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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE ENGENHARIA DE SÃO CARLOS
CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA AMBIENTAL
PETRY CARVALHAL MELO
O empreendedorismo social como alternativa profissional a engenheiros
recém-formados
São Carlos – SP
2017
PETRY CARVALHAL MELO
O empreendedorismo social como alternativa profissional a engenheiros
recém-formados
Monografia apresentada como parte dos
requisitos para a obtenção do Título de
Engenheiro Ambiental, junto à Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de
São Paulo.
Orientador: Prof. Dr. Evaldo L. G. Espindola
VERSÃO CORRIGIDA
São Carlos - SP
2017
AUTORIZO A REPRODUÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.
Carvalhal Melo, Petry
C518o O empreendedorismo social como alternativa profissional a engenheiros recém-formados / Petry Carvalhal Melo; orientador Evaldo Espindola. São Carlos, 2017.
Monografia (Graduação em Engenharia Ambiental) -- Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, 2017.
1. Empreendedorismo social. 2. Engenharia. 3. Mercado de trabalho. I. Título.
FOLHA DE AVALIAÇÃO OU APROVAÇÃO
AGRADECIMENTOS
Agradeço а Deus pela graça de ter tido a oportunidade de estudar nesta universidade e
também por ser o meu alicerce de força, sem o qual não conseguiria suportar esta longa jornada.
À minha família, por sempre acreditar e investir em mim. Mãe, seu cuidado, dedicação
e carinho me deram energia para seguir em frente. Pai, sua presença significou segurança е
certeza de acolhimento. Irmã, seu companheirismo sempre foi o diferencial necessário para
acalmar os ânimos e refrescar a mente. Vocês são tudo o que tenho.
Aos meus amigos, que permitiram que essa graduação fosse coberta de experiências
únicas. Esquecê-los jamais.
A todos que de alguma maneira me auxiliaram na elaboração deste trabalho, em especial
aos meus anjos Tali e Lívia, pela paciência e serenidade para ajudar sempre que possível. O
suporte de vocês foi a minha principal segurança.
Ao meu orientador Evaldo pelo carisma, preocupação e, principalmente, simplicidade.
RESUMO
MELO, P. C. O empreendedorismo social como alternativa profissional a engenheiros
recém-formados. 2017. 66 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de
Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2017.
Os grandes desafios enfrentados pelas sociedades e, em particular, pelas empresas
decorrem das transformações socioambientais causadas pela velocidade com que têm sido
gerados novos conhecimentos, concretizados através da introdução, no mercado, de novos
produtos e serviços. Nesta nova realidade, tornam-se cada vez mais elevadas as qualificações
exigidas para os postos de trabalho em qualquer setor de produção, fato que coloca uma grande
pressão sobre as necessidades educacionais da população. Os engenheiros recém-formados
não fogem deste paradigma, sendo cada vez mais cobrados por habilidades generalistas, onde
consigam enxergar o mundo e os resultados de suas ações de uma forma mais holística e
comprometida socialmente. De fato, existe uma grande pressão onde os jovens se deparam com
a contradição de querer respeitar seus valores e honrar sua formação almejando um emprego
alinhado com esses preceitos, à medida que também são tentados a aproveitar qualquer
oportunidade de emprego que surja em meio ao dinamismo e concorrência do mercado. Em
meio a este cenário de inserção no mercado de trabalho, o empreendedorismo social surge com
o objetivo de unir o compromisso com a questão do bem comum à oportunidade de desempenho
profissional, seja em negócios próprios como na atuação em empresas já estabelecidas. Além
disso, o objetivo deste viés é estabelecer relações sustentáveis não desvinculadas do lucro,
sendo assim possibilidades reais para engenheiros identificados com o tema. Este Trabalho de
Graduação não contempla uma pesquisa laboratorial ou com coleta de dados em campo, e sim
uma pesquisa exploratória a fim de esclarecer pontos práticos e teóricos sobre o tema. Como
resultado deste trabalho, tem-se um levantamento sobre o empreendedorismo tradicional e o
empreendedorismo social no Brasil, com comparações pertinentes com outros países. Além
disso, concluiu-se que dado o incremento de competências no âmbito psicológico e gerencial,
assim como a identificação de reais motivações, os engenheiros podem se tornar
empreendedores ou intraempreendedores sociais.
Palavra-chave: Empreendedorismo social, Engenharia, Mercado de trabalho.
ABSTRACT
MELO, P. C. Social entrepreneurship as a professional alternative to newly graduated
engineers. 2017. 66 f. Monografia (Trabalho de Conclusão de Curso) – Escola de Engenharia
de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos, 2017.
The major challenges faced by society and, in particular, by companies are due to the
social changes caused by the speed with which new knowledge has been generated and
materialized in the market through new products and services. In this new reality, the
qualifications required for jobs in any production sector are becoming increasingly high,
placing great pressure on the educational needs of the population. New engineers do not flee
from this paradigm where they must have generalist skills and can see the results of their actions
in a more holistic and socially committed way. In fact, there is a great deal of pressure where
young people are confronted with the contradiction of respecting their values and honoring their
training by pursuing a job in line with these precepts, as they are also tempted to accept any job
opportunity arising in the midst of competition from the market. Social entrepreneurship
emerges with the objective of joining the commitment to the question of the common good to
the opportunity of professional performance, whether in its own business or in the performance
of established companies. Moreover, the objective of this bias is to establish sustainable
relationships not unrelated to profit, thus being a real possibility for engineers identified with
the theme. This final thesis does not contemplate a laboratory research or data collection in the
field, but an exploratory research in order to clarify practical and theoretical points on the
subject. As a result of this thesis, there are considerations about traditional entrepreneurship
and social entrepreneurship in Brazil, with relevant comparisons with other countries. In
addition, it was concluded that given the increase of competences in the psychological and
managerial scope, as well as the identification of real motivations, the engineers can become
social entrepreneurs.
Key word: Social Entrepreneurship, Engineering, Labor Market.
SUMÁRIO
1.INTRODUÇÃO................................................................................................................................... 17
1.1. Motivação pessoal ..................................................................................................................... 17
1.2. A abordagem do tema ............................................................................................................... 17
2.OBJETIVO .......................................................................................................................................... 19
3.METODOLOGIA ............................................................................................................................... 19
4.RESULTADOS E DISCUSSÃO ........................................................................................................ 20
4.1. O empreendedorismo social e suas perspectivas ..................................................................... 20
4.2. O conceito de empreendedorismo social .................................................................................. 21
4.3. O conceito de negócios sociais ................................................................................................. 25
4.4. O perfil do empreendedor social .............................................................................................. 29
4.5. A engenharia em foco: dificuldades e oportunidades ............................................................. 33
4.6. O papel do empreendedorismo nas possíveis dinâmicas de mercado ..................................... 36
4.7. O empreendedorismo no Brasil ................................................................................................ 37
4.8. O cenário do empreendedorismo social e a suas entradas de mercado .................................. 49
4.9. O engenheiro como empreendedor social ................................................................................ 57
4.10. O engenheiro como intraempreendedor social ................................................................... 62
5.CONCLUSÃO..................................................................................................................................... 64
6.BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................................. 65
17
1. INTRODUÇÃO
1.1. Motivação pessoal
O trabalho aqui apresentado é resultado da minha motivação pessoal como um
graduando de engenharia ambiental que, ao se deparar com as limitações e barreiras de
aprendizado de seu curso, decidiu buscar outras fontes de conhecimento e novas formas de
enxergar o mundo. Na verdade, as novidades como um todo sempre me atraíram e esta atração
foi verdadeiramente mais intensa quando percebi que o empreendedorismo social era a
representação de que tais novidades poderiam ser úteis a resolução de problemas críticos da
sociedade.
De certa forma, a preocupação com o bem comum sempre foi algo inerente ao meu ser,
o que foi expresso até mesmo na minha escolha por este curso de graduação. Contudo, durante
o curso percebi que se quisesse desenvolver minha visão holística, minhas habilidades
transversais, e acima de tudo entender mais dos problemas a serem resolvidos, eu teria que
buscar experiências fora daquilo que era proposto como ensino em minha grade curricular.
Assim, em meio a essa busca por novas experiências pude participar de atividades
extracurriculares e realizar cursos no exterior relacionados ao empreendedorismo social.
Ao alcançar o estágio de finalização do curso de graduação e vislumbrar uma
oportunidade no mercado de trabalho, me senti estimulado a pesquisar e entender como o
empreendedorismo social poderia ser uma alternativa de realização profissional para estudantes
como eu, que não apenas buscam uma boa colocação no mercado mas também uma felicidade
interior relacionada aos seus próprios valores e propósitos.
1.2. A abordagem do tema
Em seu livro “A crise das identidades”, Claude Dubar faz uma análise histórica de
diversos pontos que contribuíram para as dificuldades contemporâneas no que tange as
oportunidades de emprego e realização pessoal dos indivíduos. Na visão deste autor, atualmente
ocorre uma valorização da “precariedade identificante”, devido ao fomento de experiências
curtas no meio profissional. Segundo ele, esta “vida de artista”, ou seja, mutável de acordo com
as oportunidades, acaba sendo uma das únicas formas de experiências profissionais protegidas
por uma crise respaldada na instabilidade e na falta de postos de trabalho. Dubar menciona que
o último grito do modelo da competência capitalista supõe um indivíduo racional e autônomo,
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que gere as suas formações e os seus períodos de trabalho segundo uma lógica empresarial de
maximização de si, o que o leva a concluir que o seu sucesso só depende dele próprio. Este
acaba sendo o alimento da busca incessante pelo emprego perfeito ou posto de trabalho com
melhor rendimento (DUBAR, 2009).
Essa análise estende-se à problemática do primeiro emprego. Os jovens se encontram
em um dilema bastante parecido ao descrito por Garret Hardin em sua obra “The tragedy of the
Communs”. Nela o autor menciona a dualidade de pensamento do indivíduo ao sentir que pode
ser condenado por não agir como um cidadão responsável, mas também se conceber tolo por
ser o único a não explorar o que é comum (HARDIN, 2009). Na temática da crise laboral
juvenil, os indivíduos vivem a contradição de respeitar seus valores e honrar sua formação
almejando um emprego alinhando com esses preceitos, à medida que também se concebem
tolos por não aproveitarem qualquer oportunidade que surja em meio a baixa oferta de
empregos.
Há de se ressaltar a dificuldade dos formuladores de políticas para o mercado de
trabalho, tanto nos países desenvolvidos quantos naqueles em desenvolvimento, que é a de
como absorver o vasto contingente de jovens desempregados. As taxas de desocupação entre
estes tendem a ser, independentemente do grau de desenvolvimento da economia, sempre
superiores à taxa média de desemprego aberto, além de os jovens permanecerem, em média,
mais tempo desempregados do que os trabalhadores maduros (FURTADO, 2003).
Dubar (2009) conclui seu pensamento direcionando os esforços em direção à
reflexividade pessoal e ao fomento de compromissos solidários. Para o autor as crises em geral
não podem significar o abandono de toda a referência política, aceitação de políticos com base
nas suas performances de ator mediático e muito menos resultar na intensificação da defesa de
interesses econômicos, corporativos e limitados ao julgamento particular. É necessário pensar
em formas alternativas de convivência, que sejam orientadas ao bem comum (DUBAR, 2009).
Em meio a esse cenário, o empreendedorismo social surge com o objetivo de unir o
compromisso de empreendedores com a questão do bem comum à necessidade de suprir lacunas
e ausências na resolução dos problemas sociais, entre eles o desemprego. O espírito do
capitalismo promove continuamente o engajamento em seu sistema, como reação diante de seus
críticos e reordenação para acomodar seus contrários (CHIAPELLO; BOLTANSKI, 2010).
Desse modo, o objetivo acaba por circundar a intenção de criar estímulos emocionais a esse
engajamento, redirecionando-o ao compromisso socioambiental que atenda uma realização
pessoal.
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A relação entre o empreendedorismo social e a academia pode ser percebida no
comprometimento com o desenvolvimento sustentável. Os problemas socioculturais,
econômicos e ambientais do Brasil tornam imprescindível a adoção de modelos em prol da
evolução sustentável. Por conseguinte, a adoção destes modelos requer aprofundado
conhecimento do meio ambiente (físico, biológico e antrópico) e de sua dinâmica, visto que
apenas desta forma seria possível avaliar o potencial de uso, determinar suscetibilidades e
propor formas de apropriação de recursos em função da capacidade de suporte do meio (HORI;
RENOFIO, 2008).
