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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
AUGUSTO VERAS SOARES MARTINEZ ALBUQUERQUE
DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO:
Uma leitura a partir da teoria neoclássica e da abordagem sociológica
BRASÍLIA
2018
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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA
FACULDADE DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E CONTABILIDADE
DEPARTAMENTO DE ECONOMIA
AUGUSTO VERAS SOARES MARTINEZ ALBUQUERQUE
DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO:
Uma leitura a partir da teoria neoclássica e da abordagem sociológica
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
ao Departamento de Economia da
Universidade de Brasília, como parte das
exigências para a obtenção do título de
bacharel.
Orientador: Prof. Dr. Carlos Alberto Ramos
BRASÍLIA
2018
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AUGUSTO VERAS SOARES MARTINEZ ALBUQUERQUE
DESIGUALDADE DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO:
Uma leitura a partir da teoria neoclássica e da abordagem sociológica
Trabalho de Conclusão de Curso, apresentado
ao Departamento de Economia da
Universidade de Brasília, como parte das
exigências para a obtenção do título de
bacharel.
Brasília, 13 de abril de 2018
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Prof. Dr. Carlos Alberto Ramos
Universidade de Brasília
__________________________________
M.ª Mariana Eugenio Almeida
Ministério do Trabalho
4
RESUMO
A discriminação de gênero no mercado de trabalho é um fenômeno estudado tanto
pela economia, quanto pela sociologia. Este trabalho tem por objetivo apresentar um
breve levantamento teórico do problema da discriminação de gênero observada no
mercado de trabalho a partir de uma leitura da teoria neoclássica da discriminação e
de algumas abordagens sociológicas da discriminação de gênero no mercado de
trabalho. Primeiro, são apresentadas brevemente a teoria neoclássica da
discriminação, o modelo da discriminação estatística e a explicação neoclássica do
diferencial salarial entre homens e mulheres. Em seguida, as teorias institucionais,
sociopsicológicas e marxistas sobre a discriminação de gênero no mercado de
trabalho são descritas. Após, são colocadas algumas críticas aos modelos teóricos
expostos. Conclui-se que as abordagens econômicas e sociológicas fazem
contribuições importantes para o estudo do tema e que mesmo apresentando
resultados quase opostos, podem se complementar para oferecer uma análise mais
completa da discriminação de gênero no mercado de trabalho.
Palavras-chave: Discriminação; Gênero; Mercado de Trabalho; Teoria Neoclássica;
Abordagens Sociológicas.
5
ABSTRACT
Gender discrimination in the labor market is a phenomenon studied by both
economics and sociology. This paper aims to present a brief theoretical survey of the
issue of gender discrimination observed in the labor market from a reading of the
neoclassical theory of discrimination and some sociological approaches to gender
discrimination in the labor market. First, the neoclassical theory of discrimination, the
model of statistical discrimination, the neoclassical explanation of the wage
differential between men and women are briefly presented. Then, the institutional,
sociopsychological and Marxist theories about gender discrimination in the labor
market are described. Next, some criticisms are placed on the theoretical models
exposed. It is concluded that the economic and sociological approaches make
important contributions to the study of the subject and that even presenting almost
opposite results, can complement each other to offer a more complete analysis of the
gender discrimination in the labor market.
Keywords: Discrimination; Gender; Labor Market; Neoclassical Theory; Sociological
Approaches.
6
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO .................................................................................................................................. 7
2. A MULHER NA TEORIA NEOCLÁSSICA DA DISCRIMINAÇÃO ............................................................ 8
2.1. Preferências Discriminatórias ..................................................................................................... 9
2.2. Discriminação Estatística ........................................................................................................... 10
2.3. A Explicação Neoclássica para Diferenças Salariais................................................................... 13
3. ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO MERCADO DE TRABALHO ....... 16
3.1. A Mulher como uma Força de Trabalho Secundária ................................................................. 16
3.2. Estereótipos de Gênero ............................................................................................................ 18
3.2.1. Estereótipos Descritivos de Gênero ...................................................................................... 19
3.2.2. Estereótipos Prescritivos de Gênero ..................................................................................... 21
3.3. O Marxismo e a Questão da Mulher e da Família ..................................................................... 23
4. CRÍTICAS ÀS PERSPECTIVAS NEOCLÁSSICAS E SOCIOLÓGICAS ...................................................... 25
4.1. Críticas à abordagem neoclássica ............................................................................................. 25
4.2. Críticas à abordagem sociológica .............................................................................................. 26
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................ 29
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................... 31
7
1. INTRODUÇÃO
De acordo com relatório da Organização Internacional do Trabalho de 2016, a
desigualdade entre homens e mulheres é um fenômeno persistente no mercado de
trabalho. A pesquisa, realizada com dados de 178 países, apresenta que mesmo
com a melhora significativa na educação, as mulheres não experimentaram
melhorias proporcionais nas suas posições de trabalho.
A constatação da existência da discriminação no mercado de trabalho por si
só não é suficiente para compreender o problema. O objetivo desta monografia é
realizar um breve levantamento teórico do tema a partir de uma leitura da teoria
neoclássica da discriminação e de algumas abordagens sociológicas.
No primeiro capítulo serão apresentadas, em linhas gerais, a teoria da
discriminação de Gary Becker (1956) e o modelo da discriminação estatística em
Kenneth Arrow (1973).
No segundo capítulo serão apresentadas as teorias institucionais de Michael
Piore (1978) e Paula England e Peter Lewin (1989), as teorias sociopsicológicas por
Madeline Heilmann (2012) e as teorias marxistas em Karl Marx e Friedrich Engels
(1845), Rosa Luxemburgo (1912) e Heather Brown (2014) sobre a discriminação de
gênero no mercado de trabalho.
No terceiro capítulo serão apresentadas diversas críticas à abordagem
neoclássica elaboradas por David Hendry (1980) e Joseph Altonji e Rebecca Blank
(1999) e às abordagens sociológicas como em Michael Wachter et al. (1974) e Heidi
Hartmann (1979) sobre a discriminação de gênero no mercado de trabalho.
No último capítulo serão feitas considerações finais recapitulando as
principais ideias e críticas apresentadas e possibilidades de adequação das teorias
com a finalidade de realizar um melhor diagnóstico da realidade para combater o
problema da discriminação de gênero no mercado de trabalho.
