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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ UNIVALI RAFAELA ROHSBACKER GONZALEZ A SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO INTERPRETATIVO NO CANTO POPULAR: uma análise da música Beatriz de Chico Buarque e Edu Lobo interpretada por Mônica Salmaso e Maria João Itajaí 2012

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI

RAFAELA ROHSBACKER GONZALEZ

A SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO INTERPRETATIVO NO CANTO POPULAR: uma análise da música Beatriz de Chico Buarque e Edu Lobo

interpretada por Mônica Salmaso e Maria João

Itajaí 2012

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RAFAELA ROHSBACKER GONZALEZ

A SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO INTERPRETATIVO NO CANTO POPULAR: uma análise da música Beatriz de Chico Buarque e Edu Lobo

interpretada por Mônica Salmaso e Maria João Monografia apresentada como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Música – Ênfase em Canto, pela Universidade do Vale do Itajaí.

Orientador: Prof.ª Ms. Giana Cervi

Itajaí 2012

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RAFAELA ROHSBACKER GONZALEZ

A SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO INTERPRETATIVO NO CANTO POPULAR: uma análise da música Beatriz de Chico Buarque e Edu Lobo

interpretada por Mônica Salmaso e Maria João

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em Música – Ênfase em Canto e aprovada pelo Curso de Música - Bacharelado da Universidade do Vale do Itajaí.

Área de Concentração: Música

Itajaí, 6 de Dezembro de 2012.

Prof.ª Ms. Giana Cervi UNIVALI – Núcleo das Licenciaturas

Orientador

Prof.ª Ms. Mônica Zewe Uriarte UNIVALI – Núcleo das Licenciaturas

Membro

Prof. Dr. Luís Fernando Hering Coelho UNIVALI – Núcleo das Licenciaturas

Membro

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AGRADECIMENTOS Agradeço à minha orientadora, aos professores, funcionários e colegas do

curso de Música da UNIVALI que contribuíram para minha formação musical e

desenvolvimento desta pesquisa. Também agradeço aos meus pais pelo apoio e

incentivo aos meus estudos, e à minha irmã, companheira de trabalho e de curso,

que muito acrescenta à minha evolução como musicista.

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RESUMO A interpretação vocal, em suas nuances, possui aspectos subjetivos. Partindo da observação da prática, é possível teorizar alguns elementos que aparecem nas performances dos cantores da música popular. A soprosidade na voz cantada como um recurso interpretativo é o tema deste trabalho que tem como objetivo analisar sua aplicação na música popular brasileira através de gravações registradas em álbuns de notáveis intérpretes. São apresentados alguns exemplos do tema e uma análise da voz soprosa em relação aos elementos estruturais da canção Beatriz de Chico Buarque e Edu Lobo interpretada por Mônica Salmaso e Maria João. Trata-se de uma pesquisa exploratória e um estudo de caso na área da análise e da performance musical, com referências bibliográficas da música e da fonoaudiologia, que contribuirá para o registro de um recurso interpretativo do canto popular brasileiro, colaborando com o crescimento da produção bibliográfica sobre técnica vocal. Palavras chave: Soprosidade Vocal. Interpretação Vocal. Timbre vocal.

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ABSTRACT The nuances of vocal interpretation has subjective aspects. Starting from the observation of practice, it is possible to theorize some elements that appear in performances of the singers of Brazilian Popular Music. Breathiness in singing as an interpretative resource, and an analysis of its application in Brazilian popular music, is the subject of this research, through recordings of notable performers. Some examples are presented, and an analysis of breathy voice in relation to the structural elements of song Beatriz by Chico Buarque and Edu Lobo sung by Mônica Salmaso and Maria João, are presented. This is an exploratory research and a case study of analysis and musical performance, with music and speech therapy references, which contribute to registering the interpretive features of Brazilian popular song, collaborating with the growth of bibliographic production about vocal technique. Keywords: Breathy Vocal. Vocal Performance. Vocal Timbre.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...........................................................................................................07

1. INTERPRETAÇÃO E SOPROSIDADE VOCAL.............................................09

1.1 Soprosidade vocal...........................................................................................09

1.1.1 Definição..........................................................................................................09

1.1.2 Qualidade vocal, disfonia e fonética................................................................10

1.1.3 Configuração laríngea.....................................................................................11

1.1.4 Características acústicas e psicodinâmica vocal.............................................11

1.2 Interpretação...................................................................................................12

1.2.1 Definição..........................................................................................................12

1.2.2 Interpretação vocal..........................................................................................12

1.2.3 Recursos interpretativos em timbre.................................................................13

2. SOPROSIDADE VOCAL NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA.................15

3. ANÁLISE DO USO DA SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO INTERPRETATIVO NA CANÇÃO BEATRIZ DE CHICO BUARQUE.......................19

3.1 Metodologia.....................................................................................................19

3.2 Soprosidade em relação à forma musical.......................................................21

3.3 Soprosidade em relação à altura das notas....................................................22

3.4 Soprosidade em relação à duração das notas................................................25

3.5 Soprosidade em relação à intensidade das notas..........................................26

3.6 Soprosidade em relação à poesia da canção.................................................27

3.7 Comparação entre as interpretações..............................................................28

CONCLUSÃO............................................................................................................29

REFERÊNCIAS..........................................................................................................31

ANEXOS....................................................................................................................34

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INTRODUÇÃO

“(...) No fim das contas, a essência da performance musical é a possibilidade de transmitir emoção, seja porque o artista a sente ou porque tem a capacidade de fazer parecer como se sentisse.” (LEVITIN, 2010: 230)

Para personalizar sua interpretação o cantor pode se valer das propriedades

do som, com a possibilidade de adequação de melodia, ritmo, intensidade e timbre,

esta última compondo a identidade do intérprete. O que ocorre na prática, em

relação ao timbre vocal, é que os cantores fazem ajustes fisiológicos, utilizando

características vocais como recursos interpretativos. Esta possibilidade de alteração

da voz durante a prática do canto sempre se constituiu em assunto de grande

interesse para esta pesquisadora, por acreditar que grande parte da “magia” de uma

performance está no domínio sobre o timbre, por parte do intérprete. No canto

popular, este estudo das técnicas interpretativas se mostra quase sempre subjetivo,

algo que se descobre e se cria através da autopercepção, a partir dos gostos

pessoais do intérprete e suas possibilidades, muitas vezes partindo de uma estética

pré-estabelecida de determinado gênero musical. O estilo popular trata-se de um

canto esteticamente livre, que dispõe de inúmeros recursos interpretativos. Não há

uma regra que deve ser seguida ou imposta, em razão disto, as publicações

direcionadas à interpretação vocal são escassas. No entanto, apesar de possuir

aspectos subjetivos em suas nuances, partindo da observação da prática, é possível

teorizar alguns elementos que aparecem nas performances dos cantores da música

popular brasileira.

A soprosidade na voz cantada como um recurso interpretativo em timbre é o

tema desta pesquisa que tem como objetivo analisar sua aplicação na música

popular brasileira. Este estudo irá documentar algo que já é realizado na prática,

através de observações e hipóteses, tratando-se assim, de uma reflexão sobre o

tema e não de afirmações absolutas. Acredita-se que os resultados desta pesquisa

contribuirão para o registro de um recurso interpretativo do canto popular brasileiro,

colaborando com o crescimento da produção bibliográfica sobre técnica vocal.

