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UNIVERSIDADE
EDUARDO MONDLANE
Faculdade de Educação
Departamento de Organização e Gestão de Educação
Curso de Licenciatura em Organização e Gestão de Educação (OGED)
Sucesso académico de alunos provenientes de famílias desfavorecidas no ensino
médio na cidade de Maputo – casos de alguns alunos da Escola Secundária
Noroeste I
Monografia
Luís José Enoque Cuambe
Maputo, Fevereiro de 2019
II
Universidade Eduardo Mondlane
Faculdade De Educação
Departamento de Organização e Gestão de Educação
Sucesso académico de alunos provenientes de famílias desfavorecidas no ensino
médio na cidade de Maputo – casos de alguns alunos da Escola Secundária
Noroeste I
Luís José Enoque Cuambe
Supervisor:
Prof. Doutor Nelson Zavale
Maputo, Fevereiro de 2019
III
Sucesso académico de alunos provenientes de famílias desfavorecidas no ensino
médio na cidade de Maputo – casos de alguns alunos da Escola Secundária
Noroeste I
Esta monografia é apresentada em cumprimento parcial dos requisitos para a obtenção
do grau de licenciatura em Organização e Gestão de Educação, na Universidade
Eduardo Mondlane, Faculdade de Educação, Departamento de Organização e Gestão
de Educação.
Comité do Júri
O Presidente
___________________________________
O Supervisor
___________________________________
O Oponente
___________________________________
IV
Declaração de honra
Declaro por minha honra que a presente monografia nunca foi apresentada para a
obtenção de qualquer grau académico, é original do meu trabalho de pesquisa, nunca
foi publicamente apresentado para nenhum outro fim. No mesmo estão referenciadas
todas as fontes por mim usadas.
_________________________________________
(Luís José Enoque Cuambe)
Maputo, Fevereiro de 2019
V
Dedicatória
Dedico esta monografia a todos os profissionais da área da educação em Moçambique e
fora, a todos estudantes de organização e gestão de educação, e sobretudo ao Ministério
que tutela a área da educação em Moçambique e fora, que muito tem feito pela garantia
da qualidade de educação, em um país em que a pobreza ainda é uma realidade.
VI
Agradecimentos
À minha família por sempre ter me apoiado e acreditado em mim, sobretudo a minha
mãe Marta Bernardo Cumbe, que sempre esteve pronta a me ajudar e dar forças para
nunca desistir dos meus sonhos e continuar lutando por aquilo que eu acredito.
À minha Irmã Celeste, que sempre foi um dos grandes pilares da minha vida, sempre
pronta a me ajudar e a investir em mim como pessoa e como um bom profissional.
À minha colega e amiga Cídia Chissungo, que foi um grande impulso para minha
transformação e para alavancar o meu grande interesse pelo sector da educação, e pela
intervenção social.
À todo o jovem membro do Movimento Activista Moçambique, que muito tem
contribuído para a melhoria das condições de ensino no país.
Ao meu supervisor, Nelson Zavale, pela paciência e dedicação no âmbito da minha
pesquisa.
À direcção da Escola Secundária Noroeste I pela recepção e abertura para realização da
minha pesquisa.
VII
Lista de abreviaturas
CPLP Comunidade de Países de Língua Portuguesa
IDH Índice de Desenvolvimento Humano
IDS Inquérito Demográfico e de Saúde
INE Instituto Nacional de Estatística
IOF Inquérito do Orçamento Familiar
MEC Ministério da Educação e Cultura
MINEDH Ministério da Educação e Desenvolvimento Humano
MEF Ministério da Economia e Finanças
PIB Produto Interno Bruto
PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
SADC Comunidade de Desenvolvimento da África Austral
SNE Sistema Nacional de Educação
VIII
Resumo
O problema básico que norteia a investigação é a busca pela compreensão dos casos de
sucesso académico de alunos provenientes de famílias desfavorecidas. Tenho como
objectivo geral da pesquisa: estudar os casos de sucesso académico de alunos
provenientes de famílias desfavorecidas no ensino médio. E de forma específica tenho
como objectivos: identificar os factores que explicam o sucesso académico de alunos
provenientes de famílias desfavorecidas; descrever o perfil das famílias dos alunos
desfavorecidos que são de sucesso; analisar a influência da condição de pobreza na
escolaridade de alguns alunos. Para o efeito seleccionei 4 alunos do ensino médio,
todos eles provenientes de famílias desfavorecidas.
Para a presente pesquisa, usei as seguintes fontes: análise documental e a entrevista
dirigida aos alunos. Os depoimentos orais constituíram a principal fonte de trabalho. A
realização das entrevistas teve como objectivo identificar os factores que norteiam o
sucesso académico destes alunos de famílias modestas.
Como suporte teórico, recorri a alguns estudos do campo da sociologia da educação
sobre relação família-escola, aluno-escola e professor-aluno. O estudo permitiu-me
concluir que existe uma influência da família, dos professores e o esforço do próprio
aluno para o sucesso académico.
Na dimensão familiar, destaca-se o papel da família no processo de acompanhamento e
apoio sistemático dos seus educandos durante a sua escolarização. O professor, por sua
vez, é um dos sujeitos determinantes do sucesso escolar dos alunos, na medida em que
este garante que haja uma conexão positiva dos alunos com os conteúdos escolares. O
aluno também precisa perceber a importância de estudar e obter êxito escolar, e um dos
denominadores comuns é o facto dos nossos sujeitos de pesquisa encontrarem na escola
a garantia de um futuro melhor.
Palavras-chave: Sucesso escolar, ensino médio.
IX
Abstract
The basic issue that drives the research is the need of understanding the cases of
academic success of students from disadvantaged families. The main objective of the
research is to study the cases of academic success of students coming from
disadvantaged families in high school. Specifically, the research aims to identify the
factors that explain the academic success of students from disadvantaged families;
describe the profile of families of disadvantaged students who are successful; to
analyze the extent to which poverty may influence students schooling. For this purpose,
4 high school students were selected, all from disadvantaged families.
The research material originated from the following sources: documentary analysis and
the interview directed to the students. Oral statements were the main source of work.
The purpose of the interviews was to identify the factors that guide the academic
success of these students from modest families.
As theoretical support, were used insights from sociology of education about
family-school, student-school and teacher-student relationship? The research allows me
to conclude that there is an influence of the family, the teachers and the student's own
effort to academic success.
In the family dimension the role of the family in the process of monitoring and
systematic support of their students during their schooling was highlighted. The
teacher, in turn, is one of the determining of good school achievement of the students;
because he ensures that there is a positive connection between the students and the
school contents. The student also need to realize the importance of studying and
succeeding in school, and one of the common denominators is the fact that our research
subjects find in school the guarantee of a better future Welfare.
Keywords: School success, high school.
X
Índice
Lista de abreviaturas .....................................................................................................VII
Resumo ........................................................................................................................VIII
CAPÍTULO I ..................................................................................................................13
1. Introdução ...................................................................................................................13
1.1 Contextualização ...............................................................................................13
1.2. Motivação para fazer o estudo..........................................................................15
1.3. Justificação e problematização do estudo ........................................................16
1.4 Objectivos..........................................................................................................21
1.4.1 Objectivo geral ........................................................................................21
1.4.2 Objectivos específicos.............................................................................21
1.5 Hipóteses ...........................................................................................................21
CAPÍTULO II.................................................................................................................23
2. Revisão da literatura ...................................................................................................23
2.1. Definição de conceitos chave ...........................................................................23
2.1.1 Sucesso escolar .......................................................................................23
2.1.2 Insucesso escolar.....................................................................................23
2.1.3. Família Desfavorecida ...........................................................................24
2.2. Pressupostos teóricos........................................................................................26
2.2.1. Sucesso e insucesso escolar ...................................................................26
2.2.2. Sucesso escolar de alunos de famílias desfavorecidas...........................28
2.2.3. No contexto moçambicano.....................................................................32
2.3. Quadro resumo .................................................................................................33
XI
CAPÍTULO III................................................................................................................35
3. Metodologia................................................................................................................35
3.1 A escolha da escola e dos sujeitos de pesquisa .................................................35
3.2. Abordagem metodológica ................................................................................36
3.3. Natureza da pesquisa ........................................................................................36
3.4. População e Amostra........................................................................................36
3.5. Técnica de recolha e análise de dados..............................................................37
3.6. Questões éticas .................................................................................................38
3.7. Constrangimentos encontrados.........................................................................38
3.8. Descrição do local de estudo ............................................................................38
CAPÍTULO IV ...............................................................................................................40
4. Análise e discussão de dados......................................................................................40
4.1. Análise documental ..........................................................................................40
4.2. Análise de dados obtidos através da entrevista ................................................40
4.2.1. Características dos agregados familiares ...............................................41
4.2.2. Relação da família com a escolaridade dos filhos .................................43
4.2.4. Tempo dedicado aos estudos..................................................................44
4.2.5. Bons alunos diante de tantas dificuldades..............................................45
CAPÍTULO V.................................................................................................................47
5. Conclusões e recomendações .....................................................................................47
5.1 Conclusões.........................................................................................................47
5.2. Recomendações ................................................................................................49
6. Referências bibliográficas ..........................................................................................50
XII
Anexo 1. Guião de entrevista..........................................................................................54
13
CAPÍTULO I
1. Introdução
1.1 Contextualização
Estudar (in) sucesso escolar permite explicar os factores subjacentes ao sucesso ou
fracasso escolar dos alunos. O conhecimento desses factores pode ajudar a orientar
eventuais intervenções para melhorar o sector de educação, particularmente no que
concerne ao desempenho escolar do aluno.
A posição social, cultural e económica das famílias de proveniência dos alunos tem
influência para o (in) sucesso académico dos alunos. O stock de capital social,
económico e cultural das famílias pode facilitar (no caso de famílias com mais stock de
capital) ou dificultar (no caso de famílias com menos stock de capital) a motivação e
aprendizagem dos alunos.
A literatura sobre o (in) sucesso escolar geralmente mostra que os alunos provenientes
de famílias favorecidas (famílias, por exemplo, que têm melhor situação financeira,
status social, elevado nível de escolaridade) têm maior probabilidade de sucesso escolar
do que os alunos de origem sócio-familiar modesta (Lahire 1997; Carvalho 2010; Lima
e Osterman 2013).
Existe, todavia, literatura que mostra que existem casos de sucesso académico de alunos
provenientes de famílias desfavorecidas. Esta literatura procura explicar os factores
subjacentes ao sucesso escolar dos alunos provenientes de famílias desfavorecidas
(Nogueira e Nogueira, 2002; Noronha e Noronha, 1998; Gobbi, 2008;Carvalho,
2010;Zago, 2000; Patto, 1987; Benavente e Salgado, 1991; Viana, 1998; Charlot, 2013).
