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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ SHAIANI ARAGÃO VALLE ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO Tijucas 2007

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

SHAIANI ARAGÃO VALLE

ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO

Tijucas 2007

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SHAIANI ARAGÃO VALLE

ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí, Campus Tijucas. Orientadora: Profª. MSc. Ana Maria Cordeiro

Tijucas

2007

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SHAIANI ARAGÃO VALLE

ARGUMENTAÇÃO E RETÓRICA NO DISCURSO JURÍDICO

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Campus de

Tijucas.

Área de Concentração: Teoria do Direito

Tijucas, 21 de novembro de 2007.

Profª. MSc. Ana Maria cordeiro

UNIVALI – CE Tijucas

Orientadora

Prof. MSc. Celso Leal da Veiga Júnior

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

Prof. Msc. Vilmar Vandresen

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

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Aos meus pais, João Batista e Rossemary, que, me cercam

de afeto, compreensão e estímulos para buscar sempre o melhor.

Minhas palavras jamais serão o suficiente para expressar meu

amor e minha gratidão.

À minha irmã Danielli, que é uma parte de mim. Pelo amor

irrestrito, amizade fraterna, companheirismo e cumplicidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pelo Dom da vida, pela saúde e pelo acalento, por ser o alicerce no

transcorrer da confecção deste trabalho, quando o cansaço tomava conta do corpo e da

mente. Por conceder-me discernimento e firmeza para superar as adversidades.

Aos meus pais Rose e João e minha irmã Dani, que são o baluarte da minha

vida, por estarem comigo em todos os momentos, e que na simplicidade de suas vidas,

ensinaram-me o caminho da retidão e da honradez, confiaram em mim e deram-me

todas as oportunidades para realizar sonhos que nem eu mesma sabia que teria. Por

me ensinarem que o amor é o que existe de mais valioso e por serem um paradigma de

família em harmonia, amo-os mais que tudo.

Aos amigos que estiveram comigo durante esta caminhada, que acompanharam

minhas frustrações, compreenderam minha ausência em muitos momentos e

compartilharam muitas alegrias. Aos que sabem que participam do meu equilíbrio vital.

Ao amigo Edemir Alexandre Camargo Neto, pelo exemplo de ser humano e

profissional que é, por acreditar no meu potencial, pelo apoio irrestrito, pelo

companheirismo e pela amizade sincera, o guardarei para sempre em meu coração.

À Professora MSc. Ana Maria Cordeiro, por sua solicitude e por ter aceitado me

orientar, confiando em minha capacidade e em minha força de vontade para a

realização desta pesquisa.

Aos colegas de classe e aos amigos que conquistei durante estes cinco anos de

curso, amizades estas, que deixaram marcas indeléveis e serão lembradas com

saudade.

A todos os professores do curso de Direito que contribuíram para minha

formação acadêmica, em especial: Adilor Antônio Borges, Aldo Bonatto Filho,

Alexandre Botelho, Cláudia M. K. Berlim, Everaldo M. Dias, Fernando F. A. Fernandez,

Leonardo Matioda, Marcos A. C. de Freitas e Renato S. de Mello, que além de

professores, tornaram-se grandes amigos.

Ao professor e Coordenador do Curso de Direito Prof. MSc. Celso Leal da Veiga

Jr, pelo esmero com que mantém o curso, por incentivar e apoiar meus projetos

enquanto acadêmica, pelo profissionalismo e amizade.

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Ao Prof. MSc. Vilmar Vandresen, filósofo que admiro. Por inconscientemente ter

despertado em mim a paixão pela filosofia, por ter me ensinado que as notas não

denotam verdadeiramente a capacidade intelectual e que os erros são parte do

processo de aprendizagem, obrigada por me fazer crescer.

Aos funcionários da UNIVALI campus de Tijucas, em especial à secretária de

coordenação Amanda Regina Baixo e à secretária do núcleo de prática jurídica Leila

Maria Santos Ferreira, por desempenharem sua função com dedicação e empatia, por

me atenderem com gentileza, por me auxiliarem em todos os momentos em que

solicitei e pelo carinho e amizade que me proporcionam.

Aos funcionários, estagiários e colaboradores do Fórum da Comarca de Tijucas,

por me proporcionarem aprendizado cotidiano, em especial aos que conquistaram

minha amizade e admiração.

Aos Juízes, Dr. Vilson Fontana e Dr. Rafael Brüning, aos Promotores de Justiça,

Dr. Luís Eduardo Couto de O. Souto, Dr. Samuel Dal-Farra Naspolini e Dr. Rosan da

Rocha, pelo conhecimento que me transmitiram e pelo exemplo de profissionais.

À amiga Balnei Beal Frohlich, por ser um anjo em minha vida, regando a minha

existência com gotas de sabedoria e acalento.

À Assistente de Promotoria e amiga Maristela S. Alves Naibo, pelo incentivo nos

momentos mais cruciais, pelos ensinamentos jurídicos e pelo carinho e atenção que me

oferece.

Aos amigos Ana Paula Silva, Everson Ricardo Alves Pereira, Giovani Zanluca e

Ricardo Manoel de Melo pelo auxilio mesmo que indireto no tocante ao material

bibliográfico que forneceram.

Aos amigos queridos Leandro Lourenci, Nicolas Fresard Louro e ao primo mais

amado Luiz Antônio Motter Júnior, por fornecerem gentilmente as cotas para a

impressão desta monografia.

À amiga muito amada, Rafaela Ohlson, que me socorreu e me incentivou quando

já não eu já conseguia acreditar em mim mesma.

Ao amigo Misael Dalbosco pelo auxílio na elaboração do abstract.

Sinceros e infindáveis agradecimentos a todas essas pessoas que iluminaram e

iluminam o meu caminho.

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“A aquisição deste conhecimento é uma tarefa árdua, que

ninguém empreenderia apenas com o fim de convencer os outros;

um objetivo mais elevado, a perfeição da alma e o desejo de servir

os deuses, deve animar o espírito do estudioso da verdadeira arte

retórica”.

Platão

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RESUMO

O presente trabalho monográfico tem por escopo identificar e analisar a

essencialidade da argumentação no discurso jurídico, enfocando a retórica, seu

conceito e aspectos histórico. O estudo, restringiu-se em considerar sua utilidade como

instrumento jurídico, visto que, o discurso jurídico tem o intuito de persuadir,

destacando-se como meio eficaz na defesa dos interesses dos homens. Buscou-se

explanar também, o argumento sofístico, que deve ser evitado, ou até abolido dos

discursos jurídicos, objetivando maior probabilidade de convencimento utilizando-se

premissas verdadeiras para uma conclusão fundamentada. Por fim, estudou-se o

discurso jurídico e as funções da retórica e da argumentação no respectivo discurso,

contribuindo assim, de maneira muito significativa para uma sólida formação

persuasiva, atingindo com brilhantismo, o enfoque do presente trabalho.

Palavras- Chaves: Argumentação. Discurso jurídico. Persuasão. Retórica.

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ABSTRACT

The present monograph has been developed to identify and analyze the

essentiality of argumentation on juridical practice, focusing on rhetoric, its concept and

historical development. The study have restrict in considering its utility as juridical

instrument, since the juridical speech have the intention of persuading, standing out as

an effective mean in the defense of interests of men. One looked, also, for the

explaining of the sophistic argument, which must be avoided, or even suppressed of the

juridical discourse, seeking greater probabilities of convincing, making use of true

premises for a based conclusion. Finally, one studied the juridical speech and the

function of rhetoric and argumentation in the speech, therefore contributing, in a

significant way, a solid persuasive formation, matching brilliantly the focus of the present

work.

Key-words:, Argumentation. Juridical Speech. Persuading. Rhetoric.

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de Direito, que assumo total responsabilidade pelo

aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí – UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer

responsabilidade acerca do mesmo.

Tijucas (SC), 21 de novembro de 2007

__________________________________

Shaiani Aragão Valle

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LISTA DE ABREVIATURAS E SÍMBOLOS

a.C Antes de Cristo

Abr. Abril

Ago. Agosto

Ampl. Ampliada

Apud Citado por

Art. Artigo

Arts. Artigos

Atual. Atualizada

DJ Diário de Justiça

Dr. Doutor

ed. Edição

et. al E outros

Mar. Março

MSc. Mestre

Min. Ministro

n. Número

Org. Organizador (a)

p. Página

Prof. Professor

Rel. Relator

REsp. Recurso Especial

Rev. Revista

SC Santa Catarina

s.f. Substantivo feminino

STJ Superior Tribunal de Justiça

Trad. Traduzida

Tir. Tiragem

v. Volume

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CATEGORIAS BÁSICAS E CONCEITOS OPERACIONAIS

Argumentação: “[...] dentre os que ousaram definir a argumentação, e meio às

divergências, sendo retórica, lógica, arte ou ciência, a argumentação tem caráter de

instrumentalidade, ou seja, por mais que seja teorizada, sua função é eminentemente

prática”. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005, p. 142).

Direito: “[...] é o conjunto de regras de conduta coativamente impostas pelo

Estado [...] o direito se traduz em princípios de conduta social, tendentes a realizar a

Justiça”. (MEIRELLES, 2001, p. 31).

Discurso: “É toda produção verbal, escrita ou oral, constituída por uma frase ou

por uma seqüência de frases, que tenha começo e fim e apresente certa unidade de

sentido”. (REBOUL, 2000, p. XIV).

Jurídico: “[...] relativo ao Direito; conforme a ciência do Direito”. (FERREIRA,

2004, p. 441).

Justiça: “Conformidade com o direito, o preceito legal. Equilíbrio perfeito que

estabelecem moral e a razão entre o direito e o dever. [...] A definição consagrada é [...]

a vontade constante de dar a cada um o que é seu”.(GUIMARÃES, 2004, p. 375).

Linguagem: “o uso da palavra articulada (na voz) ou na escrita como meio de

expressão e de comunicação entre as pessoas”. (FERREIRA, 2004, p. 460).

Operador Jurídico: “[...] profissionais para cujas atividades seja pressuposta a

detenção do diploma de Bacharel em Direito e o devido cumprimento das regras de

acesso profissional, e para as quais a matéria prima comunicativa é o Jurídico e a

finalidade é realizar a Justiça”. (PASOLD, 2000, p. 21).

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Persuasão: “[...] persuasão é o ato de persuadir, fazer acreditar, convencer. É o

uso de argumentos que convençam alguém de que a razão ou a verdade está com

quem as apresentou”. (GUIMARÃES, 2004, p. 427).

Retórica: “Retórica é por definição a arte da eloqüência [....] visa a persuasão

[...] e deve ser entendida como a arte de apresentar uma idéia ou tese de forma

persuasiva”. (NASCIMENTO, 1987, P. 197)

Técnica: “conjunto diferenciado de informações reunidas e acionadas em forma

instrumental para realizar operações intelectuais ou físicas”. (PASOLD, 2000, p. 21).

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ......................................................................................................15

2 RETÓRICA...........................................................................................................18

2.1 O CONCEITO DE RETÓRICA ...........................................................................18

2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA RETÓRICA .......................................................20

2.3 OS SOFISTAS ...................................................................................................22

2.4 A RETÓRICA E OS FILÓSOFOS......................................................................27

2.5 GÊNEROS RETÓRICOS E SUA TÉCNICA.......................................................30

2.6 ETHOS, PATHOS E LOGOS .............................................................................33

3 A ARGUMENTAÇÃO ..........................................................................................36

3.1 O CONCEITO DE ARGUMENTAÇÃO ...............................................................36

3.2 OS TIPOS DE ARGUMENTOS..........................................................................38

3.3 ARGUMENTAÇÃO E PERSUASÃO ..................................................................45

3.4 A ARGUMENTAÇÃO E O DIREITO...................................................................51

4 DISCURSO JURÍDICO ........................................................................................54

4.1 O CONCEITO DE DISCURSO JURÍDICO.........................................................54

4.2 OS TIPOS DE DISCURSOS ..............................................................................57

4.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HERMENÊUTICA ........................................61

4.4 A PRÁTICA DO DISCURSO JURÍDICO ............................................................64

4.5 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO..........................67

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................71

REFERÊNCIAS........................................................................................................74

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1 INTRODUÇÃO

A presente monografia tem como tema: Argumentação e Retórica no Discurso

Jurídico, e visa demonstrar a relevância dos institutos em pauta, no exercício da

profissão do operador jurídico.

Assim, busca-se desenvolver da melhor forma possível a pesquisa, com base em

todos os materiais encontrados nas doutrinas, jurisprudência, legislação, entre outros,

que tratam do referido tema, tendo a finalidade de transmitir aos leitores todos os

conhecimentos adquiridos, oportunizando elucidações acerca das técnicas

concernentes ao tema, auxiliando na elaboração dos discursos jurídicos.

Todavia, a pesquisa não se circunscreve apenas às técnicas pertinentes à sua

temática, outrossim, ressalta-se a sua importância e influência no decorrer da história e

sua contribuição significativa para a evolução jurídica, política e social da humanidade.

Mesmo tendo surgido há milhares de anos, a retórica não deixa de ser um tema

atual e proeminente, pois é uma virtude transcendente ao passo que atinge

considerável relevância social, seja para alcançar notável saber, bem como para

resolver espinhosos conflitos jurídicos e sociais.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora em identificar

possíveis métodos para alcançar o convencimento do interlocutor.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de

Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação Tijucas.

Constitui-se como objetivo geral deste trabalho analisar a essencialidade da

argumentação e retórica no discurso jurídico com o intuito de facilitar o entendimento e

a compreensão objetivando o convencimento e a persuasão.

Para a confecção da presente Monografia, foram abordados os seguintes

objetivos específicos:

a) verificar métodos e técnicas que aumentem a oportunidade do discurso

jurídico provocar persuasão;

b) analisar os tipos de argumentos e suas funções no discurso jurídico;

c) estudar os tipos de discurso e regras pertinentes à elaboração dos mesmos

com enfoque no discurso jurídico escrito.

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Para o desenvolvimento objetivo da presente pesquisa foram formulados os

seguintes problemas:

a) Qual a razão do estudo acerca da argumentação?

b) Qual a relação existente entre direito e argumentação?

c) Qual a função da retórica e da argumentação para o operador jurídico?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) A razão consiste na necessidade premente de persuadir. Argumentamos para

convencer alguém que, a princípio, não partilha os mesmos pontos de vista ou as

mesmas convicções que nós possuímos.

b) A argumentação é capaz de se adaptar facilmente à realidade jurídica

encontrada, conferindo aos operadores do direito um instrumento de trabalho útil e

eficaz. Os argumentos, analisado a partir de uma ótica jurídica, são elementos que

conduzem à demonstração da verdade jurídica.

c) A função do operador jurídico é despertar a persuasão e/ ou o convencimento,

para tanto, utiliza-se da retórica e da argumentação para construir argumentos

convincentes.

O relatório final da pesquisa foi dividido em três capítulos, podendo-se, inclusive,

delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente à retórica

como um todo, seu conceito, histórico, gêneros e técnicas para atingir sua finalidade; a

segunda consiste em uma análise da argumentação, os tipos de argumentos e a sua

ligação com o direito; e, por último, um estudo acerca do discurso jurídico, a

argumentação e retórica com enfoque no discurso jurídico escrito e na incidência de

sua essencialidade às atividades cotidianas do operador jurídico.

O presente relatório de pesquisa se encerra com as considerações finais, nas

quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à

continuidade dos estudos.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que na fase de investigação foi

utilizado o método9 indutivo10, na fase de tratamento de dados o método cartesiano11, e

9 Conforme Pasold [2002, p. 104], “Método é a forma lógico-comportamental na qual se baseia o Pesquisador para investigar, tratar os dados colhidos e relatar os resultados”. 10 O Método Indutivo, segundo Pasold [2002, p. 103], consiste em “pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral”.

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o relatório dos resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica

Indutiva.

Nas diversas fases da pesquisa foram acionadas as técnicas do Referente12, da

Categoria13, dos Conceitos Operacionais14, da Pesquisa Bibliográfica15 e do

Fichamento16.

É conveniente ressaltar, enfim, que seguindo as diretrizes metodológicas do

Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, os acordos semânticos que

procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa e suas respectivas

Categorias, por opção metodológica, são apresentados no rol de categorias básicas e

conceitos operacionais, no início do trabalho e no desenvolvimento do mesmo.