Dentro desta temática, propõe-se, neste trabalho de conclusão de curso, discorrer sobre
o empreendedorismo social, a partir de uma contextualização teórica, associando isso as
competências do engenheiro recém-formado e a situação do mercado de trabalho atual. Essa
análise permite que os leitores tenham uma visão geral sobre o panorama do empreendedorismo
no Brasil e que possam refletir sobre a necessidade do impacto socioambiental. Além disso,
permite uma visão sobre as competências necessárias para atitudes empreendedoras por parte
dos engenheiros, o que visa subsidiar novas políticas, ações e valorização de atividades por
parte da academia, principalmente em cursos nos quais a questão socioambiental não integra a
grade curricular
2. OBJETIVO
O objetivo deste trabalho é contextualizar o empreendedorismo social em meio ao
mercado de trabalho atual, dando ênfase para as necessidades e análises de competências dos
engenheiros recém-formados, possibilitando, por meio desta reflexão, que esta atividade
também possa ser estabelecida como uma promissora área de realização profissional.
3. METODOLOGIA
Considerando a abordagem proposta por Cervo, Bervian e Silva (2007), optou-se neste
trabalho em desenvolver uma pesquisa aplicada quanto à sua natureza - pois objetiva a geração
de conhecimentos para aplicação prática a problemas específicos - sendo exploratória, tendo
em vista a necessidade de se explorar o tema em questão; descritiva por apresentar e descrever
as informações obtidas; e explicativa em relação aos seus objetivos por se preocupar em
encontrar as lacunas existentes entre a teoria e prática do empreendedorismo social. Quanto aos
20
procedimentos técnicos adotados, desenvolveu-se uma pesquisa bibliográfica e documental que
partiu da análise de livros, artigos e demais documentos disponíveis na mídia impressa ou
online, na qual a busca de categorias e exemplos se fizeram presentes, para posterior análise
comparativa com conceitos acadêmicos que auxiliasse neste processo de reflexão.
Para a execução da pesquisa, as seguintes etapas metodológicas foram realizadas:
1. Levantamento e revisão bibliográfica, desenvolvidos a partir de material já existente,
como publicações em periódicos científicos, anuários, revistas especializadas, livros, teses,
dissertações, publicações online, e etc.
2. Coleta de informações adicionais e material através de sites na internet, imprensa
especializada, consulta a bibliotecas, revistas especializadas, entre outros. Sistematização do
material coletado até o momento e eventual complementação no que tange o empreendedorismo
social.
3. Análise de todos os dados levantados, confrontando as leituras sobre o tema com as
informações coletadas e referentes ao objeto da pesquisa.
4. Reflexão e proposição sobre o tema em questão, evidenciando aprendizados e
destacando o cumprimento do objetivo da pesquisa
4. RESULTADOS E DISCUSSÃO
4.1. O empreendedorismo social e suas perspectivas
De uma forma geral e resumida, a incapacidade, o desinteresse e até mesmo o confronto
de objetivos e opiniões dificulta ou impede que as instituições governamentais solucionem
problemas sociais. Estas dificuldades que visíveis nos diferentes tipos de políticas sociais - ou
na ausência delas - e particularmente nas restrições orçamentais, tem fomentado iniciativas da
sociedade civil na procura de práticas alternativas que respondam às necessidades sociais não
atendidas pelos mecanismos atuais (PARENTE et al., 2011). Esse processo de busca por
soluções sustentáveis procura incorporar conceitos e ideias de negócios como veículo de
inovação, a fim de superar os desafios sociais de forma escalável e duradoura. Assim, pode-se
entender que o termo “empreendedorismo social” transmite essa junção de orientações,
caracterizada pela combinação do objetivo de impacto socioambiental, associado às instituições
21
sem fins lucrativos, com uma vertente empreendedora, aliada ao caráter dinâmico e inovador
do negócio.
Contudo, é necessário se atentar às diferenças conceituais que cercam o termo
“empreendedorismo social” a fim de compreender melhor as nuances e divergências
encontradas nesse tema.
4.2. O conceito de empreendedorismo social
Para Urban (2008), ao remeter-se ao termo empreendedorismo social o objetivo é focar
no processo ou nos comportamentos envolvidos para que o êxito seja alcançado. Ao mencionar
os negócios sociais, o autor define que a atenção está voltada aos resultados tangíveis que o
empreendedorismo social pode promover como mecanismo vinculado ao mercado e às
regulamentações. Por fim, ao direcionar atenções aos empreendedores sociais, o objetivo é
discorrer sobre o perfil dos fundadores das iniciativas ou sobre as pessoas chaves, cujas
características pessoais estão intimamente ligadas ao objetivo comum.
Após constatar a falta de uma bibliografia consistente sobre o assunto, não somente no
Brasil como também no exterior, Oliveira (2004) sintetizou os principais entendimentos sobre
empreendedorismo social, advindos de organizações internacionais que ele julgou
influenciarem na disseminação do conceito e da prática do empreendedorismo social (Quadro
1). No que se refere aos conceitos difundidos no Brasil, o autor elaborou uma síntese
semelhante, a partir de fontes diversas, como dissertações, artigos e livros (Quadro 2).
22
Quadro 1 – Conceitos sobre empreendedorismo social: visão internacional.
Principais características Países emergentes
School Social Entrepreneurship –
SSE, Uk – Reino Unido
“ É alguém que trabalha de uma maneira empresarial,
mas para um público ou um benefício social, em lugar
de ganhar dinheiro. Empreendedores sociais podem
trabalhar negócios éticos, em conjunto com órgãos
governamentais [...] Empreendedores sociais nunca
dizem ‘não pode ser feito’. ”
Canadian Center Social Entrepreneurship – CCSE, Canadá
“Um empreendedor social vem de qualquer setor, com
as caraterísticas de empresários tradicionais de visão,
criatividade e determinação, e empregam e focalizam
na inovação social [...] Indivíduos que [...] combinam
seu pragmatismo com habilidades profissionais,
perspicácias. ”
Foub Schwab, Suíça “São agentes de intercambiação da sociedade por
meio de: proposta de criação de ideias úteis para
resolver problemas sociais, combinando práticas e
conhecimentos de inovação, criando assim novos
procedimentos e serviços: criação de parcerias e
formas/meios de auto sustentabilidade dos projetos;
transformação das comunidades graças ás
associações estratégicas; utilização de enfoques
baseados no mercado para resolver os problemas
sociais; identificação de novos mercados e
oportunidades para financiar uma missão
socioambiental.”
The Institute Social Entrepreneurs –
ISE, EUA
“Empreendedores sociais são executivos do setor sem fins lucrativos que prestam maior atenção ás forças do mercado sem perder de vista sua missão (social) e são orientados por um duplo propósito: empreender programas que funcionem e estejam disponíveis ás pessoas, tornando-as menos dependentes do governo e da caridade.
Ashoka. EUA “ Os empreendedores sociais são indivíduos
visionários que possuem capacidade empreendedora
e criatividade para promover mudanças sociais de
longo alcance em seus campos de atividade. São
inovadores sociais que deixarão sua marca na
história”
FONTE: Adaptado de Oliveira (2004).
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Quadro 2 – Conceitos sobre empreendedorismo social: visão no Brasil.
Principais características Países emergentes
Leite (2002) “ O empreendedor social é uma das espécies do gênero
dos empreendedores. [...] São empreendedores com
uma missão socioambiental, que é sempre central e
explícita”
Ashoka Empreendedores Sociais e Mackisey e Cia. INC (2001)
“Os empreendedores sociais possuem características
distintas dos empreendedores de negócios. Eles criam
valores sociais pela inovação, pela força de recursos
financeiros em prol do desenvolvimento social,
econômico e comunitário. “
Melo Neto e Froes (2001) “Quando falamos de empreendedorismo social,
estamos buscando um novo paradigma. O objetivo
não é mais o negócio [...] trata-se, sim, do negócio do
social, que tem na sociedade civil o seu principal foco
de atuação e na parceria envolvendo comunidade,
governo e setor privado, a sua estratégia. ”
Rao (2002) “Empreendedores sociais, indivíduos que desejam colocar suas experiências organizacionais e empresariais mais para ajudar os outros do que para ganhar dinheiro. ”
FONTE: Adaptado de Oliveira (2004)
Assim, é possível observar que o empreendedorismo social se apresenta como um
conceito em desenvolvimento que contém em si divergências teóricas, metodológicas e
estratégicas. Segundo Parente (2011), é consensual que o conceito de empreendedorismo social
nasce em contexto americano e que, apesar das divergências entre as escolas que se debruçam
sobre o fenômeno, fruto dos contextos sociais, políticos e econômicos diferenciados, todas
contribuíram tanto para o crescimento do interesse pelo tema quanto para a consensualização
da necessidade de se encontrar formas inovadoras no uso de métodos de negócio, adequados à
resolução de problemas sociais.
A fim de explicitar ainda mais o caráter único do empreendedorismo social, buscou-se
a diferenciação de dois outros conceitos historicamente próximos – responsabilidade social
empresarial e empreendedorismo privado – como um facilitador de entendimento. O
empreendedorismo social não é responsabilidade social empresarial, pois esta supõe um
conjunto organizado e devidamente planejado de ações internas e externas, e uma definição
centrada na missão e atividade da empresa, ante as necessidades da comunidade. A
responsabilidade social empresarial não representa uma organização social que produz e gera
receitas, a partir da venda de produtos e serviços (OLIVEIRA, 2016). Como complemento, o
empreendedorismo social se diferencia do empreendedorismo privado porque este último tem
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a sua essência marcada pelo aproveitamento de uma oportunidade de mercado, assumindo
riscos em busca de uma prosperidade financeira individual. Por outro lado, o
empreendedorismo social tem como característica distintiva a missão de criar e maximizar o
valor socioambiental, por intermédio de atividades inovadoras, ao invés da geração de lucro
inerente ao empreendedorismo (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2006; DAVIS,
2002).
Os autores Melo Neto e Froes (2002) fizeram comparativos entre os principais pontos
que diferem e, ao mesmo tempo, apresentam certa semelhança com o empreendedorismo social.
Quadro 3 – Características do empreendedorismo social, responsabilidade social empresarial e
empreendedorismo privado.
FONTE: Adaptado de Melo Neto e Froes (2002)
Com esses conceitos em mente, é possível identificar os vínculos que o
empreendedorismo social possui com as necessidades e limitações que são encontradas nas
atuações de mercado atuais. De fato, tem-se uma renovação do espírito do capitalismo, onde a
sua estrutura pragmática, baseada em recompensas tangíveis, é valorizada, porém é fato
secundário em meio à mobilização de afetos, como a paixão humana pela devoção à atividade
laboral voltada ao bem maior. Nesse sentido, o empreendedorismo social surge como
perspectiva para aliar a prática de negócios, com a devida profissionalização de seus quadros,
com a devoção a uma causa socioambiental, que significa a renúncia às regalias do capitalismo
Empreendedorismo
privado
Responsabilidade Social
Empresarial
Empreendedorismo Social
É individual É individual com parceiras É coletivo e integrado
Produz bens e serviços para o mercado
Produz bens e serviços para si e
para a comunidade
Produz bens e serviços para a
comunidade, local e global
Sua medida de desempenho é o lucro
Sua medida de desempenho é o
retorno aos envolvidos no
processo stakeholders
Suas medidas de desempenho são o
impacto e a transformação social
Visa a satisfazer
necessidade dos clientes e a
ampliar as potencialidades
dos negócios
Visa a agregar valor estratégico ao negócio e a atender expectativas do mercado da percepção da sociedade/consumidores
Visa a resgatar da situação de risco social e a promovê-las e a gerar capital social, inclusão e emancipação social
25
e suas recompensas individuais, para a recompensa na realização de algo que inclui a resolução
ou a amenização de um problema socioambiental, que considera o outro na perspectiva de
sucesso pessoal.
4.3. O conceito de negócios sociais
A concepção da lógica de negócios com o foco sobre causas sociais dá origem aos
negócios sociais. Existem diversas terminologias para denominar um negócio que recorre a
mecanismos de mercado para atender a uma missão socioambiental. Elas são empregadas em
função da perspectiva teórica em que estão inseridas, podendo ser adotados nomes como
empresa social, negócio social e negócio inclusivo. No Brasil, a terminologia negócio social é
mais amplamente aceita e aplicada e, portanto, será a empregada deste ponto em diante
(COMINI; BARKI; AGUIAR, 2012).
