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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ SAMARA MARIA ORSI SILVA PRISÃO TEMPORÁRIA: constitucionalidade e projeção no Anteprojeto do Código de Processo Penal Tijucas 2009

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

SAMARA MARIA ORSI SILVA

PRISÃO TEMPORÁRIA:

constitucionalidade e projeção no Anteprojeto do Código de Processo Penal

Tijucas

2009

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SAMARA MARIA ORSI SILVA

PRISÃO TEMPORÁRIA:

constitucionalidade e projeção no Anteprojeto do Código de Processo Penal

Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas. Orientador: Prof. MSc. Alexandre Botelho

Tijucas

2009

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SAMARA MARIA ORSI SILVA

PRISÃO TEMPORÁRIA:

constitucionalidade e projeção no Anteprojeto do Código de Processo Penal

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Direito e

aprovada pelo Curso de Direito do Centro de Ciências Sociais e Jurídicas, campus Tijucas.

Área de Concentração/Linha de Pesquisa: Direito Público/Direito Processual Penal

Tijucas, 30 de novembro de 2009.

Prof. MSc. Alexandre Botelho Orientador

Prof. MSc. Marcos Alberto Carvalho de Freitas Responsável pelo Núcleo de Prática Jurídica

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Dedico este trabalho aos meus pais, pelo amor incondicional e por

sempre estarem ao meu lado, me incentivando e fazendo com que eu

trilhe um caminho melhor.

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Sobretudo à Deus por ter me dado inteligência e capacidade para concluir esta pesquisa.

Aos meus pais, que são tudo pra mim, pelo amor irrestrito e por sempre apoiarem minhas

escolhas.

Ao meu irmão, verdadeiro tesouro em minha vida.

Ao orientador, Prof. MSc. Alexandre Botelho, norte seguro na orientação deste trabalho, por

ter sido inteiramente acessível no decorrer desta pesquisa e, também pelas lições que pude

aprender das vezes em que tive o privilégio de ser sua aluna nas disciplinas de Direito

Constitucional, Direito Eleitoral e Direito do Consumidor.

Aos Professores do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, campus Tijucas, que

muito contribuíram para a minha formação jurídica.

Aos colegas de classe, pelos momentos que passamos juntos e por tornarem esses cinco anos

mais alegres.

Ás minhas grandes amigas Camila, Eluza e Tamara pela parceria e pelos momentos alegres

compartilhados, os quais guardarei nas melhores lembranças.

Aos colegas de trabalho do Fórum da Comarca de Tijucas, pelas experiências trocadas, em

especial ao André Ferreira.

Aos Juízes de Direito, Alexandre Murilo Schramm, Bianca Fernandes Figueiredo, Pedro

Walicoski Carvalho e Sabrina Menegatti Pítsica por todo conhecimento obtido.

A todos que, direita ou indiretamente, contribuíram para a realização desta pesquisa.

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O mal da justiça humana – protestava, irônico, Monteiro Lobato, da prisão onde foi jogado pela ditadura do Estado Novo – está na falta de uma lei que vou fazer quando for ditador: todos os juízes, depois de nomeados e antes de entrar no exercício do cargo, têm de gramar dois anos de cadeia, um de penitenciária e um de cela, a pão e água e nu em pelo. Não há nada mais absurdo do que o poder dado a um homem de condenar outros a uma coisa que ele não conhece: a privação da liberdade.

Roberto de Abreu Sodré

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca

do mesmo.

Tijucas, 30 de novembro de 2009.

Samara Maria Orsi Silva Graduanda

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RESUMO

Esta Monografia possui como tema o instituto processual penal da prisão temporária, tendo como objetivo verificar, por meio de pesquisa bibliográfica, a (in)constitucionalidade da prisão temporária, cotejando-a ao anteprojeto do Código Processo Penal em tramitação no Congresso Nacional. A pesquisa principia por uma abordagem histórica do instituto da prisão, destacando alguns dos acontecimentos relevantes que transformaram o ordenamento jurídico até os dias atuais, lançando um olhar para o futuro ao trazer para o bojo da pesquisa o Anteprojeto de Código de Processo Penal. Após apresentar um breve histórico da prisão, passa-se a pesquisar a dimensão constitucional do direito fundamental à liberdade, para, ao final, dedicar-se com exclusividade a constitucionalidade, ou não da prisão temporária, nos termos da legislação de regência atual, assim como cotejando-a com o Anteprojeto de Código de Processo Penal. Os direitos fundamentais, precisam do Estado para sua implementação mas também limitam o arbítrio estatal, sendo a proporcionalidade o instrumento apto para verificar a constitucionalidade de eventuais restrições, o que se faz pela análise ordenada e subsidiária de seus três elementos: adequação, necessidade e proporcionalidade. Palavras-chave: Prisão Temporária. Proteção Constitucional. Necessidade.

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ABSTRACT

This monograph has as its theme the institute criminal proceedings the temporary detention, having as goal verify, by means of literature, the unconstitutionality of the temporary detention, comparing it to the draft of the Criminal Procedure Code in the National Congress. The search begins with a historical approach of the Institute of prison, highlighting some of the major events that transformed the legal system to the present, with a look to the future to bring the core of the research the Draft Code of Criminal Procedure. After presenting a brief history of the prison begins to to research the constitutional dimension of the fundamental right to freedom, to the end to devote himself exclusively to the constitutionality to, in the end, devote ourselves exclusively to the constitutionality, or not of the temporary detention, under the current law on, and comparing it with the Draft Code of Criminal Procedure. The fundamental rights, needs the State for it’s implementation, but also limits the state´s will, as the proportionality being the instrument able to verify the constitutionality of any restrictions, what is done for the orderly and analysis of its three subsidiary elements: adequacy, needs and proportionality. Keywords: Temporary Detention. Constitutional Protection. Needs.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

art. Artigo Cf. Conforme CRFB/88 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 d.C Depois de Cristo ed. Edição inc. Inciso Min. Ministro v. Volume p. Página

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LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS

Lista de categorias1 que a Autora considera estratégicas à compreensão do seu

trabalho, com seus respectivos conceitos operacionais2.

Constituição Lei fundamental e suprema de um Estado, que contém normas referentes à estruturação do Estado, à formação dos poderes públicos, forma de governo e aquisição do poder de governar, distribuição de competências, direitos, garantias e deveres dos cidadãos3.

Crime Violação dolosa ou culposa de norma penal por meio de ato comissivo ou omissivo imputável ao agente; qualquer ação ou omissão que venha causar dano, lesar ou expor a perigo um bem juridicamente protegido pela norma penal4.

Crime Hediondo Na conceituação de tais crimes, deve-se levar em consideração o próprio sentido semântico do termo hediondo, que tem o significado de um ato profundamente repugnante, imundo, horrendo, sórdido, ou seja, um ato indiscutivelmente nojento, segundo os padrões da moral vigente. Com base nisto, pode-se dizer que o crime que causa profunda e consensual repugnância por ofender, de forma acentuadamente grave, os valores morais de indiscutível legitimidade, como o sentimento comum de piedade, de fraternidade, de solidariedade e de respeito a dignidade da pessoa humana5.

Estado É a organização política sob a qual vive o homem moderno. Ela se caracteriza por ser a resultante de um povo vivendo sobre um território delimitado e governado por leis que se fundam num poder não sobrepujado por nenhum outro externamente e supremo internamente6.

1 Denomina-se “categoria” a palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou expressão de uma idéia. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11. ed. Florianópolis: Millennium, 2008, p. 25. 2 Denomina-se “Conceito Operacional” a definição ou sentindo estabelecido para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias expostas ao longo do trabalho. Cf. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática, p. 37. 3 MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 6. 4 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 1131. 5 LEAL, João José. Crimes hediondos: aspectos político-jurídico da Lei nº 8.072/90. São Paulo: Atlas, 2009, p. 21. 6 BOTELHO, Alexandre. Curso de ciência política. Florianópolis: Obra Jurídica, 2005, p. 152.

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Inquérito Policial É um conjunto de diligências realizadas pela Polícia Civil ou Judiciária (como a denomina o CPP), visando a elucidar as infrações penais e sua autoria7.

Pena É uma sanção aflitiva imposta pelo Estado, mediante ação penal, ao autor de uma infração penal, como retribuição de seu ato ilícito, consistente na diminuição de um bem jurídico, e cujo fim é evitar novos delitos8.

Prisão Na terminologia jurídica, é o vocábulo tomado para exprimir o ato pelo qual se priva a pessoa de sua liberdade de locomoção, isto é, da liberdade de ir e vir, recolhendo-a a um lugar seguro ou fechado, de onde não poderá sair. Nesta razão, juridicamente, pena de prisão quer exprimir pena privativa de liberdade e, virtude da qual a pessoa, condenada a ela, é recolhida e encerrada em local destinado a este fim9.

Prisão Cautelar Medida proposta por alguns doutrinadores, consistente numa ordem de prisão provisória dada pela autoridade competente, com imediata comunicação do juiz, acompanhada das razões de detenção, ante a presença de indícios suficientes da autoria do delito, com o escopo de apurar os fatos10.

Processo Penal Conjunto de regulamentações que dispõem sobre o processo e o procedimento, a jurisdição e a competência, a ação penal e a investigação criminal, assim como o Direito de defesa e as medidas cautelares concernentes à apuração de fato tido como infracional11.

Prisão Temporária Prisão cautelar de natureza processual destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito policial12.

Sanção Penal É a prevista em lei em caso de conduta ilícita, consistente na prática de crime ou contravenções penal para recompor a situação antijurídica e recuperar o agente. Por exemplo: reclusão, detenção, prisão simples, multa, perda de bens e valores, prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos e limitação de fim de semana. Trata-se de uma sanção repressiva13.

7 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 65. 8 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p.529. 9 SILVA, De Plácido e. Vocabulário jurídico. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 640. 10 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, p. 866. 11 ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Dicionário acadêmico de direito. 3. ed. São Paulo: Jurídica Brasileira, 2003, p. 618. 12 CAPEZ, Fernando. Processo penal. 17. ed. São Paulo: Ed. Damásio de Jesus, 2007, p. 187. 13 DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico, p. 282-283.

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Sentença É o ato que, embora implicando alguma das hipóteses dos arts. 267 e 269 do Código de Processo Civil, coloca termo ao procedimento no primeiro grau de jurisdição14.

14 SILVA, Edward Carlyle. Direito processual civil. Rio de Janeiro: Impetus, 2007, p. 272.

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SUMÁRIO

RESUMO................................................................................................................................... 5

ABSTRACT .............................................................................................................................. 6

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS ............................................................................. 7

LISTA DE CATEGORIAS E SEUS CONCEITOS OPERACIONAIS.............................. 8

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 12

2 A FINALIDADE DA PRISÃO NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO ....................... 16 2.1 DESLOCAMENTOS HISTÓRICOS.................................................................................16 2.2.1 Antiguidade .....................................................................................................................18 2.2.2 Idade Média .....................................................................................................................21 2.2.3 Idade Moderna.................................................................................................................23 2.2 CONCEITUAÇÃO.............................................................................................................25 2.3 ESPÉCIES DE PRISÃO.....................................................................................................26 2.3.1 Prisão penal .....................................................................................................................27 2.3.2 Prisão penal cautelar........................................................................................................30 2.3.3 Prisão extrapenal..............................................................................................................32 2.4 PRISÃO TEMPORÁRIA...................................................................................................37 2.4.1 Requisitos e pressupostos ................................................................................................38 2.4.2 Hipóteses de cabimento ...................................................................................................40 2.4.3 Periculum libertatis e fumus boni juris ...........................................................................42 2.4.3.1 Periculum libertatis.......................................................................................................43 2.4.3.2 Fumus boni juris. ..........................................................................................................44

3 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO STATUS LIBERTATIS ................................... 46 3.1 O STATUS LIBERTATIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL.......................................49 3.2 DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO STATUS LIBERTATIS .......................................57 3.3 INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DE DEFESA DO STATUS

LIBERTATIS .............................................................................................................................61 3.3.1 Relaxamento de prisão.....................................................................................................61 3.3.2 Liberdade provisória........................................................................................................62 3.3.3 Habeas corpus .................................................................................................................66

4 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA E SUA PROJEÇÃO NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL .................................................................................................. 71 4.1 A PRISÃO TEMPORÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO.............74 4.2 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA.....................................82 4.3 PRISÃO TEMPORÁRIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL..................................................................................................................................................91

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................................. 96

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ................................................................................. 98

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1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto15 o estudo do instituto da Prisão Temporária no

Anteprojeto do Código de Processo Penal em tramitação no Congresso Nacional.

A importância deste tema reside na necessidade de lançar luzes sobre a dimensão que

o direito fundamental à liberdade possui no ordenamento jurídico brasileiro quando

confrontado com aquelas situações em que a restrição à liberdade afronta a CRFB/88.

Ressalte-se que, além de ser requisito imprescindível à conclusão do curso de Direito

na Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, o presente relatório monográfico também vem

colaborar para o conhecimento de um tema que, apesar de não poder ser tratado como

novidade no campo jurídico, na dimensão social-prática ainda pode ser tratado como elemento

novo e repleto de nuances a serem destacadas pelos intérpretes jurídicos.

O presente tema, na atualidade, ainda se encontra impregnado de muita confusão

semântica, doutrinária e jurisprudencial, no entanto, na prática, é notória a afronta à liberdade

pessoal, servindo seu uso (Prisão Temporária) como uma espécie de punição antecipada.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora em compreender a

adequação do instituto jurídico processual da Prisão Temporária às normas e princípios de

índole constitucional, assim como para instigar novas contribuições para esta área do Direito

na compreensão dos direitos fundamentais, especialmente no âmbito de atuação do Direito

Penal e Processual Penal.

O objetivo institucional da presente Monografia é a obtenção do Título de Bacharel

em Direito, pela Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas,

campus de Tijucas.

Em vista do parâmetro delineado, constitui-se como objetivo geral deste trabalho

identificar aquelas situações em que Prisão Temporária afronta à garantia à liberdade

transcrita na CRFB/88.

15 Nesta Introdução cumpre-se o previsto em PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática, p. 165-170.

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Como objetivo específico, pretende-se demonstrar através de pesquisa bibliográfica os

deslocamentos históricos do instituto da Prisão, a dimensão constitucional atribuída ao direito

à liberdade na CRFB/88 e ainda como o anteprojeto do Código de Processo Penal trata o

instituto da Prisão Temporária.

A análise do objeto do presente estudo incidirá sobre as diretrizes teóricas propostas

por Carlos Kauffmann, na obra Prisão Temporária, este será, pois, o marco teórico que

norteará a reflexão a ser realizada sobre o tema escolhido. Sob sua luz, pretende-se investigar

os deslocamentos percebidos pelo objeto geral da pesquisa, especialmente na literatura

jurídica contemporânea, colmatando seu significado na atualidade.

Com a realização deste trabalho não se pretende esgotar as dúvidas existentes sobre o

objeto, nem mesmo estabelecer conceitos fechados, tampouco apontar para a necessidade de

engessar o ordenamento jurídico. Por certo não se estabelecerá um ponto final em referida

discussão. Pretende-se, tão-somente, aclarar o pensamento existente sobre o tema, e desta

forma colaborar com o amadurecimento do Direito no que tange à diversas interpretações

concernentes ao instituto da Prisão Temporária.

Para o desenvolvimento da presente pesquisa foi formulado o seguinte

questionamento:

a) Sendo a liberdade um direito fundamental expressamente consignado na CRFB/88,

a possibilidade de Prisão de um indivíduo antes de reconhecida sua culpa em decisão

definitiva viola esta garantia constitucional?

Já as hipóteses consideradas foram as seguintes:

a) Sim, tendo em vista que a CRFB/88 em seu art. 5º, LXI, assegura que ninguém será

considerado culpado até o transito em julgado da Sentença penal condenatória. Assim se o

suspeito autor do ilícito vir a ser privado de sua liberdade estaria configurado a violação do

status libertatis que deverá estar intacto até o transitar em julgado a Sentença condenatória.

Infringe também o princípio da presunção de inocência no qual o indivíduo só pode ser

considerado culpado de um crime após o fim do processo, ou seja, após o julgamento de todos

os recursos cabíveis.

b) Não. Uma vez que antes de ser decretada a Prisão devem se observar permissivos

legais autorizadores da Prisão Temporária referentes à imprescindibilidade para a

investigação, residência, dados pessoais, fundadas razões de participação ou de autoria em

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determinados crimes. Destarte a medida constritiva pode existir sim sem violar o direito à

liberdade, haja vista que a referida medida só pode existir com a conjunção dos permissivos

acima mencionados.

Finalmente, buscou-se nortear as hipóteses formuladas com as seguintes variáveis:

a) O exercício do poder constituinte CRFB/88.

b) O exercício do poder legislativo infraconstitucional, regulamentando de forma

diversa a legislação de regência do tema objeto desta pesquisa.

O relatório final da pesquisa foi estruturado em três capítulos, podendo-se, inclusive,

delineá-los como três molduras distintas, mas conexas: a primeira, atinente a finalidade do

instituto da Prisão, em que se procurou demonstrar seus deslocamentos históricos, bem como

modalidades de Prisão aplicadas no direito processual penal, dando ênfase à Prisão

Temporária, suas hipóteses de cabimento e requisitos de admissibilidade.

Na segunda parte da pesquisa referente a proteção constitucional do direito à

liberdade, procurou-se demonstrar as situações nas quais a CRFB/88 assegura referido direito,

embora existam espécies de penas possíveis no ordenamento jurídico e dentre elas a restrição

de liberdade é assegurado que ninguém será privado de sua liberdade sem o devido processo

legal, procurou-se demonstrar que a liberdade é a regra sendo a Prisão exceção, dentro da

lógica apresentada pelo sistema normativo pátrio.

Por derradeiro, cuidou-se de demonstrar a (in)constitucionalidade da Prisão

Temporária e a forma com a qual o anteprojeto do Código de Processo Penal em tramitação

no Congresso Nacional trata da referida medida provisória de segregação dos indivíduos.

Quanto à metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigação foi utilizado

o método dedutivo, e, o relatório dos resultados expresso na presente monografia é composto

na base lógica dedutiva16, já que se parte de uma formulação geral do problema, buscando-se

posições científicas que os sustentem ou neguem, para que, ao final, seja apontada a

prevalência, ou não, das hipóteses elencadas.

16 Sobre os “Métodos” e “Técnicas” nas diversas fases da pesquisa científica, vide PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática, p. 81-105.

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15

Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as técnicas do referente, da categoria,

do conceito operacional e da pesquisa bibliográfica17.

Os acordos semânticos que procuram resguardar a linha lógica do relatório da pesquisa

e respectivas categorias, por opção metodológica, estão apresentados na Lista de Categorias e

seus Conceitos Operacionais, muito embora algumas delas tenham seus conceitos mais

aprofundados no corpo da pesquisa.

É conveniente ressaltar que seguindo as diretrizes metodológicas do Curso de Direito

da Universidade do Vale do Itajaí, as categorias fundamentais são grafadas, sempre, com a

letra inicial maiúscula no decorrer do trabalho.

A estrutura metodológica e as técnicas aplicadas nesta monografia estão em

conformidade com o padrão normativo da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT)

e com as regras apresentadas no Caderno de Ensino: formação continuada, Ano 2, número 4;

assim como nas obras de Cezar Luiz Pasold, Prática da pesquisa jurídica: idéias e ferramentas

úteis ao pesquisador do Direito e Valdir Francisco Colzani, Guia para redação do trabalho

científico.

A presente monografia se encerra com as Considerações Finais, nas quais são

apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos

estudos e das reflexões sobre o tema abordado.

Com este itinerário, espera-se alcançar o intuito que ensejou a preferência por este

estudo, ou seja, verificar se a Lei n. 7.960/89 fere o direito fundamental à liberdade

assegurado pela CRFB/88 e identificar as situações em que a utilização da Prisão Temporária

afronta (ou não) a liberdade de ir e vir; para alcançar este desiderato procurou-se ainda cotejar

a Prisão Temporária sob o óptica do anteprojeto do Código de Processo Penal.

17 Quanto às “Técnicas” mencionadas, vide PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática.

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2 A FINALIDADE DA PRISÃO NO SISTEMA PENAL BRASILEIRO

Neste capítulo pretende-se apresentar breves noções gerais sobre o instituto jurídico da

Prisão, especialmente no que tange aos aspectos relacionados ao seu deslocamento histórico,

tais como sua origem, conceituação e aplicabilidade no Processo Penal brasileiro.

Entretanto, necessário gizar que a pesquisa focará nas modalidades de Prisão cautelar,

em especial a Prisão Temporária, no processo penal brasileiro moderno.

2.1 DESLOCAMENTOS HISTÓRICOS

O estudo da finalidade da Prisão assim como seus deslocamentos históricos justifica-

se pela necessidade do exame de suas modificações, a fim de se ter uma idéia acerca dos

fundamentos que dão supedâneo à existência de sua aplicação.

Com a finalidade de alcançar o objetivo acima delineado, passa-se agora a uma breve,

mas necessária, apresentação conceitual do instituto jurídico da Prisão, de modo a permitir ao

leitor a exata dimensão do objeto desta pesquisa.

Acerca dos deslocamentos históricos percebidos pelo instituto da Prisão ao longo dos

anos, vale-se aqui da lição de Capez, o qual afirma que:

A partir do momento em que o homem passou a conviver em sociedade, surgiu a necessidade de se estabelecer uma forma de controle, um sistema de coordenação e composição dos mais variados e antagônicos interesses que exsurgem da vida em comunidade, objetivando a solução dos conflitos desses interesses, que lhe são próprios, bem como a coordenação de todos os instrumentos disponíveis para a realização dos ideais coletivos e dos valores que persegue18.

18 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal. 14. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 4.

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No início da civilização, os eventuais conflitos surgidos do convívio social eram

solucionados pelo uso da força, uma vez que naquele período não havia qualquer noção de

Estado19, sendo que referida circunstância denominava-se autotutela20.

Com a finalidade de proporcionar uma melhor compreensão acerca do significado de

autotutela, necessário apresentar, neste momento sua compreensão doutrinária:

A autotutela remonta aos primórdios da civilização e caracteriza-se, basicamente, pelo uso da força bruta para satisfação de interesses. A própria repressão aos atos criminosos se fazia ora em regime de vingança ou de justiça privada, ora pelo Estado, sem a interposição de órgãos imparciais21.

O exercício da autotutela foi configurado como ilícito penal. Assim sendo, a sociedade

politicamente organizada, representada pelo Estado-juiz, começou a solucionar conflitos

levados ao seu conhecimento, exercendo assim o denominado poder jurisdicional22, também

conhecido por jurisdição.