11 Segundo Pasold [2002, p. 237], Método Cartesiano é “base lógico-comportamental [...] que pode ser sintetizada em quatro regras: 1. duvidar; 2. decompor; 3. ordenar; 4. classificar ou revisar”. 12 “[...] explicação prévia do motivo, objeto e produto desejado, delimitado o alcance temático e de abordagem para uma atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa”. [PASOLD, 2002, p.241]. 13 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia”. [PASOLD, 2002, p. 229]. 14 “[...] definição estabelecida ou proposta para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas”. [PASOLD, 2002, p. 229]. 15 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais”. [PASOLD, 2002, p 240]. 16 “Técnica que tem como principal utilidade otimizar a leitura na Pesquisa Científica, mediante a reunião de elementos selecionados pelo Pesquisador que registra e/ou resume e/ou reflete e/ou analisa de maneira sucinta, uma Obra, um Ensaio, uma Tese ou Dissertação, um Artigo ou uma aula, segundo Referente previamente estabelecido”. [PASOLD, 2002, p. 233].

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2 RETÓRICA

2.1 O CONCEITO DE RETÓRICA

Ao definir Retórica, parte-se de seu sentido amplo e irrestrito, sendo que a

Retórica é uma forma de convencimento através da Persuasão. Considerando, nesse

contexto, que o homem tem se valido da Retórica utilizando-a nas diversas formas

contenciosas, sem desprender-se do objetivo de convencer.

Deve-se ponderar sobre o que diz Ferreira (1999, p. 760) quando leciona que:

“Em sentido amplo, a Retórica se mistura com a poética, consistindo na arte da

eloqüência em qualquer tipo de Discurso. Para o senso comum, é sinônimo de coisas

empoladas, artificiais, declamatórias, falsas”.

A definição de Retórica advinda do senso comum, reflete um certo desprestígio à

este instituto que é considerado arte, matéria e até ciência. Analisar a Retórica sob este

prisma valorativo e negativo é ignorar séculos de estudo de grandes filósofos e

historiadores acerca do instituto mencionado.

Convenientemente, a Retórica será aqui tratada em sentido estrito, foco do

presente estudo.

Segundo Aristóteles ([s.d], p. 33), a Retórica é universal:

A Retórica não pertence a um gênero definido de objetos, ela é universal. Sua função não é somente persuadir, visto que, Retórica é a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar Persuasão. Nenhuma outra arte possui esta função, porque as demais artes têm sobre o objeto o que lhes é próprio.

Nascimento (1987, p. 197) associa diretamente a Retórica à Persuasão ao

ensinar que: “Retórica é por definição a arte da eloqüência [...] visa a Persuasão [...] e

deve ser entendida como a arte de apresentar uma idéia ou tese de forma persuasiva”.

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No entendimento de Reboul (1998, p. 24):

Ela [a Retórica] não se reduz ao poder de persuadir (subentendido: ninguém de coisa nenhuma); no essencial, é a arte de achar os meios de Persuasão que cada caso comporta. Em outras palavras, o bom advogado não é aquele que promete a vitória a qualquer custo, mas aquele que abre para a sua causa todas as probabilidades de vitória.

No mesmo sentido, Perelman (1996, p. 57) afirma que a Retórica “[...] é o estudo

das Técnicas discursivas que permitem provocar ou aumentar a adesão dos espíritos

às teses apresentadas ao seu assentimento”.

Mesmo que inconscientemente, a partir do momento em que foi descoberta a

sua importância no Discurso, a Retórica se faz presente no cotidiano dos homens: “[...]

desde o seu reconhecimento como meio eficaz na defesa de interesses, o homem tem

se valido da Retórica, mesmo que de forma assistemática e intuitiva, instaurando assim,

a soberania da força discursiva nas disputas humanas”. (FABRIS, 1995, apud

CARNEIRO, SEVERO e ÉLER, 2005, p. 67).

Retórica é a Linguagem na sua realização como Discurso, ou, ainda, a arte de

convencer pelo Discurso. “A Retórica é útil, porque o verdadeiro e o justo são por

natureza, melhores que seus contrários”. (ARISTÓTELES, [s.d]. p. 31).

A Retórica é ainda um poderoso instrumento de Justiça, aplicável às mais

diversas circunstâncias, e são justamente essas qualidades de poder e de versatilidade

que a tornam tão apetecida.

As relações entre Direito e moral passam a permear novamente as discussões

em torno do problema do que é o Direito. O resgate da Retórica para a reconstrução de

um conceito de racionalidade na filosofia e nas ciências, os progressos da filosofia da

Linguagem, o reconhecimento dos princípios fundamentais e suas interações num

sistema de Direito, constituem alguns fundamentos que determinaram a reflexão do

positivismo Jurídico, em suas diversas concepções.

Através da Retórica pode-se não chegar necessariamente à verdade, mas ao

verossímil, ou seja, próximo da verdade.

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2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS DA RETÓRICA

Verificando o surgimento da Retórica, denota-se que Rostovtzeff (1977, pág.

190), explica que “[...] a Retórica teve origem na Grécia Antiga do século V a.C., e seu

nascimento está relacionado às relações sociais advindas do surgimento da Polis17”.

Para Pereira (1982), não pode haver uma definição de Retórica sem referência à

cultura grega, não só porque Retórica é etimologicamente um termo grego, mas

sobretudo porque a Retórica constitui um dos traços fundamentais e distintivos do gênio

grego. O termo grego retoriké é afim aos termos retor (orador) e retoreia (Discurso

público, eloqüência) e significa tanto a arte oratória como a disciplina que versa essa

arte. Contudo, o sentido genuíno do termo Retórica só é alcançado com a percepção de

como a civilização grega se distinguiu de todas as outras por assentar na palavra

pública. Os gregos tinham consciência desse traço distintivo e enalteciam-no.

Desde suas origens está, portanto, a Retórica indissociavelmente ligada ao

Direito, no aspecto que Aristóteles mais tarde chamará de gênero judicial do Discurso

retórico.

Seguindo o rito da literatura grega, a oratória, ou Retórica, surgiu em Homero18.

Avocou uma importância nova e crucial, quando as cidades-estados gregas passaram a

se autogovernar. As assembléias e os tribunais, onde se faziam as leis e onde eram

interpretadas e aplicadas, eram os principais órgãos do autogoverno. Assim, os

cidadãos tinham que aprender a falar com objetividade e clareza e argumentar de modo

a persuadir, intuindo proteger seus interesses nas assembléias e tribunais. (STONE,

1988).

Pouco a pouco começaram a surgir profissionais da Retórica, os primeiros

advogados, que ainda não representavam seus clientes na tribuna, mas orientavam os

seus Discursos, quando não os escreviam totalmente, obrigando os clientes a decorá-

los para realizar uma exposição correta e obter ganho de causa.

17 “Polis – termo em latim que significa cidade”. (PEREIRA, 1982, p. 08) 18 “Homero - Poeta grego (século IX a.C.). Considerado um dos maiores escritores de todos os tempos”. (FERREIRA, 2004, p. 396)

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21

Neste diapasão, Reboul (2000, p. 01) relata:

[...] a Retórica é anterior à sua história, e a qualquer história, pois é inconcebível que os homens não tenham utilizado a Linguagem para persuadir. Pode-se, aliás, encontrar Retórica entre hindus, chineses, egípcios, sem falar dos hebreus. Apesar disso, em certo sentido, pode-se dizer que a Retórica é uma invenção grega, tanto quanto a geometria, a tragédia, a filosofia.Em certo sentido e mesmo em dois sentidos. Para começar, os gregos inventaram a “Técnica Retórica”, como ensinamento distinto, independente dos conteúdos, que possibilitava defender qualquer tese. Depois, inventaram a teoria da Retórica, não mais ensinada como uma habilidade útil, mas como uma reflexão com vistas à compreensão, do mesmo modo como foram eles os primeiros a fazer teoria da arte, da literatura, da religião.

Ainda que tenha sido demonstrada, mesmo que superficialmente, a origem

literária da Retórica, é de suma importância averiguar a sua origem judiciária.

Nesta linha de raciocínio Reboul (2000) assinala que a Retórica teve origem na

Sicília, em 465 a.C, após a expulsão dos tiranos. Os cidadãos desapossados pelos

déspotas, reclamaram seus bens, o que resultou em incontáveis litígios judiciários.

Numa época em que não existiam os advogados, era necessário fornecer aos

conflitantes, uma maneira de defender sua causa.

No mesmo diapasão, Rostovtzeff (1977, pág. 190) ensina que:

O primeiro tratado de Retórica, naturalmente rudimentar, foi escrito em 465 a.C. por Tísias e Córax, dois oradores que se notabilizaram na defesa das vítimas dos arbítrios cometidos pelo tirano de Siracusa. A Retórica só se desenvolveu plenamente, no entanto, após a consolidação da democracia ateniense. Todos os cidadãos atenienses participavam diretamente nas assembléias populares, que possuíam funções legislativas, executivas e judiciárias. Assim, todos os assuntos eram submetidos ao voto popular - a organização do estado, a fixação de impostos, a declaração de guerra e até mesmo a morte de um cidadão, tudo isso era submetido à apreciação dos tribunais de Justiça. Nenhum cidadão podia escapar à sua cota de responsabilidade, que muitas vezes incluía a justificativa de sua opinião perante uma platéia. O exercício da função política dependia portanto da habilidade em raciocinar, falar e argumentar corretamente, e era natural que houvesse uma demanda de professores que proporcionassem a necessária "educação política". Esses professores eram os sofistas.

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22

Outra informação pertinente acerca de Córax e Tísias consiste na Técnica que o

segundo utilizou-se para não efetuar o pagamento devido ao primeiro. Tísias foi

discípulo do mestre Córax, e teria se abdicado de pagar Córax pelo ensino recebido,

assegurando que, se fora bem instruído pelo mestre, tinha condições de convencê-lo a

renunciar ao honorário e, se fora mal instruído, não era devedor de honorário. (PLEBE,

1978).

Contudo, a eventual origem forense da Retórica não invalida de modo algum a

concepção da Retórica como expressão de uma mentalidade argumentativa e livre.

O caráter antagônico que existe entre as partes num tribunal distingue-se

justamente porque a decisão não decorre da força bruta ou da violência de uma das

partes, mas do poder dos argumentos aduzidos. Se algo diferencia a aplicação da

Justiça numa sociedade livre ou numa sociedade totalitária é justamente a possibilidade

de qualquer das partes poder apresentar os seus argumentos e com eles influenciar a

decisão do juiz. Quem confia no uso da palavra para reclamar Justiça não sente a

necessidade de lançar mão de meios violentos.

O contexto da passagem de Córax e Tísias, remete a um pensamento sofístico,

levando a crer que, de fato, provavelmente foram inventores da Retórica, contudo,

desvirtuaram-na.

A seguir, serão conhecidos tais professores sofistas e de que forma tornaram

depreciativa e pejorativa a arte Retórica.

2.3 OS SOFISTAS

Para compreender quem foram os sofistas e sua ligação com a Retórica, deve

ser verificado o surgimento do termo sofista partindo de sua etimologia: “[...] na Grécia

antiga, as palavras sophos e sophia eram empregadas para traduzir respectivamente,

sábio e sabedoria e foram usadas comumente desde os tempos mais antigos,

significando uma qualidade intelectual ou espiritual [...]”. (GUTHRIE, 1995, 31).

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23

Ao surgirem os sophistes19, que são estudiosos que não possuem conhecimento

específico ou profundo de qualquer ciência, necessariamente, mas conhecem

superficialmente quase tudo, pode-se perceber que considerar a derivação da palavra

sofista é praticamente um contra-senso, pois, diferente do que era para ser, os sofistas

desprendem-se dos termos originários, passando a fazer uso de um conhecimento

superficial para obter poder e status.

Os sofistas são livres-pensadores que não obedecem a padrões instituídos, mas

que aceitam pôr tudo em causa. São eles que derrubam verdades e mitos e abrem

espaço para o pensamento filosófico, entretanto, utilizam o conhecimento adquirido

para enganar e iludir as pessoas.

Mostram-se dispostos a discutir todos os assuntos. Contudo, as palavras são

com freqüência destituídas do seu sentido corrente, e são usadas como instrumentos

de sugestão e Persuasão para convencer os seus interlocutores. Recorrem à

ambigüidade das palavras, exageram na aplicação de princípios lógicos, para numa

cadeia de deduções e sentidos ambíguos, levarem os seus interlocutores a

contradizerem-se.

Segundo Paixão (2006, p. 17), o filósofo Sócrates, que desaprovava os

sofistas, “[...] condenava a Retórica dizendo ser uma prática sofística, dando a entender

que os sofistas utilizavam-se da Retórica com o intuito de enganar por meio de um

Discurso empolado, enfeitado, sem nenhuma consistência.”

Sócrates podia ter motivos para expressar de forma angustiante o que faziam

os sofistas, entretanto, julgar a arte Retórica através dos sofistas é descartar

sumariamente todo o estudo retórico que intui o justo e o verdadeiro.

Porquanto “[...] é exagero dizer que os sofistas nada tinham em comum com os

demais filósofos exceto o fato de serem mestres profissionais. Um assunto pelo menos

todos eles praticavam e ensinavam em comum: a Retórica.” (GUTHRIE, 1995, 46).

Embora ensinassem de forma desvirtuada e repleta de vícios, era Retórica o que

os sofistas ensinavam. Uma Retórica despida dos elementos constitutivos da

verdadeira arte Retórica, contudo, com o mesmo intuito: o convencimento.

19 Sofhistes – termo em latim que significa sofista. (GUTHRIE, 1995, 31).

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Não importavam os argumentos e as Técnicas utilizadas, “[...] os sofistas

objetivavam a Persuasão a qualquer custo e para isso treinavam exaustivamente; suas

estratégias eram utilizadas a estimular uma falsa sabedoria”. (CARNEIRO, SEVERO E

ÉLER, 2005, p. 68).

Acreditavam que não podiam chegar a nenhuma certeza, consideravam verdade

e Justiça como relativas, treinando seus alunos a defender quaisquer dos lados de uma

questão, ignorando propositadamente, se justo ou injusto, cobiçando apenar vencer.

Desprovidos ainda de valores éticos.

Segundo Aristóteles (1987, p. 156), filósofo que defendia a Retórica e ensinava a

Retórica em busca da verdade e do verossímil, “[...] os sofistas utilizavam-se de

argumentos sofísticos, fadados a conclusões falsas. Sendo que a sofística é o

simulacro da sabedoria sem a realidade, e o sofista é aquele que faz mercantilismo de

uma sabedoria aparente, sobretudo, irreal.”

Neste contexto, Reboul (2000, p. 09) relata como os sofistas criaram a Retórica:

Pode-se dizer que os sofistas criaram a Retórica como arte do Discurso persuasivo, objeto de um ensino sistemático e global que se fundava numa visão de mundo. Ensino global: é aos sofistas que a Retórica deve seus primeiros esboços de gramática, bem como a disposição do Discurso de um ideal de prosa ornada e erudita. Deve-se a eles a idéia de que a verdade nunca passa de acordo de interlocutores [...] No entanto o fundamento que dão à Retórica parece-nos bem perigoso. [...] Certamente porque o mundo do sofista é um mundo sem verdade, um mundo sem realidade objetiva, capaz de criar o consenso de todos os espíritos. [...] A finalidade dessa Retórica, não é encontrar o verdadeiro mas dominar através da palavra; ela já não está devotada ao saber, mas sim ao poder. Com a sofística, a Retórica é rainha, mas rainha despótica porquanto ilegítima.

O cerne da questão entre o Discurso dos sofistas e o Discurso retórico dos

filósofos, está traçado em seu objetivo: “[...] o Discurso sofístico tem como principal

finalidade, mostrar sua capacidade Retórica, e não a de se comprometer com a

verdade. Baseia-se então, em opiniões aparentes, ou seja, que nem sempre são as

verdadeiras opiniões do argumentante.” (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005, p. 164).

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Observa-se que os sofistas foram responsáveis pelo desprestígio que sofreu a

Retórica, passando de arte, ciência e verdade a ser considerada falácia, bajulação e

falsidade.

Conveniente observar o que ensina Guthrie (1995, p. 49):

Os sofistas eram, com efeito, individualistas, e até rivais, competindo entre si por favor público. Não se pode, pois, falar deles como escola. De outro lado, pretender que filosoficamente nada tinham em comum é ir longe. Partilhavam da perspectiva filosófica, geral descrita na introdução sob o nome de empirismo, e com este ia ceticismo comum sobre a possibilidade de conhecimento certo, em razão da inadequação e falibilidade de nossas faculdades como ausência de uma realidade estável para ser conhecida. Todos igualmente acreditavam na antítese entre natureza e convenção. Podem diferir em sua avaliação do valor relativo de cada uma, mas nenhum deles sustentaria que leis, costumes, crenças religiosos humanos eram inabaláveis porque enraizados numa ordem natural imutável.

Nesta linha de raciocínio, “[...] assim também o orador: pode exprimir o que não

sente, e sabe disso; mas não pode informar seu público, ou destruiria seu Discurso. O

ator que finge bem é um artista; o orador que finge bem será mentiroso [...]”. (REBOUL,

1998, p. 67).

