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UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA Cláudia de Paiva Fragomeni A QUESTÃO AMBIENTAL: UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-JURÍDICA (NORTE DO RIO GRANDE DO SUL) Passo Fundo 2005

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Page 1: UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO · História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre

UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

Cláudia de Paiva Fragomeni

A QUESTÃO AMBIENTAL:

UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-JURÍDICA

(NORTE DO RIO GRANDE DO SUL)

Passo Fundo

2005

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Cláudia de Paiva Fragomeni

A QUESTÃO AMBIENTAL:

UMA ABORDAGEM HISTÓRICO-JURÍDICA

(NORTE DO RIO GRANDE DO SUL)

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em História, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Passo Fundo como requisito parcial e final para obtenção do grau de mestre em História, sob orientação do Prof. Dr. Astor Antônio Diehl.

Passo Fundo

2005

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Consciente da distância que se abre e em tão pequeno espaço, a família (Juliano, Angélica, Luiz Felipe e...) acompanha, curiosa, atenciosa, o trabalho que se desenvolve na composição de uma dissertação. Nem reclama a ausência nos feriados, fins de semana, nas horas menos prováveis, porque se acostuma a esperar, afinal, o ciclo – ler, estudar, escrever, revisar, pesquisar ... – um dia vai acabar. E, quando chegar ao final, sabe, mesmo que guarde apenas no coração, que sua compreensão, seu silêncio, seu apoio, estão em cada capítulo que a ela aqui dedico.

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Entendo que agradecer é uma etapa que se processou na minha memória, no momento em que quis, de alguma forma, explicitar o reconhecimento a pessoas e instituições que socializaram os seus saberes ou estenderam o seu apoio durante a realização desta pesquisa. São muitas, e por isso talvez eu não consiga identificar a todas, todavia as guardarei no recanto da sensibilidade que se expande em meu coração. Agradeço a: UPF, Direção e Coordenação da Faculdade de Direito, Arquivo Histórico Regional, Gesp, Gegv, Prana, Psiu, Ibama, Smam, Ministério Público, Jornal “O Nacional” , Jornal “Diário da Manhã”, Rádio “Diário da Manhã” AM, Rádio Uirapuru AM. Agradeço, em especial, a dedicação, paciência e apoio do Prof. Dr. Astor Antônio Diehl, que com sua competente orientação estimulou a realização da pesquisa.

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Tanto amor perdido no mundo Verdadeira selva de enganos A visão cruel e deserta De um futuro de poucos anos Sangue verde derramado O solo manchado Feridas na Selva A lei do machado Avalanches de desatinos Numa ambição desmedida Absurdos contra os destinos De tantas fontes de vida Quanta falta de juízo Tolices fatais Quem desmata, mata Não sabe o que faz [...] Todos os gigantes tombados Deram suas folhas ao vento Folhas são bilhetes deixados Aos homens do nosso tempo Quantos anjos queridos Guerreiros de fato De morte feridos Caídos no mato. (Autor desconhecido – gravação Roberto Carlos – 2004)

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RESUMO

O tema desta dissertação traz uma abordagem sobre o meio ambiente,

especialmente na região Norte do estado do Rio Grande do Sul, em termos históricos,

considerando a importância da relação sócio-histórica com outras áreas das humanidades

como a pedagogia, antropologia, geologia, biologia, química, física, paleontologia, direito,

economia. Essas ciências, que caminham juntas na consciência ambiental e residem na

história dos homens, procuram oferecer respostas à sociedade e à comunidade científica

por meio de institutos jurídicos que surgiram para acompanhar e tutelar as situações e

circunstâncias atinentes ao desenvolvimento social. A pesquisa foi instrumentalizada pelo

conceito qualitativo; o método de estudo caracterizou-se como dialético e as informações

foram expostas na ordem cronológica decrescente. A estrutura capitular está organizada em

três etapas correspondentes aos capítulos: I, no qual aborda alguns aspectos relacionais da

questão ambiental na história e no direito; II, onde a temática adentra pela busca de

conhecimentos sobre a consciência preservacionista e sua evolução pela cultura da

necessidade; III, momento que apresenta os resultados da coleta de dados qualitativos junto

a instituições que objetivam o resguardo da natureza. O estudo conclui que ONGs e INGs

da região Norte do estado trabalham no sentido de conscientizar a humanidade sobre o

significado da ação predatória do homem sobre a natureza pela equivocada relação do

progresso com ações destrutivas das matas, disseminação dos agentes poluidores, alteração

do curso dos rios, alterações climáticas, e mau uso dos recursos naturais.

Palavras – chave: meio ambiente, conscientização, direito, legislações, história.

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ABSTRACT

The subject of this dissertation brings a boarding on the half environment,

especially in the region North of the Rio Grande do Sul, in historical terms, considering the

importance of the partner-historical relation with other areas of the humanities as the

pedagogy, anthropology, geology, biology, chemistry, physics, paleontology, right,

economy. These sciences, that walk together in the ambient conscience and inhabit in the

history of the men, look for to offer answers to the society and the scientific community,

through the legal justice codes that had appeared to follow and to tutor the situations and

circumstances to the social development. The research was instrumentalist by the

qualitative concept; the study method was characterized as dialectic and the

systematization of the information had been displayed in the decreasing chronological

order. The structure to capitulate was organized by three corresponding stages to the

chapters: in the I chapter some relation aspects of the ambient question in history and the

right had been boarded; in II the chapter the thematic on for the search of knowledge on

the preservationist conscience and its evolution for the culture of the necessity; in III the

chapter one presents the results of the collection of qualitative data together the institutions

that objectify the defense of the nature. It was observed, in this last topic, that ONGs and

INGs, of the region North of the State work in the direction to acquire knowledge on the

meaning of the predatory action of the man on the nature and the make a mistake relation

of the progress with destructive actions of the bushes, of the dissemination of the polluting

agents, the alteration of the course of the rivers, of the climatic alterations, the bad use of

the natural resources.

Keywords: half environment, conscience, right, legislators, history.

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

- AHR – Arquivo Histórico Regional

- APA – Área de Preservação Ambiental

- ARIE – Área de Relevante Interesse Ecológico

- ATPF – Autorização para Transporte de Produtos Florestais

- BNDES – Banco Nacional do Desenvolvimento

- Cetap – Centro de Tecnologias Alternativas Populares

- CMF – Conselho Nacional Florestal

- CNBB – Conselho Nacional dos Bispos do Brasil

- CND – Certidão Negativa de Débito

- CNE – Conselho Nacional de Educação

- Consema – Conselho Nacional do Meio Ambiente

- Corsan – Companhia Riograndense de Saneamento

- Defap – Departamento de Florestas e Áreas Protegidas

- ETE – Estação de tratamento de esgotos

- Gegv – Grupo Ecológico Guadiões da Vida

- Gesp/AT – Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas/Amigos da Terra

- IBAMA – Instituto Brasileiro do Meio Ambiente

- Ibase – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas

- IBDF – Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal

- IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

- ING – Individuo Não Governamental

- Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

- LPA – Licença de Pesca Amadora

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- LPU – Licença de Porte e Uso de moto-serras

- MDL – Mecanismo de Desenvolvimento Limpo

- MMA – Ministério do Meio Ambiente

- OMS – Organização Mundial da Saúde

- ONG – Organização Não Governamental

- ONU – Organização das Nações Unidas

- Oscip – Organização da Sociedade Civil de Interesse Público

- PIN – Programa de Interação Nacional

- PNAD – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios

- Pnuma – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente

- Prana – Associação Ambientalista

- Probio – Programa Nacional de Conservação da Diversidade Biológica Brasileira

- Psiu – Parceiros do Silêncio Urbano

- RPPN – Reservas Participação do Patrimônio Nacional

- Sema – Secretaria Estadual do Meio Ambiente

- Sisnama – Sistema Nacional do Meio Ambiente

- SMAM – Secretaria Municipal do Meio Ambiente

- Uinc – União Mundial para a Natureza

- Unesco – Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura

- UPF – Universidade de Passo Fundo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO................................................................................................... 13

1 ASPECTOS RELACIONAIS DA QUESTÃO AMBIENTAL NA

HISTÓRIA E NO DIREITO: LEGISLAÇÃO DE HOJE PARA O

PASSADO...........................................................................................................

24

1.1 O direito, a história e as demais ciências humanas............................ 26

1.2 História nacional e regional, relação espaço temporal, escala de

análise e valoração...................................................................................

31

1.3 Medidas ambientais adotadas pela Constituição Federal de 1988:

ambiente como direito do homem, competências, obrigatoriedade da

recuperação do meio degradado...............................................................

39

1.4 Lei dos Crimes Ambientais – Lei 9605/98 - a criminalização das

condutas e a aplicabilidade da lei: o perfil do agente ativo do crime

ambiental e a reprovação social...............................................................

44

1.4.1 O crime ambiental e a prática da

necessidade...................................................................................

46

1.4.2 O perfil do agente ativo do crime ambiental e a

reprovação social..........................................................................

49

1.4.3 O histórico da impunidade pelo descrédito da

justiça............................................................................................

57

1.5 A primeira Lei de Terras no Brasil – lei 601/1850............................ 59

2 A ECLOSÃO DA CONSCIÊNCIA PRESERVACIONISTA E SUA

EVOLUÇÃO PELA CULTURA DA NECESSIDADE......................................

65

2.1 A questão ambiental da história ao momento atual............................ 70

2.1.1 Do desmatamento................................................................ 70

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2.1.2 Outros danos ambientais...................................................... 78

2.2 Ambientalista cético: outras verdades, críticas e justificativas.......... 85

2.3 Biodiversidade e biotecnologia: a interferência do homem na

natureza. O enfrentamento religioso e o direito à saúde..........................

90

2.4 Característica ambiental do Estado e as políticas protetivas

implementadas e em desenvolvimento.....................................................

96

2.5 Passo Fundo: delimitação territorial e espacial. Reflexos na

qualidade ambiental..................................................................................

101

2.5.1 Equação território, população e saneamento básico............ 101

2.5.2 A história do problema ambiental do rio Passo Fundo: a

ponte como marco inicial do progresso e da desestabilização

natural, fauna e flora aquática......................................................

106

2.6 A prática do desmatamento e a influência no progresso da região:

Notícias pelo jornal O Nacional desde 1927............................................

109

3 AS PROPOSTAS E AÇÕES DE CARÁTER NACIONAL E GLOBAL........ 115

3.1 Organizações não governamentais: a influência do terceiro setor

brasileiro no despertar dos movimentos ecológicos.................................

122

3.2 Dos grupos de pressão: ONGs e INGs em Passo Fundo.................... 126

3.2.1 Centro de Tecnologias Alternativas Populares.................... 127

3.2.2. Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – Amigos da

Terra.............................................................................................

129

3.2.3. Grupo Ecológico Guardiões da Vida.................................. 130

3.2.4. Prana - Associação Ambientalista...................................... 131

3.2.5. Parceiros do Silêncio Urbano ............................................ 133

3.3 Entidades públicas.............................................................................. 133

3.3.1. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente............................... 134

3.3.2 Secretaria Municipal De Meio Ambiente............................ 136

3.3.3 Ministério Público do Estado do Rio Grande Do Sul - 1ª

Promotoria De Justiça Especializada............................................

137

3.4 Programas rádios/Tv’s/jornais........................................................... 138

3.4.1 Rádio Uirapurú e o Programa Uirapurú Ecologia.............. 140

3.4.2 Rádio Diário da Manhã – Por falar em ecologia................ 141

3.3.3 Jornal Via Eco...................................................................... 141

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3.3.4 Campanhas publicitárias e de conscientização.................... 146

CONSIDERAÇÕES FINAIS.............................................................................. 146

REFERÊNCIAS................................................................................................... 155

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INTRODUÇÃO

Não vemos, efetivamente, que necessidade haveria de se proibir o que ninguém deseja realizar. Aquilo que se acha severamente proibido tem

que ser objeto de um desejo. Freud

O presente estudo tem como propósito fazer uma retrospectiva histórica sobre a

questão ambiental da região Norte do Rio Grande do Sul, abrangendo o contexto social no

período de 1930 a 2004. Torna-se pertinente descrever as práticas e condutas do período

em estudo no concernente ao meio natural e sua conservação, destacando a subordinação

da sociedade ao poder do Estado. A problemática consiste em localizar os dilemas,

transformações e evoluções que envolveram questões ambientais no processo de

modernização, bem como a contrapartida através da conscientização dos cidadãos sobre a

matéria, o meio natural e sua conservação.

Objetiva-se, sobretudo, elucidar a evolução histórica da consciência sobre a

preservação do ambiente para os homens socialmente construídos, que serão diretamente

beneficiados com a análise, uma vez que, buscando no passado, têm-se condições

infinitamente melhores de se fazer uma previsão dos resultados subjetivos para sua

contextualização em todas as áreas do conhecimento. Ao mesmo tempo, faz-se uma análise

do surgimento dos regramentos, da aplicação das leis, dos modos de proteção do meio

ambiente e da atuação do Estado na violação e agressão da natureza na forma geral.

Contemplam-se ainda, os dispositivos legais existentes na época e a evolução dos

regulamentos jurídicos.

O problema ambiental e suas interferências como norteador do estudo é relevante

no contexto da ciência do direito e da história, por isso é tratado em conjunto neste

trabalho, além de se apresentar como inédito nos termos que se propõe, Não se tem

conhecimento de estudo desenvolvido segundo esta proposta que contemple a retrospectiva

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histórica da questão ambiental no contexto social com enfoque na região Norte do Rio

Grande do Sul.

Justifica-se a relevância do tema pela importância sócio-histórica e pela atualidade

do objeto da pesquisa, considerando a interação direta entre a história e a modernidade,

posto que uma inexiste sem a outra. Acredita-se ser importante pesquisar a evolução do

homem como agente, ao mesmo tempo, de destruição e de preservação da natureza; a sua

consciência e os modos de que o Estado se utiliza para inibir os agentes sociais “nocivos” ;

os reflexos e a reprovação comunitária das ações. As comunidades, historicamente, vivem

em função do ambiente natural em que estão inseridas, cujas transformações resultaram em

outras riquezas, mas também trouxeram conseqüências que, ao serem constatadas,

despertam para a conscientização da necessidade de reconstrução e preservação, ignoradas

em momento anterior.

Para Diehl, há uma relação característica de autoridade e dominação entre o Estado

e o povo, representada por um corpo administrativo cuja autoridade se baseia na crença ou

na legitimidade, elementos fundamentais para a estabilidade da relação de autoridade que é

materializada pela prática de ordens dadas e que devem ser, invariavelmente, obedecidas1.

Metodologicamente, trata-se de uma pesquisa qualitativa, sobre uma temática que é

uma preocupação social, realizada através de uma reflexão crítico-analítica chancelada

pelo método dialético, o qual, para Diehl e Paim, “ fundamenta-se na dialética proposta por

Hegel, na qual as contradições se transcendem dando origem a novas contradições, que

passam a requerer solução” 2. Buscaram-se na literatura disponível os momentos históricos

de 1930/2004 e a coleta de informações pertinentes ao tema junto a instituições

prevencionistas. Como fonte documental, foram utilizados documentos legais, artigos e

publicações periódicas. Os resultados fornecem um conjunto de conhecimentos da área em

estudo, representando um avanço no campo histórico-jurídico, mas, sobremaneira, no

campo político-social. Tanto o material bibliográfico como documental ou os resultados de

entrevista foram analisados, especialmente os casos concretos, bem como os diversos

entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, com o intuito de se chegar ao conhecimento

histórico da teoria e da prática desenvolvida no período em estudo. Trata-se, portanto, de

uma pesquisa de teor histórico e jurídico.

1 DIEHL, Astor Antônio. A cultura historiográfica brasileira: década de 1930 aos anos 1970. Passo Fundo: UPF, 1999. p. 104. 2 DIEHL, Antônio Astor; PAIM, Denise Carvalho. Metodologia e técnica de pesquisa em ciências sociais aplicadas. Passo Fundo: Clio, 2002.

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Atualmente, observa-se uma revolução na pesquisa histórica, que passa a abranger

o estudo do movimento e das mudanças das sociedades humanas, das mentalidades, dos

discursos, das representações, pela combinação de história de eventos com a de estruturas,

isto é, uma história de longa duração, das práticas cotidianas, do imaginário social,

segundo a tradição iniciada pela Escola de Annales, onde o risco repousa na plausibilidade

da narrativa histórica. Foi com o advento da Escola de Annales que se construíram novos

horizontes para a pesquisa historiográfica. Segundo Le Goff:

[...] a crítica da noção de fato histórico tem, além disso, provocado o reconhecimento de ‘ realidades’ históricas negligenciadas por muito tempo pelos historiadores..., junto a História política e econômica nasceu a história social, à história cultural e das representações..., ainda a história do imaginário que permite tratar o documento literário e artístico como documentos históricos de pleno direito [...].3

A história nova trouxe novas perspectivas para pesquisa historiográfica, ampliando

significativamente o foco para a análise do historiador, como define Le Goff com os novos

objetos, as novas abordagens e os novos problemas4. Com a história nova, a pesquisa volta

seu olhar para os lugares, as comunidades e os sujeitos até então ocultos nas grandes

análises, trazendo-os ao centro da historiografia.

Cada um dos sentidos humanos conta com seu próprio corpo de entidades

discriminadas, conhecidas quando relacionadas a elementos não discriminados por tal

sentido. Whitehead diz que as pessoas detêm um sentido geral das relações espaciais entre

a entidade revelada pela visão e a entidade revelada pelo tato.5 Considera-se que cada uma

dessas entidades é conhecida como um termo relacional num sistema geral de relações

espaciais e, também, com determinada relação mútua particular dessas entidades enquanto

mutuamente contextualizadas nesse sistema geral. Segundo o autor:

a natureza é aquilo que observamos pela percepção obtida através dos sentidos. Nessa percepção sensível, estamos cônscios de algo que não é pensamento e que é contido em si mesmo com relação ao pensamento. Essa propriedade de ser auto-contido com relação ao pensamento está na base da ciência natural. Significa que a natureza pode ser concebida como um sistema fechado cujas relações mútuas prescindem da expressão do fato e do que se pensa acerca das mesmas6.

3 LE GOFF, Jacques. História e memória. 2. ed. Campinas: Unicamp, 1992. p. 11. 4 Idem. 5 WHITEHEAD, Alfred North. O conceito de natureza. São Paulo: Martins Fontes, 1994. p. 63. 6 Ibid., p. 9.

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Para Whithehead, como visto na citação acima, as relações espaciais da coisa vista

teriam necessitado de uma entidade, enquanto termo relacional, no lugar da coisa tocada,

ainda que certos elementos de seu caráter não houvessem sido revelados pelo tato. Assim,

à parte o tato, uma entidade dotada de determinada relação específica com a coisa vista

teria sido revelada na apreensão sensível, mas não discriminada sob outros aspectos com

respeito a seu caráter individual.

Dessa forma, analisar as tendências teórico-metodológicas atuais da história é

possível por meio das várias fontes existentes, muitas delas já conhecidas. Para este

trabalho, foram utilizados vários tipos de fonte, especialmente a legislação atual e antiga,

processos arquivados, matérias noticiadas pelos meios de comunicação e outras. Traz-se

para a discussão a riqueza de dados e a constatação da influência e da

transdisciplinariedade da problemática ambiental enquanto resultados e reflexos

econômicos e sociais no processo transtemporal.

Foi selecionado, dentro da linha de pesquisa proposta, um determinado contexto

territorial e temporal para a averiguação de semelhanças e diferenças dos processos

protetivos, de pressão e dos comportamentos em face da regulação da questão. A evolução

da temática no contexto atual não se configura em preocupação exclusiva da história ou do

direito, mas é grande preocupação interdisciplinar, que persegue todos os ramos científicos

do conhecimento nas mais diversas áreas.

Umberto Eco questiona acerca da opção por temas antigos ou contemporâneos,

dizendo que enfrentar essa questão é como reavivar a antiga “querelle des anciens et des

modernes [...]” . Afirma que o problema inexiste para algumas disciplinas, mas estudar

autores contemporâneos é sempre mais difícil, entretanto aconselha: “Trabalhe sobre um

contemporâneo como se fosse um antigo, e vice-versa” .7

Para Diehl, a categoria vida é entendida, em termos elementares, como

produtividade. A vida produz, dá existência, faz aparecer o que não existia, enfim, realiza e

realiza-se, historiciza-se. O novo projetado a partir da vida não necessariamente repõe

regularidades ou, mesmo, atualiza leis já existentes. É típico da vida, também na sua

dimensão cotidiana, realizar a diferença, o singular, o novo no sentido radical; também

significa regularidade, como ocorre no próprio processo de modernização, o que pode dar

lugar à vivência e à experiência, ampliadas pelo acaso através da contingência.8

7 ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 18. ed. São Paulo: Perspectiva, 2003. p. 13-14. 8 DIEHL, Antônio Astor; PAIM, Denise Carvalho, op. cit., 2002. p. 70-71.

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Conforme os vários enfoques das ciências, existem as teorias sobre o surgimento da

vida e do meio ambiente, entendidas como amplo conjunto de conhecimentos que contêm

fatos comprovados cientificamente, algumas hipóteses em fase de verificação e algumas

especulações acerca das interações dos sistemas que ditam o ritmo da evolução do meio

ambiente terrestre.

Giddens, um dos sociólogos mais respeitados na atualidade por suas convicções

políticas e suas obras, defensor da “alta-modernidade”, traz nas suas obras uma nota

provocativa acerca da interpretação das transformações sociais decorrentes da

modernidade. Argumenta que ainda não se alcançou a pós-modernidade, mas que já se está

a caminho da anunciada mudança para uma forma altamente reflexiva de vida, na qual as

práticas sociais são constantemente observadas e modificadas pelas informações recebidas,

alterando, assim, seu caráter, seu ritmo e o alcance da transformação social, sem prejuízo

dos reflexos nas instituições modernas, que ganham novas formas, novos valores e

contextos sociais. 9

Assevera o autor que é impossível separar a constituição das sociedades modernas,

sem considerar a globalização e os riscos que implica, quer para o indivíduo, quer para a

coletividade. A reflexão de Giddens está centrada no sujeito (eu) e nos mecanismos de

auto-identidade, que são constituídos pelos conceitos da modernidade, determinados por

influências exógenas capazes de forjar ações e de influenciar o indivíduo, ser social,

trazendo implicações e conseqüências para o conjunto social.10

Assim, esta investigação procura realizar o estudo histórico da evolução do homem

enquanto agente na sua trajetória temporal e espacial, onde se incluem os controles do

corpo e da mente (volitivos ou instintivos) pela necessidade de construir um padrão ideal e

aceitável, considerados os riscos em contraponto da segurança das mudanças no mundo

globalizado, que conectam comunidades e organizações em novas combinações políticas,

culturais, sociais. Essas ligações entre nações podem provocar a desintegração das

identidades nacionais ou reforçá-las para resistência das idéias impingidas pelo processo

globalizante, além do nascimento de novas identidades hibridizadas pelo intercâmbio dos

vários elementos em fluxo, que vão tomando espaço e os meios de representação.

9 Anthony Giddens é desde 1996, reitor do London School of Economics and Political Science (LSE), membro do King’s College e professor de sociologia da Universidade de Cambridge. Entre seus trabalhos mais recentes, contam-se The Constitution of Society (1984), The Nation-State and Violence (1985) e Sociology (1989). 10 GIDDENS, Anthony. Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2002. p. 198.

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Desses elementos da composição social se subtrai que, ao mesmo tempo em que há

destruição e preservação da natureza, a consciência e os modos de que o Estado se utiliza

para inibir os agentes sociais “nocivos” , os reflexos e a reprovação social e legal das ações

humanas, vêm acompanhadas de perturbações e ansiedades generalizadas, impondo novas

identidades para as novas perspectivas da política das decisões da vida.

Neste momento histórico urgem uma moralização da vida social e uma nova

conceituação e delimitação de espaço para as instituições da modernidade, dos conceitos,

para definir a complexidade dos mecanismos que separam o moderno do pré-moderno,

com reflexões que perpassam pelo social, pelas relações interpessoais, intelectuais e o

institucional desta organização social.

A função redentora da política no sentido de que se adequaria ao curso da história,

na qual quem avança seria considerado progressista e quem resiste aos impulsos do

progresso seria considerado reacionário, não mais se sustenta. A ideologia marxista ou a

religião, que teorizavam a compensação dos sacrifícios no futuro, não têm mais o condão

de exortar do mundo as coisas negativas, como a doença, a morte, a ignorância. O

processo de modernização traz transformações concretas e objetivas, numa dinâmica

processual que rompe com o passado, de modo que o estado de glória a ser atingido é a

evolução e quer-se chegar no “ futuro” do presente.11

Marschall Berman refere-se a uma experiência de tempo e espaço, de si e dos

outros, das possibilidades e dos perigos que denomina “vital-experiência” . Diz que ser

moderno é

encontrarmo-nos em um meio ambiente que nos promete aventuras, poder, alegria, crescimento, transformação de nós mesmos e do mundo – e, que ao mesmo tempo, ameaça destruir tudo o que temos, tudo o que conhecemos, tudo o que somos. Ambientes e experiências modernas atravessam todas as fronteiras de geografia e de etnias, de classe e de nacionalidade, de religião e ideologia: neste sentido, pode-se dizer que a modernidade une todo o gênero humano. Mas é uma unidade paradoxal, uma unidade desunida: envolve-se a todos num redemoinho de desintegração e renovação, de luta e contradição, de ambigüidade e angústia.12

Conforme Remo Bodei, o passado é fundamentalismo. Ao mesmo tempo que

contesta o poder vertical do Estado, o autor reconhece que as “ luzes” do iluminismo são

importantes, contudo, com o avanço da civilização, sempre se perde algo, porque o triunfo

da razão coincide com o enfraquecimento das paixões e dos instintos e traz a conseqüente

11 BODEI, Remo. A história tem um sentido?. São Paulo: Edusc, 2001. p. 15. 12 BERMAN Marschall. Tudo que é sólido se desmancha no ar. São Paulo: Cia das Letras, 1988. p. 15.

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perda da identidade. Na sua proposição de uma razão conjectural, Bodei inspira-se em

Condorcet para afirmar que as ações não são relativas ao passado, mas ao futuro,

demonstrando como vantagem que o historiador deixa de fazer profecias ou de inventar o

futuro. Como desvantagem menciona a total relativização da história, visto que tudo se

torna domínio do acaso13.

Refere Bodei que o sentido da história

[...] não é, portanto dado por quem comanda, por quem tem condição de reconduzir as diferenças à unidade, mas pela polifonia, pela pluralidade de significados que provém da soma das contribuições anônimas que cada povo é capaz de trazer para as vicissitudes do mundo.14

Bodei salienta ainda que só há racionalidade e sentido na história se permitir que

cada um exprima a própria natureza, porquanto coexistem a nação e a humanidade, ou

melhor, cresce e enriquece pelo intercâmbio recíproco. A imprevisibilidade da história é o

preço a ser pago por todas as passagens e transformações provocadas, desde a ação

individual até a coletiva, com todas as suas formas e interações. O autor cita Kant e Hegel,

que raciocinaram focalizando a idéia da heterogênese dos fins, ou seja, da involuntária

metamorfose que os objetivos de cada homem sofre quando suas ações ultrapassam as

intenções individuais, apresentando reflexos no conjunto da humanidade.

Não obrigatoriamente serão nefastos os efeitos uma vez que a história recicla as

ações malignas dos homens em função da utilidade coletiva. Há milênios a humanidade

existe, assim como há milhões de anos o homem habita o planeta desde eras não históricas.

No entanto, a preocupação com o meio ambiente relacionada à sobrevivência da espécie

não é um fenômeno da Idade Contemporânea, porquanto é observada nos vários povos da

Antiguidade.

A normatização, as instituições e a estrutura social da condição de mundo sensato,

assim como tudo que foi transformado pela intervenção humana, são resultados das ações

dos nossos semelhantes em tempos e locais diferentes, com intensidade e extensão distinta;

são eventos históricos, munidos de uma lógica do preterintencional15 que dita o fio

condutor das idéias reguladoras da história para a sua compreensão.

Hegel é categórico ao defender que a história não se explica pelas intenções

conscientes dos homens, mas, sim, mediante as suas paixões e os seus interesses. Afirma

13 BERMAN, op. cit., p. 27. 14 BODEI, op. cit., p. 17. 15 Prática de um resultado maior do que o pretendido pelo agente.

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que “as paixões são o verdadeiro motor da História” e traz a relação estabelecida pelo

homem com a natureza como a conciliação entre mecanismo e finalismo da natureza, tal

qual é tematizado na Crítica do Juízo, localizando como idéia-cerne o trabalho humano,

que une os dois aspectos:

[...] consiste em utilizar, para finalidades estabelecidas pelos homens, forças mecânicas naturais privadas de qualquer finalidade nos confrontos do homem. É o homem que se apropria de tais forças e as submete a sua finalidade, colocando-as em contraste umas com as outras. Utiliza assim a energia da água de uma torrente para fazer girar as pás de um moinho, de modo a acionar o moedor que tritura o trigo e o transforma em farinha.16

Whitehead, citando Schelling, esclarece que

[...] o sujeito-objeto denominado natureza em sua atividade de autoconstrução. Para compreender isto devemos nos alçar a uma intuição intelectual da natureza. O empirista não se alça a essa altura e, por essa razão, em todas as suas explicações é sempre ele próprio que se revela a construir a natureza. Não admira, pois, que sua construção e aquilo que deveria ser construído tão raramente coincidam. Um Natur-philosoph alça a natureza à condição de independência, faz que com construa a si própria e jamais é acometido, portanto, pela necessidade de contrapor a natureza tal como é construída (i.e., como experiência) à natureza real ou de corrigir a primeira por intermédio da segunda.17

A relação do espaço com o tempo estabelece o movimento e todas as mutações dos

vários elementos que compõem a natureza.18 A possibilidade da formação de uma teoria da

congruência temporal sustentava-se na mudança perceptível da natureza observada pela

humanidade, a qual restou incapaz para explicar tais fatores e seus eventos.19

A filosofia ocupou-se de apresentar teorias para o surgimento da vida. Dentre essas

se ressalta a que concebe que as ciências da natureza estudam duas ordens de fenômenos:

os físicos e os vitais, ou as coisas e os organismos vivos; constituem, assim, duas grandes

ciências: a física20 e a biologia21. Consideram-se como ciências da natureza os fatos

passíveis de serem observados e experimentados; aqueles que estabelecem leis que

16 BODEI, op. cit., p. 177. 17 WHITEHEAD, op., cit., p. 53. 18 Ibid., p. 163. 19 Ibid., p 162-163. Rei Alfredo “O Grande” ignorava as leis do movimento, mas sabia o que entendia por dimensionamento do tempo. Previa descobertas curiosas das referidas leis do movimento, ao estudar a queima de velas e o uso da areia nas ampulhetas, prática oriunda de eras passadas, pelo esvaziamento dos bulbos em tempos iguais. 20 Fazem parte: a química, a mecânica, a óptica, a acústica, a astronomia, o estudo dos sólidos, líquidos e gasosos, etc. 21 Ramificada em fisiologia, botânica, zoologia, paleontologia, anatomia, genética, etc...

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exprimem relações necessárias e universais entre os fatos investigados e que são de tipo

causal; que concebem a natureza como um conjunto articulado de seres e acontecimentos

interdependentes, ligados por relações necessárias de causa e efeito, subordinação e

dependência, ou por relações entre funções invariáveis e ações variáveis; que buscam

constâncias, regularidades, freqüências e invariantes dos fenômenos, isto é, seus modos de

funcionamento e de relacionamento, bem como estabelecem os meios teóricos para a

previsão de novos fatos.22

A intervenção científica está cada vez mais aperfeiçoada em razão da invenção de

objetos tecnológicos de pesquisa, que se dividem em: método experimental-hipotético-

indutivo, pelo qual o cientista observa inúmeros fatos em diferentes condições de

observação, elabora uma hipótese e realiza novos experimentos ou induções para confirmar

ou negar a hipótese a fim de chegar à lei do fenômeno estudado; o método-hipotético-

dedutivo, que, tendo alcançado a lei, o cientista pode formular novas hipóteses, deduzidas

do conhecimento já adquirido e com elas prever novos fatos, ou formular novas

experiências, que o levam a conhecimentos novos. Evidencia-se que o ideal moderno da

ciência é dominar a natureza.23

A ciência da natureza, desde sua gênese nos estudos gregos, sempre afirmou que a

natureza segue leis naturais, racionais e necessárias, isto é, sempre negou o acaso ou a

contingência no mundo natural; defende ser o acaso uma forma de ignorância, pois seria

originário de fatos cuja causa ainda permanece desconhecida, mas virá a ser conhecida, se

não for um acontecimento individual que não afete as leis universais da natureza.

No século XIX, a afirmação da universalidade e da necessidade plena que

governam as relações causais da natureza levou ao conceito de determinismo24. A

formulação do determinismo como princípio universal e como uma doutrina sobre a

natureza foi feita pela primeira vez pelo astrônomo e físico Laplace, que escreveu:

Devemos considerar o estado presente do Universo como efeito de seu estado passado e como causa daquilo que virá a seguir. Uma inteligência que, num único instante, pudesse conhecer todas as forças existentes na Natureza e as posições de todos os seres que nela existem poderia apresentar numa única fórmula uma lei que englobaria todos os movimentos do Universo, desde os maiores até os mínimos e invisíveis. Para ela, nada seria incerto aos seus olhos, o passado, o futuro e o presente seriam um único e só tempo25.

22 CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática, 2002. p. 263. 23 Idem.. 24 Segundo o determinismo, sempre será possível determinar a causa de um fenômeno, seu estado subseqüente que será seu efeito necessário. 25 CHAUÍ, op. cit., p. 264-266.

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Os princípios da razão suficiente, ou da causalidade, e da idéia de previsibilidade

absoluta dos fenômenos naturais exprimem essa casualidade e essa previsibilidade; por

isso, não existiria acaso no universo26. Essa situação perdurou até que a física

contemporânea trouxesse de volta o acaso, pelo pleno funcionamento do princípio da razão

suficiente ou da causalidade, e do determinismo universal, a idéia de substância, de uma

realidade que permaneça idêntica a si mesma, seja causa ou efeito. Einstein27, com sua

teoria, entende ser a física tal como é em face da posição do observador ou do sujeito do

conhecimento porque o espaço é relativo ao observador; ainda, afirma que a ciência da

natureza não é universal e necessária em si mesma, mas exprime o ponto de vista do

sujeito do conhecimento28.

Destarte, observa-se que o que realmente interessa na pesquisa histórica e jurídica é

a conduta do homem no âmbito das suas relações, com suas particularizações, com seus

conceitos, métodos e conexões, já que a crise se encontra no oposto, isto é, no isolamento e

no não-estabelecimento do liame entre significações culturais e universais nas suas

especificidades, pois conceito de cultura é de valor.

A eficácia do conhecimento está submetida aos critérios analíticos adotados para a

construção do conhecimento, seus intercâmbios e inter-relações sociais, endógenas e

exógenas, temporais e espaciais, enfim, a procedimentos reais detalhados. Assim, uma

ação aparentemente insignificante pode sugerir uma relação de cadeia de várias

perspectivas29.

Para Diehl o conteúdo da crise da historiografia está em sua envergadura máxima,

qual seja, a da significação cultural do passado, que envolve os chamados “critérios de

cientificidade” da história moderna. O que fica é uma história como plausibilidade da

realidade, pela qual se quer compreender a realidade complexa e culturalmente diversa da

26 CHAUI, op. cit., p. 264-266. 27 “Contraposta pelo jurista Pontes de Miranda, autor de uma grande obra que objetivava construir a ciência do Direito segundo a idéia positivista, intitulada Systema de Sciencia Positiva do Direito, e mereceu uma resposta de Einstein durante o jantar em sua última noite da sua visita ao Brasil” . TOLMASQUIM, Alfredo Tiomno. Constituição e diferenciação do meio cientifico brasileiro no contexto da visita de Einstein em 1925. Museu de Astronomia e Ciências Afins – Rio de Janeiro. Disponível em: <http://www.tau.ac.il/eial/VII_2/tolmasquim.htm>. Acessado em: 06 set. 2004. 28 “Teoria de Einstein. A medida da velocidade do movimento é a velocidade da luz, que nesta velocidade, toda a matéria se transforma em energia, deixando de possuir massa e volume. Do ponto de vista da velocidade da luz, todo movimento é relativo, isto é, não há como distinguir observador e observado” . CHAUÍ, op., cit., p. 266-267. 29 LEVI, Giovanni. Sobre a escrita da história In: BURKE, Peter. (Org.). A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 137.

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vida que nos rodeia e na qual se encontra situado o que ela tem de mais específico, os

motivos pelos quais se desenvolveu assim, não de outro modo30.

Para alcançar os objetivos, o texto foi dividido em três capítulos. No primeiro

delineia-se a problemática da história e do direito com enfoque na legislação atual e antiga

e suas respectivas inter-relações; estudam-se o espaço e as conseqüências sofridas pela

alteração desse espaço. No segundo, faz-se uma análise da situação regional, no norte do

Rio Grande do Sul, com o mapeamento da situação ambiental dos seus rios, florestas e

lavouras, como os crimes ambientais estão sendo veiculados pela mídia, a freqüência e o

enfoque dado, bem como as reflexões provocadas.

No terceiro e último capítulo trata-se das formas de pressão utilizadas para a

equação da problemática ambiental; da questão ambiental na sistemática política cultural

brasileira; das práticas adotadas, projetos e ações em andamento; dos métodos

educacionais em andamento no contexto da educação brasileira; dos princípios e objetivos

da educação ambiental, bem como da forma de conscientização através de trabalhos sociais

nas comunidades via ações políticas.

30 DIEHL, Antônio Astor; PAIM, Denise Carvalho, op. cit., 2002. p. 90-93.

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1 - ASPECTOS RELACIONAIS DA QUESTÃO AMBIENTAL NA

HISTÓRIA E NO DIREITO: LEGISLAÇÃO DE HOJE PARA O

PASSADO

A natureza sempre esteve em contato com as ações e interações humanas individual ou coletivamente, pela percepção obtida através dos sentidos, pelo

pensamento ou pelas modificações que essas podem produzir. Pode-se ver o que não se pode tocar e, tocar o que não se enxerga, ouvir sons que revelados na

apreensão sutil, afluem do externo e que são discriminados e discernidos pelos sentidos humanos. (Marilena Chaui)

O homem, ao longo da história, perseguindo a idéia de bem-estar, transformou os

recursos naturais em utilidades, que, por conseguinte, produziram conseqüências na vida

prática, dando surgimento a conflitos de interesses até então inexistentes. Essas novas

relações do homem com o meio levaram à regulamentação a fim de se preservar e se

restabelecer o equilíbrio na medida em que, com a exploração das riquezas naturais, o

homem produz fatos que a lei considera relevantes para proteção do direito e da própria

vida da humanidade.

Relata, a respeito, Alain Lipietz:

O homem, [...] quanto mais se afasta da animalidade, tanto mais traz influência sobre a natureza/ambiente adquire o caráter de uma ação prevista, que se desenvolve segundo um plano, dirigido no sentido de objetivos antecipadamente conhecidos e determinados [...]. O animal apenas utiliza a Natureza, nela produzindo modificações somente por sua presença; o homem a submete, pondo-a a serviço de seus interesses determinados, imprimindo-lhes as modificações que julga necessárias, isto é, domina a Natureza. E esta é a diferença essencial e decisiva entre o homem e os demais animais, e, por outro lado, é o trabalho que determina esta diferença. Mas não nos regozijemos demasiadamente em face dessas vitórias humanas sobre a Natureza. A cada uma dessas vitórias, ela exerce a sua vingança. Cada uma delas, na verdade, produz, em primeiro lugar, conseqüências com que podemos contar, mas, em segundo e terceiro lugares produz outras muito diferentes, não previstas, que quase sempre ativam essas primeiras conseqüências.31

31 LIPIETZ, Alain. Le capital et son espace. Paris: Maspero, 1977. In: SILVA, Marcos A. da. (Coord.) República em migalhas. História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p. 29.

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Salientam-se a disposição e a participação do homem na natureza, como animal

social que altera o meio e que se utiliza da natureza produzindo nela modificações e, ao

mesmo tempo, sofre as conseqüências de suas ações, que podem ser, em muito,

potencializadas com a passagem do tempo. Portanto, o auxílio de várias outras disciplinas

para a compreensão do objeto de pesquisa, como a arqueologia, a antropologia, a

geografia, a economia, a sociologia, o direito32, entre outras, permitiu à historiografia

novos ângulos de análise e compreensão do objeto.

O processo de ampliação do direito na ruptura do hermetismo passou a encarnar

reivindicações e lutas sociais que implicaram transformações socioeconômicas e políticas

que deixaram marcas indeléveis na sociedade. As importantes conquistas sociais que a

humanidade alcançou foram todas originárias de passagens históricas, de lutas

democráticas e populares específicas na forma de expressar os anseios do grande grupo,

nascidas na história e depois refletidos no direito.

Essas lutas evidenciam os avanços na conquista de espaços de liberdade coletiva e

material que possibilitam condições de viabilidade para a felicidade humana. Foi com esse

viés que, após a Segunda Guerra, essas necessidades foram ratificadas pelo direito

irmanado de várias nações, destacando-se o direito à paz, o direito ao desenvolvimento, o

direito de autodeterminação dos povos, direito a um meio ambiente saudável e

ecologicamente equilibrado, direito à utilização do patrimônio comum da humanidade.

Bobbio, em relação aos direitos conquistados pela humanidade, questiona:

Não está em saber quais, quantos são esses direitos, qual a sua natureza e o seu fundamento, se são direitos naturais ou históricos, absolutos ou relativos; mas sim qual é o modo mais seguro para garanti-los, para impedir que, apesar das solenes declarações, eles sejam continuamente violados.33

Os direitos tutelados, protegidos e recepcionados pela legislação34 mundial como

direitos de terceira geração estão presentes na Constituição Federal Brasileira de 1988, nos

artigos 225 e outros35, os quais serão objeto de análise mais aprofundada, restringindo-se

aqui apenas a uma observação acerca da municipalização do ambiente.

32 LE GOFF, Jacques; NORA, Pierre. (Org.). História: novos problemas. 3. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1988. p. 15. 33 BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 30. 34 BRASIL. Declaração Universal dos Direitos Humanos. [S.n.t.] 35 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 135-136.

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A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 18 e 3436, combinados com a

resolução Consema 04/2000, dá autonomia para o exercício do poder público municipal,

isto é, trata da viabilidade e da necessidade de legislar sobre as coisas particulares do local

por quem viva o problema ou próximo dele. Com esse intuito, as questões ambientais da

região em estudo podem ser legisláveis e, até mesmo, requeridas por quem sofra e

visualize o caso, como as organizações sociais e populares, a fim de efetivar medidas

preventivas ou curativas de forma mais imediata e eficaz.

1.1 O direito, a história e as demais ciências humanas

A história e o direito são disciplinas fundamentais para o desenvolvimento de uma

sociedade pelas relações que estabelecem entre si, assim como com outras áreas do

conhecimento. É impossível tratar das leis naturais sem adentrar na história e sem

estabelecer vértices entre estas e a lei jurídica. As leis, não se restringem a representar a lei

moral, mas agregam uma conseqüência artificial à conseqüência natural do fato, e a

construção dessa elaboração passa, obrigatoriamente, pela história.

O estudo da questão ambiental estabelece uma abordagem transdisciplinar acerca

da vinculação da história com o direito e, nessa seara, visa à compreensão dos fundamentos

conceituais e dos mecanismos explicativos que venham a esclarecer o funcionamento do

poder e sua reprodução, enquanto prática social adotada para a conservação natural e suas

inter-relações, bem como as influências dos vários estudiosos, das várias áreas do saber no

tema ambiental.

Para a elaboração deste capítulo, foram feitas revisões bibliográficas, análise de

legislações, estudo de jornais e documentos, atuais e passados, obtidos dos meios de

comunicação e seus reflexos nas práticas legislativas nos respectivos períodos, bem como a

36 “Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos [...]. Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra; III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública; IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; V- reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos [...]; b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;b) direitos da pessoa humana; c) autonomia municipal;d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta” . BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. 29. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

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influência nas condutas sociais das comunidades. O jornal mais utilizado para estudo da

realidade ambiental e do nível de destruição natural da região de Passo Fundo, na ótica

especial do desmatamento, foi O Nacional, único com circulação de 1925 em diante, com

larga distribuição para a época, quando chegava até Cruz Alta, cidade-mãe de Passo

Fundo.

Cabe explicar que a escolha pela ligação da história com o direito deu-se em face

do liame existente entre as duas áreas afins, as quais mutuamente se socorrem e se

debruçam na busca de evolução e atualização dos seus procedimentos, pelos estudos dos

vários institutos em contextualização com momentos histórico-político-jurídico-sociais

pelos quais perpassou a humanidade.

Basileu Garcia37 é pontual ao dizer: “conhecer as leis pela História e a História

pelas leis” . Nos resultados imediatos pelas ações no e do passado e, por serem ambas as

disciplinas ciências abertas e, como tal, passíveis de construção pelos componentes

estruturais extremamente mutantes na hermenêutica, na dialética e no método do estudo

das suas concepções, proporcionam a percepção das experiências do indivíduo como

sujeito do micro e do macro, sem prejuízo da história e da lei.

A questão de método na história e no direito permite observar-se que a história

pode cumprir nos momentos de mudança um papel legitimador do status quo, um papel

restaurador e reacionário no novo regime, ou, procurando uma expressão mais neutra, um

papel crítico. Para desempenhar este último, tem de desenvolver uma atitude de suspeita

permanente para com suas próprias aquisições. Alguns recursos de método da nova

história serão também os da nova história do direito, visto que começa por deslocar seu

centro de atenções de uma certa política, especialmente para da política do Estado e do

Estado nacional, para a vida material, como registra Braudel38.

O conceito de direito está estreitamente ligado ao conceito de Estado e, para saber

o que é direito, precisa-se saber o que é Estado, que, segundo Carnelutti, é uma palavra

mais transparente, ou seja, tem sua origem do verbo latino stare e significa o que se vê

através do cristal, transparece idéia de coesão, do que está. O povo, quando consegue

dirimir conflitos ou alguma coesão, converte-se em Estado.

37 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal. São Paulo: Max Limonad, 1951. v. 1. p. 159. 38 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 18-28.

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Conforme o autor: Entre o povo e o Estado existe a mesma diferença que entre os tijolos e o arco de uma ponte. O Estado é verdadeiramente um arco...Há sem dúvida, uma força que mantém os tijolos unidos no arco. Mas esta força não atua até que o arco esteja completo. E como se faz para completá-lo? Eis aqui o problema. Os engenheiros sabem que o arco, enquanto é construído, precisa de uma armadura. Sem armadura, o arco somente pode resistir depois de concluído, mas, antes, se a armadura não a sustentasse, o arco se precipitaria a terra. O Direito é a armadura do Estado. O Direito é o de que se necessita para que o povo possa conseguir sua coesão39.