Para a fonoaudiologia a soprosidade não intencional pode ser considerada

uma disfonia1, portanto, passível de tratamento. Existem também exercícios na

1 Disfonia é um distúrbio da comunicação que impede a produção natural da voz do indivíduo (...).

(BEHLAU, 2001)

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técnica vocal para diminuir a soprosidade indesejada por um cantor, que pode

ocorrer por uma dificuldade de execução. No entanto, este estudo abordará o tema

do ponto de vista da interpretação vocal voluntária, partindo do pressuposto que

cantores profissionais devem apresentar boa saúde vocal e domínio do recurso.

O primeiro capítulo apresenta o embasamento teórico desta pesquisa, com

referências bibliográficas da fonoaudiologia, da música e canto. O capítulo seguinte

constitui-se da reflexão sobre o tema e exposição de alguns exemplos. Por fim, o

terceiro capítulo apresenta uma análise da soprosidade aplicada em uma canção da

música popular brasileira, a fim de relacionar a voz soprosa com os elementos da

canção. Anexo a este trabalho está um CD de áudio contendo as gravações citadas

no segundo e terceiro capítulos, para que a leitura possa ser realizada

acompanhada da audição.

Realizar esta pesquisa se tornou algo muito prazeroso para esta autora, pois

a busca de gravações de referência oportunizou a dedicação de muitas horas a

escuta de composições e interpretações da música popular brasileira, onde se ateve

a pequenos detalhes para os quais em outras ocasiões não direcionava tanta

atenção. Desta forma, seu encantamento e admiração pela música brasileira e seus

intérpretes multiplicou-se. Como anteriormente mencionado, a voz e sua

expressividade no canto através do timbre é algo que esta autora considera

fascinante, e que através desta pesquisa pôde compreender melhor.

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1. INTERPRETAÇÃO E SOPROSIDADE VOCAL

1.1 Soprosidade Vocal

1.1.1 Definição

Sobre a soprosidade vocal e sua definição é possível encontrar fontes na

fonoaudiologia. “O termo soprosidade não existe no dicionário da língua portuguesa,

entretanto, foi mantido por ser comumente utilizado no meio fonoaudiológico e

otorrinolaringológico” (PINHO; PONTES, 2008: 68). A expressão encontrada no

dicionário é “sopro” significando “ato ou efeito de soprar”, “expelir o ar dos pulmões

com força em certa direção” (HOUAISS, 2009). O ato de produzir, simultaneamente

à fonação, a expulsão de grande quantidade de ar é o que se entende por

soprosidade, e esta expressão se enquadra principalmente no vocabulário técnico

fonoaudiológico.

Em 1980, Laver chamou esta qualidade vocal de “Breathy Voice2”,

correspondendo a uma sonorização suave, com leve soprosidade audível

convivendo com a voz modal3, que é marcadamente dominante. Alertou ainda que a

voz em questão difere do cochicho, tanto em termos de configuração e tensão de

prega vocal, quanto em intensão no discurso.

Colton e Casper (1996) afirmaram que a designação de soprosidade refere-se

à percepção de escape de ar audível durante a fonação. Nicolosi, Harryman e

Kresheck (1996) explicam que tal escape de ar se da à medida que não há uma

adequada aproximação das pregas vocais, com isso o que ocorre é a perda de uma

quantidade de ar excessiva acompanhando um tom vocal.

Jakubovicz (1997) descreve como a voz soprosa pode ser percebida. De

acordo com esta autora, é possível notar que escapa ar quando a pessoa fala.

Segundo Behlau (2001), na qualidade vocal soprosa ouve-se a voz

acompanhada de ar não-sonorizado pelas pregas vocais; assim, há presença

audível de um ruído junto à fonação, que é o fluxo contínuo de ar através da glote.

2 Breathy Voice - Voz Soprosa

3 O registro modal é o que utilizamos geralmente em nossa fala habitual. (BEHLAU, 2001: 108)

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Pinho e Pontes (2008) explicam que a soprosidade corresponde à presença

de um ruído de fundo audível, cujo correlato fisiológico mais frequente é a presença

de fenda glótica.

Na literatura do canto popular, Paparotti e Leal (2011) definem a voz soprosa

como sendo uma voz com marcante presença de soprosidade na emissão.

1.1.2 Qualidade Vocal, Disfonia e Fonética

Diversos autores enquadram a soprosidade em “Qualidade Vocal”, que

Behlau (2001, p.92) explica:

Qualidade vocal é o termo atualmente empregado para designar o conjunto de características que identificam uma voz; era anteriormente referida como o timbre, mas o uso deste vocábulo está se restringindo aos instrumentos musicais. A qualidade vocal é nossa avaliação perceptiva principal e relaciona-se à impressão total criada por uma voz, e, embora a qualidade vocal varie de acordo com o contexto de fala e as condições físicas e psicológicas do indivíduo, há sempre um padrão básico de emissão que o identifica. (...) está relacionado com a seleção de ajustes motores empregados, tanto em nível de pregas vocais e laringe, quanto em nível do sistema de ressonância (...).

As possíveis causas da voz soprosa como padrão de fala são citadas por

alguns autores, sendo: disfonias hipocinéticas, quadros de fadiga vocal, certas

inadaptações fônicas, casos neurológicos de paralisia de prega vocal (BEHLAU;

PONTES, 1995); distúrbios neurológicos periféricos, de prejuízo neurológico central,

da presença de uma lesão que interfere no fechamento da prega vocal ou de uso

impróprio da voz (COLTON; CASPER, 1996); “excepcionalmente, podemos

encontrar soprosidade em casos de extrema rigidez de mucosa na ausência de

fenda glótica” (PINHO; PONTES, 2008, p.68).

Além do enquadramento nos estudos de qualidade vocal e disfonia, a

soprosidade também é estudada no âmbito da fonética. Um exemplo do uso da voz

soprosa nos idiomas é a letra h na língua inglesa (ISTRE, 1980), em palavras como

history, happy e home. Estes fonemas exigem o chamado ataque vocal aspirado ou

soproso, produzido por adução atrasada da prega vocal, ou seja, a expiração do ar

antecede a vibração das pregas vocais (BEHLAU, 2001; PINHO, 1998).

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1.1.3 Configuração laríngea

A configuração laríngea da voz soprosa é explicada por Laver (1980): as

pregas vocais vibram, mas não se fecham totalmente. De acordo com o autor, a voz

soprosa é produzida com marcante relaxamento do esforço muscular, caracterizada

pela tensão adutiva fraca e compressão medial também fraca, porém, justo o

suficiente para que a energia aerocinética obtenha vibração de pequena amplitude

das pregas vocais. Em outras palavras, quando se fala com a voz soprosa, a tensão

muscular é baixa, o que impede as pregas vocais de fecharem completamente

durante a vibração. Como resultado disto, elas não se tocam na parte do meio, o

fluxo de ar através das pregas vocais aumenta, causando turbulência e fricção

audível (BIEMANS, 2000).

1.1.4 Características acústicas e psicodinâmica vocal4

A respeito das características acústicas da voz soprosa, Behlau (2001) a

caracteriza como uma voz de intensidade baixa, e que também pode ser de

intensidade forte quando houver esforço de compensação para reduzir o escape de

ar. Colton e Casper (1996) acrescentam que esta qualidade vocal apresenta falta de

clareza.

Hillenbrand e Houde (1996) apresentam em seus estudos o comportamento

dos harmônicos na voz soprosa, segundo os autores, há maior amplitude do

primeiro harmônico (H1) enquanto os harmônicos superiores se apresentam

relativamente fracos. Além disso, há redução da frequência fundamental em relação

à voz não soprosa, bem como a estrutura dos formantes é obscurecida (Gordon,

2001).

Alguns estudos sobre qualidade vocal indicam que as mulheres tendem a

apresentar maior soprosidade vocal do que os homens, na maioria das línguas. Este

fato pode estar relacionado às impressões que esta qualidade vocal costuma

causar. Caracterizada como uma forma relaxada e sensual de falar, quando

relacionada ao sexo feminino pode gerar os juízos de sensível e feminina.

