universidade do vale do itajaÍ letÍcia de souza o …siaibib01.univali.br/pdf/leticia de...

98
1 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O PROGRAMA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS, TESTEMUNHAS E COLABORADORES NO BRASIL: uma análise da Lei 9.807/99 Tijucas 2007

Upload: doannguyet

Post on 08-Dec-2018

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

1

UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

LETÍCIA DE SOUZA

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS, TESTEMUNHAS

E COLABORADORES NO BRASIL: uma análise da Lei 9.807/99

Tijucas

2007

Page 2: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

2

LETÍCIA DE SOUZA

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS, TESTEMUNHAS

E COLABORADORES NO BRASIL: uma análise da Lei 9.807/99

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí, Centro de Educação de Tijucas.

Orientador: Prof. MSc. Andréas Eisele

Tijucas

2007

Page 3: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

3

LETÍCIA DE SOUZA

O PROGRAMA DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS, TESTEMUNHAS

E COLABORADORES NO BRASIL: uma análise da Lei 9.807/99

Esta Monografia foi julgada adequada para obtenção do título de Bacharel em

Direito e aprovada pelo Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Educação Tijucas.

Área de Concentração: Direito Privado.

Tijucas, 16 de outubro de 2007.

Prof. MSc. Andréas Eisele

UNIVALI – CE Tijucas

Orientador

Prof.

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

Prof.

UNIVALI – CE Tijucas

Membro

Page 4: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

4

Aos meus pais João Batista e Maria de Lourdes, Mestres da

vida, com os quais aprendi e aprendo a maior parte do que

realmente é importante na vida.

Ao meu namorado Rafael, encantador e amado, cuja

compreensão e carinho foram de grande importância nessa

caminhada.

A minha querida amiga Graziela, irmã escolhido pela vida, a

quem com tamanha dedicação me deu a mão e me ajudou nessa

caminhada.

Page 5: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

5

AGRADECIMENTOS

À Deus pelo dom da vida e por permitir e me auxiliar para que aqui chegasse e

me desse a oportunidade de ser rodeada de pessoas maravilhosas, em especial meus

pais, pessoas admiráveis e de sabedoria divina.

Ao meu orientador, Andréas Eisele, que aceitou o desafio de me orientar, e que

em todos os momentos de trabalho me incentivou e me mostrou que as pessoas

conseguem vencer suas limitações, e que os obstáculos por maiores que pareçam, são

apenas testes a serem vencidos.

Com grande carinho ao meu namorado e companheiro, Rafael, pessoa de índole

indiscutível e de caráter admirável, quem com sua simplicidade tempera cada momento

com sabor especial e com detalhes peculiares.

Em especial a amiga Graziela, a quem eu tenho tamanha admiração e gratidão,

amiga de estudo, de trabalho e de lazer, sempre pronta para ajudar e sempre decidida

a vencer, é exemplo de persistência, determinação, é exemplo para a vida.

À amiga Marina, querida, exemplo de decisão e perseverança em todos os

momentos sejam de seriedade ou de graça, pessoa especial por dar à vida cores

diferentes em momentos de incerteza e aflição.

Aos meus amigos de casa, aqueles de parcerias desiguais, fins de semanas

únicos que dão tempero a vida e amenizam a seriedade do dia-a-dia, são eles em

especial; Nayara, Paulinho, Márcia, Juninho, Neto e Fábio, e sem esquecer daqueles

que passaram, mas nunca serão esquecidos.

Aos amigos da faculdade, amigos de momentos especiais que formam o enredo

dos curtos anos dessa experiência inigualável, que dão ritmo e alegria a momentos

singulares que não voltam mais e que jamais serão esquecidos, em especial: a amiga

Tayse, a amiga Rafaela, a amiga Francine e a amiga Juliana.

E por fim a todos aqueles que sempre estiveram ao meu lado ou que de alguma

forma contribuíram não só para minha formação acadêmica, mas também para a

realização desse trabalho e para a mais importante tarefa, a formação da vida.

Page 6: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

6

A justiça pode irritar-se porque é precária. A verdade não se

impacienta, porque é eterna.

Rui Barbosa.

Page 7: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

7

RESUMO

O presente trabalho monográfico aborda o instituto da Delação Premiada no

ordenamento jurídico brasileiro e, em especial, a sua eficácia na proteção às

testemunhas, às vítimas e aos colaboradores. Trazendo, no seu contexto, o estudo dos

principais tipos de provas existentes no sistema jurídico, a análise do programa de

proteção aos beneficiários indicados na Lei n.º 9.807/90, bem como, os requisitos

necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria traz no seu bojo

uma série de dificuldades, pois, para a caracterização da Delação Premiada há a

necessidade do preenchimento de alguns requisitos de ordem objetiva e subjetiva. Com

isso, surgem algumas divergências entre os doutrinadores e juristas contemporâneos,

em razão dos dispositivos inseridos na Lei n.º 9.807/90 que trata do instituto; por isso é

importante relacionar os avanços propostos na referida Lei, que foi objeto de estudo.

Palavras-chave: Testemunhas. Vítimas. Colaboradores.

Page 8: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

8

ABSTRACT

The present monographic work boards the Rewarded Accusation Institute in the

Brazilian juridical ordering and, in special its efficacy in the protection of witnesses,

victims and collaborators. Bringing, in its context, the study of the main kinds of existing

proofs in the juridical system, the analysis of the beneficiaries’ protection program

indicated in the Law n. º 9.807/90, as well as, the necessary requirements for the

application in the Rewarded Accusation Institute. The subject brings in its content a lot

of difficulties, therefore, for the characterization of Rewarded Accusation it is necessary

the performing of some requirements in objective and subjective kind. Herewith, some

divergences appear among the contemporary mentors and jurists, because of the

devices introduced in the Law n. º 9.807/90 that attends the institute; that’s why it is

important to mention the offered advances relating to the Law, that was the object of

study.

Keywords: Witnesses. Victims. Collaborators.

Page 9: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

9

TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí –

UNIVALI, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade

acerca do mesmo.

Tijucas, 3 de dezembro de 2007.

Letícia de Souza

Graduanda.

Page 10: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

10

TERMO DE APTIDÃO PARA BANCA

Declaro, para os devidos fins, que a presente monografia encontra-se apta para

apresentação, em Sessão Solene de Defesa de Monografia, a ser oportunamente

agendada pelo Professor Responsável pela Coordenação de Monografias, do Núcleo

de Prática Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, Campus de Tijucas.

Tijucas, 3 de dezembro de 2007.

Prof. MSc. Andréas Eisele

Orientador

Page 11: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

11

LISTA DE ABREVIATURAS

Apud Citado por

Art. Artigo

Arts. Artigos

Caput Cabeça

CRFB/1988 Constituição da República Federativa do Brasil

CC de 2002 Código Civil de 2002

CPP Código de Processo Penal

Ed. Edição

Et. Al E outros

Inc. Inciso

n.º Número

p. Página

PROVITA Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas

Page 12: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

12

CATEGORIAS BÁSICAS E CONCEITOS OPERACIONAIS

Contribuição: Derivado do latim contribuitio, de contribuere (dar para o monte,

fornecer suas partes), na terminologia jurídica, não possui sentido diverso daquele que

lhe vem do latim: entendesse a parte que se atribui a uma pessoa ou a participação que

deve ter para formação de qualquer acervo ou cumprimento de qualquer obrigação.

(SILVA, 2003, p. 379)

Delação: Originado de delatio, de deferre (na sua acepção de denunciar, delatar,

deferir), é aplicado na linguagem forense mais propriamente para designar a denúncia

de um delito, praticado por uma pessoa, sem que o denunciante (delator) se mostre

parte interessada diretamente na sua repressão, feita perante autoridade judiciária ou

policial, a quem compete a iniciativa de promover a verificação da denúncia e a punição

do criminoso [...]. (SILVA, 2003, p. 423)

Eficácia: Derivado do latim efficacia, de efficax (que tem virtude, que tem

propriedade, que chega ao final), compreende-se como a força ou poder que possa ter

um ato ou um fato, para produzir os desejados efeitos. (SILVA, 2003, p.509)

Normas: Derivado do latim norma, oriundo do grego gnorimos (esquedria,

esquadro), dentro de seu sentido literal, é tomado na linguagem jurídica como regra,

modelo, paradigma, forma ou tudo que se estabelece em lei ou regulamento para servir

de pauta ou padrão na madeira de agir. (SILVA, 2003, p. 958)

Proteção: Do latim protectio, de proteger (cobrir, amparar, abrigar), entende-se

toda espécie de assistência ou auxílio, prestado ás coisas ou ás pessoas, a fim de que

se resguardem contra os males que lhes possam advir. Em certas circunstâncias, a

proteção revela-se o favor ou o benefício, tomando, assim, o caráter de privilégio ou de

regalia. Desta acepção é que se deriva o conceito de protecionismo, na linguagem

econômica e tributária. (SILVA, 2003, p.1121).

Page 13: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

13

Prova: vem do latim probatio, significando ensaio, verificação, inspeção, exame,

argumento, razão, aprovação, confirmação, e derivado do verbo probare, que quer dizer

provar, ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito

com alguma coisa, persuadir alguém de alguma coisa, demonstrar. (MOACIR apud

NUCCI, 1999, p. 43)

Testemunhas: Do latim testimonium (testemunho, depoimento), designa, na

linguagem jurídica, a pessoa que atesta a veracidade de um ato, ou que presta

esclarecimentos acerca de fatos que lhe são perguntados, afirmando-os, ou os

negando. (SILVA, 2003, p. 1395)

Vítimas: Do latim victima, geralmente entende-se toda pessoa que é sacrificada

em seus interesses, que sofre um dano ou é atingida por qualquer mal. E sem fugir ao

sentido comum, na linguagem penal designa o sujeito passivo de um delito ou de uma

contravenção. É, assim, o ofendido, o ferido, o assassinado, o prejudicado, o burlado.

(SILVA, 2003, p. 1493)

Page 14: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

14

SUMÁRIO

AGRADECIMENTOS........................................................................................................ 05

RESUMO........................................................................................................................... 07

ABSTRACT....................................................................................................................... 08

LISTA DE ABREVIATURAS............................................................................................. 11

CATEGORIAS BÁSICAS E CONCEITOS OPERACIONAIS ........................................... 12

1 INTRODUÇÃO............................................................................................................... 17

2 DAS PROVAS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO ............................................... 20

2.1 CONCEITO DE PROVA E SUA ORIGEM ETIMOLÓGICA......................................... 20

2.2 OBJETO DA PROVA................................................................................................... 21

2.3 Classificações dos meios de prova ............................................................................. 23

2.4 PROVA TESTEMUNHAL ............................................................................................ 24

2.4.1 Conceito ................................................................................................................... 24

2.4.2 Deveres das Testemunhas....................................................................................... 28

2.4.3 Impedimentos do testemunho .................................................................................. 31

2.4.4 Número e Espécies de Testemunhas....................................................................... 35

2.4.5 Lugar ....................................................................................................................... 37

2.4.6 Militares e Servidores Públicos ................................................................................ 39

2.4.7 Valor da prova .......................................................................................................... 40

3 PROGRAMAS DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS E ÀS TESTEMUNHAS AMEAÇADAS

NO BRASIL....................................................................................................................... 43

3.1 SISTEMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ÀS VITIMA E ÀS TESTEMUNHAS

AMEAÇADAS.................................................................................................................... 43

Page 15: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

15

3.2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO À VÍTIMA E

À TESTEMUNHAS AMEAÇADAS: CONSELHO DELIBERATIVO. ÓRGÃO EXECUTOR

E EQUIPE TÉCNICA......................................................................................................... 47

3.2.1 Conselho Deliberativo .............................................................................................. 48

3.2.2 Órgão Executor ........................................................................................................ 49

3.2.3 Equipe Técnica......................................................................................................... 51

3.2.4 Rede Solidária.......................................................................................................... 52

3.3 REQUISITOS PARA INGRESSO E EXCLUSÃO NO PROGRAMA............................ 53

3.4 ASPECTOS DE SEGURANÇA, SIGILO E RESTRIÇÕES À LIBERDADE DO

BENEFICIÁRIO................................................................................................................. 60

4 A DELAÇÃO PREMIADA NA LEI DE PROTEÇAO ÀS VÍTIMAS E ÀS

TESTEMUNHAS ............................................................................................................... 64

4.1 DA DELAÇÃO PREMIADA.......................................................................................... 64

4.2 REQUISITOS LEGAIS À CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA DELAÇÃO

PREMIADA........................................................................................................................ 69

4.3 O PERDAO JUDICIAL E A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA ............................... 69

4.3.1 Do Perdão Judicial ................................................................................................... 69

4.3.2 Causa de Diminuição da Pena ................................................................................. 72

4.4 REQUISITOS À CONCESSÃO DO PERDÃO JUDICIAL E DA CAUSA DE

DIMINUIÇÃO DA PENA .................................................................................................... 73

4.4.1 Voluntariedade da Colaboração ............................................................................... 73

4.4.2 Primariedade ............................................................................................................ 75

4.4.3 Personalidade Recomendável Por Parte Do Agente................................................ 77

4.4.4 Efetividade da Colaboração ..................................................................................... 78

4.4.5 Localização da Vítima .............................................................................................. 80

4.4.6 Identificação dos Demais Partícipes Do Crime ........................................................ 81

4.4.7 Recuperação Do Produto Do Crime......................................................................... 82

4.5 DA PROTEÇÃO DOS COLABORADORES................................................................ 82

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 87

Page 16: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

16

6 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 91

Page 17: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

17

1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objeto o estudo da Lei n.º 9.807/99, a qual trata do

Programa de Proteção às Vítimas, às Testemunhas e aos Colaboradores. A importância

do estudo desse tema reside na função a que é destinada a Lei em comento, a qual

estabelece normas à organização e manutenção de programas especiais de proteção.

Em 1998 foi criado no Rio de Janeiro o programa de proteção às Vítimas e às

Testemunhas Ameaçadas (PROVITA-RIO), que tem por finalidade garantir a

integridade física e segurança das vítimas ou das testemunhas de crimes, que estavam

sendo coagidas ou expostas a graves ameaças por colaborarem com o combate à

impunidade e o exercício da cidadania na investigação e/ou no processo criminal.

Com tal iniciativa foi então o programa de proteção normatizado pela Lei n.º

9.807 de 13 de julho de 1999, onde se tornou o Programa Federal de Assistência às

Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas. A Lei mencionada propôs normas para a

organização e a manutenção de programas especiais às vítimas e às testemunhas

amedrontadas e ameaçadas, bem ainda, proteção aos condenados ou acusados que

tinham voluntariamente prestado a sua ativa colaboração nas investigações policiais

e/ou no processo criminal.

A escolha do tema é fruto do interesse pessoal da pesquisadora em descobrir as

formas de proteção disponibilizadas pelo Estado para os cooperadores do processo

penal, os quais materializam a ação penal através da prova, assim como, para

investigar detalhadamente a Lei que regulamenta tal situação.

Tem como objetivo geral da pesquisa, a verificação dos procedimentos legais e a

real implantação do Programa de Proteção às vítimas e às testemunhas no Brasil, bem

como, a repercussão da Delação Premiada, embasados na importância da prova

testemunhal no processo penal.

Como objetivo específico pretende-se a) a análise do conceito de prova e a

discussão específica da prova testemunhal, abrangendo sua necessidade e valoração;

b) a verificação detalhada do programa de proteção às vítimas, às testemunhas e aos

colaboradores, bem como os motivos pelo qual tal projeto não funciona na forma

prática, analisando assim, a composição da estrutura estatal que delibera a implantação

Page 18: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

18

projeto (PROVITA); c) a abordagem da proteção do Réu colaborador, a chamada

Delação Premida, uma das grandes aliadas da justiça para a elucidação de fatos

criminosos.

O estudo foi estruturado levando-se em conta as perguntas abaixo formuladas:

a) a prova testemunhal é indispensável para a elucidação de fatos criminosos?; b) quais

os requisitos legais para o beneficiário se enquadrar na proteção dada pela Lei n.º

9.807/90?; c) o Programa de Proteção elencado na Lei n.º 9.807/99 e adotado pelo

Estado para incentivar e proteger as testemunhas e colaboradores no Processo Penal

alcançam seus objetivos?.

A investigação parte das hipóteses prévias, a serem confirmadas ou não no

curso do estudo, que seguem: a) a prova testemunhal tem o seu papel dentro do

processo, por isso, é elementar a sua presença no decorrer da instrução processual; b)

os requisitos para o enquadramento na proteção dada pela Lei n.º 9.807/90 é estar o

colaborador sofrendo ameaças, contribuir para a elucidação das investigações; c) o

objetivo da eficácia do programa de proteção somente se dará com a efetiva proteção

dos colaboradores.

Para o desenvolvimento da pesquisa, utilizou-se o Método Dedutivo que,

segundo Pasold (2002, p. 87), consiste em “estabelecer uma formulação geral e, em

seguida, buscar as partes do fenômeno de modo a sustentar a formulação geral.” Isto é,

partir-se-á da formulação de problemas gerais, buscando-se proposições científicas que

os sustentem ou neguem, apontando, ao final, a prevalência ou não das hipóteses

elencadas.

O estudo parte da análise da prova testemunhal, do programa de proteção às

vitimas e às testemunhas e do instituto da delação premiada.

O primeiro capítulo tratará das provas no sistema jurídico brasileiro: conceito de

prova; objeto da prova; classificações dos meios de prova; conceito de prova

testemunhal; deveres da testemunha; impedimentos; números e espécies; lugar do

depoimento; militares e funcionários e valor da prova.

O segundo capítulo ficou destinado à abordagem do programa de proteção às

Vítimas e às Testemunhas Ameaçadas no Brasil, estruturado da seguinte forma:

sistema nacional de assistência às vitimas e às testemunhas ameaçadas; estrutura e

Page 19: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

19

funcionamento do programa de proteção às vítima e às testemunhas ameaçadas:

conselho deliberativo, órgão executor e equipe técnica; requisitos para ingresso e

exclusão no programa; e os aspectos de segurança, sigilo e restrições a liberdade do

beneficiário.

Por fim, o terceiro capítulo abordará a delação premiada na Lei de proteção às

vítimas e às testemunhas: da delação premiada; requisitos legais à concessão dos

benefícios da delação premiada; o perdão judicial e a causa de diminuição da pena; do

perdão judicial; causa de diminuição da pena; requisitos à concessão do perdão judicial

e da causa de diminuição da pena; voluntariedade da colaboração; primariedade;

personalidade recomendável por parte do agente; efetividade da colaboração;

localização da vítima; identificação dos demais partícipes do crime; recuperação do

produto do crime; da proteção dos colaboradores.

Page 20: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

20

2 DAS PROVAS NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO

2.1 CONCEITO DE PROVA E SUA ORIGEM ETIMOLÓGICA

Para se apurar a existência de um determinado fato dentro do processo e poder

concluí-lo que foi realizado por alguém é preciso ter sua comprovação material,

substancial, de que ele foi concretizado por aquele indivíduo. Por sua vez, a

comprovação se alcança através das informações, dos acontecimentos, dos elementos

materias, entre outros fatores. E, ainda, à realização desta comprovação para que se

chegue à verdade do fato ocorrido não pode ela ser realizada de forma aleatória, ou

seja, ela exige que sua produção obedeça aos preceitos legais, que são as

denominadas provas.

Categoria imprescindível à elucidação do tema é a palavra prova que provém

do latim probation, que deriva de probare. Também, prova pode significar ensaio,

exame, argumento, razão. Nesse passo, oportuna é a conceituação dada por Capez

(2006, p. 282), diz o autor que ela é “o conjunto de atos praticados pelas partes, pelo

juiz e por terceiros, destinados a levar ao magistrado a convicção acerca da existência

ou inexistência de um fato, da falsidade ou veracidade de uma afirmação”.

É através da prova que o juiz forma a sua convicção com relação aos fatos.

Nesse contexto, cabe a seguinte passagem:

A fim de decidir o processo penal, com a condenação do acusado, é preciso que o juiz esteja convencido de que são verdadeiros determinados fatos e a apuração deles é feita durante a instrução. Essa demonstração a respeito da veracidade ou falsidade da imputação, que deve gerar no juiz a convicção de que necessita para seu pronunciamento é o que constitui a prova. (MIRABETI, 2004, p. 453).

Com isso, constata-se que a prova pode ser considerada como um meio pelo

qual se desenvolve as convicções dentro do processo sobre a existência do fato ilícito e

Page 21: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

21

sua autoria, caracterizando-se por um conjunto de ações com um único propósito;

apurar fatos e atos para dar consistência e finalidade, formando uma convicção.

Na visão de Mirabete (2006, p. 279) prova significa “produzir um estado de

certeza, na consciência e mente do juiz, para a sua convicção, a respeito da existência

ou inexistência de um fato, ou de fato, que considera de interesse para uma decisão

judicial ou solução de um processo”.

Por seu turno, Capez (2006, p. 282), dando maior fundamento à posição

anterior, aduz ser a prova o tema mais importante da ciência processual, baseando-se

esta conceituação na capacidade da prova de edificar toda a estrutura do desenrolar

processual, tornando-se a presunção acerca da existência dos fatos alegados, nos

quais se instituem os próprios direitos, objetos da discussão ou do litígio,

caracterizando-se como elemento essencial à produção de convencimento e justiça.

Continua o autor discorrendo sobre o tema:

Sem dúvida alguma o tema referente à prova é o mais importante de toda a ciência processual, já que as provas constituem os olhos do processo, o alicerce sobre o qual se ergue toda a dialética processual. Sem provas idôneas e válidas, de nada adianta desenvolverem-se aprofundados debates doutrinários e variadas vertentes jurisprudenciais sobre temas jurídicos, pois a discussão não terá objeto. (CAPEZ, 2006, p. 282).

Traçados os principais elementos que compõe a prova, bem assim observada a

sua importância e essencialidade dentro do ordenamento jurídico, passa-se a

enumeração de outros tópicos necessários para a continuidade da pesquisa.

