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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE GEOGRAFIA
RICARDO DIAS SANDOVAL
A VERTICALIZAÇÃO DO BAIRRO DO BELÉM: Mudanças estruturais e sociais.
THE VERTICALIZATION OF BELÉM NEIGHBORHOOD: Structural and social
changes.
SÃO PAULO
2018
RICARDO DIAS SANDOVAL
A VERTICALIZAÇÃO DO BAIRRO DO BELÉM: Mudanças estruturais e sociais.
Trabalho de Graduação Individual (TGI)
apresentado ao Departamento de Geografia
da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, da Universidade de São Paulo,
como parte dos requisitos para obtenção do
título de Bacharel em Geografia.
Área de Concentração: Geografia Humana
Orientadora: Profa. Dra. Simone Scifoni
SÃO PAULO
2018
AGRADECIMENTOS
Gostaria de agradecer a todas pessoas envolvidas na execução deste
trabalho. Poucos souberam do real significado em terminar esta etapa da minha
vida.
Aos meus pais e ao meu irmão pela paciência, pelo apoio e por terem me
proporcionado todas as condições de ingressar na Universidade de São Paulo.
À minha namorada Priscila, por todo incentivo e suporte emocional para que
conseguisse finalizar o presente trabalho.
Aos meus amigos e colegas de faculdade, que contribuíram direta ou
indiretamente no processo de elaboração.
Aos meus amigos: John, Bruna, Larissa, Carol, Maialú, Francisco, Raquel,
Josiane, entre muitos outros.
À Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, por ter me
proporcionado a oportunidade de realizar um intercâmbio em Portugal e por todo o
conhecimento adquirido.
Aos amigos que fiz no intercâmbio: os "porreiros" e os "putos".
Aos moradores e comerciantes do Belém, pelo tempo e pela simpatia ao
relatar as mudanças do bairro. Em especial, a Clóvis Querubim e a Eduardo Pitta
pelas entrevistas e pelos dados fornecidos.
Em especial, agradeço à minha professora e orientadora Simone Scifoni pela
impecável orientação deste trabalho, pela paciência e por todo conhecimento
compartilhado para que tornasse possível a realização desta monografia.
Canto de regresso à pátria
Oswald de Andrade
Minha terra tem palmares
Onde gorjeia o mar
Os passarinhos daqui
Não cantam como os de lá
Minha terra tem mais rosas
E quase que mais amores
Minha terra tem mais ouro
Minha terra tem mais terra
Ouro terra amor e rosas
Eu quero tudo de lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte para lá
Não permita Deus que eu morra
Sem que volte pra São Paulo
Sem que veja a Rua 15
E o progresso de São Paulo
RESUMO
SANDOVAL, Ricardo Dias. A Verticalização do bairro do Belém: Mudanças
estruturais e sociais. 2018. 61 f. Trabalho de Graduação Individual (TGI) –
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2018.
Esta monografia pretende discutir o processo urbanização, industrialização e
verticalização do bairro do Belém, na cidade de São Paulo. Através de um
levantamento bibliográfico e documental, analisamos as mudanças geográficas
ocorridas durante a história do bairro e a sua recente verticalização.
Sendo um bairro inicialmente composto por chácaras e pomares no final do século
XIX, o Belém se tornou, até a metade do século seguinte, um dos bairros mais
industriais da capital paulista. Com a desconcentração industrial de São Paulo
durante a década de 1980, os grandes terrenos das antigas fábricas foram
abandonados e se tornaram ruínas. Tal cenário foi a oportunidade perfeita para o
mercado imobiliário verticalizar a região.
Além da bibliografia utilizada, fizemos trabalhos de campo pelo bairro e utilizamos
imagens aéreas a fim de mapear a evolução dos terrenos e galpões das antigas
fábricas que se tornaram condomínios. Com conversas informais e entrevistas,
analisamos os impactos sociais e comerciais da recente verticalização.
Com este trabalho, levantamos a hipótese de que o processo de verticalização do
Belém, que ocorreu em meados dos anos 2000, seguiu a lógica capitalista de
ocupação e transformação geográfica com o objetivo de especulação imobiliária,
impactando diretamente a vida dos moradores e comerciantes do bairro.
Palavras-chave: Industrialização. Desconcentração Industrial. Verticalização.
Urbanização. Belenzinho. São Paulo. Geografia Urbana.
ABSTRACT
SANDOVAL, Ricardo Dias. The Verticalization of Belém Neighborhood: Structural
and social changes. 2018. 61 p. Final Graduation Work (Trabalho de Graduação
Individual – TGI) – School of Philosophy, Languages and Human Sciences,
University of São Paulo (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo), São Paulo, 2018.
This paper intends to discuss the urbanization, industrialization and verticalization
process of Belém neighborhood in São Paulo. By means of a bibliographical and
documentary survey we analyze the geographic changes that occurred in the
neighborhood over time and its recent verticalization.
Belém is a district initially composed of small farms and orchards in the late 19th
century, which became, by the middle of the following century, one of the most
industrial districts of São Paulo. With the industrial sprawl in the city during the
1980's, the old factories large properties were abandoned and became ruins. Such
scenario was the perfect opportunity for the real estate market to verticalize the
region.
In addition to the bibliography used, field search was established in the neighborhood
and aerial images were used to map the evolution of old factories properties and
industrial sheds that later became condominiums. With informal conversations and
interviews, we analyzed the social and commercial impacts of the recent
verticalization.
The hypothesis presented by this paper is that the Belém verticalization process,
which occurred in the mid-2000's, followed the capitalist logic of occupation and
geographic transformation aimed at real estate speculation, directly impacting the
lives of the people who live and own businesses in the neighborhood.
Keywords: Industrialization. Industrial Sprawl. Verticalization. Urban Landscaping.
Belenzinho. São Paulo. Urban Geography.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
IRFM Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo
RMSP Região Metropolitana de São Paulo
II PND II Plano Nacional de desenvolvimento
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 1
1. BELÉM: DO RURAL AO INDUSTRIAL ............................................................................. 4
1.1. Belém do final do século XIX: refúgio rural da elite paulistana ..................................... 4
1.2. O início da urbanização: a expansão ferroviária traz transformações no Belém ........ 5
1.3. A expansão urbana na cidade de São Paulo: implementação das vilas operárias .. 11
1.4. A vida do trabalhador: as condições de trabalho nas indústrias da época ................ 17
2. A DESINDUSTRIALIZAÇÃO DO BAIRRO ..................................................................... 20
2.1. Movimentos do desenvolvimento: tendências à desconcentração da indústria em São
Paulo ............................................................................................................................................... 21
2.2. A interferência do governo estadual no processo de dispersão da indústria ............ 26
2.3. A influência da desconcentração industrial do estado de São Paulo na configuração
urbana do Belém ........................................................................................................................... 29
3. A VERTICALIZAÇÃO DO BELÉM .................................................................................. 30
3.1. As transformações físicas ................................................................................................ 31
3.2. Transformações no imaginário: a percepção da mudança pela população .............. 46
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 49
BIBLIOGRAFIA ........................................................................................................................ 51
1
INTRODUÇÃO
A cidade de São Paulo simboliza progresso. Palco de inúmeros
acontecimentos históricos que ajudaram a modelar o Brasil, São Paulo é a capital
financeira do país e carrega a fama de abrigar inúmeras culturas por conta de seus
moradores tão plurais. Ao mesmo tempo, a forte imagem de "Cidade do progresso"
também é a das contradições e das desigualdades trazidas pela expansão do
capitalismo. Tal progresso, segundo o ponto de vista do capitalismo, acaba por
alimentar as desigualdades, negando o convívio entre classes sociais e diferentes
grupos.
Dentro da cidade, o bairro do Belém se destaca por sua história tão envolvida
na evolução econômica e urbana da cidade: de região campestre de veraneio,
passando por polo industrial, a região tomada por cortiços e então a área de forte
especulação imobiliária. Nascido em torno da capela de São José do Belém
(ANDRADE, 1991, p. 29), o bairro acompanhou – e acompanha – o intenso fluxo
econômico e cultural de São Paulo, resguardando a essência de transformação que
a cidade carrega.
Não existe uma divisão oficial de bairros no Brasil, o que existe é uma divisão
de distritos, previamente delimitada pelo Estado para facilitar a gestão pública.
Sendo assim, não é uma unidade administrativa mapeada e delimitada pelo Estado.
Para isso, levamos em consideração a discussão de bairro feita por Andrade (2004,
p. 181) ao considerar o estudo de Henri Lefebvre (1969) em entender o bairro como
uma unidade da vida urbana, "partindo da Cidade como uma totalidade, portanto, da
sociedade". Para o autor, a apologia da paróquia e da vida paroquial sustenta uma
ideologia do bairro, tomando-o como essência da vida urbana. Os limites dos bairros
estão no imaginário de seus moradores de acordo com sua própria identificação
como cidadão.
Como morador do bairro do Belém desde 1989, ano de meu nascimento,
pude perceber uma grande mudança na dinâmica de sua vida urbana. Tudo sempre
girava em volta do Largo São José do Belém, desde o começo do século XX,
considerado lugar de flerte para os jovens e passeio para os mais velhos, como
retrata Andrade (2004). Levando em conta as mudanças por mim observadas pela
minha vivência, pelos trabalhos de campo, a importância do Largo São José do
Belém para o bairro e a localização das grandes indústrias, delimitei a área de
2
estudo (Mapa 1) a Sul pela linha do trem, a Oeste pelas ruas: Bresser, Vinte e Um
de Abril e São Leopoldo, a Norte pela avenida Celso Garcia, englobando a região
das indústrias Matarazzo, e a Leste pela rua Redenção:
Mapa 1 - Área de Estudo. (fonte: geosampa.prefeitura.sp.gov.br. Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
Este trabalho justifica-se à medida que representa uma contribuição para o
estudo da cidade de São Paulo do ponto de vista da urbanização e das
transformações geográficas, políticas e econômicas, que tanto são relevantes para a
vida na capital paulista. Foi levado em conta o conteúdo das disciplinas de
Planejamento e Geografia Urbana I, ministradas respectivamente pela Profa. Dra.
