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LIANE DOS ANJOS SISTEMAS DE CLASSIFICAÇÃO DO CONHECIMENTO NA FILOSOFIA E NA BIBLIOTECONOMIA: UMA VISÃO HISTÓRICO-CONCEITUAL CRÍTICA COM ENFOQUE NOS CONCEITOS DE CLASSE, DE CATEGORIA E DE FACETA Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, Área de Concentração Cultura e Informação, Linha de Pesquisa Acesso à Informação, da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do Título de Doutor em Ciência da Informação, sob a orientação da Prof a . Dr a . Johanna W. Smit. SÃO PAULO 2008

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  • LIANE DOS ANJOS

    SISTEMAS DE CLASSIFICAO DO CONHECIMENTO NA FILOSOFIA E NA BIBLIOTECONOMIA: UMA VISO HISTRICO-CONCEITUAL CRTICA COM ENFOQUE NOS CONCEITOS DE CLASSE, DE CATEGORIA E DE FACETA

    Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao, rea de Concentrao Cultura e Informao, Linha de Pesquisa Acesso Informao, da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, como exigncia parcial para obteno do Ttulo de Doutor em Cincia da Informao, sob a orientao da Profa. Dra. Johanna W. Smit.

    SO PAULO 2008

  • FOLHA DE APROVAO

    LIANE DOS ANJOS

    SISTEMAS DE CLASSIFICAO DO CONHECIMENTO NA FILOSOFIA E NA BIBLIOTECONOMIA: UMA VISO HISTRICO-CONCEITUAL CRTICA COM ENFOQUE NOS CONCEITOS DE CLASSE,

    DE CATEGORIA E DE FACETA

    Tese aprovada como requisito parcial para a obteno do Ttulo de Doutor em Cincia da Informao, do Programa de Ps-graduao em Cincia da Informao, da Escola de Comunicaes e Artes da Universidade de So Paulo, sob a orientao da Profa. Dra. Johanna Wilhelmina Smit.

    Orientador: ____________________________________________ Profa. Dra. Johanna Wilhelmina Smit Departamento de Biblioteconomia e Documentao Universidade de So Paulo

    ____________________________________________

    ____________________________________________

    ____________________________________________

    ____________________________________________

    So Paulo,

  • Para o meu Deus, presena...

    Para a minha me Maria e o meu pai Francisco (in memorian),

    herana... Para os meus netos,

    Alice e Joaquim, esperana...

  • AGRADECIMENTOS

    Este trabalho fruto de uma comunho de esforos, incentivos, atenes, carinhos, desapegos, renncias, entendimentos, generosidades, por parte daqueles que

    sempre se fazem presentes e, por isso, devo muitos agradecimentos:

    minha orientadora, pela compreenso e acompanhamento constantes;

    s professoras Anna Maria Marques Cintra e Maria de Ftima Gonalves Moreira Tlamo, por suas sugestes providenciais quando da qualificao;

    Ao professor Ulf Gregor Baranow, pela pertinncia de suas colocaes que mostram um jeito diferente de ver, condio necessria para continuar a ver;

    A todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Cincia da Informao e aos colegas de doutorado, um profundo reconhecimento;

    Ao Wilson, meu companheiro, e aos meus filhos, noras e genro: Daniel (Adriana), Leticia (Alexandre) e Renato (Flvia), por estarmos juntos neste caminho;

    querida amiga e profissional competente Liliana Luisa Pizzolato, que tantas coisas me disse e muito auxiliou na organizao dos alfarrbios desta pesquisa;

    Suzana Silveira Pereira, que no sabe como esta amizade foi importante para o bom trmino desta pesquisa;

    s amigas bibliotecrias Elayne Schlgel, Mrcia Regina Wellner e Regina Campos Rocha que, pacientemente, acompanharam este processo de reflexo, pelo prazer

    de nossas conversas, e a todos os profissionais do Sistema de Bibliotecas da UFPR, pela ateno dispensada nas minhas buscas bibliogrficas e pelo esforo conjunto

    para propiciar o meu afastamento para a realizao desta tese;

    Um carinho especial ao mestre yogue Adilson B. Pagan, com quem a cada dia eu aprendo mais em relao a fora, concentrao, equilbrio, determinao e a

    respeito do que deve ser...

    Aos amigos queridos: Laisy e Kiko, Mnica e Cludio, Tnia e Iwan, Valderez e Roberto, pela delicadeza de nossa convivncia.

  • Antes do Nome

    No me importa a palavra, esta corriqueira.

    Quero o esplndido caos de onde emerge a sintaxe,

    os stios escuros onde nasce o de, o alis,

    o o, o porm e o que, esta incompreensvel

    muleta que me apia.

    Quem entender a linguagem entende Deus

    cujo Filho Verbo. Morre quem entender.

    A palavra disfarce de uma coisa mais grave, surda-muda,

    foi inventada para ser calada.

    Em momentos de graa, infrequentssimos,

    se poder apanh-la: um peixe vivo com a mo.

    Puro susto e terror.

    Adlia Prado

  • RESUMO

    A anlise dos sistemas de classificao do conhecimento na Filosofia e na Biblioteconomia sob um ponto de vista histrico-conceitual crtico com enfoque nos conceitos de classe, categoria e faceta foi desenvolvida a partir dos objetivos especficos de acompanhar e delinear a trajetria das classificaes dos saberes (classes) e dos seres (categorias) luz da Filosofia; averiguar as possveis influncias que as classificaes filosficas historicamente exerceram sobre as classificaes bibliogrficas tradicionais; e verificar de que modo os conceitos especficos de categoria, de classe e de faceta tm sido definidos no mbito das classificaes biblioteconmicas tradicionais. Trata-se de uma pesquisa do tipo exploratrio-descritivo, embasada na literatura pertinente, oriunda de ambas as reas do conhecimento em questo. A partir do levantamento bibliogrfico construiu-se o referencial terico, conduzindo objetivao, anlise, discusso e o aprofundamento do objeto. possvel afirmar que tanto os princpios das classificaes filosficas em relao aos saberes e em relao aos seres, quanto as prprias classificaes que dividem os saberes e os seres, apresentam-se como construtos destinados a conhecer e disciplinar o conhecimento do ser e do saber. A influncia das classificaes filosficas sobre as classificaes bibliogrficas reside no fato de que as classificaes bibliogrficas so adaptaes das classificaes do conhecimento ou das cincias. As bibliogrficas, frequentemente, utilizam termos originrios das filosficas, ressignificando-os e transformando-os em ferramentas. Em sntese, pode-se afirmar que, a partir da Filosofia, absorvida em explicaes tericas, at a Biblioteconomia, preocupada com solues instrumentais e aplicativas (pragmticas), os esquemas de classificao bibliogrfica propostos tem se beneficiado da aproximao dessas duas reas de conhecimento. A reviso conceitual com respeito s noes de classe, categoria e faceta aponta, por parte dos estudiosos da Classificao, para a necessidade de um cuidado maior no desenho, no planejamento e na estruturao de sistemas de classificao, na modificao e especificao de tabelas de classificao e at de linguagens de indexao, com vista sua adequao e relevncia. As contribuies da resultantes, delineadas numa perspectiva funcional-instrumental, podero ajudar os profissionais a reconsiderar os seus sistemas de idias e procedimentos em relao construo e avaliao de linguagens de indexao e classificao habitual de documentos. Caber Cincia da Informao avanar na fundamentao terica do seu campo de aplicao, discutindo criticamente a sua base conceitual, atenta s prticas de uso em voga na Biblioteconomia e Documentao com relao a termos e conceitos. O estudo valida as hipteses inicialmente levantadas, determinando que a consistncia terminolgica de termos como categoria, classe ou faceta contribui para aperfeioar a operacionalizao do processamento do conhecimento em Cincia da Informao e que aos esquemas categoriais no cabe um valor neutro, uma vez que sempre favoreceram uma determinada concepo de mundo, em que pese a sua natureza objetivamente pragmtica. Por fim, apresentam-se algumas perspectivas decorrentes da investigao, selecionando-se questes relevantes e de interesse para futuras pesquisas.

    Palavras-chave: Categoria. Classe. Faceta. Classificao. Teoria da Classificao. Organizao do Conhecimento. Biblioteconomia. Cincia da Informao.

  • ABSTRACT

    The analysis of knowledge classification systems in Philosophy and Librarianship by a critical historical-conceptual point of view with an approach in the concepts of class, category and facet was developed from specific objectives to accompany and outline the path of knowledge (classes) and beings (categories) classification in relation to Philosophy; to investigate the possible influences that the philosophical classification historically exerted on traditional bibliographical classifications; and to verify in which way the specific concept of category, class and facet have been defined in the ambit of traditional librarianship classifications. This research is of exploratory-descriptive type, based upon pertinent literature, resulting from both areas of knowledge in discussion. From the studied bibliographical material, a theoretical reference was built, leading to objectivation, analysis, discussion and a profound study of the object. Its possible to affirm that even the principles of philosophical classifications in relation to knowledge and beings, as well as the classifications that divide knowledge and beings, are presented as constructs, purposed to understand and to train the information of beings and knowledge. The influence of philosophical classifications on bibliographical classification is settled by bibliographical classifications, which are adaptations of knowledge or science. The bibliographical ones, frequently utilize terms originated from philosophical that are modified and transformed into tools. In synthesis, it may be stated that, from Philosophy, absorbed in theoretical explanations, even Librarianship, worried with instrumental and application (pragmatic) solutions, the proposed plans of bibliographical classifications have been beneficiated from the approximation of this two areas of knowledge. The conceptual review in relation to notions of class, category and facet needs a better attention in design, planning and in the structuring of classification systems, as pointed out by experts on Classification, in the modification and specification of classification tables and also indexation languages, aiming its adequacy and significance. The resulting contributions, outlined by a functional-instrumental perspective, would help professionals to reconsider their systems of ideas and procedures in relation to construction and evaluation of indexation languages and regular classification of documents. The information science will be responsible to develop theory fundamentation of its application field, discussing critically its conceptual basis, with attention to the practices in use by Librarianship and Documentation in relation to terms and concepts. The study validates the hypothesis initially described, determining that the terminological consistency of terms as category, class or facet contribute to improve the operacionalization of knowledge processing in Information Science and that to category schemes it doesnt fit a neuter value, since that always favored a certain conception of the world, in which predominates its pragmatic nature As result of the investigation, some perspectives are presented, selecting questions of extreme relevancy and interest for future researches.

