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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA Formação Continuada de Professores de Matemática com o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na Perspectiva da Educação Matemática Crítica MÁRCIO BENNEMANN Orientadora: Profa. Dra. Norma Suely Gomes Allevato Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática. SÃO PAULO 2013

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UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E MATEMÁTICA

Formação Continuada de Professores de Matemática com

o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na

Perspectiva da Educação Matemática Crítica

MÁRCIO BENNEMANN

Orientadora: Profa. Dra. Norma Suely Gomes Allevato

Tese apresentada ao Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática, da Universidade Cruzeiro do Sul, como parte dos requisitos para a obtenção do título de Doutor em Ensino de Ciências e Matemática.

SÃO PAULO

2013

AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A FONTE.

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA BIBLIOTECA CENTRAL DA

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

B417f

Bennemann, Márcio. Formação continuada de professores de matemática com o uso

das tecnologias de informação e comunicação na perspectiva da educação matemática crítica / Márcio Bennemann. -- São Paulo; SP: [s.n], 2013.

164 p. : il. ; 30 cm. Orientadora: Norma Suely Gomes Allevato. Tese (doutorado) - Programa de Pós-Graduação em Ensino de

Ciências e Matemática, Universidade Cruzeiro do Sul. 1. Educação matemática 2. Formação de professor 3.

Tecnologia de informação e comunicação 4. Matemática – Ensino fundamental I. Allevato, Norma Suely Gomes. II. Universidade Cruzeiro do Sul. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências e Matemática. III. Título.

CDU: 51:37(043.2)

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO

Formação Continuada de Professores de Matemática com

o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação na

Perspectiva da Educação Matemática Crítica

MÁRCIO BENNEMANN

Tese de Doutorado defendida e aprovada

pela Banca Examinadora em 13/12/2013.

BANCA EXAMINADORA:

Prof.ª Dr.ª Norma Suely Gomes Allevato

Universidade Cruzeiro do Sul

Presidente

Prof.ª Dr.ª Cintia Aparecida Bento dos Santos

Universidade Cruzeiro do Sul

Prof.ª Dr.ª Celi Aparecida Espasandin Lopes

Universidade Cruzeiro do Sul

Prof.ª Dr.ª Rosa Monteiro Paulo

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

Prof.ª Dr.ª Miriam Godoy Penteado

Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”

AGRADECIMENTOS

Agradeço,

À minha esposa, meu filho e meus pais pelo apoio e incentivo que a mim dedicaram

nessa caminhada.

À professora Dra. Norma Suely Gomes Allevato por ter desenvolvido o trabalho de

orientação com muito profissionalismo, ética e solidariedade, mantendo-me

motivado e possibilitando momentos de reflexão que resultaram nessa produção.

Às professoras da banca de qualificação – Celi Espasandin Lopes, Cintia Aparecida

Bento dos Santos, Miriam Godoy Penteado e Rosa Monteiro Paulo – pela leitura

cuidadosa e principalmente pelas sugestões apresentadas.

À UTFPR pelo apoio através de seu programa de qualificação docente.

À CAPES pelo financiamento dessa pesquisa .

Às professoras que participaram conosco dos encontros de formação continuada

possibilitando o desenvolvimento dessa pesquisa.

E a Deus que nos guiou nessa jornada.

BENNEMANN, M. Formação continuada de professores de matemática com o uso das tecnologias de informação e comunicação na perspectiva da educação matemática crítica. 2013. 164 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

RESUMO

Essa pesquisa aborda a formação continuada de professores que ensinam

Matemática nos anos finais do Ensino Fundamental, tendo como objetivo analisar as

compreensões manifestadas, pelos professores, a respeito da Educação Matemática

Crítica ao desenvolverem atividades matemáticas empregando as Tecnologias de

Informação e Comunicação. Por meio da metodologia qualitativa, os dados foram

construídos a partir das interações dos participantes em encontros de formação

continuada, durante os quais foi analisada e discutida a Filosofia da Educação

Matemática Crítica no desenvolvimento de atividades matemáticas que buscavam

evidenciar aspectos dessa filosofia. Os dados coletados a partir de questionários,

entrevistas, gravações dos encontros, textos escritos pelas professoras e anotações

de campo foram submetidos à análise de conteúdo, o que possibilitou identificar as

compreensões manifestadas pelas professoras. As atividades desenvolvidas

procuraram privilegiar os aspectos investigativos relacionados a fatos reais, a

situações de interesse dos alunos e ao uso da planilha de cálculo e do GeoGebra,

de modo a empregar simulações e múltiplas representações. Até essa experiência,

as nove professoras participantes não conheciam a filosofia da Educação

Matemática Crítica e também não faziam uso didático das Tecnologias de

Informação e Comunicação. A partir da formação realizada, foi possível identificar

compreensões relativas à Matemática em Ação, à importância do aspecto

investigativo numa perspectiva crítica frente à Matemática e ao contexto social,

matematizando situações relevantes aos alunos. Ainda, na forma como as

professoras se identificaram com a Educação Matemática Crítica e nas contribuições

que reconheceram nas tecnologias para abordar elementos dessa filosofia, percebe-

se um campo promissor para a Educação Matemática. Finalmente, suas

compreensões também dizem respeito à forma como as atividades foram propostas

e desenvolvidas e a como ocorre o trabalho docente.

Palavras-chave: Educação matemática, Formação de professores, Educação

matemática crítica, Tecnologias de informação e comunicação.

BENNEMANN, M. Mathematics teacher continuing education with the use of technologies of infomation and communication in the perspective of critical mathematical education. 2013 164 f. Tese (Doutorado em Ensino de Ciências e Matemática)–Universidade Cruzeiro do Sul, São Paulo, 2013.

ABSTRACT

The present research regards continuing education of teachers who teach

Mathematics in the final years of Junior high school, and it aims at analyzing the

teachers’ understandings about Critical Mathematical Education when they develop

mathematical activities by using Technologies of Information and Communication. By

applying the qualitative methodology, the data were built from the participants’

interactions in continuing education meetings during which they analyzed and

discussed the philosophy of Critical Mathematical Education in the development of

mathematical activities that tried to highlight aspects of that philosophy. The data

collected from questionnaires, interviews, recorded meetings, written texts by the

teachers and field notes were submitted to content analysis, which made it possible

to identify the teachers’ understandings. The developed activities tried to privilege the

investigative aspects related to real facts, to situations that interest the students and

to the use of calculus spreadsheets and GeoGebra in order to use simulations and

multiple representations. Before that experience the nine participants teachers did

not know the philosophy of Critical Mathematical Education and did not make a

didactic use of Technologies of Information and Communication either. From that

course on, it became possible to identify understandings related to Mathematics in

Action and to the importance of the investigative aspect in a critical perspective

facing Mathematics and the social context, mathematizing relevant situations to the

students. As the teachers identified with the Critical Mathematical Education and

recognized the contributions of technologies to deal with elements of that philosophy,

a promising field of Mathematical Education has been pictured. Finally, their

understandings are also related to the way the activities were proposed and

developed and how teaching occurs.

Keywords: Mathematical education, Teacher education, Critical mathematical

education, Technologies of information and communication.

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

CRTE Coordenação Regional de Tecnologia na Educação

CTS Ciência, Tecnologia e Sociedade

EC Educação Crítica

EM Educação Matemática

EMC

E1

E2

FV

GPIMEM

IBOPE

IR

NP

Educação Matemática Crítica

Primeira Entrevista

Segunda Entrevista

Valor Futuro

Grupo de Pesquisa em Informática e outras Mídias em Educação

Matemática

Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística

Imposto de Renda

Notas do Pesquisador

NPER

NRE

Número de Parcelas

Núcleo Regional de Educação

NTEs Núcleos de Tecnologia Educacional

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PDE

PGTO

Pn

Programa de Desenvolvimento Educacional do Estado do Paraná

Valor das Parcelas

Professora Participante nº

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PR

PV

Rn

RPn

Paraná

Valor Presente

Reunião (encontro) nº

Reflexão da Professora nº

SANEPAR Companhia de Saneamento do Paraná

SEED-PR Secretaria de Estado da Educação do Paraná

SMEC Modelo de Simulação do Conselho Econômico (Dinamarquês)

TIC Tecnologias de Informação e Comunicação

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Epistemologia das Representações Múltiplas ................................... 58

Figura 2 - Epistemologia das Representações Múltiplas - Segunda Parte ...... 59

Figura 3 - Identificação do Percentual Total de Juros ..................................... 100

Figura 4 - Comportamento do Saldo Devedor na Hipótese de que a Taxa de

Juros seja de 2% a.m. ........................................................................ 101

Figura 5 - Comportamento do Saldo Devedor Segundo Taxas de Juros

Hipotéticas .......................................................................................... 102

Figura 6 - Comandos que Determinam a Taxa de Juros em Anuidades ........ 102

Figura 7 - Comparativo entre Saldo Credor e Saldo Devedor ......................... 103

Figura 8 - Comparação entre Saldo Credor e Saldo Devedor ......................... 104

Figura 9 - Categorias de Análise ....................................................................... 113

Figura 10 - Protocolo 1.......................................................................................... 115

Figura 11 - Protocolo 2.......................................................................................... 115

Figura 12 - Protocolo 3.......................................................................................... 116

Figura 13 - Protocolo 4.......................................................................................... 118

Figura 14 - Protocolo 5.......................................................................................... 120

Figura 15 - Protocolo 6.......................................................................................... 121

Figura 16 - Protocolo 7.......................................................................................... 122

Figura 17 - Protocolo 8.......................................................................................... 123

Figura 18 - Protocolo 9.......................................................................................... 125

Figura 19 - Protocolo 10........................................................................................ 128

Figura 20 - Protocolo 11........................................................................................ 129

Figura 21 - Protocolo 12........................................................................................ 130

Figura 22 - Protocolo 13........................................................................................ 131

Figura 23 - Protocolo 14........................................................................................ 133

Figura 24 - Protocolo 15........................................................................................ 134

Figura 25 - Protocolo 16........................................................................................ 135

Figura 26 - Protocolo 17. .................................................................................138

Figura 27 - Protocolo 18 ..................................................................................141

Quadro 1 - Ambientes de Aprendizagem ............................................................ 42

Quadro 2 - Atividades e Objetivos do Primeiro Encontro .................................. 86

Quadro 3 - Atividades e Objetivos do Segundo Encontro ................................. 88

Quadro 4 - Atividades e Objetivos do Terceiro Encontro .................................. 91

Quadro 5 - Atividades e Objetivos do Quarto Encontro .................................... 92

Quadro 6 - Atividades e Objetivos do Quinto Encontro..................................... 94

Quadro 7 - Atividades e Objetivos do Sexto Encontro ...................................... 95

Quadro 8 - Atividades e Objetivos do Sétimo Encontro .................................... 96

Quadro 9 - Atividades e Objetivos do Oitavo Encontro ..................................... 97

Quadro 10 - Anúncio Publicitário ........................................................................... 99

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 13

CAPÍTULO 1 - METODOLOGIA DA PESQUISA ..................................................... 17

1.1 A Pesquisa .................................................................................................. 17

1.2 Pesquisa Qualitativa .................................................................................. 17

1.3 Instrumentos Adotados na Investigação ................................................. 21

1.3.1 Questionário................................................................................................ 22

1.3.2 Entrevista..................................................................................................... 23

1.3.3 Observação.................................................................................................. 24

1.3.4 Análise Documental.................................................................................... 25

1.4 O Contexto da Pesquisa ............................................................................ 25

1.5 Registro dos Dados .................................................................................... 27

1.6 Análise dos Dados ..................................................................................... 27

1.6.1 O Método...................................................................................................... 27

CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA ............................................. 31

2.1 Uma Crítica à Educação Matemática ........................................................ 31

2.2 Filosofia da Educação Matemática Crítica ............................................... 33

2.2.1 Paradigma do Exercício.............................................................................. 35

2.2.2 Absolutismo dos Números – Ideologia da Certeza.................................. 36

2.2.3 Matemática em Ação................................................................................... 37

2.2.4 Democracia e o Papel Sociopolítico da Educação Matemática.............. 38

2.3 Caminhos à Educação Matemática Crítica ............................................... 41

2.4 Nossa Pesquisa nesse Contexto Literário ............................................... 46

2.4.1 Atividades de Caráter Investigativo com Ênfase na Realidade.............. 47

2.4.2 Problemas Abertos Envolvendo Situações Reais................................... 48

2.4.3 Situações Relevantes para os Alunos (aos olhos dos alunos).............. 50

2.4.4 TIC como Desencadeadoras de uma Zona de Risco............................... 51

2.4.4.1 Simulações................................................................................................... 54

2.4.4.2 Múltiplas Representações.......................................................................... 56

2.4.4.3 Abordagens que Exploram Aspectos de Difícil Execução via Papel e

Lápis............................................................................................................ 60

2.4.5 Discussões sobre as Relações da Matemática com o Contexto Social 62

CAPÍTULO 3 - FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES QUE ENSINAM

MATEMÁTICA ............................................................................................. 65

3.1 Formação Continuada dos Professores ................................................... 65

3.2 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com

Relação à Educação Matemática Crítica. ................................................. 66

3.3 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com

Relação ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação. ........ 67

3.4 Formação Continuada no Estado do Paraná ........................................... 73

3.4.1 Infraestrutura Relativa às TIC nas Escolas do Paraná............................ 74

3.4.2 Diretrizes para uso das Tecnologias Educacionais no Paraná.............. 75

3.4.3 A Formação Continuada no NRE de Pato Branco.................................... 77

3.5 Nossa Pesquisa nesse Contexto. ............................................................. 79

CAPÍTULO 4 - O GRUPO E AS ATIVIDADES ......................................................... 81

4.1 A Constituição do Grupo. .......................................................................... 81

4.1.1 Perfil das Professoras Participantes......................................................... 82

4.2 As Atividades .............................................................................................. 85

4.2.1 Atividades Desenvolvidas e os Objetivos para sua Realização............. 85

4.2.2 Descrição Detalhada de umas das Atividades....................................... 98

4.2.3 Síntese da Metodologia Adotada no Desenvolvimento das Atividades.....

....................................................................................................................107

CAPÍTULO 5 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS ........................................ 111

5.1 Método de Análise .................................................................................... 111

5.2 Categorias de Análise .............................................................................. 113

5.2.1 Compreensões do Grupo a Respeito de EMC........................................ 113

5.2.1.1 Ação Sociopolítica da Matemática........................................................... 114

5.2.1.2 Caráter Investigativo................................................................................. 118

5.2.1.3 Matematizar Situações Relevantes aos Alunos..................................... 120

5.2.1.4 Identificação com a EMC.......................................................................... 122

5.2.1.5 (In)Compreensões acerca da EMC...........................................................125

5.2.2 Compreensões do Grupo em Relação às Contribuições das TIC para a

EMC............................................................................................................. 127

5.2.2.1 Favorecimento a Investigação..................................................................127

5.2.2.2 Favorecimento às Múltiplas Representações.........................................133

5.2.3 Compreensões do Grupo a Respeito do Trabalho Docente em Relação

à EMC.......................................................................................................... 135

5.2.3.1 Posicionamentos em Relação às Atividades..........................................136

5.2.3.2 Posicionamento em Relação a suas Práticas.........................................140

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................ ....145

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 151

APÊNDICE A .......................................................................................................... 158

APÊNDICE B .......................................................................................................... 161

APÊNDICE C .......................................................................................................... 163

13

INTRODUÇÃO

Levar ao conhecimento dos professores a Filosofia da Educação Matemática

Crítica é um dos objetivos que conduziu nossos passos durante esta investigação.

Em nossa trajetória profissional sempre tivemos grande preocupação com o que

ensinamos e como desenvolvemos esse ensino, nas aulas de Matemática.

Entretanto, quando conhecemos a Filosofia da Educação Matemática Crítica, de Ole

Skovsmose, em 2008, percebemos que apesar de nossas preocupações serem

importantes, muitas das concepções que tínhamos a respeito do ensino de

Matemática eram, ainda, ingênuas e incipientes, e poderiam ter seus horizontes

ampliados.

A Licenciatura em Ciências com Habilitação em Matemática concluída em

1991 nos proporcionou uma formação tradicional, ou seja, fomos ensinados a

ensinar Matemática por meio de exemplos e exercícios. Assim, quando passamos a

lecionar Matemática, ainda durante a graduação, procurando nos espelhar naqueles

professores com quem mais nos identificávamos, reproduzimos esse modelo. Nessa

trajetória, em 1992 fizemos a Especialização em Matemática, na qual os professores

demonstravam um apego, ainda maior, às listas de exercícios, nos influenciando,

novamente, a desenvolver nosso trabalho nesse mesmo modelo. Seguimos, então,

lecionando, inclusive no mesmo curso de graduação em que havíamos nos formado,

fortemente influenciados pelo modelo de ensino a que havíamos sido submetidos.

Entretanto, com o passar dos anos, cria-se um estilo próprio, que em nosso caso

procurava mesclar as “listas de exercícios” com atividades que procuravam revelar

as aplicações dos conteúdos matemáticos. Aos poucos essa abordagem foi

evoluindo e cada vez mais procurávamos utilizar o contexto dos alunos para

elaborar as atividades. Em 1994 passamos a utilizar a planilha de cálculo, onde

reconhecemos um grande potencial para o ensino de Matemática. As aulas que

desenvolvíamos no laboratório de informática, com os alunos da graduação, além de

serem voltadas para aplicações, passaram a incorporar a experimentação. Assim,

em 1998 quando entramos no Mestrado em Educação com uma linha de pesquisa

em Educação Matemática, desenvolvemos um estudo sobre a disciplina de

Matemática Financeira de um curso de Ciências Contábeis. Investigando, junto aos

14

contabilistas, quais eram suas necessidades matemáticas relativas à área financeira,

comparamos essas informações com a ementa das disciplinas de Matemática

Financeira I e II. A partir disso propusemos a Modelagem Matemática como

alternativa de ensino dessas disciplinas, em que, novamente, o uso das planilhas de

cálculo era de grande utilidade.

Continuando nossa busca por aprimoramento e renovação profissional,

tomamos conhecimento das obras de Skovsmose, e reconhecemos uma grande

afinidade entre aquilo que pensávamos da Matemática e a Educação Matemática

Crítica (EMC), mas também foi posto em xeque o que, de fato, estávamos fazendo

como professores de Matemática. Percebemos que muitas das ações que

desenvolvíamos em sala de aula, dificilmente despertariam a capacidade crítica dos

alunos.

Dessa forma, quando decidimos entrar em um programa de Doutorado,

acreditando no potencial das tecnologias no ensino de Matemática, optamos por

investigar a possibilidade de favorecermos o desenvolvimento de um ensino de

Matemática segundo os princípios da EMC, quando da utilização das Tecnologias de

Informação e Comunicação (TIC) nas aulas de Matemática. Nossa investigação

seria realizada junto a professores do Ensino Fundamental, pois percebíamos que

na região onde atuamos, mesmo havendo laboratórios de informática em todas as

escolas, poucos professores faziam uso das tecnologias digitais em suas aulas.

Então, esta pesquisa envolve a formação continuada de professores, o uso de

tecnologias e nossa interpretação das obras de Skovsmose, que nomeamos de

princípios da Educação Matemática Crítica.

Das pesquisas que analisamos, em relação à formação de professores e ao

uso de tecnologias, temos afinidades com Bovo (2004), Costa (2004), Bittar,

Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010), Dullius, Haetinger e Quartieri

(2010) e Gregio e Bittar (2012) por também entendermos que os cursos ofertados

aos professores não têm sido suficientes para efetivar o uso das TIC, ao passo que

os trabalhos colaborativos entre os professores e entre professores e pesquisadores

se mostram mais promissores. No entanto, nos diferenciamos desses estudos pela

abordagem a que submetemos as tecnologias. Propusemos seu uso associado a

15

propostas de atividades que visavam trazer à tona as preocupações levantadas pela

EMC quanto aos possíveis papéis sociopolíticos da EM.

Em relação à EMC, as pesquisas de Araújo (2002), Jacobini (2004), Malheiros

(2004), Passos (2007), Pinheiro (2005) e Ramos (2011), reconhecem afinidades

entre essa filosofia e a Modelagem; a Etnomatemática; a Ciência, Tecnologia e

Sociedade; e uma determinada abordagem na Educação de Jovens e Adultos. Nós,

no entanto, temos a EMC como uma meta que perseguimos com o auxílio das TIC.

Assim, nos propusemos a investigar, com a participação dos professores do

sudoeste do Paraná, como poderíamos desenvolver atividades matemáticas por

meio das TIC de modo a vivenciar alguns aspectos da EMC. Nosso objetivo foi

identificar que compreensões são reveladas por um grupo de professores ao

se inserirem em um processo de formação continuada na perspectiva da EMC.

A estrutura deste relatório de pesquisa foi concebida em cinco capítulos que

descrevemos brevemente a seguir.

No capítulo 1 apresentamos a metodologia adotada nessa pesquisa, bem

como os instrumentos empregados para a construção dos dados e sua análise.

No capítulo 2 fazemos uma crítica à Educação Matemática, trazendo,

também, o referencial teórico que adotamos - Educação Matemática Crítica – e

mostrando como nossa pesquisa se encaixa nesse contexto.

No capítulo 3 abordamos a formação continuada de professores que ensinam

Matemática, com relação à EMC e ao uso das Tecnologias de Informação e

Comunicação, além de descrever a formação continuada desenvolvida no estado do

Paraná e explicar como nossa pesquisa se apresenta nesse contexto.

No capítulo 4 fazemos a descrição do grupo de professores que participou da

investigação e como foi constituído. Também abordamos as atividades, seus

objetivos e como foram desenvolvidas, descrevendo detalhadamente como uma

delas ocorreu a fim de elucidar a dinâmica que se desenvolveu em todas elas.

16

No capítulo 5 detalhamos o método de análise empregado; apresentamos os

dados construídos dentro das categorias de análise e a interpretação que fizemos a

partir deles.

Encerramos o corpo do texto desta tese com as considerações finais,

retomando a questão de investigação para respondê-la a partir das compreensões

que construímos, e apontamos caminhos para novas investigações.

17

CAPÍTULO 1 - METODOLOGIA DA PESQUISA

Neste capítulo vamos descrever a metodologia adotada na pesquisa, bem

como os instrumentos utilizados para sua realização. Iniciamos com uma análise a

respeito dos fundamentos da Pesquisa Qualitativa e sua relação com nossa

investigação. A seguir apresentamos os instrumentos utilizados no desenvolvimento

da investigação: os questionários, as entrevistas, os registros escritos dos

professores e nossas anotações relativas ao trabalho de campo. Concluímos o

capítulo com a metodologia de análise de dados, trazendo a análise de conteúdo

como o principal método adotado nessa investigação.

1.1 A Pesquisa

Nossa investigação se desenvolveu por meio de encontros, com professores

de Matemática, para analisar e discutir os princípios da EMC num contexto de uso

das TIC para o desenvolvimento de atividades matemáticas investigativas.

Legalmente, esse processo de formação foi caracterizado como um curso de

formação continuada através de um convênio entre a Universidade Cruzeiro do Sul –

SP e o Núcleo Regional de Educação – NRE da cidade de Pato Branco – PR, a fim

de que pudéssemos certificar os participantes com relação às 20h de estudos

realizados, o que possibilitaria aos professores computar essa carga horária em

seus planos de carreira.

No entanto, o trabalho, em conjunto com os professores, seguiu uma

abordagem mais flexível, no qual não tínhamos a figura de um professor ensinando

conteúdos. Formamos um grupo que se reuniu regularmente, por um período

determinado, com a intenção de discutir possibilidades de ensino. Tal enfoque

revelou, na pesquisa, aspectos eminentemente qualitativos.

1.2 Pesquisa Qualitativa

As investigações qualitativas em educação, são caracterizadas por Bogdan e

Biklen (1994) como aquelas em que

18

[...] a fonte direta de dados é o ambiente natural, constituindo o investigador o instrumento principal. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 47).

Os dados recolhidos são em forma de palavras ou imagens e não números. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 48).

[Há um maior interesse] pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 49).

Os investigadores qualitativos tendem a analisar os seus dados de forma indutiva.

O significado é de importância vital na abordagem qualitativa. (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p. 50).

Desta forma, nossa coleta de dados se deu pela interação direta com os

professores em ambientes escolares. Os registros são referentes às entrevistas, às

participações dos professores nos encontros e às reflexões escritas produzidas

pelos professores; e as nossas anotações relativas aos diversos contatos com os

professores são, em essência, as falas e as suas percepções, aspectos observados

no decurso de um trabalho colaborativo. O foco no processo e não apenas no

produto, podemos identificar nas estratégias adotadas visando construir uma

consciência crítica com relação aos possíveis papeis sociopolíticos da Educação

Matemática. Com relação à tendência de análises de dados de forma indutiva,

embora tivéssemos um planejamento para os encontros, o executamos segundo os

interesses do grupo, fazendo ajustes conforme as demandas que se apresentavam.

Reconhecemos, portanto, no decorrer da investigação, quais eram os elementos que

trariam à tona as compreensões reveladas pelos docentes relativas à EMC. A

questão do significado na investigação qualitativa se fez presente no

desenvolvimento contínuo de busca do porque ensinamos, como ensinamos e para

quem ensinamos em nossas aulas de Matemática.

Na metodologia qualitativa, o rigor científico com que o pesquisador trata seus

dados é uma preocupação evidente destacada nas obras de Lüdke e André (1986),

Goldenberg (1999) e Bogdan e Biklen (1994), nas quais é reconhecido que sempre

haverá algum tipo de influência das concepções do pesquisador sobre os dados

coletados e analisados. Assim, é certo que nossas concepções também tenham de

alguma maneira, afetado as informações que coletamos e a forma como as

analisamos. No entanto, procuramos minimizar essa influência mediante a utilização

de métodos distintos de coleta de dados, como as entrevistas e os questionários e,

também, formas distintas de registros como as gravações em áudio e vídeo, além

dos textos produzidos pelos professores e as anotações de campo, para que, no

cruzamento dos dados, a “verdade” prevalecesse.

19

Em nossa pesquisa, os trabalhos desenvolvidos com as professoras, partiram

de uma prioridade/necessidade, por elas apresentada, manifestada na entrevista

inicial, relacionada aos conhecimentos necessários para o uso das TIC nas aulas de

Matemática. Como pesquisador-formador, além da intenção de colaborar com as

professoras na construção de tais conhecimentos, tínhamos o objetivo de apresentar

a elas as concepções de Skovsmose (1999, 2001, 2007, 2008, 2011) sobre a EMC

e, apoiados nessas duas vertentes, uma questão a investigar: que compreensões

são reveladas por um grupo de professores ao se inserirem em um processo

de formação continuada com o uso das TIC na perspectiva da Educação

Matemática Crítica?

Considerando que o ponto central de nossa questão de pesquisa corresponde

às compreensões reveladas pelas professoras participantes, na sequência

esclarecemos a forma como o termo compreender é considerado nesse estudo.

Vejamos inicialmente os significados atribuídos às palavras compreender e

compreensão:

Compreender: V. t. d. 3. Alcançar com a inteligência; atinar com; perceber, entender. 4. Perceber ou alcançar as intenções ou o sentido de.

Compreensão: S. f. 1. Ato ou efeito de compreender. 2. Faculdade de perceber; percepção. 3. Lóg. Conjunto dos elementos (Características, propriedades, qualidades) pertencentes a um conceito. (FERREIRA, 1988, p. 165).

Diante disso, nossa investigação está relacionada com a percepção de

sentido, a respeito da filosofia da EMC e do uso das TIC, que as professoras

apresentaram no decorrer dos encontros. Além disso, “compreender é pensar e agir

com flexibilidade em qualquer circunstância, a partir do que de sabe acerca de algo”

(POGRÉ et al., 2006, p. 11), o que nos leva a considerar nas participações das

professoras, no desenvolvimento das atividades, a forma como integraram seus

conhecimentos prévios como professoras de Matemática e os princípios que

norteiam a EMC.

Mais especificamente em relação à compreensão matemática, na sessão

2.4.4.2 do Capítulo 2 a respeito das múltiplas representações, trazemos o mapa

conceitual da Epistemologia das Representações Múltiplas (BORBA, 1994) em que

compreender um tema requer a identificação de regularidades e discrepâncias sobre

20

um fenômeno. Também nesse sentido, no entanto relacionado à linguagem,

encontramos no Dicionário de Wittgenstein que:

Compreender uma frase significa compreender uma língua. Compreender uma língua significa dominar uma técnica. Isso diz que compreender é saber como fazer algo, no caso da linguagem, entender uma linguagem significa saber como usá-la. Assim é íntima a conexão entre compreensão, significado e uso. (GLOCK, 1998, p. 101).

Nos encontros de formação que desenvolvemos, tínhamos a intenção de

desenvolver atividades matemáticas que considerassem as preocupações da EMC

diante da EM. Dessa forma, nossos registros relativos às manifestações das

professoras visavam captar a conexão que as participantes poderiam construir entre

o significado atribuído à filosofia da EMC e a forma como o uso efetivo das TIC

influenciaria a prática de sala de aula, no sentido de favorecer ou não um ensino

pautado nos princípios da EMC. Considerando, também, que “o treinamento não

pressupõe a compreensão, mas somente padrões de reação por parte de quem é

treinado” (GLOCK, 1998, p. 151), nossos encontros primaram por um trabalho

colaborativo em que as professoras tiveram a oportunidade de expressar, tanto suas

dúvidas quanto seus modos de agir construídos na formação e experiência

profissional que possuíam.

Ao investigar a compreensão das professoras, também nos aproximamos da

forma como Paulo (2001) analisa e interpreta o significado da compreensão segundo

o filósofo alemão Martin Heidegger. Em um estudo sobre a compreensão geométrica

da criança, Paulo (2001) sintetiza a compreensão como uma possibilidade que o

homem traz consigo de organizar o mundo, as coisas e escolher o seu modo de ser.

A autora também considera que “a compreensão se dá na concretude da vida

humana, nas possibilidades que o homem tem de ser e estar no mundo, não apenas

em sua racionalidade” (PAULO, 2001, p. 22).

Esse entendimento se fortalece com a visão de que “compreender é

experimentar o acordo entre aquilo que visamos e aquilo que é dado, entre a

intenção e a efetuação” (MERLEAU-PONTY, 1994, p. 200, apud PAULO, 2001, p.

22). Ou seja, a compreensão se manifesta na possibilidade que o homem tem de

estabelecer uma relação entre suas intensões e o que percebe no mundo.

21

Como pesquisadores, procuramos compreender o modo como as professoras

estabeleceram relações entre suas intensões, no que diz respeito ao ensino de

Matemática, e o modo como perceberam o trabalho utilizando as TIC, em que

vivenciarem uma EM preocupada com as questões da EMC.

Diante do exposto, a situação social que julgamos demandar esta

investigação é a do âmbito escolar nos anos finais do Ensino Fundamental da rede

pública de ensino dos municípios do sudoeste do Paraná, por termos constatado, via

levantamento prévio aos encontros, que os professores de Matemática desta região

pouco utilizam e até mesmo não utilizam os recursos das TIC em suas aulas, bem

como desconhecem a filosofia da EMC.

A ação que propusemos às professoras, com o objetivo de esclarecer ao

grupo, consistia na participação em encontros de formação continuada para a

análise e discussão dos princípios da EMC no desenvolvimento de atividades

matemáticas utilizando as TIC. Embora a definição da ação tenha partido de nós

como pesquisador, teve a influência das professoras participantes pelo fato de que

as mesmas foram entrevistadas antes da realização dos encontros e seus perfis

profissionais e áreas de interesse foram considerados na programação. Portanto,

consideramos que o grupo formado a partir de um interesse comum, a utilização das

TIC nas aulas de Matemática sob o enfoque da EMC, participou da concepção dos

encontros, visto que suas concepções estão presentes. As decisões, no tocante às

ações tomadas no decorrer dos encontros, como a própria filosofia da EMC sugere,

foram de cunho democrático e participativo. Ainda, os significados que as

professoras atribuíram à EMC frente suas práticas configuraram uma diferenciação

na conscientização sobre o tema, e foi isso que procuramos captar, no grupo,

através das compreensões por elas reveladas.

1.3 Instrumentos Adotados na Investigação

Nossa investigação, em campo, iniciou em 2011 com a aplicação de um

questionário (Apêndice A), junto aos professores, para sondar se utilizavam ou não

as TIC em suas aulas e se tinham necessidade de formação para o uso das

tecnologias. Em 2012 efetivamos a proposta de formação através de oito encontros

22

que foram precedidos por entrevistas individuais (Apêndice B) com as participantes.

Concluídos os encontros, as professoras foram novamente entrevistadas.

A seguir apresentaremos mais detalhadamente os instrumentos utilizados.

1.3.1 Questionário

Para que pudéssemos elucidar a dúvida que tínhamos com relação ao fato de

os professores de Matemática da região sudoeste do estado do Paraná utilizarem ou

não os recursos das TIC em suas aulas nos anos finais do Ensino Fundamental,

recorremos, inicialmente, a um questionário (Apêndice A) que foi aplicado nas

dependências do Núcleo Regional de Educação – NRE - de Pato Branco – PR, em

2011, quando os professores estavam reunidos para um dia de formação promovido

pela Secretaria de Estado da Educação – SEED-PR, através do NRE. Goldenberg

(1999) aponta vantagens e desvantagens na aplicação de questionários. Como

vantagem, o questionário

[...] é menos dispendioso; exige menor habilidade para a aplicação; pode ser enviado pelo correio ou entregue em mãos; pode ser aplicado a um grande número de pessoas ao mesmo tempo; as frases padronizadas garantem maior uniformidade para a mensuração; os pesquisados se sentem mais livres para exprimir opiniões que temem ser desaprovadas ou que poderiam colocá-los em dificuldades; menor pressão para uma resposta imediata, o pesquisado pode pensar com calma. (GOLDENBERG, 1999, p. 87)

E como desvantagens indica que o questionário “tem um índice baixo de

respostas; a estrutura rígida impede a expressão de sentimentos; exige habilidade

de ler e escrever e disponibilidade para responder”(GOLDENBERG, 1999, p. 88).

