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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS I
CURSO DE PEDAGOGIA
Mariluce de Lima Macêdo
A LITERATURA DE CORDEL COMO UMA FERRAMENTA PARA A
APRENDIZAGEM DE GRUPOS SOCIAIS NO MUNICÍPIO DE SANTA
BÁRBARA
Salvador
2011
MARILUCE DE LIMA MACÊDO
A LITERATURA DE CORDEL COMO UMA FERRAMENTA PARA A
APRENDIZAGEM DE GRUPOS SOCIAIS NO MUNICÍPIO DE SANTA
BÁRBARA
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da graduação em Pedagogia do Departamento de Educação – Campus I da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação do Prof. Dr. Gilmário Brito
Salvador, 2011
FICHA CATALOGRÁFICA
Sistema de Bibliotecas da UNEB
Macêdo, Mariluce de Lima
A literatura de cordel como uma ferramenta para aprendizagem de grupos sociais no município
de Santa Bárbara / Mariluce de Lima Macêdo. – Salvador, 2011.
56f.
Orientadora: Prof. Gilmário Brito.
Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade do Estado da Bahia.
Departamento de Educação. Colegiado de Pedagogia. Campus I. 2011.
Contém referências e anexos.
1. Literatura de cordel . 2. Literatura de cordel brasileira. 3. Cordelistas - Bahia. 4. Grupos
sociais - Bahia. I. Brito, Gilmário. II.Universidade do Estado da Bahia, Departamento de
Educação.
CDD: 398.5
MARILUCE DE LIMA MACÊDO
A LITERATURA DE CORDEL COMO UMA FERRAMENTA PARA A
APRENDIZAGEM DE GRUPOS SOCIAIS NO MUNICÍPIO DE SANTA
BÁRBARA
Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção da
graduação em Pedagogia do Departamento de Educação – Campus
I da Universidade do Estado da Bahia, sob orientação do Prof. Dr.
Gilmário Brito.
Salvador ______ de ________________ de 20___.
______________________________________________________
Prof. Dr. Orientador Gilmário Brito
______________________________________________________
Prof. Dra. Maria Antonia Ramos Coutinho
______________________________________________________
Prof. Dra. Cláudia Silva de Santana
DEDICATÓRIA
A dona Izabel que um dia O meu sono embalou Dedico esse meu trabalho Pois foi isso que ficou Do seu trabalho minha mãe. E do seu profundo amor. Um dia você se foi Eu fiquei a lamentar Perdi o pai e o amigo Não pude deixar de chorar E “hoje” esse meu trabalho A Cosme vou dedicar. Sara eu dedico a você Essa minha monografia Por fazer parte da minha vida Seja noite ou seja dia Por ser leal, companheira És minha eterna alegria Débora você é guerreira Mulher de fibra valente Te dedico esse trabalho Por ter me ajudado ir “em frente” Obrigada meu senhor Por ter me dado esse presente. Isabel você bem sabe Que a distância faz doer Se eu pudesse toda noite Não dormia sem te ver A minha monografia Eu dedico a você. Maria Erotildes foi com você Que tudo isso começou Dedico esse trabalho A você com muito amor Me recebeu em seus braços Em sua casa me abrigou.
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao meu Deus Por tudo que pude pensar Por ter estado ao meu lado Me ajudando a caminhar E essa grande vitória Me permitir alcançar. Airton você vai ter sempre A minha “eterna” gratidão Pela ajuda que me deu Te entrego o meu coração Estarei sempre ao seu lado Obrigada “maridão” Marluce eu te agradeço Seja noite ou seja dia Por ser mulher de caráter Me encheu de alegria Por não permitir que eu adiasse A minha monografia A você Gilmário Brito Que desempenha com fervor O seu trabalho na UNEB Se dedica com amor Por minha orientação Obrigada professor Gabriel é um neto amado Por mim e também por Deus Mas eu tenho um outro neto Que entrego o amor meu Por ter enxugado minhas lágrimas Obrigada, ta Matheus! Quando se tem uma família A casa parece o céu Se vive em harmonia Se bebe do puro mel Por estar sempre ao meu lado Obrigada Gabriel A você Maria José Eu tenho que agradecer Por todo material Que pode me fornecer Quando eu nascer outra vez Quero ser como você
Antonio Carlos é um homem Que está no meu coração A você também agradeço Por ter me dado a mão Assim agradeço a Deus Por ter você como irmão Dalva você bem sabe Que faz parte da minha vida Você muito me ajudou A encontrar a saída Agradeço e tenho orgulho Da minha mestra querida José Raimundo você Está em meu coração Não esqueço dos seus sonhos A música e o violão A ti venho agradecer Meu amigo, meu irmão Lúcia Maria, ou Neném O que é que eu posso falar Não posso esquecer você Que vive a me escutar Obrigada irmãzinha Por você me ajudar Stela não esqueci De você do seu amor Quando fui à sua casa E nela me abrigou Obrigada Stelinha A lembrança em mim ficou E aos sobrinhos queridos Que me tem tanto apreço Fico perguntando a Deus Se tudo isso eu mereço Porque são maravilhosos A todos eu agradeço E a minha sobrinha querida Sei que não posso esquecer Pra fazer as gravações Contei muito com você Daniela você é “dez” Eu quero te agradecer
Antonio, Amauri, Luciano Meus genros agradeço a vocês Por ter estado por perto Quando eu mais precisei Eu não posso calcular O bem que isso me fez As colegas e aos colegas Eu quero agradecer Por ter me dado a mão Para eu não desfalecer Quem ajuda os outros cresce Verá novo amanhecer Maria Antonia Marineuza Roberto Carlos ou Garrido Liege ou Cristina Dávila Todos estiveram comigo Claudia, Eloíza, eu agradeço Pois todos são bons amigos Dentro do departamento Não tive do que me queixar Agradeço aos professores Que não conseguir lembrar Que as portas do mestrado Se abram que eu quero entrar Obrigada a você Que comigo colaborou Cordelista, ele ou ela Um ouvinte ou um leitor Professor ou cabeleireira Pedreiro ou lavrador
O cordelista busca transmitir seu
descontentamento frente à desordem
planetária, isso porque uma das principais
funções da Literatura de Cordel é fazer a
denúncia, como se fosse um repórter, um
jornalista. Ademais ele está sempre a
transmitir seus sonhos mostrando seu lirismo
colorido de esperança sem deixar de fazer
uma belíssima apologia à raízes nordestinas.
Dentro de uma concepção pedagógica
intertextualizada, o Cordel pode servir como
instrumento de apoio para desenvolver no
aluno o gosto pela leitura, dada a sua
ludicidade, poder de síntese, abrangência
temática e fácil acesso.
Antonio Barreto
Tomada pela Emoção Tomada pela emoção Preciso agora parar De escrever a monografia Que preciso entregar Mas essas recordações Estão a me atrapalhar As lembranças batem forte No meu peito sem parar Os olhos não podem abrir As lágrimas estão a rolar É a saudade do passado Que hoje me faz chorar Para que voltei ao passado Se tenho que escrever Preciso me concentrar E as lembranças não perder Ainda que “essa distância” Venha me fazer sofrer Já fiz de tudo, já tentei Viver o presente, cada dia Mas não consigo, entende? As lembranças me “agonia” Só Deus, pode me ajudar A terminar a monografia. (Mariluce Macêdo)
RESUMO Este Trabalho de Conclusão de Curso é resultado do estudo feito no município de Santa Bárbara - Ba com a finalidade de conhecer os poetas que produzem folhetos de cordel e as atividades que os mesmos desenvolvem junto aos grupos sociais desse lugar. Esse estudo busca saber qual a trajetória que os cordelistas trilharam, partindo do momento da criação poética que dá início ao registro escrito, como se dá a circulação dos folhetos e de que modo contribuem para a aprendizagem de grupos sociais desse município. A princípio faço um breve relato da história da literatura de cordel no Nordeste brasileiro, tomando como referência estudiosos importantes que pesquisam e escrevem sobre vários aspectos dessa literatura de folhetos desde a chegada no Brasil até a contemporaneidade; passando pela discussão com importantes autores que discorrem sobre o processo de aprendizagem, até chegar ao ponto fundamental do trabalho de pesquisa: a trajetória dos cordelistas, a produção local e sua importância para os diferentes grupos sociais do município de Santa Bárbara. Do ponto de vista metodológico foi realizado um estudo de caso, a partir de uma análise qualitativa. Os dados foram associados as experiências vividas por mim naquele lugar em ritmo de entrevistas, andanças e recordações. Palavras - chave: cordelistas, cordel, aprendizagem, município.
RESUMEN Este trabajo de Conclusión de Curso es resultado del estudio hecho en el municipio de Santa Bárbara-Ba con la finalidad de conocer los poetas que producen folletos de cordel y las actividades que los mismos desarrollan con los grupos sociales de ese sitio. Ese estudio búsqueda saber cual la trayectoria que los cordelistas recorrieran, partindo del momento de la criación poética que da inicio al registro escrito, como se da la circulación de los folletos y de que modo contribuyen para el aprendizaje de los grupos sociales de ese municipio. Al principio hago un breve relato histórico de la literatura de cordel en el Nordeste brasileño, tomando como referencia estudiosos importantes que investigan y escriben sobre varios aspectos de esa literatura de folletos desde la llegada en el Brasil hasta la contemporaneidad; pasando por la discusión con importantes autores que hablan sobre el proceso del aprendizaje, hasta llegar al punto fundamental del trabajo de investigación: la trayectoria de los cordelistas, la produción local y su importancia para los diferentes grupos sociales del municipio de Santa Bárbara. Del punto de vista metodológico fue realizado un estudio de caso, a partir de una análisis cualitativa. Los datos fueran asociados a las experiencias vividas por mí en aquel sitio en ritmo de entrevistas, andanzas y recuerdos.
Palabras – claves: cordelistas, cordel, aprendizaje, municipio.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO....................................................................................13 2. LITERATURA DE CORDEL: FORMAS DE LER, OUVIR, SE DIVERTIR E APRENDER.......................................................................17 2.1 A PROCEDÊNCIA DO CORDEL.........................................................................18 2.2 O NORDESTE COMO PALCO SÓCIO CULTURAL............................................21 2.3 A LITERATURA DE CORDEL PARA OS NORDESTINOS BRASILEIROS ONTEM E HOJE.........................................................................................................23 2.4 O CORDEL E A XILOGRAVURA.........................................................................24 2.5 VARIADOS TEMAS; TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO....................................28
3. TRADIÇÃO E ORALIDADE...............................................................32 3.1 A TRADIÇÃO ORAL EM SANTA BÁRBARA.......................................................34
4. A LITERATURA DE CORDEL E A APRENDIZAGEM......................40 4.2 OS VATES DO PASSADO, A LINGUAGEM E UMA HERANÇA PARA A APRENDIZAGEM.......................................................................................................44
5. ABORDAGEM METODOLÓGICA.....................................................48 5.1 O CAMPO DE PESQUISA...................................................................................49 5.2 A ORIGEM DE SANTA BÁRBARA......................................................................50 5.3 OS CAMINHOS PERCORRIDOS........................................................................52 5.4 SANTA BÁRBARA, CORDELISTA PROFESSOR, PROFESSORA E CORDÉIS...................................................................................................................53 5.5 O CORDEL RESSURGE EM SANTA BÁRBARA................................................64
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................67 REFERÊNCIAS......................................................................................70 ANEXOS................................................................................................72
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1. INTRODUÇÃO
Pesquisar a literatura de cordel em Santa Bárbara foi um desejo que me
“sacudiu” a partir do reencontro com alguns colegas e irmãs que escrevem folhetos
de cordel e abordam temas interessantes, sobre diversos aspectos da história e da
realidade barbarense. Eles me fizeram reportar ao passado quando o meu pai
comprava os livros nas feiras livres e populares e os levava para serm lidos com a
família.
A literatura de cordel foi muito divulgada e consumida no município de Santa
Bárbara, assim como em outras localidades do Nordeste. Os folhetos serviam como
uma via para a alfabetização de grupos sociais que não tinham acesso a livros e não
podiam frequentar a escola, principalmente entre as famílias pobres e rurais. Isso
parece fazer sentido, desde que são nesses “grupos sociais formados pela família e
a vizinhança que se observa forte envolvimento emocional, atitudes de cooperação e
o compartilhar de objetivos comuns”. (COSTA, 1997, p. 318).
Assim, durante a minha infância convivi em um ambiente no qual as reuniões
familiares eram constantes e todos participavam dos “eventos culturais”, que se
dividiam em cantorias, rezas de São Cosme, São Roque, São Pedro, São João e do
Santo Ofício, contações de histórias diversas e as leituras de folhetos de cordel.
Por volta dos anos 1960 comecei a estudar, e para mim, estudar era um
sofrimento, sofri muitos preconceitos, por isso tive certa dificuldade de aprender a ler
com desenvoltura como as minhas irmãs mais velhas; os livros de cordel me
ajudavam, porque desde os primeiros anos letivos meu pai não tinha condição para
comprar os livros didáticos, por esse e outros motivos eu não gostava de freqüentar
a escola, preferia acompanhar o meu pai e a minha mãe nas caçadas e pescarias
que faziam durante alguns dias da semana ou à noite.
Assim, aprendi muitos causos que meu pai e minha mãe contavam e foram de
suma importância para a minha vida social, eles falavam de “tudo”, das nossas
origens, da vegetação, do solo, faziam previsão para um futuro melhor. Eu ouvia e
guardava na memória os ensinamentos dos meus pais, enquanto os ensinamentos
da escola deixavam a desejar, se eu pudesse não estudava.
Durante a semana, quase todos os dias tinha contação de histórias, podia
faltar qualquer coisa, menos as histórias contadas por um membro da família. Minha
avó, Dindinha, contava histórias de guerras, de príncipes, de reis, das marujadas, de
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donzelas, etc. Lembro que ela me perguntava: “já aprendeu a história da donzela
Carolina? É assim que você deve ser, honesta e casta, a castidade é o “cabedal da
moça”. Entre uma história e outra, dindinha (minha avó) suspirava, dava risada, e
sussurrava baixinho, eu não entendia o que ela falava.
As histórias de guerra sempre me faziam chorar e a minha avó dizia: “Se for
pra chorar não conto mais”, mas eu gostava quando ela contava e cantava:
Meu senhor que vem da guerra Dá noticia do meu marido Se é morto ou se é vivo senhor Se corre maior perigo!
Eu ficava ansiosa para tudo dar certo, às vezes dormia antes de terminar a
história e, no outro dia, queria saber o final, mas, minha avó não contava história
durante o dia, ela dizia que, “quem conta história de dia nasce rabo”, assim eu tinha
que esperar a noite para ela recontar a história.
A minha mãe contava histórias que tinha o final triste, eu pedia para ela
mudar o final, às vezes ia para a cama imaginando outro final, que não fosse tão
triste, mas ela contava histórias interessantes em que, às vezes, o final era
compensador, como a história da “Carochinha” que se casou com “dom ratinho”. Às
vezes minha mãe dormia antes de terminar a história, vivia cansada de tanto
trabalhar.
Meu pai gostava de decorar os cordéis, sabia vários “de cor”, contava as
histórias dando ênfase aos personagens. Eu gostava muito dos cordéis e de outras
histórias que meu pai contava, ele ria, “inventava”, fazia gestos, era maravilhoso!
Lembro-me que tinha um cordel intitulado, A festa dos Bichos, não lembro a autoria,
mas lembro que dizia assim:
Quando o bode era doutor O cachorro advogado Andava tudo direito E o mundo bem governado A justiça muito reta Ninguém vivia enganado O leão sempre foi rei Casado com a leoa Jacaré seu secretario Anta uma grande pessoa
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Mestre sapo professor Na beira de uma lagoa.
Vários “membros” da família contavam histórias, as reuniões da boca da noite
aconteciam com frequência, entretanto esse hábito não se restringia aos moradores
de Santa Barbara, ou barbarenses e nordestinos. Segundo Luís da Câmara
Cascudo, a literatura oral exige um ambiente propício para ser exposta em qualquer
lugar do mundo.
Noventa por cento das histórias, adivinhações, são narradas durante as primeiras horas da noite. Não apenas se explicará a escolha desse horário pelo final da tarefa diária como igualmente por ser indispensável a atmosfera de tranquilidade e de sossego espiritual para a evocação e atenção do auditório. (CASCUDO, 1978, p.235).