De acordo com dados actuais, Moçambique continua na lista dos países mais pobres do
mundo. Ocupa o 181 lugar na lista de classificação de 2016 do Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH), estando, portanto, entre os oito países do mundo com
mais baixo IDH (Programa das nações unidas para o desenvolvimento [PNUD], 2016)
O país perdeu no total 33% na avaliação dos indicadores no IDH e registou a pontuação
de 0.390 no Índice de pobreza multidimensional.
14
De acordo com a PNUD (2016), mais de 70% da população Moçambicana continua
multidimensionalmente pobre e o resto encontra-se igualmente perto da pobreza
multidimensional, isto é, vive com pouco mais de 1 dólar por dia. Com esta
classificação, Moçambique é um dos piores colocado no IDH entre os Países da
Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), encontrando-se três lugares
abaixo do Guiné-Bissau, com 178 pontos. É igualmente um dos piores no contexto da
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), encontrando-se, em
termos regionais, atrás da RDCongo, o segundo pior colocado na África Austral, com
0.435.O PNUD usa os níveis de escolaridade, a esperança de vida e o PIB per capita
para classificar os países em termos de pobreza e bem-estar.
Segundo o Banco Mundial (2016), Moçambique continua a sofrer os efeitos da crise da
dívida oculta de 2016. O crescimento real do produto interno bruto (PIB) desacelerou
para 3,7% em 2017, inferior aos 3,8% em 2016 e bem inferior à taxa de crescimento de
7% do PIB alcançada em média entre 2011 e 2015. As pequenas e médias empresas
tiverem um recuo e a sua capacidade de gerar empregos foi ainda mais reduzida.
Prevê-se que o crescimento permaneça relativamente estável em torno de 3% a médio
prazo.
Dados mais recentes publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE, 2018),
revelam um ligeiro crescimento da economia moçambicana ao longo do segundo
semestre de 2018, ao apresentar um crescimento do PIB em 3,4% em relação ao mesmo
período de 2017. Crescimento este que é justificado nos ramos da agricultura,
transportes, armazenagem, comunicação e comércio.
O INE (2016), no seu inquérito demográfico e de saúde (IDS), constatou que cerca de
47% da população feminina e 26% da masculina não tem nenhum grau de escolaridade.
Na população feminina, a percentagem de analfabetismo é muito elevada,
particularmente na idade activa. Na população masculina, as percentagens mais
elevadas de analfabetismo situam-se nas idades acima dos 44 anos, variando os 36 e os
65%. Segundo a Unesco (2015), a taxa de analfabetismo em Moçambique é de 44,9%.
15
1.2. Motivação para fazer o estudo
O meu interesse pelo estudo de casos de sucesso académico de alunos provenientes de
famílias desfavorecidas deriva, primeiro, do facto de ter-me deparado várias vezes com
casos de sucesso académico de alunos oriundos de famílias desfavorecidas, o que é
estatisticamente improvável como defende Zago (2000), na sua obra sobre a
contrariedade dos dados estatísticos em estudantes da periferia. Nessa obra, Zago (2002)
mostra que mesmo tendo dificuldades de material escolar e de capital cultural
valorizado pela escola, alguns alunos conseguem tornar-se uma excepção e atingem o
sucesso.
Durante os meus estudos no ensino secundário, pude acompanhar casos de alguns
colegas e amigos, alguns da minha comunidade, que sempre tiveram notas
excelentíssimas, alguns deles tendo até ganho bolsas de estudo para o ensino superior
fora de Moçambique, devido ao seu desempenho escolar. E desde então, sempre me
questiono sobre o que explica o sucesso destes alunos. Daí o meu interesse pela
temática.
Outra razão que desperta meu interesse pela temática deriva do meu envolvimento num
projecto de orientação escolar/vocacional desenvolvido a nível de duas escolas públicas
da cidade de Maputo, nomeadamente a Escola Secundária Francisco Manyanga e Escola
Secundária Josina Machel, no contexto de um projecto desenvolvido pelo Movimento
Activista Moçambique, que trabalha com intervenção social, tendo como principal foco
a área de educação. Este projecto me permitiu acompanhar casos de alguns alunos que
tinham um bom desempenho, em termos de aproveitamento e elevados níveis de
interesse pela escola. E pelos relatos, alguns destes alunos eram de famílias pobres.
Outra razão, não menos importante, para despertar o meu interesse pelo estudo de casos
de sucesso académico, deriva da constatação de que algumas das pesquisas
moçambicanas (por exemplo, Dias 2010; Macamo, 2015; Rego, 2015) abordam mais a
questão do fracasso e não do sucesso escolar dos alunos provenientes de camadas
sociais desfavorecidas. E eu decidi olhar para este fenómeno num outro prisma, que
pode contribuir para a compreensão da realidade do sucesso escolar.
16
1.3. Justificação e problematização do estudo
Em Moçambique, existem estudos sobre o sucesso e insucesso escolar. Por exemplo,
Macamo (2015), procurou identificar as percepções sobre as causas do (in) sucesso
escolar, na Escola Secundária Graça Machel, e se essas causas eram de ordem interna
ou externa à escola. E para o efeito, Macamo (2015) administrou um inquérito por
questionário aos professores e alunos, fez entrevistas semi-estruturadas à direcção da
escola e ao presidente do conselho de escola. Os dados recolhidos neste estudo foram
analisados com recurso à técnica de análise de conteúdos.
Após realizar este estudo, Macamo (2015), chegou à conclusão de que, para que haja
sucesso escolar efectivo, é fundamental a articulação de factores internos na escola com
o meio social onde se insere o aluno, e que é preciso também que haja colaboração entre
os professores como actores directos ao estabelecimento de ensino, e o papel activo dos
pais e encarregados de educação. A linguagem associada ao meio social de origem
contribui de forma determinante no sucesso da aprendizagem, ao implicar percepções
particulares e especificas da realidade. Para Macamo (2015), as principais causas do
insucesso escolar eram a prática da pastagem pelos alunos, (porque implica o
afastamento da escola por longos períodos de tempo), os casamentos prematuros e a
falta de acompanhamento dos pais na educação dos filhos.
Ainda no contexto Moçambicano, Rego (2015) estudou as causas e métodos de
prevenção do (in) sucesso escolar dos alunos do segundo ciclo da Escola Secundária da
Vila Nova Da Cidade de Chimoio, através da aplicação de diferentes instrumentos de
recolha de dados, tais como a entrevista semi-estruturada, o inquérito por questionário
misto e a análise documental. Em relação aos resultados, verificou que há uma
discordância entre as respostas dos alunos inquiridos e as respostas dos professores
entrevistados, na medida em que 56% dos alunos indicaram entender a matéria e não
saber estudar como principais motivos do seu insucesso escolar, enquanto 73% dos
entrevistados (professores) mencionaram o desinteresse como principal motivo do
insucesso escolar dos seus alunos. Com isso, Rego (2015) concluiu que as dificuldades
de aprendizagem organizacional e auditivo linguística são as razões centrais do
insucesso escolar dos alunos do 2ºciclo na Escola Secundária da Vila Nova da cidade de
Chimoio, e que por não conhecerem os tipos de dificuldades de aprendizagem e formas
17
de sua superação, os professores ainda persistem em culpar os alunos pelo insucesso
escolar.
Entretanto, em Rego (2015), o problema não reside somente no facto destes alunos
estarem na condição de desfavorecidos, mas em outros factores internos ao processo de
ensino e aprendizagem. Assim sendo se fortifica a ideia de que para que haja sucesso
existe uma combinação de factores. Neste caso, pode-se abraçar a estes factores como
forma de perpetuação do sucesso escolar a nível das escolas moçambicanas, sobretudo
nas zonas rurais em que as concentrações da pobreza são extremas. No caso de Rego, a
criação de mecanismos que impulsionassem ou despertassem nos alunos o interesse pela
escola seria uma boa estratégia de actuação rumo a mitigação do mal, e a adopção de
uma cultura de leccionar com recurso a línguas locais em alguns casos.
A preocupação dos dois autores supracitados era de estudar as causas do insucesso
académico de alunos de famílias desfavorecidas, e nos resultados das suas pesquisas em
algum momento foram unânimes ao apontar a combinação de factores (como, o meio
social de onde vem o aluno, a língua, o envolvimento da família no processo educativo,
esforço e desempenho do professor, a vontade deste aluno de aprender) como forma de
alcance do sucesso escolar.
No presente estudo, pretendo focalizar-me sobre os factores individuais como a
motivação, o interesse, o esforço, que podem impulsionar o aluno ao sucesso.
Parece-me que antes de fazer qualquer combinação de factores, é imperioso estudar
cada caso de forma isolada, e com maior ênfase para as razões de cada indivíduo.
Com o presente estudo, poderemos perceber também, se a escola, no seu dever de
garantir o sucesso académico dos alunos, tem envolvimento nos casos de sucesso
académico ou não, através das estratégias escolares.
Em parcial concordância com Rego (2015), Dias (2010) concebe o aspecto sociocultural
como estando por trás do sucesso escolar dos alunos provenientes de famílias
desfavorecidas. Dias (2010), encontra como uma das principais causas do sucesso
escolar a adopção de uma cultura escolar que não se dissocia da cultura social. O autor
constatou o facto de algumas instituições de ensino desvincularem os alunos do seu
stock cultural (capital linguístico como principal), o que de certa forma acaba tendo
resultados não muito satisfatórios. Entretanto, o professor deve potencializar a
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diversidade cultural a favor da elevação da qualidade do processo de ensino e
aprendizagem.
Na sua pesquisa, o autor reconhece o plano do sector da educação de criar padrões de
valorização da cultura a nível das escolas, porém apela a urgência disto, por considerar
ser de extrema importância para o sucesso. Por considerar que uma escola que valoriza
a cultura garante uma melhor ligação do aluno com os conteúdos escolares, exemplo: a
valorização da língua que o aluno trás para escola.
O Ministério de Educação e Cultura (MEC) no seu estudo sobre o (in) sucesso escolar
em Moçambique, realizado em 2009, aponta como factores principais do insucesso
escolar, a insuficiência de professores com formação psicopedagógica, os métodos de
ensino expositivos, a falta de materiais de ensino e a fraca supervisão e apoio
pedagógico (MEC, 2009).
Existe uma relação em alguns estudos realizados em Moçambique e estudos realizados
em outros contextos no que concerne aos factores subjacentes ao insucesso. Por
exemplo, para Macamo (2015), um dos principais factores do insucesso escolar dos
estudantes oriundos de famílias pobres é o baixo envolvimento dos pais no seu papel de
acompanhamento permanente da vida escolar dos seus filhos. Esta conclusão de
Macamo (2015) está em concordância com a de Charlot (2013). No seu artigo sobre
relação com o saber na escola entre estudantes da periferia, Charlot (2013) compara
uma pesquisa feita numa escola secundária da periferia, com uma realizada numa escola
com bons alunos de uma clientela mais favorecida, tendo chegado a conclusão de que a
mobilização familiar em relação à escola, assim como os significados atribuídos pelos
adolescentes dos meios populares ao facto de ir a escola e “aprender coisas” constituem
factores principais para o sucesso escolar.
