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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES Ronalde Monezzi Filho “A IMPROVISAÇÃO NA GAFIEIRA: UMA SÍNTESE BRASILEIRA NO SAXOFONE DE PAULO MOURA”. CAMPINAS 2018

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ARTES

Ronalde Monezzi Filho

“A IMPROVISAÇÃO NA GAFIEIRA: UMA SÍNTESE BRASILEIRA NO

SAXOFONE DE PAULO MOURA”.

CAMPINAS

2018

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Ronalde Monezzi Filho

“A IMPROVISAÇÃO NA GAFIEIRA: UMA SÍNTESE BRASILEIRA NO

SAXOFONE DE PAULO MOURA”.

Dissertação apresentada ao Instituto de Artes da

Universidade Estadual de Campinas como parte

dos requisitos exigidos para a obtenção do título

de Mestre em Música, na área de Música:

Teoria, Criação e Prática.

Orientador Prof. Dr. Manuel Silveira Falleiros

Este exemplar corresponde à versão final de

Dissertação defendida pelo aluno Ronalde

Monezzi Filho e orientado pelo Prof. Dr.

Manuel Silveira Falleiros.

Campinas

2018

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE MESTRADO

RONALDE MONEZZI FILHO

ORIENTADOR: PROF. DR. MANUEL SILVEIRA FALLEIROS

MEMBROS:

1. PROF. DR. MANUEL SILVEIRA FALLEIROS

2. PROF. DR. GILSON UEHARA GIMENES ANTUNES

3. PROF. DR. BRUNO ROSAS MANGUEIRA

Programa de Pós-Graduação em Música do Instituto de Artes da Universidade Estadual de

Campinas.

A Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros da banca examinadora encontra-

se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

DATA DA DEFESA: 31.08.2018

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Dedicado à memória de Paulo Moura

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AGRADECIMENTOS

A Manuel Falleiros pela orientação zelosa, intensa e reflexiva.

Aos professores Doutores José Alexandre Carvalho e Hermilson Nascimento pelas

importantes observações no Exame de Qualificação.

A Halina Grynberg e Cliff Korman pelas entrevistas valiosas.

A Daniela Spielmann pela atenção e cordialidade.

A Juliana Palermo pela revisão minuciosa.

Ao meu pai, Ronalde Monezzi (in memoriam), por toda sua dedicação.

A minha mãe, Ivany Cerrini Monezzi, pelo carinho e cuidado.

A minha irmã, Carolina Monezzi, pela garra e perseverança.

A minha companheira, Jamila Cruzado, pelo amor, paciência e apoio incondicional.

A todos que contribuíram de alguma forma ao longo deste trabalho.

A CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior que

financiou este trabalho através de bolsa de estudos concedida entre fevereiro de

2017 e agosto de 2018.

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RESUMO

Esta pesquisa teve como objetivo analisar o desenvolvimento da improvisação de

Paulo Moura na música brasileira. No intuito de compreendermos o seu processo criativo

através da análise dos solos transcritos, buscamos subsídios a partir da contextualização

biográfica de Moura, traçando um panorama referente a sua formação musical, suas

experiências profissionais, assim como a caracterização dos estilos musicais que o

influenciaram ao longo da sua carreira. Através das transcrições e análises de cinco fonogramas

selecionados a partir de sua cronologia discográfica, apresentamos os aspectos musicais

relevantes à prática da improvisação de Moura em cada uma das cinco transcrições, sendo que

na última tratamos dos elementos confluentes que definem a originalidade da concepção

musical de Moura como músico solista improvisador na gafieira.

Palavras-chave: Improvisação. Música Brasileira. Processo Criativo. Saxofone. Gafieira.

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ABSTRACT

This research aimed to analyze the development of Paulo Moura 's improvisation

in Brazilian music. In order to understand his creative process through the analysis of the

transcribed solos, we sought aid in a biographical contextualization of Moura, drawing a

panorama concerning his musical formation, his professional experiences, as well as the

characterization of the musical styles that influenced him throughout his career. Through the

transcriptions and analyzes of five phonograms selected from his record chronology, we present

the musical aspects relevant to the improvisation practice of this musician in each of the five

transcriptions, the last one dealing with the confluent elements that define the originality of the

musical conception of Moura as improvising solo musician in the gafieira.

Keywords: Improvisation. Brazilian Music. Creative Process. Saxophone. Gafieira.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Paulo Moura Infância ................................................................................................................. 16

Figura 2 - Paulo Moura toca clarinete ......................................................................................................... 18

Figura 3 - Família Moura............................................................................................................................. 21

Figura 4 - Paulo Moura toca sax-alto .......................................................................................................... 29

Figura 5 - Paulo Moura rádio Nacional ...................................................................................................... 34

Figura 6 - Paulo Moura com o grupo Bossa Rio.......................................................................................... 38

Figura 7 - Paulo Moura Montreux 1992 ...................................................................................................... 47

Figura 8 - trecho comparativo “Samba de Orfeu” (compassos 1, 2 e 3) ..................................................... 71

Figura 9 - trecho comparativo “Samba de Orfeu” (compassos 4, 5, 6 e 7) ................................................. 72

Figura 10 - trecho comparativo “Samba de Orfeu “ (compassos 8, 9, 10, 11 e 12) .................................... 73

Figura 11 - trecho comparativo “Samba de Orfeu” (compassos 13,14 e 15) .............................................. 74

Figura 12 - exemplo 101 e 102 - COKER, 1991, p. 19 ................................................................................. 75

Figura 13 - exemplo 34 - COKER, 1991, p. 8 .............................................................................................. 76

Figura 14 - ilustração - COKER, 1991, p. 61 ............................................................................................... 76

Figura 15 - exemplos 211 e 212 - COKER, 1991, p. 53 ............................................................................... 77

Figura 16 - exemplo 31 - COKER, 1991, p. 9 .............................................................................................. 77

Figura 17 - trecho “Yardbird suite” (compassos 1, 2, 3, 4, 5 e 6) ............................................................... 78

Figura 18 - trecho “Yardbird suite” (compassos 7, 8, 9 e 10) ..................................................................... 78

Figura 19 - trecho “Yardbird suite” (compassos 10, 11, 12, 13 e 14) ......................................................... 79

Figura 20 - trecho “Yardbird suite” (compassos 15, 16 e 17) ..................................................................... 79

Figura 21 - trecho “Yardbird suite” (compassos 23, 24 e 25) ..................................................................... 80

Figura 22 - trecho “Yardbird suite” (compassos 29, 30, 31, 32e 33) .......................................................... 80

Figura 23 - trecho “Yardbird suite” (compassos 34, 35, 36, 37 e 38) ......................................................... 81

Figura 24 - trecho “Yardbird suite” (compassos 38, 39, 40 e 41) ............................................................... 81

Figura 25 - trecho “Yardbird suite” (compassos 42, 43, 44, 45, 46 e 47) ................................................... 82

Figura 26 - trecho “Yardbird suite” (compassos 48, 49 e 50) ..................................................................... 82

Figura 27 - trecho “Yardbird suite” (compassos 50, 51, 52, 53, 54, 55 e 56) ............................................. 82

Figura 28 - trecho “Yardbird suite” (compassos 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62 e 63) ....................................... 83

Figura 29 - Síncopa característica ............................................................................................................... 85

Figura 30 - Padrões rítmicos do choro ........................................................................................................ 85

Figura 31 - trecho da composição “Segura ele” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) .................................. 85

Figura 32 - trecho da composição “Cheguei” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ...................................... 86

Figura 33 - trecho “Se algum dia” (compassos 1, 2, 3, 4 e 5) ..................................................................... 86

Figura 34 - trecho inicial da parte A da composição “Gargalhada” (Pixinguinha) ................................... 87

Figura 35 - trecho inicial da parte B da composição “Gargalhada” (Pixinguinha) ................................... 87

Figura 36 - trecho “Se algum dia” (compassos 6, 7, 8 e 9) ......................................................................... 87

Figura 37 - exemplos de articulações do choro (Sève (2009, p. 15) ............................................................ 87

Figura 38 - trecho “Se algum dia” (compassos 10, 11 e 12) ....................................................................... 88

Figura 39 - trecho da composição “Cheguei” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) ...................................... 88

Figura 40 - trecho da composição “Choro de gafieira” (Pixinguinha) ....................................................... 88

Figura 41 - trecho da composição “Concerto de bateria” (Pixinguinha) ................................................... 88

Figura 42 - trecho “Se algum dia” (compassos 12, 13, 14, 15 e 16) ........................................................... 89

Figura 43 - trecho “Se algum dia” (compassos 17, 18, 19, 20 e 21) ........................................................... 90

Figura 44 - trecho “Se algum dia” (compassos 22, 23 e 24) ....................................................................... 91

Figura 45 - trecho “Se algum dia” (compassos 25, 26, 27, 28, 29, 30 e 31) ............................................... 91

Figura 46 - trecho da composição “Brasileirinho” (Waldyr Azevedo) ........................................................ 91

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Figura 47 - trecho “Se algum dia” (compassos 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 E 39) ......................................... 92

Figura 48 - trecho “Se algum dia” (compassos 40, 41, 42, 43 e 44) ........................................................... 92

Figura 49 - trecho da composição “Na Glória” (Ary dos Santos e Raul de Barros) ................................... 93

Figura 50 - trecho da composição “Brasileirinho” (Waldyr Azevedo) ........................................................ 93

Figura 51 - trecho “Se algum dia” (compassos 45, 46, 47, 48 e 49) ........................................................... 93

Figura 52 - trecho “Dois sem vergonha” (compassos 4, 5, 6 e 7) ............................................................... 96

Figura 53 - trecho comparativo “Se algum dia” (compassos 4 e 5) ............................................................ 97

Figura 54 - trecho “Se algum dia” (compassos 8, 9 e 10) ........................................................................... 97

Figura 55 - trecho “Se algum dia” (compassos 11, 12, 13, 14, 15 e 16) ..................................................... 98

Figura 56 - Divisões rítmicas do tamborim .................................................................................................. 98

Figura 57 - trecho “Se algum dia” (compassos 17, 18 e 19) ....................................................................... 99

Figura 58 - trecho “Se algum dia” (compassos 28 e 33) ............................................................................. 99

Figura 59 - trecho “Alma brasileira” (compassos 1, 2, 3, 4 e 5) ............................................................... 101

Figura 60 - trecho “Alma brasileira” (compassos 6 e 7) ........................................................................... 101

Figura 61 - trecho “Alma brasileira” (compassos 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14) ............................................. 102

Figura 62 - trecho “Alma brasileira” (compassos 15, 16, 17,18,19, 20, 21 e 22) ..................................... 103

Figura 63 - trecho “Alma brasileira” (compassos 27, 28, 29 e 30) ........................................................... 103

Figura 64 - trecho “Alma brasileira” (compassos 31, 32, 33, 34, 35 e 36) ............................................... 103

Figura 65 - trecho “Alma brasileira” (compassos 42, 43, 44 e 45) ........................................................... 104

Figura 66 - trecho da composição “O gato e o canário” (Pixinguinha) ................................................... 104

Figura 67 - trecho “Alma brasileira” (compassos 46, 47, 48 e 49) ........................................................... 105

Figura 68 - trecho “Alma brasileira” (compassos 50, 51, 52, 53, 54 e 55) ............................................... 105

Figura 69 - trecho “Alma brasileira” (compassos 56, 57, 58, 59, 60, 61 e 62) ......................................... 106

Figura 70 - trecho “Alma brasileira” (compassos 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75 e 76) 107

Figura 71 - trecho “Alma brasileira” (compassos 77, 78, 79, 80 e 81) ..................................................... 107

Figura 72 - trecho da composição “Ainda me recordo” (Pixinguinha e Benedito Lacerda) .................... 107

Figura 73 - trecho da composição “Bicho carpinteiro” (A. Reale) ........................................................... 107

Figura 74 - trecho “Alma brasileira” (compassos 82, 83, 84 e 85) ........................................................... 108

Figura 75 - trecho da composição “Bem te vi atrevido” (Lina Pesce) ...................................................... 108

Figura 76 - exemplo de padrão rítmico (SÉVE, 2009, p. 144) ................................................................... 108

Figura 77 - trecho “Alma brasileira” (compassos 95, 96, 97, 98, 99, 100 e 101) ..................................... 109

Figura 78 - trecho “Alma brasileira” (compassos 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116 e 117) ........... 109

Figura 79 - trecho “Alma brasileira” (compassos 118, 119 e 120) ........................................................... 110

Figura 80 - trecho da composição “Laura” (David Raksin e Johnny Mercer) .......................................... 110

Figura 81 - trecho “Alma brasileira” (compassos 121, 122, 123, 124, 125 e 126) ................................... 111

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Informações técnicas sobre os fonogramas selecionados ........................................................... 69

Tabela 2 - Discografia completa da carreira solo de Paulo Moura .......................................................... 132

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Sumário

Capítulo 1: Biografia ................................................................................................................ 13

1.1 Infância musical ......................................................................................................... 13

1.2 Um “estilo de vida” carioca ....................................................................................... 17

1.3 Barão de Mesquita ..................................................................................................... 19

1.4 Início da carreira musical ........................................................................................... 22

1.5 Rádios e orquestras .................................................................................................... 30

1.6 Beco das garrafas ....................................................................................................... 35

1.7 Carreira Solista .......................................................................................................... 39

Capítulo 2: Estilos Confluentes ................................................................................................ 48

2.1 Jazz .................................................................................................................................. 48

2.2 Bossa Nova ..................................................................................................................... 52

2.3 Samba-Jazz ..................................................................................................................... 55

2.4 Choro .............................................................................................................................. 58

2.5 Gafieira ........................................................................................................................... 62

Capítulo 3 – Metodologia de análise e parâmetros de seleção ................................................. 66

3.1 Metodologia de análise ................................................................................................... 66

3.2 Parâmetros de seleção dos fonogramas .......................................................................... 68

Capítulo 4: Análises e discussão .............................................................................................. 70

4.1 – Transcrição e análise do solo em “Samba de Orfeu” ................................................... 70

4.2 – Transcrição e análise do solo em “Yardbird suite” ...................................................... 75

4.3 – Transcrição e análise do solo em “Se Algum Dia” ...................................................... 84

4.4 – Transcrição e análise do solo em “Dois Sem Vergonha” ............................................ 95

4.5 – Transcrição e análise do solo em “Alma brasileira” .................................................. 100

Referências ............................................................................................................................. 116

Anexo I – Transcrições ....................................................................................................... 121

Anexo II – Tabela ............................................................................................................... 132

Anexo III – Entrevistas ....................................................................................................... 146

Halina Grynberg ................................................................................................................. 146

Cliff Korman ....................................................................................................................... 155

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Capítulo 1: Biografia

1.1 Infância musical

Paulo Gonçalves de Moura nasceu em São José do Rio Preto, em 15 de junho de

1932, filho de Pedro Gonçalves de Moura e de Cesarina Cândida de Moura. Era o caçula de dez

irmãos, seis homens e quatro mulheres. Porém o seu nascimento só pôde ser registrado por seu

pai em 17 de fevereiro de 1933, devido à Revolução Constitucionalista de 1932, iniciada em

São Paulo contra o governo federal de Getúlio Vargas.

Seu pai, Pedro Moura, era carpinteiro de profissão, mas tocava saxofone e clarineta

nos bailes da cidade e liderava uma orquestra que se apresentava nos bailes populares da

comunidade negra no clube Marcílio Dias (GRYNBERG, 2011, p. 19).

Segundo Paulo Moura, seu pai ensinou música aos filhos não apenas por uma

questão cultural ou de possibilidade de obtenção de renda, mas também como uma estratégia

para preservá-los da Segunda Grande Guerra, pois, caso seus filhos fossem convocados ao

serviço militar, poderiam servir na banda de música do exército ao invés de serem mandados

para a infantaria (SPIELMANN, 2008, p. 7). Assim como Paulo, parte de seus irmãos tornaram-

se instrumentistas: Waldemar tocaria trombone; José (Zeca) e Alberico (Lico), trompete; Pedro

Jr. (Pedrinho), saxofone; Francisco (Chico), bateria, e Filomena, piano.

De acordo com Moura (apud GRYNBERG, 2011, p. 11), seu pai acreditava que

seria importante que os filhos tivessem contato com um ambiente musical de qualidade e

experiências mais diversas a fim de obterem melhores oportunidades como músicos

profissionais. Sendo assim, orientou seus filhos para que fossem a grandes centros, como São

Paulo ou Rio de Janeiro, logo que completassem 18 anos. Waldemar e Zeca foram os primeiros

a iniciar este modelo idealizado que o pai planejou para os filhos:

“(...), mas ele [pai] achava que em São José do Rio Preto as pessoas da música eram

muito desleixadas, não cuidavam tanto da música, eram músicos fracos. Desde

pequeno, eu sempre o ouvi falar para os vizinhos: “Ah, deixa os meus filhos crescerem

que eu vou mostrar a vocês o que é músico!” (...) (GRYNBERG, 2011, p. 12).

No Brasil, a relação entre a emergência dos centros urbanos e da música como uma

profissão se revela ao longo da história como uma oportunidade de renda e prestígio social para

muitos músicos. Falleiros (2006, p. 11) ressalta que a partir do processo abolicionista instaurado

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no Brasil no final século XIX, aqueles que já atuavam como músicos nos grupos musicais das

fazendas de açúcar e café, começaram a se transferir para os grandes centros urbanos.

Consequentemente, observou-se uma ampliação do número de bandas militares, conjuntos civis

e de igrejas; juntamente com um incremento desta atuação em manifestações populares, festas

particulares, bailes, blocos carnavalescos, festas folclóricas, entre outros.

A infância de Moura foi marcada pelo cotidiano e profundo envolvimento de seu

pai com a música: os bailes populares, a convivência com músicos que frequentavam a casa, as

aulas de música1, o som da clarineta, tocada sutilmente por seu pai, que vinha da sala e embalava

as noites da família, as vivências musicais trazidas por seus irmãos mais velhos que já

trabalhavam como músicos no cenário musical da pequena cidade e depois se mudaram para os

grandes centros.

“Comecei a ouvir música em casa. Meu pai tocava, meus irmãos tocavam, e achei que

seria a mesma coisa comigo, porque aos nove anos eu já tocava. Bem que eu quis

começar antes, mas papai me segurou um pouquinho e foi só a partir dessa idade que

comecei a estudar com ele”. (GRYNBERG, 2011, p. 11).

Aos 9 anos de idade, Moura ganhou de seu pai uma clarineta e iniciou com ele seus

estudos musicais. Moura demonstrava um profundo comprometimento com os estudos do

instrumento, e, como relata, existia uma disciplina diária na sua rotina de aprendizado musical.

Após cumprir suas obrigações referentes à escola, Moura sempre praticava seu instrumento

pelo menos meia hora diária, almejando melhorar suas habilidades para estar apto a tocar na

banda de música da cidade (GRYNBERG, 2011, p. 13).

Essa conduta de prática de estudo realizada por Moura ainda na infância, que busca

manter uma relação entre disciplina e objetivo, parece estar correlacionada com a afirmação de

Swanwick sobre a capacidade de se obter a competência musical através de uma cuidadosa

sequência de estudos programados, e não exatamente por meio de experiências musicais

confusas (2003, p. 67).

Em 1944, Paulo Moura, aos 12 anos de idade, ingressa no grupo musical de seu pai,

tocando a clarineta. Esse grupo se apresentava em bailes populares com a seguinte formação

instrumental: quatro sopros, sendo Moura na clarineta e seu pai no saxofone alto, mais trombone

1 Zaccarias (Aristides Zaccarias) nasceu em 5/1/1911 na cidade de Jaboticabal SP. Regente, clarinetista e

compositor. Teve como professor o mestre de banda Pedro Moura, pai do saxofonista Paulo Moura.

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e trompete; banjo e bateria, completando o grupo. Moura recorda que a partitura que ele

executava nesse grupo era, na realidade, uma partitura original para saxofone tenor e não para

clarinete, e dessa forma o que ele tocava soava uma oitava acima do previsto na partitura. Para

Moura, tocar nesse grupo, mesmo sendo de uma formação instrumental modesta e com

adaptações nas partituras, foi de grande importância para sua experiência como músico

profissional.

Segundo Falleiros (2006, p. 14), os grupos de música são muito representativos no

cenário da música brasileira e de importância histórica na formação do músico instrumentista,

em especial de instrumento de sopro. Os agrupamentos musicais desempenhavam um

importante papel no aprendizado de um instrumento musical, devido ao fato de que o ensino

formal de música, exercido por órgãos especializados, muitas vezes não era possível para todos.

Desde pouca idade Moura já apresentava domínio de seu instrumento, o que lhe

permitia estar junto a músicos experientes em atividades profissionais. Apesar de sua

competência musical, muitas vezes a sua idade não colaborava para a credibilidade de sua

atividade profissional. Em um episódio no qual Moura se apresentava, tocando clarinete, junto

ao grupo musical de seu pai no clube Marcílio Dias, na cidade São José do Rio Preto, houve

por parte do contratante uma desconfiança das capacidades musicais de Moura, e dessa forma

o valor do pagamento para o grupo não poderia ser o mesmo, pelo fato de haver uma criança

em sua formação instrumental:

“(...) Ele [pai] demorou demais na administração do clube, onde foi receber o dinheiro.

Quando voltou, veio com dois diretores do clube e sentaram-se em uma mesa; ... E

ele me pediu “Toca uma música aí!” Não entendi, mas toquei assim mesmo...toquei

um choro que ele havia me ensinado... levantaram-se os três e foram de novo para

dentro. Quando meu pai voltou, disse: “Queriam que eu fizesse um desconto porque

tinha trazido um menino para tocar. Não sabiam que você tocava feito gente grande”.

(GRYNBERG, 2011, p. 19).

A experiência da prática musical em um ambiente profissional desde muito jovem

possibilitou a Moura um desenvolvimento das habilidades instrumentais com uma exigência

mais próxima do contexto profissional, também favorecida pelo contato com músicos mais

experientes. Segundo Williammon (2004, p. 69), a interação da prática musical com músicos

experientes, ou seja, um ambiente com um alto nível performático, pode influenciar no

desempenho individual de cada músico, provocando um suposto sentimento de concorrência,

uma fonte de motivação para atingir níveis mais elevados de performance musical. Portanto,

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esse contato colaborou, em parte, para a construção de uma autonomia na aquisição do

conhecimento musical do saxofone para Moura através da vivência de exemplos práticos.

Nesse ambiente cercado pelo profissionalismo, Moura pôde encarar de uma forma

muito pragmática e direcionada a resultados o aprendizado em seu instrumento. Não tinha

outras atividades que consumissem o seu tempo diário, assim como não havia tantas distrações

possíveis, o que fez com que, somado ao desejo de integrar o grupo musical de seu pai e à

influência dos irmãos mais velhos, Moura se dedicasse com determinação ao aprendizado do

seu instrumento, obtendo resultados em pouco tempo.

A família Moura mudou-se para o Rio de Janeiro, em 1945, como forma de manter

a família unida e os filhos próximos. Assim o núcleo familiar de São José do Rio Preto e os

filhos que residiam em São Paulo se encontraram com os filhos Zeca e Waldemar, que já

estavam estabelecidos na capital carioca.

FIGURA 1 - PAULO MOURA INFÂNCIA

Paulo Moura com três anos de idade esperando o trem, junto com sua família na estação de São José do Rio Preto,

para visitar os irmãos mais velhos que moravam na cidade de São Paulo. Acervo pessoal - Instituto Paulo Moura.

Disponível em: <www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.2 Um “estilo de vida” carioca

A imagem que Paulo tinha da cidade do Rio de Janeiro foi sendo construída durante

toda a sua infância através dos relatos dos irmãos mais velhos referentes aos programas de

shows e cassinos onde trabalhavam, assim como pelas fotos e cartões postais da cidade enviados

à família em Rio Preto e as poucas visitas ao Rio narradas por seus pais.

Moura imaginava que a capital fluminense, na época capital federal, exibiria os

padrões de grandes centros urbanos, como ele imaginava ser nas cidades norte-americanas,

segundo o que se podia ter como referência através dos filmes da época: uma vida noturna

intensa, muita cultura e um estilo de vida cosmopolita. Moura afirmava ter criado um ideal

fantasioso sobre a cidade, também por influência de seus irmãos e dos seus pais (GRYNBERG,

2011, p. 28). Porém, boa parte dessa imagem se comprovou quando Moura finalmente mudou-

se com a família para o Rio de Janeiro. Por causa dessa idealização da capital carioca, Moura

desenvolveu um forte desejo por viver naquela cidade. Ele acreditava que a cidade do Rio de

Janeiro era mais que uma cidade grande, era “um estilo de vida” que poderia comportar a sua

carreira musical.

Todo este “estilo de vida” idealizado por Moura sobre a cidade e o cidadão carioca

urbano foi aos poucos se confirmando em alguns aspectos e se revelando diferente em outros,

através do contato cada vez mais intenso com o dia a dia da cidade. O sotaque carioca, o gesto

corporal, as vestimentas, a vida do subúrbio, a intensidade da vida noturna, a dinâmica da cidade

grande e a diversidade da população foram algumas das imagens desse cenário com que Moura

esperava tomar contato. A proximidade com a diversidade presente nos grandes centros

urbanos, assim como esperava seu pai, proporcionou a Moura ampliar suas expectativas quanto

a sua carreira de instrumentista, abrindo a possibilidade de, ao incorporar esse “estilo de vida”

carioca, construir sua identidade musical.

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FIGURA 2 - PAULO MOURA TOCA CLARINETE

(Paulo Moura toca clarineta ao lado de seu pai e irmãos no quintal da residência na rua Barão de Mesquita, Tijuca,

Rio de Janeiro em meados dos anos 40. Acervo pessoal - Instituto Paulo Moura. Disponível em:

<www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.3 Barão de Mesquita

A residência situada na rua Barão de Mesquita, para onde sua família havia se

mudado, foi descrita por Moura como uma casa mais modesta do que a residência deixada em

São José do Rio Preto. Houve uma necessidade de adaptação ao novo espaço e às condições

com os custos de vida na cidade (GRYNBERG, 2011, p. 23). No entanto, algumas tradições

familiares mantiveram-se: a casa continuou sendo frequentada por muitos músicos,

instrumentistas e maestros amigos dos irmãos mais velhos de Paulo.

“(...) minha família sempre foi assim, sempre teve a tradição de receber pessoas para

almoçar ou para jantar (...) iam muitos músicos importantes do Rio de Janeiro,

instrumentistas principalmente, e alguns maestros também (...) eu sempre ali,

coladinho, sempre prestando atenção na conversa deles.” (GRYNBERG,2011, p. 32).

Segundo Patricia Campbell (1991), o ambiente familiar tem um papel importante

no aprendizado musical. Sua pesquisa nos mostra que, nas casas em que os pais têm mais

ligação com a música, seja cantando, tocando ou ouvindo, as crianças desenvolvem mais

rapidamente e de maneira mais sofisticada suas habilidades musicais. Ambientes que

proporcionam oportunidades de música são benéficos senão determinantes para o

desenvolvimento2.

Como explicitado anteriormente, existia uma grande preocupação com o jovem

Moura, por parte de seus pais, quanto ao ambiente profissional que o esperava em seu trabalho

como músico. Além disso, em razão da perda de mais um filho, Pedro Jr. (Pedrinho), que havia

falecido posteriormente ao irmão Chico, a preocupação aumentou pelo fato de que a

personalidade boêmia atribuída a Pedrinho, para os pais, tinha relação direta com o fato de ele

ser músico. Por esses motivos, seus pais reforçaram a ideia de que Moura tivesse uma profissão

paralela à de músico.

A solução para essa angústia familiar foi o ingresso de Moura como ajudante na

alfaiataria da família. Por volta de 1946, sua família estabeleceu uma alfaiataria na frente da

casa na Rua Barão de Mesquita, contando com a experiência de alfaiate do seu irmão Alberico

(Lico) e aproveitando um local com grande fluxo de pessoas.

2 CAMPBELL, Patricia Shehan. Lessons from the word: a cross-cultural guide to music teaching and

learning. New York: Macmillan, 1991.

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Apesar disso, Moura relata (SPIELMANN, 2008, p. 9) que, assim que se mudaram

para o Rio de Janeiro, ele, aos 12 anos de idade, já teria condições técnicas para tocar em

algumas das orquestras de subúrbio. Contudo, seus pais o proibiram devido à sua pouca idade

e por receio de que seguisse uma vida boêmia, como confirma:

“(...) O saxofone mesmo eu comecei a tocar em Rio Preto com meu pai. Logo nos

últimos meses que a gente tava morando em São José do Rio Preto, um dos meus

irmãos que morava no Rio de Janeiro mandou um saxofone pra mim lá, em São José

do Rio Preto, e aí eu comecei a tocar. Mas durou pouco, porque viemos pro Rio, eu

tava com 12 anos e eu poderia até começar a tocar em algumas orquestras de subúrbio,

mas meu pai proibiu porque ficou com medo que eu pudesse pegar um caminho

diferente, e entrar na boemia (...) (SPIELMANN, 2008, p. 8).

Após três anos da sua chegada à capital carioca, o inquietante desejo de continuar

os estudos musicais de Moura persistia. Aos 17 anos abandonou a escola, com o consentimento

dos pais, pois aspirava a uma vaga na escola nacional de música, para se aprimorar na clarineta.

Iniciou os estudos em teoria musical, solfejo e clarineta, com esse intuito.

Se por um lado a escolha do clarinete se voltava para o estudo formal que Moura

almejava desenvolver na escola nacional de música, por outro o estudo do saxofone se mostrou

bastante informal:

(...) “eu não estudei (sax) com professor nenhum, pois não havia nenhum na época,

então o que eu fazia era passar pro saxofone o que eu sabia de clarinete. E também

nas viagens todas que eu fazia, eu perguntava pros saxofonistas, como é que se fazia.

(...) saxofonistas como Moacir Silva, como o maestro Zaccarias me deram algumas

sugestões de como tocar o saxofone”. (SPIELMANN, 2008, p. 9).

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FIGURA 3 - FAMÍLIA MOURA

(Paulo Moura e família em frente à residência onde moraram na rua Barão de Mesquita, Tijuca, cidade do Rio de

Janeiro em meados da década de 40. Acervo pessoal - Instituto Paulo Moura. Disponível em:

<www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.4 Início da carreira musical

Aos 18 anos, Moura ingressou na escola nacional de música para estudar clarinete.

Paralelamente a esse estudo formal, atuava como saxofonista nos bailes do subúrbio. Ele afirma

que começou a tocar o saxofone por demanda profissional (SPILEMANN, 2008, p. 8). O

saxofone, pelas suas qualidades acústicas e popularidade, era um instrumento requisitado nos

bailes e gafieiras3 em vários lugares da capital carioca.

Acompanhado de seu irmão Lico, Moura começou a frequentar o ponto dos

músicos4, situado na praça Tiradentes, em frente ao teatro João Caetano. De acordo com Moura,

esse era um ambiente frequentado por músicos no intuito de receber e trocar trabalhos. Segundo

Moura, ali se encontravam músicos “de nível amador”, “segundo time” (GRYNBERG, 2011,

p. 33).

Moura havia estabelecido uma rotina condizente com sua ânsia de atuação musical.

Quando não havia os bailes no subúrbio, ele sempre se dirigia ao ponto dos músicos e esperava

ser convidado para tocar em algum baile (GRYNBERG, 2011, p. 34).

“Aquele encontro na praça Tiradentes era um vício. Eu ia todos os dias, ia encontrar

as pessoas e conversar, bater papo. Não era difícil. Não havia problema de trânsito,

então às cinco horas da tarde eu já estava no ponto, pegava o bonde e ia para lá. O

bonde dava oito ou nove horas, eu estava de volta.”

O ponto dos músicos representou, dessa forma, a passagem para a vida profissional

de Paulo Moura fora da tradição musical familiar. Existia uma informalidade marcante no

recrutamento dos músicos para os bailes que é descrita por Moura:

“(...) Era um sistema em que muitas vezes um músico não conhecia o outro, não se

ensaiava, mas chegávamos lá e estava tudo escrito, então todo mundo tocava aquilo e

o baile acontecia. A maioria deles era músicos de cabarés e gafieiras. Os que tocavam

em cabarés eram melhorzinhos...” (GRYNBERG, 2011, p. 33).

3 “gafieira” refere-se a salões de baile popular com música ao vivo. O nome é derivado das “gafes” (sob o ponto

de vista das elites) que cometiam os bailarinos, em seu modo peculiar de dançar. 4Nas décadas passadas o “ponto dos músicos” era um local frequentado pelos músicos populares, que servia para

o encontro e possíveis indicações de trabalho. O ponto localizava-se na praça Tiradentes, em frente ao teatro João

Caetano, Rio de Janeiro, RJ.

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Havia uma rotina em relação ao horário em que os músicos ficavam disponíveis

para os arregimentadores. De acordo com Moura (GRYNBERG, 2011, p. 34), os músicos

ficavam à disposição entre cinco da tarde e oito horas da noite, e na maioria das vezes eram

chamados com antecedência para os bailes. Caso aparecesse um outro diretor que pagasse um

valor maior, era comum mandar um substituto para o outro baile de valor menor. Essa sempre

foi uma prática comum entre os músicos, que perdura até os dias atuais: uma colaboração

coletiva entre os instrumentistas para atender ao mercado. Moura atuou nos bailes nos clubes

da Tijuca e nas gafieiras do Andaraí, centro da cidade, praça da Bandeira, Belfort Roxo e

Pavuna. Esse foi o início da sua carreira profissional no Rio de Janeiro, independente do seio

familiar.

Em 1951, Moura teve o seu primeiro trabalho musical com carteira assinada,

quando foi contratado pela rádio Globo como primeiro saxofonista solista da orquestra de

Oswaldo Borba5. Após alguns meses, a orquestra foi transferida para a TV Tupi, mas já com

um número reduzido de músicos. Moura fora chamado para servir ao exército na cavalaria de

guarda de São Cristóvão, em que atuou como músico da banda. A estratégia de seu pai citada

anteriormente, de ensinar música a seus filhos para evitar a infantaria do exército na época da

revolução de 1932, fez-se válida nesse momento.

Nesse mesmo ano, participou de gravações com o maestro Zaccarias e sua

orquestra. Como primeiro saxofonista, acompanhou vários cantores da época, como Nelson

Gonçalves, Dircinha Batista e Carlos Galhardo. Atuou nas grandes formações lideradas pelo

Maestro Cipó6, Dick Farney7 e K-Ximbinho8, em um período de forte influência do jazz no

Brasil, apresentando-se no teatro Municipal e no Copacabana Palace.

Nesse tipo de trabalho, era importante que o músico possuísse uma boa habilidade

de leitura musical para executar os arranjos escritos para uma grande formação instrumental,

com precisão e velocidade. Moura afirma ter aprimorado a sua leitura musical quando havia

tocado nas orquestras de bailes e gafieiras:

5 Oswaldo Borba (Osvaldo Neves Borba) nasceu em São Paulo, SP, no dia 18/7/1914. Foi regente, arranjador e

pianista. 6 Maestro Cipó (Orlando Costa) nasceu em 1922 na cidade de Itapira, SP, e faleceu em 3/11/1992 no Rio de Janeiro

RJ. Foi saxofonista, maestro, orquestrador e compositor. 7 Dick Farney (Farnésio Dutra e Silva) nasceu em 14/11/1921 no Rio de Janeiro, RJ, e faleceu em 4/8/1987 em

São Paulo, SP. Foi cantor, pianista e compositor. 8 K-Ximbinho (Sebastião de Barros) nasceu em 20/1/1917 na cidade de Taipu, RN, e faleceu em 26/6/1980 no Rio

de Janeiro, RJ. Foi saxofonista, clarinetista, compositor, arranjador e regente.

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“Eu tocava nessas orquestras, em bailes, sábado e domingo. Assim, você chegava,

sentava na cadeira, o primeiro ou terceiro saxofone alto, e lia o que tinha ali, na

verdade um repertório que, com o tempo, era parecido, então você chegava lendo. fox,

mambo, arranjos de samba, um músico ou outro tocava choro, mas não era muito

comum, não. Às vezes tocavam choro na hora que a orquestra ia fazer um lanche.

Alguns músicos que queriam fazer solos ficavam ali. Numa destas toquei choro com

o Pixinguinha, foi no baile, foi a única vez que nós tocamos juntos. Porque nesta

orquestra o diretor era amigo do Pixinguinha 9 e então o convidou pra tocar.”

(SPIELMANN, 2008, p. 10).