As lembranças que me levaram ao passado, me fizeram compreender fatos
que não entendia, as reuniões em família, as cantorias durante os afazeres da roça
e tantos outros eventos que aconteciam entre a “família e vizinhos”
Assim, apesar das dificuldades que a minha família enfrentava, a vida para
mim era maravilhosa, as brincadeiras, as histórias contadas e cantadas, os folhetos
de cordel, os sambas de roda, os dramas, as batas de feijão, os bois roubados, as
aventuras no rio Pojuca, as caçadas, a escola e até mesmo as dificuldades fizeram
com que nascesse o desejo em mim de fazer uma pesquisa no município de Santa
Bárbara junto aos cordelistas do lugar, para saber o que aconteceu com todo aquele
patrimônio cultural.
Por muito tempo guardei na lembrança o que meus pais falavam, mas, só
quando comecei a freqüentar a faculdade, compreendi quanto eles e outros
familiares contribuíram para minha formação como “ser humano”.
Hoje vejo que a literatura de cordel, as histórias, a vida em família,
despertaram em mim o desejo de escrever não só para concluir um curso de
graduação, mas para expressar um sentimento de gratidão ao Senhor Cosme e a
Dona Izabel, por terem deixado um legado incontestável, além da condição de
passar “adiante” nossos costumes para os alunos e outras pessoas, dizer para elas
e para eles, que, por sermos pobres, não precisamos perecer na ignorância de “um
mundo injusto”.
Todo esse percurso que marcou profundamente minha experiência de
aprendizado e formação se transformou no desejo que suscitou essa pesquisa,
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sintetizado no problema: Qual a produção, circulação da literatura de cordel, e os
processos de leitura de grupos sociais no município de Santa Bárbara?
Para responder a esse questionamento realizei uma reflexão sobre os
grupos sociais que se beneficiaram com a leitura dos folhetos nos anos de 1950,
tomando como referência a minha própria experiência e de outras pessoas que,
como eu, eram moradores da zona rural, e que tinham a leitura de versos como
uma via para facilitar a aprendizagem.
O objetivo central desse estudo, no entanto, é conhecer a produção local e
a trajetória dos cordelistas no município de Santa Bárbara, refletindo sobre a
importância dessa produção para a aprendizagem das pessoas dos diferentes
grupos sociais desse município.
Assim, elaborei questionários, realizei entrevistas com alguns cordelistas de
Santa Bárbara e outras pessoas de grupos sociais diferentes, o que se configura
como a metodologia dessa pesquisa.
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2. LITERATURA DE CORDEL: FORMAS DE LER, OUVIR, DIVERTIR E
APRENDER.
Esse trabalho tem a finalidade de apresentar aspectos da literatura de cordel
sua história, sua origem, como chegou ao Brasil e instalou no Nordeste brasileiro,
buscando compreender o que essa literatura também denominada de folhetos
representa para alguns grupos sociais.
Com esses propósitos discutiremos com Luis da Câmara Cascudo, Ana Maria
Galvão e outros autores cujas obras são consideradas “fontes” preciosas para
estudar esse gênero literário ao longo do processo de apogeu, decadência e
revitalização, destacando representações passadas e presentes para grupos da
sociedade de Santa Bárbara.
Para dar conta dos objetivos vamos identificar autores antigos e
contemporâneos que escreveram sobre aspectos sociais, políticos e culturais de
Santa Bárbara.
Por se tratar de uma abordagem histórica, será relevante citar a xilogravura
por ter um valor artístico não só no Nordeste Brasileiro, mas em todo país.
Figura 1: Folhetos de cordel Fonte: Acervo particular de Mariluce de Lima
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2.1. A PROCEDÊNCIA DO CORDEL
A origem da literatura de cordel, segundo os folcloristas brasileiros Manuel
Diegues Junior, em seu livro “Ciclo Temático na Literatura de Cordel,” e Luis da
Câmara Cascudo que escreveram várias obras sobre essa manifestação popular a
exemplo dos livros “Vaqueiros e cantadores” e “Cinco Livros do povo”, trazem
informações importantes para a nossa pesquisa. Segundo esses autores, o cordel
originou-se de Portugal, por volta do século XVII, os folhetos eram conhecidos como
“folhas soltas”, “folhas volantes”, que se originou dos romances tradicionais
portugueses, impressos em folhas soltas, presos em “barbantes ou cordéis” e
vendidos nas feiras e romarias, quase sempre por cegos.
Manoel Diegues, em seu livro “Ciclos Temáticos na Literatura de Cordel,”
enfatiza esse surgimento quando relata:
Tem-se atribuído as “folhas volantes” lusitanas a origem da nossa literatura de cordel. Diga-se de passagem, e antes de mais nada, que o próprio nome que a consagrou entre nós também é usual em Portugal; a ele refere-se, por exemplo, Teófilo Braga em mais de uma parte de suas obras e em artigo especial para um jornal lisboeta, no já longínquo ano de 1895. Eram as “folhas volantes“ também chamadas de “folhas solta”. (DIEGUES JUNIOR, 1973, p.9).
Para esse autor, essas folhas volantes ou folhas soltas eram impressas de
forma rudimentar e vendidas em feiras, praças, ruas e quando havia romaria. Os
registros contidos nas folhas eram fatos históricos ou poesia erudita e popular
originária da Península Ibérica e que na Espanha, eram chamados de “pliegos
sueltos”, denominação que se estendeu à América Latina, e na Argentina, México,
Peru e Nicarágua, recebiam os nomes de “hojas” e “corridos”
Assim, Diegues Júnior sugere que,
A influência ibérica na formação desse tipo de poesia popular, que, em grande parte, se origina do velho romanceiro peninsular, evidentemente teria de manifestar-se em outros países latino-americanos, e não só no Brasil (...). É assim que encontramos, em vários países, o corrido. Se de um lado, isso comprova a origem ibérica, de outra parte comprova a presença em toda a América, de um mesmo espírito, de
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um mesmo sentimento, de um mesmo valor. (DIEGUES JÚNIOR, 1973, p. 06).
Além da influência Ibérica existiam nas Américas outras representações
culturais que circulavam no Brasil como as indígenas, africanas e outras, que por
certo influenciaram o povo nordestino. As diversas formas de poesia, a oralidade
são paradigmas que confirmam os valores encontrados no Nordeste pelos
portugueses no tempo da colonização. Entretanto, não podemos negar a influência
do cordel português na estrutura da literatura de folhetos no Brasil.
Assim como em Portugal, na França esse acontecimento era adequado à
“literatue de colportage” literatura volante, voltada para o meio rural por meio do
“occasionnels”, permanecendo no meio urbano no “carnaval”. Os folhetos impressos
ocupavam espaço entre os povos que se deleitavam com as estórias cantadas ou
contadas e que exibiam temas diversificados vindos do povo, como nos mostra
Câmara Cascudo:
Há uma literatura popular impressa, literatura de cordel, que os franceses denominam de colportage, que Charles Nizard estudou na França e que Teófilo Braga esboçou em Portugal (267). Ninguém decidiu sobre a velocidade inicial desses livrinhos. Saíram do povo ou foram incluídos, pela literatura, na oralidade anônima? Foram temas dados pelo povo ou constituíram trabalho individual, posteriormente tornado popular? Esses livros vêm do século XV, do século XVI, do século XVII e continuam sendo reimpressos em Portugal e Brasil, com um mercado consumidor como nenhuma glória intelectual letrada ousou possuir. (CASCUDO, 1978, p. 170).
Portanto, as notícias sobre a origem do folheto de cordel se referem aos
séculos XV, XVI e não apenas ao século XVII, como vimos na citação anterior no
ensaio intitulado “Origens da Literatura de Cordel”, ou seja, tem-se noticias dessas
origens não apenas no século XVII na Holanda, mas desde os séculos XV e XVI na
Alemanha.
Apesar de as leituras nos revelarem que a literatura de folhetos esteve
presente em vários países europeus dos séculos XV ao XVII, não há um consenso
entre alguns autores, quanto a sua origem no Brasil,
Não há, entre os estudiosos, um consenso quanto às origens desse tipo de literatura no país e, particularmente, seu desenvolvimento no Nordeste brasileiro. Sabe-se que a questão das origens é sempre problemática no âmbito da historiografia contemporânea, revelando-
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se, quase sempre, um falso problema e um esforço inócuo em busca de sua solução na medida em que a história tem sido considerada como feita de descontinuidades e rupturas. (GALVÂO, 2001, p. 28).
Para a autora as origens da literatura de cordel estão relacionadas ao hábito
milenar de contar histórias que começaram a ser escritas gradualmente depois
divulgadas pela impressa em diversos países.
Formas de literatura parecidas com a literatura de cordel, são encontradas no
continente americano e tem peculiaridade resguardadas em diferentes países, a
exemplo, podemos citar a semelhança existente entre o “corrido” encontrado no
México, na Argentina, na Nicarágua e no Peru, e o “contrapuento”, que se
assemelha a Peleja ou desafio que é também encontrado no México. Podemos
analisar na Argentina os “hajas e pliegos suetos” que são parecidos com o cordel,
além desses, destacamos o “paydor” que lembra o nosso cantador.
Entretanto esse hábito de contar história era utilizado no Brasil desde o século
XVI pelos índios e pelos povos africanos, assim a origem da literatura de cordel
encontrada no Brasil está relacionada a semelhança portuguesa e tem sua origem
nos seus romances tradicionais. Os colonizadores trouxeram seus livrinhos, seus
contos e cantos, junto com as suas memórias.
A tradição manteve no espírito português esse corpus. E, no século do Descobrimento, no fecundo, séc. XVI, partindo-se da expedição geográfica de 1501, as estórias populares de Portugal são semeadas no Brasil, para uma floração sem fim. (CASCUDO, 1978, p. 173).
A influência dos livros, da literatura de folhetos, assim como as novelas de
cavalaria, tiveram expansão no século XVI em Portugal, o mesmo século do
descobrimento do Brasil. Os portugueses trouxeram consigo as novelescas, a
literatura oral portuguesa que foi o resultado do fundamento comum das histórias
populares lusitanas e a influência dos livros e folhas soltas de literatura popular com
elementos de tradição oral. Entretanto o mesmo autor afirma que a prática de
“conservar a memória dos episódios pelo canto poético” é universal e milenar, essa
prática já era utilizada pelos índios no século XVI e pelos povos africanos, como os
bantos e os sudaneses que registravam suas tradições em forma de poemas.
De acordo com Galvão, esses impressos traziam registros de fatos históricos,
narrativas tradicionais como - a Imperatriz Porcina, Princesa Magalona e o
Imperador Carlos Magno -, além destas, os folhetos traziam poesia erudita, a
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exemplo de Gil Vicente. A circulação das histórias de origem portuguesa e mesmo
européia serviu de base para a organização dos folhetos que tiveram uma amplitude
em Pernambuco desde o século XVIII.
Ao que parece, a discussão de alguns estudiosos sobre a origem do cordel
no Nordeste brasileiro está relacionada a existência de formas diversificadas de
poesia e oralidade já existir nesse local “como as pelejas e cantorias”.
Diante de tantas considerações feitas, o que se pode concluir é que, a
literatura popular chegou ao Brasil, se instalou no Nordeste e floresceu nesse lugar.
2.2 O NORDESTE COMO PALCO SÓCIO-CULTURAL
Foi no Nordeste do Brasil que a literatura de cordel encontrou lugar favorável
para se expandir. Diversos fatores contribuíram para que os folhetos fossem
produzidos, vendidos e lidos por muitos grupos que formam um público pertencente
a classes sociais diversas.
O primeiro ponto favorável foi a questão étnica, o português, o indígena e o
africano no mesmo ambiente; apesar de suas diferentes condições sociais e
diferentes tradições produziram uma literatura poética que comunicava e divulgava
manifestações culturais através da oralidade, de cantorias em grupos. Essas
manifestações eram escritas e impressas para serem lidas e guardadas “além da
memória”.
Ainda que as obras impressas vindas de Portugal e dos lugares mais
“adiantados” do Brasil fossem raras, existia sempre um folheto por perto que trazia
as velhas novelas populares ou histórias de santa.
O cordel tornou-se um elemento divulgador de fatos e ocorrências, as famílias
ficavam a par do que se passava em várias localidades do Brasil, era como um
jornal. Trazia notícias das façanhas de cangaceiros, casos de rapto de moças,
crimes, os estragos das secas, as enchentes, políticas e tantas outras notícias.
Outro ponto que podemos sinalizar é o ambiente social que oferecia
condições favoráveis ao surgimento dessa forma de comunicação literária, a
divulgação da poesia popular através das cantorias em grupo e de forma escrita.
Vários autores estudaram sobre o surgimento do cordel no Nordeste, dentre
os quais destacamos Maria Antonieta Antonacci que a esse respeito teceu a
seguinte reflexão,
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(...) o abandono das populações dos sertões nordestinos por parte das autoridades governamentais e eclesiásticas, acentuado após o declínio da produção açucareira; a consolidação de um modo de vida patriarcal, reunindo agrupamentos sociais em torno de um senhor enquanto marginalizava centenas de outros grupos e sujeitos, desagregados e esparramados na imensidão das agrestes terras abatidas pelas secas e outras forças de uma natureza também deixada à margem; o isolamento das populações e a raridade de livros, principalmente laicos, importados nos tempos da colonização, associado à precariedade extrema de meios de comunicação, ajudam a entender a emergência e a importância histórica das cantorias e dos folhetos nessa região. (ANTONACCI, 2001, p. 112).
De acordo com a autora, em todo Nordeste brasileiro a influência africana
teve um papel importante na produção dessa literatura. As cantorias, as histórias
contadas eram expressões que levavam seu modo de ver a realidade e de atuar no
cotidiano. Assim as narrativas orais de grupos sociais que moram no Nordeste
também registraram em folhetos as evidências dos costumes, valores, crenças,
culturas e experiências de vida.
Esse legado não vem, entretanto só dos povos africanos, vem dos
portugueses, indígenas e de outros povos que chegaram ao Brasil na época da
colonização. Esse encontro de diversidade cultural contribuiu para a formação de
linguagens no Nordeste brasileiro.
Galvão (2001) enfatiza no seu livro “Cordel, leitores e ouvintes” que parecia
ocorrer uma circularidade entre as diversas formas de cultura (inclusive as
indígenas, africanas e de outros povos) em um Brasil marcado pela oralidade.
Entretanto, não se podem negar as origens lusitanas: “(...) Esses livros vem do
século XV, XVI e do século XVII, e continuam sendo reimpressos em Portugal e
Brasil, com um mercado consumidor como nenhuma glória intelectual letrada ousou
possuir”. (CASCUDO, 1978, p.170).
O que se pode observar é que existem opiniões diversas entre os
pesquisadores sobre as origens da literatura de cordel no Nordeste brasileiro,
algumas divergências surgiram no decorrer dessa pesquisa sobre a origem dos
folhetos, em todo Brasil, não altera, entretanto, a conclusão que se chegou: o cordel
é de origem lusitana, no entanto os franceses, africanos, indígenas, espanhóis e
outros povos tiveram influência ativa na produção, circulação e leitura dessa
“literatura” que tem características peculiares.
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De características peculiares a Literatura de Cordel tem raízes ibéricas, da região França, Espanha e Portugal, com influência dos mouros que ocuparam a península por muito tempo, mas, acredita o poeta popular cearense Arievalda Viana, que elas são mais profundas e venham de mais longe. Em sua opinião, o canto dos trovadores gregos já poderia ser considerado um embrião da Literatura de Cordel. (ROCHA, 2005, p. 23).
No nordeste do Brasil a literatura de cordel foi imprescindível na
alfabetização, desde que foi disseminada entre grupos não alfabetizados ou no
“seio” da família, as histórias versadas despertavam o “prazer” e o interesse pelo
aprendizado principalmente nas pessoas que moravam na zona rural.
2.3 A LITERATURA DE CORDEL PARA OS NORDESTINOS BRASILEIROS, ONTEM E HOJE
Em lugares onde os meios de comunicação existentes eram precários como
eram na zona rural de algumas cidades nordestinas, os folhetos chegavam primeiro
com os viajantes nos lombos das mulas e depois com a chegada das linhas de ferro,
viajavam nos trens, para serem vendidos nas feiras.