Nosso questionário, segundo a classificação de Goldenberg (1999), era composto

essencialmente por questões abertas e cada questão estava relacionada com um

objetivo específico. As perguntas se referiam ao trabalho individual de cada

professor e não requeriam nenhum conhecimento além do conhecimento da própria

prática. Além disso, não enfrentamos as dificuldades relativas a não devolução

porque os aplicamos na presença dos professores. Na ocasião, 129 professores

responderam ao questionário, que visava prioritariamente dois aspectos: (1) verificar

se os professores faziam ou não uso dos recursos das TIC nas aulas de Matemática

e (2) identificar aqueles professores que gostariam de participar de atividades de

formação com o uso das TIC, segundo o enfoque da EMC. Resultados parciais

23

construídos a partir desses dados estão registrados em Bennemann e Allevato

(2012b).

1.3.2 Entrevista

No primeiro semestre de 2012, firmamos uma parceria entre a Universidade

Cruzeiro do Sul e o NRE – Pato Branco para a realização do curso1, para o qual

convidamos todos os professores de Matemática dos anos finais do Ensino

Fundamental da rede pública estadual no município de Pato Branco – PR.

Finalizadas as inscrições, tivemos 12 professoras inscritas, com as quais

agendamos entrevistas individuais em datas anteriores ao início das atividades de

formação.

Lüdke e André (1986) consideram a entrevista como um instrumento básico

para coleta de dados nas pesquisas qualitativas, evidenciando que sua grande

vantagem sobre outras técnicas é que ela permite a captação imediata e corrente da

informação desejada. Além disso,

Mais do que outros instrumentos de pesquisa, que em geral estabelecem uma relação hierárquica entre o pesquisador e o pesquisado, [...] na entrevista a relação que se cria é de inserção, havendo uma atmosfera de influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 33).

As entrevistas podem ser executadas segundo um roteiro mais ou menos

rígido. O pesquisador pode optar, desde um padrão extremamente fechado, como

uma sequência de perguntas de um questionário, que configuram as entrevistas

padronizadas; até um esquema totalmente livre, sem roteiro, identificadas como não-

padronizadas. Entre esses dois extremos está “a entrevista semiestruturada, que se

desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado rigidamente,

permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações” (LÜDKE; ANDRÉ,

1986, p. 34). No âmbito educacional, as entrevistas semiestruturadas são as mais

adequadas, em função do perfil do público alvo e da gama de variantes existentes

nos assuntos de interesse nessa área. Ainda, dentro da perspectiva de que o

1 Utilizamos o termo “curso”, no convênio, porque tínhamos a intensão de certificar os participantes segundo a

carga horária de 20h, o que daria aos professores a possibilidade de somar horas de estudos formais para seus planos de carreira.

24

pesquisador é o principal instrumento de coleta de dados na pesquisa qualitativa,

durante a entrevista ele

[...] precisa estar atento não apenas (e não rigidamente, sobretudo) ao roteiro preestabelecido e às respostas verbais que vai obtendo ao longo da interação. Há toda uma gama de gestos, expressões, entonações, sinais não-verbais, hesitações, alterações de ritmo, enfim, toda uma comunicação não verbal cuja captação é muito importante para a compreensão e a validação do que foi efetivamente dito. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 36).

Dentro dessas concepções, em nossa pesquisa seguimos um esquema

semiestruturado (Apêndice B) onde procuramos conhecer o perfil profissional das

professoras, suas concepções sobre a utilização das TIC na educação e, também, o

que conheciam a respeito da EMC. Cada professora foi informada, via e-mail, sobre

o que abordaríamos na entrevista. Nossa intensão, com isso, foi deixar as

professoras preparadas para evitar qualquer tipo de apreensão em relação aos

assuntos sobre os quais pretendíamos conversar e, assim, conhecer melhor as

professoras participantes.

Isto feito, realizamos os 8 encontros de formação e, então, agendamos, com

cada professora, uma nova entrevista (Apêndice C). Do mesmo modo que na

primeira entrevista, enviamos, via e-mail, o assunto que abordaríamos na entrevista,

ou seja, que seria uma conversa sobre o que haviam compreendido sobre EMC, e

como estavam avaliando o auxílio das TIC nessa perspectiva.

1.3.3 Observação

Durante os encontros com as professoras, foi fortemente pela observação que

ocorreu a coleta de dados.

Em suas considerações sobre a validade ou não da coleta de dados por meio

da observação, Lüdke e André esclarecem que,

“Para que se torne um instrumento válido e fidedigno de investigação científica, a observação precisa ser antes de tudo controlada e sistemática. Isso implica a existência de um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação rigorosa do observador”. (LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 25)

As autoras deixam claro que o observador, em nosso caso, o pesquisador,

necessita de preparação para exercer esta tarefa. Sugerem um treinamento com

situações simuladas ou mesmo uma incursão no local definitivo da pesquisa, numa

25

espécie de projeto piloto. Em nosso caso, consideramos que a longa trajetória que

temos na docência deva ter contribuído na determinação do modo como realizamos

nossas observações, até porque nossa investigação tem um viés didático. Além

disso, resgatando as memórias recentes e amparados pelos registros de áudio e

vídeo construímos, ao final de cada encontro, um relatório a respeito do que

percebemos no grupo, tanto dos aspectos ocorridos como padrão de repetição

quanto daqueles que se mostraram inteiramente novos. Assim, concentramo-nos

nas compreensões a respeito da EMC que as professoras manifestaram no decorrer

da realização das atividades investigativas com o uso das TIC.

1.3.4 Análise Documental

A análise documental se caracteriza pela busca de evidências relativas ao

objeto de estudo em materiais escritos, sejam eles livros, jornais, memorandos,

diários pessoais, autobiografias e uma gama de documentos que Phillips (1974, p.

187) apud Lüdke e André (1986, p. 38) considera como “quaisquer materiais escritos

que possam ser usados como fonte de informação sobre o comportamento

humano”. Na pesquisa qualitativa, tais documentos são uma fonte inestimável de

onde o pesquisador pode retirar subsídios que reforcem suas conclusões. Os

principais registros que incluímos nessa sessão correspondem aos textos

produzidos pelas professoras, comentando, analisando e discutindo o que

abordamos em cada encontro; e, também, os documentos oficiais, tanto da União

quanto do Estado do Paraná, que dizem respeito ao ensino de Matemática no

Ensino Fundamental.

1.4 O Contexto da Pesquisa

Para os encontros, que totalizaram 20 horas em oito reuniões, convidamos as

professoras para juntos analisarmos em que consiste a EMC e como o uso das TIC

pode influenciar/favorecer esta filosofia de ensino de Matemática.

Havíamos disponibilizado 15 vagas, considerando que, para o registro das

interações e um acompanhamento mais próximo a cada participante, seria uma

quantidade apropriada. Além disso, a metodologia qualitativa não tem na quantidade

de participantes sua principal referência. O pormenorizado registro das ocorrências é

26

que fortalece os resultados e conclusões construídos pelos pesquisadores. O grupo

foi formado, inicialmente, por doze professores inscritos, no entanto apenas nove

professoras participaram. Dos três desistentes, a justificativa que recebemos foi

referente a problemas com mudança de horário de trabalho e problemas de saúde.

Nossas expectativas iniciais, em função do questionário aplicado em 2011, eram de

um número bem maior de interessados; no entanto, conversando com as

professoras participantes, percebemos o esforço que tiveram que fazer para

participar. Todas tinham carga horária semanal de trabalho de 40h, e se dispuseram

a deixar suas famílias, seus momentos de descanso ou de outros afazeres, depois

de uma jornada diária de trabalho de oito horas para, novamente na escola,

reunirem-se com os colegas e estudar. Consideramos que esses fatores podem ter

sido determinantes para a não participação de um maior número de professores.

Poderíamos considerar, também, uma falta de interesse dos professores, mas, a

julgar pelo entusiasmo das participantes e pelos dados obtidos no questionário

inicial, acreditamos que não seja essa uma razão.

Os encontros foram realizados no laboratório de informática de um colégio

estadual do município de Pato Branco – PR. Todos os colégios estaduais do Paraná

contam com laboratório de informática. A quantidade de computadores varia de dez

a vinte e cinco, de acordo com o tamanho do colégio. O laboratório que utilizamos

conta com 20 computadores e, assim como nos demais estabelecimentos, estão

conectados à Internet e disponibilizam, através da plataforma Linux, a planilha de

cálculo Calc, do BrOffice, e o software GeoGebra. Estes, então, foram os recursos

das TIC que decidimos utilizar com as professoras. Foi, portanto, uma escolha por

conveniência, ou seja, não escolhemos estes recursos por acreditar que sejam

melhores que outros, mas por estarem disponíveis a todos os professores da rede

de ensino público estadual do Paraná. Também consideramos o fato de serem de

naturezas diferentes, permitindo diversificar as atividades. O GeoGebra, em

particular, tem sido bastante recomendado no trabalho com Geometria, uma das

demandas apresentadas pelas professoras. Desse modo, nossa investigação não

está atrelada a softwares específicos, mas em como podemos utilizá-los tendo em

mente desenvolver um ensino pautado nos princípios da EMC.

27

1.5 Registro dos Dados

Todas as discussões e atividades desenvolvidas durante os encontros foram

gravadas em áudio e vídeo. No dia seguinte a cada encontro transcrevemos as

gravações e também registramos nossas impressões com relação ao ocorrido. Ainda

no decorrer da experiência de formação, outro registro que adotamos foi a produção

de texto pelas professoras participantes. No primeiro dia de curso, entregamos a

cada professora um caderno e solicitamos que registrassem, nele, uma reflexão a

respeito do que havíamos tratado em cada encontro.

1.6 Análise dos Dados

As informações que coletamos estão todas registradas na forma de textos. A

partir daí, consideramos a análise de conteúdo, conforme as propostas de Moraes

(1999) e Bardin (2006). Segundo esses autores, a análise de conteúdo, como

método de análise de dados, é utilizada para descrever e interpretar o conteúdo de

toda classe de documentos e textos. Tendo como matéria prima todo material

oriundo de comunicação verbal ou não-verbal como jornais, informes, livros, relatos,

gravações, entrevistas, vídeos, entre outros, caracterizados como dados brutos,

propicia o processamento de informações por meio de técnicas e procedimentos

sistemáticos de descrição e análise do conteúdo das mensagens.

1.6.1 O Método

Bardin (2006) estabelece o trabalho em três etapas: pré-análise, exploração

do material e tratamento dos resultados, com as inferências e interpretações.

Moraes (1999), propõe cinco etapas: preparação das informações, unitarização,

categorização, descrição e interpretação. Trata-se apenas de distintas

denominações, pois, na essência, as propostas se assemelham. Optamos por seguir

as cinco etapas de Moraes:

A preparação do material consiste em identificar nos dados brutos o

que é representativo e pertinente à investigação, codificando o que foi

selecionado.

28

Em nossa investigação, o material foi selecionado e codificado conforme as

interações de cada uma das professoras (Pn) em cada um dos seguintes momentos:

Entrevista inicial (E1), cada um dos encontros (reuniões do grupo) (Rn), entrevista

final (E2), reflexões escritas pelas professoras (RPn) e notas de campo do

pesquisador (NP). Por exemplo, P1E1 indica uma interação da professora 1 na

primeira entrevista, P5R2 indica uma interação da professora 5 no segundo encontro

(reunião) e RP2 corresponde a uma anotação da professora 2 em seu caderno de

reflexões.

A unitarização consiste na definição de unidades de análise; unidades

do conteúdo que serão, posteriormente, classificadas.

Nessa etapa, estabelecemos como unidades de análise frases das falas, e

parágrafos das escritas das professoras e do pesquisador.

A categorização é o procedimento de agrupar dados, considerando o

que há em comum entre eles. Moraes (1999) considera que as

categorias podem ser definidas a priori ou a partir dos dados. De

qualquer modo, deverão ser válidas, exaustivas e homogêneas. A

validade exige que todas as categorias sejam significativas e úteis em

termos do trabalho proposto - de seus objetivos e de sua

fundamentação teórica. As categorias deverão ser exaustivas no

sentido de que devem possibilitar a categorização de todo o conteúdo

significativo, incluindo todas as unidades de análise. A homogeneidade

requer regras de classificação para que cada elemento possa ser

classificado em apenas uma categoria.

A descrição corresponde a um texto síntese para cada categoria

expressando o conjunto de significados presentes nas diversas

unidades de análise. Geralmente se faz uso de citações diretas.

Esse trabalho está registrado no Capítulo 5 desta tese, em que apresentamos

os dados e desenvolvemos a interpretação.

A interpretação requer do analista uma profunda imersão nos dados,

buscando não só os conteúdos manifestos nos documentos, como

29

também aqueles que possam emergir das entrelinhas. O pesquisador

procura captar sentidos implícitos, motivações inconscientes, reveladas

por descontinuidades e contradições.

Nossa abordagem toma como ponto de partida os dados, construindo a partir

deles as categorias, sendo, portanto, indutiva. Não temos como finalidade

generalizar ou testar hipóteses, mas construir uma compreensão do fenômeno

investigado. O trabalho por nós realizado, correspondente a essas duas últimas

etapas está registrado no Capítulo 5 desta tese, em que apresentamos os dados e

desenvolvemos sua análise.

Com esses esclarecimentos a respeito da análise de conteúdo encerramos o

presente capítulo, em que apresentamos a metodologia empregada descrevendo os

instrumentos adotados na investigação. No próximo capítulo trazemos a revisão da

literatura sobre EMC situando nossa pesquisa em relação a ela.

30

31

CAPÍTULO 2 - EDUCAÇÃO MATEMÁTICA CRÍTICA

Nesse capítulo apresentamos uma síntese da literatura, analisada,

relacionada à Educação Matemática Crítica. O capítulo está estruturado em quatro

seções, começando por uma crítica ao atual ensino de Matemática. Na seção

seguinte trazemos a Filosofia da Educação Matemática Crítica (EMC), segundo Ole

Skovsmose; na terceira seção, o que vem sendo considerado promissor na

caminhada rumo à EMC. Para encerrar o capítulo procuramos inserir nossa

pesquisa no contexto literário apresentado.

2.1 Uma Crítica à Educação Matemática

No ensino de Matemática, ainda predominam aulas estruturadas com uma

introdução, pelo professor, envolvendo explicações teóricas e formais sobre um

novo tópico matemático; alguns exemplos de questões e/ou exercícios também

resolvidos pelo professor, que registra as resoluções no quadro para os alunos

copiarem; e, em seguida, uma lista de exercícios que, em função da quantidade,

acabam, muitas vezes, ficando como trabalho de casa. Variações deste mesmo

modelo, dando maior ou menor ênfase às explicações do professor, com alunos

trabalhando ora individualmente, ora em grupo, em atividades com seminários ou a

partir de propostas fundamentadas em aplicações matemáticas, em muitos casos,

também fazem parte das aulas. No entanto, todas têm um forte apego às listas de

exercícios que os professores propõem, muitas vezes por julgarem que somente

praticando o aluno compreenderá o conteúdo.

Chamam-nos a atenção, no entanto, alguns questionamentos levantados por

Skovsmose (1999, 2001, 2007, 2008), Alro e Skovsmose (2006) e Valero e

Skovsmose (2012) com relação ao papel sociopolítico da Educação Matemática,

sugerindo que este modelo “tradicional” (SKOVSMOSE, 2007, p. 33) de ensino

possa contribuir para uma cultura de obediência e submissão consentida. O autor

classifica de tradicionais aquelas práticas fundamentadas na resolução de exercícios

estruturados como uma sequência de ordens do tipo resolva, efetue e calcule, entre

32

outras, onde as atividades são descontextualizadas e o material didático é pouco

variado.

Nesse sentido, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) estabelecem

como objetivo para o ensino de Matemática de sexto ao nono ano, identificar o

conhecimento matemático como meio de compreender e transformar o mundo, fazer

observações sistemáticas, resolver situações problema e comunicar-se

matematicamente fazendo uso de diferentes representações, dentre outros.

Também nesse documento, a Matemática é descrita como um componente

importante na construção da cidadania, uma vez que a sociedade se utiliza cada vez

mais de conhecimentos científicos e recursos tecnológicos que são fundamentados

na lógica matemática:

A Matemática pode dar sua contribuição à formação do cidadão ao desenvolver metodologias que enfatizem a construção de estratégias, a comprovação e justificativa de resultados, a criatividade, a iniciativa pessoal, o trabalho coletivo e a autonomia advinda da confiança na própria capacidade para enfrentar desafios. (BRASIL, 1998, p. 27).

No Paraná, estado no qual a presente pesquisa foi realizada, as Diretrizes

Curriculares da Educação Básica, recomendam que:

Os conteúdos disciplinares devem ser tratados, na escola, de modo contextualizado, estabelecendo-se, entre eles, relações interdisciplinares e colocando sob suspeita tanto a rigidez com que tradicionalmente se apresentam quanto o estatuto de verdade atemporal dado a eles. (PARANÁ, 2008, p. 14).

Ainda, na seção denominada Encaminhamentos Metodológicos, sugere-se

que as práticas docentes contemplem resolução de problemas, modelagem

matemática, mídias tecnológicas, etnomatemática, história da Matemática e

investigações matemáticas.

Nas mesmas diretrizes também

[...] propõe-se que tais conhecimentos contribuam para a crítica às contradições sociais, políticas e econômicas presentes nas estruturas da sociedade contemporânea e propiciem compreender a produção científica, a reflexão filosófica, a criação artística, nos contextos em que elas se constituem. (PARANÁ, 2008, p. 14).

Enquanto os PCN e as Diretrizes Curriculares do Estado do Paraná indicam a

necessidade da Matemática contribuir para a cidadania e a crítica às contradições

sociais, políticas e econômicas, as práticas didáticas centradas em listas de

33

exercícios parecem seguir em sentido contrário. Ou seja, existe uma política pública

que recomenda uma educação crítica, conforme consta nesse documento, pautada

em práticas didáticas que contemplem a resolução de problemas, a modelagem

matemática, o emprego das mídias tecnológicas, a etnomatemática, a história da

Matemática e as investigações matemáticas e também existem práticas docentes

“tradicionais”. Existe aí um descompasso? Quais são as concepções dos

professores de Matemática quanto a essa Educação Crítica proposta nas Diretrizes

Curriculares do Estado do Paraná?

Esses questionamentos nos levam a buscar apoio e discutir os fundamentos

da EMC segundo as concepções de Ole Skovsmose. Identificando as premissas de

sua teoria, quais sejam o papel sociopolítico da Educação Matemática (EM), a

competência matemática para agir democraticamente e a dinamização das

potencialidades do sujeito2 por meio da EM. Os pilares de sua teoria foram

construídos com base na Educação Crítica, orientada pelo interesse na

emancipação. Assim, Skovsmose propõe a EMC como uma preocupação com o

desenvolvimento da capacidade de agir do cidadão. Esses aspectos serão

discutidos na próxima seção.

2.2 Filosofia da Educação Matemática Crítica

Trata-se de um movimento surgido na década de 1980 liderado por

pesquisadores como Marilyn Frankenstein, Arthur Powell e Ole Skovsmose, que

buscavam identificar os aspectos políticos da Educação Matemática. Também, no

Brasil, os estudos sobre etnomatemática, de Ubiratan D’Ambrósio, se identificam

com essa linha de investigação.

Ole Skovsmose continua sendo uma das principais referências na área. Ele

vem delineando o que concebe por Educação Matemática Crítica desde a década de

1980. Inicialmente enfocava a realidade europeia, já que é um cidadão dinamarquês,

mas a partir da década de 1990 amplia seu âmbito de ação e reflexão a partir de

2 Nos trabalhos de Skovsmose, esse aspecto é designado por empowermente, entendido como a ação de dar

poder ao sujeito, dinamizar suas potencialidades, muni-lo de poder para agir, fortalecer, potencializar, conferir autonomia, autocapacitar.

34

visitas e relacionamentos acadêmicos com a Inglaterra, a África do Sul, o Brasil e a

Colômbia.

Ao estabelecer um quadro referencial para a Educação Matemática,

Skovsmose (2001) identifica três vertentes didático-pedagógicas predominantes:

estruturalismo, pragmatismo e orientação-ao-processo. No estruturalismo, o

conhecimento dos estudantes deve ser construído a partir de estruturas e conteúdos

definidos independentemente dos alunos. Com relação à Matemática, sua estrutura

conceitual constitui o currículo, que é linearmente repassado aos alunos. No

pragmatismo, entende-se que a essência da Matemática está em suas aplicações;

portanto, fora das estruturas matemáticas, sendo, da forma como entende, uma

vertente orientada a problemas. Na orientação-ao-processo, a essência da

Matemática está nos processos de pensamento, na capacidade da reinvenção.

Compreendendo a Matemática como uma atividade humana, valoriza os processos

de pensamento que conduzem aos conceitos matemáticos.

Para Skovsmose (2001), nenhuma das três vertentes se aproxima da

Educação Crítica (EC), pois considera que a EC é aquela em que o conhecimento é

construído através do diálogo. Os alunos e os professores controlam o processo

educacional com atitudes democráticas. A estrutura curricular é construída

estabelecendo a aplicabilidade dos assuntos, os interesses atrelados aos assuntos,

os pressupostos sobre os quais foram gerados os conceitos, as funções dos

assuntos e suas limitações. O processo de ensino e de aprendizagem é direcionado

a problemas relevantes na perspectiva dos alunos, próximos de suas experiências e

de seu quadro teórico, tendo uma relação próxima com problemas sociais

objetivamente existentes. Ou seja, uma EC não reproduz passivamente as relações

sociais existentes, questiona as relações de poder, desempenhando um papel ativo

na identificação e combate a disparidades sociais. O autor defende uma

aproximação entre EC e EM, pois isso traria à tona as relações de poder

estabelecidas na sociedade, nas quais a Matemática se faz presente; a ideologia da

certeza, que coloca o conhecimento matemático em uma posição de superioridade;

o papel social desempenhado pela EM, desvelando em que sentido o ensino da

Matemática vem contribuindo para a estratificação social.

35

Skovsmose identifica aspectos antidemocráticos na EM, existentes devido ao

seu poder de ação, exercido via modelos matemáticos e, também, via concepções

pedagógicas que visam preparar uma força de trabalho passiva e eficaz no

cumprimento de comandos e ordens. Seus estudos e escritos abordam temas como

o paradigma do exercício, a ideologia da certeza, a Matemática em ação, a

matemacia, o foreground, a democracia e o papel sócio político da EM. Alguns,

desses aspectos já foram objeto de estudo em Bennemann e Allevato (2012a). A

seguir vamos discutir a relevância de cada um destes temas na construção das

bases teóricas para uma filosofia da Educação Matemática Crítica.

2.2.1 Paradigma do Exercício

Skovsmose (2007) estima que do Ensino Fundamental ao Ensino Médio, os

alunos sejam expostos a aproximadamente 10.000 exercícios, na sua maioria

baseados em comandos. Esses exercícios dificilmente atendem aos objetivos

registrados nos programas curriculares de Matemática em que encontramos

referências ao desenvolvimento da criatividade, do raciocínio lógico e da capacidade

de resolver problemas. “Contudo, eles devem ter algumas similaridades com outras

tarefas rotineiras que algumas vezes são encontradas na produção e na

administração” (SKOVSMOSE, 2007, p. 37). Historicamente, a EM treinava, e não

raro vem treinando, os alunos a resolverem exercícios modelos. Essa prática baseia-

se na crença de que quanto maior o número de modelos que o aluno dominar, maior

será suas chances de sucesso nas mais diversas avaliações, sejam escolares ou

públicas, como em concursos; haja vista, em grande número dessas avaliações, as

perguntas seguirem a linha dos exercícios modelos. Isso estimula a escola a

permanecer com esse modelo de ensino que, nesse sentido, atende e obedece a

uma demanda social. No entanto, o discurso social dominante é o da necessidade

de criatividade, raciocínio lógico, capacidade de análise, entre outras habilidades

que os conhecimentos matemáticos supostamente ofereceriam aos profissionais.

Então, está a sociedade iludida com a capacidade da Matemática de preparar

profissionais inovadores, ou a estrutura social se beneficia com uma massa

trabalhadora treinada para receber comandos?

36

Exercícios sob a forma de comandos e exercícios estruturados, com

respostas únicas e imutáveis, em geral não admitem uma contextualização mais

ampla vinculada a questões de responsabilidade social. Além disso, também

contribuem para a consolidação da Ideologia da Certeza, que será objeto de nossas

reflexões, na próxima seção.

2.2.2 Absolutismo dos Números – Ideologia da Certeza

O ensino tradicional de Matemática favorece a crença nos números.

Respostas únicas e exatas, tão presentes nas aulas de Matemática, extrapolam os

muros escolares e passam a agir diretamente nas crenças sociais. Afirmações como

“os números não mentem” e “os dados mostram que...” são resultados da forma

como a Matemática é abordada em sala de aula e, inclusive, fora dela.

Borba e Skovsmose (2001) identificam essa visão da Matemática como pura,

perfeita e infalível dentro da ideologia3 da certeza. Tal ideologia está implícita e é

fortalecida pelo discurso a respeito do enorme poder das aplicações matemáticas. A

base da ideologia está nas seguintes ideias:

A matemática é perfeita, pura e geral, no sentido de que a verdade de uma declaração matemática não se fia em nenhuma investigação empírica. A verdade matemática não pode ser influenciada por nenhum interesse social, político ou ideológico.

A matemática é relevante e confiável, porque pode ser aplicada a todos os tipos de problemas reais. A aplicação da matemática não tem limite, já que é sempre possível matematizar um problema. (BORBA; SKOVSMOSE, 2001, p. 130)

Entretanto ao considerarem que o tratamento matemático dos problemas

requer que estes sejam recortados para que fiquem adequados ao modelo

matemático os autores trazem para a discussão o campo de validade dos modelos

matemáticos e a Matemática que dá suporte à sociedade tecnológica4. Tal suporte é

3 Borba e Skovsmose (2001, p. 128) definem ideologia “como um sistema de crenças que tende a esconder,

disfarçar ou filtrar uma série de questões ligadas a uma situação problemática para grupos sociais”.

4 Sociedades estruturadas segundo modelos gerenciais, modelos matemáticos que servem de base para

tomada de decisões econômicas, políticas, sociais, etc.

37

por eles entendido como a Matemática em ação5. Por meio de modelos

matemáticos, é possível “projetar” uma parte do que se torna realidade e decisões

são tomadas com base em modelos matemáticos, ou seja, a realidade é fortemente

influenciada pelo emprego da Matemática.

Desafiar esta ideologia por meio de um currículo baseado na incerteza, pelo

questionamento a respeito de possíveis interesses envolvidos na escolha dos

modelos, não aceitando a neutralidade da Matemática e suas soluções infalíveis é a

proposta de Borba e Skovsmose (2001), para favorecer uma visão crítica da

Matemática.

2.2.3 Matemática em Ação

Como as concepções matemáticas são projetadas na sociedade?

Skovsmose (2007, 2011) analisa aspectos e dimensões da Matemática em

ação, considerando que, quando usamos a Matemática como base para projetos

tecnológicos6, é possível antecipar, no mundo da Matemática, o que depois será

trazido para a realidade por uma construção real.

A imaginação tecnológica, o raciocínio hipotético, a legitimação ou

justificação, as realizações e a dissolução da responsabilidade são discutidas por

Skovsmose (2011) como formas de ação da Matemática. Ou seja, por meio da

Matemática é possível estabelecer um espaço de situações hipotéticas em forma de

alternativas tecnológicas que no absolutismo dos números são utilizadas para

justificar a tomada de decisões, moldando a realidade à partir de uma construção

matemática que também propicia “isentar” de responsabilidade a pessoa que toma

decisões com base na precisão do modelo matemático.

Quanto mais tecnológica é uma sociedade, mais forte é a relação entre

Matemática e Poder na tomada de decisões. Decorrente disso, o fator humano, na

5 A matemática intervém na realidade ao criar uma “segunda natureza” ao nosso redor, oferecendo não apenas

descrições de fenômenos, mas também modelos para a alteração de comportamentos. Não apenas “vemos” de acordo com a matemática, nós também “agimos” de acordo com ela. (SKOVSMOSE, 2001, p. 83)

6 Eu incluo uma variedade de aspectos no âmbito da noção de tecnologia: os artefatos da tecnologia (pode ser

um carro, um computador ou outro artefato), bem como as estratégias para a ação ( um plano de produção ou qualquer outro produto de “desenvolvimento de sistemas”(SKOVSMOSE, 2007, p. 116).

38

tomada de decisões, é eliminado ou colocado em uma redoma onde recebe uma

blindagem através dos modelos. Skovsmose (2007) refere-se à matemática-poder

ao considerar a variedade de pacotes de modelos que definem rotinas às quais

somos inseridos e submetidos. Considera, ainda, que os modelos matemáticos

adotados pelos governos e pelas grandes empresas distanciam os responsáveis

pelas decisões, políticas e empresariais, dos efeitos da adoção desses modelos,

deslocando a responsabilidade e a culpa do resultado ao modelo, que por meio de

uma estrutura matemática precisa justifica a tomada de decisão.

Skovsmose (2007) analisa modelos gerenciais para venda de passagens

aéreas, modelos de regulação de tráfego em rodovias e cidades, e o Modelo de

Simulação do Conselho Econômico (SMEC) utilizado por economistas

dinamarqueses para aconselhar o governo sobre políticas econômicas, para chamar

a atenção a respeito do poder que é atribuído à Matemática na tomada de decisões

sobre nossas vidas. No contexto brasileiro, como em qualquer outro, certamente,

também estamos sujeitos a esse poder, pela via dos modelos que definem os

cálculos do Imposto de Renda (IR), do tempo de contribuição para aposentadoria,

dos planos de seguro e tantos outros. Enfim, estamos sujeitos a uma série de

decisões em que a Matemática é adotada como fundamento para estruturar uma

conduta social.

Aceitamos esse fato, ou nem nos damos conta dele, talvez por estarmos

acostumados a acreditar que os resultados da Matemática aplicados a essas

situações são únicos e infalíveis, assim como os cálculos que repetimos inúmeras

vezes na escola. Por ingenuidade ou falta de conhecimento de nossa parte, não

questionamos os procedimentos que definem os padrões e os rumos de nossas

vidas. Talvez falte-nos a competência democrática, aquelas atitudes e

conhecimentos necessários para analisar tais modelos e as decisões tomadas pelos

líderes a partir deles. Isso nos afeta direta ou indiretamente, de maneira forte e

decisiva.

2.2.4 Democracia e o Papel Sociopolítico da Educação Matemática

Ao referir-se aos possíveis papéis sociopolíticos da Educação Matemática,

Skovsmose (2008) considera diversas possibilidades, abordando aspectos positivos

39

e negativos como: promover a submissão a ordens, a discriminação por

classificação e diferenciação, a filtragem étnica e a cidadania crítica. A EMC

representa a expressão das preocupações com esses papéis que a Educação

Matemática pode desempenhar na sociedade. Romper com a neutralidade política,

segundo Valero e Skovsmose (2012), é o compromisso crítico da Educação

Matemática com a democracia. Os autores consideram que a Educação Matemática

tem o potencial de contribuir para o desenvolvimento de forças democráticas na

sociedade. Ao questionarem: “quem está comprometido com as práticas de

Educação Matemática, aos propósitos de quem servem as práticas, que objetivos

perseguem, quando e onde ocorrem e por que se executam” (VALERO;

SKOVSMOSE, 2012, p. 10), identificam uma relação crítica entre Educação

Matemática e democracia, pois a Educação Matemática poderia servir tanto a

interesses democráticos quanto a interesses antidemocráticos.

O conceito de democracia que Nielsen, Patronis e Skovsmose (1999) e

Skovsmose (2001) defendem é bastante amplo, não se limitando ao procedimento

de escolha dos governantes.

[...]democracia refere-se às condições formais relativas a algoritmos de eleição, condições materiais relativas a distribuição, condições éticas relativas à igualdade e, finalmente, condições relativas à possibilidade de participação e reação. (SKOVSMOSE, 2001, p. 70).

Desses quatro aspectos, o quarto fala das possibilidades e habilidades de que

os cidadãos necessitam para serem capazes de discutir e analisar os atos do

governo e fatos sociais deles advindos. A competência democrática é uma

capacidade humana potencial que precisa ser desenvolvida:

[...] o desenvolvimento de uma competência democrática pressupõe uma atitude, mas, ao lado disso, muito conhecimento e muita informação sobre o domínio dos processos democráticos têm de ser desenvolvidos (SKOVSMOSE, 2001, p. 70).

No livro Connecting Corners (1999), Nielsen, Patronis e Skovsmose abordam

a democracia como uma característica necessária ao ambiente escolar pois

consideram a existência de uma forte conexão entre a micro democracia da sala de

aula e a macro democracia da sociedade. Isso implica na questão de como os

estudantes são preparados para participar de uma sociedade democrática.

40

Skovsmose refere-se a sociedades altamente tecnológicas, como a

dinamarquesa, quando fala da competência democrática. Nessas sociedades, as

decisões governamentais são, em grande parte, influenciadas ou mesmo

determinadas por modelos matemáticos gerenciais que não são do conhecimento da

população em geral; apenas parte da sociedade, uma pequena parte, tem

informação e conhecimento suficiente para avaliar as ações do governo. Tais

modelos matemáticos foram concebidos segundo critérios específicos, a partir de

escolhas a respeito de quais partes da realidade (variáveis) comporiam o modelo.

A competência democrática defendida por Skovsmose (2007) refere-se à

capacidade de analisar a influência do modelo na sociedade. Não se refere apenas

ao conhecimento tecnológico capaz de modelar; mais do que isso, refere-se a uma

atitude crítica em relação aos pressupostos que sustentam o modelo e seus efeitos

na sociedade.