2.2 OBJETO DA PROVA

Page 22: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

22

O objeto da prova está na comprovação de fatos concernentes ao litígio, isto é,

fatos que levantem dúvidas, sejam imprecisos e que devam ser elucidados para que o

juiz adquira o convencimento necessário para dar justa solução à lide.

Nesse norte, ensina Capez (2006, p. 282) que, “são, portanto, fatos capazes de

influir na decisão do processo, na responsabilidade penal e na fixação da pena ou

medida de segurança, necessitando, por essa razão, de adequada comprovação em

juízo”.

Cumpre lembrar, que o objeto da prova não é formado apenas pelo fato

delituoso, mas também pelas circunstâncias objetivas e subjetivas que possam importar

na análise destes.

Por outro lado, há alguns fatos que independem de provas. São aqueles fatos

que não levantam dúvidas quanto a sua finalidade, fatos que dispensam comprovação.

Estes estão relacionados no art. 334 do CPC.

Temos, ainda, os fatos axiomáticos ou indutivos, que são fatos evidentes por si

mesmos (Mirabete, 2006, p. 250). Os fatos notórios, que são os acontecimentos ou

situações de conhecimento geral inconteste (THEODORO JUNIOR, 2006, p. 468). Na

concepção de Theodoro Junior, (2006, p. 468) podemos considerar fatos notórios

aqueles que entram naturalmente no conhecimento, na cultura ou na informação normal

dos indivíduos, com relação a um lugar ou a um circulo social, no momento em que o

juiz tem de decidir.

Além desses, há os fatos incontroversos que também não são objetos de

provas, entretanto, se houver necessidade, por força de desacordo entre as partes

pode o magistrado exigir diligências para sanar as dúvidas levantadas. Esses fatos são

admitidos pelas partes, sendo que o juiz não está obrigado a admitir o que elas

afirmam, uma vez que lhe é dado indagar sobre tudo o que lhe pareça dúbio e suspeito.

(MIRABETE, 2006, p. 250).

Fatos presumidos são aqueles que formam idéias antecipadas, fazem com que

se conclua algo diante dos fatos apresentados. Demerciam (2001, apud GRECO, p.

275) conclui que presunção não é um meio de prova, “mas sim uma forma de raciocínio

do juiz”. Estes são divididos em presunção absoluta, ou presunção juris et de juris.

Page 23: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

23

Conforme Plácido e Silva (2003, p. 1090) se diz que, presunção jurídica por expressa

determinação de lei não admite prova em contrário, nem impugnação. A impugnação

relativa, também presunção juris tantum, esta é a que é estabelecida por lei, não em

caráter absoluto ou como verdade indestrutível, mas em caráter relativo, que possa ser

destruído por uma prova em contrário. (PLACIDO E SILVA, 2003, p. 1091).

Há ainda os fatos considerados inúteis, os quais sendo verdadeiros ou não, não

são influentes para o esclarecimento dos fatos. Segundo Barros (2001, p. 05), a prova é

considerada inútil quando dela não se podem tirar conseqüências jurídicas, já que

resultante de uma presunção absoluta contra qual não pode prevalecer.

2.3 Classificações dos meios de prova

O Código de Processo Penal dispõe em seu art. 157 que: “O juiz formará sua

convicção pela livre apreciação da prova”, esta apreciação se verifica junto a alguns

princípios referentes às prova”, como se mostra brevemente com Mirabete (2001, p.

477):

Há vários princípios que regem a prova e sua produção. Segundo o principio da autoresponsabilidade das partes, estas assumem e suportam as conseqüências de sua inatividade, negligência, erro ou atos intencionados. Pelo princípio da audiência contraditória, toda prova admite a contraprova, não sendo admissível a produção de uma delas sem o conhecimento da outra parte (principio do contraditório). Pelo princípio da aquisição ou comunhão, a prova produzida não pertence à parte que a produziu, servido a ambos os litigantes e ao interesse da Justiça. De acordo com o principio da oralidade deve haver predominância da palavra falada (depoimentos, alegações, debates), mas essa predominância não é sensível em nosso direito processual penal. Como conseqüência do princípio da oralidade, busca-se concentrar toda a produção de prova na audiência (princípio da concentração). Há também o principio da publicidade, como ato judicial que é, embora haja exceções a ele, e, quanto à apreciação da prova, o principio do livre convencimento motivado. (grifo do autor)

Junto à análise destes princípios estão ligados elementos materiais que

classificam as provas, sendo que as doutrinas divergem sobre esta classificação,

Page 24: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

24

porém, a maioria converge para a classificação quanto ao objeto, quanto ao sujeito,

quanto à forma das provas e quanto ao valor da prova.

A prova é classificada quanto ao seu objeto ou conteúdo, sendo que o objeto da

prova é o fato a provar-se, pode ser direta ou indireta. Denomina-se direta quando esta

se atenta diretamente ao fato a ser provado, ou seja, conforme Mirabete (2006, p. 251)

“quando por si demonstra o fato, quando dá a certeza deles por testemunhas,

documentos etc”. Para a prova indireta, este acrescenta que “quando comprovado um

outro fato, se permite concluir o alegado diante de sua ligação com o primeiro, como na

hipótese de um álibi, em que a presença comprovada do acusado em lugar do crime

permite concluir que não praticou o ilícito” (MIRABETE, 2006, p.251).

Aranha apud Barros (2001, p. 3) esclarece que, “na prova direta a conclusão é

imediata e objetiva, resultando apenas da afirmação; na prova indireta exige-se um

raciocínio, com formulação de hipóteses, exclusões e aceitações, para a conclusão

final”.

O sujeito da prova é a pessoa ou coisa de quem ou de onde emana a prova.

Em sua classificação, quanto ao sujeito ou causa, a prova se divide em real ou pessoal,

sendo que aquela diz respeito às provas distintas do indivíduo, estão ligadas à

averiguação de coisas, são também chamadas de verificação da coisa. Segundo

Nogueira (1995, p. 155) é “real, quando resulta de uma confirmação, como nas

vistorias, nas perícias etc.”. Pessoal é a prova que advém de confirmação humana,

“aqui a prova consiste nas impressões conscientemente manifestadas pela pessoa,

segundo as impressões que apreendeu e conservou no seu espírito” (Barros, 2001, p.

3). A prova pessoal é tida como as afirmações conscientes que tem por objetivo dar fé

aos fatos afirmados. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 424).

A análise das provas quanto ao seu efeito ou valor se divide em plena ou não

plena. A primeira trata de provas necessárias à formação do convencimento do julgador

Mirabete (2006, p. 251), a segunda trata como uma prova “completa, convincente

(exigida, por exemplo, para a condenação)”. A prova não plena ou indiciária “trata-se de

prova que trás consigo um juízo de mera probabilidade, vigorando nas fases

processuais em que não se exige um juízo de certeza” (CAPEZ, 2006, p. 306).

Page 25: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

25

Quanto à sua forma ou aparência, ou seja, modalidade ou maneira pela qual se

apresenta a prova em juízo, ela se dispõe em testemunhal, documental e material. Diz-

se prova testemunhal aquela que resulta do depoimento de pessoas, sejam essas

estranhas ao processo ou vinculadas a este (NUCCI, 1999, p. 62). Tal característica

será analisada mais detalhadamente em um próximo tópico. A prova documental está

figurada na forma escrita da prova, como cartas, livros comerciais, artigos de jornal,

escrito particulares ou públicos (NUCCI, 1999, p. 62). Já as provas materiais estão

relacionadas com as obtidas por meio químicos, físicos ou biológicos, e são provas que

dependem de análise técnica, profissional como exames, vistorias, corpo de delito etc.

(CAPEZ, 2006, p. 307).

2.4 PROVA TESTEMUNHAL

2.4.1 Conceito

Os termos testemunho e testemunha são oportunamente distinguidos por Rosa

(2001 apud DEMERCIAN, 2001, p. 3003) como sendo, “Testemunho tem uma ação

ampla e designa qualquer espécie de prova que ateste a existência de um fato.

Testemunha, no sentido próprio da palavra, é a pessoa chamada a depor acerca de

determinado fato”.

Do latim testimonion (testemunho, depoimento), designa, na linguagem jurídica,

a pessoa que atesta a veracidade de um ato, ou que presta esclarecimentos a cerca

dos fatos que lhes são perguntados, afirmando-os, ou os negando. (Silva, 2003, p.

1.395).

Para Nucci (2004, p. 384): “Testemunhas são pessoas que depõem sobre fatos,

sejam eles quais forem. Se viram ou ouviram dizer, não deixam de ser testemunhas,

dando declarações sobre a ocorrência de alguma coisa”.

A figura da testemunha é vista no processo como meio de prova, sendo que tal

servirá para corroborar com o esclarecimento dos fatos, podendo confirmá-los ou negá-

Page 26: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

26

los. Tendo esta, declarado conhecimento dos fatos, em partes ou em um todo, deve

agir sobre compromisso de dizer a verdade.

Segundo Demerciam (2001, p. 302) “O testemunho da pessoa é aceito como

prova da verdade”. Tal autor ainda analisa testemunho como:

De que os homens em geral percebem e narram a verdade, presunção que serve de base a toda a vida social, e também base lógica da credibilidade genérica de toda a prova pessoal e testemunho particular. Esta credibilidade genérica, que se funda na presunção da veracidade humana, é concretamente aumentada, diminuída ou destruída pelas condições particulares, inerentes ao sujeito individual do testemunho ao seu conteúdo individual ou a sua forma individual. (MALATESTA, 1995 apud DEMERCIAN, 2001, p. 302).

O compromisso de dizer a verdade é conforme Mirabete (2003, p. 561) a

“medida preliminar do testemunho, tomando-se compromisso da testemunha de dizer a

verdade quando verificada a inexistência de impedimento”. “Não prestam compromisso

as pessoas mencionadas nos arts. 206 e 208 do CPP”. (MIRABETE, 2003, p. 561). A

omissão dessa formalidade, não essencial, constitui mera irregularidade que não vicia o

depoimento.

Segundo Capez (2006, p. 336), prova testemunhal e testemunha se conceitua

como:

Em sentido lato, toda prova é uma testemunha, uma vez que atesta a existência de fato. Já em sentido estrito, testemunha é todo homem, estranho ao feito e eqüidistante das partes, chamado ao processo para falar sobre fatos perceptíveis a seus sentidos e relativos ao objeto do litígio. É a pessoa idônea, diferente das partes, capaz de depor, convocada pelo juiz, por iniciativa das partes, para depor em juízo sobre fatos sabidos e concernentes a causa.

O depoimento prestado pelas testemunhas é acompanhado de características

que guarnecem a prova testemunhal. São elas: a judicialidade, a oralidade, a

objetividade e a retrospectividade. (MIRABETE, 2006, p. 292-293). Capez (2006, p.

Page 27: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

27

336-337), por sua vez, acrescenta ainda, como característica a imediação e a

individualidade.

Com caráter de judicialidade é considerada testemunha a pessoa que depõe

em juízo; se o faz perante outra autoridade que não seja um Juiz de Direito não está

mantido o caráter de testemunha. (TORNAGHI, 1987 apud DEMERCIAN, 2001, p. 299)

entende que: "tecnicamente só é prova testemunhal o depoimento prestado em juízo,

pois "a prova testemunhal de que a lei fala é aquela produzida perante o juiz". Tourinho,

no entanto, adverte não ser possível admitir esta característica em nosso país, pois

entre nós o testemunho pode ser colhido também na fase policial, perante um Delegado

de Polícia.

Em relação à oralidade do depoimento, não é permitido à testemunha trazê-lo

por escrito, conforme está disposto no Código de Processo Penal (art. 204). Entende

Aquino (2002, p. 61) que: “não se exclui totalmente a possibilidade de a testemunha se

expressar por outro meio que não o oral”. Tais exceções estão ligadas a testemunhas

portadoras de deficiências físicas, como mudos e surdos-mudos e pessoas com

impedimentos por força de cargo ou função que exercem.

Extrai-se do ensinamento de Demerciam (2001, p. 304) que “o contato direto do

juiz com os demais protagonistas do processo penal permite melhor avaliação crítica da

prova e evita armadilhas, dissimulações e ambigüidades, que não raro estão presentes

na forma escrita”.

A objetividade caracteriza-se pelo fato de que “a testemunha deve depor sobre

os fatos sem externar opiniões ou emitir juízos valorativos.” (CAPEZ, 2006, p. 337). Tal

elemento está elencado no dispositivo 213 do CPP, onde se veda a opinião pessoal da

testemunha, esta deve restringir-se aos fatos.

O atributo da retrospectividade da prova testemunhal, e segundo Júlio Fabrini

Mirabete é a característica de a testemunha depor sobre os acontecimentos pretéritos,

não devendo fazer qualquer prognóstico. Devendo então as testemunhas sempre depor

sobre fatos passados e nunca sobre fatos futuros.

As características de imediação e individualidade tratadas por Fernando Capez

(2006, p.337) são: esta, o fato de a testemunha prestar seu depoimento isoladamente

Page 28: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

28

da outra, e aquela de que a testemunha deve dizer aquilo que captou através dos

sentidos.

A prova testemunhal segundo Tourinho Filho (2001, p. 461-462) “é de valor

extraordinário, pois, dificilmente, e só em hipóteses excepcionais, provam-se as

infrações com outro elemento de prova”.

Pessoa (2006, p. 09, grifo do autor) sustenta que:

De todos os elementos de informação judiciária, o mais importante e, sem contestação, a prova testemunhal. Nenhuma prova, com efeito, contribui tão poderosamente para a formação de opinião não só dos magistrados, mas ainda do público, como esta, só por si, muitas vezes basta, em matéria penal, para estabelecer convicções.

2.4.2 Deveres das Testemunhas

Segundo o art. 202 do Código de Processo Penal, todas as pessoas poderão

ser testemunhas e, conforme o dispositivo 206 do mesmo diploma não poderão se

eximir desta obrigação de depor, porém, há as exceções que serão visualizadas no

decorrer deste trabalho.

O dever da testemunha está embasado em três aspectos, são eles: o

comparecimento da testemunha, a prestação de compromisso e o depoimento veraz.

(AQUINO, 2001, p. 84).

O dever de comparecimento da testemunha é marcado, conforme Mirabete

(2006, p. 296), na obrigação da testemunha de comparecer em juízo no local e horário

determinado para prestar seu testemunho.

O art. 218 do Código de Processo Penal esclarece o dever de comparecimento

da testemunha, devidamente intimada, sendo coercitiva a atitude para que esta preste

seu depoimento. Mirabete (2006, p. 296) discorre sobre tal dispositivo:

Page 29: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

29

Se a testemunha regularmente notificada deixar de comparecer sem motivo justificado, o juiz poderá requisitar a autoridade policial a sua apresentação ou determinar seja conduzida por o oficial de justiça, que poderá solicitar o auxílio de força pública (art. 218). Autoriza-se, assim, a condução coercitiva (na linguagem forense, condução debaixo de vara) da testemunha faltosa.

Conforme Nucci (2004, p. 220), “ninguém se exime de colaborar com o Poder

Judiciário, razão pela qual, se foi a testemunha intimada a tempo e pessoalmente, não

pode deixar de comparecer ao fórum para ser ouvida”. Ainda, Garraud apud Aquino

(2002, p. 85) “adverte que a recusa de prestar depoimento equivale a recusa de

comparecer”, somando, Espínola Filho (2002 apud AQUINO, 2002, p. 85) “a recusa de

prestar compromisso se não dispensada a testemunha, equivale a recusa de depor”.

À testemunha faltosa, sem justa causa é cabível sanções penais por crime de

desobediência, tal redação encontra-se no art. 219 do CPP. Sobre esta circunstância

Nucci (2004, p. 418) escreve:

Além da condução coercitiva, que é uma restrição à liberdade e um nítido constrangimento, pode o juiz, a seu critério e conforme o grau de resistência apresentado pela pessoa a ser ouvida, impor uma multa, hoje de valor inexpressivo, bem como determinar a extração de peças do processo, requisitando-se inquérito por crime de desobediência. Além disso, pode determinar o pagamento das diligências do oficial de justiça, o que é lógico e justificado.

A prestação de compromisso por parte da testemunha está embasada no art.

203 do CPP. Este elemento se orienta pela intenção da busca da verdade, ou seja,

almeja-se que a verdade seja dita pela testemunha. Tourinho Filho (2001, p. 470) atesta

que “a testemunha, comparecendo perante a autoridade para depor, tem o dever de

dizer tudo o que souber a respeito do que lhe for perguntado. Deverá falar a verdade e

somente a verdade”.

Nucci (2004, p. 387) esclarece:

Page 30: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

30

A norma processual penal menciona que a testemunha fará a promessa de dizer a verdade, sob palavra de honra, isto é, comprometer-se-á a narrar, sinceramente, o que sabe sobre os fatos relevantes indagados pelo juiz. Trata-se do compromisso de dizer a verdade ou do juramento. O magistrado, antes do depoimento, deve compromissar a testemunha, tornando claro o seu dever de dizer somente a verdade, sob pena de ser processada por falso testemunho. Trata-se de formalidade legal que demonstra a pessoa a ser ouvida o dever jurídico que lhe é imposto: dizer a verdade a qualquer custo.

Com intenção de se aferir a verdade da testemunha o legislador impôs algumas

sanções ao falso testemunho, este pode ser identificado por se fazer a afirmação de

algo que não corresponde à verdade; a negativa do conhecimento daquilo que sabe; ou

se ocultando a verdade, não a admitindo nem a negando. (MIRABETE, 2006, p. 296).

O falso testemunho é tratado como crime no artigo 342 do Código Penal e tem

como pena, reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa, podendo esta ser aumentada

de um sexto a um terço se o crime for intencionado para beneficiar alguma das partes

ou se houver suborno para o cometimento deste.

O Código de Processo Penal estabelece em seu art. 211 o texto com o

procedimento adotado pelo legislador para a apuração do crime de falso testemunho,

estabelecendo que: “Se o juiz, ao pronunciar sentença final, reconhecer que alguma

testemunha fez afirmação falsa, calou ou negou a verdade, remeterá cópia do

depoimento a autoridade policial para a instauração de inquérito”. Não obstante, existe

a possibilidade de dispensar a implementação do inquérito policial, o qual somente

deve ser instaurado quando houver dúvidas quanto à configuração do tipo penal do art.

342 e, também, quando não restarem claros os motivos das contradições exibidas pela

testemunha. (NUCCI, 2004, p. 408).

Sobre tal assunto, Nucci (2004, p. 408) acrescenta:

Caso o representante do Ministério Publico obtenha todas as provas cabíveis para apresentar denúncia contra a testemunha mentirosa, dispensa-se a instauração do inquérito. Assim, pode o juiz, verificar a gravidade do fato e a farta prova já existente no processo, extrair copias

Page 31: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

31

deste, enviando-as ao Promotor de Justiça, que poderá ingressar com a ação penal diretamente.

Ainda, em seu art. 211, porém, agora em seus parágrafos é discutida a prisão

em flagrante delito da testemunha acusada de prestar falso testemunho. Tal fato pode

ocorrer nas seguintes situações: nos depoimentos prestados em audiência, na qual o

juiz profere decisão no mesmo ato.

Há na doutrina discussão sobre a oportunidade apropriada para o levantamento

do falso testemunho, ou seja, para o início da ação penal pelo crime de falso

testemunho. Mirabete (2006, p. 297) descreve os seguintes momentos:

1º) Pode ser iniciada e julgada a ação penal por crime de falso testemunho antes de proferida a sentença no processo em que foi prestado o depoimento, uma vez que a retratação, causa de extinção da punibilidade, não é pressuposto ou elemento do crime; 2º) pode a ação penal ser iniciada antes de proferida a sentença em que foi prestado o falso testemunho ou apresentada a falsa perícia; 3º) não pode ser iniciada a ação penal antes do trânsito em julgado da decisão proferida no processo em que foi prestado o falso testemunho; 4º) não pode ser iniciado o processo por falso testemunho antes de proferida a sentença no processo em que foi prestado, pois até a referida decisão é possível a retratação; 5º) não se impede que se inicie a ação penal por crime de falso testemunho antes de proferir a sentença no processo que lhe deu causa, mas, se o depoimento falso foi proferido em ação penal, devem as ações correr juntas em decorrência da conexão.

2.4.3 Impedimentos do testemunho

Segundo art. 206 do Código de Processo Penal, o qual demonstra as exceções

ao dever de testemunhar, como segue:

A testemunha não poderá eximir-se da obrigação de depor. Poderão, entretanto, recusar-se a fazê-lo o ascendente ou descendente, o afim em linha reta, o cônjuge, ainda que desquitado, o irmão e o pai, a mãe,

Page 32: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

32

ou o filho adotivo do acusado, salvo quando não for possível, por outro modo, obter-se ou integrar-se a prova do fato e de suas circunstâncias.

Tal dispositivo do Código de Processo Penal, segundo Mirabete (2003, p. 564),

cria o dever de testemunhar para qualquer pessoa arrolada como testemunha, mas

concede as exceções relacionadas no texto, diante dos laços afetivos ou de

consangüinidade que a prendam ao acusado, a fim de preservar a paz e a harmonia da

família.

Porém, conforme ensina Tourinho Filho (2001, p. 467), há uma relevância do

interesse público sobre as relações familiares, onde “na parte final do referido artigo

acentua-se que quando não foi possível por outros modos obter-se ou integrar-se as

provas do fato ou da circunstância, não poderá o cônjuge, ascendente, descendente ou

irmão eximir-se da obrigação de depor.”

Entretanto, diz Aquino (2002, p. 93) que:

Nada mais justo que a lei não possa atentar contra essa solidariedade familiar, impondo que alguém deponha contra a sua vontade em processo que figure seu parente como acusado, já que a família está sob a proteção do Estado e, em sendo assim, o próprio Estado não pode desagregá-lo, alegando que o interesse público deva prevalecer em detrimento da coesão do núcleo familiar.

