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UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO
ESCOLA DE COMUNICAÇÕES E ARTES
JAQUELINE BRAGATTI DE OLIVEIRA
ECONOMIA COLABORATIVA:
A influência das novas formas de comunicação nas empresas
São Paulo – SP
2012
1
JAQUELINE BRAGATTI DE OLIVEIRA
ECONOMIA COLABORATIVA:
A influência das novas formas de comunicação nas empresas
Tese de Iniciação Científica apresentada
ao curso de Relações Públicas da Escola
de Comunicações e Artes da
Universidade de São Paulo – ECA/USP,
sob orientação do Prof. Massimo di
Felice.
São Paulo – SP
2012
2
RESUMO
O projeto apresenta o conceito da economia colaborativa com foco nas
relações comunicacionais e o possível impacto desta numa empresa. Num primeiro
momento, será realizado um aprofundamento teórico a respeito do assunto e os
possíveis significados atribuídos a essas ações sociais. Num segundo momento,
espera-se elucidar as teorias exemplificando através de um estudo de caso de uma
empresa brasileira, de modo que se possa atribuir possíveis significados a essas
ações sociais comunicativas e ao papel das interfaces tecnológicas.
Palavras-chave: Economia colaborativa, Colaboração, Nova Era, Cauda Longa.
3
ABSTRACT
The project presents itself the concept of collaborative economy with focus on
the communicational relations and the possible impact of this in a company. At first, it
will be consummated a theoretical deepening about the issue and the possible
meanings assigned to this social actions. At a second moment, it will be expect to
elucidate the theories exemplifying through a case study of an Brazilian enterprise,
so that it can be attributed possible implications to this communicative social actions
and to the part of the technological interfaces.
Key-words: Collaborative economy, collaboration, new era, Long tail.
4
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 6
2 UMA NOVA ERA ................................................................................................ 10
2.1 A Evolução das Tecnologias de Comunicação ................................................ 12
2.2 A Relação entre os Homens e o Mundo .......................................................... 15
2.3 A Reação da Sociedade à Nova Era ................................................................ 18
3 A COLABORAÇÃO............................................................................................ 21
3.1 Meios ............................................................................................................... 22
3.2 Motivos ............................................................................................................. 23
3.3 Oportunidade ................................................................................................... 26
4 A ECONOMIA COLABORATIVA ....................................................................... 28
4.1 Os Princípios da Wikinomics ............................................................................ 31
4.1.1 Abertura ..................................................................................................... 31
4.1.2 Peering ...................................................................................................... 32
4.1.3 Compartilhamento...................................................................................... 34
4.1.4 Ação Global ............................................................................................... 36
4.2 A pulverização dos mercados .......................................................................... 37
5 A EMPRESA DA ECONOMIA COLABORATIVA .............................................. 40
5.1 Comunicação com os colaboradores internos ................................................. 42
5.2 Comunicação com os parceiros ....................................................................... 43
5.3 Comunicação com os consumidores ............................................................... 43
6 ESTUDO DE CASO............................................................................................ 43
6.1 Hipótese ........................................................................................................... 44
6.2 Metodologia ..................................................................................................... 44
6.3 TerraCycle ....................................................................................................... 45
6.3.1 A Fundação ............................................................................................... 45
6.3.2 O Ciclo do Lixo........................................................................................... 46
6.3.3 Como Funciona.......................................................................................... 47
6.3.4 O Relacionamento entre os Funcionários TerraCycle ............................... 50
6.3.5 O Relacionamento entre a TerraCycle e as Marcas (Produtoras dos
Resíduos) ........................................................................................................... 52
6.3.6 Relacionamento com as Cooperativas Recicladoras ................................. 55
5
6.3.7 Relacionamento com as Brigadas ............................................................. 57
6.3.8 Análise Final da TerraCycle ....................................................................... 58
7 CONCLUSÃO ..................................................................................................... 59
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 65
APÊNDICE A – Entrevista em Profundidade com Bruno Massote, diretor-presidente
da TerraCycle Brasil .................................................................................................. 70
APÊNDICE B - Perguntas trocadas por email em 23/08/2012 .................................. 91
6
1 INTRODUÇÃO
Não é a primeira vez que o ser humano se encontra preso entre dois modos
completamente distintos de vivenciar a realidade. Em toda fase de transição sempre
há uma parte da sociedade indo para uma direção, enquanto a outra pensa de forma
oposta.
Hoje, com a evolução das tecnologias de comunicação e informação, uma
transformação está ocorrendo, não apenas na comunicação, mas em todas as
formas de relacionamento e de fazer negócios. Vivencia-se hoje o que Jeremy Rifkin
(2003) chama de “sociedade da velocidade da luz”, sociedade esta que está
mudando a forma como as empresas se relacionam com os consumidores, a forma
de geri-las e de como elas se colocam no mercado umas em relação às outras. A
economia, baseada na troca de bens e serviços entre vendedores e compradores
está se tornando obsoleta e lenta para acompanhar a nova velocidade da vida
comercial.
As organizações, ao longo dos séculos, já tiveram posturas muito diferentes
com relação ao seu posicionamento no mercado. No boom do mundo
industrializado, o único interesse era produzir a maior quantidade possível de
produtos e depois pensar numa forma de vendê-lo. Os consumidores eram passivos,
apenas absorvendo as informações veiculadas nos meios de comunicação em
massa e consumindo-as, quase como que se fossem hipnotizados.
Porém, logo se descobriu que, ao contrário do que afirmava a Escola de
Frankfurt1, os meios de comunicação de massa não eram somente ferramentas que
visavam à alienação da população em virtude dos interesses de uma minoria
autoritária. A condição de espectador passivo, nessa época, era dada não como
opção às pessoas, mas sim como a única forma de interação, pois não havia meios
de responder e interagir com o rádio e, posteriormente, a televisão.
1 Na base da sua experiência de vida nos Estados Unidos durante a Segunda Guerra Mundial,
Adorno [Theodor], em obras como A Dialética do Iluminismo (escrita em colaboração com Max Horkheimer) e Mínima Moralia, previa que a rádio (e só mais tarde a TV) tivesse o efeito de produzir uma geral homologação da sociedade, permitindo e até favorecendo, por uma espécie de tendência demoníaca intrínseca, a formação de ditaduras e de governos totalitários capazes, como “O Grande Irmão” de 1984, de George Orwell, de exercer um controle minucioso sobre os cidadãos, através de uma distribuição de slogans, propaganda (comercial como política), visões do mundo estereotipadas. (VATTIMO, 1992)
7
Nos dias atuais, adicionado à tela da televisão, é colocado um mouse e um
teclado e a possibilidade, até então inédita na história da sociedade, de a população
responder e sair da passividade pela qual reinavam os meios de comunicação de
massa do período do século XX. O desenvolvimento tecnológico dos meios de
comunicação e a invenção da internet vêm mudando cada vez mais rápido a forma
como as pessoas pensam e enxergam o mundo. Os indivíduos agora querem
interferir nas relações, querem responder às diversas instituições, moldando e
remodelando o mundo.
É dessa forma diferente de ação que vem o termo “prosumer”, usado por Don
Tapscott (2007), que reflete o fenômeno que vem ocorrendo, onde os clientes, cada
vez mais conectados pelas redes, não se contentam mais em serem meros
consumidores, mas desejam interferir e participar no processo de produção das
mercadorias. É o “consumidor proativo”, que vai em busca do que quer, da forma
que quer.
A economia e, consequentemente, as organizações têm, então, que adaptar-
se a esse novo consumidor. Nesse contexto é que surge a hipótese da “cauda
longa”, concebida por Chris Anderson (1961), que expõe uma nova dinâmica de
marketing e vendas, baseada na fragmentação cada vez mais crescente dos
mercados. O autor explica que é possível para uma empresa abrir um portal de
vendas na internet com um estoque infinito – que seria quase inviável de manter e
atualizar nos moldes tradicionais – de mercadorias diferenciadas que, ao menos
uma vez, serão vendidas. A soma, então, das porcentagens de vendas de todos os
produtos de baixa tiragem torna-se maior do que o produto de maior tiragem,
tornando-se grande parte do lucro. Ou seja, a premissa que se encontra cada vez
mais atualmente é a de partir não da produção para o consumidor e sim, do
consumidor para a produção.
Mesmo diante de todas essas mudanças, a sociedade sempre demora um
tempo para adaptar-se e aceitar a realidade. Vive tentando moldar o futuro de
acordo com ideias do passado, atrasando os processos. Por isso a maioria das
empresas, ainda hoje, continua a acumular propriedades e basear a economia na
troca de bens e serviços. Nós
somos ensinados que adquirir e acumular bens materiais faz parte integral
de nossa estada na Terra e que somos, pelo menos em parte, um reflexo do
8
que temos. Nossa própria noção do modo como o mundo funciona baseia-
se, em grande extensão, no que passamos a considerar como a
necessidade primordial de trocar bens uns com os outros e de nos
tornarmos membros da sociedade que possuem posses. (RIFKIN, 2001)
Ou seja, para a maior parte da sociedade, ainda mede-se o valor de cada
indivíduo pela quantidade de posses que ele tem. Porém, com essa nova geração
de consumidores proativos (prosumers), a sociedade em geral está sendo obrigada
a repensar as formas de interação uns com os outros e com as instituições
existentes.
As empresas baseiam seus modelos de negócios nessa antiga filosofia de
posses. Mas, acompanhando as mudanças entre as pessoas, algumas empresas,
principalmente as mais atuais, vêm evoluindo de um “mundo industrializado” para
uma era pós-industrial, onde a propriedade perde lugar para o acesso. Esse tipo de
economia “leve” consegue absorver melhor o impacto que a citada anteriormente
sociedade da velocidade da luz causa. A velocidade das inovações tecnológicas e o
ritmo das atividades econômicas tornam a noção de propriedade problemática. A
nova era, então, é regida por um conjunto totalmente novo de pressupostos de
negócios que são muito diferentes daqueles usados para administrar na era do
mercado. No novo mundo, os mercados cedem às redes, os vendedores e
compradores são substituídos pelos fornecedores e usuários, e praticamente tudo é
acessado.2 O prestígio, então, pára de ser medido pela quantidade de bens que um
indivíduo possui e sim pelos lugares, pessoas e atividades às quais ele tem acesso.
Com a forma de relação das empresas não poderia ser diferente. Embora as
hierarquias não estejam desaparecendo e empresas gigantescas também não,
mudanças profundas na natureza da tecnologia, da demografia e da economia
global estão fazendo emergir novos modelos de produção baseados em
comunidade, colaboração e auto-organização, e não em hierarquia e controle.3
A gestão colaborativa mostra que, hoje, a motivação que leva as pessoas a
cooperarem umas com as outras não é somente a motivação financeira. Há também
motivações de nível psicológico, como o sentimento de pertencimento e a
2 RIFKIN, J. A era do acesso. São Paulo: MAKRON Books, 2001, p. 5
3 TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A.D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu
negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
9
identificação do indivíduo com uma causa. O poder das pessoas é cada vez maior
na era da eletricidade, com tudo e todos conectados uns aos outros.
O fácil acesso a todo tipo de informações alterou a percepção das pessoas
sobre o mundo. Experiências diversas ao longo do mundo mostram que os trabalhos
feitos de forma colaborativa, embora muitas vezes possam ser mais extenuantes em
razão da necessidade de chegar-se a um consenso – o que não era necessário
numa gestão hierárquica clássica -, quase sempre é interpretado pelas pessoas
participantes como mais gratificantes e motivador.
A partir da concepção simbiótica da teoria de economia colaborativa de Don
Tapscott e Anthony D. Williams (2007), da teoria da cauda longa criada por Chris
Anderson (1961) e da teoria da Era do Acesso de James Rifkin (2001), a pesquisa
buscará estudar e coletar dados que exemplifiquem e expliquem esse contexto
econômico, ainda em maturação, onde as sociedades se auto-organizam e se
pulverizam em milhares de nichos e minorias com interesses diferentes e que, não
mais tentando anularem os grupos diferentes ou analisarem-nos sob uma
concepção de massa homogênea e amorfa, aprendem a conviver harmoniosamente
e aceitam e absorvem a complexidade do caos da sociedade em rede. E,
principalmente, unem-se uns com os outros, resultando numa grande rede de
empresas umas ligadas às outras.
No presente estudo, exploro a hipótese de que as empresas, ainda baseadas
na economia de mercado tradicional, que monopolizam o mercado hoje, ainda
existirão, mas tenderá à pulverização em pequenas empresas colaborativas e
altamente conectadas, especializadas cada uma numa área e ligada às outras por
meio de parcerias, tornando a maior parte de seus ativos em ativos intangíveis, que
são, ainda hoje, impalpáveis e muito complexos de serem calculados. As empresas
se tornarão um grande conglomerado de pequenas empresas. As grandes
corporações terão que se adaptar a essa nova economia ou não conseguirão
sobreviver no mercado colaborativo.
Com a dissociação da propriedade com a riqueza e o avanço das tecnologias,
será cada vez mais aceito e difundido que qualquer pessoa pode produzir inovação,
criar seus produtos e serviços e encontrar um mercado suficiente para manter-se
ativo na economia. O modo de gestão atual se tornará cada vez mais obsoleto, até
tornar-se inviável do ponto de vista econômico.
10
Já as pessoas, livres das amarras de espaço e tempo e conseguindo
comunicar-se e agir de qualquer lugar por meio da conectividade, tenderão a
trabalhar em muitos projetos diferentes ao mesmo tempo, dividindo sua atenção
entre eles. A forma de trabalho atual, com oito horas diárias de trabalho obrigatório,
contratos que tornam assertivas a “posse” do empregador sobre o empregado, serão
cada vez menos usados. As empresas terão também “acesso” ao potencial das
pessoas, que não será mais exclusivo.
Salienta-se, finalmente, para a abordagem do problema das especificidades
do estudo, a importância dessas perspectivas conceituais: economia colaborativa
como ambiente específico que buscaremos aprofundar na pesquisa empírica,
prosumer como um modo pelo qual iremos analisar os consumidores colaborativos,
destacando a ação desses sujeitos no ato de produção e compra das mercadorias e
cauda longa, que evidenciará que, ao mudar-se o consumidor, a organização
também muda e, consequentemente, toda a economia se altera.
2 UMA NOVA ERA
As tecnologias modernas iniciaram o que os economistas chamam de
“abordagem de rede” à vida econômica. O comércio agora acontece no ciberespaço,
onde servidores e clientes trocarão informações, conhecimentos, experiências.
A nova geração, que pode ser considerada a geração “mutável”, tem valores
diferentes em relação à forma de desenvolver-se e obter sua liberdade pessoal. Ser
incluído em redes de relações mútuas é tão ou até mais importante do que o direito
de posse e de propriedade, o combustível da Era Industrial.
A Era do Acesso, termo utilizado pelo autor Jeremy Rifkin (2001), denota um
novo período na história da humanidade e da economia. Uma era onde não mais a
propriedade e o “peso da moeda” são o foco, e sim o acesso às redes de interesse.
Nessa nova época, o dinheiro move-se na velocidade da luz, ou melhor, dos bits. À
medida que o dinheiro se torna mais e mais leve, oferecendo menos resistência à
11
velocidade das transações, o seu significado transfere-se do material para o
simbólico.4
Mas o dinheiro não é o único a tornar-se mais leve. O capital físico, antes tido
como a forma mais eficaz de medir a riqueza e o sucesso de uma organização, hoje
é evitado a todo custo. A terceirização é feita sempre que possível, possibilitando às
organizações focarem-se no que realmente lhes importa, no seu core business5,
deixando os outros serviços – que embora essenciais, não são o que traz lucro –
para empresas especializadas.
Na economia de rede, o que está sendo vendido de fato são ideias e imagens
ou, em outras palavras, conceitos. O valor intangível é hoje o que leva empresas
como Apple e Google a estarem no ranking das 25 empresas mais valiosas em
2011.6 Também nessa lista, encontram-se Exxon Mobil, Microsoft, IBM, China
Mobile, AT&T e General Electric, empresas líderes em telecomunicações e
tecnologias que possibilitam o acesso às redes. Essa lista mostra a tendência atual,
onde possuir uma conexão ultrarrápida se torna essencial às pessoas e o valor
intangível passa a ser o bem mais valioso de uma organização.
Na nova era o ser humano está totalmente conectado a tudo e a todos e
compreende que o mundo é orgânico e interdependente, não sendo possível o viver
sem o conviver, ou seja, a coexistência entre o homem e seus semelhantes e a
natureza.
Para entender essa época, necessitamos compreender as mudanças radicais
por quais passou a sociedade. Em primeiro lugar, a evolução das tecnologias de
comunicação, que possibilitaram um fato inédito: a ligação dos homens entre si e,
com a Internet, a junção dos indivíduos e suas necessidades pessoais com um
grande cérebro vivo, o maior banco de dados que já existiu.
Em segundo lugar, nada do que é vislumbrado hoje, e que será discutido no
presente trabalho, teria sido possível se não fossem por mudanças, passagens e
4 KERCKHOVE, D. de. A pele da cultura. São Paulo: Annablume, 2009, p. 86.
5 Core business: termo inglês que significa a parte central do negócio ou de uma área de negócios, e
que é geralmente definido em função da estratégia dessa empresa para o mercado. Este termo é utilizado habitualmente para definir qual o ponto forte e estratégico da atuação de uma determinada empresa. 6 DECARLO, S. The World’s 25 Most Valuable Companies: Apple Is Now On Top. Nova York:
Forbes, 2011. Disponível em: <http://www.forbes.com/sites/scottdecarlo/2011/08/11/the-worlds-25-most-valuable-companies-apple-is-now-on-top/>. Acesso em: 30/11/2011.
12
transformações que, desde a Modernidade, vêm se tornando cada vez mais rápidas
e urgentes.
2.1 A Evolução das Tecnologias de Comunicação
Se a sociedade atual começa a se perceber num mundo em rede, totalmente
conectado e simbiótico, podemos considerar que grande parte dessa noção
começou com a invenção de algumas máquinas que mudaram os rumos da
comunicação ao longo dos séculos.
A primeira delas é a máquina tipográfica, criada em Estrasburgo, no ano de
1438, por Gutenberg. Até então, a reprodução de um texto era difícil, demorada e
com um valor de custo altíssimo e havia o predomínio da tradição oral. A máquina
tipográfica permitiu a reprodução rápida de um texto, ocasionando a difusão em
massa do mesmo.
A partir daí, pela primeira vez na história, o ser humano estava sozinho com
seus próprios pensamentos. O processo de aprendizagem, antes feito em grupo, por
meio da discussão, passa a ser possível também por meio da leitura; ou seja, a
aquisição de conhecimento torna-se um exercício individual. Com a leitura, o
indivíduo passa a ter conhecimentos diferentes dos que existem em seu contexto
social e é capaz de construir seu próprio conhecimento.
A invenção da tipografia possibilitou, algum tempo depois, a invenção da
imprensa. Esta criou o que chamamos de opinião pública. As pessoas, em especial
os intelectuais, após toda essa leitura e reflexão solitária, criaram o hábito de sair às
ruas, reunir-se em locais de convivência e discutir o que haviam lido mesclando esse
conhecimento ao que estava acontecendo naquele momento. Foi a partir daí que
começaram a se formar os consensos gerais, que passaram a ser considerados a
“opinião pública”. Esta passou a ser consultada antes de realizarem-se certas ações
e, portanto, passa a ter poder frente à sociedade e a política. Antes da imprensa, as
notícias demoravam semanas ou até meses para atingir todas as regiões e, com
isso, quando as pessoas tomavam conhecimento de um fato, o cenário já havia
mudado. A opinião pública passa, então, a influenciar o rumo dos acontecimentos.
13
A segunda grande criação que considero importante na evolução das
tecnologias de comunicação e, consequentemente, na própria forma de nos
comunicarmos é a televisão. Evoluída de diversas tecnologias desde a década de
1920, a televisão tornou-se popular e passou a conter uma programação regular a
partir do final da 2ª Guerra Mundial, principalmente nos Estados Unidos.
Com ela, a disseminação de informação tornou-se mais rápida e simples.
Agora o tempo que as pessoas passavam lendo, discutindo e praticando outros tipos
de atividade se torna inteiramente da televisão. “A TV tem sido nosso gim”, fala Clay
Shirky (2011) em seu livro A Cultura da Participação.7 O que ele quer dizer com isso
é que a televisão passou a ser o lazer de milhares de pessoas no mundo inteiro. Por
ser um entretenimento gratuito a partir do momento que se possui o aparelho, uma
antena e eletricidade e por possuir conteúdos de fácil assimilação por qualquer
indivíduo, tornou-se praticamente um substituto das outras formas de lazer.
A opinião pública passou a ser questionada nessa época. Se antes, ela
influenciava os acontecimentos, por conta das reuniões das pessoas para discuti-
los, com a televisão se começa a questionar quem influenciava quem; ou seja, se
era a opinião pública que influenciava os acontecimentos e a imprensa ou se a
imprensa fabricava opiniões que influenciavam a opinião da massa. Com isso, os
efeitos da televisão na humanidade chamaram a atenção de alguns estudiosos, que
formaram a Escola de Frankfurt8. Ela acreditava que os meios de comunicação de
massa, sendo a televisão seu carro-chefe, visavam à alienação da população em
virtude dos interesses de uma minoria autoritária. A condição de espectador passivo,
nessa época, era dada não como opção às pessoas, mas sim como a única forma
de interação, pois não havia meios de responder e interagir com o aparelho. De
acordo com os pensadores de Frankfurt, a massa era amorfa e passiva, influenciada
totalmente pelo que via nos programas, novelas, noticiários, propagandas e qualquer
outra programação disponível e incapaz de pensar por si mesma.
Essa teoria foi posta em prova com a próxima grande invenção da qual falarei
a seguir: o computador. Com a junção do computador e da Internet os indivíduos,
finalmente, puderam responder aos seus aparelhos. Longe de ser amorfa, a
humanidade torna-se mais ativa e consciente desde então.
7 SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de
Janeiro: Zahar, 2011. 8 Idem a 1.
14
Os primeiros computadores digitais foram desenvolvidos entre 1940 e 1945.
Primeiramente, possuíam o tamanho de uma grande sala e consumiam muita
eletricidade. Aproximadamente no final da década de 70 foi quando se começou a
falar em computadores pessoais. Apesar disso, o computador só passou a ser
realmente acessível à população geral quando sua interface mudou para uma forma
simples e possível de ser entendida por qualquer um, não apenas por técnicos e
programadores.
