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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRÃO PRETO ANA CAROLINA CAMPOS Satisfação do usuário na Saúde da Família sob a perspectiva da responsividade Ribeirão Preto 2011

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UNIVERSIDADE DE SO PAULO ESCOLA DE ENFERMAGEM DE RIBEIRO PRETO

ANA CAROLINA CAMPOS

Satisfao do usurio na Sade da Famlia sob a

perspectiva da responsividade

Ribeiro Preto 2011

ANA CAROLINA CAMPOS

Satisfao do usurio na Sade da Famlia sob a perspectiva

da responsividade

Dissertao apresentada Escola de

Enfermagem de Ribeiro Preto da

Universidade de So Paulo para obteno do

ttulo de Mestre em Cincias junto ao Programa

de Ps-Graduao Enfermagem em Sade

Pblica

Linha de pesquisa: Prticas, Saberes e

Polticas de Sade

Orientadora: Prof Dr Silvana Martins Mishima

Ribeiro Preto 2011

AUTORIZO A REPRODUO E DIVULGAO TOTAL E PARCIAL DESTE

TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRNICO,

PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRFICA

Campos, Ana Carolina

Satisfao do usurio na Sade da Famlia sob a perspectiva da responsividade

145 p; 30cm

Dissertao de Mestrado, apresentada Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto/USP rea de concentrao: Enfermagem em Sade Pblica.

Orientadora: Profa Dra Silvana Martins Mishima

Palavras-Chaves: 1. Avaliao dos servios de sade; 2. Satisfao do usurio; 3. Programa sade da famlia; 4. Responsividade; 5. Ateno Primria de Sade.

.

FOLHA DE APROVAO

CAMPOS, Ana Carolina. Satisfao do usurio na Sade da Famlia sob a

perspectiva da responsividade.

Dissertao apresentada Escola de

Enfermagem de Ribeiro Preto da

Universidade de So Paulo para obteno do

ttulo de Mestre em Cincias junto ao Programa

de Ps-Graduao Enfermagem em Sade

Pblica.

rea de Concentrao: Enfermagem em Sade Pblica.

Aprovado em:_____________

Banca Examinadora

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituio: ____________________________ Assinatura: ___________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituio: ____________________________ Assinatura: ___________________

Prof. Dr. ____________________________________________________________

Instituio: ____________________________ Assinatura: ___________________

H um tempo em que

preciso abandonar as roupas usadas,

que j tem a forma do nosso corpo,

e esquecer os nossos caminhos,

que nos levam sempre aos mesmos lugares.

o tempo da travessia:

e, se no ousarmos faz-la,

teremos ficado,

para sempre,

margem de ns mesmos

Fernando Pessoa

Dedico esta conquista a minha famlia to amada ...

Aos meus pais Antonio Jos e Heliana, pelo apoio

incondicional s minhas escolhas, pelos sacrifcios

realizados em meu benefcio e pelo amor com que

sempre me ensinaram a acreditar e lutar pelos

meus sonhos.

Aos meus queridos irmos Luiz Felipe e Ana Luiza,

amigos e cmplices nas dificuldades, conquistas e

alegrias da vida.

AGRADECIMENTOS

A Deus por tudo que me proporciona diariamente.

A minha orientadora e amiga Prof Dr Silvana Martins Mishima por todo carinho, cuidado, pacincia e amizade que voc tem dedicado a mim desde o nosso primeiro encontro. Sil, voc uma pessoa muito especial e querida, com quem eu espero ter a oportunidade de continuar convivendo e aprendendo diariamente. Muito obrigada por me ensinar a acreditar nas minhas capacidades, a valorizar minhas conquistas e a buscar minha felicidade a cada dia.

A querida Prof Dr Maria Jos Bistafa Pereira pela pessoa amiga, companheira, cidad, guerreira e maravilhosa que voc . Zez, obrigada por sempre estar ao meu lado.

A todos que estiveram comigo no meu caminhar at aqui ... Dizem que os amigos so a famlia que escolhemos ... Assim, agradeo a toda minha Famlia por compartilhar conhecimentos e experincias, os momentos de dvidas e risadas, alegrias e dificuldades. Muito obrigada pelo carinho e incentivo de todos vocs.

Em especial a Cristiane, Adriana, Marcinha, Vanessa, Nunila, Lauren, Franoise, Luciana e Marianna, sem vocs teria sido impossvel esta conquista.

A Carolzinha, Gabi e Tami que cuidam de mim e do nosso lar.

A Prof Dr Maria do Carmo Gullaci Guimares Caccia-Bava pela valiosa contribuio na qualificao deste estudo.

A toda minha famlia pelo amor, carinho e compreenso em todos os momentos de minha vida.

A equipe da Unidade de Sade da Famlia deste estudo que tanto me ajudou e incentivou na realizao deste trabalho de maneira muito carinhosa e prestativa.

Aos usurios do Sistema nico de Sade, especialmente queles que participaram e colaboraram com a construo desta pesquisa.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico CNPQ pela concesso da Bolsa de Mestrado Processo n 13.0216/2009-7, bem como pelo suporte financeiro da presente pesquisa por meio do projeto Fortalecimento da rede de ateno bsica possibilidades de interveno em sade e em enfermagem, processo n 312389/2009-4.

RESUMO

CAMPOS, A.C. Satisfao do usurio na Sade da Famlia sob a perspectiva da responsividade. 2011. 145 p. Dissertao [Mestrado] - Escola de Enfermagem de Ribeiro Preto, Universidade de So Paulo.

Estudo exploratrio-descritivo, com o objetivo de analisar a satisfao dos usurios de uma Unidade de Sade da Famlia do municpio de Ribeiro Preto SP sob a perspectiva da responsividade. O cenrio da pesquisa se constituiu em uma USF do Distrito Oeste do municpio, selecionada por meio de sorteio. A coleta de dados por meio de entrevistas semi-estruturadas seguiu um roteiro baseado nas dimenses da responsividade e se estendeu de setembro 2010 a janeiro de 2011. Os sujeitos da pesquisa foram usurios das famlias atendidas pela USF, sendo selecionados considerando a utilizao da USF por pelo menos um membro da famlia nos ltimos 6 meses. Foram realizadas 43 entrevistas uma vez que se verificou a saturao dos dados em seu conjunto com este total de entrevistas. A anlise dos dados realizada mediante anlise temtica identificou 4 grandes temas: 1) O ambiente da unidade de sade, onde apesar da insatisfao pela falta de conservao e cuidado com o espao fsico da USF, os usurios indicam que isto pouco interfere na qualidade da assistncia prestada. Entretanto, a degradao do ambiente visto como falta de recursos e descuido da administrao pblica, e tambm, descaso da equipe em conservar e tornar o servio de sade um ambiente mais propcio ao cuidado; 2) O acesso e seus componentes de acessibilidade favorecendo responsividade?, com a presena de distintos aspectos da acessibilidade que podem gerar satisfao e/ou insatisfao ao usurio. Ao trazerem a escassez de tecnologias leve-duras e duras no processamento do atendimento, os usurios apontam que a USF um servio de sade pobre, que dispe de pouca tecnologia, pouca complexidade, pouca capacitao do pessoal; 3) Possibilidades da construo da relao usurio equipe - servio de sade, evidenciando dimenses da responsividade que se fazem presentes na relao do usurio com os servios de sade, mediada por uma equipe que necessita ter instrumentos para ler as necessidades de sade do usurio e programar aes que permitam a expresso de: liberdade e participao do usurio nas decises sobre a sua sade ou sobre as alternativas que lhe so colocadas para seu acompanhamento. Estas dimenses dizem respeito confiana, o vnculo necessrio, a acolhida pela equipe, comunicao que permite o entendimento, a escolha por uma segunda opinio; 4) A equipe da USF processando a assistncia e acolhimento, sendo trazido na anlise dos dados que os usurios consideram os profissionais da equipe de sade acolhedores e comprometimentos com o cuidado sade e asseguram que as pessoas se sintam amparadas, assistidas e confiantes nas condutas prescritas, nas orientaes ofertadas, possibilitando a construo ou ampliao do vnculo usurios-servio de sade. Conclui-se que os aspectos da responsividade contribuem na avaliao do cuidado prestado na Sade da Famlia possibilitando um planejamento mais adequado e prximo s necessidades dos usurios, permitindo a anlise dos servios de sade para ofertar uma assistncia que satisfaa as expectativas da populao e proporcione que as pessoas tenham seus direitos de cidados e de usurios do sistema de sade respeitados.

Descritores: 1. Avaliao dos servios de sade; 2. Satisfao do usurio; 3. Programa sade da famlia; 4. Responsividade; 5. Ateno Primria de Sade.

ABSTRACT

CAMPOS, A. C. Analysis of user satisfaction in a Family Health Unit from the perspective of responsiveness. 2011. 145 p. Dissertation [MA] - Ribeiro Preto College of Nursing, University of So Paulo.

This exploratory and descriptive study aimed to analyze the satisfaction of users who are assisted in a Family Health Unit of the city of Ribeiro Preto, state of So Paulo, Brazil from the perspective of responsiveness. The research was carried out in a Family Health Unit of the Western District of the city, selected by lot. Data were collected through semi-structured interviews, followed a script based on the dimensions of responsiveness, and lasted from September 2010 to January 2011. The subjects were users of the families assisted by the Family Health Unit, being selected if at least one family member had access to the Family Health Unit in the last 6 months. 43 interviews were conducted since it was verified the saturation of data as a whole with this all interviews. The data analysis was made through thematic analysis, in which four major themes were identified: 1) The environment of the Health Unit, where despite the dissatisfaction with the lack of maintenance and care of the physical space, users indicates that this interferes little in the quality of provided care. However, environmental degradation is seen as lack of resources and negligence of the public administration, and also neglect of the staff in conserving and making the health service an environment propitious for care; 2) Access and its components of accessibility is it favoring responsiveness?, with the presence of different aspects of accessibility that can generate user satisfaction and/or dissatisfaction. By bringing the shortage of technology soft-hard and hard to the processing of the care, users indicate that the Family Health Unit is a poor health service, which offers low-tech, low complexity, and little staff training; 3) Possibilities of construction of the relationship user - team - health service, showing dimensions of responsiveness that are present in the user's relationship with health services, mediated by a team that has to have tools to know about the health needs of the user and program actions that allow the expression of freedom and user participation in decisions on his/her health or on the alternatives to his/her monitoring. These dimensions are relate to trust, necessary link, welcome by the team, communication that allows the understanding, choice for a second opinion; 4) The Family Health Unit team - providing care and reception, the data analysis showed that users consider the health professional team friendly and committed with health care and ensure that people feel supported, assisted and confident in the prescribed conduct and offered guidelines, allowing the construction or expansion of the bond health service-users. It was concluded that aspects of responsiveness contribute to the evaluation of care provided in the Family Health allowing a more appropriate planning and closer to the needs of users, which permit the health services to offer a service that meets the expectations of the population and provide that people have their rights respected as citizens and users of the health system.