Para uma exata compreensão da jurisdição neste contexto, traz-se à baila a lição de

Tourinho Filho, quando aduz ser a jurisdição função do Estado exercida pelo Poder Judiciário,

consistente em fazer atuar, com imparcialidade, o direito objetivo. Este [o direito objetivo]

estabelece normas disciplinando fatos e relações emergentes da vida em sociedade23.

Prossegue Tourinho Filho ao destacar ainda que:

Como poder, a jurisdição é uma emanação da soberania nacional. Como função, é a incumbência afeta ao Juiz de, por meio do processo, aplicar a lei aos casos concretos. Finalmente, como atividade, é toda a diligência do Juiz, dentro no processo, visando a dar a cada um o que é seu24.

Desse modo o Estado, através do processo penal, aplica sanções e estabelece Penas a

serem aplicadas a quem infringir algum tipo de ilícito transcrito na legislação penal25. Com

19 Cf. conceito operacional apresentado ao início desta pesquisa, retirado da obra de BOTELHO, Alexandre. Curso de ciência política, p. 152. 20 SILVA, Edward Carlyle. Direito processual civil, p. 1. 21 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 5. 22 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 5-8. 23 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal. 27. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 73. 24 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 73. 25 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de processo penal. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 2-3.

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isso denota-se que “das necessidades humanas decorrentes da vida em sociedade surge o

Direito, que visa garantir as condições indispensáveis à coexistência dos elementos que

compõem o grupo social” 26.

É certo que no âmbito do direito criminal, sempre que um bem penalmente tutelado é

ofendido, surge para o Estado, responsável pela garantia da ordem pública, o direito de punir

o autor do delito27.

Do surgimento da Prisão até os tempos atuais, grandes transformações podem ser

observadas no que diz respeito à sua aplicação, especialmente nos dois últimos séculos. Por

isso há necessidade de estudar seus deslocamentos históricos para um melhor entendimento

acerca do tema.

Ainda que recente a idéia de Prisão como estabelecimento para a aplicação da Pena, a

limitação a liberdade de locomoção individual sempre se fez presente na história da

humanidade, no entanto, necessário destacar, sua finalidade era tão somente a guarda de

escravos e prisioneiros de guerra até o dia de seu julgamento, para que fossem então

submetidos à tortura com o intuito de produzir provas contra si.

A idéia apresentada acima, da Prisão como instrumento provisório para se obter uma

prova sob tortura, aponta para a necessidade de conhecer os deslocamentos históricos deste

instituto de modo a compreender sua dimensão na atualidade, conforme se fará a seguir,

iniciando-se pela Idade Antiga28.

2.2.1 Antiguidade

Ao se analisar a privação de liberdade sob a óptica estritamente das sanções penais, é

lícito afirmar que referida modalidade de constrangimento da liberdade pessoal era

desconhecida na Antiguidade, embora seja inegável que o encarceramento de delinqüentes

existiu desde tempos imemoráveis, mas que não possuía caráter de Pena29.

26 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de processo penal. p. 2. 27 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1. 28 CARVALHO FILHO, Luis Francisco. A prisão. São Paulo: Publifolha, 2002, p. 20. 29 GUZMAN, Luis Garrido. Manuel de ciência penitenciaria. Madrid: Edersa, 1983, p.300 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

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A propósito deste assunto, relevante a lição de Misciasci:

Existia o aprisionamento, mas não como sanção penal, mesmo porque não existia nenhum código de regulamento social. O ato de aprisionar, não tinha caráter de pena e sim da garantia de manter esta pessoa sob o domínio físico, para se exercer a punição que seria imposta30.

Prosseguindo nesta linha de raciocínio, destaca Oliveira que:

Os povos primitivos ignoravam quase que completamente as penas privativas de liberdade e as prisões. Utilizavam a pena de morte como medida suprema, pura e simples, e, para os crimes reputados graves e atrozes, apenavam os culpados com suplícios adicionais, de efeitos amedrontadores31.

Na sequência de seus ensinamentos, aduz Oliveira ainda que:

A pena de morte não era a simples privação de viver, mas sempre acompanhada das mais exasperantes técnicas e modalidades de suplícios, sob os quais agonizavam lentamente, ocasião em que graduavam calculadamente o sofrimento, tanto na sua qualidade quanto quantidade, obedecendo a um código jurídico da dor32.

Não havia restrição de liberdade por um período determinado e sim suplícios em praça

pública, como por exemplo amputação de membros, que finalizava-se com a morte do

delinqüente 33.

Guzman explana que “de modo algum se pode admitir nesse período da história sequer

um germe da prisão como lugar de cumprimento de pena, já que o catálogo de sanções

praticamente se esgotava com a morte, penas corporais e infamantes”34. A esse respeito,

Misciasci segue a mesma trilha, aduzindo que:

30 MISCIASCI, Elizabeth. A primeira prisão e como surgiram os presídios. Disponível em: <http://www.eunanet.net/beth/news/topicos/nasce_os_presidios.htm> Acesso em: 18 mar. 2009. 31 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social. 3. ed. Florianópolis: EdUFSC, 2003, p. 47. 32 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 39. 33 CARVALHO FILHO, Luís Francisco. A prisão, p. 20. 34 GUZMAN, Luis Garrido. Manual de ciência penitenciaria, p.76 apud BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão.

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Assim como não existia legalmente sanção penal a ser aplicada, e sim punições a serem praticadas, também não existiam cadeias ou presídios. Os locais que serviam de clausura, eram diversos, desde calabouços, aposentos em ruínas ou insalubres de castelos, torres, conventos abandonados, enfim, toda a edificação que proporcionasse a condição de cativeiro, lugares que preservassem o acusado ou “Réu” até o dia de seu julgamento ou execução35.

Não havia preocupação com a saúde do prisioneiro, tampouco com a higiene e

qualidade do recinto, bastava que o cárcere fosse um local inatingível pela força das armas e

seguro o bastante para não haver fugitivos36.

Com o intuito de ter-se uma melhor compreensão acerca da história penal dos povos

antigos vale-se da lição de Oliveira quando menciona que:

O Direito aparece envolto por princípios religiosos. A religião era o próprio direito, posto que imbuído do espírito místico. Assim, o delito era uma ofensa à divindade que, por sua vez ultrajada, atingia a sociedade inteira37.

No mesmo diapasão Marques afirma que:

[...] na antiguidade, a administração da pena foi transferida pouco a pouco do particular para o poder central. Embora inicialmente representasse uma espécie de satisfação à determinada divindade ofendida pelo crime, passou a ser considerado como satisfação à própria comunidade. Isso ocorreu principalmente com a criação das cidades, como se verificou na Grécia. De qualquer forma, durante esse período, a punição não perdeu seu caráter de vingança, quer no seu aspecto divino, quer no seu aspecto público, não obstante o surgimento de conceitos relativos à de retribuição proporcionada (Aristóteles) e a finalidade da pena como emenda do condenado (Sêneca). Tais conceitos, sem dúvida, constituíram grande contribuição da Antiguidade ao desenvolvimento das idéias penais38.

Conforme descrito neste tópico, evidencia-se que a Pena na Antiguidade possuía

caráter religioso, e não um caráter penal. Os povos da antiguidade não conheciam a privação

de liberdade como uma Sanção Penal até porque não havia códigos a serem respeitados. A

Pena de morte era utilizada constantemente para delitos considerados grave e, assim, inibiam

os que presenciavam os suplícios.

35 MISCIASCI, Elizabeth. A primeira prisão e como surgiram os presídios, Disponível em: <http://www.eunanet.net/beth/news/topicos/nasce_os_presidios.htm> Acesso em: 18 mar. 2009. 36 CARVALHO FILHO, Luís Francisco. A prisão, p. 21. 37 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 28. 38 MARQUES, Oswaldo Henrique Duek. Fundamentos da pena. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008, p. 26.

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2.2.2 Idade Média

Durante todo o período da Idade Média, a idéia de Pena privativa de liberdade não

aparece39. Ademais os Crimes capitais não eram muito numerosos, somente eram condenados

à morte os acusados de traição, homicídio, rapto e incêndio40.

Bitencourt assevera que:

As sanções criminais na Idade Média estavam submetidas ao arbítrio dos governantes, que as impunham em função do status social a que pertencia o réu. Referidas sanções podiam ser substituídas por prestações em metal ou espécie, restando a pena de prisão, excepcionalmente, para aqueles casos em que os crimes não tinham suficiente gravidade para sofrer condenação à morte ou a penas de mutilação41.

Acrescenta Valdés que:

[...] nessa época surgem a prisão de Estado e a prisão eclesiástica. Na prisão de Estado, na Idade Média, somente podiam ser recolhidos os inimigos do poder, real ou senhorial, que tivessem cometido delitos de traição, e os adversários políticos dos governantes. A prisão de Estado apresenta duas modalidades: a prisão-custódia, onde o réu espera a execução da verdadeira pena aplicada (morte, açoite, mutilações etc.), ou como detenção temporal ou perpétua, ou ainda até receber o perdão real42.

De acordo com a lição de Foucault:

Na alta Idade Média não havia poder judiciário. A liquidação era feita entre indivíduos. Pedia-se ao mais poderoso ou àquele que exercia a soberania não que fizesse justiça, mas que constatasse, em função de seus poderes políticos, mágicos e religiosos, a regularidade do procedimento43.

Denota-se que ante a falta de um poder judiciário quem decidia o tipo de punição que

deveria ser imposta aos delinqüentes eram os soberanos.

39 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, p. 9. 40 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 38. 41 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, p. 9. 42 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, p. 9. 43 FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1983, p. 65.

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Prossegue Foucault, referindo-se a não existência de um poder judiciário:

Não havia poder judiciário autônomo, nem mesmo poder judiciário nas mãos de quem detinha o poder das armas, o poder político. Na medida em que a contestação judiciária assegurava a circulação dos bens, o direito de ordenar e controlar essa contestação judiciária, por ser um meio de acumular riquezas, foi confiscado pelos mais ricos e mais poderosos44.

No que diz respeito à pena de morte, assevera Oliveira:

Para evitar a pena de morte, a Igreja já utilizava, no século V, a pena de prisão, punindo o clero através da segregação, que estimulava o arrependimento. O faltoso era recolhido à cela para uma reclusão solitária, chamado a esta penitência45.

Esta privação de liberdade surgiu como Pena ou castigo e era imposta apenas aos

sacerdotes faltosos, os quais eram recolhimento às suas celas para meditação e

arrependimento46.

As primeiras prisões para cumprimento de Pena surgiram no século XVI e assim

começaram a adaptar castelos e conventos para servirem como estabelecimentos prisionais47.

Por volta do século XVII noticia-se o aparecimento, na Europa, do Hospício de San

Felipe Néri, fundado em Florença pelo sacerdote Filippo Franci. Esta instituição tinha como

objetivo a reforma de crianças que haviam cometido ilícito, jovens rebeldes e

desencaminhados48.

No que tange a pena de morte, o esforço da Igreja em evitá-la e amenizar as penas,

restou inexitoso, pois a pena continuou a existir, acompanhada de castigos e sua execução era

procedida de cerimônia pública com a finalidade de impressionar o povo49.

A punição exercida pelo Estado não observava limitação de qualquer tipo, uma vez que assentada na onipotência do poder real, que propriamente caracterizava a idéia de Estado. [...] Não havia necessidade de se justificar a

44 FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão, p. 65 45 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 38. 46 DEMERCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 157. 47 SZNICK, Valdir. Penas alternativas: perda de bens, prestação de serviços, fim de semana, interdição de direitos. São Paulo: Universitária de Direito, 1999, p. 40. 48 BITENCOURT, Cezar Roberto. Falência da pena de prisão, p. 19. 49 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 38.

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aspereza das punições bem como as condutas puníveis. Fazê-lo seria o mesmo que questionar a própria soberania do rei. Identificando-se o monarca como soberano máximo, num contexto de ânimos submissos oriundos do feudalismo, era inimaginável qualquer crítica ao modo de agir da realeza enquanto liderança política e religiosa50.

Denota-se que, por várias vezes a Igreja tentou abolir a Pena de morte aplicando

castigos aos sacerdotes faltosos e que foi criada uma instituição com o intuito de ressosializar

meninos e jovens que tivessem cometido ilícitos (ressocializar para não precisar punir).

Contudo este experimento da Igreja em abolir a pena de morte e suplícios aplicando castigos

restou inexitoso.

2.2.3 Idade Moderna

No decorrer da Idade Moderna, mais precisamente, no final do século XVIII e início

do século XIX o suplício ia-se tornando intolerável e aos poucos se extinguindo51.

Acerca do suplício, vale-se da lição de Oliveira:

Na metade do século XVIII, o suplício das penas apresentava-se odioso e intolerável. Surge, então, em toda parte, um movimento de protesto, formado por juristas, magistrados, parlamentares, filósofos, legisladores e técnicos do Direito, que pregava a moderação das punições e sua proporcionalidade com o crime52.

A pena de morte começou a perder sua força na segunda metade do século XVIII, pois

não conseguia conter o avanço da criminalidade e não alcançava mais os objetivos de

segurança das classes superiores53.

Era preciso punir de outra forma, eliminar a confrontação física entre soberano e

condenado, a vingança do príncipe e a cólera contida no povo, por intermédio do supliciado e

do carrasco, e, deste modo o suplício tornou-se rapidamente intolerável54.

50 SILVA, João Carlos Carvalho da. A prisão como instituição paradigmática da sociedade de controle, disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12354> acesso em: 21 mar. 2009. 51 FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão, p. 12. 52 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 42. 53 MISCIASCI, Elizabeth. A primeira prisão e como surgiram os presídios. Disponível em: <http://www.eunanet.net/beth/news/topicos/nasce_os_presidios.htm> Acesso em: 18 mar. 2009. 54 FOUCAULT, Michael. Vigiar e punir: nascimento da prisão, p. 63.

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A partir do século XVIII a natureza da Prisão se modifica. A prisão torna-se a essência

do sistema penal punitivo. A finalidade do encarceramento passa a ser isolar e recuperar o

infrator55.

No final do século XVIII e início do século XIX, dois importantes fatores distinguem

a formação da sociedade disciplinar, quais são: a reforma e a reorganização do sistema penal e

judiciário na Europa e no mundo56.

Evidencia-se que a pena de morte, neste período da história, era alvo de grandes

discussões sendo que houve um grande índice de rejeição. Motivo pelo qual ensejou uma

brusca mudança no sistema penal da época.

Necessário salientar que “a pena de prisão, como sanção autônoma e principal forma

de punição, percorreu um longo caminho antes de se fixar definitivamente” 57.

Prossegue Oliveira ao mencionar que “as penas mais graves foram as primeiras a ser

atenuadas para depois desaparecerem. À medida que tais penas se retiram do campo da

punibilidade, formas novas invadem os espaços livres” 58.

O objeto da punição não era mais o corpo do condenado e sim sua alma. Uma vez que

foi abolido o espetáculo público dos suplícios, e, com o surgimento da Prisão, buscava-se

estimular a reflexão em torno do ato ilícito cometido e assim aproximar o delinqüente de

Deus59.

Acerca do instituto da Prisão explana Oliveira que “a prisão foi reconhecida como

pena definitiva em substituição à pena de morte a partir do século XVIII60.

A Idade Moderna é marcada pela existência de um constante controle social e moral

dos indivíduos, sendo a Prisão o melhor exemplo. Para o fim do controle social exigido pela

nova sociedade capitalista, a Prisão é considerada como principal esquema de punição do

moderno sistema penal.

55 CARVALHO FILHO, Luís Francisc. A prisão, p. 21. 56 FOUCAULT, Michael. A verdade e as formas jurídicas. 3. ed. Rio de Janeiro: Nau, 2005, p. 79. 57 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 48. 58 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 49. 59 CARVALHO FILHO, Luís Francisco. A prisão, p. 21. 60 OLIVEIRA, Maria Odete de. Prisão: um paradoxo social, p. 49.

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Como se viu neste tópico, o Estado através do exercício da jurisdição aplica a

legislação pertinente que, no caso de serem violadas, acarretam ao autor do ilícito algum tipo

de punição, dentre elas a Prisão, objeto desta pesquisa.

A seguir, cumprindo a linha metodológica traçada para o cumprimento da pesquisa,

passa-se a apresentação doutrinária dos conceitos de Prisão, com a finalidade de deixar o

leitor mais próximo dos temas que serão, futuramente, abordados nesta monografia.

2.2 CONCEITUAÇÃO

Com vistas a uma melhor compreensão do instituto da Prisão e para evitar equívocos,

é necessário conhecer primeiramente seu conceito, o qual, de acordo com a lição de Martins,

se concretiza nas seguintes palavras:

A prisão, tenha ela a roupagem que tiver, é a verdadeira antítese da liberdade. Consiste em sua privação, no tolhimento dos movimentos do indivíduo, na consagração do desrespeito à sua condição de ir e vir, fazer o que lhe aprouver, enfim, ter afastado o seu livre-arbítrio, restando recolhido por força e obra de decisão estatal, justa ou injustamente61.

No entendimento de Tourinho Filho:

Em princípio, prisão é a supressão da liberdade individual, mediante clausura. É a privação da liberdade individual de ir e vir; e, tendo em vista a denominada prisão-albergue, podemos definir a prisão como a privação, mais ou menos intensa, da liberdade ambulatória62.

Na definição de Capez, a prisão consiste na “privação da liberdade de locomoção

determinada por ordem escrita da autoridade competente ou em caso de flagrante delito” 63.

Traz-se ainda a lição de Demarcian e Maluly:

A prisão é uma medida de natureza pessoal consistente na limitação do direito de ir e vir do acusado mediante clausura. Essa providência de privação da liberdade outrora era cautelar e somente surgiu como pena ou

61 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. Curitiba: Juruá, 2004, p. 67. 62 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 391. 63 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 244.

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castigo, aos sacerdotes faltosos, com o Direito Canônico, quando lhes era imposto o recolhimento às suas celas para meditação e arrependimento64.

Na visão de Kauffmann, “Para o direito processual penal, prisão é qualquer forma de

privação da liberdade de locomoção humana resultante de uma medida legalmente prevista”65.

Continua Kauffmann, ao mencionar que:

Portanto, pela reunião dos conceitos de prisão como restrição da liberdade e como medida restritiva de liberdade, o termo prisão pode ser conceituado como qualquer forma de privação da liberdade humana de locomoção que se origine de uma medida legalmente prevista66.

Segundo Reis, há duas formas de Prisão:

Em matéria processual penal existem duas formas de prisão: a) prisão pena: aquela que decorre de sentença condenatória transitada em julgado; b)prisão processual: aquela decretada antes do trânsito em julgado de sentença condenatória, nas hipóteses permitidas pela lei67.

Apresentadas as formas de prisão existentes no ordenamento pátrio, espera-se que os

conceitos apresentados formem no leitor uma noção, ainda que breve, do instituto da Prisão,

suficiente para adentrar-se no próximo item, qual seja espécies de Prisão.

2.3 ESPÉCIES DE PRISÃO

Para melhor compreensão do tema prisão, é interessante separá-las de acordo com suas

diversas funções, em três espécies que são: prisão penal, prisão penal cautelar e prisão

extrapenal.

A respeito do instituto Prisão, veja-se o escólio de Kauffmann:

Prisão é o ato de prender, de impedir que alguém possa locomover-se livremente. Deve-se cuidar, porém, para que a prisão, em nosso ordenamento jurídico, não seja entendida de forma que inclua, entre todos os atos que

64 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 517. 65 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. São Paulo: Quartier Latin, 2006, p. 31. 66 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 42. 67 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal parte geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 177.

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privam o ser humano de sua liberdade de locomoção, os de origem ilícita, como é o caso de seqüestrado que se encontra em cativeiro68.

A privação de liberdade é admitida em duas hipóteses em razão de flagrante delito ou

por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente69.

A seguir, para um melhor entendimento acerca do assunto, serão abordadas as espécies

de Prisão previstas no Código Penal brasileiro.

2.3.1 Prisão penal

Prisão penal é a prisão imposta por sentença condenatória transitada em julgado, com

a finalidade de executar a decisão judicial. É uma medida penal destinada à satisfação da

pretensão executória do Estado70. É imposta àquele que for reconhecidamente culpado de

haver cometido uma infração penal, como retribuição ao mal praticado71.

Esta modalidade de prisão teve início na Idade Média, começou a ser aplicada pela

Igreja aos clérigos faltosos, com o objetivo de que o isolamento lhes causasse o

arrependimento pelo ato praticado72.

Traz-se a lição de Mirabete “A prisão penal, cuja finalidade manifesta é repressiva, é o

que ocorre após o trânsito em julgado da sentença condenatória em que se impôs pena

privativa de liberdade” 73.

Kauffmann acrescenta:

A prisão penal é a restrição de liberdade humana que se origina de sentença condenatória irrecorrível. É a prisão que dá início à fase de execução penal e se encerra com o cumprimento da pena. [...] a prisão penal existe ainda que a pena esteja sendo cumprida em regime aberto, pois a restrição da liberdade continua existindo mesmo que de forma diminuta. A “conseqüência do

68 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.41. 69 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 157. 70 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 244. 71 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 392. 72 PIMENTEL, Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: RT, 1983 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 126-127. 73 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal. 16. ed. São Paulo: Atlas, 2004, p. 388.

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crime” é a pena e esta, por sua vez, acarreta, em sua grande maioria, a privação da liberdade de locomoção74.

O direito de locomoção é garantido pela CRFB/88, em seu art. 5º, XV, in verbis:

Art. 5º. [...] XV – é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens75.

Por isso, a restrição a esse direito fundamental tem natureza excepcional e deverá

respeitar as regras previstas na CRFB/88 e os seus parâmetros legais76.

Só pode existir restrição de liberdade se houver causa legal que a autorize. Se a

medida estiver prevista na legislação pátria, ou seja, se houver verdadeira tipicidade que

possibilite uma lícita privação da liberdade de locomoção77, “a lei deve estabelecer o crime e

a pena a ele correspondente, é importante salientar que, para a sua aplicação, é preciso que

esta lei esteja em vigor antes do cometimento do fato criminoso” 78.

Se o indivíduo comete uma infração penal que foi sujeita à Pena privativa de

liberdade, tendo uma Sentença condenatória transitada em julgado, ele é afastado da

sociedade, como retribuição pelo ilícito praticado e, ao mesmo tempo, serve de intimidação

aos futuros infratores da lei penal.

Tendo como meta reeducar para ressocializar e assim reintegrar o condenado ao

convívio social79. Neste tratamento penitenciário é que se realiza a verdadeira

individualização da Pena e se adotam os processos que a moderna Penalogia preconiza80.

No que tange à ressocialização do condenado, traz-se a lição de Mirabete:

74 BETTIOL. Diritto penale. Milano: Giuffré, 1962, p. 789 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. 75 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed. Brasília: Câmara dos Deputados, 2008, p. 8. 76 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 157. 77 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 42. 78 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 158. 79 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 392. 80 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 162 apud DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal.

