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UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL UNISC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO MESTRADO EM DIREITO Raquel Tomé Soveral A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL Santa Cruz do Sul 2014

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    UNIVERSIDADE DE SANTA CRUZ DO SUL – UNISC PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

    MESTRADO EM DIREITO

    Raquel Tomé Soveral

    A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM

    DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

    Santa Cruz do Sul

    2014

  • 1

    Raquel Tomé Soveral

    A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM

    DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Direito, Mestrado em Direito, da

    Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC,

    como requisito parcial para obtenção do título de

    Mestre em Direito.

    Orientador: Prof. Dr. Clovis Gorczevski

    Santa Cruz do Sul

    2014

  • 2

    Raquel Tomé Soveral

    A RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO COMO UM

    DIREITO HUMANO FUNDAMENTAL

    Dissertação apresentado ao Programa de Pós-

    Graduação em Direito, Mestrado em Direito, da

    Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC,

    como requisito parcial para obtenção do título de

    Mestre em Direito.

    Dr. Clovis Gorczevski

    Professor Orientador - UNISC.

    Drª. Fabiana Marion Spengler

    Professora examinadora

    Dr. Christian Suárez Crothers

    Professor examinador

    Santa Cruz do Sul 2014

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Por acreditar que não vivemos sozinhos, nada somos sozinhos é que

    agradeço a todos que contribuíram para a realização deste, assim meu

    agradecimento:

    Primeiramente, agradeço a Deus pela minha vida e minha profissão.

    À família, pelo amor e apoio incondicional, principalmente a minha mãe

    Declaine, irmão Rodolfo, avós Celso, Nelso e Lourdes e querido tio Paulo.

    Aos meus amigos Mariele, Catharine, Maíra, Ricardo por todo o suporte

    emocional que me deram, e especialmente ao Luciano por acreditar em minha

    capacidade e pelo incentivo na realização desta árdua e gratificante tarefa.

    À UNISC pela confiança em aceitar-me como aluna de mestrado.

    À IMED por sempre acreditar no meu trabalho e demonstrar isso.

    À UMINHO e todo seu corpo docente, pela confortante acolhida aos

    alunos da dupla-titulação naqueles meses chuvosos, onde nos foi

    proporcionado estudos intensivos, em destaque à professora Andreia Sofia

    pela orientação ministrada.

    A todos os professores e funcionários que de alguma forma contribuíram

    com o meu aprimoramento acadêmico, sobretudo aos professores do mestrado

    pelos ensinamentos excelentes que nos foram passados.

    Aos colegas de mestrado pelo companheirismo e por tornarem as aulas

    comprometedoras e desafiadoras.

    Por fim, mas não menos importante, ao professor Clovis, querido e

    incansável orientador. Obrigada por dividir um pouco dos seus ilustres e

    infinitos conhecimentos comigo.

  • 4

    “As trevas eram de um negrume excessivo.

    Depois de ali estar durante algum tempo,

    apossaram-se de mim dois sentimentos

    antagônicos: de um lado, o receio de explorar

    aquela caverna escuríssima; de outro, a

    curiosidade de desvendar o maravilhoso

    mistério que ela deveria conter.”

    (Leonardo Da Vinci, 1452-1519).

  • 5

    RESUMO

    O presente trabalho tem como tema central o direito fundamental à razoável duração do processo, especialmente no que diz respeito a sua concretização, ou falta dela, quando da atividade jurisdicional. Este assunto insere-se na área de concentração em Direitos Sociais e Políticas Públicas, na linha de pesquisa do Constitucionalismo Contemporâneo em razão da inter-relação entre processo e constituição, no sentido de que os direitos fundamentais devem ser observados e efetivados quando da prestação da tutela jurisdicional. A problemática situa-se em como concretizar o direito fundamental à razoável duração do processo? Portanto, tem como objetivo apontar mecanismos capazes de concretizar o direito fundamental ora trabalhado e, para tanto, realiza um estudo acerca dos direitos humanos e direitos fundamentais enquadrando a razoável duração das demandas como um destes direitos. Ainda, traça um estudo abrangente sobre a crise do Poder Judiciário, relacionando tempo e processo, direitos fundamentais para a efetividade judicial, bem como, aponta as causas da morosidade na prestação jurídica e diagnostica mecanismos relacionados pela doutrina capazes de dar azo a concretização do direito fundamental em estudo. Por fim, trabalha com algumas contribuições exteriores acerca do assunto no que diz respeito a tutela portuguesa sobre o tema, as decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos, justamente por entender que o problema da demasiada morosidade processual não é exclusividade brasileira. O estudo, de natureza bibliográfica, adota como método de abordagem o método dedutivo, sendo o método de procedimento o analítico e o histórico-crítico, utilizando-se como técnica de pesquisa a coleta de dados por meio de pesquisa bibliográfica. Diante da análise trabalhada é possível perceber que a falta de concretização do direito fundamental à razoável duração do processo é problema latente que ultrapassa as fronteiras do Brasil, sendo dever da sociedade como um todo reivindicar a sua observância, cultuando uma consciência acerca da responsabilidade por todos os envolvidos a fim de que o processo consiga ser solucionado em tempo razoável e, com isso, seja obtida a sua efetividade.

    Palavras-chave: Direito fundamental. Poder Judiciário. Razoável duração do processo.

  • 6

    RESUMEN

    El presente trabajo se centra en el derecho fundamental de la duración razonable del proceso, sobre todo en lo que respecta a su aplicación, o falta de ella, cuando se trata de la actividad jurisdiccional. Esta materia pertenece al área de concentración en Políticas Públicas y Sociales, la línea de investigación del Constitucionalismo Contemporáneo debido a la interrelación entre el proceso y la constitución, en el sentido de que deben ser observadas y hechas efectivas en la aportación de los derechos fundamentales en la protección judicial. El problema radica en ¿como concretar el derecho fundamental a la duración razonable de los procesos? Tiene como objetivo señalar los mecanismos para poner en práctica el derecho fundamental y, a veces trabajado y, por lo tanto, lleva a cabo un estudio sobre los derechos humanos y el encuadre de los derechos fundamentales de las demandas como la duración razonable de lo proceso. Aún así, esboza un amplio estudio sobre la crisis del Poder Judicial, que une el tiempo y el proceso, los derechos fundamentales de la eficacia judicial, así como señalar las causas de los retrasos en el suministro de mecanismos legales y diagnosticar relacionada por la doctrina capaz de dar lugar a la realización del derecho fundamental en el estudio. Por último, el trabajo con algunas contribuciones de afuera sobre el tema en relación con la tutela portuguesa sobre el tema, las decisiones del Tribunal Europeo de Derechos del Hombre y el posicionamiento de la Corte Interamericana de Derechos Humanos, sólo para comprender que el problema de los retrasos excesivos de procesado no es exclusiva de Brasil. El estudio de naturaleza bibliográfica, adopta el método de acercamiento al método deductivo y el método del procedimiento analítico y el método histórico-crítico, utilizando como técnica de investigación para recopilar datos a través de la literatura. Después de analizar hechos, se puede ver que la falta de ejercicio del derecho fundamental a la duración razonable del proceso es un problema latente que va más allá de las fronteras de Brasil, es el deber de la sociedad en su conjunto demanda su cumplimiento, clamando a una toma de conciencia acerca de la responsabilidad de todos involucrado para que el proceso puede ser resuelto en tiempo razonable y, por lo tanto, se obtiene su eficacia.

    Palabras clave: Derecho fundamental. Poder Judicial. Duración razonable de los procedimientos.

  • 7

    SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO ................................................................................................ 8

    2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS ................................ 13

    2.1 Abordagem histórica ............................................................................... 16

    2.2 Direitos Humanos X Direitos Fundamentais: evolução e diferenciação .. 23

    2.3 A razoável duração do processo como um direito fundamental .............. 34

    3 A FALTA DE CONCRETUDE DO DIREITO À RAZOÁVEL DURAÇÃO ...... 47

    3.1 Tempo e conflito. Acesso à justiça. Efetividade processual .................... 49

    3.2 Da falta de concretização desse direito fundamental: atuação do Poder

    Judiciário ....................................................................................................... 60

    3.3 Instrumentos capazes de efetivar a concretização da razoável duração do

    processo ....................................................................................................... 71

    4. POR UM OLHAR MAIOR: DA INTERPRETAÇÃO DE PORTUGAL ACERCA

    DA RAZOÁVEL DURAÇÃO DO PROCESSO, DA INTERPRETAÇÃO DO

    TRIBUNAL EUROPEU DOS DIREITOS DO HOMEM E DO

    POSICIONAMENTO DA CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS

    HUMANOS ....................................................................................................... 82

    4.1 Portugal e a razoável duração do processo ............................................ 85

    4.2 Das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem frente a tal

    garantia ......................................................................................................... 99

    4.3 O posicionamento da Corte Interamericana de Direitos Humanos em

    relação à concretização da razoável duração do processo ....................... 109

    5 CONCLUSÃO .............................................................................................. 115

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................... 120

  • 8

    1 INTRODUÇÃO

    O Constitucionalismo Contemporâneo abarca diversos direitos

    fundamentais, os quais preveem inúmeras garantais essenciais aos indivíduos.

    Tais direitos fundamentais advêm dos direitos humanos e buscam garantir que

    as pessoas e a sociedade convivam pacificamente e com dignidade. Se o

    Direito é o que hoje se presencia é porque decorreu da história e dela recebe

    influências.

    Os direitos fundamentais, como o próprio nome já diz, são de

    fundamental importância para todos os cidadãos restando consagrados, em

    sua maioria, pela Constituição Federal Brasileira de 1988, adquirindo

    relevância e, portanto, necessários de concretização e efetividade.

    Aqui, denota-se um ponto relevante que é a diferenciação entre os

    direitos humanos e os direitos fundamentais, os quais são muitas vezes

    confundidos e, apesar de parecer ser simples essa diferenciação, é de suma

    relevância o seu entendimento.

