universidade cÂndido mendes pÓs-graduaÇÃo “lato … · desde o governo collor, e sobretudo, a...

40
UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE O PAPEL DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO (MARE) NA CONSTRUÇÃO DO ESTADO NEOLIBERAL BRASILEIRO Por: Luiz Sérgio Ribeiro Orientador Prof. Fernando Alves Rio de Janeiro 2010

Upload: others

Post on 24-Jul-2020

2 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E

REFORMA DO ESTADO (MARE) NA CONSTRUÇÃO DO

ESTADO NEOLIBERAL BRASILEIRO

Por: Luiz Sérgio Ribeiro

Orientador

Prof. Fernando Alves

Rio de Janeiro

2010

Page 2: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

2

UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

O PAPEL DO MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO E

REFORMA DO ESTADO (MARE) NA CONSTRUÇÃO DO

ESTADO NEOLIBERAL BRASILEIRO

Apresentação de monografia à Universidade Cândido

Mendes como requisito parcial para obtenção de grau

de especialidade em Gestão Pública

Page 3: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

3

AGRADECIMENTOS

A todos que de alguma forma contribuíram para

a conclusão desta monografia.

Page 4: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

4

DEDICATÓRIA

A minha querida esposa e companheira de todos

os momentos.

Page 5: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

5

RESUMO

O presente estudo mostra a implantação do neoliberalismo no Brasil, a partir da

criação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e tem

como objetivo caracterizar historicamente as formas de administração pública

no contexto mundial e nacional. .Ao longo do estudo recorremos à história

econômica mundial para entendermos como as teorias econômicas e os

acontecimentos mundiais influenciaram à administração pública brasileira.

Discutimos a formação do Estado Liberal e sua crise, a chegada do Estado do

Bem Estar Social e sua influência no Estado Brasileiro, a retomada das idéias

liberais com o neoliberalismo para responder a crise do estado intervencionista

e como elas fundamentaram, nos anos 90, uma nova política para reforma do

Estado Brasileiro. Por fim constatamos o pragmatismo do atual Estado

brasileiro na utilização das idéias keynesianas e neoliberais em suas políticas

públicas.

Page 6: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

6

METODOLOGIA

A investigação foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica em livros e

internet.

“Organizar uma bibliografia significa buscar aquilo

cuja existência ainda se ignora. O bom pesquisador

é aquele que é capaz de entrar numa biblioteca sem

ter a mínima idéia sobre um tema e sair dali sabendo

um pouco mais sobre ele” (Umberto Eco, 1985, p.42)

Page 7: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

7

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 8

CAPÍTULO I - Um breve histórico até o neoliberalismo 10

CAPÍTULO II - A evolução do Estado Brasileiro 18

CAPÍTULO III - A participação do Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) na implantação do Estado neoliberal brasileiro 33

CONCLUSÃO 37

SUMÁRIO 39

Page 8: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

8

INTRODUÇÃO

No Brasil dos anos 90, o tema globalização marcou o debate sobre a economia

mundial e as relações internacionais do país. Era uma mania nacional. Os

meios de comunicação de massas e diferentes setores da intelectualidade

defendiam a ideologia de que os Estados Nacionais estariam em crise ou

declínio irreversível, ou seja, em fase de extinção, segundo as versões mais

extremadas.

É nessa conjuntura que se situa a implantação do neoliberalismo no Brasil.

Partindo daí que iniciaremos nossa análise para demonstrar como o Ministério

da Administração e Reforma do Estado cumpriu um papel fundamental na

elaboração e execução da reforma do Estado Brasileiro.

Nesse período se dá uma drástica mudança de rumo da política que vem

desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar

Franco, com o Plano Real, e logo depois, em nome da estabilização monetária

o Governo Fernando Henrique Cardoso adotou um conjunto de políticas nos

campos cambial, financeiro e comercial que submeteram a economia nacional

à competição internacional.

Este período foi caracterizado por forte e persistente valorização cambial,

elevadas taxas de juros internas e rápida abertura às importações, expondo a

economia nacional às condições desiguais de intensa competição externa.

Essas políticas macroeconômicas combinadas com a distorção no sistema

tributário e as deficiências da infraestrutura econômica levaram a efeitos

Page 9: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

9destrutivos muitas empresas nacionais, especialmente as de menor porte e as

mais expostas à competição com produtores estrangeiros.

Enfim, problemas como o desemprego, subemprego, a desnacionalização da

economia e a dependência de capitais externos longe de se serem

consequências de não estarmos inseridos na globalização, na verdade são

efeitos de políticas nacionais. O historiador Marcelo Badaró caracterizava bem

esta realidade.

“... no Brasil, o custo do trabalho já é um dos mais baixos do mundo, ainda assim, através desses mecanismos de desregulamentação, o Governo, aliado do grande capital, busca barateá-lo ainda mais.

Se o Governo atrai capital de risco, especulativo, através das taxas de juros mais altas do mundo, para o capital produtivo, que deveria gerar empregos, acenasse com os salários mais baixos do planeta e com a supressão das barreiras legais para a superexploração do trabalho. Lógica perversa a do capitalismo de fim de século.”1

Portanto, a atualidade do tema desta monografia é o estudo sobre a

implantação do neoliberalismo no Brasil, e o que de fato ocorreu na década de

90, analisando centralmente a reforma administrativa mas, também, focando a

nova política de organização do Estado Brasileiro, conceituando as bases

estruturais do neoliberalismo.

Sendo assim, dividimos o nosso estudo em três capítulos. O primeiro fazendo

um breve histórico sobre as origens do neoliberalismo, desde os seus

primórdios até o final do século XX.No segundo capítulo analisaremos a

evolução do Estado Brasileiro diante da conjuntura internacional e o seu papel

nas decisões econômicas. Por fim, no terceiro e último capítulo nos

concentraremos na participação do Ministério da Administração e Reforma do

Estado (MARE) na implantação do Estado Neoliberal Brasileiro. Neste capítulo

aproveitaremos e discutiremos, também, a reforma da administração pública.

1 Artigo no Caderno da CUT nº 3, novembro 1998

Page 10: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

10

CAPÍTULO I

UM BEVE HITÓRICO ATÉ O NEOLIBERALISMO

1.1 Adam Smith e a mão invisível

No inicio do século XIX existia um claro componente transformador na maneira

de pensar a economia e a sociedade: tratava-se de romper com a aristocracia

e o clero, do Estado absoluto, com as sua barreiras. O cenário de uma

burguesia já hegemônica do ponto de vista econômico, mas não consolidada

como classe politicamente dominante, explica o pensamento de Adam Smith

em defesa do mercado e o contra o estatismo, como mecanismo natural de

regulação das relações sociais, recuperados pelos neoliberais de hoje, numa

realidade muito diferente. Ou seja, havia um componente utópico na visão

social de mundo do liberalismo, adequado ao papel revolucionário da

burguesia, o que foi identificado por Marx em seu Manifesto Comunista.

Para Adam Smih, a procura do interesse próprio pelos indivíduos, tende a

maximizar o bem-estar coletivo. Eles são guiados por uma mão invisível; o

mercado. Não há como interverir nas leis naturais da economia, o Estado deve

apenas fornecer a base legal, para que o mercado livre possa maximizar as

necessidades humanas. Trata-se de um Estado mínimo, sob forte controle dos

indivíduos que compõem a sociedade civil. Um Estado com apenas três

funções: a defesa contra os inimigos externos; a proteção de todo o indivíduo

de ofensa dirigidas por outros indivíduos; e o provimento de obras públicas,

que não possam ser executadas pela iniciativa privada. Smith acreditava que

os indivíduos, ao buscarem ganhos materiais, são orientados por sentimentos

Page 11: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

11morais e por um senso de dever, o que assegura a ausência da guerra de

todos contra todos.