Considerando o fortalecimento da democracia pelo desenvolvimento da

capacidade democrática potencial dos cidadãos, Skovsmose (2001) e Valero e

Skovsmose (2012) refere-se a preocupação da EMC com o desenvolvimento de

uma Educação Matemática que sustente a democracia. Para que isso ocorra, a

microsociedade de sala de aula deve ser fundamentada em aspectos democráticos.

Para isso, além de uma relação de poder igualitária entre professor e

estudantes, pressupõe a valorização do currículo oculto7 e a adoção de materiais de

“ensino-aprendizagem libertadores” (SKOVSMOSE, 2001, p. 44). Tais materiais

apresentam a característica marcante de que o modelo matemático em estudo é

referente a um modelo real e tem a ver com atividades sociais importantes; além

disso, a meta é gerar um insight sobre as hipóteses integradas no modelo,

promovendo o entendimento dos processos sociais. O autor também defende a

utilização de “materiais abertos de ensino aprendizagem”, caracterizados como

materiais com relevância substantiva para os estudantes, que apresentem uma

variedade de atividades que não são pré-estruturadas nem completamente fixadas,

e que envolvam várias decisões a serem tomadas, as quais devem ser discutidas

entre professor e estudantes.

7 Descrito por Romanelli (1997) como aquilo que o estudante aprende na escola, fora ou além do programa

curricular.

41

2.3 Caminhos à Educação Matemática Crítica

Em Educação Matemática – Incerteza, Matemática, Responsabilidade,

Skovsmose (2007) explica que

Educação Matemática Crítica não é para ser entendida como um ramo especial da Educação Matemática. Não pode ser identificada como certa metodologia de sala de aula. Não pode ser constituída por currículo específico. Ao contrário, eu vejo a Educação Matemática Crítica como definida em termos de algumas preocupações emergentes da natureza crítica da Educação Matemática. (SKOVSMOSE, 2007, p. 73).

Dentre essas preocupações emergentes com relação à natureza crítica da

Educação Matemática, está o papel da Matemática na configuração dos modelos

sociopolítico vigentes. Como identificá-los, entretanto? Skovsmose (2007, 2008,

2011) usa o termo matemacia para falar da competência de interagir e agir em

situações sociais e políticas estruturadas pela Matemática:

[...] a noção de matemacia representa uma competência, que está relacionada à Matemática e que, como a noção de Freire sobre letramento, inclui suporte para a cidadania crítica. A noção de matemacia inclui não apenas referências à matemática, no amplo sentido do termo, mas também referência ao modo pelo qual a democracia é interpretada como uma forma de vida. (SKOVSMOSE, 2007, p. 241).

Esse conceito foi amplamente discutido por Biotto Filho (2008) ao investigar o

desenvolvimento da matemacia no trabalho com projetos. Sua análise partiu da

diferenciação de duas dimensões presentes na concepção do conceito, uma técnica

e outra sociopolítica. Aquilo que costumeiramente é desenvolvido nas aulas de

Matemática, o treinamento de habilidades de cálculo, reproduções de teoremas e

demonstrações se enquadram na dimensão técnica. Já as aplicações dos

conhecimentos matemáticos em diferentes contextos, bem como a análise de seus

efeitos, avaliando o uso propriamente dito da Matemática dizem respeito à dimensão

sociopolítica.

Ambas as dimensões são fundamentais para o desenvolvimento da

capacidade democrática do cidadão, portanto, desenvolver a matemacia é um

objetivo da EMC, que vem conseguindo bons resultados mediante o emprego de

trabalhos com projetos (modelagem educacional) e atividades investigativas:

Trabalhos com projetos e abordagens temáticas têm sido considerados uma resposta emblemática aos desafios educacionais lançados pela educação

42

crítica. [...] Considero que uma nova educação matemática crítica deve buscar possibilidades educacionais. (SKOVSMOSE, 2008, p. 13).

Contrapondo-se ao paradigma do exercício, Skovsmose (2008) defende um

ambiente de ensino favorável à investigação. Chama de Cenário para Investigação o

ambiente que dá suporte ao trabalho investigativo, onde os alunos são convidados a

formularem questões e a procurarem explicações. No quadro 01, pode-se observar

como Skovsmose (2008, p. 23) estabelece uma matriz referente aos ambientes de

aprendizagem segundo dois cenários de sala de aula e três maneiras distintas de

abordar a Matemática:

Exercícios Cenários para

investigação

Referência à

Matemática pura (1) (2)

Referência à

semi-realidade (3) (4)

Referência à

Realidade (5) (6)

Quadro 1 - Ambientes de Aprendizagem Fonte: Skovsmose ( 2008, p. 23)

As práticas didáticas identificadas nos ambientes (1), (3) e (5), centradas no

paradigma do exercício, tão frequentes nas aulas tradicionais, podem partir da

realidade, da semi-realidade e também da própria Matemática. Sempre

considerando respostas únicas, exatas e inquestionáveis, não parecem promover a

matemacia, visto que quando o sujeito precisa agir em situações sociais e políticas

estruturadas matematicamente, o contexto é complexo e as variáveis nem sempre

estão claramente definidas.

Igualmente os cenários de investigação caracterizados nos ambientes (2), (4)

e (6), também podem partir de referências na realidade, na semi-realidade e na

própria Matemática. O que os difere, em essência, do paradigma do exercício é que

no cenário de investigação, as variáveis a serem consideradas dependerão do ponto

de vista sob o qual se faz o estudo da situação. “Mais” ou “menos” Matemática

poderá estar envolvida, dependendo da profundidade com que se analise o

43

contexto, e do próprio contexto. No entanto, quando o aluno aceita o convite para

trabalhar em um cenário de investigação, as discussões sobre a precisão, a

pertinência e a confiabilidade das respostas fazem parte do processo de apropriação

do conhecimento. O aluno será estimulado a argumentar sobre suas conclusões, e

diferentes conclusões poderão ser consideradas além da perspectiva do certo e do

errado.

Mesmo sendo favorável aos ambientes de aprendizagem pautados em

cenários de investigação, preferencialmente, com referência na realidade,

Skovsmose (2008) não sugere que se elimine, das práticas didáticas, os demais

ambientes. Considera que é importante transitar entre os diversos ambientes e que

conjuntamente, professores e alunos, analisem seus desempenhos nas diversas

abordagens. Também identifica na resolução de problemas, um potencial

desencadeador de genuínos processos de investigação. “Propor problemas significa

um passo adiante em direção aos cenários de investigação” (SKOSVMOSE, 2008,

p.31). Nesse aspecto, a Metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de

Matemática através da Resolução de Problemas conforme descrito em Allevato e

Ferreira (2013), possibilita o desenvolvimento de investigações matemáticas. Os

autores analisam problemas propostos pelos alunos da Educação de Jovens e

Adultos. Esses problemas foram concebidos a partir de textos que os alunos

apresentaram ao professor, comentando sobre situações problemáticas que

enfrentavam no dia-a-dia. Tais situações foram moldadas em problemas

matemáticos, com a ajuda do professor, e através de suas resoluções alguns

conteúdos referentes à grade curricular foram ensinados. Embora os autores não se

refiram à EMC, desenvolveram ações investigativas que primavam por desenvolver

a capacidade matemática dos alunos por meio de situações problema gerados fora

do contexto da disciplina Matemática, abrindo espaço para identificar as

necessidades matemáticas dos alunos.

Diferentes contextos, relacionados com experiências vividas e sonhos ou

expectativas são abordados por Skovsmose (2011) sob as denominações

background e foreground.

Através de uma comparação estatística, descrita no Relatório do Banco

Mundial, entre duas crianças nascidas no ano 2000 na África do Sul, Skovsmose

44

(2011), aborda o conceito de background. Uma dessas crianças, branca,

pertencente à classe média, cuja mãe tinha escolaridade superior, residia em uma

cidade. A outra, negra, de família pobre onde a mãe não tinha escolaridade, residia

em uma aldeia distante. Os indicadores estatísticos de mortalidade infantil,

expectativa de vida, escolaridade, renda e outros elementos fundamentais ao

desenvolvimento humano, eram drasticamente diferentes para cada uma delas.

Esses elementos que caracterizavam as raízes culturais, os antecedentes sociais e

as experiências pelas quais passou uma pessoa, correspondem ao background do

indivíduo.

Skovsmose (2011, 2012) reconhece a importância desses elementos na

configuração das aulas de Matemática. Utilizar o contexto dos alunos e suas

experiências pode ajudar na compreensão de que a Matemática está presente, de

diferentes maneiras, na rotina das pessoas. No entanto, o autor chama a atenção

para a necessidade de que as aulas de Matemática também contemplem as

aspirações e esperanças de vida dos estudantes. Utilizando o termo foreground para

representar as intenções, expectativas, aspirações e esperanças que o indivíduo

tem, a partir das oportunidades sociais, políticas, econômicas e culturais que a

sociedade proporciona, Skovsmose (2011) lança um olhar para o futuro que as

pessoas vislumbram para si.

Enquanto o background é formado pelos eventos que aconteceram na vida do

indivíduo, seu foreground é composto por eventos que poderiam vir a ocorrer. As

experiências vividas, certamente, influenciam em como podemos imaginar nosso

futuro, mas elas não necessariamente definem esse futuro. O foreground tem

referência em diferentes elementos e pessoas; os pais, os amigos, os sonhos, as

frustrações e o entendimento que se tem das oportunidades que se configuram na

sociedade fazem parte de sua elaboração. Skovsmose (2011) considera que o

foreground de uma pessoa é composto não somente por tendências estatísticas

decorrentes do background; mas é formado, também, pela interpretação das

possibilidades futuras.

Uma pessoa pode conceber diferentes conjuntos de aspirações, quer dizer, diferentes foregrounds, e seus antecedentes podem ter sido estruturados por conflitos. Certamente as aspirações de uma pessoa não requerem ser compatíveis com seus antecedentes. (SKOVSMOSE, 2012, p. 139).

45

Nessa perspectiva, o autor considera que as aulas de Matemática precisam

contemplar o foreground dos estudantes, não devendo ser estruturadas

exclusivamente em seus backgrounds.

Diversos pesquisadores vêm trabalhando diferentes perspectivas didáticas na

EM e alguns deles têm identificado que traços da EMC se fazem presentes em seus

resultados.

Investigações como a de Passos (2007) buscou articulações entre a EMC e

outras abordagens, nesse caso, em particular, com a Etnomatemática. A autora

considera que “[...] o caráter essencialmente cultural da Etnomatemática e o caráter

essencialmente político e social da EMC podem constituir-se em uma rica

contribuição à Educação Matemática” (PASSOS, 2007, p. 95), visto que a

contextualização do conhecimento matemático favorece a identificação e análise de

sua influência na vida das pessoas. A tomada de consciência desse fato, certamente

representa um passo adiante à Educação Matemática Crítica.

A Modelagem Matemática, em uma abordagem educacional empregando

cenários de investigação, como retratam Araújo (2002), Jacobini (2004) e Malheiros

(2004), também vem demonstrando grande potencial para promover a Educação

Matemática Crítica.

As atitudes crítico-reflexivas em relação à ciência, à tecnologia e à

Matemática e seus papéis na sociedade, foram alvo do estudo de Pinheiro (2005),

ao relacionar EMC com CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade).

Na educação de jovens e adultos, Ramos (2011) utilizou gráficos e tabelas

para promover análises críticas de temas próximos ao contexto dos alunos,

considerando seu solo pretérito e seus horizontes futuros. E Cabral (2007) buscou

mobilizar os conhecimentos dos alunos por meio do diálogo, sempre com ênfase ao

cotidiano.

Nessas pesquisas, observamos vários enfoques didáticos distintos nos quais

os autores identificaram potencialidades para o desenvolvimento da Educação

Matemática Crítica. O ponto de convergência destas investigações está relacionado

à valorização do contexto dos alunos; à promoção do ensino de Matemática a partir

46

de temas de interesse dos alunos. As atividades que envolveram Modelagem e as

dedicadas a análises estatísticas incorporam o aspecto investigativo proposto por

Skovsmose nos ambientes (2), (4) e (6). Já a valorização do diálogo e os estudos

sobre CTS enfatizaram os meios democráticos necessários à construção de uma

cultura democrática, tema relevante na Filosofia da Educação Matemática Crítica.

A partir dessas reflexões, na sequência apresentamos nossa pesquisa

segundo esse contexto literário.

2.4 Nossa Pesquisa nesse Contexto Literário

Motivados pelos textos de Skovsmose sobre a EMC e preocupados com o

distanciamento que os professores do Sudoeste do Paraná mantém em relação ao

uso das TIC nas aulas de Matemática, nossa pesquisa almeja investigar indícios que

poderiam confirmar ou não a possibilidade de favorecermos o desenvolvimento de

um ensino de Matemática segundo os princípios da EMC, quando da utilização das

TIC nas aulas de Matemática.

A partir da Filosofia da Educação Matemática Crítica proposta por

Skovsmose, destacamos os seguintes aspectos: o paradigma do exercício, o

absolutismo dos números através da ideologia da certeza, as relações de poder, a

democracia como papel sociopolítico da EMC, a matemacia, o foreground e o

background dos estudantes como pertinentes ao contexto da pesquisa.

Em relação às TIC, entendemos que, dependendo da forma como são

utilizadas, podem potencializar atitudes investigativas. Nesse aspecto, defendemos,

assim como Borba e Penteado (2003) que é preciso promover abordagens

pedagógicas que enfatizam a experimentação, a visualização, as simulações e os

problemas abertos.

Na perspectiva de desenvolver a EM tendo em mente as preocupações

levantadas pela EMC, consideramos alguns critérios que orientariam o professor

quando do planejamento de suas aulas. Também incorporamos a esses critérios, o

uso das TIC, tendo em vista que um dos objetivos dessa investigação é a busca por

indícios que remontem a um possível favorecimento a Educação Matemática Crítica

quando do uso de tais recursos:

47

Privilegiar atividades de caráter investigativo com ênfase na realidade;

Trabalhar com problemas abertos envolvendo situações reais;

Matematizar situações relevantes para os alunos (aos olhos dos alunos);

Utilizar as TIC como desencadeadoras de uma zona de risco;

Propor atividades que compreendam um ou mais conteúdos matemáticos

indicados para o respectivo ano escolar;

Explorar atividades que gerem e motivem discussões sobre como a

Matemática está envolvida na construção do contexto social em que estamos

inseridos.

2.4.1 Atividades de Caráter Investigativo com Ênfase na Realidade

Empregando a expressão “abordagens investigativas”, Alro e Skovsmose

(2006) se referem ao conjunto de metodologias que tem desafiado o paradigma do

exercício, como a proposição e a resolução de problemas, as abordagens temáticas

e o trabalho com projetos.

Os autores enfatizam que cenários para investigação

[...] são, por natureza, abertos. [...] Os alunos podem formular questões e planejar linhas de investigação de forma diversificada. [...] Num cenário para investigação, a fala: “O que acontece se...?” deixa de pertencer apenas ao professor e passa a poder ser dita pelo aluno também. E outra fala do professor, “Por que é dessa forma...?”, pode desencadear a fala do aluno “Sim, por que é dessa forma...?”.(ALRO; SKOVSMOSE, 2006, p. 56).

As investigações não devem ser impostas, pois tais atividades pressupõem o

envolvimento dos participantes. Desenvolvem-se por processos abertos em que

resultados e conclusões não são conhecidos de antemão.

Um cenário serve como um convite para que os alunos se envolvam em um processo de investigação. Contudo, um cenário somente se torna acessível se os alunos de fato aceitam o convite. As possibilidades de participar de um cenário para investigação dependem da qualidade das relações. Aceitar um convite depende da natureza do convite (a possibilidade de explorar e explicar assuntos de Matemática pura pode não ser muito atrativa para muitos alunos); depende do professor (um convite pode ser apresentado de várias formas e, para alguns alunos, um convite partindo do professor pode parecer uma ordem); e certamente depende dos alunos (eles podem ter outras prioridades no momento). (ALRO; SKOVSMOSE, 2006, p. 57-58).

Entendemos que investigar sobre atividades próximas da realidade dos

alunos é um facilitador ao aceite do convite para participar de processo investigativo,

48

favorecendo também o diálogo entre professor e aluno. Outro fator que julgamos

relevante, nesse caso, é a possibilidade de discutir sobre como a Matemática,

estudada em sala de aula, está presente nas estruturas sociais e políticas do

entorno dos alunos, ou seja, estamos considerando o background dos alunos. No

entanto, consideramos também importantes as investigações na semi-realidade e na

própria Matemática, visto que as realidades em que se encontram os alunos são

distintas e que algumas estruturas matemáticas talvez não possam ser

contempladas nessas realidades. Além disso, considerando o foreground, devemos

estar atentos às mais variadas linhas de interesse dos alunos, explorando ao

máximo seus focos de interesse.

2.4.2 Problemas Abertos Envolvendo Situações Reais

Os problemas abertos contrapõem-se ao paradigma do exercício. Os

tradicionais exercícios matemáticos, formulados de modo a apresentar todos os

elementos necessários aos cálculos e uma única opção de resposta, são geralmente

concebidos fora do, ou apenas para o ambiente escolar. Os autores dos livros

didáticos elaboram listas de exercícios, muitas vezes mecânicos, que pouco, ou

nada, têm a ver com a realidade dos alunos. Professores e alunos tomam contato

com os exercícios através do livro texto e sua resolução tem como principal, ou até

mesmo único, objetivo a fixação de um suposto conhecimento matemático. Neste

modelo, não cabem análises contextuais e questionamentos em relação à relevância

sociopolítica do processo desenvolvido.

Os problemas ditos abertos se caracterizam por admitirem diferentes formas

de resolução através da identificação de quais variáveis serão consideradas no

contexto do problema. Isso acarreta a necessidade de uma tomada de posição por

parte dos envolvidos na resolução. A discussão sobre a relevância ou não da

inclusão de uma determinada variável, passa a fazer parte da resolução, bem como

a análise do grau de precisão alcançado com os elementos e a metodologia

utilizada. Esses elementos podem contribuir para que se crie um ambiente de crítica

tanto do processo matemático utilizado quanto do emprego desta Matemática na

estruturação de um contexto sociopolítico, se for o caso.

49

A resolução de problemas é um tema amplamente debatido no âmbito da

Educação Matemática. Das diferentes abordagens, aquela que identificamos como

mais próxima da Filosofia da Educação Matemática Crítica é a defendida por

Allevato e Ferreira (2013). Com o Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática

através da Resolução de Problemas, os autores apresentam um roteiro para essa

metodologia, incluindo: preparação do problema; leitura individual; leitura em

conjunto; resolução do problema; observar e incentivar (professor); registro das

resoluções na lousa; plenária; busca do consenso; formalização do conteúdo. Os

problemas são propostos antes da apresentação formal do conteúdo matemático

necessário ou mais apropriado à resolução. Assim, o ensino-aprendizagem de um

novo tópico matemático começa com um problema que expressa aspectos chave

desse tópico. A partir disso, técnicas matemáticas devem ser desenvolvidas na

busca de respostas razoáveis ao problema dado. Os autores consideram como

problema tudo aquilo que não se sabe fazer, mas que se está interessado em fazer,

ou seja, não trabalham voltadas exclusivamente a problemas reais, mas como já

mencionamos anteriormente, faz parte da EMC transitar entre os diversos ambientes

de aprendizagem (Quadro 01, página 42).

Nossa investigação, mesmo tendo como público alvo os professores de

Matemática que já detinham algum conhecimento formal do conteúdo matemático

envolvido nos problemas propostos, abrangeu muitas das características da

metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação. As diferenças estão (1) no foco em

situações reais que adotamos e (2) na busca pelo papel sociopolítico,

desempenhado pelos conhecimentos matemáticos, aspectos estes que não estão

explicitados na metodologia de Ensino-Aprendizagem-Avaliação de Matemática

através da Resolução de Problemas.

A ênfase em situações reais está de acordo com o proposto na obra

Educação Matemática Crítica de Skovsmose (2001). “Para que tenhamos um ensino

crítico, os “problemas não devem pertencer à ‘realidade de faz-de-conta’ sem

nenhuma significação exceto como ilustração da Matemática como ciência das

situações hipotéticas” (SKOVSMOSE, 2001, p. 24). Ressalte-se que quando

analisamos contextos reais, os questionamentos geralmente não se restringem a

operações matemáticas isoladas, ao contrário, despertam interesses ou enfoques

diferentes, admitindo mais de um ponto de vista na análise.

50

2.4.3 Situações Relevantes para os Alunos (aos olhos dos alunos)

O que os alunos consideram relevante, somente eles podem dizer. Então,

[...] os professores podem questionar os estudantes sobre os problemas que os preocupam no trabalho, sobre as atividades fora do trabalho que lhes interessam, sobre tópicos que eles gostariam de conhecer com mais profundidade, e assim por diante. [...]. Então, a contribuição do professor pode ser, ligar os problemas dos alunos a uma investigação das ideologias hegemônicas relacionadas. (FRANKENSTEIN, 1987, p. 127).

Considerando a necessidade de aproximar a Educação Matemática da

Educação Crítica, Skovsmose (2001) considera duas estratégias: tematização e

organização em projetos, e propõe a seleção de problemas segundo os seguintes

critérios:

1) Deveria ser possível para os estudantes perceber que o problema é de importância. Isto é, o problema deve ter relevância subjetiva para os estudantes. Deve estar relacionado a situações ligadas às experiências deles.

2) O problema deve estar relacionado a processos importantes na sociedade.

3) De alguma maneira e em alguma medida, o engajamento dos estudantes na situação-problema e no processo de resolução deveria servir como base para um engajamento político e social (posterior). (SKOVSMOSE, 2001, p. 34).

Ambos os autores consideram a relevância de o estudante perceber a função

da Matemática no contexto em que está engajado. Da mesma forma, Valero e

Skovsmose (2012) também se referem à contextualização como uma forma de

convite ao exame crítico do papel sociopolítico da Matemática.

A contextualização não é simplesmente um aparato motivacional, ainda que possa ser. É uma condição para estabelecer uma discussão sobre como a Matemática pode operar como fonte de poder no sentido sociológico, porque convida a um exame crítico sobre como a Matemática de fato opera. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 50)

Dentre os seis ambientes de aprendizagem destacados por Skovsmose

(2008), o cenário para investigação com referência na realidade é o que mais se

aproxima dessa forma de ver a Matemática. Buscar nas experiências dos alunos, em

seus background, e também em seus interesses, seus foreground, elementos

desencadeadores do processo de construção do conhecimento matemático

provavelmente traga motivação, mas, mais do que isso, contribuirá para o

51

reconhecimento da Matemática como um importante agente na construção e na

manutenção dos modelos sociais em que estamos inseridos.

Ao contextualizar o ensino de Matemática, buscando identificar no escopo dos

interesses dos alunos, em seu foreground, a Matemática que os fundamenta, trará

para a sala de aula diferentes necessidades com relação aos conteúdos previstos

para a disciplina no respectivo período escolar. Caberá ao professor a tarefa de

gerenciar o atendimento a esses interesses e às necessidades curriculares

estabelecidas para cada ano escolar. Contudo, decisões deverão ser tomadas.

Possivelmente alguns conteúdos serão abordados com menor ênfase enquanto

outros exigirão aprofundamentos. O professor deverá se posicionar criticamente

frente ao currículo, que provavelmente não seguirá uma estrutura linear de

encadeamento de ideias:

Ainda que o enfoque particular e os propósitos da onda da Matemática Moderna quase tenham desaparecido dos currículos escolares, prevalece na prática a ideia de que os currículos matemáticos consistem em uma lista de ideias matemáticas poderosas e temas essenciais que devem ser aprendidos. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 37).

Essa constatação dos autores nos mostra o quão difícil pode ser essa tarefa.

No entanto, se nós, professores de Matemática, almejamos um ensino crítico,

necessariamente deveremos nos posicionar também criticamente em relação ao que

ensinamos.

A seguir consideramos três aspectos com grande potencial para contribuírem

com a EMC, os quais estão estreitamente vinculados à utilização das TIC no ensino.

2.4.4 TIC como Desencadeadoras de uma Zona de Risco

Assim como Penteado (1999), Villarreal (1999), Miskulin (1999), Borba e

Penteado (2002, 2003), Allevato (2005), Miskulin et al. (2006) e Penteado e

Skovsmose (2008) já enfatizaram a importância do uso das TIC nas aulas de

Matemática, grande parte das pesquisas em educação ligadas à Educação

Matemática também reconhecem o potencial desses recursos quando adotados de

modo a reestruturar o pensamento do professor e dos alunos no processo de

construção do conhecimento matemático.

52

No entanto, mesmo superadas as desconfianças que haviam, nas décadas

passadas, com relação à adequação ou às vantagens do uso das TIC nos

ambientes educacionais, percebe-se, ainda agora no século XXI, a dificuldade em

integrar esses recursos às aulas de Matemática. Muitos professores alegam falta de

conhecimento sobre como utilizá-las, além de manifestarem receio de que ficariam

expostos a questionamentos para os quais não teriam respostas, e de não saberem

como “controlar” os alunos no laboratório de informática.

Esses e outros motivos podem levar o professor a integrar as TIC em suas

aulas em uma perspectiva de “adequação”, enquadrando esses recursos em uma

prática tradicional, repetindo atividades próprias para serem realizadas com lápis e

papel, agora com um aparato tecnológico, como já haviam constatado Penteado

(2001, p. 170) e Borba e Penteado (2002, p. 247).

Valero e Skovsmose (2012, p. 127) consideram que “os computadores nas

aulas de Matemática têm contribuído para estabelecer novos cenários de

investigação”. Mas consideram que o professor precisa estar disposto a entrar em

uma zona de risco.

Mover-se através dos diferentes ambientes de aprendizagem e prestar atenção aos cenários de investigação pode causar um alto grau de incerteza. [...] de maneira imediata, o computador questionará a autoridade do professor de Matemática (tradicional). Os estudantes que trabalham, por exemplo, com geometria dinâmica, facilmente vão enfrentar situações e experimentar possibilidades não previstas pelo professor como parte do plano de aula. [...] O professor deve sempre estar pronto para responder perguntas que não têm uma resposta fácil. Sua autoridade tradicional pode romper-se em segundos. (VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 128).

Incerteza e imprevisibilidade são características da zona de risco. Penteado

(2001) propõe o conceito ao analisar uma experiência de introdução de

computadores em um colégio brasileiro. Observando como as professoras reagiram

e se adaptaram à inclusão dos computadores em suas rotinas escolares, relacionou

a zona de risco com o enfrentamento à obsolescência em relação a conhecimentos

e mesmo ao vocabulário; com a necessidade de rever a estrutura e organização da

sala de aula incorporando novas regras; com a perda de controle ou domínio sobre o

conhecimento e também com a perda de autonomia. Portanto, a zona de risco é um

ambiente de aprendizagem no qual o professor não tem o controle absoluto do que

pode ou não ocorrer. O professor deverá, a todo momento, tomar decisões e se

53

posicionar perante questionamentos para os quais não terá respostas prontas. Por

isso, o trabalho docente estará envolto em incertezas e imprevisibilidades.

Mas, por que deixar de trabalhar em um ambiente controlado e seguro para

aventurar-se em uma zona de risco? Para promover a “autonomia intelectual,

caracterizada em termos da consciência dos estudantes e do desejo de confiar em

suas capacidades intelectuais ao tomar decisões e fazer juízos matemáticos”.

(COBB; YACKEL, 1998, p.170, apud VALERO; SKOVSMOSE, 2012, p. 129). Valero

e Skovsmose (2012) consideram, ainda, que a autonomia intelectual pode associar-

se às atividades de exploração e explicação que os cenários de investigação

promovem e que são bastante favorecidas pela utilização das TIC.

Assim, o professor que deseja a Educação Matemática Crítica, precisa estar

disposto a adentrar a zona de risco, que não está caracterizada exclusivamente no

uso de computadores, mas em toda investigação matemática que se desenvolva no

contexto educacional. Os ambientes de aprendizagem caracterizados por (2), (4) e

(6) do Quadro 01 (página 42) correspondem aos cenários de investigação em que o

aluno é convidado a formular perguntas e buscar explicações sobre os mais diversos

pontos de vista que possam ser estabelecidos na atividade. Isso contrasta com o

paradigma do exercício. Embora nesse último o aluno também possa formular

perguntas e buscar explicações, tais perguntas, ficam limitadas a procedimentos

matemáticos, algoritmos e caminhos corretos ou não de resolução. Tal resolução

possibilitará ao aluno chegar à resposta pré-definida como correta, em decorrência

da forma como a atividade é estruturada. Nos ambientes de aprendizagem pautados

no paradigma do exercício, não há espaço para incertezas. O professor conhece de

antemão a resposta e pelo menos um caminho que o leve a ela. As investigações,

ao contrário, expõem o professor à imprevisibilidade, à incerteza. Não será possível

prever todas as perguntas que surgirão, tampouco as respostas “mais adequadas”;

por isso consideramos que o professor atuará em uma zona de risco.

Na presente investigação, o uso das TIC é considerado na zona de risco, ou

seja, as atividades são pensadas pelo professor como um ponto de partida para as

investigações dos alunos e do próprio professor, não havendo um roteiro rígido a

cumprir e uma “única” resposta correta que todos devem buscar. Defendemos que o

54

professor, quando do planejamento de suas aulas, tendo em vista a EMC, englobe

as TIC como uma forma de estimular e favorecer o uso de:

simulações;

múltiplas representações; e

abordagens que exploram aspectos de difícil execução via papel e lápis.

2.4.4.1 Simulações

As simulações permitem, ao professor e aos alunos, explorarem as

potencialidades e características de modelos matemáticos, podendo, inclusive,

subsidiar a construção de novos modelos mediante ajustes contínuos.

Diferentes conceitos, para simulações, são encontrados na literatura.

Simulação é, em geral, entendida como a “imitação” de uma operação ou de um processo do mundo real. A simulação envolve a geração de uma “história artificial” de um sistema para a análise de suas características operacionais.(MIYAGI, 2006, p. 1)

Simulação Digital são os modelos matemáticos ou lógicos implementados em computador digital através de funções (relações) que são discretizadas no tempo. Também estão incluídos os modelos utilizando tabelas, curvas, banco de dados, etc.(TRIVELATO, 2003, p. 17)

[...] as simulações computacionais serão neste texto consideradas como experimentos realizados a partir de modelos, por meios tecnológicos, de propriedades e comportamentos de objetos ou fenômenos. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 3)

Executadas a partir de modelos matemáticos, as simulações fornecem dados

para tomada de decisões, decisões pautadas na Matemática. De acordo com

(BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 3) “Simulações assumem o papel

de permitir uma análise das consequências e dos reflexos de decisões, criações de

instrumentos, alterações no meio, dentre outras ações”. Os autores ressaltam a

importância das simulações por meio de computadores como uma forma de reduzir

custos, permitindo produzir informações sem os gastos com experiências reais.

Permitem, também, testar hipóteses para as quais testes reais seriam inviáveis,

antiéticos ou perigosos. Consideram, ainda, que simulações permitem simplificar

situações e focalizar as observações sobre certos fenômenos, eliminando outros que

podem não ser pertinentes. O ponto de vista desses autores enfatiza aspectos como

55

economia, viabilidade, ética e periculosidade. Sem dúvida, esses aspectos são

relevantes e determinantes nas opções por simulações.

Quanto à uma abordagem educacional, sugerem a investigação, por parte do

aluno, do modelo que foi programado para simular os fenômenos, a partir da

observação das propriedades do objeto, por meio da experimentação do modelo. As

simulações com computadores

[...] permitem trazer para a sala de aula experiências que por diversas razões não seriam possíveis nas suas versões “concretas”. Elas oferecem também a possibilidade de dar acesso aos alunos a modelizações que seriam complexas demais sem as reduções possíveis das simulações pré-programadas. Com simulações virtuais, não temos mais as limitações das experiências reais e podemos multiplicar as experiências com condições iniciais diferentes, medir múltiplos dados e simular em alguns minutos fenômenos que exigiriam muito mais tempo nas condições reais. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 4)

E com relação à Matemática e seu ensino,

[...] essa visão da simulação como sistema de representação dinâmica de um modelo é interessante porque ela fornece um meio experimental de abordar a construção de conhecimentos. Com simulações, podemos conduzir o aluno a construir modelos matemáticos a partir da exploração de comportamentos de objetos e fenômenos. (BELLEMAIN; BELLEMAIN; GITIRANA, 2006, p. 5)

Esse enfoque prioriza os aspectos formais do modelo, ou seja, traz uma visão

formalista, ao mesmo tempo em que considera aplicações matemáticas em que se

identifica uma relação com o pragmatismo. Ou seja, na Filosofia da Educação

Matemática Crítica, essa forma de encarar as simulações, mesmo sendo

considerada um avanço significativo no ensino de Matemática, ainda se enquadra no

padrão tradicional com forte presença da ideologia da certeza.

Partindo do fato de que modelos matemáticos representam aspectos da

realidade em linguagem matemática e que esse conhecimento não é neutro,

apolítico e inofensivo, poderíamos, então, incluir alguns questionamentos: “a que

parte da realidade o modelo é endereçado?”, “que matemática é usada na

construção do modelo?”, “quão bem o modelo representa a realidade?”

(SKOVSMOSE, 2007, p. 108). Borba e Skovsmose (2001) consideram que por meio

de modelos matemáticos nos tornamos capazes de “projetar” uma parte do que se

torna realidade. Ao tomarmos decisões baseadas em modelos matemáticos, a

Matemática molda a realidade. Se a Matemática, em um certo contexto de

modelagem, exerce um poder formatador, então, devemos perguntar: “o que é feito

56

por meio dessa modelagem?”, “que ações sociais e tecnológicas são realizadas?”,

“quais são as implicações sociais, políticas e ambientais dessas ações?”. (BORBA;

SKOVSMOSE, 2001, p. 135).