A nomenclatura negócio social se refere às organizações híbridas, que medeiam metas
sociais e financeiras, ou seja, elas são orientadas por uma missão socioambiental, porém valem-
se de mecanismos de mercado para realizá-la (JOÃO, 2014). Os negócios sociais possuem
características que variam de acordo com a cultura na qual foram implementados e existem três
grandes correntes de pensamento que se destacam: a perspectiva americana, a perspectiva
europeia e a perspectiva dos países emergentes.
A perspectiva americana tem como origem os investimentos do governo americano, na
década de 60, em programas sociais, por meio da contratação dos serviços prestados por
organizações não lucrativas (ONG’s), estimulando a criação e a expansão das mesmas. Porém,
no final dos anos 70 e na década de 80, houve cortes significativos desses recursos, levando-as
a desenvolver atividades comerciais não necessariamente ligadas à sua missão, para manter os
serviços sociais que já prestavam, suprindo a lacuna deixada pelos recursos governamentais.
Essa nova configuração das ONG’s foi chamada de negócio social (DEFOURNY, 2010;
NYSSENS, 2010; KERLIN, 2006).
Diante desse contexto, a definição de negócio social nos Estados Unidos é mais
abrangente e está diretamente ligada ao mercado e geração de receita. Assim, um negócio
social, de acordo com a corrente americana, é uma empresa que se orienta por princípios
gerenciais para enfrentar uma necessidade social e/ou ambiental, fornecendo um bem comercial
ou serviço, não necessariamente ligado à sua missão, em um ambiente de mercado competitivo,
como estratégia para apoiar sua missão socioambiental.
26
Em 2000 foi promulgada no referido país a low-profit limited liability company (L3C).
As organizações que adotam essa estrutura jurídica devem: (1) ser organizadas para realizar
fins filantrópicos; (2) não serem criadas apenas para acumular bens ou obter lucro; e (3) não
promover qualquer objetivo político ou legislativo. A motivação para a criação de tal legislação
foi facilitar o investimento das fundações privadas em L3Cs, evitando as restrições da legislação
societária (MAYER; GANAHL, 2014)
Ou seja, a legislação ratifica o entendimento de negócios sociais na perspectiva
americana como sendo um negócio autônomo, que tem objetivo social e deve prestar contas
sobre o Impacto socioambiental gerado. Se houver geração de lucro, não há restrição para sua
distribuição.
Assim como nos Estados Unidos, a perspectiva europeia de desenvolvimento dos
negócios sociais também é pautada em um contexto de desaceleração da economia, o que
provocou, a partir do final da década de 70 até 1990, o aumento expressivo do desemprego e a
redução nos serviços públicos de bem-estar (KERLIN, 2006). Devido à necessidade de
resolução desses problemas, e também de outros problemas estruturais, como por exemplo o
fortalecimento de serviços para idosos em meio ao envelhecimento da população, surgiram
novas organizações do terceiro setor, caracterizadas como negócios sociais. A maioria dos
negócios europeus foi fundada por atores da sociedade civil, com o objetivo de promover
serviços de interesse coletivo e a minimização da exclusão social. Isto fica evidente com o
grande avanço do chamado ‘‘Work Integration Social Enterprises’’ (WISEs), que é o tipo de
negócio social mais difundido na Europa e busca promover a inserção de portadores de
deficiência física ou psíquica no mercado de trabalho. Dessa forma, para o negócio social
europeu, a produção de bens e serviços está intimamente ligada à sua missão (DEFOURNY;
NYSSENS, 2010).
Com relação ao desenvolvimento do ambiente legal, muitos países europeus
introduziram novas formas legais, refletindo o crescimento das empresas sem fins lucrativos
com práticas empresariais. Inicialmente os negócios sociais adotavam a forma de associações -
fazendo com que a legislação permitisse que estas comercializassem bens e serviços -, ou de
cooperativas, nos países onde essa forma jurídica tinha mais característica empresarial. Com o
passar do tempo, houve a discussão e criação de formas legais específicas para os negócios
sociais e hoje existem 16 países europeus com leis específicas, sendo algumas formas jurídicas
baseadas na tradição cooperativa (França, Portugal, Espanha e Grécia) e outras definidas a partir
de modelos mais diversificados (Bélgica, Inglaterra e Itália) (GALERA; BORZAGA, 2009).
Seguindo para a perspectiva dos países emergentes, esse enfoque expandiu-se com
27
maior velocidade em países em desenvolvimento, que tiveram algum tipo de influência anglo-
saxônica (Índia, Bangladesh, Paquistão, Quênia, Tanzânia assim como outros países
emergentes da Ásia, Oriente Médio e África), devido à atuação da iniciativa privada no fomento
ao empreendedorismo social.
O contexto do surgimento dos negócios sociais na América Latina está associado às
consequências das altas taxas de pobreza e desemprego, à diferente tradição religiosa e cultural
e à ação catalizadora das agências internacionais para a minimização da má distribuição de
renda e da exclusão social geradas por crises econômicas e pela ineficiência do Estado em tratar
tais questões. Diante deste cenário, empresários e ativistas passaram a se relacionar para
fomentar negócios como uma potencial solução, o que levou à criação de pequenos
empreendimentos sociais, capitalizados, financeiramente, por ajudas internacionais focadas em
concessão de microcrédito. De fato, a origem destes tipos de negócios na América Latina advém
da reação da sociedade civil a questões como desemprego e exclusão social . Portanto, o
conceito de empresa social, nos países em desenvolvimento, não corresponde exatamente à
visão europeia e nem à americana. (FISAC GARCIA et al., 2012; KERLIN, 2010). Com relação
ao ambiente legal, não há legislação específica para empresas sociais no Brasil ou em outros
países da América Latina.
No quadro 4 tem-se uma comparação entre as 3 perspectivas discorridas anteriormente.
Nele ficam evidenciadas as principais diferenças entre tais estruturas de formação.
28
Quadro 4- Principais diferenças entre negócios sociais nos Estados Unidos, Europa e Países emergentes.
Principais
característica
s
Estados Unidos Europa Países emergentes
Contexto de
surgimento
Redução de
incentivos
governamentais e
apoio de Fundações
de empresas
privadas
Redução de incentivos
governamentais, mudança
social, mobilização coletiva
para manutenção do bem-
estar social e apoio
governamental
Altos índices de
pobreza e desemprego,
respostas ineficientes do
poder público e fomento
de organizações
internacionais
Ênfase Geração de renda Benefício social Redução da pobreza e
exclusão social
Modelo de gestão Centrado no
empreendedor e em
sua capacidade de
captar e explorar
recursos, inovar e
garantir o sucesso da
ES
Centrado na gestão
participativa. Diversos
stakeholders são envolvidos
no processo de tomada de
decisão e o sucesso da
empresa depende do
desempenho coletivo
Centrado na figura do
empreendedor (alma
do negócio).
Principais fontes
de recursos
Mercado e atração
de investimentos
Mercado, doações, subsídios e
trabalho voluntário.
Mercado e doações
Comercialização
de bens e
serviços
Não
necessariamente
relacionada à
missão, utilizada
como fonte de renda
para seu alcance
Intimamente ligada à missão
da empresa
Intimamente ligada à
missão no modelo
asiático e relacionada
ou não no modelo da
América Latina
Estrutura legal Existente em alguns
estados e sendo
melhorada
Existente e sendo melhorada Inexistente
Tipo mais
comum de
organização
(forma jurídica)
low-profit limited liability company
Associação/cooperativa Cooperativas/
pequenos
empreendimento
s sociais
Área de atuação
da empresa social
Muitos
(diversificação)
Poucos (restrita a WISE e
cuidado social e comunitário)
Muitos (diversificação)
Distribuição de
dividendos
Não é o objetivo,
mas pode ocorrer
sem nenhuma
restrição
Não é o objetivo. Se ocorrer,
deve ser de maneira limitada
Na América Latina,
não é o objetivo, mas
pode ocorrer. No
modelo Asiático, o
lucro deve ser
totalmente reinvestido.
Fonte: Adaptado de Kerlin (2006)
Dentro do tema de negócios sociais, ainda é possível destacar duas correntes que
divergem em relação à distribuição de lucros gerados pelas operações nos negócios.
Muhammad Yunus, economista fundador do Grameen Bank, em Bangladesh, lidera a primeira
vertente e defende que os investidores podem apenas recuperar o capital que investiram, sem
direito a lucro e dividendos. De acordo com o mesmo, os lucros devem ser totalmente
29
reinvestidos na empresa e destinados à ampliação dos benefícios socioambientais. Por outro
lado, Michael Chu e Stuart Hart, professores das Universidades de Cornell e Harvard, nos
Estados Unidos, defendem que o lucro deve ser distribuído, uma vez que isso possibilita atrair
mais investidores e permite a criação de novos negócios na velocidade necessária para superar
os desafios sociais existentes no mundo (SILVA, 2015).
No Brasil, o cenário de negócios apresenta iniciativas muito ricas e diversificadas,
apesar de ainda ser incipiente em muitos aspectos. Para o desenvolvimento desse ecossistema,
as políticas públicas são as principais responsáveis pela inclusão social e nelas residem alguns
dos principais desafios para os negócios inclusivos no país. Dessa forma, superar esses desafios
é papel da sociedade e o setor público é um ator relevante para impulsionar a inclusão por meio
dos mercados. Acrescenta-se que, segundo pesquisa realizada pela Iniciativa Incluir
(CHEDIEK; MULLEADY; VELOSO, 2015), com empreendedores e gestores públicos, os
principais desafios para o desenvolvimento de negócios inclusivos no Brasil encontram-se,
principalmente, na infraestrutura deficiente, na falta de informações sobre o mercado e
mecanismos de apoio, ambiente regulatório ineficiente e falta de acesso a instrumentos
financeiros.
Quanto mais atores interessados se unirem em torno de um objetivo comum, maior será
o alcance do impacto promovido. Entretanto, diante das lacunas ainda existentes, cabe às
empresas buscar estratégias específicas que os ajudem a contornar divergências. O resultado da
combinação entre mecanismos de apoio e estratégias de negócio para superar obstáculos é o
fortalecimento do ambiente de negócios sociais.
4.4. O perfil do empreendedor social
É evidente que o sucesso de uma iniciativa de empreendedorismo social depende da
energia e dedicação de pessoas que carregam dentro de si o desejo profundo de ajudar os outros.
Nesse entendimento, o empreendedor é visto como uma pessoa que cria novas combinações de
produção, que está disposta a assumir riscos, organizando e reorganizando mecanismos sociais
e econômicos; ou como uma pessoa que, explorando as oportunidades de mercado, elimina o
desequilíbrio entre a oferta e a demanda; ou, ainda, como alguém que possui e opera um negócio
(PARENTE et al., 2011).
No entanto, os empreendedores necessitam de alguns fatores de condução para
desenvolver seu negócio, tais como motivações e algumas condições específicas para o sucesso.
30
Como motivações para desenvolver o negócio destacam-se a necessidade de realização, o
desejo de independência, a satisfação do trabalho e a aceitação de riscos. Com relação às
condições para o sucesso, destacam-se a motivação relacionada à tarefa (alguma visão ou
sentido que motiva a ação); as habilidades e conhecimentos; expectativa de ganho pessoal
(econômicos e psicológicos); e um ambiente de apoio (condições e políticas que proporcionem
conforto e apoio ao empreendedor) (LORDKIPANIDZE; BREZET; BACKMAN, 2005).
Diante do desafio de promover mudanças e transformar realidades, o empreendedor
social deve ter o desejo real de ajudar as pessoas, de desenvolver a sociedade e de promover o
crescimento das comunidades. Conforme Dees (1988), o conjunto de comportamentos
delineado pelo empreendedorismo social deve ser encorajado nas pessoas que possuem
capacidade, habilidade e estilo para esse tipo de trabalho.
Segundo Sarkar (2010), os empreendedores sociais são indivíduos que têm soluções de
inovação para problemas sociais. São ambiciosos e persistentes, enfrentam os maiores
problemas sociais e oferecem alterações à larga escala. É evidente que grande parte das
características dos empreendedores sociais é partilhada com os empreendedores de maneira
geral. O fato é que os empreendedores tradicionais transformam a economia ao deslocarem os
recursos para áreas que ainda não são servidas; já os empreendedores sociais buscam como
primeiro efeito a geração de mudanças sociais.
Sarkar (2010) alerta para a cena contemporânea, em que filantropos globais e suas
fundações, como Bill Gates (o fundador da Microsoft, corporação global do mercado de
computadores e softwares, entre outros braços da companhia pertencentes à economia digital),
passam a ser identificados como empreendedores sociais, quando na realidade não o seriam:
há, de acordo com Sarkar, o “verdadeiro empreendedor social”, que é aquele que dedica sua
vida a uma causa social. Os filantropos, por sua vez, investem parte de seu lucro em causas
sociais, e aproveitam o acontecimento para alimentar o valor simbólico de seus negócios
(SARKAR, 2010).
