
Brasil com a inclusão de fármacos no registro de patentes, fez com que o backlog se
disseminasse em muitos países.
Para o autor, as causas do backlog se relacionam com o aumento no número de
pedidos em diversos países, bem como com a complexidade das tecnologias envolvidas, a
falta de recursos suficientes de INAPIs e até com o comportamento dos depositantes. Para
Hoss (2012), além da incerteza sobre a proteção, o backlog cria um desincentivo para
investimentos em tecnologia que depende da proteção via patente para não serem replicados,
uma vez que os custos de engenharia reversa seriam muito baixos.
Para Liane Lage150
, o efeito do backlog de patentes acentuado, como se observa
no Brasil, é a gradativa desvalorização da patente como instrumento de proteção e resguardo
jurídico de soluções técnicas com aplicação industrial no país. Empresas passam a buscar por
outras formas de se resguardar como em arranjos contratuais em que preveem cláusulas de
confidencialidade, segredo comercial ou industrial. Além disso, também analisam se não vale
mais a pena depositarem patentes em outros países, para garantir pelo menos a proteção em
mercados em que possam atuar.
Segundo a diretora, nota-se no INPI nos últimos anos uma redução no número de
pedidos de depósitos. Em 2014, foram realizados pouco mais de trinta mil pedidos de
depósitos de patentes. Quatro anos mais tarde, em 2018, o número de pedidos alcançou pouco
mais de vinte e sete mil solicitações de depósito de patentes. Em sua avaliação, não há como
afirmar que a redução observada nestes anos tem como única causa o crescimento do backlog
de patentes, porém, a diretora reconhece que há uma influência importante na presença de um
atraso que se intensifica ano a ano.
150
Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.
286
Contudo, se não há uma relação direta entre a redução dos pedidos e o contínuo
crescimento do backlog de patentes, a diretora afirma que em sua visão são poucos agentes
econômicos capazes de suportar esta demora. Empresas multinacionais, com departamentos
de pesquisa e desenvolvimento bem estruturados, mesmo que não confortáveis com o backlog
de 14 anos, são capazes de absorver os custos e organizar os seus contratos a partir da
expectativa de direito. Já empresas de pequeno porte e inventores independentes terão muita
dificuldade de lidar com os custos e a complexidade das transações baseadas em expectativa
de direito envolvendo patentes. A queda no número de pedidos pode já ser um sinal desta
dificuldade.
Além disso, outro problema enfrentado pelo INPI é a redução progressiva no
número de examinadores disponíveis para a realização de análises de pedidos de patentes.
Atualmente são 326 examinadores para a realização das análises de pedidos. Na avaliação de
Liane Lage151
, para dar conta do volume de pedidos atuais seriam necessários mais 170 novos
examinadores, distribuídos em diferentes áreas. Para a diretora a relação não é apenas de base
aritmética, mas sim de ordem estratégica. Segundo o seu relato, há um volume alto de
examinadores que já sinalizaram que pretendem se aposentar neste ou no próximo ano, há
uma dificuldade de se contratar para algumas áreas e há certas indefinições sobre a
disponibilidade orçamentária para a realização de contratações. Todos os fatores somados, em
sua avaliação o backlog de patentes parece não encontrar saídas via aumento de
examinadores.
A diretora ainda complementa, apontando para o fato de que mesmo se fossem
contratados em 2019 o número necessário de examinadores por concurso público, os efeitos
desta contratação só começariam a ser sentidos em 3 anos. Isto porque, quando os
examinadores tomam posse em seus cargos eles não começam a desempenhar as suas
atividades imediatamente. Há um período de formação promovido pelo INPI para capacitá-los
na realização de exames de patentes, além de um período de acompanhamento de outros
examinadores. Por esta razão, Liane Lage afirma que mesmo que o governo federal autorize a
abertura de concursos os efeitos do ingresso de novos examinadores só seriam notados daqui
3 anos.
Nas entrevistas realizadas junto às gestoras de recursos para investimento de
venture capital houve um consenso sobre o fato de que o backlog de patentes brasileiro tornou
a proteção conferida pelo INPI irrelevante. Se o ciclo de investimento do capital de risco no
151
Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.
287
país varia entre 5 a 8 anos entre os entrevistados, um período de 14 anos de espera torna esta
proteção pouco útil como um patrimônio da empresa investida.
Para as gestoras de recursos que adotam o formato Cayman-Delaware-São Paulo,
em que o investidor demanda a criação de uma empresa espelho nos Estados Unidos da
América como condição de investimento, o registro de patente é realizado diretamente no
USPTO, não se cogitando o registro no Brasil. No caso das gestoras que constituem fundos de
investimento no Brasil, o registro de patentes no país não é uma demanda do investidor e em
muitos casos a própria gestora se mostra favorável em que a empresa investida entre com o
pedido no exterior, na maior parte dos casos no USPTO, dispondo-se inclusive em arcar com
os custos de um registro fora do país.
Robert E. Binder da Antera Gestora de Recurso aponta que não há como
incorporar o período de espera atual como parte do seu investimento no formato de capital de
risco. Em sua entrevista, o gestor fez questão de repetir o fato de que Bill Gates, fundador da
Microsoft, quando perguntado sobre a importância das patentes para o crescimento da
empresa disse que elas representavam muito pouco, que poderiam ser consideradas como
irrelevantes em alguns contextos. Isto porque, na visão de Bill Gates, a velocidade da
mudança no mercado de software não era acompanhada pela velocidade da análise do
conteúdo tecnológico das patentes. Robert E. Binder afirmou que a velocidade do ciclo de
investimentos de venture capital já é maior do que o tempo de espera para a obtenção de uma
patente no Brasil, tornando-a irrelevante para o capital de risco brasileiro.
A irrelevância das patentes para o investimento de capital de risco foi um dos
poucos pontos de consenso entre todos os entrevistados. Todavia, metade deles fez referência
explícita em suas respostas que a patente que não importa para o seu investimento é a patente
brasileira. Gustavo Perez do Pitanga Fund, Sidney Chameh da DGF Investimentos, Gilberto
Ribeiro da Vox Capital, Gustavo Junqueira do Inseed Investimentos e Sullyen Almeida da
Monashees responderam que solicitam dos empreendedores de empresas investidas que
ingressem com pedidos de depósitos de patentes nos Estados Unidos da América e, quando
necessário pelas características da operação, solicitam o registro em países europeus.
Nesse sentido, a proteção via patente pode ser considerada relevante ao
investimento de venture capital, contudo, a presença de um atraso crônico no registro faz com
ela perca valor e relevância para a modalidade de investimento. Segundo Clóvis Meurer da
CRP Companhia e Participações, a proteção via patentes foi se deteriorando até alcançar o
patamar atual, não sendo vista mais por investidores como patrimônio relevante das empresas
investidas.
288
Para André Kabbani da Bossa Nova Investimentos o depósito de patentes no INPI
por empresas investidas não é inserido na avaliação que estipula o valor (valuation) da
empresa que solicitam por aportes de recursos. Segundo o representante da gestora, um
horizonte temporal tão alongado, excessivamente extenso torna a sua inclusão improvável em
investimentos de venture capital no Brasil. Ele acrescenta que o aumento contínuo do backlog
cria a expectativa de que o problema não será resolvido no curto prazo, de que não há
incentivos para se reconsiderar uma postura que inclua as patentes na avaliação da empresa a
ser investida.
Na perspectiva de Marcelo Mitre da Provence Capital o tipo de empresa que tem
atraído investidores de venture capital no Brasil são as empresas desenvolvedoras de
software, desenvolvendo tecnologias em diversas áreas, desde soluções no varejo, no
comércio eletrônico até alcançar mais recentemente mercados como os financeiro e o da
saúde. Marcelo Mitre ressalta que empresas que dependem de patentes para proteger sua
tecnologia e para competir no mercado devem sair do país, pois no Brasil dificilmente irão
atrair investimentos no formato de venture capital.
Segundo Marcelo Mitre, na Provence Capital a propriedade intelectual é pouco
importante, em alguns casos completamente irrelevante. O perfil das empresas em que gestora
de recursos busca investir está ligado a soluções de software, as quais a mudança é constante e
ocorre em uma velocidade que a legislação ou as entidades públicas não conseguem
acompanhar. A solução foi apostar em contratos, em resguardo jurídico via segredo e quando
estas proteções não funcionam, apostar nas pessoas, na capacidade da equipe de
empreendedores em aprimorar seus produtos e serviços mesmo na hipótese de que seus
concorrentes os copiem. Nesse sentido, nas palavras do representante da Provence Capital: “o
maior ativo que você pode ter em uma empresa investida são as pessoas lá dentro, garantindo
com que elas fiquem, não há proteção jurídica melhor para o desenvolvimento tecnológico”.
Gabriel Perez do Pitanga Fund trata o tema backlog de patentes no Brasil como
um dado, um cenário ao qual o investidor irá considerar, mas não tem capacidade de
contribuir para a sua melhora. Na visão do gestor, o caminho no Brasil diante deste cenário
não é a patente, mas sim na ideia de investimento que consiga atrair empresas globalmente
inovadoras. Em sua visão, o investimento em empresas em que o seu desenvolvimento
tecnológico possa alcançar outros países permite com que a estratégia de proteção tecnológica
seja realizada em outras jurisdições, compensando o cenário de backlog de patentes no país.
Ao invés de buscar uma proteção exclusiva no Brasil, a equipe de
empreendedores com o auxílio de seus investidores pode buscar a proteção em outros países,
289
em particular em jurisdições nos Estados Unidos da América ou em países localizados no
continente europeu. Neste contexto, a estrutura internacionalizada da empresa torna a patente
obtida em outros países um ativo muito mais importante para o investimento, ingressando no
patrimônio que a empresa investida terá, do que um pedido de depósito de patente realizado
no Brasil que dificilmente acompanhará o ciclo de investimento do venture capital na
empresa investida.
Sullyen de Almeida da Monashees também compartilha da mesma visão sobre a
importância de patentes e da estratégia de investimento em empresas capazes de se tornarem
globais. Segundo Sullyen Almeida, a patente só tem sentido se puder ser uma referência de
valor para a empresa investida. Hoje, a patente no Brasil não é mais referência de valor no
âmbito de investimentos realizados, em sua visão. A deterioração do registro no Brasil tornou
a patente brasileira uma opção de proteção custosa ao empreendedor e irrelevante para o
investidor de capital de risco no Brasil, pois a demora se mostra incompatível com o seu ciclo
de investimento.
Nos últimos anos o INPI elaborou três iniciativas para reduzir o backlog de
patentes no país, não obtendo os resultados esperados em nenhuma delas. As iniciativas
foram: (i) terceirização de etapas do exame de patentes; (ii) criação do regime simplificado de
análise de patentes; e (iii) intensificação dos acordos internacionais de cooperação – Patent
Prosecution Highway (PPH).
