universidade do estado da bahia … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias...

85
UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS CAMPUS I SALVADOR PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM - PPGEL YARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTIAGO DISCURSO, MEMÓRIA E HIERARQUIA NO CANDOMBLÉ DE SALVADOR-BAHIA Salvador 2015

Upload: nguyendieu

Post on 05-Apr-2018

225 views

Category:

Documents


7 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS HUMANAS – CAMPUS I – SALVADOR

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS DE LINGUAGEM - PPGEL

YARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTIAGO

DISCURSO, MEMÓRIA E HIERARQUIA NO CANDOMBLÉ

DE

SALVADOR-BAHIA

Salvador

2015

Page 2: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

YARA CONCEIÇÃO DE OLIVEIRA SANTIAGO

DISCURSO, MEMÓRIA E HIERARQUIA NO CANDOMBLÉ

DE

SALVADOR-BAHIA

Dissertação apresentada ao programa de Pós-

graduação em Estudos de Linguagem pela

Universidade do Estado da Bahia, como

requisito parcial para a obtenção do título de

Mestre.

Orientadora: Profa. Dra. Jaciara Ornélia

Nogueira de Oliveira.

Salvador

2015

Page 3: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

AGRADECIMENTOS

O Candomblé está em minha vida muito antes de eu nascer para este mundo, desde a barriga

de minha mãe, quando recebi meu nome, dado por uma cabocla “Dona Rainha das Ervas”.

Aos 14 anos, ganhei um bolo em forma de parque de diversões dado por um caboclo que não

recordo o nome em uma mesa branca, nome dado às sessões nas quais os caboclos são

chamados à terra para trazer cura e alento aos homens e mulheres desse vale de lágrimas.

Cresci assistindo de longe as sessões de caboclo, de longe, sentada na sala, pois minha mãe

tinha medo dos caboclos que não gostavam de criança, mesmo quando estas aconteciam em

nossa casa. Ia aos carurus, pipocas, mingaus oferecidos por uma senhora negra que

chamávamos de tia e por qualquer outra pessoa que os oferecessem, era tradição em minha

infância. Cresci assim, em um desses quilombos urbanos de Salvador, onde a educação das

crianças negras era responsabilidade de todas as mulheres mais velhas de minha rua, onde o

Candomblé era parte integrante de nossas vidas, ainda que não fossemos iniciados

formalmente nele.

Quando fui iniciada, aos 33 anos, muita coisa mudou e minha vida, no tocante ao

desenvolvimento de minha mediunidade, pois todo o conjunto de preceitos contidos nessa

religião para mim não era novidade, uma vez que passei toda minha vida obedecendo-os,

ainda que de maneira informal. Respeitar aos mais velhos era regra para termos uma vida

tranquila, longe dos castigos e das proibições, dentre elas a de ficar dentro de casa, sem poder

correr e brincar livremente na rua.

Quando me tornei Iaô (iyawô), fui conduzida de fato ao mundo complexo e misterioso da

religiosidade afro brasileira, aprendendo dia após dia os ensinamentos que me fazem ser uma

pessoa mais consciente de minha responsabilidade para com as pessoas ao meu redor e para

comigo mesma, como parte de um todo que envolve seres animados e inanimados nesse

planeta de nome Terra.

Antes de entrar para o mestrado, como todo mundo, não sabia sobre o que pesquisaria, queria

um tema que me interessasse e, ao mesmo tempo, interessasse às pessoas que por ventura ou

desventura lessem meu trabalho. Novamente, o Candomblé se faz presente, na “pessoa” de

um célebre caboclo, “Seu” Genésio, um caboclo Boiadeiro, diga-se de passagem, o caboclo

Page 4: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

Boiadeiro sempre foi presença marcante em minha vida, o que cuidava de nossa família,

incorporado em minha mãe biológica, Dona Maria Luíza.

“Seu” Genésio, em uma das muitas sessões de caboclo das quais participei, agora na mesa e

não da sala, como na infância, chamou-me ao canto da sala e, conversando sobre minha vida

acadêmica, perguntou-me o que me inquietava em minha religião? Então, disse-lhe que o que

mais me inquietava era o uso do poder por certos Babalorixás e Iyalorixás para oprimir seus

filhos dentro do Candomblé, ao que ele me respondeu em tom de resposta e ao mesmo tempo

de pergunta, se ao invés de oprimir, esse comportamento não era para preservar a tradição?

Neste momento, nasce este trabalho que finalizo agora. Além de ser aquele que deu o ponta

pé inicial à minha caminhada neste trabalho de pesquisa, “Seu” Genésio também me deu

várias orientações que foram acrescidas à esta pesquisa. Além dele, “Seu” Sete, um Exu

como nenhum outro dotado de sabedoria milenar, que ensina mesmo quando não quer, em

suas longas conversas de fim de tarde e, às vezes, fim de noite, às vezes até pelas longas

madrugadas.

Por este e tantos outros motivos, que agradeço agora, em primeiro lugar, ao Ser Supremo que

nos deu a vida, podendo ser chamado de Nzambi, Odwdwa, Olorum ou tantos outros nomes

dentro e fora do Candomblé, como por exemplo, Deus, para o Catolicismo. Desse modo,

agradeço pela vida, pela saúde, pela sabedoria ofertada por essas entidades e divindades

ancestrais.

Agradeço a meu pai Obaluaiê por existir em minha vida, zelando por mim e por minha

família. Em virtude de minha casa estar sendo reconstruída, toda esta dissertação foi escrita na

casa de Oxumarê, Orixá de cabeça de minha mãe, desse modo, agradeço a ele pelo teto,

enquanto não tinha o meu próprio. Agradeço ao meu pai Ogum porque ele é caminho e a

todos os Orixás, Inquices e Voduns, pois sem eles nada iria à frente.

Agradeço à minha mãe, sempre ao meu lado, do jeito dela, agradeço a minha filha Maísha,

pois é também por ela que vou em frente e quero mais para nós duas. Agradeço a minha

família pois sem família o homem, a mulher é um barco à deriva, sem um porto seguro para

descansar a jornada.

Agradeço à minha família de Axé do Ilê Axé Ogum Tòólá, na pessoa do Babalorixá Joselito

Santos, da Iyalaxé Luzia do Carmo, do Babakekerê Rogério Vidal, das Equedes e Makotas,

dos filhos e filhas de santo, dos Ogás, da Ebomi e de todos aqueles que frequentam o Ilê e

Page 5: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

colaboram ainda que com um simples sorriso para que eu pudesse chegar até aqui e seguir

adiante.

Agradeço à minha Orientadora, a Professora Dra. Jaciara Ornélia Nogueira de Oliveira pela

sábia orientação, pelo cuidado, por orientar meu trabalho com atenção e interesse, estando

sempre à disposição, tendo a paciência necessária, estabelecendo uma singela e bonita

amizade entre nós duas.

Agradeço aos colegas de uma turma que foi unida e tranquila do começo ao fim, a linha 2 foi

“10”. Agradeço aos professores e funcionários do PPGEL pelo apoio nas horas difíceis.

Agradeço em especial a D. Hildete Santos Costa do NGEALC, pelas sugestões de livros que

foram parte importantíssima nesta pesquisa.

Agradeço também às amigas e amigos que não posso colocar os nomes com medo de ficar

alguém de fora o que seria uma grande injustiça. Meus amigos e minhas amigas foram a força

extra nos momentos de cansaço, a alegria nos momentos de desânimo e isso é de suma

importância quando estamos atravessando momentos tensos.

Muito Obrigada a todos vocês, de coração. Axé.

Page 6: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

RESUMO

O Candomblé é uma religião que guarda em si, além dos mistérios de seu culto, regras de

comportamento rígidas que muitas vezes são incompreendidas pela sociedade exterior a esta

religião de matriz africana. Neste trabalho, tomando como aporte teórico a teoria da Análise

do Discurso da linha francesa aos moldes de Michel Pecheux, desenvolve-se o estudo sobre a

hierarquia peculiar às comunidades candomblecistas da cidade de Salvador, sua razão de

existir e a lógica na qual se constrói e se mantém firme o seu discurso através dos séculos.

Discutem-se as razões históricas que sustentam tais regras, ou preceitos, em vigor ainda neste

século XXI, visando compreender os motivos que embasam a noção de respeito, hierarquia e

poder dentro das comunidades candomblecistas de Salvador-Bahia e a possível ligação do seu

discurso com a memória dos tempos de escravidão.

Palavras-chave: Candomblé, Discurso, Hierarquia, Memória.

Page 7: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

ABSTRACT

Candomblé is a religion that keeps itself, besides the mysteries of their religion, strict rules of

behavior that are often misunderstood by the outside society to this African-based religion. In

this work, taking as the theoretical discourse analysis theory of the French line to mold

Michel Pecheux, develops the study of the peculiar hierarchy of Candomblé communities in

the city of Salvador, their reason for being and the logic on which to build and holds fast his

speech through the centuries. The historical reasons are discussed underlying these rules, or

ordinances in force even in this twenty-first century, to understand the reasons that underlie

the notion of respect, hierarchy and power within Candomblé communities in Salvador-Bahia

and the possible link of your speech with the memory of slavery times.

Keywords: Candomblé, Discourse, Hierarchy, Memory

Page 8: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 8

2 IDEOLOGIA, RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE AFRICANA 13

2.2 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO NA ORIGEM DAS RELIGIÕES DE

MATRIZ AFRICANA NO BRASIL

20

2.2 AS NAÇÕES 27

2.2.1 A nação Angola (bantu) 30

2.2.2 A nação Ketu (yorubá) 32

2.2.3 A nação Jeje (ewe-fon) 34

2.3 RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALVADOR-BA 38

2.3.1 Terreiro de Candomblé 39

2.3.2 Terreiros de candomblé em Salvador 44

2.3.2.1 Terreiro do Bate Folha 44

2.3.2.2 Terreiro Ilê Aṣé Opo Afonjá 46

2.3.2.3 Terreiro da Casa Branca 46

2.3.2.4 Terreiro do Bogum 48

3 DISCURSO E MEMÓRIA NOS TERREIROS 54

4 FORMAÇÃO DISCURSIVA, PODER E HIERARQUIA NOS

TERREIROS DE CANDOMBLÉ

60

4.1 QUIZILA E XIMBA 71

4.1.1 Posição sujeito e hierarquia 75

5 CONCLUSÃO 77

REFERÊNCIAS 81

Page 9: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

8

1. INTRODUÇÃO

A cidade de São Salvador da Bahia é conhecida por sua religiosidade plural; além das

religiões cristãs, ditas evangélicas e da religião Católica Apostólica Romana que goza até hoje

da hegemonia alicerçada na história e na memória do tempo do descobrimento e da catequese

quando o catolicismo foi imposto a índios e negros escravizados como a religião do

dominante; é notória a presença de religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé.

Os terreiros se espalham pela cidade e, embora não sejam destaques em razão da humildade

das construções, seu número supera as propagandeadas trezentas e sessenta e cinco Igrejas,

templos, quase sempre suntuosos, da Igreja Católica Apostólica Romana.

Segundo Oliveira (2010), a religião dos negros foi desenvolvida no Brasil com o

conhecimento dos sacerdotes africanos que foram escravizados e trazidos da África para o

Brasil, juntamente com seus Orixás/Inquices/Voduns, sua cultura, e seu idioma, entre 1549 e

1888. E, embora confinado originalmente à população de negros escravizados, proibido pela

Igreja Católica, e, até, criminalizado por alguns governos, o Candomblé prosperou nos quatro

séculos, e expandiu-se consideravelmente desde o fim da escravatura em 1888. Desse modo,

depois da libertação dos escravos começaram a surgir as primeiras casas de Candomblé.

Estabeleceu-se, então, com seguidores de várias classes sociais e dezenas de milhares de

templos.

São as comunidades de terreiros, nas quais a recriação das tradições africanas tem como

objetivo manter vivas características culturais e espirituais com a finalidade principal da

manutenção e união do grupo. Esse grupo é formado pelas diversas famílias que se agregam

por meio dos iniciados na religião, fator principal nesse processo de preservação da tradição.

É através do candomblé, como é denominada a religião de matriz africana na Bahia, que

aspectos da cultura familiar africana perpetuam-se e são difundidos por e para os iniciados e

seus familiares. É no terreiro de Candomblé onde a África é recriada, em uma nova leitura,

uma vez que desde o tráfico, o mundo mudou e, com ele, o continente africano e seus povos e

culturas.

Um terreiro de Candomblé carrega, pois, em sua formação toda a ancestralidade histórica que

o transforma em uma recriação da África no Brasil. O terreiro é o local onde são resgatados os

aspectos da cultura africana e postos em prática na sociedade majoritariamente europeizada.

Page 10: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

9

Na convivência quase sempre harmônica com as demais religiões, especialmente a Católica,

na cidade de Salvador da Bahia, os adeptos de religiões de matriz africana comparecem

abrilhantando os festejos religiosos católicos com um cortejo de baianas, devidamente

trajadas, com suas quartinhas de água de cheiro. Essa apresentação festiva mascara a

seriedade da participação e, tendo em vista que o candomblé é uma religião de alegria, em que

se reza cantando e dançando, nas quais se utilizam tambores, cabaças e outros instrumentos,

muitos o encaram, pejorativamente, como mero folclore e desconhecem a dinâmica de seus

rituais e a essência da sua crença, julgando que seja uma religião sem regras, sem

mandamentos e deveres. Desconhecem, também, a sua hierarquia, proibições e tabus.

Sabe-se, no entanto, que para a Análise do Discurso, doravante AD todo discurso religioso é

por si só um discurso hierárquico já que os seus líderes são apenas locutores de uma voz

inquestionável, de uma entidade superior. Não poderia ser diferente nas religiões de matriz

africana nas quais, na verdade, sempre se admitiu a existência de um ser chamado em nagô

Olôrúm, Olodumarê, Odwudwa ou ainda entre os Bantu Nzambi, Suku, Kalunga que

significam “Senhor” ou “dono do céu”, entidade maior a partir da qual os demais orixás se

estabelecem. Desconhecem, ainda, que as religiões “afros” são, essencialmente, religiões de

êxtase ou de transe, em que entidades sobrenaturais são cultuadas, invocadas e recebidas por

certas categorias de devotos em estado especial de consciência. São, predominantemente,

religiões de negros e algumas conservam elementos de grupos étnicos, nos cânticos, nas

proibições e tabus e na autodefinição.

Diferentemente da sociedade brasileira em geral, na qual o desrespeito pelo outro se tornou

lugar comum e atinge, sobretudo, os mais velhos cuja experiência é descartada como obsoleta;

a hierarquia no Candomblé obedece ao princípio da senioridade, isto é, o mais velho tem a

prioridade e deve ser respeitado e reverenciado como tal. Tanto pela idade cronológica como

pelo tempo de iniciação.

Dentro de um terreiro de Candomblé a responsabilidade do seu líder vai além da coordenação

das cerimônias sagradas, ele administra o espaço e a posição que ocupa exige que tenha

íntimo contato com as histórias de vida, comportamentos e sentimentos dos seus adeptos.

Assim, lidando com diferentes histórias e memórias é imprescindível a manutenção da

hierarquia marcando as relações de poder e autoridade. Entendem os candomblecistas que o

respeito hierárquico é a segurança da harmonia comunitária, já que determinados

comportamentos responsáveis pela dinâmica que mantém equilibrados os papeis

Page 11: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

10

desempenhados dentro de uma célula familiar, os quais fazem com que essa mesma família se

mantenha coesa e fortalecida ante os problemas externos. Assim, a hierarquia e a disciplina

têm que ser rigidamente mantidas.

Dentre as ferramentas de poder, usadas pelos iniciados no candomblé, há a quizila, quijila ou

nzila em (quimbundo) língua bantu, èèwó em yorubá e a ximba, de origem bantu, essas duas

palavras encerram o poder de manter filhos e filhas de santo, como são chamados os iniciados

nessa religião, dentro das normas estabelecidas, não escritas, mas conhecidas de muitas

gerações.

A quizila - podendo ser entendida como proibição – e a ximba - a punição – são duas das

estratégias usadas por alguns/algumas yalorixás e babalorixás para manterem seus filhos e

filhas de santo seguidores das tradições africanas pertinentes à religião que decidiram seguir.

Há casos em que o uso dessas ferramentas parece ser uma forma de oprimir o iniciado,

forçando-o a situações consideradas humilhantes por aqueles que desconhecem sua lógica.

Para a comunidade de não adeptos que não conhecem esses preceitos e interdições, esse

processo denuncia uma forma de aprisionamento e humilhação que remontam à relação

hierárquica senhor/escravo Diante dessas observações pergunta-se se a rigidez de

comportamentos e exigências impostas ao iniciado traduz apenas a preservação da cultura

africana e suas raízes religiosas ou reflete a memória dos tempos da escravidão.

A hipótese lançada é que esse comportamento radical imposto a candomblecistas carrega em

si o peso da preservação de tradições que diferem das praticadas pela sociedade fora dos

terreiros e trazem à memória resquícios dos tempos da escravidão.

Para buscar respostas a essa questão e verificar a hipótese definiu-se o seguinte objetivo geral

para o trabalho: discutir como se dá a relação de poder e hierarquia dentro de comunidades

candomblecistas de Salvador tendo em vista o discurso, a história e a memória.

Esse objetivo é constituído por três específicos, quais sejam: 1) Refletir sobre a religiosidade

africana e as religiões de matriz africana no Brasil e mais especificamente em Salvador-Ba; 2)

Analisar o discurso da hierarquia em terreiros de candomblé de Salvador, ponderando sobre

as condições de produção que contribuíram para a origem do Candomblé em Salvador, sobre

a formação discursiva e ideológica e posição sujeito desse descendente e, na

contemporaneidade, iniciado na religião de matriz africana. 3) Analisar como se reflete e se

Page 12: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

11

transforma, nos terreiros de candomblé, a memória da escravidão e qual a contribuição na

resistência cultural e religiosa, assim como na preservação da identidade do povo de santo.

Esse trabalho funda-se nos pressupostos teóricos e metodológicos da Análise do Discurso da

linha francesa filiada a Michel Pecheux, pois foi a que melhor se adaptou à análise proposta.

Utilizaram-se, sobretudo, condições de produção, formação ideológica e discursiva, memória

discursiva e sujeito.

Como técnica de investigação, utilizou-se a pesquisa bibliográfica. Realizaram-se leituras de

livros e trabalhos acadêmicos sobre a teoria francesa da Análise do Discurso sob o ponto de

vista de Michel Pecheux, assim como livros que tratassem sobre a história e expansão das

religiões de matriz africana, especialmente o Candomblé, sua história e sua dinâmica. Ainda

com o intuito de obter mais elementos para a composição do trabalho, foram usados como

corpus na pesquisa histórico-religiosa os livros: “Meu tempo é agora” de Maria Stella de

Azevedo Santos; “ A família de santo” de Vivaldo da Costa Lima e “O candomblé bem

explicado” de Odé Kileuy e Vera de Oxaguiã.

Como metodologia de trabalho optou-se por fazer, a partir das leituras realizadas, um

histórico geral sobre a religiosidade africana e sua expansão em religiões ditas afro-brasileiras

ou de matriz africana no Brasil e, especificamente, na cidade de Salvador da Bahia. Nessa

abordagem, enfatizou-se a questão da escravização de negros no Brasil e a resistência quanto

à manutenção de suas origens e de seus cultos. Para melhor elucidar a expansão do candomblé

na cidade do Salvador da Bahia abordou-se a proliferação dos terreiros por toda a cidade. Por

serem muitos, escolheram-se quatro como exemplos. A escolha se deu em razão do destaque

desses terreiros no espaço urbano de Salvador e também porque se pretendeu apresentar um

terreiro de cada nação (Ketu, Angola e Jeje) marcando as atividades comuns e as diferenças.

O terreiro da Casa Branca, da nação Ketu, foi acrescentado por se tratar do mais antigo de

Salvador.

Como costuma acontecer com palavras estrangeiras inseridas no texto, optou-se por grafar em

itálico todos os termos do candomblé, mesmo aqueles que já circulam naturalmente no

linguajar dos baianos e soteropolitanos.

Além dessa introdução, esse estudo está desenvolvido em três seções. Na primeira seção,

discorre-se sobre ideologia, religião e a religiosidade africana destacando-se como primeira

subseção as condições de produção na origem das religiões de matriz africana no Brasil e,

Page 13: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

12

como segunda subseção, as Nações1. Na terceira subseção, destacam-se as religiões de matriz

africana em Salvador e o terreiro de candomblé. Na segunda seção, discorre-se sobre discurso

e memória nos terreiros. Na terceira seção, discute-se sobre formação discursiva, poder e

hierarquia nos terreiros de candomblé, kizila e ximba e destaca-se a posição sujeito e

hierarquia. Segue-se a conclusão e as referências.

Espera-se que este trabalho possa elucidar alguns pontos a respeito das religiões de matriz

africana na Bahia e, especificamente, na cidade de Salvador e seja um incentivo para que

outros pesquisadores se debrucem sobre o tema, buscando marcar a religiosidade plural que

envolve o povo da Bahia e esclarecer sobre as especificidades desta religião dos Orixás

desfazendo os preconceitos que até hoje persistem em toda a sociedade.

1 Nação é a denominação dada pelos iniciados no candomblé para diferenciar os cultos de uma casa ou terreiro

para o outro, assim sendo, tem-se: Nação Ketu, Nação Congo/Angola, Nação Jeje, dentre outras nações

existentes na Bahia.

Page 14: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

13

2. IDEOLOGIA, RELIGIÃO E A RELIGIOSIDADE AFRICANA

Pertencer a uma religião é uma necessidade comum a muitos homens e mulheres, para esses, a

vida não tem sentido sem algum tipo de ligação com o sagrado, é o que os faz pensar-se

diferente dos seres vivos em geral, a crença em algo místico e mágico, algo inexplicável,

responsável pela sua existência neste mundo. Segundo Alves (1984), o homem, em seus

anseios por distanciar-se de sua real natureza animal, cria mecanismos para realizar este

intento, daí, ainda segundo o autor, cria-se a cultura, entretanto esta criação não completa, não

preenche este homem, seus desejos são eternos.

A cultura parece sofrer da mesma fraqueza que sofrem os rituais mágicos:

reconhecemos a sua intenção, constatamos o seu fracasso e sobra apenas a esperança

de que, de alguma forma, algum dia, a realidade se harmonize com o desejo. E

enquanto o desejo não se realiza, resta cantá-lo, dizê-lo, celebrá-lo, escrever-lhe

poemas, compor-lhe sinfonias, anunciar-lhe celebrações e festivais. E a realização da

intenção da cultura se transfere então para a esfera dos símbolos (ALVES, 1984, p.

9)

Na busca de solucionar esse “fracasso”, surge a religião, também criada pelo homem, em uma

tentativa de preencher as lacunas no interior desse homem insaciável em seus desejos.

E é aqui que surge a religião, teia de símbolos, rede de desejos, confissão da espera,

horizonte dos horizontes, a mais fantástica e pretensiosa tentativa de transubstanciar

a natureza. Não é composta de itens extraordinários. Há coisas a serem

consideradas: altares, santuários, comidas, perfumes, lugares, capelas, templos,

amuletos, colares, livros. . . e também gestos, como os silêncios, os olhares, rezas ,

encantações, renúncias, canções, poemas romarias, procissões, peregrinações,

exorcismos, milagres, celebrações, festas, adorações (ALVES, 1984, p. 10-11).

O homem cria a religião como resolução para seus desejos inexplicáveis e intermináveis,

agregando valores a gestos, objetos, palavras, pois esses elementos não nascem com essas

marcas em si, mas são acrescidos das mesmas, são eleitos a categorias e status sacros de

acordo com a interpretação do homem. Para Alves (1984, p.10), “O sagrado não é uma

eficácia inerente às coisas. Ao contrário, coisas e gestos se tornam religiosos quando os

homens os batizam como tais. ”.

Desse modo, o homem cria para si uma válvula de escape de sua própria condição, na qual ele

se concebe mais do que um simples animal, a partir da sua racionalidade, diferindo-o das

demais criaturas do mundo. Segundo Alves (1984), A religião nasce com o poder que os

homens têm de dar nomes às coisas, fazendo uma discriminação entre coisas de importância

Page 15: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

14

secundária e coisas nas quais seu destino, sua vida e sua morte se dependuram. E esta é a

razão por que, fazendo uma abstração dos sentimentos e experiências pessoais que

acompanham o encontro com o sagrado, a religião se apresenta para todos como um certo

tipo de fala, um discurso, uma rede de símbolos. Com estes símbolos os homens discriminam

objetos, tempos e espaços, construindo, com o seu auxílio, uma abóbada sagrada com que

recobre o seu mundo, com o intento de, através dos símbolos sagrados que criou exorcize seus

medos e o mantenha a salvo do caos. E, assim, coisas inertes — pedras, plantas, fontes — e

gestos, em si vulgares, passam a ser os sinais visíveis desta teia invisível de significações, que

vem a existir pelo poder humano de dar nomes às coisas, atribuindo-lhes um valor.

Para Kileuy e Oxaguiã (2014), a religião serve como apoio para a vida das pessoas,

precisando estar presente em todos os seus momentos, sejam eles bons ou maus, quando se

encontram enfraquecidos ou mesmo quando fortalecidos. Muitas vezes a religião é para o ser

humano uma bengala, um apoio divino. Ela surge na vida de homens e mulheres como uma

necessidade de proteção e direção; a primeira advém do medo, a segunda, da esperança.

Esses anseios e medos, essa necessidade de algo superior e divino que o salve de uma

perdição espiritual cria o discurso que concretizará esse homem no caminho que

supostamente escolheu para manter-se a salvo das tentações que o desviaria do objetivo de

ascensão na espiritualidade.

Discursos como esses são o objeto de análise da disciplina Análise do Discurso (doravante

AD) cuja teoria se ocupa em estudar quais as estruturas componentes dos diversos discursos

da sociedade. A AD analisa os elementos responsáveis pela adoção de discursos

diversificados por sujeitos igualmente diversos. Dentro dessa análise serão observadas as

condições de produção para o discurso existir, as formações discursivas diferenciadas, as

posições sujeito e a forma sujeito responsáveis pela composição do discurso adotado pelo

sujeito em questão.

Em AD, o sujeito, ao inscrever-se em um determinado contexto, no caso, pertencer a uma

religião, seja qual for ela, constrói a idealização da sua realidade, desse modo a religião é a

transmutação de sua condição meramente animal, para um ser mais evoluído, usando para isso

a linguagem ao construir seu discurso na legitimação dos elementos responsáveis por essa

mudança de status. Entretanto, esse sujeito não é o autor original desse discurso, ele é levado

Page 16: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

15

ao discurso, é direcionado pelo contexto histórico e social que o cerca, fazendo que acredite

ser-lhe o autor.

