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Paulo Lowndes Marques O Marquês Soveral Seu Tempo e Seu Modo D E

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Paulo Lowndes Marques

OMarquês

SoveralSeu Tempo e Seu Modo

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Paulo Lowndes Marques

Seu Tempo e Seu Modo

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TÍTULO O Marquês de Soveral – Seu Tempo e Seu Modo

AUTOR Paulo Lowndes Marques

© 2009, Texto Editores

EDIÇÃO E REVISÃO Rita Almeida Simões

© Fotografias, todos os direitos reservados. Reprodução proibida

DESIGN E CAPA Ideias com Peso

ISBN: 9789724743547

TEXTO EDITORES, LDA

Uma Editora do Grupo Leya

Rua Cidade de Córdova, n.° 2

2610-038 Alfragide – Portugal

www.textoeditores.com

www.leya.com

Para a minha mulher Isabel

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Introdução 7

Ascendentes e juventude 9

Viena e Berlim 21

Madrid 45

Retaguarda 57

Londres | Até ao Ultimato | 1885-1890 71

O Ultimato e depois 83

O cortesão e seu impacto sobre a sociedade britânica 105

Crise 119

Governo 125

Regresso a Londres 145

Novo século e visitas reais 167

Amores 191

Haia 201

Desagregação 207

Regicídio 215

A monarquia moribunda 221

A República 245

Exílio 253

Casamento do rei e Grande Guerra 263

Depois da guerra 275

De profundis 283

Epílogo 289

Bibliografi a 291

Índice remissivo 301

Atribuições de fotografi as 307

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Introdução

A história deste livro começa com o Senhor Embaixador Alberto Franco Nogueira, que reuniu muito material com a ideia de o escrever. Infelizmente a morte prematura lhe adveio e impediu-o de começar a obra. Sua viúva, a Senhora Embaixatriz Vera Franco Nogueira, entregou então o espólio ao Senhor Embaixador João Hall Themido, que por sua vez me contactou para saber se eu estaria interessado em escrever o livro. Foi com entusiasmo que peguei no projecto e, embora tivesse demorado o meu tempo, eis, fi nalmente, a obra pronta. Desejo, pois, não só aqui celebrar a memória do Embaixador Franco Nogueira, que teve a ideia original, como agradecer à Senhora Em-baixatriz Vera Franco Nogueira e ao Embaixador Hall Themido, por terem depositado confi ança em mim. Desejo ainda agradecer a este último a persis-tência e o empenho com que sempre me encorajou a concluir este trabalho.

Nunca o teria, todavia, realizado sem a enorme ajuda e entusiasmo do Sr. Dr. Mário Matos Lemos, que, a cada passo, me aconselhou, me apontou o caminho certo, me encontrou muito material inédito e com o seu bom senso e sagacidade me «guiou» a bom porto. Muito obrigado.

Também venho aqui muito agradecer à família do marquês de Soveral, nomeadamente aos seus sobrinhos-bisnetos, os irmãos Luís e Inês Soveral, que me forneceram grande ajuda, facultando-me muito material de família e memórias que em muito me ajudaram. Outro sobrinho-bisneto, o Dr. Miguel Krupenski, também aqui desejo assinalar.

O arquivo do Espólio do marquês de Soveral encontra-se em Vila Viçosa na posse da Fundação da Casa de Bragança, e muito agradeço ao seu Presidente, o Sr. Dr. João Gonçalo do Amaral Cabral, e ao Sr. Dr. João Ruas por nos terem facultado acesso a esse precioso arquivo.

No Ministério dos Negócios Estrangeiros, é justo celebrar a sempre pres-tável ajuda da infatigável Sra. Dra. Isabel Fevereiro, responsável pelos seus arquivos. Também uma palavra de agradecimento à Sra. Dra. Isabel Beato, dos Arquivos da Marinha.

Não posso esquecer o recentemente desaparecido José Maria Almarjão e toda a sua ajuda, extraordinária memória e disponibilidade com que me

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apoiou nesta iniciativa, encontrando-me relevantes textos e caricaturas obs-curas. Lisboa e Portugal fi caram muito mais pobres com a sua morte («Este» – apontando uma fotografi a – «é o irmão do Hintze Ribeiro!»). Desde ontem – se me for permitido parafrasear Álvaro de Campos – o Bairro Alto mudou. E que saudades daquelas tertúlias de sábado de manhã.

Ao Embaixador Paul Ponjaert, que representou e tão bem a Bélgica em Lisboa durante alguns anos, desejo agradecer-lhe toda a ajuda com a verifi ca-ção dos graus académicos de Soveral.

Dos vários arquivos e espólios consultados tanto em Portugal como em Inglaterra, desejo registar um agradecimento geral a todos aqueles que nos ajudaram de forma tão efi caz.

Não sou historiador nem académico, mas gosto de pensar que sou um «amador» no bom sentido da origem da palavra, isto é, aquele que ama assun-tos da história. Por este motivo os leitores desculpar-me-ão se, por vezes, não fi zer todas as atribuições com o rigor académico convencional.

Um grande agradecimento à sempre prestável e disponível Sílvia Fernan-des, que me acompanhou e apoiou nesta obra.

E, fi nalmente, desejo agradecer à minha família, que me aturou durante todo este tempo. Um amigo disse-me uma vez: «É tão difícil escrever um bom livro como um mau livro.» Oxalá os leitores optem pela primeira alternativa.