A economia política clássica, e especialmente a de Adam Smith, foi formulada

como uma crítica do “sistema mercantil”, ou seja, precisamente o sistema no

qual os governos trataram as economias nacionais como conjuntos a serem

desenvolvidos pelos esforços e políticas estatais. O livre comércio e o livre

mercado se dirigiram precisamente contra esse conceito de desenvolvimento

econômico nacional, que Smith acredita ter demonstrado ser contraprodutivo. A

teoria econômica foi então elaborada unicamente na base de unidades

individuais de empresa – firmas ou pessoas – racionalmente maximizando seus

ganhos e minimizando suas perdas em um mercado que não tinha extensão

espacial específica. No limite, esse era o mercado mundial, e não poderia

deixar de sê-lo. 2

O enfraquecimento das bases materiais e subjetivas de sustentação dos

argumentos liberais ocorreu ao longo da segunda metade do século XIX e no

início do século XX, como resultado de dois acontecimentos político-

econômicos. O primeiro, foi o crescimento do movimento operário, que passou

a ocupar espaços políticos importantes, obrigando a burguesia a reconhecer

seus direitos. A vitória da revolução socialista em 1917, na Rússia, obrigou

uma atitude defensiva do capital frente ao movimento operário; assim como as

mudanças no mundo da produção, com a instalação do fordismo. O segundo

foi a concentração e monopolização do capital, demolindo a utopia liberal do

indivíduo empreendedor orientado por sentimentos morais. Cada vez mais o

mercado vai ser liderado por grandes monopólios, e a criação de empresas vai

depender de um grande volume de investimentos, dinheiro emprestado pelos

bancos, numa verdadeira fusão entre o capital financeiro e o industrial.

2 Hobsbawn, Eric J. – Nações e Nacionalismo desde 1780 (1991), pg.36

Page 12: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

12De acordo com Eric Hobsbawn (1991), por volta de 1913, as economias

capitalistas já estavam rumando rapidamente na direção de grandes

conglomerados de empreendimentos concentrados, mantidos, protegidos e, até

certo ponto, guiados pelos governos. A própria guerra acelerou muito essa

mudança em direção ao gerenciamento do Estado, e até a um capitalismo

planejado pelo estado. Quando Lenin previu a economia planejada socialista

do futuro, para qual os socialistas anteriores a 1914 haviam dado tão pouca

atenção, seu modelo era a economia de guerra planejada da Alemanha, de

1914-1917. É claro que mesmo uma volta a uma economia baseada em

grandes negócios rentáveis não poderia restabelecer o padrão internacional de

1913, da dramática redistribuição das forças econômicas e políticas que a

guerra trouxera ao mundo ocidental. Entretanto, qualquer tipo de volta a 1913

seria uma esperança utópica.

A concorrência intercapitalista feroz entre grandes empresas de base nacional

ultrapassou as fronteiras e se transformou em confronto aberto e bárbaro nas

duas grandes guerras mundiais. Estabelece-se, então, um divisor de águas

muito importante: a crise de 1929/1933. Esse período é conhecido como

Grande Depressão. Foi a maior crise econômica mundial do capitalismo até

aquele momento. Uma crise geral de superprodução que não pode ser evitada

pela mão invisível, atingindo o sistema financeiro americano, a partir do dia 24

de outubro de 1924, quando a história registra o primeiro pânico na Bolsa de

Nova Iorque. A crise se alastrou pelo mundo, reduzindo o comércio mundial a

um terço do que era antes. Estava instalada a desconfiança de que os

pressupostos do liberalismo poderiam estar errados. Em paralelo à Revolução

Socialista questionava a legitimidade do capitalismo.

A situação de desemprego generalizado dos fatores de produção – homens,

matérias primas e máquinas – indicava que alguns pressupostos clássicos e

neoclássicos da economia política não conseguiram prever a crise e tão pouco

Page 13: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

13explicá-la. A única certeza era que o conceito segundo o qual a economia

capitalista é auto-regulável estava em xeque.

1.2 O Estado para estabelecer o equilíbrio econômico

Surge, então, uma limitada auto-crítica burguesa à falência do liberalismo para

enfrentar a crise. E a maior expressão teórica e intelectual desse movimento é

o economista inglês John Maynard Keynes, com sua Teoria Geral, de 1936.

Afastando de sua formação ortodoxia, Keynes questiona o pressuposto de que

a oferta cria a sua própria demanda, impossibilitando, assim, uma crise de

superprodução.

Para Keynes, o Estado tem legitimidade para intervir por meio de um conjunto

de medidas econômicas e sociais, gerando demanda efetiva, ou seja,

disponibilizar meios de pagamento e dar garantias ao investimento, inclusive

contraindo déficit público, o que controlaria as flutuações da economia.

Segundo Keynes, cabe ao Estado, por meio de uma política fiscal, creditícia e

de gastos, realizar investimentos para enfrentar os períodos de depressão,

estimulando à economia. Dessa política resultaria um déficit sistemático no

orçamento. Nas fases de prosperidade, ao contrário, o Estado deve manter

uma política tributária alta, formando um superávit, que deve ser utilizado para

pagamento das dívidas públicas e para formação de um fundo de reserva a ser

investido nos períodos de depressão. (Sandroni,1992)

Ao chamado Keynesianismo juntou-se o pacto fordista – da produção em

massa para o consumo de massa e dos acordos coletivos com os

trabalhadores do setor monopolista em torno dos ganhos de produtividade do

trabalho -, o que propiciou o surgimento do Welfare State (Estado do Bem

Estar Social). O fordismo significou um drástico afastamento dos modelos

Page 14: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

14artesanais de desenvolvimento industrial do final do século XIX. Com o sistema

que se estabeleceu nas fábricas, os produtos eram padronizados, o que,

exigiu que as partes e tarefas da produção também o fossem. As tarefas

padronizadas exigiam a criação de máquinas específicas para a produção em

massa. E todos os serviços mecanizados ficaram sujeitos á “administração

científica” de Frederick Wimslow Taylor, ou, taylorismo.

O New Deal do Presidente Roosevelt, nos Eua, e a gestão da demanda

keynesiana e o Estado do bem-estar, na Europa, ajudaram a sustentar as

condições para o consumo e a produção em massa. Estes são, portanto

compreendidos como características centrais do sistema fordista. Uma outra

dimensão desse sistema diz respeito ao trabalho: os custos do capital fixo e as

condições da linha de montagem para se obter a alta produtividade tornavam

extremamente importante o controle da produção por parte da gerência.3

1.3. O retorno da ortodoxia liberal

Os quinze anos que se seguiram após a Segunda Guerra foram um período

que predominou as idéias de Keynes, porem isso tudo mudou drasticamente no

final dos anos 60. As taxas de crescimento caíram. A capacidade do Estado de

exercer suas funções mediadoras cada vez mais amplas, a absorção das

novas gerações no mercado de trabalho, restrito naquele momento pelas

tecnologias poupadoras de mão de obra, não são as mesmas, contrariando

expectativas de pleno emprego.