    Quando demonstrado a influência e importância que os direitos humanos

    tem sobre o ordenamento jurídico brasileiro, pode-se adequar a tutela do

    processo em tempo razoável como um direito fundamental.

    A garantia da razoável duração do processo representa direito

    fundamental prevista na Convenção Americana de Direitos Humanos, também

    conhecida como Pacto de San José, tendo sido inserida na Constituição

    Federal Brasileira de 1988 por meio da Emenda Constitucional nº 45, de 30 de

    dezembro de 2004.

    Apesar desta garantia estar positivada no ordenamento constitucional

    brasileiro, sua concretização encontra-se restringida em razão da indefinição

    do seu conceito e da extensão da previsão normativa no tocante à razoável

    duração e também pela atuação morosa do Poder Judiciário, o qual não dispõe

    e/ou não utiliza de mecanismos capazes de dar efetividade e celeridade

    processual, inobservando, assim, a efetivação dos direitos fundamentais.

  • 9

    A inobservância desse direito fundamental enseja evidente prejuízo às

    partes, acarretando inefetividade da prestação jurisdicional – o que repercute

    diretamente na ofensa ao direito fundamental de acesso à justiça, do qual

    aquele é inerente.

    Assim sendo, a preocupação com a falta de concretização desta norma

    assola todos os operadores do direito. Isto não significa necessariamente a

    supressão de direitos fundamentais mas a coexistência e concreção daqueles

    que incidem nas demandas.

    A morosidade representa entrave à consecução do direito fundamental à

    razoável duração do processo, sendo notórios os prejuízos decorrentes.

    Quando o processo não consegue ser solucionado no tempo adequado, o

    direito material postulado pode se perder, o sentimento de injustiça perdura e o

    descrédito em relação à função do Judiciário aumenta. A ausência de precisão

    terminológica não pode representar óbice à concretização daquele direito

    fundamental, considerando a questão interpretativa/valorativa decorrente de

    uma jurisdição constitucional aberta.

    Outrossim, relacionado a noção de prestação jurisdicional tem-se o

    processo, o qual por sua vez está ligado a noção de tempo. A superação da

    possibilidade de resolução extrajudicial provoca a atuação do Estado para

    solução do conflito – relacionada ao direito material – cabendo a este, pelo

    Poder Judiciário, atentar nessa tarefa a questão do tempo do processo sob

    pena de violar outros direitos fundamentais.

    O direito fundamental de acesso à justiça vai muito além de permitir a

    propositura de ações judiciais, devendo assegurar todas as garantias devidas

    para um processo justo e équo, afinal as pessoas possuem o direito de

    promover ações e obter uma decisão justa e uma tutela efetiva, resguardando

    tanto direito material quanto processual.

    A atuação do Poder Judiciário está aquém da almejada efetividade ante

    a excessiva morosidade na resolução das demandas em decorrência da

    ausência de instrumentos suficientes à garantia da razoabilidade temporal e

    pela vagueza semântica desta norma.

  • 10

    As demandas demoram muito mais tempo do que deveriam para serem

    solucionadas, vislumbrando-se a falta de efetividade do processo e o aumento

    do descrédito dos consumidores dos serviços oferecidos por este Poder,

    denotando a crise do Judiciário.

    As causas desta crise latente são diversas, portanto mecanismos de

    efetivação dos direitos fundamentais - especialmente asseguradores da tutela

    em tempo razoável consubstanciada na efetividade processual e na garantia de

    outros direitos fundamentais, como o acesso à justiça, a ampla defesa e o

    contraditório - devem ser realizados a fim de dar concretude ao direito

    fundamental à duração razoável do processo.

    O trabalho pretende apontar quais instrumentos poderiam ser utilizados

    ou já são utilizados para possibilitar a tutela jurisdicional em tempo razoável,

    sem, no entanto, esgotar e esmiuçar todos os mecanismos capazes de serem

    concretizadores deste direito.

    Além disto, destaca-se que o presente trabalho refere-se à prestação

    jurisdicional com foco no processo civil, porém sem excluir a análise quanto à

    esfera penal ou trabalhista. O ensaio compreende que o direito fundamental à

    razoável duração do processo deve ser observado e concretizado em todos os

    âmbitos judiciais e, inclusive, no âmbito administrativo, mas estuda

    especialmente a sua concretude na seara civil.

    Por fim, atenta-se para um olhar mais amplo acerca da proteção deste

    direito considerando a previsão da Corte Interamericana de Direito Humanos

    acerca da observância da duração razoável do processo – reiteradamente

    referida em inúmeras decisões – além da almejada celeridade com que o

    procedimento é realizado pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos.

    Da mesma forma, o Tribunal Europeu também se filia a concepção da

    necessidade de prever e efetivar a duração razoável dos processos.

    Ainda, justamente em razão de Portugal e Brasil sofrerem com a falta de

    concretização da solução jurisdicional em tempo razoável, e porque em ambos

    os países os ordenamentos tem esta previsão, deve-se direcionar um estudo

    para a doutrina e a legislação portuguesa sobre o tema, buscando

  • 11

    apontamentos capazes de contribuir com a efetivação da celeridade

    processual.

    Igualmente, corroborando por um olhar mais amplo sobre a temática,

    requer-se a compressão acerca das decisões do Tribunal Europeu dos Direitos

    do Homem, a fim de verificar como a União Europeia legislou sobre isto, bem

    como, analisar alguns julgamentos onde o Estado de Portugal respondeu pelo

    fato de desrespeitar a norma prevista no artigo 8º Convenção Europeia dos

    Direitos Humanos.

    Diante disto, deve-se estudar os direitos humanos e os direitos

    fundamentais, abarcando a razoável duração do processo como um direito

    fundamental que deve ser respeitado, bem como, compreender a crise

    vivenciada pelo Poder Judiciário e elencar instrumentos capazes de dar

    efetividade ao direito fundamental ora em estudo. Analisando, ainda, a

    contribuição portuguesa nesse sentido, afinal este é um problema vivenciado

    mundialmente, forçando uma visão mais abrangente, do que somente do

    ordenamento brasileiro, a fim de que contribuições possam ser pensadas,

    encontradas e implementadas. Essa abordagem é construída a fim de

    responder a problemática proposta: como concretizar o direito fundamental à

    razoável duração do processo?

    Este estudo tem natureza bibliográfica e utiliza-se do método de

    abordagem o dedutivo e do método de procedimento o analítico e o histórico-

    crítico, abordando a contextualização dos direitos humanos e a necessidade de

    concretização do direito fundamental à razoável duração do processo para um

    Poder Judiciário mais eficiente. Ainda, faz uso da técnica de pesquisa de coleta

    de dados e documentos por meio de pesquisa bibliográfica, valendo-se de

    documentação como a investigação em livros, periódicos, revistas de

    jurisprudências, entre outros.

    Assim, o presente trabalho trata, no primeiro capítulo, da diferenciação

    dos direitos humanos e dos direitos fundamentais e sua evolução, construindo

    um aparato histórico e constitucional desses direitos a fim de incluir a razoável

    duração do processo como um direito fundamental.

  • 12

    No segundo capítulo, demonstra-se que a razoável duração do processo

    não está sendo concretizada quando da resolução dos processos judiciais e

    salienta a presença da morosidade processual da atuação do Poder Judiciário

    quando da resolução das lides postas em juízo. Além disso, pontua acerca da

    crise do Poder Judiciário, suas causas e consequências, além de evidenciar o

    entrelace com os direitos fundamentais existentes com a tutela do artigo 5º,

    inciso LXXVIII, da Constituição Federal.

    Realizado esses estudos, o trabalho aponta formas de como concretizar

    o direito fundamental à razoável duração do processo por meio da

    demonstração de quais os instrumentos podem ser utilizados na realização dos

    processos a fim de que se consiga dar concretude a esse direito fundamental.

    Atento à temática proposta, examina-se, no terceiro e último capítulo,

    como a doutrina e a legislação portuguesa trabalham acerca do princípio e

    direito à razoável duração do processo, bem como procede-se à analise de

    algumas decisões do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem sobre o tema.

    Reconhece-se, a partir dos objetivos específicos formadores e

    justificadores da proposta deste ensaio, a necessidade de uma Justiça

    comprometida e eficiente, cada dia mais capaz de solucionar as demandas de

    forma com que as partes consigam satisfatoriamente ter uma decisão em prazo

    razoável.

  • 13

    2 DIREITOS HUMANOS E DIREITOS FUNDAMENTAIS

    Inicialmente cumpre realizar um estudo histórico dos direitos humanos e

    dos direitos fundamentais, para avançar em uma análise da diferenciação

    desses direitos, a fim de que se consiga compreender suas dimensões e

    diferenciações.

    Apesar de parecer um estudo simples, ele é de essencial realização

    para a elaboração deste projeto, uma vez que o Estado Contemporâneo de

    Direito que se vislumbra nos dias atuais, muito bem equipado de normas

    essenciais, decorreu de uma longa e dura evolução. Se o Direito é o que hoje

    se presencia é porque decorreu da história e dela recebe influências.

    Em razão da vasta historicidade construída pelos direitos naturais ou

    direitos do homem se faz necessário um estudo inicial sobre a história dos

    direitos humanos. Tal abordagem histórica consta com elementos desde os

    primórdios das civilizações até os diplomas mais atuais correspondentes

    destes direitos, desta forma busca-se uma compreensão acerca dos

    documentos mais relevantes garantidores dos direitos humanos.

    Para isto, tem como pano de fundo as contribuições doutrinárias a partir

    do século XVI, principalmente as contribuições do século XVIII, bem como, do

    jusnaturalismo, contratualismo e iluminismo. Para além, deve ser abordado os

    documentos jurídicos iniciais e mais relevantes de inclusão e proteção dos

    direitos humanos.