Paulo Lowndes MarquesSetembro de 2009

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Ascendentes e juventude

Luiz Maria Pinto de Soveral, o futuro marquês de Soveral, nasceu na fre-guesia de São Tiago, em São João da Pesqueira, na Quinta de Sidrô, muito perto da margem sul do Rio Douro, a 28 de Maio de 1851. Morreu a 5 de Outubro de 1922, em Paris. Era fi lho de Eduardo Pinto de Soveral Vassalo e Sousa (1822-1902?), fi dalgo da Casa Real, e de D. Maria da Piedade de Sande e Castro (1824-1872), os quais casaram em Lisboa, em 1849. Neto paterno de Luiz Maria de Soveral Vassalo e Sousa(1) e de D. Ana Adelaide Pinto, era ainda neto materno de Manuel Pais de Sande e Castro e de D. Leonor Maria Corrêa de Sá (fi lha do quinto visconde de Asseca), natural de Santos-o-Velho, em Lisboa. Todos os outros avós mencionados eram naturais de São João da Pesqueira.

As madrinhas do baptismo de Soveral, que teve lugar na capela da Quinta de Sidrô, a 17 de Junho de 1851, foram a tia D. Maria Benedita de Sande e Castro e a avó D. Leonor, já mencionada.

A Quinta de Sidrô (ou Cidrô) constitui uma propriedade de grande anti-guidade(2). Sabe-se que o avô de Soveral, Luiz Soveral Vassalo e Sousa, nasceu na Quinta, mas a actual construção apalaçada data da segunda metade do século xix. O traço arquitectónico dominante não é uma imponente fachada barroca, típica dos antigos solares nortenhos (como o da família da mãe, em São João da Pesqueira), mas sim um portão de acesso de dimensões amplas e

(1) Teve um parente (talvez tio-avô), Manuel António Pinto de Soveral Vassalo e Sousa (1779-

-?), que foi um exaltado liberal, deputado eleito por Trancoso a 9 de Março de 1823, e parte

activa nas cerimónias de juramento da Constituição, em São João da Pesqueira, em 1822. Era

capitão no Regimento das Milícias de Trancoso, mas foi demitido pelos miguelistas. Com a acla-

mação de D. Miguel, em 1828, foi para Paris. Amigo dos irmãos Passos. Em 1833 vivia no Porto.

Encontra-se um retrato dele na Quinta de Sidrô. [Zília Castro de Osório (coord.), Dicionário do Vintismo e do Primeiro Cartismo, Afrontamento, Lisboa, 2002.]

(2) Só nos princípios do século xix se plantaram vinhas na Quinta de Sidrô. Foram plantadas

«ao alto», como então era costume em Bordéus.

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O Marquês de Soveral

Casa do Cabo, solar da família da mãe de Soveral.

Quinta de Sidrô.

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aspecto nobre, mais consentâneo com a segunda metade do século xix. Sobre o portal do pátio interior, encontram-se as armas do marquês.

Os livros de genealogia(3) consideram que o nome de Soveral sai da linha-gem dos Avelares. Cerca do ano de 1287, há um Pedro de Soveral, senhor da Quinta de Goins, herdada de seu pai, que era meirinho-mor de Trás-os--Montes. Considera-se também o nome de Sobral como um derivativo da mesma família(4). A família Soveral usa as armas dos Avelares «por não as te-rem os próprios», conforme afi rmam os genealogistas(5).

É curioso, neste aspecto, verifi car que o pai de Soveral, que também só usava o nome Eduardo Pinto de Soveral e construiu a casa da presente Quinta de Sidrô, pediu foro de fi dalgo cavaleiro da Casa Real a D. Maria II, sendo-lhe concedido (tomado de novo)(6) por alvará de 21 de Outubro de 1852. Alegou nobreza dos seus antepassados, juntou um brasão de armas, acrescentando o argumento «e demais porque o Supplicante está hoje ligado por alliança (sua sogra) com a família dos Viscondes de Asseca e casado com uma sobrinha do Nobre Duque de Saldanha». Aliás, as testemunhas no casamento de Eduardo, em 1849, foram o sétimo visconde de Asseca, Salvador Corrêa de Sá (1825--1852), e Francisco Corrêa de Sá.

Curiosamente, uma irmã de Soveral, D. Leonor Maria Pinto de Soveral (1849-1879), casou em 1872, como primeira mulher, com seu segundo primo, o oitavo visconde de Asseca (António) (1846-1910)(7). Teve ainda outra irmã (a mais velha), D. Mariana Pinto de Soveral, que professou em Aveiro, no Colé-gio de Santa Joana Princesa, como freira dominicana, com o nome religioso de Madre Maria de S. Gabriel.

