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Universidade de Brasília UnB Instituto de Letras IL Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas LIP Seminário de Português LUCIANA SILVA CANTANHEDE A INTERFERÊNCIA DA FALA NA ESCRITA NA PRODUÇÃO DE TEXTOS DISSERTATIVOS DE ALUNOS DE NÍVEL SUPERIOR BRASÍLIA 2013

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Universidade de Brasília – UnB

Instituto de Letras – IL

Departamento de Linguística, Português e Línguas Clássicas – LIP

Seminário de Português

LUCIANA SILVA CANTANHEDE

A INTERFERÊNCIA DA FALA NA ESCRITA NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

DISSERTATIVOS DE ALUNOS DE NÍVEL SUPERIOR

BRASÍLIA

2013

LUCIANA SILVA CANTANHEDE

A INTERFERÊNCIA DA FALA NA ESCRITA NA PRODUÇÃO DE TEXTOS

DISSERTATIVOS DE ALUNOS DE NÍVEL SUPERIOR

Trabalho desenvolvido durante a disciplina

Seminário de Português, como avaliação, referente

ao 2º semestre/2013, sob a orientação da professora

Dra. Ormezinda Ribeiro.

BRASÍLIA

2013

Agradeço a Deus Pai, fonte de toda

sabedoria e conhecimento.

“Ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos

nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos

alguma coisa. Por isso aprendemos sempre.”

Paulo Freire

A INTERFERÊNCIA DA FALA NA ESCRITA NA PRODUÇÃO DE

TEXTOS DISSERTATIVOS DE ALUNOS DE NÍVEL SUPERIOR

Luciana Silva Cantanhede1

RESUMO:

Fala e escrita estão ligadas entre si e à produção dos diversos tipos de gêneros

textuais. Em conformidade com o gênero selecionado para se produzir um texto,

algumas formas linguísticas serão mais adequadas que outras. Este trabalho analisa

características da fala e da escrita, mostrando que embora se influenciem mutuamente, a

seleção do gênero que se quer trabalhar faz com que uma prevaleça sobre a outra. O

gênero aqui selecionado foi a dissertação, e o que se percebe é que a escola não tem

ensinado de maneira eficaz a produção deste gênero escrito. Nota-se que os alunos não

sabem moldar o seu pensamento e “pensar por escrito”, o que também implica a seleção

e o uso de formas linguísticas inadequadas para o contexto.

Palavras-chave: fala, escrita, dissertação.

1. ASPECTOS DA FALA E DA ESCRITA

Fala-se mais do que se escreve, isso é fato. Quando inserida no contexto da sala

de aula, a língua é mais estudada em sua forma escrita, mas é válido ressaltar que a sua

forma oral é a mais utilizada no dia a dia. A pessoa que inicia o processo de

alfabetização já tem habilidades de fala desenvolvidas, o que acaba influenciando o

processo de aprendizagem da escrita, e esta, por sua vez, também passa a influenciar a

fala (MARCUSCHI e DIONISIO, 2007).

A fala contém diversas variantes, já a escrita varia em proporções menores, uma

vez que seus padrões são ditados pelas academias e também por ser vista como mais

prestigiosa que a fala. Além disso, os padrões de escrita são estabelecidos por normas

rígidas, mas ainda assim existe variação na língua escrita (MARCUSCHI e DIONISIO,

2007).

1 Estudante do curso de licenciatura em Letras Português da Universidade de Brasília – UnB.

Fala e escrita coexistem e cada uma tem o seu papel, não se sobrepondo uma a

outra. Marcuschi (2007) descreve que “há práticas sociais mediadas pela escrita e outras

pela tradição oral”. A escrita e a oralidade são tidas como práticas sociais, elas não se

opõem. Marcuschi (2007) defende que existe um continuum entre a fala e a escrita, e

propõe que “as diferenças entre fala e escrita se dão dentro de um continuum tipológico

das práticas sociais de produção textual e não na relação dicotômica de dois polos

opostos”. Fala e escrita diferem-se, basicamente, quanto ao uso. As duas formas de

representação da língua (fala e escrita) não sobrepõem uma a outra, uma não é superior

ou inferior à outra, o que permite que uma relação entre elas seja construída, pois as

suas diferenças são “graduais e contínuas”, como define Marcuschi (2007, p. 46).

