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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO AMAZONAS ESCOLA SUPERIOR DE CINCIAS SOCIAIS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM DIRETO AMBIENTAL
GENISE DE MELO BENTES
RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL: DA REALIDADE LEGISLAO NO ESTADO DO AMAZONAS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Direito Ambiental da Universidade do Estado do Amazonas, como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Direito Ambiental.
ORIENTADOR: Prof. Dr. Serguei Aily Franco de Camargo
Manaus 2006
INTRODUO
A aplicabilidade e efetividade da norma jurdica so problemas recorrentes no mundo
jurdico. O Brasil considerado um pas com um avanado arcabouo jurdico ambiental,
todavia, a lei nem sempre consegue ter concretude na realidade. A inadequabilidade da
norma jurdica realidade cotidiana dos indivduos um motivo desta no ser aplicada,
conduzindo a sua no efetividade. No Amazonas, a poltica ambiental est sendo baseada na
criao, implementao e gesto de unidades de conservao, em especial a Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel, prevista na da Lei Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000,
que que trata sobre a instituio o Sistema Nacional de Unidade de Conservao da Natureza -
SNUC, e seu Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002, como um instrumento de proteo
dos recursos ambientais, e propicia a melhoria da qualidade de vida das populaes locais.
Portanto, so imprescindveis estudos para analisar a aplicabilidade e efetividade desta norma
jurdica ambiental, buscando averiguar a correspondncia entre a realidade e a lei no Estado
do Amazonas.
Na metodologia do trabalho foram selecionadas duas Reservas, a Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel Mamirau e a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel do
Piranha, para realizao de um estudo sobre as caractersticas de cada, atravs de um paralelo
entre seus respectivos perfis, como proposto na legislao. Na caracterizao das Reservas foi
utilizado um nico roteiro, visando retratar a situao existente em diversos mbitos, social,
poltico, econmico, jurdico e ambiental, e fornecer elementos para comparar as duas
unidades de conservao, tendo como varivel a Lei Federal n. 9.985/00, preliminarmente,
exposta.
O mtodo adotado foi o indutivo, porque o estudo partiu de casos particulares para
apresentar concluses gerais a respeito da temtica. A tcnica empregada foi a pesquisa
bibliogrfica, visto que o objeto a norma jurdica pertinente a Reserva de Desenvolvimento
Sustentvel, e o que j foi concretizado nas Reservas selecionadas. Realizamos tambm, uma
visita tcnica Reserva de Desenvolvimento Sustentvel do Piranha, bem como visitas aos
rgos ambientais que gerenciam as unidades de conservao selecionadas, participamos
tambm de evento, onde estavam presentes os representantes da maioria das Reservas de
Desenvolvimento Sustentvel localizadas no Estado do Amazonas. Essas atividades
trouxeram elementos novos, complementando e enriquecendo a pesquisa bibliogrfica.
A anlise realizada foi a qualitativa, entendida por Costa (1997)1, como sendo a que
utiliza mecanismos interpretativos e de descoberta de relaes e significados . Buscou-se
uma relao entre o que est estabelecido na norma jurdica sobre Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel e a concretizao dessa norma na realidade existente. A forma
de interpretao jurdica foi a sociolgica que Martins (2002)2 define, como sendo aquela
que se constata a realidade e a necessidade social na elaborao da lei e em sua aplicao .
Neste sentido, o captulo 1 trata da apresentao de conceitos fundamentais que
permearam o presente trabalho: os de aplicabilidade e efetividade. Segue-se com uma breve
exposio sobre a Lei n. 9.985/00, direcionada a esta categoria de unidade de conservao.
Abordamos, por conseguinte, sobre a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel, ressaltando o
seu antecedente histrico, sua incluso na lei federal a partir do modelo trazido pela Reserva
1 COSTA, Cristina. Sociologia: Introduo cincia da sociedade, 1997. 2 MARTINS, Srgio Pinto. Instituies de Direito Pblico e Privado, 2002.
de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau, localizada no Estado do Amazonas. Os seus
requisitos jurdicos para a criao, implementao e gesto, bem como a disposio legal
sobre populao tradicional e a as regras para utilizao dos recursos naturais na categoria de
unidade de conservao em questo so apresentados no captulo 2.
No captulo 3 discorremos sobre as duas Reservas de Desenvolvimentos Sustentvel
que foram selecionadas para o estudo; a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel Mamirau
e a do Piranha. O contexto social, poltico, econmico, jurdico e ambiental das Reservas
descrito nesta parte do trabalho, indicando a realidade das referidas unidades de conservao.
Por fim, no captulo 4 so levantadas e apreciadas as dificuldades existentes da UC
advinda da legislao e da realidade do Estado do Amazonas, propondo alternativas para o
equacionamento do quadro construdo sobre as Reservas de Desenvolvimento Sustentvel do
Estado do Amazonas, culminando nas consideraes sobre o tema apresentado na concluso
do presente trabalho.
CAPITULO 1 APLICABILIDADE E EFETIVIDADE E UMA PANORMICA DA LEI
N. 9.985/00 E SEU DECRETO REGULAMENTADOR.
O Direito autntico no apenas declarando mas reconhecido, vivido pela sociedade, como algo que se incorpora e se integra na sua maneira de conduzir-se .
MIGUEL REALE
Neste captulo apresentaremos os conceitos de aplicabilidade e efetividade que sero
utilizados neste trabalho. Ser apresentada tambm uma sntese dos principais aspectos da Lei
Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidade de
Conservao da Natureza - SNUC, e seu Decreto n. 4.340, de 22 de agosto de 2002,
realizando uma contextualizao do surgimento da referida lei e descrevendo dispositivos
relacionados efetividade da norma jurdica sobre Reserva de Desenvolvimento Sustentvel.
1.1 CONCEITUAO DE APLICABILIDADE E EFETIVIDADE DA NORMA JURDICA
Ao analisar a norma jurdica referente Reserva de Desenvolvimento Sustentvel,
prevista na Lei Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000 (Lei n. 9.985/00), que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza, para verificar a sua efetividade
no Estado do Amazonas, faz-se imprescindvel esclarecer os conceitos de aplicabilidade e
efetividade, com a finalidade de determinar e uniformizar a terminologia que ser utilizada no
decorrer do presente trabalho.
O aprofundamento doutrinrio nas diversas classificaes de aplicabilidade da norma
no faz parte do objetivo central do nosso estudo. Essa abordagem inicial ser adotada apenas
para esclarecer e evidenciar o conceito de efetividade . Posteriormente, aplicabilidade e
efetividade sero examinadas sob a confluncia dos significados.
Um dos problemas recorrentes no mundo jurdico a questo da aplicabilidade e
efetividade na norma jurdica; a literatura vasta, sobretudo no mbito do direito
constitucional, autores como Barroso (1993)3, Silva (2001)4 e Teixeira (1991)5, entre outros,
discorrem sobre o tema. Inclusive utilizaremos, como base, as definies oriundas da
literatura produzida pelos referidos autores para o delineamento do conceito de aplicabilidade
e efetividade da norma jurdica. Neste primeiro momento, trabalharemos estes conceitos
separadamente, para depois realizarmos uma sntese entre as acepes apresentadas.
O dicionrio jurdico de Diniz (1998) 6 d aos vocbulos aplicabilidade da norma o
significado de que a qualidade da norma de poder ser aplicada. Tomando por critrio a
questo da intangibilidade e da produo dos efeitos concretos [...] .
O termo efetividade no dicionrio de Lngua Portuguesa de Houaiss (2001)7 incide em
carter, virtude ou qualidade do que efetivo, a faculdade de produzir um efeito real... .
Enquanto que no dicionrio jurdico de Diniz (1998)8 vamos encontrar a palavra efetividade
remetida eficcia, eficcia jurdica e eficcia social .
Assim, verifica-se que o termo efetividade pode ser sinnimo do termo eficcia . A
segunda por sua vez, apresenta duas vertentes: a eficcia jurdica e a eficcia social.
3 BARROSO, Lus Roberto. O direito Constitucional e a efetividade de suas normas limites e possibilidades da constituio brasileira, 1993. 4 SILVA, Jos Afonso da. Normas constitucionais quanto eficcia. Aplicabilidade das Normas Constitucionais, 2001, p. 63-66. (?) 5 TEIXEIRA, Jos Horcio Meirelles. Curso de Direito Constitucional, 1991. 6 DINIZ, M. H. Dicionrio Jurdico, 1998. 7 HOUAISS, Antnio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionrio Houaiss da Lngua Portuguesa. Rio de Janeiro: Objetiva, 2001. 8 Ibid.
Na doutrina jurdica, o vocbulo eficcia pode ser empregado com significados
diferentes entre os autores, por exemplo, para Stammler (apud Teixeira 1991)9, este termo
corresponde vigncia10, enquanto que no entendimento de Teixeira (1991)11 a expresso
designa a aplicabilidade da norma jurdica, pela possibilidade de produzir efeitos jurdicos ,
podendo ser chamada de eficcia jurdica, por outro lado, a eficcia enseja a observncia
real, acatamento social , entendida como eficcia social .
Ferraz Jr. (1999) 12 se refere eficcia jurdica, denominando-a de eficcia sinttica,
como sendo aquela que tem a aptido para produzir efeitos jurdicos por parte da norma,
independente da sua efetiva produo .
Silva (2001) 13 preleciona que a eficcia social designa uma efetiva conduta acorde
com a prevista pela norma; refere-se ao fato de que a norma realmente obedecida e
aplicada .
A eficcia social decorre da correspondncia entre a norma jurdica e a realidade social.
Assim, se a norma jurdica espelhar o anseio dos seus destinatrios e for adequada realidade,
ser observada pela sociedade.
Em sntese, podemos concluir que a eficcia jurdica est relacionada aplicabilidade.
Segundo Sarlet (2001) 14 seria a exigibilidade ou executoriedade da norma, como
possibilidade de sua aplicao jurdica .
Assim, a eficcia jurdica fica no plano da possibilidade da norma ser exigvel podendo
ser ou no aplicada, enquanto que a eficcia social a real aplicabilidade ou a executoriedade
da norma jurdica, ocorrendo a chamada efetividade.
9 TEIXEIRA, Jos Horcio. Meirelles. op. cit., p. 285-299. 10 A vigncia no dizer de TEIXEIRA (1991, p. 286) significa o modo especfico de existncia das normas jurdicas. 11 Ibid., p. 286. 12 FERRAZ JR., Trcio Sampaio. Teoria da Norma Jurdica, 1999, p. 117. 13 SILVA, Jos Afonso da. op. cit., s/n. 14 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficcia dos direitos fundamentais, 2004, p. 225-247.
