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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ
ROSEANA DA SILVA
O PERFIL DO CRIMINALIZADO QUE CUMPRE PENA NOPRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS
BIGUAÇU2010
1
ROSEANA DA SILVA
O PERFIL DO CRIMINALIZADO QUE CUMPRE PENA NOPRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS
Monografia apresentada à Universidade doVale do Itajaí – UNIVALI, como requisitoparcial a obtenção do grau em Bacharel emDireito.
Orientadora: Profª. MSC. Eunice Anisete deSouza Trajano
BIGUAÇU2010
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ROSEANA DA SILVA
O PERFIL DO CRIMINALIZADO QUE CUMPRE PENA NOPRESÍDIO MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS
Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de Bacharel, e aprovada pelo
curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Ciências Sociais e Jurídicas.
Área de Concentração: Direito Penal e Direito Processual Penal
Biguaçu, 30 de Maio de 2010
Profª. MSC. Eunice Anisete de Souza TrajanoUNIVALI – Campus de Biguaçú
Orientadora
Profª. Esp, Marilene do Espírito SantoUNIVALI – Campus de Biguaçú
Membro
Profª. Esp, Alessandra de Souza TrajanoUNIVALI – Campus de Biguaçú
Membro
3
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade
pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do
Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora, bem
como, a Orientadora, de toda e qualquer responsabilidade acerca do presente.
Biguaçu, 30 de Maio de 2010.
Roseana da Silva
4
AGRADECIMENTOS
Obrigada Senhor, por ter me dado força e coragem para enfrentar, mais uma
caminhada em minha vida.
Aos meus amados sobrinhos, Tito Augusto, Luana, Vitor Leonel e Vinicius
Leonel pelo incentivo e carinho.
Aos amigos Adilson Maurino da Siilva e Deise Maria do Nascimento, pelos
obstáculos tão difíceis que superamos no Presídio Masculino, e dai, surgiu a
coragem de alcançar mais uma etapa na minha vida profissional.
Aos amigos Elton Felisbino Artur da Silva, Jean Winn Packer, Stella Maris
Smaniotto, que muito me ajudaram na elaboração deste trabalho, muito obrigada.
A querida professora Tania Trajano, pelo seu jeito simples de nos cativar nas
aulas de Direito Civil, aprendi muito contigo, obrigada.
A todos os colegas da faculdade que durante os 5 anos de luta, me
acompanharam, destaco as amigas Rosemere Schlemper e Priscila Heleno, pelos
trabalhos academicos que realizavamos juntas, bem como pela amizade e confiança
que a mim depositaram.
Em especial, quero agradecer a Dra. Eunice Anisete de Souza Trajano, minha
orientadora, que desde o início acreditou em mim, e muito me ensinou. Tenho a
senhora, como exemplo profissional por acreditar tanto naquilo que faz, obrigada.
5
DEDICATÓRIA
Aos meus pais, Leonel Felisbino da Silva
(in memorium) e Alcelina da Silva,
Exemplos de vida e amor.
6
“As pessoas crêem que o processo penal termina com a
condenação, e não é verdade; As pessoas crêem que a
pena termina com a saída do cárcere, e não é verdade; As
pessoas pensam que o cárcere perpétuo seja a única pena
perpétua; e não é verdade: A pena, se não mesmo sempre,
nove vezes em dez, não termina nunca. Quem em pecado
está perdido, Cristo perdoa. Mas os homens, não.”
FRANCESCO CARNELUTTI
7
RESUMO
A presente Monografia tem como objetivo, apresentar o perfil do criminalizado que
cumpre pena no Presídio Masculino de Florianópolis. O primeiro capítulo trata da
Evolução Histórica da Pena, as Escolas Penais, o Surgimento das Prisões e os
Sistemas Penitenciários. O segundo capítulo trata do Sistema Penal e da Pena de
Prisão. E o terceiro capítulo enfoca a Pesquisa de Campo realizada no Presídio
Masculino de Florianópolis, com o fito de traçar o perfil do criminalizado, que ali
cumpre pena.
PALAVRAS-CHAVE: Criminalizado, pena, perfil.
8
ABSTRACT
This monograph aims to present the profile that criminalized serving time in Men`s
Prison Florianópolis. The first chapter deals with the Historical Evolution of Pena,
Pena Period humanitarian, The Criminal Schools, The Emergence of Prisons and
Prison Systems. The second chapter deals with the criminal justice system and
imprisonment. The third chapter focuses on the Field Research conducted in the
Men`s Prison with a focus to draw the profile criminalized, that there serving time.
Keywords: Criminalized. Penalty. Profile.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 121 A GÊNESE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE........................................ 14
1.1 CONCEITO DE PENA...................................................................................... 14
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA................................................................ 15
1.3 PERÍODO HUMANITÁRIO DA PENA.............................................................. 17
1.4 ESCOLAS PENAIS.......................................................................................... 18
1.4.1 Escola Clássica........................................................................................... 191.4.2 Escola Positiva............................................................................................ 211.4.3 Escola Neoclássica..................................................................................... 24
1.5 SURGIMENTO DAS PRISÕES........................................................................ 25
1.6 SISTEMAS PENITENCIÁRIOS........................................................................ 32
1.6.1 Sistema Filadélfia........................................................................................ 321.6.2 Sistema de Auburn...................................................................................... 331.6.3 Sistema de Montesinos.............................................................................. 341.6.4 Sistema Inglês Progressivo ou Mark System........................................... 351.6.5 Sistema Progressivo Irlandês.................................................................... 361.6.6 Sistema Fechado......................................................................................... 371.6.7 Sistema Semiaberto.................................................................................... 371.6.8 Sistema Aberto............................................................................................ 382 O SISTEMA PENAL E A PENA DE PRISÃO..................................................... 402.1 CONCEITO E FINALIDADE............................................................................. 40
2.2 SISTEMA SOCIAL DA PRISÃO....................................................................... 42
2.3 PRISONIZAÇÃO.............................................................................................. 45
2.4 FUNÇÕES DECLARADAS.............................................................................. 47
2.5 FUNÇÕES NÃO DECLARADAS...................................................................... 49
2.6 LABELLING APROACH................................................................................... 50
2.7 SELETIVIDADE................................................................................................ 52
2.8 AS MAZELAS DO SISTEMA PENAL............................................................... 54
3 PESQUISA DE CAMPO..................................................................................... 59
3.1 ESTABELECIMENTO PENAL PESQUISADO ................................................ 59
10
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PENAL................................. 59
3.3 DISTRIBUIÇÃO MENSAL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO PRESÍDIOMASCULINO DE FLORIANÓPOLIS NO PERÍODO DE MARÇO 2008 ÀMARÇO 2010.........................................................................................................
63
3.4 MÉTODO UTILIZADO NA PESQUISA............................................................ 64
3.5 PERÍODO PESQUISADO................................................................................ 64
3.6 OBJETIVO DA PESQUISA.............................................................................. 64
3.7 PERFIL DOS RECLUSOS DO ESTABELECIMENTO PESQUISADO............ 65
3.7.1 Idade............................................................................................................. 653.7.2 Naturalidade e Nacionalidade.................................................................... 663.7.3 Situação Civil............................................................................................... 673.7.4 Cor de Pele................................................................................................... 683.7.5 Profissão...................................................................................................... 693.7.6 Grau de Instrução........................................................................................ 703.7.7 Recebimento de Visitas.............................................................................. 713.7.8 Egressos de Estabelecimento de Menores.............................................. 723.7.9 Situação Socioeconômica.......................................................................... 733.7.10 Delitos Mais Praticados............................................................................ 743.7.11 Situação Jurídica....................................................................................... 753.7.12 Tempo de Pena.......................................................................................... 763.7.13 Regime de Pena......................................................................................... 773.7.14 Retornaram para a Instituição Penal Pesquisada no Período deMarço de 2008 à Março de 2010..........................................................................
78
3.8 LINGUAGEM UTILIZADA PELOS RECLUSOS DA INSTITUIÇÃO................. 79
3.9 REVISTAS CORPORAIS................................................................................. 82
3.9.1 dos Presos................................................................................................... 823.9.2 dos Familiares............................................................................................. 83
3.10 VISITAS ÍNTIMAS.......................................................................................... 86
CONCLUSÃO........................................................................................................ 88REFERÊNCIAS...................................................................................................... 90ANEXO A – Ofício da professora Eunice ao administrador do PresídioMasculino de Florianópolis.................................................................................
93
ANEXO B – Ofício do administrador do Presídio Masculino deFlorianópolis em resposta a professoraEunice....................................................................................................................
95
ANEXO C – Fotos do Presídio Masculino de Florianópolis............................. 97
11
ANEXO D – Formulário de entrevista dos reclusos.......................................... 105
ANEXO E – Formulário das carteiras de visitas................................................ 108ANEXO F – Procedimentos para visitas e entregas dealimentos...............................................................................................................
110
12
INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como finalidade, traçar o Perfil do Criminalizado,
que cumpre pena no Presídio Masculino de Florianópolis.
O interesse em abordar esta temática, deu-se em função das constantes
observações realizadas na Instituição, no que refere-se a identificação da
população carcerária que ali vivem, e a sua dinâmica diária.
É do conhecimento de todos, pois, que o sistema carcerário brasileiro
encontra-se em uma situação caótica, e o catarinense, não difere, no tocante a
superlotação, e a falta de políticas públicas adequadas, voltadas à realidade de cada
estabelecimento penal.
Entretanto, visando um suporte teórico adequado, para que a realidade
vivenciada, seja melhor entendida, fez-se necessário estruturar esta monografia em
três capítulos.
No que tange a metodologia aplicada, utilizou-se o método dedutivo, que
parte da abordagem de argumentos gerais referentes ao assunto, para fenômenos
particulares ou conclusões formais acerca da temática em tela.
É mister salientar que, buscando-se melhor entendimento quanto ao
assunto em discussão, no primeiro capitulo será apresentada, a gênese da pena
privativa de liberdade, onde será enfocado inicialmente o conceito de pena, histórico
e seus períodos humanitários, assim como as escolas penais, seus percussores e
entendimentos. Enfatiza-se também o surgimento das prisões e os sistemas
penitenciários.
Já no segundo capitulo será enfocado o sistema penal e a pena de prisão,
conceito e finalidade da pena, o sistema social da prisão destacando os conflitos que
há entre presos e funcionários e com os demais presos, onde perdura um ambiente
de desconfianças, inseguranças, prevalecendo a figura do “eu” e não do “nosso”;
outro fator destacado é o processo de prisonização, que atinge não somente a
massa carcerária, mas também os funcionários que atuam naquela realidade,serão
ressaltadas ainda as funções declaradas e não declaradas, o labelling aproach, as
seletividades e as mazelas do sistema penal; estas tão presente no dia a dia de
uma prisão. E o quanto estão enraizadas, de medos, inseguranças, instalações
físicas precárias, ociosidades, falta de profissionais qualificados e treinados
13
adequadamente para atuarem no sistema penal, pois trata-0se de uma realidade
própria que requer técnicas adequadas, tidas por estudiosos acerca do assunto e
que merece atenção.
E no terceiro e último capítulo, será apresentada a pesquisa realizada no
Presídio Masculino de Florianópolis, que culminou por traçar o perfil da população
que ali habita.
Entretanto, sentiu-se ainda no terceiro capítulo a necessidade de enfatizar, a
linguagem usada pelos reclusos do Presídio Masculino de Florianópolis, para
comunicarem-se.
Assim como também, a práxis das revistas corporais à que são submetidos
os reclusos e seus familiares.
E por derradeiro, discorrer alguns aspectos no tocante as visitas íntimas,
que são realizadas aos reclusos nos finais de semana, por suas esposas e
companheiras.
Finalizando, ao concluir-se esta monografia, serão tecidas algumas
considerações, sobre as questões referenciadas no decorrer do presente trabalho.
14
1 A GÊNESE DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE
Neste primeiro capítulo será enfocado a questão da Evolução Histórica da
Pena, as Escolas Penais e o Surgimento das Prisões.
Destacam-se as diversas correntes que impulsionaram e procuraram
legitimar a pena de reclusão através dos tempos.
Não cabe neste momento apresentar uma análise profunda e crítica acerca
das escolas e teorias, mas apenas enfatizar o conteúdo básico no tocante a
questão.
Iniciar-se-á com conceitos de pena.
1.1 CONCEITO DE PENA
No que refere-se a pena Damásio E. de Jesus, salienta que é a sanção aflitiva
imposta pelo Estado, por meio da ação penal, ao autor de uma infração penal como
retribuição de seu ato ilícito, cujo fim é evitar novos delitos1
Na ótica de Luiz Vicente, a pena é definida da seguinte forma:
A pena consiste substancialmente na perda ou privação doexercício do direito relativo a um objeto jurídico. Formalmente,esta vinculado ao princípio de reserva legal e somente éaplicada pelo Poder Judiciário, respeitado o princípiocontraditório.2
Para Edmundo José de Bastos Junior, a pena é em geral definida como um
sofrimento imposto pelo Estado ao autor de uma infração penal.3
No entanto, na visão de Fernando Capez, a pena é uma sanção penal que é
imposta pelo Estado, ao indivíduo por ter praticado uma infração, e tem como fim
promover além da sua readaptação social, a prevenção de novas transgressões.4
1 JESUS, Damásio E. de. Direito penal: parte geral. Vol. 1,28 ed. São Paulo, 2005 p. 5192 CERNICCHIARO, Luiz Vicente. Estrutura do direito penal. São Paulo, sugestões literárias, 1972 p. 94.3 BASTOS JÚNIOR, Edmundo José de. Código penal em exemplos práticos. Florianópolis. OAB. 2002 p. 1534 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: Parte geral. São Paulo. Saraiva, 2007, p. 259.
15
1.2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PENA
Na concepção de Odete Maria de Oliveira, a pena apresenta como evolução
histórica, os períodos de vingança privada, divina, pública e humanitária.5
No que tange a vingança privada João Farias, destaca que as tribos e clãs
exerciam a vingança privada, quer individualmente, quer coletivamente, contra seus
ofensores.6
É considerada a fase mais primitiva da história da pena, equivale a lei do mais
forte, ficando a sua execução a cargo do ofendido.7
Nessa fase ainda, Odete Maria de Oliveira destaca que:
A lei de talião era bem mais radical do que as outras formas devingança punitiva, mas ainda não era reconhecidapropriamente como um gênero da pena; porém, suaimportância lhe é devida por ser a primeira fórmula de justiçapenal.8
A justiça de talião – “olho por olho, dente por dente, vida por vida”, foi a forma
de aplicação da pena, onde o ofendido poderia praticar uma ação igual a que lhe foi
realizada.9
João Farias Junior enfatiza que, nesta fase a punição era destacada como
uma maneira de acalmar a ira da divindade, bem como purificar o infrator, para que
a paz reinasse na terra, e a pena era dita como forma de modificar aquele que
cometesse um delito. Para os que praticassem roubo cortavam-lhe os dedos, se
reincidissem cortavam-lhes os pés e as mãos. Se insultassem um homem de bem
cortavam-lhe a língua, o adúltero era queimado em cama ardente, e a adúltera era
entregue aos cachorros.10 Os povos da antiguidade acreditavam ainda que violar a
boa convivência, ofendia os deuses, e a ira destes trazia muitas desgraças a eles.11
5 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, 3ª ed, Editora da UFSC, Florianópolis, 2003 p. 26.6 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. 3 ed. Curitiba, Juruá, 2004, p. 23.7 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. Rio de Janeiro. Forense, 2000, p. 7.8 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 26.9 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 24.10 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. p. 8.11 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 24.
16
No período divino, teve como seu maior representante o código de manu
(século XV a.c) sobre a forma de que a pena purificava a alma do infrator.12
João Farias Junior destaca que:
Na vingança divina, determinados povos da antiguidadecultivavam a crença de que a violação da boa convivênciaofendia a divindade e que a sua cólera fazia cair a desgraçasobre todos, todavia, se houvesse uma reação, uma vingançacontra o ofensor, equivalente à ofensa, a divindade depunha asua ira, voltava a ser propícia e a dispensar de novo suaproteção a todos.13
Já na idade moderna prevaleceu a repressão, as penas que não atingissem o
corpo do delinqüente, eram acompanhadas de outros castigos, banimento,
exposição, a marcação de ferrete, e a multa vinha como acessório o açoite.14
No tocante a exposição ressalta-se a morte de Joaquim José da Silva Xavier,
o Tiradentes, no Brasil, que foi uma demonstração desta fase onde prevalecia a
crueldade das penas. Por ter sido acusado do crime de “lesa-majestade” sofreu os
rigores da época. Sua condenação não só o atingiu, como também estendeu-se
para seus familiares.15
No período de vingança pública, o autor João Farias Junior, enfatiza que:
A vingança divina era também uma vingança Pública. Essavingança se generalizou, com o uso de Juízes de tribunais como objetivo de conter a criminalidade, mas por mais aterradoresque fossem os castigos e suplícios infringidos contra osdelinqüentes, por mais ostensiva que tenha sido a pretensaexemplaridade das execuções das penas corporais einfamantes, nunca houve efeito inibitório ou frenador dacriminalidade.16
Com a evolução nas relações entre as pessoas, ia-se definindo os campos de
atuação do Direito e da religião, as leis não podiam ser mais aceitas, como simples
costumes sagrados, que eram reveladas e sancionadas pelos deuses.17
A autora Odete Maria de Oliveira, apresenta ainda que:
12 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. p. 8.13 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 24.14 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 38.15 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. 3ª p. 41.16 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 24.17 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 36.
