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UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTES O VALOR DOS OBJETOS: UM ESTUDO DA CULTURA MATERIAL A PARTIR DE MOMENTOS DE RUTURA NA EVOLUÇÃO DO DESIGN Ricardo Afonso da Silva Meneses de Vasconcelos Mestrado em Design de Equipamento | Estudos de Design Dissertação orientada pela Professora Doutora Isabel Dâmaso 2012

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE BELAS-ARTES

O VALOR DOS OBJETOS: UM ESTUDO DA CULTURA

MATERIAL A PARTIR DE MOMENTOS DE RUTURA NA

EVOLUÇÃO DO DESIGN

Ricardo Afonso da Silva Meneses de Vasconcelos

Mestrado em Design de Equipamento | Estudos de Design

Dissertação orientada pela Professora Doutora Isabel Dâmaso

2012

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Resumo

Este estudo centra-se na dinâmica relacional que o homem criou e continua a criar

com os objetos. Uma relação ao nível prático, segundo a convicção de que a

funcionalidade é a causa fundamental para empreender o esforço de inventar algo que

sirva para resolver os inúmeros problemas com que se vai deparando ao longo da sua

evolução. A sociedade, tal como a conhecemos não seria possível sem objetos, e é

exatamente essa interação entre o homem e o mundo, material, composto de artefactos,

que é aqui analisada. Para além do valor funcional, do uso que serve a sua existência, o

objeto também serve outros propósitos, outras funções. Torna-se na memória, na

representação de algo, de um momento, de uma época. Quando isso acontece, passa

igualmente a contribuir para o pensamento.

Neste trabalho será pois analisada essa relação a partir da Revolução Industrial,

momento escolhido para representar o início de um pensamento de projeto em relação

ao design. Serão igualmente localizados e definidos momentos paradigmáticos em que

essa relação não só é clara, como representa ruturas significativas em relação a

discursos anteriores. Por outro lado, este trabalho inicia-se geograficamente em

Inglaterra por ser considerado o local e o início cronológico que interessa desenvolver

no objeto de estudo, expandindo posteriormente aos Estados Unidos da América e

subsequentemente pelo resto do mundo, desde aquele período até à atualidade. A

narrativa foca-se em momentos específicos que sirvam para ilustrar os instrumentos e

os mecanismos que aí nascem e se desenvolvem para melhor promover o design e a

cultura material. Dos círculos artísticos às publicações especializadas, passando pelos

principais protagonistas que, à frente das várias instituições museológicas e de ensino,

ou independentemente de circuitos organizados, mais contribuíram para a definição e

evolução de uma cultura de design.

Palavras-chave

Design; Estudos de Design; Cultura Material; Relação Homem-Objeto; Atribuição

de Valor

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Abstract

This study is centered in the relational dynamics that man creates with the objects

around him. A practical relationship, in the conviction that functionality is the main

reason to establish the effort of inventing something that resolves the endless problems

that man will encounter along its own evolution. Society as we know it, wouldn’t be

possible without objects, and it’s exactly that relationship between man and the material

world, made of artifacts, that will be analyzed here. Besides the functional value, the use

that serves its own existence, objects also serve other purposes, other functions. It

becomes the memory, the representation of something, of a moment, of an era. When

that happens, it becomes also the contribution to a way of thinking.

This work will analyze this relation, starting in the Industrial Revolution, moment

chosen to represent the beginning of a way of understanding the project, relating to

design. Paradigmatic moments will be also located and defined, when this relation is not

only clear, but also represents significant ruptures with any previous discourses.

On the other hand, this work will begin in England, because this is the most interesting

place and period to begin with, expanding after to the United States of America and

subsequently to the rest of the world, from that time to the present moment. The

narrative will focus in specific moments that will serve better to illustrate the

instruments and mechanisms that were born and developed to better promote design and

material culture. From the artistic circles to the publishing of specialized magazines, to

the main protagonists that, heading museums or scholar institutions, or independently

from any organized circuits, were pivotal in the definition and evolution of the culture

of design.

Keywords

Design; Design Studies; Material Culture; Relation Man-Object; Value Attribution

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Agradecimentos

A Professora Doutora Isabel Dâmaso, Orientadora da presente dissertação, por toda

a disponibilidade e interesse despendidos.

Os Professores Doutores Paulo Parra e Inês Secca Ruivo por, um dia, há alguns

anos atrás, me terem desafiado a empreender esta aventura.

A minha Mãe, por tudo, sempre.

O Nuno Morgado e a Joana Vasconcelos, por tudo, sempre, também.

A Helena Amaral, pela paciência e ajuda.

O meu colega e amigo Tiago Russo, pela paciência e ajuda.

O meu cão Montana, que esteve sempre a olhar para e por mim, ao longo de todo

este processo.

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Dedicatória

Dedico este trabalho à memória do meu Pai, Rodrigo Claro de

Albuquerque Meneses de Vasconcelos

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“Todas as verdades são fáceis de compreender quando

são descobertas. O objetivo é descobri-las.”

Galileu

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Índice

I. Introdução 14

II. Um novo paradigma de modernidade:

O olhar sobre os objetos a partir da Revolução Industrial 20

II.I. Da sociedade rural à sociedade industrial 20

II.I.I. O caso Inglês 24

II.I.I.I. Os Pré-Rafaelitas e a invenção dos círculos literários e artísticos

como forma organizada de criação e disseminação de pensamento 28

II.I.I.II. John Ruskin e a influência sobre William Morris na origem do

movimento Arts and Crafts 29

II.I.I.II.I. O legado do movimento de William Morris 34

II.I.I.III. As instituições incontornáveis na sistematização e catalogação

do conhecimento da cultura material 35

II.II. A aventura Norte-Americana 39

II.II.I. Adirondack, a versão selvagem do espírito Arts and Crafts 41

III. A chegada da sociedade de consumo, um percurso irregular 46

IV. A América na vanguarda da modernidade 50

IV.I. As vanguardas Europeias e a diferente realidade Americana 50

IV.II. Os refugiados Europeus e o papel de Harvard na transformação

cultural dos Estados Unidos na vanguarda da modernidade 53

IV.II.I. Eliot Noyes, um aluno de Harvard 56

IV.III. O MoMA e a transformação da cultura material nos EUA 59

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IV.IV. Eliot Noyes, o curador de duas exposições revolucionárias na

valorização dos objetos 61

IV.IV.I. Objetos americanos por menos de dez dólares 61

IV.IV.II. Concurso e exposição do design orgânico 64

IV.V. A indústria ao serviço do museu que a legitima 68

V. Transição - do Pós-guerra à Atualidade 70

V.I. As diferentes geografias no reconstruir da cultura material:

Escandinávia, Alemanha, Itália e Japão 70

V.II. A reconstrução e renovação de uma cultura do design:

quando o funcionalismo já não chega 74

VI. Aspetos da construção do discurso sobre a cultura material

na atualidade 77

VI.I. A revolução digital - o mundo global e os média 77

VI.II. Dessacralização dos museus - O franchising de museus e coleções,

os museus marca 88

VII. Conclusões 102

Bibliografia 108

Fontes Iconográficas 110

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Fig. 1: Pinturas rupestres com telemóvel

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I. Introdução

O mundo é construído através de uma teia de relações que se criam entre os seus

principais intervenientes, a vários níveis, os responsáveis pela criação e manutenção

daquilo que aqui chamaremos de cultura material, vista do ângulo do design.

O presente trabalho tem como objetivos primordiais, que ao longo da introdução serão

especificados: o estudo da relação que o homem ao longo da sua evolução foi forjando

com os objetos; a análise das relações entre os vários agentes responsáveis pela

construção, manutenção e divulgação da cultura material, vista do ângulo do design; a

identificação de momentos de rutura e respetivos impactos na evolução do design; o

contributo de vários instrumentos e métodos na construção de uma cultura de design.

A metodologia utilizada recorre a um percurso cronológico de determinados

acontecimentos e conjunturas, baseado numa revisão da literatura dos principais autores

da história e da teoria do design, com relevância para a interpretação dos vários

significados e valores do objeto, sejam eles de carácter cultural, conceptual ou apenas

de uso quotidiano. Apoia-se igualmente, a partir de uma citação de Guy Julier, na

multiplicidade de abordagens que assistem a este campo de estudo, não existindo, a meu

ver, qualquer incompatibilidade no uso simultâneo das mesmas.

“Devido ao alargado leque de disciplinas académicas dedicadas ao estudo do consumo, não é

de estranhar que uma variedade de posições relativamente ao valor, sentido ou práticas, tenha

sido adotada. Em termos gerais estas posições podem ser divididas em três campos: primeiro,

temos os que defendem a posição que enquadra o consumo como uma atividade essencialmente

dócil na qual os agentes produtores dominam (A escola de Frankfurt, J.K. Galbraith, Vance

Packard, W.F. Haugh). Em segundo lugar, temos os que adotam, de tempos a tempos, a noção

de que consumir pode ser igualmente emancipatório ou resistente (Dick Hebdige, Daniel Miller,

Michel de Certau, John Fiske). Finalmente, temos os que não partilham nenhuma destas visões,

mas acreditam que o consumo tem a sua lógica frequentemente espetacular e pós-moderna (Jean

Baudrillard, Umberto Eco)”1.

Desde tempos imemoriais, ainda na pré-história da cultura material, a partir do

momento em que o Homem sustenta esse nome, a partir do momento em que guarda e

transporta as memórias consigo, o Homem desenvolve uma relação com os objetos.

1 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. pp. 72-73.

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Objetos, que vão sendo criados de um modo empírico, ao sabor das necessidades, sem

urgência ou consciência do que a falta deles provoca na história da sua própria

evolução.

Poucos desses objetos, de um período em que não havia uma língua falada, mas em

que já se os representava, em pinturas rupestres, executadas nas paredes de grutas,

surgindo homens em caçadas, munidos de instrumentos que os ajudavam, chegaram até

nós.

Também das civilizações Pré-Helénicas sobraram poucos artefactos, com exceção de

alguns baixos-relevos inscritos em templos que sobreviveram ao tempo e de cerâmicas

guardadas religiosamente por museus espalhados pelo mundo.

E no antigo Egipto, uma civilização obcecada com a morte, acreditando que os

objetos que os acompanhassem no túmulo, transitariam para os servir no além, na vida

eterna? Esses objetos, assim como a sua representação, gravada nas pedras desses

túmulos, fazem agora parte da memória, da nossa memória, mostrando o mais fervoroso

desejo de eternidade, ilustrando ao mesmo tempo o quotidiano de uma realidade

passada, que, de outro modo poderia apenas ser imaginada.

Esta é base de estudo do presente trabalho, a relação que o homem, ao longo da sua

evolução, foi forjando com o objeto. Uma relação intima com a matéria, não só na

procura de soluções práticas para os desafios que se lhe foram apresentando, mas

igualmente com a representação simbólica de vontades, desejos e medos que foi

conhecendo.

Essa vivência, esse ultrapassar constante de obstáculos, pode ser hoje cartografado e

estudado graças aos escritos e às imagens de objetos, assim como graças aos próprios

objetos que sobreviveram. Ambos são representações que chegaram até nós, graças ao

trabalho de indivíduos, ou entidades, que, mais ou menos conscientes, tiveram um papel

determinante na construção e preservação daquilo que constitui o mundo dos objetos.

Por uma questão de delimitação do objeto de estudo deste trabalho, o olhar recairá

mais pormenorizadamente sobre os agentes construtores, produtores e divulgadores

dessa cultura material, e menos sobre o lado dos consumidores. Não obstante, os

consumidores serão obviamente referidos e enquadrados sempre que necessário para

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determinada contextualização. Da mesma forma, por opção, embora citada, não foi

tratada a dinâmica que as feiras mundiais e universais geraram. Achámos que este era

um âmbito já muito trabalhado por outros e que o contributo que aqui poderíamos trazer

não era tão significativo quanto aquele que possa acontecer em relação a outros aspetos

do trabalho.

“A cultura material é o estudo de crenças – valores, ideias, atitudes e aceções – de

determinada comunidade ou sociedade em determinado momento (…) As obras de arte

constituem uma grande e especial categoria no mundo dos objetos, pois graças à sua inevitável

dimensão estética e à ocasional dimensão ética ou espiritual (icónica), fazem diretamente delas

expressões abertas ou intencionais de crenças culturais”2.

Por um lado, apresentam-se os agentes individuais, autores do discurso, importantes

na definição de regras ou sugestões que ajudam a traçar ou definir o caminho da

evolução, seja através do estudo da condição humana ou da relação desta com outros

campos, definidores do modo como essa cultura deve evoluir.

Neste seguimento, este trabalho abordará igualmente os canais que possibilitaram a

discussão e transmissão da cultura material a outras esferas do conhecimento,

relacionando-as e contextualizando-as, de forma a permitir uma leitura mais transversal

dos acontecimentos.

De realçar os círculos literários, outrora importantes lugares de tertúlias onde os mais

diversos assuntos eram discutidos, podendo ser de alguma forma equiparados à

discussão que hoje é produzida nas redes sociais, sem necessidade de presença física.

Também as revistas, criadas inicialmente por estes círculos literários e académicos,

mas que entretanto transbordam fronteiras, aproximando-se de um público mais

alargado, não podem deixar de ser mencionadas como palco fulcral de discussão e

promoção da cultura, material e imaterial, que se vai construindo lado a lado e a par e

passo.

Em seguida, apresentam-se os materializadores deste pensamento evolutivo, os

designers, arquitetos ou artesãos, que transformam em matéria os desafios e problemas

2 Tradução livre. PROWN, Jules David. In CLARK, Hazel ; BRODY, David – Design Studies : A

Reader. Oxford : Berg, 2009. pp. 220-221.

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de uma sociedade pensante que continuamente se depara com novas questões, novas

diretivas em prol de uma constante melhoria da própria vida.

Por outro lado, surgem as instituições de armazenamento, preservação, estudo e

promoção desta cultura material, fundamentais no entendimento da evolução da relação

do homem com o seu próprio meio e os objetos que o constituem. Incluem-se aqui

escolas que asseguram a transmissão de saber e museus, lugares importantes na

compreensão e recontextualização dos objetos.

Os estudos de design, ou o estudo da cultura material, feito sob o prisma do design, é

um campo relativamente novo de ação, apesar de outras disciplinas já o fazerem,

segundo os seus próprios moldes.

Na realidade, debruçam-se fundamentalmente sobre acontecimentos que têm a sua

origem na Revolução Industrial, e subsequente evolução até aos dias de hoje, o que

representa o estudo de acontecimentos ocorridos num passado recente ou mesmo

contemporâneo, trazendo consigo vantagens e desvantagens na sua execução.

Uma das vantagens reside no fato de encontrarmo-nos no meio do problema, da ação

que decorre ou decorreu há pouco tempo atrás, necessitando de uma resposta

automática. Esta resposta poderá ser em forma de ação prática ou simplesmente existir

no campo discursivo, permitindo ao interveniente, consoante o seu campo de ação, agir

num ou mais campos em simultâneo. É possível, portanto, produzir materialmente ou

produzir pensamento sobre essa mesma materialidade.

Por outro lado, precisamente por ser um campo de estudo tão recente, não possuindo

os mesmos padrões e sistemas de enquadramento sistemático que já foram

implementados por outras ciências, a leitura que se efetua pode ser desfocada por falta

de meios ou por uma proximidade excessiva dos acontecimentos e do discurso em

causa. No entanto, esta atualidade premente e constante na área de atuação de tal campo

de estudo, tem naturalmente também a consequência de provocar um maior dinamismo

discursivo, fruto da variedade de posições divergentes constantes que alimentam o

próprio assunto.

Por fim, não pode deixar de se salientar que o estudo da cultura material, sob o

prisma dos estudos de design, por natureza terá de ser incompleto, já que desenvolve

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relações estreitas com praticamente todas as restantes disciplinas, das mais diversas

áreas, ao longo de toda a existência humana.

O impacto que campos tão diametralmente opostos, como a medicina ou a história,

provocam na produção ou simplesmente na compreensão dos objetos, é disso exemplo.

Do ponto de vista filosófico, por outro lado, a discussão apresenta-se sobre o porquê da

conceção do objeto, ou o que representa tal objeto para além da sua mera

funcionalidade.

Também a produção ou implementação de objetos em certo momento, ou nalguma

geografia específica, ilustra a enorme diversidade de ângulos abordáveis na tentativa de

compreensão ou até catalogação de tudo o que possa estar ligado a cada um deles.

A sociologia, a biologia, ou a arqueologia, todas encontram ligações estreitas e

podem aportar significativamente ao estudo da cultura material, que, apesar de ser novo

no seu contorno atual de atuação e respetivas diretivas, sempre se encontrou ligado a

todas as outras disciplinas.

O presente trabalho procura ilustrar, não só o modo como os vários agentes

contribuem para a criação de uma verdadeira cultura material, do ponto de vista do

design, interagindo entre si, mas também como a evolução estratégica, delimitada no

tempo, tem evoluído, e, a miscigenação entre práticas de promoção.

No atual panorama de expansão cultural, os museus utilizam técnicas que, em

meados do século XX, seriam impensáveis, ou pelo menos, pouco utilizadas. A

estratégia utilizada por certos museus na procura de visibilidade e retorno financeiro,

aproximando o seu conceito a autênticos conglomerados comerciais, é um bom

exemplo, que será abordado no presente trabalho.

É, portanto, com esta consciência, da enorme quantidade de possíveis ângulos de

abordagem e da complexidade da construção da cultura material, que o presente

trabalho procura abordar alguns dos instrumentos e métodos, que, desde a Revolução

Industrial, contribuem para a construção de tal cultura. É, desde modo, possível que

alguns ângulos ou posições específicas da parte de um ou outro autor mais significativo

tenham sido omissos.

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Figs. 2 e 3: Esquemas representativos da construção da cultura material

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II. Um novo paradigma de modernidade – O olhar sobre os objetos a

partir da Revolução Industrial

II.I. Da sociedade rural à sociedade industrial

Com o advento da Revolução Industrial, em Inglaterra, a partir da segunda metade do

século dezoito, e a sistematização dos meios de produção, consequência direta de uma

série de invenções produzidas nesta época pródiga em invenções, o modo como a

sociedade se via e via a cultura, material ou imaterial, vai mudar para sempre.

Alterou-se irremediável e radicalmente, o valor, monetário e intrínseco, que até então

se tinha atribuído aos objetos, simples como os tachos ou as panelas. As populações

estavam habituadas a viver, e a conviver, com objetos que as acompanhava toda a vida e

dos quais esperavam não só um desempenho irrepreensível, como uma grande

longevidade. Esperava-se que os objetos passassem de geração em geração, conferindo-

se-lhes assim história, memórias e afeto.

Com a recente produção em massa, graças á introdução de invenções como a

máquina a vapor entre 1760 e 17703, e a uma significativa e inusitada afluência das

populações para os novos centros urbanos em busca de eldorados de oportunidades

(com que, em tempos ainda não longínquos, ninguém ousava sequer sonhar), a verdade

é que, à medida que os objetos se foram imiscuindo na vida quotidiana, substituíram o

homem no seu trabalho, melhoraram desempenhos e facilitaram as lidas domésticas.

Isto ajudou a libertar os seus felizes proprietários para atividades de lazer, fazendo com

que esses objetos fossem perdendo lugar no centro racional e mesmo emocional das

famílias, fruto da facilidade com que apareciam e desapareciam e da consequente perda

de importância no seio das mesmas. A grande concentração de pessoas que ocorre

nestes centros provoca uma maior abundância nos produtos existentes, o que

inevitavelmente faz os preços decrescerem, possibilitando ao mesmo tempo um maior

diversidade de escolha.

3 Tradução livre. MCDERMOTT, Catherine – Design : The Key Concepts. London ; New York :

Routledge, 2007. p. 135.

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Esta mudança de paradigma em relação ao valor que um objeto possui e que muda

inexoravelmente no meio de inúmeras pequenas revoluções, momentos silenciosos na

evolução da cultura material, altera enormemente o modo como a sociedade se organiza

e evolui. E se foi a era de tantas pequenas e grandes revoluções tecnológicas, não é

menos verdade que também foi um tempo profundamente marcado em termos de

alterações sociais. Este foi o momento da mudança indelével de práticas (momentos de

libertação das antigas grilhetas castradoras de vontades pessoais) enraizadas por anos de

hierarquias feudais que tardavam em desaparecer.

A partir daqui, a comunicação entre populações, distantes geograficamente ou não,

torna-se mais simples. Parece ser uma prática obrigatória e considera-se então como

natural o contacto entre indivíduos de diferentes grupos profissionais ou sociais.

Todo o século XIX, com as gigantescas deslocações populacionais do campo para a

cidade, ficará marcado por transformações sociais drásticas, destacando-se as grandes

mudanças nas regras de sociabilização, nos padrões comportamentais e vivenciais. Estes

padrões, não só vivenciais, mas também de consumo, são alterados profundamente,

passando-se de uma vida rural, mais pobre mas também mais pacífica no que à

velocidade de produção diz respeito, assim como das suas aspirações mais profundas

das classes operárias, cortando para sempre velhos hábitos enraizados, frutos de séculos

de uma evolução marcada por um ritmo suave, quase natural, que se vê agora

moribundo e definitivamente alterado, vítima das inúmeras invenções e descobertas

inovadoras em que este período irá ser fértil, fruto desta concentração de conhecimento

que os centros urbanos se irão transformar com a chegada de tantas pessoas

provenientes de tão distintos campos de sabedoria.

Não é pois de admirar que tal transformação altere inevitável e drasticamente a

geografia de um planeta em fase de adaptação a uma realidade que até então lhe era

estranha. Novos polos urbanos nascem, primeiro em Inglaterra, contagiando depois a

Europa continental e só chegando á América décadas mais tarde, e, os já existentes,

crescem desmesuradamente num abrir e fechar de olhos, numa tentativa esperançada

desesperada da parte dos recém-criados empresários industriais em acomodar as hordas

humanas que afluem incessantemente às cidades na peugada de uma vida melhor,

respondendo ao apelo por eles feito. Neste começo ainda embrionário de uma sociedade

industrial, tenta-se, por um lado controlar o crescimento desenfreado dos novos centros

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urbanos e por outro, tirar o máximo proveito desse afluxo nunca antes experimentado de

mão-de-obra disponível, de modo a que os empresários possam capitalizar todas as

benesses económicas que tal frenesim oferece.

A nova sociedade que se encontra agora em formação, acolhe muitas pessoas,

famílias inteiras, subtraídas a uma anterior vivência rural, que há séculos vivia segundo

as tradições familiares do trabalho manual, onde o artesão sempre controlou toda a

cadeia de acontecimentos relacionados com a sua área de especialidade, desde a

aquisição da matéria-prima à venda direta do seu produto ao consumidor final, podendo

deste modo controlar o seu valor, sem ter de se deslocar da sua área de inserção onde há

gerações se tinha instalado e vivia, e, onde como ele, se imaginava que também os seus

filhos e os seus netos viriam a trabalhar e a viver, aprendendo com eles e sabendo o

calor do seu trabalho, vai mudar para sempre.

Este homem passará a viver numa sociedade em rápida e constante mutação

tecnológica, onde se assiste a uma multiplicação de fábricas e desmultiplicação de

serviços, onde a máquina vai começando a substituir a mão humana, pelo menos no

sentido em que é uma só pessoa a controlar todo o processo de conceção e construção,

ou produção, até ao produto final. Este mesmo homem, que antes dominava aquilo que

produzia, em todas as suas etapas, chegando muitas vezes até a ser o seu próprio

vendedor, não passará agora de uma pequena peça de uma engrenagem gigante, um

mecanismo tão grande e complexo que não reconhecerá a falta de um simples homem,

e, que com ou sem ele, continuará a existir, a funcionar. Este homem já não irá

controlar, ou por vezes nem chegar a conhecer o produto final do seu trabalho nem o

seu valor, perdendo também, aos poucos, a compreensão total do lucro que se obtém

com o seu trabalho, assim como as várias etapas necessárias para a concretização de um

projeto ou de um produto.

Tal não significa, no entanto que se tenha começado a viver pior. Antes pelo

contrário, toda esta revolução, estas transformações contribuem para que as populações

se juntem, se amontoem nestes gigantescos formigueiros humanos que são as novas

cidades. Apesar de passarem a viver encaixotados em condições por vezes insalubres,

distribuídos pelos bairros periféricos que proliferam um pouco por todas as cidades,

existem fatores como a alimentação ou os cuidados de saúde que sofrem melhorias sem

precedentes. Mas aquilo que realmente se altera radicalmente é a acessibilidade e o

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preço de todo o tipo de produtos de consumo, fazendo não só com que as populações

cresçam em quantidade, assim como o aumento da esperança de vida se torne uma

constante, criando uma sociedade mais saudável e com mais poder económico,

alimentando este constante ciclo de crescimento.

Assiste-se então a uma progressão económica sem precedentes para grande parte das

populações desta sociedade recém-industrializada em Inglaterra, famílias que antes da

Revolução Industrial poucas ou nenhumas hipóteses tinham de ver o seu poder de

compra melhorar. Agora, em vez de esperarem gerações para poderem assistir ao

aumento do seu poder de compra, tal já é possível no tempo de uma vida humana, já é

um sonho tangível. Uma mudança tão grande dá um ânimo inédito aos trabalhadores

como também lhes permite mudar os seus hábitos de consumo, alimentados agora por

um imparável otimismo sobre o seu futuro.

Figs. 4 e 5: Esculturas de Wim Delvoye

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24

II.I.I. O caso Inglês

“A Inglaterra foi o País onde se gerou a Revolução Industrial” Giedion 4. Como

afirma Raul Cunca, “a passagem da produção artesanal a industrializada foi um

processo lento e faseado”. Foi realmente em Inglaterra- nação onde onde se registou o

maior número de invenções ao serviço da indústria nos séculos XVIII e XIX- que os

primeiros efeitos desta transformação de uma sociedade rural para uma sociedade

industrializada se verificaram. Graças a uma série de acontecimentos históricos, onde

não são de descurar a independência dos Estados Unidos da América ou a revolução

francesa, eventos que muito contribuíram para o fortalecimento de uma já robusta

burguesia inglesa. Estes dois gigantescos mercados, o norte-americano e o europeu

estavam sedentos de uma matéria- prima em especial, e que a Inglaterra possuía em

quantidades enormes - o carvão!