Isabel Aparecida Pinto Alvarez e pela Profa. Dra. Simone Scifoni, sendo esta a
orientadora deste trabalho.
Pretendemos, para além de oferecer uma discussão do tema com a retomada
da literatura mais relevante sobre os processos mencionados, compreender os
processos urbanos que impactaram e impactam a vida dos moradores da região do
Belém.
3
No capitulo 1, fomos buscar informações sobre o processo de formação do
bairro e sua região em artigos e na tese de doutoramento da Profa. Dra. Margarida
Maria de Andrade, e no livro de Jacob Penteado, nos sendo muito úteis para
compreender o cotidiano e os processos urbanos ali sofridos.
Buscamos, para o Capitulo 2, referências sobre o processo de
Industrialização e Reestruturação Urbano-Industrial da cidade de São Paulo em
autores como o Dr. Barjas Negri e a Profa. Dra. Sandra Lencioni, que através de
gráficos e discussões, demonstraram o processo de desconcentração industrial da
cidade e, posteriormente, a desindustrialização do bairro.
Para compreender melhor as mudanças ocorridas no bairro, no Capitulo 3,
nos baseamos no Livro "A cidade vertical e o urbanismo", da Profa. Dra. Nadia
Somekh, que traz uma discussão de todo o processo de verticalização e suas
consequências. Através de 2 trabalhos de campo na área de estudo, em março e
abril, foi possível caminhar pela região, além de identificar os grandes condomínios
verticais de arquitetura recente. Foi possível também colher duas entrevistas, com
Clóvis Querubim, frequentador do bairro desde a década de 60 e dono da Majestic
Óptica de Precisão, fundada em 1954 e herdada por ele em 1976, e com Eduardo
Pitta, nascido e criado no bairro e dono da Calçados Pitta, casa de sapatos fundada
em 1923 por seu pai, Manoel Pitta. As duas entrevistas foram feitas nas respectivas
lojas.
Durante o trabalho, também foram utilizadas imagens aéreas do Google
Earth, do site GEOSAMPA da prefeitura de São Paulo e do LASERE da
FFLCH/USP, para verificar a mudança do uso do solo em diversos períodos através
de ferramentas GIS.
Partindo da assunção da importância do bairro do Belém para a cidade de
São Paulo, o objetivo deste trabalho é discutir o processo de urbanização do bairro.
Temos por objetivo compreender a origem histórica do bairro, famoso por ser
destino de veraneio da elite paulistana; posteriormente, os processos de
industrialização e desindustrialização que possibilitaram a configuração que hoje o
bairro tem; e, finalmente, o processo de verticalização que hoje permeia a região.
4
1. BELÉM: DO RURAL AO INDUSTRIAL
Neste capítulo, apresentaremos brevemente a história da evolução urbana do
Belém (Mapa 2), na cidade de São Paulo, desde o final do século XIX até o fim do
período de forte desenvolvimento industrial, em meados do século XX. O objetivo
deste capítulo é situar o Belém no processo evolutivo de urbanização da cidade de
São Paulo, de maneira a contextualizar e possibilitar a compreensão dos processos
que nortearam seu desenvolvimento até os dias de hoje.
Mapa 2 – Distrito do Belém (Fonte: geosampa.prefeitura.sp.gov.br. Organizado por Ricardo Dias Sandoval).
1.1. Belém do final do século XIX: refúgio rural da elite paulistana
Até o final do século XIX, o modesto núcleo urbano de São Paulo era rodeado
por pomares e chácaras pertencentes à alta sociedade paulistana. Muitos desses
5
pomares se encontravam no atual bairro do Belenzinho, na zona leste da cidade. O
bairro e sua região eram o destino preferido para fins de semana e férias da camada
mais alta da sociedade devido à sua altitude elevada, de 750 metros, ao ar limpo e
ao clima agradável. Situado próximo ao rio Tamanduateí, o Belenzinho só foi
incorporado à cidade por volta de 1870 por causa de grandes transformações que se
desencadearam na região, segundo ANDRADE (2004, p. 174). Atualmente, o bairro
é chamado apenas de “Belém”, pois na implantação do bonde que passava no Largo
São José, o nome “Belenzinho” era muito grande, então no bonde era apenas
exibida a alcunha “Belém”. Penteado descreve as características do bairro à época:
[...] o Belém, devido à sua altitude, ar puro, vastos arvoredos, era procuradíssimo pelas opulentas famílias de uma São Paulo que vive, hoje, apenas na memória dos velhos. Sua altitude é, em média, de 750 metros, atingindo o máximo na Vila Gomes Cardim, 775 metros. Inúmeras quintas e pomares, estâncias de cura e chácaras para fins de semana ali se encontravam, pertencentes a vultos importantes da vida paulistana. [...] (PENTEADO, 2003, p. 57)
1.2. O início da urbanização: a expansão ferroviária traz transformações no
Belém
A paisagem do bairro começa a mudar com a construção da ferrovia São Paulo
Railway1, ou "Inglesa", como era conhecida no passado. Inaugurada em 1867 nos
terraços que delimitavam as várzeas do rio Tietê e Tamanduateí, a estação do Brás
ligava o porto de Santos a Jundiaí e servia para escoar a grande produção agrícola
do estado (café, em sua maioria), que seria então vendida no porto de Santos.
Transformando, assim, a região de subúrbio de chácaras em espaço propriamente
urbano (ANDRADE, 1991). Essa estação pode ser vista, como era na época, na
Figura 1.
1 A ferrovia foi fragmentada ao longo dos anos, tendo trechos abandonados ou desativados. As atuais linhas 7 Rubi (Jundiaí - Luz) e 10 Turquesa (Brás - Rio Grande da Serra) da CPTM se utilizam dos trilhos da antiga ferrovia que passam pela Região Metropolitana de São Paulo.
6
Figura 1 - Estação original do Brás, 1867 (Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br)
Em 1877, outra estrada de ferro foi construída, a Estrada de Ferro do Norte,
que ligou São Paulo à cidade do Rio de Janeiro. Com a ferrovia foi construída uma
segunda estação ferroviária, ao lado da primeira, também no Brás, denominada de
Estação do Norte, conforme exemplifica a Figura 2.
Figura 2 - Estação do Norte ou Estação Roosevelt, 1900 (Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br)
7
O rio Tamanduateí e o constante alagamento de suas margens formavam um
dos principais entraves para a expansão da cidade para leste. A sua canalização e a
drenagem de suas margens abriram caminho para a expansão urbana no sentido
leste. A elite paulista, detentora das chácaras da região do Belém, passa a retalhar
suas propriedades em lotes, iniciando uma “produção de terras”, já que a terra
começa a ser vista como uma mercadoria, com valor de compra e venda. Como
podemos verificar no Mapa 3, a área urbana a leste da cidade se limitava às
margens do rio Tamanduateí. Podemos também visualizar, as duas estações do
bairro do Brás (Parada Brás e Estação Roosevelt).
O café brasileiro, em alta no mercado internacional, alavancou a construção de
ferrovias no país, principalmente no estado de São Paulo, onde a produção de café
no interior era a maior do país2. Com o advento da mão de obra livre, em
substituição do trabalho escravo, o governo brasileiro incentivou uma grande onda
de imigração para suprir as necessidades da lavoura cafeeira, através do
custeamento das viagens e do estabelecimento dos imigrantes (ANDRADE, 1991, p.
66-88).
Nesse sentido, o desenvolvimento da ferrovia e na sequência a vinda do alto
número de imigrantes estrangeiros foram essenciais para a urbanização da cidade
de São Paulo. Por ter terras planas e desocupadas, a região do Belém passou a
atrair interesses na implantação de uso residencial e, posteriormente, industrial,
esses fatores contribuíram para acelerar a ocupação do bairro. (LANGENBUCH,
1968)
Segundo ANDRADE, estas estações ferroviárias tiveram grande importância
para o impulso da urbanização, e na formação dos primeiros núcleos urbanos da
cidade:
Embora a grande maioria dos imigrantes tivesse como destino as fazendas de café, muitos estabeleceram-se na cidade (seja retornando das fazendas, seja optando diretamente pela cidade). A presença de duas estações ferroviárias no Brás foi responsável pelo estabelecimento de imigrantes nas suas imediações [...] (1994, p. 98)
2 (DEAN, 1991, p. 9-22)
8
Mapa 3 - Planta da Cidade de São Paulo 1881 (fonte: Arquivo Histórico Municipal)
Estação Roosevelt
Estação do Brás
Rio Tamanduateí
9
As particularidades desses núcleos eram tão grandes que, segundo Andrade
(1994, p. 2), nos anos 1930 receberam a denominação de “outra cidade”. No Mapa 3
é possível notar o distanciamento destes núcleos e compreender tal denominação.
