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0 UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ GABRIEL GONÇALVES PINTO A TUTELA AMBIENTAL ATUAL E A INSERÇAÕ DO DIREITO TRIBUTÁRIO COMO MEIO EFICAZ DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE São José 2008

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ

GABRIEL GONÇALVES PINTO

A TUTELA AMBIENTAL ATUAL E A INSERÇAÕ DO DIREITO TRIBUTÁRIO COMO MEIO EFICAZ DE PROTEÇÃO AO MEIO

AMBIENTE

São José 2008

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GABRIEL GONÇALVES PINTO

A TUTELA AMBIENTAL ATUAL E A INSERÇAÕ DO DIREITO TRIBUTÁRIO COMO MEIO EFICAZ DE PROTEÇÃO AO MEIO

AMBIENTE

Monografia apresentada à Universidade

do Vale do Itajaí – UNIVALI, como

requisito parcial a obtenção do grau em

Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. MSc. Ricardo Anderle

São José 2008

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GABRIEL GONÇALVES PINTO

A TUTELA AMBIENTAL ATUAL E A INSERÇAÕ DO DIREITO TRIBUTÁRIO COMO MEIO EFICAZ DE PROTEÇÃO AO MEIO

AMBIENTE

Esta Monografia foi julgada adequada para a obtenção do título de bacharel e

aprovada pelo Curso de Direito, da Universidade do Vale do Itajaí, Centro de

Ciências Sociais e Jurídicas.

Área de Concentração:

São José, 11 de novembro, de 2008.

Prof. MSc. Ricardo Anderle UNIVALI – Campus de São José

Orientador

Prof. MSc. Fabiano Pires Castagna UNIVALI – Campus de São José

Membro

Prof. MSc. Rafael Burlani Neves UNIVALI – Campus de São José

Membro

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Aqueles que me conhecem sabem que

assim não poderia deixar de ser. Dedico

todo o esforço que despendi neste

trabalho, e por que não neste curso, ao

meu querido avô, que tanto amo, e cujos

ensinamentos transcendem qualquer lição

acadêmica!!!

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AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço minha amada mãe por tudo que já fez por mim,

você é única. Admiro-a muito e sempre tentarei me espelhar em ti, você é meu norte

e meu porto seguro!!! Junto, que Deus sempre a ilumine, agradeço, em memória,

minha avó, que não poupou esforços para me alfabetizar. Quase que ela

consegue!!! Agradeço também minha irmã, por ser quem ela é, e por me apoiar, isso

é tudo e não tem preço!!!

Obrigado minhas queridas tias Márcia e Marília, bem como meus queridos

tios Zeco e Zeca, pois estiveram ao meu lado sempre precisei!!! Agradeço minhas

primas Luísa e Júlia, meu afilhado-primo Rafael, e meus priminhos Sofia e

Guilherme!!! Família Blasi está no sangue e no coração!!! Neusa, obrigado por

tudo!!!

Abil e Zeca, obrigado pelos anos que trabalhei com vocês, ajudaram, sem

sombra de dúvidas, que eu chegasse até aqui!!!

Agradeço, em especial, meu orientador, Professor Mestre Ricardo Anderle,

que demonstrou ser, ao longo do curso, um Excelente Professor, sempre com uma

ânsia inigualável em transmitir seus conhecimentos para nós acadêmicos. Exemplo

de pessoa alegre e perspicaz, de professor culto e acessível, e de advogado

dedicado e competente!!! Valeu Professor!!!

Agradeço a Promotora de Justiça Dra. Heloísa Crescenti Abdalla Freire,

pessoa da mais alta estima, com quem tive a honra de estagiar, e que no decorrer

desses três anos me transmitiu seus mais profundos conhecimentos jurídicos!!!

Obrigado Dr. Roberto Ruggiero Júnior, pela primeira oportunidade de

vivenciar a prática jurídica!!!

Agradeço meus grandes amigos e colegas que me acompanharam neste

ciclo; Rui Roberti e família; Marcelo Fatibello e família; Emílio, Flávio, Marcos,

Sandra e família; Fabiano Alemão e família; Gladis e família; Maria Bardini e família;

Lilian Mesquita e família; Bernardo Miranda e sua família de poetas; Marcelo Rigol e

família; Kleber dos Santos e família; Mateus Wolff e família!!!

A todos os professores, funcionários e demais colegas da UNIVALI!!!

A Deus, por me permitir ser tão afortunado!!!

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Moro!

Num País Tropical

Abençoado por Deus

E bonito por natureza

(Mas que beleza!)

Em fevereiro (Em fevereiro!)

Tem carnaval (Tem carnaval!)

Eu tenho um fusca e um violão...

(País Tropical, Jorge Ben Jor)

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte

ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do

Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de

toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

São José, 11 de novembro de 2008.

Gabriel Gonçalves Pinto

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RESUMO

Trata-se de Trabalho de Conclusão de Curso em que se objetiva demonstrar que o

direito tributário pode dar guarida para políticas de preservação ambiental. A

Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 abre uma série de

possibilidades para que, através da tributação, efetivem-se políticas em prol de um

meio ambiente ecologicamente equilibrado. Como dito, o sistema tributário nacional

servirá de guarida para a tutela ambiental, ao passo que seus institutos se

harmonizarão com os institutos presentes no sistema jurídico-ambiental. A tributação

ambiental já está presente no ordenamento jurídico pátrio, entretanto de forma

tímida e dissimulada. O que se busca, assim, é a sua total popularização, haja vista

se mostrar, no direito comparado, excelente recurso de políticas ambientais. Assim é

que, no decorrer do trabalho, obrigatoriamente se elaborará amplas premissas, ou,

melhor, abrir-se-ão dois grandes leques (a explicitação do sistema jurídico-ambiental

e a do sistema jurídico-tributário), para que ao final se possa concluir a melhor

maneira que deve se ocorrer a efetivação da tributação ambiental.

Palavra-chave : Direito tributário, direito ambiental, meio ambiente, tributo ecológico,

tributação ambiental, tributo verde.

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ZUSAMMENFASSUNG

Es handelt sich um Werke der Abschluss des Kurses ein Ziel zu zeigen, dass das

Steuerrecht kann für beherbergen Politik der ökologischen Erhaltung. Die Verfassung

der Föderativen Republik Brasilien in 1988 eröffnet eine Reihe von Möglichkeiten für,

dass durch die Besteuerung, wird wirksamer Maßnahmen zu Gunsten einer

ökologisch ausgewogene Umwelt. Als solche, die nationalen Steuersystems dienen

als Host für den Umweltschutz, während ihre Büros sind harmonisieren mit den

Instituten in der Rechtsform System-Umgebung. Die grüne Steuer ist bereits in den

rechtlichen Volksmund, aber so zaghaft und verschleierte. Was sie suchen, nun ja,

ist seine insgesamt Popularisierung, ist gesehen zu zeigen, in vergleichendes Recht,

ausgezeichnete Nutzung der Umweltpolitik. So, im Laufe der Arbeit, es muss breit

Annahmen, oder, besser gesagt, öffnet sich zwei große Fans (die Klärung der

rechtlichen System-, Umwelt-und Rechts-und Steuersystem), so dass sie das Ende

der beste Weg, die auftreten, wenn die Wirkung von Umweltsteuern.

Stichwort: Steuerrecht, Umweltrecht, Umwelt, ökologische Steuer-, Umwelt-

Besteuerung, grün Steuer.

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ROL DE ABREVIATURAS OU SIGLAS

� Auto de Imposição de Infração de Penalidade Ambiental – AIIPA

� Avaliação de Impacto Ambiental – AIA

� Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, do Estado de São

Paulo – CETESB

� Código Tributário Nacional – CTN

� Código Penal – CP

� Código Civil – CC

� Código de Defesa do Consumidor – CDC

� Código de Processo Civil – CPC

� Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – CF/88

� Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento –

ECO/92

� Contribuições sociais genéricas, de intervenção no domínio econômico e de

interesses das categorias profissionais ou econômicas – CIDE

� Conselho Nacional de Política Fazendária – CONFAZ

� Desenvolvimento Rodoviário S. A. – DERSA

� Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA

� Hipótese de incidência – h.i.

� Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis –

IBAMA

� Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS

� Imposto sobre importação de produtos estrangeiros – II

� Imposto sobre exportação para o exterior, de produtos nacionais ou

nacionalizados – IE

� Imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza – IR

� Imposto sobre produtos industrializados – IPI

� Impostos sobre operações de crédito, cambio e seguro, ou relativas a títulos e

valores mobiliários – IOF

� Imposto territorial rural – ITR

� Imposto sobre grandes fortunas – IGF

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� Imposto extraordinário em caso de guerra – IEXT

� Imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou

direitos – ITCMD

� Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre

prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior

– ICMS

� Imposto sobre propriedade de veículos automotores – IPVA

� Imposto sobre propriedade predial e territorial urbana – IPTU

� Imposto transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens

imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis,

exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição – ITBI

� Imposto sobre serviços de qualquer natureza – ISSQN

� Medida Provisória – MP

� Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA

� Relatório de Impacto ao Meio Ambiente – RIMA

� Recurso Extraordinário – RE

� Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA

� Supremo Tribunal Federal – STF

� Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA

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ROL DE CATEGORIAS

Nome da categoria :

Direito Tributário

Nome da categoria :

Direito Ambiental

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ......................................................................................15

1. NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO AMBIENTAL............. ..................18

1.1. O MEIO AMBIENTE E O DIREITO AMBIENTAL.......................................... ......18

1.1.1. DIREITO AMBIENTAL ...........................................................................................18

1.1.2. MEIO AMBIENTE .................................................................................................21

1.1.3. CAUSAS DE DEGRADAÇÃO AMBIENTAL E CONSCIENTIZAÇÃO ECOLÓGICA..................24

1.2. PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL .......................................... ..................27

1.2.1. PRINCÍPIO DA PRECAUÇÃO E O PRINCÍPIO DA PREVENÇÃO ....................................27

1.2.2. PRINCÍPIO DO DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL .................................................30

1.2.3. PRINCÍPIO DO POLUIDOR-PAGADOR E PRINCÍPIO DO USUÁRIO-PAGADOR ...............32

1.3. A PROTEÇÃO AMBIENTAL: INSTRUMENTOS COMUNS...............................35

1.3.1. O BEM PROTEGIDO, CONFORME O CAPUT, DO ART. 225, DA CF/88 .........................35

1.3.2. A POLÍTICA NACIONAL DO MEIO AMBIENTE..........................................................37

1.3.3. RESPONSABILIDADE PELO DANO AMBIENTAL .........................................................41

1.3.3.1. Introdução e conceito ...................................................................................41

1.3.2.2. Responsabilidade Civil .................................................................................43

1.3.2.3. Responsabilidade Administrativa ................................................................45

1.3.2.4. Responsabilidade Penal...............................................................................48

1.3.4. MEIOS PROCESSUAIS DE TUTELA .........................................................................50

1.3.4.1. Ação Penal ...................................................................................................50

1.3.4.2. Ação Civil ....................................................................................................51

1.3.4.3. Ação Civil Pública........................................................................................52

1.3.4.4. Ação Popular...............................................................................................53

1.3.4.5. Mandado de Segurança Coletivo ................................................................55

1.3.4.6. Cautelar.......................................................................................................57

2. ORDENAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO ................. ....................59

2.1. O TRIBUTO........................................................................................................59

2.1.2. SEU CONCEITO ..................................................................................................59

2.1.3. SUA FINALIDADE.................................................................................................63

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2.1.3.1. Fiscalidade ...................................................................................................63

2.1.3.2. Extrafiscalidade ............................................................................................64

2.1.3.3. Parafiscalidade.............................................................................................65

2.1.4. SUAS ESPÉCIES .................................................................................................67

2.1.4.1. Impostos.......................................................................................................67

2.1.4.2. Taxas............................................................................................................68

2.1.4.3. Contribuição de melhoria..............................................................................70

2.1.4.4. Empréstimo Compulsório .............................................................................72

2.1.4.5. Contribuições ...............................................................................................73

2.2. DIREITO TRIBUTÁRIO NA CONSTITUIÇÃO ....................................................74

2.2.1. COMPETÊNCIA ...................................................................................................74

2.2.2. PRINCÍPIOS INERENTES AO PRESENTE TRABALHO..................................................77

2.2.2.1. Princípio da legalidade .................................................................................77

2.2.2.2. Princípio da capacidade contributiva ............................................................78

2.2.2.3. Princípio da seletividade...............................................................................83

2.2.2.4. Princípio progressividade .............................................................................85

2.3. INCENTIVOS FISCAIS.......................................................................................86

2.3.1. REDUÇÃO DA BASE DE CÁLCULO ..........................................................................87

2.3.2. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA E ALÍQUOTA ZERO............................................................89

2.3.3. CRÉDITO PRESUMIDO .........................................................................................91

2.3.4. ISENÇÕES..........................................................................................................92

2.3.5. HIPÓTESE DE NÃO-INCIDÊNCIA ............................................................................94

2.3.6. OS INCENTIVOS FISCAIS NA LEI DE RESPONSABILIDADE FISCAL ...............................95

3. DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL .................... ...........................97

3.1. O TRIBUTO AMBIENTAL .......................................... ........................................97

3.1.1. CONCEITO .........................................................................................................97

3.1.2. FINALIDADE .......................................................................................................99

3.2. PONTOS PRESENTES NOS FUNDAMENTOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

AMBIENTAL .......................................... .................................................................100

3.2.1. O PRINCÍPIO DA CAPACIDADE CONTRIBUTIVA FRENTE AO PRINCÍPIO DO POLUIDOR-

PAGADOR ..................................................................................................................100

3.3.2. O PRINCÍPIO DA SELETIVIDADE, E OS TRIBUTOS SOBRE O CONSUMO ......................102

3.2.3. INCENTIVOS FISCAIS E O MEIO AMBIENTE............................................................104

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3.3. EXPERIÊNCIAS INTERNA E NO DIREITO COMPARADO .............................106

3.3.1. O TRIBUTO AMBIENTAL NO DIREITO COMPARADO .................................................106

3.3.2. O TRIBUTO AMBIENTAL NO ORDENAMENTO BRASILEIRO: ALGUMAS EXPERIÊNCIAS...109

3.3.2.1. ICMS ecológico ..........................................................................................109

3.3.2.2. Taxa ambiental ...........................................................................................112

3.3.2.3. A progressividade da alíquota do IPTU......................................................114

3.4. A TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: UMA PROPOSTA. ....................116

CONCLUSÃO .......................................... ...........................................118

REFERÊNCIAS...................................................................................120

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INTRODUÇÃO

Estuda-se o ordenamento jurídico da desoneração tributária, como forma de

o sujeito passivo da relação jurídico-tributária adotar posturas ecologicamente

corretas. Para tanto, um longo percurso há de ser atravessado, partindo-se de

grandes premissas, para que ao final se possa chegar a uma ponderada conclusão

a respeito do tema.

Infelizmente, por forças políticas, nota-se o desinteresse dos governantes a

adotarem políticas de tutela ambiental, ainda mais se elas forem gerar uma perda

imediata de receitas ao orçamento de seu governo, enquanto que os benefícios só

se mostrariam ao longo de anos. Politicamente falando, seus resultados não seriam

observados, muitas vezes, no decorrer de seus mandatos. Não é esse o

posicionamento ora que se defende e se aborda.

É pública e notória a carga tributária presente no Brasil, despendendo,

quanto a isso, maiores digressões, haja vista ser matéria corriqueira no noticiário

nacional. Logo, visualiza-se que a imposição de novos tributos (dentro das espécies

já existentes) se mostraria em total desarmonia com o interesse da sociedade

empresarial ou não, o que poder-se-ia redundar na ineficácia do fim almejado.

A sociedade capitalista visará sempre o lucro máximo, independentemente

das suas conseqüências. Por tais razões, parece-se que o melhor a se fazer é

incentivar, através de recursos suficientemente atrativos, que os grandes

empresários e produtores, assim como as demais parcelas da sociedade, passem a

adotar medidas ambientalmente corretas.

Assim, é que se formula o problema científico, indagando-se se é possível,

dentro do atual sistema tributário nacional, de acordo com as ferramentas que

possui, agasalhar a tutela ambiental de forma eficiente e positiva. Para que o

resultado almejado seja alcançado, não basta que o meio ambiente seja tutelado,

mas sim que este resultado se dê com o conseqüente benefício, tanto do Estado,

como de seus contribuintes, e demais interessados (toda coletividade).

A discussão em torno do direito ambiental ganha força a cada ano que se

passa, mais precisamente em torno do conceito da sustentação de um meio

ambiente saudável. Sabe-se que a ferramenta jurídica é de grande importância na

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luta pela preservação ambiental, e por isso deverá desenvolver meios eficazes para

se chegar à meta desejada. Frisa-se que o direito ambiental ganha novos adeptos, e

com isso novas vertentes de repensá-lo.

Observa-se que trata de uma gama de direitos protegida

constitucionalmente. A Constituição da República Federativa do Brasil – CF/88

assegura, em seu art. 225, o meio ambiente equilibrado para o povo, atribuindo-lhes

a proteção e preservação. Ressalta-se também que um meio ambiente equilibrado e

preservado é previsto como garantia, inclusive, de futuras gerações. Do mesmo

dispositivo constitucional é que se retira a incumbência não só aos cidadãos – neste

momento, ali referidos como a coletividade – mas também ao Estado na ‘luta’ pela

conservação do meio ambiente saudável. Por fim, muito bem acertado foi o

posicionamento do Poder Constituinte Originário que, ao elaborar a Carta

Constitucional vigente, elevou o meio ambiente como requisito essencial à sadia

qualidade de vida.

Trata-se, portanto, de uma questão de preservação dos recursos naturais,

bem como da coação de sua destruição, visto estar-se diante de bens esgotáveis, e

futuras reparações seriam ineficazes. Destarte, urge a necessidade de se adotarem

posturas não só repressivas, mas principalmente, e primeiramente preventivas. Com

essa visão é que se abre a possibilidade de uma intervenção estatal, através da

tributação, como meio de reeducação instantânea da sociedade, pessoa física e/ou

jurídica.

Noutro vértice, encontra-se o direito tributário, como espécie do gênero

Direito, e cujo objetivo é o estudo dos fenômenos atinentes à tributação. Sabe-se,

que primeiramente o tributo objetivava arrecadar dinheiro aos cofres do Estado.

Ocorre, que já há algum tempo o ordenamento tributário se utiliza da tributação para

alcançar fins que não meramente arrecadatório, ao que a doutrina denomina de

finalidade extrafiscal do tributo, em que se almejam objetivos político-

socioeconômicos.

Neste ponto recai o direito tributário na seara do direito ambiental, e ‘vice-

versa’, com intuito de, através da desoneração tributária, gerar um estimulo quase

que compulsório, ante sua atratividade, de os sujeitos passivos da obrigação

jurídico-tributária adotarem posturas esperadas e pretendidas pelo Estado.

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Será utilizado no presente trabalho acadêmico o método dedutivo, que

consiste em pesquisar e identificar o problema, chegando-se a uma premissa maior,

uma premissa menor e, por derradeiro, a uma conclusão.

Ante o que foi dito, traça-se a seguinte problemática: o sistema tributário

atual, através de suas ferramentas – redução de alíquota e alíquota zero, redução

da base de cálculo, isenções, créditos presumidos, etc. – poderá ser utilizado como

meio de tutela ambiental, com uma possível desoneração tributária aos contribuintes

que adotarem ações ecologicamente corretas? Com esta problemática, adianta-se

que este trabalho tentará responder que sim. O sistema tributário brasileiro

possibilita, através da desoneração tributária de seus contribuintes, incentivar os

mesmos a adotarem ações menos nocivas ao meio ambiente. O atual ordenamento

jurídico não só dá embasamento para referida pretensão, como também oferece

diversas soluções, conforme será demonstrado.

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1. NOÇÕES BÁSICAS DE DIREITO AMBIENTAL

Neste capítulo busca-se compreender a estrutura básica do ordenamento

jurídico-ambiental brasileiro para que, ao final deste trabalho, possa-se chegar a

uma melhor compreensão do ‘direito tributário ambiental’ (subdivisão do direito

tributário). Muito embora não fuja do contexto dos demais ramos da Ciência Jurídica,

o direito ambiental possui características próprias, tal qual tutelar um bem que é de

todos e ao mesmo tempo de ninguém e fundamental à vida em todas as suas

formas.

1.1. O MEIO AMBIENTE E O DIREITO AMBIENTAL

1.1.1. Direito Ambiental

O direito não foi criado todo de uma vez, não se esgotou, bem como não é

imutável. Ele é desenvolvido com o passar do tempo, refletindo assim o momento

histórico em que é construído, logo, o povo, juntamente com este contexto histórico,

constitui a matriz do direito.1

Na lição de Hans Kelsen, o direito é uma ordem de conduta humana

constituída por um sistema de normas singulares validadas em uma mesma norma

mãe – norma fundamental – que regula toda essa determinada ordem jurídica. Neste

passo, a norma jurídica é aquela que regula a conduta humana nas sociedades ditas

civilizadas e que pertence a uma ordem jurídica validada por sua respectiva norma

fundamental.2 Pode-se dizer que o direito é uma ferramenta que regula e possibilita

a vida em sociedade.

1 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos; tradução de Nelson Coutinho; apresentação de

Celso Lafer. – Nova ed. – Rio de Janeiro: Elsevier, 2004, p. 25. 2 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito; [tradução João Batista Machado]. – 6. ed. – São

Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 33.

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O Direito Ambiental, por sua vez, é uma disciplina nova dentro do Direito,

possuindo seus próprios princípios, reconhecimento constitucional e normas

infraconstitucionais regulamentadoras. No Brasil, a Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988 – CF/88 foi pioneira, dentre as Constituições Brasileiras

já existentes, em reconhecer o meio ambiente como um bem em si próprio. Veja-se

que, apenas em 2002, através da Portaria n° 3.816, o Direito Ambiental passou a

estar previsto na lista de disciplinas exigidas pelo Exame Nacional de Cursos, no

que tange à avaliação do curso de graduação em Direito3.

O objeto de estudo do Direito Ambiental é os princípios e normas que visam

ordenar uma conduta humana para garantir o equilíbrio entre o meio ambiente e a

vida em todas as suas formas. Ele atua em três esferas: “a preventiva, a reparatória

e a repressiva”.4 Pertence ao ramo do Direito Público, conforme defende José

Afonso da Silva, já que predomina a presença do Poder Público na tutela do meio

ambiente5.

O interesse jurídico tutelado – meio ambiente –, entretanto, não pertence

exclusivamente ao Direito Público, nem só ao Direito Privado. É um interesse

situado entre estes dois ramos do direito, visto sua natureza metaindividual que

transpõe tanto o interesse público como o interesse particular6, fato evidente na

CF/88 que, em seu art. 225, caput, dispõe ser o meio ambiente um “bem de uso

comum do povo”. O Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal – STF,

em voto de sua lavra, assim considerou o interesse tutelado:

Trata-se de um típico direito de terceira geração (ou de novíssima dimensão), que assiste a todo o gênero humano (RTJ 158/205-206). Incumbe, ao Estado e à própria coletividade, a especial obrigação de defender e preservar, em benefício das presentes e futuras gerações, esse direito de titularidade coletiva e de caráter transindividual (RTJ 164/158-161).7

3 MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. – 13. ed. rev., atual. e ampl.

– São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 149. 4 MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência e glossário. Prefácio à 5. ed.

Ada Pellegrini Grinover. 5. ed. ref., atual. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 894.

5 SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. – 6. ed. – São Paulo: Malheiros, 2007, p. 41.

6 SIRVINSKAS, Luís Paulo. Manual de Direito Ambiental. – 4. ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 27.

7 STF - AC n° 1255 MC/RR – Roraima. Medida cautelar e m ação cautelar. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento dia 16/06/2006. Publicação: DJ 22/06/2006 (PP-00005).

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É tido, o direito ambiental, como um direito fundamental de terceira geração.

O reconhecimento universal dos direitos fundamentais, ou direitos humanos como

preferir, veio à tona com a Revolução Francesa, através da Declaração dos Direitos

do Homem de 1979. Assevera Paulo Bonavides, que a declaração francesa se

distinguiu das demais até então existentes, por não ser destinada a classes

específicas de pessoas e sim para todo o gênero humano. Relata ainda o autor, que

do pensamento revolucionário originaram-se os princípios basilares das gerações

dos direitos fundamentais, quais sejam, liberdade, igualdade e fraternidade, bandeira

daquela Revolução8.

Dentre as gerações ou dimensões dos direitos fundamentais, têm-se os

direitos de liberdades na primeira geração, os direitos sociais na segunda geração e

os direitos difusos na terceira. Enfatiza-se, que o direito é fruto de um processo

histórico, e como já previu Norberto Bobbio, é variável, sendo que num primeiro

momento, das declarações dos direitos de primeira geração no século XVIII, não se

falava em direitos sociais de segunda dimensão, assim como quando da

consolidação destes, os direitos difusos ainda não estavam em pauta.9 Seguindo

essa teoria “das gerações dos direitos fundamentais”, a conclusão que se chega é a

possibilidade do surgimento de novas gerações de direitos fundamentais, como, por

exemplo, os de quarta e quinta geração defendidos por Paulo Bonavides em seu

livro Curso de Direito Constitucional.10

Os direitos de natureza metaindividuais (também chamados de

transindividuais, coletivos lato sensu ou supraindividuais), como já mencionado, se

subdividem em três: direito difuso; coletivo stricto sensu e individual homogêneo, ao

menos, esta é a forma abordada pelo legislador no Código de Defesa do

Consumidor, lei n° 8.078/90, art. 81, parágrafo úni co, incisos I, II e III.

O direito ambiental por vezes caracteriza-se como um típico direito difuso já

que: a) supera a esfera pessoal de cada individuo, atingindo-o em sua coletividade;

b) ocorre a impossibilidade de dividir o seu objeto, sendo este de propriedade de

todos e ao mesmo tempo pertencente a ninguém, um exemplo típico abordado pela

doutrina é o ar atmosférico; c) pela característica de os titulares indeterminados

serem ligados pela mesma circunstância de fato, e não por uma relação jurídica,

8 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. – 22. ed. atual. e ampl. – São Paulo: Malheiros Editores, 2008, p. 562, 563.

9 BOBBIO, Norberto, op. cit., p. 38. 10 In BONAVIDES, Paulo, op. cit.

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para o exemplo já dado – ar atmosférico – ter-se-ia a poluição atmosférica (como

circunstância de fato).11

Enquadra-se também, o direito ambiental, na categoria dos direitos e

interesses coletivos. As características marcantes dos direitos e interesses coletivos

são: a) a determinabilidade dos seus titulares, diferindo assim dos interesses e

direitos difusos que não permitem determinar seus titulares; b) o objeto tutelado não

é passível de divisão, pertencendo assim para toda a coletividade, entretanto, cinge-

se ao grupo ou classe titular dos interesses ou direitos.12

Por fim, pertence ainda, o direito ambiental, à classe dos direitos individuais

homogêneos visto que: a) por uma mesma causa, derivam-se direitos individuais, ou

seja, pleitear-se-á algo individualmente, que poderia ser pleiteado pela coletividade,

haja vista que o fato que enseja a pretensão da tutela atinge o interesse e direito de

cada individuo. Aqui, a possibilidade da tutela individual decorre da divisibilidade do

objeto13.

1.1.2. Meio ambiente

Com o intuito de conceituar a expressão “meio ambiente”, alguns

doutrinadores14 trazem uma discussão originada no direito ambiental comparado

(estrangeiro), sobre o fato de a expressão incorrer em pleonasmo, vício gramatical

consistente na redundância dos termos que a compõem, posto que a palavra “meio”

e “ambiente” seriam sinônimas, e nesta ultima já estaria inserida o conceito da

primeira. Ao abordar a crítica, todavia, José Afonso da Silva reconhece o ambiente

como “um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e

condiciona o ‘meio’ em que se vive”.15 Relata o autor, que a palavra “ambiente” diz

respeito ao conjunto de elementos, enquanto o termo “meio” traz a noção da

interação de todos esses elementos, descaracterizando a possível redundância da

11 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de Direito Ambiental Brasileiro. – 9. ed. rev.,

atual. e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 5 e 6. 12 Ibidem, p. 7 e 8. 13 Ibidem, p. 8 e 9. 14 Vide José Afonso da Silva, op. cit., p. 19 e 20; Celso Antonio Pacheco Fiorillo, op. cit., p.

19; Paulo Afonso Leme Machado, op. cit., p. 145 e 146. 15 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 20.

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expressão. Trata-se de questão meramente formal, e no Brasil consagrou-se, na

doutrina, jurisprudência e legislação constitucional e infraconstitucional a expressão

meio ambiente.

A legislação brasileira conceitua meio ambiente no art. 3°, inciso I, da lei n°

6.938/1981 – recepcionada pela CF/88 –, que dispõe sobre a Política Nacional do

Meio Ambiente, como “o conjunto de condições, leis, influências e interação de

ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as

suas formas”. Verifica-se que o meio ambiente abrange tanto elementos bióticos

(fauna e flora) como abióticos (fatores físicos e químicos),16 que cercam a “vida em

todas as suas formas”. Celso Antonio Pacheco Fiorillo assevera que o legislador

infraconstitucional optou por criar um conceito jurídico indeterminado, fato que traz

maior campo de incidência à norma17. Apesar de aceito e largamente utilizado, o

conceito legal não dispõe de todos os bens jurídicos tutelados, haja vista só tratar do

meio ambiente natural, como será demonstrado.