O carvão, que aliado a uma série de invenções revolucionárias que dele necessitaria

como a máquina a vapor, criada e patenteada em 1769 por Watt5, irão transformar a

Inglaterra na primeira potência industrial desta nova era. Também a decadência em que

se encontravam algumas monarquias europeias, nomeadamente a portuguesa, é

aproveitada. Tudo isto, aliado a uma série de inteligentes tratados que a Inglaterra firma

com outros países europeus, irá contribuir para que de fato se torne no primeiro país a

conseguir com sucesso um lugar de vanguarda na percussão de um novo modelo de

organização produtiva e consequente transformação da sociedade. Um bom exemplo do

lugar que a Inglaterra vai ocupar na vanguarda dos países industriais é o fato de, por

volta de 1780 a população de Londres já contar com 800.000 habitantes, e cem anos

mais tarde, esse número andaria pelos cinco milhões.

Mas se toda a liderança que a Inglaterra manifestou neste processo de transformação

lhe trouxe inúmeros benefícios, granjeando-lhe os maiores elogios oriundos de vários

setores da sociedade inglesa, nessa saída constante de novos produtos a preços cada vez

mais apetecíveis, também o contrário é verdade. Na realidade, vozes dissonantes de

tamanhos elogios começam a surgir, culpando essas fábricas de destruir a paisagem com

o seu aparecimento um pouco por toda a parte. Sentem-se também as inquietações de

4 CUNCA, Raul – Territórios Híbridos. Lisboa : Biblioteca de Artes, 2006. p. 31.

5 Ibid., p. 31.

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alguns setores da sociedade em relação ao desaparecimento de tradições, técnicas e

manufaturas ancestrais, soterradas por tão frenética avalanche de industrialização.

Encontramo-nos aqui num momento paradoxal, numa encruzilhada de vontades e

conceitos ferozmente opostos, que, não obstante, se irão tocar, misturar, e por vezes até

casar, marcando definitivamente a imagem de todo um século, não só em Inglaterra,

como mais tarde na Europa e até um pouco por todo o mundo industrializado. “Morris

considera a máquina como o seu grande inimigo, e o seu ódio pelos meios de produção

modernos vai-se manter inalterado pelos seus seguidores. O movimento Arts and Crafts

trouxe um reviver do artesanato artístico e não de uma arte industrial”6.

Este vai ser um combate sem fim à vista, o que agora começa entre os defensores de

um aceleramento dos métodos produtivos para mais e mais barato produzir e os

defensores de um método que respeite o passado e honre as técnicas ancestrais e um

modo mais ético de transmitir a sabedoria.

Este reinado, que se inicia em 1837, protagonizado pela rainha Vitória (1819-1901),

foi um dos mais otimistas e longos de sempre, aliado a uma expansão do Império

Britânico nunca antes presenciada, que atingirá o seu apogeu com a incorporação da

Índia em 1877, origina um clima de grande confiança. Esta confiança vai fazer com que

se aposte em grandes projetos e empreendimentos, contando para isso a rainha com o

apoio e confiança da opinião pública, assim como do governo. Um grande

impulsionador desta época de enorme empreendedorismo, é, sem dúvida, o marido da

rainha, o príncipe Alberto, que através da sua estreita relação com um das figuras mais

importantes da sociedade cultural deste período, sir Henry Cole (1808-1882)7, serão

determinantes na criação das condições ideais que contribuirão para que a Inglaterra se

afirme definitivamente como pioneira da transformação da sociedade do século XIX. O

príncipe Alberto e sir Henry Cole serão também os principais responsáveis pela criação

de instituições que irão definir as políticas no que diz respeito ao papel que as próprias

6 Tradução livre. PEVSNER, Nickolaus – The pioneers of modern design. London : Penguin Books,

1936. p.24.

7 Sir Henry Cole, Artista e Designer, o grande impulsionador das grandes feiras industriais que a

Inglaterra conheceu no século XIX, em 1847,1848 e 1849. Estas feiras culminarão no estrondoso sucesso

da grande exposição Universal no Palácio de Cristal em 1851. Nota do autor.

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devem ter no desenvolvimento e preservação de tudo o que à cultura material diz

respeito.

Defensor acérrimo das virtudes da Revolução industrial, assim como convicto das

benesses que ela traria a todas as classes sociais, nomeadamente as mais desfavorecidas,

e um detrator, um pouco como Adolf Loos (1870-1933) na Áustria, de todo e qualquer

ornamento que não servisse uma funcionalidade específica, sir Henry Cole irá criar uma

empresa, a Summerley`s Manufactures. Esta irá produzir artefactos funcionais,

associados à indústria, de modo a que a sua qualidade e preço possam ser melhoradas.

Henry Cole é também um pioneiro na compreensão das vantagens da proximidade

com o poder político, assim como a força que os média podem ter na propagação da sua

ideologia e princípios, bem como na divulgação e promoção dos seus produtos. Em

1849, edita o Journal of Design and Manufactures8 onde surgem constantemente

ilustrações que pretendem demonstrar como os objetos simples podem não só ser mais

funcionais e fáceis de produzir, como também mais atrativos do ponto de vista da sua

funcionalidade e da sua própria estética. Para Henry Cole a forma é o aspeto

fundamental de um objeto, sendo a ornamentação totalmente secundária, posição

totalmente partilhada e amplamente defendida anos mais tarde por Adolf Loos no seu

ensaio e manifesto Ornamento e Crime9. Para Loos, “nada do que não é prático pode ser

belo”10

.

Podemos já aqui encontrar, ainda que embrionariamente, os princípios que irão

influenciar todas as escolas e movimentos modernistas definidores do principio do

século XX, nomeadamente em relação à importância da aniquilação de decorações

supérfluas e na implementação generalizada do conceito Form follows function11

.

8 Este periódico será editado por Henry Cole entre 1848 e 1852. Nota do autor.

9 Tradução livre. O arquiteto Vienense Adolf Loos publicou este livro em Viena em 1908.

MCDERMOTT, Catherine – Design : The Key Concepts. London ; New York : Routledge, 2007. p.

174.

10 Tradução livre. PEVSNER, Nickolaus – The pioneers of modern design. London : Penguin Books,

1936. p.30.

11 Expressão popularizada pelo arquiteto Louis Sullivan (1856-1924) e um princípio adotado pelos

modernistas a par com a expressão de Adolf Loos ”Ornamento e Crime”, ambas utilizadas com a intenção

de fazer valer o respeito pela integridade da obra, do objeto, contra tudo aquilo que fosse supérfluo na

construção do mesmo. Nota do autor.

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Assiste-se agora ao construir de um novo paradigma de modernidade por parte de

uma sociedade que começa a acreditar que a velocidade na indústria deve ser

alimentada e mesmo acelerada, perante uma homogeneização do gosto e do consumo

das massas, gosto esse provocado por uma série de novidades científicas e excitantes

descobertas a todos os níveis, assim como pelos agentes industriais da época vitoriana

que parecem ter na evolução tecnológica toda a sua razão de ser.

Mas também parece ser este o terreno fértil para todo o tipo de contra revoltas, forças

contrárias, que já antes se vinham manifestando, e que talvez nunca tenham deixado de

existir numa Inglaterra que, ao mesmo tempo que se quer modernizar em todos os

aspetos, nunca deixou de acreditar que a sua época de ouro não seria então, mas antes

numa longínqua Idade Média, onde tudo era mais puro e verdadeiro, onde a segurança

provinha de valores morais muito mais rígidos, mas mais reais, como defendia o

movimento romântico que se começava a fazer ouvir.

É neste contexto que surgem aqueles que irão encabeçar a tentativa de voltar a esse

tal passado digno e verdadeiro, impondo um renascer do estilo gótico, que na realidade

nunca tinha chegado a desaparecer. Segundo Pevsner e Banham “as raízes do

pensamento moderno, especialmente no que ao design concerne, encontram-se nos

escritos revolucionários de pensadores como Pugin (1812-1852)12

ou Ruskin e que

reaparecem em William Morris e outros ligados ao movimento Arts and Crafts. No

centro das suas ideias estava a desilusão em relação ao que eles achavam ser produtos

embelezados excessivamente, produtos falsos de fábrica que demonstravam, na sua

opinião, a perda de controlo antes detida pelo artesão.”13

12

Augustus W. N. Pugin foi um artista, designer, arquiteto, e crítico Inglês. Um dos responsáveis pelo

revivalismo do Gótico em Inglaterra, o seu trabalho mais emblemático será o interior do Palácio de

Westminster. Nota do autor.

13 Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.79.

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II.I.I.I. Os Pré-Rafaelitas e a invenção dos círculos literários e artísticos como forma

organizada de criação e disseminação de pensamento.

O século XIX é verdadeiramente um século de grandes ações e reações ideológicas,

de acesos debates sobre que caminhos tomar nos campos da ciência como a biologia ou

a medicina, mas também na arte em campos tão diversos como a arquitetura, a pintura

ou a própria História da Arte. É neste contexto tão rico em novas e modernas ideias que

vai aparecer um grupo artístico tão marcante que virá a influenciar os vários

movimentos modernos que se irão formar posteriormente: Os Pré-Rafaelitas.

Em 1848 este grupo é fundado pelos pintores William Helman Hunt (1827-1910),

John Everett Millais (1829-1896) e Dante Gabriel Rossetti (1828-1882), a que mais

tarde se juntam outros artistas, entre pintores, poetas, escritores e críticos, como o irmão

de Dante G. Rossetti, o editor William Michael Rossetti (1829-1919), que irá ser uma

peça fundamental na disseminação de toda a obra teórica deste movimento, que tomará

o nome de Pré-Rafaelitas numa alusão direta ao fato de os próprios considerarem que

toda a arte produzida a partir de Rafael (1483-1520)14

, incluindo o próprio, já não era

pura e verdadeira pois estava a tornar-se mecanizada, vítima dos tempos modernos.

Os Pré-rafaelitas propunham-se então a restaurar essa pureza que se tinha perdido

entretanto e não é difícil de reconhecer nesta ideologia já as sementes do que virá a ser o

âmago do movimento Arts and Crafts.

Esta irmandade, como os seus participantes gostavam de a intitular, estava

organizada como se de uma confraria medieval se tratasse, podendo sem qualquer

dúvida, ser entendida como um grupo artístico que se dedicava essencialmente à pintura

e que se definia como reformador, tendo surgido como um reação à arte académica

inglesa da época, essa tal arte rígida e decadente, que seguia os moldes clássicos do

Renascimento. Os Pré-Rafaelitas criticavam duramente essa arte, e consideravam-se um

grupo de vanguarda, embora não o pudessem ser na totalidade, pois ainda faziam um

grande uso do historicismo. Cedo se aperceberam do poder das publicações como

veículo preferencial na disseminação das suas ideias e conceitos e para amplificar esse

14

Rafael Sanzio foi, a par com Leonardo Da Vinci e Miguel Ângelo, um dos três nomes maiores do

Renascimento Italiano (Florença), destacando-se especialmente na Pintura e na Arquitetura. Nota do

autor.

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29

alcance, criam uma revista periódica intitulada The Germ15

, com a intenção exclusiva de

se darem a conhecer, fosse ao nível da pintura, da escrita ou simplesmente da crítica

social. O exemplo mais paradigmático deste movimento é o quadro Ophelia, pintado

entre 1851 e 1852, da autoria de John Everett Millais.

II.I.I.II.. John Ruskin e a influência sobre William Morris na origem do movimento

Arts and Crafts

H. W. Janson afirma, no seu tratado de História da Arte que William Morris

“pretendia substituir os grosseiros produtos da idade da máquina, dando uma nova vida

ao artesanato do passado pré-industrial, «uma arte feita pelo povo e para o povo, como

um modo de felicidade quer para o artífice, quer para o utilizador»”.16

15

Tradução livre. Esta revista pode ser considerada a percussora deste tipo de publicações literárias para

servir de órgão instrumental na divulgação de grupos artísticos. Foram publicados apenas quatro números

em 1850. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION - Colliers Encyclopedia. U.S.A.

1969.vol.19, p.p.317-319.

16 Tradução livre. JANSON , H:W. – História da Arte. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1977. p.

612.

Fig. 6: Ophelia, de John Everett Millais

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William Morris já partilhava com os Pré-Rafaelitas, grupo de que chegou a fazer

parte por algum tempo, da vontade de regressar ao tal passado mais puro, moralmente

mais são, e vai transportar esse sentimento consigo na aplicação à chamada “arte

utilitária- arquitetura doméstica e decoração interior, incluindo mobiliário, tapeçarias e

papéis de parede”.17

Se Henry Cole foi de certa maneira o ideólogo de um lado mais pragmático da

evolução da sociedade e um incansável defensor de todo o progresso tecnológico da

época e o que isso significava na melhoria das condições de vida das populações, então

John Ruskin (1819-1900) foi sem dúvida o mais acérrimo promotor da manutenção e

mesmo regresso aos valore que segundo ele, desde a idade média se vinham perdendo

na sociedade inglesa, e agora, mais que nunca, se encontravam à beira da extinção. Ele

será o grande mentor de William Morris.

John Ruskin é o principal crítico de arte e arquitetura da era vitoriana, mas, não se

extinguindo aí o seu trabalho, debruça-se igualmente em assuntos de interesse geral da

sociedade, abarcando tudo, desde design a literatura. Ainda aluno de Oxford, Ruskin

publica uma série de ensaios, e ao longo da sua vida é autor de vários livros,

destacando-se The Seven lamps of Architecture18

em 1850, e The Stones of Venice19

em

1851, livros onde, para além das habituais descrições e opiniões sobre os mais variados

assuntos relacionados com a estética, se atacam os males da revolução industrial,

destacando a degradação da vida mundana em aspetos tão comuns como o da utilização

de elementos decorativos produzidos industrialmente, feitos por máquinas e não pelo

homem, o que provocava uma alienação do próprio em relação ao sue mundo. Esta irá

também ser a opinião de Morris na eleição do trabalho manual como o mais correto.

Morris, como defende Pevsner, “sabia que não podia voltar aos tempos primitivos e á

destruição das técnicas que foram sendo introduzidas desde o renascimento mas

também não queria utilizar métodos de produção modernos, o que fazia com que os sues

17

Tradução livre. JANSON , H:W. – História da Arte. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1977. p.

612.

18 Tradução livre. Tratado sobre as virtudes da Arquitetura Gótica, um tema muito do agrado da sociedade

Vitoriana da época. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION - Colliers

Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol. 20, p.277.

19 Tradução livre. Uma obra mais aprofundada do tema tratado na obra anterior, debruçando-se mais

sobre os aspetos morais e políticos da arquitetura. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL

CORPORATION - Colliers Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol.20, p.277.

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31

produtos fossem muito dispendiosos”20

. É pois nesta defesa do regresso ao passado, a

um medievalismo, representado especialmente no estilo gótico, que Ruskin e Morris se

reveem, na procura de uma verdadeira dimensão moral na construção de objetos. No

entanto para Ruskin, este revivalismo deveria ser mais acerca de atitudes, como por

exemplo a verdade dos materiais, ou o papel que o design devia ter na sociedade, do que

propriamente os detalhes decorativos dos objetos. Ruskin será o grande impulsionador

das Guilds, associações de artífices criadas com o intuito de preservar não só as próprias

profissões artesanais mas também perpetuar todo o tipo de conhecimentos técnicos

manuais dos vários campos da manufatura. Também aqui o seu mais devoto discípulo

será William Morris, que imbuído neste discurso de repudia ao gosto da época irá lançar

as bases da criação de um novo movimento estético que terá uma enorme influência na

sociedade da altura, o movimento Arts and Crafts, um movimento estético que tem na

sua génese fazer frente ao avanço da mecanização, defendendo a artesanato criativo e

pregando o fim da distinção entre artista e artesão.

Inevitavelmente John Ruskin e William Morris conhecem-se e as afinidades que os

unem acabam por frutificar em inúmeras colaborações sendo de destacar a formação da

Society for the Protection of Ancient Buildings (Associação para a proteção de edifícios

antigos), que existe até aos dias de hoje, sendo considerada de maior importância na

identificação e preservação de edifícios históricos em todo o Reino Unido. Também a

edição por parte da editora criada por William Morris, a Kelmscott Press, de um dos

trabalhos mais importantes de John Ruskin, A Natureza do Gótico, atesta a estreita

ligação que os unia.

Mas não é só Morris que admira John Ruskin. Também os Pré-rafaelitas o estudam e

idolatram e o fato é que, quando em 1852, Morris é admitido na universidade de

Oxford, as afinidades que os unem levam Morris a ser quase automaticamente aceite no

seio deste grupo, que se via como uma irmandade, nome que procura conferir a este

grupo algo mais que uma simples associação, tornando-a numa instituição familiar,

quase religiosa, provida de um desígnio, quase uma missão divina. Segundo H.W.

Janson, “os Pré-rafaelitas estavam separados do romantismo puro e simples pelo desejo

20

Tradução livre. PEVSNER, Nickolaus – The pioneers of modern design. London : Penguin Books,

1936. p.24.

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de reformarem os males da civilização moderna através da arte”21

,algo compreendido e

partilhado por William Morris. Ele tinha vindo para Oxford para seguir a carreira

teológica, mas rapidamente se apercebe que as reformas sociais e a condição do ser

humano são muito mais importantes, começando a rejeitar tudo o que é industrial e

mecanizado, uma matéria sem alma, que não só não fazia a Humanidade evoluir como

destruía ainda tudo o que o Homem tinha conseguido atingir até então.

Depressa desiste da carreira teológica que tinha ambicionado, decidindo tornar-se

arquiteto, convicto de que assim poderia melhor servir os desígnios para os quais tinha

nascido.

Não obstante as suas convicções mais profundas, Morris tem consciência da

importância de dispor dos meios que possibilitem a difusão dos seus conceitos. Por esse

motivo, se por um lado ele não aprove as teorias dos seus opositores mais progressistas,

por outro sabe que os meios que estes utilizam para se fazerem ouvir são da maior

relevância, despertando o seu interesse, pois na luta pela instauração e promoção dos

valores que Morris defendia, tudo era válido. Esta é um das razões que o levam a fundar

o seu próprio jornal e também a estar presente em todas as feiras industriais que a

Inglaterra irá organizar nesta época, assim como de criar a sua própria associação das

posições Arts and Crafts, para promover os seus produtos e ideias.

Outro importante ponto de convergência entre John Ruskin e William Morris é que,

numa era de grandes debates sobre a função e a importância do próprio objeto,

manufaturado ou produzido em larga escala, ou ainda na discussão sobre a criação de

novos modelos e formatos de apresentação e promoção de produtos, as suas opiniões

eram muito similares. Uma nova cultura estava a nascer, a sociedade de consumo dava

os primeiros passos e como todos os novos fenómenos, tinha os seus seguidores e os

seus detratores, consoante o lado em que cada um se encontrasse.

Qualquer um dos lados desta batalha pela manutenção ou implosão de velhos

conceitos, um fator da maior relevância para ambos era a perceção de que era

fundamental comunicar ideias, teorias, formas estilos, toda uma nova conceção e modo

de viver. Como diz Penny Sparke “ nos primeiros anos do século XX, numa tentativa de

21

Tradução livre. JANSON , H:W. – História da Arte. Lisboa : Fundação Calouste Gulbenkian, 1977. p.

611.

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estimular e recompensar o desejo do consumidor, o mundo comercial desenvolveu uma

série de estratégias de marketing envolvendo uma larga variedade de práticas visuais e

conceptuais22

.

Uma vez mais, é incontornável o trabalho de crítica desenvolvido por John Ruskin, o

talvez o mais importante da era vitoriana, crítica essa que ele alargava ao campo do

design e aos próprios comportamentos e atitudes morais que “uma pessoa de bem”

deveria demonstrar para ser respeitada na época. Estes artigos diversos que escreveu

para várias publicações, assim como os livros já atrás referidos, granjearam-lhe um a

enorme reputação no seu país e mesmo além-fronteiras.

Indo também além-fronteiras, e no seguimento desta estratégia de comunicação está

William Morris, que sendo ele igualmente um teórico, dá conferências elogiando o

papel do trabalho manual na própria construção moral do individuo. Por volta desta

altura ele forma a sua própria companhia, a Morris & Co., ao mesmo tempo que cria

uma revista com os demais colaboradores, Walter Crane (1845-1915), R.W. Lethaby

(1857-1931), Charles Robert Ashbee (1863-1915) e o arquiteto Philip Webb (1831-

1915), que já tinha projetado a casa de Morris.

Esta revista, The Studio23

, à semelhança da já anterior The Germ, servia

maioritariamente como veículo de promoção de produtos desenhados e produzidos por

este grupo, mas, acima de tudo, como meio de transporte dos seus conceitos e

convicções, conhecendo um enorme sucesso e tendo mesmo chegado a atingir

audiências internacionais, contribuindo assim para a disseminação de movimentos

similares um pouco por toda a Europa numa primeira fase, estendendo-se mais tarde a

outras partes do mundo. Na Alemanha, por exemplo, o sucesso da The Studio foi tal que

em 1853 já existiam duas mil assinaturas da revista, o que pode ser explicado pelo fato

de, desde cedo os alemães admirarem o que se fazia em Inglaterra em termos de

mobiliário e design de interiores.

22

Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.24.

23Tradução livre. . MCDERMOTT, Catherine – Design : The Key Concepts. London ; New York :

Routledge, 2007. p. 22.

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Outro mecanismo de difusão deste movimento são as exposições produzidas pela

Arts and Crafts Exhibition Society, tendo a primeira sido realizada na New Gallery, na

Regent Street em Londres, seguindo-se posteriormente uma série de outras exposições,

incluindo a participação nas grandes feiras industriais em Inglaterra, organizadas com o

alto patrocínio do príncipe alberto, marido da rainha Vitória, e o seu grande aliado, sir

Henry Cole.

II.I.I.II.I. O legado do movimento de William Morris

Morris disse, nas muitas palestras que professou entre 1877 e 1894: “Eu não quero

uma arte para alguns, assim como uma educação para alguns, ou liberdade para alguns”.

Disse também que se a arte não pudesse ser partilhada não teria interesse nenhum, o

que, nas palavras de Pevsner faz dele um verdadeiro profeta do século XX. Devemos-

lhe o fato de uma simples moradia voltar a ser um objeto digno do pensamento de um

arquiteto ou de uma cadeira, um papel de parede ou um pote passarem a ser objetos

dignos da imaginação de um artista24

.

Talvez por sucessivos embates entre estilos, entre modos de organização, entre um

apego a um passado moribundo, medievalista, e ao progresso desenfreado, muitas vezes

vazio de estudo ou ligação à própria cultura como regra de uma conduta mais

ponderada, o fato é que o movimento Arts and Crafs pode não ter sobrevivido muito

24

Tradução livre. PEVSNER, Nickolaus – The pioneers of modern design. London : Penguin Books,

1936. p.p. 22-23.

Figs. 7,8 e 9: Padrões do movimento Arts and Crafts

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tempo, mas influenciou definitivamente toda a sua época em Inglaterra e um pouco por

toda a Europa, podendo ser considerado como o movimento percussor ou mesmo uma

das raízes do modernismo, em campos tão diversos como a arquitetura, o design gráfico

ou o desenho industrial.

De acordo com Tomás Maldonado, o movimento Arts and Crafts teve a maior

importância no surgimento do movimento Bauhaus que, assim como os ingleses deste

fim de século, também acreditava que a produção e o ensino deviam assentar na criação

de pequenas comunidades dos chamados artistas-artesãos, sob a orientação de um ou

mais mestres.

A Bauhaus deseja uma produção na qual a assinatura do artesão tem um valor

simbólico fundamental e que, paradoxalmente, assim como aconteceu com o

movimento Arts and Crafts, os produtos, os objetos, ao serem manufaturados,

apresentam preços extraordinariamente caros ao comum dos cidadãos, podendo ser

comprados apenas pelos poucos afluentes que a esse luxo se podem dar. De qualquer

modo, a Bauhaus, assim como os outros movimentos europeus deste período, herda a

reação gerada pelo de William Morris contra a produtividade anónima e desumanizada

dos objetos da revolução industrial, privilegiando uma maior honestidade em relação ao

próprio objeto.

II.I.I.III. As instituições incontornáveis na sistematização e catalogação do

conhecimento da cultura material

Pode ter havido algumas contradições e mesmo antagonismos entre estes dois grupos

tão distintos na sua abordagem em relação à construção da cultura material deste

período, mas o fato é que os seus caminhos cruzaram-se nas mais diversas áreas,

encontrando o seu apogeu relacional quando sir Henry Cole convida William Morris a

executar os interiores do refeitório do Vitoria and Albert Museum25

. Esta foi uma das

maiores oportunidades que Morris teve de se dar a conhecer do grande público através

do convite feito por Henry Cole. Hoje esta sala é conhecida como a Morris Room.

25

O nome original desta sala é “The Green Dining Room” e foi executada entre 1866 e 1868 por William

Morris em colaboração com o arquiteto Philip Webb, que desde a construção da casa de Morris nunca

mais deixou de trabalhar com ele em todos os seus projetos. Nota do autor.

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36

É de realçar igualmente o aparecimento de instituições que foram as primeira a

conseguir perceber a importância da sistematização no modo de apreender a cultura

material circundante, dando-se finalmente a importância necessária que este campo

merecia, há muito existente mas nem sempre dignificado. São o caso do Royal College

of Art e o Victoria and Albert Museum, duas instituições fundamentais e incontornáveis

pelo papel pioneiro que tiveram na construção de diretivas e valores que permitiram a

criação e compreensão do modo como se vai projetar, promover e mesmo percecionar

os bens de consumo e a própria história do design.

Em 1835, o governo britânico, ciente da importância que estes campos representam

na sociedade economia, cria um comité de estudo com o intuito de supervisionar e

promover a qualidade das suas manufaturas, com a preocupação de elevar o nível dos

produtos produzidos industrialmente. Rapidamente conclui que a melhor solução seria a

de estabelecer locais de ensino, escolas que assegurassem, por um lado, uma ligação à

tradição, e por outro, promovessem uma linguagem, uma aproximação mais sistemática

de como educar os alunos numa perspetiva industrial, formando-os com a intenção de

melhorar os produtos produzidos.

Surgem então diversas escolas que rapidamente diferem entre si, não só no método

de ensino, mas também na própria essência do que consideravam moderno, chegando

muitas delas a debruçarem-se quase exclusivamente em como aplicar decorações a

produtos industriais.

Esta é a época da guerra plena entre os defensores de uma abolição total de

decorações supérfluas que em nada melhoram a qualidade dos objetos, e uma sociedade

que ainda teima em não querer abdicar dos seus ornamentos. Estes são já princípios de

discussão ética que irão mais tarde ser discutidos por inúmeros movimentos

modernistas, nomeadamente a Bauhaus. O próprio Walter Gropius, líder do grupo e

diretor da escola da Bauhaus afirmava a enorme influência que sempre tinha sentido por

parte do movimento Arts and crafts inglês 26

.