Por meio da Matemática podemos falar sobre “pedaços” da realidade, o que é

muito útil. Mas não devemos esquecer que ao analisar a realidade com base nesses

“pedaços”, estamos em um contexto mágico, onde a Matemática se encaixa

perfeitamente podendo oferecer a melhor solução. No entanto, por se tratar de um

“pedaço”, muitas informações não são consideradas. Para a EMC, é de fundamental

importância, a análise dos modelos segundo o ponto de vista e os interesses de

quem faz parte da realidade que será influenciada pelo modelo. Assim, existe a

importância econômica, ética, social, política, ambiental, etc.

Contrapondo-se à ideologia da certeza, Borba e Skovsmose (2001) sugerem

que:

Os educadores matemáticos com uma perspectiva crítica deveriam tentar ensinar Matemática de uma forma que mostrasse:

a) que este “corpo de conhecimentos” é apenas um entre muitos;

b) as simplificações feitas no processo de matematização. (BORBA; SKOVSMOSE, 2001, p. 133).

Consideramos, portanto, que as simulações correspondem a um importante

mecanismo de promoção do ensino e da aprendizagem matemática. No entanto,

para que esse ensino e essa aprendizagem sejam críticos, julgamos fundamental a

análise do modelo matemático, base da simulação, tanto em relação aos

fundamentos matemáticos quanto em relação às implicações sociopolíticas que

poderá acarretar.

2.4.4.2 Múltiplas Representações

Considerando que o conhecimento é produzido por um coletivo formado por

seres-humanos-com-mídias, Borba (2001) busca justificativas para suas afirmações

na noção de “reorganização do pensamento” (TIKHOMIROV,1981, apud BORBA,

2001, p. 137). Esses autores veem o caminhar da humanidade repleto de mídias,

dentre elas, a oralidade, a escrita e as tecnologias de informação e comunicação.

Para eles, o surgimento da escrita e sua popularização teriam contribuído para a

57

geração de conhecimentos, entre outras coisas, pelo aumento na capacidade de

armazenamento de informações. Ressalte-se que a escrita “enfatiza e permite que a

linearidade do raciocínio apareça” (BORBA, 2001, p. 138). As tecnologias digitais,

por sua vez, possibilitam um novo e surpreendente aumento na capacidade de

armazenamento e transmissão de informação, permitindo que a linearidade de

raciocínios seja desafiada por modos de pensar baseados na simulação, na

experimentação e em uma nova linguagem que envolve escrita, oralidade, imagens

e comunicação instantânea. Mudanças no modo de raciocinar quando se utiliza uma

mídia, no caso computadores e softwares de Matemática, também foram verificadas

por Villarreal (1999) em experimentos com alunos em que diferentes formas de

representação como algébrica, gráfica e numérica induziam a diferentes raciocínios

e argumentações em relação à Matemática envolvida.

Borba e Villarreal (2005) analisam a produção de conhecimentos através da

relação “humanos-com-mídias”. Nesse contexto discutem, a importância das

múltiplas representações no ensino e na aprendizagem matemática atribuindo à

visualização um papel relevante:

A visualização é uma alternativa de acesso ao conhecimento matemático;

A compreensão de conceitos matemáticos requer múltiplas representações;

A visualização como parte da atividade matemática, é uma forma de resolver problemas. (BORBA; VILLARREAL, 2005, p. 96) (tradução nossa).

Também encontramos em Borba (1994), um modelo para identificar e

sistematizar as características da construção do conhecimento em ambientes de

representação múltipla, identificados nas figuras 01 e 02.

58

Figura 1 - Epistemologia das Representações Múltiplas Fonte: Borba (1994, p. 16)

Esse mapa conceitual mostra a primeira parte de um modelo que enfoca as

regularidades e/ou discrepâncias encontradas na análise de um fenômeno. Diversas

formas de expressão como gráficos, álgebras e tabelas possibilitam a identificação

de regularidades e discrepâncias na formulação de regras sobre um fenômeno.

Na segunda parte, figura 2, o modelo enfatiza o papel da pergunta "Por que",

provocando a necessidade de justificar as regras formuladas a partir das diferentes

formas de expressão. Também destaca o processo de busca por explicações

mútuas entre as várias formas de representação.

59

Figura 2 - Epistemologia das Representações Múltiplas - Segunda Parte Fonte: Borba (1994, p. 17)

Com a epistemologia das representações múltiplas, Borba (1994) destaca a

importância da utilização de diferentes formas de expressão em Matemática para a

compreensão do fenômeno ou objeto analisado.

Em relação à EMC, as múltiplas representações poderão contribuir, além do

já identificado por Borba (1994), Villarreal (1999) e Borba e Villarreal (2005), com o

atendimento aos diferentes perfis cognitivos. “A EMC deve sempre estar vinculada

às questões de igualdade, e, por conseguinte, deve tentar considerar a natureza dos

obstáculos de aprendizagem que os diferentes grupos de estudantes podem

enfrentar” (SKOVSMOSE, 2007, p. 76). Além disso, as múltiplas representações são

consideradas em ambientes informatizados, e:

60

O uso dos softwares matemáticos agiliza processos algébricos, e por exemplo, pode proporcionar atividades de reflexão, como mudanças de parâmetros das funções, além de permitir visualização gráfica. Podem proporcionar um ambiente de investigação por parte dos alunos, e não simplesmente uma forma ágil de obter respostas. [...] através de manipulação de parâmetros, os alunos podem experimentar, ter a sensação de interação com o problema estudado. O software matemático utilizado nas etapas de modelagem matemática amplia e abre novas vias de exploração através da representação da informação sob muitas formas (gráficos, tabelas, expressões algébricas e números). Esta importância ocorre sobretudo nas fases de aperfeiçoamento e validação dos modelos, pela facilidade da variação de parâmetros e na generalização de comportamento funcional.(GUIMARÃES, 2002. p. 3).

Ocorre, portanto, a promoção do ensino e da aprendizagem matemática em

uma zona de risco que é favorável ao desenvolvimento crítico.

2.4.4.3 Abordagens que Exploram Aspectos de Difícil Execução via Papel e

Lápis

Ao pensarmos em EMC, devemos ser críticos em todos os aspectos, inclusive

em relação ao uso que fazemos dos instrumentos de ensino de que dispomos.

Com os recursos básicos, papel e lápis, pode-se desenvolver o ensino e a

aprendizagem matemática, no entanto algumas dificuldades se apresentam,

principalmente com relação a representações gráficas e geométricas. Tais

dificuldades podem acabar desestimulando um enfoque pedagógico voltado a

múltiplas representações e a simulações, dentre outros.

O uso das TIC pode contribuir, por exemplo, para amenizar as dificuldades

com as múltiplas formas de representações possíveis em Matemática. No entanto,

considerar esses recursos apenas como facilitadores para a realização de cálculos e

representações seria um enfoque bastante limitado dentre as possibilidades que tais

tecnologias oferecem. Não pensamos nas TIC como simples facilitadores do que já

somos capazes de realizar com outras tecnologias, como lápis e papel. As TIC

podem contribuir com a EMC, mas para isso não se deve “domesticar” esses

recursos:

Aula expositiva, seguida de exemplos no computador, parece ser uma maneira de domesticar essa mídia. A forma de evitar isso seria a escolha de propostas pedagógicas que enfatizem a experimentação, visualização, simulação, comunicação eletrônica e problemas abertos. (BORBA; PENTEADO, 2003, p. 88)

61

Allevato, Onuchic e Jahn (2010), ao considerarem a utilização do computador

no ensino e na aprendizagem matemática na perspectiva da resolução de

problemas, comentam sobre um experimento de ensino no qual se pode observar

que “a repetição de um procedimento, ou de um mesmo tipo de problema, não leva,

necessariamente, à compreensão do conteúdo, ou do conceito envolvido na

atividade, ou mesmo à aprendizagem”. (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p.

195). As autoras também destacam que:

[...] novos elementos devem ser considerados pelo professor, ao elaborar problemas para serem resolvidos pelos alunos com a utilização de computadores: O que se pretende que os alunos aprendam com o problema? Quais sub-habilidades são exigidas para sua resolução? Que tipo de problema e quais questões devem ser elaboradas para que os alunos atinjam o objetivo proposto? Quais os conhecimentos instrumentais necessários para o uso dos recursos? (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p. 195)

A utilização das TIC nas aulas de Matemática pode potencializar as ações

dos alunos e do professor. No entanto, isso só ocorre se os envolvidos se engajarem

em uma proposta pedagógica em que é preciso muitas vezes abrir mão das certezas

que caracterizam o paradigma do exercício. O treinamento exaustivo de algoritmos

deverá dar espaço a outras formas de raciocínio, como aqueles construídos a partir

de simulações e interpretações gráficas:

De fato, a introdução das TIC no ensino de Matemática dá um novo sentido à noção de atividade matemática para os alunos e, consequentemente, à noção de problema. O grande potencial das ferramentas computacionais (calculadoras, planilhas eletrônicas, sistemas de geometria dinâmica ou computacionais geométricos), disponibilizadas em sala de aula, pode confrontar os alunos com problemas mais complexos, menos usuais, mais interessantes e ricos do ponto de vista da aprendizagem. (ALLEVATO; ONUCHIC; JAHN, 2010, p. 206)

Confrontar os alunos com problemas menos usuais, é um convite para irmos

além dos exercícios padrão do livro didático. Na perspectiva da Filosofia da

Educação Matemática Crítica, entendemos a utilização das TIC com o objetivo de

construção de diferentes formas de análise e interpretação do conhecimento

matemático, tanto no entendimento da própria estrutura matemática, quanto como

instrumento de investigação das possíveis ligações entre os conceitos matemáticos

e das ações sociopolíticas neles fundamentadas.

62

2.4.5 Discussões sobre as Relações da Matemática com o Contexto Social

Com que objetivo ensinamos Matemática aos nossos alunos?

[...] um dos objetivos da educação deve ser preparar para uma cidadania crítica. [...] a educação deve visar mais do que as condições para possibilitar a entrada no mercado de trabalho. A educação deve preparar os alunos para a vida (política) na sociedade. (SKOVSMOSE, 2001, p. 87).

As considerações de Skovsmose destacam o dever da educação de preparar

os alunos para a vida na sociedade. Mas, então, qual é o papel da Educação

Matemática nessa formação? Em que sentido, nós professores, estamos

contribuindo com o desenvolvimento da capacidade de participar em sociedade?

Destacamos na Filosofia da Educação Matemática Crítica alguns aspectos do

quadro atual do ensino de Matemática onde prevalece o paradigma do exercício, a

ideologia da certeza e o poder formatador da Matemática que podem contribuir para

uma formação destinada ao cumprimento de ordens e ao desenvolvimento da

capacidade de realização de tarefas rotineiras. Tais aspectos podem estar presentes

no cotidiano das aulas de Matemática, mesmo sem que o professor se aperceba

disso, porque trata-se da tradição no ensino de Matemática.

Questionar essa tradição faz parte dos objetivos da EMC. Para isso, é preciso

que o professor promova o estudo dos conteúdos matemáticos considerando

aspectos que vão além da própria Matemática. Deve exercitar a reflexão sobre os

efeitos da aplicação da Matemática na sociedade, discutindo de que maneira esse

conhecimento interfere em nossas vidas, moldando estruturas sociopolíticas e

econômicas.

Para estimular o pensamento reflexivo, Skovsmose formula uma série de

questões que deveriam ser consideradas em um ensino crítico:

[...] poderíamos fazer perguntas como: fizemos os cálculos adequados? É possível escolher entre algoritmos diferentes? O algoritmo é confiável em todas as circunstâncias? É sólido? [...] usamos o algoritmo apropriado? O algoritmo é confiável para a busca de nossos objetivos?

É importante introduzir um método formal? Poderíamos encontrar a solução sem a Matemática? O resultado baseado em um cálculo matemático é mais ou menos confiável do que interpretações intuitivas da situação em questão? (SKOVSMOSE, 2001, p. 90).

63

São questões que estimulam um posicionamento crítico tanto frente ao

conhecimento matemático quanto frente ao contexto em análise.

Para que isso ocorra, as aulas de Matemática devem conter atividades que

contemplem situações reais da realidade em que se encontram os alunos. Não é o

caso de limitar o ensino de Matemática ao que se passa no entorno dos alunos, mas

considerar esse entorno, analisando-o segundo a influência da Matemática. Seria o

ponto de partida para a tomada de consciência a respeito do papel desempenhado

por essa disciplina na formação do cidadão.

As atividades que geram e motivam discussões sobre o papel desempenhado

pela Matemática seguramente não pertencem ao paradigma do exercício.

Defendemos que tais atividades devem ser discutidas com os alunos. É preciso que

o professor identifique em que os alunos estão interessados: o que faz parte de suas

realidades? Em que fundamentam seus horizontes futuros? Com isso, poderá

estruturar suas aulas discutindo o presente, com vistas nas perspectivas de futuro

que os alunos consideram ou àquele que a sociedade lhes oferece ou possibilita.

Nesse capítulo trouxemos uma revisão da literatura a respeito da EMC, tendo,

nas obras de Ole Skovsmose nossa principal referência. Focamos o paradigma do

exercício, a ideologia da certeza, a Matemática em ação, a matemacia, o foreground

e a democracia como papel sociopolítico da EM por serem esses os aspectos mais

presentes em nossa investigação. Também identificamos como a presente pesquisa

se relaciona com a EMC e com as TIC. No próximo capítulo abordaremos a

formação continuada de professores que ensinam Matemática, trazendo referências

sobre a EMC na formação continuada e as TIC nesse mesmo sentido.

64

65

CAPÍTULO 3 - FORMAÇÃO CONTINUADA DOS PROFESSORES

QUE ENSINAM MATEMÁTICA

Nesse capítulo vamos abordar a formação continuada de professores que

ensinam Matemática tendo em vista a EMC, o uso das TIC e a política pública do

estado do Paraná para a formação continuada dos professores da rede estadual de

ensino básico.

3.1 Formação Continuada dos Professores

A formação continuada dos professores que ensinam Matemática é concebida

e desenvolvida sob distintos enfoques e denominações. Tradicionalmente são

oferecidos cursos de capacitação em que geralmente os conteúdos disciplinares e

conhecimentos para a prática docente são abordados. No entanto, atualmente, uma

nova abordagem vem ganhando evidência. A formação docente em termos de

desenvolvimento profissional:

[...] consideramos a formação docente numa perspectiva de formação contínua e de desenvolvimento profissional, pois pode ser entendida como um processo pessoal, permanente, contínuo e inconcluso que envolve múltiplas etapas e instâncias formativas. Além do crescimento pessoal ao longo da vida, compreende também a formação profissional (teórico-prática) da formação inicial — voltada para a docência e que envolve aspectos conceituais, didático-pedagógicos e curriculares — e o desenvolvimento e a atualização da atividade profissional em processos de formação continuada após a conclusão da licenciatura. A formação contínua, portanto, é um fenômeno que ocorre ao longo de toda a vida e que acontece de modo integrado às práticas sociais e às cotidianas escolares de cada um, ganhando intensidade e relevância em algumas delas. (PASSOS et al. 2006, p. 195).

Foi a partir da década de 1990, que as pesquisas sobre formação docente

passaram a considerar, além dos aspectos acadêmicos, o desenvolvimento pessoal,

profissional e organizacional da profissão, mobilizando os saberes dos professores

para promover seu desenvolvimento profissional através da reflexão, da colaboração

e da investigação, da e na própria prática. Especificamente, com relação aos

trabalhos colaborativos, a meta-análise de Passos et al. (2006) identificou resultados

favoráveis ao desenvolvimento profissional. No entanto, deixa claro tratar-se de um

processo contínuo de formação envolvendo um pequeno grupo de professores que

66

necessitam de condições materiais e de tempo para que possam participar de modo

efetivo no grupo.

A seguir, abordaremos a formação continuada do professor que ensina

Matemática com relação a EMC.

3.2 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com Relação à

Educação Matemática Crítica.

A EMC vem sendo discutida em muitas frentes. Entre outras, Araújo (2009)

relaciona EMC com uma abordagem sócio-crítica da Modelagem Matemática, Melo e

Chrispino (2013) refletem sobre a não-neutralidade dos modelos matemáticos

através de atividades voltadas ao Ensino Médio, e Fernandez (2010) discute o

conhecer reflexivo, o conhecer tecnológico e o conhecer matemático envolto nas

práticas de alguns professores venezuelanos. No entanto, são raras as pesquisas

que tratam da EMC na formação continuada de professores que ensinam

Matemática.

Uma delas está vinculada a um projeto de formação continuada junto aos

professores de um colégio de Bogotá – Colômbia. Os pesquisadores Bustos, Ortiz e

Arias (2012) apresentam uma experiência de planejamento de cenários de

investigação através do trabalho colaborativo. O objetivo da formação era o

planejamento de atividades que envolvessem o desenvolvimento do pensamento

crítico por parte dos alunos. O enfoque teórico da EMC, por ser novidade para os

professores em formação continuada, foi abordado por meio de textos, relatórios,

debates e questionamentos entre o grupo composto por pesquisadores e

professores. Uma das questões sobre as quais o grupo refletiu foi: o que motiva os

estudantes a irem para a escola? Isso os levou às seguintes questões: Quem são

nossos alunos? Quais são seus interesses? Que problemáticas vivem?

Tais reflexões os levaram a considerar no planejamento atividades que, em

primeira instância, não atenderiam à grade curricular; ao contrário, deveriam estar

estruturadas de tal forma que permitissem identificar os interesses dos alunos. Para

identificar esses interesses, percorreram, juntamente com alguns alunos, o bairro

onde se localizava a escola para identificar situações e locais significativos aos

67

alunos. A partir dessa identificação, o grupo passou a planejar alguns cenários de

investigação tendo em vista as seguintes características:

relação com outras áreas;

inclusão das problemáticas dos estudantes;

ser do interesse dos alunos do 7º ano;

fomentar o desenvolvimento do pensamento crítico dos estudantes.

No planejamento dos cenários foi envolvida a Modelagem Matemática

englobando os ambientes de aprendizagem propostos por Skovsmose (2008). O

projeto buscava melhorar a compreensão dos problemas que circundam o contexto

cotidiano dos alunos.

Os autores apresentam alguns dos cenários planejados e concluem que a

reflexão, sobre a própria prática é fundamental para o desenvolvimento do projeto.

Também destacam a importância de se fazer o reconhecimento do contexto, das

dificuldades e potencialidades dos alunos para que se possa efetivamente pensar

em ambientes de aprendizagem que envolvam as problemáticas e interesses dos

alunos.

Como dissemos anteriormente, são raras as investigações que abordam a

EMC na formação continuada e esta experiência na Colômbia chama a atenção para

o distanciamento entre os professores em exercício e a filosofia da EMC, da mesma

forma que sugere um caminho para uma aproximação.

Na próxima seção traremos outro aspecto que, ao contrário, tem sido

bastante explorado no âmbito da formação de professores, qual seja, o uso das

tecnologias de informação e comunicação nas práticas de sala de aula.

Abordaremos a formação continuada do professor que ensina Matemática, com

relação ao uso das TIC.

3.3 Formação Continuada do Professor que Ensina Matemática com Relação

ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação.

O uso das TIC no processo de formação continuada do professor que ensina

Matemática está presente, entre outras, nas pesquisas de Bovo (2004), Costa

68

(2004), Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010) e Gregio e Bittar

(2012). Esses autores destacam aspectos como a falta de integração das TIC nas

atividades didáticas dos professores de Matemática; a falta de preparo, por parte

dos professores, para essa integração; o descompasso entre as concepções das

políticas públicas e a forma de implantação das mesmas; o trabalho colaborativo e o

desenvolvimento profissional.

Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008) consideram que os professores de

Matemática, dos vários níveis de ensino, em formação inicial ou continuada, não têm

efetivamente integrado as TIC em suas práticas:

Acreditamos que a verdadeira integração da tecnologia somente acontecerá quando o professor vivenciar o processo e quando a tecnologia representar um meio importante para a aprendizagem. Falamos em integração para distinguir de inserção. Essa última para nós significa o que tem sido feito na maioria das escolas: coloca-se o computador nas escolas, os professores usam, mas sem que isso provoque uma aprendizagem diferente do que se fazia antes e, mais do que isso, o computador fica sendo um instrumento estranho à prática pedagógica, usado em situações incomuns, extra classe, que não serão avaliadas. Defendemos que o computador deve ser usado e avaliado como um instrumento como qualquer outro, seja o giz, um material concreto ou outro. E esse uso deve fazer parte das atividades “normais” de aula. (BITTAR; GUIMARÃES; VASCONCELLOS, 2008, p. 86).

Para vivenciar o processo de integração das tecnologias, os professores

necessitam apoio e preparação. Isso deveria acontecer tanto na formação inicial

quanto na continuada. Os autores consideram que a formação continuada deve

oferecer essa vivência com tempo suficiente para atender às necessidades dos

professores e para o amadurecimento de discussões que envolvam os problemas

por eles enfrentados no dia-a-dia:

Um professor, do Ensino Fundamental ou Médio, resolve fazer uso da tecnologia com seus alunos. Onde ele procurará ajuda, caso necessite? Que tipo de material ele tem disponível sobre o uso das novas tecnologias em sala de aula? Como ele poderá escolher o produto tecnológico a ser usado? Quando e como utilizar a informática com seus alunos? Ou seja, em que momento da aprendizagem e que tipo de atividades propor aos alunos de modo a contribuir com essa aprendizagem? (BITTAR; GUIMARÃES; VASCONCELLOS, 2008, p. 86).

Esses questionamentos são pertinentes, visto que vários pesquisadores da

Educação Matemática como Dullius, Haetinger e Quartieri (2010), em Santa

Catarina; Bovo (2004), em São Paulo; Bennemann e Allevato (2012a), no Paraná; e

Gregio e Bittar (2012), no Mato Grosso do Sul constataram, através de suas

investigações, que os professores pouco têm utilizado ou até mesmo não tem

69

utilizado as TIC em suas aulas de Matemática porque consideram-se despreparados

para isso. Embora já tenham sido realizadas várias pesquisas que apontam

possíveis caminhos para a integração das TIC as aulas de Matemática, os

professores em exercício não tomam contato com esses estudos, evidenciando uma

falha de comunicação entre os programas de pesquisas e os programas de

formação continuada desenvolvidos no país.

Ao analisar os programas de formação continuada para a inserção das TIC no

ensino do estado de São Paulo, Bovo (2004) identificou “tensões” entre a proposta

oficial do governo do estado e sua efetiva implantação:

[...] os objetivos estão bem definidos nos documentos oficiais: espera-se que, com a inserção da informática na educação, os professores possam rever suas concepções e práticas pedagógicas, transformando-as. No entanto, as ações praticadas nas oficinas, muitas vezes, não iam ao encontro das práticas inovadoras e possuíam características tradicionais muito fortes.

Apesar de aparecer a questão da reflexão nos documentos oficiais, dentre eles a apostila, foram raros os momentos em que os professores-alunos refletiram durante as oficinas realizadas. (BOVO, 2004, p. 131).

Assim, Bovo (2004) considera que a formação continuada através de cursos,

não é suficiente para que os professores integrem as tecnologias em suas aulas, e

que o processo de transformação das práticas precisa ser discutido continuamente

entre os próprios professores, nas escolas, nos horários destinados ao planejamento

de suas aulas. Destaca, também, a importância do envolvimento dos pesquisadores

nesse processo através de parcerias entre as universidades e as escolas para que

novas ideias sejam debatidas e implementadas.

Como importante alternativa de formação continuada, Zulatto (2010) sugere o

trabalho colaborativo através de cursos de formação online. Descrevendo uma

experiência realizada através de um convênio entre o GPIMEM8 e a Fundação

Bradesco para a realização de cursos de formação continuada na área de

Geometria e sobre o conteúdo de funções, a autora analisa dados construídos de

momentos de participação síncrona dos participantes de um curso denominado

Geometria com o Geometricks. Esses momentos, através do diálogo, possibilitavam

tirar dúvidas, formular questionamentos e expor ideias. A autora considera que o

diálogo é um fator preponderante na configuração de trabalhos colaborativos, e que 8 Grupo de Pesquisa em Informática e outras Mídias na Educação Matemática, UNESP, Rio Claro - SP.

70

essa forma de trabalho é inerente ao meio educacional se considerarmos a

construção coletiva do conhecimento. A autora define

[...] aprendizagem colaborativa online como o processo em que os atores envolvidos participam ativamente e interagem a distância para produzir significados coletivamente, levantando incertezas que alimentam a busca por compreensões e suscitam novas incertezas. (ZULATTO, 2010, p. 132).

A investigação de Zulatto (2010) revela uma importante alternativa à formação

continuada, o trabalho online. Revela, também, a importância da integração entre

pesquisa e prática aproximando escolas e universidades, como também mencionou

Bovo (2004).

Também entendemos que a integração das TIC às práticas docentes requer

maior aproximação entre pesquisadores e professores em formação e em exercício.

O fato de muitos professores se perceberem despreparados para explorar as

potencialidades didáticas do uso das TIC tem muito a ver com o isolamento

profissional em que atuam, além, é claro, do histórico escolar e de formação

profissional a que foram submetidos. Essas questões, como mostraram as

pesquisas anteriormente mencionadas, trazem à tona a necessidade de que os

programas de formação se apropriem dos resultados das pesquisas e os discutam

com os professores a fim de avaliar a viabilidade de aplicá-los em maior escala.

A formação continuada, através do trabalho colaborativo, visando à utilização

das TIC, também é foco da pesquisa de Costa (2004). Esse pesquisador procurou

por indícios de uma nova cultura profissional ao analisar um período da formação

continuada desenvolvida por um grupo colaborativo que visava a integração das TIC

em suas práticas. Ao resgatar historicamente as características dos programas de

formação continuada para professores de Matemática, o autor considera que

passamos por uma fase que primava pela formação acadêmica centrada na prática

e no conhecimento do professor para, em seguida, entrarmos em processos cujo

foco era o treinamento e a atualização centrada na teoria. Agora, são consideradas

as parcerias entre pesquisadores e professores escolares. Passou-se a dar valor à

voz do professor, encarando-o como parceiro no processo coletivo de construção do

conhecimento. Com isso, novos aspectos, relacionados às características

particulares dos professores, passaram a integrar as investigações sobre o Ensino

de Matemática, deixando transparecer que:

71

Os valores, crenças, saberes, atitudes, hábitos, manifestos pelo professor de Matemática no cotidiano, além da maneira de se relacionar com seus pares, os modos de interação com os colegas vão tecendo os fios, compondo um conjunto de características muito similares que marcam esse profissional, moldando a cultura docente. Esta influencia sobremaneira a organização/condução das aulas de Matemática. (COSTA, 2004, p.29)

A cultura docente do professor de Matemática, segundo Costa (2004), é

marcada pelo tarefismo, pelo isolamento profissional e pela subordinação. O

excesso de atividades em que os professores precisam se envolver, muitas vezes

trabalhando em várias escolas, favorece o isolamento profissional por não disporem

de tempo e espaço para discutir com os colegas sua visão sobre o processo

educacional. Também contribui para o isolamento profissional o fato dos professores

se imaginarem autossuficientes, com uma capacidade nata de administrar tudo o

que ocorre em suas salas de aula. A subordinação, por outro lado, se manifesta, por

exemplo, na preocupação com “vencer conteúdos” e “exames de vestibular”, e

também na forte influência da racionalidade técnica se opondo à prática reflexiva.

A formação continuada deve estimular o professor a refletir sobre sua prática

e, para isso, deve superar o modelo formatado em termos de “treinamento”, que

muito colabora com a promoção e/ou manutenção da cultura docente vigente: “Uma

possível resposta seria a de criar um clima de trocas e experiências no qual tenha

espaço a complexidade e a incerteza” (COSTA, 2004, p. 43). É preciso considerar a

formação continuada na perspectiva do desenvolvimento profissional, com o

professor refletindo criticamente sobre sua prática para melhor compreender tanto o

processo ensino-aprendizagem quanto o contexto em que este ocorre:

Um contexto favorável ao desenvolvimento profissional do professor de Matemática e à emergência de uma nova cultura profissional na escola seria aquele em que acontecem práticas colaborativas de reflexão e investigação entre os professores. Acreditamos que este contexto oferece condições ao professor de se constituir em um profissional reflexivo, crítico, colaborador, autônomo e investigador. A formação do professor pode ser, então, reconceitualizada, oportunizando-lhe um papel mais ativo em projetos relacionados à escola. (COSTA, 2004, p. 47).

O autor considera, ainda, essencial a investigação sobre as práticas

pedagógicas mediadas pelas TIC, em ambientes de colaboração entre professores e

pesquisador, para o desenvolvimento de uma nova cultura profissional:

[...] a combinação entre trabalhar colaborativamente, refletir sobre a própria prática pedagógica e utilizar as TIC na formação dos estudantes e, posteriormente, na própria formação, criou uma sinergia que contribuiu para

72

que [as professoras] colocassem em “xeque” as verdades cristalizadas pela cultura escolar e repensassem a forma como viviam sua profissão, repercutindo no que vinham pensando, dizendo e, principalmente, fazendo. (COSTA, 2004, p. 169).

Na mesma linha ao investigarem estratégias e influências do uso das TIC nas

aulas de Matemática, Dullius, Haetinger e Quartieri (2010) também consideram a

constituição de grupos colaborativos para que professores possam refletir sobre a

própria prática. Em suas análises, no âmbito da Educação Matemática, “a maioria

dos professores não sabe utilizar esses recursos [TIC] como auxiliares no processo

de ensino” (DULLIUS; HAETINGER; QUARTIERI, 2010, p. 146) e, não raro, tais

recursos não se constituem em instrumentos de renovação no processo

educacional.

Isso revela a urgência por capacitação, “não a mera instrumentalização para

operarem máquinas e programas, mas, principalmente, para que tenham acesso ao

conhecimento e à análise de outras opções metodológicas” (DULLIUS;

HAETINGER; QUARTIERI, 2010, p. 146). Os autores veem nos grupos

colaborativos um importante mecanismo para superar as dificuldades iniciais quanto

ao uso das TIC. A possibilidade de discutir, com os colegas, suas dificuldades,

incertezas e também suas conquistas, favorece a promoção de uma consciência

crítica, por parte dos professores, em relação às potencialidades e limitações de tais

tecnologias segundo as abordagens metodológicas que empregarem.

Da mesma forma, também Gregio e Bittar (2012) reconhecem, na falta de

preparo dos professores em relação ao uso das TIC, um dos principais empecilhos à

integração das tecnologias digitais nas aulas de Matemática. Consideram que

cursos de formação, para esse uso, fora do contexto escolar não são suficientes.

Para as autoras, “pensar em formação de professores exige considerar o docente

em seu contexto de trabalho, não somente em capacitação individual, mas nas

dimensões coletivas” (GREGIO; BITTAR; 2012, p. 4). Em um estudo fundamentado

na pesquisa-formação9 ou pesquisa coletiva, as autoras acompanharam um grupo

de professoras do ensino fundamental por dois anos. Nesse período, pesquisadoras

9 A pesquisa-formação desenvolve-se nas interações coletivas. A formação dos participantes é desenvolvida por

meio de pesquisa com e pelos participantes. Os participantes são ao mesmo tempo, sujeitos e objetos de formação.

73

o professoras escolares se reuniram para refletir sobre as diversas formas de uso

das TIC.

O espaço coletivo do grupo de pesquisa-formação contribuiu para a reflexão sobre o fazer pedagógico com o uso de tecnologias no ensino da matemática, e cada participante na sua singularidade vivenciou novas práticas pedagógicas com o potencial de desenvolvimento pessoal e profissional. (GREGIO; BITTAR, 2012, p. 13)

No entanto, um processo de ressignificação de conceitos e reestruturação das

práticas pedagógicas demanda um tempo prolongado. Nesse aspecto, as autoras

consideraram que a pesquisa-formação tem grande potencial na formação em

serviço, visto que o grupo trabalhou colaborativamente na troca de experiências,

estimulando questionamentos e reflexões sobre seus conhecimentos e suas

práticas.

As investigações que apontamos têm em comum o entendimento de que falta

preparo aos professores de Matemática para integrarem as TIC em suas aulas e que

os cursos ofertados em forma de treinamento não são suficientes para essa

preparação. Também trazem diferentes alternativas de formação, no entanto, todas

focam no trabalho colaborativo como o mais promissor no processo de integração

das TIC as aulas de Matemática.

Na próxima sessão abordaremos a formação continuada no estado do Paraná

em virtude de que nossa investigação diz respeito aos professores paranaenses.

3.4 Formação Continuada no Estado do Paraná

A formação continuada dos professores da rede pública estadual de

educação básica do Paraná tem sido desenvolvida pelas assessorias pedagógicas

dos Núcleos Regionais de Educação, pelas Coordenações Regionais de

Tecnologias Educacionais e através do Programa de Desenvolvimento Educacional

– PDE.

A assessoria pedagógica é desenvolvida por uma equipe de professores, das

diversas disciplinas, que atuam nos NRE implementando as atividades de formação

continuada propostas pela Secretaria de Estado da Educação. As Coordenações

Regionais de Tecnologias Educacionais são responsáveis pela manutenção dos

74

sistemas informáticos das escolas, além de prestarem apoio aos professores, em

forma de cursos e treinamentos, quanto à utilização das tecnologias educacionais. O

PDE é um programa estadual no qual os professores participam de atividades

presenciais e também a distância sob a coordenação de instituições universitárias

do estado. É um programa de dois anos de duração, cuja conclusão se dá pela

produção de um artigo científico relativo ao experimento didático que o professor

participante propôs. Também é uma exigência para progressão funcional.

A seguir nos atemos aos aspectos relacionados às TIC na formação

continuada.