    O aparato histórico inicial possibilita um melhor e maior entendimento

    dos direitos humanos, a fim de que se consiga compreendê-los enquanto

    direitos fundamentais nos ordenamentos jurídicos e, portanto, seja possível

    alcançar o objeto principal deste ensaio.

    Ultrapassando a abordagem histórica chega-se na necessidade de

    compreensão da evolução dos direitos humanos, para tanto estudar-se-á as

    diferentes gerações destes direitos, configurando seu caráter evolutivo,

  • 14

    evidenciando-se sua concretização, isto é, a positivação de valores ao longo da

    história.

    Ademais, estudar-se-á a diferenciação sobre os direitos humanos e os

    direitos fundamentais. Tal diferenciação, apesar de ser de fácil entendimento, é

    imprescindível para o delineamento do trabalho e para configurar o direito à

    razoável duração do processo como um direito fundamental.

    Ressalta-se que esta proposta de análise, apesar de transparecer certa

    trivialidade, reflete o imperativo de sua contextualização a fim de que se

    consiga, validamente, compreender, diante da evolução das gerações dos

    direitos humanos, a essência dos direitos fundamentais.

    Quando se realiza um estudo atento sobre a evolução e a história

    desses direitos – essenciais de efetividade da dignidade da pessoa humana –

    consegue-se obter uma melhor e maior compreensão sobre o tema. Isto se dá

    em função da relevância internacional e incidência nos ordenamentos jurídicos

    pátrios, fazendo com que os direitos fundamentais dos seres humanos possam

    ser assegurados nacional e internacionalmente.

    Este tema - relativo aos direitos fundamentais - ganha papel ímpar na

    conformação do Estado e do texto constitucional, justamente por isto o seu

    estudo se faz essencial para o entendimento do constitucionalismo

    contemporâneo e do atual Estado moderno. Além de se fazer latente quando

    se quer alcançar uma justiça processual que assegure estes direitos dentro do

    acesso à justiça por meio de um processo efetivo, justo e célere.

    Desta forma, será possível caracterizar e comprovar o caráter de norma

    fundamental da previsão da razoável duração do processo, inclusive

    trabalhando com a necessidade de que esta previsão legal – constitucional e

    infraconstitucional - seja respeitada e concretizada.

    Outrossim, apesar de possuir vagueza semântica em sua determinação,

    conforme dispõe a doutrina, é um direito fundamental que deve ser observado

    dada a sua efetividade, a fim de que exista uma real concretização do direito

    fundamental à razoável duração do processo e que seja possibilitado a

    efetividade da prestação jurisdicional.

  • 15

    Em razão dos direitos fundamentais estarem assegurados na

    Constituição brasileira de 1988 (constitucionalismo democrático) deve existir a

    busca constante de sua efetivação e, apesar de algumas normas

    constitucionais possuírem um caráter aberto deixando margem para a atuação

    do Poder Judiciário, a necessidade de concreção destes direitos fundamentais

    se faz latente, ou seja, mesmo o conceito de razoável duração do processo ser

    uma expressão considerada vaga, deve este direito fundamental ser efetivado

    por causa de seu caráter de garantia constitucional fundamental.

    Nesse interim inicia-se o presente estudo com a abordagem histórica

    dos direitos humanos, a sua evolução e diferenciação quanto aos direitos

    fundamentais, para ser possível realizar a configuração da razoável duração do

    processo como um direito fundamental a ser resguardado quando da resolução

    dos processos judiciais.

    Para tanto, será explanado, sucintamente, acerca da história dos direitos

    humanos, desde os primórdios das civilizações até chegar a atual Constituição

    brasileira. Trazendo conceitos escritos e não escritos destes direitos, bem

    como os fundamentos filosóficos responsáveis pela definição do que são

    direitos humanos. Ainda, será demonstrado como estes direitos aparecem em

    documentos de caráter internacional e como são disciplinados pelo

    ordenamento pátrio.

    No segundo ponto deste primeiro capítulo será realizada a análise da

    evolução dos direitos humanos, evidenciando as gerações ou dimensões dos

    direitos fundamentais, a fim de finalizar a melhor compreensão destas

    garantias apoiadas na diferenciação doutrinária construída acerca das

    expressões direitos humanos e direitos fundamentais, as quais muitas vezes

    são utilizadas como sinônimas.

    Diante do aparato que será construído o outro ponto que será abordado

    é o enquadramento constitucional e fundamental do direito à razoável duração

    do processo. Demonstrar-se-á que esta garantia é sim norma fundamental

    assegurada na Constituição Federal de 1988, bem como que apesar de sua

    vagueza semântica deve ser concretizada quando da prática das resoluções

  • 16

    das demandas judiciais. E, assim, será possível antever a necessidade de

    efetivação deste direito fundamental.

    2.1 Abordagem histórica

    A história dos direitos humanos é muito extensa, porque a noção de

    proteção ao homem é bastante antiga e por esta razão não tem um ponto exato

    de início. Assim, para que seja possível existir uma compreensão maior sobre

    estes direitos – de tamanha relevância na sociedade mundial – imperioso traçar

    um estudo sobre a sua historicidade.

    Inicialmente, justificando a relevância de uma abordagem histórica, é

    preciso referir as seguintes palavras - pelo sentimento profundo que elas

    contém - acerca desta temática, o que toca no mais íntimo sentimento humano:

    O que se conta, nestas páginas, é a parte mais bela e importante de toda a História: a revelação de que todos os seres humanos, apesar das inúmeras diferenças biológicas e culturais que os distinguem entre si, merecem igual respeito, como únicos entes no mundo capazes de amar, descobrir a verdade e criar a beleza. É o reconhecimento universal de que em razão dessa radical igualdade, ninguém – nenhum indivíduo, gênero, etnia, classe social, grupo religioso ou nação – pode afirmar-se superior aos demais (COMPARATO, 2007, p. 1).

    Dentro de um olhar histórico, tem-se que a ideia de proteção ao homem

    é muito antiga, não sendo possível dizer exatamente quando começou, porém

    pode-se afirmar que foi antes mesmo do Código de Hamurabi, ou seja, essa

    noção de proteção aparece com caráter religioso, pois as religiões atribuíam à

    vida um sentido sagrado e com uma característica filosófica, uma vez que tem

    fundamentação nos primórdios da civilização vinculada ao pensamento

    humanista (GORCZEVSKI, 2009).

    Como a “proto-história” destes direitos pode-se citar os séculos XI e X

    a.C, no reino unificado de Israel, tendo sido o embrião do Estado de Direito,

    uma vez que consistia em uma organização política de governantes com os

  • 17

    direitos direcionados não a justificação de seus poderes, mas aos princípios e

    normas editados por um superior. Tais limitações aos governantes ressurgiram

    com força no século VI a.C com as instituições democráticas em Atenas e

    seguiram com a criação da república romana no século seguinte

    (COMPARATO, 2007).

    Existiram diversas colaborações antigas para a concepção moderna de

    direitos humanos. Os hebreus sustentavam a vida como algo de mais sagrado

    que podia existir, portanto, aqui a lei escrita ganha posição sagrada; os

    pensamentos gregos, por sua vez, estavam direcionados a existência de um

    humanismo social, tendo a lei escrita servido de fundamento da sociedade, os

    quais contribuíram na razão e na liberdade política potencializando os

    princípios de moral universal e dignidade humana; os romanos também

    contribuíram para a formação dos direitos humanos, no sentido de que sua

    técnica jurídica estava direcionada à proteção, pois miscigenando as regras

    gregas com o cristianismo, propiciaram-se mudanças de conceitos; e a

    concepção cristã também influenciou o entendimento atual de direitos

    humanos, pois estava atrelada a dignidade e fraternidade universal

    (GORCZEVSKI, 2005).

    A concepção de que os direitos independiam da vontade humana e

    advinham da vontade de Deus perdurou até o século XVIII, mas os ideários

    iluministas começaram a ganhar força. Os direitos do homem começaram a ser

    escritos em documentos na segunda metade da Idade Média e sua doutrina já

    aparecia desde o século XVII, expandindo-se realmente no século

    subsequente. Tais direitos foram incorporados pelo liberalismo e tiveram em

    seu cerne o jusnaturalismo (FERREIRA FILHO, 2005).

    Assim, no século XVIII um novo capítulo na história da humanidade se

    vislumbra, “o Iluminismo, movimento humanista, atinge seu pleno

    desenvolvimento e marca a vitória de muitas ideias humanistas fundadas na

    dignidade humana e a fé na razão” (GORCZEVSKI, 2005, p. 41).

    Vislumbram-se significativas contribuições doutrinárias entre os séculos

    XVI e XXVIII, justamente em razão das influências jusnaturalistas,

    contratualistas e iluministas. Paralelamente surgiram textos em documentos

  • 18

    normativos que se faziam compostos por um conjunto de direitos e deveres

    (PEREZ LUÑO, 2013).

    Continuando pelo aparato histórico, quanto ao surgimento dos direitos

    fundamentais, indica-se os vieses: jusnaturalista, onde esses direitos seriam

    preexistentes à própria humanidade, advindos da vontade de Deus; e

    juspositivista, onde o direito aparece como um conjugado de mandamentos

    advindos do poder, sendo que é a partir deles que os atos conseguem adquirir

    validade e eficácia (LEMBO, 2007).

    O Jusnaturalismo “foi a primeira fundamentação para os direitos do

    homem e a que mais influenciou, entende que os direitos são anteriores ao

    Estado, o homem já os possuía na natureza.” Enquanto que para a concepção

    do Positivismo, os direitos humanos são reconhecidos desde que tenham sido

    formulados em códigos jurídicos, desde que o legislador tenha imposto essa

    vontade à sociedade (GORCZEVSKI, 2005, p. 56).