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É praticamente impossível a ressocialização do homem que se encontra preso, quando vive em uma comunidade cujus valores são totalmente distintos daqueles a que, em liberdade, deverá obedecer 81.

Na mesma trilha segue a lição de Tourinho Filho quando afirma que “o cárcere não

tem função educativa; é simplesmente um castigo, [...] esconder sua verdadeira e íntima

essência sob outros rótulos é ridículo e vitoriano82.

Por outro norte preleciona Bruno:

Quando se passa à execução da medida penal, o crime ficou para trás. O que o estabelecimento penitenciário recebe é o homem, que o crime contribuiu para definir, mas cuja personalidade complexa excede a manifestação do fato punível. A esse homem real, na sua íntima natureza, como a observação de todos os dias irá revelar, é que deverá ajustar-se o tratamento ressocializador que a execução da pena representa83.

Denota-se que há nas doutrinas grande contradição acerca das penas privativas de

liberdade.

Hoje as penas privativas de liberdade ficam praticamente reservadas aos condenados

por infração grave ou àqueles que apresentam especial periculosidade, bem como aos

reincidentes e portadores de maus antecedentes84.

Ademais, a Pena principalmente quando implica a prisão do réu é o mais complexo e

tormentoso problema que o direito penal nos pode oferecer, uma vez que nela se denota um

sentimento de frustração dos resultados práticos obtidos85. Mantém o homem afastado da

sociedade, mas não cria nele aquelas disposições sociais cuja carência o delito pôs em

relevo86.

81 PIMENTEL, Pedro Manuel. O crime e a pena na atualidade. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1983, p. 185-186 apud MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de processo penal. 82 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 392. 83 BRUNO, Aníbal. Direito penal: parte geral. 4.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1984, p. 162 apud DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal. 84 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 33. 85 BRUNO, Aníbal. Das penas. Rio de janeiro: Forense, 1976, p. 9-10 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. 86 FUNES, Mariano Ruiz. A crise nas prisões. São Paulo: Saraiva, 1953, p. 9-10 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária.

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Mirabete preleciona que “A prisão, deve-se reconhecer, é insuprimível, quer como

instrumento de repressão, quer como defesa social”87.

De acordo com o disposto denote-se que o Estado para diminuir e previnir atos ilícitos

utiliza-se da Prisão penal para retirar o indivíduo que cometeu infrações de potencial médio

ou grave da sociedade a fim de ressocializa-lo para depois devolve-lo ao convívio social.

2.3.2 Prisão penal cautelar

A Prisão penal cautelar é a restrição da liberdade originária do sistema processual

penal, que pode perdurar até a sentença condenatória transitada em julgado88.

Compreende-se sob cinco modalidades, quais sejam Prisão preventiva, Prisão

Temporária e prisões decorrentes de pronúncias, bem como, de sentença condenatória

recorrível89. É fundada na necessidade da restrição. Surge esta necessidade para resguardar a

ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou para assegurar a futura aplicação

da lei penal. Inexistindo algumas destas hipóteses, a necessidade da cautela desaparece,

passando a vigorar a liberdade90.

A ordem de Prisão processual deve emanar da autoridade judicial competente,

conforme disposto na CRFB/88 em seu art. 5º, LXI 91, in verbis:

Art. 5º. [...] LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou Crime propriamente militar, definidos em lei92;

A decisão judicial que ordenará clausura deve ser motivada, como exige a CRFB/8893.

87 MIRABETE, Julio Fabbrini. FABBRINI, Renato N. Manual de processo penal, p. 253. 88 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 49. 89 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo penal, p. 401. 90 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 112. 91 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 163. 92 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 93 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 163.

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Martins assevera:

Há exigência de que fique demonstrado – e a constatação é da competência do Juiz sentenciante, que deverá expor os motivos de seu convencimento -, dever o réu ficar encarcerado, pois em liberdade poderia atentar contra a ordem pública ou econômica, ou mesmo buscar fugir do cumprimento da pena irrogada, sem que possa utilizar como argumento a conveniência da instrução criminal, uma vez que finalizada94.

Na fundamentação o magistrado irá expor as razões de fato e de direito que motivaram

a ordem de Prisão. A observância dessa exigência possibilita aferir se o magistrado atendeu os

ditames legais ou se é um ato de puro arbítrio95.

Greco Filho discorre que:

[...] em virtude de atuação da persecução penal ou processo penal, com os pressupostos de medida cautelar às vezes se utiliza a expressão prisão provisória, mas pode dar a entender que se trata de algo que será substituído por algo definitivo96.

Na mesma trilha segue Tucci:

Considerando-se o vocábulo provisória, no senso de temporariedade que ele, precipuamente, indica, prisão provisória consiste na segregação da liberdade do suposto infrator da lei penal antes de apurada, por sentença definitiva, pronunciada por órgão jurisdicional, sua culpabilidade97.

O processo penal cautelar apresenta características de acessoriedade, provisoriedade e

instrumentalidade, podendo ser manuseado para preservar direitos ameaçados de lesão pela

demora na prestação jurisdicional98. Só se justificaria a prisão durante o processo quando

possuir natureza cautelar, ou seja, quando fosse necessária em face de circunstâncias

concretas da causa99, para ser efetuada esta modalidade de prisão há exigência de dois

94 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 94. 95 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 163. 96 GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 1999, p. 262. 97 TUCCI, Rogério Lauria. Persecução penal, prisão e liberdade. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 218. 98 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p.39. 99 FERNANDES, Antonio Scarance. Processo penal constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 283 apud DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal.

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presupostos fundamentais que informam todas as medidas cautelares: o periculum in mora e o

fumus boni júris100.

Demarcian e Maluly prelecionam que:

Fumus boni juris é a evidência probatória da existência do crime de sua

autoria; e o periculum in mora, que é o risco, o perigo, que a liberdade do acusado pode causar para a segurança pública, para a solução da causa ou para a aplicação da pena101.

Vale dizer que a restrição da liberdade perdura diante da necessidade de se resguardar

a ordem pública, a ordem econômica, a instrução criminal ou a futura aplicação da lei

penal102.

A propósito:

[...] estando o réu solto durante o processo, em caso de confirmação da sentença condenatória ou de acórdão condenatório que reforma sentença absolutória, somente se concebe a expedição do mandado de prisão após o trânsito em julgado, em respeito ao princípio da não culpabilidade103.

Vale ressaltar que nos moldes do entendimento do Supremo Tribunal Federal, a Prisão

por Sentença condenatória representa antecipação do cumprimento da Pena imposta, o que é

inadmissível, endossando este entendimento o Superior Tribunal de Justiça, pondera pelo fim

da deserção do recurso de apelação descrito no art. 595104 do Código de Processo Penal.

Entende-se que a revogação existiu porque o dispositivo ofende garantias constitucionais105.

2.3.3 Prisão extrapenal

A Prisão extrapenal é a privação da liberdade de locomoção totalmente desvinculada

de um fato criminoso. Tem por modalidades a prisão civil, prisão disciplinar militar e a prisão

100 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p.40. 101 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 163. 102 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.51. 103 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p.83. 104 Cf. JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 458, o artigo 595, do diploma processual penal possui a seguinte redação: “Se o réu condenado fugir depois de haver apelado, será declarada deserta a apelação”. 105 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p.85.

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administrativa106. Nem toda Prisão é uma providência penal. A natureza da privação da

liberdade é determinada pelos motivos que a ditam107.

A prisão civil é a decretada em casos de devedor de alimentos e de depositário infiel,

únicas permitidas pela CRFB/88, conforme dispõe seu art. 5º, LXVII108, abaixo transcrito:

LXVII – Não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel109.

Em relação a prisão civil do devedor de alimentos, vale-se do escólio de Nery Junior:

A decretação da prisão civil do devedor de alimentos, permitida pela CF, 5º, LXVII, é meio coercitivo de forma a obrigá-lo a adimplir a obrigação. Somente será legitima a decretação da prisão civil por dívida de alimentos se o responsável inadimplir voluntária e inescusavelmente a obrigação110.

A sua decretação não objetiva a punição do detido por sua conduta ilícita, mas

compeli-lo cumprir a obrigação que não observou como seu responsável. A prisão civil é

ordenada pela autoridade judiciária à autoridade policial111.

A obrigação alimentícia não existe somente entre cônjuges, pois os parentes também

podem exigir os alimentos uns dos outros. Contudo, nem sempre o descumprimento da

obrigação alimentícia enseja a prisão civil112. Caso seja escusável ou involuntário o

inadimplemento, não poderá ser decretada a prisão113.

Para que possa ser decretada a Prisão é necessário que a inadimplência esteja

relacionada a alimentos legalmente previstos pelo Direito de Família. Nas obrigações

advindas de ato voluntário, contrato ou doação que, não estando na esfera do Direito de

106 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.51. 107 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 159. 108 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 389. 109 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p.10. 110 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil comentado. 4.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 1180. 111 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p.161. 112 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.52. 113 NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria Andrade. Código de processo civil, p. 1180.

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Família, as quais se denominam de obrigação de caráter pessoal, a Prisão é

constitucionalmente vedada por caracterizar Prisão por dívida114.

Veja-se o escólio de Demarcian e Maluly:

A prisão do alimentante é admitida no processo de execução de prestação alimentícia.[...] Se o devedor não pagar, nem apresentar justificativa, o juiz decretar-lhe-á a prisão pelo prazo máximo de três meses. Paga a prestação, o juiz suspenderá o cumprimento da ordem de prisão.

Quanto à Prisão do depositário infiel, esta surge a partir de um contrato de depósito no

qual uma pessoa (o depositante) deixa determinado bem móvel sob a custódia de outra (o

depositário) o qual deverá devolvê-la quando aquele exigir. Caso no momento em que for

requisitada a retirada do bem, o depositário não estiver na posse do bem, caracteriza-se a

situação de depositário infiel, podendo então ser decretada sua prisão civil115.

Todavia, o Supremo Tribunal Federal vem decidindo por não haver mais esta

modalidade de prisão civil, conforme se denota nos seguintes enunciados:

PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito116.

Na mesma trilha:

PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL OU DESCUMPRIMENTO DE CONTRATO DE ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. ALTERAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO STF (INFORMATIVO/STF 531). CONCESSÃO DA ORDEM. I - O Plenário desta Corte, na sessão de julgamento de 3 de dezembro do corrente ano, ao julgar os REs 349.703 e 466.343, firmou

114 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.52-53. 115 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado. 4. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método: 2009, p. 181. 116 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Recurso extraordinário n. 466343. Rel. Min. César Peluso, São Paulo – SP. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(466343.NUME.%20OU%20466343.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em 17 set. 2009.

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orientação no sentido de que a prisão civil por dívida no Brasil está restrita à hipótese de inadimplemento voluntário e inescusável de pensão alimentícia. II - Ordem concedida117.

Cabe mencionar que, em decorrência desse novo posicionamento, de inaplicabilidade

da prisão civil do depositário infiel, o Supremo Tribunal Federal revogou a sua súmula 619118,

que versa sobre o assunto119.

A prisão disciplinar está permitida na CRFB/88 apenas para as transgressões militares

e crimes propriamente militares, conforme dispõe o art. 5º, LXI e 142, § 2º120, do texto

constitucional a seguir transcritos:

Art. 5º, LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar. Art. 142, § 2º - Não caberá habeas corpus em relação a punições disciplinares militares121.

As Forças Armadas, assim como os membros das polícias militares e corpos de

bombeiros militares, são instituições organizadas com base na hierarquia e na disciplina, cuja

manutenção exige, muitas vezes, a restrição da liberdade de seus membros122.

Assim, a prisão disciplinar possui a natureza de verdadeira punição disciplinar, já que

o ato de comando do Estado, investido não do poder público repressivo, mas da supremacia

em suas relações hierárquicas, está voltado para seus serviços internos123.

Nas palavras de Demarcian e Maluly sobre o contexto evidencia-se que:

117 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Habeas corpus n. 92817. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Rio Grande do Sul – RS. Disponível em <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(92817.NUME.%20OU%2092817.ACMS > Acesso em 17 set. 2009. 118 “A prisão do depositário judicial pode ser decretada no próprio processo em que se constituiu o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito. Cf. BRASIL. Superior Tribunal Federal. Súmula n. 619 (revogada). Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumula&pagina=sumula_601_700>. Acesso em: 08 out. 2009. 119 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 183. 120 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 389. 121 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p.10-43. 122 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.54. 123 LINHARES, Marcello Jardim. Prisão administrativa: natureza, fins e efeitos. São Paulo: Saraiva, 1974, p. 34 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária.

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A prisão disciplinar é uma providência que a lei concede à autoridade para que a obediência e a ordem prevaleçam em certos serviços. A constituição Federal admite sua imposição nas transgressões militares e nos crimes propriamente militares, definidos em lei, independente de flagrante delito ou ordem de autoridade judiciária [...]124.

Esse poder disciplinar somente pode ser exercido por ocasião e no interesse do serviço

público e cessa quando o funcionário sair dele125.

Para um conhecimentos mais abrangente acerca das modalidades de Prisão extra

penal, a seguir será apresentado um breve panahado sobre a prisão administrativa.

A prisão administrativa, cuja aplicabilidade após o advento da CRFB/88 não encontra

consenso entre os doutrinadores, sendo que, para uns ela não foi recepcionada pelo texto

constitucional; para outros, ela pode existir, desde que decretada pela autoridade judiciária126.

É uma providência destinada a compelir alguém a fazer alguma coisa. Ainda que a redação do

art. 319 do Código de Processo Penal sugira que a autoridade administrativa possa requisitá-

lo, com o advento da CRFB/88 somente a autoridade judiciária competente pode ordená-la127.

Linhares afirma que a prisão administrativa é:

Sanção de natureza fiscal, de profunda penetração no campo do direito penal comum, medida de índole reparadora, sancionadora, de caráter análogo às que são ditadas pelo processo judiciário penal; complemento da norma que tende à defesa do patrimônio, medida de segurança, estado provisório de cerceamento de liberdade; é medida executiva imposta por interesse social iniludível, confundida em intimidade lógica com o interesse particular do Estado128.

Dentre todas as formas de prisão administrativa descritas no art. 319 do Código de

Processo Penal, somente a primeira delas pode ser considerada prisão administrativa na

verdadeira acepção do termo. Tendo em vista que esta modalidade de Prisão não foi

recepcionada pela CRFB/88, destarte, não pode vigorar nem mesmo se for decretada pelo

124 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p.161. 125 FARIA, Bento. Código de processo penal. 2 ed. Rio de Janeiro: Record Editora, 1960, p. 30 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. 126 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.55. 127 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p.160. 128 LINHARES, Marcello Jardim. Prisão administrativa: natureza, fins e efeitos. São Paulo: Saraiva, 1974, p.25 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária.

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magistrado. O que se admite é a Prisão de estrangeiros para fins de extradição decretada pelo

Supremo Tribunal Federal, em atendimento ao requerimento do Ministro da Justiça129.

Mister salientar que existe divergência no que tange a aplicabilidade da prisão

administrativa, no entanto, o posicionamento majoritário é que não existe mais esta

modalidade de Prisão.

2.4 PRISÃO TEMPORÁRIA

A Prisão Temporária foi criada pela Medida Provisória n. 111, de 24 de novembro de

1989, tendo sido convertida na Lei n. 7.960, de 21 de dezembro de mesmo ano130. Não se trata

porém de medida exclusiva da legislação brasileira, pois a adotam, entre outros países,

Portugal, Espanha, França, Itália, Estados Unidos entre outros131.

Para Demarcian e Maluly:

A prisão temporária representa um avanço no combate à criminalidade, máxime à organizada, na medida em que se assegura à Polícia Judiciária instrumento para, legalmente, custodiar suspeitos durante as investigações (evitando a execrada “prisão para averiguações”, uma forma explícita de abuso de autoridade), embora o açodamento do legislador, diante dos emergentes reclamos sociais existentes, redundou numa lei que, no mínimo, peca pela ausência de técnica processual penal132.

Para Lino, a Prisão Temporária é “uma espécie de prisão cautelar, decretada pelo juiz

durante o inquérito policial contra aquele que o Estado suspeita ter praticado determinado

crime”133.

O conceito de Prisão Temporária não pode ser compreendido isoladamente, mesmo

porque depende de outros e da interpretação dos elementos que a informam134.

Destarte, nos tópicos seguintes se buscará esclarecer os caminhos percorridos para a

formação de um conceito sobre a Prisão Temporária.

129 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.56. 130 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989. Belo Horizonte: Mandamentos, 2001, p. 13. 131 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 425. 132 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p.186. 133 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 20. 134 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 20.

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2.4.1 Requisitos e pressupostos

Em 1974 foi publicado no Diário Oficial o anteprojeto do Código de Processo Penal

elaborado por José Frederico Marques, no qual se fazia previsão da Prisão Temporária.

Tratava-se de medida cautelar com a finalidade de assegurar a captura do indiciado, ou

compeli-lo ao cumprimento de determinados ônus e obrigações no Inquérito Policial. Apesar

de requisitos diversos, continuou sendo prevista no projeto de Lei 1.655/83, originário do

anteprojeto do Código de Processo Penal de José Frederico Marques135.

Martins esclarece que:

A prisão temporária, como outras decisões que impliquem adoção de medidas que atinjam direitos do indivíduo, atende a procedimentos que estabelecem o devido processo legal, para que esteja consentânea com a norma constitucional e se possa dizer que se encontre revestida do manto da legalidade136.

Prisão cautelar é providência que busca, de alguma forma, assegurar a tutela

jurisdicional definitiva137. As medidas cautelares se ligam ao processo, cujo resultado visam

garantir. A Prisão Temporária possui natureza acessória, por destinar-se ao resultado do

Inquérito Policial em que é decretada; possui caráter provisório, tendo duração limitada, com

ênfase na instrumentalidade, como meio e modo de garantir a tutela específica junto ao

Inquérito Policial e ao futuro processo penal138.

Não é forma de antecipação da responsabilidade criminal do indiciado, mas sim um

modo de permitir ao Estado uma boa investigação, bem como assegurar a aplicação da lei

penal e ver exaurida sua pretensão punitiva e executória139.

Importa registrar que a Prisão Temporária vigorará somente durante o Inquérito

Policial e desde que comprovadamente imprescindível para as investigações, sempre que

135 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 121. 136 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 80. 137 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 125. 138 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 106. 139 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 186.

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houver fundadas razões e desde que o investigado tenha praticado um dos crimes previstos no

art. 1º, III, da Lei 7.960/89140.

A legislação de regência prevê como requisito à decretação da Prisão Temporária a

existência de fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de

autoria ou participação do indiciado nos crimes elencados141.

Diante da inexistência de região de conflito entre os pressupostos da Prisão

Temporária e os das demais prisões cautelares, não se cogita da presença de requisitos

autorizadores da prisão preventiva para fundamentação da Prisão Temporária142.

Em suma, a Prisão Temporária é medida extrema a ser utilizada sempre que a

liberdade do preso prejudicar a investigação policial e, consequentemente, a elucidação dos

fatos143.

Conforme assevera Tourinho Filho:

Uma vez que se instituiu a prisão temporária, deverá ela, no direito a ser constituído, cingir-se a infrações graves, única e exclusivamente, quando imprescindível às investigações policiais, e, assim mesmo, é preciso haja prova da materialidade delitiva e indícios suficientes de autoria144.

O provimento cautelar decretado no decorrer do Inquérito Policial busca assegurar que

os meios utilizados para alcançar seu escopo não se alterem com o decurso do tempo ou para

evitar que não se frustre, futuramente, a aplicação do direito material145.

Os fundamentos para a decretação da Prisão Temporária residem nos pressupostos

cautelares e devem estar evidentes os demais pressupostos autorizadores da constrição, quais

sejam, o fumus boni juris e o periculum in mora ou periculum libertatis, assim como a

natureza da infração146.

A propósito, o requisito fumus boni juris está evidenciado na lei e decorre da simples

leitura do artigo 1º, III; por outro norte, o periculum in mora ou periculum libertatis fica

140 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.125. 141 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 56. 142 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 112. 143 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 119. 144 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 637. 145 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 126. 146 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 107.

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evidenciado na imprescindibilidade da investigação policial147, instruída e documentada por

meio do competente Inquérito Policial.

A natureza da infração integra o pressuposto da fumaça do bom direito ameaçada de

lesão irreparável, assim, quando se menciona o fumus boni juris faz-se referência à natureza

da infração148. Quando estiverem presentes os requisitos para sua decretação, não se admite a

concessão da liberdade provisória, com ou sem fiança149.

A criação da Prisão Temporária teve por finalidade facilitar a apuração de crimes

graves, sendo que a seguir serão demonstradas as hipóteses de cabimento da referida Prisão.

2.4.2 Hipóteses de cabimento

A Prisão Temporária somente pode ser decretada nos casos em que a lei permite

custódia, contudo, afrontaria o princípio constitucional do estado de inocência permitir a

prisão provisória de alguém por ser suspeito por cometer um delito grave.

Destarte, para a decretação da Prisão Temporária, o indiciado deve ser apontado como

suspeito ou acusado por um dos crimes constantes da enumeração legal e deve estar presente

pelo menos um dos outros dois requisitos, evidenciadores do periculum in mora150

Presentes os requisitos cautelares, somente será possível a decretação da Prisão

Temporária nos crimes de maior potencial ofensivo, enumerados no artigo 1º da lei 7.960 de

1988151.

O decreto temporário terá como fundamento qualquer um dos crimes mencionados na

legislação de regência, consumados ou tentados e ainda, em concurso com outras infrações152.

Ainda referindo-se ao § 1º, as investigações do Inquérito Policial, impede a Prisão

Temporária do autor da infração penal quando não se tenha instaurado o procedimento

policial inquisitivo153.

147 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 187. 148 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 107. 149 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 187. 150 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 273. 151 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 188. 152 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 113. 153 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 426.

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Acerca do instituto da Prisão, vale-se da lição de Freitas:

É incompatível a convivência do instituto da liberdade provisória com a prisão temporária, pois, se existe razão para a privação de liberdade, estará ausente requisito autorizador da contracautela. Como somente se justifica a custódia por necessidade extrema, é incompatível o pedido libertário154.

No que tange a decretação da Prisão Temporária é necessário destacar que “somente o

Juiz, mediante representação da Autoridade Policial ou requerimento do Ministério Público,

pode decretá-la”155.

Imprescindível também que o despacho que decretar a Prisão Temporária seja

devidamente fundamentado e, como no caso de prisão preventiva, não são suficientes meras

expressões formais ou repetição dos dizeres da lei156.

A observância restrita aos preceitos legais é obrigatória, sob pena de constrangimento

ilegal sanável via habeas corpus157

.