É no meio desta acesa discussão sobre que caminho tomar no ensino e na

multiplicidade de escolas que nasce, por volta de 1837, ainda sob um nome temporário,

26

Tradução livre. . MCDERMOTT, Catherine – Design : The Key Concepts. London ; New York :

Routledge, 2007. p. 29.

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37

a Government School of Design, tendo sido o seu diretor mais importante e duradouro o

pintor William Dyce (1775-1847), que já tinha um conhecimento profundo dos métodos

de ensino das escolas de arte da Europa continental, assim como dos novos métodos de

ensino, nomeadamente na área do design.

William Dyce estava convicto de que o melhor método de ensino era aquele em que

os alunos pudessem contactar diretamente com os meios produtivos necessários nos

processos de criação dos produtos por eles idealizados, o que era contrário ao que

professavam a maioria das escolas dessa época. Por volta de 1850, até 1860, a escola

passa a ser dirigida por sir Henry Cole, em parceria com Richard Redgrave, expandindo

ainda mais a área de influência deste organismo junto dos empresários e acima de tudo

da sociedade em geral. No entanto, em grande parte devido aos professore que

empregava, a política de ensino deste estabelecimento era considerada pela opinião

publica desta época (altamente motivada em torno da questão do que era ou deveria ser

a cultura material) como algo radical na sua génese. Ironicamente, quando recebe o

nome que usa até aos dias de hoje, Royal College of Art, atribuído pela própria rainha

Vitória, esta instituição passa a ser considerada, por grande parte da opinião pública,

como algo de conservador, servindo no entanto, o propósito da educação para o qual foi

criada, uma educação aprofundada sobre os temas ligados às artes e ao design.

Londres estava a mudar rapidamente, transformando-se de dia para dia numa enorme

urbe que atraia cada dia mais e mais pessoas na procura de uma vida melhor. Como

afirma Penny Sparke “ o impacto, primeiro do gás, e depois da luz elétrica, por

exemplo, transformou a cidade á noite num ambiente totalmente diferente, ao mesmo

tempo que o avento das lojas e armazéns em particular transformaram o ato de comprar,

e acima de tudo, de “ver as montras”27

. O impacto que estas melhorias técnicas

provocam nas pessoas e o otimismo resultante leva a uma série de inovações na vida

cultural inglesa da época. Uma delas é sem dúvida a criação da instituição que levará o

nome da rainha vigente e do seu príncipe consorte, o Victoria and Albert Museum.

Para além de incontornáveis vantagens par o estudo, a compreensão e a disseminação

da cultura material na Inglaterra desta e posteriores épocas, uma enorme inovação que

ficará para sempre ligada a este museu foi a introdução, pela primeira vez num

27

Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.16.

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38

estabelecimento público, de casa de banho, um ato que ao princípio causou uma enorme

polémica mas que rapidamente entrou no quotidiano de uma população agradecida por

tal invenção.

Igualmente com o apoio incondicional do príncipe Alberto e sob a direção de sir

Henry Cole, com o intuito de instruir os jovens aspirantes á nova profissão que se

impunha na sociedade, o design, assim como o de educar as massas, este museu começa

por se instalar, pouco após a Grande Exposição Universal de Londres28

, na

Malbourough House29

. Na altura, Henry Cole recebeu cinco mil libras para comprar

objetos da exposição, tendo adquirido os conjuntos mais significativos do espólio

apresentado pelos vários países, dando-se assim início a uma das mais completas e

transversais coleções de design utilitário e artes decorativas do mundo.

Outra característica do Victoria and Albert Museum que prova a importância das

instituições na preservação de um passado para futuro estudo e compreensão, ajudando

a sociedade a compreender a construção do seu próprio meio ambiente, é a sua ligação

ao serviço educativo. Este museu, desde a sua fundação trabalhou em estreita ligação

com as diversas escolas de artes visuais que começaram neste período a existir no Reino

Unido, chegando ao longo dos anos a serem ministrados vários cursos nas suas

instalações.

Não se pode deixar de referir também o carácter de desde logo sir Henry Cole

imprimiu ao funcionamento do museu, mostrando aqui a sua tendência socialista de

chegar a todas as camadas da sociedade, quando decide fazer uso de tão importante

descoberta, a luz elétrica, mantendo o museu aberto de noite para que as classes

operárias também pudessem usufruir das exposições apresentadas, tornando o

conhecimento mais transversal que nunca.

28

A Grande Exposição de Londres aconteceu em 1851 e foi o culminar de uma série de exposições

industriais que serviam para mostrar o que de melhor se fazia industrialmente em Inglaterra mas também

de outros países. Nota do autor.

29 O museu instalou-se na Malbourough House em maio de 1852 e em setembro mudou-se para a

Somerset House ainda sob o nome de Museu das Manufaturas. Nota do autor.

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39

II.II. A aventura Norte-Americana

“ Fui para os bosques viver de livre vontade, para sugar o tutano da vida, para

aniquilar tudo o que não era vida, e para quando morrer, não descobrir que não vivi”.

Henry David Thoreau, A vida nos bosques.

O período da Revolução Industrial nos Estados Unidos da América (E.U.A.) vai ser

muito diferente da realidade europeia. Apesar de, a partir de 1830, a produção

mecanizada se deslocar um pouco para todo o mundo, nomeadamente para o noroeste

europeu e leste dos E.U.A., se bem que a ritmos diferentes e baseada nas condições

económicas, sociais e culturais de cada lugar. Segundo H.J.Habakkuk 30

, as diferenças

são enormes, muito devido á grande diferença de espaço existente no continente

americano, fazendo com que a agricultura seja muito mais proveitosa, o que faz com

que a mão de obra para as industrias emergentes não se encontrasse com tanta facilidade

como na Europa. Nos E.U.A., somente depois da guerra da Secessão acabar31

, o país se

vai tornar, todo ele verdadeiramente industrializado pois, se compararmos a Inglaterra, a

área per-capita nos E.U.A. é gigantesca, o que fez com que a indústria tenha demorado

mais a compensar em relação á agricultura. Também o fato de o sul ser esclavagista fez

com que durante muito tempo a industrialização se tenha concentrado no norte do país,

especialmente na zona leste. Assim como na Europa, o volume da produção industrial e

as condições de vida que a concentração nas cidades oferece faz com que estas cresçam

a um ritmo desenfreado, conferindo-lhes cada vez mais importância. Também a

imigração tem um papel fundamental neste desenvolvimento, com vagas sucessivas de

europeus que vêm de países como a Itália, Alemanha, Polónia e Irlanda, fazendo com

que, já em 1850, Nova Iorque seja o maior centro industrial, comercial e populacional

dos E.U.A.. com a anexação de Long Island City em 1870, da Bronx em 1874, com a

conclusão da ponte de Brooklyn em 1883 juntando finalmente os dois lados do rio

30

Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.36.

31 A guerra civil que mais mortes causou nos E.U.A., entre um Sul Rural e esclavagista contra um Norte

muito mais industrializado e populoso, graças às sucessivas vagas de imigração oriundas da Europa.

Decorreu entre 1861 e 1865 e acabou com a vitória do Norte e a abolição da escravatura. Nota de autor.

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40

Hudson, Nova Iorque torna-se aquilo que passa a ser conhecido, nas palavras de

Michael Gordon32

, O Estado Império (Empire State) da América.

Todo este crescimento económico, a grande concentração de pessoas nas cidades,

rapidamente aparece uma nova classe média que logo procura algo definidor do seu

poder económico, do seu recém-adquirido “gosto”, algo mais que a simples

sobrevivência, que não há muito tempo era a razão principal da sua existência. Este

consumo é descrito por Thorsten Veblen, um dos primeiros cientistas sociais a tentar

definir um sistema de construção das origens do consumo como algo tão fundamental

na manutenção da estabilidade da sociedade que se tornava apetecível e que era

extensível do próprio vestuário para toda uma série de objetos, que a serem produzidos,

comercializados e consumidos, definiam e caracterizavam os próprios consumidores.33

É também aqui, neste cenário de grande prosperidade, principalmente nas cidades do

leste como Nova Iorque e Chicago, onde os arranha-céus atingem alturas nem antes

pensadas, e onde a velocidade do quotidiano se sente como em mais lado nenhum em

todos os aspetos da vida citadina, que encontramos terreno fértil para o surgimento de

todo o tipo de movimentos alternativos a esta vertigem que se instala. Também nos

E.U.A., este repúdio de tudo o que é tecnológico, logo desprovido de alma, vai originar

a versão americana do movimento Arts and Crafts, no que á relação do homem com os

objetos importa, com enormes semelhanças não só na essência teórica como em

inúmeros aspetos formais, devido a fatores como a própria interação entre os

intelectuais dos dois lados do atlântico.

Essa socialização irá influenciar a ação do lado americano como por exemplo na

compreensão da importância da produção teórica, assim como a promoção de tais

valores, através, nomeadamente dos círculos literários e, posteriormente da criação de

periódicos que promovessem os valores em que acreditavam.

Mas, se podemos esperar uma continuação direta dos princípios formais do

movimento Arts and Crafts em Inglaterra com a sua congénere americana, não é menos

32

Tradução livre. GORDON , Michael – The Orange Riots : Irish Political Violence in New York,

1870, 1871. New York : 1993.

33 Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.20.

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41

verdade que, para além desta versão, uma outra, criada à luz das profundas diferenças

entre os dois continentes, sejam elas geográfica, históricas ou sociais, tudo isto irá

provocar uma outra versão, única, de carácter mais subtil, menos estudada, até mais

obscura, mas partilhando alguns princípios idênticos a até alguns dos maiores

protagonistas intelectuais da época.

II.II.I. Adirondack, a versão selvagem do espírito Arts and Crafts

Esta versão, pouco estudada, ou mesmo, até á pouco tempo desprezada, tem no

entanto a sua origem no estreito contato intelectual entre os dois lados do atlântico,

sendo no entanto as suas semelhanças mais notadas no campo espiritual que no campo

formal.

Se numa Inglaterra vitoriana, a existência e concentração de inúmeras industrias em

tão pouco espaço irá determinar e definir o tipo de evolução social a que se vai assistir

neste país, isso é igualmente verdade para os Estados Unidos da América. País de

dimensões desmesuradas e todo um sistema embrionário de relações e regras sociais,

resultados de sucessivas vagas de imigração, que consigo transportavam, não só as suas

crenças e ideais, mas também, o desejo de liberdade que tinha sido uma das razões

primeiras dessa partida. Isto irá, desde logo marcar a diferença entre as abordagens dos

intervenientes dos dois países em relação aos desafios a que é preciso responder. Apesar

de se terem relacionado pessoalmente e influenciado mutuamente, os escritores e

pensadores responsáveis por esta transformação nos E.U.A. diferem em alguns aspetos

fundamentais em relação aos aspetos formais da própria vivência do dia-a-dia. A título

de exemplo da criação de manifestações únicas que irão um pouco além das unicamente

Figs. 10 e 11: O Campo dos Filósofos

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42

formais, podemos referir a criação de práticas que estarão na origem de movimentos que

se espalharão mais tarde um pouco por todo o mundo, como é o caso dos Great-

outdoors, uma filosofia que nasce a partir do amor à natureza pela parte dos escritores

desta época, mas que ao contrário dos Ingleses, defendiam que a vida no exterior deve

ser preservada assim como os próprios espaços naturais para que as pessoas neles se

pudessem exercitar. Se não existem provas concretas de que isto foi uma invenção

americana, há no entanto o reconhecimento generalizado que foi aqui e nesta época que

nasceu um programa sistematizado de exercício ao ar livre que deram origem aos

princípios básicos de um life style ligado ao desporto ao ar livre.

No estado de Nova Iorque, do qual a cidade com o mesmo nome faz parte, encontra-

se uma das regiões dramáticas dos Estados Unidos da América. Denominada de

Adirondack, estas montanhas situam-se a norte da cidade e englobam quarenta dos

picos montanhosos mais elevados de toda a América, sendo o seu ponto mais alto o

monte Marcy. Grandes lagos, cascatas, uma imensidão de vida selvagem, rios

abundantes em trutas, florestas gigantescas de árvores de grande porte, enfim, todo um

cenário ideal que durante muito tempo inspirou lendas e inculcou os medos mais

diversos no imaginário das populações. Até ao século XIX, inclusive, toda esta área era

considerada tão perigosa e isolada que a sua visita era praticamente proibida, salvo

alguns eremitas e aventureiros mais destemidos.

A vida selvagem era vista com grande desconfiança e mesmo desdém pela grande

maioria das pessoas, só começando esta perspetiva a mudar com a influência do

Romantismo nos E.U.A., acordando a opinião pública para esta temática pela mão,

inicialmente, com livros como O último dos Moicanos de James Fenimore Cooper

(1789-1862)34

. Mais tarde irão aparecer nomes como os transcendentalistas35

Henry

David Thoreau (1817-1862) 36

e Ralph Waldo Emerson (1801-1882). Começam a

34

Este livro é uma narrativa passada em 1757, onde parte da ação decorre nas montanhas Adirondack e

dramatiza o fim de uma tribo indígena nos EUA. Nota de autor.

35 Ralph Waldo Emerson desenvolve uma filosofia chamada de transcendentalista em diversos livros que

abordam a temática numa “forma de introspeção metódica para se chegar além do eu superficial, para se

chegar ao eu profundo, ao espirito universal comum a toda a espécie humana”. Nota de autor.

36 Tradução livre. Thoreau, escreve entre outros o livro da desobediência civil em 1849, que muito

influenciará Gandhi na sua campanha contra a Inglaterra pela independência da India. Colliers

Encyclopedia, vol22, pág292.

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aparecer neste período seguidores das suas ideias, quem comece a considerar que a vida

selvagem pode ser uma fonte de renovação espiritual.

Henry David Thoreau, também ele transcendentalista, ao mesmo tempo que poeta,

escritor, historiador, filósofo e naturalista, irá antecipar os métodos e preocupações

ecológicas e ambientalistas do naturalismo. Aos vinte e sete anos decida ir viver num

terreno do seu amigo Emerson, nas montanhas Adirondack, à beira de um lago, onde

durante dois anos constrói a sua cabana, amassa e coze o pão que come, dedicando-se a

descrever a vida na floresta e a condenar a sociedade capitalista e mecanizada da época.

Desta experiência nasce um livro, que é publicado em 1854 com o nome de Walden ou

a vida dos bosques, que condensa todo este ceticismo em ralação ao progresso

tecnológico, ao embrião da sociedade de consumo que já era a América desta época.

Existe aqui já um maior radicalismo de posição em relação à abordagem de John Ruskin

ou William Morris mas a realidade dos E.U.A. era muito diferente, mais agreste, mais

selvagem, mais perigosa. Segundo autores como Thoreau ou Emerson só o radicalismo

das palavras por eles escritas podia mudar o curso dos acontecimentos.

Com esta intenção, e baseando-se em conhecimentos adquiridos na Europa através

da convivência com os seus congéneres deste continente, nomeadamente os Pré-

Rafaelitas, aliada a esta ânsia de espalhar a sua mensagem e convicções, os

transcendentalistas lançam uma revista periódica, a Dial, com inúmeras semelhanças à

Inglesa The Germ, fundando igualmente um clube literário, o Concord37

, a que

pertenciam além de Thoreau, Emerson e Margaret Fuller, muitos outros intelectuais e

escritores da época, tendo-se tornado mesmo um dos órgãos de maior influência na vida

intelectual americana do século dezanove.

Também William James Stillman (1829-1901) pertencia a este grupo. Era pintor e

jornalista, nascido em Nova Iorque onde estudou Arte. Em 1850, parte para Inglaterra

onde conhece e priva com John Ruskin, desenvolvendo uma estreita amizade, chegando

os dois a passar uma temporada na Suíça, onde residem por alguns meses dedicando-se

a desenhar e a pintar os Alpes. É também durante esta estadia que Stillman é

37

Tradução livre. O nome deste círculo literário deve-se ao fato de eles viverem maioritariamente numa

pequena cidade do mesmo nome no estado do Massachusetts, onde Ralph Waldo Emerson, o pai do

transcendentalismo acaba a viver até ao fim dos seus dias numa atitude contemplativa, algo que todo o

grupo professava. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION - Colliers Encyclopedia.

U.S.A. : 1969. vol. 7, p.26 – vol. 22 , p.p. 405-406.

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apresentado a Turner e deixa-se influenciar igualmente por Rossetti e, acima de tudo,

por John Everett Millais, figura tutelar dos Pré-Rafaelitas e autor de Ophelia,

provavelmente a obra mais emblemática deste grupo. De volta aos Estados Unidos, já

em 1857, Stillman passa todo esse verão a pintar em torno do Lago Raquette, nas

montanhas Adirondack, e, no ano seguinte, volta com um grupo de amigos, instalando-

se num local que passará a ser conhecido como o Campo dos Filósofos. O grupo incluía

Emerson, James Russel Lowell, Louis Agassiz e Oliver Wendell Holmes.

Mas foi William Henry Harrisson Murray (1840-1904), ou Adirondack Murray como

ficou celebrizado, quem mais contribuiu para popularizar as montanhas Adirondack,

através de uma série de livros que conheceram grande sucesso, nomeadamente

Adventures in the Wilderness e Camp Life. Este enorme sucesso literário ajudou a

promover o gosto pela vida ao ar livre, sendo Murray conhecido como o pai do

movimento Outdoor e também um dos fundadores do movimento para a conservação da

Natureza.

Este abraçar dos valores naturais, esta procura de algo mais transcendental que meros

bens materiais, o romancear da vida quotidiana e a fuga aos grandes centros urbanos faz

com que um estilo de construir, tanto em arquitetura como no mobiliário, encontre

grandes semelhanças com o movimento Arts and Crafts na Europa, se bem que aqui

podemos observar uma ainda mais marcada rusticidade que, por vezes, pode ir ao uso

quase total de madeiras não tratadas, algumas delas nem sequer descascadas, ao mesmo

tempo que o mobiliário apresenta uma total ausência de ornamentos. Inicialmente as

cabanas nas montanhas Adirondack eram feitas exclusivamente pelos proprietários com

a madeira das gigantescas árvores circundantes, de uma maneira simples.

O próprio Charles Mackintosh, no seu livro Book of Garden, afirma que “os assentos

rústicos devem ficar confinados aos cenários rústicos” e “ É praticamente inútil

empregar um carpinteiro para fazer este tipo de mobiliário”38

, demonstrando neste livro

a diferença enorme de estilos e o quase desprezo que alguns dos protagonistas do Arts

and Crafts do Reino Unido sentiam por esta versão, para eles mais pobre.

38

Tradução livre. ABRAMS , Harry N. , GILBORN , Craig – Adirondack Furniture and the Rustic

Tradition. New York : Inc. Publishers, 1987. p.p. 28-29.

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45

Todo este voltar às origens, à nostalgia do passado, à verdade dos materiais, a um

gosto revivalista, encontra eco no movimento Arts and Crafts, embora a um nível mais

conceptual, pois, nos E.U.A., apesar de também se fazer a apologia do artesão-artista,

em termos formais o historicismo que se faz valer é o da própria mitologia americana,

com temas como o do caçador romântico e menos a tendência “medieval” que se via na

Europa (não obstante o estilo neogótico se encontrar presente em inúmeras peças de

mobiliário deste período e desta região dos E.U.A.).

À medida que vai crescendo a apetência por estes refúgios remotos, por estas “mecas

selvagens para eremitas pálidos”39

, e se vai diversificando o tipo de pessoas que a eles

acorrem, a construção das casas e do próprio mobiliário muda e complica-se, sendo

cada vez mais feita por artesãos especializados e menos por curiosos.

Madeira não tratada, cascas de árvores, troncos em estado natural, e às vezes mesmo

animais empalhados, tudo é permitido para conferir um carácter “verdadeiro, rústico”,

menos formal, a um mobiliário que com certeza deixaria os seus antepassados

vitorianos muito pouco à vontade, afastando-se bastante do Arts and Crafts de William

Morris.

Apesar dos movimentos Arts and Crafts e Adirondack apresentarem inúmeras

diferenças ao nível da forma (chegando-se muitas vezes em nem se conseguir relacionar

os dois), encontram uma base intelectual comum, tendo inclusivamente a maioria dos

seus protagonistas convivido fisicamente, contactando com as ideologias de cada um. É

pois inquestionável a miscigenação de ideias e conceitos entre os dois lados do

Atlântico, salvaguardando, no entanto, as diferenças culturais e mesmo históricas

inerentes a cada um destes movimentos.

39

Henry Hudson Holly, Arquiteto, 1863. Nota do autor.

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III. A chegada da sociedade de consumo, um percurso irregular

Em menos de um século, assiste-se, portanto, à transformação de uma sociedade

rural, quase feudal em alguns lugares, para uma sociedade em que se esbatem as

barreiras sociais e financeiras e onde um cada vez maior número de pessoas dispõe de

excedentes de rendimento que possibilitam consumos nunca antes imaginados.

Se já anteriormente, os vários agentes, fossem eles culturais ou comerciais, se tinham

começado a aperceber da importância da publicitação daquilo que faziam e queriam que

fosse consumido, agora esse entendimento torna-se, não só generalizado, como

condição fundamental às hipóteses de crescimento ou mesmo de sobrevivência de

qualquer negócio.

A luz elétrica, os transportes, públicos e privados, as lojas de venda direta ao público,

todas estas novidades contribuem para a melhoria da vida nos centros urbanos,

facilitando o acesso das populações aos bens de consumo e criando ao mesmo tempo

uma necessidade constante e crescente de novos produtos, o que era fundamental para a

Fig. 12: Obra de Barbara Kruger

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manutenção das inúmeras Industrias que nasciam todos os dias, ao lado das já veteranas,

que necessitavam igualmente da manutenção de novos mercados para continuarem em

crescimento e não morrerem.

“Novos meios de transporte, como comboios e carros, contribuíram igualmente para o novo

sentimento de vida quotidiana. A tecnologia e o design trabalharam lado a lado para facilitarem

a transformação do impacto visual e do tecido material no ambiente urbano, que por sua vez

teve um efeito transformador naqueles que o experienciaram” Penny Sparke1.

Mas, se por um lado, as pessoas viam o seu rendimento crescer, criando uma nova e

gigantesca classe média, incrivelmente otimista, por outro lado, é também verdade que

as classes sociais nunca chegaram a desaparecer definitivamente. Antes pelo contrário,

com todo este novo poder de compra, surge a necessidade de adquirir e a vontade de

mostrar todo o tipo de novidades, separando uns daqueles que ou não têm o mesmo

acesso ou não têm a cultura necessária para compreender como o podem fazer.

A chegada da luz elétrica permite expor os produtos com maior destaque e começa a

aparecer o chamado window shopping, ver as montras, o deambular pelas ruas para ver

as novidades apresentadas pelos grandes armazéns que nesta altura começam a surgir

um pouco por todos os centros das grandes cidades. Passa a fazer parte de um passeio

de fim-de-semana uma ida a estes novos lugares de peregrinação para as famílias

abastadas ou simplesmente pelas mulheres destes novos empresários com tempo e

dinheiro de sobra, que se fazem acompanhar pelas suas damas de companhia enquanto

descobrem novas maneiras de gastar fortunas que as inscrevam nesta nova classe de

pessoas informadas e cultas.

Em 1899, talvez pela primeira vez, Thorsten Veblen2, tenta condensar num texto os

aspetos fundamentais desta nova classe social, a que chama Theory of the leisure class,

algo como A teoria da classe do lazer, onde procura descortinar os fatores que

1 Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.16.

2 Tradução livre. Thorsten Veblen é considerado o fundador da economia institucional, um método que

assenta na crença que as verdades eternas são na realidade produtos de instituições especificas e

transitórias, pois não é natural ao homem trabalhar, a não ser esta nova classe de lazer que tem que o fazer

para consumir. Quando o homem consome, não é porque realmente necessita de algo mas porque ao fazê-

lo está a declarar pertencer a certo grupo, certa classe. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL

CORPORATION - Colliers Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol 23, p.50.

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contribuíram para o nascimento do que ele chama de consumo conspícuo, um sistema

intrincado de regras de aceitação sociais baseadas na aparência e no consumo

desenfreado, sempre alimentado pela novidade, de maneira a não refrear o mesmo,

aliado ao tempo que se dispõe de lazer e os meios para satisfazer esse mesmo tempo,

fazendo isto tudo um novo paradigma de sociedade, muito diferente daquela que até

então tinha vigorado. Apesar de não se focar especificamente em questões de design,

aborda esta questão sob vários pontos do consumo, sejam eles a moda ou a decoração

de interiores, passando um pouco por todos os tipos de objetos produzidos

industrialmente. Para manter os elevados níveis de produção era fundamental, não só

encontrar novos mercados, mas também criar nos consumidores uma sensação de

descontentamento constante, fazendo com que procurassem novas maneiras de se

satisfazerem. Como afirma Penny Sparke, “O papel da cultura material é fundamental

na manutenção da estabilidade da sociedade…”3.

É agora o momento em que as revistas tomam um protagonismo nunca antes visto,

servindo como veículo preferencial na proposta de todo o tipo de novos produtos e

experiências, tentando alcançar grupos e mercados específicos com as suas publicações,

fossem de moda ou de produtos para o lar.

É também por esta altura que começa a aparecer, pelo menos de modo mais

elaborado e sistemático, os princípios daquilo que se virá a denominar de técnicas de

marketing, no sentido de atribuir valor e desejo aos produtos, fazendo com que as

massas por eles anseiem, mesmo se pouco tempo antes nunca tivessem sentido

necessidade ou mesmo ouvido falar deles. Criar um ambiente idealizado constituído

exclusivamente por produtos comercializáveis por este ou aquele armazém são técnicas

que começam a fazer parte de um sistema criado nessa altura e que ainda nos dias de

hoje não parou de evoluir. Esta forma de branding, talvez por ter aparecido nesta época,

ou por ter apresentado contornos tão agressivos, vai fazer com que, por vezes, os

produtos venham a ser conotados com esta ou aquela marca, de tal forma que acabam

por adquirir o próprio nome da marca, não sendo possível separá-los. Nas palavras de

Penny Sparke “Esta é a era em que nomes de companhias, usadas como marcas, Kellogs

3 Tradução livre. SPARKE, Penny – an introduction to design and culture. New York : Routledge,

1986. p.22.

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49

ou Hoover entre elas, substituem o nome dos próprios produtos na cabeça dos

consumidores”4.