Segundo Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 190), a terceirização de etapas do
exame de patentes pode ser dividida em dois métodos: (i) paper-based outsourcing; e (ii)
dialogue-based outsourcing. Em ambos os métodos, uma INAPI realiza uma chamada pública
de seleção de pesquisadores com experiência em áreas do conhecimento pré-estabelecidas,
escolhendo profissionais que poderão realizar algumas das etapas do processo de exame de
pedidos de patentes. No primeiro método, o pesquisador contratado irá realizar a busca de
anterioridade e uma avaliação do estado da técnica relacionados ao pedido de patente
apresentado, utilizando-se do sistema da INAPI, e irá elaborar um relatório de sua pesquisa,
anexando todos os documentos pertinentes, para a posterior entrega deste relatório ao
examinador designado para a análise do pedido. No segundo método, além da elaboração do
relatório, o pesquisador irá apresenta-lo oralmente para o examinador, tendo este a
possibilidade de esclarecimentos de dúvidas.
A remuneração dos pesquisadores selecionados está atrelada aos relatórios e
apresentações que ele produz, bem como a sua vinculação está associada aos exames de
patentes que foram designados a ele pela INAPI. Nesse sentido, seu vínculo com a INAPI é
290
precário e temporário, sendo que cada pesquisador pode ser substituído a qualquer momento.
A ideia subjacente ao modelo é que há um contingente grande de especialistas em
universidades e centros de pesquisa que estariam dispostos a realizar parte do trabalho técnico
de examinadores de patentes, sem, contudo, comprometer a suas carreiras acadêmicas ou
profissionais. Doutorandos, por exemplo, poderiam encarar esta como uma oportunidade de
complementação de sua renda, ampliando seus conhecimentos na área em que atuam.
Garcez Júnior e Moreira (2017, p. 190) descrevem que o modelo de terceirização
foi utilizado como estratégia de controle do backlog de patentes no Japão e na Coreia do Sul.
Segundo os autores, a terceirização foi uma forma dos dois países darem conta da crescente
carga de trabalho de examinadores de patentes em decorrência do aumento dos pedidos de
depósito de patentes nestes países ao longo da década de 1990. A estratégia foi bem-sucedida,
pois permite com que a INAPI equilibre a contratação de pesquisadores de acordo com as
suas necessidades de análise de pedidos de depósito de patentes. Quando o contingente estiver
ligado ao setor de telecomunicações, as chamadas se concentram em pesquisadores com esta
formação, quando a maior demanda for na área de bioquímica, muda-se o foco da chamada de
pesquisadores.
Em 2004, foram processados 203 pedidos de depósito de patentes por
examinadores no Japão, enquanto nos Estados Unidos da América foram analisados 83
pedidos por examinadores. Em 2012, foram examinados 239 pedidos por examinadores no
Japão, enquanto nos Estados Unidos foram examinados em média 77 pedidos por
examinadores. No Brasil, em 2013 foram analisados 24 pedidos por examinadores, passando
28 pedidos em 2014 e 31 pedidos em 2015 (GARCEZ JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 188).
Mesmo com a melhora no número de pedidos analisados em média por
examinadores no Brasil, ainda apresentamos um número baixo de pedidos analisados por
examinadores. Parte da explicação sobre o pequeno número de pedidos analisados pelos
examinadores do INPI está no fato do Instituto ter tentado adotar o modelo de terceirização e
ter sido proibido pelo Poder Judiciário Brasileiro no ano 2000.
Em 14 de dezembro de 1999 foi editada a Medida Provisória n.º 2.006, alterando a
Lei n.º 9.279/96 (Lei de Propriedade Industrial), acrescentando-lhe os artigos 229-A, 229-B,
229-C, pertinentes à concessão de patentes de produtos agropecuários e farmacêuticos.
Segundo Liane Lage, a Medida Provisória vinha atender a demanda do INPI em aumentar o
seu quadro de examinadores para dar conta do aumento no número de pedidos de depósito de
patentes que derivaria da inclusão de medicamentos no rol de tecnologias objeto da proteção
por meio de patentes.
291
A proposta prevista na Medida Provisória era autorizar o INPI a contratar
servidores temporários, pelo período de 12 meses, para dar conta do contingente crescente de
pedidos de patentes no país em 1999. No mesmo ano, o Partido dos Trabalhadores (PT)
ingressou com a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2.125-7 frente ao Presidente da
República no Supremo Tribunal Federal, alegando que a proposta da Medida Provisória
violaria o inciso IX do art. 37 e o art. 246 da Constituição, uma vez que só uma lei e não uma
medida provisória poderia prever os casos de contratação temporária (vício formal), bem
como estaria usurpando a competência do Poder Legislativo Federal em criar, transformar,
extinguir cargos, empregos e funções públicas, prevista no inciso X do art. 48 da Constituição
Federal (vício material).
Na visão do Partido dos Trabalhadores, não é permitido pelo texto constitucional
que o Presidente da República delegue a outras instâncias da Administração Pública Federal,
como o INPI, a prerrogativa de criar funções, cargos ou empregos públicos por meio de
medida provisória. Não apenas o instrumento estaria errado segundo a Constituição brasileira,
como também esvaziaria a competência do Congresso Nacional, igualmente vedada no texto
da Constituição Federal.
Para o Ministro Maurício Correa, designado como Relator e no âmbito da análise
da concessão de medida liminar para suspensão da Medida Provisória, não teria havido vício
formal por parte do Presidente da República ao editar a Medida Provisória n.º 2.006/99 tendo
em vista que o art. 246 da Constituição Federal já havia sido regulamentado pela Lei n.º
8.745/93. Porém, o Ministro considerou que teria havido um vício material por parte do
Presidente da República na edição da Medida Provisória. Nas palavras do Ministro Maurício
Correa (2000, pp. 60-61):
Estou convencido de que o exercício de tarefas dessa grandeza só pode ser
permitido a técnicos da carreira pertencente ao quadro da autarquia,
admitidos pelo meio de concurso público. Ora, não me parece que atividades
como essas, que exigem conhecimentos técnicos, sobretudo aquelas relativas
à carreira jurídica, que reclamam conhecimentos especializados, possam ser
ocupadas mediante simples seleção, sem o crivo indispensável do concurso
público, como determina o inciso II do art. 37 da Constituição Federal.
‘Necessidade temporária de excepcional interesse público não pode ser
escudo a justificar a contratação temporária ampla e irrestrita de servidores,
a pretexto da permissão prevista no inciso IX do artigo 37 da Carta de 1998,
em evidente usurpação de cargos específicos e típicos de carreira.
Com base neste entendimento, o Ministro Maurício Correa deferiu a medida
liminar solicitada pelo Partido dos Trabalhadores e suspendeu os efeitos do art. 2º da Medida
292
Provisória n.º 2.006/99, impedindo o INPI de contratar em regime temporário novos
examinadores para a análise de pedidos de depósito de patentes. Dois anos mais tarde, com a
Medida Provisória já revogada pelo Medida Provisória n.º 2.014-6, suprimindo a disposição
que versava sobre a possibilidade de contratação temporária pelo INPI, a Ação Direta de
Inconstitucionalidade foi considerada sem objeto e foi julgada prejudicada, sendo arquivada
pelo Supremo Tribunal Federal.
Na visão de Liane Lage, o início do backlog de patentes ocorreu na mudança da
Lei de Propriedade Industrial em 1996, incluindo os fármacos no rol de tecnologias capazes
de serem patenteadas. Porém, o agravamento do backlog de patentes teve início com a decisão
que não permitiu a contratação temporária de examinadores no ano 2000. Segundo a diretora,
o INPI recebeu uma resposta clara do Poder Judiciário de que modelos de alternativos ao
concurso público, o de contratação temporária ou de terceirização, com a contratação de
pesquisadores não seriam aceitos como forma de combater o backlog de patentes.
Outra tentativa do INPI para reduzir o backlog de patentes no país foi a
proposta152
de criação de um processo simplificado de exame de patentes no país. Em 31 de
julho de 2017, o INPI publicou um aviso de consulta pública para coletar contribuições da
sociedade sobre sua proposta de norma que instaurava um procedimento simplificado de
análise de patentes. Pelo texto proposto, um pedido de depósito de patente que fosse admitido
pelo INPI pelo procedimento simplificado seria automaticamente aprovado no prazo de 90
dias, expedindo-se a sua carta-patente.
A proposta busca com que os requerentes que estão aguardando a decisão sobre o
seu pedido de patentes solicitem a admissão de seus pleitos no processo simplificado, tendo
como resultado a aprovação de seus pedidos no prazo de 90 dias, conforme estabelece a
proposta. O processo simplificado serviria, portanto, como uma aprovação automática sem
exame pelo INPI, eliminando a maior parte da fila de pedidos ainda não analisados pelo
Instituto.
Estariam excluídos da proposta de procedimento simplificado os requerimentos de
certificado de adição, os pedidos divididos e os pedidos relacionados aos produtos e processos
farmacêuticos. Além disso, a proposta de norma também autorizava que pedidos de patente
fossem excluídos do processo simplificado, sendo por oposição de terceiros ou por pedido do
próprio requerente do depósito, respeitado o prazo previsto na norma.
152
INPI. Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/consultas-publicas>. Último acesso:
10.04.2019.
293
Também estariam excluídos do procedimento simplificado todos os pedidos de
patentes depositados após a entrada em vigor da norma. A justificativa desta exclusão estaria
no fato do procedimento simplificado servir como ferramenta de redução do backlog e não
como alteração do procedimento padrão do INPI na análise de patentes, previsto na Lei de
Propriedade Industrial. O procedimento cuidaria apenas dos pedidos pendentes e não de
pedidos de depósitos novos de patentes.
Como justificativa da proposta de processo simplificado153
, o INPI apresenta o
seguinte diagnóstico, mesmo com o aumento progressivo da produtividade dos examinadores
durante os anos de 2015, 2016 e 2017, o Instituto não tem obtido resultados em seus esforços
de redução do estoque de pedidos de patentes. Segundo a entidade, a relação se tornou tão
desproporcional que mesmo se o número de examinadores pouco mais que dobrasse (326 para
687), seriam necessários 8 anos para a eliminação do backlog nos termos que ele se manifesta.
Nas estimativas do INPI, para o ingresso destes novos examinadores seria
necessário um investimento de pouco mais do que R$ 1 bilhão, sendo que se forem
contratados por concurso público, tomando posse como funcionários públicos, após os 8 anos
de esforços na redução do backlog de patentes, podem gerar um novo problema segundo a
entidade que é o de ociosidade de seus quadros de examinadores de patentes. Na visão da
entidade, o backlog é um problema grave, contudo, a sua solução via a contratação de novos
examinadores não deve criar um novo problema, examinadores subaproveitados ou ociosos.