17
Fortalecida a autoridade pública, tornou-se forte o Estado, comcompetência para sobrepor-se, chamando para si o exercícioda pena, tirando da mão do ofendido e da vítima, ou de suafamília, tal titularidade.18
É mister salientar que, os períodos históricos da pena não aconteceram de
forma estanque, seja, encerrava um, iniciava-se outro, ao contrário, o período de
vingança divina conviveu muito tempo com o período da vingança pública, e o
mesmo com o privado.19
No período de vingança Pública, cabe ressaltar que, com a evolução das
relações entre as pessoas, ia-se definindo os campos de atuação do Direito e da
Religião, as leis não podiam ser mais aceitas, como simples costumes sagrados.20
1.3 PERÍODO HUMANITÁRIO DE PENA
Diante de tudo o que ocorria, o mundo assistia as formas mais cruéis de
vingança à aquele que cometesse um delito. Tudo era feito não só para punir o
infrator, mas também para humilhá-lo. Pois não era só a dor física que interessava,
ele tinha que ser atingido moralmente.21 O povo tudo acompanhava, e por que não
dizer muitas vezes participava, açoitando, escarnecendo, o acusado, demonstrando
desta forma, o seu direito de acompanhar a punição, e participava de certa forma
daquele ato.22
Por outro lado, havia uma preocupação de vários estudiosos, acerca da
moderação das punições, bem como da sua proporcionalidade com o crime. Entre
os defensores, encontravam-se juristas, magistrados, parlamentares, filósofos,
legisladores, e técnicos de Direito.23
Para Odete Maria de Oliveira ainda:
18 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 36.19 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. p. 8-11.20 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 35.21 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da Pena. p. 12.22 FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. Tradução de Raquel Ramalhete. 16ª ed, editoravozes, Petrópolis, 1997, p.53.23 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 43.
18
Os vários reformadores construíram e divulgaram suas teorias,entre eles, Servam, Voltaire, Marat, Duport, Target, culminandocom o grande expoente, o economista e criminalista Italiano,Cesare Bonesana, marquês de Beccaria, autor da obraextraordinária, De Delitte e Delle Pene, cujos princípiosrenovaram e abrandaram o sistema Penal, despertando aconsciência pública contra as vergonhosas atrocidades dosuplicio.24
Em sua obra Cesare Beccaria, destaca a origem da pena e o direito de punir,
pois o juiz não poderia impor uma pena que não estivesse prevista em lei, devendo
interpretá-la de maneira correta, para não cometer abusos.25
Beccaria, acrescenta ainda que:
O juiz deve fazer um Silogismo perfeito. A maior deveser a lei geral; a menor, a ação conforme ou não a lei; aconseqüência, a liberdade ou a pena. Se o Juiz forconstrangido a fazer um raciocínio maior, ou se fizer por contaprópria, tudo se torna incerto e obscuro.26
O autor em destaque menciona também que é muito perigoso o “axioma
comum”, pois é preciso consultar o espírito da lei. Pois se forem adotadas os
“axiomas” as leis serão obviamente abandonadas as opiniões diversas.27
1.4 ESCOLAS PENAIS
Neste momento será apresentada as escolas penais, suas influencias e
conteúdos.
Segundo Francisco Bissoli Filho as Escolas Penais estão classificadas em
Clássica, Positiva, Neoclássica ou Técnico-Jurídica, deram início ao estudo acerca
da criminologia e da pena.28
24 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 43.25 FERREIRA, Gilberto. Aplicação da pena. p. 13.26 BECCARIA. Cesare. Dos delitos e das penas. Tradução de Paulo M. Oliveira. 15ª ed. Ediouro. Rio deJaneiro, 2001, p. 29.27 BECCARIA. Cesare. Dos delitos e das penas. p. 29.28 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma da criminalização. – dos antecedentes à reincidência criminal. Livrariae Editora obra Jurídica Ltda, Florianópolis – 1998, p. 29.
19
1.4.1 Escola Clássica
O marco original da escola clássica foi o iluminismo, onde ocorreu uma
transformação estrutural da sociedade e do Estado.29
Para João Farias, o marquês de Beccaria foi:
Uma das primeiras vozes a repercutir na consciência dasistemática penal operada no fim do século XVIII, estendendo-se até o início do século XIX e culminando com a consolidaçãoda Escola Clássica.30
Para Vera Regina Pereira de Andrade, o marco da escola em destaque
apresenta dois momentos bem definidos que é um essencialmente filosófico, que
remontaria a suas origens, e o outro jurídico.31
Nesta escola é destacado que o delinqüente não poderia mais ser punido pela
vontade dos deuses, e sim, deveria esta punição ser prevista em lei, acerca do
assunto a autora Vera Regina de Andrade, enfatiza:
Baseando-se no postulado fundamental de que os direitos dohomem tinham que ser protegidos da corrupção e dosexcessos das instituições vigentes, vistos que não estavamausentes nos regimes jurídicos da Europa no século XVIII [...]ela empreenderá uma rigorosa racionalização do poder punitivoem nome, precisamente, da necessidade de garantir oindivíduo contra toda intervenção estatal arbitraria. Daí por quea denominação de garantismo seja talvez a que melhor espereo seu projeto racionalizador.32
Na visão de Francisco Bissoli Filho, a pena na escola clássica é preventiva e
retributiva. E o crime é visto como um fato social, sendo que a pena teria a dupla
finalidade de retribuição justa e proporcional da sociedade pelo dano causado.
29 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A Ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violência docontrole penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. p. 47.30 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 26.31 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 46.32 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança. p. 47.
20
Assim como da prevenção para que o delinqüente não volte a cometer novos
delitos.33
João Farias Junior, destaca ainda que a Escola Clássica apresenta como
princípios, a legalidade dos crimes e das penas ou principio de reserva legal; a
indistinção das penas perante a Lei Penal; na lei Penal não deveria haver lacunas; a
justiça tinha que ser retributiva e comutativa.34
Para Vera Regina Pereira de Andrade, o marco inicial da Escola Clássica foi a
obra de Beccaria em 1764, “Dos Delitos e das Penas”, enquanto que o segundo
período da referida escola, e o seu desenvolvimento devem-se a Carrara, em 1859,
com sua obra “Programa do Curso de Direito Criminal.”35
Para Cesare Beccaria a pena teria um sentido utilitarista e estabelecia o
fundamento do direito de punir, acerca da questão, destaca:
Foi portanto a necessidade que impediu os homens a cederparte da própria liberdade. É certo que cada um só quercolocar no repositor publico a mínima porção possível, apenaso suficiente para induzir os outros a defender. O agregadodestas mínimas porções possíveis é que forma o direito depunir. O resto é abuso e não justiça, é fato, mas não direito.36
Já para Francisco Bissoli Filho, em Beccaria é encontrado o pressuposto
filosófico da ciência penal, enquanto que em Francisco Carrara, encontra-se o
apogeu da construção Sistemática da razão.”37
No dizer de Antônio Garcia Molina, falta na escola Clássica:
Uma preocupação inequivocadamente “etiológica”(preocupação em indagar as “causas” de comportamentocriminoso), já que sua premissa iusnaturalista à conduz aatribuir a origem do ato delitivo a uma decisão “livre” do seuautor, incompatível com a existência de outros fatores oucausas que pudessem influir no seu comportamento. E, pois,uma concepção mais “reativa” que “etiologica” e, comoconclusão, só pode oferecer uma explicação “situacional” dodelito.38
33 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 33.34 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 26.35 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 46.36 BECCARIA. Cesare. Dos delitos e das penas. p. 29.37 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 31.38 MOLINA, Antônio Garcia – Pablos de. Criminologia: introdução a seus fundamentos teóricos. 2 ed. ed.ver. Atual e amp. São Paulo: Revista dos tribunais, 1997, p. 134.
21
Relata ainda João Farias Junior, que além de Beccaria, a escola Clássica
teve outros precussores, entre eles Pellegrino, Rossi, Carmignani, Erico Pessiva,
Emanuel Kant e Francisco Carrara.39
A escola Clássica focalizou o “fato-crime”, enfatizando com isto a teoria do
crime, fator este que fez com que os cientistas, identificassem a produção teórica
Jurídica, da escola em questão como sendo “Direito Penal do Fato”.40
1.4.2 Escola Positiva
João Farias Junior salienta ainda que:
César Lombroso, inspirou-se na antropologia criminal e nosestudos da evolução da espécie humana, desenvolvidos porDarwin, aproveitava-se da condição de médico do sistemapenitenciário italiano, para autopsiar cadáveres dos presos econcluir sobre estigmas criminógenos. Após necropsiar 383cadáveres, deparou-se com o defunto do famoso facínoramilanês Vilela. Dissecando-o teve a grata surpresa, deencontrar em seu crânio a fosseta occipcial média que era acaracterística do homem primitivo. Tal vestígio levou Lombrosoa concluir que havia uma relação entre o instinto sanguinário ea repressão atávica e ao lançar o seu livro L’uomo Delinqüenteem 1876, admitia essa hipóteses: a) o homem criminosopropriamente dito é nato; b) é idêntico ao louco moral; c)apresenta base epiléptica; d) constitui, por um conjunto deanomalias. tipo especial [...].41
Para o médico Césare Lombroso, em sua obra D’uomo Delinqüente, escrita
em 1876, o criminoso era classificado de delinqüente nato, louco, por paixão e por
ocasião.42
João Farias Junior destaca na Escola Positiva que:
O homem criminoso é dotado de livre arbítrio, não há que secogitar das causas ou fatores criminógenos ou de influxos
39 JÚNIOR, João Farias. Manual de criminologia. p. 27.40 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 34.41 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. p. 29.42 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. p. 30.
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exógenos ou endógenos influenciadores do comportamentocriminoso, mas para a Escola Positiva, o determinismo dessecomportamento é o centro gravitacional de toda a sua doutrina.Por que o homem é criminoso? Como se pode desvendaresses fatores? Só a partir da obra de Lombroso, em 1876, sobo título, O Homem Delinqüente é que as respostas passaram aser dadas, e só a partir dessa obra é que se pode considerar aexistência tanto da criminologia como a Escola Positiva.43
Na escola Positiva não havia uma preocupação em se diminuir as penas,
como ocorreu na escola clássica, aqui o que se propunha era além da pena, a
diminuição da criminalidade, criando-se para isto a ideologia da defesa social contra
a delinqüência.44
Seus maiores pensadores foram Cesare Lombroso, Erico Ferri e Rafaelle
Garófalo, que a partir do homem criminoso, iniciaram seus estudos.45
Nesta fase, e com o deslocamento das causas do crime, que baseava-se
anteriormente no livre arbítrio, para o homem criminoso, passou-se a analisar os
fatores antropológicos, sociológicos e psicológicos do delinqüente.46
Para Odete Maria de Oliveira, a Escola Clássica, nasce com o Iluminismo e a
humanização da pena, e se divide, em dois períodos distintos, que são: Político,
representado por Cesare Beccaria, e o Prático, com a figura de Carrara.47
É destacado pela autora ainda que:
A escola Clássica era partidária do Livre Arbítrio, com base eessência na responsabilidade moral. E os delitos sãopraticados pela vontade livre dos homens, porque eles temliberdade moral.48
Vera Regina Pereira de Andrade, salienta que a partir da obra de Lombroso,
nasce a criminologia como “ciência casual-explicativa”.49
Ainda acerca do assunto ressalta que:
43 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia. p. 28.44 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 34.45 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 35.46 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 61.47 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 66.48 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 66.49 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 65.
23
Foi de Ferri então considerado o maior expoente e o maisautêntico representante da Escola Positiva, que veio a segundaresposta sobre as causas do crime. Desenvolvendo aantropologia lombrosiana e orientando-se por uma perspectivasociológica, admitiu uma tríplice série de causas ligadas àetiologia do crime: individuais (orgânicos e psíquicos), físicas(ambiente telúrico) e sociais (ambiente social) e, com elasampliou a originária tipificação lombrasiana da delinqüência.50
Para Francisco Bissoli Filho, é enfatizado que:
Buscando também a defesa social pela profilaxia do crimeatravés de sua repressão, Raffaele Garófalo, professor emagistrado napolitano e um dos principais expoente da EscolaPositiva, estudou o delito e a repressão penal sob um critérionaturalista, utilizando-se de métodos experimentais e daanálise das estatísticas, através de documentos fornecidospela psicologia e pela antropologia.51
Na visão de Odete Maria de Oliveira o positivismo destacava o delito como
uma realidade biológica social, que advinha de fatores antropológicos e materiais.
Sua preocupação principal era com o criminoso, buscando neste individuo a causa
social do crime que este cometeu, bem como ressaltar traços de sua
personalidade.52
Através da sua metodologia, a Escola Positiva, segue o “paradigma
etiológico”, buscando desta forma explicar os fenômenos criminológicos por meio de
suas raízes, em razão do que a criminologia é dita, como a “ciência casual-
explicativa” da criminologia.53
50 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 65.51 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 35.52 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 67.53 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 40.
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1.4.3 Escola Neoclássica
A escola neoclássica, também conhecida como Escola Técnicojurídica, surgiu
na Itália, foi criada por Manzini e seguida por Arturo Rocco54. Ela adotou da Escola
Positiva, as “premissas” da criminologia, com a finalidade de usar os dados da
antropologia e da sociologia criminal.55
Assim, segundo Vera Regina Pereira de Andrade, no tocante a Escola em
tela:
O caminho do paradigma dogmático trilhado por Rocco, queconduzia à autonomização da Ciência Penal, requeria umaresposta ao problema latente das relações entre a DogmáticaPenal e as demais disciplinas que, como herança das EscolasClássicas (Filosofia e Política) e Positiva (Antropologia eSociologia Crminal) dividiam o campo Penal.56
Segundo Francisco Bissoli Filho, conforme é destacado por Aturo Rocco,
nesta escola, o infrator deveria ter maior ênfase perante o crime, e enquanto que a
lei penal, deveria, ater-se para os fatores relacionados a pessoa do delinqüente,
especificamente no que tange a responsabilidade moral.57
Manoel Pedro Pimentel, destaca que na escola clássica havia conotação para
a defesa do caráter retributivo da pena, porém na escola positiva, permanece a
questão da sanção penal. E, somente com a escola neoclássica é que se chega a
uma nova definição da pena, onde é enfatizado que a pena é uma relação jurídica
contra o crime.58
Acerca da escola Neoclássica, Odete Maria de Oliveira salienta:
A Escola Técnicojurídica nasceu na Itália como reação aoPositivismo Penal. Criada por Manzini e seguida por Rocco,adotou como método o estudo das relações jurídicasdogmáticas, expressa nos códigos e nas leis. Negou ainvestigação filosófica e instituiu na distinção entre direito penal
54 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social.55 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 40.56 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica – do Controle da Violência à Violênciado Controle Penal, p. 87.57 BISSOLI FILHO, Francisco, Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 42.58 PIMENTEL. Manoel Pedro. Prisões fechadas e prisões abertas. São Paulo: Cortez e Moraes, 1977, p. 13.
25
vigente, de controle normativo, valorativo e penalista, e acriminologia casual, explicativa e naturalista.59
1.5 SURGIMENTO DAS PRISÕES
A concepção de prisão para Michel Foucault, “é a forma geral de uma
aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho
preciso sobre seu corpo, criou a instituição prisão antes que a lei a definisse como a
pena por excelência.”60
Odete Maria de Oliveira, destaca que:
Os povos primitivos ignoravam quase que completamente aspenas privativas de liberdade e as prisões. Utilizavam a penade morte como medida suprema, pura e simples, e, para oscrimes reputados graves e atrozes, apenavam os culpadoscom suplícios adicionais, de efeitos amedrontadores. Taispenas, também foram consagradas em épocas e porlegislações mais avançadas. Inicialmente a detenção aparecena história como uma medida simplesmente preventiva para,só mais tarde tomar um caráter repressivo e tornar-se um tipode penalidade.61
Nas sociedades pouco desenvolvidas a prisão preventiva não era necessária,
pois a responsabilidade era coletiva e não individual.62
Acerca ainda do assunto em questão, Odete Maria de Oliveira acrescenta que
devido as precárias condições socioeconômicas na antiguidade, não eram
construídos estabelecimento penais e para tanto, usava-se os buracos em formas de
fossas para colocar os infratores e ali ele aguardava à aplicação de seus castigos.63
Esta maneira de aprisionar não constituía pena propriamente dita, e nem tão
pouco eram ligadas a crimes definidos, como enfoca Odete:
A Lei Mosaica não mencionava uma única vez a pena detentivade prisão, posteriormente as Crônicas e o Livro de Jeremias,
59 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 68.60 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.207.61 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 47.62 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 47.63 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 47.
26
em muitas passagens, falavam em prisões, fossas e entraves,como medidas preventivas em que os acusados aguardavam ojulgamento.64
Na idade média, a prática das penas privativas de liberdade também não
ocorreram. Há um predomínio neste período do direito Germânico. As sanções pela
ocorrência dos crimes, estavam ao arbítrio dos governantes. Surgiu nesta época as
prisões de Estado e as prisões Eclesiásticas. Enquanto que nas do Estado somente
eram recolhidos os inimigos do poder real o senhorio, que tivessem praticados
delitos contra o rei ou fossem adversários políticos dos governantes, já nas
Eclesiásticas destinavam-se aos religiosos rebeldes.65
Em Roma, é na fortaleza real que se encontrava a mais velhaprisão, na idade média na Judéia em fossas baixas, no antigoMéxico eram gaiolas de madeiras onde eram amarrados osacusados.66
Com referencia a esta prática das prisões Eclesiásticas, Manoel Pedro
Pimentel comenta que:
A prisão celular, nascida no século V, teve inicialmenteaplicação apenas nos mosteiros pois a igreja não podia aplicarpenas seculares, especialmente a pena de morte, daíencarecer o valor da segregação que favorecia a penitência. Oencarceramento na cela, denominada in pace deu origem achamada prisão celular, nome que há até bem poucos tempoera usado na legislação penal.67
Mesmo caracterizando-se por um sistema punitivo desumano e ineficaz,
poderia se destacar que a influência penitencial canônica na idade média, deixou
como aspecto positivo, o isolamento celular, o arrependimento e a correção do
infrator contribuíram desta forma para o surgimento das prisões modernas.
Especialmente no que se refere as primeiras idéias de “reforma do delinqüente”. A
64 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 48.65 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas, 3ª ed. Editora Saraiva.São Paulo, 2004. p. 11.66 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 47.67 PIMENTEL. Manoel Pedro. Prisões fechadas e prisões abertas. p. 13.