Segundo o art. 208 do Código de Processo Penal, eximir as pessoas arroladas

nos art. 206 do mesmo dispositivo de prestar compromisso, sendo então estes ouvidos

como declarantes. Discorre Mirabete (2006, p. 294) sobre o assunto nos seguintes

termos:

Reconhece a lei, porém que tais pessoas dificilmente prestarão o depoimento com a imparcialidade que se espera das demais testemunhas. Assim, quando resolvem prestar testemunho ou são obrigadas a fazê-lo, não se lhes exige o compromisso de dizer a verdade previsto no artigo 203 (art. 208 in fine). A ausência desse compromisso, portanto, é de rigor, não constituindo nulidade do

Page 33: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

33

processo. Aos que são ouvidos sem que prestem compromisso, se dá a denominação de declarantes.

O artigo 208 do Código de Processo Penal enumera, ainda, mais duas

categorias que são dispensadas de compromisso, sendo elas: os doentes mentais e os

menores de 14 anos, e estes são tratados como informantes. Mirabete (2003, p. 568)

interpreta que, “não se defere o compromisso de dizer a verdade aos doentes e

deficientes mentais e aos menores de 14 anos, considerados simplesmente

informantes, e não computados no número máximo de testemunhas permitido por lei”.

Nucci (2004, p. 384) apresenta o seguinte conceito para informante e

declarante:

É a pessoa que informa ou fornece um parecer acerca de algo, sem qualquer vínculo com a imparcialidade e com a obrigação de dizer a verdade. Por isso, o informante não presta compromisso, razão pela qual não deve ser considerado uma testemunha, ainda que sobre sua inquirição esteja sendo tratado no capítulo pertinente a testemunhas. Aliás, se alguém merece a qualificação de testemunha imprópria é o informante.

Além das pessoas dispensadas de depor, há as que são proibidas, estando

estas resguardadas no art. 207 do CPP, o qual dispõe: “São proibidas de depor as

pessoas que, em razão de função, ministério, ofício ou profissão, devam guardar

segredo, salvo se, desobrigadas pela parte interessada, quiserem dar seu testemunho”.

A doutrina trata conceitualmente cada característica apontada no referido art.

207 do CPP. Ensina Capez (2006, p. 338):

Função é o exercício de atividade de natureza pública ou assemelhada (juiz, delegado, promotor, jurado, comissário de menores, escrivão de cartório, diretor escolar). Ministério é o cargo de natureza religiosa ou social (sarcedotes e assistentes sociais). Ofício é a atividade manual (marceneiro, costureira). Profissão é a atividade predominantemente

Page 34: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

34

intelectual (médicos, advogados e os profissionais liberais, de um modo geral).

Tal dispositivo encontra-se fiscalizado por uma norma repressiva, ou seja, o art.

154 do Código Penal, o qual estabelece pena ao sujeito que sem justa causa, revelar

segredo que deva guardar, por tê-lo conhecido em razão de função, ministério, ofício ou

profissão, e por conseqüência tal revelação possa vir a causar dano a outrem.

Conforme ensina Mirabete (2006, p. 295):

As pessoas mencionadas, porém, podem depor se tiverem o consentimento do titular do segredo, desde que, evidentemente, não haja dano a terceiro. Note-se ainda que, havendo vários titulares do segredo, será necessário o consentimento de todos para que seja prestado o depoimento quando é ele possível.

Mirabete (2006, p. 295) constata ainda, que, “a lei consagra simplesmente

como faculdade da pessoa arrolada como testemunha a possibilidade de depor quando

houver o consentimento do titular do segredo”. O que demonstra que a testemunha não

tem o dever de depor, pertencendo somente a este o interesse de prestar ou não o

depoimento.

Em consonância com tal doutrina, Manzini (2002, apud Aquino, 2002, p.100) diz

que “o profissional não está obrigado a revelar o segredo, embora advenha a

autorização do interessado, devendo ficar a seu critério fazê-lo ou não, sempre

mantendo o caráter de voluntariedade”.

2.4.4 Número e Espécies de Testemunhas

Conforme esclarece Mirabete (2006, p. 298), “a lei deve limitar o número de

testemunhas a serem ouvidas na ação penal a fim de impedir que se procrastine o

encerramento do processo”.

Page 35: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

35

Ainda, sobre o assunto, vale colacionar a seguinte doutrina:

É comum a defesa arrolar testemunhas apenas para abonar os antecedentes do acusado, quando isso poderia ser suprido pela apresentação de declarações com firmas reconhecidas. E não havendo prova em contrário, o juiz deve partir da presunção dos bons antecedentes do acusado, já que cabe a acusação fazer prova em sentido contrário. (NOGUEIRA, 1995, p. 176).

Inúmeros doutrinadores trazem como regra geral que no processo comum, a

acusação e a defesa podem arrolar, cada uma, oito testemunhas no máximo, seguindo

o parâmetro do art. 398 do CPP. Em relação ao plenário do júri, esse número é de

cinco testemunhas para cada parte, segundo os arts. 417, § 2.° e 421, parágrafo único.

Já no processo sumário este número se mantém em até cinco testemunhas, consoante

o art. 539 do CPP. Por fim, na aplicação de medida de segurança por fato não

criminoso, este número não excederá à três testemunhas (art. 533 do CPP).

Nesse mesmo entendimento está Tourinho Filho (2001, p. 473-474), que além

dessa ordem, apresenta algumas exceções a tal regra:

Se se tratar de contravenção, o Promotor poderá arrolar até 3 testemunhas (art. 533), e igual direito se reserva a defesa (CPP, art. 537). Nos processos por crimes falimentares, por crime de responsabilidade de funcionários públicos, ainda que afiançáveis, da competência dos Juízes singulares, nos processos por crime contra a honra (calúnia, difamação e injúria), da competência do Juiz singular, e nos processos por crime contra a propriedade imaterial, ainda que apenas com detenção, o máximo será 8 (arts. 512, 518, 519 e 524 do CPP).

Mirabete (2006, p. 298, grifo do autor) complementa tal entendimento afirmando

que “o número máximo de testemunhas diz respeito a cada fato criminoso, e, no caso

de concurso de pessoas, a cada réu”.

O art. 209 do Código de Processo Penal discorre que, “quando o juiz julgar

necessário, poderá ouvir outras testemunhas, além das indicadas pelas partes”. Tal

Page 36: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

36

dispositivo trata da busca do princípio da verdade real e do princípio do impulso oficial,

onde a lei lhe proporciona a faculdade de ouvir as testemunhas que entender

necessárias para formar sua convicção.

O momento para ouvir as testemunhas do juízo segundo Damásio (2002, p.

376) é:

Cremos deve ser realizada a inquirição, como regra, após o término da produção da prova requerida pelas partes. Antes do julgamento, pois, é o instante adequado para avaliar a conveniência de ouvir outras pessoas, além daquelas arroladas pela acusação e pela defesa. Pode o Juiz, vislumbrando a necessidade de ouvir determinada pessoa, que fornecerá subsídios para a demonstração da autoria, por exemplo, fazê-lo após a oitiva das testemunhas de acusação e antes das de defesa.

O art. 209 do CPP, ainda trás em seus incisos a figura das testemunhas

referidas e das testemunhas não computadas. As primeiras “são as pessoas referidas

pelas que depuseram. Sua audiência é, em regra, necessária para confirmar o dito

pelas testemunhas referentes”. (NORONHA, 2001, p. 158). Cabe ao juiz deferir a oitiva

de tais testemunhas, sendo que o indeferimento desta não ocasiona cerceamento de

defesa ou da acusação. (MIRABETE, 2006, p. 299). As testemunhas não computadas

são aquelas que nada sabem sobre os fatos que possa interessar a decisão da causa.

Conforme Mirabete (2006, p. 299), elas fogem do conceito tradicional de testemunha,

afirmando, ainda, que a “testemunha é a pessoa que depõe sobre o fato criminoso ou

suas circunstâncias, não podendo ser considerada como tal aquela que nada sabe de

interesse para a solução da lide.” (MIRABETE, 2003, p. 572).

As testemunhas podem ser classificadas em várias espécies:

a) diretas, quando depõem sobre o fato a que assistiram; b) indiretas, quando depõem sobre fatos que tomaram conhecimento por ouvir dizer, embora sua aceitação em juízo seja polemica; c) próprias, são as que depõem sobre o fato principal; d) impróprias, são as que depõem sobre fatos secundários, que podem influir nos fatos principal; e) numerárias, são as que prestam compromisso; f) informantes, são as que depõem sem prestar o compromisso da verdade; e g) referidas, são as não

Page 37: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

37

arroladas pelas partes, mas mencionadas no decorrer do processo. (DEMERCIAN, 2001, p. 303).

2.4.5 Lugar

A pessoa arrolada como testemunha é obrigada a comparecer no local, em dia

e horário determinado pelo Juiz de Direito. (DEMERCIAN, 2001, p. 307). As exceções

ao dever de comparecer estão dispostas nos arts. 220 a 222, do Código de Processo

Penal.

O art. 220 trata das pessoas impossibilitadas, por enfermidade ou por velhice.

No mesmo dispositivo se extrai que estas pessoas devem ser ouvidas no lugar onde

estiverem. Dessa forma:

Testemunhas impossibilitadas de deslocamento devem ser ouvidas pelo juiz, acompanhado das partes, no local onde se encontrarem. A enfermidade e a velhice podem contribuir para tornar uma pessoa incapaz de se locomover ao fórum, local onde se realizam os atos processuais formais. Dessa maneira, previu a lei a possibilidade de o magistrado deslocar-se até o lugar onde está a testemunha, ouvindo-a. (NUCCI, 2004, p. 419).

Mirabete (2006, p. 300), trata do depoimento de pessoa que está

impossibilitada de locomover-se como fato que deve ser provado por atestado médico,

e ainda ser o ato da coleta do depoimento como algo baseado no princípio da

publicidade, conforme segue:

O juiz deve ouvi-la onde se achar (residência, hospital, prisão etc), desde que, naturalmente, não haja sério risco para a sua saúde, para isso se transportando até o lugar onde se encontra, acompanhado pelas partes. Toma-se o depoimento com portas e janelas abertas – mesmo que de residência particular – assegurando-se, destarte, a necessária publicidade do ato. Deve o juiz verificar se há necessidade dessa diligência, devendo exigir, em princípio, que se apresente o atestado

Page 38: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

38

médico que revele a absoluta impossibilidade de locomoção da testemunha.

Conforme estabelece o artigo 221 do Código de Processo Penal:

O Presidente e o Vice-presidente da República, os Senadores e os Deputados Federais, os Ministros de Estado, os Governadores de Estado e Territórios, os Secretários de Estado, os Prefeitos do Distrito Federal e dos Municípios, os Deputados, as Assembléias Legislativas Estaduais, os membros do Poder Judiciário, os Ministros e Juízes dos Tribunais de Contas da União, dos Estados, do Distrito Federal, bem como os do Tribunal Marítimo serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz.

O artigo 222 trata do caso de declinação de jurisdição, onde estabelece que,

“quando a testemunha arrolada reside em lugar diverso do juízo, prevê a lei uma

exceção ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição. Ela será ouvida por precatória,

pelo juiz do lugar de sua residência”. (CAPEZ, 2006, p. 344).

Damásio de Jesus (NUCCI, 2004, p. 422) afirma, ainda, que tal depoimento

pode ser realizado através de carta de ordem que é a “determinação feita por

magistrado de instância superior a outro, de instancia inferior, quando, na espécie, o ato

poderia ser realizado diretamente pelo competente” (NUCCI, 2004, p. 422), e carta

rogatória, que é o “pleito feito por um juiz nacional a magistrado estrangeiro,

respeitadas as regras atinentes aos acordos internacionais firmados pelo Brasil”.

(NUCCI, 2004, p. 422).

O art. 222 enumera, ainda, em seu caput, a determinação da intimação das

partes para expedição da devida carta. Tal omissão constitui nulidade do processo.

Porém, de acordo com a Súmula 155 do STF, esta nulidade é de caráter relativo. Tal

Súmula diz: “é relativa à nulidade do processo criminal por falta de intimação da

expedição de carta precatória para inquirição de testemunha”.

Capez (2006, p. 344), diz que a não existência de dispositivo legal que obrigue

a intimação das partes, pelo juízo deprecado, quanto à data e horário da realização da

Page 39: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

39

audiência, porém, este pondera que quando ocorrer a ausência do advogado do

acusado, para a audiência no juízo deprecado deverá ser nomeado defensor dativo

para este.

O §1º do artigo tratado dispõe sobre a não suspensão da instrução criminal por

conta da expedição da carta precatória. Assim, “suspende-se apenas o julgamento e,

ainda assim, enquanto não expirado o prazo fixado pela autoridade que fez expedir a

carta precatória”. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 541).

O § 2º do artigo 222 dispõe que, “findo o prazo marcado, poderá realizar-se o

julgamento, mas, a todo tempo, a precatória, uma vez devolvida, será juntada aos

autos”.

2.4.6 Militares e Servidores Públicos

Segundo o art. 221, § 2°, do CPP “Os militares deverão ser requisitados a

autoridade superior”. Tal dispositivo visa respeitar a condição de hierarquia imposta ao

militar.

Para a regularidade da inquirição de militar, evitando-se que sejam perturbados no exercício de suas peculiares funções, dentro dos quartéis, onde não se admite a entrada de civis, é imprescindível que o juiz requisite-se-o à autoridade superior. Se não comparecer, sem motivo justificado, torna-se a proceder à requisição, podendo o magistrado determinar a intimação pessoal do superior para que faça a apresentação, sob pena de desobediência. (NUCCI, 2004 p. 444).

No § 3° desse artigo, o legislador tratou da intimação dos militares e dos

funcionários públicos. Segundo Mirabete (2006, p. 302), estes são “equiparados a

qualquer testemunha, inclusive quanto a ser conduzido coercitivamente se deixar de

comparecer, sem motivo justificado, para depor”. Tal fato é verificado na citação do art.

218 do CPP dentro do comentado artigo 221 do mesmo diploma legal.

Page 40: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

40

Em relação a este dispositivo Tourinho Filho (2003, p. 539-540), complementa:

No que tange aos funcionários públicos, também louvável foi a atitude do legislador em determinar, além da expedição de mandado dirigido ao funcionário, a expedição de ofício ao seu superior hierárquico, dando-lhe conta de que tal ou qual servidor, em dia, local e hora previamente designados, deverá estar depondo. Essa comunicação é importante porquanto o responsável pela repartição, ciente do fato, providenciará, se necessário, a substituição do funcionário naquele dia e àquela hora.

2.4.7 Valor da prova

Em nosso ordenamento jurídico é adotado pelo legislador o princípio do livre

convencimento motivado, também é conhecido como princípio da livre apreciação das

provas. Segundo esse princípio, que esta elencado no art. 157 do Código de Processo

Penal, “o juiz é livre para formar seu convencimento segundo as provas dos autos e,

portanto, para valorar as provas, as quais têm legal e abstratamente o mesmo valor,

mas deve fundamentar, explicitando em que elementos probatórios se fundou seu

convencimento” (PACHECO,2006, p. 565). Completando este apontamento segue os

ensinamentos de Demercian (p. 287, 2001) dizendo que, “Todas as provas são

relativas: nenhuma delas terá ex vi legis o valor decisivo ou necessariamente maior

prestigio que outra”.

Na doutrina de Mirabete (2006, p. 305) é analisada a grande tendência da

pessoa humana em transformar, ou iludir-se com os fatos, juntando a isso as intenções

desta para com o processo ou para com as partes, o que pode influir na veracidade do

testemunho. Este enumera uma colocação de Claparede dispondo que, “não há no

testemunho, a precisão e a objetividade de um instrumento físico ou mecânico,

ocorrendo frequentemente erros comuns de percepção de cores, de tempo e de

distância e até mesmo de sons”. (CLAPAREDE apud MIRABETE, p. 305, 2006).

Acrescido ao fato de fantasiar a realidade discute-se também a capacidade de

valor ao testemunho de pessoas com problemas psicológicos, pessoas com problemas

físicos (cegos, surdos, e outros), pessoas com idade avançada e também com pouca

idade, pessoas ligadas diretamente aos fatos, etc., contando ainda com as variadas

Page 41: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

41

deformações da verdade, originadas pela falta de atenção, desinteresse ou outros

motivos. (TOURINHO FILHO, 2003, p. 518).

E, continua o autor:

Nenhuma testemunha, nem culta, nem analfabeta, escapa a influência dos fatores circunstanciais ou das motivações pessoais. Atua, sem exceção, movida por simpatias ou antipatias, interesses econômicos ou afetivos e ainda impulsionadas por complexos que tem origem em sua infância. (Adip, apud Tourinho Filho, 2001, p. 462).

A valoração do testemunho reporta-se para uma interpretação com cautela pelo

magistrado do depoimento prestado, conferindo a este credibilidade, verificando

falsidade ou veracidade dos fatos, por fim, analisando com precisão os eventos

(NUCCI, 2004, p. 416). E, arremata dizendo que, “é curial ter o julgador a sensibilidade

para compreender que as pessoas são diferentes na sua forma de agir, captar

situações, armazená-las na memória e, finalmente, reproduzi-las.” (NUCCI, 2004, p.

416).

Fala-se da valoração da prova testemunhal relativa ao testemunho de crianças

e de policiais. O depoimento infantil se torna depreciado em virtude da imaturidade

psicológica, moral e da imaginação das mesmas.

A sua percepção sincrética, em oposição a percepção analítica dos adultos, significa dizer que a criança ‘tem uma visão de conjunto’, em virtude da qual lhe escapam os detalhes, de modo que, se ouve uma frase, não lhe analisa os termos, mas faz do seu conjunto uma idéia global e confusa, fundada sobre uma impressão. E termina, assim, por ligar as imagens mais heterogêneas e por fazer as aproximações mais heterogêneas e por fazer as aproximações mais inexatas e, até, por vezes, contraditórias. (NUCCI, 2004, p. 417).

Assim, não se pode desacreditar por completo do depoimento de uma criança,

visto a sua tendência de dizer a verdade. Segundo a psicologia, a sua imaginação pode

fantasiar os fatos não mentidos por maldade, se o faz e instruída por alguém ou iludida

por sua criatividade. (TOURINHO FILHO, 2001, p. 464).

Pela sua condição profissional os policiais não são impedidos de depor, não

podendo ser considerados testemunhas inidôneas ou suspeitas (CAPEZ, p. 342-343,

Page 42: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

42

2006). Todavia, há uma pequena desvalorização de seus testemunhos, face sua

condição de envolvimento nas investigações, e nas diligências realizadas para

solucionar os casos, o que poderia justificar um testemunho que favorecesse sua

conduta. Diante desta possibilidade o valor dado a este tipo de prova pode depender de

testemunhos diversos do quadro policial os quais confirmam suas versões.

Tourinho Filho (2001, p. 463) arremata que a prova testemunhal é de valor

falível e precário, embasado na teoria apontada pela ciência de que as percepções dos

sentidos podem ser alteradas por circunstâncias e fatores variados, como luz, barulho,

imaginação, emoção, as fobias, o tempo e diversos outros estímulos, reações e causas

que podem levar o indivíduo, ainda que querendo dizer a verdade, a distorcer os fatos.

Page 43: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

43

3 PROGRAMAS DE PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS E ÀS TESTEMUNHAS AMEAÇADAS

NO BRASIL

3.1 SISTEMA NACIONAL DE ASSISTÊNCIA ÀS VITIMA E ÀS TESTEMUNHAS

AMEAÇADAS

O sistema de Proteção às Vítimas e às Testemunhas foi desenvolvido a partir

do Plano Nacional de Proteção aos Direitos Humanos, o qual em seu Capítulo sobre a

‘Luta contra a Impunidade’ objetivava o apoio aos Estados para a criação de programas

próprios para a proteção de vitimas e de testemunhas de crimes, que se encontravam

expostas a ameaças e a perigos, por conta de sua colaboração ao processo penal.

Bruno Cezar da Luz Pontes (1999, p. 01), coloca que a proteção das vítimas e

das testemunhas é algo de essencial importância para o desenvolvimento das

investigações policiais, para a instrução processual, advindo de um bom funcionamento

das investigações policiais, buscando a diminuição da impunidade.

O Programa de Proteção às Vitimas e às Testemunhas Ameaçadas – PROVITA

- teve início a partir do GAJOP – Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações

Populares. Tal entidade é responsável pela “defesa e promoção dos Direitos Humanos,

é também responsável pela execução dos Programas Estaduais de Apoio e Proteção a

Vítimas, Testemunhas e Familiares de Vítimas da Violência, do Acre e de Pernambuco

e pelo Monitoramento Nacional”. (GAJOP – Gabinete de Acessória Jurídica às

Organizações Populares). E, com a criação deste Programa, pretendeu-se, conforme

D’Urso, obter “um conjunto de medidas que visem uma proteção global e efetiva,

consubstanciada num Programa de Proteção, como conseqüência assegurada pelo

Estado àqueles que apesar do risco, colaboram com a Justiça criminal”. (D’URSO,

1996, p. 258).

O Estado principiante do PROVITA foi o Estado do Pernambuco, em 1998, o

qual se inspirou no modelo norte-americano de proteção, (MIGUEL; PEQUENO, 2000,

Page 44: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

44

p 428) e atualmente, conforme dados do GAJOP, o programa tem atuação em 16

Estados da Federação.

A regulamentação desse programa se fez pela Lei n.º 9.807 de 13 de julho de

1999, que, conforme Pereira (2001, apud SILVEIRA, 2004, p. 66), foi o nascimento

oficial do Programa Federal de Assistência às Vitimas e às Testemunhas Ameaçadas.

O marco de institucionalização desse processo ocorreu com a promulgação, em 13 de julho de 1999, da Lei n.º 9.807, que inovou ao estabelecer normas para a organização de programas estaduais destinados a vítimas e testemunhas de crimes ‘que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal’, e instituiu, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos, o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas. (Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas; Presidência da Republica Federativa do Brasil)

A concepção do Programa se deu pela “situação de insegurança em que se

encontravam as pessoas que resolviam colaborar com a Justiça prestando seus

testemunhos”. Sendo que, “tal situação contribuía para a impunidade, pois prevalecia a

chamada ‘lei do silêncio’ e inúmeros crimes deixavam de ser solucionados pela falta de

uma das principais provas judiciais, a testemunhal”. (Assistência às Vitimas e às

Testemunhas – Ministério da Justiça)

O PROVITA se baseia na idéia de “reinserção social de pessoas em situação

de risco em novos espaços comunitários, de forma sigilosa e contando com a efetiva

participação da sociedade civil na construção de uma rede solidária de proteção”.