Assim o comerciante desses folhetos liam em voz alta para chamar a
clientela, que por sua vez formava um aglomerado em volta do leitor que encerrava
a leitura antes de terminar a história para “forçar a venda”.
Os compradores dos folhetos não eram apenas os que sabiam ler, às vezes
pessoas não letradas ao ouvirem o inicio das histórias, pelejas, cantorias, ficavam
ansiosas para saber o desenrolar e qual era o final da história e assim compravam
os folhetos e os levavam para algum membro da família ou vizinho letrado que lesse
em voz alta para a escuta de várias pessoas.
As reuniões na “boca da noite”, nos serões, até mesmo nos afazeres da
“roça” tinham sempre alguém escalado para fazer a leitura dos folhetos ou recitar os
versos decorados. Esse exercício de leitura coletiva sempre estimulava àqueles que
não sabiam decodificar o texto poético escrito que ajudava a despertar o desejo de
aprender a ler. É importante salientar que, como o cordel trazia uma linguagem que
se aproximava do universo cultual de leitores e ouvintes, porque apresentava frases
curtas e rimas que se aproximavam mais das tradições orais do que da escrita,
facilitava o processo de memorização das narrativas. Além disso, as temáticas se
24
preocupavam com acontecimentos do momento, romances e histórias que muitas
vezes o ouvinte já conhecia e as repassavam para o publico ouvinte.
A curiosidade pelo conteúdo dos simpáticos livrinhos, despertada tanto pela natureza de suas histórias quanto por sua identificação com elementos da nossa cultura popular, levava as pessoas a aguardarem com ansiedade o momento em que alguém lhes viesse ler os raros folhetos trazidos do mercado ou das feiras por algum parente ou conhecido. E foi essa curiosidade pelas histórias versadas no folheto popular que começou a despertar, principalmente na nossa zona rural, o interesse das pessoas pelo aprendizado informal da leitura. (LIMA, 2006, p. 7).
As práticas de leitura em reuniões familiares e em grupos sociais de vizinhos
e parentes ajudaram na alfabetização de centenas de pessoas em todo Nordeste
brasileiro, o ouvinte muitas vezes não se “contentava” apenas em ouvir e decorar
queria participar das reuniões como leitor. E foi nesse processo de ouvir, aprender e
contar que a alfabetização se consagrou entre pessoas menos favorecidas, ou seja,
que tinham restritos acessos a escolas, livros e outros suportes necessários para
ampliar as possibilidades de apreensão do texto escrito e impresso através da
leitura. De acordo com Lima (2006, p. 07) “a leitura de folhetos para grupos de
pessoas não alfabetizadas sempre foi prática comum desde que a literatura de
cordel se fez difundida entre nós”. Tomando como referência as constatações de
Lima e observando práticas de leitura em Santa Bárbara na Bahia podemos dizer
que muitas pessoas da minha geração foram alfabetizadas através dos folhetos de
cordel, reuniões e leituras que traziam conteúdos diversificados sobre aspectos da
cultura local que despertavam nos ouvintes o interesse pela leitura.
2.4 O CORDEL E A XILOGRAVURA
A xilogravura é de suma importância na composição dos folhetos. Os
primeiros cordéis não traziam capas decoradas ou ilustradas, até meado da década
de 1920, as capas eram ilustradas apenas com vinhetas. Segundo Galvão (2001,
p.49) em seu livro “Cordel leitores e ouvintes,” as vinhetas eram “utilizadas também
como moldura ou como forma de separar os títulos dos poemas e outras
informações.” De acordo com essa autora, os folhetos produzidos no período de
1900 a 1919 não traziam estampas na capa clichês de zincogravuras ou
25
xilogravuras. Quando a xilogravura apareceu, os desenhos produzidos, clichês de
zinco, de fotografias e cartões postais saíram de circulação ou quase
desapareceram, dando lugar a uma nova estampa a xilogravura.
Segundo Lima (2006, p.31), “a xilogravura (...) que é a gravura artesanal
gravada em madeira é uma arte milenar que se desenvolveu em diversos cantos do
mundo”. Partindo da observação desse e de outros autores citados podemos avaliar
a importância da arte de xilogravar em madeiras no período em que a literatura de
cordel era uma via de comunicação entre as pessoas que pertenciam a grupos
sociais que tinham pouco acesso à literatura impressa. Nesse sentido, consideramos
que a xilogravura uma arte artesanal, e uma tecnologia de impressão de imagens
produzida por grupos de moradores das zonas rurais e das periferias das grandes
cidades em localidades nas quais eram difíceis os acessos e os meios de publicação
de livros
Hoje a imagem da xilogravura é uma linguagem muito utilizada nas capas
dos folhetos artesanatos. Seus tacos ou formas são entalhados na madeira da cajá
que é abundante no Nordeste e “tenra e fácil de trabalhar” é bastante utilizada para
se trabalhar como um molde (SANTOS, 2006, p. 88). Recentemente alguns artistas
têm usado materiais com maior plasticidade a exemplo da borracha de pneus com o
objetivo de produzir efeitos de profundidade de campo a exemplo dos trabalhas de
“Dila de Caruaru, em Pernambuco”
Segundo Santos (2006), a xilografia popular está caracterizada pelo
“esmagamento da imagem, pela ausência de profundidade, a falta de claro e escuro
e de perspectiva”. Apesar dessa consideração, a xilografia é usada há muito tempo
para veicular imagens religiosas e nas etiquetas de cachaça, além das capas dos
folhetos. Temos a noticia de que José Bernardo da Silva foi o introdutor da
xilogravura no mundo dos folhetos, morou em Juazeiro do Norte, Ceará e trabalhava
em parceria com outros artistas do ramo, como podemos observar nas palavras de
Santos:
Valderedo Gonçalves de Oliveira fez diferentes trabalhos para José Bernardo, bem como Antonio Relojoeiro, Expedito Sebastião da Silva que elaborou as gravuras de História de Rufino e Carmélia, O homem da Cruz, O Cinqüentenário do Padre Cícero. (SANTOS, 2006, p. 89).
Além de produzir sob encomenda para José Bernardo, outros artistas
utilizavam da xilografia nas capas dos seus folhetos, a exemplo de Manoel Caboclo
26
e Silva, que usou imagens xilográficas nos folhetos intitulados “Jesus, São Pedro e
o ferreiro”, “O rei dos ladrões”, “Cometa passa no céu”, “A seca de 70” e outros.
Essa tradição de usar gravura, segundo a autora, se mantém viva no Ceará com
Abraão Batista que ilustra suas obras com talento: “As profecias do Padre Cícero, O
menino monstro, O pássaro encantado de Ubirajá, Nascimento, Vida e Morte de uma
coroa, Os Uruguaios que comeram carne humana, etc”.
Podemos citar outros artistas que produziam suas próprias capas com talento:
José Martins dos Santos de Alagoas que publicou 36 capas, Minelvino Francisco
Silva, poeta popular da Bahia, Manoel Severino Monteiro, também baiano e Eneas
Tavares dos Santos, de Alagoas.
Hoje, no Brasil, o artista popular nem sempre se beneficia das conquistas
adquiridas através da xilogravura, que alcançou prestigio e independência nas
galerias externas. Segundo a autora, “a xilografia popular, que no Brasil nasceu do
folheto, nem sempre beneficiou o artista popular, que, às vezes, continua a viver na
pobreza.”
A respeito da xilogravura o cordelista José Antonio dos Santos escreveu em
versos de cordel um breve relato sobre os autores, e a divulgação dessa arte no
exterior.
Outro aspecto do cordel Eu quero aqui destacar Falo da xilogravura No folheto popular Entalhada na madeira Para as capas ilustrar. A xilogravura é arte Que não é feita de giz O desenho na madeira Com a história condiz Passou a ter grande fama Ao ser exposta em Paris. E a partir do momento Em que houve a exposição Na cidade de Paris Ganhou fama no sertão Xilogravura em cordel Faz parte de tradição. Pesquisador e artistas Passaram a cobiçar
27
E a nossa xilogravura Se passou a divulgar Como a arte brasileira Da cultura popular. No Nordeste tem surgido Como xilogravurista: Jota Borges, Costa Leite Dila e Abraão Batista Do Juazeiro do Norte Stênio que é grande artista. Cito o Marcelo Soares Que é um bom companheiro Também Klévisson Viana Segue no nosso roteiro: Faz cordel e faz gravura E edita o tempo inteiro. O grande Antonio Lucena Foi mestre em xilogravura E nosso Enéias Tavares Luta contra todo agrura A Via- Sacra em xilo Gravou com grande aventura Pra concluir meu livrinho Quero ainda comentar: O poeta de Cordel É repórter popular O cordel era o jornal Pra nosso povo informar. (SANTOS, 2007 p. 20, 21,22).
Fica evidente que o poeta faz uma ligação entre os desenhos talhados em
madeira e a história versada no interior dos folhetos, nos quais as capas são
reproduzidas não só para ilustrar, mas, como mensagem informativa e comercial. O
comprador de folhetos deve ser “impressionado” a partir do conteúdo da capa que,
além de ilustrar, “conta a história”.
A xilogravura, a partir do momento que passou a ser cobiçada por
pesquisadores e artistas, criou fama e passou a ser divulgada em Paris, entretanto,
os artistas populares, que são conhecidos em outros países, muitas vezes
permanecem na pobreza.
28
Para J. A. Santos (2007), os xilograviristas são mestres, companheiros que
lutam contra a falta de cortesia, mas continuam fazendo cordel e gravura e o
cordelista continua sendo um “repórter popular”. Para o autor, hoje com a
“modernização”, os cordelistas passaram a publicar seus cordéis na internet uma
via encontrada pelos escritores de cordéis para divulgar os folhetos e dar
continuidade à tradição.
2.5 VARIADOS TEMAS; TENTATIVA DE CLASSIFICAÇÃO
Os folhetos de cordel têm sido objetos de estudos por parte de pesquisadores
os seus variados temas e expressiva forma de composição poética têm chamado a
atenção não só dos estudiosos do nosso país como também dos estrangeiros.
Os textos de cordel são poeticamente estruturados, tendo a sextilha como
estrofe básica, suas capas são apresentadas com xilogravuras, clichês de cartões
postais, fotografia e outras composições gráficas (já citadas), que oferecem um “rico”
material para pesquisas, dando oportunidade a várias interpretações que enviam
para o contexto sócio-cultural em que se incluem cada texto. Assim, os folhetos
sobre os mais diversos temas, tradicionais ou contemporâneos, são versejados por
inúmeros poetas populares.
Nessa riquíssima literatura existe uma variedade temática que reflete a
vivencia e o engajamento dos poetas populares, com problemas e assuntos que
vem desde o passado até os dias atuais.
A época é um dos pontos fundamentais para o surgimento dos temas. Os
romances tradicionais, os fatos circunstanciais, as manifestações populares, as
narrativas que envolvem animais estão relacionados aos temas. Daí a diversidade
com que eles se apresentam: como figuras humanas que assumem lugares de
heróis, anti herói, religiosidade, aventuras, casos de amor. Os temas estão sempre
dentro de um espírito comum e originário, o de transmitir o acontecimento realmente
sucedido, seja o tema tradicional ou circunstancial.
Segundo Grillo (2003, p.117) “inúmeros são os eventos do século XX contidos
nas narrativas dos folhetos, em forma de versos, que relatam o cotidiano da nossa
história e representações diferentes daquelas contidas nos livros didáticos”.
Atualmente existem divergências entre os autores para a variada classificação
dos temas na literatura de cordel. Para Idelette Muzart dos Santos (2006), todas as
29
classificações propostas vêm de dois importantes seguimentos, o primeiro modelo
refere-se: a Júlio Caro Baroja a partir da literatura de Cordel espanhola e o segundo
é a de Robert Mandrou, baseada na Bibliotheque Bleue de Troyes.
Hoje existem sete classificações para a literatura de cordel no Brasil, foram
estabelecidas nos anos de 1955 a 1976. Para Santos ( 2006), a maioria dessas
classificações são baseadas em uma contrariedade posta entre o passado e o
presente, ela exemplifica que Manuel Diegues Jr. estabelece uma distinção
fundamental na produção dos folhetos: assim, os temas tradicionais que têm origem
no romanceiro aparecem ao lado dos temas de atualidade.
Desse modo podemos evidenciar a existência, no romanceiro e hoje na
literatura de cordel, dos dois tipos fundamentais de temática: os temas tradicionais,
vindos através de romanceiro, conservados inicialmente na memória e hoje
transmitidos pelos próprios folhetos. Nesses encontramos as narrativas de Carlos
Magno, dos Doze Pares da França, a Batalha de Oliveiros com Ferrabrás, de Joana
d Arc, de Pedro Malasartes etc..., e os temas circunstanciais, que são os
acontecimentos contemporâneos ocorridos em dado contexto e tiveram repercussão
junto à população. São as enchentes, os crimes, cangaceiros famosos, e hoje com a
facilidade das comunicações, encontramos temas que vão de assuntos atuais no
Brasil, até fatos internacionais.
Alem desses, temos os temas tradicionais quando a literatura de cordel se
transformou em jornal escrito e falado, são os temas que vieram para o Brasil
através do romance, tanto em forma de prosa, quanto em forma de poesia.
Essas classificações são baseadas, na maioria das vezes, entre a oposição, a
tradição e a criação, entre o passado e o presente. Diegues Junior distingue na
produção de folhetos, temas tradicionais originários dos romanceiros e os temas da
atualidade, é uma classificação que sintetiza as classificações de Ariano Suassuna e
Cavalcante Proença, o que a torna diferente é a separação de temas passageiros e
temas permanentes.
Os folhetos tratam de temáticas diversas, a temática tradicional apresenta
dois tipos de narrativas: uma que a história conservou e que encontramos descritas
nos compêndios da história universal de qualquer povo; outro tipo é o reproduzido
pelos velhos contos populares, vindos de uma tradição supostamente oriental,
passado através dos tempos de geração a geração.
As narrativas históricas, os contos populares, as velhas narrativas de “fundo
tradicional” como as de animais, fatos religiosos e as de anti-heróis, cangaceiros,
30
são constituintes dos temas tradicionais de nossa literatura de cordel, reproduzindo a
memória popular o que a história conserva desde gerações anteriores.
Segundo Cascudo (1978), uma série de folhetos são produzidos em torno de
alguns temas, como devotos, cangaceiros, milagres de santos, prisão de bandidos
famosos, fugas espetaculares, sonhos e visões ligadas ao Padre Cícero de Juazeiro.
Atualmente, permanece em nosso mundo as recordações de incríveis personagens
que marcaram a nossa infância e continuam na lembrança, as “malandragens”, as
astúcias, a devoção por um santo, além de novas “figuras” do presente que
aparecem com os escritores de cordel da contemporaneidade, entretanto,
personagens como: Malasarte, Cancão de Fogo, João Grilo, Vicente o Rei dos
ladrões, permanecem vivos na lembrança e no presente através dos folhetos que
continuam sendo reproduzidos, lidos e “encantando leitores”.
Dentro da narrativa tradicional o poeta encontra liberdade para expor os
personagens e desenvolver suas idéias; ele transforma os títulos de nobreza,
adaptando ao “mundo em que vivem”, como: rei em fazendeiro, cavaleiro que luta
para casar-se com a princesa em vaqueiro, mesmo sabendo que a figura do
vaqueiro não é “compatível” com a do cavaleiro, pois, é improvável acontecer um
casamento entre um vaqueiro e a “donzela fazendeira”.
Existe, na narrativa popular, uma uma oportunidade de criação de
personagens engraçados, malandros, picarescos, “amarelos” (alusão tanto à cor
doentia quanto a uma mestiçagem indeterminada), que são Cação de Fogo, João
Grilo, Pedro Malasarte, até Camões e Bocage, poetas portugueses “reencontrados”
nos caminhos brasileiros, SANTOS (1993).
Os escritores de folhetos além de escreverem versos sobre personagens
“imaginários,” transformam obras literárias conhecidas, em folhetos de cordéis,
geralmente são livros a que só a “elite” tem acesso, as obras são condensadas e
tornam-se similares. Entre os livros conhecidos que foram transformados em
folhetos podemos citar:
Romance de Iracema, a Virgem dos lábios de mel, de João Martins de Athayde, a partir de romance de José de Alencar. História da Escrava Isaura, de Francisco da Chagas Batista, a partir do romance de Bernardo Guimarães. (SANTOS, 2006, p.77).