A aproximação de Moura com essas figuras icônicas da música brasileira, como

Pixinguinha, atesta sua preocupação em desenvolver a sua prática como solista, visto que o

encontro relatado entre os dois instrumentistas se dá em um momento especial da dinâmica da

apresentação musical, no qual existe um espaço reservado para que os solistas possam exibir

suas qualidades; algo muito comum no gênero do choro - o virtuosismo melódico - que

Pixinguinha dominava muito bem.

Conforme ressalta Spielmann (2008, p. 10), Moura iniciou seu ecletismo musical

no início de sua carreira, pois estudava música erudita de concerto, tocava um repertório variado

nos bailes e gafieiras e participava de big-bands (grupo de formação mais alargada típico do

jazz norte-americano) que também executavam repertório variado com arranjos mais

elaborados. Em concursos promovidos por Paulo Santos, apresentador dos programas

“Concertos sinfônicos” e “Em tempo de jazz” da rádio MEC, Moura foi premiado como melhor

clarinetista de música erudita e melhor saxofonista de jazz, atuando nos dois gêneros.

Moura integrou a orquestra do maestro, arranjador e compositor brasileiro Ary

Barroso durante um curto período no ano de 1953, para a realização de uma turnê no Teatro

lérico da cidade do México; essa foi sua primeira viagem internacional. Devido à carga de

trabalho imposta para a realização dessa turnê, Moura teve que abandonar os seus trabalhos

anteriores. Após essa série de shows realizadas no México, Moura seguiu para Nova Iorque a

convite do trompetista Júlio Barbosa10, para integrar o seu grupo (SPIELMANN, 2008, p. 9).

Em Nova Iorque, Moura vivenciou um momento de efervescência do jazz, inclusive teve

contato pessoal com importantes inovadores do gênero como o trompetista Dizzy Gillespie11.

9 Alfredo da Rocha Vianna, conhecido como Pixinguinha, nasceu em 23/4/1897 e faleceu em 17/2/1973, na cidade

do Rio de Janeiro. Foi compositor, orquestrador, flautista e saxofonista. Pixinguinha tornou-se reconhecido na

música popular brasileira por ter contribuído para que o choro encontrasse uma forma musical mais definida. As

atividades de Pixinguinha como instrumentista, compositor e arranjador estabeleceram diretrizes para a criação de

uma concepção estética, o arranjo e a prática da improvisação característicos desse gênero (GEUS, 2009, p. 20). 10 Trompestista brasileiro. Julio Barbosa nasceu em 1926 Nova Friburgo, RJ. 11 Trompetista de jazz norte-americano. Nasceu em 1917 e faleceu em 1993 na Carolina do Sul, EUA. Gillespie,

juntamente com o saxofonista Charlie Parker, se tornaram reconhecidos como desenvolvedores de um dos estilos

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No retorno ao Brasil, após sua viagem a Nova Iorque, Moura potencializou seu

interesse pelo jazz (bebop) e aproximou-se dos músicos ligados à bossa nova, movimento

musical que estava surgindo no final dos anos 1950.

De acordo com Santos (2006, p. vi), a bossa nova apareceu em uma época de

grandes transformações sociais, especialmente ligadas à ascensão das camadas médias urbanas

e às mudanças técnicas na indústria fonográfica. O movimento bossanovista gerou um profundo

debate em relação a sua originalidade como música representativa da cultura brasileira. Havia,

por um lado, um discurso mais conservador em relação à identidade e às raízes da música

brasileira, que afirmava que a bossa nova tomava emprestados procedimentos do jazz, oriundos

do intenso influxo da cultura norte-americana. Por outro lado, havia também a defesa de que

ela se apresentava como uma alternativa moderna e brasileira à programação

predominantemente estrangeira das rádios.

Com a expectativa de criar um grupo para experimentar novidades de arranjo e

orquestração, Moura se reuniu com o compositor e pianista João Donato12 e formaram, com

outros músicos, um grupo que se reunia regularmente aos sábados na casa da família de Moura

(GRYNBERG, 2011, p. 84). Donato se incumbia de compor as músicas enquanto Moura era

responsável pelos ensaios do naipe de sopros, mas ambos elaboravam os arranjos em conjunto

e dividiam a orquestração. Essa parceria com Donato se alongou durante muitos anos, gerando

posteriormente diversos outros projetos musicais.

“Donato se apoderou dessa tendência jazzística, mas engaja-a em uma postura

rítmica mais ligada ao samba [...]” (BITTENCOURT, 2006, p. 7). Essa tendência rítmica do

samba estava incorporada principalmente no modo de tocar o acompanhamento, realizado por

Donato ao piano, em sua mão esquerda. Segundo Bittencourt, esse padrão de acompanhamento

rítmico aliado “aos deslocamentos de acentuações da melodia em sua mão direita, revelam a

riqueza rítmica que culminou na bossa nova” (2006, p. 7). Sendo assim, Donato consegue

imprimir muito mais ênfase no ritmo influenciando a forma de interpretar as melodias, a fim de

caracterizar a célula rítmica típica do samba (BITTENCOURT, 2006, p. 7).

Um dos músicos que frequentava os ensaios deste grupo foi Alfredo José da Silva,

conhecido como Johnny Alf. Santos (2006, p. 31) considera Johnny Alf como um dos músicos

mais influentes do jazz: o bebop. Caracterizado por performances virtuosas, progressões de acordes complexos e

com rápidas mudanças de acordes, andamentos elevados e uma ênfase inédita na improvisação. 12 Pianista, acordeonista, arranjador, cantor e compositor brasileiro, nascido em Rio Branco (AC) em 17 de agosto

em 1934.

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de sua época mais permeáveis às influências do jazz e de seus subgêneros, e afirma que o estilo

mais presente nas composições de Alf foi o bebop, já que é possível perceber na execução de

sua música a utilização da organização alternativa da sessão rítmica do jazz.

Dessa forma, esse grupo musical constituiu um importante laboratório para

aplicação e prática de técnicas atuais para a época de escrita e interpretação musical, assim

como aproximou músicos importantes e atuantes e que posteriormente se tornaram referência

na música brasileira. Dentre esses músicos, além dos já citados João Donato e Johnny Alf,

também estavam músicos que atuavam na Orquestra sinfônica juvenil da Tijuca, como

Adalberto José de Castilho e Souza, conhecido como Bebeto, flautista, clarinetista, saxofonista

e contrabaixista, que no início dos anos 60 junto com Luiz Eça e Hélcio Milito, formou o grupo

Tamba trio.

Moura afirma que, em sua concepção, era necessário que existissem mais

instrumentistas solistas na música brasileira (SPIELMANN, 2008, p. 11). Essa questão se

tornou um dilema constante que o confrontava, ainda mais, após o seu contato direto com

instrumentistas norte-americanos ligados ao bebop, estilo do jazz que colocou em destaque a

atuação do solista improvisador, e as experiências musicais que vivenciou com esses músicos

brasileiros, também atentos às novidades na música popular.

Aos 22 anos de idade, por intermédio de seu vizinho (que, além de “crooner” de

uma orquestra de baile, também trabalhava no escritório do estúdio da CBS 13 ), Moura

conseguiu uma oportunidade para gravar seu primeiro disco, de 78 rotações. Os discos de 78

rotações tinham a peculiaridade, diferentemente de modelos mais modernos, de uma restrição

quanto ao tempo de gravação que era possível obter sobre cada face do disco - em torno de

quatro minutos na média. Isso acarretava o fato de que geralmente era gravada apenas uma

única música por lado. Moura decidiu por gravar duas peças: em um dos lados, registrou “Moto

perpétuo” (opus11) de Niccolò Paganini (1782-1840), escrita originalmente para violino, peça

que deu nome ao disco, (Columbia, 1956); no outro lado, “O Voo do besouro”, interlúdio

orquestral da ópera “Conto do Czar Saltan” do compositor russo Rimsky-Korsakov (1844-

1908). Essas duas peças musicais são caracterizadas por apresentarem uma melodia contínua

sem pausas, de andamento elevado, o que representa um problema para instrumentistas de

sopro: a impossibilidade de seccionar a melodia a fim de realizar as respirações necessárias.

Para isso, Moura aprimorou seu domínio sobre a técnica de respiração circular, que consiste

13 Columbia Broadcasting System, com sede nos EUA, fundada em 1927 e com diversas filiais.

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em simular uma respiração constante, inspirando o ar pelas narinas ao mesmo tempo em que se

realiza a expiração pela boca através do instrumento. A escolha de peças de caráter tão

obviamente virtuosísticas por Moura, somada ao fato de uma demonstração de habilidade

incomum, serviu para reforçar inequivocamente sua competência como instrumentista.

Moura comenta sobre essa sua primeira gravação (GRYNBERG, 2011, p. 66): “Ah,

eu tinha aquela aspiração de me destacar na carreira, e isso foi uma maneira que inventei de

criar um objetivo; arrumei um incentivo para estudar ainda mais depois que meti esse projeto

na cabeça...”

Podemos relacionar sua afirmação acima também com a necessidade de Moura em

criar objetivos e desafios a fim de aprimorar-se como músico solista. Falleiros (2006, p.11)

comenta que trazer desafios para si é uma forma que os músicos geralmente encontram para

aprimorar as suas habilidades.

Spielmann (2008, p. 11) afirma que a notoriedade refletida pela gravação de seu

primeiro disco permitiu a Moura organizar, em 1956, sua primeira orquestra para se apresentar

na rádio Jornal do Brasil. Essa orquestra ficou conhecida como a “Orquestra universitária de

Paulo Moura”, formada principalmente por músicos jovens amadores da época. Sua formação

instrumental era de cinco saxes, quatro trompetes, três trombones, baixo e piano; era uma

formação comum da época e refletia a influência da formação instrumental das “orquestras”

norte-americanas pós 1930, as big-bands.

Esse grupo passou a se apresentar no programa “Noturnos Alitália” da rádio jornal

do Brasil. Moura, com apenas 23 anos na época, era responsável por coordenar os ensaios,

escolher o repertório e também escrever os arranjos. Ele tinha um cuidado intenso com os

ensaios do grupo e uma preocupação com os detalhes da execução. “Dentro de um arranjo há

muitas coisas a serem observadas, alguns crescendos, detalhes de acentuação, a homogeneidade

da interpretação...E as pessoas gostam desse cuidado, desse apuro de sensibilidade”.

(GRYNBERG, 2011, p. 79).

Apesar de toda a dedicação de Moura e empenho em apresentar a melhor qualidade

musical possível com o grupo, a proposta que havia sido feita pelos diretores da rádio consistia

nas transmissões da música do grupo, porém sem remuneração pelo trabalho desempenhado.

Aos poucos, a falta de condições mais profissionais fez com que Moura encontrasse

dificuldades em manter o grupo atuante e coerente. Ainda assim, o grupo realizou a gravação

de um LP de 33 rotações chamado “Escolha e dance com Paulo Moura e sua orquestra de

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danças” de 1956 (Sinter), com um repertório inteiramente de músicas brasileiras e de arranjos

dançantes.

A função de diretor de orquestra exercida por Moura sucedeu-se num período em

que a tendência por grupos de formações grandes estava em decadência. No lugar desses,

estavam em voga formações instrumentais menores, conhecidas como “combos” (abreviação

do inglês da palavra “combination”, que indica grupos reduzidos). Somado a esse fato, com a

chegada do “rock and roll” no Brasil (que futuramente motivaria o surgimento do movimento

“IêIêIê”, consolidando a origem da Jovem Guarda no país), esses grupos instrumentais, com

sua formação similar às “big-bands” norte-americanas, acabavam por ser considerados

“ultrapassados”.

“Esse foi um período de definição na minha vida. Por aqui (Rio de Janeiro) começou

o período das pequenas formações instrumentais, os chamados “combos”. E ainda

surgiram os pequenos grupos de rock, que, com a amplificação do som e apenas quatro

ou cinco músicos, produziam um volume sonoro mais forte que as grandes orquestras.

Então os clubes de jazz aqui do Rio também preferiam contratar grupos menores, com

baixo, bateria e piano, trompete com sax-alto, ou sax-tenor e trompete...”

(GRYNBERG, 2011, p. 98).

Sua “Orquestra universitária” acabou por se desfazer diante de tal conjuntura, o que

levou Moura a buscar outras opções musicais que pudessem representar melhor suas ambições

profissionais naquele momento.

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FIGURA 4 - PAULO MOURA TOCA SAX-ALTO

(Paulo Moura toca sax-alto na TV Tupi na Urca, Rio de Janeiro, 1965. Instituto Paulo Moura. Disponível em:

<www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.5 Rádios e orquestras

Moura foi contratado pela rádio Nacional em 1957 e passou a atuar como primeiro

saxofonista da orquestra nos programas de maior audiência, função a qual já havia

desempenhado em 1951 quando tocou nas orquestras do maestro Zaccarias, Osvaldo Borba e

da rádio Tupi. Os irmãos mais velhos de Moura, José, Alberico (trompete) e Waldemar

(trombone), já atuavam na orquestra da rádio Nacional quando Moura foi contratado.

Para Moura (GRYNBERG, 2011, p. 87), a atuação nas orquestras das rádios foi de

grande importância para a sua formação musical. Ele destaca o convívio musical com o maestro,

arranjador e pianista Radamés Gnattali14, o qual tinha grande admiração pelo trabalho musical

desenvolvido nessa época. Gnattali era uma referência estética como arranjador e músico para

Moura: seu impacto em sua carreira foi marcante, como veremos mais adiante.

No período em que atuou na rádio Nacional, Moura teve a oportunidade ímpar de

tocar junto a músicos de destaque no cenário da época, como Luís Americano15, o maestro

Guerra Peixe16 e Moacir Santos17. Com Moacir Santos passou a ter orientações e a dividir a

elaboração de arranjos, devido à alta demanda que a rádio exigia. Moura também pôde, a partir

do contato com o maestro Cipó, aprimorar sua escrita para arranjos.

Segundo aponta Cazes, apesar da maior fama da rádio Nacional, além de ter seus

irmãos atuando nessa rádio, Moura assume que tinha preferência pela rádio Tupi por poder estar

em contato com os maestros Zaccarias, Severino Araújo e Cipó. A música realizada na rádio

Tupi era considerada com maior grau de experimentação nos arranjos (CAZES, 1998, p. 122).

Já na rádio Nacional, eram evitados procedimentos como acordes muito “estridentes” e a

utilização de tensões harmônicas, como acordes de nona e décima primeira, incomuns no

repertório brasileiro da época.

No entanto, a partir da segunda metade da década de 1950, com o desenvolvimento

da televisão, as emissoras de rádio se viram obrigadas a diminuir os seus programas e dispensar

14 Radamés Gnattali nasceu em 27/1/1906 na cidade de Porto Alegre, RS, e faleceu em 3/2/1988 no Rio de Janeiro,

RJ. Foi compositor, arranjador, regente e pianista. 15 Luiz Americano (Luiz Americano Rego) nasceu em 27/2/1900 na cidade de Aracaju, SE, e faleceu em

29/3/1960 no Rio de Janeiro, RJ. Foi clarinetista, saxofonista e compositor. 16 Guerra Peixe (César Guerra-Peixe) nasceu em Petrópolis, RJ, em 18/03/1914 e faleceu em 23/11/1983 no Rio

de Janeiro, RJ. Foi violinista, pianista, orquestrador, professor e compositor. 17 Moacir Santos nasceu em 26/7/1926 na cidade de Vila Bela, PE, e faleceu em Pasadena (Califórnia, EUA), no

dia 6 de agosto de 2006. Foi arranjador, compositor, regente e multi-instrumentista, destacando-se nos saxes tenor

e barítono.

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os músicos18. Segundo Cabral (1996, p. 17), no início da década de 1960, poucas rádios

mantinham orquestras e haviam dispensado grande parte de seu pessoal. Nessa época surge uma

nova linha de programação que se dedica a transmitir músicas e informações ao gosto de classes

de maior poder aquisitivo, enquanto a grande maioria das rádios delegou sua programação aos

disc-jóqueis, noticiário policial e narração de futebol, de acordo com o gosto popular.

No ano de 1958, Moura recebeu um convite para liderar uma orquestra, em uma

turnê na antiga União Soviética, que iria acompanhar alguns cantores brasileiros como: Dolores

Duran, Maria Helena Raposo, Jorge Duran e Nora Ney. O repertório era formado por uma

coletânea de canções interpretadas por cada cantor, com arranjos musicais compostos pelos

músicos Gaia, Radamés Gnattali, Lyrio Panicalli e o próprio Paulo Moura. “O patrocínio desta

turnê deve ter sido do partido comunista brasileiro, ou talvez do próprio partido comunista russo

[...] (GRYNBERG, 2011, p. 103).

A vontade que Moura possuía em conhecer e viajar para outros países era tão

compulsória e prematura quanto o estudo da música. Seu desenvolvimento como músico

profissional iria proporcionar a realização desse desejo de conhecer lugares e culturas distintas.

“Desde que comecei a estudar clarineta, aos 9 anos, passei a falar em conhecer o mundo, e ela

(mãe) ficou assustada... o medo era de que eu ficasse morando no exterior...” (GRYNBERG,

2011, p. 20).

Nessa mesma época a produção musical brasileira havia adotado uma estratégia

mercadológica diferente devido à forte influência de discos e canções americanas no mercado

brasileiro. Visando a um menor custo de produção e um maior lucro, as gravadoras orientavam

os músicos brasileiros a assumirem pseudônimos americanos e a priorizarem um repertório só

com músicas internacionais. Um exemplo desse procedimento mercadológico ocorreu com o

saxofonista tenor Moacir Silva19, que havia sido colega de naipe de Moura quando ambos

atuaram na orquestra do maestro Zaccarias. Silva gravou diversos discos com clássicos de

18 “Para se ter uma ideia, a rádio Nacional proporcionava, em 1956, 700 empregos diretos. Eram 17 maestros [...]

35 violinos, nove violas, seis violoncelos, nove contrabaixos, sete flautas, quatro oboés, um corno inglês, três

clarinetes, dois clarones, 17 saxofones, 17 pistons, nove trombones, cinco baterias, cinco guitarras, quatro pianos,

uma harpa, uma tuba, um bombardino, um acordeom e 11 ritmistas, além de dois pequenos conjuntos do tipo

regional [...] e 10 solistas individuais, entre os quais alguns dos maiores instrumentistas brasileiros, como Abel

Ferreira (sax e clarinete), Jacó Bitencourt (bandolim), Luís Americano (sax e clarinete), Luperce Miranda

(bandolim), Dilermando Reis (violão) e Carolina Cardoso de Menezes (piano). 19 Moacir Silva nasceu no ano 1940 em Cataguases, MG, e faleceu em Conselheiro Lafaiete, MG, no dia

13/08/2002. Foi saxofonista e produtor musical. Apesar da haver divergências, muitos acreditam que, assim como

ele, também o saxofonista Zito Righi tenha gravado álbuns sob o pseudônimo de Bob Fleming, personagem criado

pelo produtor Nilo Sérgio. <www. http://dicionariompb.com.br/zito-righi >. Acesso em: novembro de 2016.

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canções populares internacionais, utilizando uma formação pequena, piano, baixo e bateria, e

adotou o pseudônimo de Bob Fleming (SPIELMANN, 2008, p. 13).

Essa mudança no modelo de produção fonográfica estava de acordo com a política

instituída pelos Estados Unidos para a América Latina no pós-guerra (TOTA, 2000, p. 19).

Essa política da boa vizinhança influenciava diretamente na produção fonográfica, e vários são

os exemplos de resistência à americanização da música brasileira, como as palavras na canção

de Lamartine “Canção para inglês ver”, de 1930: num inglês aportuguesado, seguia uma

tendência dos anos 20 de críticas aos estrangeirismos, e o samba intitulado “Não tem tradução”

de 1933, composto por Noel Rosa, mostra as tensões e resistências da cultura popular num

momento em que se registrava um aumento da política de influência estrangeira. Ambos

criticaram, cada um ao seu modo, a “americanização” da sociedade brasileira.

Ao voltar da turnê realizada na União Soviética, seguindo esse mesmo modelo do

mercado musical brasileiro desse período, quando as gravadoras internacionais buscavam

referir grande parte da produção musical nacional a um pastiche dos produtos americanos,

Moura gravou o LP “Sweet sax” (RCA, 1958), com sax alto, contando com arranjos dos

maestros Cipó, Moacir Santos, entre outros, porém não aceitou adotar um pseudônimo. Essa

resistência de Moura na adoção de um pseudônimo americanizado, ante uma resistência política

de domínio cultural, parece-nos mais ligada à preocupação em criar e estabelecer uma firma de

reconhecimento necessária para sua carreira como solista da música brasileira.

“Eu não tinha tanta experiência como solista – tinha era muita vontade – mas ainda

não sabia bem como seria minha vida de solista no Brasil, nem que caminho eu deveria

tomar nesse sentido. Era uma coisa meio intuitiva, na verdade. Eu sabia que as

carreiras como arranjador e como diretor de orquestra seriam mais rentosas, mas, ao

mesmo tempo, estava empenhado na carreira como solista. Então era mais solicitado

como solista que como arranjador ou diretor de orquestra”. (GRYNBERG, 2011, p.

104).

Segundo Spielmann (2008, p. 13), em 1959 Moura iniciou sua carreira como

instrumentista erudito na Orquestra do teatro municipal do Rio de Janeiro, sendo aprovado em

primeiro lugar no concurso para primeiro clarinete. Na ocasião, Moura executou uma peça

musical que jamais havia sido preparada para esse tipo de concurso: apresentou a “Primeira

rapsódia” de Debussy20, composição original para clarinete e piano. Moura foi o primeiro

20 Claude-Achille Debussy nasceu em Saint-Germain-en-Laye no dia 22/08/1862 e faleceu em Paris no dia

25/03/1918, músico e compositor francês.

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músico negro a alcançar tal feito. Nesse mesmo ano, lançou o disco “Tangos e boleros”

(Chantecler, 1959), com sax alto e clarinete sobre playbacks de gravações lançadas

anteriormente por cantores como Ângela Maria, entre outros.

Destacando mais profundamente a relação de Moura com o maestro Gnattali, em

1960, Moura relata (GRYNBERG, 2011, p. 90) que, quando fora contratado pela rádio

Nacional, Gnattali já havia escrito algumas composições para serem executadas por músicos

que o maestro admirava. Entre eles o saxofonista solista da orquestra Tabajara, liderada pelo

maestro Severino Araújo, Zé Bodega21. Moura destaca a música “Bate-papo”, a qual havia

despertado muito interesse dos músicos da época pela concepção mais democrática, pois os

solos eram divididos entre os instrumentos, principalmente entre o piano e o saxofone tenor,

enfatizando a tradição do choro brasileiro, solista e acompanhamento.

Sua inquietude em direcionar sua vida profissional para uma carreira como solista,

mesmo sem tanta experiência nela, fez com que Moura solicitasse ao maestro Gnattali uma

composição escrita para que ele a executasse. Segundo Moura (GRYNBERG, 2011, p. 90), para

sua surpresa, em um dos programas da rádio Nacional em que o maestro seria regente da

orquestra, Gnattali o abordou com oito músicas escritas e, durante a leitura dessas partituras,

um dos diretores da gravadora Continental que estava presente demonstrou o interesse em

gravar essas composições inéditas do maestro Gnattali escritas para Moura. Esse episódio

resultou na gravação do LP “Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali” (Continental/ Warner,

1960). Nesse episódio, Moura afirma seu compromisso com o desenvolvimento de uma

linguagem brasileira e solística.

21 José de Araújo Oliveira, mais conhecido como Zé Bodega, saxofonista e instrumentista, era irmão do maestro

Severino Araújo. Nasceu em 1923 em Recife, PE, e faleceu no dia 23/09/2003 na cidade do Rio de Janeiro.

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FIGURA 5 - PAULO MOURA RÁDIO NACIONAL

(Paulo Moura (o primeiro da esquerda para a direita) toca sax-alto no programa Imagem, década de 60. Acervo

pessoal - Instituto Paulo Moura. Disponível em: <www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.6 Beco das garrafas

Aos 27 anos de idade, Moura intercalava sua atuação profissional entre sua função

como primeiro clarinetista na orquestra do teatro municipal e primeiro saxofonista na orquestra

da rádio Nacional, ao mesmo tempo em que frequentava informalmente o Beco das Garrafas,

reduto dos músicos do movimento musical urbano surgido em 1957, a bossa nova. Era uma

travessa sem saída da rua Duvivier, entre os edifícios de números 21 e 37, no Rio de Janeiro,

que abrigava um conjunto de casas noturnas, situado no bairro de Copacabana, nas décadas de

1950 e 1960.

Nesse local Moura conheceu o pianista e compositor Sérgio Mendes, com o qual

consolidou amizade e estabeleceu um grupo de pequena formação instrumental com aqueles

que viriam a estar entre os mais significativos e atuantes músicos brasileiros. O grupo era

formado por Sérgio Mendes (piano), Otávio Bailly (contrabaixo), Pedro Paulo (trombone),

Dom Um Romão (bateria) e Paulo Moura (sax alto).

“Ali (Beco das garrafas) me tornei muito amigo do Sérgio Mendes e Otávio Bailly

(baixista), que estavam com a ideia de formar um grupo instrumental. Aí, resolvi

entrar nessa também, e começamos a ensaiar. E me lembro do seguinte: pediram que

eu fizesse os arranjos para o grupo, já que eu tinha tanta experiência com orquestra”

(GRYNBERG, 2011, p. 106).

De acordo com Spielmann (2008, p. 14) o grupo formado por Moura e Mendes era

chamado inicialmente “Samba Rio” e passou a ser referenciado como “Bossa Rio” após a

apresentação do grupo realizada no Carnegie Hall, renomada sala de espetáculos em Nova

Iorque, em 21 de novembro de 1962. Após esse concerto, o grupo realizou mais duas

apresentações. A primeira em Greenwich village, principal reduto dos mais renomados músicos

da cidade nova-iorquina, e a última no Lisner auditorium, em Washington. Essas apresentações

marcaram uma das decisivas etapas de penetração da bossa nova nos Estados Unidos, sendo

consideradas um marco para a expansão e reconhecimento do movimento bossanovista no

cenário internacional. (CAMPOS, 2005, p. 101).

Nessa ocasião em Nova Iorque, Moura teve a oportunidade de gravar junto com o

saxofonista Cannonball Adderley22 o LP “Cannonball Adderley” e o “Bossa Rio”.

22 Saxofonista alto americano, nasceu em 25 de setembro de 1928 em Tampa, Flórida, e faleceu no dia 8 de agosto

de 1975 em Gary, Indiana. Cannonball Adderley foi uma figura central do jazz moderno, imprimindo um estilo

que influenciou gerações de saxofonistas e improvisadores. Gravou mais de 50 álbuns, tendo participado de

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Nessa mesma época, Moura passou a ser mais requisitado como arranjador. Foi um

período de grande produção de arranjos escritos para diversos artistas como Elis Regina, Toni

Tornado, Edson Machado, entre outros. O disco “Edison Machado é samba novo” (1963)

contém quatro faixas nas quais Moura participa como arranjador, além de ter atuado como

saxofonista alto. De acordo com Barsalini (2009, p. 107), esse disco distingue-se inteiramente

do âmbito musical bossanovista. Existe uma liberdade marcante na reciprocidade interativa

entre os músicos que executam essas obras, independentemente dessas peças serem

previamente arranjadas. Esse disco é reconhecido como o ponto marcante do estilo

posteriormente conhecido por samba-jazz; portanto representativo para o momento de

desenvolvimento de sua carreira como solista e na elaboração de uma música brasileira

instrumental improvisada, que Moura estava interessado em desenvolver.

A carreira de arranjador de Moura poderia ter tido continuidade e se aprofundado

em virtude de uma proposta feita pelo diretor da Phonogram23, Sr. Pittigliani. Moura atuaria

como arranjador de gravação, função a qual teria uma demanda enorme de execução de arranjos

para variados estilos. Contudo, essa variedade justamente não lhe permitiria se especializar no

estilo de seu maior interesse. Por mais atrativa que parecesse a oferta proposta a ele, Moura não

via com bons olhos essa oportunidade, pois ela se confrontava com sua busca pela consolidação

de sua carreira como instrumentista solista.

“Embora ainda não houvesse uma possibilidade definida de viver profissionalmente

como solista, eu queria ter mais tempo para estudar, para me desenvolver

tecnicamente, me atualizar. E essa coisa dos arranjos me atrapalhava, mesmo não

havendo, naquela época, tantas oportunidades nem muito espaço para solista de

música instrumental.” (GRYNBERG, 2011, p. 108).

Em 1968 Moura gravou o LP “Hepteto” (Ouver Records). Nesse álbum Moura

vivencia uma atuação mais intensa como arranjador e solista. O disco marca a primeira

participação de Wagner Tiso como músico e arranjador de algumas faixas junto a Moura, uma

relação produtiva de larga existência. No ano de 1969, lançou o LP “Paulo Moura e quarteto”

(Equipe), dando continuidade à exploração de uma original leitura jazzística da música

brasileira, iniciada com o disco anterior. Lançou ainda mais dois LPs. “Fibra” (Equipe, 1971) é

formações instrumentais arregimentadas por Miles Davis, além de grupos que ele liderou com seu irmão, o

trompetista Nat Adderley. 23 Phonogram se instalou no Brasil, em 1960, após a aquisição da CBD, e somente no início dos anos 1970 é que

lança seus discos com o selo próprio, tornando-se Polygram, posteriormente (VICENTE, 2002, p. 53).

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um disco no qual Moura intensifica sua procura por uma personalidade musical solística.

“Pilantrocracia” (Equipe, 1969) nasceu do movimento musical brasileiro do final dos anos

1960, representados por uma rica fusão de influências.

Moura começou a manifestar uma insatisfação com o movimento da bossa nova por

não conseguir se identificar com a camada social que a desenvolvia e realizava aquela produção

musical. Atrelado a esse sentimento, Moura demonstrava uma preocupação com a

desvalorização dos instrumentos percussivos, mais relacionados ao samba, que haviam sido

excluídos pela instrumentação estilizada do movimento bossanovista, o qual privilegiava as

progressões harmônicas e as canções em detrimento aos ritmos de origem afro-brasileira.

Para Moura, essa matriz africana era considerada um dos elementos fundamentais

e mais originais presentes na música brasileira.

Sendo eu de origem africana, nunca tive dificuldade de entender o jazz, sua

sensibilidade, sua expressividade blue. Mas, tive dificuldade em ser aceito pela bossa

nova. E por isso, sempre tive com ela uma ligação ambivalente, admiração e

afastamento. Como uma criação da zona sul do Rio, branca e estilizada, manteve em

seus grupos apenas a presença de uma bateria quase estilizada, excluindo ritmos e

artistas negros de suas formações. Os instrumentos percussivos, referência ao samba,

perderam a vez. Nada de pandeiros, tambores, ganzás... nada que lembrasse a mãe

África. Nem mesmo pela cor de seus instrumentistas de sopro, como eu”. (Por que

imaginei um encontro entre Gershwin e Jobim Programa do SESC São Paulo, junho

de 1998).

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FIGURA 6 - PAULO MOURA COM O GRUPO BOSSA RIO

(Paulo Moura toca sax-alto (o primeiro da direita para a esquerda) durante apresentação da banda Bossa Rio Sextet

formada pelos músicos Pedro Paulo (trompete), Octávio Bailey (violoncelo), Sérgio Mendes (piano), Durval

Ferreira (violão) e Dom Um Romão (bateria) no Carnegie Hall em Nova Iorque. O Bossa Rio Sexteto gravou em

um estúdio de Nova Iorque o álbum. Acervo pessoal - Instituto Paulo Moura. Disponível em:

<www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em 06/05/2017).

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1.7 Carreira Solista

Após um período na década de 1970 em que atuou como instrumentista e regente

da orquestra que acompanhou a cantora Maysa, Milton Nascimento (“Milagre dos peixes” de

1973, EMI/ Odeon) e Sérgio Mendes (SPIELMANN, 2008, p. 15), Moura passa a se dedicar à

carreira como solista.

Nesse mesmo período Moura mudou-se para o subúrbio da cidade do Rio de

Janeiro, indo morar na frente da escola de samba Imperatriz Leopoldinense, onde passou a tocar

tamborim na bateria da escola, em um esforço para se aproximar e compreender melhor a

rítmica brasileira.

“[...] quando eu decidi mesmo que tinha que aprender melhor a nossa música, [...]

aliás eu estou pensando nisso até hoje, tentando aprender essa rítmica…, mas pra

entender melhor eu fui morar no subúrbio..., vamos dizer, o primeiro mestre mesmo

de música brasileira, de música carioca pra mim acho que foi o Martinho da Vila. [...]

então quando eu fui morar no subúrbio eu quis refazer um aperfeiçoamento desse

conhecimento que eu tinha adquirido com o trabalho do Martinho da Vila.... Então

foi, toquei lá, fui muitas vezes na escola de samba, vivia, morava em frente. Eu dormia

ouvindo aquela batida da escola e samba a noite inteira...”24

Naquela época, Moura havia sido realocado na rádio Roquete Pinto.

Consequentemente seu salário fora rebaixado a um salário mínimo, bem inferior ao que recebia

como primeiro clarinetista da orquestra. Por conta disso mudou-se para o subúrbio e decidiu

focar em seus estudos e na sua carreira como solista, com ênfase no choro e no samba.

As pesquisas de Moura sobre os elementos mais característicos da música brasileira

o levaram a se aproximar das manifestações musicais do subúrbio do Rio de Janeiro. Além

disso, aproximou-se daquele que foi reduto do samba na década de 1970, o bloco carnavalesco

Cacique de Ramos, na sede do qual, mais tarde, coordenou uma gafieira semanal.

O disco “Confusão urbana, suburbana e rural” (RCA Victor), um dos materiais de

estudo desta pesquisa, foi lançado em 1976, produzido por Martinho da Vila, com quem Moura

já havia tocado em turnês, tanto no Brasil quanto no exterior. Esse álbum caracteriza-se por

incorporar instrumentos de percussão do samba e da música africana a instrumentos de sopro

mais típicos do ambiente do choro (SPIELMANN, 2008, p. 15). O disco, que realiza essa

24 PAULO MOURA – Alma brasileira. Direção: Eduardo Escorel. Produção: AMZ Mídia industrial S.A. Rio de

Janeiro: 2012. 1 DVD.

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mescla instrumental, ainda contém composições de Moura, como: “Dia de comício”, “Carimbó

do Moura”, “Dois sem vergonha” (parceria com Wagner Tiso) e o “Tema do Zeca da cuíca”

(parceria com Tiso e Martinho). Esse álbum foi essencial na carreira solo de Moura, pois, além

de traduzir aquilo que ele relata como fonte de sua inquietação quanto a uma expressividade e

busca pelo aprofundamento na música brasileira, também significou o início da consolidação

de sua carreira como solista.

Apenas um ano depois, em 1977, Moura foi convidado a se apresentar no Lincoln

Center, em Nova Iorque, e posteriormente foi destaque no Festival Internacional de jazz de

Berlim. Nesse mesmo ano participou de uma compilação para o LP “O Fino da música” (RCA,

1977), ao lado de vários artistas como “Canhoto e seu regional”, “A Fina flor do samba” e Raul

de Barros.

No ano seguinte, 1978, Moura deu início a uma nova experiência que contribuiu

para o seu estabelecimento como artista: compôs a trilha sonora para o filme “A lira do delírio”,

de Walter Lima Junior, que também foi preenchida com trechos do LP “Confusão urbana,

suburbana e rural”. Moura foi presença marcante por duas temporadas do projeto “Choro na

praça”, no teatro João Caetano, junto com Waldir Azevedo, Abel Ferreira, Zé da Velha, Joel

Nascimento e Copinha, figuras relevantes do choro carioca.

No início dos anos 80, pode-se dizer que Moura já parecia ter consolidado sua

carreira como solista de música brasileira, isso devido a sua produção fonográfica e atuação, e

além de atuar como instrumentista e compositor para cinema com diversas trilhas como: “O

bom burguês”, de Oswaldo Caldeira, e “Parahyba mulher macho”, de Tizuka Yamazaki,

posteriormente “Rato rei”, de Sílvio Autuori, ao lado de Alex Meirelles e Paulo Muylaert; ele

passou a direcionar sua carreira solo com ênfase na gafieira.

Já afastado do teatro municipal, decidi dar uma canja na gafieira Estudantina, da praça

Tiradentes, e acabei ficando por oito meses. Iniciei, sem que me apercebesse disto,

uma nova vertente musical na minha carreira, que tem se recriado, permanentemente,

desde então (site).25

25 MOURA, Paulo. Instituto Paulo Moura. Disponível em: <www.institutopaulomoura.com.br>. Acesso em:

outubro de 2016.

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Moura gravou e se apresentou ao lado do pianista Arthur Moreira Lima, resultado

do álbum “ConSertão” (Kuarup) de 1981, no qual também estavam presentes Heraldo do

Monte, no violão, e o trovador baiano Elomar Figueira Mello, no vocal.