Além do direito está o bem-estar social da sociedade, pelo respeito que deve ser

impingido às ações humanas, absorvidas suas deficiências, fragilidades e o igualmente

frágil juízo humano, na tentativa de distinguir os civilizados dos incivilizados. Quem tem o

poder de julgar e quem são os julgadores; a verdade produzida pode ser assim, como pode

não ser. A res judicata não é a verdade absoluta, mas se considera como verdade ou um

substituto da verdade na construção social.

Também este é um dos aspectos da crise da civilização: tudo se pede e tudo se

espera do Estado, ou seja, do direito, mas não porque o Estado e direito sejam a mesma

coisa, mas porque o direito é o único instrumento do qual, em última análise, o Estado

pode se servir. Como cada fase da civilização tem o seu ídolo, o ídolo da que se atravessa

hoje é o direito, subentendendo-se que os homens se tornaram adoradores do direito. Ora,

não há experiência, como a experiência penal, apta a destruir essa idolatria; as misérias do

processo penal são aspectos da miséria fundamental do direito. Não se trata de desvalorar o

direito, mas de evitar que seja sobrevalorado, em suma, de desenganar o homem comum de

que basta ter boas leis e bons juízes para alcançar a civilidade.40

O condenado pode ou não ser culpado; o erro deve ser considerado. Se condenado,

ainda que não culpado, inicia-se outra jornada longa, desairosa, que passa e que em breve

não mais será lembrada, como se a passagem para a penitenciária fosse a trilha para um

cemitério, embora o agente ainda viva. Diz Carnelutti na obra As misérias do processo

penal que a penitenciária deveria ser um hospital, não um cemitério, onde o tratamento

pudesse a todo tempo ser revisto e modificado para a cura final da libertação.

A tarefa do juiz, com o auxílio do direito respaldado na lei, é de reconstruir a

história, absolvendo ou condenando com base na mesma lei. Se absolvido por falta de

provas, conforme determina a lei, significa que não cometeu o crime ou que o cometeu,

39 CARNELUTTI, F. Arte do direito. Campinas: Edicamp, 2003. p 16-17. 40 CARNELUTTI, F. As misérias do processo penal. Campinas: Bookseller, 2001. p. 65-67.

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mas a justiça foi incapaz de elucidar o fato a ponto de poder considerar culpado. Não que

seja o agente culpado, mas, igualmente, não é totalmente inocente, encerrando-se o feito

com um nada de fato. E a figura do acusado continua a ser acusada por toda a vida, na

medida em que, se inocente fosse e perfeita a justiça, não poderia ter figurado como réu

nem se submetido às misérias do processo penal. Até porque o suplício de uma segregação,

que passa pela mácula dos valores éticos, morais, pelo abismo do abandono, vai muito

além dos limites da suportabilidade e envolve outras abordagens. Explica Foucault:

Do outro lado desses muros do internamento não se encontram apenas a pobreza e a loucura, mas rostos, bem mais variados e silhuetas cuja estatura comum nem sempre é fácil de reconhecer. É evidente que o internamento em suas formas primitivas, funcionou como um mecanismo social, e que esse mecanismo atuou sobre uma área bem ampla, dado que se estendeu nos regulamentos mercantis, elementares ao grande sonho burguês de uma cidade onde imperaria a síntese autoritária da natureza e da virtude. Daí supor que o sentido do internamento se esgota numa obscura finalidade social que permite ao grupo eliminar os elementos que lhe são heterogêneos ou nocivos, há apenas um passo. O internamento seria assim a eliminação espontânea dos “a-sociais”; a era clássica teria neutralizado, com segura eficácia – tanto mais segura quanto cega – aqueles que, não sem hesitação, nem perigo, distribuímos entre as prisões, casas de correção, hospitais psiquiátricos ou gabinetes de psicanalistas.41

O direito, como fenômeno social, segundo Kelsen42, tem como objeto algo diverso

da natureza, na medida em que é uma conexão de elementos totalmente diferentes. A

ciência do direito não deve tornar-se ciência da natureza, pois o direito deve distinguir-se

claramente da natureza, porém o autor reconhece o fracasso da sua idéia em razão da

existência do direito natural.

Thomas Hobbes rejeitou, da literatura clássica, a sociabilidade humana na forma

que lhe pretendiam atribuir. Entendia que, por sua natureza, o homem é individualista e

egoísta, demonstrando que o que pode ser natural ao homem é a defesa do próprio interesse

e, nesses termos, é o contrato, o pacto social, que cria um modo de convivência possível,

mas não democrático.

Afirma Hobbes que, se houve um estado de natureza, este foi a guerra de todos

contra todos:

41 FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Perspectiva, 1978. p. 79. 42 KELSEN, H. Teoria pura do direito: introdução à problemática científica do direito. 2. ed. São Paulo: RT, 2002. p. 52.

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Na verdade, o estado de natureza de Hobbes, como de todos os jusnaturalistas, não é uma hipótese de fato, empírica, que se imagina tenha algum dia existido. É uma espécie de postulado, ou pode-se dizer que é um experimento da razão: ou a ordem ou a guerra de todos contra todos, ordem ou anomia. Além disso, em Hobbes o voluntarismo e a autoridade do direito positivam tornam-se exemplares: o Estado assume o direito e não restam direitos aos súditos, senão aqueles reconhecidos pelo soberano. 43

O direito natural precisa permanecer, para a manutenção do pacto social, com um

mínimo de ordem para que seja eficaz, sob pena da perda da legitimidade e, por

conseguinte, do poder representativo. Para Marc Bloch:

A História... tem prazeres estéticos que lhe são próprios, que não se assemelham aos de nenhuma outra disciplina. É que o espetáculo das atividades humanas, seu objetivo particular, é, acima de qualquer outro, de natureza a seduzir a imaginação dos homens. 44

A história e o direito estão unidos pela natureza das duas disciplinas, que, no

desenvolvimento e na produção do conhecimento, se complementam, quer para contar a

história, quer para fazer o direito, inexistindo uma sem a outra. Não existiria o direito sem

a história para tratar dos povos, sinais e culturas de tempos e espaços que já não são

passíveis de reconstrução.

Quando os elementos já não existem, resta a garimpagem de vestígios na busca da

recuperação das formas de vida, das exigências, dos hábitos, da cultura que determinada

sociedade desenvolveu e na qual se apoiou num dado momento histórico. Com a

reconstituição da história observam-se as primeiras formas de manifestação do direito

ainda nos povos sem escrita, cujas populações tiveram um desenvolvimento jurídico

importante. Tais constatações resultaram de consagrados trabalhos históricos

desenvolvidos para reconstruir o antigo nos seus diferentes aspectos, com base nos

vestígios.

Todavia, o problema das origens da maior parte das instituições jurídicas é quase

que insolúvel, conforme relata Gilissen:

43 LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 192. 44 BLOCH, Marc, Introdução à História, 3. ed. Lisboa: Publicações Europa-América, [s.d.]. p. 14.

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Antes do período histórico, cada povo já tinha, no entanto, percorrido uma longa evolução jurídica. Esta – pré-história do direito - escapa quase que inteiramente ao nosso conhecimento; pois se os vestígios deixados pelos povos pré-históricos tais como esqueletos, armas, utensílios, cerâmicas, jóias, restos de moradias, permitem ao especialista reconstituir, é certo que de uma maneira muito aproximativa, a evolução militar, social, econômica e artística dos grupos sociais antes da sua entrada na história, estes mesmos vestígios não podem de forma alguma fornecer indicações úteis para o estudo das suas instituições.45

A hermenêutica, utilizada para a interpretação dos textos bíblicos e outros da

Antigüidade, inclusive as legislações, estabelece uma ligação visível entre as ciências

históricas e o direito, mutáveis pela dinamicidade dos seus conceitos e estruturas e ainda

hoje utilizada como forma de interpretação do direito.

Gilissen assinala que

a história do direito é muitas vezes tratada com um condescendente desdém, por aqueles que entendem ocupar-se apenas do direito positivo. Os juristas que se interessam por ela, quase sempre à custa de investigações muito longas e muito laboriosas, são freqüentemente acusados de pedantismo... Uma apreciação deste gênero não beneficia aqueles que a formulam. Quanto mais avançamos no direito civil, mais constatamos que a História, muito mais do que a Lógica ou a Teoria é a única capaz de explicar o que as nossas instituições são as que e porque é que são as que existem.(H. De Page, Traité de droit civil belge, t. VI, Bruxelles 1942,806).46

No momento que os povos entram na história, observa-se uma organização social

relativamente desenvolvida, com numerosos grupos sociopolíticos existentes e ativos, com

a maior parte das instituições civis já existentes, nomeadamente o casamento, o poder

paternal/maternal, a propriedade (mobiliária precede a imobiliária), a sucessão, a doação,

além de diversos contratos, tais como de troca e empréstimo. Esses institutos evoluíram

graças ao desenvolvimento das muitas teorias e das relações a elas ligadas.

1.2 História nacional e regional, relação espaço temporal, escala de análise e

valoração

A forma de ocupação do solo envolveu processos temporais distintos nas várias

microrregiões, com as etnias e as influências exógenas de cada uma delas, dando origem a

45 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. 2. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. p. 32. 46 Ibid., p. 13.

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sistemas econômicos e sociais peculiares, com conseqüências para a história, para a

geografia e para várias ciências. O debate sobre história nacional e história regional é

bastante amplo, profundo, e o problema da valorização de uma em detrimento da outra não

se restringe ao tempo atual.

Westphalen questiona: limitar o campo de estudo é, porventura, diminuir a história?

Reduzir seu objetivo para melhor atingi-lo não seria mais eficaz e produtivo? Não seria,

sobretudo, uma metodologia, uma estratégia operacional?47

A expansão dos estudos da história regional – petite histoire - já foi objeto de

análise até o século XVIII, quando a vida era muito mais marcada pela região do que pela

nação. Os estudos da evolução das comunidades e das características da ocupação do

território ocorreram em diversos níveis estruturais, visto que há um grande número de

variáveis a serem analisadas e mostram-se inadequados os modelos rígidos. Os processos

temporais, a concentração demográfica, a economia (madeira, charqueada, erva-mate,

pecuária), a vida social, cultural religiosa, étnica, o meio onde estão representados e as

ideologias de opressão adotadas em determinado tempo, preservando o interesse das elites

no poder, são alguns dos elementos de interação.

Essa multidisciplinaridade se efetiva pelo contato dos historiadores com a geografia

humana, quando há uma mudança no conceito de região pelo esgotamento das macro-

abordagens. Os cursos de pós-graduação contribuíram para a formação de uma nova

geração de historiadores e, por conseguinte, para as transformações recentes da

historiografia brasileira, com o reordenamento da relação entre as regiões brasileiras pela

modificação e atenção ao espaço/estados nas respectivas regiões. A história regional

enfrenta uma gama de dificuldades para sua pesquisa, que vão desde as dificuldades das

fontes documentais à carência de bibliografia básica, porque grande parte do acervo se

encontra em mãos de particulares, o que torna inacessível e obstaculiza o acesso ao

material, fazendo do trabalho do pesquisador uma verdadeira tarefa de garimpagem.

A região caracteriza-se pela multiplicidade de identidades em todas as suas

variantes culturais, de alimentação, atividades econômicas, idioma e dialetos e influências

políticas. A palavra “região” – rex, regis, rego, regula, – vem de “regência” , “comando”,

“guiar” , “governar” , denotando uma porção do território de comando que, segundo Silva48,

47 WESTPHALEN, Cecília Maria. História nacional, história regional. Estudos Brasileiros. Curitiba: nº 3, p. 29-34, jun. 1977. 48 SILVA, Marcos. A história e seus limites. Revista História e Perspectivas, Uberlândia, nº 06, p. 59-65, Jan./Jun., 1992.

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remete a uma historiografia de compromissos conservadores, provinciana, trazendo para a

história regional uma série de preconceitos.

Segundo Revel49, a palavra “região” não existia antes de 1820, ou seja, até o

advento da Revolução Francesa a visão de espaço regional variava, significativamente, no

decorrer dos diferentes períodos da história, sem idéia definida de contornos regionais. O

autor afirma que “a revolução trouxe à tona estas discussões e ao tentar romper com as

iniciativas regionalistas em prol da centralização do Estado, acabou por definir, por si

própria, os contornos dos espaços regionais” .50

A utilização do termo “região” remete-nos para conceitos da geografia, tais como

espaço, relevo e suas noções, além dos aspectos socioeconômicos e político-ideológicos e

da biogeografia, como clima, fauna, flora, recursos hídricos, etc. No senso comum, traduz

noção imediata de localização ou extensão.51 No meio geográfico toma a noção de um

tempo não absoluto, mas um tempo concreto, mensurável e de espaço, relações entre

períodos históricos, como a singularidade da totalidade.

O espaço, dentro de um determinado tempo histórico, é atributo dos seres; a

disposição e a participação do homem na natureza, a ação humana na sua transformação,

como animal social que altera o meio e que se utiliza da natureza produz modificações e

sofre as conseqüências.

Há, entretanto, várias esferas de utilização do termo que perpassam pelo conceito

administrativo de divisão regional pelo qual se exerce hierarquia e controle na

administração do Estado, ou, ainda, o tecido regional é definido por competências

administrativas e pelo limite das autonomias. Nas ciências em geral, “região” está mais

associada à localização de certo domínio.

Nas magistraturas romanas, regione significavam regras gerais hegemônicas

utilizadas para a administração local. A conotação de poder sempre esteve presente na

composição de região na Idade Média, quando houve a divisão de espaço para

estabelecimento da hierarquia nas unidades autônomas. Essa condição de poder se perderia

na Idade Moderna pela uniformização da política, da física, da economia e da cultura.

No século XIX houve uma redefinição no papel do Estado e uma quebra dos pactos

territoriais, levando ao ressurgimento das questões regionais e às manifestações

regionalistas de interesse local. Observa-se, então, a dificuldade de chegar a um conceito

49 REVEL, Jacques. A invenção da sociedade. Lisboa: Difel e Bertrand, 1989. p. 51. 50 Ibid., p. 52. 51 Região montanhosa ou a configuração econômica.

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de região, pela ligação das relações de poder nos vários períodos de desenvolvimento da

humanidade. Dificuldade da mesma dimensão encontra-se para a formulação de um

conceito de poder e seu liame com a compreensão da história.

A abordagem renovada da história política aponta caminhos mais simplificados.

Para Viscardi52, a definição de região e os critérios de definição do espaço regional são um

dos primeiros problemas com que se defronta o historiador. Demonstrando a contribuição

da escola marxista, instrumental que ressalta as relações de produção e a dinâmica da luta

de classes, definidos a partir do objeto, não do sujeito, utilizado por vários autores, dentre

eles Silveira, Milton Santos, Ciro F. Cardoso, Viscardi adota o conceito elaborado por

Francisco Oliveira, da mesma corrente:

Uma região, em suma, é o espaço onde se imbricam dialeticamente uma forma especial de reprodução do capital, e por conseqüência uma forma especial de luta de classes, onde o econômico e o político se fusionam e assumem uma forma especial de aparecer no produto social e nos pressupostos de reposição53.

Para Silveira54, região são leis de reprodução de capital; já para Santos55, é uma

abstração empírica, isto é, o espaço geográfico deixou de ser estático e passa a ser uma

produção coletiva dos homens cuja função seria expressar o modo de produção em vigor.

Pelos critérios de delimitação do espaço, Silva56 acredita que a região só pode ser

vista pelo enfoque sistêmico, ou seja, a região constitui-se num subsistema de um todo,

mantém com ele inter-relações; quanto às fronteiras regionais, podem ou não coincidir com

as divisões juridicamente estabelecidas, pois se ampliam ou diminuem ao longo do tempo

em função dos ajustes da natureza política. Aqui, a região é entendida como parte de um

sistema (econômico, político e social) mais amplo de uma engrenagem com as interações

pertinentes. Segundo a autora, para se delimitar uma região, “[...] não se deve levar em

conta só os aspectos jurídico-administrativos, nem somente aspectos exclusivamente

econômicos, mas os de ordem social e, sobretudo, política” .57

52 VISCARDI, Cláudia Maria Ribeiro. História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas. Lócus Revista de História, v. 3, n. 1, Juiz de Fora, 1997. p. 84. 53 Ibid., p. 84. 54 SILVEIRA, Rosa. O regionalismo nordestino: existência e consciência da desigualdade regional. São Paulo: Moderna, 1984. 55 SANTOS, Milton. Por uma geografia nova: da crítica da geografia a uma geografia crítica. São Paulo: Hucitec, 1978. 56 SILVA, Vera Alice Cardoso. Regionalismo: o enfoque metodológico e a concepção histórica. In: SILVA Marcos (Org.). República em migalhas: História regional e local. São Paulo: Marco Zero, 1990. p. 43-50. 57 Ibid., p. 43-50.

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Desse prisma, Mattos58 esclarece que o espaço regional é socialmente construído

por meio das experiências históricas vividas por seus atores; seus limites, antes de serem

geográficos, são sociais.

A identidade estabelecida por quem vive e compõe o imaginário daqueles que a ela

se referem como delimitação do espaço de determinada região é a contribuição da

antropologia através de Bourdieu59, que auxiliou no estabelecimento de critérios para a

delimitação regional. O autor parte do pressuposto de que o critério de divisão regional

surgiu simbolicamente e foi sendo reconhecido e legitimado a posteriori. Para ele, “a

divisão regional não existe na realidade, pois esta mesma realidade é a representação que

dela se faz. A identidade regional é, pois, um produto da construção humana”.60

Efetivamente, há duas correntes de entendimento a respeito da definição e

delimitação do espaço regional: pela primeira, a definição parte do objeto, não do sujeito

do conhecimento; na segunda, a definição de região e de suas fronteiras dá-se pela análise

do sujeito. Nesta linha observa-se o trabalho de Bourdieu e de Ângelo Priori, que tratam da

região como construção do sujeito a partir de padrões próprios, fundados na realidade

existente.

As leis nacionais e o sistema influenciaram diretamente na evolução e no

desenvolvimento da história regional, em seus estudos e racionalização. Definida a região

em seus aspectos, surge um grupo dominante que defende seus interesses localistas ou

regionalistas; a manifestação de defesa dos interesses regionais pelos grupos dominantes e

o comportamento político sempre convergem em relação ao centro.

Para Viscardi61, regionalismo é um comportamento político de defesa de interesses

comuns, porém, para Silva62, o importante é ter clara a diferença do regionalismo como

método de investigação e como concepção interpretativa. Para a autora, “o regionalismo é

um movimento de defesa da identidade regional construída e sua eficácia está relacionada

ao poder de quem o enuncia. Realiza-se através de lutas simbólicas contra regiões que se

colocam como dominantes” .63

Segundo Rocha Netto, o Brasil sem regionalismo seria incompreensível. Nação e

região, nacionalismo e regionalismo não entram, necessariamente, em conflito. “[...] Que o

regionalismo como alta expressão de criação cultural e de caracterização deve ser

58 MATTOS, Ilmar. O tempo saquarema: a formação do estado imperial. 2. ed. São Paulo: Hucitec, 1990. 59 BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand do Brasil, 1998. Cap V. 60 Ibid., p. 88. 61 VISCARDI, op. cit., p. 87. 62 SILVA, Marcos, op. cit., p. 43-50.

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cultivado, para que o Brasil não perca a autenticidade de sua civilização, feita de legítimas

variedades regionais, que se integram através do espírito, há um tempo unitário e plástico

de sua cultura [...]” .64 Há, porém, outros conceitos para regionalismo, como o de Love:

Regionalismo é definido como um comportamento (político) caracterizado, de um lado, pela aceitação de uma unidade política mais abrangente, mas, de outro, pela busca de um certo favoritismo e de uma certa autonomia de decisão (em matéria política e econômica), mesmo ao risco de pôr em perigo a legitimidade do sistema político vigente. Assim, a ênfase não é na peculiaridade regional per se (folclore, traje típico, maneiras locais de falar, etc.), mas naqueles fatores que podem afetar, provadamente, as relações políticas, econômicas e sociais com outras regiões e com a unidade maior de governo, no caso, a União65.

Embora houvesse a crença de que as regiões eram unidades autônomas que exigiam

devotamento e fidelidade, observa-se que, nos levantes contra a União, havia

manifestações de sentimento para o nacionalismo os quais levaram ao consenso de que

podem coexistir os ambientes – regional e global – de forma integrada na organização

nacional.

Dentro desse processo de coexistência entre nação e região e seus sentimentos,

grande ênfase têm as imagens e representações coletivas obtidas ao longo do tempo, as

quais influenciam na memória política dos povos e em realidades imaginárias, que muitas

vezes se afastam totalmente da realidade histórica, mas têm poder de mobilização dos

atores políticos que vão se perpetuando ao longo do tempo. Tais construções trouxeram um

conceito de cultura política que passou a ser utilizado largamente. Bernstein, citado por

Viscardi, “define cultura política como um conjunto de comportamentos coletivos, de

sistemas de representação política e de valores políticos de uma dada sociedade, podendo

sua extensão variar de um período a outro da História e de um sistema político a outro” . 66

A política passou a ter expressão e torna-se objeto de estudos de muitos

historiadores na atualidade pelo estabelecimento de novas fronteiras teóricas entre a

antropologia, a psicologia e a crítica literária. Adota-se um recorte espacial microscópico

no qual os indivíduos são os agentes e os seus imaginários transformam-se em foco de

estudo nas relações mais cotidianas vivenciadas. Para Le Goff67, a história política não

63 SILVA, Vera Alice Cardoso, op. cit., p. 43-50. 64 ROCHA apud WESTPHALEN, op. cit., p. 32. 65 LOVE, Joseph. A locomotiva: São Paulo na federação brasileira (1889-1937). Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1982. p. 11. 66 BERNSTEIN, Serge, L’Historien et la culture politique. Vingtième Siècle – Revue d’Histoire, n. 35, juil/sept. 1992, apud VISCARDI, História, região e poder: a busca de interfaces metodológicas., p. 93. 67 LE GOFF, Jacques. A política será ainda a ossatura da História? apud: VISCARDI, Claudia Maria. O maravilhoso e o cotidiano no ocidente medieval. 70. ed. Lisboa: 1990. p. 91.

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pode pretender-se autônoma nem se constituir enquanto a ossatura da história, mas deve

ser o seu núcleo. Nessa nova discussão da política, novas fontes foram incorporadas às

anteriormente existentes – fontes escritas na sua maioria – para a utilização das fontes

orais, o estudo dos mitos, rituais, emblemas e símbolos, festas, datas comemorativas,

utilizadas como forma de expressão de um povo.

Continuando, Cláudia Maria Viscardi, na obra O maravilhoso e o cotidiano no

Ocidente Medieval, afirma que “cada época tem o seu cerimonial político cujo significado

compete ao historiador descobrir” . A renovação da história política passa pelo resgate do

estilo narrativo, que consiste em organizar o material em seqüência cronológica, numa

história coerente, diferenciando-se da história estrutural por ser mais descritiva e menos

analítica e tratar mais do particular, não do quantitativo. Essa forma de escrita vai

explicando ao leitor como a história foi sendo feita ou narrada, com as dificuldades

inerentes à recuperação de documentos, de fontes e à integração dessas para a

sistematização dos dados.

Na década de 1970, observa-se que, além das mudanças mencionadas, houve um

redimensionamento da análise da história pela mudança de escala, capaz de trazer

expressivas modificações para o resultado final da produção histórica. Nascidas como uma

reação, uma tomada de posição, do confronto de experiências de pesquisa, reflexões

críticas ativeram-se à produção histórica e a leituras das mais variadas áreas, sugerindo

reformulação de concepções, de exigências e procedimentos, como sintoma operado pela

crise de desconfiança.

Para Revel68, a mudança de escala de análise é essencial para a definição e

compreensão da microistória. Modificar forma trama e as suas representações no

enriquecimento da análise social, tornando suas variáveis mais numerosas, mais complexas

e também mais móveis, permitindo um alargamento dos horizontes de análise em suas

realidades. A microanálise tem seu espaço monográfico feito de dados e provas e a sua

abordagem microistórica é profundamente diferente em suas intenções e procedimentos da

história social, que atenta para relações num espaço macro. Disso se conclui que o

individual não é contraditório ao social, mas consiste em abordagem diferente por se

acompanhar o destino de um homem, de um grupo de homens, nos vários espaços e

tempos.

68 REVEL, Jacques. (Org.). Jogos de escala: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: FGV, 1998. p. 23-150.

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Essas particularidades tipo duração do evento, tempo, espaço permitem encontrar o

mesmo indivíduo em contextos sociais diversos, demonstrando a importância decisiva da

análise local e geral, bem como as influências exógenas sofridas no contexto, com

destaque ao problema. Denota-se a influência antropológica ao se enfatizar a abordagem

dos comportamentos humanos diante dos fenômenos de agregação e desagregação social.

Segundo Simona Cerutti, o jogo das estratégias individuais e familiares revoga certezas,

conduzindo a que tudo seja passível de elaboração, de redefinição e torne-se objeto de

conflito, sempre em caráter provisório. A partir das escolhas, são observados os

mecanismos de mediação existentes entre “a racionalidade individual e a identidade

coletiva” . 69

Na versão clássica, a história foi concebida como história das entidades sociais; da

comunidade de residência – aldeia, paróquia, cidade, bairro, grupo profissional, da ordem,

da classe - sem colocá-las em questão; se há mudança na escala de observação, as

realidades podem ser muito diferentes. Levi demonstrou com seus estudos que os fatos

podem ser recuperados por meio de pequenos acontecimentos, aparecendo uma outra

configuração das relações entre forte e fraco. Um dos efeitos da passagem para micro é a

possibilidade de transformação da informação e sua relação com o historiador. 70

Parafraseando Ginzburg quando escreve que “com um microscópio se pode ver e

examinar até um elefante”71, observa-se a extensão da reflexão sobre a microistória e a

distância que se pretende estar do objeto de análise para suas possibilidades. Essas escolhas

acarretaram a necessidade de redefinições que devem ser observadas quanto aos

pressupostos de análise sócio-histórica baseada em critérios explícitos (gerais/locais) e

substituída pela microanálise (constituição e deformação).

Variar escalas é fundamental pela profusão de detalhes, visto que é possível passar

de uma história para outra ou para várias outras, inexistindo oposição entre história global

história local. A história local não é uma versão atenuada, parcial ou mutilada de realidades

macrossociais, mas uma versão diversa, um encolhimento do campo de observação para

uma descrição mais realista do comportamento humano nas suas especificidades –

excepcional normal. O historiador é o intérprete das fontes, isto é, não se insere no local de

estudo e faz a leitura do material oriundo da antropologia.

69 CERUTTI, Simona. Processo e experiência: indivíduos, grupos e identidades em Turim no Século XVIII. In: REVEL, Jacques. (Org.). op. cit. p. 23-26. 70 LEVI, Giovani. Sobre a micro-história. In: BURKE, Peter. (Org.) A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Unesp, 1992. p. 133-161. 71 GINZBURG, op. cit., p. 170.

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Os processos de desenvolvimento social das comunidades, com boas perspectivas

de pesquisa histórica, denotam que as histórias locais, as relações sociais e suas interações

são fundamentais para a mudança nas suas continuidades e descontinuidades. Essas são

com base nas memórias dos sujeitos envolvidos diretamente nas ações evolutivas da

sociedade, como somatório de esforços de colaboração, propiciando que a vocação social

do historiador em seu papel não caia no esquecimento. Assim, os indivíduos tornam-se

sujeitos históricos e, como tal, passam a compreender seu processo de desenvolvimento,

dando movimento à história. Essa movimentação vai desabrochar em meios ativos, que

representarão as interações sociais e políticas que estarão representadas e refletidas na

legislação, no seu desenvolvimento para a nação sob sua circunscrição e abrangência.

1.3 Medidas ambientais adotadas pela Constituição Federal de 1988: ambiente como

direito do homem, competências, obrigatoriedade da recuperação do meio degradado.

Indiscutivelmente, a sobrecarga dos ecossistemas em absorver a crescente matéria

poluidora de origem industrial e urbana traduz-se em desaguadouros de rejeitos e dejetos

diretamente nos meios naturais, sem qualquer tipo de tratamento, causando grande impacto

ambiental. Nesse contexto a mudança de rumos deve consistir muito em prevenção que em

remediação.

Vários instrumentos legais foram utilizados na tentativa de se buscar uma melhora

nas condições de preservação do meio, todavia nenhum foi tecnicamente tão perfeito como

a Constituição Federal de 1988, o que determinou a repetição do seu texto em várias outras

legislações, não só no que pertine ao ambiente, mas a várias outras áreas do direito.

A “Constituição Cidadã”, promulgada em outubro de 1988, consolidando o Estado

democrático de direito e com sólida formação humanista em consonância com as

legislações internacionais, traz nove títulos que cuidam dos princípios fundamentais, dos

direitos e garantias fundamentais, da organização do Estado, da organização dos poderes,

da defesa do Estado e das instituições democráticas, da tributação e do orçamento, da

ordem econômica e financeira, da ordem social e disposições gerais. A Constituição

declara como direito de todos o meio ambiente ecologicamente equilibrado e o considera

bem transgeracional, de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida,

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impondo, portanto, ao "poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo

para as presentes e futuras gerações” .72

Os sete incisos e os seis parágrafos do artigo 225 da Constituição Federal detalham

as responsabilidades do poder público em termos de preservação, restauração e

manutenção dos processos ecológicos essenciais e das formas de prover o manejo das

espécies e ecossistemas; de preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético

do país e de fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e à manipulação do material

genético. Define também, em todas as unidades da federação, espaços territoriais e seus

componentes a serem especialmente protegidos, de tal modo que alterações e supressões

permitidas através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos

atributos que justificam sua proteção. Exige formas legais para instalação de obras ou

atividades potencialmente causadoras de significativa degradação do meio ambiente estudo

prévio de impacto ambiental (EIA), a que deverá ser dada publicidade.73

A Carta brasileira versa sobre o controle da produção, da comercialização e do

emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade

de vida e o meio ambiente, estabelecendo a educação ambiental em todos os níveis de

ensino e necessidade de conscientização pública para a preservação do meio ambiente com

medidas protetivas da flora e a fauna; veda, ainda, práticas que coloquem em risco a

organização ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a

crueldade de qualquer tipo.74

A Constituição Federal determinou que a proteção do meio ambiente, o combate à

poluição em qualquer de suas formas e a preservação das florestas, da fauna e da flora são

de competência comum da União, dos Estados e Distrito Federal e dos municípios75. Esses

e outros dispositivos constitucionais referentes ao meio ambiente e ao equilíbrio ecológico

vieram ao encontro da pretensão dos ecologistas e demais grupos de interesse e pressão

ligados às questões ambientais, embora nem sempre sejam obtidos resultados satisfatórios,

ou comparáveis, de região a região, ou caso a caso.

72 BRASIL. Constituição (1988). Artigo 225 caput. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 73 BRASIL. Constituição (1988). Art. 225 parágrafo 1 inciso IV.Constituição da República Federativa do Brasil, combinado com Resolução Conama n. 001/86. Brasília, DF: Senado, 1988. 74 BRASIL. Constituição (1988). Art. 225 parágrafo 1 inciso VII.Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 75 BRASIL. Constituição (1988). Art. 23, Incisos VI e VII. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

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A figura da municipalização trazida pela Constituição Federal em seus artigos 18 e

34,76 combinada com a resolução Consema 004/2000, traduz o reconhecimento da

existência do poder local dos municípios, isto é, da viabilidade e da necessidade de se

tratar das peculiaridades e particularidades do local por quem esteja junto do problema e

possa constatar seus efeitos consubstanciados na vivência, com a pesquisa in loco. Com

esse intuito, as questões ambientais das regiões devem ser “ legisláveis” por quem visualize

o caso concreto através de medidas preventivas ou curativas, conforme o caso, de forma

mais imediata e definitiva, sempre norteados pelo regramento máximo77.

Denota-se no país, atualmente, uma tendência/necessidade à descentralização das

políticas, muito em razão da já constatada inaptidão real das “políticas de gabinete” em

país de grande extensão territorial. Os legisladores, muitas vezes, não conhecem a matéria

ou o local sobre o qual criarão normas que deverão ser cumpridas incondicional e

indistintamente.

Bessa Antunes defende a competência municipal na forma do artigo 23 da

Constituição Federal para defender o meio ambiente e combater a poluição:

76 “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição. Art. 34. A União não intervirá nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para: I - manter a integridade nacional; II - repelir invasão estrangeira ou de uma unidade da Federação em outra;III - pôr termo a grave comprometimento da ordem pública;IV - garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação;V - reorganizar as finanças da unidade da Federação que: a) suspender o pagamento da dívida fundada por mais de dois anos consecutivos, salvo motivo de força maior;b) deixar de entregar aos Municípios receitas tributárias fixadas nesta Constituição, dentro dos prazos estabelecidos em lei;VI - prover a execução de lei federal, ordem ou decisão judicial; VII - assegurar a observância dos seguintes princípios constitucionais: a) forma republicana, sistema representativo e regime democrático;b) direitos da pessoa humana;c) autonomia municipal; d) prestação de contas da administração pública, direta e indireta”. BRASIL. Constituição (1988). Art. 18. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988. 77 BRASIL. Conselho Estadual do Meio Ambiente – CONSEMA. Resolução n.º 004, de 2000. “O Conselho Estadual do Meio Ambiente - CONSEMA, no uso de atribuições que lhe confere a Lei nº 10.330, de 27 de dezembro de 1994, considerando: - a necessidade de integrar a atuação dos órgãos componentes do Sistema Estadual de Proteção Ambiental RESOLVE: Art. 1º - Os Municípios para realizarem o licenciamento ambiental das atividades de impacto local, conforme dispõe a Resolução CONSEMA nº 005/98, deverão habilitar-se junto à SEMA. Art. 2º - Visando à habilitação junto a SEMA para a realização do licenciamento ambiental das atividades consideradas de impacto local, deverá o Município: a) ter implantado Fundo Municipal de Meio Ambiente; b) ter implantado e em funcionamento Conselho Municipal de Meio Ambiente, com caráter deliberativo, tendo em sua composição, no mínimo, 50% de entidades não governamentais; c) possuir nos quadros do órgão municipal do meio ambiente, ou a disposição deste órgão, profissionais legalmente habilitados para a realização do licenciamento ambiental, emitindo a devida Anotação de Responsabilidade Técnica (ART); d) possuir servidores municipais com competência para exercício da fiscalização ambiental; e) possuir legislação própria disciplinando o licenciamento ambiental e as sanções administrativas pelo seu descumprimento; f) possuir Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, o Município com população superior a 20.000 habitantes, ou Lei de Diretrizes Urbanas, o Município com população igual ou inferior a 20.000 habitantes; g) possuir Plano Ambiental, aprovado pelo Conselho Municipal de Meio Ambiente, de acordo com as características locais e regionais [...].”

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A importância dos Municípios é evidente por si mesma, pois as populações e as autoridades locais reúnem amplas condições de bem conhecer os problemas e mazelas ambientais de cada localidade, sendo certo que são as primeiras a localizar e identificar o problema. É através dos Municípios que se pode implementar o princípio ecológico de agir localmente, pensar globalmente.

Alguns princípios constitucionais permanecem sem aplicabilidade, como é o caso

do parágrafo 3º do art. 225, que comina àquele que explorar recursos minerais a obrigação

de "recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo

órgão público competente, na forma da lei". Os campos de mineração não recebem

qualquer tratamento ou recuperação, mas a Carta brasileira segue declarando que estão

sujeitas a sanções administrativas e penais as "condutas e atividades consideradas lesivas

ao meio ambiente".

Essa norma constitucional, na prática, não alcança o objetivo do legislador visto

que nem sempre é possível essa recuperação. Nas regiões mineradoras, por exemplo, são

praticamente impossíveis a restauração e a devolução dos recursos naturais ao status quo

ante. Nas outras formas de lesão, como em regiões de florestas, cerrado e outras

vegetações, é viável a recuperação, prática que, inclusive, já é adotada na região pelos

danos cometidos pelas distribuidoras de energia elétrica, por exemplo.

Como em todas as questões complexas, às referentes ao meio ambiente, podem ser

vistas de mais de uma ótica, todavia o mais difícil é encontrar pontos de convergência e

equilíbrio entre conservadores e exploradores destemidos. O fato de uma parte ponderável

dos recursos naturais a ser preservado localizarem-se em terras indígenas, supostamente

ricas em minerais preciosos e outros, é um complicador extra da questão ambiental que

deverá ser objeto de uma análise mais acurada, para que a intervenção de oportunistas não

se efetive em detrimento dos recursos naturais e das áreas destinadas às populações

indígenas.

Até pouco tempo, a questão do meio ambiente encontrava-se compartida de forma

estanque entre fauna, flora, água, ar, aspectos culturais, etc. Hoje, tem a concepção de um

meio ambiente como objeto uno de tutela jurídica, com a necessária integridade e

interdependência entre todas essas categorias, o que veio a ser observado ainda na década

de 1980, e consagrado na Constituição Federal de 1988. A partir de então, o meio

ambiente aparece tutelado em outra dimensão, diferente da anterior quando se encontrava

fragmentado nas legislações esparsas, com partes nos códigos Florestal, Civil e Penal, além

de instrumentos administrativos e suas regulamentações. Essa fragmentação em muito

dificultava a sua aplicabilidade e oportunizava muitos equívocos de natureza oportunista.

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Entende-se que, do ponto de vista jurídico, duas são as questões paradigmáticas na

questão ambiental: a primeira é a concepção do meio ambiente como direito à vida e à

saúde, como direito fundamental do cidadão e acolhido em prol do homem e em

consonância com a Declaração dos Direitos Humanos; a segunda é a questão da sua

integridade enquanto objeto de tutela jurídica, à qual se acrescentam as categorias de meio

ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho. O ambiente, como bem de uso comum,

de fruição individual transgeracional, não se exaure para apenas essa geração, mas também

deve estender-se às futuras. Nessa concepção de integralidade do bem tutelado, atinge-se

uma outra dimensão para a proteção jurídica, considerada de forma mais ampla e crítica.

As Leis Orgânicas Municipais nas cidades estruturadas já trazem a abordagem

ambiental, como é o caso de Passo Fundo-RS, que destacou no título VI, capítulo II - “Da

Ordem Social” na seção IV, Do Meio Ambiente (art.187 a 189), e na seção V – “Do

Saneamento” (art. 190 a 193). A legislação municipal acompanha as legislações estadual e

federal nos seus regramentos, demonstrando a compatibilidade entre os entes federativos e

a possibilidade de convivência harmônica e integrada das legislações por uma política

ambiental sólida.78

78 SEÇÃO IV - DO MEIO AMBIENTE - Art. 187 – “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Município e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, garantindo-se a proteção dos ecossistemas e o uso racional dos recursos ambientais. § 1º - Para assegurar a efetivação desse direito, incumbe ao Poder Público Municipal cumprir e fazer cumprir os preceitos e normas estabelecidos no parágrafo 1º do artigo 250 e artigo 258 da Constituição Estadual. § 2º - A conduta e as atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 3º - As pessoas físicas ou jurídicas que exerçam atividades poluidoras, terão definidas em lei responsabilidades e medidas a serem adotadas com os resíduos por elas produzidos, e serão obrigadas, sob pena de suspensão do licenciamento, a cumprir as diretrizes estabelecidas pelo órgão competente, na forma da lei. § 4º - No florestamento e reflorestamento em áreas de domínio do Município serão utilizadas, preferencialmente, essências nativas da região. § 5º - Os recursos oriundos de multas administrativas e condenações judiciais por atos lesivos ao meio ambiente, e de taxas incidentes sobre a utilização dos recursos ambientais, serão destinados à preservação e à recuperação do meio ambiente, na forma da lei. § 6º - As margens dos rios, os riachos, as fontes d’água e demais recursos hídricos devem ser protegidos com cobertura florestal nativa, permanente, de acordo com o que estabelecem as leis estadual e federal. § 7º - Há cem metros das margens dos rios, cujos cursos d’água servem de colheita para abastecimento da população, não poderá ser usado agrotóxico. § 8º - As unidades de conservação ( zonas de preservação ecológica e de mananciais, santuários ecológicos, jardins botânicos ) são consideradas patrimônio público municipal inalienável, sendo proibida, inclusive, sua concessão ou cedência, bem como qualquer atividade ou empreendimento público ou privado que altere ou danifique as suas características naturais. § 9º - Fica proibida a canalização de rios e riachos na área do Município. § 10º - Fica proibida a instalação, o trânsito, o depósito, e a produção de equipamentos nucleares bélicos no Município. Art. 188 - O Município deverá apoiar o programa de manejo integrado do solo, da água, da flora e das estradas, por meio de microbacias hidrográficas, visando a preservação do meio ambiente e a melhoria sócio-econômica da população, através de convênios ou de consórcios. Art. 189 - O Poder Executivo Municipal deverá participar da implantação, implementação e fiscalização dos trabalhos de preservação e recuperação ambiental nos leitos, faixas de domínio e áreas de captação do Rio Passo Fundo, Arroio Miranda e seus afluentes, e de outros que venham a ser utilizados com tal finalidade, na medida dos recursos orçamentários. Seção V - DO SANEAMENTO - Art. 190 - O Município, juntamente com o Estado, instituirá, com a participação popular, programa de saneamento urbano e rural, com o objetivo de promover a defesa da saúde pública, respeitada a capacidade do meio ambiente de suportar os impactos causados. Art. 191 - É de competência comum do Estado e do Município implantar o programa de saneamento referido no artigo anterior, cujas premissas básicas serão respeitadas quando da elaboração do plano diretor da cidade. Art. 192 - O saneamento básico é serviço público essencial e, como atividade preventiva do meio ambiente e das ações de saúde, tem

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A Constituição delegou, ou determinou, ao poder público e à sociedade o dever de

preservar o ambiente saudável aos que sucederão as gerações atuais. Nessa perspectiva é

que veio concebida a nova lei ambiental, como expectativa de um meio ambiente mais bem

protegido, inclusive repetindo alguns pontos já contemplados pela lei maior.

1.4 Lei dos Crimes Ambientais (lei 9605/98); a criminalização das condutas e a

aplicabilidade da lei: o perfi l do agente ativo do crime ambiental e a reprovação social

A Lei dos Crimes Ambientais (lei 9.605), de 12 de fevereiro de 1998, trouxe

grandes mudanças conceituais e práticas posto que, além de sistematizar ordenamentos

dispersos, tipificou como crime vários ilícitos que até então eram tidos apenas como

contravenções, além de ter tornado a pessoa jurídica passível de indiciamento criminal por

lesões ao meio ambiente, prática já utilizada largamente nos países de Primeiro Mundo.

Embora seja amplamente justificada pelos evidentes e crescentes abusos cometidos

por empresas de atividades muito invasivas ao meio, tais como desmatamento extensivo,

poluição d’água, solo, sonora e ar em grandes proporções, gera críticas em razão da forma

e da ineficácia das medidas79 sob a argumentação de que os conceitos de vontade e

culpabilidade – elementares para a tipificação do delito – foram elaborados em função

exclusiva da pessoa física. Assim, seria necessária a adaptação desses elementos para a

nova proposta, sob pena de invalidade.80

De outra banda, a lei não quis deixar impune a pessoa física autora, co-autora ou

partícipe, uma vez que as responsabilidades são diferentes, ainda que apuradas num mesmo

processo penal, podendo, inclusive, acontecer a absolvição ou a condenação de um e de

outro, separada ou conjuntamente. A legislação discorre, ainda, sobre as condutas lesivas

abrangência municipal, podendo sua execução ser concedida ou permitida na forma da lei. § 1º - O saneamento básico compreende a captação, o tratamento e a distribuição final dos esgotos cloacais, bem como a drenagem urbana. § 2º - É dever do Município a extensão progressiva do saneamento básico a toda a população urbana e rural, como condição da qualidade de vida, da proteção ambiental e do desenvolvimento social. § 3º - A lei disporá sobre o serviço de saneamento básico, o controle, a destinação e a fiscalização do processamento do lixo e dos resíduos urbanos, industriais, hospitalares, laboratoriais, de análises clínicas e outros. Art. 193 - O Município formulará a política e o planejamento de execuções de saneamento básico, respeitadas as diretrizes estaduais quanto ao meio ambiente, aos recursos hídricos e ao desenvolvimento urbano. Parágrafo único - Os distritos industriais procederão ao tratamento e reciclagem de seus efluentes de forma individual ou coletiva.” 79 Disponível em: <http://www.ebape.fgv.br>. Acesso em: 12 jul. 2004. 80 As penas aplicáveis às pessoas jurídicas previstas no art. 21 são de multa; restritivas de direitos e prestação de serviços à comunidade.

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ao meio ambiente, a responsabilidade penal e administrativa do poder público, o processo

penal e a interação internacional para preservação do ambiente.

Conforme referido, pelo novo ordenamento foram criminalizadas condutas que

antes eram tratadas como contravenção penal, dentre as quais se destaca a proteção à flora.

Nesse aspecto as condutas, em sua maioria, restaram deficientes em razão da inexistência

de um maior rigor legislativo, que efetive as ações protetivas, mas não, obrigatoriamente,

deva se estabelecer na órbita penal. As penas insculpidas aos crimes ambientais constantes

da lei 9.605/98, de modo geral, não ultrapassam quatro anos e são passíveis de serem

substituídas por penas restritivas de direitos, prestação de serviços para comunidade,

interdição de direitos, suspensão parcial ou total de atividades, penas pecuniária e

recolhimento domiciliar, nos termos do que determina os artigos 7º e 8º do diploma em

estudo.

Constatam-se algumas exceções no artigo 35, que determina uma pena maior de

quatro anos para os crimes de pesca mediante o uso de explosivos ou de substâncias

tóxicas; no art. 40, quando causar dano às unidades de conservação, e, no art. 54 par. 2º,

sobre poluição qualificada. Esses, contudo, são exceções. No Brasil, geralmente, não se

aplica a pena máxima cominada para um crime em face de existirem na legislação penal e

processual penal outros elementos que interferem no cálculo da aplicação da pena

definitiva. Disso se conclui que a pena de prisão, excetuados os casos de reincidência, não

será aplicada ao criminoso ambiental porque, pelo sistema vigente, para que seja

determinado o cumprimento de pena em regime fechado, necessário se faz que seja a pena

cominada igual ou superior a oito anos de reclusão.

No direito penal da atualidade, período de grandes evoluções em defesa dos direitos

humanos garantidos, constata-se uma grande contrariedade ao sistema carcerário nacional

vigente, que, comprovadamente, não ressocializa, nem regenera, mas perverte, corrompe,

destrói o sujeito nos seus valores mais intrínsecos, encaminhando o egresso para a

reincidência; por isso, popularmente é conhecido como "escola do crime". O direito penal

moderno há muito modificou seus conceitos e o espírito do direito criminal. As terríveis

penas e os suplícios que perpassavam pela pena de morte foram muito utilizados ao longo

do tempo, porém, estão sendo afastadas e banidas.