O computador revolucionou a forma de se trabalhar e facilitou operações,
como a de digitar textos. Com ele, um texto poderia ser modificado e reescrito com
muita facilidade, coisa que a máquina de escrever não possibilitava.
Mas a verdadeira revolução ocorre quando o computador se une à outra
grande invenção: a Internet. A Internet é uma rede de redes que permite a
transmissão muito precisa e coloca o controle nas mãos do usuário.9 Ela é por si
mesma um computador monumental, com um banco orgânico de memória e
processadores paralelos.
A Internet é, na realidade, um cérebro coletivo, vivo, que nunca pára de
trabalhar, de pensar, de produzir informação, de analisar e combinar.10 Ela, tal como
o subconsciente, é constituída por mais informação do que a que pode ser filtrada
por um nível consciente.11
Portanto, com a Internet, ocorre a junção entre a televisão e o computador,
formando o telecomputador. O computador não é oposto à televisão, ele é sua
continuidade. O telecomputador é a noção de telecomunicações, ou seja, a
capacidade de conexão em rede, combinada com a de computador.12
Os computadores ligados através dos telefones herdam o legado mais
precioso da televisão: o acesso a um grande número de pessoas ao mesmo tempo,
em tempo real. Enquanto a televisão sempre foi percebida como um meio de grande
difusão, para grandes públicos, os computadores eram meios personalizados,
solitários e privados. A convergência de ambos oferece uma possibilidade nova: a
de ligar indivíduos e suas necessidades pessoais a mentes coletivas.13 Sendo a
internet o maior banco de dados coletivos que já existiu, ligá-la às pessoas pelos
9 KERCKHOVE, D. A pele da cultura. São Paulo: Annablume, 2009, p. 72
10 KERCKHOVE, D. loc. cit.
11 Ibid., p. 73.
12 Ibid., p. 70.
13 Ibid., p. 71.
15
telecomputadores trouxe um autoconhecimento da sociedade que nunca pôde ser
cultivado anteriormente. Estamos todos ligados, e somos todos co-dependentes uns
dos outros.
2.2 A Relação entre os Homens e o Mundo
A ideia de interdependência e co-existência do homem uns com os outros e
com o próprio mundo está intimamente ligada a noções que foram se formando ao
longo da história, oriundas de mudanças pelas quais a sociedade passou.
Maffesoli (2010) acredita que a sociedade atual passa de um ambiente
espermático, ou seja, com uma mobilização das energias – individual e coletiva –
sempre em vista um objetivo, onde o sentido projetava-se, para um ambiente
invaginado. Ocorre o que ele chama de “invaginação do sentido”, ou seja, o retorno
à natureza essencial das coisas.
Na modernidade, onde o objetivo, primeiramente da Igreja e depois do
Estado, era o de acabar com o que era “anormal” aos olhos de quem detinha o
poder, cultivava-se o Universalismo. A partir dele, se extirpava tudo o que era
diferente, tornando a sociedade “unificada”. Esquecendo progressivamente o choque
cultural que lhe deu origem, a civilização moderna homogeneizou-se, racionalizou-se
em excesso.14
A partir daí, iniciou-se um mecanismo de compensação, onde a
heterogeneidade pouco a pouco ganhou espaço. Dessa forma, o que Durkheim
chamava de efervescência15 como elemento estruturante de toda comunidade
retorna à cena social. O gosto pelo risco reafirma sua vitalidade.16
Maffesoli (2010) expõe o surgimento das “tribos pós-modernas”, que passam
a aceitar ao mundo e a si mesmas como elas o são, ou seja, sem a negação do
pecado, do mal, da imperfeição. O ideal unitário está saturado. A heterogeneidade
14
MAFFESOLI, M. Saturação. São Paulo: Iluminuras: Itaú Cultural, 2010, p. 32. 15
Efervescência, para Durkheim, era o fenômeno no qual as emoções das pessoas se alteravam para um estado “efervescente”, ou seja, extremo, quando estas se reuniam em grupos, no estudo das multidões. Essa explosão emocional por que passam as multidões é um lado dos sentimentos produzidos pela vida grupal. “O acalento, o poder e sobretudo a exclusão são também sentimentos da vida em grupo.” (BARROSO, 2003). 16
MAFFESOLI, M., loc. cit.
16
está de volta, o politeísmo dos valores de Max Weber17. A consideração de que a
natureza humana não se resume somente ao cognitivo, ao racional, mas também ao
selvagem, ao físico, sendo uma colagem, um tecido de coisas opostas. O autor diz,
em seu livro, Saturação, que
não há mais lugar para velhos ranzinzas, obnubilados pelos “bons velhos
tempos” de uma Unidade fechada em si mesma. Aquilo que os filósofos da
Idade Média chamavam de unicidade, expressando uma coerência aberta,
poderia ser uma boa maneira de compreender uma ligação, um vínculo
social fundado na disparidade, no policulturalismo, na polissemia.
(MAFFESOLI, 2010)
O multiculturalismo floresceu em um lindo jardim durante o pós-modernismo.
O aperfeiçoamento e evolução das tecnologias de telecomunicações somente
tornaram essas mudanças mais rápidas. Maffesoli (2010) descreve com perfeição o
que se visualiza atualmente onde, ao contrário
da solidariedade puramente mecânica que foi a marca da modernidade, o
ideal comunitário das tribos pós-modernas baseia-se no retorno de uma
sólida e rizomática solidariedade orgânica. (MAFFESOLI, 2010)
Porém, essa heterogeneidade, na verdade, apesar de sufocada por centenas
de anos, nunca deixou de existir. Na modernidade, ela foi escondida para debaixo
do tapete pelo poder vigente, seja ele a Igreja ou o Estado, que fingiu que essa não
existia. É exatamente nisso que acredita Bruno Latour (1994), ao falar dos híbridos e
sua proliferação.
Para Bruno (1994), a Constituição Moderna foi constituída de modo a
considerar o mundo em dois polos distintos: o polo das coisas-em-si e o polo dos
homens-entre-eles. Ou seja, homem e natureza eram entidades completamente
separadas. No meio disso, havia as construções, sejam elas de uma experiência
laboratorial para entender a natureza ou de um contexto social, porém o objetivo
sempre era entender esses dois polos separados.
17
Max Weber considerou o politeísmo como a luta entre os diversos valores ou as diversas esferas de valores, entre os quais o ser humano deve tomar posição, luta esta que nunca termina com a vitória de um só valor. Neste sentido, o mundo da experiência nunca chega a ser unitário, como queriam crer as forças detentoras do poder na Modernidade.
17
Na modernidade, nunca se pensou que esses dois polos, na realidade, são
fictícios e que tudo acontece realmente no meio, ou seja, junto aos híbridos. Estes,
esquecidos e deixados de lado, proliferam-se sem controle, causando a chamada
crise moderna. Para Bruno Latour (1994), jamais fomos modernos, pois nunca
vivemos realmente de acordo com o que dizia a Constituição Moderna.
Mas a modernidade não teve apenas pontos negativos. Durante a
Modernidade, o homem evoluiu suas ciências, tanto sociais quanto tecnológicas. O
florescimento ocasionado pelas Luzes nunca havia sido registrado antes até então.
Sem esse desenvolvimento intenso de todos as áreas do conhecimento, não seria
possível chegar á evolução tecnológica e social necessária para chegarmos às
mudanças vislumbradas nos dias atuais.
Essas mudanças alteraram todas as áreas da sociedade. De acordo com
Massimo (2009) as passagens e transformações foram múltiplas:
Comunicativas: da televisão e do cinema para a interatividade;
Habitacionais: das formas geométricas da cidade histórica e moderna,
para aquelas sem raízes e em constante transformação criadas pela
metrópole;
Identitárias: das identidades separadas e nacionais, para aquelas
globais, glocais e híbridas;
Tecnológicas: do analógico para as tecnologias digitais;
Geopolíticas: da guerra fria para formas a-geográficas e comunicativas
das guerras de terrorismo;
Econômicas: das economias nacionais ligadas ao capitalismo industrial,
para formas transnacionais de produção e consumo instáveis, ligadas à
forma de reprodução financeira do capital;
Filosóficas: das ideologias e das “verdades objetivas” e das “certezas”
para a dúvida e o contínuo devir do pensamento fragmentário.18
A oposição entre o velho e o novo, dilema natural do ser humano, assumiu
formas e intensidades inéditas e maiores, questionando com maior urgência a
geração atual e mais ainda as próximas.
18
DI FELICE, M. Paisagens pós-urbanas: o fim da experiência urbana e as formas comunicativas do habitar. São Paulo: Annablume, 2009, p. 23.
18
2.3 A Reação da Sociedade à Nova Era
A nova era já está acontecendo, quer as pessoas a percebam ou não. O
mundo está cada vez mais conectado e não se consegue mais imaginar um mundo
sem internet, sem smartphones, sem Google Maps e todos as facilidades que a
conectividade traz.
Alguns abraçam essa nova era como a um filho querido, usando-se de todos
os seus recursos para melhorar e facilitar a vida. Em sua maioria, ainda são os
jovens que mergulham mais fundo e mais rápido nessa nova concepção de enxergar
o mundo, com todas as suas camadas sobrepostas. Mas as gerações anteriores
também estão, mais lentamente, adentrando esse universo.
Hoje em dia, uma loja não é simplesmente uma loja. Ela é um check-in no
Foursquare, que será visto pela rede de amigos e poderá conectar duas pessoas
que, de outra maneira, talvez nunca se falassem. Ela é um ponto no mapa, que pode
conectar-se a outras lojas do gênero, facilitando o ato de pesquisa de preços, por
exemplo. Ela é uma foto tirada e postada no Facebook e se enchendo de
comentários. Uma loja hoje pode ser muito mais do que uma junção de cimento e
alguns produtos para venda.
As pessoas não são mais presas à terra, ao terreno. Além de poder encontrar
tudo o que quiserem na internet, o que não for possível de se achar, pode ser criado,
hoje com uma facilidade muito maior.
Empresas que nascem na nova era já tem muitos degraus acima das
empresas que ainda se prendem à velha economia. A maioria dessas empresas são
online, não possuem um local físico para o público, concentrando seu investimento
em logística para melhorar o sistema de entregas e aperfeiçoar o programa de
dados. Podemos citar diversos exemplos bem-sucedidos, alguns maiores, outros
menores.
Um dos mais bem-sucedidos é a Amazon. Companhia criada em 1995 por
Jeff Bezos em Seattle, nos Estados Unidos, a companhia cresceu e tornou-se
mundial, oferecendo produtos que vão desde livros e eletrônicos até raquetes de
tênis e diamantes. Tem operações no Canadá, China, França, Alemanha, Itália,
Japão, Espanha e Reino Unido.
19
No entanto, ainda é uma companhia de transição entre a velha economia e a
nova economia. Apesar disso, em grande parte pelo seu investimento em inovação,
ela é uma das empresas de e-commerce que mais crescem. Muitas dessas
inovações vêm da colaboração com os consumidores, assunto que será abordado
com mais detalhes mais a frente. Suas reviews19 em cada produto, o seu serviço de
atendimento ao consumidor, onde as críticas e sugestões são levadas em
consideração, as suas listas criadas pelos usuários conectando-os a outros com
gostos em comum; enfim, todo tipo de interação conectiva e colaborativa mostra ser
extremamente rica e produtiva para qualquer empresa.
Uma de suas maiores inovações foi unir-se a outros varejistas e a vendedores
independentes, oferecendo sua plataforma de e-commerce e, em troca, aumentando
sua gama de produtos. Isso fortaleceu a empresa e impulsionou ainda mais seu
crescimento.
No Brasil, temos o Mercado Livre. Fundado em 1999, é líder em comércio
eletrônico na América Latina. Nele, usuários e empresas podem comprar, vender,
anunciar e pagar pela internet. No início, sua forma de pagamento era combinada
entre o comprador-vendedor. Hoje, já possui sua própria forma de pagamentos
online, o Mercado Pago, que facilitou ainda mais o câmbio de produtos. As reviews,
o método de qualificações e a contagem de itens já vendidos por um determinado
usuário é feita manualmente pelos próprios usuários e tornou-se a melhor forma de
garantir que não haja problemas, pois um usuário bem-qualificado garante que está
se fazendo uma compra segura. Mantém operações em 13 países: Argentina, Brasil,
Chile, Colômbia, Costa Rica, Equador, México, Panamá, Peru, Portugal, República
Dominicana, Uruguai e Venezuela.
As iniciativas colaborativas online não param de crescer. Aluguel de produtos
que são poucos usados pela maioria das pessoas, como ferramentas de construção
(martelos, alicates etc); troca de livros, revistas, games e outros produtos que não
terão mais uso a uns, mas que podem ter a outros; troca e venda de ingressos para
shows, quando muitas vezes um indivíduo comprou e não poderá ir, ou quer ir em
outro dia; enfim, há comunidades, sites, fóruns, páginas no Facebook ou qualquer
outro tipo de forma de comunicação online disponível para resolver qualquer tipo de
urgência em relação a produtos.
19
Comentários feitos pelos consumidores a respeito daquilo que utilizaram que se tornou uma das fontes mais fidedignas de consulta à qualidade de determinado produto.
20
Mas claro que nem tudo é mercadológico. Há também infinitas fontes de
informação, cada uma com seu ponto de vista. Isso é o efeito da multiplicação de
pontos de vista da qual fala Vattimo (1992). As injustiças não passam mais
despercebidas. Todos têm uma voz dentro da nova era.
As revoltas no Oriente Médio que ocorreram no Egito e resultaram na queda
de um ditador, espalhando-se para outros países da região; o movimento Ocupe
Wall Street que protesta contra os grandes executivos e que se espalhou por todo o
mundo, criando diversos movimentos de ocupação e até mesmo as comoções
voltadas para a diversão, como a Guerra de Travesseiros que ocorreu em 21
cidades do Brasil no ano de 2011 e o No Pants Day no mundo, onde as pessoas
simplesmente saem sem calças por um dia e passeiam pela cidade.
Todos esses movimentos começam na internet, espalham-se e crescem. No
caso das revoltas no Oriente, por exemplo, todas as manifestações eram
organizadas por mídias sociais, principalmente o Twitter, que tem um poder de
instantaneidade extremamente alto.
Porém, nem todos estão abraçando a nova era. Vemos, ainda hoje,
movimentos que vão contra essa força conectiva e de colaboração que toma o
mundo de hoje numa revolução sem volta. Pois, em toda mudança, sempre haverá
uma oposição que quer continuar vivendo sob a antiga fôrma e que acredita que
esta não deve mudar nunca.
Uma dessas reações negativas são os projetos de leis SOPA (Stop Online
Piracy Act) e PIPA (abreviação da sigla PROTECT IP, que significa Preventing Real
Online Threats to Economic Creativity and Theft of Intellectual Property Act), que
foram postos em votação no Congresso dos Estados Unidos.
Ambos têm o objetivo de prevenir compartilhamentos não autorizados e
transmissão de conteúdos que contenham copyright, exigindo que companhias que
hospedam sites, redes de propaganda e companhias de pagamentos parem de se
associar com infratores do copyright que distribuem conteúdo em todo o mundo que
pode chegar aos Estados Unidos. Sites de busca também devem ter que remover
esses links.
Esses projetos de lei foram refutados por algumas das maiores empresas da
internet, como o Google. A população também foi contra e fez inúmeros protestos
nas ruas e na internet. No dia 18 de janeiro de 2012, alguns sites proeminentes na
web, incluindo Wikipédia, Reddit e Mozilla, saíram do ar por doze horas, num
21
protesto com o objetivo de mostrar ao mundo que poderia acontecer se essas leis
fossem aprovadas.
Caso as leis fossem aprovadas, qualquer detentor de direitos autorais que
abrisse uma reclamação contra algum conteúdo postado na internet, poderia causar
o fechamento do web site que publicasse ou tivesse links para esse conteúdo. A lei
é severa principalmente por permitir que um site inteiro feche por conta de um link,
postado por um usuário e não o próprio criador. Locais como o Wikipédia e o
YouTube, que dependem de conteúdo gerado pelo usuário, poderiam ter muitos
problemas.
Porém, graças à reação do público, empresas e especialistas, incluindo aí
alguns da administração do presidente atual, Barack Obama, levou o projeto a ser
revisto. Os principais opositores veem os projetos como mais uma batalha na guerra
dos direitos autorais, onde os defensores preferem restringir o fluxo livre de
informações em ordem de abdicar dos direitos autorais.
Esses exemplos nos mostram que, mais do que uma teoria ou uma ideia, a
nova era já é uma realidade. Indivíduos e, principalmente, empresas, terão que se
adaptar a ela caso desejem continuar prosperando e crescendo na nova economia.
3 A COLABORAÇÃO
Os jovens de hoje são criadores ativos de conteúdo midiático e têm sede de
interação.20 Essa geração é a primeira a crescer na era digital e, por conta disso, já
desde cedo passa o seu tempo pesquisando, lendo, inspecionando, autenticando,
colaborando e organizando (tudo, desde os seus arquivos em MP3 até
manifestações de protesto).21
Mas a colaboração existiu desde os primórdios da sociedade. Afinal, o que
seria dos homens das cavernas se não houvessem se unido em grupos que,
portanto, eram mais fortes, para defenderem-se dos perigos, dividirem os frutos da
caça e aumentarem a força da união pela reprodução e pela criação mútua das
20
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 63. 21
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. loc. cit.
22
crianças por todos. O homem sempre soube que teria maiores chances de
sobrevivência se estivesse unido a outros.
O que difere essa Geração Net, termo usado por Don Tapscott (2007) de
todas que vieram anteriormente, em relação à colaboração, é que esta se dispõe
dos meios, dos motivos e da oportunidade para praticá-la.
3.1 Meios
O acesso irrestrito à internet deu a eles uma força muito maior para os “papos
de boteco”, ou seja, aquelas ideias mirabolantes que todos têm durante uma
conversa e que logo se perdem no cotidiano e na rotina. O que antes era reservado
aos profissionais de mídia torna-se possível a todos: acessibilidade e permanência.
O conteúdo divulgado na web pode ser visto por bilhões de pessoas, contanto
que elas tenham acesso à internet e, adicionado a isso, é uma informação que
permanecerá registrada, podendo ser consultada posteriormente. Com isso, toda e
qualquer informação postada pode ganhar repercussão global.
Vimos isso na chamada Primavera Árabe22, conjunto de revoltas nos países
da região do Oriente Médio que se iniciaram em 2010. No dia 18 de dezembro de
2010, Mohamed Bouazizi colocou fogo em si mesmo como uma forma de protesto
contra maus-tratos e a corrupção policial na Tunísia. Este foi o estopim de diversos
protestos que tomaram o país todo e levaram à saída do presidente Zine El Abidine
Ben Ali, que estava no poder desde 1987.
Após essa revolução bem-sucedida, as populações de outros países da
região do Oriente Médio e do Norte da África começaram a manifestar seu
descontentamento com diversos regimes ditatoriais que ainda se mantinham. O mais
notável deles, em relação ao nosso estudo, é o que se passou no Egito.
Hosni Mubarak, que governava o Egito desde 1981, temendo a repercussão
dos protestos tunisianos, começou a multar, prender e torturar blogueiros que
publicavam notícias a respeito dos protestos e incitavam a população egípcia a se
22
Termo que passou a ser usado pela mídia para descrever os protestos que se iniciaram na Tunísia em 18 de dezembro de 2010 e se espalharam para outros países da região, como a Argélia, Jordânia, Egito e Iêmen. Porém, nem todos os países envolvidos são árabes.
23
revoltar. Com isso, o presidente acreditava ser possível conter os avanços das
manifestações em seu país.
Porém, ao retirar a liberdade de expressão do povo, este, com ainda mais
força, uniu-se e, organizando de forma online seus protestos, iniciou uma série de
demonstrações, marchas, atos de desobediência civil e greves que tiveram
proporções sem precedentes na história do Egito, resultando na renúncia de
Mubarak do governo, no dia 11 de fevereiro de 2011, 18 dias após o início dos
protestos. Essa revolução foi feita principalmente por jovens, que levaram outros a
se unirem.
Ao inspirarem-se nas revoltas de outro país com situação parecida, o povo do
Egito, por meio da internet, uniu-se e conseguiu o que até então era considerado
impossível: mobilizou multidões e acabou com uma ditadura de 30 anos. O apoio
obtido de todo o mundo, que resultou em manifestações online pelo Twitter também
contribuiu para o sucesso desta empreitada.
Com isso, podemos notar que a Geração Net se dispõe do maior meio de
colaboração existente: a Internet. Por meio dela, um simples post no Twitter de 140
caracteres pode tornar-se o estopim para uma crise, como ocorrida com a empresa
de hospedagem de sites Locaweb que, em 2010, teve seu diretor comercial demitido
após publicar em seu Twitter pessoal mensagens ofensivas contra o time São Paulo
Futebol Clube após o término de uma partida exibida naquele momento. A empresa
havia recentemente fechado contratos de patrocínio com o referido time. Após
perceber seu erro, o diretor apagou as mensagens e postou outra parabenizando o
time pelo seu desempenho no jogo, mas já era tarde demais. Protestos começaram
a surgir no Twitter e, a empresa, sem saber como agir, terminou por desligar o
diretor de suas funções. São inúmeros os exemplos que mostram que a Internet
forneceu o meio necessário para dar poder a uma voz solitária e transformá-la em
um grupo organizado. A Geração Net sabe se utilizar desse meio com maestria.
3.2 Motivos
A motivação humana não é puramente cumulativa. Fazer algo porque se tem
interesse transforma esse algo num tipo de atividade diferente de outra que se faz
24
para receber uma recompensa externa.23 Existem dois tipos de motivações: a
intrínseca e a extrínseca.
As motivações intrínsecas são aquelas onde se realiza uma determinada
atividade pelo prazer que ela proporciona, sem nenhuma recompensa externa. É um
interesse na tarefa em si, e existe vindo do próprio indivíduo, sem necessariamente
estar relacionada com nenhuma pressão externa.
As motivações extrínsecas, por sua vez, são realizadas no interesse em
alguma recompensa externa à atividade. É uma atividade feita no intuito de obter um
privilégio. A recompensa mais comum em atividades extrínsecas é o dinheiro e, na
educação, as notas. Competições são, no geral, atividades extrínsecas, pois
encorajam o indivíduo a ter uma boa desempenho no intuito de vencer e derrotar
outros, não apreciar a atividade em si mesma.