(BIEMANS, 2000). Além da impressão de sensualidade, Behlau (2001) ainda cita

fraqueza e falta de potência como possíveis interpretações da voz soprosa.

4 A avaliação da psicodinâmica vocal é a descrição do impacto psicológico produzido pela qualidade

vocal do indivíduo (...). (BEHLAU, 2001)

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1.2 Interpretação

1.2.1 Definição

A respeito da interpretação musical, esta pesquisa tem como referência as

seguintes definições: “Koellreuter (1990) define a palavra interpretação de duas

maneiras: como a „decodificação dos signos musicais‟ ou como a „tradução subjetiva

de uma obra‟” (KOELLREUTER apud MILANI; SANTIAGO, 2010).

Segundo Guerchfeld (1995), interpretar um texto de música é atribuir um

significado a ele através da execução de um instrumento, podendo ser a interação

entre compositor e executante. (GUERCHFELD apud MILANI; SANTIAGO, 2010).

Laboissière (2002), em seu conceito de interpretação musical como uma

atividade recriadora, acredita que a música está subordinada a diferentes fatores,

sociais, ideológicos e históricos, “caracterizando-se como interpretação, pela

impossibilidade de reconstituir sua origem legítima”.

Para Lima, Apro e Carvalho (2006), o termo interpretação refere-se à

tradução e expressão de um pensamento, o que presume uma ação de execução

que se reveste de um sentido hermenêutico. Os autores explicam que a

interpretação unida à prática, que possui preocupações mais mecanicistas, resulta

na chamada performance.

A performance musical (...) integra esses dois mundos, ela faz emergir a função tecnicista dessa prática musical e a obra musical propriamente dita, mas também, transmuta essa execução, por meio de processos interpretativos do executante, com o intuito de revelar relações e implicações conceituais existentes no texto musical (LIMA; APRO; CARVALHO, 2006:13)

1.2.2 Interpretação Vocal

A maioria dos autores que discorrem sobre a interpretação vocal enfatizam a

“emoção” genuína como principal fator de uma boa performance.

“Ao interpretar uma obra, o intérprete se transforma numa personagem”

(COELHO, 1994).

Sandroni (1998) argumenta que a identificação do intérprete com o repertório

é importante, para que ele possa ser verdadeiro ao dizer o texto e possa transmitir

sentimentos aos ouvintes.

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De acordo com Marsola e Baê (2000) cantar é transmitir emoções e

sentimentos. Segundo Silva (2005) canto expressivo é aquele que expressa bem

aquilo que pretende transmitir, com vivacidade e energia, de um modo altamente

significativo.

Para Amato (2006) o canto está baseado na produção de um som musical

agradável, adequadamente sustentado e de qualidade apropriada ao estilo

empregado.

1.2.3 Recursos interpretativos em timbre

De acordo com Madureira (2005) as condições de produção da fala

possibilitam infinitos ajustes, e por isso, ela se torna muito expressiva. As

configurações do trato vocal se dão pela atuação dos pulmões, laringe, véu palatino;

pela quantidade de fluxo de ar e sua direção; pela configuração das pregas vocais e

dos articuladores. Desta forma, no discurso existe o conteúdo, que é o sentido, e a

matéria fônica, que constitui a forma. Esta é a que causa impressões nos ouvintes,

que então, lhe atribuem sentido. Toda fala é expressiva, pois veicula, através da

fonação e articulação dos sons, alguma forma de emoção, atitude, estado físico,

crença ou condição social.

A variação de padrões melódicos e rítmicos, geralmente, é o que torna a fala

expressiva. Os ajustes de qualidade de voz no contorno melódico podem ir desde a

voz rangida até o falseto, passando pelo modal. (MADUREIRA, 2005)

A alteração do timbre vocal, portanto, pode ser algo natural da fala e da

comunicação:

(...) um individuo que possui voz normal consegue variá-la livremente de acordo com a situação e o contexto do discurso. Assim, na verdade, temos várias vozes utilizadas de acordo com o interlocutor e com a situação de comunicação. Essa possibilidade de variação vocal, sob demanda voluntária ou não, consciente ou inconsciente, talvez seja um dos melhores atestados de saúde vocal e de normalidade anatomofuncional do aparelho vocal. (BEHLAU, 2011: 65)

Na voz cantada a qualidade vocal é comumente analisada em relação ao

estilo musical e as características interpretativas de cada pessoa.

Segundo Paparotti e Leal (2011) cada gênero musical exige do cantor ajustes

fonatórios específicos, de demanda particular. É necessário o autoconhecimento e

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amadurecimento vocal do intérprete para que este possa reconhecer sua tessitura

confortável, as características do seu instrumento vocal e as possibilidades e limites

para criar efeitos em sua voz.

A qualidade da voz no canto popular é extremamente variada, permitindo nuances de rouquidão, soprosidade, nasalidade, aspereza, toques de sensualidade, calor ou agressividade, indesejáveis na estética do canto lírico. Portanto, é imprescindível que os cantores populares tenham conhecimento em relação às técnicas vocais próprias para o seu estilo. (PAPAROTTI; LEAL, 2011: 61)

Algumas vezes, os cantores buscam certa rouquidão e soprosidade que não

desejam suprimir. Partindo da consciência de que um cantor não solicita

necessariamente uma voz de qualidade em relação à pureza e clareza, a terapia

vocal para cantores busca proporcionar maior conforto ao intérprete na produção de

tais tipos vocais. Buscando uma maneira de não fadigar a voz e nem machucá-la, o

terapeuta propõe meios para que a voz funcione de acordo com a base fisiológica e

então, encontra e explora todas as suas potencialidades. (ESTIENNE, 2004 apud

SILVA, 2005).

Pinho em 1998 já havia se referido a tal tipo de terapia vocal em relação a

atores. Segundo a autora, cabe ao fonoaudiólogo auxiliar o ator na produção da voz

desejada para determinado personagem, orientando-o nesta produção com a menor

sobrecarga possível. Pinho explica que é fundamental a consciência quanto à

necessidade de retorno ao padrão vocal habitual, imediatamente após os ensaios e

apresentações.

Quando um ajuste motor impróprio para uma produção vocal saudável é

utilizado em longo prazo, pode levar a uma disfonia funcional (BEHLAU, 2001).

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2. SOPROSIDADE VOCAL NA MÚSICA POPULAR BRASILEIRA

Apesar de quase sempre ser abordada do ponto de vista da disfonia, a

soprosidade nem sempre é decorrente de patologia, “tipo de voz não é sinônimo de

voz disfônica” (BEHLAU, 2011: 92). A voz soprosa, assim como outros tipos de voz,

pode estar presente na fala de pessoas que não apresentam problema de adução

das pregas vocais. Os motivos para o uso deste padrão vocal podem ser vários, um

exemplo é a adaptação do timbre ao discurso e ao interlocutor. Em alguns idiomas a

soprosidade faz parte da fonética, e existem pesquisas interessantes a respeito de

palavras semelhantes na escrita que diferem de sentido apenas pela mudança da

qualidade vocal.

A alteração no timbre é um recurso interpretativo muito utilizado por diversos

cantores da música popular, podendo trazer maior dinâmica à voz, melhorar a

expressão da letra da canção, e até mesmo caracterizar um estilo. Isto requer do

intérprete conhecimento e controle de seu corpo e aparelho fonador; cuidados com

sua saúde vocal, para que os padrões de voz não tragam prejuízos futuros; e

sensibilidade artística.