Seu pai, Eduardo, acima referido, teve um irmão mais novo (tio paterno, portanto, do futuro marquês de Soveral), Jorge Artur Pinto de Soveral (1826-

(3) Afonso Eduardo Martins Zuquete (dir.), Armorial Lusitano. Geneologia e Heráldica, Edito-

rial Enciclopédia, Lisboa, 1961.(4) A certidão de baptismo do pai Eduardo dá o nome do seu respectivo pai – avô paterno,

portanto, do futuro Marquês de Soveral – como sendo Luiz Sobral.(5) Contudo, o marquês de Soveral usava as armas de Alfaro (de Diogo Alfaro, concedidas

pelo rei D. Manuel I), Sousas do Prado, Melo (ou Almeida) e Pinto, conforme o seu anel de bra-

são, ainda na família. Devo esta informação ao Sr. Dr. Duarte de Castro.(6) Nuno Gonçalves Pereira Borrego, Mordomia-Mor da Casa Real, Tribuna da História, Lis-

boa, 2007. «Tomado de novo» signifi ca que o requerente não a gozava já por herança. Era, com

efeito, uma mercê nova.(7) D. Leonor, pela sua «elegância e formosura», fez sensação num baile que se realizou

no Palácio de Cristal, no Porto. O maestro Ciríaco de Cardoso escreveu uma valsa denominada

Ela. Alves Rente escreveu logo outra: Quem?, a que Cardoso respondeu imediatamente com

uma composição denominada: Leonor. (Luís de Oliveira Guimarães e José Ribeiro dos Santos,

Senhoras Conhecidas, Ed. Marítimo Colonial, Lisboa, 1946.)

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O Marquês de Soveral

-1884) que também pediu foro de fi dalgo cavaleiro da Casa Real, concedido (tomado de novo) por alvará de 1 de Julho de 1861. Morreu solteiro.

Soveral nasceu numa família cuja carreira predominante, na sua geração, era a da diplomacia. Assim, veremos seu pai, Eduardo Pinto de Soveral Vas-salo e Sousa, que teve uma vida diplomática algo apagada (ou de que se sabe pouco), sendo ministro plenipotenciário em Constantinopla, donde saiu em 1873. Aliás, Eduardo não foi, propriamente, um diplomata de carreira, pois foi nomeado directamente, primeiro, encarregado de negócios e, depois, mi-nistro plenipotenciário (1871) no então Império Otomano ( junto da Subli-me Porta, como então se dizia)(8). Em 1877, já viúvo e na disponibilidade, foi agraciado por D. Luís com o título de visconde de São Luís. Tal não se deveu

(8) Em 1865, é nomeado encarregado de negócios extraordinário, sem vencimento, e, em

1870, enviado extraordinário e ministro plenipotenciário junto do sultão, sempre sem venci-

D. Leonor Pinto de Soveral, irmã de Soveral. Casou com o oitavo visconde de Asseca.

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à sua acção diplomática, pois foi por ocasião da inauguração da Ponte de D. Maria Pia sobre o Douro. Eduardo também era administrador dos Caminhos de Ferro Portugueses. Recebeu, contudo, a Ordem de Isabel, a Católica, e era comendador de Carlos II, em Espanha, e da Ordem de Cristo, em Portugal. Não se conseguiu identifi car a data da sua morte. Lendo «entre linhas» em algumas (poucas) cartas, deduz-se que estava arruinado na década de 1890, vivendo em Inglaterra.

O tio de Soveral e irmão mais velho de seu pai, Luís Augusto Pinto de Soveral (1812-1905), esse sim, escolheu a carreira diplomática(9). Formou-se em Letras na Universidade de Londres(10) e entrou na Secretaria de Estado em 1839. A sua carreira diplomática foi feita entre Londres e Madrid. Nesta cida-de, foi ministro plenipotenciário de 1857 até 1866, quando foi colocado na dis-ponibilidade com 54 anos(11). Parece ter tido um fi m de carreira controverso, pois escreve um livro chamado Documentos Relativos à Remoção do Visconde de Soveral. Em novo, deve ter-se envolvido nas guerras liberais, pois era detentor da medalha das Campanhas da Liberdade. Também escreveu sobre pintura e azulejos. Foi ainda conselheiro de Estado extraordinário.

Em 1865, é-lhe concedido o título de visconde de Soveral(12). Muitas vezes os autores fazem confusão entre o título de visconde de Soveral e o de mar-quês de Soveral. O visconde era tio (e não pai, conforme, por vezes, se lê) de Luiz Maria. Quando morreu ( já viúvo), em 1905, no Hotel Borges, em Lis-boa, onde viveu durante 15 anos, um jornal escreveu: «Era um typo de fi dalgo antigo quer na correcção do seu porte, quer na elegância do seu traje, quer na afabilidade do seu trato.»

Casou, em 1838, com a britânica Eliza Bayne, nascida em 1814 (cujo pai, Ralph Bayne, lhe deu um dote de cem libras anuais) e falecida em 1903(13),

mento, até que, por lei (1871), foi restabelecida a legação em Constantinopla e só então pôde

receber um ordenado.(9) Houve ainda duas irmãs (tias paternas, portanto, do futuro marquês de Soveral):

D. Ana Júlia Pinto de Melo e Faro, casada com António de Morais Noronha Melo e Faro, e D. Maria

Josefi na Pinto Silva Cunha, casada com José Faustino da Silva Cunha.(10) Na altura, um católico não podia receber graus académicos em Oxford ou Cambridge.

Foi, possivelmente, por esta razão que cursou na Universidade de Londres, fundada em 1825,

onde não havia esta limitação.(11) Foi substituído pelo político conde de Ávila, mais tarde, duque de Ávila e Bolama

(1806-1881).(12) Existe uma carta particular deste, escrita de Londres, em 1854, pedindo a seu amigo de

infância, Rodrigo da Fonseca, o título de visconde de Soveral «se possível em duas vidas». Foi-

-lhe concedido numa vida.(13) Eliza Bayne era protestante. Na biblioteca da Quinta de Sidrô encontram-se livros de de-

voção de cariz protestante (um deles inscrito «Miss Bayne»). Está enterrada no Cemitério Inglês

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com 89 anos, de quem teve uma fi lha, D. Elisa Augusta de Soveral, que nasceu em 1839. Não sobreviveu a seus pais, pois morreu em 1892, e, não tendo ca-sado nem tido geração, caiu a representação do título de visconde de Soveral no sobrinho, o próprio Soveral(14).