Na argumentação de Beccaria:

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Enquanto o texto das leis não for um livro familiar, uma espécie de catecismo, enquanto forem escritas numa língua morta e ignorada do povo, e enquanto forem solenemente conservadas como misteriosos oráculos, o cidadão que não poder julgar por si mesmo as conseqüências que devem ter os seus próprios atos sobre a sua liberdade e sobre seus bens, ficará na dependência de um pequeno numero de homens depositários e intérpretes das leis. Colocai o texto sagrado das leis nas mãos do povo e, quanto mais homens houver que o lerem, tantos menos delitos haverá; pois não se pode duvidar que, no espírito daquele que medita um crime, o conhecimento e a certeza das penas ponham freio à eloqüência das paixões81.

Por tudo isso, é entendimento geral dos operadores do direito no Brasil que as

medidas de internação sejam restritas aos delinqüentes perigosos, sem recuperação, cujo

convívio em sociedade deva ser interrompido de alguma forma para garantir o bem-estar e

a tranqüilidade geral da população, ainda que mediante paga desse bem-estar, que deveria

ser prestado pelo Estado de forma incondicional.82 Para os demais criminosos há uma

alternativa para as penas com as medidas substitutivas da prisão, eficazes e menos

maléficas, relativamente novas, que acompanham o anseio social da descriminalização dos

tipos penais menos gravosos, através da lei 9.099/95.

Entretanto, dificuldades existem quanto à aplicação da Lei de Crimes Ambientais

pelo fato de tratar-se, na sua maioria, de norma penal em branco, ou seja, norma que

necessita de complementação para sua aplicação, que pode advir do próprio Poder

Legislativo Federal (homólogas) ou de esferas legislativas hierarquicamente inferiores

(heterólogas), como leis estaduais, leis municipais, decretos, regulamentos, portarias etc.

1.4.1 O crime ambiental e a prática da necessidade

Na grande maioria dos casos de crime ambiental, o infrator, a exemplo do que

ocorre com agentes ativos de outros crimes, como do “colarinho-branco” , contra a

economia popular, é visto como inovador e é tratado como um agente que tem problemas

de socialização e de interiorização de normas; assim, não sofre a discriminação social que

é impingida aos demais delinqüentes, ainda que o cidadão comum tenha sido lesado pelo

seu ato ilícito.

Pessoalmente, o agente ativo do crime ambiental não se considera um marginal ou

um criminoso comum, como os que praticam crimes que resultam em derramamento de

81 BECCARIA. Cesare. Dei delitti e delle pene. São Paulo: Tecnoprint [s.d.]. p. 32. 82 Cada preso custou aos cofres públicos, em média, o valor de 2,5 salários mínimos mensais, em 2004.

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sangue. Para ele, em razão dos valores culturais, socioeconômicos e polít icos que

lhe respaldam uma situação de poder, sua conduta é “moralmente” correta. Essa situação

acaba por gerar um grande desconforto quando da repressão e censurabilidade das

condutas criminosas na medida em que se justifica sua ação delitiva no âmbito do

desenvolvimento econômico pela geração de renda, empregos, etc; considerando a

realidade de um país onde pelo menos um terço da população ainda passa fome.83

Como poderia se qualificar ou quantificar um crime praticado que tem por

justificativa a diminuição ou o fim da fome? Só quem a sofre sabe o tamanho do tormento

que representa, o qual aflige toda a estrutura física e emocional da pessoa, que fica o tempo

todo conectada com essa sensação por terminações “nervosas” . Benincá garante:

As razões por quê falta pão, arroz, feijão e outros itens desta natureza no prato de uma multidão brasileiros são sabidas e, quase sempre, desconsideradas. Não existem justificativas éticas nem econômicas para que este mal prossiga corroendo os intestinos de tanta gente. Os índices da fome estão aí e são um escândalo nacional. Pesquisas apontam que o Brasil é o segundo país com maior número de desempregados do mundo (11,454 milhões), ficando atrás apenas da Índia (cf. ZH, ed. 29/05/2002, p. 21). E sabe-se: A fome é uma das primeiras herdeiras do desemprego. Alto lá. Um apelo está no ar. No dia de Corpus Christi (30/05), a Igreja Católica lançou o “mutirão nacional para a superação da miséria e da fome. Trata-se de um chamamento para pôr ponto final (.) a esta epidemia social que submete cerca de 23 milhões de brasileiros à situação de indigência. É um grito que parte da consciência ética e evangélica. Um clamor pela justiça e pela cultura da solidariedade.84

Os números da fome no país variam conforme a metodologia utilizada pelos

institutos para efetuar sua medida. Segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

(Ipea), 24,7 milhões de brasileiros vivem em situação de indigência, ou seja, 14,6% da

população está submetida a condições subumanas de sobrevivência. Se forem incluídos os

denominados “pobres” , que precisam escolher entre comer ou se vestir, ou vice-versa, os

números do Ipea sobem para consideráveis 57 milhões. Isso implica dizer, segundo o

órgão, que uma em cada quatro crianças brasileiras vive sob ameaça de fome, significando

um total de 330 mil só na Grande São Paulo.85

83 CERCA de 1/3 da população passa fome. Folha de São Paulo. São Paulo, 18 mar. 2002. p. A6. 84 BENINCÁ, Pe. Dirceu. Mestrando em Ciências Sociais, PUC/SP. Texto enviado por correio eletrônico. Disponível em: <www.fomeponto.com.br>. Acesso em: 14 jul. 2004. 85 Porcentagem de indigentes* per capita: 01º - Maranhão: 63,72%, 02º - Piauí: 61,75%, 03º Ceará: 55,73% (grifo nosso), 04º - Alagoas: 55,43%, 05º - Bahia: 54,80%, 06º - Tocantins: 51,17%, 07º - Pernambuco: 50,95%, 08º - Paraíba: 50,22%, 09º - Sergipe: 50,14%, 10º - Rio Grande do Norte: 46,93%, 11º - Pará: 41,75%, 12º - Amazonas: 38,79%, 13º - Amapá: 36,56%, 14º - Acre: 31,28%, 15º - Minas Gerais: 26,79%, 16º - Espírito Santo: 26,31%, 17º - Mato Grosso: 25,89%, 18º - Goiás: 25,46%, 19º - Rondônia: 22,35%, 20º - Mato Grosso do Sul: 22,26%, 21º - Paraná: 20,88%, 21º - Roraima: 20,16%, 23º - Rio Grande do Sul: 16,76%, 24º - Distrito Federal: 16,21%, 25º - Rio de Janeiro: 16,21%, 26º - Santa Catarina: 14,40%, 27º - São Paulo:10,4%.

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Para o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), há no Brasil

44 milhões de desnutridos, índice utilizado pelo programa Fome Zero do governo Lula.

Pelo Relatório População 2002, feito pela ONU e pelo Instituto Brasileiro de Geografia e

Estatística, são 54 milhões os que ganham menos de meio salário-mínimo por mês.86 Já o

Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas calcula em 50 milhões o número

de pobres brasileiros, ou seja, 29,3% da população que vivem com menos de R$ 80,00 por

mês. Segundo os dados:

A miséria no Brasil - Estudo da FGV- SP revela que 50 milhões de brasileiros são miseráveis, vivem com menos de R$ 80 por mês. A pesquisa ainda mostra que se cada brasileiro cedesse R$ 14 mensais para um indigente, a fome no Brasil estaria totalmente erradicada. São necessários R$ 1,69 milhões/mês para acabar com a fome no Brasil, segundo estudo divulgado esta semana pelo Centro de Políticas Sociais da FGV-SP (Fundação Getúlio Vargas de São Paulo). Para se chegar neste número, bastaria cada brasileiro 'não-miserável' ceder R$ 14 por mês para os indigentes. Contando todos os cidadãos, inclusive os miseráveis, a ajuda mensal cairia para R$ 10/mês. Os valores a serem destinados aos miseráveis variam de Estado para Estado. No Piauí, por exemplo, cada cidadão teria que ceder R$ 24,35 para os indigentes, enquanto que cada paulista poderiam transferir somente R$ 4,15. O estudo considerou indigentes* os mais de 50 milhões de brasileiros que não conseguem juntar R$ 80 mensais para sobreviver (29,3% da população). Segundo o estudo da FGV, este é o valor mínimo necessário para que um indivíduo consiga se alimentar conforme as recomendações da OMS (Organização Mundial de Saúde), dentro dos preços praticados em São Paulo. A pesquisa, chefiada pelo economista Marcelo Neri e intitulado "Mapa do Fim da Fome no Brasil", foi feita com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnads) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 87

Conforme a matéria veiculada denota-se que soluções existem e são passíveis de

serem alcançadas desde que haja interesse e colaboração de todos, especialmente de quem

detém o poder na gestão do país e das receitas provenientes da população, constituídas por

árdua gama de impostos tomados sob a moldura do desenvolvimento social, mas que têm

servido muito mais para interesses particulares de pessoas amorais, antiéticas e sem

sentimentos.

Quando se é dado assistir aos concidadãos, dentre eles crianças e idosos, padecerem

pela fome, o país noticia a improbidade administrativa, desvio de receitas da saúde e das

várias áreas. Evidencia-se, pois, o divórcio definitivo entre a moral e a economia, visto que

onde a riqueza, a estabilidade econômica e o progresso material de um povo dependem não

86 Disponível em: <http://www.revistaeducacao.com.br/leia_mais.php?edicao=26id=76>. Acesso em 14 jul. 2004. 87 A MISÉRIA no Brasil. Disponível em: http://educaterra.terra.com.br/almanaque/miscelanea/brasil.htm>. Acesso em: 14 jul. 2004.

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só da observância dos preceitos normativos positivos, como o direito de propriedade e às

leis da livre iniciativa, mas de hábitos sociais virtuosos, consistentes em esforço social

mútuo e coeso, em capacidade profissional adquirida pelo estudo e trabalho, vontade e

força de poupar, moderar gastos e discernimento na condução dos negócios,

principalmente no concernente à economia, posto que dela depende o fim dessa epidemia.

1.4.2 O perfil do agente ativo do crime ambiental e a reprovação social

Os perfis criminológicos dos agentes têm variantes no sentido da justificativa pelas

ações, cujas negações delitivas não são exclusividade dos “crimes limpos” . Exemplifica-se

com o caso do parricídio do século XIX apresentado por Foucault, quando o delinqüente

Pierre Rivière narra o triplo homicídio que vitimou sua família, afirmando ter degolado sua

mãe, irmã e irmão justificando, a sua premeditada e desmedida ação por determinação

divina. Refere que Deus lhe ordenara e que lera no Deuteronômio e nos Números a

chancela divina para seu bárbaro crime.88 Historicamente, as condutas criminosas são

negadas ou justificadas por seus agentes em qualquer ilícito, todavia o crime ambiental

vem como elemento novo e destituído de valores de reprovação social.

As leis espelham os anseios dos cidadãos. Assim, a partir do momento em que a

sociedade não está adequadamente imbuída dos valores constantes da lei, permanece

absorvida pelas relações de poder impostas, que lhe indicam que a população criminosa é

aquela das classes mais baixas, de status típico das periferias e comunidades

desfavorecidas, que compõem a nossa tessitura social.89 As condutas inadequadas nem

sempre partem de resultados dos processos de favelização, podem estar nos meios sociais e

culturais mais elevados; o que se altera são as variantes de valores de cada indivíduo e sua

comunidade:

88 FOUCAULT, Michel. Eu, Pierre Rivière, que degolei minha mãe, minha irmã e meu irmão. Rio de Janeiro: Graal, 1977. 89 BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do Direito Penal: Introdução à sociologia do direito penal. 3. ed . Rio de Janeiro: Revan, 2002. p. 65-67.

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A visão relativizante da sociologia coloca em crise, assim, a linha artificial de discriminação que o direito assinala entre atitude interior conformista (positiva) e atitude desviante (reprovável), sobre a base da assunção acrítica de uma responsabilidade do individuo, localizada em um ato espontâneo de determinação pelo ou contra o sistema institucional de valores. Esta distinção entre atitude interior positiva e atitude interior reprovável, que remete ainda ao fundamental principio do bem e do mal que caracteriza a ideologia penal, é feita também sobre a base de uma assunção acrítica do conjunto de valores e dos modelos de comportamento protegidos pelo sistema penal, como o conjunto dos critérios positivos de conduta social compartilhados pela comunidade ou pela grande maioria dos consócios.90

No caso dos valores ambientais construídos por uma cultura preservacionista

relativamente nova, as leis, no momento da sua implementação, passam a ser consideradas

injustas e, portanto, as penas são de difícil aplicação, pela total ignorância, quer do povo,

quer das autoridades encarregadas de legislar mais e de explicar/informar menos. Portanto,

necessário se faz, antes de qualquer forma de repressão aos crimes, inserir nos conjuntos

integrantes da sociedade princípios ambientais, fomentando seu desenvolvimento e

contribuição para a formação de valores próprios de moral e ética. Só assim será possível

contar com eficazes e sólidos propósitos de prevenção, já que o direito constitucional

garantido de um ambiente saudável é direito de fruição e indisponível, de modo que os

crimes praticados contra o ambiente sempre o serão em prejuízo da coletividade, seja rica

ou pobre, com ou sem poder. Anota Santos acerca da dificuldade da prova e da

condenação:

Penso que a sociedade brasileira não está convencida da existência de crimes ecológicos, ainda que a legislação brasileira contemple uma grande gama deles. Pergunta-se: por que são escassas as condenações? A resposta não será simples. Existem fatores de natureza sociológica e de natureza cultural. Dentre os fatores internos posso citar, a título de exemplo, a complexidade da prova técnica necessária para fundamentar uma condenação, um sistema processual que privilegia em demasia a posição do réu.91

De outro enfoque, Foucault, no capítulo que dedica à soberania e disciplina na obra

Microfísica do poder, relata:

A burguesia não se interessa pelos loucos mas pelo poder; não se interessa pela sexualidade infantil mas pelo sistema de poder que a controla; a burguesia não se importa absolutamente com os delinqüentes nem com sua punição ou reinserção social, que não tem muita importância do ponto de vista econômico, mas se interessa pelo conjunto de mecanismos que controlam, seguem, punem e reformam o delinqüente.92

90 BARATTA, op. cit., p. 74. 91 SANTOS, Pedro Sérgio. Crime ecológico: da filosofia ao direito. Goiânia: AB UFG, 1964. p. 94. 92 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. 9. ed. Rio de Janeiro: Graal, 1979. p. 186.

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Relata Santos:

Sendo a vida humana o maior bem jurídico tutelado, independe ela das demais formas de vida? Confirmada a dependência da vida humana das demais formas de vida, pode-se afirmar, com certeza, que os “crimes’ dolosos e culposos contra a vida humana apenas ocorrem quando um ou mais sujeitos ativos agem diretamente contra o(s) sujeito(s) passivo(s), como é o caso do homicídio praticado com arma de fogo, faca, atropelamento, etc.? Neste sentido, o que se poderia dizer das mortes provocadas por poluição de mananciais de água, por intoxicação alimentar, por radiação nuclear, por manipulações genéticas inescrupulosas, dentre outras formas? Será que nestes casos não poderíamos vislumbrar a existência de crimes culposos, preterdolosos, ou até crimes de dolo eventual?93

O anteprojeto de reforma do Código Penal, em tramitação, deverá dedicar um

capítulo na parte especial aos delitos contra o meio ambiente, (402 a 416). Tal medida se

faz necessária em virtude da descontextualização da norma com a realidade social vivida,

na qual já não alcança a prestação adequada para a qual se destina, porque advinda de

tempos em que as ciências eram herméticas e não se desenvolviam em integração. Urge

uma redefinição de crime contra a vida para que seja feita a releitura dos quatro tipos

existentes na lei penal datada de 1940 (1. homicídio; 2. induzimento, instigação e

participação em suicídio; 3. infanticídio; 4. aborto), por tratar-se de uma época em que os

problemas ambientais eram incipientes ou de pequena atenção e reprovação. 94 Na lição de

Paulo de Bessa Antunes:

A responsabilidade criminal dos poluidores e degradadores do meio ambiente é uma questão que tem suscitado controvérsias em todos os países. Isto porque vários fatores influem no sentido de que a matéria não esteja pacificamente contemplada por todos. Em primeiro lugar há que se considerar que para que haja uma condenação criminal é necessário que o Ministério Público proponha a competente ação penal.95

A nova lei ambiental não quer, nem pode, simplesmente, segregar pessoas, mas,

fundamentalmente, visa a reeducar o infrator; por isso, apresenta mecanismos alternativos,

como a reparação do dano, para que possa haver a suspensão do processo; a apreensão dos

objetos ilícitos (principalmente em relação à madeira), não devolvidos ao infrator, mas

doados a entidade assistencial a ser designada; a prestação, pelo infrator, de serviços à

comunidade, preferencialmente, na área ambiental. A dimensão do dano ambiental ainda

não está situada na mentalidade da população, que ainda é incapaz de se sentir vitimada

93 SANTOS, Pedro Sérgio. Crime ecológico: da filosofia ao direito. Goiânia: AB UFG, 1964. p. 98 94 Ibid., p. 97. 95 ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental. 2ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 1992. p. 107.

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por ações lesivas contra o ambiente, assim como incapaz de observar que o dano cometido

contra o meio é cometido contra todos. Observa Antunes:

A repressão penal representa a manifestação mais grave de reprovação social, esta só se exerce eficazmente para proteger valores afirmados na sociedade, indiscutíveis; pessoas, bens, costumes, honra. Ao contrário, ela é mal adaptada para proteger de um valor ainda precariamente inscrito na consciência social.96

Para a efetividade das leis é imperiosa a participação da comunidade na provocação

das autoridades representativas, atuando na imediata comunicação dos fatos ilícitos ao

Ministério Público e buscando maior agilidade da justiça no alcance do infrator, pois,

quanto mais rápida for a sanção, mais eficiente será a ação.

A prevenção é o meio mais eficaz de se evitar a prática dos delitos. Uma justiça

célere e a fiscalização garantem a diminuição dos índices infracionais, mormente hoje,

quando a grande responsabilidade para o deslinde das infrações ambientais foi confiada à

Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente. A esse órgão cabe adotar medidas necessárias

para a investigação, prevenção e repressão, apurando as infrações penais lesivas ao meio

ambiente, incluindo-se os atos lesivos à fauna, à pesca, à flora, poluição, ordenamento

urbano e patrimônio cultural. Pode, para tanto, desenvolver programas, por iniciativa

própria ou conjugadamente com organismos rurais e entidades privadas, que objetivem a

eliminação dos processos de poluição prejudiciais ao bem-estar da comunidade, à sua

saúde, segurança e outros pertinentes à proteção do meio ambiente.

A aceleração do processo punitivo aos crimes ambientais, pela aplicação da lei

9.09997 – Lei dos Juizados Especiais Criminais –, a qual criou institutos que permitem a

autocomposição entre a vítima e o acusado baseada na reparação dos danos civis sofridos e

a possibilidade de transação entre o acusado e o Ministério Público, a disponibilidade da

ação penal e a suspensão condicional do processo, instituiu e viabilizou a lavratura do

“Termo Circunstanciado”(TC), aplicável aos crimes que tenham pena máxima de um ano,

já indicando ao infrator a hora, a data e local para comparecer em juízo. Evitando-se,

assim, as delongas temporais permissivas do Código de Processo Penal, que podem levar à

prescrição pelo decurso de tempo de tramitação dos feitos, que pode chegar aos dez anos.

96 ANTUNES, op. cit., p. 107-108. 97 BRASIL. Decreto-Lei n.º 9.099/95. Regula crimes de menor potencial ofensivo penas até 04 anos. Art. 89 "caput" preceitua: "Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal)”.

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A possibilidade de aplicação de penas alternativas, como a prestação de serviços à

comunidade em parques ou jardins zoológicos, ou de prestação pecuniária, onde o infrator

pode pagar ao Estado, ao ofendido, fornecendo cestas básicas ou material escolar para uma

entidade, também agilizou o processo de execução efetiva da pena.

Outra prática permitida e adotada é o “Termo de Ajustamento de Condutas” , pelo

qual o promotor de justiça, mediante termo firmado, impõe ao agente ativo do delito, na

maioria das vezes pessoas jurídicas representadas legalmente, a assunção do compromisso

com o restabelecimento da condição natural anterior ou, nos casos de impossibilidade,

determina-lhe a recuperação de outra área degradada, sem prejuízo da pena de multa e da

apresentação e aprovação de projeto realizado por técnicos, especialmente para a área de

recuperação. O descumprimento do acordo implica a competente demanda criminal e a

responsabilidade civil reparatória.

Ainda ponto positivo que emergiu a partir da Lei de Crimes Ambientais98 diz

respeito à divulgação da matéria legislada, tornando-se conhecida e provocando ampla

discussão da questão ambiental nas várias esferas. Apesar do uso de terminologia técnica

que leva ao hermetismo indesejado, é passível de traduzir-se ao entendimento mediano, de

modo que conseqüências práticas já se podem observar pela mudança de conduta do

infrator ambiental, que já procura o órgão público para reparar seu erro, pagar as multas,

com vista a livrar-se das conseqüências da aplicação da legislação, que, em alguns casos,

pode ser muito sofrível.

Constatam-se como efeitos positivos os Juizados Especiais, tanto criminal, como

cível, pela celeridade, pela oralidade e pela aplicação das correções no curto prazo, o que

contribui para a formação da nova consciência porque o sujeito não ficar esperando, ad

eternum, para ser penalizado. A legislação em estudo também corrigiu alguns equívocos

existentes na anterior, quer pela rigidez, quer pela incoerência da desproporção dos delitos

e das penas, que muitas vezes valoravam mais a vida de animais e plantas que a própria

vida humana.

Essa rigidez no concernente à fauna, em que os crimes eram inafiançáveis e

imprescritíveis, com penas de um até cinco anos, foi alterada pela nova lei para penas que

variam de três meses a um ano, exceto no caso de agravantes específicos, para animais em

extinção, a caça profissional ou noturna, quando passa a ser de dois a cinco anos,

98 BRASIL. Decreto-Lei n.º 9.605/98.

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impossibilitando a aplicação da Lei dos Juizados Especiais99 e, por conseguinte, o uso do

termo circunstanciado, tendo o processo penal rito comum.

No período de vigência da antiga legislação, o desequilíbrio ornou

vergonhosamente o ordenamento jurídico e ético patrio, visto que, como já dito, uma vida

humana valia menos do que um animal da fauna ou espécime da flora. Então, muito se

ouvia que era preferível matar o agente florestal ou fiscal que constatava e apreendia a

caça, se fosse o caçador (réu) primário, de bons antecedentes, com residência e trabalhos

fixos, uma vez que responderia pelo homicídio em liberdade, tendo chances significativas

de absolvição pela dificuldade da prova conclusiva em seu desfavor, já que a principal

testemunha – o agente fiscalizador – poderia não mais existir e, se existisse, o crime seria

na forma tentada, que diminuiria a probabilidade de uma pena expressiva considerando o

ordenamento penal.

Felizmente essa prática foi corrigida pela nova lei, conforme já referido, assim

como outras iniqüidades existentes em sentido contrário, pelo excesso de complacência

legal, igualmente contemplada e regularizada, como a criminalização das antigas

contravenções da flora, que, pelo Código Florestal100, em nova reforma, mantinha como

único crime contra a flora a utilização de motosserra sem registro ou porte, ao passo que

derrubar uma floresta inteira com um trator era tratado como uma simples contravenção

penal. A conduta de maus-tratos aos animais, ainda que domésticos, também foi objeto de

normatização pela lei, deixando de ser contravenção para figurar dentre o rol dos crimes

propriamente ditos.101 A internet – rede mundial de computadores – divulga a prática

criminosa de venda de animais silvestres e exóticos, os quais já estão sendo punidos com

base no ordenamento criminal em análise.102

99 BRASIL. Decreto-lei n.º 9.099/95. 100 BRASIL. Código florestal brasileiro. Decreto n° 23.793, de 23 de Janeiro de 1934, revogado pela lei nº 4.771, de 15 de Setembro de 1965. 101 Foi preciso manifestação provocada do Supremo Tribunal Federal para que se dissesse que a farra do boi é uma prática condenável pela evidência de maus-tratos, embora a existência da lei 10.519/2002, que dispõe sobre a fiscalização dos rodeios, dos deveres dos organizadores para com os animais e pessoas participantes. 102 “Mercadolivre.com é multado por comércio ilegal de animais silvestres - A decisão do IBAMA teve por base a lei 9605/98 e o Decreto 3179/99.O site Mercado Livre foi autuado pelo IBAMA por comércio ilegal de fauna silvestre e por introdução de espécies exóticas sem parecer favorável ou autorização. Foram lavrados dois autos de infração de R$ 125 mil e R$ 16,4 mil respectivamente. O órgão já tinha advertido aos administradores do site quanto aos riscos dessas transações por meio eletrônico e, apesar disso, o Mercado Livre manteve a prática. A única providência adotada foi exibir em sua página eletrônica uma mensagem na qual se eximia de co-responsabilidade. A decisão do IBAMA teve por base a Lei 9605/98 e o Decreto 3179/99 que definem que “quem vende, expõe a venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização de autoridade competente”. O IBAMA tem ampliado sua atuação na fiscalização

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Todas as inovações trazidas na lei acompanham a tendência hodierna do direito

ambiental, como a inclusão do patrimônio histórico, artístico e cultural, normas que regem

o ordenamento urbano como valores ambientais, conduzindo a que essas áreas recebam o

tratamento de "ambientais" pela representação que têm para o bem-estar físico e cultural da

humanidade. Já, quanto às penas atribuídas para os crimes praticados em relação à pesca,

entende-se que se tornaram excessivamente pesadas, sendo de um a três anos de reclusão,

excluída a pesca com uso de substâncias tóxicas ou explosivos, que, certamente, deve ter

as punições agravadas pelo que representa.103

A aplicação da lei, na parte administrativa, que é atribuição do Ibama, tem sido

bastante complicada pela falta da regulamentação, o que facilita a prática infracional de

empresas, dos grandes poluidores, incentivando as infrações e não provocando qualquer

mudança de conduta do agente diante da insignificância das penas restritivas de direito

para as infrações ambientais, embora haja a previsão de pena de multa de até cinqüenta

milhões de reais. Além disso, muitos autos de infração são anulados pela justiça pela falta

de tipificação administrativa, o que só será resolvido com a regulamentação da lei.

A responsabilidade do poder público foi alterada com substancial

comprometimento com as práticas ambientais no âmbito da sua circunscrição; assim, o

funcionário público responsável por qualquer falsidade de informação ou sonegação de

dados técnicos e científicos em procedimentos de autorização ou licenciamento ambiental

(art. 66), enquadra-se em crime doloso eclodindo a necessidade imperiosa de orientação

para pareceres técnicos mais aprimorados.

As licenças, autorizações e permissões, instrumento básico em todas as esferas

governamentais, em desacordo com a legislação e as normas ambientais para atividades,

obras e serviços cuja realização dependa do órgão ambiental figuram como crime

insculpido no artigo 67 e têm pena de detenção de um a três anos. Igualmente, a co-

responsabilidade do administrador pela não-apuração, na área administrativa, de uma

buscando coibir todo e qualquer tipo de comércio envolvendo a flora e a fauna silvestre, incluindo a internet que se transformou num dos meios para promoção deste tipo de ilícito.” 103 Art. 34. Pescar em período no qual a pesca seja proibida ou em lugares interditados por órgão competente: Pena - detenção de um ano a três anos ou multa, ou ambas as penas cumulativamente. Parágrafo único. Incorre nas mesmas penas incorrem quem: I – pesca espécies que devam ser preservadas ou espécimes com tamanhos inferiores aos permitidos;II - pesca quantidades superiores às permitidas, ou mediante a utilização de aparelhos, petrechos, técnicas e métodos não permitidos;III - transporta, comercializa, beneficia ou industrializa espécimes provenientes da coleta, apanha e pesca proibidas. Art. 35. Pescar mediante a utilização de: I - explosivos ou substâncias que, em contato com a água, produzam efeito semelhante; II - substâncias tóxicas, ou outro meio proibido pela autoridade competente: Pena - reclusão de um ano a cinco anos. BRASIL. Código florestal brasileiro. Decreto n° 23.793, de 23 de Janeiro de 1934, revogado pela Lei Nº 4.771, de 15 de Setembro de 1965.

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infração ambiental contemplada pela legislação implica que sejam apuradas,

indistintamente, todas as denúncias mediante a abertura de um processo, aplicando-se a

legislação pertinente e devendo as infrações detectadas ser comunicadas ao Ministério

Público e à Delegacia de Proteção ao Meio Ambiente, para que procedam à

responsabilização penal da infração, como também à eventual reparação civil do dano

através de uma ação civil pública ou outro termo de ajustamento de conduta indicado para

o ato. Os prefeitos, igualmente, já estão sofrendo processos judiciais com condenações por

ação ou omissão.104

A regulamentação do procedimento administrativo, que ainda não ocorreu, o que

prejudica a atuação dos órgãos ambientais, deverá ser objetiva e prática, servindo não só

como norma geral de aplicação da nova lei ambiental para todos os órgãos ambientais,

como também aos órgãos ambientais estaduais e municipais que não tenham uma

legislação específica de proteção do meio ambiente. Além disso, deverão ser

disponibilizados estrutura, orçamento e recursos humanos necessárias para sua execução,

pela administração pública e a reforma dos conceitos da realidade ambiental, do contrário a

lei tornar-se-á vazia, inócua.

Assim, a Lei de Crimes Ambientais105, além de tipificar penalmente inúmeras

outras condutas como lesivas à natureza, adota princípios assentados nas principais

convenções mundiais sobre o meio ambiente, buscando sua preservação e um progresso

economicamente sustentável106. Foi um dos últimos eventos significativos na legislação

104 “Prefeito de Guaporé condenado por crime ambiental (Criminal - 17.11.2003) A 4ª Câmara Criminal do TJRS condenou, na última quinta-feira, a um ano de detenção, em regime inicial aberto, por haver cometido crime ambiental, o prefeito de Guaporé, Fernando Postal. A condenação foi substituída pelo pagamento de 12 salários mínimos a uma entidade local com fim social, a ser definida pelo Juízo de Guaporé. Segundo a decisão condenatória, Postal infringiu o artigo 38 da lei nº 9.605/98 – a Lei dos Crimes Ambientais – ao ter determinado ou autorizado, na localidade de Linha Três de Maio, a destruição de 2,73 hectares de floresta nativa em estágio inicial de regeneração (vassouras) e supressão de 7,67 ha de floresta mista, constituída de acácias e eucaliptos, situada ao longo de um curso d́água, em área considerada de preservação permanente. Os fatos ocorreram entre 1997 e 1998 e o local serviu para a implantação do Distrito Industrial de Guaporé. Os fatos foram comprovados pela Patrulha Ambiental da Brigada Militar e por funcionários do Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas. O desembargador Vladimir Giacomuzzi, relator do processo-crime, concluiu ter ficado comprovado “que o acusado determinou aos seus auxiliares que procedessem à implantação, no local, das bases materiais para que ali viesse a se instalar, num futuro próximo, o Distrito Industrial de Guaporé, o que se fez, não se tendo no entanto aguardado as necessárias autorizações das autoridades ou dos órgãos ambientais, sob o pretexto de morosidade ou retardo administrativo” . Para o Relator, o prefeito Postal agiu precipitadamente, com inobservância das obrigações legais que o momento impunha a todos nas questões do meio ambiente, a começar pelas autoridades públicas. “ O prefeito passou determinações a seus subordinados com desprezo às exigências das normas ambientais, pois os pedidos de licença sucederam-se às devastações da área florestal protegida” , refere o voto. Afirmou o magistrado que a Licença Prévia de setembro de 1998, continha expressa menção à necessidade de obtenção de autorização de Exame e Avaliação da Área Florestal, pelo órgão competente, com menção destacada de que estava proibida a tomada de qualquer iniciativa na área sem prévia autorização daquele órgão ambiental e, na Licença de Instalação, de setembro de 2000, está expresso, como restrição, a obrigação de manter a faixa de preservação permanente ao longo da sanga ali existente. O prefeito pode tentar um recurso especial ao STJ (Proc. nº 70001949361 - com informações do STJ)”. Espaço Vital, 17 de novembro de 2003. Marco Advogados- www.marcoadvogados.com.br [email protected] -PortoAlegre/RS. 105 BRASIL. Decreto-Lei n.º 9.605/98. 106 SALES, Miguel. A lei de crimes ambientais. Recife: Lex, 1999.

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ambiental, encerrando um século XX caracterizado pela criação de novos órgãos públicos,

departamentos, institutos, superintendências, secretarias, cargos e funções burocráticas

destinados a frear os desmatamentos sem precedentes, as queimadas, desastres ambientais,

biopirataria e perda do patrimônio produtivo e natural.

A gravidade dos problemas ambientais não está afetando apenas o volume

diariamente noticiado, mas envolve a diversidade de elementos que o desenvolvimento

tecnológico traz, sem ainda uma tipificação específica, o que impede a aplicação da lei e a

distribuição da justiça na proporção ao delito107.

1.4.3 O histórico da impunidade pelo descrédito da justiça

O sistema jurídico brasileiro, entre 1500 e 1822, não gozava de autonomia que lhe

permitisse a criação de normas próprias. Assim, tudo o que havia nesse momento em

termos de legislação estava submetido aos ditames de Portugal. Identificam-se três fases

distintas, que iniciam na época colonial (1500-1822), com características bem portuguesas,

seguem na imperial (1822-1889) e na republicana.108

Em todas as fases citadas, como dito, denota-se a influência do direito português,

contido nas Ordenações do Reino, que compreendiam: as Afonsinas (1500-1514), no

século XV, encerradas sob o reinado de Afonso, de quem levaram o nome, compostas de

cinco livros e que continham regras de direito penal, civil, comercial, organização

judiciária, processual, etc; as Manoelinas (1514-1603), sobre as quais não se têm registros

de aplicação efetiva e que tiveram como compiladores Rui Boto, Rui da Grã e João

Cotrim, em trabalho iniciado em 1501, no reinado de Dom Manoel e, findado em 1514 e as

Filipinas, que tiveram vigência em conjunto com leis extravagantes, de 1603 – 1916.109 As

ordenações já tratavam de matéria ambiental, ainda que de forma incipiente:

107 SANTOS, Pedro Sérgio. Crime ecológico: da filosofia ao direito. Goiânia: AB Editora da UFG, 1964. p. 94. 108 BITTAR, Eduardo C.B.(org). História do direito brasileiro. São Paulo: Atlas, 2003. p. 142. 109 GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao estudo do direito. 22. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1997.

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Apesar de ser quase unânime no mundo inteiro a preocupação com o meio ambiente, encontramos uma grande heterogeneidade no legal tratamento da matéria, principalmente na área penal. No caso específico do Brasil, a nossa história jurídica registra, de há muito, as preocupações do Direito Penal com a problemática ecológica, embora haja preocupações ainda setorizadas e nem sempre motivadas pelo valor da preservação. Já nas Ordenações Afonsinas, que vigeram longamente no Brasil, encontramos a proibição do corte de árvores frutíferas. Mais precisamente no Livro V, Título LVIII, destas Ordenações, tal conduta é tipificada como crime de injúria ao rei. Nas Ordenações Manoelinas (1.521) poderemos verificar a proibição de caça a perdizes, lebre e coelhos, com fios, rede ou quaisquer outros instrumentos que causassem sofrimento na morte dos animais. Ainda era prevista a proibição da caça aos coelhos nos meses de março, abril e maio em respeito à procriação. A pena prevista para o infrator era do pagamento de mil reis e a perda dos instrumentos e dos cães utilizados na caçada.110

Santos segue relatando que, embora a legislação previsse punições severas, tais

como açoite, degredo, confisco de bens e até a pena de morte, não havia um interesse na

apuração dos fatos para a efetivação da justiça:

Vigorando em Portugal e no Brasil, as referidas ordenações, bem como as anteriores, nem sempre encontravam a ressonância social do seu cumprimento. Verdade mesmo é que raramente algumas destas leis eram observadas, bem como raramente se encontrava na justiça disposição para a apuração e punição dos culpados. 111

A impunidade fez-se tão presente que serviu de inspiração para a crítica poética de

Gregório de Matos Guerra, mais conhecido como O Boca do Inferno, que dizia:

E que justiça resguarda? ... Bastarda É grátis distribuída? ...Vendida Que tem que a todos assusta? ... Injusta Valha-nos Deus o que custa O que El-Rei nos dá de graça Que anda a justiça na praça Bastarda, vendida, injusta.112

Os crimes eram punidos com penas diferenciadas, conforme o estamento social a

que pertencia o agente ativo, conforme se exemplifica. Segundo as ordenações Manoelinas,

protegiam-se também as abelhas, sendo proibidas a destruição e a comercialização

indiscriminada de colméias; nesse caso, independentemente de classe social, deveria o

infrator pagar o quádruplo do valor obtido na venda das colméias. Se o agente do delito

110 SANTOS, Pedro Sérgio. op. cit., p. 81. 111 Ibid., p. 81. 112 MATOS, Gregório de Guerra. Poemas escolhidos. [S.n.t.]. p. 38.

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fosse um “peão”, além da pena pecuniária, ainda cumularia as penas de açoite; já, se o

infrator fosse de classe mais elevada, poderia ser degredado por dois anos.

As ordenações Manoelinas e Filipinas mantiveram a tipificação das ordenações

Afonsinas referentemente ao corte de frutíferas, mas estabeleceram valores monetários às

árvores, os quais variavam, pois, quanto maior fosse o valor de uma árvore derrubada,

maior seria a pena, que poderia variar do açoite ao degredo permanente na ilha de São

Tomé e no Brasil. Apesar dos protestos de Duarte Coelho, contrário à presença aqui desses

degredados, o Brasil, segundo Santos, acabou por receber todo um contingente de

destruidores ambientais expulsos de Portugal que aqui vieram se fixar. Certamente essa

não é a causa única da destruição ambiental no país, mas pode ter sido a gênese da cultura

da destruição da natureza.

1.5 A Primeira Lei de terras no Brasil – Lei 601/1.850

A primeira Lei de Terras – lei n° 601, de 18 de setembro de 1850, foi fruto de

idéias avançadas de José Bonifácio, que trouxe importantes avanços em matéria ambiental

e disciplinou a ocupação do território nacional em momento de evidente necessidade de

organização dos registros de terras doadas desde o período colonial e de legalização das

terras ocupadas, para evitar os abusos e conhecer quais seriam as terras devolutas, para pôr

fim ao caos fundiário criado pela ineficiência das sesmarias, ou seja, conhecer as terras de

que o Estado poderia dispor para promover e financiar o processo imigratório e a

colonização, além de valorizar a terra em substituição ao capital investido nos escravos e

em vésperas de ser perdido.

Entretanto, esses não foram os únicos motivos da aprovação da lei, posto que veio

num contexto de modificações estruturais, quando houve suspensão do tráfico de escravos

e anunciava-se a abolição da escravatura. Na época havia interesse em atrair imigrantes

europeus para o trabalho agrícola nas grandes propriedades. A partir da lei, a terra

transformou-se em propriedade imobiliária, com o que somente através da compra e venda

alguém poderia se tornar proprietário de terras; portanto, a medida dificultou o acesso à

propriedade pelos imigrantes europeus que chegavam ao Brasil, os quais se viram

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obrigados a vender sua força de trabalho aos grandes proprietários, organizando de forma

viável o fim da escravidão, já previsível.113

O texto da Lei de Terra iniciava-se dando conta da efetiva pretensão legal de dispor

sobre as terras devolutas e regularizar das áreas obtidas em desacordo com as

formalidades. Veja-se como estava redigida:

Lei n.º 601, de 18 de setembro de 1850 – Dispõe sobre as terras devolutas no Império, e acerca das que são possuídas por título de sesmaria sem preenchimento das condições legais, bem como por simples titulo de posse mansa e pacífica: e determina que, medidas e demarcadas as primeiras, sejam elas cedidas a título oneroso, assim para empresas particulares, como para o estabelecimento de colônias de nacionais e de estrangeiros, autorizado o Governo a promover a colonização estrangeira na forma que se declara. D. Pedro II, por Graça de Deus e Unânime Aclamação dos Povos, Imperador Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil: Fazemos saber a todos os Nossos Súditos, que a Assembléia Geral Decretou, e Nós Queremos a Lei seguinte: Art. 1. Ficam proibidas as aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra. Excetuam-se as terras situadas nos limites do Império com países estrangeiros em uma zona de 10 léguas, as quais poderão ser concedidas gratuitamente.

A lei, quando de sua publicação, demonstra a severidade com que trataria as

atividades clandestinas, tanto de natureza possessória quanto predatória, conforme se

denota pelo que reza o seu Art. 2°:

Art. 2° - Os que se apossarem de terras devolutas ou de alheias, e nelas derrubarem matos ou lhes puserem fogo, serão obrigados a despejo, com perda de benfeitorias, e demais, sofrerão as penas de dois a seis meses de prisão e multa de cem mil reis, além da satisfação do dano causado [...] Parágrafo único: Os Juízes de Direito nas correições que fizerem na forma das leis e regulamentos investigarão se as autoridades a quem compete o conhecimento destes delitos põem todo o cuidado em processá-los e puni-los, e farão efetiva a sua responsabilidade, impondo no caso de simples negligência a multa de 50$000 a 200$000.

Ficava, então, a partir do texto do artigo 1º, proibida a tradicional apropriação de

terras por posse de sesmarias, na mesma medida em que ficaram legalizadas as terras

indubitavelmente ocupadas, com efetivos sinais de ocupação humana e agrícola.114

113 BRASIL. Lei 601, de 18 de setembro de 1850. Art. 18. “O Governo fica autorizado a mandar vir anualmente à custa do Tesouro certo número de colonos livres para serem empregados, pelo tempo que for marcado, em estabelecimentos agrícolas, ou nos trabalhos dirigidos pela Administração pública, ou na formação de colônias nos lugares em que estas mais convierem; tomando antecipadamente as medidas necessárias para que tais colonos achem emprego logo que desembarcarem. Aos colonos assim importados são aplicáveis as disposições do artigo antecedente. 114 BRASIL. Lei n.º 601 de 18 de setembro de 1850. Art. 5. Serão legitimadas as posses mansas e pacíficas, adquiridas por ocupação primária, ou havidas do primeiro ocupante, que se acharem cultivadas, ou com princípio de cultura e morada habitual do respectivo posseiro ou de quem o represente, guardadas as regras seguintes:

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Não teriam respaldo legal as ocupações repentinas, posto que a lei ressalvara os

critérios de avaliação do que seria uma posse efetiva, cujos conceitos muito se

aproximavam dos atuais.115 A autonomia do governo imperial ficava resguardada para a

reserva e utilização das terras devolutas para os destinos que aprouvesse,116 assim como as

terras indígenas seriam demarcáveis e reservadas.117 Visando estimular a imigração

européia, a legislação facilitou a aquisição de terras para fins exploratórios da agricultura

ou indústria, bem como a naturalização depois de transcorridos dois anos de efetiva

exploração.

A Igreja foi mobilizada como meio de divulgação por permear diferentes

localidades no país. Assim, notícias e instruções para conhecimento dos cidadãos eram

dadas nos cultos religiosos pelo vigário das respectivas freguesias do Império, assim como

estes recebiam as declarações para o registro das terras.118

Para a aplicação da lei urgiu que se regulamentassem alguns elementos executivos

que permitissem instar o povo ao cumprimento do mandamento legal, o que ocorreu em

1854. A Lei de Terras foi regulamentada em 1854, através do decreto 1.318/54, assim

redigido:

115 Idem. Art. 6. Não se haverá por princípio de cultura para a revalidação das sesmarias ou outras concessões do Governo, nem para a legitimação de qualquer posse, os simples roçados, derribadas ou queimas de matos ou campos, levantamentos de ranchos e outros atos de semelhante natureza, não sendo acompanhados da cultura efetiva e morada habitual exigidas no artigo antecedente. 116 Idem. Art. 12. O Governo reservará das terras devolutas as que julgar necessárias.- 1., para a colonização dos indígenas; 2., para a fundação de povoações, abertura de estradas, e quaisquer outras servidões, e assento de estabelecimentos públicos; 3º, para a construção naval. Art. 17. Os estrangeiros que comprarem terras, e nelas se estabelecerem, ou vierem à sua custa exercer qualquer indústria no país, serão naturalizados,querendo, depois de dois anos de residência, pela forma por que o foram os da colônia do S. Leopoldo, e ficarão isentos do serviço militar, menos do da Guarda Nacional dentro do município. 117 Idem. Art. 72. Serão reservadas terras devolutas para colonização, e aldeamento de indígenas nos distritos, onde existirem hordas selvagens. Art. 73. Os Inspetores e Agrimensores, tendo notícia da existência de tais hordas nas terras devolutas, que tiverem de medir, procurarão instruir- se de seu gênio e índole, do número provável de almas, que elas contêm, e da facilidade, ou dificuldade, que houver para o seu aldeamento; e de tudo informarão o Diretor-Geral das Terras Públicas, por intermédio dos Delegados, indicando o lugar mais azado para o estabelecimento do aldeamento, e os meios de o obter; bem como a extensão de terra para isso necessária. Art. 75. “As terras reservadas, para colonização de indígenas, e por eles distribuídas, são destinadas ao seu usufruto; e não poderão ser alienadas, enquanto o Governo Imperial, por ato especial, não lhes conceder o pleno gozo delas, por assim o permitir o seu estado de civilização.” 118 Idem. Art. 97. “Os Vigários de cada uma das Freguesias do Império são os encarregados de receber as declarações para o registro das terras, e os incumbidos de proceder a esse registro dentro de suas Freguesias, fazendo-o por si, ou por escreventes, que poderão nomear, o Ter sob sua responsabilidade.” Art. 98. “Os vigários, logo que for marcada a data do primeiro prazo, de que trata o art. 91, instruirão a seus fregueses da obrigação, em que estão, de fazerem registrar as terras, que possuírem, declarando-lhes o prazo, em que o devem fazer, as penas em que incorrem, e dando-lhes todas as explicações, que julgarem necessárias para o bom cumprimento da referida obrigação.” Art. 99. “Estas instruções serão dadas nas Missas conventuais, publicadas por todos os meios, que parecerem necessários para o conhecimento dos respectivos fregueses.”