27
palavra penitência é de estreita vinculação com o direito canônico, e dela deu-se a
origem as palavras penitenciário e penitenciária.68
No tocante a idade moderna, durante os séculos XVI e XVII, a pobreza se
abate e se estende por toda Europa. Haviam aqueles que delinqüiam quase que
diariamente para poderem sobreviver, e eram submetidos a todos os tipos de
reações penais, porém estas todas falhavam. Em decorrência das guerras religiosas
ocorridas na França, grande parte das riquezas foram perdidas, em conseqüência
por tal situação no ano de 1556 os pobres faziam parte de uma grande parcela da
população. Para sobreviverem praticavam roubos e assassinatos.69
Segundo relata Cezar Roberto Bittencourt:
O parlamento tratou de enviá-los às províncias. No ano 1525foram ameaçados com o patíbulo; em 1532 foram obrigados atrabalhar nos encanamentos para esgotos, acorrentados dedois em dois; em 1554 foram expulsos da cidade pela primeiravez; em 1561 decidiu-se, finalmente, que os mendigos de Parisseriam açoitados em praça pública, marcados nas costas,teriam a cabeça raspada e logo seriam expulsos da cidade.70
A pena de morte, por razões políticas, não era a solução adequada, pois não
poderiam ser aplicadas a tantas pessoas. Eram muitos a serem enforcados, e a
miséria, como era do conhecimento de todos, era maior do que a má vontade desta
gente.71
Na Europa, dividida em numerosos estados minúsculos e cidades
independentes, os pobres ameaçavam, só com sua massa crescente dominar o
poder do Estado.72
Iniciou-se na segunda metade do século XVI, um movimento de grande
importância no desenvolvimento das penas privativas de liberdade, na criação e na
construção de prisões organizadas para a correção dos delinqüentes. Para enfrentar
o fenômeno sóciocriminal, que deixava intranqüilas as pequenas minorias e as
cidades Inglesas, dispuseram-se elas mesmas a defender-se, criando instituições de
correção de notável valor histórico penitenciário.73
68 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 12-13.69 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 13.70 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 15.71 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 16.72 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da Pena de Prisão. Causas e alternativas. p. 55.73 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 18-20.
28
A finalidade destes locais, dirigidos com certa rigidez, consistia na
transformação dos delinqüentes por meio do trabalho e da disciplina. Tinha objetivos
relacionados com a prevenção geral, já que se objetivava desestimular a prática da
vadiagem e da ociosidade. O auge dessas instituições foi especialmente a partir da
segunda metade do século XVII. São fundadas em Amsterdam, no anos de 1596, as
casas de correção para homens e em 1597, para mulheres, em 1600, uma seção
especial para jovens.74
As características da legislação criminal da Europa, em meados do século
XVIII justificam a reação de alguns pensadores que defendiam, um movimento da
idéia que apresentavam como fundamento a razão e a humanidade.75
O direito era usado como um meio gerador de privilégios, o que permitia aos
juizes, dentro do mais desmedido arbítrio, julgar os homens conforme a sua
condição social. Visando uma mudança desta situação surge na metade do século
XVIII, um grupo de estudiosos, entre eles filósofos, moralistas, juristas, que
dedicavam suas obras, a criticarem a legislação penal vigente, defendendo a
liberdade dos indivíduos, e destacando os princípios de dignidade do homem.76
Este movimento atingiu o seu apogeu na revolução francesa, entre os seus
defensores destacaram-se Beccaria, Howard e Bentham.77
Em 1776, John Howard lançou seu livro O Estado das Prisões da Inglaterra e
País de Gales, com observações preliminares e relatos sobre algumas prisões e
hospitais estrangeiros. Nesta obra apresenta criticas, no tocante ao estado
deplorável das prisões. É destacado que ele mesmo sofreu os rigores desta
situação, pois quando em viagem a Portugal para auxiliar as vitimas de um grande
terremoto ocorrido em Lisboa, seu navio foi cercado por piratas franceses, foi preso
e levado para a França. Passado algum tempo foi posto em liberdade e chegando
em seu país Inglaterra passou a lutar pela reforma do sistema penal.78
Apresentava modelo ideal de estabelecimento penal chamadoPenitenciary House, devendo ter as seguintes bases:preocupação com a higiene e com o regime alimentarfortalecente, regime celular abrandado por educação moral,religiosa e profissional; regimes disciplinares diferentes para
74 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 22.75 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 25.76 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 30.77 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 32.78 FARIAS JUNIOR, João, Manual de Criminologia. p. 369.
29
processados e condenados; sistema progressivo de doisestágios para condenados: o primeiro estagio deveria ser deisolamento celular, dia e noite, e o segundo de trabalho duranteo dia e isolamento durante a noite.79
Odete Maria de Oliveira salienta que:
De certa forma, o esforço howardiano não foi inútil. Com aajuda do duque de Richmon foram construídos doisestabelecimentos penitenciários nos moldes que elepreconizava, em 1775 e 1781, chamados de “PenitenciaryHouse”.80
Com John Howard, deu-se inicio a luta pela humanização das prisões
nascendo com isto o penitenciarismo. Morreu com 64 anos devida a moléstia
contraída durante suas constantes visitas em prisões.81
Com a morte de Howard suas idéias deram continuidade com o surgimento
do criminalista Jeremy Benthan, criador do sistema Panótico.82
Acerca de sistema comenta Michel Foucault:
O Panótico de Bethan é uma figura arquitetural destacomposição: o principio é conhecido na periferia umaconstrução em anel; no centro, uma torre esta é vazada delargas janelas que se abrem sobre a face interna do anel; acontrução periférica é dividida em celas, cada umaatravessando toda a espessura da construção, elas tem duasjanelas, uma para o exterior, que permite que a luz atravesse acela de um lado ao outro. Basta então colocar um vigia na torrecentral, em cada cela trancar um louco, um doente, umcondenado, um operário, um escolar. Pelo efeito da contraluzpode se perceber da torre recortando-se exatamente sobre aclaridade as pequenas silhuetas cativas nas celas da periferia.Tantas janelas, tantos pequenos teatros, em que cada ator estasozinho, perfeitamente individualizado e constantementevisível. O dispositivo panótico organiza unidades espaciais quepermitem ver sem parar e reconhecer imediatamente. Emsuma o principio da masmorra ou antes de suas três funções,trancar, privar da luz, e esconder, só se conserva e suprem-seas outras duas. A plena luz e o olhar de um vigia captam
79 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 369.80 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 52.81 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 44.82 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 45.
30
melhor que a sombra, que finalmente protegia a visibilidade euma armadilha.83
Para Michel Foucault, o panótico é ainda um zoológico, onde o homem nada
mais é, do que um animal, que fica agrupado individualmente e prevalece a relação
de disciplina.84
Neste mesmo sentido, conforme relata Odete Maria de Oliveira:
Restava o prisioneiro trancado em sua cela em que eraespionado de frente pelo vigia, as paredes laterais impediam ocontato com seus companheiros. Era visto e observadoanonimamente, sem cessar porém, não podia ver. Não havia operigo de evasão, e projetos de novos crimes, nem másinfluências, contágios, roubos, e violências. O panótico nãosignificava somente uma nova arquitetura de um edifício, decelas individuais, voltadas para o centro do pavilhão. Janelascom grades na parede externa, com uma torre de supervisãono centro, da qual o guarda tinha fácil visão de todo o seuinterior. Mas pretendia guardar os prisioneiros com maiorsegurança e economia, sob o efeito de uma reforma moral deboa conduta e educação.85
Para Odete Maria de Oliveira, Geremias Benthan mencionava que a prisão
era o local para o recolhimento dos homens, que haviam abusado da liberdade e
que tivessem cometido crimes, era defensor da corrente utilitarista.86
Odete afirma que a principal obra de Geremias Benthan foi a Teoria das
Penas e das Recompensas, que foi lançada em 1818. Seu livro, com o titulo
Memória, foi enviado à assembléia legislativa francesa em 1791, e teve como
objetivo a reforma das leis criminais, porém, foi ordenado pela assembléia apenas a
sua impressão, quanto ao problema não houve uma preocupação87, e nesta obra foi
destacado os três sistemas para a organização penitenciária. Que são:
A prisão Cloata, que é um lugar de corrupção total, semintervalos para reflexão, que endurece o homem para avergonha; a prisão da soledade absoluta, que preserva osreclusos do contágio moral e lhes permite a reflexão e odespertar do arrependimento. Este sistema celular puro, em
83 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.177.84 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.179.85 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 53-54.86 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 54.87 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 54.
31
principio, produz um efeito salutar, mas logo perde sua eficáciae conduz ao desespero, à loucura ou à insensibilidade e, doponto de vista econômico é muito oneroso; prisão de célulamúltipla, capaz de conter vários prisioneiros, escolhidos pelaidade, caráter, grau de criminalidade e perversidade.88
César Roberto Bittencourt, ressalta que Jeremy Benthan procurou um sistema
de contrato social com um principio ético.89
Odete Maria de Oliveira salienta que Geremias Betham:
Era contra os rigores da prisão, lugar infecto e horrível, escolade todos os crimes e de todas as misérias, da quais dizia podervisitar só tremendo. Pregava a ausência dos sofrimentoscorporais nas prisões, o trabalho obrigatório para evitar aociosidade e desenvolver as aptidões do preso, em umavigilância rigorosa para evitar confabulações permissivas eindecorosas.90
César Roberto Bittencourt, salienta ainda que Benthan fundamentou o
principio da teoria da pena baseado em que o indivíduo, busca sempre o prazer e
descarta a dor. Admitia o castigo, e para ele a pena não tinha a função de vingança
pelo ato praticado, mas a preocupação em prevenir a prática de novos delitos.91
Odete Maria de Oliveira enfatiza que:
A primeira penitenciária Panótica foi construída nos EstadosUnidos em 1800 na cidade de Richmond, Virgínia. Em 1826, foiconstruída a penitenciária Panótica de Pittsburg, naPensilvânia, e, em 1919, a penitenciária de Stateville, refletindouma combinação do estilo panótico e auburniano.92
Já no Brasil, segundo o autor João Farias, a primeira penitenciária panótica
foi construída na Bahia em 1962.93
88 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 55.89 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 45.90 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 54.91 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 48.92 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 55.93 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 372.
32
1.6 SISTEMAS PENITENCIÁRIOS
Acerca desta questão será destacado os sistemas de Filadélfia, Auburn,
Montesinos, progressivo Inglês, progressivo Irlandês, Sistema fechado, sistema
semiaberto e sistema aberto.
1.6.1 Sistema Filadélfia
Foi na cidade de Filadélfia, em 1790, que se dá inicio de um novo regime de
reclusão, chamado de Solitary Confinement, era conhecida também como sendo
Pensilvânio ou celular. Nele ocorria um isolamento absoluto, sem trabalho ou visitas.
Como tinha influência da religião Católica, a atividade principal aos cumpridores
deste sistema Penal, era ler a Bíblia.94
No tocante a este sistema Michel Foucault diz que:
No isolamento – como em Filadélfia – não se pede arequalificação do criminoso ao exercício de uma lei comum,mas a relação do indivíduo com sua própria consciência e comaquilo que pode ilumina-lo de dentro. 95
João Farias Junior, relata que ao ingressar no sistema Filadélfia, o
condenado, tomava um banho, passava por exames médicos, vendavam-lhe os
olhos, recebia um uniforme, era encaminhado a presença do Diretor, que lhe
informava os procedimentos a serem obedecidos, em seguida desvendavam-lhe o
olhos, e era levado para a sua cela. Esta não possuía cama, nem bancos, nem
cadeiras, ali permanecia no mais absoluto silêncio. Seu nome era substituído por um
número, o qual ficava no alto da porta da cela, e em seu uniforme, recebia
alimentação uma vez por dia, pela manhã.96
94 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 55.95 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.201.96 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 35 e 36.
33
Odete Maria de Oliveira destaca que, este sistema foi muito criticado, pois
além de ser severo, estava distante de ressocializar o condenado.97
O sistema Filadélfia, recebeu influências de Benjamim Franklin, que aderiu as
idéias de Howard na questão do isolamento do condenado, de Benjamim Rusch que
insistia em uma reforma de pena, bem como de Willian Bradford, que também era
adepto da teoria de reforma penal. Este sistema não encontrava-se desvinculado
das experiências promovidas na Europa, a partir do século XVI. Segue as linhas
fundamentais adotadas pelos estabelecimentos Holandeses e Ingleses, e idéias de
Beccaria, Howard e Benthan, bem como os conceitos religiosos aplicados pelo
direito canônico.98
1.6.2 Sistema de Auburn
Este sistema surgiu no ano de 1821, em New York, exigia também silêncio
absoluto, porém havia um regime de comunidade durante o dia e isolamento
noturno.99 Não havia uma preocupação com a transformação do delinqüente,
preconizava que este deveria ser obediente, e a segurança mantida a qualquer
preço.100
Michel Foucault salienta que, neste modelo os condenados ficavam em celas
individuais durante a noite, e no período diurno trabalhavam e faziam suas refeições
em grupos. Porém sob a regra, do silêncio absoluto, só falavam com os guardas e
quando estes permitiam, e em voz baixa.101
Odete Maria de Oliveira ressalta que:
Este sistema iniciou-se com a construção de uma penitenciária em Auburn,
que originou seu nome. Sua regra desumana do silêncio ensejou o costume dos
presos em se comunicarem com as mãos, formando um alfabeto, prática
conservada até hoje nas prisões de segurança máxima, onde a disciplina é mais
97 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 57.98 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 59 e 60.99 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 57.100 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 71.101 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p. 73.
34
rígida. Ali, utilizavam-se sinais através de batidas em paredes, canos de água ou
esvaziamento da bacia dos sanitários, o que chamam de “boca do boi”102
Odete Maria de Oliveira destaca ainda que, este sistema predominou na
Europa – Inglaterra, Alemanha e Bélgica, bem como nos Estados Unidos.103 Já no
Brasil conforme relata João Farias, as penitenciárias que foram construídas
conforme o modelo em tela, são a de Milton Dias e Lemos de Brito, no Rio de
Janeiro, Carandiru em São Paulo, Central do Paraná e Neves em Minas Gerais.104
João Farias Junior, no tocante a questão arquitetônica descreve que:
O sistema auburniano, por sua estrutura física, é o maisdifundido no mundo, consistindo normalmente de um prédio nafrente que serve à administração, um prédio ou blocos deprédios num segundo plano para servir a segurança e osórgãos técnicoassitenciais, vindo por ultimo os blocoscelulares. Na maioria das vezes todos esses conjuntos sãointerligados por corredores, um corredor central e corredoresperpendiculares. Nos cruzamentos desses corredores,encontra-se gaiolas gradeadas de ferro, com os portões depassagem comandados por guardas, que se mantêm nessescruzamentos. Essas gaiolas são chamadas de quadrantes. Ascelas são individuais, podendo ser tanto do tipo outside cell,como do tipo misto.105
1.6.3 Sistema de Montesinos
O maior crítico do sistema Auburn, foi o coronel Manoel Montesinos Y. Molina,
na Espanha, para ele o preso deveria ter um tratamento humanitário, diferente do
que ocorria em Auburn.106
Em 1835 o coronel Manoel Montesinos Y. Molina, foi nomeado governador do
Presídio de Valência, com sua visão humanitária e a sua marcante capacidade para
influir eficazmente os reclusos, obteve grandes sucessos com seu trabalho. Diminuiu
as regras de castigos, porém não se descuidou da disciplina.107
102 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 59.103 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 59.104 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 373.105 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 373.106 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 59.107 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 91.
35
João Farias Junior enfatiza que:
Em 1835, ainda na Espanha, o coronel Montesinos implantanum Presídio de Valência, um sistema que compunha dasseguintes estratégias:1º. Chegada do preso, qualificação; barba e cabelos raspados,recebia uniforme cinza com um número, ia à forja onde recebiaos ferros, ou seja, as correntes que eram presas às pernas eaos pulsos, chamadas de cadeias e grilhetas e ficava durantecerto tempo em observação, sem trabalho e em silêncio;2º. Após a aprovação do primeiro estágio, incorporava-se aBrigada de Depósito, passando a executar as faxinas maisduras do presídio, mas ainda preso às cadeias e às grilhetas;3º. Dependendo do comportamento e da disposição do preso,este podia ser considerado de Aprendiz dos múltiplos ofícios(40 oficinas) existentes no presídio;4º. Desde que aprovado, seria liberado das cadeiras egrilhetes, recebendo a qualificação de oficial da oficina e agozar de maiores liberdades e concessões. E o que era maisimportante neste estágio – o preso poderia receber um salárioque lhe era pago na medida de suas necessidades.5º. Liberação gradual e intermediária;6º. Liberdade condicional.108
Na concepção de Odete Maria de Oliveira:
O sistema Espanhol de Montesinos enfatizava o sentido regenerador da pena.
Criou uma forma de trabalho remunerado para o preso não ser explorado e suprimiu
os castigos corporais. Sua funcionalidade era comparada a de um estabelecimento
de segurança mínima, em que surpreendentemente eram baixos os números de
evasões.109
1.6.4 Sistema Inglês Progressivo ou Mark System
Em 1840, na condição de governador na Ilha Norfolk, na Austrália o capitão
Alexander Marconachie, com suas idéias e práticas modificaria a filosofia
Penitenciaria. Para os ingleses, este sistema foi chamado de Mark System,
conhecido como sistema de vales. A duração da pena era medida, por uma soma de
108 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 375.109 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 59.