8
2. A MULHER NA TEORIA NEOCLÁSSICA DA DISCRIMINAÇÃO
“Should men and women receive equal pay for equal work?” (Edgeworth,
1922, p.1) é a primeira frase do artigo de Francis Ysidro Edgeworth intitulado Equal
Pay to Men and Women for Equal Work publicado no The Economic Journal em
dezembro de 1922. O artigo é um dos primeiros registros da teoria neoclássica
sobre a questão da discriminação da mulher no mercado de trabalho.
O estudo da discriminação pela teoria neoclássica é voltado
exclusivamente para aquela observada no mercado. Sua manifestação se dá
através da consideração de características pessoais não produtivas sobre decisões
de contratação e remuneração dos trabalhadores. Entende-se por características
pessoais não produtivas todos traços não associados com a produtividade do
trabalhador como raça/cor, etnia, religião e sexo, por exemplo.
A necessidade de se buscar uma explicação econômica para este
fenômeno deu origem a diversos trabalhos que apresentam hipóteses, modelos e
discussões no campo teórico neoclássico e são importantes para o entendimento
das razões de mercado por trás das diferenças nas remunerações dos
trabalhadores.
Apesar de o artigo de Edgeworth colocar a questão de gênero em foco, a
ênfase dos trabalhos neoclássicos que abordam o tema da teoria da discriminação é
sobre a questão racial. Deste modo, a aplicação de seus argumentos à questão da
discriminação de gênero requer algumas ressalvas.
David Autor apresentou em suas notas de aula (Autor, 2003) a divisão
dos modelos econômicos de discriminação em modelos competitivos e modelos
coletivos. Aqueles ainda poderiam ser divididos entre modelos de discriminação
estatística e modelos baseados em preferências.
Seguindo a divisão apresentada por Autor sobre os modelos de
discriminação competitivos, neste primeiro capítulo serão apresentados os principais
argumentos e resultados elaborados por Gary Stanley Becker (1957), na seção 2.1,
segundo uma abordagem da discriminação voltada às preferências; e por Kenneth
Joseph Arrow (1971), na seção 2.2, segundo uma abordagem estatística da
discriminação aplicáveis à questão da mulher no mercado de trabalho. Na seção 2.3
serão apresentadas as razões para a diferença entre salários de homens e mulheres
de acordo com a teoria neoclássica.
9
2.1. Preferências Discriminatórias
Becker apresenta em seu livro The Economics of Discrimination um
modelo teórico competitivo no qual a discriminação surge como um elemento da
preferência dos agentes.
A formalização do modelo por Autor (2003) é apresentada da seguinte
forma:
• Existem dois grupos de indivíduos, um majoritário denotado por A e
um minoritário denotado por B;
• Os empregadores maximizam uma função de utilidade que é a soma
dos lucros mais o valor monetário da utilidade de se empregar
membros de um grupo em particular;
• O coeficiente de discriminação das firmas é representado por d;
• As firmas maximizam:
U = pF (Nb + Na) − waNa − wbNb − dNb,
onde p é o nível de preços, F é a função de produção, Nx é o número de
trabalhadores do grupo x = {a,b} e wx é o salário pago para os membros de cada
grupo.
Os empregadores que apresentarem algum tipo de preferência
discriminatória, ou seja, d > 0, tomarão suas decisões de contratação entre os
grupos considerando que os salários para os membros do grupo b terá custo igual a
wb + d enquanto a contratação de membros do grupo a não incorreria em custos
adicionais totalizando wa.
Há uma função G (d) que dá a distribuição da probabilidade do parâmetro
d sobre a população de empregadores. Assim, o número ótimo de trabalhadores
empregados em cada firma é dado por:
pF’ (Na) = wa,
pF’ (Nb) = wb + d.
Assumindo p fixo e agregando todas as firmas da economia é possível
escrever as funções de demanda para cada tipo trabalhador pelo qual se determina
os salários:
Nda (wa, wb, G (d)) = Nsa(wa),
Nda (wa, wb, G (d)) = Nsa(wb),
10
A partir desse resultado infere-se que para que ocorra um diferencial
salarial, wb < wa, é necessário que a porção de empregadores discriminadores seja
suficientemente grande para que a demanda por trabalhadores do grupo b seja
menor que a oferta quando wb = wa. Esse resultado implica que discriminação na
média não significa discriminação na margem. Alternativamente, se houver
empregadores que não discriminem em quantidade suficiente, as firmas que
discriminarem serão eliminadas pela competição com as firmas que não
discriminam, uma vez que a discriminação gera um custo adicional.
Caso a parcela de empregadores que discriminam seja grande o
suficiente ao ponto de que indivíduos do grupo b seja contratado por firmas
discriminadoras, o diferencial salarial das firmas na margem será igual ao coeficiente
de discriminação d. Entretanto, quando se assume retornos constantes de escala e
um mercado competitivo, o que se observa nessas firmas é que cada trabalhador
não recebe o produto marginal. Esta situação cria espaço para firmas não
discriminadoras negociarem salários maiores que os recebidos pelos trabalhadores
do grupo b empregados em firmas discriminadoras, mas menores que d, o que, no
equilíbrio, significa que as firmas discriminadoras devem custear a discriminação
uma vez que este custo não pode ser repassado aos trabalhadores.
O modelo de Becker estabelece que em equilíbrio parcial os
trabalhadores do grupo discriminado devem aceitar salários menores para mesmos
níveis de produtividade ou serem mais produtivos a um dado salário. Este resultado
gera incentivos à segregação que, dependendo da quantidade de empregadores
discriminadores e da quantidade de trabalhadores do grupo discriminado, pode gerar
uma situação Pareto eficiente na qual ninguém sustenta os custos da discriminação.
Em equilíbrio geral, a preferência discriminatória gera custos para o empregador
sendo eliminada pelo mecanismo de concorrência de mercado.
2.2. Discriminação Estatística
Kenneth Arrow (1973) apresenta um modelo de análise da discriminação
a partir de uma perspectiva estatística. A análise feita por Arrow é voltada à
segregação racial nos Estados Unidos se referindo a negros como os trabalhadores
B (black) e a brancos como os trabalhadores W (white). Generalizando, pode-se
dizer que B seria o grupo da minoria discriminada e W o grupo majoritário.
11
O ponto de partida da sua análise é o relaxamento da hipótese de
informação perfeita. Deste modo, o que é relevante para a decisão de contratação
dos empregadores é sua percepção da realidade: “if employers have preconceived
ideas that B workers have lower productivity than W workers, they may be expected
to be willing to hire them only at lower wages” (Arrow, 1973, p.25).