Segundo Marcuschi e Dionisio (2007, p. 16), “Fala e escrita são realizações de

um mesmo sistema linguístico de base, mas com realização, história e representação

próprias. Fala e escrita apresentam muitas semelhanças e algumas diferenças”. Isso faz

com que o estudo da fala e da escrita esteja associado ao uso dos gêneros textuais, o que

deixa de lado o estudo descontextualizado da língua.

Quando o assunto é língua oral e língua escrita, é comum a crença de que a fala

é o lugar da informalidade, a escrita, da formalidade. A fala seria caótica, a escrita seria

controlada e bem formada. Essas ideias anteriormente descritas são equivocadas. São

vários os equívocos que permeiam os usos da língua, e é válido dizer que a língua oral e

a língua escrita são usos distintos da língua. Marcuschi (2007, p. 47) descreve que “a

passagem da fala para a escrita não é a passagem do caos para a ordem: é a passagem de

uma ordem para outra ordem”. A realização oral e a escrita são duas variedades de uma

mesma língua. Marcuschi (2007) também esclarece a inadequação da ideia de que a fala

não é normativa, a escrita, porém, é. Assim sendo é possível a conclusão de que fala e

escrita são sistemas diferentes dentro de uma língua. A análise da fala sob o viés da

escrita é muito comum, porém é errônea. Marcuschi (2007) explica essa ideia definindo

que “a escrita é uma padronização e uma regulamentação da língua que não se verifica

na fala”.

Fala e escrita não se opõem e isso permite que algumas ideias equivocadas em

relação a suas definições e características sejam desconstruídas. Não é adequado reduzir

a diferenciação de fala e escrita no que diz respeito à realização fônica de uma e gráfica

da outra. Essas condições são necessárias, porém não são suficientes para caracterizá-

las. Essa ideia simplista de correspondência/caracterização entre grafia e produção

escrita e som e fala é facilmente desconstruída quando se tem um aluno fazendo uma

leitura em voz alta. O que acontece é uma oralização de um texto escrito, o que é

diferente de oralidade. Assim sendo, é possível a conclusão de que a língua falada não

deve ser confundida com a língua oralmente realizada (Marcuschi, 2007). Outro

exemplo claro de oralização de um texto escrito são os discursos dos telejornais. E

pensando na interferência de um texto escrito na oralidade, é possível citar o exemplo

de um professor que estuda textos escritos e dá a sua aula oralmente, ou seja, a fala do

professor tem influência da linguagem escrita.

Normalmente, outro critério utilizado de maneira errônea para se construir a

diferenciação entre a fala e a escrita é que a escrita seria o local da formalidade. É

sabido que a utilização de blogs, e-mails e bate-papos vêm crescendo cada vez mais, e o

que se observa nessas amostras da língua em uso é que, apesar de serem textos escritos,

fogem às regras da formalidade, e isso é inquestionável. É possível até mesmo falar-se

no surgimento de uma modalidade escrita não padrão. Aqui também é possível a

desconstrução da ideia de que a língua padrão é a língua escrita (Marcuschi, 2007). Esse

pensamento de que a língua escrita é sinônimo de língua padrão, gramaticalmente

“correta”, leva muitos falantes a “corrigirem” supostos “equívocos” na fala com base

em padrões da escrita formal.

Como diferenciar fala e escrita? Marcuschi apud Biber (1988, 1995) afirma que

não existem regras exclusivas que norteiam uma ou outra realização da língua.