É portanto neste começo de século XX, tão pródigo em transformações tecnológicas,

mas também intelectuais, artísticas e sociais, que se definem os contornos daquilo que

virá a ser a cultura ocidental em inúmeros aspetos. Lançam-se as bases da nova

sociedade que em muitos aspetos se confunde com a própria cultura de consumo, sendo

por vezes difícil entender onde se separam os contornos de cada uma delas.

O mundo mudou, apesar dos esforços de inúmeros protagonistas da sociedade para

que tal não acontecesse, ou pelo menos acontecesse mais suavemente. Foi posta em

marcha uma revolução de tal dimensão que ninguém podia prever o desfecho ou as

consequências para a evolução da sociedade. Este vai ser o caminho, mais ou menos

progressivo, de toda a sociedade ocidental, com sérias convulsões, como a primeira

Guerra Mundial ou a Grande Depressão nos E.U.A. No entanto, somente com a segunda

grande guerra e o seu fim, e com todas as suas implicações, é que se vai assistir

verdadeiramente a outro momento de tão abrupta mudança, com profundas repercussões

a todos os níveis, atingindo a totalidade do planeta num começo de uma globalização

nunca antes experienciada.

4 Tradução livre. Ibid., p.23.

Fig. 13: Obra de Barbara Kruger

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50

IV. A América na vanguarda da modernidade

IV.I. As vanguardas europeias e a diferente realidade americana

Se o Arts and Crafts e outros movimentos similares deixaram sementes e formas de

interpretação do mundo que, ainda hoje, perduram um pouco por todos os campos da

cultura material, não é menos verdade que o idealismo que se vem impor, em seguida,

se tenha igualmente disseminado por todo o planeta sob várias formas, sendo de tal

modo rico e complexo, que ainda hoje faz sentir os seus efeitos em vários aspetos da

própria organização da sociedade.

Trata-se do movimento moderno, pensado e desejado por esses pioneiros idealistas

que, apoiados na racionalidade e numa objetividade científica, acreditavam que a idade

da máquina aplicada à construção das cidades e tudo o que a elas pertencia, resolveria

todos os problemas dos que ai afluíssem e vivessem. Estas cidades seriam locais de

grande concentração populacional, mas, acima de tudo, mega- incubadoras de ideias

aplicadas ao melhoramento da vida de todos, apoiadas numa concentração de meios

aliados a uma industrialização sempre em marcha. Estes movimentos apareceram um

pouco por toda a Europa, com especificidades próprias consoante a realidade politica,

social e cultural de cada país, mas partilhando, todos eles, uma posição comum na luta

pela modernização e transformação da sociedade, através de propostas até então nunca

sequer imaginadas.

Se em Itália podemos falar de Futurismo, movimento que começou numa vertente

literária, consequência explosiva resultante do manifesto de Fillipo Tomasso Marinetti

(1876-1944), um poeta que pagou a primeira página do jornal francês Le Figaro, de 20

de Janeiro de 1909, para aí publicar A Fundação e o Manifesto do Futurismo, e se

estendeu às artes gráficas, pintura, design, enfim, a toda uma cultura urbana industrial,

só tendo esmorecido posteriormente com as ligações do seu fundador ao fascismo de

Mussolini.

Já na Holanda, o movimento influente deste período apresentava-se muito mais

cerebral, quase com uma base religiosa, um pouco à maneira do movimento Arts and

Crafts de Morris, acreditando numa comunicação direta entre Deus e a alma humana,

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teorias que também irão influenciar a Bauhaus de Walter Gropius1. Podemos considerar

Gerrit Rietveld (1888-1964) e Piet Mondrian (1872-1944)2, respetivamente designer e

pintor, como os expoentes máximos deste grupo, que através do uso exclusivo de cores

primárias e linhas direitas, geométricas, promovem uma estética mais purista e formal.

Um dos objetos mais representativos de todo o movimento moderno no mundo é a

cadeira azul e vermelha de Gerrit Rietveld3.

Também os russos têm uma palavra forte a dizer nesta época de todas as revoluções,

tendo precisamente a revolução bolchevique de 1917 desencadeado uma série de

transformações profundas numa região que mais tarde virá a ser conhecida por União

Soviética e que, neste período, ainda vê como vantajoso, na sua imensa máquina de

promoção, dar carta-branca a todo o tipo de intelectuais e artistas para se manifestarem

livremente sobre aquilo que acham que deveria ser a construção de uma sociedade

moderna, livre dos empecilhos de séculos de estrangulamento feudal e aristocrático.

Este movimento, que leva o nome de construtivismo, além dos princípios modernistas

que o regiam, teve ligações de grande proximidade e cumplicidade com as suas

congéneres europeias, nomeadamente o De Stijl, na Holanda, e a Bauhaus na Alemanha.

Outra característica comum a todos estes movimentos modernistas é a sua extrema

habilidade na manipulação dos meios de comunicação para difundir as suas mensagens

(talvez o exemplo mais óbvio seja o fato de um poeta comprar uma primeira página de

um jornal para publicar o seu manifesto), e a sua noção de que a interatividade entre os

vários campos, da cultura e das artes, além de criar uma maior homogeneidade de

conceitos, cria ao mesmo tempo um maior poder de persuasão junto dos públicos,

ampliando igualmente a visibilidade geral da mensagem.

1 Tradução livre. Arquiteto alemão nascido a 18 de Maio de 1883, trabalhou com Peter Berhens, um dos

pioneiros do funcionalismo. Fundou a escola da Bauhaus sob os mesmos preceitos e rapidamente se

tornou famosa além- fronteiras com muitos alunos a quererem nela ingressar. No entanto Gropius não

tentou construir uma doutrina de estilo, mas antes criar um método que fosse aplicado para que cada

aluno desenvolvesse o seu próprio caminho. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION

- Colliers Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol 11, p.464.

2 Tradução livre. Pintor abstrato Holandês, os anos que conviveu com Picasso em Paris levam-no

abandonar o Naturalismo e abraçar a geometria analítica como método de pintura. Os seus quadros com

esquemas de formas geométricas azuis, vermelhos e amarelos com linhas pretas são os mais conhecidos

da sua obra. Colaborou com a revista De Stijl, pertencente ao grupo com o mesmo nome, onde publicou a

maior parte dos seus escritos. Ibid., vol.16, p.441.

3 Gerrit Rietveld mandou produzir esta cadeira em 1918, pela firma holandesa Van de Groneken,

pertencendo os direitos de produção desde 1973 á empresa Italiana Cassina. Nota do autor.

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52

Todos eles mostram realmente um domínio no mister de divulgação e

aperfeiçoamento de imagem, a veicular segundo os seus interesses; talvez por isso,

praticamente todos estes movimentos tenham acabado vítimas do seu próprio sucesso,

quando começaram ou a ser extintos por regimes que os veem como ameaças aos seus

discursos totalitários, como é o caso dos bolcheviques (que se sentem ameaçados por

qualquer tipo de pensamento libertário que contrarie os seus ideais), ou, dos regimes

fascistas, como o de Benito Mussolini (1883-1945), em Itália (que se apercebe do trunfo

que pode ser aliar-se a artistas como Marinetti, o que consegue com êxito), ou da

ascensão do nazismo na Alemanha, que se apodera da estética criada por Walter

Gropius (1883-1969) e a sua escola, a Bauhaus, que em derradeiro desespero, acaba por

se ir embora para os E.U.A., levando consigo alguns dos seus mais próximos

colaboradores, nomeadamente Mies Van der Rohe (1886-1969), designer, professor e

autor de uma das máximas do modernismo, Less is More4.

Os E.U.A. da década de 30 viviam uma realidade muito diferente da Europa. Nesta

altura, a componente industrial já tinha entrado em praticamente todos os quadrantes da

sociedade, e o design adquiria enormes proporções através de nomes como Raymond

Lowey (1893-1986)5, Walter Dorwin Teague (1883-1960), ou Norman Bel Geddes

(1893-1958)6, expoentes máximos de um estilo imposto num período de grande

expansão, daquela que estava prestes a transformar-se na maior superpotência do

planeta. No entanto, apesar de estes e outros designers americanos como Donald Deskey

(1894-1989) ou Henry Dreyfuss (1904-19727), já se preocuparem com muitas das

questões que interessavam os seus pares europeus, a América estava ainda refém

4 Frase que pertence originalmente a um poema de 1855 da autoria do poeta Robert Browning que foi

adoptada e popularizada por Mies Van der Rohe como uma das bases da Arquitetura e do Design

racionalista. Nota do autor.

5 Designer industrial, trabalhou para mais de 200 companhias e desenhou desde maços de cigarros a

frigoríficos, de carros a naves espaciais. Ele trabalhava segundo um princípio, o MAYA- Most Advanced

Yet Acceptable ( muito avançado mas aceitável). Nota do autor.

6 Designer industrial que também se aventurou em cenários para teatro e cinema, entre muitos outros

projetos. Em 1932 escreveu um livro muito influente no design industrial desde a sua edição até à

atualidade - Horizons. Nota do autor.

7 Entre os inúmeros projetos de design industrial que realizou, o mais conhecido é o desenho das

máquinas fotográficas Polaroid. Nota do autor.

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voluntária de um estilo que muito lhe agradava e que por muito tempo a influenciou, o

Streamline8.

O Streamline, depois de décadas, de algum desprezo, do seu surgimento, foi

resgatado nesta época de grande otimismo que se vivia nos E.U.A. a todos os níveis

(fosse económico, politico ou social), em que o orgulho de se pertencer a uma terra tão

fértil de ideias e liberdades, em comparação com uma Europa à beira de um cataclismo,

fazia com que, personagens como Lowey ou Teague fossem olhados com suspeita por

estes seus congéneres europeus, arautos da disciplina e rigor de conceitos e formas, em

detrimento de tudo o que fosse supérfluo e gratuito, na forma dos objetos.

É neste momento que se vão encontrar e defrontar dois opostos, duas ideologias, que

apesar de partilharem algumas semelhanças, não podiam diferir mais na essência. É

neste momento que acontece a Grande Feira de Nova Iorque de 1939, mostra e montra

preferencial da afirmação do poderio americano, onde o Streamline é ainda rei, talvez

em fim de reinado. Ao mesmo tempo que mostra centenas de empresas americanas,

também abraça as ideias de mais sessenta nações, sob o signo de “Uma visão de futuro”.

Não fosse esta uma produção americana, obviamente foi considerada pelos próprios

americanos como a maior feira universal até então. De fato, foi provavelmente o último

grande statement americano do estilo Streamline que dominou o design nos E.U.A. na

década de 30 a 40 e consagrou definitivamente o American way of life9.

IV.II. Os refugiados Europeus e o papel de Harvard na transformação cultural

dos Estados Unidos na vanguarda da modernidade

A influência do modernismo que nasce na Europa sente-se cada vez mais nos E.U.A..

A fuga da guerra aproxima os protagonistas do modernismo dos americanos, que

procuram uma nova identidade. Surgem nomes que irão, mesmo se de forma discreta,

marcar a direção para um novo caminho no modo como o design vai ser apreendido e

8 O Streamline pode ser considerado sobretudo um processo de design, na atribuição de formas

aerodinâmicas a todo o tipo de objetos, baseado em preceitos mais ou menos científicos que elas

melhoram o seu funcionamento, seja aplicado a automóveis, navios, aspiradores ou mesmo shakers para

bebidas. Nota do autor.

9 Pode-se traduzir por “ o estilo de vida Americano”, podendo-se ligar também ao “Sonho Americano”.

Nota do autor.

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percebido nas décadas que se seguem, contribuindo definitivamente para uma melhor

compreensão do valor que este tem.

O academismo reinante na maioria das escolas e universidades americanas era

sufocante, especialmente a arquitetura, que nas palavras de Eliot Noyes, “eram de um

neoclassicismo retrogrado que simplesmente mascarava os edifícios e não os repensava

realmente”10

.

Realmente este modo académico de ensinar está prestes a mudar quando Walter

Gropius deixa finalmente a Inglaterra onde se tinha refugiado após deixar a Alemanha

que o perseguia e é finalmente convidado para lecionar em Harvard.

Esta mudança faz com que rapidamente a escola de design de Harvard se afirme

como líder de um pensamento moderno nos E.U.A., dezoito anos depois do manifesto

da Bauhaus, também feito por Gropius, ainda na Alemanha. Este espírito de escola

original, de mudança radical na forma de ensinar, do uso da máquina em benefício de

toda a população, do domínio das técnicas artesanais até ao seu domínio e compreensão

absolutas, representa realmente uma lufada de ar fresco para todos estes estudantes

sedentos de mudança.

“Primeiro tornas-te um aprendiz, depois um oficial e só depois um mestre”

Esta é uma frase que Jane Thompson, uma colaboradora de Harvard neste período,

utiliza para descrever um dos lemas de Walter Gropius: somente depois de se conhecer

intimamente os materiais com que se vai trabalhar, assim como todas as técnicas

existentes para o fazer, das mais rudimentares às mais sofisticadas, é que se pode ter a

noção exata das suas potencialidades, não sendo possível, de outro modo, criar uma

nova linguagem para todas as formas da criação, seja na arquitetura, no design, na

cerâmica ou mesmo na escultura. É notória aqui a relação, a num certo nível conceptual,

de uma série de preceitos que também regiam os princípios dos mentores do movimento

Arts and Crafts, pelo menos no que toca a uma ideologia de honestidade em relação aos

materiais e às técnicas artesanais, e de uma pureza de sentimentos em relação à

transformação da sociedade. Gropius acreditava ainda na interligação dos vários campos

10

Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 28.

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profissionais, das disciplinas da criação e das científicas, e ele mesmo, apesar de ser

maioritariamente professor, também desenhava objetos, fazendo-o quase sempre em

conjunto com alguém.

Esta grande mudança no modo de ensino, esta espécie de casamento académico entre

o pensamento europeu e algum pragmatismo americano, trouxeram um otimismo sem

precedentes à comunidade universitária de Harvard, criando um grupo de novos

pensadores que deixavam cair velhos conceitos para abraçar estes novos ventos de

sabedoria.

Forma-se, por volta desta altura, um grupo que ficará para a História com o nome de

Os cinco de Harvard (Harvard Five), sendo os outros quatro o próprio Breuer, John

Johansen (1916-), Philip Johnson (1906-2005)11

e Landis Gores (1919-1991). Este

grupo de Arquitetos, a que mais tarde se irão juntar ainda Edward Larrabee Barnes

(1915-2004) e Ieoh Ming Pei (1917-)12

, será fundamental na cristalização dos preceitos

modernistas, estando convicto que esta mudança radical irá realmente alterar o

pensamento moderno em relação à arquitetura e ao design.

Num discurso proferido, em 1957, no Robinson Hall da universidade de Harvard,

Eliot Noyes, também ele aluno de Gropius e Mies Van der Rohe afirma:

“Provavelmente em 1932, ninguém nesta sala tinha sequer visto a cadeira em tubo

metálico que Breuer desenhou em 1925”13

. Noyes falava da cadeira Wassily 14

. É este

pensamento, que procura afastar o design de um neoclassicismo retrogrado, que irá

provocar mais tarde mudanças de atitude em toda a América, com estes arquitetos-

designers ao seu leme.

11

Foi um dos primeiros diretores do MoMA e o primeiro arquiteto a receber o prémio Pritzker, o mais

importante da arquitetura internacional, em 1979. Foi um dos responsáveis pelo chamado International

Style. A sua obra mais emblemática é a Glass House, projeto de 1949, que realizou como trabalho de

mestrado de arquitetura em Harvard sob a alçada de Marcel Breuer. Nota do autor.

12 Entre muitos outros projetos, é responsável pelo edifício do Banco da China em Hong Kong, sendo a

sua obra mais mediática o projeto de ampliação do museu do Louvre em 1988, para o qual desenhou uma

pirâmide em vidro no pátio principal. Recebeu o prémio Pritzker em 1983. Nota do autor.

13Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 40.

14 Marcel Breuer desenhou esta cadeira entre 1925 e 1927, construída em tubo cilíndrico de aço cromado.

O seu nome é uma homenagem ao pintor Wassily Kandinsky, que tinha sido seu colega na escola da

Bauhaus. Nota do autor.

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56

Outro professor que enorme importância teve na criação de uma nova escola e

método de ensino que iria influenciar toda uma geração de designers e arquitetos nos

E.U.A., foi Josef Albers (1888-1976), que entretanto se tinha igualmente tornado

professor em Harvard, também ele fugido de uma Alemanha cada vez mais perigosa

para todo o tipo de intelectuais que discordassem das politicas totalitários de um Hitler

em franca expansão com grandes planos de agressão a todos os que não se

enquadrassem no seu plano.

V.II.I. Eliot Noyes, um aluno de Harvard

No meio de todas estas trocas e energia intelectual que se vivia entre a Europa os

Estados Unidos Da América, encontrava-se um aluno que irá desempenhar um papel

fundamental no futuro da relação que os americanos irão ter com os objetos.

Eliot Noyes nasce em Boston, a 12 de Agosto de 1910, e vive toda a sua infância em

Cambridge, onde os seus pais são professores, mesmo ao lado de Harvard.

Em setembro de 1928, depois de acabar o liceu e viajar um pouco por toda a Europa

(Inglaterra, França, Suíça, Alemanha, Itália e Holanda), entra na universidade de

Harvard para estudar latim, grego e inglês. Desde a adolescência que Eliot queria ser

pintor e logo nos primeiros tempos em Harvard, faz parte de uma revista académica,

publicação humorística e satírica chamada Lampoon, onde faz todos os desenhos e

ilustrações.

No verão de 1931, frequenta a escola americana de Belas-Artes no palácio de

Fontainebleau, um edifício renascentista a cinquenta quilómetros de Paris. E estuda

inicialmente pintura e arquitetura, mas, através de um professor que muito o irá

influenciar, o professor M. Labatut, Noyes vai abandonando a pintura e começando

cada vez mais a interessar-se pela arquitetura. Em 1932, já frequenta o curso de

arquitetura da universidade de Harvard, voltando, no verão de 1933, mais uma vez à

escola de Fontainebleau, onde, no entanto, devido a um academismo exacerbado por

parte deste estabelecimento e ao espírito antiquado do próprio currículo, sente-se cada

vez mais desiludido com a disciplina. Regressa ao curso de arquitetura, mas com esta

disciplina cada vez mais longe do seu pensamento. Nas suas próprias palavras, “Não era

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o tipo de arquitetura que oferecesse soluções atuais para os problemas atuais”15

. Noyes

estava realmente convencido que o que ensinavam nestas academias arcaicas e caducas

não tinha absolutamente nada a ver com o que era necessário saber nos dias atuais, o

que tornava os cursos totalmente irrelevantes e superficiais.

Existe, no entanto, alguém que Noyes admira no plano nacional, o arquiteto Frank

Loyd Wrigth (1867-1959)16

. De resto, toda a sua admiração vai para a Europa, para

nomes como Walter Gropius e Mies Van Der Rohe na Alemanha, Alvar Aalto (1898-

1976), na Finlândia, ou Le Corbusier (1887-1965), em França, que considera

verdadeiros profetas, os arautos do movimento moderno, os modernistas que quer ver

influenciar a América com os seus conceitos inovadores e palavras de ordem como

Form follows function17

, ou uma das expressões mais célebres de Le Corbusier, As

casas como máquinas para viver18

.

Noyes, cada vez mais descontente com o modo de fazer e ensinar arquitetura nos

Estados Unidos, um neoclassicismo retrogrado que simplesmente mascarava os

edifícios e não os repensava realmente, decide que é na Alemanha que deve estar e

aprender com os mestres, tentando ingressar na Bauhaus, “a única escola que parece

fazer sentido em termos de século XX”19

. No entanto, tal não se concretiza, pois o

nazismo encontra-se numa ascensão total, ameaçando arrastar a Alemanha para um

conflito com toda a Europa e mesmo com o Mundo.

Esta impossibilidade de continuar os estudos na Europa desgostam-no e afastam-no

do seu percurso, aceitando um trabalho que o irá levar para a Pérsia, atual Irão, estadia

essa que acaba por ser de apenas dezoito meses e quando, em 1937, regressa a Harvard

15

Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 27.

16 Considerado um dos arquitetos mais importantes da América do século XX, o seu percurso começa

com Louis Sullivan e a célebre escola de Chicago, afastando-se depois deste estilo para criar uma

arquitetura mais orgânica, mas sempre dentro da linguagem do modernismo. Os seus exemplos mais

emblemáticos são a casa da cascata e o Museu Solomon Guggenheim em Nova Iorque. Nota do autor.

17 ( A forma nasce da função, ou, a forma segue a função). Nota do autor.

18 Tradução livre. Curiosamente, o único edifício construído por Le Corbusier nos EUA foi o Centro das

Artes Visuais da Universidade de Harvard. CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION -

Colliers Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol 14, p.436.

19 Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 29.

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para continuar os estudos, drásticas mudanças tinham aí acontecido. Walter Gropius, o

fundador e mentor da Bauhaus, a escola mais importante do pensamento moderno do

momento, tinha-se mudado para os Estados Unidos e tornado chairman e professor da

escola de design da universidade, trazendo ainda consigo Marcel Breuer (1902-1981)

como professor associado.

Se Noyes não tivesse desistido de estudar durante dois anos não se teria cruzado com

aqueles que viriam a ser os seus mentores, num momento em que a vida académica de

Harvard estava prestes a mudar radicalmente, nomeadamente na postura por parte dos

seus docentes, que os afastaria totalmente de todas as outras escolas americanas, onde

ainda era o estilo Beaux-Arts que imperava.

Mas de todos eles o que mais influenciou Noyes, mesmo se à distância, foi Le

Corbusier com o seu pensamento original sobre o papel das cidades, do próprio

urbanismo na evolução da espécie humana, assim como todo o seu trabalho como

arquiteto e o contributo gigantesco que deu para a construção do pensamento moderno.

Noyes via-o como figura central.

É pois neste período que Noyes vai absorver todas os princípios, todos os

fundamentos deste pensamento que transitam da Bauhaus original para a “sucursal”

americana, guardando-os ao longo de toda a sua vida profissional, mesmo se com

algumas modificações (quando sentia que se justificavam), mantendo no entanto o

espírito básico inerente, seja em arquitetura, em design, ou mesmo, no modo de pensar

o que deveria ser a cultura material.

É importante realçar que Noyes não ficou refém do formalismo estrito da Bauhaus,

adicionando-lhe o seu próprio pensamento humanista e as influências que foi adquirindo

ao longo das diversas experiências que viveu nas várias áreas profissionais, para além

da sua educação clássica, conseguindo fundir esse passado clássico com a Bauhaus de

Gropius e Breuer e ainda o pensamento de Le Corbusier.

Esta habilidade de olhar para trás não descuidando os desafios que o futuro promete,

conseguindo mudar as regras assim os desafios o vão exigindo, habilitam Noyes não só

a identificar problemas e desafios que surgem no campo do Design, assim como suas

respetivas soluções.

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59

É este Eliot Noyes, que depois de todas estas influências, viagens e conhecimentos,

se vai encontrar na posição mais desafiadora e definidora da sua carreira: o lugar de

diretor do recém-criado departamento de design do Museu de Arte Moderna de Nova

Iorque, mais conhecido por MoMA.

IV.III. O MoMA e a transformação da cultura material nos EUA

Mesmo se a partir dos anos 30 do século XX tenha sido um dos primeiros museus a

colecionar objetos de design e, em 1936, tenha feito uma exposição onde se enalteciam

as qualidades não só estéticas mas acima de tudo técnicas do vidro e as suas

potencialidades infinitas na construção, o facto é que, muito à semelhança de outras

instituições como por exemplo a universidade de Harvard, também o MoMA20

padecia

de alguma apatia e dificuldades conceptuais, dominado há décadas por forças

conservadoras e classicistas, que não tinham qualquer interesse em alterar o status quo

daquela instituição.

Um dos fundadores e primeiro diretor do MoMA, Alfred Hamilton Barr JR (1902-

1981), historiador de arte, estava interessado em alguém para chefiar o departamento de

design desta instituição, que pudesse desafiar o funcionamento e mentalidades vigentes,

que não tivesse medo de mudar a ordem estabelecida. A.H. Barr tinha estado na

Alemanha e visitado a escola da Bauhaus, tendo na altura ficado muito bem

impressionado e surpreendido, não só pelo rigor e formalismo que apresentava no seu

currículo mas acima de tudo pela interação que existia entre as várias disciplinas e o

casamento feliz que parecia haver entre o projeto e o trabalho manual, algo que nesta

altura nos E.U.A. seria totalmente impensável numa escola de arte ou design.

A. H. Barr tinha a intenção, pelo menos numa primeira fase do projeto, de proceder a

uma maior integração da coleção do museu, entre a pintura, a escultura, as artes

gráficas, a arquitetura e aquilo que na altura se denominava de artes industriais e

20

O Museu de Arte Moderna, mais conhecido por MoMA, em Nova Iorque, foi fundado em 1929 por três

patronos das Artes: John D. Rockefeller, Cornelius J. Sullivan e Lillie P. Bliss decidiram criar uma

instituição dedicada a Arte moderna e ao serviço educacional. Hoje contém mais de 150.00 peças, entre

pintura, escultura, design fotografia e outros. Nota do autor.

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comerciais. Até então, o departamento de design não era mais que uma simples

extensão do departamento de arquitetura, estando a direção interessada em mudar isso.

Foi esta a razão que o levou ao atelier de Walter Gropius, buscando conselho de

quem poderia ser a pessoa certa para chefiar o departamento recém-criado pelo museu.

Gropius apresentou Noyes como a escolha mais racional.

É quase automática a relação e amizade de Eliot Noyes com um dos nomes maiores

da instituição neste período, e habitualmente mais referido na responsabilidade dos

projetos assumidos por Noyes nos primeiros anos da sua estada no MoMA, Edgar

Kaufmann Jr (1910-1989)21

. De fato, Kaufmann começou a sua colaboração com o

MoMA três anos antes de Noyes e o fato de pertencer à família detentora dos grandes

armazéns Kaufmann, faz com que a visão comercial que traz com ele muito agrade a

Eliot Noyes. Nas palavras de Noyes, escritas num memorando a Alfred Barr em 1941

ele afirma: “Edgar Kaufmann dos armazéns Kaufmann foi particularmente útil na

orientação prestada através da complexidade dos métodos da venda a retalho e nos

fatores económicos e outros que se tem de ter em conta”22

.

As ideias e opiniões de Eliot Noyes encontravam-se em perfeita consonância, não só

com a escola de Gropius por quem Barr tinha enorme admiração, assim como com o

movimento modernista em geral. O MoMA encontrava-se neste momento muito mais

alinhado com o pensamento e estética Europeia, na sua atitude em relação ao Design,

que com as estrelas do momento, nomes como Raymond Lowey, Norman Bel Geddes

ou walter Dorwin, os mestres indisputados do Streamline, ainda vigente e muito em

voga nos E.U.A., mas com valores repudiados por quem tanto admirava o trabalho de

Le Corbusier ou do próprio Gropius.