Descriptors: 1. Health Services Evaluation; 2. Patient Satisfaction; 3. Family Health Program; 4.Primary Health Care

RESUMEN

CAMPOS, A.C. Anlisis de la satisfaccin del usuario en una Unidad de Salud de la Familia de acuerdo con la perspectiva de la capacidad de respuesta. 2011. 145 p. Disertacin [MA] - Escuela de Enfermera de Ribeiro Preto, Universidad de So Paulo.

Este estudio exploratorio-descriptivo objetiv analizar la satisfaccin de los usuarios de una Unidad de Salud de la Familia de la ciudad de Ribeiro Preto, estado de So Paulo, Brasil, de acuerdo con la perspectiva de la capacidad de respuesta. La investigacin fue realizada en una Unidad de Salud de la Familia del Distrito Oeste de la ciudad, seleccionada por sorteo. La recoleccin de datos fue a travs de entrevistas semi-estructuradas y sigui un guin basado en las dimensiones de la capacidad de respuesta y dur de septiembre de 2010 a enero de 2011. Los sujetos fueron usuarios de las familias atendidas por la Unidad de Salud de la Familia, siendo seleccionados considerando la utilizacin de la Unidad de Salud de la Familia por lo menos uno miembro de la familia en los ltimos 6 meses. 43 entrevistas fueron realizadas porque hubo saturacin de los datos en su conjunto con este total de entrevista. El anlisis de los datos realizada por medio del anlisis temtico identific cuatro grandes temas: 1) El ambiente de la unidad de salud, donde a pesar de la insatisfaccin por la falta de mantenimiento y cuidado del espacio fsico de la Unidad de Salud de la Familia, los usuarios indican que esto interfiere poco en la calidad de la atencin proporcionada. Sin embargo, la degradacin del ambiente es vista como una falta de recursos y negligencia de la administracin pblica, y tambin descaso del equipo en preservar y hacer el servicio de salud de un ambiente ms propicio a la atencin; 2) El acceso y sus componentes de accesibilidad - a favor de la capacidad de respuesta?, con la presencia de diferentes aspectos de la accesibilidad que puede generar satisfaccin y/o insatisfaccin de los usuarios. Al traer a escasez de tecnologa blanda-dura y dura en el proceso de atendimiento, los usuarios indican que la Unidad de Salud de la Familia es un servicio de salud pobre, que ofrece baja tecnologa, baja complejidad, baja capacitacin del personal; 3) Posibilidades de construccin de relaciones usuario - equipo servicio de salud, evidenciando las dimensiones de la capacidad de respuesta que estn presentes en la relacin del usuario con los servicios de salud, mediada por un equipo que necesita contar con instrumentos para saber las necesidades de salud del usuario y programar que permitan la expresin de libertad y participacin del usuario en las decisiones sobre su salud o sobre las alternativas que le sean colocadas para su acompaamiento. Estas dimensiones se refieren a confianza, vnculo necesario, bienvenida por la equipo, comunicacin que permite la comprensin, tener opcin para una segunda opinin; 4) El equipo de la Unidad de Salud de la Familia - procesamiento de la asistencia y recepcin, el anlisis de los datos mostraron que los usuarios consideran que el equipo profesional es receptiva y comprometida con la atencin a la salud y garanten que las personas se sientan apoyadas, asistidas y confiadas en las conductas prescritas, en las orientaciones ofrecidas, lo que permite la construccin o ampliacin del vinculo usuarios-servicios de salud. Se concluye que los aspectos de la capacidad de respuesta contribuyen para la evaluacin de la atencin prestada en la salud de la familia, lo que permite una planificacin ms adecuada y cercana a las necesidades de los usuarios, permitiendo el anlisis de los servicios de salud para ofrecer un servicio que satisfaga las expectativas de la poblacin y proporcione que las personas tengan sus derechos respectados como ciudadanos y como usuarios del sistema de salud.

Palabras clave: 1. Evaluacin de servicios de salud, 2. Satisfaccin del paciente, 3. Programa de Salud de la Familia; 4.Atencin Primaria de Salud.

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Descrio dos procedimentos realizados pela equipe da USF, no perodo de

Maro a Agosto de 2010. Ribeiro Preto, 2011

LISTA DE TABELAS

Tabela 1. Nmero de Famlias por microrea, nmero de famlias sorteadas e

nmero de famlias entrevistadas. Ribeiro Preto, 2011

Tabela 2: Renda mensal familiar dos sujeitos entrevistados. Ribeiro Preto, 2011

LISTA DE SIGLAS

AB - Ateno Bsica

ABS - Ateno Bsica Sade

ACS - Agentes Comunitrios de Sade

APS - Ateno Primria a Sade

CAPS - Centro de Apoio Psico- Social

CONASS - Conselho Nacional de Secretrios de Sade

CSE - Centro de Sade Escola

ESF - Estratgia de Sade da Famlia

FMRP- Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto

HC - Hospital das Clnicas

IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica

IPEA - Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada

OMS - Organizao Mundial de Sade

OPAS - Organizao Pan-Americana da Sade

SF - Sade da Famlia

SIAB - Sistema de Informao de Ateno Bsica

SUS - Sistema nico de Sade

UBDS - Unidades Bsicas e Distritais de Sade

UBS - Unidades Bsicas de Sade

URD - Unidade de Referncia Distrital

USF - Unidade de Sade da Famlia

USP Universidade de So Paulo

VD Visita(s) Domiciliar(es)

SUMRIO Apresentao................................................................................................... 16

I. Introduo...................................................................................................... 18

1.1. Um pouco da histria da Ateno Primria Sade (APS) no

mundo e no Brasil......................................................................................

18

1.2. O processo de avaliao e a satisfao do usurio como indicador

de qualidade...............................................................................................

27

1.3. A abordagem da responsividade complementando a de satisfao

do usurio? ...............................................................................................

30

1.4. Pressupostos metodolgicos das pesquisas de responsividade........ 33

1.5. Justificativa.......................................................................................... 34

2. Objetivos....................................................................................................... 36

2.1. Objetivos especficos......................................................................... 36

3. O percurso da investigao........................................................................ 37

3.1. Natureza da Pesquisa......................................................................... 37

3.2. Campo e o cenrio da pesquisa......................................................... 37

3.3. Populao do estudo, as tcnicas e instrumento de coleta de dados 39

3.4. Procedimentos ticos.......................................................................... 41

3.5. Anlise dos dados............................................................................... 42

4. O que dizem os usurios............................................................................. 43

4.1. O ambiente da Unidade de Sade...................................................... 48

4.1.1. O espao fsico: preparado para promover a ateno sade? 48

4.1.2. Cuidado e limpeza: detalhes promovendo o acolhimento......... 56

4.1.3. Equipamentos disponveis...................................................... 59

4.2. O acesso e seus componentes de acessibilidade favorecendo a

responsividade...........................................................................................

65

4.2.1. A distncia facilitando a procura pelo servio de sade............ 65

4.2.2. Acessibilidade organizacional em foco...................................... 70

4.2.3. s tecnologias disponveis na USF............................................. 81

4.3. Possibilidades da construo da relao usurio equipe servio

de sade....................................................................................................

92

4.3.1. Construindo relaes de confiana........................................... 92

4.3.2. A privacidade do usurio e a ateno prestada........................ 97

4.3.3. A capacidade de escolher e a liberdade de se posicionar........ 105

4.4. A equipe da USF processando a assistncia e o acolhimento........ 117

4.4.1. O acolhimento pela ESF............................................................ 117

4.4.2. A composio da equipe e o trabalho de cada agente............. 123

4.4.3. Outros trabalhadores presentes na USF................................... 127

5. Consideraes Finais................................................................................... 130

Referncias....................................................................................................... 133

Apndice............................................................................................................ 140

Anexos............................................................................................................... 145

APRESENTAO

Durante a graduao, descobri na Ateno Bsica, especialmente na

Sade da Famlia, a alegria em ser enfermeira. Aprendi e compreendi a

importncia: de conhecer o territrio e a comunidade, da promoo sade, da

preveno de agravos, do acompanhamento constante s necessidades das

pessoas e da interao com outros profissionais de sade. Aps esta experincia,

tive a oportunidade de pesquisar sobre a utilizao dos servios de sade pelos

usurios, buscando entender os aspectos que levam a satisfao ou a

insatisfao das pessoas em seu contato com os servios de sade.

Em minha primeira experincia profissional, participei da coleta de dados

na pesquisa de Pereira (2008), que me proporcionou um conhecimento mais

aprofundado da realidade do sistema de sade do municpio. Nesta pesquisa

(PEREIRA, 2008), emergiu a necessidade de avaliar aspectos voltados a

responsividade que ajudasse a perceber melhor a satisfao dos usurios quanto

os servios de sade. Apesar do pouco tempo trabalhando na Ateno Bsica,

como monitora1 e pesquisadora, observei como fundamental para o profissional

de sade aprender, compreender e tentar atender as demandas e expectativas

dos usurios para possibilitar uma ateno sade com qualidade. O desejo de

continuar na rea acadmica e ser uma enfermeira que acolhe na integralidade

os usurios levou-me a desenvolver a presente pesquisa.

Este estudo possibilitou minha aproximao aos usurios, permitindo criar um

espao para que estes fossem escutados e opinassem sobre assistncia prestada

na Sade da Famlia. Porm, no tenho aqui a pretenso imediata de propor

solues ao atendimento para os profissionais de sade ou regras de bom uso dos

servios aos usurios. Mas desejo que esta pesquisa ajude s equipes de sade a

proporcionar o cuidado adequado s demandas, desejos e expectativas das

pessoas, e consequentemente, tentarem proporcionar o atendimento ao direito

sade de qualidade e resolutiva.

1 Monitoria uma figura estabelecida pela Universidade de So Paulo, vinculando formalmente um

ps-graduando, selecionado mediante processo seletivo, para atuao junto ao ensino de graduao, sob a superviso de um docente.

Nesta pesquisa, prope-se analisar como as pessoas avaliam a assistncia

prestada pela Sade da Famlia segundo a responsividade, que trata dos direitos

universais ao cuidado em sade.