Nas contribuições apresentadas para a consulta pública, notamos a presença de
membros do INPI contrários a proposta, explicando as razões que consideram pertinentes para
considerar a proposta ilegal ou até prejudicial ao modelo de proteção da propriedade industrial
no país. Além de sugestões de mudança no texto para a remoção de ambiguidades ou para
aprimorar sua redação, duas foram as principais críticas apresentadas: (i) o INPI não poderia
editar uma norma administrativa para alterar o processo de exame de pedidos de depósito de
patentes, a forma adequada para fazê-lo seria alterar o texto da Lei de Propriedade Industrial;
e (ii) o procedimento simplificado iria ensejar um processo de judicialização de pedidos de
depósito de patentes com características similares, transferindo disputas que ocorrem no
Instituto para o Poder Judiciário, também congestionado com outras demandas.
Interessante notar que na primeira crítica, alguns examinadores154
do INPI se
manifestaram contra a proposta, em particular por acharem que seria necessária uma alteração
153
Ibidem. 154
Dentre os examinadores que manifestaram sua opinião sobre a proposta de procedimento simplificado,
destacam-se os que se manifestaram em nome próprio como Alessandra Alves da Costa e Nathalia Pereira
294
na Lei de Propriedade Industrial e não a edição de uma norma em sede administrativa pelo
INPI. No mesmo sentido da manifestação examinadores, associações como a ABIA
(Associação Brasileira Interdisciplinar de Aids) apontaram que uma norma de natureza
administrativa não poderia alterar o procedimento de deferimento de pedidos de depósito de
patentes previsto nos artigos 35 e 36 da Lei de Propriedade Industrial. Acrescente-se que
segundo os examinadores do INPI contrários à proposta de procedimento simplificado, o
artigo 46 da Lei de Propriedade Industrial prevê que é nula a patente concedida contrariando
as disposições da Lei, tornando as patentes concedidas no procedimento simplificado nulas.
Na contribuição de Alessandra Alves da Costa155
, a dificuldade do INPI em
examinar em tempo hábil os pedidos de patentes esbarra em obstáculos que fogem da
competência do Instituto, não dependendo apenas dele para resolver o problema. A
Administração Pública Federal deveria se empenhar em dispor de recursos para abrir mais
concursos, contratar mais examinadores e prover a infraestrutura necessária para o exame de
patentes. Em sua visão, o INPI e seus examinadores devem se preocupar com o caráter
técnico da análise de patentes e não devem apelar para medidas extremas para cuidar de um
problema que é maior do que o escopo de sua competência.
Chama atenção na contribuição de Alessandra Alves da Costa e dos demais
examinadores do INPI a percepção de que o backlog de patentes não faz parte da
responsabilidade do INPI em oferecer um serviço público em tempo razoável. Observa-se
uma oposição entre o que é responsabilidade da Administração Pública Federal e o que é de
responsabilidade do Instituto. Para os examinadores contrários à proposta o backlog é fruto da
omissão por parte do Governo Federal e por isso deve ser resolvida por ele. Nota-se também a
percepção de que o procedimento simplificado poderia esvaziar a necessidade de renovação e
Cavaleiro, bem como os que se manifestaram de forma coletiva sobre a proposta, sendo eles: Alessandra Alves
da Costa, Amanda Mangeon Vieira Ferreira, Erika Tarre, Borges Antonelli Giany Oliveira de Melo, Juliana
Manasfi Figueredo, Luiz Fernando Zmetek Granja, Nathalia Pereira Cavaleiro, Nathaly Nunes choa, Rosana
Bernardo da Silva, Vania Lucia F. Linhares da Silva, Adriana Brigante Deorsola, Tatiana Carestiato da Silva,
Luiz Eduardo Kaercher, João Marcelo Rocha Fontoura, Sandro Guimarães Viveiros Rosa, Aline Mara Barbosa
Pires, Marco Antônio Souza Aguiar, Cibele Cristina Osawa, Dárcio Gomes Pereira, Ricardo Schmitz Ongaratto,
Edilson Gr nheidt Borges, José Rufino de Oliveira Junior, Vitor Brait Carmona, Rodrigo Danieli, Sandra Regina
Gomes Fraga Ronney, Adriano Ribeiro, Patricia Carvalho dos Reis, Rafael Ribeiro Brandão,Renata Fittipaldi
Pessôa, Mariana Moura Sampaio de Arruda, Clarice Maria Buarque de Macedo, Márcia Tie Kawamura, Maria
Elisa Marciano Martinez, Maria Hercilia Paim Fortes, Ai Ren Tan, Paula Salles de Oliveira Martins, Carmen
Lúcia Novis Cardoso, Anicet Okinga, Thayse Cristina Pereira Bertucci, Mauricio da Silva Martins Almeida,
Paula Candida Fonseca, Helcy da Silva Gonçalves, Airton José de Luna, Edgar Jose Garcia Neto Segundo, Ian
Nascimento Vieira, Michele de Moraes Sedrez, Cláudio Picanço Magalhães, Andre Luiz Jeovanio da Silva,
Luciana Portal da Silva, Helio Santa Rosa Costa, João Gilberto Sampaio Ferreira da Silva José, Mauro Bernardo
Merquita, Adriana Machado Fróes e Cristiane Fonseca H bner. 155
Disponível em: <http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/consultas-publicas>. Último acesso:
10.04.2019.
295
ampliação dos quadros do Instituto, servindo como paliativo para os problemas de
infraestrutura do INPI.
Em nossa visão, reconhecemos que o procedimento simplificado reduz o foco de
atenções ao problema de renovação e ampliação dos quadros do INPI, porém, não
consideramos justificada a posição de que o problema do backlog de patentes é exclusivo da
Administração Pública Federal. Não há como encarar o problema a partir de uma visão
exclusivista. Há dimensões do problema que afetam diretamente o Instituto e que devem ser
encarados a partir de uma postura de compartilhamento de responsabilidades. Mesmo que o
procedimento simplificado não seja o caminho ideal, uma vez que inova em relação ao texto
da Lei de Propriedade Industrial, extrapolando a hierarquia normativa entre Lei e Norma
Administrativa, deve-se elogiar a iniciativa de proposição de um plano para tratar do backlog
de patentes no país.
No tocante à segunda crítica ao procedimento simplificado, a judicialização da
propriedade intelectual, a Associação Brasileira das Indústrias de Química Fina e
Biotecnologia e suas Especialidades (ABIFINA)156
sintetizou o posicionamento apontando
que o procedimento simplificado gerará um enorme volume de concessões de patentes sem
mérito, aprovando pedidos que teriam uma baixa probabilidade de serem concedidos, em
muitos casos criando cenários em que pedidos podem versar sobre a mesma solução técnica.
Davison Rego Menezes157
, pesquisador em Propriedade Industrial do INPI, aponta
que o procedimento simplificado estaria apenas transferindo o problema da Administração
Pública Federal para o Poder Judiciário. Em sua visão, esta transferência seria temerária, uma
vez que diferente do INPI que dispõe de quadros técnicos, mesmo que insuficientes, em
contraposição ao Poder Judiciário que não dispõe de turmas de magistrados com este grau de
especialização. Conclui que o backlog sairia do INPI e seria espalhado por instâncias de
julgamento do Poder Judiciário, podendo criar um cenário de decisões conflitantes e
incertezas sobre a exploração tecnológica no país.
O conjunto de examinadores contrários ao procedimento simplificado também se
manifestou sobre o risco de judicialização. Em sua avaliação, mesmo que o procedimento
simplificado possa trazer efeitos imediatos de redução do backlog de patentes no curto prazo,
a incerteza permanecerá em muitos casos. Isto porque, o que hoje é expectativa de direito de
pedidos apresentados e não analisados se converteria em direito de exploração de uma
tecnologia via a concessão de patentes. Porém, este direito poderia ser rapidamente contestado
156
Ibidem. 157
Ibidem.
296
no Poder Judiciário, recriando o cenário de incerteza presente no contexto do atraso crônico
das análises do INPI. Isto geraria um desmerecimento do caráter técnico do INPI sem trazer
benefícios para a sociedade brasileira.
Segundo Liane Lage158
, a avaliação da Diretoria de Patentes do INPI não é de
transferência de disputas sobre patentes do INPI para o Poder Judiciário. Em sua avaliação, o
atraso de 14 anos já torna diversos pedidos de patentes pouco úteis para seus requerentes, em
muitos casos os seus potenciais retornos não justificariam os custos de um processo judicial.
Desta forma, para a cúpula do INPI a judicialização irá ocorrer, contudo, será residual, não
afetará a maior parte dos pedidos que hoje estão na fila da análise.
Em razão do prazo atual e do aumento progressivo do backlog de patentes,
também acreditamos que a judicialização seja uma transferência integral da análise de
patentes do INPI para o Poder Judiciário. Há um contingente de pedidos que não possuem
mais utilidade para sua exploração nos dias atuais tendo em vista o desenvolvimento
tecnológico dos últimos anos. Dificilmente estas tecnologias que não mais demonstram
utilidade em sua exploração seriam objeto de ações judiciais, mesmo em cenários em que
pedidos poderiam apresentar características similares.
Além disso, o argumento de desmerecimento da atividade de caráter técnico do
INPI e de seus examinadores acreditamos que não seja consistente com o quadro atual. Isto
porque, o quadro atual exige com que o examinador tenha que se colocar na situação de
examinar um pedido de depósito de patente que foi proposto há 14 anos atrás, tendo que
examiná-lo de acordo com o contexto de 14 anos atrás. Em nossa visão, esta tarefa prejudica
mais o exercício das atividades do examinador, uma vez que ele terá dificuldade de se colocar
nesta posição, tendo que se valer de referenciais de análise que hoje e até a poucos anos atrás
já se tornaram obsoletos, do que o fato de que a aprovação automática de pedidos antigos
poderia gerar para o exercício de suas atividades. O examinador com o procedimento
simplificado poderia se concentrar em pedidos que se relacionam ao seu tempo, permitindo
com que ele possa exercer suas funções em melhores condições.
Segundo Liane Lage159
, após a consulta pública a proposta do procedimento
simplificado não conseguiu apoio do Governo Federal. Na transição entre o governo de
Michel Temer e Jair Bolsonaro, o foco de atenções do antigo Ministério da Fazenda para o
novo Ministério da Economia mudou e a proposta de procedimento simplificado perdeu força
e apoio. Atualmente, há esforços em ampliar o uso de ferramentas eletrônicas para a
158
Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019. 159
Ibidem.
297
modernização do processamento de patentes, como o e-Patentes, e para a celebração de
acordos de cooperação com outras INAPIs, os chamados de Patent Prosecution Highway
(PPH).
Enquanto a adoção de ferramentas eletrônicas ainda não demonstra efeitos sobre o
backlog de patentes no Brasil, pode-se notar que a ampliação no número de PPHs firmados
pelo INPI têm criado caminhos para acelerar a concessão de patentes no Brasil quando
obtidas no exterior. O objetivo de um PPH é atenuar a duplicidade de trabalho entre INAPIs,
fazendo com que um exame de patente realizado em um país possa ser utilizado como base
para a aprovação em outro país que tenha um acordo de cooperação na área. Proposto
inicialmente no Japão, o PPH tem sido um instrumento importante para o início de processos
de harmonização entre critérios de análise de pedidos de patente no mundo (GARCEZ
JÚNIOR; MOREIRA, 2017, p. 179).