3.4.1 Infraestrutura Relativa às TIC nas Escolas do Paraná.

Atualmente todas as escolas da rede estadual de ensino do Paraná dispõem

de laboratório de informática com acesso à internet. Essa expansão das TIC ocorreu

no período de 2003 a 2010 através de uma parceria entre a Secretaria de Estado da

Educação do Paraná (SEED – PR) e o Programa das Nações Unidas para o

Desenvolvimento (PNUD) com o projeto BRA 03/036 – Educação Básica e Inclusão

Digital no Estado do Paraná. Foram três etapas distintas. Em 2003 o lançamento do

portal Dia-a-dia Educação com o objetivo de:

[...] instrumentalizar educadores com informações concernentes a conteúdos das diversas áreas do conhecimento e outros recursos que colaborem com a sua prática pedagógica, tornando-o uma fonte oficial de informações advindas das diferentes instâncias da Secretaria de Estado da Educação do Paraná, bem como estruturar uma rede de comunicação efetiva entre todos os envolvidos no processo educativo, propagando dados, informações didático-pedagógicas e experiências eficazes no processo de ensino-aprendizagem para a construção do conhecimento. Dessa forma, busca tornar-se um veículo de expressão da comunidade escolar, valorizando a produção intelectual dos educadores da Rede Estadual de ensino do Paraná, oferecendo serviços de interesse a todos os atores envolvidos na Educação Básica e Ensino Médio, fomentando a criação de comunidades virtuais de aprendizagem e estimulando a educação continuada (PARANÁ, 2003, p. 1).

O portal foi concebido como um “ambiente pedagógico colaborativo,

considerando a possibilidade das TIC constituírem-se em um meio capaz de

promover os professores da educação básica a sujeitos produtores de

conhecimento”. (MENEZES, 2007, p. 469).

75

A etapa seguinte consistiu no fortalecimento e expansão dos Núcleos de

Tecnologias Educacionais (NTEs) que haviam sido implantados a partir de 1997. Em

2004 os 13 NTEs que atendiam a todos os 32 Núcleos Regionais de Educação

(NRE), passaram a ser denominados de CRTE’s (Coordenação Regional de

Tecnologia na Educação) e ampliados para 32 unidades, uma por NRE. Suas

atribuições são, entre outras:

- Assessorar e orientar tecnicamente professores das Escolas Públicas Estaduais e Conveniadas no desenvolvimento de produções colaborativas no Portal Dia-a-dia Educação; - Orientação para elaboração de Objetos de Aprendizagem Colaborativa (OAC) do Portal; - Promover ações pedagógicas e tecnológicas das diversas áreas do conhecimento; - Participar e apoiar ações desenvolvidas pela Equipe Pedagógica do NRE; - Assessoria para planejamento e desenvolvimento de aulas em âmbito disciplinar e interdisciplinar com a utilização de recursos tecnológicos; - Orientação didático-pedagógica para o uso de programas televisivos da TV PAULO FREIRE; - Assessoria para criação e manutenção dos sites das escolas para ser publicado no Portal Dia-a-dia Educação. (PARANÁ, 2013)

A terceira etapa ocorreu no período de 2008 a 2010 com a implantação dos

laboratórios de Informática e a instalação das TVs multimídia nas escolas

promovendo o acesso às TIC de forma universalizada na rede pública estadual de

educação básica do Paraná. Os laboratórios foram equipados com 10 a 20

microcomputadores, na maioria dos casos, em que o sistema operacional é o

LINUX. Com relação à Matemática, foram disponibilizados os softwares: GeoGebra,

Régua e Compasso, DrGeo, Xlogo e a Planilha de Cálculo Calc do BrOffice.

(MACHADO, 2010; JESUS; ROLKOUSKI, 2012).

A seguir abordaremos a política pública paranaense para o uso das

tecnologias.

3.4.2 Diretrizes para uso das Tecnologias Educacionais no Paraná

As diretrizes para uso das tecnologias educacionais, no Paraná, foram

concebidas em 2010 sob a coordenação da Diretoria de Tecnologia Educacional

com a participação dos professores da rede estadual e pesquisadores que

investigam as tecnologias na educação.

76

Essas diretrizes destacam, como princípios norteadores do trabalho com

tecnologias na escola, a mediação do professor no contexto educacional, a mídia

impressa na escola, a TV Paulo Freire, os ambientes virtuais na web e a pesquisa

escolar na internet.

Concentramo-nos, agora, apenas nos aspectos voltados à tecnologia dos

computadores, em virtude de que esta investigação não contempla as demais

mídias incorporadas nas diretrizes para o uso das tecnologias da SEED-PR.

Nas diretrizes, a mediação do professor é considerada fundamental em se

tratando de TIC, destacando que novas concepções pedagógicas devem ser

consideradas. O potencial dessas tecnologias oportuniza novas formas de ver, ler e

escrever o mundo:

A extensão do uso de recursos tecnológicos na educação não deve se limitar simplesmente ao treinamento de professores para o uso de mais uma tecnologia, tornando-os meros repetidores de experiências que nada acrescentam de significativo à educação. O fundamental é levar os agentes do currículo a se apropriarem criticamente dessas tecnologias, de modo que descubram as possibilidades que elas oferecem no incremento das práticas educacionais, além de ser uma prática libertadora, pois contribui para a inclusão digital. (PARANÁ, 2010, p.5)

Em direção a práticas pedagógicas inovadores, o estado aponta para o uso

das TIC como um diferencial de qualidade na educação básica. Desde o ano de

2003, “o portal de conteúdos” é uma das mais importantes ferramentas de

disseminação das políticas educacionais do Estado do Paraná por meio do incentivo

e valorização da produção dos professores da rede estadual.

O Portal Dia-a-dia Educação caracteriza-se por ser um ambiente virtual baseado na Internet, implementado em software livre. Lançado com a finalidade de atingir toda comunidade educacional paranaense e brasileira, disponibiliza conteúdos (das disciplinas) curriculares, informações e serviços destinados a educadores, alunos, escola e comunidade. A equipe prioriza a implementação de conteúdos e sistemas voltados aos educadores. (PARANÁ, 2010, p. 9).

Para assessorar os professores na integração das TIC em suas aulas, as 32

CRTE (Coordenação Regional de Tecnologias Educacionais) têm como função atuar

na formação continuada dos professores, contemplando a inclusão sociodigital, no

contexto de integração das mídias web, televisiva e impressa.

77

Ao estabelecerem a função das tecnologias nas práticas escolares, mediadas

pelo professor, as diretrizes consideram que

O planejamento das atividades com o uso das TIC deve ser elaborado a fim de contemplar as necessidades, tanto curriculares, quanto de aprendizagem dos alunos. A contextualização continua sendo imprescindível também quando da utilização das tecnologias para que o resultado final das produções promova conhecimentos que levem à transformação, com vistas a uma sociedade mais participativa, crítica e igualitária. (PARANÁ, 2010, p. 14).

As diretrizes são enfáticas com relação ao papel do professor na mediação

entre as tecnologias e a aprendizagem, reforçando a visão de que as TIC podem

melhorar a aprendizagem. Este é um aspecto, porém, nem sempre central nas

pesquisas da área. Borba e Penteado (2002; 2003), por exemplo, consideram que

mais importante que comparar aprendizagem com e sem o uso de tecnologias é

considerar as diferentes formas de raciocínio que se podem explorar com cada

meio.

A seguir trazemos um breve relato da formação continuada na região do

estado do Paraná onde desenvolvemos nossa pesquisa.

3.4.3 A Formação Continuada no NRE de Pato Branco

Segundo o relatório anual de 2012 relativo às ações da Diretoria de

Tecnologia Educacional da SEED-PR, a Coordenação de Apoio ao Uso de

Tecnologias tem sob sua responsabilidade a implementação de programas de

inclusão sociodigital da Secretaria de Estado da Educação, para atendimento à

demanda de formação continuada ao uso de tecnologias, dos professores e

profissionais da educação e de suporte técnico à instalação e manutenção do

parque tecnológico da rede pública estadual de ensino paranaense. Para tanto, esta

coordenação é representada nos 32 Núcleos Regionais de Educação por suas

equipes que atuam nas Coordenações Regionais de Tecnologias na Educação –

CRTE.

A CRTE vinculada ao NRE de Pato Branco – PR atua com 6 profissionais

para atender a 15 municípios, num total de 75 escolas. Em 2011 essa equipe ofertou

11 oficinas, atendendo a 335 profissionais da educação e em 2012 foram 24 oficinas

atendendo a 511 desses profissionais. As oficinas de introdução digital oferecida aos

78

professores, abrangem conhecimentos básicos de informática, noções sobre a

Plataforma Linux, editor de texto BrOffice Writer e Internet. As oficinas dedicadas a

softwares educacionais versam sobre o uso de um determinado software, sendo

que, aos professores de Matemática, têm sido ofertadas oficinas sobre GeoGebra.

Os NRE também dispõem de acessórias pedagógicas nas diferentes

disciplinas, sendo que em Pato Branco há um professor responsável pela disciplina

de Matemática.

Nas avaliações desses encontros, promovidas pelas equipes executoras,

segundo um formulário próprio elaborado pela SEED-PR, os professores têm

expressado seu contentamento com essas oficinas. No campo destinado a

comentários, encontram-se registros como:

- Que seja sempre oportunizado esse tipo de modalidade de ensino,

principalmente na área de Matemática, para que possamos tornar nossas aulas mais

atrativas.

- A oficina foi a melhor que fiz com o uso de informática, o programa

GeoGebra é muito bom, a professora é excelente, porém, em alguns momentos não

era possível acompanhá-la, ela andava muito rápido com o conteúdo, isso dificulta a

aprendizagem e acredito que desgasta a professora. [...] oficinas como esta devem

ser trabalhadas mais vezes.

Esses relatos extraídos do relatório de atividades de 2011 da Diretoria de

Tecnologia Educacional da SEED-PR (PARANA, 2011), sugerem um grande

interesse dos professores pela formação relacionada as TIC, de tal forma que as

metas para 2013, relativas ao NRE de Pato Branco (PARANÁ, 2012), destacam a

necessidade de oferecer oficinas sobre o aplicativo BrOffice Calc e os softwares

Cmap Tools e GeoGebra.

Também podemos perceber nesses registros, uma afinidade entre os

professores e o modelo de formação continuada por oficinas estruturadas em forma

de treinamento. Os professores se identificam com esse modelo de trabalho. No

entanto, as pesquisas já mencionadas revelam que os professores também se

consideram despreparados para o uso das TIC. Ou seja, se por um lado as

79

avaliações das oficinas são positivas, por outro lado, seus efeitos não têm chegado

à sala de aula.

Na próxima sessão relacionamos nossa pesquisa com o contexto de

formação até aqui apresentado.

3.5 Nossa Pesquisa nesse Contexto.

A investigação relatada nesta tese não tem a intenção de avaliar a política

paranaense de formação continuada dos professores da rede estadual de ensino,

entretanto, não poderia deixar de analisar em que aspectos essa política se

aproxima dos princípios da EMC.

Com o objetivo de identificar as compreensões reveladas pelos

professores ao desenvolverem atividades matemáticas com o uso das TIC, na

perspectiva da Educação Matemática Crítica, a investigação se configurou num

processo de formação continuada. O grupo de professoras que participou, foi

constituído a partir de um convite para discutir e analisar as possibilidades de

utilização das TIC na perspectiva da EMC e os trabalhos foram formalmente

registrados junto ao NRE de Pato Branco, para que os efeitos legais referentes à

formação continuada pudessem ser levados a efeito nos planos de carreira das

professoras.

Como pudemos observar nas diretrizes para o uso das TIC da SEED-PR, a

proposta sugere que, através do uso das tecnologias educacionais, pode-se

desenvolver um olhar diferente sobre os conteúdos. Para isso, reconhece que os

professores não podem ser simplesmente treinados a utilizar softwares. Os

professores precisam desenvolver um olhar crítico sobre esse uso, planejando suas

atividades de forma contextualizada com vistas a uma sociedade mais participativa,

crítica e igualitária. Essa abordagem, contempla, sem dúvida, alguns princípios da

EMC. Entretanto, Jesus e Rolkouski (2012), ao analisarem as produções dos

professores que participaram em 2010 das oficinas sobre o uso pedagógico do

GeoGebra oferecidas pelas CRTE de todos os NRE do PR, constataram que menos

da metade dos participantes que publicaram seus relatos de experiência (uma das

80

atividades das oficinas) utilizaram o software de modo a atender as expectativas das

diretrizes:

[...] percebemos que muitos professores subutilizam o software GeoGebra, uma vez que ainda precisam avançar para uma melhor compreensão das possibilidades proporcionadas pelo software ao explorarem seus recursos dinâmicos.

[...] acreditamos que o papel da formação continuada precisa ir além da instrumentalização da tecnologia ou da entrega burocrática de atividades, a fim de promover uma real integração do GeoGebra aos conteúdos trabalhados. Dessa forma, mais do que apresentar os recursos e ferramentas do software, faz-se necessário que o planejamento das formações continuadas contemple atividades possíveis de serem aplicadas em sala de aula e que explore as características dinâmicas do software. (JESUS, ROLKOUSKI, 2012, p. 15).

Assim, pode-se inferir que a formação continuada na rede pública estadual de

educação básica do Paraná ainda não conseguiu atender, em sua plenitude, as

diretrizes propostas pela SEED-PR para o uso educacional das tecnologias.

Portanto, esta investigação poderá vir a colaborar com a formação continuada

no Paraná tendo em vista que atribuiu ao uso das TIC o papel de potencializador

dos princípios da EMC que também buscam o desenvolvimento da sociedade

segundo princípios democráticos.

Em relação à formação continuada para o uso das TIC, nosso foco de

investigação esteve na forma como esse uso poderia colaborar com a Educação

Matemática Crítica. Esse enfoque difere das pesquisas de Bovo (2004), Costa

(2004), Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), Zulatto (2010), Dullius, Haetinger e

Quartieri (2010) e Gregio e Bittar (2012) pelo fato de que busca, na utilização das

TIC, uma alternativa para favorecer a compreensão dos papéis sociopolíticos

desempenhados pela Educação Matemática, o que não está presente naquelas

investigações.

Nesse capítulo, procuramos construir um panorama sobre a formação

continuada de professores de Matemática em relação à EMC e em relação à

integração das TIC em suas atividades didáticas, e sobre a política do estado do

Paraná para essa formação. No próximo capítulo abordaremos as características e a

forma como o grupo envolvido na pesquisa foi constituído além de apresentarmos

uma descrição de como as atividades foram concebidas e desenvolvidas.

81

CAPÍTULO 4 - O GRUPO E AS ATIVIDADES

Nesse capítulo abordaremos a forma como o grupo de professores

participantes da pesquisa foi constituído e as suas características. Também

apresentamos as atividades desenvolvidas com a descrição mais detalhada de uma

delas.

4.1 A Constituição do Grupo.

A partir de 2010, ano de ingresso no Programa de Pós-graduação em Ensino

de Ciências e Matemática da Universidade Cruzeiro do Sul, passamos a analisar a

forma e frequência com que os professores que ensinam Matemática na rede

estadual de Educação Básica do Paraná utilizavam as TIC.

No final do primeiro semestre de 2011, aproveitando que os professores que

ensinam Matemática, nas escolas vinculadas ao Núcleo Regional de Educação

(NRE) de Pato Branco, estavam reunidos para um dia de formação, aplicamos um

questionário a fim de identificar a frequência com que esses professores

ministravam suas aulas nos laboratórios de informática, quais softwares utilizavam e

se tinham necessidade de formação para a utilização das TIC. Dos 129

respondentes, 19% utilizaram com alguma frequência, 29% utilizaram

esporadicamente e 52% afirmaram não terem utilizado as TIC naquele semestre.

Quanto aos softwares e aplicativos utilizados por aqueles professores que fizeram

algum uso do laboratório de informática naquele semestre, 45% alegaram utilizar o

GeoGebra, 6% a planilha de cálculo e 49% recursos disponíveis na internet como

jogos, pesquisas via sites de busca e aplicativos do portal diaadiaeducacao.

Restringindo a análise ao grupo de professores do município de Pato Branco, 33%

dos entrevistados, por ser o local da realização do experimento de formação,

observamos que os percentuais de cada grupo se repetiam com pequenas

variações, ou seja, 16% usaram com alguma frequência, 33% fizeram uso

esporádico e 51% não utilizaram as TIC. O mesmo aconteceu com relação aos

softwares e aplicativos utilizados. Com relação a necessidade de formação para o

uso das TIC, 96% responderam sim e apenas 4% julgaram desnecessário.

82

Diante da realidade observada, em 2012 firmamos uma parceria entre a

Universidade Cruzeiro do Sul e o NRE de Pato Branco para a realização de uma

experiência de formação continuada com os professores que ensinam Matemática

na rede pública estadual do município de Pato Branco. Nesse convênio foi

estabelecido que os professores seriam convidados a participar de uma formação

que serviria de base para a coleta de dados referente a uma investigação de

doutorado. Os participantes seriam certificados com carga horária de 20h,

correspondente ao período em que estariam reunidos para a análise e discussão

sobre o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação nas aulas de

Matemática como um possível meio de favorecer um Ensino Crítico de Matemática.

Foi estabelecido um limite de 15 vagas, definido arbitrariamente em função de que a

participação de cada professor seria alvo da coleta de dados da pesquisa, com

registros de áudio e vídeo além dos registros escritos; poderiam surgir dificuldades

se o número de participantes fosse muito grande.

Divulgado o convite, por meio de correspondência eletrônica do NRE às

escolas, os professores tiveram um prazo de 30 dias para realizar suas inscrições.

Decorrido o prazo, ficamos surpresos com o pequeno número de inscrições, 12 no

total, pois na sondagem realizada em 2011, a maioria dos professores manifestava

interesse em formação continuada para o uso da TIC.

Os inscritos foram entrevistados, individualmente, antes do início das

atividades do experimento. Com base nessas entrevistas foi possível estabelecer o

perfil dos participantes. A seguir apresentamos o grupo formado pelas nove

professoras participantes, pois três inscritos não puderam participar dos encontros

devido a alterações em seus horários de trabalho nas escolas.

4.1.1 Perfil das Professoras Participantes

Todas as professoras possuíam Licenciatura em Matemática. Quatro delas

possuíam inclusive uma segunda graduação, em áreas diversas: Filosofia,

Contabilidade, Economia e Biologia. Todas eram pós-graduadas em cursos lato

sensu. Duas professoras já haviam concluído o PDE (Programa de Desenvolvimento

Educacional do Estado do Paraná) e duas tinham acabado de entrar no programa.

83

Seus tempos de serviço no magistério variavam de 5 a 28 anos, sendo de 15,5 anos

o tempo médio de serviço.

Seus conhecimentos em informática eram basicamente sobre editor de texto

e Internet. Apenas duas professoras alegaram conhecer um pouco sobre planilhas

eletrônicas e uma sobre GeoGebra. Todas já haviam participado de cursos sobre

informática oferecidos pela SEED-PR através do NRE. Esses cursos não eram

direcionados ao uso didático das TIC; eram voltados a oferecer informações técnicas

acerca de manuseio dos equipamentos e de softwares. Quatro professoras também

já haviam feito curso sobre GeoGebra, em que conheceram algumas ferramentas do

software sem um direcionamento metodológico para sua utilização nas aulas de

Matemática.

Com relação ao uso que faziam das TIC com seus alunos, a maioria já havia

levado os alunos ao laboratório de informática para fazer pesquisas na Internet

como forma de complementar o conteúdo já visto em sala de aula. Uma professora

disse ter utilizado jogos online e uma utilizou vídeos do Youtube. Apenas duas

professoras nunca haviam estado no laboratório de informática com seus alunos,

embora nenhuma das nove tenha utilizado, nas aulas, os softwares relacionados à

Matemática que estão disponíveis nos laboratórios.

Suas alegações para a não utilização dos softwares estavam relacionadas à

falta de conhecimento sobre os softwares e de como utilizá-los didaticamente, além

do receio de não terem o “domínio” da turma no laboratório. Assim como as demais,

a professora P1, na primeira entrevista manifestou sua insegurança frente as

tecnologias e também o medo de se expor, saindo do ambiente seguro de sala de

aula, conforme percebemos em sua fala:

P1E1 – Não utilizei por falta de conhecimento. Sinceramente, por falta de

conhecimento. Eu sou assim, se eu não sei eu tenho medo de ir lá e errar.[...] Vou

levar o aluno lá e ele vai me perguntar e eu não sei. Ele vai dizer assim: a professora

é professora e não sabe me dizer como é que é?!

Quanto ao uso pessoal, todas utilizam a Internet como meio de comunicação,

pesquisa e diversão. Todas utilizam editor de texto, geralmente para fins

84

profissionais como elaboração de provas, por exemplo. Somente duas professoras

alegaram utilizar planilha eletrônica para facilitar o controle do orçamento familiar.

No tocante à Matemática, as professoras a consideram como um conjunto de

conhecimentos que vai contribuir para a atuação dos alunos, desenvolvendo seu

raciocínio lógico. Manifestam-se preocupadas com o futuro dos alunos tendo em

vista o baixo desempenho e interesse da maioria deles, argumentando que eles não

percebem a importância da Matemática em suas vidas, conforme o relato da

professora P4 na primeira entrevista:

P4E1 – A Matemática, na verdade, é essencial e está posta em todos os currículos e

diretrizes como sendo aquela que vai fazer com que o aluno saiba interpretar, saiba

ler, saiba resolver cálculos, saiba aplicar o que estudou em sala de aula no seu

cotidiano. [..] Mas o que acontece é que nossos alunos acabam chegando para nós

desde o sexto ano, com aversão, aquele medo, aquela..., que a Matemática é um

bicho de sete cabeças; e acabam levando isso pra frente. E a gente sente essa

dificuldade na pele quando os alunos se recusam a aprender, não querem aprender,

não acham que a Matemática é essencial para a vida deles.

No planejamento de suas aulas, as professoras dizem não seguir fielmente o

livro didático, e sim o planejamento escolar da disciplina. Utilizam vários livros e

também pesquisas na Internet para a preparação das aulas, mas deixam

transparecer que a busca é por exercícios diferentes. A professora P5 revelou, na

primeira entrevista, sua dificuldade em trabalhar com livros didáticos que não

oferecem listas de exercícios similares uns aos outros. Para a professora, esses

exercícios fazem com que o aluno sinta-se mais seguro quanto à Matemática que

conhece:

P5E1 – [...] antigamente tu pegava os livros e era assim: você tinha uma sequência,

um monte de exercícios iguais que você praticava. Agora tu pega dez exercícios do

livro e cada um é de uma maneira diferente; não tem nenhum que seja, assim, igual

ou bem parecido. Então eu não sou muito de usar o livro. Eu pego exercícios de

vários livros. Então, trabalhando um determinado conteúdo, eu pego três, quatro

livros, e trago vários exercícios, porque no nosso livro tinha cinco exercícios dai já

passava para outra parte.

85

A respeito da EMC, nenhuma das professoras já havia tido contato com essa

filosofia, tampouco com os textos de Ole Skovsmose.

Em síntese, percebemos o grupo muito preocupado em repassar

conhecimentos matemáticos a seus alunos e, nitidamente, de maneira tradicional, no

paradigma do exercício e no absolutismo dos números. No entanto, suas

preocupações estavam voltadas para uma formação integral e, embora suas

práticas contemplassem metodologias diversas como jogos e pesquisas na internet,

demonstravam que não estavam satisfeitas com tais práticas e, por isso, queriam

praticar um ensino diferente, queriam melhores resultados, queriam inovar.

4.2 As Atividades

As atividades foram desenvolvidas em oito encontros, às quartas-feiras no

período das 19h e 30 min às 22h e 30 min, com intervalo de 30 min, no laboratório

de informática do Colégio Estadual Agostinho Pereira de Pato Branco. Esse

laboratório contava com 20 computadores em uma sala pequena, que não dispunha

de quadro para auxiliar o trabalho do professor.

Cada professora utilizou um computador e o pesquisador tinha, à sua

disposição, um multimídia para projetar slides, vídeos e o conteúdo que desenvolvia

no microcomputador, diretamente na parede da sala.

4.2.1 Atividades Desenvolvidas e os Objetivos para sua Realização.

Nesta seção, trazemos uma relação das atividades desenvolvidas juntamente

com os objetivos que as nortearam.

Todos os trabalhos desenvolvidos pelo grupo almejavam trazer para a prática

docente as preocupações relativas aos papéis sociopolíticos da EM. Para isso,

adotamos como referências na elaboração e desenvolvimento das atividades os

critérios já mencionamos no capítulo 2, seção 4. Dessa forma, como é a proposta

dessa investigação, buscamos privilegiar as atividades investigativas com o auxílio

das TIC. Como definem Ponte, Brocardo e Oliveira (2003), investigar é procurar

conhecer o que não se sabe. No entanto, não direcionamos nossos esforços num

86

sentido exclusivamente matemático, como predomina na obra desses autores.

Tínhamos presente a intenção de identificar proposições e conjecturas matemáticas,

mas também queríamos reconhecer tais elementos em situações reais que

pudessem despertar o entendimento sobre a participação e influência desses

conhecimentos matemáticos na construção dos contextos sociopolíticos envolvidos

nas atividades.

Atividades Objetivos

Apresentação da pesquisa e dos

objetivos do estudo

Dar ciência às professoras participantes

dos encaminhamentos necessários à

realização da pesquisa.

Apresentação, através de slides, da

Filosofia da Educação Matemática

Crítica segundo as concepções de

Ole Skovsmose.

Apresentar às professoras os fundamentos

da EMC, segundo nosso entendimento a

respeito das obras de Ole Skovsmose.

Pesquisa eleitoral – representante de

turma para atuar como auxiliar de

laboratório nas aulas de Matemática.

Proporcionar um primeiro contato com a

planilha de cálculo Calc.

Identificar em uma situação real de sala de

aula - a eleição de um representante -

elementos que podem ser explorados via

planilha, e outros aspectos como as

representações gráficas em diferentes

formatos.

Acessar o site do IBOPE Pesquisar a respeito da metodologia de

pesquisa de opinião utilizada pelo IBOPE.

Discutir sobre a influência das pesquisas

na opinião das pessoas.

Quadro 2 - Atividades e Objetivos do Primeiro Encontro

Nesse primeiro encontro do grupo, discutimos a respeito da Filosofia da

Educação Matemática Crítica. Na primeira entrevista (Apêndice B) havíamos

combinado com as professoras que enviaríamos, por e-mail, duas resenhas e um

artigo relativos à EMC para que elas tivessem um primeiro contato com o tema que

87

nortearia nossos trabalhos. Assim, a partir destes textos e de nossas explanações

defendemos, junto ao grupo, a ideia de que uma das formas pelas quais poderíamos

incorporar as preocupações relativas aos possíveis papeis sociopolíticos

desempenhados pela EM seria através do uso das TIC. Nesse sentido,

apresentamos nossa intenção de privilegiar as atividades investigativas, os

problemas abertos envolvendo situações reais e a matematização de situações

relevantes aos olhos dos alunos. Também tínhamos sempre a intenção de identificar

e explorar como a Matemática se fazia presente nas construções sociopolíticas

relacionadas aos temas que abordávamos.

A primeira atividade que desenvolvemos com o auxílio das TIC foi relativa ao

tratamento da informação. Escolhemos “a eleição de um auxiliar de laboratório” por

considerar que um aluno nessa função poderia colaborar muito com o professor nas

diversas tarefas demandadas em laboratórios de informática. Essa escolha também

teve relação com a forma que propiciaríamos o primeiro contato com a planilha de

cálculo. Trataríamos de um assunto bastante conhecido e amplamente divulgado

nas mídias, as eleições, de forma que poderíamos investigar as potencialidades do

software para calcular e gerar representações.

Na continuidade, tínhamos a intenção de examinar um contexto sociopolítico

onde a ação daquela Matemática que havíamos estudado se concretizava.

Indagamos as professoras sobre como as mídias, principalmente televisivas,

exploram o tema. A partir disso vários pontos de vista foram apresentados onde

surgiu a figura dos institutos de pesquisa e o questionamento de como eles fazem

seus levantamentos estatísticos. O passo seguinte foi o acesso ao site do IBOPE.

Lá, o grupo identificou na metodologia de pesquisa, a grande influência da

Matemática na definição de amostras e projeções de resultados oriundos das

pesquisas estatísticas. Essas informações, que eram desconhecidas pelas

professoras, despertaram no grupo um olhar mais profundo sobre o papel da

Matemática. Não se tratava apenas de aprender ou ensinar cálculos, mas perceber

que informações repassadas através das mídias são moldadas por estruturas

matemáticas, havendo aspectos muito além dos percentuais que aparecem nos

gráficos. A Matemática estava lá, dando forma ao modelo pelo qual a informação foi

coletada e construída.

88

A investigação foi desenvolvida no sentido de identificar uma ação da

Matemática no âmbito social. Caracterizamos a eleição do monitor como um

problema aberto que nos possibilitou escolher os aspectos que desejávamos

explorar. E, em se tratando de uma atividade do contexto escolar, não como via para

abordar determinado conteúdo, mas como oportunidade para reflexões de caráter

político, possivelmente seria entendida como relevante. Entretanto, diversos

conteúdos matemáticos foram abordados, tais como regra de três, porcentagem,

representação gráfica, entre outros. Além disso, a discussão gerada a partir da

metodologia de pesquisa do IBOPE, despertou algumas das preocupações da EMC.

No segundo encontro desenvolvemos as atividades a seguir:

Atividades Objetivos

O uso das TIC segundo os princípios

da EMC

Identificar características desejáveis nas

atividades matemáticas desenvolvidas com

o apoio das TIC, segundo os princípios da

EMC

Planilha de notas dos alunos

Atender à solicitação da professora P8 que

havia manifestado interesse em conhecer

como se pode utilizar uma planilha para o

controle de notas.

Interpretando a conta de água

Analisar o histórico da conta de água de

uma residência, através dos valores

absolutos e da representação gráfica.

Identificar preços por faixas de consumo

89

Acessar o site da SANEPAR

Consultar a tabela de preços para

distribuição de água e coleta de esgoto.

Construir um gráfico incorporando o custo

da água e da coleta de esgoto em uma

faixa de consumo de 0 m³ a 40 m³.

Pesquisar a respeito da política da tarifa

social.

Pesquisar dados a respeito da prestação

de serviços da SANEPAR na cidade de

Pato Branco.

Quadro 3 - Atividades e Objetivos do Segundo Encontro

No segundo encontro, tínhamos a proposta da professora P8 para trabalhar

com a planilha eletrônica no controle de notas dos alunos.

Iniciamos os trabalhos com uma discussão sobre abordagens didáticas a

respeito do uso das TIC nas aulas de Matemática. Defendemos junto ao grupo que

as simulações e as múltiplas representações seriam de grande utilidade nas

investigações matemáticas.

Na sequência passamos à construção da planilha referente às notas.

Consideramos várias opções, notas por bimestre, notas por disciplina em um mesmo

bimestre, etc. Além das operações de adição e divisão, exploramos o comando

<média()> e o ordenamento dos dados (crescente, decrescente, alfabético). O grupo

considerou a possibilidade de construir essas planilhas com os alunos para que

tivessem um controle maior de suas notas, inclusive com estimativas de notas que

deveriam obter para serem aprovados, considerando as notas que já haviam

conquistado. No entanto, também foi julgado que tais planilhas se aproximam mais

do trabalho docente.

A atividade seguinte, foi sugerida por nós ao grupo: fazer a análise de uma

conta de água de uma residência. Apresentamos uma fatura onde podíamos

identificar diversas informações como o histórico do consumo nos últimos seis

meses, o preço do m³ de água, o valor mínimo da fatura, etc. A partir disso, a

90

primeira sugestão do grupo foi a representação gráfica do consumo nos últimos seis

meses. Em seguida as professoras se voltaram para a construção de uma planilha

que apresentasse o valor da fatura para diferentes consumos. Como a fatura

disponível não continha todas as faixas de consumo e seus respectivos valores por

m³, foi realizada uma pesquisa no site da SANEPAR (Companhia de Saneamento do

Paraná) onde estas informações foram encontradas. Passando então para planilha,

com auxílio do pesquisador foram explorados comandos que auxiliariam na

construção de uma tabela com os valores referentes ao consumo de água e à

utilização da rede de esgoto, numa faixa de consumo de 0 (zero) a 40 metros

cúbicos. Os dados da tabela foram representados graficamente e a atenção do

grupo se voltou para a função que representaria o valor da fatura segundo o

consumo. Sendo uma função definida por várias sentenças (uma função constante

para o consumo de 0 (zero) a 10 m³, e duas funções afins com taxas de variação

distintas para os consumos situados nas faixas de 11 a 30 m³ e consumo superior a

30m³), as professoras pediram ajuda (ao pesquisador) para explorar esse tipo de

situação na planilha. Utilizamos, então, os comandos de lógica com a função

<SE(teste lógico; valor se verdadeiro; valor se falso)>.

Ao final desse processo retomamos a análise da atividade relacionando-a

com a EMC pela discussão sobre como a Matemática estava presente naquele

contexto. Também retornamos ao site da SANEPAR onde identificamos diversas

informações referentes a tarifa social e suas regras, investimentos executados pela

SANEPAR no estado, dados sobre a distribuição de água e coleta de esgoto no

município de Pato Branco, e muitas outras.

Em síntese, essa atividade propiciou uma investigação matemática através de

um contexto real da realidade dos alunos. Utilizamos múltiplas representações,

fizemos simulações e discutimos aspectos matemáticos e não matemáticos

estruturantes do modelo de cobrança adotado pela SANEPAR.

91

No terceiro encontro as atividades realizadas foram:

Atividades Objetivos

Investigação com compras

parceladas

Analisar uma propaganda de

eletrodoméstico.

Construir uma planilha para identificar a

taxa mensal de juros.

Fazer um comparativo gráfico entre a

compra parcelada e um investimento para

compra futura à vista.

Utilizando um site de busca,

identificar diferentes anúncios

relativos à venda do mesmo produto.

Identificar outras opções de compra, como

com o cartão de crédito, por exemplo.

Planilha de operações com frações

Reconhecer a semelhança dessa atividade

com o que costumeiramente se faz com

papel e lápis, chamando a atenção para a

possibilidade de “adequação”10 das

tecnologias de modo a permanecer numa

zona de conforto.