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Decreto n.º 1.318, de 30 de janeiro de 1854. Manda executar a Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Em virtude das autorizações concedidas pela Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850, hei por bem que, para execução da mesma Lei, se observe o Regulamento que com este baixa, assinado por Luiz Pedreira do Couto Ferraz, do meu Conselho, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do império, que assim o tenha entendido, e faça executar. Palácio do Rio de Janeiro em trinta de janeiro de mil oitocentos e cinqüenta e quatro, trigésimo terceiro da Independência e do Império. Com a Rubrica de Sua Majestade o Imperador. (Luiz Pedreira do Couto Ferraz)

A “ legislação executiva” , como foi chamado o decreto 1.318/1854, explicitou as

competências para o efetivo cumprimento da lei 605/1850. Dentre as responsabilidades,

destacaram-se as atribuídas aos juízes municipais, que eram os conservadores das terras

devolutas, os delegados e subdelegados, constantes do capítulo VIII “Da Conservação das

Terras Devolutas Alheias.” 119

Após a lei n° 601/1850, que se destaca como um acontecimento importante, poucos

aspectos foram merecedores de estudo. Tem-se, por exemplo, o decreto n° 4.887, de 05 de

fevereiro de 1872, que autorizou o funcionamento da primeira companhia especializada no

corte de madeiras, a Companhia Florestal Paranaense. Por essa lei, a empresa era obrigada

a pedir licença ao governo para cortar árvores necessárias a sua atividade.120

No entanto, observa-se que, no final da fase imperial, a devastação florestal era tão

violenta que preocupava as autoridades; então, o governo por ato do ministro da

Agricultura da época, reiterou, mediante carta circular, a todos os presidentes de província

a necessidade de reprimir os abusos de derrubadas de matas nacionais, recomendando a

aplicação da lei n° 601/1850 e seu regulamento.

A grande devastação florestal de araucária no Paraná, que se estendeu até os

planaltos sulistas, iniciou-se em 1885, com a construção da estrada de ferro que liga

Curitiba até Paranaguá, época em que se multiplicaram as serrarias por toda a região e a

119Da Conservação das Terras Devolutas Alheias. Art. 87. Os juízes municipaes são os conservadores das terras devolutas. Os delegados e subdelegados exercerão também as funções de Conservadores em seus distritos, e, como tais, deverão proceder ex officio contra os que cometerem os delitos, de que trata o artigo seguinte, e remeter, depois de preparados, os respectivos autos ao juiz municipal do termo para o julgamento final. Art. 88. Os juízes municipais, logo que receberem os autos mencionados no artigo antecedente, ou chegar ao seu conhecimento, por qualquer meio, que alguém se tem apossado de terras devolutas, ou derrubado seus matos, ou neles lançado fogo, procederão immediatamente ex officio contra os delinqüentes, processando-os pela forma, por que se processam os que violam as posturas municipais, e impondo-lhes as penas do art. 2 da Lei n. 601, de 18 de setembro de 1850. Art. 89. O mesmo procedimento terão, a requerimento dos proprietários, contra os que se apossarem de suas terras, e nellas derrubarem matos, ou lançarem fogo; com tanto que os indivíduos, que praticarem taes atos, não sejam heréus confinantes. Neste caso somente compete ao heréu prejudicado a acção civil. Art. 90. Os Juízes de Direito, nas correições que fizerem, investigarão se os Juízes Municipais põem todo o cuidado em processar os que cometerem tais delitos; e os Delegados e Subdelegados em cumprir as obrigações que lhes impõe o art. 87; e farão efetiva a sua responsabilidade, impondo-lhes, no caso de simples negligência, multa de cinqüenta a duzentos mil réis, e, no caso de maior culpa, prisão até três meses. 120 MAGALHÃES, J. P. A evolução do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Oliveira Mendes, 1998. p. 43.

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exportação de pinho transformou-se na principal atividade econômica do momento. Essa

situação de destruição estendeu-se até a primeira metade do século XX ou mais, quando

surgiu a preocupação ecológica, porém a transformação da paisagem já tinha acontecido de

forma irreversível e boa parte dos pinheirais já haviam desaparecido, transformados em

madeira.121

Um acordo entre o governo brasileiro e empresas dos Estados Unidos e do Reino

Unido agravou a situação já demonstrada, ao estabelecer que, a medida que as estradas de

ferro fossem construídas através do planalto sul-brasileiro, novas terras fossem abertas para

os imigrantes europeus, que poderiam explorar livremente as florestas.

O processo evolutivo do direito ambiental apresentou-se em três períodos, que

datam de 1889 a 1981, de 1981 a 1988 e a partir de 1988, respectivamente. Durante esse

tempo a legislação ambiental sofreu um processo de mudanças significativas. Num

primeiro momento demonstrava preocupação com a defesa das florestas porque

representavam inestimável valor econômico; então, defendia-se a riqueza nacional segundo

o conceito herdado dos colonizadores, que, com o tempo, foi evoluindo e amadurecendo,

propiciando uma mudança do foco da preocupação: o legislador já não se voltava apenas

para o aspecto econômico, mas também atentava para o aspecto ecológico, dando sinais de

conscientização. Iniciou-se o século com a criação de uma reserva florestal, elemento

desencadeador de uma persecução mais célere dos recursos sustentáveis. São dessa época

alguns dos principais organismos de defesa ambiental, tais como os primeiros códigos de

proteção dos recursos naturais, como o florestal, o de mineração, o de águas, o de pesca, o

de proteção à fauna, etc.

Dentre outros fatos importantes que datam desse período e merecem destaque, estão

a imposição de limitações ao exercício do direito de propriedade imposto pelo Código

Florestal de 1934, por tratar-se de matéria até então restrita ao Código Civil; a criação da

responsabilidade objetiva nos casos de danos nucleares122; na década de 1970, os dois

planos nacionais de desenvolvimento, nos quais se pode notar, pela primeira vez, o esboço

de uma política nacional para a defesa ambiental, visto que o problema é tratado com

acuidade em nível nacional. As diretrizes constantes nesses planos resultaram em medidas

121 MAGALHÃES, J. P. A evolução do direito ambiental no Brasil. Leia mais em: NOS TRILHOS da devastação. Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 02 nov. 2004. p. 38. 122 BRASIL. Decreto-Lei n° 6.453/1977.

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posteriores eficientes em termos de proteção ambiental, acarretando real evolução da

legislação ambiental, com significativas mudanças jurídicas.

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2 - A ECLOSÃO DA CONSCIÊNCIA PRESERVACIONISTA E SUA

EVOLUÇÃO PELA CULTURA DA NECESSIDADE

A natureza fez tudo a nosso favor, nós, porém pouco ou nada temos feito a favor da Natureza. Nossas terras estão ermas, e as poucas que temos roteado são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados. Nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas ou mal aproveitadas. Nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo. Nossos montes e encostas vão-se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil, em menos de dois séculos, ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia. Virá então este dia (dia terrível e fatal), em que a ultrajada natureza se ache vingada de tantos erros e crimes cometidos.

José Bonifácio de Andrada e Silva, Representação à Assembléia Constituinte e Legislativa

Do Império do Brasil sobre a escravatura, 1823. 123

Os historiadores mapeiam o passado considerando que as paisagens históricas se

diferenciam das paisagens cartográficas por serem fisicamente inacessíveis, pois qualquer

pessoa que se proponha elaborar um mapa de determinada região poderá visitá-la,

fotografá-la e até medi-la, ao passo que os historiadores trabalham depois de fatos

acontecidos, logo, com parcos vestígios. Por isso comparam-se os historiadores com o

advogado criminalista ou um físico, conforme Pádua:

Os historiadores estão na mesma situação espinhosa de um advogado criminalista que se esforça para reconstruir um crime que ele não presenciou; ou um físico que confinado ao leito em virtude de uma gripe toma conhecimento de seus experimentos por meio dos relatórios de seu técnico de laboratório. O historiador nunca chega antes de a experiência ser concluída. Mas em circunstâncias favoráveis, ela deixa atrás de si certos resíduos os quais os historiadores podem ver com seus próprios olhos. 124

123 PÁDUA, José Augusto. Um sopro de destruição: pensamento político e crítica ambiental no Brasil escravista (1786-1888). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002. 124 GADDIS, John Lewis. Paisagens da história. Rio de Janeiro: Campus, 2003. p. 51.

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O novo paradigma que surge aponta para uma atuação inspirada na consciência

pessoal, em conexão com a consciência dos outros e com a natureza. Deve-se prevenir ou

impedir a ocorrência de danos ambientais irreparáveis. As medidas econômicas, sociais e,

mesmo, políticas não são suficientes por elas mesmas para mudar o curso da história. É

aqui que entra a responsabilidade, como um aspecto inerente à atuação do advogado. Agir

de maneira responsável e consciente deve ser uma característica inalienável do advogado

neste milênio. Salienta Ginzburg que o paradigma de natureza indiciária, fundamentado na

semiótica, o qual “emergiu silenciosamente no âmbito das ciências humanas” 125,

configurou-se no final do século XIX, porém já era operante em esferas da atividade

humana desde tempos remotos.

Uma retomada histórica que passa pela semiologia médica, arte divinatória e

atividade da caça em períodos longínquos permite ao autor destacar as raízes antigas de um

saber que se constrói sobre indícios. Em certo sentido, ele toma o antigo caçador como o

precursor dessa forma de saber dizendo que, “por trás desse paradigma indiciário ou

divinatório, entrevê-se o gesto mais antigo da história intelectual do gênero humano: o do

caçador agachado na lama, que escruta as pistas da presa” .126 A elaboração sobre o

paradigma indiciário ou semiótico desdobra-se por meio de argumentos que apontam a

importância dos pormenores considerados negligenciáveis no estudo dos fenômenos,

apoiados nas formas de conhecimento do perito, do detetive e do psicanalista.

Em relação ao modelo da ciência moderna, Ginzburg critica o desprezo pelo

individual, já que esse modelo toma a investigação de eventos singulares como embaraço

para um conhecimento científico rigoroso. A crítica estende-se também a outros

pressupostos dessa forma de racionalidade na busca de leis universais, com a crença na

transparência da realidade; a separação entre sujeito e objeto; o modo exclusivo de

conhecimento sistemático e com regras formais, orientados apenas para as regularidades da

natureza. Ginzburg contrapõe a essas visões a riqueza da conjeturalidade do conhecimento

humano e a valorização do singular. Permanecendo por longo tempo marginal ou implícito

na esfera científica, o saber conjetural pode ser reconhecido nas mais diversas esferas de

atividade da vida cotidiana. Vincula-se a uma intuição que vem dos sentidos e que supera o

sensorial. Esse saber, quando incorporado ao âmbito da ciência, pode atender a demandas

de rigor, cuja austeridade é, antagonicamente, necessariamente “ flexível” .

125 GINZBURG, Carlo. Mitos, emblemas, sinais: morfologia e história. São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p. 43. 126 Ibid., p. 154.

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A valorização do singular é outro aspecto central do paradigma, tendo em vista que

as formas de saber assumidas implicam uma atitude orientada para casos individuais, que

devem ser reconstruídos, compreendidos por meio de sinais, signos, pistas, indícios ou

sintomas variados. Contudo, decifrar e ler pistas é estabelecer elos coerentes entre eventos;

por isso, o componente narrativo faz parte das interpretações indiciárias. Apesar de

privilegiar o singular, não se abandona a idéia de totalidade, pois esse modelo

epistemológico busca a interconexão de fenômenos, não o indício no seu significado como

conhecimento isolado. A realidade é complexa, mas nela há passagens abertas, que

permitem interconexões favoráveis à compreensão da totalidade.

[...] pode se converter num instrumento para dissolver as névoas da ideologia que, cada vez mais, obscurecem uma estrutura social como a do capitalismo (contemporâneo). Pois se a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas - sinais, indícios - que permitem decifrá-la.127

Cabe destacar, em razão das considerações de Ginzburg, que a ação predatória do

homem sobre a natureza é tão antiga quanto a sua própria existência. Através dos séculos,

constata-se que, desde a mais primitiva sociedade, ele praticou atividades causadoras de

degradação ambiental na produção de bens de consumo, tais como energia, alimentação,

utensílios, por exemplo.Todavia, para um resgate do inconsciente coletivo, a subjetividade,

a intuição e o método servem como instrumento para desvelar o real.

Observa-se, no processo de reconstrução do passado, que desde as antigas

civilizações havia o interesse e normas preservacionistas das coisas da natureza. Destaca-

se, assim, a relevância histórica e atual deste tema, que, apesar do ancestral alerta, ainda se

mostra, sem grandes signos evolutivos.

Os povos da Antigüidade fizeram referências à proteção ambiental reafirmando o

papel preponderante das florestas como reguladoras dos ciclos da água e defensoras dos

solos contra a erosão e os processos de desertificação. Na Roma antiga, Cícero considerava

inimigos do Estado os que abatiam as florestas da Macedônia128. Nessas civilizações já

127 GINZBURG, op. cit., p. 178. 128 Não são novas as relações jurídicas ambientais, posto que são encontradas entre as mais antigas civilizações (Dinastia Chow 1122 A.C / 255 A.C) havia recomendação imperial para a conservação das florestas e, nas que sucederam a prática de reflorestamento de áreas desmatadas, criação de estações experimentais. No início do século XIV leis proibiram serrarias hidráulicas em proteção das florestas dominiais na Inglaterra. Em 1669, na França foi promulgado o Decreto das Águas e Florestas elaborado por Jean Baptiste Colbert, ministro de Luiz XIV. A ciência denominada ecologia surgiu em 1895, por obra do professor Eugen Warming, da Universidade de Copenhague. Até este momento, os problemas ecológicos pertenciam a “Economia da Natureza”, por onde constatou-se que a depredação ambiental, já estava ligada à

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havia leis de proteção da natureza; desde a primeira legislação escrita, a Lei das XII

Tábuas (450 a.C.), continha disposições para prevenir a devastação das florestas, como na

tábua segunda, onde prescrevia: “[...] Se alguém sem razão, cortar árvores de outrem, que

seja condenado a indenizar à razão de 25 asses129 por árvore cortada [...]” .130

Na legislação romana, pode-se também verificar a preocupação pela conservação

do meio, entretanto a punição não assumia caráter de ilícito penal, restringindo-se à pena

pecuniária, bem a contento dos interesses privatísticos e econômicos característicos dos

romanos, dando forma inicial ao instituto da responsabilidade civil e indenização, hoje

largamente utilizados. Entre os povos antigos o interesse pela riqueza e diversidade do

bioma131 não se restringiu a proteção das matas, mas também abrangeu a caça de animais,

que foi regulamentada e proibida nos períodos de reprodução, numa demonstração da

preocupação com a preservação das espécies, desde àquela época132.

Hoje, é sabido que a degradação ambiental tem intensidades distintas, obedecendo à

equação tamanho da população, os padrões de consumo e sistemas de produção por ela

utilizados.133 Pode-se exemplificar com o empobrecimento do setor agrícola pela perda de

fertilidade e pela contaminação do solo do país na década de 1980, especialmente do Rio

Grande do Sul, historicamente utilizado com a pecuária e agricultura de fartura e extensão

(monocultura). Sem qualquer implemento de recuperação e uso contínuo, o solo foi levado

à exaustão quase que total das suas forças produtivas.134

O cansaço da terra, o uso desmedido de agrotóxicos e as queimadas que levaram à

improdutividade conduziram ao empobrecimento da produção primária numa dificuldade,

cujos reflexos foram, incontestavelmente, denotados por toda a sociedade ao final de cada

safra agrícola, nas várias esferas econômico-sociais, fruto de relações econômicas nascidas

do interesse de um grupo dominante e suas inter-relações.135

economia e aos seus interesses. GIMPEL, J. A revolução Industrial na Idade Média. (trad). Álvaro Cabral, Rio de Janeiro: Zahar, 1977. p. 60. 129 Moeda romana (de cobre). 130 GIMPEL, op. cit., p. 60. 131 Meio ambiente: conjunto de elementos abióticos (energia solar, solo, água e ar) e bióticos (organismos vivos) que integram a fina camada da Terra chamada biosfera, sustentáculo e lar dos seres vivos. Bioma – grande ecossistema com fauna, flora e clima próprios. 132 Na África existem santuários da fauna criados há séculos pelos reis locais, com intuito de proteção do rico meio. GIMPEL, op. cit., p. 60. 133 HOGAN, D. J. A relação entre a população e ambiente: desafios para a demografia. In: TORRES, H; COSTA, H. (Org.). População e meio ambiente. São Paulo: Senac, 2000. p. 21-52. 134 ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do Planalto Gaúcho.(1850-1920). Ijuí: Unijui, 1997. p. 135-149. e: A ATIVIDADE agrícola e a contaminação química do solo disponível em <http://www.cnpab.embrapa.br/servicos/baby/contamin.html>. Acesso em: 25 dez. 2004. 135 EDUCAÇÃO para um futuro sustentável: uma visão transdisciplinar para ações compartilhadas. Unesco. Brasília: Editora Ibama, 1999. p. 21-26.

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Para minimizar o problema, necessário se fez o processamento de uma agricultura

mais técnica, o uso de adubos e outros produtos químicos para recuperação do solo, bem

como a rotatividade de culturas. O efeito primeiro foi obtido e os resultados na

produtividade foram evidentes. Todavia, um sinal de desestruturação dos recursos naturais

como a contaminação das águas, abatimento das matas, aterramento e drenagem de

banhados, prejudicou gravemente outras formas de vida, inclusive e, especialmente, a

humanidade, com aparecimento de doenças degenerativas e outras decorrentes da

administração indireta destes produtos químicos lesivos à saúde.136

Argemiro Luís Brum137 garante que o desenvolvimento é um processo que busca a

melhoria da eficiência na alocação dos recursos públicos, o fomento à eqüidade na

distribuição da riqueza e do emprego e a satisfação das necessidades presentes e futuras da

população, tendo sempre em conta um adequado uso dos recursos naturais e do meio

ambiente, ou seja, não é sinônimo de crescimento. Este último representa o aumento no

acúmulo de riquezas geradas pelos agentes econômicos instalados num país ou região, ao

passo que o desenvolvimento significa o resultado da melhor utilização possível, em

termos de bem-estar social, pelo conjunto da população deste país ou região, dessa

riqueza.138

Em face do problema exposto, a água ingerida diariamente, necessita de altos

índices de cloro e outros produtos para minorar as conseqüências da poluição sofrida, com

agrotóxicos e agro-químicos violentos, dentre os quais vêm aumentando o número de

doenças para todo tipo de vida na terra. Todos são atingidos de forma mediata ou imediata

e precisam do socorro. Assim, deve-se perseguir um desenvolvimento sustentável para a

reversão do quadro estabelecido e a recuperação do meio pela consciência da vida para a

vida, no locus onde somos todos habitantes/sobreviventes.139

136 SOARES, I.A.A. e col. Resultados de análises de resíduos de inseticidas clorados e fosforados em frutas e hortaliças comercializadas no Ceasa/MG e analisadas no Centro Integrado de Apoio à Produção - Ciap - 1983 a 1984. Dados apresentados no 9° Encontro de Analistas de Resíduos de Pesticidas Instituto Adolfo Lutz - Maio - 1985. Comunicação Verbal, 1985. 137 Professor da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijui). 138 DESENVOLVIMENTO regional: uma nova fase. Disponível em: <www.agrolink.com.br>. Acesso em: 27 set. 2004. 139 A HISTÓRIA do cloro na saúde pública. Disponível em: <http://www.clorosur.org/historia.html>. Acesso em 29 dez. 2004.

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2.1 A questão ambiental da história ao momento atual

2.1.1 Do desmatamento

O homem tem sido capaz de modificar seu meio natural para adaptá-lo às suas

necessidades, mas foi com a Revolução Industrial que realmente se deflagrou a

transformação da face do planeta, da natureza de sua atmosfera e da qualidade de sua vida

na terra.

Desde o início da colonização do Brasil, as florestas vêm sendo abatidas,

inicialmente, na região costeira; as matas de jacarandá e de outras madeiras nobres na

região do sul da Bahia, do norte do Espírito Santo e na denominada Zona da Mata de

Minas Gerais. De um total de, aproximadamente, 1,3 milhão de quilômetros quadrados da

Mata Atlântica primitiva restam, apenas, cerca de 50 mil km2, ou seja, 7,3% da área

original140.

A mata que ainda abriga várias populações indígenas perpassa pelos territórios de

17 estados brasileiros141 e foi, ao longo dos anos, sendo abatida para dar lugar a áreas de

cultivo de milho, trigo e videira, etc. Os colonos alemães e italianos deflagraram o

processo, na primeira metade do século, com a exploração indiscriminada da madeira,

quando árvores gigantescas e centenárias foram derrubadas e queimadas, sem considerar

que 70% da população brasileira vive na área de domínio da Mata Atlântica e da sua área

de domínio tem retirado 70% do PIB nacional.

É desnecessário frisar a importância das matas para o país, porque nelas se

encontram nascentes e mananciais hídricos que proporcionam água de qualidade para as

populações das cidades, além de regular as condições climáticas de temperatura, umidade,

chuvas, etc. Além disso, contém plantas de uso medicinal, muitas delas desconhecidas e

outras muito cobiçadas, tendo a maior e mais ameaçada biodiversidade.

Originariamente, as matas de araucárias, ou pinheiros-do-paraná, estendiam-se do

sul de Minas Gerais, passando por São Paulo e chegavam ao Rio Grande do Sul,

integralizando cerca de 100.000 Km2 de matas de pinhais. À sombra desses pinheiros

cresciam outras espécies de madeiras nobres, como a imbuia, o cedro, a canela, entre

outras, o que deflagrava maior interesse econômico por esse tipo de formação florestal,

pela rentabilidade que representava.

140 Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica, Inpe e Instituto Sócioambiental. 141 RS, SC, PR, SP, GO, MS, RJ, MG, ES, BA, AL, SE, PB, PE, RN, CE, PI.

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No Estado do Rio Grande do Sul 47% da paisagem é composta pela mata Atlântica

presente em outros 14 estados da federação, e por 63% de paisagem exclusiva só

encontrada aqui.142 Com a destruição de mais da metade desse bioma, que por mais de cem

anos alimentou a indústria madeireira, desapareceram várias espécies de roedores que se

alimentavam do pinhão, aves, insetos, etc., além de formações florísticas de pequeno porte

que conviviam com a floresta.

A destruição, sem precedentes, dos pinheirais da região Sul do país, para atender à

demanda de carvoeiros e lenhadores para suprir as demandas do mercado, desrespeitando

as restrições legais de proteção de matas nativas, de nascentes, limites das margens dos

cursos d’água, encostas com declives acentuados e topos de morros, levou à desertificação

e à ameaça da fertilidade em vários pontos.

No norte do estado do Paraná, as matas de perobas e outras espécies de madeiras-

de-lei foram extintas, sem o devido aproveitamento nas serrarias, para a ocupação da área

para plantios de cafezais.143 As áreas desmatadas da Floresta Amazônica, da Mata

Atlântica e do Cerrado somam 2,5 milhões de Km2 (250 milhões de hectares) - quase 30%

do território brasileiro, ou a soma das superfícies formadas pelos estados das regiões

Nordeste e Sudeste. Os técnicos florestais do Ibama estimam que o desmatamento, em todo

o território é superior a 300 milhões de hectares de matas.144

A preocupação com nossos recursos florestais, além de não ser uma temática atual,

não se limitou aos cientistas do Brasil, mas foi objeto de obras de autores estrangeiros, que

já nos idos de 1.923 indicavam grande preocupação com o ambiente terrestre de uma

forma geral. Os florestólogos Zon e Sparhawk foram responsáveis pela obra Forest

ressources of the world145 (Recursos Florestais do Mundo). Conforme noticiado na época

no único jornal da região, a obra demonstrou problemas já constatados no mundo pela

devastação das matas, trazendo dados atualizados e úteis sobre o Brasil. Segundo os

autores e a obra, num país bem organizado as áreas territoriais devem ser distribuídas nas

proporções de “30% de matas, 60% de terras cultivadas e 10% ocupadas pelas cidades e

142 IBGE traça em mapas a vegetação do Brasil. Zero Hora, Porto Alegre, 22 maio 2004. p. 25. 143 BRITES, Ricardo Miranda de. Biólogo que trabalhou como coordenador técnico do diagnóstico dos remanescentes florestais da Floresta com Araucária no Paraná. FUPEF - FUNDAÇÃO DE PESQUISAS FLORESTAIS DO PARANÁ (2001). Conservação do Bioma Floresta com Araucária: relatório final - Diagnóstico dos remanescentes florestais. Curitiba, 2001, v.2, 456 p. e IBDF - INSTITUTO BRASILEIRO DE DESENVOLVIMENTO FLORESTAL (1984). Inventário Florestal Nacional: Florestas/Nativas – Paraná/ Santa Catarina, Curitiba: FUNPAR, 1984, 309p. Disponível em: <http://www.redeprouc.org.br/news>. Acesso em 16 out. 2004. 144 Idem. 145 ZON, Raphael; SPARHAWK, William.N. Forest resources of the world. New York: McGraw-Hill Book Company Inc., 1923, 2v., 997p.

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povoados” . Seguem afirmando que a queda das reservas florestais em proporção abaixo

dos 20% é desastrosa e provam essa asserção com os casos da Espanha, Grécia e da Itália,

países onde a taxa é, respectivamente, de 14, 15 e 18%. Considerando a área total dos

continentes excluída as regiões polares, verifica-se que 22,5% dessa área são cobertos por

florestas. A obra foi matéria do jornal local e inicia de forma impactante:

De palpitante interesse e para vos o problema dos recursos das mattas, pois que entre nós a indústria das madeiras é a maior fonte de riqueza. Pela “Bolsa” revista de sciencia econômica, foi publicado há pouco, o seguinte artigo, em torno de um livro recentemente dado á luz da publicação...146

Na obra dos autores ao Brasil foram reservadas 35 laudas, em capítulo especial,

baseado em bibliografia que abrange 48 publicações. Entre outras informações, destaca

que no país, quando do descobrimento, havia 58,6% da superfície revestida por matas,

consignando a proporção de 40% de cobertura, com o índice de 11,2 hectares de floresta

por habitante. Este cálculo pareceu excessivo, tendo-se por base outros trabalhos já

publicados.

Na avaliação da área florestal e das principais essências que se encontram nas

matas brasileiras, referem-se os florestólogos Zon e Sparhawk que se encontram nas

florestas da Amazônia, da região litorânea, dos pinheirais do sul e das matas do interior as

principais essências, avaliam em número de 3.000 e enumeram 82 espécies com indicações

superficiais de cada uma. Avaliaram ainda que as madeiras brasileiras eram abatidas na

proporção de 1m2 per capita, prevendo a duplicação do consumo nos seguintes vinte anos.

Demonstraram os autores grande cuidado com o consumo mundial de madeira das

coníferas pela pequena quantidade de representação que tinham nas florestas do mundo,

somando um terço do total geral das florestas e o seu consumo é de três quartos do gasto

geral em madeira. No Brasil esta população alcança um décimo das florestas.

Equivocaram-se, entretanto, os autores Zon e Sparhawk ao afirmarem estar o Brasil

fora do mercado madeireiro mundial, visto que grande parte das reservas florestais nobres

foi direcionada para os países europeus desde o seu descobrimento. Possivelmente

estivesse excluído do mercado lícito, conforme se pode denotar pela publicação que segue:

146 OS RECURSOS florestais do mundo. As florestas no Brasil. O Nacional, Passo Fundo, 1 ago. 1928. p. 1.

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O Brasil, accrescentam por assim dizer ainda não appareceu no mercado mundial de madeiras, com as suas variadíssimas espécies e, si quizerem iniciar em grande escala essa industria, terá que empatar grandes capitães, passando a trabalhar pelos processos mecânicos modernos. Por outro lado, terá de ir substituindo as mattas compostas de centenas e centenas de essências diversas, por outras mais homogenias, construídas de poucas espécies, de crescimento rápido e maior valor commercial.147

Seguem os autores relatando:

A história ensina que os paizes dotados com abundantes recursos naturaes não poupam taes riquezas que a natureza lhes proporcionou. Aumentando a população e desenvolvendo as industrias, nasce então, pouco a pouco, na opinião publica, a comprehensão do dever da economia. Effectivamente todas as nações passaram por estas mesmas phases. Cuidem, pois as nações mais novas de tirar proveito dessa licção da história, seguindo o exemplo dos paizes mais velhos, ja beneficiados pelos cuidados que despensaram ás suas florestas, águas e terras.148

Apesar da gravidade do problema como um todo, o desmatamento e as queimadas

da região Amazônica, por ser a maior das florestas primárias remanescentes do mundo,

centralizam as preocupações dos ambientalistas nas últimas décadas, pelos desequilíbrios

imprevisíveis causados ao ambiente, cujas conseqüências ainda são desconhecidas. A

destruição é assustadora149, tanto que somente nos últimos quatro anos mais de 77 mil Km2

- uma área um pouco maior do que os estados do Rio Grande do Norte e Sergipe juntos -

foram devastados150.

A prática da extração ilegal de madeira para uso do solo, sob a forma de culturas e

para formação de pastagens, constitui a maior ameaça às florestas. A precária fiscalização

governamental permite a perpetuação de práticas clandestinas que atingem também as

áreas de reservas indígenas sem qualquer tipo de controle. Das mais de 17 madeireiras

“ legalizadas” que atuam na região, apenas uma151 é totalmente certificada pelo Conselho

de Manejo Florestal (CMF). A maioria utiliza tecnologia ultrapassada, que determina perda

de grandes quantidades de madeira, aproveitando apenas um terço para destinação do

147 OS RECURSOS florestais do mundo. As florestas no Brasil. O Nacional, Passo Fundo, 1 ago. 1928. p. 1. 148 Idem. 149 Várias madeireiras estrangeiras, principalmente da Indonésia, Malásia, China e Japão, estão instaladas na região. 150 No ritmo atual se desmata 01 campo de futebol a cada 04 minutos. De 1985 a 1990 a média foi de 420 campos de futebol por dia. De 1990 a 1995 a média foi de 390 campos de futebol por dia. Fonte: Fundação SOS Mata Atlântica, INPE e Instituto Sócioambiental. 151 A empresa Mil Madeiras é totalmente certificada pelo Conselho de Manejo Florestal.

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produto final, além do alto custo da certificação manejo e condições de trabalho, etc., que

afasta até os grandes empresários do setor pela total impossibilidade de alcançá-la. 152

Com projetos de integração da região Amazônica com o resto do país, grande parte

das indústrias madeireiras do sul, agora sem disponibilidade de matéria-prima pelo

esgotamento das florestas em ponto de abate, migrou, acompanhando os projetos

agropecuários, para aquela região. Ali transformam as áreas cobertas por florestas para o

uso da agricultura e pecuária, movimentando importantes quantidades de madeira, que são

vendidas para madeireiras (86% mercado interno) ou queimadas por falta de compradores.

Segundo Bertha K. Becker, da Universidade Federal do Rio de Janeiro o

desmatamento deve continuar ainda que a política florestal procure incrementar a

lucratividaede e sustentabilidade do manejo florestal, uma vez que, na Amazônia, no Pará,

Mato Grosso e em Rondônia, a indústria florestal gera 15% do PIB e 05% do emprego; em

1998, estima-se que o setor tenha gerado R$ 2,2 bilhões em vendas e contribuído em torno

de 10% do total dos impostos recolhidos no Pará e Mato Grosso.153 Portanto, o lucro de

agricultura e da extração da madeira é tão expressivo que o desmatamento continuará.

A questão já levava a discussão às mais remotas regiões do país nos idos da década

de 1920, onde as notícias pululavam dando conta, através dos jornais, de que a

preocupação se estendia pelo país. Há preocupação com o comprometimento do

patrimônio nacional que sua alienação a estrangeiros, como ao industrial americano Henry

Ford, para que explore imensa gleba do vale fértil do Amazonas, sem o indispensável

controle oficial dos altos poderes da nação. A atitude política gerou críticas que foram

levadas a público:

Por um erro de visão, administrativa, ou por inconfessável móvel subalterno, os Governos da Amazônia começaram de fazer concessões de terras naquella região, pretendendo com isso, fazerem crer, que incentivam o desenvolvimento do extremo norte de pai, sem medirem as consequencias desastrosas que podem advir dessa política francamente condemnavel. A culpa de que no Brasil existam Governos capazes de facilitar aos extrangeiros, a colonisação por methodo “especial” das terras nacionaes, vem da Constituição Federal, organisando Estados com demasiada extensão territorial, quando despovoados, e entregando-os, com as faculdades de suas autonomias, a administradores sem a necessária probidade profissional, que se requer para tão elevada funcção...154

152 BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia. Brasília: MMA, 2001. p. 19. Leia mais em ABIMCI. Disponível em: <http://www:abimci.com.br/>. Acesso em: 29 out. 2003. 153 BRASIL, Ministério do Meio Ambiente. Causas e dinâmica do desmatamento na Amazônia. Brasília: Ministério Meio Ambiente, 2001. p. 18. 154 A ALIENAÇÃO do patrimônio nacional. O Nacional, Passo Fundo, 25 jul. 1928. p. 1.

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Nos últimos vinte anos, a contribuição da Amazônia no mercado madeireiro

nacional saltou de 14% para 85%; deste total, segundo dados oficiais, 80% da exploração é

feita de forma ilegal. Apesar de evidência dos danos e das proporções, nem todas as

medidas governamentais adotadas alcançaram o intento de proteção, como se observa pela

elaboração do I Plano Nacional de Desenvolvimento155, a ser executado no período de

1972 a 1974, considerado inadequado na medida em que programas como o Programa de

Interação Nacional (PIN) 156e o Programa de Redistribuição de Terras e Estímulos à

Agropecuária do Norte e do Nordeste (PROTERRA ).157 Ao contrário, representou para a

Amazônia a maior devastação já ocorrida na região, pelo incentivo à pecuária e pela

facilidade para a aquisição de terras, que atraíram um grande contingente de predadores

ávidos de fortuna fácil. As conseqüências dessa política foram as piores possíveis, pela

destruição em massa dos recursos naturais, deixando marcas indeléveis aos mananciais

naturais das regiões onde tais programas foram implementados.

Por interferência das ONGs ambientalistas, está sob análise a implementação de

novas áreas de preservação uma vez que ainda há uma grande área íntegra, que perfaz dois

terços, que pode ser preservada, dependendo de ações finais, especialmente de ordem

político-administrativo.

A colonização no Rio Grande do Sul foi fundada sob o regime da pequena

propriedade. Os alemães, em 1824, receberam lotes coloniais de 77 há; em 1848, os lotes

coloniais foram reduzidos para 48 ha158, que era entendido como o tamanho ideal para um

lote ser ocupado com agricultura intensiva; e, em 1875, os lotes foram alterados para 25 ha,

medindo 200m a 250m de frente e 1.000m a 1.250m de profundidade, conforme descreve

Jean Roche em seu estudo sobre a colonização alemã no Rio Grande do Sul159.

O governo imperial havia pensado em todas as medidas para a instalação dos

estabelecimentos agrícolas por colonos europeus, como se demonstrou no capítulo anterior

no estudo sobre a Lei de Terras de 1850160; previa os procedimentos para a ocupação das

terras desde a chegada dos imigrantes ao país até sua instalação definitiva. Para agilizar e

controlar a ocupação das terras devolutas criou-se uma Repartição Geral das Terras

Públicas.

155 BRASIL. Decreto-Lei n° 5.727, de 4 de novembro de 1971. 156 BRASIL. Decreto-lei n° 1.106, de 16 de junho de 1960. 157 BRASIL. Decreto-lei n° 1.179, de 06 jul. 1971. 158 MANFROI, Olívio. A colonização italiana no Rio Grande do Sul, implicações econômicas, políticas e culturais. Porto Alegre: Grafosul/IEL/DAC/SEC, 1975. p. 84. 159 ROCHE, J. A colonização alemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969. p. 144.

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Os imigrantes, de início, prestavam serviços na abertura de estradas, na construção

de barracões, na abertura de picadas em troca de somas que eram investidas em terras. Era

uma forma de trabalho assalariado que lhes permitia ganhar em dinheiro para pagar as

dívidas existentes. A dívida dos colonos era considerável e as dificuldades iniciais

enfrentadas não permitiam saldá-la nos primeiros anos. A Comissão Liqüidadora da dívida

colonial, que era subordinada à Comissão de Terras, atuou até 1894 com a finalidade de

saldar as dívidas feitas pelos colonos, sendo extinta em 1906.

Quanto ao registro das terras, no início da colonização, eram os vigários de cada

uma das freguesias do Império os encarregados de receber as declarações para os registros

das terras161. Cabia-lhes instruir seus fiéis sobre a obrigação de registrarem a terra dentro

do prazo estabelecido e esclarecer acerca das penas que sofreriam se não o fizessem,

dando-lhes todas as explicações necessárias para o cumprimento da referida obrigação.

Essas instruções deveriam ser transmitidas nas missas e publicadas por todos os meios

possíveis. Os vigários deveriam anotar esses registros num livro, aberto por eles,

numerado, rubricado e encerrado, no qual escreviam textualmente as declarações que lhe

eram apresentadas e cobravam do declarante dois réis por letra162.

Os pequenos proprietários de terra tornaram-se pequenos produtores, que, através

da mão-de-obra familiar, iniciaram a história da zona colonial com muito trabalho e

esforço. Apesar de a agricultura inicial ser marcada por culturas de sobrevivência, sem

traços de cultura permanente, foi uma lavoura que seguiu as práticas do tipo indígena.

Posteriormente, o sistema agrícola adotado foi o de rotação de terras, no qual predominava,

inicialmente, a cultura do milho. Esse sistema de lavoura, chamado de “rotação de terras

melhoradas” , prosperou apesar da pobreza do solo enfraquecido com o tempo em razão do

seu esgotamento.163

A política de colonização no Rio Grande do Sul foi êxitosa, uma vez que os

resultados históricos desse processo redundaram na construção de um estado de economia

diversificada, no qual a colonização representou um diferencial. A propriedade rural

colonial de pequena extensão no Brasil e no Rio Grande do Sul não foi resultado da

conquista de grupos subalternos nacionais, “nem o resultado de transformações sociais que

160 TERRAS E COLONIZAÇÃO, onde se encontram todas as leis referentes a estrutura de terras no Brasil no Período do Império. BRASIL. Decreto-lei n.º 601/1850. 161 MANFROI, op. cit., p. 132. 162 Ibid., p. 137-138. 163 VALVERDE, Orlando. Álbum comemorativo do 75° aniversário da colonização italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, [s.d.]. p. 271.

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tivessem tornado inviável a grande propriedade monocultora; foi uma concessão das

classes dominantes, latifundiárias para com os estrangeiros, tendo como finalidade salvar

os interesses da grande lavoura” .164

Conforme Tedesco, a região de Passo Fundo, no Rio Grande do Sul, a partir do

início do século XX, caracterizou-se pela ocupação privada e econômica da terra, pela

mistura de relações produtivas de uma agricultura de alimentos com características

históricas da pecuária; pela dimensão rentável da terra com formas de apropriação

capitalista e produtiva da terra; pelo trabalho familiar do colono, pequeno camponês, com

trabalho escravo e semi-escravo de caboclos nas estâncias pecuaristas; pela corrida a

apropriação privada da terra por pequenos camponeses descendentes de imigrantes, pobres

livres que migraram pela região em busca de espaço e desenvolvimento cultural econômico

e social. 165

De acordo com Rückert, a colonização do norte do Rio Grande do Sul, baseada na

pequena propriedade camponesa, aconteceu na República Velha, entre 1889 e 1930. As

oligarquias fundiárias regionais reivindicavam, na década de 1870, que fossem povoadas

as terras de matas, o que, contudo, somente se concretizou a partir do período

republicano.166

Em síntese apresentaram-se os elementos que fizeram parte do processo de

colonização no sul do país, decorrente da política imigratória vigente no período imperial e

republicano. Por meio dessa política, o governo imperial pretendia povoar as terras

devolutas do Rio Grande do Sul com a instalação do trabalho livre, o regime da pequena

propriedade e a agricultura subsidiária. Essa iniciativa favoreceria o desenvolvimento

econômico na medida em que se alterava o regime de trabalho, fortalecido pela instalação

das colônias agrícolas regida pela Lei de Terras de 1850.167

A ocupação da terra pelos imigrantes e as políticas imigratórias que sustentaram o

processo de colonização levaram a que a instalação dos estabelecimentos agrícolas fosse

vitoriosa. A estruturação das colônias agrícolas no sul do Brasil refletiu a forma de

organização da terra, embora tenha gerado muitas desigualdades em razão da forma como

foi implementada. Segundo Zarth, a dicotomia campo-floresta contribuiu para formação

164 DE BONI, L.; COSTA, Rovílio. Os italianos do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Edusc, 1979. p. 33. 165 TEDESCO, João Carlos. Madeireiros, comerciantes e granjeiros: lógicas e contradições no processo de desenvolvimento socioeconômico de Passo Fundo (1900-1960). Passo Fundo: UPF, 2002. p. 16-20. 166 RÜCKERT, Aldomar A. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do Sul: 1827-1931. Passo Fundo: Ediupf, 1997. p. 111-120. 167 Ibid., p. 111-120.

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das grandes fazendas de gado nas zonas de campo nativo e da agricultura de subsistência

nas áreas de florestas, que resultaram em pequenas propriedades. 168

A par do interesse do Estado na melhor ocupação do solo, vislumbra-se ação de

empreendedores de empresas colonizadoras e madeireiras, que viram como um meio de

enriquecimento a abertura das matas nativas e a comercialização da madeira. Com isso, as

florestas nativas, caracterizadas como as mais espetaculares do planeta, a floresta com

araucária, sofreram grande devastação, estando no século XXI praticamente dizimadas.

2.1.2 Outros danos ambientais

Uma das significativas formas de degradação ambiental se dá pela poluição

atmosférica, visto que, excetuados os seres aquáticos e os organismos anaeróbicos, todas as

demais formas de vida são dependentes do ar para sobreviver.

O maior dos impactos ambientais ocorre pelo uso de combustíveis fósseis, que têm

produzido o aumento da concentração de dióxido de carbono (CO2) que se acumula na

atmosfera, agindo como teto ou estufa e dando lugar ao aumento da temperatura global da

Terra. Permite, assim, a passagem de mais calor das radiações solares, provocando

transformações climáticas, elevação do nível dos oceanos, a chuva ácida causada pela

emissão de gases tóxicos, principalmente enxofre e nitrogênio, que reagem com a umidade

presente na atmosfera, passando a ser mais um agente de destruição da natureza e das

riquezas de forma até então incontrolável.

Igualmente, os gases, tais como clorofluorcarbonos (CFC), elemento conhecido

comercialmente como “gás freon” , destroem a camada de ozônio estratosférico;

vastamente utilizados como propelentes nos aerossóis, líquidos de refrigeração (geladeiras

e ar condicionados), até há pouco tempo eram vendidos e utilizados livremente, sem

qualquer restrição.

Paradoxalmente, muitos males são causados pelo e ao ser humano e ao meio

ambiente. O uso de defensivos químicos, de pesticidas, mais conhecidos como

“agrotóxicos” , contamina regiões agrícolas, água solo e subsolo, em níveis que já chegam a

35% das terras de cultivo do mundo, além de interferirem no metabolismo das aves e de

168 ZARTH, Paulo Afonso. História agrária do planalto gaúcho 1850-1920. Ijui: Editora Unijui, 1997. p. 36.

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animais e de implicarem muitas mortes por intoxicação pela falta de cultura formal dos

operadores.

Para Paulo de Bessa Antunes, em curto prazo não haverá uma solução em face das

várias relações exógenas, porém é de grande relevância a discussão sobre o controle dos

produtos:

A problemática dos agrotóxicos é extremamente complexa, pois implica, inclusive, em questões à soberania nacional, dívida externa, auto-suficiência de alimentos e, logicamente, o papel desempenhado pelas empresas transnacionais no contexto do desenvolvimento de cada nação. Deve ser observado que, ainda hoje, a agricultura sem produtos químicos é apenas uma esperança. Não se logrou até aqui, uma produção agrícola isenta de produtos químicos que seja grande o suficiente para suprir as necessidades básicas da humanidade.169

A perda das terras virgens e o crescente problema mundial do abastecimento de

água, como conseqüência do esgotamento dos aqüíferos subterrâneos, assim como pela

queda na qualidade e disponibilidade da água, segundo dados da ONU, levam ao óbito 25

mil pessoas/dia por beberem água imprópria para o consumo humano opção única de dois

terços da humanidade. As áreas de terra cultivável no mundo giram em torno de 3.200

milhões de hectares, dos quais a metade já está sendo explorada e quase 05 milhões de

hectares estão perdidos pela degradação, que leva, geralmente, à desertificação.170

As perspectivas de futuro, no que se refere ao meio ambiente, são obscuras ainda

que o interesse e a preocupação pelo assunto estejam atualmente em pauta, com o estudo

da biodiversidade e o espaço que desfrutam a ecologia, a biotecnologia, além da

legitimação dos comportamentos de preservação. Para reduzir a degradação do meio

ambiente e salvar o habitat da humanidade, as sociedades devem reconhecer que o meio

ambiente é finito e que está se encaminhando para a total exaustão das suas forças e

riquezas, sendo incapaz de auto-recuperação. Acredita-se, no entanto, que, com o

crescimento das populações e suas demandas, a idéia evolutiva de conscientização possa

abrir espaço para um uso mais racional dos recursos naturais, ainda que isso só possa

ocorrer após uma substancial mudança de comportamento da humanidade para com a

paisagem e seu espaço.

169 ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito ambiental. 7. ed. Rio de Janeiro: Lumem Juris, 2004. p. 705. 170 UNEP The State of the World Environment. Ref. Unep/GC 14/6, Nairobi, Unep, 1987, p. III, 23-32.

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O impacto da degradação ambiental produzida pela espécie humana tem sido

comparado às grandes catástrofes – hecatombes171 - do passado geológico da Terra;

independentemente do procedimento comportamental da sociedade em relação ao

crescimento desenfreado e contínuo, a humanidade deve reconhecer que agredir o meio

ambiente põe em perigo a sobrevivência de sua própria espécie na Terra. Portanto, a

preocupação com o meio ambiente nos países desenvolvidos, a qualidade do meio natural e

humano constituem hoje tema absorvente e da mais elevada consideração dentro da escala

de valores que regem as decisões político-econômicas nacionais e mundiais.

Sem espanto, constata-se que as florestas vêm sofrendo progressiva degradação172,

que águas não se auto-regeneram, que o ar está poluído e que a grande produção de lixo

pela sociedade moderna, traduzida na poluição urbana, já alcança índices de 85% para 15%

das indústrias e outras fontes poluidoras. Só na cidade de Passo Fundo são recolhidos 90

toneladas/dia de lixo doméstico;173 no estado do Rio Grande do Sul, apenas quarenta

cidades tratam o esgoto, e a melhora desses índices não se faz sem custos financeiros e

ambientais crescentes e insuportáveis para a maioria dos municípios empobrecidos.