Segundo Mussalim (2003, p. 110), o estudo do discurso para a Análise do Discurso inscreve-

se num terreno em que intervêm questões teóricas relativas à ideologia e ao sujeito. Assim, o

sujeito lacaniano, clivado, dividido, mas estruturado a partir da linguagem, fornecia para a AD

uma teoria de sujeito condizente com um dos seus interesses centrais, o de conceber os textos

como produtos de um trabalho ideológico não-consciente. Calcada no materialismo histórico,

a AD concebe o discurso como uma manifestação, uma materialização da ideologia

decorrente do modo de organização dos modos de produção social. Sendo assim, o sujeito do

discurso não poderia ser considerado como aquele que decide sobre os sentidos e as

possibilidades enunciativas do próprio discurso, mas como aquele que ocupa um lugar social

e a partir dele enuncia, sempre inserido no processo histórico que lhe permite determinadas

inserções e não outras. Em outras palavras, o sujeito não é livre para dizer o que quer, mas é

levado, sem que tenha consciência disso (e é então que se reconhece a propriedade do

conceito lacaniano de sujeito para a AD), a ocupar seu lugar em determinada formação social

e enunciar o que lhe é possível a partir do lugar que ocupa.

Inicialmente, a expressão ideologia fora utilizada por Cabanis, Desttutt de Tracy num

contexto científico genético para denominar a teoria das ideias, a partir de Marx, esse conceito

passou a fazer parte das discussões em um conceito sociopolítico, usada para denominar as

articulações da burguesia em contraponto às necessidades reais do povo.

Entretanto, no contexto abordado nessa dissertação, esse conceito político de ideologia não se

aplica porque a concepção de ideologia discutida aqui não perpassa pelo campo das lutas de

classes, mas pelo campo dos desejos, a eterna busca do homem pela perfeição, sua razão de

existir.

De acordo com a Análise do Discurso, o indivíduo é interpelado pela ideologia no momento

em que esta representa sua crença na manutenção do seu sentimento de pertencimento àquele

grupo; ele crê naquele grupo e nos seus dogmas, desse modo, os elegerá como seus. Assim o

conceito que mais se aproxima da discussão proposta é o encontrado em Ricoeur (1977, apud

BRANDÃO, 2004, p. 27), no qual a ideologia tem a função geral de mediadora na integração

social do grupo, sendo caracterizada por cinco traços, dentre eles, a ideologia é dinâmica e

motivadora. Ela impulsiona a práxis social, motivando-a, desse modo, “um motivo é ao

Page 17: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

16

mesmo tempo aquilo que justifica e compromete”. Por isso, “a ideologia argumenta”, estimula

uma práxis social que a concretiza. Nesse sentido, ela é mais do que um simples reflexo de

uma formação social, ela é também justificação (porque sua práxis “é movida pelo desejo de

demonstrar que o grupo que a professa tem razão de ser o que é”.) e projeto (porque modela,

dita as regras de um modo de vida).

Dentro desse universo está o homem/mulher africano/a, cuja existência não tem razão de ser

sem sua relação íntima com o sagrado. A religião para os africanos é muito mais do que

rituais específicos em momentos específicos, faz parte do cotidiano, da vida familiar e social.

Há também os momentos especiais2, mas já fazem parte do lado místico, espiritual, é o

complemento necessário para se manter ligado entre o mundo terreno e o espiritual.

[...] Pois o que a religião africana em relação à civilização nos oferece é um modelo

mítico sobre o qual devem-se moldar as condutas dos indivíduos pertencentes à

mesma unidade étnica: a maneira de lavrar a terra, a arquitetura das casas, os passos

de dança, o sistema de parentesco, a organização das chefferies3, os gestos na união

amorosa.[...]( BASTIDE, 1967, p.6).

Entretanto, o fato de existir esse lado mais cerimonial que os remete ao mundo espiritual, não

significa que há uma separação cartesiana dessa outra parte, mais privada, mais secreta. Para

Cezne (1994), na África o sagrado e o profano não são elementos separados, eles fazem parte

de um mesmo contexto, perpassando por toda sua vida, não é somente um fenômeno que

acontece em apenas um dia de sua semana, mas em toda ela, pois, para o africano, estar vivo é

a concretização do sagrado em seus corpos, logo, tudo o que está relacionado à vida adquire o

caráter sagrado: o acordar, o trabalho, as relações. As instituições sociais fazem parte desse

sagrado, existem nele e por ele.

As instituições, tais quais a família, o casamento, a organização social, são elas

mesmas de natureza religiosa. Se não fossem religiosas seriam inexistentes, sem

sentido, e por isso mesmo irreais porque o sagrado é mais real que o próprio real. Os

africanos não têm religião eles são religiosos. A religião é algo que interfere no

modo de sentir, de viver e de agir do africano. Ela só pode ser compreendida no

espaço sócio-cultural das organizações sociais. (CEZNE, 1994, p.2)

Cabe esclarecer que isso não significa a ausência de uma religião definida, com cultos

específicos a divindades/deuses específicos, mas que, além dessa parte de suma importância,

2 Momentos especiais são aqueles dos cultos privados, as celebrações específicas: oferendas, festas etc.

3 Autoridade de um indivíduo sobre um grupo em certas etnias ditas primitivas; território sobre o qual se estende

a autoridade de um chefe.

Page 18: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

17

há todo um envolvimento desse africano com a religiosidade para além do culto, do secreto,

do individual e particular.

No tocante à família, a religião é parte indissociável do cotidiano familiar. A exemplo da

cultura yorubana, na qual o Orixá do patrono4 da família é o primeiro cultuado por todos de

sua família, pela esposa e pelos filhos; este culto passa de família para família.

Os iorubás tradicionais são poligínicos, com família extensa habitando residências

coletivas formadas de quartos e apartamentos contíguos, os compounds, cultuando

deuses, os orixás, que são particulares para cada família, cidade e região (Fadipe,

1970). O chefe mora com sua mulher principal e os filhos dela nos aposentos

principais e as demais esposas moram com seus filhos, habitando cada uma quartos

separados. As áreas comuns são reservadas para cozinha, lazer, trabalho artesanal e

armazenamento. A família cultua o orixá do chefe masculino, divindade ancestral

que ele herda patrilinearmente, e que é o orixá principal de todos os filhos. Cada

esposa cultua também o orixá da família de seu pai, que é o segundo orixá de seus

filhos. Assim, os irmãos devem culto ao orixá do pai, que é o mesmo para todos, e

ao orixá da mãe, que pode ser diferente de acordo com a herança materna (PRANDI,

2000, p.61).

Segundo Silveira (2010), na Iorubalândia5 tradicional, cada cidade possui sua divindade

tradicional, com templos dedicados à mesma, além disso, há outros Orixás em outros locais

separados e os santuários pertencentes às famílias.

Em Ilê-Ifé, por exemplo, existem centenas de templos espalhados pela cidade,

dedicados aos distintos orixás. Mesmo no palácio do Oni há uma divisão territorial

entre os vários orixás, cada um com seu espaço próprio. Em certos casos, outros

cultos menores ocupam o mesmo templo dedicado a essas divindades principais, ou

elas dividem o espaço com outras divindades aparentadas ou aliadas. Por exemplo,

em ketu, Nanã Burukum está assentada no mesmo templo de Obaluaiê; e no templo

de Xangô em Okê Fokô, na Nigéria, há pejis para Iemanjá, Obatalá e Orixá Okô. O

culto africano é uma “constelação” de orixás “em torno de alguns outros

proeminentes” (SILVEIRA, 2010, p. 461).

No Candomblé de nação ketu, no Brasil, há casas que além do Orixá de cabeça, como é

denominado o primeiro Orixá do iniciado, o dono do seu Ori, nome dado à cabeça física para

os yorubás; camutuê ou mutuê para os bantu; e tá para a nação fon, também é reverenciado

um ou mais Orixás de família, ou seja, o Orixá do Babalorixá ou da Yalorixá será

efetivamente o dono da casa. Entretanto, há casos em que a família desse Babalorixá ou dessa

Yalorixá possui outros Orixás de família que por algum motivo deixou de ser cultuado:

abandono da tradição, mudança de religião, decepção pessoal, dente outros. Desse modo, esse

4 Patrono da família é o pai, o marido naquela respectiva família.

5 Termo usado para se referir às cidades que compõem a região dos povos yorubás.

Page 19: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

18

Orixá que não foi cultuado pode ser herdado pelo primeiro da família que assumir a religião.

Assim, esse Babalorixá ou essa Yalorixá terá como compromisso o culto a esse Orixá

ancestral de família. Portanto, tem-se o Orixá da cabeça, principal, mas também aqueles

herdados do pai ou da mãe que não foi devidamente reverenciado no passado.

O chefe da família é o chefe do culto do orixá principal, iniciando-se entre membros

da família os sacerdotes que devem receber a divindade em transe ritual durante as

grandes celebrações festivas. O mesmo se dá com respeito aos orixás secundários, os

das esposas. (PRANDI, 2000, p. 61)

Há ainda, um deus geral e os deuses particulares, referentes a cada família, assim como no

candomblé brasileiro, há o culto a Exu, o mensageiro, realizado por todos, pois, segundo a

tradição, Exu é quem leva aos Orixás os pedidos e clamores das pessoas. Também se cultua o

orixá protetor da cidade em que moram, que, em geral, é o Orixá da família do rei e outros

não pertencentes ao chefe da família. Essa escolha é livre.

Na sociedade yorubá, há também o culto ao Orixá da adivinhação, Orunmilá, através do

sistema oracular denominado Ifá. Entretanto, este culto é realizado fora do círculo familiar,

anteriormente, apenas homens eram escolhidos exatamente para isso, nos tempos atuais já se

pode encontrar mulheres nessa prática. No Brasil, não se tem notícia da tradição deste culto.

O culto ao orixá da adivinhação, chamado Orunmilá ou Ifá, é praticado fora do

âmbito da família, por uma confraria de sacerdotes chamados babalaôs,

encarregados de, através de práticas divinatórias, ler e interpretar o futuro das

pessoas, conhecer o desígnio dos deuses, prescrever os sacrifícios propiciatórios aos

orixás. A adivinhação do babalaô é praticada através da interpretação de um enorme

acervo de mitos (seus instrumentos divinatórios selecionam os mitos a serem

interpretados em cada consulta oracular), mitos que ele aprende durante a iniciação e

que explicam para o iorubá seu mundo, a vida, a morte, a ação dos deuses e tudo o

mais que existe, e que fornecem e inspiram os valores e normas da sociedade

iorubana. (PRANDI, 2000, p.61)

Outra sociedade de culto exercido estritamente por homens, nunca por mulheres, é a do culto

aos ancestrais que fundaram a cidade, os egunguns. Este culto é o responsável pela harmonia

da comunidade. Entretanto, há a sociedade do culto aos Orixás femininos das mães, a

sociedade Geledé.

A vida e a morte são vistas de modo diferente dos ocidentais, a concepção de continuidade

através da ancestralidade contribui para que tudo em sua vida seja compreendido como

complemento do que foi iniciado anteriormente por seus ancestrais.

Page 20: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

19

As civilizações africanas são civilizações simbólicas, nas quais os mortos e os vivos

constituem uma mesma comunidade e a morte não são consideradas senão uma

passagem para um estágio superior: assim, o ancestral poderá voltar ao mundo dos

vivos, reencarnando-se no seu bisneto. (BASTIDE, 1967, p. 9).

A morte para o africano, não é o fim, mas antes de tudo, a continuação de um caminho, sendo

que em outro status ou estágio, mais elevado espiritualmente. Para Silva (2007, p. 26), ao

contrário da concepção de morte como desequilíbrio, separação, dissolução da união vital, a

morte, para o africano, significa a continuação da força vital que não desaparece, o homem ou

a mulher ao prestarem serviços à comunidade, deixando assim um legado de solidariedade e

feitos ao próximo, se transforma em ancestral, pois a família africana é constituída de vivos e

dos mortos que um dia também viveram nela.

Tudo tem um significado, nada é por acaso, tudo se completa, transformando homens e

mulheres como parte integrante de um círculo no qual todos são de suma importância e

nenhum pode ser excluído, destruído, sob pena de todos serem prejudicados por causa desse

infortúnio.

(...) O africano vê em tudo que percebe através de seus sentidos coisa diversa da que

ele vê – descobre o Outro, isto é, o sagrado, através dos minerais, vegetais ou

animais. Não é a palavra do homem que significa e circunscreve os objetos; são

objetos ou coisas que são “palavras”, para o africano. (...) (BASTIDE, 1967, p. 8).

Em palestra ministrada durante o II Congresso Internacional de Africanistas, em 1967, Roger

Bastide já concebia, através de sua pesquisa, a visão de mundo do africano, diferenciando-a

do ocidental. Na sua fala, ele compreende a dinâmica dessa civilização, na qual céu e terra

não são separados totalmente, logo, transitar entre esses dois polos não se torna um caminho

fora da compreensão humana, pertencente ao campo da imaginação, mas uma ação possível e

realizável.

As civilizações africanas conhecem e cultivam o transe, como participação do

homem com o sagrado, com o mundo dos mortos, com o mundo das forças

cósmicas, o mundo dos deuses que controlam ou regem essas forças cósmicas. O

que quero simplesmente assinalar aqui é que o transe africano nada tem de afetivo,

não é absolutamente o que Caillois desejaria que fosse: uma descida para o abismo –

é ao contrário, como acabo de defini-lo, uma práxis desse sistema de participações,

que é um sistema de ligações, comunicações, equilíbrios cósmico – um sistema,

portanto, isto é, algo intelectual, metafísico, em suma, a expressão de um

pensamento anticartesiano, mas que não deixa de ser um pensamento. O transe não é

“ruptura”, “desequilíbrio”, loucura passageira: ele é “participação vivida”, a própria

experiência da organização do real e suas ligações místicas. (BASTIDE, 1967, p.12)

Page 21: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

20

É dentro desse arcabouço tradicional que se encontra o princípio da hierarquia, uma vez que

os antepassados são os primeiros responsáveis por todos os atos e movimentos, afinal, eles

chegaram primeiro. Partindo dessa compreensão, pode-se entender porque aqueles que

possuem mais idade são detentores do poder de orientar aos mais novos; teoricamente, eles

receberam dos antepassados o segredo, o conhecimento que os mais novos terão em um futuro

próximo.

Todos esses elementos contribuem para a adoção dessa ideologia, absorvida como algo que

atende aos desejos do descendente desses primeiros africanos, agora, o iniciado no

Candomblé. Esse iniciado possui uma compreensão própria da religião, ainda que em alguns

momentos sua condição seja utilizada como motivo de constrangimento para o mesmo. É a

ideologia que faz com que esse iniciado aceite todos os preceitos que lhe são ensinados sem

questionar, ou, mesmo questionando aqueles que lhe sejam opressores, não desista de seguir o

caminho religioso escolhido.

2.1 AS CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO NA ORIGEM DAS RELIGIÕES DE MATRIZ

AFRICANA NO BRASIL

A história das religiões de matriz africana no Brasil caminha lado a lado com a construção do

povo brasileiro, pois tudo começou com o sequestro de negros africanos para suprir o

mercado negreiro das Américas e, principalmente, do Brasil. A escravidão foi responsável

pelo corte brutal que separou famílias e tradições milenares.

(...) A dispersão era muito grande, famílias inteiras e grupos étnicos foram

separados. A etnia bantu se espalhou mais pelos interiores dos estados do Rio de

Janeiro, São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo, Maranhão, Pernambuco, Bahia, e

Rio Grande do Sul. Os iorubás, fons e savalunos ficaram mais concentrados nas

áreas urbanas dos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Bahia, Pernambuco e

Maranhão. Preponderantemente, os ewes e uma outra parte dos savalunos foram

para o Maranhão e uma pequena parte para a Bahia e Pernambuco. Um outro grupo

étnico, pertencente à mega-nação fon, e talvez um dos últimos a ser trazido,

provinha de Aladá (os aladanos), cidade do Benim,e foi trazido diretamente para o

Rio de Janeiro. Não existem registros históricos de sua chegada ou de sua estada em

Salvador, Bahia. Era o grupo que formava o Axé Podabá, trazido por Gaiaku Rosena

e, mais tarde, herdado por Mejitó, de Vodun Ijó (KILEUY E OXAGUIÃ, pag. 33,

2014)

Dentro desse arcabouço de misérias, a religião foi o que manteve os negros escravizados de

pé, lutando contra as adversidades e atrocidades que lhes foram impostas. Parés (2007, p. 76)

acrescenta: “o escravo africano, quando capturado pelos traficantes não só perdia a liberdade;

Page 22: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

21

com ela iam-se os vínculos familiares e sociais, assim como os referentes culturais da sua

terra.” Esse processo é denominado por Orlando Patterson de “morte social”, pois esse

africano após ser levado para longe de sua terra, passa por outro processo, o de

despersonalização, uma vez que, ao ser vendido para os europeus, era batizado na religião

católica, com um nome português, no Brasil, devia aprender uma nova língua, alguns deles

aprendiam a língua bem antes de chegarem aos destinos designados pelo tráfico em locais

denominados pombeiros6; agora já não eram mais homens e mulheres, eram mercadorias,

possuíam preços diversos, ao invés de nome de família possuíam o nome do proprietário que

os venderiam como peças no mercado; sua etnia ou nação de origem começava a se perder no

momento em que eram identificados pelos traficantes como pertencentes ao local de

embarque, já na condição de escravizado. Segundo Póvoas (2011, p. 252), [...] A história da

escravidão no Brasil encerra uma série de lutas perseguições, desprestígio, sofrimento e dor,

mas também de resistência [...].

O tráfico negreiro no Brasil iniciou-se no século XVI, por volta de 1502. Durante três séculos

foi um dos comércios mais lucrativos para a Europa, através dele, foram trazidos à força mais

de 6.000.000 negros e negras de diversas localidades da África. Segundo Mattoso (1982, p.

22-23), a distribuição desse contingente de africanos se deu em três ciclos:

a) no século XVI, o ciclo da Guiné, trazendo escravos sudaneses, originários da

África situada ao norte do Equador;

b) no século XVII, o ciclo de Congo e de Angola, que trouxe para o Brasil os negros

bantos;

c) no século XVIII, o ciclo da costa de Mina, que trouxe novamente os sudaneses. A

partir de meados do século XVIII, esse ciclo se desdobra para dar origem a um ciclo

propriamente “baiano”: o ciclo da baía do Benim;

d) no século XIX, chegam escravos de todas as regiões, com uma predominância de

negros provenientes de Angola ou de Moçambique.

Desse modo, o multiculturalismo foi um dos fatores que favoreceu a diversidade de

características nas religiões afrobrasileiras que vão da linguagem ao vestuário, todavia, apesar

dessa variedade de elementos que fazem a diferença entre um culto e outro dentro de religiões

advindas de um mesmo tronco, há semelhanças que são a essência dessa tradição. Segundo

Bastide (1983), historicamente, duas ações contraditórias agiram sobre os negros escravizados

do Brasil, por um lado, os navios traziam aleatória e indiscriminadamente membros das mais

6 Pombeiros – nome dado aos locais onde os africanos capturados eram aprisionados até formarem um número

bastante grande de pessoas a serem vendidas como escravizados.

Page 23: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

22

diversas tribos ou etnias, chegando ao destino, essa mesma “carga” sofria outro processo de

separação a mercê das necessidades agrícolas, logo, uma nova “destribalização” não só de

família distribuídas ao acaso, mas também de novos contatos humanos, ocorridos durante a

viagem, daí uma solidariedade nova, a estabelecida pelo sofrimento comum a todas aquelas

pessoas escravizadas e separadas dos seus. Estabelece-se daí uma nova sociedade, a da

sobrevivência, substituindo a comunhão clânica7.

As religiões de matriz africana no Brasil adquiriram formas de sobrevivência, absorvendo

traços de culturas diferentes, pois a mistura de etnias foi uma das estratégias utilizadas pelos

governantes e pela igreja numa tentativa de evitar revoltas. Todavia, o que fora criado para

separar tornou-se fomento de união: na contemporaneidade, veem-se características diversas

confirmando a contribuição de várias etnias na construção de uma religiosidade marcada pela

separação dos seus, pela perseguição, mas, sobretudo, pela resistência.

Por outro lado, foi a política dos governadores e do clero, para impedir uma revolta

geral da mão-de-obra servil, para destruir a solidariedade de todos os homens de cor,

quer nas festas profanas, quer por meio de confrarias religiosas, manter unidas as

“nações” separadas e hostis. Desse duplo movimento resultou de um lado o

sincretismo religioso entre os cultos ioruba e daomeano; a assimilação dos bantos à

mitologia nagô-jêje e de outro lado o fato de o candomblé atual continuar a ser, em

grande parte, um candomblé étnico (BASTIDE, 1983, p. 261).

No Brasil, as manifestações religiosas de matriz africanas possuem traços de diversas culturas

tradicionais da África, assim como, através do contato em terras brasileiras, dos povos nativos

brasileiros, encontrados nessas terras no período da colonização portuguesa. Assim, a

religiosidade dos negros trazidos de África adquiriu novos elementos dando novas formas aos

antigos cultos de acordo com a região para onde eram comercializados.

A religião negra, que na Bahia se chamou candomblé, em Pernambuco e Alagoas,

xangô, no Maranhão, tambor de mina, e no Rio Grande do Sul, batuque, foi

organizada em grupos de “nações”, ou “nações de candomblé” (Lima, 1984), e em

cada uma delas a nação africana que a identifica é responsável pela maioria dos seus

elementos, embora haja grande troca de elementos entre elas, resultado dos contatos

entre nações no Brasil e mesmo anteriormente na África (PRANDI, 2000, p. 60).

Segundo Prandi (2000), o candomblé brasileiro se estruturou baseado na família yorubá,

tendo um chefe máximo, masculino ou feminino, um orixá principal, o fundador da casa ou

comunidade candomblecista, ao qual é erigido o templo principal ou barracão, em redor são

7 Denominação dada por Bastide aos clãs formados pelas diversas etnias da África.

Page 24: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

23

erigidas outras casas onde são cultuados os Orixás secundários, sem deixar de lembrar que o

fato de haver esta separação não minimiza a importância de todos os Orixás na crença da

comunidade.

Como se pode observar, a construção do povo brasileiro sempre perpassou por caminhos

dolorosos e marcados pelo genocídio ou apagamento de outras culturas, de outros povos. Um

exemplo disso foi a escravização dos negros africanos. Capturados e tratados como animais,

separados de suas famílias e tradições; reagrupados com etnias por vezes inimigas,

submetidos a castigos físicos, à fome, à reclusão em lugares fétidos; transplantados para um

país totalmente desconhecido, com uma cultura também desconhecida; esse africano precisou

se reestruturar para sobreviver, pois todas essas rupturas atingiram-no naquilo que é mais

importante em sua vida, sua religiosidade.

A intolerância dos tempos presentes guarda íntima relação com o empreendimento

colonialista, como afirmado na Declaração de Durban. A conquista e dominação dos

povos da África, das Américas e da Ásia pressupunham, ademais da utilização da

força das armas, a inculcação dos valores culturais dos dominadores europeus por

diferentes vias, sobretudo a religião e o sistema de ensino, este fortemente

influenciado por aquela. Uma combinação de força militar, religião e ensino (ou a

negação do mesmo). Se a força militar responde pelo genocídio, ou seja, a

eliminação dos corpos daqueles que se opunham à dominação, o etnocídio cuidou da

eliminação dos valores étnicos dos povos dominados, e partiu do princípio de que

estes poderiam ser melhorados para se ajustarem ao modelo cultural do dominador.

Era preciso apagar da mente desses povos as suas lembranças, suas concepções de

mundo, tradições e crenças, e os seus deuses. Não seria diferente no Brasil,

colonizado pelos portugueses, e que teve o catolicismo como religião oficial desde

os tempos de colônia de Portugal até a Proclamação da República, em 1889

(SILVA, 2009, p. 17).

Em terras brasileiras, esses africanos, agora reunidos pelo sofrimento igual a todos da mesma

cor, começaram a recriação religiosa, sendo que, naquele momento, ela teria que adquirir um

caráter diferente do existente em sua terra de origem, agora a religiosidade era acrescida da

mistura de etnias, assim poderia contemplar a todos.

Mas a partir do momento em que tal intento foi percebido como uma forma de manter aquele

povo unido e forte, essa prática também começou a ser reprimida, pois foi observado que esse

africano, quando fortalecido em sua essência religiosa, tornava-se menos submisso aos maus

tratos e à jornada excessiva de trabalho, podendo ser perigoso e subversivo aos outros

escravizados.

O sermão de um padre poderia ser o palco da disseminação de tais valores e práticas

discriminatórias. Em visita à cidade de São Félix, o padre missionário Pedro Rocha

Page 25: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

24

transformou os candomblés em tema de sua prédica dominical. O sacerdote

“divagou” sobre os candomblés, utilizando um texto que os caracterizava como

“antros de misérias e torpezas inomináveis” com suas “negras e funestas feitiçarias”.

O artigo que o vigário lançou mão exigia a ação da polícia contra os candomblés,

divulgava nomes das mães- de- santo acompanhados de adjetivos desprezíveis e

apontava a localização de seus pejis na cidade da Cachoeira (SANTOS, 2009, p.39).

Novamente, esse africano precisou reinventar-se ao mascarar suas crenças com as crenças do

poder vigente, quando fingindo aceitar a religião do opressor, no caso o catolicismo,

conseguiu continuar sua tradição religiosa, citando como exemplo as historias de altares que

em uma primeira vista tinham os santos católicos, mas por debaixo dos mesmos altares

estavam as ferramentas dos deuses cultuados em África.

A partir dessa prática, a ideia de um sincretismo se desenvolveu entre todos, a associação de

santos católicos com deuses africanos se disseminou como uma prática comum e aceitável,

até o ponto em que as religiões de matriz africana começaram a despontar como frequentada

não só por negros e mestiços, mas por brancos da classe abastada do reino.

No momento em que tal comportamento começou a aumentar, nova perseguição contra o

candomblé e outras religiões advindas da mesma matriz foi iniciada. Nesse momento, por um

dos instrumentos mantenedores da ordem pública, ou seja, a polícia, com a ajuda da imprensa

local. Na história, há diversos testemunhos de candomblés invadidos e destruídos pela polícia,

com o aval da sociedade e do poder local. Segundo Santos (2009, p. 25-26) a imprensa foi um

forte colaborador na repressão às religiões de matriz africana, como exemplo, ele cita alguns

dos argumentos usados pela imprensa Cachoeirense em um dos seus jornais intitulado A

ORDEM para justificar a perseguição dos candomblés da cidade de Cachoeira, no Recôncavo

baiano: modernização urbana; valorização do trabalho e repressão à vadiagem; repressão aos

divertimentos populares; economia dos hábitos, das falas e dos gestos; expurgar das cidades

as heranças africanas.