O estudo estrutura-se em cinco captulos. No primeiro captulo, introduzo o

suporte terico que d sustentao anlise do estudo, recordando o percurso da

Ateno Primria Sade no Brasil e no mundo, a importncia do processo de

avaliao e satisfao dos usurios no sistema de sade e o quadro terico para a

construo do conceito de responsividade nas pesquisas de satisfao. Ainda, neste

captulo, discuto a justificativa deste estudo. No segundo captulo, aponto os

objetivos (geral e especfico) desta pesquisa, e no terceiro captulo apresento o

percurso metodolgico, estabelecendo o campo da pesquisa, os sujeitos envolvidos,

os instrumentos para a coleta e anlise dos dados.

No quarto captulo, discuto os resultados da pesquisa com a caracterizao

dos participantes e a anlise dos achados segundo a temtica investigada.

Finalizando, no ltimo captulo, apresento as consideraes finais com uma sntese

dos resultados em discusso e apontando algumas possibilidades, ou desafios

encontrados nesta investigao que podem contribuir para que os trabalhadores

possam refletir sobre sua prtica de trabalho e propor aes para melhoria da

satisfao do usurio quanto assistncia prestada e assegurar o direito sade

destes, especialmente no municpio estudado.

Espero que vocs aproveitem a leitura. Vamos a ela ....

18 Introduo

I. INTRODUO

1. Um pouco da histria da Ateno Primria Sade (APS) no mundo e no

Brasil

A dcada de 70 foi marcada no mundo todo pelo que se denominou de

crise da sade, caracterizada pela influncia do modelo mdico hegemnico,

tecnocentrado e com altos custos, no considerando plenamente o complexo

processo sade-doena-cuidado (MENDES, 1996; CAMARGO-BORGES, 2007).

Esta crise foi conseqncia de um perodo marcado por um processo

mundial de profunda recesso gerando uma forte crise estrutural do capitalismo.

Os governos sofriam com um significativo dficit publico e conviviam com a

reduo dos investimentos sociais, especialmente na sade que impossibilitava

atender s necessidades de sade da populao de forma adequada, a

urbanizao gerou o crescimento da pobreza e violncia e conseqentemente o

aumento da demanda para os servios de sade de ateno primria (MENDES,

1996; GAIOSO, 2007).

Ainda, segundo Mendes (1996) uma das explicaes para esta crise,

denominada estrutural, se voltou a evidenciar a incapacidade de conciliar as

estratgias de controle de gastos dos sistemas de sade e as foras que exigem

expanso do sistema de sade. Dentre estas foras estariam mudana na

estrutura da idade da populao com a reduo da taxa de mortalidade e da taxa

de fecundidade, a medicalizao da sociedade como forma de obter sade com a

ausncia de doena, e a acumulao epidemiolgica, que no Brasil, contava com

50% da mortalidade causada pelas doenas do aparelho circulatrio e causas

externas, aumento dos casos de clera e dengue, doenas infecciosas e

desnutrio que continuavam presentes na sociedade (MENDES, 1996, p. 21- 25).

No contexto brasileiro ocorria o movimento de abertura poltica nacional em

consonncia com o processo latino-americano de resgate de cidadania no continente

(CAMARGO-BORGES, 2007). A crise da sade tem sido considerada universal,

no sendo uma caracterstica especfica do contexto brasileiro, apresentando

dimenses que se fazem presentes de modo uniforme em diferentes pases:

ineficincia, pela concentrao de gastos em procedimentos custosos e de baixo

19 Introduo

impacto sobre a sade ocasionado pelo modelo mdico hegemnico; ineficcia

caracterizada pela falta de ligao entre os investimentos na sade e o impacto

destes nos padres sanitrios da populao; iniquidade em que a disponibilidade da

ateno mdica estava muito aqum das necessidades da populao, e insatisfao

popular com todo este contexto (MENDES, 1996, p. 15-17).

Em setembro de 1978, em Alma Ata, antiga Unio Sovitica, foi realizada a

Conferncia Internacional Sobre Cuidados Primrios de Sade promovida pela

Organizao Mundial de Sade (OMS) e pelo Fundo das Naes Unidas para

Infncia (UNICEF). Neste cenrio de crise estrutural, assinalava-se a

necessidade de ao urgente de todos os governos, de todos os que trabalham

nos campos da sade e do desenvolvimento e da comunidade mundial para

promover a sade de todos os povos do mundo (OMS, 1979, p.2); buscando com

isto, diminuir as drsticas desigualdades sociais presentes neste cenrio

(CAMARGO-BORGES, 2007).

Esta Conferncia define cuidados primrios de sade ou de Ateno

Primria de Sade (APS) como sendo a ateno essencial sade colocada de

forma universal e acessvel a todos os indivduos e famlias da comunidade, de

acordo com as formas aceitveis para a comunidade e a um custo que tanto a

comunidade como o pas possam ser capazes de suportar (OMS, 1979).

Ainda, apontado como um dos aspectos importantes a nfase na ateno

sade como um direito humano fundamental (ANDRADE, BARRETO,

BEZERRA, 2006). Neste sentido, a obteno do mais alto nvel de sade seria a

mais importante meta social mundial, cuja realizao requereria a ao de muitos

outros setores sociais e econmicos, alm do setor sade (CAMARGO-

BORGES, 2007, p. 58 59).

Segundo a OMS (1979), ao apresentar as diretrizes e princpios da APS,

afirma que esta o nvel de um sistema de sade que oferece a entrada no

sistema para todas as novas necessidades e problemas; fornece ateno sobre a

pessoa (no direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, e coordena

ou integra a ateno fornecida em algum outro lugar do sistema, permitindo a

ateno o mais prximo possvel de onde as pessoas vivem e trabalham, lidando

assim com os problemas mais comuns na comunidade. Ao lidar com os

20 Introduo

problemas mais comuns, tambm se aproxima daqueles menos definidos,

oferecendo servios de preveno, cura e reabilitao para melhorar a situao

de sade e bem estar (OMS, 1979; STARFIELD, 2002; ANDRADE, BARRETO,

BEZERRA, 2006; CAMARGO-BORGES, 2007).

Starfield (2002, p. 482) ao analisar os sistemas de sade centrados nos

atributos e concepes da APS, afirma que estes sistemas apresentam um

diferencial na resoluo dos problemas de sade. A autora apresenta o que

denomina atributos, ou aspectos exclusivos da APS, e que oferecem as bases

tericas para as caractersticas da APS e para as formas de avali-la:

1. Primeiro contato ou porta de entrada refere-se acessibilidade e uso do

de servios de sade no surgimento de um problema de sade. A autora aborda e

diferencia os termos: acesso como uso efetivo do servio pelo usurio, e a

acessibilidade que se constitui como elemento estrutural necessrio ao primeiro

contato, possibilitando o usurio chegar ao servio de sade. A acessibilidade no

caracterstica apenas da APS, mas se difere nesta por ser o ponto de entrada nos

servios de sade.

2. Longitudinalidade pressupe um acompanhamento dos usurios de sade

e suas demandas de forma regular e constante ao longo do tempo. Envolve uma

relao pessoal de longa durao entre os profissionais de sade e os usurios,

possibilitando a estes usurios identificar a Unidade de Sade como sua fonte

regular de ateno. Starfield (2002) associa este atributo a benefcios como: ateno

mais adequada, melhor reconhecimento dos problemas, melhor e maior relao de

vinculo com os pacientes, menos hospitalizaes e custos mais baixos.

3. Integralidade refere-se aos arranjos organizados pelas Unidades de

Sade para que os usurios recebam todos os tipos de servios de ateno

sade que necessitem, podendo utilizar os diferentes nveis de ateno sade.

Esses recursos podem estar disponveis tanto na prpria unidade como ser

mobilizados desta e/ou fora do setor de sade, como por exemplo, o

encaminhamento para os servios do nvel secundrio e o tercirio, internao

domiciliar e outros disponveis de carter comunitrio. Starfield (2002, p.63)

destaca que os profissionais precisam desenvolver prticas de ateno buscando

21 Introduo

ofertar e reconhecer adequadamente problemas de todos os tipos, sejam eles

funcionais, orgnicos ou sociais.

4. Coordenao da ateno pressupe a disponibilidade de informaes a

respeito de problemas e servios anteriores, continuidade da assistncia por meio

de uma equipe de sade e servios especializados. Para operar a coordenao

essencial que as informaes a respeito dos problemas dos usurios estejam

disposio dos profissionais que prestam o atendimento, principalmente para resolver

as necessidades atuais. Apesar disto, a coordenao vista como um desafio pela

dificuldade em obter informaes geradas em diferentes locais de atendimento. Este

atributo tambm possibilita uma maior integrao entre os servios e assim a

construo de um sistema integral e integrado (PEREIRA, 2008, p.78).

Ainda, Starfield (2002) aponta outros elementos que so derivados dos

atributos essenciais, tais como a focalizao na famlia e a orientao para a

comunidade.

A focalizao na famlia enfoca a famlia como sujeita da ateno,

considerando o ambiente cotidiano em que est inserida, suas necessidades,

exposio a ameaas na sade de qualquer ordem, e enfrentamento de recursos

familiares limitados. O conhecimento da dinmica familiar e do estado de sade

dos membros da famlia pelos profissionais da Unidade de Sade pode

esclarecer possveis mecanismos de etiologia e de resposta a terapia

(STARFIELD, 2002, p.486).

A orientao comunitria refere-se ao conhecimento das necessidades da

comunidade no contexto fsico, econmico, social e cultural em que vivem. As

habilidades epidemiolgicas e clnicas podem auxiliar na elaborao de

programas que atendam as necessidades especficas da populao definida

(STARFIELD, 2002, p.537).

Documento da Organizao Pan-Americana da Sade (OPAS) publicado

inicialmente de forma preliminar em 2005, traz um conjunto de reflexes acerca

da APS nas Amricas (OPAS, 2008), apresentando aspectos tericos para o

repensar da mesma, sendo apontados elementos estruturais e funcionais que vo

na mesma direo do trazido por Starfield (2002) e que dizem respeito ao:

primeiro contato, ateno integral, integrada e contnua; cobertura e acesso

22 Introduo

universais, orientao familiar e comunitria, nfase na promoo e preveno,

ateno apropriada, mecanismos de participao ativa, aes intersetoriais,

recursos adequados e sustentveis, recursos humanos apropriados, organizao

e gesto timas, polticas e programas pr-equidade, marco poltico, legal e

institucional slido.