Quadro 4 - Atividades e Objetivos do Terceiro Encontro

Desse terceiro encontro, selecionamos uma atividade que será descrita

detalhadamente na seção 4.2.3, a fim de que o leitor perceba melhor a dinâmica de

desenvolvimento de todas as atividades realizadas com as professoras

participantes.

Cabe, portanto, no momento, apenas comentar a respeito da construção que

fizemos para as operações com frações.

Ao convidar as professoras para construir uma planilha onde pudéssemos

executar as operações de adição, subtração, multiplicação e divisão de números

10

“Adequação” no sentido de utilizar as TIC somente para realizar procedimentos matemáticos que possam ser

controlados de modo que o professor possa se antecipar aos acontecimentos evitando a exposição a situações

inusitadas.

92

racionais pretendíamos identificar se elas estariam atentas ou não à similaridade

desse trabalho com aquilo que fazem rotineiramente em sala de aula, sem o auxílio

das TIC.

Na análise da atividade frente à Filosofia da Educação Matemática Crítica e

da opção por abordar as TIC em uma zona de risco, o grupo discutiu como a

adequação das TIC ao paradigma do exercício configura apenas a inserção das

tecnologias em sala de aula, e não a sua integração, como discutem Bittar,

Guimarães e Vasconcellos (2008). Para esses autores, a inserção ocorre quando o

professor utiliza as TIC apenas em situações incomuns e esporádicas. Já a

integração pressupõe o uso das TIC de forma natural no desenvolvimento dos

processos de ensino e de aprendizagem abrangendo todas as suas fases, inclusive

a avaliação.

As atividades do quarto encontro foram as seguintes:

Atividades Objetivos

Juros simples e juros compostos

Identificar os comandos da planilha que

possibilitam calcular os juros simples e

compostos.

Construir uma planilha para calcular

montante, capital, juros, taxa e tempo, para

os casos de juros simples e compostos.

Identificar algumas situações em que são

aplicados juros simples e outras em que

são aplicados juros compostos.

93

Unidades de capacidade de

armazenamento utilizadas na

informática

Rever números binários.

Comparar o sistema internacional de base

10 com o sistema binário.

Comparar as designações em bits e em

bytes.

Discutir as formas como são

costumeiramente apresentadas essas

unidades nos encartes publicitários.

Quadro 5 - Atividades e Objetivos do Quarto Encontro

As atividades desenvolvidas nesse quarto encontro foram escolhidas em

decorrência de alguns comentários das professoras em relação ao papel da

Matemática no desenvolvimento das tecnologias digitais. O sistema de numeração

binário e as unidades de capacidade de armazenamento de dados, mesmo estando

presentes nos livros didáticos, ainda carecem de maiores discussões no meio

escolar. Por tratarem-se de construção que só foi possível pelo uso da Matemática,

oferecem-nos a oportunidade de debater sobre como é possível que sejam criadas

realidades a partir da Matemática.

Com relação aos juros simples e compostos, a abordagem foi decorrente da

atividade com compras parceladas do terceiro encontro. As professoras

manifestaram interesse em desenvolver tais cálculos na planilha, e de conhecer

quais comandos relativos a esses temas estavam disponíveis na mesma. Embora os

trabalhos tenham se concentrado na programação de fórmulas de Matemática

Financeira e nos comandos do software, o tema propiciou novamente a identificação

de padrões utilizados pela e na sociedade, que têm sua construção definida pela

lógica matemática, no caso, os sistemas de cobrança de juros.

94

As atividades a seguir foram realizadas no quinto encontro:

Atividades Objetivos

Vídeo do Telecurso sobre figuras

geométricas. Explorando

quadriláteros - Teleaula 41.

Despertar o interesse pelas propriedades

dos quadriláteros.

Construção de um paralelogramo no

GeoGebra.

Apresentar algumas funcionalidades do

software através de uma atividade familiar

às professoras.

Vídeo sobre comprimento do arco da

circunferência.

Chamar a atenção das professoras para o

caráter dinâmico do GeoGebra.

Construção de circunferência e

determinação do comprimento de

seu arco no GeoGebra.

Observar como as professoras

desenvolveriam uma atividade que já

haviam assistido em vídeo.

Questionar as professoras sobre atividades

estruturadas passo a passo.

Quadro 6 - Atividades e Objetivos do Quinto Encontro

Esse foi o primeiro encontro em que abordamos o uso do software GeoGebra.

Assim como fizemos nos trabalhos com a planilha de cálculo, procuramos identificar

funcionalidades do software que pudessem contribuir com a realização dos

procedimentos que considerávamos necessários no desenvolvimento das

atividades.

Foram dois momentos distintos, ambos envolvendo vídeos. O primeiro vídeo

abordava conceitos geométricos, em diferentes contextos da realidade das pessoas,

sem fazer uso das TIC para desenvolver técnicas de construção de figuras

geométricas. O segundo vídeo, ao contrário, apresentava um roteiro de construção

geométrica empregando o GeoGebra.

A partir desses dois vídeos desencadeamos duas abordagens bastante

diferentes quanto ao uso das TIC. No primeiro caso, com base nos diálogos dos

personagens e nas propriedades das figuras geométricas, o grupo procurou por

ferramentas do GeoGebra que viabilizassem as construções. Configurou uma

95

investigação quanto às propriedades matemáticas nos momentos em que os

aspectos dinâmicos do GeoGebra foram empregados, além da própria investigação

das funcionalidades do software. No segundo caso, depois de assistir ao vídeo,

fizemos a reprodução da construção que havia sido apresentada. Nesse caso,

embora a capacidade dinâmica do software possibilitasse diferentes leituras em

função da manipulação da construção geométrica, o fato de conhecermos

previamente um caminho para o resultado, não instigou o grupo a investigar

diferentes alternativas de construção. Isso foi claramente percebido nessa atividade.

No sexto encontro, as atividades foram:

Atividades Objetivos

Localização dos pontos notáveis de

um triângulo (baricentro, incentro,

ortocentro e circuncentro).

Observar o deslocamento desses pontos

enquanto manipulávamos o triângulo,

alterando seus lados e ângulos.

Apresentar outras ferramentas do

GeoGebra.

Explorar a ferramenta “mover” para

identificar propriedades geométricas.

Relacionar os aspectos dinâmicos do

software com o atendimento aos princípios

da EMC.

Quadro 7 - Atividades e Objetivos do Sexto Encontro

Explorando o traçado de mediatrizes, alturas e medianas, bem como a

movimentação dos vértices dos triângulos o grupo investigou o comportamento dos

pontos notáveis dessas figuras.

É certo que as investigações conceituais estão ligadas ao caráter técnico da

matemática, que não podemos deixar de trabalhar com nossos alunos. No entanto, o

emprego das TIC, se apresenta como uma alternativa que pode propiciar a

construção do conhecimento pela descoberta.

96

No sétimo encontro, realizamos as atividades a seguir:

Atividades Objetivos

Construção de funções do primeiro

grau a partir de contextos

conhecidos. Determinação do salário

de um trabalhador comissionado.

Interpretar a função dentro de um contexto

“real”.

Introduzir uma função no GeoGebra.

Construir gráficos no GeoGebra

observando seu comportamento segundo

os coeficientes da função.

Vídeo (youtube) sobre funções,

lucro, receita e despesa.

Analisar um contexto real que foi descrito

com o auxílio da Matemática.

Determinação da função lucro.

Observar o comportamento da função lucro

através do gráfico construído no

GeoGebra.

Interpretar a função dentro de um contexto

“real”.

Observar o comportamento gráfico da

função, segundo seus coeficientes.

Quadro 8 - Atividades e Objetivos do Sétimo Encontro

As professoras já haviam ouvido falar muito a respeito do uso do GeoGebra

para estudar funções. Entretanto, ainda não tinham nenhuma experiência nesse

sentido, ou seja, utilizando o software. Sugerimos, então, que fosse considerado o

estudo de uma função que representasse algo da realidade próxima dos alunos. A

professora P2 comentou que muitos de seus alunos, ao ingressarem no Ensino

Médio, também ingressam no mercado de trabalho, e muitos como vendedores. Isso

levou o grupo a discutir sobre a forma como se define o salário de muitos

vendedores comissionados, de forma que se chegou à expressão algébrica para tal,

antes de qualquer interação com o software.

Representando graficamente, através do GeoGebra, aquela função, as

professoras experimentaram diferentes possibilidades de comissão, levando ao

estudo da taxa de variação, ou coeficiente angular da função f(x)=ax+b.

97

A seguir assistimos a um vídeo que discutia as funções lucro, receita e

despesa, disponível no youtube. Tais conceitos levavam à construção e análise de

uma função do segundo grau. Construímos, então, uma semirrealidade com base no

vídeo, envolvendo uma empresa familiar, de confecção. Em decorrência disso,

construímos as funções sem o auxílio das TIC e depois as representamos

graficamente no GeoGebra.

A partir de então, foi explorado o comportamento das funções de segundo

grau, segundo as variações de seus coeficientes, além da construção de uma

parábola a partir de sua definição como lugar geométrico.

O assunto “funções” favorece o desenvolvimento de muitas investigações,

seja sobre a própria Matemática ou sobre um determinado contexto, modelado

através de uma ou várias funções. Isso também traz a possibilidade de discutirmos

sobre a constituição dos modelos matemáticos, suas aplicações e seus efeitos na

sociedade.

Para o oitavo encontro, havíamos combinado que as professoras trariam

atividades para desenvolvermos juntos. Por sugestão delas, as atividades foram:

Atividades Objetivos

Cálculo de área total e volume de

paralelepípedos e cilindros.

Desenvolver cálculos de área e volume

através da planilha.

Utilizar o GeoGebra para construir as

representações planificadas.

Função quadrática na planilha e no

GeoGebra.

Observar o comportamento da parábola

segundo as alterações efetuadas em seus

coeficientes.

Comparar as funcionalidades da planilha

de cálculo e do GeoGebra para esse tipo

de atividade.

98

Embalagens

Discussão sobre o formato das

embalagens. Economia versus praticidade

e funcionalidade.

Quadro 9 - Atividades e Objetivos do Oitavo Encontro

A professora P5 sugeriu que discutíssemos sobre área e volume de

paralelepípedos e cilindros, pois considerava um tema próximo às necessidades dos

alunos, mas que ainda não havia visto um trabalho com esses assuntos utilizando as

TIC. Assim, através do GeoGebra fizemos a representação da forma planificada

tanto do cilindro quanto do paralelepípedo e, em seguida, utilizando a planilha,

calculamos a área e o volume dos mesmos.

Investigamos, então, o comportamento da área e do volume segundo

variações nas medidas de raio, aresta e altura das figuras.

Em seguida a professora P4 sugeriu que explorássemos o comportamento da

parábola segundo a variação dos coeficientes da função do segundo grau, utilizando

a planilha de cálculo, já que havíamos feito isso através do GeoGebra.

Por último, a professora P6 retomou o assunto de área e volume, discutindo

sobre as formas menos dispendiosas em termos de material para confecção,

relacionando com a praticidade de manuseio e sua funcionalidade.

Como síntese do encontro, analisamos de que forma havíamos

desencadeado investigações, matemáticas ou não, e de que forma elas traziam para

a sala de aula as preocupações da EMC em relação aos papeis que a EM

desempenha em nossa sociedade.

A seguir descreveremos, detalhadamente, uma das atividades desenvolvidas

nos encontros.

4.2.2 Descrição Detalhada de uma das Atividades.

Conforme já mencionamos as atividades desenvolvidas procuraram abordar

os princípios da EMC. No entanto, nas discussões que encerravam cada encontro,

percebemos que as professoras atribuíram diferentes graus de alcance quanto ao

99

potencial de desenvolver um ensino crítico de Matemática em cada trabalho

realizado.

A atividade que escolhemos para apresentar nessa seção foi a que se refere

a compras parceladas, devido à motivação que despertou no grupo e seu alcance

em relação à EMC.

Trata-se de uma atividade centrada na Matemática Financeira que foi

considerada, pelo grupo, como completa em relação àqueles critérios estabelecidos

como relevantes à EMC. Foi uma atividade investigativa, baseada num contexto

real, que despertou o interesse do grupo em estruturar matematicamente uma

análise numérica da situação. Configurou-se numa investigação na medida em que

o grupo passou a analisar distintas possibilidades financeiras e explorar

numericamente mecanismos para identificar a taxa mensal de juros.

Partindo de um anúncio recente encontrado em um encarte publicitário de

uma loja local, conforme os dados a seguir, o pesquisador propôs às professoras

que analisassem aquela oferta:

Refrigerador Electrolux DC34A Branco

110/220V

Código do produto: 31501/31502

Porta-latas e gavetão transparente para frutas e verduras,

31 parcelas, sem entrada = R$ 1.856,90

À vista: R$ 999,00

R$ 59,90 mensais.

Quadro 10 - Anúncio Publicitário Fonte: Encarte publicitário.

De imediato o grupo manifestou interesse em analisar a oferta, entendendo

tratar-se de um eletrodoméstico importante para todos os lares e por não constar na

publicidade a taxa mensal de juros relativa à compra parcelada. A planilha eletrônica

foi escolhida para tratar dessa atividade, pois pareceu, ao grupo, naturalmente

relacionada à análise numérica que pretendíamos desenvolver.

100

O primeiro questionamento que surgiu do grupo foi referente aos juros.

Quanto pagará de juros aquele que comprar a prazo? Qual é o percentual que esse

valor representará na compra? Identificado o valor dos juros, em reais, de imediato

veio à tona a “regra de três” como procedimento para determinação do percentual de

juros. Assim, após registrado o valor à vista, o valor da prestação e o número de

parcelas na planilha, discutiu-se como implementar o algoritmo da regra de três. As

professoras ainda não tinham muitos conhecimentos sobre os comandos

apropriados, fazendo com que a atividade ficasse um pouco demorada, mas foi

concluída por todas as professoras, conforme a figura 3:

Figura 3 - Identificação do Percentual Total de Juros Fonte: Elaborada pelo grupo.

No decorrer dos trabalhos surgiu, também, o questionamento sobre a taxa

mensal de juros e, aí, um certo impasse. Nos anos finais do Ensino Fundamental,

em geral não se ensina aos alunos como calcular a taxa de juros em uma compra

parcelada (Sistema PRICE). No entanto, decidimos investigar essa taxa por meio da

planilha pensando na “lógica do crediário”. Os juros deveriam ser calculados sobre o

saldo devedor que, após cada pagamento, seria reduzido pela subtração do valor da

parcela paga, até que zeraria com a quitação da última parcela. Seguindo esse

raciocínio, as células de uma das colunas da planilha foram numeradas de 0 a 31,

correspondendo à data da compra, representada por 0, e às dos pagamentos,

indicadas de 1 a 31 (Figura 4). Em seguida o grupo estimou uma possível taxa, no

caso 2% a.m., e estabeleceu como realizar o cálculo da capitalização dos juros e

dedução do valor da parcela paga:

(saldo devedor acrescido de 2% de juros, menos o valor da parcela)

101

Com o comando arrastar11 pudemos observar mês a mês como se alterava o

valor do saldo devedor.

Figura 4 - Comportamento do Saldo Devedor na Hipótese de que a Taxa de

Juros seja de 2% a.m. Fonte: Elaborada pelo grupo.

O comando digitado na célula B4 corresponde ao valor da compra mais um

mês de juros sobre este valor, menos o valor da parcela paga. O uso do cifrão foi

necessário para definirmos a taxa como constante em todas as operações da

coluna. Com isso foi possível utilizar o comando arrastar.

Com a hipótese inicial de uma taxa de juros de 2% a.m., foi verificado, a partir

do 21º pagamento, um saldo devedor negativo, que gerou o questionamento: por

que saldo devedor negativo? Após algumas análises, as professoras concluíram que

a taxa estimada pelo grupo era menor que a real, pois o saldo devedor havia zerado

antes do 31º pagamento. Assim outras taxas foram testadas (Figura 5) e, finalmente

o grupo concluiu que a taxa correta estava muito próxima da 4,4% a.m., já que, com

essa taxa o saldo devedor estava próximo de zero após ao último pagamento:

11

O comando arrastar, nas planilhas de cálculo, consiste em clicar (e manter pressionado) o botão direito do mouse no vértice inferior direito da célula cujo conteúdo deseja-se reproduzir/atualizar nas células da coluna (ou mesmo da linha) e arrastar por quantas células desejar. Caso o conteúdo da célula seja uma fórmula referenciada em outras células, o comando arrastar atualiza as referências de tais células, a menos que se utilize o $ entre a indicação da coluna e da linha da referida célula, o que torna seu conteúdo uma constante.

102

Figura 5 - Comportamento do Saldo Devedor Segundo Taxas de Juros

Hipotéticas Fonte: Elaborada pelo grupo.

Aproveitamos, ainda, para apresentar às professoras as funções da planilha

que fornecem a taxa de juros cobradas em anuidades, utilizando os comandos PV

(valor presente), PGTO (valor da parcela), NPER (número de parcelas), tipo (1)

indicando pagamento no início do período e (0) indicando pagamento no final do

período), FV (valor futuro – saldo esperado ao término dos pagamentos), estimativa

(valor em torno do qual está a taxa procurada) e TAXA (correspondendo à taxa de

juros relativa à periodicidade das parcelas). A Figura 6 traz as informações relativas

a esses comandos, que podem ser acessados via ícone <fx>, na barra de

ferramentas, ou via função inserir, escolhendo a opção financeira seguida da opção

taxa:

Figura 6 - Comandos que Determinam a Taxa de Juros em Anuidades Fonte: Elaborada pelo grupo.

103

Continuando a explorar a mesma situação problema, uma professora levantou

a possibilidade de fazer uma poupança para juntar o dinheiro e realizar a compra à

vista, no futuro. Com isso o grupo passou a investigar como seria tal poupança. As

professoras, individualmente ou em grupo, construíram planilhas para acompanhar o

saldo credor considerando depósitos de R$ 59,90 e rendimentos de 0,5% a.m.,

conforme vigorava a remuneração da poupança naquele momento (juros de 6% a.a.

capitalizados mensalmente a razão proporcional). A TR (taxa referencial), que

também compunha o rendimento da poupança, foi desconsiderada para facilitar as

operações. Em geral, as construções na planilha foram em forma de coluna,

iniciando com um primeiro depósito de R$ 59,90 na primeira célula. A partir da

segunda linha, algumas professoras calcularam os juros separadamente para depois

somar ao saldo anterior e ao novo depósito. Outras, fizeram esse processo

utilizando a multiplicação por 1,005 mais o novo depósito. Por fim, com o auxílio do

pesquisador, que também digitava as fórmulas na planilha e projetava as imagens, o

grupo organizou a planilha da Figura 7:

Figura 7 - Comparativo entre Saldo Credor e Saldo Devedor Fonte: Elaborada pelo grupo.

O saldo devedor referente ao crediário, registrado na coluna C, é capitalizado

a 4,443% a.m. e deduzido dos pagamentos de R$ 59,90. Na coluna D estão

registrados os valores do saldo credor considerando uma poupança com depósitos

mensais iguais aos valores das parcelas (R$ 59,90) e rentabilidade de 0,5% a.m.

Verificando que o saldo credor superava os R$ 999,00, valor à vista do

refrigerador, logo após ao 17º depósito, e que, após ao 31º depósito, o poupador

104

teria à sua disposição mais de dois mil reais, as professoras levantaram algumas

hipóteses em relação a possíveis alterações de preço do produto no decorrer dos

meses, comentando também sobre não terem o hábito de poupar para comprar à

vista, que evitaria o pagamento de juros muitas vezes abusivos.

Em seguida, por sugestão do pesquisador, foi explorada a representação

gráfica envolvendo o saldo devedor e o saldo credor. Com algumas orientações do

pesquisador quanto à seleção de dados e à escolha do modelo de gráfico, o grupo

obteve como resultado o gráfico da Figura 8.

0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31

R$ 0,00

R$ 500,00

R$ 1.000,00

R$ 1.500,00

R$ 2.000,00

Comparativo entre o Saldo Devedor e o Saldo Credor

Saldo devedor

Saldo credor

nº parcelas ou depósitos

Figura 8 - Comparação entre Saldo Credor e Saldo Devedor Fonte: Elaborado pelo grupo

A análise desse gráfico levou o grupo à consideração de diferentes funções,

de acordo com o traçado das linhas. A representação de saldo devedor através de

uma curva facilitou a constatação de que não se tratava de uma função de primeiro

grau. Já o saldo credor, “aparentemente” está representado por uma reta, induzindo

tratar-se de uma função de primeiro grau. No entanto, a estrutura dos cálculos foi a

mesma em relação à capitalização de juros, diferindo apenas no fato de que para o

saldo devedor houve a subtração das parcelas e no saldo credor houve a adição dos

novos depósitos. Quando foi construída a tabela que representa o saldo devedor, os

juros eram calculados mensalmente e abatidos integralmente a cada mês. Como

não era calculado juros sobre juros, “dava a entender” tratar-se de juros simples. No

caso da poupança, sabe-se que os juros são acrescidos mensalmente sobre o saldo

105

credor, portanto constituiu um processo de juros sobre juros, ou seja, juros

compostos. Agora, na análise gráfica, observando uma curva na representação do

saldo devedor, as professoras concluíram que não poderiam ser juros simples,

enquanto que a “reta” referente ao saldo credor (da poupança) “parecia” indicar juros

simples (função de primeiro grau). O impasse foi resolvido à medida que o

pesquisador relembrou, às professoras, as fórmulas para calcular o “valor das

parcelas” e o “valor futuro” no Sistema PRICE. Esclareceu, também, que na planilha

não haviam calculado juros sobre juros no caso do saldo devedor porque tratava-se

do acompanhamento do saldo devedor e não da determinação do valor da parcela.

As dúvidas quanto à aparência de “reta” no saldo credor foram esclarecidas com a

representação de outros gráficos considerando taxas de juros mais elevadas,

fazendo com que a concavidade da curva se acentuasse.

Aproveitando, ainda, que o grupo se encontrava no laboratório de informática

onde era possível o acesso à internet, foi utilizado um site de busca para identificar

se o mesmo produto poderia ser encontrado em outras lojas com preços diferentes.

Isso desencadeou uma reflexão sobre a compra com cartão de crédito, pois uma loja

oferecia o mesmo produto, no mesmo preço à vista, parcelado sem juros no cartão.

Enfim, essa atividade proporcionou uma série de discussões matemáticas

envolvendo, inclusive, conteúdos que não compõem o rol “oficial” de temas a serem

abordados regularmente no Ensino Fundamental, como o cálculo da taxa mensal de

juros em compras parceladas. Entretanto, são temas que podem ser abordados

nesse nível de ensino e que permitem interessantes aprendizagens e reflexões

críticas. A investigação relativa à taxa mensal de juros levou o grupo a testar uma

série de hipóteses até que fosse descoberta a verdadeira taxa. As discussões

relacionadas a essas taxas também despertaram, no grupo, um olhar crítico em

relação à forma como o comércio segue padrões matemáticos na definição de seus

preços. Além disso, a representação gráfica despertou o interesse através dos

diferentes comportamentos, dos saldos, credor e devedor e da forma como podem

tanto colaborar na análise de uma função, quanto podem induzir a erros se as

análises não forem minuciosas. As professoras participantes consideraram que

houve uma investigação matemática a partir do momento em que o grupo se dispôs

a buscar um meio para calcular a taxa mensal de juros de uma forma que também

os alunos dos anos finais do Ensino Fundamental pudessem compreender. As

106

simulações com taxas distintas requeriam interpretações dos resultados. Isso,

segundo as professoras, foi facilitado por disporem dos recursos das TIC, que

conferiram precisão aos cálculos e agilizaram as operações, oferecendo um rápido

feedback a respeito de cada hipótese. A abrangência do tema, segundo as

professoras, superou suas expectativas. Identificar a taxa mensal, comparar

numericamente e graficamente o saldo credor e o saldo devedor, identificar

diferentes funções segundo o comportamento gráfico e explorar diferentes formas de

pagamento, aproximou diversos conteúdos matemáticos de situações do dia a dia.

Mais do que isso, chamou a atenção dos participantes para a análise de um

contexto formatado matematicamente. Assim, o grupo concluiu que foi possível

contemplar todos os princípios da EMC que haviam sido considerados relevantes no

planejamento de uma atividade matemática quando se almeja um ensino crítico de

Matemática.

Com relação ao papel do pesquisador, em particular nessa atividade, teve

como objetivo estruturar um ambiente de aprendizagem tipo 6 (Quadro 01, página

42). Trata-se de um cenário de investigação com referência na realidade, por nós

sugerido a partir da apresentação, ao grupo, de um encarte publicitário.

Uma vez que a taxa de juros é um dos elementos fundamentais em se

tratando de operações de crédito, seu conhecimento por parte do comprador ou

tomador de empréstimo é fundamental e sua divulgação é, inclusive, obrigatória nos

crediários. Segundo o decreto 5.903 (BRASIL, 2006) que regulamenta a Lei Federal

10.962, de 11 de outubro de 2004, a oferta e as formas de fixação de preços de

produtos e serviços para o consumidor deve sempre divulgar o preço à vista e, em

caso de parcelamento, o número de parcelas, a taxa de juros e demais encargos,

bem como o valor total a ser pago. No caso estudado, a lei não estava sendo

cumprida na íntegra já que a taxa de juros não era divulgada. Chamando a atenção

das professoras para esse fato, as instigamos a descobrirem qual era a referida

taxa.

Como esse não é um cálculo corriqueiro, sendo executado, geralmente, via

calculadoras financeiras e também não fazendo parte do rol de assuntos abordados

regularmente nos anos finais do Ensino Fundamental, orientamos as professoras a

107

investigarem a taxa de juros através da planilha eletrônica em uma análise numérica

onde poderíamos experimentar taxas hipotéticas.

Também atuamos orientando as professoras quanto a diferentes maneiras

como poderiam ser organizados os cálculos e os respectivos comandos (da planilha)

que nos auxiliariam. Identificada a taxa, passamos a estimular o debate sobre outras

alternativas para a compra do mesmo produto, adentrando em investigações sobre a

constituição de um plano de poupança e sobre o uso de cartão de crédito.

Segundo Skovsmose (2008), um ambiente que dá suporte a um trabalho de

investigação é constituído pelo convite aos alunos a formularem questões e a

procurarem explicações. E isso só é possível se os alunos aceitam esse convite. Tal

aceitação depende de como o professor faz o convite e depende também de quais

são os interesses dos alunos. Podemos considerar aqui o foreground dos alunos,

onde a discussão sobre atividades econômicas poderiam, ou não, fazer parte de

suas expectativas futuras. Em nosso caso, as professoras aceitaram o convite.

4.2.3 Síntese da Metodologia Adotada no Desenvolvimento das Atividades.

As atividades, em sua grande maioria, foram desenvolvidas a partir da análise

de um contexto real do entorno dos participantes.

Com base em encartes de propaganda, faturas de contas de água e luz, ou

em relatos de acontecimentos vivenciados pelos participantes, o grupo promovia

uma discussão sobre o tema. Aspectos matemáticos e não matemáticos eram

considerados e debatidos.

As estruturas e os objetos matemáticos resultantes eram, então, analisados

com o auxílio da planilha e/ou do GeoGebra. Sempre tendo em mente os princípios

da EMC, procurava-se promover investigações empregando simulações e múltiplas

representações, tentando ir além do que as professoras estavam habituadas a fazer

com papel e lápis. Outro aspecto considerado era o papel “daquela Matemática” no

contexto social. Como responsável pela condução da formação, ajudávamos as

professoras a ficarem atentas à forma como a Matemática age na sociedade; o

grupo procurava tomar consciência das estruturas matemáticas que de alguma

forma compunham o contexto.

108

Na planilha, a praticidade das simulações numéricas geralmente precediam

as representações e análises gráficas. No GeoGebra, as estruturas algébricas eram

relacionadas com as representações gráficas e as construções geométricas eram

exploradas de forma dinâmica. Os comandos dos softwares foram explorados

segundo as necessidades das atividades desenvolvidas. À medida que o grupo

decidia o que desejava calcular, representar, mover, etc., buscava-se uma

ferramenta que pudesse auxiliar naquele trabalho.

O pesquisador e também as professoras participantes sempre prestavam

auxílio quanto ao uso dos recursos das TIC quando algum colega requeria ou

demonstrava alguma dificuldade. A ajuda mútua entre os participantes era

constante. Respeitando os ritmos individuais, não era introduzida uma nova

atividade antes que todos tivessem concluído o trabalho. Assim, as atividades foram

desenvolvidas e aprofundadas segundo as necessidades e os interesses

manifestados pelo grupo. Em cada atividade, o pesquisador instigava o grupo a uma

análise a respeito dos princípios da EMC que teriam sido contemplados. Dessa

forma, o pesquisador atuou como incentivador, dando suporte, às professoras, em

relação as TIC, estimulando o grupo nas indagações relativas ao papel da EM no

contexto sociopolítico. Decorrente do fato das professoras não utilizarem as TIC em

suas aulas, devido a fatores como desconhecerem metodologias para tal, várias das

atividades desenvolvidas foram por nós sugeridas. Como alternativa para isso,

optamos por abordar um tema que a princípio julgávamos pertinente ao contorno

social dos alunos. Essa abordagem envolvia uma discussão com base nos

conhecimentos do grupo sobre o tema e, em alguns casos, a leitura de textos. Essa

introdução gerava algum tipo de questionamento, por parte das professoras ou por

parte do pesquisador, tendo em vista uma análise matemática da situação.

Decorrente de tais questionamentos, o pesquisador sugeria ao grupo

investigar matematicamente o tema com a planilha, com o GeoGebra ou ambos.

Escolhido o recurso a ser utilizado, e o que desejávamos calcular, representar ou

experimentar, era preciso apresentar às professoras alternativas para efetivar a

realização do estudo proposto. No caso, se o grupo estava interessado em

identificar uma determinada taxa de juros, experimentando ou testando hipóteses,

auxiliávamos as professoras na escolha de funções e comandos, da planilha ou do

109

GeoGebra, que dariam suporte a tal empreendimento. Na sequência, juntos,

implementávamos o que havia sido proposto, ajudando-nos, mutuamente.

Por se tratar de uma formação inicial, com relação à EMC, as professoras não

estavam habituadas a considerarem em suas práticas as preocupações que

norteiam a EMC, referentes ao papel sociopolítico da EM. Isso fez com que o

pesquisador tivesse que assumir um papel de guia, procurando mostrar caminhos e

possíveis análises que desencadeariam esse tipo de abordagem da Matemática na

sociedade. Por exemplo, na atividade que iniciou com a eleição de um auxiliar de

laboratório de informática, estimulamos o grupo a investigar a metodologia de

pesquisa adotada por um instituto de pesquisa, desencadeando uma análise sobre a

Matemática que dá suporte a esse tipo de empreendimento social que tanto

influencia na opinião pública.

No presente capítulo descrevemos o grupo participante da investigação e as

atividades desenvolvidas durante os encontros, além da participação do

pesquisador. No próximo capítulo traremos os dados construídos a partir de todas as

interações que tivemos com o grupo, bem como nossas análises.

110

111

CAPÍTULO 5 - DESCRIÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

Nesse capítulo, vamos apresentar os dados, interpretando-os e analisando-os

com base nas categorias que construímos a partir deles, procurando evidenciar as

compreensões reveladas pelas professoras ao vivenciarem essa experiência de

formação na perspectiva da EMC.

5.1 Método de Análise

Conforme descrito no Capítulo 1, o método de análise de dados que

empregamos foi a Análise de Conteúdo. Como primeira etapa selecionamos o

material que comporia o conjunto de dados a serem analisados. Assim, as

transcrições das entrevistas (inicial e final), as transcrições das gravações (áudio e

vídeo) dos encontros, os textos produzidos pelas professoras e as anotações do

pesquisador constituíram o material a ser analisado.

A partir da seleção do material, procedemos a unitarização. As unidades de

análise constituem trechos das falas das professoras nas entrevistas e em suas

interações com o grupo, parágrafos dos textos produzidos pelas professoras e

comentários do pesquisador.

Agrupamos essas unidades segundo aspectos que julgamos relevantes

dentro de unidades de análise, construindo, assim, categorias de análise. Portanto,

as categorias emergiram dos dados, ou seja, estabelecemos o foco do estudo nos

aspectos que as unidades de análise melhor descreviam.

Em decorrência desses procedimentos, ficaram estabelecidas as seguintes

categorias:

Compreensões do grupo a respeito de EMC

Compreensões do grupo a respeito das contribuições das TIC para a

EMC

Compreensões do grupo a respeito do trabalho docente em relação à

EMC.

112

As compreensões do grupo a respeito de EMC agrupam aquelas unidades em

que as professoras se posicionaram em relação à EMC, nas entrevistas, em seus

textos e em momentos de análise das atividades desenvolvidas.

As compreensões do grupo a respeito das contribuições das TIC para a EMC

englobam unidades que explicitam como as professoras compreenderam o uso das

TIC para o desenvolvimento de atividades da forma como foram concebidas nessa

investigação.

As compreensões do grupo a respeito do trabalho docente em relação a EMC

correspondem a unidades que revelam como as professoras veem seu trabalho em

relação aos princípios da EMC.

Na descrição do conteúdo de cada unidade de análise, quarta etapa do

método, como descrito por Moraes (1999), traremos o contexto que propiciou

determinadas interações, bem como transcrições diretas das participações dos

envolvidos.

Por fim, na discussão dos dados buscaremos estabelecer ligações entre as

informações coletadas, o referencial teórico que dá suporte a essa investigação e

nossa pergunta de pesquisa, ou seja, quais compreensões são reveladas por um

grupo de professores ao se inserirem em um processo de formação

continuada na perspectiva da EMC?

As cinco etapas, se complementam e interagem, a ponto de que em nossa

investigação as etapas quatro e cinco não se distinguem completamente. Ao

descrevermos e interpretarmos os dados dentro das categorias de análise, também

buscamos discuti-los com vistas ao referencial teórico.

Nas próximas seções traremos a descrição e interpretação dos dados

relativos a cada uma das categorias.