A notícia articula bem todos os argumentos da imprensa contra as práticas culturais

e religiosas de matriz africana e de seus partícipes, bem como em favor de suas

idéias de civilização. Como vimos, destaca-se a oposição candomblé e feitiço de um

lado, e do outro, o progresso e a civilização. Desse modo, era necessário expurgar da

cidade os “costumes negreiros” importados da Costa da África. Era inadmissível

para os setores letrados locais a presença desses maus costumes “dentro da cidade”.

Na defesa da civilização, da tranquilidade, do trabalho e da moral das “famílias

honestas”, a imprensa propugnava o combate à vadiagem e aos costumes de “negros

selvagens”. Nesse sentido, por fim, criminalizava o que chamava de “negros

desocupados” em suas “folias macabras”, tornando-os caso de polícia (SANTOS,

2009, p. 29).

Page 26: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

25

Com isso, no inconsciente dos descendentes desses africanos, ficaram os resquícios do

esconder-se, do negar sua origem e religião, mesmo quando essa repressão explícita parou de

acontecer. Nos séculos XX e XXI, não há mais a repressão institucionalizada, entretanto, os

ecos de um racismo que tentou sufocar essa religiosidade permanecem na memória dos

afrodescendentes, fazendo que os mesmos ainda possuam certo receio de mostrar-se como

seguidor de uma religião de matriz africana, a exemplo do candomblé.

Reconhecer-se e dizer-se pertencente ao candomblé remonta toda uma história de dores,

perseguição e repressão pela qual passaram os ancestrais que para aqui foram trazidos,

primeiro pela igreja, depois pela polícia, desse modo, ainda que tais instrumentos de opressão

não existam de fato, na memória eles permanecem fazendo com que iniciados e adeptos do

candomblé sintam-se desconfortáveis de admitirem-se como tais.

Em séculos de existência, as religiões de matriz africanas procuram manter-se fieis às

características primeiras, ainda que essas características sejam mescla de várias culturas da

África. O tráfico escravista promoveu, sem querer, a união pela dor da separação, embora seja

contraditória tal afirmação, pode-se constatar que a dissolução de famílias que antes até

possuíam disputas internas por territórios, fez com que essas mesmas famílias se unissem em

torno de outro ideal, a liberdade. Todos esses fatores agrupados compõem as condições de

produção responsáveis pela construção do discurso em defesa da preservação das

características de sua religião assim como do direito de cultuá-la.

Dentro desse arcabouço, tudo que fosse característica étnica tornou-se motivo de resistência, a

partir do momento em que esses foram os únicos laços concretos entre os povos escravizados

e seus lugares de origem, suas culturas, seu modo de existência. À religião, coube o papel de

manter o respeito pelos ancestrais e pelo próximo, companheiro de sofrimentos, por parte de

seus descendentes, é, para Orlandi (2010, p. 32) uma relação entre “o já-dito e o que se está

dizendo”.

O iniciado no candomblé não só aceita os preceitos estabelecidos pela religião, ele os defende

como estratégia que fomenta a preservação da mesma. Desse modo, assumir-se enquanto

candomblecista, significa reproduzir os discursos que fortalecem a continuidade desses

preceitos e da tradição o mais próximo possível do que eles são em um contexto diferente: a

Page 27: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

26

atualidade. É o intradiscurso ao qual se refere Orlandi (2010, p. 33), o que se diz em um

momento dado, em condições dadas.

Dentro do terreiro de candomblé, a história passada e presente dialogam continuamente

quando, ecos dessa escravização soam com a intenção de lembrar porque se deve agir de

acordo com os preceitos e não com sua própria vontade, esses ecos também justificam a

comunhão e a solidariedade entre os irmãos de fé. Desse modo, assumir-se de candomblé é

conviver com essas duas situações: preservar a tradição em função do rompimento a que

foram submetidos os ancestrais e, através, dessa estratégia, manter a união e solidariedade no

grupo. Segundo Orlandi (2010, p.33), o saber discursivo constitui-se através da história,

produzindo dizeres, a memória torna possível esse dizer para esses sujeitos em um

determinado momento, representando o eixo de sua constituição, o que ela denomina de

interdiscurso.

Logo, pode-se afirmar que o cotidiano do iniciado no candomblé e do sacerdote que lidera a

comunidade do terreiro compõe-se do diálogo permanente entre a memória e a atualidade.

Embora muito do que foi dito, tal como foi dito, perdeu-se com o tempo, há uma memória

interna, ainda que muitas vezes não compreendida, mantendo os ecos de uma tradição a ser

mantida e os métodos para que isso aconteça, esses são os fundamentos e preceitos nos quais

estão baseados os códigos de conduta dentro do candomblé.

À ideologia caberá o papel de inscrever esses sujeitos (iniciado e sacerdote) em determinadas

redes de sentidos e não em outras, a relação histórica desses dois sujeitos determinará a

relação dos mesmos com esses sentidos e não com outros, é a ideologia que fará com que

descendentes ou não dos africanos escravizados se identifiquem com sua história, tomando

para si a responsabilidade de dar continuidade à tradição trazida por esses povos.

Entretanto, pode-se observar que tanto os papeis ideológicos quanto da condição de produção

desses iniciados, principalmente se tiverem uma escolaridade maior, têm se modificado,

quando são questionados em sua validade, principalmente pelos mais novos, a rigidez e o

conservadorismo por parte dos mais velhos e daqueles que estão nos cargos de comando, a

exemplo de ogãs e equedes, não é recebida com total aceitação por aqueles que não

compreendem os motivos dos preceitos religiosos serem tão “arcaicos” como pensam alguns.

Vê-se então, o deslocamento de uma memória de sofrimentos, para a resistência e uma

possível legitimação de pertencimento, sem a necessidade de submissão que se confunde com

humilhação para aqueles desconhecedores dos caminhos percorridos pela tradição religiosa.

Page 28: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

27

2.2 AS NAÇÕES

Às divisões étnicas em que os africanos eram agrupados deu-se o nome de nação. Segundo

Parés (2007), o uso do termo “nação” vem desde os séculos XVII e XVIII, no continente

africano, sendo usado inicialmente, no contexto do tráfico, por traficantes de escravizados,

missionários e oficiais administrativos das chamadas “feitorias” europeias da Costa da Mina,

para denominar a origem dos diversos grupos étnicos.

O uso inicial do termo “nação” pelos ingleses, franceses, holandeses e portugueses,

no contexto da África ocidental, estava determinado pelo senso de identidade

coletiva que prevalecia nos estados monárquicos europeus dessa época, e que se

projetava em suas em suas empresas comerciais e administrativas na Costa da Mina

(PARÉS, 2007, p. 23).

Desse modo, a ideia de nação decorre desde a África, partindo do princípio multicultural e

multiétnico comum nesse continente. Princípio esse baseado em diversos elementos que

fortalecem essa identidade diversificada. Sobre isso, Parés (2007) acrescenta que, ao

chegarem em África, os estados soberanos europeus encontraram um forte e paralelo sentido

de identidade coletiva nas sociedades localizadas na parte ocidental desse continente. Essa

identidade é baseada, sobretudo, na afiliação por parentesco a certas chefias normalmente

organizadas em volta de instituições monárquicas. Além disso, a identidade coletiva das

sociedades da África ocidental era multidimensional e estava articulada em diversos outros

níveis como: o étnico, o religioso, o territorial, o linguístico, o político etc.

Em primeiro lugar, a identidade de grupo decorria dos vínculos de parentesco das

corporações familiares que reconheciam uma ancestralidade comum. Nesse nível, a

atividade religiosa relacionada com o culto de determinados ancestrais ou de outras

entidades espirituais era o veiculo por excelência da identidade étnica ou

comunitária. Tal pertença era normalmente assinalada por uma serie de marcas

físicas ou escarificações no rosto ou em outras partes do corpo (PARÉS, 2007, p.

23).

Essa ideia de nação, entretanto, não era de caráter imutável, estava sujeita a diversas

modificações, sejam elas de caráter matrimonial, ou em decorrência de guerras, apropriações

culturais, agregação de linhagens escravizadas, dentre outros fatores. No Brasil, essa

denominação adquire outra perspectiva, sendo usada apenas para designar os portos de onde

saiam a levas de escravizados e, posteriormente, as “nações dos candomblés”. Lembrando que

além desta, no Brasil, existem várias religiões espíritas de influência africana como: o

Page 29: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

28

catimbó, a umbanda, o batuque, o xângo entre outras, como afirmam alguns pesquisadores, a

exemplo de Botão (2007), sobre o conceito de nação dentro do candomblé, ele acrescenta:

No interior do candomblé existem diferentes denominações de culto que são

chamadas de nação. Cada grupo/etnia que aqui aportou pertencia a locais distintos

na África, tendo, assim, costumes e culturas diferentes. Daí surgirem as nações, ou

seja, a prática do candomblé conforme ritos específicos da origem do povo

praticante. Como a nação de ketu, a nação jeje, a nação angola e a nação congo

(atualmente essas duas ultimas consideram-se fundidas dada a grande semelhança

das práticas religiosas e a proximidade das línguas utilizadas, que são,

respectivamente, o kimbundu e o kikongo) (BOTÃO, 2007, p. 35).

No período colonial do Brasil, esse tipo de agrupamento não só era incentivado, como

também havia incentivo para que cada nação tivesse seu governante próprio, assim, era fácil

comandar os escravizados, pois, devido às rivalidades históricas, muitos africanos de etnias

rivais denunciavam possíveis levantes aos senhores e à coroa.

Inicialmente, no Brasil, os escravos urbanos e os negros livres eram divididos em

nações e o governo colonial permitia e incentivava que eles tivessem seus próprios

reis e seus governadores, política que visava evitar a união generalizada dos negros e

a possibilidade da sublevação, segundo a velha fórmula que ensina dividir para

reinar, política que, segundo Bastide, se mostrou muito útil para os governantes, pois

cada conspiração foi denunciada de antemão aos senhores pelos escravos de outras

etnias (PRANDI, 2000, p.57).

Segundo alguns autores, a exemplo de Reginaldo Prandi, as primeiras nações que chegaram

ao Brasil são originarias dos grupos denominados Bantu, abrangendo as etnias que formavam

o antigo império do Congo. Segundo Luz (1983, p. 28), até o século XVII não se encontravam

de maneira significativa os chamados Sudaneses. Os povos de Bantu foram afixados, por sua

característica agrícola e na mineração, nas regiões de Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo

e interior do Norte e Nordeste. Os Sudaneses em Salvador, Recife, São Luiz, Porto Alegre e

Rio Janeiro.

A religião de nação Kongo/Ngola caracteriza os grupos trazidos do Antigo Reino do

Congo e de Angola como os Kongos, os Ambundos, os Bakongos. Quanto à nação

Jeje/nàgó, esta engloba povos das seguintes etnias: Mandigas, Fantis,

Ashantis,nMinas, Fon, Mahis, Anexô Savalu, Boalama etc. Tais grupos falavam

várias línguas do tronco fon-ewe tais como: ewe, fon, gun, mahi, mina, etc. Já a

nação chamada Nàgó/kétu foi formada pelos povos oriundos da atual Nigéria e do

Benim (cidade de Kétu), que passam a serem conhecidos, como povos yorùbá

(iorubás), a partir do século XIX (VERGER, 1997). Embarcados no Golfo do Benim

ou saídos de Lagos (Nigéria), esta nação engloba as etnias: haussa, grunci, nagô,

queto, oyó, ijebu, ibô, tapa, fante axante. Estes falam línguas como haussa, nagô,

iorubá e seus dialetos entre outras, presentes em nosso solo (SANTOS, 2011, p. 9).

Page 30: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

29

As nações tinham também a função de, através do caráter religioso, cuidar de negros cativos,

mas, sobretudo, do negro livre e sem nenhum apoio da sociedade em questões de doença e de

auxílio para sobreviver após sua alforria, que, muitas vezes, fora conseguida com o mesmo

apoio dessas nações, muitas vezes acobertada por um nome católico.

As organizações de nação tinham um caráter mais religioso e de ajuda mútua,

sobretudo tratando-se do negro livre, abandonado à própria sorte, não contando, em

caso de doença e morte, nem mesmo com o amparo do senhor. Mas nem incluíam a

todos e nem se encontravam por toda a parte (BASTIDE, 2000, p.58).

Com o passar dos séculos, nação ficou apenas como a denominação das diferentes casas de

candomblé, assim como o candomblé tal qual é cultuado em Salvador, na Bahia, foco desse

trabalho, não se concentrou apenas nessa cidade ou estado, mas se expandiu por outras

regiões do Brasil. Sendo assim, não se pode pensar em pureza de etnia nas nações de

candomblé existentes no país, pois dentro de todas elas encontram-se traços fortíssimos das

etnias diversas remanescentes de África, além de traços regionais distintos.

Assim, na Bahia, temos os candomblés nagôs ou iorubás (ketu ou queto, ijexá e efã),

os bantos (angola, congo e cabinda), os ewe-fons (jejes ou jejes-mahis). Em

Pernambuco, os xangôs de nação nagô-egbá e os de nação angola. No Maranhão, o

tambor-de-mina das nações mina-jeje e mina-nagô. No Rio Grande do Sul o batuque

oió-ijexá, também chamado de batuque de nação (PRANDI, 2000, p. 58).

Lima (1974) define o termo candomblé, além das definições proporcionadas pelos diversos

dicionários da língua e pela literatura etnográfica, valendo-se do uso corrente deste na área

linguística da Bahia, na qual candomblé é a designação comum para religião ou grupos

religiosos caracterizados por um sistema de crenças em divindades de santos ou orixás,

associados ao fenômeno denominado possessão ou transe místico. Este transe considerado

pelos membros dessa religião como a incorporação da divindade nos iniciados ritualmente

preparados para recebê-la:

Esta, uma definição real, para um fenômeno que possui referentes empíricos

nitidamente identificáveis e não apresenta, como diria SPIRO, procurando definir a

religião de um ponto de vista sócio-antropológico, as dificuldades próprias de várias

outras construções não empíricas e hipotéticas da antropologia (3) (LIMA, 1974, p.

17).

Desse modo, o termo nação passou pelo status de designação das etnias, isso se falando do

uso feito por colonizadores, para a designação dos portos de onde os africanos das diversas

etnias embarcavam, para designar os diferentes candomblés na Bahia.

Page 31: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

30

2.2.1 A nação congo/angola (bantu)

O candomblé da nação Angola tem sua origem com os povos africanos vindos das regiões

central e sul da África, correspondentes aos países Angola e Congo, sendo estes enviados

primeiramente para a Bahia e Pernambuco, eram conhecidos como bantu; sobre essa

designação (LOPES 2008, apud BALANDIER, 1968, p.64) explica que o termo bantu foi o

nome genérico dado por W.H. Bleck em 1860 a um grupo de cerca de 2.000 línguas africanas

que estudou e após esse estudo chegou à conclusão de que a palavra munNTU (grifo do autor)

existia em quase todas elas significando a mesma coisa (gente, indivíduo, pessoa) e que nelas

os vocábulos se dividiam em classes diferenciadas entre si por prefixos. Assim, baNTU é o

plural de muNTU, porque nas línguas bantas os nomes são sempre antecedidos de prefixos

que distinguem, por exemplo, o indivíduo (Um, Um, Am, Mo etc), o grupo a que ele pertence

(Ba, Ua, Ki etc.), a terra que ele ocupa ou de onde é originário (Bu, U, Le etc.) e a língua que

ele fala (Ki, U, Tchi etc.) dessa forma, o indivíduo Nkongo (congo), por exemplo, pertence ao

grupo Bakongo (Congo) e fala o idioma Kicongo (Quicongo). Desse modo, os Bantu

constituem bem mais do que uma etnia ou grupo étnico, fazem parte de um grande conjunto

de povos falantes de línguas que têm uma origem em comum, como vários povos europeus.

Durante os primeiros séculos até os meados do século XVIII, eram os bantu maioria no

Brasil, no início do tráfico negreiro. Segundo Botão (2007), esses primeiros africanos foram

trazidos majoritariamente do Sul da África, correspondendo à Angola e Congo, para suprirem

a necessidade de trabalhadores servis nas lavouras de cana-de-açúcar. Sendo capturados em

suas terras em conflitos intertribais ou por caçadores portugueses, conhecedores da região,

especializados no comércio de “carne humana”, que já acontecia bem antes do descobrimento

do Brasil. Após capturados, esses homens, mulheres e também crianças eram embarcados em

diversos portos da África, como: Luanda, Mossâmedes, Benguela e no rio Ambriz. Entre os

bantu, também vieram muitos povos de outros grupos étnicos linguísticos, destacando-se

entre eles os angola, os cabinda, os benguelas, os moçambiques, os macúa, os congo. Com as

primeiras descobertas de minas de ouro no Brasil, iniciando esse ciclo, ocorre o deslocamento

do tráfico para a região do golfo da Guiné, pois, segundo o autor, acreditava-se erroneamente

que os sudaneses, oriundos dessa parte da África eram mais resistentes do que os bantu a esse

tipo de atividade. Dentro da vasta pesquisa sobre a origem dos povos africanos que foram

trazidos para Brasil. Barcellos (1998, apud BUTÃO, 2007, p. 37) acrescenta:

Page 32: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

31

Os angolanos originaram-se da migração dos negros africanos do norte e nordeste da

África, vindos da região do Sudão. Foram mais de 150 milhões de emigrantes, que

ao longo de sua jornada até o sul da África foram fundando impérios, reinos e

países. Os bantos foram fundadores do Congo, de Angola, da Namíbia etc

(BARCELLOS, 1998. p. 20).

Sobre alguns aspectos da cultura desse grupo étnico, Placide Tempels (1949) afirma que esta

se baseia no princípio das forças vitais que regem a natureza e, por conseguinte, o ser

humano. Para a cultura Bantu, o mundo se constitui de energia em constante movimento e

alteração, essas forças vitais recebem quatro nomes em língua bantu: muntu, kintu, hantu e

kuntu.

A primeira, Muntu, se refere ao homem, cujo plural é bantu (homens), os seres

humanos, compreendendo tanto os vivos quanto os mortos, a força dotada de

inteligência, capaz de manipular “a força-ser”;

A segunda categoria, Kintu, que compreende as forças que não podem atuar por si

mesmas e que se fazem ativas pela ação de um Muntu. A esta categoria pertencem

as plantas, os animais, as ferramentas, os utensílios e os minerais, tudo o que existe

na natureza;

A terceira categoria, Hantu, é a força que situa, no espaço e no tempo, todos os

movimentos, tudo o que seja movimento. Assim, no pensamento africano lugar e

tempo se confundem.

A quarta categoria, Kuntu, é a força modal, um modo de ser, uma modalidade

valorativa: a beleza, a alegria, o prazer, a felicidade, a apreciação, a fruição estética

(TEMPELS, 1949, apud SILVA, 2007, p. 24-25).

Partindo dessas características supracitadas, pode-se observar algumas diferenças entre a

nação Angola-Congo e a Ketu. A primeira delas diz respeito às divindades que regem essas

duas nações, para alguns estudiosos, a exemplo de Previtalli (2003), o fato de associarem as

divindades da nação Angola-Congo com a da nação Ketu como se fossem iguais, causam

certa inquietação por parte de seus iniciados.

O principal culto do candomblé angola é orientado para os inquices. Os inquices,

por serem associados aos orixás do candomblé queto, têm sido uma das grandes

preocupações de parte dos pais e mães de santo da nação angola em São Paulo.

Diferenciá-los, de maneira que possam ser dissociados dos orixás, é uma tarefa

complicada, uma vez que as fronteiras não podem ser facilmente delimitadas e a

similaridade entre os cultos são maiores do que as possibilidades de separá-los

(PREVITALLI, 2003, p. 6).

O Nkisi (no plural jinkisis) ou inquice, como se diz na forma aportuguesada, são as

divindades superiores do candomblé da nação Angola-Congo; segundo Kileuy & Oxaguiã

(2014, p. 182), esse vocábulo pode ser trazido também como “ser sobrenatural” ou como

“espírito que auxilia”.

Page 33: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

32

Questões históricas diversas contribuíram para que um pouco da característica dessa nação

fosse confundida com as da nação Ketu, fazendo com que se pensasse possuírem a mesma

estruturação religiosa. Embora haja semelhanças, cabe separá-las como forma de análise de

sua dinâmica de culto.

Outra diferença encontrada na nação Angola-Congo é a língua usada em seus rituais, no caso

cantam suas músicas e rezas cerimoniais em uma fusão das línguas kimbundu (quimbundo) e

kikongo, que são também as únicas línguas do tronco bantu que sobreviveram à

desestruturação de seu povo. Utiliza-se também em outras cerimônias, a exemplo das festas

de caboclo, o português. Mas é possível em alguns terreiros, encontrar o uso de outras línguas

como o yorubá, e o ewê, o que possibilita verificar que a união é parte constante na

perpetuação do culto.

A nação Angola-Congo também se distingue da nação Ketu pelos toques, realizados com as

mãos. Dentre os toques podem ser citados o congo-de-ouro, o barravento, o cabula ou

angola-mujola, rebate e arrebate. Os atabaques, principais instrumentos usados para os

toques, na nação Angola-Congo são denominados ngoma: ngoma tixina (o atabaque grande),

ngoma mukundu (o atabaque médio) e ngoma kasumbi (atabaque pequeno). A sucessão de

toques é denominada Jambereçu. Na nação Jeje, esses instrumentos são denominados huntó.

A denominação para Deus dentro da cultura bantu pode variar de etnia para etnia, a exemplo

de: Nzambi para os bachicongos, baiacas, bassurongos; Kalunga para os bimbundas,

nhanecas-humbes; Nzambi-Mpungu para os congos-bavilis e ainda Mulungu, Makuru,

Muvangi etc. para os bantu, esse Deus está acima de todas as coisas vivas ou não, não se pode

ter acesso direto a ele, precisando para isso da ajuda dos Jinkisis.

2.2.2 A nação ketu (yorubá)

A nação Ketu comporta inicialmente os africanos oriundos da região onde se localiza a atual

Nigéria, antiga cidade de Oyó, tendo suas cerimônias rituais faladas no idioma dessa região.

Na nação ketu, as divindades cultuadas recebem o nome de Orixás.

Na Bahia surgiram os candomblés ketu e ijexá e mais recentemente o efã, todos de

origem acentuadamente nagô ou iorubá, além de um candomblé de culto aos

ancestrais, o candomblé de egungum. Também da Bahia é o candomblé jeje ou jeje-

mahi, enquanto no Maranhão o tambor denominado mina-jeje dependeu mais de

Page 34: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

33

tradições dos jejes daomeanos, ali também se criando uma denominação mina-nagô.

Em Pernambuco sobreviveu a recriação da nação egbá, também chamada nagô, e no

Rio Grande do Sul, as nações iorubanas oyó e ijexá. Em Alagoas criou-se um culto

de nação xambá, igualmente nagô, hoje praticamente extinta (PRANDI, 2000, p.

60).

No Candomblé da nação Ketu, Orixá é o nome dado a um deus ou divindade das cidades ou

famílias africanas que o cultuam. Famílias numerosas que aumentam a proporção em que são

acrescidas, por exemplo, quando duas delas se reúnem para transformarem-se em uma só

através do casamento de seus filhos ou filhas.

A religião dos Orixás está ligada, como afirma Verger (1997, p.18), à noção de família

numerosa, originária de um mesmo antepassado, que engloba os vivos e os mortos, esse Orixá

seria, em princípio, um ancestral divinizado, que, em vida, estabelecera vínculos garantindo-

lhes um controle sobre certas forças da natureza como o trovão, o vento, as águas, ou, então,

lhe assegurando a possibilidade de exercer certas atividades como a caça, a metalurgia ou,

ainda, o conhecimento em plantas e suas propriedades medicinais.

Segundo a tradição africano-brasileira, cada Orixá possui uma determinada cor, uma

determinada comida que obedece a normas específicas de preparo, possui sua indumentária

específica, possui um conjunto de objetos, denominados ferramentas, simbolizando sua força

e os elementos da natureza que são regidos por ele (água, fogo, terra e ar dentre outros), rege

uma determinada área ou órgão do corpo humano, possui suas plantas ou folhas específicas,

danças específicas, dia da semana e, alguns deles, hora do dia, dentre uma série de outras

características bem peculiares que diferencia um Orixá do outro.

O orixá é uma força pura, aṣé imaterial que só se torna perceptível aos seres

humanos incorporando-se em um deles. Esse ser escolhido pelo orixá, um de seus

descendentes, é chamado seu elégùn, aquele que tem o privilégio de ser “montado”,

gùn, por ele. Torna-se o veículo que permite ao orixá voltar à terra para saudar e

receber as provas de respeito de seus descendentes que o evocaram (VERGER,

1997, p. 19).

No candomblé do Brasil, cultuam-se todos os Orixás no mesmo espaço, diferentemente da

África, onde o culto a essas divindades era feito por famílias, cada Orixá era o “patrono” de

uma linhagem familiar em particular; com o tráfico e escravização dos africanos, essa tradição

sofreu uma mudança radical, pois, para manter suas origens esses indivíduos precisaram

adaptar-se e juntarem-se uns aos outros, agregando, dessa forma, as várias práticas religiosas

de outras famílias, daí os vários elementos diferentes constantes no candomblé da nação ketu.

Page 35: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

34

O candomblé “de ketu” não estabeleceu, portanto na Bahia apenas a tradição jeje-

nagô, como pretende a literatura antropológica, amalgamou-a com outras tradições

igualmente fortes, existentes através da Iorubalândia. É o que afirma o finado

Elemaxó Agnelo, quando dizia que “o Candomblé da Barroquinha era eclético,

praticava todas as linguagens”; e que “as etnias se aculturaram para poder fazer a

festa”. Os orixás regentes do Ilê Axé Iyá Nassô Oká, a Casa Branca do engenho

Velho da Federação, além de, naturalmente, Oxóssi e Xangô, são Oxalá e Oxum,

representando as quatro mais fortes tradições iorubanas que aqui chegaram, ou, para

retomar Agnelo, quatro diferentes “filosofias de culto”, a saber: jeje-nagô, iorubá-

tapá, aon Efan e Ijexá (SILVEIRA, 2010, p. 476).