Para José Afonso da Silva “o meio ambiente é, assim, a interação do

conjunto de elementos naturais, artificiais, e culturais que propiciem o

desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas.”18 Neste conceito,

adotado também por Luís Paulo Sirvinskas e Édis Milaré,19 destacam-se os aspectos

naturais, artificiais e culturais como fatores que, juntos, formam o habitat de todas as

maneiras de vidas presentes no Universo, ou seja, onde estão inseridos todos os

seres vivos. O meio ambiente pode ser classificado conforme seus aspectos (meio

ambiente natural; meio ambiente artificial; meio ambiente cultural).

O meio ambiente natural é formado pela atmosfera, pela biosfera, pelas

águas, pelo solo, pelo subsolo, pela fauna e pela flora.20 Na seara constitucional

encontra-se positivado e protegido pelo art. 225, caput, e § 1°, incisos I, III e VII. 21

16 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 111. 17 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 19. 18 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 20. 19 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 100; SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit., p. 29. 20 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 20. 21 Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a

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O meio ambiente artificial é constituído pelo espaço urbano construído, que

é composto pelo espaço urbano fechado (conjunto de edificações) e pelo espaço

urbano aberto (ruas, praças, parques e demais espaços livres).22 Ressalta-se que

esta classificação quanto ao aspecto artificial do meio ambiente, está ligada com o

conceito de cidade (no sentido de lugar habitável, não contrapondo-se com o

conceito de campo ou rural).23 Possui, o aspecto artificial do meio ambiente,

previsão no texto constitucional nos arts. 5°, XXII I, 21, inciso XX, 182, 225, e na

legislação infraconstitucional, encontra-se o seu diploma mais importante, qual seja,

o Estatuto da Cidade, lei n° 10.257/2001. 24

Inserido no meio ambiente artificial está o meio ambiente do trabalho, como

sendo “o local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade

de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente.”25

Possui previsão no art. 200, inciso VIII, da CF/88: “Art. 200. Ao sistema único de

saúde compete, além de outras atribuições, nos termos da lei: [...]; VIII - colaborar na

proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.” Especifica-se o

inciso VIII, do art. 200, da CF/88, que dentre os elementos que integram o lugar em

que se vive (meio ambiente), está o meio ambiente do trabalho.

O meio ambiente cultural, para José Afonso da Silva, é formado pelo

“patrimônio histórico, artístico, arqueológico, paisagístico, turístico, que, embora

artificial em regra, como obra do Homem, difere do anterior (que também é cultural)

pelo sentido de valor especial que adquiriu ou de que se impregnou”.26 Miriam O.

Reale Montanhesi destaca que tudo o que não é natural é cultural, e questiona se

tudo o que é artificial não é cultural. Para ela, o aspecto natural do meio ambiente,

no Brasil, por exemplo, só seria “a paisagem anterior à chegada dos primeiros

integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

22 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 21. 23 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit., p. 21. 24 Idem. 25 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 23. 26 Ibidem, p. 21.

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grupos de aborígenes a estas terras, há cerca de 30 mil anos.”27 Na CF/88, retira-se

do art. 216, um conceito de patrimônio ambiental.28

Mesmo diante das peculiaridades desta classificação quanto aos aspectos

do meio ambiente, por ora, fica esta divisão em meio ambiente natural, artificial,

cultural e do trabalho.29

1.1.3. Causas de degradação ambiental e conscientiz ação ecológica

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é requisito básico para uma

vida com qualidade. A degradação do meio ambiente implica num prejuízo à

qualidade da vida humana e demais formas de vida existentes. Diversos são os

fatores que podem causar a degradação do meio ambiente (natural, artificial, cultural

e do trabalho) como se observa a seguir.

A deterioração do meio ambiente natural pode ocorrer pela destruição dos

elementos que o compõem (por exemplo, a derrubada de matas), ou pela alteração

destes elementos (como a poluição do ar, da água e do solo).30 Para Barbara Ward-

René Dubos, a atmosfera (ar e clima), a hidrosfera (rios, lagos e oceanos) e a

litosfera (solo) juntas, mantêm a vida orgânica.31 A poluição, na visão de José

Afonso da Silva, é o modo mais danoso ao meio ambiente natural. Ele acredita que

os maiores prejuízos advindos seriam para o ar, a água e o solo, mas crê que a

poluição prejudicaria também a flora e a fauna.32 Paulo Afonso Leme Machado ao

27 MONTANHESE, Miriam O. Reale, apud SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 21, nota de

rodapé n° 4. 28 Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial,

tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: I - as formas de expressão; II - os modos de criar, fazer e viver; III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas; IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

29 SILVA, José Afonso da, op. cit.; FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit.; SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit.

30 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 29 31 DUBOS, Barbara Ward-René. Uma terra somente. Trad. de Antônio Lamberti. São Paulo,

EDUSP, 1973, p. 87, apud SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 29. 32 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 29.

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comentar a definição de poluição esculpida no art. 3°, da lei n° 6.938/81, alega que

ali consta a proteção do

[...] homem e sua comunidade, o patrimônio público e privado, o lazer e o desenvolvimento econômico através das diferentes atividades (alínea b), a flora e a fauna (biota), a paisagem e os monumentos naturais, inclusive os arredores naturais desses monumentos – que encontram também proteção constitucional (arts. 216 e 225 da CF/88). [...]. Em último lugar, considera-se como poluição o lançamento de materiais ou de energias com inobservância dos padrões ambientais estabelecidos. Essa colocação topográfica da alínea é importante: pode haver poluição ainda que observados os padrões ambientais. A desobediência aos padrões constitui ato poluidor, mas pode ocorrer que mesmo com a observância dos mesmos ocorram os danos previstos nas quatro alíneas anteriores, o que também caracteriza a poluição, com a implicação jurídica daí decorrente.33

Relata o doutrinador, que os Estados e Municípios poderão complementar

(ampliar) o conceito de poluição, mas nunca restringir ou diminuir a aplicação

(proteção) do conceito dado pela norma federal.34 Como pode se verificar, abrange a

conceituação o aspecto cultural do meio ambiente, uma vez que, os lugares

históricos ou artísticos fazem parte da estética paisagística, e sua degradação afeta

também a qualidade ambiental.35 Importante notar-se que mesmo de acordo com

parâmetros estabelecidos pela própria legislação ambiental poderá, a ação humana,

acarretar em poluição, portanto, a poluição não está estritamente ligada com a

obediência legal, e não decorre somente de atos ilegais.

Em síntese, a atividade degradante é causada pela destruição de um

elemento do meio ambiente, pela sua alteração ou até pela extinção (como pode

acontecer com espécies animais, vegetais e recursos minerais). Recairá sempre na

atmosfera, na hidrosfera e na litosfera.

Muito embora haja ações que visam reparar os danos causados ao meio

ambiente, destaca-se a dificuldade da tarefa no que tange a degradação do meio

ambiente natural, pois não é algo que possa ser ‘construído’ pelo ser humano (ao

menos não de forma idêntica à que era antes de ser deteriorada). Ainda, pode

acontecer de a degradação causar um prejuízo irreparável, como acontece, por

exemplo, de determinada espécie ser extinta. Outro fator reluzente, diz respeito à

concepção de meio ambiente como algo inesgotável, que pouco a pouco é alterada.

33 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 519. 34 Idem. 35 Idem.

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Por estes motivos, vislumbra-se a solução diante da conscientização ecológica, aqui

entendida como a adequação das ações humanas com a preservação dos recursos

ambientais, conforme Luís Paulo Sirvinskas “a consciência ecológica está

intimamente ligada à preservação do meio ambiente.”36 A conscientização ecológica

decorre também da necessidade de preservar o meio ambiente para as futuras

gerações, e não só em devido às ameaças atuais.37

O art. 225, § 1°, inciso VI, da CF/88 traz um marco importante na história da

preservação ambiental no Brasil, mais especificamente ao que diz respeito à

educação ambiental da população, e visa promovê-la assim prevê: “em todos os

níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”.

Em 1999, o dispositivo foi regulamentado através da lei n° 9.795, que institui a

Política de Educação Ambiental, tendo sido posteriormente regulada pelo Decreto n°

4.281/02.38

É na própria lei n° 9.795/02, no seu art. 1°, que s e retira o conceito de

educação ambiental, entendido como

[...] os processos por meio dos quais o indivíduo e a coletividade constroem valores sociais, conhecimentos, habilidades, atitudes e competências voltadas para a conservação do meio ambiente, bem de uso comum do povo, essencial à sadia qualidade de vida e sua sustentabilidade

A educação ambiental recebe previsão legal, e a sociedade brasileira ganha

com isso. O Governo deverá disponibilizar o aprendizado ambiental, para

conscientizar a população a melhor lidar com o meio ambiente em que está inserida.

36 SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit., p. 3. 37 Ibidem, p. 3 e 4. 38 Idem.

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1.2. PRINCÍPIOS DE DIREITO AMBIENTAL

1.2.1. Princípio da Precaução e o Princípio da Prev enção

O princípio da precaução pode ser encontrado em diversos diplomas que

tratam sobre o direito ambiental. No texto constitucional, pode-se deduzi-lo no caput

do art. 225, que atribui ao Poder Público e a toda a coletividade o dever de preservar

o meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes e futuras gerações.

Revela-se totalmente recepcionado o inciso I e VI, do art. 4° da Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente no Brasil, lei n° 6.938/8 1,39 que naquela data

especificava, dentre os objetivos da Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA, a

preservação dos recursos ambientais, compatibilizando o desenvolvimento sócio-

econômico com seus manuseios adequados e sustentáveis. Por fim, ainda na seara

infraconstitucional, destaca-se a Lei de Biossegurança, lei n° 11.105/2005, que no

seu art. 1°, 40 estabelece a observância ao princípio da precaução.41

O princípio da precaução se encontra presente em duas convenções

internacionais assinadas, ratificadas e promulgadas pelo Brasil, quais sejam a

Convenção da Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro em 1992, e

ratificada pelo Congresso Nacional através do Decreto Legislativo n° 2/94, que faz

menção ao princípio em seu preâmbulo, e a Convenção das Nações Unidas sobre a

Mudança do Clima, assinada em Nova York em 1992, e ratificada pelo Congresso

39 Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico-social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; [...]; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas à sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida;

40 Art. 1o Esta Lei estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção, o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, a exportação, o armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de biossegurança e biotecnologia, a proteção à vida e à saúde humana, animal e vegetal, e a observância do princípio da precaução para a proteção do meio ambiente.

41 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 61, 62; FREITAS, Juarez. O Princípio Constitucional da Precaução e o Dever Estatal de Evitar Danos Juridicamente Injustos. Disponível em: <http://www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1205505615174218181901.pdf>, acesso em: 03/08/2008 às 16h43min, p. 6.

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Nacional através do Decreto Legislativo n° 1/94, qu e em seu art. 3° discorreu sobre

a observância ao princípio da precaução pelas partes.42

Em 1992, na cidade do Rio de Janeiro, ocorreu a Conferência das Nações

Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento – ECO/92, na qual foi votada a

Declaração do Rio de Janeiro/92, que possui 27 princípios. Destaca-se o princípio

15, que especifica a aplicação do princípio da precaução como medida a ser

observada pelos Estados na preservação ambiental.43 Parte-se do pressuposto que

a falta de conhecimento científico não deve ser aceita para procrastinar ações que

possam prevenir os riscos de dano ambiental.

Os conceitos legais que refletem a ‘positivação’ do princípio da precaução

buscam sempre uma mesma finalidade, qual seja, agir com antecedência ao dano

ambiental, nos casos em que não possa ser mensurado, pendendo a incerteza e o

desconhecimento sempre a favor do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Ou

seja, na dúvida prevalece a tutela ambiental.

Édis Milaré, alterando seu posicionamento, passou a acreditar que o

princípio da precaução diferencia-se do princípio da prevenção.44 Para tanto, relata

que o princípio da prevenção é aplicado aos “riscos e impactos” já cientificamente

conhecidos, enquanto o princípio da precaução serve para administrar os “riscos e

impactos desconhecidos”. Diz que a prevenção atua com o “risco certo”, enquanto a

precaução atua sobre os “riscos incertos”. Um atua no campo “concreto”, enquanto

outro atua no campo “abstrato”.45

O mesmo doutrinador ainda adverte para a possibilidade trazida pelo art. 53,

§ 3°, da Lei dos Crimes Ambientais, lei n° 9.605/98 , que impõe a aplicação de pena

mais severa (equivalente à pena do crime de poluição qualificado) àquele que, por

omissão, não adotar “medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental

grave ou irreversível”. Quanto ao princípio da prevenção, traz o estudo de impacto

42 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 65. 43 Princípio 15: De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser

amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza cientifica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

44 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 766. 45 Idem.

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ambiental, estipulado pelo art. 225, § 1°, inciso I V, da CF, como um fiel exemplo do

“direcionamento preventivo”.46

Ao diferenciar os dois princípios, Juarez Freitas47 aduz que o princípio da

precaução impõe ao Estado Democrático o dever de salvaguardar o meio ambiente

equilibrado, através de ações anteriores, ainda que em casos de dúvidas, à

produção de danos justificadamente esperados (ao que chama de juízo de

verossimilhança).48 Continua o autor, e discorre que a administração, diante de

suspeita (fundada convicção, verossimilhança) de atividade danosa ao meio

ambiente, deve despender seus esforços e interromper o nexo causal anteriormente

que o dano se defina, sob o risco de arcar com prejuízos desproporcionais, ou seja,

maiores que os custos da intervenção preventiva.49

Sobre o princípio da prevenção, diz que será aplicado quando houver maior

convicção – de acordo com a capacidade cientifica da época – do dano iminente. O

Estado Democrático também tem o dever de agir, entretanto o faz já sabendo quais

os riscos que correrá caso não aja.50 A respeito da diferenciação dos dois princípios,

assim dispôs o autor:

No cotejo com o princípio da prevenção, a diferença maior reside no grau estimado de probabilidade da ocorrência do dano (certeza “versus” verossimilhança). Nessa medida, o Estado Democrático, para bem resguardar, em sua eminência, o princípio da precaução16, age na presunção - menos intensa do que aquela que o obriga a prevenir - de que a interrupção proporcional e provisória do nexo de causalidade consubstancia, no plano concreto, uma atitude mais vantajosa do que a resultante da liberação do liame de causalidade.51

Define-se, basicamente, que a maior diferença entre os dois princípios é o

fato de que o princípio da precaução incide quando não ocorre a certeza do dano, e

basta o mero receio fundamentado, enquanto que o princípio da prevenção recai nas

hipóteses em que haja o conhecimento científico a respeito do dano.52

No princípio da precaução, aplica-se a inversão do ônus da prova. Ela

acarreta aos empreendedores a demonstração previa de que seus projetos estão de

acordo com as especificações das normas ambientais. Para que não ocorra lesão ao

princípio, no mínimo deverão demonstrar que “os limites do risco e da incerteza não

46 Ibidem, p. 767. 47 FREITAS, Juarez, op. cit., p 2. 48 Ibidem, p. 3. 49 Ibidem, p. 3 e 4. 50 Ibidem, p. 4. 51 Ibidem, p. 5. 52 Idem.

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foram ultrapassados”,53 já que se fossem, seria necessária a adoção de medidas

preventivas pela Administração Pública.54 Ilustração perfeita, aqui, é a Avaliação de

Impacto Ambiental – AIA, efetivada através da análise do Relatório de Impacto ao

Meio Ambiente – RIMA, realizado por Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EPIA.55

A AIA é um instrumento previsto nos incisos II, do art. 8°, e III do art. 9°, ambos da

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.56

1.2.2. Princípio do Desenvolvimento Sustentável

Surgido na Conferência Mundial de Meio Ambiente, ocorrida em Estocolmo

na Suécia, no ano de 1972, o princípio do desenvolvimento sustentável passou a ser

abordado nas posteriores conferências, em especial na ECO/92.57 Em 1983, a

Assembléia Geral das Nações Unidas – ONU criou a Comissão Mundial para o Meio

Ambiente e o Desenvolvimento, que por sua vez conceituou o ‘desenvolvimento

sustentável’ como sendo “o desenvolvimento que atende às necessidades do

presente, sem comprometer a capacidade das futuras gerações atenderem às suas

próprias necessidades.”58 Para que seja caracterizado o desenvolvimento, não basta

53 GIRAUD, Cathérine. Le Droit et le príncipe de precaution: leçons d’Australie, Revue

Juridiue de l’Environnement 1/21-36, Limoges, SFDE, 1997, p. 33, apud MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 77.

54 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 77. 55 Art. 225 – [...]:§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

[...]; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

56 Art. 8º Compete ao CONAMA: [...]; II - determinar, quando julgar necessário, a realização de estudos das alternativas e das possíveis conseqüências ambientais de projetos públicos ou privados, requisitando aos órgãos federais, estaduais e municipais, bem assim a entidades privadas, as informações indispensáveis para apreciação dos estudos de impacto ambiental, e respectivos relatórios, no caso de obras ou atividades de significativa degradação ambiental, especialmente nas áreas consideradas patrimônio nacional. [...]. Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: [...];III - a avaliação de impactos ambientais.

57 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit. p. 27. 58 SILVESTRE, Mariel. O Princípio do Desenvolvimento Sustentável no Direito Ambiental e

instrumentos legais de sustentabilidade no que tange a algumas atividades geradoras de energia elétrica. Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro_anual/encontro2/GT/GT06/mariel_silvestre.pdf>, acesso em: 12/09/2008, às 16h53min; MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 142, nota de rodapé n° 70.

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o crescimento econômico de determinado setor ou classe da sociedade. Deve-se

sim existir o crescimento econômico, mas sobretudo um crescimento que melhore

eqüitativamente a qualidade de vida de todos, com a busca incessante da redução

dos contrastes socioeconômicos existentes no planeta. Para que seja sustentável, o

desenvolvimento deve vir com a preservação ambiental, a fim de que futuras

gerações possam desfrutar de igual oportunidade e, ainda, alcançar as

necessidades basilares da sociedade.59

No Brasil, o princípio encontra-se positivado na Lei de Política Nacional do

Meio Ambiente, de 1981, que o previu em seu art. 2° e art. 4°, caput e inciso I.60

Com o advento da CF/88, o princípio do desenvolvimento sustentável ganha

proteção constitucional, conforme se extrai da leitura do art. 170, inciso VI e do art.

225, caput.61 Destes dispositivos, conclui-se que o desenvolvimento deverá sempre

respeitar a preservação ambiental, já que iguais oportunidades – que as gerações

presentes estão tendo de se desenvolverem – terão que ser dadas às futuras

gerações.

Rafael Burlani Neves acentua a idéia de desenvolvimento sustentável em

cinco preposições: a) a preservação ambiental, respeitando as leis naturais que

vigem para o equilíbrio dos ecossistemas, assim como aos demais elementos que

juntos formam o meio ambiente; b) a união dos planos de desenvolvimento com a

tutela ambiental; c) a necessidade de utilização de meios eficazes para prevenir os

danos ambientais, dada a dificuldade de reparação dos mesmos; d) a

imprescindibilidade de cooperação no âmbito internacional nas questões ambientais,

59 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 27. 60 Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e

recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...]; Art. 4º - A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico

61 Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...]; VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; [...]. Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

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visto os efeitos degradatórios ambientais ultrapassam as fronteiras geográfico-

jurídicas das jurisdições nacionais.62

O respeito ao princípio do desenvolvimento sustentável acarretará, por

vezes, a desaceleração do crescimento socioeconômico, pois nunca com ele poderá

advir prejuízo ao meio ambiente. Os recursos ambientais não são inesgotáveis, e o

dano ambiental freqüentemente não pode ser revertido. O ser humano sempre

necessitará do meio ambiente para sua sobrevivência, e o uso abusivo e

indisciplinado causará o seu esgotamento, ou até sua inutilização.

1.2.3. Princípio do Poluidor-Pagador e Princípio do Usuário-Pagador

O princípio do poluidor-pagador pode ser extraído do § 3°, in fine, do art.

225, da CF/88,63 no momento que este estabelece a obrigação do responsável

reparar o dano causado. Da Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, lei n°

6.938/81, art. 4°, inciso VII, 64 retira-se a obrigação do poluidor indenizar o dano

causado. O princípio do poluidor-pagador imputará ao poluidor os custos dos danos

que ele causou ao meio ambiente, ou seja, a responsabilização pelos danos

ambientais.65 No mesmo dispositivo encontra-se assentado o princípio do usuário-

pagador, uma vez que prescreve a obrigação de o usuário pagar pelos bens

ambientais que usufruir com fins econômicos. Ambos os princípios também possuem

previsão na Declaração do Rio de Janeiro/92, mais precisamente em seus princípios

13 e 16.66

62 NEVES, Rafael Burlani. M.G.J.A. - modelo para o gerenciamento jurídico-ambiental: uma

aplicabilidade prática em um empreendimento termelétrico. 2002. 117p. Dissertação (Mestrado em Engenharia de Produção). Programa de Pós-Graduação em Engenharia de Produção, UFSC, Florianópolis, p. 14.

63 § 3º - As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

64 VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

65 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 771. 66 Princípio 13: Os Estados deverão desenvolver a legislação nacional relativa à

responsabilidade e à indenização referente às vítimas da contaminação e outros danos ambientais. Os Estados deverão cooperar de maneira diligente e mais decidida no

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Sabe-se que o meio ambiente é um bem de todos e que grande parcela dos

seus recursos é esgotável. Sabe-se ainda que o ser humano necessita destes

recursos para sua existência, entretanto, nem todos os usufruem de modo

igualitário. Assim, poder-se-ia dizer num enriquecimento ilegítimo daqueles que se

utilizam dos recursos ambientais, em face daqueles que não os utilizam, ou que os

utilizam em menor proporção.67 No mesmo conceito, incide o poluidor que emite

poluição sobre o meio ambiente, visto que estará poluindo algo que não é de sua

propriedade e sim de todos e ao mesmo tempo de ninguém, usurpando uma parcela

da propriedade alheia.68

No trilho da produção industrial, não só se retiram (uso) recursos do meio

ambiente, como na maioria dos casos ocorre a poluição ambiental (dano). Nenhum

problema teria (e aqui somente analisa-se a poluição gerada) se o meio ambiente

fosse algo divisível, e cada um pudesse fazer o que bem entender com o seu

quinhão, sem com isso prejudicar a porção dos demais. Acontece que isso não é

possível e, uma vez lançada a poluição no meio ambiente, todos dela se

prejudicarão. A produção industrial visa garantir um lucro ao produtor.

Diferentemente do que ocorre com a poluição causada (que pelas características e

natureza do meio ambiente acaba dividida com a coletividade), o lucro não é jogado

fora e compatibilizado com todos os demais. A tudo isso, em termos econômicos,

dá-se o nome de “internalização dos custos externos”.69

Cristiane Derani, diz que na produção, além do próprio produto, são

produzidas externalidades negativas, externalidades, conforme a autora, porque

serão percebidas pela coletividade, ao contrário do lucro que é auferido somente

pelo produtor. Relata que daí advém a expressão “privatização de lucros e

socialização de perdas”. Por fim, aduz que o princípio do poluidor-pagador tem o

preparo de novas leis internacionais sobre responsabilidade e indenização pelos efeitos adversos dos danos ambientais causados pelas atividades realizadas dentro de sua jurisdição, ou sob seu controle, em zonas situadas fora de sua jurisdição. [...]. Princípio 16: As autoridades nacionais deveriam procurar fomentar a internalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em conta o critério de que o causador da contaminação deveria, por princípio, arcar com os seus respectivos custos de reabilitação, considerando o interesse público, e sem distorcer o comércio e as inversões internacionais.

67 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 59. 68 Ibidem, p. 59 e 60. 69 PRIEUR, Michel. Droit de l’environnemnt. 5. ed. Paris: Dalloz, 2004, p. 145, apud MILARÉ,

Édis, op. cit., p. 770 e 771.

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condão de reparar o ônus que a coletividade suporta, através da obrigação de o

produtor internalizar os custos dos danos causados (responsabilização).70

Guilherme Cano ressalta a obviedade de que aquele que é onerado,

certamente repassará os custos ao consumidor final (seja no caso de uma indústria

poluidora com o aumento do preço do produto produzido, ou, por exemplo, no caso

de um ente federativo aumentar o valor da tarifa paga pelo serviço usufruído). Para o

autor, a medida se mostra mesmo assim correta, visto que continuarão arcando com

a utilização dos recursos naturais, ou com os danos causados, as pessoas que

direta ou indiretamente se beneficiarem destes fatos, e os demais que não

usufruíram dos recursos, ou que não colaboraram para a poluição, serão

indenizados.71

Tanto o princípio do poluidor-pagador quanto o princípio do usuário-pagador

não possuem natureza de punição, já que mesmo sem a ocorrência de ilicitude na

ação do pagador eles poderão ser implementados. Por exemplo, mesmo que a

emissão de poluição esteja de acordo com a legislação em vigência, ou padecida de

autorização administrativa, o poluidor não se escusa de indenizar a poluição por ele

causada. 72

O fato de o poluidor pagar não significa a viabilização da poluição através de

um valor específico.73 Muito pelo contrário, os princípios possuem conotação

pedagógica, e tentam ajudar na conscientização ambiental, no sentido da não

utilização exagerada e desnecessária dos recursos naturais esgotáveis, e sobre a

importância de não se poluir o meio ambiente.

70 DERANI, Cristiane. Aplicação dos Princípio do Direito Ambiental Para o Desenvolvimento

Sustentável. In Direito Tributário Ambiental, coordenação de Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 648.

71 CANO, Guilherme. Introducción al tema de los aspectos jurídicos del principio contaminador-pagador, in El Principio Contaminador-Pagador – Aspectos Jurídicos de su Adopción em América, Buenos Aires, Editorial Fraterna, 1983, p. 191, apud MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 60.

72 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 60. 73 MATEO, Ramón Martin. Tratado de derecho ambiental. Madrid: Trivium, 1991, p. 240,

apud MILARÉ, Édis, op. cit., p. 771.

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1.3. A PROTEÇÃO AMBIENTAL: INSTRUMENTOS COMUNS

Através de instrumentos próprios (por exemplo, a avaliação prévia de

impacto ambiental), ou mesmo por outros meios colocados a sua disposição (por

exemplo, a ação popular), o direito ao meio ambiente saudável é assegurado a

todos. Sem a presença de instrumentos reguladores, fiscalizadores e sancionadores

entre outros, poder-se-ia acontecer de as normas ambientais caírem em desuso,

como se existissem somente para serem conhecidas, e não de fato respeitadas e

aplicadas.

1.3.1. O bem protegido, conforme o caput, do art. 225, da CF/88

A CF/88 é dividida em IX Títulos mais os Atos das Disposições

Constitucionais Transitórias, sendo cada Título subdividido em Capítulos. O Título

VII trata “Da Ordem Social”, e o seu Capítulo VI dispõe acerca “Do Meio Ambiente”.

O legislador originário reservou um capítulo para o meio ambiente, o que demonstra

a importância dada à matéria.

Preconiza o caput do art. 225, da CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações

Luís Paulo Sirvinskas, ao analisar o artigo citado acima, o divide em quatro

partes:

a) o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito fundamental da pessoa humana; b) o meio ambiente é um bem de uso comum do povo – bem difuso, portanto, indisponível; c) o meio ambiente é um bem difuso e essencial à sadia qualidade de vida do homem; d) o meio ambiente deve ser protegido e defendido pelo Poder Público e pela coletividade para as presentes e futuras gerações.

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado.” Paulo

Afonso Leme Machado lembra que o pronome indefinido todos também foi utilizado

pelas Constituições de Portugal e da Espanha. Para ele, o uso deste pronome faz

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com que qualquer pessoa seja titular do direito de ter um meio ambiente

ecologicamente equilibrado, bem como que a lei não “exclua quem quer que seja”.

Trata-se de um direito subjetivo e oponível contra todos, e suplementado, conforme

o autor, pelo uso da ação popular.74 Ademais, o legislador constitucional, ao utilizar o

pronome “todos”, frisou expressivamente a natureza metaindividual do direito

ambiental.

O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos. No

entanto, a conceituação de equilíbrio ecológico é algo externo ao direito, o que a

torna de difícil interpretação para o jurista. Gilberto Giovanetti e Madelena Lacerda

assim o define:

É o estado de equilíbrio entre os diversos fatores que formam um ecossistema ou habitat, suas cadeias tróficas, vegetação, clima, microorganismos, solo, ar, água, que pode ser desestabilizado pela ação humana, seja por poluição ambiental, por eliminação ou introdução de espécies animais e vegetais.75

O meio ambiente é o ecossistema que o ser humano está inserido junto com

as demais formas de vida existentes no planeta. Diversos elementos preenchem o

meio ambiente, e juntos formam o habitat de todos os seres humanos (independente

de raça, ou nacionalidade) e demais seres vivos. O desequilíbrio ocorre quando um

dos elementos integrantes é afetado, seja no meio ambiente natural, artificial,

cultural ou do trabalho. Se o desequilíbrio ocorre com a alteração desarmônica dos

elementos que compõe o ambiente em que se vive, o equilíbrio é a não alteração, ou

até a alteração harmônica desses elementos.76

“Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de

uso comum do povo”. A CF/88 traz a concepção de um bem de domínio coletivo latu

sensu não só no caput do art. 225, mas também ao adentrar no direito de

propriedade, e especificar que a função sócio-ambiental da propriedade deve ser

respeitada.77 Trata-se, como aduz Paulo Afonso Leme Machado, de uma expansão

do direito à vida trazida pela CF/88, que sempre foi protegida nas Constituições

Brasileiras. Junto com essa complementação da proteção à vida (de que ela precisa

74 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 116. 75 GIOVANETTI, Gilberto; LACERDA, Madalena. Melhoramentos Dicionário de Geografia,

São Paulo, Melhoramentos, 1996, p. 70, apud Borges, Rosana. Função Social da Propriedade Rural, São Paulo, LTr, 1999, p. 213, apud MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 119.