As hipóteses assumidas por Arrow são a seguintes: a) os custos para se
diferenciar o tipo (sexo, raça/cor, diploma) de candidato ao emprego são baixos; b) o
empregador deve incorrer em custos para que ele possa determinar a produtividade
real dos candidatos à vaga; c) o empregador deve ter definido para si alguma ideia
de distribuição da produtividade nos dois grupos de trabalhadores.
Supõe-se também que exista dois tipos de trabalhos complementares, um
que requer qualificação e outro que não requer qualificação. Apenas alguns
trabalhadores são qualificados. Não existem custos relacionados à contratação de
trabalhadores para as vagas que não requerem qualificação, porém para as vagas
que requerem qualificação existem custos relacionados à contratação de
trabalhadores. O empregador estima que um trabalhador do tipo W tem uma
probabilidade aleatória Pw de ser qualificado e que um trabalhador do tipo B tem uma
probabilidade aleatória Pb de ser qualificado. A produtividade do trabalhador
qualificado é MPs e o salário de um trabalhador W é ww, de forma que o ganho
líquido do empregador é MPs - ww.
Assume-se que r é o retorno necessário por trabalhador para cobrir os
custos relacionados à contratação de trabalhadores qualificados. Se o empregador
for avesso ao risco, r será definido como:
r = (MPs - ww) Pw
e,
r = (MPs - wb) Pb
igualando as equações temos:
ww = q wb + (1 – q) MPs
onde q = Pb/Pw .
Assumindo que a probabilidade de trabalhadores do grupo B serem
qualificados seja menor que a probabilidade de trabalhadores do grupo W, então o
salário dos trabalhadores do grupo W será uma média ponderada entre o salário dos
trabalhadores do grupo B e a produtividade marginal dos trabalhadores qualificados.
Este resultado indica que se os empregadores assumirem que a probabilidade de
12
um trabalhador do grupo B ser qualificado for menor do que para um trabalhador do
grupo W que haverá um diferencial salarial. Assumindo que haja rigidez de salários,
o que se vai observar é uma não contratação de trabalhadores do grupo B para
trabalhos qualificados.
Arrow complementa sua análise oferecendo uma explicação para a
decisão de adquirir qualificação por parte dos trabalhadores. Assume-se que a
quantidade de pessoas que buscam se qualificar é uma função crescente dos
retornos da qualificação. Também se assume que não há qualquer tipo de diferença
intrínseca de produtividade entre os trabalhadores de ambos os grupos e que o
salário do trabalho que não requer qualificação é igual à produtividade marginal
neste tipo de trabalho. Deste modo, os ganhos para um trabalhador do grupo W ao
se qualificar é dado por vw = ww – wu, sendo wu o salário no trabalho que não requer
qualificação.
A probabilidade de um trabalhador do grupo W obter qualificação é
definida por uma função S(vw) e, simetricamente, a probabilidade e um trabalhador
do grupo B obter qualificação é definida pela função S(vb). Dada a equação que
resolve para r, a função que define a probabilidade de um trabalhador obter
qualificação e a relação de igualdade do salário que não requer qualificação com
sua produtividade marginal, obtém-se um sistema de equações composto pelos
salários dos grupos W, B e dos não qualificados e das probabilidades de se obter
qualificação para os grupos W e B.
O resultado de equilíbrio do modelo aponta para a igualdade entre as
probabilidades de se adquirir qualificação e para a igualdade de salários entre os
grupos. Entretanto, o equilíbrio pode ser instável, uma vez que, para dados valores
de Pw e Pb, eles vão se ajustar com o tempo até o nível desejado, S(vw) e S(vb),
respectivamente. Este resultado dá duas equações diferenciais:
dPw/dt = k[S(vw) - Pw]
e,
dPb/dt = k[S(vb) - Pb]
Assumindo o equilíbrio não discriminatório no qual salários,
probabilidades e retornos para qualificação são iguais para os grupos W e B e
denotando-se E a elasticidade de S(v) com respeito a v, a condição para
estabilidade passa a ser:
E(MPs – ws) / (ws – wu) < 1
13
A instabilidade no sistema dinâmico está relacionada diretamente com
maiores valores de E de (MPs – ws), enquanto maiores valores de (ws – wu) induzem
a uma maior estabilidade no sistema.
2.3. A Explicação Neoclássica para Diferenças Salariais
O modelo neoclássico básico - sob as hipóteses de competição perfeita,
maximização dos lucros e homogeneidade de trabalhadores - apresenta como
resultado que os salários são todos iguais à produtividade marginal do trabalho.
Porém, não se observa salários iguais, o que incita uma explicação. Segundo Arrow:
The fact that different groups of workers [...] receive different wages, invites the explanation that the different groups must differ according to some characteristics valued on the market. In standard economic theory, we think first of all of differences in productivity (ARROW, 1973, p.1).
Deste modo, a discriminação para a teoria neoclássica só ocorre se
pessoas de mesma produtividade receberem salários diferentes. A existência de
discriminação no mercado de trabalho é um resultado não ótimo. Segundo Samuel
Pessoa: “a competição do mercado de trabalho exerce forte pressão contrária à
discriminação de gênero e de cor. Isso significa que não há discriminação? Não,
significa que não deve haver discriminação econômica” (PESSOA, 2016).
Em seu artigo, Discriminação de Gênero, argumenta que provavelmente
não há discriminação de gênero pois as mulheres apresentariam menor
produtividade na média do que os homens:
[...] normas sociais, maternidade e menopausa criam fortes forças de mercado para a diferenciação salarial de gênero. Essa discriminação sociobiológica [...] enseja outro tipo de discriminação, a discriminação estatística. [...] em razão dos fatores sociobiológicos mencionados, o homem é na média mais produtivo do que a mulher (PESSOA, 2016).
Assim, a discriminação estatística ocorreria quando há uma falha na
estimação da produtividade esperada de uma mulher candidata a uma vaga, uma
vez que ela pode apresentar produtividade acima da média feminina. Por fim, afirma
que as firmas possuem incentivos econômicos para minimizarem esse tipo de falha
dado que acertar na decisão de contratação representa ganhos.
14
O objetivo deste capítulo foi apresentar duas abordagens da teoria
neoclássica da discriminação, a teoria da discriminação de Gary Becker e o modelo
da discriminação estatística de Kenneth Arrow.
A abordagem da discriminação pelas preferências dos agentes
apresentada por Gary Becker (1957) em seu livro The Economics of Discrimination
foi a primeira modelagem econômica da discriminação. Nas palavras de Becker:
(The economists) have lacked a systematic theory with which to interpret the economic differentials between majority and minority groups [...] I have attempted to remedy this neglect by developing a theory of discrimination in the market place that suplements the psychologists and sociologists analysis of causes with an analysis of economic consequences (BECKER, 1957, p. 10-11).