Nesta mesma direo da anlise dos sistemas de sade, Mendes (2002)

afirma que ao se tomar a histria mais recente de vrios pases, observa-se a

adoo da estratgia da APS para organizao e ordenao de recursos de

sade. Contudo, neste processo a APS tem sofrido variaes em sua

interpretao, principalmente pela ambigidade de algumas definies

estabelecidas internacionalmente de APS. Este autor destaca trs interpretaes

presentes de APS: como ateno primria sade seletiva, como aquela

destinada a populaes excludas apresentando um conjunto de aes focais;

ateno primria sade como primeiro nvel do sistema de servios de sade,

constituindo-se no primeiro nvel de acesso ao sistema de sade, mas ainda com

dificuldades da articulao em rede do sistema e servios de sade; e a ateno

primria sade como estratgia de organizao do sistema de servios de

sade, o que implicaria na articulao dos diferentes pontos da rede, sendo os

servios de ateno primria aqueles responsveis pela coordenao da ateno.

O documento Renovao da Ateno Primria Sade das Amricas

(OPAS, 2008), j apontado acima, apresenta uma quarta possibilidade de

interpretao da APS como abordagem de Sade e Direitos Humanos. Nesta

abordagem colocada a nfase na compreenso da ateno sade como

direito humano e a necessidade de abordar seus determinantes sociais e polticos

mais amplos. A definio renovada da APS inclui os setores pblicos e privados;

diferencia valores, princpios e elementos essenciais e estruturais da APS;

destaca a equidade e a solidariedade como valores que devem estar presentes

na APS renovada; incorpora princpios como sustentabilidade e orientao

qualidade (OPAS, 2008, p. 8). Este documento explicita, ainda, que a estratgia

para a renovao da APS se ajusta de acordo com realidade poltica, econmica,

capacidade administrativa e desenvolvimento histrico alcanado pelo setor

sade de cada pas (ANDRADE, BARRETO, BEZERRA, 2006, p.794).

23 Introduo

Ainda, neste documento, a OPAS (2008), ao definir os valores, princpios e

elementos propostos de um Sistema de Sade baseado na APS aponta que:

valores so os princpios sociais ou padres de comportamento apoiados pela

sociedade proveniente de uma base moral para polticas planejadas para servir

ao interesse pblico; os princpios dizem respeito ligao das polticas de

sade, legislao, gerao e distribuio de recursos com a operacionalizao do

sistema de sade; e elementos estruturais e funcionais (j apresentados acima)

esto presentes em todos os nveis de sade e devem basear-se na evidncia

atual de sua efetividade ao melhorar a sade e na importncia em garantir outros

aspectos de um Sistema de Sade com base na APS (ANDRADE, BARRETO,

BEZERRA, 2006, p.794; OPAS, 2008, p.8-16).

O Brasil, no foge a este contexto de crise e de reformulao do sistema

de sade, assim, quando tomamos os antecedentes da constituio e

organizao do Sistema nico de Sade (SUS), verificamos que sua implantao

no ocorre de forma isolada no cenrio brasileiro, mas num processo de

recomposio das foras polticas no mbito nacional e internacional. Dentre

outros aspectos, tem-se presente no pas o movimento de abertura poltica em

consonncia com o processo latino-americano de resgate da cidadania no

continente, e a necessidade de ampliao da expanso da ateno mdica, a

partir de um modelo de baixo custo para populaes excludas residentes nas

reas marginais de grandes cidades e nas zonas rurais. Desta forma, neste

contexto mais geral, o Brasil, no processo denominado de Movimento da Reforma

Brasileira, acompanha o movimento internacional e na conformao de suas

polticas de sade, incorpora e rearticula conceitos de APS.

O resultado deste processo de reforma da crise na sade e do movimento

de Reforma Sanitria, em curso no pas a partir da dcada de 80 foi como j

apontado, a construo do SUS, que por meio da Constituio Federal de 1988 e

regulamentado pelas Leis Orgnicas 8080 e 8142 de 1990 (BRASIL, 1990)

estabelece aos cidados brasileiros o acesso universal, integral e com eqidade

assistncia, constituindo o eixo tico-poltico.

24 Introduo

Ainda, h de se considerar que em sua estrutura de organizao o SUS

contempla diretrizes organizativas: descentralizao, regionalizao,

hierarquizao, participao social.

O SUS traz como desafio a construo de uma lgica e de prticas de cuidado que se contrapem ao modelo biomdico dominante, desde a concepo do processo sade-doena, de homem e da articulao de saberes e praticas para a produo de cuidados e de formas de gesto de servios, tendo como premissa a ampliao do processo sade-doena, considerando a dimenso histrica, social e relacional deste processo (CAMARGO-BORGES, 2007, p. 55-56).

Em 2006, num processo que pode ser considerado de ampliao da APS

no pas, o Ministrio da Sade lana a Poltica Nacional de Ateno Bsica,

destacando que a Ateno Bsica Sade (ABS) deve ser orientada pelos

princpios da universalidade, acessibilidade, coordenao do cuidado, vnculo e

continuidade, integralidade, responsabilizao, humanizao, eqidade e

participao social. A ABS, como denominada no territrio brasileiro a APS, se

caracteriza por aes individuais e coletivas desenvolvidas articuladamente com

uma prtica gerencial participativa e democrtica, com o enfoque no trabalho de

equipe, considerando o contexto onde as populaes vivem. A ABS considera o

sujeito em sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na insero

scio-cultural e busca a promoo de sua sade, a preveno e tratamento de

doenas e a reduo de danos ou de sofrimentos que possam comprometer suas

possibilidades de viver de modo saudvel (BRASIL, 2006c, p.10).

Cabe destacar que a Poltica Nacional de Ateno Bsica lanada numa

perspectiva poltica negociada do Pacto pela Sade (BRASIL, 2006c), com a

definio da Estratgia de Sade da Famlia (ESF) como a prioridade para a

viabilizao da Ateno Bsica no pas. Assim cabe um pequeno parntesis, de

forma a localizar que no cenrio de implantao e implementao do SUS e da

busca de sua sustentabilidade, em 1994, o Governo Federal brasileiro implementa

o Programa de Sade da Famlia, posteriormente considerado uma estratgia de

poltica pblica visando a estruturao de um modelo de ateno voltado

integralidade e qualidade da assistncia prestada, contribuindo para a consolidao

dos princpios e diretrizes do SUS. A ESF tem como sustentao os princpios da

25 Introduo

APS, tomando-a como eixo organizativo na agenda nacional de sade

(CAMARGO-BORGES, 2007).

A ESF prope a integrao e organizao das aes da sade em um

territrio definido, cuja ateno est centrada na famlia a partir do seu ambiente

fsico e social, possibilitando s equipes uma compreenso ampliada do processo

sade-doena e da necessidade de intervenes que vo alm de prticas

curativas (GAIOSO, 2007).

Ainda, a ESF deve

[...] atuar no territrio, realizando cadastramento domiciliar, diagnstico situacional, aes dirigidas aos problemas de sade de maneira pactuada com a comunidade onde atua, buscando o cuidado dos indivduos e das famlias ao longo do tempo, mantendo sempre postura pr-ativa frente aos problemas de sade doena da populao; buscar a integrao com instituies e organizaes sociais, em especial em sua rea de abrangncia, para o desenvolvimento de parcerias; e ser um espao de construo de cidadania (BRASIL, 2006c, p.20).

Segundo Andrade, Barreto, Bezerra (2006) pode-se faz um paralelo dos

Sistemas de Sade baseados na APS e a implantao da ESF, considerando os

princpios doutrinrios e organizativos do SUS e os componentes que caracterizam

a implantao da Sade da Famlia. Os valores remetem-se aos princpios

doutrinrios do SUS: conceito de sade, universalidade, equidade, integralidade. J

os princpios vo ao encontro dos princpios organizacionais do SUS:

acessibilidade, resolutividade, hierarquizao, descentralizao, controle social.

E finalmente, os elementos estruturais e funcionais que caracterizam os

Sistemas de Sade baseados na APS so semelhantes aos componentes que

caracterizam a ESF: definio e descrio do territrio de abrangncia, adscrio

da clientela, diagnstico de sade da comunidade, acolhimento e organizao da

demanda, trabalho em equipe multiprofissional, enfoque da ateno sade da

famlia e comunidade, estmulo participao e controle social, aes de

promoo sade, resgate da medicina popular, organizao de um espao de co-

gesto coletiva na equipe, identificao dos servios de referncia no nvel

secundrio e tercirio, monitoramento dos indicadores de sade do territrio-

populao abrangente, clnica ampliada, educao permanente em sade

(ANDRADE, BARRETO, BEZERRA, 2006, p.811).

26 Introduo

O processos de descentralizao e municipalizao das aes e servios de

sade desencadeados no movimento de implementao do SUS tornaram-se um

grande desafio para os gestores que buscavam superar a fragmentao das polticas

e programas de sade por meio da organizao de uma rede regionalizada e

hierarquizada de aes e servios e da qualificao da gesto. Frente a isto, em

2006, o Ministrio da Sade prope o Pacto pela Sade em trs dimenses Pacto

pela Vida, Pacto em Defesa do SUS e Pacto de Gesto com responsabilidades

para os trs gestores do SUS, visando alcanar maior efetividade, eficincia e

qualidade de suas respostas e, ao mesmo tempo, redefine responsabilidades

coletivas por resultados sanitrios em funo das necessidades de sade da

populao e na busca da eqidade social (BRASIL, 2006a, p.7).

O Pacto pela Vida tem prioridades estabelecidas por meio de metas

nacionais, estaduais, regionais ou municipais que apresentam impacto sobre a

situao de sade da populao brasileira (BRASIL, 2006a, p.9).

Uma das prioridades deste Pacto tem como objetivo assumir a Sade da

Famlia como estratgia prioritria para o fortalecimento da ateno bsica no

pas, de forma a consolidar, ampliar e qualificar a ESF nos municpios brasileiros,

bem como garantir a infra-estrutura e o financiamento necessrio ao

funcionamento destas Unidades Bsicas de Sade, e tambm o processo de

monitoramento e avaliao da Ateno Bsica (BRASIL, 2006a, p.13-14).

Aps quinze anos de implantao da ESF e sua implantao pelo pas,

com financiamento induzido pelo governo federal, somadas s crticas apontadas

de sua operacionalizao (MERHY; FRANCO, 2002; VAN STRALEN et al., 2008),

torna-se importante a avaliao do desenvolvimento da estratgia, considerando

inclusive as consideraes apontadas pelo Ministrio da Sade na avaliao

realizada em dez grandes centros no Brasil (BRASIL, 2002).