3 Ver Wainwright, Hilary – Uma resposta ao neoliberalismo, argumentos para uma nova esquerda( 1998), pg.38

Page 15: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

15O crescimento das dívidas públicas e privadas, os movimentos da juventude

em 1968 explodindo em todo o mundo e a primeira grande recessão, cujo

coadjuvante principal foi alta dos preços do petróleo em 1973/74, foram os

sinais contundentes de que o sonho do pleno emprego e da cidadania

relacionada à proteção social havia terminado no capitalismo central e estava

comprometido na periferia do capital onde não se realizou efetivamente. As

elites político-econômicas, então, começaram a questionar e responsabilizar

pela crise a atuação agigantada do Estado mediador, especialmente naqueles

setores que não revertiam diretamente em favor de seus interesses.

Para o historiador inglês Perry Anderson (1995), a reinvenção do liberalismo

promovida pelos neliberais no final dos anos 70 e 80, avançando na década de

90 em todo o mundo, foi uma reação teórica e política ao keynesianismo e a

Welfare State. O teórico e ideólogo que deixou suas marcas nesses

fundamentos foi Frederick Von Hayek, renomado economista e teórico social

austríaco, cujos ensaios sobre os usos econômicos do conhecimento lançaram

as bases para uma crítica da intervenção do Estado na economia. Em seu

texto – O Caminho da Servidão – lançou as teses neoliberais, e afirmava já nos

anos 40, que a limitação do mercado pelo Estado ameaçava a liberdade

econômica e política. Trinta anos depois, Sir Keith Joseph, ministro

conservador da Grã-Bretanha, tornou obrigatória, para seus assistentes, a

leitura do texto de Hauek. A primeira-ministra Margaret Thatcher falava de

Hayek com reverência, afirmando ter sido ele a influência mais importante em

sua carreira política.

Em fins dos anos 60 e principalmente a partir de 1973, às teses neoliberais

ganham um novo fôlego. Atribuem a crise ao poder dos sindicatos, com sua

pressão sobre os salários e os gastos sociais do Estado, o que estimula a

destruição dos níveis de lucro das empresas e a inflação; ou seja, a crise é um

resultado do keynesianismo e do Welfare State.

Page 16: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

16A fórmula neoliberal para sair da crise pode ser resumida em alguns pontos

básicos: 1) um Estado forte para romper o poder dos sindicatos e controlar a

moeda; 2) um Estado que reduza os gastos sociais e as regulamentações

econômicas; 3) uma forte disciplina orçamentária; 4) uma reforma fiscal,

diminuindo os impostos sobre os rendimentos mais altos; e 5) o desmonte dos

direitos sociais, implicando na quebra da vinculação entre política social e

esses direitos.

Apenas no final dos anos 70, início dos 80, tais pontos transformaram-se em

programa de governo, com Margareth Thatcher (Inglaterra, 1979), Ronald

Reagen (EUA, 1980) e Helmut Khol (Alemanha Ocidental, 1982). Com a queda

do Muro de Berlim em 1989, o ambiente estava dado para decretar o fim da

história e apenas um caminho a seguir, orientado pela dinâmica do mercado,

em detrimento do Estado. Em fins dos anos 90, o resultado geral deste

programa é o crescimento da pobreza, do desemprego e da desigualdade, ao

lado de uma enorme concentração de renda e riqueza no mundo. Segundo o

Banco Mundial, em 1998, 1.214,2 milhões de pessoas viviam com menos de

um dólar por dia. O endividamento do setor público cresceu de forma mais

acentuada. Nos países do G-7 ( EUA, Inglaterra, Japão,Alemanha, França,

Itália e Canadá), a dívida pública bruta subiu de uma média de 42,6% do PIB

em 1978-82 para 66,2% em 1991-95.4

Mas a prova final para o neoliberalismo estava por vir, iniciada nos EUA

explode em setembro de 2008, uma das maiores crises da economia

capitalista, só comparável a de 1929, a partir de uma crise do “subprime”,

financiamentos imobiliários realizados a famílias de baixa renda norte-

americanas, ou seja, durante anos, os bancos e financeiras ofereceram

empréstimos e a garantia seriam os imóveis. A fim de aumentarem o crédito, os

imóveis eram valorizados artificialmente, e passaram a valer muito mais que o

seu preço real. O público tomava crédito e a valorização dos imóveis permitiu

4 Ver Batista Jr, Paulo Nogueira Batista – Mitos da “Globalização”, 1998

Page 17: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

17que os devedores contraíssem novas dívidas, refinanciavam suas casa e ainda

utilizava parte dos empréstimos para consumir. Para pulverizar os riscos desse

tipo de negócio, os bancos juntavam os empréstimos, transformavam em ações

e passavam a seguradoras, que por sua vez, revendiam a fundos financeiros.

Estima-se que esse mercado tenha movimentado 1,5 trilhão de dólares. Um

dia, essa pirâmide veio abaixo.

O governo norte-americano, então, injetou bilhões de dólares com o objetivo de

evitar uma falência generalizada. Salvaram os principais bancos que atuavam

no mercado imobiliário, Fannie Mae e Freddie Mac, praticamente estatizando

essas instituições. Porém o banco Lehman Brothers quebra e o mercado

financeiro mundial vai à beira do colapso. O crédito se retrai e os governos dos

EUA e Europa deslocam trilhões de dólares para evitar uma depressão

econômica. A gigante General Motors foi estatizada pelo governo Obama para

evitar a falência. O neoliberalismo não conseguiu dar resposta à crise.

Page 18: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

18

CAPÍTULO II

A EVOLUÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO

Até o século XIX, o Estado Brasileiro era um Estado que não atuava para o

desenvolvimento econômico e social, era tomado pelas oligarquias locais.

Mesmo após a proclamação da República não mudou a sua característica

fundamental que era um Estado patrimonialista.

O historiador Nelson Werneck Sodré retrata bem o Estado Brasileiro no século

XIX, quando escreve:

“ A estruturação do Estado, no Brasil, no terceiro decênio do século XIX, foi tarefa extremamente difícil e na qual a classe dominante colocou seu esforço máximo, excluindo de participação aquelas camadas que haviam colaborado para a luta. Numa fase em que a única saída para a crise estava na exportação, taxar a exportação era fazer com que a classe dominante, empresária da independência, arcasse com a maior parte dos ônus de manutenção do aparelho de Estado. E ela preferia, naturalmente, transferir a totalidade de tais ônus às demais classes; nessa transferência, entretanto, parte daqueles ônus vai caber à própria classe dominante, na fração voltada para o mercado interno, daí a presença dessa fração de inquietações, nas rebeldias, no tremendo abalo que só encontra fim na segunda metade do século XIX. Os recursos para manutenção de aparelho de Estado provinham, então, da população economicamente válida e desligada dos lucros da exportação; dos contribuintes de classe média, dos produtores que supriam o mercado interno, e das importações.”5

A partir de 1930, fruto do processo de industrialização nacional, mudanças

importantes se iniciaram, e é neste momento que se dá a primeira experiência

de reforma do Estado brasileiro, no Governo Getúlio Vargas.

5 Ver, Sodré, Nelson Werneck – Radiografia de um modelo (1987), pág.41.

Page 19: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

19

È preciso localizar essa mudanças no contexto do surgimento do Estado do

Bem-Estar Social (Welfare State)), nos países desenvolvidos, em especial na

Europa, e o Estado nacional desenvolvimentista nos países em

desenvolvimento do chamado Terceiro Mundo.