Soveral nasceu, pois, numa família nobre da província, de tradições libe-rais, com uma ética de serviço público, obviamente cosmopolita, não só pelas carreiras escolhidas e pelos matrimónios contraídos, como também pela edu-cação internacional que recebiam. O próprio Soveral, como se verá, douto-rou-se em Ciências Políticas e Administrativas, na Universidade de Lovaina, na Bélgica.

Os meados do século xix em Portugal são signifi cativos, pois o período conturbado da primeira metade dá lugar a uma certa paz social e política na segunda que, embora não perfeita, representa uma aceitação geral das ins-tituições políticas e do seu funcionamento, permitindo o desenvolvimento económico. Esta espécie de pacto de regime, como hoje se diria, sendo o ro-tativismo(15) a sua expressão política mais característica, manteve-se, mais ou menos, até ao fi m do século, quando se começou a verifi car a degradação da vida política e dos seus partidos, da aceitação do regime e da vida económica do País. Tudo isto se traduz na agitação da primeira década do século xx, que culmina no regicídio e na proclamação da República em 1910.

O ano do nascimento de Soveral inclui ainda um golpe político-militar no Porto, chefi ado militarmente pelo marechal Saldanha (preparado em casa de Alexandre Herculano), e o começo daquilo a que se chamou a Regeneração, com um governo constitucional chefi ado por Saldanha. Estamos perante o começo do rotativismo, que bem serviu o País até ao fi m do século.

Mas 1852 é o ano da verdadeira mudança, pois nele se promulga o Acto Adicional à Carta Constitucional. Esta reforma constitucional procurou, com sucesso, aproximar a tradição radical vintista – a qual, nesta altura, era mais bem designada por Setembrismo – com o conservadorismo dos cartistas.

à Estrela (sepultura n.° 793, 784), em Lisboa, que, nessa altura, era só aberto a protestantes.(14) O visconde de Soveral deixou um testamento em português, embora efectuado em Ingla-

terra, em 1892. Constituiu seu herdeiro universal seu sobrinho, o marquês de Soveral, o qual,

invocando privilégios diplomáticos, não pagou quaisquer impostos. O valor da herança foi de

65 177 libras, o que hoje em dia equivaleria a cerca de 3 890 000 euros (780 000 contos).(15) A expressão «rotativismo» foi, primeiro e depreciativamente, usada por João Franco, em

1900.

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Criou-se um regime constitucional considerado aceitável pela grande maioria dos actores políticos, que estabilizou, deste modo, a vida nacional.

Nesse mesmo ano, os progressistas dividem-se em dois grupos: o Partido Progressista Dissidente ou Histórico, mais radical, e o Partido Progressista Regenerador, mais conservador. Esta cisão inaugura o sistema de rotativismo de governação dos dois partidos(16). Há eleições e ganham os regeneradores, criando-se, pela primeira vez, o Ministério das Obras Públicas, presidido por Fontes Pereira de Melo. Muitos anos mais tarde (1895), Soveral participará num governo desse partido, como ministro dos Negócios Estrangeiros.

No ano seguinte, 1853, morre, de parto, a rainha D. Maria II, sucedendo--lhe seu fi lho, ainda menor, D. Pedro V, sob a regência de seu pai, D. Fernando.

Soveral constituiria um grande exemplo de personalidade pública que fl o-resceria e daria importante contributo ao País naquela segunda metade do século xix. Poder-se-á dizer que escolheu bem o período da sua vida.

No espírito de serviço público que caracteriza, pois, a sua família, Soveral assenta praça na Armada, a 6 de Fevereiro de 1864(17). Tinha 13 anos incom-pletos. Seu pai, a 23 de Janeiro de 1864, requer, em termos formais, ao rei, mas, na realidade, ao Ministério da Marinha, a entrada do fi lho «o qual tem a maior vocação e desejo de servir o paiz na carreira de ofi cial da Marinha». A 10 de Fevereiro do mesmo ano, refere-se ainda ao fi lho como «robusto, de-cididamente voltado à vida do mar».

Luiz Maria fez o seu exame de instrução primária em Julho de 1863, no Porto, tendo sido aprovado «por maioria». Devidamente autorizado, após uma série de exposições, continua os estudos no Liceu Central do Porto (hoje Escola Secundária Rodrigues de Freitas), bem como na Academia Politécnica dessa cidade. Para se ingressar na Marinha, tinha de se provar «legalmente que possue uma mesada de 7$200 reis», segundo o artigo 17.º, n.º 4 do Decre-to de 26 de Maio de 1845.