Os romances estrangeiros, além de sofrerem redução dos conteúdos existem
uma nacionalização dos nomes dos personagens, Santos, (2006, p.77) afirma que
31
sofre “uma modificação gráfica, o nome que em francês se escreve Manon Lescaut,
ganha uma nova grafia, Lescou.”
Hoje a literatura de Cordel sobrevive como uma tradição que tem uma
recriação permanente de poesia oral ou dos folhetos escritos, e apesar da migração
do homem rural para a cidade (falo do homem da roça, pois era na zona rural que
os folhetos tinham um maior público), essa cultura tem-se mostrado (principalmente
nas universidades) capaz de se adaptar as novas condições e dialogar de forma
dinâmica com produções culturais do seu tempo.
32
3 TRADIÇÃO E ORALIDADE
A literatura oral “nasceu” na perspectiva relacionada aos provérbios,
adivinhações, contos, frases-feitas, orações e foi crescendo e atingindo os lugares,
caracterizada pela voz. (CASCUDO, 1978).
A literatura oral brasileira é composta por relações culturais herdadas das três
raças que se misturaram por volta do século XVI, quando chegaram os primeiros
povos colonizadores no Brasil. Essa contribuição dada pelo português, pelo índio e
pelo africano, foi imprescindível para a permanência de formas e expressões
variadas de oralidade. Para Cascudo, (...), só sabemos do indígena do século XVI e
seus modos de agir, pensar, resolver, cantar, através da exposição alarmada dos
catequistas listando os pecados que deviam ser urgentemente, corrigidas. Quanto
aos africanos, o autor menciona que:
(...) com tantos séculos de vida comum com os portugueses, seus mitos, crenças e superstições estariam revolvidos pela influência branca ou complicados pela interdependência de outros negros, doutras regiões, amalgamadas nos eitos dos engenhos de açúcar ou ao redor das fogueiras, nos terreiros das senzalas. (CASCUDO, 1978, p.28).
Para o autor, entre os povos citados, os portugueses foi o vértice do ângulo
cultural, o mais forte que influenciou a ética e a psicologia e se espalhou pelas
águas indígenas e negras, não como o óleo de uma sabedoria, mas como a
canalização de outras águas onde havia a fidelidade dos elementos árabes, negros,
castelhanos, galegos e provençais.
Falar de uma tradição cultural de uma etnia determinada e de sua na
contribuição específica, não daria conta do nosso objetivo que é estudar e refletir
sobre a contribuição da literatura oral para a produção de folheto de cordel. Segundo
Cascudo (1978), existem, duas fontes que se mantêm até “hoje”: a primeira
“exclusivamente oral” compreende as estórias, contos populares e tradicionais, como
anedotas, músicas, jogos, cantiga de roda e uma infinidade de eventos narrados por
pessoas das diversas classes da contemporaneidade; a segunda fonte compreende
a reimpressão de livros trazidos de Portugal e da Espanha que datam dos séculos
XIII, XIV, XV, XVI, como os livros “Donzela Teodora, Imperatriz Porcina, Princesa
Magalona, João de Calais, Carlos Magno e os Doze Pares de França”. Os livros
33
eram traduzidos em versos e como era uma produção contemporânea apresentava
assuntos daquela época como, guerras, relações políticas, estórias, ciclos temáticos,
sátiras e outros gêneros literários como: Escrava Isaura, Romeu e Julieta, além de
histórias sentimentais que retratam nos folhetos.
Os folhetos, contos e materiais escritos foram impressos, receberam
tratamento poético para facilitar a memorização, para serem decorados e contados
ou cantados nas rodas em voz alta. Assim, muitas narrativas e tradições orais
nasceram das rodas, das danças populares, lapinhas, louvações, reisados,
cheganças, bumba-meu-boi, fandangos, que ainda hoje sobrevivem no Nordeste do
Brasil e são manifestações que permanecem vivos na literatura oral graças à
fidelidade de quem reproduz folhetos, passos de danças, cantorias e outras
modalidades dessa literatura que perpassa gerações. Sobre essa fidelidade
Cascudo escreveu.
A tradução oral brasileira reúne todas as manifestações da recreação popular, mantidas pela tradição. Entende-se por tradição, traditio tradere, entregar, transmitir, passar adiante, o processo divulgativo do conhecimento popular ágrafo. (...) Tradição notícia que passa sucessivamente de uns em outros, conservada na memória ou por escrito. (CASCUDO, 1978, p. 27).
Assim, podemos entender por que a literatura oral no Nordeste brasileiro,
conserva a presença de um movimentado patrimônio cultural e apresenta modos
particulares de uma “reunião seletiva“ das versões escritas e ancestrais, que se
tornaram parte essencial na produção da literatura de folhetos, portanto, não
podemos deixar de estabelecer suas origens.
A literatura de cordel no Nordeste está ligada à cultura oral através da história
e da memória de um povo, de suas crenças de experiências vividas em um ambiente
no qual não chegavam jornais escritos e a informação era passada por pessoas que
se encarregavam de narrar fatos e acontecimentos. Seguindo a tradição ibérica, os
nordestinos contavam suas histórias, entoavam seu canto, criavam e recriavam
folhetos que muitas vezes eram baseados em histórias tradicionais como a de
“Carlos Mágno de Doze Pares de França”, e outros livros populares. Para GALVÂO
(2001, p.31), esse costume de contar histórias “originou-se também de contos
maravilhosos de „varinha de condão‟, de bichos falantes, de bois, sobretudo, na
região nordestina, onde se desenvolveu o ciclo do gado”. Essas histórias eram
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veiculadas por cantadores ambulantes, que iam de fazenda em fazenda, de feira em
feira, transmitindo notícia de um lugar para o outro aproximando as pessoas.
Assim, seguindo as tradições, os livretos de cordel seguiam essa dinâmica e
passavam informações importantes de fatos históricos, contos populares, romance,
política e outros através da oralidade, sujeitos que viviam além de uma cultura
letrada, era o “informante orador” se expressava através do corpo e das práticas
corporais. Nesse sentido pode-se se dizer que a literatura oral brasileira assim como
a de Portugal, França, da África e outras localidades, manifesta-se através de
divertimentos tradicionais e dos cultos.
3.1. A TRADIÇÃO ORAL EM SANTA BÁRBARA
Seguindo tradições que se espalharam pelo Nordeste brasileiro, a tradição
oral em Santa Bárbara permanece na voz do povo que narra suas lembranças, seus
afazeres e perpassam gerações. Na luta para que permaneçam essas tradições
não só nas lembranças, mas como práticas desenvolvidas por alunos nas escolas, e
por diferentes grupos sociais, educadores produzem folhetos de cordel e trabalham
em uma a perspectiva de realizar orientação sócio-cultural não apenas para alunos
e participantes de associações comunitárias, mas com a finalidade de, esse trabalho
se estender para toda sociedade barbarense. O propósito desses mestres é buscar
preservar costumes e hábitos culturais. Para tanto, desenvolvem projetos, realizam
oficinas nas escolas, participam de encontros entre municípios vizinhos. A esse
respeito vale citar o Encontro de Coordenadores realizado em novembro de 2010 no
município de Feira de Santana no qual foi apresentado o projeto “BAÚ DE
LEITURA,” cujo objetivo é incentivar a leitura dos alunos nas escolas municipais
dessa região. O registro desse acontecimento foi feito em versos de cordel por uma
professora de Santa Bárbara que ressaltou a diversidade cultural de cada município
que ali estava.
35
Figura 2: Entrega do Baú de Leitura nas escolas da Boa Vista Fonte: Acervo particular de Maria José de Lima Macêdo
Como boa leitora que sou Um curso com o MOC fui fazer Que pretende ajudar aluno ler Mas primeiro tem que ser o professor Quero que preste atenção por favor Como foi importante a estadia Tinha gente de mil cantos da Bahia Numa incrível e feliz diversidade Acreditem que falo a verdade A diferença era tanta que doía. Começando por minha cidade Terra Santa de santa e padroeira No alto da colina, firme e altaneira Santa Bárbara terra boa de verdade Onde se respeita a diversidade Terra de samba e de festa e São João Onde se planta milho mandioca e feijão Se gosta de pinga, churrasco e cerveja Que a minha cidade abençoada seja E conserve pra sempre o bom requeijão Na barraca da diversidade tinha Crisópolis de Bom Jesus seu padroeiro Por lá passou Antônio Conselheiro Que construiu uma linda capelinha Teofilândia nessa barraca também tinha Com seu samba de roda no terreiro Santo Antônio é seu santo padroeiro Não perca as vaquejadas e a feirinha Pra chegar lá você passa por Serrinha
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Teofilândia faz festa o ano inteiro Na barraca coletiva ainda estava Um município que é perto do nosso Falar com propriedade dele eu posso Semana santa por lá eu andava Subindo morro feliz eu ficava Vendo o povo de lá pequenininho Tinha que andar bem devagarinho Pois caia se andasse ligeiro Lá Santo Antônio é o padroeiro Essa terra minha gente é Taquinho. São Domingos também estava lá Comemorando sua maioridade Pois só tem 21 anos de cidade Pelo Rio Jaquipe ele é banhado Os padroeiros, São Felipe e São Thiago São de São Felipe, rincão altaneiro Que tem festa Arrastão dos barraqueiros O chope-chur e o feijão forró O samba de enxada é de descer suó Tem samba de roda feito no terreiro. Tá pensando que era só isso? Tinha Cafarnaum e São Gabriel! Uma América dourada feito mel Xiquexique, tão chique, um feitiço! Uma Casa Nova lá do velho Chico Presidente Dutra, Heliópolis e Cipó Antas no plural mas era uma só Duas Ribeiras, do Amparo e do Pombal Tanta coisa diferente nada era igual Todas representadas de forma melhor. Jeremoabo, Pindobaçu, Jaguarari Filadelfia, Andorinhas e Ponto novo Tinha cidade pequena feito ovo Outras tão grandes assim nunca vi Senhor do Bonfim também tava aqui Pilão Arcado e Pedro Alexandre Aqui também tinha tanta coisa grande Que nem sempre se pode fazer rima Mas não pense que esqueci de Olindina Nem de quem nos abriga neste instante Cidade bonita, de história altaneira De nomes ilustres, de luta e ação Abre pra nós os portões do sertão Terra de gente famosa e faceira De Maria Quitéria e Lucas da Feira Uma das maiores cidades baianas
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Têm festas culturais todas as semanas Na educação tem dado seu toque Fazendo leituras junto com o MOC Te agradecemos Feira de Santana Fiz esse cordel só por disciplina Espero que, por favor, entenda Que fazer cordel por encomenda Já está se transformando em rotina Não quero que esta seja a minha sina Pois a folia rola a me tentar Da multidão tive que me isolar Tudo por umas letras no papel Transformadas em versos de cordel Para este momento registrar. (MACEDO, 2010)
Sobre o que falamos podemos buscar um melhor entendimento quando
Macedo (2001, p.1) escreve que “as manifestações da tradição oral em Santa
Barbara, representam práticas educativas, que transmitem um saber concreto sobre
a natureza, o cotidiano, o trabalho e a moral social.”
Dentre essas manifestações, encontramos a literatura de folhetos que são
composições escritas de tradição oral, assim como,os contos, as histórias, as
cantorias, as rezas e tantas outras formas de literatura que foram registradas no
passado e são ainda hoje partes da cultura popular local. Para Santos (2006), “a
escrita unifica todo o aspecto formal, reservando toda criatividade, narrativa,
história contada, enquanto que: A poesia oral, ao contrário, abandona pouco a
pouco a narratividade.” (SANTOS, 2006, p. 62). Assim os folhetos “obedeciam” essa
dinâmica que é a passagem do oral para a escrita, tornando frequente para os
romances brasileiros esse procedimento.
Cantoria ou romance, tudo converge assim para o folheto, uma forma poética escrita e que mantém vários aspectos da oralidade. Mas contrariando as teorias que identificam a oralidade com o antes, a infância da literatura, e a escritura com o resultado final, o ponto de chegada e o ponto de fixação do caminho oral da tradição, o folheto participa também dessa dinâmica cultural. (SANTOS, 2006, p.66).
Dessa forma, o folheto é o portador das muitas vozes que narram, dos fatos
que marcaram épocas, das falas que hoje podem ser ouvidas nas páginas, nos
versos, nos cantos, contos escritos e espalhados por todo Nordeste brasileiro onde
destacamos o município de Santa Bárbara quando a autora Maria José Macêdo se
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reporta para a necessidade que tem o artista barbarense do reconhecimento da
cultura popular local e do seu trabalho por pessoas a quem compete.
Cada um território da Bahia Sabe bem suas necessidades Unindo todas as suas cidades Da cultura conhecem o dia a dia Das cantigas do batuque e das poesias Dos folguedos de profanos a sagrados Seja doutor ou trabalhe no roçado Sei que todos que aqui estão presentes Vem lutando pra cultura dessa gente Fazer parte do cenário do estado. Que toda e qualquer manifestação Que caracterize um fato cultural Em valor de direito seja igual Oriunda do agreste ou do sertão De qualquer território ou região Das cidades ou dos sítios mateiros Seja elas de palco ou de terreiro Que se cumpra essa lei que já existe Pra deixar nossa cultura menos triste Que se apresente a orquestra e o violeiro O caminho que eu tenho que trilhar É difícil e não posso ter engano Pois já faz mais de quarenta anos Que por isso comecei a lutar Me formei professora do lugar Pensando que mais fácil ia ser Me enganei e agora posso ver Que por ser professora e cordelista Nos eventos oferecidos aos artistas Simplesmente não posso concorrer (MACEDO, 2009, p.1,2,3 e 4).
Para Maria José não basta preservar a cultura; se todos sabem das
necessidades que existem no município ao qual pertence é preciso lutar para que
essa cultura seja respeitada, o trabalho rural não pode ser considerado diferente do
urbano e a arte sempre será arte, não importa se é um cordel ou um clássico de
Shakespeare. O que precisa, é haver respeito e seriedade por parte dos órgãos que
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promovem eventos culturais e nos “grupos sociais” para que o artista popular possa
registrar seus costumes, tornar público e “se orgulhar do que faz”.
Enquanto isso, a preservação da cultura oral permanece na voz do povo que
luta para encontrar meios por onde possa dar continuidade aos seus costumes, seus
saberes a fim de que continuem sendo passados de pai para filho, e que as
gerações futuras convivam em harmonia com a cultura local.
40
4 A LITERATURA DE CORDEL E A APRENDIZAGEM
A literatura de cordel desempenhou importante papel como ferramenta
auxiliar da alfabetização de nordestinos nos anos de 1930, 1940 e 1950, que foi um
período em que a “escola” era privilégio de poucos, e a escassez de livros era
“grande”. A leitura de folhetos para grupos de pessoas não alfabetizadas foi prática
comum, inúmeras pessoas aprenderam a ler ouvindo cordel, até período recente,
essa prática de decorar versos se fez presente entre grupos moradores de Santa
Bárbara na Bahia.
Com o fechamento de várias editoras, o folheto sofreu ameaça de extinção e
passou por grande crise nos anos 60. Após a crise, o cordel tornou-se interesse
“principalmente de turistas, universitários brasileiros e estrangeiros”, passando a ser
“objeto de estudo e de curiosidade” a partir dos anos 70. Para Galvão (2001, p. 35),
a crise pela qual passou o cordel é atribuída por vários estudiosos, a fatores
diversificados como: “(...) a influência da televisão, a censura, a falta de interesse
das autoridades pela “arte popular” e as transformações na sociedade em geral,
cada vez mais urbana e industrializada.”
De acordo com Lima (2006, p. 13), “(...) a partir de 1999 surgiram novas
editoras como a Tupyniquim (Fortaleza- CE), Coqueiros (Recife- PE) e Queima-
Bucha (Mossoró- RN).” Posterior a esse surgimento, o poeta Manoel Monteiro,
implantou um programa editorial em Campina Grande PB em parceria com a
secretaria de Educação do Município. Segundo o mesmo autor,
(...) Na Borborema, onde o cordel foi adotado oficialmente em algumas escolas, o folheto já foi testado em diversas classes de diversos níveis e de diferentes faixas etárias, propiciando excelentes resultados para professores e alunos que utilizam na sala de aula. (LIMA, 2006, p. 13).