Segundo relatório160
do INPI sobre PPHs, após um escritório de patentes parceiro
do INPI considerar patenteável a matéria de um pedido de patente, o mesmo pedido torna-se
passível de priorização no país, podendo passar na frente na fila de espera do Instituto. O PPH
permite com que as informações que foram prestadas no exame realizado pelo Escritório de
Primeiro Exame (OEE) possam ser reaproveitadas pelos depositantes nacionais e sejam
utilizadas pelo examinador do INPI, tendo uma prioridade em relação aos demais pedidos na
fila. Hoje, o INPI tem 7 acordos de PPH em vigor, sendo o primeiro deles firmado em 2016
com os Estados Unidos da América (PPH INPI-USPTO) e o mais recente com a China (PPH
INPI-SIPO) em 2018.
Os acordos se restringem à campos técnicos específicos, como por exemplo o
PPH INPI-USPTO que cuida de patentes de tecnologia da informação, petróleo e gás, ou o
PPH INPI-SIPO que trata de tecnologia da informação, química e embalagens. Além disso,
cada um dos acordos estipula um limite máximo de pedidos que podem ingressar no exame
prioritário do INPI. No PPH INPI-USPTO o número é de 200 petições, no PPH INPI-EPO
(União Europeia) o limite é de 600 petições ano.
No contexto do debate sobre formas de redução do backlog de patentes, a
existência de um limite de pedidos capazes de receber análise prioritária aponta para um
alcance reduzido dos PPHs no Brasil. Isto porque, sem este limite de pedidos por ano que
poderiam receber análise prioritária do INPI, patentes obtidas no exterior poderiam ser
160
Disponível em: < http://www.inpi.gov.br/menu-servicos/patente/projeto-piloto-pph>. Último acesso em:
15.04.2019.
298
trazidas e exploradas em menor tempo no Brasil. Segundo o relatório161
do INPI sobre PPHs,
o tempo médio de decisão de uma patente aceita no âmbito de um PPH é de 265 dias.
Segundo Liane Lage162
, o projeto piloto de PPHs funciona melhor como uma
estratégia de cooperação internacional e harmonização de critérios de análise de pedidos de
patentes do que uma ferramenta para a redução do backlog de patentes no Brasil. Na visão da
diretora, o cenário brasileiro atual é de atraso crônico de pedidos em geral de patentes e
exceções específicas que permitem com que a análise ocorra a partir da priorização de
pedidos. Além dos PPHs, a diretora cita os pedidos realizados por requerentes com idade
acima de 60 anos (Resolução INPI PR n.º 151/2015), patentes de tecnologias verdes
(Programa Patentes Verdes), processos cujo objeto é o tratamento de doenças específicas
(Resolução INPI PR n.º 217/2018), processos pertencentes a instituições científicas,
tecnológica e de inovação (programa Patentes ICTs), processos pertencentes a microempresas
e/ou empresas de pequeno porte (Projeto Patentes MPE), dentre outros.
Em sua visão, o cenário atual é o de articulação de grupos de interesse para a
obtenção de um programa que permita o estabelecimento de trâmite prioritário, criando um
conjunto crescente de exceções ao regime geral de exame de patentes no Brasil. Após diversas
tentativas de reduzir o backlog de patentes, parece que o caminho mais efetivo, mesmo que
não o ideal, é a criação de diversas modalidades de trâmites prioritários, segmentados pelo
perfil do requerente, pela matéria estratégica tratada, pela situação do pedido, dentre outros
critérios. Nota-se uma percepção de que a tarefa de tratar o problema backlog de patentes de
forma ampla e integrada não tem dado resultados e que a melhor estratégia é esvaziar o
regime principal de exame de patentes por meio da criação de diversas hipóteses de processos
com trâmite prioritário, tornando o que era exceção, regra.
6.4 Os limites para o desinvestimento no país e a influência da taxa básica juros
Juros é a pior coisa que existe no mundo, disparado, para a economia real,
né. Burocracia é pouco perto do que os juros causam de malefício para a
economia sem gerar valor real, né. Numa visão de investidor em ativo real,
em que realmente compete, em que o cara se acomoda. O mercado fala que
os juros são a cocaína para os detentores de recursos para investimento.
Captar é difícil do país para venture capital porque é cômodo ficar como se
está. E até para as próprias startups os juros têm um efeito ruim. As vezes o
empreendedor poderia se financiar com um empréstimo. Há momentos em
que isto poderia fazer sentido. Em muitos casos o negócio é bom. Porém,
não é imaginável em uma economia saudável que um negócio bom,
161
Ibidem. 162
Liane Lage. Entrevista realizada em 08.02.2019.
299
redondinho, tenha que pegar um dinheiro tão caro. O ideal seria, em alguns
momentos o empreendedor buscar capital no formato de equity para fazer o
seu negócio crescer e ele agregar um capital inteligente aqui. Ao longo do
tempo, ele vai precisar de outras fontes também, para financiar algumas de
suas atividades, principalmente no curto prazo, no giro do negócio. Só que o
custo disso no Brasil é maluco. Há programas aqui e acolá e o BNDES tem
feito um esforço grande, contudo, não há uma integração. Aí quando você
investidor quer sair do negócio, a pressão é que você apresente retornos
extraordinários, acima do que é esperado em outros países para este tipo de
investimento. Só que no Brasil ou é venda estratégica ou venda estratégica!
Não tem outra opção. Não há uma bolsa de valores que seja capaz de
competir com a renda fixa. É um efeito em cadeia, entende? (Rodrigo
Borges, fundador da Domo Invest)
Nos investimentos de venture capital, a presença de oportunidades de saída do
investidor é condição necessária para a existência do capital de risco em um país. Mesmo
dependendo de diversos fatores, como a competência do investidor, as características do
empreendimento, o quadro regulatório local, especificidades do mercado em se atua, a saída é
parte integrante da ideia de ciclo de investimento que define a metodologia do venture capital.
A expectativa do gestor de recursos em um fundo de venture capital é de que a saída seja
capaz de cobrir os custos de oportunidade de seus cotistas, que disponibilizaram os seus
recursos financeiros para investimentos, na esperança que este capital possa lhes trazer
retornos extraordinários se empregados corretamente no financiamento de empresas
promissoras (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 55).
O negócio de gestoras de recursos financeiros que realizam investimentos de
venture capital é estruturado para ser temporário, e nele se constroem expectativas de entrada
e saída de empresas promissoras selecionadas para investimento. A identificação do momento
adequado para a saída, e do mecanismo ideal para viabilizá-la, são fatores importantes para a
obtenção dos retornos financeiros capazes de recompensar aqueles que disponibilizaram o
capital para o investimento, quando em um formato de fundo, os cotistas do fundo de
investimentos. Nesta perspectiva, a estruturação das oportunidades de saída de um
investimento em uma empresa promissora condiciona a organização do ciclo de investimento
e parte da atuação do gestor na empresa promissora investida (GLADSTONE, 1998, p. 216).
Saídas de investimento podem ser realizadas a partir de cinco mecanismos: (i)
venda estratégica – trade sale; (ii) venda de participação para outro investidor – secondary
sale; (iii) abertura de capital em bolsa de valores – initial public offering; (iv) recompra pelo
empreendedor – buyback; (v) liquidação – write-off. Estes podem ser divididos em três
situações distintas na trajetória da empresa investida. Os três primeiros mecanismos são
utilizados em situações em que os investimentos realizados permitiram com que a empresa
300
investida crescesse e pudesse atingir os seus objetivos de desenvolvimento, são as saídas em
contextos de sucesso. O quarto mecanismo, a recompra pelo empreendedor, mostra-se como
uma saída intermediária, em que a empresa investida não apresentou os resultados esperados
de crescimento, contudo, apresenta resultados suficientes para a sua continuidade. O quinto
mecanismo é a saída em um cenário de fracasso da empresa investida, momento em que o
investidor irá absorver as perdas e sair do empreendimento sem retorno sobre o capital
investido (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 57).
Segundo Ribeiro e Almeida (2005, p. 56), mesmo que a referência de
investimento de venture capital seja o modelo construído nos Estados Unidos da América,
nota-se que este modelo vem sendo adaptado à contextos locais em países pelo mundo, em
especial no que toca à disponibilidade de oportunidades de saída de investimento, ou também
chamadas de estratégias de desinvestimento. Ambientes regulatório-institucional (e.g.
tributação, regime de falências, propriedade intelectual, etc.) distintos têm gerado incentivos
para o comportamento do venture capital nestes países, influindo não apenas em ações na
saída, como também em diversos momentos do ciclo de investimentos (e.g. seleção de
empresas a serem investidas).
No estudo realizado Ribeiro e Almeida (2005) sobre o contexto de saída no Brasil,
os autores apontam a predominância e a preferência pelo mecanismo de venda estratégica por
parte de gestores de recursos, e explicam que esta preferência não se manifesta apenas no
momento da saída do investimento, estando presente desde a seleção da empresa promissora a
ser investida. Investe-se em empresas promissoras no país a partir de uma estrutura que
facilite a venda estratégica, podendo em alguns casos adaptar estas estruturas para vendas
para outros investidores.
Na avaliação dos autores (2005, p. 59), gestores brasileiros se enquadram no que a
literatura internacional classifica como estratégia de saída planejadora. Estratégias de saída
são construídas em função do ambiente em que uma gestora de recursos está inserida. No caso
da estratégia planejadora – path-sketchers, as operações de investimento são planejadas com
foco em garantir condições para saída, influenciando fortemente o processo de investimento e
a fase de acompanhamento das atividades das empresas investidas. Os planejadores levam em
consideração a criação de oportunidades de saída desde a negociação com empreendedores,
passando pela avaliação do plano de negócios, ao ponto de manter consigo listas de nomes de
potenciais compradores da empresa objeto de investimento.
A estratégia planejadora se opõe à estratégia oportunista - opportunists, em que
não há uma preocupação com a saída até o momento em que a empresa investida se mostra
301
madura o suficiente para que seus investidores comecem a organizar a sua saída. A saída não
é parte integrante do início do processo de investimento, sendo uma decorrência da qualidade
da empresa investida, do mercado em que atua e dos profissionais que serão envolvidos (e.g.
consultores). Nesta estratégia, a saída tem pouca influência na análise de projetos ou até na
decisão de investir (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 59).
Gestoras de recursos com preferência por saídas via abertura de capital em bolsa
de valores têm uma tendência em organizar seus investimentos a partir de estratégias
oportunistas, em que a sua decisão de investimento está orientada aos negócios que sejam
capazes de sustentar o seu crescimento independentemente da aquisição por outra empresa,
chamados de standalone business. Na década de 1990, Black e Gilson (1998) argumentavam
que o capital de risco não teria condições de se desenvolver, e até subsistir em alguns
contextos, em países com reduzidas oportunidades de saída de investimento via abertura de
capital em bolsa de valores.