    Key-words: Category. Class. Facet. Classification. Classification Theory. Knowledge Organization. Librarianship. Information Science.

  • LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1 - CLASSIFICAO DE ARISTTELES ..................................................... 44 QUADRO 2 - CLASSIFICAO ESCOLSTICA ROMANA .......................................... 46 QUADRO 3 - CLASSIFICAO DE ROGER BACON (1266) - INGLATERRA ............. 47 QUADRO 4 - CLASSIFICAO DE HUARTE DE SAN JUAN (1575) - ESPANHA ......... 50 QUADRO 5 - CLASSIFICAO DE DESCARTES (1647) - FRANA ........................... 53 QUADRO 6 - CLASSIFICAO DE FRANCIS BACON (1605) - INGLATERRA. ............ 56 QUADRO 7 - CLASSIFICAO DE HOBBES (1651) - INGLATERRA ......................... 58 QUADRO 8 - CLASSIFICAO DE LOCKE (1690) - INGLATERRA..... ....................... 59 QUADRO 9 - CLASSIFICAO DE LEIBNIZ (1701) - ALEMANHA .............................. 60 QUADRO 10 - DIDEROT, dALEMBERT E A SISTEMATIZAO DA ENCICLOPDIE

    (1751) - FRANA ..................................................................................... 63 QUADRO 11 - CLASSIFICAO DE HEGEL (1817) - ALEMANHA ............................... 65 QUADRO 12 - CLASSIFICAO DE AMPRE (1834) - FRANA ................................. 66 QUADRO 13 - CLASSIFICAO DE COMTE (1842) - FRANA .................................... 69 QUADRO 14 - CLASSIFICAO DE SPENCER (1864) - INGLATERRA ....................... 70 QUADRO 15 - CLASSIFICAO DE HARRIS (1870) - ESTADOS UNIDOS .................. 71 QUADRO 16 - CLASSIFICAO DE WUNDT (1889) - ALEMANHA .............................. 72 QUADRO 17 - NVEIS DE OBJETOS GERAIS DE ACORDO COM HARTMANN E

    FEIBLEMAN ............................................................................................ 75 QUADRO 18 - NVEIS DE OBJETOS GERAIS DE ACORDO COM GOPINATH ............ 77 QUADRO 19 - PRINCPIOS DAS CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS SABERES ..... 79 QUADRO 20 - DIVISO DAS CINCIAS NAS CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS

    SABERES ........................................................................................................ 80 QUADRO 21 - DISCIPLINAS BSICAS (ORIGINAIS) DAS CLASSIFICAES FILOSFICAS

    DOS SABERES: CLASSES ........................................................................ 82 QUADRO 22 - CATEGORIAS GRAMATICAIS SEGUNDO AS CATEGORIAS ARISTOTLICAS 92 QUADRO 23 - DIVISO KANTIANA DOS JUZOS E DAS CATEGORIAS ..................... 104 QUADRO 24 - CATEGORIAS DE RENOUVIER (1854) - FRANA ................................ 108 QUADRO 25 - PRINCPIOS DAS CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS SERES ...... 123 QUADRO 26 - CATEGORIAS FUNDAMENTAIS DAS CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS

    SERES ...................................................................................................... 125 QUADRO 27 - A NOO DE CATEGORIA NAS CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS

    SERES ............................................................................................................. 126 QUADRO 28 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO DECIMAL DE DEWEY ....... 171 QUADRO 29 - EXEMPLO DA APLICAO DA NOO DE CATEGORIA E DE FACETA

    NA CLASSIFICAO DECIMAL DE DEWEY ................................................ 173

  • QUADRO 30 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO DECIMAL UNIVERSAL ....... 177 QUADRO 31 - SMBOLOS DA NOTAO DA CLASSIFICAO DECIMAL UNIVERSAL

    NA ORDEM EM QUE PARECEM NO ESQUEMA .................................. 181 QUADRO 32 - CLASSES PRINCIPAIS DA PRIMEIRA TABELA DE CUTTER ............... 184 QUADRO 33 - CLASSES PRINCIPAIS DA SEXTA TABELA DE CUTTER ..................... 184 QUADRO 34 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO DA BIBLIOTECA DO

    CONGRESSO ................................................................................................. 188 QUADRO 35 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO DE ASSUNTOS DE BROWN .. 194 QUADRO 36 - CATEGORIAS FUNDAMENTAIS DE RANGANATHAN .......................... 200 QUADRO 37 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO DOS DOIS PONTOS DE

    RANGANATHAN ............................................................................................ 206 QUADRO 38 - SINOPSES VERTICAL E HORIZONTAL DO ESQUEMA DE BLISS ....... 214 QUADRO 39 - CLASSES PRINCIPAIS DA CLASSIFICAO BC2 (1977) ..................... 215 QUADRO 40 - FRMULAS DE FACETAS OU DE CATEGORIAS DE ACORDO COM

    OS RESPECTIVOS AUTORES ................................................................ 223 QUADRO 41 - CLASSES PRINCIPAIS DOS ESQUEMAS GERAIS DE CLASSIFICAO

    BIBLIOGRFICA ..................................................................................... 224 QUADRO 42 - PRINCPIOS DAS CLASSIFICAES BIBLIOGRFICAS CLSSICAS ..... 226 QUADRO 43 - CARACTERSTICAS DE CATEGORIAS DE ESTRUTURA GRADUADA .... 240 QUADRO 44 - CARACTERSTICAS DAS CATEGORIAS ............................................... 244 QUADRO 45 - NOES AMBIGUAS E INSATISFATRIAS DE FACETAS .................. 250

  • LISTA DE SIGLAS

    AFNOR - Association Franaise de Normalisation ALA - American Library Association BBK - Bibliograficeskaja i Biblioteknaja Klassifikacija BC - Bibliographic Classification BCA - Bliss Classification Association BSC - Brow Subject Classification CC - Colon Classification CDD - Classificao Decimal de Dewey CDU - Classificao Decimal Universal CRG - Classification Research Group DDC - Dewey Decimal Classification DRTC - Documentation Research and Training Centre EC - Expansive Classification E&C - Extensions and Corrections EPC - Editorial Policy Committee FID - International Federation for Information and Documentation/Federao International de Documentao FID/CR - International Federation for Information and Documentation/Classification Research IASLIC - Indian Association of Special Librariesd and Information Centres IBBD - Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentao IBICT - Instituto Brasileirode Informao em Cincia e Tecnologia ICC - Information Coding Classification IFLA - International Federation of Library Associations and Institutions/Federao Internacional de Associaes de Bibliotecrios e Instituies IIB - International Institute of Bibliography INSDOC - Indian National Scientific Documentation Centre IPB - International Peace Bureau ISKO - International Society for Knowledge Organization ISO - International Organization for Standardization KO - Knowledge Organization LC - Library of Congress LCC - Library Congress Classification LISA - Library and Information Science Abstract MARC - Bibliografic Machine-Readable Cataloguing MRF - Master Reference File OCLC - Online Computer Library Center PMEST - Personality, matter, energy, space e time RBU - Repertoire Bibliographique Universel/Repertrio Bibliogrfico Universal UCL - Univesity College London UDC - Universal Decimal Classification UDCC - Universal Decimal Classification Consortium Unesco - United Nations Educational, Scientific and Cultural Organization/Organizao das Naes Unidas para a Educao, a Cincia e a Cultura

  • SUMRIO

    1 INTRODUO .............................................................................................................. 13 2 DA CLASSIFICAO ORGANIZAO DO CONHECIMENTO: UMA VISO PRELIMINAR DA SUA TRANSITORIEDADE E RELATIVIDADE .............................. 22 3 DAS CLASSIFICAES FILOSFICAS ..................................................................... 41 3.1 CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS SABERES: CLASSES .............................. 41 3.1.1 Antiguidade Grega e Idade Mdia ........................................................................... 42 3.1.2 Idade Moderna: Sculos XVI, XVII e XVIII .............................................................. 48 3.1.3 Idade Contempornea: Sculos XIX e XX ............................................................... 64 3.1.4 Quadros-Sntese das Classificaes Filosficas dos Saberes ................................ 78 3.2 CLASSIFICAES FILOSFICAS DOS SERES: CATEGORIAS ............................ 83 3.2.1 Antiguidade Grega e Idade Mdia ........................................................................... 89 3.2.2 Idade Moderna: Sculos XVI, XVII e XVIII ............................................................. 97 3.2.3 Idade Contempornea: Sculos XIX e XX ............................................................... 106 3.2.4 Quadros-Sntese das Classificaes Filosficas dos Seres .................................... 121 3.3 CLASSIFICAES FILOSFICAS: CONCEITOS DE CLASSE E DE CATEGORIA 128 4 DAS CLASSIFICAES BIBLIOGRFICAS ........................................................................ 131 4.1 TEORIA DA CLASSIFICAO ................................................................................... 141 4.2 CLASSIFICAO DECIMAL DE DEWEY (CDD - 1876) ........................................... 163 4.2.1 Histria ..................................................................................................................... 163 4.2.2 Princpios ................................................................................................................. 164 4.2.3 Construo .............................................................................................................. 169 4.2.4 Reviso .................................................................................................................... 173 4.3 CLASSIFICAO DECIMAL UNIVERSAL (CDU - 1905) .......................................... 174 4.3.1 Histria ..................................................................................................................... 175 4.3.2 Princpios ................................................................................................................. 177 4.3.3 Construo .............................................................................................................. 178 4.3.4 Reviso .................................................................................................................... 182 4.4 CLASSIFICAO EXPANSIVA (EC - 1891) .............................................................. 183 4.4.1 Histria ..................................................................................................................... 183 4.4.2 Princpios ................................................................................................................. 183 4.4.3 Construo .............................................................................................................. 183 4.5 CLASSIFICAO DA BIBLIOTECA DO CONGRESSO (LCC - 1902) ...................... 185 4.5.1 Histria ..................................................................................................................... 185 4.5.2 Princpios ................................................................................................................. 187 4.5.3 Construo .............................................................................................................. 188 4.5.4 Reviso .................................................................................................................... 189