As insistentes notícias sobre a destruição da camada de ozônio que protege a

atmosfera174 e a biosfera contra os raios ultravioletas, oriunda da relação do humano com a

natureza, o processo de acidificação da atmosfera em virtude da queima desenfreada de

combustíveis fósseis, a ameaça do descontrole da utilização da tecnologia nuclear e a

destruição das florestas pluviais tropicais são alguns dos principais problemas que se

demonstram à universalidade das questões que envolvem a preservação do meio para o

equilíbrio ecológico terrestre. O que está sob análise não é uma causa regional ou nacional,

171 Expressão grega que se refere ao sacrifício ou homenagem feita aos deuses para atrair-lhes os favores ou agradecer-lhes uma graça concedida sacrifício feito solenemente com cem bois. Figuradamente, usamos a expressão para nos referirmos à morte de um grande número de pessoas. 172 Conforme divulgou o governo federal, a área de desmatamento registrada na Amazônia em 2003 foi de 23.750 ha de floresta tropical, consideradas essenciais para a conservação de outras formas de vida. Desde 1988 quando deu início o monitoramento, já se perderam mais de 270 mil ha de matas. 173 VEREADORES visitam usina de reciclagem de lixo, em Passo Fundo. Disponível em: <http://www.pmpf.rs.gov.br/noticias>. Acesso em: 02 set. 2004. 174 “A atmosfera, que protege a Terra do excesso de radiações ultravioleta e permite a existência de vida, é uma mistura gasosa de nitrogênio, oxigênio, hidrogênio, dióxido de carbono, vapor de água, outros elementos e compostos e partículas de pó. Aquecida pelo sol e pela energia radiante da Terra, a atmosfera circula em torno do planeta e modifica as diferenças térmicas. No que se refere à água, 97% se encontra nos oceanos, 2% está em forma de gelo e o 1% restante é a água doce dos rios, lagos, águas subterrâneas, umidade atmosférica e do solo. O solo é a fina cobertura de matéria que sustenta a vida terrestre. É produto do clima, da rocha-mãe (através do lodo arrastado pelas geleiras e das rochas sedimentares), e da vegetação. De todos eles dependem os organismos vivos, incluindo o homem. As plantas se servem da água, do dióxido de carbono e da luz solar para converter matérias primas em carboidratos, através da fotossíntese; a vida animal, por seu lado, depende das plantas numa” seqüência de vínculos interconectados conhecida como cadeia trófica”. RIZZINI, Carlos Toledo; COIMBRA FILHO, Adelmar; HOUAISS, Antônio. Ecossistemas brasileiros. Rio de Janeiro: Índex, 1988.

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de interesse de um determinado grupo de pessoas ou de uma relação de poder, mas, sim, a

existência da humanidade como um todo, na ampla extensão do planeta.

Quando se abre uma torneira, ato que se repete várias e inadvertidas vezes durante

um dia, dificilmente se associa que a água vem das bacias hidrográficas protegidas e

mantidas graças às matas ciliares e florestas do seu redor e vai pelo ralo175. Quando se

estuda a expansão dos ciclos econômicos, cafeeiro e açucareiro, não se ensina que a

qualidade dos solos que proporcionaram a expansão econômica foi preservada e garantida

pela existência das florestas, as quais, diuturnamente, são removidas impiedosa e

continuamente no afã de atender políticas governamentais imediatistas e voltadas a atender

aos interesses das forças comandantes do sucesso econômico.

O consumo doméstico de água é de 10%, da indústria, de 20% e da agricultura, de

70%, mas toda forma de conscientização deve ser incrementada para uma nova cultura: de

economizar em todos os setores e de forma contínua. Segundo estimativas da Organização

Mundial de Saúde, até o ano de 2050, em torno de cinqüenta países enfrentarão crise no

abastecimento de água.176 O desenvolvimento sustentável passa, pois, pela adoção e

implantação de processos de gestão ambiental com a reutilização dos produtos pela

reciclagem em tecnologias limpas. Como exemplo, algumas empresas gaúchas já estudam

formas de reutilização de água proveniente de efluentes industriais da própria empresa177.

O governo federal promulgou o Estatuto da Cidade, lei federal nº 10.257/2001, para

regulamentar os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, visando à política urbana para o

desenvolvimento sustentável. O fornecimento da água é um elemento do qual dependem a

vida e o bem-estar do cidadão, assim como o funcionamento de indústrias e de outros

estabelecimentos geradores de emprego e renda, conviventes da esfera urbana. Contudo,

há o uso desmedido da água potável para todo e qualquer fim que não o de alimentar

homens e de outras destinações que, obrigatoriamente, devem ser com a água potável; são

utilizações que dispensam água desta qualidade, tais como resfriamento de caldeiras,

descarga de vasos sanitários, lavagem de calçadas, veículos e outros.

Como uma possível solução, já se vislumbra a possibilidade de um sistema paralelo

de abastecimento de água com a reutilização da água para esses fins. É a água “ordinária” ,

como vem sendo chamada, que seria adequada para outras finalidades que não o consumo

175 “Cada pessoa de uma família consome em média 282 litros de água/dia”. ÁGUA 24 horas. ZH Ambiente. Zero Hora, Porto Alegre, 24 jun 2004. p. 6. 176 A ÁGUA que vai pelo ralo. ZH Ambiente. Zero Hora, Porto Alegre, 24 jul. 2004. p. 6. 177 ZH – GESTÃO. Zero Hora, Porto Alegre, 04 mar. 2004. p. 4-5.

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humano direto ou indireto e evitaria o desperdício da água que escoa pelo ralo, mas que

pode ter outra utilidade.178

A organização e a conscientização de uma empresa para os cuidados ambientais em

todas as esferas perpassam pela preparação de todo o seu pessoal, desde o mais simples

funcionário do chão de fábrica até os técnicos de nível superior ou pós-graduados,

incluindo chefias e todas as escalas funcionais, para a preparação do processo de redução

do consumo de energia elétrica, de água, observação de toxidade dos produtos, aumento da

vida útil dos produtos, além da substituição de matérias primas-virgens por outras

recicladas.

Os homens são diariamente beneficiados pelos serviços que a natureza proporciona,

os quais, além da maravilhosa riqueza natural, representam grande potencial econômico

pela existência de minerais (metálicos e não) que já sustentaram a economia do país e

ainda representam índices econômicos importantes. Deve-se ter a consciência de que há

milhões de espécies da fauna, flora e de microorganismos, evoluindo num complexo

equilíbrio durante milhões de anos, que garante a vida na terra, alimenta e abastece os seres

vivos nas suas várias formas.

A mata Atlântica, uma reserva natural em grandes proporções, que comporta

inúmeras espécies vivas e apresenta-se na região litorânea, nos planaltos e serras do

interior, inicia-se no Rio Grande do Norte e chega até o Rio Grande do Sul; estendendo-se

ao longo de toda a costa brasileira, tem largura que varia entre pequenas faixas e grandes

extensões, atingindo, em média, 200 Km. Ao longo da sua extensão, aproximadamente oito

mil quilômetros, apresenta uma variedade de formações rochosas e naturais, em

diversificado conjunto de ecossistemas florestais com estruturas e composições florísticas

acompanhando e variando conforme as características climáticas da vasta região por onde

passa. Por isso, ao longo dos anos, é objeto de estudo dos cientistas nacionais e

estrangeiros pelas peculiaridades que contém.179

Tem-se na conscientização e na mudança do comportamento humano um desafio

para a sustentabilidade dos muitos modos de vida na Terra, que sucumbem diante do

impacto e da pressão sobre os remanescentes florestais e hídricos, imperiosos para a vida

dos seres vivos no planeta. Os grandes empreendimentos na área de reflorestamento hoje

existentes, articulados por uma política de incentivos fiscais, com boa qualidade de

178 CONGRESSO Internacional de Direito Ambiental. Direito, água e vida. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003. 2.v. p. 4-8. 179 Dados disponíveis em: <http://www.sosmatatlantica.org.br/?secao=conteudo&id=3_6>. Acesso em: 29 dez. 2004.

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madeira e adaptabilidade ao clima e solos das regiões Sul e Sudoeste do Brasil, compostos

de espécies do gênero pinus originárias do sul dos Estados Unidos, principalmente pinus

elliotti, pinus taeda e eucalyptus grandis, este originário da Austrália, são fonte de riqueza,

mas não propriamente uma forma de recuperação da natureza.180

A partir da iniciativa privada e dos fomentos dos governos federal e estadual, a

metade sul do estado, antes castigada pela depressão econômica das últimas décadas,

demonstra a possibilidade de reversão do quadro com a mudança da matriz produtiva pelo

investimento em reflorestamento, que está transformando a paisagem com a implantação

de bosques de acácias, eucaliptos e pinus, que já ocupam cerca de 40 mil hectares

dedicados à extração e ao beneficiamento de madeira181.

Observa-se no Rio Grande do Sul, segundo dados da Universidade Federal de Santa

Maria no Inventário Florestal do RS, 2001, o aumento de áreas destinadas para fins de

florestamento: 110 mil hectares de eucalipto, 100 mil hectares de acácia e 150 mil hectares

de pinus. Com um implemento de mão-de-obra que envolve em torno de 40 mil famílias, o

setor moveleiro movimenta 33 mil empregos diretos e 150 mil indiretos; as serrarias e

marcenarias, juntas, são responsáveis por 75 mil empregos, entre diretos e indiretos182, para

um faturamento anual total em torno de R$ 3,5 bilhões, além de responderem por

importante parcela da arrecadação de impostos dos municípios.183

Recentemente, foi veiculada a informação de que a Aracruz Celulose tinha previsão

de assinar no dia 20 de julho de 2004, convênio de financiamento com o BNDES (Banco

Nacional de Desenvolvimento) para plantação de eucaliptos no Rio Grande do Sul.184 É de

duvidar que há mais de trinta anos a mesma empresa foi destaque nos jornais pelo

desmatamento causado nos ervais na região Sul para implantar grandes fábricas de papel,

na chamada “crise do chimarrão”185. Demonstra-se, pois, uma forma de reconstrução das

ações comprovadamente danosas para a própria continuidade do negócio.

Enquanto aqui esses fatos ocorreriam e se perpetuavam por muitos anos até a

tomada das medidas de retenção das práticas, na Noruega as autoridades locais pediam

pelo fim da poluição do rio Glomma, maior do país, pela indústria de papel Borregard.

Num sábado da década de 1970, uma notícia do jornal Zero Hora trazia desconforto para o

180Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel disponível em <http://www.abtcp.org.br/m3.asp?cod_pagina=633>. Acesso em 29 dez 2004. 181 BOSQUES e parreiras na metade sul. ZH Campo e lavoura. Zero Hora, Porto Alegre, 23 jan. 2004. p. 1, 4 e 5. 182 ZERO Hora - Caderno Campo e Lavoura. Zero Hora, Porto Alegre, 23 jan. 2004. 183 Idem. 184 MADEEEIRA!!! Zero Hora, Porto Alegre, 18 jul. 2004. p. 26.

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final de semana dos gaúchos. Em matéria de capa, o jornal, com letras negritadas e

garrafais, denunciava a mortandade de peixes no rio Guaíba. A situação foi atribuída ao

novo esquema adotado e posto em funcionamento pela indústria Borregard, que não

produzia mau cheiro para dar fim nas reclamações desta ordem186. As denúncias de crimes

contra a fauna aquática que naquele momento se iniciavam teriam continuidade numa luta

que renderia, ainda, muitos anos de destruição187 e uma CPI188.

O rio Guaíba não foi apenas alvo da deselegância industrial, mas também da

ignorância da população em geral, que contribuiu para sua poluição ao longo dos anos. Em

momentos de estiagem prolongada, como a que se vivenciou recentemente no verão de

2004, a baixa das águas do rio permitiu constatar-se uma grande quantidade de produtos de

lenta degradação, tais como plásticos e vidro, depositados lentamente pela população. Esse

fato reabriu a discussão sobre a necessidade de ampla conscientização dos atos contra o

ambiente.189

A limitação legal ao desmatamento e as pressões ambientalistas vêm coibindo e

restringindo práticas ofensivas à natureza, pela implantação de grandes projetos de manejo

florestal sustentável e de projetos de reflorestamento com ou sem fins econômicos, com o

intuito de reconstruir a natureza, seus espécimes e formas de vida. A implantação de

viveiros florestais e a melhoria dos já existentes são alternativas encontradas e já em

projeto de implantação na metade sul do estado, onde serão produzidas 2,4 milhões de

mudas/ano. A discussão já está deflagrada e foi objeto do 1º Seminário de Fomento ao

Florestamento, acontecida em Morro Redondo e Hulha Negra em 5 de agosto de 2004.190

Assim, com este estudo não se pretende esgotar o assunto, mas demonstrar que os

debates acerca da questão ambiental contribuíram para moldar o conceito de

conscientização de uma realidade vivida e para que as corporações busquem sua via de

participação no que é o principal desafio contemporâneo: planejar e fomentar o

crescimento para que se incorpore a quase metade da população humana nos benefícios

básicos da sociedade moderna, atualmente banida do mercado, sem, contudo, acelerar o

185 O DESMATAMENTO de ervais... Há 30 anos em ZH (8 jul.1974). Zero Hora, Porto Alegre, 8 jul. 2004. 186 UMA NOTÍCIA da agência UPI informa que na cidade norueguesa de Sarpsborg, as autoridades locais estão pedindo que a fábrica da Indústria de Celulose Borregard, lá localizada, pare de poluir o Glomma, maior rio do país. Há 30 anos em ZH (3 jul. 1974). Zero Hora, Porto Alegre, 3 jul. 2004. 187 MILHARES de peixes mortos no Rio Guaíba. Zero Hora, Porto Alegre, 13 abr. 1974. 188 DIREÇÃO da Borregard depõe em CPI. Zero Hora, Porto Alegre, 31 jul. 1974. p. 1. 189 A LIXEIRA do Guaíba. Zero Hora, Porto Alegre, 15 abr. 2004. p. 3. 190 IMPLANTAÇÃO de Viveiros Florestais. Disponível em: <www.ambienteja.com.br/new_site/index.asp> Acesso em: 05 ago. 2004.

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esgotamento crescente dos recursos naturais no planeta. Também busca despertar para a

consciência humana da sua finitude.

2.2 Ambientalista cético: outras verdades, críticas e justificativas

Nem tudo é consenso em termos do risco e do real estado de depredação ambiental

que se enfrenta na atualidade, pois há quem defenda o desenvolvimento a qualquer preço,

apegando-se à mais rígida concepção antropocêntrica e elencando motivos e justificativas

para a minimização das advertências dos ecologistas. Obras científicas ou produzidas por

estudiosos invocam em seu favor dados que julgam irrefutáveis e também fazem sucesso

no mundo191, rebatendo as situações e as visões apresentadas sobre o ambiente e sua

destruição. Afirmam esses que a preservação da natureza hoje é uma preocupação das

sociedades que já solucionaram problemas como a pobreza e a fome, ao passo que países

como o Brasil ainda precisam transpor esses obstáculos (BBC entrevista).

A obra polêmica, O ambientalista cético de autoria de Bjorn Lomborg, foi lançada

em meio a grande campanha de mobilização e conscientização da sociedade moderna em

defesa do meio ambiente. É indiscutível que Lomborg, um estatístico, defende a tese

chocante de que “alguns problemas localizados existem, mas o nosso meio-ambiente nunca

esteve tão bem e as previsões catastróficas que ouvimos todos os dias não têm nenhuma

comprovação científica” .

O livro que causou grande celeuma, o qual ainda repercute, instiga a todos os que

procuram argumentos para enxergar “alarmismo” na pregação ecológica. De outra banda, o

livro do estatístico cético está sob suspeita, posto que teria apresentado dados parciais para

sustentar a sua tese, bem como teria feito uso das fontes em favor das suas crenças; em

resposta, o autor alegou a inexistência de má-fé, e o fato de não ser um especialista em

meio ambiente. A obra, obviamente, gerou inúmeros comentários favoráveis, mas

principalmente contrários, manifestações essas que foram objeto de publicações em todos

os meios de comunicação. O debate, certamente, ainda se alongará por muito tempo.

Talvez mais importante que os argumentos específicos trazidos por Lomborg seja a

discussão que estimula para conhecer-se a destruição do futuro pela ambição materialista

191 O ambientalista cético (Campus, 560), de Bjorn Lomborg. O autor de 37 anos, estatístico, professor associado do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de Aarhus da Dinamarca, vegetariano, considera-se de esquerda e antropocentrista e um ecologista nato, tendo sido ativista do Greenpeace. É hoje uma voz ativa na crítica ao movimento ambientalista catastrofista. Baseia sua obra em dados estatísticos e atenua a gravidade da situação apontada por ambientalistas e por entidades de proteção à natureza.

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descontrolada, razão da destruição dos meios naturais. Ainda que, em alguns momentos,

Lomborg se revele otimista, seus argumentos são, em geral, bastante convincentes quando

versa sobre a realidade da saúde pública, fome, explosão populacional, desmatamento de

florestas, poluição, energia, água doce, chuva ácida, exposição a substâncias químicas,

biodiversidade, aquecimento global; apresenta conclusões surpreendentes sobre o que se

está acostumado a ouvir, com dados baseados em fontes seguras de informação originárias

de publicações de instituições internacionais de renome, como a ONU e suas diversas

subsidiárias, de artigos ou relatórios citados pelas próprias ONGs ambientalistas, como

evidências de nosso futuro infeliz.

De qualquer forma, fica claro que a questão ambiental não consiste meramente na

luta de um grupo de heróis visionários contra capitalistas inescrupulosos em defesa do

futuro da humanidade. Interesses pessoais existem em ambos os lados, bem como esforços

bem intencionados, mas apenas um dos lados tem o apoio maciço da mídia e, por tabela, da

opinião pública em geral.

O Brasil serve de exemplo, no papel de vilão, sobretudo na década de 1980, pela

destruição do "pulmão do mundo", a Amazônia, principal fonte de oxigênio do planeta. Na

sua crítica, o autor diz que tal idéia é tão sem fundamento que não é levada a sério por

nenhum profissional da área, mas foi divulgada com uma insistência que convenceu

praticamente toda a opinião pública mundial.

Sobre o livro, Nalini citando Marcelo Leite, que também fez observações sobre a

obra, lembrou-se da frase que foi atribuída ao estadista britânico Benjamin Disraeli sobre

os três tipos de falsidades voluntárias: as mentiras, as malditas mentiras e as estatísticas.192

Segundo Leite:

[...] a tradição de sensibilizar consciências com números alarmantes é tão estabelecida que já engendrou a variante reacionária, na pessoa de Bjorn Lomborg. Só que este, além da desaprovação científica, parece estar literalmente pregando no deserto. As estatísticas da degradação costumam ser acolhidas porque é dado a qualquer pessoa constatar o que vem ocorrendo em seu entorno. Qualquer pessoa provida de boas memórias se recorda de Ubatuba ou Bertioga nos anos 60. Não é preciso ir tão longe. A Avenida Paulista há quatro décadas tinha ipês plantados de ambos os lados do leito carroçável. Um pouco antes e os paulistanos disputavam certames náuticos no Rio Tietê. Basta consultar a história do Clube Espéria. Pescavam no Rio Pinheiros. Não é preciso enorme perspicácia para verificar que os céticos ou estão errados ou estão de má-fé. 193

192 NALINI, José Renato. Jornal da Tarde, São Paulo, 14 fev. 2003. 193 Editor de Ciência do Jornal Folha de São Paulo.

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As muitas notícias dão conta de que há questões sem respostas acerca da

depredação natural, todavia também há constatação científica da recuperação de várias

espécies nos vários cantos do planeta que respaldam o otimismo194.

As informações que mais irritaram os ambientalistas e cientistas, dentre outras,

decorrem do fato de o autor afirmar que apenas 14% da floresta Amazônica foi destruída;

que a redução das florestas é de 0,5% ao ano, não de 2% a 4%; que a devastação de

florestas não reduz a biodiversidade.Argumenta, ainda, que as florestas dos Estados Unidos

estão reduzidas a 1% ou 2% de seu tamanho original e que só se notou o desaparecimento

de uma espécie de pássaro. E ainda cita um exemplo brasileiro: só restam 12% da mata

Atlântica, distribuída em grupos esparsos. Neste ponto, Lomborg afirma:

Segundo a regra utilizada pelos ecologistas, a metade das espécies deveria estar extinta. No entanto, quando a União Mundial pela Conservação da Natureza (UICN) e a Sociedade Brasileira de Zoologia, fizeram o recenseamento das 291 espécies conhecidas, nenhuma delas havia desaparecido. Podemos concluir com isso que as espécies são muito mais resistentes do que se imagina.195

Registra ainda na obra que, segundo estatísticas da ONU, a produção agrícola no

mundo em desenvolvimento teria aumentado em 52% por pessoa e a ingestão diária de

alimentos em países em desenvolvimento teria passado de 1.032 calorias em 1961 – o

mínimo para sobreviver – para 2.650 calorias em 1998, com previsão de aumento para

3.020 até 2030. Defendeu que a proporção das pessoas que passam fome nessas nações

diminuiu de 45% em 1949 para os atuais 18%, números que vê diminuir ainda mais, 12%

em 2010 e 06% em 2030; ainda, desde os anos 1800, os preços dos gêneros alimentícios

baixaram mais de 90%.196

Quanto ao índice de crescimento da população humana, Lomborg manifesta que

atingiu seu pico no início da década de 1960, sendo superior a 2% anuais; hoje, situa-se em

1,26% e prevê-se que caia para 0,46% em 2050. Segundo o autor, a ONU calcula que a

194 Em 1960, havia 100 mil rinocerontes negros na África. Hoje não são mais de 2.500; cerca de 440 mil pedaços de recifes de coral são arrancados e vendidos a cada ano, 350 mil dos quais são comprados por norte-americanos; a Noruega tem 04 milhões de habitantes, mas um único de seus barcos de pesca é responsável pela captura de 120 milhões de peixes por ano; são necessários mil anos para formar uma polegada - 2,54 cm - de solo, e os Estados Unidos perderam 1/3 da camada de solo fértil nos últimos 40 anos; cabem dois aviões Boeing 747, o conhecido Jumbo, num estádio, mas 12 deles cabem em algumas das maiores redes usadas em pesca oceânica. 195 DO CONTRA, dinamarquês não vê riscos de devastação ambiental. Disponível em: <http://www.redeambiente.org.br/Tanamidia.asp?Codigo_Noticia=6846&sessao=0>. Acesso em: 10 mar. 2004. 196 LOMBORG, Bjorn. Autor da obra Ambientalista Cético Entrevista ao Jornal Estadão de São Paulo. Disponível em: <http://www.estadao.com.br/agestado/noticias/2002/jul/03/159.htm>. Acesso em: 10 mar. 2004.

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maior parte do crescimento demográfico do mundo terminará em 2100, estabilizando-se

pouco abaixo de 11 bilhões de pessoas. Assim, sustenta que não tem fundamento tanto

alarde acerca da finitude dos recursos naturais, garantindo que a vida na Terra está sendo

melhorada em todos os sentidos, segundo teses comprovadas pelo aumento da expectativa

de vida, que hoje é maior do que há cem anos; que houve a diminuição da pobreza mais em

cinqüenta anos do que nos últimos quinhentos; pela existência de energia útil em

abundância e de petróleo para mais 150 anos; porque 20% das florestas foram perdidas

para sempre, e não dois terços como se supunha; por se esperar que desapareçam apenas

0,7% das espécies nos próximos cinqüenta anos e não de 20 a 50%, e que a água está cada

vez menos poluída.197

Como já referidos, todos os resultados apresentados, segundo o autor, estão

respaldados em estudos estatísticos oriundos de organizações como a ONU, o que lhes

conferiria veracidade, dificultando aos críticos apontar qualquer falsidade nas informações.

Para Lomborg, os problemas existem, mas a sua dimensão seria extremamente

exagerada pelos ambientalistas e pela mídia, que não divulgam com a mesma consideração

os problemas que já foram solucionados. Essa visão apocalíptica prejudica o progresso

humano e favorece a credibilidade em ONGs em detrimento das organizações

empresariais. O autor questiona se a verdade estaria somente com essas ONGs e sustenta

ainda que o aquecimento global é um fenômeno importante dos pontos de vista ambiental,

político e econômico, diz que não há dúvida alguma de que a humanidade tem contribuído

para o aumento das concentrações atmosféricas de dióxido de carbono, o que provocará a

elevação da temperatura, todavia, saber quais são as melhores atitudes a serem tomadas

com relação ao futuro exige que se separe a hipérbole da realidade.

No que importa à poluição do ar, assinala:

A poluição do ar diminui a partir do momento em que uma sociedade se torna suficientemente rica para se preocupar com o meio ambiente. No caso de Londres, a poluição atingiu seu ápice por volta de 1890. Atualmente, o ar nunca esteve mais puro e é preciso recuar até 1585 para encontrar uma qualidade de ar semelhante. Esse fenômeno pode ser generalizado para todos os países desenvolvidos.198

O ambientalista cético vai de encontro a muitas previsões que não se confirmaram

em matéria de ambientalismo e explica a razão dessas falhas, citando o Relatório do Clube

197 LOMBORG, op. cit. 198 Idem.

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de Roma, “Limits to Growth” , de 1972199. Nele foram feitos prognósticos sombrios sobre a

escassez de energia, poluição, extinção de espécies animais e vegetais e crescimento da

população mundial, reafirmados em 1981 por seu presidente, A. Peccei, em “100 Pages

Pour l'avenir” . Também R. Malthus, em 1800 havia feito considerações catastrofistas sobre

o crescimento populacional e dos meios de subsistência na Terra.

Também P. R. Ehrlich200 previu catástrofes maiores ao afirmar: “A batalha para

alimentar a humanidade acabou. Nos anos 70, o mundo passará por inanição de grandes

proporções; centenas de milhões de pessoas morrerão de fome”. Ainda previu que a

Inglaterra não existiria no ano 2000, contudo, como se observa, nenhuma das previsões se

confirmou.

De outro lado, Marijane Lisboa, diretora do Greenpeace201 do Brasil, nega,

terminantemente, que Lomborg tenha tido algum registro na organização e defende-se

dizendo: “Os ambientalistas não se consideram pessoas pessimistas quanto ao futuro da

Terra. Ao contrário: acreditam que é possível salvar o planeta da destruição que o vem

atingindo nos últimos séculos e, por isso, arregaçam as mangas e se põem a trabalhar.” 202

Os ambientalistas levam a sério as ameaças reais sobre o meio ambiente e

asseguram que há urgência em se tomar medidas efetivas de proteção ambiental. Em

situações nas quais haja indícios fortes de que danos irreparáveis ao meio ambiente possam

ocorrer, mesmo que não haja plena certeza científica sobre a dimensão e as características

desses prejuízos, julgam ser melhor prevenir do que remediar, propondo a adoção do

princípio da precaução. Por essas razões, consideram Lomborg como um anti-

ambientalista, que tenta convencer as pessoas de que não há necessidade de se tomar

atitudes urgentes com relação a problemas tão graves quanto às mudanças climáticas, a

perda de biodiversidade ou a contaminação do planeta.203

Apesar das críticas que a obra O ambientalista cético oportunizou, Lomborg

ganhou espaço representativo na mídia mundial e, recentemente, anunciou sua saída da

199 Fundação do Clube de Roma em 1968, quando trinta especialistas de áreas diversas reuniram-se com o intuito de discutir a crise da humanidade e o seu futuro e quatro anos após, em 1972, publicou-se o relatório “The Limits of Growth”, que alertava e denunciava que o crescimento do consumo mundial colocaria a humanidade em risco de colapso, por isso, exigia atitudes de curto, médio e longo prazo com o objetivo de conter e reverter essa tendência mundial. FUFRG. Revista do Mestrado em Educação Ambiental, v. 4, out./nov./dez. 2000. Leia mais em: <www.ufrg.br>. Acesso em: 10 mar. 2004. 200 Biólogo e diretor do Centro de Estudos Populacionais da Universidade de Stanford, autor do ‘The Population Bomb” (1968). 201 Disponível em: <http://www.greenpeace.org.br/geral/bjorn_lomborg.asp> Acesso em: 11 out. 2003. 202 O ECOLOGISTA descrente. Correio Braziliense, s.l., 08 set. 2001. Disponível em: <http://www2.correioweb.com.br/cw/2001-09-08/mat_11937.htm>. Acesso em: 23 abr. 2004. 203 O ECOLOGISTA descrente. Correio Braziliense, s.l., 08 set. 2001.

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agência ambiental do governo dinamarquês, como diretor do Instituto de Assessoria

Ambiental, responsável pelo uso do dinheiro do governo na contenção da poluição,

passando a se dedicar à academia. Entretanto, o pesquisador mantém a sua opinião de que

a Terra, em média, está ficando mais limpa e a humanidade, mais rica e saudável.204

De qualquer ótica em que seja analisada, a obra traz conceitos diversos que abrem

um novo espaço para discussão sobre o que realmente é factível e real na causa

ambientalista e o que é construção do imaginário, para a ampliação dos horizontes

científicos e do desenvolvimento humano no meio em atitude compatível com a cidadania

responsável.

2.3 Biodiversidade e biotecnologia: a inter ferência do homem na natureza. O

enfrentamento religioso e o direito à saúde

A biodiversidade designa a variedade de organismos vivos, animais e vegetais

existentes na Terra, bem como outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos

dos quais fazem parte, e a diversidade dentro da mesma espécie e entre espécies diferentes.

Tem o cunho conservacionista de uso sustentável de seus componentes e pressupõe a

divisão justa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos, segundo as

regras principais estabelecidas pela Convenção205 sobre diversidade biológica206.

204 BJORN Lomborg deixa agência ambiental. Folha de São Paulo. São Paulo, 23 jun. 2004. 205 Convenção sobre Diversidade Biológica, assinada no Rio de Janeiro, a 05 de junho de 1992, durante a Conferência Mundial sobre o Desenvolvimento Ambiental, foi firmada pelo Brasil e por vários países do mundo, excetuado os EUA. 206 Regras estabelecidas pela Convenção: “1. Os Estados têm direito soberano de explorar seus próprios recursos, mas ficam obrigados a assegurar que as atividades desenvolvidas dentro de sua jurisdição não causarão danos ao meio ambiente de outros Estados ou de áreas fora de sua jurisdição. 2. Ficam os Estados incumbidos de apoiar as populações a implementar ações para recuperar áreas devastadas, nas quais a biodiversidade tenha sido reduzida. 3. Ficam os Estados comprometidos a proteger e encorajar o uso de recursos biológicos, de acordo com práticas compatíveis com o desenvolvimento sustentável. 4. A autoridade para determinar o acesso aos recursos genéticos de cada país fica a cargo dos respectivos governos nacionais, como matéria de legislação interna. 5. Os Estados-membros da Convenção reconhecem que o acesso e a transferência de tecnologia (incluindo a biotecnologia) são essenciais para que sejam atingidos os objetivos daquele ato internacional. Devem eles facilitar o acesso e a transferência de tecnologia referente à conservação e ao uso sustentável da biodiversidade e dos recursos genéticos, sem causar danos ao meio ambiente dos países-membros. 6. O acesso e a transferência de tecnologia referidos no item anterior deverão ser facilitados para os países em desenvolvimento, os quais têm direito a contratos especiais, respeitados os direitos de propriedade intelectual, se for o caso.7. Os Estados-membros devem tomar providências legislativas para que os países em desenvolvimento, especialmente os fornecedores de recursos genéticos, tenham acesso às tecnologias que usem esses recursos, mesmo quando patenteadas.8. São ainda estabelecidas diversas outras regras para a solução de conflitos, criação de um fundo para implementação dos objetivos da Convenção etc.”

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A Convenção da Biodiversidade acendeu uma discussão nos países em

desenvolvimento, em cujos territórios ainda subsiste uma grande e inexplorada diversidade

biológica, na medida que viram na sua assinatura possibilidades, ao mesmo tempo,

desejadas, como o acesso gratuito às tecnologias de ponta, capazes de resolver, pela via da

engenharia genética e outras técnicas, seus problemas de produção de alimentos e, em

conseqüência, de combate à fome, e outras temidas, pela possibilidade de ver a sua

diversidade biológica apropriada pelos países industrializados, sem compensação

satisfatória e sem a certeza no interesse da preservação dessa mesma diversidade no seu

território.

O interesse dos diversos países na biodiversidade não se restringe à conservação do

meio ambiente, mas vai muito além na busca de descoberta de novas substâncias

terapêuticas e de novas técnicas genéticas, cujo avanço científico pode significar a

movimentação de milhões de dólares em produtos baseados no melhoramento e

aproveitamento dos recursos naturais para outras áreas do conhecimento.

Os estudiosos que lutam pela preservação da natureza são unânimes quando

garantem que ninguém sabe exatamente quantas espécies vivas existem atualmente sobre a

Terra. Contrariamente ao que foi dito por Lomborg – o ambientalista cético - o acervo

das poucas grandes florestas restantes no mundo, dentre as quais a Amazônia, a maior

delas, é incalculável e, conforme algumas estimativas a extinção das espécies, processa-se

muito rapidamente, alcançando 27.000 espécies por ano, 74 por dia e três por hora.

Assegura que, nesse ritmo, independentemente do número de espécies existentes e hoje

vivas, a Terra caminha para a morte dos ecossistemas e dos sustentáculos da vida207.

Nessa linha de preocupação para o combate à extinção das espécies, mais de cem

representantes de países do mundo reuniram-se na Malásia em fevereiro de 2004 para

estudar uma forma de frear a prática, pois, segundo informações da ONU, entre animais e

plantas mais de sessenta mil espécies desaparecem a cada ano208.

No Rio Grande do Sul, na obra recém-lançada Areias do Albardão209, os cientistas

Lauro Barcellos, Ulrich Seelinger e César Cordazzo, da Fundação Universidade Federal de

Rio Grande, organizaram material recolhido em décadas de carreira, analisando 220 Km de

207 No México, só nos primeiros dias de 2004, as quadrilhas que matam tartarugas vitimaram mais de 500 animais com uso de arma de fogo. A carne tem comércio por U$50 dólares o quilo e a pele por valores entre U$23 e U$ 60 dólares. 208 VIAECO, n. 3 Ano II. Passo Fundo e região. Publicação sem fins lucrativos com tiragem de 10.000 exemplares/mês. 209 BARCELLOS, Lauro; SEELINGER, Ulrich; CORDAZZO, César (Org). Areias do Albardão. Rio Grande: Editoras Jauá, Ecoscientia e Petrobras, 2004.

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extensão de costa desde Rio Grande até o Chuí, catalogando mais de trezentas espécies de

animais e plantas, muitas delas em risco de extinção. Os autores também descrevem áreas

totalmente preservadas e intocadas as quais se apresentam como paraíso à preservação das

espécies. Outra obra importante que trata da dizimação das espécies é o Livro Vermelho

da Fauna Ameaçada de Extinção no Rio Grande do Sul, elaborado por 43 pesquisadores e

mais de cem colaboradores, publicado pela Editora da Pontifícia Universidade Católica do

Rio Grande do Sul, que nas suas 632 páginas demonstra a gravidade da situação.

Como forma de ação efetiva em favor da conscientização da preservação há um

projeto piloto em desenvolvimento pelos pesquisadores do Jardim Botânico em Porto

Alegre, que envolve a pesquisa e a comunidade, com vistas a retirar 607 espécies da lista

de risco e, com isso, evitar a extinção de variedades da flora rio-grandense, trazendo uma

esperança de recuperação das paisagens e dos sistemas.210

No Brasil, que é o país com maior biodiversidade, contando com um número

estimado entre 10 e 20% do número total de espécies do planeta, com a mais diversa flora

do mundo, com mais de 55.000 espécies descritas, o que significa 22% do total mundial

conhecido, além de uma gama de plantas de importância econômica, como o abacaxi, o

amendoim, a castanha-do-pará, a mandioca, o caju e a carnaúba, de uma forma geral, a

preocupação com as formas de preservação ainda é incipiente e resume-se a poucos e

isolados lutadores por uma causa preservacionista. Por muitos ainda é vista como medida

extremada e radical, antidesenvolvimentista, apesar da contemplação constitucional e

infraconstitucional sobre a matéria, que não olvidou reunir ou motivar mais

participantes.211

No cenário político nacional observa-se o desconhecimento sobre o assunto pela

demora na tramitação de todo e qualquer projeto de lei que pretenda tutelar a questão. O

primeiro deputado pró-ambiente fez indicação212 ao Poder Executivo propondo a criação

de um Programa Nacional de Conservação da Diversidade Biológica Brasileira (Probio),

cujo primeiro objetivo é identificar e monitorar os principais recursos biológicos dos

ecossistemas, que devem ser conservados mediante incentivos econômicos e sociais. Em

sua manifestação o deputado sustentou:

210 SALVANDO plantas. ZH ambiente – Flora. Zero Hora, Porto Alegre, 24 jul. 2004. p. 4. 211 Disponível em: <www.mma.gov.br>. Acesso em: 21 jul. 2004. 212 Meio legislativo utilizado para suprir problemas de competência exclusiva do Executivo em razão da matéria.

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A exata dimensão do que representa para a humanidade a perda da biodiversidade permanece desconhecida. As funções da biodiversidade são ainda pouco compreendidas, muito embora se considere que ela seja responsável pelos processos naturais e produtos fornecidos pelos ecossistemas e espécies que sustentam outras espécies e modificam a biosfera, tornando-a apropriada e segura para a vida.213

A biotecnologia constitui-se em outro problema cujo entendimento não impede seu

reconhecimento na órbita das ciências da vida. As grandes descobertas no campo da

biotecnologia iniciaram-se na década de 70 com a insulina recombinante, que revolucionou

a farmacologia, embora seu nascedouro tenha sido em 1953, quando da descoberta do

DNA. A nova técnica de DNA recombinante permitiu fazer o que antes era impossível,

como grandes quantidades de produtos que antes eram escassos, com uso potencial na

clínica de proteínas humanas e com inomináveis benefícios terapêuticos. Foi uma das

grandes descobertas para a saúde, a que, desde então, agregaram-se muitos lucros para a

indústria dos produtos fármaco-biotecnológicos.214

Utilizando essas técnicas, os biólogos podem dirigir o movimento de segmentos

específicos e úteis de material genético entre organismos não relacionados, permitindo a

criação de plantas resistentes a insetos, vírus e herbicidas; de frutas resistentes ao

apodrecimento e já dotadas de vitaminas além daquelas que naturalmente lhe são

pertinentes, além de grãos mais nutritivos e econômicos.215

A interferência do homem na natureza e nas formas de vida não foi vista com bons

olhos nem foi bem recepcionada pelos segmentos religiosos, que se demonstraram

contrários à prática. Essa reação se refletiu em interferências no processo legislativo que

versava sobre a propriedade industrial, quando se discutia a possibilidade ou não de serem

patenteáveis os produtos desenvolvidos a partir da engenharia genética e de outras técnicas

enviado pelo Executivo ao Congresso Nacional em 1991. Na ocasião, manifestou-se dom

Luciano Pedro Mendes de Almeida como presidente da CNBB:

213 Deputado Fábio Feldmann (PSDB/SP) atualmente ex-deputado ainda vinculado com a causa ambientalista. CONGRESSO não dialoga com a comunidade científica. Publicada em: 15 out. 2004. Disponível em: <http://www.comciencia.br/entrevistas/feldman.htm>. Acesso em: 16 out. 2004. 214 Disponível em: <http:// www.anbio.org.br/palestras/marga2>. Acesso em 16 out. 2004. 215 Dado obtido em debate (Chat). Disponível em: <biotecnologia.uol.com.br/biochat/>. Acesso em: 20 out. 2003.

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Nossa preocupação é com a vida, com o direito à vida... que me parece bastante afetado por esta lei. Basta ver o que ela traz dentro de si: a possibilidade de processos que alteram o código genético, que utilizam conhecimentos dessa alteração para novas mutações... Nós temos de abrir o coração para uma comunhão muito grande de conhecimento científico. Quem não quer isso são as grandes empresas, pois elas vão comercializar os produtos da pesquisa... [enquanto] nós...vamos entrar agora num tirânico governo das empresas internacionais, que vão deter em mãos os grandes destinos dos povos.

Na mesma audiência, o deputado Nelson Jobim216 contraditou o presidente da

CNBB, o qual "não estabeleceu uma relação de causa e efeito entre (o patenteamento das

novas descobertas) e o prejuízo que os povos do mundo sofreriam com ele” . A questão em

discussão refere-se a estudos que transcendem a esfera dos direitos humanos e suscitam

outros conflitos que derivam da sacralidade da vida, defendida pela Igreja, da necessidade

de alimentar os vivos e famintos no mundo, o que se justifica em todos os foros, quer

internacional, quer internos das sociedades e nas famílias.

Os direitos fundamentais, o bem comum e a justiça social são sustentáculos de

defesa da evolução tecnológica e científica, com o fim de proporcionar para a humanidade

vida digna e saudável. A simples plausibilidade de desenvolvimento de novos produtos e

de novas variedades de espécies animais e vegetais - de maior produtividade, poder

nutritivo e resistência a pragas e doenças, modificando seres existentes, reproduzindo seres

inteiros a partir de pequenos fragmentos de um deles -, justifica ações nesse sentido. Em

13 de outubro de 1993 na reunião da Sociedade Americana para Pesquisa da Fertilidade,

realizada em Montreal (Canadá), as notícias davam conta da clonagem de um embrião

humano realizada pelos cientistas americanos Jerry Hall e Robert Stillman,.217

A biotecnologia enfrenta, entre outros problemas, a barreira religiosa. A Igreja

Católica não aceita que a ciência possa intervir na vida. Em 1994, Dom Luciano Pedro

Mendes de Almeida manifestou suas preocupações assinalando, desde logo, "que a

intervenção da ciência [em organismos vivos], em benefício da saúde humana (...) pode ser

- costuma ser - benéfica e é, portanto, permitida". Faz sustentáculo do posicionamento

católico a moral cristã e que o dom da vida só a Deus pertence218.

A discussão que se alonga entre a Igreja e os cientistas têm novos desdobramentos a

cada manifestação na CNBB, que, agora, acusa os cientistas de “vendedores de ilusões” .

José Maria Mayrink, escreveu sobre o assunto para O Estado de São Paulo:

216 Deputado do PMDB/RS, referência no cenário político nacional. 217 Disponível em: <http://hp.vento.com.br/~sanderp/noticia/clona2.htm>. Publicada em 13 dez. 2003. Acesso em: 19 maio 2004.

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Cientistas que defendem a possibilidade de fazer pesquisas com células-tronco embrionárias para o tratamento de doenças letais progressivas acham que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) deveria ouvir sua opinião, antes de acusá-los de ‘vendedores de ilusões’ , como a presidência da entidade fez, semana passada, em carta enviada aos senadores. Prossegue: ‘O que os cientistas estão pedindo ao Senado, que discute e deverá votar em breve o Projeto de Biossegurança, é a oportunidade de realizar aqui as mesmas pesquisas que são feitas no Japão, Austrália, Coréia, Israel, Canadá e na maioria dos países da Europa’, disse a presidente da Associação Brasileira de Distrofia Muscular, professora Mayana Zatz, do Instituto de Biociências da Universidade de SP. [...] que não tem esperança de mudar a opinião da CNBB, que tem posição fechada sobre a questão, mas acha que os senadores não devem se curvar a seus argumentos. ‘Somos um Estado laico e não são os bispos que vão determinar o que se pode fazer’ , adverte a professora, lembrando que a lei permite o divórcio e o uso da camisinha, ‘apesar da proibição da Igreja’. 219

O papa João Paulo II expressou-se no mesmo sentido por ocasião da sua

manifestação da mensagem da Quaresma do ano de 2002, quando reafirmou que nem tudo

aquilo que é tecnicamente possível é lícito moralmente e, se é louvável o esforço da ciência

por garantir uma qualidade de vida mais em consonância com a dignidade do homem,

jamais deve ser esquecido que a vida humana é um dom que permanece um valor, mesmo

quando é atingida pelo sofrimento e pela velhice. É um dom que deve ser sempre acolhido

e amado: gratuitamente recebido e gratuitamente colocado a serviço dos demais 220:

De graça recebestes de graça devereis dar” ... Não será por acaso a nossa existência totalmente marcada pela benevolência de Deus? O desabrochar da vida e o seu prodigioso desenvolvimento é um Dom. E, precisamente por ser Dom, a existência não pode ser considerada como domínio ou propriedade privada, ainda que as potencialidades, de que hoje dispomos para melhorar sua qualidade, poderiam fazer supor o contrário, ou seja, que o homem seja o seu . De fato, as conquistas da medicina e da biotecnologia poderiam às vezes levar o homem a imaginar-se criador de si próprio, e a ceder à tentação de manipular a <árvore da vida> (Gn 3,24). 221

Mais recentemente, na IX Assembléia Geral da Pontifícia Academia para a Vida,

ocorrida em 21 de fevereiro de 2004222, o papa, no seu comunicado final disse que “a

Igreja respeita e apóia a investigação científica, quando procura uma orientação

218 MOSER, Frei Antônio. Biosegurança: Escolhe o caminho da vida. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/bioetica/Artigo11.php>. Publicado em: 16 out. 2004. Acesso em: 16 out. 2004. 219 CÉLULAS-TRONCO opõem CNBB e cientistas . O Estado de São Paulo, São Paulo, 29 jun. 2004; e Jornal da Ciência. Disponível em: <http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=19719>. Acesso em 17 out. 2004. 220 MENSAGEM 610/2002. Encarte "Conjuntura Social e Documentação Eclesial" n.º 610 - Mensagem Do Papa João Paulo II Para A quaresma de 2002. CNBB. 221 A Ética da Investigação Biomédica. Para uma visão cristã. Comunicado final da IX Assembléia Geral da Pontifícia Academia para a Vida. 222 Disponível em: <www.vatican.va/roman_curia/pontifical_academies/>. Acesso em: 29 jul. 2004.

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autenticamente humanista, evitando qualquer forma de instrumentalização ou destruição do

ser humano e mantendo-se livre da escravidão dos interesses políticos e econômicos.”223

O Congresso Nacional já legislou224 de forma a estimular a pesquisa no campo da

biotecnologia, garantindo os aspectos éticos da interferência humana no processo de

criação, sobretudo no concernente a outros seres humanos. A controvérsia deverá ter

continuidade e se estender pelos vários campos de desenvolvimento ainda por vir,

enquanto os países desenvolvidos já compreendem a biotecnologia225 como uma nova

disciplina no campo da biologia e fazem dela um uso terapêutico226. As discussões ético-

religiosas acerca do assunto ainda permearão os contextos por longo tempo pelo que pode

se observar pela Carta da CNBB enviada aos senadores em 24 de junho de 2004.227

Todavia, apesar da controvérsia político-religiosa, a lei foi aprovada em 2 de março de

2005.