As pessoas se comportam de forma diferente quando estão fazendo algo por
amor ou por uma recompensa externa. Os hobbies são o maior exemplo dessa
diferenciação. Afinal, mesmo entre os amantes de livros, os livros obrigatórios para
leitura que os professores exigiam no ensino fundamental eram geralmente
considerados uma tarefa extenuante.
Mas o que mudou em relação aos hobbies de quarenta anos atrás para hoje?
A verdade é que sempre existiram pessoas que se dedicavam a atividades
diferentes, como pintar, fazer esculturas de papel machê ou até brincar com
trenzinhos elétricos pelo simples fato de gostarem daquilo. A diferença está no fato
de que hoje, os amantes de trenzinhos elétricos encontram outros com uma
facilidade imensa e, de um hobby que existia apenas no porão de uma casa,
passam a ser uma iniciativa de grupo, pública. A “The 2mm Scale Association”24,
baseada no Reino Unido, é um clube destinado a todos que desejam conversar,
mostrar ou iniciar seus projetos na construção de linhas de trem reduzidas, ou em
“2mm scale”, como é o jargão utilizado no país. No portal da associação, membros
podem postar qualquer tipo de informação relacionada aos modelos para discutirem
entre si, são organizados eventos para reunir os membros, que podem contribuir
também com fotos e artigos. No próprio site, são vendidas peças, desde as mais
23
SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 68. 24
Associação baseada no Reino Unido, com o meio de comunicação principal em: http://www.2mm.org.uk/index.shtml.
25
simples, para os iniciantes, até as mais raras, para aqueles que já se dedicam há
mais tempo ao hobby.
A relação que se fazia com os hobbies como sendo atividades para serem
feitas no porão das igrejas, como os corais, ou no porão das casas, como a já citada
construção de ferrovias em escala reduzida; ou seja, de cunho solitário, era
meramente circunstancial, pois a maioria daqueles que se dedicavam a tais coisas,
a partir do momento em que se tornava complicado demais expor o seu trabalho,
torná-lo público, desistiam, pois sentiam o esvaziamento do sentido intrínseco na
atividade.
Motivação intrínseca é um rótulo genérico que agrupa diversas razões pelas
quais uma pessoa pode ser motivada pela recompensa que uma atividade cria em e
de si mesma.25 As motivações intrínsecas de cunho pessoal identificadas pelos
estudiosos na área são o desejo de ser autônomo, ou seja, decidir o que fazer e
como fazer, e o desejo de ser competente, ou seja, ser bom naquilo que se faz. Já
as motivações de cunho social são divididas em dois grandes grupos: um que gira
em torno da conexão ou participação e o outro em torno do compartilhamento e da
generosidade.26
Quando nos sentimos motivados a fazer algo que será tornado público,
geralmente tem a ver com o lado intrínseco de alguma ação, onde nos sentimos
parte de um grupo. As pessoas têm necessidade de compartilhar suas experiências,
mesmo que sejam ruins. Os grupos de autoajuda são o grande exemplo de
compartilhamento, onde ouvindo as histórias de outros e contando a própria, os
viciados conseguem superar o mal.
A colaboração tornou-se um padrão para a Geração Net. Quando a facilidade
em organizar um grupo grande, que compartilhe pensamentos e ações se torna
possível, os indivíduos podem e se sentem compelidos a tornar públicos seus
interesses.
Os motivos para compartilhar, colaborar e criar em conjunto de forma
espontânea e organizada sempre existiram no fundo da mente humana. Sempre
quisemos ser autônomos, competentes e conectados: só que, agora, a mídia social
25
SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 71. 26
SHIRKY, C., op. cit., p. 74.
26
se tornou um ambiente para acionar esses desejos, mais do que suprimi-los.27 O
fluxo da produção e organização amadoras e colaborativas, longe de se estabilizar,
continua a crescer, porque a mídia social recompensa nossos desejos intrínsecos
tanto de participação quanto de compartilhamento.28
3.3 Oportunidade
Geralmente, é com surpresa que se costuma falar sobre o uso das mídias
sociais e das tecnologias disponíveis nos dias de hoje. A humanidade ainda se
surpreende que os indivíduos estejam divulgando material, amador ou não, por
todos os hemisférios da Terra à velocidade da luz por livre e espontânea vontade,
sem nenhuma recompensa aparente. Se as pessoas estão usando seu tempo e seu
talento excedentes de formas públicas e generosas, então achamos que a causa
disso são as novas ferramentas: a rede, telefones celulares, novos programas, tudo
que não existia no passado. 29
Porém, muitos dos usos inesperados das ferramentas de comunicação são
surpreendentes porque as antigas crenças sobre a natureza humana, cristalizadas
nas mentes de todos, são muito pobres. Acreditamos que o homem não teria
capacidade de criar e disseminar conteúdo informacional, a não ser que fosse um
profissional na área, portanto, nos espantamos ao ver amadores de qualquer
assunto criando, compartilhando, ensinando a outros e também aprendendo.
Acreditamos que ninguém faz algo a não ser que esteja motivado por uma ação
financeira e pessoal, ou seja, por dinheiro; portanto, ao vermos pessoas fazendo
coisas de graça precisamos de uma explicação externa. Realmente, observando de
acordo com essas lentes sociais, não parece razoável que pessoas dediquem seu
tempo a atualizar o Wikipédia ou publicar um vídeo-tutorial no YouTube.
Porém, ao se retirar esses óculos sociais, que por vezes nos impedem de
enxergar o mundo como ele realmente funciona, conseguiremos entender que, se
27
SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 78. 28
SHIRKY, C., op. cit., p. 82. 29
SHIRKY, C., op. cit., p. 91.
27
uma ferramenta é útil, as pessoas vão usá-la.30 Ou seja, não importa o quão
complicado um instrumento possa parecer; se permitir que se façam as coisas que
se quer, ele será usado. Ou seja, diante das oportunidades certas, os seres
humanos começarão a se comportar de novas maneiras.31
No caso da tecnologia, as pessoas tiveram a oportunidade de se comportar
de uma maneira que recompensasse alguma motivação intrínseca, e essas
oportunidades foram possibilitadas pela tecnologia.32
Além disso, uma ferramenta pode ser usada de forma inteiramente diferente
pelos usuários do que os próprios criadores imaginaram, trazendo novas
possibilidades ilimitadas. Pois, por mais que um grupo de pessoas seja criativo, um
grupo ainda maior de pessoas será sempre mais criativo e assim por diante,
resultando no que vemos hoje na internet: um grupo infinito de pessoas se pondo a
pensar juntas resulta em avanços rápidos e eficazes, com baixo custo, pois o valor
intrínseco de praticar uma determinada ação é a maior recompensa a que alguns
aspiram. O Wikipédia é o maior exemplo de colaboração a que podemos nos ater.
Há apenas alguns anos, ele era pouco confiável e professores e acadêmicos o
repudiavam. Hoje, sua importância e capacidade de apuração dos fatos são
inegáveis, sendo uma ótima fonte para aqueles que desejam aprender sobre certo
assunto sem precisar aprofundar-se muito no tema e, mesmo para aqueles que
assim o desejam, ele pode ajudar, contendo nomes de fontes mais apuradas, como
livros, artigos e notícias de jornal.
A empresa de brinquedos LEGO desenvolveu e disponibilizou a qualquer
pessoa em seu site oficial um programa, chamado de LEGO Digital Designer, onde,
semelhante a um programa de AutoCAD33, as pessoas podem desenvolver o seu
“modelo dos sonhos”. Com isso, centenas de formas de montar os legos são criadas
espontaneamente por amantes dos brinquedos e, posteriormente, podem adquirir as
peças customizadas necessárias para produzir o modelo na vida real. Essa
ferramenta simples trouxe à tona muitos desejos de fãs por todo o mundo de possuir
modelos que os criadores não haviam ainda pensado em produzir. A possibilidade
30
SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p.92. 31
SHIRKY, C., op. cit., p. 93. 32
SHIRKY, C., op. cit., p. 94. 33
AutoCAD é um software do tipo CAD (computer aided design) que é comercializado desde 1982. É utilizado para a elaboração de peças de desenho técnico em duas e três dimensões (2D e 3D). É amplamente utilizado em arquitetura, design de interiores, engenharia civil, engenharia mecânica, engenharia geográfica, engenharia elétrica e diversos outros ramos da indústria.
28
de adquirir as peças customizadas e produzir na vida real seus modelos cibernéticos
foi fechada temporariamente em janeiro de 2012. De acordo com informações
extraídas da página oficial do site:
This is not the end of customization for the LEGO Group, but a revision. We believe
in the future of customization, but the service we offer has to be right for our
consumers. (2012)34
Em tradução livre, podemos entender o texto como “Este não é o fim da
customização para o Grupo LEGO, mas uma revisão. Nós acreditamos no futuro da
customização, mas o serviço que oferecemos deve ser o melhor para nossos
consumidores.”
Portanto, quando as pessoas, em especial a Geração Net, que já nasceu
nessa nova forma de pensar, encontram-se com os meios, os motivos e as
oportunidades corretas, podemos considerar a existência da economia colaborativa,
que será discutida detalhadamente mais à frente.
4 A ECONOMIA COLABORATIVA
Nos capítulos anteriores do estudo, tentamos demonstrar certa tendência
irreversível que está acontecendo atualmente. Uma nova era, permeada pela
invasão da tecnologia nas redes de relacionamento, alterando totalmente a forma
como o ser humano lida com si mesmo, com os seus semelhantes e com o mundo
ao seu redor.
No capítulo “Uma Nova Era”, demonstramos como a evolução das tecnologias
colocaram o comércio, a indústria e toda a economia em um novo paradigma, o da
“abordagem de rede”, onde tudo se tornou mais leve. A propriedade e o capital físico
em si gradualmente perdem seu posto hegemônico, que antes tornavam os
“proprietários”, ou aqueles que possuíam, os chefes da economia vigente.
Hoje o que de fato importa não são as posses e sim as conexões. Uma
empresa ou pessoa que não está conectada a tudo e a todos não consegue
compreender e nem acompanhar a sociedade das ideias ou a sociedade do
34
Texto disponível em: <http://ldd.lego.com/en-us/subpages/designbyme/>. Acesso em: 31/01/2012.
29
intangível. O maior valor está nas coisas que não se podem ver nem tocar. Com o
acesso, é possível adentrar a um mundo de possibilidades impensáveis há um
século ou, muito menos, há algumas décadas.
As mudanças de que estamos falando não aconteceram de um dia para o
outro. Elas foram acontecendo de forma gradual há muitos séculos, tornando-se
cada vez mais rápidas e urgentes conforme o tempo e as tecnologias foram
avançando.
Juntamente com essas evoluções tecnológicas, que tornaram as tecnologias
uma parte integral dos relacionamentos entre tudo e todos, encontramos outra
tendência: a colaboração. As pessoas descobriram que têm sede de interação. Claro
que o ato de colaborar sempre existiu na sociedade. A vontade de interagir é parte
da natureza humana. Porém, com a era digital, essa inclinação atinge parâmetros
globais. Uma só pessoa ou um grupo pequeno de pessoas tem plenas capacidades
de construir algo muito grande, que seria muito mais complicado em tempos
passados. Os jovens, por sua vez, desde cedo, já criam o hábito de pesquisar, ler,
inspecionar, autenticar e organizar de tudo, desde seus próprios arquivos em MP3
até manifestações de protesto.
Mas se a colaboração sempre existiu, o que está diferente hoje? A nova
geração, chamada por Don Tapscott (2007) de Geração Net possui os meios,
motivos e oportunidade para praticar a colaboração. Com o acesso irrestrito à
internet, hoje é possível a qualquer um o que antes estava reservado apenas aos
profissionais de mídia: acessibilidade e permanência. A informação hoje não é mais
poder, todos podem acessá-la. O novo modo de poder advém de possuir a rede
correta para distribuir aquela informação e alcançar o grupo desejado.
As motivações são diversas. Ao contrário do que se pensa, a motivação não é
meramente cumulativa. Fazer algo puramente por interesse, por prazer na atividade
em si, é diferente de uma ação realizada para receber recompensas externas. Hoje
os hobbies que antes eram reservados aos porões das casas, como um prazer
solitário, tornaram-se uma atividade pública. Amantes de todo tipo se reúnem em
grupos para dividir suas realizações e superar os desafios. Desde fanáticos por
cachorros, trenzinhos elétricos ou gatinhos dizendo frases engraçadas (também
30
conhecido por "Lolcats”35) até ativistas, defensores do meio-ambiente, dos pandas
albinos ou do veganismo, todos tem seu espaço na grande rede chamada internet.
Sempre quisemos ser autônomos, competentes e conectados: só que, agora, a
mídia social se tornou um ambiente para acionar esses desejos, mais do que
suprimi-los.36
No geral, ainda é visto com surpresa o uso das mídias sociais e das
tecnologias disponíveis nos dias de hoje. A humanidade ainda não conseguiu
superar as antigas crenças sobre a natureza humana, cristalizadas nas mentes de
todos. Ao ver amadores de qualquer assunto criando, compartilhando, ensinando e
também aprendendo na rede, traz espanto a quem acredita que somente
profissionais seriam capazes de versar sobre um determinado assunto com tanta
paixão e competência. O fato de, muitas vezes, tudo isso ser feito sem recompensas
externas, como as monetárias, causa ainda mais espanto. O fato é que as pessoas
vão utilizar uma ferramenta se ela for útil. Não importa o quão complicado um
instrumento possa parecer; se permitir fazer as coisas que se quer, ele será usado.
Ou seja, diante das oportunidades certas, os seres humanos vão se comportar de
maneiras distintas.
Portanto, nos encontramos num momento onde a oportunidade, o meio e o
motivo casaram-se e possibilitaram às pessoas comuns, que antes eram
consideradas passivas e somente “compradoras” de ideias criadas pelas grandes
corporações, tornarem-se o que elas sempre foram: ativas, pensantes e exigentes.
A nova era prenuncia mais oportunidades econômicas para indivíduos e
empresas, assim como maior eficácia, criatividade e inovação na economia como
um todo.37 Com a abordagem certa, as empresas podem obter uma rede dinâmica e
cada vez mais global de colaboradores que aumentarão suas taxas de crescimento
e inovação.
35
Um lolcat é uma imagem combinando a fotografia de um gato com um texto com intenção de humor. O texto está geralmente gramaticalmente incorreto, numa linguagem conhecida como “lolspeak”. LOL é uma abreviatura da expressão “laughing out loud”, traduzindo-se para “rindo muito alto”. É possível ver tais imagens em http://www.lolcats.com/. 36
SHIRKY, C. A Cultura da Participação: criatividade e generosidade no mundo conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2011, p. 78. 37
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 28.
31
4.1 Os Princípios da Wikinomics
A nova colaboração em massa está mudando a maneira como as empresas e
as sociedades utilizam o conhecimento e a capacidade de inovar para criar valor.
Isso afeta praticamente todos os setores da sociedade e todos os aspectos da
gestão. Um novo tipo de empresa está surgindo – uma empresa que abre as suas
portas para o mundo, inova em conjunto com todos (sobretudo os clientes),
compartilha recursos que antes eram guardados a sete chaves, utiliza o poder da
colaboração em massa e se comporta não como uma multinacional, mas como algo
novo: uma firma verdadeiramente global. Essas empresas estão liderando
importantes mudanças em seus ramos e reescrevendo muitas regras da
concorrência.38
Essa concepção contraria completamente a ideia de inovação tradicional.
Uma empresa, de acordo com a sabedoria convencional, inova, se diferencia e
torna-se competitiva quando tem os seguintes atributos: capital humano superior,
propriedade intelectual fortemente protegida, foco nos clientes, “pensar globalmente,
mas agir localmente” e boa gestão e bons controles. Claro que alguns desses
princípios ainda são aplicáveis, porém tornam-se insuficientes e até mesmo
inadequados em determinadas situações.39
A nova economia, ou “economia colaborativa”, baseia-se em quatro ideias
principais: abertura, peering, compartilhamento e ação global.
4.1.1 Abertura
A abertura está associada à franqueza, transparência, liberdade, flexibilidade,
expansividade, engajamento e acesso. Porém, esse definitivamente não é um termo
38
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 31. 39
TAPSCOTT, D., loc. cit.
32
muito utilizado para descrever uma empresa tradicional e, até recentemente,
também não teria descrito adequadamente os processos internos da economia.40
As empresas eram fechadas em suas ações, guardando seu capital
intelectual, mesmo quando este era subutilizado. Quanto aos recursos humanos, a
ordem era motivar, desenvolver e reter os talentos. O objetivo das empresas era a
autossuficiência, ser “independente” do ambiente.
Já nos dias de hoje, as empresas estão tornando suas fronteiras permeáveis
às ideias e ao capital humano externo. A rapidez dos avanços tecnológicos e
científicos é uma das principais causas para essa nova abertura. A maioria das
empresas não tem capacidade suficiente para realizar pesquisas nas disciplinas
fundamentais de seu core business e nem reter dentro de seus limites as pessoas
mais talentosas do setor. Então, para ter certeza de que continuam na vanguarda de
seus ramos, precisam abrir suas portas para o parque global de talentos que
prospera fora de seus muros.41
As empresas estão se abrindo: tanto no aproveitamento de talentos externos
quanto na divulgação de suas próprias tecnologias. Informações empresariais antes
secretas hoje são compartilhadas, como linhas de comportamento, operações e
desempenho das empresas. Os funcionários tem um nível de conhecimento sobre a
estratégia, a gestão e os desafios da empresa que antigamente era impensável. Os
parceiros precisam conhecer intimamente as operações uns dos outros para que
possam colaborar. E, em um mundo de comunicações instantâneas, denúncias,
mídia investigativa e pesquisas no Google, os cidadãos e as comunidades podem
facilmente colocar as empresas sob o microscópio.42
4.1.2 Peering
O modelo hierárquico de organização tem durado e funcionado por
praticamente toda a história da humanidade. Ele é tão enraizado que as pessoas
supõem que é a única alternativa viável de administração. Desde os primórdios da
40
TAPSCOTT, D., op. cit., p. 32. 41
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 33. 42
TAPSCOTT, D., op. cit., p. 34.
33
Grécia e de Roma, as hierarquias tem organizado as pessoas em superiores e
subordinados para satisfazer objetivos públicos e privados.
Porém, apesar de os modelos hierárquicos de gestão não estarem próximos
de desaparecer, encontramos nos dias de hoje o surgimento de uma nova forma de
organizar-se. Nela há uma estruturação horizontal, conhecida como peering. Seu
maior exemplo é o Linux, criado em 1991, antes de a World Wide Web ter sido
inventada. Um programador de Helsinque resolveu criar uma versão simples de um
sistema operacional vigente na época, o Unix. Chamando-o de Linux em
homenagem a seu próprio nome43, compartilhou com outros programadores. Após
notar que, das dez pessoas que se corresponderam com ele, metade fez mudanças
significativas, resolveu licenciar o sistema de forma pública, ou seja, qualquer um
poderia usar e alterar, contanto que disponibilizasse para os outros as mudanças.
Este é o principio do conceito da Creative Commons, por exemplo, que se utiliza de
diversas maneiras para tornar a transmissão de conhecimento algo dinâmico e fluido
nas redes, sem com isso tirar os direitos autorias sobre um determinado trabalho.44
A facilidade com que a colaboração pode ser feita hoje é o chamamos
anteriormente no trabalho de oportunidade, ou seja, a internet abre as portas para
que cada vez mais projetos como o Linux surjam no horizonte. As pessoas cada vez
mais se auto-organizam para projetar bens ou serviços, criar conhecimento ou
simplesmente produzir experiências dinâmicas e compartilhadas.45
O peering consiste numa produção auto-organizada, com ou sem fins
lucrativos. Ao publicar seus resultados e divulgá-los a todos, dando o poder para que
as pessoas pudessem alterar a seu bel-prazer, republicando em seguida,
transformou o Linux numa ferramenta poderosa, hoje usada por diversas empresas,
que o utilizam para desenvolver seus produtos como a Sony, IBM ou Philips. Para
chegar ao mesmo resultado fechado dentro de uma única corporação, se levaria o
dobro do tempo e dos custos.
Essa é a chave para o sucesso do peering: ele alavanca a auto-organização.
Esse estilo de produção funciona com mais eficácia para algumas tarefas do que a
gestão hierárquica. Claro que a maioria dos peerings ainda conta com uma estrutura
43
Linus Torvalds. 44
LESSIG, L. In Defense of Piracy. In: The Wall Street Journal, New York, 2008. Disponível em: <http://online.wsj.com/article/SB122367645363324303.html>. Acesso em: 22/08/2012. 45
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 36.
34
subjacente, onde algumas pessoas exercem maior autoridade e influência do que
outras. Porém, ainda assim, pode “cortar” muitos obstáculos. Um exemplo simples e
prático do poder do peering pode ser dentro de uma seção de alguma corporação.
Um funcionário de nível inferior na escala hierárquica, por exemplo um estagiário,
tem uma ideia para melhorar o sistema de comunicação dentro da empresa. Num
sistema de hierarquia tradicional, ele teria que conversar com o seu superior direto,
que, caso dedicasse sua atenção ao estagiário e considerasse a ideia boa, poderia
passá-la para frente. Porém, até que essa ideia chegasse à alta hierarquia da
empresa, a única com poder para alterar de fato as normas, poderia ser reprovada
por muitas pessoas que, por motivos diversos, poderiam não assimilar a ideia.
Porém, numa organização na forma de peering, o estagiário poderia simplesmente
divulgar a ideia a todos, esperando sugestões e modificações, melhorando a ideia e
tornando-a mais aplicável ou até mesmo discuti-la diretamente com a alta hierarquia,
conseguindo assim uma mudança real e de forma rápida.
4.1.3 Compartilhamento
Por toda a vida, aprendemos a proteger o que é nosso. Desde crianças,
somos treinados a distinguir nitidamente o que é propriedade minha e o que não é.
As inovações, para serem de fato inovações, devem ser exclusivas. Nas empresas,
a filosofia é a mesma. Proteger o capital intelectual, seja por meio de patentes,
copyrights e marcas registradas. Se alguém o atingir, chame os advogados e inicie
uma batalha, como vem acontecendo repetidamente entre as gravadoras musicais
que ainda insistem em processar indivíduos por conta de reproduções “ilegais” de
suas músicas.