Aquele que utiliza artimanhas mentirosas não estará fazendo Discurso retórico e

sim Discurso sofístico. Técnicas de convencimento que não se baseiam na verdade

e/ou na lógica, não integram a Retórica.

Assim, Aristóteles (1987, p. 156) afirma que:

[...] ao homem que possui conhecimento de uma determinada matéria cabe evitar ele próprio os vícios de raciocínio nos assuntos que conhece e ao mesmo tempo ser capaz de desmascarar aquele que lança mão de argumentos capciosos; e, dessas capacidades, a primeira consiste em ser apto para dar uma razão do que se diz e a segunda em fazer com que o adversário apresente tal razão. Portanto, aos que desejam ser sofistas é indispensável que o estudo da classe de argumentos [...]. Tal estudo bem merece o trabalho que tiveram com ele, pois uma faculdade desta espécie fará com que um homem pareça ser sábio, e esse é o fim que os sofistas têm em vista.

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Apontado por Platão como a personificação da Retórica, tem-se em Górgias de

Leontini uma das maiores expressões práticas da sofística, tanto que Platão chegou a

escrever um diálogo em referência a seu nome.

Górgias foi um dos mais renomados professores de sua época e defendia a inexistência de qualquer critério absoluto para o conhecimento e a comunicação, com base em três princípios fundamentais; 1) nada existe; 2) o que existe é inconcebível, pois se alguma coisa existisse não a poderíamos conhecer; 3) o conhecimento é incomunicável, se acaso conhecêssemos, não poderíamos manifestá-lo aos outros. (PLATÃO, apud PAIXÃO, 2006, p. 29).

Górgias afirma que se existisse uma realidade imutável, esta não poderia ser

conhecida, tampouco apreendida, e ainda que fosse possível, nunca poderia, este

conhecimento, ser transmitido a outros. A opinião é suprema. Isto deixa o orador

sofista, mestre da arte de Persuasão, no comando de todo o campo da experiência,

pois opinião é sempre passível de mudança, a menos que o conhecimento seja

baseado em prova inabalável, e não existe uma coisa dessas. (GUTHRIE, 1995)

No Discurso Jurídico há a necessidade de uma atenção especial para evitar cair

nas teias sofísticas, comprometendo assim todo um raciocínio:

Ainda neste sentido, Carneiro, Severo e Éler (2005, p. 166/167) afirmam que:

Para se combater uma Argumentação sofística há de se cuidar, antes de mais nada, para não ser vítima dela. Aí não basta demonstrar falha lingüística ou de pensamento que apresenta e por quê. A Argumentação sofística, uma vez identificada como tal, passa por um processo de decadência irremediável, cujo único destino é a derrota, não só do argumento sofístico propriamente dito, como também de todos os outros argumentos que o rodeiam, e que por ele acabam sendo contaminados.

Clarividente que, se houver a intenção de uso da Retórica como Técnica de

Argumentação ou como instrumento na busca da verdade, é necessário abolir o

Discurso sofístico e toda forma de raciocínio que se assemelhe a ele.

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2.4 A RETÓRICA E OS FILÓSOFOS

Os filósofos que recriminavam os sofistas e censuravam o que ensinavam, bem

como a forma que ensinavam, tiveram que reverter a definição equivocada que

pregavam à Retórica.

Tiveram que reabilitá-la, aplicando a ela uma definição mais modesta que a dos

sofistas, conceituando-a de forma mais plausível e eficaz. (REBOUL, 1998).

A acepção clássica da Retórica que mais se difundiu no pensamento moderno

vem de Aristóteles ([s.d], p. 22):

A Retórica não é ciência, nem puro empirismo; não é prática, ou seja, não influi no comportamento geral da vida; nem é teorética, isto é, não tem por objeto a essência. É poética, visto que formula as regras da criação. Enfim, sua finalidade não é tanto persuadir quanto descobrir o que há de persuasivo em cada caso. Eis desmoronadas as ambiciosas pretensões dos sofistas que entendiam dever elevar a Retórica ao nível de Ciência. Por outro lado ela aparece realçada aos olhos daqueles que desejariam converte-la apenas numa coletânea, num receituário manuscrito dos casos particulares.

Não obstante fosse outro o seu objetivo, “[...] Aristóteles também se dedicou a

combater os sofistas, embora seu fim fosse o de enobrecer a Retórica, colocando-a a

serviço da verdade e da Justiça [...]”. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005, p. 71).

Plebe (1968, p. 38) assevera que o filósofo Aristóteles, dedicado a estudar e

ensinar a arte pela qual chega-se a uma conclusão verdadeira ou verossímil, “[...]

sustenta que a Retórica é a arte de descobrir, em qualquer questão, os meios de

persuadir, defendendo com maestria a tese de que a verdadeira Retórica deve ser,

antes de tudo, uma Técnica rigorosa de argumentar”.

Essa é a tônica do trabalho de Aristóteles, uma visão não depreciativa da

Retórica, uma Retórica mais próxima da dialética, equiparando-a a uma arte.

A Retórica não deixa de apresentar analogias com a Dialética, pois ambas tratam de questões que de algum modo são da competência comum de todos os homens, sem pertencerem ao domínio de uma ciência determinada. Todos os homens participam, até certo ponto, de

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uma e de outra; todos se empenham dentro de certos limites, em submeter a exame ou defender uma tese, apresentar uma defesa ou uma acusação. A maioria das pessoas fazem-no um pouco ao acaso, sem discernimento; as restantes, por força de um hábito proveniente de uma disposição. Como de ambos os modos se alcança o fim almejado, é óbvio que se poderia chegar à mesma meta seguindo um método determinado. Atendendo a que são igualmente bem sucedidos tanto os que procedem por hábito como os que atuam espontaneamente, é possível investigar teoricamente a causa do êxito. Ora, todos convirão facilmente ser esse o objetivo próprio de uma arte. (ARISTOTELES, [s.d], p. 29).

Para Aristóteles (apud REBOUL, 1998, p. 22) é necessário verificar que “[...]

assim como a dialética, a Retórica não pertence a um gênero definido de objetos, mas

é tão universal quanto aquela. Lógico, também é útil. Claro, por fim, que sua função não

é [somente] persuadir, mas ver o que cada caso comporta de persuasivo”.

Para Paixão (2007, p. 46) é possível observar que “[...] no Discurso dialético, não

temos uma verdade última e irrefutável, o silogismo20 dialético permite o debate e a

discussão acerca do que está estabelecido, calcado na exigência da racionalidade e da

lógica”.

Não obstante a Retórica assemelhe-se com a dialética vez ou outra, “[...] ao

contrário da dialética, a Retórica é uma disciplina séria, pois está ligada à ação social e

contribui para decisões graves, como condenar e absolver, entrar em guerra ou viver

em paz”. (REBOUL, 1998, p. 37).

Para poder traçar um comparativo entre dialética e a Retórica, deve ser

observado o ensinamento de Perelman (1997, p. 10):

Tratamos então de uma dialética que não conduziria necessariamente a uma finalidade preexistente, mediante um desenvolvimento uniforme necessário, mas que deixaria certo espaço à liberdade humana, com suas possibilidades de transcender qualquer sistema, qualquer totalidade dada. É óbvio que se trataria de uma liberdade situada, pois suas tomadas de posição, só se justificariam, em relação a concepções e valores admitidos, cuja perenidade não pode ser garantida, compreender-se-ia então o grande debate filosófico, não como abordagem de uma razão pré-constituída, mas como uma arbitragem entre posições cada vez mais abrangentes e englobadoras, que

20

“[...] dedução formal em que postas duas proposições, as premissas, delas se tira uma terceira, a conclusão”. (FERREIRA, 2004, p. 675)

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expressariam, todas as vezes uma visão do homem, da sociedade e do mundo, que refletiriam as convicções e as aspirações do filósofo e do seu meio de cultura.

A Retórica, por vezes, pode até fazer parte da dialética, contudo, ainda são

conhecimentos (se assim podem ser chamados) distintos, cada qual com sua

significação particular, em seu próprio contexto.

Resguardando a dialética e considerando a condenação aos sofistas, já

mencionada, além de Aristóteles, Isócrates também censurava os sofistas, ponderando

que:

[...] a Retórica veio atender a diversas necessidades dos gregos: necessidade de Técnica judiciária, de prosa literária, de filosofia, de ensino. Ora, Isócrates vai conseguir satisfazer sozinho essas quatro exigências, ao propor uma Retórica mais plausível e mais moral que a dos sofistas. Aliás, a partir do final do século V, esse termo passou a ser pejorativo, e devemos agradecer a Isócrates, por ter libertado a Retórica do domínio sofístico. (REBOUL, 2000, p. 10).

Numa busca filosófica, Isócrates defende que sabedoria ou filosofia de nada

valem sem a Retórica, assim como a Retórica de nada vale sem a sabedoria. Para ele,

a palavra tem um dom divino, não é um mero exercício formal, mas uma Técnica.

Ainda em Reboul (2000, p. 11), verifica-se a moralização da Retórica por

Isócrates: “[...] ele moraliza a Retórica, ao afirmar em alto e bom som que ela só é

aceitável se estiver a serviço de uma causa honesta e nobre, e que não pode ser

censurada, tanto quanto qualquer outra Técnica, pelo mau uso que alguns fazem dela”.

A Argumentação deve ser valorizada no Discurso retórico, posto que: “[...] o uso

da Argumentação não pode ser em princípio condenável, porque, neste caso,

deveríamos condenar os filósofos que procuram, graças à Argumentação, convencer-

nos do bem fundado nos seus ataques contra a Retórica”. (ARISTÓTELES, apud

PACHECO, 2007).

Para Stone (1996, p. 105), Aristóteles contribuiu com a Argumentação e com a

Retórica ao sistematizar a lógica:

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Enquanto Sócrates estava constantemente buscando a certeza absoluta na forma de definições perfeitas, o que ele jamais conseguia encontrar, e enquanto Platão abandonava o mundo real em favor de uma estratosfera celestial de Idéias ou Formas imutáveis, Aristóteles abordava o problema do conhecimento a partir de um ponto de vista próximo àquilo que denominamos senso comum. Ao sistematizar pela primeira vez a lógica, inventando seu principal instrumento, o silogismo, Aristóteles distinguiu duas formas de silogismo, o dialético e o retórico.

A dialética e a Retórica se assemelham “[...] sendo que nem uma nem a outra é

ciência com seu objeto definido [...] faculdades de fornecer argumentos. Afigura-se que

nos expandimos suficientemente sobre o domínio de cada uma delas, bem como no

que respeita as suas relações recíprocas”. (ARISTÓTELES, [s.d.], p. 34).

É Reboul (2000, p. 39) que dá uma definição razoável, delineando um paralelo

entre dialética e Retórica:

Retórica e dialética são, pois, duas disciplinas diferentes mas que se cruzam como dois círculos em intersecção. A dialética, é um jogo intelectual que, entre suas possíveis aplicações, comporta a Retórica. Esta é a Técnica do Discurso persuasivo que, entre outros meios de convencer, utiliza a dialética com instrumento intelectual. Pois bem, se os dois círculos podem cruzar-se, é porque situam-se no mesmo plano, e – indo mais longe – porque pertencem em seu sentido estrito ao mesmo mundo.[...] Na Retórica, em que não se sustenta uma tese, mas uma causa, em que não se joga com idéias, mas o que está em jogo no Discurso é o destino judiciário, político ou ético dos homens [...].

Para o presente estudo, necessária se faz essa distinção entre as duas ciências,

para evitar uma concatenação de idéias díspares, que encerraria num equívoco

bastante complexo.

2.5 GÊNEROS RETÓRICOS E SUA TÉCNICA

O intuito de Aristóteles era, pois, construir um método que afastasse a Retórica

da vulgaridade e possibilitasse um seu melhor uso, conforme explica Plebe (1968, p.

39):

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Apesar de a Retórica não empregar silogismos, mas entimemas, ela tem um critério próprio de julgamento: assim como se distinguem os silogismos verdadeiros dos falsos, assim se distinguem os entimemas verdadeiros dos aparentes. Daí decorre a possibilidade de um método rigoroso, de uma techne da Retórica [...].

Perelman (2000, p. 136) discorda de Aristóteles no que se refere à Lógica, e

explica:

A concepção positivista tinha como conseqüência inevitável restringir o papel da lógica, dos métodos científicos e da razão a problemas de conhecimento puramente teóricos, negando a possibilidade de um uso prático da razão. Opunha-se por isso, à tradição aristotélica, que admitia uma razão prática, que se aplica a todos os domínios da ação, desde a ética até a política, e justifica a filosofia como a busca da sabedoria.

Contudo, os estudos de Aristóteles sobre a lógica têm demasiada relevância,

sistematizando e distinguindo ainda, dois tipos de raciocínio: “[...] o Analítico, que tinha

a característica principal de levar uma resposta única e necessária, pela demonstração

do silogismo lógico21, assim se chegaria ao conhecimento das verdades imutáveis da

natureza e segundo tipo de raciocínio chamou-se dialético, por sua capacidade de levar

a várias soluções aceitáveis, partindo do provável e dos lugares (topos)22”.

(CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

Outra divisão sistemática e importante, agora desligada da lógica, são os

gêneros retóricos ou gêneros discursivos.

Para Aristóteles, “[...] os três gêneros retóricos, estão, pois, ligados aos três

tempos fundamentais: o deliberativo, que aconselha ou dissuade, ao futuro; o judiciário,

que acusa ou defende, ao passado e o epidíctico, que louva ou repreende, ao

presente”. (PLEBE, 1978, p. 40).

Essa divisão em três grandes gêneros vigora até hoje “[...] pois ela resulta dos

tipos de auditório e estes permanecem sendo três em sua estrutura: aquele que

delibera, aquele que julga e aquele que louva ou denigre – algo ou alguém.

(CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005, p. 73). 21 “O conhecimento vindo do silogismo lógico seria o científico”. (PERELMAN, 1998, p. 84). 22 “Topos – termo grego que significa lugar”. (PEREIRA, 1982, p. 17).

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Reboul (2000, p. 46) afirma que os pontos basilares dessa divisão são os valores

em que se norteiam:

O principal é que os valores que servem de normas a esses Discursos não são os mesmos. Enquanto o judiciário diz respeito ao justo e o injusto, o deliberativo diz respeito ao útil e ao nocivo. Útil a quem? À cidade, e a nada mais; e o interesse coletivo, nacional, pode ser perfeitamente injusto; assim, o orador político pouco está preocupado com o saber [...] quanto ao epidíctico, os valores que o inspiram são o nobre e o vil, valores que nada tem a ver com o interesse coletivo, e que não se confundem tampouco com o “justo”, pelo menos no sentido legal.

Aristóteles ([s.d], p. 41) acrescenta ainda:

[...] quando se louva ou se censura, quando se aconselha ou se desaconselha, quando se acusa ou se defende, ninguém se empenha só em demonstrar o que afirmou; mas todos se propõem, além disso, mostrar a importância d, grande ou pequena do bem e do mal, do belo e do feio, do justo e do injusto, que o assunto encerra, quer estes pontos sejam tratados em si separadamente, quer sejam mutuamente postos em confronto e oposição.

Reboul (2000, p. 46) explica os tipos de Argumentação dos três gêneros:

“[...] o judiciário, que dispõe de leis e se dirige a um auditório especializado, utiliza de preferência raciocínios silogísticos (entimemas), próprios a esclarecer a causa dos atos. O deliberativo, dirigindo-se a um público mais móvel e menos culto, prefere argumentar pelo exemplo, que aliás, permite conjeturar o futuro a partir dos fatos passados [...]. Quanto ao epidíctico, recorre sobretudo à amplificação, pois os fatos são conhecidos pelo público, e cumpre ao orador dar-lhes valor, mostrando sua importância e nobreza.

Abaixo, um esboço sistemático delineado por Reboul (2000, p. 47) para facilitar o

entendimento diante das distinções de cada gênero. O quadro abaixo tem o intuito de

sintetizar a conceituação ratificada por Reboul (2000, p. 47), que encerra afirmando

que: “[...] determinado o gênero, a tarefa seguinte é encontrar argumentos”.

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Os três gêneros retóricos Gênero Auditório Tempo Ato Valores Argumento

Judiciário Juízes Passado (fatos por julgar)

Acusar - Defender

Justo - Injusto

Entimema (dedutivo)

Deliberativo Assembléia Futuro Aconselhar - Desaconselhar

Útil - Nocivo

Exemplo (indutivo)

Epidíctico Espectador Presente Louvar - Censurar

Nobre - Vil

Amplificação

2.6 ETHOS, PATHOS E LOGOS

Desde a antiguidade clássica os estudos da Retórica demonstram que esta arte

é composta por estes três pilares fundamentais: Logos, Pathos e Ethos.