Com uma enorme vontade de contrariar este ainda vigente Streamline, vai ser dada

quase carta-branca a Eliot Noyes para, baseado numa atitude e em valores muito mais

sóbrios e discretos, criar e desenvolver, com total liberdade, este novo departamento.

21

Kaufman foi Diretor do departamento de Design industrial do MoMA e o responsável oficial pela

competição do Design Orgânico de 1941. Foi também o pai de Kaufman que em 1936 encomendou a

“Casa da Cascata” a Frank Loyd Wrigth. Nota do autor.

22 Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 58..

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61

Assim que Noyes começa a trabalhar, um dos seus primeiros atos é escrever uma

carta a um dos mais importantes patronos da instituição, Nelson A. Rockefeller (1908-

1979), pedindo-lhe tempo para, antes de tudo, estudar as intrincadas regras de

funcionamento, não só da própria profissão de designer industrial, visto ele ser

arquiteto, mas também as relações destas com os outros departamentos e ainda as

relações do design com a indústria e o comércio. Noyes visita inúmeras fábricas e

manufaturas, mas também grandes armazéns de revenda, lojas, organizações de

consumidores e mesmo revistas sobre os mais diversos assuntos relacionados com todos

os ângulos que pudessem estar relacionados com o tema, tudo isto com a intenção de

perceber a fundo o funcionamento, as inter-relações e as interdependências do meio

com que começava agora a lidar.

Deste longo estudo de quase dois anos (1940/41), da convivência e amizades

forjadas, ao longo de todo este percurso, com os vários tipos de intervenientes e

protagonistas do meio, Noyes surge com uma ideia que irá marcar a sua estreia no meio

cultural de Nova Iorque e mais tarde em todos os E.U.A.: A exposição Objects under

10$ (Objetos por menos de 10 Dólares).

IV.IV. Eliot Noyes, o curador de duas exposições revolucionárias na valorização

dos objetos

IV.IV.I. Objetos americanos por menos de dez dólares

“O departamento de design industrial começou a operar funções separadas do Museu

de Arte Moderna (MoMA) em Março de 1940. O objetivo do novo departamento era

trabalhar não só do ponto de vista de um museu, mas, mais importante, entrar no mundo

ativo do design e tornar-se uma força vigorosa na influência e orientação do Design

contemporâneo”. Eliot Noyes, 7 de Abril de 194023

.

Esta é a mensagem que Eliot Noyes manda ao presidente do MoMA, John Hay

Whitney (1904-1982), onde está patente a ideia para a primeira exposição a ser

produzida pelo departamento de design, uma exposição despretensiosa, simples, que

23

Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 60.

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62

mostrasse objetos banais, de uso quotidiano, desenhados e produzidos exclusivamente

nos E.U.A., e que se pudessem comprar em qualquer grande armazém de qualquer

cidade dos Estados Unidos, com a particularidade de cada um deles custar menos de 10

dólares.

Esta exposição pretendia, para além de mostrar a óbvia vitalidade das empresas

americanas e o melhor que elas produziam, pôr sobretudo em manifesto os objetos ditos

banais, de uso corrente, também tinham um desenho, uma história, um lugar entre os

outros, tantas vezes tão aclamados somente pela sua opulência e riqueza. Estes não eram

apenas “coisas” desprezíveis num mundo cada vez mais de consumo imediato.

Em simultâneo com a exposição, Noyes preparava a abertura de uma galeria no

MoMA, uma “exposição permanente mas temporária”, onde figurariam objetos bem

desenhados, alguns presentes na exposição, mas não só, figurariam também objetos em

geral que estivessem a ser produzidos e de acesso fácil. Vislumbra-se aqui a primeira

tentativa de abrir uma loja de museu, com produtos industriais, legitimando-os e

conferindo-lhes um estatuto de design, pelo simples fato de se encontrarem á venda

num museu, uma prática hoje comum a todos os museus, de design, ou outros, que

contribui de maneira expressiva para os cofres das instituições. Beneficiam as

instituições mas também os próprios designers, que aí encontram uma montra

privilegiada para os seus produtos, criando assim um ciclo quase completo na

divulgação, oferta e consumo do design. Noyes pretendia com esta ideia criar receitas

adicionais aos tradicionais bilhetes de entrada, canalizando-as para o departamento de

design, tornando-o aos poucos menos dependente financeiramente e consequentemente

mais autónomo, ao mesmo tempo que promovia o design a uma maior escala.

Interessava, pois, a Noyes, aumentar e melhorar a coleção de design permanente do

museu, que, aos seus olhos, era incompleta. A alimentação constante de novos produtos

que se conseguiriam apurar com a criação de um prémio de design atribuído pela

própria instituição, mas com recurso a um júri mais alargado que as paredes

académicas, poderia contribuir para esse fim.

Por outro lado, um prémio regular de design para os melhores produtos, incentivaria

não só os designers, mas acima de tudo os produtores a melhorar constantemente a

qualidade dos produtos.

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63

De realçar ainda o serviço educativo que se encontrava em marcha, especialmente

dedicado às crianças e aos jovens estudantes, sujeitos preferenciais, para transmitir

desde cedo tudo ao que à cultura material concernisse.

No fundo, o que Noyes queria mesmo com todas estas iniciativas era promover o

design americano, mostrando a um público, o mais generalizado possível, que o Bom

Design, afinal era mais fácil de ser encontrado em qualquer lado do que se supunha, e

não tinham de ser apenas os mais afortunados cultural ou financeiramente que podiam

ter acesso ao mesmo.

Noyes era o verdadeiro democratizador do design, tentando criar uma relação que

antes não havia, entre designers, produtores, curadores e consumidores em geral.

Rapidamente se apercebe que esta ligação, entre a criação e a produção pode ser

benéfica para ambos os lados, assim como para a sociedade em geral.

“O museu deve ter um papel ativo na promoção e comercialização do bom design, (…),

encorajando designers a produzir melhores produtos, produtores a desenvolvê-los e vendedores

a tê-los nas lojas. Tem de ser também uma força na educação do público, encorajando-o a usar o

seu poder de compra como um estímulo ao bom design”24

.

24

Tradução livre. NOYES, Eliot. In BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and

architecture in the age of American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 63.

Figs. 14 e 15: Exposição Objects under 10$ no MoMA

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64

IV.IV.II. Concurso e exposição do design orgânico

Após o sucesso desta algo modesta exposição, no que toca a recursos e mesmo área

expositiva, sucesso esse que começa a estabelecer a reputação de Noyes como um

grande impulsionador, defensor e promotor do design Made in America, um

acontecimento aparentemente trivial vai empurrá-lo numa direção nunca antes por ele

imaginada. A cadeia de armazéns nova-iorquinos Bloomingdales procura-o com a

intenção de convidá-lo a juntar um grupo de jovens designers para desenhar uma

coleção de produtos a ser comercializada nas suas lojas.

Nas palavras de Gordon Bruce25

,a par de uma consciencialização da inexistência de

um diretório em condições os designers existentes na América e da necessidade de o

fazer, surge, assim, a ideia de que o lançamento de um concurso nacional para o

desenho de produtos irá, não só reunir o maior número de trabalhos, como dar uma

perceção da quantidade e qualidade do que se está a fazer pelo país. Rapidamente este

concurso se estende ao resto de América do Norte e mais tarde à América do Sul. Tal

permitiu rastrear com alguma minucia todos os designers interessados, ao mesmo tempo

que contribuiu para dignificar os princípios utilizados na construção de uma coleção de

design, que irá ser mostrada num museu e comercializada paralelamente, evitando

críticas menos favoráveis.

É possível considerar esta como a primeira grande exposição de design do MoMA,

com curadoria de Noyes, já que a exposição American objects under 10$, além das suas

dimensões reduzidas, não detinha qualquer objeto de desenho original, sendo

constituída exclusivamente por objetos já existentes no mercado.

É também este o primeiro momento em que jovens e promissores designers,

arquitetos que nunca antes se tinham aventurado no design, aliados a nomes já firmados

no mercado, se juntam sob o lema do Organic Design, um termo que deve ser aplicado,

segundo palavras do próprio Eliot Noyes, “Quando existe uma organização harmoniosa

das partes num todo, de acordo com a estrutura, o material e a função”26

.

25

BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of American

modernism. London : Phaidon, 2006. p. 66.

26 Ibid., p. 67.

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65

Quando o concurso The Organic Design In Home Furnishings Competition é

lançado, o sucesso é de tal modo automático que são entregues 900 candidaturas e mais

de 4.500 desenhos técnicos. Entre elas encontravam-se propostas de Charles Eames e

Eerio Saarinen.

Eliot Noyes está igualmente ciente da extrema importância que os média têm na

divulgação e promoção das suas ideias, e ao longo de todo este processo, como já antes

o tinha feito na exposição American objects under 10$, desdobra-se em entrevistas e

artigos para jornais e revistas, generalistas ou da especialidade, participa em programas

de rádio, tudo mecanismos importantíssimos para assegurarem o sucesso do projeto.

É criado um júri que vá apreciar, não só os desenhos do ponto de vista estético, mas

acima de tudo pela inovação e características técnicas, com vista à sua produção em

massa. Para tal são convidados Alfred H. Barr Jr, diretor do MoMA, Catherine Bauer

(1905-1964)27

, Marcel Breuer, Edgar Kaufman Jr (1910-1989), Edward Stone (1902-

1978)28

, e ainda Frank Parrish29

. Ao longo do processo de avaliação, Noyes controlou

todas as fases, de modo quase obsessivo, para que nada fosse deixado ao acaso,

existindo registos escritos que demonstram como a avaliação era feita de acordo com

princípios estéticos e técnicos. Estes registos tornam evidente o desprezo por projetos

baseados em estilos que para Noyes eram totalmente desfasados da atualidade, como

por exemplo o Streamline, e a preferência por projetos que para Noyes eram a resposta

aos problemas da atualidade, ideias honestas e um modernismo puro inspirado na

Bauhaus de Gropius, em que a função era a razão primordial da existência de uma

forma, esta não derivava de uma questão decorativa.

Sobre os projetos de Saarinen, Eliot Noyes escreveu que eram de “Uma honestidade

enorme, a beleza era resultante da função, novas técnicas implícitas, produção em massa

implícita”30

. Também as cadeiras de Charles Eames lhe merecem os maiores elogios,

27

Amiga e colaboradora de Walter Gropius neste período. Nota do autor.

28 Arquiteto que pertencia aos quadros profissionais do MoMA neste período. Nota do autor.

29 Conselheiro técnico, convidado para avaliar exclusivamente a parte construtiva dos projetos. Nota do

autor.

30 Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 71.

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66

referindo-se a elas como “expressão estética brilhante”31

. Charles Eames e Eerio

Saarinen já trabalhavam juntos, pois Charles colaborava no atelier de arquitetura do

Eliel Saarinen (1873-1950), o pai de Eerio, e juntos tinham desenvolvido uma série de

cadeiras inovadoras, mas que do ponto de vista técnico apresentavam alguns problemas,

o que dificultaria enormemente a sua produção em grande escala.

O MoMA faz acompanhar esta exposição com um catálogo completo, escrito quase

na totalidade por Eliot Noyes, com o nome de Organic Design in Home Furnishings,

nome igual ao do concurso, onde se dava a conhecer em detalhe os projetos vencedores

acompanhados dos respetivos desenhos técnicos, assim como uma breve história do

mobiliário contemporâneo. Esta tentativa de contextualização da própria exposição com

uma componente historicista, para uma melhor compreensão pela parte do público, é

também uma inovação de Noyes e do próprio MoMA.

Apesar do enorme sucesso da exposição e do entusiasmo dos designers vencedores,

nenhum dos produtos expostos será produzido antes do fim da guerra, pois todo o

esforço industrial está concentrado no esforço que a mesma exige. Os próprios Eames e

Saarinen, com a sua cadeira Kleinhans32

, que já tinha sido desenvolvida e que eles

tinham esperança de a ver produzida ao ganharem o concurso, iriam ter de esperar

alguns anos para a resolver tecnicamente.

Quase um ano após a exposição, em Janeiro de 1942, Noyes escreve a Eames,

preocupado pelos efeitos que a guerra está a ter no desenvolvimento de todo o projeto.

Surpreendentemente, é com a experiência ganha no esforço de guerra, com o

desenvolvimento de talas em contraplacado moldado, para os feridos, que Eames irá ver

resolvidos muitos dos problemas que o contraplacado demonstrava.

Mas é ainda durante a segunda Guerra Mundial que Noyes, após o gigantesco

sucesso com estas duas exposições (que parecem definir uma a nova linguagem, um

novo programa de curadoria na apresentação e discussão do design), se interroga sobre

qual deve ser o papel do design, parecendo-lhe quase descabido que se organizem

31

Ibid., p. 71.

32 Tradução livre. Esta cadeira foi desenhada e construída em madeira em 1939 para o Kleinhans Music

Hall e é redesenhada já por Charles e Ray Eames nos anos cinquenta, mas agora em fibra de vidro.

DEMETRIUS , Eames – An Eames Primer. London : Thames and Hudson, 2001. p.35.

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67

exposições em tempos tão difíceis para a sociedade americana, que não estejam

diretamente relacionadas com o que se pode fazer em termos de design que ajude o

esforço de guerra.

Neste seguimento, Noyes organiza em 1942 uma exposição com o nome de War

Time Housing (Habitação em Tempos de Guerra), em parceria com o Comité de

Emergência Habitacional, com a intenção de promover debates e mostrar caminhos

pertinentes para encontrar soluções práticas e económicas de habitação, nestes tempos

tão difíceis.

Sem qualquer dúvida que Eliot Noyes foi uma das mais fundamentais peças na

promoção, e acima de tudo, na legitimação cultural destes designers que apareceram e

se estabeleceram-se neste período, e que, mais tarde se viriam a tornar nomes

incontornáveis da cultura global. Num artigo para um jornal, datado de janeiro de 1946,

Noyes afirma: “ Se olharmos clara e honestamente para os bens de consumo que são

produzidos e postos à venda, desde automóveis a canetas, deveríamos ficar muito

desencorajados com a situação do design no nosso país”33

.

É esta a posição de um homem que irá, ao longo de toda a sua vida, encorajar e

defender o design Made in USA, nesta era que agora começa, e que irá ser uma das mais

otimistas de sempre nos Estados Unidos, em todos os campos, da ciência à criação.

33

Tradução livre. BRUCE, Gordon - Eliot Noyes : A pioneer in design and architecture in the age of

American modernism. London : Phaidon, 2006. p. 80.

Fig. 16: Cartaz do concurso The Organic Design In Home Furnishings Competition

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IV.V. A indústria ao serviço do museu que a legitima

Quando a cadeia de lojas Bloomingdales procura o MoMA para desenhar esta

coleção de objetos, apesar de ser uma proposta muito apetecível, existia o medo

generalizado do que uma associação tão óbvia entre um museu e o comércio podia fazer

á imagem do primeiro. Este é o momento em que, tão abertamente se une uma

instituição deste género a uma aberta operação comercial mas, segundo Gordon Bruce34

,

o estilo puritano e a ética de trabalho de Noyes, aliados a uma reputação recém-

adquirida, fazem com que todo este processo seja transparente e respeitável em termos

formais, técnicos e mesmo estéticos.

É já aqui notória a intenção clara de Noyes em criar uma ponte entre o design de

qualidade e a divulgação a larga escala, fundamental para o sucesso comercial do

mesmo, tendo chegado mesmo a referir que se, à partida, a ideia da cadeia de armazéns

Bloomingdales lhe tinha parecido descabida, agora considerava que era precisamente

esse o caminho a tomar para dar a conhecer o melhor que se fazia nos E.U.A. a um

público mais alargado, oferecendo a toda a sociedade, mais ou menos informada,

produtos de qualidade que promoveriam a América como uma potência ao nível da

industria, mas também, não menos importante, ao nível cultural e artístico.

Estabelece-se definitivamente o próprio MoMA como um agente da maior

relevância, não só nos habituais campos de ação que já dominava, mas também como

entidade reguladora imprescindível no campo do design moderno, daquilo que se iria

fazer no futuro.

Quando o MoMA anunciou a concurso, Charles Eames e Eerio Saarinen acharam

imediatamente que era o momento certo para tentarem dar a conhecer os seus produtos a

uma maior audiência. Este concurso parecia ser a única oportunidade que os designers

tinham para se unirem aos empresários que viviam de costas voltadas à inovação,

opinião subscrita ferverosamente por Noyes que partilhava ainda com eles a convicção

que os tempos eram de mudança rápida e radical e que essa evolução tinha de ser

acompanhada pelo pensamento estruturado dos designers, que através da sua abordagem

34

Tradução livre. Ibid., p. 66.

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69

única aos problemas, poderia vir a dar soluções que de outra maneira não seriam

oferecidas à sociedade.

Charles Eames e Eerio Saarinen não se enganaram, pois as suas propostas foram as

vencedoras e o Bloomingdales encarregar-se-ia da distribuição dos seus produtos, de

um modo inédito até então. É importante salientar que, nos dias de hoje, seria muito

difícil, senão virtualmente impossível, aliar, deste modo tão aparentemente displicente,

uma instituição com o peso e o prestígio do MoMA, a produtores e vendedores. A

verdade é que este foi o principal ingrediente para o enorme sucesso do concurso e

exposição que consagraram o Organic Design.

Empresas como a Knoll ou a Herman Miller já tinham manifestado enorme interesse

em produzir os produtos e desenvolver coleções inteiras em torno deles, e é agora,

depois do fim da guerra, altura em que todas as indústrias se começam a reconverter

para fins civis, que isto vai ser possível, começando uma relação entre indústria e as

instituições de promoção de cultura, nomeadamente os museus, relação que se vai

desenvolver e aperfeiçoar até aos dias de hoje.

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V. Transição - do Pós-guerra à Atualidade

V.I. As diferentes geografias no reconstruir da cultura material - Escandinávia,

Alemanha, Itália e Japão

Quando em 1945 a guerra acaba, já as sementes do modernismo germinam nos

E.U.A., começando agora a dar os seus frutos. Como qualquer outro aspeto de uma

sociedade democrática, também o design vigente tem os seus seguidores e os seus

detratores, Se ainda havia aqueles que tentavam fazer sobreviver um Streamline em

rápida decadência, para os defensores do pensamento moderno, isso era algo de

totalmente obsoleto que em nada refletia o momento presente. De qualquer modo, o fato

é que os anos do pós guerra na América, com toda a reconstrução, otimismo e explosão

demográfica que vai transformar este país como nunca antes, nomes como Bel Geddes

ou Teague veem os seus ateliers crescer desmesuradamente, ao ritmo das solicitações

que chegam um pouco de todo o lado, sejam os subúrbios que nascem como cogumelos

em volta de todas as grandes cidades, ou os automóveis, expressões preferenciais do

poderio americano e da tão venerada liberdade individual, e que se transformam, agora

mais que nunca em verdadeiros bólides interplanetários com formas cada vez mais

aerodinâmicas, matizados de tons pastel, tão do agrado desta nova classe média com

tempo e dinheiro para gastar.

Mas tal não significa de todo que o modernismo promovido por Gropius, Noyes,

Eames ou Saarinen, entre muitos outros, assim como o chamado design orgânico ficou

esquecido. Pelo contrário, todos estes protagonistas de um momento tão peculiar antes

da guerra, encontram-se agora, também eles, em franca ascensão profissional, vindo a

ocupar posições da máxima importância, tanto na indústria, na vanguarda das novas

tecnologias, em empresas como a IBM onde Noyes foi o diretor de design por muitos

anos, até designers que vão atingir lugares incontornáveis no campo do design, não só

na construção de uma nova linguagem estética dentro do modernismo, mas também

tecnologicamente ou no modo revolucionário com que irão manejar a comunicação e

promoção dos produtos, fazendo-os chegar cada vez mais a um público alargado. Mas

não será só nos E.U.A. que se irão produzir revoluções.

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A Europa, em grande parte destruída por anos de batalhas, invasões e todo o tipo de

violência, também procura recuperar a sua identidade, a todos os níveis, devassada por

uma destruição sem precedentes.

O design será um dos campos preferenciais onde isso poderá acontecer, não só

porque há uma necessidade premente de recuperar manufaturas, oferecendo os muito

necessitados postos de trabalho, mas também voltar a erguer orgulhos feridos, tanto de

países atacados e humilhados por tamanha destruição, como por outros, que, tendo

perdido a guerra foram também de algum modo destruídos, sendo agora totalmente

desprezados.

É pois este o tempo de reavivar organismos e instituições que desapareceram ou

simplesmente se encontram adormecidas, esperando que ventos de mudança agora as

acordem com um interesse renovado. Estes países procuram em si próprios, na sua

cultura, tanto material como imaterial, o que têm passível de rapidamente recuperar e

pôr em marcha para uma célere recuperação.

Se, por exemplo, as nações escandinavas sempre se apoiaram no trabalho artesanal,

procuram agora revitalizá-lo, à luz da nova linguagem do modernismo, mas mantendo

as técnicas e o savoir- faire que há muito os define e distingue dos demais.

Outros existem, como a Alemanha, que apesar de destruída e conotada a sua mais

recente estética com um nazismo responsável por toda a hecatombe que se abateu sobre

o mundo, interessa-lhe renovar e resgatar o que de bom se perdeu ou esqueceu, por

exemplo, um projeto que foi abortado antes de dar os frutos pretendidos, a escola da

Bauhaus, que foi ela própria fechada pelos nazis em 1939, expoente máximo do rigor e

pureza de pensamento e formas que tanto caracteriza a personalidade alemã, numa

vontade explicita de reavivar a máquina industrial o mais depressa possível,

privilegiando muito mais o sentido funcional e inovador dos produtos, tecnologicamente

avançados, dotados de linhas o mais simples possíveis, mesmo austeras. Esta é uma

característica constante do design alemão que vai continuar a observar pelas décadas

seguintes, até aos dias de hoje, em nomes como Dieter Rams (1932-)1.

1 Dieter Rams é um designer industrial alemão, ligado ao racionalismo e ao funcionalismo, sendo

considerada uma das figuras mais influentes do design no século XX. O trabalho que desenvolveu com a

empresa Braun, de que foi diretor até 1995 é o mais conhecido. A sua influência estende-se a nomes

como Jonathan Ive, o designer da Apple em produtos como o iPhone ou o iMac. O seu trabalho é ainda

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A Itália por exemplo, teve uma aproximação totalmente diversa ao problema, talvez

fruto de uma personalidade mais latina ou mesmo uma aversão direta àquela que

também foi uma estética muito associada ao fascismo de Mussolini2, como se pode

observar através de uma arquitetura que é considerada, pelo menos esteticamente muito

próxima do modernismo mais puro. Os italianos vão também reavivar as suas

manufaturas e industrias mais representativas, virando-se por um lado para a indústria

automóvel e por outro para a indústria do vidro, nomeadamente as empresas existentes

na área de Murano3, abraçando as formas orgânicas e impondo-se na área da

iluminação, uma influência que ainda se faz sentir nos dias de hoje.

Do outro lado mundo, também ecoam ventos de mudança, numa nação totalmente

estilhaçada por duas bombas atómicas, que os levaram à total rendição, um país em que

a honra e o orgulho são traços fundamentais de carácter que lhes importa preservar, é

preciso reorganizar toda a sociedade e a indústria. Se, por um lado, os japoneses nunca

deixaram de respeitar as tradições e os modos artesanais de construir os seus artefactos,

consideram-se também um povo extremamente aberto a tudo o que de novo se lhes

apresenta, em especial no campo tecnológico. Vão agora atirar-se a uma empreitada sem

precedentes, na qual o design irá ter um papel fundamental, aliando o seu sentido

estético ancestral e as suas teorias xintoístas4, de enorme respeito pela natureza e sua

impermanência num mundo em constante mutação, aos princípios do Wabi Sabi5, uma

associado à expressão” Less but Better” ( Menos mas melhor), numa clara paródia mas ao mesmo tempo

homenagem ao “Less is More” ( Menos é mais) de Mies van Der Rohe. Nota do autor.

2 Tradução livre. Benito Mussolini foi o ditador fascista que governou com mão de ferro a Itália entre

1922 e 1943 tendo forjado uma aliança ténue com Hitler, tendo sido executado sumariamente em 1945.

CROWELL-COLLIER EDUCATIONAL CORPORATION - Colliers Encyclopedia. U.S.A. : 1969. vol

17, p.103.

3 Murano é uma ilha que pertence à cidade de Veneza e o principal centro de produção de vidro em Itália

desde o século X. Nomes como Seguso, Venini, Toso, Salviati ou Cenedese são alguns dos nomes mais

conhecidos de vidro fabricados em Murano. Nota do autor.

4 O Xintoísmo é uma prática espiritual e não uma religião apesar de se confundir por vezes com o

Budismo, que no Japão, único País que o pratica, ser normal a fusão entre os dois. Caracteriza-se por um

culto à natureza, onde os fenómenos naturais são equiparados e representados por figuras humanas. Nota

do autor.

5 O Wabi Sabi é uma das características fundamentais da estética japonesa que consiste na aceitação da

transição da matéria. É um conceito que está ligado ao Budismo e que equipara a beleza a uma coisa

imperfeita, impermanente e incompleta. As características do Wabi Sabi são a assimetria, a simplicidade,

a economia, a austeridade, a modéstia, a intimidade, e acima de tudo, a integridade dos objetos naturais.

Nota do autor.

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consciência da beleza que reside na imperfeição dos materiais e do envelhecimento dos

mesmos, algo que confere uma unicidade que é ela própria o sentido da beleza de

respetivo objeto, aliando-o a um design extremamente purista, com obvias conotações

com a escola alemã e tradições escandinavas, mas onde acima de tudo se preza a

funcionalidade e a inovação tecnológica, nomeadamente em eletrónica, onde nas

décadas seguintes irão dominar os mercados, graças às constantes inovações que

introduzem nos seus produtos.

Este é o cenário do mundo em plena década de quarenta, um mundo destruído mas

não moribundo, onde existe esperança através do trabalho e da reconstrução, aliado a

descobertas recentes e inovadoras, que segundo alguns analistas, até tiveram um enorme

impulso com a própria guerra.