Expandiam-se as idéias weberianas. E paralelo ao crescimento das atribuições

do Estado Brasileiro, surgiu o modelo racional-legalista das organizações

burocráticas, ampliou-se o funcionalismo público e universalizou-se o sistema

de mérito, impessoalidade, centralização e hierarquia. Para implementar todas

essas mudanças foi criado, em 1936, o Departamento de administração do

Serviço Público – DASP.

O historiador Thomas Skidmore caracteriza bem o papel do DASP:

“Justamente com o crescimento geral da responsabilidade federal, veio o crescimento da burocracia. Esta última foi institucionalizada sob Vargas, com a criação do DASP ( Departamento de administração do Serviço Público), organismo montado em 1938. O DASP tornou-se um instrumento importante para a melhoria dos padrôes administrativos, mas também um meio através do qual Vargas podia aumentar o seu controle ( e, para os seus sucessores, os poderes do presidente) sobre a administração federal.

Todos esses acréscimos ao poder e à competência administrativa federal tiveram grande repercussão política. O executivo federal ganhou enormes possibilidades de empreguismo, tanto no sentido de controle das nomeações pela federação, quanto no sentido do favoritismo ou da discriminação inerentes ao exercício dos crescentes poderes administrativos. Incluía, por exemplo, o controle sobre empréstimos a juros baixos do Banco do Brasil, projetos de obras públicas, taxas múltiplas de cambio e controles de importação. Esse aumento dos meios de controle político da presidência fez-se sentir mais fortemente naquelas partes do país mais dinâmicas, politicamente falando: as áreas urbanas. Deste modo, Vargas pode usar o executivo federal, grandemente fortalecido, para fundar o que o Brasil não tinha conseguido antes de 1930: um regime verdadeiramente nacional.”6

6 Skidmore, Thomas E. – Brasil: de Getúlio a Castelo Branco, 1930-1964 – (1988), pág.57.

Page 20: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

20

Na verdade, foi nos anos 30 que se formou uma burocracia capaz de

centralizar e universalizar as regras e o controle das principais funções e

variáveis macroeconômicas, como o câmbio, os juros, o crédito, os salários etc.

Naquele momento se normatizaram as grandes áreas de atividade econômica

nacional e se elaboraram os códigos e regulamentações dos serviços de

utilidade pública, de informação estatística etc. Formularam-se, igualmente, os

primeiros planos para a industrialização pesada explicitaram-se as

preocupações com os problemas de infra-estrutura energética e de transporte.

Criaram-se inclusive as primeiras instâncias político-administrativas para o

exercício de coordenação e planejamento global. Em síntese, nos anos 30 se

construiu o arcabouço institucional básico do Estado Desenvolvimentista

brasileiro, que viabilizou os passos seguintes na direção de sua modernidade

industrial. ( Fiori,1992)

Mas foi nos anos 50 que o Estado Brasileiro, após o período de

redemocratização, se dedicou a fortalecer o desenvolvimento nacional com a

criação de empresas como a Petrobrás, a Siderúrgica Nacional e o BNDE.

Com Juscelino Kubitchek e seu Plano de metas, se definiram estratégias e

objetivos industriais específicos. Nesse momento, o BNDE passou a atuar no

financiamento da infra-estrutura energética e de transportes fazendo com que o

mercado interno expandisse paralelamente a expansão do investimento

estrangeiro na indústria de bens duráveis. Nos anos JK, criaram-se vinte e três

empresas estatais, o que caracterizava a participação direta do Estado para

aumentar a capacidade produtiva da economia brasileira.

Mais tarde o Governo de Jânio Quadros caracterizou-se por uma política

interna de ataque a corrupção e ineficiência da administração pública. Essa

ineficiência burocrática tão incessantemente explorada em sua campanha

presidencial de 1960, tinha duas causas. A primeira residia no atraso da

administração num país em desenvolvimento. Grande parte dos servidores

Page 21: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

21públicos encaravam seu emprego como um biscate, entre vários outros

empregos mal remunerados que possuíam. Mas havia problemas institucionais

que tornavam a melhoria do serviço público difícil. Estes problemas constituíam

o segundo fator da ineficiência – o esquema administrativo ad hoc

freqüentemente usado por Juscelino Kubitschek. A solução foi reforçar a

estrutura desordenada da administração pública brasileira e impedir a

delegação de responsabilidade em áreas que contavam com múltiplas

agências. (Skidmore, 1982) Entretanto, Quadros gastava muito de sua energia

em assuntos sem importância, como as proibições de lança-perfume no

Carnaval e do biquíni nas praias do Rio. Utilizava os bilhetinhos presidenciais

para atacar a ineficiência burocrática e assim tentava dominar o aparato

governamental pela força de sua personalidade.

Com o regime autoritário instalado em 1964 sob a liderança tecnocrático-

militar, o projeto de desenvolvimento nacional capitaneado pelo Estado

alcançou sua máxima potenciação, com base em uma retórica liberalizante,

mas sob o signo da ideologia da segurança nacional. Se o governo “nacional

populista”, de João Goulart criou 33 novas empresas estatais, o regime militar

criou 302 e levou até o fim, com o II PND, o projeto de constituição de uma

estrutura industrial integrada, substituindo importações, através de

investimentos públicos ou privados, muitas vezes em associação “tripédia” com

o capital estrangeiro. Em todos os casos, o financiamento ou subsídio estatal

foi decisivo, seja na forma de isenções ou reduções de tarifas e impostos, seja

na forma de juros diferenciados ou financiamentos com correção inferior à taxa

de inflação ( Fiori, 1982)

A crise dos anos 70 e 80 pressiona a discussão sobre a necessidade de

mudanças no modelo econômico brasileiro, uma vez que as experiências

neoliberais já estavam se dando em países como Chile, Inglaterra e EUA.

Nesse contexto, no ano de 1989, em Washington, sob o comando do

economista John Willliamson, é realizada uma reunião convocada pelo Institute

Page 22: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

22for International Economics, entidade de caráter privado, com a presença de

diversos economistas latino-americanos de perfil liberal, funcionários do Fundo

Monetário Internacional (FMI), Banco Mundial e Banco Interamericano de

Desenvolvimento (BID) e do governo americano. O tema do encontro visava

avaliar as reformas econômicas em curso no âmbito da América Latina.

John Willliamson foi quem alinhavou os dez pontos tidos como consensuais

entre os participantes. Foi ele a expressão “Consenso de Washington”, através

da qual ficaram conhecidas as conclusões daquele encontro, ao final

resumidas nas seguintes regras universais:

1. disciplina fiscal, através da qual o Estado deve limitar seus gastos a

arrecadação, eliminando o déficit público;

2. focalização dos gastos públicos em educação, saúde e infra-estrutura;

3. reforma tributária que amplie a base obre a qual incide a carga tributária,

com maior peso nos impostos indiretos e menor progressividade nos

impostos diretos;

4. liberalização financeira, com o fim de restrições que impeçam as

instituições financeiras internacionais de atuar em igualdade com as

nacionais e o afastamento do estado do setor;

5. taxa de câmbio competitiva;

6. liberalização do comércio exterior, com redução de alíquotas de

importação e estímulos a exportação, visando impulsionar a

globalização da economia;

7. eliminação de restrições ao capital externo, permitindo investimento

direto estrangeiro;

8. privatização, com a venda de empresas estatais;

Page 23: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

239. desregulação, com redução da legislação de controle do processo

econômico e das relações trabalhistas; e

10. propriedade intelectual.