Nesse sentido, percebe-se a importância de identificar o perfil destas pessoas, que estão
diretamente relacionadas a este tipo de empreendimento, avaliando se as ações sociais
colocadas em prática alinham-se ao desenvolvimento social das comunidades e melhoria da
qualidade de vida das pessoas. Os potenciais empreendedores sociais possuem um perfil
delineado e carregam consigo o desejo de ajudar as pessoas e comunidades a reverterem uma
posição de exclusão social, tornando-se parte das ações empreendedoras sociais na qual se
engajam. O quadro 5 apresenta características gerais que integram o perfil do empreendedor
social.
31
Uma das teorias mais consagradas na literatura sobre os empreendedores é a de
McClelland (1961). Esse autor baseou o fator de motivação do indivíduo na busca pela
superação das necessidades e, assim, estruturou os seguintes níveis: necessidade de realização
(consideração de um padrão pessoal de excelência, validando que cada pessoa tem seu critério
próprio de sucesso); necessidade de afiliação (busca de relacionamentos afetivos e acolhedores
com outras pessoas); e necessidade de poder (intenção de controlar o problema e influenciar
outras pessoas em prol da solução). De fato, estes níveis também vão estar intimamente ligados
aos anseios do empreendedor social, sendo parte construtora dos seus valores.
Quadro 5- Principais características que integram o perfil do empreendedor social
FONTE: Adaptado de Oliveira (2016)
Navarro, Climent e Palacio (2011) sustentam que tais valores são demonstrados mais
intensamente pelos empreendedores sociais, dentro do ambiente laboral, quando comparados
com os empreendedores tradicionais. Segundo estes autores, o apego emocional nas relações
de trabalho, satisfação e sentimento de pertencimento também são maiores nos empreendedores
sociais mesmo em meio a salários e reconhecimento profissional inferiores. Isso contribui para
que os empreendedores concretizem mais tempo nas organizações em que atuam, porque o
trabalho se relaciona ao estilo de vida dos sujeitos, não representando apenas uma atividade de
garantia financeira.
32
Neste aspecto, pode-se considerar que os empreendedores sociais são uma espécie
dentro do gênero empreendedor, possuindo as mesmas qualidades que os empreendedores
tradicionais, porém focando-se em uma direção socialmente comprometida, estando mais
preocupados com o auxílio aos membros da comunidade do que com o acúmulo de dinheiro.
Considerando a face empreendedora dos empreendedores sociais, quatro aspectos principais
podem ser destacados: a) a busca por oportunidades e a geração de inovação; b) a disposição
para correr riscos e a tolerância à incerteza; c) elevado grau de credibilidade e transparência na
gestão de recursos; e d) motivação por uma missão com base em uma visão (BESSANT; TIDD,
2009).
Em virtude disso, a cultura organizacional nos empreendimentos sociais carrega uma
grande responsabilidade de disseminar o forte apelo emocional vivenciado pelo fundador e
compartilhado com os membros envolvidos. A liderança desponta, portanto, como
característica crucial na propagação do estímulo às pessoas, em direção aos objetivos
compartilhados. São esses objetivos compartilhados - do grupo, da organização e do fundador
- que criam um sentimento de coletividade que permeia o empreendimento e dá coerência às
diferentes atividades.
Outro importante fator a se considerar é que o empreendedor social está inserido em
uma sociedade e, assim, compartilha experiências com outros indivíduos, podendo ter seu
comportamento e ações influenciados. Essa influência é a representação da pressão que a
sociedade exerce naquele que almeja ser um empreendedor social. De certo que este se deparará
com exigências mercadológicas, decisões governamentais limitadoras, tendências econômicas
globais controversas, necessidades complexas das comunidades locais e desestímulo vindo de
familiares e indivíduos mais próximos (GODÓI-DE-SOUSA et al., 2014).
Contudo, o viés do entendimento das necessidades dos negócios sociais tem
desencadeado um fator interligado ao perfil desses empreendedores, que é a qualificação
profissional dos mesmos. Destaca-se, neste sentido, que, tradicionalmente, o Terceiro Setor é
suprido por voluntários, pelo menos em sua maioria, e que, em decorrência das novas demandas
e configurações da questão social e adoção de novos modelos de gerenciamento social, há uma
necessidade cada vez maior de aprimoramento/qualificação das pessoas que têm se envolvido
neste campo (CKAGNAZAROFF, 2000).
33
4.5. A engenharia em foco: dificuldades e oportunidades
Os grandes desafios enfrentados pelas sociedades e, em particular, pelas empresas
decorrem das transformações sociais causadas pela velocidade com que têm sido gerados novos
conhecimentos, concretizados através da introdução, no mercado, de novos produtos e serviços.
Nesta nova realidade, tornam-se cada vez mais elevadas as qualificações exigidas para os postos
de trabalho em qualquer setor de produção, fato que coloca uma grande pressão sobre as
necessidades educacionais da população.
Da Silveira (2005) enumerou em seu trabalho um conjunto de mudanças tecnológicas,
organizacionais, econômicas e culturais que julgou estar alterando o campo de atuação do
engenheiro. Dentro desta pesquisa as mudanças destacadas foram:
1) Aumento da importância da "lógica de mercado", apresentada como pensamento
único (o modelo neoliberal), de forma a ampliar e fixar o poder econômico das potências
dominantes;
2) Nova divisão internacional do trabalho, com empresas multinacionais passando
a supranacionais e mudando de lugar seus centros de produção, de acordo com as constantes
mudanças políticas;
3) Novas tecnologias: aumento da rapidez das telecomunicações e da capacidade
de transmitir massas de dados em pouco tempo, informática, redes de comunicações (inclusive
a Internet), nanotecnologias (com a consequente miniaturização e barateamento de
equipamentos), biotecnologias (cujo impacto só começa a se fazer sentir), bio-nanotecnologias,
etc;
4) Exacerbação da busca do aumento de produtividade;
5) Surgimento da "sociedade de serviços" ou "sociedade pós-industrial", onde a
maior parte das atividades e dos postos de trabalho encontra-se junto ao cliente e voltada para
satisfazer seus interesses;
6) Consciência pública das limitações energéticas e dos problemas ecológicos;
7) Maior exigência quanto aos direitos do consumidor.
Tradicionalmente, espera-se que o engenheiro recém-formado exerça uma função
técnica de execução na empresa, sob o controle de um engenheiro experiente, como formação
complementar. No entanto, em meio a esse processo de entrada no mercado de trabalho podem
aparecer outras ocupações não contempladas nas escolas de engenharia. É o caso encontrado
quando, depois de um período circulando pela empresa (trainees) ou participando de cursos
34
internos de formação, os engenheiros passam a trabalhar em vendas, atendimento aos clientes
ou a analisar, desenvolver e integrar sistemas. Para essas atividades utilizam-se toda uma gama
de conhecimentos e capacidades gerais que são desconsiderados pelas escolas (DA SILVEIRA,
2005).
Tendo exemplos como esse em vista, é comum que as empresas busquem perfis cada
vez mais genéricos, uma vez que estes têm maior probabilidade de se encaixar em alguma das
variadas necessidades de operação da mesma. Assim, o objetivo passa a ser apenas situar o
papel social do engenheiro e sua área de atuação, sem precisar das competências técnicas
específicas ou da profundidade de seu conhecimento.
Por causa dessa amplitude de conhecimentos requisitados e, muitas vezes, pela falta do
estabelecimento de prioridades entre as diversas competências, atitudes e aptidões assinaladas,
tem-se a impressão da descrição de um profissional utópico, dotado de todas as características
desejáveis ao mesmo tempo. Contudo, é evidente que estes profissionais respondem a diferentes
tipos de formação (técnica e ideológica), passaram por diversas experiências (o que altera sua
percepção do conjunto), e possuem visões de mundo distintas, influenciadas pelas funções e
cargos que ocuparam ao longo de suas histórias. Portanto, o fato que tende determinante para
contratação é o modo como os candidatos expressam suas experiências em atitudes práticas,
sendo extremamente importante que tais atitudes tenham convergência com as competências
exigidas e com a identidade da empresa empregadora (DA SILVEIRA, 2005).
Em virtude de aspectos como a competitividade, a flexibilização, a globalização e as
novas tecnologias, tem-se a utilização do engenheiro (com qualquer especialização) em funções
as mais diversas, onde se fazem úteis as capacidades de análise racional, modelagem e
representação matemática (ou gráfica), e de resolução de problemas. Desta forma, o Brasil deve
formar profissionais que estejam preparados para desafios maiores, que se refletem na nova
tônica mundial de visão sistêmica dos negócios e das inter-relações.(CORDEIRO et al., 2009)
Assim, pensando no enfoque sobre o perfil do engenheiro, tem-se que este é o
profissional que procura aplicar conhecimentos empíricos, técnicos e científicos à criação e à
modificação de mecanismos, estruturas, produtos e processos que se utilizam para converter
recursos naturais e não-naturais em formas adequadas às necessidades do ser humano e do meio
que o cerca: um profissional apto para trabalhar com transformações e indispensável aos dias
atuais, pois se vive em uma época de técnicas e mudanças multiplicadas, que atuam diretamente
na percepção humana, cujo reflexo se dá no ambiente que o abriga, como a outrem. Desse
modo, o engenheiro deve apresentar um perfil oriundo de uma formação generalista, humanista,
crítica e reflexiva, e ser capacitado a absorver e desenvolver novas tecnologias, estimulando a
35
sua atuação crítica e criativa na identificação e resolução de problemas, considerando seus
aspectos políticos, sociais, ambientais e culturais, com visão ética e humanística, em
atendimento às demandas da sociedade (CREMASCO, 2009).
Em seu trabalho, Moraes (1999) faz uma análise da mudança de perfil do engenheiro,
assim como busca conhecer o perfil profissional ideal do novo engenheiro. De acordo com a
conclusão da pesquisa realizada, os 17 atributos mais destacados foram:
Indivíduo comprometido com a qualidade do que faz;
Com habilidade para trabalhar em equipe;
Com habilidade para conviver com mudanças;
Com visão clara do papel cliente-consumidor;
Com iniciativa para tomada de decisões;
Usuário de ferramentas básicas de informática;
Com domínio do inglês;
Fiel para a organização em que trabalha;
Que valoriza a ética profissional;
Com ambição profissional/vontade de crescer;
Capacitado para o planejamento;
Com visão das necessidades do mercado;
Que valoriza a dignidade/tem honra pessoal;
Com visão do conjunto da profissão;
Com habilidades para economizar recursos;
Preocupado com a segurança no trabalho;
Com habilidade para conduzir homens.
36
Uma análise mais detalhada das competências do engenheiro aplicadas à possibilidade
deste estreitar suas relações com o empreendedorismo social será apresentada nas seções 4.8 e
4.9 deste trabalho.
4.6. O papel do empreendedorismo nas possíveis dinâmicas de mercado
A necessidade de as empresas passarem por uma reestruturação produtiva para
adequarem-se aos mercados competitivos gera pressões em cima do trabalhador, relacionadas
ao cumprimento de metas e alta produtividade. É sabido que, em momentos de crises políticas
e econômicas, muitos segmentos de mercado sofrem com a diminuição do consumo, cortes de
gastos, suspensão de investimentos, extinção de setores considerados ineficientes nas empresas.
Além disso, a queda de confiança dos investidores internos e externos, que acabam deixando
de aplicar recursos no país, também influencia na gestão de novas prospecções de negócios. De
fato, crises políticas e crises econômicas trazem reflexos negativos no âmbito do Direito do
Trabalho, porque atinge diretamente o trabalhador, deixando muitos homens e mulheres sem
postos de trabalho. Essas crises geram instabilidades e estancam a contratação de novos postos
em empresas, devido ao efeito dominó na suspensão e rescisão de contratos no âmbito da
construção civil, petroleiro, químico, refletindo no varejo e em outros setores interligados.
O trabalhador também se depara com as rápidas formas de substituição de sua mão de
obra nas áreas fabris e nas áreas de prestação de serviços, decorrentes de plataformas de
comunicação, novas máquinas de automação e novos aplicativos criados para redução dos
custos da empresa. Muitos trabalhadores são surpreendidos pelos meios de execução de
serviços que interligam diretamente o comprador com o vendedor ou com o consumidor final,
subtraindo a importância dos intermediários na relação contratual de negócios. Em empresas
pequenas ainda é possível perceber quadros onde todos os colaboradores são pagos como
pessoas jurídicas, uma vez que, assim, o custo fica reduzido para o empregador (MARTINS,
2016).