Em 1881 foi construída, no Bom Retiro, a primeira hospedaria com capacidade
de até 500 pessoas com objetivo de "receber, alojar, sustentar, pelo prazo de seis
dias, salvo caso de força maior, os imigrantes recém-chegados[...]"3. Em 1887,
devido à incapacidade de acomodar o grande número de imigrantes que chegavam
ao país, uma nova Hospedaria foi construída (conforme a Figura 3) no bairro do Brás
com capacidade para 4.000, onde existia uma estação da São Paulo Railway, e o
local não foi escolhido ao acaso. O plano inicial previa sua construção definitiva na
região da estação da Luz, porém, segundo ANDRADE:
[...] acabou recebendo outra destinação porque, nas palavras de um Presidente de Província, não foi julgado 'próprio para um alojamento de imigrantes o bairro (da Luz) que mais se presta a ser aformoseado, e que vai merecendo a preferência da população abastada para aí construir prédios vastos e elegantes'
4. Assim, a escolha do Brás respondia também à
estratégia da elite de segregar os imigrantes, de afasta-los dos bairros ditos burgueses (1994, p. 98-99).
Figura 3 - Hospedaria dos Imigrantes, 1887 (Fonte: www.museudaimigracao.org.br)
3 Boletim do departamento Estadual do Trabalho (1911, apud ANDRADE, 1991, p. 73) 4 Relatório do presidente da Província João Alfredo C. de Oliveira à Assembleia Legislativa Provincial - 1886, São Paulo, Typografia de Jorge Seckler & Cia. (apud ANDRADE, 1994, p. 98-99)
10
A crescente procura do café por parte do mercado estrangeiro, Estados Unidos
e Europa principalmente, gerou uma concentração de capital no estado,
especialmente na cidade de São Paulo. Esse fato somou-se ao papel da ferrovia
que fazia a interligação entre interior e o porto de Santos, barateando e tornando
mais eficiente o transporte das sacas de café (DEAN, 1991), e à mão de obra
abundante na cidade, e juntos foram fatores essenciais para o início da
industrialização na cidade. As constantes guerras no continente europeu também
foram muito importantes para a nossa indústria, pois trouxeram investimentos e mão
de obra externa.
[...] A indústria nascente se instala perto de fontes de energia (rio, florestas, depois carvão), de meios de transporte (rios e canais, depois estradas de ferro), de matérias-primas (minerais), de reservas de mão de obra (o artesanato camponês, os tecelões e ferreiros fornecem uma mão de obra já qualificada) (LEFEBVRE, 1969, p. 7).
Os primeiros focos de industrialização paulistana tiveram início com pequenas
indústrias, em sua maioria iniciadas por imigrantes, que já haviam presenciado ou
trabalhado em fábricas na Europa, e que ANDRADE (1994, p. 100-101) denominou
"oficinas de fundo de quintal", em sua maioria de bens de consumo, bebidas,
chapéus, móveis, artigos de vidro, etc. Com o tempo, algumas dessas pequenas
manufaturas foram se transformando em grandes indústrias, alavancadas pela crise
do café, que fez com que o foco de investimento mudasse da monocultura para a
crescente industrialização. A autora ressalta que haviam também grandes fábricas,
no entanto eram pouco numerosas. A paisagem da área de estudo se alternava
entre cortiços, oficinas, grandes fábricas e vilas operárias. A primeira grande fábrica
da região do Belém foi a Fábrica Sant'Anna, de Antônio Álvares Penteado, fundada
em 1889 e produzia tecidos de sacaria de café, cereais e enfardamento em geral.
Foi seguida pela Cia Mecânica Importadora, fundada em 1890 e pela Fábrica de
Cerveja Bavária na Mooca, fundada 1892 (ANDRADE, 1991, p. 114).
O crescimento contínuo no comércio do café, e seu constante beneficiamento,
resultou em um enorme crescimento da indústria paulista que, segundo Warren
Dean (1991, p. 19-20), levou a economia regional de São Paulo a superar em 1920
a capital, Rio de Janeiro, como mais importante centro industrial. Em 1940, o Estado
11
passou a possuir a maior aglomeração de capacidade manufatureira da América
Latina. No Mapa 5, podemos visualizar as indústrias da cidade em 1901 e seu
número de funcionários.
Ao iniciar-se o século XX, Brás, Mooca e Belenzinho eram a maior concentração de fábricas e operários da Cidade de São Paulo. Daí em diante, fábricas e oficinas multiplicam-se, a indústria passando a ser o elemento fundamental de integração desses bairros à Cidade. E, ao mesmo tempo em que em alguns bairros se efetivava o projeto das elites de “embelezamento” da Cidade, do outro lado do Tamanduateí, entre outras porções da Cidade, multiplicavam-se os cortiços, havia falta de água e de esgoto, as ruas eram escuras e enlameadas, o lixo acumulava-se na Várzea do Carmo (ANDRADE, 2004, p.179).
1.3. A expansão urbana na cidade de São Paulo: implementação das vilas
operárias
No Mapa 4 abaixo, é possível observar a evolução da área urbanizada em São
Paulo. Notamos que até 1881 apenas a região central, marcada em rosa claro no
mapa, era considerada urbanizada. A partir de 1882, toda a área assinalada em
vermelho passa a ser considerada urbanizada através da intensificação de novos
loteamentos. Nota-se que a região do Belém está incluída nessa expansão de
urbanização, entre os anos de 1882 e 1914, conforme vemos no mapa.
Segundo ANDRADE (1991, p. 25-30), o possível e principal obstáculo para
esta urbanização tardia foi existência da Várzea do Carmo (Várzea do rio
Tamanduateí entre o antigo núcleo urbano de São Paulo e o povoado do Brás.
12
Mapa 4 - Expansão Urbana da cidade de São Paulo entre 1982 e 1914 (BARBOSA, 2015 p.11)
Apesar de o rio Tamanduateí ter recebido algumas intervenções, em algumas
partes, durante a década de 1860, as constantes inundações e a falta de
saneamento dificultaram a integração do núcleo urbano da cidade com os povoados
além Tamanduateí. Tanto que a cidade cresceu para norte, noroeste e oeste ao
passar pelos limites da colina do Anhangabaú, com o nascimento dos bairros da Luz
e de Santa Efigênia, como podemos ver no Mapa 3.
Esse distanciamento devido ao obstáculo geográfico (Várzea do Carmo), à
grande aglomeração de imigrantes nos bairros a além-Tamanduateí, especialmente
nas áreas de expansão de urbanização, conforme podemos ver no Mapa 4, e às
vilas operárias que foram construídas para abrigar os funcionários das fábricas na
zona leste da capital, criaram núcleos urbanos tão específicos e particulares que
justificaram a designação dada por ANDRADE (2004, p. 172) de “outra cidade”.
13
Mapa 5 - Indústria de São Paulo – 1901 (Fonte: ANDRADE, 1991, p. 121)
14
Sem transporte público abrangendo essa região e, portanto, sem conseguir
acessar outras regiões da cidade, essa foi a solução mais viável para os industriais
da época. Essa segregação, promovida pela elite da cidade, impedia o convívio
entre as classes sociais, portanto, negava o urbano, como explica ANDRADE (2004,
p. 180-181):
[...] Para esse momento de nossa industrialização e urbanização, a segregação, negadora do convívio amplo entre grupos e classes sociais e, portanto, negadora do urbano, foi negada na criação do que se poderia considerar um modo de vida operário a Cidade de São Paulo. Ou seja, os bairros além-Tamanduateí, entre outros bairros paulistanos, puderam se definir como totalidade, parte de uma totalidade maior - a Cidade de São Paulo. (ANDRADE, 2004, p. 180-181)
Mesmo com a presença de pequenas indústrias entre 1870 e 1880, somente
em 1890 que a região do Belenzinho começa a se distinguir como bairro industrial.
Já no começo do século XX, a região concentra o maior numero de operários e,
consequentemente, de fábricas da capital.
Em 1900, segundo ANDRADE (1991, p. 124), o Belenzinho possuía apenas
três pequenas fábricas. Apenas 15 anos depois, esse número quase triplicou, como
podemos verificar no Mapa 6. Neste mapa, também é possível visualizar a grande
concentração industrial que existia em 1914 na região do Brás e Belém. É possível
ver a predominância de fábricas têxteis e de cristais e vidros no Belém.
Em relação à indústria têxtil, é imprescindível citar o nome de Francisco
Matarazzo. O imigrante italiano, que se tornou empresário de sucesso e fundador
das Indústrias Reunidas Francesco Matarazzo (IRFM), era dono de 12 fábricas na
região do Belém até o início da Segunda Guerra, como o Moinho Matarazzo, a
Tecelagem Belenzinho, a Fábrica de Óleo Sol Levante e a Tecelagem Mariângela,
por exemplo, sendo a Tecelagem Belenzinho instalada no Belenzinho em um
enorme terreno que se estendia da Celso Garcia até o Rio Tietê, como podemos ver
no Mapa 7 indicada pelo número 3 (ANDRADE, 1991, p. 168-188).
A dificuldade de se locomover pela cidade, devido à falta de transportes
públicos que atendessem de forma digna a população, as más condições dos
15
cortiços da cidade e a crise habitacional causada pela contínua corrente migratória,
fizeram com que muitos industriais preferissem construir vilas operárias para abrigar
seus funcionários. A grande maioria das vilas operárias foram construídas em
terrenos baratos e inundáveis das várzeas dos rios Tamanduateí e Tietê, próximas
às ferrovias, possuíam cozinha e banheiro internos às casas uni-familiares, lazer
para os trabalhadores, armazém, farmácia e escolas. Entretanto, essas construções
não eram apenas benevolências desinteressadas, mas sim uma forma de controlar
ainda mais os operários. Morando nas casas do empresário, os operários tinham
seus horários de descanso controlados, o aluguel descontado diretamente do
salário, gerando uma fonte de renda adicional, as dívidas no armazém da vila
operária pertenciam ao proprietário, além de criar um domínio moral e psicológico de
gratidão sob os funcionários e torná-los alheios a qualquer reivindicação política ou
greves (BARBOSA, 2015, p. 13-15). A isenção de impostos dada pelo governo e o
retorno de renda em aluguel, que poderiam render 24% de juros ao ano, tornavam a
construção de casas operárias em vilas um negócio ainda mais lucrativo e
interessante (CARONE, 1979).