Marcuschi (2007) descreve que

Não se tem uma classe gramatical exclusiva da fala ou da escrita

nem se tem um pronome ou uma preposição, conjunção, ou seja lá

o que for, que só aparece na escrita ou na fala. Assim, podemos

dizer que as diferenças são da ordem do funcionamento, e não da

ordem do sistema.

A língua aqui é vista como um conjunto organizado de práticas sociais. E é nesse

contexto que se deve pensar sobre os usos da língua, que não é um “sistema de signos

regidos por regras” (Marcuschi, 2007).

A fala, em suas realizações, tem características dinâmicas. Segundo Marcuschi

(2007) a fala pode ser caracterizada como sendo um tipo de produção que pode ou não

conter diálogo, a qual ocorre em uma situação natural, acontecendo de forma livre e em

tempo real, em contexto autêntico (formal ou informal), podendo ou não ser em

condição de proximidade física ou por outros meios (rádio, televisão, telefone etc.). É

válido lembrar, como foi dito anteriormente, que a realização fônica é condição

necessária, mas não suficiente para caracterizar a fala, pois existem textos que em sua

essência são escritos, mas chegam ao público-alvo na forma fônica, esse é o caso dos

telejornais e das notícias transmitidas pelo rádio, por exemplo. Como já foi visto, essas

são formas oralizadas de textos essencialmente escritos, o que não corresponde a uma

situação livre de produção de fala. O caminho inverso também é válido. É o que pode

ser observado em uma entrevista impressa (gênero escrito), que é um texto escrito que

tem por base um evento tipicamente oral.

Não é possível dizer que a fala é diferenciada da escrita por conter variações em

suas realizações, uma vez que, em conformidade com Macuschi e literaturas análogas, a

língua é viva e isso faz com que as variações surjam com o uso dela.

Outros aspectos importantes para o estudo da fala são o tempo e o espaço, os

quais organizam as estruturas dêiticas. Além disso, a comunicação em tempo real

adiciona fatores como gestos, mímicas, linguagem corporal etc., para complementar o

sentido do discurso que está sendo construído. O discurso também pode ter o seu

sentido alterado quando se leva em consideração aspectos como a entonação da voz, a

velocidade e o seu tom. Marcuschi (2007) conclui que “no caso da produção oral,

verifica-se um sistema de múltiplos níveis em atuação”.

Sob o ponto de vista de Marcuschi (2007), podem ser vistos como características

da fala: marcadores conversacionais (“sim, mas”, “entendeu?”, “viu?”, “bom, então...”),

repetição (retomada de algo visto antes), correção (é no geral, a substituição de algo que

foi retirado), hesitação, paráfrase (retomada de algo visto antes, refazendo-o), elipse

(supressão de um elemento), anacoluto (corte, sem retomada, de algo que vinha em

andamento), interjeição, parentetização, digressão e metaformulação. O autor também

destaca a repetição de palavras (normalmente substantivos) como característica. Ele

também destaca que, muitas vezes, o papel da repetição é dar ênfase.

A fala também se distingue da escrita pelo fato dessa ser formada por uma

sintaxe emergente no ato da produção oral, e esta contém uma gramática cristalizada.

À escrita, muitas vezes, é atribuído um valor superior ao da fala, o que não é

fato. A escrita tem a sua importância, assim como a fala, e ambas têm o seu papel na

sociedade. A cultura escrita é entendida como letramento. A escrita tem muita

importância nas culturas letradas, mas o papel de transmitir ou produzir conhecimentos

não se restringe só a ela, pois a fala continua tendo a sua importância na sociedade,

como afirmam Marcuschi e Hoffnagel (2007).

A escrita também pode ser vista como ferramenta essencial ao armazenamento

do conhecimento. O acesso a textos escritos dá certa independência tanto ao produtor

quanto ao consumidor do conhecimento, pois a escrita permite o registro do

conhecimento fora da mente humana. O surgimento da escrita acrescentou mais uma

maneira de se tornar explícitas as ideias que as pessoas tinham em suas mentes.