Esta visão foi sendo gradativamente alterada por Macintosh (1997) e estudos
subsequentes (CUMMING; MACINTOSH, 2003; CUMMING, 2003) que buscaram tratar a
saída a partir da teoria de fatores determinantes, em que fatores do contexto em que o venture
capital se insere condicionam o comportamento de seus agentes, permitindo com que
realizem suas ações de investimento com base na criação de alternativas que viabilizem a sua
saída, como por exemplo quando se comportam como planejadores e não como oportunistas
para a organização de seus processos de desinvestimento.
Em 2004, Ribeiro e Almeida (2005, p. 60) conduziram uma pesquisa sobre
desinvestimento no Brasil junto a 18 gestoras de venture capital no Brasil para compreender
quais são suas preferências e estratégias. Enviaram questionários estruturados com questões
de múltipla escolha para as gestoras selecionadas a partir do guia do Instituto Endeavor,
replicando perguntas que já haviam sido aplicadas em outros países por Cumming e
Macintosh (2003).
Como resultado, 11 das 18 gestoras entrevistadas revelaram que se utilizam
exclusivamente da venda estratégica como forma de desinvestimento, tendo as demais 7
gestoras se mostrado dispostas a realizar venda estratégica, venda para outros investidores e a
realização de abertura de capital em bolsa de valores. Na avaliação dos autores (2005, p. 61),
a preferência pela venda estratégica não está relacionada com a origem da gestora, sua
experiência em outras operações ou com o tempo em que atua no país.
Diferente dos Estados Unidos da América em que a preferência é pela abertura de
capital em bolsa de valores, os autores (2005, p. 62) identificaram cinco razões para a
302
preferência pela venda estratégica: (i) baixa liquidez e valorização de ativos listados em bolsa
de valores no Brasil dificulta a abertura de capital de empresas de médio porte; (ii) capacidade
de gestores brasileiros em antecipar tendências e identificar estratégias de consolidação em
determinados setores da economia, obtendo altos retornos em razão disso; (iii) rapidez na
saída, venda estratégica não demanda o tempo de preparação que uma abertura de capital em
bolsa de valores exige; (iv) empresas de médio porte investidas por venture capital não tem
condições de arcar com os custos fixos da abertura de capital em bolsa de valores no Brasil; e
(v) a venda estratégica é menos sensível à volatilidade dos mercados financeiros.
A conclusão do trabalho (RIBEIRO; ALMEIDA, 2005, p. 63) aponta que o
venture capital no Brasil é mais seletivo em relação aos seus investimentos, buscando por
negócios que já demonstrem ter potenciais compradores que poderiam viabilizar a sua saída,
bem como durante o acompanhamento do investimento gestores tendem a realizar análises
estratégicas e do mercado de potenciais compradores para as empresas em seu portfólio de
investimento. Dos respondentes, 83% disseram que mantinham contato com potenciais
compradores de suas empresas durante o período de seu investimento, sinalizando para estes
potenciais compradores em quais momentos estariam dispostos a vender a sua participação.
Em nosso questionário de entrevistas, tomamos por base questões e conclusões da
pesquisa realizada por Ribeiro e Almeida em 2005 e aplicamos para o conjunto de gestores
que concordam em participar de nossa pesquisa. No questionário que aplicamos, separamos as
questões que cuidaram do desinvestimento das questões que tratavam dos impactos da taxa
básica de juros da economia no Brasil. Contudo, durante a entrevista sete dos dez gestores
entrevistados correlacionavam estes dois tópicos, apontando relações entre eles. Por esta
razão, unimos os dois assuntos em uma mesma seção deste capítulo.
O consenso entre todas as respostas obtidas entre os entrevistados foi o fato de
que o principal mecanismo de desinvestimento é a venda estratégica. De todos os
entrevistados ao serem questionados sobre quais saídas já realizaram no Brasil, a totalidade já
fez saídas no formato de venda estratégica. Em segundo lugar entre as saídas realizadas está a
venda de participação para outro investidor, em que seis dos dez entrevistados mencionaram
que já realizaram este tipo de saída. Além das saídas bem-sucedidas, todos os gestores
entrevistados também citaram que já realizaram saída por meio de liquidação, em que
exerceram o seu direito de venda de sua participação por um valor simbólico (R$ 1,00) apenas
para se desligar da empresa investida que não alcançou os seus resultados. Apenas dois dos
dez entrevistados mencionaram que já realizaram desinvestimento por meio da recompra de
303
sua participação por parte dos fundadores da empresa investida. Mesmo já tendo participado,
fizeram questão de dizer que foi em apenas casos muito específicos e pontuais.
Outro ponto de consenso entre as respostas foi a confirmação de que a estratégia
planejadora caracteriza o comportamento de desinvestimento das gestoras entrevistadas no
contexto de nossa pesquisa. Todas as gestoras entrevistas responderam que na seleção de
empresas para investimento avaliam as condições de saída e estruturam sua operação de
investimento para viabilizar a saída.
Contudo, neste ponto notamos uma divisão entre os respondentes. Quando
perguntados se a presença de potenciais compradores (e.g. empresas de grande porte no
mercado de atuação da empresa investida) foi um fator determinante para a decisão de
investimento em empresas de base tecnológica, seis respondentes disseram que não foi um
fator determinante, que a avaliação de potenciais compradores não se limita ao momento do
investimento, se dá ao longo do processo de investimento. Na visão destes respondentes, a
empresa investida ao longo do investimento poderá mudar a sua estratégia de negócios, os
seus produtos e até o foco de sua atuação. É possível que os potenciais compradores no
momento de seleção do investimento não sejam os potenciais compradores durante o
acompanhamento do investimento.
Clóvis Meurer163
da CRP Companhia e Participações sintetiza esta visão ao
afirmar durante a sua entrevista que o importante para o investimento é que o segmento de
atuação da empresa investida esteja povoado por empresas ou investidores (e.g. private
equity) com condições e potencial de adquirir sua participação no futuro. Além disso, segundo
o gestor, parte do seu papel como investidor é influenciar as empresas em seu portfólio a
explorar mercados em que ele visualize ao mesmo tempo a capacidade de crescimento da
empresa e a sua possibilidade de saída. Em suas palavras:
A entrada em um negócio sempre tem uma avaliação sobre a venda. Se a
empresa está na área de saúde, sempre discutimos quem vai comprar, se será
um hospital, uma farmacêutica, rede de laboratórios. Se for na área de
educação, sempre pensamos em um grande grupo educacional, como a
Anhanguera, ou qualquer outro. Isso sempre nos acompanha e pode mudar
também. A empresa lançar algo, nós tentamos direcioná-la para onde ela vai
conseguir clientes, crescer e onde há interesse na compra dela no futuro. Esta
influência existe. Você precisa dar uma mapeada, onde tu achas que vai ter
interesse para vender. (Clóvis Meurer, 2019)
163
Clovis Meurer. Entrevista realizada em 15.03.2019.
304
Para Rodrigo Borges, da Domo Invest, a saída bem-sucedida de um investimento
de venture capital no Brasil tem de ser por meio de venda estratégica e, em alguns casos, por
meio da venda para outro investidor interessado. Na visão do gestor, é muito difícil conceber
uma operação de investimento no Brasil sem incorporar a lógica da contínua preparação da
empresa investida para a venda futura, seja ela para uma empresa de grande porte, seja para
um investidor institucional (e.g. fundo de investimento de private equity). Em sua visão, o que
muda é a intensidade com que esta preocupação se manifesta em cada operação de
investimento.
No investimento da Loggi, plataforma digital de aproximação entre demandantes
por entregas e motociclistas dispostos a entregar, identificava-se um grande contingente de
interessados tanto em investir quanto em comprar a empresa, por isso a preocupação não era
tão grande e intensa. No caso do investimento em uma empresa desenvolvedora de aplicativos
de jogos para telefones celulares, a preocupação foi constante, tanto na avaliação sobre o
negócio e sua atratividade para potenciais compradores, bem como na sua preparação para ser
vendida no futuro, reforçando os contatos entre a Domo Invest, empresas de maior porte e
investidores institucionais.
No caso de gestoras de recursos que investem em empresas em fases iniciais de
desenvolvimento – early stage, ou até tem investimentos de capital semente, como a Bossa
Nova Investimentos, a Inseed e a Provence Capital, a saída comum é a alienação de suas
participações para investidores de venture capital em estágios mais avançados no ciclo de
investimentos, como por exemplo series A e series B. No caso da Provence Capital, quando a
gestora está investindo em early stage, o mais comum é a venda de sua participação para um
investidor que ingressará em uma próxima rodada de investimento. Segundo Marcelo
Mitre164
, é muito comum a discussão internamente sobre qual a melhor forma de saída. A
escolha da gestora tem sido por aceitar as ofertas de investidores de primeira ou segunda
rodada para adquirir as participações da Provence Capital, porém, uma aposta que a gestora
está começando a fazer é ampliar o número de saídas por venda estratégica.
André Kabbani165
da Bossa Nova Investimentos aponta que a saída é um processo
que a investidora precisa construir, que ela não ocorrerá de forma espontânea no contexto de
investimentos no Brasil. Mesmo tendo realizado saídas majoritariamente por venda
estratégica, a possibilidade de saídas por alienação de sua participação para investidores
institucionais confere alternativas para a gestora trabalhar a sua saída, permite com que a
164
Marcelo Mitre. Entrevista realizada em 25.03.2019. 165
André Kabbani. Entrevista realizada em 14.03.2019.
305
intensidade de seu trabalho junto aos potenciais compradores de sua participação possa ser
calibrada com o contexto da empresa investida.
A ausência da abertura de capital em bolsa de valores como mecanismo de saída
também foi um ponto em comum entre todas as respostas. Quando perguntados sobre quais
foram as saídas que realizaram até hoje, nenhum dos gestores fez referência a abertura de
capital em bolsa de valores e quando perguntados sobre as razões desta ausência, as respostas
variaram entre eles. A percepção geral é a de que a bolsa de valores brasileira (B3) exige um
porte de empresa que a maior parte das empresas investidas no Brasil não conseguem alcançar
até o momento da saída de seus investidores. Além disso, a B3 não oferece a liquidez capaz
de garantir que a abertura de capital possa gerar os retornos esperados para viabilizar uma
saída bem-sucedida no contexto brasileiro, sendo muito mais segura a saída pela venda.