Surge então a Vila Maria Zélia, a primeira vila operária do país. Construída no
Belém em 1912 por Jorge Street, dono da Cia Nacional de Tecidos da Juta, possuía
escolas, armazém, farmácia, igreja, creche e até jardim de infância. Os aluguéis e os
itens comprados na farmácia e armazém, eram descontados diretamente do salário
dos funcionários, gerando assim, uma fonte de renda para o proprietário (2015, p.
40). Depois dela, diversas outras vilas similares surgiram pela região da Mooca, do
Brás e do Belém.
Neste período, conforme vemos no Mapa 6, existiam basicamente 2 tipos de
indústrias no Bairro do Belém: teares, com produção de fios e tecidos de lã, algodão,
linho, juta, tecidos de seda, rendas e aplicação de filó, tapetes, cordões, barbantes,
cordas, estopas, artefatos de borracha, colchões e toldos; e trabalho com madeira,
com obras em carpintaria, marcenaria, molduras e serrarias.
16
Mapa 6- Indústrias em 1914: Brás, Mooca e Belenzinho (fonte: ANDRADE, 1991, p. 138)
17
1.4. A vida do trabalhador: as condições de trabalho nas indústrias da época
A condição de trabalho na maioria das fábricas era muito precária. Segundo
Andrade (1991, p. 140), em 1911 o Departamento Estadual do Trabalho fez uma
análise das condições de trabalho de algumas fábricas têxteis da capital. O relatório
mostrava a diferença entre os salários de homens e mulheres, por exemplo. Em
alguns casos, eles chegavam a receber quase o dobro pelas mesmas horas
trabalhadas em relação às colegas do sexo feminino. Além disso, as jornadas de
trabalho duravam entre 10 horas e meia e 11 horas, podendo ser prolongadas em
determinadas épocas do ano. Havia relatos também do emprego de mão de obra
infantil: centenas de crianças com menos de 12 anos trabalhavam na fiação.
Diante disso, movimentos sindicalistas de orientação comunista e socialista
começaram a surgir e tinham como função socorrer trabalhadores dos abusos
empregados pelos empresários que faziam descontos compulsórios nos salários.
Esses movimentos foram de suma importância para a mobilização da greve geral de
1917 em São Paulo, que levou os governos estadual e federal a darem mais
atenção às questões trabalhistas. Benefícios como regulamentação do trabalho de
mulheres e menores, melhoria nas condições sanitárias dos locais de trabalho,
criação de férias remuneradas para os trabalhadores urbanos, estabelecimento de
jornada de 8 horas para diversas categorias, entre outras regras, foram criados
graças às seguidas greves. No entanto, o empresariado ainda relutava em cumprir
todas as regras até o final da década de 30 (ANDRADE, 1991, p. 147) .
A indústria têxtil paulista prosperou durante boa parte da primeira metade do
século XX e fez mudar a paisagem que outrora era dominada por macieiras,
chácaras e pontos de entreposto comercial. É perceptível a mudança quando
comparamos o Mapa 6, citado anteriormente, com o Mapa 7 abaixo, de 1930.
Com apenas 15 anos de diferença entre o que representa uma imagem e outra,
é possível ver o aumento na distribuição do loteamento no bairro do Belém. Existe
um maior adensamento nas ruas a leste do bairro, uma expansão da cidade em
direção ao sul e uma ocupação a norte do Rio Tietê, região que se tornaria o bairro
da Vila Maria. Finalmente a cidade chegou ao bairro.
18
Mapa 7 – Indústrias em 1930: Brás, Mooca e Belenzinho (fonte: ANDRADE, 1991, p. 1174)
19
A movimentação dos bondes lotados de operários a caminho do trabalho, as
agitações dos movimentos sociais, o apito da fábrica ao fim do dia: esses são os
novos personagens do dia a dia do bairro, em que nada lembra o clima bucólico do
final do século anterior, conforme podemos observar no Mapa 8.
Mapa 8 – Expansão Urbana da cidade de São Paulo entre 1930 e 1949 (BARBOSA, 2015 p.16)
20
Em suma, o Belém passou por muitas mudanças no começo do século XX. O
loteamento das antigas chácaras e pomares ao longo das ferrovias e,
posteriormente, o desenvolvimento de teares, fábricas de vidros e oficinas de
carpintaria, atraídas pela facilidade de escoamento e transporte de matéria prima e
pela mão de obra abundante de imigrantes que não paravam de chegar ao país,
transformaram de vez a paisagem e o cotidiano do bairro. Cortiços e pensões
tomavam conta das moradias do bairro que, devido ao grande fluxo de imigrantes
que chegavam, tiveram seus preços inflacionados As más condições de trabalho e
os baixos salários nas fábricas produziram movimentos sindicais, compostos por
muitos imigrantes, em busca de melhorias e regulamentações de trabalho.
2. A DESINDUSTRIALIZAÇÃO DO BAIRRO
Enquanto a primeira metade do século XX foi determinante para o
estabelecimento da indústria na região e seu crescimento exponencial, a segunda
metade do século foi marcada por crises e reestruturações urbano-industriais que
culminaram em uma dispersão industrial, em que as fábricas migraram para outras
cidades do interior e/ou estados do país movidas por melhores condições fiscais e
tributárias.
Como discutido anteriormente, a ferrovia teve um papel significativo na
expansão da urbanização da cidade, porém ela não orientou apenas a
suburbanização residencial, mas também a suburbanização industrial,
principalmente a partir de 1915 (LANGENBUCH, 1968, p. 213 - 214). Segundo
Langenbuch (1968), mesmo este ultimo processo sendo mais restrito que a
suburbanização residencial, os dois acabaram por se relacionar, sendo as fábricas
antecessoras das residências nos principais subúrbios industriais. A proximidade
com a ferrovia era muito vantajosa para as indústrias, imprescindível para a indústria
pesada, pois era uma forma rápida de escoar a produção, transportar matéria prima
e conduzir rapidamente a mão de obra, já que o transporte viário ainda não possuía
uma grande malha rodoviária pavimentada.
21
. A ferrovia ajudou na expansão das indústrias para outras cidades da Grande
São Paulo, como Santo André, São Bernardo do Campo e São Caetano do Sul, que
em 1949 já empregavam juntas 46.308 pessoas (NEGRI, 1994, p. 90).
Neste capítulo, vamos discutir as mudanças na industrialização paulista que
ocorreram, principalmente, na segunda metade do século XX, e suas consequências
para a cidade e, mais especificamente para o bairro.
2.1. Movimentos do desenvolvimento: tendências à desconcentração da
indústria em São Paulo
A concentração industrial e de atividades econômicas estruturou e tornou a
metrópole paulistana o polo econômico do Brasil. Segundo Barjas Negri, a indústria
paulista teve um crescimento excepcional durante a década de 1950 devido à
implantação de uma série de programas do Plano de Metas, atraindo investimento
estrangeiro e expandindo os empreendimentos públicos e privados do país. Até
1970, a concentração industrial aprofundou-se em todos os grupos industriais.
(NEGRI, 1994, p. 104-107)
Segundo Padua (2007), entre o final da 2ª Guerra Mundial e a década de
1970, houve um crescimento exponencial do mundo capitalista, com uma grande
expansão de empresas multinacionais para os países de 3º Mundo. Ao final da
década de 1970, as crises evidenciaram a instabilidade da economia capitalista,
acabando com a ilusão do crescimento infinito. Os países de 3º mundo passaram
por uma forte depressão econômica, porém, o período pós-década de 1970
caracterizou-se pelo crescimento da desigualdade social e da pobreza, mesmo em
países desenvolvidos.
Neste período, parte do mundo aderiu a ideologias neoliberais, que defendiam
a liberalização e a desregulamentação da economia, seguidas pela privatização de
ativos estatais, deixando que as leis de mercado reorganizassem as estruturas
produtivas. Tal ideologia afetou principalmente a América Latina, aumentando a
pobreza e a desigualdade, aprofundando ainda mais as contradições e aumentando
22
a presença de empresas multinacionais a dominar setores estratégicos da economia
(PADUA, 2007, p. 29).
Barjas Negri (1994) aponta que houve uma aumento nas relações comerciais
internacionais devido a uma série de políticas econômicas tomadas em meados de
1968, entre elas a intensificação do endividamento externo, enormes incentivos e
subsídios fiscais e de crédito às exportações e uma política de minidesvalorização
cambial. Tais medidas levaram a um significativo aumento na taxa de acumulação
até o final de 1974, liderado pelo segmento de bens duráveis e de capital, porém,
entre o período de 1974-1980, houve queda acentuada no ritmo de crescimento
industrial e uma desaceleração da economia. Segundo Negri (1994, p. 148),
economistas alertaram sobre os problemas destas políticas: "A crise se desencadeia
em função da incompatibilidade entre as taxas de acumulação e de crescimento de
demanda efetiva de bens duráveis de consumo".