2.4 Característica ambiental do Estado e as políticas protetivas implementadas e em

desenvolvimento

O Rio Grande do Sul, por ser a região mais meridional do país, tem características

ambientais diferenciadas, com uma gama de ecossistemas com formações rochosas,

composição de solos, campos, montanhas, dunas, banhados, lagunas, lagoas e florestas que

223 Comunicado final da IX Assembléia Geral da Pontifícia Academia para a Vida, que, neste ano, foi subordinada a um tema de grandes atualidade e impacto social: A ética da investigação biomédica para uma visão cristã. CNBB. Disponível em: <http://www.cnbb.org.br/bioetica/Artigo07.php>. Acesso em: 17 out. 2004. Disponível em: <http://alainet.org/active/show_text.php3?key=4540>. Acesso em: 29 jul. 2004. 224 O projeto de lei 285/1999 é um substitutivo adotado pela Comissão de Constituição e Justiça da Câmara ao projeto de lei 3.285/1992, aprovado após 11 anos de tramitação. 225 Biotecnologia na "nova" indústria de produtos farmacêuticos. Uma das descobertas recentes no campo da biotecnologia diz respeito às moléculas de adesividade que recobrem as células, como uma espécie de cola - The Glue of Life (a "cola da vida"), como a denominou a revista Time, de setembro de 1992. Aquelas moléculas mantêm as células unidas, para formar os órgãos, e estes, o organismo. TRAVIS, John. Science, matéria publicada pela Associação Americana para o Progresso da Ciência, fev. 1992. 226 A empresa suíça Hoffmann-La Roche firmou um contrato com o governo chinês para analisar e determinar, a cada ano, as propriedades de mil espécies da imensa flora medicinal da China, algumas em uso há milênios. Pelo contrato, a Roche ficará com os direitos de exploração de tudo o que descobrir e a obrigação de ajudar os laboratórios chineses a fazer pesquisas semelhantes, relativamente a outras espécies. Qual a vantagem disso? As patentes das descobertas pertencerão, incondicionalmente, a quem as fizer: seja o laboratório Roche (do Japão), seja o instituto chinês. Outro exemplo: a mesma Roche desenvolve em Basiléia, na Suíça, pesquisas referentes à malária e sua cura. Por que não no Brasil? Pela simples razão, dizem os executivos da Roche, de que não poderiam patentear aqui as descobertas feitas em nosso País. Por aí se pode avaliar o quanto precisamos andar em matéria de adequação do pensamento político às realidades da vida, em todas as questões, inclusive quanto à biotecnologia e o enorme potencial que se apresenta racionalmente explorados seus recursos. 227 Carta enviada pela CNBB aos Senadores. Brasília - DF, 24 jun. 2004. P – nº 0496/04.

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são únicos. Nessa paisagem existe a reserva da biosfera da mata Atlântica228, que são áreas

especialmente protegidas em regiões de características ambientais relevantes, que

corresponde à área de 17,2% do território rio-grandense e está sendo implementada através

do desenvolvimento de projetos de integração do homem com a natureza reconhecidos pela

Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciências e Cultura (Unesco), Programa

das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e a União Mundial para a Natureza

(Uinc), que, juntas, formam uma rede internacional de cooperação pela preservação e

desenvolvimento sustentável.

Muitas áreas contendo essas riquezas já são áreas de preservação permanentes,

denominadas de “unidades de conservação”229. As áreas estaduais são administradas pelo

Departamento de Florestas e Áreas Protegidas (Defap) da Secretaria Estadual de Meio

Ambiente (Sema), coordenadora do Sistema Estadual de Unidades de Conservação. As

unidades servem para atividades educacionais direcionadas ao ambiente, horto, pesquisa

científica, banco genético de espécies silvestres, parque, reserva biológica e APA230. Essas

áreas são de fundamental importância para a manutenção da paisagem, além de conterem

espécimes raros ou em extinção, monumentos naturais e nascentes de rios.

Com o mapa da f igura 1 evidenciam-se algumas dessas unidades, tais

como o parque do Rio do Turvo231, parque estadual do Delta do Jacuí232, do

Espini lho, da Rondinha233, do Espigão Alto, do Itapuã, reserva biológica da Serra Geral,

228 Áreas experimentais do Litoral Norte, da Lagoa do Rio do Peixe e da Quarta Colônia Italiana. 229 São porções do território com características naturais relevantes, criadas pelo poder público federal, estadual ou municipal, para Preservação da natureza e sua biodiversidade. 230 APA – Área De Preservação Ambiental. 231 Foi o primeiro a ser criado no estado. Localizado na região do Planalto, às margens do rio Uruguai, a 530 km da capital, é coberto pela Floresta do Alto Uruguai (Floresta Estacional Decidual), com árvores de até 30m de altura, como o cedro, a grápia, a canjerana e o louro. Abriga muitas espécies ameaçadas de extinção, como a onça pintada, a onça-parda ou puma, o cateto e a anta; mais de 200 espécies de aves, como o pica-pau-rei e o uru. O principal atrativo do parque é o Salto do Yucumã, "grande roncador", na divisa com a Argentina, considerado uma das maiores quedas longitudinais do mundo, com 1.800 m de extensão. O parque pode ser visitado de quarta a domingo, das 9h às 17h, com cobrança de ingresso. Município: Derrubadas. Decreto de criação: n° 2.312, de 11 de março de 1947. Área: 17.491,40 há. Coordenadas: 27º00’ a 27º20’ S; 53º40’ a 54º10’W. Aberto para visitação mediante pagamento ingresso, por valores determinados pela Lei Estadual 11.561/2000 que alterou a Lei Estadual 8.709/85. 232 Situado na região Metropolitana de Porto Alegre, no encontro dos rios Jacuí, Gravataí, Caí e Sinos, o parque é formado por 30 ilhas e porções continentais com matas, banhados e campos inundados. Das ilhas destacam-se a dos Marinheiros, a Pintada, a das Flores, a da Pólvora e a Mauá. Lontras, jacarés-de-papo-amarelo, capivaras e uma grande variedade de aves aquáticas fazem parte da fauna do delta. O complexo de ilhas funciona como filtro e esponja regulando a vazão dos rios em épocas de cheias, protegendo a população da grande Porto Alegre. A elaboração do novo plano de manejo começa a inserir a população das ilhas e as prefeituras nas decisões sobre a preservação e a melhoria da qualidade de vida. • Municípios: Porto Alegre, Canoas, Nova Santa Rita, Eldorado do Sul e Triunfo. Decreto de criação: nº 24.385, de 14 de janeiro de 1976. Área: 17.245 há. Coordenadas: 29o 53’ a 30o 03’S; 51o 12’ a 51o 27’W. Não está aberto à visitação. 233 Localizado no Planalto, a 335 km de Porto Alegre, divide-se em Floresta de Araucária (Floresta Ombrófila Mista) e campos (savanas) com destaque para pequenos butiazais e jaboticabais. Com 1.000 ha e

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de Ibirapuitã, do São Donato, Estação Ecológica Estadual Aratinga e horto florestal Litoral

Norte.

Além das formas de preservação por influência da ação do Estado, algumas têm sua

gênese exclusivamente na iniciativa particular; são essas áreas de grande importância

ambiental reconhecidas pelo poder público: as reservas particulares do patrimônio natural

(RPPN). São áreas existentes desde 1990, que têm por escopo a proteção dos recursos

ambientais de uma determinada região, sem, contudo, afetar o direito de propriedade em

face do reconhecimento total ou parcial da área, que, uma vez instituída, poderá ser

utilizada para o turismo, lazer e, sobretudo, para fins científicos da educação ambiental234.

Figura 1

uma forte pressão de uso agrícola do solo no entorno, a fauna encontra-se empobrecida, mas é ainda siginificativa. Há ocorrência de quatis, serelepes, macaco-prego, tamanduá-mirim, papagaio-de-peito-roxo, o mocho-diabo e o pica-pau-rei.• Município: Sarandi. • Decreto de criação: n° 30.645, de 22 de abril de 1982. Área: 1.000 há. Coordenadas: 27º45’a 27º58’S; 52º45’ a 52º55’W. Não está aberto para visitação. 234 Disponível em: <www.fepam.rs.gov.br/prog.htm> Acesso em: 12 maio 2004.

Disponível em: <http://www.sema.rs.gov.br/sema/html/imagens/mapa2.gif> Acesso em: 13 maio 2004. Secretaria do Meio Ambiente do Estado do Rio Grande do Sul - Site Desenvolvido pela PROCERGS.

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Como exemplo de RPPN pode-se citar o parque ecológico Souza Cruz, com área

verde de 208 ha, localizado em Cachoeirinha no Rio Grande do Sul, criado e mantido pela

empresa como forma de integração entre o desenvolvimento e o ambiente preservado.

Curiosamente, o parque fica no entorno de uma das maiores e mais modernas fábricas de

cigarros da América Latina.235

Recentemente foi criticado de forma veemente o governo do Rio Grande do Sul

pela Rede de ONGs da Mata Atlântica, que congrega 17 entidades ambientalistas do

estado, pela firmatura do decreto que determinou a alteração de categoria do parque

nacional do Delta do Jacuí para “área de preservação ambiental” , condição menos

restritiva, o que poderá gerar perda substancial na preservação da região e dos

espécimes.236 Afirmam essas que o ato é ilegal pela forma utilizada, via decreto, quando

deveria ser mediante lei:

O ato foi deliberadamente inconstitucional, pois fere o que estabelece o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, embora o Governo tenha sido previamente alertado de que alterações no Parque só poderiam ser feitas por meio de Lei. O ato desrespeitou todo um processo de discussão em curso no CONSEMA e na sua Câmara Técnica Permanente de Biodiversidade e Política Florestal, no Comitê Estadual de Reserva da Biosfera da Mata Atlântica e no Comitê do Lago Guaíba, assim como a todas as instituições e pessoas envolvidas no processo. O decreto assinado pelo senhor Vice-Governador do Estado foi gerado no seio do Departamento Estadual de Florestas e Áreas Protegidas - DEFAP - e da Secretaria Estadual do Meio Ambiente - SEMA -, as duas instâncias responsáveis pela gestão das Unidades de Conservação estaduais e pela implantação do Sistema Estadual de Unidades de Conservação - SEUC -, o que as torna co-autoras e co-responsáveis pelo Decreto e suas conseqüências.

Garantem ainda que foram desrespeitados outros aspectos e acusa o governo

estadual de uma gestão autoritária no que pertine ao ambiente, que pretende a redução do

tamanho das unidades de conservação ou mudanças de categoria para menos restritivas,

como o caso do parque do Delta do Jacuí.

235 UM PARQUE ecológico cheio de trilhas. E todas elas levam para um meio ambiente preservado. ZH ambiente. Zero Hora, Porto Alegre, 24 jun. 2004. p. 5. 236 GOVERNO do RS pratica ato contra o Parque Estadual Delta do Jacuí. Disponível em: <http://www.redeprouc.org.br/news.asp?codigo=78>. Acesso em: 17 out. 2004.

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Figura 2 – Parque estadual do Turvo

Fonte: IBAMA Disponível em: <www2.Ibama.gov.br/unidades/rppn/index0.htm>

Em 28 de dezembro de 1921, foi criado o Serviço Florestal do Brasil237, cujo

objetivo, insculpido no art. 1°, era a conservação e aproveitamento das florestas e que foi a

gênese do atual Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis

(Ibama). O Serviço Florestal Brasileiro foi sucedido pelo Departamento de Recursos

Naturais Renováveis, decreto n° 17.042/25, e o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento

Florestal (IBDF)238, foi substituído pelo Ibama.

Durante o governo José Sarney foi elaborado e implementado o programa “Nossa

Natureza” , que consiste em enorme conjunto de projetos, iniciativas legais, organizacionais

e administrativas, gestadas com a participação ampla de setores técnicos, governamentais e

não governamentais. Nessa ocasião, foi criado o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e

dos Recursos Naturais Renováveis, e criadas as bases para a criação do futuro Ministério

do Meio Ambiente.239 Em 1990, foi criada a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência

da República (Semam), ligada à Presidência da República, que tinha no Ibama seu órgão

gerenciador da questão ambiental, responsável por formular, coordenar, executar e fazer

executar a Política Nacional do Meio Ambiente e da preservação, conservação e uso

racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis.

As Unidades de Conservação Federais são de competência do Departamento de

Unidades de Conservação do Ibama240, órgão integrante do Ministério do Meio Ambiente,

que, apesar de ter apenas 16 anos de criação, desempenha papel consolidado de

237 BRASIL. Decreto-Lei n° 4.421/1921 238 BRASIL. Decreto-Lei n° 289/67. 239 Disponível em: <www://águas.cnpm.embrapa.br>. Acesso: 24 jan. 2004. 240 Órgão executor do Ministério do Meio Ambiente, responsável pelas unidades de conservação nacionais.

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credibilidade no país. Segundo a ministra Marina Silva, “ o Ibama é a face pública do

Ministério do Meio Ambiente e da política ambiental brasileira” .241

Em demonstração da atividade dos órgãos federais em defesa da política ambiental

brasileira, em junho de 2004 foi criado mais um parque nacional, o da Serra do Itajaí, rico

pela fauna, flora e formações, com 57 mil hectares e abrangendo nove municípios de Santa

Catarina.242

Entre as suas atribuições, o Ibama promove, coordena e supervisiona as atividades

relacionadas às unidades de conservação de uso. Como exemplo, podem-se citar os

parques nacionais (Parna), as reservas biológicas (Rebio), as estações ecológicas (Esec), as

reservas ecológicas, áreas de proteção ambiental (Apa), áreas de relevante interesse

ambiental (Arie), reservas particulares do patrimônio nacional (Rppn), florestas nacionais e

reservas extrativistas.243

Vale salientar que os parques nacionais não são elementos novos na preservação

ambiental, porém não se pode deixar de destacá-los pela grande importância em termos de

recuperação dos remanescentes florestais e do ecossistema, como a rearborização da

floresta da Tijuca, iniciada em 1862. Essa unidade de proteção ambiental, localizada no

Rio de Janeiro, foi um legado do imperador Pedro II, atitude continuada no período da

República, quando a proteção ambiental tomou grande impulso através da conscientização

da necessidade preservacionista, que se materializou na criação de dois parques nacionais

no ano de 1876: Sete Quedas no Paraná e Ilha do Bananal no Tocantins. Em 1937,

aconteceria a criação do Parque Nacional de Itatiaia no Rio de Janeiro.

2.5 Passo Fundo: delimitação territorial e espacial. Reflexos na qualidade ambiental

2.5.1 Equação território, população e saneamento básico

Originariamente, por volta de 1809, o território rio-grandense dividia-se em quatro

grandes unidades político-administrativas: Porto Alegre, Rio Grande, Rio Pardo e Santo

Antônio da Patrulha. Foram esses que deram, de fato, início à vida municipalista da terra

241 Discurso da ministra Marina Silva na posse do pesquisador Marcus Barros na presidência do Ibama no início do governo Lula. Disponível em: <www.mma.gov.br>. Acesso em: 24 jun. 2004. 242 Disponível em: <www.mma.gov.br>. Acesso em: 24 jun. 2004. 243 Disponível em: <www.ibama.gov.br>. Acesso em: 24 jan. 2004.

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de São Pedro, configurando a primeira estrutura administrativo-territorial, que seria o

ponto de partida para os contornos que hoje o estado tem.

As muitas transformações que o território passo-fundense sofreria não foram

impeditivos de desenvolvimento e persecução dos ideais de prosperidade. Passo Fundo

tornou-se um município pólo educacional, cultural, médico e comercial de uma grande

região, onde vivem em torno de três milhões de pessoas que, direta ou indiretamente,

servem-se dos benefícios político-econômico-culturais que a cidade proporciona. Segundo

Rückert244, a ocupação e colonização do município de Passo Fundo, bem como do centro-

norte do Rio Grande do Sul, envolveu um importante processo de destruição e construção

da ordem territorial, no qual o ato de destruir foi a condição básica do próprio existir da

colônia que surgia.

O município de Passo Fundo tinha localização estratégica como ponto de passagem

entre as Missões e São Paulo, tendo sido espaço de conflitos entre os nativos (índios) e os

novos ocupantes. Assim como muitos municípios, a cidade sofreu transformações

territoriais, pelos processos de emancipações político-administrativas, que lhe deram,

desde 1857 até os dias atuais, novo formato pelos desmembramentos do território. Quando

foi desmembrado de Cruz Alta, apresentava uma área em torno de 24.802 Km2 e abrangia

Soledade, Nonoai e Guaporé, posteriormente desmembrados e ocupando, assim, uma área

de cerca de 80.000 quilômetros quadrados. O município limitava-se ao sul com os

municípios de Rio Pardo (1809), Cachoeira (emancipado em 1819 de Rio Pardo) e Taquari

(de Triunfo em 1949); ao norte, com as terras pertencentes ao atual estado de Santa

Catarina; a leste e ao sul, pela Serra Geral, sem determinação de pontos, com os

municípios de Santo Antonio da Patrulha (1809), Taquari, Rio Pardo, Cachoeira e Santa

Maria; a oeste, com o território do município-mãe Cruz Alta (1834).

Em 1833, o território passo-fundense estava sob a jurisdição de São Borja e

formava o quarto quarteirão do município, mas em 1834, com a criação do município de

Cruz Alta, Passo Fundo passou à condição de quarto distrito da nova divisão territorial.245

Em 1847, foi designada “Freguesia da Nossa Senhora da Conceição Aparecida do Passo

Fundo” e o distrito de Passo Fundo passou à categoria de município pelo advento da lei nº

340, de 28 de janeiro de 1857, cuja instalação se deu no mesmo ano.246 O território passo-

244 RUCKERT, A. A. A trajetória da terra: ocupação e colonização do centro-norte do Rio Grande do Sul: 1827/1931. Passo Fundo: Ediupf, 1997. p. 27. 245 OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier e. Annaes do município de Passo Fundo: aspectos históricos. Passo Fundo: Ediupf, 1990. v. 2. p.73. 246 OLIVEIRA, op. cit., p. 81.

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fundense estendia-se até o Rio Uruguai e foi uma das maiores áreas em superfície de terras

da província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Em 1858, conforme dados do

recenseamento, Passo Fundo tinha uma população aproximada de 8.208 habitantes, dos

quais 1.692 eram escravos, 127 libertos e 6.389 habitantes livres, contava então com 1.638

habitações.247

A estrada de ferro que ia de São Paulo a Rio Grande, passando por Passo Fundo, foi

o incremento que faltava para a eclosão da economia, dificultada pela precariedade das

estradas, impedindo o escoamento da produção, a ocupação e o desenvolvimento da região.

Com a ferrovia, aumentou o preço das terras, dentre outros fatores

desenvolvimentistas que se refletiram na destruição do meio natural. Rückert relata:

O incremento dos núcleos de colonização efetiva-se ao longo da estrada de ferro, tornando-se a cidade de Passo Fundo um centro coletor da vida econômica e social da vasta região que compreende não só o Planalto Médio, mas ainda, o Alto Uruguai e parte das Missões.248

Em 1875, ou seja, depois de 18 anos de emancipação, o município de Passo Fundo

perdeu sua primeira parcela de território pela emancipação de Soledade, até então seu sexto

distrito, que levou cerca de 30% da sua área. A próxima transformação ocorreria 28 anos

mais tarde, em 1903, quando Guaporé se emancipou do município de Lajeado e levou uma

pequena parcela do território de Passo Fundo. Em 1918, 15 anos depois, o oitavo distrito

passou a constituir o município de Erechim, que se tornou o limite norte de Passo Fundo.

Os desmembramentos via emancipatória consumiram 35% da área original do município.

Denota-se que, entre as décadas de 1918 e 1931, a área do município estava em

torno de 8.638 Km2, “dos quais 4.290 em antigas florestas” .249 Em 1931, Passo Fundo

desmembrava-se do município de Carazinho e, em 1934, Getúlio Vargas; em 1939, o

território de Passo Fundo perdeu sua ligação com o estado de Santa Catarina pela criação

do município de Sarandi. Quando Passo Fundo completou 77 anos de emancipação,

computava uma perda territorial de, aproximadamente, 66% de seu território, ou seja, cerca

de 16.434 Km2. Depois, criam-se os municípios de Marau, em 1954, e, em 1955, de

Tapejara. Na década de 1960 surgiram os municípios de Sertão, que se desmembrou em

1963, Ciríaco e David Canabarro, em 1965, período em que, além do território houve uma

perda populacional na ordem de 8.971 habitantes (8,78%).

247 OLIVEIRA, op. cit., p. 205. 248 RUCKERT, op. cit., p. 119. 249 Idem, p. 120.

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Na onda emancipatória (1980-1990), o território de Passo Fundo perdeu área em

1988, quando se criou o município de Ernestina. Só em 1992, ocorreram as últimas

emancipações do território passo-fundense, quando se desmembraram Coxilha, Mato

Castelhano e Pontão, com o território do município-mãe ficando reduzido, então, a 759,4

Km2. Em 2004, Passo Fundo completou 147 anos de emancipação político-administrativa

e sua área atual é de 780,36 Km2, demonstrando uma redução de 96,8% do seu território

original.

Apesar das perdas territoriais, Passo Fundo, a terra dos Pinheiraes250, apresentou

processo inverso em termos populacionais. A evolução populacional do município no

período de 1940-2000 registra um crescimento significativo em decorrência das novas

relações de produção que ocorreram na região, com o aumento populacional urbano

concomitante ao êxodo rural. De 1940 a 2000, houve um incremento de 87.358 habitantes

(51,85% de aumento em sua população residente).

O aumento da população residente traz, entre outros problemas sociais, a discussão

sobre o saneamento básico, que é considerado sinônimo de qualidade de vida em todo o

mundo. Cada vez mais as pesquisas demonstram que a ausência de um sistema adequado

de saneamento reduz a expectativa de vida, aumenta o número de doenças e, muitas vezes,

leva ao óbito251. Esse problema atinge, geralmente, as populações mais pobres e que vivem

em condições inadequadas em moradias precárias. Desde a Antiguidade, o saneamento foi

objeto de preocupação das populações e governantes, mas sempre encontrou espaço apenas

nas mais desenvolvidas252. Gilissen relata:

250 Denominação dada por Francisco Antonino Xavier e Oliveira em obra de mesmo nome – Terra dos Pinhaes: série comemorativa do centenário do começo do povoamento do território passo-fundense pela gente brasileira civilizada. OLIVEIRA, Francisco Antonino Xavier e. Terra dos Pinhaes. Passo Fundo: Livraria Nacional, 1927. 251 MAGGIONI, Fabiano. “Esgotão” quase mata um homem no Bairro Schisler. O esgoto faz a primeira vítima. O Cidadão – Especial 11 anos. Passo Fundo, 01 a 30 jun. 2004. p. 7. 252 Historicamente, nos séculos XI e XII, bem como na África antes da colonização européia e também na antiguidade, no 4º milênio antes de Cristo localizavam-se três grandes centros geográficos na origem das grandes civilizações egípcia, mesopotâmica e hindu: o delta do Nilo, em que aparecem cidades como Busiris, Letópolis, Saís, Bouto, e mesmo uma cidade santa, Heliópolis; a bacia do Tigre e do Eufrates, com Ur, Lagash, Eridu; a bacia do Indo, com Harappa, Amri e Mohenjo-Daro. GILISSEN, op. cit., p. 47.

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Estas cidades antigas são já relativamente desenvolvidas; as cidades do Indo, por exemplo, tinham casas em andares, um sistema de esgotos, estabelecimentos de banhos públicos. Elas são formadas por uma nova classe social, os comerciantes, que não tardam a entrar em conflito com os elementos da hierarquia feudal, sobretudo fundiária. A velha solidariedade étnica e clânica desagrega-se nas cidades, ao mesmo tempo que a nobreza feudal; para os comerciantes, os bens móveis substituem os imóveis na hierarquia dos valores econômicos. A propriedade imobiliária é parcelada. As cidades têm dirigentes assistidos por funcionários retribuídos. No egipto, certas cidades do 4º milênio são dirigidas por uma autoridade que actua em colégio, o “Colégio dos dez homens”, que pode ser comparado aos escabinos das cidades flamengas da Idade Média. A fiscalidade, a escrita e o calendário aparecem aí, do mesmo modo que o estado civil, nomeadamente sob a forma do “recenseamento do ouro e dos campos” .253

Nos dias atuais, a distribuição de água potável em Passo Fundo alcança índices de

99,8% dos domicílios, mas a situação dos serviços de esgotos sanitários é crítica, pois

atende apenas em torno de 20% dos domicílios abastecidos por água, ou seja, em torno de

18 Km de tubulação. O rio Passo Fundo encontra-se muito comprometido em face do

grande volume de efluentes domésticos, industrial e agrícola que suporta, diretamente, sem

qualquer tratamento, além da cultura da população de que o rio é depósito de lixo, móveis,

plásticos, etc.

A Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) prometeu publicamente que

deverá veicular edital de concorrência para fins de conclusão das obras da Estação de

Tratamento de Esgotos - ETE Araucárias, localizada nas proximidades do bairro José

Alexandre Zacchia. A estação será composta de quatro lagoas de estabilização/decantação,

onde o esgoto receberá tratamento via processos naturais, físicos bioquímicos e biológicos

com o uso de bactérias e algas específicas. Quando a obra estiver concluída, permitirá o

tratamento de 100% dos esgotos coletados (20% dos domicílios ligados à rede cloacal) e

possibilitará a ampliação das redes coletoras em outros bairros, beneficiando em torno de

50% dos domicílios passo-fundenses254.

Segundo notícia veiculada pela Câmara de Vereadores255, até maio de 2005, Passo

Fundo terá 20% da rede com tratamento de esgoto. A afirmação foi feita pelo

superintendente da Corsan, Vladimir Rezende de Moura, que esteve na Câmara Municipal

participando de uma reunião com a Comissão de Obras Públicas e Nomenclatura de Ruas,

esclarecendo aos vereadores quanto a dúvidas com relação ao andamento das obras da

Estação de Tratamento de Esgoto Araucárias.

253 GILISSEN, John. Introdução histórica ao direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1995. p. 47. 254 Via Eco – publicação ambientalista. Passo Fundo, Ano II, n. 4, jul. 2004. 255 Disponível em: <www.pmpf.rs.gov.br>. Acesso em: 02 set. 2004.

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Conforme o superintendente da Corsan, o tratamento de esgoto em Passo Fundo

não está sendo executado porque a estação existente foi construída na década de 1940 para

atender a uma população de 12 mil habitantes e hoje não tem capacidade para absorver a

demanda. A Corsan iniciou em 2001 a construção de uma nova estação de tratamento de

esgoto, cujas obras estão paralisadas, mas deverão ser retomadas nos próximos meses,

dependendo apenas de um processo de licitação, que está prestes a ser publicado.

A expectativa da Corsan é de que as obras estejam concluídas entre os meses de

abril e maio de 2005, entrando em operação imediatamente. Moura afirma que, a partir

desse momento, todo o esgoto que é coletado hoje em Passo Fundo, cerca de 20%, vai ser

tratado com altíssimo grau de eficiência em lagoas de estabilização e devolvido com

excelente qualidade aos afluentes do rio Passo Fundo. O não-tratamento de esgoto tem

causado problemas como mau cheiro, mau aspecto visual e de alguns prejuízos à fauna

aquática.

Moura avalia que mais de 99% da população do município é abastecida com água

tratada pela Corsan e de excelente qualidade, sem nenhum risco de transmissão de

doenças. A recomendação, porém, é de que a população evite contato com a água do rio

Passo Fundo, em virtude da grande quantidade de esgoto cloacal que ali é lançado, além de

outros dejetos de redes clandestinas ilegais que se interligam e lançam produtos tóxicos no

rio. Participaram da reunião256 com o superintendente da Corsan os vereadores Ênio Luiz

de Oliveira (presidente), Luiz Miguel, Izoldino Candaten e Fernando Scortegagna.

2.5.2 A história do problema ambiental do rio Passo Fundo: a ponte como marco inicial

do progresso e da desestabilização natural, fauna e flora aquática.

A falta de saneamento básico e as doenças causadas pela convivência com dejetos

de toda a ordem, infiltrações que contaminam os poços etc. não se constituem em problema

novo para a comunidade local e para a municipalidade. A situação já preocupava os

governantes há anos, quando o tifo ou febre tifóide esteve entre as doenças epidêmicas que

ceifaram muitas vidas na cidade e região e cuja causa repousava na falta de higiene da

cidade pelo precário serviço de distribuição de água e esgotos. Em razão do problema, foi

chamado a Passo Fundo o notável higienista Belisário Penna a fim de que estudasse a

condição sanitária da cidade, por já estar sendo tratada como “perigosa” tanto para os

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habitantes como para os visitantes e viajantes; no caso destes, se diminuídas as suas vindas,

proporcionalmente, diminuiriam os negócios.257

O conceito de cidade salubérrima que desfrutou por longo tempo, pelas qualidades

climáticas que faziam convergir pessoas que necessitavam curar ou evitar doenças,

especialmente as das vias aéreas superiores, foi se perdendo. A varíola (1905), a varicela

(1908), a tuberculose, a disenteria aqui chegaram como doenças “ importadas” . Passo

Fundo passou a ser uma cidade insalubre, conforme noticiou o jornal da época. A

intranqüilidade tomou conta da comunidade, que já não aprovava medidas políticas

desenvolvimentistas da cidade, tais como calçamento de regiões até então pouco povoadas,

em detrimento de uma ação mais efetiva em prol da saúde e do saneamento básico. “Nada

se fez e o que era em 23 uma ameaça é hoje uma realidade pungente: as febres typhicas

têm entre nós, tanto como a tuberculose, assento permanente, repetindo-se os casos nos

mais diversos pontos da cidade”.258

As promessas dos políticos sobre o recolhimento dos detritos fecais não se

efetivavam e a contaminação com várias doenças aumentava, para desgosto da população.

Noticiava-se então:

E o que é notável é que ante a uma situação premente a nossa municipalidade vive numa inércia rigidamente chineza sem a menor preocupação de antepôr barreiras ao crescimento do mal. A administracção actual prometteu, de inicio, a organização de um serviço perfeito de remoção de matérias fecaes que ficou a promessa em promessa, preferindo-se calçar o Boqueirão deserto a cincoenta contos por quadra e despender verba inutilmente com macadans archaicos e fora de commercio. E entretanto, é tempo de se cuidar com interesse da solução desse problema, mormente depois que o Congresso de Municipalidades tão brilhantemente rasgou novos horizontes administrativos e políticos na vida estadual. É tempo de emprehender-se alguma coisa de útil e alcançar e sahir-se da classe dos estudos, dos projetos... 259

A inconformidade com as políticas públicas adotadas e o analfabetismo eram

conhecidas como “mazelas” do Brasil, segundo matéria publicada pelo Jornal O Nacional

datado de 10 de setembro de 1929. Dizia o texto que havia dois males terríveis no Brasil,

como a politicagem e o analfabetismo. A partir dessa constatação, observa-se

repetidamente nos jornais uma campanha: “A instrução é a maior e a melhor das

heranças” . Resta evidente, pois, a preocupação com a cultura direcionada para poucos.260

256 Reunião Comissão Permanente da Câmara de Vereadores de Passo Fundo – Cebes em 16 abr. 2004. 257 ÁGUAS e esgottos. O Nacional, Passo Fundo, 18 maio 1929. p. 1. 258 UMA cidade insalubre. O Nacional, Passo Fundo, 25 jul. 1929. p. 1. 259 UMA cidade insalubre. O Nacional, Passo Fundo, 25 jul. 1929. p. 1. 260 MATÉRIA, O Nacional, Passo Fundo, 18 jul. 1928. p. 2.

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A questão do saneamento básico, conforme se observou, permanece desatendida e

as conseqüências, ainda hoje, não são maiores e mais seqüeladas em face do

desenvolvimento da medicina pelas vacinas e outros medicamentos, assim como pelo

desenvolvimento de desinfetantes e anti-sépticos vigorosos. Contudo, ainda se conhecem

vítimas em razão da falta de saneamento básico, o que gera inquietações para as

comunidades ditas “civilizadas” e “evoluídas” .

A ponte do rio Passo Fundo foi por várias vezes matéria dos noticiosos, como ainda

hoje o é. Quando da sua construção, descrevia-se a forma utilizada indicando que, sob o

leito da ponte, fora depositada uma camada de pedras britadas para base do piso, sendo

também iniciada a construção das muradas de cimento armado. A ponte seria iluminada

com candelabros que já estavam depositados sob a responsabilidade da Intendência

Municipal.261

O rio Passo Fundo tem em suas nascentes águas límpidas e transparentes, contudo

esse não é o quadro que se visualiza no restante do seu curso nem a realidade com que

convivem as populações que se sucedem no seu uso após a passagem da cidade. Além dos

agentes poluidores decorrentes da falta de saneamento básico, dos rejeitos urbanos,

industriais e agrícolas lançados diária e diretamente, apresenta dificuldades em manter sua

população piscosa em razão de obras construídas sob a ponte na avenida Brasil, que, em

razão da execução inadequada, anualmente, impede a ocorrência da piracema.

Várias medidas foram adotadas no sentido de minorar as conseqüências, como

abertura de canais implantados sobre a laje de concreto, estudo sobre formas definitivas de

solução com alterações estruturais visando melhorar o acesso e percurso realizado pelos

peixes, entretanto ainda sem solução concreta.262 Agentes públicos e ambientalistas locais

procuram, juntamente com a municipalidade, soluções para eliminar o problema, contudo,

mais uma piracema se passou sem que a vida pudesse ser reproduzida nos rios locais.

Estudos sobre a bacia hidrográfica do rio Passo Fundo no perímetro urbano

continuam sendo realizados atualmente em face da grande discussão sobre a questão da

água, materializada em grande e justificada preocupação dos alunos de Geografia da UPF,

em convênio com a Secretaria do Meio Ambiente, em implementar o projeto de

atualização do mapeamento do rio e seus afluentes no perímetro urbano, num percurso de 5

Km, do parque Farroupilha até o bairro José Alexandre Záchia.

261 A PONTE do rio Passo Fundo. O Nacional, Passo Fundo, 25 jul. 1928. p. 2. 262 MATÉRIA. O Nacional. Passo Fundo, 06 set. 2002. p. 11.

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A bacia do rio Passo Fundo é de importância estratégica para o município, porque

nela estão localizados o arroio Miranda, a barragem do rio Passo Fundo e a barragem da

Fazenda da Brigada Militar, que são os mananciais da captação para abastecimento de água

do município. A exploração dos sistemas é feita pela Corsan em forma de concessão,

atendendo a 99% da população urbana através de 540 Km de extensão de rede e de um

volume de água produzido de 1.320.000 m3.

Apesar da existência de rígida legislação ambiental que prevê a proteção das

florestas e a conseqüente preservação dos mananciais, a realidade é bastante diferente do

ideal que poderia ser alcançado pela aplicação rigorosa da lei. A degradação ambiental na

bacia é refletida nos recursos hídricos, no solo e na cobertura vegetal. O extrativismo

vegetal praticado na área da bacia vem acarretando danos ao ecossistema e,

conseqüentemente, à hidrografia.

Ao longo do rio Passo Fundo, a ocupação desordenada e irregular das margens, que

inicia na cidade, gera uma série de problemas, pois a alta pressão exercida pela

urbanização com a criação de núcleos urbanos leva à supressão da mata ciliar, favorecendo

o assoreamento e as enchentes. Por sua vez, o despejo de esgoto doméstico degrada e

contamina as águas com coliformes fecais e outros elementos exógenos ao meio,

comprometendo a vida aquática. Já os efluentes industriais e a suspensão excessiva de

partículas na água comprometem a qualidade da água bruta a ser tratada na estação de

tratamento de água da Corsan, provocando o entupimento dos filtros. Esses agentes,

combinados, colocam em risco a qualidade e a quantidade da água disponível para o

abastecimento público.

Apesar da ação dos agentes de degradação observados, o rio Passo Fundo e seus

contribuintes ainda apresentam água de boa qualidade em várias partes do trajeto, resultado

da cobertura florestal remanescente, notadamente nos trechos mais íngremes, onde o

acesso é dificultado pela topografia.

2.6 Da prática do desmatamento e a influência no progresso da região: notícias pelo

jornal O Nacional desde 1927

No jornal O Nacional de 27 de agosto de 1927, em matéria de capa sob o titulo Alto

Jacuhy, valorizando o trabalho progressista em auxílio do povo, de Armando Annes,

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relata-se uma viagem realizada pelos redatores do jornal, que contam sobre a exuberância

da natureza, bem como sobre a já instituída destruição em prol do progresso:

“Nesse dignificante afan ora se occupa de estradas, ora da actividade sempre crescente do edil Armando Annes, ora do que ha de notávelo, grandioso e importante pellos bellos campos, pelas férteis mattas e pelas movimentadas zonas urbanas do município. Depois de uma excursão que fizemos pelo Alto Jacuhy, onde crescíamos de admiração á propor;ao que nos embrenhávamos pelos Mattos e pelas roças, procuraremos deixar aqui, fartamente descriptos, o conforto a que nos assistimos e a agradável impressão que vivemos e que vimos e estudamos...no bello passeio pela esplendida estrada que vae de Carasinho ao Não-Me-Toque. Toda ela é situada como que numa garganta de campo. De ambos os lados, há poucas quadras de distancia, divulga-se o azul-negro dos vastos capões, todos erguendo para o céu copadas magestosas e symetricas dos pinheiros. Ao longe, muito longe, um bello horizonte azul como que assentado sobre um pedestal sem fim, todo azul-escuro dá-nos a idéia de que se vae penetrar num outro mundo, onde póde haver toda a espécie de vidas, menos a vida mais complexa e heterogênea, a vida humana... 263

Prossegue o texto salientando o grande volume de carroças carregadas de madeira

encontradas no caminho, as quais abasteceriam quinze vagões do trem:

[...] Tal impressão já se dissipa, pelo pó, pelas interrupções da marcha do automóvel: são as enormes carroças de taboa e de productos que ás dezenas se encontrando. Vae se passando por carros enormes de sete a oito animaes, que vão a caminho da via férrea com quasi meio vagon de carga.Tem se a bella imaginação de formigas que lutam dia e noite para accumular o pão. E os carroceiros passam, levando a riquiza do celleiro, do grande celleiro de Passo Fundo, levando para longe, e o que é de lamentar – a recompensa não é perfeita. A quar-parte, mais ou menos, paga o mal renumerado serrador, pelo frete do Alto Jacuhy á Via Férrea [...] Vínhamos falando das carroças; e no ligeiro rodar de quarenta minutos pela bella via de rodagem, contamos cento e sete dellas entre as que vinham da fonte de riquezas e entre as que voltavam para as riquezas do trabalho. Por conseguinte encontramos conductores de carga, para nada menos que quinze vagões dos usados pela V.F.R.G.S. Assim íamos pensando, quando chegamos á borda da enorme e pitoresca mattaria que víamos ao longe. Na entrada já da famosa região do Alto Jacuhy tivemos a primeira surpresa: Encontramos a primeira povoação – o Não Me Toque, sede do Sétimo Districto A’primeira vista é inacreditável que aquillo seja o tão fallado Não-Me-Toque. Em vez das selvagens mattas, com alguns claros de pequeninas roças dada a extensão dos pinheirais, víamos no agradável ambiente de uma nova civilisada villa, reflexo do trabalho e da força de um povo, todo vigor, todo esperança e todo enthusiasmo.”.264

A busca pelo desenvolvimento pretendia ir além com a conquista da ligação férrea

para facilitar o escoamento da produção madeireira e agrícola que despontava na região.

No mesmo jornal, sob o título “Estrada do Alto Jacuhy” , observa-se o empenho dos

madeireiros em fazer com que chegasse até suas terras, ou próximo a elas, o trem. A

263 ESTRADA do Alto Jacuhy. O Nacional. Passo Fundo, 27 ago. 1927. n. 227, p. 1 capa.

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dificuldade surgida pela falta de recursos foi rapidamente resolvida com a doação dos

dormentos para a construção dos trilhos. Muitas discussões se fizeram em torno da

questão, visível em muitas manifestações no jornal citado:

[...] temos ouvido que inúmeros industrialistas, offerecem dormentos gratuitamente e ao que parece muitos e muitos milhares delles já de inicio estarão a disposição da municipalidade. Espera-se que essa despeza que seria uma boa porção do capital, irá desapparecer com um gesto unânime dos madeireiros offerecendo um pouco da produção de sua indústria em benefício da Estrada. Ouvimos mais, e de fonte de absoluto credito que o Governo Federal, dada a grande quantidade de que dispõe, não ira cobrar os trilhos que fornecer. 265

A região, ampla e minuciosamente descrita, revela a existência de grandes áreas de

mata nativa com expressiva população de pinheiros e que estavam, desde então, sendo

abatidas em grandes proporções, vangloriando-se as atitudes progressistas e aqueles que

tinham o poder de transformar a natureza em economia:

ALTO JACUHY - [...] Nosso intento trazer, do seio das vastas mattarias, que cobrem mais de cinco districtos deste município, o que se encontra de grande em torno do progresso, da indústria e do trabalho [...] O sonho dos ancestraes daquella gente foi realizado. Há por lá uma gleba vigorosa que sabe aproveitar a natureza, com todas as suas bonanças e, com a pureza da alma da gente de fora e a robustez do corpo sadio, sabe aproveitar mesmo as adversidades da sorte e desdenhar da ira da grande Mãe commum. 266

Data da mesma época a notícia do desenvolvimento que se estendia pela região,

causando surpresa na medida em que não se restringia à exploração natural de tantas

madeireiras, que, segundo a notícia, concorriam entre si, mas também indicava o

início da industrialização267 do estado, sem afastar-se do objetivo de estar no primeiro

plano na produção madeireira. A extração da madeira na região, sem dúvidas, representou

uma importante fatia da geração de riquezas da época, entretanto o negócio apresentava

muitos riscos, afetando não apenas os envolvidos, mas também a comunidade de forma

264 ESTRADA do Alto Jacuhy. O Nacional. Passo Fundo, 27 ago. 1927. n. 227, p. 1 capa . 265 ESTRADA do Alto Jacuhy. O Nacional, Passo Fundo, 31 ago. 1927. p. 2. 266 ALTO Jacuhy. O Nacional, Passo Fundo, 3 set. 1927. Capa. 267 ALTO Jacuhy IV centro Alto Jacuhy – Empreza de Couros Mombelli centro Alto Jacuhy... O Nacional. Passo Fundo, 24 set. 1927. n. 235, p. 1 “E’a mal denominada Tapera o centro commercial de uma rica e prospera colônia italiana com bellas moradias e gente civilisada. Amantes da arte e do bello, commemorando a immigração dos seus ascendentes... Lá no coração dos grandes pinheiraes das costas do Jacuhysinho, Dante Aligheri é amado e sentido, como nos grandes centros de civilisação aprimorada. Além dos numerosos Engenhos de Madeira, que concorrem abundantemente para colocar o Alto Jacuhy em primeiro plano de produção madeireira do Estado, há quasi no coração do povoado um cortum, attestado do grande desenvolvimento da Industria do Estado... Mais de uma centena de operários...”

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indireta268, com a intervenção dos vizinhos argentinos e uruguaios influenciando no

comércio da madeira pela guerra dos preços:

Nesta região a madeira é indubitavelmente o ramo de negócio que abrange maior capital e maior numero de interessados. Também não há ramo mais incerto, mais inseguro; hoje excelente dando lucros descabidos, amanha péssimo, causando prejuízos geraes, a madeira , tem sido entre nós não so uma fonte de renda mas também uma fonte de surprezas, de prejuízos avultados e da ruína financeira de muitos [...] E enquanto se faz tudo isso, os nossos pinheiraes vão desapparecendo na proporção em que nossos madeireiros vao adquir indo cans precoces tudo em directo beneficio dos mercados argentinos e uruguayo que impõe preço e fazem tudo o mais que lhe agrada e convem... (grifo nosso)

No final do ano de 1927, o negócio da madeira já ocupava espaço publicitário nos

jornais, com ofertas de pagamento em dinheiro, indicando escritório de negócios em Passo

Fundo e chamando proprietários dos pinhais para comércio.269 A venda e compra de

madeira seguiram sem limitações, com farta publicidade e facilidades de negociação,

conforme se denota pelos anúncios destacados dos jornais da época: “Pinhaes em Qualquer

Município - Bem pago - compra A. Levi – Exportador de madeiras – Rua Independência,

58 - Passo Fundo – (Pagamento á dinheiro).”

A madeira, seguida pela banha e pela erva-mate beneficiada, representava o

elemento econômico que sustentava o desenvolvimento. Em matéria de capa, o jornal

expressou:

A exportação, thermometro da vida dum povo, tem sido, sempre, promissora, para a riqueza deste município, num significativo aumento de anno para anno, na demosntraçào mais concludente do nosso progresso e desenvolvimento economico...Apparece com maior factor na exportação do triênio citado, a madeira, a banha e a erva mate beneficiada, [...]270

Embora a economia crescente atilasse a produção de madeiras alimentando todas as

demais faces econômicas relacionadas, do centro do país as notícias já expressavam

moderada preocupação com o aniquilamento das florestas e suas conseqüências, bem como

medidas adotadas:

268 ALTO Jacuhy IV Centro Alto Jacuhy – Empreza de Couros Mombelli. O Nacional, Passo Fundo, 24 set. 1927. n.. 235. p. 1. 269 PINHAES. Anúncio. O Nacional, Passo Fundo, dos dias 19 out. 1927; 21 jan. 1928; 28 jan. 1928. 270 EXPORTAÇÂO. O Nacional, Passo Fundo, 31 out. 1928.

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RIO 24 – O Jornal do Brasil trata longamente da necessidade de crear-se um systema de proteção as mattas, evitando-se o nocivo aniquilamento de nossas florestas. Commenta esse jornal as medidas adoptadas pelo governo de São Paulo, mostrando que as mesmas providências deviam ser postas em prática por todos os demais Estados.271

Do ano de 1928, localizou-se a existência de uma manchete sobre a não-

contaminação das águas de Irahy272, o que demonstra a preocupação existente, se não com

a preservação dos recursos hídricos, com a saúde da população que consumia o produto

engarrafado mediante o controle sanitário do Estado.

Na região de Soledade, o desenvolvimento e o processo extrativo de madeira foram

mais tardios, por dificuldades geográficas e políticas. O município273, que havia pertencido

ao imenso município de Rio Pardo274 e, depois, a Cruz Alta por 23 anos, apesar do

desfalque territorial e populacional sofrido em face dos vários distritos que se

emanciparam - Sobradinho275, Espumoso276, Arvorezinha (1959) e na década de 60, Barros

Cassal, Fontoura Xavier e São José do Herval - continuava a crescer e se desenvolver,

conforme Costa:

[...] o quadro econômico se transformava. A indústria extrativa da madeira, antes inexpressiva, ganhou impulso na medida que melhorava a rede rodoviária, permitindo a penetração do caminhão. Cresceu a agricultura, também favorecida pelo desenvolvimento das estradas. Nas áreas de campo, começou a progredir a cultura mecanizada do trigo. A pecuária...sofreu mutações qualitativas, abandonando as raças crioulas e entrando decididamente no caminho da seleção dos rebanhos. Na cidade, começaram as primeiras iniciativas industriais [...]277

Observa-se pela exposição do autor que, na década de 1960, ainda existiam regiões

preservadas de florestas e que o desenvolvimento se acentuava.