Embora tivessem a princípio, um caráter acadêmico, as conclusões do

Consenso acabaram tornando-se o receituário imposto por agências

internacionais para a concessão de créditos: os países que quisessem

empréstimos do FMI, por exemplo, deveriam adequar suas economias as

novas regras. (CONCEIÇÃO TAVARES) Em síntese, é possível afirmar que o

Consenso de Washington faz parte do conjunto de reformas neoliberais que,

apesar de práticas distintas nos diferentes países, está centrado

doutrinariamente na desregulamentação dos mercados, abertura comercial e

financeira e redução do tamanho e papel do Estado.

De forma tardia as políticas neoliberais foram introduzidas, no Brasil, no início

dos anos 90 ainda com o presidente Fernando Collor de Melo que, de uma

maneira surpreendente, deu início às reformas de Estado, seguindo

exatamente as orientações do Consenso de Washington. Lança um rigoroso

Plano de estabilização monetária (confisco de ativos por 12 meses) e um

Programa Nacional de Desestatização (PND) e, mais adiante, um Projeto de

Reconstrução Nacional. Nas iniciativas estavam estampadas a retirada do

Estado da economia e suas conexas reformas, a abertura comercial e

financeira ao capital estrangeiro e a suposição de que, a partir de então, o

crescimento econômico seria liderado pela iniciativa privada.

Entre 1990/92, foram incluídas 68 empresas no Programa, sendo 18 empresas

dos setores de siderurgia, fertilizantes e petroquímica. Para se ter uma idéia

da dimensão do PND, basta lembrar que a venda da Usiminas, em outubro de

1991, – grande empresa da área de siderurgia, em Minas Gerais e importante

símbolo do processo em curso.

Page 24: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

24Com as vendas desse período, arrecadou-se US$4 bilhões, tendo sido

permitida a utilização de “moedas de privatização”, incluindo-se no rol dos

meios de pagamento títulos da dívida pública e “moedas podres” (aquelas com

baixa liquidez e reduzido valor em mercado).

Entretanto, as reformas não foram bem sucedidas. A própria elite política não

confiava em Collor e sua equipe para conduzir as reformas. Foi nesse contexto

que Collor viu-se enredado em situações ilícitas, em que processos e

acusações de corrupção começaram a acumular. A mídia brasileira, a mesma

que apostou no governo Collor e o promoveu, teve que, aos poucos, denunciá-

lo, mostrando as imagens das numerosas e grandiosas mobilizações sociais,

promovidas por setores da sociedade civil. Como não tinha mais base política,

sofreu um processo de impeachment. Foi então, julgado e condenado a deixar

o Governo. Itamar Franco, o vice, assumiu a Presidência da República.

.

No Governo Itamar Franco, 15 empresas foram privatizadas, caracterizando-se

pela ênfase no uso de moeda corrente nas aquisições, conclusão da

desestatização do setor siderúrgico, ampliação do uso de créditos contra o

Tesouro Nacional como meio de pagamento, venda de participações acionárias

minoritárias do Estado e eliminação da discriminação contra a participação do

capital estrangeiro. Com efeito, a partir desse período, permitiu-se a

participação de investidores estrangeiros em até 100% do capital votante das

empresas alienadas. A arrecadação desse período atingiu US$4,5 bilhões.

Em suma, na primeira metade dos anos 90, o Estado brasileiro desfizera-se de

empresas do setor de infra-estrutura, nas áreas de siderurgia, algumas de

menor porte em energia elétrica, da química, petroquímica e fertilizantes –

como se sabe, áreas conexas à do petróleo (que permanece estatal),

intensivas em capital e que requerem, portanto, tecnologia de ponta e pesados

investimentos pela natureza da própria indústria (escala). Embora o resultado

geral aponte para US$11,3 bilhões, sabe-se que as receitas de venda

Page 25: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

25propriamente ditas atingiram US$8,5 bilhões. A diferença expressa o repasse

de dívidas que acompanhou a alienação dos ativos.

Ainda no Governo Itamar Franco, assume o Ministério das Relações Exteriores

o então senador Fernando Henrique Cardoso (FHC). Logo após, FHC passa a

ser Ministro da Fazenda e institui, junto com uma equipe de técnicos, um plano

econômico, o Plano Real. Tal plano visava a volta de um programa de reforma

de Estado iniciada por Collor. Candidatando–se a presidência da República,

FHC, centra sua plataforma eleitoral no aprofundamento da chamada

modernização do Estado, na abertura comercial e financeira aos capitais

estrangeiros da economia A economia encontrava-se em processo de

estabilização monetária inusitado, ancorado no câmbio supervalorizado em

função de grandes fluxos de capitais estrangeiros que ingressavam no país,

tanto pela rentabilidade de curto prazo, quanto pela presença em carteira

pronta para aplicações no programa de privatizações.

O programa de estabilização tinha como pano de fundo para a sua sustentação

o avanço do programa de privatizações. Assim, os capitais excedentes nos

mercados internacionais são atraídos por duas vertentes: os de curto prazo,

pela política monetária rigorosa que mantinha elevados os juros internos (a

taxa básica situou-se entre as maiores do mundo) e, os de longo prazo, pela

venda de estatais – além das remanescentes da área de infra-estrutura

(transportes, energia e comunicações), as vendas foram estendidas à área

financeira (1a venda: Banco Meridional do Brasil S/A). Foram incluídas as

estatais estaduais, com incentivo do governo via financiamentos do BNDES e,

como não poderia deixar de ser, a flexibilização na abertura do setor financeiro

nacional ao capital estrangeiro.

Assim, no período FHC, inicia-se uma nova fase no PND, pois o programa de

privatizações é ampliado e aprofundado: cria o Conselho Nacional de

Desestatização (em substituição à Comissão Diretora, da primeira fase do

Page 26: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

26programa); conclui a alienação de empresas estatais do setor industrial; inclui a

Companhia Vale do Rio Doce – a maior mineradora do mundo – no rol das

privatizáveis; transfere, mediante concessões de exploração, serviços públicos

essenciais ao setor privado – como os setores de eletricidade, de transporte e

de telecomunicações e, mais, inicia, com suporte do Governo Federal, o

processo de desestatização de empresas estaduais.

Reproduz-se de forma ampliada a lógica da substituição de patrimônio por

dívida, desta feita com um discurso oficial apoiado pelo setor privado nacional e

internacional de que as novas bases para o crescimento econômico “auto-

sustentável e com estabilidade monetária” estavam sendo construídas. Desse

modo, foram desestatizadas 19 empresas entre 1995-96, com resultados de

US$ 7,7 bilhões, sendo arrecadados US$5,1 bilhões com as vendas e US$2,6

bilhões de dívidas transferidas.

Os anos de 1997-98 compreendem a segunda metade do primeiro mandato do

Presidente FHC e a fase áurea do Plano Real, com câmbio supervalorizado e

estabilidade de preços. Há, no período, uma preparação de terreno para a

reforma constitucional que o permitiria candidatar-se para o segundo. Em 15 de

agosto de 1995, o Congresso Nacional aprovara a Emenda Constitucional nº 8,

quebrando o monopólio estatal na área de telecomunicações. Decorridos

quase dois anos, o Congresso aprova, em julho de 1997, a Lei Geral de

Telecomunicações (Lei n.º 9.472, de junho de 1997) e, assim, e torna possível

a venda das empresas estatais no setor.