Sabemos que no passado não distante, os livros de cordel serviram como
mídias que veiculavam noticias, divertimento e conhecimento, mais do que isso,
essa literatura no decorrer do tempo foi usada como auxiliar no processo de
aprendizagem, desenvolvimento de competências de leitura e movimentou o desejo
por poetas para escreverem versos. A esse respeito vale estabelecer comparações
com as considerações de Vygotsky (1991), sobre “ (...) as chamadas funções
41
psicológicas superiores, que consistem no modo de funcionamento psicológico
tipicamente humano, como a capacidade de planejamento, memória voluntária e
imaginação.”
Seguindo as interpretações de (REGO, 1995), sobre Vygotsky ela sugere que
os processos se originaram nas relações entre indivíduos, e se desenvolvem de
formas culturais de comportamento. Nesse sentido, o poeta escritor de folhetos de
cordel além de lidar com o imaginário reflete em seus versos fatos reais,
obedecendo às tradições culturais, passadas de geração a geração, para dar “vida”
aos seus versos num processo “voluntário”, que define a sua cultura e a sua
capacidade de criar e fazer arte. Assim, a literatura de cordel, facilitava o
aprendizado tanto de crianças e jovens, quanto de adultos.
Os livretos eram compostos por expressões e termos conhecidos pelo povo,
palavras que geralmente outros livros não traziam, mas que fazia parte da cultura
nordestina, palavras que crianças e adultos ouviam e pronunciavam no cotidiano,
por fazerem parte do mundo no qual estavam inseridos.
O que podemos entender é que a alfabetização de grupos sociais era algo
“espontâneo,” que o ouvinte aprendia através de um processo diferenciado. Para
Freire, (2007): “(...) a posição normal do homem, era a de não apenas estar no
mundo, mas com ele”, assim a alfabetização deveria ser um ato de criação, “capaz
de desencadear outros atos”.
Entendemos assim que o folheto estabelece um novo caminho de
aprendizagem da realidade de grupos sociais dependendo da sua inserção no
“mundo” ao qual pertence.
A apreensão dos novos problemas sociais, políticos ou técnicos, torna-se possível por uma linguagem poética e uma estrutura narrativa conhecida e que foram o objeto de um processo de assimilação coletiva.” (SANTOS, 2006. p. 73).
Podemos perceber esse processo quando nas narrativas de acontecimentos
ou nas repetições de temas tradicionais é feita uma tradução do real para a
linguagem dos folhetos.
O suposto assassinato Ordenado por Obama Aniquilando de vez
42
O seu ex-parceiro Osama Caiu na boca do povo Que esse Cordel proclama Quando Obama anunciou Tal fato no Paquistão Peguei caneta e papel Pra colher a opinião Do povo de Salvador E cordelizar então Esse dia 2 de maio De 2011 o ano Ficou marcado na história Pois é o dia do engano: Um primeiro de abril Ao sabor do „americano‟! -Essa história de dizer Que Obama é pacifista Exemplar pai de família Um anjinho africanista Saiba que o inferno é cheio Desse tipo de artista - Onde rola prepotência Arrogância e maldade Só devemos esperar Desamor, leviandade A farsa se sobrepondo Sempre em nome da verdade. - Quem leva todo o petróleo Pelo preço de um tostão? Quem derrama tanto sangue Do Iraque ao Paquistão? Hiroshima e Nagasaki Não saem do meu coração. (BARRETO, 2011,p.1)
Nesses versos de cordel, Barreto (2011), narra um acontecimento que foi o
assassinato de Osama Bin Laden, com humor, mas, sem afastar a realidade dos
fatos demonstrando um vocabulário de fácil compreensão, faz uma crítica aos
americanos, destacando a prepotência do presidente Obama. Nesse contesto ele
relembra os conflitos na Líbia, as guerras do Iraque,do Paquistão,não esquecendo
Hiroshima e Nagasaki. Entretanto, convoca o povo de Salvador para colher opiniões
a esse respeito como um repórter popular. .
43
Eu recordo muito bem Que um dia nos mudamos Para São Sebastião E uns dois anos lá ficamos Morávamos dentro da mata Bons momentos lá passamos Lembro-me também que meu pai Durante o dia trabalhava E a noite no barracão Junto a minha mãe cantava Lá no seio da mata A sua voz ressoava Ah! Meu são Sebastião Que saudades daquele tempo As codornas, cobras, macacos As pontes, os rios, o vento A minha infância distante É tão triste quando me lembro E assim eu fui crescendo Aprendendo a admirar Os meus pais como artistas Que viviam a me ensinar Toda beleza que existe Na cultura popular (MACEDO, 1999,p.1)
Nesses versos Macedo (1999) se reporta ao passado enfatizando fatos reais
da sua própria vida. Ela tráz em suas lembranças o ensinamento que seu pai e a sua
mãe puderam lhe dar, dentro da cultura popular na qual se encontravam inseridos.
Nesse contexto a autora mostra a importância que teve esses ensinamentos que o
seu pai e a sua mãe,puderam passar para ela. A música, a beleza refletida na
simplicidade da natureza, a família, foram partes do aprendizado que contribuiu para
a sua formação intelectual,sem perder os valores que estavam inseridos dentro
dessa determinada cultura.
44
Figura 3: Demonstração de livros para um grupo social Fonte: Acervo particular de Maria José de Lima Macêdo
Foram vários os artistas e intelectuais nordestinos que tiveram a sua
alfabetização atrelada aos folhetos de cordel.
O cantor Vital Farias, autor de saga da Amazônia, faz questão de afirmar em suas entrevistas que foi alfabetizado lendo folhetos. O cantor potiguar Marcus Lucenna disse que leu o clássico de Alexandre Dumas, O conde de Monte Cristo primeiro no cordel, com o título de Romance de um sentenciado, adaptação feita pelo poeta paraibano João Martins de Athaide. (LIMA, 2011, p. 16).
Para Lima (2001), a leitura de folhetos considerados clássicos é
imprescindível para os primeiros contatos, são os folhetos dotados de rimas, orações
coerentes, métrica perfeita, temas cativantes. Assim o cordel passa a ser uma
“excelente ferramenta para se utilizar nas salas de aula, tanto para crianças, quanto
para jovens e adultos”, entretanto, é preciso selecionar os folhetos.
4.1 OS VATES DO PASSADO, A LINGUAGEM E UMA HERANÇA PARA A APRENDIZAGEM
Falar sobre os autores de folhetos do Nordeste brasileiro é correr o risco de
esquecer algum nome importante. Digo importante porque, para um pesquisador,
todo artista que se dedica a narrar em versos aspectos e manifestações culturais
45
existentes no Nordeste do Brasil cumpre o admirável papel de estabelecer diálogos
com vários grupos sociais a partir de linguagens que são partilhadas em seus modos
de vida. (BRITO, 2001) Dito de outra forma, os artistas que produzem folhetos e
xilogravuras, apesar das diferenças de estilos e abordagens, buscam se expressar
tratando do universo cultural e lingüístico de quem fala do povo e para o povo em
linguagem clara, sem subterfúgios, que expressa sentimentos de revolta, tristeza,
alegria, sátira, amor e ódio e nem sempre suas obras são consideradas artísticas.
Entretanto, não podemos deixar de lembrar dos nossos vates do passado que
deixaram um legado artístico incontestável e escreveram suas histórias na literatura
de cordel e hoje são conhecidos não somente no Nordeste, mas no Brasil e outros
países.
Diante das pesquisas realizadas junto a autores renomados, não resta dúvida
que o “primeiro grande” escritor de folhetos de cordel foi Leandro Gomes de Barros,
que nasceu na Paraíba na cidade de Pombal no ano de 1865 e faleceu no ano de
1918. Segundo Galvão, (2001) o primeiro livro de Leandro Gomes de Barros foi
localizado e reimpresso em 1893, quando as tipografias se multiplicaram em todo
país, sendo que ele começou escrever folhetos por volta de 1889.
Leandro escreveu vários cordéis, a sua obra tinha grande aceitação em todo
Nordeste do Brasil, são obras que não serão esquecidas, são reimpressas e lidas
por pessoas de diferentes grupos sociais. Conforme Lima, (2006),
Leandro escreveu vários folhetos; História da Donzela Teodora, Juvenal e o Dragão, história de Pedro Cem, A vida e Testamento de Canção de Fogo, Batalha de Oliveira com Ferrabrás, A Força do Amor Alonso e Marina, Antonio Silvino, o Rei dos Cangaceiros e o Boi Misterioso. Pioneiro na Produção de literatura de Cordel no país, Leandro Gomes de Barros foi considerado por Luís da Câmara Cascudo “o mais lido de todos os escritores populares. Escreveu para sertanejos e matutos, cantadores, cangaceiros, almocreves, comboieiros, feirantes e vaqueiros.” (LIMA, 2006, p. 64).
A esse respeito é importante lembrar que os primeiros editores de cordel
foram Silvino Piraú de Lima, Leandro Gomes de Barros e Francisco das Chagas
Batista que editaram seus folhetos num período compreendido entre o final do
século XIX e inicio do século XX. A partir das primeiras décadas do século XX
surgiram poetas e cantadores que deixaram seu legado para as gerações futuras,
dentre os quais podemos citar João Martins de Athayde, José Bernardo da Silva,
Manoel Camilo dos Santos, Gonçalves Ferreira, José Galdino da Silva, Firmino
46
Teixeira do Amaral, José Pacheco da Rocha e tantos outros. É inegável que esses
autores, cantadores, folheteiros e impressores prestaram grande contribuição
através da literatura de cordel que serviu como ferramenta auxiliar na alfabetização,
e suporte para muitas manifestações populares.
Apesar da importância dos folhetos na produção e recepção de saberes,
inclusive do processo de letramento e alfabetização (BRITO, 2001), alguns poetas
de cordel negam a existência de uma aprendizagem, porque acreditam que a
aquisição desse conhecimento é um dom natural que floresce com o auxilio “da
leitura de folhetos e da audição frequente de cantadores no rádio.” (SANTOS, 2006,
p. 98).
A negação da aprendizagem segundo a referida autora é “para que nada
venha minimizar a pureza da inspiração e a autenticidade da poesia”, porém, poetas
como Otacílio Batista confessa ter adquirido essa habilidade imitando seus irmãos
mais velhos. Esse procedimento vem reafirmar a existência de um aprendizado.
Conforme Santos, (2006) ainda que o poeta seja analfabeto ele pode ser um
bom improvisador e sugere que,
(...) No entanto, se é possível para um cantador analfabeto ser um bom improvisador, pois ele participa plenamente de uma cultura oral ampla e diversificada, os grandes poetas de cordel são todos homens relativamente instruídos, autodidatas, na maioria, como Leandro Gomes de Barros, João Martins de Athayde ou José Camelo de Melo Resende. Essa cultura não clássica nem escolar, mas manifesta uma preocupação constante com a correção e a precisão da língua. (SANTOS, 2006, p. 98-99).
Vale ressaltar que alguns poetas escreveram seus versos de cordel numa
linguagem considerada, ou conhecida como língua matuta, o que não significa dizer
que se trata apenas de iletrados ou semi- analfabetos; alguns poetas usavam esse
“artifício” para divertir a platéia entre uma apresentação e outra. Outros poetas que
se acham na mesma condição de iletrados se esforçam para não cometer erros
absurdos.
Assim, alguns poetas ditos matutos utilizam essa linguagem, segundo Santos
(2006):
(...) um Zé da luz (1979) ou de um Patativa do Assaré (Antonio Gonçalves da Silva), poeta do Ceará, que tenta encontrar novas equivalências sonoras e gráficas para criar uma obra intermediária
47
onde a voz se mistura à escrita, ainda mais estreitamente. (SANTOS, 2006 p. 99).
A autora lembra que Patativa do Assaré escreveu belíssimos cordéis com
temas que abordam o sofrimento do povo e a imigração.
O poeta popular desempenha importante papel para a sociedade brasileira,
seja ele um letrado ou iletrado é um portador de conhecimento cultural, não importa
a linguagem que usa para se expressar, basta estar no mundo e se relacionar com
outros seres humanos fazendo se entender através das palavras, de gestos e
sentimentos.
Segundo Vygotsky, “as funções psicológicas especialmente humanas se
originam nas relações do individuo e seu contexto cultural e social”. Para ele:
São os instrumentos técnicos e os sistemas de signos, construídos historicamente que fazem a mediação dos seres humanos entre si e deles com o mundo. A linguagem é um signo mediador por excelência, pois ela carrega em si os conceitos generalizados e elaborados pela cultura humana.( VYGOTSKY, apud. REGO, 2001, p.43)
Se os poetas populares transmitiram acontecimentos, fatos históricos do
passado, a memória vai conservando e passando esses acontecimentos por
gerações. As narrativas vão se aclimatando ao tempo e ao meio em que vivem o
narrador, surgem novos poetas que vão incorporando expressões novas ou
atualizando narrativas tradicionais repetindo, ou inovando, os folhetos continuam
resistindo ao tempo, na memória e no papel.
Hoje os versos de cordel viajam por todo o Brasil e pelo mundo, visto por
muitos olhares, pois na atualidade as Universidades se interessam, pesquisam e
educadores vem utilizando na sala de aula como uma ferramenta auxiliar do
professor. Nessa perspectiva, “tornam-se necessários para a aprendizagem os
folhetos de cordel”.
48
5 ABORDAGEM METODOLÓGICA
Esse trabalho realizado no município de Santa Bárbara é uma pesquisa
qualitativa com características de um estudo de caso. A escolha pelo procedimento
de estudo de caso objetivou uma maior apreensão do objeto de estudo para que os
resultados se tornassem satisfatórios em relação às possíveis respostas para a
questão central que orientou essa pesquisa. O estudo de caso segundo LUDKE:
(...) se caracteriza pela descoberta; interação em um contexto, o retrato da realidade de forma completa e profunda; variedade de fontes de informação; revelam experiência vicária e permitem generalizações naturalísticas; os relatos do estudo de caso utilizam uma linguagem e uma forma mais acessível do que os outros relatórios da pesquisa (...). (LUDKE, 1986 p. 19).
Nesse caso foram utilizados como instrumentos de coleta de dados
questionários e entrevista, considerando que:
Muitas vezes, na coleta de dados, o questionário não é o único nem o melhor método de pesquisa ainda que seja o mais usado. A entrevista é outro procedimento a que o investigador recorre para conseguir opiniões, fatos ou testemunhos sobre determinada questão. (COSTA, 1997, p. 224).
Assim, foi importante a aplicação dessa metodologia uma vez que foi
possível, além de gravar, anotar dados dos entrevistados e analisar
comportamentos. Aliado a essa metodologia, também foram utilizadas técnicas da
História Oral, na coleta de dados para a pesquisa, o que se revelou de suma
importância para ter acesso a depoimentos singulares de pessoas que tiveram
experiência de leituras de folhetos.
O domínio desses dados oportunizou uma melhor compreensão de como se
dá a produção, circulação e a leitura dos folhetos, conhecer conhecendo os poetas
de cordel e leitores dos folhetos do município de Santa Bárbara, que ainda
encontram na literatura popular um jeito de se divertir e aprender.
Sabemos que o desenvolvimento de pesquisas desse tipo tem se tornado
uma importante ferramenta para os profissionais de educação tornando-se
indispensáveis para o desenvolvimento das possibilidades individuais e/ou de
49
grupos organizados, contribuindo para que as atividades desenvolvidas ao longo de
sua carreira alcancem um bom desempenho.
Para além do trabalho com os dados resultantes do trabalho de campo, fiz
uma seleção de fontes cujos autores são renomados na área da literatura de
folhetos e da aprendizagem, além disso consultei vários acervos e alguns folhetos, o
que contribuiu para o desenvolvimento da) minha pesquisa sobre a literatura de
cordel, em uma perspectiva para a aprendizagem de grupos sociais do município de
Santa Bárbara, alargando seus horizontes e permitindo uma interpretação mais
aprofundada das suas manifestações.
Figura 4: Igreja de Santa Bárbara, Praça da Matriz Fonte: Acervo particular de Débora Macedo Silva
5.1 O CAMPO DE PESQUISA
O município de Santa Bárbara está localizado na região nordeste e faz parte
da meso-região do Centro Norte baiano e da micro-região de Feira de Santana,
pertenceu ao município de Feira de Santana até o ano de 1960, quando foi
desmembrado pela Lei nº 1576/61.