A implantação do II Plano de Nacional de Desenvolvimento (II PND),
condicionou a economia brasileira e impediu que a crise tomasse proporções ainda
maiores. Para tal, foram necessários elevados investimentos do setor público com o
objetivo de superar o atraso do setor de bens de produção e diminuir a forte
dependência na importação de insumos básicos.
Sendo assim, ao longo da década de 1970, as exportações industriais
brasileiras se diversificaram ainda mais, pois devido ao II PND, complementou-se a
estrutura produtiva e desenvolveram-se as indústrias petroquímica e de metais não
ferrosos, que até então dependiam de importações. O Estado atuou também no
setor energético carburante ao criar o "Pró-álcool", expandindo a produção nacional
do álcool automotivo.
Como parte das políticas governamentais de investimento, em São Paulo,
elas foram direcionadas para fora do estado, em uma clara política de
desconcentração industrial no sentido São Paulo - resto do país, diminuindo a
participação de São Paulo no total do valor da transformação industrial brasileira.
Foram criadas propostas de desconcentração industrial, que serão discutidas mais
adiante (NEGRI, 1994).
23
O crescimento da aglomeração metropolitana paulista, que ocorreu ao longo
dos principais eixos rodoviários, produziu uma paisagem fragmentada, conforme
apresenta Lencioni (LENCIONI, 1998, p. 198), embora unificada, atingindo o interior
do estado desde os anos 1970. Mesmo sendo a concentração das atividades
econômicas e a concentração industrial responsáveis por impulsionar inicialmente tal
processo, hoje, é a dispersão industrial que permite tamanha expansão e
reestruturação da metrópole. A migração de empregos e do valor da produção
industrial para o interior paulista corrobora este argumento.
Através da tabela 1 a seguir, trazida por Lencioni para discutir a transformação
do papel da capital na geração de valor industrial em São Paulo, podemos visualizar
o movimento do valor da produção em todo o estado. Em um primeiro momento,
vemos a transição da importância da capital em direção à Região Metropolitana
(1940 – 1960) e, posteriormente, a dispersão para o interior (1970 – 1985). A tabela
apresenta valores percentuais relativos à participação de cada região em relação ao
valor da produção industrial total no Estado de São Paulo (LENCIONI, 1998).
Portanto, verificamos que entre 1940 e 1980, a capital perde o seu papel de
concentrar o valor de produção industrial, caindo de 53,9% para 30,1%. Ao mesmo
tempo, verificamos o aumento da participação relativa do interior na produção que,
em 1980, supera a capital. A região metropolitana também perde participação, mas
mesmo assim, em 1985, continua concentrando o valor da produção industrial.
Tabela 1 - Estado de São Paulo: Valor da Produção Industrial 1940-1985 (%)
Anos Região
Metropolitana Capital Interior
1940 64,5 53,9 35,5
1956 66,6 54,2 33,6
1960 71,1 51,7 28,9
1970 70,7 43,7 29,3
1980 58,6 30,1 41,3
1985 56,5* - 43,5
* Inclui a Capital
Fonte: LENCIONI, 1998, p. 199
24
Com esta movimentação do Valor da Produção Industrial, consequentemente,
o número de empregos na indústria da capital foi diretamente afetado. Conforme
podemos observar na Tabela 2 citada por Lencioni (1998) a seguir, entre os anos
1970 e 1980 houve uma variação de 6% na participação do total de empregos do
setor industrial, aumentando para 9% em 1988. Isso demonstra um aumento na
industrialização do interior, que segundo a autora, está relacionada aos eixos
rodoviários e indica o efeito econômico desta região.
Tabela 2 - Estado de São Paulo: Emprego na Indústria 1970 – 1980 – 1988(%)
1970/1980 1980/1988
1970 1980 1980 1988 Região
Metropolitana 70,0 64,1 66,2 61,6
Interior 30,0 35,9 33,8 38,4 Litoral 1,8 1,7 1,7 1,6
Fonte: LENCIONI, 1998, p. 202
Segundo Lencioni (1998, p. 201), enquanto o governo federal procurava dirigir
a indústria para o Nordeste do país, através de um discurso de desconcentração
industrial, o governo local de alguns municípios do estado de São Paulo ofereceram
uma série de incentivos (isenção de impostos e taxas municipais, terrenos,
ressarcimento de gastos com infraestrutura, etc.) para atrair estabelecimentos
industriais para seus municípios. Tal política de dispersão abrangeu um raio de 150
km a partir da capital ao longo dos principais eixos rodoviários. Tais políticas serão
melhor discutidas no próximo subcapítulo.
Mesmo as indústrias se realocando para fora da capital, muitas vezes em
municípios próximos, o controle do processo de valorização do capital continuou
concentrado espacialmente na Grande Metrópole. Lencioni (1998) considerou todo o
grupo empresarial ao invés de analisar apenas a localização dos estabelecimentos
industriais. Conforme explica, no começo da década de 1990, muitas indústrias que
haviam migrado da capital mantiveram lá seus escritórios centrais, fazendo com que
todas as principais decisões e negócios permanecessem na cidade. Isso ocorreu
principalmente em um período no qual absorções, associações e fusões estavam
crescendo significativamente como podemos ver na Tabela 3, a seguir:
25
Tabela 3 - Brasil – Associações, absorções e fusões: Indústria de transformação em geral –
1985-1990
Anos Indústrias de transformação em Geral
1985 36 1986 136 1987 139 1988 243 1989 180
Fonte: LENCIONI, 1998, p. 204
É preciso frisar que concentração e centralização são processos
completamente distintos, sendo que o primeiro ocorre quando uma determinada
fábrica aumenta o número de máquinas e equipamentos para ampliar sua base de
acumulação, enquanto que o segundo se trata de absorção, fusão ou associação de
capitais individuais sob o mesmo controle. Conforme a autora:
A não compreensão do que seja o processo de centralização, ou até mesmo o fato de
tomá-lo sem distinção do processo de concentração, tem sido responsável pela
interpretação da dispersão industrial como produto de uma desconcentração industrial
(LENCIONI, 1998, p. 204).
Porém, na prática, a dispersão industrial está muito ligada a processos de
centralização de capital. O importante é a capacidade da empresa de controlar os
vários ciclos de valorização do capital possível, e não a proximidade física entre os
vários segmentos da produção ou entre a administração e a produção em si.
Retomando o que propôs Lencioni,
[...] a capital e seu entorno se veem, em certa medida, homogeneizados pela expansão
da atividade econômica, mas, concomitantemente, a especialização das atividades
terciárias torna a capital distinta do seu entorno. Já não se trata mais de mecanismos de
concentração da localização industrial, mas de um movimento de dispersão desta
localização. Segundo palavras de Vinícius Caldeira Brant, a superioridade de São Paulo
é agora representada pelo financiamento e pela coordenação das atividades produtivas”
(LENCIONI, 1998, p. 208)
26
Em outras palavras, a RMSP continuou sendo um polo de centralização,
porém não mais de concentração industrial. A região passou agora a centralizar o
controle e a coordenação da produção à distância, e ainda que a saída da indústria
tenha modificado a configuração urbana da capital, não retirou a importância
econômica dela.
2.2. A interferência do governo estadual no processo de dispersão da
indústria
Um dos fatores que contribuiu para o afastamento da indústria da capital
paulista, acarretando todas as mudanças supracitadas, foi que em meados da
década de 1960, os governos estadual e federal passaram a elaborar políticas de
desconcentração industrial partindo da Região Metropolitana para o interior do
estado e para o resto do país, de maneira a sanar ou aliviar as condições de vida
precárias a que se submetia a população paulista por conta da forte industrialização.
Tais políticas se estenderam até a década de 1990.
Listadas a seguir estão as principais propostas e ações tomadas pelos
governos estaduais de desconcentração industrial de cada gestão a partir de 1967
que, como citado anteriormente, estão vinculadas ao II PND, conforme aponta
Barjas Negri
a) Governo Abreu Sodré (1967/1971):
Foram criados dois grupos de trabalho em relação à situação industrial na
RMSP. Um deles, o Grupo de Desconcentração Industrial, acabou por ponderar que
o Estado não deveria intervir na questão da industrialização com medidas que
afetassem o direcionamento da indústria. Por sua vez, o Grupo de Análise Territorial,
mais voltado para a desobstrução da capital, sugerindo o desenvolvimento de
“núcleos urbanos dinâmicos” que levariam em conta até mesmo a inclusão de áreas
agrícolas. De um modo geral, esse período serviu como base para o estudo da
situação da cidade (Negri, 1996, p. 171).
27
b) Governo Laudo Natel (1971/75)
Nessa época, foi proposto o Plano de Interiorização do Desenvolvimento, que
pressupunha que o Estado devia intervir diretamente na questão da industrialização
com medidas políticas. Definiram-se as regiões adjacentes aos principais eixos de
condução entre a capital e o interior (rodovias Anhanguera, Washington Luiz e
Castelo Branco) de modo a guiar a expansão industrial. As medidas práticas
tomadas durante esse governo envolviam, sobretudo, a criação de um plano
rodoviário de expansão considerando o eixo de “expansão natural” do caminho da
capital para o interior e para o Rio de Janeiro, e o acompanhamento dessa
expansão e espalhamento industrial (Negri, 1996, p. 171-172).
c) Governo Paulo Egydio Martins (1975-1978)
Por sua vez, o governo de Martins considerava que o processo de
desenvolvimento do estado estava diretamente relacionado aos problemas urbanos
encontrados. Numa tentativa de equiparar o desenvolvimento no estado, esse
governo lançou mão de uma série de programas que tinham por objetivo principal
desconcentrar a urbanização para promover o desenvolvimento de áreas externas à
capital do estado (Negri, 1996, p. 172).
d) Governo Paulo Maluf / José Maria Marín (1979-1982)
Neste período, conforme afirma Negri, a questão da desconcentração
industrial passa a ser tratada com menor prioridade pelo poder público. No sentido
de tentar implementar a industrialização e o desenvolvimento no interior do estado, o
governo propôs o deslocamento da capital para outra região que não a cidade de
São Paulo. Sobre isso, Negri aponta:
(...) Em virtude da forma autoritária com que o assunto foi tratado pelo governo estadual, da inconsistência técnica da proposta, bem como de seus elevados custos de implantação, num período de desaceleração da economia de São Paulo, o projeto acabou sendo rejeitado pela Assembleia Legislativa, e a ideia abandonada pelo governo estadual (1996, p. 173).