No caso dos recém-formados, tem-se que o segmento de micro e pequenas empresas,
por ser responsável pela maior parcela da geração líquida de empregos no segmento formal do
mercado de trabalho, contribui, direta e indiretamente para a absorção de um maior número de
jovens no mercado de trabalho. Além disso, firmas administradas por jovens tendem a contratar
principalmente empregados de sua faixa etária. Nesse contexto, programas e ações que visam
estimular o empreendedorismo entre jovens e a reduzir os riscos de mortalidade de novas
37
empresas podem, em princípio, se tornar instrumentos importantes para sua inserção no mundo
do trabalho.
Contudo, é preciso lidar com um conjunto de limitações pessoais e ambientais que
envolvem o processo de criação e desenvolvimento de pequenos negócios. O potencial
empresário geralmente sofre com a falta de conhecimento e experiência em práticas de
administração de negócios e gestão de pessoas, assim como com a pouca familiaridade com
instrumentos de planejamento financeiro e de análise de mercado. As dificuldades de acesso ao
crédito e excesso de burocracia para a formalização de um novo negócio também representam
barreiras no processo de criação de microempresas. Além disso, os jovens sofrem com a falta
de experiência profissional, acesso mais limitado a recursos financeiros e discriminação em
função da sua idade (FURTADO, 2003).
Lordkipanidze, Brexet e Backman (2005) ainda argumentam sobre a existência de uma
forte ligação entre a predisposição a empreender e a cultura do povo no qual o empreendedor
está inserido. Segundo os autores, os fatores que contribuem para o desenvolvimento dos
empreendimentos estão relacionados à tradição empresarial, o status social e o nível de ensino.
Isso se deve ao fato de que as pessoas que têm em sua família empreendedores são mais
suscetíveis a se tornarem empreendedores do que outras. Portanto, a compreensão da base
cultural e social de uma determinada comunidade ou região pode fornecer um ponto de partida
adequado para a construção de uma sociedade mais empreendedora.
4.7. O empreendedorismo no Brasil
A fim de identificar as atitudes, atividades e aspirações dos empreendedores no Brasil,
bem como avaliar as características do ambiente, tais como finanças, políticas e programas
governamentais, educação e treinamento, infraestrutura, entre outros, serão apresentadas
algumas taxas e considerações presentes no Relatório Executivo de Empreendedorismo no
Brasil, da Global Entrepreneurship Monitor (GEM) 2016.
Conforme o relatório da GEM 2016, a Taxa Total de Empreendedores (TTE) brasileiros
apresentou valor de 36,0 % em 2016, número inferior à observada em 2015 (39,3%), enquanto
a Taxa de Empreendedorismo Inicial (TEA), composta por empreendedores nascentes e novos,
alcançou o valor de 19,6%, também inferior a 2015 (21,0%). Portanto, a cada 100 brasileiros,
aproximadamente 20 estavam envolvidos com atividades empreendedoras em estágio inicial
em 2016. O Gráfico 1 demonstra a evolução das taxas de empreendedorismo segundo estágio
38
do empreendimento no período 2002-2016. Nota-se uma tendência de aumento na taxa total de
empreendedores, particularmente entre o período de 2005 a 2010, saindo de 21% para 32%.
Gráfico 1 – Taxas (Percentual da população de 18 a 64 anos) de empreendedorismo segundo estágio do
empreendimento TEA, TEE, TTE – Brasil – 2002:2016
FONTE: GEM 2016 (GLOBAL ENTREPRENEURSHIP MONITOR, 2016)
É interessante analisar como essas taxas de empreendedores se relacionam com a taxa
de crescimento do PIB brasileiro. De acordo com o Gráfico 2 é possível observar que apesar
da conjuntura econômica desfavorável dos anos recentes, particularmente a partir de 2011, as
taxas de empreendedorismo vêm apresentando resiliência.
Gráfico 2 – Taxa de crescimento do PIB e taxas (Percentual da população de 18 a 64 anos) de
empreendedorismo iniciais e estabelecidos - Brasil – 2002:2016
FONTE: GEM 2016
39
A desaceleração econômica do país nos anos 2014, 2015 e 2016 culminou em um
período recessivo, que começou com a crise nos mercados internacionais. A queda do preço
das commodities acabou por agravar ainda mais a greve e esse cenário enfraqueceu o
empreendedorismo por oportunidade, incentivando o empreendedorismo por necessidade. Isso
se deve ao fato de o GEM definir que a motivação dos empreendedores iniciais pode ocorrer
pela necessidade ou oportunidade. Os empreendedores por necessidade decidem empreender
por não possuírem melhores alternativas de emprego, propondo-se criar um negócio que gere
rendimentos, visando basicamente a sua subsistência e de seus familiares. Com relação aos
empreendedores por oportunidade, estes são definidos como capazes de identificarem uma
chance de negócio ou um nicho de mercado, empreendendo mesmo possuindo alternativas
concorrentes de emprego e renda. Assim, é possível decompor a TEA em duas taxas: a Taxa de
Empreendedores por Necessidade e a Taxa de Empreendedores por Oportunidade. Vale
ressaltar que as taxas apresentam correlação negativa, ou seja, à medida que a taxa de
empreendedores por necessidade diminui, aumento da taxa de empreendedores por
oportunidade, e vice-versa.
No Brasil, o ano de 2016 apresentou uma melhora sutil se comparado a 2015 (56,5%),
com o valor de 57,4%. Portanto, a cada 100 empreendedores, 57 empreendem por
oportunidade. No Gráfico 3 é possível observar a evolução histórica das taxas de
empreendedorismo por oportunidade e por necessidade.
Gráfico 3 – Taxa de empreendedorismo por oportunidade e por necessidade como proporção da taxa de
empreendedorismo inicial - Brasil – 2002:2016
FONTE: GEM 2016
40
A análise da taxa específica de empreendedorismo inicial (TEA), segundo faixas etárias,
mostra que, no Brasil, esta variou entre 15% para a faixa etária entre 55 e 64 anos, a 22,9% na
faixa etária dos 25 aos 34 anos (Tabela 1). Assim, é possível notar que todas as faixas etárias
apresentam índices significativos de empreendedorismo, porém com menor expressão para os
indivíduos de mais idade. Porém, com a tendência de envelhecimento da população e reforma
da previdência social, é possível que novas políticas públicas deem suporte às iniciativas
empreendedoras da população com mais idade sejam estruturadas.
Tabela 1 – Taxas específicas (percentual de empreendedores iniciais em cada classe) de
empreendedorismo inicial (TEA) segundo faixa etária – Países selecionados – 2016
FONTE: GEM 2016
Em relação às taxas específicas de empreendedores estabelecidos (TEE) no Brasil, os
dados apontam grande variação, com TEE de 5,5% para indivíduos entre 18 e 24 anos, a 24,2%
para respondentes com idades entre 45 e 54 anos. Isso significa que, no Brasil, a cada 100
pessoas com idade entre 45 e 54 anos, 24 são responsáveis por empreendimentos com mais de
42 meses de funcionamento. De forma geral, no país a TEE ficou mais baixa para os indivíduos
mais novos e mais alta (acima de 20%) para indivíduos com mais de 35 anos. A Tabela 2
apresenta as taxas específicas de empreendedores estabelecidos (TEE) segundo as faixas etárias
dos países selecionados para análise em 2016.
41
Tabela 2 – Taxas específicas (percentual de empreendedores iniciais em cada classe) de
empreendedorismo estabelecido (TEE) segundo faixa etária – Países selecionados – 2016
FONTE: GEM 2016
Na Tabela 3 estão apresentados os percentuais das atividades dos empreendedores
nascentes, ou seja, aqueles que possuem empreendimentos que ainda não os remuneraram por
mais de três meses, segundo a sua motivação, se por necessidade ou por oportunidade. Estes
números são intrinsecamente relacionados com o desenvolvimento do país e podem refletir a
percepção dos empreendedores da existência ou não de outras possibilidades de renda e de
incentivos à inovação.
42
Tabela 3 – Distribuição percentual das atividades dos empreendimentos segundos a motivação – Brasil
– 2016
FONTE: GEM 2016
Alterando o enfoque para empreendedores novos (Tabela 4), ou seja, aqueles que já
receberam algum provento de seu novo negócio por mais de 3 meses e por menos de três anos
e meio, os empreendimentos ligados à atividade “restaurantes e outros estabelecimentos de
serviços de alimentação e bebidas e outras atividades de alimentação” figuram, de forma
expressiva, apenas nos empreendedores por oportunidade (10,4%). Tal constatação permite
inferir que, apesar da abertura deste tipo de negócio ter se mostrado atrativa aos dois tipos de
empreendedores como referido na Tabela 3, a sua condução pode trazer entraves que apenas os
empreendedores por oportunidade conseguem transpor.
43
Tabela 4 – Distribuição percentual das atividades dos empreendimentos novos segundos a motivação –
Brasil – 2016
FONTE: GEM 2016
Tanto os “serviços especializados para construção” como os “serviços domésticos”, que
estão entre as primeiras atividades mais desenvolvidas por empreendedores novos por
necessidade, figuram em posições de menor destaque entre os empreendedores por
oportunidade. Este interesse menor dos empreendedores por oportunidade pode indicar uma
baixa rentabilidade da atividade, devido ao preço por serviço ou ao tamanho do mercado, se
comparada a suas outras fontes de renda ou outras atividades.
Já as atividades “cabeleireiros e outras atividades de tratamento de beleza” e “comércio
varejista de artigos do vestuário e acessórios”, figuram bem posicionadas nos dois tipos de
empreendedores novos (por oportunidade e por necessidade). Isso demonstra interesse de
ambos na atividade e a capacidade deles de conduzi-la com êxito, o que pode ser atribuído ao
controle de fluxo de caixa mais simplificado que a atividade possui.
Em relação ao potencial de inovação em empreendedores iniciais (Tabela 5), o Brasil
apresenta o segundo menor percentual (20,4%), acima apenas da Rússia (17,5%) dentre os
países analisados pelo relatório GEM. Esses percentuais costumam refletir os investimentos em
pesquisa e desenvolvimento. No que diz respeito à existência de concorrentes, a posição do
Brasil melhora e fica em segundo lugar (48,5%), atrás apenas dos Estados Unidos (61,6%). Isto
significa que, apesar do baixo investimento em inovação, os empreendedores iniciais brasileiros
44
têm conseguido comercializar produtos e serviços que apresentam algum grau de diferenciação,
quando comparados a outros produtores ou prestadores de serviço. Pode também ser um
indicativo de que os empreendimentos iniciais atuam em nichos específicos.
Tabela 5 – Percentual dos empreendedores iniciais, segundo às características relacionadas à inovação
dos produtos e serviços produzidos pelos seus empreendimentos
FONTE: GEM 2016
Já quanto a tecnologia, o país fica em último lugar, com o percentual ínfimo de 4%. Isto
significa que os empreendedores iniciais do país estão em desvantagem com relação à
competitividade global, utilizando tecnologias já tidas com obsoletas em outros países.
Minimizaria este problema um maior investimento, tanto governamental quanto privado, em
ciência, tecnologia, inovações e comunicações.
Além das taxas de empreendedorismo, é necessário entender a mentalidade
empreendedora do brasileiro. A mentalidade empreendedora é um conceito que está associado
à percepção e avaliação interna do indivíduo sobre o ambiente no qual ele está inserido e a
existência de condições que podem influenciar de forma positiva ou negativa na decisão de
empreender. No relatório GEM essa avaliação considera questões próprias de cada indivíduo,
como maior abertura para novas experiências, mas também influências sociais, tais como o
relacionamento com empreendedores e acesso às informações dos meios de comunicação e de
instituições que apoiam a criação de novos empreendimentos.
De acordo com a Tabela 6, percebe-se que o brasileiro continua sendo um dos povos
que mais acredita em boas oportunidades no curto prazo. Apenas os Estados Unidos, com
45
57,3%, e a Índia, com 44,3%, possuem um percentual maior de população prevendo
oportunidades de bons negócios para o curto prazo. As explicações para esse percentual podem
ser derivadas da questão cultural, uma vez que o brasileiro é reconhecidamente um povo
otimista, mas também derivada da própria crise que o país vive, já que, se no início da crise as
percepções de bons negócios futuros tenderam a cair (o que aconteceu entre 2014 e 2015), com
o passar do tempo a tendência é voltar a surgirem novas e boas oportunidades de negócio.