(BARROS, 2006, p.178).

É um Programa que tem por meta oferecer assistência social, psicológica e

jurídica, além de abrigo para as testemunhas e seus familiares, para que tenham sua

integridade assegurada e possam restaurar sua vida com dignidade. Tal objetivo está

delineado no art. 1º do Decreto Lei n.º 3.528 de 20 de julho de 2000, o qual

regulamentou a Lei n.º 9.807/99. Dispõe o referido dispositivo legal que:

Page 45: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

45

O Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas Ameaçadas, instituído pelo art. 12 da Lei n.º 9.807, de 13 de julho de 1999, no âmbito da Secretaria de Estado dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, consiste no conjunto de medidas adotadas pela União com o fim de proporcionar proteção e assistência a pessoas ameaçadas ou coagidas em virtude de colaborarem com a investigação ou o processo criminal. Parágrafo único. As medidas do Programa, aplicadas isolada ou cumulativamente, objetivam garantir a integridade física e psicológica das pessoas a que se refere o caput deste artigo e a cooperação com o sistema de justiça, valorizando a segurança e o bem-estar dos beneficiários, e consistem, dentre outras, em: I - segurança nos deslocamentos; II - transferência de residência ou acomodação provisória em local sigiloso, compatível com a proteção; III - preservação da identidade, imagens e dados pessoais; IV - ajuda financeira mensal; V - suspensão temporária das atividades funcionais; VI - assistência social, médica e psicológica; VII - apoio para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam comparecimento pessoal; e VIII - alteração de nome completo, em casos excepcionais.

Acrescenta, ainda, o PROVITA Rio:

Temos como objetivo assegurar direitos fundamentais relacionados à pessoa protegida e contribuir para a construção de uma Política Pública de Direitos Humanos. E ainda, contribuir para a qualidade no atendimento aos beneficiários, através da garantia dos seus direitos fundamentais como a moradia, a alimentação, a saúde, capacitação profissional, geração de renda, lazer, construir e consolidar uma Equipe transdisciplinar comprometida com o atendimento cidadão, aos beneficiários, tendo em vista não apenas o atendimento aos seus direitos básicos, mas o comprometimento com a mudança de consciência dos sujeitos protegidos.

Na visão de Aquino (2002, p. 104) “o legislador busca que se amparem tais

pessoas, de modo que, se chamadas a comparecer no feito ou se façam

espontaneamente e voluntariamente, possam expressar livremente seus

conhecimentos sobre os fatos investigados”. D’Urso (1996, p. 01) faz a seguinte

análise:

Nesse diapasão é que se busca a proteção aos direitos das vitimas, sua incolumidade, reafirmando as garantias constitucionais do cidadão, dentro da moderna ciência que preocupa-se com a vitimologia, pois invariavelmente, a vitima e as testemunhas têm de colaborar com a

Page 46: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

46

justiça, compulsoriamente arcando com despesas e outros eventuais inconvenientes, tais como a invasão de sua privacidade, prejuízos econômicos, conflitos trabalhistas, etc.

A autuação do programa se estende aos casos que em virtude das

circunstâncias e da gravidade das ameaças não há possibilidade de serem as vitimas

ou testemunhas atendidas pelos meios convencionais de segurança destinados a

coletividade e ao cidadão comum. Advindo de sua necessidade destaca-se:

A necessidade de se combater a impunidade no País, no caso, com a viabilização da prova testemunhal, sobretudo a que possibilita a identificação e a responsabilização penal dos criminosos; a coibição das situações de coação e de ameaça que pairam sobre as vitimas sobreviventes e a testemunhas de crime, fazendo com que deixem de testemunhar, com graves prejuízos para a investigação criminal e para o processo penal; e finalmente, a preservação de vidas humanas, graças a proteção especial à integridade física dessas vitimas e testemunhas, como também as medidas de proteção às pessoas dos acusados ou condenados colaboradores, desde o momento em que se dispõem a colaborar. (MOURÃO, apud MIGUEL; PEQUENO, 2002, p. 428).

Algumas características próprias são encontradas no modelo brasileiro de

proteção às vítimas e às testemunhas como: ser este um programa que trata de direitos

humanos e não apenas de uma atividade de segurança pública, mesmo havendo uma

ligação com o sistema de Justiça e Segurança; ser também um programa composto por

entidades e sociedade civil buscando garantir a integridade física e psicológica das

testemunhas e seus familiares, e também como meio de promover a reinserção social

desses beneficiários, visando estimular o exercício da cidadania por todos aqueles que

se dispuseram a colaborar com a Justiça e, por esta razão, estejam correndo riscos; e

também por contar com um órgão diretivo composto por representantes do Estado

(Magistratura, Ministério Público, Poder Executivo) e da Sociedade Civil (especialmente

entidades ligadas à causa dos direitos humanos), saindo dos moldes da comum

administração pública. (Programa de apoio e proteção à testemunhas, vítimas e familiares de

vítimas da violência)

Os objetivos do Programa de Proteção são estabelecidos pela Lei n.º 9.807, de

13 de julho de 1999. Estabelece o art. 1.º da mencionada Lei que:

Page 47: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

47

As medidas de proteção requeridas por vítimas ou por testemunhas de crimes que estejam coagidas ou expostas a grave ameaça em razão de colaborarem com a investigação ou processo criminal serão prestadas pela União, pelos Estados e pelo Distrito Federal, no âmbito das respectivas competências, na forma de programas especiais organizados com base nas disposições desta Lei. § 1.º A União, os Estados e o Distrito Federal poderão celebrar convênios, acordos, ajustes ou termos de parceria entre si ou com entidades não-governamentais objetivando a realização dos programas. § 2.º Supervisão e a fiscalização dos convênios, acordos, ajustes e termos de parceria de interesse da União ficarão a cargo do órgão do Ministério da Justiça com atribuições para a execução da política de direitos humanos.

De acordo com o dispositivo acima indicado, cabe à União, em conjunto com os

Estados e o Distrito Federal, zelarem e disponibilizarem o programa e procedimento

adequado para a proteção do cidadão no exercício da cidadania, ou seja, a colaboração

para com a justiça. Contudo, adota-se a política da participação conjunta entre órgãos

públicos e entidades não governamentais e na descentralização dos serviços de

proteção do Estado. (MIGUEL; PEQUENO, 2000, p. 429).

Tal característica se vê disponibilizada no art. 2.º do Decreto Federal n.º

3.518/00, o qual regulamenta o Programa de Proteção a Vitimas e Testemunhas

Ameaçadas, trazendo como órgãos que integram o programa, o Conselho Deliberativo;

o Órgão Executor; e a Rede Solidária.

3.2 ESTRUTURA E FUNCIONAMENTO DO PROGRAMA DE PROTEÇÃO À VÍTIMA E

À TESTEMUNHAS AMEAÇADAS: CONSELHO DELIBERATIVO. ÓRGÃO EXECUTOR

E EQUIPE TÉCNICA

3.2.1 Conselho Deliberativo

Page 48: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

48

Preceitua o art. 4.° da Lei n.º 9.807/99 que:

Cada programa será dirigido por um conselho deliberativo em cuja composição haverá representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos e privados relacionados com a segurança pública e a defesa dos direitos humanos. § 1.º A execução das atividades necessárias ao programa ficará a cargo de um dos órgãos representados no conselho deliberativo, devendo os agentes dela incumbidos ter formação e capacitação profissional compatíveis com suas tarefas. § 2.º Os órgãos policiais prestarão a colaboração e o apoio necessários à execução de cada programa.

O programa é dirigido por um Conselho Deliberativo composto por

representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário e de órgãos públicos, como:

Procuradoria da Republica e dos Estados, Secretaria de Segurança Pública, da Justiça,

da Defesa da Cidadania e Ouvidoria da Policia; e privados como: Comissão de Direitos

Humanos da Ordem dos Advogados – OAB e associados, e privados relacionados com

a segurança pública e a defesa dos direitos humanos (MIGUEL; PEQUENO, 2000, p.

431). Este conselho Deliberativo é considerado instância decisória superior, sendo

responsável pelo ingresso e exclusão de pessoas ameaçadas. (BARROS, 2006, p.

179).

Cabendo ao Conselho Deliberativo decidir sobre o ingresso do protegido no

Programa ou sua exclusão, e também delinear as providências necessárias ao

cumprimento do Programa (MIGUEL; PEQUENO, 2000, p. 432). Completando então

Alexandre Avelino Pereira (2001, apud SILVEIRA, 2006, p. 68-69) descreve que:

Cada programa tem como instância decisória superior um Conselho deliberativo, órgão colegiado composto por representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, de outros órgãos públicos e de entidades da sociedade civil com destacada atuação na área de direitos humanos ou segurança pública. Ao conselho cumpre deliberar não somente sobre os casos de ingresso ou exclusão da rede de proteção, como também acerca das demais providencias de caráter geral relacionadas ao cumprimento do programa.

Page 49: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

49

De acordo com o gerente do programa Pannunzio, este retrata que, “a

instauração do conselho significa uma etapa para garantir a integridade física e

psicológica das pessoas que colaboram com a Justiça”. (Programa de ajuda à

testemunhas).

Este conselho tem suas prerrogativas fixadas por Lei Federal, podendo ser

complementadas pelas Leis Estaduais. E conta com um Regimento Interno que regula

suas atividades, seus integrantes titulares e suplentes.

Silveira (2006, p. 70-71), destaca as seguintes funções previstas na Lei sobre o

Conselho Deliberativo:

1) decidir sobre a inclusão e a exclusão de beneficiários; 2) definir as providências a serem adotadas pelo Programa Estadual; 3) fixar o teto da ajuda financeira mensal a se oferecida aos beneficiários e as suas famílias, isto aos beneficiários impossibilitados de exercer funções remuneradas ou que não tenham outra fonte de renda; 4) providenciar junto aos órgãos competentes licença remunerada, prevista em Lei para os beneficiários que forem servidores públicos ou militares; 5) questionar junto ao Ministério Publico e aos juizes competentes para a obtenção de eventuais medidas cautelares, relacionadas a eficácia da proteção; 6) postular em nome do beneficiário junto aos juizes competentes, a alteração de registros públicos, visando a mudança de nome completo do beneficiário que assim necessitar; 7) manter em completo sigilo a identidade dos beneficiários, bem como a sua localização; solicitar dos órgãos policiais constituídos a custodia necessária urgente para manter a testemunha a salvo; 8) solicitar dos órgãos policiais constituídos a custodia necessária urgente para manter a testemunha a salva; 9) manter controle rigoroso sobre o andamento de processos relacionados as testemunhas protegidas, visando agilizar a sua tramitação judicial; 10) realizar ao menos uma reunião mensal, considerada ordinária e extraordinária tantas quantas forem necessárias.

3.2.2 Órgão Executor

Podem ser destacadas outras funções ao Conselho Deliberativo, bem como a

função de execução do Programa, o que o torna o Órgão Executor deste, sendo

responsável direto pela contratação da Equipe Técnica e para a formação da Rede

Solidária de Proteção, que integrará o Programa, devendo os agentes deles incumbidos

Page 50: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

50

ter formação e capacitação profissional compatível com suas tarefas (MIGUEL;

PEQUENO, 2000, p. 431). Podendo ser assim esclarecida:

O Órgão Executor, atribuição que recai sobre uma das instituições representadas no Conselho Deliberativo. Será este o responsável por promover a articulação com as entidades da sociedade civil para a formação da rede solidária de proteção, bem como por contratar os profissionais que irão compor a Equipe Técnica. (PEREIRA, 2001, p.11-12)

O artigo 8.º do Decreto Federal n.º 3.518/00, enumera como funções do Órgão

Executor do Programa de Proteção a Vitimas e Testemunhas as seguintes atribuições:

Compete ao Órgão Executor Federal adotar as providências necessárias à aplicação das medidas do Programa, com vistas a garantir a integridade física e psicológica das pessoas ameaçadas, fornecer subsídios ao Conselho e possibilitar o cumprimento de suas decisões, cabendo-lhe, para tanto: I - elaborar relatório sobre o fato que originou o pedido de admissão no Programa e a situação das pessoas que buscam proteção, propiciando elementos para a análise e deliberação do Conselho; II - promover acompanhamento jurídico e assistência social e psicológica às pessoas protegidas; III - providenciar apoio para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal dos indivíduos admitidos no Programa; IV - formar e capacitar equipe técnica para a realização das tarefas desenvolvidas no Programa; V - requerer ao Serviço de Proteção ao Depoente Especial a custódia policial, provisória, das pessoas ameaçadas, até a deliberação do Conselho sobre a admissão no Programa, ou enquanto persistir o risco pessoal e o interesse na produção da prova, nos casos de exclusão do Programa; VI - promover o traslado dos admitidos no Programa; VII - formar a Rede Voluntária de Proteção; VIII - confeccionar o Manual de Procedimentos do Programa; IX - adotar procedimentos para a preservação da identidade, imagem e dados pessoais dos protegidos e dos protetores; X - garantir a manutenção de arquivos e bancos de dados com informações sigilosas; XI - notificar as autoridades competentes sobre a admissão e a exclusão de pessoas do Programa; e XII - promover intercâmbio com os Estados e o Distrito Federal acerca de programas de proteção a vítimas e a testemunhas ameaçadas. Parágrafo único. As atribuições de Órgão Executor serão exercidas pela Secretaria de Estado dos Direitos Humanos.

Page 51: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

51

Silveira (2006, p. 73-74) argumenta em sua obra, que o Órgão Executor do

Provita, é uma entidade da sociedade civil, a qual, em sua maioria está relacionada

com as causas dos Direitos Humanos e é de caráter não-governamental, estando

focada não somente na execução do programa, como também na contratação das

equipes técnicas e na gestão do programa.

3.2.3 Equipe Técnica

A Equipe Técnica é a responsável pela proteção direta dos beneficiários, esta é

formada por profissionais capacitados que deverão atender as diferentes necessidades

apresentadas pelos beneficiários, dentre eles estão os advogados, psicólogos e

assistentes sociais.

A equipe técnica é comandada por uma coordenação (geral e adjunta) e

integrada de advogados, psicólogos e assistentes sociais, apoiados por uma equipe de

profissionais, com a intenção de embasar as decisões do Conselho, bem como para

realizar o atendimento e monitoramento dos beneficiários do Provita nas áreas jurídica,

psicológica e social. (Disque denúncia BA)

Silveira (2006, p. 75) diz que, “O tripé responsável pelas ações dos Provitas se

completa com a Equipe Técnica”.

E, continua afirmando que:

O trabalho nas áreas jurídicas, psicológicas e social, necessário tanto para embasar as decisões do Conselho como para realizar o atendimento e monitoramento dos beneficiários do Programa, e realizado por uma Equipe Técnica, liderada por um coordenador e composta de advogados, psicólogos, assistentes sociais e outros profissionais, conforme a necessidade de cada Estado. (Pereira, 2001, apud Silveira, 2006, p. 75).

Page 52: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

52

3.2.4 Rede Solidária

A Rede Solidária de uma forma geral é a participação direta da sociedade na

atuação do Programa (SILVEIRA, 2003, p. 88). O autor aduz ainda que o embasamento

é:

O cerne da proposta do PROVITA é a estrutura de uma rede de proteção, composta por organizações e indivíduos da sociedade civil, para o acolhimento sigiloso de vítimas, testemunhas e seus familiares que estejam ameaçados em razão de colaborarem para o esclarecimento de crimes e a responsabilização de seus autores. Mais ainda, o PROVITA se propõe a facilitar a inserção social dessas famílias em novas comunidades, a estimulação com as instituições que compõem o sistema de segurança e justiça a fim de romper o ciclo da imunidade. (PANNUZIO, 2001, apud SILVEIRA, 2006, p. 77).

A Rede Solidária é composta por Colaboradores, “que contribuem através de

geração de renda, campanhas e doações.” (PROVITA Rio, 2002, p. 03); com

prestadores de Serviços, “que são profissionais liberais que prestam auxílio profissional

gratuito.” (PROVITA Rio, 2002, p. 03); “e com protetores, que são pessoas que se

disponibilizam para ajudar a proteger diretamente os beneficiários”. (BARROS, 2006, p.

180).

O Decreto-lei n.º 3.518/00 estabelece:

Art. 9 A Rede Voluntária de Proteção é o conjunto de associações civis, entidades e demais organizações não-governamentais que se dispõem a receber, sem auferir lucros ou benefícios, os admitidos no Programa, proporcionando-lhes moradia e oportunidades de inserção social em local diverso de sua residência. Parágrafo único. Integram a Rede Voluntária de Proteção as organizações sem fins lucrativos que gozem de reconhecida atuação na área de assistência e desenvolvimento social, na defesa de direitos humanos ou na promoção da segurança pública e que tenham firmado com o Órgão Executor ou com entidade com ele conveniada termo de compromisso para o cumprimento dos procedimentos e das normas estabelecidos no Programa.

Page 53: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

53

Em consonância com a socialização das vítimas e testemunhas oferecida pelo

programa na parte de participação da sociedade, Silveira (2006, p. 93) acrescenta que

“a construção de uma rede solidária de apoio as ações do programa de proteção é a

chave para o seu sucesso.” E, continua argumentando que, “a concepção de um

Programa de Proteção a Vítimas e a Testemunha ameaçadas com a participação da

sociedade organizada, firma-se na premissa de que também as estruturas oficiais

podem praticar crimes”. (SILVEIRA, 2006, p. 94).

Diante de tal conotação, destaca-se que:

Em primeiro lugar, a participação da sociedade civil confere credibilidade a um serviço que dificilmente teria condições de estimular a confiança de famílias em situação de risco se fosse executado isoladamente pelo Estado, além de impulsionar a participação da própria população no programa, que conta com um destacado número de voluntários. Do mesmo modo, o envolvimento de diversas instituições confere a ele um maior suporte político e operacional, além de funcionar como garantia adicional nos momentos de transição política. (PANNUNZIO, 2001, apud SILVEIRA, 2006, p. 77-78).

3.3 REQUISITOS PARA INGRESSO E EXCLUSAO NO PROGRAMA

Segundo Aquino (2002, p 105), “a legislação em exame tem por finalidade a

proteção (em sentido amplo) das vítimas e testemunhas que deliberadamente

colaborarem com a Justiça, de molde a proteger, por exemplo, sua integridade física”.

Nesse sentido, a Lei n.º 9.308/99 estabelece em seus artigos 1º e 2º, as situações

cabíveis de atuação do programa. Tal relação ainda é descrita no art. 3º do Decreto

Federal n.º 3.508/00. Também estabelece o início que as vítimas e testemunhas de

crimes poderão requerer medidas de proteção, desde que estejam coagidas ou

expostas a grave ameaça.

Portanto, as próprias vítimas e testemunhas terão o direito de requerer as

medidas de proteção. (AGUDO, 2002, p.02)

Page 54: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

54

A lei não faz distinção entre os crimes que encadeiam a proteção de suas

vítimas e testemunhas, sendo então, que qualquer crime pode dar razão a proteção,

ficando a cargo do Conselho Deliberativo, este amparado por lei, a competência

exclusiva para julgar os requisitos da inserção no programa de proteção, sendo as

circunstâncias de cada caso o que irá delinear a decisão dos membros do Conselho em

deliberar se a pessoa merece ou não entrar no programa e ser protegido. (PONTES,

1999, p. 03)

Sobre o peso dado aos crimes para a admissão das vítimas ou testemunhas no

programa Panuzzi (2001, apud SILVEIRA, 2006, p. 81) comenta:

Naturalmente, crimes de maior gravidade (homicídio, por exemplo) e/ou qualquer que são perpetrados por grupos organizados (tráfico de entorpecentes, por exemplo) trazem consigo uma dose extra de perigo às pessoas que contra eles resolvem testemunhar. Esta constatação, contudo, não pode servir para desprezar o alto grau de periculosidade que eventualmente, outras ofensas consideradas ‘menos graves’ – vide as situações de violência domestica, entre outras – representam ás suas vitimas ou testemunhas. (grifo do autor)

A Lei de Proteção às Vitimas e às Testemunhas acolhe também em seu § 1º do

artigo 2º, a proteção ao cônjuge, companheiro, ascendentes, descendentes e

dependentes. Entretanto, condicionou a possível proteção desde que tais pessoas

tenham convivência habitual com a vítima ou testemunha, Martini (1999, p. 11)

complementa:

A aplicação do programa de proteção especial não fica apenas limitado as vitimas e ou testemunhas, podendo ser dirigido ou estendido aos seus familiares como cônjuge – em caso de serem casados – companheiros(a), quando o casal viver em regime de concubinato, ascendentes (pai, mãe, avós, etc.), descendentes (filhos, netos, etc.) e dependentes (enteado, criança sob guarda etc.), e também os não parentes mas que tenham convivência habitual, ou algum laço de sentimento com a vitima ou testemunha, e que poderão sofrer alguma retaliação em virtude da conduta adotada por ela devendo-se sempre se levar em conta o caso concreto e a sua necessidade.

Page 55: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

55

O art. 5º da Lei n.º 9.807/99, estabelece que o pedido de inserção no Programa

pode ser encaminhado ao Órgão Executor pelo próprio interessado ou representante

legal; pelo representante do Ministério Público; pela autoridade policial que conduz a

investigação criminal; pelo juiz competente para a instauração do processo criminal; ou

por Órgãos Públicos e pelas Entidades com atribuições de defesa aos Direitos

Humanos. Os pedidos enviados ao Órgão Executor devem vir instruídos com a

qualificação das pessoas a ser protegida, bem como a descrição da situação que

decorre na ameaça, descrição da ameaça sofrida, seus antecedentes criminais, e

informações atuais sobre processos correntes.