A partir do momento em que o cantor faz uso da técnica vocal, dos campos de emissão e da variação consciente de registro, ele pode produzir alterações significativas em seu timbre natural. Essas alterações, inseridas numa interpretação, podem produzir efeito de descontinuidade na escuta, gerando uma nova informação, que atua como elemento de atração na relação com o ouvinte (...). (MACHADO, 2012: 53)

A voz soprosa pode, portanto, colaborar com o sentido da poesia cantada. A

estética do canto popular permite este tipo de nuance e liberdade criativa, evitadas

pelo estilo lírico.

De acordo com NAPOLITANO (2005), a música popular na América

inicialmente incorporou as formas e valores europeus, e consequentemente, o bel

canto. Porém, com a diversidade étnica que havia neste continente, novas formas

musicais surgiram da interseção de culturas. Desta forma, as características do

estilo lírico foram desparecendo aos poucos do canto popular brasileiro. Durante o

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período do Samba dos anos 20 e 30 e a Época de Ouro5, cantores como Mário Reis

e Carmen Miranda trouxeram uma forma mais coloquial de cantar, ou seja, mais

próxima da fala e sem tantos ornamentos. Segundo Machado (2007), no período

seguinte, denominado pré-bossa-nova por Severiano e Mello (1997), os intérpretes

buscavam aprimoramento na timbragem e no fraseado musical, trazendo certo

glamour à voz. O movimento da Bossa-Nova trouxe a desconstrução completa da

estética erudita no canto popular. A partir deste período, a voz nada tinha da antiga

impostação ou ornamentação. De acordo com a mesma autora, o Samba dos anos

20 e 30 já apresentava traços de tais mudanças na estética vocal e a Bossa-Nova

“retomou o caminho delineado” por este. De fato, as novas tecnologias em

equipamentos de som colaboraram com o reconhecimento e surgimento de

intérpretes que possuíam ou optavam por vozes mais intimistas e com certa

soprosidade.

Nara Leão na gravação de “Derradeira primavera” em seu álbum “Opinião de

Nara” (1964) utilizou a voz soprosa em alguns trechos. É possível notar mais

claramente quando ela canta “a voz de um trovador” na palavra “voz”. Paparotti e

Leal (2011) consideram a soprosidade uma característica marcante da voz de Tom

Jobim. Na canção “Lígia” registrada no álbum “Urubu” (1976) este padrão vocal

predomina por quase toda a música, logo na primeira frase, “Eu nunca sonhei com

você”, a voz soprosa é notória nas palavras “nunca” e “você”. Não é possível afirmar

o porquê da utilização acentuada da soprosidade neste período, poderia ser porque

os intérpretes tinham a intenção de passar a impressão de intimidade e delicadeza

em seu canto; porque como compositores/intérpretes não estavam tão preocupados

com a perfeita colocação da voz, e sim com a mensagem da canção; ou porque

desejavam quebrar definitivamente todos os padrões estéticos do bel-canto.

Deste período em diante o timbre vocal foi muito explorado pelos intérpretes e

influenciado por diversos movimentos musicais. Um exemplo é a estridência em

certas vozes da Tropicália6. A soprosidade, ainda utilizada no período

5 Segundo SEVERIANO e MELLO (1997) a Época de Ouro foi o período da música brasileira

compreendido entre 1929 e 1945, onde figuraram grandes compositores e intérpretes. Período marcado pela chegada do rádio e da gravação eletromagnética do som ao Brasil. 6 A Tropicália configurou-se como um movimento cultural, transcendendo os limites de questões

meramente estéticas ou confinadas ao âmbito da canção popular. Havia uma predisposição, por parte dos músicos que inauguraram a tendência, de pensar criticamente a arte e a cultura brasileira. Ao

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contemporâneo, pode ser percebida em algumas gravações e interpretações da

MPB, às vezes predominando por toda a canção, às vezes, apenas em momentos

isolados. Segundo Paparotti e Leal (2011) o ataque vocal aspirado também é

utilizado como recurso estético no canto popular.

Na discografia de Ivan Lins o recurso interpretativo em questão pode ser

notado em diversas gravações. O músico mescla a voz soprosa com a voz não

soprosa em muitas músicas, principalmente nas de andamento lento e poesia

afetuosa. Na canção “Bom vai ser” do álbum “Anjo de mim” (1995) Ivan inicia o canto

com bastante soprosidade vocal, especialmente nas palavras “melhorasse”, “gente”

e nos finais das frases. Com o desenvolver da música, a voz retorna ao timbre não

soproso.

O disco “Falange Canibal” (2002) de Lenine traz a canção “Nem sol, nem lua,

nem eu” onde o cantor utiliza bastante soprosidade em diversos trechos, e na

maioria dos finais das frases. Lenine parece cantar de uma forma intimista, como se

estivesse contando baixinho os fatos para alguém. Em frases como “Hoje eu

encontrei a lua” e “Hoje eu acordei o dia” a delicadeza da voz e soprosidade são

evidentes. Em outra canção deste mesmo álbum, “Ecos do ão”, a soprosidade

predomina por quase toda a letra, que possui teor de protesto. Neste caso, a

soprosidade junto com a respiração marcante e alguns efeitos de mixagem na voz

traz a sensação de agressividade e revolta.

A cantora Rosa Passos na canção “Você vai ver” registrada em seu álbum

“Amorosa” (2004) na primeira exposição do tema utiliza bastante soprosidade nos

trechos “você vai ver” e “eu fui gostar de você”. Esta cantora já possui certa

rouquidão e soprosidade como características vocais, no entanto, nestes trechos

acima citados a voz soprosa é mais acentuada, o que não ocorre em toda a canção,

podendo gerar a conclusão de que a intérprete acentuou a soprosidade

voluntariamente.

Em um arranjo delicado de “Pra declarar minha saudade” Maria Rita em seu

álbum “Samba meu” (2007) canta de uma maneira intimista onde a soprosidade se

faz presente, sobretudo nas expressões “saudade”, “tempestade”, “que me dá”,

“curar” e “durar”. O mesmo ocorre na interpretação de “Sem aviso” que a cantora

agirem desta forma, fizeram da canção popular o locus por excelência do debate entre diferentes

linguagens: musicais, verbais e visuais. (NAVES, 2004:47)

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gravou no álbum “Segundo” (2005). O caráter suave de sua versão traz a voz

soprosa nos finais das frases com a letra “a”, que a própria cantora comenta: “Nota

longa em „a‟ sai mais ar” 7. Nas músicas de andamento mais rápido, consequente

ritmo e articulação acelerados, e letras mais expansivas, raramente é perceptível o

excesso de ar na emissão da voz da intérprete.

Espera-se, em sentido geral, que o cantor interprete com coerência a canção.

No caso da soprosidade, aplicando-a adequadamente ao estilo musical e à letra da

música. Exageros de ataque aspirado e soprosidade podem ser cansativos para o

ouvinte, a menos que esta seja a intenção da performance. Em relação ao uso

excessivo de elementos novos em uma interpretação, Machado (2012: 53) explica:

O excesso de informações pode provocar uma saturação da capacidade de percepção do ouvinte deixando de produzir empatia dada a dificuldade do reconhecimento. Em sentido oposto, há risco de a falta total de informação provocar um desinteresse, desmotivando a escuta pelo excesso de previsibilidade. (...) No que concerne ao timbre manipulado, a atuação pontual do interprete pode produzir variações localizadas, que por certo interferem no sentido global da obra.

Neste capítulo foram citados apenas alguns exemplos do tema desta

pesquisa. Um estudo mais detalhado da soprosidade na canção está apresentado

no próximo capítulo, com a análise da música “Beatriz” de Chico Buarque e Edu

Lobo, interpretada por Mônica Salmaso e Maria João.