Em julho de 1998 - último ano do primeiro mandato de FHC e já candidato à

reeleição de outubro, em vista da Emenda Constitucional nº 16, de junho de

1997, que introduzira a questionável figura da reeleição de Chefes do Poder

Executivo na política brasileira – o governo federal vendeu as 12 holdings

criadas a partir da cisão do Sistema Telebrás, representando a transferência

para a iniciativa privada das Empresas de Telefonia Fixa e de Longa Distância

Page 27: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

27bem como das empresas de Telefonia Celular-Banda A . A arrecadação com a

venda dessas 12 empresas somou R$22,0 bilhões e o ágio médio foi 53,74%

sobre o preço mínimo.

Durante o primeiro mandato de FHC (1994-98) adotou-se no país um rígido

programa de ajuste fiscal, caracterizado pelo comprometimento, em face de

acordos stand by com o FMI, da geração de superávits fiscais primários – pelo

menos equivalente à metade dos juros da dívida pública. Esse programa foi

ampliado para os Estados e Municípios, especialmente para os primeiros, com

a federalização das dívidas públicas mobiliárias e contratuais desses entes da

federação.

Em suma, no primeiro mandato de FHC, 1995-98, a política de drástica

redução da participação direta do Estado na economia respondeu por 72% de

todo o programa (US$ 76 bilhões em relação ao total das vendas de US$ 105,5

bilhões). Nos anos de 1997 e 1998, as alienações atingiram praticamente 60%

dos recursos obtidos com o programa durante os 12 anos de sua

implementação (1990-2002).

Reeleito para o segundo mandato de quatro anos, o Presidente FHC enfrenta

em fins de 1998, turbulências na área econômica, em vista dos efeitos

adversos das crises financeiras internacionais, de origem asiática e russa.

Especulava-se, na época, em função dos movimentos de capitais

internacionais especulativos nos países emergentes e do papel de âncora

cambial no programa de estabilização do Real, que o “Brasil seria a bola da

vez”. Com efeito, o programa de estabilização é seriamente ameaçado, com

fortes especulações contra o Real, o que leva o governo, em janeiro de 1999, a

permitir a forte desvalorização da moeda nacional, a elevar a taxa básica de

juros para 45% ao ano e a dar prosseguimento às privatizações. Tudo isso

somado ao ajuste fiscal, em curso e já em âmbito nacional.

Page 28: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

28Após a avalanche das privatizações em 1998 (ano da reeleição de FHC), o

PND arrefece no âmbito federal, mas é agilizado na esfera estadual e as

receitas atingem US$4,2 bilhões. Assim, o governo federal vendeu, como

sempre mediante ofertas públicas (editais) precedidas aos leilões, por US$128

milhões concessões para exploração de 4 áreas de telefonia fixa das

empresas-espelho, visando aumentar a concorrência às recém-privatizadas

companhias de telecomunicações. Na área de informática, foi alienada a

Datamec S.A – Sistemas e Processamento de Dados à americana Unisys

Brasil S.A, pelo preço mínimo de US$47,2 milhões e, finalmente, também pelo

preço mínimo de US$ 21 milhões, a Wildport Operadores Portuários adquiriu o

Porto de Salvador-Bahia (CODEBA).

Já no âmbito estadual, entre fevereiro e novembro de 1999, o PND avança na

alienação das empresas do setor de energia elétrica. As ações da Elektro –

Eletricidade e Serviços S.A foram adquiridas pela Eron International, sua

controladora, pelo valor de US$215,8 milhões, com um ágio de 98,9% sobre o

preço mínimo! Com a cisão da megaempresa do setor – a CESP, Companhia

Energética de São Paulo – o setor público desfez-se das seguintes empresas

geradoras de energia elétrica: a Cia de Geração de Energia Elétrica

Paranapanema, adquirida pela americana Duke Eneregy Corporation, pelo

valor de US$1,2 bilhão, com ágio de 90,2% sobre o preço mínimo estipulado! e

a Cia de Geração de Energia Elétrica Tietê, adquirida pela também americana

AES, com ágio de 30% sobre o preço mínimo e valor de US$ 938,6 milhões.

Por fim, em novembro de 1999, há o leilão de concessão para a distribuição de

gás natural na Área Noroeste do Estado de São Paulo.

Em 2000, o PND é retomado com vigor, obtendo a terceira maior arrecadação

anual, correspondendo a 10,2 bilhões de dólares. Destacam-se, com efeito, a

venda pela União, no Brasil e no exterior, de ações excedentes ao controle

acionário do “velho monopólio de guerra” e símbolo do nacionalismo dos anos

Page 29: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

2950 – a Petrobrás Petróleo Brasileiro S.A – no valor de US$ 4,0 bilhões. Pela

primeira vez, foi autorizada o uso de recursos dos trabalhadores, o FGTS

(Fundo de Garantia por Tempo de Serviço), na aquisição das ações. Foi

também privatizado o maior banco estadual do País – o BANESPA, Banco do

Estado de São Paulo S.A – anteriormente federalizado na renegociação da

dívida do Estado com a União, sendo que 60% do capital votante fora adquirido

pelo grupo espanhol Santander Central Hispano, por R$ 7,0 bilhões, . com ágio

de 281% sobre o preço mínimo estipulado. Além da venda de participações

minoritárias da União incluídas no PND, foram licitadas, pela Agência Nacional

de Energia Elétrica – ANEEL.

No âmbito dos Estados, as privatizações concentraram-se, em 2000, no setor

de energia elétrica e gás canalizado, saneamento e setor financeiro, e

totalizaram receitas no valor de US$ 3,04 bilhões. As principais alienações

foram: a Companhia Energética de Pernambuco – CELPE, arrematada pelo

preço mínimo de US$1,0 bilhão pelo consórcio ADL Energy (Iberdrola), Caixa

de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil – PREVI e Banco do Brasil

de Investimentos – BBI; a Cia Eneregética do Maranhão – CEMAR, adquirida

pela empresa americana Pensilvannia Power & Light, pelo preço mínimo de

US$ 288,7 milhões; a Sociedade Anônima de Eletrificação do Paraíba –

SAELPA, adquirida pela Companhia Força e Luz Cataquazes Leopoldina,

também pelo preço mínimo de US$ 185,1 milhões. O Grupo espanhol

GasNatural venceu a concorrência da concessão para distribuição de gás

canalizado na região Sul do Estado de São Paulo, com a proposta de US$

298,4 milhões, representando um ágio de 462% acima do preço mínimo

estabelecido! A Manaus Saneamento – subsidiária integral da Cosama –

Companhia de Saneamento do Amazonas – foi adquirida pelo grupo francês

Lyonnaise dês Eaux, pelo preço de US$ 106,1 milhões, com ágio de 5% sobre

o preço mínimo e, finalmente, o Banco Itaú S.A (grupo financeiro nacional)

assumiu o controle do Banco do Estado do Paraná peço preço de US$ 868,8

milhões, com ágio de 303% sobre o preço mínimo estabelecido.

Page 30: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

30

Portanto, para fechar o século XX, o Estado brasileiro aliena parte substantiva

do seu capital, formado ao longo de décadas, em áreas vitais como petróleo,

energia elétrica e setor financeiro. Há um claro indício de desnacionalização

desses setores, em vista da participação de capitais estrangeiros procedentes

dos Estados Unidos, França e Espanha. De igual modo, constatam-se

elevados ágios em relação aos preços mínimos estabelecidos pelo Conselho

Diretor do PND para os leilões.

