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UNIVERSIDADE DE SO PAULO
FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CINCIAS HUMANAS
DEPARTAMENTO DE LETRAS CLSSICAS E VERNCULAS
PROGRAMA DE LETRAS CLSSICAS
VIVIANI XANTHAKOS
QUEM TEM BOCA VAI A TACA: UM ESTUDO SOBRE A PERSUASO NO
CANTO XIV DA ODISSEIA
So Paulo
2011
VIVIANI XANTHAKOS
Quem tem boca vai a taca: um estudo sobre a persuaso no canto XIV da
Odisseia
Dissertao apresentada ao
Departamento de Letras Clssicas e Vernculas.
Programa de Ps-Graduao em Letras Clssicas
da Faculdade de Filosofia, Letras e Cincias Humanas
da Universidade de So Paulo para a obteno do ttulo de Mestre.
Orientador: Prof. Dr. Christian Werner
So Paulo
2011
Ao meu orientador,
Por todas as incontveis horas de dedicao,
que excederam em muito o que seria esperado.
AGRADECIMENTOS
Agradeo CAPES, pela concesso da bolsa de mestrado que permitiu que
esta pesquisa fosse realizada.
Ao meu orientador, Prof. Dr. Christian Werner, pela infinita pacincia e
carinho com a qual conduz seu trabalho.
Aos Prof. Dr. Andr Malta Campos e Prof. Dr Adriane Duarte, pelas
orientaes e observaes importantes feitas em minha banca de qualificao.
Caroline Evangelista Lopes pelas longas horas de discusso, pelo
companheirismo e auxlio.
Erika Werner, pelos socorros de ltimo instante e solicitude em todos os
momentos.
Aos amigos muito requisitados e muito bem dispostos, Fernanda Rezende
Figueiredo, Roberta Claro, Tatiane Severino e Stefan Fornos Klein, pelas leituras
e correes. Vivian Drecco pelo auxlio em recursos digitais.
minha famlia e meu noivo, pela pacincia em aguardar meus poucos
momentos disponveis e incentivo incondicional.
RESUMO
Esta dissertao dedica-se ao estudo da persuaso nos discursos proferidos
por Odisseu no canto XIV da Odisseia, levando em considerao a interao de
trs elementos:o orador, o auditrio e a argumentao. seu objetivo refletir
sobre qual tese Odisseu busca compartilhar com seu pblico, Eumeu, e as
estratgias de que se vale para atingir esse fim.
Abstract
This dissertation is a study about the persuasion in Odysseus speeches in
Odyssey XIV, observing three elements: the orator, the audience and the
argumentation. My target is make a reflection about what idea Odysseus wants to
share with his audience, Eumaios, and the strategies to do it.
Lista de imagens
Sugesto de esquema representativo das narrativas do canto XIV, levando em
considerao pblico interno e externo............................................................... 40
Esquema representativo dos papeis argumentativos assumidos nas narrativas do
canto XIV ............................................................................................................ 41
Sugesto de esquema representativo do apostrofe ........................................... 64
SUMRIO
Introduo ............................................................ 2
Captulo 1 Poesia homrica e literatura oral..... 8
Captulo 2 O orador .......................................... 30
Captulo 3 O pblico ........................................ 48
Captulo 4 A argumentao ............................. 70
Consideraes finais........................................... 87
Bibliografia .......................................................... 91
Introduo
Os poemas homricos so objeto de anlise desde os tempos mais
antigos, despertando ao longo dos sculos o interesse de diversos estudiosos,
que procuraram entender a complexidade dessas narrativas. A Ilada e a
Odisseia foram e so um desafio para os que se propem a estud-las, pois
ainda que tantos anos tenham se passado desde sua composio, temos muito
mais incgnitas a seu respeito do que respostas. Como foram compostos?
Onde? Por quem? Para quem? So algumas das perguntas que diversos
trabalhos buscam responder.
O presente trabalho tem tambm como objeto a poesia homrica, mais
especificamente a Odisseia, visando analisar como os discursos de Odisseu
podem ser considerados persuasivos e, assim, o modo como o poder de
persuaso do protagonista influncia todo o enredo da narrativa.
O macro objetivo da pesquisa era trabalhar com a persuaso na
Odisseia. Meu primeiro recorte foi quanto ao personagem que proferia os
discursos, Odisseu. Sendo ele o protagonista da narrativa e possuindo como
um de seus mais destacveis traos a habilidade com as palavras, decidi
estudar a capacidade persuasiva de Odisseu e a maneira como essa
caracterstica determina o sucesso de seu nostos, desse modo afetando toda a
trama da Odisseia.
Isso decidido foi necessrio estabelecer os pressupostos tericos da
pesquisa. O primeiro, que originou o captulo I da dissertao, trata do modo de
abordagem que eu daria ao poema. Em especial porque, para analisar a
persuaso, me valeria de teorias elaboradas para o estudo de textos
modernos, e a pica grega, desde os estudos de Milman Parry, amplamente
aceita como uma poesia de origem oral, mas que posteriormente foi fixada e
3
passou a ser acessvel no mais atravs da performance tradicional, mas
atravs da escrita.
Uma vez que parto do pressuposto que a Odisseia foi um poema oral em
seu contexto original, no posso ignorar as caractersticas da oralidade em
minha anlise. Por isso a deciso de comear a dissertao com um captulo
que comenta a origem oral dos poemas, os argumentos e estudos que
principiaram a teoria da oralidade e as principais caractersticas de um poema
oral, que influenciariam a forma como seriam analisados os discursos de
Odisseu. O tema em si extenso e complexo e no tenho a pretenso de ter
feito um resumo completo sobre o tema; meu objetivo foi to somente
esclarecer as bases sobre as quais fundamento minha anlise e o modo como
as principais caractersticas orais do poema influenciariam a maneira de
enxergar a persuaso no poema.
Algumas das problemticas derivadas da oralidade e do processo de
transmisso no foram abarcadas neste trabalho, tais como os trechos
polmicos do poema, considerados por alguns estudiosos como interpolaes,
ou o fato de que, se os poemas eram reproduzidos em performance, natural
que houvessem mudanas significativas de uma apresentao a outra, o que
poderia complicar meu estudo sobre os argumentos de Odisseu. A busca por
interpolaes, passagens tardias e similares no poema mudaria a natureza de
meu trabalho, de modo que, para os fins aqui propostos, considero a Odisseia
tal como chegou at ns como meu objeto de anlise, representando uma das
muitas performances e verses possveis do poema.
Aps as consideraes sobre a origem oral dos poemas, meu foco se
tornou a reflexo sobre a importncia da persuaso na Odisseia. A persuaso,
palavra to usada nos tempos modernos em tratados de direito e publicidade,
conceito importante desde os tempos antigos. Ser capaz de falar bem, de
convencer as pessoas de sua inocncia, ou da culpa de outrem, convencer
seus ouvintes a ajud-lo, a gui-lo ou segui-lo, ou qualquer que seja seu
objetivo, uma qualidade valorizada no apenas em nossos dias, pois desde
que o homem capaz de usar a palavra para se comunicar, us-la para
convencer seus semelhantes uma das suas funes mais teis. Naas (1995,
4
p.3) diz, sobre a importncia da persuaso no universo da pica grega:
"Sem persuaso, parece que no haveria nenhuma regra confivel da Lei,
nenhuma comunidade estvel ou acordo duradouro" (traduo minha).
A poesia homrica, por muitos, datada por volta do sculo VIII a. C.,
portanto antes das primeiras tentativas de elaborao de uma arte retrica. A
despeito disso possvel perceber a importncia de ser um bom orador nos
poemas, muitos so os estudos e a discusso acerca de uma espcie de pr-
retrica em Homero1, pois falar bem teria um papel central na pica grega, e
retricos clssicos, tais como Aristteles e Quintiliano, muitas vezes usavam
Homero como referencial. Karp (1977, p.240) afirma que a poesia homrica
influenciou na concepo da retrica clssica:
Homero foi um precursor, se no uma influncia, das posteriores
formulaes filosficas explicitas de teorias da persuaso (em
especial as de Plato e Aristteles) (traduo minha).
Portanto, ainda que a eloquncia em Homero seja de uma fase anterior
arte retrica, falar bem em pblico retratado como algo importante para o
convvio social, sendo admirveis os personagens que possuem essa
caracterstica.