A prática do desmatamento também oportunizou com mais facilidade a caça de

animais silvestres, os quais, à medida que foram perdendo seu habitat, tornavam-se presas

mais fáceis aos caçadores. O aumento da caça pela facilidade deu origem ao comércio de

271 RIO 24. O Nacional, Passo Fundo, 25 jul. 1929. 272 AGUAS Irahy não estão contaminadas. O Nacional, Passo Fundo, 7 abr. 1928. Água mineral engarrafada e vendida com controle sanitário do Estado. 273 Hoje o município de Soledade possui, aproximadamente, 30.077 habitantes e tem no extrativismo de pedras semipreciosas e na agricultura e pecuária seu embasamento econômico. Disponível em: <http://www.fee.tche.br/sitefee/pt/content/resumo/pg_municipios_detalhe.php?municipio=Soledade>. Acesso em: 28 jul. 2004. 274 Rio Pardo reunia em seu território freguesias distantes como Santana do Livramento e Taquari. 275 BRASIL. Decreto-lei n.º 311/1938, todas as sedes municipais alcançaram o título de cidade. 276 Lei de Borges de Medeiros datada de 1954. 277 COSTA, Franco Sérgio da. Soledade na história. Porto Alegre: Corag, 1975. Organizada e publicada sob patrocínio da Prefeitura Municipal de Soledade em homenagem ao 1º. Centenário de emancipação do município.

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peles e couros, que se prolongou por muitos anos, sendo, inclusive, objeto de anúncio no

jornal a venda indiscriminada dos produtos oriundos da caça:

COUROS SILVESTRES CRÚS - Compro qualquer quantidade de couros silvestres crus como: de lontra, gato do matto , grachaim, jaguatirica, raposa d’água, veado pardo, capivara, porco do matto, pagando os mais altos preços do mercado. José Diniz Escriptorio na Rua Gal. Bento Gonçalves, palacete Apparicio Langaro. (ON vários números)

As práticas de destruição natural foram ao longo do tempo sendo observadas de

uma forma diferenciada, visto que, novos conceitos surgiam ditados pela necessidade e

pelo receio do comprometimento da vida em suas formas. Essa alteração comportamental e

conceitual de base propiciou uma movimentação social e cultural que se reflete nas

práticas, nas campanhas governamentais, nas legislações, no surgimento de grupos

organizados para proteção e para luta por políticas públicas eficazes e implementáveis.

No capítulo III analisar-se-ão as organizações não governamentais, as propostas de

ações em prol da conservação das reservas naturais da humanidade, formas de pressão

utilizadas para o alcance dos objetivos, os debates com os grupos que se dedicam à

matéria, os programas de rádio, televisão e jornais que nasceram com esse intuito.

Abordam-se, também o envolvimento institucional nos processos de distribuição de

valores humanos para com a natureza, as práticas políticas e econômicas que envolvem,

bem como as práticas preventivas, curativas e repressivas destinadas à ação humana.

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3 – AS PROPOSTAS E AÇÕES DE CARÁTER NACIONAL E

GLOBAL

[...] O grito do Ipiranga trouxe consigo nas vibrações do som o denodo dos lutadores, a aspiração da pátria cimentada com sangue dos martyres da liberdade, dos pioneiros

divinos da libertação. Que as brisas do Brasil frescas e puras cheias da virgindade das mattas e do rumor das cascatas, leve nesse dia risonho de sol e de patriotismo o beijo

sacrossanto do Brasil libertado a fronte dos heroes que dormem esquecidos. (Jornal O Nacional, Anno III, 07 set. 1928. Capa)

Este capítulo trata das constatações, das formas de pressão utilizadas para a

equação da problemática ambiental; da questão ambiental na sistemática política cultural

brasileira, das práticas adotadas, projetos e ações em andamento, do contexto da educação

brasileira, dos princípios e objetivos da educação ambiental, bem como da sua forma de

realização pedagógica de conscientização através de trabalhos sociais nas comunidades,

via ações políticas.

A questão ambiental, que desde há muitos anos é objeto de preocupação, inclusive

com a reprovação histórica das condutas predatórias, quando até mesmo a regulação da

matéria, apesar de existente, era precária, incipiente e ineficaz. Salienta-se que a

curiosidade acerca do tema teve início pela constante discussão da matéria ambiental e

pelo momento da leitura social dos fatos, dos discursos, dos signos, da repressão e da

reprovação social, consciente ou não, bem como do conhecimento dos processos de

grandes derrubadas na região, episódios datados da década de 1930 e seguintes. Esses

episódios perduraram por anos, até a quase extinção das reservas florestais, quando se

operou grande modificação da paisagem da região pela implementação de estradas de

rodagem, o que apressou ainda mais a exploração das florestas do planalto sul-brasileiro.

Então a indústria madeireira libertou-se da dependência exclusiva das composições férreas,

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propiciando cada vez mais a penetração, antes, senão impossível, de grande dificuldade,

para o interior, a medida que se esgotavam as reservas florestais nativas.278

Com o esgotamento das florestas de araucária e outras espécies de madeira de lei

encontradas na formação florestal da região, o ciclo madeireiro, no final da Segunda

Guerra Mundial, sofreu alterações representativas, pois se deu ao solo novo uso pela

agricultura e pecuária para o atendimento dos interesses econômicos da época. Os abates

ocorriam para o abastecimento de fábricas de fósforo, móveis e caixas instaladas na região,

que chegou a suportar mais de trezentas madeireiras em funcionamento concomitante,

tendo como conseqüência a devastação quase total das matas da região e o surgimento de

grandes fortunas.279

A sociedade brasileira, nas últimas duas décadas, tem se estruturado em

organizações, movimentos e associações sociais nos quais os indivíduos e instituições têm

atuado em conjunto, em prol de pessoas e comunidades historicamente menos favorecidas.

É um novo momento de equação das dificuldades por meio de reivindicações objetivas, da

descoberta da cidadania, enquanto individualidade e elemento de fruição da sua própria

história, considerando-se o pensar do desenvolvimento da comunidade, que abrange

aspectos e temáticas intrínsecos de cada organismo social, respeitando-se os aspectos de

individualidade, coletividade e colaboração.

Observa-se ser a questão ambiental um dos assuntos de maior evidência no

momento, que ocupa lugar central nas preocupações dos governos, especialmente nos

países industrializados. Os países de Terceiro Mundo, ainda têm como justa prioridade a

erradicação da pobreza e o estabelecimento dos direitos sociais, colocando em segundo

plano a questão ambiental. Contudo, tal atitude já demonstra mudança pela compreensão

da necessidade de um desenvolvimento sustentável, capaz de suportar as gerações

futuras.280

A preservação ambiental, enquanto conjunto de temáticas relativas não só à

proteção das formas de vida no planeta, mas também à melhoria do meio ambiente e da

qualidade de vida das comunidades, está entre os assuntos de interesse nos meios políticos,

científicos e acadêmicos mais estudados e discutidos na atualidade nos vários contextos,

278 HOGAN, D. J. A relação entre a população e ambiente: desafios para a demografia. In: TORRES, COSTA, H. (Orgs.). População e meio ambiente. São Paulo: Senac, 2000. 279 WENTZ, Liliane Irmã Mattje. Os caminhos da madeira: região norte do Rio Grande do Sul (1902-1950). Passo Fundo: UPF: 2004. p. 72 – 73. 280 ZUCCA, Aldo Jacomo. O direito da terra – rumo a um direito internacional ambiental efetivo. Rio de Janeiro: Qualimark – Petrobrás, 1991. p. 21.

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nos âmbitos internacional, nacional e regional, em constantes debates, encontros,

congressos etc, sobre o assunto.281

O medo de catástrofes de destruição ambiental de grandes proporções e o

desregramento ecológico impulsionam o homem a uma prática de reavaliação da

importância da preservação ambiental, cuja conscientização tem como um de seus

fundamentos os crescentes fenômenos que causam prejuízos ecológicos de várias origens,

tais como os de origem química, petrolífera e nuclear. Esses, pela sua amplitude e

gravidade, provocam importante modificação no pensar humano no concernente ao seu

habitat. Esclarece Gonçalves:

Do movimento ecológico parte um brado que precisa adquirir um contorno político-cultural profundo: nossa sociedade está destruindo as fontes vitais à sua própria sobrevivência. E esse brado traz em si uma das características mais especificamente humanas: a consciência da morte. Sabemos que muitos animais deixaram de existir porque, como predadores, extinguiram suas presas...Nós ecologistas, chamamos a atenção para a possibilidade de reversão dessa tendência eco-suicida enquanto há tempo, desenvolvendo outras formas de relação com a extensão de nosso corpo que é a natureza, o que, como já vimos, implica a adoçao de outras técnicas de outras relações entre os homens, enfim, o desenvolvimento de uma outra cultura. Insistimos:1945 – Hiroshima-Nagasaki – é um marco singular da historia do processo civilizatório, pois colocou concretamente a possibilidade efetiva da extinção da vida não só da espécie humana, mas de toda espécie de vida. Eis a razão maior do movimento pela vida que, como não podia deixar de ser, é um impulso radical, no sentido mais profundo do termo, ou seja, que busca ir à raiz das coisas para dela fazer emergir um pensar, um agir e um sentir mais lúcido. A história já demonstrou que não caminha necessariamente para frente. As sociedades que se consideram os mais civilizados foram as responsáveis pelas maiores barbáries do nosso século: Auschwitz, gulag e os bombardeios de napalm no Vietnã, por exemplo, não podem ser apontados como símbolos de progresso da humanidade.282

Nessa prática, vislumbra-se que a crise ambiental não é restrita a alguma questão

regional e de menor importância, mas está intimamente ligada pelo nexo causal a todos os

seres do planeta, de forma que qualquer alteração prejudicial na condução estrutural da

natureza em qualquer parte do globo afetará diretamente os seres humanos e sua sobrevida

na Terra. Na década de 1990, vários espaços de discussão se abriram sobre o meio

ambiente:

281 FRANCO, Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo: Annablume – FAPESP, 2001. p. 33. 282 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 99.

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Na década atual, verificou-se um retrocesso quanto às preocupações sociais. Os cientistas chamaram a atenção para problemas urgentes e complexos ligados à própria sobrevivência do homem: um planeta em processo de aquecimento, ameaças à camada de ozônio da Terra, desertos que devoram terras de cultivo. Nossa resposta foi exigir maiores esclarecimentos e transferir os problemas para instituições mal equipadas para lidar com eles. A deteriorização ambiental, vista a princípio como um problema, sobretudo dos países ricos e como um efeito colateral da riqueza industrial, tornou-se uma questão de sobrevivência para os paises em desenvolvimento.Ela faz parte da espiral descendente do declínio econômico e ecológico que muitas nações mais pobres se vêem enredadas.283

Coube ao governo federal a iniciativa de propor e ver aprovada a realização no

Brasil, no Rio de Janeiro, da Conferência Internacional sobre Meio Ambiente e

Desenvolvimento, a Rio – 92, realizada com a participação de 170 países, que definiu pela

primeira vez importantes convenções, tratados e declarações em escala planetária. O

evento foi a maior reunião de chefes de Estado da história da humanidade, reunindo cerca

de 117 governantes de países, e contou também com a participação da sociedade civil

organizada. Cerca de 22 mil pessoas do terceiro setor, de nove mil organizações não-

governamentais, estiveram presentes nos dois principais eventos da Eco 92: a Cúpula da

Terra e o Fórum Global, este último promovido pelas ONGs. Em outubro de 1992, ocorreu

a criação do Ministério do Meio Ambiente (MMA), cuja função é estruturar a política do

meio ambiente no Brasil.284

Outras formas protetivas foram adotadas, dentre as quais o Protocolo Verde, em

1995, a Agenda 21285 e outros, que, desde as respectivas aprovações, permanecem à espera

de sua implementação. Com isso evidencia-se a falta de vontade política na problemática

das relações de poder, evolvendo sempre em discussões que não se efetivam, ora por

resistências identitárias, ora por ideologias diversas.

O Protocolo de Kyoto aponta como solução para o Brasil o desafio da busca de

energias limpas e sustentáveis para banir ou minimizar o uso das diversas atividades

apontadas como responsáveis pelo aumento de dióxido de carbono na atmosfera, o que

283 CMMDA, Comissão Nacional sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. Nosso futuro comum. Rio de Janeiro: FGV, 1988. p. XIII. 284 Convenção da biodiversidade: estabelece metas para preservação da diversidade biológica e para e exploração sustentável do patrimônio genético, sem prejudicar ou impedir o desenvolvimento de cada país. 285 Agenda 21: conjunto de 2.500 recomendações sobre como atingir o desenvolvimento sustentável, incluindo determinações que prevêem a ajuda de nações ricas a países pobres. A Agenda 21 abarca temas que vão desde energia nuclear ao desmatamento e questões éticas. Foi assinada por 179 países. Os signatários assumiram o compromisso de elaborar e implementar Agendas 21 nacionais. Fonte: CONFERÊNCIA das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento. 3ª. Ed. Brasília: Senado Federal, Subsecretaria de Edições Técnicas, 2001.

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gera o efeito estufa. 286 Os eventos ambientais, em geral, avaliam situações reais já

ocorridas para a análise dos riscos e das formas de se evitar a repetição dos eventos,

concentrando as temáticas na proteção ambiental nos desastres e nas formas de precaução.

No Brasil um ciclo de palestras foi proposto pela Comissão de Assuntos Nacionais

(CAN), o Confea-PR e o Crea-PR com o temário baseado na proteção ambiental e nos

desastres ambientais, para avaliar os mecanismos de proteção cabíveis e os riscos. A

contribuição foi para a inserção dos profissionais das mais variadas áreas do conhecimento

no balanço de acidentes ambientais nacionais.287 Na ocasião foram apreciados os casos de

Goiânia (Césio 137)288, do Rio de Janeiro de 05 (rompimento duto PE-2 com vazamento de

óleo combustível)289, de Curitiba (vazamento petróleo)290 e as queimadas, especialmente na

região Amazônica. Pela análise dos riscos realizada, ficou evidenciado que as falhas

podem ser previstas em termos de probabilidades. Segundo o painelista engenheiro

Ricardo Lisboa da Cunha, o sistema metodológico de cálculo de análise de risco e a

probabilidade de um acidente são iguais ao número de casos favoráveis pelo número de

casos possíveis.291

Lembrou o painelista supra do caso da vila Socó, na entrada de Cubatão no estado

de São Paulo, onde, em 1984, um vazamento de gasolina vitimou trinta pessoas da favela

que ocupava a faixa de domínio do duto transportador de material combustível inflamável.

Referiu que a situação não é isolada e que, em Tramandaí, no Rio Grande do Sul, e na

Bahia, existem moradias ocupando essas faixas de domínio, com populações que vivem em

constante situação de risco.292

286 O Protocolo de Kyoto visa reduzir as emissões de gases poluentes dos países industrializados em 5,2% até 2010, em relação às taxas de 1990. Até agora, o protocolo não saiu do papel porque não foi assinado por países como Estados Unidos. Dentre os países que mais emitem o CO2, estão Japão, Austrália e Canadá. Os Estados Unidos lideram a lista e são responsáveis por 25% do total. 287 SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE DESASTRES AMBIENTAIS. 2000: Curitiba, PR. Desastres Ambientais/Seminário realizado em 7 e 8 de novembro de 2000. Brasília: O CONFEA, 2001. 288 10/09/1987 cápsula de equipamento para combate do câncer furtada de prédio semi demolido do antigo Instituto Goiano de Radioterapia. 289 1,3 milhões de litros de óleo combustível aquecidos derramados na Baía de Guanabara-RJ em 97 e repetido em 2000 com dois milhões de litros no mesmo duto PE – 2. 290 Vazamento de 4 milhões de litros de petróleo, sendo que 1,3 milhões de litros atingiram os rios Barigui e Iguaçu, em aproximadamente 50 Km de margem de rios. 291 SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE DESASTRES AMBIENTAIS. 2000: Curitiba, PR. Desastres Ambientais/Seminário realizado, em 7 e 8 de novembro de 2000. Brasília: O CONFEA. 2001, p. 46. 292 SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE DESASTRES AMBIENTAIS. 2000: Curitiba, PR. Desastres Ambientais/Seminário realizado em 7 e 8 de novembro de 2000. Brasília: O CONFEA, 2001. p. 51.

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Segundo, afirmou Joseph Newman, presidente da Renove293, que patrocinou o

evento Power Future:

o tema energias renováveis era mais moda que necessidade. Hoje, cada vez mais, cresce a percepção da necessidade das energias renováveis. A Nasa revelou uma avaliação por satélite da temperatura da Terra, comprovando que a Terra está aquecendo, com mudanças de clima preocupantes. As energias renováveis têm um papel importante nesse contexto294

Garante Laura Teti, membro da Delegação Brasileira de Negociação do Protocolo

de Kyoto, que promover desenvolvimento com base na sustentabilidade é fundamental, até

porque a poluição custa dinheiro, qualidade de vida, saúde e agrava os problemas de

miséria. E continua:

O que quer dizer desenvolvimento em base sustentável? Vamos ser mais modestos e só considerar que não vamos entregar para os nossos filhos e netos, daqui a 15 anos, um mundo em que o ar não está mais poluído, nem a água mais poluída e que a terra não está mais contaminada. Vamos só cuidar de poluição. Se a gente só fizer isso, como critério de sustentabilidade, já é bom.295

Segundo a proposta do protocolo, o objetivo é diminuir a emissão de gases tóxicos

e de outros poluentes na atmosfera; os países ou empresas que conseguirem reduzir as

emissões abaixo de suas metas poderão vender os créditos da redução de gases para outros

que não atingiram o grau de diminuição. Os países industrializados também podem gerar

projetos de Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), investindo em países em

desenvolvimento. Mesmo que o Brasil não conste do rol dos países poluidores, pode

diminuir o uso de determinados tipos de combustíveis e, com isso, diminuir a emissão de

gases, desde já investindo em energias limpas e ou renováveis, as quais aqui são

abundantes; além disso, em cada região do país podem ser desenvolvidas segundo as

aptidões do local e da atividade econômica.

As ações adotadas estão prescritas no livro Seqüestro de carbono, que trata da

viabilidade de serem substituídos combustíveis muito poluentes (fósseis e outros) por

outros com menos carbono. A adoção do uso de combustíveis renováveis, como o gás

293 Rede nacional de organizações não governamentais dedicadas à promoção e à inclusão de energias renováveis na agenda do desenvolvimento sustentável brasileiro. 294 Matéria Disponível em: <http://www.sfiec.org.br/artigos/energia/energias_limpas.htm>. Acesso em: 15 nov. 2004. Leia mais no site: <http://www2.ipef.br/pipermail/bioenergia-l/2004-June/000903.html>. Acesso em: 28 dez. 2004. 295 Palestra no Fórum Internacional Petróleo, Meio Ambiente & Imprensa ocorrido em março em Salvador – BA – Jornal O Povo.

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natural, os biocombustíveis, o etanol da cana-de-açúcar e soja é opção cujas pesquisas já

estão em desenvolvimento. Além dessas, há outras fontes de energia limpa, que num país

tropical de dimensão continental, não se pode deixar de citar, as quais são a energia solar e

a eólica. Apesar de toda a movimentação em torno da causa ecológica, as discrepâncias

das ações e medidas evidenciam que ainda não se observa uma reprovação real das práticas

destrutivas lícitas e ilícitas, que precisam, a todo tempo, ser apontadas.296

Os processos de amoralização das condutas é uma forma de se demonstrar que

ações que por muito tempo foram criticadas, discriminadas socialmente e, sobretudo,

punidas podem num outro momento histórico ser aceitas com naturalidade sob outro nome

ou, mesmo, banalizadas.297 Segundo Pinker:

a poluição, por exemplo, freqüentemente é tratada como um crime de profanação do sagrado, como na canção do conjunto rock Traffic: “Why don’ t we[...]try to save this land, and make a promise not to hurt it again this holy ground” [Por que não [...] tentamos salvar esta terra, prometendo não mais danificar este solo sagrado]. Essa postura pode ser contrastada com a de economistas como Robert Frank, que (aludindo aos custos da limpeza) declarou: “Existe uma quantidade ótima de poluição no meio ambiente, assim como existe uma quantidade ótima de sujeira em nossa casa” . Além do mais, todas as atividades humanas têm conseqüências, freqüentemente com vários graus de benefício e malefício para diferentes partes, mas nem todas são concebidas como imorais. 298

Esses procedimentos humanos de ora punir e discriminar determinado ato e

momentos depois de chancelar o mesmo ato demonstra quanto os homens são constituídos

de valores que são facilmente modificados ou redimensionados, conforme as influências

sócio-culturais que sofre em cada momento histórico e local. Geralmente, julgam-se

pessoas não pelo que fazem, mas pelo que são, sem perquirir em que condições o sujeito

agiu, nem se novamente agiria da mesma forma, quais suas ideologias, suas crenças e seus

tabus.

296 SANTOS Pedro Sérgio. Crime ecológico: da filosofia ao direito. Goiânia: AB Editora da UFG. 1964. p. 94. 297 PINKER, Steven Tabula Rasa: a negação contemporânea da natureza humana. Trad. Laura Teixeira Motta. São Paulo: Companhia das Letras, 2004. p. 376-377 298 PINKER, op. cit., p. 378.

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3.1 Organizações não governamentais: a influência do terceiro setor brasileiro no

despertar dos movimentos ecológicos

O terceiro setor, no Brasil e no mundo, está constituído por organizações privadas

sem fins lucrativos, que geram bens, serviços públicos e privados, todas com o objetivo o

de desenvolvimento político, econômico, social e cultural no meio em que atuam. Teve

avanço nas décadas de 1960 e 1970, agindo paralelamente ao Estado nos limites e na

proporção da desatenção em determinados flancos. São instituições com grande potencial

de representatividade, podendo ser vistas como legítimas representantes dos interesses da

sociedade civil e têm essa denominação pela divisão porque o Estado é o primeiro setor, o

mercado, o segundo, as entidades da sociedade civil formam o terceiro setor, em franco

crescimento no país e no mundo.

O terceiro setor é assim chamado porque engloba instituições com fins públicos,

porém de caráter privado, que não se enquadram, portanto, no primeiro setor (Estado); são

regidas pelo direito privado, mas não possuem objetivos mercantis, ou seja, fazem parte do

denominado espaço público não estatal. Essas entidades objetivam o combate de

problemas sociais mundiais graves, como a fome, violência, poluição, analfabetismo,

racismo, etc., agindo no espaço deixado pelo Estado e pelos governos pela incapacidade na

execução de tarefas sociais e falta de abrangência dos seus órgãos engessados,

apresentando dificuldades na manutenção de programas já implementados e morosidade

para os que deverão ser implantados pela dificuldade na alocação de valores.

Como exemplo de organizações do terceiro setor citam-se as organizações não

governamentais (ONGs), as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip),

associações e fundações, que, balizadas por palavras como altruísmo, associação e auto-

sustentação, desenvolvem ações de formação social e congregam pessoas interessadas em

agir coletivamente a favor de um fim compartilhado, unindo esforços com um objetivo e

sem nenhuma finalidade lucrativa. Atuam como agentes emergentes no meio social,

exercendo importante papel na tutela do meio ambiente como defensores implacáveis pela

causa ecológica nas esferas internacional, nacional e regional. Conforme o texto da

Agenda 21: "As organizações não-governamentais desempenham uma função fundamental

na modelagem e implementação da democracia participativa. A credibilidade delas repousa

sobre o desempenho responsável e construtivo que têm na sociedade".299

299 MILOMEM, Santos Valmir Nascimento. ONGs e a preservação ambiental. Disponível em: <http://www.estacaovida.org.br/vida/inicio.php?session_id=30&id=1757>. Acesso em: 21 ago. 04.

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A construção do espaço para a humanidade dá conta de uma relação que, na busca

do bem-estar ou das condições ideais de vida, gera a destruição do patrimônio natural,

comprometendo a qualidade e as possibilidades da própria vida na Terra. O uso racional

dos recursos naturais passou a dominar a pauta das discussões mundiais diante do grande

número de catástrofes ambientais climáticas e de outras que comprometem muitas vidas, as

quais se acompanham diuturnamente pelos meios midiáticos.

As relações sociais regidas por normas, leis, valores e objetivos instituídos remetem

para uma nova simbologia das formas políticas e administrativas na busca e conquista de

um campo interdisciplinar, no qual a história, a literatura, a física, a química, a matemática,

a biologia, o direito e outras ciências se intercruzam por razões distintas na busca de um

bem comum. Visa-se a uma democracia na qual todos possam, literalmente, desfrutar de

todos seus direitos humanos e sociais, sem prejuízo do respeito ao próximo e às futuras

gerações.

A atuação das ONGs no âmbito ambiental dá conta da relativa incompetência e

impossibilidade do poder público para atender às demandas sociais evolutivas; assim,

evocam para si as responsabilidades desses problemas sociais, num ato de franca

materialização do exercício de cidadania.300 Realizando ações abrangentes que se

materializam em educação, fomento à preservação através de campanhas publicitárias de

ampla extensão, que ocasionam o debate e a curiosidade da população acerca da

responsabilidade individual no problema, além da execução de projetos ambientais (contra

caça predatória, preservação de espécimes da fauna e flora) e, principalmente, da

influência na esfera das políticas públicas voltadas para a preservação ecológica, através de

legislação protetiva responsável, as ONGs vêm ganhando espaço e representatividade

social.301

300 MILOMEM, Santos Valmir Nascimento. ONGs e a preservação ambiental. Disponível em: <http://www.estacaovida.org.br/vida/inicio.php?session_id=30&id=1757>. Acesso em: 21 ago. 04. 301 ONGs propõem ampliação da largura das matas ciliares. A intenção deste critério, a ser apresentado aos grandes compradores do grão para a safra 2005/06, é preservar a biodiversidade das matas, torná-las abrigos para a avifauna e criar corredores ecológicos. Movimentos e organizações ambientalistas propõem a ampliação da largura das matas ciliares nas áreas onde há produção de soja. A duplicação ou triplicação da largura das matas ciliares legalmente determinada poderá também reduzir o assoreamento e a contaminação das águas dos rios por produtos químicos usados nas lavouras. Porém, a área acrescida com essa ampliação não poderá ser considerada como parte da reserva legal. Este é mais um critério de compra que não é passível de ser aplicado imediatamente, necessita de mais prazo para que os produtores possam se adaptar e adotá-lo. Ainda, porque serão necessários laudos técnicos de organizações credenciadas e imagens de satélite para servir como verificadores.No total são 12 critérios de compra a serem adotados em curto prazo e 8 em médio e longo prazo. Eles foram criados durante um fórum virtual entre ONGs realizado pela Articulação Soja -Brasil entre fevereiro e maio deste ano. O objetivo principal é a redução dos impactos negativos na produção de soja.

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Nesse contexto, de forma extremamente organizada, as ONGs têm o poder/dever de

críticas e pressões que não ficariam restritas ao encaminhamento político das questões, mas

interferem nas pretensões econômicas e em suas inter-relações, como se evidencia na

movimentação política da reforma do Código Florestal, cujos novos dispositivos já estão

sofrendo represália em face dos interesses econômicos que atingirão, tais como a

construção civil, entre outros.

As questões ambientais, nas suas várias órbitas, não estão restritas a um

determinado local ou país, mas generalizam-se em legislações novas, amplamente

divulgadas pela mídia, proporcionando a conscientização e a dinâmica do problema

ambiental e suas interações, com o envolvimento da sociedade no momento em que se

propõe a rever paradigmas e valores para compor uma nova cultura ambiental. A mídia faz

um enfrentamento da questão trazendo fatos e identidades para o fim de muitas condutas

adotadas por insipiência.

Através de publicações recentes e diariamente veiculadas nos meios de

comunicação de massa denota-se a oportunidade de se fazer crescente o processo

conscientizatório do problema da vida na terra com gerenciamento holístico, visto que o

homem é apenas um dentre muitos detalhes para a conscientização das populações do

mundo. Conforme estudos de Leilah Landim da Universidade Federal do Rio de Janeiro,

entre 1991 e 1995 houve um crescimento de 30% no terceiro setor, que passou a ocupar

cerca de 1,4 milhão de pessoas no Brasil entre funcionários remunerados e voluntários, ou

seja, mais que o dobro do número de funcionários públicos federais na ativa. A

pesquisadora refere que, em 1991, estavam registradas no Cadastro Geral de Contribuintes

do Ministério da Fazenda cerca de duzentas mil entidades sem fins lucrativos.302

A multiplicação das ONGs e de outras categorias de organizações da sociedade

civil no Brasil ainda é incipiente visto que se apresentam números bastante inferiores aos

de países da Europa ou América do Norte303. Atualmente, o terceiro setor, nos Estados

Unidos, movimenta, seiscentos bilhões de dólares por ano, empregando 12 milhões de

trabalhadores remunerados, além de inúmeros voluntários. Em países como Itália, França e

302 Pesquisa Global Civil Society – Dimensions of the Nonprofit Sector. Leilah Landim, The Jonhs Hopkins Comparative Nonprofit Sector Project, 1999. Os dados de 1995. 303 Nos Estados Unidos, é usual usar o termo terceiro setor paralelamente a outras expressões, como: ''Organizações sem fins lucrativos - Non Profit Organizations'', significando um tipo de instituição cujos benefícios financeiros não podem ser distribuídos entre seus diretores e associados. Ainda como expressão utilizada - Organizações Voluntárias, com significado complementar à citada. Em 1990, o setor movimentava 300 bilhões de dólares, já em 1996, as organizações da sociedade civil americanas movimentaram 6,3% do PIB, (320 bilhões de dólares, em números absolutos, metade do PIB brasileiro no mesmo ano).

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Alemanha, as instituições sem fins lucrativos atingem, anualmente, mais de 03% do PIB

nacional.304

Segundo pesquisadores americanos da John Hopkins University, o terceiro setor é a

oitava força econômica mundial, movimentando 1,1 trilhão de dólares/ano e gerando,

aproximadamente, 10,4 milhões de empregos. Esta pesquisa também levantou o perfil do

terceiro setor no Brasil pelo número de pessoas ocupadas nas respectivas áreas de atuação,

obtendo os seguintes números:

Tabela 1:

Área de atuação Número de pessoas %

Educação e pesquisa 381.098 34,0

Saúde 184.040 16,4

Cultura 175.540 15,7

Assistência social 169.663 15,2

Associações profissionais 99.203 08,9

Religião 93.769 08,4

Defesa dos direitos 13.721 01,2

Meio ambiente 2.499 00,2

Fonte: John Hopkins University – ISER/1998305

Analisando os dados da tabela 1 observa-se que, no Brasil as ONGs já ocupam

expressivo espaço de uma forma geral, mas o meio ambiente ainda tem um

desenvolvimento mínimo neste flanco em comparação com as demais áreas descritas,

ocupando o menor percentual de pessoas e ações, embora já reflita em dados a serem

considerados. O Conselho da Comunidade Solidária informa que o terceiro setor no Brasil

conta com, aproximadamente, 250.000 entidades, empregando 1,5 milhão de pessoas e 12

milhões de voluntários.

O termo ING ou indivíduo não governamental, ao contrário de outras organizações,

atribui-se a cidadãos persistentes e conscientes que são capazes de manter uma luta pelo

direito difuso de toda a sociedade, mesmo quando a própria sociedade não se dispõe a

participar. Destacam-se nas lutas de entidades ou classes no mais das vezes com intenções

boas e obstinação incontestável, que acabam por receber o reconhecimento social pelas

304 Dados Fundação Getúlio Vargas- SP – Prof. Luiz Carlos Merege – FGV. 305 Disponível em: <http://www.iser.org.br/portug/oiser.html>. Acesso em: 13 jan. 2005.

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lutas travadas, mas nem sempre vencidas; têm a capacidade de localizar o problema, de

superar e inventar soluções, todavia nem sempre plausíveis, porém polemizam, exigindo o

cumprimento das leis, denunciando danos de toda ordem e, graças a elas, agressões

ambientais têm sido evitadas.306

Existem líderes ambientalistas que, por alguma razão, não exercem o trabalho em

equipe e sempre decidem tudo sozinhos. Nesse caso, sabe-se que a democracia é um

processo lento e é nas lutas, nas disputas internas e externas, que o cidadão vai se tornando

líder e vindo a participar de grupos.

Conforme exposto, as questões ambientais, nas suas várias órbitas, não estão

restritas a um determinado local ou país, mas generalizam-se em legislações novas,

amplamente divulgadas pelos meios midiáticos, proporcionando a conscientização e a

dinâmica do problema ambiental mundial, sempre permeadas de ideologias e tensões

sociais que interagem com a vida das comunidades, gerando os movimentos de

autoproteção. As diferenças entre os “socialismos” do passado e os “ambientalismos” do

presente, apesar de serem significativas, constituem, na realidade, aspectos

complementares de um mesmo processo.307

3.2 Dos grupos de pressão: ONGs e INGs em Passo Fundo

Toda a sociedade cria um conceito de natureza e institui relações sociais conforme

suas características econômicas e políticas. No Brasil, a preocupação desenvolvimentista

denota uma priorização dos processos de crescimento econômico sem análise dos riscos e

danos que podem interferir no sistema; importa apenas o fim a que se destina: o progresso

do capital e o aumento do trabalho. Para Gonçalves:

306 BERNA, Vilmar. Disponível em: <http://www.jornaldomeioambiente.com.br/TerceiroSetor/ TerceiroSetor.asp>. Acesso em: 15 set. 2004. 307 LEIS, Héctor Ricardo. In: Meio ambiente, desenvolvimento e cidadania: desafios para as ciências sociais. 3. ed. São Paulo: Cortez, Florianópolis UFSC, 2001. p. 29.

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quando se procura refletir sobre o conceito de natureza que está ano centro da constituição de cada povo-cultura, é preciso muito cuidado, pois a questão envolve múltiplos aspectos, do ético ao tecnológico, do econômico e político ao cultural...Quando falamos e uso racional dos recursos, e sabemos o quanto essa bandeira e cara ao ecologistas, é preciso ficar atentos para as múltiplas conseqüências que a palavra racional evoca. A razão técnica e científica não é a razão no seu todo. Uma das conquistas da modernidade é o reconhecimento de que não só a nossa relação com a natureza deve ser regida de modo racional, mas também as relações entre os homens. Sabemos que o imaginário racionalista separou a relação homem-natureza – lugar da relação sujeito(homem)-objeto(natureza), da relação homem-homem (sujeito-sujeito) e, o pior, tornou-as equivalentes, Em outras palavras, deu a relação homem-homem o mesmo caráter atribuído a relação homem-natureza(sujeito-objeto), instrumentalizando, assim, as relações sociais.308

Com esse enfoque, observou-se no decorrer deste estudo, que as relações sociais

comprometidas com a preservação, em Passo Fundo, levaram à criação de organizações

não governamentais, que já fazem parte da realidade da região através do desenvolvimento

de um organizado trabalho nas várias esferas. Elas ocupam um lugar importante no

movimento social conquistado com suas próprias ideologias e convicções. No concernente

à questão ambiental, já existem várias ONGs regularmente estabelecidas e atuantes, que

contribuem de maneira efetiva nas respectivas áreas de aptidão e dedicação, as quais

destacam as principais referências apresentadas na IV Semana Municipal do Meio

Ambiente, evento oficial ocorrido em março de 2004. Os dados aqui apresentados foram

fornecidos pela organização do evento e pelas instituições nas respectivas áreas de atuação.

3.2.1 Centro de Tecnologias Alternativas Populares (Cetap)

O Cetap tem como missão contribuir para a afirmação da agricultura ecológica

familiar e suas organizações, particularmente atuando na construção da agricultura

sustentável com base em princípios agroecológicos, que abrange sementes e

biodiversidade, consumo consciente e solidário, apoio ao assentamento de agricultores,

alternativas de trabalho e renda para famílias carentes.

308 GONÇALVES, Carlos Walter Porto. Os (des)caminhos do meio ambiente. 7. ed. São Paulo: Contexto, 2000. p. 138.

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a) Sementes e biodiversidade

Tem o objetivo de resgatar e melhorar sementes espécies para adubos verdes,

milho, feijões, abóboras, plantas da mata nativa ameaçadas de extinção; de fazer

experimentos e estudos com agrofloresta - produção de alimentos em sistemas

agroflorestais com quatro unidades de referência na região.

b) Consumo consciente e solidário

Preconiza o estímulo ao consumo de produtos ecológicos como forma de apoio (dos

consumidores/moradores urbanos) para uma maior preservação ambiental; feiras (na praça

da Mãe, de economia popular e solidária, de mostra de sementes e biodiversidade);

trabalho em escolas (palestras, cursos); eventos em geral; visitas para intercâmbio de

experiências (entre agricultores das diversas regiões, com agricultores e entidade de outros

países, entre consumidores e agricultores); jantar ecológico (como o realizado em Santo

Antônio do Palma).

c) Apoio ao assentamento de agricultores

Prestar efetiva participação em reuniões para dar o apoio e idéias para o

assentamento de agricultores na comunidade de Bom Recreio, estimulando a produção

diversificada de alimentos (ao invés do monocultivo da soja) e de forma ecológica;

preservar a mata e água existente na área.

d) Alternativas de Trabalho e renda para famílias carentes. Conclusão das

atividades – vila Entre Rios

O Cetap, durante o ano de 2003, elaborou projeto e tentou o apoio (não

conquistado) para o desenvolvimento de ações de formação/capacitação para a

implementação de alternativas de trabalho e renda, saneamento básico, educação

ambiental. As ações a que se propõe serão retomadas assim que houver condições e se

conseguido o apoio almejado.

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3.2.2. Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas – Amigos da Terra (Gesp/AT)

Um dos mais atuantes no processo de participação, com expressiva representação

social e comunitária, o Gesp tem entre as atividades desenvolvidas e apresentadas na IV

Semana Municipal do Meio Ambiente de 2004 a educação ambiental em escolas, bairros,

associações populares e comitês de gerenciamento de recursos hídricos; participação em

eventos locais, regionais, estaduais e nacionais; realização de minicursos, oficinas e

palestras em encontros e seminários; participação no Conselho Municipal do Meio

Ambiente, no Conselho Municipal da Saúde, no Comitê de Gerenciamento da Bacia

Hidrográfica Alto Jacuí, na Comissão Provisória de Gerenciamento de Recursos Hídricos

da Bacia do Rio Passo Fundo, no Ato pela Paz, na Feira Municipal de Saúde, na Feira

Saúde e Meio Ambiente, nos programas Tabagismo, Fome Zero, Pré-Conferência Nacional

do Meio Ambiente e na Conferência das Cidades.

Em andamento, segundo o relatório do grupo, existem os projetos “Pró-Ecologia do

Futuro – Sequóia” , “Roteiro Turístico Ecológico Cultural” e “Roteiro do Rio Passo

Fundo”, “ARIE” (Área de Relevante Interessante Ecológico), “Recuperação e Preservação

do Rio Passo Fundo”, Sociedade e Cidadania (Coletivo de Entidades), “Consciência” ,

“Preservação da Nascente – Mãe do Rio Jacuí” , “Reserva Biológica Arlindo Haas” ,

“Parque Banhado Vergueiro” .

O grupo ecológico trabalha também em ações coletivas com outras entidades

(Gegv/Abracc/SBPF) nos projetos da invasão APP na barragem Capingüi; na ação para

regularização da área rural Z. D. Costi; no levantamento de Problemas na Área Industrial

do bairro Petrópolis; no estudo técnico-científico para instalação de área de relevante

interesse ecológico – reserva Maragato e entorno.

O Gesp/AT, confirmando sua representatividade, recebe denúncias da comunidade

em geral, bem como de outros órgãos que fiscalizam as ações contra a natureza em

números expressivos. (Tab. 2)

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Tabela 2: Denúncias recebidas: Ronda Eco-ambiental = 199

Denúncias encaminhadas:

Ministério Público = 115

5ª Cia Ambiental = 16

Sema/Defap = 09

Smam = 06

SMS = 04

Unimed = 01

Pendentes = 48

Fonte: Gesp/AT – 2004.

3.2.3. Grupo Ecológico Guardiões da Vida (Gegv)

O grupo trabalha na preservação do ambiente com projetos claros na área

educacional, em feiras e eventos e participação expressiva junto aos órgãos e políticas

públicas para o desenvolvimento sustentável da região. No ano de 2004, desenvolveu

inúmeras atividades como palestras de educação ambiental em diversas escolas e

instituições, participação em feiras e eventos, dos quais se podem apontar a Feira de Meio

Ambiente, Saúde e Educação (Bunge, Sesi); Dia Mundial da Água (Rio Passo Fundo); Dia

da Criança (projeto “Comunidade Eco-Cidadã no Jardim do Sol” ); Arborização (projeto

“Plantando cidadania” fase Passo Fundo); debate político “Políticas Públicas e Meio

Ambiente” , com canditados à Prefeitura Municipal de Passo Fundo.

Uma das grandes lutas do Gegv e do Gesp foi o combate à capina química,

recentemente solucionada por decisão judicial do magistrado da 3ª. Vara Cível de Passo

Fundo, que julgou procedente a demanda movida pelo Ministério Público visando à

proibição da utilização de produtos químicos para a eliminação de vegetação indesejada

em ruas, praças e outros locais de uso público. A ação foi movida em face da aprovação

pelo Conselho do Meio Ambiente do uso da capina química, apesar da ilegalidade e dos

riscos à saúde pública e ao meio que a atividade pode gerar.309

309 VIAECO, n. 09, Ano II, Nov. 2004.

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3.2.4. Prana - Associação Ambientalista

O Prana é uma ING (indivíduo não governamental) que tem como projeto principal

o Parque das Pontes, localizado nas imediações do mercado Bourbon, às margens do rio

Passo Fundo. Objetiva a desapropriação de toda a área que tem como limite a Avenida

Brasil, as ruas Sete de Setembro e Ângelo Preto. Esse projeto pode ser visualizado na

figura a seguir.

Figura 3 – Projeto de mudança em espaço central de Passo Fundo - Prana

No interior dos limites encontra-se:

a) o mercado Bourbon a ser transformado em área de lazer;

b) o depósito de bebida, a ser transformado em museu ecológico nativo;

c) área vaga, a ser transformada em zoológico nativo;

d) a área da Empresa Reunidas, a ser transformada em praça com árvores nativas

transplantadas;

e) nas áreas de banhado drenado, objetiva-se a construção de um gestor ambiental

municipal sobre palafitas, após sua recuperação.

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A situação do Prana não é a única existente sobre um projeto que repousa na labuta

de um único indivíduo. Em Passo Fundo existe um médico, autodidata em ecologia, que há

mais de quarenta anos se preocupa com questões ambientais, atuando voluntariamente

desde quando as ações prevencionistas ainda não eram foco dos noticiários, dos estudos ou

de qualquer discussão política ou outra. Por anos trabalha contribuindo de forma individual

para o processo de conscientização em manifestações em rádios, jornais e por outros meios

que abrem espaço para as questões ambientais, bem como em sala de aula na Faculdade de

Agronomia da UPF, onde, já na década de 1970, distribui seu conhecimento entre os

alunos da graduação. Tem seu objetivo estabelecido na construção e conservação da

paisagem de uma forma geral, quer urbana, quer rural, e no seu apostolado inseriu um dos

filhos, o qual já se destaca na continuidade do trabalho do pai, com formação e atuação

específica na área, dando continuidade ao trabalho antes iniciado310. Certamente, outros

existem, mas se destacam aqui as duas pessoas mais atuantes, social e publicamente

reconhecidas.

3.2.5. Parceiros do Silêncio Urbano (Psiu)

Psiu é uma entidade sem fins lucrativos que se ocupa da diminuição da poluição

sonora no município e nas atividades da vida urbana. No ano de 2004, realizou ações de

educação ambiental, orientação e repressão em parceria com a Promotoria de Justiça

Especializada, a 5ª Companhia Ambiental e a Appa no que tange aos problemas de ruído

urbano, de uma forma geral, mais especialmente aos problemas noturnos pela aglomeração

de pessoas em postos de gasolina, carros de propaganda móveis, lojas, casas noturnas e

automóveis particulares em pontos críticos da cidade. Por sua pressão foi instituído o “Dia

Municipal do Silêncio” , a ser observado no dia 9 de outubro de cada ano, oportunidade em

que é realizado trabalho de conscientização e informação acerca dos malefícios do excesso

de barulho, assim como de uma legislação municipal específica para se adequar aos

mandamentos estaduais e federais sobre a matéria.

Entretanto, nem só de ONGs e INGs vive o ambientalismo passo-fundense e

regional. Entidades públicas estabelecidas representam o Estado nas ações e interações

310 Paulo Fragomeni, médico, com 84 anos de idade, professor da disciplina de fisiologia vegetal da Faculdade de Agronomia da UPF.

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sociais, efetivando medidas preventivas, curativas e punitivas, na medida da necessidade e

nas respectivas áreas de atuação isolada ou conjuntamente.

3.3 Entidades públicas

Em nível local, a atuação de entidades públicas tem seu espaço estabelecido pela lei

e suas ações oficiais fruem de credibilidade por parte da sociedade o que as auxilia nas

respectivas áreas de atuação. Adiante será discutido o trabalho do Escritório Regional do

Ibama, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente e do Ministério Público, trazendo-se

alguns dados sobre sua atuação recente.

3.3.1. Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama)

O Escritório Regional do Ibama vem trabalhando de forma efetiva no controle e na

fiscalização das ações lesivas ao meio, implementando medidas curativas e punitivas para

os casos analisados e comprovados de danos na região. No ano de 2003 em seu relatório de

atividades, evidenciou que o ano foi marcado pela vontade política de modificar a forma de

atuação do Ibama.

Criado visando à gestão participativa, à educação ambiental e à mudança dos

paradigmas para um modelo de desenvolvimento social mais justo e ambientalmente

sustentável, o órgão vem sofrendo uma grande reestruturação interna para agilizar e tornar

mais eficiente sua atuação. Dentre as ações realizadas dentro desse novo espírito destaca-

se o processo de mobilização para a realização das Pré-Conferências Regionais do Meio

Ambiente – Erechim, Passo Fundo, Tapejara e Palmeira das Missões-, preparatórias à Pré-

Conferência Estadual do Meio Ambiente, que culminou na realização da Iª Conferência

Nacional do Meio Ambiente, um marco na maneira de encarar a gestão ambiental no país.

É nesse contexto que o Escritório Regional (Esreg Passo Fundo) tem realizado um

esforço de ampliar seu relacionamento com a sociedade. Como primeiro resultado desse

empenho destaca-se a participação no projeto de Zoneamento Ambiental da Bacia do Rio

Passo Fundo, apresentado ao prêmio Petrobrás Ambiental, tendo como proponente a

Universidade de Passo Fundo. O Esreg Passo Fundo tem na sua jurisdição 151 municípios.