Assim, no candomblé da nação ketu é possível se observar várias características de diversos

povos que deixaram ali seu legado colaborando com a cultura religiosa de matriz africana e ao

mesmo tempo preservando um pouco da sua tradição religiosa a partir do momento em que

através dessa nação que conseguiu resistir e se manter viva, também o faz com seus preceitos.

No candomblé da nação ketu também há instrumentos específicos e o mais importante é o

atabaque que, diferentemente da nação Angola-Congo, é tocado com varetas de madeira

denominadas agdavi, esses atabaques são denominados respectivamente: O Rum (atabaque

grande); Rumpi (atabaque médio); Lé (atabaque menor). Além dos atabaques, também é usado

o agogô.

Há vários toques que são executados de acordo com a ordem dos orixás no xirê, na nação

Ketu, jamberessu na nação Congo-Angola, odorozan/adorozan (odohozan)na nação Jeje,

momento em que o culto se traduz em forma de festa permitindo a participação da

comunidade de fora dos terreiros, o xirê obedece a uma ordem diferente do princípio da

senioridade8, sem, entretanto excluírem-se. Durante as cerimônias, como o xirê, pode-se ouvir

diversos toques, como: ijexá (sendo este o único que é tocado com as mãos na nação Ketu),

igbin, agueré, bravum, opanijé, alujá, adahun, avamunha, entre outros.

2.2.3 A nação jeje

A nação jeje, termo que segundo Parés (2007, p. 30), foi usado pela primeira vez nas

primeiras décadas do Setecentos para designar um grupo de povos provenientes da Costa da

Mina”. Estudos posteriores demonstraram que os povos jeje faziam parte de um grupo

8 O princípio da senioridade é a regra comportamental na qual o mais velho é aquele que detém o maior status de

respeito dentro do candomblé, é o mais respeitado, o que detém a sabedoria e experiência de vida.

Page 36: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

35

minoritário proveniente do antigo reino do Daomé, que compreendia diversas culturas de

diversos povos, dentre eles: fons, adjas, minas, popos, gans etc. Esses povos tinham em

comum a prática religiosa do culto aos voduns, entretanto essa prática variava de povo para

povo.

Segundo Kileuy e Oxaguiã (2014), os voduns são cultuados aos pés de grandes e e antigas

árvores, algumas até centenárias. Esse Igbá9 natural chama-se atinsá

10 e mantém escondidos

os fundamentos destas divindades. Essas árvores recebem cuidados especiais e estão

permanentemente enfeitadas com ojás e laços, diferenciando-as das demais. Os autores

acrescentam que os voduns são considerados ancestrais remotos divinizados e, como os

homens, podem ser jovens, velhos, crianças, femininos, masculinos, tendo pertencido a

famílias reais e ilustres. Costumam ser um pouco rudimentares, embrutecidos e até meio

violentos em suas danças, não possuindo muita aproximação ou intimidade com os seres

humanos. Seus nomes e até mesmo seus rituais, alimentos, folhas, cantigas, emblemas, etc.

são bem distintos das demais divindades. Podem vestir-se de maneira simples com roupas que

deem a liberdade para dançar, movimento de sua preferência, tais como chapéu, camisu11

,

saias coloridas, com pouca roda, relembrando às roupas usadas por africanos, alguns usam

uma espécie de cinta de pano amarrando a saia, logo baixo da cintura. Dançam sempre

voltados para os atabaques em reverencia aos instrumentos que os trazem de volta ao convívio

com seus filhos.

Esses autores afirmam também que o termo jeje (adjeji) origina-se da língua yorubá, cujo

significado é estrangeiro, forasteiro. Era uma forma que os yorubás encontraram para

humilhar, melindrar e afrontar os fons, sendo usado no Brasil para designar o candomblé

formado pelos povos fon, e ewe. Esses povos, como já foi dito anteriormente, habitavam o

antigo reino do Dahome ou Daomé, atualmente Benin, cuja proximidade com a Nigéria fez

com que adotassem alguns orixás cultuados pelos e yorubás, tais como os voduns nagôs Oyá,

Óṣúm,Yemanjá, assim como os yorubá/nagôs adotaram alguns voduns do panteão jeje, a

exemplo Oxumarê; assim como Gana e Togo respectivamente.

9 Igbá (ígbá)é denominação dada ao receptáculo onde o homem venera suas divindades.

10 São árvores muito antigas cercadas e delimitadas por pequenos canteiros ou cercadas por pedras em local

afastado, são preparadas ritualisticamente para se tornar morada sagrada de alguns voduns (KILEUY;

OXAGUIÃ, 2014, p. 187). 11

É um tipo de camisa branca usada pelas mulheres, feita em tecido de algodão, com detalhes em renda, bicos ou

bordador no decote. O camisu é bem comprido, muitas vezes até o meio da coxa. Peça obrigatória no uso diário e

em festas de Orixás.

Page 37: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

36

Com o tráfico escravo, chegaram ao Brasil principalmente os povos Minas (povos da Costa da

Mina, de origem Mina e Popo), os Mahis (povos camponeses de origem Fon, Ewe e Gan), os

Savalus (também de origem Fon, Ewe), povos de Aladá, Uidá e os próprios Adjas. Esses

diferentes povos de diferentes línguas e costumes estabeleceram seu culto no Brasil, sob o

nome de Nação Jeje, baseando-se no culto aos Voduns e formando várias ramificações, dentre

as quais se destacam: Jeje Dahomey: culto estabelecido pelos povos adjas, baseado na

reverência aos Voduns Reais (dirigentes do Dahomey), Voduns da família de Hevioso

(voduns do trovão, juntamente com os tòvoduns ou voduns aquáticos) e Voduns da família de

Dan (serpentes).

Os dirigentes do Dahomey tinham um conflito quanto ao culto de Sakpata, que tinha os títulos

de Jòholú (“Rei das Joias”, aludindo ao fato de ser o dono das chagas) e Ayinon (“Dono da

Terra”), títulos estes que o rei também possuía, o que levou ao culto de Sakpata ter sido

banido da capital e não existir no Jeje Dahomey. Orixás/Voduns Nagôs, não são cultuados

nesta ramificação. O terreiro que representa esta nação é o Terreiro do Pinho (Hunkpame

Dahomey) situado em Maragojipe na Bahia. As línguas faladas são o adjagbé e o ewegbé.

Jeje Mina cujo culto é voltado à adoração real dos voduns de Abomey. Isso porque a

fundadora deste culto (presente unicamente na Casa das Minas, pois nas demais casas de

Tambor de Mina, o culto é Mina Jeje-Nagô, com influências yorubás) era a Rainha Nã

Agontimé. Pesquisas realizadas por Pierre Verger sugerem que Nã Agontimé teria sido

enviada como escrava a São Luis do Maranhão - onde foi renomeada como Maria Jesuína – e

seria a fundadora da célebre Casa das Minas. Pierre Verger (1987) ainda cita:

A Casa das Minas teria sido fundada pela rainha Nã Agontime, viúva do Rei

Agonglô (1789-1797), vendida como escrava por Adondozã (1797-1818), que

governou o Dahomey após o falecimento do pai e foi destronado pelo meio irmão,

Ghezo, filho da rainha (1818-1858). Ghezo chegou a organizar uma embaixada às

Américas para procurar a sua mãe, que não foi encontrada.

A Casa das Minas cultua os Voduns dirigentes e nobres do Dahomey, inclusive Zomadonu,

que é chefe da Casa da Minas, juntamente com Nochê Naé, a ancestral mítica da família Real.

Jeje Mahi, representado pelos povos mahi, cujo culto era voltado a Dan Gbé Sén (Bessém,

este termo significa “adorar a vida” e dangbésén significa “serpente que adora a vida”) e aos

voduns de sua família, e também aos voduns da família de Hevioso ou Kaviono, e os voduns

da família de Sakpata. Voduns reais e Eguns não são cultuados. Tem influências nagôs e em

seu panteão adotou-se alguns Orixás, formando a família Nagô-Vodun, formada

Page 38: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

37

principalmente por Ogun ou Gú, Odé, Oyá, Òsún e Yemanjá. O culto trazido pela africana

conhecida como Ludovina Pessoa, natural de Mahi, iniciada para o vodun nagô Ogun, que foi

escolhida pelos voduns para fundar três templos na Bahia. Ela fundou o “Zoogodo Bogun

Malé Hundo”, mais conhecido como “Terreiro do Bogun”, consagrado a Hevioso e o

“Zoogodo Bogun Sejá Hundê”, mais conhecido como “Kwê Sejá Hundê”, consagrado a

Bessém. O templo que seria consagrado a Azansú Sakpata não chegou a ser fundado. Dizem

os antigos que o Ogun de Ludovina se chamava “Ogun Rainha” ou “Ogun da Rainha”,

podendo supor que ela seria uma integrante da família real ou mesmo uma rainha do território

Mahi. No Rio de Janeiro, o Kpo Dagbá é o grande representante desta nação, fundado pela

africana da cidade de Aladá, Gaiaku Rosena, iniciada para o vodun Bessém. Jeje

Modubi: tinha como representante o “Bitedô” e a chamada “Roça de Cima”, ambos liderados

por Tixareme e também por Ludovina Pessoa. O que difere o Modubi do Mahi, é que no

Modubi o culto a eguns é muito presente e no Jeje Mahi isso é quizila.

Em Jeje Mahi se cultuam Voduns, cujas origens e características se assemelham aos orixás

Yorubás, e alguns tiveram origem de culto dos mesmos (um exemplo é Gú que tem origem de

culto do orixá Ogum). Voduns que tiveram vida terrena e que possuem sepulturas – como os

reais de Dahomey – e Eguns (akútùtós) não são cultuados em Jeji Mahi. A causa disto é que

Gbesén (Bessém), o dono da Nação, ser um vodum estreitamente ligado à vida e à renovação.

Os voduns do Jeje Mahi seguem uma divisão por famílias ou panteões, cujos principais são:

Panteão da Serpente (Dan): nesse panteão agrupam-se todos os “Voduns Serpentes”, estão

ligados diretamente ao movimento, a vida, a renovação e a adivinhação. Alguns voduns Dan:

Gbesén, Dangbala, Áidò Wèdò, Frekwen ou Kwenkwen, Dan Ikó, Dan Xwevé, Dan Akasú,

Dan Jikún ou Ojikún, Azannadô ou Zoonodô (que está ligado também a Hevioso), Aziri ou

Azli.

Panteão do Trovão (Hevioso): Nesta família agrupam-se os Voduns Kavionos, ligados ao

fogo, à justiça, e ao raio, e também os voduns do oceano (Tòvodum) que mantêm estreitas

ligações com os Voduns Kavionos. O Panteão é liderado pelo vodum Sogbo. Os Voduns

Kavionos: Sògbò, Gbadé, Akarumbé, Adeen, Kposu, Averekete, Lissá, Agbé Tayó (vodun do

aceano), Djó e Agbé Hunnòn (avejidá), Loko.

Panteão da Terra (Sakpata): Neste panteão se agrupam os voduns da terra, das riquezas e das

doenças, ligados a vida e a morte. Azansu é o lider do panteão. Alguns voduns do panteão:

Azansú (Sakpata), Ewá, Parará ou Pararalibu, Avimadje, Agué, Ayizan, Nanã, Agbé Gèlèdè e

Page 39: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

38

Abè Afefè (Avejidá). Kposu está ligado a Sakpata, embora seja de Hevioso. Nagô-

Vodum: esses voduns são na verdade orixás, pois são de origem nagô. Os principais são: Gú

(Ogum), Odé, Oyá, Oxun, e Yemanjá. No Bogun, pode-se encontrar o culto a Logun Edé.

Guardiões: responsáveis pela defesa e fiscalização da casa, como Sòhòkwe, Legba e mesmo

Ogun. Legbá por suas diversas funções está ligado aos diversos panteões. Muitas famílias

menores foram absorvidas pelas maiores, assim podemos notar que Avejidá foi dividida entre

Sakpata e Hevioso. Azli Togbosi é a grande mãe das águas do Jeje Mahi e está ligada a todos

os voduns, por ser considerada a mãe de muitos deles.

2.3 RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA EM SALVADOR-BAHIA

A religião é parte da cultura de um povo, qualquer que seja ele, de qualquer lugar do mundo, é

ela que mantém uma parcela da tradição, é nela que se concentram hábitos creditados aos

costumes cotidianos. Outros, como já se pôde constatar, muitas vezes se originaram dentro da

própria religião, tornando-se cotidianos com o passar dos tempos e seus usos tornados e

tomados como comuns, visto que eram de algum benefício para a comunidade que os

adquiriram.

Com a escravização dos africanos, uma das estratégias que mais tinha sucesso, era a

separação do povo de seus líderes religiosos, dessa forma, perdia-se um elo de grande

importância na vida daquelas pessoas submetidas a todo tipo de degradação. Assim, estando

em uma terra estranha, a necessidade de reencontrar esse elo torna-se vital, tem-se então a

semente que florescerá novos caminhos para a preservação de tradições e culturas, agora não

só entre os seus, mas com a contribuição de outros grupos que tiveram a mesma sina.

Os criadores dessas religiões foram negros da nação nagô ou iorubá, especialmente

os de tradição de Oyó, Lagos, Ketu, Ijexá e Egbá, e os das nações jeje, sobretudo os

mahis e os daomeanos. Floresceram na Bahia, Pernambuco, Alagoas, Maranhão, Rio

Grande do Sul e, secundariamente, no Rio de Janeiro. Embora tenha também

surgido e se mantido uma religião equivalente por iniciativa de negros bantos, a

modalidade banto lembra muito mais uma adaptação das religiões sudanesas do que

propriamente cultos da África Meridional, tanto em relação ao panteão de

divindades como em função das cerimônias e processos iniciáticos (PRANDI, 2000,

p.60).

A recriação de religiões de matriz africana no Brasil e, mais precisamente, em Salvador, na

Bahia, deu-se pela necessidade desse africano escravizado manter-se vivo corporal e

espiritualmente, assim, a junção de ritos e aspectos culturais africanos diversos, das diversas

Page 40: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

39

etnias que para o Brasil, foram trazidas, foi a maneira de resistir e ajudar-se mutuamente.

Segundo Prandi (2000, p. 60): “ Nas diferentes grandes cidades do século XIX surgiram

grupos que recriavam no Brasil cultos religiosos que reproduziam não somente a religião

africana, mas também outros aspectos da sua cultura na África. ”

O Candomblé, como é denominada a religião de matriz africana em Salvador, na Bahia,

nasceu da junção de várias etnias que passaram a se identificar como nações, essas nações,

como já foi explanado anteriormente, contemplavam vários elementos de muitas etnias juntas

em um só espaço.

Embora o foco dessa dissertação seja o Candomblé de Salvador-Bahia, pesquisas mostram

que o candomblé se expandiu por todo o estado, tendo forte representatividade no Recôncavo,

a exemplo de: Cachoeira e Santo Amaro, além do Baixo Sul: Ilhéus. Na Bahia, tem-se três

nações que são mais conhecidas: a nação Ketu, a nação Congo-Angola, a nação Jêje-nagô.

A religião de matriz africana foi a forma encontrada pelo africano de se manter vivo e

fortalecido para resistir aos males da escravização, assim como, tentar passar sua sabedoria

para seus descendentes, resistindo a europeização que poderia transformá-los para sempre em

escravos não só no nível corporal, mas no espiritual, talvez o mais perigoso, pois é nele que

está inserida toda sua cultura, todas as suas tradições, essa perda o transformaria em um ser

realmente vazio, destituído de seus direitos e de sua história, não se situaria em nenhum lugar,

não seriam mais africanos, nem brasileiros de fato , uma vez que jamais seriam considerados

iguais perante os donos do poder no Brasil.

2.3.1 O terreiro de candomblé

O terreiro de candomblé confunde-se com a própria religião, pois é o local onde o ser

religioso se concretiza, não que fora desses domínios não haja essa postura, mas é no terreiro

onde essa postura adquire mais força, pois, dentro dos limites do terreiro, os iniciados se

comportam de acordo com a dinâmica estabelecida pelos preceitos da religião, é como se

entrassem em outra dimensão social, em outro tempo, a começar pelo próprio vestuário. Lima

(1974) diz: “Candomblé é sinônimo de terreiro, de casa-de-santo, de roça. Na Bahia, na

Page 41: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

40

linguagem do povo-de-santo, esses últimos termos se equivalem como referentes espaciais

dos grupos12

(...)”.

Já há algum tempo vários autores se ocuparam em demonstrar a importância dos

espaços terreiros como mantenedores de uma identidade, não necessariamente

fragmentada pelo drama que representou a escravidão aos povos africanos, mas

também uma identidade reconstruída de forma criativa a partir dos vários elementos

simbólicos fornecidos por matrizes culturais diversas que desde cedo marcaram a

formação de nossa cultura (SOUZA JR. 2011 p.24).

O terreiro de candomblé compreende o terreno propriamente dito e as construções: o barracão

onde são realizadas as festas públicas, os quartos onde serão realizados os rituais de iniciação

e as casas dos Orixás. Na parte externa, em alguns terreiros, frequentemente são vistas plantas

medicinais que serão usadas nos ritos e árvores, pois o candomblé é uma religião de

preservação da natureza.

Nesse espaço, a educação familiar une-se a ensinamentos que fazem parte de uma educação

formal, por vezes, encontrada na escola. No terreiro de Candomblé, os futuros iniciados e seus

filhos, que convivem nesse espaço desde que nascem, receberão vários ensinamentos. O

principal, e base da harmonia grupal, é o ensinamento do respeito aos mais velhos, o princípio

da senioridade, em seguida serão dados todos os outros necessários à preservação da tradição

baseada na oralidade.

Dentre os conhecimentos não relacionados às atividades domésticas, (cozinhar, lavar, passar)

que são proporcionados aos iniciados, está a música e a dança. No terreiro de candomblé são

ensinadas as músicas específicas para os momentos particulares – rituais presenciados apenas

pelos iniciados do terreiro – e para os coletivos – festas abertas ao público. Essas músicas são

no idioma da nação a que o terreiro pertence – Ketu, Angola, Jêje, Ijexá. Desse modo, há o

ensino, ainda que para uso exclusivo na comunidade de terreiro, de língua estrangeira.

Juntamente com o aprendizado das músicas, tem-se os toques, embora esses sejam aprendidos

apenas pelos homens, os alabês (em Ketu) ou ṣikangoma ou Xicarangoma, os iniciados que

receberão esse aprendizado, serão os responsáveis por “chamar” o Orixá à terra. Todos os

rituais dentro do candomblé são cantados, podendo ser acompanhados ou não por

instrumentos.

12

Lima (1974, p.17) se refere aos grupos iniciados ou adeptos das religiões de matriz africana.

Page 42: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

41

O terceiro item desses ensinamentos é a dança, ela aparecerá em momentos específicos, como

por exemplo, as festas abertas ao público, entretanto, há momentos em que é usada para

rituais simples como a oferenda da comida ao Orixá. A dança no candomblé é a recriação da

saga do Orixá, seu movimento corporal, a representação de seu elemento ou a lembrança de

um momento na história desse Orixá. No candomblé, tudo é música e movimento.

Em Salvador, é difícil dizer com exatidão a quantidade de terreiros existentes, pois há um

fator bem relevante a ser compreendido. Muitas vezes, o terreiro é a própria residência da

Iyalorixá ou do Babalorixá, devido a falta de poder aquisitivo para se adquirir um terreno com

os atributos necessários à formação de um terreiro de candomblé. Assim, muitas vezes, o

terreiro é a própria casa, mas não é considerado como tal pelos próprios frequentadores da

religião.

Em 2006, em Salvador-Bahia, uma parceria entre as secretarias municipais da Reparação e da

Habitação e o Centro de Estudos Afro-Orientais da Universidade Federal da Bahia

(CEAO/UFBA) executou o projeto de regulamentação Fundiária dos Terreiros de Candomblé,

reconhecendo as religiões de matrizes africanas como patrimônio cultural-religioso de

significativa influência na cidade de Salvador. Nesse projeto foi realizado um mapeamento

detalhado dos terreiros com fins de elaboração de políticas de preservação e revitalização

ambiental, cultural e religiosa.

Entretanto, o desejo de saber com certa exatidão quantos e quais eram as comunidades de

terreiro da Bahia já vem desde metade do século XIX, como afirma Santos (2006):

Desde a segunda metade do século XIX, como observa o cronista J. da Silva

Campos, “os candomblés derramavam-se por toda cidade e pelo subúrbio”13

Em relação ao século seguinte, a percepção do cronista foi acrescida por

observações que buscavam por alguma quantificação. Em pesquisa realizada nos

anos 30 do século XX, Donald Pierson afirmava que os terreiros estavam

localizados em áreas onde habitavam “pretos ou mestiços escuros, ou nas cercanias

13

V. Campos, J. da Silva. “Ligeiras notas sobre a vida íntima, costumes e religião dos africanos na Bahia”. Anais

do Arquivo do estado da Bahia, vol. 29, pp.289-309. Para uma discussão sobre a presença dos candomblés na

Bahia oitocentista, v. também Santos, Jocélio Teles dos, “Candomblés e espaço urbano na Bahia do séc. XIX”,

Estudos Afro-Asiáticos, ano 27, n. 1/2/3, jan-dez 2005, pp. 205-206; Parés, Luís Nicolau. A formação do

candomblé. História e ritual da nação jeje na Bahia. São Paulo, editora da Unicamp, 2006; Reis, João J.

“Candomblé in Nineteenth-Century Bahia: priests, followers, clients”. In Kristin Mann e Edna G. Bay (orgs.).

Rethinking the African Diaspora. London, Frank Cass, 2001. Silveira, Renato da. O candomblé da Barroquinha.

Processo de constituição do primeiro terreiro baiano de keto. Salvador, Edições Maianga. 2006. (SANTOS,

2008, p. 15).

Page 43: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

42

da cidade”. E dizia: “alguns afirmavam existir duzentas ou trezentas [‘seitas’], mas

este cálculo parece exagerado”.14

No início dos anos cinquenta, Edison Carneiro dizia haver cem candomblés15

. Na

década de sessenta, o Ceao realizou uma pesquisa, sob a coordenação de Vivaldo da

Costa Lima, que registrou 756 terreiros; a Secretaria de Indústria e Comércio (SIC)

publicou um estudo sobre o mercado e nele consta a informação de que existiam

1.018 terreiros em Salvador; finalmente, em 1988, o grupo Gay da Bahia realizou

oficinas de prevenção às DST/Aids em 500 terreiros.16

(SANTOS, 2006, p. 15)

Nesse mapeamento, foram identificados 1.410 terreiros, desses apenas 1.164 foram

cadastrados para receberem os programas de ações político-sociais oferecido pelo poder

público. Foram também encontrados terreiros que fecharam por falecimento dos responsáveis

ou ainda por questão de doença (total de 142), além de terreiros que se mudaram para outros

municípios (total de 31), outros que não foram encontrados. Desse modo, a exatidão sobre a

quantidade de terreiros em Salvador continua inconclusa, necessitando outras pesquisas para

tentar chegar a um número concreto.

É importante salientar que, como toda religião, sua expansão é inevitável, assim mesmo que

se chegue a um número exato ou próximo disso, sempre haverá a possibilidade de esse

mesmo número sofrer alteração para mais ou para menos, partindo do princípio da dinâmica

afro-religiosa, chegará o momento em que o filho ou filha de santo abrirá seu próprio terreiro,

tornando-se Iyalorixá ou Babalorixá, se assim o Orixá decidir.

Segundo esse mapeamento, 57,8% dos terreiros entrevistados se autoidentificou como da

nação Ketu, 24,2% da nação Angola, 2,1% Jêje e 1,3% Ijexá. Há ainda terreiros que se

classificam como de duas ou mais nações ao mesmo tempo, como por exemplo: Angola-Keto,

Angola-Jêje-Keto, Keto-Angola-Ijexá. Dentre os terreiros mapeados nesse projeto, o mais

antigo é o Ilê Axé Iyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca) é o primeiro terreiro de

Candomblé de Salvador e, possivelmente, da Bahia, sendo fundado em 1735.

Entretanto, para Silveira (2006), a história do Terreiro da Casa Branca, como é mais

conhecido, se mistura com a do terreiro da Barroquinha, cuja história de fundação ainda é

14

Pierson, Donald. Brancos e pretos na Bahia: estudo de contato racial. São Paulo, Editora Nacional, 1973, p.

3065. (SANTOS, 2008, p.15) 15

Carneiro, Edison Carneiro. Candomblés da Bahia. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1986, 7ª ed. p. 51.

(SANTOS, 2008, p. 15) 16

Lima, Vivaldo da C. A família-de-santo nos candomblés jêje-nagôs da Bahia: um estudo de relações intra-

grupais. Pós-Graduação em Ciências Humanas da UFBA, 1977, p. 4-5; O gigante invisível. Estudo sobre o

mercado informal de trabalho na região metropolitana de Salvador. Secretaria da Indústria e do Comércio,

1983. p.62. (SANTOS, 2008, p.15)

Page 44: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

43

pouco certa, não se sabe ao certo qual dos dois nasceu primeiro, nas versões mais realistas,

varia entre 1788 e 1830, ele ainda afirma que é um processo de longa duração, com várias

etapas e certamente várias datas importantes, entre as quais essas duas.

O célebre Babalaô Martiniano do Bonfim, em depoimento dado a Ruth Landes em

1938, afirmou que a Casa Branca tinha sido fundada havia “uns cento e cinquenta

anos”. É vago, mas já não é tempo simbólico, é cronológico, e se fizermos a conta

dá 1788, por ocasião do Primeiro Congresso Afro-Baiano, teve lugar na própria

Casa Branca uma exposição comemorativa dos seus cento e cinquenta anos de

fundação. Os números aqui são bem precisos e então o candomblé teria sido fundado

em 1789 (SILVEIRA, 2006, p. 374).

Desse modo, não há como precisar cronologicamente a fundação do primeiro ou dos

primeiros terreiros de candomblé ketu em Salvador, por vezes essas datas precisas dizem

respeito à fundação a partir do momento em que o terreiro assume sua totalidade dentro da

comunidade, pode ser que muito antes já existisse o candomblé em pequena escala, dentro dos

domínios do terreno e, possivelmente, fosse conhecido como terreiro em sua totalidade muito

depois, daí a imprecisão de datas.

Por vezes, essa fundação será reconhecida a partir do momento em que se abre o barracão

quando se “bate” o primeiro candomblé de fato, a festa aberta ao público. Pode ser que a

partir desse evento aquele candomblé seja legitimado de fato para a sociedade em geral,

embora isso não seja totalmente certo. Ou ainda, a necessidade de se legitimar como

candomblé de fato parta do aumento da frequência da comunidade em seus cultos.