Poderia, aliás, ser traçada uma história das civilizações através do peso extra

que cada povo, que, em cada altura, atribui a cada um dos três pilares em detrimento

dos outros, contudo, este não é o enfoque desejado.

Reboul (2000, p. 47) afirma que “[...] logos, pathos e ethos, são uma

classificação generalíssima dos tipos de argumentos”, já que há uma classificação mais

específica.

Aristóteles (2003, XXXII), no sentido dos conceitos atribuídos, assevera que: “[...]

são possibilidades das manifestações emocionais, com o fim de persuadir”.

Para Reboul (2000, p. 48):

Ethos é um termo que está ligado ao caráter moral que o orador deve parecer ter, mesmo que não o tenha. O fato de alguém aparentar ter sinceridade, sensatez e simpatia, sem ter, é moralmente constrangedor. Contudo, ser tudo isso e ainda assim não saber aparentar, não é menos constrangedor. Assim, as melhores causas estão fadadas ao fracasso.

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De uma forma resumida, o Ethos consiste na credibilidade do orador. Na sua

magnificência, cultura, estado social, capacidade intelectual e em como poderá usar

estas qualidades intrínsecas para levar alguém a acreditar numa verdade.

Contudo, acredita-se que o orador/autor não deve enganar o auditório/leitor,

aparentando ser o que não é. Não parece ético que um operador do Direito,

imperiosamente, apresente-se de maneira divergente de seu caráter.

Para Aristóteles (2003, XXXIV), Pathos é o momento contingente e problemático

que busca reencontrar a natureza das coisas, sua finalidade própria, determinada pela

essência. Pathos costuma ser entendida no campo da paixão. Não somente essa

paixão que se costuma conhecer, mas as emoções humanas em geral: ódio, inveja,

amor, cólera, compaixão, indignação, dentre outras. A paixão voluntariamente

incontrolável exige a ação. Daí, a obrigatória relação ética com a paixão, pois a moral

se fundamenta numa justa deliberação capaz de ensejar a ação. A paixão é o obstáculo

que a ação enfrenta. O pathos converteu-se assim em paixão, expressão da natureza

humana, da liberdade, comprometido com a ética, destarte, com a ação que transforma

a paixão de preferência em virtude.

É notável a importância dada a pathos, descrito em detalhes, enquanto paixões

humanas. Estas seriam baseadas em sentimentos menos nobres como os da inveja e

do ódio extremado, bem como haveria outros modos de sentir mais tolerável como a

indignação e a compaixão. Há, neste filósofo, a compreensão de que argumentar é um

modo de ser humano, um comportamento, algo que vem do interior de cada pessoa.

Argumentar para ele era manifestar o desejo de cada alma, persuadir o outro a partir

das emoções e das razões do orador/autor.

O Pathos representa o jogo com as paixões e emoções dos ouvintes/ leitores. A

forma como o orador/autor se dispõe a conquistar os corações do seu público, fazendo-

o prescindir do controle racional das opiniões.

O Logos representa o raciocínio lógico através do qual se convence o público de

uma verdade. “É o aspecto dialético da Retórica”. (REBOUL, 1998, p. 49).

Como a Retórica em geral avaliza que não existe uma verdade apenas, mas

algumas verdades com boas probabilidades de serem aceitas como tal, de fato, o

Logos pode perder a importância preponderante que, primordialmente, lhe é atribuída.

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Se, a priori, acredita-se que a forma mais célere de convencer alguém de alguma

coisa é demonstrar a sua fatalidade lógica, verifica-se depois que a verdade não é um

ponto; é um intervalo fechado dentro do qual há zonas mais verossímeis e menos

verossímeis.

O Logos pode ser um instrumento poderoso, mas pouco vale sem o Ethos.

Aristóteles (2003, LI) aduz que:

Quando o logos deixa de ser concebido nos termos do proposicionalismo que nos é ensinado desde Platão, a paixão como resposta problematológica adquire uma positividade igual à de outras respostas; ela passa a ser, então, o que nos interpela, voz do outro e da resposta que ela solicita, concomitantemente problema e solução. A paixão é o Discurso do eu que se reflete em relações irrefletidas. Compreende-se que ela participe da consciência e do inconsciente, da ação e do pensamento, do sentimento e também da razão, de uma outra visão da razão. Talvez a consciência se prenda a pathos, ao passional, porque ela não é apenas essa reflexividade da certeza apodítica: é também a temporalidade de nosso sentimentos, os quais, verdadeiramente, poderiam arremessar-nos para além da separação da consciência e do inconsciente, para um domínio mais próximo da sua origem.

No capítulo a seguir serão explanados os argumentos, bem como a

Argumentação.

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3 ARGUMENTAÇÃO

3.1 CONCEITO

Para analisar e estudar o instituto da Argumentação é necessário que se

expresse o que é o argumento, para só então falar da Argumentação.

O argumento “[...] é um conjunto de proposições concatenadas de uma forma

específica. Quando as deduções obedecem com precisão aos princípios e regras

lógicas, poderemos ter a certeza de que, se as premissas são verdadeiras, a conclusão

também será verdadeira”. (COELHO, 2004, p. 09).

Entretanto, não pode-se definir Argumentação unicamente como um conjunto ou

uma seqüência de argumentos, mas pode-se definir argumento como uma proposição

destinada a levar à admissão de outra proposição.

Da própria definição de argumento resulta sua regra principal: “[...] se argumentar

é passar de conhecimento para um novo, antes de qualquer coisa se deve dar a

natureza do conhecido. Este conhecimento sabido há de ser uma verdade certa, ou

pelo menos, que não seja contestada pela parte contrária”. (NASCIMENTO, 1991, p.

155).

Nos ensinamentos de Reboul (1998, p. 92) verifica-se que:

Argumentação é o desenvolvimento de um raciocínio com o fim de defender ou repudiar uma tese ou ponto de vista, para convencer um oponente. Argumentamos para convencer alguém que, a princípio, não partilha os mesmos pontos de vista ou as mesmas convicções que nós possuímos.

Para uma breve contextualização histórica, denota-se o que afirma Carneiro,

Severo e Éler (2005, p. 71):

O estudo acerca da arte de argumentar tem origem já na Grécia Antiga, quando os cidadãos atenienses costumavam se reunir na ágora para deliberar sobre os mais variados assuntos, como política, filosofia,

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astrologia, matemática. [...] Pode-se afirmar que a Argumentação que se encontrava na antiguidade, era uma dádiva da idéia de democracia, muito difundida pelos pensadores da época [...]. Hoje, a Argumentação é, indubitavelmente, um instrumento do qual os cidadãos têm necessitado cada vez mais amiúde. E é justamente por isso que um estudo capaz de introduzir-nos a essa Técnica chega a ser indispensável, uma vez que tem utilidade na vida social, política e profissional de todo o cidadão.

A própria noção de argumento enfrenta algumas dificuldades, pois os

argumentos não vêm do nada. É necessário que um agente racional agrupe um dado

conjunto de afirmações com a intenção de produzir um argumento. Caso contrário,

pode-se, perante qualquer conjunto de afirmações, acusar quem as profere de estar

apresentando argumentos inválidos. É por isso que não se pode evitar dizer que um

argumento é um conjunto de afirmações em que se pretende que uma delas seja

sustentada pelas outras.

O argumento válido pode não ser verdadeiro, mas para que seja um argumento

sólido, é necessário que seja válido e verdadeiro. Para que um argumento possa ser

verdadeiro, é essencial que tenha premissas verdadeiras, caso contrário, haverão

conclusões falsas que levarão novamente ao argumento válido, porém, ilusório.

Com assertivas ou enganações, “[...] dentre os que ousaram definir a

Argumentação, e meio às divergências, sendo Retórica, lógica, arte ou ciência, a

Argumentação tem caráter de instrumentalidade, ou seja, por mais que seja teorizada,

sua função é eminentemente prática”. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005, p. 142).

Adentrando em definição de Argumentação Jurídica, é perceptível que não foge

muito a regra. Paladino (2004, p. 63) ensina que:

O objeto da Argumentação Jurídica é visar à sustentação de uma tese e cada tese é passível de uma antítese, o que determina que as escolhas dos argumentos almejam superar ou minimizar as fragilidades dos sentidos da Linguagem e a reforçar os procedimentos de sustentação da tese.

A Argumentação Jurídica tem procedência no raciocínio judiciário. Ensina

Perelman (1998) que o raciocínio judiciário visa a discernir e a justificar a solução

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autorizada de uma controvérsia, na qual argumentações em sentidos distintos,

conduzidas em conformidade com procedimentos determinados, procuram fazer valer,

em situações diversas, um valor ou um compromisso entre valores, que possa ser

aceito em um meio e em um momento dados.

3.2 OS TIPOS DE ARGUMENTOS

No intuito de um aprofundamento referente ao instituto em tela, observa-se os

tipos de argumentos mais utilizados nos Discursos argumentativos, já que concorda-se

com Carneiro, Severo e Éler (2005, p. 155) ao afirmarem que, “[...] sendo o Direito uma

ciência que mantém contato direto com a Argumentação e que muitas vezes encontra

nela a sua única ferramenta de trabalho, carece de uma Argumentação mais sólida,

sustentável, e não tão facilmente combatida como são os argumentos sofísticos23”.

Vê-se uma breve análise de alguns dos tipos de argumentos, focalizando

principalmente os mais utilizados nos Discursos Jurídicos.

1) Argumentação por analogia – A palavra analogia remete à idéia de

semelhança na função e no sentido. Segundo Reboul (2000, p. 185) “[...] raciocinar por

analogia é construir uma estrutura do real que permita encontrar e provar uma verdade

graças a uma semelhança de relações”. A analogia é a semelhança de raciocínio entre

duas situações distintas, concatenadas em uma encadeação lógica.

É bastante utilizada no Direito Brasileiro, consubstanciada no art. 4º da Lei de

Introdução ao Código Civil, que estabelece que o juiz poderá decidir de acordo com a

analogia quando a lei for omissa.

A título de exemplo prático, tem-se uma decisão em processo de união estável

entre pessoas do mesmo sexo. Embora não seja abarcado na legislação brasileira

vigente, isto porque ainda é instituto não consagrado no Direito, alguns juízes têm

decidido favoravelmente na divisão em relação aos bens adquiridos na relação conjugal

23

Argumentos pautados em falhas lingüísticas como ambigüidade, círculo vicioso, falsa analogia e vício de raciocínio. (FERREIRA, 2004, p. 682).

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homossexual, por analogia à união estável. Vê-se o entendimento no Superior Tribunal

de Justiça:

ILEGALIDADE, ACÓRDÃO, TRIBUNAL A QUO, RECONHECIMENTO, SOCIEDADE DE FATO, RELACIONAMENTO, HOMOSSEXUAL, E, CONCESSÃO, EFEITO PATRIMONIAL, REFERÊNCIA, PARTILHA, PATRIMÔNIO, POR, ANALOGIA, UNIÃO ESTÁVEL / HIPÓTESE, INEXISTÊNCIA, AUTOS, COMPROVAÇÃO, ESFORÇO COMUM, PARA, AQUISIÇÃO, PATRIMÔNIO, SOCIEDADE DE FATO / OCORRÊNCIA, VIOLAÇÃO, ARTIGO, LEI FEDERAL, 1996, PREVISÃO, NECESSIDADE, DEMONSTRAÇÃO, CONTRIBUIÇÃO, CADA, COMPANHEIRO, PARA, FORMAÇÃO,PATRIMÔNIO COMUM; INEXISTÊNCIA, SEMELHANÇA, ENTRE, SOCIEDADE DE FATO, E, UNIÃO ESTÁVEL. REsp 773136 / RJ 2005/0131665-6. Rel. Min. NANCY ANDRIGHI - TERCEIRA TURMA, 10/10/2006 Data da Publicação/Fonte: DJ 13.11.2006 p. 259.

Argumenta-se por analogia quando se conclui que, duas coisas semelhantes,

compatíveis e oriundas de uma mesma linha de raciocínio, devem ser provavelmente,

semelhantes e compatíveis em outros aspectos, contribuindo para formar uma base de

convencimento sólida.

Perelman (1996, p. 426), assegura que:

Em Direito, o raciocínio por analogia propriamente dita, se limita, ao que parece, ao confronto, acerca de pontos particulares, entre Direitos positivos distintos pelo tempo, pelo espaço geográfico ou pela matéria tratada. Em contrapartida, todas as vezes que se buscam similitudes entre sistemas, estes são considerados exemplos de um Direito universal; assim também todas as vezes que se argumenta em favor da aplicação de uma determinada regra a novos casos, afirma-se por isso mesmo, que se está no interior de uma única área.

2) Argumento a fortiori – a fortiori é uma expressão latina equivalente a "por mais

forte razão”.

Um raciocínio é a fortiori quando contém certos enunciados que se supõe

reforçarem a verdade da proposição que se tenta demonstrar.

O texto de uma lei deve ser aplicado em maior ou menor grau num fato, de

acordo com as razões motivadas no texto de lei.

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O objetivo deste argumento é elastecer a aplicação da lei, para que albergue

situação que, nela, não é explícita. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

Observa-se o exemplo: Se a lei exige dos Promotores de Justiça que, nas

denúncias, discriminem as ações de cada um dos acusados, com mais forte razão

deve-se exigir que o Magistrado as individualize, na sentença.

E ainda outro exemplo (não Jurídico), para ficar ainda mais clarividente: se há

homens bons, com mais forte razão o serão os santos.

3) Argumento pragmático – Intuitivamente, é um dos tipos de argumentos mais

utilizados no Discurso e tem intenso poder persuasivo, visto que se fundamenta em

juízos de fato, incontestáveis desde que verdadeiros.

Neste sentido, Perelman (1996, p. 303-304) assinala que:

O argumento pragmático parece desenvolver-se sem grande dificuldade, pois a transferência para a causa, do valor das conseqüências, ocorre mesmo sem ter pretendido. [...] permite apreciar uma coisa consoante suas conseqüências, presentes ou futuras, tem uma importância direta para a ação. Ele não requer para ser aceita pelo senso comum, nenhuma justificação. O ponto de vista oposto, cada vez que é ofendido, necessita de uma Argumentação; tal como a afirmação de que a verdade deve ser preconizada, sejam quais forem suas conseqüências, por possuir um valor absoluto, independente destas.

A realidade fática é o alicerce desse tipo de argumento, de modo que antes de

argumentar cumpre confirmar a veracidade dos fatos. O argumento pragmático aprecia

um ato ou um acontecimento em função de suas conseqüências.

Analisa -se o exemplo: Em pleno século XXI ainda há pessoas acreditando que

algumas raças são inferiores a outras. Além de ser ridículo, esse tipo de conjectura

fundamenta o preconceito, sórdido e inaceitável em qualquer circunstância.

4) Argumento teleológico – É o tipo de argumento que se fundamenta na própria

finalidade. Verifica-se se os objetivos estão sendo cumpridos ou desviados de sua

finalidade. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

Perelman (1998, p. 80) define o argumento teleológico:

[...] é aquele referente ao espírito ao espírito e à finalidade da lei, que desta vez não são reconstituídos a partir do estudo concreto dos

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trabalhos preparatórios, mas a partir do próprio texto da lei. Esse modo mais abstrato de argumentar impõe-se quando o estudo histórico não permite esclarecer o intérprete, porque os problemas levantados são novos e não se apresentavam na época.

Como exemplo, utiliza-se as leis. As leis foram criadas para ser cumpridas. Se as

leis não estão sendo cumpridas, estão desviadas de seu objetivo e não atingirão a sua

finalidade.

5) Simetria – É o argumento baseado em determinadas informações

relacionadas com o valor absoluto “Justiça” (em sentido amplo). Quando se fala em

harmonia de um sistema, equilíbrio, proporção, igualdade, e até mesmo “fazer Justiça”,

está se utilizando o argumento simétrico. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

Exemplo: ao dizer que uma decisão não foi justa, utiliza-se a simetria

relacionada à Justiça, como valor absoluto.

6) Argumento sistemático – esse argumento “[...] parte da hipótese de que o

Direito é ordenado, e que suas diversas normas formam, um sistema cujos elementos

podem ser interpretados de acordo com o contexto em que são inseridos”.

(PERELMAN, 1998, p. 80).

7) Argumento de causalidade – Esse tipo de argumento analisa a causa, a

origem, o precedente. Ao deparar-se com alguma situação fática que apresenta um

problema, antes de avaliar o fato deve-se se reportar à causa para então sanar o

problema. Assim, estará sendo utilizado o argumento da causalidade.

Segundo Reboul (2000, p. 173), o mais importante “[...] é que o argumento na

verdade quer estabelecer um juízo de valor, mostrar o valor do efeito a partir do valor da

causa, ou o inverso”.