Tabela 6 – Percentual da população de 18 a 64 anos segundo a mentalidade empreendedora:
oportunidades de novos negócios – Países selecionados – 2016
FONTE: GEM 2016
Na Tabela 7 são apresentados os sonhos da população brasileira entre 18 e 64 anos,
categorizados pelo percentual da população. Percebe-se que o desejo de ter um negócio próprio
é compartilhado por 31,7% dos brasileiros adultos. É válido ressaltar que o sonho de ter um
negócio próprio é compartilhado por mais pessoas do que o sonho de fazer carreira em uma
empresa (31,7% contra 19,5% do total da população).
46
Tabela 7 – Percentual da população de 18 a 64 anos segundo o sonho – Brasil – 2016
FONTE: GEM 2016
A pesquisa GEM contempla, além da população adulta entrevistada, a percepção de
diversos especialistas sobre as condições de se empreender no Brasil. Esses dados são
levantados por meio de instrumentos de pesquisas respondidas por profissionais escolhidos, que
atuam de forma contundente no ecossistema empreendedor brasileiro, assim como é feito nos
demais países participantes da pesquisa GEM. Nas Tabelas 8 e 9 tem-se o resultado deste
levantamento.
47
Tabela 8 – Principais fatores favoráveis para a abertura e manutenção de novos negócios segundo os
especialistas entrevistados – Países selecionados – 2016
FONTE: GEM 2016
48
Tabela 9 – Principais fatores limitantes para a abertura e manutenção de novos negócios segundo os
especialistas entrevistados – Países selecionados – 2016
FONTE: GEM 2016
A comparação mais interessante a ser feita seria com a China, pois esse país é o que tem
apresentado a maior taxa de crescimento econômico na última década. Os principais fatores que
favorecem o empreendedorismo chinês são as políticas governamentais (69,2%) e o apoio
financeiro existente (26,9%). Tomando esses dados em conjunto, a hipótese que pode ser
levantada é que a existência de políticas governamentais seria mais favorável, ou pelo menos
está produzindo melhores resultados, do que programas governamentais. Ou seja, os agentes
econômicos conseguem um desenvolvimento maior quando o governo adota políticas de longo
prazo, mais estáveis, do que com programas públicos, que podem ser alterados ao sabor de
mudanças na chefia do executivo.
49
4.8. O cenário do empreendedorismo social e a suas entradas de mercado
Para que se possa caracterizar o empreendedorismo social como uma alternativa
profissional, é necessário entender o panorama geral em dados deste setor. Assim, a prática
desta atividade pode ficar mais clara e objetiva aos olhos de quem deseja empreender
socialmente. Para tanto tomou-se como base o relatório sobre Empreendedorismo Social
produzido pelo Global Entrepreneurship Monitor, em 2015. Esta pesquisa não leva em
considerações arranjos específicos ao cenário brasileiro, porém é interessante, por sua
confiabilidade e relevância mundial.
Na Figura 1, tem-se a porcentagem da população adulta envolvida em atividades novas,
relacionadas ao empreendedorismo social. Já na Figura 2, tem-se a porcentagem da população
adulta envolvida em atividades já estabelecidas, também relacionadas ao empreendedorismo
social. Em ambas as figuras é possível verificar porcentagens de diversos países e seu
enquadramento de acordo com as classificações econômicas definidas na pesquisa GEM. O
Brasil, assim como Polônia e Noruega, apresentou um baixo nível, considerando atividades
iniciais de empreendedorismo social, porém um alto nível ao se considerar atividades já
estabelecidas de empreendedorismo social. No caso brasileiro, isso pode estar atrelado às
dificuldades econômicas e políticas vividas nos anos de 2014 e 2015, que desestimularam novas
iniciativas empreendedoras de um modo geral.
50
Figura 1 – Percentual da população de 18 a 64 anos envolvida em atividades novas, relacionadas ao
empreendedorismo social por economia e por país.
FONTE: GEM 2015
Figura 2 – Percentual da população de 18 a 64 anos envolvida em atividades já estabelecidas,
relacionadas ao empreendedorismo social por economia e por país.
FONTE: GEM 2015
A Figura 3 dá atenção especial às atividades estabelecidas, examinando a prevalência
de empreendedores tradicionais/comerciais, empreendedores sociais e ambos (empreendedores
51
que se encaixam em ambos os critérios de diferenciação). Nesta figura é possível ver atividades
divididas por regiões e, neste caso, a África Subsaariana chama atenção. Esta região possui a
maior taxa de engajamento de empreendedores, apresentando também uma taxa significante de
empreendedores sociais quando comparada às demais regiões. Assim, é possível inferir que
mesmo com níveis baixos de desenvolvimento econômico, pode-se ter taxas relevantes de
empreendedorismo tanto comercial quanto social. A África Subsaariana também possui uma
alta taxa de empreendedores por necessidade, o que reflete a presença de empreendedores que
são impulsionados por carências de comunidades locais e não só se voltam para a resolução dos
seus próprios problemas.
Figura 3 – Percentual da população de 18 a 64 anos envolvida em atividades já estabelecidas,
relacionadas ao empreendedorismo tradicional, social e ambos por região selecionada.
FONTE: GEM 2015
A demanda por produtos e serviços inovadores é sempre crescente quanto abordamos o
empreendedorismo tradicional. Algumas linhas de pensamento também argumentam que as
soluções promovidas pelo empreendedorismo social também devem possuir características
inovadoras, uma vez que os problemas encontrados ainda persistem, por não terem sua
resolução estruturada pelas propostas convencionais. Levando isso em consideração, a pesquisa
52
GEM avaliou a capacidade de inovação de empreendedores sociais por meio da auto avaliação
dos mesmos. Os entrevistados responderam as seguintes perguntas: “minha organização oferece
um produto ou serviço novo?”; e “minha organização oferece um mecanismo novo de produção
de um produto ou serviço?”. A Figura 4 mostra o resultado deste levantamento.
Figura 4 – Percentual da população de 18 a 64 anos envolvida em atividades já estabelecidas
relacionadas ao empreendedorismo social (“SEA” – Social Entrepreneurship Activity) que se considera
inovadora.
FONTE: GEM 2015
Na Figura 4 podemos notar a baixa porcentagem de pessoas envolvidas com atividades
relacionadas ao empreendedorismo social no geral. Com relação à inovação, vemos
praticamente uma equidade entre aqueles que se consideram inovadores e os demais.
É necessário atentar para o fator de investimentos. Geralmente, novos empreendedores
utilizam de seus próprios recursos financeiros para financiar os projetos, ou de aportes advindos
da família e de amigos. Em estágios mais avançados, tem-se uma maior probabilidade na
conquista de investimentos bancários, governamentais ou de fundos de investimento. No caso
de empreendimentos sociais, o foco em objetivos sociais acima dos lucros de negócios pode
dificultar ainda mais a viabilidade financeiras destas atividades. Entretanto, novos tipos de
53
financiamento como os investimentos de impacto e o financiamento coletivo (“crowdfunding”),
têm ajudado empreendedores sociais a superarem necessidades. As Figuras 5 apresentam os
resultados da pesquisa GEM no que tange ao aspecto de investimentos/financiamento.
Figura 5 – Percentual do grupo de empreendedores sociais iniciantes entrevistados que utilizou outras
fontes de investimento
FONTE: GEM 2015
A oportunidade atrelada aos negócios sociais já foi relatada por organizações como a
International Finance Corporation (IFC) e World Resources Institute (WRI). Essas
organizações identificaram que a maioria da população mundial, 4 bilhões de pessoas, forma a
base da pirâmide econômica e apresenta-se como uma oportunidade para desenvolver soluções
pelos negócios, como forma de atender às suas necessidades. Esse grande contingente de
pessoas não tem acesso a bens e serviços essenciais, particularmente em saúde, educação,
habitação, infraestrutura, entre outros, e enfrenta altos custos de transação e barreiras
significativas ao vender seus produtos (HAMMOND et al., 2007).
0%
10%
20%
30%
40%
50%
60%
70%
80%
90%
100%
SudesteAsiático
Orientemédio eAfrica do
Norte
África sub-sariana
Europaoriental
Europaocidental
Américalatina eCaribe
Austrália eEUA
Família 68% 51% 67% 49% 38% 36% 37%
Amigos e vizinhos 47% 9% 39% 18% 14% 23% 18%
Colegas de trabalho 28% 12% 27% 23% 18% 18% 30%
Instituições financeiras 37% 19% 42% 19% 25% 24% 27%
Investidores privados 11% 9% 27% 19% 25% 15% 27%
Governo e doações 25% 28% 38% 42% 43% 41% 55%
Financiamento coletivo 11% 11% 0% 14% 9% 7% 18%
Per
centu
al d
e em
pre
end
edo
res
soca
is i
nic
iante
s
54
Além disso, o próprio crescimento populacional projeta uma população mundial de 9
bilhões de pessoas em 2050, a maioria em países pouco desenvolvidos. Assim, a intensidade
das atividades econômicas já levou e ainda levará que alguns limites de regeneração do planeta
sejam perigosamente ultrapassados em termos de destruição da biodiversidade e absorção de
gases de efeito estufa, entre outros. O equilíbrio ecológico exige a opção por caminhos
escaláveis que conciliem o desenvolvimento econômico, a melhoria da qualidade de vida e a
preservação do meio ambiente.
De fato, o presente momento macroeconômico brasileiro apresenta desafios, mas traz
também novas oportunidades. É possível enxergar que, ao final de 2013, ficaram claros alguns
sinais de dificuldades que interromperam a crescente econômica e social observada nos 10 anos
anteriores. O mercado de trabalho começou a mostrar sinais de insuficiência e os principais
indicadores vêm mostrando resultados negativos e sem evidências de mudança de tendência no
curto prazo. A resiliência dos ganhos sociais conquistados será colocada à prova nos próximos
anos, e os negócios sociais tendem a ser atores fundamentais. É necessário realizar a
diversificação de estratégias, onde a preocupação com a inclusão de pessoas de menor renda,
de modo ambientalmente sustentável, deve se apresentar como uma oportunidade única de
reposicionamento dos negócios e de consolidação e avanço dos ganhos sociais. Esses fatores
instigam o setor privado a ampliar seu escopo na produção de valor econômico e social,
reforçando seu papel como vetor de consolidação das conquistas obtidas pela sociedade
brasileira nos últimos anos (CHEDIEK; MULLEADY; VELOSO, 2015).
Para que as reais oportunidades ligadas aos problemas encontrados especificamente no
Brasil sejam identificadas, é necessário atentar para os mecanismos de geração das informações
cruciais sobre os mercados e dificuldades que devem ser atacadas. As agências governamentais
de pesquisa, como o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desempenham há
décadas papel relevante no levantamento e interpretação de dados sobre a sociedade brasileira.
Tais agências coletam dados primários também por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílio (PNAD), pelo Censo Demográfico, pelo Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados (CAGED), pela Relação Anual de Informações Sociais (RAIS), pelo
Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE), dentro outros.
Ainda é possível ter acesso a dados relacionados à atuação dos ministérios nas áreas de
educação e saúde. Outro sistema que provém informações muito significativas é o Sistema
Nacional de Informações em Economia Solidária (SIES), instrumento de mapeamento do
empreendedorismo social em todo o território nacional. Além disso, há também levantamento
de dados primários, efetuados por algumas instituições como SENAR, SENAI, SENAC,
55
SEBRAE, SESC, SESI, etc. Todos estes instrumentos podem servir de base para as pesquisas
feitas a nível nacional e, consequentemente, para o entendimento dos fatores que infligem a
vida dos brasileiros.
Muitas instituições do terceiro setor, entre as quais a NESsT, a Fundação Avina, a Aspen
Network for Developing Enterprises (ANDE), a Ashoka, a Potência, e a Consulting Group to
Assist the Poor apresentam instrumentos de pesquisa e jurídicos facilmente acessíveis sobre
aspectos que perpassam vários elementos da inclusão pelos mercados, desde investidores de
impacto até o mapeamento de políticas públicas favoráveis ao desenvolvimento de mercados
inclusivos. ONGs de caráter local podem ser cruciais para oferecer informações de relevância
para a fase de planejamento e implementação dos negócios inclusivos.