O heri homrico por excelncia tanto um bom combatente, corajoso e
forte nas batalhas, quanto um hbil orador, respeitado na gora e eloquente
com seus comandados. Um exemplo dessa formao do heri homrico o
preceptor de Aquiles, Fnix, que no canto IX da Ilada diz ter sido escolhido
para educar o heri por unir a capacidade de ao e a de falar bem:
,
Por isso me mandou, para que te fizesse
Na oratria eminente, eficiente nas obras.2
(vv. 442-443)
1 Cf. Karp (1977), Kirby (1990), Reyes (2002), Alles (1990), Kennedy (1957). 2 A traduo da Ilada citada nesta dissertao de Haroldo de Campos.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tou%29%2Fneka%2F&la=greek&prior=tele/qousihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=me&la=greek&prior=tou)/neka/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=proe%2Fhke&la=greek&prior=mehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=didaske%2Fmenai&la=greek&prior=proe/hkehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ta%2Fde&la=greek&prior=didaske/menaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pa%2Fnta&la=greek&prior=ta/dehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=mu%2Fqwn&la=greek&prior=pa/ntahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=te&la=greek&prior=mu/qwnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=r%28hth%3Dr%27&la=greek&prior=tehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Fmenai&la=greek&prior=r(hth=r'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=prhkth%3Dra%2F&la=greek&prior=e)/menaihttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=te&la=greek&prior=prhkth=ra/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29%2Frgwn&la=greek&prior=te
5
Em muitas situaes da vida do heri homrico podemos perceber a
importncia de falar bem, de saber como convencer seu interlocutor. isso
visvel na assembleia e at mesmo no contexto da hospitalidade. Todo
hspede precisa identificar-se ao seu hospedeiro, contar quem , de onde vem;
quanto mais competente sua atuao, maiores so suas chances de conseguir
ajuda para a continuao de sua viagem e de ganhar presentes, pois ser mais
capaz de cativar seu anfitrio.
Odisseu, que em seu nostos muitas vezes hspede, demonstra muita
habilidade para elaborar seus discursos, assim como conhecimento da tcnica
para faz-lo com maestria. Como resultado, sua audincia o admira, acredita
na imagem que ele constri com seu discurso e asseguram-lhe a continuidade
da sua viagem. 3
Como j dito, o primeiro recorte do corpus para este estudo foi
selecionar apenas discursos de Odisseu. Entretanto, ainda assim muitas
seriam as cenas nas quais Odisseu utiliza suas habilidades com as palavras
para obter o que deseja. Optei pelo canto XIV, no qual Odisseu chega
cabana do porqueiro Eumeu disfarado de mendigo por dois motivos principais:
primeiro porque o pblico de Odisseu nessa passagem, Eumeu, o nico a
quem o narrador principal se dirige atravs de apstrofe, e o segundo motivo,
pelo fato de Odisseu contar uma pequena histria reconhecida como um ainos.
Ainda que a natureza desse tipo de narrativa tradicional seja controversa, a
interpretao de que um ainos uma espcie de histria que visa conseguir
presentes corrobora para minha pesquisa sobre o tipo de persuaso da
Odisseia. Ainda que a tentativa de persuaso de Odisseu na cabana do
porqueiro no seja textualmente expressa, como talvez o fosse em uma
3 A habilidade de Odisseu com seus anfitries, entretanto, no o ajuda em todas as
circunstncias; no canto IX, no qual ele conta como foi recebido por Polifemo, seu discurso
ignorado pelo ciclope e alguns de seus companheiros mortos, somente com a unio da bia, da
fora bruta, que Odisseu consegue salvar-se e ao resto da sua tripulao. Parece razovel
dizer que Calope tambm no pode ser convencida por Odisseu a deix-lo partir, ainda que
isso no seja dito no poema, pois a deusa o manteve consigo contra a vontade, at receber
ordens de Zeus atravs de Hermes. Entretanto estas duas circunstncias sero discutidas mais
profundamente no captulo dedicado a audincia.
6
assembleia, creio que possua elementos suficientes para permitir a anlise da
persuaso implcita, ou seja, quando o orador no pede abertamente algo, mas
seu interlocutor consegue interpretar a mensagem e agir ou no como
esperado.
No canto XIV Odisseu est em taca, disfarado em mendigo por Atena,
a caminho da cabana de Eumeu por orientao da deusa, local onde deve
aguardar o retorno de seu filho Telmaco e receber informaes sobre o seu
lar. Andando como um maltrapilho Odisseu chega s suas terras e atacado
pelos ces do porqueiro. Eumeu o salva e o abriga, como um respeitador das
leis de Zeus, e lhe d os cuidados tpicos reservados a um hspede.
Aps comerem, o escravo indaga ao estrangeiro seu nome e sua
origem, e Odisseu responde com sua segunda mentira cretense (vv.192-359),
na qual diz ser de Creta, filho bastardo de um nobre e um antigo guerreiro de
valor. Conta ter sido um lder que lutou em Troia, juntamente com Idomeneu,
famoso guerreiro de Creta. Aps ter voltado de Troia, ele saiu novamente em
viagens, aportado no Egito, onde seus companheiros o desobedeceram e
comearam um saque sem autorizao. Aps o saque os egpcios pediram
ajuda e, no contra-ataque, os homens do cretense perdem a batalha. O
cretense implorou por sua vida ao rei do Egito, que, se apiedando, o teria
levado como hspede em seu palcio. Anos depois, marinheiros enganam o
cretense, o levam do Egito e o prendem, para vend-lo como escravo. No
entanto, o navio naufraga, partido ao meio por um raio atribudo pelo cretense a
Zeus, e ele se salva, se agarrando a um mastro, passando nove dias no mar,
at chegar terra dos tesprtios, onde recebido pelo filho do rei e l recebe
notcias de Odisseu, que tambm teria sido hspede ali e teria seguido para
Dodona em busca de um orculo. O cretense, aps saber essas coisas, foi
enviado at Dulquio, mas no caminho os marinheiros tentam vend-lo como
escravo. Novamente ele atribui sua salvao aos deuses, pois os laos das
cordas foram afrouxados e ele pde fugir a nado, chegando em taca.
A segunda histria que Odisseu narra (vv. 462-506), chamada de ainos
por Eumeu, se passa em Troia, em uma emboscada, na qual o cretense estaria
na companhia do prprio Odisseu. Tendo esquecido sua capa, o cretense
7
estaria perto de morrer de frio quando pediu ajuda a Odisseu, que vem em seu
auxlio, dizendo aos companheiros que teve um sonho premonitrio e que
algum precisaria voltar s naus para pedir reforos. Toas se oferece, deixa
sua capa e corre na direo dos barcos; o cretense usa a capa dele para se
aquecer e assim sobrevive.
Para analisar a persuaso presente nesses dois discursos levarei em
considerao a origem oral dos poemas, o que os torna distintos de uma
literatura puramente escrita e procurarei utilizar ferramentas de anlise
desenvolvidas pelos estudiosos da oralidade homrica, tais como frmulas e
cenas-tpicas. Sendo a cena desses discursos uma cena-tpica de
hospitalidade, as semelhanas e diferenas com outras cenas do gnero no
poema enriquecer a compreenso dos elementos persuasivos presentes no
discurso de Odisseu.
Para a anlise desses recursos persuasivos utilizei tericos modernos,
como Cham Perelman, Ruth Amossy e Philipe Breton. A organizao dos
captulos desta dissertao segue o esquema da argumentao na
comunicao, sugerido por Breton (2003), que distingue os trs elementos
fundamentais para a persuaso: o orador, o auditrio e o argumento. Cada um
desses elementos foi tratado em um captulo da dissertao. A respeito do
orador minha principal reflexo foi acerca da maneira como Odisseu constri o
ethos, o carter do cretense, da, que impresses sobre o personagem que ele
representa para Eumeu parecem importantes.
8
1. Poesia homrica e a teoria oral.
Dans le texte, le discours
homrique se trouve em
quelque sorte dnatur4
A distncia temporal e cultural e a carncia de informaes sobre a
forma de composio e de reproduo dos poemas homricos so obstculos
para os estudos da pica grega arcaica. Na tentativa de minimizar esses
obstculos foram desenvolvidas diversas teorias, as quais buscam reconstituir
(parte d)o contexto original desses poemas, de modo a possibilitar uma melhor
compreenso deles. Dentre as teorias que tentam explicar a forma de
composio dos poemas homricos est a teoria desenvolvida pelos
pesquisadores Milman Parry e Albert Lord, a qual defende que os poemas
homricos so frutos de uma longa e rica tradio oral.
A teoria de Parry e Lord considera que os poemas homricos so de
composio oral, datados provavelmente no sculo VIII a. C., antes do uso da
escrita estar consolidado na sociedade grega. Por isso, teriam sido compostos
e transmitidos oralmente, enquanto recebiam contribuies de vrios poetas
9
atravs dos tempos, o que acarretaria uma noo de autoria diversa da
concepo de sociedades detentoras de literatura escrita.