A publicação do livro inseriu definitivamente a questão da discriminação
no campo de estudos econômicos, sendo recebido com diversas críticas e elogios e
incitando o debate acerca do tema.
Segundo Paulo Loureiro (2003) algumas das principais críticas feitas ao
modelo de Becker são dirigidas à proposta de se modelar a discriminação a partir da
preferência dos agentes bem como à hipótese de mercado competitivo.
Arrow (1973), buscando desenvolver o modelo de Becker e relacioná-lo
com a Teoria do Equilíbrio Geral, apresentou uma abordagem que, em diversos
pontos, contrastou com os resultados de Becker. Relaxando a hipótese de
informação perfeita apresentou uma modelagem estatística da discriminação que é
de grande valor para a explicação deste fenômeno, como demonstrado acima na
seção 2.2. deste capítulo.
Pessoa (2016) apresenta argumentos contrários à suposição da
existência de discriminação de gênero no mercado de trabalho, uma vez que os
diferenciais salariais seriam justificados pela menor produtividade média feminina
como decorrência de fatores sociobiológicos. Atenta para a possibilidade de
discriminação estatística, entretanto, afirma que esse tipo de discriminação é
combatido através de incentivos econômicos às firmas para tomar a melhor decisão
de contratação.
As possibilidades de modelagem econômica da discriminação são
diversas, entretanto, como Edgeworth brilhantemente colocou: “The most correct
and unbiassed economic conclusions are liable to be overruled by moral
considerations” (1922, p.1). No próximo capítulo serão apresentadas algumas
15
abordagens sociológicas acerca da discriminação da mulher no mercado de
trabalho.
16
3. ASPECTOS SOCIOLÓGICOS DA DISCRIMINAÇÃO DE GÊNERO NO
MERCADO DE TRABALHO
Abramo expõe em sua tese de 2007 que tanto no Brasil quanto na América
Latina, Europa e Estados Unidos, as mulheres têm apresentado crescentes níveis
participação econômica e de escolaridade (esta superior à média masculina).
Entretanto, as mulheres apresentam taxas de desemprego superiores às dos
homens, níveis de remuneração inferiores aos níveis masculinos (ainda mais
díspares quanto mais escolarizadas) e taxas de informalidade maiores que as dos
homens. Segundo Abramo este é o quadro que caracteriza a situação atual das
mulheres no mercado de trabalho.
A sociologia apresenta diversas abordagens à questão da discriminação da
mulher no mercado de trabalho. Neste capítulo serão apresentadas três abordagens
ao tema.
Na primeira seção serão discutidos fatores institucionais relativos à existência
de mercados de trabalhos internos e segmentação econômica no mercado de
trabalho que contribuem para a explicação da persistência do fenômeno
discriminatório.
Na seção seguinte serão abordados fatores sociopsicológicos que contribuem
para a discriminação de gênero no mercado de trabalho, como por exemplo os
estereótipos.
Por fim, serão apresentadas algumas ideias e análises marxistas sobre a
questão de gênero no mercado de trabalho, que é por onde se manifesta
principalmente - porém não exclusivamente - as relações sociais de produção na
economia capitalista.
3.1. A Mulher como uma Força de Trabalho Secundária
Laís Abramo (2007) afirma que as mulheres ocupam no mercado de trabalho
uma posição que as caracterizaria como uma força de trabalho secundária. Esta
noção está diretamente relacionada às teorias da segmentação e dos mercados
duais e de mercados de trabalhos internos.
Michael Piore (1978) apresenta uma visão dual com um setor primário e um
setor secundário, caracterizando esses setores desta forma:
17
... a primary sector, containing better paying, more stable and otherwise attractive job opportunities and the more privileged members of the labor force, and a secondary sector, containing generally poor paying, insecure and otherwise unattractive jobs. This second sector is manned by women, youth, minority groups, migrants, part-time peasants and other groups which we tend to think of as marginal or «disadvantaged» (PIORE, 1978, p.27).
O autor cita quatro razões que podem explicar a existência desse dualismo.
A primeira seria a existência de incentivos para os empregadores tratarem os
trabalhadores como capital quando aqueles investiram na qualificação destes. Neste
sentido, o dualismo seria eficiente uma vez que maximizaria o produto numa
economia estática e levaria ao crescimento econômico numa economia em
desenvolvimento.
A segunda razão relaciona-se ao pressuposto de que o dualismo resultaria de
uma imposição sobre os empregadores através da organização coletiva de
indivíduos a fim de garantirem seus empregos através da luta sindical pelos meios
legislativo e político.
A terceira razão está relacionada à atitude dos empregados e empregadores
no momento da negociação contratual e às suas preferências de risco podendo
alguns aceitarem salários mais baixos a fim de garantir a sua segurança.
A última a razão para o dualismo está inserida no contexto da luta de classes
e seria um fenômeno resultante de uma ação deliberada dos empregadores a fim de
dividir a classe trabalhadora e enfraquecê-la.
Segundo Abramo o argumento do dualismo não seria pertinente na
atualidade, uma vez que:
O que caracteriza [...] o mercado de trabalho na fase atual não é uma estrutura dual, mas sim uma grande heterogeneidade de situações e novos e complexos processos de segmentação da estrutura produtiva e da força de trabalho, onde certamente as dimensões de gênero e raça-etnia tem um papel central, mas que não devem ser definidos em termos de dualidades e dicotomias (ABRAMO, 2007, p.47).
A noção de mercados de trabalho internos explica uma divisão de “carreiras”
com mobilidade distintas dentro de uma firma. Existiriam, de acordo com England e
Lewin (1989), postos que oferecem uma possibilidade de progressão maior que
outros e que seriam protegidos tanto da competição fora da firma quanto da
competição interna da firma. A única competição para os trabalhadores dentro dessa
carreira seria aquela entre os ocupantes desses postos, configurando assim o
mercado de trabalho interno.
18
A racionalização econômica dos mercados de trabalho internos está nos
custos de treinamento específico, que acabam por privilegiar aqueles que já ocupam
postos que requisitam este tipo de treinamento. A fim de minimizar as chances de
perder um empregado que recebeu investimento específico da empresa para o
trabalho que ele executa, o empregador concederá benefícios variados como bônus,
aumentos e promoções. Isto ocorre mesmo que existam em mercados externos
trabalhadores com mesmo capital humano geral dispostos a receber menos.