A autoridade judiciária, ao analisar os fundamentos de fato, bem como de direito do

pedido, deve motivar favoravelmente a decisão, referindo-se aos pressupostos e requisitos

exigidos em lei. Nada impede a reconsideração do despacho, desde que se apresentem fatos

que indicam não ser mais necessário158.

Por outro norte, da decisão que defere a Prisão Temporária não existe previsão

recursal. Ainda que houvesse, seria inócuo demonstrar inconformismo por essa via, ante a

demora em seu processamento. Destarte, o remédio constitucionaorpus é o mais acertado,

tendo em vista sua agilidade processual159.

Acerca do período de duração da Prisão Temporária, vale-se da lição de Tourinho

Filho:

Seu prazo máximo de duração é de 5 dias, prorrogáveis por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. Em se tratando de crimes hediondos, de prática de tortura, de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas

154 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 114. 155 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p. 636. 156 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 426. 157 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 114. 158 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 426. 159 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 114.

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afins, e de terrorismo, o prazo da prisão temporária é de 30 dias, prorrogável de mais 30 [...] 160.

A propósito, veja-se o escólio de Mirabete:

A pessoa sujeita à prisão temporária deve permanecer, obrigatoriamente, separada dos demais detentos. É o que dispões o artigo 3º da Lei nº 7.960, que procura, de um lado, evitar a promiscuidade do preso temporário com os detentos e demais presos provisórios e, de outro, facilitar as investigações e o esclarecimento dos fatos. Não está o preso, porém, sujeito à incomunicabilidade, proibida pela Constituição Federal, podendo entrevistar-se com advogado, pessoa da família ou qualquer outra, respeitados os regulamentos referentes às visitas a estabelecimentos penais161.

Encerrado o prazo fixado pelo magistrado para a Prisão Temporária, deverá ser o

indiciado posto imediatamente em liberdade, sem a necessidade de expedição de alvará de

soltura, máxime se cuide de prisão com prazo previamente estabelecido162.

Se antes de expirado o prazo da prisão a autoridade policial ou representante do

Ministério Público entender desnecessária a manutenção da prisão, devem requerer a

expedição de alvará de soltura163.

2.4.3 Periculum libertatis e fumus boni juris

O fundamento para o decreto da Prisão Temporária reside nos requisitos e

pressupostos bem como nas hipóteses de cabimento reproduzidos no item antecedente.

O periculum libertatis e o fumus boni juris constam dos três incisos do artigo 1º do

diploma legal e formam a base em que o juiz há de fundamentar o decreto prisional contra o

suspeito ou indiciado164.

160 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p .636. 161 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 429. 162 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 85. 163 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 80. 164 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 108.

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2.4.3.1 Periculum libertatis

Não basta para a ordem de encarceramento a presença de fato aparentemente típico e

indicações de autoria ou participação, urge que se investiguem os pressupostos indispensáveis

à convalidação ou determinação da Prisão165.

Assim, para que se possa investigar esses pressupostos, é necessário a celeridade, uma

vez que o tempo pode modificar a situação das partes ou comprometer a decisão judicial. A

medida cautelar visa afastar o perigo da demora, afastar o dano irreparável advindo da

ineficiência de desenvolvimento e resultado do processo166.

A absoluta necessidade deve ser medida caso a caso e concretamente. E o critério da

necessidade da prisão cautelar é medido em decorrência do periculum libertatis167

.

Sendo um pressuposto da medida cautelar, refere-se ao interesse processual em obter

uma justa composição da lide, incubindo à parte demonstrar o fundado temor de que a tutela

definitiva está comprometida em face de algum dano, seja ele a destruição, desvio ou

qualquer alteração de pessoas ou provas, que provavelmente acontecerá antes do processo e

prejudicará a eficaz atuação do provimento final168.

Tourinho Filho explana que:

Consistirá na circunstância de ser a medida imprescindível às investigações policiais, tenha ou não o indiciado residência fixa, crie ou não crie embaraços à colheita de dados para esclarecer sua identidade, ou, finalmente, ainda que não imprescindível às investigações, se o indiciado não tiver residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade169.

O periculum libertatis também se destina a capturar material idôneo para o resultado

do futuro processo de conhecimento, sob o risco de serem perdidas provas essenciais o

deslinde do fato170.

165 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 106. 166 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 30. 167 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 108. 168 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 30. 169 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Manual de processo penal, p.637. 170 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 108.

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Conforme assevera Batista:

Realmente, não tem sentido prender sem a verificação de que existe o perigo de dano. A gravidade da medida, que sujeita o processado a sofrimentos iguais aos que se infligem ao condenado, aconselha a que se examine com rigor se estão presentes ambos os pressupostos da cautela, e não apenas se existe um fumus boni juris171.

Para uma melhor abrangência acerca dos pressupostos autorizadores da constrição

decorrente da Prisão Temporária necessário fazer um relato do fumus boni juris, o qual será

transcrito no tópico a seguir.

2.4.3.2 Fumus boni juris.

Somente pode haver a prisão de agente suspeito ou indiciado pela prática de crime

grave (fumus boni juris)172. A verificação de que a parte dispõe do direito a um provimento

jurisdicional em processo de conhecimento, e de que o processo merece ser garantido,

constitui a aparência do bom direito, necessária à concessão da medida cautelar173.

Não basta que a custódia cautelar se justifique em face da presença de fundadas razões

de autoria ou participação em crime grave, é necessário que a privação da liberdade seja

medida de urgência, imprescindível para as investigações ou porque o suspeito se nega a

fornecer seus dados pessoais ou não possui residência fixa174.

No que tange ao fumus boni juris vale-se dos ensinamentos de Demarcian e Maluly:

Este requisito está evidenciado na lei e decorre da simples leitura do art. 1º, inciso III, isto é, será admitida a decretação da prisão temporária quando houver fundadas suspeitas ou razões, de acordo com qualquer prova admitida em direito, de autoria ou participação do indiciado, nas hipóteses legais taxativamente arroladas pelo art. 1º, alíneas a usque o. Vale dizer, quando houver indícios idôneos de autoria, tal como ocorre na prisão preventiva175.

171 BATISTA, Weber Martins. Liberdade provisória. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 13 apud LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989. 172 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 110. 173 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 29-30. 174 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 108. 175 DEMARCIAN, Pedro Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 187.

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Não se trata de examinar a existência do direito material, mas de emitir um juízo de

probabilidade de direito da parte ao processo em função de um fato que possa tornar ineficaz,

no caso, a própria ação176.

176 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 30.

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3 PROTEÇÃO CONSTITUCIONAL DO STATUS LIBERTATIS

A liberdade é um direito fundamental177 que está expressamente consignado na

CRFB/88. Dessa forma, eventuais restrições somente podem acontecer em favor de outro

direito fundamental, já que o Estado é quem detém o dever de exercer funções protetivas

eficazes, inclusive no campo penal178.

Atribui-se à liberdade a conceituação proferida por Molina:

A expressão mais visível da liberdade – como conceito geral – do indivíduo é a existência de esferas de atuação nas quais as pessoas podem se comportar livremente, sem ingerência de outros, ou seja, de âmbitos invioláveis, somente sujeitos ao próprio poder de autodeterminação. Não se deve estranhar, assim, que os textos constitucionais garantam, por princípio, a existência destes âmbitos de liberdade individual, imunes à ação dos poderes do Estado179.

Desta forma, ratifica Miranda:

[...] sem a liberdade de ir, permanecer e vir, não há, nem pode haver, por mais que se sofisme, as demais liberdades. É, tipicamente, a liberdade-condição, sem a qual não se podem exercer cargos públicos ou particulares, funções honoríficas ou políticas180.

177 Cf. FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p. 54, “Um direito fundamental é um direito enunciado pela Constituição, aplicável diretamente, dotado de garantias jurisdicionais e de uma especial resistência frente ao Legislador”. 178 FELDENS, Luciano. Direitos fundamentais e direito penal: garantismo, deveres de proteção, princípio da proporcionalidade, jurisprudência constitucional penal, jurisprudência dos tribunais de direitos humanos, p.63-64. 179 MOLINA, Ignácio; Delgado, Santiago. Conceptos fundamentais da ciência política, p. 74 apud CRUZ, Paulo Márcio. Fundamentos do direito constitucional. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2006. 180 MIRANDA, Pontes de. História e prática do habeas corpus: direito constitucional e processual comparado. Campinas: Bookseller, 2001, p. 303.

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No sentido de salientar a credibilidade dos direitos fundamentais informa Tavares que:

A estrutura escalonada do Direito apresenta como ápice a Constituição, base a partir da qual todas as demais normas se desenvolvem e auferem sua validade última dentro do sistema. Diz-se que há um sistema quando “as normas se reconduzem a uma única fonte de produção”, mais ainda quando o Direito “se reconduz, formal e procedimentalmente a uma idêntica norma fundamental”181.

A liberdade do indivíduo está, sem qualquer dúvida, em patamar superior no que tange

aos direitos do ser humano, somente podendo considerá-la em condição inferior ao direito a

vida182. A liberdade “é o direito a escolha, à opção, ao livre-arbítrio, ao poder de coordenação

dos meios necessários à realização pessoal”183.

Por esse motivo o Estado somente poderá privar o ser humano de sua liberdade de

locomoção nas hipóteses estritamente necessárias e em conformidade com o ordenamento

jurídico vigente184.

No artigo 5º da CRFB/1988 encontram-se as espécies de pena possíveis no

ordenamento pátrio e dentre elas a de restrição de liberdade:

Art. 5º. (...) XLVI – a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade185; (...) LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

É assente que a pena privativa de liberdade deve ser reservada para as situações mais

graves, tanto que a regra é que as penas não superiores há quatro anos são substituídas por

restritivas de direitos (prestação pecuniária, perda de bens e valores, prestação de serviço à

181 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 17. 182 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 42. 183 CHIMENTI, Ricardo Cunha. CAPEZ, Fernando. ROSA. Márcio F. Elias. SANTOS, Marisa F. Curso de direito constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 77. 184 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.101. 185 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 9.

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comunidade ou a entidades públicas, interdição temporária de direitos, limitação de fim de

semana) 186.

A seguir se fará uma interpretação sistemática do artigo 5º., da CRFB/88,

especialmente dos incisos LVII (presunção do estado de inocência), LIV (a privação da

liberdade depende do devido processo legal), LXI (a prisão só tem cabimento no flagrante ou

por ordem escrita fundamentada) e LXVI (não se permite a prisão se cabível a liberdade

provisória), com a finalidade de situar o tema da presente pesquisa no contexto dos direitos

fundamentais.

É possível afirmar que o ordenamento jurídico admite a Prisão antes do trânsito em

julgado da Sentença penal condenatória por intermédio da prisão provisória, destacando-se

sempre a Prisão Temporária, pois esta é a outra face da liberdade provisória conforme visto

no capítulo anterior.

Nos moldes do art. 312 do Código de Processo Penal, tem-se que:

A prisão preventiva poderá ser decretada como garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal, quando houver prova da existência do crime e indício suficiente de autoria187.

Vale-se da lição de Silva, quando menciona que:

186 “Penas restritivas de direito: art. 43. As penas restritivas de direito são: I- prestação pecuniária; II - de bens e valores; III - (VETADO) IV - prestação de serviço à comunidade ou a entidades públicas; V - interdição temporária de direitos; VI - limitação de fim de semana. Art. 44. As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: I - aplicada pena privativa de liberdade não superior a quatro anos e o crime não for cometido com violência ou grave ameaça à pessoa ou, qualquer que seja a pena aplicada, se o crime for culposo; II – o réu não for reincidente em crime doloso; III - A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que esta substituição seja suficiente § 1o (VETADO). § 2o Na condenação igual ou inferior a um ano, a substituição pode ser feita por multa ou por penas restritivas de direitos; se superior a um ano, a pena privativa de liberdade pode ser substituída por uma pena restritiva de direitos e multa ou por duas restritivas de direito; § 3o Se o condenado for reincidente, o juiz poderá aplicar a substituição, desde que, em face de condenação anterior, a medida seja socialmente recomendável e a reincidência não se tenha operado em virtude da prática do mesmo crime. § 4o A pena restritiva de direitos converte-se em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. No cálculo da pena privativa de liberdade a executar será deduzido o tempo cumprido da pena restritiva de direitos, respeitado o saldo mínimo de trinta dias de detenção ou reclusão. § 5o Sobrevindo condenação a pena privativa de liberdade, por outro crime, o juiz da execução penal decidirá sobre a conversão, podendo deixar de aplicá-la se for possível ao condenado cumprir a pena substitutiva anterior. Cf. BRASIL. Código penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del2848.htm>. Acesso em: 08 out. 2009. 187 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado, p. 238.

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Com efeito, ao contrário da proteção da persecução penal, que justifica a restrição à liberdade de locomoção como medida indispensável para garantir o desenvolvimento do processo e de eventual execução de uma sentença penal condenatória, a restrição à liberdade de locomoção com a finalidade de proteção da ordem pública cumpre função extraprocessual, destinando-se à imposição de uma prisão de caráter preventivo geral e especial188.

Sendo os direitos de primeira geração direitos de liberdade, resulta que grande parte

dos incisos do artigo 5º da CRFB/88 refletem desdobramentos deste princípio189, destarte,

serão abordados alguns destes dispositivos no decorrer deste capítulo.

Se buscará ainda no desenvolvimento deste tópico estabelecer a dimensão

constitucional do status libertatis, assim como seus instrumentos processuais de defesa.

3.1 O STATUS LIBERTATIS COMO DIREITO FUNDAMENTAL

Antes de adentrar ao tema faz-se necessário distinguir direitos de garantias

fundamentais que, valendo-se dos ensinamentos de Lenza, quando diz que:

Os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício dos aludidos direitos (previamente) ou prontamente os repara caso violados190.

Feita a diferenciação entre direitos e garantias fundamentais, para uma melhor

compreensão do leitor, urge conceituar direitos fundamentais:

A expressão direitos fundamentais é utilizada para designar os direitos relacionados às pessoas, inscritos no texto normativo de cada Estado. São direitos que vigoram numa determinada ordem jurídica, sendo, por isso, garantidos e limitados no espaço e no tempo, pois são assegurados na medida em que cada Estado os estabelece191.

Sarlet complementa o enunciado acima, ao afirmar o seguinte a respeito de direitos

fundamentais:

188 SILVA, Marcelo Cardozo. A prisão em flagrante na constituição. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007, p. 73. 189 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 110. 190 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 671. 191 BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. COELHO, Inocêncio Mártires. MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de direito constitucional. São Paulo: Sariava, 2007, p. 234.

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Os direitos fundamentais, ao menos no âmbito de seu reconhecimento nas primeiras Constituições escritas, são o produto peculiar (ressalvado certo conteúdo social característico do constitucionalismo francês), do pensamento liberal-burguês do século XVIII, de marcado cunho individualista, surgindo e afirmando-se como direitos do indivíduo frente ao Estado, mais especificamente como direitos de defesa, demarcando uma zona de não intervenção do Estado e uma esfera de autonomia individual em face de seu poder192.

Não é diversa a apreciação de Tavares ao tratar dos direitos fundamentais:

Os direitos fundamentais do homem, ao receberem positivação no Direito Constitucional, passam a desfrutar de uma posição de relevo, no que toca ao ordenamento jurídico interno. Mas a mera declaração ou reconhecimento de um direito não é suficiente, não bastando para sua plena eficácia, porque se torna necessário tutelar esse direito nas situações em que seja violado193.

Em consonância com a linha adotada pelos autores anteriormente explanados, tanto

quanto ou mais valiosa é a explicação de Moraes ao versar sobre o assunto em pauta quando

leciona que:

Os direitos humanos fundamentais não podem ser utilizados como um verdadeiro escudo protetivo da prática de atividades ilícitas, nem tampouco como argumentos para afastamento ou diminuição da responsabilidade civil ou penal dos criminosos, sob pena de total consagração ao desrespeito a um verdadeiro Estado de Direito194.

Os direitos fundamentais não surgiram simultaneamente, mas em períodos distintos,

conforme a demanda de cada época. A consagração progressiva e seqüencial nos textos

constitucionais deu origem às gerações de direitos195.

Os direitos de primeira geração realçam o princípio da liberdade. São direitos civis e políticos, reconhecidos nas Revoluções Francesa e Americana. Caracterizam-se por impor ao Estado um dever de abstenção, de não fazer, de não-interferência, de não intromissão no espaço de auto-determinação de cada indivíduo. São as chamadas liberdades individuais, que têm como foco a liberdade do homem individualmente considerado, sem

192 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998, p. 48. 193 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 633. 194 MORAES, Alexandre. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 169. 195 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2009, p. 362.

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nenhuma preocupação com as desigualdades sociais. Surgiram no final do século XVIII, como resposta ao Estado liberal ao Estado absoluto196.

Os direitos de primeira geração têm como titular o indivíduo e são oponíveis,

sobretudo, ao Estado, impondo-lhe diretamente um dever de abstenção197. Mencionados

direitos dizem respeito às liberdades públicas e aos direitos políticos, ou seja, direitos civis e

políticos a traduzirem o valor da liberdade198.

A liberdade da pessoa física é uma possibilidade jurídica reconhecida a todos os

indivíduos de serem donos de sua própria vontade, de ir e vir, de se locomoverem por todo o

território nacional, sem que seja privado desta capacidade. A CRFB/88 tenta resguardar ao

máximo esta liberdade, cercando o indivíduo de garantias contra violações ao direito de

liberdade199.

Das liberdades fundamentais do ser humano, a de locomoção é a de maior valia. Por

isso, a CRFB/88 determina que a lei puna qualquer conduta atentatória a ela200.

Por se reconhecer que a Prisão é um mal necessário, deve-se resguardá-la ao criminoso

que realmente cause perigo à sociedade, para aquele que em liberdade não sabe dela usufruir

sem ocasionar danos a terceiros, sem provocar o temor por suas negligências, que livre

somente encontra estímulos para infringir as normas penais, atentando contra a ordem

pública, sem dar atenção às conseqüências que sua falta de imprudência poderá gerar para

toda a sociedade201.

A liberdade é, por conseguinte, um atributo do indivíduo, nacional ou estrangeiro, um

direito assegurado ao ser humano em sua essência202. Por tal razão, possível a assertiva de

que:

A liberdade, portanto, situa-se no patamar do direito humano fundamental, não se podendo olvidar da característica de não ser ela absoluta, como não são todos os chamados direitos humanos fundamentais. Têm eles suas

196 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p.93. 197 NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional, p. 362. 198 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 670. 199 CHIMENTI, Ricardo Cunha. CAPEZ, Fernando. ROSA. Márcio F. Elias. SANTOS, Marisa F. Curso de direito constitucional, p. 77. 200 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 89. 201 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas alternativas. 2. ed. Curitiba: Juruá, 2001, p. 184. 202 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 44.

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restrições e, apesar de aclamados na e pela Constituição Federal da República, não são ilimitados, uma vez que encontram seus limites nos demais direitos igualmente consagrados pela Carta Política203.

Sendo o direito de liberdade um dos mais elementares direitos fundamentais, é natural

que a CRFB/88, como uma de suas garantias, considere a Prisão de uma pessoa medida

estritamente excepcional, reservada à casos determinados, ou somente passível de ser imposta

por autoridade específica204.

De acordo com o disposto no art. 5º, LVII da CRFB/1988 “ninguém será considerado

culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória”205. Assim, nada mais

natural que a inversão do ônus da prova, ou seja, a inocência é presumida, cabendo ao

Ministério Público ou à parte acusadora provar a culpa206.

Trata-se de um princípio penal o de que ninguém pode ser tido como culpado pela

prática de qualquer ilícito senão após ter sido como tal julgado pelo magistrado, com ampla

oportunidade de defesa207. Tal princípio impede que antes de transitar em julgado uma

Sentença condenatória “se aplique em relação ao acusado qualquer das conseqüências que a

lei somente atribuiu como sanção punitiva”208.

Vale frisar que:

A presunção de inocência, consagrada a partir da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, é instituto que impõe restrições à consideração da culpabilidade de alguém, de forma a impedir que se possa dizer que alguém é culpado, e contra ele aplicar a sanção antecipadamente, sem que se tenha percorrido todo o iter necessário para sua declaração, por intermédio do processo-crime revestido das garantias constitucionais, culminando com a prolação de sentença criminal condenatória, contra a qual não caiba mais recurso209.

203 MORAES, Alexandre de. Direitos humanos fundamentais e a constituição de 1988: os 10 anos da Constituição Federal. São Paulo: Atlas, 1998, p.80 apud MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro. 204 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 178. 205 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 206 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 711 207 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 494. 208 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988. São Paulo: Saraiva, 1997, p. 68. 209 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 49.

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Este princípio tem amplo aspecto político-processual, no sentido de que o respeito à

dignidade humana tem que prevalecer desde a notícia do crime até o trânsito em julgado da

Sentença condenatória, devendo os valores fundamentais da pessoa humana preponderar, sem

que de outro lado seja desprezado o poder público no que tange a consecução dos objetivos

inerentes à segurança, também constitucionalmente assegurados210.

Ao indivíduo é garantido o tratamento como não criminoso (princípio da não

culpabilidade), salvo quando reconhecido pelo sistema jurídico como tal211. Essa garantia

processual penal tem como escopo tutelar a liberdade do indivíduo, que é presumido inocente,

cabendo ao Estado demonstrar em juízo sua culpabilidade.

Desta garantia processual decorre o princípio de interpretação das leis penais chamado

de in dubio pro reo, no qual havendo alguma dúvida quanto à capitulação do fato ou na

interpretação da lei, utiliza-se a que for mais favorável ao réu212.

Para que a constrição a liberdade de locomoção antes da Sentença condenatória

transitada em julgado guarde integral sintonia com o Estado Democrático de Direito e com o

fundamento da dignidade da pessoa humana, esta só será cabível em situação de extrema

excepcionalidade213.

Portanto, a autoridade policial, carcerária, administrativa e outras não podem

considerar culpado aquele que ainda não foi submetido à definitividade da atuação

jurisdicional214. Assim, “a presunção de inocência constitui princípio fundamental de todo o

sistema probatório, no qual o ônus de provar a culpabilidade recai sobre quem acusa”215.

No que tange ao princípio de inocência, Moraes enfatiza que:

A consagração do princípio de inocência, porém, não afasta a constitucionalidade das espécies de prisões provisórias, que continua sendo, pacificamente, reconhecida pela jurisprudência, por considerar a legitimidade jurídico-constitucional da prisão cautelar, que não obstante a presunção juris tantum de não culpabilidade dos réus, pode validamente incidir sobre seu status libertatis. Desta forma, permanecem válidas as

210 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 15. 211 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 494. 212 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 173. 213 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 18. 214 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 494. 215 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 17.

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prisões temporárias, em flagrante, preventivas, por pronúncia e por sentenças condenatórias sem trânsito em julgado216.