36
trabalhos e boa conduta. Diariamente os apenados recebiam marcos ou vales, pelos
trabalhos que realizavam. A quantidade de vales que necessitavam para serem
liberados, era proporcional a gravidade do delito cometido. Se tinham bom
comportamento e trabalhavam recebiam vales, se cometiam faltas, perdiam. E tudo
isto era observado para o momento da sua liberação.110
Na concepção de Odete Maria de Oliveira, no tocante a este sistema ele
nasceu na Austrália, foi aplicada nas prisões Inglesas e era conhecida como sistema
progressivo Inglês. A pena era cumprida em três períodos: - período de prova com
isolamento celular, conforme o tipo pensilvânio; - período de isolamento celular
noturno com trabalho comum durante o dia, rigoroso silêncio, tipo auburniano; -
período de comunidade com o beneficio de liberdade condicional.111
1.6.5 Sistema Progressivo Irlandês
Foi Walter Cafton, quem implantou o sistema progressivo na Irlanda, com
modificações fundamentais. Na realidade ele aperfeiçoou o sistema progressivo
inglês de Maconochie.112
Na concepção de Odete Maria de Oliveira; o sistema em questão consiste
em:
Transferir o recluso para as prisões intermediárias, com suaveregime de vigilância, sem uniforme, com permissão paraconversar, sair até uma certa distância, trabalho externo nocampo, objetivando o preparo do condenado para o retorno àvida, na sociedade. O sistema progressivo Irlandês foi adotadoexcluindo o uso de marcas ou vales no primeiro período, oprisioneiro fica sujeito a observação durante o maximo de trêsmeses, no segundo período, é submetido ao trabalho comum,mantido o isolamento noturno, no terceiro período o preso éencaminhado para um estabelecimento semiaberto ou colôniaagrícola e, no quarto período recebe a concessão da liberdadecondicional.113
110 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 83 e 84.111 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 60 e 61.112 BITENCOURT. Cezar Roberto. Falência da pena de prisão. Causas e alternativas. p. 86.113 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 61.
37
1.6.6 Sistema fechado
O autor César Roberto Bittencourt, destaca que:
No regime fechado o condenado cumpre pena empenitenciaria e estará obrigado ao trabalho em comum dentrodo estabelecimento penitenciário, na conformidade de suasaptidões ou ocupações anteriores, desde que compatíveis coma execução da pena.114
Já Julio Fabrini Mirabete, enfatiza acerca do assunto em questão, que no
regime fechado a pena é cumprida em penitenciária, conforme previsto na lei de
execução penal, sendo que o condenado fica sujeito ao trabalho no período diurno e
ao isolamento durante ao repouso noturno em cela individual com dormitório,
aparelho sanitário e lavatório.115
Como o sistema adotado é o progressivo, o condenado passa do regime
fechado, para o semiaberto, e para o aberto, obedecendo as normas estabelecidas
pela lei de execução penal.116
Salientado o regime fechado, passa-se para o regime semiaberto.
1.6.7 Sistema Semiaberto
Para Celso e Roberto Delmanto, os regimes de cumprimento de pena, estão
definidos no código Penal Brasileiro, qual esclarece o regime de cada um. O sistema
adotado no Brasil é o progressivo, onde parte-se do mais rigoroso para o mais
brando.117
114 BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal, Parte geral I, 11ª ed. Editora Saraiva, São Paulo,2007, p.446.115 MIRABETE, Julio Fabrini. Manual de direito penal, parte geral vol. I, 24 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p.256.116 LEAL, João José. Direito penal geral. 3 ed. Florianópolis, OAB, 2004, p, 404.117 DELMANTO, Celso e Roberto. Código penal comentado, 4 ed. Rio de Janeiro, Renovar 1998, p. 65.
38
Jorge Vicente Silva destaca que o condenado em regime semiaberto, deverá
trabalhar durante o período diurno, em colônia penal agrícola, industrial ou
estabelecimento similar.118
Gilberto Ferreira, enfatiza que no regime semiaberto, “o condenado fica em
semiliberdade, exercendo suas atividades sem maior vigilância do pessoal
penitenciário”.119
1.6.8 Sistema Aberto
O regime aberto é considerado o mais liberal, pois propicia ao apenado,
condições de ter contato com os familiares em com a sociedade.120 É baseado na
autodisciplina e senso de responsabilidade, pois o condenado exerce suas
atividades sem nenhuma vigilância, recolhendo-se a noite e nos dias de folga, em
casas de albergados.121
Na concepção de Júlio Fabbrini Mirabete, o regime aberto traz as seguintes
vantagens:
a) melhora a saúde física e mental dos condenados pela vidaao ar livre e os espaços abertos;b) melhora da disciplina decorrente do aprimoramento daresponsabilidade pessoal e da auto disciplina do condenado;c) maior facilidade de contatos exteriores com a família e paraexercitar seu autodomínio ao trabalhar pela própria decisão,para não fugir, embriagando-se, etc.d) economia para o Estado, que despende menos recursos naconstrução e manutenção das prisões do que nosestabelecimentos fechados ou semiabertos.122
Ressalta-se que segundo Odete, a prisão aberta no país, vem sofrendo certo
desgaste, pois o governo não preocupou-se em construir locais adequados, bem
como contratar recursos humanos necessários para o seu funcionamento. Fatores
118 SILVA, Jorge Vicente. Execução penal: Criminal Doutrina Legislação Jurisprudência prática 2ª ed. Curitiba,Jaruá, 2006, p. 43.119 FERREIRA, Gilberto. Aplicação de pena. Rio de Janeiro. Forense. 1998, p. 167.120 BITENCOURT. Cezar Roberto. Tratado de direito penal. p. 447.121 FERREIRA, Gilberto. Aplicação de pena. p. 168.
39
estes, que levam vários Juízes, em “ultima instância, substituírem tal medida pela
pena de prisão domiciliar”.123
No segundo capítulo, será apresentado o sistema penal e a pena de prisão,
neste enfocar-se-á o conceito e finalidade de pena, assim como o sistema social da
prisão, o processo de prisonização, suas funções declaradas e não declaradas, bem
como labelling approach, seletividade e as mazelas do sistema penal.
122 MIRABETE, Júlio Fabbrini, Evolução Penal – Comentários à lei nº 7.210 de 11-7-84, 6ª ed, São Paulo,Editora Atlas S.A 1996, p. 227 e 228.123 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social, p. 63.
40
2 O SISTEMA PENAL E A PENA DE PRISÃO
2.1 CONCEITO E FINALIDADE
Augusto Thompson, enfatiza que o Sistema Penal em nossa atualidade não
pode ser visto apenas, como uma simples questão de muros e grades, de celas e
trancas mas sim como sendo uma sociedade dentro de outra sociedade, onde o
comportamento e atitudes da vida livre sofreram radicalmente várias alterações.124
Para João Farias Junior, o Sistema Penal brasileiro é o conjunto de todas as
prisões, abrangendo os Xadrezes das delegacias, Presídios, Casas de Detenção,
Penitenciárias e Hospitais de Custódia. E todas estas unidades podem ser
chamadas de Prisões. Pois a prisão é um instrumento de retenção ou de detenção
do indivíduo que é indiciado, ou processado, ou ainda que tenha que cumprir pena
privativa de liberdade ou de medida de segurança detentiva a ele imposta.125
Francisco Bissoli Filho, enfatiza que:
O Sistema Penal é composto pelo aparato total de normas,instituições, saberes, ações e decisões direta ou indiretamenterelacionadas com o fenômeno criminal. Abrange não somenteas agências legislativas (responsáveis pela criação de normas),Instituições Policiais, Ministério Público, Poder Judiciário eSistema Prisional (responsáveis pela imposição ou aplicaçãodas normas), como também inúmeras outras agencias queconcorrem para a aplicação das leis penais, dentre elas osórgãos públicos e agentes financeiros e econômicos que têm odever de noticiar a prática de crimes (Policia Ambiental, BancoCentral, Vigilância Sanitária, Defesa do Consumidor, etc), aOrdem dos Advogados, a Medicina Legal, a PsiquiatriaForense, as Perícias Forenses, e aqueles responsáveis pelaprodução e reprodução dos saberes que envolvem o sistemapenal, o que se faz principalmente através das Escolas deEnsino Jurídico.126
O autor em destaque sintetiza ainda que o sistema penal não é isolado do
universo do sistema social, ao contrário, está inserido neste contexto. Torna-se
124 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária, 4ª edição, Editora Forense, Rio de Janeiro, 1998, p. 21.125 FARIAS JUNIOR, João. Manual de criminologia. p. 225.126 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma de criminalização, p. 55.
41
necessário mencionar as instituições sociais, entre elas a mídia, a escola em sentido
amplo, a família, a igreja, os clubes e outros, os quais produzem e reproduzem o
senso comum, modelando o sistema penal. Nota-se que o sistema penal, leva à
indagação, no que se diz respeito a atuação das diversas agencias, que parece a
primeira vista, formarem um todo, com uniformidade e harmonia, fato este não
condizente com a realidade, que concentra um número enorme de opiniões
divergentes.127
Na visão de Eugenio Raul Zaffaroni, o sistema penal:
É uma complexa manifestação do poder social. Porlegitimidade do sistema penal entendemos a característicaoutorgada por sua racionalidade. O poder social não é algoestático, que se “tem”, mas algo que se exerce, e o sistemapenal quis mostrar-se como um exercício de poder planejadoracionalmente.128
Erving Goffmann, salienta que a prisão sendo uma intituição total, organizada,
tem como finalidade proteger a sociedade contra certo tipo de desvio, o crime.129
No que concerne a questão da finalidade da prisão, Odete Maria de Oliveira
destaca que a prisão tem:
Como objetivo maior o custodiamento e a manutenção daordem interna dessa sociedade, que concentra um poderrepressivo nas mãos de muito poucos, abrindo infindávelabismo entre os mandantes e os mandados, verdadeiro regimetotalitário, em que os presos são submetidos panopticamente aum controle extremo, por meio de constante vigilância eminucioso regulamento, a uma estrutura severa e limitada, deprivacidade impossível, em que a conduta e a intimidade decada um são observadas pelos demais.130
Odete Maria de Oliveira salienta ainda que o mundo da prisão é complexo,
onde não há objetivos comuns definidos, apenas o imediatismo de segregar o
indivíduo da sociedade.131
127 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma de criminalização, p. 55 e 56.128 ZAFFARONI, Eugenio Raul. Em Busca das Penas Perdidas. Tradução: Vânia Romano Pedroma e AmirLopes da Conceição, 2ª edição, Rio de Janeiro, Editora Revan, 1996, p.16.129 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões, conventos. tradução de Dante Moreira Leite, 5ª edição, SãoPaulo, Perspectiva, 1996, p. 16.130 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 76.131 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social. p. 76.
42
João Farias Júnior ressalta que a prisão sempre teve como destino, cercear o
individuo de sua liberdade, até que a sua situação fosse resolvida pelas autoridades
competentes. Ou ainda se for condenado, é recolhido até a execução de sua
pena.132
Cezar Roberto Bittencourt enfatiza que a prisão: “Em vez de frear a
delinqüência, parece estimulá-la, convertendo-se em instrumento que oportuniza
toda espécie de desumanidade.”133
Augusto Thompson, destaca que a pena de prisão, tem como proposta a
punição, no sentido de retribuir o mal causado pelo delinqüente, e a prevenção para
que novas práticas delituosas não sejam praticadas, usando como meio a
intimidação do delinqüente e a regeneração do preso, no sentido de transformá-lo de
criminoso em não criminoso.134
2.2 SISTEMA SOCIAL DA PRISÃO
Com referencia a este aspecto, a autora Odete Maria de Oliveira diz que, são
constantes os conflitos em uma prisão, entre presos com funcionários e com os
demais presos. Tendo em vista que a vida social em uma prisão é difícil, e até por
que não dizer, quase impossível, devido ao ambiente de desconfiança total,
esperteza e desonestidade que lá perdura. Pode-se dizer que é o mundo do “eu” e
“mim”, antes de ser do “nosso”, “deles” e “dele”.135
Para Augusto Thompson: “A cadeia não é uma miniatura da sociedade livre,
mas um sistema peculiar, cuja característica principal, o poder, autoriza a qualificá-lo
como um sistema de poder.”136
Ainda acerca do tema, Augusto Thompson enfatiza, que a hierarquia informal
é algo de muita relevância nesta sociedade interna, não prevista e não estipulada,
com finalidades próprias e cultura particulares. Nestes mundos formal e informal é
132 FARIAS JÚNIOR, João. Manual de criminologia, p. 366.133 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 157.134 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 03.135 OLIVEIRA, Odete Maria de. Prisão: um paradoxo social, p. 77.136 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 19.
43
evidente que os conflitos são constantes, e terão de ser solucionados, e o meio mais
utilizado para tal ação, é a acomodação.137
Cezar Roberto Bittencourt, destaca que é a manutenção do poder, um dos
principais elementos desse microssistema social, muito diferente do lado de fora dos
muros da prisão, pois em uma prisão os valores são outros. O dinheiro, é
representado pelo cigarro, a linguagem é outra, os gestos são fundamentais. Enfim,
é um mundo próprio.138
Dráuzio Varella, ressalta que no extinto Carandiru, as decisões em muitas
ocasiões eram tomadas pelos próprios reclusos, no que refere-se a moradia nas
celas, trabalho nas oficinas, respeitando sempre uma escala de poder.139
Neste sentido, Drauzio Varella, acrescenta que é digno de respeito o poder
conquistado pelos reclusos, pois ninguém alcança o topo da cadeia social sem ser
justo nas decisões, e de se fazer respeitar. O líder, passa pelo poder de agrupar e
saber ouvir todas as suplicas.140
No tocante ao tema, Augusto Thompson aborda ainda que
O uso generalizado de privação de liberdade humana comoforma precípoua de sanção criminal deu lugar aoestabelecimento de grande número de comunidades, nos quaisconvivem de dezenas a milhares de pessoas. Essacoexistência grupal, como é óbvio, teria de dar origem a umsistema social. Não se subordinaria este, porém à ordemdecretada pelas autoridades criadores, mas, como é comumdesenvolveria um regime interno próprio, informal, resultantedo interno próprio, informal, resultante da interação correta doshomens, diante dos problemas postos pelo ambiente particularem que se viram envolvidos.141
Nesse ínterim, Augusto Thompson destaca que a característica principal da
penitenciaria como um sistema social, é que ela, é formada por grupamento
humano, que é submetido a um regime total ou porque não dizer quase total. Onde a
vigilância é constante, as regras são marcantes e o poder concentra-se na mão de
poucos, é o mundo dos que mandam e dos que obedecem é bem distinto.142
Com referencia a questão em tela, Augusto Thompson menciona que um dos
aspectos singulares da prisão a merecer registro diz respeito à:
137 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 20.138 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 172.139 VARELLA, Drauzio. Estação carandiru. 7 ed. São Paulo: Companhia das letras, 1999 p. 99.140 VARELLA, Drauzio. Estação carandiru. p. 103.141 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 21.
44
Multiplicidade de fins a que se propõe, os quais, ligados,oferecem espantosa combinação: confinamento, ordem interna,punição, intimidação particular e geral, regeneração – tudodentro de uma estrutura severamente limitada pela lei, pelaopinião pública e pelos próprios custodiadores.143
Neste ínterim, César Roberto Bittencourt, menciona que a prisão, por
natureza é um sistema social extremamente fechado, que não vem recebendo a
atenção que merece, nem tão poucos investimentos necessários para sua
manutenção. E neste mundo todo próprio, conjura, sem uma estrutura social difinida,
sem objetivos claros, e com uma escala de valores diversos, vivem os reclusos.
Consequentemente, os conflitos entre eles, e entre eles e os funcionários é uma
constante.144 Para sobreviverem neste mundo todo próprio, há necessidade de criar
entre eles uma empatia, que pode-se chamar de uma consciência coletiva.145
Acerca da questão, Cezar Roberto Bittencourt, destaca que:
A dificuldade de caracterizar a natureza do sistema socialcarcerário decorre de dois fatores básicos: 1º) As dificuldadesmetodológicas que é a realização de um estudo sobre osistema social que o recluso enfrenta. É extremamente difícil opesquisador penetrar no mundo interior das Instituições totais;2º) Insuficiência de estudos que permitem estabelecerconceitos definidos sobre a estrutura social da prisão.146
Odete Maria de Oliveira, menciona em seu livro um depoimento de um
recluso da Penitenciaria de Florianópolis, onde ele descreve que a Prisão não passa
de um cemitério, onde se enterra não só o corpo do recluso, mas também seu
espírito, onde perde-se a liberdade, e a moral fica danificada. E as pessoas vão se
anulando neste pequeno mundo.147
142 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 22.143 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 22.144 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da Pena de Prisão: causas e alternativas, p. 168 e 169.145 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 20.146 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 169.147 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 99
45
2.3 PRISONIZAÇÃO
Augusto Thompson, salienta que o processo de assimilação ocorre quando
uma pessoa ou grupo, ao relacionar-se ou ingressar, se funde com o outro grupo.148
E acrescenta ainda que:
De qualquer forma, devemos entender por assimilação oprocesso lento, gradual, mais ou menos inconsciente, pelo quala pessoa adquire o bastante da cultura de uma unidade social,na qual foi colocado, a ponto de se tornar característico dela.Assim como se usa o termo americanização, para descrever omaior ou menor grau de integração de um imigrante aoesquema de vida na América, o termo prisonização indica aadoção, em maior ou menor grau, de modo de pensar, doscostumes, dos hábitos, da cultura geral da penitenciaria.Prisonização é semelhante a assimilação, pois todo homemque é confinado ao cárcere sujeita-se à prisonização emalguma extensão.149
Augusto Thompson enfatiza também os fatores universais de prisonização
que merece destaque e são eles:
-Aceitação de um papel inferior;-acumulação de fatos concernentes à organização da prisão;-o desenvolvimento de novos hábitos, no comer, vestir,trabalhar, dormir;-a adoção da linguagem local;-o reconhecimento de que nada é devido no meio ambiente,quanto à satisfação de necessidades;-eventualmente o desejo de arranjar uma “boa ocupação”150
César Roberto Bittencourt, ressalta ao ingressar em um estabelecimento
penal, o individuo, adapta-se de certa forma a vida na prisão. Adotando, costumes,
linguagem, hábitos ao alimentar-se, vestir, enfim, ingressa em uma nova vida
sofrendo com isto maior ou menor prisonização.151
148 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 23.149 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 23.150 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária.p. 24.151 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 187.