Santa Bárbara possui uma área territorial de 317 km² e possui os seguintes
limites: Ao norte com os municípios de Lamarão e Serrinha, ao sul com o município
de Feira de Santana; a leste com o município de Santanópolis; e a oeste com o
município de Tanquinho. Os rios que percorrem o território barbarense são: Rio
50
Prensa ou Salgado a nordeste, Salgado e Salitre a leste; Calandro e Peixe ao oeste;
e Pojuca do centro para o sul; e os Riachos do Matão e do Queimado delimitam as
fronteiras municipais ao norte, enquanto a lagoa da Formiga demarca o ponto
extremo ao sul.
A vegetação predominante da região é a caatinga, com árvores maiores em
distribuição rarefeita, o clima predominante é o semi-árido. Fazendas de pequeno e
médio porte determinam o sistema fundiário através da pecuária com o
aproveitamento da criação de gado para o abate e do leite que é empregado no
fabrico do requeijão e outros derivados. Outros componentes do sistema fundiário
são o plantio de milho, feijão e mandioca.
Segundo Ledna Andrade Macêdo Genot “a população se distribui em muitas
povoações rurais. Santiago, Poço, Candeal, Mandacaru, Boa Vista e outros, e nos
dois Distritos: São Nicolau e Sítio das Flores, além de uma cidade sede que nomeia
o município”. A autora escreve alguns relatos de D. Luiza, segundo essa depoente a
origem do nome do município de Santa Bárbara tem relação com a quantidade de
trovão que “roncava” no local. Para proteger o local dessa intempérie foi erguida
uma capela e colocaram o nome da Santa.
Entretanto, segundo a mesma fonte, o primeiro nome que a cidade recebeu
foi “Claricéia” por está localizada em uma clareira, um descampado e cercado por
montanhas para a autora, os primeiros fundadores da cidade foram José Freire de
Lima e Teodoro Machado.
5.2 A ORIGEM DE SANTA BÁRBARA
A história de Santa Bárbara teve origem a partir da colonização portuguesa na
Bahia desde o século XVI. Segundo Genot, “resultou da expansão dos rebanhos de
gado que estavam nas proximidades das grandes plantações de cana–de-açúcar no
recôncavo. Com a doação das terras em regime de sesmaria, o governo português
dividiu as terras em grandes fazendas destinadas a pecuária em todo o nordeste.
O povoamento da região de Santa Bárbara data do século XVII, segundo
Genot, era uma
Região habitada pelos nativos, os portugueses estabeleceram as primeiras fazendas de gado, possibilitando a presença de
51
escravos negos e de colonos brancos e pardos, posseiros, emergindo desta convivência a cultura sertaneja. (GENOT, 1993, p 107).
Assim, como em várias localidades nordestinas Santa Bárbara surgiu da
necessidade que tinha o governo português de colonizar as terras, para tanto se
uniu à igreja católica que era a religião oficial do Brasil, para povoar as terras,
principalmente aquelas localizadas nas proximidades da capital.
A princípio foi erguida uma capela. Apesar de existirem versões diferentes
sobre o povoamento de Santa Bárbara e da construção da igreja, uma delas é
narrada em versos de cordel por Maria Erotildes de Lima Macêdo.
E Maria de Rosendo Inesquecível dindinha Vivia contando histórias Da nossa cidadezinha Eu sempre gostei de ouvir tudo Desde bem pequenininha A origem da cidade Tem versões diferenciadas Uns contam que foram os vaqueiros Que aqui fizeram pousada Quando vinham viajando Tangendo suas boiadas Os vaqueiros ao chegar Aqui nesta região Se abrigaram das tempestades De raios e de trovão E aos poucos foi se formando A nossa população Conta o povo que vaqueiros Construíram uma capela E o nome de Santa Bárbara Eles colocaram nela Proteção contra as tempestades Eles pediram a ela. (MACEDO, 2005, p.2)
Os dados que Macêdo (2005) nos fornece através da sua narrativa poética,
foram colhidos de pessoas como D. Maria de Rozendo que nasceu no ano de 1890,
sendo que morou em várias fazendas vizinhas ao município de Santa Bárbara.
Assim, Macêdo (2005) conta a história de Santa Bárbara, em versos de cordel
depois de ter feito uma pesquisa e possuir conhecimentos das origens, que foram
52
passadas por sua avó, que viveu em uma época quando as histórias de vida eram
contadas e guardadas nas memórias dos que não sabiam ler, nem escrever.
5.3 OS CAMINHOS PERCORRIDOS
A pesquisa foi realizada nos meses de julho e agosto de 2011. Ao chegar na
cidade fiz os primeiros contatos com as pessoas que pretendia entrevistar, marquei
as entrevistas, organizei três questionários, que foram aplicados a três grupos
diferenciados de pessoas: no primeiro grupo ficaram os cordelistas - dois homens e
duas mulheres, o segundo grupo, foi formado por duas professoras, o terceiro e
último grupo foi formado por cinco pessoas sendo dois pedreiros, uma estudante, um
lavrador e uma cabeleireira. Essa diversidade de entrevistados buscava garantir os
diversos lugares e olhares por onde os folhetos de cordel se manifestavam e eram
vistos.
A primeira entrevista foi realizada junto a professora Maria Stella, que me
recebeu com muito carinho em sua residência. Stella falou da ligação que teve com
a literatura de cordel e do trabalho que vem realizando junto aos alunos. Sendo ela
professora de redação, ela vê os folhetos como um incentivo à leitura e da escrita.
A pesquisa transcorreu em um clima agradável e descontraído, fiz algumas
viagens (curtas) para visitar alguns povoados a fim de encontrar pessoas que
tivessem alguma ligação com a nossa pesquisa. Durante as viagens passei por
lugares pelos quais não passava há mais de trinta anos, foi o caso da fazenda
Mamoneira, nessas idas e vindas fui tomada pela emoção por diversas vezes:
aquelas terras de caatinga onde costumava caçar com meu pai e minha mãe agora
era uma área quase “devastada”, coberta por uma vegetação rasteira e falhada.
Nessas viagens contei com a colaboração da professora Maria José e do
motorista do setor de educação do municipio de Santa Bárbara que na oportunidade
estavam entregando o Baú de Leitura, um projeto realizado pelo MOC (Movimento
de Organizações Comunitarias), programa que tem como finalidade incentivar a
leitura junto aos alunos das escolas da zona rural. Durante o percurso ela me falou
de seus projetos, me apresentou alguns cordéis, e aproveitamos para marcar uma
entrevista em sua casa, na Fazenda Gravatá.
Entretanto não encontramos o leitor de cordel que fomos procurar na fazenda
Mamoneira, mas a viagem foi compensadora, reencontrei dona Gida, uma senhora
53
de 89 anos que eu não tinha lembrança, ela mora em um “casarão” de onde pode-se
vver as montanhas de “pertinho”, fizemos fotos, cantamos e a professora Maria José
contou histórias para os pais e alunos.
De posse de alguns materiais que a professora Maria José me forneceu,
voltei para a casa onde eu estava hospedada. À noite, como já estava combinado,
fui fazer a primeira entrevista com a professora Maria Stella.
Para realizar a pesquisa construí um roteiro de trabalho a partir dos diálogos
com os diversos materiais consultados: os livros, textos e outros. Delimitei a
pesquisa em quatro etapas: seleção, organização, leitura e sistematização das
fontes escritas; busca de pessoas que tivessem disposição e conhecimento e
pudessem colaborar comigo, realização das entrevistas e escrita do
texto/monografia.
As fontes foram sendo cruzadas ao longo da pesquisa e comparadas para um
entendimento e determinação dos fatos e casos estudados. Para Galvão (2001),
“(...) a utilização de uma pluralidade de fontes no trabalho historiográfico, ao mesmo
tempo que abre maiores possibilidades para compreensão do que se estuda impõe
uma serie de exigências.” (GALVÂO, 2011, p 25).
Fiz uma busca permanente para encontrar documentos, livros, artigos e
pessoas que pudessem me auxiliar no processo da escrita e do diálogo; percebi que
o trabalho de pesquisa exige humildade, paciência, compreensão e muito estudo.
Durante a minha estadia em Santa Bárbara, fiz vários contatos com pessoas
da zona urbana e rural, numa busca incansável, houve desencontros, mas ainda
assim não desanimei e a pesquisa aconteceu num clima de felicidade total.
5.4. SANTA BÁRBARA, CORDELISTAS E CORDÉIS: LEITORES E OUVINTES
Conhecer os cordelistas do município de Santa Bárbara como um dos
objetivos centrais dessa pesquisa, significou conhecer suas obras, suas trilhas
(como e quando começaram escrever cordéis), o trabalho individual, a convivência
coletiva, o que eles pensavam dos trabalhos um dos outros, como agem e criam
diante das necessidades da sociedade a qual pertencem.
Os cordelistas entrevistados foram Antônio Carlos de Oliveira Barreto, filho
de Maria do Socorro Oliveira e Pedro Matos Barreto, nascido no dia 10 de julho de
1955, na Fazenda Boa Vista, Santa Bárbara–BA. Maria Erotildes de Lima Macêdo,
filha de Izabel oliveira Lima e Cosme Antônio de Macêdo, nascida no dia 06 de
54
outubro de 1950 na Olaria, Santa Bárbara-BA. Maria José de Lima Macêdo, filha de
Izabel Oliveira Lima e Cosme Antônio de Macêdo nascido no dia 20 de abril de 1952
na Olaria Santa Bárbara-BA.
As professoras entrevistadas foram: Rita Sônia de Oliveira Barreto, filha de
Maria do Socorro Oliveira e Pedro Matos Barreto, irmã do cordelista Antônio Carlos
Barreto, natural de Santa Bárbara-BA.
Maria Stella de Lima Macêdo é filha de Izabel Oliveira Lima e Cosme
Antônio Macêdo, nascida no dia 04 de abril de 1965 na Olaria, Santa Bárbara-BA.
Os demais entrevistados foram os leitores ouvintes:
José Rozendo oliveira Almeida é pedreiro, filho de Tomé oliveira e
Hermogênia Almeida, é natural de Santa Bárbara-BA.
Daniela Macêdo da Silva é estudante, filha de Maria Erotildes de Lima
Macêdo e João da Silva, nasceu em Santa Bárbara-BA.
José Raimundo de Lima Macêdo é lavrador, filho de Cosme Antônio de
Macêdo e Izabel Oliveira Lima, nasceu na Fazenda Gravatá Santa Bárbara BA.
Lindaura Santana da Silva é cabeleireira, nasceu na Fazenda Rogante
Santa Bárbara-BA.
Antonio Carlos de Lima Macêdo é pedreiro, filho de Izabel Oliveira Lima e
Cosme Antonio de Macêdo, nasceu na Olaria no município de Santa Bárbara BA.
Antônio Carlos Barreto é professor e cordelista tem vários trabalhos
publicados em jornais, revistas, e outros. Já publicou mais de 100 folhetos de cordel,
ligados a educação, problemas sociais, futebol, humor, biografias, frutos de estudos
e pesquisas. Possui graduação em Letras, mas, fala do orgulho que sente de ter
convivido com as “variadas formas” de manifestações populares quando era criança.
Ele escreve cordel desde quando estudava em Santa Bárbara, entretanto seu
trabalho só começou a ser divulgado há oito anos atrás. No presente momento,
Barreto fala que:
A finalidade do meu cordel é estar presente na educação através dos professores, das professoras que estão dando atenção a cultura popular em especial a literatura de cordel. Pesquisadores me procuram em minha casa, também pessoas de outros países querem conhecer a literatura de cordel, levam os meus folhetos “né”; alunos das Universidades como a Católica, a Jorge Amado, a UNEB, Federal também me procura para colocar “um pouco” da literatura de cordel em suas monografias.
55
Pode-se perceber nessa afirmação a preocupação do cordelista como a
criação de um texto poético comprometido com os processos educativos, que de
alguma forma possam contribuir para os mesmos. Barreto relata aqui como parte da
sua obra já está sendo utilizada por profissionais da educação, destacando a
utilização de professores e professoras em sala de aula.
Esse relato responde de certa forma a nossa questão inicial nessa pesquisa,
quando entendemos que a literatura de cordel em Santa Bárbara, corresponde
também a uma preocupação social, que entendo como fortemente ligada aos grupos
menos favorecidos como os moradores da roça e os mais pobres em geral.
Maria José é professora e cordelista, graduada em Letras com Literatura
espanhola, atua na Educação e é coordenadora da Educação Municipal, atua como
apoio da sala de recursos multifuncional na área de deficiente visual, é articuladora
da cultura popular. Maria José fala que desde a sua infância escreve versos e
repentes, “Eu comecei a fazer cordéis antes de aprender a ler, registrar no papel só
na fase da adolescência. Era provocada por pai, tipo repente, para provocar”.
Penso que esse pequeno relato de Maria José é indicador da presença da
literatura de cordel no seu processo formativo, no desenvolvimento da linguagem e
do poder da criação. Outra dimensão importante desempenhada pelo cordel – que
essa fala permite cogitar – é de como esses textos/linguagem funcionavam como
mediação no diálogo familiar, permitindo ensinar regras morais e outros
comportamentos de forma alegre, comunicativa e inventiva.
Essa experiência relatada por Maria José se trata de algo que compartilhei
ao longo das nossas trajetórias e por isso, posso afirmar o efeito desse aprendizado
para nós. Quando ela diz que “era provocada por pai”, traz nesse dizer um
componente bastante relevante dos versos de cordéis: a provocação – como um
ponto de partida para a criação, como instigação a responder o outro, como um
saber construído a duas/diversas mãos, um saber obrigatoriamente compartilhado.
Ou seja, em versos de desafio o texto é sempre, e no mínimo, um diálogo e nunca
um monólogo.
Maria Erotildes de Lima Macêdo é formada em Pedagogia pela
Universidade do Estado da Bahia, aprendeu a ler nos folhetos de cordel, entretanto,
só começou a escrever cordel aos 50 anos de idade, quando fazia faculdade.
Erotildes fala que começou a escrever desde cedo, não folhetos de cordel, mas
escrevia poesias, crônicas e outros gêneros textuais:
56
Na verdade eu sempre ouvia e gostava, o cordel era um entretenimento era como se fosse um jornal, a gente lia para saber, era como se fosse também as novelas, a gente lia para saber as historias, lia para se divertir e se distrair, como lazer, só depois de mais velha, quando estava fazendo o curso na UNEB, eu já tinha o que... uns 50 anos, quando fiz o meu primeiro cordel, a professora passou para fazer a nossa historia de vida em cordel, assim fiz o meu primeiro cordel.
Assim como Erotildes, os cordelistas entrevistados tiveram sua história
atrelada á literatura de cordel, muito embora alguns deles só começaram escrever
versos de cordel após estar cursando uma faculdade
É importante assinalar que os cordelistas que entrevistei todos possuem
nível superior, são concursados e não sobrevivem da venda dos cordéis, assim
como ás professoras entrevistadas também possuem nível superior e são
concursadas ao passo que dos leitores quatro deles têm nível médio e apenas um
não concluiu o ensino fundamental II.
Santa Bárbara, como já foi dito anteriormente, possui uma vasta gama de
cordelistas: buscamos nessa pesquisa, através dos diálogos com os entrevistados,
“descobrir” com maior detalhamento quem são os cordelistas de Santa Bárbara
Para Erotildes:
O maior cordelista de Santa Bárbara, que fala de cordel e sabe tudo de cordel, é barbarense, ele faz questão de falar da naturalidade, da sua origem natural de Sta. Bárbara, ele mora em Salvador, é professor de letras, trabalha com português (a disciplina), mas agora, tem eu, Maria José, minha irmã que faz cordéis também, mas não tem assim aquela frequência de Antonio Barreto, tem pessoas como o professor Gênierre ele escreve cordel mas nunca editou um, ele escreve versos de cordel, tem Toquinho, que me deu até alguns versos também, Ana Maria, Irene, professores barbarenses que motivados também pela lembrança da leitura de cordel na infância, todos esses escrevem cordel, porém não com aquele profissionalismo.
Para Maria José:
Não vou ter a pretensão de citar, porque tem muitos que escrevem e não editaram por falta de oportunidade, inclusive jovens estudantes. A leitura de cordel é bastante “vivida” no município todo. Tem os cordelistas, Eró, Toinho Barreto, Maria José (que sou eu), Leônidas e
outros que corro o risco de esquecer.