Em 1868, portanto com 17 anos, recebe ordens para embarcar na corveta Bartolomeu Dias, na companhia de outros dois adidos da Companhia de Guar-das-Marinhas(18), «os quais devem seguir para Inglaterra e aguardar abordo d’aquelle navio a concessão das licenças já solicitadas para irem fazer os seus estudos theórico-práticos na esquadra britannica». Por um decreto de 1845, os aspirantes só passavam a Guarda-Marinha se «mostrarem por documento obtido em qualquer Estabelecimento de Instrução Pública, possuir conheci-mento suffi ciente da Língua Inglesa». Este procedimento de enviar aspirantes

(16) Mais tarde, em 1865, cria-se o Partido Reformista, o qual, por sua vez, se funde com o

Partido Histórico, em 1876, dando lugar ao Partido Progressista (Pacto da Granja).(17) Ano do primeiro recenseamento da população em Portugal: 3 829 618 habitantes.(18) Francisco d’Abreu Castello Branco e Carlos Alberto da Costa Araújo.

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para Inglaterra e outros países estava consagrado numa lei de 1854. Contu-do, este «méthodo de habilitar offi ciaes para a nossa marinha» teria suscitado «tantos e tão justifi cados clamores» que o novo ministro do reino(19), «como um dos primeiros actos da [sua] administração» (1868), manda regressar os jovens para «evitar a continuação de um erro».

No mesmo despacho, o ministro autoriza Soveral a matricular-se e fazer exames na Academia Politécnica do Porto. Os estudos numa Escola Politécni-ca eram parte integrante da aprendizagem de um aspirante. Aliás, Soveral pe-dira que o seu envio para Inglaterra fosse atrasado, para poder fazer exames. De qualquer forma, deslocara-se para Londres, na companhia de seu pai, sem receber qualquer subsídio, conforme escreve, quando recebeu as ordens de regresso, através do ministro plenipotenciário em Londres, D. Francisco de Almeida Portugal, segundo conde de Lavradio (1797-1870).

A 24 de Outubro de 1870(20), requereu ser admitido na classe de aspirantes extraordinários de Marinha e, em 1871, como aspirante de Guarda-Marinha.

Contudo, Soveral já não queria continuar a sua carreira na Armada. Encon-tramos um documento, datado de Outubro de 1871, em que pede para sair, o que não lhe é concedido. Assim, e entende-se que por sugestão superior, deliberadamente dá um número de faltas não-justifi cadas (25 no mesmo ano), que teriam como consequência legal ser demitido. A 3 de Novembro de 1871 é, com efeito, afastado da Marinha, por portaria.

É difícil compreender ou saber quais foram as infl uências dominantes na juventude de Soveral. Sua mãe morre quando ele tem 21 anos e ainda não entrou na carreira diplomática. Mas julga-se que vivia separado da família por largos períodos. Embora fosse o costume da época (para entrar na Marinha como candidato a ofi cial, uma das condições era «não exceder a idade de 14 anos, nem ter menos do que 11»), tal decisão demonstra alguma vontade pre-coce de independência. Depois, é preciso lembrar que seu pai esteve coloca-do, durante vários anos, como ministro plenipotenciário em Constantinopla. Não sabemos se sua mulher o acompanhava. Soveral é, contudo, acompanha-do por seu pai, quando se desloca a Inglaterra, em 1868.

Durante os anos de estudante no Porto, ignora-se se Soveral se albergou em casa de familiares, mas, decerto, haveria algum enquadramento militar que não poderia ser ignorado. É obviamente natural que o Porto fosse a cida-

(19) D. António Alves Martins, bispo de Viseu (1808-1882).(20) Em 1870 deu-se, pela última vez, no constitucionalismo português, o derrube de um

governo por golpe militar. Foi aquilo a que se chamou a «Saldanhada», quando o já velho duque

de Saldanha fez uma demonstração militar e obrigou D. Luís a demitir o governo do duque de

Loulé. O episódio deu lugar à famosa tirada da rainha D. Maria Pia: «Si j’étais le maître, Ma-

réchal, je vous ferais fusiller sur place.» Saldanha morreu em Londres, em 1876.

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de grande mais «utilizada» pela família, pela sua relativa proximidade de São João da Pesqueira. Assim, seu tio solteiro Jorge (que o constitui seu herdeiro, para seu grande alívio, como se verá) morre repentinamente num hotel no Porto, em 1884 (e sem sacramentos, como reza a publicação do seu testamen-to), estando sepultado nessa cidade. No testamento (lavrado no Porto, em 1881), declara ser residente na Quinta de Sidrô, em cujo concelho se publica o referido testamento.

Em 1847, portanto antes do nascimento de Soveral, seu avô paterno, Luiz ( já viúvo) vivia no Porto(21), conforme uma «Convenção de Partilha Amigá-vel» com seus fi lhos e genros.

Um ano depois de ter sido demitido da Marinha, Soveral recebe um diploma cum laude de doutor em Ciências Políticas e Administrativas da Universidade de Lovaina, datado de 7 de Novembro de 1872. Uma cópia deste documento, devidamente legalizado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros belga e cujas assinaturas são reconhecidas pela Legação de «Sua Majestade Fidelís-sima» em Bruxelas, é submetida à Secretaria de Estado, em Portugal, quan-do Soveral se apresenta para concurso de ingresso no Ministério dos Negó-cios Estrangeiros(22).