O Supremo Tribunal Federal compreende que a prisão somente ocorre após o trânsito

em julgado da Sentença penal condenatória, contudo não viola a CRFB/88 a prisão cautelar

(em flagrante delito, temporária ou preventiva) desde que obedecidos os pressupostos

exigidos pela respectiva legislação penal217.

Consigna o art. 5º, LIV, da CRFB/88 “ninguém será privado da liberdade ou de seus

bens sem o devido processo legal” 218. Corolário a este princípio, asseguram-se aos litigantes,

em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral o contraditório e a ampla

defesa, com os meios e recursos a ela inerentes219.

Tem-se a liberdade como regra do sistema jurídico brasileiro, somendo-se ao princípio

constitucional de que todos são inocentes até que se prove ao contrário e que ninguém será

privado desta garantia sem um julgamento legal de acordo com as leis vigentes no País.

Estatui o inciso LXI do art. 5º da CRFB/1988 que ninguém será preso senão em

flagrante delito220 ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente,

salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei221.

Em conformidade com o texto constitucional vigente, as autoridades competentes para

determinar a prisão são o magistrado e comandante militar. A autoridade militar pode fazer

prender, desde que de acordo com a legislação cabível, o seu subordinado, pois este é o

sentido da exceção prevista na norma em exame222.

216 MORAES, Alexandre. Direito constitucional, p. 118. 217 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 174-175. 218 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 9. 219 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p.713, 220 Cf. JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado, p.229, “art. 302 – Considera-se em flagrante delito quem: I – está cometendo a infração penal; II – acaba de cometê-la; III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido, ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração”. 221 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 222 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p.70.

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Em conformidade com o que dispõe a CRFB/88, a prisão somente se efetivará pela

ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, a qual se materializa por

meio do competente mandado de prisão223.

Este preceito afirma a segurança pessoal, salvaguarda a liberdade física do ser humano

e proscreve o arbítrio, pois em princípio ninguém será preso, ninguém terá sua liberdade

cerceada224 sem uma ordem exarada por magistrado e devidamente fundamentada. No

entanto, não basta que o juiz esteja investido apenas de jurisdição225, necessário que seja

competente para conhecer e processar a matéria.

Para uma melhor abrangência do leitor acerca de jurisdição, vale-se de seu conceito

legal, conforme explana Manzini:

É a função soberana, que tem por escopo estabelecer, por provocação de quem tem o dever ou o interesse respectivo, se, no caso concreto, é aplicável uma determinada norma jurídica e pode dar-se execução à vontade com ela manifestada; função garantida, mediante reserva do seu exercício, exclusivamente, aos órgãos do Estado, instituídos com as garantias da independência e da imparcialidade (juízes) e da observância de determinadas formas (processo, coação indireta)226.

Necessário consignar que, segundo a dicção do texto constitucional, quando couber a

liberdade provisória não cabe qualquer forma de prisão. O magistrado deve conceder a

liberdade provisória quando não houver as hipóteses em que autorizam a prisão preventiva227.

A CRFB/88 estipula como “direito individual não ser mantido preso, provisoriamente, com ou

sem pagamento de fiança”228.

Nesta senda de raciocínio, observa Martins que:

Em suma, não está a transgressão às normas constitucionais vinculada ao arbítrio judicial, mas ao arbítrio vinculado às regras que dispõe sobre o tema, mediante o uso da discricionariedade, devendo ser assegurado a quem esteja

223 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 89. 224 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 69. 225 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 145. 226 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, 145-146. 227 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 53. 228 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 72.

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indiciado a responder por acusação de cometimento de prática criminosa, na esmagadora maioria das vezes aguarde o julgamento em liberdade229.

A privação de liberdade é ocorrência extraordinária, justificada apenas por

circunstâncias que revelem caráter de estrita necessidade, de absoluta imprescindibilidade,

jamais podendo significar antecipação do resultado do processo230.

Evidencia-se que a imprescindibilidade para as investigações não se confundem com a

ausência de outros métodos de investigação. Freitas preleciona que “inexiste mal maior que

privar a liberdade de uma pessoa cuja autoria e materialidade de uma infração ainda não se

encontram soberbamente provadas”231.

Vale-se da lição de Alexandrino e Paulo:

Observa-se que mesmo no caso de decretação de prisão por autoridades judiciais não há ampla liberdade, isto é, faz-se necessária a existência de expressa previsão constitucional ou legal para que seja legítima a atuação do judiciário, ao expedir uma ordem de prisão. Inexistindo expressa previsão na Constituição ou nas leis, nem mesmo o Judiciário pode, a seu alvedrio, “criar” hipóteses de prisão232.

Só perderá a liberdade se presentes pelo menos as hipóteses da prisão preventiva e não

outras com menos requisitos de deferimento233.

Para firmar posição com o entendimento supra mencionado, Kauffmann compreende

que tão importante quanto as leis que regulamentam a prisão e garantem a liberdade, é a

participação de um Poder Judiciário isento, sabedor dos males que provoca a prisão cautelar,

um Poder Judiciário que não se deixe calejar pelas inúmeras restrições de liberdade, tampouco

se influencie pela argumentação, escrita ou oral, daquele que postula a prisão, mas que analise

os elementos dos autos e por eles perceba a efetiva e indiscutível necessidade da privação de

liberdade de locomoção humana. Somente assim as demais formas de liberdades estão

garantidas234.

229 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Penas alternativas, p. 179. 230 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 23. 231 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 24. 232 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 178. 233 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 93. 234 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 103.

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Denota-se que dos direitos fundamentais de primeira geração, a liberdade de

locomoção é o de maior importância, sendo que é condição de existência de qualquer outra

liberdade. Ademais, a privação de locomoção de liberdade deve ser o último recurso a ser

utilizado pelo Estado, e deve reservar-se aos casos de extrema necessidade.

3.2 DIMENSÃO CONSTITUCIONAL DO STATUS LIBERTATIS

Antes de se adentrar no objeto de estudo a que se propõe este item, mister se faz

esclarecer, ainda que de forma superficial, a razão de sua existência e o fim que se busca

alcançar.

A CRFB/88 trata em seu artigo 5º dos direitos e deveres individuais e coletivos do

indivíduo, visa garantir e proteger os direitos fundamentais do homem, a norma maior

[...] “reconhece como básicos cinco direitos: o direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Todos os demais que enunciam os vários incisos deste artigo não passam de desdobramento desses cinco, que são, verdadeiramente os direitos fundamentais235“.

A pessoa humana deve ser protegida, com primazia, na sua vida, no seu corpo, nas

suas liberdades, na sua segurança, no seu ambiente, em resumo, na sua dignidade236.

O devido processo legal, assegurado na CRFB/88, artigo 5º, LIV, significa, no

entendimento de Silva,

“o conjunto de garantias de ordem constitucional que, de um lado, asseguram às partes o exercício de suas faculdades e poderes de natureza processual e, de outro lado, legitimam a própria função jurisdicional237“.

Toda a linha de raciocínio para explicar o devido processo legal encontra suporte na

seguinte argumentação:

235 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Comentários à constituição brasileira de 1988, p. 26. 236 FRANCO, Alberto Silva. A pessoa humana no centro do sistema punitivo. Boletim IBCCrim. São Paulo: Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, 2000, n. 86, p. 4 apud FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária. 237 SILVA, Marco Antonio Marques da. Juizados especiais criminais.São Paulo: Saraiva, 1997, p. 44.

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Em sua feição principal, o princípio do devido processo legal deve ser entendido como garantia material de proteção ao direito de liberdade do indivíduo, mas também é garantia de índole formal, num dado processo restritivo de direito. Significa dizer que deve ser assegurada ao indivíduo paridade de condições em face do Estado, quando este intentar restringir a liberdade ou o direito aos bens jurídicos constitucionalmente protegidos daquele238.

Estatui o artigo 5º, LVII, da CRFB/88 que “ninguém será processado nem sentenciado

senão pela autoridade competente239“ e ainda disciplina o inciso LXII, do mesmo dispositivo

constitucional que “a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados

imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada240“.

Ademais a família do preso ou pessoa por ele indicada deve ser comunicada da prisão

para providenciar a assistência necessária, tal comunicação deve ser feita imediatamente, se

por acaso a família do preso não possuir telefone a autoridade que efetuou a prisão deverá

disponibilizar um agente policial para que vá pessoalmente até a residência da família

comunicar o acontecido.

A comunicação ao juízo é de suma importância e também deve ser efetuada

imediatamente, sendo que a autoridade que realizou a prisão deverá encaminhar ao juízo

competente cópia do flagrante lavrado ou do mandado de prisão cumprido.

O juiz deverá analisar a regularidade da prisão, bem como analisar se cabe a concessão

da liberdade provisória. Assim fica evidente a dupla garantia dada pelo artigo supra citado, eis

que o magistrado deverá analisar se a prisão realmente é cabível e a família do preso tomar as

providências necessárias241.

Traz-se do 5º, LXIII da CRFB/88 que “o preso será informado de seus direitos, entre

os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de

advogado242”.

A família poderá providenciar alimentos bem como, pertences de uso pessoas do

detento e, o mais importante, providenciar um advogado, o qual deverá orientar o preso sobre

238 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 163. 239 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 240 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 241 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 90. 242 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10.

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o que dizer durante o interrogatório, ou até mesmo, a silenciar caso não se encontre tranqüilo

para prestar as informações que a autoridade julgar necessária243.

Quanto à assistência da família e do advogado, Bastos observa:

Tendo em vista as precárias condições de nosso sistema penitenciário, é de toda justiça que o preso possa valer-se do socorro ofertado pelos seus familiares, os quais poderão assegurar-lhe o conforto moral e material, inclusive condições à contratação de um advogado para sua defesa244.

Nos moldes do inciso LXIV “o preso tem direito à identificação dos responsáveis por

sua prisão ou por seu interrogatório policial245”.

A identificação se realiza de duas formas: nota de culpa e mandado de prisão, o

primeiro existe para facilitar eventual responsabilização por abuso de poder exercido por

quem expediu a ordem de prisão, enquanto o segundo serve para identificar a autoridade que

determinou a prisão e aludir a infração penal que a motivou, após a prisão deverá ser entregue

uma cópia da nota de culpa ao preso246.

Estatui a CRFB/88 em seu art. 5º, LXV que “a prisão ilegal será imediatamente

relaxada pela autoridade judiciária247”. Assim, sempre que houver afronta direta à lei, a

autoridade judiciária deverá tornar sem efeito a prisão, liberando imediatamente o preso248.

O direito a liberdade é um dos mais primários direitos fundamentais, destarte é natural

que a CRFB/88 considere a prisão de um indivíduo medida excepcional reservada a casos

determinados, ou somente passíveis a ser aplicada por autoridade específica249.

Por ser a prisão medida a ser aplicada em último caso, é facultado ao réu defender-se

solto de acusação que se lhe imputa, quando a lei admitir liberdade provisória com ou sem

fiança.

243 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 94-95. 244 BASTOS, Celso Ribeiro. Comentários à constituição do Brasil apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. 245 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 246 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 96. 247 BRASIL, Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 248 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 104. 249 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p.178.

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A origem da fiança remonta ao antigo direito romano e se espraiou pelas legislações

dos povos civilizados. “Figurou em todos os Códigos Processuais dos Estados, durante o

sistema federado, e vem sendo prestigiada, invariavelmente, pelos nossos legisladores”250.

Mais adiante, sustenta o inciso LXXV que “o Estado indenizará o condenado por erro

judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença251”.

Vale destacar que:

A responsabilidade civil, genericamente, traduz-se em uma obrigação de indenizar e, em regra, surge quando uma pessoa, atuando com culpa ou dolo, ocasiona um dano, patrimonial ou moral, a outra pessoa. As normas acerca da responsabilidade civil do Estado, isto é, das situações em que o Poder Público é obrigado a indenizar alguém a quem causou dano, diferem daqueles aplicáveis aos particulares, podendo-se afirmar que a regra geral é serem mais rigorosos, m favor do particular252.

Continuam Alexandrino e Paulo:

Entretanto, outra regra geral é só haver responsabilidade civil do Estado quando ele está atuando como Administração Pública (em qualquer dos três poderes). Nas atividades legislativa e jurisdicional, diversamente, a regra é a inexistência de responsabilidade civil do Estado253.

Ainda quanto à dimensão do direito à liberdade, traz-se a leitura do artigo 5º, LXVIII,

da CRFB/88, quando aduz que conceder-se-á habeas corpus254

sempre que alguém sofrer ou

se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por

ilegalidade ou por abuso de poder255.

Típico dos direitos de primeira geração, o habeas corpus visa garantir o direito

individual de locomoção, por meio de uma ordem exarada por órgão do Poder Judiciário, juiz

ou tribunal, para que seja cessada a ameaça ou coação a liberdade de locomoção256.

250 BRANCO, Tales Castelo. Da prisão em flagrante. São Paulo:Saraiva, 1988, p. 135 apud KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária. 251 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 252 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 186. 253 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 186. 254 Cf. Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p.770, “O habeas corpus é uma garantia individual, ou seja, um remédio jurídico destinado a tutelar a liberdade física do indivíduo, a liberdade de ir, ficar e vir”. 255 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 256 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 189.

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Desses regramentos, conclui-se que a privação da liberdade é ocorrência extraordinária, justificada por circunstâncias que relevem caráter de extrema necessidade, de absoluta imprescindibilidade, jamais podendo significar antecipação do resultado do processo. É instrumento destinado a atuar em benefício da atividade desenvolvida no processo penal257.

No mesmo diapasão segue Kauffmann:

Não que a prisão seja o único instrumento garantidor da tranqüilidade pública. Pelo contrário, entre todos os recursos de que dispõe o Estado, a privação da liberdade de locomoção é o último a ser utilizado, pois deve reservar-se aos casos em que se mostre indispensável. Por isso, a prisão é medida excepcional que deve ser aplicada apenas quando comprovada a sua extrema necessidade258.

Conforme enfocado, é possível perceber que a prisão é o instrumento que o Estado

deve utilizar com a maior cautela, eis que em conformidade com o texto constitucional, que

revela a vontade e a soberania popular, o ordenamento jurídico pátrio adota a liberdade como

a regra padrão de convivência humana, consistindo a prisão em verdadeira exceção ao status

libertatis.

3.3 INSTRUMENTOS CONSTITUCIONAIS E PROCESSUAIS DE DEFESA DO STATUS

LIBERTATIS

Com vistas a garantir que a liberdade impere como regra, a seguir serão abordados os

instrumentos constitucionais e processuais de defesa da situação de liberdade que são:

relaxamento de prisão, liberdade provisória e habeas corpus.

3.3.1 Relaxamento de prisão

O artigo 5º, LXV da CRFB/88 dispõe que “a prisão ilegal será imediatamente relaxada

pala autoridade judiciária”259.

Sempre que existir afronta direta à lei, a autoridade judiciária deverá tornar sem efeito

a prisão, libertando o preso. Cumpre gizar que, qualquer autoridade que tome conhecimento

257 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 23. 258 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.185. 259 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10.

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de que a prisão está revestida de ilegalidade ou abuso de poder deverá libertar imediatamente

o preso, basta estar investida de jurisdição260.

3.3.2 Liberdade provisória

A liberdade provisória é concedida ao réu preso cautelarmente por prisão em flagrante,

por prisão preventiva, em decorrência de decisão por pronúncia ou de sentença condenatória

definitiva. É garantia constitucional prevista no art. 5º, LXVI, da CRFB/1988261.

É provisória porque revogável e sujeita a condições resolutórias, sendo que enquanto

não findar o processo, o indivíduo em liberdade provisória continua vinculado ao processo,

devendo cumprir as obrigações que lhes forem impostas sob pena de revogação da benesse. O

réu só ficará desvinculado definitivamente do processo a partir do momento em que, sendo

absolvido, transite em julgado a decisão absolutória262.

No seqüência do raciocínio referente à liberdade provisória, preleciona Tourinho Filho

que:

Diz-se provisória, porque sujeita a condições resolutórias de natureza e caracteres diversos. Sendo assim, é evidente que esta pressupõe uma prisão provisória ou iminência de prisão provisória. Às vezes a infração é tão insignificante, a pena cominada é tão pequena, que o Estado permite possa o réu livrar-se solto, isto é, defender-se em liberdade263.

A liberdade provisória destina-se garantir o status libertatis do acusado, enquanto não

findo o processo de conhecimento condenatório264.

De qualquer sorte, a expressão liberdade provisória não deve ser utilizada de maneira

irrestrita para qualquer forma de liberdade de quem se encontra preso por uma medida

cautelar. Se a prisão for ilegal a soltura se dará mediante relaxamento e, em se tratando de

prisão em flagrante o remédio utilizado é a liberdade provisória265.

260 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 104. 261 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 191. 262 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 536. 263 TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Prática de processo penal. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 466. 264 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 191. 265 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 106.

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Trata-se de uma medida intermediária entre prisão provisória e a liberdade completa,

conforme explana Torinho Filho:

A liberdade provisória, de conseguinte, não é completa. Por duas razões: a) se o autor da infração, que estava provisoriamente em liberdade, vier a ser punido com pena privativa de liberdade sem sursis ou qualquer medida alternativa, cessa a liberdade, e ele será recolhido à prisão, b) durante o tempo em que o indiciado ou réu estiver m liberdade provisória, essa liberdade não é completa266.

Sendo a liberdade provisória um sucedâneo da prisão provisória, logo seu fundamento

repousa na circunstância de que ela também assegura a presença do réu ao processo, sem o

vexame, a humilhação ou mesmo o sacrifício do cárcere267. Na verdade, é uma medida de

substituição da prisão em flagrante por outra providência que assegure a presença do acusado

aos termos do processo sem o transtorno do encarceramento 268.

A liberdade provisória, segundo o Código de Processo Penal, pode ser concedida

mediante ou sem fiança. Neste último caso, admite a lei que seja deferida com ou sem

vinculação269.

Quanto à liberdade provisória mediante fiança, a legislação pátria não diz quais as

infrações que admitem fiança. Por via oblíqua, conclui-se quando se permite. A lei ressalva

apenas as que não admitem e quais as situações de inafiançabilidade270.

Vale destacar que “fiança é a garantia real prestada pelo preso para obter sua

liberdade271“. De acordo com os ensinamentos de Tourinho Filho:

Fiança, para o legislador processual penal, é uma garantia real. É certo que, na técnica jurídica, fiança é espécie do gênero caução. Esta pode ser real ou fidejussória. A real é também denominada, simplesmente caução. Já a fidejussória constitui a fiança propriamente dita272.

266 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 536. 267 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 537. 268 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 106. 269 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 191. 270 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 563. 271 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 196. 272 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 581.

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Nesta senda de raciocínio observa Tourinho Filho:

O instituto da liberdade provisória entre nós, pressupõe sempre um estado coercitivo ou iminência de estado coercitivo. Pouco importa a modalidade de liberdade provisória: se é vinculada ou não vinculada, se exige ou não fiança. Há, contudo, exceções. No Direito pátrio, a liberdade provisória, em qualquer das suas modalidades, pressupõe: prisão em flagrante, prisão resultante de pronúncia e sentença condenatória recorrível273.

Consigne-se ainda que:

[...] a liberdade do acusado é a regra e não exceção. Bem por isso que o Código de Processo Penal não diz em que hipóteses será admitida a fiança. Refere-se, ao reverso, àqueles onde não se admite a liberdade provisória com fiança. Vale dizer, se não expressamente vedado, será concedida a liberdade provisória mediante recolhimento de fiança, que se constitui em um direito do réu274.

Deve-se salientar que o benefício da fiança é inconcebível quando existentes os

requisitos da Prisão preventiva. Destarte, se a liberdade do suspeito colocar em risco a ordem

pública ou econômica ou representar um obstáculo à apuração da verdade ou à aplicação da

lei penal, o juiz não pode conceder esta espécie de liberdade provisória275.

Em relação à liberdade provisória sem fiança e com vinculação, tem-se por certo que

esta modalidade de liberdade provisória ocorre quando o magistrado concede ao indiciado,

sem qualquer garantia de natureza pecuniária, o benefício da liberdade provisória, exigindo

apenas que este compareça a todos os atos processuais em que sua presença for exigida, caso

não compareça o benefício será revogado276.

São três as modalidade de liberdade sem fiança e com vinculação, sendo que na

primeira modalidade, o magistrado ao verificar, examinando o auto de prisão em flagrante,

que o indiciado cometeu o crime em legitima defesa, estado de necessidade, exercício regular

do direito ou estrito cumprimento do dever legal, constando uma dessas justificativas o réu

será posto em liberdade provisória. No entanto, esta decisão deve ser procedida da oitiva do

273 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 562. 274 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 196. 275 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 199. 276 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 542.

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Ministério Público, conforme subtrai do caput do art. 310 do Código de Processo Penal277, in

verbis:

Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato, nas condições do art. 19, I, II e III, do Código Penal (atual art. 23, I, II e III), poderá, depois de ouvir o Ministério Público, conceder ao réu liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogação278.

Enquanto a fiança consiste na garantia de que o preso comparecerá a todos os atos da

instrução nos crimes de menor gravidade, nos crimes mais graves essa garantia é assegurada

pela pena de revogação da liberdade provisória279.

A segunda modalidade esta prevista no parágrafo único do art. 310 do Código de

Processo Penal que dispõe:

Art. 310. (...) Parágrafo Único: Igual procedimento será adotado quando o juiz verificar, pelo auto de prisão em flagrante, a inocorrência de qualquer das hipóteses que autorizam a prisão preventiva280.

De acordo com o dispositivo, ainda que inafiançável a infração, se o magistrado

verificar que não estão presentes os requisitos da prisão preventiva, deverá conceder ao

acusado a liberdade provisória sem fiança e com vinculação seu comparecimento a todos os

atos processuais, caso descumprida a condição de vinculação imposta pelo magistrado a

liberdade poderá ser revogada281.

A terceira modalidade de concessão de liberdade provisória sem fiança, mas sob o

compromisso de atender a certas obrigações, está prevista no art. 350 do Código de Processo

Penal, que dispõe282:

Nos casos em que couber fiança, o juiz, verificando ser impossível ao réu prestá-la, por motivo de pobreza, poderá conceder-lhe a liberdade provisória, sujeitando-o às obrigações constantes dos arts. 327 e 328. Se o réu infringir,

277 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 191. 278 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado, p 310. 279 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.108. 280 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado, p. 310. 281 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 543. 282 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 550.

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sem motivo justo, qualquer dessas obrigações ou praticar outra infração penal, será revogado o benefício. Parágrafo único. O escrivão intimará o réu das obrigações e sanções previstas neste artigo283.

Assim se verifica quando o réu, por motivo de pobreza, mesmo que afiançável o

delito, não puder pagá-la.

Este benefício é concedido em casos que houver fiança desde que substituído pelo

comparecimento obrigatório em atos processuais, bem como obrigatoriedade de permissão de

autoridade judiciária para mudar de residência ou ausentar-se pro um período superior a oito

dias284.