  • 4.6 CLASSIFICAO DE ASSUNTOS DE BROWN (BSC - 1906) ................................. 190 4.6.1 Histria ..................................................................................................................... 190 4.6.2 Princpios ................................................................................................................. 190 4.6.3 Construo .............................................................................................................. 193 4.6.4 Reviso .................................................................................................................... 196 4.7 CLASSIFICAO DOS DOIS PONTOS (CC - 1933) ................................................ 196 4.7.1 Histria ..................................................................................................................... 196 4.7.2 Princpios ................................................................................................................. 198 4.7.3 Construo .............................................................................................................. 203 4.7.4 Reviso .................................................................................................................... 207 4.8 CLASSIFICAO BIBLIOGRFICA (BC - 1935) ....................................................... 208 4.8.1 Histria ..................................................................................................................... 208 4.8.2 Princpios ................................................................................................................. 209 4.8.3 Construo .............................................................................................................. 213 4.8.4 Reviso .................................................................................................................... 216 4.9 CLASSIFICAO POR FACETAS ............................................................................. 217 4.10 QUADROS-SNTESE DOS SISTEMAS DE CLASSIFICAO BIBLIOGRFICA ... 223 5 CLASSIFICAES BIBLIOGRFICAS: CONCEITOS DE CLASSE, DE CATEGORIA E DE FACETA .............................................................................................................. 228 6 CONCLUSO ................................................................................................................ 253 7 PERSPECTIVAS ........................................................................................................... 260 REFERNCIAS................................................................................................................ 261 BIBLIOGRAFIA............................................................................................................... 277

  • 13

    1 INTRODUO

    Conhecer e pensar no chegar a uma verdade absolutamente certa,

    mas dialogar com a incerteza. Morin

    O fato de na literatura tcnica da rea de Biblioteconomia as noes de

    classe, de categoria e de faceta serem, muitas vezes, usadas indistintamente

    dificulta a sua caracterizao, comprovando que os respectivos conceitos no so

    facilmente acessveis quanto ao seu contedo. Da a necessidade de trazer luz

    maior para a caracterizao e o entendimento desses conceitos.

    O que se pretende designar ao fazer referncia a categorias, classes ou

    facetas?

    possvel estabelecer, claramente, por que e de que maneira os conceitos de

    classe, de categoria e de faceta so teis nas reas de Biblioteconomia e Cincia da

    Informao?

    Na procura de referncias e fundamentos filosficos1, no estudo e resgate de

    outras pocas existe a tentativa - inscrita no desejo e na necessidade - de buscar

    suporte para preencher lacunas entre os conhecimentos e de compreender melhor

    os conceitos que possibilitam ordenar o mundo.

    Respeitando, por ora, a terminologia de classe, de categoria e de faceta tal

    como enunciada pela literatura, pode-se dizer que a noo de categoria desde

    Plato e Aristteles at o presente tem sido usada como uma ferramenta de base

    intelectual para analisar a existncia e a capacidade de mudana das coisas2 e dos

    fenmenos (BARIT, 2000, p. 4).

    1 No presente contexto, a Filosofia fornece a fundamentao terica para a crtica do saber e experincia no trato dos problemas do conhecimento e da classificao das cincias. Observar como a cincia vem sendo tratada e estruturada ao longo do tempo nas classificaes filosficas do conhecimento auxilia a entender a ordenao do conhecimento, por exemplo, por meio de classificaes bibliogrficas.

    2 Coisa: tanto no discurso comum quanto no filosfico, esse termo tem dois significados: 1. genrico, designando qualquer objeto ou termo, real ou irreal, mental ou fsico, um termo qualquer de um ato humano qualquer, um objeto qualquer com que se deva tratar; 2. especfico, denotando os objetos naturais enquanto tais, tambm chamados de corpos (ABBAGNANO, 2003, p. 149). Neste estudo o termo corresponde primeira acepo.

  • 14

    Necessrio salientar que a noo de categoria, to antiga quanto a noo de

    Lgica3, mesmo que intuitivamente, sempre presidiu a operao de classificao e

    ordenao do conhecimento.

    Entende-se por Teoria da Classificao em Biblioteconomia o conjunto de

    proposies e princpios desenvolvidos em associao com a prtica, manifestando

    o seu contedo como uma disciplina intelectual, o que pode ser entendido como o

    corpo inteiro de generalizaes (sistema de postulados), princpios (convencionais) e

    regras de procedimentos (relacionamentos), desenvolvidos para um campo de

    conhecimento e que buscam descrever e elucidar a natureza ou comportamento do

    fenmeno da classificao; estabelecer sistemas classificatrios com o objetivo de

    construir conjuntos temticos para recuperao e determinar as condies formais a

    que qualquer classificao bibliogrfica deve obedecer (teorias so, em sentido

    geral, narrativas que predizem, organizam ou alteram vises de mundo, dependendo

    da instncia epistmica e, frequentemente, carregam com elas uma metateoria e

    metodologia implcita, como no caso das regras de procedimentos)4.

    3 Aristteles foi o primeiro que estudou essa disciplina, a qual define, sem dar nome, como cincia da demonstrao e do saber demonstrativo. s nos comentadores de Aristteles que o termo Lgica, empregado em sentido restrito como sinnimo de Dialtica, introduzido como nome da doutrina cujo cerne se encontrava em Analticos de Aristteles, ou seja, a teoria do silogismo e da demonstrao. Bocio d o nome de Lgica ao conjunto de doutrinas contidas no Organon de Aristteles, somado Isagoge de Porfrio. Durante toda a Idade Mdia, o estudo da Isagoge, seguida pelo Organon (na ordem: Categorias, De Interpretatione, Primeiros analticos, Segundos analticos, Tpicos, Refutao dos sofistas) constitui uma das sete artes liberais: a Dialtica ou Lgica. No incio do sculo XVII, Francis Bacon, com Novum Organum, efetua uma reforma radical da Lgica concebida exclusivamente como metodologia cientfica geral e transforma-a em instrumento de investigao cientfica. Com isso, a antiga noo de Lgica muda completamente. Durante os sculos XVII, XVIII e XIX, Lgica passa a ser o nome de uma srie heterognea de disciplinas filosficas ministradas nas escolas. Hoje, a Lgica segue duas direes diferentes de investigao lgica: Lgica matemtica e Lgica formal analtica. Essa ltima com tendncia a tornar-se parte da Semitica ou teoria geral dos signos (ABBAGNANO, 2003, p. 624-630). 4 Falando especificamente sobre Teoria da Classificao, Mai (2002, p. 474) afirma que uma teoria ideal de classificao que seguisse uma linha de pensamento neutra, objetiva e positivista deveria estar apta a recomendar como um conjunto de documentos deveria ser organizado e predizer as consequncias da organizao. A teoria deveria, alm disso, ser aplicada a todas as espcies de diferentes conjuntos, usurios e tipos de documentos. Flyvbjerg (2001, p. 38-39 apud TENNIS, 2008, p. 105), embasado em suas leituras de Hubert Dreyfus e Pierre Bourdieu, aponta as seis caractersticas de uma teoria ideal: - Explcita. A teoria necessita estar disposta/desenhada de forma to detalhada que qualquer ser humano racional seja capaz de entend-la. A teoria no deve possibilitar recorrer a interpretaes ou intuies. - Universal. A teoria deve se aplicar a todas as pocas e lugares. - Abstrata. A teoria no deve necessitar de referncias a exemplos concretos. - Discreta. A teoria deve ser formulada com elementos de contexto-independente; no pode se referir a interesses, tradies, instituies etc. humanos. - Sistemtica. A teoria deve constituir um todo no qual os elementos de contexto-independente so relacionados por meio de leis ou regras. - Completa e predita. A teoria deve ser completa, ou seja, deve cobrir o domnio inteiro e deve ser predita, ou seja, a teoria deve prever e especificar as propriedades dos elementos (FLYVBJERG, 2001).

  • 15

    Shiyali Ramamrita Ranganathan (1892-1972), matemtico e bibliotecrio

    indiano, pensador influente no campo da classificao biblioteconmica (ao partir de

    uma abordagem analtica de facetas), desenvolveu na dcada de 1930 a Teoria da

    Classificao Facetada, tambm chamada de Teoria Dinmica da Classificao ou

    Moderna Teoria da Classificao, aplicando, de acordo com Moss (1964, p. 296-301),

    os princpios aristotlicos Documentao sem, no entanto, reconhecer esse fato.

    As cinco categorias, nas quais Ranganathan baseou seu sistema de

    classificao tm sido representadas pela sigla em ingls PMEST: personality,

    matter, energy, space e time. Atente-se para a semelhana das categorias

    aristotlicas: substncia, qualidade, quantidade, relao, espao, tempo, ao,

    paixo, estado e hbito.

    Nas classificaes bibliogrficas a categorizao, de modo no explcito,

    aparece com Dewey (1851-1931) e nomeadamente com Ranganathan que

    introduziu a noo de categoria para classificar conceitos. A sua idia de dividir os

    assuntos em categorias e tambm em facetas, que ser enfocada em tpico

    especial dentro deste estudo (cf. subseo 4.7), tem sido considerada uma marcante

    contribuio Teoria da Classificao.

    Em Teoria da Classificao utilizam-se os termos classe, categoria e faceta,

    situando-os na base de toda organizao lgica do conhecimento e da construo

    de linguagens de indexao.

    As categorias podem ser consideradas como fundamento, nem sempre

    visvel, de qualquer sistema organizacional do conhecimento.

    Os sistemas de classificao tm um valor intrnseco (MANN, 1962), mesmo

    para aqueles que no esto familiarizados com eles, fornecendo informaes,

    sugestes e esquemas dos assuntos, o que permite acessar determinadas

    informaes. O pesquisador que pretende estudar um tema para a sua tese pode

    encontrar o assunto devidamente esboado num sistema de classificao. O

    estudante de Histria, por exemplo, encontrar na classe de Histria a cronologia

    histrica de cada pas com as datas e os acontecimentos mais importantes. Os

    esquemas de classificao revelam-se excelentes fontes com dados no

    forosamente de rigorosa exatido, mas de grande previsibilidade, possibilitando a

    viso do todo e das partes.

  • 16

    Os atuais esquemas classificatrios de Organizao do Conhecimento, tais

    como terminologias, ontologias, taxonomias, tesauros, mapas conceituais entre outros5,

    recorrem, sem necessariamente assumi-lo, Teoria da Classificao (pois essa

    indispensvel para qualquer tipo de organizao do conhecimento) e tambm

    categorizao, mas empregam terminologia diversa, no sendo objeto deste estudo.