O caso de Stephanie Lenz, acontecido em 2007 e narrado por Lawrence
Lessig (2008) é um grande exemplo dessa tentativa arcaica, porém tradicional, de
proteger-se a qualquer custo. O filho de Stephanie, então de 13 meses, começou a
dançar ao som de uma música do Prince que tocava. Ela, maravilhada e divertida
pela cena, filmou-a e, para mostrar aos amigos, postou o vídeo no YouTube. Essa
história poderia ter acabado aí, porém, alguns meses depois, um funcionário da
Universal Music Group, que gerenciava os copyrights do cantor pop, chegou à
35
filmagem. Foi enviada, então, uma carta ao YouTube pedindo que a “performance
não autorizada” fosse retirada do ar. A empresa de vídeos, para evitar conflitos,
aceitou. Na visão da Universal, e de outras empresas do ramo, é perfeitamente
viável e justo que uma pessoa seja processada em até 150 mil dólares por um vídeo
de um bebê dançando por 30 segundos.
A música digital hoje é compartilhada livremente por todos os tipos de
pessoas. Essa ação levou as gigantes da indústria musical à maior crise de suas
vidas. Uma das primeiras a perceber que a realidade havia mudado foi a banda
Radiohead, vinda dos anos 80, que, em 2007, após dispensar sua gravadora EMI,
lançou o álbum “In Rainbows” como uma cópia digital, que poderia ser adquirida
pelos fãs pelo preço que eles preferissem. Juntamente a ela, também havia um Box
de colecionador, que continha diversos materiais, incluindo o álbum físico e sua
cópia digital pelo preço módico de 80 libras. Algumas semanas depois, o álbum em
sua forma física foi lançado, em versões vinil e CD, por diversas gravadoras
independentes. Apesar de a maioria das pessoas de fato terem feito o download do
álbum gratuitamente, houve uma média de 4 libras por cada download e o lucro total
foi maior que a venda de seu álbum anterior, lançado da forma tradicional. A
iniciativa do Radiohead abriu as portas para que diversos artistas famosos
passassem a lançar seus álbuns de forma independente e diferenciada.
Claro que a digitalização traz novos problemas. Se eu posso conseguir meus
conteúdos de forma gratuita, rapidamente compartilhá-los e alterá-los, porque iria
pagar? Se ninguém paga, como recuperar o investimento inicial? Para aqueles que
ainda se baseiam no modelo tradicional, como as grandes gravadoras, a solução é
aumentar o alcance e a força da proteção de propriedade intelectual, com isso
limitando o acesso às ferramentas e excluindo as possibilidades reais de inovação e
criatividade, impulsionadas pelo consumidor que poderiam a origem a novos
modelos.
Porém, o que as empresas de aparelhagens eletrônicas, biotecnologias e
outras áreas estão percebendo é que manter e defender um sistema exclusivo de
propriedade intelectual, ao invés de fortalecer, muitas vezes enfraquece a
capacidade de criar valor. Empresas inteligentes estão tratando a propriedade
intelectual como um fundo mútuo, ou seja, administrando uma carteira equilibrada de
ativos, sendo alguns protegidos e outros compartilhados. Claro que nem tudo pode
36
(e deve) ser compartilhado. Porém, não pode haver colaboração de forma eficaz
sem que parte de sua propriedade intelectual seja aberta.
Gradativamente as empresas estão se unindo em parcerias, abandonando
seus projetos de propriedade exclusiva e iniciando colaborações, que estão
acelerando o ritmo de descobertas fundamentais para a evolução contínua das
áreas e da economia.
4.1.4 Ação Global
A globalização é um fenômeno já consolidado e exaustivamente trabalhado.
Porém, suas consequências para a inovação e a criação de riqueza ainda não foram
totalmente entendidas. Nos últimos vinte anos, a globalização viu a liberalização
econômica da China e da Índia, o colapso da União Soviética, a emergência dos
países “em desenvolvimento” como grandes potências – por exemplo os BRICs – e
o primeiro estágio da revolução tecnológica da informação.
A nova globalização causa, e ao mesmo tempo é causada por mudanças na
colaboração e na maneira como as empresas orquestram a capacidade de inovar e
produzir coisas. Permanecer globalmente competitivo significa monitorar
internacionalmente as mudanças nos negócios e utilizar um parque de talentos
globais muito mais vasto. Alianças globais, mercados de capital humano e
comunidades de peering possibilitarão o acesso a novos mercados, ideias e
tecnologias.
Para que isso se torne real, é necessário, não como diz o mantra “Pensar
globalmente, agir localmente”. As empresas ainda estão aprendendo que para ser
global, é necessário agir de forma global. Ou seja, ter capacidades globais, inclusive
de mão de obra, processos e até uma plataforma de TI. Uma empresa
verdadeiramente global não tem fronteiras físicas ou regionais. Isso também se
aplica aos indivíduos. Se uma empresa pode ser global, o que dizer das pessoas?
37
A nova plataforma global para a colaboração abre uma miríade de novas
possibilidades para que indivíduos ajam globalmente. O mundo está repleto de
oportunidades para educação, trabalho e empreendedorismo.46
À medida que essas novas formas de organização vão se cruzando com a
estrutura econômica tradicional, uma nova economia, baseada na colaboração
surge. Uma economia onde coexistem empresas gigantes, milhões de produtores
autônomos que se conectam e criam conjuntamente e as pequenas empresas,
aposta da autora para o futuro da economia, assunto que será abordado nos
capítulos a seguir.
4.2 A pulverização dos mercados
Chris Anderson (2006) fala sobre essa coexistência. De acordo com ele, hoje
encontramos um fenômeno que se manifesta principalmente pela internet, chamado
de Cauda Longa. Em sua teoria, o autor mostra que o mercado de nichos hoje é tão
importante quanto o mercado de hits, que sempre foi estrela. Os consumidores,
cada vez mais exigentes, querem opções infinitas, ou seja, um mercado de
variedades.
A Cauda Longa é uma analogia para mostrar que o antigo mercado de
massas, que concentrava seus esforços em alguns poucos sucessos que dariam a
maior parte da renda de uma empresa, a partir da regra de marketing do 20-80 (ou
seja, que 20% dos produtos teriam 80% das vendas) agora não é mais hegemônico.
Ele compete com um mercado que, apesar de pequeno quando visto
separadamente, em união se torna tão grande quanto o de massas: o mercado de
nicho. Ele é, por exemplo, a junção de todas as vendas de CDs de baixa tiragem de
um site de vendas. Essa junção torna-se igual ou maior do que a venda dos grandes
sucessos, que antes eram a maior fonte de lucro de uma empresa.
A Cauda Longa se aplica em tudo. O que podemos perceber é que os níveis
de eficiência em distribuição, fabricação e marketing estão mudando os critérios de
viabilidade comercial. Essas forças estão transformando o que antes eram mercados
46
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 43.
38
deficitários em lucrativos. A ideia da Cauda Longa tem a ver, realmente, com a
economia da abundância – o que acontece quando os gargalos que se interpõem
entre a oferta e demanda em nossa cultura começam a desaparecer e tudo se torna
disponível para todos.47
Essa disponibilidade tem a ver com as motivações que levam o ser humano a
colaborar na atualidade, citadas no capítulo “A Colaboração”. A possibilidade de
acessar a tudo dá às pessoas oportunidades e meios de contribuir mais e de exigir
que seus produtos e serviços sejam exatamente o que elas querem. As barreiras
físicas da “prateleira” não existem mais. É possível ter acesso a uma lista infinita de
produtos e serviços à distância de um clique.
Na verdade, a Cauda Longa sempre existiu. Porém, com a rede, ela se
fortificou. Afinal, além da internet, foi necessário que diversos outros serviços fossem
aperfeiçoados como os sistemas de correio, os cartões de crédito, os bancos de
dados relacionados e até os códigos de barras. Ela serviu para criar meios, ou seja,
condições de unir essas melhorias de forma que ampliassem seu poder e
estendessem o seu alcance.
A história do mercado de nicho é interessante. Ele partiu de um mercado
pequeno e exclusivo, em que havia pequena quantidade de uma variedade pequena
de produtos, subiu para um mercado de massa onde havia grandes quantidades e
pouca variedade e hoje está no estágio onde há grandes quantidades e grande
variedade.
As raízes da Cauda Longa e do espaço ilimitado nas prateleiras retrocedem a
fins do século XIX e aos primeiros depósitos centralizados gigantescos. Naquela
época, o transporte era difícil. As pessoas moravam, em sua maioria, no campo,
longe de tudo e num momento onde o carro não era ainda uma realidade para todos.
Um agente ferroviário notou uma grande oportunidade de negócio: utilizando as
linhas ferroviárias e os correios ele criou uma rede de distribuição que tinha um
grande alcance. Estava feita a Sears, Roebuck and Co.
O negócio foi crescendo. Catálogos eram enviados aos fazendeiros e, por
meio de reembolso postal, os produtos eram vendidos. O que começou como uma
venda de relógios passou a abranger tudo o que uma casa ou empresa rural
pudesse precisar. O Wish Book – catálogo da Sears – possuía a quantidade
47
ANDERSON, C. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, 9ª ed., p.11.
39
espantosa de 200 mil itens, amontoados num livro do tamanho de uma lista
telefônica. Esse método deu origem ao que veio, no futuro, a ser conhecido por
superloja.
As técnicas da Sears não são tão desconhecidas hoje: uma combinação de
mercadorias em estoque em seus depósitos e numa rede de “depósitos virtuais” de
fornecedores, que expediam as mercadorias diretamente de suas fábricas para os
clientes.48
As superlojas, por sua vez, chegaram num momento histórico onde os carros
já eram mais comuns e o transporte já não era tão difícil. As pessoas, com o boom
das cidades, estavam saindo do campo e se mudando para os grandes centros
urbanos. Com isso, era criada uma nova opção para comprar além do método da
Sears. E os consumidores preferiam as lojas aos catálogos. As superlojas, usando a
mesma logística da gigante dos catálogos, conseguiam oferecer multiplicidade de
opções a preços atraentes.
Os supermercados vieram logo em seguida, surgindo a partir da necessidade
de transportar e armazenas quantidades de alimentos suficientes para a semana,
em lugar das compras diárias da era da mercearia.49 Em 1967, os números 800,
isentos de tarifa, fizeram retornar as compras por catálogo. A era moderna dos
automóveis deslocou a população das cidades para as áreas periféricas, ou
subúrbios, onde a seleção de produtos era novamente limitada pelos players do
local. Porém, essa nova onda de catálogos era mais voltada para o mercado de
nichos, diferente dos catálogos da Sears.
Finalmente, chegamos em 1990, onde a ascensão do comércio eletrônico
pela internet começou, vinda de uma evolução das compras por catálogo, com mais
conveniência em processamento de pedidos, sortimentos e amplitude do alcance, a
custos ainda mais baixos. Afinal, não se precisava mais imprimir e enviar catálogos a
todos. Ele já estava lá, disponível a quem estivesse interessado.
A internet possibilitou a eliminação da maioria das barreiras físicas à seleção
ilimitada. O espaço de prateleira ilimitado dos varejistas de internet lhes permite
48
ANDERSON, C. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, 9ª ed., p. 41. 49
ANDERSON, C., op. cit., p. 43.
40
oferecer aos clientes mais variedade e conveniência, reforçando a lealdade à marca
pelos clientes existentes e estendendo-a aos novos clientes.50
Chegamos, finalmente, num ponto onde podemos entender como o mercado
de nicho se transformou no que é hoje. Com o fim dos limites físicos da prateleira,
principalmente para aquelas empresas que lidam apenas com bits, sem
preocupações com logística, como o iTunes, a comercialização tornou-se muito
barata e pode assim levar seus estoques ao infinito.
A ideia da Cauda Longa, ou seja, de que o mercado de nicho hoje é tão forte
quanto o mercado de hits, pode ser levado para muitas outras áreas do
conhecimento. Uma delas é a composição das empresas nos dias de hoje. Uma
grande corporação, como a GE, hoje tem que competir de igual para igual com
empresas pequenas que têm o mesmo alcance e produtividade. É a leveza da
economia de Jeremy Rifkin (2001). Para que construir dezenas de fábricas e
contratar cem mil funcionários, se eu posso fazer parcerias diversas que
possibilitarão que essa mesma produção seja alcançada? Essa é a empresa da
economia colaborativa.
5 A EMPRESA DA ECONOMIA COLABORATIVA
A empresa da economia colaborativa é algo totalmente novo. Não se pode
avaliar tal organização por meio dos balanços que existem atualmente. Por muito
tempo, sucesso significava possuir grandes propriedades, milhares de funcionários e
ser “multinacional”. Como apontou Don Tapscott (2007), as empresas eram
multinacionais, mas não globais. Ser uma organização “de peso” era o que poderia
ser considerado como ser bem-sucedido no mundo dos negócios.
A partir de diversas observações, leituras e reflexões, a autora do presente
estudo encontrou um ponto de encontro entre as teorias estudadas para chegar às
hipóteses de pesquisa, delineando características que estariam presentes numa
“empresa da economia colaborativa”.
50
ANDERSON, C. A Cauda Longa: do mercado de massa para o mercado de nicho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006, 9ª ed, p. 47.
41
Nela, a leveza é o fator chave. O peso que antes trazia credibilidade e
prosperidade, hoje se tornou um gasto desnecessário e inviável. Ter propriedades
não é mais o foco, e sim o acesso às redes de interesse. Portanto, nada de fábricas,
nem um número excessivo de funcionários, tornando os processos lentos e
burocratizados e, principalmente, sem hierarquias que travam a comunicação.
A colaboração e a abertura são a segunda ordem na empresa do futuro.
Qualquer um tem autonomia e respeito para colocar novas ideias e novos projetos.
Os funcionários conhecem muito bem as estratégias da empresa e as informações
fluem com rapidez e simetria internamente. A comunicação acontece de todas as
formas, o mais rápido possível. Não é mais necessário que todos estejam reunidos
para que consigam formar um grupo de reunião. Você pode estar em qualquer lugar,
caso tenha uma conexão, ou seja, capacidade de se comunicar ou “acessar” aquele
grupo.
Não só internamente quanto externamente há relativa abertura e colaboração.
Afinal, não tenho fábricas e nem muitos funcionários, como produzir o necessário
para entrar no mercado? A resposta é bem simples: parcerias. Elas se tornam o
principal motor desta empresa. Ao invés de tornar-se uma organização enorme e
autossuficiente, forma-se uma rede extensa e complexa de parceiros
codependentes. Dessa maneira, é possível concentrar-se apenas no seu próprio
core business, como, por exemplo, criar modelos de design inovadores para tênis.
Esse foco unicamente em fazer seu trabalho bem feito otimiza o tempo e torna os
processos cada vez mais rápidos.
A Nike é uma empresa leve. Não possui nem uma fábrica sequer,
concentrando seu trabalho em criar ideias inovadoras e em divulgá-las de forma
atraente, formando também uma rede de consumidores que, muito mais do que
comprar um tênis, querem comprar a experiência de usar Nike. Ou seja, apesar de
nunca ter fabricado um tênis, a Nike domina o mercado de calçados e é uma das
marcas com clientela mais fidelizada do mundo.
As empresas da economia colaborativa não são grandes multinacionais nem
gigantes hegemônicas e autossuficientes. Mas elas não querem ser. Elas se
baseiam na Cauda Longa para gerir seus negócios: centenas de pequenas
empresas interligadas por meio de parcerias codependentes que tornarão a
economia muito mais fluida, leve e dinâmica.
42
Para entender esse conceito, foi escolhida a área da comunicação como
ponto focal. Colocando-se uma lente de aumento e retirando somente esta porção
da empresa, podemos entendê-la como um todo.
Portanto, no estudo de caso apresentado a seguir, a comunicação foi avaliada
nas seguintes formas, condizentes com a história da empresa estudada:
comunicação com os colaboradores internos; comunicação com os parceiros;
comunicação com os clientes e comunicação com os consumidores finais.
5.1 Comunicação com os colaboradores internos
Não é mais comum usar-se o termo “comunicação interna” para designar os
funcionários de uma empresa. Hoje se sabe que eles são tão ou mais importantes
do que quem está fora da empresa. A cultura organizacional é construída, mantida e
reproduzida pelas pessoas, pois são elas – ao invés de um autônomo processo de
socialização, ritos, práticas sociais – que criam significados e entendimentos.51 Ou
seja, uma empresa se produz e se mantém através das pessoas.
Na economia colaborativa, as empresas já entenderam esse conceito. As
pessoas são a parte mais importante do processo. Mais especificamente, as ideias.
Ao contrário das grandes empresas da economia tradicional, onde o capital humano
é apenas uma planilha de números e nomes na folha de pagamentos, nesse
conceito corporativo cada funcionário é muito importante. Por ser, no geral,
pequena, a empresa consegue criar uma rede mais unificada. Mais do que uma
comunicação de cima para baixo, ou seja, da alta direção para os outros
funcionários, a comunicação flui em todas as direções, de todas as formas. E sem
essa fluidez, seria impossível administrar a complexa rede de parcerias que tornam
a empresa capaz de alcançar tantos mercados quanto uma grande multinacional.
Há um uso intenso de recursos ligados às mídias sociais e à internet. Os
mailings ou grupos de email onde toda e qualquer informação relevante é passada
para todos também é importante. Compartilha-se de tudo, principalmente
51
MARCHIORI, M. (org.) Faces da cultura e da comunicação organizacional. São Caetano do Sul: Difusão Editora, 2006, p. 79.
43
experiências. O ambiente interno da empresa do futuro, portanto, é uma rede que se
retroalimenta e evolui em conjunto.
5.2 Comunicação com os parceiros
A comunicação com os parceiros também se dá de maneira fluida. Não tanto
quanto internamente, claro, pois existem outras limitações como as de cultura
organizacional, diferente em cada lugar. Porém, para que se possa colaborar na
forma de parcerias é necessário que se revele parte das estratégias e dos segredos
corporativos. Os parceiros geralmente se unem por uma causa comum e não
necessariamente trabalham de forma exclusiva. Outras redes se formam
simultaneamente, aumentando ainda mais as chances de interações que levam ao
crescimento.
5.3 Comunicação com os consumidores
A empresa da economia colaborativa trata seus consumidores pelo que eles
são; ou seja, ativos. Eles vão em busca do que querem e não estão interessados
somente num produto, mas sim numa experiência. As pessoas tem sede de
interação e estão sempre propensas a colaborar com aquilo em que possuem
ligações emocionais. Portanto, aqueles que consegue entender e utilizar o potencial
humano que está fora dos muros de sua própria organização, se beneficiará e se
desenvolverá com rapidez, esta tão necessária na era do acesso.
6 ESTUDO DE CASO
A partir das teorias estudadas e da hipótese criada pela autora da “empresa
da economia colaborativa” foi identificada, a partir de uma pesquisa em empresas de
44
São Paulo, uma empresa que se encaixasse num perfil que pudesse ilustrar a teoria.
A organização escolhida foi a TerraCycle, vinda dos Estados Unidos e a metodologia
utilizada foi a de entrevista em profundidade.
6.1 Hipótese
O objeto de estudo escolhido foi uma empresa que aparentava conter
características que estão presentes nos conceitos teóricos que estão sendo
estudados. O primeiro contato foi feito em janeiro de 2012, quando a organização se
disponibilizou a fornecer os dados necessários ao estudo. A hipótese inicial era a de
que a empresa tinha características da empresa da economia colaborativa,
detalhada no capítulo anterior.
O objetivo principal era o de observar a forma como a empresa atua no
mercado, que aparentava conter características visualizadas nas teorias e durante a
elaboração dos principais conceitos da pesquisa.
Foi dado enfoque principalmente às formas de relacionamento da empresa,
como ela se relaciona com os seus públicos de interesse, voltando o estudo para a
área de Comunicação e Relações Públicas. Essas foram entrevistas pela
pesquisadora como inovadoras e coincidentes com as teorias e conceitos abordados
no presente trabalho.
6.2 Metodologia
O método de estudo escolhido foi o de pesquisa qualitativa, mais
especificamente a entrevista em profundidade. Esse método é utilizado para buscar
conhecimento, entendimento e aprofundamento sobre aspectos complexos do
comportamento humano. Ele fornece dados para o desenvolvimento e compreensão
das relações entre os atores sociais e sua situação, possibilitando a compreensão
de atitudes, antecipar tendências e gerar e desenvolver insights.
45
As pesquisas qualitativas geralmente são feitas pelas discussões em grupo
ou entrevistas em profundidade. Em ambos os métodos, é seguido um roteiro aberto
que permite a abordagem não diretiva; ou seja, uma forma aberta de coordenar que
permite que se colham dados espontâneos, a partir do referencial dos respondentes.
A entrevista em profundidade é utilizada para obter-se uma alternativa de
abordagem individual, em oposição ao grupo. São abordagens centradas no
depoimento das pessoas.
Além dos métodos qualitativos também há o que OLIVEIRA (2011) chama de
desk research, que se compõe dos dados secundários, que podem ser, por
exemplo, trabalhos anteriores sobre o mesmo tema, análise do que é publicado na
mídia, levantamento bibliográfico, entre outros.
6.3 TerraCycle
6.3.1 A Fundação
A TerraCycle foi fundada, em 2001, por um estudante de 19 anos, Tom
Szaky, nos Estados Unidos. Após uma viagem, ao retornar, as plantas que havia
deixado em sua república para os amigos cuidarem estavam grandes e fortes.
Descobriu, então, que seus companheiros haviam colocado restos de comida na
terra, formando compostagem, técnica milenar de adubagem. Pensando nesse
produto, teve a ideia de tentar transformar isso num negócio. A TerraCycle, então,
começou como uma empresa de fertilizante orgânico, feito dos excrementos da
minhoca. Porém, ele se deparou com um problema: para ser capaz de envasar seu
produto e vendê-lo, era necessária uma grande quantidade de garrafas de plástico
que, em média, custavam de oito a dez centavos de dólar, tanto virgens quanto
recicladas.
Pensando numa forma de melhorar isso, utilizou-se da colaboração, lançando
um desafio: ofereceria dois centavos a cada garrafa que lhe fosse enviada. Divulgou
nas redes sociais e entre seus amigos. Logo, uma grande quantidade de garrafas
46
começaram a chegar. Foi assim que surgiu a ideia do lixo patrocinado, que é umas
das partes da grande rede em que a TerraCycle se situa.