46
Para Erving Goffman, o individuo ao entrar neste mundo todo próprio, sofre
varias transformações, os cabelos são raspados, a barba é aparada diariamente e
as roupas são idênticas para todos.152
Odete Maria de Oliveira, destaca que o individuo ao ingressar no mundo da
prisão, sofre uma ruptura em seu status pois usam roupas idênticas, usam
linguagem própria e adquirem hábitos no tocante a dormir, comer e obedecer.153
Para João Farias Junior, “a prisonização leva à desorganização da
personalidade, a deformação do caráter, a degradação do comportamento, e os
abandonos dos padrões de conduta da vida extra muros”.154
Augusto Thompson menciona também que:
De qualquer maneira, julgo crucial acentuar que os carcereirostambém sofrem os efeitos da prisonização, no sentido deabandonar os padrões que observam na vida extra muros,passa pelo menos enquanto estão intra muros, adotar osvalores aqui vigorantes. Essa situação de ambivalência, é namaior parte das vezes, inconsciente, porém mostra grandeimportância, do ponto de vista operacional. Sem um certo graude prisonização os funcionários, sobretudo de maior categoria,ao tentar carregar os valores da sociedade livre para o mundoprisional pretendendo impôlos até ali, entrariam em choquecom a instituição e, provavelmente ou levariam ao caos ouseriam ejetados to sistema.155
No dizer de Manoel Pedro Pimentel, acerca do tema em questão, ao ingressar
no mundo da prisão o recluso para conseguir sobreviver a nesta nova realidade tem
que adaptar-se a ela e, com isto se socializa para viver na prisão.156
Destaca ainda que:
É importante reconhecer que o pessoal penitenciário tambémse prisoniza. É evidente que qualquer tipo de relacionamento,ainda que periférico, com um mundo peculiar, sofrerá asinfluências desse mundo, de uma maneira ou de outra. Decerto modo a administração penitenciaria, como um todo,acaba sendo envolvida pelo clima imperante naquele mundotípico e, sem o perceber sanciona as leis da massa, hora
152 GOFFMAN, Erving. Manicômios, prisões, conventos. p. 150.153 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 77.154 FARIAS JUNIOR, João. A ineficácia da pena de prisão e o sistema ideal de recuperação do delinqüente,Rio de Janeiro, Editora Carioca, 1978. p. 96.155 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 27.156 PIMENTEL. Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. p. 158.
47
reconhecendo a liderança de um preso cadeeiro, a importânciade um preso homem, hora cedendo a argumentaçãopersuasiva do porta-voz da massa, conhecida como político.Fatos observados no cotidiano são tratados de maneirasimbiótica, aplicando-se em partes às leis da massa e em partedando aplicação das regras disciplinares da administração.157
2.4 FUNÇÕES DECLARADAS
Tudo que esta relacionado ao Sistema Penal, baseia-se nas idéias liberais,
bem como na Ideologia da defesa social, e o que foi desenvolvido durante o século
XVIII e XIX.158
Nesse ínterim, Alessandro Nepomoceno, ressalta que com base no principio
da legalidade penal e processual penal, para que uma pessoa seja incriminada,
deverá estar presentes as condutas, típicas, antijurídicas e culpáveis, tudo de acordo
com os requisitos legais e respeitando os direitos individuais do acusado, pois o
Direito Penal será aplicado de maneira igualitária. Quem não respeitar as normas da
convivência sofrerá sanção penal, que além da punição, prevê a recuperação do
infrator. E através da sanção penal, exclui-se o mal da sociedade que é o crime e o
criminoso, e baseado na repressão, afasta-os, garantindo desta forma segurança ao
cidadão de bem.159
Alessandro Baratta, ao enfrentar o tema em destaque, apresenta princípios
que enfocam ideologias penais e funções declaradas: Principio da legitimidade, aqui
o Estado esta legitimado a reprimir a criminalidade, por meio do controle social que
fazem parte; legislação, policial, magistratura e instituições penitenciárias.
Principio do bem e do mal, a sociedade é constituída do bem, e o delito é um
dano a ela, e consequentemente o infrator é uma pessoa negativa para o sistema
social, pois causa-lhe muitos danos negativos.
Principio da culpabilidade, a atitude delitiva contraria as normas e valores que,
fazem parte da sociedade, e o delito é uma forma interior reprovável.
157 PIMENTEL. Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. p. 159.158 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal. Rio de Janeiro, Revan, 2004 p.47.159 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal. p. 48.
48
Principio da finalidade ou da prevenção, a pena além da função retributiva, ela
também é preventiva. É na sanção abstrata da lei, apresenta como função
desmotivar a prática de crimes, já na função concreta, busca ressocializar o
“delinquente”.
Principio do interesse social e do delito natural, todos os interesses protegidos
pelo direito penal são comuns a todos os cidadãos.160
Eunice Anisete de Souza Trajano, acrescenta que, se pode sintetizar as
promessas declaradas do sistema penal com as seguintes finalidades:
a) proteger os bens jurídicos dos cidadãos, punindo aquelesque praticam condutas que os violam e garantindo a aplicaçãoigualitária da lei penal a todos os infratores;b) submeter o indivíduo suspeito à investigação pela condutacriminosa que lhe foi imputada, respeitando os princípiosconstitucionais do devido processo legal, da ampla defesa e docontraditório;c) comprovada a culpabilidade do infrator será imposta asanção suficiente e adequada para a ressocialização docondenado (prevenção especial);d) a pena em abstrato serve como intimidação aos infratorespotenciais pela ameaça que representa (prevenção geral);e) controlar a criminalidade através das agências de controle(Polícia, Ministério Público, Poder Judiciário e SistemaPenitenciário);f) recuperar o condenado através do cumprimento da penapara que possa ser reintegrado a sociedade e,consequentemente, passar a ser “homem do bem” e poderconviver harmoniosamente com outros cidadãos que nãodelinqüiram.Tais posturas encontram sustentáculos na ideologia de defesasocial, repetidos diariamente nas cátedras universitárias edefendidos por penalistas tradicionais e, também, pela mídia,chegando até ao homem comum, proclamando, que a soluçãodos conflitos se dá através do sistema penal que busca asegurança jurídica dos “homens de bem”, que fazem parte dasociedade.161
160 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos, 3ª Ed. Rio de Janeiro, Revan, 2002, p. 42.161 TRAJANO, Eunice Anisete de Souza. O caráter “alternativo” das penas alternativas (Lei 9.714/99): paraquem e para que? Curso de mestrado em ciências jurídicas, universidade do Vale do Itajaí, 2001, p. 18.
49
2.5 FUNÇÕES NÃO DECLARADAS
Ao abordar o tema, Maria Lúcia Karan salienta que, a repressão é destacada
nos meios de comunicação como alternativa para o Sistema Penal, contribuindo
desta forma para a exclusão do indivíduo que comete um delito.162
Já Alessandro Baratta ressalta que:
O aprofundamento da relação entre direito penal edesigualdade conduz, em certo sentido, a inverter os termosem que esta relação aparece na superfície do fenômenodescrito. Ou seja: não só das normas do direito penal seformam e se aplicam seletivamente, refletindo as relações dedesigualdade existentes, mas o direito penal exerce, também,uma função ativa de reprodução e de produção com respeitoàs relações de desigualdade.163
Enfatiza ainda que o cárcere é a manutenção de escala vertical da sociedade,
especificamente no sentido negativo no “status social” dos indivíduos pertencentes a
classe social menos favorecida, e faz com que diferente a esses indivíduos, uma
ascensão social.164
Alessandro Nepomoceno, destaca que não se pode dizer que o Sistema
Penal encontra-se em crise, pois a cada dia mais pessoas são consideradas
“desviadas da normalidade”, por praticarem atos delitivos. Que o foco, da questão
criminal, está voltada para a criminalidade individual, seja aquela em que os
indivíduos que cometem o crime são pertencentes a camadas mais vulneráveis do
estado social, porém os delitos que são praticados por indivíduos com poder
aquisitivo melhor, até certo ponto são tratados de maneira diferenciada.165
Neste ínterim, Alessandro Nepomoceno acrescenta ainda que:
Não é a toa que os dados do censo Penitenciário Nacional,evidenciam que a maioria dos apenados é pobre e de pouca
162 KARAN, Maria Lúcia. Sistema penal e século XXI. In: POLETTI, Ronaldo Rabello de Britto, Notícias dodireito brasileiro. Nova Série: Brasília, UNB, Faculdade de Direito, n 9, 2002, p. 298.163 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos. p. 166.164 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos. p. 166.165 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal p. 49.
50
instrução escolar. Isso quer dizer que o miserável e oanalfabeto são mais propensos ao crime? Evidentemente quenão, pois todas as camadas sociais a praticam. Só que avulnerabilidade do Sistema Penal é desproporcional à detençãode algum tipo de poder, seja ele obtido economicamente,culturalmente ou politicamente. Daí se dizer que o sistemapenal está estruturalmente montado para a legalidadeprocessual não opere, e sim, para que exerça seu poder comaltíssimo grau de arbitrariedade seletiva dirigida, naturalmente,aos setores vulneráveis. O Sistema Penal não possui eficáciaquanto aos seus objetivos declarados, mas sim em relação aoque ao mesmo não diz, ou seja quanto as suas funçõeslatentes.166
Para Vera Regina Pereira de Andrade, a função do Sistema, é vista como
sendo a de perpetuar o próprio crime, e criando até certo ponto uma falsa ilusão de
combate à violência através da violência, com o propósito de propiciar a segurança
das pessoas de bem, que necessariamente deveriam ficar bem longe dos
criminosos.167
Já para Michel Foucault, o Sistema Penal perpetua a violência, com certa
roupagem de legalidade, fazendo com que o recolhimento dos indivíduos as prisões,
não diminuem o índice de criminalidade, ao contrário, até certo ponto aumenta, pois
a quantidade de crimes e criminosos, ou permanece estável, ou em pior hipótese
pode até aumentar.168
2.6 LABELLING APROACH
Alessandro Baratta, ressalta que
os criminólogos tradicionais examinam problemas do tipo“quem é o criminoso?”, “como se torna desviante?”, “em quaiscondições um condenado se torna reincidente?”, “com quemeios se pode exercer controle sobre o criminoso?”. Aocontrário, os interacionistas, como em geral os autores que seinspiram no labeling approach, se perguntam: “quem é definido
166 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal. p. 52.167 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violênciado controle penal. Porto Alegre: Livraria do Advogado. 1997. p. 298.168 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.53.
51
como desviante?”, “que efeito decorre desta definição sobre oindivíduo?”, “em que condições este individuo pode se tornarobjeto de uma definição?”, e enfim, “quem define quem?”.169
Vera Regina Pereira de Andrade, ao enfrentar o tema esclarece que o
labelling approach, surgiu nos Estados Unidos nas décadas de 50 e 60, com estudos
realizados por vários autores entre eles: Ervin Gofmann, Kitsuse, Lemnert, e outros
que pertenciam a Nova Escola de Chicago, que questionavam o paradigma
funcional dominante da Sociologia Norte Americana. Os fatores históricos que
levaram ao surgimento e desenvolvimento desta teoria foram a crise do Estado, no
tocante as diversas formas de radicalização social, política e cultural. Como as lutas
estudantis, as lutas dos negros, das mulheres pela igualdade de direitos, os
protestos contra a guerra do Vietnã e a contra cultura dos hippies.170
O labelling approach, refere-se ao etiquetamento ou também chamado de
teoria de rotulação social, e o criminoso passaria por uma seleção social. É
considerado como um novo paradigma, que estuda o processo de criminalização.171
Francisco Bissoli Filho, acrescenta ainda que:
As teorias tradicionais do crime, do criminoso e da penaesbarram em óbices internos ao próprio Sistema Penal ao qualdão sustentação ideológica. A “ideologia da defesa social” estaestruturada em crime de determinados princípios que dãosustentáculo a todo o sistema penal. Estes princípios são oprincipio do bem e do mal, o princípio da culpabilidade, oprincipio da legitimidade, o principio da igualdade, o principiodo interesse social e do delito natural e o principio do fim e daprevenção.172
Vera Regina Pereira de Andrade, enfatiza que no labelling approach, há, três
níveis explicativos, acerca da pergunta referente à natureza do objeto e do sujeito na
definição dos comportamentos desviantes, sendo o primeiro desvio secundário que
nada mais é do que, a invertização do impacto, do status do criminoso na identidade
do desviante; o segundo processo e a de seleção ou criminalização secundaria, e
refere-se ao processo de atribuição do status criminal, o terceiro é dito como
169 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos. p. 88.170 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violênciado controle penal. p. 186.171 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 44.
52
criminalização primária, é a invertização do processo de definição da conduta
desviada.173
Destaca ainda que,
o labelling parte dos conceitos de “conduta desviada” e “reaçãosocial”, como termos reciprocamente interdependentes, paraformular sua tese central: a de que o desvio e a criminalidadenão são uma qualidade intrínseca da conduta ou uma entidadeontológica pré-constituída à reação social e penal, mas umaqualidade (etiqueta) atribuída a determinados sujeitos atravésde complexos processos de interação social, isto é, deprocessos formais e informais de definição e seleção.174
2.7 SELETIVIDADE
Ao se falar da seletividade no Sistema Penal, segundo o Rogério Dutra dos
Santos, diz-se que as instancia formais de controle (Polícia, Ministério Publico e
Poder Judiciário), estão preparados apenas para tomarem providencias, no tocante
as ofensas selecionadas, enquanto que diante de outros estão “inertes”. Pois é
possível, afirmar que indivíduos pertencentes aos status inferiores na escala social,
sofrem conseqüências da justiça social. Ressalta ainda que o Sistema Penal, segue
uma certa lógica seletiva, que criminaliza estes indivíduos, de acordo com imagens e
estereótipos.175
Alessandro Nepomoceno, aborda o tema destacado que:
A seletividade como lógica do sistema penal recaiespecialmente sobre os setores vulneráveis da sociedade, emque a violência do aparato estatal é real. Já para as camadassociais “superiores” essa violência não é sentido, tendo,portanto, apenas conteúdo simbólico.176
172 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 202.173 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violênciado controle penal. p. 208.174 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. Sistema penal máximo X cidadania mínima – códigos de violênciana era da globalização, Postilene, Livraria do Advogado, 2003, p. 40-41.175 SANTOS, Rogério Dutra dos, colaboradores Vera Regina Pereira de Andrade, Miguel Alves Lima – LetíciaMartel – Paulo Queiroz – Paulo de Tarso Brandão – Graça Belou – Laisa Pavan – Ester Eliana Hauser – LetíciaMartel. Introdução crítica ao estudo do sistema penal: elementos para a compreensão da atividade repressivado Estado, Florianópolis, Diploma Legal, 1999 p. 191-193.176 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal. p. 55.
53
Acrescenta ainda que, é a lei que vai determinar qual conduta humana é
considerado crime, e as agencias do poder do Sistema Penal irão definir quem são
os criminalizados, e as agencias Policiais, realizam o maior exercício da seletividade
das condutos criminosas, já o Ministério Público participa também da seleção, e o
seu papel de acusador.177
Para Francisco Bissoli Filho, ocorre a seletividade “porque nem todas as
condutas são passiveis de ser abstratamente previstas e nem todos os infratores
podem ser individualmente criminalizados.”178
Vera Regina Pereira de Andrade, apresenta a criminalidade como um “status”,
que se dá ao individuo, através da seleção dos bens jurídicos que são penalmente
protegidos e dos comportamentos que ofendem estes bens, e são descritos nos
tipos penais, e também a seleção dos indivíduos que são estigmatizados, pela
prática de tais comportamentos.179
Alessandro Baratta, preconiza que o mecanismo que regula a seleção da
população criminosa, pode ser dito como complexo, e recondutíveis às
peculiaridades das práticas de certas infrações penais, e a reação que a elas são
atribuídas. Cita como exemplo, a questão do empregado que comete um delito na
empresa que trabalha, e que além da punição que sofrerá por parte do Estado, pelo
ato infracionário, será também punido, no âmbito do direito disciplinar.180
Vera Regina de Andrade, enfatiza que a seleção que ocorre no processo de
criminalização pode ser dita como “quantitativa ou qualitativa”. No tocante a
quantitativa é aquela que resulta da “majoritária”, onde se observa que a
criminalidade é até certo ponto, um comportamento de muitos indivíduos que fazem
parte da sociedade. Por outro lado a qualitativa, refere-se a variáveis que incluem a
especificidade das infrações, e as pessoas envolvidas, seja infratores e vítimas.181
Eunice Anisete de Souza Trajano, salienta que “a criminalização consiste
assim num processo rotulante e seletivo para aqueles que são criminalizados sob
177 NEPOMOCENO, Alessandro. Além da lei: a fase obscura da sentença penal. p. 58-59.178 BISSOLI FILHO, Francisco. Estigma da criminalização – dos antecedentes à reincidência criminal. p. 180.179 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violênciado controle penal. p. 218.180 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos. p. 106.181 ANDRADE, Vera Regina Pereira de. A ilusão da segurança jurídica: do controle da violência à violênciado controle penal. p. 263 a 271.
54
este impacto, passam a integrar o universo da “criminalidade” e o esteriótipo de
criminoso”.182
2.8 AS MAZELAS DO SISTEMA PENAL
Augusto Thompson, ao enfrentar o tema em destaque ressalta que:
O muro da prisão, física e simbolicamente, separa duaspopulações distintas: a sociedade livre e a comunidadedaqueles que foram, por eles rejeitados. A altura e espessurada barreira, a presença, no cimo, de soldados armados demetralhadoras, o portão pesado, com pequenas viseiras, cujaabertura exige uma operação complicada por várias medidasde segurança, estão a demonstrar, inequivocamente, que osrejeitadores desejam muito pouco contato com os rejeitados. Ouniforme destes, o estado de subordinação permanente, astrancas, os conferes, as revistas, lembram-os, a todo instante,serem portadores de um estigma tão aparente e difícil dearrancar quanto o produzido pelo ferrete na rês.183
João Farias Júnior, ao abordar o tema destaca que; uma das mazelas
prisionais existente no sistema, é a animosidade entre guardas e presos,
principalmente se estes não dispuserem de dinheiro, bens, ou tráfico de influência.