Portanto, ao utilizarmos o termo efetividade no presente trabalho estamos nos
referindo eficcia social, definida por Barroso (1993) 15 como:
[...] a realizao do Direito, o desempenho concreto de sua funo social. Ela representa a materializao dos fatos, dos preceitos legais e simboliza a aproximao, to ntima quanto possvel, entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social.
1.1 LEI N. 9.985/00 E O DECRETO REGULAMENTADOR N 4.340/02
A Lei n. 9.985/00 regulamentou o artigo 225, 1o, incisos I, II, III e VII da
Constituio Federal, criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza -
SNUC, tambm conhecida como Lei do SNUC, e estabelece critrios e normas para
criao, implantao e gesto das unidades de conservao. Em 22 de agosto de 2002, adveio
o Decreto n. 4.340, que regulamentou alguns artigos da Lei n. 9.985/00, nos aspectos
pertinentes a criao, gesto, plano de manejo e conselhos das unidades de conservao, entre
outros.
Antes de realizarmos a exposio da Lei n. 9.985/00, necessrio salientar que os
termos espao territorial especialmente protegido, assim como unidade de conservao,
usualmente empregados no Brasil, so motivos de debates na doutrina nacional, como
veremos a seguir.
15 BARROSO, Lus Roberto. O Direito Constitucional e a efetividade de suas normas
limites e possibilidades da Constituio brasileira, 1993, p 78 e ss.
1.2 CONCEITO DE ESPAOS TERRITORIAIS ESPECIALMENTE PROTEGIDOS E
UNIDADE DE CONSERVAO
O artigo 225, 1, inciso III, da Constituio Federal, dispe que cabe ao Poder Pblico
definir em todas as unidades da Federao, espaos territoriais e seus componentes a serem
especialmente protegidos, sendo a alterao e a supresso permitidas somente atravs de lei,
vedada qualquer utilizao que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua
proteo.
Espao Territorial Especialmente Protegido (ETEP) no tem uma definio legal clara e
precisa, entretanto, a literatura nos fornece alguns conceitos, entre eles o de Silva (2004)16
que denomina como:
reas geogrficas pblicas ou privadas (poro do territrio nacional) dotadas de atributos ambientais que requeiram sua sujeio, pela lei, a um regime jurdico de interesse pblico que implique sua relativa imodificabilidade e sua utilizao sustentada, tendo em vista a preservao e proteo da integridade de amostras de toda a diversidade de ecossistemas, a proteo ao processo evolutivos das espcies, a preservao e proteo dos recursos naturais.
Conforme define o mencionado autor acima, ETEP no sinnimo de unidade de
conservao, por entender que esta uma espcie, enquanto ETEP um gnero de espaos
ambientais.
Em sentido contrrio, Antunes (apud Freitas 2001)17 afirma que compreende espao
protegido como unidade de conservao.
Ao passo que Mercadante (2001)18, ao fazer interpretao jurdica do artigo
constitucional que dispe sobre ETEP, leva em considerao a origem histrica do
16 SILVA, Jos Afonso. Direito Ambiental Constitucional, 2004, p. 230. 17 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituio Federal e a efetividade das normas ambientais, 2001, p. 138. 18 MERCADANTE, Maurcio. Democratizando a criao e a gesto de unidades de conservao da natureza: a lei 9.985, de 18 de julho de 2000. In: Revista de Direitos Difusos, 2001, p. 563.
dispositivo, ou seja, o desastre ambiental ocorrido em Sete Quedas, atravs do qual se
compreendeu a necessidade de que somente por lei, possvel ocorrer a alterao ou
supresso de um ETEP. Neste sentido, Mercante (2001)19 afirma que fica claro entender por
ETEP: os Parques Nacionais e reas equivalentes , vale dizer, as chamadas Unidades de
Conservao .
Santilli (2005) 20 afirma que a norma constitucional, ao se referir ETEP, no abarca
somente as unidades de conservao, como tambm as reas de preservao permanente,
reserva legal, entre outros.
Apesar da unidade de conservao poder ser entendida como ETEP, o raciocnio
inverso no aplicvel, visto que ETEP no unidade de conservao. Portanto, o legislador
constitucional, ao eleger o gnero ETEP, buscava alcanar um sentido mais amplo, do qual
incide o termo unidade de conservao.
O termo Unidade de Conservao (UC) pode ser considerado sinnimo de rea
protegida21, ou rea silvestre22. A legislao ambiental brasileira, anterior ao SNUC, no
estabelecia claramente o conceito de UC, embora a noo tenha surgido desde a criao do
primeiro Parque, o Yellowstone, em 1872, nos Estados Unidos (Millano, 1999)23. A
concepo trazida pelo Parque Nacional Americano correspondia realidade daquele
momento, no qual ocorria uma intensa urbanizao e havia a necessidade de proteger grandes
19 Ibid., mesma pgina. 20 SANTILLI, Juliana. Socioambientalismo e novos direitos, 2005, p. 109. 21 Pela Conveno da Diversidade Biolgica (art. 2), promulgada pelo Decreto n 2.519, de 16.3.1998, rea protegida rea definida geograficamente, que destinada, ou regulamentada, e administrada para alcanar objetivos especficos de conservao . Em relao terminologia de reas protegidas Barreto Filho (1999) esclarece que os ambientalistas brasileiros preferem utilizar o vocbulo unidade de conservao em vez de rea protegida, alertando que essa opo decorre do que ele designa de tradio normativa e formalista do ambientalismo brasileiro . 22 Na conceituao de Silva (1996) reas silvestres so terras que pelo valor dos seus recursos existentes devem ser mantidas na forma silvestre sob um regime de manejo adequado. (SILVA, Lauro Leal da. Ecologia: Manejo de reas silvestres. Santa Maria: MMA, FNMA, FATEC, 1996. p. 25 23 MILANO, Miguel Serediuk. Unidades de Conservao no Brasil: Mitos e Realidade. In: Anais do 3 Congresso Internacional de Direito Ambiental, 30 de maio a 02 de junho de 1999: a proteo jurdica das florestas tropicais, 1999, p. 307-316.
espaos naturais, considerados como ilhas de beleza e valor esttico, proporcionando a
meditao (SMA, 2001)24.
Pela dinamicidade da realidade social, a noo de UC evoluiu no tempo, ampliando o
seu significado, e se adaptando aos tipos distintos de reas protegidas criadas neste lapso
temporal.
A Unio Mundial para Conservao da Natureza25 adotou como conceito de unidades de
conservao:
as reas [espaos territoriais; definidos] de terra e/ou mar, especialmente dedicadas proteo e manuteno da diversidade biolgica e aos recursos naturais e culturais associados e geridas [ou manejadas] atravs de meios legais ou outros (Maretti, 2001).26
Observa-se que a falta de preciso terminolgica na legislao acaba por prejudicar a
aplicao da lei, restando s outras fontes do Direito, por exemplo, a doutrina a construo
dos conceitos fundamentais para a efetividade da norma jurdica.
Ressalte-se que, em alguns casos, a doutrina no consegue preencher a lacuna legal
existente, devido s divergncias entre os autores, sendo que a celeuma de determinadas
definies s ser extinta com o surgimento do conceito estabelecido pela norma jurdica.
No caso da UC, a Lei n. 9.985/00 conceituou como:
espao territorial e seus recursos ambientais, incluindo as guas jurisdicionais, com caractersticas naturais relevantes, legalmente institudo pelo Poder Pblico, com objetivos de conservao e limites definidos, sob regime especial de administrao, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteo (art. 2, I).
24 SO PAULO. Secretaria do Meio Ambiente. Atlas das unidades de conservao ambiental do Estado de So Paulo, 2000. p. 11. 25 A UICN foi criada em 1948, uma Organizao Internacional que congrega instituies governamentais e no governamentais em volta da problemtica da integridade e diversidade da natureza. A sigla em ingls IUCN significa International Union for the Conservation of Nature and Natural Resources (traduzindo Unio Internacional para a Conservao da Natureza e dos Recursos Naturais), contudo, desde a dcada de 90 chamada simplesmente de World Conservacion Union (conhecida no Brasil por Unio Mundial para Conservao da Natureza). Fonte: http://www.uicn.org e http://www.iucn.org/en/about/ acesso em 11 de julho de 2005.
26 MARETTI, Cludio. Unidades de Conservao no Brasil. In: Revista de Direitos Difusos. Floresta e Unidades de Conservao, 2001.
http://www.uicn.orghttp://www.iucn.org/en/about/
Todavia, a referida lei no colocou termo nas divergncias acerca da definio de UC.
Neste sentido observa Silva (2005, p.230)27 a Lei 9.985/00, de 18.7.2000, perdeu boa
oportunidade de assumir uma terminologia adequada, tal como prevista na Constituio (art.
225, III)... .
Isso demonstra a falta de habilidade do legislador em construir um texto
infraconstitucional em harmonia com a Constituio Federal que, devido ao seu ato omisso
ou comissivo, acaba propiciando interpretaes diversas sobre a definio legal de um
instrumento protetor dos recursos ambientais.
Enfim, apesar das divergncias a respeito da conceituao de UC, neste trabalho
utilizaremos o conceito legal previsto na Lei n. 9.985/00, tendo em vista que abordaremos a
RDS, tipo de UC, proveniente do Sistema Nacional de Unidade de Conservao da Natureza,
criado pela citada lei.
1.3 SISTEMA NACIONAL DE UNIDADE DE CONSERVAO DA NATUREZA
O artigo 225, 1, incisos I, II, III e VII da Constituio Federal foi regulamentado pela
Lei Federal n. 9.985, de 18 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades
de Conservao da Natureza.
Entende-se por Sistema Nacional de Unidades de Conservao da Natureza (SNUC), o
conjunto organizado de unidades de conservao federais, estaduais e municipais que,
planejado, manejado e gerenciado como um todo, capaz de viabilizar os objetivos nacionais
de conservao, sendo uma estratgia essencial para a proteo da diversidade biolgica do
pas.
27 SILVA, Jos Afonso da. Direito Ambiental Constitucional. So Paulo: Malheiros, 2004.
A estruturao do SNUC lembra a do Sistema Nacional do Meio Ambiente
(SISNAMA), criado pela Lei n. 6.938/81, que trata da Poltica Nacional do Meio Ambiente.
No entanto, o legislador no integrou no SNUC o Distrito Federal, conforme Rodrigues
(2001)28.
O SNUC composto de rgo consultivo e deliberativo, o Conselho Nacional do Meio
Ambiente
CONAMA, que tem as atribuies de acompanhar a implementao do Sistema.