[...] Pierre Verger, repetindo informações orais de fonte segura, popularizou a ideia

de que o Candomblé da Barroquinha foi inicialmente fundado “numa casa situada na

Ladeira do Berquó: hoje rua Visconde de Itaparica”, localização que pode ser

melhor definida.[...] a ladeira era transversal a duas movimentadas ruas do centro

histórico de Salvador e terminava no Solar do Berquó, seria difícil manter um culto

africano funcionando clandestinamente durante muito tempo em um local tão

exposto. [...] Com o aumento da comunidade, é natural que os nagôs desejassem ter

um candomblé próprio, e o culto doméstico foi apenas o primeiro e tímido passo já

que estava exigindo um lance maior. O passo seguinte era conseguir o terreno anexo

à igreja, onde poderiam ser construídas algumas instalações necessárias a um

funcionamento mais confortável (SILVEIRA, 2006, p. 378).

Assim, as datas podem servir para uma localização vaga necessária a situar-se temporalmente

em nível de pesquisa, mas ao se refletir sobre os modos como se deram os cultos de matriz

africana no Brasil e na Bahia, vê-se que muito antes de terem local e datas de fundação

definidos já havia sua prática cotidiana.

Page 45: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

44

2.3.2 Terreiros de Candomblé em Salvador

Os terreiros são o patrimônio que carrega em si ecos de uma África que seria esquecida se

fosse a resistência de seus filhos inconformados com a brusca separação. Essa resistência

pode ser constatada pelo grande número de terreiros de grande e pequeno porte espalhados

por toda Bahia.

Para ilustrar essa riqueza histórica e a importância dos terreiros de Candomblé na construção

da identidade baiana e soteropolitana, são tomados como exemplo quatro das mais antigas e

tradicionais casas de candomblé da cidade de Salvador: o Manso Bandu Kenkê (Terreiro do

Bate Folha); o Ilê Aṣé Iyá Nassô Oká (Terreiro da Casa Branca), o Ilê Aṣé Opô Afonjá e o

Zoogodo Bogum Male Rundó.

2.3.2.1 Terreiro do Bate Folha

O Terreiro do Bate Folha foi fundado em 1916 por Manoel Bernardino da Paixão cuja dijina17

Ampumandezu, atualmente, possui como dirigente Eduarlindo Crispiniamo de Souza, dijina

Molunderê. Este terreiro possui registro na Federação Baiana do Culto Afro-Brasileiro como

candomblé da nação Angola Muxicongo.

Segundo Serra (2007), por ocasião do pedido de tombamento do Terreiro do Bate Folha, a

etnografia deste terreiro vem desde os estudos nos ensaios de Édison Carneiro (1937-1948),

nos quais fala sobre esta grande roça e de seu fundador, Manoel Bernardino da Paixão, dando

o testemunho de que o Venerável Tata Bernardino (como era mais conhecido este sacerdote)

(grifo do autor) participou do Segundo Congresso Afro-Brasileiro (Carneiro, 1964; cf.

Oliveira, 1987; e Lima 1987). Serra (2007) entretanto, considera o pioneiro nos estudos do

“candomblé banto” – Carneiro - injusto com o que ele mesmo qualifica de rito “magnífico” e

o preconceito derivado de sua preferência pelos estudos do modelo nagô (ecoando o ponto de

vista de Nina Rodrigues)(grifo do autor), afirmando que esta preferência por parte do

estudioso teve uma influência negativa sobre a etnografia voltada para os cultos afro-

17

Nome de origem africana pelo qual o iniciado é reconhecido após sua iniciação dentro do candomblé.

Page 46: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

45

brasileiros, concentrando-se quase que majoritariamente no estudo de candomblés dos ritos

Ketu.

Serra (2007) ainda afirma que, após estes, novos estudos mostrariam a grandeza da liturgia

angola (Binon-Cossard, 1970; Serra 1978), para ele, atualmente, já existe firme consenso

entre os estudiosos quanto à importância decisiva da contribuição dos candomblés de tradição

congo-angola na formação da religiosidade afrobrasileira, sendo reconhecido o vigor da sua

influência positiva na geração de riquezas culturais do Brasil.

Em especial, não há como negar o valor do contributo da mística do TERREIRO

DO BATE FOLHA para a formação de uma cultura religiosa de fonte negra hoje

difundida por todo o nosso país. O brilho deste templo, a importância do MANSO

BANDU KENKÊ e o fastígio da tradição que nele se preserva são atestados por

destacados sacerdotes do candomblé nagô, como a Venerável Ialorixá Stella de

Azevedo Santos, do Axé Opô Afonjá, que em ofício constante deste Processo

reforça o pedido de tombamento do célebre santuário da Mata Escura (SERRA,

2002, p.7).

Dentro do conjunto cultural e tradicional pertencente ao Terreiro do Bate Folha pode-se

pontuar o uso linguístico, pois em seus rituais ainda pode-se constatar o uso da “língua

Angola”, ou seja, o kimbundo e o kikongo. É o que Serra (1991, apud Mackey (1972) afirma

corresponder a uma community language de um grupo eclesial cujo uso diatópico, enquanto

registro, cinge-lhe o emprego a desempenhos litúrgicos e ao enunciados de textos formulares.

Este código identifica-se nesse contexto como “língua angola”, tendo, como foi mencionado

no início do parágrafo, no quimbundo e quicongo a origem de seu repertorio básico.

Serra (1991) acredita que essa língua já teve seu uso correspondente a um crioulo, mas que

acabou por assumir especialização funcional. Muito do que se aprende nos terreiros, no

tocante à línguas de origem africana serve apenas para aquele território, podendo até ser usado

esporadicamente por seus iniciados e frequentadores das comunidades de terreiros, em outras

situações esparsas e entre eles mesmos.

O angola que se emprega em terreiros do Brasil sofreu o impacto de diferentes

falares africanos que aqui o “contaminaram”, e, claro está, a influência do ambiente

lusófono. Funciona como um código religioso e um marcador de identidade. Seu

emprego gera textos litúrgicos que também podem ser considerados monumentos

(Serra, 1991).

O Terreiro Bate Folha é um dos redutos da cultura bantu em Salvador, sendo tombado como

patrimônio histórico, pela sua contribuição histórica na formação do povo baiano e

soteropolitano.

Page 47: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

46

2.3.2.2. Terreiro Ilê Axé Opo Afonjá

O terreiro de nação Ketu Ilê Aṣé Opo Afonjá foi fundado em 1910 por Mãe Aninha, Iyalorixá

Obá Biyi, no bairro do São Gonçalo do Retiro, em Salvador. Obá Biyi foi iniciada por Mãe

Marcelina da Silva, Iyalorixá Obá Tossi, descendente da tradicional família Axipá, segundo

Luz (2007, p.11), “uma das sete famílias fundadoras da cidade de Ketu, integrante do antigo

império nagô ou yorubá”. Atualmente, o terreiro é dirigido pela Iyalorixá Maria Stela de

Azevedo Santos. Este terreiro possui desde sua fundação a mesma espacialidade, com poucas

alterações desde essa época. É o que Luz (2007) caracteriza como espaço mato e o espaço

urbano.

O que Luz (2007) denomina espaço mato compreende ao ibo, a floresta sagrada, local da

origem das iniciações no continente africano. Nele estão as árvores, as folhas, as águas e as

forças espirituais que ali habitam. Dali, são retiradas as ervas para os preparos religiosos e

medicinais. Na contiguidade desse espaço está o ilê ibó aku, casa de adoração aos mortos, que

delimita a passagem para o espaço urbano.

Na sequência espacial tem-se a casa dos Orixá (grifo do autor) Exu, Ossaiyn, Xangô depois

Iyemanjá, Iya, Oxalá, e contígua a esta, de forma longilínea, a casa das sacerdotisas, depois a

casa dos orixás da terra, Nanã, Obaluaiyê e Oxumarê, seguindo-se Ogum, Oxossi e Oxum. Do

lado oposto com a frente para a rua São Gonçalo contornando toda a área do terreiro, as casas

das famílias dos integrantes da comunidade, intercalada pela porteira, tendo ao lado o

assentamento do orixá Exu.

Essa espacialização obedece a necessidade de harmonizar no mesmo local, na

mesma comunidade terreiro, a adoração aos orixás de diferentes cidades de origem

do império nagô que vieram para o Brasil especialmente nos séculos XVIII e XIX.

Ao centro entre as casas dos orixá, ilê orixá, e a casa daquelas famílias culminando o

caminho de entrada em direção oposta ao ilê ibo iku, o “barracão” ou casa grande, o

ilê nla, onde são realizados os rituais públicos (LUZ, 2007, p. 11-12).

2.3.2.3 Terreiro da Casa Branca

O terceiro exemplo é o Ilê Axé Iyá Nassô Oká, Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho,

segundo Serra (2008), é tradicionalmente considerado, o mais antigo templo afro-brasileiro

ainda em funcionamento. Os etnógrafos que se ocuparam dele reconhecem que é impossível

precisar a data de sua fundação (na Barroquinha), mas os cálculos baseados na etno-história e

nos documentos disponíveis fazem-na remontar, no mínimo, à década de 1830 (COSTA

Page 48: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

47

LIMA, 1977; VERGER, 1992. BASTIDE, 1986), ou mesmo a inícios do século XIX, senão

um pouco antes (SILVEIRA, 2006).

Sua comunidade de culto — o Egbé18

Iyá Nassô — segue o rito nagô e se autoidentifica como

um “candomblé ketu”, ou “de nação ketu” (COSTA LIMA, 1976 e 1999). No contexto, o

designativo “nação ketu” remete, por contraste paradigmático, a denominações como [nação]

“ijexá”, “angola”, “jeje” etc. No caso do egbé em questão, existe clara consciência de que a

“nação” corresponde a um indicador étnico, refere-se a um lugar de origem dos (principais)

fundadores do culto.

O hieronímico do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho faz referência a sua fundadora,

Iyá Nassô, ainda hoje invocada nas preces do egbé como Iyá Nassô Oió Acalamabô

Olodumaré. Os estudiosos reconhecem que “Iyá Nassô” vem a ser, na verdade, um título: um

dos mais importantes títulos sacerdotais femininos do Império de Oió (COSTA LIMA, 1977;

SILVEIRA, 2006), correspondente a um elevado posto hierárquico, indicativo de alta

projeção na corte do Alafin, e liga-se ao culto de Xangô [um orixá, uma divindade do panteão

iorubá, muito cultuado no Brasil (COSTA LIMA, 1977; ABRAHAM, 1958; MORTON-

WILLIAMS, 1964; SMITH, 1969; BURT, 1977; VERGER, 1987, 1999)]. A história do

terreiro da Casa Branca une-se à historias das três princesas que foram trazidas e compraram

sua liberdade dando início ao culto dos Orixás em diversas partes da cidade de Salvador.

De acordo com as tradições do Ilê Axé que tem seu nome, na fundação dele Iyá

Nassô teve a ajuda de outras sacerdotisas muito veneráveis, vindas da cidade de

Ketu (Iyá Adetá e Iyá Acalá) e contou também com o apoio de um grande sacerdote

ligado aos cultos das divindades Xangô e Ifá, portador do título de Bamboxé

Obitikô, igualmente oriundo de Ketu, segundo aí se acredita. Este famoso babalaô

(sacerdote de Ifá, especialista no jogo divinatório) tinha no Brasil o nome de

Rodolfo Martins de Andrade (VERGER, 1981). É honrado entre os ancestrais do

Egbé Iyá Nassô juntamente com Babá Oburô e outros personagens eminentes que,

segundo a tradição preservada na Casa, participaram da fundação do templo da

Barroquinha (SERRA, 2005; SILVEIRA, 2006). (SERRA, 2008, p. 3)

O terreiro da Casa Branca teve sua tradição iniciada na Barroquinha, na Ladeira do Berquó,

sendo transferido posteriormente para o local conhecido na época como Roça do Engenho

Velho, no Caminho do Rio Vermelho, hoje, Avenida Vasco da Gama, 463.

Sua entrada é uma pequena praça consagrada, a Praça de Oxum, com o famoso barco de

Oxum, Okoiluaiê, na parte plana do imóvel, cujo limite com relação à avenida está demarcado

por uma monumental grade de ferro, lavrada com motivos da mítica do candomblé, obra do

18

Nome dado às comunidades de terreiro.

Page 49: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

48

artista plástico Bel Borba. Fica numa encosta a edificação principal do Ilê Axé (a “Casa

Branca” donde se tirou um cognome do terreiro), prédio que compreende o salão de festas,

sacrários, cômodos de uso residencial de hierarcas do egbé, clausura, sala de refeições e

cozinha ritual; na mesma encosta se implantam santuários destacados (ilê orixá) e também

casas onde residem membros da comunidade (SALVADOR, 1982; SERRA, 2000 e 2005;

OLIVEIRA, 2006).

Segundo os registros da tradição vigente no Egbé Iyá Nassô — uma tradição que as pesquisas

historiográficas em grande medida têm conconfirmado —, a primeira Ialorixá (Sacerdotisa

Principal) do Terreiro da Casa Branca do Engenho Velho, Iyá Nassô, foi sucedida por Iyá

Marcelina da Silva, hieronímico Obá Tossi; depois desta, pontificou a Iyá Maria Júlia

Figueiredo, Omoniquê, sucedida por Iyá Ursulina Maria de Figueiredo, a famosa Tia Sussu. A

esta sucedeu, por sua vez, Iyá Maximiana Maria da Conceição (Oin Funquê), a também muito

célebre Tia Massi. Seguiu-se-lhe Iyá Maria Deolinda Gomes dos Santos (Okê), sucedida pela

Iyá Marieta Vitória Cardoso (Oxum Niquê), cuja sucessora é a atual Ialorixá da Casa, a

Venerável Altamira Cecília dos Santos, Oxum Tominwá (COSTA LIMA, 1977; OLIVEIRA,

2004; SERRA, 1995 e 2005; SILVEIRA, 2006).

2.3.2.4 Terreiro do Bogum

O quarto e último exemplo, mas não menos importante é o Terreiro do Bogum, nome pelo

qual este templo é mais conhecido, situado no bairro do Engenho Velho da Federação, na

Ladeira do Bogum, também designada, oficialmente, como Rua Manoel do Bonfim. Tem a

completar seu endereço o número 35. A e a cifra do Código de Endereçamento Postal

40.320.220. Corresponde-lhe uma área total de 1000 m², sendo 600m² de área construída.

Segundo o laudo escrito pelo antropólogo e historiador Na sua vizinhança, o dito templo é

também chamado simplesmente de “o jeje” (scilicet “o terreiro jeje”). Assim também

costumam designá-lo membros do povo-de-santo de outras “nações” do candomblé de

Salvador, principalmente dos egbé instalados nas cercanias.

O Terreiro do Bogum tem registro na Federação Nacional dos Cultos Afro-Brasileiros —

FENACAB e no Instituto Nacional de Tradição e Cultura Afro-Brasileira — INTECAB. É,

sem dúvida, um dos mais famosos templos negros da Bahia; sua fama e sua influência se

difundem por todo o país. Líderes religiosos que alcançaram grande celebridade se iniciaram

neste templo, que assim deu origem a outros, muito respeitados: basta citar, a propósito, o

Page 50: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

49

venerado Hunkpáme Ayioóno Huntolóji, templo cachoeirano fundado pela Gaiaku Luísa, e o

carioca Podabá, que, segundo Ney Lopes (2004, s. v. Zoogodô Bogum Malê Rundó), também

deve sua fundação a uma sacerdotisa — a Venerável Rozena de Bessém, Azinossibale —

iniciada no terreiro objeto do presente laudo. José Flávio Pessoa de Barros (2005:31-2) cita

ainda como oriunda do Bogum a Venerável Margarida de Iemanjá, com terreiro em Vilar dos

Teles,São João do Meriti, Rio de Janeiro.

A área atual do templo jeje do Bogum compreende seis pequenos blocos de edificações;

um deles (indicado pelo número 23 em planta anexa) encerra a casa da Doné, com dois

pavimentos; no piso superior residem a mãe-de-santo, seu atual esposo — o Sr. Raimundo

Bento Araújo da Paixão —, o filho do primeiro casamento dela, Sr. Antonio Raimundo Melo

Soares, e um filho deste último, Kaike Santos Melo Soares (os dois últimos iniciados no

Bogum na qualidade de ogãs); no piso térreo residem a genitora da Doné e três irmãos desta,

todos eles iniciados: o Sr. Ubiraci Ricardo de Melo como adoxo (preparado para o transe

entusiástico), os dois outros como ogãs (Ubiratã Jesus de Melo e Ernani Ângelo de Melo).

Outro bloco próximo encerra a residência da sacerdotisa Gildete de Oliveira Souza, a

venerável Odessi (irmã-de-santo da Doné), que aí mora com um filho, Luis de Oliveira Sousa,

e um neto, Kainã Vinícius Santos, ambos iniciados como ogãs.

Um pequeno anexo a este bloco encerra sanitários que são franqueados ao público durante as

festas. Era-lhe contígua uma árvore (Ficus doliaria), consagrada ao vodun Loko, em um

ângulo formado por muros erigidos para separar o terreiro da rua: o que encerra o portão de

acesso e o que define o limite lateral direito do templo, na perspectiva de quem segue para o

domicílio da Doné. (Esta árvore tombou recentemente, com danos para as edificações

próximas).

Pouco adiante, encostada a este muro, próxima ainda ao referido ângulo, encontra-se outra

habitação, de uso residencial, abrigando um grupo doméstico formado por cinco pessoas que

não pertencem ao grupo de culto do Bogum, mas estão ligadas por laços de parentesco à mãe-

de-santo: a Sra. Luzia Maria Melo (irmã da Doné por parte de pai), seu filho, sua nora e seu

neto. Progredindo um pouco no sentido em que desde aí se avança rumo ao trecho mais

posterior do conjunto, outro bloco, encostado ao muro, encerra quatro santuários contíguos

dedicados, respectivamente (na ordem da indicação evocada entre parênteses na linha acima),

às divindades Agangatolú, Agué, Nanan e Omolu, com divisórias em parede-meia.

Page 51: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

50

Junto ao santuário de Omolu encontra-se outra árvore Loko, objeto também de culto; entre

esta e uma jaqueira (Artrocarpus integra), igualmente sagrada, fica o santuário de Aizan. Ao

muro fronteiro a este se encosta mais um bloco de edificações, que um bilreiro (Guarea

trichilioides) separa de um pequeno santuário chamado Cutito e dedicado ao culto dos

antepassados. No referido bloco, três dos seis cômodos são santuários, dedicados,

respectivamente, ao vodum Bessém, a Tubansé (aos Caboclos) e ao vodun Legba (chamado

familiarmente de “Compadre”); duas unidades são reservadas a membros do terreiro que

residem fora, mas a este acodem durante as principais obrigações do calendário litúrgico.

O cômodo mais próximo ao edifício principal é o Quarto dos Ogãs (ministros dos voduns,

homens iniciados e impassíveis de transe). Nesse conjunto maior se encontra o barracão (S.

Pechiné)], salão consagrado às celebrações públicas. No espaço fronteiro ao barracão, no

ângulo formado por muros que limitam, neste trecho, a área do terreiro, encontra-se mais um

pequeno santuário, dedicado a Legba. Bem próximo desta “Casa de Exu” pois ela também é

designada com este nome encontra-se uma árvore (acácia) consagrada ao vodum Azonodô.

Separado do bloco da edificação principal, há outro sanitário externo, perto do cômodo que

corresponde à clausura iniciática (mas além de suas paredes e junto ao muro que corresponde

ao limite lateral esquerdo do terreiro, para quem ingressa no mencionado bloco).

A partir do salão de festas, há um corredor — em cuja entrada, em curva, se acha representada

em pintura parietal uma serpente leva ao restante do corpo do edifício principal do candomblé

do Bogum. À direita de quem por ele ingressa, encontram-se dois dos principais sacrários, de

acesso interdito a profanos: o peji, que abriga os assentamentos dos patronos da comunidade e

sacra de voduns de iniciados, mais o Quarto de Lissa (Olissassa), ou seja, o sacrário da

principal divindade do panteão jeje, fronteiro à sala de jantar em que o corredor desemboca.

Esta sala conduz à cozinha; depois do santuário de Lissa, à direita da sala de jantar, acha-se

uma dispensa; à direita da cozinha fica uma varanda. Importa observar que a realização de

oferendas alimentares cujo preparo requer obediência a preceitos específicos torna essa

cozinha um implemento religioso, investindo-a de sacralidade.

Logo no início do corredor, quem nele penetra desde o salão de festas vê a sua direita o

Quarto das Ekedes (sacerdotisas iniciadas, infensas ao transe, parte de cujo ministério

envolve a assistência diretas aos iniciandos e a todos os que sofrem a possessão pelo vodun

Page 52: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

51

nos ritos públicos); este seu cômodo protege o vestíbulo da clausura, hundemi [nome grafado

também rondeme na comunidade], por definição inacessível a profanos. Quem avança mais

pelo dito corredor passa em seguida por outro cômodo, que também confina com o hundemi:

é o aposento reservado, neste edifício, à Doné, à mãe-de-santo.

Tanto quanto os altares edificados, as árvores sagradas do terreiro são consideradas santuários

e constituem hierofanias. Pinturas que ornam as paredes do salão de festas, assim como o

corredor de acesso ao interior do edifício principal e a saleta que flanqueia esta passagem, à

direita de quem entra, são símbolos sagrados; destacam-se as representações de serpentes que

evocam a divindade Bessém e assinalam a eminência do culto do vodum Bafono Deca no

Terreiro do Bogum. Retratos da Doné Runhó e da atual

Doné são visíveis também nas paredes deste edifício (no salão principal e na saleta mais

interior). Logo à entrada do barracão fica um assentamento de Legba, senhor dos limiares e

passagens. Além das pilastras de sustentação do teto, há, no grande salão de festas, um poste

central, sem funcionalidade arquitetônica, mas de grande relevância simbólica, religiosa. Sua

sacralidade evoca os ritos de fundação do templo e serve de referência para o

desenvolvimento da liturgia, como eixo das evoluções dos vodunsis (iniciados suscetíveis de

transe) no rito entusiástico (BASTIDE, 1973: III: 5).

Além do trono da Doné, outras sedes (cadeiras de alto espaldar, com decoração especial)

servem de assento a autoridades religiosas da Casa ou a visitantes de grande prestígio. Estas

cadeiras-tronos integram a parafernália posta em uso na investidura dos sacerdotes que

ascendem a cargos importantes no terreiro: são inauguradas na confirmação dos ogãs e ekedes

ou nos ritos de sagração dos mais altos hierarcas. Seus titulares podem ceder-lhes o uso a

pessoas gradas.

O mobiliário efêmero das festas também tem valor religioso e se inspira em símbolos sacros.

Um constante indicador de sacralidade (sempre renovado, por ocasião das festas, como ornato

das janelas e portas) são as pequenas cortinas de fios de palha de dendê, chamadas mariô

(mariwo) e relacionadas com o vodum Gu (Ogum).

Embora identificado, quase sempre, tão só pelo nome Bogum, este famoso templo tem por

hieronímico Zoogodô Bogum Malê Rundó, de interpretação controvertida. O nome “Bogum”

geralmente é dado como variante de vodun (divindade), mas há outras hipóteses. Em seu livro

Page 53: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

52

Falares Africanos no Brasil, Yeda Pessoa de Castro [2001: 177, s.v.] liga a forma Bogum com

Boalama e dá-lhe por étimo o termo fon agbogun, designativo dos “descendentes de Agbo,

divindade protetora dos Gedevi (jeje) da cidade de Abomé.” Quanto a Boalama, segundo ela

explica na glosa correspondente (op. cit., p. 176), seria um “nome de nação jeje-mina”.

A explicação mais popularizada associa o nome Bogum a outro termo presente na fórmula

hieronímica em apreço — o nome malê, designativo genérico dos africanos islamizados — e

relaciona sua combinação com um sucesso histórico: a Revolta dos Malês, de 1835. De

acordo com Monteiro (1987), seria Bogum o nome de uma casinha, próxima à igreja dos

Quinze Mistérios (Santo Antônio Além do Carmo) onde os revoltosos esconderiam munições

e dinheiro destinados ao fomento de sua rebelião; um deles, de nome Aprígio, teria logrado

refugiar-se no terreiro jeje do Engenho Velho da Federação, que a acolhida deste “negro do

bogum” acabaria por assim identificar. Jehová de Carvalho (1984) relaciona o nome Bogum

com um termo fon homônimo, designativo de “caixa”, “baú” ou “cofre”; segundo sua

hipótese, um baú com o ouro dos malês teria sido levado para o dito terreiro pelo rebelde

fugitivo Joaquim Jeje, um iniciado no culto dos voduns, e a memória deste acontecimento

determinaria a designação do templo.

Embora tal explicação tenha conquistado adeptos entre os membros do grupo de culto a que a

narrativa evocada se refere, outras autoridades desta mesma Casa interpretam Bogum como

um teônimo: seria o nome de um vodun “da família de Dan”. Estudiosos reportam também a

um teônimo o nome Zoogodô, que combinaria o designativo fon para fogo ao onomástico de

uma divindade (do panteão iorubá) associada a este elemento, Ogodô (PARÈS, 2006: 201-

204); ou corresponderia a uma variante de Azonodô (CARVALHO, 2006), nome gbe de um

vodun. Do termo rundó não foi proposta etimologia provável. Em suma, o hieronímico do

terreiro em foco ainda não foi plenamente explicado do ponto de vista linguístico,

etimológico; mas parece claro que ele encerra referências a divindades e mostra o efeito de

profundos contactos interculturais, além de uma composição em que são detectáveis termos

de origem fon gbe.

O rito observado no dito terreiro é bem característico, claramente identificado pelos

especialistas e pelo povo-de-santo como uma importante variedade litúrgica do candomblé;

exprime-se este reconhecimento ao dizer que o referido terreiro é “da nação jeje-marrim”, ou

jeje mahi. Há nessa categorização uma especificação que convém esclarecer. É pertinente

Page 54: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

53

dizer que o Bogum é um templo jeje, opondo-o assim a casas de Candomblé ketu ou angola,

por exemplo; mas o povo-de-santo assinala a diferença entre as variantes jeje marrim, jeje

mundubi, jeje dahomé e jeje savalu, categorias que encerram referências étnicas a subgrupos

do mesmo conjunto e têm uma expressão litúrgica.