Em número de municípios é o maior do estado e no ano de 2003, realizou operações de

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fiscalização de rotina e de fiscalização em parceria com a Cia. Ambiental da Brigada

Militar e o Defap; operações especiais, como a Operação de Fiscalização do Transporte de

Cargas Perigosas e a Operação Piracema no rio Uruguai;

Dentre as atividades administrativas destacam-se a emissão de cerca de 21 mil

certidões negativas de débito (CND); licenças para porte e uso de moto-serras (LPU);

licenças de pesca amadora (LPA); expedição e controle da autorização para transporte de

produtos florestais (ATPF) em áreas licenciadas pelo Ibama, exportação e transporte

interestadual; cadastro técnico federal; a realização de vistorias e resgate de fauna. Além

disso, participou do Conselho Municipal de Desenvolvimento Agrário de Passo Fundo; nas

reuniões dos comitês das bacias dos rios Apuaê-Inhandava e Passo Fundo; no projeto de

recuperação da mata ciliar do rio Passo Fundo, entre outras reuniões e atividades.

Assim, tem como perspectiva ampliar a integração com a sociedade e, nesse

sentido, a expectativa é a realização de projetos e ações em conjunto, buscando, por meio

de uma agenda positiva e da educação ambiental, o comprometimento dos atores sociais

envolvidos na construção de um novo modelo de desenvolvimento, já implementado no

ano de 2004.

3.3.2 Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Smam)

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente, como secretaria independente, é recente

e foi implantada pela da lei 3.580/2000. Antes existia vinculada à Secretaria da Saúde e

com um único secretário, que administrava os problemas de saúde pública e questões

ambientais. Como o município tem uma condição de reconhecimento na grande região

como um pólo médico, muito pouco de atuação era dada às questões ambientais, razão pela

qual se criou uma secretaria específica e com atribuições exclusivas.

A Smam surgiu em face da preocupação municipal com o meio ambiente e com o

cumprimento efetivo da legislação constitucional e específica que se refere às

responsabilidades e autonomia dos municípios para determinados atos, especialmente para

apreciação dos impactos no desenvolvimento dos espaços urbanos. Iniciou a atividade sob

o comando do secretário Ivaldino Tasca, pessoa da comunidade com reconhecimento pelo

trabalho e estudo na área, com obras publicadas sobre o tema, que encerrou o período em

31 de dezembro de 2004 com um reconhecido trabalho prestado em prol da comunidade

passo-fundense e sua natureza.

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Dentre as atividades da Smam desenvolvidas em 2003 encontra-se a conclusão do

Plano Ambiental Municipal, que vislumbra o uso e estado dos recursos naturais nos limites

do município, causas dos impactos ambientais, minimização/compensação, etc.; a busca da

habilitação do município junto à Secretaria Estadual de Meio Ambiente; o licenciamento

ambiental das atividades de impacto local; a elaboração de projetos, tais como: Projeto

Passo Verde, com quatro subprojetos, sendo três de ajuste de conduta de empresas locais,

Projeto de Monitoramento do Rio Passo Fundo: coletas de água do rio (dias chuva e sol)

em pontos distintos, Educação Ambiental e Capacitação Técnica com o Programa

Municipal de Educação Ambiental: sensibilizar para preservar, palestras para os

funcionários da Auto Agrícola, Metasa e Bunge, curso de extensão universitária em

Licenciamento Ambiental de Impacto Local (Univates).

A Secretaria Municipal do Meio Ambiente teve participação em vários eventos, tais

como o Seminário de Capacitação para Técnicos de Municípios, com vistas ao

licenciamento ambiental das atividades de impacto local (Sema - Porto Alegre), VII

Encontro dos Dirigentes Municipais de Meio Ambiente (Famurs – POA), Seminário

Interno Estudo da Legislação Ambiental (Smam).

As ações perpetuaram-se também nas condutas fiscalizatórias, traduzidas nas ações

e ocorrências elencadas na tabela 3.

Tabela 3 – Serviços realizados pela Secretaria Municipal do Meio Ambiente / 2004:

Ações Número de ocorrências

Vistorias 154

Medição de som 61

Denúncias 112

Alvará de localização e funcionamento 128

Notificações 203

Pareceres Técnicos 108

Ofícios Promotoria 82

Ronda Ecológica 223

Total 1.071

Fonte: Relatório do ano de 2004 – Ano da Habilitação da Secretaria do Meio Ambiente de Passo Fundo.

Após um longo esforço do poder público municipal e de diversos segmentos da

comunidade, conseguiu-se habilitar e colocar em pleno funcionamento a Secretaria

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Municipal do Meio Ambiente. A habilitação para gestão ambiental das atividades de

impacto local, com certeza, trará enormes benefícios para a qualidade de vida dos passo-

fundenses.

Os principais dados sobre os trabalhos realizados pela equipe da Smam em 2004

foram obtidos em processos administrativos são: alvarás de localização e funcionamento,

pareceres técnicos, solicitações diversas, denúncias (449); denúncias recebidas (227);

notificações (192); ofícios do Ministério Público (87); processos internos (20);

procedimentos de gestão ambiental das atividades de impacto local através do

licenciamento ambiental (LP, LI, LO), autorizações, declarações, EIA (34); cursos de

capacitação dos funcionários da Smam (5); cursos promovidos pela Smam (3);

participação em eventos ambientais (20); projeto Monitoramento do Rio Passo Fundo;

participação em conselhos, como Comau, Cmma, Coaju, CMDI e da Floresta Nacional de

Passo Fundo; programa de estágios com a UPF (ICB e ICEG) com alunos de biologia e

geografia (20).

Embora o exíguo tempo de atuação efetiva da secretaria, já é possível observar da

importância da sua atuação para a comunidade em geral no processo evolutivo urbano e

rural.

3.3.3 Ministério Público do Estado do Rio Grande Do Sul - 1ª Promotoria de Justiça

Especializada

A Promotoria de Justiça Especializada tem representativo papel junto a comunidade

no sentido de conscientizar, coibir e fiscalizar as ações contrárias ao bem-estar geral da

população. No ano de 2003, o Ministério Público trouxe as estatísticas das ações na região

Norte, demonstrando um trabalho ágil e que ganhou espaço. Foram 236 inquéritos

instaurados; 144 acordos firmados; 10 ações movidas; 86 inquéritos arquivados; 489

inquéritos em andamento; 97 processos criminais iniciados e um numerário obtido com

medidas compensatórias (multas e outras) no montante de R$ 69.463,25.

Dentre as principais ações estão a participação nas primeiras ações do projeto de

Recuperação do Rio Passo Fundo; a continuidade do trabalho de regularização da

destinação dos resíduos da área de saúde; atividades de preservação da barragem do

Capingüi, com responsabilização aos infratores; participação em projetos de educação

ambiental, com destaque para o jornal Via Eco; incentivo à construção do primeiro

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depósito para a segregação de resíduos sólidos na vila Entre Rios; desenvolvimento de

ações no combate à poluição sonora, visando especialmente aos veículos e às lojas de

conveniência dos postos de combustíveis; acompanhamento do trabalho da Ronda

Ecológica, com enfoque principal nos depósitos clandestinos de lixo; fiscalização da

regularidade dos poços artesianos, exigindo a apresentação de outorga, sob pena de

lacramento, além de outras atividades, como audiências, reuniões, palestras, atendimentos.

Toda a problemática que envolva a comunidade de forma mediata ou imediata

perpassa pela análise do Ministério Público no papel que lhe cabe como defensor do povo,

a quem compete a apuração dos fatos, dos danos e o encaminhamento para o procedimento

adequado para cada conduta. Comprovada a conduta delituosa, o MP pode publicamente

apresentar suas razões e esclarecer a população dos fatos, conscientizando os demais

integrantes da sociedade sobre as condutas passíveis de punição.

3.4 Programas rádios/tevês/jornais

A preocupação com a questão ambiental e a divulgação das ações públicas e

privadas em defesa da natureza e da humanidade trouxeram mais uma variante para o

jornalismo, que sentiu a necessidade de se integrar na luta deflagrada em prol do meio,

dando uma contribuição a um público que não tem outra fonte de informação e

esclarecimentos. Além das campanhas publicitárias distribuídas pelos meios midiáticos,

programas específicos foram se criando e se desenvolvendo também no rádio, como uma

informação de massa. Encontram-se em Passo Fundo programas que se pautam pela

especificidade do tema veículos que utilizam pautas sobre a matéria em programas e

espaços isolados, mas igualmente propiciando a discussão, dando conta da presença e

atuação das ONGs locais.

Nos lugares onde as ONGs ambientalistas são mais atuantes e organizadas, o noticiário ambiental tende a ser mais freqüente devido ao trabalho dos ecologistas. No final de 1998, foi criada a Rede Brasileira de Jornalismo Ambiental, uma articulação eletrônica de mais de 270 profissionais especializados ou interessados no tema que atuam nas principais cidades brasileiras em veículos (jornais, revistas, rádios, redes de tv’s, Internet), assessorias de comunicação, universidades e entidades ligadas à ecologia.311

311 VILAS BOAS, Sérgio. Formação & informação ambiental: jornalismo para iniciados e leigos. São Paulo: Summus, 2004. p. 21.

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O jornalismo brasileiro ganhou um novo instrumento de trabalho, que facilitará as

investigações e o acesso aos problemas ambientais. A lei 10.650/2003, proposta pelo ex-

deputado Flávio Feldmann e sancionada pelo presidente Luis Inácio Lula da Silva, garante

acesso público aos dados ambientais, ficando as autoridades submetidas a fornecerem

informações aos jornalistas e a qualquer cidadão. Com isso, o volume de notícias

ambientais chegará à população de uma forma mais rápida e correta, propiciando

esclarecimentos sobre os riscos, saúde, catástrofes, contaminação, poluição, entre outros.

3.4.1 Rádio Uirapuru e o Programa Uirapuru Ecologia

Uma das primeiras emissoras nacionais de rádio a implantar um programa com fins

ecológicos foi a Rádio Uirapuru, em Passo Fundo, este surgido da necessidade de trabalhar

a educação ambiental junto à comunidade. Criou-se, então, um programa informativo que

orienta as pessoas a mudarem seus hábitos e atitudes para melhorar a qualidade de vida e

preservar o meio ambiente, pois a conservação dos recursos naturais deve ser permanente.

A população, tanto da cidade como do interior, precisa estar sempre alerta e ser

responsável por aquilo que contamina e destrói. A cidade de Passo Fundo é divisora de

águas do estado do Rio Grande do Sul, pois nela nascem o rio Jacuí e o rio Taquari,

responsáveis por 86% das águas do Guaíba. O rio Passo Fundo, juntamente com seus

afluentes, deságua na bacia do rio Uruguai. Portanto, a cidade e localidades vizinhas têm

uma importância primordial em qualquer projeto estadual sobre meio ambiente e ecologia.

Assim nasceu o Uirapuru Ecologia junto com os técnicos ambientalistas e responsáveis

pelo projeto Pró-Guaíba, que vislumbraram a necessidade preeminente de trabalhar, educar

e informar sobre as nascentes dos mananciais que abastecem o Guaíba.

Em 7 de abril de 2000, foi ao ar o primeiro programa numa parceria da Rádio

Uirapuru com o programa Pró-Guaíba. A parceria deu-se em face de a cidade ter em suas

terras a nascente-mãe do rio Jacuí, Taquari, além de ser uma região eminentemente

agrícola. Assim, o Pró-Guaíba passou a patrocinar o Uirapuru Ecologia e a Rádio

Uirapuru AM, por ser líder em audiência em toda a região. Em 2000, a Uirapuru era a

terceira rádio no Brasil a destinar um espaço para as questões ambientais; as outras eram a

Eldorado, em São Paulo, e a Guaíba, em Porto Alegre.

O programa Uirapuru Ecologia tem como tema de abertura a música "Súplica do

rio", de Paulinho Pires, e a pauta dos programas semanais é composta de assuntos do

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momento sugeridos pelos ouvintes, por grupos ecológicos de Passo Fundo e da região, bem

como pela própria Secretaria Estadual e Municipal do Meio Ambiente. Com a repercussão

e envolvimento da população e das mais variadas entidades, como o ambiente

universitário, o programa passou a ser pautado por ouvintes que contatam relatando

experiências e variadas sugestões. Incentiva, ainda, as escolas de Passo Fundo que

desenvolvem projetos de preservação do meio ambiente a se manifestarem na programação

relatando seus feitos. A partir de agora pretende também dar destaque às demais ações

desenvolvidas pelo governo do estado no que se refere ao meio ambiente, seja através de

entrevistas, seja de notícias e, até mesmo, da participação direta em feiras e eventos que

estejam de alguma maneira ligados à região.

O programa Uirapuru Ecologia, em dezembro de 2000, recebeu o 1º prêmio

Interamericano de Jornalismo Ambiental na categoria “Programa de Rádio” , dado pela

Associação Interamericana de Engenharia Sanitária e Ambiental, dentro da programação

do 27º Congresso Interamericano de Engenharia Sanitária e Ambiental, realizado em Porto

Alegre de 3 a 8 de dezembro. A entrega oficial do prêmio foi feita no dia 5 de dezembro,

no Teatro São Pedro, durante o evento. O Uirapuru Ecologia participou do prêmio com

dois programas: um sobre a qualidade da água e o outro sobre a importância dos banhados.

Entre os assuntos destacados no Uirapuru Ecologia estão os índios, crimes

ambientais, alimentação, agrotóxicos, banhados e nascentes, Código Florestal e reservas da

região, Dia Mundial do Meio Ambiente, lixo, água, árvores, queimadas, aproveitamento

integral dos alimentos, poluição, romaria das águas, problemas e soluções enérgicas e

incentivo e uso de energias alternativas, renováveis e ecológicas, águas de balneário, verão,

Companhia Ambiental, reflorestamento ambiental, cidades sustentáveis, Agenda 21, entre

outros.

O Uirapuru Ecologia sai dos estúdios da rádio para acompanhar eventos tais como

a Expointer, Fórum Social Mundial, além de outros realizados em Passo Fundo e na região,

como o programa Uirapuru Ecologia Especial do início da primavera, realizado na

avenida Sete de Setembro, na Feira de Produtos Ecológicos, no Museu Zoobotânico

Augusto Ruschi, da UPF, entre outros. Como um canal aberto, o programa tem recebido

denúncias e muitas informações de entidades e organizações que trabalham com as

questões ambientais, as quais são direcionadas para a solução pelas autoridades

competentes.

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3.4.2 Rádio Diário da Manhã – Por Falar Em Ecologia

Outra rádio da cidade que optou pela realização de um programa exclusivo para

tratar assuntos ambientais foi a Diário da Manhã. O programa Por falar em ecologia está

sendo veiculado desde maio de 2004 e tem uma hora de duração, sendo apresentado aos

sábados pela Rádio Diário da Manhã – AM 570 MHz, das 8h 10min às 9h 10min.

O programa tem como objetivo utilizar o espaço do rádio como meio para veicular

mensagens educativas sobre ecologia. Entretanto, como se sabe que o “meio é a

mensagem”, pretende que os próprios ouvintes comecem a participar do processo expondo

suas idéias e ações em prol da causa. Além disso, pretende dar maior espaço para as pautas

do meio ambiente, especialmente fazendo análises dos acontecimentos, fatos e notícias. A

expectativa é contribuir com a construção da “sociedade correta” ecologicamente falando.

A principal razão do surgimento do Por falar em ecologia foi o fato de a mídia

local não disponibilizar espaço suficiente para as opiniões e posições dos ambientalistas,

que, geralmente, são vistos como radicais, e também, para aproximar as práticas dos

objetivos. A educação é excelente companheira, e Por Falar em Ecologia é uma

proposição, uma proação, uma posição. A pauta, segundo os objetivos da rádio, pode ser

um acróstico daquilo que acredita um ideal:

I de incluir (todos, sem exceção); D de dialogar (impossível excluir o verbo como mecanismo de entendimento); E de educação (conhecimento para todos); A de ambiental (que é o holismo-dialético) L de Lançar (dar início, é uma afirmação, é ir à busca).

A partir do debate, os assuntos englobam infra-estrutura e integração regional,

gestão dos recursos naturais, redução das desigualdades, ciência e tecnologia para o

desenvolvimento sustentável em cidades e na agricultura, na melhoria da qualidade da vida

urbana e rural. A participação da comunidade ocorre através da presença de escolas em

entrevistas, de depoimentos de lideranças comunitárias, de participações ao telefone, entre

outros. Apesar de ser uma participação ainda tímida, pois o tempo de programa é pequeno

para priorizar mais a participação do ouvinte, permite pensar nos temas tratados. Pelos sete

meses de programa, já se observa um bom entrosamento do público com a equipe,

constituindo o maior prêmio recebido a possibilidade de estar no ar prestando um serviço

ao público.

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O programa tem feito inúmeros acompanhamentos de eventos, com boletins diretos

dos vários locais, dos quais se citam o V Fórum Brasileiro de Educação Ambiental –

Goiânia; entrevista com a Diretoria da Agenda 21 Brasileira – Brasília; discussão sobre

legislação ambiental com o parlamentar Carlos Minc ambientalista do Rio de Janeiro;

trabalho de campo do curso de Geografia da Universidade de Passo Fundo – “Turismo

ecológico” – Palmeira das Missões; acompanhamento de acontecimentos nos bairros da

cidade de Passo Fundo. Para um programa que está há poucos meses no ar, já desfruta de

uma condição de credibilidade importante, assumindo um espaço nas discussões da

comunidade e seus agentes.

3.4.3 Jornal Via Eco

O jornal Via Eco é o primeiro do gênero com publicação eminentemente

ambientalista. Publicação sem fins lucrativos que circula gratuitamente na cidade e na

região, com uma tiragem de dez mil exemplares, tem por escopo o processo

conscientizatório da comunidade acerca da questão ambiental. Já em seu segundo ano de

atividades, com nove edições em circulação, permite vislumbrar o reconhecimento pelo

trabalho desenvolvido, auxiliando na educação ambiental nas escolas e contribuindo para

uma visão diferente da relação do homem com o meio que vive, de valorização da natureza

no sentido da harmonia, não do confronto, da preservação, não da destruição. Estabeleceu

sólidas parcerias com os setores públicos e privados que confiaram no trabalho, permitindo

o aprimoramento gradativo das edições e das ações adotadas e noticiadas.

3.4.4 Campanhas publicitárias e de conscientização

Nas ações humanas nem sempre está presente o elemento volitivo do dano ou a

consciência da prática pelo agente, mas igualmente ocorre o resultado (dano). As

campanhas publicitárias de larga escala nos vários meios midiáticos traduzem, de forma

simples, o conhecimento das legislações e das punições nos mais longíqüos recantos por

um ou outro meio de publicidade, sem o hermetismo que impede à grande maioria de

brasileiros o entendimento do texto legal e seus restritivos. São campanhas novas ou

cíclicas cuja veiculação invade o consciente coletivo implantando objetivos e metas,

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utilizando signos que se perpetuam. Já trouxeram questões como o racionamento de

energia, cuidados com a água, entre outras, com o que parcerias público-privadas

aconteceram com o mesmo intento: conscientizar a população da finitude dos recursos

naturais.

Para exemplificar, cita-se uma campanha nacional já veiculada e que retorna à

pauta pelo terceiro ano em cartaz, rádio e televisão e outros meios de divulgação, contra os

agrotóxicos ilegais, realizada por iniciativa do Sindicato Nacional da Indústria de Produtos

para Defesa Agrícola (Sindag) e da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos

Agrícolas e Veterinários (Andav). Com o tema “Agrotóxico ilegal só causa perda e

destruição” , alerta sobre as conseqüências a que se sujeitam agricultores e revendedores

envolvidos com os produtos ilegais, como prisão, interdição de lavouras, prejuízos

financeiros, morais e materiais.

A campanha abrange ainda as formas de reconhecimento e denúncias dos produtos

ilegais, assim como alerta que a venda e o uso de agrotóxicos ilegais configuram crime

ambiental de acordo com a lei 9605, de 12 de fevereiro de 1998, pela qual os infratores

estão sujeitos a multas de até R$ 1 milhão. Além disso, o prejuízo causado pela

movimentação de agrotóxicos ilegais no Brasil chega a US$ 30 milhões por ano, segundo o

Sindag e a Andav:312

O contexto inserido pelo conhecimento da ilicitude nas ações mais simples

proporciona a motivação para a reprovação das condutas e sua repressão através das

denúncias. O balanço dos dois primeiros anos foi positivo visto que, até março de 2004,

quatro toneladas de agrotóxicos ilegais foram apreendidas pelas autoridades nas principais

regiões agrícolas do Brasil. Também foram registradas mais de três mil chamadas para o

disque – denúncia. As políticas repressivas efetivas geram novas denúncias na medida em

que o homem não suporta ter um encargo econômico para agir de forma lícita e ver

coroado de êxito quem enriquece utilizando-se de subterfúgios fraudulentos e ardilosos. A

condição de valores éticos intrínsecos é uma característica do ser humano.

312 Como reconhecer agrotóxicos ilegais: O idioma utilizado nos rótulos dos produtos é, na maioria dos casos, o espanhol. As embalagens são do tipo sacos plásticos, metalizados ou caixas de papel cartão, com peso líquido aproximado de 10 gramas a 200 gramas; As culturas mais visadas são soja, trigo e arroz. Produtos visados pelas quadrilhas: Agruron, Callimuron, Chloryl, Clorimuron, Clorimusol, Clotyl, Clorinor, Flash, Herbex, Huron, Herbimet, Koan, Parisud, Metsulfuron Agrotec, Sinochem Hebei, Meturon, Naok, Poker, Spin 25 e Terriz.; Denúncias podem ser feitas pelo telefone 0800-940-7030. A ligação é gratuita e o denunciante tem sua identidade preservada. Fontes: Sindag e Andav publicado no Caderno Campo e Lavoura de ZH.

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Refletindo sobre este estudo e, especialmente, sobre as ações prevencionistas

existentes em Passo Fundo e na região Norte do Rio Grande do Sul, percebem-se alguns

detalhes que podem embasar a análise, como o fato de que qualquer pessoa, ligada a um

grupo ou não, possui uma ideologia. O homem é um ser pensante, portanto é um ser

ideológico, e a história não é, nem nunca foi neutra ou imparcial. De acordo com Sandra

Jatahy Pesavento, “a história não pode, pois, ser neutra, mas é constituída a partir da

ideologia, que corresponde a determinados interesses de classe, com seus valores

específicos” .313

Com esse fim, as ciências históricas e jurídicas estão diretamente implicadas na

análise proposta, por terem a visão dos atos e condutas que foram, ao longo do tempo,

criminalizados, efetivados pela devastação em todas as suas formas, quer direta, quer

indiretamente. Pode-se dizer ainda que o tema proposto, atualmente, tem sido objeto de

reflexão importante na movimentação de várias disciplinas, tais como geografia, biologia,

física, filosofia, e deve, por isso, representar para a história um ponto de vista interessante,

tanto no que concerne ao diálogo interdisciplinar quanto ao estabelecimento de um olhar

crítico voltado para própria disciplina.

É pertinente ainda destacar a importância de se conhecer historicamente as práticas

e condutas nas épocas respectivas no concernente ao meio natural e sua conservação,

enfocando-se a subordinação da sociedade ao poder do Estado e a conscientização dos

cidadãos para a causa. A elucidação da evolução histórica da consciência da preservação

do ambiente para homens e animais através dos tempos trará benefícios, uma vez que,

buscando o passado, têm-se condições de fazer uma previsão dos resultados subjetivos

para a contextualização da matéria em outras áreas do conhecimento no momento atual e

visualização de possibilidades para o futuro. Analisar o surgimento dos regramentos, a

aplicação das leis e modos de proteção do meio ambiente, em contraponto com a atuação

do Estado e sua postura atual, pode ser uma resposta para a violação e agressão da natureza

na sua forma genérica.

Essas mudanças comportamentais têm seus reflexos no ordenamento jurídico

brasileiro com o agravamento e a modificação das punições, a reprovação social pela

destruição do natural, enquanto meio de sobrevivência e qualidade de vida. Isso se dá pela

313 PESAVENTO, Sandra Jatahy. Historiografia e ideologia. In: DACANAL, José Hildebrando; GONZAGA, Sergius (Org.). RS: cultura e ideologia. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 62.

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contraposição ao desenvolvimento econômico e aos fins do capitalismo, cujos reflexos são

a destruição, a alteração de hábitos, de higidez, do trabalho.

A modernidade, como paradigma da ciência, desenvolve-se pela análise das

particularidades, produzindo o conhecimento histórico na seara do debate contemporâneo

pela chamada “crise da modernidade”. A observação dessa realidade se dá-se a partir do

deslocamento do sujeito das proposições tradicionais, permitindo o estudo diverso dos

limites e possibilidades da nova condição da história e suas estruturas dentro das recentes

tendências e da plausibilidade científica que a produção do seu conhecimento implica.

O pensamento histórico e historiográfico sofreu mudanças significativas nas

décadas de 1970 e 1980, delineando uma nova fase do desenvolvimento teórico-

metodológico para os processos de reconstrução do passado, fustigando o debate nos

vários níveis e trazendo o homem para o foco da história pelo processo de

“antropologização”.314 O ser humano está inserido no mundo e dele participa em interação

entre ato e potência visando a um fim ou ao bem comum que é para todos

(universalmente), ao mesmo tempo que será de fruição individual, ou seja, para cada um,

em reciprocidade. É a dialética da parte e do todo (holística) do mundo histórico

(sociedade) e humano (natureza física), que, na teoria tomista (ação humana), busca a

felicidade (ética e virtude) possível e natural, segundo os parâmetros da liberdade e das

necessidades na vida humana, de forma otimista e afirmativa315.

Essas mudanças intensificaram, também, as manifestações em defesa do meio

ambiente, o que, neste recorte temporal (1930-2004), pode ser visto através da literatura e

das organizações criadas com esse fim, como se viu nos relatos das entidades

prevencionistas de Passo Fundo. Essas entidades fazem parte, no cotidiano das suas ações,

dos legados da ciência e da natureza; fazem a história que gostariam de legar às futuras

gerações; são, portanto, importantes na contribuição que oferecem, voluntariamente, à

constituição histórica das ciências humanas. São posicionadas científico-ideologicamente

na condição política que fará surgir o novo sujeito, com o compromisso de falar a

linguagem da garantia da sua própria sobrevivência na face da Terra e de agir

coerentemente com a ciência e o equilíbrio: o bom senso.

314 DIEHL, Astor Antônio. Do método histórico. 2. ed. Passo Fundo: Ediupf, 2001. p. 15. 315 LOPES, J. R. L. O direito na história: lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000. p. 144-153.

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O objeto das ciências humanas não é, pois, a linguagem (falada, contudo, apenas dos homens), mas, sim, esse ser que, do interior da linguagem pela qual está cercado, se representa, ao falar, ao sentido das palavras ou das proposições que enuncia e se dá, finalmente, a representação da própria linguagem. Vê-se que as ciências humanas não são uma analise do que o homem é por natureza; são antes uma analise que se estende entre o que o homem e em sua positividade (ser que vive, trabalha, fala) e o que permite a esse mesmo ser saber (ou buscar saber) o que é a vida, em que consistem a essência do trabalho e suas leis, e de que modo ele pode falar. As ciências humanas ocupam, pois, essa distância que separa (não sem uni-las) a biologia, a economia, a filologia daquilo que lhes dá possibilidade no ser mesmo do homem.316

As ONGs e INGs referenciadas convivem, ainda, com a dinâmica e a

funcionalidade do poder no contexto da sociedade; exercem suas tarefas e exercitam o

poder mesmo que de forma diferente do Estado, mas estão com ele articuladas, pois isso é

indispensável à sua sustentação e atuação eficaz. À medida que o poder não está localizado

exclusivamente no aparelho de Estado, mas perpassa-o e complementa-o, sabe-se que nada

mudará na sociedade se os mecanismos de poder que funcionam fora, abaixo e ao lado

desse aparelho não forem modificados.

316 FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1985. p. 370.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A temática desenvolvida nesta pesquisa comporta uma preocupação social para

com o problema do meio ambiente na região Norte do estado do Rio Grande do Sul, mais

precisamente em Passo Fundo, onde foram colhidos dados sobre o processo sócio-histórico

e suas implicações nas várias esferas da sociedade que refletem o trabalho comunitário das

entidades desenvolvido em benefício do cidadão como forma de conservação da qualidade

do meio natural.

Ao elaborar esta dissertação, teve-se o cuidado de elencar os propósitos que

formaram a pauta essencial do que se pretendia explorar para dar resposta à problemática e

cumprir os objetivos. Assim, fez-se uma retrospectiva histórica sobre a questão ambiental

no norte do Rio Grande do Sul, apontando as práticas através da localização das ONGs e

INGs que batalham incansavelmente para mudar as condutas depredatórias, conscientes ou

inconscientes, para conscientizar a população sobre formas de evitar o caos a que se

chegará se não forem respeitados os mínimos princípios de conservação ambiental.

O objetivo principal, de esclarecer sobre o momento da eclosão da consciência

preservacionista e as reações sociais adotadas a partir da constatação da relação do homem

com a natureza pela necessidade de melhor qualidade de vida, e conjugado, na análise,

com os riscos que o progresso traz, com bônus e ônus. Várias são as áreas do

conhecimento que interagem no mecanismo da construção social da nova mentalidade,

com inovadoras fórmulas e práticas a serem observadas em consonância com a legislação

específica nos respectivos momentos históricos.

No primeiro capítulo, fez-se uma abordagem sobre alguns aspectos que marcaram a

evolução histórica do pensamento prevencionista e da legislação brasileira, sua aplicação e

regramentos; também se teve a preocupação de enlaçar o direito com as circunstâncias

históricas, conferindo aí que o estudo sobre meio ambiente encontra-se fortemente

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vinculado às expressões legais que existem para assegurar a defesa ambiental. A ligação da

história ao direito evidenciou que ambas as áreas se socorrem na busca da evolução e da

atualização dos seus conceitos pelo estudo dos vários institutos em contextualização com

momentos histórico-político-jurídico-sociais pelos quais passou a humanidade. Em

resumo, no primeiro capítulo foi delineada a problemática da história e do direito, com

enfoque na legislação atual e antiga, suas respectivas inter-relações, e estudado o espaço e

as conseqüências sofridas pela alteração dessa paisagem.

No segundo capítulo, o foco da temática fixou-se nas relações que se firmam entre

a história e o direito, visualizando a legislação brasileira atual e aquela que no passado

regrou o direito, responsável pela mudança da paisagem causada pelo desmatamento para o

cultivo agrícola ou para a construção do espaço urbano; que causou danos à qualidade dos

recursos naturais e extinção de muitas espécies de animais silvestres, os quais perderam

seu habitat e tornaram-se presas fáceis para o deleite dos homens. O comércio de peles e

couros prolongou-se por muitos anos, dando conta do volume e da normalidade da conduta

que vitimou a fauna local e regional.

Em Passo Fundo, um dos fatores que mais agridem e poluem a natureza é a falta de

organização do saneamento básico, que fica muito aquém da realidade do município. Os

dejetos industriais, agrícolas e, mesmo, domésticos lançados na natureza sem qualquer

tratamento, acabam por contaminar o rio Passo Fundo e seus afluentes. O risco à vida dos

animais aquáticos já é tão visível que a piracema está praticamente comprometida pela

construção de uma rampa fora dos moldes exigidos para garantir a realização do fenômeno.

Esta, inclusive, está sendo objeto de preocupação da UPF para que seja encontrada uma

solução, uma vez que há também a expectativa com relação à melhoria dos locais, como a

arroio Miranda, a barragem do rio Passo Fundo e a barragem da Fazenda da Brigada

Militar, que garantem a captação da água utilizada no município. Nesse tópico, buscou-se a

interação história-direito apresentando-se os avanços da Constituição Federal de 1988,

assim como da Lei dos Crimes Ambientais (lei 9.605/98). Foi importante para este estudo

somar conhecimentos através da leitura e da interpretação da primeira Lei de Terras no

Brasil – lei 601/1850.

No terceiro capítulo, aproveitando-se dos resultados da IV Semana Municipal do

Meio Ambiente, expuseram-se informações sobre a ação das entidades que atuam

concretamente na defesa e proteção do meio ambiente, fazendo eclodir a consciência

preservacionista e evoluindo na medida em que as mudanças culturais começam a ser

sentidas, assim como a necessidade de salvaguardar a vida.

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Muitos movimentos pró-defesa do meio ambiente têm surgido em Passo Fundo e na

região, alguns já reconhecidos como entidades que criaram raízes e têm participação

marcante nos movimentos socioambientais. Esses realizam projetos de conscientização

popular e acionam os poderes públicos instituídos para tomarem as providências

necessárias para solucionar a demanda de problemas ambientais que surgem, via de regra,

pela ação humana.

O Cetap preocupa-se com a agricultura ecológica e suas ações envolvem a

orientação a famílias para melhorar sementes, multiplicando a consciência da agricultura

sustentável. Além disso, presta apoio nos locais de assentamentos e assessora as famílias

na composição de trabalho e renda. Seu trabalho não se destina apenas à região, pois

participa de eventos e faz visitas a outros países, intercambiando experiências.

O trabalho do Grupo Ecológico Sentinela dos Pampas é por demais conhecido na

comunidade passo-fundense, por ter importante inserção em conselhos e comissões

comunitários, assim como apóia programas institucionais que visam minorar as

dificuldades da população carente. O grupo tem vários projetos em andamento, como pôde

ser visto no último capítulo deste estudo, todos de alta relevância para a região. É, ainda,

um alerta presente nos casos de denúncias públicas, fiscalizando a ação dos poderes

instituídos no que toca à superação dos malefícios causados pela ação predatória.

O Grupo Ecológico Guardiões da Vida busca o desenvolvimento sustentável

através da conscientização. Como os demais, participa ativamente da vida comunitária,

dedica-se à educação ambiental, fazendo palestras em escolas, feiras; por diferentes formas

conscientiza a população sobre a importância de gestionar junto aos poderes públicos para

obter projetos de políticas públicas que garantirão um meio ambiente saudável e

sustentável. Uma das suas mais importantes lutas recentes foi a proibição da capina

química nas ruas de Passo Fundo.

O Prana - Associação Ambientalista é uma associação de um homem só, que vem

apresentando um interessante projeto de transformação de uma área ocupada por empresas

que margeiam o rio Passo Fundo, para que ali se instale um gestor ambiental. A atitude do

Prana não é isolada; há outras pessoas da comunidade que se dedicam, independentemente

de organização grupal, a trabalhar pela qualidade do meio ambiente. Um dos exemplos

mais concretos é uma vida inteira de contribuições aos movimentos dessa área é de um

médico, que faz da profissão um meio de conscientizar sobre a conservação das riquezas

naturais.

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O Psiu preocupa-se com a poluição sonora, tendo entre seus êxitos a conquista do

“Dia Municipal do Silêncio” (9 de outubro), quando se congrega com outras organizações

para realizar atividades de conscientização e informação sobre os problemas causados por

excesso de ruídos não pertinentes à saúde auditiva.

Além das organizações não governamentais, esta pesquisa colheu informações

sobre a atuação de órgãos públicos, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente,

Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Ministério Público do Estado do Rio Grande do

Sul - 1ª Promotoria de Justiça Especializada. Também um notável trabalho sobre ecologia

vem sendo feito pelas rádios Uirapuru e Diário da Manhã, que, além da preocupação em

passar princípios ambientalistas educativos em toda a programação, ainda instituíram

programas especiais que chegam com facilidade à população pela linguagem acessível e

atrativa com que comunicam. Além das rádios, cumpre missão semelhante o jornal Via

Eco.

Salienta-se a pertinência de uma retrospectiva histórica dessas organizações na

forma de memória oral para que se garanta a história do nosso cotidiano na esfera

ambiental e, no futuro, possa-se averiguar as ações e seus resultados para a sociedade.

As campanhas nos meios midiáticos de comunicação iniciaram-se há muitos anos,

como já referido “A instrução é a maior e a melhor das heranças” , demonstrando a

preocupação da região com a conscientização, a preservação e a educação. Muitas

campanhas ainda são utilizadas como meio de atingir ao povo com o mesmo objetivo

elucidativo dos perigos e riscos que a destruição desordenada dos recursos naturais

representa para a própria humanidade. Programas de rádio, televisão e jornal, igualmente,

mobilizam-se na conscientização da complexa engrenagem ecológica.

Para se entender as complexidades existenciais de ONGs e INGs junto às

instituições públicas, é necessário que se debata sobre o papel do Estado, pois na

democracia não se configura como o ponto inicial necessário, o foco absoluto, o lócus. Foi

fora dos limites do Estado e de seus aparelhos que se instituíram as relações de poder, que,

com tecnologias específicas e relativamente autônomas, foram apropriadas e utilizadas por

formas mais gerais de dominação concentradas no aparelho estatal. No caso das

organizações não governamentais existentes em Passo Fundo e que defendem o meio

ambiente na região Norte do Rio Grande do Sul, vê-se que são agrupamentos humanos

permeados por relações de poder uma vez que os pressupostos básicos para manifestações

desse tipo são as relações pertinentes à vida social, ao convívio, ao cotidiano. No âmbito

dessa compreensão, o Estado passa a perder a condição soberana que faz a análise político-

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jurídica que sempre lhe foi reservada. O Estado, no topo dessa compreensão, não possui a

prerrogativa de ser o centro único e preponderante das relações de poder, porque é preciso

considerar que o fenômeno da dominação, com as várias faces do poder que lhe são

imanentes, antecede o próprio Estado.

Deve-se abandonar qualquer padrão centralizador, isto é, o poder não deve ser

entendido como essencialmente originário de um órgão central e absoluto. Assim deve-se,

pois, compreender essa nova dinâmica das relações de poder tendo como pressuposto a

idéia de que há inúmeros focos de poder que permeiam todo o corpo social, tais como o

Estado, a prisão, o hospital, a fábrica, a família, os sindicatos, as igrejas, os partidos

políticos, as universidades, enfim, todos esses locais constituem microespaços

institucionais em que as relações de poder se manifestam e se efetivam nas suas várias

formas.

Os poderes exercem-se em níveis variados, com certa autonomia e em pontos

diferentes da rede social, isto é, os micropoderes existem integrados ou não ao Estado, e

essa relativa independência ou autonomia significa que as transformações em nível capilar,

minúsculo, do poder não estão, obrigatoriamente, ligadas às mudanças efetivadas no

âmbito do Estado.

O Brasil não trabalha com estratégias que permitam o crescimento sem danos ao

ambiente. Para ilustrar, vale lembrar que, na China, as empresas automobilísticas calculam

que cada pessoa que tenha uma renda de U$ 4 mil por ano é um potencial comprador de

automóveis. Lá teria sucesso certo qualquer empresa automobilística pelo mercado de

muitos milhões de pessoas, todavia fábricas de automóveis baseadas em motores de

combustão interna ou combustível fóssil não são autorizadas nem bem-vindas.317 Em

oposição, o Brasil clama para que empresas de qualquer natureza venham aqui se instalar,

dando todas as condições para que o progresso econômico ocorra, sem observar a

deterioração social a que pode dar causa. É a falta de estratégias e de políticas públicas que

tenham uma concepção de sociedade hígida, posto que o tempo é quem dirá das efetivas

conseqüências das medidas adotadas sem prévia análise de riscos.

Essa busca pelo progresso e o desenvolvimento como propulsores da conformação

social gera o conflito entre a ciência e seus agentes, sejam cientistas, filósofos,

historiadores, literatos, técnicos ou qualquer homem do povo. As áreas do conhecimento

integram-se para identificar o lugar da ecologia ou das ciências que visam à proteção ou ao

317 SEMINÁRIO NACIONAL SOBRE DESASTRES AMBIENTAIS. 2000: Curitiba, PR. Desastres Ambientais/Seminário, realizado em 7 e 8 de novembro de 2000. Brasília: O CONFEA. 2001, p. 384.

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estancamento do uso desenfreado dos meios naturais, provocando todo tipo de discussão e

estudos. A educação será sempre a forma de evitar ou resolver uma série de problemas,

dentre os quais os políticos, que têm como último julgamento nas urnas.

A problemática dos países subdesenvolvidos ainda perquire atenção para a fome, as

doenças, a discriminação, entre outras, que não podem ser esquecidas. Felizmente, já se

observa uma mobilização em torno das causas sociais, denotando uma consciência para

recepcionar, de alguma forma, as diferenças e dificuldades. A integração social dos

deficientes, dos doentes, dos negros, mulheres etc., que antes eram tratados como inúteis e

hoje são forças vivas da sociedade organizada, é prova da mudança atitudinal social

alcançada da nos últimos anos, como se demonstrou pelo expressivo número de pessoas

participantes das ONGs no mundo que se ocupam em proporcionar uma melhor qualidade

de vida à humanidade.

A dificuldade de se organizar natureza e sociedade repousa no fato de que, nos

conceitos sociais ocidentais, elas se excluem, ou seja, as ciências da natureza e as ciências

do homem são dois mundos diferentes que não se comunicam.318 Assim, como

compatibilizar o crescimento econômico com a sustentabilidade? Certamente, mediante o

emprego de políticas públicas adequadas, com medidas integradoras, com fiscalização

rigorosa da execução dos projetos e com participação ativa da sociedade civil valorizando

e conservando as diferenças regionais nas várias concepções.

Um dos efeitos nefastos do modelo de crescimento extensivo adotado pelo Brasil e

que agora dá sinais dos danos já efetivados ao meio deve ser dimensionado e calculado

com o controle do risco e as implicações, conhecidas ou não, que a devastação pode causar

ao planeta. A produção agrícola não é a única culpada pelo processo de degradação e do

desmatamento, mas deve ser observada. O Estado deve limitar o estímulo para atividades

poluentes ou predatórias e redirecionar interesses para projetos que visem ao

desenvolvimento sustentável com uma agricultura consciente, capaz de alimentar o mundo

sem retirar a expectativa de uma vida digna para a sociedade, com um bom índice de

desenvolvimento humano (IDH), com projetos turísticos, paisagísticos, entre outros,

atentando para as peculiaridades de cada uma das regiões e suas exuberâncias.

O Brasil, em termos de qualidade de vida, segundo dados do relatório de 1999 do

Programa das Nações Unidas que estabeleceu a classificação de 174 países, ficou em 79º.

lugar e classificado entre os países de médio desenvolvimento humano. A avaliação do

318 GONÇALVES, op. cit., p. 140.

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IDH leva em consideração três fatores, quais sejam, educação (alfabetização e taxa de

matrícula), saúde (esperança de vida ao nascer) e renda (PIB).

Segundo a análise, embora tenha havido uma modificação na qualidade de vida dos

brasileiros, a alteração nos fatores de medição teriam sido a causa do rebaixamento para o

nível médio. A qualidade de vida é um termo originário da medicina e abrangia apenas das

condições dos recém-nascidos, mas sua aplicação foi se estendendo para outros fins, para a

psicologia da saúde, hospitalar, da psicoterapia e medicina comportamental. O termo

alcançou também a qualidade de vida ambiental, a psicologia ambiental, gerando muitos

estudos e discussões.319

O planejamento ambiental é uma alternativa capaz de mitigar as conseqüências e de

recuperar uma condição de vida mais adequada para esta e para as próximas gerações,

como um esforço conjunto na direção da preservação. Desde a Pré-História, o homem

causa danos à natureza, todavia, devido a sua prática itinerante, permitia-se a recuperação

do meio até que outro grupo voltasse para o mesmo local.320

A palavra “planejamento” carrega o sentido semântico de empreendimento, de

projeto, de sonho ou intenção de fazer algo para transformar uma situação estabelecida.

Assim também o é o planejamento ambiental, que parte do princípio da valoração e

conservação das bases naturais de um determinado território, considerando as interações e

relações, visando à auto-sustentação e à capacidade dos ecossistemas.321 Segundo Maria

de Assunção Ribeiro Franco, o planejamento ambiental pressupõe três princípios de ação

humana sobre os ecossistemas que podem ser combinados: da preservação, da recuperação

e da conservação.322

Destarte, uma metodologia é necessária para um planejamento ambiental eficiente

para a construção de novos cenários ambientais porque a ação humana (antrópica) sofre

influências socioculturais, econômicas, políticas, entre outras, dentro de um Estado

democrático. O processo de conscientização para a questão ambiental passa,

obrigatoriamente, pela educação em suas várias esferas para alcançar a todos

indistintamente.

No contexto da obrigatoriedade da educação ambiental no ensino formal, destaca-se

que a educação ambiental deverá ser desenvolvida como uma prática educativa integrada,

319 BOLLMAN, Harry Alberto. Indicadores ambientais: conceitos e aplicações. (Orgs.). Nilson Borlina Maia, Henry Lesjak Martos, Walter Barrella. São Paulo: EDUC/COMPED/INEP, 2001. p. 48-49. 320 FRANCO. Maria de Assunção Ribeiro. Planejamento ambiental para a cidade sustentável. São Paulo: Annablume: FAPESP, 2001. p. 34. 321 Ibid., p. 35.

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contínua e permanente em todos os níveis e modalidades do ensino formal. Ainda no

mesmo âmbito da educação ambiental formal, destaca-se que o decreto n.º 4.281/02

estabelece, em seu artigo 6º, I, que deverão ser criados, mantidos e implementados, sem

prejuízo de outras ações, programas de educação integrados em todos os níveis e

modalidades de ensino, com a integração da educação ambiental às disciplinas, com a

adequação dos programas já vigentes de formação continuada de educadores.

No que se refere à educação ambiental não-formal, constante do artigo 13 da lei n.º

9.795/99, enquanto conjunto de ações e práticas educativas voltadas à sensibilização da

coletividade sobre as questões ambientais e à sua organização e participação na defesa da

qualidade do meio ambiente, vale ressaltar que compete ao poder público (federal, estadual

e municipal), como parte do processo educativo mais amplo e partindo do princípio de que

todos têm direito à educação ambiental, incentivar a ampla participação da escola, da

universidade e de organizações não governamentais na formulação e execução de

programas e atividades educacionais do ambiente.

Para tanto, há necessidade de definição de políticas públicas que incorporem a

dimensão da problemática ambiental, com a intervenção dos órgãos e entidades integrantes

do Sistema Nacional de Meio Ambiente (Sisnama), Conselho Nacional de Meio Ambiente

(Conama), do Conselho Nacional de Educação (CNE), de instituições educacionais

públicas e privadas, de órgãos públicos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios,

de entidades não governamentais, de entidades de classe, veículos de comunicação e

demais segmentos da sociedade, com a fiscalização do poder público.323

As escolas, de uma maneira geral começam a se conta da preocupação ambiental e

já se denota nos alunos a conscientização de um desenvolvimento garantido e

ecologicamente sustentável, incentivando a análise da questão e a produção literária acerca

do assunto:

Preciso de pão, de chão, de certidão, preciso de saúde, família e educação: deixe-me respirar, existir e ter esperança porque sou criança. Danimar de Castro de Jaboticaba (13 anos) em ZH 12/09/2004. p. 44. Vencedor do concurso de frases nas escolas.

Bem evidente a preocupação do aluno Danimar de Castro, vencedor do concurso de

frases nas escolas, que, mesmo com a liberdade de escolha do assunto, fez uma abordagem

322 FRANCO, op. cit., p. 36. 323 Idem, p. 37.

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racional e direcionada da sua indignação: quer pão, chão, saúde, família e educação, quer,

enfim, respirar e existir.

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