Ainda, o SNUC possui um rgo central para coordenar o Sistema, sendo encarregado para
isso o Ministrio do Meio Ambiente (MMA), bem como seus rgos executores, como o
Instituto Brasileiro de Recursos Renovveis do Meio Ambiente (IBAMA), os rgos
estaduais e municipais, que tm a finalidade de implementar o SNUC.
A Lei n. 9.985/00 foi uma tentativa de sistematizao de legislaes esparsas a respeito
do assunto. No entanto, algumas unidades de conservao no foram contempladas pelo
citado diploma legal.
Silva (2004)29, ao comentar sobre a ausncia de alguns tipos de unidade de conservao
no SNUC, utiliza a expresso espaos , para os quais eram considerados anteriormente a Lei
n. 9.985/00 como unidades de conservao (UCs), entre eles o Jardim Zoolgico, Jardim
Botnico etc.
Nota-se que a Lei n. 9.985/00 provoca uma discusso entre os doutrinadores quanto ao
elenco estabelecido como UCs, se um rol taxativo ou apenas exemplificativo, tendo em
vista que outros tipos previstos em normas esparsas ficaram fora do SNUC.
28 RODRIGUES, J. E. R. Sistema Nacional de Unidades de Conservao (SNUC): Uma anlise luz da legislao vigente (Lei Federal 9.985 de 18 de julho de 2000), 2002. 29 SILVA, Jos. Afonso. Direito Ambiental Constitucional, 2004.
Para Freitas (2001)30, a Lei n. 9.985/00 no encerra em seus dispositivos os tipos de
UCs, lembrando da existncia de outros tipos previstos em leis e resolues. Dessa maneira,
aquele autor entende que a Lei n. 9.985/00 no revogou as anteriores, que tratavam de
espcies diferenciadas de UCs. Apenas o legislador no obteve xito em congregar, em um
nico texto legal, todas as espcies de UCs.
Ao analisar o regime brasileiro de UCs, Benjamin (2001)31 elaborou a concepo da
existncia de dois tipos de UCs, as insculpidas pela Lei n 9.985/00, e as que no esto
contempladas naquele diploma legal. Na viso daquele autor, as UCs podem ser denominadas
tpicas e atpicas. As tpicas esto inseridas no SNUC, e as atpicas so aquelas previstas na
legislao brasileira. No entanto, no fazem parte das categorias estabelecidas na Lei n.
9.985/00. Por fim, conclui que a Lei n. 9.985/00 trouxe um rol numerus clausus em relao
s UCs que integram o SNUC, permitindo a existncia de outros tipos prescritos na
legislao, que seriam classificados de extra-sistema , usa como exemplo, a Reserva da
Biosfera.
A Reserva da Biosfera32 est prevista na Lei n. 9.985/00, todavia no faz parte do
Sistema Nacional de Unidade de Conservao, portanto, no possui o status de UC
determinado naquela Lei Federal.
Isso resultante da falta de clareza da definio dos termos ETEP e UC empregados na
legislao, alm da impreciso tcnica do legislador em construir um Sistema Nacional,
deixando de levar em considerao alguns tipos legais previstos em legislaes esparsas.
30 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituio Federal e a efetividade das normas ambientais. So Paulo: RT, 2001. 31 BENJAMIN, A. H. O regime brasileiro de unidades de conservao. In: Revista de Direito Ambiental, 2001. p. 27-56. 32 A Reserva da Biosfera um modelo, adotado internacionalmente, de gesto integrada, participativa e sustentvel dos recursos naturais, com os objetivos bsicos de preservao da diversidade biolgica, o desenvolvimento de atividades de pesquisa, o monitoramento ambiental, a educao ambiental, o desenvolvimento sustentvel e a melhoria da qualidade de vida das populaes (art. 41, Lei n. 9.985/00).
Os objetivos da Lei n. 9.985/00 refletem as duas categorias de UCs, as de proteo
integral e a de uso sustentvel. Tendo em vista que o presente trabalho trata sobre Reserva de
Desenvolvimento Sustentvel, vamos destacar alguns que esto relacionados a este tipo.
O SNUC enuncia como objetivos a promoo do desenvolvimento sustentvel a partir
dos recursos naturais, a utilizao dos princpios e prticas de conservao da natureza no
processo de desenvolvimento, valorizao econmica e socialmente a diversidade biolgica,
contribuio para a manuteno da diversidade biolgica e dos recursos genticos no territrio
nacional e nas guas jurisdicionais, favorecimento de condies e promoo da educao e
interpretao ambiental, a recreao em contato com a natureza e o turismo ecolgico, e
proteo dos recursos naturais necessrios subsistncia de populaes tradicionais,
respeitando e valorizando seu conhecimento e sua cultura, e promovendo-as social e
economicamente.
Na busca de estabelecer a relao entre a proteo ambiental, a participao e o
desenvolvimento sustentvel, coadunando-se aos objetivos do SNUC, temos as seguintes
diretrizes:
Assegurar os mecanismos e procedimentos necessrios ao envolvimento da sociedade no
estabelecimento e na reviso da poltica nacional de unidades de conservao;
Assegurar a participao efetiva das populaes locais na criao, implantao e gesto das
unidades de conservao;
Buscar apoio e a cooperao de organizaes no-governamentais, de organizaes
privadas e pessoas fsicas para o desenvolvimento de estudos, pesquisas cientficas, prticas
de educao ambiental, atividades de lazer e de turismo ecolgico, monitoramento,
manuteno e outras atividades de gesto de unidades de conservao;
Assegurar que o processo de criao e gesto de unidades de conservao sejam feitos de
forma integrada com as polticas de administrao das terras e guas circundantes,
considerando as condies e necessidades sociais e econmicas locais;
Considerar as condies e necessidades das populaes locais no desenvolvimento e
adaptao de mtodos e tcnicas de uso sustentvel dos recursos naturais;
Garantir as populaes tradicionais, cuja subsistncia dependa da utilizao de recursos
naturais existentes no interior das unidades de conservao, meios de subsistncia
alternativos, ou a justa indenizao pelos recursos perdidos.
Em razo das diretrizes traadas no SNUC, percebe-se que a instituio e efetividade de
uma UC da categoria de uso sustentvel perpassam pela articulao e participao de atores
locais33 e institucionais, impondo a sustentabilidade social e econmica das populaes
tradicionais, como fundamento na realizao da justia social.
Note-se que a Lei n. 9.985/00 baseia-se no desenvolvimento sustentvel, princpio
constitucional, que fundamenta o Direito Ambiental, sendo a sua conceituao necessria
neste trabalho.
33 O termo atores locais utilizado para designar os residentes e usurios da unidade de conservao e do seu entorno e as organizaes sociais e polticas existentes naquela localidade, no sentido de que cada indivduo se identifica com um tipo de conduta e ao desempenhar seu papel participa do mundo social. Para LUCKMAN & BERGER (2004) os indivduos executam aes separadas institucionalizadas no contexto de sua biografia. Esta biografia forma um todo sobre o qual feita posteriormente uma reflexo na qual as aes discretas no so pensadas como acontecimentos isolados mas como partes relacionadas de um universo subjetivamente dotado de sentido, cujo o significado no so particulares ao indivduo, mas socialmente articulados e compartilhados . Cf. LUCKMANN, T. & BERGER, Peter L. A Construo Social da Realidade: tratado de sociologia do conhecimento. FERNANDES, Floriano de Souza (trad.). Petrpolis, Vozes, 2004. Neste sentido, podemos dizer que os indivduos so atores e desempenham papis na realidade social.
2.2.1 Desenvolvimento sustentvel
A noo de desenvolvimento sustentvel foi se modificando ao longo do tempo, devido
a sua trajetria histrica nos documentos internacionais e nacionais, abordaremos
sucintamente algumas referncias ao conceito de desenvolvimento sustentvel na literatura,
declinando a atual.
A Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente Humano34, em 1972, resultou
na Declarao de Estocolmo, que j vislumbrava o conceito de desenvolvimento sustentvel,
nos seus princpios 2, 8 e 12, estabelecida como a gesto de recursos naturais e a correlao
de desenvolvimento e meio ambiente .
preciso mencionar que, para muitos doutrinadores, essa Declarao de Estocolmo de
1972 foi um marco no que tange proteo do meio ambiente e o nascimento do Direito
Ambiental Internacional (Vieira, 1999)35.
A publicao Os limites do crescimento do Clube de Roma foi outro documento
importante que apresentou vrias concluses, dentre elas, a de alcanar a estabilidade
econmica e ecolgica, assim, os autores da publicao propuseram o congelamento do
crescimento da populao global e do capital industrial (Brseke, 1995)36.
Nesses estudos, j se refletia a limitao dos recursos naturais, associado teoria
Malthusiana do crescimento populacional ilimitado.
34 Cf. Declarao de Estocolmo disponvel na pgina eletrnica: acesso em 11 de julho de 2005. 35 VIEIRA, Suzana. Cooperao internacional para o desenvolvimento sustentvel da Amaznia brasileira: o papel do Direito, 1999. 36 BRSEKE, Frank Josef. O Problema do desenvolvimento sustentvel. In: CAVALCANTI, Clvis (org.). Desenvolvimento e natureza: estudos para uma sociedade sustentvel, 1995, p. 29.
http://www.dhnet.org.br/direitos/sip/onu/doc/estoc72.htm>
Segundo Layrargues (1997)37, o conceito de ecodesenvolvimento foi lanado por
Maurice Strong em 1973. Consistia na definio de um estilo de desenvolvimento adaptado s
reas rurais do Terceiro Mundo, baseado na utilizao criteriosa dos recursos locais, sem
comprometer o esgotamento da natureza, pois nestes locais ainda havia a possibilidade de tais
sociedades no se engajarem na iluso do crescimento mimtico.
Nesse sentido, afirma Brseke (1995)38 que o economista Ignacy Sachs utilizou-se do
conceito de ecodesenvolvimento e formulou princpios bsicos, integrando seis aspectos
norteadores do desenvolvimento, sendo os seguintes:
a) a satisfao das necessidades bsicas; b) a solidariedade com as geraes futuras; c) a participao da populao envolvida; d) a preservao dos recursos naturais e do meio ambiente em geral; e) a elaborao de um sistema social garantindo emprego, segurana social e respeito a outras culturas, e f) programas de educao.
Em 1987, o relatrio Our Common Future (Nosso Futuro Comum) foi publicado, se
tornando conhecido como Relatrio Brundtland , apresentando um novo conceito de
desenvolvimento sustentvel, definido como aquele que atende s necessidades das geraes
presentes, sem comprometer a capacidade das futuras geraes de atender suas prprias
necessidades (Acselrad, 1993 )39.