76 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 119. 77 CF/88, art. 5°, inciso XXIII e art. 170, incisos I II e VI.

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ser saudável) a CF/88 ainda inovou ao resguardar a dignidade da pessoa humana

(art. 1°, inciso III). 78

A CF/88 impõe “ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo”

(meio ambiente) “e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.” O Poder

Público, de acordo com o art. 2°, da mesma Carta, a brange não só o Poder (função)

Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário.79 Esclarece-se que por muitas

vezes o Poder Legislativo vem suprindo a omissão do Poder Executivo e Judiciário,

criando leis combatentes de cunho penal e civil.80 Para a coletividade foi dado

exatamente o mesmo dever que ao Poder Público, muito embora “a ação da

coletividade, diferentemente da do Poder Público, em geral é facultativa”.81

O meio ambiente deve ser preservado e defendido “para as presentes e

futuras gerações.” Luís Paulo Sirvinskas diz tratar-se do princípio da

responsabilidade entre gerações, ou, em outras palavras, seria a “responsabilidade

intergeracional.”82

O caput do art. 225, da CF/88, é denominado princípio matriz por Luís Paulo

Sirvinskas. Os demais incisos e parágrafos do mesmo artigo, de acordo com ele,

buscam dar efetividade ao dispositivo dissecado acima e, por ora, não prescinde

apreciá-los.83

1.3.2. A Política Nacional do Meio Ambiente

A PNMA foi instituída pela lei n° 6.938, de 1981, c om respaldo no art. 8°,

inciso XVII, alíneas ‘c’, ‘h’ e ‘i’, da Constituição da Republica Federativa do Brasil de

1969 (o que hoje equivaler-se-ia aos arts. 22, inciso IV; 24, inciso VI e 225, da

CF/88).84 A norma é considerada inovadora dentro do contexto histórico que surgiu,

78 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 121. 79 Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o

Executivo e o Judiciário. 80 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 122. 81 Idem. 82 SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit., p. 47, 48. 83 Idem. 84 José Afonso da Silva entende que a lei n° 6.938/81 fundamentava-se no texto

constitucional de 1969, já que previa a competência para a União legislar sobre a saúde, florestas e água, in, op. cit., p. 212; Constituição da República Federativa do Brasil de

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principalmente por preocupar-se com gestões públicas de longo prazo. Até então, os

governos apresentavam planos momentâneos que lhes agradassem e fossem

coerentes, “imperavam, por assim dizer, as leis da improvisação e do curto prazo,

vítimas fáceis da descontinuidade administrativa.”85 A partir da segunda guerra

mundial, aparecem tímidas ações com resultados esperados a longo prazo,

análogas à política inserida pela legislação.86

Até então, o Brasil, em Estocolmo na Suécia, 1972, havia se oposto com a

idéia de um Hemisfério Norte rico e preocupado com o desenvolvimento

socioeconômico do Hemisfério Sul, posicionando-se a favor do desenvolvimento a

qualquer custo, o que gerou polemica e indigesta controvérsia.87 Nas esferas

estaduais, na mesma década, os Estados de São Paulo e Rio de Janeiro editaram

normas de cunho ambiental, preocupados com a poluição das águas e do ar, que

culminaram na interdição de fábricas importantes nestas regiões. O Governo Federal

(regime militar) interveio através do decreto-lei n° 1.413, de 1975, que proibia a

interdição de indústrias pelos Estados e Municípios, resguardando esta competência

exclusivamente ao Presidente da República.88 Eis o contexto histórico em que surge

a lei que instituiu a PNMA, Lei Federal n° 6.938, d e 1981.

A lei n° 6.938/81 estatui os princípios da PNMA nos incisos do seu art. 2°,

tendo estabelecido o seu objetivo geral no caput deste artigo, e objetivos

específicos89 no art. 4° e incisos. 90 O art. 3°, inciso I dá o conceito legal de meio

1969 – Art. 8º Compete à União: [...]; XVII - legislar sobre: [...]; c) normas gerais sobre orçamento, despesa e gestão patrimonial e financeira de natureza pública; taxa judiciária, custas e emolumentos remuneratórios dos serviços forenses, de registro públicos e notariais; de direito financeiro; de seguro e previdência social; de defesa e proteção da saúde; de regime penitenciário; [...]; h) jazidas, minas e outros recursos minerais; metalurgia; florestas, caça e pesca; i) águas, telecomunicações, serviço postal e energia (elétrica, térmica, nuclear ou qualquer outra); CF/88 - Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: [...]; IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão. [...]. Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: [...]; VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição.

85 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 307. 86 Idem. 87 Ibidem, p. 309. 88 Idem. 89 Ibidem, p. 316, 317. 90 Art. 2º. A Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e

recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no País, condições ao desenvolvimento socioeconômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os seguintes princípios: [...]. Art. 4º -

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ambiente (aceito e utilizado pacificamente na doutrina), enquanto os incisos II e III

do mesmo artigo dispõem sobre o conceito legal de degradação ambiental e

poluição ambiental. O art. 6°, deste diploma, const itui o Sistema Nacional do Meio

Ambiente – SISNAMA, composto pelos “órgãos e entidades da União, dos Estados,

do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações

instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade

ambiental”.91 Fator de destaque é a especificação de responsabilidade civil

independente de culpa pelo dano causado ao meio ambiente (princípio da

responsabilidade objetiva), trazida pelo § 1°, do a rt. 14. O art. 17-B institui ao IBAMA

a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA.92

A Política Nacional do Meio Ambiente visará: I - à compatibilização do desenvolvimento econômico social com a preservação da qualidade do meio ambiente e do equilíbrio ecológico; II - à definição de áreas prioritárias de ação governamental relativa à qualidade e ao equilíbrio ecológico, atendendo aos interesses da União, dos Estados, do Distrito Federal, do Territórios e dos Municípios; III - ao estabelecimento de critérios e padrões da qualidade ambiental e de normas relativas ao uso e manejo de recursos ambientais; IV - ao desenvolvimento de pesquisas e de tecnologia s nacionais orientadas para o uso racional de recursos ambientais; V - à difusão de tecnologias de manejo do meio ambiente, à divulgação de dados e informações ambientais e à formação de uma consciência pública sobre a necessidade de preservação da qualidade ambiental e do equilíbrio ecológico; VI - à preservação e restauração dos recursos ambientais com vistas á sua utilização racional e disponibilidade permanente, concorrendo para a manutenção do equilíbrio ecológico propício à vida; VII - à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, de contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos.

91 Integram o SISNAMA: Conselho do Governo (Órgão Superior), art. 6°, inciso I; Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA (Órgão Consultivo e Deliberativo), art. 6°, inciso II; Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República, art. 6°, inciso III; na esfera da União o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (Órgão Executor), art. 6°, inciso IV; no âmbi to estadual catarinense a Fundação do Meio Ambiente – FATMA (Órgão Seccional), art. 6°, inciso V; e no Município de Florianópolis se tem a Fundação Municipal do Meio Ambiente – FLORAM (Órgão Local), art. 6°, inciso VI.

92 Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

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O art. 9° estabelece os instrumentos da PNMA, 93 que conforme José Afonso

da Silva podem ser divididos em três grupos: a) instrumentos de intervenção

ambiental, em que o Poder Público intervém no meio ambiente para que a atividade

particular esteja de acordo com a PNMA (o estabelecimento de padrões de

qualidade ambiental, o zoneamento ambiental, a avaliação de impactos ambientais,

o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras e os

incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de

tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental); b) instrumentos de

controle ambiental, que compreendem “atos e medidas destinados a verificar a

observância das normas e planos que visem à defesa e recuperação da qualidade

do meio ambiente e do equilíbrio ecológico”,94 realizados pelo Poder Público em três

momentos distintos – antes da ação que possa causar dano ambiental (a avaliação

de impactos ambientais e o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou

potencialmente poluidoras), durante a ação potencialmente danosa (o sistema

nacional de informações sobre o meio ambiente, o Cadastro Técnico Federal de

Atividades e Instrumento de Defesa Ambiental, a instituição do Relatório de

Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do

Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis – IBAMA e a garantia da prestação

de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-

las, quando inexistentes), após a ação prejudicial (as penalidades disciplinares ou

compensatórias não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou

93 Art. 9º - São Instrumentos da Política Nacional do Meio Ambiente: I - o estabelecimento de

padrões de qualidade ambiental; II - o zoneamento ambiental; III - a avaliação de impactos ambientais; IV - o licenciamento e a revisão de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras; V - os incentivos à produção e instalação de equipamentos e a criação ou absorção de tecnologia, voltados para a melhoria da qualidade ambiental; VI - a criação de espaços territoriais especialmente protegidos pelo Poder Público federal, estadual e municipal, tais como áreas de proteção ambiental, de relevante interesse ecológico e reservas extrativistas; VII - o sistema nacional de informações sobre o meio ambiente; VIII - o Cadastro Técnico Federal de Atividades e Instrumento de Defesa Ambiental; IX - as penalidades disciplinares ou compensatórias não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção da degradação ambiental. X - a instituição do Relatório de Qualidade do Meio Ambiente, a ser divulgado anualmente pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis - IBAMA; XI - a garantia da prestação de informações relativas ao Meio Ambiente, obrigando-se o Poder Público a produzi-las, quando inexistentes; XII - o Cadastro Técnico Federal de atividades potencialmente poluidoras e/ou utilizadoras dos recursos ambientais; XIII - instrumentos econômicos, como concessão florestal, servidão ambiental, seguro ambiental e outros.

94 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 219, 220.

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correção da degradação ambiental) e; c) instrumentos de controle repressivo,

efetivado através da responsabilização penal, civil e administrativa (as penalidades

disciplinares ou compensatórias não cumprimento das medidas necessárias à

preservação ou correção da degradação ambiental).95

1.3.3. Responsabilidade pelo dano ambiental

1.3.3.1. Introdução e conceito

O conceito exato de dano ambiental é um tanto vago. O próprio legislador, já

ao conceituar o meio ambiente, deu um conceito abrangente e passível de

interpretações diversas frente a um caso concreto96. A lei n° 9.605/98, que instituiu a

Política Nacional do Meio Ambiente trouxe, em seu art. 3º, incisos II e III, as

definições de degradação e poluição do meio ambiente, especificando-as como:

II - degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente; III - poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.

Tendo por base o que fora delimitado pela legislação, pode-se entender que

o dano ambiental é toda a transformação (alteração) que se contraponha às

características de qualquer dos elementos (natural, artificial ou cultural) que formam

o meio ambiente envoltório da vida em suas espécies. José Rubens Morato Leite

discorre que o “dano abrange qualquer diminuição ou alteração de bem destinado à

satisfação de um interesse”.97 O meio ambiente, conforme prevê a CF/88, é um bem

de uso comum do povo, ou seja, um bem de todos. Logo, o dano ambiental traz

95 Idem. 96 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 809, 810. 97 LEITE, José Rubens Morato. Dano Ambiental: do indivíduo ao coletivo extrapatrimonial. 2.

ed.rev. e ampl. – São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 93, 94.

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tanto prejuízo ao interesse da coletividade – quando afeta o próprio meio ambiente –

, por exemplo, a poluição do ar atmosférico; como traz prejuízo ao interesse do

indivíduo – ao recair sobre a esfera do particular –, por exemplo, uma doença

respiratória num indivíduo mais sensível que seus pares, ocasionada, até mesmo,

por aquela poluição do ar atmosférico.

O que se vê, é que muito embora o dano pareça ter alcançado somente um

individuo (como aquele mais sensível que seus pares), ele ocorrerá através de uma

poluição ou degradação do meio ambiente que, por ser bem de todos, atingirá o

interesse da coletividade sempre, ao que Édis Milaré dá o nome de “dupla face da

danosidade ambiental”, embasado no teor do art. 14, § 1°, da lei n° 6.938/81 e do

art. 20, da Lei de Biossegurança, lei n° 11.105/05. 98 Por fim, colaciona-se a

jurisprudência recortada pelo autor para ilustrar a matéria:

Dano contra o meio ambiente: rompimento de tanque construído precariamente, ocasionando um derrame de lama fétida e poluentes. Irrelevância do fato de a empresa re ter indenizado alguns proprietários, porque, indubitavelmente, não foram eles os únicos atingidos. Ação civil pública que, outrossim, não se confunde com uma ação qualquer de responsabilidade civil por danos causados a particulares.99

O dano ambiental é derivado de atividade ou fenômeno (fato danoso) que

resultem em nocividade ao equilíbrio ecológico dos aspectos naturais, artificiais e

culturais do meio ambiente, necessários para a sadia qualidade de vida, que causa

prejuízos aos interesses da coletividade e da individualidade.

Justamente pela abrangência e complexidade que envolve o meio ambiente,

o dano ambiental terá algumas características peculiares, tais quais: a) a difusão das

vítimas atingidas pelo fato danoso, muito embora certas vezes aparente que o dano

atingiu apenas uma classe determinada de pessoas, o bem ambiental não é divisível

e pertencerá sempre à coletividade; b) a custosa reparação do dano, não se trata de

algo que pode ser construído pelas mãos dos Homens, ao menos com idênticas

características que tinha antes de ser danificado, erigindo-se aí a importância do

trabalho de prevenção ao dano ambiental; c) possui dificuldade em sua valoração,

por exemplo, um fato lesivo que extingue uma espécie de animais, qual seria a

98 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 811 e 813. 99 Apelação Cível n° 135.914-1, julgamento dia 18/02/1 991. Rel. Godolfredo Mauro, apud

MILARÉ, Édis, op. cit., p.812

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valoração a dar a título de reparação, ou, ainda, uma lesão a determinado

patrimônio cultural ambiental, qual é o seu valor?100

Uma vez lesado o meio ambiente, surge a necessidade de sua reparação,

bem como a de punir as pessoas que deram causa. A responsabilização pelo dano

ambiental poderá ser efetivada através de sanções penais, administrativas e civis,

também conhecida como tríplice responsabilização101, o que, conforme lembra José

Afonso da Silva, não é particularidade do direito ambiental, ocorrendo em todos os

casos de dano contra o patrimônio público.102

O termo responsabilidade, vem assim definido nas palavras de De Plácido e

Silva, é “o vocábulo de responsável, de responder, do latim respondere, tomado na

significação de responsabilizar-se, vir garantindo, assegurar, assumir o pagamento

do que se obrigou ou do ato que praticou”.103 No ordenamento jurídico, encontra-se

guarida na CF/88, mais precisamente no art. 225, § 3°,

as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.

Do dispositivo, retira-se que a aplicação de sanções penais e administrativas

não exclui a possibilidade de responsabilização na esfera civil, entendimento que

também se chega com a interpretação do art. 14, concomitante com o seu § 1°, da

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente.104

1.3.2.2. Responsabilidade Civil

100 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 814, 815, 816 101 LEITE, José Rubens Morato, op. cit., p. 111, 112, 113. 102 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 301, 302. 103 SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico / atualizadores: Nagib Slaibi Filho e Gláucia

Carvalho. – 26. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro, 2006, p. 1222. 104 Art. 14 - Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e

municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: [...]; § 1º - Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.

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Dentre as esferas de atuação do direito ambiental – preventiva, reparatória e

repressiva –, a responsabilidade civil ambiental pertence à reparatória. A

responsabilização jurídica no âmbito cível, conforme José Afonso da Silva, pode ser

derivada de contrato (responsabilidade contratual), de norma jurídica

(responsabilidade legal), de ato ilícito (responsabilidade por ato ilícito), ou por risco

(responsabilidade por risco)105 e acarretará em uma obrigação de fazer (reparação

do dano), ou uma obrigação de dar (indenização).106

A CF/88, § 3°, art. 225, in fine, prevê a responsabilização civil ambiental. A

Lei de Política Nacional do Meio Ambiente também traz fundamentação legal para

que o responsável pelo dano ambiental arque com sua conduta degradante, e

“consagra como um de seus objetivos a ‘imposição ao poluidor e ao predador da

obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados’ (art. 4°, VII, da Lei 6.938

de 31.8.1981).”107 Esta lei – recepcionada pela CF/88 – dispõe que a

responsabilização do poluidor independe de culpa (art. 14, § 1°). No mesmo

diapasão, o Código Civil traz, em seu art. 927 e § 2°, a previsão de o responsável

reparar o dano cometido – seja por ato ilícito ou atividade de risco ao direito de

outrem – independentemente de culpa.108

A responsabilização do poluidor independerá de culpa, visto que fora

adotada pelo Direito Ambiental a teoria da responsabilidade objetiva, presente no

ordenamento cível a partir do novo Código Civil. Édis Milare enfatiza que o Código

Civil de 2002 migrou de um sistema único da regra da responsabilidade fundada na

culpa (responsabilidade subjetiva), adotada pelo Código de 1916, para um sistema

dualista em que a responsabilização dar-se-á também sem a culpa do agente

(responsabilidade objetiva).109

Na responsabilidade objetiva, não é necessário que a vítima comprove a

culpa do poluidor ou degradador, bastando o nexo causal entre ele e o fato danoso,

diferindo assim da responsabilidade subjetiva, em que caberá à vítima do dano

105 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 313, 314. 106 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 894. 107 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit. p. 334. 108 Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado

a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

109 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 894, 895.

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demonstrar a culpa do responsável. Michel Despax observou a dificuldade que é

estabelecer o vínculo causal no dano ambiental, uma vez que o agente que pratica a

conduta prejudicial ao meio ambiente raramente possui uma relação direta e

imediata com a vítima (individual ou coletiva), e em regra o próprio meio ambiente é

o intermediário que recebe e transmite a poluição,110 sendo a inversão do ônus da

prova de extrema importância para ajudar a buscar o liame entre a conduta e o

resultado, conforme destaca José Rubens Morato Leite.

José Afonso da Silva, José Rubens Morato Leite e Édis Milaré lembram que

a tendência na doutrina é não aceitar as causas excludentes de reparação do dano

(caso fortuito, força maior, proveito de terceiro, licitude da atividade, culpa da vítima).

Veja-se que em grande parte dos casos, o fato danoso deriva de atividades lícitas e

licenciadas através de prévio Estudo de Impacto Ambiental, o que não tira do agente

que cometer o dano, a responsabilidade de reparar o indivíduo ou o meio ambiente

(coletividade).

A reparação do dano causado não se dará somente através de indenização,

já que deriva do texto constitucional a obrigação do responsável reparar o dano

causado ao meio ambiente, e ocorrerão casos em que a indenização não alcançará

seus objetivos reparatórios, ou não será possível aferir um valor à poluição ou

degradação do meio ambiente. Para estes casos em que a indenização não satisfaz

a reparação, como por exemplo, a destruição de uma área de Preservação

Ambiental, ou a morte de animais de determinadas espécies, o Estudo de Impacto

Ambiental se demonstra um grande instrumento para precisar a melhor medida

técnica a ser adotada à reparação. Nos casos em que a vítima for o próprio meio

ambiente (bem de todos), e ensejando indenização a título de reparação, a Lei da

Ação Civil Pública prescreve que esta será destinada a um Fundo, que por sua vez

terá como meta a recomposição do bem afetado.111

1.3.2.3. Responsabilidade Administrativa

110 Michel Depax. Droit de l’Environnement. Paris, Librairie Téchniques, 1980, p. 794, apud

SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 314. 111 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 318.

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A responsabilidade administrativa possui fundamentação jurídica no texto

constitucional que prevê, no já citado art. 225, § 3°, a sanção administrativa para as

pessoas físicas e jurídicas que praticarem condutas ou atividades tidas como

prejudiciais ao meio ambiente.

Na legislação infraconstitucional, encontram-se normas gerais à

responsabilização administrativa das pessoas infratoras nos arts. 70 ao 76, da lei n°

9.605/98 – que dispõe sobre as sanções penais e administrativas derivadas de

condutas e atividades lesivas ao meio ambiente e dá outras providências –, estes

regulamentados, no âmbito federal, pelo decreto federal n° 3.179/99.

A responsabilização administrativa nasce com a ocorrência de uma infração

administrativa. De acordo com o art. 70, caput, da lei n° 9.605/98, “considera-se

infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que viole as regras jurídicas

de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente.” Nota-se que a

responsabilização administrativa poderá ocorrer com a violação das regras jurídicas

de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio ambiente, e não

necessariamente com a ocorrência de um dano ambiental efetivo.

Conforme assinalado pela doutrina,112 a responsabilização administrativa,

que implica em uma sanção também de cunho administrativo, deriva do poder de

polícia administrativa que detêm o ‘Poder’ Executivo da Administração Pública dos

entes federados (administração direta). Poderá também ser exercido indiretamente,

através de delegação fundada em lei, como é o caso da CETESB – Companhia de

Tecnologia de Saneamento Ambiental, do Estado de São Paulo, sociedade de

economia mista, pessoa jurídica de direito privado (administração indireta), que teve

delegado o poder de polícia administrativa pelo Governo do Estado, para realizar o

controle da poluição naquele Estado.113

Do art. 78, do Código Tributário Nacional – CTN, retira-se o conceito de

poder de polícia, como sendo a:

... atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

112 SILVA, Jose Afonso da; SIRVINSKAS, Luís Paulo; MACHADO, Paulo Afonso Leme. 113 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 822.

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Decorre então, que o poder de polícia administrativa diz respeito à função

exercida pela administração pública, que limita ou disciplina a atividade das pessoas

físicas e jurídicas que possam se chocar com interesses da coletividade. O poder de

polícia administrativa ambiental, por sua vez, também é fruto de uma atividade

exercida pela administração pública (direta ou indireta), qual seja a regulamentação

de determinadas práticas de atos ou abstenção de fatos que possam causar um

prejuízo ao meio ambiente, estipulando sanções administrativas para os casos de

descumprimento da regulamentação imposta.114

O parágrafo único do art. 78, do CTN, considera “regular o exercício do

poder de polícia quando desempenhado pelo órgão competente nos limites da lei

aplicável, com observância do processo legal”. Já foi dito que a responsabilização

administrativa decorre do poder de polícia administrativa, assim, de acordo com o

dispositivo citado acima, subentende-se que será regular o procedimento adotado

para se chegar à responsabilização administrativa, quando realizada por órgão

competente e em respeito com o princípio do devido processo legal – ampla defesa

e contraditório – até mesmo pelo diz o inciso LV, do art. 5°, da CF/88, 115 e o § 4°, do

art. 70, da lei n° 9.605/98.

Tomado conhecimento de uma infração administrativa, terá a autoridade

ambiental116 obrigatoriedade de promover imediatamente sua apuração, sob pena

de co-responsabilização, conforme dispõe o § 3°, do art. 70, da lei n° 9.605/98. Já o

administrado, poderá apresentar representação junto às autoridades integrantes do

SISNAMA, pelo que disciplina o § 2°, do art. 70, da lei n° 9.605/98. 117

Para que se chegue até a imposição de sanção administrativa, será

necessária a instauração de um processo administrativo por portaria de autoridade

competente. O processo administrativo é fundamentado no auto de infração (Auto de

Imposição de Infração de Penalidade Ambiental – AIIPA), na representação ou em

peça equivalente, que estejam especificados o infrator, o fato que constituiu a

114 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 317. 115 Art. 5° - [...]; LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados

em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

116 Lei n° 9.605/98, art. 70 – [...]. § 1º São autoridades competentes para lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo os funcionários de órgãos ambientais integrantes do Sistema Nacional de Meio Ambiente - SISNAMA, designados para as atividades de fiscalização, bem como os agentes das Capitanias dos Portos, do Ministério da Marinha.

117 SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit., p. 388.

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infração e o local em que ocorreu, a respectiva data e hora em que se deu o fato, a

fundamentação legal ou regulamentar à infração, a sanção que deverá ser imposta

e, se for o caso, o prazo para sanar a irregularidade, acompanhado da assinatura da

autoridade que lavrou o auto de infração, ou peça equivalente, ou de quem formulou

a representação118.

Uma vez julgado o processo administrativo, e constatada a infração

administrativa, será imputado ao responsável as seguintes sanções administrativas:

advertência; multa simples; multa diária; apreensão dos animais, produtos e

subprodutos da fauna e flora, instrumentos, petrechos, equipamentos ou veículos de

qualquer natureza utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto;

suspensão de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade;

demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; restritiva de direitos e

reparação do dano causado, conforme estabelece os incisos do art. 72, da lei n°

9.605/98, como também os incisos do art. 2°, do dec reto federal n° 3.179/99.

1.3.2.4. Responsabilidade Penal

Destaca a melhor doutrina119 que, com o advento da lei n° 9.605/98, a

legislação penal ambiental até então esparsa foi revogada, e naquela consolidada.

A lei em comento define quais são os crimes ambientais e comina suas

respectivas penas, sendo elas, para as pessoas físicas: a pena privativa de

liberdade e restritiva de direitos (arts. 7° e 8°). Tem como regra a não utilização das

penas privativas de liberdade, entendimento que se chega com a leitura do inciso I e

II, do art. 7°, que diz ser possível as penas restr itivas de direito substituírem as

penas privativas de liberdade quando se tratar “de crime culposo ou com pena

privativa de liberdade inferior a quaro anos”, bem como quando “a culpabilidade, os

antecedentes, a conduta social, a personalidade do condenado, os motivos do crime

e as circunstâncias” demonstrarem que a medida seja suficiente “para a reprovação

e prevenção do crime”. Paulo Afonso Machado, ao examinar as penas prescritas aos

crimes previstos na lei, verificou que as penas aplicadas, na sua grande maioria, não

118 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 305, 306. 119 SILVA, Jose Afonso da; SIRVINSKAS, Luís Paulo; MACHADO, Paulo Afonso Leme.

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superarão quatro anos, sendo a exceção as penas superiores ao limite estabelecido

para a substituição da pena (quatro anos).120

Fator marcante desta norma é a responsabilização penal das pessoas

jurídicas (art. 3°), já prevista pela CF/88, no § 3 °, do art. 225, 121 recaindo-lhes as

penas de multa, restritivas de direito e prestação de serviços à comunidade (art. 21),

com a ressalva expressa da possibilidade de “ser desconsiderada a personalidade

jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos

causados à qualidade do meio ambiente” (art. 4°), o u seja, atingindo a pessoa física

que realmente executa a infração penal.122

Para que seja caracterizada uma infração penal123 é necessária sua previsão

em lei, conforme determina o princípio da legalidade, previsto no art. 5°, inciso

XXXIX, da CF/88, como também pelo art. 1°, do Códig o Penal, que assim dispôs:

“não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação

legal”, também conhecido no direito penal como princípio da reserva legal. Não

basta supor que determinada conduta (do sujeito ativo) seja um crime, é necessária

a conduta estar tipificada em lei para que se possa considerá-la como tanto. Assim

como ocorre no instituto da responsabilidade civil, em que se aplicam as regras do

ordenamento jurídico civil, na responsabilidade penal serão observados os institutos

basilares inerentes a este ramo do direito.

Cumpriu ao direito penal ambiental estabelecer quais as condutas humanas

são lesivas ao meio ambiente e denominá-las como crime, imputando sanções

àqueles que nelas incorrerem. Qualquer pessoa (física ou jurídica) poderá praticar a

conduta considerada como crime, enquanto que as vítimas serão os Estados, os

Municípios, o Distrito Federal ou a coletividade.124

Percebe-se então, que a responsabilização penal é a imputação, ao sujeito

passivo, de uma sanção prescrita em lei para determinada conduta que ele praticou

120 MACHADO, Paulo Afonso Leme, op. cit., p. 680 121 Paulo Afonso Leme Machado lembra que a imputação de pena à pessoa jurídica não é

privacidade do sistema jurídico ambiental, tendo ainda, a CF/88, previsto em seu Título VII (Da Ordem Econômica e Financeira), em seu Capítulo I (Dos Princípios Gerais da Atividade Econômica) no seu art. 173, § 5°, a respo nsabilização penal das pessoas jurídicas, in op. cit., p. 684.

122 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit. p. 465. 123 “O termo infração penal congrega o crime e a contravenção penal”. In Ricardo Antonio

Andreucci. Curso de Direito Penal, volume I: parte geral. 2. ed. atual. e aum. – São Paulo: Juarez de Oliveira, 2001, p. 31.

124 SIRVINSKAS, Luís Paulo, op. cit., p. 406.

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e que violou um direito ou uma garantia do sujeito passivo, no caso o direito ao meio

ambiente ecologicamente equilibrado.

Relata José Afonso da Silva que a legislação tratou de separar os crimes

ambientais em espécies conforme o objeto tutelado, sendo: “crimes contra a fauna

(arts. 29-37), crimes contra a flora (arts. 54-31) e crimes contra a Administração

Ambiental (arts. 66-69)”, anota também, o autor, que os arts. 62 ao 65 definem os

crimes contra o ordenamento urbano e o patrimônio cultural.125

Os manuais de direito ambiental costumam discorrer, uma a uma, as

espécies de crimes ambientais, conforme esta separação adotada pela legislação,

não sendo este, entretanto, o foco do presente estudo, bastando aqui o

conhecimento teórico e a delimitação da abrangência da tutela penal ambiental.