England e Lewin (1989) observam que os mercados internos e a
segmentação levam a uma situação que engessa as possibilidades de progressão
na carreira de um trabalhador no momento em que é contratado para um
determinado posto. Assim, o modelo apresenta uma tendência de reproduzir efeitos
discriminatórios ao longo da vida de uma pessoa o que foi denominado por Feagin e
Feagin (apud England e Lewin, 1989, p.249) como “efeito da discriminação passada
no presente”.
A análise conjunta de mercados de trabalho internos e de uma economia
segmentada permitem uma reflexão importante acerca da possibilidade de se
superar situações discriminatórias a priori. Mulheres e negros, ainda que dispostos a
receber menos, encontram dificuldade em serem contratados pelas firmas do setor
primário uma vez que estas podem apresentar uma situação de mercado de trabalho
interna que protege da competição externa o seu quadro de pessoal.
Na próxima seção será abordado outro tema pertinente à discriminação da
mulher no mercado de trabalho enfocando os estereótipos de gênero e os
preconceitos deles decorrentes no ambiente de trabalho.
3.2. Estereótipos de Gênero
Segundo Heilman (2012) os estereótipos são os principais fatores que
explicam o viés de gênero que, por sua vez, limita a capacidade de mobilidade
feminina nas estruturas organizacionais mais elevadas. Estereótipos são
generalizações feitas a um indivíduo pertencente a um grupo apenas por pertencer a
este grupo. Estereótipos de gênero são generalizações feitas sobre atributos
diferenciados relativos a homens e a mulheres.
A autora divide os estereótipos de gênero, de acordo com as características
descritivas e prescritivas que possuem, nos seguintes termos: “Descriptive gender
19
stereotypes designate what women and men are like. Prescriptive gender
stereotypes designate what women and men should be like” (HEILMAN, 2012,
p.114).
Os estereótipos descritivos de gênero prejudicam as mulheres por
estabelecer expectativas negativas com respeito à adequação entre as
características atribuídas a elas e as características tidas como necessárias para
atingir sucesso nas posições tradicionalmente masculinas.
Os estereótipos prescritivos de gênero estabelecem um conjunto de normas
comportamentais atribuídas a homens e mulheres. Quando alguma dessas normas
é violada direta ou indiretamente por mulheres, elas são desvalorizadas e
desconsideradas.
Nas próximas duas subseções serão listadas algumas situações relacionadas
aos tipos mais comuns de estereótipos de gênero descritivos e prescritivos.
3.2.1. Estereótipos Descritivos de Gênero
Heilman (2012) apresenta dois conjuntos de características que são
estereotipicamente atribuídos a homens e mulheres, a agência e a comunidade.
Aos homens estão associadas características de busca por sucesso
(competência, ambição, foco em tarefas), inclinação em tomar controle
(assertividade, domínio, contundência), autonomia (independência, confiança,
decisão) e racionalidade (analítico, lógico, objetivo). Estas características são
agrupadas na denominação “agência” (agency).
Às mulheres estão associadas características de preocupação pelos outros
(gentileza, cuidado, atenção), tendências afiliativas (entusiasmo, atitude amigável e
colaborativa), deferência (obediência, respeito, humildade) e sensibilidade emocional
(percepção, intuição, compreensão). Estas características são agrupadas na
denominação “comunidade” (communality).
A autora chama a atenção para o fato de existir uma percepção equivocada
de que essas concepções estereotipadas sempre afetam negativamente as
mulheres. O que se observa é que as características atribuídas às mulheres são
bastante valorizadas e consideradas positivas na vida social em geral. Entretanto,
elas se tornam problemáticas, principalmente, no ambiente profissional por afetar as
expectativas em relação à performance, dificultando sua progressão na carreira.
20
A primeira situação descrita pela autora está relacionada à percepção de que
os atributos estereotipicamente femininos não são adequados às posições
tipicamente masculinas de topo de gerência e de postos executivos. Esse tipo de
visão estabelece, de antemão, as mulheres como inaptas a exercer essas funções
ou com baixa probabilidade de sucesso.
Heilman também indica que os estereótipos apresentam uma tendência de se
reforçar e de se perpetuar. Uma segunda situação ocorre quando os indivíduos são
confrontados com eventos que contrariam as expectativas comportamentais
estereotipadas de gênero, tendem a interpretar de forma diferente as informações
para homens e mulheres. Os fatos que confirmam os estereótipos são
predominantemente levados em consideração e relembrados enquanto aqueles que
vão contra os estereótipos são desconsiderados e esquecidos. E mais: quando os
fatos contrariam os estereótipos, a interpretação tende a ser positiva para os
homens e negativa para as mulheres.
A terceira situação levantada pela autora refere-se à formação das
expectativas sobre o desempenho de uma candidata a um emprego, determinando-
se previamente carreiras tipicamente masculinas e femininas:
Maleness is determined not only by the job itself, but by occupation (e.g., the military vs. education), subfields or professional specialties (e.g., surgery vs. pediatrics), academic fields (sciences vs. humanities), and function and level within an organization (HEILMAN, 2012, p.118).
Outro fator que contribui para o grau de formação de expectativas negativas
baseadas em gênero é a presença de características pessoais que reforçam seu
gênero como beleza ou maternidade.
A ambiguidade presente nos critérios de avaliação é um fator que facilita a
atuação das expectativas sobre a performance profissional. Por falta de informação
ou pela baixa qualidade da informação nos executores dos mecanismos de seleção,
avalição, promoção etc., as mulheres tendem a ser prejudicadas quando avaliadas
devido às expectativas baseadas em estereótipos de gênero. Critérios de avaliação
vagos são fatores que prejudicam as mulheres no momento de suas avaliações, pois
acabam sendo distorcidos a fim de se adequarem às expectativas estereotipadas. A
atribuição da responsabilidade sobre resultados positivos ou negativos também está
sujeito à atuação das expectativas estereotipadas sobre homens e mulheres.
Outro efeito dos estereótipos de gênero é o seu impacto na auto avaliação
das mulheres. Elas tendem a se descrever com um perfil alinhado ao de
21
comunidade enquanto os homens ao de agência. Esse tipo de avaliação transmite
seus efeitos sobre as expectativas das mulheres sobre sua performance quando
ocupam cargos ditos masculinos de modo a afetar sua previsão de sucesso, de
crédito e de responsabilidade, de forma negativa.
3.2.2. Estereótipos Prescritivos de Gênero
Segundo Heilman (2012) os estereótipos prescritivos de gênero são aqueles
que ditam os atributos e comportamentos adequados aos homens e às mulheres.