Figs. 17 e 18: Revolta estudantil de Maio de 68 e graffiti de Banksy

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V.II. A reconstrução e renovação de uma cultura do Design - quando o

funcionalismo já não chega

Este é um mundo que se regenera através do crescimento da industria, da criação de

uma verdadeira sociedade capitalista em que o design tem um papel preponderante,

onde a criação de classes é crescente, em que o apelo ao consumo é galopante, ajudada

por um sofisticação sem precedentes no campo da publicidade e do marketing, criando

campanhas gigantes com o intuito único de gerar interesse e desejo em enormes

camadas da sociedade que agora descobrem os prazeres do excedente financeiro, em

suma, o conforto de pertencerem à classe média.

É o tempo do reavivar das feiras mundiais, fomentando as trocas comerciais e

culturais. É o caso da Trienalle di Milano6, que nas primeiras edições, assistiu sobretudo

ao triunfo do modernismo que vingava em todo o mundo, com consagrações constantes

de designers de toda a Europa como a Finlândia com Tapio Wirkkala (1915-1985) ou a

Dinamarca com Hans Wegner (1914-2007). O fato é que agora, nos anos sessenta, os

tempos já são de contestação nas ruas, uma contestação politica que obviamente vai

influenciar tudo e todos, e a cultura material não é imune a essas mudanças.

Segundo Penny Sparke, o Design começa a ir buscar a inspiração para as suas

criações na cultura popular e se os primeiros modernistas queriam fazer chegar os bens

materiais ao maior número de pessoas, nos anos sessenta o design transforma-se no

símbolo da modernidade em si própria7.

É o tempo das revistas de arquitetura e design como a Domus, a Abitare ou a Casa

Vogue, elas próprias hoje em dia instituições consagradas na promoção da cultura

material, que dão os primeiros passos na criação de tendências, em que materiais como

o plástico deixam de ser tabu, ajudados por valores emergentes como Joe Colombo

(1930-1971), Vico Magistreti (1920-2006), Ettore Sottsass (1917-2007), Verner Panton

(1926-1998) ou Eerio Aarnio (1932-) que dele usam e abusam, mas criam uma nova

6 A Trienal de Milão é uma das feiras mais importantes do Mundo, montra e grande promotora do design,

especialmente do Italiano. Desde os anos 30 que funciona praticamente sem interrupções, exceto em

1968, provocado pelas manifestações estudantis que começaram em maio em Paris, e depois se alastraram

um pouco por toda a Europa. Nota do autor.

7 Tradução livre. SPARKE , Penny – 100 Ans de Design. Paris : Octopus, 1998. p.192.

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linguagem e acima de tudo uma nova apetência para novos produtos por camadas da

sociedade que antes estavam adormecidas para estas temáticas8.

O funcionalismo já não chega para justificar tudo, e a opulência, as influências, não

só da cultura popular, mas acima de tudo da desenfreada sociedade de consumo, que

todos os dias pede mais e diferente, sejam as cores que parecem ter de mudar

constantemente, sejam as formas bizarras que às vezes os objetos tomam para saciar a

procura de novidade, criam novos discursos, novas frentes de batalha, em que o

simbolismo luta cada vez mais ferozmente por um lugar ao sol, em que vários detratores

de escolas passadas, mais ou menos unidos por uma nova revolução anunciam a morte

do modernismo e o nascimento do Pós-Modernismo.

Um dos mais radicais é o criador e líder de um pequeno grupo, de existência fugaz,

mas com uma herança longínqua no pensamento pós-moderno, o arquiteto e designer

Ettore Sottssas, e o grupo Memphis9, que se apresentam em Milão em 1981, onde

desafiam abertamente os princípios do modernismo e acreditam que se deve desenhar

mais ao gosto do público e abraçar as vontades e desejos populares, lembrando um

pouco as teorias dos avogados do Streamline dos anos trinta. Outros se juntam a eles

para uma machadada final no modernismo - nomes como Gaetano Pesce (1939-), os

Superstudio ou os Archizom 10

- nesta repudia do que eles achavam serem parâmetros

que já não representavam o mundo atual, na sua exclusividade funcional ou racional,

pois agora a sociedade pedia mais, e acima de tudo, pedia algo de radicalmente

diferente.

São os anos oitenta, já de alguma maturidade ao nível do consumo de design por

grande parte da população, um design mais democrático e mais consumível que nunca,

ajudado por inúmeras novas revistas que surgem um pouco por todo o mundo ocidental,

8 Tradução livre. Ibid., p.192.

9 Grupo criado por Ettore Sotssas em 1980 com os designers Marco Zanini, Matteo Thun e Aldo Cibic, e

em 1981 separam-se do Studio Alchimia para se juntarem aos designers Michele de Lucchi, George

Sowden e Nathalie du Pasquier. A sua primeira exposição torna-os automaticamente uma referência dos

anos 80 com o uso que fazem de um universo Pós-moderno humorístico com referências à arquitetura

clássica e ao mundo kitsch. Nota do autor.

10 O Superstudio (1966) e o Archizoom(1966), assim como o Gruppo 9999 (1968) são grupos criados por

designers como Andrea Branzi, Paolo Deganello e Massimo Morozzi, com o intuito de derrubar barreiras

no design, através de ideias radicais. Todos estes grupos vão buscar inspiração a Ettore Sottsass, o mais

radical dos designers dos anos sessenta. Nota do autor.

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onde aliam uma nova estética moderna a todo o tipo de originais comportamentos, onde

a cultura popular está mais ativa que nunca, a arquitetura, a musica, a moda, o design,

tudo se reúne num único fasciculo consumível para criar determinado ou determinados

lifestyles. Aparecem nomes nestes vários campos, desde bandas como os Duran Duran,

onde por vezes a estética se torna tão ou mais importante que a própria musica, ou

designers de moda como Calvin Klein, que, apoiados em estratégias de marketing

fortíssimas aliadas ao aparecimento de televisões de distribuição global de conteúdos

como a MTV, criam as condições para que se possa apostar na internacionalização de

inúmeras brands pois a globalização está quase ao “virar da esquina”.

No design o nome que surge logo em lembrança dos anos oitenta, memória destes

tempos de otimismo é o de Philippe Stark (1949-), designer francês, que

meteoricamente se torna na mais paradigmática estrela deste Star-System que é agora

posto em marcha, através da internacionalização mas também do desdobramento de

uma label, um nome que, depois de firmado e aprovado pelos média e outros órgãos de

legitimação de valor, em inúmeros produtos, sejam óculos, sapatos de ténis ou mesmo

massas alimentícias.

Este sistema já tinha sido testado uma década antes com nomes como Pierre Cardin,

através de licenciamentos, algo por vezes muito duvidosos, em que, mediante o

pagamento de uma percentagem, qualquer companhia podia desenhar e promover quase

qualquer produto que quisesse, pondo o nome do designer ou da própria brand

licenciada como o autor do produto, o que era garante quase automático de vendas, mas

que a longo prazo acabaria por retirar a confiança e crédito dos consumidores em

relação a essas marcas, tendo mesmo destruído uma série delas. Agora, esta experiência

será feita sob outros moldes e com efeitos muito mais positivos e duradouros.

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VI. Aspetos da construção do discurso sobre a cultura material na

atualidade

VI.I. A revolução digital - o mundo global e os média

Andy Warhol (1928-1987)1, segundo as palavras de Vítor Belanciano, “esticou os limites do

que é passível de ser considerado arte, contribuindo para legitimar o processo que torna possível

a transformação de uma banal imagem em obra, interrogou a ideia de autoria através de uma

simples assinatura, fez a apologia da fama ou denunciou-a; e antecipou a telerrealidade,

profetizando que no futuro, todos teriam direito aos seus “quinze minutos de fama”2.

Andy Warhol foi dos primeiros visionários a compreender que o mundo estava a

tomar um rumo diferente a partir da revolução social verificada nos anos sessenta, com

a liberalização das drogas, os Baby-Boomers3, os direitos civis, e, acima de tudo, com a

velocidade e a amplitude com que a comunicação se estava a espalhar pelos quatro

cantos do mundo.

Para além de uma personalidade multifacetada que tocou em quase todos os géneros

de expressão artística, Andy Warhol foi um dos primeiros artistas a questionar o papel

do objeto no seio da cultura que o rodeia, sob diversos pontos de vista.

Andy Warhol pega em objetos como as caixas de detergente Brillo ou as latas de

sopa da Campbells, alterando-lhes totalmente, primeiro o sentido e, em seguida, o valor.

1 Artista Americano, figura central do movimento Pop Art, explorou no seu trabalho a relação entre a

expressão artística com o mundo da publicidade e o culto da celebridade. Tocou as mais diversas formas

de expressão artística como a pintura, a escultura, a fotografia ou o cinema. Transformou o seu atelier, a

Factory, no ponto de encontro da vida intelectual e boémia de Nova Iorque nos anos 70 e 80, afluindo a

ela todo o tipo de intelectuais, escritores, atores, músicos, travestis, mas também investidores e todo o tipo

de patronos das artes. Nota do autor.

2 BELANCIANO , Vitor- Os quinze minutos de fama que se tornaram eternos. Lisboa : Jornal

Publico, P2, 22 de Fevereiro de 2012. p.p.4-5.

3 Genericamente este termo é atribuído aos que nasceram entre 1946 e 1964, mas do ponto de vista social

podemos entender este grupo como uma geração muito privilegiada em relação às anteriores, em termos

educacionais, económicos e, acima de tudo, pela rejeição ou redefinição dos valores tradicionais vigentes

até então. Quando uma grande parte desta geração chega aos seus vinte anos estamos nos anos sessenta e

eles vão representar o início da chamada cultura jovem (youth culture). Nota do autor.

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Para Guy Julier, “ao reproduzir imagens múltiplas do mesmo produto, Andy Warhol

lembra-nos, não da singularidade de um objeto, mas da reprodução em série

aparentemente interminável no sistema capitalista”4.

Na realidade, Andy Warhol não estava minimamente preocupado com a

funcionalidade dos objetos, mas somente com “o valor externo dos produtos […]

utilizando os objetos como comunicação gráfica, como anúncios em si”5.

Outra enorme contribuição de Andy Warhol para o desenvolvimento da discussão em

torno dos limites da cultura material e da forma como ela se dissemina a partir desta

altura é o chavão quinze minutos de fama, onde Warhol afirma que através da

democratização da cultura e, acima de tudo, da proliferação e banalização dos meios de

comunicação, essa suposta profecia iria ser mais fácil de alcançar que nunca, por mais

pessoas que nunca.

Uma das suas primeiras ações, em 1969, foi o lançamento da revista Interview6,

estando totalmente ciente do poder que conferia tal produto na construção do discurso à

volta da sua obra e mesmo na ampliação e manutenção da aura mediática por Warhol

criada à sua volta. Segundo Kenneth Goldsmith, “A revista torna-se um dos maiores

ativos no futuro grupo Warhol Entreprises, um pequeno império mediático, composta

pela Interview de Bob Colacello, da sociedade Andy Warhol Films dirigida por Paul

Morrissey e da atividade nascida da criação de retratos, gerida por Fred Hughes”7.

4 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 94.

5Tradução livre. Ibid., p. 94.

6 Desde o início, em 1969, esta revista, que começou por ser distribuída gratuitamente nas ruas de Nova

Iorque, continha artigos e entrevistas com intelectuais, atores, músicos e celebridades. Apesar de, para o

fim da sua vida, Andy Warhol ter deixado o conselho editorial desta revista, nunca perdeu o hábito de

continuar a distribui-la gratuitamente nas ruas e a organizar sessões de números autografados como meio

de a promover. Ainda hoje é publicada. Nota do autor.

7Tradução livre. Kenneth Goldsmith, Andy Warhol, Patron d’un empire mediatique, Andy Warhol

Géant, Phaidon, Paris, 2006, pág.414.

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Esta profecia acompanha um período em que os computadores se começam

finalmente a democratizar8, tendo sido o primeiro computador pessoal da Mackintosh

lançado em 1984.

Em 1991 começa a desenvolver-se a World Wide Web (WWW)9, ao mesmo tempo

que surge a internet10

, desenvolvendo um projeto nascido nos anos quarenta, criado e

explorado inicialmente com um intuito militar e académico. A internet vai permitir a

transmissão de texto, imagem e som através da sua rede11

. Nasce assim uma nova

realidade, um novo meio de comunicação, com implicações ainda por auferir

definitivamente no futuro, mas com resultados óbvios, visíveis e automáticos desde o

momento do seu desenvolvimento.

O mundo vai tornando-se mais interativo, não só decorrente do referido aspeto

tecnológico, mas também em resultado da criação de mecanismos que contribuem para

uma maior agilização das trocas comerciais entre as economias dos vários continentes,

como a Organização Mundial do Comércio (World Trade Organization ou WTO)12

, a

criação do espaço Shengen13

ou mesmo o acordo do Mercosul14

. Estes tratados, apesar

do seu peso politico na promoção e manutenção da estabilidade global, são, acima de

tudo, tratados comerciais que visam facilitar e promover as trocas entre os países com

vista ao crescimento económico.

8 Andy Warhol foi um dos primeiros Artistas a utilizar computadores na sua arte, com a introdução nas

suas obras do trabalho efetuado pelos computadores Amiga, em 1984. Nota do autor

9 A rede em que toda a informação e partilha de dados ocorre. Nota do autor.

10 É uma gigantesca associação de redes de comunicação que funcionam dentro do mesmo quadro legal,

com milhões de computadores ligados que permitem a partilha de dados que são transferidos em rede.

Nota do autor.

11 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 172.

12 A organização Mundial do Comércio é a entidade que regula e resolve disputas relacionadas com as

trocas comerciais entre os vários países do mundo que a ela pertencem. Fomenta igualmente a cooperação

com outras instituições internacionais. Estabelecida em pleno em 1 de Janeiro de 1995, já vem sendo

construída desde o fim da Segunda Guerra Mundial, sob outros nomes e siglas, encontrando-se agora na

sua forma final. Tem sede em Genebra, na Suíça. Nota do autor.

13 O espaço Schengen engloba cerca de trinta países Europeus (Da União Europeia e outros), partindo de

uma convenção para uma maior abertura de fronteiras em vários campos, comerciais, mas também

políticos e sociais entre estes países. Nota do autor.

14 O Mercosul é um tratado entre países da América do Sul que na versão original, de 1991, contou com a

Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, pertencendo atualmente igualmente a Venezuela. Também a

Bolívia e o Chile estão em negociações para pertencerem a esta zona de comércio livre. Nota do autor.

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80

Culturalmente, este período vai sendo acompanhado por estratégias semelhantes,

apoiadas no conceito de interligação racial, de classes ou géneros, com campanhas de

publicidade que mimetizam essa abertura, esse casamento de povos e culturas.

O uso do slogan United Colors of Benetton (Cores Unidas da Benetton) nas

campanhas da Benetton, para além de comportar um significado em termos da

“flexibilização na manufatura dos seus produtos, podendo personalizá-los em função da

especificidade do mercado a que se dirige”15

, culturalmente, pretende expressar a

identidade da marca pela união dos povos, adotando uma imagem que representa jovens

de todas as raças, ou de diferentes religiões, em sintonia total uns com os outros,

formando esse novo mundo, global e harmonioso.

A partir de 1984, toda uma série de produtos começa sistematicamente a ser lançada

no mercado. CD-roms, telemóveis, sistemas operativos, leitores de vídeo e DVD, e,

acima de tudo, computadores. Empresas como a IBM, a Mackintosh ou a Apple, os

maiores produtores de sistemas operativos e de interface, todas lutam sem tréguas por

um mercado que terá sido, nas últimas décadas, um dos mais apetecíveis em termos

económicos. Segundo Guy Julier, “A partir de 1995, o interface Windows oferecia

basicamente as mesmas características que o do Mackintosh, mas até ao ano 2000, era

uma sobreposição em relação ao sistema MS-DOS16

. Isto permitiu o melhor dos dois

mundos, dando acesso ao sistema operativo, enquanto aqueles que procuravam uma

maior facilidade de utilização se mantinham à superfície”17

.

O desenvolvimento desta revolução tecnológica não pode ser dissociado do da já

referida internet e da World Wide Web, ou simplesmente Web. A quantidade de dados e

informação contidos é impossível de ser contabilizada pela sua extensão, e o fato de

toda esta tecnologia e meios ser muito recente e em constante aperfeiçoamento faz com

que a todo o momento apareçam inovações e mudanças, tanto no campo tecnológico

como no social.

15

Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 108.

16 Este foi o sistema operativo lançado pela IBM que competiu no mercado até ser destronado pelo

Windows de Bill Gates. Nota do autor.

17 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 182.

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A comunicabilidade e a facilidade com que as novas tecnologias de informação se

impregnaram no mundo mudaram vários paradigmas de sociabilidade. Quem não tinha

acesso físico a bibliotecas ou outras fontes de conhecimento, passa a poder aceder mais

facilmente a estes sítios (sites), institucionais ou privados, encontrando e recolhendo aí

uma enorme quantidade de conteúdos informativos e educacionais.

Se no princípio da Revolução Industrial, com a aparecimento da luz elétrica,

começaram a aparecer as montras para que a classe trabalhadora pudesse passear fora da

hora de expediente e assim ver o que comprar, com a internet, essas tais lojas, ou

melhor, conglomerados que abarcam inúmeras lojas e marcas sob a sua alçada,

estendem-se para além do espaço físico e oferecem no espaço virtual autênticas

experiências, passeios por gigantescos centros comerciais com tudo o que o dinheiro

pode comprar à distância de um simples premir de dedo numa tecla do computador,

seguido de uma autorização de cartão de crédito.

Estes sítios de compras que começaram por ser um simples prolongamento das lojas

ou marcas para se tornarem em completíssimos universos materialistas em que não é

necessário sair de casa para consumir tudo o que é desejado, modificam, naturalmente, o

modo de relacionamento associado ao ato de comprar. É comum existirem promoções

exclusivas das marcas para o domínio da internet na intenção de habituar o cliente a

utilizar esse serviço. Empresas como a Amazon18

que desenvolvem a sua atividade sem

sequer nunca ter tido um espaço físico aberto ao público, funcionam e são competitivas

com outras empresas que se apresentam fisicamente, em grande parte porque

beneficiam de reduções de custos de operacionais.

As redes sociais, profissionais ou lúdicas, como o Linkedin19

ou o Facebook20

,

desempenham igualmente um papel fundamental na diminuição de significado e

importância que a centralidade do lugar físico acarretava.

18

Começou por ser uma multinacional de comércio retalhista quando foi fundada em 1994 por Jeff

Bezos, vendendo sobretudo livros on-line, tendo-se tornado o maior retalhista do mundo, abarcando a

comercialização de Cds a Dvds, jogos de computador e todo o tipo de produtos eletrónicos, que agora

também produz como é o exemplo do Amazon kindle E-book reader. Nota do autor.

19 O Linkedin é uma rede social com o objetivo de fazer e manter redes de contato profissionais. Foi

lançada em 2003 e hoje tem mais de 175 milhões de utilizadores. Nota do autor.

20 O Facebook é uma rede social criada por Mark Zuckerberg, em 2004, tendo em 2012 atingido o bilião

de utilizadores, que ao aderirem a esta rede, criam o seu perfil pessoal através de um ficheiro que vai

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Se, num passado não muito longínquo, se acreditava que para se ter visibilidade era

necessário estar no centro, fosse em relação à posição da empresa na cidade ou no

acesso às primeiras páginas da revista mais vendida no segmento de mercado de

referência, atualmente verifica-se uma consciência generalizada da enorme importância

de chegar às pessoas quando estão em casa ou no trabalho, fruto da enorme

competitividade que o mercado global veio trazer. O uso das novas tecnologias de

informação e das redes sociais, nesta procura de destaque e posicionamento

privilegiado, desempenha, pois, um papel fundamental.

Por outro lado, as redes sociais revestem mecanismos de valorização de produtos que

nem sequer são fabricados e controlados pelos vendedores, já que, através dos

comentários que os próprios utilizadores partilham nas diversas redes relativamente ao

que adquiriram, promovem, ou destroem, os produtos, gratuitamente.

Na música, vários são os casos de cantores e músicos21

que saltaram o habitual

percurso que começava com uma audição numa produtora onde era avaliado o grau de

qualidade e/ou de comerciabilidade, passando subsequentemente por uma série de

degraus de introdução à indústria responsável por torná-los num produto.

Atualmente, muitos destes novos artistas preferem fazer exatamente a música que

querem e como querem, produzindo pelos seus meios a imagem visual que pretendem.

Em seguida, colocam diretamente o produto final na internet, nas redes sociais, sem se

sujeitar ao escrutínio de intermediários, conseguindo, por vezes, em apenas alguns

minutos, a visibilidade que antes demoraria meses ou mesmo anos a alcançar.

Este é apenas um exemplo para ilustrar como, através deste novo meio de

comunicação, a liberdade e facilidade com que se acede a outros indivíduos tem

alterado em muito a maneira de interagir e formar grupos, grupos esses que já não são

determinados geográfica ou racialmente, mas sim construídos de acordo com

semelhanças ou simpatias intelectuais ou estéticas. São também grupos que nascem sem

sendo alimentado e alterado com dados pessoais. Adicionam-se amigos e organizam-se em grupos, por

afinidades, trocando mensagens ou através de notificações automáticas de mudança de estatuto pessoais

efetuados na sua página. Nota do autor.

21 Justin Bieber é um exemplo paradigmático de como o processo de atingir uma gigantesca notoriedade

se faz de um modo direto, através das redes sociais. Em Portugal, destaca-se o exemplo de Mia Rose,

entre outros. Nota do autor.

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necessidade de presença física, pelo que se tornam transnacionais e isentos de classes

etárias ou de qualquer outro género.

Os jogos de computador que se podem jogar por duplas constituídas por parceiros

provenientes de todo o globo, que criam e adotam novas personalidades que os

distingue e os caracteriza no mundo virtual, são apenas mais um exemplo desta nova

realidade.

O mundo virtual, paralelo ao real, ao físico, é elogiado e admirado por hordas de

adeptos de jogos de computadores on-line, eles próprios uma comunidade específica,

aparentemente aberta a todos que a ela acedam mas igualmente fechada no sentido que

os retira do dia-a-dia normal.

Tal é particularmente visível e constatável nos primeiros anos da construção da

internet (Sassen 1999)22

. A revista mais divulgada da época sobre inovações

tecnológicas, a Wired23

, louvava o espirito corporativo das indústrias de ponta nas

tecnologias de informação, o endeusamento de heróis, ligados ao desenvolvimento de

novos softwares, assim como de pequenos grandes génios empreendedores de

negócios24

. Os editoriais da revista continham também descrições de novas tecnologias

e dos seus conteúdos, enfatizando quase sempre o carácter autónomo dos mesmos em

relação ao resto da indústria. Esta posição editorial da revista pode ser sintetizada na

coluna de John Perry Barlow para a revista Wired25

onde afirma “ A informação é uma

forma de vida […] a informação quer ser livre”26

.

Não obstante esta posição poder ser considerada como radical, serve para ilustrar a

importância que as tecnologias de informação, assim como os produtos, os objetos a

elas ligados, adquirem na era atual uma enorme importância, quer no uso prático do

22

Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 185.

23 Revista publicada pela primeira vez em Janeiro de 1993, auto apelidada de “A Rolling Stone da

Tecnologia”, para acentuar o caráter rebelde e independente do seu corpo editorial, noticia exatamente

tudo o que de novo aparece na tecnologia e o modo como isso afeta a cultura, a economia e a politica no

mundo. Hoje em dia pertence ao grande grupo editorial e de média Condé Nast. Nota do autor.

24 (Wizz-kids).

25 Tradução livre. BARLOW , J.P. – Wired. The economy of ideas, 1994, 2.03:84-90,126-9.

26 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 185.

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funcionamento da sociedade quer no próprio discurso ideológico à volta do design e da

cultura material.

Simultaneamente, somam-se a esta realidade sítios de partilha, onde vítimas de várias

áreas se podem encontrar, virtualmente, para partilhar experiências de abusos de

violência doméstica ou de alcoolismo, dando conselhos uns aos outros de como

ultrapassar tais traumas. Estes grupos que se formam com os mais diversos interesses

organizam-se como verdadeiras comunidades, partilhando informações, experiências,

substituindo, por vezes, o papel da comunidade física onde que se inserem.

A forma drástica com que o homem entrou na era digital, com uma quantidade

imensa de aparelhos eletrónicos, gadgets, programas de computador, jogos, telefones

inteligentes, fez com que as regras de interação existentes entre o homem e os objetos

sejam motivo de constante reavaliação e aprendizagem.

Os símbolos necessários para nos ensinar a funcionar com os objetos obrigam a uma

linguagem de entendimento universal, contribuindo para que cada vez mais seja criada e

desenvolvida uma cultura visual capaz de abranger todos os quadrantes da sociedade no

seu todo, dentro de uma nova linguagem.

Das sucessivas novas invenções e respetivos produtos, destaca-se o telemóvel que,

segundo as palavras de Gerard Goggi27

, “O telemóvel é o exemplo perfeito de um

objeto abraçado pela sociedade do século vinte e um”.

De fato, mesmo quando ainda não era móvel, o telefone já detinha um lugar de

enorme relevância no quotidiano de grande parte da sociedade moderna. No entanto,

ganha um carácter ainda mais imprescindível quando adquire mobilidade, em 1973, pela

mão da Motorola28

. É, contudo, a Nokia, em 1992, que ultrapassa todas as

condicionantes antes presentes no aparelho, ao conseguir um telefone realmente

autónomo em termos de bateria, tamanho e autonomia de antena (Tattari, 1992)29

. Em

27

Tradução livre. GOGGIN, Gerard. In CLARK, Hazel ; BRODY, David – Design Studies : A Reader.

Oxford : Berg, 2009. p. 525.

28 Tradução livre. Foi com o modelo DynaTAC que o Dr. Martin Cooper da Motorola encenou a primeira

chamada com um telemóvel nas ruas de Nova Iorque, um evento de promoção do primeiro aparelho que,

no entanto, só quase uma década depois é que foi comercializado. Ibid., p. 526.

29 Tradução livre. Ibid., p. 525.

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85

1997, a Blackberry30

desenvolve o primeiro telefone suscetível de enviar e receber e-

mails, muito virado para o lado profissional.

A evolução do aparelho, traduzida em novas funcionalidades, redução de tamanho e

de peso, torna-o apetecível a um cada vez mais alargado número e tipo de

consumidores.

A incorporação de várias características num só objeto fá-lo rivalizar com outros,

nomeadamente o relógio, pois além de ser possível ver as horas ou marcar o cronómetro

no telemóvel (permitindo levá-lo para a rua sem necessidade de relógio), pode-se

igualmente utilizar a sua função de despertador em casa, dispensando-se a necessidade

de um relógio despertador.