Munido, pois, deste diploma, Soveral candidata-se à carreira diplomática.Um decreto de 18 de Dezembro de 1852 fi xa, enquanto não se procedes-

se por forma defi nitiva à organização da Secretaria de Estado dos Negócios Estrangeiros e do Corpo Diplomático, as habilitações necessárias para aque-les que pretendessem ser providos «no lugar de amanuenses e de adidos às minhas legações». Deveriam ser doutores ou bacharéis na Universidade de Coimbra, ou ter concluído estudos superiores em «escola ou academia» na-cional ou estrangeira. Teriam de falar ou escrever «correctamente» a língua

(21) Na Rua da Ágoa Ardente, freguesia de Santo Ildefonso.(22) Confessamos que fi cámos algo perplexos com este diploma. Como se compreende que

um rapaz de 21 anos, recém-demitido da Marinha, obtivesse um doutoramento numa universi-

dade prestigiada, em um ano? Consultámos a Universidade que, hoje, por razões das divisões

linguísticas da Bélgica moderna, está dividida em duas universidades separadas, sendo a que

nos interessa a Université Catholique de Louvain. Confi rmaram-nos que o diploma é autêntico

e que equivale a uma actual licenciatura. Decerto teriam dado créditos por cadeiras e exames

efectuados no contexto do curso (que concluíra) para ofi cial da Marinha Portuguesa, donde

o curso em um único ano. Acrescentaram que tal não era raro na altura. Não poderiam confi r-

mar mais, pois os arquivos da Universidade foram queimados em 1914, pelos alemães inva-

sores. Ainda assim, Soveral consta do livro ofi cial daquele ano. O diplomata Amadeu Ferreira

d’Almeida, que serviu em Londres como adido de Soveral, entre 1906 e 1910, disse, numa con-

ferência na Sociedade de Geografi a, em 1949, que o curso era, na altura, o mais curto que havia

na Europa, em ciências políticas. Seu cunhado António, oitavo visconde de Asseca e o então

sexto marquês de Pombal também se doutoraram na mesma Universidade.

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O Marquês de Soveral

francesa, «preferindo» aqueles que juntassem a língua inglesa ou alemã. Um outro decreto com força de lei datado de 18 de Dezembro de 1869 estipula que a admissão de «logares de addidos» fosse feita por concurso público.

Assim, a 1 de Janeiro de 1873, abre-se concurso público para adido de Lega-ção. Soveral concorre e é admitido ao concurso em Fevereiro do mesmo ano, entregando, em Abril, a documentação (que, ontem como hoje, é exigida ao cidadão, como por exemplo uma certidão do registo criminal), a qual é soli-citada ao juiz de São João da Pesqueira. Tem ainda de apresentar certidão de se achar «quite» com a fazenda pública, mas, dado que «nunca exerceu cargo do qual se podem provir quaisquer responsabilidades», faz uma declaração nesses termos e para esse efeito. Nos documentos incluiu-se o referido diplo-ma do seu doutoramento, passado pela Universidade de Lovaina. Declara-se residente em Lisboa «às Janellas Verdes», em casa de seu primo, o visconde d’Asseca.

Soveral tinha, pois, 22 anos quando se submeteu a uma «exposição theórica sobre o ponto que tiver sido tirado à sorte» dum programa com 62 pontos(23) e outra, prática, em que era colocada uma hipótese.

Das provas apresentadas(24) por Soveral, a sua prova teórica consistiu numa redacção sobre o tema «Direito de Emigrar; restrições a que está sujeito este direito». Na sua prova, Soveral defende um ponto de vista bem diferente das preocupações de hoje. Fala e critica os países que não deixam os seus cida-dãos sair, embora reconheça que a emigração contínua empobrece os países. Refere-se, como exemplo, à Irlanda. Mas julga que um país, para combater a partida dos seus, deverá ter «uma boa organização do trabalho em todos os ramos». Para o examinado, «o direito natural não se oppõe a que um cidadão sahia do seu paiz para ir habitar um estado estrangeiro». Hoje, claro, os países preocupam-se com o número daqueles que desejam entrar, não de sair.

A prova prática convida o candidato a comentar a seguinte situação: «Um navio português durante a guerra franco-prussiana tomou carga de ferro em Inglaterra com destino a um porto alemão, onde a par de importantes indús-trias existem fábricas de armamento e munições de guerra. Encontrou no mar alto uma fragata francesa que o visitou. O comandante da fragata con-siderando o ferro contrabando de guerra capturou o navio português. Com que fundamento se pode reclamar contra este procedimento?»

(23) Sobre os seguintes capítulos: História Política e Diplomática, Direito Internacional Pú-

blico, Direito Internacional Privado, Direito Internacional Marítimo e Administração Consular.(24) Só se encontram duas provas deste candidato. A lei permitia (parágrafo 2 do artigo 68.°)

que fossem dispensados de provas práticas os candidatos que mostrassem «ter um curso su-

perior de letras ou sciências», o que seria o caso de Soveral, nomeadamente no capítulo das

línguas.

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Ascendentes e juventude 18 | 19

Aqui Soveral desenvolve a tese de que o ferro, antes de manufacturado, pode ter um objectivo de guerra ou de paz. Assim, sendo a carga só de ferro, a acção do comandante francês viola o direito de comércio livre de Portugal. Cita vários tratados e aquilo a que chama «publicistas» como Grotius. Co-menta o uso e abuso, pelos ingleses, daquilo que estes designam por «direito de necessidade». Curiosamente, considera o direito positivo (tratados) como direito secundário. Designa como «direito primitivo», neste caso, o direito pú-blico internacional decantado de usos e costumes seculares. E conclui: «Por-tugal tinha pois todo o direito de reclamar a restituição do navio e das mer-cadorias e de exigir para o possuidor do navio mercante uma indemnização correspondente ao tempo perdido e aos dannos que soff reu.»