Esta pesquisa apontou como exemplos de pontos positivos: a presena de

mecanismos na integrao entre nveis assistenciais, a criao e o fortalecimento

de estruturas de regulao das Secretarias Municipais de Sade e nos centros de

sade, a organizao dos fluxos para a ateno especializada mostrando, assim,

uma preocupao com uma ateno integral. Entretanto, apontado que o

processo de integrao da rede foi considerado incompleto e uma barreira no

27 Introduo

cuidado integral. A incompletude da rede se d devido falta de integrao entre

diferentes prestadores, a insuficincia de fluxos formais para ateno hospitalar e

a ausncia de polticas para mdia complexidade (ALMEIDA et al., 2010).

O documento original nominado de Avaliao da Sade da Famlia em dez

grandes centros (BRASIL, 2002) reafirma a importncia da ESF e ao indicar as

dificuldades vivenciadas em sua implementao, aponta tambm recomendaes

para sua efetiva e qualificada ao no pas. Dentre as recomendaes, mesmo

que de forma indireta, assinalada a importncia de dar voz aos usurios. Esta

questo aparece quando da recomendao da ateno aos grupos mais

vulnerveis com a expanso da cobertura assistencial de modo a contribuir com o

processo de incluso social. Aliado a esta questo, coloca-se a necessidade de

promover a efetiva participao da populao nos processos de diagnstico e

planejamento de aes, bem como a criar meios e instrumentos para a

populao apresentar queixas, denncias e sugestes (BRASIL, 2002, p. 217).

1.2. O processo de avaliao e a satisfao do usurio como indicador de

qualidade

No campo da sade e, em especial, para a Sade Pblica, a avaliao dos

servios bastante relevante, pois favorece diretrizes e opes para o

planejamento da ateno e possibilita um controle tcnico e social dos servios e

programas prestados sociedade. Contudo, ainda escassa a produo

cientifica publicada voltada satisfao dos usurios em relao aos servios de

Ateno Primaria Sade (GAIOSO, 2007).

Autores tm discutido que com a implantao do SUS, a partir do processo

de descentralizao, os gestores locais tm apontado a necessidade de

instrumentos capazes de auxili-los a avaliar o sistema de sade de maneira mais

orientada e sistematiza. Contudo, ainda se verifica este processo de modo

bastante genrico (MALIK; SCHIESARI, 1998; GAIOSO, 2007).

Diversas iniciativas voltadas para a avaliao em sade no Brasil vm

sendo desenvolvidas, de forma progressiva nas ltimas dcadas: pesquisas

acadmicas com a inteno de avaliar servios de sade; as prprias polticas

que valorizavam o planejamento em sade, traziam nos seu documento, tpicos

28 Introduo

que sugeriam a preocupao com a avaliao; mais recentemente o Ministrio da

Sade tem recomendado pesquisas de avaliao no apenas por exigncia de

financiadores externos, mas devido a uma crescente conscincia de

responsabilizao entre seus tcnicos e dirigentes (SILVA, 2005).

Quando se toma o termo avaliao, este se volta ao ato ou efeito de

avaliar, ou seja, conferir valor manifestar-se em relao a alguma coisa, sem

compromisso (GAIOSO, 2007). Ao realizar julgamento de valor a respeito de uma

interveno ou sobre qualquer um de seus componentes, com o objetivo de

ajudar na tomada de decises, tem-se em curso o processo de avaliao.

Tanaka e Mello (2001) apontam que a avaliao parte integrante e

necessria do planejamento e do processo de tomada de deciso, servindo para

o direcionamento da execuo de aes, atividades, programas e sendo exercida

por todos aqueles envolvidos no planejamento e na execuo dessas aes.

Para autores como Donabedian (1980) e Vuori (1988), no processo de

avaliao, e em especial na sade, o aspecto central a ser considerado e que o

sustenta a qualidade, sendo esta considerada como apresentando muitas

facetas, sendo que autores diferentes podem empregar significados distintos a

este termo (VUORI, 1988).

Donabedian (1988) apresenta a descrio de dois tipos de avaliao. A

primeira, denominada avaliao qualitativa dos servios refere-se ao

relacionamento com o paciente, as amenidades (instalaes e equipamentos

adequados) e ao desempenho tcnico, que aborda a aplicao do conhecimento

e da tecnologia visando o aumento dos benefcios e a reduo dos riscos. A

segunda avaliao denominada qualitativa do cuidado sade pode ser realizada

em seus trs componentes: a estrutura que se refere s caractersticas dos

recursos utilizados pelo servio; o processo, aos procedimentos utilizados para

solucionar os problemas apresentados pelos pacientes; e o resultado, ao estado

de sade do paciente ou da comunidade resultante da interao com o servio de

sade, incluindo neste, a satisfao do paciente.

Posteriormente, Donabedian (1990) define os sete pilares da qualidade para

avaliar as prticas de sade: eficcia que a competncia com que se produz o

cuidado para melhorar a sade; efetividade - a dimenso com que se alcana o

29 Introduo

resultado para melhorar a sade; eficincia que o mximo de cuidado efetivo

obtido por um menor custo monetrio; otimizao- o melhor cuidado efetivo, que

pode ser obtido da relao custo/benefcio; aceitabilidade a adaptao dos

cuidados s expectativas, desejos e valores do paciente e seus familiares;

legitimidade conformidade das preferncias quanto aceitabilidade e eqidade

distribuio dos cuidados e seus efeitos na sade.

A aceitabilidade est diretamente relacionada com as expectativas e

satisfaes dos usurios e compreende a relao do usurio com a equipe de sade,

as dependncias e instalaes, as preferncias do usurio em relao ao tratamento

e tudo aquilo que ele julgar justo (GAIOSO, 2007).

Vuori (1988) ainda indica que ao se abordar a dimenso de qualidade,

seria necessrio especificar os aspectos de qualidade: quem define qualidade e

quem seria o beneficirio desta qualidade. Nesta direo Kloetzel (1998, p.2)

citado por Gaioso (2007, p.36) afirma que extremamente importante quando

aponta que a avaliao de qualidade deve basear-se tanto em critrios objetivos

como subjetivos.

Akerman (1992) em seu estudo afirma que a definio de indicadores de

qualidade deveria passar pela utilizao de medidas que levasse em conta a

satisfao dos pacientes com os servios. Esta afirmao pode encontrar eco na

fala de Merhy (1998, p.105) quando afirma que a queixa dos usurios aos

servios de sade no est relacionada com a

[...] falta de recursos e conhecimento tecnolgico no seu atendimento, mas sim da falta de interesse e de responsabilizao dos diferentes servios a sua pessoa e ao seu problema em particular. Os usurios sentem-se inseguros, desinformados,

desamparados, desprotegidos, desrespeitados e desprezados.

Para Gaioso (2007) avaliao da satisfao do usurio um parmetro que

representa respostas quanto as suas esperanas e desejos, podendo se tornar um

instrumento til na organizao da assistncia e melhoria da qualidade de vida.

Segundo Bernhart et al. (1999), a satisfao dos clientes com os servios

um componente integral de qualidade destes e depende da eficcia dos cuidados

prestados. Estes autores apontam estudos indicando que um paciente satisfeito

com os servios de sade tem mais chances de cumprir o tratamento mdico

prescrito, so mais suscetveis a fornecer informaes clnicas relevantes aos

30 Introduo

profissionais e a probabilidade de continuar utilizando estes servios so maiores,

ou seja, a satisfao do paciente e qualidade percebida influenciam na utilizao

dos servios (DARBY et al., 2000).

Souza e Pereira (1999) afirmam que as fontes de influncia mais

significativas na avaliao da satisfao do usurio so multifatoriais e dependem

das experincias pessoais, socioeconmicas e culturais.

1.3. A abordagem da responsividade complementando a de satisfao do

usurio?

Em 2000, a OMS divulgou o Relatrio Mundial da Sade para o ano 2000,

apresentando uma classificao dos 191 pases membros, com base em um novo

ndice composto (desempenho total do sistema de sade), desenvolvido para

monitorar o desempenho dos sistemas de sade em cada pas. Este ndice

representa uma mdia ponderada de indicadores que pretendem medir resultados

em relao ao nvel de sade da populao - buscando como a interao dos

sistemas de sade com os indivduos pode ter impacto no bem-estar da

populao, a responsividade - como sistema de sade atende as expectativas

legitimadas da populao voltada aos aspectos no-mdicos do sistema de sade

e justia no financiamento - como garantir um financiamento equitativo dos

sistemas de sade (OMS, 2000; TRAVASSOS; BUSS, 2000; DARBY et al., 2000;

GOSTIN et al., 2003).

O conceito de responsividade, j utilizado na cincia poltica, diz respeito a

quanto as aes governamentais atendem s expectativas e demandas da

populao. A OMS (2000) introduziu este conceito na temtica da avaliao em

sade, como uma alternativa ao conceito de satisfao, para se referir aos elementos

no diretamente ligados ao estado de sade (VAITSMAN; ANDRADE, 2005. p. 606).

O conceito de responsividade discutido por vrios autores (DARBY et al.,

2000; VAITSMAN; ANDRADE, 2005; alm da OMS, 2000) est fundamentado

no pressuposto de que, o sistema de sade deve promover e manter a sade dos indivduos, alm de trat-los com dignidade, facilitar sua participao nas decises sobre os procedimentos de sade, incentivar a comunicao clara entre profissional de sade e usurio e garantir a confidencialidade do histrico mdico (VAITSMAN; ANDRADE, 2005. p. 606).

31 Introduo

Blendon et al. (2001) apresentam responsividade como uma interao do

modo como o sistema atua com a de satisfao do paciente. Ainda,

responsividade refere-se ao modo como o sistema de sade reconhece e

consegue responder s expectativas universalmente legitimadas dos indivduos

em relao aos aspectos no-mdicos do cuidado (VAITSMAN, ANDRADE,

2005. p. 606), agregando-se definio dos princpios de validade universal na

avaliao de sistemas de sade (VAITSMAN, ANDRADE, 2005).

O conceito de responsividade abrange dois aspectos principais: o respeito

pelas pessoas que incorpora questes como a dignidade, a autonomia,

comunicao e a confidencialidade; e orientao para o cliente que inclui os

elementos que influem na satisfao do paciente, mas no so diretamente

ligadas com o cuidado sade: respeito ao atendimento rpido, acesso a redes

de apoio social, a qualidade das instalaes e escolha do prestador de cuidados

de sade. (OMS, 2000; DARBY et al., 2000; De SILVA; VALENTINE, 2000;

VAITSMAN, ANDRADE, 2005).