Porém, quando o preso dispõe destes recursos, conseguirá tratamento
discriminado.184
Odete Maria de Oliveira, enfatiza que vários estudiosos discorreram sobre as
privações prisionais, que passam os presos, estas privações são denominadas de
“dores da prisão”, que se enquadrariam, em privação de liberdade, de bens, de
autonomia, de segurança e relações heterossexuais.185
Refere-se ainda que, no tocante a privação da liberdade, é dito como o pior
dos sofrimentos, pois causa ao preso um rompimento com a família, amigos, enfim
com o seu mundo externo. Já na privação de bens, seus objetos pessoais, são
substituídos por aqueles que lhe é permitido o uso na prisão, e a qualquer momento
182 TRAJANO, Eunice Anisete de Souza. O caráter “alternativo” das penas alternativas (lei 9.714/98) paraquem e para que? P. 31183 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 57.184 FARIAS JUNIOR, João, Manual de criminologia. p. 521.185 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 78.
55
podem ser confiscados, conferidos ou substituídos. O sentimento atribuído aos
objetos pessoais, é deixado de lado, criando no preso aquele sentimento “perda da
posse”. E o maior significado desta posse, é quando seu nome é substituído por
apelidos ou números. Não possui nenhuma autonomia, ao contrário, há uma
constante subordinação à direção, aos guardas, aos regulamentos; enfim as
normas, fazendo com que a sua vontade e a sua opinião, sejam substituídas pelo o
que é dito na prisão. É privado também de segurança, pois a qualquer instante, pode
ocorrer, fugas, motins, rebeliões, e gerando com isto o medo, desespero e
violências.186
Odete Maria de Oliveira, acrescenta ainda que no tocante as privações das
relações heterossexuais, “a falta de realizações de atos sexuais, normais, causa
grande frustração nos presos resultando nos chamados e conhecidos casos de
“assaltos sexuais””.187
Manoel Pedro Pimentel, ao enfrentar o tema as mazelas do sistema prisional,
diz que é difícil treinar um homem preso para viver em liberdade, e faz a
comparação de que é como treinar um corredor, para correr mil metros, e deixa-lo
na cama, 30 dias antes da corrida.188
Destaca ainda que, a prisão facilita com que os delinqüentes se conheçam e
adquiram novos hábitos, para praticarem crimes e se associem para tal prática.189
Para Alessandro Barata:
As relações sociais e de poder da subcultura carcerária temuma série de características que a distinguem da sociedadeexterna, e que dependem da particular função do universocarcerário, mas na sua estrutura maior elementar elas não sãomais do que a aplicação, em forma menos mistificada e mais“pena” das características típicas da sociedade capitalista. Sãorelações sociais baseadas no egoísmo e na violência ilegal, nointerior das quais os indivíduos socialmente mais débeis sãoconstrangidos a papéis de submissão e de exploração.190
186 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 78-83.187 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 91.188 PIMENTEL. Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. p. 157.189 PIMENTEL. Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade. p. 162.190 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal. p. 186.
56
Acrescenta que antes de se querer mudar o excluído é necessário que a
sociedade excludente, se modifique. E alerta para a preocupação que a sociedade
primitiva dispensa ao encarcerado depois do fim da pena, com assistências.191
Cezar Roberto Bittencourt, ao abordar o tema que está sendo apresentado,
ressalta que o argumento, mais defendido acerca da falência da prisão é o seu efeito
criminógeno, pois ao invés de frear a delinqüência, ao contrário parece que a
estimula, e propicia instrumentos que “oportuniza” toda espécie de desumanidade.192
Destaca também que a maioria dos fatores que predomina no mundo das
prisões são classificados de “materiais, psicológicos e sociais”.193
No que refere-se aos fatores materiais, estariam relacionados as precárias
instalações físicas dos estabelecimentos, as condições dos alimentos que são
servidos aos internos, que pela qualidade e insuficiência, causam-lhe varias
doenças, entre elas a tuberculose. Já os fatores psicológicos estariam relacionados
a questão da “dissimulação e das mentiras”, que são praticadas pelos internos,
como forma de se protegerem, para conseguirem sobreviver à realidade prisional.
Quanto aos fatores sociais, refere-se a segregação que causa a “desadaptação” tão
marcante dificultando de certa forma a sua inserção social ao mundo externo.194
Manoel Pedro Pimentel, enfatiza que:
[...] O prisioneiro interioriza rapidamente as regras daconvivência com os demais presos, para sobreviver. Identifica-se com estes, com seus valores, que são opostos aosestimados pela sociedade livre, aprendem a falar com as mãos,para entender o que os outros conversam, adota o jargãousual, os costumes assumidos pelos demais, e respeita ahierarquia existente entre os condenados, colocando-se nessequadro e procurando o lugar que lhe cabe e o espaço que podeocupar. As regras estimadas do mundo livre, os ensinamentosadvindos dos terapeutas, dos religiosos, dos mestres, dosfuncionários, são deixados de lado, embora o preso aparenterecebe-los com acatamento e atenção.195
Cezar Roberto Bittencourt, menciona que as instituições totais, como é
classificada as prisões, por ele, procura transformar o interno em um ser passivo, e
191 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução a sociologia do direitopenal: tradutor Juarez Cirilo dos Santos. p. 187.192 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 157.193 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 158.194 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 159.195 PIMENTEL. Manoel Pedro. O crime e a pena na atualidade, p. 154.
57
procura satisfazer suas necessidades básicas, como alimentação, vestuário, e não
propicia condições necessárias para que seja responsável por iniciativas, ao
contrário a todo momento, mostra-lhe que deverá aderir as normas do sistema
prisional.196
Odete Maria de Oliveira destaca que o preso perde o direito absoluto de sua
intimidade, pois a qualquer momento pode ser revistado, isto pode ocorrer durante o
dia ou a noite, bem como seus pertences também são vistoriados em qualquer
horário.197
Augusto Thompson, salienta que:
Somente no cubículo consegue o interno estar sozinho. Naporta dele, porém, há uma fenda, estrategicamente colocada,por onde o guarda pode, a qualquer hora e a qualquer instante,vasculhar com os olhos todos os cantos (um dia, talvez, oprogresso substitua o vigia por uma câmera de televisão, osestreitos limites de cela, transmitindo tudo o que há ocorre aum centro geral de fiscalização, como no ano “1984”, deGeorge Orwell).Todos os dias, ao deixar o alojamento, pela manhã, o preso érevistado. Ao voltar, à tarde, a operação se repete.Isso, contudo, não se altera bastante. Durante a noite, comalguma freqüência, pode ser acordado do cômodo. Entramguardas, mandam que permaneça encostado à parede, juntoda porta. Seus pertences, suas roupas, sua cama, tudo érevirado [...]198
Na visão de Michel Foucault, nos meados do século XIX, a punição do
condenado, estava voltada para os castigos corporais. Porém com o passar dos
anos, surgem novas técnicas de punição, mas também estão voltadas para as
punições corporais, quando lhe é privada a sua prática sexual, lhe é servido
alimentação reduzida, e a qualquer momento pode sofrer uma expiação física.199
Julita Lengruber, destaca que a vida dentro da prisão, passa por uma
regimentação, e não há como o prisioneiro, rebelar-se ou contestá-la.200
Augusto Thompson, enfoca que
196 BITTENCOURT, César Roberto. Falência da pena de prisão: causas e alternativas, p. 166.197 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 81.198 THOMPSON, Augusto. A Questão Penitenciária. p. 61 e 62.199 FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. p.112.200 LENGRUBER, Julita. Cemitérios dos vivos: Análise sociológica de uma prisão de mulheres. Rio de Janeiro:Aichiamé, 1983 p. 124.
58
A impossibilidade de sustentar a família, de obter recursos àsua custa, de tomar decisões, de ser responsável por suascoisas, de escolher a própria roupa, vem juntar-se oimpedimento de possuir uma mulher – tudo gerando – nopreso, o sentimento de castração simbólica. Sua masculinidadeesta posta em jogo, e, com ela, obviamente, seuautoconceito.201
Odete Maria de Oliveira, aponta a superlotação das prisões, como uma sério
problema que assombra o sistema prisional, e lhe causa tantas situações de
conflitos.202
Augusto Thompson, destaca que:
Uma pessoa no mundo livre, que conhece a penitenciariaapenas através de relatos, ou de visitas esporádicas, fica difícilavaliar o grau de sofrimento a que os presos estão submetidosem função da impossibilidade de se defender, e eficazmente,das agressões, ataques e abusos de toda a ordem, que são olugar comum no meio carcerário. Creio que este é um dospontos-chaves, para bem se compreenderem as estruturasbásicas que suportam o sistema social da prisão.203
Para Odete Maria de Oliveira, a ociosidade que impera nas prisões, de modo
total e progressivo, fazendo com que os presos andem de um lado para outro, sem
ter o que fazer, é outro fator que os deixam bastante angustiados.204
No terceiro capítulo será apresentada a pesquisa de campo, bem como o
perfil do criminalizado que cumpre pena no Presídio Masculino de Florianópolis.
201 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 70.202 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 94.203 THOMPSON, Augusto. A questão penitenciária. p. 73.
59
3 PESQUISA DE CAMPO
3.1 ESTABELECIMENTO PENAL PESQUISADO
O Estabelecimento Penal pesquisado escolhido foi o Presídio Masculino de
Florianópolis, situado na Rua: Delminda da Silveira n. 900, Trindade – Florianópolis,
Santa Catarina.
A escolha deve-se a atuação que temos há mais de 15 anos no setor de
Serviço Social, na função de Assistente Social.
3.2 CARACTERIZAÇÃO DO ESTABELECIMENTO PENAL
Na cidade de Florianópolis há um complexo prisional, localizado no bairro
Trindade. Este complexo é composto por cinco unidades prisionais, que são:
Presídio Masculino de Florianópolis, local onde se deu a pesquisa, Penitenciária de
Florianópolis, Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico, Presídio Feminino de
Florianópolis e a Casa de Albergado (que abriga os presos de regime aberto, em
prisão civil e uma ala com presos em regime semiaberto do Complexo Penal de São
Pedro de Alcântara).
O Presídio Masculino de Florianópolis está subordinado ao Departamento de
Administração Penal – DEAP, órgão da Secretaria de Estado de Segurança Pública
e Defesa do Cidadão.
A lei Penal que o cumprimenta, revê assim sendo, tem o DEAP, a função de
analisar e verificar quais as disponibilidades de vagas nos Estabelecimentos Penais
do estado de Santa Catarina, respeitando as condições expressas na sentença
judicial do recluso, e o local indicado para o seu internamento.
204 OLIVEIRA, Odete Maria de, Prisão: um paradoxo social. p. 95.
60
Por outro lado, é função do administrador do Presídio Masculino de
Florianópolis, providenciar as documentações relativas a sentença judicial, bem
como relatório da situação prisional do recluso, e encaminhar tais documentações
ao Departamento de Administração Penal, juntamente com uma guia de
recolhimento expedida pela autoridade judicial competente, e solicitar aquele
Departamento vaga em uma das Penitenciárias do Estado Catarinense.
Salienta-se que antes dos anos 1980, o Presídio Masculino de Florianópolis
era conhecimento como Cadeia Pública de Florianópolis, denominação esta até os
dias atuais, utilizada por diversas pessoas.
Porém, no governo do senhor Vilson Klainubing, a então Cadeia Pública,
passou a ter a denominação de Presídio Masculino de Florianópolis, e a ala feminina
que ali existia, foi transferida para o Presídio Feminino de Florianópolis, também
criado no governo em tela.
A subordinação do Presídio Masculino de Florianópolis, ficou na época a
cargo da Diretoria de Administração Penal, DIAP, vinculada a Secretaria de Estado
de Segurança Pública e Justiça, sendo atualmente a sua subordinação ao DEAP, e
Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão.
Cabe salientar que o Presídio, depende tanto juridicamente quanto
administrativamente, da esfera estadual e é um dos órgãos responsáveis pela
execução da política de segurança pública. Os recursos são responsabilidade
conjunta entre a esfera Federal e a Estadual, e o repasse dá-se via Secretaria de
Estado de Segurança Pública e Defesa do Cidadão.
O objetivo da Unidade Prisional é abrigar presos provisórios, ou seja,
autuados em flagrante delito, com mandado de prisão preventiva, condenados com
sentença em grau de recurso ou trânsito para outras comarcas. Entretanto em
decorrência da superlotação das penitenciárias Catarinenses, o estabelecimento
mantém pessoas presas, já condenadas com sentença transitada em juldado, nos
regimes fechados e semiaberto.
A estrutura física do estabelecimento é composta de um prédio retangular,
com quatro torres de vigilância, sendo que apenas duas estão ativadas, nas quais
encontram-se policiais militares, fazendo a segurança externa.
Na parte interna do prédio temos a sala da chefia de segurança; o parlatório
que é usado pelos advogados para entrevistar seus clientes, bem como pelos
familiares dos reclusos, que não querem passar por revistas íntimas, e desejam
61
visitar seus parentes, além de uma sala para o setor de segurança, onde os agentes
penitenciários controlam a movimentação dos reclusos no estabelecimento penal, no
tocante a ingressos, egressos, alimentação, visitas, escoltas para os fóruns, para os
setores de saúde e social, transferências para oficinas, assim como controle de
todos os equipamentos de segurança, tais como algemas, marcapassos, cadeados,
chaves das galerias, cacetetes, gás de pimenta, entre outros. Neste espaço, anexo a
sala, há um pequeno alojamento, que é utilizado pelos Agentes.
Além dos locais relatados existem também, uma sala de triagem onde são
colocados os reclusos que ingressaram no estabelecimento, ou que serão
movimentados para as escoltas, o controle e a supervisão deste local é realizado
pelos agentes penitenciários; há ainda sala de identificação da população carcerária,
onde são coletados todos os dados cadastrais, bem como é feito o registro de suas
digitais ao ingressarem no estabelecimento. Devido a carência de espaço físico na
Instituição esta sala é usada também no horário entre 14:00 e 17:00 horas, de 2ª a
6ª feira, pelo Serviço Social, para a realização das entrevistas com os reclusos.
Há também uma sala para o setor de enfermagem, e um pequeno
alojamento para os reclusos regalias que fazem trabalhos no bloco da administração
de limpeza e manutenção.
Além dos locais já mencionados, na parte interna ficam, também as galerias
A, B, C, D, E e os 4 (quatro) pátios de sol, sendo que a galeria D não possui pátio, e
os reclusos tomam sol no pátio da galeria A; as oficinas de bijuterias, reciclagem de
papel, serigrafia, confecção de camisetas e fabricação de sabão em barras. Estas
oficinas, são resultado da parceria estabelecida entre a Administração do Presídio e
Empresas privadas interessadas, que contribuem com a matéria prima, os
equipamentos e o pagamento aos reclusos, em contrapartida, o estabelecimento
com o espaço físico e a mão-de-obra.
Para participarem das oficinas, os reclusos são selecionados pela Assistente
Social, Administrador, Chefia de Segurança e Chefe das Oficinas, os critérios
obedecidos são: interesse em trabalhar, aptidão para o desenvolvimento da tarefa,
situação socioeconômica dos familiares, e comportamento carcerário.
Após a seleção, são encaminhados para a galeria D, local onde ficam os
internos que trabalham nas oficinas, de segunda à sexta feira, das 07:30 às 11:30
horas e das 13:00 às 17:00 horas.
62
Além das oficinas, na parte interna há uma sala de aula, que atende os
reclusos que têm interesse em estudar, os cursos oferecidos são de: alfabetização,
supletivos de 1º e 2º graus. As aulas são ministradas por professores da Escola
Supletiva da Penitenciária de Florianópolis, que possui convênio com a Secretaria
de Estado de Educação, Ciência e Tecnologia de Santa Catarina.
Ainda anexo a Instituição Penal, há um pequeno prédio retangular, de 2
pisos, sendo que no piso inferior, encontra-se o gabinete do administrador, a sala
dos setores administrativo e penal, uma sala para atendimento e entrevista com os
familiares dos reclusos que é de uso do Serviço Social, do lado da sala de
atendimento, existe outro ambiente que é utilizado tanto para recebimento e revistas
das compras que são entregues pelos familiares dos reclusos durante a semana,
quanto para revistas íntimas dos familiares, que ingressam na parte interna do
estabelecimento para visitarem seus parentes presos, nos finais de semana.
Salienta-se que, na parte superior do prédio, localiza-se o alojamento dos
policiais militares que fazem a segurança externa do Presídio, bem como a cozinha
e refeitório dos funcionários do estabelecimento penal.
Quanto ao corpo funcional do estabelecimento é composto por um
administrador, um chefe de segurança, um chefe de oficinas de trabalho, quatro
agentes prisionais supervisores de segurança responsáveis pelos plantões de 24 por
72 horas, em torno de 30 agentes penitenciários, sendo 12 femininos e os demais
masculinos, 2 motoristas, 6 funcionários administrativos, uma Assistente Social, e 3
acadêmicas de Serviço Social da UNIVALI, uma Técnica em Enfermagem, 4
seguranças terceirizados, que são responsáveis pelo portão principal que dá acesso
a parte interna do Presídio, professores da Penitenciária de Florianópolis, e policiais
militares da Cia de Guarda do Complexo Penal de Florianópolis, que são
responsáveis pela segurança externa do estabelecimento penal.
63
3.3 DISTRIBUIÇÃO MENSAL DA POPULAÇÃO CARCERÁRIA DO PRESÍDIO
MASCULINO DE FLORIANÓPOLIS NO PERÍODO DE MARÇO DE 2008 À MARÇO
DE 2010
2008 2009 2010Meses Quantitativo Meses Quantitativo Meses Quantitativo
Março 271 Reclusos Janeiro 256 Reclusos Janeiro 248 ReclusosAbril 250 Reclusos Fevereiro 263 Reclusos Fevereiro 239 ReclusosMaio 241 Reclusos Março 341 Reclusos Março 258 ReclusosJunho 237 Reclusos Abril 244 ReclusosJulho 225 Reclusos Maio 243 ReclusosAgosto 258 Reclusos Junho 282 ReclusosSetembro 209 Reclusos Julho 223 ReclusosOutubro 249 Reclusos Agosto 229 ReclusosNovembro 256 Reclusos Setembro 334 ReclusosDezembro 245 Reclusos Outubro 248 Reclusos
Novembro 251 ReclusosDezembro 239 Reclusos
Observa-se que ocorre no Presídio Masculino de Florianópolis, uma
constante modificação na quantidade da população carcerária, decorrente da
rotatividade dos internos. Tendo em vista que a instituição em destaque, tem como
finalidade abrigar presos provisórios, autuados em flagrante delito, com mandado de
prisão preventiva, condenados com sentença em grau de recurso o em trânsito para
outras comarcas, como já relatado.