Pro fim tem-se a modalidade de liberdade provisória sem fiança e sem vinculação, a

qual se verifica quando:

Levando em consideração a mínima repercussão social e o pequeno potencial ofensivo de determinados delitos, em alguns casos, embora regular a prisão em flagrante, a autoridade policial deverá, independentemente de pedido ou recolhimento de fiança, colocar o preso em liberdade. A prisão em flagrante, nestes casos, conquanto regular, não tem força prisional285.

Em tais casos, a autoridade é obrigada a conceder a liberdade provisória. Nessas

hipóteses, usando a linguagem do legislador, o indiciado ou réu se livra solto, isto é, ele se

defenderá do processo em liberdade286.

3.3.3 Habeas corpus

O instituto do habeas corpus tem sua origem remota no Direito Romano, em que todo

cidadão podia reclamar a exibição do homem livre detido ilegalmente por via de uma ação

privilegiada, conhecida por interdictum de libero homine exhibendo287.

283 JESUS, Damásio E. de. Código de processo penal anotado, p 254. 284 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 193. 285 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 195. 286 TOURINHO FILHO. Fernando da Costa. Processo penal, p. 553. 287 CAPEZ, Fernando. Processo penal, p.281.

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Ocorre porém que a noção de liberdade na Antiguidade, e mesmo da Idade Média, em

nada se assemelha com seus ideais modernos pois, como salientado por Miranda, naquela

época “os próprios magistrados obrigavam homens livres a prestar-lhes serviços”288.

No Brasil, a primeira manifestação do instituto deu-se em 1821, através de alvará

emitido por Pedro I, pelo qual se assegurava a liberdade de locomoção. A terminologia

habeas corpus só apareceria em 1830, no Código Criminal289.

Atualmente, na CRFB/88, o habeas corpus está previsto no art. 5º, LXVIII,290 que

dispõe:

Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder291.

Vale destacar que “o sentido da palavra alguém no habeas corpus refere-se tão

somente à pessoa física”292. No dizer de Mirabete “A expressão habeas corpus indica a

essência do instituto pois, literalmente, significa “tome o corpo”, isto é, tome a pessoa presa e

a apresente ao juiz, para julgamento do caso293.

Trata-se de ação de ordem constitucional, que consiste em proporcionar acesso célere

ao Poder Judiciário contra atos que violem a liberdade de locomoção294. O habeas corpus é o

remédio a ser utilizado contra ilegalidade ou abuso de poder no tocante ao direito de

locomoção, que alberga o direito de ir, vir e permanecer do indivíduo295.

Restringe-se à proteção da liberdade de locomoção, seja por ilegalidade seja por abuso

de poder. Como instrumento tutelar da liberdade individual de locomoção e, por esse motivo

possui caráter restritivo296.

288 MIRANDA, Pontes. Comentários à constituição, p. 303 apud MORAES, Alexandre. Direito constitucional. 289 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 727. 290 CAPEZ, Fernando. Processo penal, p. 284. 291 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil, p. 10. 292 MORAES, Alexandre. Direito constitucional, p. 125. 293 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 770. 294 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 643. 295 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 189. 296 DEMARCIAN. Paulo Henrique. MALULY, Jorge Assaf. Curso de processo penal, p. 583.

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Do ponto de vista processual, o habeas corpus independe de qualquer formalidade.

Assim, não é necessário obedecer aos chamados pressupostos processuais ou condições da

ação, inclusive da capacidade postulatória297.

Dispõe o artigo 654 do Código de Processo Penal que o habeas corpus poderá ser

impetrado por qualquer pessoa, em seu favor ou de outrem, bem como pelo Ministério

Público298.

Alexandrino e Paulo acrescentam que:

A legitimação ativa do habeas corpus é universal: qualquer do povo, nacional ou estrangeiro, independentemente de capacidade civil, política ou profissional, de idade, de sexo, profissão, estado mental, pode ingressar com habeas corpus, em benefício próprio ou alheio (habeas corpus de terceiro). Não há impedimento algum para que uma pessoa menor de idade, analfabeta, doente mental, mesmo sem representação ou assistência de terceiros, ingresso com habeas corpus, A jurisprudência admite, inclusive, a impetração de habeas corpus por pessoa jurídica, em favor de pessoa física a ela ligada (um diretor da empresa, por exemplo)299.

O autor da ação de habeas corpus recebe o nome de impetrante, o indivíduo em favor

do qual se impetra, paciente (podendo ser o próprio impetrante), e a autoridade que pratica a

ilegalidade ou abuso de poder, autoridade coatora ou impetrado300.

Este último deve ser mencionado por seu cargo ou função pública que exerce, tendo

em vista que não há necessidade de sua designação pelo nome, só exigível quando se tratar de

particular301.

O habeas corpus pode ter caráter preventivo, quando já consumada a constrição ou

violação da referida liberdade, ou liberatório, quando na iminência de se consumar a lesão.

Enquanto na primeira hipótese se concede um alvará de soltura, na última a medida a ser

concedida é um salvo-conduto,302.

Vale mencionar que:

297 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 643. 298 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 771. 299 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 190. 300 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 728. 301 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 788. 302 TAVARES, André Ramos. Curso de direito constitucional, p. 643.

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Salvo conduto, do latim salvus (salvo) conductus (conduzido), dá a precisa idéia de uma pessoa conduzida a salvo. O salvo-conduto, assim, deve ser expedido se há, por exemplo, fundado receio do paciente de ser preso ilegalmente. Mas o receio de violência deve resultar de ato concreto, de prova efetiva, da ameaça de prisão. Temor vago, incerto, presumido, sem prova, ou ameaça remota, que pode ser evitada pelos meios comuns, não dá lugar à concessão de habeas corpus preventivo303.

É uma garantia individual ao direito de locomoção, consubstanciada em uma ordem

exarada pelo Juiz ou Tribunal ao coator, fazendo cessar a ameaça ou coação à liberdade de

locomoção, em sentido amplo o direito do indivíduo de ir, vir e ficar304.

Sendo uma garantia individual, cujo objetivo é fazer cessar a ameaça ou coação à

liberdade, na petição deve constar:

A declaração da espécie do constrangimento ou, em caso de simples ameaça de coação, as razões em que fundada o seu temor. Devem ser expostas. Pois, a natureza da coação, suas circunstâncias, causas, ilegalidade etc., bem como a argumentação de fato e de direito destinada a demonstrar a ilegalidade do constrangimento real ou potencial, apontando-se neste último caso razões que indicam a iminência de sua concretização305.

Típico direito de primeira geração, visa a garantir o direito individual de locomoção,

por meio de uma ordem exarada por um órgão do Poder Judiciário, juiz ou tribunal, para que

seja cessada a ameaça ou coação à liberdade de locomoção do indivíduo306. Com ele se pode

impugnar atos administrativos ou judiciários, inclusive a coisa julgada, e atos de

particulares307.

Lenza acrescenta:

Pode ser interposto para trancar ação penal ou inquérito policial, bem como em face de particular, como no clássico exemplo de hospital psiquiátrico que priva o paciente de sua liberdade de ir e vir, ilegalmente, atendendo a pedidos desumanos de filhos ingratos que abandonam os seus pais308.

303 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 771. 304 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 124. 305 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 788. 306 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 189. 307 MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo penal, p. 770. 308 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 728.

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É ação de natureza penal, de procedimento especial, que tem por objetivo específico,

constitucionalmente delineado, a liberdade de locomoção, não podendo ser utilizado para a

correção de qualquer ilegalidade que não esteja relacionada à liberdade de ir e vir, vir e

permanecer309.

Referida ação pode ser formulada sem advogado, não tendo de obedecer a qualquer

formalidade processual ou instrumental, salvo a forma escrita e em vernáculo, sendo por força

do art. 5º, LXXVII, da CRFB/88, gratuita310.

O habeas corpus pode ser:

a) repressivo (liberatório), quando o indivíduo já teve desrespeitado o seu direito de locomoção (já foi ilegalmente preso, por exemplo); ou b) preventivo (salvo-conduto), quando há apenas uma ameaça de que o seu direito de locomoção venha a ser desrespeitado (o indivíduo está na iminência de ser preso, por exemplo)311.

Ocorrendo empate na decisão em sede de habeas corpus, independentemente de tratar-

se de ação originária, recurso ordinário constitucional, recurso especial ou recurso

extraordinário, cumpre proclamar a decisão mais favorável ao paciente312.

No mesmo diapasão, “em respeito ao direito fundamental de locomoção, nos

julgamentos de habeas corpus no âmbito dos tribunais do Poder Judiciário, sempre que

houver empate na deliberação, decide-se favoravelmente ao réu”313.

309 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 189. 310 LENZA, Pedro. Direito constitucional esquematizado, p. 728. 311 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 190. 312 MORAES, Alexandre de. Direito constitucional, p. 141. 313 ALEXANDRINO, Marcelo. PAULO, Vicente. Direito constitucional descomplicado, p. 189.

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4 A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA E SUA

PROJEÇÃO NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

EM TRAMITAÇÃO NO CONGRESSO NACIONAL

Antes de adentrar ao tema que é objeto deste capítulo, vale destacar que a Prisão

Temporária será analisada à luz do atual texto que a disciplina (Lei n. 7.960/89), bem como

paralelamente quanto à sua projeção no anteprojeto do Código de Processo Penal, que

atualmente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional.

Será feito um breve conceito da Prisão Temporária, com a exposição de seu histórico

legislativo, desde sua decretação até a execução, sempre com a intenção de trazer

contribuições ao estudo do tema, com a finalidade de concluir o trabalho proposto.

A ciência penal314 sempre foi objeto de grandes discussões no curso da história, alvo

de estudos e reflexões que buscam identificar as razões do crime e do caráter do criminoso, a

investigação dos meios para combatê-los, a procura das formas mais efetivas de punição e

recuperação daqueles que houvessem transgredido as normas penais315.

A prisão temporária é utilizada no Brasil como um dos instrumentos cautelares mais

sacados pela Polícia Civil e Ministério Público na tentativa de desvendamento a autoria de

crimes hediondos e graves316.

Foi criada no ordenamento jurídico brasileiro através da Medida Provisória n. 111, de

24 de novembro de 1989, sob o argumento de resolver a violência no país, pois facilitaria a

apuração de crimes graves. A Medida Provisória foi convertida na Lei n. 7.960, de 21 de

dezembro de 1989317.

314 Cf. MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 17, “Aqui entendida como o conjunto de disciplinas destinadas ao estudo das questões que envolvam o crime,a pena, o procedimento de apuração das práticas criminosas, como a execução das sanções que vierem a ser impostas”. 315 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 15. 316 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 7. 317 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 13.

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Assinala Santos que:

[...] a existência de lei de conversão não representa, no entanto, a sanação das inconstitucionalidades contidas na medida provisória original. Por mais relevante que seja, na plano político, a aprovação pelo Congresso Nacional da medida provisória, não decorre daí a conformidade da lei convertedora com a Constituição Federal. Tal lei não está isenta do controle de sua constitucionalidade e, no caso em tela, os vícios da inconstitucionalidade inerentes na medida provisória (a matéria penal e processual penal está afeta, de modo absoluto, na Constituição Federal ao Poder Legislativo e houve a invasão na área de competência vinculada de outro poder) a ela transferida318.

Deve também ser ressaltado que esta Medida Provisória foi inspirada em projeto de lei

anterior à CRFB/88, que fora repelida até pelo governo militar por ser patentemente

antidemocrática319.

No corpo normativo da Medida Provisória constava a exigência da existência de

fundada suspeita de autoria ou participação do investigado nos crimes previstos para sua

ocorrência320.

Distinguindo indício de suspeita, tem-se a lição de Moura quando afirma que:

Indício é todo rastro, vestígio, sinal e, em geral, todo fato conhecido, devidamente provado, suscetível de conduzir ao conhecimento de um fato desconhecido, a ele relacionado por meio de um raciocínio indutivo –dedutivo; a mera suspeita não passa de conjetura, fundada em juízo geralmente desfavorável a respeito de alguém, de coisas, ou fatos, juízo este que gera, sempre desconfiança ou dúvida. [...] O mero juízo da suspeita de alguém, fundado em opinião subjetiva, mostra-se insuficiente para apontar a autoria de um delito, razão pela qual não pode ensejar acusação e, muito menos, condenação321.

318 SANTOS, Brasilino Pereira. As medidas provisórias no direito comparado e no brasil. São Paulo: LTR, 1994, p. 796-797. 319 FERREIRA, Gabriela. ADI contra a prisão temporária será julgada no mérito, sem análise de liminar. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080722145924998> Acesso em: 14 set. 2009. 320 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 56. 321 MOURA, Maria Thereza Rocha de Assis. A prova por indícios no processo penal. São Paulo: Saraiva, 1994, p. 38.

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A Prisão Temporária é conceituada por Kauffmann como:

Prisão penal cautelar de natureza investigatória, que visa possibilitar a coleta de indícios de autoria e materialidade suficientes para o oferecimento da inicial acusatória. Trata-se de providência provisória, preventiva e urgente322.

Capez conceitua Prisão Temporária como “prisão cautelar de natureza processual

destinada a possibilitar as investigações a respeito de crimes graves, durante o inquérito

policial323“.

Considerando os aspectos básicos da prisão (vistos no capítulo inaugural desta

pesquisa), vale salientar que a liberdade é uma das prerrogativas conferidas aos indivíduos

quando vigente o Estado Democrático de Direito e, sendo assim, a supressão da liberdade é

situação que se revela extraordinária, somente admissível em situações específicas, desde que

observados os critérios constitucionais e legais pertinentes à matéria324.

A segregação cautelar decorrente da Prisão Temporária somente é cabível quando

imprescindível para as investigações, quando o indiciado não tiver residência fixa ou não

fornecer elementos para sua identificação e fundadas razões de autoria ou participação nos

crimes que relaciona, conforme já visto no item 2.4.1.

A propósito veja-se o escólio de Jorge:

A lei nº 7.890/89 trata do permissivo para o encarceramento provisório de cidadãos investigados pela polícia judiciária. No bojo do inquérito policial há o desvirtuamento da aplicação de tal lei sem que haja indícios de autoria e materialidade, mas meras suposições advindas de investigações produzidas pelas interceptações telefônicas. Esta anormalidade constitui-se num atentado ao Estado Democrático de Direito e aos princípios constitucionais da presunção de não culpabilidade (princípio da inocência), e das garantias do contraditório e da ampla defesa (devido processo legal)325.

322 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 123. 323 CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal, p. 272. 324 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão Provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 68. 325 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009.

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A Prisão Temporária é suscetível das mais diversas interpretações que lhe desvirtuam

constantemente a finalidade. Tornam-se cada vez menos raros os casos em que ela passa a

servir de indevido instrumento legalizado de pressão e ameaça326.

Talvez por seu aspecto restritivo do direito à liberdade de locomoção, o diploma tem

sofrido as mais variadas censuras que, justas ou injustas, sempre agregaram polêmicas em seu

entorno327.

O presente capítulo tem por objetivo demonstrar os aspectos favoráveis e contrários a

utilização e adequação da Prisão Temporária, com destaque das manifestações doutrinárias e

jurisprudenciais. Também será feita uma investigação sobre sua (in)constitucionalidade e

analisadas as situações em que sua utilização pode afrontar a CRFB/1988, concluindo-se com

uma análise deste instituto no anteprojeto do Código de Processo Penal.

4.1 A PRISÃO TEMPORÁRIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Criada pela Medida Provisória n. 111, de 1989, foi convertida na lei n. 7.960, do

mesmo ano. Inspirada na proposta de reforma do Código de Processo Penal, baseado no

anteprojeto elaborado por José Frederico Marques em 1970328.

A lei n. 7.960/89 trouxe uma redação técnica inferior à do texto de Projeto de Reforma

do Código de Processo Penal e da Medida Provisória. O projeto determinava com exatidão o

pólo passivo da constrição judicial, ponto que oferece controvérsia na lei da Prisão

Temporária. Por outro norte, na Medida Provisória houve substituição de alguns vocábulos

jurídicos que influenciaram negativamente o texto da lei n. 7.960/89329.

Vale salientar que:

Submetida a referida medida provisória à apreciação do Congresso Nacional e tendo em vista o término do prazo concedido à Comissão Mista para emitir parecer sobre a constitucionalidade e seu mérito, o Senador-Relator Meira Filho apresentou o Projeto Lei de Conversão n. 39/89 que, uma vez discutido, votado e aprovado, forneceu a redação da Lei n. 7.960/89, valendo registrar que a prisão temporária foi instituída no Brasil quando se

326 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 21. 327 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 07. 328 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 13. 329 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 86.

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noticiavam, mediante sequestro perpetrados contra o publicitário Luiz Salles (em 31 de julho de 1989, na cidade de São Paulo-SP) e o empresário Abílio Diniz (em 11 de dezembro de 1989, na cidade de São Paulo-SP). Não constitui novidade o endurecimento da legislação penal brasileira quando os crimes alcançam a elite socioeconômica. A desigualdade é notória330.

Trata-se de medida restritiva da liberdade de locomoção, decretada por tempo

determinado, destinada a possibilitar as investigações de crimes considerados graves, durante

o Inquérito Policial331.

A Prisão Temporária visa, única e exclusivamente, possibilitar as investigações

policiais quando, comprovadamente, a liberdade do investigado possa prejudicar o

prosseguimento do Inquérito Policial332.

Como espécie do gênero da prisão cautelar, assevera Batista que:

[...] não tem sentido prender sem a verificação de que existe o perigo do dano. A gravidade da medida, que sujeita o processado a sofrimentos iguais aos que se infligem ao condenado, aconselha a que se examine com rigor se estão presentes ambos os pressupostos da cautela, e não apenas se existe o fumus boni juris

333.

Ramos, afirma a natureza cautelar da Prisão Temporária:

A prisão temporária, que exclusivamente serve o inquérito policial é, como ele, medida cautelar. Somente se justifica porque as investigações precisam se realizar antes do desvanecimento dos elementos de convicção, sob pena de sua completa inutilidade. Se imprescindível ou útil às investigações, a prisão temporária tem natureza cautelar, porque urgente e, portanto, sumária formal e materialmente e baseada na aparência. Além disso, é temporária e incapaz de gerar a coisa julgada material. É, por fim, referível à pretensão de direito material que arrima o processo penal condenatório334.

A punição do suposto autor do delito não é imediata. Depende da existência de

processo regular, tomado como sistema estabelecido para a realização da ordem jurídica

constitucional. O processo é instrumento de segurança constitucional e tem como meta

pacificar a sociedade e estabilizar as instituições. A pretensão punitiva estatal deduzida em

330 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 43. 331 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal: parte geral, p. 191. 332 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 119. 333 BATISTA, Weber Martins. Liberdade provisória. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 13. 334 RAMOS, João Gualberto Garcez. A tutela de urgência no processo penal brasileiro. Belo Horizonte: Del Rey, 1998, p. 203.

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juízo contra o suposto autor do fato será acolhida ou rejeitada, se provada ou não no decorrer

do processo e na formação da sentença335.

Assim, para a decretação da Prisão Temporária deve-se atender a procedimentos que

estabelecem o devido processo legal, consentâneos com a norma constitucional e revestidos

do manto da legalidade, sendo que a simples existência de ordem judicial não é suficiente

para sua decretação, pois tal procedimento deve decorrer de “procedimento qualificado por

garantias mínimas, tais como a imparcialidade do juiz, a publicidade, a igualdade processual,

o contraditório, o duplo grau de jurisdição etc”336. Segundo Gonçalves:

[...] a jurisdição não é manifestação de um poder sem disciplina jurídica. Ao contrário, quando o Estado é chamado a exercer a função jurisdicional, ele age dentro de uma estrutura normativa que regulamenta sua atividade. E essa estrutura normativa está construída para comportar e garantir a participação dos destinatários do ato imperativo do Estado, na fase de sua formação. A jurisdição, estudada pelo Direito Processual Civil, exerce-se nos limites do ordenamento jurídico, sob sua disciplina, em uma estrutura normativa, em que os atos e as normas são conectadas em especial forma de interdependência337.

No direito Processual Penal não é diferente. O êxito da persecução criminal, não raro,

está associado à tomada de uma ou várias medidas cautelares, ainda que presente o dilema

polarizado da justiça humana: o castigo do culpado e o castigo do inocente338.

Diante da existência de um futuro provimento jurisdicional e do perigo de difícil

realização do direito, a prisão cautelar está fundada no binômio fumus boni juris e periculum

in mora. A Prisão Temporária, ainda que decretada em sede de inquérito policial, refere-se a

pretensão de direito material que alicerça o eventual processo penal condenatório e não escapa

à analise desses elementos para sua decretação339.

A Prisão Temporária não pode ser decretada com base em meras conjecturas ou

suposições, mas sim com base em elementos concretos que demonstrem sua necessidade e a

335 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p, 24. 336 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, apud GOMES FILHO, Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar, p. 78. 337 GONÇALVES, Aroldo Plínio. Técnica processual e teoria do processo. Rio de Janeiro: Aide, 1992, p. 192-193. 338 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 25. 339 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 29.

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fundada suspeita da prática do crime investigado340. Para Sznick, o verdadeiro objetivo da

Prisão Temporária:

[...] foi o de dar à polícia maior alcance no que se refere às prisões, as chamadas prisões para averiguações, que eram ilegais, mas que a autoridade policial teimava em faze-las e o Poder Judiciário a fechar os olhos como se a mesma não existisse341.

Não é divergente o posicionamento de Sponholz e Breda quando se manifestam que:

Parece indispensável a adoção da chamada prisão para averiguações (ou prisão temporária, na terminologia do Projeto de Código de Processo Penal), baixada por autoridade jurisdicional. A realidade demonstra que a prisão para averiguações existe, mesmo que não tolerada na justiça comum. [...] Realmente, em casos de infratores perigosos (assaltantes, terroristas, etc.) ausente a prisão em flagrante, esperar-se a prisão preventiva é frustrar a detenção. Por isso mesmo, o futuro Código de Processo Penal cria o instituto da prisão temporária, como um substitutivo legal da famigerada prisão para averiguações342.

Por outro norte Freitas preleciona que “o mais importante na adoção do diploma em

estudo é que foi extirpada da realidade brasileira a prisão para averiguações, destituída de

fundamento e fonte promíscua de corrupção”343.

A prisão temporária é a privação de liberdade que se torna necessária em alguns casos

concretos para que sejam colhidos os elementos indispensáveis ao oferecimento da inicial

acusatória344.

A prisão temporária visa, ainda que utopicamente, mitigar o alto índice de

criminalidade do país. Segundo Freitas é instituto que amenizou abusos policiais e permitiu

melhorias na investigação345. É medida extrema a ser utilizada sempre que a liberdade do

preso prejudicar a investigação policial e, conseqüentemente, a elucidação dos fatos346.