28
e) Governo Franco Montoro (1983 – 1986)
O governo Montoro visou a desconcentração do ponto de vista administrativo,
separando o estado em regiões relativamente independentes. Além disso, esse
governo investiu na duplicação e na expansão de rodovias, ampliando o processo de
desenvolvimento do interior conforme a melhor acessibilidade (Negri, 1996, p. 173).
f) Governo Quércia (1987 – 1991)
Durante o governo Quércia, buscou-se avaliar a ampliação e a
desconcentração da indústria já vigente no estado, “apontando as áreas
preferenciais e prioritárias para o recebimento de novos empreendimentos
industriais” (NEGRI, 1994, p. 174). O governo aproveitou de recursos vindos de
impostos, como o IPVA, para investir em áreas interiorizadas que precisavam de
apoio no desenvolvimento.
Conforme Negri (1994) explica, os municípios de São Paulo buscavam
acompanhar os investimentos lançados pelo governo do estado, de modo a
acomodar a desconcentração do desenvolvimento. Na visão do autor, essas
políticas foram implementadas de modo superficial e falho, tal qual os diagnósticos
de desenvolvimento urbano da região.
Entretanto, notamos que o processo ocorreu e de fato desconcentrou a
indústria, conforme pode ser observado na Tabela 4, abaixo.
Tabela 4 – Modificações espaciais da indústria de transformação do Estado de São
Paulo (1959/1985) – valores em percentagem do VTI
Região metropolitana e interior 1959 1970 1975 1980 1985
1. Metropolitana - RMSP 73,8 74,7 69,4 62,9 56,6
1.1. Capital 54,8 48,1 44,0 34,8 29,8
1.2. RMSP, exceto capital 19,0 26,6 25,4 28,1 26,8
2. Interior 26,2 25,3 30,6 37,1 43,4
TOTAL DO ESTADO 100,0 100,0 100,0 100,0 100,0 Fonte: NEGRI, 1994, p.181
29
2.3. A influência da desconcentração industrial do estado de São Paulo na
configuração urbana do Belém
Mesmo com as transformações urbanas e o incentivo ao desenvolvimento do
interior, a região metropolitana de São Paulo permaneceu sendo importante polo
industrial. Conforme Negri aponta:
[...] assim mesmo vamos encontrar, ao final da década [de 70], elevada concentração do produto industrial, nessa região, principalmente nos ramos de maior complexidade como os da metalomecânica e eletroeletrônica, papel e papelão, borracha, produtos de matéria plástica, entre outros (1994, p. 201).
No entanto, a ocupação da região metropolitana sofre intensa modificação
com o novo perfil industrial da cidade, que não mais representa a maior porção de
produtividade industrial do estado.
O Belenzinho passa, então por uma nova mudança em sua paisagem. O
movimento diário dos operários do bairro deu lugar a ruas vazias e prédios
abandonados. A tecelagem Belenzinho, por exemplo, funcionou por 68 anos e foi
fechada em 1981, após ser vendida pela IRFM, junto com todas as suas fábricas
têxteis. Até 1987, a IRFM vendeu quase todos seus imóveis (ANDRADE, 1991, p.
184). Outras fábricas contemporâneas a IRFM, como a Fábrica de Vidros
Multividros, então localizada na Rua Júlio de Castilho, e a Fábrica de máquinas
gráficas A. Benedini, então localizada na Rua Conselheiro Cotegipe, 227, também
fecharam suas portas ao final da década de 1980. O Cotonifício Paulista (Figura 4),
localizado na Avenida Celso Garcia, 1651, foi construído em 1921 e faliu na década
de 50. Possuía um terreno de cerca de 20.000 m², que foi dividido em dois para a
construção da ligação entre a Rua Conselheiro Cotegipe e a Rua Visconde de
Parnaíba. Não foi possível encontrar informações de quantos empregados essas
fábricas possuíam quando fecharam.
30
Figura 4 - Fachada atual do Cotonifício Paulista. Imagem de agosto de 2017 (fonte: Google Street View)
Conforme aponta Andrade (1991), sobraram no bairro: "Velhos edifícios de
fábricas, abandonados ou retomados por outros usos. A 'Avenida' para o trânsito
infernal de ônibus. Cinemas fechados. O Teatro destruído. A festa confinada...".
De acordo com Pádua, o abandono de regiões industriais para
desconcentração da indústria, de modo análogo às transformações agrícolas, cria
friches: regiões desvalorizadas que interferem negativamente na imagem do bairro e
na região. “Estes espaços degradados se tornam focos de problemas urbanos,
passando a ser objeto privilegiado da atenção dos planejadores para as estratégias
de reutilização” (PADUA, 2007, p. 33). Dessas situações-problema, desencadeadas
pelo abandono da região pós-industrialização, surgiu o processo de verticalização
que afetou muito o Belém. Esse tema será abordado no próximo capítulo.
3. A VERTICALIZAÇÃO DO BELÉM
Neste capítulo, trataremos dos processos de verticalização do bairro do
Belém, os quais trouxeram intensas transformações no cotidiano, no modo de vida e
na configuração urbana da região. Conforme aponta Pádua, “há um processo real,
concreto, espacial, e há um outro processo, também real, que é aquele de
apreensão, através da consciência, deste processo” (2007, p. 33). Nesse sentido,
31
este capítulo pretende dar conta da descrição e discussão das transformações
materiais do bairro, mas também das mudanças na concepção e no imaginário da
população local, a partir de entrevistas com moradores do bairro que ativamente
participaram desses processos urbanísticos.
3.1. As transformações físicas
De acordo com Nadia Somekh, a cidade de São Paulo teve uma significativa
transformação a partir do anos 1940, mas a partir de 1939, o processo de
verticalização passou de predominantemente terciário para residencial, e passou a
localizar-se fora do centro da cidade. (1997, p. 19)
3.1.1. A organização dos espaços metropolitanos dentro do capitalismo
Para entender melhor este fenômeno, é preciso antes pontuar a importância
do Estado como “agente produtor do espaço” e compreender qual conceito de
espaço deve ser considerado (Somekh, idem, p. 28).
Para Somekh, o espaço é uma totalidade que tem como essência o social e é
composto por diversos processos sociais, os quais adquirem formas de expansão
territorial. De acordo com Milton Santos (2014, p. 12): "Como as formas geográficas
contêm frações do social, elas não são apenas formas, mas formas-conteúdo".
Na visão marxista, a cidade resulta da concentração da força de trabalho e do
capital. E é seguindo esta lógica de acumulação de capital que diversas
transformações sócio-espaciais são reguladas. Tal visão considera o processo de
acumulação como determinante do espaço e vincula às suas crises o ambiente
construído no mesmo, o que corrobora o papel do Estado como agente produtor do
espaço. Para a autora, os marxistas entendem o espaço como “relação de produção
integrada a um sistema global incorporado a uma divisão internacional do trabalho”
(SOMEKH, 1997, p. 37).
Porém, deve-se ressaltar que uma visão marxista estruturalista possui certas
limitações quando considera a cidade como ponto de convergência das tendências
32
de acumulação, e as formas espaciais como receptáculo de processos econômicos
e políticos.5 Nesse sentido, Lefebvre foi mais assertivo ao considerar os fatores
políticos e culturais, não apenas o econômico, na teoria do espaço. Ele não só
confirma o papel do Estado como interventor do espaço, mas também aponta que
este o produz de forma policiada. (Somekh, idem, p.29)
Tais intervenções não melhoram a vida da classe trabalhadora, mas atendem
o mercado imobiliário na liberação de terra para investimentos lucrativos.
Compreender os circuitos financeiros e produtivos como circuitos paralelos, como
elucidado por Lefebvre, nos ajuda a entender os períodos de aumento da
verticalização na cidade de São Paulo.
Considerando o potencial produtivo da cidade de São Paulo, é preciso
reconhecer que, conforme aponta Pádua, “se por um lado há uma relativa
desconcentração industrial, por outro, há uma reconcentração na metrópole dos
ramos industriais de alta tecnologia” (2007, p. 36). O autor ensina que, na realidade,
a metrópole é reorganizada para comportar novas indústrias e novas
especializações, seguindo a lógica da transformação da produção dentro de um
sistema capitalista. Harvey (2004, p. 78) postula a existência de “ordenações
espaço-temporais” que seguem a lógica capitalista contraditória e têm por objetivo
principal impedir desvalorização e, sumariamente, perda de capital. A reestruturação
geográfica faz parte desse processo e, segundo Harvey, é marcada pela
instabilidade. A organização dos espaços, orientada pelo capitalismo, está sempre
em desequilíbrio e busca satisfazer o monopólio orientando-se pela evolução dos
transportes (PADUA, 2007, p. 37).