1.3.4. Meios processuais de tutela

O direito material que regula o meio ambiente de nada valeria se não viesse

amparado pelos respectivos meios processuais que dão guarida ao seu exercício.126

Ademais, a proteção processual do meio ambiente por ora difere-se do costumeiro

procedimento de interesses individuais, ante a natureza metaindividual dos

interesses relativos à matéria ambiental. Com isto, passa-se à análise das

peculiaridades dos meios processuais inerentes às demandas judiciais ambientais.

Frisa-se, que os autores, nas respectivas obras abordadas, não são unânimes em

suas classificações. Às vezes um determinado autor não trabalha certo

procedimento (por exemplo, a ação cautelar e a ação civil), e em outras, trabalham

alguns não levantados no presente estudo (como a execução específica e a ação

direta de inconstitucionalidade).

1.3.4.1. Ação Penal

125 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 308. 126 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 998.

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Com a ocorrência de uma infração penal, surge o jus puniendi do Estado, ou

seja, o direito de punir do Estado até então abstrato torna-se efetivo. Assim, inicia-se

um conflito de interesses entre o direito de liberdade do agente infrator e o direito de

punir do Estado. O Estado como titular da prestação punitiva possui interesse

jurídico em buscar, junto ao Poder Judiciário, a aplicação do direito penal objetivo ao

caso específico. A aplicação pelo Poder Judiciário do direito objetivo ao caso

concreto se realiza com a ação penal, que possui como objeto imediato a decisão do

jus puniendi e como objeto mediato a aplicação de uma sanção penal ao infrator.127

A ação penal para os delitos ambientais será pública incondicionada,

conforme estipula o art. 26, da lei n° 9.605/98, 128 já que o bem jurídico tutelado é de

interesse público,129 que o significa que Ministério Público possui a titularidade

privativa da ação, conforme especifica o art. 129, inciso I, da CF/88.130 Muito embora

a titularidade seja do órgão Ministerial, caso ele permaneça inerte durante o prazo

legal que possui para propô-la, os particulares interessados poderão intentar ação

privada subsidiária da pública, de acordo co o inciso LIX, do art. 5°, da CF/88. 131

Destaca José Afonso da Silva, que a ação privada subsidiária da pública não é uma

ação penal popular, visto que ela só cabe ao ofendido. Por este motivo, diz o autor

que não restará muito espaço para sua propositura, já que o bem tutelado – meio

ambiente – é de domínio coletivo, e dificilmente apenas um particular será

diretamente lesado. Ainda o autor, conclui concordando que a ação seja intentada

por particulares, nos casos de ofensa direta a eles.132

1.3.4.2. Ação Civil

127 JESUS, Damásio Evangelista de, Direito Penal: parte geral. 10. ed. rev. – São Paulo:

Saraiva, 1985, p. 620. 128 Lei n° 9.605/98, art. 26 – Nas infrações penais pre vistas nesta Lei, a ação penal é pública

incondicionada. 129 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 1060. 130 CF/88, art. 129 – São funções institucionais do Ministério Público: I - promover,

privativamente, a ação penal pública, na forma da lei; 131 CF/88, art. 5° – [...]; LIX - será admitida ação p rivada nos crimes de ação pública, se esta

não for intentada no prazo legal; 132 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 320.

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A ação civil de reparação do dano reger-se-á pelo rito ordinário – previsto no

art. 272, do Código de Processo Civil – CPC,133 não cabendo a adoção do rito

sumário, conforme esclarece José Afonso da Silva.134 Celso Antonio Pacheco Fiorillo

atenta que devem estar presentes as condições da ação – possibilidade jurídica do

pedido, interesse jurídico processual e legitimidade das partes –, assim como a

importância de se observar os elementos da ação – partes, pedido e causa de

pedir.135

1.3.4.3. Ação Civil Pública

A ação civil pública é disciplinada pela lei n° 7.3 47/85. É o meio eficaz para

prevenir, reparar ou punir os danos causados “ao meio-ambiente, ao consumidor, à

ordem urbanística, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e

paisagístico e por infração da ordem econômica e da economia popular”. Com o

advento da CF/88, criou-se menção constitucional à ação civil pública, ao passo que

o inciso III, do art. 129, previu, dentre as funções institucionais do Ministério Público,

impetrar ação civil pública “para a proteção do patrimônio público e social, do meio

ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.” A legitimação ativa da ação civil

pública vem prevista nos incisos do art. 5°, da lei que a regula.136

A terminologia ‘ação civil pública’ sofre crítica doutrinária, pois nem a

titularidade da ação é exclusiva de órgãos públicos, nem o objeto tutelado é de

interesse exclusivamente público, fato que faz a terminologia utilizada pelo CDC –

133 Art. 272. O procedimento comum é ordinário ou sumário. [...];SILVA, José Afonso da, op.

cit., p. 322. 134 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 322. 135 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit. p. 371 a 377. 136 Art. 5° - Têm legitimidade para propor a ação prin cipal e a ação cautelar: I - o Ministério

Público; II - a Defensoria Pública; III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; V - a associação que, concomitantemente: a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.

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ação coletiva – mais coerente.137 Trata-se de questão que na prática não altera em

nada sua utilização, bem como seu conteúdo. A lei n° 7.347/85 é meramente

processual, e a ação e a sentença devem estar embasadas em norma material

promulgada pelos entes federados, que tipifique a conduta danosa, no caso, ao meio

ambiente. A impetração da ação civil pública não é prejudicada se já houver sido

impetrada ação popular, ou se já ocorrida a responsabilização na esfera

administrativa e penal, conforme especifica o art. 1°, da citada lei. Seguirá o rito

ordinário, comum, regulamentado pelo CPC. Cabe ação cautelar para garantir o

objeto em litígio na ação civil pública, assim como é possível formular pedido liminar,

de acordo com a redação dos arts. 4° e 12, da lei. 138

Em matéria ambiental, a responsabilidade do agente é objetiva, como já

visto em tópico alhures. A responsabilização objetiva, aqui, decorre da interpretação

da lei n° 6.938/81, bastando o nexo causal entre a conduta do réu e o dano causado

ao meio ambiente, independentemente de sua culpa. O art. 3°, da lei n° 7.347/85,

especificou que “a ação civil poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o

cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, o que, para Hely Lopes Meirelles,

o fez com devido acerto, visto que a condenação em moeda, no que tange ao dano

ambiental, não trará o meio ambiente ao estado a quo anterior ao dano ocorrido.139

1.3.4.4. Ação Popular

137 PELLEGRINI, Ada Grinover. Ações coletivas para a tutela do ambiente e dos

consumidores – A Lei 7.347, de 24.07.1985. Revista de Processo, São Paulo, RT, n. 44, p. 124, nota 1, 1986, apud MILARÉ, Édis, op. cit., p. 1002.

138 MEIRELLES, Hely Lopes. Mandado de Segurança; Ação Popular; Ação Civil Pública; Mandado de Injunção; ‘Habeas Data’; Ação Direta de Inconstitucionalidade; Ação Declaratória de Constitucionalidade; Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão; Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental; Controle Incidental ou Concreto de Normas no Direito Brasileiro; A Representação Interventiva; A Reclamação Constitucional no STF. – 30. ed. atual. e compl. de acordo com as emendas constitucionais, a legislação vigente e a mais recente jurisprudência do STF e do STJ por Arnoldo Wald e Gilmar Ferreira Mendes com a colaboração de Rodrigo Garcia da Fonseca. – São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 160, 161, 176.

139 Ibidem, p. 180, 181.

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Trata-se a ação popular de um remédio constitucional, previsto no inciso

LXXIII, do art. 5°, da CF/88, 140 regulado pela lei ordinária federal n° 4.717/65, e

disposta a qualquer cidadão que pretenda “anular ato lesivo ao patrimônio público ou

de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio

ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”. Está prevista no ordenamento jurídico

brasileiro desde 1934.141 A ação popular, conforme o art. 11, da lei n° 4.71 7/65,142

tem cunho desconstitutivo e subsidiariamente condenatório ao pagamento em

perdas e danos pela lesão causada.143 Retira-se que a ação popular visa tutelar

exclusivamente os interesses da coletividade, e não é meio hábil para resguardar

direitos particulares dos cidadãos que a impetram. É o interesse do povo que se

busca proteger, o cidadão que promove a ação popular agirá em nome dos

demais.144

Esclarece Paulo de Tarso Brandão, que a lei que criou a ação popular foi

pioneira ao desenvolver meios de tutelas de direitos coletivos lato sensu no sistema

jurídico brasileiro, muito embora não o tenha feito com a mesma intensidade

presente nos institutos contemporâneos, inerentes à proteção desta gama de

direitos.145

Ser cidadão brasileiro é requisito para se impetrar a ação popular.

Considera-se cidadão para estes fins, todos os brasileiros que gozam de seus

direitos cívicos e políticos, o que para Hely Lopes Meirelles traduz-se na qualidade

de eleitor, sendo a posse do título eleitoral o meio de provar o status de cidadão

para o ingresso em juízo, conforme estipula o § 3°, do art. 1°, da mencionada lei

reguladora. Conforme sumulou o STF, através da súmula n° 365, somente a pessoa

140 LXXIII - qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato

lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência;

141 BRANDÃO, Paulo de Tarso. Ações Constitucionais: novos direitos e acesso à justiça. – Florianópolis: Habitus, 2001, p. 249.

142 Art. 11 - A sentença que, julgando procedente a ação popular, decretar a invalidade do ato impugnado, condenará ao pagamento de perdas e danos os responsáveis pela sua prática e os beneficiários dele, ressalvada a ação regressiva contra os funcionários causadores de dano, quando incorrerem em culpa

143 MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 161. 144 Ibidem, p. 123, 124. 145 BRANDÃO, Paulo de Tarso, op. cit., p. 250.

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física tem capacidade para impetrar a ação popular. Logo, somente a pessoa física

munida de seu título eleitoral poderá propor ação popular.146

Existem três requisitos básicos para a impetração da ação popular. O

primeiro já foi visto acima – ser o impetrante cidadão brasileiro (pessoa física

portadora do título eleitoral). O segundo requisito diz respeito à necessidade de o ato

acoimado ser ilegal ou ilegítimo. O terceiro e último volta-se para que o ato

impugnado seja lesivo ao patrimônio público ou coletivo. Assim, possuir título de

eleitor, a ilegalidade do ato e a lesividade por ele causada seriam pressupostos que,

sem os quais, não se impetra a ação popular.147

Sobre a ação popular ambiental, parece-se que a exigibilidade de o sujeito

ativo ser cidadão brasileiro portador de título de eleitor vai de encontro com a própria

noção de bem ambiental que, de acordo com o teor do art. 225, caput, da CF/88,

pertence a todos. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é um bem de todos,

e não é plausível que somente os eleitores e os brasileiros possam impetrar a ação

popular em matéria ambiental. O objeto da ação foi ampliado pelo texto

constitucional de 1988, e agora a ação popular tutela não só os bens públicos, mas

também os coletivos lato sensu, devendo com isso ser revisto alguns procedimentos

específicos presentes na lei n° 4.717/65, já que po ssivelmente não foram

recepcionados na integra pela CF/88.148

Celso Antonio Pacheco Fiorillo, ao discorrer sobre a aplicação da ação

popular em matéria ambiental, destaca a redundância do inciso LXXIII, do art. 5°, da

CF/88, como também do art. 1°, da lei n°4.717/65, u ma vez que o patrimônio

histórico e cultural são aspectos que já integram o meio ambiente. Ainda, aduz que

se deve fazer uma distinção no procedimento da ação popular, tendo como base o

objeto tutelado (patrimônio público ou coletivo). Para o primeiro caso (patrimônio

público), o procedimento adotado será o previsto pela lei que regula a ação popular,

enquanto que para os casos em que o objeto tutelado seja o patrimônio coletivo, o

procedimento a ser adotado é o estabelecido pela Lei de Ação Civil Pública e pelo

Código de Defesa do Consumidor.149

1.3.4.5. Mandado de Segurança Coletivo

146 MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 125. 147 Ibidem, p. 126. 148 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco, op. cit. p. 426. 149 Ibidem, p. 425.

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O mandado de segurança é uma ação constitucional, previsto no inciso

LXIX, do art. 5°, da CF/88, que visa sanar ou prote ger direito líquido e certo violado

por ato de ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou agente

de pessoa jurídica que exerça função do Poder Público.150 O mandado de segurança

coletivo, por seu turno, encontra respaldo no inciso LXX, do art. 5°, da CF/88, 151 que

em suas alíneas ‘a’ e ‘b’, prevêem a legitimação ativa para propor o writ (termo

também utilizado para denominar o mandado de segurança, assim como o termo

madamus). O mandado de segurança coletivo poderá ser impetrado por partido

político com representação no Congresso Nacional, por entidade de classe, por

organização sindical e por associação legalmente constituída e em funcionamento

há mais de um ano. Veja-se que o interesse tutelado é das pessoas representadas,

ou seja, dos associados e filiados dos partidos, sindicatos, entidades de classes e

associações.

A súmula n° 629, do STF, especificou que “a impetra ção de mandado de

segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe de

autorização destes”, já a súmula n° 630 dispôs que “a entidade de classe tem

legitimação para o mandado de segurança ainda quando a pretensão veiculada

interesse apenas a uma parte da respectiva categoria”. Neste caso, estar-se-ia

diante de interesses coletivos, ou seja, direitos e interesses nos quais os titulares

são pessoas determinadas, e que o objeto tutelado pertença a toda a coletividade,

impossibilitando sua divisão, motivo pelo qual se torna compreensível a

preocupação do STF em pacificar a matéria.

Quando o objeto tutelado for interesses difusos, restará prejudicada a

impetração do mandamus na visão de Celso Antonio Pacheco Fiorillo, visto que

neste caso o meio processual adequado seria a ação civil pública.152 Em sentido

150 LXIX - conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não

amparado por "habeas-corpus" ou "habeas-data", quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

151 LXX - o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;

152 MEIRELLES, Hely Lopes, op. cit., p. 29 a 34.

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contrário, defendendo que o mandado de segurança pode tutelar interesses difusos

e individuais homogêneos, estão os posicionamentos de Édis Milaré153 e Celso

Agrícola Barbi.154 Relata-se que este também é o posicionamento adotado pelo

Anteprojeto do Código Brasileiro de Processos Coletivos, que em seu art. 39, dispõe

que caberá a impetração de mandado de segurança coletivo “para proteger direito

líquido e certo relativo a interesses ou direitos difusos, coletivos ou individuais

homogêneos (art. 3º deste Código)”.155

A única distinção dada pela CF/88 entre o mandado de segurança e o

mandado de segurança coletivo é a legitimação ativa para impetrá-los (incisos LXIX

e LXX, art. 5°). Qualquer outra diferenciação, seja ela material ou processual, incide

em inconstitucionalidade, até mesmo porque o direito material resguardado por esse

‘heróico remédio’ é o previsto pelo inciso LXIX, do art. 5°, da CF/88 – o direito líquido

e certo violado por ilegalidade ou abuso de poder por ato de autoridade pública ou

agente de pessoa jurídica que exerça atividades do Poder Público.

1.3.4.6. Cautelar

A ação cautelar é um instrumento presente no processo civil que visa, em

síntese, resguardar o bem objeto da demanda, e evitar com isso o seu perecimento,

que por fim tornaria futura decisão judicial inócua. Coaduna-se com o princípio da

precaução e da prevenção, e por isso agasalhada pela Política Ambiental. A cautela

poderá acontecer por medida liminar ou por ação cautelar. Ambos os casos vêm

previstos na lei n° 7.347, de 1985. O art. 4° dispõ e sobre a possibilidade de se

propor ação cautelar, enquanto que o art. 12 prevê a concessão de mandado

liminar.156

153 MILARÉ, Édis, op. cit., p. 1084 e 1085. 154 BARBI, Celso Agrícola. Mandado de segurança na Constituição de 1988. – São Paulo:

Revista dos Tribunais, 1988, p. 22 apud MILARÉ, Édis, op. cit., p. 1084 e 1085. 155 Anteprojeto de Código Brasileiro de Processos Coletivos. Redação de Ada Pellegrini

Grinover após reuniões com o Ministério Público e Órgãos do Governo Federal. Ministério da Justiça – última versão, dezembro de 2005, disponível em: <http://www.pucsp.br/tutelacoletiva/download/cpbc_versao24_02_2006.pdf>, acesso em: 27/08/2008, às 19h07min.

156 SILVA, José Afonso da, op. cit., p. 324.

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2. ORDENAMENTO JURÍDICO-TRIBUTÁRIO

O presente capítulo trata exclusivamente do sistema tributário nacional, de

acordo com a legislação e doutrina e jurisprudência. Tem-se como objetivo principal

focar os elementos jurídico-tributários que serão essenciais à conclusão do estudo.

Por esta razão, não se objetiva, por ora, uma abordagem minuciosa e exaustiva do

direito tributário brasileiro.

2.1. O TRIBUTO

2.1.2. Seu conceito

O tributo decorre da necessidade financeira que o Estado possui para

cumprir seus fins sociais. A atividade econômica, excetuados os casos previstos no

art. 173, da CF/88,157 é exercida por particulares. Salvo o tributo, o Estado adquire

recursos financeiros através de seus contratos (aluguel, venda, doação, juros,

laudêmios, foros, etc.); através do pecúlio que é pago pelas multas; pelos valores

recebidos a título de indenização, quando a reparação é convertida em dinheiro; e

por último via arrecadações (confiscos permitidos, apropriação de bens vacantes,

etc.). Logo, o recurso financeiro estadual, se não vier de contratos, multas,

indenizações ou arrecadações, virá pela cobrança de tributo, sob pena de

enriquecimento sem causa.158 Trata-se de critério que deve ser utilizado para o

reconhecimento do tributo.159

157 Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de

atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.

158 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. – 9. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 422-424.

159 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária. 6. ed. 9. triagem. – São Paulo: Malheiros, 1992, p. 36.

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A CF/88 prevê, em seu art. 146, inciso III, alínea ‘a’, que caberá à lei

complementar dar a definição de tributo.160 O Código Tributário Nacional – CTN (lei

n° 5.172/66) assumiu eficácia de lei complementar c om a Constituição de 1967,

conforme esclarece Luciano Amaro.161 Por sua vez, o art. 3°, do referido diploma,

assim especifica: “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou

cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída

em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.” Geraldo

Ataliba classifica o tributo, no campo jurídico, como instituto nuclear do direito

tributário; sendo uma obrigação jurídica pecuniária; advinda da ocorrência de um

fato previsto em lei; não considerada uma sanção de ato ilícito; que tem como sujeito

ativo, em regra, uma pessoa pública, ou outra que por esta for delegada (como

ocorre na parafiscalidade); e que o sujeito passivo venha definido por lei.162

Paulo de Barros Carvalho analisa o conceito legal por partes, e conclui que:

“a) tributo é uma prestação pecuniária compulsória; b) em moeda ou cujo valor nela

se possa exprimir; c) que não constitua sanção de ato ilícito; d) instituída em lei; e) e

cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada”.163 Na mesma

esteira, com mínima distinção, Luciano Amaro adverte que o conceito trazido pelo

art. 3°, do CTN, quis explicitar: a) o caráter pecu niário da prestação tributária; b) a

compulsoriedade da prestação; c) o fato de não configurar uma sanção por ato

ilícito; d) a exegese legal da prestação (deve nascer em lei); e) a natureza não

discricionária da atividade arrecadatória.164

Tributo é uma prestação, ou, conforme Geraldo Ataliba, uma obrigação (cujo

objeto é o comportamento humano de entregar dinheiro), tendo de um lado o sujeito

ativo da obrigação tributária (Estado ou pessoa por ele indicada), possuidor de

direito subjetivo de vê-la cumprida, e de outro o sujeito passivo, que por sua vez tem

o dever jurídico de cumpri-la.165

160 Art. 146. Cabe à lei complementar: [...]; III - estabelecer normas gerais em matéria de

legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;

161 AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. – 14. ed. rev. – São Paulo: Saraiva, 2008, p. 18.

162 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, op. cit., p. 34-36. 163 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. – 19. ed. rev. – São Paulo:

Saraiva, 2007, p. 19. 164 AMARO, Luciano, op. cit., p. 18-19. 165 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 24.

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É uma obrigação pecuniária, o que quer dizer que seu objeto é a entrega

pelo sujeito passivo de pecúnia (dinheiro) ao sujeito ativo.

A prestação (de entregar dinheiro) é compulsória. Significa que o

comportamento esperado e prescrito em lei surge independe da vontade das

pessoas que compõe a obrigação tributária, o dever jurídico tem origem em lei. O

caráter compulsório da prestação, para Luciano Amaro, não diz respeito ao seu

cumprimento, e sim uma imposição de seu surgimento, ou seja, ocorrido o fato

prescrito, compulsoriamente nasce-se a obrigação tributária. De acordo com o autor,

todos os devedores de obrigações devem honrá-las, sob pena de serem compelidos

a fazerem, sendo que a determinação de que a prestação pecuniária é compulsória,

trazida pelo art. 3°, em nada especifica o conceito de tributo, nem o distingue das

demais obrigações jurídicas. Aduz o doutrinador, que o texto é redundante, já que

mais a frente dispõe ser a prestação instituída (criada) em lei. 166

A obrigação de entregar pecúnia (objeto do tributo) não é uma penalidade

imposta por uma conduta ilícita praticada pelo sujeito passivo. É através dessa

especificidade do conceito que se pode distinguir o tributo da multa, já que esta

também é uma obrigação de entregar dinheiro prescrita em lei. Por se constituírem

obrigações idênticas, quando analisadas isoladamente, será “pela associação ao

fato que lhe deu origem que vamos conhecer a índole da relação.”167 Se a prestação

pecuniária não é uma sanção de fato ilícito, chega-se a conclusão, a contrario

sensu, que o tributo nasce de um fato lícito.168

A prestação de entregar dinheiro deve ser criada por lei. Como corolário do

princípio da legalidade insculpido no art. 5°, inci so II, da CF/88,169 a própria CF/88,

ao adentrar na matéria tributária, tratou de especificar, em seu art. 150, inciso I,170

que somente através de lei poderão os entes federados instituir e aumentar tributo.

A cobrança do tributo deve ocorrer através de atividade administrativa

plenamente vinculada. Trata-se do exercício da atividade da administração e do

administrador, onde prevalece a máxima descrita por Hely Lopes Meireles: “na

166 AMARO, Luciano, op. cit., p. 22 e 23. 167 Ibidem, p. 26. 168 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro, op. cit., p. 423. 169 Art. 5°. [...]. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei; 170 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

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Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na

administração particular é lícito fazer tudo o que a lei não proíbe, na Administração

Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza.”171 Entretanto, Luciano Amaro

formula crítica a respeito da vinculação da administração no momento da cobrança

do tributo, e dá como exemplo o caso de tributos que não são cobrados pela

administração e nem são para o Estado, figurando como credoras entidades não

estatais, como acontece na parafiscalidade, ou, ainda, no caso de pagamento do

tributo sem prévio lançamento e exame da autoridade administrativa.172

Lembra-se da crítica que sofre o conceito legal abordado, mais precisamente

quando dispõe que “tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou

cujo valor nela se possa exprimir”. Primeiramente, se a prestação é pecuniária, só

pode ser em moeda (pecúnia = dinheiro = moeda).173 Segundo, no que tange à

expressão ‘ou em cujo valor nela se possa exprimir”, assevera Paulo de Barros

Carvalho, seguido por Sacha Calmon Navarro Coêlho e Luciano Amaro que, por erro

grosseiro do legislador, abre-se “exageradamente o âmbito” da prestação tributária,

visto que “quase todos os bens são suscetíveis de avaliação pecuniária,

principalmente o trabalho humano que ganharia a possibilidade jurídica de formar o

substrato de relação de natureza fiscal.”174 Porém, sobre o tema, já dissertou

Aliomar Baleeiro no sentido de que atualmente extinguiram-se quase as prestações

em natura.175

Conclui-se que tributo é o objeto da obrigação tributária, que por sua vez

constitui-se na obrigação que o sujeito passivo tem em levar dinheiro ao sujeito

ativo, nascida em lei, não constituindo uma sanção de ato ilícito.

171 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. – São Paulo: Malheiros, 2004,

p. 88. 172 AMARO, Luciano, op. cit., p. 22 e 24. 173 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário Aurélio Básico da Língua

Portuguesa. – Rio de Janeiro: Folha de São Paulo e Editora Nova Fronteira, 1995, p.490. 174 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 25. 175 BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. – 11. ed. atual. por Misabel Abreu

Machado Derzi. – Rio de Janeiro: Forense, 2008, p. 197.

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2.1.3. Sua finalidade

Diz respeito ao fim desejado pela lei tributária. Conforme assevera Paulo de

Barros Carvalho, é uma discussão que se encontra no campo doutrinário, sendo rara

sua utilização no direito positivo.176 Os termos fiscalidade, extrafiscaliade e

parafiscalidade, poderão ser deduzidos conforme o fim que o legislador quis dar ao

tributo. Paulo de Barros Carvalho, ainda trata de dizer que mesmo inclinando certos

tributos para a fiscalidade, e outros para a extrafiscalidade, não existe “entidade

tributária” pura, ou seja, só na fiscalidade ou só na extrafiscalidade, convivendo os

dois objetivos juntos e harmoniosamente, ora pendendo certo tributo para um lado,

ora outra predominando para outro lado.177

2.1.3.1. Fiscalidade

Como dito acima, dentre os meios de o Estado arrecadar seus recursos,

encontra-se o tributo. Hugo de Brito Machado adverte que a tributação é a base do

sistema capitalista, já que, com ela, não é preciso socializar todas as atividades

econômicas, para que com isto o Estado possa praticar seus fins sociais.178

A finalidade fiscal – fiscalidade – ocorre nos casos em que se almeje, com a

instituição do tributo, a arrecadação de dinheiro para o erário. Basicamente, o

legislador não pretende outra finalidade, se não “abastecer os cofres públicos, sem

que outros interesses – sociais, políticos ou econômicos – interfiram no

direcionamento da atividade impositiva.”179 O dinheiro arrecadado constitui o fim

desejável, sendo o tributo o meio para alcançá-lo.

176 Ibidem, p.252. 177 Ibidem, p 253-254; BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. – 4. ed.

– São Paulo: Noses, 2007, p. 624. 178 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. – 5. ed. – Rio de Janeiro:

Forense, 1992, p. 3-5, apud COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 421. 179 Idem.

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2.1.3.2. Extrafiscalidade

Diferentemente do que acontece na fiscalidade, que o fim almejado com a

instituição do tributo é a arrecadação de dinheiro ao erário, na extrafiscalidade o

tributo é utilizado como instrumento de política sócio-econômica. Assim é que, com

intuito de prestigiar certas situações, o legislador maneja os “elementos jurídicos

usados na configuração dos tributos”.180

Conforme esclarece Alfredo Augusto Becker, muitos são os meios de o

Estado disciplinar determinado fato social, onde a tributação extrafiscal seria uma

intervenção indireta, já que o Estado não deseja o tributo e sim o “específico reflexo

econômico-social que resulta da circunstância dos indivíduos evitarem ou se

absterem de realizar a hipótese de incidência do tributo ‘proibitivo’.181

A extrafiscalidade sofre crítica doutrinária, destacando-se o posicionamento

de Dino Jarach, que a considera ilegítima, pois possibilita o Estado fazer algo

indiretamente que não poderia fazer diretamente, tendo o autor sofrido críticas de

Rubens Gomes de Souza e Bernardo Ribeiro de Morais.182

Paulo de Barros Carvalho traz o caso do Imposto Territorial Rural – ITR,183

como exemplo da utilização extrafiscal do tributo. Conforme esclarece, ao onerar a

cobrança, no caso dos imóveis inexplorados ou improdutivos, o legislador “busca

atender, em primeiro plano, a finalidades de ordem social e econômica e não ao

incremento de receita.”184 O mesmo autor ainda aborda outros casos em que a

extrafiscalidade se sobrepõe à fiscalidade, tais quais: a legislação do Imposto sobre

a Renda e Provento de Qualquer Natureza – IR, que “permite o abatimento de

verbas gastas em determinados investimentos, tidos como de interesse social ou

econômico, tal o reflorestamento, justamente para incentivar a formação de reservas

180 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 253. 181 BECKER, Alfredo Augusto, op. cit., p. 628. 182 OLIVEIRA, Gustavo Goiabeira de; PÉRILLIER, Eduardo Barros Miranda. A

Extrafiscalidade como Instrumento de Controle Ambiental, in Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 108.

183 CF/88 - Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]; VI - propriedade territorial rural; [...]; § 4º O imposto previsto no inciso VI do caput: I - será progressivo e terá suas alíquotas fixadas de forma a desestimular a manutenção de propriedades improdutivas.

184 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 253.