Por exemplo, ao criticar a pena de morte, o argumentador, com o intuito de

abrandar a responsabilidade do criminoso, aduz que a causa essencial da criminalidade

está na falta de oportunidades e estes criminosos não encontraram alternativa. O

problema existe em razão de uma causa. Ao sanar a causa do problema, se estará

resolvendo o problema.

8) Argumento Axiológico – É um argumento bastante utilizado nos Discursos em

geral, baseia-se em valores.

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Contudo, é um argumento de força relativa, pois varia de acordo com a

receptividade proveniente das palavras do argumentador. Se os valores utilizados

forem do agrado do leitor, se apresentará um argumento difícil de ser derrubado ou

contestado, entretanto, se o leitor não concordar com o argumentador, se a

receptividade não for total e os valores divergentes, a Argumentação jamais terá o

efeito desejado, podendo até gerar efeito contraditório. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER,

2005).

Principalmente no Discurso Jurídico é mais contundente argumentar com juízos

de fato, que podem ser comprovados, pois juízos de valor podem não ter a

receptividade esperada, podendo ser “mais ou menos” fundamentados. Por essa razão

têm eficácia parcial.

9) Argumento histórico e a exempla – Consiste em argumentos de fato sem

muita elaboração, apresentam força conexa com o argumento basilar. Têm a função de

complementar, engrandecer e corroborar a Argumentação. A sua força está aliada à

emotividade, pois, ao passo que a Argumentação passa da abstração à realidade,

poderá emocionar o auditório ou leitor, acarretando maior credibilidade ao argumento.

Acerca do argumento histórico, Perelman (1998, p. 79) ensina:

O argumento histórico, ou de presunção de continuidade, supõe que o legislador é conservador, isto é, que permanece fiel ao modo como quis regulamentar certa matéria, a menos que tenha modificado expressamente o texto legal. Notemos que este argumento é às vezes, descartado em benefício de outros argumentos, sem o que jamais teria sido possível reformar uma jurisprudência.

O argumento histórico baseia-se em fatos concernentes a determinada época,

que culminaram em um determinado resultado, por essa razão, deve (ou não) ser

reproduzida a experiência anteriormente utilizada. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER,

2005).

Apresentar dados estatísticos é uma forma de utilizar o argumento histórico,

sendo que admite ratificar através de fatos, a defesa ou o ataque a uma teoria.

A Argumentação desempenhada através de exemplos tem a mesma função do

argumento histórico e, por conseqüência, os mesmos resultados.

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Neste sentido, Perelman (1996, p. 406) preconiza que:

Na Argumentação pelo exemplo, o papel da Linguagem é essencial. Quando dois fenômenos são submetidos sob um mesmo conceito, a assimilação deles parece resultar da própria natureza das coisas, ao passo que a diferenciação deles parece necessitar de uma justificação.

10) Argumento a contrario sensu – Termo em latim, que significa “pela razão

contrária”.

Esse argumento tem suas raízes na lógica menor, que dentre outras fórmulas de

raciocínio, ensina que através da antítese possa chegar à conclusão pela exclusão, em

razão de que as exceções legais devem ser expressas. Tudo aquilo que a lei não

permite ou não proíbe é permitido e não é proibido.

Para explicar como funciona o argumento a contrario senso Perelman recorre ao

professor Tarello, que conceitua o referido argumento da seguinte forma:

[...] é um procedimento discursivo segundo o qual, sendo dada uma proposição Jurídica, que afirma uma obrigação (ou outra qualificação normativa) de um sujeito (ou classe de sujeitos), na falta de outra disposição expressa deve-se excluir a validade de uma proposição Jurídica diferente, que afirma a mesma obrigação (ou outra qualificação normativa) a propósito de qualquer outro sujeito (ou classe de sujeitos). (TARELLO, 1977, p. 104 apud PERELMAN, 1998, p. 74-75).

Por exemplo, se o artigo 359-D do Código Penal menciona que é crime praticado

contra a administração geral: ordenar despesa não autorizada por lei: Pena – reclusão,

de 1 (um) a 4 (quatro) anos. A contrario sensu, é lícito ordenar despesa autorizada por

lei.

Ou ainda outro exemplo: “[...] se uma disposição Jurídica obrigar todos os jovens

que chegaram aos vinte anos a prestar o serviço militar, daí se concluirá, a contrario

sensu, que as jovens não são sujeitas à mesma obrigação”. (PERELMAN, 1998, p. 75).

11) Argumentos ab inutile sensu e a rubrica – São argumentos pouco utilizados,

pois são pouco fundamentados.

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Argumento ab inutile sensu, consiste em aduzir que as leis não devem ter

palavras inúteis. E o argumento a rubrica alega que devem ser considerados as

emendas, livros seções e títulos da lei. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

12) Argumento a completudine – assinala a completitude do sistema Jurídico. É o

argumento que parte do pressuposto de que o ordenamento Jurídico é completo, ou

seja, que a lei não pode conter lacunas, não deve ser omissa e que o juiz não pode

deixar, ainda que no silêncio da lei, de apreciar e dar solução a qualquer demanda que

diga respeito à lesão ou a ameaça de lesão a Direito.

Tarello (apud PERELMAN, 1998, p. 78) explica que:

É um procedimento discursivo segundo o qual, já que não encontra proposição Jurídica que atribua uma qualificação Jurídica qualquer a cada sujeito em relação a cada comportamento materialmente possível, deve-se concluir pela validade e pela existência de uma disposição Jurídica que atribua aos comportamentos não regulamentados de cada sujeito uma qualificação normativa, particular: ou sempre indiferentes, ou sempre obrigatórios, ou sempre proibidos, ou sempre permitidos.

13) Argumento da melhor opção – Trata-se puramente de escolha. Escolher a

melhor opção. Dentre as proposições apresentadas ao argumentador é a opção que

evidencia causar menos prejuízos, ou que trará maiores benefícios.

É um argumento forte, que lida com escolhas necessárias. Em seu desfecho, ao

analisar efeitos e resultados, está concatenado com o argumento pragmático ou

teleológico. (CARNEIRO, SEVERO E ÉLER, 2005).

A Argumentação, como o seu próprio nome indica, corresponde a um encadear

de argumentos intimamente solidários entre si, com o fim de mostrar a plausibilidade

das conclusões. Se uma das premissas do raciocínio argumentativo for contestada,

quebra-se essa cadeia de solidariedade, independentemente do valor intrínseco da tese

apresentada. É que uma coisa é a verdade da tese, outra é a adesão que ela suscita,

pois "mesmo que a tese fosse verdadeira, supô-la admitida, quando é controversa,

constitui uma petição de princípio característica24”. (PERELMAN, 1993, p. 42).

24 Petição de princípio – é quando o autor nos impõe sua definição pessoal, fazendo de tudo para que não tenhamos consciência dessa imposição. (REBOUL, 2000, p. 200).

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Ao serem utilizados os tipos de argumentos, deve-se apenas ter a cautela em

escolher o que se aplica ao caso específico, evitando os argumentos sofísticos, que são

aqueles provenientes do sofismo. Estes argumentos são repletos de vícios e falácias

com a intenção de induzir ao erro, sem preocupação alguma com a verdade,

comprometendo assim todo o raciocínio e toda a Argumentação.

3.3 ARGUMENTAÇÃO E PERSUASÃO

Argumentação e Persuasão são dois institutos interligados, mas não são

sinônimos.

Segundo Guimarães (2004, p. 427) “[...] Persuasão é o ato de persuadir, fazer

acreditar, convencer. É o uso de argumentos que convençam alguém de que a razão

ou a verdade estão com quem as apresentou”.

Ao definir convencimento, Carneiro, Severo e Éler (2005, p. 147-148) explicam

que:

Por ato de convencer, entretanto, compreende-se todo o ato dotado de racionalidade, uma vez que se utiliza de um raciocínio lógico embasado em provas objetivas, capaz de atingir a qualquer pessoa, independentemente da temporalidade. Tem, pois, a característica de ser universal, uma vez que seu êxito não é obtido a partir da utilização dos aspectos subjetivos dos interlocutores, mas sim, dos gerais, objetivos. Está mais centrado na formação da consciência do indivíduo. O caráter atribuído ao convencimento é, portanto, o da validade. Contudo, o fato de uma pessoa ter sido convencida de que algo está certo não significa, necessariamente, que ela passará a agir de acordo. O ato de convencer, destarte, não acarreta necessariamente a prática, envolvendo apenas a inteligência e a razão.

Assim sendo, toda Persuasão é argumentativa, contudo, a recíproca não é

verdadeira, posto que nem toda Argumentação é persuasiva. Inegável frisar que estão

concatenadas e são igualmente essenciais para a Retórica e para o Discurso Jurídico.

Para Souza (2000, p. 01), deve ser dada credibilidade à Persuasão sem

transformá-la num argumento ilusório:

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Ora persuadir (do latim persuadere) é isso mesmo, convencer, levar alguém a crer, a aceitar ou decidir (fazer algo), sem que daí decorra, necessariamente, uma intenção de iludir ou prejudicar, tão pouco a de desvalorizar a sua aptidão cognitiva e acional. Pelo contrário, o ato de persuadir pressupõe um destinatário que compreenda e saiba avaliar os respectivos argumentos, o que implica reconhecer o seu valor como pessoa, como centro das suas próprias decisões. [...] o Discurso persuasivo parte sempre, em primeira mão, de uma desqualificação mais ou menos assumida das capacidades e dos propósitos do outro. Porque na “interação a dois” [...] a Persuasão não tem que significar a desqualificação do persuadido, mas sim um confronto de opiniões, onde os argumentos ou razões invocadas tanto podem merecer acolhimento como serem liminarmente refutados. Como em tantas outras situações comunicacionais, a manipulação sempre pode instalar-se nos Discursos persuasivos. Condenar, porém, a Persuasão em abstrato, seria um juízo a priori muito semelhante ao de admitir uma ilicitude sem ilícito.

A Retórica pressupõe, por isso, a competência argumentativa dos seus agentes,

pois, como diz Aristóteles ([s.d], p. 51), “[...] é preciso que se seja capaz de convencer

do contrário, não para que possamos fazer indistintamente ambas as coisas (pois não

se deve convencer do mal), mas para que não nos iludam e se alguém fizer um uso

injusto de argumentos, sejamos capazes de refutá-los”.

Mais do que pensar, é necessário saber articular os argumentos para chegar ao

convencimento. Ao tentar persuadir, mesmo que com emoção, não se pode enganar o

ouvinte ou leitor.

A Persuasão emocional consiste em convencer através de apelo a emoções e

sentimentos. Ou como define Aristóteles (2003, p. XL), “paixões, ou estados da alma”.

Entretanto, deve-se saber que faz-se mister convencer através de argumentos de

Persuasão racional, pois estes podem ser comprovados e fundamentados. A razão

convence com mais convicção e efetividade.

De acordo com Reboul (2000, p. XVII) em relação aos meios pelos quais um

Discurso é persuasivo, "[...] há uma distinção realmente fundamental. Esses meios são

de ordem racional alguns, de ordem afetiva outros. Uns mais racionais e outros mais

afetivos, pois em Retórica razão e sentimento são inseparáveis".

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Ainda que seja utilizada a racionalidade e a afetividade, no Discurso escrito é

imprescindível utilizar argumentos fortes, pautados na razão, já que a palavra é o maior

recurso deste tipo de Discurso.

A Linguagem escrita subordina-se aos princípios gerais da comunicação

humana, à sua mecânica e aos seus processos. Quem escreve o faz para transmitir

alguma coisa; escreve para ser lido. Quem lê deve compreender o autor,

compartilhando com ele os significados. É o leitor que condiciona quem escreve. Deve-

se escrever com a preocupação centrada no leitor. (PENTEADO, 1976, p. 246).

Para persuadir através do Discurso escrito, Reboul (2000, p. 113) assevera que

as figuras de Retórica devem desempenhar alguma boa função argumentativa, visto

que os filósofos sempre recorrem a elas. Afirma ainda que dizer figuras Retóricas não é

um pleonasmo, pois só serão Retóricas quando exercerem papel persuasivo.

Para Cunha (2004, p. 12), as figuras Retóricas são um recurso de estilo que

permitem a expressão de modo simultaneamente livre, pois não se está obrigado a

utilizá-las para a comunicação.

De outra banda, Perelman (1996, p. 194) classifica as figuras em três: de

escolha, de presença e de comunhão. Seus objetivos seriam, respectivamente, impor

ou sugerir uma escolha, aumentar a presença (através da repetição) e/ou realizar a

comunhão com o auditório.

Considerando figura uma forma especial de falar, estabeleceu-se, a partir das

figuras de Retórica, um ajuste da distância entre expressão e conteúdo. Partindo deste

norte, as figuras não são consideradas apenas ornamentos sobrepostos à língua, mas

diferentes modos de construir um Discurso de acordo com finalidades específicas.

Cunha (2004, p. 13) apresenta uma classificação das figuras mais utilizadas:

a) Figuras de palavras – como a cláusula25, o trocadilho, a antanáclase, derivação26 e etimologia. Dizem respeito à matéria sonora do Discurso e sua força persuasiva se dá ao fato de “facilitarem a atenção e a lembrança”. Além de instaurarem uma harmonia aparente,

25 Para vencê-los, senhor precisa-se de coragem, coragem, muita coragem. (Cláusula – seqüência rítmica que termina um período). (PALADINO, 2004, p. 13) 26 Não podemos impedir os estudantes de estudar, os trabalhadores de trabalhar... (Derivação – associação de uma palavra à outra de igual radical). (PALADINO, 2004, p. 13)

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porém incisiva sugerindo que, se os sons se assemelham, não é por acaso. “A harmonia é comprovada pelo prazer”. b) Figuras de sentido – dizem respeito à significação das palavras ou dos grupos de palavras. Consistem no emprego de um tempo (ou vários) com um sentido que não lhe é habitual [...] “a figura de sentido desempenha um papel lexical; não que acrescente palavras ao léxico, mas enriquece o sentido das palavras”. Dentre as figuras de sentido, há a metáfora,27 a metonímia,28 a sinédoque, a hipérbole, litotes, paradoxo,29 hipálage, enálage, sinestesia. c) Figuras de Construção – como a elipse ou a antítese – dizem respeito à estrutura da frase, por vezes do Discurso. Algumas procedem por subtração (elipse, reticência); outras por repetição (antítese,30 epanalepse,31 epanástrofe,32 anáfora, 33 gradação). d) Figuras de pensamento, de enunciação e de argumento – dizem respeito à relação do Discurso com seu sujeito (o orador) ou com seu objeto. ·Ironia34 – zomba-se dizendo o contrário do que se quer dar a entender. Ressalta um argumento de incompatibilidade pelo ridículo (logos). Ë figura do pathos e do ethos,35 pondo do seu lado quem ri. · Alegoria – descrição ou narrativa que enuncia realidades conhecidas, concretas, para comunicar metaforicamente uma verdade abstrata. É uma figura didática e alicia as pessoas, no sentido de que, se estas aceitam a letra, serão obrigadas a aceitar também o tema. Pode ser lida de duas formas: sentido real/ sentido figurado. Ex.: fábulas e parábolas36/ provérbios ou máximas.37 · Prolepse – antecipação do argumento do adversário para voltar-se contra ele. Destina-se a prevenir uma suposta objeção a ser feita pelo adversário, refutando-a

27 A língua daquele difamador é uma espada. (PALADINO, 2004, p. 13) 28 A caneta é mais poderosa que a espada. (PALADINO, 2004, p. 13) 29 Ele é um cientista ignorante ou um padre incrédulo? (Paradoxo – apresentação de uma idéia aparentemente contraditória e absurda, mas que se pretende ser a verdade). (PALADINO, 2004, p. 13) 30 Fulminados pela força mecânica, poderemos vencer no futuro com uma força mecânica superior. (PALADINO, 2004, p. 13) 31 Estavam ambos os acusados no lugar do crime e foram ambos os acusados que atacaram a indefesa vítima. (epanalepse – repetição da mesma palavra no meio de frases seguidas). (PALADINO, 2004, p. 13) 32 A Lei é o Direito; o Direito é a Lei. (epanástrofe – repetição de palavras invertidas). (PALADINO, 2004, p. 13) 33 “Dizemos a François Mitterand: não é mais hora de ironia e pequenas: a hora é de discussão. A hora é de decisão. A hora de acordar.” (George Machais, Le Mond, 16.2.72). (anáfora – repetição com o objetivo de enfatizar uma idéia). (PALADINO, 2004, p. 13) 34 Ele é um ótimo pai como quer a defesa. Abandonou os filhos por uma mulher de vida fácil. Deixou-os sem qualquer assistência financeira, abandonando-os à própria sorte. Melhor pai não poderia ser. (PALADINO, 2004, p. 13) 35 Meio de prova derivado do caráter do próprio orador, que empresta sua credibilidade à causa. (PALADINO, 2004, p. 13) 36 As fábulas e parábolas são muito adequadas para os discursos ao povo e têm a vantagem de ser mais fácil compor fábulas do que achar exemplos de coisas semelhantes realmente ocorridas. (PALADINO, 2004, p. 13) 37 Uma máxima é uma afirmação sobre temas práticos, relativos à ação humana, normalmente são evidentes e não requerem uma justificação. Por serem comuns e divulgadas como se todas as pessoas estivessem de acordo com ela, são consideradas justas. (PALADINO, 2004, p. 13)

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antes de recebê-la. · Pergunta Retórica38 – apresentação do argumento em forma de interrogação “transmite certezas sob forma de interrogações postas a um auditório que se supõe adquiridas anteriormente”. (Suhamy, p. 116). · Hipótese39 – Consiste em pintar o objetivo de que se fala de maneira tão viva que o auditório tem a impressão de tê-lo diante dos olhos (mostra o argumento, associado a pathos e logos. · Amplificação40 – desenvolvimento pormenorizado de um assunto. (grifo nosso).