Como se pode perceber, a colaboração e a utilização das tecnologias da
informação para o crescimento já faziam parte da empresa desde sua concepção. O
fundador, não satisfeito com o que encontrou, resolveu pedir a colaboração das
pessoas que, por um preço módico, contribuíram, já tornando a empresa uma rede
colaborativa.
A empresa veio para o Brasil no ano de 2010, através do presidente atual,
Bruno Massote (que foi entrevistado pela pesquisadora) e outro sócio. Bruno, alguns
anos atrás, trabalhava numa empresa que produzia um plástico chamado de BOPP,
que era comercializado para diversas marcas, como a Kraft Brasil, Unilever,
Tetrapak, entre outras. Essas respectivas empresas pediam soluções para o resíduo
negociado, pois não existia logística reversa para aquele tipo de embalagem
produzida a partir do BOPP. Interessando-se pelo assunto, Ele resolveu investigar,
encontrando a TerraCycle que, coincidentemente estava interessada em expandir
para o Brasil.
Estava formada a filial brasileira que hoje conta com 7 funcionários, localizada
num bairro da Zona Sul de São Paulo. A TerraCycle, no mundo, está presente em
22 países, porém sempre mantendo estruturas enxutas, o que a torna uma empresa
“pequena, porém global”. O maior número de funcionários ainda é nos Estados
Unidos, a sede, que possui cerca de 60 colaboradores. No total, há
aproximadamente 120 funcionários.
6.3.2 O Ciclo do Lixo
O caminho que o lixo percorre está intimamente ligado a TerraCycle.
Primeiramente a matéria-prima está na natureza, como um recurso natural. É
coletada pela empresa e transformada num produto, que é distribuído e chega ao
consumidor. Esse produto torna-se, então, um lixo. Como a empresa trabalha
apenas com produtos de difícil reciclabilidade, ou seja, que ainda não tem soluções
viáveis de reciclagem, esses resíduos provavelmente iriam parar em aterros ou
seriam incinerados, terminando aí o seu percurso.
47
O objetivo da empresa é, então, criar uma forma de tornar esse percurso não
um caminho sem fim, mas sim um ciclo, uma cadeia organizada que fará um resíduo
até então inutilizado após o seu uso primário, tornar-se útil em diversas outras
maneiras.
Como funciona esse processo? A TerraCycle, juntamente com os seus
inúmeros parceiros, os quais serão discutidos mais a frente, arrecada esse resíduo
sem solução, encontra uma forma de reciclá-lo, cria uma cadeia de coleta e
transforma o lixo em novos produtos, matérias-primas para outros produtos e até
mesmo produtos de divulgação de marcas, como mochilas, nécessaires, coletes,
entre outros itens feitos com as próprias embalagens coletadas, que são
comercializados em algumas lojas de varejo e pela internet.
6.3.3 Como Funciona
O modelo de negócio da TerraCycle está dividido em algumas fases: é
encontrada uma solução para um determinado resíduo, se formam parcerias com
cooperativas, parcerias com as empresas produtoras dos resíduos, montagem da
campanha publicitária de coleta, formação de uma Brigada que coleta aquele
determinado resíduo e, finalmente, a reciclagem. As embalagens coletadas pelas
pessoas se transformam em dinheiro que é revertido para organizações sem fins
lucrativos ou escolas na forma de doações.
A solução se dá através do laboratório da empresa, localizado nos Estados
Unidos e também de parcerias feitas ao longo do mundo, com cooperativas,
laboratórios e universidades. São, então, procuradas soluções de reciclagem para
um determinado resíduo. Por exemplo, até então não havia sido encontrada uma
forma de solucionar o problema das fraldas sujas. Por meio de pesquisas, a
TerraCycle conseguiu chegar a uma forma de reciclar este resíduo e retorná-lo ao
ambiente. Este é o primeiro passo.
Em seguida, são firmadas parcerias com cooperativas recicladoras por
meio de contratos, de forma que a TerraCycle, que não possui fábricas de
reciclagem próprias, possa se utilizar do espaço de uma cooperativa, muitas vezes
ociosa, para aplicar seu método no que é coletado e enviado para lá. O método,
48
porém, continua sendo propriedade da TerraCycle, ela “empresta” para a empresa
durante o período do contrato.
Agora, com a solução feita e o local para processar o resíduo definido, a
empresa procura um “patrocinador” do ciclo; ou seja, encontra as empresas que
produzem aquele resíduo e firma parcerias, também por meio de contratos, onde
a empresa financiará o envio dos resíduos pelos correios, a reciclagem do produto, a
produção de produtos a partir do material obtido e as doações que são proporcionais
à quantidade de embalagens recicladas. Os motivos que levam a empresa produtora
do resíduo a patrocinar essa rede serão esclarecidos mais à frente.
Está criada uma rede de parcerias. Agora é necessário que o consumidor
final, parte vital do processo, participe da cadeia enviando seus resíduos. Para que
isso ocorra, a TerraCycle cria um material de comunicação específico para aquele
produto: um site de divulgação, um kit de comunicação que pode ser enviado por
email para divulgação ou impresso para decorar a caixa que será enviada pelos
correios com os resíduos e, partir da divulgação e do compartilhamento, forma-se
um grupo de pessoas coletoras, chamada de Brigada.
Um dos principais resíduos coletados pela empresa, por exemplo, são os
sucos da marca Tang, fabricados pela Kraft Foods Brasil S/A, que possuem uma
Brigada. Ao se procurar as palavras “suco” ou “suco Tang” e outras variações do
termo em mecanismos de busca da internet, o primeiro item a surgir nas pesquisas é
o site do Esquadrão Verde Tang52. Lá, encontram-se informações sobre o que é o
ciclo, como participar e, até o momento da entrega do trabalho, havia uma ação
denominada de “Olimpíadas de Reciclagem”, voltada para as crianças. Aproveitando
o gancho da Olimpíada Mundial do ano de 2012, a empresa dividiu as brigadas mais
fortes em coleta de resíduos, formando três times, separados por cores, que
possuíam cada um quatro escolas de uma determinada região. A criança, ao fazer o
cadastro no site, escolhia o time de sua escolha e participava de jogos, acumulando
pontos que seriam enviados para o grupo escolhido. Unindo-se os pontos
conseguidos pelo site, os pontos ganhados nos Jogos Olímpicos e os pontos de
coleta de cada escola, um time vencedor seria eleito e ganharia uma quadra em sua
comunidade, feita totalmente de material reciclado. Além desse incentivo, as escolas
participantes também disputariam um prêmio de vinte mil reais em melhorias caso
52
Site localizado em: http://www.esquadraoverdetang.com.br/. Acesso em: 26/08/2012 às 13:12.
49
fossem a escola que mais coletasse resíduos. Esse tipo de ação incentiva o
consumidor a contribuir, pois ele terá um benefício concreto em sua comunidade,
fortalecendo os laços regionais e a cooperação.
Portanto, temos a solução, o local para o processo de reciclagem, o
patrocinador do ciclo e o consumidor enviando embalagens. Porém, ainda falta um
elo nessa grande cadeia que forma o negócio da TerraCycle: as doações. Porque as
pessoas coletam embalagens? Como no início, na fundação da empresa, em que
eram creditados dois centavos por garrafa plástica enviada, no modelo atual cada
embalagem coletada e enviada também credita dois centavos, que vão se
acumulando ao longo de um ano. No final desse espaço de tempo, o dinheiro
arrecadado será doado para uma instituição de caridade ou escola de escolha da
Brigada. Têm-se a participação intensa de escolas por conta desse incentivo. Uma
das coisas que estão sendo estudadas pela TerraCycle Brasil é a de colocar
incentivos pessoais atrelados à coleta, como descontos em contas de água e
demais impostos. Isso aumentaria a porcentagem de colaboração, mesmo que
perdendo algumas características do caráter social da empresa.
Portanto, o ciclo da TerraCycle a torna o centro de uma rede complexa de
parcerias, onde cada elo depende do outro para obter o resultado final, que é o
retorno de um resíduo para a natureza de forma útil por meio da logística reversa.
Pode ser considerada uma rede codependente que se retroalimenta.
Na figura a seguir, há uma demonstração do ciclo de vida do resíduo antes e
depois da solução TerraCycle.
50
Figura 1. TERRACYCLE ®.
Entendemos então que a razão de ser da TerraCycle é não somente
encontrar uma solução para um resíduo, mas sim criar uma cadeia atuante que de
fato se utilize daquela fórmula de reciclagem, ou seja, a empresa só pode existir a
partir da colaboração em rede vinda de parcerias e de pessoas que contribuem mais
por conta de ideologias do que retornos pessoais. São pessoas que contribuem em
busca de recompensas intrínsecas.
A seguir, comentaremos mais a fundo como se dá os relacionamentos entre
cada elo dessa cadeia.
6.3.4 O Relacionamento entre os Funcionários TerraCycle
O relacionamento entre os funcionários da empresa é extremamente aberto,
tanto entre quem está localizado no Brasil como quem está no resto do mundo. Não
existe burocratização do fluxo de informação. Ou seja, as hierarquias pessoais estão
51
presente, porém, na hora de trocar informações, ideias e aperfeiçoar processos,
todos são iguais e tem a mesma chance de contribuição, seja um estagiário ou o
presidente.
Os colaboradores de todo o mundo se relacionam de forma muito próxima,
através de email, telefone, Skype e outras mídias sociais. Todo o capital intelectual
da empresa é compartilhado. Então, caso algum fato relevante aconteça na filial do
Reino Unido, ele será dividido com toda a empresa, de modo que outros possam se
beneficiar também. Bruno Massote, entrevistado pela pesquisadora, afirma “A gente
costuma brincar que se a moça da limpeza quiser falar com o Tom [fundador da
empresa e CEO] para falar alguma coisa, alguma ideia, ela liga e ele vai atender
como se fosse um CEO”.
A cada quinze dias, é produzido um relatório simples, chamado de Bi-Weekly
Report, relatando tudo que houve de mais importante naqueles últimos dias em cada
filial e, no caso dos Estados Unidos, em cada área. Enviado a um mailing que reúne
todos os funcionários da empresa, ele é uma tentativa de agrupar todos os contatos
telefônicos, pelo Skype, através de mídias sociais diversas, por email etc. num
arquivo só, tornando-o uma informação que pode ser consultada posteriormente por
todos da empresa. De acordo com Bruno “Tudo o que for relevante, a gente vai
colocando lá para circular a informação, para que os países e as áreas comecem a
aprender entre si”.
Para reunir todos da empresa, ocorre anualmente uma reunião no mês de
maio que dura uma semana. Ele acontece nos Estados Unidos e é aberto a todos os
funcionários. Nesse evento, são discutidas as estratégias que estão dando certo,
conversa-se sobre o futuro, sobre as peculiaridades de cada país para que se
consiga encontrar um modelo que funcione em cada lugar etc. É um ciclo de
conversas de alinhamento.
Podemos interpretar que o fluxo de informações é feito a partir do
compartilhamento e da colaboração. Não há uma competição no sentido de reter
informações, como nos modelos tradicionais, onde até mesmo as filiais de uma
mesma empresa competem entre si, guardando seus segredos corporativos a sete
chaves. A filosofia da empresa assume que a evolução e o crescimento se dão a
partir da colaboração e do compartilhamento, da “união de forças”. Essa forma de
relação também possibilita que haja transparência dentro de cada filial. Uma
informação não é passada somente àquele que está no cargo mais alto. Ela é
52
passada para todos, sem exceções, ocorrendo um alinhamento muito rápido. Bruno,
a esse respeito, alega que
“É muito dinâmico. Se acontece uma coisa legal, ela não chega só para
mim, ela chega no meu time inteiro, todo mundo já está sabendo, é um
alinhamento muito rápido. E é você unir forças, porque se fosse só o Brasil,
um time de 7 pessoas, seria muito mais moroso qualquer processo de
desenvolvimento, sendo que a gente pode consultar mais 21 países para
saber o que eles estão fazendo lá”.
Colocando-se um exemplo prático, se uma das filiais consegue uma solução
para um resíduo que até então ninguém havia conseguido, ela divide essa notícia
com todas as outras filiais mundo afora e, a partir daí, este é um conhecimento da
TerraCycle, que pode ser utilizado por todos. Por exemplo, uma solução encontrada
no Brasil, a da goma de mascar, que ainda não conseguiu encontrar uma rede de
fluxos efetiva no país, já está em negociações com outras empresas produtoras do
resíduo pelo mundo. Não há uma retenção de informações, elas circulam livremente,
fazendo com que os processos sejam muito mais leves e rápidos, semelhantes à
teoria da economia da “velocidade da luz”53.
O único ponto negativo apontado pelo entrevistado nesse modelo é a
dificuldade em estruturar todas essas informações. Este é um problema visto em
toda a sociedade da informação, onde possuir uma série de dados e informações
não é mais relevante e sim o que se fará a partir desses dados.
6.3.5 O Relacionamento entre a TerraCycle e as Marcas (Produtoras dos Resíduos)
As “marcas” são as empresas que produzem de fato o resíduo, ou seja, a
fabricante de chocolates que embala seus produtos num papel que não possui
solução de reciclagem. Elas atuam como patrocinadoras da cadeia e possuem um
contrato com a TerraCycle. Nele, são estabelecidos alguns parâmetros básicos, que
serão expostos à frente.
53
RIFKIN, J. A era do acesso. São Paulo: M. Books do Brasil, 2001.
53
Para chegar até as empresas, há duas vias: a proativa e a reativa. É muito
mais comum que a TerraCycle procure os contatos e inicie um processo para obter
um contrato, pois este é o seu interesse maior. Porém, por conta de leis e políticas
nacionais e pelas exigências dos consumidores, cada vez mais conscientizados,
muitas vezes a própria marca procura a TerraCycle e pede uma solução para seu
resíduo, que pode ou não existir. A proximidade com as outras filiais do mundo
também contribui para facilitar contatos. Por exemplo, caso uma empresa tenha
contrato com a TerraCycle dos Estados Unidos, é possível pedir que ela introduza
um primeiro contato da empresa no Brasil.
O primeiro desses parâmetros é que a empresa pagará os custos de envio
pelos correios de todas as embalagens (que vêm dentro de caixas de papelão),
sejam elas da marca em questão ou de qualquer outra marca. Por exemplo, existe a
Brigada Report, que coleta as embalagens de papel sulfite, feitas de um plástico
misto cuja solução de reciclagem é invenção da TerraCycle. Os consumidores,
então, vão enviar as embalagens não só dessa marca específica, mas de todas as
outras que produzem aquele tipo de resíduo. O que diferencia a Report é que ela é a
única que pode comunicar que está realizando esse tipo de serviço, ou seja, só ela
pode se utilizar disso como uma estratégia de divulgação para o público.
Provavelmente por conta disso, a maioria das empresas só assina o contrato
a partir do segundo parâmetro: ela é marca exclusiva. Ao se tornar a única com
permissão para comunicar essa ação e mobilizar as pessoas, ela se destaca perante
as outras como uma marca preocupada com o meio-ambiente. Essa cláusula pode
ser contornada, havendo resíduos que são patrocinados por duas ou até três marcas
diferentes, caso que ocorre nos Estados Unidos, mas ainda não houve no Brasil.
A marca também financia os custos administrativos que a TerraCycle têm,
como a manutenção da comunicação para as Brigadas. Quando um contrato é
estabelecido, é feito um calendário de comunicação, onde se marcam os dias
propícios para serem criadas ações diferentes, como em datas comemorativas,
eventos mundiais importantes, entre outros. Também é criado um kit de
comunicação que pode ser compartilhado por email ou outros meios para que as
pessoas divulguem suas Brigadas. Tudo isso é feito para incentivar e atrair cada vez
mais pessoas a contribuírem.
Além disso, as doações feitas a partir das unidades arrecadadas também são
patrocinadas pela marca. A cada embalagem/unidade enviada, é creditado dois
54
pontos na conta de uma determinada brigada de coleta. Esses pontos serão
posteriormente revertidos em centavos para serem enviados na forma de doação a
escolas ou entidades não governamentais, como ONGs. Isso leva muitas delas a
participarem, já que conseguirão melhorias em sua própria infraestrutura.
Por que uma marca aceita se tornar patrocinadora e custear todos esses
processos? Em primeiro lugar, pela diferenciação no mercado que, hoje em dia, se
mostra essencial. Ao se posicionar como uma marca eco-friendly54, ainda mais a
partir de um resíduo que geralmente não possui logística reversa, a empresa
consegue ganhar imensamente em reputação.
No contexto brasileiro, nosso foco no presente estudo, as empresas não
podem mais ignorar o lixo que elas produzem. Medidas governamentais brasileiras
obrigam o fabricante, fornecedores e toda a cadeia produtiva a tomar as precauções
necessárias para não poluir o ambiente e encontrar uma destinação adequada a
seus resíduos. A Lei Nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, por exemplo, que instituiu a
Política Nacional de Resíduos Sólidos, determina que os produtores deste tipo de
resíduo, em parceria com o governo, toda a cadeira produtiva chegada até ao
consumidor, são responsáveis pela gestão e gerenciamento de resíduos sólidos,
respeitando a seguinte ordem de prioridade: não geração, redução, reutilização,
reciclagem, tratamento dos resíduos sólidos e disposição final ambientalmente
adequada dos rejeitos. Apesar de ainda não ter sido estabelecida uma cota mínima,
ela está próxima de acontecer.
Além das medidas governamentais impostas, também há as exigências dos
consumidores, muito mais conscientes. Situações como o da Zara Brasil55, onde
foram reportados casos de escravidão humana, causam impactos imensos nas
vendas e principalmente na reputação da marca, que pode nunca se recuperar.
Portanto as empresas, hoje, estão (e tem que estar) preocupadas com os
seus resíduos, mesmo que reciclar não seja o seu negócio. E, com essa parceria,
elas conseguem criar uma cadeia que abrange todo o país, pois os correios
possibilitam esse grande alcance, sem ter que mobilizar grandes esforços humanos
para conseguir criar e manter essa rede, papel que fica para a TerraCycle. Bruno
54
Termo utilizado para designar uma pessoa ou empresa que possui práticas favoráveis ao meio-ambiente. 55
BURGEN, S. & PHILIPS, T. Zara accused in Brazil sweatshop inquiry. Spanish fashion chain’s parent denies claims but will compensate 15 migrants ‘rescued’ from São Paulo workplace. London: Guardian, 2011. Disponível em: <http://www.guardian.co.uk/world/2011/aug/18/zara-brazil-sweatshop-accusation>. Acesso em: 24/08/2012.
55
fala, em seu depoimento que “um tema que era discutido pelo cara ambiental, pelo
cara do almoxarifado que cuidava do resíduo, hoje entra na mesa do CEO, do diretor
de marketing”.
Essa parceria pode ser interpretada como codependente, pois sem a
empresa, a TerraCycle não tem possibilidade de se autofinanciar. E sem ela, a
marca teria que depreender de muitos recursos diferentes para conseguir obter uma
cadeia de coleta e de reciclagem como a proporcionada pela empresa estudada.
O relacionamento de exclusividade não é interpretado como algo nocivo à
empresa. Ele só se tornará inviável a partir do momento em que a empresa não
patrocinar todo o ciclo e ainda assim exigir exclusividade. Como nesse contrato, são
aceitos resíduos de todas as marcas, o nome de apenas uma delas nas ações não
altera o objetivo, que é reciclar o maior número de embalagens possíveis de um
determinado tipo de lixo.
6.3.6 Relacionamento com as Cooperativas Recicladoras
A TerraCycle possui uma filosofia: não possuir fábricas. Elas não servem mais
para muita coisa. Além de ser extremamente dispendiosa, a empresa não vê
necessidade de construir dezenas de fábricas se existem tantas cooperativas
recicladoras que, muitas vezes, estão ociosas e que, diariamente, recebem diversos
resíduos que, sem a parceria, não teriam destinação adequada e acabariam sendo
incinerados ou jogados em aterros sanitários.
A empresa se desloca ainda mais para baixo na Cauda Longa a partir de tais
parcerias. Elas se dão a partir de pesquisas no mercado feitas pela TerraCycle,
buscando fábricas recicladoras que atendam a seus padrões de qualidade como, por
exemplo, que possam mobilizar uma equipe para produzir a reciclagem daquele
resíduo e, além disso, contabilizar as embalagens para que o valor delas seja
creditado nas contas de cada brigada.
A solução para o resíduo é, então, “emprestada” a essa empresa para que ela
possa produzir os materiais. A partir daí, outra rede retroalimentadora é criada. Sem
as cooperativas, a TerraCycle não conseguiria efetuar seus processos de
reciclagem, não se ter que lidar com a construção de fábricas, a contratação de mão
56
de obra e todos os gastos advindos destes. E sem a TerraCycle, as cooperativas
teriam uma grande quantidade de resíduos que não teriam uso, mas que, de
qualquer maneira, seria enviada a eles e teriam que ser separados daqueles que já
possuem reciclabilidade comprovada e efetiva como papel, alumínio, vidros e alguns
tipos de plásticos.
Bruno Massote explica melhor esse processo, contando que são criadas
“parcerias com essas empresas, um contrato assinado com alguns
parceiros de reciclagem, alguns parceiros de coleta para que eles nos
ajudem a montar essa cadeia de quem vai coletar, quem vai processar,
quem vai fazer os produtos, quem vai vender os produtos. A TerraCycle
acaba sendo uma grande gerenciadora dessa cadeia”.
Apesar de geralmente manter os mesmos parceiros, a empresa já conta com
alguns outros eventuais que poderiam assumir um controle maior da produção caso
os sócios atuais não pudessem, por diversos motivos, continuar a manter o contrato
vigente. Não há contrato de exclusividade com os recicladores como ocorre com a
parceria entre a TerraCycle e as marcas patrocinadoras.
Além das cooperativas recicladoras, também há parcerias com empresas que
produzem materiais feitos de matéria-prima reciclada, como cadeiras, bolsas,
baldes, entre outros utensílios, inclusive os produtos upcycled, termo que designa os
materiais produzidos diretamente com o resíduo, como uma bolsa feita de
embalagens de salgadinho Doritos.
Figura 2. Bolsa feita de embalagens de Fandangos. Fonte: <www.terracycle.com.br>.
57
6.3.7 Relacionamento com as Brigadas
O relacionamento com as Brigadas é essencial para que a cadeia possa ser
posta em funcionamento. Afinal, sem os resíduos para serem reciclados, não há
processo de reciclagem, não há doações e a cadeia simplesmente não acontece. O
individuo, como membro de um grupo maior, é um elo essencial nessa rede de
parcerias e colaboração.