Estão intrinsecamente ligados aos estereótipos descritivos, uma vez que
determinam o conjunto de características dos indivíduos de cada grupo. Desta
forma, o perfil de comunidade atribuído às mulheres e o perfil de agência atribuído
aos homens são aqueles que estereotipicamente os prescrevem.
Uma eventual quebra das normas prescritas às mulheres pode gerar diversos
tipos de repercussão. Dentre elas está a possibilidade de serem consideradas
menos equilibradas psicologicamente, mais frias, hostis, antipáticas, serem
avaliadas desfavoravelmente, receberem punições como menor pagamento, menor
intenção de contratação e promoção, e raras recomendações para recompensas
organizacionais.
Os cargos e posições de topo num ambiente de trabalho tem sido aqueles
tipicamente ocupados por homens. Portanto, as expectativas de características
necessárias para o sucesso nestes cargos são as de agência, descritas na seção
anterior. Deste modo, para que mulheres sejam bem-sucedidas nestes postos elas
devem adotar um conjunto de posturas que contrariam aquelas prescritas pela
sociedade. Esse tipo de quebra das normas leva, segundo Heilman (2012), a
consequências negativas.
Heilman (2012) descreve algumas atitudes que, quando adotadas por
mulheres, resultam em adversidades no ambiente de trabalho. Uma postura de
comunicação mais direta e assertiva, que são bem vistas para os homens, tende a
tirar a capacidade de exercer influência sobre o pessoal, quando adotadas por
mulheres. Em situações de liderança feminina, um perfil autocrático e impessoal é
avaliado negativamente enquanto um perfil democrático e pessoal é avaliado
positivamente. A prática da autopromoção é uma característica não prescrita às
mulheres, por ir contra o traço de modéstia e de não-competitividade. O processo de
22
negociação salarial também não é visto de forma positiva para mulheres, resultando
em penalidades e dificuldades para contratação e para se apresentar como uma boa
potencial colega. Mau comportamento é uma característica negativa para todos,
mas, as mulheres são vistas particularmente de forma mais rígida, quando
penalizadas, e menos leniente. A manifestação de sentimentos ditos masculinos
como raiva e orgulho são mal recebidos no ambiente de trabalho, sendo mais
aceitáveis para homens.
Heilman (2012) apresenta também situações que geram efeitos negativos
para as mulheres quando elas falham em agir como lhes seria prescrito. Atitudes
altruístas são esperadas num ambiente de trabalho, entretanto, não são
recompensadas quando realizadas por mulheres (sendo vistas positivamente para
homens) e avaliadas negativamente quando não realizadas (não tendo qualquer
efeito sobre homens). Posturas individualistas e competitivas por parte das mulheres
são malvistas por não seguir a prescrição de gênero colaborativa a elas atribuída.
Falta de consideração e de sensibilidade são atributos negativos para todos.
Contudo, por serem prescritos às mulheres, as impactam mais negativamente.
Mulheres bem-sucedidas em cargos ou funções tipicamente atribuídas a
homens são vítimas de diversos tipos de discriminações. Elas podem ser taxadas
tanto como violadoras das características de comunidade quanto como portadoras
de características de agência em excesso. Assim, elas podem ser malvistas pelos
seus colegas e denominadas hostis, egoístas e frias. Quando avaliadas
pessoalmente dessa forma, suas avaliações profissionais passam a ser mais rígidas,
dificultando ainda mais a sua possibilidade de ascender na carreira.
Nesta seção foi apresentado o impacto da discriminação de gênero sobre a
colocação das mulheres no mercado de trabalho e no ambiente de trabalho. Foi
observado de que modo os estereótipos de gênero impõem dificuldades à
progressão na carreira das mulheres em postos de liderança e gerência, tipicamente
atribuídos aos homens, e como aquelas que se afastam dos estereótipos em busca
do sucesso enfrentam diversos problemas interpessoais e profissionais.
Na próxima seção serão apresentadas considerações sobre a discriminação
de gênero e seu impacto sobre as mulheres no mercado de trabalho por um viés
marxista.
23
3.3. O Marxismo e a Questão da Mulher e da Família
Citando Fourier, Marx apresenta na primeira metade do século XIX a ideia
básica do pensamento socialista sobre a questão da emancipação de gênero. Diz
ele:
The change in a historical epoch can always be determined by women’s progress towards freedom, because here, in the relation of woman to man, of the weak to the strong, the victory of human nature over brutality is most evident. The degree of emancipation of woman is the natural measure of general emancipation (MARX, ENGELS, 1845, p.259).
Para Marx, a concepção da emancipação da mulher como resultado da
emancipação da sociedade está intrinsecamente ligada à superação do modo de
produção capitalista, que perpetua o estado subjugado das mulheres na sociedade.
A respeito disso, Brown afirma que “in order for society to advance beyond its
capitalist form, new social relations would have to be formed that did not rely solely
upon a crude, alienated formulation of value” (BROWN, 2014).
Este ponto de vista estabelece de forma quase determinista, em uma
sociedade que adota o modo de produção capitalista, a condição da inserção da
mulher na sociedade como um grupo à margem. Entretanto, para Marx e Engels as
diferenças produtivas entre homens e mulheres resultam de contrastes biológicos
que dificultariam a execução de algumas tarefas demandantes fisicamente e só
poderiam ser consideradas naturais em sociedades de baixíssimo desenvolvimento
das relações produtivas. Assim, como as sociedades se transformam, eles viam que
a condição de inferioridade das mulheres nestas sociedades poderia ser superada
conjuntamente a esse processo.
Marx e Engels, em sua análise da família burguesa no Manifesto Comunista,
sugerem a sua abolição por ela apresentar uma forma opressora de relação na qual
a mulher é completamente subjugada pelos seus maridos e pela sociedade. Rosa
Luxemburgo coloca, de forma bastante dura, sobre o tema:
As bourgeois wives, women are parasites on society, their function consisting solely in sharing the fruits of exploitation. As petty-bourgeois, they are beasts of burden for the family. It is as modern proletarians that women first become human beings; for it is struggle that produces the human being – participation in their process of culture, in the history of humanity (LUXEMBURG, 1912).
A respeito da análise de Marx e Engels sobre a família proletária Brown
aponta que:
24
As machinery is introduced into the factories, requiring less physically demanding labor, women and children become important categories of workers as well. Capital finds these workers particularly valuable, since they are from an oppressed group that can be compelled to work for less (BROWN, 2014).