A Conferncia das Naes Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Eco/92,
realizada no Rio de Janeiro, resultou em trs documentos: Declarao do Rio/92; Agenda 21;
e Conveno de Diversidade Biolgica. Para Lopes Silva (2001) 40, na Eco/92, o conceito de
desenvolvimento sustentvel foi consagrado universalmente, visto que permeia praticamente
toda a Declarao do Rio/92.
37 LAYRARGUES, Philippe Pomier. Do ecodesenvolvimento ao desenvolvimento sustentvel: evoluo de um conceito? Revista Proposta, 1997, p. 5-10. 38 BRSEKE, Frank Josef. op. cit., p. mesma pgina. 39 ACSELRAD, Henri. Desenvolvimento sustentvel: a luta por um conceito. Revista Proposta, Rio, 1993. 40 SILVA, Marcus Vincius Lopes. O Princpio do Desenvolvimento Sustentvel. Revista de Direitos Difusos, 2001, p. 796-804.
Conforme Fonseca (2001) 41, a Agenda 21, que fixou compromissos para mudana do
padro de desenvolvimento, tambm implementou o conceito de desenvolvimento
sustentvel, colocando como pressuposto a convergncia de objetivos das polticas de
desenvolvimento econmico, social, cultural e de proteo ambiental.
O princpio do desenvolvimento sustentvel encontra-se acolhido no artigo 225, caput,
da Constituio Federal, que dispe:
Todos tm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Pblico e coletividade o dever de defend-lo e preserv-lo para as presentes e futuras geraes..
Para Figueiredo e Rodrigues (2001) 42, a Constituio Federal de 1988 est impregnada
desse princpio, a partir de seu art. 3, inciso II, que dispe constituir objetivo fundamental da
Repblica Federativa do Brasil garantir o desenvolvimento nacional e do artigo 170, que,
simultaneamente, dispe que a ordem econmica deve observar os princpios da propriedade
privada, da funo social da propriedade, da defesa do consumidor e da defesa do meio
ambiente.
Ao analisar a ordem econmica, a defesa do meio ambiente e o desenvolvimento
econmico Derani (2001)43 conclui que:
No se pode pensar em desenvolvimento da atividade econmica sem o uso adequado dos recursos naturais, posto que esta atividade dependente do uso da natureza, para sintetizar de maneira mais elementar. Destarte, a elaborao de polticas visando ao desenvolvimento econmico sustentvel, razoavelmente garantido das crises cclicas, est diretamente relacionada manuteno do fator natureza da produo (defesa do meio ambiente), na mesma razo da proteo do fator capital (ordem econmica fundada na livre iniciativa) e da manuteno do fator trabalho (ordem econmica fundada na valorizao do trabalho humano). A considerao conjunta deste trs fatores garante a possibilidade de atingir os fins colimados pela ordem econmica constitucional assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social...
41 Paulo Eduardo de Barros FONSECA. Princpio do Desenvolvimento Sustentvel: Agricultura Sustentvel, Revista de Direitos Difusos, 2001p. 762. 42 FIGUEIREDO, GJP de. RODRIGUES, JER. Do regime das reservas de desenvolvimento sustentvel luz do novo Sistema Nacional de Unidades de Conservao. In: BENJAMIM, A. H. de (org.). Direito ambiental das reas protegidas, 2001. 43 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econmico, 2001.
Verifica-se nessa assertiva que a relao entre ordem econmica, desenvolvimento e
meio ambiente no deve ser antagnica, mas complementar, para proporcionar a melhoria da
qualidade de vida do ser humano.
Neste rumo, Milar (1993) 44 afirma que a utilizao dos recursos naturais de forma
inteligente deve subordinar-se aos princpios maiores de uma vida digna, em que o interesse
econmico cego no prevalea sobre o interesse comum da humanidade e do planeta.
O desenvolvimento sustentvel veio conciliar a proteo do meio ambiente e o
desenvolvimento, na utilizao dos recursos naturais. O conceito de desenvolvimento
sustentvel no se encontra pronto e acabado, seguramente, ele est sendo construdo por cada
sociedade.
Tendo em vista que a Lei n. 9.985/00 cria a categoria de uso sustentvel, nada mais
adequado do que incluir entre os seus objetivos o desenvolvimento sustentvel.
1.3.2 Categorias e tipos de unidades de conservao
A Lei n. 9.985/00 estabelece doze categorias de unidade de conservao. Estas UCs
esto divididas em dois grupos, um chamado de Unidade de Proteo Integral, e o outro
Unidade de Uso Sustentvel.
Para Mercadante (2001)45 a diviso de grupos oriunda da herana da concepo
conservacionista do SNUC. Para os conservacionistas, o grupo das Unidades de Proteo
Integral aquele que rene as verdadeiras unidades de conservao, as nicas realmente
44 MILAR, Edis. Processo Coletivo Ambiental. In: Dano Ambiental
preveno, reparao e represso, 1993, p. 257-277. 45 MERCADANTE, Maurcio. Democratizando a criao e a gesto de unidades de conservao da natureza: a lei 9.985, de 18 de julho de 2000, 2001, p. 557-586.
dignas do nome, capazes de assegurar a efetiva conservao da natureza. As demais so, no
mximo, complementares ao Sistema e algumas, na verdade, s teriam sido introduzidas na
Lei do SNUC por convenincia Poltica.
Na discusso do projeto de lei que culminou no SNUC, prevaleceram dois modelos de
criao e gesto de UCs, conhecidos como modelo conservacionistas e modelo
socioambiental, surgiram em virtude dos grupos que ajudaram a elaborar o anteprojeto da Lei
n. 9.985/00.
Ainda no entendimento de Mercadante (2001)46, os conservacionistas acreditam que
para conservar a natureza, necessrio separar grandes reas naturais e mant-las sem
qualquer tipo de interveno antrpica (salvo as de carter tcnico e cientfico, no interesse da
prpria conservao). Conseqentemente, as populaes que vivem dentro dessas reas
devem ser postas para fora. O acesso das populaes que vivem em torno dos recursos da rea
protegida deve ser proibido, posto que para esses a interveno humana na natureza , por
definio, degradadora.
Esse movimento marcado pela concepo naturalista, a qual entende que a proteo da
natureza significa necessariamente o afastamento do homem, sendo que este lugar seria
paradisaco e selvagem, usado pelo ser humano apenas para contemplao, que para Diegues
(2001)47 representa o mito da natureza intocada e intocvel, a busca do paraso perdido.
Assim, as unidades de proteo integral so aquelas onde h restrio de explorao ou
aproveitamento econmico dos recursos naturais, admitindo-se apenas o aproveitamento
indireto dos seus benefcios.
46 MERCADANTE, Maurcio. op. cit. 47 DIEGUES, Antnio Carlos Santana. O mito moderno da natureza intocada, 2001.
A Lei n. 9.985/00 define proteo integral como manuteno dos ecossistemas livres de
alteraes causadas por interferncia humana, admitindo apenas o uso indireto dos seus
atributos naturais.
Existem excees para alguns casos previstos no ordenamento jurdico brasileiro como,
por exemplo, a possibilidade da imposio de pagamento de entrada para visitao pelo
pblico nas UCs.
Este tipo de UC tambm conhecido como de uso indireto, por no envolver consumo,
coleta, dano ou destruio dos recursos naturais.
As unidades de proteo integral so as seguintes: Estao Ecolgica (EE), Reserva
Biolgica (REBIO), Parque Nacional (PARNA), Monumento Natural e Refgio de Vida
Silvestre.
Em sentido contrrio ao grupo de proteo integral, temos o de uso sustentvel, que
concilia a proteo dos recursos ambientais com a presena humana, e possibilita a utilizao
destes recursos pelas populaes tradicionais, visando justia social e a efetividade da UC.
Neste sentido, Mercadante (2001)48 afirma que o grupo socioambientalista entende que
alm de socialmente mais justo, as possibilidades de conservao so mais efetivas quando se
trabalha junto com as populaes, sem expuls-las das reas protegidas, ou impedir o acesso
aos seus recursos.
O socioambientalismo, segundo Santilli (2005, p. 31), surgiu na metade dos anos 80, por
meio das articulaes polticas entre os movimentos sociais e movimento ambientalista. O
marco do socioambientalismo pode ser considerado o surgimento da Aliana dos Povos da
Floresta49, movimento organizado na Amaznia brasileira.
48 MERCADANTE, Maurcio. op. cit. 49 A Aliana dos Povos da Floresta foi uma proposta conjunta de ndios e seringueiros. Neste movimento, houve aproximao entre seringueiros e os lderes indgenas, que durante sculos viveram em confronto permanente.
A luta do movimento era contra o desmatamento e, como proposta, concebeu a criao
da figura de Reservas Extrativistas na Amaznia, por entender que a Amaznia no pode ser
transformada num santurio intocvel, e tambm pela necessidade de evitar o desmatamento e
apresentar uma alternativa econmica (FASE, 1989).50
Neste modelo, o homem no removido da rea onde foi instituda a Reserva
Extrativista, porque ele ir contribuir para a conservao dos recursos naturais, que ser
conciliado com o desenvolvimento econmico e social.
Por fim, Santilli (2005, p. 34)51 conclui que o socioambientalismo foi construdo com
base na idia de que as polticas pblicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades
locais, detentoras de conhecimentos e de prticas de manejo ambiental.
Nas unidades de uso sustentvel, possvel a explorao e o aproveitamento econmico
dos recursos naturais, desde que seja planejada e regulamentada, conforme a definio legal
prevista na Lei n 9.985/00, aquela que permite a explorao do ambiente, de maneira a
garantir a perenidade dos recursos ambientais renovveis e dos processos ecolgicos,
mantendo a biodiversidade e os demais atributos ecolgicos, de forma socialmente justa e
economicamente vivel. considerada de uso direto, porque envolve coleta e uso, comercial
ou no, dos recursos naturais.
As unidades de uso sustentvel so: rea de Proteo Ambiental (APA), rea de
Relevante Interesse Ecolgico (ARIE), Floresta Nacional (FLONA), Reserva Extrativista
(RESEX), Reserva de Fauna (RF), Reserva de Desenvolvimento Sustentvel (RDS) e Reserva
Particular do Patrimnio Natural (RPPN).
50 FASE.
Histrias de lutas. O testamento do homem da floresta: Chico Mendes por ele mesmo. Rio de Janeiro, 1989. 51 SANTILLI, Juliana. Op. cit., p. 34.
Cada uma destas UCs tm objetivos e manejos diferenciados. O tamanho das unidades
determinado, em cada caso, pelas finalidades especficas as quais se destinam as UCs, de
acordo com os ecossistemas e valores biolgicos a serem protegidos.