Outro estudo explicativo do sucesso escolar é de trazido por Zago (2000), que concluiu
que a autodeterminação è um dos elementos fundamentais para as trajectórias
bem-sucedidas de alunos de famílias pobres. Isto é, não basta a família impulsionar os
seus alunos para o sucesso académico, é preciso que estes também tenham algum
interesse, e percebam a importância de ir a escola e obter êxito. O autor entra em
coordenação com Macamo (2015), que encontrou também como uma das principais
formas de obter o sucesso escolar, o esforço do aluno, sua capacidade cognitiva e de
saber o que a escola representa para ele.
19
Faz parte também de um estudo em contexto fora de Moçambique sobre o (in) sucesso
académico, o de Parrenoud (2001), em “a pedagogia na escola das diferenças”.
Parrenoud (2001) estudou as razões do fracasso escolar e concluiu que o professor
assume um papel primordial para o sucesso/fracasso dos alunos. Este deve considerar
sempre os diferentes quadrantes socioeconómicos dos seus alunos, deve saber que estes
não vêm com o mesmo capital financeiro e cultural.
Entretanto, Parrenoud (2001) destaca a pedagogia diferenciada como forma de enfrentar
o fracasso escolar, consistindo no atendimento diferenciado dos alunos de acordo com a
sua proveniencia. Porém, para Mocambique, pode ser difícil aplicar este modelo
pedagógico, considerando as condições em que os professores lecionam,
particularmente no que concerne ao elevado número de alunos por professor (rácio
professor-aluno). No período de 2013-2017 havia um total de 5.031.230 alunos na
escola para somente 81.517 professores (Ministério da Educação e Desenvolvimento
Humano [MINEDH], 2017). Este número pode dificultar uma interação mais produtiva
por ser dificil que um professor lecionando nestas condições conheça íntima e
individualmente os seus alunos.
Diferente de estudos de Parrenoud (2001) e Dias (2010), que reduzem a escola a um
espaço de reprodução cultural, como meio de alcance do sucesso escolar, neste estudo
proponho-me, à semelhanca de Charlot (2013), estudar os casos de forma singular, por
considerar que o indivíduo se constrói no social, mas também tem uma história singular
que deve ser vista de forma particular.
Importa, assim, investigar os diferentes factores do sucesso escolar dos alunos oriundos
de famílias desfavorecidas, particularmente num país em que cerca de 70% da
população é pobre (PNUD, 2016).
O estudo vai permitir compreender os factores que explicam o sucesso escolar dos
alunos de famílias desfavorecidas.
Bourdieu (1978), citado por Nogueira e Nogueira (2002), advoga que os indivíduos
podem ser caracterizados por uma bagagem socialmente herdada. Essa bagagem inclui,
por um lado, certos componentes objectivos, externos ao indivíduo, e que podem ser
postos a serviço do sucesso escolar. Bourdieu aponta também a questão cultural como
um dos aspectos que contribui para a bagagem do indivíduo, favorecendo no
20
desempenho escolar, na medida em que facilita a aprendizagem dos conteúdos e
códigos escolares. As referências culturais, os conhecimentos considerados legítimos, e
o domínio maior ou menor da língua culta, trazidos de casa por certas crianças
facilitariam o aprendizado escolar, na medida em que funcionariam como uma ponte
entre o mundo familiar e escolar.
Portanto, considerando as abordagens trazidas pelos autores supracitados, posso
sustentar a hipótese de que o sucesso escolar do indivíduo está directamente ligado ao
meio social e familiar em que está inserido.
Noronha e Noronha (1998), afirmam que as capacidades da criança de interagir no
sistema sócio escolar dependem muito do ajustamento entre os objectivos a atingir e os
valores da subcultura, da experiência em relação as aptidões e capacidades, e a
relevância da aprendizagem escolar para a vida futura da criança. A motivação para o
sucesso académico é uma componente essencial ao bom ajustamento das exigências
académicas. A interacção pai/filhos pode também favorecer ou inibir a aquisição de
conhecimentos.
Neste caso, Noronha e Noronha (1998), aponta como principais factores que norteiam o
sucesso académico de alunos provenientes de classes desfavorecidas, os objectivos e
valores culturais do indivíduo, a motivação, a maneira como este aluno se relaciona com
os seus pais, também é, segundo o autor, de grande influência.
Os pais são o elemento fundamental para o sucesso escolar, assim como para o óptimo
desenvolvimento de uma personalidade em formação. Dez a vinte minutos de interacção
diária, construtiva e bem orientada, sincera e calma, podem ajudar muito mais do que
prolongadas horas de apoio psicopedagógico e psicoterapêutico, geralmente
proporcionado em momentos de desorientação e ansiedade quando o insucesso já se
instalou.
A harmonia e bem-estar na família, são apontadas também como um dos grandes
contribuintes para o sucesso escolar dos alunos provenientes de classes desfavorecidas.
Dizer que o processo de mobilização dos alunos pertencentes a famílias de baixa renda
para o sucesso escolar, assume formas diferenciadas.
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A literatura supracitada aborda factores subjacentes ao insucesso académico, assim
como factores subjacentes ao sucesso académico dos alunos das camadas
desfavorecidas. E assim sendo, sob a hipótese de que as diferenças nas condições
económicas das famílias dos estudantes não são por si só explicativas ou determinantes
do sucesso académico, pretendo examinar os factores do sucesso escolar dos alunos
pertencentes a famílias desfavorecidas, bem como compreender a contribuição das
famílias de baixa renda para o sucesso dos seus educandos. E à semelhança de Charlot
(2013), coloco a seguinte questão: o que move os alunos para o sucesso académico,
mesmo sendo estes de famílias desfavorecidas?
1.4 Objectivos
1.4.1 Objectivo geral
Estudar os casos de sucesso académico de estudantes provenientes de famílias
desfavorecidas no ensino médio.
1.4.2 Objectivos específicos
Identificar os factores que explicam o sucesso académico de alunos provenientes
de famílias desfavorecidas;
Descrever o perfil das famílias dos alunos desfavorecidos que são de sucesso;
Descrever a influência exercida pelo factor pobreza na escolaridade dos alunos.
1.5 Hipóteses
A literatura sobre (in) sucesso escolar de alunos provenientes de famílias desfavorecidas
aponta vários factores do (in) sucesso escolar dos alunos.
Nogueira e Nogueira (2002), em comunhão com Carvalho (2010), encontraram como
principais factores do (in) sucesso escolar:
O meio social e as condições de vida;
Práticas culturais, hábitos, e costumes.
Boa base familiar;
Força de vontade do aluno;
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Qualidade dos professores e qualidade da escola;
Saúde;
Recursos económicos.
Dos diferentes factores supracitados, a família é vital no processo de ensino e
aprendizagem dos seus filhos. Zago (2000) encontra como principal factor para o
sucesso escolar, o forte investimento familiar sistemático e representado por um
conjunto de práticas coerentes face à escolaridade dos filhos.
De acordo com a nossa realidade social, e do nosso contexto de estudo, os factores
encontrados na literatura se enquadram perfeitamente, e poderá circundar o presente
estudo, principalmente no que concerne á questão dos recursos económicos, porque o
mesmo será feito com alunos de famílias de baixa renda. A força de vontade do aluno
também é tida como um grande factor em contextos como estes, considerando que
mesmo diante de tantas dificuldades para estudar, estes encontram em alguns casos, na
escola, um refúgio e meio para superar as dificuldades económicas.
A qualidade de ensino nas escolas exerce influência no sucesso dos alunos. E o presente
estudo permite também perceber até que ponto o processo de ensino e aprendizagem
influencia no sucesso dos alunos.
O presente trabalho de pesquisa é constituído por cinco capítulos. No primeiro capítulo,
apresenta-se o contexto, a motivação e a justificação do estudo, o problema de pesquisa,
os objectivos da pesquisa, e as hipóteses. O segundo capítulo, a revisão da literatura,
define e discute os conceitos e pressupostos teóricos relacionados com os casos de (in)
sucesso académico em diferentes contextos, o internacional e no contexto
Moçambicano. No terceiro capítulo apresentamos as metodologias usadas no estudo,
particularmente as características dos informantes, os procedimentos e técnicas de
recolha de dados. Neste capítulo, apresentamos também os constrangimentos
encontrados durante a pesquisa, bem como as técnicas de análise de dados. No quarto
capítulo são apresentados os resultados da pesquisa. Nesta sessão são discutidos os
resultados da pesquisa e a análise de dados. No quinto capítulo são apresentadas as
conclusões do estudo e as devidas recomendações.
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CAPÍTULO II
2. Revisão da literatura
2.1. Definição de conceitos chave
2.1.1 Sucesso escolar
Sucesso escolar é o processo pelo qual os alunos percorrem os anos escolares em
progressão crescente, desenvolvendo aprendizagens significativas relativas a
conhecimentos seleccionados historicamente como relevantes para a vida na sociedade
contemporânea (Gatti, 2010).
Gatti (2010) acrescenta ainda que o processo de aprendizagem escolar não pode ser
traduzido apenas por desempenhos a nível cognitivo, implica um conjunto de aspectos
de desenvolvimento de sociabilidade.
Comungando da mesma ideia, Calaça (2009) afirma que o sucesso escolar antigamente
era maioritariamente medido pelo rendimento escolar dos alunos. Hoje em dia este
conceito tem vindo a esbater-se de alguma forma, pois é verdade que o sucesso escolar
está intrinsecamente ligado ao desempenho dos alunos, mas não apenas as notas ou
classificações, mas todo o processo educativo do aluno ao longo do tempo.
Existem diferentes dimensões do sucesso académico, mas é de salientar que os
resultados escolares são uma das fontes mais seguras para se compreender se o aluno
consegue ou não alcançar o mesmo. Para compreender o sucesso académico, existem
vários factores que podem estar ou não interligados, incluindo a componente cognitiva,
afectiva e motivacional (Calaça, 2009).
Nesta linha de ideias, Lencastre, Guerra, Lemos e Perreira (2000, p.75), citado por
Calaça (2009), concebem o sucesso escolar como a razão entre o que se pretende atingir
(objectivos) e o que efectivamente se consegue (os resultados).
2.1.2 Insucesso escolar
O insucesso escolar é entendido como a incapacidade que o aluno revela de atingir os
objectivos globais definidos para cada ciclo de estudos (Eurydice, 1995:47).
24
Martins (2006) concorda com Eurydice (1995) ao afirmar que o insucesso escolar é um
fenómeno geralmente caracterizado pelo fraco rendimento escolar dos alunos que por
razão de vária ordem não puderam alcançar resultados satisfatórios no decorrer ou no
final de um determinado período escolar.