Em 2001, amplia-se a privatização na área de telecomunicações, com a divisão

do mercado nacional em bandas e mega-áreas regionais: venceram os leilões,

no primeiro semestre, a Telecom Itália (R$ 2,53 bilhões) e a Telemar (R$ 1,1

bilhão), com ágios variando de 5,3% a 40,42% sobre os preços mínimos. Em

julho encerrou-se a oferta pública, no Brasil e no exterior, de 41,3 milhões de

ações preferenciais da Petrobrás, correspondentes a 3,5% do seu capital total

e perfazendo uma receita de US$ 808,3 milhões.

Depreende-se que nos dois últimos anos do segundo mandato de FHC, o PND

passa por um arrefecimento em termos de valores: US$2,8 e US$2,2 bilhões,

em 2001 e 2002, respectivamente. Entretanto, ressaltem-se as vendas dos

setores de telecomunicações, com a divisão de telefonia fixa e celular (bandas)

em mega-áreas do mercado nacional, de energia elétrica e petróleo –

incluindo-se aqui a alienação, no Brasil e no exterior, das ações excedentes ao

controle acionário da Petrobrás, de mineração – ações ordinárias

remanescentes da Cia Vale do Rio Doce – e do setor financeiro, com

participação expressiva do capital espanhol e holandês e, na margem, de dois

dos maiores grupos financeiros nacionais (Itaú e Bradesco) no processo de

desestadualização do sistema financeiro regional. Também foram expressivos

os diferenciais entre os preços mínimos de alienação e os obtidos nos leilões,

configurando ágios da ordem de 50 a 500% sobre o valor mínimo.

Page 31: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

31Enfim, um gigantesco processo de transformação rápida do monopólio estatal,

formado ao longo de meio século, em oligopólios privados e com forte

presença do capital estrangeiro europeu e norte-americano.

Nos 8 anos de FHC (1995-2002), a carga aumentou em 8 pontos percentuais,

de forma gradual – praticamente 1 ponto percentual do Produto Interno Bruto a

cada ano. Por outro lado, a taxa histórica de crescimento médio anual de 7%

ao ano não foi retomada e, pior, configurou-se no período um quadro de

estagnação decenal, com baixo crescimento médio anual do PIB, sendo de

apenas 2,3 % no período Real. Interessante observar que, de 1990-2002,

apenas em 1993 e 1994, durante o mandato tampão do Governo Itamar, o

Brasil ensaiou a retomada do crescimento com taxas reais de variação do PIB

de 4,9 e 5,9%, respectivamente.

O nível de desocupação da força de trabalho reproduziu, como contrapartida

do que se pode esperar de quase década e meia de políticas públicas e

econômicas neoliberais, com fortes ajustes fiscais e reformas patrimoniais e

administrativa do Estado, sobretudo diante de um cenário de globalização

econômica com hegemonia do capital financeiro.

O núcleo desses fenômenos está no modelo neoliberal, ao seduzir os

responsáveis pela condução macroeconômica do país – com a conivência

democrática do Congresso Nacional - levou o Brasil a uma “armadilha da

liquidez” externa: para manter a estabilidade monetária e cambial e, assim,

contar com influxos de capitais estrangeiros necessários ao atendimento das

chamadas necessidades de financiamento externo para cobrir os serviços da

dívida mais remessas de outros capitais, introduziu-se o regime de metas de

inflação e o rigoroso ajuste fiscal. As taxas de juros internas elevadas

mantiveram a economia estagnada ou com taxas de crescimento muito baixas,

de um lado, e altos índices sociais negativos.

Page 32: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

32Diante desse quadro, o operário Luis Inácio “Lula” da Silva, vitorioso nas

eleições de 2002, assume à Presidência da República, fazendo história como o

primeiro presidente operário do Brasil. Há uma grande expectativa sobre as

políticas que seriam adotadas por Lula e o Partido dos Trabalhadores. E não

demora muito para Lula apresentar as suas primeiras reformas. As quais não

difere, essencialmente, da linha adotada pelo governo anterior. Na verdade,

aprofunda o sentido neoliberal: constitucionaliza a cobrança dos inativos e

pensionistas à mesma taxa dos ativos; aumenta ainda mais o tempo de serviço

daqueles servidores em transição, ao exigir a aplicação imediata do limite

mínimo de idade de 55/60 anos, para homens e mulheres, respectivamente;

universaliza o teto de aposentadoria dos trabalhadores do setor público e do

setor privado, pelo valor equivalente atualmente a 10 salários mínimos,

desconsiderando-se a regra primária de que o servidor público recolhe a

contribuição pelo salário integral e não pelo teto, como ocorre no setor privado;

rompe com os mecanismos que asseguram a integralidade e a paridade

ativo/inativo nos reajustamentos dos benefícios, conquistas pelos servidores

durante a ANC; impõe redutor de 5% do benefício para cada ano de

antecipação na aposentadoria, até o limite de 35%; impõe um corte de, pelo

menos, 50% no valor das pensões e abre caminho para a previdência

complementar, nos moldes propostos por FHC. Para o setor privado, há tão-

somente o aumento no teto de contribuição. Tudo isso, numa perspectiva

fiscalista, em articulação com os Governadores, que serão beneficiários

diretos, também, do “arrocho previdenciário” e têm poder de pressão sobre o

Congresso Nacional. Mas é uma proposta que atende satisfatoriamente a

lógica da agenda do FMI, do Banco Mundial e dos grandes capitais, na medida

em que não deixa de abrir alguma “folga” para a sustentação do superávit

primário e, seguramente, abrirá o nada desprezível mercado de fundos de

pensão para o capital financeiro.

.

Page 33: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

33

CAPÍTULO III

A PARTICIPAÇÃO DO MINISTÉRIO DA

ADMNISTRAÇÃO E REFORMA DO ESTADO (MARE) NA

IMPLANTAÇÃO DO ESTADO NEOLIBERAL

BRASILEIRO

No Brasil, o Estado Neoliberal, como analisamos no capítulo anterior, foi

consolidado através das reformas no primeiro governo de Fernando Henrique

Cardoso, entre 1995 a 1998.

Os fundamentos básicos destas reformas foram seguidos à risca: privatização,

publicização e terceirização. Nesse contexto, o Ministério da Administração e

Reforma do Estado (MARE), instituído pela medida provisória nº 813 de 01 de

janeiro de 1995, está situado no centro desta análise, uma vez que foi colocada

como a principal agência do Estado responsável pela elaboração e execução

das reformas.

Estava fundado um organismo que centralizaria toda a política de reforma do

Estado brasileiro. O MARE passou a implementá-la conforme alguns princípios

fundamentais:

1. desburocratização - por meio de flexibilização administrativa e

eliminação de procedimentos operacionais desnecessários;

Page 34: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

34

2. descentralização - delegação de competências dentro da estrutura do

Estado e estabelecimento de parcerias com a sociedade;

3. transparência – maior publicidade das ações governamentais,

possibilitando o controle social;

4. accountability;

5. ética;

6. profissionalismo;

7. competitividade e

8. enfoque no cidadão como principal usuário dos serviços públicos.