A fim de ilustrar exemplos mais práticos de negócios sociais, destaca-se aqui exemplos
elaborados pela Cartilha de Negócios Sociais do Sebrae (2013):
a) Água e Saneamento Básico - por exemplo: um negócio social que desenvolve e
comercializa tecnologia inovadora e de baixo custo para o reaproveitamento e
reutilização de água escura, para uso doméstico, em comunidade afetada pela
estiagem.
b) Agricultura - por exemplo: um negócio social que trabalhe com a formação de
pequenos agricultores dentro das técnicas da agroecologia e cria um modelo de
distribuição de cestas de produtos orgânicos aos consumidores, promovendo uma
eficiente cadeia produtiva.
c) Artesanato - por exemplo: um negócio social que desenvolve acessórios e brindes
artesanais provenientes de resíduos gerados da operação de outras empresas e os
comercializa em grandes feiras de brindes corporativos ou venda direta, gerando
receita para os artesãos e outras instituições envolvidas.
d) Canais de Distribuição - por exemplo: um dos maiores problemas para artesãos e
pequenos produtores rurais é a comercialização dos produtos. Uma das saídas que
busca resolver esta questão é a criação de uma rede de venda direta, porta a porta,
de produtos artesanais produzidos por grupos de baixa renda. A rede é operada
por vendedoras que ganham comissão a partir de suas vendas. E os grupos
produtivos ampliam sua receita não só com as vendas, mas com o fortalecimento
da qualidade produtiva.
e) Cultura - por exemplo: um negócio social que preste consultoria a espaços
culturais como museus para adequações à acessibilidade de pessoas com
deficiências auditivas, visuais, mentais ou motoras. Além de promover mudanças
56
na arquitetura desses locais, também são formados agentes culturais para o
atendimento especializado deste público e desenvolvidos novos projetos culturais
e exposições de arte, que já inclui a acessibilidade na sua concepção.
f) Educação - por exemplo: creches comunitárias particulares oferecendo educação
de alta qualidade e em horário comercial para que os pais possam trabalhar, a um
preço acessível para as famílias de baixa renda; ou aulas interativas de reforço
escolar para determinadas disciplinas via plataforma online que pode ser acessada
gratuitamente.
g) Energia - por exemplo: negócio social que desenvolve tecnologia de geração de
energia solar, como é o caso de fogões solares, a preços acessíveis para famílias
sem acesso à rede de distribuição elétrica.
h) Habitação - por exemplo: um negócio social que produz e comercializa tijolos
ecológicos para baratear o custo em obras de construção em comunidades carentes
e envolve o público na sua fabricação.
i) Meio Ambiente - por exemplo: um negócio social que presta serviços a grandes
empresas que desejam certificar suas operações e obter licenças ambientais e
capacitam técnicos a trabalharem com o manejo sustentável em área de reservas
ambientais.
j) Tecnologia de Informação e Comunicação - por exemplo: plataforma online de
divulgação de dados sobre medicamentos de baixo custo, vacinação e postos de
atendimentos de saúde, com o intuito de oferecer acesso à informação de
qualidade e contribuir para a prevenção de doenças.
k) Turismo - por exemplo: uma agência de turismo que tem compromisso com o
desenvolvimento dos locais que serão visitados por seus clientes, oferecendo
vivência e conhecimento sobre as manifestações culturais locais. Além disso,
preparam a população local para receber bem os turistas, com aberturas de casas
de albergues, pequenas pousadas e transformam a visita de um ateliê de um artista
popular em uma aula experimental.
l) Saúde - por exemplo: oferecimento de consultas e exames médicos de boa
qualidade a preços acessíveis para a população de baixa renda que não tem acesso
a planos de saúde e desenvolvimento de aparelhos médicos com tecnologia de
ponta, mas de baixo custo financeiro.
m) Serviços financeiros/microfinanças - por exemplo: um negócio social que fornece
crédito ágil e desburocratizado para pequenos empreendedores, em sua maioria
57
comerciantes formais ou informais excluídos da política do sistema financeiro e
também oferece um trabalho de fortalecimento da gestão financeira desses
pequenos negócios.
4.9. O engenheiro como empreendedor social
Dadas as mudanças no mercado de trabalho e nas exigências aguçadas do mesmo, é cada
vez mais fundamental para o engenheiro desenvolver uma visão sistêmica do mundo, ou seja:
reconhecer que, como agente de transformação social, ele faz parte do todo. Neste aspecto, é
essencial desenvolver competências científica e tecnológica com gestão ética, procurando
harmonizá-las. Ao tomar consciência da necessidade de conciliar sua habilidade técnica (a de
executar sua atividade específica) com a habilidade humana (a de desenvolver o relacionamento
humano proativo), esse profissional desenvolverá a habilidade conceitual, a qual está
diretamente associada à coordenação e integração de todas as atividades, atitudes e interesses
da organização a qual pertence ou presta serviço.
A habilidade técnica está associada à compreensão e proficiência em determinado tipo de
atividade, principalmente naquela em que estejam envolvidos métodos, processos e
procedimentos. A formação do engenheiro é voltada, em sua grande maioria, para a cálculos,
simulações e projetos, caracterizando-o com um indivíduo, acima de tudo, objetivo. Já a
habilidade humana pode ser entendida como a capacidade de o indivíduo interagir com outros,
formando uma relação que respeite o seu semelhante e a natureza (SILBER; STELNICKI,
1987). Contudo, a pressão do mercado e as dificuldades financeiras encontradas podem
acarretar um processo de rompimento do engenheiro com o seu viés de comprometimento
social, em virtude do aumento da preocupação com o sucesso próprio ou conquista de capital.
É de grande importância relembrar, então, que seja qual for o ramo da engenharia, a
responsabilidade do engenheiro vai sempre estar atrelada à ética, assumindo-a como inerente
ao ser humano.
De acordo com (PRAHALAD, 2000), 80% das oportunidades nas grandes empresas são
engavetadas por que as pessoas não compartilham a mesma visão da organização. Assim, a
formação do engenheiro deverá estar voltada para o profissional que pensa, planeja e executa
atividades, empreendimentos e transformações tecnológicas, que darão não só à sua empresa,
como também à sociedade, possibilidades para melhorar a qualidade de vida.
58
O novo paradigma da tecnologia propõe um modelo em contínua transformação, que afeta
diretamente os campos da engenharia. Neste caso, a engenharia deve desenvolver competências
técnica e científica, tais como: formação básica bastante sólida nas ciências de engenharia,
possibilitando a atuação no mercado futuro; visão analítica e espírito crítico; capacidade para
análise de processos; utilização de ferramentas computacionais; e dispor de habilitações em
mensuração, simulação, experimentação, representação gráfica, decisão. Além dessas
competências, existem aquelas destinadas ao aspecto social, e que estão associadas às relações
humanas como: liderança, solidariedade, capacidade de trabalho em equipe disposição ao
multiculturalismo e uma ética alicerçada em uma formação moral e cultural. (CREMASCO,
2009).
Como pode ser notado, o presente da tecnologia envolve muito mais que habilidade
técnica. Aflora, neste caso, a necessidade de o profissional de engenharia estar inserido no
contexto social em que atua e quer transformar. Este profissional, socialmente responsável, está
envolvido com a integração do ser humano com a sociedade; está atento à integração da
tecnologia com mundo e às consequências dos serviços no comportamento do ser humano e
daquilo que o cerca.
Existe certa dificuldade de definir e identificar indivíduos que tenham maior propensão
a se tornarem empreendedores. Do ponto de vista teórico, persistem claras lacunas e
necessidades de desenvolvimento de instrumentos de avaliação. Constata-se que os autores
recorrem a diferentes metodologias de avaliação da intenção, apresentando, frequentemente,
operacionalizações pouco consistentes com os constructos teóricos utilizados (SANTOS;
CAETANO; CURRAL, 2010).
Segundo MORAES (1999), a necessidade do mercado de trabalho está cada vez mais
atrelada as qualidades do SER e menos com o SABER técnico. Em seu texto, o autor deixa
claro que o novo engenheiro empreendedor deve procurar compreender a qualidade como uma
obrigação constante em busca da perfeição no exercício de sua atividade profissional. Porém,
o fato de saber viver e conviver, valorizando a ética e a dignidade pessoal, são atributos
extremamente importantes mesmo em meio das diversas mudanças e adversidades. O indivíduo
deve possuir uma inteligência pessoal bem desenvolvida, o que significa ser capaz de auto
conhecer-se e de reconhecer e valorizar o outro.
No âmbito de conhecimento, o engenheiro não se mostra capacitado a lidar com
questões mais gerenciais ou administrativas, sendo que estas são fundamentais para o sucesso
de um pensamento mais holístico dentro de uma empresa ou até mesmo para o empreendimento
de um negócio próprio. Isso deve ao fato de que as matérias de formação geral: Humanas e
59
Ciências Sociais, Economia, Administração e Ciências do Ambiente, são insuficientes para
abranger todo o conhecimento necessário para o engenheiro administrar um negócio. Percebe-
se que as habilidades adquiridas na universidade que sustentam o engenheiro como
empreendedor são adquiridas principalmente devido ao fato de que o estudo da engenharia
estimula a parte do cérebro responsável pelo raciocínio lógico (ARAÚJO; LEZANA, 2000).
Dessa forma, tal facilidade de crítica e elaboração de processos auxilia o engenheiro
socialmente responsável a encontrar pontos de ineficiência no atendimento das necessidades
atuais da população.
Contudo, a educação tem dificuldades de acompanhar o mesmo ritmo de
desenvolvimento em relação a outros setores da sociedade. Sabe-se que as tentativas de
mudanças têm enfatizado a modificação do conteúdo curricular desconsiderando-se os métodos
de ensino. Em seu trabalho, Comini (2012) relata que em um total de 71 Escolas de
Administração de Empresas abordadas em seu estudo, 91% delas adotam a revisão da estrutura
curricular como estratégia principal de melhoria do ensino, sendo que a revisão da metodologia
didática aparece em 4º lugar. Neste mesmo trabalho foi traçado o perfil da Administração onde
o espírito empreendedor (capacidade de antecipar mudanças e ter iniciativas de ação e decisão)
e competência contextual (capacidade de compreender o meio social, político, econômico,
cultural no qual o administrador está inserido), apresentam-se como principais características
exigidas para um graduado no mercado de trabalho atual e futuro. Apesar desta se referir apenas
aos cursos de Administração, o contexto do mercado de trabalho nos mostra que os resultados
obtidos, de certa maneira, assemelham-se aos dos cursos de engenharia.
As mudanças nos métodos de ensino são cruciais para que o engenheiro possa
desenvolver novas competências sociais, a capacidade de diálogo, de relacionamento, e de lidar
com diversidades. O novo engenheiro deve ser capaz de, entendendo o mundo a sua volta,
enxergar os problemas na sua totalidade, na sua complexidade, e assim propor soluções
conhecendo seus impactos econômicos, sociais, ambientais e culturais. Assim, o novo
engenheiro deve ter uma atuação crítica, entendendo que os aspectos sociais, políticos e
econômicos sempre estarão vinculados às suas decisões técnicas e que estas devem estar
voltadas ao atendimento das demandas da sociedade, e não apenas das demandas daqueles que
detêm o poder (ALVEAR et al., 2008).
De fato, o processo empreendedor está fortemente associado às características do
indivíduo, uma vez que este é o agente principal da tomada de decisão para implementar
iniciativas empreendedoras e o primeiro responsável pelo desempenho das tarefas que daí
decorrem. O estudo para identificar o potencial empreendedor pode ser pautado na análise de
60
grandes dimensões: as motivações empreendedoras; as competências psicológicas; e as
competências de gestão (BAUM; FRESE; BARON, 2014). Desse modo, deve-se ter em mente
que estas são as competências necessárias para que o engenheiro possa aplicar seus
conhecimentos como um empreendedor social.
No âmbito das motivações empreendedoras, tem-se que no empreendedorismo social a
principal motivação é o anseio pela geração de impacto e resolução de problemas sociais.
Porém, o desejo de independência e a motivação econômica também são fatores influenciadores
no processo. Estudos prévios evidenciaram, por exemplo, que o forte desejo de independência
pessoal influencia o desenvolvimento de negócios familiares, onde os empreendedores podem
assumir a frente dos negócios de forma mais facilitada (ALSTETE, 2008). A relação familiar
acaba sendo um fator muito importante de motivação porque muitos dos empreendedores
buscam a primeira aprovação junto aos seus familiares e amigos. Como ressaltado no relatório
GEM, em estágios iniciais de desenvolvimento de iniciativas, os familiares são os responsáveis
pelo maior percentual de investimento e aporte financeiro. Além disso, quando se tem
familiares próximos como empreendedores tem-se a tendência de se atuar no mesmo ramo por
consequência de um conhecimento prévio maior do setor, ou até mesmo para dar seguimento a
uma estrutura de negócio já validada. Pensando nesse apoio, o engenheiro empreendedor social
pode encontrar dificuldades familiares ao optar por uma carreira de Impacto socioambiental ao
invés de atuar em grandes empresas já consolidadas. Afinal, os cursos de engenharia já possuem
o preceito de estar formando mão de obra qualificada para multinacionais e empresas
consolidadas.