As novas categorias de UCs trazidas pelo SNUC foram a Reserva de Fauna52, e a
Reserva de Desenvolvimento Sustentvel.
Est previsto no artigo 55, da Lei n. 9.985/00, que as unidades de conservao criadas
com base nas legislaes anteriores, e que no pertenam s categorias previstas na referida
lei sero reavaliadas, no todo ou em parte, no prazo de at dois anos, com o objetivo de
definir sua destinao, com base na categoria e funo para as quais foram criadas, conforme
o disposto no regulamento desta Lei. Isto quer dizer que, as modalidades de UCs que no
foram previstas no SNUC, podero ser enquadradas nestas categorias, no prazo de dois anos.
O referido artigo foi regulamentado inicialmente pelo Decreto n. 3.834, de 05 de junho de
2001, posteriormente revogado pelo Decreto n. 4.340/02, no qual est determinado que a
reavaliao seja feita mediante ato normativo do mesmo nvel hierrquico que a criou, sendo
a proposta oriunda do rgo executor.
De acordo com os dados do IBAMA53, sete unidades de conservao no mbito federal
foram reavaliadas, conforme o quadro1 a seguir:
52 A Reserva de Fauna uma rea natural com populaes animais de espcies nativas, terrestres ou aquticas, residentes ou migratrias, adequadas para estudos tcnico-cientficos sobre o manejo econmico sustentvel de recursos faunsticos (Art. 19, da Lei n. 9.985/00). 53 Cf. acesso em 03 de fevereiro de 2006.
http://www.ibama.gov.br>
Quadro 1 Unidades de Conservao Federal transformadas pela reavaliao 2001
UNIDADE DE CONSERVAO
UNIDADE DA FEDERAO
CATEGORIA TRANSFORMADA
INSTRUMENTOS DE TRANSFORMAO
DATA
Horto Florestal de Au Rio Grande do Norte Floresta Nacional de Au
Portaria n. 245 18/07/2001
Estao Experimental Dr. Epitcio Santiago
So Paulo Floresta Nacional de Lorena
Portaria n. 246 18/07/2001
Horto Florestal de Paraopeba
Minas Gerais Floresta Nacional de Paraopeba
Portaria n. 248 18/07/2001
Horto Florestal de Sobral
Cear Floresta Nacional de Sobral
Portaria n. 358 27/09/2001
Reserva Ecolgica Raso da Catarina
Bahia Estao Ecolgica Raso da Catarina
Portaria n. 373 11/10/2001
Reserva Ecolgica Juami Pajur
Amazonas Estao Ecolgica Juami Pajur
Portaria n. 374 11/10/2001
Reserva Ecolgica Juta-Solimes
Amazonas Estao Ecolgica Juta-Solimes
Portaria n. 375 11/10/2001
FONTE: IBAMA, 2001. NOTA: Adaptado de IBAMA, 2006.
Portanto, essas UCs Federais foram enquadradas nas categorias do SNUC, dentro do
prazo legal, sob a gide do Decreto n. 3.834/01, em vigor naquela poca.
Diante do exposto, deve ser destacado que as UCs esto sendo utilizadas na poltica
ambiental adotada pelo Governo Federal e do Estado do Amazonas, como forma de proteo
aos recursos ambientais, para consolidar o SNUC. O Amazonas apresenta como caracterstica
relevante na sua poltica ambiental a criao, implementao e gerenciamento de UCs de uso
sustentvel, dentre elas, a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel, que ser abordada no
prximo captulo.
CAPTULO 2 RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
No tenho um caminho novo. O que eu tenho um jeito novo de caminhar .
THIAGO DE MELLO.
A Reserva de Desenvolvimento Sustentvel, parafraseando o poeta caboclo, Thiago de
Mello, representa este novo jeito de caminhar, onde o novo jeito consiste em adequar uma
maneira de proteger os recursos ambientais tendo em vista a realidade de determinada rea.
Assim, neste captulo apreciaremos as normas jurdicas pertinentes a RDS, para verificar
como este jeito novo de caminhar.
2.1 ABORDAGEM JURDICA DA RDS
A Lei n. 9.985/00, em seu artigo 14, inciso VI, dispe como uma categoria de UC, do
grupo de Uso Sustentvel, a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel, ou RDS.
A definio de RDS est estabelecida na lei mencionada no pargrafo anterior, como
sendo uma rea natural que abriga populaes tradicionais54, cuja existncia baseia-se em
sistemas sustentveis de explorao dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de
geraes, e adaptados s condies ecolgicas locais, e que desempenham um papel
fundamental na proteo da natureza e na manuteno da diversidade biolgica (art. 20, Lei
n. 9.985/00).
Para Vieira (1999)55, a Lei n. 9.985/00 tomou como modelo para a criao desse tipo de
UC, a Reserva de Desenvolvimento Sustentvel de Mamirau, localizada no municpio de
Tef, no Amazonas.
Neste sentido, Queiroz e Moura56 (2005) afirmam que RDS Mamirau foi a primeira UC
desta categoria implantada no Brasil. Conforme os autores, essa proposta se originou da
solicitao do bilogo Jos Mrcio Ayres ao governo do Estado do Amazonas, em 1985, para
criar uma rea de proteo ao primata Uacari branco57, objeto de estudo de sua tese de
doutorado, e ameaado de extino.
Em 09 de maro de 1990, por meio do Decreto Estadual n 12.836, o governo do
Amazonas criou a Estao Ecolgica Mamirau. Este tipo de UC no permite a presena
humana dentro de sua rea. Consequentemente, os moradores teriam que ser removidos
daquela regio. Aps negociaes polticas, a EE foi transformada para a categoria de Reserva
54 O termo populaes tradicionais no foi definido juridicamente pela Lei n. 9.985/00. Utilizaremos este termo quando for mencionado pela norma jurdica e a literatura, sendo que a adotaremos como expresso correspondente residentes e usurios da unidade de conservao e do seu entorno , ou populao local , para designar os possveis indivduos que seriam integrantes daquela categoria. 55 VIEIRA, Susana Camargo. op. cit., mesma pgina. 56 QUEIROZ, Helder; e MOURA, Edila. Reserva de Desenvolvimento Sustentvel. Fonte: http//www.mamiraua.org.br. Site acessado em 03 de maro de 2005. 57 cacajao calvus calvus.
http://www.mamiraua.org.br
de Desenvolvimento Sustentvel, por meio da Lei Estadual n 2.411, de 16 de julho de 1996
(Queiros & Moura, 2005)58.
Observou-se que a categoria de EE no era aplicvel realidade local. Desse modo, para
compatibilizar a permanncia dos moradores na rea e permitir a explorao sustentvel dos
recursos naturais, a legislao precisava ser modificada e ajustada situao da rea.
Mercadante (2001, p. 567)59, ao relembrar os antecedentes histricos da Lei n.
9.985/0060, observa que o conceito de EE criava uma srie de dificuldades para a
incorporao das comunidades ribeirinhas61 gesto da UC . Em decorrncia dessa
problemtica, o governo do Amazonas a transformou em RDS, uma categoria at ento
inexistente na legislao . O autor assevera ainda que:
Em grande medida inspirados na experincia de Mamirau, os socioambientalistas propuseram, durante a tramitao da Lei do SNUC no Congresso, a criao da categoria Reserva Ecolgico-Cultural. Conquanto o nome no fosse perfeito, na medida em que seguia separando e, de certo modo, opondo, a natureza ao homem, ao invs de integr-los, era melhor do que Desenvolvimento Sustentvel, que sugere uma rea sob uso antrpico intensivo, com finalidade comercial inclusive, o que no traduz o real objetivo da categoria. Em funo do fato consumado da nova denominao conferida a Mamirau, acabou prevalecendo o nome de Reserva de Desenvolvimento Sustentvel. Mamirau no precisaria ter mudado de nome se pudssemos ter evoludo para uma conceituao mais flexvel de EE.
Ao fazer esta afirmao, Mercadante (2001) anteriormente em seu texto revela que na
sua viso, a RDS, denominada por ele de Redes, tem o conceito central semelhante ao do
PARNA, por conservar grandes reas naturais. A diferena marcante que a RDS permite a
permanncia dos moradores e da utilizao dos recursos naturais da UC, enquanto o PARNA
58 QUEIROZ, Helder; e MOURA, Edila. Reserva de Desenvolvimento Sustentvel. Fonte: http//www.mamiraua.org.br. Site acessado em 03 de maro de 2005. 59 MERCADANTE, Maurcio. op. cit., p.567. 60 O projeto de Lei do SNUC tramitou durante 12 anos no Congresso Nacional. 61 Ao utilizar o termo comunidades ribeirinhas Mercadante (2001) est se referindo as populaes residentes e usurias dos recursos ambientais de Mamirau. Lima & Alencar (2005) ao descreverem o histrico de ocupao daquela rea, conceituam comunidades como termo que denota no s o assentamento, mas carrega principalmente o sentido de responsabilidade comunal pelas decises polticas que afetam a vida de seus moradores . Cf. LIMA, Deborah Magalhes; e ALENCAR, Edna Ferreira. Histrico da ocupao humana e mobilidade geogrfica de assentamentos na vrzea do mdio Solimes. In: TORRES, Haroldo. & COSTA, Heloisa. (orgs.) Populao e Meio Ambiente: Debates e desafios, 2004. p. 133-163.
http://www.mamiraua.org.br
no admite legalmente essa possibilidade. Para ilustrar a idia, Mercadante (2001)
exemplifica a situao do PARNA do Ja e compara com a RDS Mamirau, dispondo que um
difere do outro, porque no primeiro a populao residente um problema e, na segunda, elas
fazem parte do conceito da UC.
A noo de rea natural protegida se concretizou com o Parque Yellowstone,
naturalmente outras categorias de UC derivaram daquela concepo. No entanto, a RDS o
resultado de um outro contexto social e poltico, pertencente ao grupo de uso sustentvel, cuja
conceituao e objetivo bsico refletem isso; tem um processo histrico e poltico
diferenciado do PARNA, representa uma evoluo no conceito de reas naturais protegidas.
Portanto, a diferena no to simplista como o referido autor coloca.
A EE Mamirau nasceu de um projeto cientifico que levou em considerao
principalmente o aspecto da conservao ambiental, no permitindo a permanncia do homem
naquele ambiente, caracterstica prpria de UC do grupo de proteo integral. No entanto, a
experincia demonstrou que era necessrio integrar homem-natureza, para que realmente se
efetivasse a proteo ambiental. Alm do que esse acontecimento demonstrou que a norma
jurdica no estava adequada quele caso, e que para atingir a finalidade da proteo
ambiental, a legislao deveria ser alterada em consonncia com a situao j existente.