Falantes de línguas ewe-fon da África Ocidental transportados como escravos para nosso país

“ficaram denominados pelo tráfico de jejes, minas, ardras ou aladás, uidás, mahis, mundubis,

savalus, anexôs, pedás, dos quais se tem notícia no Brasil já nos finais do século XVIII”,

conforme assinala Yeda Pessoa de Castro (obra citada, p. 39). Na glosa correspondente a jeje-

mundubi, a referida antropóloga explica o último termo do composto como derivado do étimo

Xogbonuví, cujo significado seria “filhos de Xogbonu”, antigo nome de Porto Novo, capital

do Benin, de maioria gun, falante de língua do mesmo nome, pertencente ao grupo ewe e

muito próxima do fon”. Já o gentílico marrim do composto jeje-marrim designa, segundo a

mesma estudiosa, “africanos procedentes do norte do Benin, da região de Savalu, no país

Mahi, trazidos para o Brasil a partir da última década do século XVII; falantes de mahi, língua

do grupo ewe, muito próxima do fon” (CASTRO, obra citada, p. 278, s.v. marrim).

Page 55: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

54

3. DISCURSO E MEMÓRIA NOS TERREIROS

A tradição do Candomblé tal como se conhece na contemporaneidade, começou a delinear-se

a partir do século XIX, ela chegou ao Brasil com os africanos escravizados e trazidos para

este país. Como se sabe, o culto às divindades era realizado em cidades e regiões diferentes,

separadamente, embora, em uma mesma cidade houvesse mais de um culto, o principal e

outros direcionados a outros “setores” da sociedade, a exemplo de: o Orixá do mercado, o

Orixá da agricultura, o Orixá da fertilidade, etc. Com a escravidão, essas tradições precisaram

ser adaptadas, a necessidade de agrupar-se fez com que os cultos realizados em espaços e

lugares específicos fossem realizados em quartos ou pequenas casas, dentro de um espaço

específico para isso: o terreiro de Candomblé:

Os africanos constituíram os terreiros como micros universos daquilo que eles

tinham no continente africano, só que em regiões diferentes. Uma região cultuava o

Orixá Xangô, outra Oxum, outra Yemanjá, cada uma com seus ritos e costumes.

Como não possuíam espaço-territorial para reprodução exata dos cultos hábitos e

costumes, eles formaram “pequenas Áfricas” dentro de um terreiro. Contendo um

quarto para cultuar Xangô, outro para Oxum e assim sucessivamente. Passando

assim a ser reproduzido nos terreiros de candomblé os cultos de matrizes africanas

como uma representação de pertencimento de nossa brasilidade. Criada com o

intuito de dar continuidade as suas tradições de cunho religioso referente aos seus

ancestrais (NETTO, 2010, p. 5).

Dentro de um terreiro de Candomblé o tempo é um continuum de idas e vindas, nesse

movimento constante passado e presente coexistem em forma de comportamentos que

remontam toda a caminhada do povo de axé até a contemporaneidade. Sobre esse aspecto

Halbwachs ([1950]1968, p. 154-155) diz:

(...) Que as lembranças de um grupo religioso lhes sejam lembradas pela visão de

certos lugares, localização e disposições dos objetos, não há do que se espantar. A

separação fundamental, para estas sociedades, entre o mundo sagrado e o profano,

realiza-se imaterialmente no espaço.

O espaço do terreiro é o local onde comportamentos característicos de uma tradição na qual o

respeito por seus antecessores é ponto crucial para se viver em comunidade, além de ser uma

forma de adquirir conhecimento, uma vez que a idade avançada é sinal de sabedoria latente. É

também o local em que o contato com a natureza traz o aprendizado para compartilhar e não

destruir seus domínios, pois natureza é vida.

Page 56: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

55

Esse espaço é também invadido por memórias do tempo em que o negro africano viu sua

liberdade cerceada confundindo atitudes que antes revelavam reverência com opressão, com a

submissão forçosa ao traficante de escravizados e, em um momento seguinte, ao senhor de

engenho que o compraria. Assim sendo, o descendente desse africano, agora iniciado na

religião afro brasileira, repete determinados comportamentos com a intenção de preservar sua

memória e sentimento de pertencimento, neste caso, tem-se o que Brandão (2004) classifica

como paráfrase, ou seja, a retomada, ou reescrita, ou ainda recriação desses códigos de

conduta dentro do terreiro de Candomblé, visto que muitos comportamentos hoje adotados

foram adaptados à contemporaneidade, ao próprio perfil social desse descendente, para a

autora:

Uma FD é constituída por um sistema de paráfrase, isto é, é um espaço em que

enunciados são retomados e reformulados num esforço constante de fechamento de

suas fronteiras em busca da preservação de sua identidade (BRANDÃO, 2004, p.

48)

Manter vivos os comportamentos e ensinamentos dos ancestrais é a forma de preservar a

tradição, evitando que a religião se descaracterize a ponto de perder sua credibilidade ou

ainda, tenha fim. Alguns dos comportamentos exigidos dentro de um terreiro de Candomblé

mesclam renascimento para uma nova vida com as lembranças de um tempo que não pode ser

esquecido, pois assim não retornará, é uma espécie de sinal que sempre estará lembrando ao

povo negro do seu passado anterior à escravidão e daquele que o acometeu durante esta

condição, a de escravizado. Um exemplo disso é o ato de comer com as mãos, sobre esse

aspecto, Santos (2010, p. 90) explica:

Comer de mão para o africano é uma constante, sem contar que aos escravos

brasileiros não eram oferecidos talheres para suas refeições. Como a cultura sempre

se funde com a religião, corre-se o risco de pensar que comer com as mãos as

comidas no Terreiro seja apenas um hábito cultural. Enganado está quem assim

pensa. A comida levada à boca com as mãos tem muito mais Àṣẹ.

Esse e outros comportamentos podem ser entendidos como a memória discursiva, aquela que

faz circular através de idas e vindas formulações anteriores de enunciados já realizados.

Em um terreiro de Candomblé passado e presente estão lado a lado, no comportamento, nas

roupas, nas músicas, nos orikis19

, etc.. Segundo Brandão (2014, p.95):

19

Orikis – são rezas ou louvações em forma de versos ou poemas, em Bantu são denominados ingorossi.

Page 57: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

56

(...) é a memória discursiva que permite, na rede de formulações que constitui o

intradiscurso de uma formação discursiva, o aparecimento, a rejeição ou a

transformação de enunciados pertencentes a formações discursivas historicamente

contíguas.

O conceito de memória na AD pode explicar o desejo desse iniciado no candomblé em não

sucumbir ao esquecimento de tudo o que sofreram os antecessores durante o período

escravista. Segundo Bastide ([1960]1989), “toda religião se compõe da tradição de gestos

estereotipados e de imagens mentais, ritos e mitos respectivamente”, logo, o candomblé como

religião não se furtaria a possuir tais elementos, permitindo aos seus seguidores a recriação

coletiva de memórias ancestrais, seus feitos na terra e seu retorno para continuar, agora a

partir de um plano mais elevado, sua trajetória de benefícios.

Outro exemplo de preservação da memória, no que se refere ao iniciado (o iyawô), é o uso

constante, ou pelo menos durante um ano de sua feitura, da esteira: adicissa ou decissa para

os Bantu; zán, aizan, zenin, zaní, zoklé, zocré, para os fons; enín para os Yorubás. O iaô

(iyawô) durante o período inicial de sua feitura, se alimentará, participará das cerimônias

ritualísticas, e dormirá na esteira, não podendo sentar-se em outro lugar que não seja ela,

sobre esse aspecto, Kileuy e Oxaguiã explicam:

Denominada como “a nata da terra”, a esteira é um invólucro que protege a

gestação e a geração de novas vidas e que ampara, nos rituais, todos os segredos

litúrgicos da iniciação. (O nome aizan provém do vodum Aizan “ vodum que nasce

do chão, que vive em cima da terra”.) Parte integrante de Nanã e Obaluaiê, é

chamada também de “a cama do iaô”, após ser preparada para receber e testemunhar

seu renascimento. É na esteira também que o iniciado faz as suas refeições e recebe

seus ensinamentos. Confeccionada em palha trançada, é objeto imprescindível nas

cerimônias religiosas e nos rituais de todas as nações de Candomblé. A esteira foi

trazida ao mundo por Nanã, que a deu ao homem para que, no momento do seu

descanso, protegesse seu corpo do contato com a terra. Para este vodum, o ser

humano só repousa seu corpo na terra no momento de sua morte (KILEUY e

OXAGUIÃ, 2014, p. 157).

Assim sendo, a obediência do iniciado deve-se ao fato de ele ser chamado a manter a tradição,

pois uma vez que este escolheu o candomblé como caminho religioso a ser seguido em sua

trajetória de progresso espiritual, todas as medidas para que essa tradição seja mantida serão

verdadeiras para ele, mesmo que para isso seja necessário trilhar caminhos nos quais a

humildade20

quase que extrema seja regra permanente. Por outro lado, a rigidez com que essas

20

Neste caso, humildade diz respeito a todo gesto de despir-se perante o Orixá/Nkise/Vodum , pois dentro do

terreiro do candomblé todos os títulos, patentes e representações referentes a status da sociedade externa a esse

espaço religioso são invalidadas dentro dele, sendo legitimado apenas o que representa a vontade das divindades.

Page 58: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

57

regras são aplicadas é uma das estratégias usadas para garantir este objetivo de forma

concreta, ela é a garantia de que determinados preceitos serão obedecidos fielmente,

mantendo, desse modo, a tradição pouco ou nada modificada. Essa estratégia pode ser

incompreendida por quem não é iniciado no candomblé, pois além de não possuir o mesmo

sentimento de pertença e identificação dos que são iniciados, tendem a interpretar como

arbitrária e, por vezes, primitiva, dadas as características que são identificadas nos preceitos

responsáveis pela preservação da tradição, tais como: andar de cabeça baixa, andar descalço,

respeitar obedecer aos mandamentos dos mais velhos sem retrucar, dentre outros mais ou

menos rígidos.

Um grupo religioso, mais do que qualquer outro, tem a necessidade de se apoiar

sobre um objeto, sobre alguma realidade que dure, porque ele próprio pretende não

mudar, ainda que em torno dele as instituições e os costumes se renovem. Ainda que

os outros grupos se entretenham em persuadir seus membros de que suas regras e

disposições permaneçam as mesmas por todo um período, mas por um período

limitado, a sociedade religiosa não pode admitir que não seja hoje igual ao que era

na origem, nem que deva se transformar (HALBWACHS, [1950] 1968, p. 156).

Há situações em que mesmo os iniciados não conseguem compreender os desígnios do Orixá,

rebelando-se contra o mesmo, rejeitando os ensinamentos dos (as) babalorixás e yalorixás,

são situações nas quais a incompreensão da cultura e da tradição faz com que haja uma

interpretação equivocada dos procedimentos interfira no aprendizado desse iniciado. Há

também alguns líderes que, aproveitando-se do poder que lhes é concedido, utiliza-o como

forma de opressão em relação aos iniciados, submetendo-os a várias formas de

constrangimento. Entretanto, essas situações de tensão não serão abordadas de forma

minuciosa nesta pesquisa.

Os sacerdotes máximos do candomblé (yalorixás e babalorixás) também não estão isentos de

obediência, mesmas regras que são determinadas aos iniciados lhes chegam através de um

caminho ou canal, neste momento, elas são estabelecidas pelo elemento superior: o Orixá. O

que é determinado pelo Orixá jamais será questionado, ele tem motivos e razões para

determinar ou vetar procedimentos, sem que sejam discutidos em sua validade ou

contrariados. Aos lideres cabem o cumprimento das regras que serão propostas aos iniciados

sempre com o objetivo de manter e perpetuar a tradição, sendo essas justificadas com o

contexto histórico-social, através das histórias e lendas cujas personagens serão o próprio

Orixá em questão ou africanos comuns.

Page 59: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

58

O Oriṣa paira acima de qualquer mesquinharia. Existem vezes em que a Ìyálòriṣa

quer seguir determinado caminho e não pode, tem que retroceder, curvando-se à

Vontade do Supremo. Se a mãe de santo fosse agir somente a favor de seus

sentimentos o que ocorreria com o Àṣẹ? Ela é instrumento do Oriṣa, a mensageira e

porta-voz. Aqui tudo é manifestação da Vontade de Ṣàngó, o Soberano (SANTOS,

2010, p. 122-123).

Essa concordância na maioria das vezes inquestionável da Iyalorixá ou do Babalorixá com

mandamentos do Orixá corroboram a formação discursiva que diz o que pode e deve ser dito,

em contraponto do que não pode e não deve ser dito e feito, pois as regras e preceitos que

orientarão os procedimentos desses sacerdotes são ditadas pelo Orixá e na crença devotada a

ele, a qual nunca será questionada.

Enquanto o iniciado percorre o caminho para sua evolução espiritual dentro do candomblé,

passando por fases de obediência aos preceitos que lhes são propostos e contribuirão para seu

aprendizado como futuro sacerdote e detentor dos segredos do aṣé, do mesmo modo, o

sacerdote ou sacerdotisa reforçará seu conhecimento, poder e aliança com os mandamentos do

Orixá, obedecendo-lhe as ordens e regras, assim como orientará esse iniciado a seguir o

mesmo caminho dentro do candomblé. Ou seja, seguindo o exemplo da sua Iyalorixá, do seu

Babalorixá, ele, o iniciado, será igual ou o mais parecido possível, mantendo o aṣẹ e o

respeito dos seus/suas filhos/filhas dentro do candomblé.

Não é tarefa fácil der um pai ou mãe-de-santo, há sacrifícios, há obrigações, como

também não é tarefa fácil ser filho-de-santo, pois o terreiro é uma espaço social, no

qual todos têm as obrigações e atribuições, para que o espaço exista de forma física

e espiritual dentro de uma comunidade, logo, os dois níveis mãe ou pai-de-santo e

filho-de-santo devem estar pautados na relação de respeito mútuo e no espírito da

coletividade (SANTOS, 2011, p. 34).

Além dos líderes, temos a memória dos mais velhos, aqueles que vieram e viveram antes. É

através deles, que dentro do terreiro terão cargos em virtude de sua idade de iniciação, além

da idade cronológica, que se tem contato com os ensinamentos e fundamentos da religião,

cada idoso é uma biblioteca viva, uma vez que passaram pelos mesmos caminhos que os/as

novas iaôs, daí sua importância na comunidade, são eles que orientam, cuidam, opinam e são

parte indissociável na iniciação dos novos filhos-de-santo.

A memória dos velhos pode ser trabalhada como um mediador entre a nossa geração

e as testemunhas do passado. Ela é o intermediário informal da cultura, visto que

existem mediadores formalizados constituídos pelas instituições (a escola, a igreja, o

partido político, etc.) e que existe a transmissão de valores, de conteúdos, de

atitudes, enfim, os constituintes da cultura (BOSI, 2003, p.15).

Page 60: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

59

Entretanto, cabe esclarecer que toda essa gama de comportamentos, saberes e valores que

foram herdados e compõem a memória da comunidade candomblecista passam por mudanças,

adequações necessárias às gerações nascidas após o período escravagista. Essa memória é

uma releitura de condutas herdadas das antigas famílias étnicas e aprendizados apreendidos ao

longo da vida no Brasil, pois a falta de elementos nativos daquela África deixada fez com que

se criassem estratégias substitutas dos antigos rituais.

Assim, essa memória torna-se a junção de inúmeras outras que se formaram e foram

amoldando-se às necessidades de cada geração, sejam elas linguísticas, espaciais,

interpessoais. Tudo isso corroborou para que essa memória seja constante e, ao mesmo tempo,

passível de mudanças, sem que essas descaracterizem a essência do aṣẹ.

(...) os integrantes das comunidades de terreiro, sobretudo do candomblé,

reconstroem suas identidades a partir do conhecimento dessas e de outras

histórias da fundação do candomblé no Brasil. Apesar dos aspectos da

oralidade nos rituais e na transmissão dos saberes, as lideranças afirmam que

o candomblé se tornou uma religião para pessoas dispostas a conhecer a sua

história (BATISTA, P.11).

Lembrar-se dos que se foram, dos que sofreram e permaneceram fiéis aos seus preceitos ainda

que os mudando é uma forma de conhecer sua história e de seus ancestres, pois mudar torna-

se uma estratégia para não sucumbir ao esquecimento que cala para sempre o discurso dos

despossuídos de suas raízes, de suas origens, juntar-se foi uma delas, a partir do momento em

que tinham uma situação em comum, a dor. Juntar-se na dor estabelecia o compromisso de

todos em manter viva a memória de cada um, ainda que esta fosse acrescida de novos

elementos, sem que estes descaracterizassem toda uma tradição, um ingrediente para

substituir aquele inexistente no novo país, roupas que lembram o vestuário do colonizador,

adequações linguísticas ao novo idioma para poder fazer suas rezas, outras folhas, outras

cores, tudo foi aproveitado, desde que o importante fosse o resultado, a cura, o caminho

aberto, a bênção. O Candomblé não vive de memórias, ele é a própria memória viva, pulsante

e em constante movimento.

Page 61: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

60

4. FORMAÇÃO DISCURSIVA, PODER E HIERARQUIA NOS TERREIROS DE

CANDOMBLÉ.

Em uma casa de candomblé, hierarquia é ordem, pois é através dela que são distribuídos os

cargos dentro do candomblé, obedecendo uma lógica cronológica ou mesmo mediúnica

(quem recebe e quem não recebe Orixá); é segurança, pois entende-se que os mais velhos são

detentores do saber e do aṣé essencial para conduzir a vida dos iniciados dentro da religião; é

proteção, pois segue-se a máxima da humanidade, os pais e mães protegem seus filhos, esta

confiança precisa existir entre os/as babalorixás/iyalorixás e seus filhos/as; é sabedoria, pois

caminhar a través do tempo dentro do candomblé proporciona o conhecimento necessário

para conduzir sua casa de aṣé e seus filhos, isso acarretará uma responsabilidade por vezes

severa, daí a necessidade de respeito a ela por parte de todos os iniciados ou mesmo adeptos,

não iniciados.

Para Kileuy; Oxaguiã (2014, p. 51), o candomblé é uma religião que possui uma hierarquia

muito rígida. Isto facilita o escalonamento de funções e permite que o andamento da casa flua

mais tranquilamente. A hierarquia possibilita que os sacerdotes se dediquem quase que

exclusivamente às divindades e às suas funções de condutor e administrador do Axé da Casa.

O iniciado no candomblé ocupa o lugar social que será responsável pela construção do

discurso em defesa do pertencimento àquela religião, ao assumir-se candomblecista, este

iniciado compromete-se, ainda que inconscientemente, a falar pelo Candomblé e a favor

deste. Pode até ocorrer certos questionamentos sobre a pedagogia usada durante o

aprendizado dos preceitos, entretanto esse questionamento é feito internamente ou entre

outros também pertencentes ao Candomblé.

Em AD, o sujeito ao proceder de tal maneira em seu discurso inscreve-se em uma formação

discursiva (FD). Segundo Mussalim:

(...) uma FD determina o que pode/deve ser dito a partir de um determinado lugar

social. Assim uma formação discursiva é marcada por regularidades, ou seja, por

“regras de formação”, concebidas como mecanismos de controle que determinam o

interno (o que pertence) e o externo (o que não pertence) de uma formação

discursiva. Assim, uma FD, ao definir-se sempre em relação a um externo, ou seja,

em relação a outras FDs, não pode ser concebida como um espaço estrutural

fechado. Ela sempre será invadida por elementos que vêm de outro lugar, de outras

formações discursivas (MUSSALIM, 2003, p. 119).

Page 62: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

61

Para kileuy e Oxaguiã (p.51, 2014), o conhecimento no candomblé é primeiro aprendido para

depois ser apreendido e, muito depois, entendido. Todos esses vocábulos juntos se resumem

em hierarquia. Desse modo, ao iniciado cabe seguir os preceitos, inicialmente sem

questionamento, ou, se houver, que seja feito aos mais velhos, seja em idade cronológica ou

de feitura. A hierarquia nas religiões de matriz africana obedece à lógica da cultura africana

em geral, na qual o respeito aos mais velhos é de suma importância.

Tomemos o candomblé ketu, que inclusive serve de modelo para os demais.

Primeiro, refez-se no plano da religião a comunidade africana perdida na Diáspora,

criando-se através do grupo religioso relações de hierarquia, subordinação e lealdade

baseadas nos padrões familiares e de parentesco existentes na África, fazendo-se da

família-de-santo, a comunidade de culto, uma espécie de miniatura simbólica da

família iorubá (PRANDI, 200, p. 61).

Os mais velhos foram os que, em um primeiro momento de sua trajetória, aprenderam os

segredos e as regras do candomblé, eles são a representação ancestral desses elementos na

terra, pois vieram primeiro, aprenderam primeiro. Para Póvoas (2011, p 268), os participantes

das comunidades de terreiro veneram o antigo como uma forma de preservar a memória.

Segundo kileuy e Oxaguiã (2014, p 51), o fator antiguidade tem grande peso dentro dos

terreiros de candomblé. Constituindo-se em uma cultura que prioriza o oral sobre o escrito, o

povo-de-santo zela pelos seus mais velhos, os antigos, os idosos, que são considerados como

verdadeiras bibliotecas orais. Isso confere ao idoso do terreiro uma tranquilidade: ele se torna

alvo da estima, da consideração, do apreço e até mesmo de certa veneração. É essa formação

discursiva que dará ao idoso todo o respaldo para agir livremente em relação aos mais novos,

sempre que for necessário agir. Ele fará o que quiser, quando quiser e ninguém ousará

repreendê-lo, a não ser outro mais idoso. Por isso, como afirma Póvoas (2011, p. 268), no

terreiro, não se ensina ao mestre, ao contrário, aprende-se com ele. Não se abençoa ao mais

velho; ao contrário: pede-se a ele a benção do seu axé acumulado durante décadas de

existência.

A formação discursiva se define como a construção de um dado discurso de acordo com a

ideologia, a de ser um/uma religioso/a, e a posição sujeito na qual se inscreve o indivíduo, a

de ser iniciado no candomblé, ela dependerá da situação em que esse individuo se encontra,

de acordo com esse aspecto pode-se explicar porque, em uma determinada circunstância

ocorre uma formação discursiva e não outra. Segundo Orlandi (2010), “A formação discursiva

se define como aquilo que numa formação ideológica dada – ou seja, a partir de uma posição

dada em uma conjuntura sócio-histórica dada – determina o que pode e deve ser dito”.

Page 63: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

62

Dentro do candomblé, isso se faz presente não só na questão cronológica, quando a idade

formal se faz presente, mas também na idade de iniciação ou cargo que determinado filho de

santo possui. Isso é reforçado nas palavras de Beniste (2012, p. 84) “[...] Todas as

determinações de conduta devem ser seguidas, sob a observação dos mais velhos, que

possuem um código de acompanhamento que facilita o aprendizado”.

Desse modo, a formação discursiva na qual se encontram os iniciados no candomblé

representa o desejo de defender a preservação dos valores advindos da construção familiar,

religiosa e, porque não dizer, sociopolítica da sociedade africana. Partindo do pressuposto de

que o corte nas relações familiares, feito durante a escravização, deixou aberta essa lacuna no

íntimo daqueles que foram submetidos a tais agressões.

Essas agressões atingiram justamente comportamentos que antes eram tidos como reverência

e respeito aos idosos e às autoridades; no período escravagista, esses comportamentos eram

obtidos através da força, com um agravante, o esvaziamento da lógica que explicava

anteriormente sua existência. Nesse novo contexto, o escravizado era obrigado a curvar-se

perante o senhor de engenho e sua família; era proibido de usar sapatos, pois essa era a marca

dos cativos; deveria comer com as mãos, pois o uso de talheres lhes era proibido.

Entretanto, cabe observar também que este procedimento é adotado quando da iniciação do

filho de santo e que é compreendido como sinal de humildade perante sua nova condição de

recém-nascido no Orixá. Para kileuy e Oxaguiã (2014), durante esse estágio, por se tratar de

um período de transformação, de abstinência aos costumes passados e diários da vida do iaô.

O iniciado é um ser que está ressurgindo, portanto, em sinal de entendimento do seu novo

status e de humildade, não poderá utilizar talheres para se alimentar.

Na primeira fase da iniciação, o filho de santo recebe a denominação de iaô (iyawô), essa fase

corresponde ao renascimento de uma pessoa dentro do candomblé, durante esse primeiro

estágio, muitas proibições e limites lhes são impostos: como se portar frente aos mais velhos

dentro do candomblé, o que deve e não deve comer, como comer, como se vestir, onde sentar,

como sentar.

Iyawó deve andar descalço. Muitos pensam que o objetivo é humilhar o novato, mas

não é isto. O recém-nascido, o iniciado, precisa ter maior contato com a Mãe Terra,

que é a matéria básica da formação do nosso corpo. A terra emana energias

indispensáveis para o corpo físico e espiritual. É Oníle, o Dono da Terra, é Ele o

responsável pela emanação dessas energias (SANTOS, 2010, p. 45).

Page 64: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

63

Sobre esse aspecto Kileuy e Oxaguiã (2014) explicam que estar em contato com a terra

demonstra respeito a Ilê, a terra, além da humildade perante aos Orixás. Segundo os autores, o

sapato isola a ligação do homem com a energia que provém da terra, colocar o pé no chão cria

um relacionamento íntimo e forte com o poder da terra e das forças da natureza, eles ainda

afirmam que todos os iniciados em uma casa candomblé deveriam permanentemente andar

descalços dentro dela, pois as próprias entidades andam assim quando chegam à ilê, para eles

se o homem não copia esses comportamentos toda a hierarquização não tem sentido. Essas

regras são necessárias não só para a manutenção da ordem religiosa, mas também da tradição

cultural, pois sem ela corre-se o risco de descaracterizar a religião, perdendo o que lhe é mais

precioso, o axé, a essência do candomblé.

Assim, ao preservar, ou pelo menos tentar preservar, suas tradições, esses descendentes, agora

iniciados, buscam resgatar o que fora perdido, o elo familiar de culturas invadidas e

exterminadas em função da escravização. Desse modo, esses iniciados constroem seus

discursos em torno de preceitos que, por vezes, vão de encontro a outros de outras culturas,

mas que é uma forma de manter a de matriz africana, viva e permanente. Para Orlandi (2010)

o discurso se constitui em seu sentido porque aquilo que o sujeito diz se inscreve em uma

formação discursiva e não em outra para ter um sentido e não em outro.

Por aí podemos perceber que as palavras não têm um sentido nelas mesmas, elas

derivam seus sentidos das formações discursivas em que se inscrevem. As

formações discursivas, por sua vez, representam no discurso as formações

ideológicas. Desse modo, os sentidos sempre são determinados ideologicamente

(ORLANDI, 2010, p. 43).