Ainda não existe uma comunicação perfeita nem totalmente fluida com os
consumidores finais. Ela é feita basicamente de geração de conteúdos para a mídia,
alimentando blogs, produzindo releases para divulgação na imprensa, podcasts e
divulgação intensa pela internet e mídias sociais.
A partir desses meios, as pessoas acabam tornando-se conhecedoras da
empresa e se interessam em colaborar. Portanto, a empresa ainda conta muito com
a proatividade das pessoas para montarem seus times e começarem a coletar os
resíduos. A forma de relacionamento mais direta começa a acontecer, como por
exemplo, no caso da Brigada Copertone, de protetores solares. A TerraCycle
começou a ligar para hotéis e clubes mostrando o projeto. Com isso, conseguiram
parcerias com os hotéis Club Med, que instalou coletores em todas as suas
Figura 3. Banco feito de embalagens recicladas de suco Tang. Fonte: <www.terracycle.com.br>.
58
unidades. Portanto, não é feita uma venda, mas um contato proativo com os pontos
de coleta potenciais.
Mas o que leva uma pessoa a reunir uma Brigada e começar a coletar? Não
existem incentivos diretos, que deem retorno pessoal para os indivíduos. Todas as
embalagens doadas convertem-se em doações. Porém, é neste momento que nos
deparamos com aquelas recompensas intrínsecas, baseadas no simples prazer e
interesse da atividade em si, e em saber que se está contribuindo para algo maior.
Portanto, um indivíduo que possua os meios para conhecer e divulgar uma
brigada, a oportunidade de contribuir para a solução de um resíduo de difícil
reciclabilidade e os motivos, no caso, a consciência ambiental e a vontade de tornar
o mundo um lugar mais limpo não deixará de participar, mobilizando com ele muitas
outras pessoas que irão atrair mais outras, formando uma grande rede de pequenos
colaboradores, ou seja, uma Cauda Longa.
6.3.8 Análise Final da TerraCycle
Analisamos ao longo deste capítulo todos os tipos de relacionamento
existentes na TerraCycle. Descobrimos que ela faz parte de uma grande rede que se
inicia em apenas um individuo preocupado com o meio-ambiente e que se expande
até uma grande empresa que tem o capital e os motivos necessários para patrocinar
uma cadeia de coleta efetiva.
Pudemos entender como ela se mantém na economia da “velocidade da luz”,
escolhendo não possuir fábricas e manter suas equipes sempre enxutas, não sendo,
por conta disso, prejudicada, mas sim beneficiada por uma imensa rede de
colaboradores e parceiros que estão continuamente trabalhando para que tal relação
se mantenha e se torne cada vez maior.
As empresas estão interessadas em resolver o problema com o resíduo que
produzem, seja por motivos ambientais ou de regulamentação obrigatória. As
cooperativas conseguem tornar um resíduo até então sem valor em algo que pode
ser parte de uma cadeia produtiva, gerando lucro. As empresas que produzem a
partir de matérias-primas recicladas terão economia em suas compras. O
consumidor com consciência ambiental contribuirá pela recompensa intrínseca
59
contida nesse ato e aqueles que contribuem para ajudar a escola de seu bairro ou a
instituição de caridade mais próxima saberão que seus esforços estão sendo
revertidos em benefícios, mesmo que não diretamente a eles. E a TerraCycle
consegue manter seu modelo de negócios, obter lucro e investir cada vez mais para
aumentar sua cadeia e o número de soluções para o lixo produzido pela
humanidade até que seja possível fazer um uso benéfico ao ambiente de todo e
qualquer resíduo produzido.
Todos têm seus meios, motivos e oportunidades de colaborar. O que
pudemos entender é que a TerraCycle pode ser considerada uma empresa da
economia colaborativa, mesmo que esta esteja em transição com a economia
tradicional, como podemos perceber pela presença ainda muito importante de uma
grande empresa patrocinando a cadeia.
Porém, já é possível enxergar como uma economia baseada na Cauda
Longa, que possui a colaboração e a interação constante e necessária como motor
reator é capaz de se manter no mercado hoje em dia, apesar das complexas redes
que devem ser mantidas.
Essas redes não se quebram nem se prejudicam pois todos os elos tem
algum motivador muito forte para continuar na cadeia, seja por motivos de fortalecer
a marca e diferenciá-la como eco-friendly, obter lucro diversificando os processos ou
até mesmo a satisfação de saber que pode contribuir.
7 CONCLUSÃO
Neste trabalho, foi feito um esforço para demonstrar como a sociedade hoje
se encontra presa entre dois modos distintos de vivenciar a realidade. O primeiro
deles é o modelo tradicional, onde a propriedade era o centro da economia. Aquele
que acumulava posses afirmava sua identidade pessoal e detinha poder sobre
aqueles que não possuíam. O segundo deles é o modelo que podemos chamar de
“sociedade da velocidade da luz”, onde a posse deu lugar ao acesso.
60
A relação entre vendedores e compradores está obsoleta, dando lugar ao
prosumer56, o consumidor proativo que vai em busca do que quer, ou seja, sai do
seu papel até então de passividade (mesmo que forçada) e passa a ser também um
ator na economia, muitas vezes se confundindo com o produtor. Hoje o consumidor
também pode produzir, portanto a hegemonia das grandes empresas, como outrora,
não prevalece. Elas são obrigadas a rivalizar com pequenas empresas super
conectadas que, por meio de uma rede de parcerias conseguem se tornar tão
abrangentes quanto tais corporações.
Foi elucidado como as tecnologias se desenvolveram para que
conseguíssemos chegar no estágio atual, onde os acessórios eletrônicos, os
gadgets, são uma extensão do corpo. O comércio hoje acontece no ciberespaço,
onde servidores e clientes trocam informações, conhecimentos e experiências.
A sociedade está leve. O dinheiro move-se na velocidade da luz, ou melhor,
dos bits. Por conta disso, seu significado se transfere do material para o simbólico.
Juntamente com ele, vão todas as outras posses. Elas são meramente ferramentas
que possibilitarão o acesso a alguma coisa. O capital físico, antes a única e melhor
forma de medir a riqueza e prosperidade de uma empresa, hoje é considerado um
fardo para aqueles que o possuem e um gasto desnecessário para os que estão
começando.
O que está sendo vendido de fato são ideias e imagens, ou, em outras
palavras, conceitos. O valor intangível é o que toda empresa busca
incessantemente, investindo muito. As empresas de sucesso hoje não precisam ter
dezenas de fábricas povoadas de centenas de operários para serem poderosas.
Elas só precisam de uma ideia e capacidade para divulgá-la ao mundo. Corporações
gigantes como a Google e a Apple, duas das maiores marcas globais, não possuem
muitos ativos físicos: apenas alguns escritórios ao redor do mundo e muita conexão
à internet.
Mas nada disso teria sido possível se não tivesse havido mudanças,
passagens e transformações que, desde a Modernidade, vêm se tornando cada vez
mais rápidas e urgentes. Algumas máquinas mudaram os rumos da comunicação ao
longo dos séculos. A primeira delas é a tipográfica, criada em 1438, que tornou a
reprodução de textos rápida e massificada. Por conta disso, pela primeira vez, o ser
56
TAPSCOTT, D. & WILLIAMS, A. D. Wikinomics: como a colaboração em massa pode mudar o seu negócio. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007.
61
humano encontrava-se sozinho com seus pensamentos. Não mais era necessário
do outro para o exercício de aprendizagem. Ele se firmava primeiro através das
leituras, possibilitando maior riqueza numa discussão posterior. O individuo, então,
passou a ter conhecimentos diferentes daqueles que existiam a em seu contexto
social.
A tipografia de Gutenberg possibilitou a invenção da imprensa, criando a
opinião pública. Após todas as leituras e reflexões solitárias, as pessoas, em
especial os intelectuais, saíam às ruas para se reunir em locais de convívio e discutir
os rumos da sociedade. Estava formada a opinião pública, que foi inserida nas
decisões políticas e econômicas, pois, sem o apoio da mesma, uma determinada
ação poderia ser boicotada.
A televisão, criada em 1920, foi a segunda grande criação do homem. Com
ela, a disseminação de informação tornou-se ainda mais rápida. Porém, o tempo que
antes se gastava lendo, discutindo e praticando outras atividades tornou-se
inteiramente da televisão. Ela se tornou fonte de informação, muitas vezes a única, e
fonte de lazer. Isso transformou a opinião pública, que passou a ser questionada por
estudiosos da época. Se antes ela influenciava os acontecimentos, com a televisão
vem a pergunta: quem influencia quem? A opinião pública afetava os
acontecimentos e a imprensa ou a imprensa fabricava opiniões que influenciavam a
massa? Estudiosos como os da Escola de Frankfurt acreditavam que a massa era
amorfa e passiva, totalmente influenciável e incapaz de pensar por si mesma.
Porém, quando a próxima grande invenção chegou, o computador, essa
teoria veio por terra abaixo. Juntando-se uma tela a um teclado e uma conexão à
internet, o consumidor finalmente pôde “responder à sua televisão”. Ele revolucionou
a forma de se trabalhar, facilitando operações como a de escrever e fazer contas. Ao
unir-se à internet colocou o controle na mão dos usuários.
As pessoas também mudaram. Ao ganhar de volta a capacidade de interação,
de maneira muito maior, pois a distância não é mais um freio, o ser humano pôde
compreender melhor o outro, aproximar-se dele. O que era distante ficou perto e,
com isso, podemos explicar o surgimento das “tribos pós-modernas”, que aceitam o
mundo e a si mesmas como o são. A heterogeneidade está de volta. Tivemos
passagens e transformações múltiplas, na área comunicativa, habitacional,
identitária, tecnológica, geopolítica, econômica e filosófica. Todos, em especial os
62
jovens, abraçam essa nova era e a utilizam em toda a sua potência para melhorar e
facilitar a vida, mergulhando nessa nova concepção de enxergar o mundo.
A colaboração, hoje, tem características que, apesar de sempre terem
existido, antes não tinham muitas formas de se propagar. As pessoas sempre
quiseram colaborar. O que difere o hoje do ontem é que foram encontrados os
meios, os motivos e as oportunidades para praticar a cooperação.
A Internet é o maior meio de colaboração existente. Por meio dela, um
simples post no Twitter pode tornar-se o estopim para uma crise e, através dela, é
possível encontrar todo tipo de pessoas e ideias. As motivações humanas não são
puramente cumulativas. Elas podem ser intrínsecas – onde a realização da atividade
acontece pelo prazer que ela proporciona – ou extrínsecas – realizadas no interesse
de alguma recompensa externa à atividade.
Hoje o amador, aquele que se dedica a um determinado assunto por hobby, é
quase tão importante quanto o profissional. A colaboração torna-se um padrão para
a Geração Net. Caindo por terra as dificuldades em organizar um grupo grande, que
compartilhe pensamento e ações, os indivíduos podem e se sentem compelidos a
tornar públicos seus interesses até então privados, pela falta de oportunidades e
meios de divulgá-los. A oportunidade, o meio e o motivo casaram-se e possibilitaram
à todos, inclusive às pessoas comuns, que antes eram consideradas passivas e
“compradoras” de ideias criadas pelas grandes corporações e pelo governo, a
capacidade de tornarem-se o que sempre foram: ativas, pensantes e exigentes.
A colaboração abriu espaço para um novo tipo de empresa – que abre suas
portas para o mundo, inova em conjunto com todos (sobretudo os clientes),
compartilha recursos que antes eram guardados a sete chaves, utiliza o poder da
colaboração em massa e se comporta não como uma multinacional, mas como algo
novo: uma firma verdadeiramente global.
Inovação antes trazia uma ideia de diferenciação e competitividade a partir do
capital humano superior, propriedade intelectual fortemente protegida e foco nos
clientes, boa gestão e bons controles. Apesar de esses princípios ainda serem
aplicáveis, tornaram-se insuficientes para determinadas situações. A nova economia
baseia-se na abertura, ligado à franqueza, à transparência, à liberdade e a
flexibilidade; no peering, onde a colaboração em massa, tanto dentro quanto fora da
empresa é o que a leva ao crescimento; no compartilhamento, em que a propriedade
intelectual passa a ser tratada como um fundo mútuo, uma carteira equilibrada de
63
ativos, alguns protegidos e outros compartilhados e a ação global, que é a
capacidade de monitorar internacionalmente as mudanças nos negócios e utilizar
um parque de talentos globais muito mais vastos. Alianças globais, mercados de
capital humano e comunidades de peering possibilitarão o acesso a novos
mercados, ideias e tecnologias que demorariam muito mais (e seriam muito mais
caras) para serem descobertas sem todas essas conexões.
A pulverização dos mercados, por sua vez, vem mostrar que hoje a regra
clássica do marketing, que concentrava seus esforços em alguns poucos sucessos
que dariam a maior parte da renda de uma empresa, agora não é mais hegemônico.
Ele precisa se dividir com milhares de outros mercados pequenos, de nicho, que
juntos possuem tanta ou mais força do que esses grandes mercados de massa.
Esse é o fenômeno denominado de Cauda Longa por Chris Anderson (2006). A
internet possibilitou a eliminação da maioria das barreiras físicas à seleção ilimitada,
ao estoque infinito. O mercado de nichos é tão forte quanto o mercado de hits.
Foi exposto em um dos capítulos um esboço do que poderia ser a empresa
da economia colaborativa. Esta é algo totalmente novo, que não pode ser avaliado
pelos balanços atuais. Nela, a leveza é o fator chave. O que antes trazia
credibilidade e prosperidade, hoje é um gasto desnecessário e inviável. Ter
propriedades não é o foco, mas sim o acesso a redes de interesse, que darão a uma
ideia, um projeto, o que é necessário para tornar-se real.
As parcerias são o principal motor desta empresa. Ao invés de tornar-se uma
grande corporação autossuficiente, é preferível formar uma rede, extensa e
complexa, de parceiros codependentes. Dessa maneira, é possível concentrar-se
apenas no seu core business, sem ter que se preocupar com atividades
secundárias, porém essenciais. As empresas da economia colaborativa não são
grandes multinacionais nem gigantes hegemônicos. Porém, elas não querem ser.
Baseiam-se na Cauda Longa para gerir seus negócios; ou seja, através de diversas
pequenas empresas interligadas por meio de parcerias codependentes que tornam a
economia muito mais fluida, leve e dinâmica.
Analisando-se a área da comunicação, tanto com os colaboradores internos,
com os parceiros e clientes e com os consumidores foi possível identificar, na
empresa TerraCycle, indícios de que esse tipo de empresa, da economia
colaborativa, já existe. A partir de um método de pesquisa qualitativo foi explorado,
64
em tal organização, as características da empresa da economia colaborativa que
pareciam estar presentes.
Foi possível perceber que, desde a fundação, em 2001, da empresa, a
colaboração e o peering, ou seja, o método de buscar fora em grandes comunidades
a solução interna, já era uma realidade para a empresa. Com uma filosofia de
manter-se enxuta e conectada, ela já conseguiu entrar em 22 países, sempre com
equipes pequenas que estão constantemente trocando informações e trabalhando
não para um crescimento destacando-se do outro, e sim um crescimento conjunto e
simbiótico; ou seja, para que eu possa crescer mais, o outro tem que crescer
também.
Suas parcerias atingem todos os setores. Primeiramente é criada uma
solução de reciclagem para um resíduo sem solução até o momento, que ocorre nos
laboratórios tanto da TerraCycle quanto de seus parceiros, como universidades e
grandes laboratórios. Depois, o consumidor final, que não é o seu cliente potencial,
forma redes colaborativas proativas que coletam resíduos e os enviam à TerraCycle
em troca de um patrocínio simbólico de dois centavos por embalagem, que será
doado para instituições de caridade ou escolas da escolha de cada um. Esses
resíduos são, então, recebidos por outros parceiros, as cooperativas recicladoras
que transformam aquele resíduo em matéria-prima para outros produtos ou até
mesmo transformar o próprio resíduo num produto, num processo chamado de
upcycle. Esses novos produtos feitos do material reciclado são revertidos para o
consumidor novamente, formando um ciclo eficaz para um resíduo que antes não
possuía solução para reciclagem e acabava sendo incinerado ou jogado em aterros
sanitários. Quem paga esse ciclo são as empresas que produzem o resíduo em si.
Por exemplo, uma empresa que fabrica chocolate e o embala num plástico que não
pode ser reciclado. Elas formam parcerias com TerraCycle para que consigam
resolver o problema de seu resíduo e, além disso, criar uma rede que efetivamente
vá reciclar, pois não adianta ter uma solução e não a utilizar de forma adequada.
Portanto, pudemos entender, através deste estudo, que a economia está
passando por uma transformação intensa, onde ela sai da era da propriedade e
entra na era do acesso. Estas mudanças não são mais teorias e estão acontecendo
no dia-a-dia de todos. Cabe a nós, estudantes, professores e membros acadêmicos
de qualquer tipo, observar, catalogar e entender esse fenômeno irreversível.
65
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70
APÊNDICE A – Entrevista em Profundidade com Bruno Massote, diretor-
presidente da TerraCycle Brasil
Aquecimento – Conhecendo o Entrevistado
Fale um pouco sobre você. De onde você é, onde mora? Quanto anos tem?
Eu sou engenheiro de produção formado pela FEI, depois eu fiz uma especialização
em Gestão de Negócios na IBMEC, que agora é Insper, e agora eu estou fazendo
um mestrado em Gestão da Inovação na FEI também. Eu comecei na minha
carreira, passei por Pirelli, Scania no começo da minha carreira e depois eu já fui
para a área comercial na Companhia Siderúrgica Nacional, CSN e depois para uma
empresa chamada Vitopel, que fabrica esse plástico aqui que se chama BOPP e lá
eu atendia grandes marcas como a própria Kraft, Unilever, Tetrapak e sempre vinha
uma pergunta delas que era, tá bom, você me vende lixo aqui, você me vende filme
que vai virar embalagem que vai virar lixo. Que tipo de solução vocês tem pra me
oferecer para resolver isso, o que já tem no mercado de serviço para remediar isso
que acaba sendo um problema para a gente e consequentemente para vocês de
geração de lixo e tudo o mais.
Eu comecei a pesquisar, pesquisar, pesquisar, na época eu estava junto com o
Guilherme [que esteve presente na criação da empresa no Brasil]. A gente começou
a olhar alguns projetos lá fora que pudesse atender as demandas desses clientes.
Quer dizer, a gente olhou aqui primeiro e não tinha nada aqui. Aí a gente começou a
olhar lá fora. A gente achou duas empresas, uma chamada Recycle Bank que é
basicamente um modelo de programa de fidelidade do lixo, então você joga lá o seu
lixo reciclável, pelo peso você ganha pontos que você pode trocar por produtos dos
parceiros que eles tem, então Coca Cola. Só que aí isso era 2008, o momento da
crise, eles resolveram não expandir, já tinha ido pro Reino Unido, então eles
resolveram segurar um pouco.
Qual a sua função na TerraCycle?
Sou responsável pela operação local, sou o diretor-presidente da TerraCycle aqui no
Brasil. Sou responsável pelos resultados da empresa, pelo crescimento da empresa
e pela gestão do time que está aqui. É uma filial da matriz americana, não é uma
empresa independente, não é uma franquia, mas sim uma filial. A gente tem
autonomia total da gestão local, mas a gente tem que atender muitos padrões
globais porque não dá para seguir uma linha de atuação para uma marca aqui sendo
71
que já tem contrato com essa marca em outro lugar, então a gente tem que ter muita
coerência e por isso que a gente acaba tendo muita interação também com a matriz,
sempre seguindo alguns padrões que eles determinam pra gente. Meu padrão é
fazer isso continuar a crescer, continuar dobrando ano a ano como ele tem dobrado
e é isso.
Parte 1 – Sobre a empresa
Você pode me contar sobre a fundação da empresa? Quando ela foi fundada,
como aconteceu?
Ela foi fundada pelo Tom Szaky. Ele é húngaro, foi criado no Canadá e foi para os
Estados Unidos no começo da adolescência dele. ele morava numa republica,
cultivava umas plantas dele e ele foi viajar, ficou um tempo fora, quando ele voltou
as plantas tinham crescido para caramba. E ele o que vocês fizeram? Os amigos
falaram, ah, tudo que sobrava de comida a gente jogava no vasinho, acho que tinha
umas minhocas lá e isso fez bem. Aí ele foi pesquisar, descobriu nada mais, nada
menos que compostagem. Processo milenar. Daí ele pensou, aqui tem negocio, aí
foi pesquisar, pesquisar, criou, quer dizer, comprou uma fabrica e criou um
fertilizante a partir do coco de minhoca. Worm Poop mesmo, era Liquid Worm Poop.
Ele criou primeiro um fertilizante feito de lixo, e era o primeiro produto 100% do lixo.
O fertilizante era orgânico, era natural, vinha das minhocas e ele falou, tá, eu preciso
envasar, preciso achar um recipiente para esses líquidos. Daí ele foi pesquisar, viu
que uma garrafa virgem, uma garrafa de plástico virgem era 8 centavos de dólar. Daí
ele falou, dá para melhorar, daí ele foi ver garrafa reciclada era 10 centavos de
dólar, mais caro. Aí ele pensou e falou e se eu tentar divulgar isso nas redes sociais
e tentar pedir para eles me mandarem garrafas usadas. E ele lançou um desafio, eu
pago 2 centavos para quem me mandar as garrafas. E aí começou a chover garrafa,
um monte de garrafas nesse galpão que ele alugou. Foi ai que surgiu a ideia do lixo
patrocinado.
Ele envasou, contratou 600 estagiários que nos Estados Unidos não recebem nada,
é trabalho quase voluntário, envasou e bateu na porta do Wal-Mart e falou eu tenho
um produto e tal, tenho uma empresa com 600 funcionarios. Daí fechou uma venda
de sei lá, 100 mil unidades e começou a empresa.
Só que ele percebeu essa questão do lixo patrocinado. E aí ele começou.
72
Isso foi em 2001. E no Brasil em 2009, que foi aquela parte que eu te contei.
Então tudo começou com a produção de fertilizante? Ele produz isso ainda?