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As respostas dos entrevistados apontam quase sempre para os cordelistas
contemporâneos, parecendo não haver entre eles referências anteriores de
cordelistas originalmente barbarenses. Na nossa pesquisa, também não
conseguimos rastrear nenhuma obra de cordelistas num passado mais distante,
penso que a maior parte deles seriam “improvisadores orais”, que não tiveram suas
obras editadas ou impressas, com grandes dificuldades de manter suas
reproduções.
Sobre produção e circulação dos folhetos, conversamos também com os
entrevistados, vejamos o que eles nos fala:
A cordelista Maria José fala da venda dos cordéis e do lugar onde vende,
diz: “Quem vende os cordéis, são os próprios cordelistas, “a gente” já botou barracas
na feira, nos eventos, em Universidades, nos centros de cultura, em escolas
particulares, nas feiras, etc.”
Para Erotildes:
O pessoal não gosta de comprar os cordéis gostam de receber “de graça”. “Cheguei a vender alguns cordéis, na verdade, o pessoal aqui não tem essa cultura de comprar os cordéis. Os cordéis eram vendidos bem baratos eu ate vendi, era um real, dois reais, e o povo aqui em Santa Bárbara, pelo fato de ser política também, meus cordéis eram dados gratuitamente ao pessoal. Porque o objetivo da leitura era a informação que eu queria divulgar, como o pessoal não se interessava muito, sobre tudo porque o que eu falava eram „as coisa do povo‟, assim, eu dava pra ver se eles se interessavam.
Entendo a partir das palavras de Erotildes, que os “barbarenses”, não têm
interesse em comprar os folhetos de cordel produzidos na cidade, mas se eles forem
doados alguns dos moradores ainda leem sem grande entusiasmo. Porém, percebe-
se que dos potenciais leitores, os moradores da zona rural demonstram menor
interesse do que a população urbana, cujos habitantes mais esclarecidos passaram
a se constituir no principal público leitor de cordel, havendo assim uma troca de
posição nos interesses pela leitura dos folhetos entre grupos rurais e urbanos na
sociedade de Santa Bárbara.
No entanto, pode-se levar em consideração que as separações entre roça e
cidade em Santa Bárbara são bastante frágeis: grande parte dos moradores urbanos
é de origem rural ou mantém laços estreitos com esse espaço. Também é preciso
considerar que a roça em Santa Bárbara, ainda hoje, se relaciona com tradições de
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caráter fortemente orais, de forma que, a leitura de textos escritos ainda é uma
prática pouco utilizada na maior parte dos territórios rurais.
Refletindo sobre essa questão o poeta Barreto considera que apesar das
pessoas, das diversas localidades, onde ele apresenta seu trabalho “abraçarem”, ou
seja demonstrarem interesse pelo folheto, o resultado final de seu trabalho não é tão
valorizado em relação ao custo. “As pessoas que abraçam o meu cordel, compram
os folhetos embora muito baratos, eles compram o meu cordel.”
Os posicionamentos desses cordelistas, de opiniões e avaliações restritas a
universos particulares sugerem que houve uma mudança do público leitor de
folhetos, conforme o local: o mercado da capital mesmo barato compram os folhetos,
diferente de uma cidade interiorana, ou da zona rural. A não valorização dos folhetos
– em relação à compra - talvez esteja relacionado ao fato de todos se conhecerem e
compartilharem de alguma forma com o conteúdo destes textos, sem
necessariamente precisar adquiri-los, já que o público em geral gosta dos cordéis
muito embora nem sempre compre os folhetos.
O Sr. José Rozendo fala sobre a venda dos cordéis nas feiras com uma certa
timidez: “Existe na feira, algumas pessoas chegam e vende os cordéis, dia de terça-
feira, (o dia de feira), ainda conheço alguém que esteja vendendo.”
O Sr. José Rozendo quando fala que comprava os córdeis faz referência a
pontos de venda na capital (Salvador): “Vem gente de fora, a gente compra na rua,
vai pra Salvador, compra no Mercado Modelo, das pessoas que vendem na Praça
Cairú.”
A venda dos cordéis nas feiras livres de Santa Bárbara, ou mesmo das
cidades próximas, não é mais como nas décadas de 40, 50 ou 60, meados do
século XX, quando convivi e pude constatar com uma maior circulação desses
folhetos – era comum, as bancas de vendas de cordéis. Hoje o cordel é
comercializado em pontos estratégicos, nos eventos educacionais, ou de cultura
popular, são vendidos pelo próprio escritor ou são entregues gratuitamente como
panfletos de propaganda, constamos isso nas palavras da cordelista Erotildes
quando ela fala que “os cordéis na maioria das vezes é dado.”
Sabe-se dos percalços que tem um ou uma cordelista para divulgar e vender
sua obra em uma época que a informatização “tem a força,” os “jovens” perderam o
prazer de ouvir histórias, “a família” modificou e a escola não dá conta das
inovações. Ou seja, quando o cordel precisa concorrer com outros meios de
informação, linguagens e discursos diversificados, e certamente mais valorizados
59
nos meios de comunicação, nas escolas e na sociedade de forma geral. O cordel
ainda é visto como uma literatura marginal, representativo de grupos minoritários e
que ocupam um lugar nada nobre na pirâmide de representações culturais traçada
por aqueles que dominam a produção e a circulação dos variados trabalhos
discursivos.
No entanto, nos grupos onde circula, em particular em Santa Bárbara, é uma
“força – viva”, algo que movimenta a realidade. Assim ao perguntar para os leitores
ouvintes o que eles achavam de o professor trabalhar a literatura de cordel na sala
de aula, a opinião de Lindaura foi: “eu acho que o cordel deve ser trabalhado
totalmente nas escolas, se não a cultura morre.”
Para Lindaura é importante se trabalhar o cordel na sala de aula, mas
existem ainda algumas resistências por parte de alguns professores e alunos.
Antônio Carlos Macêdo acha que “a literatura de cordel é muito importante
pois os temas são muitos e os alunos precisam conhecer a sua cultura.”
Sobre esse assunto, José Raimundo fala que: “A literatura de folhetos
contribui para o desenvolvimento da leitura dos alunos e a cada leitura o interesse
aumenta, mas o que eu gosto mesmo é de lembrar pai e de mãe.”
José Raimundo também fala do seu interesse pelo cordel. “Já nasci em uma
família que gosta da leitura de folhetos, o meu pai e a minha mãe é de raiz mesmo,
aprendi a contar histórias como a de “Tubiba”.
“Tubiba nasceu falano Num dia de sexta-feira Com três meses caminhou Assim me disse a parteira Com cinco anos de idade Desmanchava qualquer feira.”
A estudante entrevistada Daniela Macedo, considera interessante a literatura
de cordel fazer parte das ferramentas usadas pelo professor na sala de aula. Ela diz
que: “Eu acho uma maneira interessante de incentivar os alunos a prática da leitura
pois os cordéis possuiam uma linguagem de fácil entendimento, com frases, versos
curtos e rimas”.
Observamos que algumas pessoas entrevistadas leem os folhetos para se
divertir,por achar interessantes os assuntos abordados em alguns livros de cordel,
como nos fala D. Lindaura Santana: “Para mim, o cordel é o modo mais divertido de
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contar história para o povo, o cordel é uma maravilha, os professores deveriam
adotar mais na sala de aula porque é uma maravilha”.
Os professores que trabalham com a literatura de cordel na sala de aula em
Santa Bárbara, falam dos projetos, das oficinas e da importância que tem o trabalho
voltado para a educação. Segundo a professora Maria Stella: “É uma forma mais
prazerosa do aluno descobrir várias maneiras de pensar e escrever uma história,
quem sabe a sua própria história, também de preservar a cultura local”.
Todas essas respostas demonstram que em Santa Bárbara, o cordel é (re).
como um instrumento capaz de abrir determinados diálogos e/ou discussões – o que
de fato, ele faz – e que essa abertura pode ser muito maior se existirem projetos que
sustentem essa proposta, principalmente, em relação a sua utilização em sala de
aula, como elemento facilitador da aprendizagem
Enfim perguntei: De que forma a literatura de cordel contribui para a
aprendizagem dos grupos sociais do município de Santa Bárbara?
Na visão da professora Rita Sônia de Oliveira Barreto a literatura de cordel
em Santa Bárbara vem contribuindo com a aprendizagem. Os eventos promovidos
pelos cordelistas têm dado uma ênfase no processo de leitura, as palestras, as
oficinas dão oportunidade aos alunos de produzirem os seus versos, além de
estarem envolvidos no conhecimento da sua própria cultura. Rita cita alguns versos
produzidos por alunos em uma oficina que aconteceu em 2010 no município de
Santa Bárbara:
“A vocês peço licença E um pouco de atenção Porque em cordel vou contar Com grande satisfação Um pouco da comunidade A quem só me trás emoção O nome da comunidade É simplesmente Boa Vista Por ter lá belas montanhas E muita gente otimista Que trabalha com amor Sem cobrar nenhuma isca.”
Ela fala de um encontro desenvolvido pelo cordelista Antonio Barreto: “quem
desenvolveu esse encontro foi Toinho Barreto, ai teve recital, teve uma palestra:
“Literatura de cordel: uma ferramenta educativa” seria Juceli Cardoso quem ia fazer
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a palestra, ela não pode vir, quem fez foi Jcê Freitas, é cordelista de Feira de
Santana, foi em 2010.” O valor do cordel em sala de aula” foi Antonio Barreto quem
ministrou. Ele constrói uma linha do tempo em Portugal, França, até chegar no
Brasil. Teve também “O saber em som e versos” (oficina), “Pedagogia de projetos
tecendo aprendizagem”. Foi “ show de bola”, teve também “A escola elencada na
Poesia” ( Jcê Freitas ). A professora Rita enfatiza que: “ O gostoso é ver os alunos
produzindo!”
Os cordelistas promovem eventos culturais e participam de movimentos
sociais como, associações, política, e outros. Os alunos participam das oficinas,
produzem cordéis, “tem” os cordelistas como exemplos, se interessam pela leitura
em versos e desenvolvem a criatividade. A exemplo do que escrevo cito a estudante
de Letras Daniela Macêdo, que fala: “Comecei a me interessar pelo cordel depois
que a minha mãe escreveu o primeiro cordel e publicou, que foi a “Peleja da
Pedagogia com a Ignorância” e até escrevi um verso”.
Para Maria José, os cordéis não só contam histórias, eles são educativos e
registram memórias.
Eu trabalho com Associação Comunitária através do cordel intitulado “Associação porque, pra que e pra quem”. Trabalho o meio ambiente e o êxodo rural com o cordel: “Cultura Popular a Oitava Maravilha”, para conscientizar os alunos da necessidade de cuidar do meio rural. O agente que é o homem do campo queima tudo porque as políticas púbicas e as escolas não alcançam ele.
Esse é um trabalho muito interessante, realizado em Associações
Comunitárias rurais em Santa Bárbara, que discute as problemáticas relacionadas
ao homen/mulher rural e as dificuldades enfrentadas atualmente pelo mesmo para
se manter e sobreviver na roça e também para discutir com os moradores rurais a
importância de cuidar dos espaços rurais, das suas vegetações e toda a suas
riquezas. Esse trabalho realiza uma formação de viés ecológico, onde a utilização do
folheto de cordel, criado por Maria José tem contribuído muito para sua efetivação.
Para alguns cordelistas ainda é necessário fazer um trabalho consistente, é
fato que entre eles existe um objetivo em comum, Barreto explica que as cordelistas
Maria Erotildes Macêdo e Maria José Macêdo,
Além de serem pessoas “antenadas”, elas estão fazendo um trabalho precioso com o cordel, levando para a sala de aula, pelo que eu
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tenho lido delas vejo que o trabalho é muito consistente e merece o nosso louvor, porque é um vínculo da educação e no momento educação precisa dessa colaboração do cordel que é uma forma do aluno intertextualizar o seu viver entro dessa simplicidade, dessa ludicidade, dessa criatividade que está presente na literatura de cordel e elas estão de parabéns e eu também estou fazendo esse mesmo trabalho que elas, nós estamos fazendo esse trabalho.
Para Barreto o professor enfrenta desafios pelo fato da criança, o jovem,
precisar se aproximar do livro de leitura, “hoje” eles (jovens e crianças) são
“seduzidos por instrumentos novos como a televisão, internet, DVDs e outros
aparelhos. Então é um desafio muito grande.”
O cordelista Antonio Carlos Barreto apesar de atualmente morar na cidade
de Salvador, faz um importante trabalho junto aos grupos sociais do município de
Santa Bárbara com outros professores, onde realiza oficinas, palestras, seminários e
encontros.
Sobre essas realizações, Erotildes, diz que ainda é pouco, pois, o que estão
fazendo precisa de um projeto duradouro: ela fala que:
Até eu mesma tenho tentado transformar alguns contos clássicos em cordel e colocar pra eles, eles até gostam [...] Não é lugar comum nas escolas. É um ou outro professor que faz isso. A professora Cristiane também escreveu um projeto, vários projetos surgem, tem alguns trabalhos com alguns alunos, mas não há assim, um projeto que tenha surtido um efeito duradouro, é uma coisa superficial, rápido.
As palavras de Barreto e de Erotildes colocam para nós a importância da
leitura e o desafio colocado hoje – centralmente para as escolas, mas que extrapola
a mesma – de ensejar nos jovens e crianças o gosto pela leitura, aqui, enfatizada
como leitura do escrito, domínio sobre a linguagem escrita e de como o cordel vem
sendo, e pode se tornar mais ainda um elemento impulsionador desse “gostar de
ler”.
O/a jovem estudante, não acata mais a escola como um lugar de
aprendizado repetitivo e inquestionável, os aparelhos tecnológicos modernos (TV,
mídia eletrônica em geral), passaram a ser para ele ou para ela o “lugar” no qual
busca respostas para suas perguntas, entretenimento, comodidade,
relacionamentos amistosos, opções outras de leituras e aprendizados diversificados.
No entanto, é preciso considerar que se esses “novos” aparelhos podem ser
entendidos a partir da leitura de linguagens diversas (oral, visual, tecnológica,
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outras), a linguagem escrita, é ainda fundamental para a leitura e reconhecimento de
grande parte do seu conteúdo, o que é preciso ser discutido e dialogado com
esse/essa jovem.
Para Barreto, o trabalho que Maria José e Erotildes desenvolvem dentro das
associações das escolas é de suma importância para os grupos sociais do município
estudado pois, a “educação” está deixando a “desejar” e o momento é oportuno para
que o professor tenha a literatura de cordel como uma ferramenta auxiliar no
processo de elaboração das suas aulas. É bom lembrar que esses textos estão
também na internet, em diversos sites, e esse pode ser um bom caminho de relação
com os mesmos para os/as estudante.
As pesquisas revelaram que os cordelistas desempenham “tarefas”
importantes junto à sociedade barbarense nos grupos sociais, existem sinais de um
movimento agrupado. Os projetos desenvolvidos pela professora e cordelista Maria
José e as narrativas poéticas de protesto da professora Erotildes, além das oficinas
e os outros eventos culturais promovidos por Barreto, são sinais evidentes da
preocupação que esses poetas têm em passar a cultura popular para gerações
vindouras.
O fato de apresentarem suas obras juntos a eventos culturais e de manter
compromissos com a educação, por se assumirem como professores atuantes
sinalizam que todos possuem como objetivo comum utilizar os folhetos de cordéis
como ferramenta auxiliar do professor para que venha contribuir no processo de
aprendizagem dos grupos sociais do município estudado..
Os costumes do povo são narrados pelo cordelista que, ao contar uma
história, retrata as manifestações culturais desse povo, os problemas enfrentados
pela sociedade são narrados em forma de versos, guerras, política e tantos outros
eventos.
É nesse contexto que os cordelistas procuram fazer um trabalho dentro dos
grupos sociais do município de Santa Bárbara, que possa manter viva entre os
povos as tradições e a cultura popular local
Assim,as pesquisas revelam, que os cordelistas vem fazendo um trabalho
que merece respeito por parte da sociedade barbarense, dos órgãos responsáveis
pela educação e o apoio de pessoas que trabalham com a cultura popular.
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Os estudos feitos no município de Santa Bárbara - BA confirmam que as
histórias eram divulgadas através da troca de livros entre as pessoas, através de
empréstimos pessoais para leitura e/ou de troca de títulos já lidos ou duplicados.