As publicaes de Parry e Lord tiveram grande repercusso, tanto entre
os classicistas, quanto entre estudiosos de tradies orais diversas a poesia
homrica passou a ser amplamente conhecida como representante de uma
tradio no escrita de literatura, criando a necessidade de reflexes sobre
como lidar com tal pressuposto para sua leitura. Afinal, mesmo concordando
com a teoria da oralidade da pica grega, os leitores modernos tm acesso a
um texto que em algum momento foi fixado e escrito e, diferentemente de
outros estudiosos de literaturas orais contemporneas, podem apenas fazer um
esforo na tentativa de reconstruir o contexto original dos poemas homricos.
O desafio do estudioso de Homero analisar um texto escrito, mas de origem
oral, sobre o qual existem diversas especulaes acerca do modo de
composio, performance e de transmisso, mas poucos dados nos quais se
basear.
1.1- Teoria Parry-Lord.
Milman Parry desenvolveu a teoria da oralidade de Homero ao se
dedicar ao estudo dos eptetos na Ilada e na Odisseia. Antes da publicao do
trabalho de Parry os estudos homricos estavam basicamente divididos em
duas vertentes: de um lado os analistas, sustentados por dcadas de filologia
4 SVENBRO, Jesper. La parole et le marbre: Aux origins de la potique grecque. Lund: Sutendlitteratur, 1976, p. 14.
10
germnica, que defendiam que os poemas que temos hoje seriam edies de
composies de muitos poetas, finalmente editados por um ltimo poeta ou
rapsodo. Esses crticos se debruavam sobre os poemas homricos na
tentativa de identificar os trechos de poetas de valor inferior para encontrar o
que seria obra do gnio Homero, usando como critrios as discrepncias de
roteiro, as referncias histricas e arqueolgicas, de linguagem e de estilo.
Nesse processo eles retiraram do texto homrico os ento considerados
erros, equvocos ou qualquer parte indigna de Homero, tais como repeties
ou inconsistncias de modo geral, na busca do texto primitivo.
De outro lado estavam os unitaristas, que na verdade eram muito mais
uma reao s teses da Anlise do que uma sugesto de abordagem terica.
Os unitaristas defendiam que a Ilada e a Odisseia so frutos do gnio de um
nico poeta5.
Milman Parry apresentou uma alternativa ao impasse unitaristas x
analistas, a possibilidade dos poemas homricos serem uma composio oral.
Em uma srie de artigos escritos entre 1928 e 1935, Milman Parry exps a
teoria de que a Ilada e a Odisseia de Homero eram poesia oral tradicional.
Parry no foi o primeiro a sugerir a possibilidade da composio oral dos
poemas homricos, no entanto o impacto de sua teoria foi sem precedentes na
pica grega.
Uma vez que a poesia homrica passa a ser considerada oral, a maneira
de pensar os poemas homricos necessariamente tem de ser modificada, pois
os poemas conteriam elementos tradicionais elaborados atravs do tempo por
5 Sobre as teses dos analistas e unitaristas Cf. a introduo de Adam Parry (1971)
11
diversos poetas, algo que coloca em cheque as noes modernas de autoria e
originalidade.
A teoria de Parry baseou-se em um estudo comparativo com bardos
contemporneos da (na poca) Iugoslvia meridional, que compunham e
transmitiam sua poesia de forma oral, sendo alguns desses poemas picos
similares poesia homrica, tanto pela extenso quanto pela estrutura. Parry e
seu discpulo, Albert Lord, fizeram um exaustivo trabalho de campo, estudando
como um poeta oral compunha enquanto cantava e, em particular, como usava
uma combinao tradicional de frmulas e temas estabelecidos para ajud-lo a
compor durante a apresentao.
O estudo de Parry e Lord demonstrou um sistema similar de frmulas
tradicionais referentes aos eptetos nos poemas homricos, sendo essa a base
da teoria da oralidade da Ilada e da Odisseia. Para a teoria de Parry de que os
poemas homricos so compostos por frmulas, possibilitando aos aedos
compor sem o auxlio da escrita, a comparao com a poesia iugoslava foi
determinante, pois se tratava tambm de uma pica formular, muitas vezes
com poemas extensos e comprovadamente composta e transmitida
inteiramente sem escrita.
A pesquisa com os poetas iugoslavos, os guslari, demonstrou que os
poetas orais podem tanto cantar poemas j conhecidos, de maneira
semelhante embora nunca idntica, como tambm podiam improvisar,
compondo atravs dos seus conhecimentos de frmulas e cenas-tpicas.
Entretanto, tanto quando compunham quanto quando cantavam canes j
conhecidas, os bardos no repetiam palavra por palavra nem mesmo os
12
cantos, no momento em que os cantavam, os recriavam. A prpria noo
desses poetas do que seria um mesmo canto diferente da nossa, membros
de uma sociedade baseada largamente na escrita, pois eles no consideravam
que cantar uma mesma cano fosse repeti-la palavra por palavra; cada vez
que eles se punham a recitar um poema j cantado antes se notava
significativas diferenas, que no passaram despercebidas a Parry e Lord.
Aparentemente boa parte dessas alteraes devia-se audincia imediata do
bardo, o qual adaptava seu canto conforme as reaes do seu pblico.
Lord defendeu que os aedos, assim como os bardos iugoslavos, no
memorizavam um poema, porque isso requereria um texto fixo a ser
memorizado, mas o que realmente existia para eles era um ncleo narrativo
mais ou menos fixo, que era adaptado de acordo com a circunstancia imediata
de reproduo. Assim tambm, os poetas teriam flexibilidade dentro de sua
tradio, tanto para adaptar ou modificar canes j conhecidas, como para
usar as unidades tradicionais para compor um novo poema, que estaria da
mesma forma dentro da tradio.
Os estudos de Parry concentraram-se na anlise dos eptetos
homricos, eptetos que muitas vezes sob um olhar moderno pareciam demais
repetitivos, mas na verdade fariam parte de um sistema extremamente
complexo de uso e distribuio, relacionado posio que ocupavam no verso.
Desse modo, se o mesmo personagem era mencionado em outra parte do
verso, ele receberia um epteto diferente, um que se adaptasse mtrica
naquele ponto. Assim, a escolha de um epteto estaria mais ligada s
necessidades mtricas do que ao contexto imediato da narrativa:
13
Peleio Aquiles (Il,I,1)
Divino Aquiles (Il,I,7)
Aquiles, ps velozes (Il,I,58)
A ideia essencial dos versos citados acima seria Aquiles, sendo que os
eptetos diferentes estariam diretamente associados posio ocupada no
verso, e no a uma necessidade imediata de dizer que Aquiles ps rpidos
ou divino.
Essa estratgia no se resumiria apenas aos eptetos, mas algumas
vezes a versos inteiros, o que foi chamado de frmula. Um grupo de palavras
que regularmente empregado nas mesmas condies mtricas para
expressar uma mesma ideia essencial (PARRY, 1971, p. 272, traduo minha)
Podemos considerar que um grupo de palavras regularmente empregado na
pica grega arcaica pelo nmero de vezes que encontrado nos poemas, e
essa recorrncia como uma medida da utilidade desses grupos de palavras
para a composio.
A afirmao de que a principal funo dos eptetos seria auxiliar na
composio do hexmetro despertou crticas, pois seu significado ficaria
relevado a um segundo plano. Lord rebateu essa critica afirmando que os
eptetos dos versos orais tradicionais no so apenas formas de completar o
verso, desprovidas completamente de sentido prprio. O exemplo usado por
Lord (1987, p. 57) Odisseu, que chamado de polymetis oitenta e uma vezes
na Odisseia, o que demonstraria sua utilidade mtrica. Odisseu no era
especialmente inteligente em cada circunstncia na qual foi utilizado o epteto,
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*phlhi%2Ba%2Fdew&la=greek&prior=qea/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*%29axilh%3Dos&la=greek&prior=*phlhi+a/dewhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=di%3Dos&la=greek&prior=kai/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*%29axilleu%2Fs&la=greek&prior=di=oshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=po%2Fdas&la=greek&prior=mete/fhhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=w%29ku%5Cs&la=greek&prior=po/dashttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*%29axilleu%2Fs&la=greek&prior=w)ku/s
14
mas de qualquer modo ele caracteristicamente astuto, ou seja, esse um
dos seus atributos permanentes. Lord afirma que as frmulas da poesia oral
no so desprovidas de significado e, tanto o poeta quanto os ouvintes,
reconhecem esse significado cada vez que elas so usadas.