Como início deve-se lembrar que é necessário que a vítima ou testemunha

anua com a condição de ser protegida pelo Programa de Proteção é o que preceitua o

art. 2º, § 3º da Lei. Segundo Oliveira Júnior (2000, p. 52-53):

A anuência da pessoa protegida ou de seu representante é a condição primeira para o ingresso no programa, que compreende restrições de segurança e demais medidas cabíveis. A anuência é ponto relevante, pois vai se estabelecer um compromisso bilateral entre as partes: Ao Estado, em conceder a proteção necessária e eficiente e à pessoa, em se submeter às regras estabelecidas. Sem adesão por parte da vitima ou testemunha, mesmo que ameaçadas, não terá lugar o benefício.

No mais, as diretrizes para a concessão da proteção a vítimas e testemunhas,

devem ser avaliadas quanto à gravidade da coação, a ameaça à integridade física ou

psicológica, a dificuldade de repressão pelos meios convencionais (instauração de

inquérito policial, processo criminal, decretação de prisões etc.), e a importância do

depoimento para a prova criminal. (LIMA, 2000)

Pelo Sistema Nacional de Assistência a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas os

requisitos de ingresso no programa se estendem além dos acima citados em: situação

de risco, relação de casualidade, personalidade e conduta compatível, inexistência de

limitações a liberdade, e anuência do protegido. (Sistema Nacional de Assistência a

Vitimas e Testemunhas Ameaçadas)

Barros (2006, p.181, grifo do autor) discorre que:

Page 56: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

56

Situação de risco. A pessoa deve estar ‘coagida ou exposta a grave ameaça’ (art. 1º, caput). Obviamente não é necessário que a coação ou ameaça já se tenham consumado, sendo bastante a existência de elementos que demonstrem a probabilidade de que tal possa vir a ocorrer. A situação de risco, entretanto, deve ser atual. Relação de causalidade. A situação de risco em que se encontra a pessoa deve decorrer da colaboração por ela prestada a procedimento criminal em que figura como vítima ou testemunha (art. 1º, caput). Assim, pessoas sob ameaça ou coação motivadas por quaisquer outros fatores não comportam ingresso nos programas. Personalidade e conduta compatíveis. As pessoas a serem incluídas nos programas devem ter personalidade e conduta compatíveis com as restrições de comportamento a eles inerentes (art. 2º, § 2º), sob pena de por em risco as demais pessoas protegidas, as equipes técnicas e a rede de proteção como um todo. Daí porque a decisão de ingresso só é tomada após a realização de uma entrevista conduzida por uma equipe multidisciplinar, incluindo um psicólogo, e os protegidos podem ser excluídos quando revelarem conduta incompatível (art. 10, II, "b"). Inexistência de limitações à liberdade. É necessário que a pessoa esteja no gozo de sua liberdade, razão pela qual estão excluídos os ‘condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades’ (art. 2º, § 2º), cidadãos que já se encontram sob custódia do Estado. Anuência do protegido. O ingresso no programa, as restrições de segurança e demais medidas por eles adotadas terão sempre a ciência e concordância da pessoa a ser protegida, ou de seu representante legal (art. 2º, § 3º), que serão expressas em Termo de Compromisso assinado no momento da inclusão.

Complementando estes apontamentos, estão os registros do PROVITA, SC,

que trata desses requisitos do ponto de vista penal, humanístico e

técnico/administrativo:

Visão penal: analisa-se a relevância da testemunha como prova. A colaboração da testemunha deve ser efetiva, aferindo-se a dimensão do ilícito a justificar a inclusão. Deve o Promotor atentar-se a conveniência e utilidade do depoimento na investigação. Visão humanística: busca-se resguardar a integridade da pessoa desde que avaliado a gravidade da coação ou ameaça física ou psicológica. Visão técnico/administrativo: verificada a gravidade da coação ou ameaça a integridade física ou psicológica deve imperar a dificuldade de afasta - lá pelos meios convencionais, preveni-las ou reprimi-las pela atividade da polícia. (Programa de proteção a vítimas e testemunhas ameaçadas, PROVITA)

Page 57: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

57

Um dos pressupostos básicos da proteção é a existência de perigo, iminente ou

não. Este poderá ser apurado com os indícios de que de fato existe realmente a

ameaça à vida ou à integridade física ou psicológica da pessoa, dos seus parentes e

dependentes. A dificuldade de se provar determinados casos será sanado pela própria

natureza do crime, onde este será usado como fundamento para a presunção da

existência da ameaça ou da coação (como os crimes contra a vida, contra os costumes

e cometidos por policias, como foi visto, vistas as peculiaridades de cada caso).

(PONTES, 1999, p. 04)

Como finalidade da prova testemunhal, ou seja, falar tudo o que se sabe sobre

os fatos ao juiz, é de suma importância, a preocupação com a integridade psicológica

das vítimas ou testemunhas uma vez que elas ameaçadas ou coagidas possam vir a

omitir informações ou até mesmo mentir sobre os fatos. (PONTES, 1999, p. 06)

Segundo Silveira (2006, p. 79), “a principal questão a ser analisada quando da

avaliação prévia que orienta o Conselho Deliberativo para deliberar sobre o ingresso ou

não da vítima ou testemunha no programa é o risco de vida que o individuo está

correndo efetivamente”. Sua idéia parte do artigo 2.º da Lei n.º 9.807/99, onde “a

gravidade da coação ou da ameaça a integridade física ou psicológica e a dificuldade

de preveni-las ou reprimi-las pelos meios convencionais”.

Nesse sentido, destaca-se o seguinte comentário:

Este artigo demonstra que a proteção as vítimas e as testemunhas se dará somente em casos extremos e como medida de exceção, com sua aplicação condicionada a prévia análise do caso concreto, visando-se apurar a gravidade da coação ou ameaça a integridade física ou psicológica do envolvido, quando os meios normais ou convencionais não forem satisfatórios e apenas aquelas pessoas cujos depoimentos sejam relevantes para a persecução penal. Em outras palavras, para que alguém seja incluído em um programa especial de proteção, deve ter sofrido ou estar sofrendo grave coação ou ameaça a sua integridade física ou psicológica, a qual não possa ser evitada ou reprimida com a utilização de outros meios menos dispendiosos ao Estado, levando-se sempre em conta a importância das informações para o inquérito ou para o processo. (Martini, 2000, apud Silveira, 2006, p. 80).

Page 58: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

58

A existência do risco de morte nos casos de crime é, diante da lei, norteada

pela ameaça ou coação à integridade física ou psicológica, em combinação com a

dificuldade de prevenir e reprimir estes, ficando suprimido a hipótese de as pessoas

estarem correndo sérios riscos de vida sem mesmo haver nenhuma ameaça ou coação.

Tal fundamento, como deveria ser tratado o risco de vida, daria uma visão mais clara ao

Conselho Deliberativo, onde traria uma análise mais subjetiva da situação para as

pessoas serem protegidas, sendo então detectado mais diretamente a existência do

perigo não através apenas da ameaça ou da coação. (PONTES, 1999, p. 06)

Pode-se dizer que a disposição de colaborar com a justiça no esclarecimento

de crimes é, portanto, condição para que a testemunha venha a receber a proteção do

programa.

Nesse passo, diz Silveira (2006, p. 82) que:

Cabe então, analisar, com critérios objetivos, a importância dos depoimentos que o protegido prestará. Convém ressaltar que não basta a testemunha estar sofrendo ameaças, é preciso estar consciente de que as informações de que as informações que possui, deverão ser prestadas a autoridade judiciária encarregada da apuração do crime. O conjunto probatório, com as informações a serem prestadas pelo protegido, precisa robustecer-se, a ponto de representar um ganho para a sociedade que justifique o investimento demandado na sua proteção.

Em seu art. 2.º, § 2º a Lei n.º 9.807/99 elenca os excluídos da proteção pelo

Programa, isto é, são todos aqueles que não possuem conduta ou personalidade

compatível com a exigida pelo programa, assim como os condenados que cumprem

pena e os indicados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas

modalidades.

Quanto à incompatibilidade de conduta ou de personalidade, esta está

relacionada ao condicionamento do comportamento e do direito de ir e vir do sujeito,

diante da submissão de sua rotina à proteção do Estado. Sendo que, se este não

proceder de acordo com as regras do programa, não poderá ser por ele acolhido, visto

Page 59: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

59

que não será possível alcançar o objetivo do programa, o de proteger a vida das vitimas

e testemunhas. (MARTINI, 1999, p. 12).

Em relação aos presos, por sentença condenatória ou prisão cautelar, o

programa não oferecerá proteção nos seus moldes, como também não será negada,

vez que a tutela da integridade física será exercida por parte dos órgãos de segurança

pública, no local onde estão segregados. (OLIVEIRA JUNIOR. Algumas considerações

a respeito da lei de proteção a vitima e testemunhas (Lei n.º 9.807, de 13.07.1999.

Revista Jurídica do Universidade de Franca, p. 52, 2000).

Há ainda, a exclusão do Programa. Estabelece o art. 10 da Lei n.º 9.807/99 que

“a exclusão da pessoa protegida de programa de proteção a vítimas e a testemunhas

poderá ocorrer a qualquer tempo”, justificando-se pela solicitação do próprio

interessado; ou por decisão do conselho deliberativo, em conseqüência da cessação

dos motivos que ensejaram a proteção ou por conduta incompatível do protegido.

Oliveira Júnior (2000, p. 55) completa dizendo:

Impõe-se a participação do Conselho Deliberativo que atuará em duas hipóteses: quando cessarem os motivos que ensejam a proteção e quando aos participantes. Afastadas a grave ameaça e a coação à vítima e testemunhas, não há mais razão para permanecer no programa que, de certa forma, traz também inúmeras restrições aos participantes. Se, porventura, o protegido demonstrar conduta incompatível com o programa como, por exemplo, deixar de obedecer às normas de segurança, deixar de preservar o sigilo necessário, será, com razão, excluído, pois demonstrou que não está engajado na operação e coloca em risco todo o sucesso do empreendimento.

Não ocorrendo às situações de exclusão do programa, este terá a duração

máxima de dois anos, podendo ser estendido por prazo superior se perdurarem os

motivos de aplicação do programa, a coação ou a grave ameaça. Conforme o art. 3º da

Lei n.º 9.807/99, toda a admissão ou exclusão no programa deverá ter parecer do

Ministério Público, que conterá o esclarecimento sobre os preceitos do artigo 2º da

mesma lei, ou seja, sobre a continuidade ou cessação da coação ou grave a ameaça.

Martini (1999, p. 14) complementa:

Page 60: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

60

Tanto a admissão como a exclusão do programa de proteção deverá ter a prévia manifestação do Ministério Público, que se pronunciará a respeito da gravidade da coação ou da ameaça à integridade física ou psicológica da vítima ou testemunha, assim como com relação a sua necessidade e a impossibilidade da utilização dos meios convencionais de proteção, devendo, de igual modo, se manifestar sobre a abrangência da medida aos familiares do envolvido no programa. Enfim, a consulta ministerial, seja no âmbito federal, distrital ou estadual, pelo disposto na Lei, se torna indispensável em todos os casos previstos no art. 2, caput, e parágrafos em análise, devendo haver a posterior comunicação à autoridade policial ou ao juiz competente.

3.4 ASPECTOS DE SEGURANÇA, SIGILO E RESTRIÇÕES À LIBERDADE DO

BENEFICIÁRIO

O maior aliado do programa de proteção é o sigilo, este é elemento essencial

para o sucesso deste, pois as informações gerais devem ser preservadas, devendo ser

limitado o acesso a tais dados somente aos envolvidos no referido programa de

proteção, criando responsabilidade penal àquele que violar tal dever.

Nesse norte, oportuna a seguinte passagem:

O compromisso com o sigilo das informações não pode, portanto, ser confundido com o desejo deliberado do agente público de omitir da sociedade o acesso à informações. Isto é garantido constitucionalmente e precisa ser respeitado. Por outro lado, manter a salvo certas informações no âmbito do programa de proteção significa assegurar à sociedade o direito à apuração dos fatos, muitas vezes um crime, e, sobretudo, preservar vidas humanas. (SILVEIRA, 2006, p. 90)

O sigilo que é um aspecto de segurança bilateral, entre os agentes do programa

e os protegidos, nos artigos 7º, 8º e 9º da Lei n.º 9.807/99 está delineado os aspectos

de segurança dado aos integrantes do programa, ou seja, são “tarefas executadas

somente pelo agente protetor, que incumbirá de todos os ônus, enquanto que o

protegido somente se obriga ao cumprimento das normas prescritas” (OLIVEIRA

Page 61: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

61

JUNIOR. Algumas considerações a respeito da lei de proteção a vitima e testemunhas

(Lei n.º 9.807, de 13.07.1999. Revista Jurídica da Universidade de Franca, p. 52, 2000).

Dispõe o art. 7º que:

Os programas compreendem, dentre outras, as seguintes medidas, aplicáveis isolada ou cumulativamente em benefício da pessoa protegida, segundo a gravidade e as circunstâncias de cada caso: I - segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; II - escolta e segurança nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; III - transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; IV - preservação da identidade, imagem e dados pessoais; V - ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte de renda; VI - suspensão temporária das atividades funcionais, sem prejuízo dos respectivos vencimentos ou vantagens, quando servidor público ou militar; VII - apoio e assistência social, médica e psicológica; VIII - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; IX - apoio do órgão executor do programa para o cumprimento de obrigações civis e administrativas que exijam o comparecimento pessoal. Parágrafo único. A ajuda financeira mensal terá um teto fixado pelo conselho deliberativo no início de cada exercício financeiro.

Essas medidas, conforme Oliveira (2000, p. 54-55) “representam o

compromisso assumido pelo órgão de proteção, buscando tutelar a pessoa dentro e

fora de sua casa, dando-lhe moradia, ajuda financeira, assistência social, médica,

psicológica, etc”.

A segurança na residência e a escolta para deslocamento podem ser

necessárias para a proteção dos beneficiados, prevendo a lei a possibilidade de

encaminhamento de agentes policiais para fazer a supervisão domiciliar e também o

acompanhamento destes em seus transados. Poderá, também, dependendo da

gravidade do caso, e para maior segurança, ser o protegido transferido de sua

residência por um determinado tempo. (Martini, 1999, p. 18). Ocorre, então, que as

locações de imóveis ou o uso de imóveis de colaboradores do programa, há também

um cuidado com os veículos de transporte dos protegidos, estes são na maioria das

Page 62: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

62

vezes locados e mudados constantemente como também há sempre a diversificação

das rotas a serem percorridas por estas pessoas e estudados planos de fuga se assim

preciso for. (Silveira, 2006, p. 93).

Um dos itens do programa levado muito a sério é o controle das comunicações

entre os beneficiários do programa e o ‘meio externo’ a eles, é nesse ponto que há

falha e, portanto é necessário que as correspondências, as comunicações gráficas e as

ligações telefônicas sejam monitoradas e supervisionadas pelos agentes do programa,

estes integrantes da equipe técnica. (Silveira, 2006, p. 92).

D’Urso acrescenta que há uma assistência pessoal, também econômica,

englobando o custeio de local para moradia, despesas para subsistência, quando não

for possível o trabalho regular com segurança, e também há a preservação dos dados

pessoais, imagem e identidade, o que demonstra uma assistência também legal.

(D’URSO, 1996, p. 259).

O art. 9º traz outra modalidade de proteção, sendo esta à possibilidade de

alteração de nome dos protegidos, porém, esta é uma medida excepcional, extrema, de

acordo com a gravidade da coação e ameaças a estes.

Para tanto Miguel e Pequeno acrescentam:

Neste particular, o requerimento deverá ser fundamentado e dirigido ao Juiz competente para registros públicos, e não mais ao Juiz competente para a instrução do processo criminal, que, após a oitiva do Ministério Público, determinará o segredo de justiça do procedimento e a imposição de rito sumaríssimo, ou seja, célere, com concentração de atos, a fim de resguardar a proteção do interessado. Cessada a coação ou ameaça que deu causa a alteração, poderá o protegido solicitar ao Juiz competente o retorno a situação anterior com a alteração para o nome original, em petição que será encaminhada diretamente pelo interessado ou pelo Conselho Deliberativo e terá manifestação prévia do Ministério Público. (MIGUEL; PEQUENO, 2000, p. 433).

Havendo a concessão da mudança de nome e prenome da vítima, da

testemunha ou de seus familiares, será então procedida averbação na certidão de

nascimento original da alteração realizada; será também determinada aos órgãos

Page 63: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

63

específicos para o fornecimento de novos documentos, já alterados, ocorrendo também

à exclusão, por ordem judicial, do nome e prenome antigo dos protegidos, do cadastro

nacional de identificação civil. Após estas alterações caberá ao Conselho Deliberativo

manter atualizados os cadastros de localização dos protegidos que tiveram alteração

em seus nomes, buscando proteger estes e ao mesmo tempo monitorar o uso desse

benefício.

Estabelece o § 5º do art. 9.º à circunstância em que cessada a coação ou a

ameaça que deu causa à mudança do nome, ficará facultado ao protegido solicitar ao

juiz competente o retorno a situação antiga, ou seja, fazer a alteração para o nome

original. Também neste caso será necessária a prévia manifestação do Ministério

Público. (AGUDO, 2002, p. 14)

Ainda, como medida protetiva a ser tomada para prevenir a repressão de

graves formas delituosas está a possibilidade de requerimento pelo Ministério Público

ou Juiz à concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente para melhor

garantir a eficácia do programa, é o que prevê o art. 8º da Lei, ou seja, a proteção das

vitimas e testemunhas, e embora a Lei não especifique quais sejam esses

procedimentos, refere-se na prática: dos pedido de segredo de justiça; oitiva do

protegido sem a presença do acusado ou indiciado; preservação dos dados de

qualificação do protegido em autos apartados e sigilosos; prisão temporária do

investigado, quando coator; produção antecipada de provas; prisão preventiva do

indiciado ou do acusado coator, entre outros. (MIGUEL ; PEQUENO, 2000, p. 433).

Page 64: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

64

4 A DELAÇÃO PREMIADA NA LEI DE PROTEÇAO ÀS VÍTIMAS E ÀS

TESTEMUNHAS

4.1 DA DELAÇÃO PREMIADA

Perante o Programa de Proteção de Vitimas e de Testemunhas está à obrigação

de se criar normas de proteção aos réus colaboradores e, também, a necessidade de

criação de normas que beneficiem de alguma forma sua colaboração espontânea com

a apuração dos crimes. Alexandre (2006, p. 156) diz que, “apesar de ser tão culpado

quanto o delator, o colaborador deverá ser preservado, pois está prestando, de fato, um

relevante serviço a comunidade”.

Conforme expõe o relator do Projeto, Deputado Alberto Mourão:

Outra questão a ser tratada no atual momento é a dos chamados ‘criminosos colaboradores’, com mecanismos que incentivem tal tipo de colaboração. Para tanto, há que se estender os tímidos mecanismos atualmente existentes, proporcionando-lhes a redução e até a isenção do cumprimento de pena, conjugada com medidas de proteção frente a ameaças ou coações efetivas ou potenciais, que devem abranger o cumprimento de pena em segurança em relação aos demais detentos. (Miguel; Pequeno, 2000, p. 440).

Em resumo Alves (2003, p. 449) faz menção aos diversos ordenamentos

jurídicos que vislumbram o instituto da delação premiada. Menciona de forma superficial

que:

Desde o início da década passada, várias leis introduziram em nosso ordenamento a política da delação premiada. A Lei de Crimes Hediondos previu a redução de pena de um a dois terços para o ‘participante e o associado que denunciar à autoridade o bando ou quadrilha, possibilitando seu desmantelamento’ (art. 8º, parágrafo único, da Lei n.º 8.072/90). A Lei do Crime Organizado igualmente instituiu a redução de pena ‘quando a colaboração espontânea do agente levar ao esclarecimento de infrações penais e sua autoria’, nos crimes praticados em organizações criminosas (art. 6º da Lei n.º 9.034/95). No âmbito da Lei de Lavagem de Capitais, ‘se o autor, co-autor ou partícipe colaborar espontaneamente com as autoridades, prestando esclarecimento que conduzam à apuração das infrações penais e de sua autoria ou a localização dos bens, direitos ou valores objeto do crime’, poderá ser

Page 65: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

65

beneficiado com perdão judicial, deixando o juiz de aplicá-la (art. 1º. § 5º, da Lei n.º 9.613/98). Mais recentemente, a Lei de Tóxicos, Lei n.º 10.409, de 11.01.2202, estabeleceu a redução de pena para quem, ëspontaneamente, revelar a existência de organização criminosa, permitindo a prisão de um ou mais dos seus integrantes, ou a apresentação do produto, da substância ou da droga ilícita, ou que, de qualquer modo, justificado no acordo, contribuir para os interesses da Justiça’ (art. 32, § 2º).

Todavia a Lei de Proteção à Vítimas e à Testemunhas foi além das anteriores,

estendendo o beneficio a todos os tipos de crimes, benefícios estes advindos da

colaboração do acusado primário que de forma efetiva e voluntária auxilia na

identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa, na localização da

vítima com sua integridade física preservada e, também, na recuperação do produto do

crime, possibilitando assim, a concessão de perdão judicial ao delator. (ALVES, 2003,

p. 449).

Monte (2001, p. 234) acrescenta que, coube a Lei n.º 9.807/99 o marco inicial do

avanço da legislação sobre o instituto da delação premiada. Diz à autora que:

O instituto da delação premiada foi definitivamente introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela Lei n.º 9.807/99, estabelecendo que a colaboração do réu para a investigação e para o processo criminal pode dar causa a extinção de sua punibilidade, pela aplica, ao do instituto do perdão judicial, ou gerar a redução de sua pena, compreendido, assim, como uma minoria. Embora já houvesse sido editadas normas semelhantes, entendemos que a referida lei representa um marco no avanço da legislação penal brasileira e se aplica a todos os crimes, indistinta e isonomicamente, representando uma notável revolução no nosso sistema jurídico, que, até então, sempre resistiu à premiação do criminoso e a efetiva individuação da pena, conforme a sua conduta no fato delituoso. (MONTE, 2001, p. 234).