Na década de 1980, além de produzir discos autorais e compor trilhas sonoras para

o cinema, Moura estabeleceu significativas parcerias que foram registradas e resultaram em

diversas apresentações pelo Brasil e exterior. Entre elas, destacamos a parceria com a pianista

Clara Sverner, gravando juntos uma série de discos em 1983: “Clara Sverner e Paulo Moura”

(Selo Ergo, 1983), “Vou vivendo” (EMI - Odeon, 1986), “Clara Sverner e Paulo Moura

interpretam Pixinguinha” (Sony Music, 1988) e “Cinema Odeon” (Selo Ergo, 1996), esse

último apenas em edição não comercial.

Lançado em 1984, o álbum intitulado “Mistura e manda” pela gravadora Kuarup

recebeu Prêmio Sharp na categoria Melhor disco instrumental, com participação especial do

violonista Rafael Rabello. Nesse álbum Moura apresenta algumas experimentações decorrentes

da formação de suas concepções musicais advindas do acúmulo de experiência que havia

adquirido até então. Essas experiências perpassam a prática de diversos estilos musicais

incluindo o jazz (bebop), o choro, samba (samba de roda, samba batucada, samba-jazz), bossa

nova, gafieira e repertório eclético executado nos bailes.

Moura tem a intenção, nesse álbum, de apresentar algumas alternativas ao formato

de arranjo jazzístico que inclui improvisação, e que segundo ele já não lhe interessava com

relação à possibilidade de inovação, de acordo com as características pretendidas para a sua

performance musical que pretendia incluir elementos da música brasileira. Uma dessas soluções

foi a de transferir a improvisação para o início da música, fazendo uma espécie de prelúdio,

diferentemente da prática mais comum que consiste em improvisar após a apresentação

completa do tema. Além disso, Moura busca introduzir a ideia de contraponto jazzístico típico

dos estilos mais tradicionais do jazz como o new orleans26.

“(No CD) ‘Mistura e manda’, (tem) aquela introdução do ‘Chorinho pra você’, do

Severino, que eu resolvi fazer uma introdução extensa, com improvisações,

aproveitando, vamos dizer, uma característica do jazz, que é a improvisação. Mas não

pode ser jazz aquilo, porque a sequência harmônica e aquela repetição, aquele

“ostinato” ali, aquilo é uma sequência de acordes de música brasileira mesmo. (...)

não existia praticamente muita possibilidade pra fazer aquele esquema jazzístico de

26 “[...] o estilo new orleans, caracterizado por três linhas melódicas que se contraponteiam, executadas por uma

“corneta” (pistão), um trombone e uma clarineta. O instrumento líder nesse conjunto, já pelo seu maior brilho, é o

pistão. Baseado em suas improvisações, o trombone orienta o seu contraponto. A clarineta ornamenta o toque de

ambos com uma ágil condução melódica”. (BERENDT, 1975, p. 23).

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tema e improvisação, porque também já acho isso um pouquinho cansativo, e já era

naquela época. Então por isso eu resolvi fazer ali onde o músico pudesse improvisar,

mas que não fosse dentro de uma fórmula já antiga, que era tema e improvisação. O

caso ali era um prelúdio. Então, esta foi a (minha) intenção. E também acho que usei

aquilo porque eu já conhecia, já vinha fazendo jazz há muito tempo. Então (utilizei)

muita coisa do recurso de forma, recursos de harmonia, contracanto, contraponto que

o jazz desenvolveu” (SPIELMANN, 2008, p. 18).

Além disso, nesse álbum está presente a típica “cozinha” do choro conhecido como

regional. De acordo com Cazes, a origem do nome regional está relacionada a grupos como

Turunas pernambucanos, Voz do sertão e mesmo Os oito batutas, que associavam a

instrumentação a um caráter de música regional, contendo violões, cavaquinho, percussão e

algum solista. (CAZES, 1998, p. 83). A instrumentação apresentada nesse álbum inclui

instrumentos da formação característica do regional: cavaquinho (Carlinhos Antunes e Jonas

Pereira da Silva), pandeiro (Jorginho do Pandeiro - Jorge José da Silva), violão (Maurício

Carrilho), reco-reco (Jovi Joviniano), tantã (Neoci), violão 7 cordas (Raphael Rabello),

trombone (Zé da Velha - José Alberto Rodrigues Matos) e clarinete (Paulo Moura).

Moura contou com outro importante parceiro a partir de 1985: o músico Raphael

Rabello, com o qual liderou um grupo composto por Zé da Velha (trombone) e Jaques

Morelenbaum (violoncelo) em turnê pela França no ano de 1985, mesmo ano que lançou o CD

“Brasil instrumental” em conjunto com Raphael Rabello e Zé da Velha. Além desse álbum,

Moura e Rabello gravaram posteriormente o disco “Dois irmãos - Paulo Moura & Raphael

Rabello” (Caju Music, 1992), conquistando o prêmio Sharp de melhor instrumentista popular

naquele ano.

Moura gravou o CD “Gafieira etc. & tal” pela Kuarup em 1986 e reuniu o grupo

com o qual tocava nas gafieiras do Parque Lage. Foi figura marcante no Free jazz festival,

lançando esse CD, e viajou para Paris e Nova Iorque, o que permitiu um maior reconhecimento

internacional da música de gafieira, que veio a se tornar uma marca de seu estilo como artista

brasileiro.

No ano dedicado à comemoração dos 100 anos de abolição da escravidão no Brasil,

1988, Moura foi convidado, pela Secretaria da Presidência da República, a reger a “Orquestra

sinfônica de Brasília”, na sala Villa-Lobos na capital brasileira, onde estavam presentes

autoridades nacionais e internacionais. Moura apresentou uma música composta especialmente

para a ocasião, “Arredores da Lapa”.

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Moura apresentou-se no “Olympia” de Paris com o grupo formado por Djalma

Corrêa (percussão), Jorge Degas (baixo elétrico) e Zezé Motta (cantora), com o quem havia

gravado o CD “Quarteto negro” (Kuarup, 1988). Moura participou do show de lançamento, no

Canecão, do DVD “Marisa Monte”. O CD “Paulo Moura e Ociladocê interpretam Caymmi”

(Caju Music, 1991) foi gravado em 1991 e relançado por outra gravadora posteriormente.

Em 1992 o músico foi destaque no “Montreux jazz festival”, apresentando o CD

“Rio nocturnes” (Messiador, 1992) que havia sido gravado naquele mesmo ano na Alemanha,

contando novamente com a participação de Jorge Degas (baixo) e do percussionista alemão

Andréas Weiser. No ano seguinte lançou o CD “Instrumental no CCBB - Paulo Moura e

Nivaldo Ornellas” (Tom Brasil, 1993).

Na década de 1990, Moura começou a se afastar do saxofone alto e a dar preferência

à clarineta como demonstra sua discografia. Moura elenca pelo menos dois motivos para essa

atitude. O primeiro seria que ele afirmava ter construído sua relação com o saxofone

acompanhando o estilo de importantes saxofonistas do jazz como referência ao longo de sua

carreira, como Charlie Parker e Paul Desmond (SPIELMANN, 2008, p. 26). Por volta dos anos

1980, Moura considerava o estilo de se tocar saxofone, tendo como referência o saxofonista

David Sanborn 27 , como algo mais agressivo em relação ao tratamento da sonoridade do

instrumento e à forma de se tocar, e decidiu não acompanhar tal tendência.

“[...] por volta dos anos 80, era um estilo em que se tocava com força. Tinha que ter

um preparo físico para tocar daquele jeito, eu não queria mais acompanhar este estilo.

Estraga a minha saúde. Então, junto com isso, eu viajava, e carregava aquele peso,

carregava saxofone, clarineta, comecei a pensar em uma maneira de tocar só um

instrumento. Isto foi até o final dos anos 90. Em 96 eu ainda tocava saxofone, parei

por aí em 97, na verdade fui parando aos poucos. Na época do disco em duo com o

Raphael, eu ainda tocava sax, mas aí vi que eu poderia tocar um instrumento só.

(SPIELMANN, 2008, p. 26).

Quanto ao segundo motivo, Moura justificava o abandono do sax alto devido à

existência de um grande número de saxofonistas solistas nessa época, e complementa sua

afirmação relatando que no início de sua carreira não havia tantos saxofonistas solistas.

27 David Sanborn, saxofonista norte-americano nascido em 30 de julho de 1945 na cidade de Tampa (FL), gravou

mais de 20 álbuns autorais, além de ter acompanhado outros artistas como: Albert King, David Bowie, James

Brown, James Taylor, Stevie Wonder. SANBORN, David. Disponível em: <www.davidsanborn.com/>. Acesso

em: outubro de 2016.

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Em 1996 gravou o CD “Paulo Moura e Wagner Tiso” (Tom Brasil), outra

importante parceira na trajetória da carreira de Moura. Esse CD era uma compilação de

interpretações ao vivo de ambos, apresentadas no decorrer das excursões da série “Brasil

instrumental CCBB” para celebrar a sua importância na música brasileira e consequentemente

a sua carreira artística.

No ano de 1998, Moura gravou e lançou o CD “Paulo Moura visita Gershwin e

Jobim” (Pau Brasil), com um repertório composto pela fusão desses dois compositores, dando

início a vários concertos no SESC Vila Mariana (São Paulo), na sala Cecília Meirelles (Rio de

Janeiro) e nos festivais de jazz de Maceió e Tel Aviv (Israel). Nesse CD Moura estabelece uma

nova e marcante parceria com o pianista americano Cliff Korman28, que resultará em novos

trabalhos nos anos seguintes como o CD: “Mood ingênuo - Pixinguinha Meets Duke Ellington”

(Jazzheads, 1999), que reúne um repertório com composições de Pixinguinha e Duke Ellington.

Esse CD foi gravado no festival “Cantar da costa”, em Gênova (Itália). Destaca-se também; o

CD “Gafieira dance Brasil / The Paulo Moura & Cliff Korman ensemble” (Rob Digital, 2006).

Moura relata sua parceria com Korman:

“[...] eu fui aos EUA duas vezes e numa delas eu ia fazer uma apresentação lá, e ele

foi o pianista convidado e então renovamos a nossa amizade dali. E depois ele veio

pro Brasil e começamos a tocar juntos de brincadeira, até que surgiu uma oportunidade

de gravar um disco. (SPIELMANN, 2008, p. 21).

Em 1998 gravou ao vivo o CD “Pixinguinha: Paulo Moura e os batutas” (Rob

Digital) no teatro Carlos Gomes do Rio de Janeiro, recebeu o prêmio de melhor disco e melhor

grupo na categoria instrumental e, com esse mesmo trabalho, foi premiado com o primeiro

Grammy latino para música de raiz em 2000.

Em 2005, Moura participou do documentário produzido por Marco Foster e dirigido

por Mika Kaurismäki intitulado “Brasileirinho”, que aborda a história e vitalidade do choro

carioca de várias vertentes, como o cantado, o tradicional, o de gafieira (para a dança),

demonstrando um panorama amplo do choro contemporâneo. Esse documentário teve enorme

repercussão no festival de filmes de Berlim e em Marseille, na França. No ano seguinte Moura

reviveu uma parceria que havia sido relevante na sua formação musical durante a sua juventude,

e gravou o CD “Dois panos para manga” (Biscoito Fino) com o pianista João Donato.

28 Clifford Korman nasceu em 14/03/1957 na cidade de Nova Iorque. É pesquisador, professor, pianista, arranjador

e compositor. Foi professor da Universidade Federal de Minas Gerais, UFMG. Atualmente é professor da UNIRIO.

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Moura recebeu o prêmio Rival Petrobras na categoria instrumental pelo álbum k-

Ximblues (Rob Digital, 2001), também indicado ao prêmio Tim de música brasileira. Ele

venceu o prêmio Tim de música brasileira na categoria melhor solista, sua segunda indicação

em 2003. Nesse mesmo ano, o selo rádio MEC/ Rob Digital lançou o CD "Estação Leopoldina"

(Rob Digital, 2002), uma incursão de Paulo Moura pelo celeiro de sambas instrumentais dos

subúrbios servidos pela rede ferroviária da Leopoldina, que foi indicado ao Grammy de 2004.

Paulo Moura recebeu o Prêmio Tim de melhor solista popular por sua interpretação no CD "El

negro del blanco” (Biscoito Fino, 2004), em parceria com o violonista Yamandú Costa.

Novamente foi indicado ao Grammy latino 2008, na categoria de melhor CD instrumental, pela

produção do álbum “Para cá e pra lá!” (Biscoito Fino, 2008).

Buscaremos entender, face ao exposto, a importância, a profundidade e a influência

desse elemento da música de Paulo Moura – a improvisação no ambiente da gafieira – o qual,

a nosso ver, pode ser representativo para uma síntese de sua busca por uma linguagem criativa

e brasileira, apresentando uma alternativa na constituição de uma improvisação brasileira para

uma geração de saxofonistas e músicos no país, que, assim como Moura, perpassaram pelas

influências da improvisação jazzística.

O panorama biográfico de Moura nos permite observar acontecimentos que podem

se relacionar à construção e às particularidades de seu processo criativo como solista

improvisador. Observamos que, no período que tange à infância de Moura, a plena convivência

com seu pai e irmãos mais velhos representa o início de uma profunda conexão com a música

a partir da experiência daqueles que o rodeavam. Em sua adolescência a crescente fascinação

pela cidade do Rio de Janeiro, enfatizada pelos comentários de seus irmãos mais velhos que já

atuavam no cenário musical, cria em Moura uma imagem desejosa para seu campo profissional.

Na tentativa de manter a união familiar, os pais de Moura se mudam para o Rio de

Janeiro a fim de se juntarem aos irmãos que lá já trabalhavam. Independentemente da mudança

de vida da família e da necessidade de adaptação em um outro ambiente social, algumas práticas

se mantiveram, como por exemplo a visita constante de músicos profissionais para a realização

de encontros e ensaios, provendo um rico ambiente musical para Moura. Por uma exigência do

mercado musical, Moura começou a se aprofundar informalmente nos estudos do saxofone, em

paralelo ao seu estudo formal da clarineta na escola nacional de música. Nesse período Moura

começou a frequentar o ponto dos músicos, local de intercâmbio de trabalhos em bandas de

bailes do subúrbio. Essa experiência significou o início de uma vida profissional fora do

ambiente familiar.

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Moura teve a oportunidade de atuar nas orquestras estabelecidas pelas duas maiores

rádios atuantes no país: a rádio Nacional e a rádio Tupi. Nesse ambiente de trabalho de muito

profissionalismo e sofisticação musical, pôde ter contato com arranjadores experientes e

atuantes da época como: Severino Araújo, maestro Cipó, maestro Zaccarias e Radamés

Gnattali, inclusive esse último lhe dedicou um conjunto de composições posteriormente

gravadas por Moura no álbum intitulado “Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali

(Continental/ Warner, 1959).

Por volta dos anos 1960, Moura assumiu a cadeira de primeiro clarinetista na

orquestra do teatro municipal do Rio de Janeiro e simultaneamente manteve seu posto como

primeiro saxofonista na orquestra da rádio Nacional. Nesse período, Moura frequentava o Beco

das Garrafas, local de encontro de músicos e berço do movimento bossanovista. Lá conheceu

Sérgio Mendes, com o qual estabeleceu parcerias profissionais. O grupo “Samba Rio” formado

por Mendes e Moura, que por motivo da apresentação realizada no Carnegie Hall, em Nova

Iorque, passou a se chamar “Bossa Rio”, está presente nesse importante momento para a

consolidação da bossa nova no cenário internacional. Essa ocasião rendeu a Moura a

oportunidade de gravar junto ao saxofonista norte-americano Cannonball Adderley.

Concomitantemente, Moura passou a ser mais requisitado como arranjador, função

com a qual teve a oportunidade de se estabelecer profissionalmente. Contudo essa atividade

parecia contrariar a sua expectativa de se aprofundar nos estudos dos elementos rítmicos

característicos da música brasileira, ainda mais após a sua experiência internacional ao lado de

importantes nomes do jazz que influenciaram o seu pensamento em relação à carreira de músico

solista improvisador.

Moura percebe que o movimento da bossa nova não poderia atender suas

expectativas como solista de música brasileira, já que não valorizava nem o solista instrumental,

nem características rítmicas trazidas pelos instrumentos percussivos. Diante dessa perspectiva,

Moura buscou se dedicar com mais intensidade à consolidação de sua carreira como solista, e

para isso abandonou sua função de clarinetista na orquestra sinfônica, pois também já havia

sido realocado para uma função inferior, e mudou-se para o subúrbio, aproveitando a presença

das escolas de samba para se aprofundar no estudo dos ritmos brasileiros.

Sua carreira como solista de música brasileira recebeu contribuições particulares

para o desenvolvimento de uma originalidade a partir do contato com diversos artistas

brasileiros e estrangeiros, como por exemplo: Martinho da Vila, Wagner Tiso, Clara Sverner,

Raphael Rabello e Cliff Korman. Como reconhecimento de sua importância na música

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brasileira, Moura recebeu pelos seus álbuns prêmios como o de melhor solista (prêmio Tim de

música brasileira) em 2001 e 2003, além da indicação ao Grammy latino no ano de 2004 e 2008,

entre outros.

Moura lançou 40 álbuns como músico solista, em sua maioria de música

instrumental. Sua biografia demonstra a intensa atividade como um dedicado estudioso da

cultura brasileira, além de ter realizado uma vasta produção que registra sua busca por uma

expressão genuína na música brasileira. Sua contribuição para a improvisação brasileira é

notória e aponta caminhos para o desenvolvimento desta forma musical, em especial sobre a

improvisação na gafieira instrumental, tema ainda incipiente.

“A contribuição mais especial de Moura não está no choro, nem no samba ou no jazz,

mas sim no samba-choro e na gafieira, através de uma rítmica voltada para a dança,

onde Moura incorpora elementos do choro, do samba e do jazz em sua performance,

misturando-os, cada qual de uma maneira, criando um modo inconfundível de tocar”.

(SPIELMANN, 2008, p. 156)

FIGURA 7 - PAULO MOURA MONTREUX 1992

(Paulo Moura no palco tocando sax-alto. Festival de Montreux, 1992. Disponível em:

<www.youtube.com/watch?v=HdEG2oO32xg>. Acesso em 07/08/2018).

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Capítulo 2: Estilos Confluentes

2.1 Jazz

O jazz é uma manifestação artística musical norte-americana que surgiu no início

do século XX na cidade de Nova Orleans. Outras cidades americanas tiveram manifestações

similares nesse mesmo período, porém a música de Nova Orleans se diferenciou por uma série

de fatores socioculturais e econômicos. Segundo Berendt (1975), essa cidade possuía uma

localização comercial estratégica: seu porto, banhado pelo delta do rio Mississippi, era

considerado na época um centro econômico importante, onde havia uma demanda grande de

trabalho para escravos libertos, bem como para os músicos, por conta da zona de entretenimento

adulto.

Estima-se que esse encontro de culturas musicais teve como resultado dois aspectos

característicos: primeiro, a criação de tipos relativamente novos de música pelos “negros

americanos”, como o ragtime e o blues; e, segundo, o estabelecimento de características vocais

típicas: variação da afinação, a caracterização de um som áspero, variação trimbrística e o

ragging, absorvidos do canto africano através da imitação dos “minstrels” (teatro negro de

variedades), “fieldshollers” (trabalhadores do campo), “worksongs” (canções de trabalho), cries

ofstreetvendors” (gritos dos vendedores de rua) e blues. (HOBSBAWM, 2009, p. 56).

Para Berendt (1975, p. 150), os princípios musicais da cultura ocidental estão

presentes na harmonia, na construção melódica e instrumental, já os elementos africanos são

evidenciados no tratamento rítmico, fraseado e sonoridade, além de particularidades referentes

à harmonia-blues29.

A improvisação é talvez o elemento mais característico desse gênero musical, sendo

que ela permanece presente e recebendo transformações segundo as incorporações que

caracterizam os diversos estilos de jazz ao longo da história. Acredita-se que a improvisação

possa ter tomado força por causa do encontro dessas duas culturas distintas, a africana e

europeia. O ato de improvisar em uma música se dá na cultura africana principalmente através

de modificações do som de uma nota sustentada, por meio de variações rítmicas, alterações de

altura e timbre, e não exatamente pela elaboração de melodias complexas. A música europeia

também possui uma tradição de improvisação, presente nas cadências, temas com variações,

29 Blue note: é a aproximação de uma altura dada, de aproximadamente um quarto de tom, e é de origem africana.

Na música africana, os intervalos são diferentes. A “blue note” também pode ser resultado da tendência, de

qualquer forma africana, de se alterar a altura do som. (HOBSBAWM, 2009, p. 127).

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ornamentações, heterofonia, a prática de “preludiar” e improvisar sobre um tema dado. Essas

duas culturas de improvisação foram influentes no desenvolvimento da prática da improvisação

no Jazz, principalmente aquela realizada pelo músico solista (GRIDLEY, 1975, p. 45).

Conhecido como o primeiro estilo da música do jazz - muito influenciado por

elementos particulares do ragtime - o new orleans surgiu na virada do século passado. A cidade

de Nova Orleans vivia o auge de sua efervescência cultural, devido a sua localização

economicamente estratégica, somada a intensa miscigenação. Esse estilo se caracterizava pelo

contraponto melódico executado por uma “corneta” (pistão), um trombone e uma clarineta.

Nessas três linhas melódicas, o pistão se comportava como líder, devido ao seu brilho sonoro.

O trombone desenvolvia seu contraponto baseado nas improvisações estabelecidas pela linha

principal (pistão) e a clarineta exercia um papel de ornamentação em função dessa relação

contrapontística estabelecida entre os outros dois instrumentos (BERENDT, 1975, p. 24).

Segundo os historiadores, a prática do jazz não era exclusividade dos negros em

Nova Orleans: havia também conjuntos de brancos que desenvolviam esse estilo. O jazz

“branco” às vezes era considerado menos expressivo, com uma sonoridade não muito original,

porém tecnicamente mais refinado, com melodias menos rebuscadas e harmonias mais

evidentes. O jazz praticado por brancos era conhecido como dixieland e alcançou enorme

prestígio de mercado fora de Nova Orleans. Com o passar do tempo, essas orquestras

começaram a se fundir, dissolvendo a barreira entre os dois tipos de música, o dixieland dos

brancos e o new orleans dos negros.

No início dos anos 1920, três fenômenos musicais foram importantes: o auge dos

músicos do new orleans na cidade de Chicago, o blues clássico e o estilo chicago. Durante a

primeira guerra mundial, a região portuária boêmia de Nova Orleans foi fechada por decreto

oficial, pois havia se tornado um porto de guerra e era considerada uma ameaça à integridade

moral de suas tropas pelo ministro da marinha. Em consequência desse ocorrido, muitos

músicos ficaram desempregados e foram obrigados a procurar trabalho em outras cidades, então

muitos deles se mudaram para a cidade de Chicago.

O auge do estilo new orleans se deu fora da sua cidade de origem, devido à

realização de suas primeiras gravações e sua integração a um grande centro urbano

industrializado como Chicago. Havia uma tendência dos músicos dessa cidade em buscar imitar

o estilo de Nova Orleans, porém com algumas diferenças, que seriam para consolidar um estilo

que ficou conhecido como chicago. O contraponto melódico intenso foi atenuado, existia uma

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fluidez melódica mais tranquila que, quando sobreposta, soava mais simples.

Consequentemente, a individualidade, atrelada ao solo instrumental, começou a se destacar e a

desempenhar um papel importante na história jazzística. A partir daí, o saxofone passou a ser

um instrumento de destaque solístico na história do jazz. (BERENDT, 1975, p. 28). Esse

instrumento se consolidou como um dos principais protagonistas na história do jazz até os dias

atuais pelas suas qualidades acústicas e popularidade, influenciando diversos músicos. Moura

afirma que começou a tocar o saxofone por demanda profissional, pois era um instrumento de

destaque nos bailes e gafieiras em vários lugares da capital carioca.

No final dos anos 1920, houve uma nova mudança no cenário jazzístico da época:

uma grande quantidade de músicos oriundos dos estilos new orleans e chicago se transferiram

para Nova Iorque, onde surgiria o estilo de maior sucesso comercial dentre os estilos do jazz, o

swing. Esse estilo se caracterizava por ter a marcação regular dos quatro tempos, com

acentuação no segundo e quarto tempo; possuir grandes formações instrumentais (big bands)

com um alto nível técnico dos músicos e valorização da performance individual. Por essa razão,

os anos 30 foram considerados o período dos grandes solistas no jazz como: Benny Goodman

(clarinete), Benny Carter (sax alto), Coleman Hankins, Chu Berry (sax tenor) e muitos outros

músicos (BERENDT, 1975, p. 29).

O estilo musical desenvolvido pelas big bands nos Estados Unidos foi influente no

início da carreira musical de Moura, já que seu primeiro contato com o jazz foi através de sua

atuação nas grandes formações “orquestrais” estabelecidas na cidade do Rio de Janeiro, como

a orquestra do maestro Zaccarias, maestro Cipó, entre outros. Em um período de intensa

influência jazzística no Brasil, Moura, em seus depoimentos, destaca a importância

fundamental de possuir um alto nível técnico musical, principalmente no que se referia a leitura

musical, para executar com precisão e velocidade os arranjos escritos para essas grandes

formações instrumentais. Moura afirma ter aprimorado a sua leitura musical quando tocou nas

orquestras de bailes e gafieiras.

Na década de 1920, a gafieira, por possuir um caráter hibrido, sofreu forte influência

jazzística, agregando características oriundas das orquestras do swing, tanto na sua formação

como na condução e execução de seu repertório. A orquestra era composta por seção rítmica,

naipe de sopros e vozes solistas. Os arranjos eram todos escritos, executavam-se sem

interrupção diversos estilos de música popular que eram agrupadas por andamentos,

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predominando um ecletismo de estilos tocados, com o objetivo de manter o interesse do púbico

dançante (FRANÇA, 2015, p. 136).

No período subsequente da história do jazz, 1940, deparamo-nos com o surgimento

de outro estilo jazzístico cujo auge Moura vivenciou ainda mais de perto. O bebop foi um

movimento estilístico que rompeu com os elementos musicais e sociais do swing, pois a

comercialização do swing se tornou tão intensa e abrangente que se passou a questionar a

continuidade da evolução do jazz e seu caráter transgressor e inovador com uma mudança na

consciência mundial após a segunda guerra, associado à crise econômica que se estabeleceu

nesse período. O contraste entre o caráter alegre, e até mesmo ingênuo dos estilos anteriores,

com a realidade do pós-guerra, é reforçado pelo bebop.

O ouvinte da época caracterizava o bebop como uma música flexível e agitada

melodicamente (as frases pareciam apenas fragmentos musicais), a ponto de reagir com uma

certa resistência na aceitação desse novo estilo.

Na década de 1950, Moura realizou uma série de apresentações junto à orquestra

do maestro Ary Barroso na cidade do México, sua primeira viagem internacional. Após essa

turnê, Moura apresentou-se em Nova Iorque, onde teve contato pessoal com importantes

inovadores do gênero bebop, como o trompetista Dizzy Gillespie. Essa vivência com

performances virtuosas enfatizando a improvisação e ressaltando o papel fundamental do solista

intensificou o interesse de Moura pelo jazz (bepop) e o instigou a se aproximar dos músicos

ligados à bossa nova.

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2.2 Bossa Nova

Os anos 1950 no Brasil foram marcados pelo surgimento de uma nova concepção

musical brasileira, a bossa nova. Esse novo estilo, ao mesmo tempo em que era considerado

uma revolução conceitual dentro do cenário musical brasileiro, também era questionado em

relação a sua originalidade e influências, gerando discussões polêmicas na mídia da época

(CAMPOS, 2005, p. 18).

Entre as décadas de 1950 e 1970, o Brasil sofreu profundas transformações sociais

caracterizadas principalmente pela acelerada urbanização, a consolidação do sistema capitalista

moderno e a ascensão da classe média, associada à produção musical dessa camada emergente

da sociedade. Os questionamentos em relação às transformações musicais do movimento

bossanovista dividiram opiniões e críticas em relação a sua legitimidade como música brasileira

(SANTOS, 2006, p. xiii).

No ano de 1949, o bebop começou a ter uma maior projeção no cenário

internacional. Nesse período, começaram a surgir na música popular brasileira composições

que incorporavam determinadas características atribuídas ao estilo, tanto na sua estrutura

quanto na sua interpretação. Um exemplo dessa influência é o surgimento do estilo conhecido

como samba-jazz, o qual abordaremos em detalhes mais adiante. De acordo com Sagawa,

(2015, p. 21), o jazz exercia forte influência na concepção de outros gêneros, acreditava-se que

esse estilo era capaz de renovar outras músicas, devido ao caráter de sofisticação e modernidade

conferido ao estilo norte-americano. Posteriormente à época do bebop, surge o cool jazz, que

apresenta um novo tratamento em relação à interpretação solística e suas nuances. Esse estilo

era caracterizado por ser mais elaborado e anticontrastante na sua interpretação. O canto usava

a voz de maneira falada, sem gritos e sussurros, nada de paroxismo (CAMPOS, 2005, p. 18).

Dick Farney30, Lucio Alves31, o Conjunto vocal “Os cariocas” e Johnny Alf são

considerados os precursores do movimento da bossa nova. Em comum, esses músicos

apresentam como novidade em relação à interpretação elementos característicos do jazz. A

importância de Farney está na interpretação melódica de suas composições. Farney não se

preocupou em adquirir novos procedimentos em relação à música brasileira, e sim em

apresentar um tratamento melódico “bebopiano” a sua música (CAMPOS, 2005, p. 19). Por sua

30 Farnésio Dutra e Silva, conhecido pelo nome artístico Dick Farney, foi um cantor, pianista e compositor

brasileiro. Nascido em14/11/1921 no Rio de Janeiro (RJ) e falecido em 04/08/1987 em São Paulo (SP). 31 Lúcio Ciribelli Alves foi cantor e compositor brasileiro. Nascido em 28/01/1927 na cidade de Cataguases (MG)

e falecido em 03/08/1993 no Rio de Janeiro (RJ).

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vez, Alf incorporava outros procedimentos com tendências mais atualizadas do jazz em suas

composições e interpretações. Seus sambas-canções estavam mais próximos do jazz, do bebop,

do cool jazz, do que definidamente radicado na música popular brasileira. Alguns

procedimentos empregados por Alf foram se modificando, ao longo dos anos, em outros mais

integrados à essência da música brasileira (CAMPOS, 2005, p. 20).

Moura manteve contato pessoal com Alf nesse período que antecedeu a

consolidação do estilo. Alf, considerado um dos músicos mais permeáveis às influências do

jazz, frequentava os ensaios do grupo formado por Moura, João Donato e outros músicos, a fim

de experimentar novidades em relação à elaboração de arranjos e orquestração, reunindo-se

regularmente na casa de Moura. Donato era responsável por compor as músicas enquanto

Moura assumia a coordenação dos ensaios do naipe de sopros, mas ambos dividiam a

orquestração do conjunto.

Esse grupo atuou durante um período de intensa pesquisa musical em relação à

utilização de procedimentos inovadores de escrita e interpretação musical para a época. O grupo

reuniu diversos músicos que seguiram atuantes no cenário musical e muitos deles

posteriormente se tornaram referências na música brasileira. Além de João Donato e Johnny

Alf, também estava presente no grupo Adalberto José de Castilho e Souza, conhecido como

Bebeto, flautista, clarinetista, saxofonista e contrabaixista, que no início dos anos 60 junto com

Luiz Eça e Hélcio Milito formou o grupo Tamba trio.

De acordo com Moura (SPIELMANN, 2008, p. 14), grande parte dos

instrumentistas brasileiros passaram a agregar elementos típicos da bossa nova no seu estilo de

tocar, devido à forte influência jazzística que o movimento havia incorporado, principalmente

em relação aos procedimentos harmônicos adotados. Acreditamos que Moura via na bossa nova

uma oportunidade de alavancar uma carreira solística através de novas gravações associada à

ampliação do público apreciador desse novo estilo da música brasileira. Segundo Campos

(2005, p. 100), a produção bossanovista teve penetração no mercado norte-americano,

consequentemente exportar um estilo brasileiro para um mercado musical autossuficiente fez

com que a bossa nova fosse reexportada para diversos países europeus.

Na bossa nova não havia a hegemonia de um determinado parâmetro musical sobre

os demais, procurava-se integrar harmonia, melodia, ritmo, contraponto e interpretação na

execução do repertório. Existia uma ausência de contrastes referente ao intérprete-cantor, o

modo de cantar esse repertório anulava todos os efeitos contrastantes como: a utilização de

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agudos gritantes, variação abrupta de dinâmica da voz, fermatas, entre outros. Estruturalmente

a bossa nova fazia uso de acordes sensivelmente mais alterados do que os aplicados na música

popular brasileira. Algumas progressões harmônicas tornaram-se singulares nesse estilo; a

conciliação entre os modos maiores e menores, tendo o mesmo centro tonal, era bastante

frequente no estilo, as tensões harmônicas-tonais se intensificam menos do que no jazz

(CAMPOS, 2005, p. 29).

Situado no bairro de Copacabana, o Beco das Garrafas foi o principal ponto de

encontro para os músicos da bossa nova. Aos 27 anos de idade, Moura frequentava o local, na

mesma época em que atuava como clarinetista na orquestra do teatro municipal e como

saxofonista na orquestra da rádio Nacional. Moura imaginava que o movimento da bossa nova

pudesse suprir seu desejo de estabelecer uma carreira como solista na música brasileira, ao

mesmo tempo em que poderia possibilitar atingir um maior público.

Conforme dissemos no capítulo anterior, nesse período Moura atuou junto a

músicos que se tornariam expressivos no cenário brasileiro. O grupo o qual foi convidado para

integrar era formado por Sérgio Mendes (piano), Otávio Bailly (contrabaixo), Pedro Paulo

(trombone), Dom Um Romão (bateria) e Paulo Moura (sax alto). O grupo era chamado “Samba

Rio”,e posteriormente passou a ser intitulado como “Bossa Rio”, após a apresentação do grupo

realizada no Carnegie Hall, em Nova Iorque.

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2.3 Samba-Jazz

Após o auge do movimento bossanovista, Moura passou a demonstrar uma

insatisfação em relação a sua identificação com o movimento, já que não se considerava

pertencente à mesma camada social a qual desenvolvia e realizava aquele estilo de música. Para

Moura, a bossa nova privilegiava as progressões harmônicas e as canções em detrimento dos

ritmos de origem afro-brasileira: sua instrumentação estilizada desvalorizava os instrumentos

percussivos, mais relacionados ao samba. Moura considerava essa matriz africana um dos

elementos fundamentais e mais originais presentes na música brasileira.

Nessa mesma época, Moura passou a ser mais requisitado como arranjador. Foi um

período de grande produção de arranjos escritos para diversos artistas, e o disco “Edison

Machado é samba novo” (1963) foi tão relevante para a história da música popular quanto para

a carreira de Moura. Esse disco diferenciava-se por completo do movimento da bossa nova,

devido à presença de uma acentuada liberdade em relação à interação entre os músicos.

Essa obra é reconhecida como o ponto inicial de um novo estilo que viria a ser

denominado de samba-jazz: uma música brasileira instrumental improvisada que se tornaria

significante para a carreira como solista de Moura.

Essa harmonia mais elaborada possibilitou o desenvolvimento e a amplitude

melódica por outras tonalidades distantes do original, um uso maior de modulações, acordes

alterados, exigindo, consequentemente, uma audição harmônica mais apurada, assim como a

criação de novas posições instrumentais (CAMPOS, 2005, p. 76).

No início dos anos 60 do século passado, a expressividade musical de um músico

instrumentista estava limitada, ao menos no meio profissional, pelos padrões de execução das

bandas de baile. Nesse período de transição, entre a prática da bossa nova e o surgimento do

samba-jazz, a música instrumental brasileira passou a ter um destaque maior no cenário musical

na cidade do Rio de Janeiro. Alguns músicos dessa época passaram a explorar uma nova

maneira de tocar esse tipo de música instrumental, principalmente o samba, incorporando a

improvisação no desenvolver do gênero.

De acordo com o músico JT Meirelles32 , essa nova abordagem se diferenciava

quanto à bossa nova, principalmente em relação à expressividade individual do músico, a qual

passou a ter uma evidência maior, devido à ausência de um cantor. Meirelles afirma que, no Rio

32 João Theodoro Meirelles foi um saxofonista, arranjador e compositor brasileiro. Nascido 10/10/1940 e falecido

em 04/06/2008 na cidade do Rio de Janeiro, RJ.