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florestais no país”;185 no Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI, a CF/88

prescreve (art. 153, § 3°, inciso I) 186 que as alíquotas serão progressivas em razão

da essencialidade do produto.187 Ainda, Paulo de Barros Carvalho, ressalta o que

ocorre no caso dos impostos aduaneiros (Imposto sobre Importação – II e Imposto

sobre Exportação – IE), como exemplo da extrafiscalidade utilizada na política

econômica, e faz alusão à tributação dos automóveis importados, tendente a

impulsionar a industria automobilística nacional.188

2.1.3.3. Parafiscalidade

Somente os entes federados possuem competência tributária, que se traduz

na possibilidade de instituírem tributos. A competência tributária é exclusiva,

enquanto que a capacidade ativa de arrecadar e fiscalizar tributo pode ser

delegada.189

A competência tributária sugere a capacidade para figurar no pólo ativo da

relação jurídico-tributária. Diante disto, quando se cala a legislação acerca da

pessoa que possui capacidade para recolher o tributo, pressupõe que caberá ao

185 Idem. 186 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre [...]; IV - produtos industrializados; [...]

§ 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto.

187 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 253. Há quem defenda (conforme Sacha Calmon Navarro Côelho, op. cit., p. 88) que na verdade trata-se de estrita observância ao princípio da capacidade contributiva (no caso de impostos indiretos) visto que produtos essenciais são consumidos por todos, enquanto que produtos supérfluos não o são, fazendo com que aquele que possui maior capacidade contributiva (verificada no consumo de produtos supérfluo, ou no simples fato de consumirem mais) pagando assim maiores impostos. O autor aponta a falha no fato de que todos consomem produtos essenciais, mas anota que o fato se compensa no caso dos produtos supérfluos.

188 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 253. 189 Art. 7º A competência tributária é indelegável, salvo atribuição das funções de arrecadar

ou fiscalizar tributos, ou de executar leis, serviços, atos ou decisões administrativas em matéria tributária, conferida por uma pessoa jurídica de direito público a outra, nos termos do § 3º do artigo 18 da Constituição. § 1º A atribuição compreende as garantias e os privilégios processuais que competem à pessoa jurídica de direito público que a conferir. § 2º A atribuição pode ser revogada, a qualquer tempo, por ato unilateral da pessoa jurídica de direito público que a tenha conferido. § 3º Não constitui delegação de competência o cometimento, a pessoas de direito privado, do encargo ou da função de arrecadar tributos.

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ente federado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que o criou. Como diz

Paulo de Barros Carvalho, tendo a União instituído – mediante lei – o IPI, será ela

que irá compor, em princípio, o pólo ativo da relação jurídica da cobrança, que

implica, como já visto, no direito subjetivo de arrecadar o IPI. Noutras oportunidades,

o próprio ente que edita a norma instituidora do tributo irá especificar sua

capacidade ativa para compor a relação jurídica.190

Ocorre, que nem sempre compete ao ente que edita a lei, a capacidade ativa

para a sua arrecadação. Existem casos em que a própria norma especifica pessoa

diferente para compor o pólo ativo da relação jurídico-tributária, e com isso transfere

a titularidade do direito subjetivo de receber o valor devido pelo sujeito passivo.191

Geraldo Ataliba sintetiza que a parafiscalidade consiste:

[...] em a lei atribuir titularidade de tributos a pessoas diversas do estado, que os arrecadam em benefício das próprias finalidades. É o caso de autarquias dotadas de capacidade tributária ativa (INSS, DNER, OAB, CONFRA, CEF) ou de entidades paraestatais, pessoas de direito privado chamadas pela lei a colaborar com a administração pública, como as define Celso Antônio Bandeira de Mello [...].192

Duas são as hipóteses ao se apontar outra pessoa que não um dos entes

federados (possuidores exclusivo da competência tributária) para fiscalizar e

arrecadar tributo. Num primeiro caso, seria transferido o poder de fiscalizar e

arrecadar o tributo, fazendo cumprir a legislação pertinente, mediante todos os

recursos inerentes necessários, e ao final entregar-se-ia o montante arrecadado; na

segunda hipótese, similar a primeira, mas que ao final o dinheiro recolhido ficaria

com a pessoa que recebeu, por delegação, a capacidade ativa de fiscalizar, cobrar e

como visto permanecer com os recursos. Este segundo caso (quando a pessoa

permanece com o valor arrecadado) se classifica, conforme a finalidade do tributo,

como tributação parafiscal. Logo, para que a tributação tenha cunho parafiscal, é

necessário que o ente competente para criar o tributo transfira para pessoa distinta a

capacidade de fiscalizá-lo e arrecadá-lo, bem como atribuir a esta pessoa o produto

arrecadado.193

A título de exemplificação, de espécies tributárias em que ocorrem a

parafiscalidade, Paulo de Barros Carvalho destaca as contribuições previdenciárias,

190 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 254; ATALIBA,

Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, op. cit., p. 84-86. 191 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 254. 192 ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, op. cit., p. 85. 193 CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário, op. cit., p. 254.

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recolhidas para autarquia federal: Instituto Nacional de Seguridade Social – INSS; o

pedágio arrecadado para entidade paraestatal: Desenvolvimento Rodoviário S. A. –

DERSA; bem como os valores exigidos pela Ordem dos Advogados do Brasil,

autarquia federal, dentre outros tributos, como ocorre nos tributos lançados e

cobrados pelo sistema ‘S’ (SESC, SENAC, SENAI).194

2.1.4. Suas espécies

2.1.4.1. Impostos

A espécie imposto tem previsão constitucional no art. 145, inciso I.195 O

conceito de imposto está disposto no art. 16, do CTN, sendo “o tributo cuja

obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade

estatal específica, relativa ao contribuinte.” Do artigo, retira-se que a prestação deve

ser paga pelo sujeito passivo da obrigação tributária, independentemente da

celebração de algum serviço ou concessão de vantagens, obra pública ou poder de

polícia específico ao sujeito passivo pelo poder público. O fato gerador do imposto é

uma situação praticada pelo contribuinte ou responsável (auferir renda, circular

mercadoria, prestar serviço, transmitir imóvel, etc.), não conectada com atividade

especifica prestada pelo Estado para eles.196

Aliomar Baleeiro afirma que o imposto é a prestação em dinheiro exigida por

uma pessoa jurídica de direito público, criado por lei, com observância, quanto ao

sujeito passivo, de sua capacidade contributiva,197 sem lhes assegurar “qualquer

194 Ibidem, p. 256; ATALIBA, Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, op. cit., p. 85. Sobre

a parafiscalidade vide também Aliomar Baleeiro, op. cit., p. 81-87 e 1028-1033. 195 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os

seguintes tributos: I – impostos. 196 AMARO, Luciano, op. cit., p. 30. 197 Art. 145. [...]; § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão

graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

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vantagem ou serviço específico em retribuição do pagamento”,198 cuja finalidade da

arrecadação é de interesse coletivo.199 Relata, ainda, que pouco importa, no caso do

imposto, ser o sujeito passivo cidadão ou estrangeiro, residente no país ou não, bem

como “a idade, a incapacidade civil, a situação de falência (CTN, art. 216).”200

Os recursos arrecadados vão aos cofres públicos, e em seguida serão

empregados em serviços ou vantagens colocados a disposição da coletividade. Este

fato não estará previsto na regra matriz de incidência tributária do imposto, ou seja,

na lei que o instituiu, e sim em norma de cunho financeiro, inerente ao ramo do

direito financeiro, tratando-se de estrita assediado observância à justiça redistributiva

dos recursos arrecadado.201

Ressalva-se o que diz o art. 167, inciso IV, da CF/88,202 que consagra o

princípio da não afetação da receita de impostos, ao vedar a vinculação da receita

de impostos a órgão, fundo ou despesa.

2.1.4.2. Taxas

As taxas estão previstas pela CF/88, em seu art. 145, inciso II, e

especificadas pelo art. 77, do CTN, que diz terem “como fato gerador o exercício

regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público

específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.” Verifica-

se que o critério material – da regra matriz de incidência tributária da norma que

institui a taxa – não é uma situação do sujeito passivo da relação tributária, como

198 BALEEIRO, Aliomar, op. cit., p. 197. 199 O autor abre um parêntese para a finalidade parafiscal, que pode estar presente em

certos impostos, in BALEEIRO, Aliomar, op. cit., p. 197. 200 Idem. 201 Ibidem, p. 198. 202 Art. 167. São vedados: [...]; IV - a vinculação de receita de impostos a órgão, fundo ou

despesa, ressalvadas a repartição do produto da arrecadação dos impostos a que se referem os arts. 158 e 159, a destinação de recursos para as ações e serviços públicos de saúde, para manutenção e desenvolvimento do ensino e para realização de atividades da administração tributária, como determinado, respectivamente, pelos arts. 198, § 2º, 212 e 37, XXII, e a prestação de garantias às operações de crédito por antecipação de receita, previstas no art. 165, § 8º, bem como o disposto no § 4º deste artigo;

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decorre no imposto. Na taxa, a situação tributável é oriunda de atividade ou serviço

prestado pelo Estado e utilizado ou colocado a disposição do contribuinte.

Conforme esclarece Luciano Amaro, tendo a oportunidade de os serviços

serem específicos e individualizados, é uma questão de justiça fiscal que somente

as pessoas favorecidas sujeitem-se a esta tributação.203 Geraldo Ataliba, por sua

vez, ressalta que “a hipótese de incidência da taxa é uma atuação estatal

diretamente (imediatamente) referida ao obrigado (pessoa que vai ser posta como

sujeito passivo da relação obrigacional que tem a taxa por objeto).”204

O art. 77, do CTN, traz as duas possibilidades de instituir a taxa. A primeira

diz respeito à “taxa de polícia”,205 constituída na primeira parte do citado artigo. O

art. 78, do CTN,206 como já visto no decorrer do capítulo anterior, traz o conceito de

poder de polícia, como sendo a atividade administrativa fundada em lei, e que tende

a limitar o direito de liberdade e propriedade do particular, em vista de se assegurar

iguais direitos a todos.207 A segunda subespécie de taxa é a “taxa de serviço”,208

prevista pela segunda parte do art. 77, do CTN. A taxa de serviço está ligada, como

o nome já diz, a um serviço público, específico e divisível, realizado pelo Estado e

utilizado ou colocado à disposição do sujeito passivo da obrigação tributária.209 Por

O art. 79, do CTN, traz um rol dos serviços públicos que aludem o art. 77:

Art. 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo 77 consideram-se: I - utilizados pelo contribuinte: a) efetivamente, quando por ele usufruídos a qualquer título; b) potencialmente, quando, sendo de utilização compulsória, sejam postos à sua disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento; II - específicos, quando possam ser destacados em unidades autônomas de intervenção, de unidade, ou de necessidades públicas; III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização, separadamente, por parte de cada um dos seus usuários.

203 AMARO, Luciano, op. cit., p. 31. 204 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 147. 205 AMARO, Luciano, op. cit., p. 32. 206 Art. 78. Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando

ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

207 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 157. 208 AMARO, Luciano, op. cit., p. 33. 209 Idem.

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O serviço será específico, a partir do momento que a administração se

adéqüe para prestá-lo, nos dizeres de Luciano Amaro, “a partir do momento em que

o Estado se aparelha para executar o serviço, está atendida a exigência de

‘especificação’.”210 Será divisível, o serviço, quando for possível especificar as

pessoas que se beneficiaram com sua prestação. Conforme Aliomar Baleeiro,

“serviço público específico é atividade que congrega meios materiais, pessoal, e

organização, mantida, regida e controlada pelo Estado,” que vise atender interesse

público.211 A taxa de serviço incidirá tanto nos serviços efetivamente utilizados pelo

contribuinte, como também sobre os serviços potencialmente colocados a sua

disposição, nos casos de a utilização ser compulsória.212 Luciano Amaro diz que a

potencialidade ocorre quando determinado serviço não é colocado à disposição de

toda a coletividade, mas apenas para parcela dela. Esta parcela que pode usufruir

do serviço terá que pagar a taxa, e mesmo que determinados indivíduos deste grupo

não o utilizem efetivamente, terão que pagar.213

2.1.4.3. Contribuição de melhoria

A contribuição de melhoria vem prevista pelo art. 145, inciso III, da CF/88.214

Conforme determina o art. 81 do CTN, a contribuição de melhoria deve ser

“instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização

imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o

acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.” Assim, a

União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal, possuem competência para

instituir e cobrar a contribuição de melhoria, em detrimento de obra pública que

venha valorizar o imóvel do contribuinte.

Aliomar Baleeiro diz que a contribuição de melhoria é um tributo que tem

origem no princípio de justiça e de moralidade. Acredita o autor, que uma vez

210 Ibidem, p. 34. 211 BALEEIRO, Aliomar, op. cit., p. 565. 212 Ibidem, p. 39. 213 AMARO, Luciano, op. cit., p. 39-40. 214 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os

seguintes tributos: [...]; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

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beneficiado o particular com a valorização do seu imóvel, em virtude de obra

financiada com o dinheiro público, nada mais justo que a restituição, ao erário, do

valor que viu acrescido no seu imóvel, sob pena de enriquecimento sem causa.215

Relata, ainda, Aliomar Baleeiro, que “o fato gerador da contribuição de melhoria é a

valorização efetiva do imóvel,”216 sendo indispensável que “por uma ralação de

causa e efeito, se origine aumento positivo do valor do imóvel.”217 Geraldo Ataliba

também considera que a “hipótese de incidência da contribuição de melhoria é a

valorização imobiliária causada por obra pública.”218

Sobre a contribuição de melhoria, colaciona-se jurisprudência do Egrégio

Superior Tribunal de Justiça para melhor exemplar a matéria:

Tributario. Contribuição de Melhoria. 1 - A entidade tributante ao exigir o pagamento de contribuição de melhoria tem de demonstrar o amparo das seguintes circunstancias: a) exigência fiscal decorre de despesas decorrentes de obra publica realizada; b) a obra provocou a valorização do imóvel; c) a base de calculo e a diferença entre dois momentos: o primeiro, o valor do imóvel antes da obra ser iniciada; o segundo, o valor do imóvel apos a conclusão da obra. 2. É da natureza da contribuição de melhoria a valorização imobiliária (Geraldo Ataliba). 3 - Precedentes jurisprudenciais: [...]. 4 - Adoção, também da corrente doutrinaria que, no trato da contribuição da melhoria, adota o critério de mais valia para definir o seu fato gerador ou hipótese de incidência (no ensinamento de Geraldo Ataliba, de saudosa memória). 5 - Recurso provido.219

A contribuição de melhoria não diz respeito ao valor gasto para executar a

obra, o que a desvirtuaria e a caracterizaria como típica taxa de serviço, assim como

não é uma remuneração ou um ressarcimento. Como se vê, é imperioso saber a

distinção de serviço público (o que enseja a taxa) de obra pública (o que enseja a

contribuição de melhoria).220 Na descrição de sua hipótese normativa,

necessariamente estará presente a realização de obra pública e a valorização

imobiliária, enquanto que no seu conseqüente normativo, em sua base de cálculo,

215 BALEEIRO, Aliomar, op. cit., p. 570. 216 Ibidem, p. 579. 217 Idem. 218 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 170. 219 STJ - REsp n° 169131/SP. RECURSO ESPECIAL n° 1998/ 0022538-2. Relator: Ministro

José Delgado. T1 – Primeira Turma. Data do Julgamento: 02/06/1998. Disponível em: <http://www.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?tipo_visualizacao=RESUMO&processo=169131&b=ACOR>. Acesso em: 16/10/2008.

220 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário. – 7. ed. ver. e atual. – São Paulo: Dialética, 2007, p. 82.

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estará presente a diferença positiva entre o valor do imóvel antes e depois da obra

pública realizada.221

2.1.4.4. Empréstimo Compulsório

O empréstimo compulsório está previsto pela CF/88, em seu art. 148, e

caberá à União, através de lei complementar, criá-lo. Nos incisos I e II, do mesmo

artigo, encontram-se as circunstâncias em que pode ser instituído o empréstimo

compulsório, sendo a primeira “para atender a despesas extraordinárias,

decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência;” e a

segunda hipótese “no caso de investimento público de caráter urgente e de

relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".” Muito embora

com certa redundância, o que nunca é demais no ordenamento jurídico tributário, o

parágrafo único do citado dispositivo alude a necessidade de os recursos

arrecadados estarem vinculados à despesa que originou o empréstimo compulsório.

José Eduardo Soares de Melo afirma que o fato de restituir ao contribuinte o

valor arrecadado, não desconstitui a natureza de tributo do empréstimo compulsório.

Para o autor, a cláusula de restituição somente traz caráter especial ao tributo, haja

vista que, embora não tenha o condão de desconstituir a sua natureza tributária, não

é passível de ser desconsiderada, e deve, inclusive, a lei instituidora, disciplinar as

condições de restituição.222

Misabel Abreu Machado Derzi, em nota de atualização do livro de Aliomar

Baleeiro, esclarece que formalmente a norma que deve instituir o empréstimo

compulsório é a lei complementar federal, enquanto que materialmente, deve ser

criado somente para despesas extraordinárias de calamidade pública e de guerra

externa ou sua iminência, e em caso de investimento público de caráter urgente e de

relevante interesse nacional, “em cujo custeio o produto arrecadado deve ser

necessariamente aplicado.”223 Continua o autor, a dizer que a lei complementar deve

definir a hipótese e conseqüência normativas em todos os seus aspectos. Afirma

221 Idem. 222 MELO, José Eduardo Soares de, op. cit., p. 86. 223 DERZI, Misabel Abreu Machado, in BALEEIRO, Aliomar, op. cit., p. 186.

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que a mesma lei complementar deve ainda indicar todas as obrigações acessórias e

as sanções aplicáveis, como também a necessidade de especificar que a existência

do empréstimo compulsório estará atrelada com àquela despesa (inciso I e II, art.

148, CF/88), e que o contribuinte poderá pleitear a restituição dos valores

arrecadados caso não exista a despesa ou o produto arrecadado não seja

empregado na referida despesa. Por fim, aduz que o rol de situações que ensejam a

criação do tributo (inciso I e II, art. 148, CF/88) é taxativo, e não poderá ser instituído

diante de circunstâncias análogas àquelas.224

2.1.4.5. Contribuições

Tratam-se, as contribuições, de tributos que têm suas receitas arrecadadas

vinculadas, e estão constitucionalmente previstas nos arts. 7°, inciso III; 149; 149-A;

195; 212, § 5°; 239; 240. 225 Conforme diz José Eduardo Soares de Melo, as

224 Idem. 225 Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à

melhoria de sua condição social: [...] III - fundo de garantia do tempo de serviço; [...]; Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo. Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III. [...]; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: I - do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; b) a receita ou o faturamento; c) o lucro; II - do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201; III - sobre a receita de concursos de prognósticos. IV - do importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar. [...]; Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. [...]; § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salário-educação, recolhida pelas empresas na forma da lei. [...]; Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público,

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contribuições são caracterizadas pela CF/88 como tributos, ao passo que as

subordinam aos princípios inerentes ao direito tributário, assim como pelo motivo de

suas naturezas, receitas derivadas e compulsórias.226 Para o autor, a principal

característica das contribuições, diz respeito a “sua vinculação a fundos, entidades,

categorias profissionais, beneficiando indiretamente a terceiros, que não os seus

contribuintes.”227

2.2. DIREITO TRIBUTÁRIO NA CONSTITUIÇÃO

2.2.1. Competência

Competência tributária é a aptidão de se criar tributo (definir a regra matriz

de incidência da norma tributária). A competência tributária esta repartida entre os

entes federados, pelo simples motivo de serem os únicos que possuem Legislativo

com representação própria.228 Assim como os princípios tributários e as concessões

de imunidades, a competência em matéria tributária está toda prevista na CF/88. A

Constituição não cria tributos, apenas especifica-os. A competência para criá-los é

da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal. Roque Antonio

Carrazza assevera que a competência tributária, que encerra-se com a criação da

lei, visto que após sua edição falar-se-ia somente em capacidade tributária ativa.229

criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo. Art. 240. Ficam ressalvadas do disposto no art. 195 as atuais contribuições compulsórias dos empregadores sobre a folha de salários, destinadas às entidades privadas de serviço social e de formação profissional vinculadas ao sistema sindical.

226 MELO, José Eduardo Soares, op. cit., p. 87. 227 Idem. 228 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit. p. 497. 229 Ibidem, p. 495.

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De acordo com o art. 153, e incisos, 230 caberá à União instituir os seguintes

impostos: imposto sobre importação de produtos estrangeiros – II; imposto sobre

exportação para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados – IE; imposto

sobre a renda e proventos de qualquer natureza – IR; imposto sobre produtos

industrializados – IPI; impostos sobre operações de crédito, cambio e seguro, ou

relativas a títulos e valores mobiliários – IOF; imposto territorial rural – ITR; imposto

sobre grandes fortunas – IGF. O art. 154, da CF/88, prevê a criação do imposto

‘residual’, que deverá ser instituído por lei complementar, e a criação de imposto

extraordinário em caso de guerra – IEXT.231 Poderá ainda a União, instituir taxas

referentes às matérias previstas nos arts. 21 e 22, da CF/88, como também instituir

as contribuições de melhorias, de acordo com o art. 145, inciso III, da CF/88.232

Cabe para a União a criação, mediante lei complementar, e de acordo com o art.

148, da CF/88,233 a criação de empréstimos compulsórios. Por fim, detém a União a

competência para instituir as contribuições sociais genéricas, de intervenção no

domínio econômico e de interesses das categorias profissionais ou econômicas –

CIDE, nos moldes do art. 149, da CF/88,234 e contribuições sociais destinadas à

seguridade social de acordo com os arts. 195, da CF/88.235

230 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: I - importação de produtos

estrangeiros; II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados; III - renda e proventos de qualquer natureza; IV - produtos industrializados; V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários; VI - propriedade territorial rural; VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar. [...].Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

231 Art. 154. A União poderá instituir: I - mediante lei complementar, impostos não previstos no artigo anterior, desde que sejam não-cumulativos e não tenham fato gerador ou base de cálculo próprios dos discriminados nesta Constituição; II - na iminência ou no caso de guerra externa, impostos extraordinários, compreendidos ou não em sua competência tributária, os quais serão suprimidos, gradativamente, cessadas as causas de sua criação.

232 Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...]; III - contribuição de melhoria, decorrente de obras públicas.

233 Art. 148. A União, mediante lei complementar, poderá instituir empréstimos compulsórios: I - para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência; II - no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, "b".

234 Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas, observado o disposto nos arts. 146,

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Aos Estados, nos moldes do art. 155, da CF/88,236 cabem os seguintes

impostos: imposto sobre transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou

direitos – ITCMD; imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e

sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de

comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior –

ICMS; e imposto sobre propriedade de veículos automotores – IPVA. Poderão

instituir taxas referentes às matérias previstas nos arts. 22 e 23, da CF/88;

contribuição de melhoria, conforme prevê o inciso III, do art. 145; e poderão criar

contribuições a serem cobradas de seus servidores para custeio do regime

previdenciário, de acordo com o art. 149, § 1° da C F/88.237

Os Município, de acordo com o art. 156, da CF/88,238 possuem competência

para criar imposto sobre propriedade predial e territorial urbana - IPTU; imposto

transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por

natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia,

bem como cessão de direitos a sua aquisição – ITBI; e imposto sobre serviços de

qualquer natureza – ISSQN. Podem ainda, os Municípios, instituir taxas referentes

às matérias dos arts. 22 e 23, da CF/88; e contribuições de melhorias de acordo com

o art. 145, inciso III, da CF/88. Podem também criar contribuição social a ser

cobrada de seus servidores para o custeio do regime previdenciário, de acordo com

o § 1°, do art. 149, CF/88. Por último, frisa-se a competência que os Municípios

III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, § 6º, relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.

235 Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: [...].

236 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: I - transmissão causa mortis e doação, de quaisquer bens ou direitos; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; III - propriedade de veículos automotores.

237 Art. 149. [...]; § 1º Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituirão contribuição, cobrada de seus servidores, para o custeio, em benefício destes, do regime previdenciário de que trata o art. 40, cuja alíquota não será inferior à da contribuição dos servidores titulares de cargos efetivos da União.

238 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e territorial urbana; II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição; III - serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.

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possuem para instituírem a contribuição para o custeio do serviço de iluminação

pública, conforme art. 149-A, da CF/88.239

Ao Distrito Federal, caberá, conforme o art. 32, § 1°, da CF/88, 240 a

competência legislativa atinente aos Estados e Municípios.

2.2.2. Princípios inerentes ao presente trabalho

Dos diversos princípios que regem o direito tributário, escolhem-se alguns

para uma melhor análise, leva-se em conta a importância que tomam no corpo do

trabalho. Qualquer princípio é crucial para seus respectivos ordenamentos. No

direito tributário não é diferente, e diversos outros princípios, se não todos, devém

ser lembrados e observados frente ao caso em concreto.

2.2.2.1. Princípio da legalidade

Ao direito tributário é aplicado o princípio da estrita legalidade, isso pela

existência genérica do princípio da legalidade, que seria aquele estampado no art. 5,

inciso II, da CF/88,241 e que, no direito tributário, “ganha feição” de “maior

severidade”,242 e vem re-estampado no art. 150, inciso I, da CF/88.243 Esclarece

Paulo de Barros Carvalho que, em outras palavras, quer dizer que somente através

de lei é que o ente competente poderá descrever a regra matriz de incidência de um

tributo (descrever sua hipótese e seu conseqüente), bem como alterar seu critério

239 Art. 149-A Os Municípios e o Distrito Federal poderão instituir contribuição, na forma das

respectivas leis, para o custeio do serviço de iluminação pública, observado o disposto no art. 150, I e III.

240 Art. 32. [...]; § 1º - Ao Distrito Federal são atribuídas as competências legislativas reservadas aos Estados e Municípios.

241 Art. 5°. [...]. II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei;

242 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 174. 243 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à

União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;

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quantitativo, com a majoração da base de cálculo ou da alíquota.244 O princípio da

estrita legalidade abrange tanto a criação de tributos, como a majoração dos

mesmos.

O princípio da legalidade, que se desdobra no direito tributário no princípio

da estrita legalidade, advém da necessidade de segurança jurídica, e é um dos

alicerces do Estado de Direito.245 Com a adoção ao princípio, pode-se afirmar que a

relação tributária não é simplesmente de poder, e sim uma relação jurídica, baseada

não em qualquer norma jurídica, mas em lei.246 Retira-se, então o poder

discricionário das Fazendas Públicas, que deverão se pautar exatamente nos

pormenores especificados pela legislação tributária, não detendo o poder de

valoração para cada caso em concreto.247 Hugo de Brito Machado afirma que o

princípio da legalidade não admite exceções, ou seja, a instituição de tributos

somente se realiza através da edição de lei específica para esse fim. Conforme o

autor, a exceção à regra somente ocorrera no que tange para a majoração da carga

tributária e, mesmo assim, apenas aos casos previstos pela CF/88.248

Esclarece Roque Antonio Carrazza, que juristas de tomo, hoje em dia, têm

entendido que o tributo só pode ser criado por lei ordinária, salvo as exceções do

empréstimo compulsório, dos impostos residuais da União e das contribuições do

§4°, art. 195, CF/88. 249 Logo, o princípio da legalidade abrange todas as espécies

tributárias. Ademais, o princípio em estudo repousa sobre a principal característica

do regime republicano, em que as pessoas somente pagarão tributos cuja criação

consentiram.250

2.2.2.2. Princípio da capacidade contributiva

244 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 174. 245 MELO, José Eduardo Soares, op. cit., p. 20-21. 246 MACHADO, Hugo de Brito. Os Princípios Jurídicos da Tributação na Constituição de

1988. – 5. ed. – São Paulo: Dialética, 2004, p. 22-23. 247 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. – 24. ed. rev.

atual. até Emenda Constitucional n. 56/2007. – São Paulo: Malheiros, 2008, p. 256. 248 MACHADO, Hugo de Brito, op. cit., p. 53. 249 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 245. 250 MELO, José Eduardo Soares, op. cit., p. 21.

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O princípio da capacidade contributiva está disposto no art. 145, § 1°, 251 da

CF/88, que se refere à necessidade, sempre que possível, na instituição e cobrança

de impostos, de ser respeitada a capacidade contributiva do sujeito passivo da

relação jurídico-tributária. O dispositivo é ainda mais específico, e alude que a regra

aplica-se aos impostos de natureza pessoal.

O princípio é aceito em grande parte das Constituições dos Estados

estrangeiros (Portugal, Nicarágua, Espanha, Itália, México, Chile, Grécia, etc.), e

traduz a necessidade de uma Justiça Fiscal.252 Conforme Antonio Roque Carrazza

O princípio da capacidade contributiva hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos. Realmente, é justo e jurídico que quem, em termos econômicos, tem muito pague, proporcionalmente, mais impostos do que quem tem pouco. Quem tem maior riqueza deve, em termos proporcionais, pagar mais impostos do que quem tem menor riqueza. Noutras palavras, deve contribuir mais para a manutenção da coisa pública. As pessoas, pois, devem pagar impostos na proporção dos seus haveres, ou seja, de seus índices de riqueza.253

Sua essência está na aplicação do princípio da igualdade ao direito

tributário. Vale destacar o que disse Rui Barbosa

A regra da igualdade não consiste senão em quinhoar desigualmente aos desiguais, na medida em que se desigualam. Nesta desigualdade social, proporcional à desigualdade natural, é que se acha a verdadeira lei da igualdade. O mais são desvarios de inveja, do orgulho ou da loucura. Tratar com desigualdade a iguais ou a desiguais com igualdade seria desigualdade flagrante e não igualdade real.254

O princípio da igualdade, para o direito, consiste em tratar os iguais de igual

maneira, e os desiguais com diferenças, nos limites de suas desigualdades.