Para dar continuidade à pesquisa, importante colacionar o conceito de delação.

O instituto é definido como, “a incriminação de terceiro, realizada por um suspeito,

investigado, indiciado ou réu, no bojo de seu interrogatório (ou em outro ato)”. (Jesus,

2006, p. 09). Sendo a delação premiada então uma “figura incentivada pelo legislador,

que premia o delator, concedendo-lhe benefícios (redução de pena, perdão judicial,

Page 66: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

66

aplicação de regime penitenciário brando etc.)”. (JESUS, 2006, p. 09). Ainda, Paulo

Júnior (2006, p.155) complementa dizendo que, ela é um “instituto processual através

do qual se beneficia alguém (seja réu, indiciado ou mero suspeito) em troca de

informações ‘privilegiadas’ acerca da empreitada criminosa, identificando comparsas”.

Dando maior fundamento às passagens anteriores, ROSSETTO (2001, p. 186)

escreve que:

A expressão delação, originada de deferre (em sua acepção de denunciar, delatar, acusar, deferir), é aplicada na linguagem forense mais propriamente para designar a denúncia de um delito, praticado por outra pessoa, sem que o denunciante (delator) se mostre parte interessada diretamente em sua repressão, feita perante autoridade judiciária ou policial, a quem compete a iniciativa de promover a verificação da denúncia e a punição do criminoso. A delação, como incriminação de co-autor ou de terceiro, é conceituada como ‘a afirmativa feita pelo acusado, ao ser interrogado em juízo ou na policia, e pela qual, além de confessar a autoria de um fato criminoso, igualmente atribui a terceiro a participação como seu comparsa’.

Na ocasião do inquérito policial pode haver a delação por parte do indiciado, a

qual servirá de base para eventual oferecimento da denúncia. Este tipo de delação

serve de peça meramente informativa do crime e dos indícios de autoria deste, sendo

que na fase posterior a investigação policial, isto é, na fase judicial, deverá passar pelo

crivo do contraditório para evitar dúvidas sobre a veracidade das declarações dos co-

réus. (ROSETTO, 2001, p.187).

A delação ocorrida na oportunidade do interrogatório, onde o co-réu além de

admitir a prática do delito que esta sendo acusado, atribui a outra pessoa também o

fato criminoso, não podendo, porém, atribuir a outrem o fato com exclusividade, ou seja,

eximindo-se o co-réu do fato criminoso imputado não se deve falar em delação, e sim

em simples testemunho. (NUCCI, 1999, p. 213).

E, continua discorrendo sobre o assunto:

Convém, portanto, diferenciar as duas situações: a) o réu confessa a prática do delito do qual está sendo acusado e envolve terceiro, seja co-réu ou não. Trata-se de delação. Se o outro for co-delinqüente e estiver sendo processado, nos mesmos autos, terá a oportunidade de se

Page 67: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

67

manifestar sobre a acusação que lhe foi feita no seu interrogatório (caso este já tenha sido realizado, convém tornar a ouvi-lo sobre o assunto, diante da gravidade do quadro formado); b) o réu não admite a prática do delito e imputa a outro, a autoria. Nesse caso, pode acontecer do denunciado já estar integrado o mesmo processo no pólo passivo ou, então, será chamado a integrá-lo por aditamento a denúncia. Poderá, ainda, conforme o caso ter um processo à parte contra si. Se integrar o mesmo processo onde houve testemunho – e não a delação – será interrogado a respeito. Caso haja um novo processo, também será ouvido em interrogatório. (NUCCI, 1999, p. 214)

Contrários a essa posição, descrevem Miguel e Pequeno (2000, p. 436) que, não

pode o co-réu ser tido como testemunha se este participa dos fatos. “Não é

testemunha, porque somente quem se mantém eqüidistante dos fatos e das partes

pode, a princípio, ser testemunha”.

No mesmo sentido, Loschiavo (1971, apud ROSSETTO, 2001, p. 187) elucida

que, “a confissão que o imputado faz de participação de outra pessoa deve ter valor de

indício e não de testemunho, porquanto é feita no interrogatório, não responde ao

requisito da imparcialidade, característico do testemunho”.

Diante da necessidade de solução dos crimes, coube ao Estado o uso da

delação premiada e, com isso, vieram as críticas ao instituto. Diante da não exigência

de postura moral e ética dos réus colaboradores, ou seja, buscou-se apenas a

premiação de delatores que visam benefícios próprios e que assim facilitam na

persecução criminal. Nesse passo:

Em relação à delação premiada, o que se vê é seu surgimento quando há desajuste entre os envolvidos; quando um se sente prejudicado pela persecução penal (em sentido amplo) e desamparado pelo(s) comparsa(s). O desespero, a simples intenção de beneficiar-se, ou ambos, constitui o mote da delação. Não há qualquer interesse primário em colaborar com a Justiça; não há qualquer conversão do espírito e do caráter para o bem; não há preocupação com o que é realmente justo e verdadeiro; não há, enfim, motivo de relevante valor moral para a conduta egoísta. Porém, dela se vale o Estado na busca da verdade real; dela se utiliza a Justiça na busca de sua finalidade mediata: a paz social. (MARCÃO, 2006, p. 160).

Page 68: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

68

O Estado, perante diversos tipos de infrações penais e com a intenção de

solucioná-las da melhor maneira, porém, munido com legislações que não atendem ao

fim almejado, admite, por sua vez, o relevante valor da delação premiada. Nesse

contexto, Grinover (1996, p. 278), diz que houve muitas críticas em relação à delação

premiada, mas a necessidade de medidas extremas gerou um consenso, “que

representavam a resposta a um estado de verdadeira guerra contra as instituições

democráticas e a segurança dos cidadãos”. Justificando-se a questão ética e moral da

delação premiada na premissa da utilidade social dela, ou seja, da realização da paz

social. (ACQUAVIVA, 2005)

Monte (2001, p. 238) descreve que, na Constituição Federal está descrito como

direitos fundamentais do cidadão, o direito a segurança e à justiça, havendo o

compromisso do Estado na criação de condições condizentes para a execução de tais

garantias, entendendo que o instituto da delação premiada é um desses instrumentos,

pois procura ajustar a ineficiência do Estado em combater as mais diversas

modalidades criminosas.

Sobre o tema, Franco (1992, apud MIGUEL; PEQUENO, 2000, p. 437) discorre

que:

Seria uma forma de dar prêmio por uma cooperação eficaz, pouco importando o móvel real do colaborador, de quem não se exige nenhuma postura moral, mas antes uma postura eticamente condenável. Numa equação de custo-benefício, só se valorizam as vantagens que pode advir para o Estado com a cessação da atividade criminosa ou com a captura de outros delinqüentes. Não se atribui qualquer relevância aos reflexos que esse custo pode representar a todo sistema legal, enquanto construído com base na dignidade da pessoa humana. Depois, porque a colaboração ativa é, na sua essência, um ato de traição, indefensável, e que deixa quem colabora totalmente isolado em relação aos antigos companheiros e rotulado, de modo definitivo, em relação às demais pessoas, como uma marca de ferrete.

À delação premiada é atribuído valor de prova, diante das circunstâncias que ela

ocorre, ou seja, é advinda de espontaneidade, não há obrigação em responder as

perguntas, e não há a negativa de envolvimento, havendo então uma coerência e uma

concordância com os demais elementos probatórios. (ROSSETTO, 2000, p. 192).

Page 69: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

69

4.2 REQUISITOS LEGAIS À CONCESSÃO DOS BENEFÍCIOS DA DELAÇAO

PREMIADA

A Lei n.º 9.807/99 trouxe em seu art. 13 o seguinte texto:

Poderá o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, conceder o perdão judicial e a conseqüente extinção da punibilidade ao acusado que, sendo primário, tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração tenha resultado: I - a identificação dos demais co-autores ou partícipes da ação criminosa; II - a localização da vítima com a sua integridade física preservada; III - a recuperação total ou parcial do produto do crime. Parágrafo único. A concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso.

Esse artigo, num primeiro momento parece restringir o beneficio da delação

apenas aos casos em que ela ocorre de forma voluntária somada ainda aos parágrafos

seqüentes do artigo, ou seja, a delação deve resultar em identificação dos demais co-

autores ou partícipes, na localização da vitima com a sua integridade física preservada,

e na recuperação total ou parcial do produto do crime. Porém, esta restrição, ou melhor,

esta soma de requisitos, é objeto do § 4º do art. 159 do CP, o qual trata exclusivamente

do crime de extorsão mediante seqüestro. (LEAL, 2000, p. 446).

Nas palavras de Leal (2000, p. 446-447), é apenas necessária uma interpretação

lógica do artigo, o qual foge da cumulação de tais exigências, e busca apenas uma

interpretação simples advinda da conclusão de que não há cumulatividade dos incisos

em face de esta matéria, já ser tratada em dispositivo específico. E, também, a não

existência da conjunção aditiva ‘e’ ou da conjunção alternativa ‘ou’, entre os incisos

deve ser interpretada como “uma regra de hermenêutica penal elementar, a qual

estabelece que não cabe ao intérprete afastar a incidência de solução mais benéfica,

quando a lei expressa e claramente não a fizer”.

Ensina Decomain apud Guimarães (2004, p. 43) que:

Além disso, o próprio caput do art. 13 não faz referência expressa a qualquer espécie de ilícito penal. Vale, aqui, o recurso do princípio hermenêutica de que onde o legislador não distinguiu, no cabe ao

Page 70: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

70

intérprete fazer distinção. Ou o discrínem resulta nítido do contexto da própria lei, ou dela não pode ser extraído. E aqui, com relação ao artigo legal em referência, distinção alguma foi realizada pelo legislador. Resulta essa ausência de distinção inclusive da aplicabilidade a quaisquer infrações penais, dos incisos I e III do artigo 13 da Lei. Se são aplicáveis a qualquer infração penal e se o próprio caput não delimitou o universo das infrações penais a que o dispositivo se destinava, alcança-se a conclusão de que esse universo abrange todas as infrações penais.

Na análise de Gimenez (2002, p. 01), a cumulatividade dos resultados não é

prevista legalmente, como, por exemplo, de tais situações: “os demais co-autores já

tenham sido identificados, mas, em crimes com vítima desaparecida (seqüestro, etc.)

esta não tenha ainda sido encontrada”; ou, “sem o desaparecimento de vítima pessoa

física (casos de assalto a banco), se saibam os co-autores, mas, ainda não se

recuperou total ou parcialmente o ‘produto do crime’”. Ainda, complementando a sua

explanação, adiciona que, se exigidos cumulativamente os resultados obtidos com a

delação, pode-se criar, “sem reserva legal, uma restrição não contida na lei e mesmo

porque daí seria cabível apenas em caso de extorsão mediante seqüestro, ou roubo

com restrição da liberdade da vítima”. (GIMENEZ, 2002, p. 01)

O artigo 14 da Lei n.º 9.807/99 faz menção a diminuição da pena. Estabelece o

dispositivo em apreço que:

O indiciado ou acusado que colaborar voluntariamente com a investigação policial e o processo criminal na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida e na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, terá pena reduzida de um a dois terços.

4.3 O PERDAO JUDICIAL E A CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA 4.3.1 DO PERDÃO JUDICIAL Esse instituto é equivalente à renúncia do Estado em aplicar a sanção penal, isto

é, o Juiz ao proferir a sentença deixa de impor a pena ao réu devido ao seu direito de

isenção pena.

Page 71: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

71

Fala-se em perdão judicial nos artigos 107, inc. IX e 120 do Código Penal. É

causa de extinção da punibilidade estatal. Dispõe a Súmula 18 do Superior Tribunal de

Justiça que, “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória da extinção da

punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”. (STJ, Súmula n.º 18 -

20/11/1990 - DJ 28.11.1990 - Perdão Judicial - Efeitos da Condenação).

Havendo a existência das circunstâncias excepcionais no caso em análise, “não

poderá o juiz recusar a aplicação do perdão judicial, pois, nesse caso, o agente terá

direito público subjetivo ao benefício”. (CAPEZ, 2003, p. 509).

Para Capez (2003, p. 515), o momento à concessão do beneficio legal suscita

dúvidas. Quanto à oportunidade, para uma corrente, “o perdão judicial somente poderá

ser concedido quando da prolação da sentença de mérito” e, para outra “será possível a

sua aplicação em qualquer fase do procedimento criminal, o que inclui a fase de

inquérito policial, por se tratar de causa extintiva de punibilidade”.

Damásio de Jesus (2005, p. 101) comenta sobre o momento da delação

premiada, onde faz alusão à ocasião da concessão do beneficio da extinção da

punibilidade.

Não se pode excluir, todavia, a possibilidade de concessão do prêmio após o trânsito em julgado, mediante revisão criminal. Parece-nos sustentável, portanto, que uma colaboração posterior ao trânsito em julgado seja beneficiada com os prêmios relativos à ‘delação premiada’. O art. 621 do CPP autoriza explicitamente desde a redução da pena até a absolvição do réu em sede de revisão criminal, de modo que este também deve ser considerado um dos momentos adequados para exame de benefícios aos autores de crimes, inclusive em relação ao instituto ora analisado. Exigir-se-á, evidentemente, o preenchimento de todos os requisitos legais, inclusive o de que o ato se refira à delação dos co-autores ou partícipes do(s) crime(s) objeto da sentença rescindenda. Será preciso, ademais, que esses concorrentes não tenham sido absolvidos definitivamente no processo originário, uma vez que, nessa hipótese, formada a coisa julgada material, a colaboração, ainda que sincera, jamais seria eficaz, diante da impossibilidade de revisão criminal pro societate.

Com isso, pode se observar que, diante da omissão temporal da Lei em relação

à aplicação dos benefícios da delação premiada, a colaboração poderá ocorrer em

qualquer fase processual, inclusive após o trânsito em julgado da condenação.

Page 72: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

72

(CERVINI; OLIVEIRA; GOMES, 1998, p. 345). E, complementa Guidi (2006, p. 175)

dizendo que, “é certo que a extinção da punibilidade pode e deve ser reconhecida tanto

na fase processual (sentença), quanto na fase da execução da pena, sendo que nesta

última pode ser mediante apreciação jurisdicional pelo Juízo das Execuções ou,

também, mediante revisão criminal”.

E, também, cabe dizer que, com base nas opiniões mais favoráveis da doutrina,

conclui-se que seja aplicado tal instituto, na medida da colaboração do delator,

significando que, quanto mais eficientes às informações prestadas, maior será o

beneficio concedido (NETTO, 2002, p. 109).

Ainda, sobre o assunto, oportuna é a lição de Gomes (2006, p. 02), diz o autor

que, “o juiz somente pode conceder o perdão judicial na sentença que encerra o

conflito, é prática corrente (é da práxis) que mister se faz instaurar o devido processo

criminal, colher provas e somente no final é que o perdão judicial terá incidência”.

Assim, deflui-se do pensamento ora colacionado que o momento apropriado para a

concessão ou não do benefício é no instante da dosimetria da pena.

De outro giro, cabe destacar que, para o beneficio do perdão judicial, ou da

diminuição da pena “é necessário que o agente tenha participado do delito juntamente

com, no mínimo, mais dois co-autores ou participes”. Devem ser acrescidos, ainda,

requisitos comuns para o benefício da delação premiada como “a participação do

acusado em crime doloso (pois só assim o colaborador poderá identificar os demais co-

autores ou participes)” e, que o crime seja “praticado por três ou mais sujeitos, tendo o

acusado efetuado a delação voluntária (confissão ampla), circunstâncias incomunicável

aos demais agentes”. (MONTE, 2001, p. 244).

Com o conceito de perdão judicial, o qual designa a não punição daquele que

tenha sofrido conseqüência social tão grave decorrente da sua própria conduta, que se

pode considerar por aplicada e cumprida a sua pena. Vê-se na avaliação para o

consentimento do perdão judicial do art. 13 da Lei n.º 9.807/99, um caso distinto do

objetivo do instituto, este vislumbra uma conseqüência não social e, sim, uma

conseqüência legal, onde ao ser desvelado o crime e sua autoria pela justiça, o

acusado compreende e admite essa situação, dando-se por vencido, confessando a

sua participação e a de outros. “Enquanto aquela decorre das conseqüências sociais

Page 73: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

73

experimentadas pela prática do fato criminoso, esta decorre da colaboração voluntária e

efetiva à Justiça”. (MENDRONI, 2004, p.02).

4.3.2 CAUSA DE DIMINUIÇÃO DA PENA

Diante da não cumulatividade dos requisitos elencados no art.14 da Lei n.º

9.807/99, está a possibilidade da obtenção da diminuição da pena, bastando apenas

que o acusado satisfaça uma das exigências legais do referido artigo, sendo suficiente,

portanto, que o “agente tenha colaborado voluntariamente e de forma relevante com a

autoridade policial ou judiciária na solução do caso criminal para que o beneficio se

torne um direito inafastável”. (LEAL, 2000, p. 453).

Martini (2000, p. 29) expõe que, no texto legal do art. 14 foi suprimida a apalavra

“efetivo, com a intenção de demonstrar que a redução da pena pode ocorrer mesmo

que o réu não tenha a qualidade de primário e a sua colaboração não tenha gerado

resultado positivo”. Com isso poderá ser aplicada ao delator uma causa de diminuição

da pena de 1/3 a 2/3. (grifo do autor).

Pereira (1999, 03) escreve que:

Caso o criminoso tenha auxiliado (de qualquer forma, pois a lei não a restringe) ou ajudado a polícia ou o Poder Judiciário na identificação dos demais co-autores ou partícipes do crime, na localização da vítima com vida ou na recuperação total ou parcial do produto do crime, no caso de condenação, (caso não tenha direito ao perdão judicial que lhe será mais benéfico) fará jus à redução da pena.

Com relação à minorante da pena, Capez (2003, p. 515) adiciona:

Como se vê, nessa hipótese o indiciado ou acusado não necessita ser primário, nem se levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstância, gravidade e repercussão social do fato criminoso. Portanto, para a redução da pena pretendida, basta ao indiciado ou acusado ter colaborado para a obtenção de um dos resultados previstos na lei, ao contrário do perdão judicial, em que a primariedade e aquelas condições devem estar presentes para a concessão do benefício. Basta, igualmente, dente os requisitos

Page 74: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

74

presentes para a sua incidência, que o sujeito passivo seja encontrado com vida, ao contrário do requisito para a concessão do perdão judicial, em que se exige que, além de ser encontrado vivo, esteja com sua ‘integridade física preservada’. Assim, como no perdão judicial, entendemos que os pressupostos para a sua aplicação são alternativos; do contrário, como já sustentado, o dispositivo seria letra morta para os delitos praticados, por exemplo, sem obtenção de proveito econômico.

4.4 REQUISITOS À CONCESSAO DO PERDÃO JUDICIAL E DA CAUSA DE

DIMINUIÇÃO DA PENA

Para que seja concedido ao réu colaborador o perdão judicial referido no artigo

13 da Lei n.º 9.807/99, deve ser preenchidas condições objetivas e subjetivas da Lei. As

condições subjetivas dividem-se em: voluntariedade da delação; a primariedade do

delator; e a personalidade recomendável por parte do agente. No tocante as condições

objetivas são: a colaboração efetiva com a investigação; a identificação dos demais co-

autores ou partícipes da ação criminosa; a localização da vítima com a sua integridade

física preservada; a recuperação total ou parcial do produto do crime; e a natureza,

circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso. (AGUDO, 2002, p.

15). Tais circunstâncias serão tratadas individualmente no decorrer do trabalho.

Segundo Leal (2000, p. 453) os requisitos comuns aos dois benefícios são: a

voluntariedade da colaboração; a efetividade da colaboração; a identificação dos

demais co-autores ou partícipes; a localização da vítima; e a recuperação do produto do

crime. Sendo a voluntariedade e a efetividade elementos jurídicos dos dois benefícios,

já os demais são conseqüências dos primeiros e não é exigida cumulativamente.

4.4.1 VOLUNTARIEDADE DA COLABORAÇÃO

Fala-se em ato voluntário que pode ser conceituado como, “o ato produzido por

vontade livre e consciente do sujeito, ainda que sugerido por terceiros, mas sem

qualquer espécie de coação física ou psicológica”. E, ainda, como “ato espontâneo, por

Page 75: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

75

sua vez, constitui aquele resultante da mesma vontade livre e consciente, sua iniciativa

foi pessoal, isto é, sem qualquer tipo de sugestão por parte de outras pessoas”.

(JESUS, 2006, p. 09).

Guimarães (2004, p. 49) diz que, “deve-se tratar por Colaboração Voluntária

aquela decorrente da livre manifestação do(s) agente(s), mesmo sendo fruto de

incitação, sugestão ou insistência da autoridade policial”.

Tal autora esclarece, ainda, que o termo usado pelo legislador ao portasse pela

voluntariedade da declaração e não por sua espontaneidade, foi bem escolhido, visto

que este pode ser aconselhado e informado dos benefícios da delação por terceiras

pessoas.

Esclarece Pontes (1999, p. 01) que:

Assim, se o legislador tivesse usado a expressão ‘espontaneamente’, o indiciado ou o acusado, conforme o caso, só seria beneficiado se ele mesmo tomasse a atitude de colaborar com a investigação, impedindo a incitação do delegado e do juiz para que o indiciado ou acusado colaborasse. Em muitos casos, o indiciado fica recalcitrante em colaborar, e com muito jeito o delegado consegue que o mesmo colabore (sem tortura, bom dizer). Em muitos casos, o indiciado não sabe dos benefícios que terá se colaborar com a Polícia, e o delegado, sabendo, poderá incitar o mesmo pela análise das conseqüências práticas do que a Lei diz, como a possibilidade de não dever nada para a justiça, de falta de perseguição por parte da polícia, assim como possibilidade de não cumprimento de pena em regime fechado, se houver a redução, segurando ao mesmo, com fluidez de raciocínio, que os co-autores não conseguirão atentar contra a vida do mesmo porque ele terá a ajuda da Polícia na sua proteção, além das benesses naturais de manter contado com Policiais etc. Enfim, o delegado usa da sua experiência e da sua própria autoridade para arrancar do co-réu dados importantes para o desbaratamento do fato delituoso. Nestes casos, se o legislador tivesse usado o termo ‘espontaneamente’, seria uma lástima para tentar convencer o co-réu ou partícipe, pois os benefícios não seriam devidos.