340 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 188. 341 SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária, p. 485. 342 SPONHOLZ, Oto Luiz. BREDA, Antônio Acir. Aspectos processuais da reforma da lei de segurança nacional, p. 150 apud LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989. 343 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 90. 344 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 120. 345 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 90. 346 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 119.

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A determinação da Prisão Temporária pode decorrer de representação da autoridade

policial ou requerimento do Ministério Público, conforme enfatiza Martins:

Na primeira hipótese, ocorrerá a obrigatória manifestação do Promotor de Justiça, antes de o Juiz exarar sua decisão. Isso se justifica, na medida em que se obtém o posicionamento prévio do futuro autor da ação penal, ou seja, aquele que decidirá, em primeiro plano, pela instauração da ação penal pública, capitulando o crime ou crimes. É matéria de sua atribuição privativa, e a classificação da modalidade delituosa praticada tem influência direta e decisiva na verificação da perspectiva ou não da decretação da medida prisional347.

O juiz jamais poderá decretar de ofício a Prisão Temporária, sempre dependente da

representação da autoridade policial ou requerimento do Ministério Público, sendo que o

decreto deverá ser motivado, sob pena de relaxamento da medida348. À possibilidade seguinte,

requerimento do Ministério Público:

Encontra-se idêntica fundamentação, pois, sendo o representante ministerial o dominus litis, poderá aquilatar a necessidade de providência, calçada principalmente na necessidade de coleta de elementos probatórios mais efetivos, que autorizem a vir deflagrar o processo-crime349.

Em resumo, havendo um fato com aparência de crime e existindo dificuldades para a

sua apuração, deverá a autoridade responsável pela sua investigação postular pela decretação

da Prisão Temporária. A competência para decretar a prisão cabe ao juiz, e somente a ele, a

apreciação do pedido de decretação da prisão temporária350.

É a prisão para investigação que só vigora durante o Inquérito Policial. Oferecida a

denúncia ela não mais se faz necessária, o que impossibilita sua coexistência com o

processo351. A propósito:

O Inquérito Policial, como persecução penal em sua primeira fase chamada de fase administrativa, é o instrumento que a Autoridade Policial se utiliza para chegar à autoria e a materialidade de um fato delituoso. É no bojo do

347 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 81-82. 348 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 188. 349 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 82. 350 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 60. 351 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 120.

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inquérito policial, desenvolvendo uma investigação sobre fato delituoso, que a Autoridade Policial ainda sem indicativos plausíveis de culpa e de autoria, até mesmo porque não lhe compete o juízo de valoração, que se requer a segregação social de um possível denunciado. A argumentação, quase sempre fornecida ao Juiz ordenador do mandado prisional, se refere a uma falaciosa garantia da ordem pública, da ordem econômica ou por conveniência da instrução criminal, como se o cidadão pudesse interferir nas investigações policiais quando sequer sabe que está sendo alvo dessa investigação352.

A Prisão Temporária tem o propósito de instrumentalizar o inquérito policial, com

manancial probatório concernente à autoria ou participação do suposto autor do delito em

grave infração penal e fornecer cabedal probante que subsidie a futura denúncia ou queixa.

Ademais este acervo probatório pode ser decisivo na transformação da prisão temporária em

preventiva, desde que convença o representante do Ministério Público para o oferecimento da

inicial acusatória353.

O prazo previsto pela lei n. 7.960/89 é de 5 (cinco) dias, prorrogáveis uma vez, por

igual período. No entanto, a lei dos Crimes Hediondos em seu art. 2º, § 3º, para os crimes

considerados hediondos e equiparados, para 30 (trinta) dias o período de duração da prisão

temporária, possibilitada a prorrogação, desde que comprovada a extrema necessidade354.

No que tange ao prazo de 30 (trinta) dias, prorrogáveis por igual período em casos de

Crime Hediondos, Lino assevera:

Evidenciado o aumento do prazo de prisão nas hipóteses elencadas, não há justificativa razoável para que fosse modificado o prazo da prisão temporária, pois os tipos penais que compõem o conjunto dos crimes hediondos foram contemplados na Lei n. 7.960/89, onde o prazo é de cinco dias prorrogáveis por igual período355.

Esgotado o prazo da Prisão Temporária, o preso deverá ser posto em liberdade,

independentemente de alvará de soltura, salvo se já tiver sido decretada sua prisão

preventiva356.

352 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 353 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 106. 354 MARTINS, Jorge Henrique Schaefer. Prisão provisória: medida de exceção no direito criminal brasileiro, p. 85. 355 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 66. 356 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 80.

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Neste sentido decidiu o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo:

PRISÃO TEMPORÁRIA. EXPEDIÇÃO DE ALVARÁ DE SOLTURA POR DELEGADO DE POLÍCIA ANTES DE EXAURIDO O PRAZO DE 5 DIAS. POSSIBILIDADE. DESOBEDIÊNCIA. INOCORRÊNCIA. A Lei n. 7.960/89, que criou a prisão temporária, não estabelece que somente o juiz pode expedir o alvará de soltura e nem que o prazo de 5 dias precisa necessariamente ser exaurido, inocorrendo, por isso, o crime de desobediência no caso do delegado que expede tal autorização antes de esgotado o prazo357.

Desta forma, se antes de expirado o prazo da prisão, a autoridade policial entender

desnecessária a manutenção da prisão pode expedir o competente alvará de soltura, eis que a

legislação de regência não estabelece que somente o magistrado possa expedir.

A prisão temporária foi a primeira, e por enquanto a única, modalidade de prisão

cautelar com prazo de vigência limitado por lei358. Todavia vale consignar, ainda que não seja

o objeto da presente pesquisa, mas em face do estudo realizado, que as demais espécies de

prisões cautelares possuem, no Anteprojeto de Código de Processo Penal, prazo determinando

para sua duração.

Cruz lança-se ao debate:

Insustentável, a nosso sentir, a crença de que o êxito das investigações policiais possa vir a depender da mantença, no cárcere, do indiciado por tão longo período. Deveras, um interrogatório não dura mais do que algumas horas; um reconhecimento formal, outras tantas; igualmente, uma reconstituição do crime. Que outra providência, depende da presença do indiciado, duraria mais do que um ou dois dias359.

Prossegue em sua crítica quando observa que:

Sem maiores esforços, portanto, aflora a percepção de que sem a prisão temporária, mesmo na sua modalidade menos gravosa (5 dias), serve e tem servido a outros propósitos que não simplesmente o de acautelar as investigações e indiretamente, o processo penal a ser eventualmente instaurado. Na verdade, ao estabelecer o legislador tão alongado prazo, o que se objetivou fio punir antecipadamente aquele sobre quem pairar a acusação

357 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus n. 255.522, Rel. Juiz Walter Guilherme. São Paulo. Disponível em: <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg> Acesso em: 18 set. 2009. 358 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 168. 359 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Sessenta dias de prisão temporária: é razoável?, p. 155 apud LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989.

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da prática do crime hediondo, tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e terrorismo, estigmatizando-o perante a sociedade, que parece sentir-se aliviada com a sumária punição do indiciado360.

Se no decorrer da Prisão Temporária a restrição da liberdade mostrar-se desnecessária

o investigado poderá ser imediatamente liberado, eis que a lei estabelece apenas o prazo

máximo de duração da Prisão Temporária. Caso o magistrado queira evitar uma desnecessária

restrição de liberdade, pode decretar a Prisão por um período inferior ao estipulado em lei361.

Kauffmann continua sua explanação acerca do prazo de duração da Prisão Temporária:

Assim, esgotado o prazo estipulado pela autoridade judiciária para a prisão temporária, o preso deverá imediatamente posto em liberdade conforme dispõe o artigo 2º, parágrafo 7º da Lei 7.960/89, independente da expedição de alvará de soltura, mesmo que a finalidade desejada não haja sido alcançada, pois somente o juiz natural poderá prorrogar o prazo da prisão temporária362.

Vale ressaltar que o tempo de Prisão Temporária será computado na Pena privativa de

liberdade ou na medida de segurança eventualmente aplicada, nos termos da decretação

penal363.

A Prisão Temporária é medida de eficácia no sistema processual penal vigente, pois

permite a coleta de elementos indispensáveis à formação da oppinio delicti, assim seus

requisitos de admissibilidade devem ser cuidadosamente analisados e seguidos para que a

medida cautelar não se torne abusiva ou ilegal. Deve-se cuidar para que não seja

indevidamente utilizada como instrumento de extorsão de confissões ou de outros elementos

de convicção que possam ser inutilizados no processo364.

Diversas vozes se levantam para alegar que a Prisão Temporária possui vícios de

inconstitucionalidade. Entretanto, por outro norte, não faltam aqueles que sustentam se tratar

de medida compatível com os ditames constitucionais. O próximo item da pesquisa cuidará

exatamente desta polêmica, com a análise de elementos de uma e outra corrente.

360 CRUZ, Rogério Schietti Machado. Sessenta dias de prisão temporária: é razoável?, p. 155 apud LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989. 361 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 168. 362 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 171. 363 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 69-70. 364 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 190.

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4.2 (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA PRISÃO TEMPORÁRIA

Como já visto anteriormente a Prisão Temporária “e uma medida restritiva de

locomoção, decretada por tempo determinado, destinada a possibilitar as investigações de

crimes considerados graves, durante o inquérito policial”365.

A prisão cautelar é uma exceção especialíssima da segregação social do cidadão antes

do trânsito em julgado da sentença condenatória nos termos da CRFB/88 que implantou, no

país, o Estado Democrático de Direito, com todos os seus princípios e garantias inerentes366.

A seguir será feita uma breve interpretação do artigo inaugural da lei n. 7.960/89 e

após serão apresentadas e verificadas a adequação da compreensão de autores acerca da

referida restritiva da liberdade de locomoção.

O ato de prender, nos últimos tempos, virou um espetáculo televiso. A polícia prende

e, após ouvir o suspeito, este é colocado em liberdade. O “festival de prisões, seguido do

festival de solturas, autorizadas sempre depois da simples tomada de depoimento do preso,

mostra que algo está errado. Ou as prisões ou as solturas”367.

Para Zarins Neto

[...] o eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tenha bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão. O dispositivo legal ofende o princípio constitucional da “presunção de inocência”, preconizado no art. 5º, LVII da Carta Magna, se entendermos que essa disposição legal veio preencher alguma “lacuna” não alcançada pela tradicional Prisão Preventiva, prevista no Código de Processo Penal368.

É relevante a lição de Kauffmann:

365 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal: parte geral, p. 191. 366 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 367 PETRY, André. Veja. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/300507/andre_petry.shtml> Acesso em: 18 out. 2009. 368 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 15 set. 2009.

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O artigo 1º da Lei 7.960/89 gerou, e continua gerando as mais diversas possibilidades de interpretação, que variam da aplicação isolada de apenas um de seus incisos para prender, até o entendimento de que todos os incisos devem, conjuntamente, cumula-se com as hipóteses que autorizam a prisão preventiva369.

Para complementar o tema reproduz-se o inciso I, do dispositivo legal em comento,

que possui a seguinte redação: “quando imprescindível para as investigações do inquérito

policial370”. A apreciação da imprescindibilidade, sustentada pela autoridade policial em sua

representação e pelo representante do Ministério Público em seu requerimento fica a critério

do juiz371.

O Inquérito Policial372 é o início e o fim da prisão temporária. A investigação visa à

obtenção dos elementos concernentes à materialidade e autoria, para a formação dos subsídios

à justa causa penal373.

É oportuno enfocar que durante uma investigação policial várias pessoas podem ser

investigadas e não apenas o suposto autor do ilícito. Veja-se a lição de Sznick:

[...] a primeira observação é que na escala de suspeito, imputado, acusado, denunciado, réu e condenado surge uma nova figura – o investigado. Na verdade, a palavra certa é o suspeito. Assim, como não só se depreende da própria lei, a prisão é efetuada por mera suspeita. Não há provas de autoria e, o que é pior, muitas vezes sequer se sabe a materialidade. Então prende-se o suspeito, é verdade que se trata de crimes graves, elencados pela própria lei, mas sobre quem paira uma tênue suspeita (por que o réu manca; por que o réu está com roupas manchadas, etc.)374.

Na mesma esteira segue Mirabete:

Draconiana a lei no inciso I, permite a prisão não só do indiciado, como também de qualquer pessoa (uma testemunha, por exemplo), já que, ao contrário dos demais incisos do artigo 1º, não se refere ela especificamente

369 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 137. 370 BRASIL. Lei 7.960/89. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7960.htm> Acesso em: 19 out. 2009. 371 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 53. 372 Cf. KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p.126, “tem por escopo a colheita de elementos necessários à formação da opinio delidti. Assim, qualquer provimento cautelar decretado nesta fase deve objetivar, exclusivamente, a garantia na colheita destes elementos”. 373 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p.117. 374 SZNICK, Valdir. Liberdade, prisão cautelar e temporária. São Paulo: Universitária de Direito, 1994, p. 482.

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ao “indiciado”. Trata-se, portanto, de norma legal odiosa e contrária à tradição do processo penal brasileiro375.

Sobre a imprescindibilidade Jorge preleciona que:

Admitir a prisão temporária como imprescindível às investigações policiais é confessar a incompetência do Estado na resolução dos conflitos criminais e uma afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, do devido processo legal e do contraditório376.

Para as investigações do inquérito, há de ser interpretada como a última medida

disponível para obter uma prova importantíssima. Com efeito, a afirmação Carvalho:

[...] tem que restar patenteado que a polícia ou o Ministério Público não podem investigar a existência de determinado fato delituoso sem que o suspeito ou indiciado esteja recolhido à prisão, tem ainda que restar comprovado que a prisão temporária requerida tem por fim colher provas que fortaleçam o convencimento sobre autoria ou materialidade delitiva, considerando-se que a liberdade do provável autor cause prejuízo às diligências investigatórias377.

Quanto a um de seus requisitos de admissibilidade, qual seja o fumus boni juris,

encontra-se nas “fundadas razões baseadas em qualquer prova admitida na legislação penal,

de autoria ou participação do indiciado”, na prática de um daqueles crimes elencados no

inciso III do art. 1º da lei 7.960/89.

Percebe-se que não se exige nem a prova da existência do crime, nem indícios

suficientes de autoria, para a efetivação da Prisão Preventiva. Assim, nos termos da legislação

e na forma como tem sido utilizada pelos operadores do direito, é definitivamente

inconstitucional, por ferir de morte o princípio da presunção de inocência.

Esse entendimento leva crer que a Prisão Temporária foi apenas uma camuflagem da

lei para restaurar no ordenamento jurídico a antiga prisão para averiguação.

375 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p.426. 376 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 377 CARVALHO, Themis Maria Pacheco de. Considerações sobre a lei da prisão temporária como representação de um não direito. Disponível em: <http://www2.mp.ma.gov.br/ampem/artigos/Artigos2007/COMENTARIOSALEIDAPRISAOTEMPORARIA.pdf> Acesso em: 15 set. 2009.

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Forma de salvaguardar a lei dessa inconstitucionalidade material seria interpretá-la de

modo a assegurar as garantias constitucionais, o que a tornaria dispensável, na medida em que

os seus requisitos se igualariam aos requisitos da Prisão Preventiva, no que diz respeito ao

fumus boni juris, e, nesse caso, seria mais interessante para a autoridade policial representar

pela decretação da Prisão Preventiva, que possui um prazo de duração mais longo, do que pela

Prisão Temporária de apenas 5 dias ou, em alguns casos 30 dias378.

É permitida também a Prisão Temporária “quando o indiciado não tiver residência fixa

ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento de sua identidade379” (art. 1º, II).

Se a pessoa já está indiciada, não há como não ter esclarecimentos sobre sua

identidade380. Quanto ao endereço é muito comum que o agente seja ou esteja indiciado e não

informe endereço. Como é o caso de indivíduos que se declaram como moradores de rua,

ciganos ou até mesmo que dizem desconhecer seu endereço, ou fornecem algum endereço que

não existe nos guias locais. Assim eles acabam por prejudicar o processo, haja vista que as

autoridades não têm como localizar esses supostos delinqüentes381.

No que tange ao artigo 1º, II, da lei 7/960 de 1989, Mirabete explana que:

Destina-se a norma, ainda, possibilitar o bom andamento do inquérito policial, que ficaria prejudicado pelo desaparecimento do indiciado, dificil de ser localizado por não ter residência determinada ou por não se conhecer sua verdadeira identidade. Efetuada a prisão, as providências de identificação, inclusive pelo processo datiloscópico, ficam asseguradas382.

Por outro norte, entendida friamente a redação do dispositivo legal, um integrante de

circo, por exemplo, sempre teria contra si determinada a Prisão Temporária, pois ele não tem

residência fixa. O fato de alguém não ter endereço no qual possa ser encontrado, mais tem a

ver com o assegurar a aplicação da lei penal (hipótese autorizadora da prisão preventiva) do

que com a necessidade investigativa e, nem sempre, por si só, é motivo para a Prisão cautelar.

378 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 15 set. 2009. 379 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal: parte geral, p. 191. 380 Cf. PITOMBO, Sérgio Moraes. Inquérito policial: novas tendências. Belém: Cejup, 1987, p. 38, o indiciamento “contém uma proposição, no sentido de guardar função declarativa de autoria provável. Suscetível, é certo, de avaliar-se, depois como verdadeiramente, ou logicamente falsa”. 381 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 121. 382 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p.426.

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Nesse contexto, bem demonstrou o juiz federal Jurandi Borges Pinheiro383, ao decidir

que “o simples fato de alguém, pelas intempéries da vida, não ter onde morar”, não é motivo

para a manutenção da prisão, quando for possível “assegurar, de algum modo, o seu

comparecimento aos atos processuais e a aplicação de eventual pena”.

Na mesma esteira é o posicionamento de Zarins Neto:

Qual a necessidade de encarceramento, se o indiciado não possui residência fixa ou não fornecer elementos necessários ao esclarecimento da sua identidade, mas a prisão não é imprescindível às investigações policiais? Não seria mais prudente expedir-se apenas uma notificação para que compareça à Delegacia para sua identificação datiloscópica384?

Na mesma senda de raciocínio:

Concluí-se que a Prisão Temporária, nos termos como consta na legislação e na forma como tem sido utilizada pelos operadores do direito, é definitivamente inconstitucional, haja vista ferir o princípio constitucional da presunção de inocência. Esse entendimento leva crer que a Prisão Temporária foi apenas uma camuflagem da lei para restaurar em nosso ordenamento jurídico as antigas “prisões para averiguações”, que eram realizadas pela polícia, e quantas vezes asseguradas pela justiça385.

383 “Juiz manda soltar moradores de rua presos em flagrante. O simples fato de a pessoa não ter onde morar não é razão para negar-lhe o pedido de liberdade provisória. O entendimento é do juiz federal substituto Jurandi Borges Pinheiro, que mandou soltar dois moradores de rua. Eles tinham sido presos em flagrante, ao tentarem sacar, de uma agência da Caixa Econômica Federal (CEF), R$ 372,78 do PIS de um deles, que se dizia portador do vírus da Aids, mostrando atestado médico e exame de sangue falsificados. Ambos estão obrigados, porém, a se apresentarem à Vara Federal Criminal de Florianópolis na primeira semana de cada mês, para serem intimados dos atos processuais. Para o juiz, a mera suposição de que eles não comparecerão não impede a soltura. Segundo Pinheiro, ‘desse ângulo, não seria também possível conceder liberdade provisória aos indiciados ricos com o argumento de que poderiam evadir-se, embora às vezes o façam a bordo de confortáveis jatinhos em vôos sem escala para aprazíveis recantos ultramarinos’, escreveu. Em outro trecho da decisão, o magistrado sustentou que, ‘sendo os autuados primários e não havendo nos autos nenhum indicativo de que a ordem pública estará em risco com eles em liberdade, a única justificativa para mantê-los no cárcere, em caráter preventivo, seria por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal’. O juiz se referiu ao fato de que, de acordo com o auto de prisão em flagrante, ‘ambos têm por lar a rua e por teto a abóbada celeste, às vezes azulada, às vezes estrelada, às vezes riscada pela cintilante luz de relâmpago anunciando alguma tempestade’. Entretanto, ‘tenho que o simples fato de alguém, pelas intempéries da vida, não ter onde morar’, não é motivo para a manutenção da prisão, quando é possível ‘assegurar, de algum modo, o seu comparecimento aos atos processuais e a aplicação de eventual pena’. Um dos homens é analfabeto, sabe apenas assinar o nome, está desempregado, vive de ‘bicos’ e não tem endereço fixo. O outro só tem o primeiro grau, não tem emprego e também mora na rua.” Cf. BRASIL. Portal da Justiça Federal da 4ª região. Disponível em: <http://certidao.jfsc.gov.br/jfsc2003/comsoc/noticias_internet/pesqnoticias.asp> Acesso em: 15 set. 2009. 384 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 15 set. de 2009. 385 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 15 set. 2009.

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87

A Prisão Temporária só pode ser decretada quando vinculada à prática dos crimes

enumerados, taxativamente, no inciso III386, do art. 1º387.

Para sua decretação torna-se necessária a existência de fundadas razões que se

equivale à fundada suspeita, que autoriza o recolhimento o indiciado na Prisão em flagrante.

Não é necessária a certeza material do Crime ou de sua autoria, basta indícios para convencer

o juiz da materialidade e autoria do delito, eis que se situa em suspeitas que permitam a

instauração do processo investigatório388.

Na mesma senda de raciocínio, acerca da interpretação do art. 1º, III, da lei 7.960/89,

Lino assevera que:

Prevê como requisito à decretação da Prisão Temporária a existência de fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos crimes elencados389.

Acerca deste inciso, Ferreira acrescenta:

Nos termos deste inciso, que traduz a vontade literal da lei infraconstitucional, mas não a constitucional, a mera existência de fundadas razões de autoria ou participação do indiciado em determinados crimes graves como menciona, não seria suficiente para determinar a prisão da pessoa como uma antecipação da pena, expressamente proibida pela Constituição no art. 5º, incisos LVII, e LXVI390.