Aliomar Baleeiro discorre que o princípio da capacidade contributiva

“recomenda a personalização do imposto e a sua graduação, segundo as

251 § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados

segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.

252 MACHADO, Hugo de Brito, op. cit., p. 71. 253 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 87. 254 BARBOSA, Rui. Oração aos Moços, Casa de Rui Barbosa, Rio de Janeiro, 1949, apud

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 88.

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possibilidades econômicas do contribuinte.”255 O autor alega que o princípio

“impossibilita a desigualdade que resultaria de tratamento igual a indivíduos

economicamente desiguais.”256 Por uma questão de justiça fiscal, os que possuem

melhores condições econômicas arcam com uma carga tributária maior.

O § 1°, do art. 145, diz que “sempre que possível, os impostos terão caráter

pessoal”. O dispositivo trata dos impostos, o que não quer dizer que o princípio não

seja aplicado noutras espécies tributárias, como decorre da sua aplicação negativa

aos casos das taxas, e que Sacha Calmon Navarro Coêlho chama de “incapacidade

contributiva”.257 Conforme este doutrinador, muito embora seja nos impostos

patrimoniais e, principalmente, nos impostos sobre a renda que se verifica mais

facilmente a capacidade de contribuir do sujeito passivo, o fato de serem as taxas e

a contribuição de melhoria espécies de tributos que têm atuação vinculada do

Estado, não impede, em nada, a observância ao princípio da capacidade

contributiva. Mais a frente, relata que nestes casos (taxas e contribuições de

melhoria), ocorre a inversão do modo de se analisar o princípio, aplicando-o

negativamente, ou seja, leva-se em conta a incapacidade contributiva do sujeito

ativo. Encerra o raciocínio com o exemplo do que acontece com a “isenção da taxa

judiciária para os pobres”,258 e com a “redução ou mesmo isenção da contribuição

de melhoria em relação aos miseráveis”.259 Diante disto, destaca-se a extensão da

aplicação do princípio da capacidade contributiva para as demais espécies

tributárias.

No mesmo sentido, explica Sacha Calmon Navarro Coêlho que, até mesmo

nos impostos indiretos ou “de mercado” – aqueles em que a carga tributária é

repassada para pessoa distinta do sujeito passivo da obrigação –, onde a aplicação

do princípio não se realiza com perfeição, é possível pautar a tributação pela

capacidade contributiva do consumidor de fato, como no caso das alíquotas menos

gravosas do IPI e do ICMS,260 e ilustra o seguinte exemplo:

Supõe-se que os de menor renda (contribuintes de fato) consomem artigos necessários tão-somente a uma existência sofrida, e, por

255 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar. – 7. ed. rev. e

compl. à luz da Constituição de 1988 até Emenda Complementar n° 10/1996. Rio de Janeiro: Forense, 2006, p. 520.

256 Idem. 257 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 88. 258 Idem. 259 Idem. 260 Idem.

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isso, as alíquotas são reduzidas, ou mesmo isenções são dadas. Ocorre que tanto compra feijão José da Silva quanto Ermírio de Moraes, com o rico industrial se beneficiando dos favores pensados para José. Em compensação José não consome champanha ou caviar cujas alíquotas são altas...261

Demonstra, assim, que a aplicação do princípio não só ocorre nos impostos

diretos (contribuinte de jure), como também nos impostos indiretos (contribuinte de

fato), assim como nas taxas e contribuições de melhoria.

Antes de se verificar outra questão controversa sobre os limites de aplicação

do princípio em análise (mais precisamente no que tange à sua incidência nos

impostos de natureza real), vale observar o emaranhado de princípios que se forma

até aqui, uns já falados (igualdade e capacidade contributiva), e outros que serão

citados a seguir (seletividade e progressividade). Como visto, a necessidade de se

respeitar o princípio da igualdade é colocada em prática pelo princípio da

capacidade contributiva. Por sua vez, para que seja observada a capacidade

contributiva de cada contribuinte, utilizam-se outros dois princípios: o princípio da

progressividade e o princípio da seletividade.

Fica claro, no exemplo dado por Sacha Calmon Navarro Coêlho, ao tratar

dos impostos “de mercado”, que a essencialidade dos produtos (no caso do IPI e do

ICMS) é que irá retratar a observância da capacidade contributiva do sujeito passivo,

ao passo que produtos essenciais para a subsistência têm suas alíquotas

minoradas, enquanto que produtos tidos como de ‘luxo’, ou não-essenciais, teriam

suas alíquotas majoradas, o que faz crer que a capacidade contributiva restou aí

observada.262 Contudo, este posicionamento é uma das leituras do princípio da

seletividade, já que, conforme se verá em tópico próprio, o mesmo pode ser utilizado

para efetivação de políticas socioeconômicas, em tributos de finalidade extrafiscal.263

No caso do princípio da progressividade, ele será o meio pelo qual os demais

impostos (diretos) possuem para efetivar o potencial de contribuir de cada sujeito

passivo da obrigação tributária. De acordo com o que diz Roque Antonio Carrazza,

“as leis que criam in abstracto, os impostos devem estruturá-los de tal modo que

suas alíquotas variem para mais à medida que forem aumentando suas bases de

cálculo”.264 O autor é enfático ao descrever a progressividade das alíquotas de

261 Idem. 262 Idem. 263 MACHADO, Hugo de Brito, op. cit., p. 127. 264 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 88.

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impostos, como meio de atender a previsão constitucional, sendo que, salvo as

exceções dos casos alinhados pela própria constituição, os impostos que possuírem

“alíquotas fixa são inconstitucionais, por ofensa ao princípio da capacidade

contributiva, que exige que cada contribuinte seja tributado de acordo com suas

manifestações objetivas de riqueza.”265 Por fim, nunca é demais ressaltar que a

progressividade das alíquotas tem fulcro no próprio § 1°, do art. 145, da CF/88, que

prescreve que os impostos serão “graduados”.266

Ao tratar o princípio da capacidade contributiva, a partir da positivação do §

1°, do art. 145, fica a seguinte indagação: e quant o aos impostos de natureza real?

Em uma interpretação a contrariu sensu deste artigo, entender-se-ia que, se aos

impostos de caráter pessoal aplica-se o princípio da capacidade contributiva, logo, o

mesmo não ocorreria com os impostos de natureza real. A resposta ao

questionamento parece-se um tanto mais profunda do que a simples dedução da

possibilidade, ou não, de se aplicar o princípio aos impostos de natureza real. É que,

de pronto, a crítica recai sobre o próprio critério de classificação – quanto à natureza

pessoal e real. Sacha Calmon Navarro Coêlho acentuou que dentro das diversas

classificações que os impostos recebem, duas se destacam: a que divide em

pessoal e real; e a que os divide em direto e indireto.267 Conforme o mesmo,

a classificação é falha, por isso que os impostos, quaisquer que sejam, são pagos sempre por pessoas. Mesmo o imposto sobre o patrimônio, o mais real deles, atinge o proprietário independentemente da coisa, pois o vínculo ambulat cum dominus, isto é, segue o seu dono.268

A razão segue o doutrinador, como se pode verificar, inclusive, na tendência

de mudança do posicionamento do Supremo Tribunal Federal,269 apoiando-se na

265 Ibidem, p. 90. 266 DERZI, Misabel Abreu Machado, in BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, cit.,

p. 262. 267 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro, op. cit., p. 83. 268 Ibidem, p. 84. 269 Quarta-feira, 17 de Setembro de 2008: Pedido de vista suspende julgamento de recurso

que discute progressividade do ITCD. Pedido de vista do ministro Carlos Ayres Britto interrompeu, nesta quarta-feira (17), o julgamento, pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), do Recurso Extraordinário (RE) 562045 e de outros dez processos versando sobre o mesmo assunto, nos quais se discute a hipótese da progressividade da alíquota do Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCD). O julgamento envolve, no caso, contestação, pelo governo do Rio Grande do Sul, de uma decisão do Tribunal de Justiça daquele estado (TJ-RS), que declarou inconstitucional a progressividade da alíquota do ITCD, prevista no artigo 18 da Lei gaúcha nº 8.821/89 (com alíquotas variáveis de 1% até 8%), e determinou a aplicação da alíquota de 1% aos bens envolvidos no espólio de Emília Lopes de Leon, que figura no pólo passivo do

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possibilidade de aplicação do princípio da capacidade contributiva extensivamente

aos impostos de natureza real.

2.2.2.3. Princípio da seletividade

O princípio da seletividade, conforme Hugo de Brito Machado, diz respeito à

discriminação dos objetos sobre os quais incide determinado imposto, “seleciona os

Recurso Especial em causa. No momento em que ocorreu o pedido de vista, quatro ministros haviam admitido a progressividade e, portanto, se pronunciaram pelo provimento do RE, enquanto um, o ministro Ricardo Lewandowski, apresentou voto pelo não-provimento. A se manter esse entendimento, ele significará uma mudança radical da jurisprudência até agora seguida pelo STF sobre o assunto. A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha chamou atenção para a mudança de posicionamento, propondo que o Tribunal expresse claramente essa alteração, se ela se confirmar, tendo em vista a pluralidade de entes tributantes (sobretudo estados e municípios) que seguem as decisões do STF na elaboração de suas regras tributárias. Progressividade: O processo foi protocolado no STF em 3 de julho de 2007, tendo como relator o ministro Ricardo Lewandowski. Em 1º de fevereiro de 2008, o Plenário do STF reconheceu a existência de Repercussão Geral da questão constitucional nele suscitada e, em 12 de junho deste ano, quando iniciado seu julgamento em Plenário, o ministro Eros Grau pediu vista. O pedido ocorreu logo depois que Lewandowski havia votado pelo não-provimento do recurso, justamente se reportando à jurisprudência até então vigente sobre o assunto no Tribunal. Segundo Lewandowski, a progressividade pode ser até admitida em impostos de caráter real, porém com temperamento e quando ela for expressamente autorizada pela Constituição Federal (CF). E isto, segundo ele, ocorre em muitos trechos constitucionais, como no artigo 153, parágrafo 4º, inciso I (ITR); no artigo 156, parágrafo 1º, regulamentado pela Emenda Constitucional nº 29/2000 (IPTU), e no 182, parágrafo 4º, II (também IPTU). Mas não há previsão de caráter excepcional para o ITCD, embora também se trate de imposto real. Divergência: Relator de um processo semelhante, que já conta com parecer da Procuradoria Geral da República pelo seu provimento, o ministro Eros Grau trouxe, hoje, seu voto-vista na retomada do julgamento no Plenário e abriu divergência em relação ao voto do ministro Ricardo Lewandowski, votando pelo provimento do RE 562045. Segundo Grau, o parágrafo 1º do artigo 145 estabelece, na verdade, a linha mestra para a possibilidade de todos os impostos serem progressivos. Estabelece aquele dispositivo: “Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte”. Para o ministro Eros Grau, esse princípio deve ser entendido como sendo extensivo a todos os impostos, não só os de caráter pessoal, pois, do contrário, haverá um tratamento igual para os desiguais. Seu voto foi acompanhado pelos ministros Carlos Alberto Menezes Direito, Cármen Lúcia Antunes Rocha e Joaquim Barbosa. disponível em <http://www.stf.gov.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=96210> acesso em: 18/09/2008.

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bens tributáveis, em razão de certos critérios.”270 Relata o autor, que um imposto

seletivo é aquele que incide antagonicamente para cada objeto tributado.271 Como

visto alhures, o princípio da seletividade encampa duas bandeiras distintas, sendo

elas: a aplicação do princípio da capacidade contributiva; e, o meio pelo qual se

efetiva a finalidade extrafiscal de um tributo. Mesmo quando tenha como objetivo a

aplicação do princípio da capacidade contributiva, onerando assim produtos mais

fúteis e que não fazem parte da rotina de consumo daqueles que detêm ‘baixa’

capacidade contributiva, deverá ter como base, sob pena de inconstitucionalidade,

apenas a essencialidade do produto, não sendo admissível nenhuma distinção

quanto à qualidade pessoal do contribuinte.272

José Eduardo Soares de Melo relata que a seletividade é obrigatória ao IPI,

(art. 153, § 3°, inciso I, da CF/88), 273 e facultativa ao ICMS (art. 155, § 2°, inciso III,

da CF/88).274 Roque Antonio Carrazza, por sua vez, afirma que a seletividade é

obrigatória para o IPI e para o ICMS.275 Tanto para o IPI quanto para o ICMS, a

seletividade se dará em função da essencialidade do produto (IPI), mercadoria ou

serviço (ICMS). A seletividade do IPI será alcançada pela variação de sua alíquota,

enquanto que no ICMS poderá ocorrer através de qualquer técnica de modificação

quantitativa (redução ou majoração de alíquota, redução da base de cálculo,

isenções, etc.).276 Destaca-se o posicionamento de Hugo de Brito Machado, que

entende que o princípio da seletividade também é aplicado ao IPTU, mais

precisamente no que diz respeito à especificação trazida pelo art. 156, § 1°, inciso II,

da CF/88.277 O texto constitucional possibilita a diferenciação de alíquotas conforme

270 MACHADO, Hugo de Brito, op. cit., p. 126-127. 271 Ibidem, p. 127. 272 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 98. 273 Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...]; IV - produtos industrializados;

[...]; § 3º - O imposto previsto no inciso IV: I - será seletivo, em função da essencialidade do produto;

274 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]; II - operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; [...]; § 2.º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte: [...]; III - poderá ser seletivo, em função da essencialidade das mercadorias e dos serviços;

275 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 97. 276 Idem. 277 Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: I - propriedade predial e

territorial urbana; [...]; I § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso II, o imposto previsto no inciso I poderá: [...]; I - ter alíquotas diferentes de acordo com a localização e o uso do imóvel.

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a localização do imóvel, assim é que, fica a notável característica da seletividade –

em função da localização – ao se calcular o quantum debeatur no IPTU.278

Ainda não tratado, mas que também sofre a influência do princípio da

seletividade, no âmbito da competência estadual, está a tributação do IPVA, que de

acordo com o art. 155, inciso III e § 6°, inciso II , “poderá ter alíquotas diferenciadas

em função do tipo e utilização.”279. Como por exemplo ocorre com as diferenciações

de alíquota de acordo com o combustível utilizado, ou por se tratar de transporte

coletivo, de passeio, ambulância, carro de bombeiro, etc.

2.2.2.4. Princípio progressividade

O mesmo que acontece com o princípio da seletividade, que ora é mero

corolário do princípio da capacidade contributiva, ora é um instrumento de política

extrafiscal, acontece também com o princípio da progressividade. Misabel Abreu

Machado Derzi diz que “a Constituição prevê espécies de progressividade distintas.

A primeira visa apenas implantar os objetivos de justiça e de igualdade, [...], é

simples progressividade fiscal, inerente a tributos como o imposto de renda, p ex.”280

De acordo com o que explica a autora, esta primeira ‘face’ da progressividade é uma

aplicação do § 1°, do art. 145, da CF/88, já que, c onforme Aliomar Baleeiro, “tributos

graduados são os progressivos, ou seja, aqueles cuja alíquota cresce à medida que

se eleva a quantidade ou valor da coisa tributada”.281

Outra leitura do princípio da progressividade seria pela sua utilização com

finalidade extrafiscal, conforme se exemplificam nos casos do IPTU, que admite a

progressividade de sua alíquota para se assegurar a função social da propriedade

(art. 156, § 1°, inciso I), 282 bem como, nos termos do art. 182, § 4°, inciso II, que

278 MACHADO, Hugo de Brito, op. cit., p. 129, 135. 279 Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: [...]; III -

propriedade de veículos automotores. [...]; § 6º O imposto previsto no inciso III: [...]; II - poderá ter alíquotas diferenciadas em função do tipo e utilização.

280 DERZI, Misabel Abreu Machado, in BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, cit., p. 254.

281 BALEEIRO, Aliomar. Limitações Constitucionais ao Poder de Tributar, cit., p. 751. 282 [...] § 1º Sem prejuízo da progressividade no tempo a que se refere o art. 182, § 4º, inciso

II, o imposto previsto no inciso I poderá: I – ser progressivo em razão do valor do imóvel.

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admite a progressividade no tempo, sobre o imóvel do “proprietário do solo urbano

não edificado, subutilizado ou não utilizado,” para que este “promova seu adequado

aproveitamento”.

A aplicação do princípio da progressividade se dá pelo aumento da alíquota

do imposto ao passo que sua base de cálculo aumenta. José Eduardo Soares de

Melo diz que se trata de princípio cuja aplicação é específica para determinados

impostos, sendo eles o IR, o ITR e o IPTU, “e consiste na majoração das alíquotas à

medida que a base de cálculo é elevada.”283

2.3. INCENTIVOS FISCAIS

De acordo com Roque Antonio Carrazza, que ilustra seu pensamento em

Geraldo Ataliba,

[...] os incentivos fiscais estão no campo da extrafiscalidade, que, como ensina Geraldo Ataliba, é o emprego dos instrumentos tributários para fins não-fiscais, mas ordinatórios (isto é, para condicionar comportamentos de virtuais contribuintes, e não, propriamente, para abastecer de dinheiro os cofres públicos). Por meio de incentivos fiscais, a pessoa política tributante estimula os contribuintes a fazerem algo que a ordem jurídica considera conveniente, interessante ou oportuno (por exemplo, instalar indústrias em região carente do País).284

Aqui, é inevitável a abordagem do art. 150, § 6°, d a CF/88,285 que disciplina

a matéria, e estipula a necessidade que os benefícios fiscais possuem de serem

concedidos somente por leis específicas para esse fim. O referido dispositivo veio

com a Emenda Constitucional n° 03, de 1993, e consa gra a especificidade da lei

tributária para a concessão de benefícios fiscais. Misabel Abreu Machado Derzi diz

tratar-se do princípio da exclusividade da lei tributária, que impossibilita que normas

diversas (de cunho civil, administrativo ou comercial, por exemplo), ou até mesmo

norma tributária – que não seja específica ao tributo que se pretende conceder o

283 MELO, José Eduardo Soares, op. cit., p. 37. 284 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 843, nota de rodapé n° 7. 285 Art. 150. [...]; § 6.º Qualquer subsídio ou isenção, redução de base de cálculo, concessão

de crédito presumido, anistia ou remissão, relativos a impostos, taxas ou contribuições, só poderá ser concedido mediante lei específica, federal, estadual ou municipal, que regule exclusivamente as matérias acima enumeradas ou o correspondente tributo ou contribuição, sem prejuízo do disposto no art. 155, § 2.º, XII, g.

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benefício fiscal –, regule o incentivo fiscal,286 “as exonerações ou vêm previstas em

lei específica que as regule exclusivamente ou em lei tributária, disciplinadora do

correspondente tributo, que o favor legal exclui.”287

2.3.1. Redução da base de cálculo

Para se falar em redução da base de cálculo, interessante escrever um

pouco acerca da regra matriz de incidência tributária.288 Conforme esclarece Paulo

de Barros Carvalho, a lei que cria o tributo (norma que define a incidência fiscal)

possui “uma hipótese, suposto ou antecedente, a que se conjuga um mandamento,

uma conseqüência ou estatuição.”289 A hipótese irá descrever um fato (ser

proprietário de imóvel) – critério material –, no espaço (no perímetro urbano) –

critério espacial –, e no tempo (no 1° dia do ano) – critério temporal –, enquanto que

o conseqüente será a prescrição da relação jurídica, obrigação tributária, com a

indicação do sujeito ativo e passivo dessa relação (fisco, contribuinte e responsável)

– critério pessoal –, e a prescrição da quantia devida a título de tributo, o que

ocorrerá com a especificação de uma base de cálculo (ordem de grandeza), e a

incidência sobre esta de uma alíquota (parte de um todo) – critério quantitativo.290

Vencida esta síntese, adentra-se um pouco no critério quantitativo da regra

matriz de incidência da norma tributária, mais precisamente na sua base de cálculo.

Luciano Amaro esclarece que a base de cálculo “é a medida legal da grandeza do

fato gerador”.291 Geraldo Ataliba, após traçar uma diferenciação entre a base de

cálculo in abstracto e a base de cálculo in concretu,292 assevera que a base de

cálculo é uma dimensão do aspecto (critério) material da hipótese de incidência, cuja

finalidade é especificar um critério para se determinar o quantum debetur, diz que a

“base imponível é a dimensão do aspecto material da hipótese de incidência. É,

portanto, uma grandeza ínsita na h.i. [...]. É, por assim dizer, seu aspecto

286 DERZI, Misabel Abreu Machado, in BALEEIRO, Aliomar, Direito Tributário Brasileiro, cit.,

p. 632-633. 287 Ibidem, p. 633. 288 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 260-387. 289 Ibidem, p. 260. 290 Ibidem, p. 360, 371. 291 AMARO, Luciano, op. cit., p. 264. 292 Esclarece o autor que a base de cálculo in abstracto está para a base de cálculo in

concretu, assim como a hipótese de incidência está para o fato imponível, aqui, com alusão para a teoria de Dino Jarach. ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 108.

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dimensional, uma ordem de grandeza própria do aspecto material da h.i.”293 Mais a

frente, afirma que o aspecto material (critério material) é sempre passivo de uma

“apreciação quantitativa”,294 e enfatiza que “a base é, pois, uma grandeza apreciável

e mensurável do aspecto material da h.i.”295 Luciano Amaro lembra que a base de

cálculo poderá ser expressa tanto em pecúlio, quanto em outra ordem de grandeza,

como volume, peso, metro, quantidade, etc. Em termos literais ‘base’ significa o

fundamento, apoio, enquanto que a partícula ‘de’ quer expressar o que se pretende,

‘de fim’, logo, seria a base de cálculo um “fundamento para calcular”, um “apoio para

contar”.296 Na visão de Paulo de Barros Carvalho, sendo o critério material uma

descrição de um comportamento, é a base de cálculo que irá dimensionar a sua

intensidade.297 Conforme Geraldo Ataliba, “um estado de fato pode ter diversos

atributos dimensíveis; a base imponível estabelecida pelo legislador pode considerar

somente um, ou alguns – e não necessariamente todos.”298 Conclui-se que a base

de cálculo irá mensurar um comportamento para o campo quantitativo (quando não

já ao monetário), designando uma ordem de grandeza como sinônimo, no campo

numérico, daquele comportamento.

Verificado que a base de cálculo é imprescindível para se quantificar o valor

do tributo, e que expressa uma grandeza do critério material, resta saber como

ocorre a sua redução, enquanto meio de incentivo fiscal.

Não necessariamente, a base de calculo deve abarcar o critério material em

sua plenitude. Muitas vezes, há de acontecer que a base de cálculo não incidirá

sobre a dimensão total do comportamento descrito no critério material da regra

matriz de incidência da norma tributária.

Na prática, diversas são as ocasiões em que o legislador opta por reduzir a

base de cálculo de determinado tributo, como demonstra Gladston Mamede, que

traz o exemplo da Lei n° 12.735/97-MG, “que em eu a rt. 7°, diz com adequação que

a ‘base de cálculo do IPVA é o valor venal do veículo’,”299 continua o autor, e afirma

293 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 108. h.i. – hipótese de incidência. 294 Ibidem, p. 109. 295 Idem. 296 BARRETO, Aires. Base de cálculo, alíquota e princípios constitucionais. Revista dos

Tribunais, 1987, PP. 39/44, apud ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 110. 297 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 360-361. 298 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 110. 299 MAMEDE, Gladston. A Base de Cálculo do IPVA. In Revista Dialética de Direito Tributário

n° 70, Julho-2001.

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que a mesma norma, no § 6°, do mesmo artigo, diz “q ue em se tratando ‘de veículo

movido a álcool, a base de cálculo fica reduzida em 30% (trinta por cento)’.”300

Noutro exemplo, o autor traz para baila a Lei n° 7. 431/85-DF, que autoriza o

Governador do Distrito Federal a “reduzir a base de cálculo do imposto quando a

situação de ordem tecnológica, estratégica ou política assim recomendar.”301 Relata

que, com fulcro nesta legislação, o Governo do Distrito Federal, no exercício de

2000, reduziu em 100% (cem por cento) a base de cálculo de alguns veículos

específicos (taxis com algumas restrições e veículos destinados às pessoas

portadoras de necessidades especiais).302 Após trazer os referidos exemplos,

analisa o autor que é lícito ao Poder Público renunciar parcela de sua arrecadação

para alcançar objetivos estratégicos (uso de combustíveis alternativos e beneficiar

deficientes físicos). Igualmente, aduz que muito embora seja possível e legal a

redução da base de cálculo, de acordo com a melhor técnica, seria mais coerente a

redução da alíquota, preservando assim a natureza de grandeza certa da base de

cálculo.303

2.3.2. Redução de alíquota e alíquota zero

Já foi visto acima a estrutura da regra matriz de incidência tributária. Pôde-

se notar que a alíquota preenche, junto com a base de cálculo, o chamado critério

quantitativo, previsto no conseqüente da norma tributária. Paulo de Barros Carvalho

diz que a expressão ‘alíquota’ deriva de vocábulo latino que “quer dizer parte, a

parcela que se contém no todo um número exato de vezes.”304 Afirma o autor que,

talvez por este motivo, a doutrina persiste em denominá-la como a parte da base de

cálculo que o Estado irá arrecadar. Conforme esclarece, nem sempre essa será a

regra e, assim, adentra nas duas espécies de alíquotas existentes, quais sejam, a

alíquota ad valorem, e a alíquota específica.305 A alíquota ad valorem representa um

300 Idem. 301 Idem. 302 Idem. 303 Idem. 304 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 371. 305 Idem; AMARO, Luciano, op. cit., p. 265-266.

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percentual que incidirá na base de cálculo. Neste caso, a base de cálculo deve estar

expressa em moeda, haja vista que se assim não fosse, o resultado dessa equação

acarretaria um tributo in natura. Por exemplo, se a base de cálculo é um valor: R$

1.000,00 (mil reais), e a alíquota é 10% (dez por cento), chega-se a conclusão que o

valor dado ao tributo é de R$ 100,00 (cem reais). Agora, supõe-se que a base de

caçulo seja uma grandeza diferente, que não expressa em moeda: 1000kg (mil

quilos), e a alíquota seja a mesma: 10% (dez por cento), o quantum calculado daria

100kg (cem quilos), o que para o direito tributário não teria nenhuma utilidade

prática, visto que o tributo deve ser pago em dinheiro e não in natura. Para o

segundo caso utiliza-se a alíquota específica, que será um valor específico

determinado em moeda e que incidirá sobre aquela base de cálculo. Por exemplo, a

base de cálculo é os mesmos 1000kg (mil quilos), e a alíquota seria dada por um

valor em moeda: R$ 100,00 (cem reais) para cada 1000kg (mil quilos). Como visto, o

valor a ser pago a título de tributo é de R$ 100,00 (cem reais).306

Paulo de Barros Carvalho lembra que a alíquota é utilizada como

instrumento extrafiscal quando o político a manipula. Interpreta o doutrinador que o

instituto da alíquota zero, na prática, é uma modalidade de isenção.307 Alberto Xavier

enfatiza o mesmo entendimento de Paulo de Barros Carvalho, e crê que a alíquota

zero produz o mesmo resultado que a isenção.308 No mesmo sentido, segue Roque

Antonio Carrazza e esclarece que a alíquota zero é um dos meios jurídicos

percorridos para se chegar a uma isenção tributária.309 Em seu artigo, Alberto

Xavier, ao comentar decisões emanadas do Excelso Pretório (RE n° 350.446; RE n°

353.668; RE n° 357.277 e RE n° 358.493), enfatiza q ue os argumentos principais

utilizados ali, foram de que a alíquota zero e a isenção “são dois instrumentos de

políticas econômicas incentivadoras de efeitos equivalentes”,310 e assevera que a

especificidade da alíquota zero é a possibilidade de ser instituída por meio de

decreto pelo ‘Poder Executivo’, nos casos do II, IE, IOF, IPI, faculdade esta

306 AMARO, Luciano, op. cit., p. 266. 307 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 373. 308 XAVIER, Alberto. Do Direito ao Crédito de IPI nas Aquisições de Insumos Sujeitos a

Alíquota Zero. – Revista de Dialética de Direito Tributário n° 120. – Setembro, 2005, p. 12.

309 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 97, nota de rodapé n° 60. 310 Ibidem, p. 17.

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concedida pela CF/88, em seu art. 153, § 1°, 311 e que a transforma num instrumento

mais eficaz (celeremente pesando).

Conclui-se que a alteração da alíquota, assim como a alíquota zero, constitui

um instrumento tributário à disposição do ente político, que poderá utilizá-lo, em uma

atividade de natureza tipicamente extrafiscal.

2.3.3. Crédito Presumido

Sabe-se que tanto o ICMS, como o IPI, são impostos não-cumulativos, o que

significa dizer que os ‘créditos’ relativos a uma operação mercantil, serão

compensados com os ‘débitos’ devidos na operação subseqüente. Até aí nenhum

problema se teria. A questão surge, quando as se deparam com isenções das mais

diversas. Conforme Hugo de Brito Machado, “pode parecer que não tendo sido

cobrado o IPI, na operação anterior em face da isenção, inexistiria direito ao crédito.

Tal entendimento, porém, levaria à supressão pura e simples das isenções”.312 Mais

a frente, o autor conclui que “não é admissível uma interpretação segundo a qual

resta anulada a finalidade da isenção.”313

Parece-se que José Eduardo Soares de Melo acerta o núcleo da questão.