Segundo De Silva e Valentine (2000, p.1) os elementos de responsividade

foram selecionados atravs de uma reviso da literatura sobre anlise e

discusses de sistema de sade. Os elementos da responsividade podem ser

brevemente definidos como:

1. Dignidade: Ser tratado com respeito e considerao, ser bem recebido nas

unidades de sade, tratado respeitosamente em qualquer circunstncia, ser

examinado e tratado tendo a privacidade e o direito de sigilo das informaes

sobre sua doena respeitadas (OMS, 2000; DARBY et al., 2000, p. 19; De SILVA;

VALENTINE, 2000; GOSTIN et al., 2003; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 603).

2. Autonomia: Ter informao sobre as opes e alternativas de tratamento e

permisso para tomar decises sobre o tipo de tratamento, depois de discutir com

o profissional de sade, devendo ser encorajado a questionar; poder recusar o

tratamento; ter o consentimento do paciente antes de iniciar tratamento ou testes

(OMS, 2000; DARBY et al., 2000, p. 19; De SILVA; VALENTINE, 2000; GOSTIN

et al., 2003; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 603).

3. Confidencialidade (de informao): As consultas devem ser conduzidas de

maneira que a privacidade seja protegida e garantida a confidencialidade de toda

32 Introduo

a informao fornecida pelo paciente, mantendo-a em arquivos mdicos

confidenciais, exceto se a informao for necessria para o tratamento para

outros profissionais de sade (OMS, 2000; DARBY et al., 2000, p. 19; De SILVA;

VALENTINE, 2000; GOSTIN et al., 2003; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 603).

4. Satisfao de necessidades sociais: Permisso aos pacientes internos de

visitas de parentes e amigos, proviso de comida e outros artigos no providos

pelo hospital; permisso de prticas religiosas no prejudiciais s atividades do

hospital e que no firam a sensibilidade de outros indivduos; acesso a rdios,

jornais ou algum outro material de leitura, algum tipo de apoio para os pacientes

terminais e no ps-hospitalar (OMS, 2000; DARBY et al., 2000, p. 19; De SILVA;

VALENTINE, 2000; GOSTIN et al., 2003; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 603).

5. Ateno imediata (definido por Agilidade segundo Vaitsman e Andrade, 2005):

Unidades de sade devem ser geograficamente acessveis, levando em conta a

distncia, o transporte e o terreno. Os pacientes devem conseguir cuidado rpido

em emergncias e o tempo de espera por consultas e tratamento deve ser curto

(OMS, 2000; DARBY et al., 2000, p. 19; De SILVA; VALENTINE, 2000; GOSTIN

et al., 2003; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 604).

6. Amenidades bsicas (definido por instalaes e ambiente fsico segundo

Vaitsman e Andrade, 2005): O meio no qual o cuidado de sade provido deve

incluir vizinhana e arredores limpos, moblia adequada, comida saudvel e de

boa procedncia, ventilao suficiente, gua limpa, banheiros e roupas limpos.

Devem ser realizados procedimentos regulares de limpeza e manuteno da

edificao e alicerces do hospital/servios de sade (OMS, 2000; DARBY et al.,

2000, p. 19; De SILVA; VALENTINE, 2000; GOSTIN et al., 2003; VAITSMAN;

ANDRADE, 2005, p. 604).

7. Escolha: Os indivduos devem poder ter acesso a uma segunda opinio em

casos de doenas graves ou crnicas ou cirurgia (OMS, 2000; DARBY et al.,

2000, p. 19; De SILVA; VALENTINE, 2000; GOSTIN et al., 2003; VAITSMAN;

ANDRADE, 2005, p. 604). Segundo De Silva e Valentine (2000), acrescenta-se a

este elemento, que os indivduos devem ser capazes de chegar, sem dificuldades,

aos servios de sade de sua escolha, capacidade para escolher o seu

profissional de sade e obter cuidados gerais e especializados adequados.

33 Introduo

Ainda, segundo VAITSMAN e Andrade (2005) e Gostin et al. (2003), a

comunicao tambm considerada como elemento da responsividade. Definem

que o profissional de sade deve ouvir o paciente cuidadosamente e fornecer

explicaes de modo que o paciente possa entender, dispondo de tempo

suficiente para esclarecer todas as suas dvidas (VAITSMAN; ANDRADE, 2005,

p. 604; GOSTIN et al., 2003).

As dimenses da responsividade correspondem ao processo de mudanas

socioeconmicas e polticas das ltimas dcadas, que possibilitou um maior

alcance da responsabilidade e escolha individual. Com os rpidos avanos na

medicina e novas tecnologias apressaram o aumento das expectativas dos

pacientes que mais bem informados, comeam a buscar seus direitos no cuidado

prestado pelos servios de sade (OMS, 2000; VAITSMAN; ANDRADE, 2005).

1.4. Pressupostos metodolgicos das pesquisas de responsividade

As pesquisas sobre responsividade consideram dois aspectos distintos

quanto ao desempenho do sistema de sade: O primeiro mede o que acontece

quando as pessoas interagem com o sistema de sade, coletando dados sobre o

comportamento, evento ou ao do sistema de sade. O segundo mede como as

pessoas atendidas pelo sistema de sade percebem e avaliam o que acontece

(DARBY et al., 2000; VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 607).

A metodologia das pesquisas de responsividade implica em fazer

perguntas que reduza o fator subjetivo das respostas, pois solicita informaes

fatuais, e no apenas opinies (VAITSMAN; ANDRADE, 2005). Os estudos de

Vaitsman e Andrade (2005); De Silva e Valentine (2000) apresentaram as

caractersticas que distinguem as pesquisas de responsividade e as pesquisas de

satisfao dos usurios. As pesquisas de satisfao focalizam geralmente as

interaes clnicas, especialmente do cuidado de sade, abordam geralmente os

aspectos mdicos e no-mdicos do cuidado, representa uma mistura complexa

de necessidades percebidas, expectativas prvias determinadas individualmente

e experincia do cuidado das pessoas. As perguntas abordam o quanto a pessoa

est satisfeita ou no com algum aspecto do servio de sade. Como exemplo de

34 Introduo

questo nesta abordagem: quanto a pessoa est satisfeita com o tempo que

levou para ser atendida? (VAITSMAN, ANDRADE, 2005, p. 607).

Enquanto isto, as pesquisas de responsividade avaliam o sistema de sade

como um todo e focalizam apenas os aspectos no-mdicos (no diretamente

relacionados ao estado de sade), avalia as percepes individuais sobre os

direitos universalmente legitimados. As perguntas medem qual a freqncia com

que determinado evento ocorreu, e assim, possibilita maior objetividade nas

respostas sobre o que acontece quando elas interagem com o sistema. Como

exemplo: quanto tempo levou para ser atendido na ltima vez que veio unidade

de sade? (VAITSMAN; ANDRADE, 2005, p. 607)

Neste sentido, os autores apontam que as perguntas feitas pelas pesquisas

de responsividade possuem melhor capacidade para avaliar mudanas. Os sistemas

de sade mudam constantemente, para melhor ou para pior, causando uma variao

no nvel de expectativas dos usurios. Desta forma, as perguntas sobre satisfao

so menos capazes de captar tais mudanas, e ainda permite que as pessoas de

grupos mais vulnerveis diminuam suas expectativas e se satisfaam com baixos

nveis de desempenho, sem obter suas expectativas legitimadas universalmente

atendidas (DARBY et al., 2000; VAITSMAN; ANDRADE, 2005).

Embora crticas sejam colocadas anlise da responsividade,

consideramos que os elementos/dimenses desta podem ampliar as

possibilidades de avaliao da satisfao dos usurios, fugindo dos aspectos

meramente quantitativos.

1.5. Justificativa

Os processos avaliativos relacionados Ateno Bsica compreendem um

papel estratgico para o planejamento, redirecionamento e execuo de aes e

atividades que organizem o sistema de sade do pas, abrindo possibilidades

para melhoria na qualidade da ateno, alm de acolher e atender as

necessidades de sade dos usurios (PEREIRA, 2008).

Considerando o panorama geral traado em relao ao processo de

avaliao de servios de sade e as recomendaes do Ministrio da Sade

(BRASIL, 2002) acerca da realizao de estudos mais localizados e que possam

35 Introduo

avaliar a situao da rede de ateno bsica, em especfico aps a implantao

da estratgia de Sade da Famlia, este estudo prope lanar um olhar para a

satisfao dos usurios na perspectiva da responsividade, tomando por base a

investigao empreendida no municpio de Ribeiro Preto So Paulo por

Pereira (2008) que se voltou avaliao das caractersticas organizacionais e de

desempenho dos servios de ateno bsica e de Sade da Famlia do Distrito

Oeste do municpio.

Segundo estudo de Pereira (2008), a avaliao das caractersticas

organizacionais e de desempenho, segundo a percepo dos usurios de 14

unidades de sade no Distrito Oeste do municpio de Ribeiro Preto SP,

apontou que as Unidades de Sade da Famlia (USF) obtiveram melhores

avaliaes em 7 dos 8 atributos analisados: acesso, porta de entrada, vnculo,

enfoque familiar, orientao para a comunidade, elenco de servios e formao

profissional. Apenas o atributo da coordenao da ateno foi mais bem avaliado

nas Unidades Bsicas de Sade (UBS) que nas USF.

Desta forma, este estudo refora a importncia de introduzir e desenvolver

pesquisas na viso dos usurios que analisem, avaliem e interpretem demandas,

desejos e necessidades da populao permitindo que estes usurios participem

ativamente do processo e tambm que suas expectativas pelo direito sade

sejam escutadas, compreendidas e garantidas pelos servios de sade

(PEREIRA, 2008).

Embora haja um crescente na produo cientfica voltada satisfao dos

usurios, ainda rara a produo cientfica que analise a temtica da

responsividade, sendo localizada na literatura brasileira apenas uma investigao

em campo sobre esta temtica (ANDRADE, VAITSMAN, FARIAS, 2010). Assim,

justificam-se estudos desta natureza, na medida em que estes possibilitam avaliar

como o usurio interage com os servios de sade e estabelece suas

expectativas atravs dos princpios de validade universal na avaliao de

sistemas de sade, expressando assim, sua satisfao com a ateno prestada

sob a perspectiva da responsividade.

36 Objetivos

2. OBJETIVOS

Considerando este conjunto de aspectos, na presente investigao prope-se

a analisar a satisfao dos usurios de uma Unidade de Sade da Famlia do

municpio de Ribeiro Preto So Paulo sob a perspectiva da responsividade,

considerando suas dimenses constitutivas.