Em “O Capital” a análise feita por Marx indica uma evolução da família com a
inserção das mulheres da classe proletária na força de trabalho remunerada,
distanciando-as da vida doméstica e do cuidado exclusivo dos filhos ao mesmo
tempo em que passam a contribuir com a renda da família. Essa transformação da
dinâmica familiar, dentro do capitalismo, levaria a mulher a uma condição de
igualdade ao homem em uma nova “forma superior de família”.
Entretanto, segundo Brown, Engels apresenta em “A Origem da Família, da
Propriedade Privada e do Estado”, de 1884, uma visão do desenvolvimento da
sociedade muito voltada às questões econômicas e de mudança tecnológica
enquanto Marx apresenta uma visão mais dialética da organização social, na qual
ela pode ser tanto o elemento abstrato quanto o elemento concreto.
Para Engels,
The overthrow of mother-right was the world historical defeat of the female sex. The man took command in the home also; the woman was degraded and reduced to servitude, she became the slave of his lust and a mere instrument for the production of children (ENGELS, 1884).
Marx, entretanto, apontava potencialidade de mudança para as mulheres
mesmo sob a propriedade privada. Citava a evolução apresentada da condição de
subserviência das mulheres gregas e da evolução do papel das mulheres de alta
classe romanas.
Apesar da discussão sobre a mulher não ser um objeto central das
discussões marxistas, tanto Marx quanto Engels fizeram suas contribuições sobre o
papel da mulher na sociedade. Seja pela ótica da família, do modo de produção, da
exploração ou do papel na revolução e contrarrevolução, as mulheres são vistas
como um grupo oprimido e que, seja através da revolução ou da evolução da
sociedade, possui condições de conquistar a igualdade com os homens, superando
a subserviência no confinamento da família patriarcal.
No próximo capítulo serão apresentadas as principais críticas feitas às
perspectivas econômicas e sociológicas apresentadas no capítulo dois e três.
25
4. CRÍTICAS ÀS PERSPECTIVAS NEOCLÁSSICAS E SOCIOLÓGICAS
Nos dois últimos capítulos foram apresentadas diversas abordagens à
questão da discriminação da mulher no mercado de trabalho. Divididas entre
perspectivas da economia neoclássica e sociológicas, foram apresentados modelos,
racionalizações e argumentações de ambos os campos. Neste capítulo serão
colocadas algumas críticas feitas às exposições anteriores e de que forma essas
teorias se conjugam ou se repelem.
Para England e Lewin, as visões econômicas e sociológicas não seriam
compatíveis. E, ainda, em termos de impacto para políticas que busquem solucionar
o problema da discriminação, ofereceriam soluções opostas.
Nas próximas duas seções serão apresentadas, primeiro, algumas críticas às
abordagens neoclássicas da teoria da discriminação e, em seguida, algumas críticas
às teorias sociológicas apresentadas.
4.1. Críticas à abordagem neoclássica
A abordagem neoclássica da economia faz uso de ferramentas matemáticas
e pressupostos a fim de desenvolver modelos que oferecem a racionalização
econômica sobre o tema. Essa característica da pesquisa é fundamental pois
permite que sejam realizados testes empíricos para corroborar ou problematizar uma
hipótese apresentada.
Em seu artigo de 1980, Hendry sumariza o debate acerca das críticas sobre
o uso da econometria. Neste artigo, cita Keynes como uma poderosa voz crítica ao
seu uso deliberado. Problemas como viés decorrente de variáveis omitidas, uso de
variáveis não observáveis, uso de variáveis mal mensuradas, parâmetros não
constantes, tamanho pequeno da amostra, agregações incorretas, podem levar a
resultados que corroborem ou rejeitem a teoria sem o refinamento econométrico
necessário.
Críticas ao uso de econometria para realizar inferências de todo o tipo são
tão válidas e relevantes quanto essa ferramenta é poderosa para a pesquisa na
área. No capítulo de 1999 escrito por Altonji e Blank são realizados testes
econométricos que buscam explicar as diferenças salariais de sexo e cor.
While gender differences have been narrowing over the past decades, they are still large. In addition, a large share of gender differentials remain
26
"unexplained" even after controlling for detailed measures of individual and job characteristics. Among blacks versus whites, little unexplained variation remains once a measure of skill is included in the regression (ALTONJI; BLANK,1999, p.3249).
O resultado apresentado pelos autores mostra que existem fatores que
explicam em grande parte o diferencial salarial entre homens e mulheres que
extrapolam características individuais e do trabalho. Portanto, ainda que em parte os
modelos aplicados consigam explicar em parte o fenômeno da discriminação de
gênero no mercado de trabalho, existem limitações quando se realiza um estudo que
se baseia em teoria e análise de dados.
Os autores concluem seu estudo apontando para a necessidade de evolução
dos modelos e com a avaliação de impacto de diferentes políticas relacionadas ao
mercado de trabalho. Chamam a atenção também para a limitação da análise
apenas por sexo e cor devendo incluir todo o espectro étnico que compõe
demograficamente o espaço estudado. Por fim, sugerem uma atualização dos
estudos que caracterizam a forma que as mulheres têm se inserido no mercado de
trabalho, aumentando sua participação com um perfil diferente do que era dado
tradicionalmente.
4.2. Críticas à abordagem sociológica
A concepção sociológica da discriminação de gênero no mercado de trabalho
é apresentada a partir de uma análise empírica da condição da mulher na
sociedade. As abordagens institucionais, sociopsicológicas e marxistas, não
possuem modelos de formalização matemática refinados como o apresentado pela
abordagem neoclássica. Portanto, não estão sujeitas a testes estatísticos que
corroborem ou refutem suas ideias. A falta de um modelo a ser testado a partir dos
dados disponíveis é uma das principais críticas feitas às teorias sociológicas pelos
economistas de cunho ortodoxo.
Wachter et al. apresentam em seu artigo uma crítica neoclássica da
abordagem dual da economia em contraponto com a abordagem dos dualistas. Os
autores afirmam que as diversas abordagens duais realizadas costumam ser
voltadas para a política, deixando de fora da análise um panorama geral para os
diversos autores dualistas.
27
O primeiro ponto de crítica de Wachter et al. refere-se a mercados de trabalho
internos. Eles discordam da visão de que os postos de trabalhos internos de uma
firma não sejam ocupados por critérios de eficiência e mérito. Observam que a
lógica da estrutura organizacional de uma firma relaciona salários a postos e não a
indivíduos e isso se dá com a finalidade de diminuir o poder de barganha dos
trabalhadores e estruturar carreiras dentro da firma. Essa organização estimula a
promoção dos trabalhadores pelo mérito e pelo acúmulo de treinamento. Desta
forma, “high-wage jobs do not make high-wage workers; rather, the internal market
screens workers and places the good ones in good jobs (WACHTER et al. 1974, p.