É preciso dizer que o processo de verticalização é parte do processo de
reprodução do espaço urbano, que por sua vez, é visto como integrante do
processo de acumulação, não como "lugar", base de reprodução do capital, sendo
assim, passível às leis do valor. A verticalização não é um natural.
Nesse sentido, precisamos entender a estruturação do Belém enquanto bairro
desindustrializado e, hoje, em processo de verticalização, como um caminho
constante: essas transformações geográficas não acabarão; sempre, em função das
5 Essa visão marxista foi superada posteriormente em diversos trabalhos apresentados no Departamento de Geografia da Universidade de São Paulo.
33
necessidades e demandas econômicas, os bairros das metrópoles capitalistas serão
transformados.
3.1.2. A verticalização
A verticalização pode ser definida como um processo de transformação
urbana que consiste na multiplicação do solo urbano através da construção de
diversos edifícios, afetando a circulação de ar, criando ilhas de calor e impactando
fortemente a valorização imobiliária e os usos da região afetada. Para Somekh, tal
processo só foi possível devido ao advento do elevador, pois, além de outros
motivos, facilitou o transporte dos móveis até o último andar dos prédios, que até
então não costumavam passar do 5º andar. Essa invenção foi essencial para o
desenvolvimento e a dispersão dos arranha-céus6, caracterizados pela verticalidade
e pelo aproveitamento intensivo da terra urbana, provocando assim, um
adensamento populacional.
A cidade de São Paulo teve seu crescimento vertical inicialmente terciário,
uso original, e posteriormente residencial, presente predominantemente até os dias
de hoje, com diferenças na sua produção e localização.
O marco da verticalização da cidade de São Paulo para Somekh é o ano de
1920, quando foi promulgada a Lei n. 2.332, que estabelecia o "padrão municipal"
para as construções particulares no município, e a regulamentação das alturas dos
edifícios e do uso do elevador.
Outros marcos referentes a ações tomadas pelo poder público foram
importantes para a verticalização de São Paulo, e através deles, Somekh (1997)
definiu 6 fases de verticalização, de 1920 até 1994:
De 1920 a 1939 - O primeiro período foi caracterizado pela
predominante reprodução dos padrões europeus na vida e no espaço
urbano. Concentrada na região central com uma leve expansão para
bairros próximos, era exclusivamente terciária com salas alugadas. Até
este momento o coeficiente de aproveitamento não havia sido regulado
pelo Estado e atingiu altos índices. (Mapa 9.1)
6 A definição de Arranha-céu está desenvolvida no capítulo 2 do livro de Nadia Somekh (1997)
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Mapa 9.1 – Verticalização no município de São Paulo de 1920 a 1939 (Fonte: Somekh, 1997, p. 23)
1940 a 1956 - O segundo período foi denominado pela autora como "a
verticalização americana". Possui características ascendentes
começando coma implantação de elevadores e finalizando na primeira
limitação do coeficiente de aproveitamento dos terrenos. Com o padrão
de construção valorizado passando a ser norte-americano, há um
significativo aumento no número de kitchenettes na cidade. O uso
passa ser predominantemente residencial, mesmo com os índices de
aproveitamento se mantendo altos como no período anterior. (Mapa
9.2)
1957 a 1966 - O terceiro período foi denominado "a verticalização do
automóvel" devido ao foco do crescimento industrial estar voltado ao
setor automobilístico, mostrando um novo tipo de ocupação. As
kitchenettes, símbolo da última fase, deram lugar a grandes conjuntos
residenciais. Isso só foi possível pois o Estado, pela primeira vez,
limitou o coeficiente de aproveitamento dos terrenos e apartamentos e,
junto com o crescimento do uso do automóvel, provocou um
crescimento vertical. (Mapa 9.3)
35
Mapa 9.2 – Verticalização no município de São Paulo de 1940 a 1956 (Fonte: Somekh, 1997, p. 24)
Mapa 9.3 – Verticalização no município de São Paulo de 1957 a 1966 (Fonte: Somekh, 1997, p. 25)
1967 a 1971 - O quarto período foi de grande ascensão e de grande
índice de crescimento vertical, por isso foi denominado "a
verticalização do milagre". Com o início da utilização do FGTS pelo
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BNH7, o banco passa a financiar a construção e a compra de
apartamentos para a classe média, que por sua vez passa a ser
proprietária de sua própria moradia ao ver seus rendimentos
aumentarem acentuadamente. Em 1971, o então prefeito de São
Paulo, Figueiredo Ferraz, na tentativa de frear o crescimento
descontrolado da cidade, propôs o primeiro Plano Diretor de
Desenvolvimento Integrado, que deu origem à lei de zoneamento de
1972. (Mapa 9.4)
1972 a 1988 - Quinto período, "a verticalização de zoneamento"
começou depois da promulgação da legislação de zoneamento, passou
pela desaceleração econômica da década de 1980 e terminou com a
criação da lei de operações interligadas de 1988. A lei de zoneamento
provocou a construção de empreendimentos imobiliários em áreas de
preços baixos, possibilitando uma revalorização imobiliária e
expandindo a verticalização com edifícios muito mais sofisticados.
Houve então uma mercantilização dos apartamentos. (Mapa 9.5)
Mapa 9.4 – Verticalização no município de São Paulo de 1967 a 1971 (Fonte: Somekh, 1997, p. 26)
7 FGTS - Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, implementado em 1967; BNH - Banco Nacional
de Habitação
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Mapa 9.5 – Verticalização no município de São Paulo de 1972 a 1988 (Fonte: Somekh, 1997, p. 27)
1988 a 1994 - Sexto período, foi denominado "a verticalização
negociada", pois foi resultado da aplicação das operações interligadas.
Neste período reverteu-se o processo de desverticalização, pois os
coeficientes de aproveitamento puderam ser ampliados mediante
negociação. (Mapa 9.6)
Mapa 9.6 – Verticalização no município de São Paulo de 1988 a 1994 (Fonte: Somekh, 1997, p. 27)
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A verticalização chegou ao bairro do Belém após o quinto período (1972 a
1988), porém de forma modesta e não muito perceptível. Apenas no final dos anos
1990 e início dos anos 2000 que os antigos galpões e fábricas abandonadas
passam a dar lugar a empreendimentos imobiliários residenciais.
Esse novo ambiente urbano é considerado por Somekh o embrião da
verticalização paulistana, ainda com forte influência europeia. A verticalização é
tratada pela autora como uma solução para o aproveitamento do espaço na cidade,
porém impede o desenvolvimento de uma urbanidade, sendo assim, uma
reprodução do capital no espaço.
É possível observar tal mudança nos três mapas da área de estudo a seguir.
Eles foram produzidos levando em conta os condomínios verticais originados de
galpões e fábricas abandoadas.
No Mapa 10 de 1954, verificamos a maciça presença de galpões e fábricas,
não sendo possível identificar todas. Este período é o auge da industrialização do
bairro, e também é possível identificar outros galpões e fábricas na região ao
analisar a imagem. Aqui é necessário destacar as maiores indústrias do bairro que
viriam a se tornar grandes condomínios no futuro: a IRFM - Tecelagem Belenzinho,
a IRFM - Fábrica de Papel, a A. Benedini LTDA - Máquinas Gráficas, o Cotonifício
Paulista e a Fábrica de Vidros Multividros.
No Mapa 11 de 1994, temos uma significativa mudança no uso do solo da
nossa área de estudo. Com a saída das indústrias da capital e o abandono dos
edifícios, vemos o surgimento de condomínios verticais concomitante com as ruínas
das antigas fábricas, que passariam a ser utilizadas pelo mercado imobiliário para
construção de mais edifícios. O bairro, que era caracterizado por grandes fábricas,
passou a ser residencial.
Finalmente, no Mapa 12 de 2017, vemos a conclusão do processo de
verticalização. As ruínas das antigas fábricas e seus galpões deram lugar a diversos
condomínios verticais, destaque para o condomínio construído no terreno da antiga
Tecelagem Belenzinho, ao norte da área de estudo, com 28 torres e 1792
apartamentos. Neste mapa também é possível ver a existência de estacionamentos,
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que são comumente criados pelas construtoras para gerar renda antes de iniciar a
construção de condomínios. Tais terrenos apontam uma verticalização futura.
Se analisarmos o andamento das construções de condomínios verticais
através de imagens aéreas recentes (2002, 2009 e 2017), é possível observar um
aumento do processo de verticalização, principalmente a partir de 2007, época em
que o Brasil passa a ter uma estabilidade econômica e ocorre o auge do mercado
imobiliário pós-crise (ZAP IMÓVEIS, 2016).
Na sequência de mapas a seguir, podemos verificar que em 2002 (Mapa 13),
ainda é possível encontrar ruínas das antigas grandes indústrias paulistas, sendo
que em 2009 (Mapa 14), são substituídas por grandes canteiros de obras. No Mapa
15, vemos a conclusão dos empreendimentos imobiliários e o surgimento de novos,
em forma de estacionamentos.