Para Erotildes, o Sr. Cosme Antonio de Macêdo, mais conhecido como “Cosme
Gavião,” contava histórias com entusiasmo, era como se ele desse vida a cada um
dos personagens.
5.5. O CORDEL RESSURGE EM SANTA BÁRBARA
O cordel de Santa Bárbara não é dferente dos cordéis que encontramos em
todo Nordeste do Brasil, em relação as suas caracteristicas principais, que segundo
Macêdo (2002) são: Apresentação e folhetos típicos; Conteúdo de garantido
interesse popular; Comercialização sob forma peculiar (mercados e feiras
predominantemente sob pregão oral); Baixo preço de venda.
Os folhetos eram encontrados nas feiras e possuíam a mesma quantidade de
páginas que os folhetos dos outros lugares, sendo que alguns tinham, “8 páginas e
os ramances de 16 a 24 páginas e histórias com 32 a 45 páginas.” (MACEDO, 2002,
p. 83).
Segundo Maria Erotildes de Lima Macêdo: “Não há escritos sobre a literatura
de cordel em Santa Bárbara. Tudo que sabemos data das nossas lembranças.”
Entretanto, a literatura de cordel atingiu nos anos 1950 grande consumo, divulgação
e circulação, segundo informações dos moradores da cidade essa época não havia
luz elétrica e nem televisão em várias cidades nordestinas, inclusive no município
estudado.
As lembranças de alguns cordelistas barbarenses deixam claro que essa
cultura popular esteve presente nas reuniões familiares, nas feiras livres, nos
afazeres da roça e nas “bocas da noite” nos terreiros das fazendas. Sobre essas
lembranças Maria Erotildes fala: “aprendemos a gostar de ler cordel com os nossos
pais. Eles, por sua vez, aprenderam com os pais deles. Era tão gostoso (melhor que
assistir novelas) apreciar as histórias! Mas, bom mesmo era ouvir e ler histórias
quando os primos e primas, tios e tias, vinham também ouvi-las.”
Para Erotildes as histórias narradas em versos de cordel tinham um
significado inexplicável, o relembrar das reuniões em família relata como era
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importante os folhetos de cordel fazendo uma comparação da leitura com “assistir”
novelas, no sentido do envolvimento, o comprometimento e o deslumbramento com
atividade “assistida”, pois ouvir a narração de um bom cordel, era algo que prendia
a atenção dos ouvintes e comprometia os seus sentidos.
O Sr. Cosme foi um dos elementos de difusão do cordel em Santa Bárbara,
para Erotildes “Contadores de História como „Seu Cosme‟ existiram poucos no
município.” Para alguns cordelistas de Santa Bárbara, a chegada da luz elétrica,
televisão, rádio e o cinema, foram alguns dos fatores que contribuíram com a
diminuição desses eventos culturais.
Para Antonio Carlos Barreto, um dos cordelistas entrevistados,
O cordel fez papel de jornal por muito tempo, até a chegada da televisão, que inicialmente era para as famílias abastardas, o cordel tinha a função de informar, mas no momento, os lugares mais distantes do nordeste brasileiro a televisão está presente, o computador está presente, de modo que as pessoas não se sentem atraídas pelo cordel.
Assim Barreto define um dos pontos que marca a mudança da leitura de
folhetos, o público de anos passados compravam o folheto para se informar, agora
não se vê mais a necessidade de comprar os folhetos para esse fim. As mudanças
que aconteceram nas ultimas décadas, o mundo globalizado, as novas tecnologias,
a energia elétrica que “hoje” chega nas “roças” mais distantes, são somatórias das
mudanças nos costumes do homem, da mulher, em uma sociedade rural.
Penso que em nenhum momento os folhetos de Cordel apenas informavam –
no sentido da transmissão de um fato duro – mas, que sempre teve um caráter que
extrapolava o informativo, (re)criando, interpretando, oferecendo possibilidades de
entendimentos a cerca do mundo e dos valores colocados pelas sociedades de onde
seus/as autores/as falavam.
As lembranças do tempo em que o cordel esteve no auge em Santa Bárbara
são retratadas não só por Erotildes, o Sr. José Rozendo faz as suas considerações a
esse respeito quando fala que: “às vezes as pessoas compravam aqueles livros,
fazia aquela festa, era uma alegria ter aquela gente toda ali, eu acho que aquelas
leituras ajudaram a muita gente.”
Há décadas atrás, as pessoas se reuniam para ler e ouvir os folhetos de
cordel e outras histórias, geralmente eram pessoas que moravam na roça, hoje em
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Santa Bárbara quem compra os cordéis geralmente são pessoas intelectuais, ou
estudante universitário.
Algumas pessoas que tiveram a sua alfabetização atrelada as histórias dos
folhetos, ainda é um leitor de cordel. Nessa pesquisa, tentando encontrar respostas
para a seguinte problemática, como os poetas de cordel de Santa Bárbara
contribuem para o processo de aprendizagem de grupos sociais, constatei que
esses cordelistas realizam um trabalho de conservação e expansão da cultura
popular no município, fazendo oficinas, desenvolvendo projetos que levam os
folhetos para serem trabalhados com os alunos na sala de aula e nas associações
comunitárias.
No processo de pesquisa tive oportunidade de entrevistar três cordelistas:
Antonio Carlos Barreto, Maria José de Lima Macêdo e Maria Erotildes de Lima
Macêdo, e eu tive a satisfação de conhecer um trabalho consciente e dedicado
dessas três pessoas que escrevem e publicam folhetos de cordel. Nessa
oportunidade conheci outros cordelistas de Santa Bárbara, que escrevem versos de
cordel e não os divulgam em folhetos impressos, dentre esses dois são professores
Genierre e Édna que, além de escrever, trabalham com os folhetos na escola; os
outros dois são Toquinho e Ana Marta e outros.
A importância do artista popular se faz cada vez mais necessária na
sociedade contemporânea, contribuindo com os seus saberes dentro e fora da
escola. Por isso considero bastante relevante a presença e a ação desses
artistas/cordelistas na atualidade de Santa Bárbara, pois eles/as significaram uma
revivência da alma cordelista, um ressurgimento dos “antigos trovadores da
oralidade”, que como “Mestre Cosme”, recitava e (re)criava folhetos de cordéis para
os filhos e amigos nas noites de lua, nas jornadas nas roças. O ressurgimento da
Literatura de Cordel pelas mãos desses cordelistas/professores/as, permite hoje a
divulgação e utilização de cordéis nas escolas, modificando e ampliando o alcance
da mesma, mas oxalá se torne um diálogo salutar e prazeroso com todos/as
aqueles/as que protogonizaram suas (re)criações pelos tempos/espaços/histórias,
pelo poder da memória.
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho realizado no município de Santa Bárbara revelou que os
cordelistas vêm se empenhando para que o cordel continue “vivo” e sendo uma
ferramenta auxiliar do professor na sala de aula.
Ao fazer esse estudo compreendi que os cordelistas do lugar têm suas
origens culturais relacionadas à literatura de cordel, foram alfabetizados a partir de
folhetos, participaram das rodas de leituras que aconteciam entre as famílias nos
anos 1950 e inicio dos anos 1960 “na boca da noite”.
Foi num clima de emoção que aconteceram as entrevistas, a volta ao
passado me fez refletir sobre a educação que temos, as perguntas não paravam de
surgir, quantas vezes sem respostas. Lembrei que meu desejo de escrever versos
“nasceu” também na Universidade e que toda essa tradição começou com os meus
pais.
As pessoas entrevistadas também viveram suas emoções ao lembrar
histórias que ouviram de seus familiares.
Essa pesquisa foi uma oportunidade que tive para conhecer de perto a obra
dos artistas da terra, pude ver que todos escrevem de modo crítico, abordando
temas polêmicos, porém narrados com humor. Fiquei deslumbrada com os
resultados das oficinas realizadas nas praças e no Colégio São José.
Foi recebida com muito carinho na casa de Erotildes e de Maria José, que
além de me conceder as entrevistas forneceram-me materiais que pude agregar a
pesquisa. Na casa de Barreto, não foi diferente, além da entrevista que me
concedeu, me recepcionou com música, tocou música de Jackson do Pandeiro em
ritmo de blues, Asa Branca de Luís Gonzaga gaita e no violão, cantamos, assim
como em Santa Bárbara. Para reviver as memórias cantamos boi roubado, bata de
feijão, fizemos dueto, mergulhamos em uma felicidade sem par.
No decorrer do trabalho escrito, passei por momentos difíceis de saúde, a
nostalgia me perseguiu, mas, encontrei fortaleza dentro da minha casa, junto as
minhas filhas, meu esposo e os meus netos.
Entretanto, o resultado da pesquisa me deixa feliz e realizada. Os professores
que trabalham com folhetos de cordel em sala de aula e os poetas que trabalham
produzindo os folhetos não se intimidam diante das dificuldades, vão a campo,
“compram briga”, fazem palestras, realizam oficinas, divulgam os seus cordéis - em
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formato antigo ou inovador -, acreditam na “força” de um trabalho feito com harmonia
e união que a sociedade barbarense precisa para concretizar a aprendizagem de
vários grupos sociais.
Figura 5: Lajedo de pedra na estrada da Mamoneira Fonte: Acervo particular de Mariluce de Lima Macêdo
Passos do passado
Foice no ombro
Os cães eufóricos para caçar
Meu pai apressado, espingarda na mão
Minha mãe vestida de calça, sapatos nos pés
Capanga cheia de munição, farofa no saco
Cancelas, estradas floridas, caminhos estreitos
O corte do facão abrindo passagem
Meu pai contando histórias
Minha mãe sorridente revezando as histórias
Lembranças das origens, suspiros, silêncio
O latido dos cães distantes, presa acuada
Meu pai nervoso, minha mãe paciente
O enorme formigueiro, cachorro dentro do buraco
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O fifó em minhas mãos, o desespero do meu pai
A retirada do tatu, antes sereia (a cadela)
A volta para casa, o dia raiando
A neblina fazendo escultura nas juremas
O cheiro das flores, o mato perfumado
A chegada em casa, tatu na panela
A mesa farta, a família feliz.
Mariluce de Lima Macêdo.
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REFERÊNCIAS ANTONACCI, Maria Antonieta. Tradição de Oralidade, Escritura e Iconografia na Literatura de Folhetos: Nordeste do Brasil, 1890/1940. In: KHOURY, Yara Aun (Orgs). História e Oralidade, Projeto História, São Paulo (22) jun, 2001. CASCUDO, Luis da Câmara. Literatura Oral no Brasil – 2.ed, Rio de Janeiro, 1978. DIEGUES, Manuel Junior. Ciclos temáticos na literatura de cordel. In: Literatura popular em verso; estudos. Rio de Janeiro: Fundação Casa de Rui Barbosa, 1973. T.1.p. 1-151. FREIRE, Paulo. Educação Como Prática da Liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 2007,30º edição. GALVÃO, Ana Maria de Oliveira. Cordel leitores e ouvintes. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. GENOT, Ledna Andrade Macêdo. Memórias histórica de Santa Bárbara. Prefeitura Municipal de Santa Bárbara, 1993. GRILLO, Maria Angela de Faria. A Literatura de Cordel na Sala de Aula. In: ABREU, Marta e SOIHET, Rachel (Orgs). Ensino de História. Rio de Janeiro: Casa da palavra, 2003. LIMA, Arievaldo Viana. Acorda Cordel na Sala de Aula. Fortaleza: 2006. LÚDKE, Menga, ANDRÉ, Marli. E.D.A. Pesquisa em educação: Abordagens qualitativas. São Paulo: EPU, 1986. MACEDO, Erotildes, OLIVEIRA, Ana Marta e outros. A literatura de Cordel nas séries iniciais do Ensino Fundamental. Santa Bárbara, 2002. MACEDO, Marluce de Lima. Tradição ora afro-brasileira e escola: as encruzilhadas da memória. Associação Nacional de História ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA 2007. MELO, José Marques de, EPSTEIN, Isac, FRANCO, Maria Silva Carvalho e outros. Comunicação e Classes Subalternas. São Paulo: Cortez Editora, 1980. REGO, Teresa Cristina. VYGOTSKY Uma perspectiva histórico-cultural da educação. Petropolis, RJ: Vozes, 2001. 12º Edição. ROCHA, Rosendo Narrimam. Diário de Borborema. In: VIANA, Arievaldo Lima (Org). Acorda Cordel na Sala de Aula. Fortaleza: 2006. SANTOS, Idelette Muzart Fonseca dos. Memórias das Vozes: Cantorias, romanceiros e Cordel. Prefácil Armindo Bião. Salvador: Secretaria da Cultura e turismo, Fundação Cultural do Estado da Bahia, 2006.
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VIGOTSKY, Lev Semyonovich e LEONTIEV, Alexis. LURIA, Alexandr Romanovich e outros: Psicologia e pedagogia; Bases psicológicas da Aprendizagem e do desenvolvimento. Tradução de Rubens Eduardo Frias. Editora Moraes Ltda. São Paulo: 1991.
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ANEXOS
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1º Questionário
Leitores e ouvintes
1- Lê cordel?
2- Como começou a gostar de literatura de cordel?
3- Quantos folhetos você leu?
4- Qual o tema que você mais gosta?
5- Tem preferência por algum escritor de cordel?
6- Sabe algum cordel de memória?
7- Você já escreveu algum verso de cordel?
8- Onde você adquire os folhetos?
9- Qual a importância do cordel para a aprendizagem?
10- Você conhece alguém que já foi alfabetizado através da literatura de cordel?
11-Aqui ainda existe a venda do cordel?
12- Você falaria com alguém que o cordel é uma boa leitura?
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2º Questionário
Professores
1- Ler cordel? Com que frequência?
2- Trabalha na escola a literatura de cordel com os alunos?
3- Como tem acesso aos “folhetos de cordel”?
4- O que representa o cordel para os alunos na escola?
5- Quando começou a se interessar pela leitura de folhetos?
6- Por que começou a ler cordel?
7- Sabe narrar alguns versos de cordel de memória?
8- Qual assunto abordado, ou tema abordado nos livretos interessa mais?
9- Qual a importância do cordel para a aprendizagem dos grupos sociais do
município de Santa Bárbara?
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3º Questionário
Cordelistas
1-Como teve acesso à literatura de Cordel?
2- Como foram os primeiros contatos com a literatura de cordel?
3- Como começou a escrever folhetos?
4- Qual a frequência que escreve cordel?
5- Por que começou a escrever cordel?
6- Qual o destino dos folhetos que escreve hoje?
7- Quem compra os cordéis?
8- Como são vendidos?
9- Com que frequência são vendidos?
10- Quem são os cordelistas de Santa Bárbara?
11- O que os cordelistas de Santa Bárbara tem feito com essa literatura para a
aprendizagem dos grupos sociais em Santa Bárbara?
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Cultura Popular Quero aqui compartilhar Com alegria e emoção Das minhas férias de junho Não me sai do coração Naquela cidade pequena Era muita curtição. Com histórias e brincadeiras Cresci e fui me envolvendo Com as pessoas queridas Fui também aprendendo A preservar nossa cultura E continuar escrevendo. Foi com graça e muito amor Que as palavras apareceram Com histórias, contos e poesias Aprendi a ler primeiro Naquelas rodas nas noites Muitas a luz do candeeiro. Aquele a quem mais amo Aqui deixo essa mensagem Que o valor maior do mundo É uma família de verdade E espalhar nossa cultura Para toda eternidade. Débora Macedo
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Mãe Quando criança não sabia andar Pela mão ela me segurou, Para que eu pudesse me equilibrar. Depois que cresci continuou a me guiar, Me desviando dos caminhos tortos Nos quais eu quis trilhar. Tão difícil esta vida Cheia de obstáculos na estrada Parece não ter fim esta incrível jornada Mas não perco a esperança, Essa não me foi tirada Aprendi com Mariluce Ser uma mulher arretada. Depois que aprendi a lição, tudo ficou mais fácil Iluminado o caminho, era só seguir seus passos. Se eu pudesse nascer de novo Mais uma vez escolheria teu ventre E com a benção de Deus ser sua filha novamente. Agora que tudo foi falado Vou te deixar o meu recado No final desse cordel. Te mando um beijo e um abraço. Isabel Macedo