Conforme o autor, a desoneração fiscal (pela isenção e não-incidência) é

deliberação do legislador, que abre mão de parcela da sua receita, o que, sob

hipótese alguma, deve ferir o direito que o contribuinte possui na aplicação do

princípio da não-cumulatividade.314

Em síntese, as isenções e não-incidências, concedidas em determinadas

operações, caso não passíveis de gerarem um crédito presumido, só agravariam a

carga tributária daquele produto ou mercadoria, visto que, daquela operação em

diante, o valor do tributo pago até então restaria incorporado na sua base de cálculo,

já que não mais poderiam ser compensados. Para suprir o que seria um efeito

inverso ao pretendido pelo legislador na concessão de um incentivo fiscal, é que

311 § 1º - É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos

em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V. 312 MACHADO, Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário n° 4. – São Paulo:

Dialética, p. 31, apud MATTOS, Aroldo Gomes de. Revista Dialética de Direito Tributário n° 81, Junho de 2002. – São Paulo: Dialética, p. 9.

313 Ibidem, p. 10. Revista Dialética de Direito Tributário n° 4. – São Paulo: Dialética, p. 31 314 MELO, José Eduardo Soares de, apud MATTOS, Aroldo Gomes de. Revista Dialética de

Direito Tributário n° 81, Junho de 2002. – São Paul o: Dialética, p. 9.

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surge o instituto do credito presumido, fazendo com que as operações isentas de

tributação continuem a gerar direito à compensação do crédito (ficto) nas operações

subseqüentes.315

2.3.4. Isenções

A primeira noção que se deve ter sobre a isenção, é que esta advém da

própria competência para tributar, que foi dada às pessoas políticas de direito

público pelo Poder Constituinte Originário. Conforme esclarece Sainz de Bujanda,

“efectivamente, se hay um poder de tributar o de imposición, o uma potestad

tributária, o um poder financiero – prescindamos aqui de estos matizes de

terminologia –, Es obvioque tiene que existir um poder de eximir.”316 Como visto, a

competência para isentar é inerente à competência para tributar, “como o verso e

reverso de uma medalha.”317 A própria constituição, em diversos momentos, prevê o

instituto da isenção tributária (por exemplo art. 150, § 6° e art. 155, inciso XII, alínea

‘e’ e ‘g’). Por este motivo é que as isenções estão totalmente correlacionadas com

os princípios e regras do direito tributário.

Ao comentar o instituto jurídico da isenção, o Professor Titular da Faculdade

de Direito do Largo São Francisco e da PUC/SP, Paulo de Barros Carvalho, discorre

a respeito do conceito de isenção trazido por Alfredo Augusto Becker bem como por

José Souto Maior Borges. Para Alfredo Augusto Becker,318 (tendo como ferramenta

a teoria de Pontes de Miranda, que dividiu as normas em juridicizantes,

desjuridicizantes e não-juridicizantes), a teoria tradicional que considerava a isenção

“como favor legal que desobrigava o sujeito devedor do cumprimento da prestação

tributária”,319 não estaria correta, pois parte-se do pressuposto da constituição da

obrigação tributária (norma juridicizantes), para depois negá-la (norma

315 MATTOS, Aroldo Gomes de. Revista Dialética de Direito Tributário n° 81, Junho de 2002.

– São Paulo: Dialética, p. 316 BUJANDA, Sainz de. In XI Semana de estudios de derecho financeiro, v. 2°, p. 1.143,

apud BORGES, José Souto Maior. – 3. ed., 2. Triagem. – Malheiros: São Paulo, 2007, p. 30-31.

317 BORGES, José Souto Maior, op. cit., p. 30. 318 in CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 520-521. 319 Idem.

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desjuridicizantes). Alfredo Augusto Becker320 considerou a isenção como uma norma

que incide para que a norma de tributação não possa incidir. Paulo de Barros

Carvalho rechaça esta tese, sob o argumento de que

não há cronologia na atuação de normas vigorantes num dado sistema, quando contemplam idêntico fato do relacionamento social. Equivaleria atribuir maior velocidade à regra matriz de incidência tributária, que chegaria primeiro ao evento, de tal sorte que, quando chegasse à norma de isenção, o acontecimento do mundo real já se encontrasse juridicizado.321

José Souto Maior, por sua vez, acredita que a isenção é uma hipótese de

não-incidência, “ao estabelecer os casos de incidência tributária, a lei pode

simultaneamente prever hipóteses em que o vínculo obrigacional não surge. São

essas precisamente as hipóteses de isenção.”322 Paulo de Barros Carvalho descorda

do posicionamento do autor, e afirma que a definição “padece do vício pela negativa

e não explica como se dá a harmonização com a norma de incidência tributária

[...].”323

Depois de vistas as críticas formuladas, parece-se coerente o

posicionamento de Paulo de Barros Carvalho, que entende que a regra de isenção

ataca um ou mais critérios da “norma-padrão de incidência, mutilando-os

parcialmente.”324 Diz que a ‘mutilação’ deve ser parcial, pois se assim não fosse iria

macular a utilização da norma, que não mais se encaixaria como uma ‘norma válida’

para o sistema. Conforme o autor, a regra de isenção teria o condão de bloquear

parcialmente a executividade da regra-matriz de incidência tributária de oito

maneiras distintas,

I – pela hipótese: a) atingindo-lhe o critério material, pela desqualificação do verbo; b) atingindo-lhe o critério material, pela subtração do complemento; c) atingindo-lhe o critério espacial; d) atingindo-lhe o critério temporal; II – pelo conseqüente e) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito ativo; f) atingindo-lhe o critério pessoal, pelo sujeito passivo; g) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela base de cálculo; h) atingindo-lhe o critério quantitativo, pela

320 Idem. 321 Idem. 322 BORGES, José Souto Maior, op. cit., p. 155. 323 CARVALHO, Paulo de Barros, op. cit., p. 521. 324 Ibidem, p. 523

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O legislador possui estas oito hipóteses de ‘ferir’ parcialmente a norma

padrão de um tributo, de modo que a mesma não perca sua eficácia, e assim

alcance seus interesses de privilegiar determinadas pessoas ou coisas ou fatos

Frisam-se os mandamentos constitucionais que regulam as isenções, tais

quais os que especificam que a União não poderá instituir isenções em tributos de

competência dos Estados, Distrito Federal e Municípios, art. 151, III;325 bem como

conceder isenções privilegiando determinada região, art. 151, I.326 Por fim, como

regra, serão as isenções concedidas ou por lei ordinária, ou por lei complementar,

ou através de tratados internacionais327

2.3.5. Hipótese de não-incidência

A hipótese de incidência, na visão de Geraldo Ataliba, é a descrição de um

fato que, uma vez ocorrido (fato imponível) cria a obrigação tributária. O autor faz

alusão à descrição do fato típico antijurídico previsto no direito penal, a sua simples

descrição não gera repercussão no mundo fático, a ponto de imputar para alguém a

referida sanção descrita naquele tipo.328 O mesmo ocorre na seara tributária, onde a

hipótese de incidência é “a descrição legal de um fato: é a formulação hipotética,

prévia e genérica, contida na lei, de um fato (é o espelho do fato, a imagem

conceitual de um fato; é seu desenho).”329 Neste contexto, é que se chega à

conclusão que a hipótese de não-incidência é a impossibilidade de existir uma

relação tributária. Veja-se, naquele exemplo, que somente será crime o que a lei

assim determina, conforme o art. 5°, inciso XXXIX, da CF/88.330 Na hipótese de não-

incidência tributária, ocorre a ausência de norma que especifique que aquele fato

325 Art. 151. É vedado à União: [...]; III - instituir isenções de tributos da competência dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios.

326 Art. 151. É vedado à União: I - instituir tributo que não seja uniforme em todo o território nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento sócio-econômico entre as diferentes regiões do País;

327 CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., p. 856-859. 328 ATALIBA, Geraldo, op. cit., p. 58-59. 329 Ibidem, p. 58. 330 Art. 5°. [...]; XXXIX - não há crime sem lei anter ior que o defina, nem pena sem prévia

cominação legal;

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hipotético constitui-se um fato imponível, ou até mesmo na impossibilidade jurídica

de se tributar aquele fato, haja vista não se adaptar com a regra matriz de incidência

tributária do respectivo tributo.

2.3.6. Os incentivos fiscais na lei de responsabili dade fiscal

A lei complementar n° 101/2000 é conhecida como a L ei de

Responsabilidade Fiscal. Surge para regulamentar o art. 163, da CF/88.331 Conforme

a norma, três serão os princípios que o administrador deverá respeitar no campo do

orçamento público, sendo eles: o princípio do planejamento; do equilíbrio das contas

públicas; e princípio da transparência. No que tange para os incentivos fiscais,

verifica-se o que dispõe o art. 14, da referida norma:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições: I - demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias; II - estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. § 1° A renúncia compreende anistia, remissão, subsí dio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado. § 2° Se o ato de concessão ou ampliação do incentiv o ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no

331 Art. 163. Lei Complementar disporá sobre: I – finanças públicas; II – dívida pública

externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III – concessão de garantias pela entidades públicas; IV – emissão e resgate de títulos da dívida pública; V – fiscalização das instituições financeiras; VI – operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, dos Estados do Distrito Federal e dos Municípios; VII – compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União, resguardadas

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inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso. § 3° O disposto neste artigo não se aplica: I - às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1o; II - ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

De todo o exposto, enfatiza-se a medida adotada pelo dispositivo, qual seja,

exigir a demonstração de que a concessão do benefício ‘não afetará as metas de

resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias’, bem

como que os referidos incentivos já venham acompanhado de “estimativa do

impacto orçamentário-financeiro” (inciso I, caput). Possibilita, alternativamente, para

que o incentivo fiscal concedido seja tido como legal, que o mesmo venha

acompanhado de medidas de compensação financeiras.

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3. DIREITO TRIBUTÁRIO AMBIENTAL

3.1. O TRIBUTO AMBIENTAL

3.1.1. Conceito

Pelo que se parece, os primeiros apontamentos sobre o tributo ambiental, ou

tributo verde, ou tributo ecológico, foram feitos por Arthour C. Pigou, na década de

vinte do século passado (1920).332 Na ocasião, defendeu o economista a

intervenção estatal, com o estabelecimento de gravames para os produtores, a fim

de internalizar os custos derivados da degradação do meio ambiente.333 O estudo do

tema ficou ofuscado por alguns anos, sendo que gradativamente, a partir de 1975,

os pesquisadores e as Nações européias passam a reconhecer, no direito tributário,

um meio eficaz de se tutelar o bem ambiental.334

Esclarece Paulo Henrique Amaral que o conceito dos tributos ambientais

não é pacifico entre seus estudiosos. De acordo com o que diz, parte da doutrina

entende que a natureza ambiental decorre da própria hipótese de incidência do

tributo, enquanto que outra parcela dos pesquisadores acredita que a natureza

ambiental será dada conforme a finalidade que o tributo revestir. Por fim, relata que

há, ainda, alguns, que crêem que a expressão tributo ambiental não passa de uma

terminologia empregada no tributo.335

O autor cita Tulio Rosembuj como um dos doutrinadores que defendem que

a natureza ambiental do tributo está diretamente ligada com os “elementos

essenciais que o integram e, em particular, o seu fato gerador está relacionado com

332 A. C. Pigou, 1877-1959. O estudo encontra-se em sua obra: The Economics of Wellfare,

Londres, 1920. 333 MOLINA, Pedro Manuel Herrera. – Derecho Tributario Ambiental: La introducción del

interes ambiental em el ordenamiento tributário. – Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 1-2. 334 Idem. 335 AMARAL, Paulo Henrique do. Direito Tributário Ambiental. – Prefácio Pedro M. Herrera,

apresentação Cristiane Derani. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 203-204.

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a proteção do meio ambiente.”336 Na outra parcela de doutrinadores, Paulo Henrique

Amaral cita Domingo Carbajo Vasco, como parte dos que acreditam que será a

finalidade da tributação que indicará se a sua natureza é ou não ambiental.337 Mais

adiante, adentra o autor no magistério de Pedro Manuel Herreira Molina, o qual aqui

passa-se a analisar.

O professor da Universidade Complutense de Madrid, Pedro Manuel Herrera

Molina,338 encontra-se entre os estudiosos ‘de ponta’ do direito tributário ambiental.

Aduz este autor, que ao se analisar os tributos, é importante perceber a

diferenciação entre os tributos ambientais em sentido estrito, dos elementos

tributários ambientais – presentes dentro de outros tributos que não especificamente

ambientais (como ocorrem nos incentivos fiscais, inseridos em espécies e

subespécies de tributos já existentes e destinados a outros fins, como o ICMS, IPI,

IPTU, etc., e que acabam por os encaminhar a uma direção ambiental).339 No

mesmo sentido, faz menção para a diferenciação entre tributos com finalidades

extrafiscal, e aqueles com efeitos extrafiscais, algo compatível com a idéia aqui

aventada,340 de que nunca um tributo terá apenas uma finalidade, e sim uma que

predominará sobre as demais.341 Lembra que o fato de tributos causarem impactos

inesperados em questões ambientais não é algo determinante para os classificarem

como de cunho ambiental, e dá o exemplo da diminuição da renda disponível para o

consumo para ilustrar o raciocínio.342

O doutrinador diz que o termo ‘ambiental’ seria no caso uma adjetivação do

tributo, que em nada ajuda, por si só, para defini-lo, e indaga onde que estaria o

núcleo ambiental? Se está na estrutura do tributo, ou no destino dos valores

arrecadados.

336 ROSEMBUJ, Tulio. Los tributos y La protección Del medio ambiente, Madrid: Marcial

Pons, 1995, p. 266, apud AMARAL, Paulo Henrique do, op. cit., p. 204. 337 VASCO, Domino Carbajo. Reflexiones sobre La imposición medioambiental. Potencia

presentada al Congresso de Derecho Público celebrado em La Universidad de Lérida, out. 1996, apud AMARAL, Paulo Henrique do, op. cit., p. 204.

338 Publicou o livro intitulado Derecho Tributario Ambiental: La introducción del interes ambiental em el ordenamiento tributário, que por sua vez é obra certa na bibliografia da maioria dos autores que estudam a matéria em debate.

339 MOLINA, Pedro Manuel Herrera, op. cit., p. 55. 340 Finalidade do tributo, capítulo 2, subitem 2.1.3., p. 58-59. 341 BARROS, Paulo de Barros, op. cit., p. 253-254; MOLINA, Pedro Manuel Herrera, op. cit.,

p. 55. 342 MOLINA, Pedro Manuel Herrera, op. cit., p. 56

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Pedro M. Herrera Molina, ainda critica o critério adotado por certos autores,

que defendem que o tributo ambiental seria todo aquele que se relaciona com

questões atinentes à proteção do meio ambiente (para os quais então abranger-se-

iam: os tributos exigidos como uma contraprestação pela utilização do meio

ambiente; os que visassem uma medida de compensação aos gastos destinados à

proteção ambiental; e, como um mero recurso financeiro, cuja arrecadação estaria

vinculada para questões ambientais.343 Por fim, ressalta que a afetação da receita

arrecada não está presente na estrutura do tributo, e encontra-se dentro da seara

financeira orçamentária do Estado.344

3.1.2. Finalidade

A tributação ambiental poderá tanto ter uma finalidade fiscal como também

extrafiscal.345 Enquanto meio de arrecadação de dinheiro aos cofres públicos

(finalidade fiscal), o tributo ambiental visará sempre custear a implementação de

medidas e políticas ambientalmente positivas, ou sanar um gasto já efetivado em

prol do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Já foi visto em tópico inerente ao

princípio da responsabilização (poluidor e usuário pagador), que os impactos

ambientais deverão ser indenizados, com a devida internalização dos seus custos.

Noutra vertente, enquanto revestidos com o manto da extrafiscalidade, os tributos

ambientais objetivarão a adoção, por parte dos sujeitos passivos da relação

tributária, de posturas ambientalmente corretas, sob pena de serem onerados com a

tributação.

Pedro M. Herrera Molina, defende que a ‘extrafiscalidade’ do tributo

ambiental não é tão precisa igual acontece com outras políticas equivalentemente

implementadas, como as econômicas e sociais.346 O autor não deixa de concordar

que o tributo ambiental possui uma natureza extrafiscal. Entretanto, demonstra que

343 Ibidem, p. 57. 344 Ibidem, p. 58. 345 BRAGA, Guilherme Doin; CASTRO, Katiana Bilda. Apontamentos Gerais do Direito

Tributário Ambiental. in Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 182.

346 MOLINA, Pedro Manuel Herrera, op. cit., p. 55-57.

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cada vez mais, os novos tributos têm uma dupla finalidade balanceada, já que

verifica-se tanto a finalidade arrecadatória (fiscal) como o seu caráter ambiental

(extrafiscal).347

3.2. PONTOS PRESENTES NOS FUNDAMENTOS DO DIREITO TRIBUTÁRIO

AMBIENTAL

3.2.1. O princípio da capacidade contributiva frent e ao princípio do poluidor-

pagador

Primeiramente cumpre destacar que o tributo ambiental está inserido dentro

do ordenamento jurídico-tributário, haja vista que se assim não for, será tido como

inconstitucional. Logo, todas as normas que se aplicam ao direito tributário devem

ser aplicadas aos tributos ambientais, incluído aí, a observância ao princípio da

capacidade contributiva. Há que se destacar, entretanto, que foi com o princípio do

poluidor pagador que surge a legitimação ao direito tributário para atuar no campo

ambiental, pelo menos quando se está diante de um tributo com finalidade

eminentemente extrafiscal.

Fábio Fraga Gonçalves e Janssen Hiroshi Murayama comentam dizem que

“a matriz principiológica da proteção ao meio ambiente é a solidariedade entre

gerações presentes e futuras. Da mesma forma, é a solidariedade que serve de

base para o princípio da capacidade contributiva.”348 Interessante a percepção dos

autores, que aduzem uma similaridade entre os princípios inerentes ao direito

ambiental, já que todos irão se assentar naquele (solidariedade), e o princípio da

capacidade contributiva. Note-se que com o princípio do poluidor-pagador não é

347 MOLINA, Pedro Manuel Herrera, op. cit., p. 56. 348 GONÇALVES, Fábio Fraga; MURAYAMA, Janssen Hiroshi. Releitura do Princípio da

Capacidade Contributiva dos a Ótica do Direito Tributário Ambiental. In Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 38.

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diferente, ele possuir uma natureza ressarcitória, haja vista que aquele que der

causa à poluição, deverá assumir os seus custos.349

Dito isto, os autores demonstram os conflitos que podem surgir no momento

em que estes dois princípios se chocam. Muitas vezes, para que um princípio seja

aplicado, o outro pode restar violado, como aconteceria no caso de uma pessoa

carente causar um enorme impacto ao meio ambiente. Caso seja observado o

princípio do poluidor-pagador, o agente deverá arcar com os custos da degradação

ambiental que causou, violando assim os limites de sua capacidade contributiva.350

No outro vértice, com a visão inicial de se respeitar o princípio da capacidade

contributiva, aqueles detentores de maior capacidade contributiva, porém que não

estão causando uma grande poluição ambiental, não deveriam sofrer grandes

tributações, violando assim este princípio.351 Em uma terceira abordagem dos

referidos princípios, os autores visualizam que, apesar de tudo, em alguns casos

ambos os princípios podem conviver harmoniosamente, e dão o exemplo de a

tributação ocorrer em virtude das respectivas emissões, o que presumir-se-ia que os

poluidores auferem um lucro marginal na atividade poluente, e que não diz respeito

para a sua capacidade contributiva. Concluem, afirmando que, por ser ambos os

princípios um desdobramento do princípio da solidariedade, não há que se falar num

conflito em suas respectivas aplicações.352

Parece-se que Ricardo Berzosa Saliba foi feliz em sua afirmação,

[...] devemos conciliar a aplicação do princípio do poluidor-pagador juntamente com o princípio da capacidade contributiva, para podermos determinar de que forma tributos caminharão para servir a esta causa sem extrapolar limites constitucionalmente garantidos aos contribuintes (v. g. legalidade, isonomia, não-confisco, anterioridade, etc.). [...] Contudo, é ainda através da observância do princípio da capacidade contributiva, que cremos quando da imposição de um determinado tributo cuja função social é a manutenção da vida, que será possível dimensionar o tamanho da carga tributária que determinado tributo cuja função social é a manutenção da vida, que será possível dimensionar o tamanho da carga tributária que determinado cidadão irá suportar. Ainda que o princípio do poluidor-pagador venha também indicar em face de alguém a obrigatoriedade do pagamento de quantia para custear o uso do meio ambiente que provocará ou provocou uma deteriorização, será na medida da capacidade

349 Idem. 350 Ibidem, p. 39. 351 Idem. 352 Ibidem, p. 40.

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contributiva dessa pessoa que se manterá uma justiça tributária estabelecida em favor da defesa e preservação do meio ambiente; [...]. 353

No mesmo sentido acima transcrito, repousando ademais sobre a

possibilidade ou não, da não observância do princípio da capacidade contributiva

sobre tributos com finalidade extrafiscal, Fernando Magalhães Modé assevera que

“não há como dissociar o princípio da capacidade contributiva da tributação

extrafiscal. [...] o sujeito passivo da obrigação tributária deve ter condições de

suportar a exação, não importando atue o tributo com finalidade fiscal ou não.”354

Conclui-se que, muito embora seja o princípio do poluidor-pagador ponto de

partida de qualquer política ambiental, para que seja a tributação considerada

constitucional, há que se respeitar o princípio da capacidade contributiva do poluidor,

ora sujeito passivo da obrigação tributária.

3.3.2. O princípio da seletividade, e os tributos s obre o consumo

Já foi visto em tópico próprio, que o princípio da seletividade decorre, no

caso do IPI e do ICMS, da essencialidade do produto industrializado ou da

mercadoria circulada. Por sua vez, a CF/88, em seu art. 170, inciso VI, dispõe que

entre outras finalidades, cabe à ordem econômica assegurar a “defesa do meio

ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental

dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.” Como se

vê, perfeitamente compatível com a idéia de seletividade explorada pelo direito

tributário. De sorte que, por ora, a aplicação do princípio tributário da seletividade à

matéria ambiental é totalmente viável.355

Breno Ladeira Kingma Orlando e Daniel Mariz Gudiño, ao estudarem a

aplicação da seletividade tributária ao tributo ambiental, afirmam que muito embora

353 SALIBA, Ricardo Berzosa. Fundamentos do Direito Tributário Ambiental. – São Paulo:

Quartier Latin, 2005. 354 MODÉ, Fernando Magalhães. Tributação Ambiental: A função do tributo na proteção do

meio ambiente. – 1. ed., 4. tir – Curitiba: Juruá, 2006, p. 88. 355 ORLANDO, Breno Ladeira Kingma; GUDIÑO, Daniel Mariz. Instrumentos Tributários e

Financeiros Utilizados no Brasil para a Proteção do Meio Ambiente: Uma Análise Crítica. In Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 85.

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possua solido amparo constitucional, e, “em que pese ao IPI ser um imposto com

características extrafiscais, a legislação tributária brasileira quase não o utilizou para

fins ecológicos.”356 Os autores descrevem a Medida Provisória – MP n° 7 5/2002, que

“concedia crédito presumido para estabelecimentos industriais que adquirissem

desperdícios, resíduos e aparas de plástico para a utilização como matéria-prima ou

produto intermediário nos seus processos produtivos.”357

Ainda, os mesmos autores adentram no âmbito estadual, e destacam

posturas adotadas na tributação do ICMS e do IPVA, que em muito se coadunam

com a tributação ambiental. Destacam, por exemplo, o Regulamento do ICMS do

Estado de Minas Gerais, que especifica uma redução de alíquotas para as

“operações com máquinas, aparelhos, equipamentos e veículos, destinados à

implantação, ampliação e modernização de unidades industriais ou agro-industriais

que visem à defesa do meio ambiente.”358 Não esquecem, outrossim, que qualquer

benefício fiscal em matéria de ICMS deve ser aprovado pelo Conselho Nacional de

Política Fazendária – CONFAZ, nos moldes da Lei Complementar n° 24/75, para

que a questão ambiental não sirva de ‘bode-espiatório’ à guerra fiscal entre os

Estados Federados.359

No que tange à aplicação do princípio da seletividade no IPVA, ressalta-se a

aplicação da alíquota reduzida pelo Estado do Rio de Janeiro, através da lei n°

948/1985, para os carros que utilizam energia elétrica ou gás natural como

combustível, já que comprovadamente menos poluentes que a gasolina e o

diesel.360 Citam, já na esfera da competência municipal, a possibilidade de se

diferenciar as alíquotas do ISS, em face de serviços que venham colaborar com a

causa da preservação ambiental, como acontece com a lei n° 691/1984, do

Município do Rio de Janeiro, “que aplica alíquota de 3% aos serviços de limpeza e

dragagem de portos, rios e canais em vez da alíquota genérica de 5%.”361

Focando-se nos tributos que incidem sobre o consumo, ou tributos indiretos,

a CF/88 estabelece a observância ao princípio da seletividade em função da

essencialidade do produto (sendo obrigatório para o IPI e facultativo para o ICMS,

356 Idem. 357 Ibidem, p. 86. 358 Idem. 359 Idem. 360 Ibidem, p. 87. 361 Idem.

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posição esta que, como visto, não é compartilhada por Roque Antonio Carrazza).

Primeiramente, entendiam-se como essenciais aqueles produtos necessários

somente para a subsistência. Hoje, entretanto, não é mais este o conceito que se

tem de produtos tidos como essenciais, e deve-se levar em conta não só aqueles

produtos necessários para a subsistência, mas também outros que dêem uma vida

digna, com o mínimo de conforto e padrão social desejável.362

Sabe-se que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de

todos e, conforme a própria redação do art. 225, da CF/88, é “essencial à sadia

qualidade de vida”. Se o meio ambiente é um bem essencial, e o princípio da

seletividade deixa claro que se pauta no ‘critério da essencialidade’, a menos em

uma análise perfunctória, chega-se à conclusão de que o bem ambiental deve ser

preservado ao se ponderar a seletividade de produtos e mercadorias, e com isso

garantir o seu equilíbrio, que por fim é essencial para a vida em todas as suas

formas.

Interessante notar o que poderia ser um choque para o princípio da

seletividade. Foi visto que o mesmo deve ponderar a essencialidade dos produtos e

mercadorias. Agora, hipoteticamente falando, imagina-se que para a fabricação de

um mesmo produto são utilizadas diferentes técnicas de produção, de modo que um

desses produtos cause um menor impacto ambiental que o outro. Se fosse

interpretar o princípio da seletividade sob o ponto de vista da tutela ambiental, a

conclusão que se chega é que, para estes mesmos produtos, pode existir uma

diferenciação de suas cargas tributárias.

Muito embora as peculiaridades que surgem no desenrolar da matéria, o

princípio da seletividade se mostra extremamente eficaz na aplicação do direto

tributário como meio de tutela ambiental, mais precisamente sobre os produtos e

mercadorias de consumo. A tributação sobre os bens de consumo será extremante

importante para estimular o consumo de produtos sustentáveis, ou que não tenha

gerado impacto ambiental negativo em sua produção.363

3.2.3. Incentivos fiscais e o meio ambiente

362 AMARAL, Paulo Henrique do, op. cit., p. 109. 363 Ibidem, p. 112.

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No capítulo anterior, em tópico próprio sobre os incentivos fiscais, foi

possível visualizar alguns meios de se desonerar a carga tributária do sujeito

passivo da relação jurídico-tributária. Desse modo, aqui, não cabe novamente

discorrer acerca dos instrumentos disponíveis, e sim apenas demonstrar onde que

seriam inseridos, de que maneira, e sob quais fundamentos.

O incentivo fiscal no direito tributário ambiental, assim como em todo o

direito tributário, vem, em regra, como meio de beneficiar o sujeito passivo da

obrigação tributária por alguma postura adotada, ou preenchida (lembra-se que o

direito é uma ordem de conduta). Como assevera Simone Martins Sebastião,

enquanto que uma externalidade negativa ambiental enseja a aplicação imediata do

princípio do poluidor-pagador, a fim de que seja a mesma internalizada no processo

de produção, as externalidades positivas devem ser, como corolário do mesmo

princípio, reconhecidas pelo ordenamento jurídico através de estímulos e

recompensas.364

Ao tratar de incentivos fiscais, pode-se abrir um parêntese, e classificar o

sistema de tributação em ativo e passivo, ou negativo e positivo. A tributação

ativa/negativa ocorre quando se imputa um ônus ainda maior à carga tributária do

contribuinte ou responsável da obrigação tributária, o que, na prática, se dá ou com

a instituição de novos tributos, ou com a majoração dos já existentes. Em sentido

inverso, a tributação passiva/positiva é aquela que se retira a carga tributária do

contribuinte ou responsável pela obrigação tributária.365

Nos dias atuais, as conseqüências de uma majoração da carga tributária já

existente (sejam com novos tributos, sejam aumentado os já existentes) seriam

desastrosas. Ao não se observar as regras e comportamentos do mercado, poder-

se-ia sufocá-lo, impossibilitando os empreendimentos, e com isso aumentar-se-ia o

monopólio dos grandes produtores, bem como que, com os custos elevados dos

produtos, ocorreriam as suas segregações para parcelas da sociedade.366

Ademais, no que diz respeito às arrecadações decorrentes de impostos,

Paulo Henrique do Amaral aduz a impossibilidade das mesmas restarem vinculadas

364 SEBASTIÃO, Simone Martins. Tributo Ambiental: extrafiscalidade e função promocional

do direito. – 1. ed., 2. tir. – Curitiba: Juruá, 2007, p. 258. 365 NUNES, Cleucio Santos. Direito Tributário e Meio Ambiente. – São Paulo: Dialética,

2005, p. 161-163. 366 Ibidem, p. 161.