Produz mais para manter a tradição, mas hoje ele é todo voltado para a coleta. O
fertilizante é um produto que saiu do mercado e agora ele tá voltando com uma cara
nova, mas é um produto feito mais para manter o conceito original. Surgimos assim,
somos assim. Acho que já está na oitava versão de embalagem e produto, mas é
mais para manter a tradição mesmo. Mais uma questão de carinho pelo primeiro
produto.
Como foi fundada a empresa no Brasil?
Aí achamos a tal da TerraCycle que estava começando uma negociação com a
Pepsico nos Estados Unidos, que já era cliente deles lá, para vir pro Brasil. Eles
tinham nos Estados Unidos e aqui no Brasil. E foi nesse momento que eles
precisavam montar uma equipe aqui no Brasil, aí o Guilherme acabou vindo antes
para montar a empresa e eu vim depois para estruturar a operação, tudo o que é
reciclável, os produtos. E a gente acabou trabalhando juntos para montando a base
do negócio.
Isso era metade de 2010, então tem dois anos e de lá para cá o negócio tem ido
muito bem, era uma marca e agora a gente tem 16, então está indo bem.
Qual o core business da TerraCycle?
Encontrar a solução para esse resíduo e criar uma cadeia de coleta para ele. Não
adianta só achar a solução, precisa coletar, senão a gente vira uma mega empresa
de pesquisa. Eu vou criar um artigo técnico para a Plastic News Recycling, olha a
solução que eu achei para o plástico x. Ah, legal, e o que a gente faz com isso?
Então a gente faz essa ponte entre a pesquisa e o desenvolvimento e a indústria
interessada, que é quem fabrica o lixo. Eles querem a solução, a gente vem com a
solução técnica, recicla e faz o produto voltar para eles. É isso que a gente faz.
Como funciona o “Ciclo” da empresa?
Parte 2 – O Relacionamento entre as outras “filiais” da TerraCycle no mundo
Como é o relacionamento com a sede da TerraCycle?
73
Vocês possuem autonomia? Como funciona?
Não é uma operação isolada. O Brasil não é uma ilha, a gente não atua sozinho. A
gente tem que prestar atenção no que são as peculiaridades do Brasil, nós temos a
política nacional de resíduos sólidos, tem a questão das cooperativas de coleta e
dos catadores que é algo muito especifico do Brasil que lá fora não tem. Essas
peculiaridades do Brasil, é o que a gente tem que mapear, tentar achar algumas
bifurcações para o nosso negócio, mas o negocio central, o negocio padrão tem que
ser seguido pelos 22 países que a TerraCycle está hoje.
Vocês tem que cumprir metas? Tem muita pressão?
A TerraCycle é uma empresa um pouco diferente, por ser uma empresa pequena,
quase startup e por ser um negócio social, a gente não tem meta tão
preestabelecida e tão rigorosa como uma grande multinacional, você tem que
crescer tanto por ano, reduzir os custos de tanto. A gente quer sim, crescer o mais
rápido possível, da maior maneira que puder, mas sem uma meta concreta do tipo,
se não chegar nos 32% vocês falharam. A meta é dobrar sim, ano a ano, pelo
menos nesse começo. Porque é muito mais fácil você dobrar de 10 para 20 do que
de 200 para 400. Então pelo menos nesse inicio continuar dobrando ano a ano e a
meta a médio e longo prazo é conseguir pegar todas as categorias de resíduos que
hoje não são recicláveis e criar uma solução para isso. Essa é a nossa missão, é
conseguir achar uma solução para cada. A gente já conseguiu achar soluções
técnicas, mas ter um programa de coleta efetivamente rodando para cada um
desses resíduos.
Você tem uma solução para um resíduo que não existia antes. Você vai passar
para as outras filiais ou não?
Essa é uma parte muito bacana de ser uma empresa pequena porque a circulação
de informação ocorre muito rápido. A gente tem um sistema de informação que é um
Report, um relatório quinzenal que cada país faz um e lá nos Estados Unidos cada
área faz um. A área de design faz um, a área de operações faz outro, enfim... E esse
relatório, ele circula pelo mundo inteiro contando tudo o que aconteceu nos últimos
15 dias. Então “achamos uma solução para isso”, “o contato com a marca tal está
complicado, ajudem”, “o time de coleta da região tal falou para gente que estão
74
coletando bastante porque estão dando bolas de futebol de premio”. Então tudo o
que for relevante a gente vai colocando lá para circular a informação, para que os
países e as áreas comecem a aprender entre si.
Vocês conversam com todo mundo o tempo todo?
Todo mundo o tempo inteiro.
Então o que pode acontecer? Tanto uma reação proativa quanto uma reação
“reativa”. O que eu quero dizer com isso. Vamos supor que a gente achou uma
solução para esse iPhone aqui no Brasil. Desenvolvemos um processo e tal, temos
uma solução técnica para ele. A gente compartilha isso para eles e fala “olha, temos
uma solução técnica para isso”. Aí o pessoal do mundo pode pegar e falar bom,
temos uma solução técnica para o iPhone no Brasil, eu posso procurar uma
empresa aqui na Inglaterra que fabrica o iPhone e posso oferecer para eles uma
solução de coleta para esse resíduo. Então, a solução, por mais que seja no Brasil,
já é da TerraCycle. E o mesmo funciona no caminho inverso. Os Estados Unidos já
achou uma solução técnica para reciclar fraldas sujas. Então a gente bate na porta
das empresas aqui e fala eu, TerraCycle, tenho uma solução para fraldas usadas,
você quer? Ou muitas vezes a marca pode chegar e falar "eu tenho esse problema
de fraldas sujas, vocês tem a solução?” daí a gente vai pesquisar, ver, se tiver a
gente vai investigar para ver se já tem alguma solução ou algo muito bem
encaminhado. Então é uma base de dados constante que funciona muito bem.
Tem algum serviço que é terceirizado e feito somente por eles? Vocês tem
liberdade de trazer novas ideias para a empresa?
Tem algum evento que reúne todas as filiais?
Sim, temos uma semana que é em maio. Também é sugerido que todo mundo do
mundo vá, é lógico que não dá para tirar todo mundo daqui, senão a empresa para,
como é pequena, todo mundo faz bastante coisa não dá para tirar todo mundo. Mas
geralmente metade dos times de fora do país vão pros Estados Unidos e lá tem uma
semana de alinhamento mesmo. Repassa todas as áreas, a gente fala bastante do
futuro, comenta o que está rolando de peculiaridade em cada país para tentar
buscar um modelo diferente. Mas é todo ano uma semana de maio que acontece.
75
Você acredita que essa forma de relacionamento traz benefícios? Agiliza ou
atrasa os processos? Por quê?
Não existe uma burocratização do nosso fluxo de informação. Para você falar com o
cara você não precisa de uma requisição de atualização de informação, não, pega o
telefone e liga para o CEO da Alemanha. Liga para o Tom, que é fundador da
empresa. Manda email, Skype. Então a gente usa muitos meios, Skype, tá todo
mundo conectado o tempo inteiro, então você acha qualquer um, em qualquer lugar
do mundo inteiro. Email é uma forma que a gente utiliza muito e telefone. Contato
direto com cada um. Então não tem, ah, fala com a minha secretária primeiro, fala
com o meu assistente. Então você tem acesso direto a todo mundo. Então a gente
costuma brincar que a faxineira, a moça da limpeza, se quiser falar com o Tom, o
CEO para falar alguma coisa, alguma ideia, ela liga e ele vai atender como se fosse
o CEO, chefe dele.
Então isso ajuda muito, porque como eu disse a informação flui muito bem e a
empresa vai crescendo junta. A solução do chiclete reciclado, você tava sabendo
dessa? Que tem um coletor que é uma bola azul que é feito de goma de mascar,
tem 30% de goma de mascar naquele plástico. Solução nossa. Então nós fizemos
um powerpointzinho de dois slides explicando o que era, mostramos o protótipo,
informações técnicas, pum, mandamos para todo mundo. Tem um email que é o
[email protected] que vai para todo mundo. Todo mundo recebe o email.
Então quando a gente fecha um contrato, todo mundo do mundo fica sabendo. Tudo
o que sai do extraordinário todo mundo fica sabendo, é muito legal.
Quais são os pontos positivos e os pontos negativos desse tipo de dinâmica?
O positivo é a velocidade, então é muito dinâmico. A transparência para o seu
próprio time, então se acontece uma coisa legal, ela não chega só para mim, ela
chega no meu time inteiro. Então se acontece alguma coisa eu não preciso parar e
falar vocês viram que legal, não, todo mundo já tá sabendo. Então é um alinhamento
muito rápido. Esse é o principal beneficio. E o outro é você unir forças, porque se
fosse só o Brasil, um time de 7 pessoas, seria muito mais moroso qualquer processo
de desenvolvimento se a gente pode consultar 21 países para saber o que eles
estão fazendo lá. Para tudo, relação com mídia, solução de problemas para qualquer
coisa.
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O ponto negativo, se é que tem um, é que talvez acaba sendo muita informação e
ela vem desestruturada porque ela vem no email, vem por telefone, ela vem por
Skype. É tudo muito online, mas ela tem a tendência de dificultar um histórico,
porque ela fica muito solta. Esse By Weekly Report, esse relatório quinzenal que a
gente tem, ele é uma forma de consolidar essas informações que a gente tem
durante esses 15 dias. É uma espécie de resuminho para tentar... só que também é
um negocio que vem por email, todo mundo, é sugerido, recomendado que se leia,
tá lá. Mas se você não ler os seus emails você não pegou essa informação. Se você
quiser consultar essa informação depois, ela tá meio solta. É muito rápido, você fica
sabendo muito rápido, se você se interessar pelo tema você vai investigar, então,
temos soluções para mochilas usadas agora. Então legal, eu to com uma marca que
está me perguntando, vou falar com o cara agora e já vou resolver. Então esse é o
ponto positivo da velocidade, mas depois eu acho que pode dificultar um pouco a
criação de um histórico. Eu acho que falta uma organização dos dados. A menos
que você tenha um sistema de gerenciamento da informação, mas aí você tem a
penalização talvez de burocratizar mais o processo. Ai, não vou entrar no sistema
para “inputar” uma informação sobre uma novidade que vai ficar lá registrada. Eu
ligo pro cara depois e falo.
Parte 3 – O Relacionamento entre os funcionários
Vocês são uma empresa pequena, você disse. Mas quando você diz empresa,
você se refere aqui no Brasil ou a todos?
Os dois. A TerraCycle como um todo hoje tem umas 120, 130 pessoas trabalhando.
Isso em todos os países. Só nos Estados Unidos 60 pessoas. Então você tem
países que tem duas pessoas, tem países como o Brasil que tem 7. A Europa tem
25. Então você tem times pequenos dentro de uma empresa que é pequena. Aí que
tem de história, ela tem 9 anos nos Estados Unidos. Aqui no Brasil dois anos e meio,
então é uma empresa bebêzinha, que está começando.
Parte 4 – O Relacionamento entre as Marcas
Como se dá o relacionamento entre as marcas?
As marcas novas a gente usa LinkedIn para tentar saber quem são os diretores de
marketing, os tomadores de decisão dessas empresas. E manda email pro cara,
tentar ver se tem alguma rede, algum contato em comum para fazer uma introdução.
77
Mas é basicamente esse trabalho que a gente tem local de prospecção. Mas tem
muito contato que vem de outros países, então isso ajuda bastante. Por exemplo,
tem no Reino Unido, uma parceria com a Danone. Eu quero conversar com a
Danone Brasil, a gente pede para eles entrarem com um contato, até dar uma
introdução, olha Danone Brasil, eu tenho uma parceria aqui com a TerraCycle no
Reino Unido e funciona muito bem. Sugiro que você fale com o Bruno que o cara do
Brasil para saber se faz sentido para vocês. Isso funciona muito bem. E é assim que
a gente acaba sabendo quem é o contato da marca, marca uma reunião e vai lá
presencialmente apresentar a TerraCycle. E tem as marcas que já são ativas, tem o
contato diário, quase. Tem contatos diversos, por email, por telefone. A gente marca
muita reunião de alinhamento, de overview, vamos ver como está indo a Brigada,
também para fazer sugestões de campanhas para coletar mais.
Vocês criam a campanha?
A gente cria a campanha. A gente cria um calendário de comunicação, então, vai ter
agora Natal e a sua marca tem a ver com o Natal e acho que legal fazer um release
para essa época, acho que é legal divulgar nas redes sociais foto de não sei que,
esse tipo de coisa a gente monta, para que ela não fique parada, sem divulgação,
sem nada. E tem um calendário de promoções também, então promoções de Dia
dos Pais, por exemplo. Mande os seus produtos nesse mês e quem mandar mais
ganha um kit de produtos para o Dia dos Pais. Então isso a gente que faz também.
Ações que a TerraCycle vai fazer, independente da marca querer ou não. Quer
dizer, ela tem que aprovar, mas independente dela colocar um esforço do time dela
para fazer isso. É tudo coisa que a gente faz dentro de casa para divulgar a marca e
a brigada.
A gente leva sugestões e fala, olha, posso fazer isso, posso divulgar isso no
Facebook? Um concurso do coletor mais bonito. Então a gente mantém ativo assim.
Como funciona a partir do momento que a empresa está interessada em se
tornar parceira? Há um contrato, quais são as condições para que haja uma
parceria?
Aí tem uma questão... falar de tempo é difícil pode demorar de 3 meses a um ano.
Do começo de namoro até fechar um contrato. Tem casos que levaram dois meses e
tem casos que levaram mais de um ano. Geralmente a gente vai, apresenta a
78
TerraCycle, mostra o que é o negocio. Internamente eles fazem um alinhamento
entre as áreas, para ver se faz sentido. A gente volta às vezes de novo lá para
apresentar o modelo para outras áreas que não a que a gente conversou
inicialmente. E depois que todo mundo está feliz, está ciente, a gente manda uma
proposta econômica. Quanto custa esse negócio por um ano. Se eles gostam, se
eles acham que está OK, a gente manda um exemplo de contrato, um draft de
contrato para eles avaliarem, ver se o jurídico deles quer alterar alguma coisa e aí
torce para assinar o contrato. Uma vez assinado, cria todo o material de
comunicação, cria o site, no site tem um kit de comunicação para você poder
decorar a caixa, mandar por email para puxar mais pessoas para coletar para aquela
brigada. Olha como é que funciona o sistema, clica aqui, entra aqui, a gente prepara
o material de comunicação. Aí entra, já com o contrato assinado, com o site no ar.
O que a marca paga exatamente?
A marca paga dois componentes: tem um componente que é a parte gerencial
mesmo, que é a parte da administração do programa e tem a parte real mesmo é o
custo dos envios. Então a marca paga para cada caixa que ela manda. Então
chegou uma caixa aqui que tem 1 kg, ela vai pagar x reais. Tem um caixa que é o
dobro dessa, tem 2 kg, ela vai pagar 1,5x. Cobre o custo de correio, o custo das
doações, você lembra aquela doação de 0,02 centavos por custo de embalagem e o
custo de material. É isso que a marca acaba pagando.
O que leva a fechar um contrato?
O principal motivo é que essas marcas estão preocupadas com o resíduo delas, que
não é PET, papelão que já estão bem encaminhados. Então o que eu coloco no
mercado tem uma estrutura de embalagem que não é totalmente reciclável, ou então
não tem nem solução técnica ainda. Ele vão procurar a TerraCycle primeiro para
criar uma solução e segundo para criar uma cadeia de coleta para fazer esse
resíduo voltar para a gente e consequentemente para ela. São marcas que estão
preocupadas com o resíduo, mas cuidar do resíduo não é o core business dela. O
negócio da Kraft, da Lacta é fazer bombom. Então a Kraft, que tem o suco Tang,
contatou a gente e falou a minha embalagem que tem o suco em pó é uma
embalagem que não se recicla. Eu vendo algumas bilhões de unidades por ano, e
eu quero criar um sistema que o consumidor possa mandar esse resíduo para mim
79
sem custo nenhum e eu quero criar uma solução técnica para que eu possa criar
produtos a partir desse resíduo. Então a ideia deles é fazer esse vasinho, por
exemplo, é um protótipo de um vaso feito de Tang. Então tem até uns brilhinhos que
é o alumínio, que é um pepino da reciclagem, moído no meio do plástico. Então é
para fechar essa cadeia. São marcas preocupadas que o core business deles não é
reciclagem e querem pegar uma solução nacional. Isso é importante porque quando
a gente pega os Correios é uma coisa que vai pro Brasil inteiro. Então vamos fazer
uma iniciativa em São Paulo, colocar uns coletores na Paulista não. É o Brasil
inteiro, então se tiver um coletor em Manaus e quiser mandar para gente os resíduos
ele pode mandar.
Eu poderia dizer que as empresas precisam de você e você precisa das
empresas?
Sim, é um beneficio mútuo.
A gente depende delas para patrocinar essa cadeia, porque se fosse só o
TerraCycle criando essas brigadas não teria condição. A gente até poderia ter o
sistema, mas como tem nos Estados Unidos, mas são brigadas onde o consumidor
paga. Então você, já que tem lá, 3 celulares lá em casa, não sei o que fazer com
eles. Aí você entra na TerraCycle e vê que lá tem uma brigada de celulares. Aí você
vê que o custo para imprimir o selo é sei lá, 5 dólares, aí você manda os celulares e
a gente vai reciclar aqui. Mas aí o papel da marca é entrar patrocinando isso para
que o consumidor não tenha que pagar nada. E o papel da TerraCycle para a marca
é quem soluciona o resíduo dela. Quem cria essa cadeia sem ela ter que preocupar
com isso.
As empresas estão preocupadas com isso ou é uma minoria?
Eu acho que todas, sem exceção, estão preocupadas com isso. Até porque muito
impulsionado pela nova lei baseada na política nacional dos resíduos sólidos, já os
obriga. Tem o principio da responsabilidade compartilhada, então tem o fabricante
da matéria-prima, o fabricante do chocolate, o varejista e o consumidor e o governo
são corresponsáveis pelos resíduos que eles produzem. Então é uma lei. Não tem
metas ainda, mas haverão metas muito em breve. É algo do tipo, a Lacta vai ter que
coletar 5% do resíduo que ela coleta. O que é bastante. São Paulo, hoje, por
exemplo, está em 1,5% de taxa de reciclagem. Você falar em 5, para um resíduo
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que até hoje ninguém recicla. 1,5 é média, papelão é 98%, alumínio é 95%. Então
isso é média. Esse resíduo é 0 hoje, se colocar 5% para ele é muito grande.
Então esse é um tema que está preocupando eles agora. Então antes era um tema
que era discutido pelo cara ambiental, pelo cara do almoxarifado que cuidava do
resíduo, hoje senta na mesa do CEO, senta na mesa do diretor de marketing e fala
olha, a gente tem que tomar cuidado. A gente tá comunicando um produto que
depois é lixo. Isso aqui é lixo. Aí você vai comer o bombom e vai sobrar um monte
de lixo. O pessoal de marketing também tem que se preocupar com isso. Então
respondendo eu acho que pegou todo mundo, mordeu todo mundo e tá todo mundo
muito preocupado.
Como funciona o relacionamento com os solucionadores dos problemas?
Essa é uma excelente pergunta. A TerraCycle não tem fábrica em nenhum lugar do
mundo. É uma filosofia nossa do tipo, para que eu vou construir uma fabrica de
reciclagem se já existem inúmeros recicladores, alguns com capacidade ociosa
inclusive. Então a gente cria parcerias com essas empresas, tem um contrato
assinado com alguns parceiros de reciclagem, alguns parceiros de coleta, os
Correios por exemplo é um parceiro nosso. Para que eles nos ajudem a montar essa
cadeia, de quem vai coletar, quem vai processar, quem vai fazer os produtos, quem
vai vender os produtos. A TerraCycle acaba sendo uma grande gerenciadora dessa
cadeia, tendo um relacionamento direto com vários produtores. E aí como a gente
acha esses caras? Também é pesquisando, internet, buscando quem são as
referencias em reciclagem, quem pode fazer os produtos, quem tem condições.
Então a gente vai lá, testa o material, vê se funciona e a gente já criou uma cadeia
bacana com alguns backups se, o que tá rodando hoje não der certo, quem que
entra? A gente tem isso também.
Vocês estão constantemente trocando de parceiros ou aumentando sua rede
de parceiros ou tem um contrato de exclusividade?
A gente tem contrato de exclusividade com as marcas, por categoria por país. Então
a Colgate é exclusiva patrocinadora da Brigada de Saúde Bucal no Brasil. O que
isso quer dizer? A gente sempre recebe todos os tipos de resíduos daquela
categoria, não vou receber só Colgate, mas quem pode comunicar, quem é
patrocinadora e detentora de exclusividade daquela Brigada é só a Colgate. A
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menos que a marca não queira, o que é muito difícil, geralmente eles querem ser
exclusivos.
Nas parceiras que a gente tem, não tem isso. A gente pode trabalhar com um
reciclador e com outro e eles também podem trabalhar com vários.
Vocês reciclam todas as embalagens ou só da Colgate?
Tudo é reciclado ou upcycled. Upcycle a gente usa a própria embalagem, agora a
reciclagem é tipo essa tabuinha, essa madeira grande, esse pote de plástico. Isso
aqui (mochila da Tang) é upcycle.
Então os upcycle você faz só com a marca exclusiva. Daí as outras coisas...
Isso. A reciclagem joga tudo lá. Porque em suco em pó eu só posso mostrar a tang.
Eu só posso fazer produtos que divulguem a Tang. Tá vendo, aqui tem a
propaganda da brigada. Só eles podem usar, só eles podem fazer campanha de
reciclagem e usar o nome da TerraCycle.
E as outras empresas de suco, elas não estão nem aí?
Muitas procuram a gente, inclusive a de suco teve até uma que procurou e falou oh,
tem esse produto aqui e eu quero reciclar. A gente falou, infelizmente o que o
consumidor mandar a gente vai receber e vai reciclar, agora eu não posso retirar o
seu resíduo da fábrica, eu não posso deixar você comunicar porque a Tang é a
grande patrocinadora. Então tem marca que procura sim. Cosméticos a gente tá
fechando com a Avon agora. Já bateu Boticário, já bateu Contém 1g, várias marcas
de cosméticos pequenas, oh, eu não posso porque eu to com a Avon agora.
Você acha que isso prejudica o negócio, você não poder fazer contrato com
outras?
Depende muito da própria marca. Vamos dizer que hoje eu tenho um programa com
a Tang e está indo super bem, para comunicar. Enquanto Tang tiver fôlego para
patrocinar o negocio, porque todo ano fica maior. Enquanto ela estiver falando eu
quero ser exclusiva, agora se chegar num ponto que a marca fala para a gente.