O sistema formular proposto por Parry extremamente econmico, ou
seja, existiriam frmulas para cada seo do hexmetro, com pouca
duplicao. Essa economia do sistema, que era ao mesmo tempo de uma alta
complexidade, no poderia ser obra de um nico poeta, mas sim fruto de uma
longa tradio, na qual muitos aedos compuseram atravs dessas frmulas
tradicionais, as utilizando e elaborando ao mesmo tempo. Ao longo de um
extenso perodo, o sistema formular foi sendo aprimorado, at atingir o estgio
encontrado na Ilada e na Odisseia.
E no apenas os versos se repetiriam, mas tanto na Ilada quanto na
Odisseia existem aes recorrentes que so descritas com muitos detalhes e
palavras semelhantes. Desse modo, os aedos se utilizavam das frmulas para
auxiliar a composio dos versos e das estruturas de cenas para auxiliar na
construo da narrativa. O primeiro a estudar esse padro foi Walter Arend,
(1933, apud EDWARDS, 1992), que o chamou de cenas-tpicas. Arend fez
uma anlise dessas cenas nos poemas homricos, demonstrando suas
similaridades e sequncias repetitivas, e as nomeou de acordo com as aes
narradas em cada uma.
Parry, em resenha ao livro de Arend, em 1936, declarou que o trabalho
de Arend com cenas-tpicas importante na medida em que deixa clara a
diferena entre os poemas homricos e os modernos, mostrando como
15
Homero constri seu poema com esquemas tradicionais de composio.
Entretanto Parry diz que Arend falha em entender o real motivo da poesia
homrica usar cenas-tpicas, por no conhecer intimamente a forma como
trabalha a poesia oral.
Na opinio de Parry, Homero compunha dessa forma porque no tinha
alternativa, no aprendeu outra forma de compor; ao contrrio dos poetas de
uma literatura escrita, o aedo nunca estaria livre de sua tradio. Esses
padres repetitivos, portanto, seriam uma forma de composio tpica da
poesia oral e o talento de Homero seria visvel no por inovaes na sua
poesia, como diz Arend, mas sim por captar toda a riqueza de sua tradio ao
compor.
Embora o trabalho de Arend tenha sido independente das pesquisas
desenvolvidas por Parry acerca da oralidade em Homero, o conceito de cena-
tpica (ou tema, como foi tratado por Albert Lord) tambm est presente na
teoria Parry-Lord, como uma das caractersticas da composio oral. Ainda que
Parry tenha trabalhado mais o conceito de frmula, na resenha acima citada
ele admite que provavelmente a cena-tpica seja um teste melhor sobre a
origem oral de um texto do que as frmulas, ao menos na poesia arcaica
grega. Lord, no livro The Singer of Tales, diz que o tema funciona no nvel
narrativo assim como as frmulas no nvel do verso. No artigo Homer and
Huso II (1938, p. 440) ele define tema como: uma unidade de assunto, um
grupo de ideias regularmente empregados por um poeta, no apenas em um
dado poema, mas na poesia como um todo. J no livro Epic Singers and Oral
16
Tradition6, Lord diz que tema no simplesmente um assunto, como um
conselho ou uma festa, mas que o tema na literatura oral distintivo porque
seu contedo expresso em mais ou menos as mesmas palavras toda vez que
o cantor ou contador de histrias os usa.
E como j dito, esse tipo de composio tradicional est repleto de
repeties, herana de todas as performances anteriores, presentes nas
frmulas e cenas-tpicas. Ainda que tenha sido defendido que essas repeties
seriam uma forma do bardo relembrar sua audincia de eventos j narrados no
poema, um recurso mnemnico, uma vez que o pblico precisaria de sua
memria para acompanhar a longa narrativa, Lord defendeu que elas, na
verdade, seriam parte de uma espcie de ritual tpico da poesia oral, embora
relembrar a audincia tambm acabasse acontecendo naturalmente.
A presena dessas repeties nos poemas homricos colocou em
questo o papel da originalidade do poeta, uma vez que ele seguia uma
tradio, compondo com o auxlio de frmulas e temas moldados ao longo dos
tempos e das performances, a criatividade e talento do poeta individual so
contestados. Lord tratou dessa questo no captulo Homers originality7,
dizendo que um poeta no tem que deixar a tradio para compor um poema
do mais alto valor, pois as possibilidades dentro de uma tradio so enormes,
e explicou que cada poeta tem um conjunto de frmulas que faz parte do seu
estilo e tem liberdade para combinar, arranjar, alongar ou encurtar os temas,
havendo, desse modo, sim espao para a criatividade do aedo.
6 1991, p.15 et seq. 7Idem, p. 38-48.
17
A teoria de Parry e Lord tratou especificamente do modo de composio
da poesia homrica, por isso focaram os estudos nas frmulas e cenas-tpicas,
entretanto outros aspectos, tais como a performance e os modos de
transmisso da poesia homrica, foram pouco tratados na teoria Parry-Lord,
tendo sido mais desenvolvidos por seus seguidores.
A despeito de todas as perguntas que remanescem sem resposta, as
pesquisas de Parry e Lord deram inicio a toda uma nova perspectiva acerca de
Homero, no solucionaram a questo homrica, mas abriram novas vertentes
de dvidas sobre a oralidade total ou parcial dos poemas e suas implicaes
na concepo que fazemos da pica grega arcaica. Esta dissertao, que foca
na persuaso presente nos discursos de Odisseu no canto XIV da Odisseia,
tem como uma das bases a origem oral do poema e o modo como isso
diferencia a anlise da que seria feita em uma narrativa puramente escrita.
Para tal os conceitos de frmula e cena-tpica sero utilizados como recursos
para melhor compreenso da estrutura e recursos discursivos.
1.3. Cena-tpica, motivos e frmulas presentes nos discursos do canto XIV
da Odisseia.
Assim como a poesia homrica toda, os discursos de Odisseu a Eumeu
no canto XIV tambm esto repletos de unidades da poesia oral tradicional, tais
como cenas-tpicas e frmulas, e antes de comear a anlise da persuaso
18
nessas narrativas, farei o reconhecimento das principais unidades da oralidade
presentes nelas.
Levando em considerao as muitas definies que receberam as
unidades da poesia oral, faz-se necessrio optar por uma delas antes de iniciar
propriamente a anlise do corpus. Nesta dissertao as definies de frmula,
motivo, cena-tpica e histria-padro utilizadas sero as citadas no glossrio
publicado no livro Odyssey, a narratological commentary, de Irene de Jong:
motivo: uma recorrente unidade mnima narrativa.
Histria-padro: uma reccorrente sequncia de eventos ou cenas,
de forma menos fixa que a cena-tpica. (e.g., a histria-padro do
reconhecimento adiado)
Cena-tpica: um recorrente bloco narrativo com uma estrutura
identificvel e frequentemente uma linguagem idntica, descrevendo
aes cotidianas recorrentes (e.g. cena-tpica de sacrifcio). Cenas-
tpicas podem ser comprimidas ou expandidas, assim como outros
elementos podem ser mudados. Tais manipulaes tornam-se
instrumentos narrativos poderosos. (traduo minha)
possvel identificar a recepo de Odisseu por Eumeu como um
padro recorrente encontrado tambm em outras cenas na Odisseia, um
estrangeiro sendo recepcionado por um anfitrio, um evento do cotidiano
narrado com certa sequncia de eventos, uma cena-tpica. Reconhecer a
recepo de Eumeu como uma cena-tpica nos oferece a possibilidade de
compar-la com outras cenas de hospitalidade existentes na Odisseia e,
atravs desse contraste, enriquecer a anlise da passagem em questo.
19
Trabalhos importantes foram realizados estudando cenas-tpicas que
narram um mesmo fato cotidiano, como o trabalho de Bernard Fenik (1968)
acerca de cenas-tpicas de batalha na Ilada. Steve Reece, no livro The
Strangers Welcome (1993), estudou as cenas de hospitalidade em Homero,
identificando dezoito ocorrncias desse tipo de cena na pica homrica, entre
elas a recepo de Odisseu disfarado de mendigo pelo porqueiro Eumeu, no
canto XIV. O estudo de Reece sobre a hospitalidade especialmente
importante na Odisseia, uma vez que a histria do nostos de Odisseu o mostra
como hspede nos mais diversos lugares e interagindo com seus hospedeiros
em cada uma das terras visitadas.
Segundo Reece (p.6-7) existem vinte e cinco elementos que ocorrem
repetidamente nas cenas de hospitalidade homricas, ainda que nenhuma
delas possua todos eles. As convenes elencadas por Reece vo desde a
chegada na casa do hospedeiro, a descrio do ambiente, a refeio e o sono,
at a conduo que o anfitrio oferece ao hspede, rumo ao seu novo destino.
Dentre esses vinte e cinco elementos, apenas a sequncia do banho, oferecido
pelo anfitrio ao seu hspede, est ausente no canto XIV.