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de Janeiro, nos anos 1950, essa prática já existia com músicos mais velhos, que tocavam samba

com improvisação (eram conhecidos como a turma da gafieira, como Sivuca, Edison Machado

e Zé Bodega). Por referência à presença mais acentuada da improvisação, a mídia da época

passou a se referir ao estilo como samba-jazz (BARSALINI, 2009, p. 80).

O Beco das Garrafas, além de ter sido um local representativo do movimento da

bossa nova, também foi um espaço de experimentação e consolidação dessa nova concepção

musical desenvolvida por um número expressivo de músicos, o samba-jazz, viabilizando novas

oportunidades de trabalho, principalmente em relação à função de músico solista, tendo como

consequência um maior reconhecimento e remuneração (GOMES, 2010, p. 64).

A concepção musical adotada nesse período questiona a posição de entretenimento

atribuída à música até então, e expressa uma mudança de paradigma musical que eleva a música

à potência de arte e não apenas de diversão. A valorização de uma proposta musical que se

liberte da condição de “música para dançar” se revela no comentário de Edison Machado em

relação ao músico Hélcio Milito, o qual aconselha Machado a abandonar o conceito de

entretenimento musical vinculado à dança, e o instiga a assumir um caráter expressivo de sua

concepção artístico musical através de seu processo criativo. “Nessa época, o Hélcio (Milito)

me deu uma dica: - Edison, sai dessa, rapaz! Tocar pra dançar? Você tem que fazer um som para

você, mais para seu ouvido.” (BARSALINI, 2009, p. 82). Acreditamos que essa valorização

referente à autonomia do músico solista associada ao espaço, adquirido pelo samba-jazz, no

mercado internacional em função dessa postura, tenha intensificado o desejo de Moura de

estabelecer uma carreira de solista, aprofundando seus estudos com relação aos ritmos

brasileiros.

De acordo com Sagawa (2015, p. 23), o samba-jazz assimila uma concepção

harmônica jazzística com o objetivo de ampliar as possibilidades da prática da improvisação,

procedimento desempenhado pelo músico solista. Esse comportamento jazzístico de

improvisação torna-se a principal característica dentro do repertório instrumental do samba-

jazz, sendo a performance do músico solista o ponto central dessa manifestação musical

predominantemente instrumental, que exalta o domínio técnico e a exploração dos limites dos

instrumentos pelo músico solista improvisador.

Nessa mesma época, Moura fez parte do septeto do baterista Edison Machado, com

o qual gravou o álbum “Edison Machado é samba novo” (1963), atuando como instrumentista

solista e arranjador. De acordo com Barsalini (2009, p. 107), esse disco apresenta uma intensa

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liberdade em relação à interação recíproca entre os músicos que atuam nessa obra, mesmo sendo

arranjadas previamente. Para Berendt (1975, p. 120), o arranjo não significa um procedimento

que limita o processo criativo do músico solista referente à construção de seu improviso: ao

contrário, é uma ferramenta que permite uma maior liberdade e estimula o improvisador na sua

performance. “Na relação arranjo/ improvisação existe uma verdadeira tensão que, quando bem

compreendida, é muito frutífera”. Dessa maneira, consideramos essa atuação de Moura como

um momento determinante no desenvolvimento de sua carreira como músico solista, e na

elaboração de uma música brasileira instrumental improvisada, que Moura estava empenhado

em desenvolver.

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2.4 Choro

A origem do choro está atrelada a uma conjuntura de fatores sócio culturais e

econômicos originados pela Brasil, principalmente a cidade do Rio de Janeiro, devido a vinda

da Família Real para a capital carioca por volta de 1808. Tais mudanças trouxeram para a capital

carioca, não somente melhorias urbanas, mas também investimentos em infraestrutura de

serviços públicos como: correios, rede ferroviária e zona portuária, criando uma nova demanda

de trabalho, ocupada em sua maioria, pela classe média da época (CAZES, 1997, p. 19).

Pellegrini afirma que o público que produzia e consumia música em meados do

século XIX era constituído de funcionários públicos, músicos das bandas militares e outras

profissões liberais, como os barbeiros. Esses músicos atuavam em encontros informais,

reinterpretando, de maneira particular, ou seja, como certa liberdade rítmica, os temas europeus

conhecidos do repertório da época (2005, p. 23).

Acerca do significado do termo “choro”, podemos encontrar diversas definições

que variam de acordo com as fontes referentes a esse tema. Uma das hipóteses que reforça nossa

pesquisa está relacionada à interpretação rítmica melódica característica desta manifestação

musical urbana. Para Cazes (1997, p. 17) a forma de tocar a melodia tinha um teor melancólico,

choroso de frasear, que teria originado o termo chorão, atribuído ao músico de choro. Pinto

ressalta que o termo se refere à maneira de se expressar através dos instrumentos e não,

propriamente, ao fato de ser considerado um gênero musical. Vasconcelos define a palavra

choro como uma provável abreviação do termo “Choromeleiros”, que caracterizava uma

corporação de músicos da época colonial brasileira (apud VALENTE, 2009, p. 39).

Falleiros (2006, p. 55) destaca o jeito “abrasileirado” de se tocar o repertório

europeu da época, enfatizando as acentuações rítmicas características das manifestações

musicais de influência africana que se estabeleceram de maneira única no Brasil, como o lundu

e o samba, e relaciona com a parte melódica, afirmando que, pelo fato de a melodia interagir

com o acompanhamento, possa ter sofrido a aplicação dessas acentuações em seu ritmo.

Falleiros evidencia que há um deslocamento cadenciado das figuras rítmicas em função da

atração exercida pelas acentuações, na medida em que ocorre uma ênfase nas mesmas.

De acordo com Spielmann (2008, p. 28) o choro se estabeleceu como uma

manifestação musical urbana por volta de 1870 em função das influências musicais oriundas

das danças europeias, em especial a polca; da instrumentação da época, violões e cavaquinhos,

muito comuns em Portugal; e da influência negra em relação à questão rítmica musical.

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Vasconcelos (1984, p. 41) divide cronologicamente a história do choro em 6

gerações. O período entre 1870 e 1889 compreende a primeira geração, e músicos como:

Henrique Alves de Mesquita33, Viriato Figueira34, Antônio Callado35 e, em seguida, Chiquinha

Gonzaga 36 e Ernesto Nazareth 37 foram os responsáveis pelas primeiras composições e os

primeiros grupos de choro nesse primeiro momento. A proclamação da República em 1889

estabeleceu o início da segunda geração, que se estendeu até 1919, com destaque para Anacleto

de Medeiros38, as bandas civis e militares. A terceira geração, de 1919 a 1930, foi marcada pela

presença de Pixinguinha39 como o nome mais relevante de todas as gerações do choro. Com o

progresso tecnológico, com o advento das vitrolas e das rádios, a quarta geração se consolidou

entre 1919 e 1930. Nesse período os músicos do choro formaram regionais com o intuito de

acompanhar cantores, e dois grupos se destacaram: os regionais de Benedito Lacerda40 e Dante

Santoro41. Essa função de acompanhamento foi marcada pela prática da improvisação, pois não

era comum a presença de arranjos escritos na prática musical desses regionais.

A quinta geração, que abrange os anos de 1945 a 1950, apresenta características

que consideramos relevantes ao nosso objeto de pesquisa. Entre essas, destacamos: a concepção

dos arranjos de choro para big band gravados por Severino Araújo42 com a orquestra Tabajara;

o retorno de Pixinguinha para o mercado fonográfico, assumindo o sax tenor como seu

instrumento principal e desenvolvendo seus contrapontos em seu dueto com Benedito Lacerda

33 Henrique Alves de Mesquita nasceu em 15/3/1830 e faleceu em 12/7/1906, no Rio de Janeiro RJ. Foi compositor,

regente, organista, trompetista e professor. 34 Viriato Figueira nasceu em 1851 na cidade de Macaé RJ e faleceu em 24/3/1883 no Rio de Janeiro RJ. Foi

saxofonista, flautista e compositor. 35 Joaquim Antônio da Silva Callado nasceu em 11/7/1848 e faleceu em 20/3/1880, no Rio de Janeiro RJ. Foi

flautista e compositor. 36 Francisca Hedwiges de Lima Neves Gonzaga nasceu em 17/10/1847 e faleceu em 28/02/1935, no Rio de Janeiro

RJ. Foi compositora e pianista. 37 Ernesto Nazareth nasceu em 20/03/1863 e faleceu em 01/02/1934, no Rio de Janeiro RJ. Foi pianista e

compositor. 38 Anacleto Augusto de Medeiros nasceu em 13/07/1866 na cidade de Paquetá PI e faleceu em 14/08/1907 no Rio

de Janeiro RJ. Foi maestro e compositor. 39 Idem p. 11. 40 Benedito Lacerda nasceu em 14/3/1903 na cidade de Macaé RJ e faleceu em 16/2/1958 no Rio de Janeiro RJ.

Foi flautista, regente e compositor. 41 Dante Italino Santoro nasceu em 1904, na cidade de Porto Alegre, RS e faleceu no Rio de Janeiro, RJ em 1969.

Foi flautista e compositor. 42 Severino Araújo de Oliveira nasceu em 23/04/1917 em Limoeiro, PE e faleceu em 3/08/2012 na cidade do Rio

de Janeiro, RJ. Foi um músico, compositor, maestro e clarinetista.

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e a presença de instrumentistas de sopro relevantes para a prática do clarinete e do saxofone

como: Zé Bodega43, Luiz Americano44 e Sandoval Dias45.

Segundo Spielmann (2008, p. 32) é nesse momento que Moura estabelece o início

da sua carreira como músico profissional, tendo como referência experientes saxofonistas

solistas improvisadores na música instrumental popular brasileira. A sexta geração do choro,

da qual Moura fez parte, se estabeleceu a partir de 1975. Em 1976, Moura lançou o álbum LP

“Confusão Urbana, Suburbana e Rural”, material de pesquisa de nosso trabalho, no qual

acreditamos que possa nos revelar as particularidades de Moura em relação a sua concepção

estilística como saxofonista improvisador.

De acordo com Moura, o início da sua carreira como músico solista foi marcado

pelo disco citado acima, no qual salienta, como característica fundamental de sua concepção, a

experiência adquirida anteriormente em relação a sua atuação como músico frente a gêneros

com o jazz, a bossa nova, e formações instrumentais como as big bands e grupos menores como

no samba-jazz. Outro detalhe relevante que Moura menciona é a presença dos instrumentos

percussivos (como tamborim, cuíca, pandeiro, entre outros) inseridos na idealização estilística

musical assumida por ele, bem como a existência da improvisação. A concepção musical

almejada por Moura, seria a de reunir músicos de jazz brasileiros para atuarem junto a uma

instrumentação caracteristicamente brasileira de forte carácter rítmico, no intuito de realizar

uma aproximação do público à música instrumental (apud SPIELMANN, 2008, p. 60).

Valente (2009, p. 42) ressalta, a respeito da improvisação desenvolvida dentro do

choro, que existem opiniões controversas em relação a prática da improvisação no fazer musical

deste gênero. Cazes (1997, p. 44) afirma que nas primeiras gravações mecânicas de choro é

quase inexistente a presença da improvisação, porém a mesma se torna mais presente nos

choros, em relação à variação melódica e rítmica, quando interpretados por Pixinguinha.

Moura teve a oportunidade de atuar ao lado de Pixinguinha em um dos bailes de

gafieira, na época em que frequentava o ponto dos músicos. Nesse episódio, do início de sua

carreira profissional, Moura relata que essa experiência se deu em um momento de atuação

solística através do choro. (apud SPIELMANN, 2008, p. 56).

43 Idem p. 19. 44 Idem p. 18. 45Sandoval Dias nasceu em 4/5/1906 Salvador, BA e faleceu no Rio de Janeiro, RJ em 1993. Foi saxofonista

trompetista, clarinetista e arranjador.

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Para Korman (apud SPIELMANN, 2008, p. 40) as improvisações realizadas no

choro estão relacionadas às ornamentações, contrapontos, acompanhamentos e variações,

melódicas e rítmicas, em torno da composição. Sá (apud SPIELMANN, 2008, p. 40) caracteriza

a improvisação no choro como uma integração entre a prática do improviso e a variação

melódica, através da aplicação espontânea de ornamentos, como: apojaturas, mordentes,

grupetos, trinados, notas de passagem, bordaduras, portamentos, glissandos, dentre outros.

Acreditamos que a expressão rítmica de Moura seja uma característica fundamental

na formação de sua originalidade. Como já mencionamos anteriormente, Moura fez parte da

bateria da escola de samba Imperatriz Lepoldinense, na qual tocava tamborim, com o intuito de

abarcar em si mesmo, a experiência da rítmica brasileira. Sève (apud SPIELMANN, 2008, p.

39) reforça a importância da rítmica na fundamentação do samba choro descrevendo este estilo

como uma subespecificação do choro vinculada a um conceito rítmico representado pelas

antecipações e síncopas melódicas inerentes ao samba, ao mesmo tempo em que é mantido uma

estrutura melódica do choro associada a música instrumental. “O que define um samba-choro

é a divisão rítmica de como você acentua ritmicamente a frase. As semicolcheias são acentuadas

com a mesma divisão do tamborim.” (apud SPIELMANN, 2008, p. 39).

Dessa forma, as acentuações que caracterizam a síncopa na música brasileira

parecem ser para estes autores um elemento significativo na definição de uma interpretação

original. Para Spielmann (2008, p. 256) as particularidades estilísticas intrínsecas ao choro, ao

samba e ao jazz estão presentes na interpretação e improvisação de Moura, aspectos esses que

caracterizam seu estilo, no qual acreditamos ter encontrado uma expressão mais significativa

na gafieira, assunto que trataremos a seguir.

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2.5 Gafieira

A gafieira, de acordo com França, remete aos bailes populares que ocorriam por

volta da metade do século XIX, predominantemente frequentados pelas classes sociais mais

baixas daquela época (2015, p. 135). O aumento de contingente urbano na cidade do Rio de

Janeiro teve uma parcela significativa no surgimento dos primeiros espaços de dança popular,

local que representava um divertimento urbano que se tornou típico da capital carioca (VEIGA,

2011, p. xviii). Spielmann (2008, p. 54) descreve a gafieira como um ambiente caracterizado

pela atuação de músicos e dançarinos, com o objetivo de fazer o público dançar. Os bailes de

gafieira configuravam encontros de música e dança, e dessa forma a palavra gafieira denota, ao

mesmo tempo, um estilo musical, como o samba de gafieira ou choro de gafieira, que possuem

aspectos musicais próprios em relação ao andamento e particularidades rítmicas.

Segundo Lima (apud SPIELMANN, 2008, p. 54), o termo gafieira é originário da

palavra gafe, utilizada pelas classes mais privilegiadas como uma forma de deboche ao modo

de dança particular das classes mais baixas que arrendavam salões de dança de proprietários da

elite carioca para realizar bailes destinados a essa camada da sociedade que era impedida de

frequentar salões de alta classe. José (2005, p. 82) afirma que a gafieira tinha o sentido de baile

popular, era frequentada por um público de baixo poder econômico que não seguia as regras de

etiqueta da alta sociedade. Segundo um recolhimento documental realizado por Spielmann

(2017, p. 43-44), apesar de nem todas as narrativas sobre os bailes de gafieira serem pejorativas,

essas “[...] denunciam uma época de difícil inserção social deste grupo [...]” (SPIELMANN,

2017, p. 43).

A partir dos anos 1920, com sucesso alcançado pelo swing, os grupos de gafieira

passaram a agregar particularidades oriundas desse estilo jazzístico. As orquestras de gafieira

acabaram por assumir uma formação mais próxima das orquestras de jazz da década de 1920,

diferenciando-se pelo acréscimo de instrumentos percussivos inseridos na sessão rítmica

(piano, bateria, baixo, guitarra e percussões), e mantendo uma similaridade em relação aos

sopros (metais e madeiras) e vozes solistas, priorizando os arranjos escritos em partituras, no

intuito de fazer o público dançar. Esses bailes populares possuíam uma dinâmica performática

definida, caracterizada pela predominância de um repertório eclético, no qual as músicas eram

tocadas sem interrupção e compiladas por andamento, com o objetivo de manter a dança

constante e o interesse do público, durante toda a noite. (FRANÇA, 2015, p. 136).

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Conforme destacamos no capítulo anterior, nos anos 50, Moura (apud

SPIELMANN, 2008, p. 54) afirma que nesses bailes eram tocados diversos ritmos musicais,

como: samba, bolero, swing, mambo, fox, entre outros. França (2015, p.137) destaca a prática

dos músicos nos bailes de gafieira, que exigiam a leitura à primeira vista e a improvisação,

como fator diferencial na aquisição de habilidades musicais. De acordo com o contrabaixista

Edson Lobo:

A experiência do baile, também, eu acho que deu muita 'cancha' pra esses músicos da

geração dos anos 50, que pegaram esse movimento, da bossa nova e do samba-jazz.

Então eles tinham muito essa 'cancha'. Quando eles ouviram o jazz, né, essa música

boa, eles já tinham mostrado. Alguns continuaram até um pouco, talvez, de uma

maneira um pouco 'quadrada', com uma certa 'cancha', mas não se aprimoraram muito.

[...] (apud FRANÇA, 2015, p. 137).

A fala de Lobo revela algo que é característico e comum a comunidade de músicos

brasileiros: a prática do baile se configura como uma “escola”: tanto no sentido do aprendizado,

aquisição de habilidades e experiência; quanto o de identificação em um grupo. França (2015,

p. 19) afirma que os músicos que atuavam neste período possuíam um intenso vínculo com os

bailes de gafieira, e consequentemente com a rítmica do samba e a espontaneidade do jazz.

Acreditamos que Moura tenha dado maior atenção aos ritmos brasileiros como

forma de direcionar melhor suar carreira como solista, na elaboração de uma identidade

brasileira, no início dos anos de 1970. Como apresentamos anteriormente, mesmo tendo a

oportunidade de se estabelecer como arranjador, esta posição não o agradava devido ao fato

que o desempenho deste trabalho o afastaria de sua exploração com a rítmica brasileira no

sentido de desenhar uma identidade para sua carreira solista. Concomitantemente, Moura havia

se desligado da orquestra sinfônica do teatro municipal (do Rio de Janeiro), estabelecido

residência no subúrbio carioca, onde passou a tocar tamborim na escola de samba do bairro e a

liderar os bailes de gafieira semanalmente no Cacique de Ramos e posteriormente na Gafieira

Estudantina.

“Eu organizei o baile uma vez por semana, para dança, lá no Cacique de Ramos às

quintas feiras. Era o grupo que tocava comigo lá na praça Tiradentes. Eu tocava lá na

gafieira aos domingos porque lá não acontecia nada, estava sempre fechada a gafieira,

o dono lá me ofereceu este dia, lá na Estudantina (apud SIPIELMANN, 2008, p. 60).

De acordo com o contexto apresentado acima, e após um período de experiência

profissional intensa no jazz, na bossa nova, samba-jazz e música de concerto, verificamos uma

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retomada de Moura à gafieira em meados dos anos 70. O fato significativo e contundente desta

aproximação é o lançamento do álbum “Confusão urbana, suburbana e rural” (RCA Victor,

1976) produzido por Martinho da Vila, com quem Moura havia tocado em turnê pelo Brasil e

exterior.

“...[...] Quando eu decidi mesmo que tinha que aprender melhor a nossa música

(música popular brasileira), ...alias eu estou pensando nisso até hoje, tentando

aprender essa rítmica…mas pra entender melhor eu fui morar no subúrbio...a primeira,

vamos dizer o primeiro mestre mesmo de música brasileira, de música carioca pra

mim acho que foi o Martinho da Vila, porque nos anos setenta, por volta de setenta e

seis ele me convidou pra tocar no conjunto dele, viajamos muito pela Europa, tocamos

aqui (Rio de Janeiro) em vários concertos [...] Então foi, toquei lá, fui muitas vezes

na escola de samba, vivia, morava em frente. Eu dormia ouvindo aquela batida da

escola e samba a noite inteira...” (Mattos, 2013, 00:56:53).

Segundo Spielmann (2008, p. 60), este álbum representa o início do

estabelecimento de um estilo de improvisação na música instrumental brasileira, na qual Moura

mistura uma concepção de música brasileira com o jazz.

“O marco da minha carreira para a gafieira foi no ‘Confusão urbana, suburbana e

rural’. Quando surgiu a oportunidade de gravar este disco eu já tinha uma experiência,

mas eu queria fazer uma coisa um pouco diferente. A diferença era a percussão,

porque na verdade tinha, não sei se fizeram isto antes, mas juntar músicos de jazz

brasileiros com percussão como cuíca, pandeiro (o pandeiro na bossa nova não

entrava), tamborim, cavaquinho. Colocar estes instrumentos, isto foi uma coisa que

se podia dizer pela repercussão que teve em músicos, vamos dizer mais radicais,

aquilo muita gente não gostava. É, principalmente quem era da bossa nova não

gostava, acharam que aquilo era uma concessão que eu estava fazendo pra vender

mais discos. Na verdade, eu pretendia chegar mais perto do público, porque naquela

época eu achava que músico não só não tocava em rádios os seus discos, os nossos

discos, mas também não tinha aceitação do público. Porque os músicos estavam

sempre tocando música americanizada, mais jazzística” (MOURA apud

SPIELMANN, 2008, p. 60).

Acreditamos que a concepção estilística que caracteriza este álbum reflete a

experiência musical de Moura ao longo da sua formação como músico, pois é possível observar

a presença de elementos característicos dos estilos musicais os quais Moura havia tomado

contato ao longo de sua carreira, como: a improvisação, o arranjo, a composição, e os

instrumentos da percussão brasileira relacionados ao samba. Este momento é marcado por uma

concentração em explorar e trazer a expressão da gafieira como marco de originalidade e

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identidade musical, expressa no seus discos posteriores como “Mistura e manda” (Kuarup,

1984), “Gafieira etc & tal” (Kuarup, 1986), “Gafieira dance Brasil-The Paulo Moura & Cliff

Korman ensemble” (Almons & Roses music, 2001); e sua atuação em duas das mais

tradicionais gafieiras do Rio de Janeiro, o baile de gafieira no Cacique de Ramos e a gafieira

Estudantina.

Para Salles (2011, p. 67) o percurso criador do artista se estabelece através de

relações de tensão, na qual circunstâncias antagônicas de origens diversas, exercem

dialeticamente umas sobre as outras, sustentando o processo em ação através da confluência

das ações do propósito e do imprevisto. As experiências musicais que Moura vivenciou na

década de 1970, podem ter sido significativas para o surgimento de um 'caminho tensivo'

preponderante para o estabelecimento de sua opção estética. Apesar do termo “gafieira” não

poder ser exatamente considerado estritamente um gênero musical em si (ainda que possa-se

observar no meio musical seu uso neste sentido, como figura de linguagem), Moura encontrou

na música desta expressão cultural – o baile de gafieira – um caminho para aglutinar os

elementos que considerava significativos da música brasileira (a percussão ostensiva, a rítmica

predominante, etc), o espaço de protagonismo para o instrumentista (que responderia ao seu

objetivo de despontar como solista) e a improvisação (como veículo para a expressividade e

interação). Este seria o sentido mais próximo do termo em relação à síntese de elementos que

constituem o seu projeto de músico solista brasileiro.

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Capítulo 3 – Metodologia de análise e parâmetros de seleção

3.1 Metodologia de análise

A improvisação musical envolve diversos aspectos relacionados aos processos

criativos. Acreditamos que os aspectos melódicos, harmônicos e interpretativos são

substanciais para reforçarmos a compreensão de uma originalidade musical desenvolvida por

Moura. Em relação às inúmeras particularidades que envolvem uma análise musical, Cook

(1987) ressalta a importância de nos apropriarmos de distintas técnicas analíticas, ao invés de

estudarmos questões fundamentais a respeito da improvisação, de forma individualizada, sem

que haja uma confluência de múltiplas abordagens metodológicas, isto é, os métodos de análise

devem ser complementares e não excludentes.

Partindo desse pressuposto, consideramos a postura analítica assumida por Valente

(2009) significante para o desenvolvimento de uma ferramenta de análise pertinente ao nosso

objeto de pesquisa. Valente procede de uma metodologia embasada na teoria apresentada pela

obra de Russell (2001), na qual, o autor considera duas alternativas primordiais no

desenvolvimento da improvisação denominada idiomática. De acordo com Russell (2001),

podemos abordar a análise da improvisação de um modo vertical, focando na construção da

improvisação através da escala relativa a cada acorde que determina a estrutura harmônica do

tema improvisado, e outro horizontal, na qual a improvisação se estrutura baseada em uma

escala que abranja mais de um acorde. Valente (2009) leva em consideração este aspecto em

relação à música brasileira, tomando como parâmetro os ritmos e harmonias que afetam a

construção melódica do improvisador solista.

Sendo que o objeto de nossa análise reside na construção melódica, tomaremos

como base para nossa análise a ideia de frase musical apresentada por Tiné (2013), o qual não

faz uso do conceito mais sedimentado de frase musical, mais comumente utilizado em análises

estruturais, Tiné relaciona o elemento de medida do contorno melódico justamente com a

capacidade respiratória do músico solista. Shoenberg (1991) reforça esta concepção quando

afirma que o termo frase deva ser entendido como uma unidade próxima ao que se pode cantar

em um só fôlego. Por sua vez, Tiné busca adequar a noção de frase às características da

improvisação solista no âmbito da música popular. Para ele, a frase seria toda a porção que se

encontra entre as respirações do solista improvisador. É dessa maneira que o pesquisador pode

determinar o segmento de frase baseado na respiração do intérprete, tornando a análise mais

exata em relação ao processo criativo do músico solista no ato da improvisação.

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Consideramos essas noções adequadas às nossas análises, dadas as similaridades

que contemplam os aspectos relacionados à música popular e ao solista de instrumento de sopro,

escopo de nosso trabalho, porém nos atentarmos aos números de compassos para nos referirmos

aos trechos melódicos ao longo de nossa análise.

Dessa forma, nossa pretensão será a de estabelecer duas camadas para a observação

da construção melódica, a primeira estruturada na relação das notas com a harmonia no intuito

de averiguar a influência de um procedimento típico da escola de improvisação jazzística, na

qual a melodia se referencia regularmente à harmonia; e uma segunda camada, na qual

consideraremos a relação tênue entre a questão rítmica e acentuação, tendo como referência os

instrumentos percussivos do samba, em especial, o tamborim. Tomaremos com referência o

trabalho de Bolão (2003), o qual apresenta os típicos padrões rítmicos do samba carioca

relacionados a cada instrumento de percussão que compõe uma escola de samba na cidade do

Rio de Janeiro; Barros (2015) e Zeh (2006).

Nossa hipótese, neste sentido, é de encontrar uma relação entre a rítmica típica da

música brasileira e as acentuações no fraseado de Paulo Moura, a fim de demonstrar o papel

deste recurso interpretativo na constituição de seu estilo. Sendo assim, buscaremos referenciais

nos trabalhos de que apresentam a teoria da flexibilidade rítmico melódica (SALEK, 1999) e o

conceito de métrica derramada de Ulhôa (2005), a fim de observar a emergência de padrões e

esquemas rítmicos tipicamente brasileiros em suas improvisações. Falleiros (2006, p. 63)

salienta a necessidade de entendermos que existe uma distinção entre ritmo e acentuação, pois

um mesmo ritmo pode ser caraterizado idiomaticamente através de diversas maneiras

estilísticas de acentuação.

Em relação a análise dos elementos característicos do jazz utilizaremos o trabalho

de Coker (1991) para tratarmos dos procedimentos jazzísticos como enclosure, padrão 1235 e

os arpejos para a caracterização melodia da harmonia.

Portanto, acreditamos que através de uma detalhada análise rítmica, possamos nos

deparar com a forma pela qual Moura, com uso de seu conhecimento adquirido sobre

construção de fraseado, realiza acentuações que possam ser características dos estilos de música

brasileira.

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3.2 Parâmetros de seleção dos fonogramas

Tomaremos como primeiro critério de seleção dos fonogramas aqueles em que

possamos observar a existência de solos improvisados realizados ao saxofone, visto que Moura

é um músico multi-instrumentista, mas nosso trabalho se foca em sua performance criativa ao

saxofone. O primeiro momento desta seleção foi a escuta detalhada de sua discografia oficial

que consta na página de internet dedicada à divulgação da vida e obra de Moura46. Em sua

discografia encontramos uma diversidade de estilos musicais, desde standards de jazz, até

concertos eruditos. Como exemplo, com a pianista Clara Sverner o músico estabeleceu parceria

que resultou em três álbuns de repertório orientado para a música de concerto47.

Moura gravou 40 álbuns, em sua maioria de música brasileira, sendo que toca

saxofone em 184 faixas das 423 gravações48 (sax alto 154 e sax soprano 30). Ainda segundo

nosso levantamento, a partir da segunda metade da sua produção discográfica notamos uma

tendência cada vez maior em gravações com a clarineta sendo que do ano 1956 até 1992 temos

172 gravações com saxofones (sax alto 145 e sax soprano 27) e 39 com clarineta; e a partir de

1992 são 168 gravações com clarineta e 39 com o saxofone (sax alto 36 e sax soprano 3).

Verificamos que em 32 faixas Moura não atua como instrumentista, mas como arranjador.

A fim de contemplar o critério adotado, selecionamos cinco fonogramas

considerados relevantes, não só pela presença de solo improvisado ao saxofone, mas também

pelo período em que foram registrados, que cobre do ano de 1969 ao ano de 2006. Além disso,

consideramos a instrumentação e a diversidade de gênero como aspectos relevantes e

representativos da constituição de sua forma de improvisar, em especial na gafieira.

Os fonogramas selecionados, com suas respectivas referências, minutagem em que

se encontram os solos, a instrumentação e nossa consideração de representatividade de gênero

musical popular, encontram-se explícitos na tabela abaixo. As informações da tabela abaixo

foram obtidas com base nos encartes de cada álbum selecionado, bem como, a partir da página

de internet oficial do Instituto Paulo Moura.

46 Instituto Paulo Moura – Acervo digitalizado que compreende registros da carreira de Paulo Moura. Essa página

de internet que representa o “Instituto Paulo Moura” fornece diversos materiais competentemente organizados da

vida e obra de Paulo Moura. Nele encontramos: toda sua discografia, diversas gravações, entrevistas, vídeos,

recorte jornalísticos e partituras. A página é mantida por sua ex-esposa Halina Grynberg, que acompanhou sua

carreira por mais de 30 anos. Disponível em <http://www.institutopaulomoura.com.br/home/index.html> Acesso

em: 14 mar. 2017. 47 Clara Sverner e Paulo Moura” - (Selo Ergo, 1983), “Clara Sverner e Paulo Moura interpretam Pixinguinha” -

(Sony Music, 1988) e “Cinema Odeon-Clara Sverner e Paulo Moura” - (Selo Ergo, 1996). 48 Ver tabela – Anexo II, p.72.

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Fonogramas Selecionados

Música: Samba de Orfeu

Compositor: Luís Bonfá e Antônio Maria

Álbum: Paulo Moura hepteto

Gravadora: Ouver Records

Ano: 1968

Minutagem do solo: 1´10´´até 1´35´´ / 2´53´´ até 3´13´´

Instrumentação: bateria, contrabaixo, piano, sax alto e trombone

Genêro: bossa nova

Música: Yardbird suite

Compositor: Charlie Parker

Álbum: Paulo Moura e quarteto

Gravadora: Equipe

Ano: 1969

Minutagem do solo: 1’08’’até 2’13’’

Instrumentação: bateria, contrabaixo, piano e sax alto

Genêro: bebop

Música: Se Algum Dia

Compositor: Martinho da Vila

Álbum: Confusão urbana, suburbana e rural

Gravadora: RCA Victor

Ano: 1976

Minutagem do solo: 1’49’’até 2’50’’

Instrumentação: flauta, violinos, violão de 7 cordas, trombone, Bateria, piano,

cuíca, cavaquinho, surdo, pandeiro e sax alto

Genêro: samba-canção

Música: Dois sem vergonha

Compositor: Paulo Moura e Wagner Tiso

Álbum: Confusão Urbana, suburbana e rural

Gravadora: RCA Victor

Ano: 1976

Minutagem do solo: 1’08’’até 1’40’’ / 2’12’’ até 2’37’’

Instrumentação: tamborim, cavaquinho, contrabaixo, cuíca, apito, violão, piano,

agogô, bateria, surdo, trombone e sax alto

Genêro: samba

Música: Alma brasileira

Compositor: Zeca Freitas

Álbum: Gafieira jazz – Paulo Moura & Cliff Korman

Gravadora: Rob Digital

Ano: 2006

Minutagem do solo: 1’43’’até 3’48’’

Instrumentação: piano, bateria, baixo, cavaquinho e saxofone alto

Genêro: “gafieira”

TABELA 1 - INFORMAÇÕES TÉCNICAS SOBRE OS FONOGRAMAS SELECIONADOS

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Capítulo 4: Análises e discussão

4.1 – Transcrição e análise do solo em “Samba de Orfeu”

A canção bossanovista “Samba de Orfeu” foi composta pelo violonista Luiz Bonfá

em parceria com o compositor pernambucano Antônio Maria em 1959 para fazer parte da trilha

sonora do filme “Orfeu no carnaval” de Marcel Camus e gravado, no mesmo ano, no álbum “O

violão de Luiz Bonfá – Solo in Rio” (Cook/Smithsonian folkways recordings/MCD).

Moura gravou esta canção em 1968, no álbum “Paulo Moura hepteto” (Ouver

Records), acompanhado pelos músicos, conforme informações contidas no encarte deste álbum:

Cesário Constâncio Gomes (trombone), Darcy Cruz (trompete), Luiz Alves (contrabaixo),

Oberdan Magalhães (saxofone tenor), Pascoal Meirelles (bateria) e Wagner Tiso (piano e

arranjos).

De acordo com Tragtenberg (apud FALLEIROS, 2006, p. 107) há um modelo de

contraponto que se dá particularmente na memória do ouvinte, ou seja, na rememoração de uma

música pelo reconhecimento a partir da manutenção de fragmentos melódicos em meio à

elementos distintos da melodia original. Um exemplo, é o solo criado por Moura na última

exposição da parte A do tema a ser analisado. A partir de Tragtenberg, Falleiros (2006, p. 107)

denomina este conceito como “contraponto mnemônico”, no qual de maneira intencional pelo

improvisador, gera, no ouvinte, uma sensação de surpresa, pois existe uma pré-disposição na

escuta da melodia original como referência em face as variações melódicas improvisadas.

Dessa forma, faremos uma análise comparativa a fim de observar a hipótese do recurso de

contraponto mnemônico na música popular brasileira, como sugerido por Falleiros (2006).

O contorno melódico do tema original é mantido durante a última exposição da

parte A da forma AABA49 porém com modificações rítmicas em relação à melodia do tema

através da criação de variações50.

49 O sinal de repetição no início e no fim dos primeiros oito compassos significa que a primeira seção (A) é repetida,

isso significa que os primeiros 16 compassos são chamados de AA. Embora o primeiro e o segundo sejam

diferentes, as seções são semelhantes para ter os mesmos nomes de letras. A próxima seção de oito compassos é

melodicamente e harmonicamente totalmente diferente das duas primeiras seções de oito compassos, então ela é

chamada B. Os últimos oito compassos é chamada de A. (LEVINE, 1995, p. 384). 50 Variação significa mudança: mas mudar cada elemento produz algo estranho, incoerente e ilógico, destruindo a

forma básica do motivo. Conseqüentemente, a variação exigirá a mudança de alguns fatores menos importantes e

a conservação de outros mais importantes. A preservação dos elementos rítmicos produz, efetivamente, coerência

(ainda assim, a monotonia não pode ser evitada sem ligeiras mudanças). No mais, a determinação dos elementos

mais importantes depende do objetivo composicional: através de mudanças substanciais é possível produzir uma

variedade de formas-motivo adaptáveis a cada função formal. (SCHOENBERG, 1991, p. 36).

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No trecho abaixo temos a repetição de um mesmo fragmento melódico no compasso

1 e início do compasso 2 (Mi – Fá# – Sol#) de forma que, por estarem dispostas em harmonias

distintas, o fragmento, apesar de idêntico nas alturas, gera “colorações” distintas.

Concomitantemente, a nota Sol#, enfatizada pela repetição, conduz a uma memória da melodia

principal, pois se caracteriza por ser uma nota significante do tema, como vemos no pentagrama

comparativo, além da preservação do contorno melódico geral.

No compasso 2, observamos que comparativamente, a melodia sofre uma variação,

tanto na amplitude intervalar quanto na rítmica, mesmo assim, conserva a nota Sol#

referenciando ao tema original.