Segundo Marcuschi e Hoffnagel (2007) “Cada variedade de língua, seja falada, seja

escrita, tem sua norma do ponto de vista descritivo, porém, sob o ponto de vista

prescritivo somente a escrita tem normas prescritivas”.

A escrita não é uma forma de transposição da oralidade. De certa forma, a

escrita seleciona alguns fenômenos sonoros presentes na fala, e considera outros como

não pertinentes para serem representados no código escrito, como risos, intensidade de

voz etc. Outro fator determinante para o entendimento da escrita como uma não

representação da oralidade é a inexistência de um único símbolo gráfico para cada

fonema da língua. Isso fica claro ao se considerar a existência de símbolos diversos para

representar o mesmo som, como em casa – exame. Também é possível considerar a

variação de pronúncia para uma mesma letra (Marcuschi e Hoffnagel, 2007).

2. O PAPEL DA ESCOLA

Como foi descrito anteriormente, fala e escrita interferem-se mutuamente, em

um processo contínuo. Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), a escola

tem o papel de ensinar os seus alunos a desenvolver as competências escritas/orais,

habilitando-os a distinguir a adequação das formas da língua em determinados

contextos. Os textos orais ou escritos são produzidos sempre dentro de um contexto, não

acontecem no meio do vazio. Os textos, por serem produto da atividade discursiva, não

se apresentam de maneira desconexa, organizam-se sempre dentro de determinado

gênero. Os gêneros são caracterizados pelo conteúdo temático, pela construção

composicional e pelo estilo. Essas características permitem que os textos que

apresentam características comuns sejam agrupados em famílias ou gêneros. Assim

sendo, a escola deve orientar o aluno a desenvolver/utilizar os diferentes gêneros

textuais, sejam eles orais ou escritos.

A escola, além de se preocupar com as atividades de alfabetização, deve também

se ocupar com as atividades de letramento dos seus alunos. Mas qual é a diferença entre

alfabetização e letramento? Segundo Carvalho (2005), a atividade de alfabetização está

ligada ao uso do código alfabético e o letramento é a atividade de familiarizar o

indivíduo com os diversos usos da leitura e da escrita. Marcuschi (2007) apud Street

(1995) define o letramento como “processo de aprendizagem social e histórica da leitura

e da escrita em contextos informais e para usos utilitários, por isso é um conjunto de

práticas, ou seja, letramentos”. A escola, além de alfabetizar, deve desenvolver nos

alunos o domínio dos diferentes gêneros textuais.

3. ANÁLISE DE DADOS

Este trabalho se propõe a analisar a interferência da fala na escrita de alunos que

estão frequentando determinada instituição de ensino superior. Até que ponto eles

sabem desenvolver o gênero dissertação? Marcuschi (2007) ensina que fala e escrita se

relacionam, e que a escrita contém traços da fala, assim como a fala também contém

traços da escrita. Porém, em conformidade com o gênero que se está desenvolvendo,

haverá formas que são mais adequadas que outras.

Dentro desse gênero textual, a dissertação, segundo Faulstich (2009), é definida

como um texto que se propõe a apresentar/explicar ideias. A autora propõe ainda uma

espécie de estrutura para a dissertação, que, conforme a sua opinião, deve ser construída

da seguinte forma: introdução, desenvolvimento e conclusão. A introdução deve conter

o ponto de vista que será desenvolvido pelo autor do texto. O desenvolvimento é a

apresentação dos pontos que fundamentam o ponto de vista apresentado na introdução.

Por fim, a conclusão é uma síntese da introdução e do desenvolvimento.