2.1.3. Família Desfavorecida
Segundo Fontes (2018), classes desfavorecidas são aquelas que, devido a limitações de
recursos, estão em situação de desigualdade perante as oportunidades de escolha.
O que determina o nível social das famílias na maioria das vezes tem sido a renda.
Existem também outros indicadores determinantes importantes tais como habitação e
acesso a saúde e educação, dos agregados familiares.
A Habitação: representa um indicador amplamente aceite de bem-estar material
Segundo o Ministério da Economia e Finanças (MEF) (2016), no seu inquérito de
orçamento familiar (IOF), Moçambique devido a situações de pobreza tem agregados
familiares com baixa qualidade de habitação. Segundo o relatório do IOF, a prevalência
da privação por cada indicador está distribuído em termos percentuais, da seguinte
forma:
Casas com paredes que não são feitas de blocos é de 0.71% a nível nacional,
contra 0.06% para a província de Maputo.
Casa sem cobertura de material convencional (laje de betão, telha, chapas de
zinco ou lusalites), a taxa é de 0.57% a nível nacional e 0.01% a nível da cidade
de Maputo.
Casas sem o chão feito de parquet, tijoleira, ladrilhos, mármore ou cimento a
taxa é de 0.67% a nível nacional e 0.01% a nível da cidade de Maputo
Casas com pessoas partilhando o mesmo quarto, a taxa é de 0.25% a nível do
país, e 0.12% a nível da cidade de Maputo.
Estas estatísticas clarificam a situação do tipo de casas que dominam os agregados
familiares no país: a maioria das casas são simples e características de famílias
desfavorecidas.
25
Educação: segundo o MEF (2016), a incidência da privação do acesso à escola
primária ronda aos 0.28% a nível nacional e 0.04 a nível da cidade de Maputo. Quando
falamos do acesso à escola, referimo-nos à existência de escolas, e às distâncias que as
pessoas precisam percorrer para chegar à escola. Consideramos também que em cada
agregado familiar importa ter no mínimo um membro que concluiu o ensino primário.
Neste caso, em termos de prevalência de privação estamos a 0.32% a nível do país e a
0.02% a nível da cidade de Maputo.
A Saúde representa também um indicador de pobreza. Neste caso, consideramos as
distâncias que os cidadãos devem percorrer para os hospitais, as disponibilidades de
unidades sanitárias e a qualidade de serviços de saúde. E para o caso de Moçambique, a
prevalência da privação ronda em 0.32% a nível nacional e 0.04 a nível da cidade de
Maputo (MEF, 2016).
A saúde nos agregados familiares é normalmente acompanhada pelos seus
determinantes, como: acesso à água, que é classificado pela existência de água
canalizada, furos, fontenários, ou água mineral, nos agregados. Segundo o MEF (2016),
a prevalência de privação é de 0.47% em Moçambique, e 0.00% na cidade de Maputo.
O saneamento seguro: existência de uma latrina melhorada nos agregados familiares,
ou a existência de algum tipo de retrete. E para o nosso país a prevalência de privação é
de 0.71% e 0.11% para cidade de Maputo.
A existência ou não de bens duráveis (como carro, mota, geleira, rádio, televisão,
cama) também é determinante da situação dos agregados familiares. E segundo MEF
(2016), a prevalência de privação, ronda nos 0.39% a nível nacional e 0.06 para a
província de Maputo.
Outro indicador importante é o emprego, que geralmente determina o estilo de vida que
a pessoa leva, de acordo com seus rendimentos. A questão do acesso a emprego também
ajuda a medir a pobreza nos agregados familiares. Em Moçambique, para o ano de
2017, as taxas de desemprego rondavam aos 25%, onde a juventude é a mais afectada
(MEF, 2016).
Importa realçar que a província de Maputo é a que menores taxas apresenta, dos
diferentes indicadores da pobreza. O que significa que em termos de desenvolvimento
está mais avançada que as restantes províncias do País.
26
2.2. Pressupostos teóricos
2.2.1. Sucesso e insucesso escolar
A literatura sobre o (in) sucesso escolar de alunos provenientes de famílias
desfavorecidas traz vários posicionamentos. Carvalho (2010), na sua obra intitulada
"Alcançando o Sucesso Escolar", propõe alguns factores que considera estarem por
detrás do sucesso escolar: boa base familiar; qualidade dos professores e da escola; a
saúde do aluno; e condições económicas do aluno.
Na boa base familiar, é onde este aluno ganha um incentivo para a busca de um ideal,
isto é, a estrutura familiar é de grande influência; porém, o aluno também precisa por
sua vez de ter força de vontade e disciplina e de acreditar em si mesmo. É importante
que ele interiorize a necessidade de estudo e leitura em regularidade.
Quando falo da qualidade dos professores e da escola, é onde estão implícitos os
factores advindos de uma direcção comprometida com seus alunos e de professores
competentes e actualizados. Carvalho (2010) menciona a necessidade de uma escola que
dê formação mais completa ao aluno, oferecendo actividades fora da sala de aulas,
como projectos, passeios de intercâmbio escolar, favorecendo a convivência na
comunidade escolar. Ou seja, a escola de boa qualidade é considerada um dos factores
que exerce grande influência.
A saúde é também, segundo Carvalho (2010), um factor preponderante. O aluno precisa
ter uma boa saúde, no sentido de poder seguir com sua carreira estudantil de forma
saudável.
Como último factor encontrado por Carvalho (2010), temos os recursos económicos. A
condição económica do aluno é um factor que, na opinião dos diversos professores
inquiridos pelo autor, influencia no seu possível sucesso. O aluno de baixa renda pode
ter dificuldades de frequentar a escola, pois precisa, às vezes, por força de um biscate,
faltar às aulas. Por outro lado, os recursos económicos permitem ao aluno de origem
social favorecida ter acesso a outras realidades, outras culturas por meio de viagens
ampliando, assim sua visão do mundo. Permite também que as famílias planejem
períodos de intercâmbio ou recursos específicos para a profissão que o filho deseja
seguir.
27
Parrenoud (2001) destaca a pedagogia diferenciada como forma de enfrentar o
insucesso escolar. Segundo o autor, em parte, algumas crianças são totalmente tratadas
como iguais em direitos e deveres; em parte alguma o ensino é estritamente colectivo e
completamente indiferente às diferenças. Um professor de ensino fundamental, que
passa de 20 a 30 horas por semana entre os seus vinte a vinte cinco alunos,
necessariamente tem imagem diferenciada deles; o professor pode ter um
relacionamento relativamente personalizado e individualizado com cada aluno. Pode
estar a par das suas exigências, suas reacções, e ter uma avaliação mais precisa de cada
aluno. É verdade que essa diferenciação não é suficiente para impedir o aumento dos
desvios. Assim sendo, para melhor entender a questão do insucesso deve-se entender as
desigualdades sociais e culturais que permeiam o universo escolar do aluno.
Parrenoud (2001), com as suas constatações, tenta explicar que, em qualquer escola
pública podemos encontrar alunos vindo de diferentes quadrantes socioeconómicos, e
porque existe a norma geral de que os alunos devem ser tratados de igual forma,
podemos em algum momento estar a dar vantagem aos alunos provenientes de camadas
mais favorecidas, considerando que esses naturalmente carregam consigo um capital
cultural bem mais avançado que os alunos provenientes de camadas desfavorecidas, que
não tiveram as mesmas oportunidades de aprender e desenvolver suas habilidades
mentais (viagens, acesso a livros, aulas particulares, conhecimento de línguas, melhores
experiencias e oportunidades, etc.)
Poderia parecer realista a inclinação diante das desigualdades dos dons hereditários, mas
cruzar os braços diante da desigualdade das heranças culturais parece menos defensável
principalmente quando as ciências da educação afirmam que a desigualdade social
frente à escola não é politicamente inocente, que ela produz hierarquia dos professores e
das classes sociais. Não é confortável para um professor passar por um agente de
reprodução social, em um período no qual o mito igualitário continua muito vivo
(Parrenoud, 2001).
Diante do que os autores supracitados nos trazem, importa frisar que estes diferem nas
suas abordagens, na medida em que um realça mais a dimensão sociocultural como
sendo circundante dos resultados académicos, e o outro aborda mais a questão familiar,
qualidade do professor, interesse do aluno e aspectos económicos.
28
2.2.2. Sucesso escolar de alunos de famílias desfavorecidas
Zago (2000) traz algumas reflexões recentes, no campo da sociologia da educação,
relacionadas à relação entre o meio familiar e a escolaridade, e aborda também os
resultados de um estudo de campo, feito por ele mesmo.
Logo no início da sua dissertação, Zago (2000) apresenta uma pesquisa com famílias de
meios populares que vivenciaram situações que demonstram adaptação escolar e maior
tempo de permanência de seus filhos no sistema de ensino, contrariando a visão
genérica e patologizante, de famílias desfavorecidas. Em síntese, o trabalho tem a
preocupação de mostrar a acção dos pais como sujeitos activos na escolarização dos
seus filhos. Fez acompanhamento do percurso escolar de 3 irmãos, de 1991 a 1997, e
neste intervalo de tempo, pouca coisa mudou, no que diz respeito à condição financeira
dos alunos. A mãe, que era a única responsável pela família, continuava ralando e
fazendo trabalhos extras, para manter a família. As dificuldades financeiras foram uma
constante na trajectória da família. Das diferentes situações escolares analisadas pelo
autor esta é a que apresenta maior adequação entre a idade e a série escolar.
Apesar das dificuldades financeiras, o que chama a atenção neste caso é o engajamento
da mãe na escolaridade, observável através de comportamentos que adopta para
favorecer o sucesso escolar e profissional dos filhos.
Para Zago (2000), as interpretações sobre o sucesso e o fracasso escolar perdem
compreensão quando ignoram as relações de interdependência entre os elementos da
realidade social.
No seu estudo, Zago (2000) percebeu que a autodeterminação é um dos elementos
fundamentais para as trajectórias bem-sucedidas de alunos de famílias pobres. Isto é,
não basta só a família impulsionar os seus alunos para o sucesso académico, é preciso
que estes também tenham algum interesse, e percebam qual é a importância de ir a
escola e obter êxito. Concluiu também que a mobilização dos pais e dos filhos, embora
possa desempenhar um papel importante, na carreira dos filhos, não é condição
suficiente para garantir sua permanência na escola e reduzir as desigualdades escolares.
Um exemplo claro é de que, apesar do envolvimento da mãe em todo o processo
educativo, nem todos os seus filhos obtiveram êxito escolar.