J Edwards (1992), que tambm trata das cenas de hospitalidade, as
dividiu no seguinte padro: chegada e recepo do hspede, banho, refeio,
reconhecimento e entretenimento, retirada para a noite, partida e presentes.
A parte da hospitalidade de Eumeu que ser o foco dessa dissertao
o que Edwards chama de reconhecimento e entretenimento e Reece de
Identificao, o momento no qual o hspede revela sua identidade (no caso
de Odisseu algumas vezes ela falsa) e entretm seu hospedeiro com uma
20
narrativa. Embora existam nos poemas homricos outras cenas nas quais os
personagens revelam uma identidade fora do contexto da hospitalidade8, todas
as cenas de hospitalidade contam com a identificao do hspede.
A hospitalidade homrica no apenas a recepo do estrangeiro, mas
tambm a recepo do discurso do hspede pelo anfitrio como parte
constituinte desse tipo de cena-tpica. Alm de receber o estrangeiro, oferecer
abrigo, lugar de honra na casa, alimento e ajuda para a continuao da sua
jornada, o hospedeiro tambm recepciona o discurso de seu hspede. Sendo a
hospitalidade uma obrigao na sociedade homrica, que gera laos de
amizade entre hspede e anfitrio, a narrativa parte do processo de
estabelecer camaradagem entre os dois homens, assim, da mesma forma
como eles trocam presentes, tambm trocam narrativas.
E a narrativa contada por Odisseu especialmente longa, com cento e
sessenta e oito versos, a maior narrativa contada por um hspede para seu
anfitrio, depois dos apologoi narrados aos fecios (IX-XII). Seguindo a
deduo de Edwards, possuir uma extenso maior do que a encontrada em
outras cenas-tpicas de hospitalidade demonstra que foi dedicada uma ateno
especial, representando uma maior importncia dentro da cena em questo.
O primeiro discurso de Odisseu a Eumeu, uma das mentiras cretenses,
na qual ele narra uma falsa biografia, possui a mesma histria-padro da
prpria Odisseia, o retorno do heri de Troia para sua terra natal. Odisseu
disfarado de mendigo utiliza o motivo do heri que retorna de Troia nos versos
242-244:
8Por exemplo, Odisseu e Atena no canto XIII. Para uma anlise das cenas de reconhecimento na
21
[...] viemos de volta. Um dos deuses o exrcito acaio dispersa.
Contra mim, pobre infeliz, Zeus prudente enviou outros males.
Um ms,somente, fiquei deleitando-me ao lado dos filhos9, [...]
, .
:
Tambm encontramos a mesma histria-padro no canto III, quando
Nestor conta a Telmaco o que houve depois da vitria sobre Troia (vv.130-
200), no canto IV Menelau tambm narra seu retorno (vv.351-586) e como,
atravs do velho do mar, Nereu, soube do destino de outros companheiros de
batalha. No canto XI, quando Odisseu tem sua nekyia, a sombra de
Agammnon conta seu retorno e como foi assassinado pela esposa e seu
amante (vv.405-454). No canto I, Fmio est cantando um poema que fala
sobre o retorno dos guerreiros, quando Penlope lhe pede que pare (vv.335-
337), Telmaco inclusive diz que Odisseu no foi o nico a perder o retorno,
quando repreende a me por pedir para o aedo parar de cantar (vv.354-355).
Na narrativa do canto XIV o mendigo diz ter retornado para Creta, ainda que
por pouco tempo.
Uma vez que as histrias sobre os retornos de Troia dentro do poema
demonstram o quo difcil foi para os gregos rumarem para casa, o fato do
cretense alegar a Eumeu que conseguiu rever sua terra natal aps a guerra de
Troia o caracteriza como um heri de certo valor, pois o retorno na Odisseia
Odisseia, ver Gainsford (2003).
9 A traduo da Odisseia utilizada neste trabalho de Carlos Alberto Nunes
22
depende tanto de qualidades pessoais quanto da proteo divina. Entretanto,
ainda que o mendigo diga que conseguiu retornar para casa, ele enfatiza que o
retorno foi muito breve, pois logo partiu novamente e desde ento vaga por
terras alheias, assim como Eumeu imagina que seu prprio senhor faz, se
ainda est vivo (vv. 42-44).
A desobedincia dos companheiros ao seu comandante tambm um
motivo que se repete na Odisseia, sempre seguido de resultados ruins: O
mendigo diz a Eumeu que, ao chegar ao Egito, deu ordens aos seus homens
para ficarem nas naus enquanto ele seguiria com batedores, mas ao voltar eles
haviam saqueado a cidade (vv.262-265). No dia seguinte, mais egpcios
surgiram para um contra-ataque, no qual o cretense e seus homens foram
subjugados (vv.266-272):
Os moradores os gritos ouviram, e em massa acorreram,
ao romper da alva, apinhando-se o vale de pees e cavalos
e do fulgor de aneas armas. Nos meus companheiros o Crnida
fulminador de desnimo inspira, ningum se atrevendo
a resistir, que por todos os lados a Morte ameaava.
Muitos dos nossos ali foram mortos por bronze afiado;
Outros, com vida apanhados, porque como escravos vivessem.
:
:
,
: .
23
,
, .
No canto X (vv.38-49), os companheiros de Odisseu abrem o saco no
qual olo tinha encerrado todos os ventos, exceto aquele que os levaria de
volta taca, fazendo com que os ventos libertos os empurrem de volta ilha
de olo. No canto XII, Odisseu deixa ordens para no mexerem nos bois de
Hlio, mas seus companheiros novamente o desobedecem, matando um dos
bois (vv.340-365), resultando no pedido de Hlio a Zeus por vingana. Tambm
com os ccones, Odisseu quer saquear e sair em seguida da ilha, mas seus
companheiros insistem em permanecer, perdendo a batalha no dia seguinte
quando os ccones chamam auxlio (IX, vv. 43-60). Em todas elas vemos a
prudncia de Odisseu contrastada com a imprudncia dos seus companheiros,
que ruinosa para eles. Assim, o mendigo se apresenta com esse motivo
como um lder astuto e previdente, o fato de ser desobedecido pelos
companheiros no prejudica sua imagem de comandante, nesse motivo a culpa
dos males est na imprudncia e desobedincia dos subordinados, no em
uma falta de habilidade do lder em se fazer obedecer.
Ao narrar como se salvou da batalha com os egpcios e seu tornou
hspede do rei, o cretense usa uma cena-tpica de splica, abraando os
joelhos do rei, suplicando pela vida (vv. 276-280):
No mesmo instante arranquei da cabea o elmo caro e bem-feito,
Bem como o escudo dos ombros, jogando das mos a hasta longa,
E aproximei-me do carro em que o rei se encontrava; abracei-o
Pelos joelhos, beijando-o; salvou-me ele, ento, protegendo-me
24
Fez-me subir para o carro e ao palcio, entre prantos, levou-me.
, :
: ,
.
A caracterizao do rei egpcio como algum piedoso ao atender o
suplicante, apoiado pela ideia de que os suplicantes so protegidos por Zeus
parece um pouco fora de contexto, uma vez que, no campo de batalha, parece
no haver lugar para as splicas, como demonstrado no canto XI da Ilada,
quando Agammnon mata um troiano durante uma batalha, a despeito de suas
splicas (vv.123-142).
No discurso de Odisseu a Eumeu, a splica do perdedor de uma
batalha ao vitorioso, no entanto o motivo da splica acontece em outros
contextos, como no canto VII, no qual temos a cena de splica de Odisseu a
Arete, que como suplicante abraa os joelhos da rainha para pedir ajuda em
seu retorno (vv.142).
Outro motivo utilizado no discurso de Odisseu a venda como escravo
aps ter sido enganado, motivo que se repete duas vezes (vv. 295-297 e 336-
338):
Em uma nau sulcadora me fez embarcar para a Lbia,
Sob o pretexto enganoso de a carga a levar ajud-lo;
Mas intentava vender-me por l, para obter muito lucro.
25
, ,
.
A esses tinha ele ordenado com muito carinho levarem-me
Ao rei Acasto; ocorreu-lhes, porm, uma ideia funesta
A meu respeito, porque na misria mais negra afundasse.
:
, .
O mesmo motivo est presente no discurso do prprio Eumeu, quando
ele conta sua histria, no canto XV (vv.465-483). A reiterao do motivo no
discurso de Odisseu parece pressupor a biografia de Eumeu.
Tambm recorrente na Odisseia o motivo da tempestade. atravs de
uma tempestade, enviada por Zeus, que o mendigo diz ter escapado da
primeira tentativa de rapto para venda como escravo (vv.303- 307):
Fez o de Crono nascido surgir uma nuvem sombria
Por sobre a cncava nave, que as ondas escuras deixava.