Verificamos comparativamente no compasso 3 o acréscimo de notas, ainda que o

contorno descendente se mantenha e tenha como finalização a nota Sol# (cabe lembrar que

geralmente na interpretação das músicas chamadas populares, o staccato, geralmente é, não

apenas curto, mas acentuado). Para Schoenberg (1991, p. 30) as notas adicionadas, que não

fazem parte dos acordes, auxiliam na fluidez e interesse da melodia.

FIGURA 8 - TRECHO COMPARATIVO “SAMBA DE ORFEU” (COMPASSOS 1, 2 E 3)

No início deste sistema, no compasso 4, verificamos uma repetição das notas Lá –

Dó# – Mi – Sol, significativas da melodia original, com o acréscimo da 5ª de E7sus4(9)(13) a

nota Si, ao mesmo tempo que reforçam a harmonia. Ritmicamente, a pausa empregada no

primeiro tempo da melodia original sofre um deslocamento no contorno melódico improvisado,

situando se no contratempo do 2º tempo do compasso 4, o que gera uma surpresa ao ouvinte,

pois esta pausa de colcheia corresponde a nota Sol# do tema original.

Melodicamente, no compasso 5, ocorre uma anacruse ascendente baseada em notas

estruturantes do acorde de C#m7 (Sol# – Lá – Si) em direção a nota a Si, a qual representa o

sétimo grau; em seguida, há uma aproximação cromática descendente que finaliza na nota Mi,

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7ª do acorde de F#m7(9), nota significante da melodia original, de tal maneira que verificamos

uma repetição da célula do tema original, situada no 2º tempo do compasso 6, na melodia

improvisada. (Mi – Dó# – Mi).

Acreditamos que o uso do cromatismo crie uma sensação dúbia em relação ao

reconhecimento da melodia do tema, causando uma tensão em relação a cadência harmônica

deste trecho, pois ao mesmo tempo em que é desconstruída, através da aplicação de variações,

a sonoridade criada no desenvolvimento melódico remete à melodia original, devido a

manutenção dos “pontos” de apoio da melodia.

No compasso 7 são mantidas as notas que finalizam a melodia do tema (Mi e Si) e

uma bordadura formada pelas notas Si – Dó# – Si, última nota do compasso 7 da melodia, como

um artifício de variação melódica gerando surpresa para o ouvinte.

FIGURA 9 - TRECHO COMPARATIVO “SAMBA DE ORFEU” (COMPASSOS 4, 5, 6 E 7)

No compasso 8, comparativamente observamos as mesmas alturas melódicas e

contorno ascendente. Existe uma inclusão de uma nota (La#), enarmônica de Sib (7ª menor de

C7(9)), que inicia a melodia e uma “contração” da rítmica neste trecho. O compasso 9 se

apresenta praticamente idêntico no comparativo a não ser pela anacruse (Fá#) para o compasso

seguinte.

No compasso 10, temos uma transposição com variação do desenho melódico para

uma quinta justa acima para as notas principais (Fá# no tema e Dó# no solo, em seguida Ré no

tema e Lá no solo) na preparação para atingir a nota Si do compasso 11, contudo ocorre por

intervalo de quinta e diatônico (Fá# - Lá → Si).

A resolução da 7ª menor do acorde de Bm7(9)(11) encontrado no compasso 9 para

a terça de G7 no final do compasso 11 (melodia original, pentagrama inferior) é valorizada na

versão de Moura, com a condução da melodia nos compassos finais (compasso 11 e 12), pois a

nota Si, ao mesmo tempo que resolve a 7ª do acorde anterior, representa a 3ª do acorde

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dominante de G7(13). Este trecho, a partir do compasso 11, inicia com a nota Si e segue em

direção a mesma nota oitava abaixo, porém, percorre um caminho melódico elaborado a partir

de uma bordadura, representada pelas notas Si – Dó – Si no primeiro tempo do compasso;

movimento em grau conjunto, seja descendente (Lá – Fá – Mi) ou ascendente (Lá – Si – Dó),

ainda no compasso 11 e aproximações cromáticas configuradas pelas notas Dó – Si – Sib – Lá

no primeiro tempo do compasso 12.

FIGURA 10 - TRECHO COMPARATIVO “SAMBA DE ORFEU “ (COMPASSOS 8, 9, 10, 11 E 12)

O trecho abaixo é caracterizado pelas aproximações em direção as notas

representativas, tanto da melodia do tema quanto da harmonia. Em comparação, verificamos no

compasso 13 a presença de um arpejo formada pela 3ª, 5ª e 7ª do acorde de Bm7(9) (Ré – Fá#

– Lá) seguido de uma aproximação cromática ascendente Fá# – Fá## – Sol#, em direção a nota

da melodia, a nota Sol#, acompanhada de um movimento descendente cromático Fá# – Fá –

Mi, no sentido da nota Ré. Observamos que essa aproximação cromática desenvolvida em torno

da nota Sol# e Ré, traz uma memória da melodia do tema, ao mesmo tempo em que a cadência

harmônica é reforçada, pois a nota Sol# caracteriza se por ser a 3ª maior e a nota Ré a 7ª menor

do acorde dominante de E7sus4(9)(13). Nos compassos 14 e 15 o contorno melódico é

desenvolvido com base em aproximações diatônicas inferior superior (enclosure ) empregado

no 1º tempo do compasso 14 (inferior superior Dó# – Lá – Si), assim como no 15 (superior

inferior Si – Dó# – La) e bordadura no 2º tempo do compasso 15 caracterizada pelas notas Lá

– Si – Lá.

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FIGURA 11 - TRECHO COMPARATIVO “SAMBA DE ORFEU” (COMPASSOS 13,14 E 15)

Segundo Givan51 (2003, p. 472) a paráfrase é um tipo de improvisação elaborada a

partir de uma melodia preexistente, o solo criado pelo improvisador é proveniente de um tema

prévio, ou seja, a melodia original torna se uma referência para o processo criativo do solista.

Enquanto o contraponto mnemônico mantém certos aspectos da melodia original realizando um

paralelo ao longo do tempo com indícios mnemônicos que preservam o tema original na escuta

interna do ouvinte, a paráfrase faz o uso de fragmentos dispersos e realiza uma derivação

fundamentada neles.

De forma abreviada, observamos no trecho analisado52 a utilização de recursos de

variação melódica que estão de acordo com a hipótese de contraponto mnemônico, no qual o

improvisador busca manter contornos que permitam o reconhecimento da melodia do tema,

mas ao mesmo tempo tangem o limite de uma nova melodia.

51 the paraphrase improvisation resembles a pre existent melody because the performer use this melody as a guide

- the solo is conceptually derivaded from the melody (GIVAN, 2003, p. 473). 52 Apesar de Moura realizar outro trecho com solo improvisado que conduz para a finalização da música após o

solo de piano, acreditamos que o exposto acima já seja suficiente para confirmar nossa hipótese do uso do

contraponto mnemônico, e os recursos que ele utiliza para efetivar este tipo de solo improvisado sendo que a

sequência não traria efetivamente nenhum acréscimo significativo. Contudo para posteriores análises, a transcrição

completa pode ser encontrada na seção de anexos deste trabalho.

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4.2 – Transcrição e análise do solo em “Yardbird suite”

Este tema de jazz característico do bebop foi composto por Charlie Parker53 e

tornou-se uma composição representativa do estilo. Em 1946 Parker gravou "Yardbird suite",

originalmente intitulado "What price love?".

A versão de Moura, se encontra no álbum “Paulo Moura e quarteto” (Equipe, 1969),

na qual foi mantida parte dos músicos do disco anterior “Paulo Moura hepteto”, citado

anteriormente. Atuaram ao lado de Moura os músicos Cesário Luiz Alves (contrabaixo),

Pascoal Meirelles (bateria) e Wagner Tiso (piano e arranjos).

Nossa hipótese é de que Moura utilize recursos melódicos difundidos pela escola

de improvisação jazzística, como a valorização de notas características dos acordes, mais

precisamente a 3ª e 7ª no acorde dominante e, fundamental e 3ª no acorde de tônica, e sua

ocorrência em momentos decisivos para representar a mudança de acordes no decorrer da

harmonia. Além disso o uso de padrões e repetições rítmicas, aproximações e enclosures devem

ser observados como elementos que trazem coerência melódica e são recorrentes nas

improvisações jazzísticas, conforme atesta o autor Jerry Coker.

De acordo com Coker (1991, p. 19)54 no jazz, a resolução da 7-3, ou seja, a sétima

e terça do acorde, na maioria das vezes está relacionado a uma progressão harmônica II-7 para

V-7, as vezes V7 para I. No entanto a principal preocupação desta resolução destes dois acordes,

está relacionada diretamente no que diz respeito às implicações melódicas e não harmônicas,

conforme revelam os exemplos abaixo desenvolvidos por Charlie Parker.

FIGURA 12 - EXEMPLO 101 E 102 - COKER, 1991, P. 19

53 Ver p. 11. 54 In jazz, the setting for the 7-3 resolution is most often a harmonic progression of II-7 to V-7, thought the setting

is sometimes V7 to I. (...) we are now simply concerned with the smooth connection (voice-leading) of two chords,

especially with respect to melodic, rather than harmonic, implications (1991, p. 19).

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Outros elementos que devemos nos atentar é o uso de padrões jazzísticos

geralmente utilizados na elaboração do solo, como no exemplo na figura abaixo. Segundo

Coker (1991, p. 8) os padrões jazzísticos são formados por células melódicas, normalmente de

4 a 8 notas, elaboradas de acordo com a relação da nota e sua função com o acorde em questão

de cada tonalidade ou escala.

FIGURA 13 - EXEMPLO 34 - COKER, 1991, P. 8

A ilustração abaixo demonstra uma técnica que caracteriza a linguagem jazzística.

De acordo com Coker (1991, p. 61) os enclosures é uma técnica linear ou melódica, no qual

uma nota alvo é abordada por aproximações diatônica ou cromáticas, podendo ser superior-

inferior ou inferior-superior. Na sequência seguem exemplos de enclosures aplicados por

Parker no desenvolvimento de seu solo nos temas “Confirmation” e “Yardbird suite”.

FIGURA 14 - ILUSTRAÇÃO - COKER, 1991, P. 61

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FIGURA 15 - EXEMPLOS 211 E 212 - COKER, 1991, P. 53

Outra característica relevante na linguagem jazzística é o uso de padrões melódicos

estruturados a partir de notas significativas de cada acorde inserido na harmonia de um tema de

jazz, conforme demonstramos na figura abaixo.

FIGURA 16 - EXEMPLO 31 - COKER, 1991, P. 9

Segundo Teixeira (2015, p. 207) a estrutura (1235) apresentada acima é

denominada pelos músicos como Coltrane Liks ou Coltrane Patterns, devido ao uso frequente

deste padrão pelo saxofonista John Coltrane, destaque para o solo em Giant Steps, no álbum

que recebe o mesmo nome. Este padrão é caracterizado como um artifício técnico para sustentar

um andamento muito rápido com progressões harmônicas complexas.

Abaixo seguimos com a análise dos trechos que consideramos relevantes sobre o

solo de Paulo Moura.

O trecho abaixo inicia com um contorno melódico no 2º tempo do compasso 1

definido pelo uso do padrão 1235 (Fá – Sol – Lá – Dó) que finaliza na nota Fá, fundamental do

acorde de Fm7, a mesma nota a qual assumirá a função de 5ª do acorde dominante de Bb7 no

2º tempo do compasso 2. No terceiro compasso a melodia apresenta um movimento

descendente formado por notas curtas entrecortadas de silêncio, privilegiando a rítmica, que se

estende até metade do compasso 4. No 2º tempo do compasso 4 nota se um enclosure,

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aproximação inferior-superior, para a nota Si (Dó – Lá – Si), terça maior de G7, a qual reforça

a finalização deste contorno melódico no compasso 5.

FIGURA 17 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 1, 2, 3, 4, 5 E 6)

Melodicamente, a figura abaixo é elaborada com base nas aproximações

(enclosure) alternando se com a aplicação de bordaduras em torno das notas significantes dos

acordes de cada compasso. A partir do 2º tempo do compasso 8 notamos uma aproximação

diatônica (enclosure) inferior-superior (Dó – Lá – Sib), bem como no 1º tempo do compasso 9,

porém superior e inferior (Ré – Fá – Mi), e uma aproximação final superior-inferior (enclosure)

caracterizada pelas notas Sol – Sib – Lá. As bordaduras aparecem no início do compasso 7 (Dó

– Si – Dó) e no 1º tempo do compasso 9 (Mi – Dó – Mi).

FIGURA 18 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 7, 8, 9 E 10)

Entre os compassos 10 e 14 o contorno melódico é elaborado em torno da nota Lá,

enquanto a cadência harmônica caminha, fazendo com que a mesma nota assuma diferentes

funções, 5ª (Dm7), 11ª (Em7(b5)), fundamental (A7) até atingir a 9ª do acorde de C#7(9)(13)/B,

utilizando um efeito de portamento para a nota Ré. No compasso 14 observamos o uso de uma

bordadura composta pelas notas Sol – Fá – Sol, enfatizando a 5ª do acorde de Cm7 (Sol).

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FIGURA 19 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 10, 11, 12, 13 E 14)

No compasso 15 notamos a ocorrência de duas aproximações (enclosures), uma

inferior-superior do 1º tempo do compasso para o 2º tempo (Mi – Dó# – Ré), e outra, superior-

inferior (Sol – Sib – Lá) já no 2º tempo. Verificamos uma aproximação diatônica superior-

inferior (enclosure) Fá – Ré – Mib, na passagem do compasso 16 para o 17; assim como entre

o 1º e 2º tempo do compasso 17, contudo, de forma inferior-superior (Sol – Sib – Lá),

finalizando na terça do acorde de F7 (Lá), nota significante deste acorde, que juntamente com

a sétima realiza o trítono, responsável pela sua tensão harmônica característica.

FIGURA 20 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 15, 16 E 17)

O trecho abaixo inicia no compasso 23 com uma variação melódica referenciada no

fragmento melódico elaborado no compasso anterior e dos motivos rítmicos que se repetem. É

significativo ressaltarmos a intenção em valorizar as notas sensíveis que caracterizam a

harmonia, 3ª e 7ª. A aplicação da bordadura (Mib – Fá – Mib) caracteriza o 1º tempo do

compasso 2, bem como no contratempo do 1º tempo do compasso 25 (Dó – Si – Dó). Uma

aproximação diatônica superior-inferior (enclosure) ocorre no 2º tempo do compasso 23

formada pelas notas Sol – Sib – Lá.

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FIGURA 21 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 23, 24 E 25)

Na figura abaixo verificamos um movimento melódico ascendente fundamentado

em uma resolução característica do jazz55, já citado anteriormente. Neste modelo de resolução

típica, a melódia enfatiza as notas característica do acorde C7(9)(13), através de uma repetição

alternada das notas estruturantes deste acorde, gerando duas bordarura consecutivas (Dó – Si –

Dó e Ré – Dó – Ré), e reforça a resolução da 7ª de C7(9)(13) (Sib) para a 3ª de F7 (Lá) no 1º

tempo do compasso 31. No 2º tempo do compasso 31 observamos uma aproximação diatônica

superior-inferior (enclosure) formado pelas notas Ré – Fá – Mib (7ª menor do acorde de F7),

que resolve na 3ª (Ré) de Bb7(9)(13) vigente no 1º tempo do compasso 32.

No compasso 33 há uma reminiscência do padrão jazzístico 1235 no 1º tempo, pois

sob o acorde de C7(9)(13), este padrão é transposto uma terça acima, enquanto no 2º tempo

ocorre uma bordadura formada pelas notas Fá# – Sol – Fá#.

FIGURA 22 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 29, 30, 31, 32E 33)

No 1º tempo do compasso 34 observamos o uso de um arpejo descendente de

Fm7(9) (Fá – Mib – Láb - Sol), seguido de uma aproximação diatônica inferior-superior

(enclosure) Dó – Lá – Sib, situada no 2º tempo. No compasso 36 a valorização da 3ª e 7ª é

55 Ver p. 54.

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mantida através da sustentação da nota Fá até o compasso 37, caracterizando a 3ª de Dm7(9)(11)

e 7ª do acorde de G7(9)(13).

FIGURA 23 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 34, 35, 36, 37 E 38)

No 1º tempo do compasso 40 observamos uma aproximação inferior-superior

(enclosure) que é precedida, incialmente, por uma antecipação da nota Sol no compasso 38

configurando a 5ª de C7(9) e a 7ª de F7(9)(13) e por uma variação do padrão 1235 no compasso

39 formado pelas notas Láb – Sol – Fá – Ré. No compasso 41 ocorre uma aproximação diatônica

superior-inferior (enclosure) representada pelas notas Sol – Sib – Lá, a qual é suspensa na

mudança de acorde para o seguinte compasso, assumindo uma outra função harmônica –

fundamental em A7(b9)(#11) e quinta em Dm7(9), no compasso seguinte.

FIGURA 24 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 38, 39, 40 E 41)

Observamos um arpejo descendente de Dm7(9) no compasso 42 formado pelas

notas significantes deste mesmo acorde, (Lá (5ª) – Fá (3ª) – Ré (T) – Dó (7ª). No compasso 43

o contorno melódico mantém a estrutura de um arpejo ascendente formado pelas notas Si – Ré

– Fá – Láb em direção a nota Sol, a qual sofre um retardo56 nos compassos 44 e 45, assumindo,

assim, a função de 11ª, fundamental e 5ª, enquanto a harmonia mantém o seu encadeamento

neste trecho.

56 Se uma voz em seu movimento gradual e na sucessão de um acorde a outro, se mantem e se prolonga sobre o

segundo acorde, produz-se o chamado retardo (KORSAKOV, 1947, P. 100).

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FIGURA 25 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 42, 43, 44, 45, 46 E 47)

No trecho abaixo observamos uma bordadura no primeiro tempo do compasso 48

(Dó – Si – Dó), assim como uma aproximação diatônica inferior-superior (enclosure)

configurada pelas notas Dó – Si – Ré na passagem do compasso 48 para o 49 e no 2º tempo do

compasso 49, porém superior-inferior (Láb – Sib – Sol).

FIGURA 26 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 48, 49 E 50)

O contorno melódico iniciado no compasso 50 apresenta uma aproximação

diatônica inferior-superior (enclosure) formado pelas notas Mib – Dó# – Ré no 1º tempo deste

compasso. No compasso 51 observamos uma bordadura no 2º tempo caracterizada pelas notas

Sol – Fá – Sol, assim como nos compassos 53 (Dó – Mib – Dó) e no compasso 54 (Sol – Láb –

Sol). No fragmento melódico do compasso 52 verificamos uma bordadura (Ré – Mib – Ré) no

1º tempo, seguida uma aproximação diatônica superior-inferior (enclosure) representadas pelas

notas Sol – Sib – Láb no 2º tempo.

FIGURA 27 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 50, 51, 52, 53, 54, 55 E 56)

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Verificamos a presença do padrão 1235 (Sib – Dó – Ré – Fá) na passagem do

compasso 56 para o 57 seguido de uma aproximação diatônica inferior-superior (enclosure)

formado pelas notas Fá – Ré – Mib no 1º tempo do compasso 57. O contorno melódico

estabelecido no compasso 58 é elaborado em função da nota Láb, que caracteriza a 3ª de

Fm7(9)(11) no 1º tempo do compasso e a 7ª de Bb7(9)(13) no 2º tempo deste compasso. No

fragmento melódico do compasso 59 ocorre uma aproximação diatônica (enclosure) constituída

pelas notas Fá – Mib – Fá – Ré, caracterizando a fundamental do acorde de Dm7(9)(11) ao

mesmo tempo que inicia um arpejo ascendente em direção a fundamental 8ª acima (Ré – Fá –

Láb – Ré) que finaliza, com uma aproximação cromática em relação a nota Sol, fundamental

do acorde final de G7(9)(13).

FIGURA 28 - TRECHO “YARDBIRD SUITE” (COMPASSOS 56, 57, 58, 59, 60, 61, 62 E 63)

Ao longo desta análise, observamos o uso principalmente dos seguintes artifícios

de construção melódica já muito difundidos pela escola jazzística: o enclosure, o padrão 1235

e os arpejos para caracterização melódica da harmonia. Também se observa o cuidado em

encontrar notas que representem melhor a diferença entre os acordes no decorrer da cadência

harmônica.

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4.3 – Transcrição e análise do solo em “Se Algum Dia”

Este samba canção foi composto pelo cantor Martinho da Vila, gravado e lançado,

no álbum intitulado “Maravilha de cenário” de 1975, pela gravadora RCA Victor. Moura

gravou este samba canção no álbum “Confusão urbana, suburbana e rural”, de 1976 pela

gravadora RCA Victor, a mesma gravadora de Martinho da Vila na época.

Nesta gravação, os músicos que atuaram ao lado de Moura foram: Doutor

(percussão), Elizeu Felix (percussão), Geraldo Bongô (percussão), Gilberto D'Ávila

(percussão), José Alves da Silva e sua turma (cordas), Luna (percussão), Nilton Delfino Marçal

(percussão), Rafael (percussão), Toninho Horta (violão), Zeca da Cuíca (cuíca), Márcio

Montarroyos (trompete), Maurílio da Silva Santos (trompete), Mauro Senise (saxofone),

Nivaldo Ornelas (saxofone), Raul de Souza (trombone) e Wagner Tiso (órgão e arranjos).

Conforme relatamos em capítulos anteriores, Moura atribuiu a Martinho um papel

de referência no seu aprendizado em relação a rítmica brasileira. Além de ter participado de

turnês, tanto no Brasil, quanto no exterior nos anos 70, Martinho da Vila atuou como produtor

do álbum “Confusão urbana, suburbana e rural”.

Com base nas evidências biográficas angariadas no capítulo 1, observamos neste

período da carreira de Moura um aprofundamento pormenorizado referente ao estudo e a prática

da rítmica brasileira, no aperfeiçoamento do seu processo criativo como músico solista.

Falleiros (2006, p. 58) afirma que a improvisação melódica é capaz de assumir um

caráter complexo, porém é comum manter características vinculadas a melodia original, como

figuras rítmicas e contornos melódicos. Para Valente (2014, p. 45) a improvisação elaborada

no choro fundamenta se em aspectos que considera intrínsecos ao contorno melódico à este

gênero musical, como o uso da anacruse no início das frases, as finalizações dos períodos

oriundos da polca; o uso de escalas, bem como notas repetidas, no desenvolvimento melódico;

o recurso do cromatismo e intervalos maiores ou iguais a uma quinta, tanto ascendente quanto

descendente; o uso da ornamentação e materiais idiomáticos. Aspectos, estes, que consideramos

relevantes para a análise do tema em questão e serão esmiuçados no decorrer de nossa análise,

nos trechos que acreditamos ser relevantes.

No que tange a questão rítmica referente a música brasileira, Carvalho (2011, p.

116) aponta semelhanças tanto na forma quanto na origem africana, porém nos atentaremos nas

transformações de figuras rítmicas geradas num contexto ternário adaptados a um contexto

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binário, representada pelo síncopa característica 57 . Esta célula rítmica está amplamente

inserida nos ritmos provenientes da polca no Brasil, tanto no desenvolvimento melódico quanto

no acompanhamento, como por exemplo no maxixe.

FIGURA 29 - SÍNCOPA CARACTERÍSTICA

Salek (1999) aponta que na linguagem idiomática do choro é comum substituir

quatro semicolcheias por quiálteras, configurando uma prática característica do conceito de

flexibilidade rítmico-melódica, que procura diluir a síncope, para depois reforçá-la através de

retardos, substituição de valores e deslocamento da acentuação.

Valente (2014, p. 55) aponta os principais padrões rítmicos empregados nas

melodias do choro, conforme figura abaixo:

FIGURA 30 - PADRÕES RÍTMICOS DO CHORO

No entanto, Valente (2014, p. 60) afirma que não é usual nos depararmos com a

célula rítmica formada por duas semicolcheias no tempo forte e uma colcheia no contratempo

conforme ( ). Observamos que ao longo de nossa análise a presença desta célula rítmica

é recorrente na elaboração melódica de Moura. Podemos verificar esta figura rítmica em temas

de Pixinguinha e Jacob do Bandolim de acordo com os exemplos abaixo:

FIGURA 31 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “SEGURA ELE” (PIXINGUINHA E BENEDITO LACERDA)

57 A presença desta figura rítmica na música brasileira do século XIX e início do XX é tão marcante que levou

Mário de Andrade a cunhar a expressão "síncope característica" para referir-se a ela, termo discutível, mas

consagrado pelo uso. (SANDRONI, 2002, p. 102).

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FIGURA 32 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “CHEGUEI” (PIXINGUINHA E BENEDITO LACERDA)

Segundo Spielmann (2008, p. 103) a articulação baseada na ligadura de duas em

duas semicolcheias em sequência, tornou se um padrão básico para o ensinamento do choro. A

autora ressalta que não há regras, visto que cada momento performático pode ter uma

articulação específica, porém é importante que se mantenha uma unidade coerente em relação

a articulação aplicada a cada tema deste gênero.

O desenvolvimento melódico do compasso 1, iniciado no contratempo do 1º tempo

deste compasso, é estruturado a partir da escala de Lá menor com um movimento ascendente

formado por um agrupamento de semicolcheias (Lá – Dó – Ré – Mi – Sol), caracterizando um

padrão 1235 de Dó maior (relativo de Lá menor) em direção a nota Si, localizada no 1º tempo

do compasso 2. De acordo com Valente (2014, p. 186) o contorno melódico estruturado através

de uma escala propicia uma ampla tessitura, enfatizando a expressividade para um instrumento

melódico.

Spielmann (2008, p. 129) afirma que as antecipações e quiálteras, que na maioria

das vezes são de três colcheias no lugar de duas ou então, de seis semicolcheias no lugar de

quatro, representam elementos característicos do samba e do choro, gerando uma intenção de

retardo na melodia; como fica evidenciado no compasso 2 (antecipação da nota Si) e compasso

3 (quiálteras de Sol## – Lá# e Mi – Sol) reforçado pelos exemplos de temas do choro abaixo.

As notas aplicadas no contorno melódico do compasso 3 sofrem uma variação

rítmica no compasso 4, pois a quiáltera é desconstruída em um único grupo de 4 colcheias,

mantendo a mesma tessitura do compasso anterior em torno da 5ª, 7ª e fundamental (Mi – Sol

– Lá#) com um desenho melódico que prepara uma aproximação para a nota Si, fundamental

do acorde de Bm7 vigente no último compasso 5, seguida de um salto descendente

ornamentado através do uso de um glissando em direção a 3ª (Ré), endossando o acorde de

Bm7.

FIGURA 33 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 1, 2, 3, 4 E 5)

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FIGURA 34 - TRECHO INICIAL DA PARTE A DA COMPOSIÇÃO “GARGALHADA” (PIXINGUINHA)

FIGURA 35 - TRECHO INICIAL DA PARTE B DA COMPOSIÇÃO “GARGALHADA” (PIXINGUINHA)

Assim como no desenho melódico anterior, o começo deste trecho é caracterizado

pelo uso da anacruse, ou seja, a melodia não inicia no tempo forte, pois temos uma pausa de

semicolcheia no início do 1º tempo do compasso 6, no qual a estrutura rítmica é formada por

um grupo de semicolcheias no 1º tempo e um agrupamento de duas semicolcheias no tempo

forte do 2º tempo com uma colcheia no contratempo. Do compasso 7 até o 1º tempo do

compasso 8 observamos um contorno melódico descendente de semicolcheias, formado por

intervalos de terças, no qual as notas são articuladas de duas em duas.

FIGURA 36 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 6, 7, 8 E 9)

De acordo com Sève (2009, p. 15) existem diversas opções de articulações

características do choro, conforme podemos verificar na figura abaixo:

FIGURA 37 - EXEMPLOS DE ARTICULAÇÕES DO CHORO (SÈVE (2009, P. 15)

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O uso da articulação de duas em duas semicolcheias em sequência58 configura-se

como um elemento significante deste gênero como citamos anteriormente, além do padrão

intervalar de terças aplicado neste trecho. Segundo Teal (apud SPIELMANN, 2008, p. 82), o

aperfeiçoamento da habilidade em relação a articulação é fundamental para a elaboração de

uma performance musical.

Os compassos 10 e 11 são caracterizados pelo uso de células rítmicas acéfalas, ou

seja, começam com pausa no tempo forte. Este procedimento, na elaboração do contorno

melódico é um elemento rítmico característico do maxixe que foi incorporado ao choro.

FIGURA 38 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 10, 11 E 12)

De acordo com Carvalho (2006, p. 129), este agrupamento de três semicolcheias

com uma pausa de semicolcheia no início configura um padrão rítmico típico do maxixe, como

“resposta” ao acompanhamento do baixo. Podemos averiguar as semelhanças com os exemplos

abaixo de melodias de autoria de Pixinguinha:

FIGURA 39 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “CHEGUEI” (PIXINGUINHA E BENEDITO LACERDA)

FIGURA 40 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “CHORO DE GAFIEIRA” (PIXINGUINHA)

FIGURA 41 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “CONCERTO DE BATERIA” (PIXINGUINHA)

58 Ver p. 61.

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Acreditamos que esta particularidade contribua com a originalidade criativa de

Moura em relação ao tratamento rítmico empregado na elaboração de seu improviso, pois o uso

recorrente desta transformação do agrupamento de quatro semicolcheias resulta numa

acentuação melódica na segunda semicolcheia de cada tempo, gerando um deslocamento da

pulsação rítmica binária, característica do choro.

A partir do 2º tempo do compasso 12 o contorno melódico é construído, em sua

maior parte, com base na figura de semicolcheia, mantendo um movimento ascendente em grau

conjunto em direção a nota Dó, sétima do acorde dominante de D7. O 1º tempo do compasso

13 configura um intervalo descendente de 3ª, formada pelas notas Dó – Lá – Dó seguido de um

desenho melódico descendente em direção a nota Dó, 8ª abaixo, localizada no 2º tempo do

compasso 14. Observamos que neste trecho, que engloba os compassos 12, 13 e a primeira

metade do compasso 14, é predominante o uso da articulação característica do choro, ou seja,

grupos de semicolcheias em sequência ligadas de duas em duas notas, independente do caminho

da melodia.

No 2º tempo do compasso 14, o desenvolvimento melódico elaborado até o

compasso 16 contrasta com o fragmento anterior, mesmo mantendo a semicolcheia na sua

estrutura, pois temos uma célula rítmica acéfala no 2º tempo do compasso 14, a qual gera um

rompimento no fluxo rítmico determinado pelo uso constante das semicolcheias nos compassos

anteriores, bem como o uso da tercina e variações em relação a articulação, características do

choro.

FIGURA 42 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 12, 13, 14, 15 E 16)

O trecho abaixo inicia se com uma anacruse, mantendo um contorno melódico

ascendente baseado em semicolcheias ligadas de duas em duas entre os compassos 17 a 19.

Ritmicamente o compasso 19 e 20 é composto, em sua maioria pela presença da tercina.

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FIGURA 43 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 17, 18, 19, 20 E 21)

De acordo com Valente (2014, p. 186) o caráter síncopado é omitido quando utiliza

se está célula rítmica tercinada, a qual propicia uma espontaneidade ao contorno da melodia.

Podemos associar esta fluidez melódica ao conceito de métrica derramada apresentado por

Ulhôa (1999).

“Nas interpretações que “derramam” a métrica, a noção de compasso como acontece

na concepção temporal europeia é mantida, mas este compasso é flexibilizado, tanto

nos seus limites, quanto na sua estrutura interna que é modificada em termos de

hierarquia das pulsações”. (ULHOA, 1999, p. 2).

O tratamento melódico e rítmico aplicado por Moura no desenvolvimento de sua

improvisação, como músico solista improvisador, apresenta peculiaridades que definem a

prática interpretativa de sua performance. Para Ulhoa (1999, P. 1), a respeito do conceito de

métrica derrama, citado anteriormente, a melodia e a letra, de uma canção popular, interferem

diretamente uma sobre a outra, particularmente no que se refere a qualidade narrativa ou lírica

que direcionam a distintos tipos de melodia.

Verificamos uma anacruse no contratempo do compasso 21, a qual inicia o contorno

melódico estabelecido em função da figura de semicolcheia, ligadas de duas em duas no

compasso 22. No 1º tempo do compasso 23 a presença da tercina permite uma flexibilidade

rítmica em relação ao constante movimento determinado pelo agrupamento de quatro

semicolcheias desde então. No início do compasso 24 a célula rítmica, formada por um

agrupamento de duas semicolcheias no 1º tempo e uma colcheia, finaliza este trecho.

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FIGURA 44 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 22, 23 E 24)

O desenho melódico do trecho seguinte inicia com uma célula rítmica acéfala no 2º

tempo do compasso 25 e outra célula rítmica no tempo forte no 1º tempo do compasso 26. Na

sequência temos uma anacruse no 2º tempo do compasso 26 que desenvolve um movimento

melódico ascendente contínuo, estabelecido pelo uso da semicolcheia e da articulação definida

pela ligadura de duas em duas notas ao longo do compasso 27 e 28.

Nos compassos 29 e 30 a articulação empregada assume um sentido descendente

em direção ao compasso 31, no qual a finalização é caracterizada por uma superposição rítmica,

resultado de agrupamento ternário sobre o pulso binário, obtido através do contorno melódico

e da alteração da acentuação.

FIGURA 45 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 25, 26, 27, 28, 29, 30 E 31)

De acordo com Falleiros (2006, p. 112), este modelo de deslocamento, nomeado de

hemíola59, é recorrente em diversos temas de choro, como “Brasileirinho” de Waldir Azevedo,

como podemos verificar na figura abaixo:

FIGURA 46 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “BRASILEIRINHO” (WALDYR AZEVEDO)

59 Figura de proporção rítmica [3:2]. Artifício que simula três compassos binários em dois ternários, comum em

danças barrocas como a sarabanda e a courante. (DOURADO, 2004, p. 160).

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Este procedimento demonstra a habilidade do solista em estabelecer novos pulsos

sem perder a relação com o pulso original (FALLEIROS, 2006, P. 113).

No compasso 32 observamos uma subdivisão rítmica no contorno melódico

ascendente definido por dois grupos de sextinas. No primeiro grupo a articulação caracteriza se

por ser de duas em duas notas, já no segundo grupo, a ligadura atua em toda a sua extensão em

direção a nota Lá no compasso 33, no qual ocorre uma bordadura. A variação rítmica elaborada

entre os compassos 34 e 35, caracterizada se pelo uso da tercina ao invés da síncopa, o que nos

remete ao conceito da métrica derramada, citado anteriormente. No compasso 37 observamos

a presença do compasso acéfalo, seguido de um agrupamento recorrente, formado por duas

semicolcheias e uma colcheia, situado no 2º tempo do compasso 37, bem como na finalização

desta melodia no 2º tempo do compasso 39.

FIGURA 47 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 32, 33, 34, 35, 36, 37, 38 E 39)

A estrutura rítmica definida no desenvolvimento da melodia adotada na elaboração do

contorno melódico iniciado no compasso 40, assemelha se a temas do choro como por exemplo,

o trecho abaixo do tema “Na Glória” e “Brasileirinho”:

FIGURA 48 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 40, 41, 42, 43 E 44)

O sentido de marcação do tempo realizado pelas semínimas Dó e Ré,

respectivamente no 2º tempo do compasso 40, 1º tempo do compasso 41 e a nota Sol# (colcheia)

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no tempo forte do 2º tempo do compasso 42, em associação com as antecipações das notas Si,

no contratempo do 2º tempo do compasso 41, e a nota Lá, no contratempo do 2º tempo do

compasso 42, assim como o uso das pausas, reforçam a semelhança com os temas citados.

FIGURA 49 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “NA GLÓRIA” (ARY DOS SANTOS E RAUL DE BARROS)

FIGURA 50 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “BRASILEIRINHO” (WALDYR AZEVEDO)

De acordo com Sève (2009, p. 13), o qual ressalta que as acentuações aplicadas no

desenvolvimento melódico no choro, bem como as variações rítmicas, devem manter como

base a estrutura rítmica dos instrumentos que assumem a função de acompanhamento da

melodia. Os exemplos extraídos dos temas de choro representam uma finalização

convencionada, ou seja, tanto os instrumentos melódicos quantos os harmônicos e percussivos,

realizam a mesma estrutura rítmica, definindo o término do trecho musical.

Observamos que o desenho melódico estabelecido entre os compassos 45 e 48

prepara a volta para o tema original a partir do uso do cromatismo associado a tercina situados

no 2º tempo do compasso 45 (Sib – Lá – Sol# – Sol) e no 1º tempo do compasso 46 com um

intervalo de segunda menor (Lá – Lab – Sol – Fá#). Acreditamos que, o uso simultâneo desses

dois aspectos, característico do choro, reforcem o conceito de métrica derramada discutido

anteriormente.