Desse modo, Reboul (2000, p. 118) assinala que “[...] toda figura de Retórica é

um condensado de argumento: a metáfora é um condensamento de analogia, etc. A

nosso ver, essa teoria é intelectualista demais; esquece-se do prazer da figura, que

deriva ora da emoção, ora da comicidade, mas sempre do pathos”.

Para Perelman (1996, p. 202/203) é importante analisar as indicações sobre o

papel de determinadas figuras na apresentação de dados, demonstram como se pode

vincular seus efeitos e fatores bastante gerais de Persuasão. A análise das figuras feita

neste trabalho monográfico é subordinada, portanto, para a análise do que alguns

autores consideram essencial no estudo das figuras, deve o estudo ser feito

concomitantemente à Argumentação. Isoladamente, seria um estudo superficial. Por

essa razão a importância de estudar primeiro a Argumentação e somente depois de ter

algum conhecimento, alguma noção do que seja Argumentação, introduzir as figuras

Retóricas.

Neste contexto, parece coerente a afirmativa de Geertz, (apud CARNEIRO

SEVERO, ÉLER, 2005), aduzindo que considerando os sistemas simbólicos

construídos pelo homem no complexo universo das significações tornadas inteligíveis,

não apenas pelas regras do método, mas pela interpretação das culturas e dos seus

Discursos, as figuras são de relevância considerável.

Reboul (2000, p. 137) evidencia o papel importante que desempenham as

figuras Retóricas:

38 [...] ele pode desesperar-se com a sua infelicidade, ele, que ainda tem um reino inteiro, que não é outro senão o de Deus? Que força pode abatê-lo, sendo sempre suportado por uma tão bela esperança? (Bossuet, Sermon sur la Providence). (PALADINO, 2004, p. 13) 39 No chão havia um corpo. Os braços arrancados: os olhos, úmidos ainda, nos fazia pena. Nas mãos, a flor que seria dada à mãe. Pobre criança, pobre mãe... (PALADINO, 2004, p. 13) 40 O direito, senhores, é a luz que ilumina a harmonia social. O Direito, senhores, é o brilho que se instala na decisão de nossos tribunais [...]. (PALADINO, 2004, p. 13)

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[...] alguém perguntará se as figuras são de fato úteis; não seriam antes nocivas, fonte de confusão e manipulação? Afinal de contas, por que falar das figuras? É como perguntar: por que falar? Sempre que queremos expressar sentimentos ou idéias abstratas, recorremos às figuras. E o filósofo, o jurista, o teólogo, não escapam dela tanto quanto o homem (e a mulher) comum. Falar sem figuras, sim, seria o verdadeiro desvio , provavelmente mortal. O problema não é livrar-se das figuras – o que equivale a livrar-se da Linguagem; o problema é conhecê-las e compreender seu perigoso poder, para não ser vítima dele; para tirar proveito dele.

Verifica-se, destarte, que as figuras Retóricas são de extrema importância para a

expressão. E mais precisamente no Discurso Jurídico, que visa o convencimento.

Conhecer as figuras e identificar estrategicamente o momento e a circunstância em que

devam ser utilizadas aumentarão em grande escala a probabilidade de persuadir os

leitores e/ou interlocutores.

3.4 A ARGUMENTAÇÃO E O DIREITO

Para traçar uma ligação entre o instituto da Argumentação e a ciência do Direito,

parece oportuno oferecer uma definição de Direito.

Neste sentido, Adeodato (2006, p. 114) leciona que:

[...] o Direito é um fenômeno histórico contingente em muitas de suas características, entende-se aqui que seu conceito tem de ser procurado naqueles aspectos que permanecem ao longo da mutabilidade. [...] Salta aos olhos a utilidade dos pressupostos lógicos do conceito de Direito. Sim, pois a referência lógica é base essencial a qualquer conceituação. Sua operacionalidade é manifesta no sentido de separar os elementos essenciais e os contingentes assim como no sentido de eliminar grande número de discrepâncias antes mesmo do confronto com a realidade.

Para Bobbio (1995) o conceito de Direito condensa simplesmente a norma

Jurídica, aduzindo que é aquela cuja execução é garantidas por medidas externas e

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institucionalizadas, e que para que haja Direito, é necessário existir um sistema

normativo composto por três tipos básicos de norma: as que permitem determinada

conduta, as que proíbem e as que obrigam determinada conduta.

Um conceito diverso é transmitido por Kelsen (1999), que conceitua o Direito

como ordem. Afirmando que todos os conflitos Jurídicos devem ser deliberados como

problemas de ordem, liberto de todos os juízos de valor éticos.

Convém esboçar um conceito um pouco mais simplificado, admitindo-se o Direito

como um conjunto de regras obrigatórias que limitam o individual em prol da

coletividade e objetivam viabilizar, através de estruturas e valores próprios, a

convivência harmônica e produtiva em sociedade. (FRIEDE, 2001).

Encontra-se em Reale (1998) uma definição relacionada propriamente ao

homem e a sociedade, afirmando ser o Direito, uma proposição real quanto pessoal, de

homem para homem, e cuja proporção, se for conservada, conservar-se-á a sociedade

e cuja proporção, se for destruída, destruir-se-á a sociedade. Admite ainda como sendo

o Direito a consolidação da idéia de Justiça indo além da diversidade do que a Justiça

deve ser e tendo a pessoa como origem de todos os valores.

Para o estudo em tela, o mais apropriado é fazer uma junção dos conceitos,

evidenciando as regras em sociedade e a concretização da idéia de Justiça tendo por

finalidade a solução dos conflitos de interesses, de modo justo.

A relação entre o Direito e a Argumentação chancela uma questão fundamental

para que se possa ter uma racionalidade Jurídica comunicativa, articulada em

argumentos que pontuem referência aos conceitos gerais de Justiça.

Mister fazer constar a relevante consideração de Carneiro, Severo e Éler (2005,

p. 145-146):

[...] a Teoria da Argumentação é capaz de se adaptar mais facilmente à realidade Jurídica atual, conferindo aos operadores do Direito um instrumento de trabalho útil e eficaz. O argumento analisado a partir de uma ótica Jurídica, é o elemento que conduz à demonstração da verdade Jurídica, consistindo para tanto, na arte de desenvolver os juízos. [...] Pode-se considerar o próprio raciocínio Jurídico como uma forma de Argumentação. A análise Jurídica tem por fim investigar a significação dos elementos do Direito, nos quais predomina a terminologia Jurídica, resultante da atividade científica do Direito.

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Com o escopo de fazer valer o Direito, intuindo a busca da verdade ou do

verossímil de uma forma justa, é que se justifica a Argumentação no Direito, visando

ainda, persuadir e convencer.

Acerca do convencimento, Guimarães (2004, p. 212) discorre: “Convencer –

Provar; persuadir com a apresentação de provas, de argumentos sólidos, de razões

irretorquíveis, alguém a reconhecer a verdade de um fato ou proposição”.

Função intrínseca do profissional do Direito é ser convincente. Ao promotor de

Justiça e ao juiz, geralmente cabe convencer fundamentadamente às partes que litigam

em busca dos seus Direitos e convencer os causídicos que as representam. Aos

advogados, é necessário que convençam ao juiz e por vezes o promotor. Não importa

se em Discurso verbal oral ou Discurso verbal escrito, imprescindível é convencer de

forma clara e inequívoca, para evitar obscuridades e possíveis danos que podem ser

oriundos da falta de Técnica de Argumentação ou do seu mau uso.

No entendimento de Descartes (1999) as pessoas que têm o raciocínio mais

contundente e melhor digerem seus pensamentos, com a finalidade de torná-los claros

e inteligíveis, são as que melhor podem persuadir.

No que tange à Persuasão que devem promover os juízes, Coelho (2004, p. 89)

leciona que:

Os juízes, por sua vez, competentes para dizer o Direito, em alguns casos de modo definitivo, têm por interlocutores, em certa medida, a sociedade como um todo. Qualquer cidadão, lendo a fundamentação de um acórdão, ou de uma sentença, deve ficar convencido de que a decisão proferida foi a mais acertada e de que, portanto, ele se encontra em boas mãos se precisar se socorrer do judiciário algum dia. Isso é indispensável à confiança no Direito e na Justiça.

A Linguagem, mais especificamente a comunicação através dos significados das

palavras, tem função essencial no cotidiano do profissional da área Jurídica,

principalmente no Discurso escrito, posto que há ínfima possibilidade de convencer

emocionalmente sem fazer uso das expressões externas originadas na emoção.

Comover simplesmente através de palavras e tecer uma fundamentação convincente,

não parece muito razoável, conquanto, não seja vã utopia.

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Por essa dentre outras razões, a palavra requer um cuidado muito particular

quanto à sua escolha, sua acepção e função dentro de um Discurso.

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4 DISCURSO JURÍDICO

4.1 CONCEITO DE DISCURSO JURÍDICO

O Discurso Jurídico é uma forma de expressão e de poder que, se manifesta por

intermédio da articulação de argumentos, produz e transmite enunciados considerados

verdadeiros e/ ou verossímeis, por isso resulta a sua necessidade de abranger

Técnicas de Argumentação e Persuasão.

Em corolário ao exposto, Dimoulis (2003) ensina que Discurso é o meio para

manifestar e veicular significados, esquematizando o Discurso como uma combinação

de elementos que integram um sistema de signos, priorizando a clareza do que foi

transmitindo.

Em consonância, expõe Bittar (2001, p. 167):

A textualidade Jurídica é uma manifestação semiótica. Isso se diz no sentido de clarificar que se pode falar de uma Linguagem Jurídica em especial, o que não vem a significar que essa Linguagem se desgarre dos processos convencionais de produção do sentido. A Linguagem Jurídica se manifesta seja valendo-se dos elementos de uma Linguagem verbal, seja valendo-se dos elementos de Linguagem não-verbais. De qualquer forma, a Linguagem verbal (Linguagem natural) representa sempre a maior base de manifestação Jurídica, sobretudo grafando-se por meio da escrita. A primazia da Linguagem verbal com relação às não-verbais, neste campo, deve-se, sobretudo, ao fato de que a primazia sintetiza com maior propriedade maior número de informações, com importe relativamente reduzido de ruídos, destacando-se, principalmente, à economia e a capacidade que a comunicação engendra.

O que define um Discurso como Jurídico não é apenas o fato de tratar temas

legais ou de utilizar Linguagem Técnica-Jurídica. O que de fato diferencia o Discurso

Jurídico dos outros Discursos que o cercam é a existência de determinadas

características que permitem considerá-lo como um subconjunto discursivo, pertencente

ao conjunto de todos os Discursos de Linguagem verbal.

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Apropriando-se da semiótica41, o Discurso Jurídico irá conferir juridicidade a seus

termos, transportando-os para o universo Jurídico, onde recebem significação própria e

passam a pertencer a esse universo.

Ferraz Júnior (1997) define o Discurso Jurídico como um ato entre homens e

deve ser concebido como ação lingüística que apela ao entendimento de outrem, sendo

esta a sua função primordial.

Para Alexy (2001) o Discurso Jurídico é um caso especial do Discurso prático

geral, ou seja, uma atividade lingüística, norteada por regras, com a qual se objetiva a

correção de enunciados normativos. O Discurso Jurídico se distingue, porém, das

demais formas de Discurso, pelo fato de estar submetido a uma série de condições

limitadoras, como por exemplo: sujeição à lei e a consideração dos precedentes.

Entre os vários motivos avocados por Alexy, pode-se destacar: 1) o fato de que a

fundamentação Jurídica implica em questões práticas; 2) a necessidade de utilização

de Argumentação prática geral no âmbito da Argumentação Jurídica; 3) a coincidência

parcial da pretensão de correção e, finalmente, 4) a coincidência estrutural das regras e

formas do Discurso Jurídico com o Discurso prático.

O Operador Jurídico, deve estar atento aos motivos supra, considerando que em

sua profissão, pratica o Discurso Jurídico em grande escala. Como se observou

anteriormente tem-se nas palavras a ferramenta mais valiosa, valendo-se para tanto, da

Linguagem Jurídica, da Retórica e da Argumentação, e tem por finalidade a Persuasão

e o Convencimento.

Considerando o ponto de vista técnico-comunicativo, Pasold (2000, p. 66-67)

destaca três aspectos relevantes a serem observados pelo Operador Jurídico:

1) os operadores Jurídicos devem utilizar a Linguagem Jurídica nas comunicações que realizam em função do seu oficio, sem dúvida; 2) esta utilização necessita ocorrer de forma correta, precisa e coerente, para assegurar a compreensão exata da mensagem nas instâncias Jurídicas respectivas; e 3) sempre que possível, explicitar em Linguagem comum, em nota de rodapé ou em parênteses ao texto principal, categorias (vale dizer, as palavras ou expressões estratégicas) e conceitos operacionais (isto é, as definições adotadas) estratégicos à compreensão da mensagem em questão, seja em peça

41 Semiologia – s.f. 1. Ciência geral dos signos, dos sistemas da significação. (FERREIRA, 2004, p. 873).

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processual seja em parecer Jurídico; ou, na forma comunicativa verbal oral, fazer tais esclarecimentos de maneira objetiva e didática.

Ainda que o Direito tenha um vocabulário técnico como em outras áreas

científicas, a Linguagem deve ser inteligível e acessível. O Operador Jurídico deve

conhecer a Linguagem Jurídica, considerando-a como sua principal ferramenta de

atuação. É ela o instrumento através do qual ele deverá lapidar seu conhecimento

técnico de forma a convencer com clareza e precisão.

A complexidade da comunicação oscila desde a carência de preparo e domínio

da língua culta, verbal-oral e principalmente verbal-escrita, até um excesso de

tecnicismo, uso de jargões e expressões, compreensíveis apenas na área Jurídica, mas

que aos olhos dos leigos saltam como verdadeira balbúrdia, constituindo, assim, a

incompreensão. A boa Linguagem é essencial e “se enquadra na finalidade ampla da

comunicação lingüística”. (CAMARA JÚNIOR, 1961, p. 199).

A corroborar, elucida Bittar (2001, p. XV):

O Direito é praticado por meio da comunicação, pois pressupõe a interação de agentes, a vida em sociedade e a necessidade de regulamentação de condutas num espaço determinado. Assim, passa a se justificar esta abordagem zetética42 da temática, e isto dentro de um contexto semiótico bem situado, procedendo-se ao tratamento mais aprofundado de uma miríade43 de conceitos aqui apreendidos na perspectiva da Linguagem, ou do Direito como universo de prática e manifestação da significação. O Direito como prática de Linguagem, ou de linguagens, na forja social, nada mais é que instrumento de intervenção do homem sobre o homem, e assim se apresenta, assim se manifesta, assim se faz [...].

Em consonância ao relevante papel que desempenha a Linguagem, o Operador

Jurídico deve estudar e treinar a sua utilização. Além dos conhecimentos técnicos

específicos da ciência Jurídica, é preciso que saiba, antes de tudo, dominar a

Linguagem, de modo a se fazer claro e preciso em suas comunicações e especialmente

no Discurso Jurídico.

42 Zetética – s.f. método de investigação ou conjunto de preceitos para a resolução de um problema. (FERREIRA, 2004, p. 765). 43 Miríade - fig. grande quantidade indeterminada. (FERREIRA, 2004, p. 498).