Zeus a um s tempo troveja e um relmpago expede ao navio;
Este girou sobre si, quando foi pelo raio atingido;
Cheiro de enxofre se espalha; no mar foram todos lanados.
26
, .
:
,
: .
Tempestades enviadas pelos deuses so um motivo presente no canto
V (v.290), depois de deixar a ilha de Calope, no canto I (v.286), a tempestade
enviou um dos navios da frota de Odisseu para Creta (a mesma ilha da qual
Odisseu diz proceder no canto XIV), depois do saque aos ccones Odisseu e
seus companheiros tambm so surpreendidos por uma tempestade (IX, v.67),
assim como logo aps escapar de Cila (XII, v.403).
Aps escapar do naufrgio com ajuda divina, o mendigo diz ter chegado
terra dos tesprtios, onde foi recepcionado e vestido pelo filho do rei (vv.316-
320):
[...] cujo monarca, Fido valoroso, me acolhe benigno,
Sem pagamento, que pela umidade e cansao vencido
Fui por seu filho encontrado, que ao rgio palcio me leva
No prprio brao amparado, at os paos do pai alcanarmos,
Onde tnica e um manto me deu porque o corpo eu cobrisse.
:
,
, :
.
27
O mesmo motivo encontrado em sua chegada na Fecia, no canto VI,
vv. 118- 320, no qual Odisseu escapa do naufrgio aps ter deixado a ilha de
Calipso e levado pelas ondas at a Fecia, onde encontra com Nauscaa, a
filha do rei, e tambm recebe roupas dela.
Na terra dos tesprtios tambm o cretense teria recebido notcias de
Odisseu. Ele conta ao porqueiro que o rei de taca tambm tinha sido
hospedado pelo rei Feidon e que havia ido consultar o orculo em Dodona
sobre a melhor forma de retornar para casa, se abertamente ou em sigilo. Irene
de Jong afirma que essa passagem um duplo da consulta que Odisseu faz a
Tirsias, no canto XI, assim como a descrio das riquezas que Odisseu teria
guardadas nas terras dos tesprtios seria um duplo das riquezas reais que o rei
mantinha em segredo na gruta.
Tambm a segunda narrativa de Odisseu composta por elementos
tradicionais, tais como frmulas e cenas-tpicas, e reconhecida por Eumeu
como um ainos, um tipo de discurso tradicional. O fato do discurso ser
chamado de ainos pela sua audincia traa um paralelo com duas cenas da
Ilada, ambas no canto XXIII, a primeira quando Aquiles entrega um prmio a
Nestor, mesmo ele no tendo competido nos jogos, [...] Falou, e Aquiles, tendo
ouvido o velho Nestor [...] , . (v.652), e
a segunda logo em seguida, quando Antloco perde a corrida e justifica dizendo
que mais jovem e os deuses honram os mais velhos, Aquiles tambm
reconhece o discurso como um ainos: Antloco, este encmio no caiu no
vazio, , (v.795).
28
O mendigo lamenta diante de Eumeu e seus companheiros no ser mais
jovem, pois, se ainda o fosse, em sinal de respeito um deles lhe cederia o
manto. O mesmo lamento pela juventude passada est no ainos de Nestor (Il.
XXIII vv.626-643). Jong afirma que esse tipo de lamento nostlgico se repete
vrias vezes na Odisseia, no apenas com relao a juventude perdida, mas
por um passado melhor, como por exemplo, no canto I, no qual Atena interpela
Telmaco disfarada e pergunta sobre os festejos dos pretendentes e ele
lamenta o pai no estar presente para manter a ordem (vv.253-269).
Aps o lamento da juventude perdida o cretense comea a contar uma
tocaia feita em Troia, na qual ele esteve presente juntamente com Odisseu e
Menelau, sendo ele o terceiro em comando. Era muita noite muito fria e o
cretense estava sem seu manto. Prestes a morrer de frio ele pede socorro a
Odisseu, que atravs de uma de suas artimanhas lhe consegue um agasalho.
Com o auxlio de uma frmula, reconhecemos o que deve ser o vestgio
de uma cena-tpica de sonho falso. Ao narrar como Odisseu chama a ateno
dos companheiros que esto na tocaia, o discurso comea com a frmula:
Ora, ouvi,camaradas, que um sonho divino me veio. , :
. (v.495)
No canto II da Ilada (v.56) essa frmula usada por Agammnon
quando, depois de sonhar que vencer os troianos, ele rene os gregos para
contar exatamente o contrrio, que recebera um sonho de Zeus dizendo que
eles perderiam a guerra. A frmula usada para anunciar o discurso do falso
sonho e, nos dois casos, o sonho falso anunciado num contexto de teste.
29
Essas passagens mostrariam os traos gerais de uma cena-tpica de teste de
um personagem atravs de um sonho. 10
Odisseu menciona nominalmente Agammnon em XIV, v. 497: [...]
interrogar ao Atrida Agammnone, rei poderoso ,
, e Newton (1998) defende que isso para reforar uma
referencia a Ilada e, ainda que seja difcil afirmar que, efetivamente, o uso do
nome Agammnon seja uma meno ao outro poema, de fato todo o ainos est
repleto de referencias guerra de Tria, e a presena de uma frmula presente
tambm na Ilada, j mencionada no pargrafo anterior, refora o eco ilidico
da passagem.
Todas as unidades tradicionais presentes nos discursos de Odisseu no
canto XIV, que foram rapidamente expostos aqui, sero retomados no captulo
trs, quando tratarei da argumentao usada por Odisseu para convencer
Eumeu. As possveis expanses ou adaptaes de cenas-tpicas, o uso de
frmulas que remetem a outras cenas similares, entre outros pontos, ser
analisado como um dos elementos para a construo do carter persuasivo
das narrativas de Odisseu.
10
Em Od. XIX. 535-581 Penlope relata um sonho a Odisseu disfarado de mendigo, mas no a
indicao de se tratar ou no de um sonho falso.
30
2. O Orador
Uma vez que me proponho a analisar um discurso preciso levar em
considerao que todo discurso proferido (ou escrito) por algum. Todo ato
comunicativo necessita de um emissor11, e no caso de um discurso que visa a
persuaso o emissor chamado de orador, na definio de Phillipe Breton (2003)
O orador aquele que, dispondo de uma opinio, se coloca na postura de
transport-la at um auditrio e submet-la a este auditrio para que ele partilhe
dela (p. 29). Para ser um orador, portanto, o principal requisito querer partilhar
uma opinio com quem escuta (ou l) suas palavras.
Na poesia homrica encontramos oradores, sobretudo na gora, local no
qual um heri grego deve saber portar-se, uma vez que as importantes tomadas
de deciso tm lugar nas assembleias. Um bom exemplo disso est no discurso
de Telmaco no canto II, quando ele tenta convencer o povo de taca a ajud-lo
em seus infortnios com os pretendentes. Embora fracasse nisso, Telmaco
consegue ao menos convencer seus concidados a ceder-lhe um navio para
procurar notcias de seu pai. Toda a Telemaquia, portanto, s possvel porque o
filho de Odisseu, com auxlio de Atena, pode persuadir seus ouvintes a permitir-
lhe a viagem.
Nos poemas homricos tambm os aedos dependem de suas habilidades
com as palavras;, ainda que no enfrentem a assembleia, esto nos banquetes,
procurando agradar os convivas com seus cantos, dependendo disso tambm
para receber seus presentes. Ainda que, no caso dos aedos, no seja feita
11 Breton, 2003, p.28.
31
referncia persuaso do pblico, mas sim deleita-los,12 se lembrarmos que no
existe discurso neutro13, mesmo quando os poetas contavam histrias, estavam
tentando transmitir certas ideias: sou melhor poeta que os outros bardos; minha
verso da histria mais interessante do que outras que vocs ouviram; quem
fala pela minha boca so as musas.
Se no tangente necessidade de partilhar uma opinio com seu pblico o
aedo no est to distante do orador, no canto XIV, quando Odisseu assume o
papel de narrador, est muito prximo dos dois. Uma vez que sua recepo por
Eumeu se configura como uma cena-tpica, e que, como vimos no captulo
anterior, o hspede narrar histrias uma constante nessas cenas, o cretense
apenas segue uma tradio ao contar sua origem. No entanto, quanto maior a
habilidade que ele demonstrar, melhor ser visto por seu anfitrio e tambm pelo
pblico externo do poema, pois ser um bom contador de histrias o torna um heri
diferente dos outros, sendo esta uma das formas de se caracterizar como um
grande heri, superior aos mortais comuns e assim digno de ter sua histria
narrada.