O júri(25), presidido pelo ministro João de Andrade Corvo, reuniu-se a 6 de Maio de 1873 e classifi cou as provas. Estas apresentavam-se por forma anó-nima e só depois de classifi cadas («unanimemente») eram «abertos os papéis que continham as assignaturas e confrontadas com as originais».

Houve oito concorrentes(26), sendo Soveral e o visconde de Seisal consi-derados «bom por todos»; um dos outros ( José de Sousa Monteiro) recebeu «muito bom por quatro e bom por um»; dois deles ( Fernando da Costa Leal e D. Miguel de Noronha) «esperado por três e bom por dois». Soveral e o vis-conde de Seisal classifi caram-se, juntos, em quarto lugar.

Curiosamente, quando foi admitido e colocado na Legação de Portugal em Viena, como adido, Soveral recebeu a comunicação de que teria «obrigação de residência e serviço, e sem ordenado nem vencimento algum». Só como segundo secretário passaria a receber um ordenado(27).

Aprovado e admitido, Soveral vai para Viena como adido de Legação, em 1873. Era presidente do governo, em Portugal, Fontes Pereira de Melo, e mi-nistro dos Negócios Estrangeiros o capitão de engenharia João de Andrade Corvo. D . Luís reinava desde 1861.

(25) Constituído, além do ministro, por: João Baptista da Silva Ferrão de Carvalho Martins,

conselheiro procurador-geral da Coroa e Fazenda; Augusto Carlos Cardoso Bacelar de Sousa

Azevedo, segundo visconde de Algés, ajudante do mesmo; conselheiro António Gonçalves de

Freitas, director-geral das Contribuições Directas; capitão-tenente Carlos Testa, professor da Es-

cola Naval; conselheiro Emílio Achilles Monteverde, secretário-geral do Ministério dos Negócios

Estrangeiros.(26) Além de Soveral, Fernando de Azevedo, Vicente de Castro Guimarães, Fernando Augusto

da Costa Leal, D. Miguel Aleixo, António do Carmo de Noronha, André Meyrelles do Canto e Cas-

tro, visconde de Seisal e José Maria de Sousa Monteiro.(27) Artigo 68.°, parágrafo 1, do decreto de 18 de Dezembro de 1869: «É alem disso condição

essencial para ser nomeado addido, que o candidato apresente documento pelo qual mostre

que por si ou pela sua família tem meios para viver sem ordenado nas côrtes estrangeiras.»

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O rei D. Luís.

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Viena e Berlim

Soveral chegou a uma Áustria que, pouco a pouco, absorvia a realidade da sua despromoção enquanto grande potência europeia. A Áustria emergiu das guerras napoleónicas como um grande país dominante. O congresso que estabeleceu a Europa do século xix realizara-se em Viena. O mítico e impor-tante ministro austríaco Metternich (1773-1859) dominara a política interna-cional durante a primeira metade do século. A Santa Aliança, uma criação sua, infl uencia todo o Continente Europeu. Até no longínquo Portugal, a Convenção de Gramido, de 1847, que põe termo à chamada Guerra Civil da Patuleia, com intervenção militar estrangeira, ainda refl ectia o sistema de equilíbrios internacionais criados pela Áustria.

O Santo Império Romano-Germânico durou até 1806, na dinastia dos Habs-burgos, com todo o seu glorioso e milenário passado(1). A partir dessa data, os Habsburgos passaram a ter, entre outros títulos, o de imperadores da Áustria, reis da Hungria e da Boémia, dominando também o Norte de Itália e parte do território que hoje pertence à Polónia.

Era uma dinastia supranacional que reinava sobre povos e culturas bem diferentes. O progressivo nacionalismo que caracterizou o século xix minou, pouco a pouco, toda a sua estrutura. Também a Áustria e seus imperadores, que sempre se tinham considerado os chefes históricos da grande nação ger-mânica, perderam a sua posição para a Prússia. As rivalidades austro-prussia-nas culminaram na chamada Guerra das Seis Semanas, em 1864, em que a Áustria foi derrotada(2).

(1) O autor ouviu, nos anos 1950, uma missa perto de Montemor-o-Velho, cujo velho missal

ainda continha orações pelo imperador.(2)

Note-se que Bismarck não pretendia absorver a Áustria ou destruí-la. Sempre respeitador

do princípio monárquico, não procurava necessariamente o engrandecimento da Prússia pela

anexação de outros Estados. Procurava, sim, a predominância e hegemonia da Prússia e da sua

dinastia sobre toda a Alemanha.

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A segunda metade do século xix é também o período em que o naciona-lismo italiano mais se faz sentir, com a saga do «Risorgimento» na península. A Áustria perde a Lombardia, em 1859, e as tropas de Vítor Manuel II (1820--1878), rei de Itália, entram em Roma em 1870, tornando o papa, em suas palavras, «prisioneiro do Vaticano».

Em 1870, a Prússia vence a França na Guerra Franco-Prussiana e o Império Alemão é proclamado em Janeiro de 1871, na Sala dos Espelhos do Palácio de Versailles, sendo os Hohenzollerns a dinastia reinante na Prússia. Este impé-rio autodenominou-se Segundo Reich, o Primeiro tendo sido o Sacro-Impé-rio(3). Berlim substitui, pois, Viena como capital da nação alemã.