7 Making of da gravação da música sem aviso do CD “Segundo” (2005) – Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=7X9Er8hFNas. Acesso em: 04 out. 2012.

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3. ANÁLISE DO USO DA SOPROSIDADE VOCAL COMO RECURSO

INTERPRETATIVO NA CANÇÃO BEATRIZ DE CHICO BUARQUE E EDU LOBO,

INTERPRETADA POR MÔNICA SALMASO E MARIA JOÃO.

3.1 Metodologia

Este capítulo apresenta uma análise da soprosidade vocal presente em uma

das performances das cantoras Mônica Salmaso e Maria João da canção “Beatriz”,

de composição de Chico Buarque e Edu Lobo, e em seguida, a comparação entre as

duas interpretações.

A interpretação de Mônica Salmaso analisada nesta pesquisa está registrada

em forma de vídeo, disponível na internet8, sendo a gravação do programa “Som

Brasil9” homenagem a Edu Lobo, exibido pela rede de televisão “Globo” em 2008. A

versão de Maria João está gravada em seu álbum “Lobos, raposas e coiotes” de

1999, que também possui videoclipe disponível na internet10. Estas gravações foram

escolhidas para análise por conterem o recurso interpretativo da soprosidade vocal,

e por haver semelhança no uso deste na performance das duas cantoras. Além

disto, ambas as interpretações alternam a voz soprosa com a voz não soprosa nas

repetições da melodia, o que as torna um exemplo da aplicação pontual do recurso

timbrístico em questão.

Como referências estruturais da canção foram utilizados os Songbooks de

Edu Lobo e Chico Buarque, que contêm a partitura da canção escrita e revisada

pelos próprios compositores. As interpretações analisadas diferem em alguns

trechos da partitura original, por isso, os fragmentos apresentados neste capítulo

são transcrições realizadas por esta pesquisadora. Os compassos mencionados na

análise correspondem às partituras transcritas e anexadas a este trabalho.

A análise vocal pode ser feita através de softwares e equipamentos

desenvolvidos principalmente para a fonoaudiologia, que mostram através de

gráficos, segundo Behlau (2001), o comportamento das frequências, formantes,

intensidade e tempo de uma voz quando submetida a tal avaliação. De acordo com

8 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=zie5paDsUBg. Acesso em: 17 out. 2012.

9 Programa que homenageia compositores e artistas através da apresentação do repertório cantado

por diversos músicos.

10 Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=KAggWL7WuGo. Acesso em: 17 out. 2002.

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Paparotti e Leal (2011), os espectrogramas11 permitem a análise objetiva de

amostras de voz. A soprosidade vocal apresenta-se como uma alteração no timbre e

na intensidade vocal, por isso pode ser identificada objetivamente através de

espectrograma.

Por não se tratar de uma análise clínica, e sim de análise interpretativa e

estética, esta pesquisa não contou com as tecnologias mencionadas acima. A

identificação da soprosidade durante o canto foi realizada através de percepção

auditiva. Segundo Behlau (2001) a avaliação perceptivo-auditiva também constitui

uma forma de avaliação da qualidade vocal, e é usada por fonoaudiólogos, podendo

ser de caráter impressionístico, embora seja subjetiva.

As vozes podem ser medidas objetivamente de várias formas (...), contudo, o que traz o paciente à clínica é a alteração auditiva que ele ou os outros percebem, ou seja, as mudanças de natureza perceptiva na qualidade vocal. Desta forma (...), é essencial a impressão que o paciente e os outros têm de sua voz. (BEHLAU, 2001)

Este trabalho trata da soprosidade como um recurso interpretativo no canto,

que irá interagir de forma unicamente impressionista com o público, por se tratar de

performance artística. Desta maneira, os trechos com soprosidade vocal foram

definidos de acordo com os conceitos de soprosidade mencionados no primeiro

capítulo; e de acordo com a percepção desta autora e sua orientadora. Acredita-se

que possa haver um consenso por parte do leitor quanto à audição da soprosidade.

Ainda que os sentidos sejam subjetivos, em algumas situações é possível

generaliza-los, como as cores, por exemplo, mesmo que duas pessoas enxerguem

tonalidades diferentes de azul ainda assim provavelmente o nomearão azul.

Até a finalização desta pesquisa não foram encontrados métodos de análise

do timbre vocal na interpretação musical, por isso, esta pesquisadora optou por

analisar a soprosidade vocal em função de outros elementos da canção, por

acreditar que estes influenciam uns aos outros. Desta forma, a voz soprosa segundo

as propriedades do som: intensidade, sua ocorrência em notas fortes e fracas;

duração, sua ocorrência em notas longas e curtas; e altura, sua ocorrência em notas

11

O espectrograma, produzido através de espectrografia acústica, é um gráfico que mostra uma

sucessão de espectros unitários, em um registro tridimensional, que apresenta o tempo no eixo

horizontal, a frequência no eixo vertical e a intensidade no contraste da impressão. (BEHLAU, 2011:

153)

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graves e agudas, sendo o timbre o próprio componente analisado. Também segundo

a forma, sua ocorrência nas seções da música; e poesia, a ocorrência na repetição

ou não das palavras.

A intensidade da soprosidade na voz varia nas duas interpretações, sendo

que aparece fraca em algumas notas e forte em outras. Nesta análise não foram

separados os graus de soprosidade, apenas foi considerada a presença desta.

Assim, quando uma nota é mencionada como soprosa significa que ela pode estar

acompanhada de leve ou intensa soprosidade.

3.2 Soprosidade em relação à Forma Musical

A canção apresenta duas partes dispostas na Forma A-A-B-A. Grande parte

dos intérpretes costuma expor inicialmente o tema das composições da forma

original, variando o fraseado na repetição das partes. Em relação ao timbre vocal,

este também pode variar de uma parte para outra. No caso, a soprosidade nas

interpretações analisadas apresenta-se diferente em cada repetição da parte A, e

também em relação à parte B da música. A disposição das palavras com

soprosidade está figurada nos Anexos I, II, III e IV, em forma de partitura e poesia.

- Mônica Salmaso

1° A – A voz soprosa aparece em 12 palavras, sendo que as duas primeiras frases

apresentam todas as palavras com alguma soprosidade.

2° A – A voz soprosa aparece em apenas duas palavras, na primeira frase.

B – A voz soprosa aparece em duas palavras, nas duas primeiras frases.

3° A – A voz soprosa aparece em seis palavras, nas duas primeiras frases.

Portanto, a soprosidade apresenta-se mais frequente na primeira exposição

do tema, em relação à segunda e à terceira repetição, contrastando da mesma

forma com a parte B. Encontra-se presente quase sempre no início de cada seção.

- Maria João

1° A – A voz soprosa aparece em 18 palavras, iniciando as quatro primeiras frases.

2° A – A voz soprosa aparece em 16 palavras.

B – A voz soprosa aparece em quatro palavras, distantes umas das outras.

3° A – A voz soprosa aparece em oito palavras.

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A soprosidade inicia todas as seções, e apesar de se assemelharem em

número, as palavras com voz soprosa na primeira e segunda seção A, por estarem

mais próximas na primeira exposição do tema, tornam-se mais notórias.

3.3 Soprosidade em relação à altura das notas

A tonalidade da canção “Beatriz” registrada nas partituras originais é Mi

bemol, porém, o tom das interpretações de Mônica Salmaso e Maria João é Lá

maior. As cantoras ainda mudaram a altura de algumas notas em suas

performances.

- Mônica Salmaso

A soprosidade acompanha as notas ré3, dó#3, mi2, fá#2, lá2, mi3, sol#2,

fá#3, ré#3 e si2, porém, não aparece em todas as repetições destas. Como já

mencionado, o começo da música apresenta bastante soprosidade envolvendo as

notas.