    As discusses at a dcada de 1960 relativamente Teoria da Classificao

    giravam em torno da convico de que se estava organizando o prprio

    conhecimento, em outras palavras, a realidade. Os sistemas de classificao

    clssicos deviam representar o conjunto dos conhecimentos humanos de tal maneira

    que tornassem clara a importncia relativa de cada assunto dentro de uma estrutura

    hierrquica. Privilegiava-se o conhecimento universal em detrimento do

    conhecimento especializado. Foi somente a partir da segunda metade do sculo XX,

    e mais incisivamente a partir da dcada de 1970, que se comea a perceber a

    realidade como um construto social, que se apia em larga medida nos discursos

    sobre ela proferidos e legitimados por esta ou aquela comunidade. O conhecimento

    passa, ento, a ser organizado pelos mesmos esquemas gerais de classificao

    (ampliados e atualizados), procurando-se represent-lo enquanto especfico a uma

    dada rea do saber, ou seja, buscando cobrir novos campos de conhecimento,

    resultantes de sua ramificao.

    5 Esquemas para a organizao do conhecimento ou Instrumentos para representao da informao: a) a Terminologia um conjunto de termos prprios ou relativos a um determinado campo do conhecimento ou a uma rea de especialidade (BARIT, 1997, p. 145); b) a Ontologia originou-se na Metafsica e atualmente desenvolvida pela Inteligncia Artificial onde tenta representar os relacionamentos dos elementos de um dado domnio desde os meta-nveis aos prprios objetos, tendo como finalidade o compartilhamento e a reutilizao do conhecimento; c) a Taxonomia surgiu como mtodo de classificao nas Cincias Naturais para nomear, descrever e classificar os seres vivos e depois passou a designar instrumentos para a Organizao da Informao em ambientes eletrnicos e virtuais de um domnio; d) o Tesauro nasceu da noo de Tesauro Lingustico e de contribuies das Classificaes Facetadas com a pretenso de abranger preferencialmente uma rea do conhecimento e tem o controle do vocabulrio e o estabelecimento da rede paradigmtica como principais recursos para a transferncia da informao; e) o Mapa conceitual surgiu na rea da Educao como mtodo de aprendizagem e, depois de passar por um processo de adaptao, props-se a guiar a navegao em ambientes de hipermdia. Os Tesauros (especializados) nasceram para atender demanda gerada pelo aumento dos peridicos especializados. A ontologia, a taxonomia e os mapas conceituais nasceram para atender ao fluxo de informaes em ambientes eletrnicos e virtuais. Todos esses instrumentos partiram de aplicaes distintas das que so aplicadas hoje, contudo, tm mais ou menos os mesmos objetivos - organizar a informao para que possa ser utilizada. Outros instrumentos seriam as redes semnticas, os topic maps e a prpria web semntica, apenas para citar algumas das vrias formas de tratar a informao no contexto virtual (TEIXEIRA, 2006). O entendimento da viso dos filsofos sobre esses esquemas/Instrumentos merece discusses detalhadas, por causa da sua influncia na Cincia da Informao, no entanto, no objetivo desta tese.

  • 17

    Os procedimentos de organizao do conhecimento - o processo de

    classificao6 - que possibilitam a organizao da informao tm se intensificado

    frente massa documentria inserida regularmente nos acervos das bibliotecas.

    Essa situao exige o aperfeioamento constante dos instrumentos de organizao

    do conhecimento - mormente esquemas de classificao bibliogrfica - para o

    acesso e recuperao.

    Examinar conceitualmente as noes de classe, de categoria e de faceta sob

    uma perspectiva funcional, instrumental, pragmtica tentando esclarecer as

    caractersticas essenciais dessas noes no contexto dos sistemas de classificao

    bibliogrfica constitui tema relevante para auxiliar na reviso de idias e

    procedimentos em relao s linguagens de indexao e classificao habitual de

    documentos.

    A presente tese tem como objetivo geral analisar criticamente os principais

    sistemas de classificao do conhecimento selecionados da Filosofia e da

    Biblioteconomia numa viso histrico-conceitual com enfoque nos conceitos de

    classe, de categoria e de faceta.

    Com este estudo pretende-se atingir os seguintes objetivos especficos:

    a) acompanhar e delinear a trajetria das classificaes dos saberes

    (classes) e das classificaes dos seres (categorias) luz da Filosofia7;

    b) averiguar as possveis influncias que as classificaes filosficas

    historicamente exerceram sobre as classificaes bibliogrficas

    tradicionais;

    c) verificar de que modo os conceitos de categoria, de classe e de faceta tm

    sido definidos no mbito das classificaes biblioteconmicas

    tradicionais.

    6 Ao e efeito de estabelecer classes, agrupadas estrutural ou hierarquicamente dentro de um conjunto. uma representao do real, portanto, uma abstrao. 7 A distino entre classes de saberes e categorias de seres ser tratada na seo 2, especificamente na pgina 22.

  • 18

    Para a Cincia da Informao8, a noo de categoria, nascida na Filosofia e

    introduzida na Biblioteconomia por Ranganathan, de importncia fundamental para

    a estruturao da informao. As doutrinas ou teorias sobre as categorias nos

    sistemas filosficos constituem campo que permanece ainda pouco explorado. Alm

    disso, a sua anlise v-se dificultada pelas diferenas de acepo dos termos entre

    os filsofos.

    8 Em 1945, Vannevar Bush publicou artigo intitulado As we may think a respeito do problema da informao em cincia e tecnologia. Nesse escrito ele fala do efeito da associao de conceitos ou palavras na organizao da informao - padro seguido pelo crebro humano para transformar informao em conhecimento, j que o homem pensa por associao de conceitos. Por causa desses fatos, afirma Barreto (2006) que: V. Bush pode ser considerado o precursor da Cincia da Informao e 1945, a sua data fundadora. Contudo, em 1934, Paul Otlet, enquanto fundador da Documentao, discutiu essa questo, podendo ser considerado o verdadeiro precursor da Cincia da Informao. Bush somente tratou a caracterstica tecnolgica da associao de idias (GRUPO TEMMA). Dias (2000; 2002a; 2002b), em vrios escritos, usando argumentao de resgate histrico, considera que a expresso Cincia da Informao pode ser usada em dois sentidos: um restrito e outro amplo. No sentido restrito (de uso universal), a Cincia da Informao uma especialidade que tem procurado achar um diferencial na sua relao com a Biblioteconomia, participando de um campo mais geral do conhecimento que abriga a Biblioteconomia, a prpria Cincia da Informao e outras especialidades - ela seria a disciplina interessada nas questes da informao cientfica e tcnica. Nesse sentido, a Cincia da Informao deve ento ser entendida como a evoluo do conceito de Biblioteconomia especializada tendo por alvo a informao especializada e seus usurios (DIAS, 2002a, p. 89-90). No sentido amplo (largamente usado no Brasil), a Cincia da Informao percebida como um campo ou rea do saber, como o todo que abriga vrias especialidades (Biblioteconomia, Arquivologia, Documentao e a prpria Cincia da Informao, em seu sentido restrito) - ela seria o campo interessado nos problemas de acesso informao. Dias (2000) atribui a origem da utilizao da expresso, nesse sentido genrico, ao fato de assim ser utilizada na tabela de reas do conhecimento do Conselho Nacional do Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq), por exemplo: Grande rea: Cincias Sociais Aplicadas/rea: Cincia da Informao/Subrea: Biblioteconomia/ Especialidade: Organizao da Informao. Smit, Tlamo e Kobashi (2003; 2004), em uma reflexo sobre a constituio do campo cientfico da Cincia da Informao, identificam que a rea se afirmou na interdisciplinaridade e entendem que o termo Cincia da Informao impe-se como um significante procura do seu significado - um campo em permanente definio. Analisando a terminologia da rea de Cincia da Informao (as denominaes servem de referncia para a determinao do vocabulrio de uma especialidade), que justape termos oriundos da Biblioteconomia e da Documentao; termos oriundos de outras reas do conhecimento (termos importados, noes emprestadas) e termos do senso comum, verificaram que boa parte das noes sedimentadas pela rea se refere a procedimentos prticos, tais como: classificao, resumo, anlise documentria, oriundos da Biblioteconomia. Sentido restrito ou amplo, o fato que existe um vnculo essencial da Cincia da Informao com a Biblioteconomia - reas que se relacionam conceitual e historicamente - evidente na quase totalidade das escolas de Biblioteconomia que, pelo mundo, vm sendo renomeadas de escolas de Cincia da Informao, ou vm acrescentando Cincia da Informao ao antigo nome. A adoo do novo nome s pode ser entendida no sentido amplo do termo Cincia da Informao, segundo Dias (2002a, p. 94-95), que ainda alerta para o que parece ser uma tentativa de extermnio de todo o grupo terminolgico associado ao termo biblioteca, ou seja, bibliotecrio, biblioteconomia entre outros. Salienta porm que a terminologia acaba por ressurgir com vigor no contexto digital, onde a expresso biblioteca digital consagra-se como expresso do conceito de coleo de recursos eletrnicos. Assim sendo, a Cincia da Informao constitue rea que carece de uma linguagem de especialidade prpria (condio imprescindvel para se impor no ambiente da pesquisa acadmica), que se enuncia formalmente como objeto terico que carece de construo conceitual e que diante da falta de um sistema conceitual explicitado, os termos utilizados pela rea no remetem a conceitos (SMIT, TLAMO, KOBASHI, 2004). Mesmo assim, possvel dizer que a especificidade da Cincia da Informao envolve a sua capacidade de transitar pelas diversas reas do conhecimento, de produzir conhecimentos que perpassam suas fronteiras, atenta para a forma como a Biblioteconomia e a Documentao tm formulado e empregado termos e conceitos para poder avanar.

  • 19

    Este estudo levanta as seguintes hipteses:

    a) a busca pela consistncia terminolgica de termos como categoria, classe ou faceta contribuir para aperfeioar a operacionalizao do

    processamento do conhecimento em Cincia da Informao; b) os esquemas categoriais subjacentes s classificaes bibliogrficas

    no tm valor neutro, j que favorecem uma determinada concepo

    de mundo, sendo construdos com objetivos pragmticos; portanto, a

    elaborao de classificaes (classe, categoria, faceta) deve ser

    encarada com rigor, pois afeta a maneira como se processam as

    informaes.

    A pesquisa do tipo exploratrio-descritivo com carter de reviso de literatura.