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Mapa 10 - Verticalização no bairro do Belém - 1954. (Fonte: GEOSAMPA; Organizado por: Ricardo Dias Sandoval
41
Mapa 11 - Verticalização no bairro do Belém 1994. (Fonte: LASERE - FFLCH/USP; Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
42
Mapa 12 - Verticalização no bairro do Belém 2017. (Fonte: LASERE - FFLCH/USP; Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
43
Mapa 13 - Construções de Condomínios Verticais no Belém - 2002 (Fonte: GEOSAMPA. Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
44
Mapa 14 - Construções de Condomínios Verticais no Belém - 2009 (Fonte: GEOSAMPA. Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
45
Mapa 15 - Construções de Condomínios Verticais no Belém - 2017 (Fonte: GEOSAMPA. Organizado por: Ricardo Dias Sandoval)
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Segundo levantamento feito em 2011 por empresas do mercado imobiliário,
as regiões mais afetadas pelo processo são Jardins e Perdizes. Por sua vez, regiões
como Santana e Mooca (dentro da qual considerou-se subscrito o bairro do Belém)
passam ainda pelo processo relativamente tardio da verticalização, isso porque
foram regiões industriais que hoje recebem esse investimento com o objetivo de
rapidamente valorizar o metro quadrado. Segundo Angélica Delgado Arbex, que
liderou o mapeamento da construção de edifícios por quilômetro quadrado na cidade
toda, a região da Mooca já concentra 6,2% dos edifícios da capital. Bairro vizinho, o
Tatuapé já concentra 6,7%8. A partir desse levantamento, é possível entender que
as regiões abandonadas após o processo de desindustrialização, ou os friches,
como apontou Pádua, são hoje revitalizadas pelo processo de verticalização.
Santana, Brás, Belém e Mooca participam desse processo e recebem hoje o
investimento imobiliário para o aproveitamento econômico da região, a serviço do
capital dentro da cidade.
Tal mudança na paisagem do bairro foi sentida principalmente por seus
moradores e comerciantes em seus respectivos imaginários. De bairro com grande
predominância de sobrados e casas térreas, pouco populoso e afastado do centro
da cidade, passou a comportar edifícios extremamente luxuosos, invadido por
condomínios gigantes com diversas torres, e viu sua população aumentar
drasticamente.
3.2. Transformações no imaginário: a percepção da mudança pela população
A população local observa e participa dessas transformações que se orientam
pela evolução dos transportes. Eduardo Pitta (nascido em 1954, no Belém), é hoje
dono da Casa Pitta, loja de sapatos fundada em 1923. Acompanhou o
desenvolvimento do bairro desde meados do século XX. Seu pai, Manoel Pitta, foi
um grande colaborador do bairro. Graças a ele, nos feriados da pátria, o bairro era
tomado por desfiles de escolas de diversos bairros da capital e suas fanfarras.
Todos os anos, passeios ciclísticos eram organizados para comemorar o aniversário
do bairro. Manoel Pitta foi durante muitos anos presidente da Associação Amigos do 8 Levantamento feito pela imobiliária Lello e publicado pela revista Exame em 8 de agosto de 2011.
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Belém, na qual sempre trabalhou pela melhoria do bairro e para que o poder público
melhorasse suas condições. Manoel Pitta faleceu no dia 16 de março de 2011, mas
sua colaboração com o bairro é lembrada até hoje.
Eduardo conta que, antigamente, antes da presença de grandes viadutos,
como o Guadalajara, ele e seus amigos costumavam jogar bola nos espaços que
hoje são tomados por carros, como a Avenida Salim Farah Maluf. O vendedor relata
as grandes transformações que o bairro sofreu, especialmente em relação à
infraestrutura de transporte. Para Eduardo, o que mais marcou as transformações foi
a evolução das grandes avenidas e viadutos na região do Belém e do Brás,
alterando a paisagem e o uso dessas regiões (PITTA, 22/07/2017)
Além da transformação dos transportes, Eduardo conta que “antigamente não
tinha essa separação entre fábricas e moradias. A ideia era você morar perto de
onde trabalhava, então tinha as fábricas e tinha as casas das pessoas”. O que o
morador está ressaltando nessa fala é a interação com o ambiente em que vivia,
pautada pela mistura entre elementos de zona industrial e elementos de zona
residencial. Com a desindustrialização e, sobretudo, com a verticalização, essa
realidade muda brutalmente. Hoje, o Belém é marcado por ser bairro residencial,
afastado dos grandes centros econômicos de São Paulo, como a região da Avenida
Paulista e da Avenida Luís Carlos Berrini.
O que mais transparece na fala de Eduardo, porém, é a preocupação com o
futuro do bairro: ele conta que não parece haver poder público verdadeiramente
investido em lutar pela região e pelo aproveitamento do espaço a serviço da
população, pelo contrário.
Tal pensamento é compartilhado por outro antigo comerciante e frequentador
do bairro, Clóvis Querubim, 56 anos, dono da Majestic Óptica de Precisão,
localizada na Rua Belém, 296. A óptica foi fundada por seu pai em 1954 e herdada
por Clóvis em 1976, mas desde criança já ajudava o pai na loja.
Clóvis relatou um bairro estritamente industrial, movimentado e próspero para
o comércio. Segundo o mesmo, a Rua Belém e o Largo São José concentravam
todos os tipos de lojas (móveis, material de construção, roupas, bombonieres,
calçados, etc.), bancos e restaurantes devido à presença das fábricas e respectivas
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vilas operárias. O Largo São José do Belém concentrava linhas de ônibus que
ligavam diversos bairros da Zona leste da capital e era usado pela população da
cidade como caminho do trabalho.
[...] a gente encontrava de tudo no Belém. Loja de louça, loja de roupa, corte de roupa, era sapatos. Você encontrava de tudo aqui. [..] Nos anos 1960/1970, quando você queria alguma cosia, você ia para o centro da cidade e no Belém não precisava, você tinha tudo aqui. Até as grandes lojas que tinha a Arapuã, a Eletroradiobraz... (QUERUBIM, 30/04/2018)
Ele observa que a migração das fábricas para outras cidades fez com que o
comércio do bairro fosse muito afetado. As grandes lojas por ele citadas, acabam
por fechar, e seus prédios dão lugar a academias ou até ficam abandonados até
meados dos anos 2000. Clóvis ainda aponta que o bairro passa a ser um "bairro
dormitório", pois muitas pessoas se mudaram para lá, porém trabalham em outros
pontos da cidade e, sendo assim, utilizam o bairro apenas para residir.
As duas entrevistas e as conversas que tive com moradores e antigos
frequentadores do bairro apontam para uma comum preocupação com o
enfraquecimento do comércio local e a falta de interesse da população do bairro em
procurar melhorias para o mesmo. Os comerciantes relatam que os próprios
moradores do bairro preferem fazer compras nos grandes shoppings e centros
comerciais do que incentivar o comércio local, levando a uma grande rotatividade
das lojas das outrora movimentadas Rua Belém e Rua Silva Jardim.
Como morador do bairro desde o meu nascimento (1989), vivenciei a
mudança final do bairro, onde as ruínas das grandes fábricas de tecido e cristais
deram lugar aos diversos edifícios. Aprendi na minha infância, nas aulas de
geografia do colégio, que vivia em um "bairro de velhos", pois a maioria de seus
moradores eram ex-operários aposentados. Recordo perfeitamente dos diversos
cortiços e pensões que existiam pelo bairro e de muitas famílias que ali viviam.
Andando pelo bairro, pude observar que a maioria dos cortiços de que me
recordo já não existem mais, assim como as antigas ruínas das fábricas. Percebi
que as pessoas que frequentavam o bairro já não eram em sua maioria idosas,
novos colégios e lojas apareceram, o trânsito de carros aumentou significativamente
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e os principais mercados e padarias do Largo São José do Belém foram reformados
e estavam lotados e muito mais caros que antes. A condição social dos novos
moradores mudou completamente. Os apartamentos recém-construídos foram
vendidos por valores muito mais altos que a maioria dos sobrados do bairro. Ou
seja, o custo de vida no bairro mudou bastante.
Vi então uma relação entre tais mudanças e a construção dos diversos
edifícios, criando em mim o interesse em estudar a história do bairro do ponto de
vista geográfico.
Conforme postulou Harvey e confirmou Padua (2007) em seu levantamento
análogo em Santo Amaro, a evolução das ocupações urbanísticas está somente a
serviço das necessidades do capital, que promove transformações geográficas com
largo impacto sobre a qualidade de vida da população, sem, no entanto, mover
esforços para incluir ou considerar a participação popular democrática e com
princípios de cidadania nesses espaços.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho teve por objetivo discutir os processos de urbanização que
ajudaram a moldar a configuração que tem hoje o bairro do Belém, em São Paulo.
Traçando um panorama histórico que abordou as transformações geográficas e
econômicas da região, pudemos observar que o processo de verticalização seguiu e
continua seguindo as estratégias do capital reguladas pelo Estado, que ao servir o
interesse das elites dominantes, impede que tal processo promova um barateamento
nas condições de moradia, mudando cada vez mais a paisagem e a população de
residentes do bairro.
A partir desse trabalho investigativo de recuperação da literatura relevante
sobre os processos ocorridos na região do Belém, é possível formular a seguinte
hipótese em relação aos processos aqui discutidos: o processo de verticalização em
bairros que deixaram de ser polos industriais, como o Belém, com o início da
verticalização em meados dos anos 2000, segue a lógica de transformação de
ocupação geográfica do capitalismo e tem por objetivo a especulação imobiliária,
injetando dinheiro em regiões hoje quase estritamente residenciais e impactando a
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vida da cidade sem preocupações com a integração democrática e cidadã da
população. Essa hipótese, baseada numa visão crítica do processo de
transformação dos grandes centros urbanos, retira a falsa máscara da beleza da
verticalização, que promete regiões residenciais com aparente tranquilidade para
aqueles que vivem lá. Na realidade, o que observamos é uma reconcentração dos
polos econômicos na cidade, forçando a população a realizar longos deslocamentos
diariamente, suportados pelas novas, porém precárias, infraestruturas de transporte.
51
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