FIGURA 51 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 45, 46, 47, 48 E 49)

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Moura estabelece em seu desenvolvimento melódico uma fusão elaborada dos

elementos peculiares ao choro, através da aplicação da articulação de duas em duas notas,

associada a figura da semicolcheia, a qual propicia uma fluidez continua do movimento

melódico; o uso de compassos acéfalos e da anacruse estabelecidos no início da maior parte dos

fragmentos melódicos, bem como a finalização em tempos fracos do compasso; a diluição da

síncopa, caracterizada pelo uso da tercina, ressaltando o conceito de métrica derramada; a

particularidade melódica no uso das ornamentações como apojaturas e glissandos, e o

deslocamento rítmico gerado pelo uso das pausas de semicolcheias.

Acreditamos que o caráter interpretativo de Moura está relacionado, em especial,

ao contorno melódico empregado no desenvolvimento de sua improvisação, associado a

habilidade do uso das acentuações caracterizadas pela aplicação da ligadura, staccato e marcato,

assim como a exploração da sonoridade, timbre e entonação do seu instrumento, o que

influencia na definição de uma originalidade interpretativa.

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4.4 – Transcrição e análise do solo em “Dois Sem Vergonha”

“Dois sem vergonha” é uma composição de Moura em parceria com o pianista e

arranjador Wagner Tiso. Este samba faz parte do álbum “Confusão urbana, suburbana e rural

de 1976, gravado RCA Victor, do qual, Wagner Tiso atua como arranjador, além de ter

Martinho da Vila como produtor.

De acordo com as informações de encarte, neste álbum Moura é acompanhado pelos

seguintes músicos: Doutor (percussão), Elizeu Felix (percussão), Geraldo Bongô (percussão),

Gilberto D'Ávila (percussão), Luna (percussão), Nilton Delfino Marçal (percussão), Rafael

(percussão), Rosinha de Valença (violão), Valdir Silva (violão 7 Cordas), Zeca da Cuíca

(cuíca), Alexandre Papão (bateria) e Paulinho Batera (bateria).

Nossa hipótese é que Moura assume o elemento rítmico como ponto central da sua

construção melódico no desenvolvimento desta improvisação, pois diferente dos temas

anteriores, a harmonia no trecho improvisado é caracterizada pela presença de um único acorde.

A contextualização deste período da carreira de Moura citada anteriormente no

capítulo 1, reforça nosso pressuposto referente a análise deste tema, pois neste período Moura

vivenciou um contato direto com a escola de samba Imperatriz Leopoldinense, onde tocava

tamborim, ao mesmo tempo em que estabeleceu uma parceria produtiva ao lado de Martinho

da Vila, o qual Moura atribui uma parcela relevante em relação ao seu aprofundamento nos

estudos rítmicos da música brasileira.

Barros (2015, P. 70) afirma que o tamborim é provavelmente o instrumento da

seção rítmica com maior liberdade na execução. Usualmente, o ritmista pensa em formas

distintas de tocar quando insere o tamborim dentro de uma música, seja mantendo a levada, seja

com suas variantes dentro de um contexto melódico, seja improvisando. Segundo Zeh (2006,

p. 169), nos anos 70, o tamborim não deveria se juntar ao som compacto do restante da bateria.

Esta foi uma concepção sonora estabelecida pela escola Imperatriz Leopoldinense, na qual

Moura, além de tocar tamborim, arranjava as “convenções60” referente ao instrumento. Este

procedimento propiciou um papel de destaque ao tamborim, como comenta o ritmista Hélio

Kiefer:

60 Fórmulas rítmicas de um ou vários compassos, criadas para acompanhar o samba de enredo. O arranjo dos

tamborins é composto por várias dessas fórmulas rítmicas além do carreteiro. (ZEH, 2006, P. 170).

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“O molho da bateria seria produzido pelos instrumentos caixa, repinique e chocalho,

e o tamborim serviria para adicionar um tipo de melodia, se destacando desse molho

e não se misturando com o som dos outros instrumentos. O tamborim executando

convenções, se destaca da bateria, dando assim, uma sonoridade específica à bateria.

Em vez do “carreteiro61”, tocavam uma linha rítmica entre a síncope e a quiáltera. E

ainda na primeira estrofe, executavam várias convenções, acompanhando a letra e o

ritmo do samba. Segundo vários sambistas, a Imperatriz foi a primeira a criar esse tipo

de arranjo, posteriormente imitada por outras baterias” (apud ZEH, 2006, P.171).

De acordo com a conjuntura apresentada, é relevante para a nossa análise,

salientarmos a função “melódica” assumida pelo tamborim na escola de samba Imperatriz

Leopoldinense, na qual o tamborim passa executar uma linha rítmica no limiar entre a síncopa

e quiáltera, bem como a variedade de instrumentos percussivos como o agogô, cuíca, pandeiro,

entre outros, inseridos na instrumentação do álbum em questão. De posse destas informações,

iniciaremos a análise dos trechos que consideramos relevantes do solo improvisado.

A divisão rítmica aplicada nos compassos 4 e 5, bem com as acentuações nas figuras

da semicolcheia representadas pelas notas Sol assemelham se a célula rítmica desempenhada

pelo agogô, conforme podemos verificar em seguida. De acordo com Bolão (2003, p. 40) a

célula rítmica executada pelo agogô nas escolas de samba do Rio de Janeiro é representada pela

figura abaixo:

FIGURA 52 - TRECHO “DOIS SEM VERGONHA” (COMPASSOS 4, 5, 6 E 7)

Verificamos comparativamente, que a estrutura rítmica empregada no compasso 4

e 5 possui, uma similaridade com as acentuações aplicadas na célula rítmica desempenhada

pelo agogô nas escolas de samba conforme ressaltamos na figura acima.

61 Levada típica em que são tocadas quatro semicolcheias por tempo, executada com uma técnica específica do

Instrumento, a qual não consideramos fundamental para a nossa análise, visto que esta técnica não era aplicada na

bateria da Escola Imperatriz Leopoldinense.

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FIGURA 53 - TRECHO COMPARATIVO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 4 E 5)

O contorno melódico desenvolvido entre os compassos 8 e 10 assume um caráter

percussivo através da aplicação do staccato62 e do marcato63, principalmente no compasso 8, o

qual inicia a melodia através de uma célula acéfala no 1º tempo, seguido de um agrupamento

de 4 semicolcheias no 2º tempo, articuladas de maneira destacada.

FIGURA 54 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 8, 9 E 10)

O desenho rítmico estruturado no trecho acima caracteriza se, inicialmente, por

apresentar uma acentuação na última semicolcheia, localizada no 1º e 2º tempo do compasso

11, bem como no 1º tempo do compasso 12, configurando, ao mesmo tempo um movimento

melódico decrescente em grau conjunto (Si – Lá – Sol), se isolarmos somente as acentuações.

O uso do sforzando e staccato, reforçam a figura da síncopa do samba inserida no 2º tempo do

compasso 12, 13 (variação com pausas de semicolcheias) e no 2º tempo do compasso 15.

62 Staccato (“destacado”, em italiano) – representado por um ponto sobre a nota, faz com que a duração desta seja

reduzida aproximadamente à metade. (ALMADA, 2014, p. 30). 63 Marcato ou Sforzando, significa um aumento súbito de dinâmica apenas para as notas marcadas. (ALMADA,

2014, p. 28).

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FIGURA 55 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 11, 12, 13, 14, 15 E 16)

As acentuações, empregadas neste trecho, particularmente nos compassos 11, 12 e

13, nos remete à acentuação rítmica típica do tamborim na escola de samba, conforme

demonstra Bolão (2003, p. 65) na figura abaixo, com destaque para o exemplo 1:

FIGURA 56 - DIVISÕES RÍTMICAS DO TAMBORIM

Moura faz uso das articulações no seu desenvolvimento melódico, tornando esta

ferramenta uma característica inerente ao seu processo criativo. De acordo com Liebman (apud

SPIELMANN, 2008, p. 85) a articulação é o principal componente do fraseado, responsável

pelo fluxo rítmico das frases; os outros são a dinâmica e as nuances expressivas; e comenta que,

para desenvolver um estilo próprio de tocar, é preciso prestar atenção no ataque, na suspensão

e no fim das notas.

A construção rítmica elaborada entre os compassos 17, 18 e 19 mantém a síncopa

como base de sua elaboração. O uso do staccato reforça o caráter percussivo inserido no

movimento melódica, este aspecto fica evidente no compasso 17, no qual o contorno melódico

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se restringe ao uso de poucas notas que se repetem, bem como a presença da ligadura de

expressão tanto na figura da síncopa quanto nos grupos de semicolcheias que caracterizam os

compassos 18 e 19.

FIGURA 57 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 17, 18 E 19)

O desenho rítmico estabelecido neste trecho acima confere um caráter percussivo à

melodia, pois não há uma extensão intervalar significativa. Notamos o uso contínuo das

diferentes abordagens de articulação, seja o staccato, marcato, ou até mesmo a simultaneidade

destes dois sinais associado a figura da síncopa do samba e suas variações através das pausas,

seja de semicolcheia ou colcheia.

FIGURA 58 - TRECHO “SE ALGUM DIA” (COMPASSOS 28 E 33)

A partir de nossa análise sobre solo improvisado de Moura em “Dois sem vergonha”

pudemos demonstrar como Moura emprega elementos rítmicos que remetem à música

brasileira. Para obter tal efeito, Moura faz uso de recursos específicos como a emulação da

rítmica que é característica de instrumentos de percussão da escola de samba, como o agogô

(compassos 1-5) e o tamborim (compassos 11-13). Observamos também o uso extensivo da

síncopa característica ( ) (compassos 12, 15, 17, 18, 28, 29, 30 e 31), além da acentuação

que reforça o caráter rítmico em diversos pontos do improviso (compassos 28-33).

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4.5 – Transcrição e análise do solo em “Alma brasileira”

“Alma brasileira”, autoria de Zeca Freitas, de acordo com o cruzamento das

informações obtidas através do songbook de Zeca Freitas, publicado em 2016, e dos dados

angariados em relação a discografia de Moura, pudemos averiguar que esta música foi composta

em meados dos anos 80.

“Essa música caiu do céu. Íamos tocar no Festival Instrumental, e o Paulo Moura era

o convidado especial desta edição. Dei pra ele a parte de Alma Brasileira e disse pra

ele: - Dá uma olhada e se gostar apareça na nossa apresentação no TCA pra dar uma

canja”. No meio do nosso show vejo a cabeça dele na cortina lateral da coxia: - Tô

aqui! Chamei-o, e ele fez um solo magnífico de Alma brasileira. Meses depois a

gravadora Odeon me ligou pedindo autorização para Paulo Moura gravar a música. A

partir daí a Alma brasileira foi se espalhando por Salvador, pelo Brasil e até mesmo

fora do Brasil.” (FREITAS, 2016, p. 20)

Moura gravou uma primeira versão desta música no álbum “Gafieira etc & tal

(Kuarup) de 1986 e posteriormente, em 2001 registrou uma segunda versão no CD “Gafieira

dance Brasil / The Paulo Moura & Cliff Korman ensemble” (Almonds & Rose Music), ao lado

dos músicos David Finck (contrabaixo), Mestre Zé Paulo (cavaquinho), Paulinho Braga

(bateria) e Cliff Korman (piano), este último com quem Moura estabeleceu uma fecunda

parceria musical iniciada nos anos 90.

A versão de “Alma brasileira”, analisada abaixo faz parte do álbum “Gafieira jazz-

Paulo Moura & Cliff Korman (Rob Digital) lançado em 2006. Este disco é uma compilação de

dois discos anteriores de Paulo Moura e Cliff Korman, lançados no exterior: "Mood ingênuo"

(Jazzheads - 1999) e "Gafieira dance Brasil" (Almonds & Roses Music - 2001) já citado

anteriormente, ambos produzidos por Natalia Indrimi e Halina Grynberg.

De acordo com Spielmann (2008, p. 148) Este álbum no qual consta o fonograma

a ser analisado, é o mais virtuosístico de todos e o mais enfático em relação a originalidade de

Moura, pois mostra uma maior energia na sonoridade do sax, contendo elementos

interpretativos mesclados do samba, do jazz, do choro e da gafieira, pela maneira despojada e

rítmica de Moura tocar.

Dessa forma, faremos a análise, de trechos que consideramos relevantes, a fim de

ressaltar o tratamento interpretativo de Moura em relação aos recursos, observados nas análises

anteriores como: o contraponto mnemônico, aspectos do choro, do jazz, e o caráter percussivo

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definido pelo uso das diversas articulações, aplicados no desenvolvimento melódico no solo

improvisado de Moura frente a gafieira.

O desenho melódico do trecho abaixo inicia se no tempo forte do 2º tempo do

compasso 1, caracterizado por um movimento em grau conjunto, o que enfatiza a divisão binária

da melodia. A partir do compasso 2, o desenho rítmico definido no compasso anterior, sofre um

deslocamento, a princípio, em virtude das pausas de semicolcheia no 2º tempo do compasso 2

e 3 (célula rítmica acéfala), e culmina com a hemíola entre os compassos 4 e 5. O uso da

hemíola64 proporciona uma percepção ambivalente ao ouvinte, devido a acentuação que ocorre

a cada 3 notas, reforçando a sensação rítmica ternária diante de um compasso binário.

FIGURA 59 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 1, 2, 3, 4 E 5)

Observamos um contorno melódico ascendente, definido entre os compassos 6 e 7, apresenta

uma dupla aproximação (enclosure) formada pelas notas Dó# – Mi – Dó# – Ré no compasso 6,

assim como na passagem do 1º para o 2º tempo do compasso 7, caracterizado pelas notas Dó#

– Mi – Ré, característica inerente ao jazz (bebop).

FIGURA 60 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 6 E 7)

64 Ver p. 90.

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O desenvolvimento melódico elaborado entre os compassos 8 e 14 mantém uma

fluidez na melodia devido ao uso do conjunto quase ininterrupto de semicolcheias, que se

dispõe consecutivamente, permeando praticamente todo o trecho, porém a articulação aplicada

nesta melodia realiza um deslocamento rítmico em alguns inícios e términos de cada ligadura

inserida neste trecho, aspectos que podemos associar ao choro. Outros elementos, porém,

proveniente do jazz, que consideramos relevantes neste trecho, são a presença do enclosure,

aproximação inferior-superior (Dó – Lá – Si) no 2º tempo do compasso 8, e superior-inferior

(Ré# – Fá# – Mi) na transição do compasso 9 ao 10, assim como na passagem do compasso 11

para o 12, caracterizado pelas notas Mi – Sol – Fá#.

FIGURA 61 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 8, 9, 10, 11, 12, 13 E 14)

Observamos que o contorno melódico desenvolvido no compasso 15 e 16 tem a

intenção de definir a pulsação binária através das ornamentações rítmicas que ocorrem no

tempo forte de cada tempo, reforçadas pelo uso da acentuação (marcato). A partir do compasso

17, a sensação de marcação do tempo advinda dos compassos anteriores, inicia um desenho

rítmico formado por agrupamentos de 4 semicolcheias com intervalo de terça, (Mi – Dó#)

caracterizando um motivo rítmico. Esta célula rítmica está inserida no 1º tempo do compasso

17 e a partir daí, sofre variações rítmicas criadas pelo uso da pausa de semicolcheia no 1º tempo

e no 2º tempo do compasso 17 com as notas Dó – Mi, assim como do uso da síncopa no 1º

tempo do compasso 18 (Dó# – Ré). No 1º tempo do compasso 19, este padrão rítmico é formado

pelas notas Lá – Fá# e repetido no 2º tempo com um pequeno deslocamento devido a pausa de

semicolcheia localizada no 2º tempo do compasso 19. Este movimento intervalar, formado

pelas notas Sol# – Mi#, aparece novamente no 2º tempo do compasso 20 e no 1º tempo do

compasso 21, deslocado ritmicamente, por uma pausa de colcheia no 1º tempo do compasso.

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FIGURA 62 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 15, 16, 17,18,19, 20, 21 E 22)

Observamos que a figura rítmica apresentada nos compassos 27 e 28 está

relacionada com o padrão rítmico característico do samba ( ), reforçados pelas acentuações

nas últimas das notas Fá# (compasso 27), pelas notas Mi e Ré (compasso 28), e pelo uso do

staccato nas notas Dó# na figura da síncopa.

FIGURA 63 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 27, 28, 29 E 30)

A Elaboração melódica estabelecida no desenvolvimento acima evidencia o aspecto

rítmico aplicado entre os compassos 31 e 33, pois verificamos que a repetição da nota Ré

(fundamental) integrada à figura da tercina, confere uma flexibilidade rítmica em relação ao

compasso binário. Este aspecto é rompido no compasso 33 com o uso da síncopa. O trecho final

desta melodia, entre o compasso 35 e 36, observamos o uso do cromatismo, representado pelas

notas Ré – Dó# – Dó, e em seguida Lá – Lá# – Si, elementos característicos do choro.

FIGURA 64 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 31, 32, 33, 34, 35 E 36)

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O caráter percussivo empregado na construção da melodia acima, tem como base a

figura da tercina e a repetição da nota Sol#, entre os compassos 42 e 44, assumindo diferentes

funções em relação a cadência harmônica, o que atribui ao saxofone uma função rítmica,

reforçada pelo uso alternado do staccato e do marcato, com a apojatura acentuada e ligada a

uma colcheia da tercina.

FIGURA 65 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 42, 43, 44 E 45)

Observamos que a rítmica e o desenho melódico empregado nos primeiros 2

compassos da melodia abaixo, se assemelha ao mesmo contorno que é muito comum em

melodias de choro. Como exemplo tomaremos a melodia da composição “O gato e o canário”

de Pixinguinha, na qual notamos um motivo, no 1º tempo do primeiro compasso do exemplo

abaixo, formado ritmicamente por um agrupamento de duas semicolcheias e uma colcheia.

FIGURA 66 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “O GATO E O CANÁRIO” (PIXINGUINHA)

Melodicamente, temos uma bordadura inferior, ou seja, uma nota inicial seguida de

um intervalo diatônico descendente e o retorno à mesma nota inicial. O motivo se repete

transposto em terças inicialmente – e uma quarta ao final – correspondendo, em cada início de

padrão, à exatamente as notas principais do arpejo que formam o acorde em questão, Bm7(9)

(Fá – Ré – Sib – Fá – excluída a 7ª). Moura utiliza exatamente o mesmo contorno melódico

iniciando o compasso 49 com a 7ª do acorde, realizando o padrão rítmico de duas semicolcheias

e uma colcheia e uma bordadura inferior. Apesar do deslocamento de uma semicolcheia, (o

trecho do solo se inicia com uma pausa), do solo de Moura em comparação à melodia de

Pixinguinha, as ligaduras agrupam o padrão e o contorno geral nos permite, portanto,

demonstrar tal similaridade.

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FIGURA 67 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 46, 47, 48 E 49)

O contorno melódico ascendente elaborado entre os compassos 50 e 55, denota o

clímax do improviso em função da região aguda explorada nesta frase, inclusive observamos o

auge da tessitura em função de uma nota super aguda (Lá), ou seja, fora da extensão limitada

pela digitação do saxofone, bem como os aspectos timbrísticos do saxofone nesta região. De

acordo com Spielmann (2008, p. 135) o efeito originado pelo estrangulamento do som nas notas

agudas, além de enfatizar o auge na construção da improvisação, também valoriza a expressão

musical no momento da performance, elemento característico dos músicos que tocam nas

gafieiras.

FIGURA 68 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 50, 51, 52, 53, 54 E 55)

Observamos uma bordadura no início do contorno melódico descendente no 2º

tempo do compasso 56, formada pelas notas Dó# – Ré – Dó#, no compasso 57 destacamos o

uso da figura da síncopa tanto no 1º, quanto no 2º tempo deste compasso, culminando com uma

dupla aproximação superior inferior (Mi – Fá# – Ré – Mi) no 1º tempo do compasso 58, a qual

passa a representar um motivo rítmico, pois temos uma variação desta célula no compasso 59,

configurado pelas notas Fá# – Sol – Mi – Fá#, porém com um deslocamento rítmico em função

da pausa de semicolcheia no 1º tempo deste compasso, reforçado pela aplicação da acentuação

na nota Fá#, as quais se repetem no 1º tempo do compasso 60 acrescida de notas no contratempo

do 2º tempo deste mesmo compasso no sentindo crescente em direção a nota Si no 1º tempo

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com compasso 61, no qual observamos que a finalização da melodia concentra se na repetição

de duas notas (Si – Dó) com a presença de uma apojatura e um portamento entre elas.

Devemos ressaltar neste trecho o uso de pontos alternados na utilização da ligadura,

ou seja, a maioria das ligaduras iniciam e terminam em tempos fracos, sendo enfatizadas pelo

uso das acentuações ou pela aplicação das pausas nos tempos fortes que a antecedem.

Acreditamos que a forma como Moura faz uso desses elementos, ao longo do seu solo,

evidencia sua originalidade interpretativa com improvisador na música brasileira.

FIGURA 69 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 56, 57, 58, 59, 60, 61 E 62)

A melodia que abrange os compassos 63 à 76 caracteriza se por ter uma estabilidade

no início do seu movimento melódico devido a sustentação da nota Ré, a qual assume a função

de 11ª no compasso 63 (A7(b9)(#11) e fundamental no compasso 64 (Dmaj7(9), sétima

(Eb7(9)(13)) no compasso 65 e fundamental (Dmaj7(9)) novamente no compasso 66 e início

do 67. No contratempo do 2º tempo do compasso 67 temos um salto de 4ª justa descendente

através de um glissando, no qual a nota Lá passa a ser sustentada nos compassos 68 e 1º tempo

do compasso 69, desempenhando a função de fundamental, porém de um acorde diminuto (Dº).

Na sequência ocorre um glissando no intervalo de uma 5ª justa em direção a nota Ré, porém 8ª

abaixo no 2º tempo do compasso 69 e 1º tempo do compasso 70. Observamos que a sustentação

dessas notas ao longo de uma cadência harmônica extensa permite uma “coloração” na

sonoridade de uma única nota.

A partir do compasso 71 verificamos uma retomada da nota Ré com um salto de 4ª

justa (Lá – Ré) em direção a notas na região aguda e super aguda entre os compassos 72 e 73,

explorando a sonoridade timbrística do instrumento nesta região, criando um clímax no solo.

No compasso 75 observamos uma aproximação inferior-superior (enclosure) desenvolvida

ritmicamente sobre a figura da síncopa, salientada pelo uso da acentuação, a qual finaliza este

trecho melódico.

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FIGURA 70 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 63, 64, 65, 66, 67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, 74, 75 E 76)

No início do compasso 77 o contorno melódico é definido por um agrupamento de

4 semicolcheias descendentes em grau conjunto no 1º tempo, seguida de uma síncopa

ascendente no 2º tempo deste compasso, com as notas Si e Dó destacadas pelo uso do staccato.

No compasso 78 observamos um desenho rítmico fundamentado em uma célula acéfala

caracterizada por uma pausa de semicolcheia seguida de uma colcheia e semicolcheia ao longo

dos compassos 78 e 79.

FIGURA 71 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 77, 78, 79, 80 E 81)

Este elemento rítmico é encontrado em estruturas melódicas de temas do choro

como no exemplo a seguir:

FIGURA 72 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “AINDA ME RECORDO” (PIXINGUINHA E BENEDITO LACERDA)

FIGURA 73 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “BICHO CARPINTEIRO” (A. REALE)

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Observamos que a estrutura rítmica aplicada na melodia acima, entre os compassos

82 e 85, assemelha se à estrutura melódica adotada por temas do choro. Este padrão melódico

é representativo do choro, encontrado em temas como “Bem Te Vi Atrevido”, ao mesmo tempo

em que explora as aproximações cromáticas inerente ao estilo, conforme os exemplos que

seguem abaixo:

FIGURA 74 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 82, 83, 84 E 85)

FIGURA 75 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “BEM TE VI ATREVIDO” (LINA PESCE)

FIGURA 76 - EXEMPLO DE PADRÃO RÍTMICO (SÉVE, 2009, P. 144)

De acordo com Sève (2009, p. 144) este padrão ritmo é utilizado em sequências

harmônicas V-I, II-V, V-V e diminutos de passagem.

A estrutura melódica, entre os compassos 95 e 101, é desenvolvido a partir da célula

rítmica, formada por duas semicolcheias, elaborada nos 3 primeiros compassos juntamente com

o uso das pausas e acentos que enfatizam o contratempo do 2º tempo do compasso 94, assim

como o tempo forte no 2º tempo do compasso 95 e 96, seguida de uma pausa de colcheia.

Melodicamente, esta célula rítmica está definida com um intervalo de 3ª abaixo entre as duas

semicolcheias (Si – Sol), as quais, ao longo dos compassos 95 e 96, é transposta um intervalo

de 2ª acima Si – Sol, Dó# – Lá e Ré – Si. A partir do compasso 97 o contorno melódico é

fundamentado na figura da síncopa, formada pelas notas Mi – Ré – Mi (1º tempo) e pausa de

semicolcheia – Mi# – Ré (2º tempo) sendo que uma pausa de semicolcheia ocupa o início do 2º

tempo. A síncopa é enfatizada através da acentuação (staccato – marcato), assim como, pela

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aplicação das pausas no tempo forte e a ligadura estabelecida, sempre entre duas notas,

independentemente da figura rítmica.

FIGURA 77 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 95, 96, 97, 98, 99, 100 E 101)

Observamos no trecho acima que a melodia assume um caráter percussivo, pois se

mantem, praticamente estável, com pouca movimentação entre as notas Lá – Sol – Sol#, pois

não explora a tessitura do instrumento, entre os compassos 109 e 112, além do uso do staccato

que reforça este aspecto rítmico. O desenho melódico, a partir do compasso 113 passa a explorar

a sonoridade do instrumento em função do uso de apojaturas, aproximações cromáticas e pitch

bend65, alterando o timbre e afinação do instrumento.

FIGURA 78 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 109, 110, 111, 112, 113, 114, 115, 116 E 117)

Outra característica que se tornou muito comum entre os músicos do bebop foi a

citação de melodias conhecidas no decorrer da improvisação. Além de demonstrar habilidade e

conhecimento, para Baker (2005, p. 30) a citação tem mais impacto quando inserida em um

contexto inesperado. Como podemos notar no trecho abaixo, entre os compassos 118 a 121 do

solo de Moura, o contorno melódico é o mesmo do jazz standard “Laura”66. Isto demonstra, não

65 Este é um recurso expressivo deslizante que geralmente aparece em intervalos melódicos pequenos.

Normalmente é realizado iniciando-se a nota pretendida um pouco acima ou abaixo da sua afinação real, e

deslizando-se da freqüência inicial até a desejada (FABRIS apud SPIELMANN, 2008, p. 138). 66 Jazz standard composto em 1944 por David Raksin (música) e Johnny Mercer (letra).

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apenas o conhecimento técnico de Moura, mas uma integração com os códigos próprios deste

métier.

FIGURA 79 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 118, 119 E 120)

FIGURA 80 - TRECHO DA COMPOSIÇÃO “LAURA” (DAVID RAKSIN E JOHNNY MERCER)

O trecho abaixo é estruturado a partir da figura da síncopa do samba no 2º tempo

do compasso 121, 122, 123 e 125, e no 1º e 2º tempo do compasso 124, porém, melodicamente

apresenta uma aproximação inferior-superior (enclosure) na passagem do compasso 121 para

o 122 (Lá – Fá# – Sol), assim como na passagem do compasso 123 para o 124 (Mi – Dó – Ré)

e valoriza as notas significantes da cadência harmónica ao longo de todo o trecho melódico.

No compasso 121 temos fundamental, sétima e quinta de B7(13); no compasso 122,

terça, nona, fundamental e sétima de Em7(9)(11); no compasso 123, fundamental de C#m7(b5)

e sétima e quinta de F#7(13); no compasso 124, nona, terça, quinta, sétima e nona oitava acima;

no compasso 125, décima primeira, fundamental, sétima e sexta; e por fim, no compasso 126,

fundamental e décima primeira.

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Mais uma vez, salientamos o uso das ligaduras de duas em duas notas em conjunto

a aplicação das acentuações, seja staccato ou marcato no intuito de ressaltar a estrutura rítmica

desta melodia.

FIGURA 81 - TRECHO “ALMA BRASILEIRA” (COMPASSOS 121, 122, 123, 124, 125 E 126)

Ao longo da análise deste improviso notamos uma mescla de elementos derivados

das influências musicais de Moura que consideramos relevantes na construção de sua

originalidade como músico solista improvisador. Acreditamos que os aspectos do choro e do

samba, representados na figura da síncopa, as variadas formas de articulação na música

brasileira, seja como função melódica ou percussiva (agogô e tamborim) e os ornamentos

inseridos na melodia; em conjunto com características jazzísticas, como padrões melódicos,

enclosure e peculiaridades timbrísticas e sonoras específicas do saxofone, contribuíram para o

estabelecimento da concepção interpretativa de Moura frente a sua atuação nos bailes de

gafieira. No entanto, devemos ressaltar independentemente dos elementos que qualificam cada

estilo inerente a sua formação, a originalidade de Moura configura se através da forma como

funde todos esses elementos no desenvolvimento do seu processo criativo.

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Conclusão

Este trabalho buscou identificar os elementos que definem a originalidade de Moura

a partir da análise do seu processo criativo na improvisação na música brasileira e

contextualização biográfica, ressaltando os momentos em que acreditamos que foram

determinantes no direcionamento de sua carreira, assim como compreendermos como se deu a

sua formação profissional frente aos diversos estilos que embasaram a sua prática e

conhecimento musical.

Diante da limitação bibliográfica encontrada referente a Moura, buscamos materiais

que dessem fundamento ao nosso trabalho, como a teoria da métrica derramada, desenvolvida

por Ulhôa (1999), a flexibilidade rítmica de Salek (1999) e o conceito de contraponto

mnemônico elaborado por Falleiros (2006), além de técnicas de construção melódicas típicas

do jazz como padrões e enclosures (COKER, 1991).

O panorama biográfico de Moura nos permitiu observar acontecimentos que endossam

nosso trabalho em relação à construção e às particularidades de seu processo criativo.

Primeiramente nos debruçamos em entender sua relação com a música desde a sua infância, ou

seja, a convivência com seus familiares, o que representou o início de sua conexão com a música

a partir da experiência de seu pai e irmãos mais velhos, até o desenvolvimento de seus estudos,

tanto de maneira formal, no clarinete, na escola nacional de música; quanto informalmente se

deu o aprendizado do saxofone nos bailes do subúrbio angariados no ponto dos músicos, o que

representou o início da sua vida profissional fora do ambiente familiar.

Posteriormente abordamos suas primeiras experiências profissionais, Moura atuou nas

orquestras das duas maiores rádios no país: a rádio Nacional e a rádio Tupi, onde teve contato

com arranjadores experientes e da época como: Severino Araújo, maestro Cipó, maestro

Zaccarias e principalmente com Radamés Gnattali, com quem gravou um álbum repleto de

composições dedicadas à Moura.

Nos início dos anos 60, Moura assumiu a cadeira de primeiro clarinetista na orquestra

do teatro municipal do Rio de Janeiro, ao mesmo tempo em que passou a frequentar o beco das

garrafas, berço do movimento bossanovista, onde conheceu Sérgio Mendes, com o qual

estabeleceu parcerias profissionais, apresentando se em Nova Iorque, no Carnegie Hall,

contudo a bossa nova não satisfazia suas aspirações com a música brasileira e como solista.

Neste período gravou com o saxofonista norte-americano Cannonball Adderley.

No final da década de 60, Moura poderia ter estabelecido sua carreira como arranjador

de gravação, pois havia recebido uma proposta tentadora, função a qual teria uma grande

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demanda de trabalho para diversos estilos musicais. No entanto, esta diversidade contrariava

seu desejo de se aprofundar nos estudos do ritmo brasileiro, ao mesmo tempo que ansiava em

consolidar sua carreira como instrumentista solista.

Durante sua trajetória profissional recebeu contribuições particulares de diversos

artistas brasileiros e estrangeiros, principalmente no início dos anos 70, com o compositor e

cantor Martinho da Vila, a quem Moura atribui uma significativa parcela do seu aprendizado

sobre a rítmica brasileira, ao mesmo tempo que começou a atuar na escola de samba Imperatriz

Leopoldinense, tocando e escrevendo arranjos para a ala dos tamborins.

Como reconhecimento de sua importância na música brasileira, Moura recebeu diversos

prêmios, inclusive sendo indicado ao grammy latino no ano de 2004 e 2008, entre outros.

A fim de entender a dinâmica da construção de sua originalidade como solista, buscamos

contextualizar os estilos que consideramos influentes na formação de Moura, embasados em

episódios relevantes, levantados na parte em que discorremos sobre sua biografia e formação

musical, ao mesmo tempo que identificamos os aspectos musicais peculiares à cada estilo, seja

do jazz (bebop), samba, choro e gafieira, no intuito de relacionarmos com características

inerentes ao processo criativo de Moura, nas análises dos fonogramas selecionados.

As análises foram realizadas a partir de transcrições de solos de Moura referentes aos

fonogramas: “Samba de Orfeu” (1968), “Yardbird suite” (1969), “Se algum dia” (1976), “Dois

sem vergonha” (1976) e “Alma brasileira” (2006), selecionados a partir de uma cronologia

definida por episódios relevantes em função da sua carreira profissional. Com base em nossas

transcrições, buscamos identificar elementos que caracterizam o seu estilo. Acreditamos que a

sua originalidade é definida pela maneira confluente de Moura em explorar os elementos,

característico dos estilos referidos, sinteticamente: ou seja, sua forma de elaborar seu solo

improvisado abarca criativamente os modelos e técnicas de construção melódica com fluência

e coerência. Os fonogramas selecionados foram escolhidos em função da cronologia

discográfica de Moura, associada as experiências profissionais em relação aos estilos

predominantes da época.

De maneira mais específica, na análise da improvisação desenvolvida na música

“Samba de Orfeu”, verificamos que Moura desenvolve o seu solo a partir da melodia

preexistente do tema, ou seja, o seu improviso mantém notas significantes do tema, a ponto de

a melodia principal ser reconhecida.

A análise da improvisação na música “Yardbird suíte” mostrou que Moura realiza

procedimentos inerentes ao jazz, principalmente em relação ao bebop, como os padrões

melódico difundidos por Charlie Parker e John Coltrane, e principalmente a técnica de

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aproximações cromáticas e diatônica, nomeada de enclosure e os jazz patterns, com base no

trabalho de Coker (1991).

Na análise desenvolvida sobre a improvisação de Moura na música “Se algum dia”

identificamos elementos recorrentes do choro, destacando o uso da anacruse, células rítmicas

acéfalas, movimento melódico em grau conjunto e arpejado, o uso da articulação de duas em

duas notas e contornos melódicos que se assemelham a temas conhecidos dentro deste estilo,

com base nos trabalhos de Spielmann (2008) e Valente (2014). De acordo com as informações

obtidas para a elaboração do capítulo 1, devemos salientar que o choro foi o primeiro estilo

musical que Moura teve contato, devido a experiência de seu pai e irmãos, e posteriormente,

nos bailes do subúrbio, já na cidade do Rio de Janeiro, onde atuou ao lado de Pixinguinha.

A análise da improvisação na música “Dois sem vergonha” revelou o tratamento rítmico

de Moura em seu processo criativo, principalmente em relação ao caráter percussivo empregado

em grande parte da melodia improvisada, bem como o uso combinado das articulações, sejam

o staccato, marcato e as ligaduras de expressão, a fim de enfatizar o aspecto rítmico da melodia.

Os trabalhos de Barros (2015) e Bolão (2003) deram sustentação na análise deste tema. Neste

período Moura gravou com Martinho da Vila e tamborim na bateria da escola de samba

Imperatriz Leopoldinense.

Consideramos a análise final, da música “Alma brasileira” uma síntese da linguagem da

gafieira, que por sua vez apresenta a confluência dos elementos marcantes da prática criativa

de Moura. A música em questão foi gravada nos anos 90, neste período a importância de Moura

já havia sido reconhecida em virtude da sua originalidade impar na performance de seu

saxofone na música brasileira, ou seja, a sua maneira de improvisar, representado pelo

tratamento melódico amalgamado entre as particularidades do choro e do samba, na figura da

síncopa e nas diversas maneiras de articulação na música brasileira, assim como a aplicação de

ornamentos; simultaneamente à elementos do jazz, padrões melódicos, enclosures, além da

exploração do timbre do saxofone.