    Estabelecidos os objetivos que orientaram o estudo, foram realizadas buscas

    bibliogrficas em bases de dados internacionais e nacionais: Wilson Library Literature

    and Information Science Full Text, Library and Information Science Abstract (LISA), The

    Philosophers Index, Teses do Instituto Brasileiro de Informao em Cincia Tecnologia

    (IBICT), Portal da Capes entre outras. Foram consultados catlogos de diversas

    bibliotecas nacionais. A partir da foram selecionados livros e artigos de peridicos

    pertinentes ao tema em questo. Posteriormente, foram localizados e obtidos materiais

    bibliogrficos para leitura. Dessa maneira foi possvel a objetivao, a anlise, a

    discusso e o aprofundamento dos traos significantes do objeto que permitiram a

    elaborao da concluso. Ressalta-se que as tradues das citaes em lngua

    estrangeira so, na maioria dos casos, indicadas no texto, com a frase traduo livre

    da autora, apresentando em rodap as respectivas citaes no idioma original, com o

    intuito de facilitar a leitura e de presevar a fidedignidade das informaes.

    A estrutura da pesquisa proporciona o desenvolvimento do tema visando

    alcanar os objetivos propostos. Assim, aps a seo 1, Introduo, direcionada

    para a construo da idia principal e dos meios para viabiliz-la, a seo 2 traa um

    percurso da classificao organizao do conhecimento e apresenta algumas

    caractersticas gerais das classificaes das cincias, tambm chamadas de

    classificaes filosficas9. A seo 3 recupera parte da rica histria dos principais

    sistemas filosficos de organizao do conhecimento, apresentando um panorama

    9 As classificaes filosficas so as criadas pelos filsofos, com a finalidade de definir, esquematizar e hierarquizar o conhecimento, preocupados com a ordem das cincias ou a ordem das coisas. (PIEDADE, 1983, p. 60).

  • 20

    das classificaes das cincias em Plato, Aristteles, Cassiodoro, Roger Bacon,

    Huarte, Descartes, Francis Bacon, Hobbes, Locke, Leibniz, Diderot e dAlembert,

    Hegel, Ampre, Comte, Spencer, Harris e Wundt. A sistematizao do saber que se

    pretende (procurando apontar indcios da existncia de influncia das classificaes

    filosficas sobre as classificaes bibliogrficas tradicionais10) teve origem na

    Antiguidade Clssica, quando todos os saberes e cincias particulares estavam

    integrados em uma cincia nica, a Filosofia. A classificao dos saberes e suas

    subdivises - estabelecidas dentro da Filosofia - perduraram at a Idade Mdia. S a

    partir do Renascimento (sculos XV e XVI), principalmente a partir de Francis Bacon,

    que se d incio s modernas classificaes das cincias ou classificaes filosficas

    e das classificaes bibliogrficas hoje consideradas tradicionais. Ainda na seo 3,

    busca-se conhecer e compreender as investigaes relativas a categorias,

    sobretudo as noes formuladas na Filosofia por alguns dos estudiosos de

    categorias que mais contriburam para a reflexo acerca das classificaes

    bibliogrficas (Plato, Aristteles, Kant, Foucault), possibilitando com o auxlio desse

    conhecimento especfico, uma anlise do referido conceito, alm de sua

    contextualizao em relao aos sistemas de classificao bibliogrfica. Os autores

    que embasaram a elaborao desta seo, alm dos prprios filsofos e seus

    comentadores foram Garcia Morente (1952), Ferrater Mora (1971), Kedrov (1974),

    Piedade (1983), Gopinath (2001), Mazip (2001), Abbagnano (2003), Pombo (2006)

    entre outros, que forneceram os elementos necessrios para o entendimento das

    diferentes noes de categoria no decorrer da Histria da Filosofia.

    A seo 4 est concentrada na histria, construo, princpios e reviso dos

    sistemas clssicos de classificao bibliogrfica11 (Classificao Decimal de Dewey,

    Classificao Expansiva de Cutter, Classificao da Biblioteca do Congresso em

    Washington, Classificao Decimal Universal, Classificao de Assuntos de Brown,

    Classificao dos Dois Pontos de Ranganathan e Classificao Bibliogrfica de

    Bliss), com enfoque nas noes de classe, de categoria e de faceta. Aqui, tentou-se

    apontar os indcios da influncia das classificaes filosficas sobre as

    classificaes bibliogrficas. Para tanto, alm dos prprios esquemas de

    10 A influncia das classificaes filosficas sobre as classificaes bibliogrficas permeia as sees 2 e 3. 11 As classificaes bibliogrficas so sistemas destinados a servir de base organizao e localizao de documentos e para ordenar catlogos e bibliografias.

  • 21

    classificao bibliogrfica, contou-se com o apoio terico de Grolier (1962), Foskett

    (1973a), Dahlberg (1978, 1979a, 1993), Piedade (1983), Perreault (1991), Maniez

    (1993), San Segundo Manuel (1996), McIlwaine (2000), Broughton (2004) e Batley

    (2005) entre outros.

    A seo 5 est direcionada para a elaborao do corpus terico dos conceitos

    de classe, de categoria e de faceta na Teoria da Classificao, com a inteno de

    explorar, discutir e, se possvel esclarecer a noo de categoria, procurando esboar

    um conceito de classe, de categoria e de faceta no mbito da Teoria da

    Classificao para as Classificaes Bibliogrficas Clssicas. Os autores que

    fundamentaram a anlise dos termos foram Mills (1960), Grolier (1962, 1976),

    Dobrowolski (1964), Foskett (1972), Piedade (1983), Dahlberg (1992), Iyer (1995),

    Maniez (1999) e Barit (2000). Alm de dicionrios e glossrios como Thompson

    (1943), Elseviers (1973), Harrod (1977), Keenan (1996), Barit (1997), Menezes,

    Cunha e Heemann (2004) entre outros.

    A Concluso, seo 6, constitui a sntese do que emergiu do texto da prpria

    tese ao longo do estudo. Em linhas gerais, possvel afirmar que tanto os

    princpios das classificaes filosficas em relao aos seres (categorias) e em

    relao aos saberes (classes), quanto s prprias classificaes filosficas que

    dividem os seres e os saberes, apresentam-se como construtos humanos,

    elaborados precipuamente com a inteno de conhecer e disciplinar o

    conhecimento do ser e do saber. Evidenciou-se que as classificaes

    bibliogrficas, em grande parte, so adaptaes de classificaes filosficas

    (utilizando as divises das cincias e empregando termos primeiramente

    pensados pelos filsofos, porm ressignificados com objetivos pragmticos). Na

    reviso conceitual das noes de classe, de categoria e de faceta atentou-se

    aplicao especfica dos termos nos sistemas de classificao bibliogrfica,

    enquanto sistemas de organizao do conhecimento, mostrando que tanto a

    Biblioteconomia como a Cincia da Informao esto envolvidas nessa discusso

    interdisciplinar. E finalmente, na seo 7, Perspectivas, apresentam-se algumas

    questes decorrentes da investigao que podero ser de interesse para futuras

    pesquisas.

  • 22

    2 DA CLASSIFICAO ORGANIZAO DO CONHECIMENTO: UMA VISO PRELIMINAR DA SUA TRANSITORIEDADE E RELATIVIDADE

    A maioria das pessoas subjetiva para consigo prpria e objetiva para com os demais, por vezes terrivelmente objetiva -

    mas o importante ser-se objetivo para consigo prprio e subjetivo para com todos os outros.

    Kierkegaard

    O conceito de organizao do conhecimento um dos mais antigos com o

    qual o homem convive. Kedrov (1974, v. 1, p. 7), um estudioso da classificao das

    cincias, define-o como:

    la unificacin de todos los conocimientos en un sistema nico, en el cual se reflejam la lgica del objeto de estdio y las concepciones generales sobre el mundo y su conocimiento por el hombre.

    J Tennis (2008, p. 103), um estudioso da Teoria da Classificao

    Biblioteconmica, entende por organizao do conhecimento o processo de ordenar

    e representar documentos. O autor, com o propsito de comparao, define tambm

    organizao da informao como o processo de ordenar e representar informao

    (que compreende documentos e outras entidades consideradas informao).

    Os sistemas de classificao criados pelos filsofos, com o objetivo de

    ordenar as cincias e hierarquizar o conhecimento, tiveram origem remota na

    observao e estudo dos fenmenos do Universo e so conhecidos como

    classificaes filosficas, metafsicas, do conhecimento ou, ainda, classificaes das

    cincias (PIEDADE, 1983, p. 61).

    As classificaes permitem ao homem identificar tempo e espao; reconhecer

    entes e fatos; estabelecer semelhanas e diferenas; agrupar e separar seres e

    saberes; enfim, ordenar tudo que o rodeia para se orienta no mundo.

    No mundo antigo existia uma s cincia, a Filosofia12, que era, de fato, no s

    o suporte das cincias, mas a cincia, porque pretendia abranger todo o

    conhecimento.

    As classificaes bibliogrficas se originaram a partir das classificaes

    filosficas (de orientao metafsica). Plato, em A Repblica (2006, livro VII, p. 267-

    305), ao se referir s cincias especficas que constituam o currculo do filsofo

    12 De Plato at hoje, a Filosofia tem sido no s interpretao do mundo, mas projeto de transformao do homem, quer dizer, Poltica, tica, Pedagogia.

  • 23

    (Aritmtica, Geometria, Astronomia e Msica) salientava que o estudo dessas

    cincias devia levar obrigatoriamente ao entendimento dos seus pontos comuns, do

    seu parentesco, percebendo-se as razes pelas quais esto interligadas e o seu

    desenvolvimento, apresentando a a exigncia da formao, do que ele mesmo

    chamou de Cincia Primeira. Aristteles nomeou essa mesma Cincia de Filosofia

    Primeira. Portanto, a Metafsica, como entendida por Plato e Aristteles, era a

    Cincia ou Filosofia Primeira no sentido de fornecer a todas as outras cincias o

    fundamento comum, isto , ter como objeto o objeto de todas as outras cincias, e

    como princpio um princpio que condicionava a validade de todos os demais. Por

    essa pretenso de prioridade, que a define inclusive, a Metafsica pressupe uma

    situao cultural determinada em que o saber j se organizou e se dividiu em

    diversas cincias relativamente independentes e capazes de exigir a determinao

    de suas inter-relaes e sua integrao com base num fundamento comum. Essa

    era a situao na Atenas do sculo IV a.C. graas obra de Plato e dos seus

    discpulos, que contriburam vigorosamente para o desenvolvimento da Matemtica,

    da Fsica, da tica e da Poltica.