Figura 1:

A primeira nota ré, que inicia a canção, talvez seja a mais soprosa do trecho e

desta interpretação. Esta nota aparece 17 vezes na melodia, sendo que em três

delas a voz apresenta certo sopro. A nota seguinte, o primeiro dó#3 que aparece na

melodia, também apresenta bastante soprosidade, aparecendo 24 vezes na canção,

e acompanha a voz soprosa em oito vezes. Já a nota mi2, que aparece seis vezes

na canção, apresenta quatro delas com soprosidade. A nota lá2 é soprosa quatro

vezes das 22 em que é cantada, no trecho acima no segundo compasso, no

segundo compasso da figura 3, e no seguinte trecho no segundo e no quarto

compassos:

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Figura 2:

O fá#2 aparece seis vezes na interpretação, sendo que três estão

acompanhados pela soprosidade vocal, no segundo e no terceiro compassos da

música, e na terceira repetição da seção A no segundo compasso:

Figura 3:

O mi3 do terceiro compasso do trecho acima também se apresenta soproso,

assim como as notas mi3 que estão no terceiro e quinto compassos da música. Esta

nota se repete 18 vezes na canção. O fá#3 é emitido com soprosidade uma vez das

18 em que é cantado, estando no trecho a seguir no terceiro compasso:

Figura 4:

O ré#3 apresenta-se soproso na única vez que aparece na canção, o si2

também acompanha a voz soprosa apenas uma vez das doze que aparece. As

demais notas presentes na melodia parecem ser executadas com a voz não

soprosa.

- Maria João

As notas cantadas com soprosidade são ré3, dó#3, mi3, fá#2, sol#2, lá2, lá3,

dó#4, si3, sol#3, si2, fá#3, mi2, réb3 e lá#2. Estas não se apresentam soprosas em

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todas as suas repetições. O trecho a seguir apresenta a nota mais soprosa da

intepretação, que está na segunda repetição da seção A no quinto compasso, sendo

o fá#3, que soa soproso três vezes das 21 que é entoado:

Figura 5:

Outras notas que apresentam bastante soprosidade são o ré3 e o dó#3 que

aparecem no trecho acima no primeiro compasso, no início da música e no

compasso 57. A primeira é cantada 14 vezes, sendo que em oito é acompanhada

pela voz soprosa. A segunda aparece 24 vezes na música e é soprosa em onze

delas.

No trecho a seguir a nota mi3 aparece soprosa no terceiro compasso, a

mesma se repete 18 vezes na melodia, e em seis delas a soprosidade é notável. O

sol#2 é soproso no quarto e quinto compasso deste trecho, e é também uma das

notas que se repete soprosa mais vezes na interpretação, soando desta forma cinco

vezes das onze que é cantada, como na figura 7 no quarto compasso. A melodia

também apresenta o lá2 soproso em cinco vezes das 26 que é entoado.

Figura 6:

As notas si3 e sol#3 aparecem 21 e 16 vezes respectivamente na canção, e

são soprosas em dois trechos, na figura a seguir no terceiro compasso e na segunda

repetição da parte A neste mesmo compasso. O mesmo ocorre com a nota lá3 que

se encontra entre as duas notas citadas acima, ela é soprosa nos mesmos trechos e

também no segundo compasso da figura abaixo.

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Figura 7:

Algumas notas são entoadas soprosas apenas uma vez na música, são estas

o dó#4, si2, réb3 e lá#2, que aparecem dezoito, treze, uma e quatro vezes

respectivamente na música. Por fim, o mi2 que se repete seis vezes é acompanhado

pela soprosidade em quatro delas. As demais notas presentes na melodia parecem

ser executadas com a voz não soprosa.

3.4 Soprosidade em relação à duração das notas

Mônica Salmaso e Maria João interpretam a canção “Beatriz” de forma ad

libitum12, motivo pelo qual não foi possível transcrever a rítmica exata de suas

versões. Desta forma, os trechos e partituras apresentados nesta pesquisa

correspondem à rítmica da partitura original encontrada em songbook. No entanto,

nesta análise, foram consideradas as durações das notas executadas pelas

intérpretes, perceptíveis audivelmente.

- Mônica Salmaso

As duas primeiras notas da canção duram pelo menos um tempo, uma

semínima, e apresentam bastante soprosidade. As doze notas seguintes, também

soprosas, têm duração menor. A nota dó#3 do terceiro compasso (fig.1) finaliza uma

frase acompanhada da voz soprosa e também parece durar um tempo inteiro, ainda

mais porque a intérprete faz uma pausa antes de iniciar a próxima frase. Outro final

de frase soproso em que a nota parece durar um tempo inteiro está no trecho da

fig.4 na nota fá#3 do terceiro compasso.

Na segunda e terceira repetições da seção A as duas primeiras notas seguem

com duração semelhante à do primeiro A. Já na parte B da canção as notas que

12

Na música, significa que o intérprete pode suspender o andamento original, variando livremente o

tempo em sua performance.

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apresentam soprosidade tem uma duração menor, próximas a colcheias, sendo

estas as notas lá2 da fig.2 no segundo e quarto compassos.

- Maria João

As notas soprosas fá#2, sol#2, lá2 e dó#3 no terceiro e quarto compassos da

música têm uma duração curta em relação às quatro primeiras notas com

soprosidade da canção que parecem soar por mais tempo, sendo estas ré3, dó#3 e

mi3. Ainda na primeira seção A, duas notas parecem durar um tempo maior que

todas as outras desta parte, sendo elas o dó#4 do décimo quinto compasso e o fá#3

do décimo sétimo compasso. Outras notas soprosas deste trecho tem uma duração

semelhante às dos primeiros compassos da canção.

Desta maneira, a intepretação segue na segunda seção A variando durações

curtas com longas nas notas soprosas, numa proporção parecida com semínimas e

colcheias. A próxima nota que parece soar um pouco mais em relação às outras é o

fá#3 no 37°compasso. Na seção B, a nota ré3, do primeiro compasso desta seção, e

o mi3 tem duração maior que as outras duas também soprosas do trecho, sendo o

réb3 e o ré3 do segundo compasso da parte B. Na ultima seção A as notas com

soprosidade têm duração semelhante às quatro primeiras notas do inicio da canção.

3.5 Soprosidade em relação à intensidade das notas

Nas duas interpretações analisadas, a canção parece crescer em intensidade

e projeção nas frases em que a notas são mais agudas.

- Mônica Salmaso

Os trechos que apresentam maior soprosidade são os de intensidade baixa,

podendo ser considerados como piano13. O início da canção apresenta um primeiro

contraste entre as primeiras frases e as frases seguintes da seção A. As notas

soprosas são cantadas de forma piano e as notas mais agudas em mezzo-forte14.

Assim, a dinâmica da interpretação segue alternando as intensidades. Na seção B,

ocorre o mesmo: a soprosidade aparece quando a dinâmica baixa. O terceiro A

inicia piano e cresce até um mezzo-forte com bastante energia, retornando logo em

13

Piano significa que uma música ou um trecho musical deve ser executado com baixa intensidade.

14 Mezzo-forte significa que uma música ou um trecho musical deve ser executado com intensidade

superior ao piano e inferior ao forte.

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seguida ao piano, oferecendo bastante movimento ao final da música, sendo que a

soprosidade aparece no inicio deste trecho.