    As raízes filosóficas destes direitos inerentes às pessoas humanas

    estão, portanto, acopladas ao aparecimento do pensamento humanista. Por

    isto, é correto afirmar que foi durante a segunda metade do século XVIII que

    surgiu a substituição do termo Direitos Naturais pelo termo Direitos do Homem.

    A nova expressão “al igual que la de los derechos fundamentales, forjada

    también en este período, revela la aspiración del iusnaturalismo iluminista por

    constitucionalizar”, em razão de ter convertido “em derecho positivo, em

    preceptos del máximo tango normativo, los derechos naturales” (PEREZ

    LUÑO, 2013, p. 28-29).

    Deve-se considerar que conforme disciplina Mauricio Beuchot (Apud:

    GORCZEVSKI, 2005, p. 71) “as necessidades humanas se assentam ou

    brotam indubitavelmente da própria natureza humana; conclui então que os

    direitos humanos são, definitivamente, direitos naturais.”.

    O valor da liberdade enquanto benefício de todos, sem distinções, foi

    declarado ao final do século XVIII, mas aparecia muito antes, ou seja, aparecia

    já no embrião dos direitos humanos, só que com um aspecto muito mais em

  • 19

    favor dos estamentos superiores da sociedade com poucos benefícios ao povo

    (COMPARATO, 2007).

    Nesta abordagem histórica não se pode deixar de tratar acerca dos

    documentos encontrados na história do mundo que de alguma forma

    contemplaram normatizações de respeito e garantia aos direitos do homem.

    Destaca-se o fato de que na Antiguidade não se vislumbra documento

    algum que contivesse a proteção aos direitos do homem. Enquanto que, no

    período medieval existiram diversos documentos em que o monarca – detentor

    do poder soberano - reconhecia certos limites ao exercício do seu poder,

    limitações que ocorriam em face dos senhores donos dos feudos, da igreja, e

    das comunidades locais, percebendo a Carta Magna, escrita pelo rei João Sem

    Terra, da Inglaterra em 1215 como o documento mais importante do período

    medieval. Este documento, que muito se assemelha às constituições, teve

    papel relevante no desenvolver dos direitos fundamentais porque funcionava

    como um pacto entre reis e nobres e perfilhava direitos aos senhores feudais,

    além de liberdades e proteções, as quais respaldaram o aparecimento do

    Habeas Corpus e da Petição de Direitos de 1628 (PEREZ LUÑO, 2013).

    Avançando na construção histórica pode-se dizer que justo na Idade

    Média, inclusive no regime feudal – onde se verificava a estratificação das

    classes e a relação de subordinação entre o suserano e os vassalos -, “o forte

    desenvolvimento das declarações de direitos humanos fundamentais deu-se,

    porém, a partir do terceiro quarto do século XVIII até meados do século XX”

    (SARLET, 2007, p. 7).

    Outrossim, aponta-se Magna Charta Libertatum como relevante

    antecedente histórico das futuras declarações de direitos humanos, até mesmo

    por ser “esse documento, jurídico e político, considerado como o grande totem

    de proteção dos direitos fundamentais” (GORCZEVSKI, 2009, p. 112), em

    outras palavras:

    A Magna Charta Libertatum, de 15-6-1215, entre outras garantias, previa: a liberdade da Igreja da Inglaterra, restrições tributárias, proporcionalidade entre delito e sanção (A multa a pagar por um homem livre, pela prática de um pequeno delito, será proporcional à

  • 20

    gravidade do delito; e pela prática de um crime será proporcional ao horror deste, sem prejuízo do necessário à subsistência e posição do infrator – item 20); previsão do devido processo legal (Nenhum homem livre será detido ou sujeito à prisão, ou privado de seus bens, ou colocado fora da lei, ou exilado, ou de qualquer modo molestado, e nós não procederemos nem mandaremos proceder contra ele senão mediante um julgamento regular pelos seus pares ou de harmonia com a lei do país – item 39); livre acesso à justiça (Não venderemos, nem recusaremos, nem protelaremos o direito de qualquer pessoa a obter justiça – item 40); liberdade de locomoção e livre entrada e saída do país (SARLET, 2007, p. 7).

    Ainda, nesta linha histórico-evolutiva de compreensão do

    desenvolvimento dos direitos humanos tem-se a Declaração da Virgínia como o

    documento histórico que veio proclamar os direitos fundamentais dentro da

    percepção modernamente visualizada, pois, em que pese tenha sido a

    Inglaterra a impulsionadora inicial e a França o “mais ativo centro de irradiação

    de ideias”, foi na América do Norte, mais especificamente no Estado da

    Virgínia, que surgiu a primeira Declaração de Direitos no sentido moderno

    (DALLARI, 2000, p. 207).

    Sobre a Declaração de Direitos do Povo da Virgínia, Ingo Sarlet (2007)

    aponta que ela deve ser considerada como o marco que confirma a passagem

    dos direitos de liberdade legais dos ingleses para os direitos fundamentais

    constitucionais. Sendo que isto serviu como fonte inspiradora para as demais

    Declarações das ex-colônias inglesas, conduzindo a incorporação dos direitos

    fundamentais na Constituição inglesa de 1787.

    Com igual importância histórica, aparece a Declaração dos Direitos do

    Homem e do Cidadão em 1789 que sobreveio da Revolução Francesa e

    importa na derrubada do velho regime de Estado, consubstanciando na

    formação da ordem burguesa na França (SARLET, 2007).

    Atenta-se ao fato de que foi o artigo I da Declaração da Virgínia que

    registrou o nascimento dos Direitos Humanos na história, bem como, após a

    abertura da Revolução Francesa, a ideia de liberdade e igualdade dos seres

    humanos ganham reforço no artigo 1º da Declaração de 1789. Tais

    documentos acarretaram a imediata proclamação de que todos os seres

  • 21

    humanos são iguais no tocante à dignidade e aos direitos, modificando de

    maneira radical a legitimidade da política (COMPARATO, 2007).

    Nota-se que as afirmações de direitos que permearam o século XVIII

    foram promulgadas com magnitude, ou seja, as declarações dos direitos do

    homem foram amplamente acontecendo, porém seus efeitos estavam

    restringidos à esfera nacional. Ainda, neste mesmo século, aparecia liberdade

    religiosa reconhecida nos Tratados. Avançando temporalmente, é possível

    notar que durante o século XIX se formalizaram inúmeros acordos

    internacionais, especialmente com o Congresso de Viena, tais acordos

    trabalhavam para acabar com a escravidão (PEREZ LUÑO, 2006).

    Ressalta-se que as Constituições mexicana de 1917 e de Weimar 1919

    conseguiram afirmar plenamente os novos direitos humanos de caráter

    econômico e social no século XX. O reconhecimento adveio com os

    movimentos socialistas, tendo como sujeitos destes direitos todo o grupo social

    (COMPARATO, 2007).

    Igualmente, conforme leciona Clovis Gorczevski (2009), existem

    inúmeras manifestações admiráveis quanto aos direitos humanos, porém a

    Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948, é uma das mais

    significativas, justamente porque nesta declaração os valores soberanos da

    igualdade, da liberdade e da fraternidade são localizados logo nos dispositivos

    iniciais, sendo que a adoção dessas proteções deve ocorrer progressivamente

    nos âmbitos nacional e internacional.

    Ademais, as declarações, tanto de caráter nacional quanto

    supranacional, são concebidas e imprescindíveis quando as pessoas percebem

    que normas e princípios garantidores de valores fundamentais e, portanto,

    irrenunciáveis, “podiam ser ameaçados, e de fato se encontravam ameaçados,

    pelos próprios poderes legislativos” (CAPPELLETTI, 1993, p. 73).

    Após as horríveis atrocidades vivenciadas durante a 2ª Guerra Mundial,

    advindas do totalitarismo estatal dos anos 30, “a humanidade compreendeu,

    mais do que em qualquer outra época da História, o valor supremo da

    dignidade humana.” Assim sendo, a Declaração Universal dos Direitos do

  • 22

    Homem e a Convenção Internacional sobre prevenção e punição do crime de

    genocídio, aprovada pela Organização das Nações Unidas – ONU, são partes

    inaugurais da nova fase histórica, a qual está se desenvolvendo no mundo

    (COMPARATO, 2007, p. 55).

    Ainda, há que se mencionar quando se perfaz um olhar pela história do

    mundo - das sociedades em suas épocas mais afrontosas ao ser humano – é

    possível afirmar que todas as tragédias vivenciadas e suportadas pelas nações

    acabaram dando relevo e incentivando para que os direitos mais fundamentais,

    mais essenciais, dos seres humanos conseguissem ser assegurados,

    ganhando força a cada dia, direcionados à asseguração da dignidade da

    pessoa humana. Assim sendo, as Nações Unidas promulgaram a Declaração

    Universal dos Direitos Humanos em 1948, e na sequência os Pactos

    Internacionais de Direitos Civis e Políticos e Direitos Econômicos, Sociais e

    Culturais de 1966. Destacando-se que a Europa, também, conseguiu

    promulgar documentos análogos àqueles (PEREZ LUÑO, 2013).

    Destarte, o Brasil teve postergado a inclusão dos direitos fundamentais

    até 1988, quando saiu do regime ditatorial e conseguiu promulgar a nova

    Constituição da República Federativa do Brasil, atingindo normas semelhantes

    com as já atingidas pelo “Velho Mundo” (NUNES, 2010). Assim sendo a

    Constituição de 1988 “foi o marco zero de um recomeço, da perspectiva

    histórica”, retirando utopias e construindo novos caminhos (BARROSO;

    BARCELLOS, 2006, p. 107-108).

    Em sentido oposto tem-se Paulo Pinheiro e Paulo Neto (1998, p. 1), os

    quais afirmam que, no Brasil, desde a Declaração Universal dos Direitos

    Humanos de 1948, é possível já figurar que “os direitos humanos passaram a

    ser assumidos como política oficial do governo, num contexto social e político

    deste fim de século extremamente adverso para a maioria das não-elites na

    população brasileira.”.