No entanto, devido ao problema de superlotação das penitenciárias do Estado
de Santa Catarina, o estabelecimento mantém pessoas presas já condenadas com
sentença transitada em julgado, nos regimes fechado e semiaberto.
Cabe salientar-se que a pesquisa foi realizada com os reclusos que
ingressaram no Período de Março de 2008 à Março de 2010. Sendo que no período
de Março de 2008, ingressaram 444 reclusos, em 2009 ingressaram 434 e de
Janeiro à Março de 2010, ingressaram 104 reclusos.
64
3.4 MÉTODO UTILIZADO NA PESQUISA
Nesta pesquisa buscou-se identificar o Perfil do Criminalizando que cumpre
pena no Presídio Masculino de Florianópolis, foi utilizado o período de Março de
2008 à Março de 2010.
A natureza do problema, nos levou a optar por técnicas de coleta e análise de
dados, do tipo quantitativo.
Os dados foram coletados nos prontuários psicossociais dos reclusos, que
ficam arquivados no setor de Serviço Social no Presídio Masculino de Florianópolis.
3.5 PERÍODO PESQUISADO
Foram pesquisados todos os prontuários psicossociais dos reclusos que
ingressaram no estabelecimento penal, no período de Março de 2008 à Março de
2010.
Cabe aqui salientar que, no ano de 2008 ingressaram 444 reclusos no
Estabelecimento Penal, no ano de 2009 foram 434 ingressos e no ano de 2010
foram 104 ingressos.
3.6 OBJETIVO DA PESQUISA
Identificar o perfil do criminalizado que cumpre pena no Presídio Masculino de
Florianópolis.
65
3.7 PERFIL DOS RECLUSOS DO ESTABELECIMENTO PESQUISADO
3.7.1 Idade
Distribuição da população carcerária no Presídio Masculino de Florianópolis,
segundo a idade (Março de 2008 – Março de 2010).
IDADE
020406080
100120140160180
2008 2009 2010
18 - 2526 - 3031 - 3536 - 4041 - 4546 - 5051 - 5556 - 6060 - Mais
Figura 1: Faixa etária do P.M.F (dados primários, 2010).
IDADEFaixa Etária 2008 2009 201018 - 25 170 144 4026 - 30 103 139 3431 - 35 65 83 1536 - 40 32 40 941 - 45 29 13 346 - 50 19 8 151 - 55 11 5 156 - 60 8 1 060 - Mais 7 1 1TOTAL 444 434 104
Observa-se no gráfico, o número significativo de reclusos jovens. Contanto
entre 18 a 25 anos, no ano de 2008, já nos anos de 2009, e 2010, se destaca
também a faixa etária entre 26 e 30 anos.
66
3.7.2 Naturalidade e Nacionalidade
Distribuição da população carcerária no Presídio Masculino de Florianópolis,
segundo a naturalidade e nacionalidade (Março de 2008 – Março de 2010).
NATURALIDADE
020406080
100120140160180200
2008 2009 2010
FlorianópolisSão JoséPalhoçaLagesChapecóOutras Cidades SCPRRSSPOutros EstadosAssunção/Paraguai
Figura 2: Naturalidade e Nacionalidade (dados primários, 2010)
NATURALIDADE2008 2009 2010
Florianópolis 170 178 32São José 30 40 10Palhoça 20 18 4Lages 14 16 4Chapecó 10 11 3Outras Cidades SC 84 72 22PR 44 41 11RS 27 18 6SP 12 7 5Outros Estados 33 32 7Assunção/Paraguai 0 1 0TOTAL 444 434 104
Nota-se uma predominância para os reclusos que são de Florianópolis, bem
como os nascidos em São José, no tocante as demais cidades Catarinenses o
destaque vai para a cidade de Lages, já nos estados vizinhos, predominam os
reclusos nascidos no Paraná.
Quanto a nacionalidade, somente no ano de 2009, é que aparece um
recluso do Paraguai.
67
3.7.3 Situação Civil
Distribuição da população carcerária no Presídio Masculino de Florianópolis,
segundo a situação civil (Março de 2008 – Março de 2010).
Figura 3: Situação Civil (dados primários, 2010)
SITUAÇÃO CIVIL2008 2009 2010
SOLTEIRO 247 255 54CASADO 34 20 3AMASIADO 162 157 47VIÚVO 0 1 0SEPARADO LEGALMENTE 1 1 0TOTAL 444 434 104
Salienta-se que, o estado civil solteiro é expressivo neste universo, porém
não pode-se deixar de ressaltar também os reclusos que são amasiados.
68
3.7.4 Cor de Pele
Distribuição da população carcerária no Presídio Masculino de Florianópolis,
segundo a cor de pele (Março de 2008 – Março de 2010).
COR DE PELE
0
50
100
150
200
250
300
350
2008 2009 2010
BRANCA
NEGRA
PARDA
Figura 4: Cor de Pele
COR DE PELE2008 2009 2010
BRANCA 310 322 72NEGRA 109 76 24PARDA 25 36 8TOTAL 444 434 104
O número maior refere-se aos reclusos de cor branca, perfazendo no ano de
2008 um total de 310, no ano de 2009, um total de 322 e no ano de 2010, um total
de 72. Seguem os negros que atingem 109, 76 e 24, em seguida vem os pardos.
69
3.7.5 Profissão
Distribuição da população carcerária no Presídio Masculino de Florianópolis,
segundo a profissão (Março de 2008 – Março de 2010).
PROFISSÃO
020406080
100120140160
2008 2009 2010
COMERCIANTE
SERVIÇOS GERAIS
PEDREIRO
PINTOR
SERVENTE DEPEDREIROOUTRAS
Figura 5: Profissão (dados primários, 2010)
PROFISSÃO2008 2009 2010
COMERCIANTE 43 51 5SERVIÇOS GERAIS 31 38 8PEDREIRO 59 65 12PINTOR 78 74 18SERVENTE DE PEDREIRO 93 102 32OUTRAS 140 104 29TOTAL 444 434 104
Oserva-se no presente gráfico, o destaque para as profissões que estão
relacionadas com a construção civil, tais como: servente de pedreiro, pintor, e
pedreiro, ocorrência esta tanto nos anos de 2008, 2009 e 2010, bem como a
profissão de comerciante e de serviços gerais.
70
3.7.6 Grau de Instrução
Este subitem trata-se da análise do grau de escolaridade referente ao
Presídio Masculino de Florianópolis, onde será abordado aspectos que o compõe e
a relação existente entre o decorrer dos últimos anos na unidade. À respeito disto,
segue o gráfico referente ao nível de instrução dos reclusos da referida instituição.
GRAU DE INSTRUÇÃO
0
50
100
150
200
250
300
2008 2009 2010
ANALFABETO1° GRAU INCOMPLETO1º GRAU COMPLETO2º GRAU INCOMPLETO2º GRAU COMPLETO3° GRAU INCOMPLETO3º GRAU COMPLETO
Figura 6: Grau de Instrução (dados primários, 2010)
GRAU DEINSTRUÇÃO 2008 2009 2010ANALFABETO 7 8 11° GRAU INCOMPLETO 274 193 331º GRAU COMPLETO 52 132 422º GRAU INCOMPLETO 39 33 82º GRAU COMPLETO 57 56 173° GRAU INCOMPLETO 7 8 23º GRAU COMPLETO 8 4 1TOTAL 444 434 104
Nota-se que a predominância quanto ao grau de instrução é para o primeiro
grau incompleto, porém nos anos de 2009, aparece também como destaque o
primeiro grau completo. E ainda no ano de 2010, desponta o segundo grau
completo.
71
3.7.7 Recebimento de Visitas
Distribuição da população carcerário do Presídio Masculino de Florianópolis,
conforme recebimento de visitas dos familiares e amigos (Março de 2008 – Março de
2010).
RECEBE VISITAS
0
50
100
150
200
250
300
350
2008 2009 2010
SIMNÃO
Figura 7: Recebimento de Visitas (dados primários, 2010)
RECEBE VISITAS2008 2009 2010
SIM 323 294 76NÃO 121 140 28TOTAL 444 538 104
Observa-se que há uma predominância tanto no ano de 2008, quanto no ano
de 2009 e 2010, acerca dos reclusos que recebem visitas, seja elas de familiares ou
de amigos.
Salienta-se que há uma preocupação na Instituição Penal pesquisada em
relação as visitas. Buscando-se com isto, uma aproximação dos familiares e amigos
com os reclusos. Porém destaca-se, que não é uma prática generalizada no Sistema
Penal Catarinense, é sim uma realidade da Instituição pesquisada.
72
3.7.8 Egressos de Estabelecimentos de Menores
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis
conforme egressos de Instituição de Menores (Março de 2008 – Março de 2010).
ESTABELECIMENTO DE MENOR
050
100150200250300350400450
2008 2009 2010
SIMNÃO
Figura 8: Egressos de Instituição de Menores (dados primários, 2010)
ESTABELECIMENTO DE MENOR2008 2009 2010
SIM 18 93 6NÃO 426 341 98TOTAL 444 434 104
Observa-se que no ano de 2009, há um número significativo de egressos de
Instituição de menores, fator este que contribuiu de certa maneira para o
crescimento da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis.
73
3.7.9 Situação Socio Econômica
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis,
conforme situação socio econômica (Março de 2008 – Março de 2010).
SITUAÇÃO ECONÔMICA
0
50
100
150
200
250
300
2008 2009 2010
CARENTESATISFATÓRIABOAÓTIMA
Figura 9: Situação Socio Econômica (dados primários, 2010)
SITUAÇÃO ECONÔMICA2008 2009 2010
CARENTE 244 275 49SATISFATÓRIA 154 124 44BOA 46 32 11ÓTIMA 0 3 0TOTAL 444 434 104
Observa-se a predominancia para reclusos que possuem situação
socioeconomica carente, porém merece destaque a situação satisfatória, ou seja,
pessoas que já possuem um certo padrão para a sua subsistência.
74
3.7.10 Delitos Mais Praticados
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis,
conforme os delitos mais praticados (Março de 2008 – Março de 2010).
DELITOS PRATICADOS
020406080
100120140160180200
2008 2009 2010
ROUBOFURTOHOMICÍDIOPORTE DE ARMASTRÁFICO DE DROGASOUTROS
Figura 10: Delitos mais Praticados (dados primários, 2010)
DELITOS MAIS PRATICADOS2008 2009 2010
ROUBO 57 69 11FURTO 65 70 18HOMICÍDIO 37 30 8PORTE DE ARMAS 31 18 5TRÁFICO DE DROGAS 190 166 47OUTROS 64 81 15TOTAL 444 434 104
Observa-se a predominancia para o tráfico de drogas, vindo em seguida o
furto e roubo. Merece destaque também o homicídio.
Outro tipo de delito que aparece na pesquisa está incluido entre outros, é o da
Lei Maria da Penha.
75
3.7.11 Situação Jurídica
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis,
conforme a sua situação jurídica.
SITUAÇÃO JURÍDICA
050
100150200250300350400450
2008 2009 2010
NÃO CONDENADOCONDENADOCONDENADO GRCONDENADO TJ
Figura 11: Situação Jurídica.
SITUAÇÃO JURÍDICA2008 2009 2010
NÃO CONDENADO 400 365 82CONDENADO 44 69 18CONDENADO GR 28 47 11CONDENADO TJ 16 22 7TOTAL 488 503 118
Nota-se no gráfico uma certa predominância para os reclusos não
condenados, porém no tocante aos condenados com transito em julgado, observa-
se que não deveriam estar incluidos nesta população carcerária, e sim cumprindo
penas em locais adequados as quais sejam Penitenciárias.
76
3.7.12 Tempo de Pena
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis,
conforme o tempo de Pena.
TEMPO DE PENA
05
10152025303540
2008 2009 2010
1 - 5 ANOS6 - 10 ANOS11 -15 ANOS16 - 20 ANOS21 - 25 ANOS
Figura 12: Tempo de Pena (dados primários, 2010)
TEMPO DE PENA2008 2009 2010
1 - 5 ANOS 22 37 116 - 10 ANOS 18 19 511 -15 ANOS 2 8 116 - 20 ANOS 1 3 121 - 25 ANOS 1 2 0TOTAL 44 69 18
Observa-se que dos 44 reclusos condenados no ano de 2008, 22 deles foram
condenados a penas de 1 a 5 anos, e 18 a 10 anos, 69 reclusos condenados no ano
de 2009, 37 obtiveram penas de 1 a 5 anos e 19 de 6 a 10 anos de prisão, quanto
aos condenados no ano de 2010, 9 pegaram penas de 1 a 5 anos, e 5 de 6 a 10
anos.
77
3.7.13 Regime de Pena
Distribuição da população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis,
quanto ao regime de pena (Março de 2008 – Março de 2010).
REGIME DE PENA
02468
10121416
2008 2009 2010
Regime FechadoRegime Semiaberto
Figura 13: Regime de Pena (dados primários, 2010)
REGIME DE PENA2008 2009 2010
Regime Fechado 9 14 5Regime Semiaberto 7 8 2Total 16 22 7
Observa-se que dos 16 reclusos condenados com transito em julgado no ano
de 2008, 9 deles são de regime fechado e 7 são de regime semiaberto, já no ano de
2009 dos 22 condenados, 14 são de regime fechado e 08 de regime semiaberto, e
no ano de 2010, dos 7 condenados com transito em julgado, 5 são de regimes
fechados e 2 do regime semiaberto.
Cabe salientar que, tanto os reclusos condenados em regime fechado e
regime semiaberto, não deveriam estar inclusos na população carcerária do Presídio
Masculino de Florianópolis, e sim, deveriam fazer parte da população carcerária das
Penitenciárias ou Colônia Penal Agrícola, locais estes previstos por lei para
cumprimento de pena.
78
3.7.14 Retornaram para a Instituição Penal Pesquisada no Período de Março de2008 à Março de 2010
Distribuição da população carcerária dos ingressos do Presídio Masculino de
Florianópolis que retornaram para a Instituição no período de Março de 2008 à
Março de 2010.
Retornaram para a Instituição Penal Pesquisada noPeríodo de Março de 2008 à Março de 2010
0
100
200
300
400
2008 2009 2010
Não retornaram
Retornaram
Figura 14: Passagens na Instituição Penal Pesquisada no Período de Março de 2008à Março de 2010 (dados primários, 2010)
Retornaram para a Instituição Penal Pesquisada noPeríodo de Março de 2008 à Março de 2010
2008 2009 2010Não retornaram 366 362 86Retornaram 78 72 18TOTAL 444 434 104
Observa-se que no ano de 2008, retornaram para a Instituição 78 reclusos, e
no ano de 2009, 72 reclusos, e 2010, 18 reclusos.
79
3.8 LINGUAGEM UTILIZADA PELOS RECLUSOS DA INSTITUIÇÃO
Antes de tecer qualquer comentário do assunto em questão, faz-se
necessário destacar que o mundo da prisão é um mundo propriamente diferente, é
mais além do que muros, grades, trancas, e celas. É uma sociedade toda própria,
com regras, valores, e uma linguagem específica. Mundo este que tem como o
objetivo primordial, a custódia e a manutenção da ordem interna, tudo tem um
significado, nada pode ser diferente. Se algo ocorre fora do controle tem alguma
coisa errada ocorrendo, deve ser averiguado e as providencias cabíveis devem ser
tomadas pelos que detêm o poder.
E para manter-se nesta realidade, as pessoas que ali encontram-se,
necessitam sobreviver, cria-se um mundo próprio, e neste mundo há a necessidade
de comunicação, desta forma surge um vocabulário que é usado pelos reclusos.
Cabe salientar que muitas das palavras que vamos relacionar, são usadas na
grande maioria das Prisões Brasileiras, e o Presídio Masculino de Florianópolis não
encontra-se tão distante, assim desta prática.