113

5.2 Categorias de Análise

Na figura a seguir apresentamos as categorias de análise correspondentes às

compreensões reveladas pelo grupo.

Questão

de

Pesquisa

Categorias de Análise Subcategorias de Análise

Qu

ais

co

mp

ree

nsõ

es s

ão

re

ve

lad

as p

or

um

gru

po

de

pro

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on

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co

m o

uso

da

s

TIC

na

pe

rspe

ctiva

da

EM

C?

Compreensões do Grupo a Respeito

de EMC

Ação Sociopolítica da

Matemática

Caráter Investigativo

Matematizar Situações

Relevantes aos Alunos

Identificação com a EMC

(In)Compreensões

Compreensões do Grupo em

Relação às Contribuições das TIC

para a EMC

Favorecimento a Investigações

Favorecimento a Múltiplas

Representações

Compreensões do Grupo a Respeito

do trabalho Docente em Relação à

EMC

Posicionamento em Relação

às Atividades

Posicionamento em Relação a

suas Praticas

Figura 9 – Categorias de análise

5.2.1 Compreensões do Grupo a Respeito de EMC

A Filosofia da Educação Matemática Crítica era um assunto pouco conhecido

entre aqueles professores do Sudoeste do Paraná que participaram de nossa

investigação.

Todas as professoras participantes alegaram que estavam tendo contato com

essa filosofia, pela primeira vez, em nossos encontros. Mesmo utilizando com

114

alguma frequência a expressão “aluno crítico”, referindo-se a alunos que fazem

muitas perguntas, que exigem explicações mais convincentes e que parecem se

importar mais com as coisas que lhes são ensinadas, as professoras não faziam

uma relação de crítico com crítica aos papéis sociopolíticos desempenhados pela

EM. A relação que, por vezes, é mencionada é relativa à crítica quanto às possíveis

aplicações dos conteúdos matemáticos.

Assim, no desenvolvimento dessa investigação, apresentamos, às

professoras, a Filosofia da Educação Matemática Crítica segundo as concepções de

Ole Skovsmose. Para isso, disponibilizamos para as professoras três textos

referentes às obras do autor. Uma resenha do livro Educação Crítica: incerteza,

matemática, responsabilidade (SKOVSMOSE, 2007) escrita por Ubiratan

D’Ambrósio (2008), uma resenha do livro Desafios da Reflexão em Educação

Matemática Crítica (SKOVSMOSE, 2008) escrita por Marco Aurélio Kristemann Jr.

(2010) e um artigo intitulado Educação Matemática Crítica e Práticas Pedagógicas

(PAIVA; SÁ, 2011). Nosso intuito foi colocar as professoras a par das interpretações

que outros pesquisadores fazem a respeito das obras de Skovsmose de modo que o

nosso entendimento sobre EMC não fosse a única referência do grupo.

Decorrente dos textos analisados e das atividades desenvolvidas,

percebemos compreensões manifestadas pelas professoras com relação à ação

sociopolítica da Matemática, ao caráter investigativo das atividades, às situações

relevantes para os alunos, à autoidentificação com a EMC e às (in)compreensões

acerca da EMC, aspectos que passaremos a discutir a seguir.

5.2.1.1 Ação Sociopolítica da Matemática

As leituras e as discussões ocorridas durante a elaboração e desenvolvimento

das atividades despertaram, nas professoras, diferentes olhares com relação à EM.

Nos textos a seguir podemos perceber que se surpreenderam com relação à

ação sociopolítica da Matemática:

115

Figura 10 - Protocolo 1 Fonte: Reflexões da professora – P7.

Figura 11 - Protocolo 2 Fonte: Reflexões da professora – P4.

Elas revelam que as preocupações levantadas por Skovsmose (1999) a

respeito da função da Matemática na estruturação ou manutenção de alguns

aparatos sociais ainda não faziam parte de suas compreensões acerca da

Matemática. Em contrapartida, percebe-se, nessas falas, o despertar para um novo

olhar a respeito das funções desempenhadas pelos conteúdos matemáticos e a

forma como são abordados. As análises de Alro e Skovsmose (2006) a respeito das

listas de exercícios estruturadas na forma de comandos como calcule, resolva e

efetue, entre outros, despertaram nas professoras um questionamento quanto às

práticas, fundamentadas no treinamento e na repetição, a que os alunos são

submetidos.

116

Assim como essas professoras, as outras também alegaram nunca terem se

questionado a respeito de como a Matemática está presente na estruturação de

vários contextos sociais em que estamos inseridos. De maneira geral as professoras

desenvolviam suas aulas dentro do “paradigma do exercício”, mas o contato com a

EMC lhes chama atenção para uma possível consequência dessa prática, ou seja,

promover a passividade dos alunos perante ordens. Quando a professora diz,

“contribui para que este aprenda a fazer somente o que lhes mande”, está

reconhecendo que a prática de ensino fundamentada em exercícios não é coerente

com os princípios da EMC onde se deseja uma formação capaz de gerar

empowerment.

A professora P4, nesse mesmo sentido registrou:

Figura 12 - Protocolo 3 Fonte: Reflexões da professora – P4.

Essas “ordens” tão comuns nos exercícios matemáticos são discutidas por

Alro e Skovsmose (2006). Considerando a grande quantidade de exercícios, a que

os alunos são submetidos durante o período escolar, quase sempre em forma de

comandos, os autores cogitam a hipótese de que esse tipo de ensino seja útil na

preparação dos estudantes para atuarem em funções que requerem disciplina e

adaptação a rotinas. Assim, a Matemática agiria como um dos pilares da sociedade

tecnológica, preparando bem, tecnicamente, uma parcela dos estudantes e, ao

mesmo tempo, dotando a totalidade dos estudantes de uma atitude funcional dentro

do modelo socioeconômico vigente:

No sistema educacional, a EM funciona como a mais significativa introdução à sociedade tecnológica. É uma introdução que tanto dota (uma parte dos) estudantes com habilidades técnicas relevantes, quanto dota (todos os) estudantes com uma atitude “funcional” em relação à sociedade tecnológica. (SKOVSMOSE, 2001, p.32).

117

Essa atitude funcional está relacionada às estruturas de poder dominantes, de

modo que submeter os estudantes a situações de “controle” e “obediência” seria

uma atitude deliberada com o intuito de constituir uma massa humana passiva e

manipulável. Skovsmose (2008) também relaciona esse fato com a ausência de

reflexão na EM dizendo:

Os sistemas educacionais devem suprir mão-de-obra qualificada de acordo com uma matriz que representa a demanda social por competências. Há grupos que devem ter uma boa formação em Matemática; há os que precisam apenas saber usar certas técnicas matemáticas; há os que devem ser capazes de ler diagramas; e os que devem conhecer a Matemática embutida em procedimentos; para a maioria, por fim, basta conhecer a Matemática que lhe possibilita fazer compras e lidar com pagamentos e transações bancárias. (SKOVSMOSE, 2008, p. 57).

As “ordens” a que a professora se referiu poderiam nos “levar a pensar a EM

como uma forma de disciplinar os alunos a seguir as regras que aparentemente

mantêm a ordem na sociedade” (SKOVSMOSE, 2008, p. 58).

O texto da professora P4, apresentado na Figura 11, traz indícios de que seu

contato com a EMC despertou novos olhares sobre a EM. “Jamais tinha pensado”

como “disparamos ordens aos educandos” traduz o quão profundamente os

professores estão vinculados à formação puramente técnica dos algoritmos

matemáticos, mergulhados em procedimentos e padrões.

No terceiro encontro, quando discutíamos sobre quais aspectos da EMC

havíamos abordado com a atividade sobre a fatura de água, as professoras P5 e P8

comentaram:

P5R3 – Trabalhamos com a realidade dos alunos, com a parte social e a

aplicabilidade da Matemática.

P8R3 – Nós conseguimos um exemplo de formatação da sociedade através de

modelos matemáticos.

Elas identificaram elementos como “realidade dos alunos”, “parte social” e

“formatação da sociedade” que de fato dizem respeito às preocupações da EMC, ou

seja, analisaram a atividade com referência nessa filosofia.

Assim, mesmo sendo um conceito novo para as professoras, percebemos que

elas compreenderam a ação social da Matemática, considerando-a como um modo

118

de estruturar determinados aspectos da sociedade. Além disso, elas também

reconhecem como “ação da Matemática”, a influência que a mesma exerce sobre os

estudantes no sentido de moldá-los.

A seguir discutiremos as compreensões das professoras quanto ao caráter

investigativo das atividades.

5.2.1.2 Caráter Investigativo

Os cenários de investigação com referência na realidade, o ambiente de

aprendizagem (6) mostrado no Quadro 1, página 42, da matriz proposta por

Skovsmose (2008), foram a inspiração do grupo para o planejamento de atividades

que contemplassem investigações. Nesse sentido, a professora P7 escreveu:

Figura 13 - Protocolo 4 Fonte: Reflexão da professora – P7

119

Ela aborda, dentre outras, a investigação como forma de desenvolvimento

crítico, sugerindo que os professores utilizem diferentes estratégias como atividades

com referência à realidade, os jogos e a própria Matemática Pura.

A professora P8, por sua vez, na segunda entrevista resgatou as

investigações identificando a forma como “exploramos” as atividades pertinentes ao

background dos alunos:

P8E2 - Dá para entender a ideia dele [Skovsmose], dá para entender que você

consegue contextualizar mesmo, que você traz para o dia-a-dia. Isso que é

importante, com atividades simples. O senhor não levou nada de mirabolante, levou

tudo coisas que nós convivemos no dia-a-dia; só a maneira de explorar é que foi

assim... que chamou a atenção de como é fácil explorar.

As compreensões das professoras estão de acordo com Skovsmose (2008)

que sustenta que a Educação Matemática deve mover-se entre os diferentes

ambientes de aprendizagem (descritos no Capítulo 2, página 42) e que, além disso,

esse movimento pode também ser usado como instrumento crítico de análise do

desenvolvimento dos alunos frente aos diferentes ambientes. O autor traz, também,

as atividades investigativas referentes à realidade como aquelas que mais se

aproximam de uma formação crítica. Em suas falas, como na de P8E2 anterior, as

professoras expressam essa compreensão empregando termos como “explorar”

para caracterizar o trabalho com os alunos. Dessa forma, o grupo priorizou essas

atividades considerando-as investigativas tanto nos aspectos matemáticos técnicos

quanto sociais, conforme descrito no Capítulo 4, na investigação com compras

parceladas. Na experiência que desenvolvemos com as professoras, aspectos

técnicos surgiram e foram explorados a partir de necessidades matemáticas

desencadeadas e/ou demandadas pela leitura e interpretação do contexto que

originava a atividade. Assim, a matemacia foi abordada em seus dois aspectos:

técnico e social.

A seguir abordaremos as situações relevantes aos alunos como outro aspecto

das compreensões das professoras quanto a EMC.

120

5.2.1.3 Matematizar Situações Relevantes aos Alunos

As discussões do grupo também envolveram matematizar situações

relevantes para os alunos, “aos olhos” dos alunos. Essas situações foram

consideradas como as áreas de interesse dos alunos, vinculadas tanto a seus

backgrounds quanto a seus foregrounds. No texto a seguir, a professora aborda

essa temática dizendo:

Figura 14 - Protocolo 5 Fonte: Reflexão da professora – P5.

Essa professora, durante os encontros, sempre manifestou seu interesse em

tornar suas aulas prazerosas, afirmando que seus alunos demonstram gostar de

fazer Matemática quando trabalham com atividades que lhes dizem respeito, seja

em relação ao que vivenciam ou em suas perspectivas futuras. No texto que

escreveu e nas participações orais da professora durante as discussões, pode-se

dizer que suas preocupações são pertinentes à EMC. Valero e Skovsmose (2012)

apresentam uma experiência vivida por Paola Valero, na Colômbia, quando um

aluno lhe abordou dizendo que aquilo que estavam estudando não colaboraria na

realização do que ele vislumbrava como uma possibilidade de futuro, “mudar-se para

os Estados Unidos”. Ele não via nenhuma perspectiva profissional na Colômbia na

qual pudesse empregar aqueles conhecimentos, tampouco nos trabalhos a que seria

submetido nos Estados Unidos. No foreground desse estudante não tinha espaço

para a Matemática da forma como lhe era apresentada. Quando P5 menciona

“problemas relevantes para os alunos” porque “desta maneira o aluno vai se sentir

parte da atividade”, ela manifesta sua compreensão a respeito da relevância de uma

EM preocupada com a dimensão social desse conhecimento.

A professora P4 também compreende que o aluno precisa atribuir um

“sentido”, próprio à sua existência, para os conteúdos que lhe são apresentados;

caso contrário “não tem porque se apropriar deste conhecimento”:

121

Figura 15 - Protocolo 6 Fonte: Reflexões da professora – P4.

Também a professora P1 durante a segunda entrevista, quando foi

questionada a respeito de quais aspectos lhe haviam chamado mais a atenção no

planejamento e desenvolvimento das atividades, comentou:

P1E2 - Os problemas abertos envolvendo situações reais e matematizar situações

relevantes para os alunos são os itens com que mais me identifico. Acho que

trabalhando com situações reais fica mais fácil para o aluno compreender e gravar.

Eles se interessam mais pela aula.

O interesse da professora pelos problemas abertos que envolvem situações

reais relevantes aos alunos é por ela justificado como uma forma de motivar e

despertar o interesse dos alunos. Isso pode de fato ocorrer, se os alunos aceitarem

o convite para participar desse tipo de abordagem ao conteúdo matemático.

Segundo Skovsmose (2008), para que um cenário de investigação se concretize, é

preciso que os alunos aceitem o convite à investigação. Portanto, “se um certo

cenário pode ou não dar suporte a uma abordagem de investigação é uma questão

empírica que tem que ser respondida por meio da prática dos professores e alunos

envolvidos”. (SKOVSMOSE, 2008, p. 21).

As compreensões das professoras relativas ao trabalho com problemas

relevantes aos alunos são coerentes com as preocupações da EMC, pois se

enquadram nos ambientes de aprendizagem fundamentados em investigações em

contextos reais, considerando o real interesse dos alunos, seja em seus

backgrounds ou em seus foregrounds.

122

5.2.1.4 Identificação com a EMC

As professoras se identificaram com a filosofia da EMC, na qual perceberam a

presença de algumas de suas preocupações com a EM e também ampliaram seu

campo de visão sobre a mesma.

A professora P1 escreveu:

Figura 16 - Protocolo 7 Fonte: Reflexões da professora – P1

Ela manifesta seu apreço pela EMC, mas está focada nas aplicações da

Matemática; no entanto, sua compreensão a respeito da EMC, nesse texto, ainda

não engloba uma interpretação crítica a respeito do papel que a EM desempenha na

sociedade, como propõe Skovsmose (1999).

No terceiro encontro outra professora comentou:

P7R3 - Professor, encontrei um trabalho de Estatística falando sobre literacia

estatística, e olha quem estava lá: o teu autor, Ole Skovsmose. Adorei.

Essa professora havia iniciado o PDE (Programa de Desenvolvimento da

Educação do estado do Paraná), no qual uma das atividades é um projeto de

intervenção didática junto aos alunos. Ela estava inclinada a utilizar a filosofia da

Educação Matemática Crítica em seu projeto e, na busca por referencial teórico,

encontrou a literacia estatística de modo similar ao que havíamos abordado nos

encontros, a matemacia. Desse modo, ao tomar conhecimento da EMC, a

professora viu novas perspectivas para seu trabalho. Quando ela diz “adorei”, está

expressando sua afinidade com essa filosofia.

Também a professora P4 expressou seu apreço pela EMC quando no terceiro

encontro, referindo-se à forma como havíamos abordado a investigação com

compras parceladas, disse:

123

P4R3 – Imagine trabalhar isso [investigação] nos projetos que estão sendo

implantados nas escolas de tempo integral e nas oficinas. Que bom que seria!

Ela estava empolgada com a forma como foram desenvolvidas as

investigações, tanto nos aspectos das TIC quanto da EMC. As oficinas a que ela se

refere são momentos de formação continuada oferecidos pela Secretaria de Estado

da Educação do Paraná. Ou seja, ela gostaria que a formação continuada

incorporasse a visão da Matemática sob a ótica da EMC.

Em suas reflexões essa professora também registrou:

Figura 17 - Protocolo 8 Fonte: Reflexões da professora - P4

Durante os encontros ela sempre se mostrou interessada em trabalhar os

conteúdos matemáticos de maneiras diferentes. Ainda na primeira entrevista

comentou que havia participado de um curso de especialização em metodologias

diferenciadas para o ensino de Matemática. Em sua reflexão, comenta sobre as

“interpretações e indagações” ocorridas durante os encontros relacionando-as com o

desenvolvimento da “criticidade” que seria elemento “tão importante” na formação

integral do aluno, no cumprimento da função da escola. Seu posicionamento é

coerente com a política pública do Estado do Paraná (2010) para a educação, que

menciona a necessidade de construirmos uma sociedade mais participativa, crítica e

igualitária. Também está de acordo com a EMC, pois é central, nessa filosofia, a

construção de posicionamentos críticos solidamente fundamentados, inclusive para

a efetiva participação em uma sociedade democrática.

124

A professora P3, por sua vez, identificou semelhanças entre a EMC e

determinadas práticas que adotava com seus alunos. Ela comentou ter participado

de projetos em uma escola da zona rural onde os professores das diversas

disciplinas abordavam um mesmo tema, como por exemplo, a vida no campo, e

cada professor procurava identificar elementos de suas disciplinas que poderiam

colaborar na análise e compreensão do assunto proposto.

P3E2 - Eu fiz ligações com coisas que estava praticando que nem sabia que era

EMC. Lá no fundo eu já estava usando isso, já tinha alguma noção, só não sabia

que era EMC.

Esse comentário nos remete a outra fala dessa professora ocorrida na

primeira entrevista quando foi questionada a respeito do papel que atribuía à

Matemática na formação de seus alunos:

P3E1 – Eu sempre falo para eles que o mundo gira em torno dos números. E que

sem a Matemática o homem não vive. [...] Vocês acham que o mundo evoluiu

através do que? Foi a Matemática.

Na primeira entrevista sua fala nos remete à ideologia da certeza através da

qual Borba e Skovsmose (2001) discutem a compreensão da Matemática como,

entre outras coisas, infalível e inquestionável. No entanto, na segunda entrevista ela

diz ter percebido que a EMC já fazia parte de suas práticas. Parece um

contrassenso; entretanto, isso nos mostra que ela já considerava algumas das

preocupações da EMC (que em outras falas se manifestam como: preocupação com

a realidade e os problemas dos alunos). Entendemos que na compreensão da

professora, suas preocupações eram, em alguma medida, condizentes com a EMC

mesmo que sua prática pudesse estar distante de as incorporar. De fato, as

professoras, em geral, consideravam que tinham em mente alguns aspectos da

EMC, no desenvolvimento de suas aulas, mas reconheceram também que nem

sempre suas práticas condiziam com tal filosofia.

Essas manifestações indicam que as professoras estão preocupadas em

desenvolver o ensino de Matemática em uma perspectiva mais ampla, de modo que

reconhecem na filosofia da EMC um conjunto de aspectos importantes ao

desenvolvimento de uma educação democrática.

125

5.2.1.5 (In)Compreensões acerca da EMC

Alguns posicionamentos das professoras sugerem que suas compreensões

sobre EMC ainda precisam ser aprofundadas.

A professora P6 registrou a seguinte reflexão:

Figura 18 - Protocolo 9 Fonte: Reflexões da professora - P6.

Nas discussões sobre o paradigma do exercício, as análises foram no sentido

de que um ensino estruturado em ordens e comandos não está na perspectiva da

EMC, e que esse tipo de atividade possivelmente não estimule os processos

criativos e a postura crítica por parte dos alunos. Mas, na fala da professora,

percebe-se que não foi essa a compreensão da mesma. Ela dá a entender que

pensou em reelaborar os exercícios de uma forma a suprimir os comandos e o

processo reprodutivo a que o aluno é exposto nas séries de exercícios padrão. Sua

preocupação estava em como redigir o texto de forma que o aluno fizesse as

mesmas atividades sem utilizar as expressões calcule, resolva, efetue, etc. Quando

ela questiona: “como se reportar a alguém para dar instruções de como continuar o

trabalho desejado”?, vem à tona o modelo tradicional com as instruções a serem

seguidas segundo um planejamento “rígido” previamente construído pelo professor.

Alro e Skovsmose (2006) discutem o fato de que muitos exercícios são propostos

126

com o único objetivo de serem resolvidos. Sua formulação não admite a

possibilidade de questionamentos, a não ser processuais. Os autores defendem as

abordagens investigativas onde os próprios alunos possam formular questões,

propor e planejar linhas de investigações diversas.

No sétimo encontro, quando o grupo discutia a respeito de atividades já

desenvolvidas onde aspectos da EMC teriam se manifestado, a professora P3

comentou:

P3R7 - Educação fiscal eu trabalhei com eles [os alunos] também. É bom porque é

um assunto crítico, daí eles ficam sabendo a carga tributária e o percentual que é

agregado ao custo das mercadorias. Daí ali realmente a gente consegue dar uma

aula crítica de Matemática.

Em seu comentário, a professora menciona “assunto crítico”, possivelmente

referindo-se à necessidade de as pessoas conhecerem a respeito de tributação para

que possam se posicionar frente às medidas governamentais. Mais adiante, quando

diz “daí ali realmente a gente consegue dar uma aula crítica de Matemática”

percebe-se que ela está relacionando aula crítica de Matemática com a abordagem

de um assunto mais “polêmico”. Sem dúvida esses assuntos propiciam o

desenvolvimento de análises críticas, mas quando falamos em EMC pensamos além

de unicamente polemizar; consideramos um posicionamento crítico em relação ao

papel desempenhado pela Matemática no referido assunto e em relação à própria

Matemática. Não é o caso de identificarmos somente aplicações matemáticas, mas a

função que exerce e seus efeitos.

As (in)compreensões que destacamos nessa sessão, presentes numa certa

dificuldade de perceber o paradigma do exercício e no sentido que a professora P3

atribuiu à palavra crítica, correspondem a elementos que se mostram no que

consideramos o início de uma caminhada, a qual requer um maior amadurecimento

frente aos princípios da EMC.

Encerrando esta categoria de análise, em que discutimos as compreensões

das professoras em relação à EMC, observamos a surpresa das mesmas quanto à

Matemática em ação de modo que não percebiam, antes dos encontros, esse papel

da Matemática na sociedade. Elas também se identificaram com a filosofia da EMC

127

reconhecendo no caráter investigativo das atividades e nas situações relevantes aos

alunos elementos significativos para o trabalho com os alunos. No entanto, algumas

das compreensões requerem maior aprofundamento teórico.

Na próxima seção abordaremos as compreensões que as professoras

revelaram quanto às contribuições que o uso das TIC poderia trazer para a EMC.

5.2.2 Compreensões do Grupo em Relação às Contribuições das TIC para a

EMC

A formação continuada que desenvolvemos com as professoras partiu de um

convite, que lhes foi encaminhado, para analisar e discutir o uso das TIC na

perspectiva da EMC. Nossa proposta de trabalho com as TIC pretendia envolver

simulações, múltiplas representações e abordagens que explorassem aspectos de

difícil execução via papel e lápis.

Agora, passaremos a analisar as manifestações dessas professoras

referentes a suas compreensões no que tange às contribuições que o uso das TIC

possa oferecer à EMC. Suas manifestações se relacionaram com o desenvolvimento

de novas possibilidades de ensino através do favorecimento às investigações e dos

benefícios das múltiplas representações.

5.2.2.1 Favorecimento a Investigações

Mesmo as professoras estando distantes do uso didático das TIC, o foco na

EMC, ao planejar e desenvolver as atividades dos encontros, suscitou no grupo o

interesse por explorar novas possibilidades de ensino.

A professora P5 mesmo tendo se mostrado insegura com relação ao uso das

TIC, pela falta de um auxiliar de laboratório que pudesse corrigir eventuais

problemas técnicos durante as aulas, em suas reflexões registrou:

128

Figura 19 - Protocolo 10 Fonte: Reflexões da professora – P5.

Seu posicionamento é claro. “Percebi o quanto é importante e ao mesmo

tempo desafiador o trabalho desenvolvido com as planilhas”. Compreendemos que

ao se referir a “desafiador”, ela além de considerar as questões técnicas do

manuseio das tecnologias esteja, também, considerando as investigações

matemáticas em que, através das TIC, se torna possível uma série de simulações

que não seriam didaticamente viáveis utilizando apenas papel e lápis. Seu texto

também nos remete à EMC quando ela diz: “é importante que as atividades (...)

incluam desafios que questionem e ao mesmo tempo ampliem o conhecimento dos

alunos”.

Em outro trecho de suas reflexões ela reforça seu posicionamento:

129

Figura 20 - Protocolo 11 Fonte: Reflexões da professora – P5

Ela também admite a possibilidade de que a utilização das TIC possa

contribuir para a melhoria do ensino e da aprendizagem e, assim como Grégio e

Bittar (2012), considera o desenvolvimento de “novas possibilidades de

aprendizado”. O “desenvolvimento integral” e os aspectos “sociais” certamente ela

relacionou com a EMC e “novas possibilidades de aprendizagem” com as TIC.

Assim, suas compreensões dizem respeito ao uso dessas tecnologias como

ferramentas para a EM na perspectiva da EMC. Ou seja, essa professora, que não

utilizava as TIC com seus alunos, à medida que tomou conhecimento da EMC

participando de discussões sobre como poderíamos desenvolver atividades

empregando as tecnologias no sentido de estimular investigações em que as

simulações e as múltiplas representações se faziam presentes, passou a

compreender tais recursos como uma alternativa para criar novas possibilidades de

ensino, considerando o desenvolvimento integral do aluno.

O uso das TIC foi considerado pelas professoras como uma forma de

favorecer o desenvolvimento de atividades investigativas.

A professora P7 é incisiva com relação ao emprego das TIC de forma a

contemplar as investigações. Ela escreveu:

130

Figura 21 - Protocolo 12 Fonte: Reflexões da Professora – P7

Mesmo não tendo utilizado as TIC com seus alunos antes dos encontros,

ainda na primeira entrevista ela manifestou sua admiração pelas colegas de escola,

atuantes em outras disciplinas, que utilizavam os recursos tecnológicos como

suporte ao ensino e à aprendizagem. Agora, com o contato direto com a planilha de

cálculo e o GeoGebra, diz ter percebido que “é viável” [também em Matemática]

empregar tais recursos em suas aulas. Ao reconhecer a viabilidade do uso das TIC

está manifestando uma possibilidade de implementação desses recursos em suas

práticas de sala de aula. Reconhece, também, que “é necessário” propor atividades

empregando as TIC com o intuito de desenvolver investigações. Essas

investigações mencionadas pela professora dizem respeito aos trabalhos

desenvolvidos pelo grupo, ou seja, explorar aspectos matemáticos técnicos e sociais

no intuito de desenvolver a matemacia. Assim sendo, seu posicionamento está

relacionado com a EMC, além de identificar no uso das TIC uma alternativa para

favorecer o desenvolvimento dessas investigações.

A professora P5 por sua vez, alegou ter percebido, com o uso das TIC, uma

nova lógica de ver os problemas matemáticos. Em sua reflexão ela registrou:

131

Figura 22 – Protocolo 13

Fonte: Reflexões da professora - P5

No texto da professora, a manifestação a “uma nova lógica de ver problemas

antigos por meio da manipulação e simulação” revela que na utilização das TIC ela

construiu compreensões matemáticas diferentes daquelas que já possuía sem o uso

dos recursos tecnológicos. Ou seja, ao investigar por meio da manipulação de

dados, desenvolvendo simulações, ela construiu um novo olhar, uma nova

compreensão a respeito de assuntos matemáticos que já lhe eram familiares

sugerindo que novas possibilidades de ensino e de aprendizagem são viabilizadas

através do uso das TIC.

A seguir mostramos uma fala em que a professora P8 identificou, na forma

como foi desenvolvida a investigação a respeito da fatura de água, explorando

desde a leitura do hidrômetro, passando pela construção das funções que

determinam o valor da fatura além das representações gráficas e da busca por

informações da Companhia de Saneamento, uma possibilidade concreta de

trabalhar com os alunos:

132

P8R3 – Nós estamos discutindo e eu acho interessante, porque esse não é o

primeiro exemplo que nós tivemos usando o consumo de água. Só que aqui está tão

prático. Porque dizer assim, dá para fazer uma função! Mas dá para fazer como? Eu

tenho dificuldade. Como é que eu saio daqui e vou para fora? Como é que eu venho

lá de fora para esse conteúdo? [Como relacionar o fato com a Matemática]. É a

grande dificuldade que nós temos.

Nessa fala, a professora manifesta seu entusiasmo com o enfoque da

atividade, usando as TIC na perspectiva da EMC. Ela experimentou juntamente com

as colegas o desenvolvimento de uma investigação que resultou em diferentes

construções matemáticas como funções e gráficos. Isso a deixou mais segura para

atuar nesse sentido, pois tinha uma dúvida: “dá para fazer como”? Não é o caso de

oferecer um modelo de atuação, mas de colocar os professores em situações de

investigação para que possam vivenciar essa prática e, assim, realizá-las com seus

alunos. Bittar, Guimarães e Vasconcellos (2008), ao discutirem a integração (ou falta

de integração) das TIC no ensino de Matemática, consideram que o professor de

Matemática somente se apropriará dos recursos tecnológicos quando vivenciar o

processo, e nisso a formação continuada tem o papel fundamental de fornecer apoio

ao professor em tempo suficiente para que esse possa refletir sobre sua prática e

sobre as diferentes alternativas que se configuram com as tecnologias.

As considerações de P8 também estão de acordo com as constatações de

Borba e Penteado (2003), que veem dificuldades para que o professor, sozinho, saia

de sua zona de conforto, onde mantém o controle de grande parte do que ocorre na

sala de aula, para entrar em uma zona de risco onde a incerteza e a

imprevisibilidade imperam. Os autores defendem que para que isso ocorra, é preciso

oferecer um suporte ao trabalho do professor, porque sozinho o professor avançará

pouco. Tal suporte poderia ou deveria ser oferecido na formação continuada.

Percebe-se, portanto, nas manifestações das professoras, o reconhecimento

da necessidade e da viabilidade de empregarem os recursos tecnológicos para

favorecer o desenvolvimento de atividades investigativas que primem por um olhar

mais amplo sobre a Matemática, entretanto, também registram que isso requer

formação e apoio externo ao trabalho do professor.

133

Na sequência traremos as compreensões das professoras quanto ao

favorecimento que o uso das TIC pode trazer às diferentes representações

matemáticas.

5.2.2.2 Favorecimento às Múltiplas Representações

Iniciamos apresentando um protocolo em que a professora P5 reflete sobre o

que compreende das múltiplas representações:

Figura 23 - Protocolo 14 Fonte: Reflexões da professora – P5

Focando na aprendizagem de conteúdos especificamente, ela considera as

múltiplas representações como estratégias para facilitar ou possibilitar o

entendimento dos alunos. Atendendo aos diferentes perfis cognitivos, ela se

identifica com Borba (1994), Villarreal (1999) e Borba e Villarreal (2005), no entanto,

ainda não identifica nas múltiplas representações nenhuma relação com a EMC.

Em outro momento, no sétimo encontro quando o grupo discutia sobre a

viabilidade de empregar uma atividade envolvendo a determinação da função lucro,

nos anos finais do Ensino Fundamental, essa professora disse:

P5R7 – O mais difícil talvez seja eles [os alunos] entenderem aquela relação entre

despesa, receita e demanda. A parte algébrica é mais complexa. Mas no estudo do

gráfico, mexendo os pontos no GeoGebra, eles vão entender melhor, pelo menos eu

gostei desta forma de ler o gráfico.

Nessa fala, a professora P5 passa a considerar as múltiplas representações

numa perspectiva mais ampla. Quando ela diz “mexendo os pontos no GeoGebra”,

está incorporando elementos investigativos a respeito do comportamento da função.

134

Se anteriormente ela estava nos ambientes de aprendizagem (1), (3) e (5) do

paradigma do exercício, agora se aproximou dos ambientes de investigação (2), (4)

e (6) nos ambientes de aprendizagem de Skovsmose (2008) (descritos na página 42

do Capítulo 2). Portanto, ocorreu uma diferenciação no nível de compreensão dessa

professora, tanto em relação a EMC quanto às possíveis formas de integrar as TIC

nas atividades matemáticas.

A professora P4 compreende o uso das TIC dentro de novas possibilidades

de ensino no sentido de que seriam facilitadoras do entendimento:

Figura 24 - Protocolo 15 Fonte: Reflexões da professora – P4.

Ao referir-se a “facilitam o entendimento de cálculos matemáticos e/ou

entendimento de determinadas situações”, ela está analisando o papel das TIC nas

diferentes representações matemáticas. Na Figura 1 (página 55) o mapa conceitual

representando a epistemologia das representações múltiplas, de Borba (1994),

mostra que a compreensão de um tema passa pela identificação de regularidades e

discrepâncias sobre o fenômeno e que, nesse processo, as diferentes

representações matemáticas auxiliam na definição de regras ou percepção de

padrões. Além disso, as diferentes representações também podem contribuir com

diferentes perfis cognitivos, como descrito por Borba e Villarreal (2005).

A professora P4 também vê no emprego das TIC uma forma de dar

significado aos conteúdos. Ao utilizar diferentes representações relativas a fatos

reais do contexto sociopolítico dos alunos, ela registrou:

135

Figura 25 - Protocolo 16 Fonte: Reflexões da professora – P4.

Em sua reflexão, a professora P4 registra que “podemos observar o grau de

significação que podemos dar ao conteúdo”, identificando uma possibilidade de

integrar as TIC numa perspectiva de aprimoramento do significado que professores

e alunos atribuem aos conteúdos. Em “situações tão corriqueiras” identificamos uma

referência ao background dos alunos como a base sobre a qual poderíamos dar

significados aos conteúdos. Dessa forma, suas compreensões relacionam o uso das

TIC, no sentido de viabilizar diferentes representações matemáticas de fatos “reais”,

com o desenvolvimento de novas possibilidades de ensino.