    Impossível deixar de mencionar que foi a partir da Constituição brasileira

    de 1988 que “os direitos humanos ganharam um revelo extraordinário,

    situando-se [nesta] Carta como o documento mais abrangente e

  • 23

    pormenorizado sobre os direitos humanos jamais adotado no Brasil”

    (PIOVESAN, 2006, p. 24).

    Assim sendo, a garantia dos direitos humanos é uma necessidade

    presente, sendo também “necessário compreendê-los e sustentá-los” com o

    intuito de haver sua concretização (ANDRADE, 2008, p. 380). Isso pode ser

    dito igualmente sobre os direitos fundamentais, pois devem ser compreendidos

    e efetivados.

    2.2 Direitos Humanos X Direitos Fundamentais: evolução e diferenciação

    Primeiramente, precisa-se definir que os direitos humanos são direitos

    que se referem a valores que permeiam o mundo jurídico, mas nele ainda não

    foram positivados, ou seja, são valores universais que devem valor para todo e

    qualquer ser humano. Enquanto que, os direitos fundamentais são todos

    aqueles direitos humanos que foram positivados pelo ordenamento jurídico,

    são os direitos trazidos pela ordem constitucional.

    Ressalta-se que como no Brasil todos os direitos humanos foram

    positivados não existe erro em tratar ambas as expressões como sinônimas.

    Dito isto, traçar-se-á um estudo sobre a evolução dos direitos

    fundamentais, demonstrando as gerações destes direitos e após realizar-se-á a

    diferenciação das expressões direitos humanos e direitos fundamentais –

    minimamente já realizada alhures.

    Assim, dá-se continuidade ao estudo acerca dos direitos humanos e

    destaca-se que não é possível esquivar-se de mencionar a evolução destes

    direitos, ou seja, falar acerca de suas dimensões ou gerações. 1

    Com a consagração dos direitos humanos nas Constituições surge o que

    se denomina direitos fundamentais em gerações ou dimensões. Deste modo,

    torna-se evidente a problemática acerca das gerações dos direitos

    1 Utiliza-se a expressão geração dos direitos humanos, mas sabe-se que pode haver a

    denominação de dimensão dos direitos humanos.

  • 24

    fundamentais, conforme leciona Ingo Sarlet (2007, p. 44) visto que estes

    direitos estão vinculados:

    às transformações geradas pelo reconhecimento de novas necessidades básicas, de modo especial em virtude da evolução do Estado Liberal (Estado formal de Direito) para o moderno Estado de Direito (Estado social e democrático de Direito), bem como pelas mutações decorrentes do processo de industrialização e seus reflexos.

    Notório que a primeira geração dos direitos humanos está relacionada

    com a liberdade e que surgiu nos séculos XVIII e XIX como reflexo do

    pensamento filosófico daquele século. Esta primeira geração, portanto, é

    apontada pelo ideal jusnaturalista, pelo racionalismo iluminista, pelo

    contratualismo e liberalismo (GORCZEVSKI, 2009).

    Assim sendo, os “direitos de primeira geração são os direitos da

    liberdade, os primeiros a constarem do instrumento normativo constitucional”,

    correspondentes aos direitos civis e políticos os quais inauguram o

    constitucionalismo do Ocidente (BONAVIDES, 2006, p. 563).

    Os direitos humanos de liberdade foram os precursores a serem

    positivados nas Constituições, surgindo institucionalmente a partir da Magna

    Charta (MORAES, 2011). Relembra-se que a Carta Magna, de João Sem

    Terra, pacto entre os ingleses e o rei, é o que muitos autores reconhecem

    como antecedente mais remoto das Declarações de Direitos (GORCZEVSKI,

    2005).

    Por serem direitos que atrelados à liberdade de caráter individual pode-

    se exemplificar os direitos de primeira geração como: os direitos à vida, a uma

    nacionalidade, às liberdades política, religiosa, de movimento, de opinião, o

    direito ao asilo, o direito de propriedade, o direito à inviolabilidade de domicílio,

    a não tortura, a proibição à escravidão (GORCZEVSKI, 2009).

    São considerados, igualmente, imprescindíveis aos indivíduos, sendo

    que tem pretensão universal, pois além de traduzirem-se na exigência de

  • 25

    abstenções dos governantes, funcionam como instrumento de garantir direitos

    frente ao Estado (BRANCO, 2012).

    Diante disto é correto dizer que são direitos “destinados, antes de tudo, a

    assegurar a esfera da liberdade do indivíduo frente a intervenção do poder

    público; são direitos de defesa do cidadão frente ao Estado” (SCHMITT, Apud:

    ALEXY, 2002, p. 419).

    Então, os direitos humanos de primeira geração estão atrelados aos

    ideários de liberdade, requerendo do Estado um agir negativo, ou seja, exigem

    do governo a sua abstenção, a fim de deixar os indivíduos livres.

    Diante da segunda geração dos direitos humanos percebe-se que o seu

    surgimento se deu na segunda metade do século XIX e dominaram todo o

    século XX (GORCZEVSKI, 2009). Nota-se que estes direitos estão presentes

    justamente no “surto do processo de industrialização e nos graves impasses

    socioeconômicos que varreram a sociedade ocidental entre a segunda metade

    do século XIX e as primeiras décadas do século XX” (WOLKMER, 2003, p. 8).

    Aponta Paulo Bonavides (2006) que os direitos de segunda geração ou

    dimensão foram ponderados por meio de considerações das esferas filosóficas

    e políticas com forte cunho ideológico, sendo o ponto de conjetura da

    proclamação das Constituições marxistas e demais Constituições pós-segunda

    guerra. Reflete, também, acerca da eficácia que conseguiu aparecer em seu

    caráter programático, justamente pela falta de elementos capazes de garantir a

    concretização destes direitos. Esta incapacidade resulta da ausência de

    estruturas processuais de proteção aos direitos sociais fundamentais. Por este

    raciocínio mencionava-se que apenas os direitos de liberdade, ou direitos de

    primeira geração, detinham aplicabilidade imediata, concretização rápida e

    eficaz, enquanto que os direitos sociais detinham aplicabilidade mediata, ou

    seja, os direitos de segunda geração requerem a atuação dos legisladores.

    Assim, opostamente aos direitos de primeira geração, elencados

    alhures, que requerem do Estado uma omissão, os direitos de segunda

    dimensão exigem ações positivas dos governantes, ou seja, exigem um Estado

    positivo, justamente em razão do caráter coletivo que lhes é conferido. Além

  • 26

    disto, correlacionam-se ao princípio da igualdade e sua “ênfase está nos

    direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais existe como que uma dívida

    da sociedade para com o indivíduo” (GORCZEVSKI, 2009, p. 133).

    São também chamados de direitos sociais, uma vez que para a sua

    efetivação é imperiosa a participação do Estado, ou seja, uma atuação positiva

    dos governos no sentido de promover estes direitos, aqui não mais se

    vislumbra a necessidade de um Estado omisso, mas a imprescindível atuação

    de um Estado comissivo, portanto.

    Conforme ensina Flávia Piovesan (1998, p. 88), os direitos de segunda

    geração “são autênticos e verdadeiros direitos fundamentais e, por isso, devem

    ser reivindicados como direitos e não como caridade ou generosidade.” Não é

    o Estado sendo caridoso ou piedoso para com seus cidadãos, mas é a

    necessidade de que o Governo atue na direção de efetivar tais direitos, afinal

    não são meras caridades, mas sim direitos fundamentais aos seres humanos,

    essenciais para o princípio maior da dignidade da pessoa humana.

    Como exemplos desses direitos têm-se: o direito à saúde, educação,

    cultura, seguridade, as condições justas e favoráveis ao trabalho, à proteção

    contra o desemprego e possibilidade de sindicalização, entre outros

    (GORCZEVSKI, 2009).

    Adiante neste estudo, é possível chegar à terceira geração ou dimensão

    dos direitos humanos: índole universal dos direitos, baseada no princípio da

    fraternidade. São direitos ligados com a paz, a informação, o meio ambiente

    saudável, desenvolvimento econômico (GORCZEVSKI, 2009). Outrossim,

    podem ser considerados os direitos de gênero, da criança, idoso, deficientes,

    minorias e os novos direitos da personalidade (WOLKMER, 2003).

    São compreendidos como uma relação de equilíbrio, não mais exigindo

    do Estado uma abstenção ou uma ação, apenas. Afinal, pode-se caracterizar a

    terceira geração dos direitos humanos na fraternidade, na solidariedade

    “postulando uma repartição justa e equilibrada de todo progresso humano na

    economia, na cultura e na tecnologia”, recuperando os males percebidos com o

  • 27

    liberalismo – exploração do homem – e do socialismo – colonialismo

    econômico e cultural (GORCZEVSKI, 2009, p. 136).

    Acontece que a maioria destes direitos, em que pese já serem

    elencados e mencionados pela doutrina, não tem reconhecimento na esfera

    constitucional, constituindo fase de consagração ainda no âmbito internacional

    (SARLET, 2007).

    Neste sentido, significativas são as críticas aos direitos relacionados ao

    princípio da fraternidade, justamente em razão da falta de titulares específicos

    para reivindicá-los e pela falta de legislação nacional. Porém, existe solução

    para este apontamento, pois é possível desenrolar-se no sentido de que grupos

    representantes requeiram a concretização dos direitos de terceira geração, não

    se fazendo imprescindível que estejam positivados em lei para que exista a

    necessidade de serem concretizados (GORCZEVSKI, 2009).

    Diante do exposto, foi possível conhecer as principais gerações dos

    direitos fundamentais. Porém, não estaria completo um trabalho que não

    mencionasse, ao menos minimamente, que existem doutrinadores que

    assinalam existir a quarta e a quinta geração destes direitos. Apesar de haver

    divergências acerca deste tópico, deve-se registrar o que representariam estas

    duas outras dimensões.