2.1. Objetivos especficos

- identificar e analisar as dimenses da responsividade: dignidade, autonomia,

confidencialidade, comunicao, ateno imediata, amenidades bsicas,

satisfao de necessidades sociais (no aspecto de suporte ps-hospitalar),

possibilidade de escolha dos profissionais que sero provedores de ateno,

segundo os usurios da USF;

- identificar e analisar as sugestes dos usurios derivadas de sua anlise

sobre a sua utilizao da USF.

37 O percurso da investigao

3. O PERCURSO DA INVESTIGAO

3.1. Natureza da Pesquisa

Trata-se de um estudo de carter exploratrio-descritivo, na abordagem

qualitativa, em que a coleta de dados foi realizada por meio de entrevistas semi-

estruturadas, seguindo um roteiro baseado nas dimenses da responsividade, ou

seja: dignidade, autonomia, confidencialidade, comunicao, ateno imediata,

amenidades bsicas, satisfao de necessidades sociais (no aspecto de suporte

ps-hospitalar), possibilidade de escolha dos profissionais que sero provedores

de ateno (OMS, 2000).

Os estudos exploratrios permitem ao investigador aumentar sua

experincia em torno de um determinado problema e os estudos descritivos

pretendem descrever (e tambm analisar) os fatos e fenmenos de uma

determinada realidade (TRIVIOS, 1987).

Este tipo de estudo, parece se adequar ao desenvolvimento do presente

estudo, uma vez que no caso da responsividade, ainda so bastante raras as

investigaes no cenrio brasileiro tomando por quadro referencial o conceito de

responsividade e suas dimenses constitutivas.

3.2. Campo e o cenrio da pesquisa

Ribeiro Preto, localizado na regio nordeste do estado de So Paulo,

encontra-se dentre os maiores municpios do estado e do Brasil. Conta com uma

populao estimada de 563.107 habitantes2, e se constitui no municpio sede da

regio, com uma rea total de 651 km, sendo 271 km de zona urbana e 377 km

de zona rural.

O municpio configura-se em um importante centro cientfico, tecnolgico e

formador de recursos humanos, principalmente na rea da sade. Conta com 16

Hospitais, dentre eles o Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto da FMRP-USP,

centro de referncia para toda regio nordeste do estado e inmeros servios de

sade de apoio diagnstico e de assistncia sade de carter pblico e privado.

2 Estimativa para 2009 de acordo com o censo de 2000.

38 O percurso da investigao

Ribeiro Preto apresenta uma ampla rede pblica de prestao de

servios, nesse setor, sendo que a rede municipal de sade est estruturada em

cinco regies distritais de sade, contando com cinco Unidades Bsicas e

Distritais de Sade (UBDS), vinte e oito Unidades Bsicas de Sade (UBS), um

Ambulatrio Regional de Especialidades (NGA-59), um Ambulatrio Geral de

Especialidades Peditricas (PAM II), dois Ncleos de Assistncia Psicossocial,

um Ambulatrio Regional de Sade Mental, e vinte e uma equipes de Sade da

Famlia, distribudas em 13 unidades de sade.

As Unidades Bsicas e Distritais de Sade (UBDS) visam oferecer aos

muncipes um atendimento bsico para sua rea de abrangncia, e se constituir

em referncia para especialidades e de pronto-atendimento em urgncias e

emergncias, para toda a regio distrital. As 5 UBDS do municpio de Ribeiro

Preto esto localizadas nas regies: Norte Distrito do Simione, Sul Distrito de

Vila Virgnia, Leste Distrito de Castelo Branco, Oeste Distrito de Sumarezinho

e Regio Central Distrito Central.

O Distrito Oeste Distrito Sumarezinho, uma das regies de sade, onde a

Universidade de So Paulo mantm servios de sade em parceria com a Secretaria

Municipal de Sade, contando com 11 Equipes de Sade da Famlia, em 8 Unidades

de Sade da Famlia (USF), sendo que 5 USF esto vinculadas Universidade de

So Paulo (USP), alm de contar com 10 Unidades de Sade (9 UBS e 1 UBDS).

Estas 5 USF ligadas USP apresentam uma caracterstica peculiar em relao s

demais existentes no municpio, uma vez que se localizam na rea bsica do Centro

de Sade Escola da FMRP-USP (CSE/FMRP-USP), ou seja, da Unidade Bsica e

Distrital de Sade (UBDS) sede da ateno especializada e de urgncia e

emergncia 24 horas para o conjunto das unidades de sade do Distrito Oeste.

Este Distrito, como j apontado, foi cenrio de investigao anterior

realizada por Pereira (2008), que se voltou anlise da ateno bsica na rede

de ateno, sendo avaliadas as caractersticas organizacionais e de desempenho

de 14 unidades de sade (4 USF, 9 UBS e 1UBDS) da rea de abrangncia deste

Distrito de sade. Assim, o estudo foi realizado considerando os achados do

estudo de Pereira (2008), tomando como campo da pesquisa as USF

39 O percurso da investigao

investigadas anteriormente, ou seja, as 4 USF vinculadas Universidade de So

Paulo poca da realizao da investigao citada.

O estudo foi apresentado s USF a fim de avaliar o interesse e disponibilidade

das equipes em participar do estudo. A partir do interesse e anuncia das mesmas, a

USF, cenrio da pesquisa, foi selecionada por meio de sorteio.

3.3. Populao do estudo, as tcnicas e instrumento de coleta de dados

A seleo dos sujeitos da pesquisa iniciou-se atravs dos dados retirados

do Sistema de Informao de Ateno Bsica (SIAB) no municpio de Ribeiro

Preto SP, verso 6.1, acessado em 2 de Setembro de 2010. Foram identificados

na USF um total de 773 famlias cadastradas e divididas em 5 microreas de

atuao desta USF.

O registro dos dados do SIAB por meio do consolidado das famlias por

microrea permite a identificao destas famlias cadastradas na USF. Foi

utilizado o mtodo de amostragem casual simples sem reposio, em que cada

unidade amostral, antes da tomada da amostra, tem igual possibilidade de

pertencer a ela (BERQU et al., 1981). Assim, foi selecionada uma amostra de

77 famlias, representando 10% do total de famlias cadastradas e permitindo a

maior diversidade possvel dos usurios residentes nas distintas reas geogrficas

da unidade de sade, segundo tabela abaixo.

Tabela 1. Nmero de Famlias por microrea, nmero de famlias sorteadas e

nmero de famlias entrevistadas. Ribeiro Preto, 2011

Microreas N Famlias

Cadastradas*

N Famlias

sorteadas

N Famlias

entrevistadas

01 150 15 8

02 172 17 10*

03 161 16 8

04 152 15 9*

05 138 14 8

Total 773 77 43

* Nestas duas microreas, houve a perda do material udio-gravado em uma entrevista em cada microrea.

40 O percurso da investigao

A partir desta seleo inicial, buscou-se nos pronturios das famlias

selecionadas, a identificao de utilizao, de pelo menos um membro da famlia,

nas atividades da USF, como consultas, orientaes, visitas domiciliares, grupos

entre outros no perodo mximo de seis meses anteriores a realizao das

entrevistas (de Maro a Agosto de 2010).

Todas as 77 famlias sorteadas apresentaram pelo menos um atendimento

na USF no perodo estabelecido, sendo que trs famlias tinham registro apenas

de visitas domiciliares (VD). Estas ltimas, segundo registros das ACS eram

famlias que possuam convnio mdico privado e por isto, a nica utilizao

destas na USF eram as VD.

Foram considerados como critrios de excluso do estudo: menores de 18

anos; usurios que apresentassem algum transtorno mental e fossem seguidos

concomitantemente por um servio de sade mental; usurios que no

apresentassem condies para serem entrevistados (idosos altamente

dependentes, por exemplo), considerando os mesmos critrios apontados em

outra pesquisa sobre avaliao (BRASIL, 2006b).

Esta fase de seleo dos sujeitos selecionados se estendeu de agosto a

setembro de 2010.

Assim, a partir desta identificao inicial, foram convidados pelo menos um

membro de cada famlia identificada para a realizao de entrevista semi-

estruturada. A coleta de dados mediante a realizao da entrevista semi-estruturada

foi realizada de novembro de 2010 a janeiro de 2011.

A opo pela entrevista semi-estruturada se deu em funo desta permitir

captar a singularidade e especificidades presentes nas relaes que os usurios

estabelecem com os servios de sade, considerando inclusive as dimenses da

responsividade, que apresentam aspectos subjetivos.

Aps coleta de dados de mais de 50% das famlias, ou seja, de pelo menos

um membro da famlia selecionado, isto , aps 43 entrevistas verificou-se a

saturao e reiterao dos dados em seu conjunto.

As entrevistas foram realizadas no domiclio do usurio, conduzidas pela

pesquisadora e udio-gravadas e, posteriormente, transcritas para a anlise. As

entrevistas tiveram uma durao de 20 a 50 minutos (mdia de 32 minutos).

41 O percurso da investigao

A tcnica de coleta de dados escolhida foi a entrevista semi-estruturada. Neto

(2003) define esta tcnica como uma articulao entre entrevistas estruturadas

trazendo perguntas formuladas previamente, e entrevistas no-estruturadas em que

o informante aborda livremente sobre o tema de investigao. Assim, permite que o

entrevistador ultrapasse para alm das questes perguntadas.

Para Trivios (1987), a entrevista semi-estruturada possibilita que o

informante contribua com a pesquisa conduzindo espontaneamente seus

pensamentos e experincias sem desviar do foco principal da investigao. Segundo

Minayo (2008) a entrevista semi-estruturada segue um roteiro apropriado, facilita a

abordagem e assegura que as hipteses sejam discutidas durante a conversa.

Ainda, segunda esta autora (MINAYO, 2004), a entrevista permite ao pesquisador

obter dados de duas maneiras: o pesquisador pode obter dados atravs de outras

fontes como registros civis, censos, estatsticas; e dados subjetivos que so

diretamente relacionados ao entrevistado, envolvendo atitudes, valores, opinies e

desejos. O roteiro preliminar da entrevista encontra-se em anexo (Apndice 1) e

consta de uma parte inicial com a identificao do usurio e uma segunda parte com

os elementos a serem focados em relao responsividade.

Foram realizadas 2 entrevistas-piloto para verificar a necessidade de ajustar

o instrumento e estimar o tempo de durao das entrevistas. Estas entrevistas

foram includas na amostra posteriormente. Neste processo, algumas questes

foram reformuladas para atingir os objetivos do estudo referente aos aspectos da

responsividade. Entretanto, durante todo o perodo da coleta houve ajustes.