29
Para contrariar esta tese, Viana (1998), afirma que o sucesso escolar não tem relação
com as práticas de investimento familiar. Este explica que o sucesso escolar pode se dar
mesmo sem a presença de práticas familiares planejadas e com o objectivo voltado para
o fortalecimento da carreira escolar dos filhos. O autor chegou a estas conclusões após
investigar o que tornou possível o acesso ao ensino superior de filhos de famílias com
dificuldades económicas e baixo nível de escolaridade, com pais exercendo ocupações
predominantemente manuais. Buscou compreender algumas condições que lhes
possibilitaram o ingresso na universidade, tomando em conta os seguintes parâmetros
de análise: o significado que a escola assume para os pais e para os filhos; as diferentes
relações intersubjectivas e intergeracionais que uma escolarização prolongada implica
para as camadas populares; a relação dos sujeitos estudados com o futuro, e os
processos familiares de mobilização escolar.
Nesta linha de ideias, Lahire (1997) estudou 26 casos a partir de 5 temas fundamentais:
as condições económicas, formas de cultura escrita, ordem moral doméstica, exercício
da autoridade familiar e modos familiares de investimento pedagógico.
Este queria perceber a partir dos indicadores supracitados, como é que o sucesso estava
relacionado com o comportamento da família, se o posicionamento destes tinha grande
influência ou não. E, comungando da mesma ideia que Zago (2000), Lahire (1997)
chegou à conclusão que estes factores por si só não garantem sucesso do aluno. Mas
podem sim existir casos em que estes indicadores são as principais causas.
Charlot (2013) faz menção às teorias de reprodução, alegando que estas não dão muita
importância às práticas de ensino nas salas de aula, e às políticas específicas dos
estabelecimentos escolares. Para o autor, estas teorias reduzem a instituição escolar a
um espaço de diferenciação social, esquecendo que ela é também um espaço onde os
jovens se formam, onde o saber se transmite. A análise sociológica da escola deve
integrar a questão do saber e da sua transmissão.
O insucesso, segundo o autor, se constrói numa história singular e ocorre também entre
crianças de famílias populares. O que é preciso compreender é o insucesso individual de
indivíduos que pertencem maciçamente às mesmas categorias sociais. Tal compreensão
não é possível se não se levar em conta a singularidade das histórias e se projectar no
indivíduo características estabelecidas através de uma análise de uma categoria
30
socioprofissional, de uma classe social, de um grupo ou através de referência do
ambiente ou meio.
Para Charlot (2013), embora o indivíduo se construa no social, ele se constrói como
sujeito, através de uma história, não sendo assim a simples encarnação do grupo social a
que pertence.
É importante saber o que falta às crianças de famílias pobres, para que obtenham
sucesso na escola, quais são os seus handcups socioculturais, que sentido tem para a
criança o facto de ir a escola, o que a mobiliza no campo escolar, o que a incita a
estudar.
Não que a questão das competências não seja importante, a escola tem por função
principal formar a criança, permitir-lhe se apropriar do saber. Mas a criança só pode se
formar, adquirir competências e saberes, se a escola fizer sentido para ela.
Charlot (2013) recolheu informações de diferentes alunos, onde cada um conta a sua
história de forma individual, e mostra o que a escola significa para si. Entretanto, o
autor agrupou estes alunos de acordo com os resultados, e obteve quatro grupos: para o
primeiro estudar é óbvio, eles estudam mesmo durante as pequenas férias escolares.
Para o segundo grupo, o estudo é uma conquista, um hábito que se deve aprender muito
cedo e cultivar dia após dia. Para o terceiro grupo, o mais numeroso, o estudo é uma
estratégia. E para o último grupo é tarde demais, eles esperam muito e já não podem
fazer mais nada.
Uma das conclusões do autor em relação ao estudo feito, é de que para cerca de 75%
dos alunos questionados, ir a escola apresenta muito sentido. Para eles é preciso ir à
escola o maior tempo possível, para mais tarde ter uma boa profissão, portanto, um bom
futuro, uma boa vida.
Charlot (2013) conclui que, as amizades nascidas na escola desde o ensino primário, são
muito relevantes e determinantes para a história escolar. Neste caso estamos
concretamente falando da questão das influências sofridas pelos alunos que vão
impulsionar o sucesso escolar. A questão de influência não acontece somente com os
amigos de classe, também os amigos de fora da escola exercem a sua parte.
31
Em seguida Charlot (2013), aborda a questão do aluno gostar do professor, e gostar da
matéria. Os alunos mostram claramente que o facto de gostar de um professor e de
determinadas matérias também tem um grande peso no que concerne ao seu
aproveitamento. Então, existe uma forte correlação no gostar do professor e da matéria,
isto é, se gosta do professor de matemática, automaticamente passa a gostar da aula de
matemática e isso traz certa vantagem. E quando a questão do gosto é contrária (não
gostar), os resultados não são tão bons.
A mobilização familiar também exerce uma grande influência sobre o desempenho dos
estudantes vindos de famílias desfavorecidas. Estas famílias dão um real valor à
escolarização dos filhos. Geralmente essa influência não acontece pela ajuda técnica dos
familiares para os filhos, dado que estes normalmente não dispõem de um forte capital
escolar, mas sim acontece pela enorme força de vontade que estas famílias transmitem
aos alunos, mostrando a eles a importância que a escola tem para o seu futuro.
Neste processo de mobilização, é denominador comum, que as famílias, durante o seu
processo de mobilização utilizem sempre a referência ao futuro, ao desemprego, as
dificuldades da vida e de trabalho dos pais.
Por vezes esse acompanhamento e mobilização dos pais aos alunos não surtem os
efeitos desejados. Por exemplo, alguns pais analfabetos determinam metas escolares
muito elevadas aos seus filhos, que estes por vezes podem renunciar a alcançá-la. A boa
táctica, neste caso ainda parece aquela de vigiar discretamente e demonstrar confiança,
mostrar sempre orgulho pelos progressos dos filhos.
Ainda no seu artigo, Charlot (2013), diz que os processos de mobilização na escola não
são suficientes para compreender as histórias escolares. É preciso identificar os
processos de mobilização em relação à escola. A mobilização na escola é investimento
no estudo. A mobilização em relação à escola é investimento no próprio fato escolar;
implica que se atribua um sentido ao próprio fato de ir a escola e aprender coisas.
Charlot (2013) chama atenção de que as práticas familiares têm efeito na história
escolar dos alunos, porém, esses efeitos só operam articulados com outros processos.
Estas práticas contribuem para estruturar a história escolar, mas jamais a determinam.
32
2.2.3. No contexto moçambicano
Macamo (2015), realizou um estudo de caso sobre o insucesso escolar em Moçambique,
da Escola Secundária Graça Machel.
Para o autor, o insucesso escolar assume duas formas principais: a reprovação e o
abandono escolar. E também pode traduzir-se pelo não alcance do nível de
aprendizagem preconizado nos programas de ensino. Em suma, o insucesso escolar é
caracterizado pelo baixo rendimento escolar dos alunos que, por razões de vária ordem
não alcançaram as competências esperadas num determinado período de tempo.
Neste caso, os principais factores que condicionam o fracasso escolar são: a falta de
uma avaliação sistemática e permanente das instituições de ensino; o baixo
cumprimento dos pais no seu papel de acompanhamento permanente da vida escolar dos
seus filhos; a capacidade cognitiva, o esforço, as dificuldades na execução de algumas
tarefas; o papel da escola e a influência dos professores (Macamo, 2015).
No que concerne à influência dos professores para o insucesso escolar dos alunos,
trazida em Macamo (2015) o Ministério da Educação e Cultura (2009), sustenta a tese
realçando a insuficiência de professores com formação psicopedagógica, os métodos de
ensino e a falta de materiais de ensino.
Para que haja sucesso escolar efectivo, é fundamental a articulação de factores internos
na escola com o meio social onde se insere o aluno. É preciso também que haja
colaboração entre os professores como actores directos ao estabelecimento de ensino, e
o papel activo dos pais e encarregados de educação. A linguagem associada ao meio
social de origem contribui de forma determinante no sucesso da aprendizagem, ao
implicar percepções particulares e específicas da realidade (Macamo, 2015).
A figura do professor é por ele vista como crucial. Este deve estar motivado por um
salário justo e devem ser criadas as condições materiais para realizar seu trabalho.
Entretanto, o autor supracitado, para compreender o fenómeno de sucesso escolar nos
propõe que tenhamos em conta quatro realidades: o aluno, o meio social, a família e a
instituição escolar.
33
Dias (2010), no seu estudo sobre a diversidade cultural e educação em Moçambique,
encontrou como uma das principais causas do insucesso escolar a dissociação que existe
entre a cultura escolar e a cultura social.
Dias (2010) nos remete para a ideia de que não deve existir um processo de ensino e
aprendizagem que não toma em consideração a realidade sociocultural de onde provêm
os alunos, porque estes trazem consigo todo um conjunto de hábitos, crenças, costumes,
capital linguístico e financeiro, que influenciam no processo de ensino e aprendizagem.
Defendendo a mesma ideia, Humbane (2017) afirma que a educação escolar em
Moçambique é em geral percebida como estando em crise, sendo que um dos aspectos
que contribuem para ela é a existência de uma escola estrangeira, quer dizer, que não
reflecte a realidade sociocultural das comunidades em que está inserida.
A educação Moçambicana, mesmo com as alterações que vem sofrendo ao longo do
tempo, mesmo com as mudanças sociopolíticas havidas no país e no quadro normativo
da própria educação, esta continua com dificuldades em “dialogar” com a sociedade e
com as diversas culturas que a compõem.
2.3. Quadro resumoVários são os factores arrolados que foram trazidos dos diversos estudos feitos pelos
autores supracitados. Segue-se um quadro que resume alguns factores do sucesso e
insucesso escolar dos alunos provenientes de famílias desfavorecidas:
Quadro 1- factores do sucesso e insucesso escolar dos alunos provenientes de famílias desfavorecidas
Factores do sucesso e insucesso escolar dos alunos provenientes de famílias
desfavorecidas
Sucesso Insucesso
Envolvimento da família no processo de
ensino e aprendizagem.
Fraco envolvimento da família na vida
escolar dos filhos, e desvalorização da
escola.
Aluno com uma boa força de vontade para
a escola.
Professores desmotivados, e com fraco
desempenho, deficiente formação
psicopedagògica dos mesmos.
34
Boa saúde e disposição. Escola pública, com fraco investimento
para o processo de ensino e aprendizagem.
Boa capacidade cognitiva. Fraca capacidade cognitiva.
Família com um bom histórico académico. Dificuldade na execução de tarefas.
Alunos motivados pela esperança de uma
melhoria de vida.
Falta de uma avaliação sistemática das
instituições de ensino.
Influências positivas dos amigos. Dissociação da cultura escolar da cultura
social.
35
CAPÍTULO III
3. Metodologia
O presente capítulo apresenta os aspectos metodológicos do estudo, nomeadamente: a
natureza da pesquisa, a população envolvida no estudo, suas características e a devida
amostra, as técnicas usadas para recolha e análise de dados, e por fim os
constrangimentos encontrados durante a pesquisa.