    Os direitos de quarta geração insurgiram no final do século XX e são

    considerados como as novas alavancas propulsoras das discussões do novo

    milênio (WOLKMER, 2003).

    Veja-se que a quarta geração traz os direitos que se referem à

    biotecnologia, bioética e engenharia genética, tratando das questões “ético-

    jurídicas relativas ao início, ao desenvolvimento, à conservação e ao fim da

    vida humana” (GORCZEVSKI, 2009, p. 139).

    Aqui é preciso referir que existem doutrinadores que apontam diferentes

    significados aos direitos fundamentais de quarta geração: Paulo Bonavides

    leciona no sentido de que os direitos desta geração estariam ligados com a

    democracia e com o pluralismo, bem como, com a efetivação dos direitos

    humanos; Peces-Barba, por sua vez, considera estes direitos referentes às

  • 28

    liberdades públicas, socialistas e democráticas, uma vez que seriam o direito

    ao meio ambiente e a vida com qualidade e o direito à paz. (GORCZEVSKI,

    2009).

    Finalmente, chega-se ao deslinde da quinta geração, a qual igualmente

    brota no fim do século XX e refere-se aos direitos “advindos com a chamada

    realidade virtual, que compreendem o grande desenvolvimento da cibernética

    na atualidade implicando o rompimento de fronteiras, estabelecendo conflitos

    entre países com realidades distintas” (OLIVEIRA JÚNIOR, 1997, p. 199-200).

    Como já asseverado acima, não existe consenso quanto a existência e

    classificação destas duas últimas gerações, por isto deve-se apontar que

    Norberto Bobbio traz sua compreensão de maneira distinta: ele não refere-se a

    existência de uma quinta geração, justificando que permanece na identificação

    da terceira como uma categoria heterogênea e vaga, bem como, Perez-Luño

    pois este doutrinador, também, disciplina e reconhece apenas as três primeiras

    dimensões (GORCZEVSKI, 2009).

    Resta evidenciado a divergência doutrinária acerca da existência ou não

    de mais gerações dos direitos humanos, especialmente quanto a quarta e a

    quinta. Assim, elenca-se doutrinadores que defendem a existência somente

    das três primeiras gerações: Perez-Luño, Cortina, Fernández-Largo,

    Gorczevski; enquanto que causídicos da existência da quarta e quinta

    gerações: Bonavides, Tavares, Lafer (GORCZEVSKI, 2009).

    O que não deve escapar aos olhos dos estudiosos e aplicadores do

    direito é uma visão atenta para a constante evolução da sociedade e, por

    consequência, que os direitos vão nascendo conforme as necessidades dos

    indivíduos e da sociedade vão aparecendo, deste modo:

    Ainda que fossem necessários, os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer. Nascem quando o aumento do poder do homem – que acompanha inevitavelmente o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas de limitações do poder (BOBBIO, 1992, p. 6).

  • 29

    Neste sentido, é possível afirmar que os direitos surgem conforme

    passar a existir as necessidades dos indivíduos que compõem um Estado, seja

    necessidades particulares ou sociais. Logo, inegável que as gerações dos

    direitos humanos podem ainda evoluir, restando às três primeiras de forma

    consensual pela doutrina, uma vez que se referem aos princípios da liberté,

    égalité, fraternité.2 Não existindo consenso acerca das outras duas gerações

    aventadas. Contudo, negar que os direitos se modificam, evoluem e aparecem

    de outras maneiras e, portanto, serão compostos relativamente de outras

    características seria, erroneamente, negar que a sociedade encontra-se em

    constante evolução, seria dizer que os indivíduos são serem inertes e a

    sociedade uma estrutura estanque.

    Destaca-se que a Constituição do Brasil engloba todas as três gerações

    ou dimensões de direitos humanos, quais sejam: os direitos de caráter

    individual, social e coletivo. Podem ser encontrados especialmente nos artigos

    5º, 6º ao 11, e 194 ao 232 (GORCZEVSKI, 2009).

    Reitera-se que o presente ensaio utilizou-se dos termos gerações e

    dimensões para sinalizar a evolução dos direitos humanos, mas deixa claro

    que tais expressões foram utilizadas significando o caráter evolutivo destes

    direitos, e nunca em sentido de substituição, pois que:

    não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão “gerações” pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” [...] (SARLET, 2007, p. 54).

    Pode-se utilizar a expressão gerações sem prejuízo algum, uma vez que

    “em cada momento histórico se formulam novos direitos, típicos do tempo, mas

    que vêm somar aos direitos antigos” (ANDRADE, 2007, p. 68). Então, correta a

    utilização das duas expressões para designar o caráter evolutivo dos direitos

    2 Tradução livre: liberdade, igualdade e fraternidade.

  • 30

    fundamentais, desde que dentro desta concepção evolutiva e não em caráter

    substitutivo.

    Realizado este estudo, acerca da evolução dos direitos humanos, que

    consagrados na Constituição tornam-se direitos fundamentais e aos quais

    denomina-se em gerações ou dimensões. É necessário definir, por

    conseguinte, a diferenciação entre as expressões “direitos humanos” e “direitos

    fundamentais”, conforme alhures já referido.

    A expressão direitos fundamentais em razão de não ter-se uma

    unicidade conceitual sobre esse tema, pois aparece diametralmente

    relacionado com o termo direitos humanos, acaba fazendo necessário este

    estudo.

    Assim sendo, a expressão direitos humanos, também não possui uma

    unanimidade de conceito, justamente porque sua utilização se dá por “um

    grande e variado número de ciências interessadas no tema: política, filosofia,

    teologia, história, direito, sociologia e outras”, ocorrendo sua adaptação

    conforme o objeto a ser trabalhado (GORCZEVSKI, 2009, p. 21).

    Reforçando a imprescindibilidade de se realizar a distinção entre os

    direitos humanos e fundamentais, tem-se que:

    As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente. Os direitos do homem arrancariam da própria natureza humana e daí o seu caráter inviolável, intertemporal e universal; os direitos fundamentais seriam os direitos objetivamente vigentes numa ordem jurídica concreta (CANOTILHO, 2000, p. 259).

    Há de se tentar, ao menos minimamente, realizar uma conceituação a

    fim de que se possa compreender essa diferenciação. De tal modo, é possível

    afirmar que os direitos humanos são direitos intrínsecos à natureza do homem,

    mas dizer isso:

  • 31

    trata-se de uma forma abreviada e genérica de se referir a um conjunto de exigências e enunciados jurídicos que são superiores aos demais direitos, quer por entendermos que estão garantidos por normas jurídicas superiores, quer por entendermos que são direitos inerentes ao ser humano. [...] Eles representam as condições mínimas necessárias para uma vida digna (GORCZEVSKI, 2009, p. 20).

    Ainda, os direitos humanos nascem quando podem e devem nascer,

    conforme já trabalhado anteriormente, sendo que o processo de

    universalização desses direitos também possibilitou a sua proteção

    internacional (PIOVESAN, 2008).

    A definição sobre os direitos humanos dada por Ingo Sarlet (2007, p.36)

    é de que são “direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do

    direito constitucional positivo de determinado Estado.”

    Por outro lado, os direitos humanos podem ser entendidos como aqueles

    direitos inerentes à própria qualidade de ser humano, existentes como valores

    a serem seguidos, e os direitos fundamentais seriam aqueles direitos

    positivados no ordenamento jurídico de um país (GORCZEVSKI, 2009).

    Assim, os direitos fundamentais são aqueles direitos humanos que foram

    positivados pelo legislador - nacional e internacional - uma vez que a eles fora

    atribuído esse poder político de edição de normas jurídicas. Os direitos

    chamados de fundamentais, portanto, são os direitos humanos positivados nas

    normas constitucionais, nos tratados e nas leis (COMPARATO, 2007).

    Outrossim, para que seja possível caracterizar um direito fundamental

    deve-se ater a análise de seu conteúdo, se este estiver vinculado a

    exigibilidade da dignidade humana ele será fundamental e compreendido como

    uma “cláusula superconstitucional” (NUNES, 2010, p. 82).

    Embora sejam ambos os termos utilizados como sinônimos – direitos

    humanos e direitos fundamentais – existe explicação de sua diferenciação,

    nessa linha de pensamento:

    O termo “direitos fundamentais” se aplica para aqueles direitos do ser humano reconhecidos e positivados na esfera do direito constitucional

  • 32

    positivo de determinado Estado, ao passo que a expressão “direitos humanos” guardaria relação com os documentos de direito internacional, por referir-se àquelas posições jurídicas que se reconhecem ao ser humano como tal, independentemente de sua vinculação com determinada ordem constitucional, e que, portanto, aspiram à validade universal, para todos os povos e tempos, de tal sorte que revelam um inequívoco caráter supranacional (internacional). [...] Todavia, não devemos esquecer que, na sua vertente histórica, os direitos humanos (internacionais) e fundamentais (constitucionais) radicam no reconhecimento, pelo direito positivo, de uma série de direitos naturais do homem, que, neste sentido, assumem uma dimensão pré-estatal e, para alguns, até mesmo supra-estatal. Cuida-se, sem dúvida, igualmente dos direitos humanos – considerados como tais aqueles outorgados a todos os homens pela sua mera condições humana – mas, neste caso, de direitos não positivados (SARLET, 2007, p. 36).

    Deste modo, os direitos fundamentais possuem algumas funções, quais

    sejam: função de defesa ou liberdade, de prestação social e perante terceiros,

    e de não discriminação (CANOTILHO, 1992).3

    Ademais, conforme ensina Flávia Piovesan (2008, p. 57) “não há direitos

    humanos sem democracia nem tampouco democracia sem direitos humanos”,

    o que leva a acreditar que para um país ser realmente democrático deve

    conseguir assegurar tais direitos.