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Acerca da importância da Linguagem, Rodríguez (2005, p. 224) doutrina:

Em alguns aspectos, nosso mundo atual dá grande valor à Linguagem. Do mesmo modo que se desvalorizam as regras do idioma e pouco se atende à precisão lingüística no Discurso do dia-a-dia, a Linguagem científica vai assumindo cada vez mais valor. Porque é grande a tecnologia, é vasta a Linguagem Técnica [...] A observação é curiosa e útil para o nosso estudo de Argumentação: ainda que cada vez menos pessoas concedam importância às regras aprofundadas do idioma, a Linguagem aparentemente Técnica tem valido ouro nesta sociedade de informação [...] conhecer a Técnica é conhecer a Linguagem especifica. Conhecer a Linguagem que de ser utilizada em determinado Discurso é, então, bom argumento [...].

Carneiro, Severo e Éler (2005) estabelecem uma ligação com os argumentos,

certificando que a Linguagem cria o raciocínio que se materializa através do argumento.

Verifica-se que ao elaborar um Discurso Jurídico, se estabelece uma

comunicação e que através da Retórica entendida essencialmente aqui como teoria da

Argumentação, desperta necessariamente uma dimensão persuasiva.

4.1 OS TIPOS DE DISCURSO

Até o momento, falou-se do Discurso Jurídico como unidade. Todavia, dentro do

próprio Discurso Jurídico, verifica-se uma subdivisão em quatro tipos distintos, no

entanto, se integram: Discurso normativo, Discurso burocrático, Discurso decisório e

Discurso científico.

Para explicar o Discurso normativo, importante resgatar o conceito de Direito e

seguidamente elucidar o conceito em tela.

Kelsen (1999) afirma que sendo o Direito um conjunto de normas positivadas, um

conjunto de enunciados44 de dever-ser, expondo que o papel da ciência Jurídica, que

pretende conhecer de maneira neutra esse conjunto de normas, é descrevê-las

44 Enunciado é o veículo, a frase composta por signos lingüísticos, por palavras, capaz de transmitir uma mensagem por estar formada de acordo com as regras da língua natural na qual se expressa. (ROESLER, 2001, p. 05)

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segundo a estrutura do Discurso normativo: dado um fato A como hipótese, deve ser

um fato B (sanção) como conseqüência. Logo, se a Linguagem do Direito opera com

normas, a metaLinguagem, que é a ciência Jurídica, lida com proposições Jurídicas,

enunciados que descrevem normas. Se, com relação às normas, impõe-se perguntar

sobre sua validade — conformidade com a norma fundamental do sistema — com

relação às proposições impugna-se a sua veracidade, na medida em que elas fazem

parte de um Discurso descritivo e não prescritivo, como ocorre com as normas.

Neste contexto, Austin (1970, apud Bittar, 2001, p. 194/195) ensina que:

O Discurso normativo é o Discurso do legislador (Destinador), agente que recebe investido de competência e poder para realização de uma tarefa social, a de regulamentação de condutas. A prática social motiva a prática Jurídica, fundamenta-a, de modo que, uma vez investido, o legislador exerce seu papel discursivo dirigindo-se à comunidade de súditos (Destinatário) que recebe as avalanches textuais por ele criadas.

De outra banda, Ferraz Jr (1997) assegura que no esquema de captação da

norma pela teoria Jurídica, ocorre uma espécie de vácuo significativo, em que a norma

não é nem a realidade, nem já situação à qual ela se aplica, mas uma entidade

independente que faz, às vezes, da teoria da norma uma espécie de Discurso vazio ou,

pelo menos, equivocadamente abstrato. Sabe-se de que está se falando quando há a

indagação a respeito de uma lei promulgada ontem, ou de uma sentença prolatada no

tribunal, ou de um contrato firmado. Contudo, a busca da norma Jurídica em todos

estes fenômenos Jurídicos parece uma atividade demasiadamente abstrata que acaba

por construir seu objeto antes mesmo de começar a discorrer sobre ele.

Com esta abordagem não se almeja uma determinação essencial da norma

Jurídica, intuindo somente examiná-la num dos seus aspectos de manifestação.

Ainda, no sentido de elucidar os destinatários do Discurso normativo, Bittar

(2001, p. 216/217) propugna:

Por trás do pressuposto básico de elocução do Discurso normativo, a generalidade textual, verdadeiro cânone que pretende a esterilização da individualidade por meio da camuflada objetividade que possui,

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encontra-se pessoas, sujeitos, agentes, trabalhadores, categorias sociais, grupos, coletividades, classes de sujeitos, todos estes os verdadeiros inspiradores do destino discursivo das normas. O texto normativo construindo-se neutro e geral isenta-se de se fazer fluido e contingente com a realidade que regulamenta. As normas não se fazem arbitrariamente para não importa quem. Pelo contrário, as normas erigem Direitos, deveres, obrigações, concedem benefícios... para este ou para aquele sujeito, para esta ou aquela categoria de sujeitos, para este ou aquele grupo social (operários, acidentados, consumidores de serviços médicos, aposentados...).

Em suma, o Discurso normativo é o Discurso elaborado pelo legislativo, que, em

tese, criam o texto normativo à medida que surgem as necessidades e exigências dos

sujeitos, categoria de sujeitos e/ou grupos sociais, acrescentando Bittar (2001), que o

sujeito investido para legislar, ao enunciar o Discurso normativo, possui

concomitantemente, o “poder-fazer” e o “dever-fazer”, face aos destinatários (o povo). O

legislador exerce essa função de criador do que é Jurídico e do que não é Jurídico,

admitindo-se assim, o Discurso normativo como fundamento de todos os Discursos

Jurídicos.

Exerce a função cogente, correspondendo às tarefas de comandar condutas,

escolher valores preponderantes, recriminar e/ ou estimular atividades, comandar a

estrutura do sistema e o fazer dos agentes públicos.

Seguidamente, estende-se a explanação para o Discurso burocrático.

Trata-se de um Discurso subordinado ao Discurso normativo, sendo que a ele

obedece ou a ele se reporta, seja pelo conteúdo ou pela forma. Sua função é

ordinatória, estabelece obrigações, cria condições, coordena atitudes, originando sua

textualidade do texto normativo, expressa prescrições normativas em contextos

procedimentais, e, em decorrência disso, estabelece exigências e situações, quando

designa às partes, deveres que, se não forem cumpridos, prejudicam o trâmite do

procedimento ou impossibilitam o acesso à decisão da causa. É o Discurso

caracterizado pelo poder executivo e é um ato de Linguagem burocrática, um ato

Jurídico imediato que produz efeitos Jurídicos desde o momento da sua enunciação,

sendo que, pode declarar atos de nulidade, reavaliar contagem de prazos processuais,

criar obrigações Jurídicas, dentre outros atos. (BITTAR, 2001).

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Em outras palavras, o Discurso burocrático, exercendo a função ordinatória,

corresponde às atividades de regularização, acompanhamento, ordenação e impulso

dos ritos processuais.

No que concerne ao Discurso decisório, entende-se que é derivado do Discurso

normativo, pois nele se sustenta, tendo por função básica, a sua individualização e

concretização, sendo responsável pela gênese da significação Jurídica e sua evolução.I

Isto é o que classifica-o como sendo o Discurso do poder judiciário.

Neste contexto, Bittar (2001, p. 266/267) ratifica que:

O Discurso decisório torna realidade ativa e individualizada aquilo que se encontra apenas em hipótese de dever-ser na norma, e isso porque o Discurso normativo normalmente se grava na base de situações hipotéticas, abstratas e voltadas para o futuro, sem relação com situações concretas, existentes de fato e já ocorridas; faz-se fonte de significação e da inovação Jurídicas, e isso porque é capaz de engendrar por meio da interpretação. [...] possui uma característica interessante, qual seja, além de produzir seu sentido e de exercer uma ação Jurídica (criando, modificando, Direitos, situações Jurídicas...) é capaz de criar uma nova realidade de Linguagem dentro do universo Jurídico. A conseqüência direta dessa nova formação de sentido Jurídico no seio da juridicidade se sintetiza no que se pode chamar de circularidade45 do Discurso decisório. A noção que se quer ter presente é a de que toda decisão pressupõe uma prática de Linguagem, normalmente escrita [...].

O Discurso decisório tem por óbvio a função decisória e corresponde às

atividades, aplicativa, dirimidora, conclusiva, e concretizadora de parâmetros

normativos, carecendo seguir a regra de fundamentar juridicamente as decisões,

devendo movimentar o sentido normativo na direção do sentido de Justiça.

Por fim, tem-se o Discurso científico, que desempenha a função cognitivo-

interpretativa, correspondendo às atividades de conhecimento, distinção, classificação,

orientação, informação, interpretação, explicação, sistematização e crítica dos demais

Discursos que formam o Discurso Jurídico.

No que tange ao Discurso em pauta, Bittar (2001, p. 311/312) destaca:

45 A circularidade é um fenômeno que se produz com nítida aparência no universo jurídico como um todo, consistindo na sustentação recíproca de diversos tipos de discursos [...]. (BITTAR, 2001, p. 267).

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[...] o que há de ser ressaltado é o fato de que a função do Discurso científico não é outra senão a de produzir sentido Jurídico, e não prescrever condutas (Discurso normativo), e não procedimentalizar (Discurso burocrático), e não decidir (Discurso decisório). Nestes, o exercício exegético é lateral. Ao contrário, para o Discurso cientifico, é a função primordial, o télos discursivo. É em função da necessidade de construir sentido sobre normas, decisões e atos administrativos que constroem teses, teorias e interpretações científico- Jurídicas. [...] o Discurso cientifico é voltado para a compreensão, crítica e interpretação dos Discursos Jurídicos.

O Discurso científico percorre o caminho do rigor, da lingüística e do método

para se apresentar como um saber com poder de Persuasão, e são os argumentos

trazidos pelo Discurso científico-Jurídico que convencerão os receptores de sua

mensagem sobre sua veracidade. Todavia, a verdade só é o fim último do Discurso

científico-Jurídico quando realizado pelo sujeito-cientista não intérprete. Sempre que

este utiliza o Discurso científico o faz como premissa necessária para o

desenvolvimento de um Discurso decisório que tem por fim último a solução de um

conflito, visando solucionar um conflito de incompatibilidade entre as partes que pedem

uma situação de apaziguamento, representada pela decisão. (OLIVEIRA, 2007).

Embora os tipos de Discursos em pauta, desempenhem uma função individual,

estabelecem entre si uma concatenação referente às suas funções, que se

complementam, carecendo da interpretação, mas precisamente da hermenêutica, para

que se alcance o entendimento do texto normativo.

4.3 CONSIDERAÇÕES ACERCA DA HERMENÊUTICA

Diante da explanação no que tange ao Discurso Jurídico, bem como sua

classificação, pode-se perceber, o quão indispensável é a interpretação para o

entendimento das mensagens contidas nos Discursos.

No entendimento de Paladino (2004) os Discursos, mais precisamente os textos

normativos, estão longe de ser claros, imediatos e unívocos, por tal razão, a

essencialidade de verificar a exatidão dos enunciados, interpretando os textos de forma

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coerente e significativa. Para o Direito sendo Linguagem e interpretação, saber as

condições em que foi empregada a Linguagem é fator crucial para o Operador Jurídico.

No mesmo raciocínio, Azevedo (1996, p. 93) explica:

Sem o domínio da Linguagem, o sistema Jurídico se constrói na obscuridade e se nutre da incongruência, sua execução se torna problemática e sua aplicação pode se tornar numa charada estranha à Justiça. Sob qualquer ângulo, necessita o Direito de ser servido pela Argumentação, cujo uso adequado constitui permanente tarefa da razão humana.

Como visto anteriormente, os textos normativos não são claros, tampouco

unívocos, destarte, ter o domínio da Linguagem é indispensável para a efetiva

interpretação dos Discursos, tornando-os inteligíveis.

No tocante à interpretação, Kelsen (1999, p. 245) ensina:

A interpretação é, portanto, uma operação mental que acompanha o processo da aplicação do Direito no seu progredir de um escalão superior para um escalão inferior. Na hipótese em que geralmente se pensa quando se fala de interpretação, na hipótese da interpretação da lei, deve responder-se à questão de saber qual o conteúdo que se há de dar à norma individual de uma sentença judicial ou de uma resolução administrativa, norma essa a deduzir da norma geral da lei na sua aplicação a um caso concreto.

Essa função de interpretação no universo Jurídico é denominada Hermenêutica

Jurídica, definida por Guimarães (2004, p. 337): “[...] é a ciência da interpretação dos

textos de lei, tem por objetivo o estudo e a sistematização dos processos a ser

aplicados para fixar o sentido e o alcance das normas Jurídicas, seu conhecimento

adequado, adaptando-se aos fatos sociais”.

No que refere a gênese do termo Hermenêutica, Tonelli (2002, p. 01) esclarece:

Hermenêutica é um vocábulo derivado do grego hermeneuein, comumente tida como filosofia da interpretação. Muitos autores associam o termo a Hermes, o deus grego mensageiro, que trazia notícias. Hermes seria o deus, na mitologia grega, capaz de transformar tudo o que a mente humana não compreendesse a fim de que o significado das coisas pudesse ser alcançado. Hermes seria um "deus

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intérprete", na medida em que era a entidade sobrenatural dotada de capacidade de traduzir, decifrar o incompreensível.

Para Barroso (2001, p. 103), a hermenêutica Jurídica “é um domínio teórico,

especulativo, cujo objeto é a formulação, o estudo e a sistematização dos princípios e

regras de interpretação do Direito”.

Streck (2003, p. 225/226) salienta que:

Interpretar é, pois, hermenêutica, e hermenêutica é compreensão e através dessa compreensão se produz o sentido [...] não há um sentido escondido na norma/ texto que possa ser alcançado de forma essencialista; tampouco há um sentido imanente, inerente, como uma espécie de elo (fundado/ fundante) que liga o significante ao significado, como um objeto que possa ser buscado, através de um processo interpretativo, pelo sujeito cognoscente [...] hermenêutica Jurídica é realizar um processo de compreensão do Direito. Fazer hermenêutica é desconfiar do mundo e de suas certezas, é olhar o Direito de soslaio [...].

Considerando-se que a hermenêutica pode ser definida como a arte da

interpretação, deduz-se, obviamente, que Hermenêutica é compreensão. A

Hermenêutica Jurídica seria então a compreensão que daria o sentido à norma. Isso

quer dizer que na norma ou no texto Jurídico há sempre um sentido que não está

explícito, mas a norma é algo para ser conhecido, no sentido da interpretação, tem que

haver uma construção desse conhecimento. Isso significa que o conhecimento da

norma passa pela compreensão da mesma, por intermédio da interpretação criativa,

crítica, onde o sujeito, determinado por sua cultura se será capaz de dar conta da

interpretação/hermenêutica como processo de compreensão do Direito. (TONELLI,

2003).

No entendimento de Marques (2004, p. 37) tem-se que: “hermenêutica Jurídica é

a parte da ciência Jurídica que tem por objeto o estudo e a sistematização dos

processos que tornam a interpretação do Direito mais fácil e eficiente. É, portanto uma

ciência.”

Evidente que, a hermenêutica desempenha um papel de extrema relevância no

Direito, posto que, tem por escopo, mitigar e/ ou exaurir as obscuridades contidas nos

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textos normativos, que por vezes, impedem que a mensagem não alcance o

entendimento, dificultando ainda mais, o acesso à Justiça.

4.4 A PRÁTICA DO DISCURSO JURÍDICO

Ao exercitar o Discurso Jurídico, principalmente no que tange ao Discurso escrito

é necessário estabelecer algumas Técnicas e considerável cautela, com o intuito de

evitar que o mau uso da Linguagem comprometa a Argumentação e a Persuasão da

mensagem que será transmitida.

Com a devida prudência ao escrever, dedicando atenção à Linguagem, a

probabilidade de alcançar a interpretação que se almeja, é obviamente, muito maior.

A respeito das peculiaridades do Discurso escrito, Rodríguez (2005) alerta que o

estilo do Discurso escrito exige estruturas de frases bem construídas, atenção à

pontuação, com repetições (se houver) bem elaboradas e pouco constantes. São

características como estas, aparentemente simples, que afetam diretamente a

qualidade do Discurso, podendo desestimular o interlocutor.

Com certeza, uma dificuldade inerente ao Discurso escrito, é justamente manter

o leitor entretido e estimulado, caso isso não ocorra, todos os demais argumentos

praticamente perderão a validade.

Penteado (1976) assinala que quem escreve com clareza, escreve com

inteligência, pois, deve-se escrever para facilitar a leitura. Para tanto, imprescindível

que o texto seja conciso e preciso, destarte, deve-se escrever somente o que for

indispensável à compreensão, utilizando o equilíbrio para não escrever frases muito

longas, nem muito breves, configurando assim, a harmonia do estilo.