Nos anos noventa, com o crescimento da internet, os telemóveis vão-se tornando

inteligentes, com funcionalidades cada vez mais abrangentes, fazendo parte integrante

da vida cultural das pessoas.

“Os anos noventa foram uma época preocupada com a convergência e a

digitalização dos média”31

, como diz Greg Goggin.

O telemóvel passa, também, a disputar com aparelhos de partilha de música ou

vídeo, os Mp3’s32

ou os iPod’s33

.

30

O Blackberry é um telefone “inteligente” (Smartphone), comercializado em 1999, com a

particularidade de ser o que mais facilmente transmite dados e emails entre os telefones da mesma

família. É especialmente eficiente em termos profissionais. Nota do autor.

31 Tradução livre. GOGGIN, Gerard. In CLARK, Hazel ; BRODY, David – Design Studies : A Reader.

Oxford : Berg, 2009. p. 527.

Figs. 19, 20, 21: Yayoi Kusama e o telemóvel por ela desenhado

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86

Na verdade, com a incorporação da máquina fotográfica, e mais tarde a de filmar,

com as hipóteses que a sofisticação da internet concede ao permitir que

automaticamente os ficheiros (de imagem, de som, de dados, por exemplo) sejam

partilhados on-line, em sites como o YouTube34

ou em redes sociais como o Facebook,

dificilmente se poderá encontrar um objeto que possa rivalizar com o telemóvel em

desdobramento de funções e importância cultural nas últimas décadas.

A evolução deste objeto encontra, para já, o seu culminar com o lançamento do

iPhone35

, em 2007, considerado o telemóvel que reúne mais funcionalidades, assim

como uma ligação automática e sem precedentes ao resto das tecnologias que se têm

desenvolvido em paralelo.

Com a invenção de adereços como as capas coloridas e com motivos decorativos,

segundo Fortunati, Katz e Riccini o telemóvel passa, não só a fazer parte integrante do

dia-a-dia das pessoas, mas também a ser responsável no modo como se vestem e

decoram o meio ambiente à sua volta. O telemóvel passa a ser reconhecido como um

objeto de design, e o designer Frank Nuovo da Nokia passa a ser o primeiro designer

celebridade de telemóveis. Nos anos seguintes o telemóvel é presença central em

eventos de design e moda36

.

Em relação ao modo como este objeto se tem comportado e feito comportar a própria

cultura material, Greg Goggin refere: “Enquanto muitas características do telemóvel

podem ser captadas por noções universais de design, a sociedade e a cultura são uma

32

O MP3 é um aparelho digital compacto de armazenamento e transmissão de ficheiros de música. Nota

do autor.

33 O iPod é um produto desenhado e comercializado pela Apple Inc., de armazenamento e partilha de

ficheiros com informações de música e outros meios de média, servindo também como disco externo de

informação. Nota do autor.

34 O YouTube é um sítio de partilha de vídeos, de música, televisão ou cinema. Fundado em 2005,

partilhado por milhares de particulares, assim como por inúmeras corporações de média, como a CBS ou

a BBC, que se aperceberam do potencial de visibilidade desta plataforma. Nota do autor.

35 Telefone inteligente (Smartphone) pertencente à Apple Inc. O interface é utilizado através do toque no

ecrã, uma novidade em relação aos outros equipamentos, tendo ainda sistema de Wi-Fi, camara de

fotografia e vídeo, leitor e gravador de música, envio / receção de emails, entre outras funções. Desde o

primeiro lançamento em 2007, as várias gerações de iPhones têm mantido tamanhos idênticos de ecrã e a

mesma ordem de teclas. Nota do autor.

36 Tradução livre. GOGGIN, Gerard. In CLARK, Hazel ; BRODY, David – Design Studies : A Reader.

Oxford : Berg, 2009. p. 527.

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87

força poderosa na construção tecnológica, e o design tem de lidar e reconhecer o lado

cultural, linguístico, de género e de classe, assim como outras especificidades com que o

telemóvel é concebido”37

.

A revolução digital, com todas as profundas mudanças de paradigma que acarreta,

seja económica, social, e acima de tudo, cultural, é uma realidade que decorre com

consequências a todos os níveis, seja nas regras de sociabilização ou na definição dos

padrões de consumo, exigindo, pois, uma reflexão profunda e constante por parte dos

agentes responsáveis por todo este segmento da sociedade.

A sociedade, moldada continuamente por inúmeros fatores e condicionantes, onde a

tecnologia desempenha um papel importante, experiencia constantemente novos modos

de se organizar e relacionar. Os objetos que nela e dela surgem, pela sua compreensão e

manuseamento, criam novas situações, novos problemas, necessidades de novas

soluções que originarão novos objetos.

Na realidade, o mundo digital está, não só a alterar a prioridade dos objetos que o

homem necessita, mas também a perceção que ele tem dos que já existem, mantendo-

lhes o sentido quando, por vezes, já não existem fisicamente. Como afirma Guy Julier,

“A representação da realidade material relaciona o interface com o mundo mais familiar

do dia-a-dia (…) O interface do Mac apresenta-nos um caixote do lixo, com um

contorno sem grande detalhe ao nível da textura, fazendo alusão a um caixote antigo em

vez de a um caixote de plástico”38

.

Desde que Andy Warhol profetizou que a fama era algo que nos iria tocar a todos,

pelo menos durante quinze minutos, a tecnologia e a sua contribuição para a evolução

da sociedade veio de algum modo dar-lhe razão, com todas as inovações que surgem a

um ritmo, por vezes difícil de rastrear, com impactos no modo como as pessoas se

relacionam e se relacionam com o meio que as rodeia.

Segundo o artista inglês, Banksy, conhecido tanto pelos seus grafittis, como pelas

frases irónicas e provocadoras que espalha pelas paredes de muitas cidades, “No futuro

todos terão direito aos seus quinze minutos de anonimato”.

37

Tradução livre. Ibid., p. 529.

38 Tradução livre. JULIER, Guy – The culture of Design. London : Sage, 2000. p. 183.

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88

VI.II. Dessacralização dos museus: O franchising de museus e coleções, os

museus marca

Nove dias após a revolução francesa, que provocou a queda da monarquia,

dizimando quase toda a nobreza e instalando a República, a 10 de Agosto de 1792, é

criado o museu do Louvre39

.

A partir deste momento, passa a constar no mundo uma instituição com algo mais

que uma amálgama, desordenada de artefactos, fruto de caprichos colecionistas de

determinados homens e mulheres, que, tendo posses financeiras, se dedicavam a

recolher e juntar objetos que cobiçavam ou admiravam, sem, contudo, qualquer plano

estruturado de aquisição, armazenamento ou exposição.

Antes do Louvre se assumir na dianteira do que viriam a ser os museus da Era

Moderna, o British Museum40

já reclamava para si esse título, o de primeiro museu do

mundo. No entanto, quando o British Museum abriu portas, a sua coleção não era muito

39

O Museu do Louvre situa-se em Paris, França e é um dos maiores do Mundo, sendo o mais visitado a

nível internacional. Conta com cerca de 35.000 peças que datam desde a Pré-história até aos fins do

século XIX, passando por pintura, escultura, artes decorativas, entre outros. Nota do autor.

40 O British Museum teve a sua origem a partir da necessidade de guardar a coleção se Sir Henry Sloane

em 1753, tendo aberto ao publico e pela primeira vez em 1759, já no atual endereço que ainda hoje ocupa.

Foi pioneiro na desmultiplicação de instalações com a separação do Museu de História natural (British

Museum of Natural History) ou a Biblioteca Nacional (British Library). É o caso dos célebres relevos de

Elgin, arrancados das paredes do Parténon de Atenas, que até aos dias de hoje são reclamados pelo Estado

Grego. Nota do autor.

Figs. 22 e 23: Obras de Ai Wei Wei

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89

mais que uma enorme coleção de livros e manuscritos raros, acompanhada de algumas

esculturas antigas e pedras com inscrições. Paralelamente, o British Museum tinha um

carácter privado, oferecendo acesso a apenas alguns utilizadores afortunados.41

Como diz Susan M. Pearce, “Num mundo de objetos, diferentes pessoas tomarão

diferentes coisas nos seus corações ou cérebros, e, desse modo, os objetos cruzam a

fronteira entre o exterior e a interioridade da coleção”42

. Esta afirmação é válida para

estes colecionadores, mais ou menos amadores, sendo-o igualmente para as instituições,

pois cada um, sendo um único individuo ou o corpo decisório de qualquer museu, será

obrigado a tomar decisões baseadas em critérios específicos.

O Louvre deixa de ser o lugar das decisões e acontecimentos da monarquia para se

tornar no símbolo da própria liberdade conquistada com a república. Na realidade, antes

desta conquista, o Louvre apresentava-se como um gigantesco palácio dominado,

durante vários séculos, pela realeza e pelo clero, acumulando muitos despojos, ricos e

faustuosos.

Em boa verdade, já antes da revolução se discutia em transformar o palácio em

museu43

. A rapidez com que abriu após a revolução foi um sinal evidente da vontade de

fazer do Louvre um símbolo desta nova ordem, acreditando-se que, através da arte, o

público entenderia melhor a própria história da revolução44

. O Louvre serviria

igualmente como uma alusão à democracia e à igualdade entre todos os cidadãos.

Os museus, através de políticas específicas e programas de atuação, funcionam como

garantes institucionais e absolutos de uma parte da cultura, promovendo o entendimento

do mundo material.

41

Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.17.

42 Tradução livre. PEARCE , Susan M. – Museums, Objects and Collections, a cultural study. London,

New York : Leicester University Press, 1992. p.48.

43 Tradução livre. O conde D’Angiviller, Diretor Geral dos palácios reais no reinado de Luis XVI, desde

há muito que queria transformar o palácio do Louvre em museu, comprando enormes quantidades de

quadros e convidando arquitetos a discutir as possibilidades de mudanças em áreas do palácio, assim

como artistas para darem a sua opinião sobre qual poderia ser o programa de curadoria mais indicado para

o novo museu. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.18.

44 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.18.

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90

Esse mesmo mundo é constituído, desde tempos imemoriais, de objetos, que devido à

sua própria evolução, assim como à sua obsolescência gradual, vão sendo descartados e

trocados por outros mais recentes, mais eficientes, na tentativa constante da resolução

dos novos problemas e desafios que o homem vai encontrando, deixando-se perder na

memória dos povos.

Pelo fato de serem objetos, corpos físicos inanimados, duram muito mais que o

próprio homem que os criou. Por este motivo, é necessário um programa estruturado

que os guarde, ordene e catalogue, para que seja possível, em seguida, apresentá-los

acompanhados de informação sobre a sua génese, a sua relação com outros objetos,

ilustrando, explicando e contextualizando, dessa forma, um passado que de outro modo

correria o risco de ser esquecido, ou, no mínimo, mal compreendido.

Para Susan M.Pearce, “Os museus são parte do código social (ou do sistema, regras

ou hábitos) da modernidade iluminada, assente na crença de narrativas abrangentes que

demonstrem a realidade da razão científica, a valor da experiência histórica passada e a

convicção de que existem realidades que interessam saber, que as pessoas são capazes

de saber, e que são capazes de usar essa sabedoria para criarem melhores sistemas

sociais”45

.

Esta primeira experiência realizada no Louvre teve uma enorme importância para

experiências posteriores efetuadas noutros países como a Inglaterra, a Alemanha ou os

Estados Unidos da América, que, no entanto, viveram as suas próprias experiências

consoante o contexto em que se encontravam.

Não obstante, denota-se algo comum a todos estes museus, relacionado com um

certo carácter colonialista e expansionista das coleções. Despojos de conquistas ou

artefactos de civilizações longínquas, como a egípcia ou a mesopotâmica, eram trazidos

com grande pompa, para serem exibidos como autênticos troféus nestes enormes

espaços recém-criados.

45

Tradução livre. PEARCE , Susan M. – Museums, Objects and Collections, a cultural study. London,

New York : Leicester University Press, 1992. p.223

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91

Os relevos de Elgin46

, saqueados do Parténon de Atenas e levados para serem

exibidos em Londres, no British Museum, onde ainda hoje se encontram, são um

exemplo ilustrativo desse modo agressivo de reunir objetos que alimentassem as

coleções dos museus do século dezanove.

Esta era uma das formas encontradas pelas grandes potências mundiais para mostrar

a extensão do seu domínio, com Londres e Paris a disputar, de tal modo, o pódio nos

saques a outros países, que, os próprios relevos de Atenas, na sua viagem da Grécia para

Inglaterra, foram alvo de tentativa de intercetação.

Por volta de 1870, Berlim entra também nesta guerra, nesta corrida, provocando

autênticas batalhas, envolvendo exércitos e diplomatas numa campanha sem

precedentes para tentar roubar e guardar todos os tesouros históricos e culturais que

conseguissem, pretendendo estes países ser os únicos possíveis guardiães seguros dos

tesouros47

.

Mas se havia uma tendência imperialista na construção destas coleções e respetivos

museus na Europa, já nos Estados Unidos da América era através de colecionadores

privados que os museus se organizaram a partir de 1870. Na realidade, nos E.U.A., as

coleções foram sendo construídas, em grande parte, através de doações de empresários

milionários que traziam autênticos tesouros de uma Europa que, para financiar as suas

próprias campanhas, vendia parte dos seus espólios. Esta atividade vai continuar em

crescendo durante décadas e nos anos quarenta do século XX já existem nos E.U.A.

vários museus48

que podem finalmente rivalizar com os melhores da Europa49

. No

entanto, os museus americanos seguiam ainda o modelo traçado pelos museus europeus.

46

Os relevos ou mármores de Elgin, devem o nome a Lord Elgin, que, entre 1799 e 1803, foi o

embaixador Britânico no Império Otomano, do qual a Grécia fazia parte. Os objetos foram sendo

retirados entre 1801 e 1812 do Parténon e outras edificações limítrofes, sob a justificação de necessitarem

de um estudo aprofundado, tendo posteriormente sido enviados para o British Museum onde ainda hoje se

encontram. A Grécia encontra-se até hoje numa disputa legal com vista à devolução dos Mármores na

intenção de os colocar no seu lugar original. Nota do autor.

47 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.23.

48 Os três primeiros grandes museus da era moderna nos E.U.A. a serem estabelecidos com regras

definidas e uma política consertada de aquisições foram o Metropolitan Museum de Nova Iorque (MET),

o Museum of Fine Art de Boston e o Art Institute de Chicago. nota do autor.

49 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.40.

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92

Somente em 1929, depois de inúmeras tertúlias organizadas pelas senhoras da alta

sociedade nova-iorquina50

, dedicadas à problemática da inexistência de um museu

dedicado exclusivamente à arte moderna, munido de um programa de curadoria

inovador, decide-se convidar Alfred H. Barr, um jovem de 28 anos, para ser o diretor do

novo museu, o MoMA, o Museu de Arte Moderna de Nova Iorque.

Alfred Barr tinha as suas próprias ideias, radicais, sobre o que deveria ser um museu

e, na ausência de precedentes europeus, o caminho estava livre de condicionantes.

Nesse seguimento, Barr começou por mudar a localização do que até então se esperava

que fosse um museu, instalando-o, desde o primeiro dia, na 5ª avenida, em plena zona

de arranha-céus de escritórios, algo totalmente inverso aos habituais edifícios

construídos de raiz com uma aparência pomposa e classicista51

.

Esta é só a primeira de muitas inovações que Barr vai efetuar nesta instituição,

adotando uma atitude pró-ativa de não se limitar a expor conteúdos, promovendo, ao

mesmo tempo, debates e, consequentemente, expandindo os limites do museu para

outros locais, em autênticas digressões52

. Esta atitude inovadora de Barr vai marcar o

tom de modernidade a que um museu deve aspirar a partir do momento em que o museu

é fundado.

“Quando o museu de arte moderna foi fundado, em 1929, os termos “moderno” e

“contemporâneo”, na cabeça da maioria dos observadores eram virtualmente sinónimos

(…) a partir do fim dos anos sessenta, “contemporâneo” e “pós-moderno” começaram-

se a tornar-se termos sinónimos, deixando o MoMA desprotegido no momento em que

um novo capítulo da arte e da cultura contemporânea se desenvolvia”53

. Segundo

Karsten Schubert, é muito difícil uma instituição se manter constantemente no centro da

vanguarda conceptual, apesar do MoMA nunca ter deixado de ser um árbitro importante

50

Neste grupo inserem-se Lillie P. Bliss, Mary Sullivan e a própria mulher de Rockefeller, Abby Aldrich

Rockefeller. nota do autor.

51 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.44.

52 Uma das primeiras grandes exposições de arquitetura que Barr promoveu intitulava-se “Modern

Architecture- international Exhibition”, e depois de Nova Iorque onde esteve patente entre 1932-33,

viajou depois para mais catorze cidades. Nota do autor.

53 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.p. 49-50.

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93

na mediação da cultura contemporânea, assim como no derrube de regras e conceitos

estabelecidos, quando se impôs no meio cultural.

Em plena década de sessenta, outros países e instituições voltariam à ribalta, graças a

novas conjunturas políticas e sociais, provocando novas ruturas.

Uma dessas ruturas, muito importante no modo como se irá definir e desenvolver, no

futuro, a grande diversidade de propostas museológicas, ocorre no fim dos anos

sessenta, princípio dos anos setenta, com a criação do centro Pompidou54

, em Paris.

Desde o primeiro dia, a conceção do centro Pompidou foi polémica, pelo projeto

arquitetónico arrojado, high-tech, que provocou manifestações nas ruas de Paris contra a

sua construção, mas acima de tudo, pelo projeto expositivo que proponha.

Na realidade, a arquitetura era totalmente inversa à do MoMA, descartando o

conceito de uma entrada central, sendo possível penetrar no centro através de várias

pontos e com carácter anónimo. Procurava-se, portanto, enfatizar a ideia de democracia

cultural que a instituição assumia. Richard Rogers, um dos arquitetos do projeto afirma

que se “quer um sítio de informação e entretenimento ao vivo, numa mistura entre

Times Square e o British Museum”55

.

Constata-se, pois, uma enorme rutura em relação às instituições existentes até então,

no que ao carácter solene com que se apresentavam diz respeito, existindo agora, na

Europa, um centro que se assume multidisciplinar, com uma perspetiva interpretativa

dos seus próprios conteúdos, já mais próxima do espírito pós-modernista que se começa

a entranhar nos vários aspetos da vida cultural.

54

Inicialmente apelidado de centro Beaubourg, é rebatizado de Centro Pompidou quando o Presidente

Georges Pompidou (1911-1974), responsável pela sua construção, morre. Pompidou foi primeiro ministro

de França, entre 1962 e 1968, quando o General Charles de Gaulle era Presidente, tendo-se tornado muito

popular pelo modo pacífico com que resolveu as revoltas estudantis de maio de 1968. Em 1969, tornou-se

Presidente da Republica até à sua morte em 1974. Apesar de conservador, foi o primeiro a perceber o

enorme potencial que um enorme centro cultural traria a uma área deprimida da capital, o Marais. Depois

de grandes polémicas acaba por ser construído e inaugurado em 1977, tendo tido, desde essa data, mais de

150 milhões de visitantes. O projeto é resultante do primeiro concurso internacional que a França aprova

e os arquitetos que ganharam o projeto são os Italianos Renzo Piano (1937-) e Gianfranco Franchini

(1938-2009) e o Inglês Richard Rogers(1933-). Nota do autor.

55 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.59.

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94

Segundo Karsten Schubert, em termos museológicos, do ponto de vista do

modernismo, o museu tem uma tendência para a hierarquia, a cronologia, a classificação

ordenada e normativa, enquanto o Pós-Modernismo é, por definição anti-hierarquia,

anti-cronologia, anti-ordem e anti-classificação56

.

O centro Pompidou quebrou uma série de regras há muito estabelecidas no

funcionamento dos museus. Tal não pode ser dissociado da sociedade dos anos setenta

estar em rápida mudança, questionando o papel da cultura, não só pelo seu carácter

educativo, mas também pela sua vertente recreativa e lúdica.

Aquando do aparecimento do Victoria and Albert Museum, já se denotava uma

intenção de instruir todas as classes sociais e não só as elites. No entanto, tal não

passava de uma intenção, sendo mais uma exceção, que uma regra.

Agora os museus querem-se democráticos e mais fáceis de entender, atraindo o

maior número possível de visitantes. Também começam a aparecer cada vez mais

museus, com diferentes temáticas, quantas os seus colecionadores ou promotores se

lembram de criar.

A criação de uma coleção é uma atividade em crescimento pois, além de se começar

a tornar um investimento seguro, é uma forma dos seus proprietários atingirem

legitimidade e notoriedade em certos meios.

As coleções e museus podem contribuir igualmente para o enriquecimento, a

legitimação e visibilidade de determinada área geográfica ou atividade económica que

não tenha ainda o reconhecimento e posicionamento desejado.

Segundo Susan Pearce, “O ato de colecionar parece operar numa zona obscura entre

as ideias sobre o valor cultural dos objetos e o mais profundo nível de personalidade

individua”57

.

Este aumento e maior diferenciação de escolhas tem a vantagem de atrair novos

públicos, mas começa também a fazer com que os fundos destinados à sua constituição

56

Tradução livre. Ibid., p.61.

57 Tradução livre. PEARCE , Susan M. – Museums, Objects and Collections, a cultural study. London,

New York : Leicester University Press, 1992. p.35.

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95

e manutenção por parte dos organismos competentes se dividam, ameaçando o seu

desenvolvimento e, por vezes, mesmo a sua existência.

As instituições são, pois, forçadas a começar a tentar encontrar novas formas de se

financiarem. A concorrência entre instituições que necessitam de subvenções cresce e,

com ela, a necessidade de encontrar novas formas de aumentar as receitas, ou de

melhorar o serviço público prestado, muitas vezes passando pelo número de visitantes

que as exposições podem atingir. Tal pode acarretar riscos acrescidos quanto à

qualidade do programa apresentado em relação à vontade de atrair públicos cada vez

mais numerosos e transversais.

Esta evolução da sociedade influencia a vida das instituições, provocando uma

alteração drástica na vida de organismos que deixam de ser financiados pelo Estado,

transformando-se em empresas que necessitam de gerar fundos próprios, obrigando-as a

adotar técnicas de marketing, assim como atividades de recolha de fundos e donativos.

Pela primeira vez a necessidade de atrair público que assegure retorno económico é

fulcral na atividade das instituições, influenciando e alterando a maneira como se passa

a ver o seu próprio papel e trabalho58

e o modo como se devem financiar.

A visibilidade também se torna um fator importante, visto ser um dos pontos

fundamentais para atrair as atenções de parceiros públicos e privados que estejam

interessados em financiar instituições culturais, com base no retorno que esses

investimentos lhes possam dar.

A proliferação de coleções e museus vai também contribuir para que instituições de

maior dimensão, mais apetrechadas de um espólio mais extenso e de recursos humanos

mais organizados, possam começar a procurar novas formas de expansão, de modo a

aumentar a sua influência no meio cultural, mas igualmente nessa cada vez mais

necessitada procura de retorno financeiro. Tal procura de aumento de publico por vezes

leva a estratégias agressivas de marketing por parte das instituições, seja ao nível da

publicidade das suas exposições, seja no convite de arquitetos famosos para construírem

os seus museus ou a ligação com as próprias cidades onde se inserem, às quais interessa

promoverem-se através de conteúdos culturais.

58

Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.71.

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96

Com a consciência de ser esse o caminho necessário ao crescimento da instituição, o

museu Solomon R. Guggenheim59

será o primeiro a tentar abertamente essa extensão,

ou reprodução espacial de si próprio, a primeira tentativa de criar um museu global.

O diretor do museu Guggenheim, Thomas Krens, tinha uma máxima em relação à

problemática do crescimento dos museus: Expandir ou Morrer60

. Thomas Krens chegou

à instituição, em 1988, no meio de uma enorme crise financeira que esta vivia há já uma

década.

Thomas Krens estava convicto que o museu necessitava imperiosamente de sair da

sua zona de conforto, pois possuía um gigantesco espólio que definhava nos acervos

sem que ninguém o admirasse, comportando ainda custos de manutenção desastrosos,

sendo urgente uma mudança de atitude. Assim que assume funções começa uma longa

campanha de restauro e ampliação da casa mãe, o célebre edifício de Frank Loyd

Wright na 5ª avenida, optando simultaneamente pela constituição de uma nova sucursal,

também em Nova Iorque, mas, desta vez, em pleno Soho61

, uma zona que pela sua

localização central e nível socio cultural dos habitantes parecia, à partida, possuir um

enorme potencial de afluência de público.

Altera igualmente as políticas de contratação, empregando um exército de novos

curadores, tendo passado de um momento para o outro de quatro para vinte e seis

curadores, criando assim uma fábrica de criadores de conteúdos, com a intenção de

produzir exposições e debates a larga escala, em vários géneros, para diversos públicos

de diferentes geografias.

Apesar de este processo ter sido construído no meio de uma enorme polémica

(ameaçando os membros mais conservadores dos círculos culturais americanos retirar o

59

O museu Solomon R. Guggenheim foi criado a partir de uma fundação que salvaguardasse a coleção do

magnata do mesmo nome, tendo-se convidado o arquiteto Frank Loyd Wright para a conceção de um

edifício que se tornou icónico em Nova Iorque, aberto em 1939. O convidar arquitetos famosos para

construir edifícios icónicos viria a tornar-se na regra para os edifícios seguintes como o Guggenheim de

Bilbao, da autoria de Frank Gehry, ou Rem Koolhaas para a instituição que se instalou, numa parceria

com o museu Hermitage de São Petersburgo, no Hotel-Casino Venetian em Las Vegas. nota do autor.

60 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.113.

61 Tradução livre. Esta iniciativa virá a revelar-se um desastre económico. Projetada pelo arquiteto Arato

Isozaki e aberto em 1992, o Gugenheim Soho nunca conseguiu ter os visitantes que pretendia e resultou

num prejuízo de 40 milhões de dólares nos primeiros seis anos que esteve aberto. SCHUBERT , Karsten

– The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.115.

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seu apoio, financeiro ou intelectual), Thomas Krens, não só não desistiu das suas

convicções, como resolveu continuar a sua campanha de ampliação, desejando cada vez

mais novos públicos.

A sobrinha de Solomon Guggenheim, Peggy, também colecionadora como o seu tio,

deixa a sua coleção de arte à fundação Guggenheim, acompanhada de um palácio em

Veneza, formando-se mais um pequeno museu e contribuindo assim para o desdobrar da

estratégia expositiva que Krens está a desenvolver.