    Cumpre salientar, portanto, que a constitucionalização dos direitos

    fundamentais corresponde à “[...] plena positivação de direitos, a partir dos

    quais qualquer indivíduo poderá exigir sua tutela perante o Poder Judiciário

    para a concretização da democracia” (MORAES, 2011, p. 3).

    Destarte que existe certo pleonasmo entre as expressões direitos

    humanos e direitos fundamentais, mas a distinção deve ser verificada e como

    apontam diversos doutrinadores, ela reside na questão de reconhecimento e

    vigência efetiva de tais direitos, ou seja, no seu caráter de obrigatoriedade.

    Assim, os direitos fundamentais “são direitos humanos reconhecidos como tais

    pelas autoridades às quais se atribui poder político de editar normas, tanto no

    interior dos Estados quanto no plano internacional; são os direitos humanos

    positivados nas Constituições, nas leis, nos tratados internacionais”

    (COMPARATO, 2007, p. 57).

    3 Dialogando neste sentido é possível encontrar ensinamentos de Lenio Luiz Streck em:

    Hermenêutica em crise. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 257.

  • 33

    Complementando, nota-se que “a Carta de 1988 é a primeira

    Constituição que integra ao elenco dos direitos fundamentais os direitos sociais

    e econômicos”, pois desde o processo de democratização do Brasil, os

    tratados internacionais mais relevantes que trazem proteção aos direitos

    humanos foram ratificados pelo país (PIOVESAN, 2008, p. 63).

    Portanto, com o surgimento das Declarações de Direitos deu-se a

    “positivação dos direitos naturais, criando, assim, o que hoje se denomina de

    direitos fundamentais, os quais passaram a ser importantes ferramentas de

    proteção e realização dos direitos humanos na ordem jurídica interna dos

    Estados” (BAEZ, 2012, p. 39).

    Deste modo, como direitos fundamentais pode-se compreender aqueles

    direitos naturais de todas as pessoas mas que foram positivados pelo

    legislador constitucional (LEMBO, 2007).

    Nas palavras de José Afonso da Silva (1997, p. 177):

    No qualitativo ‘fundamentais’ acha-se a indicação de que se trata de situações jurídicas sem as quais a pessoa humana não se realiza, não convive e, às vezes, nem mesmo pode sobreviver.[...] [deve-se entender por direitos] fundamentais do homem no sentido de que a todos, por igual, devem ser, não apenas formalmente reconhecidos, mas concreta e materialmente efetivados.

    Os direitos humanos enquanto carecedores de fundamentabilidade

    formal carecem igualmente de eficácia, porém isto não significa que muitos já

    detenham. Destarte que os direitos fundamentais nascem e se desenvolvem

    com as Constituições que lhe derem previsibilidade (SARLET, 2007).

    Convém destacar que, apenas em caráter de observação, a vigência dos

    direitos humanos para além da estrutura estatal, também tem fundamento pela

    consciência coletiva e ética de que a dignidade humana exige que sejam

    respeitados determinados valores em quaisquer circunstâncias mesmo que não

    reconhecidos em documentos normativos (COMPARATO, 2007).

  • 34

    2.3 A razoável duração do processo como um direito fundamental

    Ultrapassada essa diferenciação, é preciso estudar um pouco mais

    sobre os direitos fundamentais e definir o direito à razoável duração do

    processo como um destes direitos.

    Para tanto cabe referir que “a Constituição brasileira de 1988, como

    marco jurídico de institucionalização dos direitos humanos e da transição

    democrática no país, ineditamente consagra o primado do respeito aos direitos

    humanos, como paradigma propugnado para a ordem internacional”

    (PIOVESAN, 1998, p. 205).

    Em outras palavras:

    Quanto aos direitos humanos, estes figuram na Constituição de modo minucioso e detalhado, e se localizam, principalmente no Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais, que compreende os Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, os Direitos Sociais, os Direitos referentes a Nacionalidade e Direitos Políticos, isto abrange do art. 5º ao 16 (GORCZEVSKI, 2005, p. 111).

    Portanto, os direitos fundamentais integram, em conjunto com a

    definição da forma de Estado, do sistema de governo e da organização do

    poder, “a essência do Estado constitucional” sendo parte formal e nuclear da

    Constituição. “o Estado constitucional determinado pelos direitos fundamentais

    assumiu feições de Estado ideal, cuja concretização passou a ser tarefa

    permanente [estes direitos] podem ser considerados conditio sine qua non4 do

    Estado constitucional democrático” (SARLET, 2007, p. 70).

    Importa destacar que as antigas civilizações – Palestina, Babilônia,

    Grécia, Egito, Índia - apesar de não trazerem textos assegurando o direito a um

    processo realizado em tempo razoável, já contribuíam para a rápida solução

    das controvérsias, justamente em razão da tradição oral e escrita que faziam

    com que os reis ou sacerdotes proferissem rapidamente decisões (LOPES,

    2002).

    4 Tradução livre: condição sem a qual não.

  • 35

    Igualmente, diante de um panorama histórico, na Carta Magna do Rei

    João Sem Terra, século XIII, visualizava-se o direito a um processo tempestivo

    (JOBIM, 2011). Assim, o sistema anglo-saxão e a Inglaterra há muito tem

    reconhecido a existência do direito a celeridade processual. (ARRUDA, 2006).

    Internacionalmente inúmeros documentos carregam a previsão da

    duração razoável dos processos (alguns documentos internacionais serão

    analisados no capítulo três deste ensaio), mas, conforme leciona Marco Félix

    Jobim (2011, p. 90) deve-se destacar o Pacto Internacional de Direitos Civis e

    Políticos, a Carta Africana dos Direitos Humanos, a Constituição espanhola, a

    Constituição portuguesa e a Convenção Europeia dos Direitos do Homem

    como documentos históricos e antigos que já previam a celeridade das

    soluções das demandas, e ainda:

    No Brasil a preocupação, a nível constitucional, com o prazo razoável do processo apenas iniciou com a discussão acerca do §2º do artigo 5º da Constituição Federal, que elenca “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por elas adotados, ou dos tratados internacionais em que a República federativa do Brasil seja parte”, uma vez que o Brasil foi signatário do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em seu texto 8.1, com a seguinte redação: “Toda pessoa terá o direito de ser ouvida, com as devidas garantias e dentro de um prazo razoável [...].”

    Diante disto, pode-se adentrar ao estudo proposto, de que a Emenda

    Constitucional nº 45, de 30 de dezembro de 2004, trouxe a previsão

    constitucional de que todo o processo deve ter uma duração razoável, assim foi

    incluído o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição Federal, veja-se:

    Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

    [...]

    LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) (BRASIL, 2012, p. 21).

  • 36

    Não é sem propósito que esta norma foi incluída no artigo 5º da

    Constituição, uma vez que este se encontra no capítulo dos direitos e das

    garantias fundamentais, até mesmo porque tal previsão já existia no Pacto de

    San José, pois o acesso à justiça é caracterizado pela efetividade da prestação

    jurisdicional por meio do devido processo legal e, principalmente, por meio da

    razoável duração deste processo.

    Visualiza-se da leitura desta norma constitucional que a celeridade

    processual é priorizada, mas deve ser compartilhada com o conteúdo da

    decisão, uma vez que as decisões devem ser justas e céleres baseadas,

    portanto, em critérios racionais (NUNES, 2010).

    Analisando a referida emenda constitucional Ingo Sarlet (2007, p. 80)

    afirma que “de positivo, importa citar a inserção, no elenco do artigo 5º da

    nossa Lei Fundamental, do direito à razoável duração do processo.”

    Ora, a tramitação dos processos judiciais não poderia ficar desvinculada

    da noção e influência do tempo e, por isto, o legislador tutelou que a prestação

    jurisdicional pelo Estado deve ser exercida de forma razoável, impondo a ele

    que procure editar normas que sejam capazes de assegurar a tramitação

    célere das causas judiciais. Salienta-se, ainda, que o tempo dos processos,

    especialmente o civil, não é estanque nem tem o juiz a faculdade de, uma vez

    ocorrido o fato, agir sobre o passado buscando modificá-lo (NUNES, 2010).

    Ainda, na análise da Emenda Constitucional nº 45, deve-se afirmar que

    ela trabalha sobre a celeridade dos procedimentos, erguendo ao piso

    constitucional o direito à razoável duração do processo faz com que este esteja

    blindado às leis inferiores, bem como acarreta o dever de magistrados e

    membros da Administração Pública, especialmente do Poder Judiciário, de

    tomarem decisões em prazos razoáveis no tocante a solução das demandas

    que lhe são submetidos (SLAIBI FILHO, 2005).

    Portanto, a obrigação de ser efetivado tempestivamente os processos,

    tanto na seara judicial quanto administrativa – acaba criando a necessidade de

    novas condutas e comportamentos dos envolvidos, pois o princípio

  • 37

    constitucional da razoável duração do processo tem eficácia imediata desde a

    data de promulgação da Emenda Constitucional 45 em 31 de dezembro de

    2004, “devendo, pois, balizar um novo pensamento jurídico nacional que reflita

    diretamente no processo” (JOBIM, 2011, p. 118).

    Deve-se notar que, inclusive, o novo Código de Processo Civil trará em

    seus dispositivos essa previsão normativa, colocando em normas

    infraconstituconais a previsão constitucional acerca da razoabilidade do tempo

    dos processos.5

    Os direitos fundamentais, conforme no item anterior foi explicado, são

    aqueles direitos positivados na Constituição Federal, direitos que tem caráter

    essencial para os indivíduos. Deste modo, não há que se questionar a

    afirmação de que o direito à razoável duração do processo é um direito

    fundamental, pois veja-se: “a partir da edição da Emenda nº 45, o artigo 5º,

    LXXVIII, da CF passou a consagrar expressamente o direito à razoável

    duração dos processos, o que torna insofismável do direito e da obrigação

    respectiva imputável ao Estado brasileiro” (ARRUDA, 2006, p. 197).