Bittar (2001, p. 345) complementa:

[...] justifica-se a necessidade do estudo das Técnicas de uso, manipulação e emprego da Linguagem Jurídica. O Discurso das práticas Jurídicas (normativas, burocráticas, decisórias, científicas) demanda conhecimentos específicos, formas de locução, Técnicas de redação, estilos e medidas próprios. [...] alguns instrumentos técnicos

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são imprescindíveis para a vivência do Discurso em suas peculiares manifestações, é mister o estudo da articulação prática do Discurso, tendo-se em vista o domínio dos elementos indispensáveis para a apresentação (construção) e dissecação (des-construção) de todo Discurso Jurídico.

No que concerne a clareza e ao estilo, Leite (2004, p. 40) ressalta que:

Não existem regras determinadas de como atingir um bom estilo, já que cada indivíduo, através de sua produção, revela seu próprio espírito, suas reais condições intelectuais, o seu estilo; mas uma coisa é certa e pode interferir como determinante da validade do estilo: quanto mais simples e direto, mais claro e adequado será.

Embora o Discurso escrito denote maiores complicações na sua

produção/elaboração, ele pode servir alcançar significações não atingíveis pelo

Discurso oral, constituindo a leitura um veículo privilegiado de comunicação entre

autores e leitores.

Para a produção de uma boa redação, Penteado (1976, p. 247) estabeleceu dez

mandamentos:

1) Use palavras e frases simples; 2) Use palavras e frases coloquiais; 3) Use pronomes pessoais; 4) Use ilustrações e exemplos gráficos; 5) Use preferivelmente parágrafos e sentenças curtas; 6) Use verbos ativos; 7) Economize adjetivos e floreados; 8) Evite rodeios; 9) Faça com que cada palavra tenha a sua função no texto;

10) Atenha-se ao essencial.

De acordo com Nascimento (1987) a Linguagem das leis elaboradas pelos

operadores Jurídicos, difere entre elas, como diferem entre si, advogados e juízes

respectivamente. Entretanto, como os demais autores, apontam características

elementares para a qualidade da escrita: brevidade, clareza e precisão.

Bittar (2001, p. 347/348) complementa:

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[...] percebe-se que o texto e a escrita são duas presenças incontornáveis para todo operador do Direito. Isso significa que os cuidados com a Linguagem e a expressividade Jurídica são infinitamente maiores que em outras áreas, sendo que, por vezes, a competência profissional, o desempenho judicial, a liberdade de um cliente, são medidos a partir do desempenho locutório do operador do Direito. Nesse aspecto, as Técnicas de escrita são imprescindíveis para que se alcancem os resultados profissionais desejados. As Técnicas de análise e construção textual são também determinantes para o desenlace profissional [...] o operador do Direito está adstrito à gramaticalidade e ao formalismo do Discurso escrito, que, necessariamente, é mais determinado pelas regras da língua que o Discurso oral, para o qual impera certa margem de liberdade.

Quando se trata de escrita, Rodríguez (2005) acrescenta que, a coesão textual é

indispensável, pois, essa concatenação das palavras de um texto, formará elementos

de significação que se completam, facilitando a leitura e o entendimento. Um texto

desprovido de coesão retrata considerável prejuízo à Argumentação, uma vez que, o

leitor necessita de atenção e esforço redobrados para captar o sentido da frase,

implicando em perca de atenção no conteúdo da mensagem original, bem como da

profundidade dos argumentos, refletindo parco estímulo à continuidade da leitura.

No que concerne às regras imprescindíveis ao operador do Direito, Pasold (2000,

p. 196) fornece um valioso ensinamento:

A comunicação eficiente, eficaz e efetiva integra o complexo de responsabilidades inerentes ao exercício de toda profissão e, portanto, o Operador Jurídico deve dedicar-se ao domínio das Técnicas Comunicativas com o mesmo empenho com que se aplica ao conhecimento e prática das Técnicas Jurídicas.

No que tange à coerência textual, Bittar (2001, p. 348) lista alguns fatores

pertinentes à sua efetividade:

- elementos lingüísticos, com sua adequada distribuição no curso do texto; informações, que retratam um conhecimento de mundo posto no texto e que devem distribuir-se de modo harmônico; - conhecimento partilhado, que permite que o outro adentre o seu texto, que representa sua leitura do mundo; - inferências, que impõem ligação entre elementos presentes no texto, sejam Técnicas, sejam não Técnicas; contextualização, que mantém a

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sustentação das idéias dentro de setores do conhecimento, momentos históricos, pontos da discussão; - focalização, tendo em vista a adequação do texto a um eixo de tratamento do tema; - intertextualidade, em função da relação que o texto mantém, ou pode manter, com outras realidades textuais que o circundam; - intencionalidade, figurando como o direcionamento ideológico e intencional do narrador claramente posicionado no texto; - consistência, dada pela substância do problema posto em pauta de discussão, adequadamente tratado; - relevância, em face da devida justificação da importância do assunto em tela, bem como da Argumentação que a sustenta.

Verifica-se que várias são as formas e Técnicas para a elaboração de um

Discurso Jurídico bem estruturado, e há qualidades que prescindem um bom texto,

clareza, coesão, concisão, coerência, observação e atenção ao idioma e formação

estrutural de vocábulos concatenados.

4.5 RETÓRICA E ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO JURÍDICO

Ainda que com novos nomes, a Retórica tem ultrapassado os séculos, sem

perder seu caráter persuasivo e sem prejuízo de sua função significativa nos Discursos

Jurídicos.

Neste sentido, foram fundamentais os estudos feitos por Perelman, sendo o

responsável pela introdução da Argumentação no Direito, como a conhecemos hoje. O

que Perelman mostrou é que a Argumentação pode dar suporte ao Direito, permitindo

que as peças fiquem mais consistentes e proporcionando um convencimento maior de

quem é o seu destinatário. A partir da lógica, Perelman retomou a teoria da

Argumentação mostrando que pode ser bem explorada na área do Direito, não somente

para manipular auditórios ou audiências, mas para dar consistência às posições que se

defende. (PERELMAN, 1996).

Esses estudos apontados por Perelman, funcionaram como uma mola propulsora

para outros filósofos e estudiosos, que debruçaram-se sobre a Retórica e a

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Argumentação, resgatando algumas Técnicas e expondo outras, mostrando como

podem ser usadas em proveito de um melhor exercício do Direito.

O que os estudiosos contemporâneos fizeram, foi redescobrir a Retórica, suas

Técnicas e adaptá-las ao nosso tempo, permitindo que seja utilizada amplamente no

universo Jurídico.

O profissional da área Jurídica, acaba encontrando na Retórica e na

Argumentação, elementos indispensáveis à sua profissão, visto que, agregadas à

Linguagem, transcendem imensa capacidade de Persuasão aos Discursos.

Sobre o estudo em tela Pacheco (2003, p. 01) assevera:

A partir da importância dada à filosofia da Linguagem e à filosofia dos valores, diversos filósofos e estudiosos começaram a considerar a Retórica como um objeto digno de estudo, seja sob a sua vertente formal, seja sob a ótica que privilegia seu aspecto de instrumento de Persuasão.

Em seu cotidiano o profissional do Direito participa ativamente de muitas

atividades, como audiências, reuniões, redações dentre tantas outras concernentes ao

ramo Jurídico. Todavia, para exercer o seu ofício com competência, não carece apenas

do saber Jurídico, como também domínio na arte de escrever com Técnica, sabendo

expor suas idéias com clareza com o intuito de persuadir os leitores das peças

Jurídicas. Escrever um texto implica exprimir, em palavras, idéias em ordem, com

objetividade, concisão e método. Para um desempenho significativo do profissional em

razão do seu ofício, a redação do texto Jurídico, espelhada na teoria da Argumentação,

deve integrar o leque de conhecimento do profissional do Direito. (SOUZA, 2006).

Coelho (2004) salienta que o profissional do Direito, diariamente, precisa

construir argumentos convincentes, porquanto, utiliza-se de todo o conjunto de

Técnicas comunicativas pelas quais se busca o convencimento do interlocutor, ou seja,

Retórica. Atribuindo diretamente o desempenho do profissional ao fato de ser

convincente, aduzindo que isso classifica e diferencia os bons dos maus profissionais.

Em consonância, Souza (2006. p. 133) destaca que: “a Argumentação é

essencial para o profissional da área Jurídica, pois nossa profissão é daquelas onde

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quem tem o Discurso mais convincente e persuasivo e sabe argumentar com

propriedade e Técnica pode mudar uma escolha ou decisão”.

A essencialidade da Argumentação, torna-se evidente, pois, sem ela seria

impossível defender posições, oferecer argumentos, discutir aspectos de lei e da

legislação e até mesmo exercitar o Direito. Se a Argumentação está presente em todas

as áreas, no Direito ela é essencial, parte do seu próprio exercício. É a Argumentação,

no final, que fornece o suporte para o pleno aprendizado e inteligibilidade do Direito.

Ainda neste diapasão, ensina Souza (2006, p. 129):

[...] tanto o acadêmico quanto o advogado devem estudar com afinco a Teoria da Argumentação Jurídica, porque ela faz parte de um arsenal de preparação do profissional da área para quem deseja ter um bom desempenho e, conseqüentemente alcançar sucesso em seu ofício. A redação, a oratória, o estudo da lógica, da Argumentação [...], todos são instrumentos válidos para transformarem o bacharel em um excelente tribuno, porque essas disciplinas, dentre outras, não só auxiliam o judiciário na solução do conflito como também contribuem para uma maior fluência oral e escrita.

Os apontamentos apresentados acerca da importância da Retórica e

Argumentação no Discurso Jurídico, bem como na prática do operador do Direito,

denotam uma ligação coerente e eficaz, que refletem diversas vezes de forma direta

nas decisões dos conflitos Jurídicos, com a finalidade precípua de alcançar Justiça.

Destarte, não basta articular bem a Linguagem e utilizar excelentes Técnicas de

Argumentação e Retórica se o operador do Direito não conhece, ou não entende o

assunto, o tema, que pretende explorar no Discurso.

Sobre essa preocupação, Souza (2006, p. 133) discorre:

Retomando a parte teórica da importância da Argumentação Jurídica, destacamos que, para tal domínio, o profissional tem que conhecer o assunto do qual está falando. Logo, o primeiro passo para você argumentar bem é conhecer profundamente o Direito. O pressuposto da Argumentação, é, portanto, conhecer o Direito e nunca se permitir a discutir sobre um dado tema sem ler antes a legislação que o rege. Sem isso, você não passa de um enganador. A palavra é forte, mas foi intencionalmente escolhida para que você perceba a gravidade do que estamos tentando lhe transmitir.

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Como visto, para que um Discurso Jurídico seja persuasivo, além da Retórica e

da Argumentação é necessário conhecer o Direito, configuram pressupostos

imprescindíveis para o convencimento.

A Retórica e/ ou a teoria da Argumentação utilizadas nos Discursos Jurídicos,

devem ser despidas de adornos, de textos empolados, de argumentos sofísticos,

devendo unir-se aos ensinamentos do Direito, distante de ser enganação, a função

primordial das Técnicas estudadas, é auxiliar o profissional do Direito para que as

palavras sejam utilizadas de forma a favorecer o próprio Direito.

Nada sutil, Cabeda (1998, p. 14) lança uma crítica ao mau uso das palavras

pelos operadores do Direito, que agindo assim, dificultam ou acesso à Justiça:

A noção de finalidade da Justiça deve ser acessível a qualquer um, mesmo ao rústico e ao analfabeto, desde que os letrados entendam a necessidade dela, e usem as palavras que conhecem para alcançá-la concretamente, não para produzir seu engodo bem remunerado, nas catedrais de papel transformadas em sucata, em regurgitamento e tédio da civilização. Especialmente, não as usem em cumplicidade com a mais letal dentre todas as formas de morte do Direito, que — esmagada pelo entulho — hoje é uma palavra lançada ao degredo, corrompida pelo nada, desonrada pelo seu emprego.

As considerações de Cabeda (1998), ratificam a importância das palavras nos

Discursos Jurídicos, advertindo ainda, que quando as palavras não são utilizadas de

maneira adequada, as conseqüências podem ser danosas.

Infere-se assim, que a Argumentação e a Retórica devem constituir os Discursos

Jurídicos, assistindo o operador do Direito e servindo ainda como elemento intrínseco

na busca do que definimos por Justiça.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A presente monografia teve por finalidade proceder a análise referente a

essencialidade da Argumentação e Retórica no Discurso Jurídico.

Mesmo que seja a etapa finalizadora desta pesquisa, não há que se falar em

conclusão, pois o tema, ainda que deveras antigo, passou por diversas adaptações

contemporâneas no que tange ao universo Jurídico.

Para apresentar uma seqüência linear lógica, dividiu-se o tema em três capítulos

interligados.

No primeiro capítulo, evidenciou-se a Retórica, distante de conceito negativo, ou

até mesmo pejorativo desenvolvido no decorrer dos séculos, como coisas empoladas e

falsas, buscando-se ressaltar a Retórica original, grega, que se apresenta como um

estudo e uma prática de todo o Discurso que tem uma intenção persuasiva, apresentou-

se os aspectos históricos relevantes, estudou-se sobre os sofistas, delineando uma

crítica as Técnicas que ensinavam.

Identificou-se os três gêneros retóricos, constatando que estão ligados aos três

tempos fundamentais: o deliberativo, que aconselha ou dissuade, ao futuro; o judiciário,

que acusa ou defende, ao passado e o epidíctico, que louva ou repreende, ao presente.

Ainda neste capítulo, estudou-se os três pilares fundamentais da Retórica:

Pathos, que representa o jogo com as paixões e emoções dos ouvintes/ leitores,

fazendo-o prescindir do controle racional das opiniões. O Logos representa o raciocínio

lógico através do qual se convence o público de uma verdade e o Ethos que consiste

na credibilidade do orador. Na sua magnificência, cultura, estado social, capacidade

intelectual e em como poderá usar estas qualidades intrínsecas para levar alguém a

acreditar numa verdade.

No segundo capítulo, manifestou-se a importância da Argumentação, as

construções e os tipos de argumentos, caracterizando os mais pertinentes ao universo

Jurídico.

Para o encerramento deste segundo capítulo, traçou-se um paralelo entre

Argumentação e Persuasão, e a concatenação desses institutos, que caminham lado a

lado.

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Buscou-se ainda, verificar um conceito de Direito, ainda que não muito

aprofundado, para compreender a relação entre a Argumentação e o Direito.

Por fim, no terceiro e último capítulo, estudou-se a conceituação de Discurso

Jurídico, bem como sua finalidade, que é a Persuasão e/ ou o convencimento.

Após, explanou-se os tipos de Discursos e sua aplicabilidade na área Jurídica.

Demonstrou-se, ainda que superficialmente, um breve estudo acerca da

interpretação e da hermenêutica, institutos indispensáveis à compreensão do Direito.

Em seguida, explicou-se a prática do Discurso Jurídico, a importância do uso

devido da Linguagem, a importância das palavras, como instrumento de trabalho do

Operador Jurídico, ensinamentos pertinentes à escrita de um bom Discurso,

destacando-se a clareza, coesão, concisão, coerência, observação e atenção ao idioma

e formação estrutural de vocábulos concatenados.

À guisa de conclusão, evidenciou-se o tema da presente monografia:

Argumentação e Retórica no Discurso Jurídico, enfocando o Discurso Jurídico verbal

escrito, considerando que, o Discurso escrito denota maiores complicações na sua

produção/ elaboração, conquanto, detém a capacidade de alcançar significações não

atingíveis pelo Discurso verbal oral.

Salientou-se ainda, a Argumentação e Retórica no cotidiano do Operador

Jurídico, que para exercer o seu ofício com competência, não carece apenas do saber

Jurídico, como também domínio na arte de escrever com Técnica, sabendo expor suas

idéias com clareza com o intuito de persuadir os leitores das peças Jurídicas.

Constatou-se que os apontamentos abordados acerca da importância da

Retórica e da Argumentação no Discurso Jurídico, bem como na prática do operador do

Direito, denotam uma ligação coerente e eficaz, que refletem diversas vezes de forma

direta nas decisões dos conflitos Jurídicos.

Estes foram os aspectos destacados referentes à presente pesquisa, destarte,

acredita-se que o objetivo principal desta monografia foi alcançado, ou seja, a pesquisa

encetada permitiu que se constatasse a essencialidade da Argumentação e da Retórica

no Discurso Jurídico.

Finalmente, ressalta-se que a presente investigação não teve a pretensão de

exaurir o tema, mas de contribuir para uma melhor compreensão acerca do assunto e

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destacar que, diante da relevância do tema, o Operador Jurídico, deve estudar e utilizar

a Argumentação e Retórica de forma continuada em seus Discursos, aumentando

assim, a capacidade de engendrar Persuasão.

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REFERÊNCIAS

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