Os aspectos musicais da gafieira estão relacionadas ao desenho rítmico associado a

aplicação das articulações e a sonoridade característica, a qual valoriza a expressão

performática do músico, advinda do uso de ornamentos, glissando, pitch bend, vibrato,

portamento e notas agudas, que indicam o auge da expressividade musical, além de Moura

atribuir aos bailarinos da gafieira um papel determinante em relação a estrutura rítmica, a qual

é desenvolvida em função do “balanço” dos bailarinos no momento da dança, incentivando

ideias em termos de ritmo.

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Na análise de “Alma brasileira” fica evidente a exploração timbrística do saxofone, ao

mesmo tempo em que são utilizados elementos musicais do choro, do samba e do jazz, porém

devemos ressaltar a maneira como Moura aborda o desenho rítmico mesclado aos variados tipos

de articulação e figuras rítmicas, permeando um limiar entre a tercina e síncopa.

Assim como o termo gafieira não assinala fundamentalmente um estilo musical, mas

dentro da reunião de um repertório diverso, cultiva formas de interação e interpretação, a

improvisação de Paulo Moura reúne os aspectos de uma prática musical que responde às

pretensões dos fazeres desta manifestação cultural. O espírito da espontaneidade trazido pela

improvisação, a qual Moura aproveita do uso de técnicas de desenvolvimento melódico

advindas principalmente do jazz; a rítmica do samba como identidade brasileira, empatia

rítmica que fomenta a interação entre o músico solista e a seção rítmica trazendo a emergência

da métrica derramada – uma agógica típica – além da emulação representativa das células

rítmicas variantes do tamborim; e por fim, variações melódicas que desafiam a remetência à

memória (contraponto mnemônico) que com ênfase na flexibilidade rítmica – uma marca

interpretativa característica – na conformação de um gestual próprio decorrente da prática do

choro.

Como pretendíamos com este trabalho, identificamos os elementos musicais que

caracterizam a improvisação de Paulo Moura, a partir das transcrições realizadas dos

fonogramas, bem como a contextualização da sua trajetória, relacionando a sua formação

musical e experiências profissionais.

Com isso, tendo em vista a crescente preocupação em estabelecer parâmetros a respeito

da improvisação brasileira, e em particular aplicada ao saxofone brasileiro, acreditamos ter

contribuído nesta direção, apontando caminhos não apenas para o aprofundamento da

improvisação na música brasileira, como também para futuras pesquisas na área.

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120

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121

Anexos

Anexo I – Transcrições

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132

Anexo II – Tabela

TABELA 2 - DISCOGRAFIA COMPLETA DA CARREIRA SOLO DE PAULO MOURA

Discografia carreira solo - Paulo Moura

1 - Moto perpetuo - (Columbia, 1956) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Moto perpétuo 1 X

O vôo do besouro 2 X

2 - Sweet sax Paulo Moura - (RCA Victor, 1958) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Рeoрle will saу we’re in love 1 X

Mу devotion 2 X

Sрeak low 3 X

East of the sun 4 X

Witсhсraft 5 X

Вewitсhed 6 X

Nel blu diрinto di blu (Volare) 7 X

Сoсktails for two 8 X

Temрtation 9 X

If I loved you 10 X

All for you 11 X

I’ve got you under mу skin 12 X

3 - Escolha e dance com Paulo Moura - (Sinter Discos, 1958) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Se alguém disse 1 X

Dengoso 2 X

Baião atrevido 3 X

Minha saudade 4 X

Dorinha meu amor 6 X

Passarinho da noite 7 X

Faceira 8 X

Saxologia 9 X

Conceição 10 X

Silk stop 11 X

Ouça 12 X

4 - Paulo Moura interpreta Radamés Gnattali - (Continental, 1959) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Monotonia 1 X

Devaneio 2 X

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133

Nostalgia 3 X

Carioca 4 X

Sempre sonhar 5 X

Valsa Triste 6 X

Penumbra 7 X

Romance 8 X

5 - Paulo Moura hepteto - (Ouver Records, 1968) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

General da banda 1 X

Samba de Orfeu 2 X

Travessia 3 X

Bonita 4 X

No brilho da faca 5 X

Homem do meu mundo 6 X

Wave 7 X

Das tardes mas sós 8 X

Bitucada 9 X

A sede do peixe 10 X

Três pontas 11 X

Outubro 12 X

6 - Paulo Moura e quarteto - (Equipe, 1969) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Lamento do morro 1 X

Eu e a brisa 2 X

Meu lar 3 X

Aos pés da cruz 4 X

Yardbird suíte 5 X

Sá Marina 6 X

Retrato de Bene Carter 7 X

Razão 8 X

Feitio de oração 9 X

Terra 10 X

7 - Pilantrocopia - (Equipe, 1969) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

La cumparsita 1 X

El relicário 2 X

Mandrake 3 X

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134

Terezinha de Jesus 4 X

La mentir 5 X

Tudo azul 6 X

Chiribiridin 7 X

Barril de chopp 8 X

Correnteza 9 X

O ébrio 10 X

Meia volta 11 X

Rosa morena 12 X

8 - Fibra - (Equipe, 1971) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Fibra 1 X

Ana Lia´s blue 2 X

Filgueiras 3 X

Samba de Orfeu 4 X

Tema dos deuses 5 X

Vera Cruz 6 X

Aquarela do Brasil 7 X

Cravo e canela 8 X

General da banda 9 X

Bitucadas nº2 10 X

9 - Confusão urbana, suburbana e rural - (RCA Victor, 1976) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Espinha de bacalhau 1 X

Notícia 2 X

Bicho papão -Tema da cuíca 3 X

Carimbó do Moura 4 X

Se algum dia 5 X

Peguei a reta 6 X

Amor proibido 7 X

Dois sem vergonha 8 X

Eu quero é sossego 9 X

Dia de comício 10 X

Pedra da lua 11 X

10 - Choro na praça (Warner Chappell) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

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135

Proezas de Solon 1

Sonoroso 2

Sai da frente 3 X

André de sapato novo 4 X

Ecos 5

Apanhei-te cavaquinho 6

Murmurando 7

Naquele tempo 8 X

O amolador 9

Segura ele 10

Cavaquinho seresteiro 11 X

Vê se gostas 12

Eu quero sossego 13 X

Choro do Ratinho 14 X

Leninha 15 X

Urubu malandro 16 X

11 - ConSertão - (Kuarup, 1981) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Estrela maga dos ciganos - Noite de santo reis 1 X

Na estrada das areias de ouro 2 X

Campo branco 3 X

Incelença pra terra que o sol matou 4 X

Valsa da dor 5 X

Leninha 6 X

Espinha de bacalhau 7 X

Pedacinhos do céu 8 X

Corban 9 X

12 - Clara Sverner e Paulo Moura - (Selo Ergo, 1983) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Fantasia em si bemol 1 X

Desafio VIII op. 31 nº 8 2 X

Valsa triste 3 X

É assim que eu gosto 4 X

Concertino da câmera 5 X

Saudades do parque balneário hotel 6 X

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136

13 - Encontro - (Kuarup, 1984) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Suíte nordestina 1

Viola quebrada 2

The entertainer 3

Ragtime 4

Genea 5 X

O trenzinho do caipira 6

Bachianas brasileiras nº 5 7 X

Eu e a brisa 8 X

Fantasia 9 X

Modinha 10

Je te veux 11

Berceuse 12 X

Le petit negre 13 X

Manhã de carnaval 14 X

14 - Mistura e manda - (Kuarup, 1984) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Chorinho pra você 1 X

Chorinho pra ele 2 X

Mistura e manda 3 X

Nunca 4 X

Tempos felizes 5 X

Caminhando 6 X

Ternura 7 X

15 - Vou vivendo - (EMI - Odeon, 1986) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Vou vivendo 1 X

Lamento 2 X

Ingênuo 3 X

Atraente 4 X

Amapá 5 X

Io t'amo 6 X

Monotonia 7 X

Samba-canção 8 X

Devaneio 9 X

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137

Fantasia 10 X

16 - Gafieira etc & tal - (Kuarup, 1986) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Diálogo (para a paz mundial) 1 X

Ao velho Pedro 2 X

Rio Negro 3 X

Alma brasileira 4 X

Nada além 5 X

Fibra-Magia do samba (Bate pandeiro) – Jogada - MRA 6 X

17 - Clara Sverner e Paulo Moura interpretam Pixinguinha - (Sony

Music, 1988) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Carinhoso 1 X

Segura ele 2 X

Chorei 3 X

Rosa 4 X

Os oito batutas 5 X

Proezas de Solon 6 X

1x0 7 X

Soluços 8 X

Glória 9 X

Ainda me recordo 10 X

Naquele tempo 11 X

18 - Quarteto negro - (Kuarup, 1988) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Folôzinha 1 X

Sobre as ondas 2 X

Merengue 3 X

Festas da Xica 4 X

Semba 5 X

Zumbi (A felicidade guerreira) 6 X

Brucutú 7

Geísa 8 X

A Quelé menina 9 X

Taisho-Koto 10 X

19 - Paulo Moura e Ocidalê interpretam Dorival Caymmi - (Caju

Music, 1991) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Noite de temporal 1 X

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138

Só louco 2 X

Doralice 3 X

Marina 4 X

Acalanto 5 X

Dora 6 X

O mar 7 X

Oração de mãe menininha 8 X X

Sargaço mar - Promessa de pescador - Promessa de pescador 9

História dos pescadores I 10 X

História dos pescadores II 11 X

20 - Paulo Moura Rio nocturnes - (Messidor, 1992) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Guadeloupe 1 X

Capricórnio 2 X

Rio nocturne 3 X

Baleias 4 X

Jumento elegante 5 X

Barbara's vatapá 6 X

Sereia do Leblon 7 X

Mulatas etc e tal 8 X

Tumbalee 9 X

Concierto brasitalian 10 X

Tarde de chuva 11 X

Casamento em Xaxei 12 X

21 - Dois Irmãos - Paulo Moura e Raphael Rabello - (Caju Music,

1992) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Ronda-sampa 1 X

Chorando baixinho 2 X

Domingo no orfeão Portugal 3 X

Violão vadio 4 X

Morena boca de ouro 5 X

Tempos felizes 6 X

1 X 0 7 X

Tarde de chuva 8 X

Luiza 9 X

Um chorinho em aldeia 10 X

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139

22 - Wagner Tiso e Paulo Moura - (Tom Brasil, 1996) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Banda da capital 1

Vento bravo 2

Olinda Guanabara 3

Cravo e canela 4

Anos dourados 5 X

Capricórnio 6 X

Mulatas etc e tal 7 X

Folia nordestina 8 X

Cadenguê 9 X

23 - Cinema Odeon - Clara Sverner e Paulo Moura - (Selo Ergo,

1996) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Abre alas 1 X

O gaúcho 2 X

Pelo telefone 3 X

Batuque na cozinha 4 X

Se você jurar 5 X

Terna saudade 6

Odeon 7 X

Jura 8 X

Marreco quer água 9

Flor amorosa 10 X

Feitio de oração - Três apitos - Conversa de botequim 11 X

Carinhoso 12 X

24 – Pixinguinha - Paulo Moura e os batutas - (Rob Digital, 1998) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Ainda me recordo 1 X

Segura ele 2 X

Proezas de Solon 3 X

Cochichando 4 X

Ingênuo 5 X

Lamento 6

Carinhoso 7

Mistura e manda 8 X

Batuque na cozinha 9 X

Os oito batutas 10 X

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140

Pelo telefone 11 X

Rosa 12 X

Naquele tempo 13 X

Vou vivendo 14 X

1 X 0 15 X

Urubu malandro 16 X

25 - Paulo Moura visita Gershwin & Jobim-Rhapsody in bossa - (Pau

Brasil, 1998) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Rhapsody in blue - Samba do avião - Só danço samba - I got rhythm 1 X

Surfboard 2 X

Água de beber 3 X

Falando de amor 4 X

Prelúdio II 5 X

Lady be good 6 X

I've got plenty O'Nuttin 7 X

The man I love 8 X

Embraceable you 9 X

Summertime 10 X

Este seu olhar - Eu sei que vou te amar - Eu não existo sem você - Se

todos fossem iguais a você 11 X

26 - Mood ingênuo - Paulo Moura & Cliff Korman - (JazzHeads,

1999) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Tico Tico no fubá 1 X

Saxofone, porque choras 2 X

Luiza 3 X

Paulo speaks 4

Satin doll – Lamentos – Ingênuo - In a mellow tone-Sophisticated

lady – Rosa – Carinhoso 5 X

Paulo speaks 6

Saudade do Paulo 7 X

Moonglow & girl talk 8 X

Tarde de chuva 9 X

Cliff speaks 10

Leninha & Espinha de bacalhau 11 X

1 X 0 12 X

27 - Gafieira dance Brasil-The Paulo Moura & Cliff Korman

ensemble - (Almons & Rose Music, 2001) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Ao velho Pedro 1 X

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141

Noites cariocas 2 X

Segura ele 3 X

Mulatas etc e tal 4

Pedacinhos do céu 5

Carimbó do Moura 6 X

Baião delicado 7 X

Manhã de carnaval 8 X

Alma brasileira 9 X

The man I love 10 X

Bicho do pé 11

28 - K-Ximblues - (Rob Digital, 2001) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Sempre 1 X

K-Xintema 2 X

Auto plágio 3 X

Catita 4 X

Sonoroso 5 X

Sonhando 6 X

Ternura 7 X

Just walking 8

K-Ximbodega - Eu quero é sossego 9 X

Velhos companheiros 10 X

29 - Estação Leopoldina - (Rob Digital, 2002) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Estação Leopoldina 1 X

Fibra 2 X

Simplicidade 3 X

Nosso romance 4 X

Deve ser amor 5 X

Bananeira 6 X

Rala coxa 7 X

Oritimbó 8 X

Pro Paulo 9 X

Maré cheia 10 X

Linda 11 X

Remexendo 12 X

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142

Ai que saudade da Amélia - Trem das onzes - Prêmio de consolação -

Leva meu samba – Imagem 13 X

Receita de samba 14 X

30 - El negro del blanco - (Biscoito Fino, 2004) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

El negro del blanco 1 X

Um chorinho em aldeia - Na glória 2 X

Duerme negrito 3 X

La paloma 4 X

Valsa venezuelana 5 X

Simplicidade 6 X

Sons de carrilhões 7 X

Decaríssimo 8 X

Samba triste - Lapinha samba da bênção - Pra que chorar 9 X

De camino a la vereda 10 X

Gracias a la vida 11 X

Taquito militar 12 X

31 - Gafieira jazz - Paulo Moura & Cliff Korman (Rob Digital, 2006) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Saxofone, porque choras 1 X

Sozinha 2 X

Noites cariocas 3 X

Pedacinhos do céu 4 X

Manhã de carnaval 5 X

Tarde de chuva 6 X

1 X 0 7 X

Mulatas etc e tal 8 X

Alma brasileira 9 X

32 - Dois panos para manga - João Donato e Paulo Moura - (Biscoito

Fino, 2006) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

A saudade mata a gente 1 X

On a slow boat to China 2 X

Swanee 3 X

Copacabana 4 X

Tenderly 5 X

That old black magic 6 X

Minha saudade 7 X

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143

Pixinguinha no apoador 8 X

Sopapo 9 X

33 - O som de Dorival Caymmi-Paulo Moura e Ociladocê - (Biscoito

Fino, 2007) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Noite de temporal 1 X

Só louco 2 X

Doralice 3 X

Marina 4 X

Acalanto 5 X

Dora 6 X

O mar 7 X

Oração de mãe menininha 8 X X

Sargaço mar - Promessa de pescador - Promessa de pescador 9

História dos pescadores I 10 X

História dos pescadores II 11 X

34 - Samba de latada - Josildo Sá e Paulo Moura - (Rob Digital,

2007) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Quixabinha 1 X

Forró de mané Vito 2 X

Eu gosto de você 3 X

Pra virar lobisomem 4 X

Pro Paulo 5 X

Nega buliçosa 6 X

Fulosinha 7 X

Fraguei 8 X

Carimbó do Moura 9 X

Beijú 10 X

Cumpade Zé de bina 11 X

Baile no sertão 12 X

Na água do bebedouro 13 X

35 - Pra cá e pra lá - Paulo Moura trilha Jobim e Gershwin - (Biscoito

Fino, 2008) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Rhapsody in blue 1 X

Surfboard 2 X

Água de beber 3 X

Falando de amor 4 X

Prelúdio II 5 X

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144

Lady be good 6 X

I've got plenty O'Nuttin 7 X

The man I love 8 X

Embraceable You 9 X

36 - Afrobossanova - Paulo Moura e Armandinho - (Biscoito Fino,

2009) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Chovendo na roseira 1 X

Águas de março 2 X

Meditação 3 X

Insensatez 4 X

Falando de amor 5 X

Radamés y Pelé 6 X

Luiza 7 X

Samba do avião 8 X

Surfboard 9 X

O morro não tem vez 10 X

Chega de saudade 11 X

37 - Paulo Moura apresenta bossa batuta - Bossa instrumental - (Vila

Rica, 2010) faixa

sax

alto

sax

soprano clarinete

Minha saudade 1 X

O barquinho 2 X

Samba de verão 3 X

Influência do jazz 4 X

Sambop 5 X

Neurótico 6 X

Minha 7 X

Manhã de carnaval 8 X

Na Barão de Mesquita 9 X

Medley 10 X

38 - Alento - (Biscoito Fino, 2011) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Abertura 3d 1 X

Road movie 2 X

Mulatas etc e tal 3 X

Mantra do Rio 4 X

O portador do segredo 5 X

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Oju obá 6 X

Dia de festa 7 X

Troca de olhares 8 X

De volta à Alexandria 9 X

39 - Ao vivo - Samba de latada - (Som Livre, 2011) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Fibra 1 X

Quixabinha 2 X

Cumpade Zé de bina 3 X

Forró de mané Vito 4 X

Fulosinha 5 X

Nega buliçosa 6 X

Mulatas etc e tal 7 X

Na água do bebedouro 8 X

Forró de poeirão 9 X

Pot-pourri (Forró bole bole e Cadeira de balanço) 10 X

O trem pega 11 X

Dom Francisco, Dom Tomé 12 X

Menina da noite 13 X

Baile no sertão 14 X

40 - Fruto maduro - (Biscoito Fino, 2012) faixa sax

alto

sax

soprano clarinete

Mulatas etc e tal 1 X

Caravan 2 X

Coquetel 3 X

Chorinho para Mignone 4 X

Macunaima 5 X

Andina 6 X

Trem do Moura 7 X

Obstinado 8 X

Mantenha o groove 9 X

Chroma 2 10 X

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Anexo III – Entrevistas

Halina Grynberg67

Ronalde: Como vocês se conheceram e em que período da vida profissional de Moura se deu

esse encontro?

Halina: Eu conheci o Paulo em 81. Ele estava com a escolha (referente a carreira)

encaminhada. Conheci o Paulo em São Paulo, ele fazia o show “ConSertão” (Kuarup, 1981). A

carreira construída, não sei se poderíamos dizer isso, naquela ocasião. O que haviam eram

escolhas feitas, mas a carreira que o tornou apto a tocar o que quisesse, construir os projetos

musicais, desenvolver discos que quisesse, produções próprias, etc e tal, realmente tem uma

coincidência com a nossa união. Porque isso acarretou uma condição muito emocional, quanto

real, grande. Em primeiro lugar ele (...) quando ele mudou pra minha casa, ele tinha aqui, nós

construímos um, chamávamos de estúdio, que era um espaço próprio dele. Nós vivemos todos

os nossos anos juntos em uma casa em São Conrado, bairro considerado nobre na cidade. Havia

um andar entre a garagem e a sala de estar muito grande, uns 28 metros quadrados. Lá ele

construiu o seu ambiente pessoal de estudo. Aí é que se desenha de fato um projeto que ele

podia assumir. Ele não tinha mais que bancar uma mulher, porque eu tenho o meu próprio

trabalho (...) podia escolher os trabalhos; e nós tínhamos um tipo de interlocução interessante,

porque (...) como a gente viajou muito e nós dois apreciamos muito arte, as nossas conversas,

sempre foi (...), o foco de estudo da minha vida sempre foi a filosofia da estética (...) e nós

tínhamos muitas conversas e debates e observações em torno disso. Ele encontrou uma parceria,

digamos assim, como vou te dizer (...), de base. Ele tinha a possibilidade de se dedicar muitas

horas por dia, quatro horas por dia ao estudo, um silêncio, o equipamento todo que ele precisava,

o piano, tudo isso modificou muito.

Ronalde: Isso tudo ocorreu por volta dos anos 80, meados dos anos 80?

Halina: Meados dos anos 80.

Ronalde: Em relação a todo esse envolvimento com a questão da estética, como se deu a

importância que a gafieira tomou na vida profissional dele?

67 Halina Grynberg é psicanalista e escritora. Nascida na cidade Świebodzice, Polônia. Conheceu Paulo Moura em

1981, foi companheira de Moura por 26 anos (1984-2010), atuando como produtora musical da carreira solo do

músico.

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Halina: Olha só, Ronalde. A gafieira é original, é primária, é primitiva, ela é base de tudo antes

de tudo. Não se chega na gafieira, ele partiu da gafieira. (...) como é que ele partiu da gafieira?

(...) O pai dele tinha uma banda na cidade de São José do Rio Preto, esse episódio está no livro

também. Ele começou a tocar lá (São José do Rio Preto) por volta dos 12 anos, então aí você

vê onde está a gafieira. Porque havia bailes num clube chamado Marcílio Dias, clube da

comunidade negra, muito racista na cidade de São José do Rio Preto. Todos os irmãos dele

também passaram por essa aprendizagem, porque o pai do Paulo, seu Pedro Moura, ele

pesquisava partituras de bandas americanas (...) dos anos 40 e 50 que são aquelas bandas,

orquestras para dançar. O repertório inicial do Paulo foi esse. Então começa na gafieira, começa

observando o movimento dos corpos e (...) mais tarde se coloca na pergunta, qual som afeta

qual parte do corpo?

Ronalde: Ele tinha uma ligação forte com essa questão?

Halina: Fortíssima, porque ele não gostava de plateias (...) passivas, (...) que ficassem

aplaudindo ou extasiadas diante da viagem interior do músico que tocavam para outros músicos.

Ele realmente tinha um profundo desagrado por isso. Pra ele a música era um ritual coletivo

que tinha que sensibilizar a alma e o corpo da pessoa.

Ronalde: Qual a relação dele com o saxofone? Pois ao analisar a discografia dele, eu observei

que o Paulo vai gradativamente assumindo mais o clarinete como instrumento principal e

deixando de lado o saxofone, sendo que o aprendizado do saxofone foi mais informal do que o

clarinete?

Halina: O clarinete é o instrumento primeiro também, uma escolha dele, que ele aprende com

o pai. O saxofone entra, quando, chegando ao Rio de Janeiro, em 45, se não me engano, ele

começa a buscar novos mestres de baile, (...) então ele começa a fazer parte de bailes, (...) de

bailes e bandas ao redor de onde ele morava, e aí, o instrumento demandado era o saxofone. Na

ocasião, ele também (...) sempre viajou muito e tinha que tocar o saxofone, mas (...) a clarineta

é o instrumento de reflexão, o instrumento de partida também. Essa retomada (clarinete) se você

vai ver, ela acontece na década 90, não é?

Ronalde: Isso, por aí. Já tem início nos anos 80, ele cita o David Sunborn. Ele fala que ele tinha

como referência os saxofonistas de jazz, ao longo dos anos, na atuação dele como saxofonista

(...) ele até fala no seu livro da questão da sonoridade muito agressiva dos anos 80 do sax alto.

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Halina: Sim, mas não foi por isso que ele deixou não, tá? Ele deixou o saxofone, porque ele

achou que foi um instrumento, onde havia já (...), aconteceu de maneira engraçada. A gente

estava em Nova Iorque e fomos ver um show no Lincoln Center, com aqueles maiores nomes

(do jazz), naquela altura nos anos (...) início dos anos 90. Família Marsalis toda, Steven (...),

não, como é o nome dele? (...). Esse era um saxofonista que impressionava profundamente o

Paulo. Até quando eu o ouvi tocar, eu falei. “Gente, Paulo, mas esse cara aprendeu com você

ou você que aprendeu com ele? Steven (...) vou procurar aqui (...).

Ronalde: Não seria Stanley Turrentine?

Halina: Stanley turrentine, esse mesmo.

Ronalde: Esse saxofonista impressionou muito ele?

Halina: Foi um dos saxofonistas que impressionou muito ele (...), outro é o (...) Cannonball

Adderley, e claro, o Charlie Parker, o Paul Desmond, e claro, o John Coltrane (...). A gente

estava vendo esse show (Stanley Turrentine) e (...), mas engraçado, nesse show, não sei se ele

tocou, ou ele tocou alto especificamente, mas era um som terrivelmente parecido. (Paulo

Moura). (...) aí quando a gente saiu do teatro, ele (Paulo Moura) pegou uma árvore, balançou

um galho e disse: “Tá vendo aqui, quantos saxofonistas tão bons ou melhores que caíram dessa

árvore, e eu nem americano sou?”. A partir daí ele se voltou para a clarineta de novo, porque

ele achou que a possibilidade de desenvolver o som dele, embora ele já tivesse isso no saxofone,

lógico, (...) seria maior, essa assinatura, estética. Ele gostava de K-Ximbinho, Luíz Americano

(...), e foi.

Ronalde: Interessante isso que você me falou da questão da estética, filosofia da estética, que

tem uma parte no seu livro sobre este assunto. Como era isso para o Paulo Moura no pensamento

e até mesmo nas conversas que vocês tinham, em relação a música brasileira?

Halina: Para ele não existia música brasileira ou americana, música brasileira ou americana era

uma questão de sotaque, era uma questão de raiz, mas ele pesquisava música. Ele podia ouvir,

ouvir no mesmo dia (...), não tem o manual de estética do Stravinsky?

Ronalde: Sim, as 6 lições.

Halina: Então, tipo, esse era o livro de cabeceira dele. Ele lia e relia, ele lia e relia as partituras

do Beethoven. Ele sempre estudou música erudita. Ele não estudava música popular, música

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popular ele ouvia. Mas estudo, era de música erudita. Todos os (...), Weber (Carl Maria von),

Shostakovich (Dmitri), (...).

Ronalde: Essa disciplina que ele tinha, era uma disciplina diária, se não me engano, pela parte

da manhã?

Halina: Era parte da manhã, geralmente, ele acordava (...) sete, sete e meia, oito horas, tomava

um bom café da manhã e enquanto fazia digestão ele estudava partituras ou os títulos

comentados sobre estética. Como é o nome daquele cara que fez a teoria dos tijolinhos? (...)

Hindemith (Paul), Hindemith era uma fonte de referência dele, uma fonte de reflexão.

Schoenberg, ele leu muitas biografias do Schoenberg, Pierre Boulez, (...), muitos russos,

muitos.

Ronalde: Em relação a concepção estética do Paulo Moura, o que você poderia comentar sobre

o álbum “Confusão Urbana, suburbana e rural”?

Halina: O “Confusão Urbana, suburbana e rural” é pro Paulo, realmente o disco da vida dele.

Porque foi ali (...), que ele teve a perspectiva de que ele poderia se manter como músico

instrumental, o que não aconteceu. Tá!? Porque? Naquela ocasião ele vinha de (...), ele tinha

uma imensa amizade, talvez o grande amigo da vida tenha sido o Martinho da Vila. Eles

andaram viajando muito, tinha uma banda que tocava (...) Martinho né (...), mundo afora e

quando ele chegou no Brasil ele fez a produção junto a RCA, desse disco que viria a ser o

Confusão, né! (...). Ali você tem o “statement” de fato, da mistura dos instrumentos, das várias

camadas que existem na música popular, sonoras, das várias camadas sonoras, das várias (...)

referências francesas e americanas, (...) ali ele fez o que achou que poderia fazer adiante. Só

que como naquela época a RCA Victor fez o disco pra agradar o Martinho e não pra fazer do

Paulo uma estrela. Isso foi uma coisa terrivelmente frustrante (...), as gafieiras começam ali, o

lado de ganhar a vida com a gafieira surge por uma necessidade absurda de se manter em cena,

não havia necessidade absurda de ganhar dinheiro, né! E de (...) conviver com músicos que ele

treinava. O baile de gafieira era o grande ensaio musical do Paulo. Era onde ele preparava os

músicos e o repertório.

Ronalde: Tem uma faze da vida dele que ele começa a ter uma relação mais forte com a escola

de samba Imperatriz Leopoldinense, inclusive tocando tamborim.

Halina: Olha só, uma coisa assim (...) como ele morou, ainda antes de conhece-lo, em Ramos

(...) a escola de samba ficava em frente à casa dele e uma escola de samba quando começa a

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ensaiar toca horas e horas seguidas. Nessas horas e horas seguidas ou ele aprendia aquela

sonoridade, se desenvolvia nela ou não poderia trabalhar em casa por causa do barulho. Então,

ele tinha essa visão (...) um pouco infantil e prática. Se eu não posso tocar isso porque não tenho

concentração, eu vou atravessar a rua e vou tocar alguma coisa com a bateria. E aproveitou e

mergulhou no universo do samba de enredo, profundo. Ele já tinha uma conexão (...), muito

grande com o Cartola e com o Nelson Cavaquinho; o Cartola uma imensa conexão; e com o

grupo Fundo de Quintal. Agora ele começa a tocar (...) tamborim porquê (...) jogaram no colo

dele, entendeu, ele ficou lá, começou a participar, ele era super bem-vindo, ele gostou do som

do tamborim, porque ele dizia que era o violino da orquestra.

Ronalde: Isso é muito interessante, porque meu trabalho está se pautando na questão rítmica

(...)

Halina: Isso eu posso te dizer várias coisas, tenho muita coisa, convivência com o Paulo a esse

respeito.

Ronalde: Devido a uma análise prévia que eu fiz, é muito interessante a questão da construção

dos improvisos dele, tem uma relação muito forte com o lado jazzístico (...)

Halina: Olha só, é o seguinte, pro Paulo (...), o que interessa pro Paulo no jazz é a percussão, o

que interessa pro Paulo no jazz é como a música, é (...), porque a percussão pro Paulo não era

acompanhamento, era uma outra forma de expressão melódica feita por outros, é (...), e

harmônica né! feito com outros instrumentos. Então ele pesquisava a percussão, a linguagem

afro, porque, como o racismo foi uma coisa muito dolorosa pro Paulo, extremamente, ele tinha

uma experiência que o indignava imensamente, ele encontrou na percussão a compreensão de

que ali era, ali estava uma origem que era renegada socialmente, que para ele tinha um valor de

música. Então ele começou a estudar profundamente a música africana (...), jazz entra aí. O que

o jazz tinha, que o fascinava eram os grandes interpretes.

Ronalde: O que eu observo como relevante é a questão da interpretação dele associada as

acentuações rítmicas. A minha hipótese que eu estou elaborando é o quanto existe de original

na rítmica em associação com as acentuações, porque existe a questão do suingue, de uma

malandragem no sentido de interpretar, e pra mim está relacionado com as acentuações rítmicas

na leitura dele. O que você pode comentar sobre essa questão.

Halina: É exatamente isso, quando ele tocava (...), não vou citar nomes, mas quando ele tocava

com pianistas de jazz, brasileiros, ele frequentemente entrava numa situação (...). como vou

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dizer assim (...), desafiadora. Porque ele queria que eles acentuassem (...), africanamente,

sambisticamente, vamos dizer assim (...), e eles não faziam isso. Eles faziam jazz, aí ele falava

com aquele sorriso: “jazzzzzzz!!!” Entendeu? jazzzzz, aí ele se divertia, pra ele o grande prazer

de tocar (...). era com o Donato. Porque tem aquele (...), toda aquela construção encima de (...),

o piano percussivo, né! (...) então quando ele fazia improviso, os improvisos do Paulo não eram

livres, os improvisos do Paulo eram construídos, estudados. Até por isso ele não gostava muito

de participar de Jam Sessions. No início quando ele era muito jovem, ele participava para

aprender (...) quando ele ganhou a compreensão que ele queria da música ele começou (...),

quando ele fazia Jam Sessions era muito engraçado (...) Tem um show muito importante pra

você ver que chama “quatro por quatro” que era o Leo Gandelman, o Paulo na clarineta, o

Senise (Mauro) e aquele mineiro do saxofone (...), o Nivaldo (Ornellas). Você pode ver como

ele sai, literalmente sai, ele saia da frente dos microfones, se encostava no palco, no piano que

tinha no palco e aguardava, quando ele podia interromper aquela viagem ele vinha com aquele

jeitão dele, começava a tocar a clarineta baixinho até chegar e ocupar o lugar que estava

destinado aos microfones e acabar com aquilo, ele queria acabar com aquilo.

Ronalde: Interessante isso que você falou sobre essa relação dele com as Jam Sessions, os

improvisos dele eram muito bem estudados e pensados (...)

Halina: Como uma parte de fantasia de uma música erudita (...) ele escrevia (...), tinha o tempo

marcado e a hora marcada de entrar. Os músicos que tocavam com ele e se davam muita

liberdade jazzística, ele simplesmente se plantava de frente pro músico e de costas pro público

e começava a fuzilar com os olhos, ou então bater na barriga, fazer marcação de tempo (...) ele

queria controlar o que ele chamava de um delírio de vaidade.

Ronalde: Eu Fiz algumas transcrições de improvisações dele e dá pra perceber (...) é bem nítido

isso, essa construção da improvisação dele. O Paulo (Moura) não erra uma nota da harmonia.

Ele dá essa intenção de ser muito bem construída, as antecipações, acentuações que ele salienta.

As notas são muito bem colocadas em relação a harmonia, não escapa uma (...)

Halina: Não escapa uma porque ele treinou, ele escreveu, ele modificou em casa (...) quando

ele improvisa no show, o processo é esse, ele escrevia em casa, se ele ensaiava com o grupo,

por exemplo (...) acho que os últimos shows dele foi o “Bossa Blues” (...) ele recebia os músicos

na sala de ensaio que ele alugava, ele deixava todo mundo falar das ideias que tinham pro show,

ele ouvia, quase não tocava, voltava pra casa e modelava tudo da maneira dele, e então,

mostrando que ele tinha, digamos assim, aproveitado cada uma das vontades, das sugestões

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musicais que eles tinham, mas a partir daí eles ficavam bem restritos, sem se darem conta, isso

aqui que eu estou te falando é um truque intimo tá!(...) é um bastidor pro Paulo.

Ronalde: Isso tem uma relação com a questão da estética, não?

Halina: E da música erudita (...), e da música erudita, da música erudita tem uma abertura, uma

introdução, um desenvolvimento em partes e uma finalização. Se você observar o repertorio do

Paulo e as nuances (...) que ele dá de ritmo e, ou de gêneros, você vai ver que tem isso que eu

estou te dizendo. A partir de uma determinada época, quando nosso diálogo ficou na vida (...)

eu comecei a participar da vida profissional dele, com mais presença, é (...) ele, eu dizia pra ele,

as pessoas gostam de ouvir estórias, então qual é a estória você quer contar aí? E a gente

construía essa estória (...). Há uma estória, há uma narrativa debaixo do repertório, e há uma

narrativa também (...) musical. A cada show, disco dele, ele estava pesquisando outras

referências, por isso, por isso que os discos são (...) Pixinguinha, K-Ximblues, entendeu? São

pessoas com quem ele queria aprender algo e queria transformar a aprendizagem dele numa

apropriação (...) como fazem os artistas de um modo em geral, eles imitam e depois apropriam.

Ronalde: Um dos músicos que fizeram parte da carreira do Paulo foi o Cliff (Korman). O que

você pode me falar dessa relação?

Halina: Essa relação foi muito particular e muito intensa (...) eles se conheceram em 1980, por

aí, onde o Paulo foi dar aula nos Estados Unidos (...) em Woodstock, ele (Cliff) era um dos

alunos, se encantou pelo Paulo (...) a ponto de mudar pro Brasil, ele mudou pro Brasil por causa

do Paulo. Então a troca com ele era sempre muito grande, a troca conceitual, a troca de

repertórios né! (...), era muito grande, com o Cliff buscando se abrasileirar o máximo, até que

o Cliff compreendeu que havia uma genealogia cultural que era diferente, e aceitou a diferença

que havia entre eles, em termos de construção musical, mas foi um queridíssimo amigo. O filho

dele, nós fomos padrinhos do filho, estamos sempre juntos, ele é um querido amigo até hoje em

dia, é uma pessoa que tem uma compreensão da parte, que ele chama de jazzista da obra do

Paulo que vale a pena ler e falar com ele.

Ronalde: Eu entrei em contato com ele e irei fazer uma entrevista com ele também.

Halina: Ele tem uma leitura muito própria dele né (...) muito bem articulada, ele é professor de

música popular, ele vem desenvolvendo várias cadeiras sobre a obra do Paulo Moura, então ele

é um “expert”.