Eumeu, tal como Alcnoo havia feito na Fecia, elogia a percia de Odisseu
como contador de histrias (vv. 507-510). Zerba (2009, p.316) afirma que esses
momentos nos quais Odisseu caracterizado como um exmio orador so uma
forma de salientar suas qualidades, de modo semelhante ao que feito na Ilada
com alguns personagens que so destacados durante as batalhas com narrativas
12 Em algumas passagens da Odisseia, fala-se do efeito de uma narrativa de Odisseu diante dos facios (no intermezzo do canto 11 e no incio do canto 13 a mesma frmula usada); na caracterizao do cretense feita por Odisseu diante de Penlope no canto 17 como um encanto, um feitio mgico, que seria, por assim dizer, uma persuaso no seu grau mximo. 13 Para Bakhtin (2004), no existe discurso neutro e nem fala individual: ela sempre composta de discursos j-ditos e dirigida a algum.
32
de seu desempenho individual, de sua desenvoltura como guerreiros acima da
mdia, tal como Diomedes no canto V. Para Zerba, as cenas nas quais Odisseu
demonstra sua habilidade com as palavras so equivalentes no campo da fala ao
que a aristeia no campo da ao. Assim sendo, tais passagens nas quais
Odisseu assume o papel de narrador possuem um efeito individualizante, so
uma exaltao de uma das qualidades que tornam Odisseu um heri acima da
mdia, sua habilidade oratria.
Alm da individualizao concedida a Odisseu quando ele assume o papel
de narrador, Zerba14 tambm defende que os atos em Homero apenas esto
completos quando so tornados pblicos e memorizados em palavras,
inicialmente pelos agentes das aes eles mesmos, depois pelas comunidades e
algumas vezes pelos bardos. Desse modo, quando Odisseu pede a Demdoco
para cantar sua contenda com Aquiles, est presenciando seu prprio kleos se
consolidando na tradio atravs das canes do aedo. No canto XIV ele
mesmo o narrador, anunciando com suas histrias seu prprio retorno, ao mesmo
tempo em que, com narrativas verdadeiras ou no, louva a si mesmo
intradiegeticamente ao colocar-se como o salvador do cretense em Troia, que o
salvou da morte pelo frio com uma ideia rpida, e extradiegeticamente, com sua
sagacidade em inventar uma mentira bem articulada e convincente.
A despeito de aparentemente Odisseu estar apenas contando histrias ao
seu hospedeiro, suas narrativas visam partilhar com Eumeu uma srie de
impresses acerca do personagem que ele est representando: no sou um
mendigo comum, confie em mim, ajude-me. Ao mesmo tempo, tambm o pblico
externo recebe as mensagens sobre as caractersticas do prprio Odisseu: sou
33
hbil para inventar histrias, sou o heri da mtis, minhas aventuras so dignas
de serem narradas e de serem ouvidas.
Observamos na cabana de Eumeu um Odisseu que constri um
personagem para o porqueiro, assim como o narrador constri o prprio Odisseu
diante do pblico externo. As aes e a aparncia fsica fazem parte da
construo desse personagem, mas a maneira pela qual ambos os pblicos,
interno e externo, consideraro Odisseu/cretense depende em grande parte de
suas narrativas.
2.1. A construo da aparncia fsica de Odisseu
Uma aparncia fsica condizente com seu pblico parece ser relevante na
Odisseia, pois notamos a interveno de Atena no aspecto fsico de seus
protegidos antes de eles terem um encontro importante, no qual precisam passar
uma boa impresso. Isso ocorre a Telmaco antes de falar com a assembleia no
canto II (v. 12-13): Palas Atena lhe infunde nos ombros a graa divina, de modo
tal que os do povo o admiravam sua passagem
.
.
Outro momento a transformao de Odisseu aps sobreviver a um
naufrgio antes de pedir ajuda a Nausicaa, no canto VI, vv. 227-235:
Quando acabou de banhar-se e esfregar todo o corpo com leo
14 2009, p.318 et seq.
http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=qespesi%2Fhn&la=greek&prior=e(/pontohttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=d%27&la=greek&prior=qespesi/hnhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29%2Fra&la=greek&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=tw%3D%7C&la=greek&prior=a)/rahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=ge&la=greek&prior=tw=|http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=xa%2Frin&la=greek&prior=gehttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=kate%2Fxeuen&la=greek&prior=xa/rinhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=*%29aqh%2Fnh&la=greek&prior=kate/xeuenhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=to%5Cn&la=greek&prior=*)aqh/nhhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=d%27&la=greek&prior=to/nhttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=a%29%2Fra&la=greek&prior=d'http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=pa%2Fntes&la=greek&prior=a)/rahttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=laoi%5C&la=greek&prior=pa/nteshttp://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29perxo%2Fmenon&la=greek&prior=laoi/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=e%29perxo%2Fmenon&la=greek&prior=laoi/http://www.perseus.tufts.edu/hopper/morph?l=qheu%3Dnto&la=greek&prior=e)perxo/menon
34
Na roupa envolve-se que lhe a donzela pudica cedera.
F-lo ficar a nascida de Zeus, de olhos glaucos, Atena
Muito mais digno de ver e mais forte, caindo-lhe os cachos
Em caracis, da cabea, tal como os da flor do jacinto.
Do mesmo modo que artista perito derrama na prata
Lminas de ouro, discpulo que fora de Hefesto e de Palas
Em variados misteres, e faz admirveis trabalhos:
Palas, assim, na cabea e nos ombros infunde-lhe graa.
,
,
,
, .
,
, ,
.
Quando Odisseu est disfarado de mendigo conversando com Telmaco,
no canto XVI, Atena restabelece sua aparncia para a de um heri no auge do
vigor, o que faz primeiro Telmaco pensar que est diante de um deus (vv.181-
185), para s depois acreditar que realmente seu pai que retorna aps vinte
anos:
Bem diferente, estrangeiro, do que eras me surges agora;
Outros vestidos envergas; o aspecto do corpo diverso.
s, certamente, algum deus e demoras no Olimpo vastssimo.
S-nos propcio,porque sacrifcios condignos recebas
E ureos presentes de fino lavor. De ns todos te apieda.
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Ao contrrio das outras cenas nas quais Atena faz Odisseu parecer mais
jovem e belo e assim impressionar sua audincia, antes de se apresentar diante
de Eumeu Odisseu tem seu porte e vigor escondidos pela deusa, que o
transforma em um mendigo curvado e envelhecido. A deusa diz que assim
ningum o reconhecer e ele ser repugnante aos pretendentes e tambm a sua
esposa e filho (XIII, vv. 396-403):
Ora tenciono deixar-te dos homens irreconhecvel,
Com te enrugar a epiderme macia nos membros flexveis
E da cabea fazer que se extingam os louros cabelos.
Roupa andrajosa dar-te-ei, que te faa hediondo aos olhares,
E alterarei de tal forma, turvando-os, teus olhos to belos,
Que aos pretendentes reunidos pareas de aspecto mesquinho,
Bem como ao filho e mulher, que, ao partires, em casa deixaste.
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A deusa escolhe rejuvenescer ou envelhecer, tornar belo ou repulsivo,
portanto, de acordo com a necessidade em cada passagem. Assim sendo, para a
continuidade de sua jornada atravs da estadia na cabana do porqueiro, Odisseu
deve parecer um mendigo.
Elizabeth Block (1985) afirma que, uma vez que Odisseu no est ainda
restabelecido em seu lar e em sua posio social, as roupas de mendigo refletem
a verdade; vestido como mendigo, Odisseu realmente um mendigo (p. 2). A
autora relembra a importncia do ato de vestir-se para a Odisseia, atestada pelo
destaque recebido pelas cenas de vestimenta, o fato das roupas estabelecerem
parte do status de um homem como um ser humano (assim, sendo, quando
Odisseu chega Fecia como um nufrago, nu, est tambm destitudo de seu
status de humano). No por acaso que os presentes tradicionais de um
hospedeiro a seu convidado so roupas tambm. Se sua permanncia na cabana
de Eumeu o princpio da retomada de seu lar, Odisseu a inicia como um
vagamundo, inclusive em suas vestes, para aos poucos recuperar seu status de
marido, pai e rei.
No comeo do canto XIV, Odisseu apresenta-se diante de Eumeu como um
mendigo, em situao de necessidade, debilitado e precisando de ajuda. Antes do
encontro com o porqueiro, Atena havia mudado sua aparncia para que ele
aparecesse ser mais velho, curvado e indefeso (XIII, vv. 429-438). Do ponto de
vista da narrativa, aparentar ser algum necessitado importante para a
composio da imagem do cretense, pois essa aparncia que o ajudaria a
conseguir abrigo na cabana de Eumeu e a permanecer incgnito.