A formação discursiva do iniciado no candomblé está intimamente ligada ao seu anseio

familiar, não somente da família consanguínea do seu presente, mas daquela maior, mais

antiga, retomada através da ancestralidade, uma recriação daquela família separada pelo

tráfico negreiro. Segundo Lima (2013, p.162), as religiões iniciáticas que marcaram o

candomblé brasileiro eram, sobretudo, religiões de linhagens ou de tribos em que a instituição

da família desempenha um papel preponderante. Não será difícil explicar o modo porque o

ajustamento do africano em sua nova circunstância se terá orientado, no Brasil, para

reorganização dos seus cultos tradicionais, em cuja estrutura poderiam projetar ou em cuja

organização poderiam recriar seus reinos ancestrais perdidos. E a família, básica nas

sociedades africanas de pequena escala – que eram todas as que contribuíram à formação da

sociedade brasileira – foi a possibilidade maior dessa recriação, que as outras de caráter mais

Page 65: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

64

político, não puderam, naturalmente, subsistir no regime escravista no qual aos africanos

foram negadas essas duas coisas tão essenciais à vida do homem: liberdade e independência

na produção.

Esse africano e, posteriormente, seus descendentes nascidos no Brasil buscaram o elo perdido

de sua totalidade como ser humano, daí a construção do seu discurso estar sempre voltada a

essa procura. Neste ponto, entra-se em contato com o papel da memória, quando os

descendentes desses africanos que não passaram pelas agruras da escravização, retomam a

importância da preservação de suas tradições religiosas. Essa comunicação, por vezes,

inconsciente do que foi, uma vez que os descendentes não viveram o processo de separação

dos que vieram no tráfico, e do que se quer manter, é afirmado por Orlandi (2010, p. 43)

quando diz que as palavras falam com outras palavras e toda palavra é sempre parte de um

discurso, uma vez que todo discurso se delineia na relação com os outros: dizeres presentes e

dizeres que se alojam na memória.

Desse modo, recriações que vão do repertório linguístico à concepção espiritual da essência

vital, a exemplo da palavra axé, são preservados e compartilhados nas diversas “nações” de

candomblé na Bahia.

A memória dos negros no Brasil terminou por construir um valor cultural africano-

brasileiro. Apesar de a palavra axé ser originária do yorubá, na verdade ela hoje

designa um conceito comum, vivenciado e experimentado por segmentos sociais de

origem africana das mais diversas. Assim, mesmo em terreiros de origem angolana,

congo, ijexá, jeje, caboclo ou mesmo umbanda, a força do axé é compreendida

semelhantemente (PÓVOAS, 2011, p. 257).

Nessa busca por preservar os elementos de sua cultura, resistindo à escravidão, esse africano

procura manter esses elementos característicos tal como eram na África, entretanto, o que é a

preservação e sobrevivência para os que vieram antes, torna-se opressão para os descendentes,

a partir do ponto em que, como nasceram em outra realidade, compreender essa trazida por

seus pais e avós pode ser mal interpretada.

Nesse ponto, tem-se outra realidade histórica e cultural. Do ponto de vista histórico, a luta

pela liberdade continua no mesmo nível, pulsante e incessante, entretanto ao ter contato com a

cultura europeia e a dos nativos do Brasil, muitos aspectos são absorvidos, dentre eles o

respeito às tradições, sendo encabeçado pelo respeito aos mais velhos e, dentro deste, aos

preceitos religiosos.

Page 66: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

65

Dentro da comunidade candomblecista, o idoso é uma espécie de biblioteca ambulante da

oralidade africano-brasileira, é ele quem detém por sua experiência de vida saberes que serão

passados aos mais novos da mesma forma que seus antepassados lhes passaram. Fora dessa

comunidade, esse mesmo idoso é visto e tratado como ultrapassado, como aquele que deve ser

afastado do convívio externo, é sinônimo de atraso. Manter vivo o primeiro ponto de vista em

relação aos mais velhos é também uma forma de resistência histórica e sociocultural, é

respeitar todos os sofrimentos pelos quais passaram esses que aqui chegaram primeiro, eles

são a memória viva, fazendo que os mais jovens não se esqueçam quem são, de onde e como

vieram parar aqui.

Ao falar em preceitos religiosos, são retomados a quizila e a ximba, a primeira torna-se

incômoda por questionamentos interiores a respeito de sua veracidade, na busca de

explicações do ponto de vista lógico, por vezes “científico” do existir de fato. A segunda, a

ximba, também é questionada e testada, para ser certificado a sua ocorrência.

Tem-se neste ponto a transgressão da qual fala Augras (2011) cuja finalidade, por mais

curiosa que seja é manter uma tradição quando sua transgressão tem por finalidade fazer com

que o transgressor constate a veracidade necessária daquela proibição e conhecer-se a si

mesmo.

No panteão dos Orixás do candomblé da nação ketu, a hierarquia obedece a certos princípios

que podem ser vistos na organização familiar do povo yorubá, dentre eles, o mais importante,

o princípio da senioridade. Segundo Lepine (2011, p.22), os princípios que ordenam este

panteão são basicamente os mesmos que conferem ao ritual sua ordem e organizam o grupo

de culto, que parece, aliás, reproduzir vários aspectos da família africana e da organização

palaciana de Oyó.

Diferentemente da sociedade em geral, as religiões de matriz africana obedecem a uma lógica

na qual quanto mais velho se é, mais respeito se tem para com esta pessoa, sua experiência de

vida confere-lhe poder para comandar e ser totalmente respeitado e obedecido pelos demais

da comunidade. Este fator também confere aos iniciados postos e status diferenciados.

O princípio da senioridade, que regula a hierarquia das classes dos irmãos de idade,

tanto na família iorubá como na família de santo. Combinando-se ao princípio da

separação das nações africanas (ketu, jeje, ijexá, no caso dos terreiros observados),

ele ordena o panteão e os subpanteões que constituem o mundo dos deuses, dos mais

velhos aos mais novos:

Page 67: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

66

1) Oxalá e os deuses funfun21

;

2) Nanã e as divindades da nação jeje;

3) as divindades da nação ketu;

4) as divindades da nação ijexá;

5) Exu.

O princípio da idade determina a ordem a ordem das divindades dentro de cada um

dos grupos da hierarquia acima, e preside também à classificação das qualidades de

cada orixá (LEPINE, 2011, P. 23).

No candomblé, a hierarquia também pode ser observada através dos cargos de um dos

membros que fazem parte da comunidade do terreiro, cargos esses que obedecem a preceitos

como: tempo de feitura, ser médium rodante (que incorpora o Orixá) ou não, ser suspenso

para determinada atividade, questão de gênero etc.

O cargo máximo dentro do candomblé da nação Ketu são os de Iyalorixá (feminino) e

Babalorixá (masculino) – os sacerdotes responsáveis pelo terreiro e pelo axé como um todo, o

líder espiritual, também chamado de pai ou mãe de santo na língua portuguesa. No candomblé

da nação Angola, esses mesmos cargos recebem o nome de Nengwa Nkisi (feminino) e Tata

Nkisi (masculino). Em jeje22

, recebem o nome de doné (feminino) e dote (masculino). Esse

cargo tem sua representação materializada na Cuia23

. Segundo kileuy e Oxaguiã (2014, p. 52),

a cuia é o símbolo primordial, na hierarquia do candomblé, que dá plenos poderes religiosos

ao iniciado e que lhe confere o cargo de sacerdote/sacerdotisa. A cuia recebe, em cada nação,

um nome diferenciado: decá ou ibaxé, na nação nagô-vodum; oiê-de-ebomi, ibaxé ou balaio-

de-axé, nas nações yorubá e efan; kijingu na nação bantu. Ela é considerada uma transmissão

de conhecimento, de saberes e também dos fundamentos e dos segredos mais recônditos do

candomblé, ela é passada de um/uma babalorixá/ialorixá para um/uma futuro(a)

babalorixá/ialorixá, representando a maioridade.

Em seguida, temos o que se pode entender como a segunda pessoa em hierarquia depois do

líder espiritual do terreiro, Iya kekerê (feminino) e Babá kekerê (masculino) em Ketu;

21

Branco, diz-se das 16 divindades que são os orixás da criação propriamente ditos. 22 Os vodunses da família de Dan são chamados de Megitó, enquanto que da família de Kaviuno, do sexo

masculino, são chamados de Doté; e do sexo feminino, de Doné.

23

A cuia é feita da cabaça fruto das plantas do gênero lagenaria.

Page 68: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

67

Nengwa kamukenge (feminino) e Tata kamukenge (masculino) ou cota sororó em Angola;

mãe pequena e pai pequeno em língua portuguesa.

Em seguida, têm-se os cargos referentes às atividades diversas dentro de um terreiro, para

cada uma delas há um homem ou mulher designado a desempenhá-la. O cargo de Ekede em

Ketu e Jeje; Makota em Angola, só é dado para mulheres que não incorporam Orixá. Lima

(2003, p.088) diz algumas das diversas funções das equedes dentro do candomblé, a principal

delas é cuidar do santo24

a que se dedicam, quando o mesmo chega à cabeça de sua filha25

.

Ela é quem atende à sua filha no momento do transe. Ajeita-lhe as roupas. Enxuga-lhe o suor

do rosto com uma toalha, que é um dos símbolos de sua função; e encarrega-se das vestes

cerimoniais do santo. E acrescenta; são mulheres bem informadas, conhecedoras muitas vezes

dos fundamentos do culto no próprio nível das velhas ebômins. Defendem, no candomblé,

suas filhas no mundo das competições intragrupais, valorizam o santo de seu cuidado, cuja

filha é frequentemente uma parenta ou amiga muito íntima.

Em geral, ela será a responsável para cuidar do Orixá no momento em que este incorpora no

filho de santo, é quem dança e orienta os passos do Orixá incorporado dentro do barracão, é

quem pode manusear as ferramentas dos Orixás, praticamente tem acesso a todas as

atividades femininas dentro do terreiro. Há também a Iyalaxé em ketu; Makota ngunzu em

Angola, são mulheres responsáveis pelos rituais, pelas coisas secretas do axé, do gunzo.

Segundo Lima (2003, p.084), ela é a - zeladora do axé – e, por assim dizer, um posto de

transição. Antes da confirmação da sucessora do terreiro, uma ebômin pode usar o posto de

ialaxé que, a rigor, pouco se distingue, funcionalmente do posto da ialorixá. É um título,

nesses casos, que apenas situa a virtual mãe-de-santo do terreiro até que os ritos fúnebres

finais da falecida ialorixá permitam que a sucessora entre em pleno gozo de seu status.

A Iyá bassé em Ketu; Mam’etu ou Cota-rinfula ou Kifumbera em Angola, responsável pela

comida sagrada do Orixá, é quem orienta o preparo da comida que será oferecida em cada

obrigação – como são denominados os rituais dentro do candomblé -. Segundo Lima (2003,

p.085), geralmente para esse posto, são escolhidas, preferencialmente, mulheres que já

atingiram o estado fisiológico da menopausa – e por isso, isentas das interdições rituais

24

Santo é uma denominação popular dada por alguns iniciados e/ou adeptos do candomblé ao Orixá. 25

No caso, filha de santo, a iniciada (ou iniciado no candomblé).

Page 69: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

68

associadas aos dias considerados “impuros” 26

, em que as mulheres não devem tocar as

comidas sagradas dos Orixás.

A iabassê, que os autores grafam Iya bassé, é a encarregada de importante setor da

comida sacrificial e das oferendas. É ela quem se encarrega, com suas imediatas, da

elaboração e distribuição ritual das comidas oferecidas aos santos e por isso deve ser

pessoa de grande experiência e equilíbrio (LIMA, 2003, p. 085).

Há ainda os cargos tanto para homens quanto para mulheres que dizem respeito à idade ou

tempo de iniciação, esse cargo não é conferido como os outros, mas alcançado de acordo com

o tempo de feitura e as obrigações de sete anos ou mais, é cargo de Egbon em Ketu em língua

portuguesa Ebami ou Ebomi; Kota maganza/kiakaxi em Angola. Ajibonã (ambos os sexos)

em Ketu e Jeje; Tata mungwa (masculino) e Mama mungwa (feminino) em Angola é o cargo

que corresponde a padrinho ou madrinha, aquele (a) que patrocina o/a iyawô durante sua

iniciação.

Segundo M.N., ajibonã “é a mãe-pequena ou o pai-pequeno que serviu desde a

iniciação da iaô. Para a iaô, é a segunda pessoa da mãe-de-santo”. Do verbete

correspondente de A linguagem do Candomblé, cito algumas notas: “... Equivale

aproximadamente à função de padrinho ou madrinha. Pessoas de santo dizem “ele

foi minha ajibona” ou “minha madrinha” ou ainda “minha mãe-pequena”. Assim

a(o) ajibonã está relacionado(a) com um determinado iaô, e quando o iaô diz “F. é

meu pai-pequeno” ou “minha mãe-pequena” está se referindo à figura do(a) ajibonã

e não ao pai-pequeno (ou mãe-pequena do terreiro) (LIMA, 2003, p. 087).

Ao referente masculino de equede/ makota dá-se o nome de Ogá (ou Ogã como é mais

conhecido) em Ketu e Jeje; Tata kambundu em Angola, é dado para homens que não

incorporam Orixá. Segundo Lima (2003, p. 089), [...] O lado masculino das hierarquias

auxiliares executivas nos candomblés é representado pelo corpo de ogãs, nome genérico que

se dá a uma série de pessoas investidas de funções rituais as mais diversas [...]. Esse cargo é

divido e nomeado de acordo com a atividade para a qual esse homem foi suspenso - momento

em que determinado Orixá o escolhe para ser seu Ogá/Tata – e confirmado – depois que são

realizados os rituais de iniciação para confirmá-lo como pertencente ao terreiro. O ogã é

escolhido geralmente por um orixá manifestado numa filha-de-santo. Entende-se que é o

próprio Orixá que, por simpatia para com a pessoa, a escolhe para ser ogã – ogã do santo – e

26

Segundo a tradição do candomblé, a mulher nos dias em que está menstruada é considerada impura, durante

esse processo fisiológico, ela é proibida de tocar nas comidas rituais e em objetos sagrados dos Orixás. Esse

período é denominado Bagé em Ketu.

Page 70: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

69

com isto cria uma relação entre o ogã e seu “cavalo”. Daí os filhos-de-santo chamarem o ogã

de seus Orixás de “meu pai”.

O ogã aceitando a distinção – pois que sempre é considerado uma honra ser tirado

ou suspenso como ogã de um candomblé – aceita implicitamente o encargo: a

proteção e o apoio econômico à sua filha e, portanto, ao terreiro (LIMA, 2003, p.

092).

De acordo com a atividade, ele receberá um nome a mais, a exemplo de: Alabê em Ketu;

Sikangoma ou Xicarangoma em Angola; Hunto em Jeje; iniciado responsável pelos toque e

cânticos rituais. Axogun em Ketu; kasalangombe, Tata kivonda ou Kaxarangombe em

Angola, Pejigan em Jeje é o responsável pelos rituais de oferendas de animais, também

conhecido como Ogá ou Ogã de faca. Babá lossãyn em Ketu; Tata kinsaba em Angola,

responsável pela coleta das folhas.

Há alguns cargos que podem existir em uma nação e não existir em outra, como é o caso do

Pejigã27

em Ketu e Jeje que não possui equivalente em Angola. Segundo Lima (2003), o

pejigã é o “guardião do peji”. Esse cargo tem por atividade guardar os segredos do peji –

nome dado ao local onde ficam as ferramentas dos orixás e onde se colocam as oferendas,

também é conhecido como assentamento, é o equivalente a altar nas igrejas católicas. Esse

cargo, entretanto, não é constante em todos os terreiros.

Pejigã é o termo de origem jeje – e o sufixo gã em fon traduz o “ senhor”, “pessoa

de importância”, como ogã, e é empregado com outros compostos hierárquicos da

estrutura social dos fons. Creio que a primeira referência em autores brasileiros da

origem fon da palavra peji vem num artigo de Campos (1944, p. 289-309): “Pêji

chamava-se os santuários dos jejes. Este vocabulário, no seu idioma, tem a

significação de oratório” (LIMA, 2003, p. 095).

Mapoul (1943, p. 166) (apud LIMA), descreve as ferramentas e utensílios usados por um

sacerdote de Fá no Daomé da seguinte maneira: “Num dos cômodos se eleva um altar kpe. O

ifá do adivinho e todos os objetos do culto ficam dispostos sobre o altar – kpe-ji”. Em Lima

(2003) também se encontra referência ao bajigã, que, segundo ele, seria a segunda pessoa

depois do Pejigã.

27

Há também outros Ogãs como Gaipé, Runsó, Gaitó, Arrow, Arrontodé.

Page 71: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

70

Na nação Angola, tem-se os cargos de Tata nzo vumbi ou Salapembe, não encontrando

equivalente em Ketu. Esse cargo pertence aos ogãs iniciados responsáveis pelos rituais para

os mortos e para os ancestrais – Vumbi/Egun, Bakulu/Egungun. Além do cargo de Tata

kinsalu responsável por auxiliar na realização dos trabalhos de cura.

Por fim, tem-se o representante do primeiro estágio da iniciação dentro do candomblé, o (a)

iyawô em Ketu; muzenza em Angola, não é um cargo, mas o nome dado àquele (a) que inicia

sua caminhada dentro da religião candomblecista. Esse nome é dado apenas aos médiuns que

possuem o dom de incorporar o Orixá, também denominados adôṣu. O (a) iniciado (a) será

chamado por este nome durante os seis primeiros anos de sua iniciação, a partir do sétimo

ano, ele ou ela será tratado (a) pelo nome de Ebomi, o que significa já possuir certa idade de

“santo”, adquirindo o status de pai ou mãe.

Com exceção do primeiro estágio da caminhada do iniciado – o iyawô – as pessoas que

possuem os cargos anteriormente discriminados são iniciadas possuindo situações

hierárquicas de prestígio desde que entram, independente de sua idade, são tratados e

respeitados como pais e mães pelos mais novos. Há ainda, o estágio antes da iniciação,

quando não se participa diretamente dos rituais mais privativos e secretos do candomblé, é um

estágio de preparação para a iniciação propriamente dita. Nesse início, recebe-se o nome de

abyán (abi= aquele que nasce; iyán ou na [contração de “onã”] = caminho novo) (KILEUY e

OXAGUIÃ, 2014, p. 69) em Ketu; ndumbe ou ntangi em Angola/Congo; arruretê em Jeje.

Quando se fala em situações hierárquicas de prestígio, refere-se à reprodução do

comportamento africano em relação aos mais velhos ou às autoridades no qual reza o respeito

e a obediência a estes. Devendo os mais jovens prostrar-se aos pés em atitude de respeito.

Para Kileuy e Oxaguiã (2014, p. 52), a hierarquia em qualquer setor da sociedade define

indivíduos com capacidade para liderar e assim ajudar um conjunto de pessoas a conviver

pacífica e harmoniosamente em um mesmo local. É costume antigo que assim aconteça nas

comunidades de candomblé, em que a hierarquia é severa e as graduações são necessárias,

pois a temporalidade precisa ser respeitada. O povo do candomblé diz que “tempo é posto”.

Há, entretanto, outro princípio que, embora não seja aprofundado aqui, não se pode deixar de

ser abordado, trata-se da ancestralidade a qual não se baseia necessariamente na idade

cronológica, como o princípio da senioridade explicado anteriormente, mas em questões como

a origem de tudo, o início, é caso de Exu, ele não é o Orixá mais velho, mas é o primeiro a ser

Page 72: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

71

reverenciado, nada é feito sem que Exu seja agradado antecipadamente, a exemplo do padê28

,

cerimônia realizada antes de qualquer festa pública de Candomblé.

Desse modo, tanto o princípio da ancestralidade, como o da senioridade fazem parte do

mesmo universo, completando-se, alternando momentos em que cada um prevalecerá, citando

como exemplo a nação Ketu na qual Exu abre a festa e Oxalá, o mais velho, fecha-a.

4.1 QUIZILA E XIMBA

No Candomblé, comumente se ouve expressões como “ter quizila de...” e “levar ximba de

Orixá”, para denominar punições que seus adeptos podem sofrer caso não sigam o caminho

correto ou não estejam em concordância com seu Orixá. A quizila, podendo ser entendida

como proibição. Para Kileuy e Oxaguiã (2014) é uma palavra amplamente usada entra as

nações de candomblé possui uma amplitude de sentidos, sendo seu significado principal

proibição, tabu, ojeriza, impedimento sagrado do iniciado. São consideradas no uso de

determinados elementos de ordem alimentícia (comidas, bebidas), uso de certas cores, etc.,

mas essa proibição também é válida em outros âmbitos como a castidade sexual em certos

períodos. O euó ocorre até mesmo em alguns atos que por ventura desagradem ao Orixá e

também ao orí/mutuê/tá (cabeça). Segundo os autores, ao transgredir, a pessoa estará

influenciando seu destino, podendo trazer para si maus augúrios e até desagrado do seu

próprio Orixá.

Esse pensamento é confirmado por Beniste (2012, p. 84) afirmando que, ao entrar no

Candomblé, a pessoa deve ter a consciência de que fará parte de uma nova família com regras

de conduta. É a família de santo, Arailê Òrisà, que se diferencia da família biológica, pois há

uma interferência dos Òrisá, que, pela sua natureza, determinam posições, cargos,

alimentação, conduta, o que fazer e o que não fazer, as chamadas proibições ou quizilas. A

raiz de origem de cada Casa, suas tradições pessoais, podem determinar variações. O que um

terreiro faz, poderá não ser feito em outro. Em seu livro, Santos (2010) fala que existem as

famosas quizilas (ou quizílias), palavra quimbundo incorporada no “português brasileiro”.

28

Padê – cerimônia realizada antes de começar a festa pública, no Candomblé, nesse momento dança-se e canta-

se para Exu, para que ele permita e proporcione uma festa tranquila e feliz, sem nenhum incidente violento ou

desagradável.

Page 73: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

72

Em nossa religião, de origem Yorubá, costuma-se dizer éwọ é a proibição, não só

no que diz respeito a comportamentos, como também à alimentação. Filhos de

determinada Casa não podem comer abóbora; pessoas que trazem determinado

caminho são proibidas de comer quiabo; outras, de usar roupas berrantes, ou de

determinados padrões; há pessoas que não devem frequentar ambientes com muita

gente; comprar briga dos outros e assim por diante (SANTOS, 2010, p. 109).

A palavra ximba originária da língua kikongo, possui várias significações dentre elas –

prender alguém em termos espirituais, controlar a pessoa, tomar sua liberdade, cordão

espiritual - Levar ximba pode significar um acidente sofrido, um pedido não satisfeito, uma

vida que antes era confortável e se transforma num inferno em terra, famílias unidas entram

em desarmonia, tudo porque o filho ou filha de santo não seguiu as regras que lhes foram

apresentadas ou por vezes impostas. Em uma explicação mais detalhada, Kileuy e Oxaguiâ

acrescentam que a ximba é um tipo de punição ou castigo que o Orixá inflige em seu próprio

iniciado, quando ele extrapola em demasia suas proibições, as quizilas. São castigos em quem

não observa e não respeita as ordens. Geralmente, não advém do/a babalorixá/iyalorixá que

na maioria das vezes tentam evitá-los. As divindades não necessitam consultar ninguém para

aplicar um corretivo a quem merece. Esse castigo agirá como um freio, ensinando o infrator a

raciocinar antes de ofender seu Orixá. Os autores acrescentam que esse procedimento não se

dá em lugares restritos, mas são feitos para que toda a comunidade presencie, esta é uma

forma de as divindades mostrarem o seu poder e conseguir a conscientização de essa

experiência poderá ser aplicada a qualquer um.

Alguns/algumas Babalorixás e Yalorixás mais antigos se valem dessas estratégias como

pressões psicológicas no intuito de manter o filho ou a filha de santo dentro das regras da

religião, para isso usam de todo um jogo de expressões e histórias para que tais pressões

surtam o resultado esperado, um adepto com o comportamento adequado, isso de acordo com

o que as mães e pais de santo pensam ser o comportamento adequado.

(...) A submissão ao babalorixá fica simbolicamente marcada pelo uso de um colar

especial, o quelê vulgarmente designado pelo nome de “gravata de orixá”. Um ano

depois, ou nos terreiros mais tolerantes, apenas três meses depois, ela vai depositá-lo

aos pés da pedra de seu santo, durante uma cerimônia que pode ser pública. Isso não

quer dizer que deixe de obedecer ao sacerdote, mas a obediência restringe-se

unicamente ao domínio das obrigações religiosas (...) (BASTIDE, 2001[1958], p.

58).

Page 74: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

73

Usar o poder de fazer o filho ou filha de santo “virar no santo”, expressão muito usada na

comunidade de terreiro, denominando o momento em que o médium entra em transe

espiritual, quando este não está agindo de forma adequada, está sendo rebelde ou grosseiro

por algum desentendimento, é uma das formas mais comuns de fazer com que o médium leve

“ximba”, pois dependendo do estágio de doutrinação do Orixá ou caboclo, a incorporação

pode ser de forma dolorosa, deixando o médium não só cansado fisicamente, mas, por vezes

este tem o corpo dolorido ao término do transe.

Esta é uma das tantas formas de levar ximba, há aquelas que são feitas através de chantagens,

nas quais, caso o filho ou filha de santo não aja de acordo com as regras, o Orixá irá castigá-lo

severamente e, caso aconteça algum infortúnio com este filho ou esta filha de santo durante o

período da falta, é logo justificado como o castigo já mencionado. Desta forma, há a inibição

de haver alguma falta por parte do filho ou da filha de santo.

A maioria das pessoas pensa que a transgressão do éwọ traz um prejuízo imediato,

de ordem física. Isso é ingenuidade! Antes a resposta rápida para o transgressor – o

mal-estar físico. Alguém que não possa comer determinada comida, às vezes come

com delícia e “tudo bem”, a digestão é ótima. Não acontece coisa alguma. E o filho

passa a achar que o éwọ é superstição, produto da fobia de velhas ignorantes. As

consequências espirituais são terríveis, irreversíveis, na maioria dos casos. A vida do

Olóriṣa começa a ficar complicada, surgem angústias, atrapalhações de cabeça, falta

de sentido nas coisas (...) (SANTOS, 2010, p.110).

Para quem não conhece, essa prática é entendida como uma forma de opressão por parte

daqueles que estão na posição de poder frente aos outros, uma forma de impingir o medo

entre os adeptos na intenção de mantê-los sempre sob controle, entretanto pode haver outra

leitura, se colocarmos tais práticas do Candomblé ao lado das primeiras reflexões sobre a

ausência de limites que há na sociedade do século XXI, pode-se ver por outro prisma: tais

práticas de poder sobre as pessoas da religião é uma forma de dar-lhes esses limites tão

inexistentes nesses tempos tão confusos.