Neste grupo, Rodrigo Borges da Domo Invest sintetiza o argumento da seguinte
forma:
Na nossa cabeça, a primeira alternativa é sempre a [venda] estratégica. Se
pudesse ter um IPO melhor. Talvez valorizasse melhor, precificasse melhor,
mas hoje a venda estratégica é a via de saída mesmo. Aqui no Brasil você
precisa ter uma escala muito grande, lá fora não tanto. O que influencia lá
fora é a sua reputação como investidor, você atrai interesses em uma
abertura de capital, por exemplo nos Estados Unidos [da América]. Por isso,
dá para ver diversos investidores internacionalizando suas estruturas. Pessoal
com estruturas em Delaware. Lá fora não precisa da escala daqui e ainda
você tem uma maior liquidez. Aí o IPO vira uma opção, inverte, entende. E
se tiver um estratégico querendo comprar antes, excelente, mas o caminho
natural é o IPO fora do país, no modelo norte-americano. Aqui no Brasil não
é assim. (Rodrigo Borges, 2019)
No mesmo sentido, Sidney Chameh da DGF Investimentos ressalta que o Brasil
tem muita dificuldade de construir um ambiente de investimento em que a sua bolsa de
valores possa se tornar um referencial de investimentos para a população em geral. Na visão
do gestor, a B3 está muito longe em tamanho e liquidez se comparada com bolsas de valores
de países desenvolvidos em que o venture capital é uma ferramenta para o financiamento de
empresas de base tecnológica. Para Sidney Chameh, parte da explicação está no que ele
chamou de cultura “rentista” brasileira, o brasileiro médio não quer investir em renda
variável, na esfera produtiva, ele prefere, e tem muitas opções para isso, investir na renda fixa,
não produtiva, em que obtém retornos sem gerar efeitos sobre a produção e o mercado
nacional. Em sua visão, a tendência do brasileiro em ter um comportamento “rentista” foi
reforçada por iniciativas governamentais de altas da taxa básica de juros na economia,
tornando a renda fixa muito atrativa para o brasileiro.
306
Além disso, Sidney Chameh discorda que seja apenas uma questão de porte da
empresa e nesse sentido, uma questão de custo da abertura de capital. Em sua visão, parte do
problema também está na incerteza que a burocracia inerente a abertura de capital traz para
viabilização de uma saída de investimentos de venture capital. Um exemplo disso é a
dificuldade em se saber qual o custo médio de aberturas de capital no país. Operações com
características parecidas apresentam variações de custo significativas na visão do gestor. Não
é apenas o alto custo, são as surpresas de aumento de valores a serem dispendidos durante os
processos de abertura de capital. Por isso que, em sua percepção, a abertura de capital fora do
país também é mais fácil, uma vez que além dos custos envolvidos serem menores na
percepção dele, não existiram surpresas durante o processo de abertura que elevarão os custos.
Diferente de Sidney Chameh e de Rodrigo Borges, Sullyen Almeida166
da
Monashees respondeu que mesmo a gestora de recursos não tendo tido nenhuma saída via
abertura de capital em bolsa de valores no Brasil, ela ainda é considerada como uma saída. Na
visão da gestora, a abertura de capital é uma alternativa para o seu desinvestimento fora do
país. Isto porque, na estrutura Cayman-Delaware-São Paulo que a gestora montou é possível
que a empresa “espelho” formada fora do país possa abrir o capital na Nasdaq ou em qualquer
outra bolsa de valores orientada para empresas de base tecnológica.
Em sua visão, um dos problemas da B3 é a ausência de um ambiente de
negociação de ações concentrado em empresas de base tecnológica, como a Nasdaq é nos
Estados Unidos da América. Há um interesse da sociedade em novos negócios, em cultura
empreendedora, em inovação tecnológica que poderia ser aproveitado para gerar liquidez em
um ambiente específico de negociação de ações. Este ambiente poderia ser moldado às
características do capital de risco, incorporando o perfil das empresas de base tecnológica e de
seus investidores. Em sua visão, haveria um esforço de investidores em fomentar este
ambiente, em construir sua reputação como identificador de empreendimentos inovadores.
Empresas de base tecnológica teriam neste ambiente mais uma alternativa para a atração de
investimentos.
Robert E. Binder167
da Antera Gestora de Recursos menciona que projetos de
criação de segmentos de bolsa de valores específicos para empresas de base tecnológica já
foram propostos e discutidos por diversas oportunidades no Brasil. O gestor, em particular,
participou de dois destes projetos, o Bovespa Mais da já extinta Bolsa de Valores de São
Paulo e o da Sociedade Operadora de Mercado de Acesso (SOMA) criada pela também já
166
Sullyen Almeida. Entrevista realizada em 07.02.2019. 167
Robert E. Binder. Entrevista realizada em 15.03.2019.
307
extinta Bolsa de Valores do Rio de Janeiro. Em ambos os casos, o gestor comenta que os
projetos não foram continuados.
Segundo Robert E. Binder, o Bovespa Mais não contou com esforços suficientes
para identificá-lo como um ambiente propício para listagem de empresas de base tecnológica.
Ao invés dos esforços se concentrarem nas características destas empresas e de seus
investidores, o foco residiu em criar um ambiente para empresas de médio porte com regras
mais simples. Na perspectiva do gestor, este foi um equívoco, pois um segmento voltado para
empresas de base tecnológica tem de considerar que estas empresas não se resumem ao seu
tamanho e que seus investidores teriam como principal interesse a viabilização de sua saída.
Por esta razão, na perspectiva do gestor, o Bovespa Mais ficou restrito a um contingente
pequeno de empresas e um volume baixo de transações até os dias atuais.
No caso da SOMA, Robert E. Binder atribuiu a não continuidade do projeto ao
fato da Bolsa de Valores de São Paulo ter absorvido a Bolsa de Valores do Rio de Janeiro.
Não faria sentido a permanência de projetos similares para o mesmo segmento, bem como na
avaliação do gestor a opção pelo projeto Bovespa Mais se deu pelo fato de ter sido a Bolsa de
Valores de São Paulo que absorveu a do Rio de Janeiro. Desta forma, o gestor aponta que a
ausência de saídas de investimento pelo venture capital no Brasil via abertura de capital em
bolsa de valores é fruto da falta de continuidade de projetos que tentaram criar ambientes
propícios para que estas saídas pudessem ocorrer.
Além disso, o gestor ainda observa que há um movimento de investidores de
venture capital em procurar bolsas estrangeiras para viabilizar suas saídas. A abertura de
capital da empresa brasileira Pagseguro na Bolsa de Valores de Nova Iorque seria uma
evidência disso. Em sua avaliação, há empresas no Brasil hoje como a Nubank, 99, Gympass,
entre outras que já alcançaram avaliações de mercado suficientes para a sua abertura de
capital e seus investidores parecem não enxergar a abertura de capital na B3 como uma
alternativa para a sua saída. Nas palavras de Robert E. Binder: “Gestoras estão estruturando as
suas operações de investimento em empresas brasileiras para prepará-las para uma abertura de
capital fora do país, pois já não acreditam mais que a B3 possa ser uma opção para a sua
saída”.
308
7 CONCLUSÃO
É uma realidade diferente que nós temos no Brasil. Bem diferente dos
Estados Unidos. Muitos gestores aqui parecem mais conservadores. Não se
buscam empresas mais disruptivas como em outros países, com tecnologia
de ponta. A busca é por modelos de negócio, que exploram oportunidades,
que já tem um histórico de receitas, que irão crescer e em alguns casos
crescer muito olhando para o que se pode explorar de determinados
mercados. Já é muito, muito arriscado investir em empresas. No Brasil este
risco aumenta e aumenta muito. Não dá para fechar os olhos para isto. Já é
muito arriscado investir em oportunidades de negócio, imagina em
tecnologia de ponta. A nossa lógica aqui na gestora é buscar o retorno
extraordinário, focar em tecnologia de ponta, só que a gente sabe que mirar
em alta tecnologia não é a postura comum das gestoras no Brasil. E, veja só,
nós só conseguimos uma saída bem-sucedida e mesmo assim não
alcançamos o retorno extraordinário que almejávamos. No Brasil, não há
como contestar a estratégia de olhar para oportunidades, mesmo que todo
mundo fale tanto em desenvolvimento tecnológico.168
(Gabriel Perez, 2019)
Em uma análise sobre a trajetória do venture capital no Brasil, Leonel (2014, p.
128) afirma que, mesmo com grandes esforços do governo federal na promoção da
modalidade de investimento, não se identifica a capacidade do venture capital em financiar
empresas que realizem atividades de desenvolvimento tecnológico no país. Para a autora,
faltaria disposição de investidores em assumir os riscos próprios deste tipo de investimento.
Investidores de venture capital no Brasil não assumiriam o seu papel no financiamento de
empresas inovadoras, frustrando os esforços públicos na construção de políticas de fomento
ao capital de risco no país. Mesmo com recursos e com o apoio governamental, gestores
optariam em não investir em EBTs.
Mesmo que concordemos com Leonel (2014) em seu diagnóstico sobre o papel
fundamental do governo federal na construção do arcabouço regulatório-institucional do
venture capital no país, com destaque para o BNDES e para a FINEP, este trabalho buscou
desconstruir o argumento que reputa apenas a falta de disposição de investidores em assumir
os riscos do investimento de venture capital como o principal problema do financiamento de
empresas de alto potencial de crescimento no Brasil. Nossa tese busca compreender como o
capital de risco no Brasil respondeu às condições do ambiente regulatório-institucional 168
Gabriel Perez. Entrevista realizada em 01.04.2019.
309
brasileiro hostil, que, para além das vontades individuais de gestores, também foi responsável
por moldar suas características atuais e influir sobre a percepção de gestores em suas decisões
de investimento em startups no país.
Concordamos que a reduzida proximidade de alguns gestores de venture capital
com universidades públicas no Brasil pode ser explicado, em parte, pela sua falta de
disposição em construir relacionamentos em espaços de incubação universitários, bem como
em se aproximar de centros e núcleo de pesquisa, como se observa nos Estados Unidos da
América e na China. Porém, a preferência por empresas exponenciais de oportunidade, por
tecnologias não patenteáveis e por saídas via venda estratégica de sua participação, bem como
a aversão a empreendedores que fizeram parte de empreendimentos fracassados no passado
devem ser compreendidos a partir da influência de um ambiente regulatório-institucional
hostil no país.
Estes fatores explicam que determinadas características do capital de risco
nacional são criadas a partir de percepções que gestores formaram ao longo dos anos sobre
seus investimentos realizados no Brasil. Estas percepções se materializam na forma como
estes gestores constroem suas teses de investimento, bem como em suas descrições sobre qual
o perfil de empresa buscam, como podem contribuir para o crescimento de empresas
investidas, quais são suas expectativas para uma saída, moldando as características do capital
de risco no país, o que chamamos de venture capital à brasileira.
A passagem da entrevista de Gabriel Perez, gestor do Pitanga Fund, ilustra nosso
argumento. Quando perguntado sobre sua avaliação do ambiente brasileiro para o
investimento de venture capital, o gestor fez questão de ressaltar que a avaliação de risco no
país não é uma tarefa trivial e que a baixa tolerância ao risco não é uma expressão apenas da
vontade de investidores, mas sim de um ambiente que molda percepções e comportamentos.
Para o gestor, a aparência de que o investidor de venture capital é conservador em relação aos
seus investimentos é resultado de um contexto de dificuldades de mensuração de riscos, em
especial em relação às novas tecnologias.