Elucida ainda Leal (apud JOÃO (2003, p. 187) que “a colaboração poderá ser

considerada voluntária mesmo quando o agente assim proceder por sugestão, a pedido

ou até por insistência de um terceiro”. E, acrescenta Monte (2001, p. 244) “que a

colaboração, em quaisquer das hipóteses deve ser voluntária, porém, não se exige que

seja espontânea, o que não se admite é que seja conseguida mediante coação”.

Page 76: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

76

4.4.2 PRIMARIEDADE

A primariedade é requisito exclusivo para a concessão do perdão judicial, esta

deriva do “latim primarius (primeiro), na linguagem penal designa o delinqüente ou

contraventor que cometeu delito ou contravenção pela primeira vez ou mesmo que já os

tenha cometido, no registra antecedentes criminais”. (SILVA, 2003, 1093).

Guimarães (2004, p. 56-57) especifica duas possíveis interpretações quanto à

configuração da primariedade, uma delas é a impossibilidade da “concessão do perdão

judicial ao acusado já condenado, com sentença transitada em julgado, antes do

cometimento de um novo crime, no qual se discute o deferimento ou não do perdão”. E

a outra trata de um entendimento mais benéfico ao réu, ou seja, “considera que pelo

fato do perdão extinguir a punibilidade e, por sua vez, os efeitos da sentença, se o réu

até então não era reincidente, continuará juridicamente primário e, portanto, faria jus ao

beneficio”.

Com relação a tal situação é somado o que segue:

Pode-se entender que o acusado que tenha sofrido uma condenação anterior, com trânsito em julgado antes da participação no novo crime, já posa ser considerado reincidente e, portanto, imerecedor do perdão judicial. Esta é em dúvida uma forma de interpretação do texto legal em exame. No entanto, concedido o perdão judicial extingue-se a punibilidade e qualquer efeito da sentença condenatória. Se o acusado, embora condenado anteriormente, ainda não era reincidente, continuará juridicamente primário. Por isso, cremos que a melhor interpretação desse dispositivo consiste em excluir do perdão judicial apenas os acusados já reincidentes em decorrência de sentença condenatória anterior ao crime em relação ao qual o Magistrado possa conceder o perdão judicial. Em conseqüência nada impede que este benefício seja aplicado ao acusado já condenado por um crime anterior, desde que, ao prestar sua colaboração à justiça criminal, goze ainda do estado de primariedade jurídico penal. (LEAL, 2000, p. 451).

Quanto à primariedade, esta não deve ser confundida com bons antecedentes,

embora se relacione com a reincidência. Primário é aquele que apesar de estar sendo

processado criminalmente, não tem contra si, qualquer sentença penal condenatória

transitada em julgado, já os bons antecedentes estão ligados à inexistência de

Page 77: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

77

indiciamento, processamento e falta de conduta honesta e responsável perante a

sociedade, ou seja, trata-se de um comportamento moral aceitável. Ao contrário da

primariedade está a reincidência, a qual consiste na existência de sentença penal

condenatória transitada em julgado. (PONTES, 1999, p. 01).

4.4.3 PERSONALIDADE RECOMENDÁVEL POR PARTE DO AGENTE

Para que seja concedido o perdão judicial como causa de extinção da

punibilidade ao réu delator, deve o juiz examinar um conjunto de circunstâncias

relativas ao fato delituoso, fala-se em personalidade do agente, natureza, gravidade e

repercussão social do crime. Tal benefício deve ser utilizado com cautela, devendo ser

apreciado minuciosamente todas as circunstâncias fáticas. (LEAL, 2000, p. 451).

Da personalidade do beneficiado fala-se a respeito de seu caráter, da “sua

maneira de agir e de sentir, ao próprio caráter do agente. Deve-se averiguar e o delito

praticado se afina com a individualidade psicológica do agente, caso em que esta

personalidade voltada ao delito pesará em seu desfavor”. (MARTINI, 2000, p. 28-29).

Leva-se em consideração a personalidade do agente para a concessão de um

dos benefícios da delação premiada, isto é, é avaliado o “comportamento adequado à

ética predominante no meio social, motivo pelo qual terão sua conduta menos

reprovada, podendo ser-lhes aplicado o perdão judicial”. (MONTE, 2001, p. 247).

Mendroni (2004, p. 01) comenta sobre a personalidade do agente, porém,

adiciona a tal requisito a natureza, as circunstâncias, a gravidade e a repercussão

social do fato criminoso:

Estabelece o parágrafo único do mesmo artigo que ‘a concessão do perdão judicial levará em conta a personalidade do beneficiado e a natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso’. Se a voluntariedade e a efetividade previstos no caput são requisitos intrínsecos, relativos à participação do agente; já a personalidade diz respeito ao seu aspecto subjetivo e os demais – natureza, circunstâncias, gravidade e repercussão social do fato criminoso são requisitos objetivos – ou seja, ligados aos fatos criminosos praticados. Assim, ainda que a colaboração tenha sido efetiva e voluntária existirão ainda estes requisitos à aprovação da medida, que deverão ser inevitavelmente enfrentados na sua fundamentação. Nestes

Page 78: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

78

termos, intuitivamente, não haverá como conceder perdão judicial ao réu confesso e colaborador que, por exemplo, no âmbito de suas condutas criminosas houver praticado, por exemplo, algum crime considerado hediondo.

Sobre a natureza dos fatos faz-se referência à gravidade do crime praticado, “a

qual demonstra, por via de conseqüência, o desvalor do acusado pelos interesses

jurídicos penalmente protegidos”. Quanto às circunstâncias do fato são estas “as

particularidades que cercam a prática da infração penal e que podem ser importantes

no caso concreto (lugar, maneira de agir, ocasião, etc.)”. A gravidade remete-se às

conseqüências causadas à vítima, quais sejam os danos sofridos por esta face à

conduta adotada pelo acusado. (MARTINI, 2000, p.28).

Quanto à repercussão social esta leva em conta os comentários sobre o crime no

âmbito social, devendo este critério ser bem analisado para que não cause

descontentamento à população caso haja a beneficiação do delator.

Gimenez (2002, p. 01), destaca:

Em relação à repercussão social do crime, ter-se-á com circunstância legal de caráter duvidoso, cuja aplicação poderá determinar situações absurdamente injustas. Exemplificando, determinado réu, arrependido de participado de crime de extorsão mediante seqüestro, resolve ‘trair’ seu grupo e colaborar com a investigação policial, auxiliando na localização da vítima, identificação dos co–autores e recuperação total do numerário já entregue à quadrilha, sujeitando–se, por tudo isto, à futura vingança. Todavia, entendendo existir repercussão social (leia–se: exploração noticiosa da mídia), o magistrado deixa de conceder o benefício do perdão judicial, quando não fosse a delação do agente nada teria sido alcançado. É situação subjetiva a ser bem analisada.

4.4.4 EFETIVIDADE DA COLABORAÇÃO

A efetividade da colaboração também é uma exigência da Lei, ela refere-se,

“’representa a real e a permanente participação do acusado no trabalho de investigação

ou no processo criminal’ contribuindo para o alcance dos resultados descritos nos

incisos do art. 13”. (MONTE, 2001, p. 245).

Page 79: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

79

O critério da efetividade da colaboração deve influenciar na identificação dos

demais co-autores ou partícipes, na recuperação total ou parcial do produto do crime e

na localização da vítima com a sua integridade física preservada. (GIMENEZ, 2002, p.

01).

A delação deve ser “efetiva porque deve trazer pessoas e fatos novos que

efetivamente ou eficazmente auxiliem a persecução penal”. Nesse contexto de delação

premiada o termo efetividade confunde-se com eficácia ou eficiência, onde efetivo está

na qualidade de efeito real, verdadeiro, positivo, permanente, ou seja, “virtude de

produzir efeito, eficácia - que produz efeito, que dá bom resultado”.

Para Damásio de Jesus (apud JOÃO, 2003, p.187) “é preciso que o sujeito

tenha, por exemplo, indicado testemunhas, o local do fato, informado o lugar do

esconderijo do produto do crime, entregue documentos, esclarecido a forma de

execução, etc”.

Araújo apud Kobren (2003, p. 01), entende que, “para a concessão do perdão

judicial, deve a colaboração ser voluntária, efetiva e de algum modo ser eficaz, a

produzir ao menos um dos efeitos desejados que empolgaram o acusado a colaborar”.

Sobre a eficácia da delação Azevedo (2000, apud GUIMARÃES, 2004, p. 51)

comenta que:

A eficácia, destarte, coloca-se como resultado posterior que independe da natureza da colaboração. Isto é, sendo a colaboração voluntária e efetiva, dela poderá surgir ou não um dos três resultados previstos nos incisos, qualquer deles capaz de justificar o perdão judicial, que se funda, como se verá a seguir, na menor culpabilidade do agente e na finalidade da sanção penal em face dessa menor reprovabilidade. Se, todavia, nenhum dos resultados advier de uma colaboração caracteristicamente voluntária e efetiva faltará um requisito de ordem objetiva. O êxito da colaboração expresso no ‘atingimento’ de um dos objetivos descritos dos incisos do art. 13 constitui-se, portanto, em resultado futuro e incerto, mas que advindo e conectado com a efetividade da colaboração do acusado resultará no preenchimento objetivo dos pressupostos de aplicação do perdão judicial.

Page 80: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

80

4.4.5 LOCALIZAÇÃO DA VÍTIMA Não se enquadra como requisito essencial aos benefícios da delação premiada a

localização da vítima, pois somente em alguns tipos penais específicos é que ocorre tal

condição, como extorsão mediante seqüestro, seqüestro, cárcere privado, etc.

Nos crimes em que há a figura da vítima, a Lei n.º 9.807/99 prevê que há a

necessidade de que ela seja encontrada com sua integridade física preservada para ser

concedido o perdão judicial, ou a localização com vida da vítima para a concessão da

diminuição da pena. (Guimarães, 2004, p. 53).

Em relação a tal situação, Pontes (1999, p. 01) esclarece que:

Quando a lei fala que a vítima deverá ser localizada com sua integridade física preservada, nos parece que não quis ela vislumbrar uma vítima ‘sem qualquer arranhão’. A intenção foi de recuperar a vítima que não tenha sofrido tortura, que não esteja correndo risco de vida, que não tenha sido machucada significativamente etc. Pode acontecer da vítima, em função de um cativeiro, no caso de seqüestro, sofra limitações físicas (desnutrição, infecção etc.) em função da falta de boa comida, ou de permanecer em local escuro ou conviver com insetos e/ou ratos. Nestes casos, nos parece que o perdão judicial ainda será devido, caso haja realmente um merecimento do co-autor, em função de que sua colaboração foi decisiva para a localização da vítima. Talvez por isso mesmo a Lei não defende a integridade psicológica da vítima como pressuposto do perdão judicial, uma vez que o estado emocional, inevitavelmente, não será o mesmo e, assim, haveria um incentivo para que o co-autor não colaborasse, sabendo-se que não conseguiria localizar a vítima com sua integridade psicológica preservada.

Leal (2000, p. 457) acrescenta que, basta que as informações ou auxílio a polícia

tenham sido indispensáveis para o encontro da vítima, para que o delator seja

beneficiado com alguma das formas previstas na Lei n.º 9.807/99. Destacando que “se

o acusado colaborou efetivamente para a localização da vítima, poderá obter o perdão

judicial (ou com maior razão a redução da pena)”. Portanto, acrescenta Guimarães

(2004, p. 54) “que o objetivo do legislador é efetivamente presentear o agente que, em

face de sua colaboração, tenha contribuído para a localização da vítima, de forma mais

segura e eficaz”.

Page 81: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

81

Constata-se que, mesmo que a polícia já tenha descoberto o local do cárcere e

saiba quem são os seqüestradores, é direito do delator receber o beneficio do perdão

judicial, ou no mínimo, da redução da pena. Contrário a esta situação é que mesmo

havendo a declaração da localização da vítima por parte do delator, esta escape das

mãos dos co-autores. (LEAL, 2000, p. 456).

4.4.6 IDENTIFICAÇAO DOS DEMAIS PARTÍCIPES DO CRIME

A Lei menciona em seu artigo 13, inciso I, que a "identificação dos demais co-

autores ou partícipes". Assim, não é possível conceder o perdão judicial se não forem

identificados todos os participantes da ação criminosa. (KOBREN, 2003, p. 01). Cabe

também adicionar que, é necessária também a identificação dos demais co-autores ou

partícipes para a aplicação da causa de especial diminuição da pena. (Guimarães,

2004, p. 52).

Martini (2000, p. 26) comenta que, o delator não terá direito ao perdão judicial “se

os co-partícipes no delito já forem conhecidos e identificados, mesmo que se encontrem

foragidos e posteriormente venham a ser presos com o auxílio do réu colaborador, já

que o legislador consignou a palavra identificação e não captura”. Porém, segundo o

mesmo autor, o delator terá sua pena diminuída por ter colaborado “com as

investigações policiais e com a instrução processual no que pertine à identificação de

co-autores ou partícipes até então desconhecidos”. (MARTINI, 2000, p. 29).

Silva (2007, p. 01) afirma que, o requisito da identificação dos co-autores é

“impostergável, à eficácia da delação no que tange ao esclarecimento de infrações

penais e sua autoria, não é necessário que haja punições dos agentes de tais

infrações”. Acrescenta, ainda, que “basta que sejam esclarecidas, ou seja, identificadas

no tempo e no espaço e indicadas as autorias, desde que haja um dano efetivo ao

grupo criminoso”.

Guimarães (2004, p. 52) discorre sobe a importância de o agente contribuir para

a identificação dos demais envolvidos no fato delituoso, sendo que um importante

Page 82: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

82

aliado ao combate ao crime que se evolui de forma organizada, não restando condições

normais por parte da justiça para a identificação destes.

Sobre o tema, Leal (2000, p. 455) discorre que:

Torna-se muito importante para a efetiva apuração da ação criminosa toda e qualquer informação ou auxilio que permita identificar, com a necessária precisão e segurança, quem são os verdadeiros responsáveis pela infração delituosa. A partir daí, a autoridade policial ou judiciária tem o necessário conhecimento do norte em direção ao qual deverá fixar o rumo correto do processo investigatório, que poderá então ser conduzido com a eficácia indispensável para conseguir a localização e libertação da vítima e, se for o caso, a recuperação da importância relativa ao produto.

4.4.7 RECUPERAÇÃO DO PRODUTO DO CRIME

Cruz (2006, p. 01), ressalta que “as legislações que tratam da delação premiada

possuem como conditio sine qua non para sua concessão a eficácia das informações

prestadas pelo delator”, a essa eficácia adita a idéia de que “não basta a mera delação

para que o criminoso se beneficie, deve resultar a delação, na recuperação total ou

parcial do produto do crime”, entre outras condições.

Não havendo especificação na Lei sobre o montante que deveria ser devolvido

do produto do crime, cabe ao magistrado fazer uma análise de cada caso para a

concessão dos benefícios da delação, já que é ensejado nos dois tipos de benefícios

concedidos pelos art. 13 e 14 da Lei n.º 9.807/99. (GUIMARÃES, 2004, p. 54). Porém,

para que seja aplicado o perdão judicial nesta situação deverá o juiz “exigir um maior

grau de efetividade, de relevância e de eficácia da colaboração”. (LEAL, 2000, p. 456).

4.5 DA PROTEÇÃO DOS COLABORADORES

O artigo 15 da Lei n.º 9.807/99 dispõe que:

Page 83: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

83

Serão aplicadas em benefício do colaborador, na prisão ou fora dela, medidas especiais de segurança e proteção a sua integridade física, considerando ameaça ou coação eventual ou efetiva. § 1o Estando sob prisão temporária, preventiva ou em decorrência de flagrante delito, o colaborador será custodiado em dependência separada dos demais presos. § 2o Durante a instrução criminal, poderá o juiz competente determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8o desta Lei. § 3o No caso de cumprimento da pena em regime fechado, poderá o juiz criminal determinar medidas especiais que proporcionem a segurança do colaborador em relação aos demais apenados.

Ao colaborador ficam reservadas, na prisão ou fora delas, medidas especiais de

segurança e proteção a sua integridade física, em caso de existir coação ou ameaça

futura ou concreta. Não cabendo a este as medidas de proteção elencadas no

Programa de Proteção a vítimas e Testemunhas. Já que em seu art. 2º há a restrição

aos condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou acusados sob prisão

cautelar em qualquer de suas modalidades. (MARTINI, 2000, p. 30).

Porém, como ensina Lima (apud KOBREN (2003, p. 03), “as medidas de

proteção e segurança ao réu colaborador não vêm especificadas no art. 15. Nada

impede, ao que tudo indica, sejam aplicadas a ele quaisquer das medidas de proteção

previstas no art. 7.º da Lei”.

Em relação aos presos por sentença condenatória ou prisão cautelar, a proteção

não será oferecida nos padrões do programa, mas também não será negada, pois a

tutela da integridade física será exercida por parte dos órgãos de segurança pública.

(OLIVEIRA JÚNIOR, 1999, p. 52).

O § 1º do art. 15 trata da medida de proteção devida quando da prisão provisória

do colaborador, devendo este ficar em dependência separada dos demais, podendo

ocorrer durante o período da instrução criminal a da determinação pelo juiz de “medidas

cautelares necessárias à eficácia da proteção e, por fim, na fase de execução da pena,

podem ser adotadas medidas especiais destinadas a garantir a segurança do

colaborador em relação aos demais presos”. (TAQUARY, 2001, p. 03).

Martini (2000, p. 30) acrescenta que, “o direito legal de permanecer custodiado

separadamente dos demais, o que certamente lhe preservará a integridade, já que é

Page 84: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

84

cediço nos meios policiais que os presos repudiam violentamente aqueles que os

delatam”.

Sendo o delator beneficiado com a redução da pena, deverá cumprir sua

condenação conforme determinação do juiz, caso esta seja em regime fechado o

delator poderá “necessitar de máxima proteção para não ser alvo de vingança por parte

dos demais criminosos, ora seus algozes”. Cabendo ao preso, a segurança quanto a

sua “individualidade, integridade física e dignidade pessoal (art. 3o, da Resolução n.o

14, de 11/11/94)”, o que proporciona a este “direito a cela individual, a qual deve

obedecer os requisitos básicos de insalubridade (art. 88, LEP)”. (TAQUARY, 2001, p.

03).

Agudo (2002, p. 18) esclarece que:

O §1º estabelece que se o colaborador estiver sob prisão temporária, preventiva ou flagrante, será custodiado em dependência separada dos demais presos. Para a real garantia do colaborador, devemos entender ‘dependência separada’, local realmente diverso. Não basta a nosso ver, cela separada, tendo em vista as constantes rebeliões e o fácil acesso dos demais presos quando, então, estaria o colaborador sofrendo sério risco. Da mesma forma, se o colaborador estiver cumprindo pena em regime fechado, o juiz também poderá adotar medidas para sua proteção (§ 3º).

Miguel e Pequeno (2000, p. 442) aduzem que na Lei de Proteção às Vítimas, às

Testemunhas e aos Colaboradores há uma antinomia entre o art. 15, § 2º, e o art. 2º, §

2º. Justificam que tal assertiva se dá pelo fato de haver no art. 2º, § 2º da Lei 9.807/99 a

exclusão da proteção dos condenados que estejam cumprindo pena e os indiciados ou

acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, e em contrapartida há

no art. 15, § 2º a possibilidade de durante a instrução criminal o juiz competente

determinar em favor do colaborador qualquer das medidas previstas no art. 8º da Lei

em comento.

Sobre o assunto, Lima (2000, p. 01) esclarece que:

A Lei permite a adoção de medidas especiais de segurança e de proteção à integridade física. Tais medidas podem ser aplicadas ao réu preso ou solto. Se preso provisoriamente, permanecerá separado dos demais. Se se tratar de condenado cumprindo pena em regime fechado,

Page 85: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

85

poderão ser efetuadas medidas que garantam sua segurança dentro da prisão. As medidas de proteção e segurança ao réu colaborador não vêm especificadas no art. 15. Nada impede, ao que tudo indica, sejam aplicadas a ele quaisquer das medidas de proteção previstas no art. 7.º da Lei.

Mesmo havendo omissão por parte da Lei n.º 9.807/99 em relação a proteção

dos colaboradores André Estefan Araújo Lima (2000, p. 04) fundamenta dizendo que, a

“Lei permite a adoção de medidas especiais de segurança e de proteção à integridade

física”. E, em complemento ao artigo 15 da Lei referida, estão os arts. 10 e 11 do

Decreto Federal n.º 3.518/00 que regulamenta a Lei de Proteção a Vítimas,

Testemunhas e Colaboradores. Os aludidos dispositivos legais do Decreto tratam

respectivamente do réu colaborador, que é chamado de depoente especial, e das

medidas de seguranças garantidas a ele no seu papel de colaborador.