- Maria João

Esta interpretação possui notável variação de dinâmica. O início da canção

parece ser executado de forma piano, crescendo para um mezzo-forte a partir do

décimo primeiro compasso. As notas lá3 e dó#3, no décimo quarto e décimo quinto

compassos respectivamente, se destacam por apresentarem baixa intensidade, e

por serem as únicas soprosas neste trecho em que as notas são entoadas mais

fortes. As demais notas com soprosidade da primeira parte A são cantadas em

piano, exceto pelo fá#3 no décimo sétimo compasso que parece ser entoado

pianíssimo15.

Na segunda seção A as notas acompanhadas pela soprosidade são

executadas de forma piano, repetindo o pianíssimo no mesmo fá#3 e também no

mi3 que finaliza a seção. Na parte B da melodia as notas soprosas em pianíssimo

são entoadas no primeiro compasso, sendo a nota ré3, e no mi3 que inicia a ultima

frase. As notas com soprosidade cantadas a partir de então, apresentam intensidade

baixa, entre o piano e o pianíssimo.

3.6 Soprosidade em relação à poesia da canção

A canção “Beatriz” possui um caráter de delicadeza em sua letra, e as

interpretações analisadas nesta pesquisa enfatizam esta impressão. As frases

questionadoras são cantadas pausadamente sobre um arranjo intimista. A

soprosidade aparece nas palavras que parecem ser entoadas de forma mais terna.

- Monica Salmaso

A frase inicial “Olha. Será que ela é moça?” é acompanhada pela voz soprosa

em todas as expressões. Outras palavras soprosas na primeira e segunda parte da

canção são: “triste”, “decora” “seu”, “papel” e “louça”. As palavras “olha” e “será” são

entoadas duas vezes com soprosidade. Na parte B apenas as palavras “sempre” e

“pés” são cantadas desta maneira. Em seguida outra frase se apresenta inteira com

certa soprosidade: “Olha. Será que é uma estrela?”.

15

Pianíssimo representa intensidade abaixo de piano.

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- Maria João

A palavra “olha” que inicia a seção A é cantada soprosa nas três repetições.

Já a expressão “será”, entoada doze vezes, é soprosa em oito delas. Outros trechos

com o recurso timbrístico em questão são: “moça” no terceiro compasso; “que ela é”

no terceiro compasso; “seu papel”; “se eu” no décimo oitavo compasso; “de éter”;

“de hotel”; “sim”; “diz”; e “estrela”. O trecho “que é” soa soproso três vezes.

A expressão: “e se ela” é soprosa duas vezes na interpretação, assim como

as palavras “vida”, na ultima sílaba, e “pudesse” na sílaba tônica. Outras palavras

são soprosas em apenas uma sílaba como é caso de “acredita”, “país”, “sua”,

“Beatriz”, “perigoso”, “entrar” e “chapéu”.

3.7 Comparação entre as interpretações

As interpretações de Mônica Salmaso e Maria João apresentam algumas

semelhanças, como o andamento ad libitum e a tonalidade por exemplo.

Apresentam também algumas diferenças quanto à intensidade, duração e altura de

notas. A soprosidade vocal, presente nas duas interpretações, coincide em algumas

notas e em outras não.

Quanto às semelhanças a respeito do uso da soprosidade, é possível notar

que as cantoras a utilizam nos inícios das seções A, principalmente na palavra

“olha”. Outras palavras soprosas nas duas versões são: “moça”, “seu”, “papel” na

ultima sílaba, “será” do compasso 57, e “estrela” nas duas ultimas sílabas.

Coincidindo, assim, oito palavras com tal recurso interpretativo de 195 que compõem

a canção. Estas notas soprosas concordam também em intensidade e altura nas

duas performances.

Em relação às diferenças do uso da soprosidade vocal, nota-se

principalmente a quantidade de expressões com tal estética. Maria João entoa 46

palavras soprosas, enquanto Mônica Salmaso entoa 22. Além disso, a intensidade

da voz soprosa também varia significantemente nas duas interpretações. Na voz de

Monica Salmaso a soprosidade aparece de forma leve em relação à Maria João,

sendo que em alguns momentos é possível notar maior presença de ar do que voz

nas notas.

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4. CONCLUSÃO

A partir da análise apresentada no terceiro capítulo, fica evidente que a

soprosidade foi utilizada intencionalmente como um recurso interpretativo, e não

tenha ocorrido por uma dificuldade de execução. A voz soprosa não está presente

em todas as repetições de notas, o que mostra que esta não está associada a uma

condição de execução de uma determinada altura de nota. A soprosidade também

não parece estar ligada à duração das notas, pois ela aparece em notas com

tempos diferentes e não se repete toda vez que uma determinada nota é executada

com o mesmo tempo.

A intensidade não se mostra determinante da soprosidade nas interpretações

analisadas, uma vez que notas piano e pianíssimo são entoadas ora com

soprosidade e ora sem. Da mesma forma, a fonética não parece condicionar a voz a

uma emissão soprosa, pois as palavras, fonemas e acentuações se repetem com e

sem soprosidade. Talvez a junção de todos os elementos possa ter ocasionado

alguns pontos de soprosidade involuntária na performance das intérpretes, fato que

deve ser considerado, porém, de pouca probabilidade devido às conclusões

anteriores. Além disso, as cantoras escolhidas para análise não possuem voz

soprosa como padrão vocal, e em suas outras interpretações registradas variam o

uso deste recurso. Mesmo nas versões analisadas nesta pesquisa é possível notar

as vozes das intérpretes sendo emitidas de forma não soprosa na maior parte da

melodia, com muito controle e técnica por parte das cantoras.

Apesar de não apresentar ligação condicional com a intensidade musical, a

soprosidade se fez notar apenas nos trechos com intensidade baixa, o que pode

estar relacionado ao fato de a baixa intensidade e a soprosidade vocal geralmente

indicarem momentos mais delicados ou intimistas da poesia ou melodia. A maioria

das notas que se mostraram soprosas estão localizadas na região média da

tessitura feminina.

Nesta pesquisa o uso da soprosidade foi percebido com mais frequência em

músicas com o andamento lento e ritmos mais tranquilos, o que pode estar

relacionado à característica da voz soprosa apresentar menos clareza do que a voz

não soprosa, sendo que canções com maior articulação rítmica exigem da voz maior

inteligibilidade. Também parece estar bastante ligada à intensidade musical, sendo

mais recorrente nas baixas intensidades. Este fato pode estar relacionado com a

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não adução total das pregas vocais na voz soprosa, pois quanto melhor o

fechamento destas, maior é a possibilidade de sons mais altos, em sentido de

volume. Contudo, a soprosidade foi percebida principalmente em canções cuja letra

traz uma mensagem introspectiva, intimista e intensa emocionalmente. Ao comparar

estas observações com a psicodinâmica vocal apresentada no primeiro capítulo, é

viável fazer uma ligação entre elas.

A interpretação musical é subjetiva, tanto por parte do intérprete quanto por

parte do ouvinte. Não é possível afirmar com certeza qual foi a intensão do cantor ao

optar por determinadas mudanças de notas, duração, intensidade ou timbre, a

menos que ele próprio o diga. Da mesma maneira, não é possível generalizar as

impressões, sentimentos e opiniões que uma performance irá gerar no público, pois

cada indivíduo irá apreciá-la ou rejeitá-la de uma forma diferente. Neste sentido, a

soprosidade na voz cantada pode agradar a alguns e desagradar a outros, tanto em

estética quanto em sensações. Embora haja certo consenso quanto às impressões

causadas pela voz soprosa, estas não são as únicas possíveis.