O gestor ressalta a importância do venture capital no financiamento de empresas
de alto potencial de crescimento, contudo, reconhece que não serão todas as financiadas pelo
capital de risco no país. Em sua visão, empresas exponenciais de oportunidade são mais
procuradas por investidores, pois os riscos associados ao seu investimento são menores do
que os presentes em empresas de base tecnológica no país. Isto não significa que empresas de
base tecnológica não receberão investimentos, porém, não serão as mais procuradas.
310
A posição do gestor é uma síntese do percurso que buscamos construir neste
trabalho. Mesmo que o ambiente regulatório-institucional hostil não sendo o único fator que
influencia o comportamento do gestor de venture capital, é uma variável relevante e nos
auxila na construção de uma explicação completa sobre os processos de tomada de decisão de
investimentos em empresas de alto potencial de crescimento no Brasil. Entre as empresas
inovadoras no país, a preferência por investimentos em empresas exponenciais de
oportunidade não é apenas uma escolha, é também fruto do quadro regulatório-institucional
brasileiro.
A própria percepção sobre o que é designado como empresa de base tecnológica é
algo que chama atenção em nossa pesquisa junto às gestoras de recursos no país. Isto porque,
a maior parte delas afirmou que o foco de seus investimentos residia na busca por empresas
de base tecnológica no país, contudo, quando descreviam as características das empresas
investidas por ela ou o que entendiam por empresa de base tecnológica, a descrição se
aproximava mais de empresas exponenciais de oportunidade do que empresas de base
tecnológica. Mesmo que os investimentos descritos ressaltassem a presença de tecnologias,
como por exemplo o desenvolvimento de plataformas digitais (e.g. Loggi), a principal
novidade do empreendimento se encontrava no modelo, na exploração de oportunidades de
um mercado.
Os investimentos em empresas de base tecnológica estiveram presentes nas falas
dos gestores de venture capital envolvidos diretamente com entes públicos, como a FINEP e
o BNDES. Inseed Investimentos, Antera Gestora de Recursos e CRP Companhia e
Participações foram as gestoras que descreveram investimentos em EBTs e uma busca por
projetos de base tecnológica ou nas expressões usadas nas entrevistas “projetos baseados em
conhecimento profundo” e “projeto baseados em ciência e tecnologia”. A busca por EBTs não
excluiu investimentos em empresas exponenciais de oportunidade, tendo estas gestoras
ressaltado na entrevista que também se interessam por este tipo de empresa inovadora.
A exceção durante as entrevistas foi a Pitanga Fund que apontou que só investe
em EBTs, não buscando projetos com características de EEOs. Diferente dos dois perfis de
entrevistados, o primeiro voltado a investimentos em EEOs e o segundo com investimentos
em EEOs e EBTs, a gestora concentra os seus investimentos em EBTs. Diferente dos demais
entrevistados, a Pitanga Fund só aportou recursos em 3 empresas de base tecnológica, tendo
tido apenas uma saída.
A descrição dos investimentos da gestora feita por Gabriel Perez deixa clara que a
opção por investimentos exclusivamente em EBTs não trouxe os resultados esperados, e que
311
este, na visão do gestor, não é o padrão de investimentos entre as gestoras de venture capital.
No caso da Pitnaga Fund, a gestora descreveu dificuldades na seleção de EBTs para
investimentos, na estruturação de suas operações de investimento e na sua saída.
Neste contexto, entre as incertezas descritas por Freeman e Soete (2008, p. 415) e
discutidas no capítulo 2 deste trabalho, a que se mostra mais significativa para uma melhor
compreensão do cenário nacional são as incertezas gerais, mais especificamente as incertezas
relacionadas ao quadro regulatório-institucional brasileiro. A presença de um longo backlog
de patentes, a aversão por empreendedores que já fracassaram em empreendimentos passados,
o menor número de alternativas de saída para o investimento são algumas características do
ambiente regulatório-institucional que conferem a característica de hostil ao ambiente de
investimento nacional.
O ambiente regulatório-institucional brasileiro é hostil ao modelo de venture
capital, pois é percebido como ameaçador, agressivo às características do modelo de
investimento estadunidense, exigindo com que o gestor de recursos brasileiro se adapte, se
comporte de forma a criar alternativas para que ele possa investir segundo a metodologia de
venture capital, porém, acomodando o modelo às peculiaridades de um ambiente que não
busca absorvê-lo.
A percepção de hostilidade regulatório-institucional influenciou a tolerância ao
risco, empurrando gestoras brasileiras a investimentos em empresas com menores graus de
incerteza, concentrando-se em empreendimentos com pouca incerteza ou com muito pouca
incerteza, conforme tabela 2.1 (p. 35). Mesmo que a metodologia de investimento do venture
capital possa servir como solução para incertezas de ordem técnica e de mercado em muitos
países, no Brasil, as incertezas de ordem regulatório-institucional moldaram o venture capital
a financiar com maior intensidade empresas exponenciais de oportunidade.
A atuação de entidades públicas no fomento do venture capital no país buscou
atenuar estes riscos, direcionando recursos (e.g. CRIATEC) e construindo programas voltados
à investimentos em EBTs. Contudo, mesmo tendo um papel fundamental na formação do
venture capital no país e no seu desenvolvimento, os seus esforços não foram suficientes para
que o foco do venture capital no Brasil estivesse nos investimentos em EBTs.
Enquanto a trajetória de desenvolvimento do venture capital nos Estados Unidos
da América foi capaz de conciliar o fomento ao capital de risco e mudanças regulatórias que
permitissem a sua acomodação e expansão no contexto do financiamento de empresas de alto
potencial de crescimento, no Brasil, mesmo que tenhamos avançado na criação e
aprimoramento de veículos de investimento e programas de fomento ao capital de risco, não
312
conseguimos avançar em reformas regulatório-institucionais que diminuíssem o grau de
hostilidade do ambiente de investimentos no país.
Flertamos com algumas destas reformas, em especial no âmbito de iniciativas para
a redução do backlog de patentes no país (programa de contratação de servidores temporários
e instauração do regime simplificado de exame de patentes) e abertura de capital (tentativas
de criação de mercados de acesso – Bovespa Mais e SOMA). Porém, estas reformas não
encontraram as condições ideais para serem implementadas, no caso do backlog de patentes
encontrando resistências internas para que elas não fossem realizadas, reforçando o caráter
hostil do ambiente para investimentos de venture capital no país.
Esta percepação também se materializa na estruturação do investimento por parte
de algumas das gestoras entrevistadas, no que chamamos de modelo Cayman-Delaware-São
Paulo. Da mesma maneira do que o modelo Sina na China, o modelo Cayman-Delaware-São
Paulo se mostra como um arranjo jurídico construído para reduzir os riscos do investimento
para gestoras de recursos. Se para aqueles que aportam recursos em uma startup o modelo
confere maior proteção, para o país é um modelo permite a fuga de riquezas que possam advir
deste financiamento. Isto porque, a orbigatoridade de criação de estraturas fora do país, como
uma empresa “espelho”, faz com que em uma startup brasileira bem-sucedida migre para
outro país, como os Estados Unidos da América, transportando consigo a sua riqueza
construída a partir de diversos fatores, o talento de seus fundadores, a orientação de seus
investidores e os programas públicos de incentivo ao seu crescimento (e.g. incubação).
Em nossa visão, o venture capital à brasileira é uma amálgama entre escolhas de
gestoras e influências do ambiente regulatório-institucional brasileiro, criando uma
modalidade de investimento com características próprias e preferências específicas. Os
esforços governamentais bem-sucedidos na formação da modalidade não foram suficientes
para atribuir às gestoras todas as feições descritas em programas e políticas públicas, mais
especificamente a concentração de investimentos em EBTs. Em nosso universo de análise, o
venture capital pode ser descrito como um dos instrumentos de financiamento de empresas
inovadoras, porém, o tipo de inovação financiada não é majoritariamente de base tecnológica
em razão de componentes de caráter local. Empresas exponenciais de oportunidade se
mostram como empreendimentos com maior potencial de crescimento e retorno ao venture
capital brasileiro.
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323
ANEXO I – GESTORAS DE RECURSOS DE VENTURE CAPITAL169
Bloco 1: Descrição do Investidor
Pergunta 1: Quando a gestora foi criada e sob qual fundamento (tese de investimento)?
Pergunta 2: Quem são os seus fundadores e o que os motivou ao capital de risco?
Pergunta 3: Quais os mercados em que busca atuar?
Pergunta 4: Qual o veículo de investimento utilizado?
Pergunta 5: Qual a formação dos profissionais que trabalham na gestora (e.g. finanças,
biotecnologia, robótica, etc.)?
Bloco 2: Oportunidades, Seleção e Participação em Empresas Investidas
Pergunta 1: Qual o perfil de empresas buscada pela gestora?
Pergunta 2: Há uma necessidade que a empresa seja de base tecnológica?
Pergunta 3: Empresas brasileiras estão preparadas para receber investimentos de fundos?
Pergunta 4: Quais são os problemas mais comuns?
Pergunta 5: O fracasso de empreendedores em outros empreendimentos importa para a
decisão de investimento? (e.g. empreendedores com pendências em aberto – dívidas)
Pergunta 6: Como o investidor contribui para a empresa investida? (e.g. profissionalização da
gestão, rede de relacionamentos, estratégia de marketing, expansão, etc.)
Pergunta 7 & 8: A obtenção de patentes importa para a realização de investimentos? E outra
forma de proteção de ativos intangíveis?
Pergunta 9: Quando a gestora investe, ela o faz sozinha ou em conjunto?
Pergunta 10: Há parceiros contínuos para a realização destes investimentos?
169
Este questionário foi elaborado pelo pesquisador com perguntas extraídas a partir de suas percepções da
literatura especializada do tema e de suas percepções de dados de mercado. Todos os questionamentos são de sua
integral responsabilidade, bem como o pesquisador se compromete a obter o consentimento de seus
entrevistados, resguardado o direito de cada um deles em não se identificar pessoalmente, apenas pela sua área
de atuação.
324
Bloco 3: Papel do Poder Público e Parcerias
Pergunta 1: A gestora já participou de investimentos com o BNDES
(BNDESPAR/CRIATEC) ou com a Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP)? Outros?
Pergunta 2: Qual o perfil da empresa investida em conjunto?
Pergunta 3: Houve alguma demanda por parte do investidor público para o investimento
conjunto?
Pergunta 4: Há iniciativas de prospecção de oportunidades em Universidades Públicas, em
particular com uma atuação em incubadoras de base tecnológica? Qual?
Bloco 4: Saída de Investimentos
Pergunta 1: Quais foram os tipos de saída realizadas pela gestora?
Pergunta 2: Caso não tenha saído por abertura de capital, poderia explicar o por que?
Pergunta 3: A presença de uma empresa de grande porte influencia a escolha da empresa a ser
investida? Como?
Pergunta 4: Qual a sua percepção sobre a saída de investimentos no Brasil?
Bloco 5: Ambiente Institucional
Pergunta 1: Você considera o ambiente de investimento favorável ao investimento de venture
capital? Explique.
Pergunta 2: A presença de um backlog médio de patentes de 11 anos impacta a sua avaliação
sobre empresas brasileiras? Como?