644).
Outra crítica feita à perspectiva dualista pelos autores reside na tendência de
ocupação dos postos mais altos no mercado de trabalho interno da firma por
homens que são do quadro mais antigo de empregados. Para os autores isso seria
resultado da conquista meritocrática dos ocupantes desses cargos uma vez que eles
só foram promovidos por terem demonstrado qualidade e, uma vez ocupantes
desses postos, passarem a acumular capital humano específico dessas funções.
Dessa forma, o diferencial salarial e a predominância dos mesmos funcionários nos
melhores postos da firma seriam um resultado natural.
Hartmann apresenta em seu artigo de 1979 uma crítica feminista à
abordagem da questão da mulher pelos marxistas. Em seu artigo reforça a busca
por reconhecimento da luta feminista dentro da teoria marxista de forma igualitária e
não subordinada ou secundária.
A autora analisa três abordagens marxistas diferentes sobre a questão da
mulher: a abordagem dos primeiros marxistas (que foi tratada na seção 3.3.), a
abordagem dos marxistas contemporâneos e a abordagem das marxistas-
feministas. Como um comentário geral sobre essas abordagens coloca:
Most marxist analyses of women's position take as their question the relationship of women to the economic system, rather than that of women to men, apparently assuming the latter will be explained in their discussion of the former (HARTMANN, 1979, p.2).
Portanto, a questão da mulher estaria, não apenas na sua relação com o
capitalismo, como também na sua relação com o homem. Para a autora, os
primeiros marxistas falhavam ao não darem ênfase às peculiaridades da relação do
homem e da mulher com o sistema econômico. Ela complementa:
28
(...) men benefitted from not having to do housework, from having their wives and daughters serve them and from having the better places in the labor market. Patriarchal relations, far from being atavistic leftovers, being rapidly outmoded by capitalism, as the early marxists suggested, have survived and thrived alongside it. And since capital and private property do not cause the oppression of women as women, their end alone will not result in the end of women's oppression (HARTMANN,1979, p.3).
Os marxistas contemporâneos, apesar de aceitarem o argumento feminista de
que o sexismo é um fenômeno anterior ao capitalismo, analisam a condição da
mulher de forma separada à do homem. As mulheres ocupariam uma esfera
doméstica privada complementar à dos homens e ambas seriam de igual
importância para o funcionamento do sistema. Entretanto, a autora aponta que
essas esferas determinam uma posição de inferioridade às mulheres como
consequência do patriarcado, isto é, a dominância sistemática dos homens sobre as
mulheres. Portanto, falharia a análise dos marxistas contemporâneos ao não
considerar esse elemento fundamental ressaltado por Hartmann.
As marxistas-feministas focam sua análise na relação do trabalho doméstico
com o capital e no lugar desse trabalho na sociedade capitalista ao invés da relação
entre mulher e homem. Um dos resultados mais importantes para a autora é a ação
política pela demanda de salários por execução de trabalho doméstico. Esse tipo de
trabalho desempenharia funções cruciais para o capital através da reprodução da
força de trabalho e da criação de mais-valia através do trabalho doméstico e,
portanto, deveria receber algum tipo de contrapartida monetária.
Hartmann (1979), entretanto, põe em cheque a associação do marxismo com
o feminismo, chamando a atenção para a dominância do marxismo sobre o
feminismo, devido ao grande poder analítico do marxismo e ao poder dos homens
na esquerda. Não nega a insuficiência do feminismo radical, mas considerando
suas limitações analíticas, sugere uma união do feminismo como marxismo com a
finalidade de estudar temas como, por exemplo: quais atores se beneficiam da força
de trabalho feminina; sobre a base material do patriarcado; e investigação dos
mecanismos de solidariedade e hierarquia entre os homens.
29
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O objetivo desta monografia foi fazer um breve levantamento teórico da
questão da discriminação de gênero no mercado de trabalho. Apresentando
algumas abordagens da teoria neoclássica e da teoria sociológica da discriminação
de gênero no mercado de trabalho, foram expostos modelos, hipóteses, argumentos
e pesquisas empíricas que expõem um panorama do tema.
Segundo England e Lewin:
While sociological theory suggests mechanisms through which discrimination will persist and disadvantages caused by discrimination will be perpetuated, neoclassical economic theory suggests that market forces cause the demise of discrimination in the long run (ENGLAND; LEWIN, 1989, p.239).
Apesar de as abordagens sociológica e neoclássica apresentarem resultados
contraditórios, ambas expõem resultados que podem contribuir para uma percepção
mais refinada do fenômeno da discriminação de gênero no mercado de trabalho.
A análise econômica se restringe a estudar a discriminação percebida no
mercado. Em modelos neoclássicos, a discriminação que ocorre por razões
produtivas não é considerada discriminação econômica. Aquela que está
fundamentada em fatores não produtivos (como raça, cor, sexo, etnia) é definida
como discriminação econômica e acarretaria custos maiores a aqueles que
discriminam. Esse custo adicional, no longo prazo, retiraria o discriminador do
mercado através de mecanismos de competição.
A análise sociológica, nas abordagens institucionais e sociopsicológicas,
apresenta argumentos estruturais, pela abordagem dual, da segmentação e dos
mercados de trabalho internos, e de cunho comportamental, pela questão dos
estereótipos e do papel da mulher na sociedade.
England e Lewin concluem que:
These differences suggest to us that both neoclassical economists and sociologists can learn from each other. While sociologists too often ignore how market forces work against discrimination, economists too often ignore the institutions and social-psychological feedback effects through which discrimination recreates itself and perpetuates disadvantage (ENGLAND; LEWIN, 1989, p.254).
Buscar conciliar as análises e os estudos feitos em ambas áreas é, portanto,
um importante desafio para a academia e para as políticas públicas. Resultados tão
30
díspares têm efeitos perigosos no momento de desenhar uma estratégia de ação
para a superação de um problema.
Desta forma, desenvolver políticas que diminuam os impactos econômicos
negativos relacionados às questões sociobiológicas associadas às mulheres, como
a maternidade, e que erradiquem a hostilidade que um ambiente de trabalho pode
proporcionar a uma mulher, são cruciais para a superação da discriminação de
gênero no mercado de trabalho.
31
6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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