Olha, eu quero ser exclusiva, mas eu tenho um limite de coletar só o que deu esse
ano. Aí você gera um problema, tá, ano que vem vai ser mais, então é preciso que
você me autorize a trazer outra marca para co-patrocinar e conseguir comportar
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aquele orçamento, aquela evolução de coleta. Aí tudo bem, mas se a marca falar
quero ser exclusiva mas eu quero travar, aí tem um problema, aí acho que complica.
Já aconteceu de ter duas marcas?
Nos EUA já, tem até lá umas que são tri-patrocinadas. Tem algumas que falam, se
você quiser trazer outra para patrocinar, legal, a gente não liga. Mas eles não
incentivam que a gente busque porque não querem ter uma marca concorrente do
lado. Mas tá bom, eu não quero pagar essa conta eternamente sozinho, então se o
meu concorrente vier, beleza. Pra eles, o importante é comunicar que a Tang criou
uma solução para qualquer consumidor de suco em pó. Em nome da categoria, em
nome de todos os sucos ela criou uma solução para esses consumidores. Então,
sucos Campi, o seu consumidor pode mandar através do meu sistema as suas
embalagens. Eu fiz o que você devia fazer por você. Nas entrelinhas eles também
estão comunicando isso.
Você comentou que a Nestlé não vai mais trabalhar com vocês. O que vocês
reciclavam dela?
Chocolates, biscoitos e cafés.
Vocês já tem outra empresa?
Já temos marcas brigando para patrocinar.
Hoje as empresas vão mais atrás de vocês ou vocês vão mais atrás das
empresas?
Acho que é um pouco dos dois. Lógico que tem um trabalho muito maior nosso,
porque a gente colheu no mercado todo dia. Então tem uma pessoa que só fica o
tempo todo olhando o mercado para ver as categorias e marcas que a gente não
atuou ainda .e quem são os possíveis patrocinadores dessa cabeça. Vamos falar de
esparadrapo, quem faz esparadrapos no Brasil. Johnson&Johnson, tal, aí vai falar, o
cara da J&J não está o dia inteiro focado pensando quem vai ser a empresa que vai
fazer a minha logística reversa? Até tem alguém, uma equipe que faça isso, mas a
gente fica focado só nisso. Porque isso é negocio para gente e tem que virar rápido.
Quanto antes a gente conseguir uma cadeia para cada resíduo é melhor. Então a
gente é mais rápido até pelo tamanho da empresa que a gente comentou, mas é um
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pouco dos dois. Tenho ligações aqui todo dia, marcas que falam, vi na TV Cultura
que vocês saíram eu quero conhecer mais, então tem um pouco dos dois.
Porque as cooperativas participam?
Por um motivo bem simples, para eles chega todo dia uma infinidade de resíduos
que não tem solução de reciclagem. Então chega papelão, alumínio, PET e vidro
que já está consolidado e também chega as embalagens que a gente já conhece e
não tem o que fazer com elas. Então para eles vai dar o mesmo trabalho de separar
uma embalagem de PET do que eles separarem uma embalagem de salgadinhos.
Então tem uma esteira você tem que separar lá.
Hoje se ele pegar embalagem de salgadinho ele vão ter valor nenhum com aquilo.
Se ele pegar uma garrafa PET , equivalem a 20 embalagens de salgadinho. Então
eles vão deixando passar um monte de resíduo que, teoricamente não tem valor
nenhum. Só que são resíduos de coleta que tem valor para a gente. A ideia de juntar
com as cooperativas é dar mais uma fonte de renda para elas. Você vende hoje
tantos tipo de resíduos, você pode vender o dobro disso. Então o objetivo da
TerraCycle é colher e comprar, para colocar na cadeia de novo.
Quem recicla de fato o resíduo?
Esses nossos parceiros que a gente tem. Esses parceiros que são recicladores da
TerraCycle, eles recebem dos Correios, isso vai para um reciclador direto. Então
quando você manda não vem para a TerraCycle, vai para um reciclador direto. Tem
um contrato, tem um processo nosso lá, como se fosse um posto da TerraCycle na
empresa de reciclagem. Então tem uma pessoa lá que é treinada pelo TerraCycle
para fazer o gerenciamento, para receber as caixas. Então toda vez que manda uma
caixa, ela tem aquele código, QR Code, aí no nosso processo eles fazem um check-
in dessa embalagem, para saber que foi a Jacke que mandou, quem tem o endereço
tal, o email tal, para eu poder creditar os 2 centavos na sua conta. Mas vai direto
para ele.
Eles não são funcionários da TerraCycle?
São prestadoras de serviço nosso, mas é um cara contratado pelo reciclador.
Alguém da equipe dele que ele estrutura lá para fazer o nosso processo.
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E a solução foi ele que achou ou foi vocês que passaram para ele?
Geralmente a gente acha e passa pra ele.
Quem acha a solução?
Tem um centro de pesquisas nos EUA que eles ficam só fazendo experimentos com
os matérias. Então eles vão pegar o seu iPhone, por exemplo, dissecar ele para ver
os matérias que tem lá dentro. Vão fazer testes com materiais, composições e vão
ver o que dá para fazer com aquilo. Eles criam algumas receitas de bolo. Joga lá
dois iPhones, uma asa de morcego, tantos gramas de plástico e vai sair uma resina
que você consegue fazer um vaso de plástico, por exemplo. E manda pro
TerraCycle essa formulação, daí eu chego pro reciclador aqui e falo já jogou iPhone
numa maquina de reciclagem? Não, porque tem o vidro e... não, mas se você jogar
asa de morcego sai um plástico que dá para você usar. Ah, legal, aí processa e vê o
que dá. A gente adapta uma formulação química no processo que já roda aqui.
Vocês acham a solução dentro da empresa?
O nosso negocio é achar a solução. Então a gente quer achar solução para todos os
resíduos. A gente pode usar parceria para isso? Pode, a Dupont, por exemplo, é
uma grande parceira nossa. Nos EUA, eles usam outras empresas. Faculdades que
ajudam também com centros de pesquisa. Mas é a gente que vai atrás dessa
solução. Eu chego na Dupont e falo, olha, eu tenho essa espuma, o que eu posso
fazer com ela? Ah, traz aí, a gente testa, vou jogar um aditivo que eu produzo e ver
o que dá. E sai o negócio.
Quem faz os produtos (upcycle)?
São outros parceiros nossos. Então o cara já fazia almofadas, estojos e bolsas. Mas
ele usava materiais virgens, então ele comprava algodão, comprava couro,
comprava vinil para fazer esses produtos. A gente desenvolveu com eles um
processo de aplicação de embalagens para costura. Ou no caso dos reciclados,
você tem um cara que já compra o plástico virgem e já usa e a gente desenvolve um
processo para que ele use o reciclado no processo dele. para ele fazer produtos
reciclados.
Parte 5 – Relacionamento entre os clientes
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Como vocês se relacionam com as Brigadas?
Hoje é um relacionamento muito mais reativo. A gente divulga, tem uma
comunicação interna, que gera conteúdo para a mídia, basicamente alimentando
blog, alimentando release para divulgações impressas, podcasts, basicamente para
divulgar a TerraCycle e o que ela tem. Isso acaba gerando um awareness lá, as
pessoas acabam vendo e se interessando. Uma diretora de escola tava vendo
Cultura esse domingo retrasado, viu uma matéria no Repórter ECO e ela foi lá, entra
no site, cria um time e monta. A gente começou agora a ligar para os times de
coleta. Por exemplo, a Brigada de Copertone, que é o protetor solar. A gente
começou a ligar para os hotéis e falar, olha, tem esse projeto, começamos a ligar
para clubes. Em todos os hotéis ClubMed tem coletores, nos hotéis Pestana estão
começando a colocar. Porque as vezes não chegou no cara, ou ele viu e não fez a
ligação de como pode ser importante pro hotel dele isso. Não é uma venda, mas
esse contato proativo com os pontos de coleta potenciais. Isso é um trabalho que a
gente vem fazendo agora porque antes a gente tava pensando, para quem faz
sentido ligar? Então para um clube faz sentido ligar para coletar protetor solar. Mas
não faz, de repente, para coletar embalagem de papel A4, então temos que mapear
quais são os pontos interessantes para coleta e ligar. Mas hoje eu diria que é muito
mais divulgação em rede social e mídia, as pessoas ficam sabendo e montam seus
times proativamente.
A nossa comunicação com elas é através do mailing, que a gente tem um email que
dá pra conversar com elas e através de rede social, principalmente Facebook e
Twitter.
Por que você acha que as pessoas se mobilizam para ajudar?
O primeiro objetivo de quem coleta mesmo é uma questão ambiental. Não quero que
tudo isso de resíduo que eu gero aqui vá parar num lixão porque não tem solução de
reciclagem. Então se tem uma empresa que faz isso de graça para mim, não custa
nada eu botar numa caixinha e mandar para eles. É de graça, só o trabalho de
colocar. E não é toda hora que eu vou no correio, demora para encher a caixa.
Então eu vou lá a cada dois meses, sei lá.
Então o principal motivador é isso, a questão ambiental.
Tem a questão social, que é a questão dos incentivos que a gente coloca, que as
doações, os 2 centavos são sim para uma entidade sem fins lucrativos ou uma
86
escola. Então você é uma mãe, você pode indicar a escola do seu filho. Então a
escola do seu filho pode começar a ter um parquinho novo só com a coleta dos
resíduos que ela conseguiu com TerraCycle.
Tem muita ONG que coleta em beneficio próprio. Tem até cooperativas que também
coletam. Tem muitas entidades sem fins lucrativos que coletam por beneficio próprio.
A pessoa não se beneficia direto, vai pro seu bolso, mas ela indiretamente ou se
ajuda ou ajuda alguém que ela está diretamente ligado.
A gente está estudando a possibilidade de incentivo direto, então desconto na conta
de luz, ticket de cinema, mas é um negocio ainda um pouco, é mais para o futuro
porque tem um monte de questões trabalhistas, financeiras.
Mas o principal benefício para as pessoas é consciência ambiental e depois saber
que elas podem ajudar algo relacionado a elas. Não é uma coisa distante, é um
negócio muito mais local e direto.
Tem muita empresa que coleta agora, por exemplo, agora a gente está coletando de
uma construtora chamada Ivens e eles falam, a gente produz dezenas dessas
embalagens por dia. Não custa nada eu colocar numa caixa e mandar. E vai pegar
bem pros meus colegas, olha é um instituto tal Iven, que a gente já ajuda também.
Eu sou um consumidor, quero participar da TerraCycle, o que eu vou fazer?
Você vai entrar no site www.terracycle.com.br e vai fazer a sua conta, que é como se
fosse uma conta numa mídia social, você põe seu nome, email, pouquíssimas
informações e você tem acesso a um menu de produtos que você pode reciclar.
Você vai escolher todos, ou um, o que tiver a ver com você com um local para
escolher num ponto de coleta. Então o local que eu vou coletar é lá na agencia que
as duas moças comem muito chocolate. Você vai colocar numa caixa qualquer para
coletar embalagem. Uma vez que a caixa estiver cheia você imprime o selo pré-pago
e envia pelo correio.
Não existe nada como eu, na minha casa, quero mandar os produtos...
Funciona, mas pensa que alguns resíduos, a quantidade mínima para ser viável é
bastante. Por exemplo, filtro solar é 25 embalagens. Você pode divulgar para todo
mundo, para os seus amigos, estou coletando, quando eu te encontrar você me dá,
aí você está coletando. Você é um time na sua casa. Aí você está engajando outras
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pessoas para ajudar. Até você juntar 100 e poucas embalagens de salgadinho, por
exemplo, vai demorar. Por isso que funciona assim. Tem um modelo que a gente
lançou agora que chama Multistream, aqui no Brasil está como Brigada Mista, então
numa caixa você coloca todos os resíduos TerraCycle. Você joga seu filtro solar, sua
embalagem de lasanha, seu papel de chocolate e faz uma caixa TerraCycle e
manda. Só que é um modelo que está em teste ainda, porque você acaba
eliminando um dos grandes segredos do nosso programa que é a separação. Já
vem separado o resíduo para a gente. O grande segredo é isso, se eu colocar uma
tonelada de escova de dente usada aqui, em 15 minutos você vem com 15 ideias do
que fazer com aquelas escovas de dente. Agora se vier tudo misturado, você vai
ficar aqui dois dias pensando como a gente começa a separar isso daqui. Para
depois pensar no que fazer. O grande segredo é que o lixo já vem separado para a
gente. Então essa Brigada Mista o lixo vem misturado, então vai ficar mais caro o
processo e a gente está testando para ver se as marcas vão querer pagar. Mas é
uma possibilidade para o individuo, para você coletar na sua casa sem depender de
outros.
Parte 5 – Entendimento sobre a Economia Colaborativa
O que é colaboração?
Colaboração é o seguinte. A gente está numa era, aquilo que a gente falou, todo
mundo é bombardeado por informação, por desafios, por tarefas e eu acho que está
cada vez mais claro que se as pessoas tentarem fazer suas iniciativas sozinhas,
dentro do seu quarto, pesquisando sozinho, a chance daquilo vira rum projeto
interessante rápido é muito menor do que se ela compartilhar ideias. Se ela dividir
opiniões para contribuir para um objetivo em comum.
Mas eu aprende, pela TerraCycle inclusive, e pelo DescolaAí, que é um site de
consumo colaborativo. E com as duas empresas eu aprendi na prática isso. Se eu
tentasse fazer tudo sozinho, teria que ter a minha fabrica de produtos, teria que ter a
minha fabrica de reciclagem, teria que ter um sistema de logística que nem o dos
Correios. Inviável. Eu ficaria 20 anos desenvolvendo um plano de negócios e nunca
conseguiria viabilizar.
Através da colaboração dessas pessoas em um projeto comum, a gente conseguiu
montar um modelo de negócios. Se fosse só a TerraCycle sozinha, nunca daria
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certo. Essa colaboração do mundo dos negócios é fundamental pra isso, para
desenrolar essa possibilidade.
E no lado mais pessoal, a colaboração é cada vez mais presente na formação das
pessoas. Num bate-papo você aprende muita coisa que você, sozinho, levaria muito
mais tempo para pesquisar e de repente você nem chegaria nessa informação.
Então a troca de informações é muito rápida, as pessoas colaboram entre si
diariamente.
Você quer alguma dica... você quer conhecer um reciclador em Campinas. Tem um
grupo no Facebook que a gente faz parte, Empreendedores Verdes. Poe um post lá,
alguém conhece um reciclador em Campinas? Em 5 minutos tem 6 sugestões lá.
Isso antes seria um trabalho seu de pesquisar, tudo mais, agora você consegue
lançar isso para comunidade que se retroalimenta. Ou seja, você contribui pra
alguém, alguém contribui para você. Ela acaba gerando essa informação muito mais
rápido.
E tem a questão do próprio consumo também, que lá fora já tá acontecendo e aqui
está começando, mas que vai acontecer cada vez mais, desde carona, será que
você precisa ter um carro. Eu vim de trem, você veio de trem. Será que a gente
precisa ter um carro? Será que você não pode pegar uma carona de ninguém? Será
que você não pode contar com a colaboração dos outros?
Comprar. Será que você precisa comprar uma barraca de camping que você vai
usar uma vez na vida? Você não pode pegar a minha que tá parada mofando no
armário há 5 anos. A partir do momento que as pessoas começam a se expor mais,
expor as suas habilidades, aquilo que você conhece e aquilo que você tem, a
chance de você ter uma troca, de você colaborar é muito maior. Rede social ajuda
nisso, as pessoas se expõem muito mais, aquilo é uma vitrine. Olha aonde eu fui
ontem, olha o que eu comprei, olha quem eu sou, olha o que eu curto. Você sabe
quem pode te ajudar muito mais fácil. Você não precisa pesquisar, criar tudo.
Você precisa de um marceneiro. As vezes tem alguém que fez um curso ou que
conhece um marceneiro ou você quer fazer um furo na parede, seu vizinho te
empresta a furadeira, você não precisa ir na Leroy Merlin para comprar uma
furadeira, você vai fazer um furo só.
Acho que a gente tem que mudar para um mundo que a colaboração exista de
maneira mais efetiva, não só para carona mas do próprio conhecimento. Você não
precisa saber tudo, você precisa ter acesso a pessoas que saibam. O conhecimento
89
e o ter. a gente está saindo de uma era de posses para uma era de “ter acesso a”.
acho que esse é o grande desafio para a colaboração é onde a colaboração vai ser
mais eficiente. A gente está sendo um mundo que valorizava o que você tem. O
Brasil sempre foi um país que teve dificuldade, as pessoas estão chegando agora
num ponto que as pessoas vão pensar um pouco. Será que eu preciso de tudo isso
mesmo ou eu preciso ter acesso a isso? E contando com a colaboração dos outros,
você pode contar com a colaboração dos outros e ter acesso as coisas e não tê-las.
Você precisa de uma ideia e arquitetar uma cadeia. E isso é tão complexo quanto ou
até mais, porque você depende dos outros. E você trabalhar num ambiente
colaborativo é complicado também porque você depende da eficiência dos outros.
Dentro de casa você faz tudo, se você quiser varar a noite fazendo um negocio você
pode. Mas se você quiser fazer um negocio e depende que a Jacke me mande uma
coisa amanhã, então você tem que contar com a pessoa. A colaboração também
tem desafios.
Quais os pontos fortes e fracos da colaboração?
Na empresa é essa questão de ela conseguir desenrolar o seu negócio. Com uma
boa ideia a chance de ela conseguir desenvolver rápido o seu negocio e ir para o
mercado é muito maior.
Acho que é um resumo do que a gente acabou de falar. Se você pegar, desenvolver
o negócio, ter a sua fábrica e tudo mais, vai demorar muito mais. Você conseguindo
a colaboração de outros, aquela ideia fica prática rápido.
No pessoal, a mesma coisa, você sai de uma cultura do ter para uma cultura do ter
acesso.
Ponto negativo, você depende de outros. Nem sempre isso é fácil. Nem sempre as
pessoas estão dispostas a ficar esperando as pessoas fazerem aquilo para ela. Eu
diria que é um dos únicos pontos contra, o resto eu só vejo a ganhar.
Por ser colaboração, acho que funciona bem. Eu dependo de você para alguma
coisa, mas aí você vai fazer porque você vai pensar, poxa, amanhã eu posso
precisar do Bruno para alguma coisa. O negócio se retroalimenta também. Não é
mão única. A colaboração, não sei a etimologia da palavra, mas é eu te dou uma
coisa e você me dá outra em troca. Você não vai ficar colaborando ali ad eternum só
porque você é a Madre Teresa de Calcutá e você quer fazer o bem para
90
comunidade. Que seja o conhecimento, que seja uma ajuda para qualquer cois,a
mas você tá ali e você tá querendo alguma coisa em troca.
91
APÊNDICE B - Perguntas trocadas por email em 23/08/2012
Você acredita que o relacionamento dinâmico da empresa continuaria se ela
crescesse e se tornasse uma empresa muito grande?
Acho que não. O crescimento exige a criação de um série de mecanismos de
controle de informação e processos administrativos que acabam travando um pouco
esse fluxo de relacionamentos.
Você acredita que ela vai se tornar muito grande ou vai manter esse padrão de
"ser pequena, mas global"?
Acho que faz parte do DNA da TerraCycle a cultura de manter a transparência
absoluta das informações internas e também do diálogo irrestrito entre os mais
diferentes níveis hierárquicos. Com isso, por mais que a expansão global continue
nesse ritmo acelerado e por mais que tenhamos cada vez mais marcas parceiras,
acredito que a essência da empresa não mudará.
Quais os pontos positivos e negativos de ser uma empresa pequena?
Positivos: a agilidade nas tomadas de decisões, a facilidade de comunicação entre
todos, o fato de não incomodar muita gente (i.e. nenhuma empresa se sente
ameaçada pelo poder da TerraCycle!) e a atenção que recebemos da mídia.
Negativos: às vezes os recursos não são condizentes com nossas
aspirações....temos muitas ideias mas por sermos uma empresa pequena,
precisamos calcular muito bem os próximos passos para evitar sustos.
Vocês recebem algum tipo de subsídio da matriz nos EUA? E existe repasses
de lucro?
Somos uma empresa de capital fechado e não costumamos divulgar questões
referentes a nossa lucratividade. De qualquer forma, recebemos da matriz muito
suporte para a execução dos trabalhos. Eles tem um forte centro de pesquisas e de
design, de quem sempre emprestamos várias ideias.
Se você tem alguma sugestão de alteração na própria política da TerraCycle,
há o mesmo tipo de abertura?
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Sem dúvida, é uma empresa em constante aprendizado e transformação. Se a
sugestão tiver fundamento e trouxer benefícios para a empresa, certamente será
ouvida e implementada imediatamente.
Como funciona as contratações novas? Quem paga o salário dos
funcionários?
Da mesma maneira que funciona em grandes empresas. Somos muito criteriosos na
seleção para que não haja frustração tanto da empresa mas principalmente do
contratado já que somos um perfil diferente de empresa e é preciso que haja
sinergia total. O salário é pago por cada país para os funcionários locais.
Se o contrato com uma recicladora acabar, vocês vão levar embora a solução
ou elas vão continuar tendo acesso a isso? Elas podem usar essa solução
com outras empresas?
As soluções pertencem a TerraCycle e as empresas com quem trabalhamos
funcionam como prestadores de serviço, temos um contrato com elas e este impõe
uma série de restrições.
As marcas tem relacionamento com as outras partes da cadeia ou só vocês
que centralizam tudo? Se uma marca quiser “passar por cima” de vocês e
fazer um contrato direto com a recicladora, o que acontece?
O contato é centralizado na TerraCycle embora as marcas tenham total direito de
auditar qualquer um de nossos parceiros. A marca poderia teoricamente “passar por
cima de nós” mas nesse caso eles teriam que fazer um contrato direto não somente
com o reciclador mas com todos os elos da cadeia como transportador, fabricante
dos produtos, centros de pesquisa, agencias de comunicação, etc e isso não é o
negócio deles. Além disso, nossos contratos possuem cláusulas que definem as
condições para que isso não aconteça.
Que tipo de serviços são "terceirizados" pela sede?
O serviço de recebimento das caixas, reciclagem e fabricação de produtos.