Pergunta 3 & 4: A variação da taxa Selic (juros da economia nacional) impacta a sua decisão
de captação de recursos? Impacta também o tipo de empresa a ser investida?
Pergunta 5: A gestora já foi envolvida em processos judiciais por dívidas da empresa
investida que ultrapassavam o valor de seus investimentos? (efeitos da desconsideração da
personalidade jurídica)
Pergunta 6: Há outros obstáculos identificados pela gestora para o investimento de venture
capital no Brasil?
325
ANEXO II - INPI
Bloco 1: origem e causas do Backlog de Patentes
Pergunta 1: Quando o atraso na análise se tornou um problema para o INPI?
Pergunta 2: Quais são as causas da existência do backlog?
Pergunta 3: Na sua visão, qual o tempo razoável médio para a análise de pedidos de patentes?
Bloco 2: Medidas para reduzir o backlog de patentes
Pergunta 1: Quais são as medidas que têm sido utilizadas para reduzir o backlog de patentes?
Pergunta 2: Sobre a contratação de novos examinadores, quais foram os motivos apresentados
para a não integração dos aprovados em concursos públicos realizados pelo INPI nos últimos
anos?
Pergunta 3: A respeito da cooperação internacional, na sua visão, a criação de uma fast-track
entre o Brasil e outros países poderia reduzir o backlog de patentes?
Pergunta 4: A contratação temporária de profissionais por 12 meses para realização da
análise de pedidos não poderia ser uma estratégia para redução do backlog de patentes?
Pergunta 5: Qual a visão do INPI sobre a medida liminar na ADI n.º 2.125 que decidiu que
apenas técnicos de carreira poderiam exercer as atividades realizadas pelo INPI?
Pergunta 6: Como surgiu a proposta de criação de um procedimento simplificado de
deferimento de patentes no INPI?
Pergunta 7: Quais os obstáculos para a implementação desta proposta no país?
326
Bloco 3: Efeitos do backlog de patentes
Pergunta 1: Na sua visão, quais são as consequências do backlog de patentes para as empresas
no Brasil?
Pergunta 2: Quais são os efeitos do backlog de patentes para os examinadores do INPI?
Pergunta 3: A demora tem feito com que empresas que ingressaram com pedidos de patentes
tenham judicializado os seus pedidos, solicitando para que o INPI pule a fila ou até aprove o
pedido?
Pergunta 4: Na sua visão, a criação do procedimento simplificado apresenta um risco de
judicialização das patentes concedidas? Qual é o tamanho deste risco?
327
ANEXO III – FINEP
Bloco 1: Políticas Públicas da FINEP no Fomento do Venture Capital no Brasil
a. Programa Inovar (Dados)
i. Incubadora de Fundos
ii. Venture Fórum
iii. Plataforma Digital (Aproximação + Informação)
Bloco 2: Participação da FINEP na captação de recursos de fundos de Venture
Capital
b. Quais são os fundos que contaram com recursos da Finep?
c. Quais foram os critérios de seleção para a escolha destes fundos?
d. Há alguma participação da Finep na formação de fundos em áreas específicas?
e. Qual o valor aportado pela Finep nestes fundos?
Bloco 3: Posição da FINEP no financiamento de capital de risco no Brasil
f. Na sua visão, qual o papel que a FINEP desempenha no capital de risco no
Brasil?
g. Na sua visão, há barreiras institucionais para a atuação da FINEP no Brasil?
Bloco 4: Programas mais recentes de fomento ao investimento de venture capital
no Brasil?
h. Existem outros programas que a Finep associa ao investimento de capital de
risco no país?
i. Quais as razões para a criação destes novos programas?
328
ANEXO IV – Glossário de Termos e Expressões170
Termo Definição
Avaliação de Empresas –
Valuation
Projeção do valor de uma empresa a partir de metodologias
específicas, tais como: (i) fluxo de caixa descontado; (ii) comparação
de múltiplos e opções reais; dentre outras.
Bootstraping Estratégia de crescimento empresarial que utiliza como fonte de capital
recursos próprios, rentabilidade do negócio ou recursos advindos de
seus sócios, demandando o mínimo possível de capital de terceiros
para o financiamento das atividades da empresa.
Plano de Negócios –
Business Plan
Documento que descreve integralmente a estratégia da empresa para a
condução de suas atividades, ressaltando os seus potenciais e definindo
de forma clara e coesa a sua atuação.
Capital Comprometido Aporte de recursos financeiros contratualmente pré-estabelecido por
um gestor de recursos aos seus investidores, como forma de garantir
condições de execução da tese de investimento de um fundo.
Co-investimento Aporte de recursos realizado por mais de um investidor em um mesmo
empreendimento com o objetivo de reduzir a exposição dos
investidores à riscos específicos relacionados à empresa investida
Comitê de Investimento –
Investment Committees
Órgão com competência para deliberar e decidir sobre os
investimentos a serem realizados, bem como sobre o momento mais
adequado para a saída de investimentos de uma organização de venture
capital.
Comprador Estratégico –
Strategic Buyer
Companhia ou grupo econômico que adquire uma empresa comprando
a participação de sócios que lhe garanta o controle sobre o capital ou
que adquira a totalidade das ações da empresa alvo do investimento.
Corporate Venture
Capital
Modalidade de financiamento de empresas de alto potencial de
crescimento que se baseada na criação de um veículo de investimento
por uma empresa de grande porte. A modalidade reproduz a
metodologia de investimento do venture capital, contudo, o veículo
criado responde aos interesses da empresa que o criou.
Debêntures Valor mobiliário representativo de uma dívida emitida por uma
170
A elaboração do glossário de termos relevantes ao investimento de venture capital foi baseado no glossário
do livro produzido pela ABDI sobre o tema. Selecionamos os termos que dialogam com este trabalho, bem como
adaptamos algumas definições apresentadas no livro para se adequrem ao contexto do debate proposto neste
trabalho. Para conferir o conteúdo integral de base para este glossário, consulte: AGÊNCIA BRASILEIRA DE
DESENVOLVIMENTO INDUSTRIAL (ABDI). Introdução ao Private Equity e Venture Capital para
Empreendedores. São Paulo: Série Cadernos da Indústria, Vol. XIV, 2009, pp. 14 – 21.
329
empresa em favor de terceiros, tendo como característica que o seu
pagamento será realizado em períodos mais longos, gerando direitos de
crédito para os terceiros adquirentes do título.
Drag-along Cláusula que dispõe que determinados acionistas, minoritários ou não,
da sociedade anônima terão o direito de obrigar os demais a alienar
suas participações societárias na empresa em caso de oferta de
aquisição.
Due Diligence Processo de auditoria em documentos da empresa (contratos,
declarações, demonstrativos, etc.) para a avliação do estado em que
esta se encontra, objetivando a construção de uma avaliação de riscos
(e.g. jurídico, financeiro, etc.) para o investimento.
Family Offices Escritórios especializados na gestão do patrimônio de famílias ricas.
General Partners (GP) No modelo de limited partnership, os general partners são aqueles
responsáveis pela capitalização do veículo de investimento, via de
regra pela capitalização de fundos de investimento. Eles também são
chamados de investidores originários, uma vez que são aqueles que
aportam os recursos que permitem com que uma gestora seja capaz de
iniciar os seus investimentos em empresas.
Governança Corporativa Conjutno de práticas, processos, princípios e valores para melhorar a
direção, condução e monitoramento das atividades de uma companhia.
Busca ampliar as condições de transparência e boas práticas de gestão
para companhias.
Holding Sociedade cujo objeto social descreve a aquisição e alienação de
participações em empresas.
Investidor Anjo Pessoa física com capital disponível para a realização de investimentos
em empresas de alto potencial de crescimento em estágios iniciais do
desenvolvimento de suas atividades. O investidor pode assumir uma
postura ativa, influindo nos processos de tomada de decisão da
empresa investida, ou passivo, servindo apenas como fonte de capital
para o financiamento das atividades da empresa.
Joint Venture Empreendimento realizado por empresas em conjunto, permitindo com
que estas explorem oportunidades de negócio em uma organização
única.
Limited Partnership Estrutura de captação de recursos, organização de competências, e
atribuição de responsabilidades entre os general partners e o gestor de
recursos – limited partner. Nela, o gestor assume a responsabilidade de
330
atuar no melhor interesse de seus investidores originários, de modo a
maximizar o retorno sobre os investimentos em empresas executando a
sua tese de investimento.
Lock Up Cláusula que dispõe sobre a impossibilidade de alienação da
participação societária por empreendedores durante um período pré-
estabelecido por investidores durante as negociações para a realização
de investimentos na empresa de alto potencial de crescimento.
Mezanino Momento de investimento em empresas em que estas demonstram alto
potencial de geração de caixa.
Oferta Pública de Acões –
Initial Public Offering
Processo pelo qual uma companhia realiza pela primeira vez a oferta
de uma parcela de suas ações para negociação em Bolsa de Valores,
criando as condições para que os recursos financeiros captados pela
oferta possam ser direcionados para o financiamento das atividades da
companhia.
Perda Total do
Investimento – Write-off
Liquidação integral dos ativos da empresa investida com a subsequente
alienação da participação societária do investidor – put option - por um
valor simbólico (e.g. R$ 1,00).
Capital Semente –
Seed Capital
Modalidade de investimento dedicada ao financiamento de estágios
iniciais de desenvolvimento da empresa de alto potencial de
crescimento.
Stock Option Direito de um sócio em optar pela compra de participação societária na
empresa a partir de um preço pré-fixado.
Tag Along Cláusula que dispõe sobre o direito de um acionista minoritário
garantir iguais condições de alienação de sua participação em relação
ao acionista majoritário na hipótese de uma proposta de aquisição da
empresa ou de parte dela.
Taxa de Administração Valor cobrado pelo gestor para garantir a manutenção das atividades
realizdas pela gestora de recursos.
Taxa de Performance Valor cobrado na saída do investimento por parte do gestor, como
forma de premiação do gestor pelos resultados obtidos com os
investimentos realizados em empresas de alto potencial de
crescimento.
Taxa Mínima de
Atratividade –
Hurdle Rate
Valor de referência mínimo para a realização de investimentos em
empresas de alto potencial de crescimento. É composto por três
fatores: (i) custo de oportunidade; (ii) risco do negócio; e (iii) liquidez
do empreendimento.
331
Term Sheet Documento não vinculante celebrado entre investidores e
empreendedores, no qual o investidor manifesta a sua intenção em
investir e alinha as suas expectativas com as dos investidores.
Track Record Informações de histórico de resultados de investimentos realizados por
gestoras de recursos, utilizado em contextos de investimentos bem-
sucedidos.
Venda Estratégica –
Trade Sale
Estratégia de saída do investidor a partir da alienação de sua
participação societária na empresa de alto potencial de crescimento. A
aquisição pode ser realizada por uma empresa de grande porte ou por
outros fundos de investimento com estratégias de investimento em
empresas em estágios mais avançados de seu desenvolvimento.