Nessa categoria de análise discutimos as compreensões das professoras em

relação as contribuições que o uso das TIC trariam a EMC. Elas identificaram a

criação de novas possibilidades de ensino através do favorecimento a investigações

e múltiplas representações como elementos centrais ao atendimento dos princípios

da EMC considerando o desenvolvimento integral dos alunos de modo a contemplar

tanto aspectos técnicos quanto sociais.

Na próxima sessão discutiremos como as professoras compreendem o

trabalho docente frente a EMC.

5.2.3 Compreensões do Grupo a Respeito do Trabalho Docente em Relação à

EMC

Consideramos, nessa categoria de análise, o posicionamento das professoras

que diz respeito à sua atuação profissional em EM frente a EMC. Estamos

interessados na forma como foi incorporada a filosofia da EMC na interpretação que

136

as professoras fazem das atividades que o grupo desenvolveu e do seu trabalho

docente.

5.2.3.1 Posicionamentos em Relação às Atividades

Em cada atividade avaliávamos se os princípios da EMC haviam ou não sido

contemplados.

A professora P8, ao término da atividade onde construímos uma planilha para

realizar as operações básicas com números racionais, comentou:

P8R3 – Ela ficou um pouco solta, sozinha. Não teve um contexto. [...] Aqui ela ficou

como as nossas aulas.

Realmente, o objetivo de propormos essa atividade era verificar se as

professoras estavam atentas, a como podemos restringir o uso das TIC a práticas

tradicionais. Borba e Penteado (2003) argumentam que o professor necessita de

espaço para refletir sobre as mudanças que a presença das TIC provocam nos

coletivos pensantes, caso contrário tais recursos não serão utilizados ou serão

domesticados de modo que sejam totalmente controlados. A professora percebeu

essa adequação dizendo “ela ficou como as nossas aulas”. Trata-se de uma

autocrítica. Ela reconhece que a construção da planilha, com ênfase em algoritmos

matemáticos, como ocorre na perspectiva tradicional de ensino de Matemática, não

despertou questionamentos, a não ser aqueles mais técnicos. Ela também constatou

que o trabalho desenvolvido não propiciou uma discussão sobre como aquele

conteúdo é empregado em diferentes contextos, “ela ficou um pouco solta”.

Consideramos, portanto, que seu posicionamento é crítico e correto com relação aos

princípios da EMC, pois procura discutir o modo pelo qual desenvolvemos a

atividade e o objetivo que teríamos com tal abordagem.

No quarto encontro, comentando sobre a forma investigativa com que

tratamos as operações de crédito, a professora P1 comentou:

P1R4 – Essa parte de porcentagem, eu vou falar da minha realidade, que eu

também trabalho no Ensino Médio. Eles [os alunos] comentam. Professora, como é

que eu não entendia isso? Como é que eu não sei isso? E hoje eu vejo como deixei

137

a falhar. Agora com essas explicações dá para mostrar para eles que é mais real

ainda. Com esses problemas eles vão ver a Matemática envolvida.

Reconhecendo que sua prática docente não contemplava alguns aspectos

que foram tratados pelo grupo, como a experimentação que levou à descoberta da

taxa de juros e à identificação de padrões matemáticos nos modelos de crédito, ela

passou a identificar novos horizontes para conteúdos que estava habituada a

ensinar. Nas falas “dá para mostrar para eles que é mais real” e “eles vão ver a

Matemática envolvida” está presente a ideia de ambiente de aprendizagem voltado

para a realidade e também a Matemática em ação.

A fala da professora P1 também enfatiza a importância de darmos significado

aos conteúdos na realidade e nas expectativas dos alunos. Ela abordava, à sua

maneira, os conteúdos de Matemática Financeira e os alunos demonstravam

compreender ao dizerem “Professora, como é que eu não entendia isso?”. Agora ela

considera que poderia tornar esse aprendizado ainda mais significativo, “mais real”

por ter vivenciado uma experiência sobre um assunto que era de seu real interesse,

no caso, a Matemática Financeira.

A formação continuada desenvolvida por Bastos, Ortiz e Arias (2012), da

mesma forma, revela a relevância de considerarmos assuntos e situações

representativas aos alunos no planejamento de cenários de investigação tendo em

vista o relacionamento da Matemática com outras áreas, a inclusão das

problemáticas dos alunos e o estímulo ao pensamento crítico.

Outra observação das professoras relativa às atividades ocorreu no sétimo

encontro ao abordarmos o ensino de funções a partir de contextos reais, em que a

professora P5 comentou:

P5R7 - É que a gente não para e pensar nisso, por isso que a gente não trabalha

dessa maneira [com as TIC]. Eu nunca tinha parado para pensar que eu poderia

trabalhar com funções associadas ao salário, as comissões... nunca tinha.

Na verdade não é a associação a salários e comissões que ela não tinha

pensado ou percebido. Os livros didáticos geralmente se referem a esses casos. O

que de fato chamou a atenção da professora foi como investigamos situações reais

138

com salários e comissões, que nos levaram a analisar funções por meio da Álgebra

e também por meio das representações gráficas, explorando o caráter dinâmico do

GeoGebra. As diferentes possibilidades de interagir com o software geram trabalhos

com elementos algébricos e gráficos, que geralmente não são exploradas quando

empregamos apenas papel e lápis. Então, quando ela diz “é que a gente não para e

pensa nisso,” consideramos relevante destacar que o “pensar nisso” requer a

presença das TIC numa perspectiva investigativa. Além disso, consideramos o

ambiente de interação entre as professoras como outro fator determinante no

processo de “pensar” nas possibilidades de ensino. Sozinha, exposta ao isolamento

profissional, como tratado por Costa (2004), a professora não “parava” para refletir

com maior profundidade sobre sua prática. Em um paralelo com o desenvolvimento

profissional investigado por Costa (2004), entendemos que as práticas colaborativas

de reflexão e investigação entre as professoras e entre as professoras e o

pesquisador despertaram compreensões sobre as limitações a que o professor fica

sujeito ao trabalhar isoladamente.

Outra participação da professora P5 que registra suas novas compreensões

decorrentes do modo como foram desenvolvidas as atividades está em um trecho de

sua segunda entrevista (ela escreveu sobre cada um dos tópicos sobre os quais

conversaríamos na entrevista).

Figura 26 – Protocolo – 17

Fonte: Registros da professora - P5 relativos a segunda entrevista – E2

139

Esse texto refere-se ao questionamento quanto a quais princípios da EMC

elas já contemplavam no planejamento de suas aulas. A professora, ao mesmo

tempo que alega estar, cada vez mais, contextualizando os conteúdos percebeu,

nos encontros, “que tem muito mais conteúdos que podem ser trabalhados

envolvendo as situações vivenciadas pelos alunos”. Ou seja, ela já vinha

considerando ambientes de aprendizagem focados na realidade, mas agora com as

discussões sobre a EMC e o uso das TIC identificou que pode ampliar essa

abordagem, inclusive para conteúdos onde via somente “aspectos matemáticos”.

A mesma professora, durante o sétimo encontro ao analisar a construção da

parábola, através do GeoGebra, empregando o conceito de lugar geométrico,

comentou:

P5R7 – Essa atividade abordou mais a Matemática pura, mas tornou possível a

gente ver no gráfico o concreto do que é um lugar geométrico.

A professora, que em protocolos apresentados anteriormente frisava a

importância da contextualização e do envolvimento de questões do dia a dia dos

estudantes, reconhece que explorações centradas na própria Matemática também

podem ser favorecidas com o uso das TIC, propiciando, em certos casos, “ver”

representações geométricas de conceitos matemáticos.

Também registramos um diálogo durante o oitavo encontro em que as

professoras identificam possibilidades para aprimorar o trabalho que

desenvolvemos:

P8R8 – Nós conversamos sobre as embalagens discutindo aspectos de economia

de material, atrativo para o comprador, praticidade de manuseio.

P2R8 – Poderíamos ter falado sobre o excesso de produção de lixo devido ao

grande número de embalagens que utilizamos.

P4R8 – As embalagens de iogurte, por exemplo. As embalagens vêm com seis

unidades que nem sei quanto dá em litros, enquanto que a de litro é bem mais

econômica. A gente paga mais caro, será necessário mais plástico para fabricar a

embalagem, eu acredito. Daria para estudar isso também.

140

P8R8 – Claro que consumir nas embalagens individuais é mais prático, mais

higiênico. Tem suas vantagens. Mas se pensarmos no lado ecológico e no lado

econômico não é o ideal. Tem que pensar em todas as variáveis envolvidas.

Elas demonstraram estar envolvidas na atividade. Perceberam que

poderíamos ter desencadeado diferentes investigações sobre o tema, abordando

diferentes aspectos que julgavam relevantes à sociedade. Ao mencionarem

elementos como “praticidade de manuseio”, “produção de lixo”, “mais econômico”,

“mais higiênico” e “lado ecológico” estão identificando aspectos para os quais um

posicionamento crítico contribuiria para o desenvolvimento sustentável.

Nessa seção destacamos as compreensões das professoras com relação às

atividades desenvolvidas pelo grupo. Elas se posicionaram criticamente,

identificando momentos em que inovamos com trabalhos que se diferenciavam em

relação às práticas que frequentemente desenvolviam em suas aulas, como também

identificaram o caso em que estivemos muito próximos das rotinas tradicionais.

Na próxima seção discutiremos a posição que as professoras assumiram em

relação a suas práticas a partir do conhecimento da filosofia da EMC.

5.2.3.2 Posicionamento em Relação a suas Práticas

Para o posicionamento das professoras em relação a suas práticas,

selecionamos algumas de suas participações em que se faz presente uma “leitura”,

sob a ótica da EMC, relacionada a suas práticas como professoras de Matemática.

Nos dois recortes a seguir, a professora P4 se manifesta em relação aos

professores “pecarem” em não favorecer o pensamento crítico dos alunos:

141

Figura 27 - Protocolo 18 Fonte: Reflexões da professora – P4.

P4R4 – É que a gente está preocupada em passar conteúdo, está preocupada com

o conteúdo e não em construir o pensamento crítico no aluno. O professor de

Matemática, eu acho, peca um pouco nisso, né?

Ela se refere a “instigar” o pensamento crítico do aluno, próximo ao sentido

que Nielsen, Patronis e Skovsmose (1999) consideram como papel do professor em

trabalhos com projetos. Os autores se referem a favorecer as ações dos alunos e

estimular sua criatividade e independência. Tal perspectiva não pode fundamentar-

se única e exclusivamente na grade de conteúdos disciplinares. Desse modo, torna-

se relevante discutir com os professores, também, os aspectos relacionados à

organização curricular que norteia os trabalhos em sala de aula.

As professoras P5 e P9 estabelecem uma relação entre a formação que

receberam na graduação e a forma como atuam:

142

P5R4 – Quando nós estudávamos o que a gente tinha no livro texto? Aquele refrão

“siga o modelo”. Nós aprendemos assim. Agora nosso livro é mais crítico, tem

problemas.

P9R4 – Só que hoje, ainda, a gente ainda usa esse método. Porque a gente quer

que eles aprendam o cálculo para depois ir para problemas, para situações... Então,

nós estamos levando eles para o mesmo caminho que nós trilhamos.

Elas reconhecem uma formação fundamentada no paradigma do exercício,

que P5 considera estar mudando no livro didático. No entanto, P9 argumenta que a

prática dos professores continua a privilegiar os métodos, os algoritmos, ficando a

resolução de problemas em segundo plano.

Considerando que a prática docente é condicionada, também, pelas

características da formação inicial que essas professoras vivenciaram é que

selecionamos um diálogo em que as professoras se referem à diferença de enfoque

que outras graduações têm em relação a Matemática:

P5R4 – Eu não sei como está agora no ensino superior lá na universidade [se

referindo a Matemática]. Eu fiz, agora, o curso de Filosofia e foi direcionado nesse

sentido, sempre pensando na sociedade, no bem da sociedade. E quando eu fiz

Matemática, por isso que eu disse que não sei como está agora, não tinha nada

disso. Era só cálculo e cálculo.

P4R4 – Eu fiz Biologia recentemente e foi um enfoque completamente diferente,

bem mais humano.

P1R4 – Será que é o curso em si ou é a Matemática que é vista como..., está aí,

naquela viseira. Porque esses cursos [Filosofia e Biologia] daria para englobar

melhor.

P5 e P4 passaram pela experiência de uma segunda graduação em que

vivenciaram uma abordagem mais humana, mais social dos conteúdos. Nesse

sentido, P1 questiona se isso ocorreria devido aos cursos em si ou porque a

graduação em Matemática fecha os olhos para seu papel na sociedade. Na

perspectiva da EMC, não é somente o tipo de curso que favorece essa aproximação.

Diferentes olhares sobre a EM são possíveis a partir do momento que passamos a

143

questionar o papel da disciplina Matemática. Através da Matemática em ação,

Skovsmose (2007, 2011) traz à discussão questões ligadas a como a Matemática

está presente e interfere na sociedade. Por isso, poderíamos, sim, dizer à professora

P1 que é a “viseira” que limita a aproximação da EM à realidade e às necessidades

dos alunos. A forma como se dá a Licenciatura em Matemática, salvo raras

exceções, não oferece espaço para que alunos e professores discutam o papel que

o professor e os conteúdos matemáticos desempenham na formação dos cidadãos,

ocasionando um distanciamento entre os aspectos técnicos e sociais da disciplina.

Na segunda entrevista, também a professora P7 faz uma análise crítica de

sua prática diante a EMC:

P7E2 - O que eu abordava era trabalhar dentro do contexto, dentro da realidade.

Mas fazer uma visão mais crítica assim não. Tipo questionar mais, como naquelas

atividades que fizemos nos encontros. Essas questões eu ainda não via por esse

lado. E as tecnologias eu sempre fiquei muito distante delas.

Sua fala exprime muito bem o sentimento de muitos professores ao tomar

contato com a EMC. Ao mesmo tempo em que se identificam com a filosofia,

percebem que o alcance de suas ações era, ou é, limitado por atitudes,

procedimentos e abordagens didáticas pouco flexíveis que carecem de um

posicionamento crítico em relação ao papel da EM na formação cidadã dos alunos.

Nessa categoria abordamos as compreensões das professoras a respeito do

trabalho docente em relação à EMC. Observamos que identificaram, na forma como

as atividades foram conduzidas, explorando as investigações com o auxílio das TIC

tendo em vista matematizar situações relevantes aos alunos e discutir o papel

daqueles conhecimentos no contexto social, uma alternativa para por em prática os

princípios da EMC. Ao comentarem suas práticas, como docentes, se mostraram

conscientes quanto à necessidade de superar o modelo tradicional de ensino ao

qual foram submetidas na formação inicial e com o qual vem trabalhando. Também

reconheceram na filosofia da EMC algumas de suas preocupações quanto à EM

que, nas discussões do grupo e nas leituras referentes a esse tema possibilitaram

um olhar mais amplo e profundo sobre as possíveis funções sociopolíticas que

assumem como educadoras.

Em síntese, as categorias de análise que construímos para apresentar as

compreensões das professoras possibilitaram discutir tais compreensões frente ao

144

referencial teórico, de forma que concluímos que houve por parte de todos os

envolvidos, uma diferenciação na forma como percebem o papel da EM na formação

dos alunos. O contato com a filosofia da EMC evidenciou algumas das

preocupações que as professoras tinham em relação à EM ao mesmo tempo que

trouxe outras questões sociopolíticas que ainda não eram consideradas. A

experiência com o uso didático das TIC envolvendo as professoras em situações

que as levaram a explorar e investigar, possibilitou que identificassem a importância

e a viabilidade da adoção desses recursos nas aulas de Matemática, de modo a

atender a diferentes perfis cognitivos gerando novas possibilidades de ensino, vindo

ao encontro daquilo que consideramos nos princípios da EMC.

145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme anunciamos desde o Capítulo 1, nossa questão de pesquisa se

refere às compreensões reveladas por um grupo de professores ao se inserirem em

um processo de formação continuada com o uso das TIC na perspectiva da EMC. A

escolha pela Educação Matemática Crítica se deu por entendermos que a EM

carece de criticidade em suas práticas de sala de aula e que isso se reflete na forma

como a sociedade compreende o que se faz e o que deve ser feito no ensino de

Matemática. Com relação às TIC, acreditamos que seu uso, segundo alguns

critérios, poderia favorecer o desenvolvimento de atividades fundamentadas nos

princípios da EMC. Quanto à formação continuada, essa se revelou um caminho

para discutirmos, junto aos professores, em que consiste a filosofia da EMC e como

as tecnologias poderiam colaborar no desenvolvimento de atividades matemáticas

de cunho investigativo, voltadas a situações reais com ênfase nas simulações e

múltiplas representações, segundo os critérios que identificamos como princípios da

EMC.

Em resposta à nossa questão de pesquisa, identificamos nas participações

das professoras, tanto orais quanto escritas, suas compreensões ao se depararem

com um olhar diferente sobre a EM. O novo olhar, desencadeado pelo contato com a

filosofia da EMC aguçou seus interesses, preocupações e também angústias frente

a o que ensinam, como ensinam, a quem ensinam e porque ensinam Matemática.

Pode-se dizer que houve uma desestruturação de alguns de seus conceitos em

relação à EM. Antes dos encontros, estavam seguras quanto ao papel que exerciam

em suas aulas em relação a o que e a quem se prestavam seus ensinamentos: eram

condizentes com uma Matemática “pura”, no sentido de serem livres de qualquer

influência externa à própria Matemática; “infalíveis”, considerando que sempre seria

possível encontrar uma solução matemática para os problemas; e “inquestionáveis”,

no sentido de que o rigor matemático garantiria sua legitimidade. Após os encontros

de formação restaram dúvidas. A partir do momento em que algumas certezas foram

abaladas e se constituíram algumas dúvidas, seguramente surgiram diferentes

compreensões, estando aí nosso foco de investigação.

146

No Capítulo 4 descrevemos o grupo de professoras participantes e como as

atividades foram desenvolvidas. Quanto às professoras, era grande o interesse por

desenvolver um ensino de Matemática diferente daquele preconizado pelo

paradigma do exercício, sendo que o uso das TIC lhes parecia uma alternativa

interessante para suas aulas. No entanto esse uso também lhes assustava pois se

consideravam despreparadas para isso. As professoras também não conheciam a

filosofia da EMC, fazendo com que, ou mesmo, possibilitando-nos apresentar e

discutir as preocupações dessa filosofia em relação à EM de forma integrada ao uso

das TIC. Assim, desenvolvemos atividades matemáticas, utilizando as tecnologias,

primando por atender àquilo que chamamos de princípios da EMC. Tais princípios

consistiram em privilegiar atividades de caráter investigativo com ênfase na

realidade, trabalhar com problemas abertos envolvendo situações reais, matematizar

situações relevantes para os alunos, utilizar as TIC como desencadeadoras de uma

zona de risco, propor atividades que compreendam um ou mais conteúdos

matemáticos indicados para o respectivo ano escolar, e explorar atividades que

gerem e motivem discussões sobre como a Matemática está envolvida na

construção do contexto social em que estamos inseridos. Cada uma das atividades

apresentou, em maior ou menor grau, a presença desses princípios e isso foi

considerado e discutido pelo grupo gerando, também, compreensões relativas à

colaboração que o uso das TIC trouxe ao trabalho em ambientes de aprendizagem

voltados para investigações fundamentadas em fatos reais. Dessa forma, no

Capítulo 5 apresentamos os dados e os discutimos frente ao referencial teórico que

sustenta nossa investigação.

As compreensões do grupo relacionadas à filosofia da EMC se concentraram

na questão da Matemática em ação, no caráter investigativo das atividades, nas

situações relevantes aos alunos e na forma como as professoras se identificaram

com a teoria. Elas perceberam e compreenderam a ação da Matemática em

diferentes situações em que a Matemática molda o contexto sociopolítico, inclusive

na ação didática promovida pelo professor ao estruturar suas aulas na forma de

comandos e ordens. Ao identificarem no ensino de Matemática atitudes, por parte do

professor, que se relacionam a treinamento do aluno para exercer determinadas

funções que requerem a habilidade de seguir rotinas, assumem uma posição da

EMC, ou seja, discutir a quem interessa esse modelo de ensino. Em relação ao

147

caráter investigativo, as professoras se manifestaram considerando-o um fator

essencial para o desenvolvimento da capacidade crítica dos alunos. Certamente as

professoras reconheciam a importância das investigações matemáticas, mesmo

antes de nossos encontros. O que relacionamos com o trabalho que desenvolvemos

na formação é a “possibilidade de reflexão crítica” que incorporaram às atividades

investigativas, abrangendo, aí, a crítica ao papel da EM na sociedade e a crítica à

própria Matemática. As situações relevantes aos alunos foram relacionadas, pelas

professoras, com o interesse que os alunos poderiam manifestar ao sentirem-se

parte do que estudam, atribuindo um sentido, também pessoal, aos conhecimentos

matemáticos. Reconheceram em momentos de suas práticas, que ao abordarem

assuntos diretamente relacionados com os alunos, teria havido um maior

envolvimento destes com a atividade. Além disso, a forma como elas se envolveram

ao investigar assuntos que diziam respeito à maioria das famílias brasileiras lhes

possibilitou vivenciar “o lado do aluno”, ou seja, elas sentiram-se motivadas a

trabalhar e descobrir. Outro fator de compreensão diz respeito a como as

professoras se identificaram com a filosofia da EMC em que reconheceram algumas

de suas preocupações com a EM, mesmo que, inicialmente, num sentido mais

superficial do que propõe a teoria. Assim como as professoras com quem

trabalhamos, queremos crer que os professores em geral têm as melhores intenções

ao ensinarem da forma como ensinam, e isso os faz defenderem seus modos de

ação. Na formação que desenvolvemos, entretanto, o contato com a EMC despertou

uma autocrítica, por parte das professoras, relacionando o que faziam com o que

determinadas formas de ensino podem desencadear, seja no despertar de uma

consciência crítica ou mesmo no estímulo à passividade e às atitudes servis. Nessa

primeira categoria, também trouxemos algumas (in)compreensões do grupo, de

modo a chamar a atenção para a necessidade de um maior aprofundamento teórico

a partir das bases construídas durante os encontros de formação. Reconhecemos,

outrossim, que, além disso, é preciso acompanhar o professor depois, em sua

prática, dando-lhe apoio e tirando-o do isolamento que, em geral, configura essa

prática.

Na segunda categoria de análise, apresentamos as compreensões do grupo

em relação às contribuições das TIC para a EMC e aí registramos que as

professoras identificaram nas TIC novas possibilidades de ensino atendendo a

148

diferentes perfis cognitivos. Elas viram nas TIC uma possibilidade de viabilizar

investigações, tendo, ainda, manifestado o interesse por uma formação que lhes

mostrasse um caminho em direção a como poderiam levar a cabo uma investigação

em sala de aula. Outro aspecto que as professoras julgaram pertinente à EMC é o

favorecimento que o uso das TIC traz às múltiplas representações. Segundo suas

compreensões, ao propiciar diferentes olhares sobre o mesmo fato ou construção

matemática, pode-se aprofundar, ou mesmo por em xeque determinadas

concepções.

Na terceira e última categoria de análise, destacamos as compreensões do

grupo a respeito do trabalho docente em relação à EMC. Considerando o trabalho

docente fortemente estruturado em atividades, inclusive na forma como

transcorreram os encontros de formação, as professoras avaliaram os trabalhos

desenvolvidos. Identificaram momentos de proximidade aos modelos “tradicionais” e

também destacaram as situações em que desenvolvemos investigações

matemáticas sobre fatos reais, abrangendo conteúdos além dos previstos na grade

curricular, mas plenamente viáveis. Além disso, demonstrando que foram

influenciadas pela EMC, propuseram incrementos às atividades de modo a

incorporar aspectos do desenvolvimento sustentável, como pudemos constatar no

diálogo que registramos, no Capítulo 5, referente ao oitavo encontro. Em relação a

suas práticas como professoras de Matemática, compreendem que precisam

“mudar”. Identificando na formação inicial que vivenciaram o modelo de ensino em

que atuam, onde é forte a ideologia da certeza e o paradigma do exercício, sentem

necessidade de trabalhar de uma forma diferente, valorizando mais do que o

aspecto técnico da Matemática. O contato com a filosofia da EMC provocou um

repensar sobre suas práticas de modo a incluir o questionamento sobre quais seriam

as funções da EM.

Em suma, observamos o despertar de um olhar crítico perante a função do

professor na construção de um ensino de Matemática que contemple, também, os

aspectos sociais da EM. Certamente esse novo olhar necessita um amadurecimento

em relação às compreensões que as professoras construíram a respeito da EMC,

mas um importante passo foi dado - o passo inicial.

149

Consideramos, portanto, que esse estudo contribui com a formação

continuada, mostrando o interesse que os professores manifestam pela EMC e

também a necessidade de uma formação continuada que lhes possibilite o

conhecimento dessa filosofia. Ao meio acadêmico submetemos um estudo que

difere do que temos até então, em primeiro lugar por apresentar a filosofia da EMC

aos professores em exercício nos anos finais do Ensino Fundamental, do que não

identificamos nenhum outro registro acadêmico; e, em segundo lugar, por submeter

o uso das TIC no sentido de favorecer o desenvolvimento de atividades matemáticas

que atendessem aos princípios dessa filosofia. Ao identificar algumas compreensões

que as professoras construíram ao terem contato com a EMC, trazemos, para o

contexto da formação continuada, possibilidades e necessidades. A identificação

que as professoras manifestaram com a EMC e as necessidades que apresentaram

perante as TIC se constituem num vasto campo, tanto de formação quanto de

pesquisa.

Queremos, ainda, registrar algumas considerações sobre a estrutura e o

período de formação. Em decorrência das características do grupo, foi necessário

um trabalho inicial realmente básico em relação à utilização da planilha de cálculo e

também do GeoGebra. Por um lado, isso se refletiu, algumas vezes, em uma

limitação a que as próprias professoras explorassem as TIC de modo autônomo. Por

outro lado, as colocou numa situação muito próxima ao que possivelmente vão

enfrentar com seus alunos, pois eles também irão se deparar com o uso de

determinadas TIC que não lhes são familiares ou corriqueiras. Os três textos, duas

resenhas e um artigo sobre EMC que disponibilizamos às professoras foram muito

importantes na construção de suas compreensões sobre o tema, mas

aprofundamentos teóricos são necessários, inclusive com debates sobre pontos

específicos independentes de atividades matemáticas.

Como sugestão para outras pesquisas que venham a abordar a EMC na

formação de professores, consideramos que, dando continuidade a um período

inicial de trabalhos com os professores, seria conveniente um segundo estágio.

Nele, as atividades desenvolvidas no grupo poderiam ser implantadas na sala de

aula para que seus resultados retornassem para a discussão, aprimorando o

trabalho colaborativo e, inclusive, criando o hábito de partilha e discussão entre os

professores, sobre suas experiências, sucessos e limitações.

150

No papel de pesquisadores, vivenciamos um período de aprendizagem e

crescimento profissional nos inserindo em uma investigação que buscava identificar

as compreensões das professoras, mas que, também, continha o caráter formativo.

Da mesma forma que a formação que propusemos às professoras as influenciou a

construírem diferentes compreensões, também elas nos influenciaram. Seguramente

concluímos essa etapa da pesquisa com um olhar, sobre a EM e a formação de

professores, que incorpora traços do grupo de professoras com que convivemos. Ao

atuarmos colaborativamente com as professoras, pudemos, mais uma vez, sentir o

quanto é importante considerar a voz do professor quando pensamos em educação,

e em específico, em EM.

Não obstante as limitações que este trabalho apresenta, esperamos que seja

útil a professores, formadores e/ou pesquisadores que se interessem pela difusão da

EMC nos contextos de EM.

151

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158

159

APÊNDICE A

UNIVERSIDADE CRUZEIRO DO SUL – UNICSUL – SP

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO: DOUTORADO EM ENSINO DE CIÊNCIAS E

MATEMÁTICA

Doutorando: Marcio Bennemann

Orientadora: Dra. Norma Suely Gomes Allevato

Prezado(a) professor(a).

Gostaria de contar com sua colaboração no preenchimento deste

questionário. Trata-se de um levantamento inicial a fim de identificar o interesse dos

professores quanto ao uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) no

ensino da Matemática. Pretendemos desenvolver nossa pesquisa na Formação

Continuada abordando as formas de emprego das TIC no ensino de Matemática

tendo em vista a formação crítica do educando.

1-Tempo de exercício no magistério:..........................................

2-Leciona no ensino fundamental do 6º ao 9º ano? ( )Sim ( )Não

3-Em que (quais) escola (s)/município leciona?

........................................................................................................

........................................................................................................

........................................................................................................

4-Quanto às aulas de Matemática no Laboratório de Informática:

( ) Não utilizou o laboratório este ano;

( )Utilizou o laboratório no máximo cinco vezes;

( )Utilizou o laboratório mais de cinco vezes.

5-Se você utilizou o laboratório, que (quais) software(s) utilizou?

..........................................................................................................

..........................................................................................................

160

6-Você sente necessidade de participar de cursos de formação sobre a utilização

das TIC no ensino de Matemática?

( ) Sim ( )Não

Caso você tenha interesse em participar de um curso (que fará parte de uma

pesquisa de Doutorado) para discutir e praticar a utilização das TIC (computadores)

no ensino de Matemática, abordando os princípios da Educação Matemática Crítica

utilizando planilhas eletrônicas e o software GeoGebra, no ensino fundamental do

6º ao 9º ano, preencha os dados abaixo para que possamos contatá-lo(a).

Nome:..............................................................................................................

e-mail:..............................................................................................................

Fone:................................................................................................................

161

APÊNDICE B

Roteiro da entrevista inicial com os professores participantes da pesquisa

Entrevistado(a):...................................................................................................

Data:............../........./............... Local:...............................................

1-Quanto tempo de experiência você tem como professor(a) de Matemática?

2-Qual é sua carga horária semanal?

3-Como você avalia seu conhecimento em TIC (informática)?

4-Já participou de algum curso de informática ou envolvendo informática?

5-Em que atividades pessoais utiliza recursos da informática?

6-Já utilizou as TIC em suas aulas de Matemática?

6.1-Se não utilizou, porque não o fez?

7-Quais aplicativos utilizou?

8-Com que frequência utiliza as TIC nas aulas de Matemática?

9-Que tipo de atividades desenvolve?

10-São atividades de autoria própria ou de outros autores?

11-Ao levar os alunos ao laboratório de Informática da escola observou alguma

vantagem em relação às atividades de sala de aula? Enfrentou alguma dificuldade?

12-Quanto as Planilhas Eletrônicas

12.1-Utiliza particularmente?

12.2-Como avalia seu conhecimento sobre Planilhas?

12.3-Utiliza com os alunos?

12.4Que tipo de atividade desenvolve?

13-Quanto ao GeoGebra

13.1-Como avalia seu conhecimento sobre o GeoGebra?

13.2-Utiliza com seus alunos?

13.3-Que tipo de atividades desenvolve?

14-Visão sobre a Matemática escolar

14.1-Qual é o papel da Matemática na formação de seus alunos?

14.2-Você acha que os alunos percebem esta papel/função/contribuição?

14.3-Como você organiza/planeja suas aulas?

162

14.4-Você considera que nós professores de Matemática deixamos de ensinar

algumas coisas importantes para a melhoria da qualidade de vida de nossos alunos?

14.4.1-O que?

14.4.2-Por que não ensinamos estas coisas?

14.4.3-O que seria precisos para ensinarmos estas coisas?

15-Qual é sua preocupação com relação ao futuro de seus alunos?

16-Que futuro você vislumbra para seus alunos segundo a realidade que presencia

em sala de aula e o desempenho deles frente a seus ensinamentos?

17-O que lhe motiva a ensinar Matemática?

18-Você já conhece as obras de Ole Skovsmose?

19-Qual é sua expectativa com relação ao curso?

20-Quais conteúdos você gostaria que fossem abordados no curso?

163

APÊNDICE C

Roteiro da entrevista de conclusão dos trabalhos com as professoras.

Professora:............................................................................................................

1-Professora comente sobre o que você julga ter compreendido sobre EMC e TIC a

partir dos nossos encontros.

2-Já utilizou alguma das atividades que abordamos, para trabalhar com os alunos?

3-Com o que foi desenvolvido nos encontros, sente-se em condições de iniciar um

trabalho com seus alunos no laboratório de informática?

4-O que ainda dificulta, a você, utilizar as TIC nas aulas de matemática?

5-Dos aspectos que envolvem a EMC, quais deles lhe interessaram mais?

5.1-Caráter investigativo.

5.2-Problemas abertos envolvendo situações reais (problemas reais).

5.3-Matematizar situações relevantes para os alunos (aos olhos dos alunos).

5.4Explorar na atividade (problema) aspectos que dificilmente seriam abordados via

papel e lápis.

5.5-Múltiplas representações (gráfica, algébrica e geométrica).

5.6-Compreende um ou mais conteúdos matemáticos indicados para o respectivo

ano.

5.7-Possibilita simulações.

5.8-Geram/motivam discussões sobre como a matemática está envolvida na

construção do contexto social em que estamos inseridos.

6-Quando elaborava as atividades para seus alunos, antes dos encontros, quais

destes aspectos você levava em consideração?

7-Se adotássemos os princípios da EMC em nossas aulas, que vantagens e

desvantagens nossos alunos teriam?

8-Avalie o curso com relação aos seguintes aspectos:

8.1-Esclarecimento sobre EMC;

8.2-Conteúdos abordados;

8.3-Tempo dedicado a cada atividade;

8.4-Grau de inovação (ou não) que as atividades ofereceram;

164

8.5-Esclarecimentos sobre a utilização das TIC (planilha e GeoGebra);

8.6-Viabilidade didática das atividades desenvolvidas.