Foram lidas 100 dissertações de alunos de diversos cursos de nível superior

(Pedagogia, Ciências Contábeis, Sistemas de Informação e Serviço Social), todas dentro

de dois temas: Leitura no Brasil e Violência no Trânsito. Entre as redações, duas foram

retiradas como amostra para estudo. Vejamos as amostras:

Amostra n. 1

Em seu contexto de produção, o professor mostrou aos alunos a teoria a

respeito do que seria um texto dissertativo, e logo após, solicitou que os alunos

produzissem um texto em conformidade com o que lhes foi apresentado,

desenvolvendo o tema “Leitura no Brasil”. Não havia nenhum texto que servisse de

motivação a respeito do tema que deveria ser abordado.

O presente texto escrito por determinado aluno deixa claro que ele não

compreendeu as características e o que é o gênero dissertação, pois não foi capaz de

construir uma argumentação consistente, além de utilizar marcas que são típicas da

fala, como o uso da interjeição “Uau!” e da forma reduzida “pra”, em vez de para.

Outra característica marcante da fala é a digressão. O autor do texto faz uma

digressão em seu último parágrafo, e não deixa claro quem é o “povo” apresentado

na citação e nem a relação que esse “povo” tem com os brasileiros.

É notável que esse aluno tem ideias definidas a respeito da “Leitura no

Brasil”, mas quando foi solicitado que escrevesse dentro do tema e utilizando

determinado gênero, veio à tona a não compreensão ou uma habilidade que não foi

trabalhada pela escola, a qual tem o dever de ensinar aos alunos os diferentes usos

da fala e da escrita, bem como as suas adequações dentro dos diversos gêneros

textuais.

Amostra n. 2

Este texto foi escrito por um aluno do curso de Ciências Contábeis de

determinada instituição de ensino superior. Antes de ser solicitado que o aluno

escrevesse sobre o tema “Violência no Trânsito”, apresentaram-lhe a teoria a respeito do

gênero dissertação e, em seguida, desenvolveu-se a produção escrita, sem que os alunos

recebessem qualquer texto que motivasse a sua produção.

Fica claro no texto produzido pelo aluno que a estrutura do gênero dissertação

não foi por ele compreendida. O texto é cheio de repetições (característica da fala), além

de conter exemplos em que algumas concordâncias aparecem da mesma maneira que na

fala informal (como artigo no plural + substantivo no singular, lembrando que esta

variante da fala é estigmatizada), o que é uma construção inadequada para o gênero em

questão. Outra marca comum da fala informal é a supressão da marca de infinitivo, que

também aparece no texto. Não existe uma organização lógica das ideias e nenhum ponto

de vista claro sendo defendido.

4. CONCLUSÃO

A pessoa que se propõe a escrever um texto, além de selecionar o gênero a ser

desenvolvido, deve, também, trabalhar as ideias que serão apresentadas, ou seja, a

maneira como serão apresentadas. É notável a dificuldade que os alunos têm na hora de

produzir um texto escrito. Embora a proposta de ensino prevista nos PCNs proponha

que os alunos ingressem no nível superior dominando algumas modalidades de gêneros

orais e escritos, percebe-se que este objetivo não é alcançado. Os textos analisados

foram elaborados por alunos de ensino superior, e que, teoricamente, além de

alfabetizados, deveriam também ser letrados no gênero dissertação. É notável que o

ensino escolar foi deficiente para esses alunos. Ribeiro (2005) construiu algumas

reflexões a respeito do ensino de língua materna e a sua eficácia para os alunos.

Ribeiro (2005) esclarece que um ensino efetivo de língua materna deve conter

objetivos claros, além de unir professor e aluno, os quais devem trocar as suas

experiências de língua durante a construção do conhecimento. A autora também destaca

a ausência de uma aplicação prática para os estudantes, o que possivelmente gera

desinteresse nas aulas de língua materna.

A solução para a construção de um ensino eficaz, segundo Ribeiro (2005),

estaria na compreensão de que a linguagem e o pensamento de cada indivíduo andam

juntos. Ribeiro (2005) apud Piaget descreve que “é a linguagem que estende o poder do

pensamento, conferindo-lhe uma mobilidade e uma generalidade que ele não poderia

atingir por si mesmo”. É importante que o professor saiba que a palavra é a própria

materialização do pensamento, não sendo possível pensar sem a existência das palavras.