A RDS surgiu como alternativa para solucionar o conflito ocasionado pela categoria EE
criada naquela localidade, com a proposta de aliar a proteo dos recursos naturais com o uso
sustentvel destes pela populao local, como veremos a seguir.
2.2 OBJETIVO DA RDS
A RDS tem como objetivo bsico preservar a natureza e, ao mesmo tempo, assegurar as
condies e os meios necessrios para a reproduo e a melhoria dos modos e da qualidade de
vida e explorao dos recursos naturais das populaes tradicionais, bem como valorizar,
conservar e aperfeioar o conhecimento e as tcnicas de manejo do ambiente desenvolvidas
por estas populaes.
A redao do artigo sobre a finalidade da RDS ainda traz resqucios do
conservacionismo, quando menciona que o objetivo bsico preservar a natureza, dando a
idia de que a rea da Reserva deve ser intocada.
Tal fato nos remete discusso sobre o projeto de lei do SNUC, que foi objeto de
polmica entre as duas correntes, o conservacionismo e o socioambientalismo.
Na opinio dos conservacionistas, as verdadeiras UCs so aquelas pertencentes ao grupo
de proteo integral. So as nicas capazes de assegurar a efetiva conservao da natureza, ao
passo que o grupo de uso sustentvel apenas complementar, de segunda classe , e foi
introduzida no SNUC por convenincia poltica (Mercadante, 2001, p. 565).
Enfim, a RDS, apesar de ser do grupo de uso sustentvel, com uma proposta
diferenciada de relao entre homem e natureza, ainda foi marcada pela influncia do
conservacionismo; corrente dominante na Lei n. 9.985/00.
Ao indicar como objetivo assegurar as condies e os meios necessrios para a
reproduo e a melhoria dos modos e da qualidade de vida e explorao dos recursos naturais
das populaes tradicionais, o legislador buscou garantir um mecanismo jurdico que
viabilizasse a manuteno dos residentes da UC, por meio do uso dos recursos naturais,
respeitando o seu modo de viver, somente aprimorando-o para atender a conjuntura
ambiental, tecnolgica, econmica e normativa.
A manuteno da vida dos moradores e usurios da RDS deve ser pautada no mnimo de
condies que um indivduo precisa ter para viver em sociedade. Educao, sade,
saneamento bsico, habitao, energia, gua potvel, segurana e gerao de renda so
requisitos bsicos, que devem estar presentes no planejamento dos meios necessrios e para a
melhoria da qualidade de vida da populao local. Estes requisitos bsicos devem ser
propiciados pelo Estado e pela instituio responsvel pela administrao da Reserva, para
que atenda as necessidades dos moradores e usurios da UC, para viabilizar os objetivos da
RDS. Os servios podem fornecem melhores condies e ainda colaborar na manuteno da
vida dos residentes e usurios da RDS, ainda trazendo melhorias na qualidade de vida, desde
que sejam disponibilizados de maneira regular naquela localidade e com eficincia.
Quanto a qualidade de vida dos moradores e usurios prevista como objetivo da RDS,
um conceito complexo, porque depende do contexto e do tipo de sociedade a qual ele ser
aplicado. Para Neves (1992)62, a qualidade de vida o estado do conjunto de condies
responsveis pelo grau de bem-estar das pessoas .
Enquanto que Derani (2001, p. 81)63 ao conceituar qualidade de vida, discorre que o
termo apresenta dois aspectos diferentes, um proveniente do direito econmico, e o outro
do direito ambiental, assim dispe:
Portanto, qualidade de vida no ordenamento jurdico brasileiro apresenta este dois aspectos concomitantemente: o do nvel de vida material e o do bem-estar fsico e espiritual. Uma sadia qualidade de vida abrange esta globalidade, acatando o fato de que um mnimo material sempre necessrio para o deleite espiritual. No possvel conceber, tanto na realizao das normas de direito econmico como nas normas de direito ambiental, qualquer rompimento desta globalidade que compe a
62 NEVES, Estela. Meio ambiente:
Aplicando a Lei, 1992. 63 DERANI, Cristiane. op. cit., p. 81.
expresso qualidade de vida , muitas vezes referida por sua expresso sinnima de bem-estar .
Podemos afirmar que a qualidade de vida prevista na legislao sobre RDS pautada
na tica ambiental de consumo sustentvel e responsvel, integrando os dois ramos do
direito, econmico e ambiental. E a qualidade de vida, ou bem-estar, deve ter um conceito
relativisado, dependendo do grupo social e do tempo, dessa forma este termo poderia ser
baseada em critrios elegidos pela populao local, destinatria da norma jurdica, que
poder confirmar se ocorreu ou no um melhoramento na qualidade de vida e oportunizar
os parmetros para obteno de indicadores sobre o tema.
Um fator relevante nas condies de melhoramento da qualidade de vida o
reconhecimento jurdico das pessoas, atravs da emisso de documentos bsicos e orientaes
jurdicas sobre seus direitos e deveres. Por outro lado, em muitos lugares da Amaznia, o
indivduo, por exemplo, sequer tem o registro de nascimento; documento que juridicamente o
reconhece como pessoa que possui capacidade de direitos e deveres na vida civil. Sendo
assim, a falta daquele documento inviabiliza o exerccio da cidadania, impedindo-o,
realmente, de fazerem parte do Estado Democrtico de Direito, proclamado na nossa
Constituio Federal de 1988.
A valorizao, conservao e aperfeioamento do conhecimento, e as tcnicas de
manejo do ambiente desenvolvidas pelas populaes tradicionais fazem parte do objetivo da
RDS. Para isso ocorrer, necessrio realizar um diagnstico do conhecimento e tcnicas de
manejo utilizadas pelas residentes e usurios da UC.
Este levantamento verificaria a existncia de conhecimentos e tcnicas de manejo dos
recursos ambientais daquela determinada populao, com a finalidade de fornecer dados para
que a cincia tradicional possa contribuir com o melhoramento do conhecimento ou tcnica,
introduzindo tecnologias no-impactantes ou de pouco impacto, com baixos custos.
Nesse sentido, Begossi (2002) 64 destaca que a escala um ponto fundamental em
ecologia, que dependendo do tipo de anlise, vrias questes podem ser percebidas e
informaes obtidas. A escala est ligada a capacidade de suporte (K) definida por
Roughgarde
(apud Begossi, 2002) como o tamanho mximo populacional de uma espcie
que uma rea pode sustentar sem reduzir sua habilidade de sustentar a mesma espcie no
futuro .
Ainda, Begossi (2002) afirma que as anlises de escala em ecologia tm conduzido a
uma abordagem contempornea que leva em conta os sistemas (ecossistemas) e os aspectos
evolutivos includos em ecologia de populaes e de comunidades.
Em relao ao assunto, Fearnside (apud Begossi, 2002) refora em seu comentrio que:
A capacidade de suporte humana deve ser considerada central para polticas de desenvolvimento. O manejo de recursos contemporneo, incluindo populaes nativas em reas de conservao, tais como florestas tropicais, deve incluir medidas da capacidade de suporte. impossvel hoje lidar com o manejo local de recursos naturais sem uma anlise da capacidade de suporte.
Dessa maneira, observa-se a relevncia da escala de aproveitamento de recursos naturais
e do limite da capacidade de suporte do meio, para que seja possvel analisar a realidade
existente dos ecossistemas e das populaes, a fim de planejar um manejo adequado a
situao de cada rea.
Esse tipo de anlise, que leva em considerao as populaes que residem na UC e em
seu entorno, vital para o processo de envolvimento dos indivduos na concretizao de
manejo dos recursos ambientais, visto que valoriza os conhecimentos e tcnicas daqueles
habitantes.
A valorizao e a conservao do conhecimento e das tcnicas de manejo dos recursos
ambientais das populaes tambm podem ser concretizadas por meio de registros da histria
64 BEGOSSI, Alpina. Escalas, economia ecolgica e a conservao da biodiversidade. In: CAVALCANTI, Clvis (org.). Meio Ambiente, Desenvolvimento Sustentvel e Polticas Pblicas, 2002. p. 56-71.
da comunidade e do seu modo de vida, pelo rgo ambiental competente e a sociedade,
assegurando que as futuras geraes possam ter acesso a estes conhecimentos.
Indubitavelmente, as presentes e futuras geraes sero beneficirias dos resultados
gerados pela realizao dos objetivos da RDS, que dever ser criada por meio de lei pelo
poder pblico, alm de outros requisitos que apresentaremos no prximo item.
2.2 CRIAO DE UMA RESERVA DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTVEL
Na instituio de uma RDS necessrio observar os requisitos legais que antecedem o
ato de criao, para conferir legitimidade e legalidade ao fato jurdico, por isso de
fundamental importncia conhecer as exigncias da Lei n. 9.985/00 e do Decreto n.
4.320/02.
Antes de criar uma RDS deve ser realizada consulta pblica. Neste processo, o poder
pblico obrigado a fornecer informaes adequadas e inteligveis populao local e a
outras partes interessadas. Alm disso, o rgo ambiental que ir propor a criao da UC
dever realizar estudos tcnicos que permitam identificar a localizao, a dimenso e os
limites mais adequados para a UC.
A consulta pblica constitui um progresso na instituio de UCs no Brasil, permitindo
que os residentes e usurios da unidade de conservao e do entorno, alm dos demais
interessados tomem parte da situao e possam participar do processo decisrio, que
anteriormente, era concentrado apenas na Administrao Pblica.
O conceito de consulta pblica pode ser entendido como uma exigncia legal (Lei n.
9.985/00 e Decreto n. 4.320/02) para assegurar que as populaes locais, ambientalistas,
pesquisadores, profissionais liberais, empresrios, organizaes da sociedade civil sejam
informados e opinem sobre as propostas de criar, ampliar e mudar a categoria das UCs,
segundo Palmieri, Verssimo & Ferraz (2005)65. Ainda, Palmieri, Verssimo & Ferraz (2005)
alertam que a populao local deve ser previamente esclarecida sobre a criao da UC para
evitar que a informaes distorcidas possam influenciar negativamente, como exemplo
utilizado o caso da RDS Uatum, no Amazonas, que a populao local era contrria criao
da UC, devido a informaes falsas alardeadas por exploradores irresponsvel dos recursos
ambientais daquela rea.