    Andronico de Rodes (diretor da escola peripattica no sculo I a.C.) foi o

    responsvel por coletar e reunir, de modo sistemtico, no ano 86 a.C., alguns escritos

    sem nome, de Aristteles. O nome casual, embora pertinente, de Metafsica, isto ,

    livros que vm depois da Fsica, atribudo ao lugar que coube aos textos, presta-se a

    expressar a natureza da Metafsica, porquanto vai alm da Fsica, que a primeira

    das cincias particulares, para chegar ao fundamento comum em que todas as

    cincias se baseiam e determinar o lugar que cabe a cada uma na hierarquia do

    saber. Isso parece explicar, seno a origem, pelo menos a repercusso que esse

    nome teve. A Metafsica passou a implicar, assim, uma enciclopdia das cincias,

    um inventrio completo e exaustivo de todas as cincias em suas relaes de

    coordenao e subordinao. A Metafsica apresentou-se, ao longo da histria, sob

    trs maneiras fundamentais:

    a) teolgica: a que objetiva o ser mais elevado e perfeito, superior a

    todos e do qual todos os outros provm (Plotino, Hegel);

    b) ontolgica: a que estuda os caracteres fundamentais do ser, os que

    todo ser tem e no pode deixar de ter (Aristteles, dAlembert);

    c) gnosiolgica: a que estuda as maneiras ou princpios cognitivos que,

    por serem constituintes da razo humana, condicionam todo saber e

    toda cincia (Bacon, Kant).

  • 24

    Na Filosofia contempornea, a Metafsica atua na questo do significado, de

    existncia na linguagem das diversas cincias e na questo das relaes entre as

    diversas cincias e das investigaes sobre objetos que incidem nos pontos de

    interseco ou de encontro entre elas (ABBAGNANO, 2003, p. 660-667).

    Segundo Olga Pombo (2006), classificao dos saberes (de orientao

    gnosiolgica) corresponde o problema da classificao das cincias, como tentativa de dar o quadro completo de todas as disciplinas cientficas e de fixar as suas

    relaes de coordenao e subordinao, ou de dividir em classes as distintas

    disciplinas, procedendo a uma ordenao por unidades que apresentam uma

    caracterstica comum, estabelecendo certa coextenso entre elas, ou ainda,

    simplesmente, dividir as cincias, segundo os seus objetos ou mtodos de pesquisa.

    Essa questo sempre interessou aos filsofos que, desde Plato e Aristteles,

    buscam pensar a cincia e os seus produtos (cf. subseo 3.1). Enquanto

    classificao dos seres (de orientao ontolgica) corresponde o problema da classificao nas cincias, como tentativa de explicar a realidade, segmentando-a em categorias, o que, desde Plato e Aristteles, vem sendo de fundamental importncia

    para lgicos e cientistas de reas que procedem s classificaes taxonmicas13,

    como a Botnica e a Zoologia; tipolgicas, como a Psicologia; geolgicas,

    antropolgicas, sociolgicas entre outras (cf. subseo 3.2). Seguindo esse raciocnio,

    pode-se dizer que classificao dos livros (de orientao bibliogrfica) corresponde

    o problema da organizao, por assunto, dos livros nas estantes e a gerao de

    ndices que dm acesso aos livros, o que se constitui em objeto de estudo da Teoria

    da Classificao, a qual fundamenta todos os possveis sistemas de classificao

    bibliogrfica (cf. subseo 4.1).

    No se prope, nesta pesquisa, uma discusso a respeito da distino entre

    informao e conhecimento que, alis, discutvel porque relativa, mas no se pode

    deixar de apontar que as classificaes bibliogrficas pressupem a classificao e,

    portanto, a organizao da informao, que representam assuntos tratados nos

    documentos, aproximando-se assim os universos das classificaes bibliogrficas e

    os universos das classificaes filosficas.

    13 Relativo a taxinomia. Taxinomia: [Do gr. Txis, ordem, arranjo

  • 25

    O prprio conceito de organizao do conhecimento traz implcita a

    impossibilidade de uma teoria geral de organizao, sistematizao e classificao

    universal do conhecimento. Isso se deve, em essncia, aos limites espao-temporais

    de uma classificao de carter geral do conhecimento, tanto sob o ponto de vista

    terico quanto prtico, encontrando-se a prpria classificao impregnada de um

    carter provisrio. Deve-se, tambm, estruturao da realidade e do conhecimento

    - a qual se modifica segundo as distintas concepes de mundo daqueles que a

    realizam - ou seja, realidade e conhecimento tambm dependem do espao e do

    tempo. Atribui-se, ainda, ao determinismo intrnseco que existe nas prprias

    estruturas classificatrias que faz com que elas sigam, muito mais, parmetros

    sociais determinados, do que uma concepo terica - ou seja, o social que

    importa. Consequentemente, um trao comum a todas as classificaes o seu

    carter efmero, pois esto sempre sujeitas as numerosas concepes e mudanas

    que as estruturam e delimitam. Foucault (1981), em As Palavras e as Coisas, afirma

    que ao repartir e classificar as coisas elas se alteram, j que so reconhecveis de

    acordo com a ordem que as relaciona. Com essa posio, ele reafirma o carter

    provisrio e relativo das classificaes - como construtos sociais.

    A idia da impossibilidade de uma classificao perdurvel do conhecimento

    (em sentido espao-temporal e determinista - a classificao dos saberes e dos

    seres reproduz somente a classificao do homem em mbito geogrfico e temporal)

    foi postulada por Durkheim14 e Mauss15 (1901, p. 69), ao afirmarem que as classes

    sociais determinam as estruturas da classificao do universo das coisas, e

    considerarem que as classificaes dependem da organizao e das condies

    sociais em que elas surgem - idia tambm compartilhada por Kedrov (1974). na

    sociedade, portanto, que se desenvolve o pensamento classificatrio. Nesse sentido,

    as primeiras categorias sobre as quais se fundamentam as classificaes so

    categorias sociais - so elas que presidem a repartio lgica das coisas. Durkheim

    (1973) parte das categorias aristotlicas do entendimento humano - noes de

    14 David mile Durkhein (1858-1917), pensador francs, considerado o fundador da Sociologia como cincia independente (1887), foi muito influenciado pelas idias do psiclogo Wilhelm Wundt. Fundou o peridico L'Anne Sociologique (1896). 15 Marcel Mauss (1872-1950), socilogo e antroplogo francs, considerado o pai da Antropologia francesa. Sobrinho de Durkheim, Mauss fundou o Instituto de Etnologia da Universidade de Paris (1925). Sucedeu o tio como editor da revista L'Anne Sociologique (1898-1913).

  • 26

    tempo, de espao, de gnero, de nmero, de causa, de substncia, de

    personalidade entre outras, as quais devem estar presentes em qualquer sociedade,

    uma vez que constituem os fundamentos do conhecimento, isto , os sentimentos,

    as emoes, os juzos, os valores, e, enfim, tudo aquilo que condiciona qualquer

    pensamento ou representao relativamente vida humana.

    Lvi-Strauss16 (1976), que criou, no sculo XX, as teses da moderna

    Antropologia, sustenta um posicionamento similar ao salientar o carter, ao mesmo

    16 Claude Lvi-Strauss (1908 - aos 100 anos, em novembro de 2008, permanece na ativa), antroplogo e filsofo belga que ultrapassa fronteiras disciplinares e desfaz barreiras entre cincias e artes aplicando o mtodo estruturalista (com base no pensamento lingustico de Saussure) a todas as manifestaes ou fenmenos culturais. Segundo Carvalho (2008), o conceito de estrutura reorganiza o mundo dos acontecimentos, a ordem vivida, os processos histricos, que so propriedade do real. Os homens no percebem esses processos mantendo-os recalcados e inconscientes. Essa estrutura tem duas faces: razo e sensibilidade, como Jano (deus do panteo romano que representado por dois rostos em oposio, um que olha para frente, outro para trs). Assim, por mais que se queira fragmentar a existncia, ela resiste e busca rejuntar os seus pedaos, religar, propor novos sentidos realidade. Os mitos (linguagens da imaginao) solucionam contradies, invertem a relao natureza-cultura e a sequncia presente-passado-futuro. Lvi-Strauss (apud CARVALHO, 2008) afirma que os mitos sempre querem dizer a mesma coisa. No so especficos de nenhuma sociedade, dessa ou daquela populao. So respostas irnicas ou desencantadas para problemas intemporais. Constituem, portanto, patrimnio universal da cultura. A inspirao de Lvi-Strauss para as "estruturas" veio da lingustica. Para Lvi-Strauss, as sociedades organizam-se como se fossem frases ou modos de falar, que podem ser diferentes entre si, mas obedecem a um mesmo cdigo ou sistema universal. Essa concepo foi revolucionria, pois rompia para sempre a tradicional dicotomia entre natureza e cultura. O estruturalismo refutou a oposio entre esses termos ao mostrar como a cultura uma produo - e no uma negao - da natureza. Lvi-Strauss ensinou Sociologia na Universidade de So Paulo, de 1934 a 1937 e entre 1938 e 1939 empreendeu uma expedio pelo interior do Brasil (como integrante da misso francesa) visitando grupos indgenas. Obras importantes: As Estruturas Elementares do Parentesco (1949), A Vida Familiar e Social dos ndios Nhambiquara (1948), Raa e Histria (1952), Tristes Trpicos (1955), Antropologia Estrutural (1958), O Totemismo Hoje (1962), O Pensamento Selvagem (1962), O Cru e o Cozido (1964), Do Mel s Cinzas (1967), As Origens das Maneiras Mesa (1968) e O Homem Nu (1971) (MAZIP, 2001, p. 334-336). Nos anos 1960, o estruturalismo tornou-se um modismo global, com adeptos em outras reas do conhecimento, como o psicanalista Jacques Lacan, o socilogo Louis Althusser e o crtico literrio Roland Barthes. Mas o clima de contestao generalizada que marcou aqueles anos, culminando com o movimento estudantil de maio de 1968, na Frana, atingiu tambm a onda estruturalista. Jovens pensadores, entre eles o filsofo e historiador Michel Foucault, abandonaram os seus vnculos com essa linha de pensamento, questionando o determinismo das "estruturas" e tambm a possibilidade de estud-las com o distanciamento e a objetividade exigida por seus adeptos. Na Antropologia, a corrente ps-estruturalista critica a propenso do estruturalismo para as generalizaes, em detrimento do conhecimento das especificidades.