O saber que não se é tudo, não se pode tudo, não se deve fazer de tudo sem que haja uma

consequência para cada ato realizado. Saber que cada um é um universo em terra e deve ser

respeitado em seu espaço e, em caso de transgressão a esta regra, haverá uma punição, é uma

forma de frear a voracidade destrutiva da humanidade. Em face de total falta de limites que

todos e todas enfrentam, levar ximba é estatuto comportamental pelo qual se devem pautar as

ações humanas.

Page 75: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

74

Entretanto, em outra concepção, a ximba só acontece quando há um rompimento com a

cultura significando não uma passagem de dominado a dominante, mas a negação de uma

cultura em detrimento de outra, é uma forma de reafirmação de uma cultura e a percepção da

importância de uma lei para por limites às atitudes conscientes ou inconscientes daqueles que

decidiram seguir os preceitos da cultura em questão.

Esta reafirmação é necessária para a preservação da cultura frente ao traumático sequestro

sofrido pelos antepassados africanos no século passado. Sodré (2000) diz: “(...) O egbé,

comunidade litúrgica, terreiro de candomblé ou simplesmente “roça”, é o pólo irradiador

dessa reterritorialização do homem negro na diáspora”. Segundo Santos (2010, p. 114), “O

éwọ é um dos sustentáculos da nossa religião”. Desse modo, a ximba adquire o papel de

reforço da memória quando esta é esquecida ou deixada de lado por livre e espontânea

vontade.

Outra palavra que se alia à ximba é a quizila, significando esta última, a proibição do iniciado

em comer, beber ou desempenhar determinada atividade, a quizila é o caminho para a ximba.

“Em Angola”, prescreve Alfonso da Silva Rego (citado por Crossard Binon, 1981, p.

134), “existe uma palavra que exprime uma ideia que encontramos em todos os

lugares, a ideia daquilo que não é bom, que não convém, que é contrário à tradição

ou à etiqueta, àquilo que se deve fazer, etc. É a palavra kijila”. Formado a partir do

étimo quimbundo, o termo quizila expressa, nos terreiros brasileiros, exatamente a

mesma coisa, relativa a todas as filigranas dos preceitos e das proibições, e, mais

especificamente, às interdições ligadas às idiossincrasias do “dono da cabeça” de

cada iniciado. “É quizila do meu santo”, eis uma das frases mais ouvidas em todos

os terreiros, sejam de origem banto ou nagô” (AUGRAS, 2011, p. 158).

A quebra da quizila pode ser uma apropriação de outra cultura, rompendo, desse modo com a

tradição de uma cultura anterior, no caso o Candomblé. Logo, quizila pode significar o ato de

conservação de uma cultura, identidade, nação no sentido de etnia se for relacionado ao

universo africano ou, ainda, é a recordação de todo o percurso histórico feito pelos povos

africanos que foram destituídos de todos seus direitos, tendo que se recriar para sobreviver,

essa recriação conta com o reforço de comportamentos de uma África que ficou perdida e

tenta não morrer no esquecimento do tempo. Embora nem todas as quizilas possuam

explicações lógicas, uma vez que foram perdidas com o passar do tempo, elas são as

responsáveis por manter uma tradição comportamental em diversas casas de candomblé de

Salvador.

Page 76: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

75

4.1.1 Posição sujeito e hierarquia

Segundo Brandão (2004), ao se fazer uma abordagem sobre a noção de sujeito, há que ter uma

clara noção histórica, visto que o sujeito é marcado espacial e temporalmente, sendo, desse

modo, um sujeito histórico. A fala desse sujeito é articulada a partir de um determinado lugar

e de um determinado tempo. A essa concepção agrega-se outra, a do sujeito ideológico.

A recriação da religião de matriz africana por africanos e, posteriormente, por seus

descendentes no Brasil perpassa por estes caminhos; o primeiro cuja necessidade era

inicialmente de reencontrar-se com o mundo que lhes fora arrancado, mundo esse que

continha toda a informação de vida, de tradição, de cultura. Desse modo, o lugar de onde

partiram esses escravizados fornecerá os elementos de pertencimento presentes nesses

africanos. Serão esses elementos que ajudarão a manter-se como originário daquele lugar, a

África e suas regiões, de onde eles vieram de forma violenta. Segundo Brandão (2004), “(...).

Sua fala é um recorte das representações de um tempo histórico e de um espaço social (...)”.

Quando chegam ao Brasil, destituídos da liberdade, têm duas novas demandas: a primeira

recompor-se da separação familiar e étnica; é sabido que os africanos escravizados sofreram

duas separações: a primeira em África, quando capturados e afastados de seus territórios de

origem pelos traficantes; a segunda, na chegada ao Brasil quando serão dispersos, de acordo

com as necessidades agrícolas, pelas diversas fazendas existentes na época. Neste momento, a

recomposição se dará pela solidariedade através das dificuldades, as ligações consanguíneas e

étnicas darão lugar à identificação pela separação dos seus e pela dor.

A segunda demanda será resistir à cultura do outro, imposta também através da violência,

todos seus conhecimentos, toda sua cultura é classificada como inferior, sendo, desse modo,

necessária uma reformulação de tudo o que era importante e sagrado para ele. Nesse

momento, o discurso de escravizado tem a função de fazer frente a esse apagamento cultural.

(...) Dessa forma, como ser projetado num espaço e num tempo orientado

socialmente, o sujeito situa o seu discurso em relação ao discurso do outro. Outro

que envolve não só o seu destinatário para quem planeja, ajusta a sua fala (nível

intradiscursivo), mas que também envolve outros discursos historicamente já

constituídos e que emergem na sua fala (nível interdiscursivo) (...) (BRANDÃO,

2004, p. 59).

Page 77: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

76

A teoria da Análise de discurso (AD) da linha francesa, aos moldes de Michel Pecheux,

estuda o percurso ou as estratégias utilizadas pelos indivíduos na produção do discurso que

marca seu papel em um determinado grupo social, assim como a consequência desse discurso

para a manutenção dos papéis sociais que esse indivíduo desempenha.

Esses papéis estarão em consonância com as condições de produção a qual ele está inserido e

a posição sujeito que é tomada ou lhe é designada ainda que sem sua aprovação prévia.

Em si tratando do candomblé, o contexto histórico de violência e resistência marca fortemente

a necessidade de preservação e manutenção das tradições, esse comportamento faz com que

as quizilas de cada um sejam o ponto forte para manter essa tradição, logo obedecê-las

significa fortalecer a tradição religiosa.

O iniciado no candomblé é interpelado pela ideologia a partir do momento em que reproduz

uma história que não viveu, mas a toma como sua, quando se autoidentifica como

descendente dos povos que foram trazidos para aqui. Sendo assim, essa história é a sua

história. Segundo Indursky (2008, p. 2):

Vale dizer: o sujeito que o fundador da Teoria da Análise do Discurso convoca é um

sujeito que não está na origem do dizer, pois é duplamente afetado. Pessoalmente e

socialmente. Na constituição de sua psiquê, este sujeito é dotado de inconsciente. E,

em sua constituição social, ele é interpelado pela ideologia. É a partir deste laço

entre inconsciente e ideologia que o sujeito da análise do discurso se constitui.

Nesse universo de ser iniciado na religião de matriz africana, ainda tem que ser levado em

consideração as diversas posições sujeito referentes às funções e status de cada cargo, ou seja;

há o ser iniciado como um todo, como o pertencente à religião e, dentro dela, as outras

pertinentes à sua condição: iyawô, equede, ogã, ebomi etc. Cada um desses lugares exigirá

uma posição sujeito diferente de acordo com as atribuições e obrigações a serem cumpridas

por cada um deles. Estabelecendo assim, a estrutura de funcionamento e de comportamento

que rege a comunidade de terreiro.

Page 78: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

77

5. CONCLUSÃO

O africano, sequestrado de sua família, seu povo, de seu país, foi trazido forçadamente a um

país de onde jamais retornaria, esse país de nome Brasil seria sua casa para sempre,

entretanto, esse mesmo africano guardou dentro de si toda sua cultura e tradição religiosa,

uma vez que seus laços consanguíneos foram brutalmente desfeitos, ele encontrou uma

alternativa que não fecharia totalmente a lacuna deixada pela falta dos seus, mas serviria de

consolo nas horas de solidão.

Outra alternativa encontrada para se manter vivo e forte, foi a agregação de varias etnias em

um só lugar, mesclando rituais e preceitos, nomes e características, em um processo sincrético

que colaborou para que esse africano não desistisse de lutar pela sobrevivência e pela sua

liberdade e de seu povo.

O Candomblé do Brasil é resultado da necessidade desse africano de recriar os laços que lhes

foram cortados. No momento em que os sacerdotes das diversas etnias compreenderam que a

saída para se manterem vivos e, ainda que fossem de origens diferentes, unidos, nasceu no

Brasil a religião sinônimo de resistência daquela cuja dignidade fora tirada à força.

Esta pesquisa abordou as relações de hierarquia dentro das comunidades candomblecistas da

cidade de Salvador, iniciando seu percurso histórico desde o continente africano, de onde

vieram homens, mulheres e crianças capturados em diversas regiões da África, formando um

caleidoscópio que se transforma na medida em que são expostos a uma realidade diferente

daquela de onde partiram.

Possuir uma religião é uma necessidade do homem, pois ele precisa desse contato com o

misterioso ao qual agregará sentido de valor. Em Análise do Discurso, o sujeito é interpelado

pela ideologia ao optar por seguir determinado pensamento e não outro, no caso, pertencer a

uma religião, ser religioso contrapondo a não possuir nenhuma, essa necessidade conduz o

sujeito a partilhar um discurso pensando-o seu em origem, mas que é um eco de outras vozes

anteriores à sua.

Nos países africanos, de onde esses povos vieram, a religiosidade era parte constante na vida

desses indivíduos, tudo em seu cotidiano está intrinsecamente ligado ao sagrado, o africano é

um religioso a partir do princípio de que, para ele, sua vida está ligada ao ser supremo e às

Page 79: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

78

suas divindades. Até mesmo a morte, para o africano, ela não é um corte e sim uma passagem

para outro nível espiritual, mais evoluído.

A família era a célula primordial na vida desse africano, dentro dela são cultuadas divindades

pertencentes ao patriarca, entre os yorubás e os bantu, agregado ao culto às divindades

pertencentes aos seus reis, à cidade, ao mercado, à agricultura, etc. O culto à Ifá e

Exu/Legbara/ Aluvaiá é de suma importância, pois são os primeiros, sem eles nada vai

adiante.

Entre os povos bantu, diferentemente dos yorubás, seus rituais são direcionados às forças e

formas da natureza, são reverenciados determinados rio, montanhas, árvores, etc., seus

inquices representam esses elementos, podem até ser associados aos orixás yorubás e aos

voduns jeje, mas há que ser ter bastante atenção, pois possuem sutis diferenças que os fazem

singulares em seus cultos.

Ao serem retirados forçadamente de seu ambiente, submetidos a todo tipo de violência, esses

povos viram na dor a necessidade e, por conseguinte, o caminho para resistir e sobrevier

àquele infortúnio: a solidariedade. Essa condição de produção gerou uma nova situação para

esse africano, agora, estavam unidos pela dor, pela religião. A estratégia usada para separá-

los, transformou-se em motivo de união, as diferenças encontraram as semelhanças.

No Brasil, um termo criado aleatoriamente pelos traficantes “nação, nações”, usados pelos

senhores como estratégia de delação, transformou-se com o passar dos séculos em elemento

diferenciador das casas de Candomblé na Bahia. O termo “nação” designa as diferenças de

culto entre as casas de Candomblé, embora mesmo havendo o predomínio de características

pertencentes à determinada etnia, não significa que não se encontre características de várias

etnias diferentes que foram agregadas pela necessidade de se manterem vivas.

Em terras estranhas, o espaço físico onde essa África perdida será recriada ou reescrita é o

terreiro. Nesse local, através de rituais, objetos sagrados, da disposição espacial das casas, das

regras comportamentais, dentre outros elementos componentes desse universo que um pouco

da religiosidade africana é resgatado, uma vez que essa África original, não existe, foi perdida

para o tempo e para as mudanças normais no caminho de uma sociedade. Em um primeiro

momento, esse resgate ou releitura, ou ainda, reescritura dos paradigmas africanos será

realizado pelo africano escravizado e, posteriormente, por seus descendentes.

Page 80: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

79

Ao se reconhecerem como os herdeiros e aqueles que darão prosseguimento à tradição

africana no Brasil, os descendentes dos africanos se inscrevem na formação ideológica que os

coloca como defensores dessa nova religião, o Candomblé e seus diversos símbolos vindos de

África, para recriá-la no Brasil. Dentre os elementos que compõem essa pequena e nova

África, em terras brasileiras, o código de conduta é que mais se cobra dentro do terreiro.

Através dele os iniciados recebem os ensinamentos que os farão futuros e futuras líderes

religiosos (as), os herdeiros do terreiro onde realizaram todos os rituais necessários para

pertencerem àquela nova família, a família de Aṣé. É essa formação ideológica que o faz

defender sua posição perante aqueles que não são parte da comunidade de aṣẹ.

O Candomblé é uma religião primordialmente oral, os ensinamentos são passados de geração

para geração através do ensino pela oralidade, os procedimentos são ditos. Por vezes, essa

característica é confundida com a falta de uma “liturgia” como é o caso de outras religiões nas

quais a palavra escrita é um marco para a sua legitimação. O Candomblé possui todo um

procedimento que se repete da mesma forma há séculos. É verdade que algumas modificações

foram inseridas devido a mudanças no perfil da sociedade, razão da contemporaneidade.

Entretanto, essa mudança não se deu de forma tão radical a ponto de transformarem preceitos

antigos. Sobre esse assunto, pouca coisa foi mudada devido à necessidade de adequação,

assim sendo, foi preciso realizar releituras de procedimentos originários e mudança dos

mesmos, pois, estes eram impraticáveis dados os novos movimentos da sociedade, entretanto,

muito desse código de conduta dentro do terreiro permanece. As regras de conduta dentro do

terreiro de Candomblé são rígidas, principalmente as direcionadas aos Iaôs (Iyawôs), durante

todo o processo de nascimento e desenvolvimento desse iniciado, ele será submetido a uma

série de provas cujo objetivo é testá-lo em sua fé e ensinar-lhe a sabedoria africano-brasileira.

Dentro dessa lógica, a do ensinamento para um futuro Babalorixá, uma futura Iyalorixà, ser

humilde perante o Orixá/Nkisi/Vodum, despir-se nesse momento de vaidades e títulos sociais

é característica fundamental para passar por todas as provas, que podem constituir-se de

restrições alimentares, respeito e obediência aos mais velhos, sejam eles em idade cronológica

ou não, como vestir-se, como andar, onde sentar, entre outros.

Essas restrições ou proibições são denominadas quizilas ou èèwó, são elas que impõem os

limites aos iniciados, neste caso, para todos indistintamente, independente de idade

cronológica ou cargos (Ogá, Equede), elas são relacionadas ao Orixá, Nkisi e Vodum dono do

Page 81: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

80

ori do iniciado. Geralmente, as quizilas são acompanhadas de histórias que explicam o motivo

desta ou daquela proibição.

A quebra ou transgressão da quizila resultará na ximba, sendo esta a consequência da quebra,

a ximba será, portanto, a punição para aquele ou aquela que transgride o que lhe é proibido.

Essa punição irá desde o mal-estar físico até problemas de ordem espiritual, só sendo

resolvido após algum tipo de oferenda para pedir desculpas à divindade ofendida.

Este é ponto que deu origem à hipótese lançada no início desta dissertação, o questionamento

em relação ao uso desses dois elementos como opressão ao iniciado tido como rebelde.

Entretanto, ao percorrer a história dos negros que foram cerceados de sua liberdade por força

da ambição e da desumanidade de alguns, observa-se que embora sejam aplicados por vezes

de maneira áspera, a quizila e a ximba são, na verdade, dois elementos responsáveis pela

preservação da tradição religiosa, a partir do ponto em que convida a memória adormecida

desse iniciado a voltar ao tempo de seus ancestres, os que viveram as agruras da escravidão e

as divindades que foram a força essencial para mantê-los vivos, resistindo a tudo e mantendo

suas raízes durante séculos.

É relembrando de passados remotos através de histórias contadas oralmente desde os

primeiros que chegaram aqui e os mais próximos relatados por todos os que passaram por

provas aplicadas pelos seus/suas Babalorixás/Iyalorixás durante seu período de iniciação e

após esse, quando são orientados enquanto Iaôs. Ao relembrarem essas passagens em suas

vidas, mais do que repetirem histórias de agruras, essas memórias são a reafirmação de

valores que são legitimados pela comunidade do Candomblé como pré-requisitos essenciais a

boa convivência nesse espaço religioso.

Page 82: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

81

REFERÊNCIAS

ALVES, Rubem. O que é religião. Abril Cultural. 1984.

ARAÚJO, Anderson Leon Almeida de. DUPRET, Leila. Entre atabaques, sambas e orixás.

Revista Brasileira de Estudos da Canção - ISSN 2238-1198. v. 1, n.1. Natal. 2012.

AUGRAS, Monique. Quizilas e preceitos – transgressão, reparação e organização dinâmica

do mundo. In. EUGÊNIO, Carlos: Culto aos Orixás. Marcodes de Moura (org.), 1 ed. Rio de

Janeiro, Pallas, 2011.

BARRETO, José de Jesus. Candomblé da Bahia: resistência e identidade de um povo de fé.

6. ed. Salvador – Ba. Solisluna. 2009.

BASTIDE, Roger. O candomblé da Bahia: rito nagô. Tradução Maria Isaura Pereira de

Queiroz. Revisão: Reginaldo Prandi. Companhia das letras. 4 reimpressão. São Paulo. 2001.

BASTIDE, Roger. Religiões africanas e estruturas de civilização. Conferência pronunciada

durante o II Congresso Internacional de Africanistas. Dacar. Dezembro de 1967.

BASTIDE, Roger. As religiões africanas no Brasil: contribuição a uma sociologia das

interpretações de civilizações. Trad. Maria Eloisa Capellato e Olívia Krähenbühl. Pioneira. 3

ed. São Paulo.1989.

BASTIDE, Roger. Estudos afro-brasileiros. Coleção estudos. Volume 18. Organização-

Maria de Lourdes Santos Machado. Perspectiva. São Paulo. 1983(1973).

BATISTA, Milena Xibile. Candomblé: memória e transmissão cultural em uma comunidade

religiosa de matriz africana. I Seminário Nacional do Programa de Pós-Graduação em

Ciências Sociais – PGCS- UFES.

BRANDÃO, Helena Hathsue Nagamine. Introdução à análise do discurso. 2ª ed rev.

Campinas. SP. UNICAMP. 2004.

BENISTE, José. As águas de Oxalá – ÀWON OMI ÒSÀLÁ. 3 ed. Rio de Janeiro. Bertrand

Brasil. 2012.

BENTLEY, Holman W. Dictionary and grammar of the Kongo language: as spoken at

San Salvador, the Ancient Capital of the Old Kongo Empire, West Africa. Published by the

Baptist Missionary Society, 1895.

BOSI, Ecléa. O tempo vivo da memória: ensaios de psicologia social. Ateliê Editorial. São

Paulo. 2003.

BOTÃO, Renato Ubirajara dos Santos. Para além da nagocracia: a (re) africanização do

candomblé nação Angola-Congo em São Paulo. Dissertação (Mestrado em Ciências Sociais)

– Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual Paulista, Marília. 2007.

Page 83: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

82

CARNEIRO, Edison. Candomblés da Bahia. 6. ed Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,

1978.

CEZNE, Irene Dias de Oliveira. Tradição africana: espaço crítico e libertador. In CEM,

Consolidar a paz. Carta pastoral dos bispos moçambicanos. Número 13. Janeiro/1994.

HALBWACHS, Maurice. A memória coletiva. Trad. Laurent Léon Schaffter. 2 ed. Press

Universitaires de France. Paris. França. [1950] 1968.

INDURSKY, Freda. Unicidade, desdobramento, fragmentação: a trajetória da noção de

sujeito em análise de discurso. In: MITTMANN, Solange; GRIGOLETTO, Evandra;

CAZARIN, Ercília (Orgs). Práticas discursivas e identitárias: sujeito e língua. Porto

Alegre, Nova prova, PPG Letras/ UFRGS, 2008. (Col. Ensaios 22).

KILEUY, Odé. OXAGUIÃ, Vera de. O candomblé bem explicado: nações bantu, iorubá e

fon. Marcelo Barros (org.). 1 ed. Rio de Janeiro. Pallas. 2014.

LÉPINE, Claude. Análise formal do panteão nagô. In. EUGÊNIO, Carlos: Culto aos Orixás.

Marcodes de Moura (org.), 1 ed. Rio de Janeiro, Pallas, 2011.

LIMA, Vivaldo da Costa. A Família de Santo: nos candomblés jejes-nagôs da Bahia. 2. ed

Salvador – Ba: Corrupio, 2003.

LOPES, Nei. Bantos, malês e identidade negra. 1 reimp. Belo Horizonte. Autêntica. 2008.

LUZ, Marco Aurélio de Oliveira. AGDÁ: dinâmica da civilização africano-brasileira. 2. ed

Salvador – Ba : Edufba, 2000.

LUZ, Marco Aurélio. Cultura negra e ideologia do recalque. Achiamé. Rio de Janeiro.

1983.

LUZ, Marco Aurélio de Oliveira, SANTOS, Deoscoredes M. dos. O rei nasce aqui - Obá

Biyi: a educação pluricultural africano-brasileira. 1. ed Salvador-Ba: Fala nagô, 2007.

MATTOSO, K.M.Q. (1982) Ser escravo no Brasil. [Trad. de James Amado] São Paulo.

Brasiliense. 1982

NETTO, Márcia Ferreira. Os Terreiros de Candomblé como representação da memória e

identidade nacional afro-brasileira. Rio de Janeiro. Anais do XV Encontro Regional de de

História da ANPUH-RIO. 2010.

ORLANDI, Eni P. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas – SP: Pontes.

PARÉS, Luis Nicolau. A formação do candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia. 2

ed. rev. Campinas. SP. Unicamp. 2007.

PECHEUX, Michel. Semântica e discurso – uma crítica a afirmação do óbvio. 3.ed.

Campinas – SP: Unicamp. 1997.

Page 84: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

83

PÓVOAS, Ruy do Carmo. Da porteira para fora: mundo de preto em terra de branco.

UESC. 1 ed. Ilhéus. Bahia. 2011.

PRANDI, Reginaldo. De africano a afro-brasileiro: etnia, identidade, religião. Revista USP

número 46. São Paulo. Junho/agosto 2000.

PREVITALLI, Ivete Miranda. Minkisi e inquices: cosmovisão banta e ressignificação no

candomblé Angola. PUC- São Paulo.

PREVITALLI, Ivete Miranda. Candomblé Angola: da África Central para o Brasil. O que

atravessou o oceano? XI Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais: diversidades e

(dês) igualdades. Universidade Federal da Bahia. Bahia. 2011.

RICOEUR, P. Interpretação e ideologias. Trad. H. Japiassu. Rio de Janeiro. Francisco

Alves, 1977.

SANTOS, Edmar Ferreira. O poder dos candomblés: perseguição e resistência no

Recôncavo da Bahia. EDUFBA. Salvador. 2009.

SANTOS, Jocélio Teles dos (coord.). Mapeamento dos terreiros de Salvador. UFBA,

Centro de Estudos Afro-Orientais. Salvador-BA, 2006.

SANTOS, Magnaldo Oliveira dos. Religiões de matrizes africanas – territorialidades de

afirmação de ancestralidade africano-brasileira. In XI Congresso Luso Afro-Brasileiro de

Ciências Sociais – Diversidades e (Des) igualdades. Universidade Federal da Bahia. Salvador

– BA. 2011.

SANTOS, Maria Stella de Azevedo. Meu tempo é agora. Assembleia legislativa da Bahia. 2

ed. Bahia. 2010.

SERRA, Ordep José Trindade. Laudo antropológico: exposição de motivos para

fundamentar pedido de tombamento do Terreiro do Bate Folha como patrimônio histórico,

paisagístico e etnográfico do Brasil. Salvador. 2002.

SERRA, Ordep José Trindade. Ilê Axé Iyá Nassô Oká - Terreiro da Casa Branca do Engenho

Velho: laudo antropológico. Salvador. 2008

SERRA, Ordep José Trindade. Terreiro do Bogum: - Zoogodô Bogum Malê Rundó –

Laudo antropológico. Salvador. 2008.

SILVA, Dilma Melo. Por que riem da África? In Coleção percepção da diferença. Negros e

brancos na escola. Vol. 6. NEINB. USP. São Paulo. 2007.

SILVA, Jorge da. Guia de luta contra a intolerância religiosa. CEAP. Rio de Janeiro. 2009.

SILVEIRA, Renato da. O candomblé da Barroquinha: processo de constituição do primeiro

terreiro baiano de keto. 2 ed. ver. Salvador. BA. Maianga. 2010.

SOUZA JR. Vilson Caetano de. Na palma da minha mão – temas afro-brasileiros e questões

contemporâneas. 1 ed. Salvador – Ba: Edufba. 2011.

Page 85: UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA … · universidade do estado da bahia departamento de ciÊncias humanas – campus i – salvador programa de pÓs-graduaÇÃo em estudos de linguagem

84

TAVARES, José Lourenço. Gramática da língua do Congo (kicongo), (dialeto

Kisolongo). Oficinas da imprensa nacional de Angola – Luanda. 1915.

VERGER, Pierre Fatumbi. Orixás: deuses iorubás na África e no novo mundo. Trad. Maria

Aparecida da Nóbrega. Corrupio. 5 ed. Salvador. Bahia. 1997.

VERGER, Pierre Fatumbi. Fluxo e refluxo do tráfico de escravos entre o Golfo de Benin e

a Bahia de Todos os Santos: dos séculos XVII a XIX. São Paulo: Corrupio, 1987.

VERGER, Pierre Fatumbi. Notas sobre o culto aos orixás e voduns na Bahia de Todos os

Santos, no Brasil, e na antiga Costa dos Escravos, na África. São Paulo: EDUSP, 1999.

SITES:

DICIONÁRIO REVERSO. http://dicionario.reverso.net/frances-definicao/chefferie - acessado

em 25 de outubro de 2014.

CANDOMBLÉ WORDPRESS. http://candomble.wordpress.com/2011/06/12/os-voduns-

de-jeje-mahi/ - acessado em 12 de dezembro de 2014.