    Esse direito é sim um direito fundamental, pois segundo entendimento

    de Ingo Sarlet (2007), aqueles direitos que se encontram reconhecidos e

    positivados no direito constitucional são um direitos fundamentais.

    Seguindo dentro de uma apertada síntese que também realiza Samuel

    Arruda (2006), esse direito está vinculado ao fortalecimento dos poderes do

    Estado-juiz no processo, materializando-se com o princípio da verdade real.

    Assim sendo, este doutrinador afirma que, no movimento de globalização do

    direito processual, os princípios da lealdade, do diálogo e da celeridade são os

    três novos diretores do processo.

    Diante disto, destaca-se neste ponto o princípio da celeridade, como um

    dos vetores que devem ser observados quando da realização dos processos,

    afinal a celeridade e a razoável duração do processo se vinculam, e estão

    apoiadas na realização de um processo justo. “Portanto, o princípio assegura o

    desenvolvimento do processo sem dilações indevidas, ou seja, sem atos

    5 Disponível em Acesso em

    02 junho 2014.

  • 38

    processuais desnecessários e inadequados para o escopo do processo”

    (BRASIL JÚNIOR, 2007, p. 128).

    Neste sentido tem-se que os juízes ao realizar a subsunção do fato à

    norma ou ao princípio devem “interpretar esses princípios de modo que,

    inserindo-se nessa história política, chegue a dignificá-la e melhorá-la”

    (DWORKIN, 2007, p. 15).

    Sendo assim, pode ser dito, sem sombra de dúvidas, que o princípio da

    razoabilidade, assim como tantos outros, é flexível, adaptável aos litígios em

    que se encontre a égide, devendo ter aplicação a todo e qualquer processo

    (MARIN, 2009).

    Segue-se, neste aspecto, a análise sobre a (in)definição da extensão do

    direito fundamental à razoável duração do processo. Já de antemão afirmando

    que existe sim uma indefinição, em razão de ser uma norma constitucional de

    caráter aberto. “A noção de razoabilidade é uma ideia vaga, aberta e imprecisa.

    O razoável em Direito, é um conceito utilizado com prodigalidade em ramos

    distintos desta ciência” (ARRUDA, 2006, p. 288).6

    Deste modo, a expressão utilizada pela norma jurídica “razoável

    duração” apresenta certa vagueza semântica, pois podem haver várias

    interpretações acerca do dispositivo constitucional em comento, o que não quer

    dizer ser ele defeituoso. Do contrário, sendo que em cada lide há uma situação

    concreta de litigância por um bem da vida, de incidência diferente sobre as

    posições das partes litigantes, não se tem como delinear um período único de

    duração para cada um dos processos (MARIN, 2009).

    Nos dizeres de Luiz Eduardo Gunther: “Razoável é sinônimo de

    conforme a razão, racionável, moderado, comedido, aceitável, ponderado,

    sensato, justo. Observe-se que, já no vernáculo, o termo razoável está atrelado

    ao justo, e não por acaso” (2009, p. 15).

    6 Os conceitos que serão desenvolvidos a seguir que versarem sobre a noção da vagueza

    semântica de algumas normas fundamentais foram apresentados originalmente na texto: SOVERAL, Raquel Tomé; MAZZARDO, Luciane de Freitas. Norma de jurisdição aberta e atuação interpretativa do Poder Judiciário: uma análise do direito fundamental à razoável duração do processo, In: LEAL, Monia C. H.; ALVES, Felipe D. (Org.) A Jurisdição Constitucional Brasileira: perspectivas e desafios. São Paulo: Letras Jurídicas, 2014.

  • 39

    Porém essa vagueza deixa margem a diferentes interpretações e

    conduções do processo. Nesse sentido, José Rogério Cruz e Tucci (1999, p.

    239) traz que a indefinição desta expressão acaba por dificultar a existência de

    outra regra que determine acerca das violações quando da realização da tutela

    jurisdicional em um prazo razoável, assim:

    O reconhecimento desses critérios traz como imediata conseqüência a visualização das dilações indevidas como um conceito indeterminado e aberto, que impede de considerá-las como o simples desprezo aos prazos processuais pré-fixados.

    Diversas disposições constitucionais têm como característica uma

    relativa abertura e isso dá suporte às construções conformadoras pelo

    legislador e/ou pelos intérpretes (ARRUDA, 2006).

    Ademais, os direitos fundamentais qualificados como normas objetivas

    irradiam efeitos sobre todo o domínio do direito, ou seja, a Constituição

    abrange toda a ordem jurídica. Isso faz com que as Constituições tenham uma

    natureza aberta, onde lhes faltam concretizações, trazendo a necessidade de

    atividade criativa por parte dos Tribunais (LEAL, 2007).

    Nesse sentido:

    [...] afigura-se como inegável, por conseguinte, o amplo espaço de atuação deixado para a jurisdição constitucional, resultando, daí, uma nova conformação da atuação jurisdicional e, conseqüentemente, da relação que se estabelece entre os poderes (LEAL, 2007, p. 87).

    Corroborando com a ideia de que existem normas na Constituição que

    possuem certa vagueza semântica e daí decorre a importância do

    entendimento de que nesse processo de interpretação da Constituição se

    fazem presentes os órgãos estatais, as potências públicas, os cidadãos e os

    grupos, não existindo um número exato de intérpretes. Sendo assim, é correto

    afirmar que “os critérios de interpretação constitucional hão de ser tanto mais

    abertos quanto mais pluralista for a sociedade.” Afinal, “quem vive a norma

  • 40

    acaba por interpretá-la ou pelo menos por co-interpretá-la” (HÄBERLE, 1997, p.

    13).

    Desta forma, os valores são colocados dentro das Constituições e a

    partir deles interpreta-se a realidade dos fatos em concreto, dando uma diretriz

    a ser seguida. Isso produz uma noção de “Constituição aberta”, sendo que tal

    ideia parte do pressuposto de que a diferença entre social e pluralismo seriam

    as principais características da sociedade contemporânea, onde num conflito

    entre política e sociedade não seria ponderável entender-se o ordenamento

    constitucional como algo fechado (LEAL, 2007).

    Assim o elemento que se faz comum com relação à interpretação, neste contexto, é caracterizado pela necessidade, permanente, de integração entre texto normativo e realidade, estabelecendo-se, desta forma, uma distinção, de nível semântico, entre texto e norma, ou seja, a norma, nesse contexto, é concebida, sempre, como sendo o resultado da interpretação do texto, considerado em sua relação com os fatos do mundo que o cerca (LEAL, 2007, p. 57-58).

    Nota-se que se afere um papel de destaque desempenhado pela

    jurisdição constitucional, pois pela interpretação uma nova vida a Constituição

    é verificada, com o intuito de cumprimento de seus direitos. Inclusive, limita-se

    a vagueza encontrada nas Constituições pela atuação dos Tribunais. Destarte

    que, “[...] a interpretação passa a ser uma decorrência quase natural dessa

    condição de abertura e indeterminação do texto constitucional, pressupondo-

    se, portanto, para a sua realização uma atuação criativa por parte dos

    tribunais” (LEAL, 2007, p. 61-62).

    Em resumo, uma ótima conformação legislativa e o refinamento interpretativo do direito constitucional processual constituem as condições básicas para assegurar a pretendida legitimação da jurisdição constitucional no contexto de uma teoria de Democracia (HÄBERLE, 1997, p. 49).

    Quanto à atividade interpretativa não se poderia esquivar-se de citar

    novamente Dworkin (2007), pois ele aduz que existem formas diferentes de se

    interpretar um texto: conhecendo ele todo ou tendo que escrevê-lo na parte

  • 41

    final ou na parte inicial. Mas que um intérprete deve exercer um controle

    recíproco, só que isso depende diretamente das opiniões daquele que

    interpreta.

    Relativamente a aplicação e interpretação do direito positivado e sua

    aplicação prática nos casos concretos, tem-se:

    Por otra parte, hay que determinar el alcance de la real eficácia, em su aplicación práctica – el derecho “vivo” -, de todos y cada uno de los preceptos constitucionales. El processo de “vigencia real” de la ley, el que va de su formulación abstracta a la aplicación efectiva mediante coacción, pasa por la fase decisiva de su interpretación, de su aplicación por el juez, em cuyo acto aparecen, inevitablemente, las convicciones ideológicas y la actitud psicológica de éste, dentro de los cauces que la formulación de la ley permite, que em la mayor parte de los casos son lo suficientemente amplios como para autorizar soluciones “lógicas” diferentes e, incluso, opuestas. La interpretación y aplicación de la ley se convierte así em su verdadera naturaliza real (RODRIGUEZ-AGUILERA, 1980, p. 16-17).

    Pode-se traçar um paralelo com o que fazem os intérpretes do direito, os

    juízes e tribunais, os quais a todo o momento realizam uma interpretação da

    letra da lei para aplicá-la ao caso concreto. Assim, esses profissionais

    deveriam exercer certo controle sobre as interpretações que dão às normas,

    afastando suas opiniões subjetivas, a fim de imperar a imparcialidade.

    Porém, não pode destoar do contexto em que o caso se dá. Deve

    compreender a lei e aplicá-la dentro do contexto histórico em que ela fora

    criada e dentro do contexto atual em que o caso se apresenta.

    Diante da atual sociedade democrática, digna de efetivação dos seus

    direitos fundamentais essa vagueza semântica que é encontrada na extensão

    do direito fundamental à razoável duração do processo acaba por vezes

    gerando a falta de sua concreção.

    Veja-se, pois, que a imperfeição das leis deve “ser superada pela

    atuação inteligente e ativa do juiz empenhado em f