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para causas de proteção do meio ambiente, o que para ele, por si só, não é

suficiente para excluir esta espécie tributária dos instrumentos que o direito tributário

ambiental possui para efetivar a tutela ambiental. Conforme o autor, os incentivos

fiscais seriam o meio hábil a permitir a introdução de políticas ambientais através da

tributação por impostos.367

Conforme esclarece Cleucio Santos Nunes,

a adoção de incentivos, em vez da majoração de tributos, poderá trazer resultados mais eficientes, visto que estimula o empreendedor a adquirir novas técnicas de preservação. Ninguém gosta de pagar tributos! Se o Estado abre mão de seu crédito, exigindo em contrapartida certos compromissos de preservação, estar-se-á diante de uma dupla vantagem: i) colaboração do Estado como corretor de externalidades negativas (Pigou); ii) maior eficiência na conscientização da necessidade de preservação do meio ambiente (princípio da cooperação).368

Pelos motivos acima expostos, é que demonstram ser, os incentivos fiscais,

a melhor ‘trilha a se percorrer’. Outro não é, também, o pensamento de Ricardo

Berzosa Saliba, que indica que os incentivos seriam, de acordo com a cultura

brasileira, a melhor maneira de se implementar uma política tributário-ambiental.369

3.3. EXPERIÊNCIAS INTERNA E NO DIREITO COMPARADO

3.3.1. O tributo ambiental no direito comparado

Adiante se verifica que a tributação ambiental já é utilizada em países ditos

de ‘primeiro mundo’. Ademais, é possível notar que em alguns locais essa tributação

não é novidade alguma, e vindas de décadas atrás. É importante notar que o ponto

não pretende listar exaustivamente todas as experiências que ocorrerão, e que vêm

ocorrendo ao redor do planeta, motivo pelo qual, por ora, selecionam-se alguns

Estados apenas a título de ilustração e comparação.

367 AMARAL, Paulo Henrique do, op. cit., p. 192-193. 368 NUNES, Cleucio Santos, op. cit., p. 163. 369 SALIBA, Ricardo Berzosa, op. cit., 305.

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3.3.1.1. Alemanha

A tributação ambiental na Alemanha está inserida no seu ordenamento

jurídico muito antes mesmo de a Constituição da República Federativa da Alemanha

tutelar o meio ambiente. Antes de expressa, a proteção a um meio ambiente

equilibrado se agasalhava no princípio do bem comum.370 O país passou por uma

reforma tributária ecológica, quando então foram inseridos novos tributos

ambientais, bem como outros já existentes ganharam esta natureza. Com a

inovação da lei, foi introduzido um imposto sobre Energia, bem como a majoração

do imposto sobre Óleo Mineral (privilegiando o gás natural e o gás liquefeito).371

Relata-se que muitos desses tributos foram inseridos de forma gradativa no sistema

jurídico-tributário alemão, com a concessão de incentivos fiscais iniciais.372 Cleucio

Santos Nunes, por seu turno, enfatiza a tributação alemã sobre produtos

“considerados propiciadores de poluição pelo seu simples uso momentâneo. É o

caso dos pratos, talhares e copos descartáveis.”373 O mesmo autor, ainda lembra

que, na Alemanha, os espaços e paisagens naturais de preservação, sejam

pertencentes às pessoas jurídicas de direito publico ou de interesse público, estão

“isentos de impostos imobiliários. Da mesma forma, está também isenta de tributos a

transmissão de tais bens, quer a título inter vivos ou causa mortis.”374

Ponto marcante, quando se fala na política tributária ambiental alemã são

seus resultados. Como destaque, verifica-se a diminuição em média de 15,5% da

utilização de combustível e diesel, fruto de um processo de evolução tecnológica e

utilização racional destes elementos, de modo que pode-se falar, também, na

influência que os tributos verdes tiveram neste processo.375

370 NETO, Jayme Barboza de Freitas; BUENO, Luís Felipe Krieger Moura; COSTA, Luís

Eugênio Porto Severo da Costa. O Tributo Ambiental à Luz do Direito Comparado. In Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 70-71.

371 Ibidem, p. 71. 372 Idem. 373 NUNES, Cleucio Santos, op. cit., p. 187. 374 Ibidem, p. 189. 375 NETO, Jayme Barboza de Freitas; BUENO, Luís Felipe Krieger Moura; COSTA, Luís

Eugênio Porto Severo da Costa, op. cit., p. 72.

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3.3.1.2. Estados Unidos da América

Os Estados Unidos possuem um fundo de reparação de danos ao meio

ambiente – superfund – desde 1986. O capital desse fundo é fruto do dinheiro

arrecadado com tributos ambientais, como os que incidem “sobre indústrias

poluidoras químicas e empresas refinadoras de petróleo.”376 O país ainda possui

uma tributação majorada no imposto de renda de contribuintes que causem

prejuízos ao meio ambiente, tendo, também, uma redução da base de cálculo para

aqueles que façam doações para “áreas com finalidades de preservação

ambiental.”377 Existem ainda os impostos sobre equipamentos de caça e pesca,

como lembra Simone Martins Sebastião.378 A autora ainda relata algo que seria um

efeito negativo na implementação da legislação tributária sobre o solo, já que os

governos regionais arrecadam determinado tributo anual com base na terra, e que o

número de árvores é considerado para a base de cálculo do tributo. Com isso,

afirma que, além de rentável a extração e comercialização de madeira, estariam os

proprietários destas terras diminuindo a base de cálculo do imposto devido.379

Remédios lógicos são discorridos pela autora para sanar esta ‘aberração’ da

legislação norte-americana. Ainda, destaca a autora, a alteração no critério de aferir

o quantum debeatur da taxa de lixo doméstico, que deixa de possuir uma alíquota

fixa e passa a ser calculado sobe o volume proporcional de lixo produzido.380

3.3.1.3. França

Frisa-se que na França o tributo verde está presente no ordenamento

jurídico desde a década de 60 (sessenta) do século passado. Ali, em 1964 (mil

376 Ibidem, p. 77. 377 Idem. 378 SEBASTIÃO, Simone Martins, op. cit., p. 303. 379 Idem. 380 Ibidem, p. 305.

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novecentos e sessenta e quatro), foi instituído um tributo sobre a emissão de

efluentes e o consumo de água, imposto pela agência de águas do país, sendo o

montante arrecadado destinado para a despoluição ambiental.381 Durante os anos

80 (oitenta), a França passa a exigir tributo, cujo fato gerador era a poluição

atmosférica e, no mesmo norte daquele, a arrecadação era destinada para a

melhoria da qualidade do ar.382 Empresas de pesquisa, desenvolvimento e ensino de

organismos geneticamente modificados sofrem a incidência de taxas específicas.383

Há, noutra vertente, os incentivos fiscais que visam evitar as atividades

poluentes e degradantes. Diante destas, evidencia-se o beneficio fiscal concedido,

através de depreciação acelerada dos imóveis e reduções no imposto de renda,

para empresas de instalação de produção agrícola.384

3.3.2. O tributo ambiental no ordenamento brasileir o: algumas experiências

3.3.2.1. ICMS ecológico

O ICMS ecológico tem como fundamento o art. 158, inciso IV, parágrafo

único, inciso I e II.385 Conforme disposição constitucional, caberão aos Municípios

25% (vinte e cinco por cento) do produto arrecadado pelos Estados com a tributação

do ICMS. Ainda, de acordo com o referido artigo, até um quarto da receita que será

381 NETO, Jayme Barboza de Freitas; BUENO, Luís Felipe Krieger Moura; COSTA, Luís

Eugênio Porto Severo da Costa, op. cit., p. 73. 382 Idem. 383 Idem. 384 Idem. 385 Art. 158. Pertencem aos Municípios: [...]; IV - vinte e cinco por cento do produto da

arrecadação do imposto do Estado sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Parágrafo único. As parcelas de receita pertencentes aos Municípios, mencionadas no inciso IV, serão creditadas conforme os seguintes critérios: I - três quartos, no mínimo, na proporção do valor adicionado nas operações relativas à circulação de mercadorias e nas prestações de serviços, realizadas em seus territórios; II - até um quarto, de acordo com o que dispuser lei estadual ou, no caso dos Territórios, lei federal.

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repassada, obedecerá critérios estabelecido por lei estadual, ou federal no caso de

vir a existir municípios situados em territórios.386

Com base na fundamentação legal acima mencionada é que, o Estado do

Paraná, em 1991, instituiu a lei complementar estadual n° 59, conhecida também

como “Lei do ICMS Ecológico”. A lei teve como objetivo focar parcela do repasse

constitucionalmente devido para “Municípios que possuíssem unidades de

conservação ambiental ou fossem diretamente influenciado por estas e mananciais

de abastecimentos públicos”.387 Com a felicidade da norma no paranaense, em

1993, o Estado de São Paulo, mediante a lei estadual n° 8.510, previu o repasse de

0,5% (meio por cento) da verba destinada aos Municípios, para os 169 (cento e

sessenta e nove) Municípios paulistas “que abrigam espaços territoriais protegidos

ecologicamente, como parques estaduais, reservas ecológicas, áreas de

preservação ambiental etc.”388 Após, outros Estados seguiram a mesma tendência:

Minas Gerais, 1995; Rondônia, 1996; Amapá, 1996; Rio Grande do Sul, 1998; Mato

Grosso, 2001; Mato Grosso do Sul, 2001; Pernambuco, 2001; Tocantins, 2002,

estando noutros Estados em processo de tramitação de projetos de leis que visam o

implementar.389

Cada Estado tratou de disciplinar as causas que julgam mais importantes

para a preservação do meio ambiente e, assim, privilegiaram-nas com a destinação

de parcela da receita arrecadada. Em síntese, os critérios adotados foram similares

àqueles adotados pelos Estados do Paraná e de São Paulo, destacando-se o

Estado de Minas Gerais, que, através da lei n° 13.8 03/2000, também conhecida

como “Lei Hobin Hood”, que “passou a observar critérios vinculados a aspectos

sociais, tais como educação, saúde, patrimônio histórico, meio ambiente etc.”390 O

Estado também privilegiou a coleta seletiva de lixo.391

Atenta para a conseqüência prática do permissivo constitucional, Lise Vieira

da Costa Tupiassu ressalta o que seria ‘um paradoxo’, em termos de política de

estimulo ao desenvolvimento sustentável, intrínseco no sistema de repasse dos

valores arrecadados, com base apenas no volume de circulação de mercadorias e

386 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques. Direito Ambiental

Tributário. – São Paulo: Saraiva, 2005, p. 114-115. 387 Ibidem, p. 115, nota de rodapé n° 143. 388 Ibidem, p. 116, nota de rodapé n° 144. 389 Ibidem, p. 116-117. 390 Ibidem, p. 116, nota de rodapé n° 146. 391 Idem.

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serviços ocorrido dentro de cada Município. Conforme discorre a autora, a CF/88

reserva a discricionariedade para os Estados disporem de ¼ (um quarto) da verba

destinada aos Municípios. Relata, a mesma, que para o repasse de ¾ (três quartos)

dos 25% (vinte e cinco por cento) da receita de ICMS arrecadada e destinada aos

Municípios, é utilizado, pela CF/88, um critério que privilegia os Municípios que têm

maior circulação de mercadoria e prestação de serviço (art. 158, parágrafo único,

inciso I). De pronto, comenta que na prática, normalmente, são estes Municípios os

maiores responsáveis por externalidades negativas no ciclo da cadeia

consumista.392 Conforme a autora, com esta regra, aqueles Municípios que se

preocupam apenas em produzir mais, e gerar maior circulação de mercadorias, se

beneficiariam em detrimento daqueles que, por adotarem políticas de

desenvolvimento sustentável, acabam por ter uma circulação de mercadorias e

serviços menores, e com isso perceberiam um repasse proporcionalmente aquém. É

notório que os Municípios que se preocupam com o meio ambiente ecologicamente

equilibrado, através da adoção de políticas que inibam as externalidades negativas,

com vastas áreas de preservação ambiental, tenham suas condições de

concorrência com outros Municípios prejudicadas.393

Com esse raciocínio é que, a autora, comenta o surgimento do ICMS

ecológico como um meio de compensação àqueles Municípios prejudicados pelas

suas preocupações ambientais. Diz que a natureza compensatória presente

inicialmente foi substituída por uma “franca conseqüência incrementadora”, já que os

Municípios passaram a planejar melhor suas políticas públicas ambientais, com

vistas ao repasse previsto no ICMS ecológico.394

Ainda, Lise Vieira da Costa Tupiassu, comenta sobre estudo realizado pela

Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico – OCDE,395 que

alerto sobre os efeitos redistributivos na implementação de políticas ambientais

intervencionistas no âmbito econômico. Assevera que os efeitos redistributivos

acontecem quando possíveis “perdedores” restarão tentados a potencializar ainda

392 O conceito da expressão ‘externalidade negativa’ foi abordado no tópico referente ao

princípio do poluidor pagador e usuário pagador. 393 TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. Tributação Ambiental: A utilização de instrumentos

econômicos e fiscais na implementação do direito ao meio ambiente saudável. – Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 192-196.

394 Idem. 395 OCDE, La Fiscalidad y el Medio Ambiente, p. 70. In TUPIASSU, Lise Vieira da Costa, op.

cit., p. 200.

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mais os efeitos inversos desejados por aquela política. Entretanto, como meio de

redução destes efeitos, aponta a prévia identificação dos possíveis efeitos

indesejáveis na instauração da nova política.396

Em síntese, a conclusão que se chega é a total constitucionalidade de os

Estados escolherem critérios de acordo com seus objetivos, no que tange à

destinação prevista pelo inciso II, do parágrafo único do art. 158, da CF/88. Assim é

que o referido permissivo não somente é um meio de compensação econômica,

como vem alcançando posturas desejadas pelos Municípios, que por sua vez não

querem ficar de fora do ‘bolo’ do repasse.

3.3.2.2. Taxa ambiental

Ao adentrar no estudo da tributação ambiental por meio de taxa, Celso

Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira asseveram a dificuldade que é a

instituição de uma taxa voltada para a tutela ambiental, sem que não se destorça a

natureza de sua espécie tributária, esbarrando assim em inconstitucionalidade.397 Já

foi abordado o conceito de taxa, e nele pode-se observar que a sua instituição está

vinculada a um serviço específico e divisível prestado pelo Estado, ou por ele

colocado à disposição do contribuinte, bem como poderá incidir sobre o regular

poder de polícia da administração pública (lembra-se que este exercício do poder de

polícia também deverá ser específico e divisível, sob pena de ter que ser

remunerado por impostos). Neste norte, é que, para os autores acima citados,

muitas vezes as taxas ambientais poderão ter natureza de impostos,398 o que é

estritamente vedado pelo art. 145, § 2°, da CF/88, 399 e pelo art. 77, parágrafo único

do CTN.400

396 Idem. 397 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques, op. cit., p. 120. 398 Dão o exemplo da Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, que a frente será

analisada, e o exemplo da Taxa de Preservação Ambiental cobrada pelo Distrito de Fernando de Noronha-PE, in FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques, op. cit., p.. 118-120.

399 Art. 145. [...]; § 2º - As taxas não poderão ter base de cálculo própria de impostos. 400 Art. 77. [...]; Parágrafo único. A taxa não pode ter base de cálculo ou fato gerador

idênticos aos que correspondam a imposto nem ser calculada em função do capital das empresas.

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José Marcos Domingues, citando julgado do Supremo Tribunal Federal,401

aponta que a corte reconheceu três tipos de serviços públicos. De um lado, estariam

os serviços remunerados por taxas, sendo os propriamente estatais, ou essenciais

em sentido estrito (serviço de polícia – fiscalização – e serviço jurisdicional) e os

serviços essenciais ao interesse público (coleta de lixo e de esgoto, distribuição de

água, sepultamento, etc.), enquanto que noutro lado encontrar-se-iam os serviços

tidos como não-essenciais, que em regra podem ser delegados (remunerados por

tarifas ou preço-público, quando prestado pelo Estado).402

Como já visto no transcurso deste trabalho, a lei que institui a PNMA, com a

redação dada pela lei n° 10.165/2000, traz em seu a rt. 17-B,403 a previsão legal da

Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, que possui como fato gerador o

“exercício regular do poder de polícia” exercido pelo IBAMA “para controle e

fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos

naturais.”

Ives Gandra da Silva Martins, na ocasião contratado pelo IBAMA para exarar

seu parecer acerca da constitucionalidade da TCFA, instituída pela lei n°

10.165/2000, discorre que a norma veio sanar as inconstitucionalidades apontadas

pela Suprema Corte (STF - ADI n° 2.178-8/DF), que h aviam sido implementadas na

PNMA pela lei n° 9.960/2000. 404 No seu parecer, o autor transcreve a ementa da

Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 2.178-8 (Di strito Federal), e comenta que o

Excelso Pretório, na ocasião apenas atacou questões relativas aos procedimentos

de instauração do tributo, mas não considerou inconstitucional a cobrança da taxa

para o exercício do poder de polícia. Neste sentido, frisa-se o julgado do Supremo

Tribunal Federal que declarou a constitucionalidade da TCFA:

CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. IBAMA: TAXA DE FISCALIZAÇÃO. Lei 6.938/81, com a redação da Lei 10.165/2000, artigos 17-B, 17-C, 17-D, 17-G. C.F., art. 145, II. I. - Taxa de Controle

401 STF - RE n° 89.876 e RE n° 416.601. 402 DOMINGUES, José Marcos. As Taxas e os Preços do IBAMA. Compensação de Taxas e

outras Vicissitudes da TCFA. – Revista de Dialética de Direito Tributário n° 135. – Dezembro, 2006, p. 78.

403 Art. 17-B. Fica instituída a Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA, cujo fato gerador é o exercício regular do poder de polícia conferido ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama para controle e fiscalização das atividades potencialmente poluidoras e utilizadoras de recursos naturais.

404 MARTINS, Ives Gandra da Silva. A Taxa de Controle e Fiscalização Ambiental – TCFA. In Direito Tributário Ambiental, coordenação de Heleno Taveira Tôrres. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 750.

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e Fiscalização Ambiental - TCFA - do IBAMA: Lei 6.938, com a redação da Lei 10.165/2000: constitucionalidade. II. - R.E. conhecido, em parte, e não provido.405

A TCFA foi declarada constitucional pelo STF nesta ocasião. Como já dito, a

taxa pode ser instituída tanto pela realização do exercício do poder de polícia, o que,

em matéria ambiental, caracteriza-se com a “fiscalização, o licenciamento e a

concessão de licenças de instalação e de operação de atividades potenciais ou

efetivamente poluidoras,”406 enquanto que também poderão existir taxas pela

realização de serviços prestados pelo Estado e diretamente relacionados com o

contribuinte, tais quais “a limpeza ou recuperação ambiental.”407

3.3.2.3. A progressividade da alíquota do IPTU

O IPTU é um tributo pertencente à espécie dos impostos, e possui sua

previsão constitucional no já citado art. 156, inciso I, e a competência para sua

instituição é dos Municípios. Por sua vez, o CTN, em seu art. 32 ao 34 disciplina a

matéria, sendo que o art. 32 é claro ao dizer que o imposto tem “como fato gerador a

propriedade, o domínio útil ou a posse de bem imóvel por natureza ou por acessão

física, como definido na lei civil, localizado na zona urbana do Município.” O § 1°, do

mesmo artigo, diz que considera-se área urbana aquela que tiver duas das cinco

melhorias que aludem seus incisos, a saber: meio-fio ou calçamento, com

canalização de águas pluviais; abastecimento de água; sistema de esgotos

sanitários; rede de iluminação pública, com ou sem posteamento para distribuição

domiciliar; e, escola primária ou posto de saúde a uma distância máxima de 3 (três)

quilômetros do imóvel considerado. Especificando quais áreas que são consideradas

urbanas, verificar-se-á quais que serão tributadas pelo ITR (áreas rurais). Por fim,

considera-se o valor venal do imóvel como base de cálculo.

405 STF - RE 416601 / DF - DISTRITO FEDERAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO.

Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO. Julgamento: 10/08/2005. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Publicação: DJ 30-09-2005 PP-00005. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=tcfa&base=baseAcordaos>, acesso em: 25/10/2008.

406 AMARAL, Paulo Henrique do, op. cit. p. 173. 407 Idem.

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O art. 182, da CF/88,408 dispõe acerca da função social da propriedade

inserida na política de desenvolvimento urbano. O § 2°, 409 do referido dispositivo, diz

que a função social será atendida quando a propriedade estiver de acordo com as

normas expressas no plano diretor da cidade. Abre-se, com essa redação, uma nova

inserção no instituto da propriedade privada. A função social da propriedade passa a

fazer parte do próprio conceito de propriedade, não tendo mais como desvincular

ambas as idéias, sob pena de macular o instituto.410 Certo, é que ocorre uma

imposição ao antigo conceito de propriedade, que agora deve ser encarada à luz do

interesse da coletividade, sob pena de, uma vez descumprida sua observância, o

proprietário se ver onerado com a progressividade do IPTU,411 conforme prevê o §

4°, inciso II, do art. 182, da CF/88. 412 A progressividade do IPTU deve estar

vinculada ao descumprimento de condições pré-estabelecidas pela municipalidade.

A política de desenvolvimento urbano foi regulamentada pela lei federal n°

10.257/2001, mais conhecida como Estatuto da Cidade. Conforme seu § 1°, do art.

1°, a lei “estabelece normas de ordem pública e int eresse social que regulam o uso

da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos

cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental.” A legislação foi exaustiva no que

concerne às diretrizes básicas que o Município deverá observar em seu plano

diretor. É sobre o descumprimento destas diretrizes, assim, que caberá a

progressividade da alíquota do IPTU, que por sua vez assumirá natureza

predominantemente extrafiscal, visto que objetiva-se uma ação do proprietário no

sentido de adequar a utilização de sua propriedade com o interesse da

408 Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal,

conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem- estar de seus habitantes.

409 Art. 182. [...]; § 2º - A propriedade urbana cumpre sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.

410 MOREIRA, Bruno; MARANGONI, Marina; CASTILHO, Rafael. – As Áreas de Proteção Ambiental e os Impostos sobre a Propriedade. In Direito Tributário Ambiental. – Coordenadores: Breno Ladeira Kingma Orlando e outros. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2006 p. 172.

411 Idem. 412 § 4º - É facultado ao Poder Público municipal, mediante lei específica para área incluída

no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de: [...]; II - imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana progressivo no tempo;

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coletividade.413 Conforme Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques

Ferreira, a progressividade só poderá ser instituída depois de cessadas as

imposições do inciso I, do § 4°, do art. 182, da CF /88, haja vista que o próprio texto

do § 4°, diz que serão aplicadas ‘sucessivamente’ a s seguintes penas...

Sacha Calmon Navarro Coêlho ao estudar o dispositivo em comento, relata

de pronto que “o imposto continua com o efeito que ostentava sob a Constituição de

1967, acrescido agora de ‘poder extrafiscal’ como instrumento de política urbana.”414

Quanto ao posicionamento da Suprema Corte acerca da matéria, parece-se que a

mesma entende constitucional a progressividade da alíquota do IPTU em razão do

descumprimento da função social da propriedade, matéria inclusive alvo da Súmula

668 da Egrégia Casa.415 Ainda, muito bem afirmado pelo autor, é a possível

configuração de o IPTU, nesse caso, assumir caráter de sanção, o que iria de

encontro com o próprio conceito de tributo do art. 3°, do CTN. Ao transcorrer o tema,

ele deixa claro que o IPTU continua a incidir apenas sobre a propriedade, sendo a

sua alíquota que será progressiva em razão da má utilização da propriedade, não

desconfigurando assim a aquele conceito do art. 3°, do CTN.

3.4. A TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL NO BRASIL: UMA PROPOSTA.

A tributação ambiental no ordenamento jurídico atual se mostrou totalmente

viável. Prova disso são os tímidos modelos existentes. O Brasil está em acelerado

progresso, que se deve dar de acordo com o princípio do desenvolvimento

sustentável, que, muito embora não vise frear a aceleração do crescimento

econômico-social, deverá sempre ser respeitado.

Com esse intuito, é que se tenta deixar algumas considerações acerca da

plausibilidade de inserções de instrumentos tributários, como meio de se efetivar a

tutela ambiental.

413 FIORILLO, Celso Antonio Pacheco; FERREIRA, Renata Marques, op. cit., p. 95. 414 COÊLHO, SACHA CALMON NAVARRO, op. cit., p. 394. 415 Súmula 668: é inconstitucional a lei municipal que tenha estabelecido, antes da emenda

constitucional 29/2000, alíquotas progressivas para o IPTU, salvo se destinada a assegurar o cumprimento da função social da propriedade urbana.

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Foi visto a ação da Alemanha, que concede benefícios fiscais para

proprietários de porções de terras, e sobre suas transmissões, que se constituam

áreas de preservação ambiental. Embasado nessa experiência, mesmo com a

pouca informação que ora se tem, é que se acredita na instituição de incentivos

análogos no direito brasileiro. Nesta ótica, fica a proposta de ser concedida uma

isenção total ou parcial (via redução da base de cálculo) dos impostos que gravam a

propriedade ou a transmissão de áreas rurais (ITR/ITBI), nas seguintes hipóteses:

reflorestamento das áreas desmatadas ou das margens dos cursos d’águas

(vegetação ciliar); práticas de defesa da fauna, inclusive ictiológica, e da flora.

Noutro ponto, no que tange aos bens de consumo, tributados com o IPI/ICMS,

tendo como base a tributação apresentada também pela Alemanha, que visou

incentivar o consumo de gás natural e gás liquefeito, deixa-se uma sugestão para a

majoração das alíquotas destes impostos, na suas incidências sobre produtos

derivados do petróleo; produtos químicos (herbicidas e pesticidas); montagem de

veículos de propulsão mecânica; emissão de gases ou poluentes na atmosfera,

cursos d’água ou mananciais; tráfego aéreo.

No que se refere às contribuições de melhoria, o poder público (União, Distrito

Federal, Estados e Municípios) poderá realizar obras que, além de acarretarem uma

valorização imobiliária, protegem o meio ambiente, como a criação de parques,

áreas de lazer, jardins botânicos, etc. Nesse mesmo sentido, na esfera estadual,

podem-se ser concedidas isenções, totais ou parciais (através da redução da base

de cálculo), de doações de propriedades (ITCMD), a instituições de amparo ao meio

ambiente, ou para a criação de áreas coletivas como as acima descritas.

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CONCLUSÃO

O trabalho apresentado abordou com cautela a tutela ambiental por meio

dos instrumentos dispostos no ordenamento jurídico-tributário brasileiro. A questão é

polêmica, já que diz respeito a tema financeiro, e que para ser implantada geraria

um impacto econômico tanto para o contribuinte quanto para o Estado, mesmo se

mostrando uma excelente opção.

Conforme se apresentou o estudo, pôde-se observar que o mesmo se ateve

à causa jurídica que circula a problemática levantada, qual seja, a possibilidade, ou

impossibilidade, de se implantar a desoneração tributária de ações ecologicamente

corretas praticadas pelos sujeitos passivos da obrigação tributária, através dos

instrumentos presentes no sistema tributário brasileiro. A referida implantação visa

assim prestigiar aquelas ações que sejam positivas para o meio ambiente

ecologicamente equilibrado.

Traçaram-se pontos fundamentais inerentes ao direito ambiental, que além

de serem o alicerce da tutela ambiental, aqui também serviram como ponto de

partida, para que o objetivo do estudo se coadunasse com a ideologia jurídica

ambiental brasileira, e alienígena. Viram-se os princípios ambientais essenciais, que

se sobressaem aos demais, quando o assunto é a tributação ambiental.

Da teoria tributária, visualiza-se a manta de regras e instrumentos que

agasalham essa gama de tributos; os tributos verdes. Busca-se inserir dentro do

sistema jurídico-tributário a tributação ambiental, como forma de proteção do meio

ambiente. Foi visto que, muito embora se fale em tributação ambiental, esta deve ser

entendida como um desdobramento de toda a instrumentalidade tributária em prol

do bem ambiental.

Ainda no campo do direito tributário, verificou-se a finalidade almejada por

um tributo, bem como as espécies de tributos existentes. Expuseram-se não só os

princípios que devem ser respeitados (legalidade) como outros que possibilitam a

manipulação dos incentivos tributários nos tributos ambientais (seletividade e

progressividade).

Foi visto que a tributação ora será positiva, ora será negativa. Será positiva

quando através das regras inerentes à tributação, o legislador buscar uma

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exoneração parcial, ou total da carga tributária que o contribuinte suporta, enquanto

que será negativa, a partir do momento que o legislador pretender majorar a carga

tributária para colocar sua política de tutela ambiental em prática.

No último capítulo tentou-se demonstrar os conceitos básicos e as

finalidades que revestem a tributação ecológica. Foram trazidos a exemplo, tributos

ambientais no âmbito do direito comprado, como também tímidas experiências

existentes no direito interno.

Nesse escopo todo que se delineou, é que se conclui pela total eficiência da

tributação ambiental como meio de tutela ecológica e, principalmente, conclui-se que

a criação de tributos verdes deve ser amplamente difundida, enquanto instrumento

de política ambiental.

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