VOCABULÁRIO UTILIZADO PELOS RECLUSOS DO PRESIDIO MASCULINODE FLORIANÓPOLIS
TERMO SIGNIFICADOAlpiste ArrozAreia Açucar
Artesanatos Trabalhos feitos pelos presosBaga comprimido
Bagulho qualquer objetoBarraco-Cubiculo cela
Batedor marteloBoca Homossexual
Boca suja cinzeiroBoi vaso sanitário
Boiada sorteBombeta boné
Bonde transferênciaBrasa dragão isqueiro
Brasinha fogão a gazBreu maconha
Brucha vassouraBucetão pedaço de carne assadaCagueta delator fofoqueiroCaneco copo
80
Canela cigarroCasão quem gosta da comida do presídio
Casinha armadilha emboscadaCastelo dar esperançaCatatau mensagem bilheteChinelão empanado de frangoChuva agente na galeria
Conduto qualquer tipo de carneCoruja cueca
Criptonia pedra DE CRAQUEDe boa sussegadoDisco prato de plástico
Dr. Areia advogadoDucha tomar banhoEspeto algo ponteagudo
Fazer luvas lavar as mãosFerrinho Cachaça fabricada com casacas de frutasFininho cigarro de maconha
G2 barbeadorGoche chegou
Granada almôndegasGraxa margarinaHappi repetir comida
Ir as cordas SuicidioIr as portas Sair da galeria
Jega camaJogo trocaLili Alvará de soltura, liberdade
Lili da massi Agente fazendo rodaLuna óculos
Macaca bananaMãe pessoa moleMafu fumo
Marrocos pãoMassa macarrão
Memorandobilhete para ser atendido, Diretor, chefe de
segurança, saúde e Assistente socialMessiva cartaMinestra sopa de feijão, arroz, macarrão
Mirão espelhoMoca caféMocó lugar para esconder algoMuca sujeira
Mulher de guarita galinhas, frango assadoNa boa na saúde ficar em paz
Na praia dormir no chãoNo veneno com raiva
P.H Papel HigiênicoPá colher de plástico
Panelão comida servida pelo presídioPano qualquer roupa
Papagaio radioPassar um pano dar uma olhada
Peita camisetaPena Caneta
81
Penita Penitenciária de FpolisPeroba madeiraPisada fazer algo erradoPisante tênisPisão quem faz algo erradoPista corredor da galeriaPista Chão do corredorPó cocaína
Ponta pedaço de cigarro de maconhaQuieto Cortina
R Q Rabo quenteRadinho Celular
Raiz BatataRaiz de Coelho Cenoura
Rali Hou Comida boa, doceRango Rangar Comida Almoçar
Rolamento FeijãoSacola Compras trazidas por familiares
Se lavar proibido so mulher pode usarSemente ovosSeninha pote plástico
Ta de óculos fazendo algo erradoTa ligado entendeu
Táxi chip de celularTela Televisão
Tereza corda feita de pano (lençol, camisetas, calças)Ti passo lingüiça
Tia tira de panoTrampo trabalhoTranca ser preso, ir para as celasUnha faca
Vaquinha leiteVeneno SucoVento ventiladorVIP Penitenciária de S. Pedro Alcântara
Virna salsichaVisita na ilha visitas no corredorVou de jega vou dormir
82
3.9 REVISTAS CORPORAIS
3.9.1 dos Presos
Ao tratar-se deste tópico, é mister salientar que não somente o recluso é
submetido a tal procedimento, seus familiares ao ingressarem no estabelecimento
para visitá-los também são revistados.
O autor Augusto Thompson ressalta que:
Outra terrível privação, imposta pela penitenciária, refere-se àperda absoluta pelo direito à intimidade.Somente no cubículo consegue o interno estar sozinho. Naporta dele, porém, há uma fenda, estrategicamente colocada,por onde o guarda pode, a qualquer hora e a qualquer instante,vasculhar com os olhos todos os cantos.Todos os dias, ao deixar o alojamento, pela manhã, o preso érevistado, ao voltar, à tarde, a operação se repete. Durante anoite, com alguma freqüência, pode ser acordado pelo barulhodas chaves, a abrir o cadeado do cômodo. Entram guardas.Mandam que permaneça encostado à parede, junto da porta.Seus pertences, suas roupas, sua cama, tua é revirado. São osincertas, revistas realizadas de surpresa, numa galeriaescolhida aleatoriamente.205
Nota-se com esta situação que o mundo da prisão é um mundo próprio, como
já foi mencionado, por várias vezes no decorrer do presente trabalho.
Salienta-se que, esta prática, as revistas, também ocorrem no Presídio
Masculino de Florianópolis, evidentemente por tratar-se de um local onde ná há
células individuais, não há as “fendas”, citadas pelo autor Augusto Thompson, porém
todas as vezes que há movimentação dos reclusos para irem aos fóruns, aos
setores externos de saúde, seja hospitais, médicos, e ainda idas aos cartórios de
Florianópolis ou de municípios vizinhos, como São José e Palhoça, os reclusos são
submetidos as revistas corporais, e estas são realizadas por policiais militares que
fazem parte do pelotão de escolta, da Cia de Guarda do Complexo Penal de
Florianópolis.
205 AUGUSTO Thompson. A questão penitenciária. P. 62
83
No entanto, os reclusos ao ingressarem no estabelecimento penal, vindo de
outras unidade prisionais, antes de serem encaminhados para as galerias, são
revistados, bem como seus pertences. Estas revistas são realizadas pelos Agentes
Penitenciários do Presídio.
Por outro lado, ocorre que, a qualquer momento na Instituição, pode ocorrer
revistas nas galerias, cubículos e reclusos.
Estas também são realizadas por Agentes Penitenciários, e se caso
necessitar, há também a participação de Policitais Militares, da Cia de Guarda ou de
algum batalhão especial.
3.9.2 dos Familiares
Como já foi mencionado além dos reclusos, seus familiares também são
submetidos as revistas corporais, entretanto antes de ser discorrido tal assunto, faz-
se necessário mencionar:
Segundo as autoras Bárbara Musumeci Soares e Iara Ilgenfritz:
Uma cena comum em frente às entrada de cada unidadeprisionais é a interminável fila de familiares de presos e presaspara a visita semanal. Essas filas se formam não importa quecondições atmosféricas, sob o sol escaldante ou chuvastorrenciais. São compostas, na grande maioria, por mulheres –mães, esposas, namoradas – e crianças – filhos e parentes dospresos e presas. O que mais carregam consigo, inclusive ascrianças, é comida, roupas, objetos de higiene pessoal,cigarros, jornais e revistas. Nessas ocasiões, toda a segurançada unidade é mobilizada e os agentes mais especializados sãoconvocados para a “revista” dos visitantes.206
O relato da autora faz lembrar, também esta prática nos estabelecimentos
penais de Santa Catarina, e no Presídio Masculino de Florianópolis não poderia ser
diferente.
206 SOARES, Bárbara Musumeci; ILGENFRITZ, Iara. Prisioneiros – Vida e violência atrás das grades,editora Garamond Ltda, Rio de Janeiro, 2002, p. 38.
84
As visitas aos reclusos, por seus familiares, ocorrem nos finais de semana,
sendo que, como tratam-se de 5 galerias, há uma alternância, quanto aos dias de
visita.
Ou seja, se os reclusos da galeria A e D, recebem suas visitas durante o mês
de Maio no Sábado, as galerias B, C, e E, recebem no Domingo. No próximo mês há
uma inversão, aqueles que receberam no Sábado passam para Domingo e vice-
versa. Tal fato ocorre, em decorrência de que muitas pessoas trabalham aos
Sábados, e ficam impossibilitadas de visitarem seus familiares, e tendo esta
alternância terão possibilidades de fazê-las.
É mister salientar que, para que ocorra estas visitas, há necessidade de fazer
alguns esclarescimentos acerca dos procedimentos.
Os visitantes para ingressarem na parte interna do estabelecimento, e
obterem suas “carteiras de visitas”, documento este, com o qual visitam os familiares
e amigos, necessitam do cadastramento e liberação junto ao setor de Serviço Social,
que atende os familiares de 3ª feira à 5ª feira, das 10:00 às 12:00 horas. O
documento em tela, após a liberação é autorizado pelo Diretor do Presídio.
É mister destacar que no Presídio Masculino de Florianópolis há esta prática
de liberar a visita de amigos aos reclusos. Isto ocorre após a avaliação e parecer do
Setor Serviço Social, que ao constatar que o recluso não possui nenhuma visita,
pois seus familiares são de outras cidades ou outros estados ou mesmo não
possuem familiares, mas um amigo se interessa em visitá-lo, e o recluso aceita em
em recebe-la, será liberada, e seguirá os tramites de praxe.
De posse do documento juntamente com a carteira de identidade, ou de
motorista, ou carteira de trabalho, o visitante poderá no final de semana realizar a
visita.
Ressalta-se que, os portões do Presídio abrem para os visitantes nos finais
de semana, à partir das 8:00 horas, momento em que os familiares e os alimentos
autorizados, são revistados por Agentes Penitenciários masculinos e femininos, a
medida que são revistados vão ingressando, e poderão sair da Instituição às 15:00
ou 16:30 horas.
O horário obedecido para as revistas é das 8:00 às 12:00 horas, após este
horário não é mais permitido o ingresso na parte interna.
Faz-se necessário destacar ainda que, os familiares que não passam por
revistas corporais, por motivo de constragimento, principalmente senhoras idosas,
85
após entrevistadas no serviço social, visitam no parlatório, de 2ª à 6ª feira, entre 9:00
e 11:00 horas e entre 14:00 e 16:00. Estes visitantes, também recebem o
documento carteira de visitas.
É mister enfatizar que, no momento em que são entrevistados pela Assistente
Social, os visitantes recebem um documento contendo todos os procedimentos e
orientações acerca de visitas, e alimentos liberados para serem entregues aos
reclusos.
Com referência aos alimentos é necessário esclarescer, que a Instituição
fornece aos reclusos 3 (três) alimentações diárias, café da manhã, almoço e janta.
Porém no tocante a verduras, frutas, roupas de cama, roupas pessoais, material de
higiene, e outros alimentos como refrigerantes, balas, chocolates, etc, não são
fornecidos pela instituição. O que leva muitos familiares a levarem para seus
parentes. E diante de tal situação, de 2ª à 6ª feira, entre 8:00 e 12:00 horas, fica um
Agente Penitenciário de plantão, para receber e revistar todos os materiais e
alimentos, que são entregues pelos familiares.
Para evitar transtornos, os alimentos são recebidos na seguinte ordem:
GALERIA E - São recebidos às 2ª Feiras;GALERIA C - São recebidos às 3ª Feiras;GALERIA D - São recebidos às 4ª Feiras;GALERIA B - São recebidos às 5ª Feiras;GALERIA A - São recebidos às 6ª Feiras.
Os familiares que residem no interior do Estado de Santa Cataria, ou em
outros Estados, são autorizados a entregá-las, nos finais de semana, quando
também na oportunidade, no mesmo horário, e dia de visita, Sábado ou Domingo, o
Agente Penitenciário, recebe e após as devidas vistorias. Estas são entregues para
os reclusos, no momento em que receberá a visita de seus familiares.
É importante salientar que, os reclusos que não possuem visitas, e que
sentem dificuldade de obter material de higiene pessoal, estes são fornecidos pelo
Serviço Social, que realiza campanhas de doação junto aos empresários que
desenvolvem trabalhos no Presídio, como os proprietários de oficinas, e órgãos da
comunidade, tais como associações e grupos religiosos.
86
3.10 VISITAS ÍNTIMAS
Conforme determina a Lei de Execução Penal em seu art. 41 “constituem
direitos do preso: X – visitas do cônjuge, da companheira, de parentes e amigos em
dias determinados”.
E cabe ao estabelecimento penal, propiciar para que esta prática ocorra, e no
Presídio Masculino de Florianópolis, como foi relatado no item 3.9, vários
procedimentos são tomados para que os reclusos recebam suas visitas.
No entanto, além das visitas, muitos também nos finais de semana, usufruem
de visitas íntimas. Acerca deste tema o autor Drauzio Varella comenta que:
São nebulosas as origens das visitas íntimas. Contam quecomeçaram no início dos anos 80, insidiosamente, comoalguns presos que improvisaram barracas nos pátios dospavilhões nos dias de visita. Outros, mercenários, juntavamdois bancos compridos, cobriam-se com cobertores ealugavam o espaço interno para a intimidade dos casais.Na época as autoridades fizeram vista grossa, convencidos deque aqueles momentos de privacidade acalmavam a violênciada semana. Quando surgiram as primeiras queixas de menoresengravidadas nesses encontros furtivos, ficou evidente que asituação escaparia do controle. Incapazes de acabar com oprivilégio adquirido, decidiram, então, oficializar as visitasintimas”.207
Cabe ressaltar que, esta prática relatada pelo autor Dráuzio Varella, na Casa
de Detenção de São Paulo, se estenderam de maneira gradativa para os demais
estabelecimentos penais brasileiros. E acabou também por chegar, no estado de
Santa Catarina. Para atender esta nova realidade, casas de encontros íntimos foram
construidas nas Penitenciárias. E nos locais onde não foi possível as contruções, as
visitas, passaram a ocorrer nas celas, como é o caso de Presídio Masculino de
Florianópolis.
Porém para as pessoas que estão distantes deste mundo da prisão, tudo fica
muito confuso, e o autor Drauzio Varella, faz um comentário no tocante ao tema que
merece destaque:
207 VARELLA, Drauzio. Estação carandiru. p. 60.
87
Quem nunca entrou em Presídio imagina que os mais fortestomam as mulheres dos mais fracos num corredor como esse,cheio de malandros encostados na parede. Ledo engano: Oambiente é mais respeitodo do que pensionato de freira.Quanto um casal entra, todos abaixam a cabeça. Não bastadesviar, o olhar, é preciso curvar o pescoço. Ninguém ousadesobedecer a essa regra de “procedimento”, seja a mulheresposa, noiva ou prostituta. Uma vez, Genésio, um nordestinocicioso que esbanjos nas boates da zona norte o dinheiroroubado em mais de cem assaltos, reconheceu na galeria umamulher da qual havia sido cliente: -O companheiro vinha comoo braço no ombro dela. Virei de costas para a parede, paraevitar que ela me visse e deixasse transparecer. Olha queelegência doutor!208
Com este relato, observa-se que mesmo dentro das prisões, certos valores
são mantidos, como é o caso do respeito a questão da figura da mulher, pela massa
carcerária.
No Presídio Masculino, como já foi mencionado que as visitas íntimas
ocorrem nos finais de semana, no horário das 15:00 horas, a primeira saída das
galerias, dos familiares, é comum as saídas das mães, irmãos, pais, filhos, e
permanecem nas celas as esposas e companheiras, momento em que ocorrem as
visitas intimas. Parece estranho para o mundo externo, mas como relatou o autor
Drauzio Varela, nenhum preso pode dirigir-se ou olhar para a “mulher” do outro, eles
nem permanecem na cela, ficam nos pátios, ali é o lugar reservado para os casais.
Cada um, tem sua cama, usam lençóis como cortinas, para protegerem suas
intimidades, os rádios ficam junto as camas, ligados, para evitarem qualquer ruído.
Não pretendemos esgotar o tema com este trabalho Monográfico, outros
trabalhos virão para contribuir com este estudo, pois, como já explanamos, a
população carcerária do Presídio Masculino de Florianópolis tem se modificado ao
longo dos últimos anos. Espera-se que este estudo tenha contribuído para se
conhecer o perfil do criminalizado que cumpre pena no Presídio Masculino de
Florianópolis.
208 VARELLA, Drauzio. Estação carandiru. p. 60.
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CONCLUSÃO
Vivencia-se uma realidade de incertezas, angustias, medos, cercados de
contravalores No tocante a questão política, descrenças, na área social milhares de
pessoas vivendo em situação de miséria, cujas necessidades básicas , tais como:
alimentos, saúde, habitação e educação não são satisfeitas gerando com isto,
violências, inseguranças pessoal e social.
Busca-se viver em segurança, em paz, em liberdade, enfim feliz.
No entanto toda aquele que possa ameaçar e impedir essa vontade e
liberdade, deve ser afastado, banido. E porque não dizer, entregue as prisões, para
que lá seja punido, intimidado e regenerado.
Esta é a finalidade da pena, fazer com que o preso, torne-se uma pessoa
com capacidade de respeitar a lei penal e atender as suas próprias necessidades.
Entretanto a ser analisada a origem da pena, percebe-se que ela esta toda
voltada para o fator punição, apesar de que foram muitos os esforços para
humanizá-la.Apesar de continuar enraizada de punição.
Cabe aqui salientar que, os castigos na antiguidade inicialmente tinham
cunho privado, depois divino e posteriormente público, onde o corpo do infrator
recebia vários castigos antes de sua execução.
Porém, com o passar do tempo extingue-se a pena capital e surge a pena
privativa de liberdade, pratica esta nos dias atuais.
Percebe-se que deixa-se de punir o corpo do individuo, porém os efeitos do
confinamento atingem sua vontade, seu intelectuo e emoções.
Nota-se que, mesmo com tantos esforços discussões acerca da questão
prisional, a pena continua suas características voltadas para a repressão e punição.
Observa-se que há uma carência muito grande de políticas, voltadas para o
Sistema Prisional, seja ela a nível Federal ou estadual, onde o respeito á realidade
de cada instituição não ocorre. Há sim uma generalização, e não uma
individualização de ações , com a identificação da clientela e de suas necessidades.
Reportando-se ao presente trabalho, destaca-se que através da pesquisa
realizada no Presídio Masculino de Florianópolis, constatou-se que, os reclusos que
ali estão, são extremamente jovens, cuja faixa etária gira em torno de 18 a 25 anos,
sendo que a maioria é natural da cidade de Florianópolis e São José, com estado
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civil solteiros seguidos de amasiados, de cor branca, profissões com destaques
para a construção civil, predominando servente de pedreiro, pintor e pedreiro, com
1º grau incompleto, situação socioeconômica carente, com um número acentuado de
egressos das instituições de menores. No tocante aos delitos praticados, destacam-
se: tráfico de drogas, furto e roubo. Outro fator que merece relevo é que muitos do
reclusos são condenados, sendo que uns em regime fechado e outros em regime
semiaberto. Outro aspecto constatado é que a maioria dos reclusos do Presídio
Masculino de Florianópolis, recebem visitas dos familiares e amigos.
Por outro lado , foi constatada, também, duas situações preocupantes que
é, um número acentuado de egressos das Instituições de menores e o destaque
para a pratica de delitos, tais como tráfico de drogas, furtos e roubo.
Com referencia ao trafico de drogas, é cada vez mais o número de jovens
voltados para esta questão, e o quanto isto é nocivo para a sociedade.
Percebe-se também, que há um mundo diferenciado “intra muros”, cujo
vocabulário é totalmente peculiar do “extra muros”.
O recluso que entra no sistema Penal, adere um “idioma” peculiar, próprio
daquela realidade.
Sendo Assistente Social no Presídio Masculino de Florianópolis há mais de
15 anos, vivenciando o dia-a-dia do recluso, e através do nosso trabalho,
constatamos, o descompasso entre as funções declaradas do Sistema Penal, e as
funções não declaradas.
90
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93
ANEXO A – Ofício da professora Eunice ao administrador do PresídioMasculino de Florianópolis
94
95
ANEXO B – Ofício do administrador do Presídio Masculino de Florianópolisem resposta a professora Eunice
96
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ANEXO C – Fotos do Presídio Masculino de Florianópolis
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102
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104
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ANEXO D – Formulário de entrevista dos reclusos
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108
ANEXO E – Formulário das carteiras de visitas
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ANEXO F – Procedimentos para visitas e entregas de alimentos