37
A transformao da aparncia de Odisseu assegura que ele no ser
reconhecido, podendo assim reencontrar os seus amigos e familiares, constatar a
situao de sua casa e arquitetar sua vingana contra os pretendentes, assim
como tambm permite que ele seja hospedado por Eumeu, pois sendo um
mendigo, no de se estranhar que seja abrigado por um porqueiro.
Eumeu no se surpreende com a chegada de um mendigo a sua cabana,
ao contrrio, diz que o receberia, ainda que estivesse em uma situao pior, pois
os mendigos so protegidos por Zeus (vv. 56-58). Contrastando com os outros
hospedeiros de Odisseu e Telmaco, Eumeu o nico a no pertencer
nobreza. Atena, portanto, adqua a aparncia de seus protegidos de acordo com
a situao, pois se apresentando como um maltrapilho Odisseu no levanta
suspeitas de sua verdadeira identidade e pode esperar por seu filho na cabana do
porqueiro sem que isso parea inadequado.
Desse modo, a atual aparncia de Odisseu lhe confere a possibilidade de
se hospedar na cabana do porqueiro, e atravs de suas palavras que ele
demonstrar a Eumeu ser mais que um simples pedinte. A despeito de parecer
um velho mendigo, seu discurso o de um homem nobre, um guerreiro que
comandou homens em Troia. Com sua atual aparncia, a imagem de um antigo
guerreiro s pode ser demonstrada atravs do discurso e Odisseu tem apenas
suas palavras para construir um personagem que um mendigo, mas que j foi
um heri. Em suas narrativas, ele salienta seus momentos de glria passada, sua
origem nobre e a antiga vida abastada, de modo que demonstra que nem sempre
foi um andarilho sem nada.
38
2.2. O carter construdo pelo discurso: o ethos.
Essa imagem de um andarilho nobre, que lutou ao lado dos grandes heris
construda pelo cretense apenas com suas palavras, uma vez que sua
aparncia fsica em nada lembra um passado assim glorioso. A construo de
imagens de si atravs de estratgias lingusticas, tal como Odisseu no canto XIV,
chamada de ethos. Frobish (2003) diz que ethos, claro, geralmente se
relaciona com a percepo do carter de um falante por seu pblico (p. 18,
traduo minha).
Uma vez que o ethos deve ser resultado do discurso, ele no est
separado do logos, mas sim construdo atravs dele, sendo determinado pelas
escolhas do orador, pelas opes que ele faz dentre as vrias possibilidades
lingusticas e estilsticas. E essas opes no precisam ser algo consciente,
como diz Ruth Amossy (2005, p. 9):
Todo ato de tomar a palavra implica a construo de uma imagem de si.
Para tanto, no necessrio que o locutor faa seu autorretrato, detalhe
suas qualidades nem mesmo que fale expressamente de si. Seu estilo,
suas competncias lingusticas e enciclopdicas, suas crenas implcitas
so suficientes para construir uma representao de si
Sendo assim, mesmo que a poesia homrica seja anterior s teorias
retricas e Kennedy (1963, p.91) afirme sobre o ethos que ns no podemos
traar o desenvolvimento do ethos artstico na retrica antiga (traduo minha),
podemos, a exemplo de outros trabalhos j feitos15, estudar o ethos de um
15 Cf. Frobish (2003), Gill (1984), Karp (1977).
39
personagem da poesia homrica, uma vez que a construo do ethos inerente
ao ato de falar e que no necessria nenhuma reflexo terica para faz-lo
enquanto discursamos.
O conceito de ethos foi tratado por Aristteles em sua Retrica, ao
desenvolver os tipos de provas fornecidas pelo discurso:
Obtm-se a persuaso por efeito do carter moral, quando o discurso
procede de maneira que deixa a impresso de o orador ser digno de
confiana. As pessoas de bem inspiram confiana mais eficazmente e
mais rapidamente em todos os assuntos, de um modo geral; mas nas
questes em que no h possibilidade de obter certeza e que se prestam
a dvida, essa confiana reveste particular importncia. preciso
tambm que este resultado seja obtido pelo discurso sem que intervenha
qualquer preconceito favorvel ao carter do orador. Muito errnea a
afirmao de certos autores de artes oratrias, segundo a qual a
probidade do orador em nada contribuiria para a persuaso pelo
discurso. Muito pelo contrrio, o carter moral deste constitui, por assim
dizer, a prova determinante por excelncia.16
Assim sendo, segundo a retrica aristotlica, a audincia persuadida por
seu interlocutor principalmente pela imagem que consegue criar de si mesmo, ou
seja, se considerado pelo pblico algum digno de confiana e conhecedor do
assunto sobre o qual est discorrendo.
Entretanto, no caso do cretense, ainda que o ethos devesse ser construdo
apenas pelo logos, percebemos a influncia de um elemento extradiscursivo no
julgamento que Eumeu faz de seu hspede, qual seja, mendigos mentem para
obter presentes (vv. 125-126). Amossy (2005) tambm trabalha com o ethos na
40
narrativa, levando em considerao no somente a imagem que personagens e
narradores constroem de si para seu pblico interno, mas tambm a construda
para o pblico externo.
Levando em conta os dois planos dos destinatrios de Odisseu,
intradiegeticamente Eumeu, o porqueiro, e extradiegeticamente, o ouvinte da
Odisseia, ou, no nosso caso, os leitores do poema, possvel dizer que existe um
ethos de Odisseu perante Eumeu, a imagem de um homem nobre, um guerreiro
valoroso, que sabe contar boas histrias, e tambm existe o ethos de Odisseu
perante o pblico externo do poema, que admira a forma como Odisseu constri o
discurso, a habilidade com a qual ele adapta a sua narrativa de acordo com quem
a est ouvindo.
Tratarei dos pblicos da Odisseia no captulo III;, entretanto, para que
visualmente seja melhor exposto como ambos os pblicos afetam o poema, e
portanto o ethos de Odisseu e do cretense, sugiro o esquema abaixo, no qual a
narrativa interna que acontece no canto XIV reflete a narrativa do poema como
um todo:
16 Trad. Antnio Pinto de Carvalho, p. 33.
41
Os papis discursivos, emissor e receptor, so representados internamente
narrativa principal. Entretanto, atravs de sua narrativa para seu pblico interno,
o emissor interno tambm afeta o pblico externo. Ou seja, ao mesmo tempo que
Odisseu est construindo uma narrativa e uma imagem de si para Eumeu,
tambm o est fazendo para o pblico da Odisseia:
Desse modo, Odisseu constri uma imagem de si atravs do seu discurso:
aparentando ser velho e maltrapilho, ele convence como andarilho; e atravs de
seu discurso ele atribui ao cretense duas qualidades importantes na sociedade
grega arcaica: ser um heri de ao, um comandante de homens que um bom
combatente, ao mesmo tempo que capaz de falar bem.
O heri homrico ideal rene duas caractersticas, a capacidade oratria e
a presteza em batalha, atributos esses presentes em Odisseu que, por sua vez,
os transmite para o cretense ao procurar mostrar ao seu hospedeiro, com suas
narrativas no canto XIV, um homem que sabe manejar as palavras e contar uma
boa histria, assim como um guerreiro valoroso, caracterstica enfatizada diversas
vezes durante a narrativa de suas aventuras. Ao mesmo tempo a audincia
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externa tem a possibilidade de observar a percia de Odisseu ao inventar as
histrias para atingir seus objetivos.
Kennedy (1963, p. 39) comenta a presena dessas duas caractersticas
nos heris homricos:
Existem duas maneiras de alcanar o ideal heroico; ser um realizador de
aes ou um orador. Apenas os grandes heris como Aquiles e Odisseu
podem fazer ambos, a maioria distingue-se em um ou outro. Em ambos
os casos o objetivo angariar honra, que uma forma de imortalidade,
assegurada pelo discurso em si, ou seja, pela atividade do bardo.
(traduo minha)
A prpria deusa Atena, no canto II, aps o discurso de Telmaco na
assembleia, salienta a capacidade de Odisseu em ser bom nas duas coisas (vv.
270-273):
Para o futuro nem fraco, nem ftil sers, Telmaco,
Se de teu pai, em verdade, possures o ardor invencvel.
Homem como ele bem raro; no s nos discursos, nas obras!
, ,
,
Odisseu, que possui essas duas caractersticas tradicionalmente, as atribui
ao cretense atravs de seus discursos. Foi um guerreiro nobre e um homem
que sabe narrar uma histria seguindo os moldes tradicionais, portanto, algum
digno de considerao e da ajuda do porqueiro.
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