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Ronalde: Irei falar com ele com certeza.

Halina: Agora, a brincadeira é com o João Donato (...) eles podiam se encontrar e faziam o

seguinte jogo. Botavam uma faixa pra tocar e começavam a perguntar, quem estavam nos

instrumentos, de quem eram os arranjos, pra ver quem tinha mais essa instrução, sabe? Era um

desafio, um desafio entre amigos.

Ronalde: Eles tinham esse hábito?

Halina: É, essa era a razão pela qual eles se encontravam.

Ronalde: Eles chegaram a gravar um dueto (...)

Halina: “Dois panos pra manga”

Ronalde: Eles tinham uma relação muito forte na época da juventude dos dois.

Halina: Muito forte, tem essa estória que é muito curiosa. O Paulo, a família dele era de músicos

(...) a única pessoa que não podia ser músico era ele, que era mais novo. Não deveria ser segundo

a compreensão da mãe. Então tinha aquela estória de trabalhar na alfaiataria do irmão, né!? O

João Donato que tinha uma diferença muita emocional, muito significativa com o pai dele, não

sei se o pai dele era militar ou alguma coisa assim, ele frequentava a casa do Paulo, ia lá (...)

pra tal da alfaiataria, na verdade era um cômodo da casa que tinha o piano, e ele ficava lá

tocando. Então, 2006, quando eles gravaram aquele disco, eles estavam no Sesc Pinheiros pra

fazer um show de lançamento. Aí o Paulo sentou no piano e falou assim: “Donato vê se você

descobre de onde é essa música?”, e começou (...), começou a tocar e o João Donato

concentradíssimo disse: “Gente eu conheço essa música, de que disco você tirou?”. Aí o Paulo

falou: “Essa é a segunda parte disso, assim, assim e assim de que você tocava lá em casa”.

Cinquenta anos depois (...), o Paulo morreu em 2010, mais de 50 anos depois, quase 60 anos

depois. Então tinha essa (...), eles tinham vontade de fazer um disco, que a gente brincava, que

se chamaria “Mil Veces”, em espanhol. O João Donato contava uma estória, o João você teria

que entrevistar. O João é um professor e pode falar musicalmente do Paulo e o Martinho por

causa da percussão. Aí o (...) isso era engraçado. O João Donato tentou fazer a vida nos Estados

Unidos, ele queria trabalhar com as bandas cubanas. Então ele ia tocar, fazer o (...), seleção né!

(...) e nunca passava, nunca era aprovado. Aí um dia ele estava tomando um porre com um

percussionista, baterista cubano, se embebedava por ali, e falou, disse pro Donato: “Você tem

que fazer mil veces”. Então eles iam fazer um disco chamado “Mil veces” totalmente baseado

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na percussão. Então eu sei que ele conseguiu um emprego, essa é que é a verdade. (...) vou te

dar algumas referências do Paulo tá? (...) Cannonball Adderley, Anthony Braxton, Sidney

Bechet, muito, muito, muito o Coleman (Hawkins), Ornette (Coleman), Benny Carter, Paul

Desmond que eu já tinha te falado (...) Lee Konitz. Coleman Hawkins, Oliver Nelson, Sonny

Rollins, Archie Shepp, Stanley Turrentine, Bem Webster, Woody Herman, Lester Young,

Gerry Mulligan.

Ronalde: Essas referências traçam bem a história dele (Paulo Moura) como instrumentista e a

história do Jazz.

Halina: Exatamente

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Cliff Korman68

Ronalde: Gostaria de saber como você conheceu o Paulo Moura e como se deu a sua relação

profissional, musical com o Paulo?

Cliff: Bom (...), a relação começou em 1981 quando eu fui estudar em um lugar que chamava,

em inglês, The Creative Music Studio, já ouviu falar?

Ronalde: Não.

Cliff: Então vou explicar o que é isso, ok (...) Creative Music Studio foi uma escola (...)

particular. Uma série de oficinas criada pelo vibrafonista e compositor Karl Berger, que vem

da Austria, Europa, Karl encontrou e atuou na cena de free improvisação, free jazz, na Europe,

a partir da década de 60 se não me engano, tenho quase certeza. Então ele trouxe uma estética

de improvisação que tinha a ver com as tendências da década de final de 50 até 60 (...) que

foram propostas pelo Ornette Colemann, saxofonista, e principalmente pelo trompetista, Don

Cherry, porque foi com Don Cherry que o Karl tocou na França na década de 60. Isso é muito

importante, eu vou juntar as coisas. Don Cherry trouxe essas tendências e propostas do Free

Jazz (...), e também ele foi um dos primeiros músicos, como eu saiba, pra realmente pesquisar

culturas não americanas, culturas do mundo, que hoje é considerada “World Music”, né, ou

outras tendências, culturas de vários lugares, mas isso já tem mais o que (...), cinquenta anos,

ou mais que isso, estava já acontecendo, e a proposta e a busca, não era acadêmica, a pesquisa

do músico mesmo foi realmente pra investigar os conceitos de música dos outros (...), outras,

das outras partes do mundo que incluía improvisação e o que era improvisação nessas outras

culturas, e repertório e instrumentos, e ritmo com certeza. Então foi (...), o início de um

momento (...), um movimento de uma pessoa pesquisando improviso livre, livre das normas,

regras e tendências da década de 40 e 50, entre aspas “Música do Mundo”, “World Music”,

outras culturas. Então Karl levou isso quando ele foi para os Estados Unidos, ele levou isso

pros Estados Unidos e começou essa escola junto com um tipo de colegiado, uma comissão, o

Ornette Colemann, só pra avisar, ele nem deu aula, era uma coisa pra dizer, quem são essas

pessoas, o Ornette, John Cage, era uma mistura de pessoas da música contemporânea europeia

e jazz contemporâneo. Uma parte dessa oferta dele, foi sessões de tipo festival de (...), curso de

verão (...), de “World Music”, que chamava “World Music Seminar”, justamente, que eu fui

pra assistir um seminário desse, um cinco semanas, em que o modelo era trazer mestres de

68 Cliff Korman nasceu em 1957 na cidade de Nova Iorque. Colaborou com Paulo Moura em diversos trabalhos,

incluindo concertos e gravações. É pesquisador, professor, pianista, arranjador e compositor. Atualmente é

professor da UNIRIO.

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vários lugares do mundo por alguns dias, semanas, duas semanas, temporadas, pra dar a oficina.

E o Paulo foi um desses mestres que o Karl conheceu (...), trouxe Paulo pra dar aulas de música

brasileira e eu o conheci lá. E eu posso dizer que desde o primeiro encontro a gente se deu bem,

mas fui eu aluno e ele mestre nesse momento. Mas era evidente, mesmo que nesse momento

(...), que nossas formações, mesmo eu neste momento com 24 anos, e ele com quarenta e alguma

coisa (...), nossas formações tinham coisa em comum, tipo o jazz, eu me formei nisso, a ideia

de harmonia, a ideia de improvisar atuando dentro de uma forma harmônica estrutural, as

referências, os modelos do bebop, do Coltrane. Então mesmo que a gente era totalmente de

outras gerações e outros lugares e tudo, essas referências em comum, eu acho que (...), facilitou

a relação musical. Inclusive pra mim (...), eu sempre fiquei atraído ou confortável dentro do

conceito brasileiro pra tocar. Então era quase (...), um primeiro encontro que alguém, do Brasil

mesmo, que não pessoas, americanos, juntavam para tocar música brasileira. Um brasileiro

mesmo com essa maneira que a gente vai falar aqui que é quase impossível de transcrever,

porque vem da maneira de tocar, (...) então é difícil, mas (...), então foi pra mim (...), como é

que fala? (...), um encontro muito feliz e pra ele, eu acho que, eu não posso falar pra ele, mas

ele se mostrou muito receptivo pra mim (...), neste momento eu já era um profissional, minha

leitura estava boa já, então quando ele passou umas músicas eu li à primeira vista e era fácil.

Então isso é nosso encontro em 1981, foi maravilhoso realmente, foi uma, não diria uma

amizade, mas uma relação amigável entre mestre e aluno (...). E nessa década de 80 eu voltei

pra Nova Iorque pra tocar e ele fez a vida dele e soube depois o que ele tinha feito na década

de 80 porque eu estudei mais, etc, mas eu fiz questão de ficar em contato com ele, porque logo

depois, poucos anos depois, eu entrei no cenário brasileiro em Nova Iorque, na coincidência

que na década de 80 chegaram muitos músicos brasileiros pra tocar em Nova Iorque por várias

questões e razões. Então começou a aparecer uma cena de trabalho, de bandas, de

experimentação e tudo isso, com música brasileira e repertório, etc, e eu me aprofundei nisso,

eu conheci várias pessoas fazendo isso e (...), então eu comecei uma estória com essa música,

mas do que simplesmente um encontro de americano com a bossa nova, mais do que isso.

Enquanto isso eu mandei cartões postais (...), Ah perái, não ainda não, eu comecei a trabalhar

com a Astrud Gilberto mais no final da década, mas quer dizer, nessa década de 80 eu fiz

questão de vez em quando mandar uma carta postal, que ainda existia nessa (...), viajando,

tocando com “X”, eu tenho um grupo, mandando repertório, mandando gravação, só pra manter

contato. E, de novo, coincidência, ele viajou várias vezes para os Estados Unidos e de repente

a gente se encontrou, ele tocando em festival e eu fui lá sem saber, tinham vários momentos

desses em que a gente manteve contato. Bom (...), no final da década de 80 eu comecei a viajar

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pro Brasil pra conhecer o país e as cidades a convites de outras pessoas, outros músicos que foi

que se tornou uma viagem anual pra mim, a cada ano eu fazia (...), e eu também, fiz questão de

falar: Paulo eu estou chegando, gostaria de te encontra, então a gente manteve esse contato. E

ele acompanhou então minha evolução (...), e na década de 90 ele começou a me chamar pra

trabalhar, isso foi uma outra relação, foi (...), o início de nosso duo, ele achou uma oportunidade

de fazer um show em Paraty, um duo, ele me chamou, sabendo que eu ia viajar, então a gente

começou a nossa relação musical como parceiro nessa década. Enquanto isso fiz mestrado, fiz

doutorado (...), então acompanhando ele, nossa relação, nossos projetos (...). Criamos nossa

relação de música brasileira juntando com música americana, a proposta de saber o que

acontece quando essas duas culturas (...). Foi um negócio de repertório, foi um negócio de

conceito de improviso. Ele me chamou pra fazer um show do Gershwin, ele me chamou pra

fazer um show de jazz com Jobim e Benny Goodman. Então estávamos criando nossa base. E

acabo achando que eu também busco, quando continuo com essa pesquisa, realmente que o

encontro tem muito a ver com conceito rítmico, como lhe dar com o suingue, como misturar e

fazer esses encontros através do ritmo, antes de tudo é a conexão, porque se não rolar uma

conexão rítmica, acaba, acontece nada. Pode estar as mesmas notas, as cifras estar a mesma

coisa, conceito de improvisação, nada rola se não tiver uma relação de entendimento,

compreensão rítmica.

Ronalde: O que o Paulo Moura tinha de influência do jazz na maneira de tocar o sax alto?

Cliff: Eu vou só falar uma coisa antes de responder.

Ronalde: Sim!

Cliff: Atualmente eu estou evitando a palavra influência, porque é uma palavra pesada que

implica, que pode implicar coisas (...), não que é uma verdade sabe, eu usava muito essa palavra,

isso implica talvez uma relação desigual e eu colocaria isso no Paulo, porque Paulo (...), eu

prefiro, hoje em dia, modelo como referência, referência a tudo. Então o que ele tem de

referência eu diria pela sonoridade, o saxofonista que (...), Halina provavelmente falou (...),

Benny Carter (...)

Ronalde: Sim, ela comentou.

Cliff: É, claro, sonoridade. Eu também achava na clarineta, que ele (...), isso pra mim era uma

percepção pessoal, minha; mas que realmente pensou muito em repertório do Duke Ellington,

que eram os clarinetistas do Duke Elligton. O som dessa big band, os clarinetistas dessa big

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band eu acho que Paulo conheceu, com certeza, e foi um modelo. Benny Goodman também,

ele mesmo falava isso, mas pra mim era evidente uma pessoa que conhecia o som da big band

de 30, 40 e buscou essa sonoridade no som dele, acho que é um elemento. Isso realmente (...),

pro leigo, pro ouvinte, não tem que ser músico pra receber uma sonoridade de como (...),

identificador de personalidade de alguém, o som, antes de tudo. Então ele, eu acho que uma

grande referência (...), Benny Carter, Benny Goodman, com certeza, e os vários saxofonistas,

clarinetista das big bands do Duke Elligton, Stan Kenton, eu acho que conhecia, ele conhecia

esses grupos (...). Também eu sei que ele buscou entender bebop, era uma busca que ele fez

com vários outros músicos aqui na década de 50, entender o que era isso, até o próprio Sinatra

Farney Club, sabe, essa associação, eles se juntaram pra entender essas coisas, música

americana, como lhe dar com isso, e depois com certeza ele conhecia Coltrane, John Coltrane,

essa ideia (...)

Ronalde: A questão foi o que você observava em relação a ele as características do jazz na

maneira de improvisar e tocar?

Cliff: Então, eu comecei com o som, eu que ele estudava, ele buscava repertório do Charlie

Parker, dizzy Gillespie, por isso Yard Bird Suite entrava, não é que só entrava, ele sabia como

(...), ele entendeu a música. Sabia como lhe dar com esse negócio. Teve modelos, ouviu Charlie

Parker tocando, estudou até onde podia (...), também eu acho que uma certa insistência dele pra

ser livre, pra improvisar, é capaz que isso vem do jazz também, que a intenção (...). A ideia de

pegar uma música e improvisar até onde quiser, sabe essa ideia, de abrir uma estrutura ou um

ciclo pra improvisar mais do que uma vez (...), que eu saiba os improvisos na música brasileira

eram mais curtinhos. Ainda hoje eu encontro músicos com essa estética de que brasileiro não

gosta muito de improviso, que eu acho errado, mas ainda existe essa ideia de que não pode ser

muito grande porque a pessoa não gosta, não é minha experiência, mas tudo bem. Eu acho que

o conceito dele abriu também por causa disso na busca de improviso como uma maneira de se

expressar e com certeza é uma coisa, um componente do jazz, que é o tema como ideia de

lançamento para se expressar depois, obviamente a partir do bebop isso abriu (...), até a

porcentagem de improviso é muito grande em relação ao tema, nesse momento. Então é isso

(...), vários gestos, ornamentações bebopianos, notas melódicas do bebop entravam, acho que é

isso.

Ronalde: Qual ou quais as características musicais brasileiras mais marcantes que você observa

na atuação do Paulo Moura como instrumentista solista?

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Cliff: Primeira coisa eu vou começar com o som realmente, porque ele traz, um som que vem

também meio século brasileiro, carioca, carioca paulista. K-Ximbinho entra, os grupos de (...),

Luis Americano, Radámes, que ele obviamente teve a oportunidade de trabalhar junto, fizeram

um disco, que é também um dos discos marcantes dele, então sonoridade, Pixinguinha entra

com certeza (...), eu acho que essas coisas maiores, big bands, bailes, dacing, desse meio século

brasileiro, ele levou e inseriu isso no som dele. Lembrando que ele foi um músico que estudou,

não foi somente do baile, ele estudou no conservatório, ele estudou clarineta. Então ele é um

músico que tem opção, não é um músico que toca assim porque sempre foi assim (...), como

todo respeito com qualquer músico que é assim, mas o músico que estudou tem mais opções,

então era opção dele fazer isso, não era porque sempre ouviu esse cara, esse cara que ele tocou

assim, não, era uma coisa trabalhada, importante lembrar ou comentar pra mim que isso é uma

opção de um músico que sabia tocar em outras maneiras, até música erudita. Ele conhecia

técnica, nunca parava de estudar a técnica do instrumento. Realmente pra mim, eu comento, ele

foi um instrumentista puro, porque o instrumento realmente era o mais importante pra ele.

Como tirar o som que eu quero neste instrumento. Qual o seu instrumento?

Ronalde: Saxofone.

Cliff: Então você sabe, qual a palheta, qual a embocadura (...), ele era muito atencioso nessas

coisas. As técnicas de dedilhado, alternativas, ele estudava isso. Então era um opção, e a outra

coisa, além do repertório, que pra mim foi em geral novidade, a gente tocou alguma coisa do

Jobim, mas o resto num certo momento pra mim, estrangeiro, eu não conhecia uma grande

porcentagem de repertório, Pixinguinha, K-Ximbinho, vários (...), Zeca Freitas, sabe, então ele

trouxe repertório também de várias épocas, coisas do Radamés, a gente tocava esses duos do

disco do Radamés, então é uma cultura de levar repertório e ritmo com certeza. A coisa rítmica

que você comentou sobre o momento, década de 70, “Confusão”. Era uma confusão, assim,

organizada. Eu acho que ele estava tentando juntar os vários elementos e fazer uma confusão

boa no bom sentido, mas umas dessas coisas realmente foi a experiência dele com o Martinho

da Vila, com a escola de samba (...), e a única coisa que eu posso dizer, interessante que você

fala sobre o tamborim, não conhecia ele, gostaria de conhecer, eu estou hoje em dia olhando

pras células rítmicas, sim, que é que existe na escola de samba, principalmente nessa escola de

samba, a maneira do Martinho da Vila usar tudo isso, então, são as células rítmicas que a gente

pode olhar, mas mais do que que isso são as coisas do gesto, gesto físico. Como tocar essas

coisas. E eu acho que (...), e nessa (...), que tá o jeito, a malandragem carioca de ser, que a gente

tá referindo. Era o fraseado do Paulo que contava, eu já vi várias coisas que ele tocou que

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parecem improvisadas, até o próprio duo com pandeiro, como se chama essa? (...). O início

dessa música, é uma música, desculpa eu não estou lembrando o nome, ele começa um duo com

pandeiro e depois a música entra, ele tá tocando junto com esse pandeiro. Quer dizer, quando

eu ouvi a gravação, eu pensava que era improvisado, mas eu acho que não estava, ele escreveu

isso, porque tem várias gravações e é bem perto, e agente até encontrou no arquivo uma parte

desse negócio escrito, quer dizer, ele escreveu as notas. Tudo bem! Então é uma variação

preparada, mas é uma (...), a coisa mais importante é como ele tocou (...), então ele estava

tocando essas notas escritas, tudo bem, mas coloca na frente de qualquer um, você (...), o

resultado não vai ser o mesmo (...), porque ele entendeu o pandeiro. Justamente ele estava

querendo o pandeiro para entrar no balanço do pandeiro. Então esse negócio de fluidez, como

é que chama isso? Fluidez de tocar um pouco pra traz, depois pra frente, o movimento, a relação

das células, das frases, a relação com o tempo fixo; porque o tempo fixo ele não é rubato, é

tempo fixo, só que ele (...), esse tempo fixo, a maneira de tocar tem (...), é isso que é difícil

medir no papel. A gente nunca vai chegar no papel, mas hoje em dia tem recursos, tem

ferramentas desenvolvidas, não sei se você conhece o livro do Berliner?

Ronalde: Não, esse eu não conheço.

Cliff: Bom, seria bom, “Thinking in jazz” (...), é só um aviso, o livro é deste tamanho, é grande,

mas ele é (...), mas ele é um antropólogo etnomusicólogo da Universidade de Chicago. Na

década de 90 ele fez uma pesquisa sobre, pensando em jazz, o nome do livro. Justamente isso,

como que é um jazzista se forma e a primeira parte do livro é só texto, entrevista, capítulos, tipo

uma tese grande, porque ele já é professor. É um estudo. E a segunda parte do livro, que é (...),

quase que metade é transcrição e maneiras de transcrever o jazz. E nesse eu acho muita

ferramenta interessante pra música popular improvisada em geral, porque tem a ver como

indicar sonoridade, como indicar afinação que não é justa, como indicar relação de tempo (...).

Então, exato não é, porque ele usa uma serie de setas, setas mostrando a relação da linha do

tempo exato, mas pelo menos é uma maneira de dizer, ‘essa frase é um pouco pra traz, essa

frase é um pouco pra frente”. Agora, a única coisa que a gente pode fazer hoje em dia, que tem

até (...), é uma análise espectral. Tem esses programas que a gente pode até ver no computador,

justamente a percepção foi correta, é atrás, e a gente pode até medir pelo microssegundo. Então,

interessantíssimo pra o que? Pra confirmar, ao meu ver, porque eu acho que (...), a gente (...),

não vai, não é no momento, pra usar uma análise espectral pra tocar. Porque a ideia da música

improvisada nem é isso, é pra olhar pra uma partitura e fazer outra coisa, interpretar, mas a

gente pode até confirmar, pois é, eu estava certo ou não, ok, mas quando eu fiz o meu artigo

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sobre o hepteto, eu usei essa maneira (...), essa maneira de indicar tempo, que ajudou. Você tem

esse artigo?

Ronalde: Não tenho.

Cliff: Eu vou te mandar, porque ainda é em inglês, eu ainda (...) não coloquei na (...) porque

acho que ainda está no direito autoral do jornal, mas eu te mando. Então, a maneira de tocar

que tem a ver com o gesto, que tem a ver com os instrumentos; começamos com o tamborim,

eu acho que pandeiro também entra nisso (...). Não é necessariamente as notas da escola de

samba que valia pra ele, que ele já conhecia todas as notas, mas a maneira de tocar, a força de

tocar com esse suingue numa escola de samba que é enorme, eu acho que isso entrou (...), e ele

pegou isso também, acredito eu, com um cantor que cantava com ele no disco (...)

“Pilantrocracia” (...), como é que chama? (...), Wilson? (...), sabe quem é?

Ronalde: O disco eu conheço, mas o cantor não.

Cliff: Bom, tem um cantor, é um cantor negro que entrava nesse momento de samba (...), era

uma fase popular (...), não era samba de breque, samba balanço, alguma coisa, sambalanço,

talvez era sambalanço. Bom eu acho que esse cantor, e se não me engano ele menciona isso no

livro da Halina. Esse cantor influenciava, influenciava, era um modelo, a maneira de cantar, a

liberdade de frasear (...), Wilson Moreira talvez (...), é um cantor famoso, eu estou esquecendo

(...), mas é (...), foi um modelo de canto (...), mas era uma pessoa que estava cantando no início

de setenta. Isso tudo pra dizer que o senso rítmico que ele trouxe, mesmo tocando coisas

jazzísticas, eu acho que o fraseado dele, do Paulo, ele buscava uma elasticidade no fraseado que

(...), que vem do ritmo, que vem da maneira que até o próprio baterista jazzista toca, sem marcar

o tempo, a pessoa que tá mais interessada no pulso. Eu não vou dizer e nem vou usar a palavra

subdivisão, é mais uma onda de pulso pra mim.

Ronalde: Você acredita que isso tem a ver com o tratamento do Paulo Moura em relação a

questão das acentuações rítmicas?

Cliff: Acentuação? É, pra mim entra (...), acentuação faz parte do fraseado (...)

Ronalde: Nessa questão da elasticidade que você citou?

Cliff: São os marcadores, não pode ser só elástico, porque se não, não há definição, mas o

acento é um (...), entre os dois acentos que são os marcadores você tem uma liberdade de frasear.

Eu acho que ali, agora eu (...), é minha percepção (...), que eu aprendi ouvindo e tocando com

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ele e deixei entrar na minha maneira de tocar era justamente isso, em não perder o senso rítmico

era evidente que (...) um sambas, um choro, um jazz, mas pra mim o acento é um marcador,

mas o que acontece entre esses marcadores é com a interpretação do tempo.

Ronalde: Devido à dificuldade da transcrição em demonstrar o suingue inserido na maneira de

improvisar do Paulo Moura, eu estou buscando uma relação com as acentuações nas células

rítmicas no tratamento melódico dado por ele.

Cliff: Eu acho que a gente tem que aceitar, e até colocar nas pesquisas que há uma limitação

de transcrição, tem um limite, a transcrição não vai mostrar (...), mas vai mostrar falando um

pouco (...), como é que a gente está conversando agora, que isso é um indicador mais perto

possível, no papel (...), como mensurar um gesto. Gesto rítmico, gesto físico que eu estou

dizendo. Pra mim, como dizer (...), a célula é uma coisa, você pode totalmente observar uma

célula rítmica do tamborim numa frase melódica dele, mas isso é muito linear, não vai dizer

(...), vai mostrar, olha aqui, a célula da imperatriz que entrou aqui, ok, agora, mas tem mais.

Esse também é o nosso problema atual, como mostrar isso mais. Você falou com a Daniela?

Ronalde: Sim, estou em contato com ela, tenho todos os trabalhos e artigos dela.

Cliff: Então, o fato é eu o Paulo buscou o movimento do bailarino (...) pra tocar, então, de novo,

é um movimento externo que ele tá olhando ou percebendo e tentando absorver com frases dele

(...), não é, e mais uma vez, não é qualquer um que faz isso. Você tem que ser um instrumentista

com técnica pra sair dos seus limites, pra buscar uma coisa externa e dizer, eu quero, eu quero

levar isso pra mim agora, neste momento, em tempo real, uma pessoa que sabe fazer isso, com

fluidez.

Ronalde: Qual o significado da improvisação do Paulo Moura pra você?

Cliff: o Paulo pra mim é um músico que usava vários gêneros brasileiros, gafieira e subgêneros

propriamente, grande categoria, gafieira e tudo que cabe dentro, que é muita coisa você sabe,

mas com essa referência de um improvisador, quer dizer, esse repertório, eu vou fazer a minha

leitura desse repertório. Isso é uma diferença em que alguém, que como sideman, ele vai pra

Estudantina pra tocar com um grupo de gafieira pra acompanhar os bailarinos e a música bem

estruturada, pode ter três minutos de valsa, depois mais oito minutos de samba e depois um

samba canção. Isso é uma coisa estruturada do baile da gafieira que tem como prioridade o

baile. Não é necessariamente a música, a música é em serviço do baile. Isso acontece em todos

os gêneros em que o músico popular, o músico pegou, o grupo pegou o repertorio para ele, entre

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aspas, fazer a leitura. As músicas do samba com americano em geral, grande porcentagem vem

do filme, vem do teatro, e nesse contexto a música é em serviço do teatro ou do filme. Quer

dizer, não é? “Xis” minutos de música porque depois tem que ter uma outra cena, ok, mas a

música é tão boa, que vamos pegar essa música e fazer outras coisas. O posicionamento do

Paulo é isso, vou usar a gafieira desta maneira, eu vou investigar os ritmos e o “espírito” de

gafieira, se a gente pode entrar nisso, mas eu vou interpretar isso do meu jeito, vou fazer outras

harmonias, outras estruturas, vou escrever um arranjo, vou mandar alguém improvisar; tem bem

mais liberdade ele tocando gafieira desta maneira, gafieira, etc e tal, do que tocar num baile da

Estudantina. Agora, a coisa bacana do Paulo em que ele trouxe isso pro palco também, ele fez

gafieiras com essa ideia de líder, que entende, bom eu não posso tocar (...), eu não posso deixar

o bandolim improvisar seis vezes seguidas, porque realmente vai acabar o baile, então não vou

deixar isso acontecer, mas duas talvez, entendeu? Pensando no contexto (...), eu posso abrir

uma sessão só com percussão, mas com muita (...) percepção, de novo, em tempo real da sala.

Tá dando certo aqui, vai fazer mais, não tá dando certo, acabou. Então, de novo, é uma

flexibilidade com a linguagem da gafieira, os componentes, o que é uma gafieira, repertório,

baile, ritmos, vários gêneros, é uma formação, maneira de apresentar uma música, ok, e depois

disso eu vou pegar tudo isso e fazer do meu jeito (...), vou brincar um pouquinho, clarineta e

baixo. Então, eu acho que (...), o que ele traz, isso tudo pode ser improviso, mas é mais a leitura

da gafieira pra mim que é bacana. Ele usa o gênero como uma série, um conjunto de elementos

disponíveis pra improvisar, pode improvisar num ciclo? Pode. Pode improvisar no ritmo?

Também pode. Pode improvisar na formação? Também, entendeu? Então, é o conjunto de

coisas que eu acho que o Paulo, pra mim, pela minha percepção, ele pensava assim, não é só

dentro da forma (...), forma da música, mas é o geral. O que a gente tá fazendo agora com essa

música, aonde encaixa? É bem maior do que a música só. Ele pensava assim.

Ronalde: Você acredita que a gafieira representa a estética assumida pelo Paulo Moura como

músico na sua carreira?

Cliff: Sim, mas eu diria uma das.

Ronalde: De acordo com o mapeamento que eu fiz em relação a discografia do Paulo Moura,

eu observei que ocorre uma inversão entre o saxofone e a clarineta como instrumento principal,

com o qual ele passa a gravar mais músicas brasileiras. Pela sua experiência profissional com

ele, o que você poderia comentar sobre essa postura assumida por ele?

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Cliff: Que eu saiba realmente foi (...), a década de sessenta foi talvez uma década de incerteza

da identidade que ele (...), ele estava desenvolvendo, ele tá amadurecendo como músico e como

pessoa nesse momento (...), a gente começa a ver nossas opções como identificador, como (...),

eu escolhi isso, eu me dediquei nisso, me aprofundei nisso, isso quer dizer, eu deixei outras

coisas que estava fazendo de lado, realmente são nossos limites do ser humano. Que você faz

uma escolha e se quiser fazer bem, outras coisas começam a cair, não? Nada errado. Eu falo

isso no meu artigo, o hepteto e quarteto foi pra mim esse momento, esses dois discos foi

realmente os últimos discos jazzísticos, que tem bastante elemento jazzístico. Buscando isso, o

que é um quarteto, com música brasileira, mas conceito jazzístico, o que quer dizer isso em

relação a música que eu quero tocar. Pra mim era quase, olhando pro passado, eram quase

resumos da vida dele musical da década de 50 e 60, o próprio repertório mostra isso. “Yard

Bird Suite” entra porque ele tocava essas coisas na década de 50. Samba-jazz entra porque era

a vida dele na década de 60, ele entrava, era o maestro disso, arranjador, o Sérgio Mendes.

Música mineira entra porque ele começa a tocar com o Wagner Tiso a partir de 65, 67, esse

contato com mineiro já tinha acontecido. Pra mim, olhando pra lá, era realmente, o que

aconteceu depois (...), os marcadores de um final de uma fase. Agora não sei se isso foi a

intenção, mas sabendo o que aconteceu depois, que foi “Fibra”, que foi “Pilantrocracia”, uma

loucura que era reflexão da época; e depois, não muito depois “Confusão”. Eu acho que é

evidente a possibilidade de que “Confusão” não poderia ter saído na mesma época do Hepteto,

impossível. Porque ele não estava com essa informação ainda. Então pra mim até a década de

60 ele se identificou como jazzista, foi pra Nova Iorque, no início da década de 60 com o Sérgio

Mendes, contato com o Cannonball Adderley, outro modelo, outra referência. Então era um

momento que (...), ele não estava sozinho nisso, o momento histórico do Rio deixava o músico

brasileiro uma vida do improvisador solista jazzista, porque existiam ainda opções. Agora,

historicamente, ele não se mudou pra Nova Iorque, ele não saiu do país como vários fizeram,

até o próprio Sergio Mendes, e vários outros, Don Salvador, pianista; vários baixistas,

bateristas, vários brasileiros que se formaram nessa época de samba-jazz, pra usar essa palavra.

Eles entenderam (...), Claudio Roditi, se eu quiser tocar jazz eu tenho que sair daqui, é normal.

Alguns ficaram, o Paulo não, olhou, eu acho (...), acho que não estou errado nisso, mas não pra

eu dizer, não estou errado em dizer que ele aceito, ele entendeu, eu não vou pra lá eu estou aqui.

Então, quem sou eu, músico? Quem é esse Paulo Moura, músico brasileiro, querendo ser solista,

querendo ser conhecido como Paulo Moura e não só um músico com grande habilidade de

arranjador, de orquestra (...), poderia ter feito uma vida totalmente ok, não? Ele queria ser uma

pessoa com identidade solista. Eu acho que houve o momento de dizer que, então olha, temos

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que aproveitar o que a gente tem aqui, e o músico, como você bem falou, o músico que buscava

coisas jazzísticas desde a década de 50, que buscava música erudita até, na clarineta. Ele viu a

confusão. A gente aqui tem choro, a gente aqui tem gafieira, a gente aqui tem Radamés, a gente

aqui tem samba, então ele se aprofundou no samba, ele não fez isso antes, ele fez nesse

momento pra entender (...), esse momento eu tenho o maior respeito por ele, por fazer tudo que

ele fez, porque realmente de uma certa maneira ele se tirou do mercado, pode ser que o mercado

também mudou (...), não sei se você entrou nisso ainda ou vai entrar num momento, a coisa

histórica com músico instrumentista formado na música na década de 60 e 50, na época de

tropicália, de rock and roll, dos Beatles, caraca! Foi um golpe. O que eu faço com tudo que eu

já estudei por vinte anos da minha vida ou mais em alguns casos, o que eu faço com isso?

Entendeu? Nada contra. Eu gosto, tudo que aconteceu em geral eu reconheço como coisas

naturais da música popular, acontece essa estética. Nesse momento era um golpe mesmo. Isso

aconteceu nos Estados Unidos, a gente tem histórias parecidas de músicos perdidos nesse

momento. O que eu faço agora? Porque a estética, esquece a estética, o dia a dia, o ganho, o

pão, acabou! Então eu acho que o Paulo teve que enfrentar isso também.

Ronalde: Eu aponto no primeiro capítulo, onde trato da biografia do Paulo Moura, alguns pontos

referentes a essa questão. Inclusive a questão de assumir um pseudônimo, como Bob Fleming,

para realizar gravações. Ele nega isso.

Cliff: Verdade, ele não aceitou, já é um sinal. Falando sobre esse momento de 60, final. Eu acho

que foi realmente um momento de contemplação, o que eu faço agora? Buscou outras

oportunidades que aconteceram com muita sorte também, e o destino de encontrar com o

Martinho da Vila, trabalhar com ele, viajar com ele, entrar nessa vida. E mudou, justamente é

isso, agora eu tenho (...), eu acho, ele reconheceu um outro campo que identificava ele, agora a

gente tem Paulo Moura com a gafieira que até agora, você sabe disso, que meus colegas da

minha geração sentem esses discos como virada da vida. É isso que é possível? Pascoal

(Meirelles), Mauro Senise, Marcio Montarroys, quando ele estava vivo. Essas pessoas olhavam

pro Paulo como, meu deus! Sabe? Então isso é o momento que o Paulo Moura chega na verdade.

Ele se identifica como um brasileiro, um brasileiro bem informado musicalmente, com a cabeça

muito aberta de receber outras coisas. Isso a gente viu no acervo, a quantidade de estilos e

partituras, e grades, fizeram parte do estudo dele, não é só pra colocar na estante. Ele estudou,

mas eu acho que a partir de 70, ele estudou com essa ideia. O que eu faço com isso pra minha

leitura?

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Ronalde: Nesse período eu observei que ele começa a ter uma preocupação maior em direção a

questão da identidade.

Cliff: Tudo isso, temos que avaliar o momento artístico e da evolução dele. Porque a ideia,

década de 50, de encontrar estilos, de fazer aventuras, ele tinha vinte anos, normal. É muito raro

a pessoa que já estabeleceu uma identidade com vinte anos, não é natural, até fico com medo

quando vejo isso, porque pode ser uma pessoa que é um gênio ou pode ser uma pessoa que está

se limitando ao invés de se abrir. Mas com quarenta, é outro momento, quarenta é momento de

dizer: Peraí, tá comigo agora. Eu tenho uma oportunidade que ele também teve, oportunidades

financeiras, olha Paulo, você quer gravar alguma coisa, eu estou bancando seu disco. Então tá

na hora de decidir o que eu quero fazer. Se o artista nesse momento escolher, eu vou fazer o

repertório do bebop brasileiro, a comparação jamais vai parar, bebop é assim, mas Charlie

Parker tá aqui, o modelo. Não vai ganhar do modelo, eu falo isso com meus alunos, não vai

ganhar do modelo, mas vai aprender com o modelo. Ser quiser, tá correndo o risco de sempre

rolar essa comparação e poucos discos superam. Agora, usar isso como modelo, fazer a sua

coisa com esse modelo, isso é uma homenagem, diferente. Então eu acho que o Paulo pelo fato

histórico e na vida particular, isso tudo se junto naquele momento. E ele virou o instrumentista

brasileiro que realmente interpreta coisas brasileiras, gafieira, choro, duos com vários

brasileiros, música mineira, ele a partir desse momento, o som dele, é evidente que ele (...), mas

contemplando vários gêneros.