Mas a grande decisão, definidora da carreira de Krens, será sem dúvida a criação do

museu Guggenheim de Bilbao62

, com autoria de um dos chamados arquitetos estrela da

atualidade, o americano Frank Gehry, que é, segundo a opinião de Karsten Schubert, “o

motor que alimenta todas a empresa Guggenheim”63

.

O museu de Bilbao tornou-se, sem dúvida, a componente mais conhecida da

fundação Guggenheim, a par com o edifício da 5ª Avenida. É também inquestionável

que, devido ao sucesso quase imediato constatado em Bilbao, este tipo de diretiva

tornou-se fundamental na política de crescimento da instituição Guggenheim, bem

como de outras.

De facto, depois de Bilbao, outro arquiteto estrela, o holandês Rem Koolhaas (1944-)

64, foi convidado para participar na abertura de uma instituição em Las Vegas, aliando

uma parceria com o museu Hermitage de São Petersburgo com uma cadeia de casinos e

hotéis norte-americanos.

62

O Guggenheim de Bilbao como é conhecido o museu, foi inaugurado em 1997, cinco anos depois de ter

começado a ser construído. Thomas Krens convidou Gehry a fazer um edifício arrojado numa zona

deprimida financeiramente de Espanha, o país Basco, mais concretamente a cidade de Bilbao. É um fato

que hoje em dia o museu é um dos locais mais visitados do país. Para isto o Governo contribuiu com os

custos totais do museu e a fundação Guggenheim comprometeu-se a fornecer um programa de

exposições, assim como a facultar o acesso rotativo de parte do seu acervo para ser mostrado

temporariamente, ficando o custo de manutenção também a cargo do governo Basco. Nota do autor.

63 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.116.

64 Arquiteto Holandês, fundador do grupo de arquitetura OMA (Office for Metropolitan Architecture),

professor em Harvard, foi distinguido com o Prémio Pritzker, no ano 2000. Entre muitos edifícios

destacam-se a Casa da Música no Porto, em 2005, ou a sede da televisão estatal chinesa em Pequim. Nota

do autor.

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Esta tendência pode, pois, ser entendida como um tipo de franchising cultural, onde a

casa-mãe fornece o conceito e o produto, adaptando-o às realidades locais, e cobra uma

percentagem das vendas.

Segundo a pesquisa de Karsten Schubert, a quantia que o governo espanhol paga em

subvenções à sede do Guggenheim em Nova Iorque é muito superior ao número de

peças selecionadas para serem enviadas para exibição em Espanha, tendo sido

inicialmente de vinte milhões de dólares, ao que se soma uma quantia fixa anual de

consultadoria, montante esse que é integralmente utilizado pela fundação em operações

na sede de Nova Iorque, nos Estados Unidos da América65

.

O Guggenheim tem ainda outras dependências, espalhadas um pouco por todo o

mundo, em locais como Guadalajara no México ou Abou Dhabi, nos Emirados Árabes

Unidos, existindo ainda vários projetos em curso, uns em construção, outros a aguardar

melhorias no clima económico atual, todos fazendo parte de uma estratégia de

crescimento como se de uma corporação se tratasse.

Efetivamente, “A ideia de Krens na construção de um museu global é uma tentativa

de emular conceitos de branding e marketing global de produtos produzidos em

massa”66

.

Tal como mencionado anteriormente, outras instituições seguem o exemplo do

Guggenheim, nomes tão distintos e sóbrios como o Louvre, que está a construir uma

dependência em Abu Dabhi67

, desenhada pelo arquiteto Jean Nouvel68

.

Na intenção de, não só procurar legitimar os seus produtos culturalmente, mas

também de alcançar públicos mais informados e afluentes economicamente, empresas

65

Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.117.

66 Tradução livre. SCHUBERT , Karsten – The curator’s egg. London : One-Off Press, 2000. p.120.

67O Louvre Abu Dhabi faz parte de uma estratégia do governo deste Emirado com a intenção de tornar

esta cidade atrativa do ponto de vista cultural. Neste seguimento, está a ser construída uma ilha artificial

denominada de Saadiyat, onde, para além do Louvre Abu Dhabi, irá figurar o Guggenheim, um centro de

Artes performativas desenhado pela arquiteta Zaha Hadid e um museu marítimo da autoria de Tadao

Ando, entre outras instituições culturais. Nota do autor.

68 Jean Nouvel é o arquiteto que foi convidado para executar este projeto em parte pelo sucesso que

obteve na conceção do Instituto do Mundo Árabe em Paris (1987). É também responsável pela conceção

do edifício da Fundação Cartier em Paris (1994), o museu do Quai Branly (2006) ou a filarmónica de

Paris (2012). Ganhou o prémio Pritzker em 2008. nota do autor.

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ligadas ao design têm adotado a mesma estratégia de crescimento que alguns museus. Já

nos anos quarenta, empresas como a Knoll ou a Herman Miller, foram aceites, pela

primeira vez, como parceiros ativos em mostras organizadas por museus, como o

MoMA, denotando-se o início de um tipo de relação entre a indústria e o meio que a

legitima.

O caso mais paradigmático desta relação é o da Vitra, marca de mobiliário, e o da

Vitra museu, uma relação de simbiose em que os contornos de cada uma das partes se

esbatem na outra para melhor se apoiarem.

A Vitra69

foi criada, em 1957, por Willi e Erika Fellbaum com o propósito específico

de licenciar, para a Europa, o mobiliário da Herman Miller, nomeadamente os objetos

de Charles e Ray Eames e George Nelson, que experienciavam um momento de enorme

expansão e notoriedade. O filho de Willi e Erika Fellbaum, Rolf Fehlbaum, toma conta

do negócio em 1977.

Do princípio dos anos setenta aos anos noventa o grupo Vitra debruçou-se quase

exclusivamente sobre o mobiliário de escritório, trabalhando intimamente com nomes

como Andrea Branzi, Ettore Sottsass, Michele de Luchi ou James Irvine.

De facto, o grupo Vitra aposta, neste período, no desenvolvimento de projetos,

debates e exposições em torno do tema do mobiliário de escritório, que se apresenta

como um espaço que é algo mais que trabalho, onde se vive grande parte do tempo e,

consequentemente, deve ser humanizado. Um dos projetos que teve maior notoriedade

foi uma exposição e respetivo catálogo, produzido em 1993, intitulado Citizen Office:

Ideas and Notes on a New Office World70

.

Em 1981, um fogo destrói toda a fábrica da Vitra, e aquando do planeamento da sua

reconstrução, o projeto de implantação é atribuído ao arquiteto inglês Nicholas

Grimshew.

É, no entanto, em 1989, com o primeiro projeto que Frank Gehry faz na Europa, que

o museu da Vitra começa a ter mais notoriedade.

69

A sede da empresa Vitra é em Birsfelden, na Suíça, encontrando-se a fábrica e o museu em Weil Am

Rheim, na Alemanha. Nota do autor.

70 Tradução livre. BRANZI , Andrea ; SOTTSSAS , Ettore – Citizen Office. Steidl Gottinger, 1998.

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O museu da Vitra é o seguimento de uma fundação privada criada em 1989, com a

intenção de colecionar, catalogar, restaurar e reproduzir clássicos de design (desenhados

a partir do século XIX, entrando pelo século XX, até à atualidade). A arquitetura

também faz parte integrante do projeto, sendo, em si própria, um autêntico museu, pois,

desde o edifício de Gehry, inúmeras construções foram sendo adicionadas, tendo-se

formado um autêntico campus universitário e museu ao ar livre de arquitetura

contemporânea71

.

A coleção permanente do Vitra Design Museum é uma das maiores e mais completas

coleções, a nível mundial, focada em peças de mobiliário e design de interiores, tendo

começado a ser construída à volta do espólio de Charles e Ray Eames, assim como das

peças de George Nelson. A coleção do Vitra Design Museum rapidamente cresce com a

aquisição do trabalho de outros designers importantes do século XX como Alvar Aalto,

Verner Panton ou Dieter Rams.

O museu da Vitra possui um centro de documentação onde todo o material (sejam

peças de mobiliário ou obra teórica) é recolhido, conservado e restaurado, com vista à

sua posterior exposição ou reprodução.

O museu conta ainda com uma biblioteca de investigação no campo do design,

promovendo igualmente workshops e visitas guiadas ao museu e aos vários edifícios de

arquitetura que compõem o campus da instituição-empresa.

Esta aproximação de uma marca de mobiliário a um organismo de carácter cultural, a

um museu que serve outros propósitos que não os meramente comerciais, é uma

associação que se observa com cada vez mais frequência.

Com a proliferação de coleções e museus dedicados aos mais variados temas e a

deslocalização dos centros de criação para países, até agora insuspeitos, mas com

conjunturas económicas que lhes permitem ultrapassar as contingências com que a

Europa ou os E.U.A. se deparam atualmente (refletindo-se nas verbas atribuídas à

71

Para além da sede do museu Vitra Design construído por Frank Gehry, em 1989, destacam-se o quartel

dos bombeiros projetado, em 1993, pela arquiteta Iraquiana Zaha Hadid, o pavilhão de conferências de

Tadao Ando, igualmente de 1993, um edifício de fábrica por Álvaro Siza Vieira, em 1994, o Vitra Haus

pela dupla Herzog & de Meuron, em 2010, e ainda outro edifício fabril pelo grupo japonês SANAA em

2011. De destacar ainda a transladação de uma bomba de gasolina desenhada por Jean Prouvé em 1953,

trazida dos E.U.A. para a Alemanha em 2003. Nota do autor.

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promoção e divulgação do design), observa-se a atribuição, às marcas comerciais, de

um papel que antes estava reservado às instituições promotoras de cultura.

Ao juntarem a recolha e interpretação histórica do passado, ao promoverem debates e

plataformas de reflexão em torno de problemas atuais da sociedade, ao condensarem

todo este conhecimento, de certa forma as marcas estão a tomar o lugar que já foi dos

museus e de outras instituições culturais, nesse papel de garante da memória material

para usufruto das gerações futuras.

Atestando a importância de promover este trabalho de reunir, catalogar e promover a

compreensão do que é e foi a cultura material no mundo, seja com uma vertente algo

comercial ou não, Susan Pearce afirma : “As coleções são um elemento significativo da

nossa tentativa de construir o mundo, e, assim sendo, o esforço de as perceber torna-se a

modo de explorar a nossa relação com esse mundo”72

.

72

Tradução livre. PEARCE , Susan M. – Museums, Objects and Collections, a cultural study. London,

New York : Leicester University Press, 1992. p.36.

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102

VII. Conclusões

O valor atribuído a algo é um problema maioritariamente filosófico. Podemos

atribui-lo, segundos regras estabelecidas por agentes que contribuem para a sua

notoriedade e valorização. Tirá-lo do anonimato, produzi-lo em materiais raros e

preciosos? Um nunca acabar de teorias divergentes, opostas, mas que têm a

característica comum de mostrar exatamente esse espectro inacabável de abordagens

possíveis para este problema, o da atribuição de valor. E o que é a cultura material? E

qual o papel do design na sua construção? Uns poderão dizer que é a construção, ou o

estudo, de determinada cultura através da compreensão dos seus artefactos. Outros

poderão abordar este assunto de uma perspetiva mais próxima do valor intrínseco do

objeto, ou porque não, do seu valor espiritual e o que isso aporta à sociedade onde se

insere.

As leituras acima expostas são apenas um ínfimo exemplo da inacabável pluralidade

de aproximações possíveis ao estudo de uma matéria que, de qualquer modo, já há

bastante tempo é abordada segundo a perspetiva de outras disciplinas.

Os estudos de design são uma disciplina recente no meio académico. Este meio, com

metodologias e teorizações diferentes do novo campo de estudo, aborda o peso e o valor

da cultura material, assim como dos artefactos que a compõem. A arqueologia poderá

ser considerada uma das disciplinas que mais sistematicamente utiliza objetos como

base para a sua investigação, procurando melhor compreender o passado. A história da

arte também procura interpretar a razão pela qual, certa cultura, a dado momento,

produziu este ou aquele objeto, funcional ou não. É possível igualmente abordar a

cultura material a partir da sociologia ou da antropologia, que certamente tratarão a

cultura material com uma metodologia totalmente diferente das anteriores, podendo, e

devendo no entanto, utilizar os objetos e a sua razão de existir, para procurar um melhor

entendimento daquilo que faz uma sociedade produzir algo, e como.

Victor Margolin definiu os estudos de design como uma disciplina que interessa a

todas as pessoas, tendo começado por ser um estudo de carácter histórico sobre a prática

do design, mas que cresceu e se fundiu com todas as outras disciplinas, ora tirando-lhes

conhecimento, ora oferecendo-lhes outra abordagem, outra visão, outra ideia. O mundo

moderno é, de algum modo, artificial, no ponto em que cada vez mais é desenhado por

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103

pessoas, para pessoas. Ao mesmo tempo, esse mundo está em constante mudança,

rápida, veloz, e o que é reconhecido como eficaz neste momento, amanhã deixou de o

ser, imperando que se desenhe algo mais eficiente, mais de acordo com essa velocidade.

Também as regras da sociedade de consumo e os mecanismos existentes para a manter

em funcionamento, criam no homem um apetite constante por novos produtos.

Os estudos de design tornam-se, então, num entendimento do passado para melhor

servir o futuro. Razões várias, políticas, económicas, sociais, tecnológicas, de avanços e

recuos, todas têm influência direta na prática, na aceitação ou na recusa do design.

Também a comunicação, a responsabilidade social, a ética ou a definição da identidade,

assim como inúmeros outros fatores, demasiados para poder enunciá-los na sua

totalidade, assistem à prática desta profissão, assim como influenciam o seu estudo.

A presente dissertação faz um percurso cronológico pelos principais momentos do

século XX onde essa linguagem foi mais visível, assim como os momentos em que

houve ruturas significativas no modo de conceber, entender e consumir a cultura

material.

Acontecimentos incontornáveis como as duas grandes guerras, mutações de poderios

económicos, a descoberta de novas tecnologias que mudaram radicalmente o modo

como comunicamos e consumimos o design, são apenas alguns dos parâmetros

considerados no desenvolvimento deste estudo.

De realçar igualmente, o papel que indivíduos específicos, em momentos específicos,

desempenharam na criação de uma linguagem nova e, a sua contribuição, assim como a

de algumas instituições, na criação da cultura material, do ponto de vista do design.

Foi constatado também, ao longo do presente estudo, a importância de mecanismos e

métodos, que se foram construindo, na criação de discurso em torno da cultura material

e especialmente da do design, mas também na sua disseminação junto de um público

cada vez mais alargado e sensível a assuntos desta natureza. De enunciar, por exemplo,

a criação de núcleos de discussão de temas ligados às problemáticas da sociedade, como

os círculos literários e artísticos do princípio do século XX, ou a criação de revistas

especializadas na disseminação da cultura de design, como por exemplo, a explosão

editorial que acompanhou outras explosões sociais dos finais dos anos sessenta.

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104

Não gostaria de deixar, no entanto, de referir que o impacto que o design tem e teve

na sociedade começou muito antes da Revolução Industrial, dado que a relação que o

homem estabeleceu com os objetos começou desde cedo.

E esta relação, muitas vezes, passou de um simples relacionamento homem-objeto

para algo mais, algo difícil de quantificar ou catalogar.

Na segunda metade do século XV, vivia em Évora um carpinteiro de nome Ozmede

Castelão. Mouro, numa época em que a vida em terras cristãs não seria fácil para

pessoas com outras crenças, teve uma sorte diferente da dos seus congéneres. Sendo tão

bom no seu ofício, o de construir móveis para os nobres da cidade, um fidalgo de Évora,

D. Fernão da Silveira, pediu a D. Afonso V, rei de Portugal, que concedesse a Ozmede

Castelão um estatuto especial. Esse estatuto consistia em isentá-lo de toda e qualquer

cobrança de impostos ou outro tributo, que o próprio rei ou outro fidalgo viessem a

criar. Aquando da morte de D. Afonso V, e da subida ao trono de D. João II, o

carpinteiro Ozmede Castelão viu o seu estatuto especial ser renovado. E o que fez com

que este simples carpinteiro gozasse de tal estatuto? A sua habilidade, perícia,

sensibilidade na conceção de objetos.

Onde reside a relevância desta história? O que faz com que um jovem, algures numa

cidade asiática, venda um dos seus rins para comprar um iPad? O que faz com que

inúmeras famílias guardem nos sótãos das suas casas quantidades infindáveis de trastes

que, apesar de saberem não vir a necessitar mais, algo as impele a guardá-los?

Se parece que é o Homem que, através das suas estratégias, dos seus mecanismos,

faz com que alguns objetos se tornem mais importantes que outros, por vezes parecem

existir objetos que ganham uma autonomia própria.

Objetos como o telemóvel, que nas últimas duas décadas não pára de aumentar a sua

influência, dominando e substituindo outros importantes artefactos como a câmara de

filmar ou fotografar. O telemóvel parece ter-se tornado, não só um utensílio

fundamental, mas também um aglutinador de meios de transmissão de informação,

permitindo que alguém em total isolamento físico possa transmitir pensamento a

milhões de pessoas em todo o mundo.

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105

Se, à primeira vista, estas histórias parecem sair do âmbito desta dissertação, é

somente por não se enquadrarem imediatamente nos moldes habituais de interpretação

que as várias disciplinas utilizam na sua investigação.

Talvez este seja o verdadeiro objetivo de uma disciplina como os estudos de design:

Explicar, para além da dinâmica relacional do homem com o objeto, seja sob o prisma

da funcionalidade, do simbolismo, ou daquilo que pode aportar à ilustração do passado,

ou qualquer outra perspetiva, tantas quantas as abordagens de quem se debruçar sobre

tal problemática; talvez seja este o objetivo maior, o de procurar entender, para depois

explicar, qual o grau de emotividade que um ser humano pode desenvolver com um

objeto e porquê. Explicar qual o pensamento que precede mudanças significativas na

construção do mundo em nosso redor, qual o que o acompanha, e quando um

determinado pensamento deixa de ser relevante, numa sociedade em constante mutação.

Fala-se na natureza e num mundo artificial como duas realidades antagónicas,

opostas. Um mundo repleto de objetos, resultantes, no entanto, da necessidade de

resolver problemas, de melhorar a vida. O homem não destrói simplesmente a natureza,

também a constrói. Ajuda-a a sobreviver, a desenvolver-se, a adaptar-se.

Numa conferência em Lisboa, Enzo Mari (1932-), designer, teórico, e acima de tudo,

provocador, que nos seus oitenta anos, tudo lhe é permitido, afirmou, depois de uma

conferência e aceso debate em torno do que realmente interessa na construção do

mundo material na atualidade, que o melhor designer que alguma vez conheceu foi um

camponês, velho como ele, que tinha decidido plantar um campo de castanheiros. Os

castanheiros demoram um mínimo de vinte anos a crescer o suficiente para darem

castanhas. Este camponês sabia que não estaria vivo para aproveitar as castanhas, mas

plantou na mesma os castanheiros. Não será isto a cultura material?

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106

A partir do presente estudo, é possível criar uma nova direção, uma nova aplicação

das matérias abordadas. Porque não, de seguida, abordar a realidade portuguesa,

carecida de estudos da sua cultura material, vistos do prisma da história da evolução do

seu próprio design? Porque não, desenvolver uma metodologia de investigação que

comtemple as especificidades da realidade portuguesa, cruzando-a com outras

disciplinas já existentes e com trabalho de campo efetuado. Mais uma vez a

transversalidade da disciplina de estudos de design pode ser uma mais-valia, no sentido

em que muitas das regras há muito presentes noutras disciplinas de investigação,

encontram-se aqui ainda num estado por vezes embrionário, experimental, permitindo

uma maior flexibilidade face a outros campos.

Com um estudo amplo e completo sobre a realidade portuguesa, sobre

acontecimentos e fatores que provocaram grandes mudanças na evolução nacional,

sobre as respetivas relações dos cidadãos com os objetos, é possível empreender novos

desafios no campo dos estudos de design, agora centrados nas especificidades da nossa

cultura.

Subsequentemente será possível empreender, por exemplo, a recolha de artefactos,

que à nova luz destes conhecimentos adquirem um novo interesse e um novo valor.

Estes artefactos, acompanhados da contextualização necessária ao seu entendimento,

poderão incorporar ou formar novos núcleos expositivos ou mesmo museológicos.

Serão diferentes dos anteriormente formados, à luz de diferentes visões, provocadas por

diferentes métodos de entendimento de uma mesma história.

Figs. 24 e 25: Objetos integrados na natureza e no homem

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Por tudo o exposto, a grande vantagem dos estudos de design reside no fato de ser

uma nova disciplina, capaz de encarar a realidade e a história com novos olhos,

beneficiando, no entanto, de todo o conhecimento já alcançado. Esta transversalidade,

aliada ao sentimento de se estar perante uma grande incógnita, desconhecida, confere

aos estudos de design um manancial de desafios que, não obstante ter inerente um

caminho irregular povoado de obstáculos, promete recompensas para além das

expetativas mais conservadoras.

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Disponível em WWW:<URL: http://inspireplease.livejournal.com/951427.html>.

Fig. 6: Ophelia, quadro de John Everett Millais:

Millais's Ophelia. TATE. [Imagem]. [S.d.]. [Consult. 4 de Dezembro de 2012]. Disponível em

WWW:<URL: http://www2.tate.org.uk/ophelia/>.

Fig. 7: Padrão do movimento Arts and Crafts:

Wiliam Morris (1834-1896). Mail Online. [Imagem]. Março (2012). [Consult. 11 de Dezembro de

2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.dailymail.co.uk/home/moslive/article-2121626/Simon-

Fuller-Bernie-Ecclestone-Ten-greatest-British-entrepreneurs.html>.

Fig. 8: Padrão do movimento Arts and Crafts:

Modern Use. Carpet and Space. [Imagem]. [S.d.]. [Consult. 13 de Dezembro de 2012]. Disponível em

WWW:<URL: http://www.carpetandspace.com/index.php?id=44>.

Fig. 9: Padrão do movimento Arts and Crafts:

Arts and Crafts movement. Callumlee Graphic Design. [Imagem]. Maio (2012). [Consult. 13 de

Dezembro de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://cl2993.blogspot.pt/2012_05_01_archive.html>.

Fig. 10: O campo dos filósofos:

GILBORN, Craig – Adirondack Furniture and the Rustic Tradition. New York : Harry N. Abrams,

Inc., Publishers, 1987. p. 114.

Fig. 11: O campo dos filósofos:

GILBORN, Craig – Adirondack Furniture and the Rustic Tradition. New York : Harry N. Abrams,

Inc., Publishers, 1987. p. 48.

Fig. 12: Obra de Barbara Kruger:

Barbara Kruger. The Art History Archive. [Imagem]. [S.d.]. [Consult. 4 de Dezembro de 2012].

Disponível em WWW:<URL: http://www.arthistoryarchive.com/arthistory/feminist/Barbara-

Kruger.html>.

Fig. 13: Obra de Barbara Kruger:

The Opinion Pages. The New York Times. [Imagem]. [S.d.]. [Consult. 5 de Dezembro de 2012].

Disponível em WWW:<URL: http://www.nytimes.com/interactive/2012/10/29/opinion/

20121124opart.html>.

Page 111: UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE BELAS-ARTESrepositorio.ul.pt/bitstream/10451/9392/2/ULFBA_TES642.pdf · mais pormenorizadamente sobre os agentes construtores, produtores e divulgadores

111

Fig. 14: Exposição Objects under 10$ no MoMA:

BRUCE, Gordon – Eliot Noyes : A pioneer of design and architecture in the age of American

Modernism. London : Phaidon, 2006. p. 56.

Fig. 15: Exposição Objects under 10$ no MoMA:

BRUCE, Gordon – Eliot Noyes : A pioneer of design and architecture in the age of American

Modernism. London : Phaidon, 2006. p. 57.

Fig. 16: Cartaz do concurso The Organic Design In Home Furnishings Competition:

BRUCE, Gordon – Eliot Noyes : A pioneer of design and architecture in the age of American

Modernism. London : Phaidon, 2006. p. 70

Fig. 17: Revolta estudantil de Maio de 68:

Quem Somos. Universidade Crítica. [Imagem]. Abril (2010). [Consult. 7 de Julho de 2012]. Disponível

em WWW:<URL: http://movuniversidadecritica.blogspot.pt/2010/04/quem-somos.html>.

Fig. 18: Graffiti de Banksy:

BANKSY – Wall and Piece. London : The Random House Group Limited, 2005. p. 22.

Fig. 19: O telemóvel desenhado por Yayoi Kusama:

Yayoi Kusama limited edition mobile phones. Designboom. [Imagem]. Agosto (2009). [Consult. 23 de

Agosto de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.designboom.com/chic/yayoi-kusama-limited-

edition-mobile-phones/>.

Fig. 20: Yayoi Kusama e o telemóvel por ela desenhado:

Yayoi Kusama limited edition mobile phones. Designboom. [Imagem]. Agosto (2009). [Consult. 23 de

Agosto de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.designboom.com/chic/yayoi-kusama-limited-

edition-mobile-phones/>.

Fig. 21: Yayoi Kusama e o telemóvel por ela desenhado:

Yayoi Kusama limited edition mobile phones. Designboom. [Imagem]. Agosto (2009). [Consult. 23 de

Agosto de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.designboom.com/chic/yayoi-kusama-limited-

edition-mobile-phones/>.

Fig. 22: Obra de Ai Wei Wei:

Coca Cola Vase. Cameron Frye’s Blog. [Imagem]. Janeiro (2012). [Consult. 15 de Dezembro de 2012].

Disponível em WWW:<URL: http://skyethelimit.wordpress.com/2012/01/18/ai-weiwei/>.

Fig. 23: Obra de Ai Wei Wei:

Coca Cola Vase. Cameron Frye’s Blog. [Imagem]. Janeiro (2012). [Consult. 15 de Dezembro de 2012].

Disponível em WWW:<URL: http://skyethelimit.wordpress.com/2012/01/18/ai-weiwei/>.

Fig. 24: Objeto integrado na natureza:

Bike In Tree Vashon Island The Real Story. WTFPictures. [Imagem]. Julho (2012). [Consult. 3 de

Novembro de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://www.craigboyce.com/w/2012/07/bike-in-tree-

vashon-island-the-real-story/>.

Fig. 25: Objeto integrado no homem:

X-Ray Photos From The Book ‘Stuck Up’. The Twist. [Imagem]. Novembro (2011). [Consult. 24 de

Novembro de 2012]. Disponível em WWW:<URL: http://thetwistgossip.com/2011/11/18/x-ray-photos-

from-the-book-stuck-up/>.