3.4. Procedimentos ticos

Para o desenvolvimento da pesquisa, foram seguidas as normatizaes da

Comisso Nacional de tica em Pesquisa CONEP, presentes na resoluo do

CNS 196/96 e Captulo IV da Resoluo 251/97, cabendo ainda ressaltar que foi

assumido o compromisso da divulgao dos resultados da pesquisa,

principalmente junto s instituies envolvidas. O estudo foi submetido avaliao

do Centro de Ateno Primria da FMRP-USP, responsvel pelas USF ligadas

USP e posteriormente encaminhado ao Comit de tica em Pesquisa do Centro de

Sade Escola da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So

42 O percurso da investigao

Paulo, mediante o protocolo n 400 CEP-CSE-FMRP/USP. O termo de

consentimento livre e esclarecido encontra-se em anexo (Apndice 2).

3.5. Anlise dos dados

O material proveniente das entrevistas com os usurios foi analisado por

meio da Anlise Temtica, que segundo Bardin (1995, p.105) [...] consiste em

descobrir os ncleos de sentido que compem uma comunicao cuja presena

ou freqncia signifiquem alguma coisa para o objetivo analtico escolhido.

No desenvolvimento da anlise temtica, Minayo (1998, 2004, 2008) aponta

trs etapas fundamentais para sua operacionalizao: a pr-anlise que consiste

na escolha dos documentos a serem analisados, na retomada das hipteses e dos

objetivos iniciais da pesquisa, o que permite que frente ao material coletado possa

se rever as hipteses e estes objetivos. Para a etapa de pr-anlise se desenvolve

a leitura flutuante, ou seja, a tomada de contato exaustivo com o material, sendo as

entrevistas lidas e relidas; a constituio do corpus, que consistiu na organizao

do material de forma que este pudesse responder a algumas normas de validade

como a exaustividade, representatividade, homogeneidade e pertinncia; e a

formulao de hipteses e objetivos. Nessa etapa, definiu-se a unidade de registro,

que correspondeu em alguns momentos a uma palavra, uma frase, um tema, ou

mesmo um acontecimento; a explorao do material, que consistiu na operao

de codificao, a partir do recorte do texto nas unidades de registro previamente

definidas, da classificao e a busca das convergncias e divergncia dos dados,

e o tratamento dos resultados obtidos e interpretao, trabalhando com

significados dos temas identificados.

Para Minayo (1998, 2004, 2008) este conjunto de procedimentos permite a

anlise das entrevistas buscando-se as convergncias, divergncias e as

respostas inusitadas constantes das respostas abertas das entrevistas. Este

processo permitiu que no conjunto da anlise do material emprico, quatro (4)

temas fossem identificados: o ambiente da unidade de sade; o acesso e seus

componentes de acessibilidade favorecendo a responsividade?, possibilidades da

construo da relao usurio-equipe-servio de sade e a equipe de sade da famlia

processando a assistncia e acolhimento.

43 O que dizem os usurios

4. O QUE DIZEM OS USURIOS

A USF cenrio da pesquisa uma unidade da rede de ateno que

apresenta como caracterstica especfica o fato de se constituir em uma unidade

acadmica, recebendo alunos de distintos cursos da rea da sade.

No Quadro 1 podemos observar o conjunto das atividades ofertadas aos

usurios, de maro a agosto de 2010, ou seja, nos seis meses que antecederam

a definio dos usurios para coleta de dados.

Os dados so provenientes do Sistema Hygia, sistema de informao

oficial utilizado no municpio de Ribeiro Preto, e podemos observar que apesar

da USF apresentar uma variedade de atividades oferecidas aos usurios, h uma

concentrao nas atividades mdicas (consultas) e um volume significativo de

aes de acolhimento (realizadas na maioria das vezes pelo pessoal de

enfermagem). A inteno de apresentar estes nmeros indicar o conjunto de

atividades ofertadas populao que procura por esta unidade de sade.

Das 43 entrevistas realizadas, 2 com perda de material coletado, e assim,

41 foram analisadas, sendo que verificamos que 34 (82,9%) entrevistados so do

sexo feminino e 7 (17,1%) do sexo masculino, sendo 2 entrevistas respondidas

pelo casal e 1 entrevista por me e filha. Quando verificamos a idade dos

entrevistados, obtivemos uma mdia de 49 anos, sendo a idade mnima de 19

anos e a mxima de 80 anos. As faixas etrias predominantes foram mais de 60

anos com 11 (26,8%) pessoas, de 51 a 60 anos com 10 pessoas (24,4%), de 18 a

30 anos com 9 (22%) pessoas. A faixa dos 41 a 50 anos teve 6 (14,7%) pessoas

e de 31 a 40 anos com 5 (12,1%) entrevistados.

Em relao ao estado civil, 23 (56,1%) entrevistados so casados, 8

(19,5%) so vivos, 4 (9,8%) so divorciados, 3 (7,3%) solteiros e 3 (7,3%)

usurios so amasiados.

Quanto a mdia de tempo de residncia na rea de 19,4 anos, sendo o

tempo mnimo 1 ano e o mximo 60 anos. O nmero de pessoas que vivem em

cada famlia variou de 1 a 7 pessoas, predominando as famlias com 3 pessoas

em 11 entrevistas (26,8%).

44 O que dizem os usurios

Quadro 1: Descrio dos procedimentos realizados pela equipe da USF, no perodo de Maro a Agosto de 2010. Ribeiro Preto, 2011

Procedimentos 2010

MARO ABRIL MAIO JUNHO JULHO AGOSTO TOTAL

Acolhimento/ orientao individual 1.925 1.474 1.836 1.463 1.427 1.704 9.829

Administrao de medicamentos na AB 9 12 19 12 6 14 72

Aferio de presso arterial 159 164 198 160 125 114 920

Avaliao antropomtrica 3 19 68 1 90

Avaliao de situao vacinal 17 80 1 2 100

Coleta de exames citopatolgico de colo uterino enfermeiro 1 1 2 4

Coleta de exames citopatolgico de colo uterino - mdico 20 6 21 20 11 22 100

Coleta de material para exames 2 3 1 11 17

Consulta mdica pr-natal 11 4 12 7 13 11 58

Consulta mdica - puericultura 20 10 18 13 15 16 92

Consulta mdica urgncia/ eventual 333 273 360 246 254 287 1.753

Consulta mdica agendada 281 149 187 202 174 221 1.214

Consultas de enfermagem no domicilio 1 1 10 12

Consultas de enfermagem pr-natal 2 4 1 2 3 4 16

Consultas de enfermagem puericultura 16 16 15 14 15 19 95

Consultas de enfermagem vrios atendimentos 2 18 10 10 5 17 62

Curativo 2 4 6

Glicemia capilar 35 18 29 28 32 35 177

Orientao mdica 1 3 4

Procedimento para anamnese de citologia 32 20 22 30 16 22 142

Retirada de pontos de cirurgias bsicas 2 2 1 1 1 7

Sondagem gstrica 1 1

Teste de gravidez 7 14 8 9 7 4 49

Teste do pezinho 1 1 2 3 7

Visita Domiciliar auxiliares de enfermagem 1 1 6 8 Fonte: Sistema Hygia Produtividade de procedimentos lanados no atendimento por profissionais, especialidades e unidade de sade, acessado em 15/06/2011.

45 O que dizem os usurios

Verificamos que 22 usurios (53,6%) afirmaram que estavam trabalhando no

momento da entrevista, e 19 (46,4%) no estavam. Quanto ao nvel de escolaridade

do entrevistado obteve-se que 20 (48,8%) usurios possuam ensino fundamental

incompleto, 10 (24,4%) ensino mdio completo, 4 (9,7%) com ensino fundamental

completo, 2 (4,9%) com ensino mdio incompleto, 2 (4,9%) superior incompleto, 2

(4,9%) eram analfabetos e apenas 1(2,4%) apresentava ensino superior completo.

Em relao ocupao dos entrevistados, a maioria 18 (43,9%) so donas

de casa, seguido por 6 (14,6%) comerciantes, 5 (12,2%) diaristas e o restante 1

aposentado, 1 Agente Comunitria de Sade, 1 padeiro, 1 pedreiro, 1 manicure, 1

tarloga, 1 mecnico, 1 arteso, 1 operadora de telemarketing, 1 pizzaiolo, 1

ajudante de pizzaria, 1 publicitria em marketing social.

Quanto ao tipo de residncia, a maioria dos entrevistados 23 (56,1%)

afirmou possuir casa prpria, seguido de casa alugada com 8 (19,5%); 6 (14,6%)

relataram morar em rea invadida. Ainda 4 (9,8%) esto em casa cedidas, sendo

que 1 entrevistada vive em uma igreja.

Em relao renda familiar dos entrevistados observa-se a distribuio na

tabela abaixo.

Tabela 2: Renda mensal familiar dos sujeitos entrevistados. Ribeiro Preto, 2011

Renda mensal familiar N %

Nenhuma 1 2,4 Menos de R$ 350,00 1 2,4 R$ 351,00 a 510,00 1 2,4

R$ 511,00 a 1020,00 8 19,5 R$ 1021,00 a 1530,00 13 31,7 R$ 1531,00 a 2040,00 10 24,4 R$ 2041,00 a 2550,00 2 4,9 Mais de R$ 2551,00 5 12,2

Total 41 100

A maioria dos usurios, 13 (31,7%) apresenta renda entre 2 a 3 salrios

mnimos, em seguida 10 (24,4%) de 3 a 4 salrios. Cabe ressaltarmos que

apenas 1 (2,4%) usurio afirmou no ter renda e contar com ajuda da

comunidade pra seu sustento. Ainda, observamos que as menores rendas so

dos usurios residentes na microrea onde h uma favela e as maiores rendas

46 O que dizem os usurios

so de usurios que vivem mais distantes desta rea considerada de risco na

rea de abrangncia da USF.

Dos 41 entrevistados, a grande maioria 34 (82,9%) no dispe de convnio

privado de sade. Dos entrevistados com planos de sade, 4 (9,7%) citaram o

plano de sade da Unimed, 2 (4,9%) apontaram o plano do So Francisco e 1

(2,4%) Nipomed. Nenhum usurio referiu plano odontolgico privado. O nmero

de pessoas cobertas com plano de sade nas famlias entrevistadas est entre 1

a 5 pessoas e a maioria (57,1%) com 2 ou 3 pessoas cobertas com plano de

sade privado por famlias. A freqncia de utilizao do plano de sade variou