O império da Áustria deparava-se, portanto, com problemas crescentes, devido ao nacionalismo das nações que o compunham. As longas e complica-das negociações com a Hungria culminaram no Ausgleich, em 1866. A Áustria passou a ser ofi cialmente conhecida pelo nome de Império Austro-Húngaro, tendo a Hungria completa autonomia e Parlamento para assuntos internos. De certo modo, a criação de um Estado duplo foi a última medida autocrá-tica do imperador Francisco José (1830-1916), que se tornou, a partir de en-tão, um monarca constitucional, embora com poderes alargados no plano internacional.

E porquê um Estado apenas duplo? E a Boémia? Os húngaros nunca dei-xaram que outras nações do Império alcançassem importância paralela. As fronteiras da então Hungria eram, na verdade, muito mais extensas do que as da moderna Hungria pós-1918. Nos fi ns de 1871, ano da chegada de Soveral, o hábil ministro dos Negócios Estrangeiros, conde Von Beust caíra, sobretu-do devido à sua incapacidade de conciliar os povos eslavos com o Império. Durante os oito anos que se seguiram, o húngaro Andrassy (1823-1890) con-duziu os assuntos da monarquia como se fosse um apêndice da nação magiar.

Foi, pois, num ambiente em que a Áustria perdia importância e as várias nações que compunham o Império Austro-Húngaro se envolviam em confl i-tos constantes que Soveral assumiu as suas funções em Viena.

Diga-se, em verdade, que embora tivesse perdido o seu estatuto de capital da grande nação germânica, Viena era muito mais cosmopolita e cultural-mente mais sofi sticada do que a provinciana Berlim. Havia nessa capital uma grande mistura de raças e povos vivendo em (razoável) tolerância e contacto. Após a vitória de Wagram sobre os austríacos (1809), Napoleão comentou, sardónico, a sua própria legitimidade como imperador: «Os austríacos, depois da sua derrota, concentram-se em volta do seu imperador e todos choram em conjunto as desgraças da pátria; se eu perder uma batalha serei o único culpado!» Contudo, depois da derrota de Königgrätz ou Sadova (1864) e do

(3) E o Terceiro Reich, o de Hitler.

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fi m defi nitivo de quaisquer aspirações da Áustria à manutenção do seu esta-tuto histórico sobre toda a Alemanha, não houve grandes lamentações. No dia seguinte à batalha realizaram-se corridas de cavalos no Prater e os cafés e restaurantes estavam cheios.

Johann Strauss Filho (1825-1899), compositor do Danúbio Azul, estava no auge da sua popularidade. Construíra-se a famosa Ringstrasse. Em 1869 pro-mulgou-se uma lei decretando a obrigatoriedade da instrução primária gra-tuita. Viena era a grande capital europeia da música. Wagner e Brahms digla-diavam-se como grandes rivais, ambos com enorme popularidade. No campo da medicina, a capital do Império já se distinguia do resto da Europa. Quando Soveral chegou a Viena, Sigmund Freud tinha 17 anos e Gustav Mahler 13.

Portugal, no seu cantinho europeu, pouco teve a dizer e a defender quanto aos seus interesses, durante os momentosos eventos que dominavam a Euro-pa Central. Recordemos o pai do nosso rei D. Luís, D. Fernando, príncipe de Saxe-Coburgo-Gota, esclarecido liberal na tradição do seu tempo e, portanto, pouco identifi cado com as ideias dominantes na Prússia e na Áustria. O rei D. Luís casa, em 1862, com D. Maria Pia, fi lha de Vítor Manuel II, primeiro rei duma Itália unifi cada, conquistador de Roma e dos estados papais, e exco-mungado pelo papa.

Soveral só fi cou em Viena cerca de um ano e meio, entre 24 de Janeiro de 1873 e 4 de Outubro de 1874. Era ministro plenipotenciário João Coelho de Almeida Júnior, que representou Portugal em Viena entre 1871 e 1879. Du-rante este período, não houve senão assuntos de rotina. Em Janeiro de 1873 (dias antes da chegada de Soveral), assinara-se a Convenção Consular entre Portugal e o Império Austro-Húngaro; no ano anterior celebrara-se um trata-do de comércio e navegação entre os dois países.

O comportamento e o profi ssionalismo de Soveral devem ter sido muito bons, pois, após o curto período em que esteve em Viena, foi promovido a segundo secretário de Legação e colocado em Berlim(4), então a capital do Estado mais poderoso do continente europeu. Além desta rápida promo-ção, foi ainda investido, devido à ausência do ministro, como encarregado de Negócios, entre Maio de 1875 e Novembro de 1876. Um adido, segundo o decreto de 23 de Abril de 1867, nunca poderia ser encarregado de Negó-cios (artigo 45.º, parágrafo único)(5). No império dominado pelo génio e força

(4) Substituindo António Maria Tovar de Lemos, que foi para a Santa Sé.

(5) Repare-se que o ministro plenipotenciário em Berlim esteve ausente, repito, um ano e

meio. Ora, não é difícil concluir que Lisboa quis que o encarregado de negócios não fosse um

segundo secretário qualquer, dado o tempo de comissão em perspectiva e a importância do

posto. Assim, julgamos que a promoção de Soveral e a sua colocação em Berlim se deveram às

suas qualidades como diplomata, decerto já evidentes.

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