  • 27

    tempo sociolgico e relativo, das classificaes na obra La Pense Sauvage17 (O

    Pensamento Selvagem), na qual analisa o processo classificatrio (totemismo) do

    chamado homem primitivo. Considera que a classificao do homem primitivo no

    hierrquica18, como so os modelos classificatrios do pensamento ocidental (embora

    tenha uma estrutura vertical que liga o geral ao especfico e o abstrato ao concreto).

    Observa que a lgica que rege a vida e o pensamento das sociedades primitivas a

    que implica um sistema de oposio (alto/baixo, cu/terra, dia/noite, paz/guerra),

    operando por pares de contrastes - estrutura dualista implcita em todos os grupos

    humanos, ainda que no explicitamente formulada -, exigindo a separao dos

    diferentes e no a subordinao. Prope como modelo de pensamento, o pensamento

    no estado selvagem - aquele no cultivado ou domesticado que possibilita o ponto de

    vista do sentido19, a teoria do sensvel -, confirmando a sua idia de inviabilidade e

    artificialidade dos sistemas classificatrios vigentes na sociedade ocidental que estariam

    carregados de sistemas de valores e estruturariam a realidade de modo inconsistente e

    artificial como a hierrquica, e se reportariam a um esquema e classificao da

    realidade em nmero finito e limitado de classes. Adverte que o modo de pensar na

    modernidade totalizante e almeja esgotar o real por meio de classes dadas em

    nmero finito e, nesse sentido, as classificaes, ao filtrar e aprisionar o real, acabam

    prolongando essa ao at alcanar um nvel depois do qual no possvel classificar,

    seno s nomear (LEVI-STRAUSS, 1976, cap. 7).

    Com efeito, os sistemas classificatrios situam-se em nvel de linguagem,

    porm so cdigos criados e definidos com o objetivo de sempre expressar sentido.

    Resultam da estruturao da realidade (no tempo e no espao) elaborada de modo

    artificial, com objetivos (tericos, prticos e terico-prticos) determinados.

    17 A partir dessa obra, publicada em 1962, com a inteno de fazer uma ontologia da classificao - compreender e esclarecer o processo classificatrio em sociedade -, Lvi-Strauss prope o estudo da Psicologia Infantil como maneira de verificar como as crianas adquirem a habilidade de classificar. 18 As classificaes hierrquicas de incluso ou subordinao, que introduzem um sistema de valores na prpria classificao, provm das classificaes filosficas e das classificaes bibliogrficas do sculo XIX, que esto embasadas em princpios empricos ou de utilidade e so testadas e avaliadas somente por sua praticidade e aplicabilidade. 19 Na terminologia de Lvi-Strauss, conceito idia substancial matizada por nove categorias: qualidade, quantidade, relao, ao, paixo, lugar, tempo, posio e hbito (MAZIP, 2001, p. 336).

  • 28

    Piaget20, em suas pesquisas psicolgicas e epistemolgicas a respeito da

    existncia de uma classificao das coisas, constata que a mente humana no

    possui um modelo pr-fabricado da realidade, e observa que o modelo acaba sendo

    o senso comum21, a opinio pblica (opinies compartilhadas com outros seres

    humanos), ou seja, tanto a classificao como o mundo real so construes.

    Piaget observa que, no curso do desenvolvimento cognitivo, nos primeiros

    meses de vida, a criana estabelece relaes cognitivas, bem como adquire a

    habilidade de classificar por intermdio da me. S quando a criana se torna capaz

    de aplicar uma lgica elementar a vrios domnios de conhecimento (entre seis e

    nove anos, aproximadamente) que ela adquire um pensamento lgico-formal: Em uma criana de mais de sete anos, que ordena espontaneamente cartes de formas e de cores diferentes, pode-se observar que ela realiza simultaneamente classificaes e seriaes. Ela rene [...] os cartes de mesma forma e de mesma cor, ordenando-os em ordem de grandeza. Uma dessas operaes implica, ento, a outra (MONTANGERO, MAURICE-NAVILLE, 1998, p. 199).

    A partir dessa idade a criana procede a uma classificao coordenada em

    um sistema conjunto e as relaes estabelecidas - que so a base da classificao -

    estaro, todas elas, impregnadas de valor, pois a lgica que dota a classificao

    de fatores, tais como: reunio, ordenao, incluso, excluso, interseo e

    complementaridade, por exemplo entre outros.

    Segundo Montangero e Maurice-Naville (1998, p. 199), em seu ltimo trabalho

    com Garcia22, Piaget propunha-se a elaborar uma lgica das significaes, definindo

    ou considerando, a princpio, a noo de significao como o instrumento da

    compreenso, por oposio extenso de classes e subclasses. O autor analisa as

    significaes em vrios nveis: os dos predicados, os dos objetos, os das aes e

    operaes e os dos enunciados. As significaes dos predicados ou propriedades

    de um mesmo objeto so ligadas entre si, e so esses predicados conjuntos que

    constituem o objeto.

    20 Jean Piaget (1896-1980), filsofo e psiclogo suo, adepto da filosofia psicolgica e do positivismo lgico, em sua teoria psicogentica (a mais conhecida concepo construtivista da formao da inteligncia) explica como o indivduo, desde o seu nascimento, constri o conhecimento (MAZIP, 2001, p. 373). 21 O que acaba acarretando dificuldades, principalmente no trato das chamadas Cincias Sociais pois, como diz Piaget (1967, p. 24), a Sociologia, tal como a Psicologia, tem o triste privilgio de tratar de matrias de que todos se julgam competentes. 22 PIAGET, J.; GARCIA, R. Vers une logique des significations. Genve: Murionde, 1987.

  • 29

    Quanto significao do objeto, Piaget reconhece que ela aquilo que se pode

    fazer (rol-lo, balan-lo, submet-lo a clculos etc.) e aquilo que lhe confere os seus

    predicados ou qualidades (reconstituies e relaes estabelecidas pelo sujeito).

    Portanto, as significaes so constitudas por seu resultado e do lugar a inferncias

    suscetveis de verdade ou de falsidade, ou seja, a uma lgica das significaes.

    Segundo Piaget, o emprego de toda significao supe a noo de certas

    implicaes e conduz a essas. Diversos elementos podem ser ligados pelas

    implicaes significantes: os predicados, por exemplo, as propriedades de um mesmo

    objeto (pesado e preto), uma propriedade do objeto e um esquema (suspenso e

    desencadear um balano), uma ao e o seu resultado ou, ainda, duas aes entre si

    (colocar dentro e retirar) e, enfim, duas operaes ou dois enunciados.

    A noo de implicao significante desenvolvida pela primeira vez em Fazer

    e Compreender23. Nesse trabalho, Piaget formula a hiptese de que o carter mais

    geral dos estados conscientes, desde as tomadas de conscincia elementares -

    ligadas aos objetivos e resultados das aes - at as conceituaes de nveis

    superiores, o de exprimir significaes e lig-las por um modo de conexo

    chamado implicao significante. Esse termo significante no leva a uma distino

    saussuriana entre significante (forma do signo) e significado (contedo cognitivo), ele

    quer dizer que a implicao em jogo liga duas significaes e as enriquece por esse

    fato (o fato de ser uma ligao fundamental). Piaget, ao fazer da criana o seu

    objeto de investigao e constatar que o crebro humano carece de um modelo de

    realidade com o qual comparar experincias, demonstra (na prtica) que

    classificaes so construtos.

    Considerando-se as ponderaes anteriores pode-se dizer que toda

    classificao, seja ela classificao filosfica, seja ela classificao bibliogrfica,

    parte de uma abstrao24 e unicamente uma operao de simplificao e

    relativizao. Essa relatividade que alguns autores, como Foucault, chamam de

    arbitrariedade25 est implcita em toda operao mental e em todo o mbito da

    23 PIAGET, J. Russir et comprendre. Paris: P.U.F., 1974. 24 O termo abstrao vem do verbo abstrair, que significa separar pelo pensamento. A abstrao consiste em separar qualidades, quantidades, propriedades que existem nas coisas singulares percebidas e organiz-las em idias gerais que no possuem objetos determinados. 25 Para efeito deste estudo arbitrrio tem sentido de no ser absoluto, de ser independente de lei ou regra, o que implica uma possibilidade de escolha.

  • 30

    linguagem, pois as classificaes so condicionadas por certo ponto de vista e certo

    objetivo, o que determina o seu carter de relatividade. Os sistemas de classificao

    reproduzem as estruturas sciopolticas-econmicas-culturais do universo do qual

    fazem parte e participam da mesma lgica, herdada da Antiguidade, que as

    determina26.

    Cabe concordar com Grolier (1982, p. 19) quando afirma que a classificao

    um artefato cultural que depende no somente dos parmetros culturais, mas

    tambm dos polticos, dos econmicos e das condies sociais entre outros.

    A partir desses postulados, possvel perceber as limitaes inerentes s

    classificaes e considerar a organizao do conhecimento como um construto tanto

    artificial (aquele que se constri, se combina na reflexo epistemolgica que tem

    acompanhado o desenvolvimento das cincias) como tambm um construto natural

    (aquele que se assume naturalmente, pertencente ao senso comum, ao conhecimento

    vulgar).

    Dahlberg (1993, p. 1) observa que o sentido que se d ao novo conceito de

    organizao do conhecimento provm do conceito de classificao das cincias. No mbito da Documentao, o termo classificao tende a cair em desuso: ele foi

    substitudo por organizao do conhecimento, j que esse apresenta maior

    amplitude temtica. Pode-se apreciar essa mudana, em 1992, no peridico

    International Classification (fundado em 1974) e sua nova denominao Knowledge

    Organization (KO). Nota-se que a essncia dos conceitos de organizao do

    conhecimento e classificao das cincias no foi alterada. O que ocorreu foi uma

    mudana de nome, uma escolha lexical, uma ampliao do escopo, mas no uma

    alterao de objetivos. Segundo Tennis (2008, p. 103), a organizao do

    conhecimento o campo de pesquisa interessado no design, estudo e crtica dos

    processos de organizao e representao de documentos que a sociedade

    percebe como dignos de preservao.