Ainda que o objeto deste trabalho envolva certa subjetividade em sua

teorização, é possível afirmar que na prática a soprosidade vocal está presente na

música popular brasileira caracterizando um recurso interpretativo timbrístico do

cantor. Nesta pesquisa foram apresentadas apenas duas análises de gravações da

MPB onde a voz soprosa pode ser encontrada, e também algumas observações

iniciais a respeito do assunto. Este tema, assim como outros referentes à técnica

vocal para o canto popular, é um estudo recente e ainda necessita contar com mais

pesquisas e estudos para que se solidifique.

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5. REFERÊNCIAS AMATO, Rita C.F. “Voz cantada e performance” in LIMA, Sonia A. (org.) Performance e Interpretação musical: uma prática interdisciplinar. São Paulo: Musa Editora, 2006. BEHLAU, Mara (org.). Voz. O livro do especialista. V.1. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.

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CHEDIAK, Almir. Songbook Chico Buarque. Volume 4. São Paulo: Irmãos Vitale, 2009. _____________. Songbook Edu Lobo. Rio de Janeiro: Lumiar, 1995. COELHO, Helena S.N.W. Técnica vocal para coros. 8ª ed. São Leopoldo: Sinodal, 1994. COLTON, Raymond H.; CASPER Janaina K. Compreendendo os problemas de voz: uma perspectiva fisiológica ao diagnóstico e ao tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

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JAKUBOVICZ, Regina. Avaliação, diagnóstico e tratamento em fonoaudiologia: disfonia, disatria e dislalia. Rio de Janeiro: Revinter, 1997.

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KFOURI, Maria L. Discos do Brasil. www.discosdobrasil.com.br. Acessado em: set. 2012

KOELLREUTER apud MILANI, Margareth; SANTIAGO, Diana. Signos, interpretação, análise e performance. Curitiba: R. Cient./FAP, Volume 6, p.143-

162, jul./dez. 2010. LABOISSIÈRE, Marília. A Performance como um Processo de Recriação. Publicação original: ICTUS - Periódico do PPGMUS/UFBA, Salvador, Volume 04, p. 108-114, 2002. LAVER, John. The Phonetic Description of Voice Quality. Cambridge: Cambridge University Press, 1980.

LEVITIN, Daniel J. A Música no seu Cérebro: A Ciência de uma Obsessão Humana. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010. LIMA, Sonia A.; APRO, Flávio; CARVALHO, Márcio. “Performance, prática e interpretação musical” in LIMA, Sonia A. (org.) Performance e Interpretação musical: uma prática interdisciplinar. São Paulo: Musa Editora, 2006. MACHADO, Regina. A voz na canção popular brasileira: um estudo sobre a Vanguarda Paulista. 2007. 117 f. Dissertação (Mestrado em Música) – Instituto de Artes, Universidade Estadual de Campinas, São Paulo. 2007. ________________. Da intenção ao gesto interpretativo: análise semiótica do canto popular brasileiro. 2012. Tese (Doutorado em Linguística) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciência Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo. 2012. MADUREIRA, Sandra. “Expressividade da fala” in KYRILLOS, Leny R. (org.) Expressividade: da teoria à prática. Rio de Janeiro: Revinter, 2005. MARSOLA, Mônica; BAÊ, Tutti. Canto: uma expressão. São Paulo: Irmãos Vitale, 2000. NAPOLITANO, Marcos. História e Música: história cultural da música popular. 2ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. NAVES, Santuza C. Da bossa nova à Tropicália. 2ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. NICOLOSI, Lucille; HARRYMAN, Elizabeth; KRESHECK, Janet. Tradução: Sandra Costa. Vocabulário dos distúrbios da comunicação: fala, linguagem e audição. 3ª ed. Porto alegre: Artes Médicas, 1996.

PAPAROTTI, Cyrene; LEAL, Valéria. Cantonário. Salvador: Musimed, 2011.

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PINHO, Silvia M.R. Fundamentos em Fonoaudiologia: tratando os distúrbios da voz. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 1998.

PINHO, Silvia M.R.; PONTES, Paulo. Músculos intrínsecos da laringe e dinâmica vocal. V.1 (Série: Desvendando os segredos da voz). São Paulo: Revinter, 2008.

SALMASO, Mônica. Beatriz. Disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=zie5paDsUBg. Acessado em: 17 out. 2012. SANDRONI, Clara. 260 Dicas para o canto popular: profissional e amador. 3ª ed. Rio de Janeiro: Lumiar, 1998. SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza H. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras. V.1. 2ed. São Paulo: Ed. 34, 1997. SILVA, Marta A.A. “Expressividade no canto” in KYRILLOS, Leny R. (org.) Expressividade: da teoria à prática. Rio de Janeiro: Revinter, 2005.

Discografia

JOÃO, Maria; LAGINHA, Mário. Lobos, raposas e coiotes. Portugal: Universal Portugal, 1999. JOBIM, Tom. Urubu. WB Records, 1976. LEÃO, Nara. Opinião de Nara. Philips, 1964. LENINE. Falange Canibal. BMG, 2002. LINS, Ivan. Anjo de mim. Velas, 1995. PASSOS, Rosa. Amorosa. Sony Music, 2004. RITA, Maria. Samba Meu. Warner Music, 2007. _________. Segundo. WEA Music, 2005.

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Beatriz Interpretação de Mônica Salmaso

Chico Buarque e Edu Lobo

Olha Será que ela é moça Será que ela é triste Será que é o contrário Será que é pintura O rosto da atriz Se ela dança no sétimo céu Se ela acredita que é outro país E se ela só decora o seu papel E se eu pudesse entrar na sua vida Olha Será que ela é de louça Será que é de éter Será que é loucura Será que é cenário A casa da atriz Se ela mora num arranha-céu E se as paredes são feitas de giz E se ela chora num quarto de hotel E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz Me ensina a não andar com os pés no chão Para sempre é sempre por um triz Aí, diz quantos desastres tem na minha mão Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha Será que é uma estrela Será que é mentira Será que é comédia Será que é divina A vida da atriz Se ela um dia despencar do céu E se os pagantes exigirem bis E se o arcanjo passar o chapéu E se eu pudesse entrar na sua vida

Palavras pretas = voz sem soprosidade Palavras vermelhas = voz com soprosidade

ANEXO III

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Beatriz Interpretação de Maria João

Chico Buarque e Edu Lobo

Olha Será que ela é moça Será que ela é triste Será que é o contrário Será que é pintura O rosto da atriz Se ela dança no sétimo céu Se ela acredita que é outro país E se ela só decora o seu papel E se eu pudesse entrar na sua vida Olha Será que ela é de louça Será que é de éter Será que é loucura Será que é cenário A casa da atriz Se ela mora num arranha-céu E se as paredes são feitas de giz E se ela chora num quarto de hotel E se eu pudesse entrar na sua vida

Sim, me leva pra sempre, Beatriz Me ensina a não andar com os pés no chão Para sempre é sempre por um triz Aí, diz quantos desastres tem na minha mão Diz se é perigoso a gente ser feliz

Olha Será que é uma estrela Será que é mentira Será que é comédia Será que é divina A vida da atriz Se ela um dia despencar do céu E se os pagantes exigirem bis E se o arcanjo passar o chapéu E se eu pudesse entrar na sua vida

Palavras pretas = voz sem soprosidade Palavras vermelhas = voz com soprosidade

ANEXO IV

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CD com as gravações citadas nesta pesquisa.

1. Derradeira Primavera – Nara Leão

2. Lígia – Tom Jobim

3. Bom vai ser – Ivan Lins

4. Nem sol, nem lua, nem eu – Lenine

5. Ecos do ão – Lenine

6. Você vai ver – Rosa Passos

7. Pra declarar minha saudade – Maria Rita

8. Sem aviso – Maria Rita

9. Beatriz – Mônica Salmaso

10. Beatriz – Maria João

ANEXO V