A informao um elemento fundamental no processo democrtico, neste sentido, a
legislao impe que seja clara e de fcil compreenso, para que possa ser entendido o objeto
da consulta. Significa, portanto, transparncia da Administrao Pblica para garantir um
processo decisrio democrtico, conforme preceitua Benjamin (2003)66:
Transparncia ambiental significa exatamente isso: conhecimento pblico daquilo que dispem os rgos governamentais e os degradadores potenciais, permitindo aos cidados, num segundo momento, intervir eficazmente no sentido de proteger sua sade, propriedade e o prprio ambiente, fiscalizando, a um s tempo, aqueles e estes. Da resulta que a transparncia no fim em si mesmo; tem um carter instrumental, garantindo a realizao de outros objetivos, como a democratizao dos processos decisrios, na medida em que a participao pblica s faz sentido quando opera num contexto de livre circulao de informaes.
A consulta pblica representa um significativo avano, decorrente de princpios
constitucionais, como o princpio da informao, da participao, da precauo, inseridos na
Constituio Federal de 1988, no artigo 225, que garantam a participao de todos os
interessados sobre as questes referentes ao meio ambiente.
65 PALMIERE, Roberto. VERSSIMO, Adalberto. & Ferraz, Marcelo. Guia de consultas pblicas de unidades de conservao. Piracicaba: Imaflora. Belm: Imazon, 2005. Disponvel em acesso em 27 de dezembro de 2005. 66 BENJAMIN, Antnio Herman. Objetivos do Direito Ambiental. In: BENJAMIN, A. H. & SCOLI, Jos Carlos Meloni. (orgs.). O Futuro do controle da poluio e da implementao ambiental. Anais do 5 Congresso Internacional de Direito Ambiental. So Paulo: IMESP, 2001.p. 57-78.
http://www.imazon.org.br
Destaca-se que a consulta pblica requisito legal previsto na Lei n. 9.985/00 e o
Decreto n. 4.320/02, portanto, precisa ser obedecido para que ocorra a legitimidade e a
eficcia jurdica do ato de criao da UC.
A criao da UC respaldada pela consulta pblica, conferindo legitimidade na deciso
que repercutir na vida dos residentes e usurios da UC e em seu entorno. A consulta pode ser
feita por meio de reunies, ou outras formas em que o rgo ambiental competente possa
propiciar a participao da populao local e os demais interessados. Assim, a audincia
pblica poder ser um procedimento de consulta s populaes locais.
A audincia pblica um instrumento que deveria possibilitar e garantir um espao
democrtico para os atores locais e interessados na proteo do meio ambiente. Outros meios
tambm podem ser utilizados na consulta pblica, desde que consigam ter uma
representatividade da populao local. Contudo, por vezes, estes meios so utilizados de
maneira inadequada e no conseguindo alcanar a primordial finalidade de propiciar a
participao daqueles que anteriormente a Lei do SNUC eram excludos no processo de
criao de uma UC.
Dessa maneira, a consulta pblica, em determinadas circunstncias, usada apenas para
o cumprimento da exigncia legal. Neste sentido, podemos lembrar do caso do Parque
Nacional do Tumucumaque, no Amap, criado por ato do Poder Executivo Federal, as
vsperas da Conferncia Rio + 10, que realizou a consulta pblica por meio eletrnico,
ensejando polmica em torno da sua criao.
A consulta pblica tambm prevista na transformao de categoria de UC de uso
sustentvel para proteo integral, de forma total ou parcial, e na ampliao dos limites da
rea, sem modificao dos seus limites originais, exceto pelo acrscimo proposto, e poder ser
feita por instrumento normativo do mesmo nvel hierrquico do que a criou a Reserva.
A redao do dispositivo legal que prev a consulta para ampliao dos limites da rea,
sem modificao dos seus limites originais confusa, melhor dizer, inapropriada, porque
impossvel aumentar o tamanho da rea sem modificar a sua dimenso original.
Outra questo o instrumento normativo que poder ser utilizado na ampliao e na
transformao da UC, podendo ser do mesmo nvel hierrquico do que a criou. Este
dispositivo parece conflitar com o texto Constitucional, que dispe que a alterao ou
supresso dos limites da UC dever ser feita por lei (art. 225, 1, III, CF). Silva (2004, p.
251) refora esta assertiva ao declarar que:
certo tambm que uma ampliao por instrumento normativo inferior lei esbarra com o disposto no art. 225, 1, III, da Constituio, que exige lei para a alterao e supresso de Espaos Especialmente Protegidos, como so as unidades de conservao.
Assim, o posicionamento do referido autor nos permite afirmar que o dispositivo legal
previsto na norma infraconstitucional fere a Constituio Federal.
Esta situao pode ser ilustrada, com o caso do Parque Nacional da Chapada dos
Veadeiros, que alm de ampliar os limites da UC sem realizar consulta pblica adequada, teve
como instrumento o decreto, ato do presidente da Repblica, em 2001, que ensejou um
Mandado de Segurana junto ao Supremo Tribunal Federal67.
Benjamin (apud Pedreira, 2005) ao analisar a alterao e supresso dos limites da UC,
afirma que somente ser feito por lei o caso de supresso, ou ato que ameace a existncia de
UC, distinto da ampliao que poder ser feita por instrumento da mesma hierarquia da
criao da rea protegida. Nesta interpretao, Benjamin (apud Pedreira, 2005) entende que
no h conflito de normas, apenas o legislador Constitucional visa proteger a existncia da
UC, e a ampliao dos limites da rea no tem por finalidade coloc-la em risco.
67 Cf. PEDREIRA, Rodrigo Bulhes. Legalidade do decreto de ampliao do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros. Jus navigandi, Teresina, a. 9, n. 654, 22 abr., 2005. Disponvel em: http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6612. Acesso em 06 de fevereiro de 2006.
http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6612
Alm disso, Silva (2004, p. 251) argumenta que a Lei n. 9.985/00 no definiu a
natureza do ato de criao das unidades de conservao. Todavia, entende que seria mais
apropriada a criao por lei de UC, por impor obrigaes e restries de direitos .
No Amazonas, o instrumento usado para criao de UC geralmente o decreto.
Todavia, as Reservas apresentadas neste trabalho foram constitudas mediante lei.
necessrio que no ato de criao de uma UC deva constar a denominao, a categoria de
manejo, os objetivos, os limites, a rea da unidade, o rgo responsvel por sua administrao
e a populao tradicional beneficiria. Tendo em vista esses itens, constata-se a
imprescindibilidade da realizao de estudos tcnicos anteriormente a criao da UC.
Em sntese, a consulta pblica e os estudos tcnicos prvios so requisitos essenciais na
criao de uma UC, portanto, precisam ser rigorosamente cumpridos, para garantir o exerccio
do direito informao e participao, principalmente, da populao local, que ter sua vida
afetada pelas propostas que sero apresentadas em relao UC.
2.3 POPULAES TRADICIONAIS
Populaes tradicionais um termo amplamente discutido na atualidade, em virtude da
terminologia e conceituao, que ainda no tem um consenso entre os estudiosos da temtica,
sendo necessria a apresentao das concepes e caracterizaes existentes sobre este termo
neste trabalho.
O conceito jurdico de populao tradicional a ser aplicado s UCs ainda no foi
elaborado. O projeto de Lei do SNUC apresentava um artigo com a definio de populaes
tradicionais, todavia foi vetado pelo Presidente da Repblica, com a justificativa de ser to
abrangente, que caberia toda a populao do Brasil68.
As populaes tradicionais so um dos atores locais mais importantes em relao
criao e a gesto de UC de uso sustentvel, todavia no h uma definio legal para dizer
quem realmente faz parte desta categoria. Esta lacuna legal ocasiona um entrave na
efetividade da Lei n. 9.985/00, visto que se no h uma descrio de quem so esses
indivduos, dificilmente a lei poder ser aplicada, de acordo com o objetivo que busca
alcanar.
Por outro lado, Orfice (2003)69 afirma que o art. 20, Lei n. 9.985/00 d parmetros
para a construo do conceito de populao tradicional, por declarar que uma rea natural
que abriga populaes tradicionais cuja existncia baseia-se em sistemas sustentveis de
explorao dos recursos naturais, desenvolvidos ao longo de geraes e adaptados s
condies ecolgicas locais e que desempenham um papel fundamental na proteo da
natureza e na manuteno da diversidade biolgica.
Diegues e Arruda (2001)70 ao analisarem o conceito de populaes tradicionais, traam
caractersticas das denominadas sociedades tradicionais para descrever os povos indgenas e
segmentos da populao nacional, que desenvolveram modos particulares de existncia,
adaptados a nichos ecolgicos especficos, conforme sntese abaixo:
dependncia da relao de simbiose entre a natureza e de seus ciclos;
conhecimento aprofundado da natureza e de seus ciclos, transferido por oralidade a outras
geraes;
68 Mensagem n 967, de 18 de julho de 2000. Comunicao do Presidente da Repblica ao Senado Federal sobre a deciso do veto parcial do Projeto de Lei do SNUC. 69 ORFICE, Cntia. Comunidades tradicionais frente ao ordenamento jurdico vigente. In: Revista de Direitos Difusos. Floresta e Unidades de Conservao. So Paulo: Esplanada - ADCOAS e IBAP, ano I, v. 22, nov./dez., 2003, p. 3067-3081 (p.3075). 70 DIEGUES, Antnio Carlos; e ARRUDA, Rinaldo S.V. Saberes tradicionais e biodiversidade no Brasil. Braslia, 2001.
noo de territrio ou espao onde o grupo social se reproduz econmica e socialmente;
moradia e ocupao de territrio por vrias geraes, ainda que alguns membros individuais
possam ter-se deslocado para os centros urbanos e voltado para a terra de seus antepassados;
importncia das atividades de subsistncia, ainda que a produo de mercadorias possa estar
mais ou menos desenvolvida, o que implicaria uma relao com o mercado;
reduzida acumulao de capital;
importncia dada unidade familiar, domstica ou comunal e as relaes de parentesco ou
compadrio para o exerccio das atividades econmicas, sociais e culturais;
importncia das simbologias, mitos e rituais associados caa, pesca e atividades
extrativistas;
tecnologia utilizada, que relativamente simples, de impacto limitado sobre o meio
ambiente.
fraco poder poltico, que em geral reside nos grupos de poder dos centros urbanos; e
auto-identificao ou identificao por outros de pertencer a uma cultura distinta.
Freitas (2001)71, ao apontar observaes pertinentes a Lei n. 9.985/00, destaca a
proteo em vrios dispositivos em relao s populaes tradicionais, afirmando que
significa famlias que habitam o local h longo tempo (p. ex., os caiaras do litoral paulista e
sul-fluminense) e no proprietrios ou posseiros recm-instalados na rea .
No comentrio acima, o autor esboa a sua noo de populaes tradicionais, j
delimitando a sua esfera de abrangncia, excluindo proprietrios e posseiros que esto a
pouco tempo na rea, marcando como caracterstica o lapso temporal.