Estabelecem os artigos 10 e 11 do Decreto Federal n.º 3.518/00:

Art. 10. Entende-se por depoente especial: I - o réu detido ou preso, aguardando julgamento, indiciado ou acusado sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades, que testemunhe em inquérito ou processo judicial, se dispondo a colaborar efetiva e voluntariamente com a investigação e o processo criminal, desde que dessa colaboração possa resultar a identificação de autores, co-autores ou partícipes da ação criminosa, a localização da vítima com sua integridade física preservada ou a recuperação do produto do crime; e II - a pessoa que, não admitida ou excluída do Programa, corra risco pessoal e colabore na produção da prova. Art. 11. O Serviço de Proteção ao Depoente Especial consiste na prestação de medidas de proteção assecuratórias da integridade física e psicológica do depoente especial, aplicadas isoladas ou cumulativamente, consoante as especificidades de cada situação, compreendendo, dentre outras: I - segurança na residência, incluindo o controle de telecomunicações; II - escolta e segurança ostensiva nos deslocamentos da residência, inclusive para fins de trabalho ou para a prestação de depoimentos; III - transferência de residência ou acomodação provisória em local compatível com a proteção; IV - sigilo em relação aos atos praticados em virtude da proteção concedida; e V - medidas especiais de segurança e proteção da integridade física, inclusive dependência separada dos demais presos, na hipótese de o depoente especial encontrar-se sob prisão temporária, preventiva ou decorrente de flagrante delito. § 1º A escolta de beneficiários do Programa, sempre que houver necessidade de seu deslocamento para prestar depoimento ou participar de ato relacionado a investigação, inquérito ou processo criminal, será efetuada pelo

Page 86: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

86

Serviço de Proteção. § 2º Cabe ao Departamento de Polícia Federal, do Ministério da Justiça, o planejamento e a execução do Serviço de Proteção, para tanto podendo celebrar convênios, acordos, ajustes e termos de parceria com órgãos da Administração Pública e entidades não-governamentais.

Para Kobren (2003, p. 03), o réu, após receber o perdão judicial, “não pode

simplesmente, sair andando pelas ruas como se nada tivesse ocorrido, pois, conforme

já mencionado, as organizações criminosas não perdoam os traidores e os condenam à

morte”.

Gimenez (2002, p. 16), aduz que, se o instituto da delação for utilizado de forma

adequada “muito auxiliará na busca da verdade material acerca das infrações penais”.

Porém, acrescenta, é fundamental para o uso desse instituto, “que se garanta a própria

segurança do delator, já que, pela sua estrutura, em regra, as organizações criminosas

conseguem, sem maiores obstáculos, eliminar os eventuais ‘traidores’, praticando a

‘queima de arquivo’”.

E, prossegue Gimenez (2002, p. 13) dizendo:

Como é público e notório, as nossas penitenciárias, cadeias públicas, colônias agrícolas, industriais ou similares, casa do albergado, centro de observação, hospital de custódia e tratamento psiquiátrico e cadeias públicas, quando existem realmente, estão em condições animalescas, sem nenhuma atenção séria, de modo geral, do Poder Executivo, havendo inúmeras fugas e crimes cometidos pelos fugitivos ou por aqueles que conseguiram a progressão de regime ou estão em liberdade condicional. Assim, seria até ilusão pensar em tratamento diferenciado aos presos em Cadeias Públicas ou em Penitenciárias, como lembra o art. 15 da lei em análise. A falta de estrutura, obviamente, impedirá a realização da intenção da Lei, o que é uma lástima, mas com a previsão legal, os operadores jurídicos, com criatividade e até com muita sabedoria, saberão manter afastados os colaboradores dos demais presos (certamente taxados de ‘traidores’, o que para o ‘Código Penal Informal’ dos presos merece até a morte), até mesmo porque interessará à autoridade policial e à judicial a preservação do colaborador, para desvendar o crime.

No tocante à proteção, Borges (2002, p. 85), entende que, se faz necessário a

concepção de uma rede de proteção, formada por cidadãos voluntários e organizações

Page 87: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

87

e, afirma que a carência de recursos constitui o maior obstáculo a ser superado para o

real funcionamento do programa.

Ainda, cabe colacionar os ensinamentos de Kobren (2003, p. 03). Arremata o

autora dizendo que:

É sabido que o Governo não possui recursos para serem aplicados nas áreas mais básicas como: saúde, educação, instrução, moradia etc., e, por conseguinte, deverá ser difícil, a previsão e a existência de verbas orçamentárias significativas para a proteção de colaboradores ameaçados. Entretanto, se houver perseverança e paciência, além da colaboração da sociedade para meios alternativos de obtenção de recursos, em um futuro não muito distante a proteção eficiente poderá ser regra.

Constata-se, também, que a aplicação condizente dessa Lei esbarra na ausência

de vontade política, na falta de verbas que supram à necessidade do programa e na

falta de estrutura disponibilizadas pelo Estado que viabilizem a aplicação real da Lei,

justificando tal necessidade na importância do testemunho prestado, seja pela vítima,

pela testemunha ou pelo delator, os quais dão sustento a vital importância deste tipo de

prova ao processo penal.

Observa-se que, o programa propõe ao delator incentivo para a delação e com

isso, em forma interpretativa da Lei, uma proteção que tem como intenção evitar que o

delator sofra repressões, torturas ou abusos por parte dos afetados por suas atitudes,

porém não é de forma efetiva, ou seja confiável, havendo notáveis fraquezas.

Pelo exposto, nota-se que o objetivo da Lei, que está traçado em sua ementa, ou

seja, a proteção às vítimas, testemunhas e colaboradores foi de forma claramente

distorcida em seu conteúdo onde se refere à proteção dos colaboradores, já que a Lei

expõe em seu texto legal não apenas normas de proteção a estes, mas menciona com

mais intensidade apenas dispositivos de premiação para o incentivo da delação, não

oferecendo proteção de forma efetiva, ato falho e vago da Lei que põe em risco a

integridade física do colaborador e a benfeitoria traga pela delação como prova para a

Justiça.

Page 88: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

88

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao finalizar, pode-se verificar que o instituto da Delação Premiada surgiu, sem

sombra de dúvidas, para facilitar as investigações criminais.

Hodiernamente, está evidenciado que não há como deixar de reconhecer o

instituto da Delação Premiada, afinal, ele está inserido no sistema jurídico brasileiro.

A Lei n.º 9.807/90 contribuiu para o avanço da Delação Premiada, mas deixou

lacunas a ser preenchidas, às quais surgiram opiniões divergentes e não houve

consenso jurídico para a resolução dos problemas advindos com a Delação Premiada.

Assim, confirmou-se a primeira hipótese traçada no início, visto que a prova

testemunhal é de vital importância para o processo penal, e provar significa alcançar a

verdade que se busca, vislumbrando certeza e convencimento do magistrado.

Faz-se necessário a colaboração através da vítima, da testemunha ou do delator

em face da difícil elucidação dos fatos criminosos por falta de provas, em especial da

prova testemunhal por conseqüente medo das pessoas que presenciaram ou

participaram dos fatos em testemunhar ou colaborar.

A segunda hipótese elencada foi confirmada, porém, complementada, tendo em

vista que a caracterização da Delação Premiada depende do preenchimento de

requisitos específicos para o acolhimento dos beneficiados, ficando esses sujeitos à

apreciação das circunstâncias do caso pelo conselho deliberativo, estas circunstâncias

se remetem a situações de riscos, a relação de casualidade, a personalidade e a

conduta compatível com o programa, bem como, a inexistência de limitações à

liberdade, e a anuência do protegido. Já que um dos preceitos do programa está na

mudança de vida, de nome, e de profissão desses cooperadores.

A terceira hipótese não foi confirmada, considerado que o instituto da Delação

Premiada ainda é deficiente, seja por falta de estrutura que gere segurança aos

colaboradores, por falta de subsídios/investimentos por parte do Estado, pela falta de

confiabilidade, entre outras hipóteses.

Todavia, observou-se que as finalidades da Lei foram as melhores possíveis,

buscando atender uma necessidade social, qual seja, o combate da criminalidade e da

impunidade. Além dessa intenção elencada pelo legislador está a introdução de novos

Page 89: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

89

mecanismos de proteção que procuram abrigar a prova testemunhal, um dos tipos de

prova mais expressivos do Direito Processual brasileiro.

Constatou-se, ainda, que a Lei analisada tem como corpo estrutural uma divisão

bem específica de sua função, a qual trata em seu primeiro capítulo da proteção

especial às vítimas e às testemunhas, trazendo toda a estrutura proporcionada pelo

legislativo sobre tal tema. E, em seu segundo capítulo, trata da proteção aos réus

colaboradores, onde, através de uma análise mais detalhada observa-se uma distorção

do sentido original da Lei, pois este capítulo não fala exatamente da proteção aos réus,

mas sim, de premiações dadas a eles para colaborarem com a justiça.

Desse modo, a criação do programa vem em resposta à necessidade de

proteção aos colaboradores da justiça, os quais intimidados pelo poder de repressão da

atual criminalidade por vezes se omitiram de contribuir com a Lei. Tal programa

vislumbra a reinserção social de pessoas em situações de risco, ocasionados pela

vivência, participação ou visualização do crime, buscando proporcionar assistência

psicológica, jurídica e social a tais pessoas.

O Programa de Proteção tem uma estrutura bem planejada e edificada por parte

da Lei, que separa e arquiteta minuciosamente a equipe de trabalho, a qual conta com

um conselho deliberativo, que administra o programa; um órgão executor, que executa

os preceitos da Lei; uma equipe técnica especializada, que lida com os protegidos; e

com uma rede de solidariedade, que se desenvolve a partir da boa vontade da

sociedade em ajudar, buscando a eqüidade e paz social. Porém, há limitações

consistentes em face da dificuldade de efetivação das diretrizes da lei, as quais

esbarram em problemas econômicos e sociais.

Ao falar da exclusão do programa, remete-se a fatos controversos dessa Lei,

visto que a Lei em seu artigo 2º, § 2º, exclui do programa de proteção aqueles que não

possuem conduta ou personalidade compatível com as exigências desse, e faz a

exclusão dos condenados que cumprem pena, ou indiciados e acusados sob prisão

cautelar. Em sua primeira parte, tal artigo não conduz a discussão, porém, ao falar da

exclusão dos condenados ou indiciados esta está em contradição com a segunda parte

da Lei, a que se refere ao instituto da Delação Premiada, onde diretamente se trabalha

com criminosos, arrependidos que delatam seus comparsas, ou apenas com intenção

Page 90: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

90

de se beneficiar com a justiça, trazendo à tona a discussão sobre a visão de social de

antiético e imoral por parte do criminoso.

Ainda, no capítulo que trata da delação premiada, é demonstrado pelo legislador

o interesse em criar uma nova oportunidade para os acusados de se redimirem quanto

aos seus erros e, com isso, cria-se uma nova forma de investigação processual. Tal

instituto atrai a colaboração dos delatores face seus benefícios, os quais são: o perdão

judicial e diminuição da pena.

O perdão judicial se destaca pela insenção de punição por parte do Estado ao

acusado colaborador, ou seja, o Estado, representado pelo juiz, abdica no seu interesse

de punição daquele. Junto desse benefício, está a particularidade de alguns requisitos,

tais como, a primariedade do agente colaborador; a personalidade recomendável do

agente, onde tais particularidades estão ligadas à conduta social do delator, que irá

influenciar na sua pena.

Já, a diminuição da pena reverte-se na satisfação por parte da justiça na

colaboração parcial do colaborador e, a esse benefício se comunicam requisitos

comuns à dação do perdão judicial. Destaca-se que os requisitos comuns a ambos são

exigidos de forma mais acentuada quando se fala no perdão judicial, pois à concessão

deste é necessário maior empenho do colaborador e, também, maior resultado de sua

colaboração. Esses requisitos cobrados pela Lei são tratados como a materialização do

sucesso da ação penal, ou seja, é através dessas exigências da Lei que se busca

esclarecimento do crime e uma solução pacífica do caso, onde os requisitos legais

buscam resgatar a vítima do crime, se houver, com vida e integridade física preservada,

busca-se resgatar o produto do crime e reconhecer demais participantes do crime.

Sobre tal instituto destaca-se que a Lei foi omissa quanto aos preceitos de

proteção aos colaboradores, os então delatores, a Lei apenas vislumbra normas que

beneficiam de alguma forma a colaboração destes para apuração de fatos criminosos,

porém, a interpretação da Lei remete o aplicador dessa a aplicar as medidas elencadas

no artigo 7º da Lei n.º 9.807/99, o qual é parte da proteção às vítimas e às

testemunhas, somando-se as medidas de custódia especial e medidas cautelares

necessárias a preservação da integridade do colaborador tratadas por tal instituto de

modo superficial.

Page 91: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

91

Notou-se, também, que fica a cargo do Poder Judiciário e do Governo a

aplicação eficaz do programa de proteção, pois estes são respectivamente os

operadores do direito e os responsáveis orçamentários, os quais se tornam

responsáveis pelas transformações sociais através de seus atos.

Ao instituto da delação premiada pode se atribuir o sentido de incompetência por

parte do Estado para investigar e punir a criminalidade (segurança pública), bem como,

a quebra de preceitos éticos e morais da sociedade. Porém, há a compensação dessa

situação com a tentativa da busca da ordem social emanada do combate a crescente

criminalidade, onde o Estado usa do artifício de estímulos legais - a delação premiada

que pode proporcionar o perdão judicial ou a diminuição da pena - para colaboração

com a justiça.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 92: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

92

AQUINO, José Carlos G. Xavier de. A prova Testemunhal no Processo Penal

Brasileiro. 4. ed., São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002.

AGECOM - Assessoria Geral de Comunicação Social do Governo do Estado da

Bahia. Disponível em: <www.agecom.ba.gov.br>.

AGUDO, Luís Carlos - Estudos sobre a Lei n.º 9.807/99. Proteção a vítimas e

testemunhas. 2002. Disponível em: <http://www1.jus.com.br/doutrina>. Acessado em

10/09/2007).

ALVEZ, Wellington Ataíde. O retorno dos prêmios pelas cabeça? Um estudo

sobre a possibilidade de reperguntas no interrogatório do co-réu delator, com

enfoque a partir do direito de mentir e do novo ordenamento da delação

premiada. São Paulo, SP. Revista dos Tribunais, ano 92, vol. 809, março de 2003.

BARROS, Antônio Milton de Barros. A Lei de Proteção às Vitimas e às

Testemunhas e outros temas de direitos humanos comentados. 2. ed. Franca:

Lemos e Cruz Publicações Jurídicas, 2006.

_______. Da Prova no Processo Penal, apontamentos gerais. São Paulo:

Juarez de Oliveira, 2001.

BORGES, Paulo César Corrêa. O crime organizado. São Paulo: Editora

UNESP, 2002.

BRASIL. Lei nº 9.807 de 13 de julho de 1999. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/03/2007

________. Decreto Lei nº 3518 de 20 de junho de 2000. Disponível em: <

http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/03/2007

Page 93: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

93

_________. Decreto Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal.

< http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/03/2007

_________. Decreto Lei nº 3689, de 03 de outubro de 1941. Código de

Processo Penal. < http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 10/03/2007

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal, parte geral. v. 1, 5ª ed. Ver. e

atual. São Paulo, SP. Saraiva, 2003.

_________. Curso de processo penal. 13. ed., rev. e atual. São Paulo: Saraiva,

2006.

CRUZ , André Gonzalez. Voz do delator - Delação premiada é mal necessário

que deve ser restrito. 2006 <http://conjur.estadao.com.br/static/text/49661,1>.

Acesso em: 8/09/2007

DEMERCIAN, Pedro. Curso de Processo Penal. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

D’URSO, Luiz Flávio Borges. Programa de Proteção aos Colaboradores da

Justiça Criminal no Brasil – Vítimas e Testemunhas. Brasília, DF: Consulex, 1996.

Disque denúncia BA. Disponível em: <www.disquedenuncia.org/provita>. Acesso

em: 20/06/2007.

E MAGALHÃES E NORONHA. Curso de Direito Processual Penal. 27. ed. São

Paulo: Saraiva, 1999.

FOLHA ONLINE. Programa de ajuda à testemunhas instaura conselho

deliberativo. Disponível em: <www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano>.

Page 94: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

94

GIMENEZ, Marcelo de Freita. Delação Premiada. Jus Navegandi, Teresina, a. 7,

n 61, jan. 2003. Disponível em : http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=3620.

Acesso em : 08/10/2007.

GOMES, Luiz Flávio. Negligência paterna, homicídio não intencional e

perdão judicial. Revista Juristas, João Pessoa, a. III, n. 92, 19/09/2006. Disponível em:

<http://www.juristas.com.br/mod_revistas.asp?ic=2621>. Acesso em: 8/10/2007

GRINOVER, Ada Pellegrino. O crime organizado no sistema italiano. In

PENTEADO, J de C. (Coord) Justiça Penal, v. 3: críticas e sugestões, o crime

organizado (Itália e Brasil) : a modernização da lei penal: Revista dos Tribunais,

1996.

GUIDI, José Alexandre Marson. Delação Premiada no combate ao crime

organizado. Franca: Lemos e Cruz, 2006.

GUIMARÃES, Simoni Boing. Delação Premiada Prevista na Lei n.º 9.807/99:

enfoque a partir dos principios da proporcionalidade e razoabilidade. Itajaí, SC.

UNIVALI, 2004.

JESUS, Damásio Evangelista. Direito Penal: parte geral. v.1, 20 ed. São Paulo:

Sairaiva, 2002.

_________. Estágio Atual da Delação Premiada no Direito Penal Brasileiro.

Porto Alegre, POA. Magister, v.4 ago./set. 2005 .

JOÃO, giselle Pereira. Delação Premiada: o tratamento jurídico instituído

pela Lei 9.807/99 ao réu-colaborador. Florianópolis, SC. Revista Jurídica do

Ministério Público, v. 3, n. 7, set./dez. 2005.

Page 95: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

95

KOBREN, Juliana Conter Pereira. Apontamentos e críticas à delação premiada

no direito brasileiro. Elaborado em 10.2003. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8105&p=1>. Acesso em: 8/09/2007

JUNIOR, Humberto Theodoro. Curso de Direito Processual Civil, vol. II. Rio de

Janeiro: Forense, 2006.

LEAL, João José. A Lei 9.807/99 e a figura do acusado-colaborador ao

prêmio à delação. Ano 89. vol. 782. Tamboré, SP. Revista dos Tribunais, 2000.

LIMA, André Estefam Araújo. Lei de proteção a vítimas e testemunhas – Lei

n.º 9.807/99. São Paulo: Complexo Jurídico Damásio de Jesus, dez. 2000. Disponível

em: <www.damasio.com.br/>. Acessado em: 10/08/2007

MARCÃO, Renato. Delação Premiada. Porto Alegre, POA. Síntese, v.6, n 35,

dez/jan. 2006. Porto Alegre, RS. 2006.

MENDRONI, Marcelo Batlouni. Delação premiada e proteção aos réus

colaboradores: Lei n.° 9.807/99. 2004. Disponível em:

<http://ultimainstancia.uol.com.br/colunas/ler_noticia.php?idNoticia=6660>.

Acessado em: 08/09/2007.

MIGUEL, Alexandre; PEQUENO, Sandra Maria Nascimento de Souza.

Comentários à Lei de Proteção às Vítimas, Testemunhas e Réus Colaboradores.

Revista dos Tribunais. Ano 89. vol. 773. mar. 2000.

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado:

referências doutrinárias, indicações legais, resenhas jurisprudencial. 11. ed.

atualizado até 2003. São Paulo: Atlas, 2003.

__________. Processo Penal. 18 ed. Ver. E atual. São Paulo, SP. Atlas, 2006.

Page 96: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

96

MP/SC – PROVITA/SC. Cartilha Programa de Proteção à Vítimas e à

Testemunhas. Centro de apoio Operacional Criminal.

MONTE, Vanise Röhrig. A necessária interpretação do instituto da delação

premiada, previsto na lei 9.807/99, à luz soa princípios constitucionais. Porto Algre,

RS. Revista da AJURIS, ano XXVI, n 82, tomo I, junho de 2001.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Curso Completo de Processo Penal. 9. ed. São

Paulo: Saraiva, 1995.

NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal Comentado. 3. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.

______. O valor da confissão como meio de prova no Processo Penal. 2. ed.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999.

PACHECO, Denilson Feitoza. Direito Processual Penal: teoria, crítica e

práxis. 4. ed. Niterói: Impetus, 2006.

PASOLD, Cezar Luiz. Prática da Pesquisa Jurídica: idéias e ferramentas

úteis para o pesquisador do Direito. 7. ed. Florianópolis: OAB/SC, 2001.

PEREIRA, Alexandre Demetrius. Lei de proteção: às testemunhas ou aos

criminosos? Jus Navigandi, Teresina, ano 3, n.º 34, ago. 1999. Disponível em:

<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=1004>. Acesso em: 08 agosto. 2007

PESSOA, Alberto. A Prova Testemunhal (estudo de psicologia judiciária).

Sorocaba: Minelli, 2006.

Page 97: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

97

PONTES, Bruno Cezar da Luz. Alguns comentários sobre a Lei n.º 9.807/99

(proteção às testemunhas). Disponível em: <http://jus2.uol.com.br>.

ROSSETTO, Enio Luiz. A Confissão no Processo Penal. São Paulo, SP: Atlas,

2001.

SILVA, De Plácio e. Vocabulário Jurídico/ atualizadores : Nagib Slaibi Filho e

Gláucia Carvalho. 23. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003.

SILVA, Mário Bezerra da. Desmantelamento na delação. Elaborado em

01.2007. <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9425>. Acesso em:

8/09/2007

SILVEIRA, José Braz da. A Proteção a Testemunhas e o Crime Organizado

no Brasil. 3. triagem. Curitiba: Juruá, 2006.

TAQUARY . Eneida Orbage de Britto. Benefícios aos criminosos delatores.

Elaborado em 2001. < http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-07-02/mat_44100.htm.>

Acesso em: 8/09/2007

TOURiNHO FILHO, Fernado da Costa. Código de Processo Penal

Comentado. 7. ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2003.

_________. Manual de Processo Penal. 3. ed. rev. atual e aumen. São Paulo:

Saraiva, 2001.

VIEIRA, João Alfredo Medeiros. A Prova no Processo Penal. 2. ed. Santo

André: LEDIX, 2005.

Page 98: UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ LETÍCIA DE SOUZA O …siaibib01.univali.br/pdf/Leticia de Souza.pdf · necessários à aplicação do instituto da delação premiada. A matéria

98

.