No âmbito das competências psicológicas, a capacidade de inovação (capacidade para
desencadear processos de desenvolvimento de uma invenção, que resulta na introdução de
novos produtos, processos ou serviços no mercado), a inteligência emocional (capacidade para
percepcionar, interpretar e gerir adequadamente as emoções do próprio e em especial na relação
com os outros) e a resiliência (capacidade de reação e recuperação face a resultados inesperados
e desfavoráveis numa situação de risco e incerteza) foram identificadas como características
distintivas dos empreendedores. Além disso, a capacidade de comunicação – persuasão (i.e.,
capacidade para mudar as opiniões e os comportamentos dos outros e o comportamento do
próprio em situações importantes para o sucesso da iniciativa empreendedora) e a capacidade
para desenvolver rede social foram identificadas como as duas características mais importantes
no âmbito das competências sociais. Fica evidente a importância do aumento do
desenvolvimento das capacidades de oratória, de pensamento rápido frente a adversidades e de
integração frente a opiniões divergentes no processo de formação do engenheiro empreendedor
61
social. Neste caso, o saber técnico deve ser atrelado ao desenvolvimento de habilidades que
permitam ao engenheiro entender holisticamente os problemas identificados, ou seja, este deve
ter a capacidade de analisar problemas por meio da interpretação própria em conjunto de
interação com o próximo. Só desta forma serão possíveis gerar soluções de alto impacto que
atendam não somente o que o empreendedor considera crítico mas também o que os principais
interessados apresentam como real dor a ser combatida (SANTOS; CAETANO; CURRAL,
2010).
As competências de gestão incluem quatro características distintivas do potencial
empreendedor: visão, capacidade para mobilizar recursos, capacidade para liderar e a auto
eficácia. A visão, definida como a capacidade para visualizar e antecipar objetivos, metas e
realizações futuras, tem sido evidenciada como preditora do crescimento de empresas
empreendedoras e identificada também como um elemento fundamental na liderança
carismática. A capacidade para mobilizar recursos foi também identificada como importante
para o sucesso empreendedor. A capacidade para liderar é definida como a aptidão para
mobilizar e gerir os outros, tendo em vista o crescimento e sustentabilidade do negócio. A auto
eficácia empreendedora é definida como a crença individual na capacidade do próprio para
alcançar com sucesso um objetivo (BAUM; LOCKE; SMITH, 2001; CHELL, 2008;
RAMACHANDRAN; RAY, 2006). No caso de engenheiros empreendedores sociais, a
capacidade de identificação e resolução de problemas sociais de forma lógica, baseada em
premissas concretas e observações das carências sociais, é uma característica fundamental que
compõem as competências de visão e auto eficácia. Sabe-se que a auto eficácia nos engenheiros
é fundamental para qualquer posto no mercado de trabalho atualmente, já que cada vez mais
estes devem ter confiança para aplicar suas habilidades de raciocínio em tarefas que não estejam
diretamente ligadas a sua especialização técnica, sendo capazes de antecipar situações de risco
e de improdutividade em áreas que não dominam totalmente. Contudo, a capacidade de
mobilização de recursos não é uma competência abordada na formação de engenheiros e torna-
se ainda mais crítica na estruturação de negócios sociais. Nestes negócios em específico, é
necessário buscar fontes que também estejam comprometidas com a causa e não somente
busquem retorno financeiro.
62
4.10. O engenheiro como intraempreendedor social
O crescente nível de informação e conscientização da sociedade está produzindo
alteração na gestão das empresas, impelindo-as a assumirem novos compromissos que vão além
daqueles definidos pela ordem econômica centrada no mercado, onde a minimização de custos
e a primazia do lucro são os adjetivos únicos. É neste contexto que surge o
Intraempreendedorismo social. O Intraempreendedorismo Social pode ser definido como o
conjunto de inovações que a organização pratica e desenvolve para a solução de suas questões
sociais (DAVID, 2004).
Segundo Jim Brown, em vez de procurarmos empreendedores sociais para criar
empreendimentos sociais completamente novos, devíamos formar “intraempreendedores
sociais”, pois estes seriam capazes de transformar as organizações. Este autor menciona que o
intraempreendedor social pode ser tanto um voluntário quanto um contratado de uma
organização do setor público ou privado encarregado de criar um empreendimento social dentro
da organização em que trabalha. Para isso, pode-se transformar a organização inteira em um
empreendimento social, ou apenas alguns produtos ou serviços existentes de forma a ter-se um
projeto específico com possibilidade real de aumento de escala, e consequentemente de Impacto
socioambiental (BROWN, 2002).
Contudo, ao analisar o intraempreendedorismo social é necessário ressaltar o retorno
que este pode fornecer as empresas que enxergam a comprometimento ético e social como uma
oportunidade válida de abrangência de suas atuações. Vários estudos empíricos mostram que
as empresas que apoiam suas estratégias de negócios em fundamentos éticos sólidos possuem
mais potencial de lucros que as unicamente voltadas a alcançar esses lucros (ARRUDA;
VASCONCELLOS, 1989; FERRELL; FERRELL; FRAEDRICH, 2001). Com base nesses
estudos, ter um planejamento estratégico pautado pela responsabilidade ética e social está
positivamente ligado ao crescimento de vendas e ao retorno de investimentos. Além disso,
muitos acionistas possuem o forte programa ético e a reputação das empresas como dois de seus
principais critérios de julgamento.
O engenheiro pode atuar de modo transformador aliando técnica à visão humanista,
sendo que este ao exercer cargos de liderança e influência possui maior autonomia para
evidenciar projetos de real Impacto socioambiental (CREMASCO, 2009). Adicionalmente, a
orientação pelo desenvolvimento sustentável, que é característica cada vez mais marcante na
formação de engenheiros, adiciona ao paradigma econômico dominante as dimensões social e
63
ambiental e confere aos bancos fomentadores do crescimento econômico e social uma
oportunidade singular para considerar aspectos da responsabilidade social das empresas, como
indicadores complementares às suas análises para concessão dos créditos (KARKOTLI, 2004).
Outra entrada de atuação para engenheiros intraempreendedores sociais são as
consultorias especializadas. Isso se deve ao fato de que algumas grandes empresas podem, por
si só, desenvolver informação relevante para sua atuação em mercados de menor renda.
Porém, a falta de conhecimento e informação sobre esses mercados entre a maioria das
empresas contribuiu para a criação de consultorias especializadas que trabalham para oferecer
informação consolidada sobre esses mercados de menor renda, como a Plano CDE, a MGov
Brasil e avaliação de Impacto socioambiental como a Move Social, por exemplo. Essas
empresas apontam para a existência de um novo nicho de mercado que resulta do
desenvolvimento de práticas sociais. O engenheiro tem total capacidade de se destacar em
consultorias por possuir habilidades como: grande capacidade de construir raciocínios
analíticos; avaliar, interpretar e gerenciar a complexidade de dados qualitativos e quantitativos
sobre determinado tema; curiosidade para buscar informações relevantes e criatividade para
desenvolver uma solução eficaz para um problema e/ou necessidade das empresas; capacidade
de identificar o melhor caminho a ser seguido, como e por que, modelando cenários a partir
do conhecimento, julgamento e premissas estabelecidas. Tais habilidades unidas a motivação
empreendedora e o comprometimento com o Impacto socioambiental podem dar origem a
uma profissional cuja resiliência e qualidade de trabalho sejam verdadeiramente exemplares.
Contudo, os projetos de Impacto socioambiental utilizados como diferencial
estratégico não são somente para empresas já bem estabelecidas no mercado. O ambiente de
acirrada competição atualmente vivenciado pelas pequenas empresas vem, concretamente,
impondo-lhes a necessidade de uma atuação diferenciada como imperativo de sobrevivência
no mercado. Portanto, tanto as organizações já instaladas no mercado, como os novos
pequenos empreendimentos, possuem abertura para assumir, em suas propostas de gestão,
compromissos e responsabilidades em uma nova dimensão, indo além do enfoque puramente
financeiro, para o de agregação de novos valores empresariais que considerem a vida social e
a conduta ética da empresa (KARKOTLI; SCHENINI; OLIVEIRA, 2006).Por fim, tanto em
empresas grandes como em novos empreendimentos o engenheiro intraempreendedor social
pode atuar na formulação e incremento de projetos relacionados a diversos aspectos, como
por exemplo:
64
a) Geração de valor para seus agentes internos – proprietários, investidores e
colaboradores para que, em primeiro, se justifiquem os recursos financeiros,
humanos e materiais utilizados pelo empreendimento;
b) Geração de valor para a sociedade, nela identificados: governo, consumidores
e o mercado como um todo, disponibilizando bens ou serviços adequados,
seguros e de algum significado para melhorar a vida das pessoas;
c) Projetos de prestação de informações confiáveis e comunicação eficaz e
transparente para com colaboradores e agentes externos;
d) Racionalização, ao máximo, da utilização de recursos naturais e adoção de
medidas de proteção e preservação do meio ambiente;
e) Programas de incentivo a participação de dirigentes e colaboradores, enquanto
cidadãos, na solução de problemas da comunidade;
f) Formação de parcerias com outros organismos, de governo e da sociedade
civil, para identificar deficiências e promover o desenvolvimento da
comunidade onde está instalada.
5. CONCLUSÃO
Por meio da análise do cenário de empreendedorismo tradicional e social no Brasil e no
mundo, sabe-se que ainda existem muitas dificuldades a serem superadas por aqueles que
almejam implementar soluções que realmente modifiquem a rotinas das pessoas e de empresas.
Os novos engenheiros podem atuar de modo transformador aliando técnica à visão humanista,
usufruindo da orientação pelo desenvolvimento sustentável, que é característica cada vez mais
marcante na formação dos mesmos.
No âmbito do engenheiro empreendedor social, é necessário atentar para as
necessidades de incremento tanto em competências psicológicas quanto de gestão. O
desenvolvimento das capacidades de oratória, de pensamento rápido frente a adversidades e de
integração frente a opiniões divergentes no processo de formação do engenheiro são
fundamentais para aqueles que desejam seguir a carreira do empreendedorismo socialmente
responsável. Além disso, a capacidade de identificação e resolução de problemas sociais de
forma lógica, baseada em premissas concretas e observações das carências sociais, é uma
característica positivamente atrelada a auto eficácia dos engenheiros.
65
No caso do engenheiro intraempreendedor social, este pode buscar fazer a diferença em
empresas cujas estratégias de negócios estão apoiadas em fundamentos éticos sólidos. Outro
fator a ser ressaltado é a orientação ao desenvolvimento sustentável cada vez mais presente na
formação do engenheiro. Isto significa um maior alinhamento destes com a visão holística e
mais enraizada ao caráter social. Os novos engenheiros podem aplicar seus conhecimentos
técnicos e principalmente suas capacidades de raciocínio lógico para identificar em empresas
já consolidadas novas formas de lidar com a sociedade. Desta perspectiva, surge a possibilidade
de atender a necessidades sociais de uma forma que não necessariamente traga capital
diretamente, mas sim que represente um fortalecimento de uma convivência que agrega valor
positivo a todos os envolvidos.
Por fim, é válido ressaltar a temática da necessidade de desenvolvimento de
competências transversais dentro do meio acadêmico. O fato é que a formação em sala de aula
em muitos dos cursos de engenharia acaba sendo bastante restrita ao aprendizado técnico,
deixando de valorizar e instigar o desenvolvimento de atitudes comportamentais relacionadas
à inteligência emocional, às habilidades mentais do ser humano e à capacidade de gestão e de
relacionamento interpessoal. Esta problemática deve ser levada em consideração porque se o
objetivo das grandes instituições de ensino é formar profissionais de grande qualidade, estas
devem também se preocupar em desenvolver seus alunos de forma a terem destaque no mercado
de trabalho ou até mesmo se tornarem profissionais cientes dos seus objetivos. Para isso, tais
competências transversais são fundamentais para o acúmulo de experiência e de relacionamento
em busca da realização profissional, busca este iniciada na escolha de determinada instituição
de ensino.
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