3.1 A escolha da escola e dos sujeitos de pesquisa
Para a presente pesquisa, a Escola Secundária Noroeste I foi seleccionada por três
razões:
1- Pelo facto de ser uma escola localizada numa das grandes periferias da cidade de
Maputo (bairro da Maxaquene “A”), onde a probabilidade de incidência de grupos
familiares desfavorecidos é maior comparativamente a alguns bairros da cidade, como
por exemplo Somershield e Bairro Central.
2- Pela possibilidade de existir famílias com baixo capital escolar e social.
3- Por considerar que seria mais fácil identificar os sujeitos de pesquisa.
Para a identificação dos alunos com sucesso académico, consideramos três aspectos
principais, nomeadamente: o comportamento do estudante perante o processo de ensino
e aprendizagem, as notas desse estudante, e a variação dessas notas. Assim sendo, foi
considerado como caso de sucesso o estudante que apresentou um histórico com as
seguintes componentes:
Assiduidade, organização, pontualidade;
Ter boas notas [o mínimo de 14 valores nas médias anuais (não podendo este ser
um factor determinante, na medida em que existem alunos que não dispõem de
notas muito altas nas provas, mais agregam um historial excelente na vida
académica)];
Sem repetências;
Assim sendo, nos primeiros contactos com a escola em questão, tivemos acesso às
pautas dos alunos que frequentavam o ensino médio, para identificar os alunos mais
bem sucedidos em termos de aproveitamento e, destes, identificamos 10 alunos com as
melhores notas. Tivemos uma conversa com estes alunos para conhecer todos os
36
detalhes da sua história pessoal. Dos 10 alunos, apenas 4 apresentavam as mais
modestas condições de vida, e foi com estes que avançamos a entrevista, no sentido de
perceber melhor sobre as suas trajectórias escolares.
3.2. Abordagem metodológica
Na elaboração do presente trabalho recorri a uma abordagem qualitativa, que para
Godoy (1995), é um método de investigação científica que se foca no carácter
subjectivo do objecto analisado, estudando as suas particularidades e experiências
individuais.
No presente estudo, a análise qualitativa permitiu perceber a relação dos diferentes
factores encontrados na pesquisa, com a escola, que importância esta tem para suas
vidas, a razão pela qual, mesmo perante as dificuldades financeiras, estes permanecem
nela, suas expectativas, valores e objectivos.
3.3. Natureza da pesquisa
A presente pesquisa é estudo de caso. Aqui é feita a descrição detalhada dos nossos
sujeitos de estudo.
Um estudo de caso é visto como um estudo de uma entidade bem definida como um
programa, uma instituição, um sistema educativo, uma pessoa, ou uma unidade social.
Visa conhecer com profundidade o porquê de uma determinada situação que se supõe
ser única em muitos aspectos, procurando descobrir o que há nela de mais essencial e
característico (Fonseca, 2002)
Recorri ao estudo de caso porque pretendo explorar a fundo e com mais detalhes as
razões que norteiam o sucesso académico dos estudantes provenientes de famílias
desfavorecidas no ensino médio na cidade de Maputo.
3.4. População e Amostra
Entende-se por população ou universo em pesquisa, um grupo de pessoas, objectos ou
eventos que possui características comuns que a definem. Enfim, totalidade de pessoas
que se deseja estudar e realizar sobre a qual se efectivarão generalizações (Appolinario,
2004).
Por sua vez, a amostra constitui um subconjunto de sujeitos extraídos de uma população
por meio de alguma técnica de amostragem. Assim, supõe-se que uma amostra é
37
representativa dessa população, quando a mesma for válida também para a população
como um todo.
Assim sendo, para o nosso trabalho de pesquisa trabalhei com 10 estudantes da escola
secundária Noroeste I, todos frequentando o ensino médio, dos quais apenas 4 foram
seleccionados para compor a amostra, porque no final da exploração estes é que tinham
os requisitos desejados para a pesquisa (ser de família desfavorecida, e caso de sucesso
escolar).
3.5. Técnica de recolha e análise de dados
Utilizei como instrumentos de recolha de dados a análise documental e a entrevista.
Fonseca (2002, P.32) diz que a pesquisa documental recorre a fontes diversificadas e
dispersas, sem tratamento analítico, tais como: tabelas estatísticas, jornais, relatórios,
documentos oficiais, relatórios, etc.
Para Gil (1999, p. 134) entrevista é um dos instrumentos mais utilizados para a recolha
de informação em estudos de natureza qualitativa, consistindo o seu principal objectivo
a melhor compreensão do pensamento dos entrevistados.
A ideia de entrevistar os alunos proporcionou um envolvimento mais intenso com a
pesquisa.
O tratamento dos dados recolhidos foi feito por meio de uma análise de conteúdo. Foi
feita uma releitura do material para identificar os pontos mais significativos.
Procurou-se fazer uma análise dos instrumentos usados em algumas pesquisas feitas
sobre casos de sucesso académico de estudantes provenientes de famílias
desfavorecidas, no sentido de acrescentar algo “novo” que não tenha sido abordado nas
pesquisas realizadas.
Foi elaborado um guião de entrevista que melhor nos conduzia as repostas do estudo. O
mesmo alberga três grandes partes: na primeira procurei conhecer os entrevistados,
através da recolha de dados pessoais. Na segunda parte procurei as características gerais
das famílias desses alunos, no sentido de perceber de onde sai este aluno, quais são as
suas reais situações económicas, a relação destes com as famílias, e de que forma a
conjuntura familiar influencia nas suas trajectórias escolares. Na terceira parte, as
perguntas estão directamente ligadas à relação destes alunos com a escola e com o
38
conhecimento; nesta terceira parte, procuramos perceber o valor que estes dão a escola,
e o que os move para o sucesso académico.
3.6. Questões éticas
Para o presente trabalho de pesquisa, antes de proceder ao trabalho de campo pedi
permissão à direcção da escola, mediante a apresentação de uma credencial, emitida
pela Faculdade de Educação da Universidade Eduardo Mondlane. Para o processo de
questionário e da própria entrevista foi respeitado o anonimato dos inquiridos. E todo o
processo decorreu de acordo com a permissão dos inquiridos, ninguém foi obrigado a
nada.
3.7. Constrangimentos encontrados
Durante a pesquisa deparei-me com alguns constrangimentos:
Fraca abertura por parte dos professores que contactamos, para falar um pouco
da trajectória dos alunos identificados;
Dificuldade em encontrar trabalhos feitos sobre o sucesso escolar de alunos
provenientes de famílias de baixa renda a nível de Moçambique;
Alguma timidez dos alunos entrevistados para falar sobre as suas condições de
vida.
3.8. Descrição do local de estudo
O presente estudo foi realizado na Escola Secundária Noroeste I, localizado na
província de Maputo, no distrito municipal Ka Maxaquene, exactamente no bairro de
Maxaquene “A”, avenida Acordos de Lusaka.
Esta escola foi fundada entre os anos 1971 a 1972, isto porque no sistema educacional
daquela época, o ano lectivo iniciava em Setembro de um ano e terminava em Julho do
ano seguinte. O seu funcionamento iniciou na Escola Avenida do Brasil, que é a actual
EPC das FPLM, enquanto as actuais instalações eram construídas.
No início a escola tinha o nome de Escola Preparatória do Noroeste, onde eram
leccionados o primeiro e o segundo ano de preparação para o ensino secundário, que no
actual sistema de educação equivalem à sexta e sétima classe respectivamente.
39
O nome de Escola Preparatória do Noroeste surgiu pelo facto desta escola estar
localizada na região noroeste da província do Maputo. E com a independência, a escola
passou a se chamar Escola Secundária do Noroeste.
E com o surgimento da escola primária do Noroeste II entre os anos de 1982 e 1983, a
escola passou a se chamar Escola Secundaria Noroeste I, que vigora até os dias de hoje.
Actualmente a Escola Secundária Noroeste I lecciona em 3 turnos: de manha, de tarde e
de noite. No período da manha conta com 13 turmas da oitava classe, 15 turmas da nona
classe, e nove turmas da décima classe. O turno da tarde conta com 17 turmas da décima
segunda classe, 16 turmas da décima primeira classe e 6 da décima classe. O turno da
noite, por sua vez, conta com 39 turmas distribuídas entre décima primeira e décima
segunda classe. Conta actualmente com 6.600 alunos, da oitava a décima segunda
classe. Conta também com um universo de 120 professores que estão divididos nos
diferentes turnos, dentre eles, alguns leccionam em diferentes classes.
A escola alberga alunos residentes no bairro da Maxaquene “A” onde esta se situa, e
residentes dos bairros circunvizinhos, como Maxaquene “B”, Mavalane, Urbanização,
Aeroporto, Polana Caniço, entre outros.
40
CAPÍTULO IV
4. Análise e discussão de dados
Este capítulo encontra-se dividido em duas secções, na primeira são apresentados os
resultados obtidos através da análise documental, e na segunda parte são apresentados
os resultados obtidos pela entrevista.
4.1. Análise documental
No sentido de dar respostas as perguntas de pesquisa, usei como base as pautas de
frequência dos alunos, desde a oitava até a décima classe. Assim foi feita a
reconstituição das trajectórias escolares dos alunos. As pautas concedidas pela direcção
pedagógica da escola permitiram seleccionar os alunos que apresentam as melhores
trajectórias escolares.
Um dos padrões estabelecidos para o presente estudo, é que o aluno não tenha repetido
de classe, sobretudo no ciclo da oitava à décima classe. E as pautas desse ciclo
permitiram certificar que além de terem boas notas (mínimo de 14 nas médias finais)
nunca repetiram e não foram a segunda época nos exames da décima classe.
Assim sendo, analisei também as deliberações dos membros de júri para os exames da
décima classe, considerando que os alunos levam para a décima classe as notas da
oitava e da nona classe.
Tive também acesso a algumas fichas de acompanhamento contendo relatórios de
observação de alguns directores de turma, que me ajudaram a certificar sobre o bom
comportamento e aproveitamento dos sujeitos da pesquisa.
As pautas de frequência permitiram também certificar que os nossos sujeitos de
pesquisa não tiveram em momento algum PPF, e que são pessoas assíduas.
4.2. Análise de dados obtidos através da entrevista
Depois do processo de apuramento dos alunos detentores de boas notas, sendo estes
provenientes de famílias de baixa renda, seguiu a fase das entrevistas, estas que foram
41
feitas de forma individual. Realçar que dos 10 seleccionados, apenas 4 preenchiam os
requisitos necessários para a presente pesquisa, são eles: Frank Josué Marrule, Joaquim
Sónia Langa, Francisco Júlio Manhiça, e Shelton Magaia. São todos residentes no bairro
da Maxaquene "B". Três tem 17 anos de idade, e um tem 16.
No início da nossa entrevista fiz o levantamento sobre os dados pessoais dos
entrevistados, no sentido de certificar sobre a sua idade, e sobretudo sobre a sua morada.