71 FREITAS, Vladimir Passos de. A Constituio Federal e a efetividade das normas ambientais. Revista dos Tribunais: So Paulo, 2001, p. 138.
Almeida & Cunha (1999)72, na busca de uma definio para populaes tradicionais,
enfatizam que este termo teve vrios sentidos, que foram se solidificando e mudando com o
tempo, resultado da evoluo do vocabulrio de outros pases, do nosso pas e da legislao
internacional.
Faz-se necessrio incluir neste item um comentrio realizado na II Conferncia Estadual
das Populaes tradicionais do Amazonas73, que ocorreu nos dias 28 e 29 de novembro de
2005, com o tema Gerao de renda em unidades de conservao , onde o termo populaes
tradicionais foi mencionado.
Um dos participantes do evento, Aldenor Barbosa, do Sindicato de Trabalhadores Rurais
de Novo Airo, ao proferir a palestra sobre a sua experincia na resoluo de conflitos em
reas de uso sustentvel, esboou a sua dvida em relao ao conceito de populaes
tradicionais, que rotineiramente utilizado para identificar os moradores das UCs, indagando
em que consistiria o respectivo conceito. E lembrou ainda que, alm da utilizao do termo
populaes tradicionais, por vezes, os moradores de UCs eram chamados de povo de
barranco , povo da floresta , povo ribeirinho . Assim, indignado, disse: Eu no sei quem
eu sou . Estou em crise de identidade . Essa declarao gerou risos e aplausos,
acompanhados de frases em apoio ao expositor do painel.
Observa-se no referido desabafo que a ausncia de definio jurdica e o uso de vrios
termos para designar os residentes e os usurios de UC e seu entorno, tem gerado uma
confuso entre os atores sociais. Isso pode afetar as relaes entre moradores e entre estes e
72 CUNHA, M. & ALMEIDA, M. Populaes tradicionais e conservao. In. Seminrio de Consulta em Macap 21 a 25 de setembro de 1999. Avaliao e identificao de aes prioritrias para a conservao, utilizao
sustentvel e repartio dos benefcios da biodiversidade da Amaznia brasileira do Programa Nacional da Diversidade Biolgica. 73 Este evento foi promovido pelo governo do Estado do Amazonas, por meio da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentvel - SDS e pelo Instituto de Proteo Ambiental do Amazonas IPAAM, contou com a presena de vrios representantes de unidades de conservao do Estado do Amazonas e tambm de instituies governamentais e no governamentais que trabalham nessas reas.
as instituies, sendo que estas, geralmente, so responsveis em utilizar largamente esses
vocbulos, sem verificar se correspondem identidade cultural do grupo social.
Almeida & Cunha (1999)74 afirmam que a expresso populaes tradicionais teve como
paradigma os grupos indgenas, mas o primeiro termo mais abrangente e se diferencia pelo
fundamento da reivindicao da terra. Os referidos autores diferem populaes tradicionais
dos povos indgenas pelo aspecto da terra, sendo que o primeiro est vinculado por um pacto,
enquanto o outro pelo vnculo histrico tem o direito originrio terra. O pacto consistiriam
na limitao trazidas pelas normas jurdicas do tipo de UC de uso sustentvel na busca da
proteo ambiental, que se consolidam, por exemplo, com o contrato de concesso de direito
real de uso.
Ainda, conforme Almeida & Cunha (1999):
Nesse sentido, so populaes tradicionais aquelas que aceitam as implicaes da definio legal que exige o uso sustentvel de recursos naturais - seja conforme prticas transmitidas pela tradio, seja por meio de novas prticas. Outra maneira de entender este processo perceber que a populao tradicional uma categoria ocupada por sujeitos polticos, que se dispem a ocup-la, comprometendo-se com certas prticas associadas noo de uso sustentvel. [ ....] Em suma, participar da categoria populaes tradicionais significa ter uma organizao local e lideranas legtimas, associar-se a tradies de uso sustentvel dos recursos naturais no passado, e aderir em um territrio especificado ao uso de tcnicas de baixo impacto ambiental no futuro.
Esta definio no leva em considerao o tempo como fator determinante para o
tradicional. Somente se refere a prticas no-predatrias utilizadas no passado por um grupo
social, e que se espera deles o mesmo no futuro, assegurando essa perspectiva por meio de um
pacto. Por sua vez, os novos integrantes desta categoria precisam aderir a todos os deveres
que advm do termo, para serem reconhecidos como populaes tradicionais.
A noo apresentada por Almeida & Cunha (1999) nos remete idealizao do
surgimento do Estado, na viso de Rousseau, para explicar a passagem do estado da natureza
74 Idem. Op. citada pg. 8.
ao estado civil, que o homem precisava fazer um contrato social, para garantir os direitos de
liberdade, igualdade e propriedade, assim como a paz social75.
Pertencer categoria de populaes tradicionais abandonar qualquer prtica que no
seja sustentvel. Significa tambm restringir a sua liberdade, igualdade e os direitos de
propriedades, em prol da proteo dos recursos ambientais e da prpria espcie. Decorrente
disto, faz-se necessrio explicar tal fato detalhadamente.
De acordo com o preceito constitucional, vivemos em um Estado Democrtico de
Direito, no qual todos so iguais perante a lei, todos tm assegurado o direito vida,
liberdade, livre iniciativa, propriedade etc. Contudo, uma UC prev um regime jurdico e
de administrao diferenciado, em que o morador, no caso de UC de uso sustentvel, tem uma
srie de deveres a serem cumpridos, que acabam limitando a liberdade dos residentes da
Reserva, se comparados pessoas que vivem fora da rea protegida.
Esta anlise se configura sob uma tica ambiental sustentvel e inclusiva, em funo de
que esse regime diferenciado tem como objetivo a conservao da natureza e a sua utilizao
sustentvel. Inclusiva porque, como j foi mencionado ao longo do primeiro captulo, existe
uma corrente ambientalista que no admite a presena humana em UC, baseada ainda na idia
de excluso do homem, como se ele no fizesse parte da natureza. Neste caso, na RDS, o
homem includo desde a discusso da criao da rea natural protegida, como tambm da
maneira que ser conduzida a vida dentro desta UC, ou seja, prev a participao do morador,
e at das pessoas que moram em seu entorno, nas prticas de proteo do meio ambiente; o
que est prescrito na legislao ambiental.
Isto no quer dizer que, o morador da Reserva diferente de outra no residente,
contudo, ele tem no dizer de Benatti (2001, 303)76 uma finalidade de relevante interesse
75 Cf. WEFFORT, Francisco (org.) Os clssicos da poltica, 1997, P.189-199.
pblico a cumprir, fins esses que estaro inscritos no ato de criao da unidade, em contratos
que se estabelecero entre o rgo pblico e a populao beneficiada .
O autor, a quem nos referimos na citao anterior, ao afirmar a existncia sobre esse
mnus pblico , o estava relacionado ao contrato de concesso real, do qual a populao
tradicional beneficiada. Alm disso, possvel afirmar que, devido s restries de direitos e
imposies de deveres especficos a essa populao, pode ser considerado um mnus pblico.
Neste sentido, o Estado deveria estar presente naquela localidade, atravs de seus servios e
atividades, garantindo pelo menos o mnimo existencial quela populao, na busca de
alcanar os objetivos da Reserva.
Alm disso, as populaes tradicionais obrigam-se a participar da preservao,
recuperao, defesa e manuteno da unidade de conservao. E, ainda, o uso dos recursos
naturais por estas populaes dever obedecer as normas do artigo 23, 2, e seus incisos, que
determinam a:
I
proibio do uso de espcies localmente ameaadas de extino ou de prticas que danifiquem os seus habitats; II
proibio de prticas ou atividades que impeam a regenerao natural dos ecossistemas; III
demais normas estabelecidas na legislao, no Plano de Manejo da unidade de conservao e no contrato de concesso de direito real de uso (grifos meus).
Note-se a imposio de deveres e a previso de normas que sero dispostas no plano de
manejo e no contrato de concesso de direito real de uso destinadas aos moradores e usurios
da RDS, que sofrero conseqencias se no cumprirem com as suas obrigaes, inclusive
poder ensejar na resciso do contrato social . Estas regras devero ser elaboradas em
conjunto com a populao local para corresponder as suas necessidades e anseios.
No Amazonas, o rgo gestor o Instituto de Proteo Ambiental do Amazonas
(IPAAM) e por meio do seu Departamento de Gesto Territorial, tem como prxis tratar os
76 BENATTI, Jos Heder. Presena humana em unidade de conservao: um impasse cientfico, jurdico ou poltico?In: Biodiversidade na Amaznia Brasileira: avaliao e aes prioritrias para a conservao, uso sustentvel e repartio de benefcios. CAPOBIANCO, Joo (coord.), 2001, p. 299-305.
moradores da rea nos mesmos moldes que a Lei n. 9.985/00 dispe sobre as populaes
tradicionais, exceto em relao aos moradores que mudaram para rea aps a criao da UC, e
aqueles que exploram em larga escala os recursos naturais de maneira insustentvel77.
2.4 REGULARIZAO FUNDIRIA
A regularizao fundiria considerada um dos problemas graves das UCs, conforme
Brito (2003), sendo que muitas reas naturais protegidas do Brasil ainda no conseguiram
realiz-la. Neste sentido, a literatura ao tratar sobre a questo, a ilustra com o exemplo do
Parque Itatiaia, no Rio de Janeiro, a primeira unidade de conservao do Brasil, que at o
presente momento no conseguiu fazer a sua regularizao fundiria.
Bennatti (2003, p. 134)78 enfatiza essa situao, ao afirmar que a grande maioria das
unidades de conservao federais tm-se limitado demarcao de seus limites, enquanto que
sua regularizao fundiria, fiscalizao e implementao no saem do papel. O motivo
alegado quase sempre o mesmo: falta de verbas.
O recurso financeiro acaba sendo um dos entraves na regularizao fundiria, sendo que
o Poder Pblico no tem verba para indenizar os proprietrios particulares, posseiros e suas
benfeitorias que se encontram nas UCs.
A regularizao fundiria segundo WWF (apud Brito, 2002)79:
O Direito Agrrio entende como regularizao fundiria a definio das situaes dominiais e processuais de imveis rurais, situados em determinado espao territorial. Para a soluo de questes dessa natureza, normalmente se utiliza da via da discriminatria, por meio dos procedimentos administrativos ou processo judicial previsto na Lei n. 6.383 de 7.12.76 (WWF, 1994). Porm, no que tange as unidades
77 FISCHER, Cristina. Diretora do Departamento de Gesto Territorial do IPAAM. Informao pessoal. 78 BENATTI, Jos Heder. Posse agroecolgica &am