    A relao do homem com o conhecimento, experimentada desde a Segunda

    Guerra Mundial (exploso documentria) e, sobretudo depois dos anos 1970

    (informatizao), radicalmente nova. Migrou-se da aplicao de saberes estveis,

    que constituam um segundo plano de atividade, para a aprendizagem permanente,

    26 Cf. Foucault na subseo 3.2.3.

  • 31

    contnua de um conhecimento que passou a se projetar em primeiro plano, exigindo

    maior adequao, agilidade, exatido e facilidade dos sistemas de classificao

    bibliogrfica e melhores solues pragmticas, para resolver problemas prticos

    complexos em termos tericos e conceituais simples. Os pesquisadores e

    estudiosos da organizao do conhecimento que privilegiam uma instncia

    epistmica pragmtica tm dado explicaes opostas s daqueles que privilegiam

    uma instncia racionalista sobre o significado da realidade e como se procede para

    conhec-la (TENNIS, 2008, p. 103). Convm fazer referncia ao entendimento de epistemologia que para Tennis (2008, p. 103) como ns conhecemos. Ela uma

    ferramenta usada para apresentar uma crtica ao senso comum e para saber o que

    est presente na classificao, indexao e outros sistemas de organizao do

    conhecimento. Em organizao do conhecimento, a viso de realidade ditada pela

    instncia epistmica (pragmtica, positivista, empirista, racionalista, realista etc.) que

    reflete pressupostos sobre linguagem e expressa a espcie de conhecimento que

    pode ser criado, como esse conhecimento pode ser reunido e como pode ser

    apresentado. A instncia que ainda prevalece e que pode se chamar de enfoque do

    senso comum para linguagem e representao do conhecimento obscurece a

    complexidade e a variedade presente na representao e ordenao do

    conhecimento. No caso da organizao do conhecimento existe preocupao com

    instncias epistmicas, isto , como trabalhar em harmonia com as nossas

    concepes de realidade e o que elas significam comparando-as com outras

    concepes e significados.

    At este ponto, de maneira ainda preliminar, trata-se das classificaes que,

    por ora, aguardando a discusso posterior, so associadas a um conceito, muitas

    vezes intuitivo, de reunio. Como exemplo, no que pode ser caracterizado como um

    racionalismo pragmtico cita-se Ranganathan ao afirmar que todas as categorias de

    assuntos podem ser reduzidas a cinco. Ranganathan projeta um esquema (de modo

    racionalista) firmemente postulado em categorias, vinculando o status ontolgico do

    seu PMEST a um status pragmtico (embasado sobre um propsito til e no sobre

    um realismo racional) (TENNIS, 2008, p. 108). Segundo Rorty27 (1982, 1999 apud

    TENNIS, 2008, p. 108), a instncia da qual fala Ranganathan no uma instncia

    27 RORTY, R. Consequences of pragmatism. Minneapolis: University of Minesota Press, 1982. RORTY, R. Philosophy and social hope. New York: Penguin Books, 1999.

  • 32

    estritamente racionalista, porm prtica, se no uma instncia epistmica neo-

    pragmtica: aquela que est preocupada com a utilidade (juzo final para

    Ranganathan) e menos com a realidade ou a verdade. Hjrland (2003) tem se

    dedicado a identificar escolas de pensamento epistmico em organizao do

    conhecimento. No que diz respeito s classificaes bibliogrficas, considera como

    sendo representantes do Racionalismo as anlises facetadas construdas sobre

    divises lgicas e eternas e imutveis categorias, como, por exemplo:

    Ranganathan, Bliss2 entre outras. De acordo com Miksa (1980), a CDD tem

    ampliado o uso desse enfoque. Como representante do Historicismo, os sistemas

    embasados no desenvolvimento do conhecimento, como, por exemplo, a CDD, que

    distribui assuntos por disciplinas. Como representante do Pragmatismo, os sistemas

    embasados na garantia cultural ou classificao crtica, como, por exemplo, a

    classificao dos enciclopedistas franceses, a dos marxistas entre outros.

    Nos anos 1980, associada ao termo globalizao, surge a expresso

    sociedade da informao para descrever o estgio de uma sociedade ps-industrial,

    ligada a tecnologias emergentes da microeletrnica e da telecomunicao com o

    objetivo de processar, reunir e transferir dados.

    A Unesco, em Relatrio de 2005, preocupada em diferenciar os conceitos de

    sociedade da informao e sociedade do conhecimento, alerta que a Sociedade da

    Informao aquela limitada, com base apenas em avanos tecnolgicos ininterruptos, que so responsveis por uma massa de dados indistintos para aqueles que no tm

    as competncias necessrias para beneficiarem-se dessas informaes. J a

    Sociedade do Conhecimento aquela que contribui para o bem-estar e a realizao

    dos indivduos e das comunidades, pois tem dimenses culturais, ticas e polticas.

    Portanto, deve-se encorajar o desenvolvimento da Sociedade do Conhecimento,

    garantindo acesso informao28 e liberdade de expresso para todos. De acordo com

    Barreto (2005), a Sociedade da Informao uma utopia de realizao tecnolgica; a

    do Conhecimento uma esperana de realizao do saber. Entretanto a utopia se

    encontra em ambas as sociedades, mas nesta pesquisa privilegia-se a Sociedade do

    Conhecimento e a consequente organizao do conhecimento, na esperana de

    realizao do saber, segundo as palavras de Barreto.

    28 De acordo com o Relatrio somente 11% da populao mundial tem acesso a internet e 90% dos conectados vivem em pases industrializados (UNESCO, 2005).

  • 33

    De acordo com o pensamento de Pombo (2006), toda classificao das

    cincias apresenta algumas caractersticas gerais:

    a) supe um agente classificador (filsofo, cientista, epistemlogo, educador,

    enciclopedista, tal como Plato, Aristteles, Cassiodoro, Huarte, Bacon,

    Hegel, Ampre, Comte, Spencer, Wundt);

    b) supe um princpio de classificao, que poder ser o fim a que as

    cincias se propem (Aristteles), a ordem histrica da sua constituio e

    progressiva diferenciao (Comte), a natureza dos objetos estudados

    (Ampre), as faculdades humanas mobilizadas (Huarte, Bacon, Diderot e

    dAlembert);

    c) persegue um objetivo terico-prtico que acaba por determinar a sua

    estrutura, indo do puro interesse especulativo (Plato, Aristteles),

    determinao de um programa de estudos (Cassiodoro), orientao

    normativa da atividade cientfica (Huarte, Bacon, Comte), at mesmo

    organizao de uma enciclopdia (Diderot e dAlembert), ou organizao

    de uma biblioteca (Leibniz);

    d) exercida sobre um conjunto finito de elementos, a totalidade das cincias

    constitudas numa determinada poca, ou nela j previsveis (Comte,

    Spencer, Wundt). No entanto, algumas preveem mecanismos de abertura

    a cincias ainda no constitudas (Ampre);

    e) aplicada sobre um domnio da realidade (estrutura pr-existente) e

    constri-se no contexto das classificaes anteriores do mesmo domnio,

    ou seja, integra-se na histria das classificaes das cincias ao longo da

    qual os domnios e as divises podem ser modificados ou completados e

    novos critrios de classificao podem ser acrescentados;

    f) conta com um esquema concreto que permite a execuo das operaes

    necessrias classificao, tanto em termos da constituio de uma

    nomenclatura adequada aos diferentes arranjos disciplinares propostos

    (Ampre), como em termos da produo de sistemas diagramticos de

    articulao das cincias; sendo que esses sistemas podem apresentar-se

    como uma estrutura hierrquica, uma rvore, um quadro sistemtico, uma

    figura geomtrica entre outros.

    Com relao aos tipos fundamentais de classificao Pombo (2006) distingue:

    a) as que se baseiam em uma lei elementar da lgica: - a dicotomia -,

  • 34

    quer dizer, na presena ou ausncia de uma determinada

    propriedade que permite distinguir conjuntos de objetos, de seres ou

    de idias que tm uma caracterstica comum (utilizam um mtodo

    classificatrio em que cada uma das divises no contm mais de

    dois termos - distinguindo entre o elemento positivo e o negativo - e

    cuja criao se deve a Aristteles);

    b) as que se baseiam em uma propriedade ou qualidade designada

    como diferena especfica ou caracterstica de diviso (utilizam um

    mtodo classificatrio em que cada uma das divises pode gerar

    subdivises sucessivas, que se movem do geral para o especfico,

    desconsiderando o princpio de oposio, que se pode chamar de

    conjuntos subordinados29; tambm, cada diviso, resultante da

    aplicao de uma s caracterstica, pode conter inmeros conjuntos,

    que se pode chamar de conjuntos coordenados30).

    Um exemplar das classificaes que se baseiam em uma lei elementar da

    lgica, a dicotomia - uma primeira representao arborescente31 da idia de

    classificao -, foi apresentada pela primeira vez por Porfrio,32 que utilizou o

    princpio de oposio de Plato e de Aristteles ao escrever a sua clebre

    introduo (Eisagoge), de carter pedaggico, lgica de Aristteles. A obra

    Introductio in Praedicamenta (Introduo s Categorias) - nome da traduo latina

    feita por Bocio (475/480-524), o seu principal tradutor e comentador -, sistematiza a

    noo de espcie dentro da classificao aristotlica de gnero. Descreve cinco

    princpios filosficos interligados por uma lgica de sucessiva subordinao numa

    verdadeira rvore taxonmica (os princpios orientam as subdivises das

    29 Exemplo (PIEDADE, 1983, p. 27): Cincias Puras Matemtica Aritmtica Nmeros Decimais 30 Exemplo: (PIEDADE, 1983, p. 27): Cincias Puras Matemtica Fsica Qumica Botnica Zoologia 31 Ainda que, como observa Umberto Eco (1983, p. 63 apud POMBO, 2006), a Eisagoge de Porfrio no recorra a qualquer representao icnica, ela sugere claramente a imagem de rvore (ECO, U. LAntiporfirio. In: VATTIMO, G.; ROVATTI, P. (Ed.). Il pensiero debole. Milano: Feltrinelli, 1983. p. 52-80). 32 Porfrio (234-310), filsofo neoplatnico, o discpulo mais importante do filsofo romano Plotino (204-270), foi quem consolidou, seis sculos depois de Aristteles (384-322 a.C.), os princpios lgicos da classificao de Aristteles e desempenhou um papel preponderante na evoluo do pensamento no fim da Antiguidade e durante toda Idade Mdia. Entre as obras mais importantes que chegaram aos nossos dias esto as Enadas (301) e Eisagoge (MAZIP, 2001, p. 88-89).

  • 35

    classificaes filosficas, cientficas e, parcialmente, as classificaes bibliogrficas),

    denom