O que me permitiu confrontar a idade com a classe e o bairro onde estes residem se são
realmente característicos de pessoas desfavorecidas.
Contudo, as respostas que tive foram todas de encontro com os objectivos do estudo,
são estudantes da décima classe com 17 anos de idade, com excepção do Shelton
Magaia que tem 16 anos de idade. E são todos residentes no bairro periférico da
Maxaquene “B”
4.2.1. Características dos agregados familiares
O segundo grupo de perguntas visa fazer o levantamento das principais características
do agregado familiar: com quem o aluno vive, o número de pessoas que vive na mesma
casa, quem é o responsável da família, tipo de casas, existência ou não de bens duráveis,
escolaridade dos pais, renda familiar.
No concernente as características do agregado familiar dos nossos entrevistados,
encontrei situações bastante similares. Frank e Francisco vivem com seus pais e irmãos,
diferentemente do Joaquim e do Shelton que vivem apenas com a sua mãe (pais
separados), e irmãos. Os dois últimos dizem sentir ausência do pai, mas, que isto não
interfere no seu processo educativo, porque as suas encarregadas de educação (mães)
fazem o devido acompanhamento.
Como era de se apurar no processo de selecção dos membros, estes vivem numa zona
em que o tipo de casas não oferece conforto. São casas feitas de blocos de pedra, com
excepção da casa do Francisco que é de madeira e zinco. Fazem parte das características
destas residências, a existência de casas de banho precárias, com latrina. São todas casas
pequenas, variando entre 2 a 3 quartos no máximo. Joaquim e Frank dividem os seus
quartos com mais algum membro da família. Todos os entrevistados vivem em casas
pertencentes as suas família, nenhum se encontra em condição de aluguer ou favor.
42
Outro dado sobre as características das famílias dos alunos é o nível académico dos
encarregados de educação destes. Por se considerar que o nível de escolarização dos
encarregados de educação, pode ser de grande influência para o sucesso escolar do
educando, o aluno precisa ter uma boa base familiar, que impulsione o seu desempenho
(Carvalho 2010).
Para os alunos em questão, os encarregados de educação frequentaram até a décima
classe, com excepção do encarregado do Joaquim, que fez até sétima classe.
Durante as entrevistas os entrevistados, disseram que não existe uma força exercida
directamente pelo nível de escolaridade dos encarregados de educação, mas sim outros
factores norteiam o seu desempenho escolar, que poderemos perceber nas linhas que se
seguem.
4.2.1.1. Renda familiar
Sobre a renda da família as perguntas feitas eram para saber se os encarregados de
educação dos alunos trabalham, se sim, que tipo de trabalhos fazem? E se os
rendimentos chegam para cobrir com as despesas mensais.
As respostas dos entrevistados são similares. A renda familiar não chega para cobrir
com as despesas mensais da casa, muito menos para investir mais no processo educativo
dos educandos. A renda produzida varia dos 5.000,00 aos 6.000,00. Sendo para todos os
casos, canalizado para as maiores prioridades: comida, energia, água. E como é
característico das famílias pobres moçambicanas, o rancho feito pelas famílias dos
nossos entrevistados não cobre todo o mês e não compra muita coisa. Por isso, estas
famílias passam por alguns sacrifícios para poder satisfazer as suas necessidades: o
número de refeições por dia é de duas vezes, em intervalos de 8 a 9 horas, e em casos
mais graves o que se cozinha para o jantar serve também para o matabicho no dia
seguinte. Como forma de minimizar nas despesas, alguns casos recorrem a outras
pequenas fontes de renda, como é o caso do Joaquim, que tem ajudado o seu irmão mais
velho a fazer serviços de carpintaria, e o Francisco que tem seus pais a praticar uma
pequena agricultura de subsistência, que tem minimamente ajudado a segurar o peso das
despesas.
43
Tal como explica Lahire (1997), a condição económica da família pode influenciar no
desempenho escolar dos alunos, na medida em que estes passam por diversas
dificuldades, que às vezes lhes submetem a ter que faltar à escola, porque precisa
priorizar outra actividade que ajude a minimizar as suas dificuldades financeiras. Para o
caso dos nossos entrevistados, esta é mais uma situação que aparece para provar que as
previsões estatísticas podem ser diferentes. Mesmo diante de tantas dificuldades, estes
são um caso de sucesso escolar.
Os 4 alunos frequentam a escola mais próxima das suas residências, pelo que não
precisam pagar pelo transporte. A questão do transporte, não constitui, neste caso,
nenhum entrave para o processo educativo destes alunos.
Os quatro alunos afirmaram enfrentar com frequência dificuldades financeiras para
custear despesas escolares, particularmente para comprar material escolar (ex: material
de desenho, livros).
4.2.2. Relação da família com a escolaridade dos filhos
No decorrer das entrevistas, procurei também saber sobre o nível do envolvimento dos
pais ou encarregados de educação dos entrevistados em todo o processo educativo. E
dirigi perguntas como: se alguém na família ajuda com os trabalhos escolares, se seus
encarregados de educação procuram saber do seu aproveitamento, se estes têm
participado nas reuniões escolares.
Para todos os casos existe algum apoio das suas famílias para que estes continuem a
estudar, embora estas famílias não façam muita coisa para impulsionar o processo de
escolarização destes. Por causa das condições de vida, não existe muito espaço para um
acompanhamento mais abrangente do processo de ensino e aprendizagem, com
excepção do Shelton, que tem seu irmão mais velho como seu fiel companheiro do
processo de ensino e aprendizagem, sempre o ajudando no esclarecimento de dúvidas,
na organização da matéria. Este dado permite com que o Shelton, comparativamente aos
outros entrevistados, seja quem detém maiores notas no seu desenvolvimento estudantil
desde a oitava classe. Esta constatação nos remete a Charlot (2013) que fala da
mobilização familiar como sendo de grande influência para o sucesso do aluno, vindo
de família desfavorecida.
44
4.2.3. Relação dos alunos com a escola
No sentido de perceber a relação que o aluno tem com a escola, conduzi perguntas
como: qual é a relação dos alunos com os seus professores e com seus colegas; o que
eles tem feito antes e depois de sair da escola.
A relação dos entrevistados com a escola é de forma geral muito boa, mas há que
realçar alguns aspectos que foram relevantes para o sucesso académico destes alunos.
Para o caso do Francisco, nas turmas por onde passou desde a oitava classe, sempre foi
destacado como um bom aluno, e com bom comportamento, e sempre foi escolhido
como chefe de turma pelos seus professores. Esta forte ligação com a escola fez com
que a sua relação com a escola se fortificasse cada vez mais, ele sempre se sentiu
pressionado pela responsabilidade que sempre lhe foi atribuída, pela confiança e
respeito que colegas e professores nutrem por ele.
E para o caso de Joaquim, Frank e Shelton, não fogem muito da situação do Francisco.
Estes sempre mantiveram uma boa relação com os seus professores pelo facto de serem
alunos bem comportados e exemplares nas turmas de onde passaram desde a oitava
classe. Joaquim afirma que acima de tudo o ambiente escolar o agrada, é como se fosse
sua segunda casa.
Olhando para a questão dos comportamentos desses alunos na escola, percebe-se que
criaram todos, um laço muito forte, o que sem dúvida permitiu com que estes se
destacassem nos grupos, e automaticamente fossem considerados bons alunos (boas
notas, comportamento). Já bem disse Macamo (2015), que um dos principais factores do
sucesso escolar dos alunos provenientes de famílias de baixa renda, é o papel da escola
e a influência dos professores. O autor explica que o ambiente escolar, precisa ser na
vista dos alunos, muito bom e motivador o suficiente para que estes se sintam
pressionados a se manter lá, assim como a sua relação com os professores precisa ser
boa e motivadora.
4.2.4. Tempo dedicado aos estudos
No que tange ao tempo que os entrevistados dedicam a escola, as respostas são
surpreendentes. Shelton, Francisco e Frank não têm muito tempo de estudo fora da
escola, mas mesmo assim têm boas notas. Estes foram unânimes em dizer que fora da
45
escola só tem contacto com os cadernos uma vez por dia, e em pouco intervalo de
tempo. Diferente do Joaquim, que se dedica um pouco mais aos estudos fora do
ambiente escolar, este senta para estudar de noite e nas primeiras horas do dia. Os três
primeiros encontram-se numa situação privilegiada, na medida em que estes são
detentores de uma capacidade nata de retenção e assimilação da matéria, não
precisando, deste modo, fazer muito esforço.
Assim sendo, estes estudantes parecem ter uma boa capacidade cognitiva. Charlot
(2013) havia destacado este factor, ao falar da relação do aluno com o saber, exaltando a
flexibilidade com a qual este tipo de alunos assimila os conteúdos apreendidos na
escola. Existem pessoas com capacidades natas de fácil absorção de conhecimentos, e
segundo os dados fornecidos por esses três alunos, eles se encaixam neste grupo.
4.2.5. Bons alunos diante de tantas dificuldades
No último grupo de perguntas, procurei perceber de forma detalhada o que move os
alunos a serem detentores de boas notas, mesmo estes sendo de famílias desfavorecidas.
Pedi para que estes falassem da sua motivação para continuar a estudar, e o que a escola
significa para cada um deles. E no final pedi para que cada um falasse das principais
dificuldades que teve durante o seu percurso escolar.
Nas respostas predomina a necessidade que estes têm de se formar e garantir uma vida
segura e confortável para si e para sua família. Estes alunos sonham sempre em ter uma
vida melhor que a que levam, mas nem todos encontram na escola um meio para superar
as dificuldades da vida.
Entretanto, existe, em parte, um esforço destes alunos de se manterem na escola e como
bons alunos. Zago (2000) concluiu que a autodeterminação é um dos elementos
fundamentais para as trajectórias bem-sucedidas de alunos de famílias pobres
De forma particular, Francisco, não só é motivado pela esperança de um futuro melhor,
mas também pela relação que sempre teve com a escola. Este encontrou na escola uma
segunda família, os seus colegas de escola sempre foram seus melhores amigos, com
quem ele sempre dividiu momentos de alegria, desejos, sonhos, dificuldades, etc. Este
afirma categoricamente que não se sente bem quando, por algum motivo, não pode ir à
escola, porque esta sempre foi sua segunda casa, e é onde mais se sente feliz. Gosta da
46
escola também porque ele tem a capacidade de influenciar os demais colegas a estudar e
adquirir boas notas, por isso a sua postura de "bom menino" nunca foi uma barreira para
seu relacionamento com os colegas. Podemos então para este caso, concluir que a
relação deste aluno com a escola é o ponto determinante do seu sucesso escolar. A
forma como este vê a escola (garantia de um futuro melhor), a forma como se relaciona
com os diferentes actores educativos (colegas, professores), são as principais razões do
seu sucesso escolar.