A autora enfatiza que a única maneira que um indivíduo tem de fazer o seu pensamento

conhecido por outros é moldando-o em conformidade com aquilo que é convencionado

pela coletividade. Cada indivíduo faz isso por meio da língua.

O ensino de língua materna deve levar em consideração esta relação entre o

pensamento e a língua. A proposta do ensino de língua é fazer com que o aluno conheça

as regras que de certa forma organizam a expressão do pensamento. Porém o que tem

sido ensinado nas escolas é o uso de nomenclaturas, de maneira descontextualizada, o

que deixa de ter significado para o aluno, que chega ao ensino superior sem saber

construir um texto coerente e em conformidade com o que se pede, sem saber refletir e

argumentar (Ribeiro, 2005).

Outro problema enfrentado pelo ensino língua materna é a má formação dos

docentes, que não são incentivados a prosseguir com projetos de pesquisa, não

frequentam cursos de atualização/aprofundamento em sua área de trabalho, além de

prestar serviço em tempo integral, o que dificulta o aperfeiçoamento do docente. Nesse

contexto, o professor se prende ao livro didático, não tendo tempo e formação adequada

para trabalhar segundo a necessidade do aluno, construindo o aprendizado por meio de

trocas de experiências de língua. O trabalho desenvolvido preso a um livro didático é

artificial, o aluno torna-se um mero preenchedor de lacunas e o professor vira juiz, o

qual dita as normas, condena, reprova (Ribeiro, 2005).

Como foi discutido anteriormente, o aluno deve ser orientado a reconhecer as

estruturas de sua língua, bem como saber adequá-las nos diferentes tipos de gêneros

textuais. O aluno não deve ser um repetidor, ou aquele que fala/escreve sem refletir

sobre o que se fala/escreve. Ribeiro (2005, p. 225) reforça esse pensamento, afirmando

que:

O ensino descritivo, juntamente com o produtivo, deveriam se

sobrepor ao prescritivo, pois conhecendo e compreendendo o

funcionamento de sua língua, em diversos níveis e em diversas

situações, o aluno poderá utilizá-la de maneira de maneira

adequada e aumentar os recursos que possui, para apropriar-se da

maior escala possível das potencialidades de sua língua, em toda e

qualquer situação em que tenha necessidade dela, constituindo-se

então, em autor e não somente enunciador da fala dominante.

O objetivo do ensino de língua materna, segundo Ribeiro (2005), deve

partir do conhecimento prévio do aluno, passar pelo senso comum e chegar àquilo que é

científico. O aluno deve ser capaz de tecer comparações, análises; deve ser capaz de

concordar ou discordar de opiniões apresentadas. O aluno é o principal agente na

construção do saber, o professor funciona apenas como um orientador, aquele que por

dominar as teorias (teoricamente) interfere na aprendizagem, descontruindo hipóteses

falsas levantadas por aquele que está aprendendo.

No processo de escritura de textos, o aluno deve ser capaz de combinar

estruturas sintáticas, adequando os enunciados à situação que está em discussão, em

conformidade com os objetivos daquilo que se quer comunicar.

Referências Bibliográficas

CARVALHO, Marlene. Afabetizar e Letrar: um diálogo entre a teoria e a

prática. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

FAULSTICH, Enilde L. de J. Como ler, entender e redigir um texto. 21. ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Da fala para a escrita: atividades de

retextualização. 8. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

________. e DIONISIO, Angela Paiva. Fala e Escrita. Belo Horizonte:

Autêntica, 2007.

RIBEIRO, Ormezinda Maria. Alguns aspectos do ensino de gramática na

escola: uma proposta de reflexão. Letras & Letras. Uberlândia: jan/jun, 2005. p. 219-

233.