Prossegue Ferreira sobre a inconstitucionalidade do referido inciso:

386 Cf. BRASIL. Lei 7.960/89. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L7960.htm> Acesso em: 19 out. 2009, “III – quando houver fundada suspeita de autoria ou participação do investigado nos seguintes crimes: a) homicídio doloso (art. 121, caput, e seu § 2°); b) seqüestro ou cárcere privado (art. 148, caput, e seus §§ 1° e 2°); c) roubo (art. 157, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); d) extorsão (art. 158, caput, e seus §§ 1° e 2°); e) extorsão mediante seqüestro (art. 159, caput, e seus §§ 1°, 2° e 3°); f) estupro (art. 213, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); g) atentado violento ao pudor (art. 214, caput, e sua combinação com o art. 223, caput, e parágrafo único); h) rapto violento (art. 219, e sua combinação com o art. 223 caput, e parágrafo único); i) epidemia com resultado de morte (art. 267, § 1°); j) envenenamento de água potável ou substância alimentícia ou medicinal qualificado pela morte (art. 270, caput, combinado com art. 285); l) quadrilha ou bando (art. 288), todos do Código Penal; m) genocídio (arts. 1°, 2° e 3° da Lei n° 2.889, de 1° de outubro de 1956), em qualquer de sua formas típicas; n) tráfico de drogas (art. 12 da Lei n° 6.368, de 21 de outubro de 1976); o) crimes contra o sistema financeiro. 387 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 56. 388 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 130. 389 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 56. 390 FERREIRA, Gabriela. ADI contra a prisão temporária será julgada no mérito, sem análise de liminar. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080722145924998> Acesso em: 14 set. 2009.

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Este inciso (inciso III do art. 1º da Lei n. 7.960/89) preceitua, de forma ardilosa e capciosa, a antecipação da aplicação da pena em desfavor do cidadão que está sendo investigado por ter, em tese, participado ou cometido determinados delitos, em especial, conforme os descritos no referido inciso391.

Para Freitas, a Prisão Temporária visa diminuir o alto índice de criminalidade do país,

bem como abusos policiais e melhoria nas investigações. Possui muitos aspectos favoráveis,

constituindo-se em “instrumento ágil e eficaz no deslinde de crimes graves, a despeito da falta

de recursos, mormente de inteligência, dos organismos policias392”.

Jesus enfatiza que:

Ao mesmo tempo em que o governo toma medidas de caráter social, visando em todos os ramos de sua atuação, melhorar as condições de vida do cidadão e, assim, contribuindo para a redução da criminalidade, é imperioso que, no plano legislativo criminal, sejam tomadas providências urgentes393.

O clima de pânico que se estabelece nas cidades, a certeza da impunidade que campeia

célere na consciência de povo, formandos novos criminosos, exigem medidas firmes e

decididas, entre elas a prisão temporária394. Outro aspecto que sobressai em favor da medida

constritiva é que a:

[...] brevidade do lapso prisional resulta em rápida solução acerca da autora que, se positiva, de regra é convertida em prisão preventiva e, se negativa, em sua soltura durante ou ao final do prazo estipulado na ordem judicial395.

Portanto, verifica-se que a liberdade de locomoção que era provisória, ao decretar a

Prisão Temporária, continua sendo provisória com sua conversão em preventiva e, pode ser

revogada a qualquer tempo. No entender de Lino:

No Brasil, onde o sistema de governo é presidencialista, o alinhamento jurídico é irresponsável e perigoso, rasga a Constituição e deixa à deriva o sistema de direitos e garantias individuais. A medida provisória, através da

391 FERREIRA, Gabriela. ADI contra a prisão temporária será julgada no mérito, sem análise de liminar. Disponível em: <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=20080722145924998> Acesso em: 14 set. 2009. 392 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 90-91. 393 JESUS, Damásio Evangelista de. Novas questões criminais. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 106. 394 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Processo penal, p. 425. 395 FREITAS, Jayme Walmer de. Prisão temporária, p. 91.

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qual foi estabelecida a prisão temporária, constitui exemplo desse alinhamento396.

Para Kauffmann a Prisão Temporária é:

Preventiva, portanto, é a finalidade da prisão temporária, ela busca assegurar as investigações do inquérito policial, ou seja, garantir que os elementos necessários ao oferecimento da inicial acusatória sejam corretamente amealhados durante as investigações. Oportuno frisar que investigar não significa produzir elementos que indiquem a autoria e a materialidade, mas descobrir esses elementos397.

Vale destacar um trecho da decisão liminar, do polêmico caso Izabella Nardoni,

quando menciona a legitimidade da Prisão Temporária:

[...] a prisão temporária somente comporta legitimidade a partir do instante em que, para elucidação do fato e da autoria, faça-se ela indispensável, inafastável, única providência apta a evitar que, solto, aquele a quem se investiga, possa frustrar, dificultar ou impedir a colheita de provas. Provas que apenas serão possíveis produzir e amealhar estando ele preso e por isso afastado do cenário investigatório, o qual, uma vez em liberdade o agente investigado, poderia vir a ser por ele inutilizado ou comprometido em sua eficácia e utilidade398.

Jorge aduz que a privação da liberdade de qualquer indivíduo tem que ser determinada

com o resguardo de todas as cautelas proporcionando-lhe amplo direito de defesa, mesmo na

fase do Inquérito Policial, com a garantia do princípio do contraditório399.

A lei 7.960/89 padece dos vícios da inconstitucionalidade formal e material. Sob uma

óptica de interpretação que preserve as garantias constitucionais do devido processo legal e da

presunção de inocência, a Prisão Temporária encontra-se revestida de vícios insanáveis de

inconstitucionalidade ao lancinar vários de seus princípios400. Nesse sentido o escólio de

Zarins Neto:

396 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 45. 397 KAUFFMANN, Carlos. Prisão temporária, p. 124. 398 BRASIL. Tribunal de Justiça de São Paulo. Habeas Corpus n. 1.210.432-3/0. Rel. Des. Canguçu de Almeida. Disponível em <http://esaj.tj.sp.gov.br/cjsg/confereCodigo.do> Acesso em: 18 set. 2009. 399 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 400 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009.

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A prisão temporária ingressou em nosso ordenamento jurídico através da Lei 7.960/89, originária de medida provisória, o que implicou invasão de reserva feita pela Constituição Federal quanto à edição dos mecanismos de coerção pessoal. Só através de lei em sentido estrito, e não de medida provisória, poderia ser a matéria disciplinada. E a lei de conversão não apaga o vício de origem. Assim, tendo sido a Prisão Temporária instituída por Medida Provisória, viciou-se de inconstitucionalidade401.

Se não bastasse a inconstitucionalidade formal para viciar a medida, materialmente

também padece ela do mesmo vício:

[...] o eixo, a base, o fundamento de todas as prisões cautelares no Brasil residem naqueles requisitos da prisão preventiva. Quando presentes, pode o Juiz fundamentadamente decretar qualquer prisão cautelar; quando ausentes, ainda que se trate de reincidente ou de quem não tenha bons antecedentes, ou de crime hediondo ou de tráfico, não pode ser decretada a prisão antes do trânsito em julgado da decisão”. O dispositivo legal ofende o princípio constitucional da “presunção de inocência”, preconizado no art. 5º, LVII da Carta Magna, entende-se que essa disposição legal veio preencher alguma “lacuna” não alcançada pela tradicional Prisão Preventiva, prevista no Código de Processo Penal402.

A justificativa plausível utilizada pela polícia para a aplicação da medida, nos termos

da lei n. 7.960/89, é que estando o suspeito do delito em liberdade possa vir a interferir

diretamente nas investigações policiais. Esta hipótese não passa de uma falácia utilizada como

instrumento de repressão e arbitrariedade disfarçada, que se aceitam como verdadeiras

indicaria a falência total do sistema de investigação adotado no Brasil403.

Os direitos fundamentais, enquanto valores constitucionais, não são absolutos, sendo

necessária uma concordância com os outros direitos protegidos. É certo que a presunção da

inocência é um direito fundamental cuja garantia se expressa com a aplicação da mais ampla

defesa e do contraditório, pois todos são inocentes à luz da legislação criminal até que se

prove o contrário404.

401 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 14 set. 2009 402 ZARINS NETO, Alfredo. Prisão temporária: inconstitucionalidade formal e material. Disponível em <http://www.lfg.com.br/public_html/article.php?story=2004071416433957> Acesso em: 14 set. 2009 403 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 404 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009.

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O cumprimento do devido processo legal só se completa se for dado, aos investigados,

o direito de participar ativamente em todas as fases em que pese sobre eles dúvidas com

relação a sua conduta. O prejulgamento do investigado como culpado na investigação policial,

com sua segregação social, leva à supressão das garantias indicando um ressurgir da

inquisição repudiada pelas sociedades democráticas e que cultuam o estado de direito e a

liberdade como garantias constitucionais intocáveis405.

Pode-se constatar que a Prisão Temporária tem sido utilizada unicamente para facilitar

o trabalho da polícia. Além disso, também é utilizada para obter a confissão dos investigados,

uma vez que após a oitiva, são liberados406.

Por outro turno, a Prisão Temporária tem sido utilizada como substituto à prisão

preventiva, com menor grau de exigências que esta, ou como substituto à antiga prisão para

averiguação.

Como a Prisão Temporária poderá sofrer alterações em vista do Anteprojeto do

Código de Processo Penal em tramitação no Congresso Nacional, com a finalidade de

complementar a presente pesquisa monográfica será feita uma análise da Prisão Temporária

neste anteprojeto do Código de Processo Penal, de modo a lançar algumas luzes sobre as

possibilidades futuras deste instituto jurídico penal e, principalmente, diante das análises já

encetadas, de sua adequação, ou não, aos comandos normativos de ordem constitucional.

4.3 PRISÃO TEMPORÁRIA NO ANTEPROJETO DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL

Tamanha é a divergência quanto à (in)constitucionalidade da Prisão Temporária que o

anteprojeto do Código de Processo Penal trata desta medida cautelar de forma diferente da

atual lei de regência da matéria, abolindo aquilo que, atualmente, se considera

inconstitucional, mantido seus caracteres constitucionais.

O presente tópico da pesquisa tem como finalidade aproximar o estudo já encetado

com as determinações constantes do Anteprojeto, as quais podem, em momento futuro

indeterminado, vir a se tornar norma jurídica obrigatória.

405 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009. 406 JORGE, Carlos Augusto. Inconstitucionalidade da prisão temporária na investigação policial. Disponível em: <http://www.iuspedia.com.br > Acesso em: 14 set. 2009.

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O Anteprojeto de Código de Processo Penal trata da Prisão Temporária em sua Seção

IV, artigos 551 a 554. Como se trata de matéria ainda não totalmente conhecida de todos,

pede-se a vênia do leitor para apresentar o texto do artigo 551 do anteprojeto, que assim

dispõe:

Art. 551. Fora das hipóteses de cabimento da prisão preventiva, o juiz, no curso da investigação, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, poderá decretar prisão temporária, não havendo outro meio para garantir a realização de ato essencial à apuração do crime, tendo em vista indícios precisos e objetivos de que o investigado obstruirá o andamento da investigação. §1º Aplica-se à prisão temporária o disposto nos arts. 544, §§1º, 2º e 3º, e 545, sendo exigido que o crime investigado tenha pena máxima igual ou superior a 12 (doze) anos, ou se trate de formação de quadrilha ou bando ou organização criminosa. §2º A medida cautelar prevista neste artigo não poderá ser utilizada com o único objetivo de interrogar investigado407.

Nos termos da lei 7.960/89 cabe ao juiz a apreciação do pedido de decretação da

Prisão Temporária, ouvido o Ministério Público antes de decidir408, situação esta que nada

diverge da transcrita no anteprojeto, porém o mesmo não acontece quanto aos requisitos,

sendo que se exige “que o crime investigado tenha pena máxima igual ou superior a 12 (doze)

anos, ou se trate de formação de quadrilha, bando ou organização criminosa”409.

Na atual lei da Prisão Temporária, esta “só pode ser decretada quando vinculada a

pratica de crimes enumerados, taxativamente, no inciso III, do art. 1º sendo que não há

exigência de pena máxima para sua decretação410.

Geralmente, na decisão que decreta a prisão, consta autorização para a autoridade

policial liberar o preso logo após entender pela desnecessidade da manutenção da segregação.

Ainda assim, é possível verificar que autoridades policiais mantêm a prisão mesmo diante de

sua desnecessidade. Outras vezes as prisões são mantidas até o final do prazo para eventuais

diligências que possam surgir nesse curto período, como também para a análise de diálogos e

dados telefônicos, bem como eventuais reinquirições.

407 BRASIL. Senado. Anteprojeto de reforma do código de processo penal. Brasília: Senado Federal, 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/novocpp> Acesso em 05 out. 2009. 408 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 60. 409 BRASIL. Senado. Anteprojeto de reforma do código de processo penal. Brasília: Senado Federal, 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/novocpp> Acesso em 05 out. 2009. 410 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 56.

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O artigo acima descrito, em seu parágrafo 2º, assevera que tal medida cautelar não

pode ser decretada com o único objetivo de interrogar o investigado, como visto

anteriormente, alguns doutrinadores consideravam a Prisão Temporária inconstitucional pelo

motivo de que poderia prender o suposto autor do ilícito apenas para interrogá-lo.

Vale destacar que o Supremo Tribunal Federal, no caso Daniel Dantas, entendeu

incabível a prisão temporária para ouvir os investigados. Para impedir que provas sejam

destruídas somente com base empírica idônea da suposta destruição411

É interessante transcrever a seguinte jurisprudência, da lavra do relator Min. Eros

Grau, em que a questão é examinada em profundidade:

Habeas Corpus. Constitucional e processual penal. Corrupção ativa. Conversão de HC preventivo em liberatório e exceção à súmula 691/STF. Prisão temporária. Fundamentação inidônea da prisão preventiva. Conveniência da instrução criminal para viabilizar a instauração da ação penal. Garantia da aplicação da lei penal fundada na situação econômica do paciente. Preservação da ordem econômica. Quebra da igualdade (artigo 5º, caput e inciso I da Constituição do Brasil). Ausência de fundamentação concreta da prisão preventiva. Prisão cautelar como antecipação da pena. Inconstitucionalidade. Presunção de não culpabilidade (artigo 5º, LVII da Constituição do Brasil). Constrangimento ilegal. Estado de Direito e direito de defesa. Combate à criminalidade no Estado de Direito. Ética judicial, neutralidade, independência e imparcialidade do juiz. Afronta às garantias constitucionais consagradas no artigo 5º, incisos XI, XII e XLV da Constituição do Brasil. Direito do acusado de permanecer calado (artigo 5º, LXIII da Constituição do Brasil). Conversão de habeas corpus preventivo em habeas corpus liberatório412.

A leitura da decisão acima transcrita permite identificar, ao menos no Supremo

Tribunal Federal, o relevo que as normas e princípios constitucionais devem possuir quando

da decretação da Prisão de alguém que esteja sendo investigado. Mais uma vez insiste-se que

a regra do sistema jurídico é a liberdade, devendo a prisão ser utilizada apenas

excepecionalmente e nas situações em que não ofenda os direitos constitucionais

fundamentais.

411 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 95009. Rel. Min. Eros Grau. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(HC%2095009,%20%20.NUME.%20OU%20HC%2095009,%20%20.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em: 19 out. 2009. 412 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. HC 95009. Rel. Min. Eros Grau. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(HC%2095009,%20%20.NUME.%20OU%20HC%2095009,%20%20.ACMS.)&base=baseAcordaos> Acesso em: 19 out. 2009.

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Na seqüência dos dispositivos do Anteprojeto, verifica-se em seu artigo 552 a seguinte

redação:

Art. 552. A prisão temporária não excederá a 5 (cinco) dias, admitindo-se uma única prorrogação por igual período, em caso de extrema e comprovada necessidade. §1º Sem prejuízo do disposto no caput deste artigo, o juiz poderá condicionar a duração da prisão temporária ao tempo estritamente necessário para a realização do ato investigativo. §2º Findo o prazo de duração da prisão temporária, o juiz, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial, poderá convertê-la em prisão preventiva, desde que presentes todos os pressupostos legais da nova medida413.

Na lei que dispõe sobre a Prisão Temporária, o prazo de duração da prisão é de cinco

dias, prorrogável por mais cinco, em caso de extrema necessidade e, em crimes hediondos,

tráfico de entorpecentes e crimes de terrorismo e tortura o prazo será de trinta dias

prorrogáveis pro igual período. Terminado o prazo, o preso deverá ser posto em liberdade,

salvo se tiver sido decretada sua prisão preventiva414.

Prossegue o Anteprojeto, ao dispor no artigo 553 o seguinte:

Art. 553. Na hipótese de representação da autoridade policial, o juiz, antes de decidir, ouvirá o Ministério Público. §1° A decisão que decretar a prisão temporária deverá ser prolatada dentro do prazo de 24 (vinte e quatro) horas, contadas a partir do recebimento da representação ou do requerimento. §2° O juiz poderá, de ofício, ou a requerimento do Ministério Público e da defesa, determinar que o preso lhe seja apresentado, submetê-lo a exame de corpo de delito, bem como solicitar informações e esclarecimentos da autoridade policial. §3° Decretada a prisão temporária, expedir-se-á mandado de prisão, em 2 (duas) vias,uma das quais será entregue ao indiciado e servirá como nota de culpa. §4° Decorrido o prazo de 5 (cinco) dias de custódia, o preso deverá ser posto imediatamente em liberdade, salvo em caso de prorrogação da prisão temporária ou de conversão em prisão preventiva415.

413 BRASIL. Senado. Anteprojeto de reforma do código de processo penal. Brasília: Senado Federal, 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/novocpp> Acesso em 05 out. 2009. 414 REIS, Alexandre Cebrian Araújo. GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Processo penal: parte geral, p, 192. 415 BRASIL. Senado. Anteprojeto de reforma do código de processo penal. Brasília: Senado Federal, 2009. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/novocpp> Acesso em 05 out. 2009..

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Este artigo muito se assemelha ao artigo 2º da lei 7.960/89, sendo que diverge quanto à

necessidade de fundamentação do despacho que decretar a prisão, porquanto no anteprojeto

não é mencionado se é devida ou não a fundamentação.

Por último o artigo 554, do Anteprojeto, que possui a seguinte redação: “Não se

computa o período de cumprimento da prisão temporária para efeito dos prazos máximos de

duração da prisão preventiva”, contudo na lei 7.960/89 “o prazo para prisão começa a ser

contado da data em que o representado é recolhido ao estabelecimento penal. Assim, se preso

às 23h59 de determinado dia, este será computado para a aferição de período de prisão416”.

Verifica-se o Anteprojeto não trata dos crimes hediondos, tampouco de o indiciado ter

necessidade de residência fixa. O art. 1º da lei 7.960/89 não é tratado no anteprojeto. Fatos

aqueles que geraram grandes divergências doutrinárias acerca da inconstitucionalidade da

Prisão Temporária.

Sobre a imprescindibilidade para as investigações do Inquérito Policial, nos termos do

Anteprojeto, há de ser interpretado como a última medida disponível para obter uma prova

que venha a ser utilizada no processo penal.

Para firmar posição, cotejando-se a atual lei de regência da Prisão Temporária, com a

CRFB/88 e o Anteprojeto de Código de Processo Penal, verifica-se que tão importante quanto

as leis que regulamentam a prisão e garantem a liberdade, é a participação isenta do Poder

Judiciário na verificação, em cada caso, da necessidade da privação de liberdade de

locomoção humana, de forma a assegurar um verdadeiro Estado Democrático de Direito.

416 LINO, Bruno Teixeira. Prisão temporária: Lei n. 7.960 de 21 de dezembro de 1989, p. 69.

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5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho monográfico pesquisou os deslocamentos percebidos pelo

instituto da prisão no Brasil, o embate da prevalência representada pela segurança

Estatal, com interesses individuais atinentes à conservação do status libertatis do

indivíduo, ficando restrito às possibilidades de encarceramento provisório havidos antes

do trânsito em julgado da Sentença criminal condenatória concernentes à Prisão

Temporária.

Partiu-se do pressuposto de que as medidas prisionais constituem-se em medidas

cautelares privativas da liberdade, em face da imprescindibilidade da configuração das

hipóteses legais que as admitam (fumus boni iuris) e do reconhecimento dos

pressupostos específicos referentes à segurança da suposto autor do delito ou do próprio

processo (periculum in mora).

Tratou-se do bem maior que dignifica a pessoa humana: a liberdade, com

supedâneo nos princípios constitucionais que asseguram e conformam a dignidade da

pessoa humana, bem com princípios jurídicos-constitucionais de inocência e

garantidores do devido processo penal, os quais estabelecem a liberdade como a regra

lógica do sistema normativo pátrio e a prisão como a exceção deste mesmo corpo

lógico.

A restrição à liberdade somente deve existir ao final do processo, com

observância do direito à defesa, em que por Sentença condenatória transitada em

julgado seja imposta a pena privativa de liberdade. É a exegese do princípio

constitucional da presunção de inocência ou da não culpabilidade.

A presunção de inocência traz como uma de suas conseqüências a

excepcionalidade da prisão provisória. O Estado, representado pelo juiz, não suprirá a

liberdade de um indivíduo antes ou durante o processo, salvo se comprovada a

necessidade através de pressupostos cautelares, destinados a garantir a efetividade do

processo.

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Como os requisitos cautelares emanam das situações de probabilidade de futuro

provimento jurisdicional favorável ao autor (fumus boni juris e periculum im mora), à

análise do cabimento da Prisão Temporária deve-se analisar, além dos requisitos

descritos ao longo desta pesquisa monográfica, a presença dos requisitos constantes no

artigo 1º, da lei n. 7.960/89.

Verificou-se que a Prisão Temporária é uma espécie de prisão cautelar

diferenciada, com características distintas, por tutelar o Inquérito Policial, sendo que

com término não há necessidade na manutenção da Prisão Temporária.

Foi possível ainda verificar que a Prisão Temporária é dotada de caráter

acessório por se ligar ao resultado da investigação realizado no Inquérito Policial e

possui natureza provisória, já que sua duração é limitada por lei, tendo o prazo máximo

de cinco dias prorrogáveis por mais cinco e, em casos de crimes hediondos, o prazo é de

trinta dias prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade.

É uma modalidade de prisão cautelar cujo escopo é unicamente no sentido de

instruir adequadamente o Inquérito Policial com vistas a uma futura ação penal,

constituindo-se o processo em desdobramento e conseqüência do resultado das provas

adquiridas na atividade persecutória policial ou ministerial.

Por fim, verificou-se que as hipóteses consideradas na Introdução da presente

pesquisa foram confirmadas, ou seja, a Prisão Temporária, em diversos de seus aspectos

e hipóteses de ocorrência, ofendem dispositivos formais e materiais da CRFB/88.

Também foi possível demonstrar que o tema encontra-se longe de ser

considerado como consolidado ou superado, haja vista a tramitação de um Anteprojeto

de Código de Processo Penal no Congresso Nacional, no qual a Prisão Temporária é

tratada, em diversos pontos, divergente à lei que a regulamenta na atualidade, mas ainda

em projeto, já vem provocando uma série de celeumas na doutrina pátria.

Não são poucos os pontos controvertidos na utilização da Prisão Temporária,

entende-se que essa pacificação, quanto a (in)constitucionalidade de sua aplicação

dependerá de novas manifestações relativas ao tema, servindo a presente pesquisa como

estímulo a estas futuras contribuições.

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