Frank e Joaquim tem como seus maiores pontos de revolta as dificuldades que vem
tendo no dia-a-dia, derivando das suas condições financeiras. Estes encontram nessas
dificuldades forças para continuar a estudar e garantir um futuro mais confortável para
si e suas famílias. Outro factor que impulsiona a continuidade e o sucesso destes alunos
na escola é a admiração que os seus professores sempre nutriram por eles, existe aqui
uma espécie de compromisso que estes têm para não decepcionar os seus admiradores.
Shelton sonha em ter uma família, e não quer que os seus filhos passem pelas mesmas
dificuldades que ele vem passando. Ele realça momentos em que teve que ir a escola
sem comer nada, por falta. Mas que mesmo assim jamais desistiria da escola, porque
acha que é o único meio de lograr os seus intentos.
47
CAPÍTULO V
5. Conclusões e recomendações
Neste capítulo são apresentadas as conclusões e as recomendações do estudo,
considerando os objectivos da pesquisa e a respectiva pergunta de partida. O meu
objectivo geral era de estudar os casos de sucesso académico de estudantes provenientes
de famílias desfavorecidas no ensino médio.
Os objectivos mais específicos do estudo se resumiam em identificar os factores que
explicam o sucesso académico de alunos provenientes de famílias desfavorecidas;
descrever o perfil das famílias dos alunos desfavorecidos que são de sucesso; e analisar
até que ponto o factor pobreza exerce influência na escolaridade dos alunos.
E ainda no sentido de encontrar respostas para o estudo avancei com a seguinte pergunta
de partida: o que move os alunos para o sucesso académico, mesmo sendo estes de
famílias desfavorecidas?
Entretanto, depois dos resultados do estudo, são avançadas algumas recomendações
dirigidas a todos estudiosos de educação, que possam eventualmente procurar a
compreensão de casos de sucesso académico de estudantes provenientes de famílias de
baixa renda, e aos diferentes actores educativos (pais e encarregados de educação,
professores, direcções de escolas).
5.1 Conclusões
O presente estudo traz dados muito relevantes para o sector da educação, no que
concerne ao sucesso escolar dos estudantes, especificamente os provenientes de famílias
desfavorecidas, na medida em que vem para quebrar as fortes previsões estatísticas que
revelam que alunos de famílias favorecidas têm mais probabilidades de atingir um
sucesso académico em comparação aos que vem de famílias desfavorecidas. A lógica
que nos é trazida pelos estudiosos da educação, é muito clara ao rolar todos os factores
que tornam maiores essas probabilidades, como: acesso a outras realidades, outras
culturas por meio de viagens ampliando, assim sua visão do mundo. Permite também
que as famílias planejem períodos de intercâmbio ou recursos específicos para a
48
profissão que o filho deseja seguir, acesso a livros, informação a hora que precisar, entre
outras oportunidades.
A presente pesquisa conclui que é possível atingir o sucesso académico, mesmo sendo
de família desfavorecida, na medida em que encontramos casos de alunos que já
nasceram com uma elevada capacidade cognitiva, que não depende muito da sua
condição financeira, e nem da relação da sua família com o seu processo de
escolarização, isto é, a sua capacidade de retenção e assimilação da matéria já são
garantia do êxito escolar. Por outro lado encontramos aqueles que por força das
dificuldades que tem passado no seu dia-a-dia, encontram na escola um meio de alcance
de um futuro melhor, que os permita ajudar a sua família e a construir uma vida de
conforto para si. Este último grupo é principalmente caracterizado pela luta constante
pela obtenção de boas notas e manutenção de um bom comportamento a nível escolar,
portanto, a autodeterminação é também um “ingrediente” para o sucesso escolar.
Embora existam situações em que mesmo a família não sendo activamente participativa
no processo de escolarização dos filhos estes conseguem atingir o êxito, a família
desempenha um papel preponderante. E durante a nossa pesquisa observamos que um
dos nossos sujeitos de pesquisa sempre contou com o apoio sistemático da família, e
isso teve uma grande influência para o seu sucesso.
A escolaridade dos encarregados de educação também exerce o seu peso no sucesso
académico dos alunos desfavorecidos, uma vez que os alunos podem se inspirar nos
seus encarregados. E a probabilidade de apoio por parte dos encarregados é maior
quando são escolarizados.
Em suma, os factores do sucesso académico de estudantes provenientes de famílias
desfavorecidas são: capacidade de captação, assimilação e retenção de conteúdos
escolares; autodeterminação escolar, resultante do forte desejo de superar as
dificuldades da vida; apoio da família na escolarização dos alunos; a qualidade de
professores; e a escola no cumprimento do seu papel, de garantir que,
independentemente da condição financeira, os alunos tenham um ensino de qualidade.
49
5.2. Recomendações
Recomendo a presente monografia a todos estudiosos de educação, que eventualmente
possam querer compreender o paradigma do sucesso escolar dos alunos provenientes de
famílias desfavorecidas.
Recomendo igualmente a todos os actores educativos, a desempenhar da melhor forma
o seu papel no processo de escolarização dos alunos:
A família dos alunos é o primeiro contacto educativo que o aluno tem durante a
sua vida. Portanto a organização familiar desempenha um papel primordial no
processo de instrução dos educandos.
A família deve mostrar ao seu educando desde cedo, o que a escola representa;
deve mostrar até que ponto a escola pode ajudar na melhoria de situações de
risco, como a pobreza, e o analfabetismo.
Os professores: estes representam uma das figuras mais importantes do
processo de ensino e aprendizagem. É com estes que o aluno passa a ter a
ligação com os conteúdos escolares. E sem dúvida a garantia do sucesso
académico, também é responsabilidade do professor. Assim sendo
recomenda-se:
Para que deixem de ser meros transmissores de informações, e sejam também
vigilantes durante o processo de ensino e aprendizagem, no sentido de perceber
os progresso do aluno, suas dificuldades e seus anseios. Em suma, os professores
precisam fortificar as suas relações com os alunos, impulsionando sempre o
sucesso.
O professor deve garantir também, que haja uma boa ligação da família dos
alunos com a escola, acompanhando todo o processo de ensino e aprendizagem
dos alunos.
Directores de escolas: devem garantir que haja um bom funcionamento da escola;
garantir que os professores desempenhem da melhor forma o trabalho docente; garantir
que o aluno seja devidamente acompanhado; garantir a capacitação de todos os
professores; garantir que haja algumas actividades extracurriculares
50
6. Referências bibliográficasApolinário, F. (2006). Metodologia da ciência: Filosofia e prática da pesquisa. São
Paulo.
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Zago, N. (2000). Quando os dados contrariam as previsões estatísticas: Os casos de
êxito escolar nas camadas socialmente desfavorecidas. Ribeirão Preto.
53
ANEXOS
54
Anexo 1. Guião de entrevista
Consentimento Informado
Este estudo tem como objectivo perceber sobre os casos de sucesso académico
dos alunos provenientes de famílias desfavorecidas na cidade de Maputo. Por
isso solicito a sua participação numa entrevista sobre a sua história de vida,
sobretudo no que concerne ao seu percurso escolar.
Esta participação será voluntária, pelo que poderá interromper a entrevista a
qualquer momento.
Para assegurar que os dados recolhidos sejam avaliados com o devido rigor e
sem alterações, é importante proceder a gravação desta entrevista. A mesma podeser
interrompida a qualquer momento se assim o desejar.
Todas as declarações feitas nesta entrevista serão estritamente confidenciais, pois os
resultados serão codificados.
Gostaria de saber se aceita participar nesta entrevista, e se autoriza a gravação
da mesma.
A entrevista terá a duração de 45 minutos no mínimo, podendo se estender ate no
máximo uma hora de tempo. A mesma pode ser interrompida, caso assim
prefira.
Data: ____/____/____
O investigador O participante
_________________________ ______________________
1. Dados pessoais:
1.1. Nome completo? ___________________________________________________
1.2. Data de nascimento______________ local de nascimento_________________
1.3. Morada: _________________________________________________________
1.4. Contactos: ________________________________________________________
55
2. Características do agregado famíliar:
2.1. Com quem vive? ___________________________________________________
2.2. Qual é o numero de pessoas com quem vive? _________________________
2.3. Quem é o responsável pela sua educação? _____________________________
______________________________________________________________________
2.4. Qual é o nível académico dos seus pais/encarregados de educação?
______________________________________________________________________
3. Condições de vida:
3.1. Descreva-me o local onde mora: Tipo de construção; bens duráveis.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
3.2. Partilha seu quarto com alguém? _____________________________________
4. Renda familiar
4.1. Seus encarregados de educação trabalham? _________ Se sim, quanto
recebem? _________________________
4.1.1. Chega para cobrir todas as despesas do mês? ________________________ Se
não, quais são as prioridades nas despesas?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4.2. Quantas refeições têm por dia? _________________ Em que intervalos de
tempo? __________. Descreva o tipo de refeições normalmente costumam ter?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
56
4.3. Alem de estudar, já teve que realizar alguma outra actividade lucrativa que ajudasse
nas despesas de casa? ______. Se sim, qual?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4.4. Os seus pais exercem alguma outra actividade lucrativa para ajudar nas
despesas de casa? _____________ Se sim, qual?
_________________________________________
4.5. Qual é a distancia da sua morada para a escola? ____________________________
Precisa de um meio de transporte? _____. Se sim, qual? ________________
Com que frequência?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________.
4.6. Costumam ter momentos de lazer com a família? _____________. Se sim,
quais são?
__________________________________________________________________
______________________________________________________________________
4.7. Já se viu com falta de algum material escolar por falta de dinheiro? _____________
Se sim, com que frequência isso acontece? ___________________________________
4.8. A casa onde morra pertence aos teus encarregados de educação ou é
alugada? _____________________________________________________________
5. Relação com a família
5.1. Qual é o clima que se vive dentro de casa? (relação entre os membros)
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6. Relação com a escola
6.1. Qual é a sua relação com os seus professores?
______________________________________________________________________
57
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6.7. Qual é a sua relação com os seus colegas?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
6.8. O que tem feito antes e depois de sair da escola?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
7.Tempo dedicado aos estudos
7.1 Quantas vezes senta para estudar fora da escola?
_____________________________________________________________________
7.2. Alguém o ajuda nos trabalhos escolares? ________. Quem? __________________.
De que modo?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
8. Seus encarregados de educação procuram saber do seu aproveitamento?
____________
8.1. Seus encarregados de educação tem participado nas reuniões escolares? _________.
Se não, porque motivos?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
8.2. Se sente obrigado pelos seus familiares a ir a escola? _______.
9. Mesmo sendo um aluno proveniente de baixa renda, Por que motivos tens
boas notas?
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
10. Fala das principais dificuldades que enfrentou durante o seu percurso escolar.
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
______________________________________________________________________
58
______________________________________________________________________
Anexo 2: Credencial dirigida à direcção da Escola Secundária Noroeste I
59