A reforma do Estado Brasileiro, de cunho neoliberal, tem como marco político,

no Congresso Nacional, a proposta de Emenda Constitucional nº 173

apresentada pelo então deputado Moreira Franco (PMDN-RJ), em agosto de

1995. Na verdade, nesse momento já se esboçava uma reação das centrais

sindicais e da bancada de centro esquerda no Congresso ligada as centrais.

Tal reação gerou uma divisão entre o principal elaborador das reformas, Luiz

Carlos Bresser Pereira, à frente do MARE, e o deputado Moreira Franco,

relator da emenda na Câmara dos deputados. Tal divisão, se refletiu em vários

pontos, porém o principal, dizia respeito ao fim da estabilidade do

funcionalismo público. Após as pressões do movimento sindical foi retirado do

parecer do relator o fim da estabilidade. Entretanto, apesar das mobilizações

sindicais, o governo, detentor de ampla maioria parlamentar no Congresso,

aprovou as medidas para dar prosseguimento a reestruturação e ao novo

modelo de Estado.

O MARE, então, elabora o Plano Diretor da Reforma do aparelho do Estado,

que é aprovado pela chamada Câmara da Reforma do Estado, presidida pelo

então ministro chefe da Casa Civil, Clóvis Carvalho, pelos ministros Paulo

Page 35: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

35Paiva, Pedro Malan, José Serra, Gal. Benedicto Leonel titulares das pastas do

Trabalho, Fazenda, Saúde e do Estado Maior das Forças Armadas,

respectivamente. Tal grupo tinha a participação direta e especial de Bresser

Pereira e foi constituído já nos primeiros meses de 1995, ficando responsável

pela elaboração do Plano.

Aprovado entre os membros da referida Câmara, em setembro de 1995 e após

sanção presidencial, foi divulgado em novembro do mesmo ano. Esboçando os

pontos cruciais da proposta do governo, o documento sintetizava toda a

estratégia sobre a reestruturação do Estado brasileiro.

Mas não bastava divulgar um documento era necessário sistematizar a

discussão sobre a reforma. Por isso, em abril de 1997, o próprio MARE inicia

uma publicação periódica sobre as atividades do Ministério. O primeiro número

deste periódico, batizado de Cadernos do MARE, trata da discussão sobre a

reforma do Aparelho do Estado, Bresser Pereira expõe sua análise sobre a

crise doa anos oitenta e suas repercussões que levaram à crise do Estado.

Segundo Bresser: “o Estado entra em crise, pois perde em graus variados o

crédito público, ao mesmo tempo, em que vê a sua capacidade de gerar

poupança diminuir, senão desaparecer, à medida que a poupança pública que

era positiva vai se tornando negativa. Em consequência a capacidade de

intervenção do estado se reduz drasticamente. O Estado se imobiliza”

(BRESSER.1997,p.12). Ou seja, para Bresser o Estado deveria se modernizar,

para enfrentar os desafios impostos pela globalização econômica, se tornar

mais eficiente e aliviar os seus custos sobre as empresa nacionais que

concorrem internacionalmente (BRESSER.1997, p.14).

Page 36: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

36Seguindo esses pressupostos, Bresser-Pereira, à frente do MARE, estabelece

como eixos norteadores da Reforma do Estado Brasileiro o enxugamento do

Estado, a concessão de determinadas atividades do setor público estatal a

serem exploradas pela iniciativa privada. O papel do MARE na construção do

Estado Neoliberal Brasileiro fica bem claro, na primeira edição dos Cadernos

do MARE, que expõe a chamada “reforma gerencial”, cujas bases estruturantes

para a concepção de um novo Estado, são as seguintes:

a) delimitações das funções do Estado, reduzindo seu tamanho,

principalmente em termos de pessoal, através de programas de

privatização, terceirização e “publicização”(este último refere-se à

transferência para o “setor público não estatal” de serviços sociais e

científicos prestados pelo Estado);

b) redução do grau de interferência do Estado na atividade econômica

através de programas de desregulação, que ampliariam os mecanismos

de controle via mercado, passando o Estado a ser promotor da

capacidade de intervenção do país, e não protetor da economia nacional

frente à competição externa;

c) aumento da governança do Estado, ou seja, capacidade de fazer valer

suas decisões de governo, através de ajustes, assim como a realização

de uma reforma administrativa e

d) implantação do modelo de administração gerencial, nas áreas social,

econômica e política. Os objetivos de tal administração seriam: aumento

de eficiência dos serviços públicos, ampliar capacidade financeira do

Estado e intermediar os interesses públicos e privados.

Page 37: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

37

CONCLUSÃO

As crises econômicas do capitalismo, que tem sua origem na superprodução,

ao longo dos últimos oitenta anos, tem obrigado o Estado a se adaptar para

enfrentar os efeitos econômicos e sociais.

Foi assim na grande Crise de 1930, que decretou a falência do Estado Liberal e

inaugurou o Estado do New Deal, de cunho keynesiano e utilizou instrumentos

de política fiscal para salvar o capitalismo de um abismo. Na Europa ganhou a

forma do Welfart State e por um determinado período tentou responder à

ameaça de uma alternativa ao capitalismo, a Revolução Socialista de 1917, na

URSS.

Mas como as crises do capitalismo são cíclicas e exigem que o Estado se

reforme para enfrentá-las, uma vez que o Estado que estamos analisando é um

Estado Capitalista e por si só tem como finalidade a existência do capitalismo,

novas crises surgiram.

Foi assim na crise do final dos anos 70 e início dos anos 80, e novamente o

Estado muda para continuar o mesmo, ou seja, atender os interesses do

capitalismo. É o ressurgimento das idéias liberais, agora chamadas de

neoliberais, que atacam e proclamam o fim do Estado do Bem Estar Social e

do Socialismo (Queda do Muro de Berlim)

No Brasil o neoliberalismo é o ponto de partida para se responder à crise das

décadas de oitenta e em especial na de noventa, interpretada como uma crise

do Estado. A crise do Estado desenvolvimentista edificado no Brasil, a partir da

década de 1930.

Page 38: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

38E a resposta por parte significativa da intelectualidade brasileira é construir um

consenso em torno da necessidade de reestruturação do Estado Brasileiro,

substituindo o Estado Social Burocrático pelo Estado Social Liberal, assim

chamado por Besser-Pereira.

Na verdade, o Estado Social Liberal nada mais é do que o Estado Neoliberal,

implantado no Governo de Fernando Henrique Cardoso, através do Ministério

da Administração e Reforma do Estado (MARE), cujo papel foi fundamental,

tanto do ponto de vista teórico como executivo, implementando políticas e

medidas que resultaram no desmantelamento do setor público estatal.

Analisados os movimentos de reforma e contra-reforma ao longo dos dois

últimos séculos, e todo o contexto em que se desenvolveu a Reforma dos

Estados em geral, e particularmente do Brasileiro é possível concluir que tanto

as idéias Keynesianas como as neoliberais, apesar de aparentemente serem

opostas, são utilizadas na busca do equilíbrio da economia capitalista.

Hoje, Governos que já reivindicaram no passado a defesa do socialismo,

utilizam pragmaticamente tanto as idéias keynesianas como as neoliberais para

elaboração de suas políticas. Ou seja, dificilmente teremos a retomada do

Estado do bem estar social, entretanto o neoliberalismo, também, não

conseguiu fôlego e foi atropelado pela última crise econômica de 2008.

Page 39: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

39

ÍNDICE

Banco Central do Brasil, Informações estatísticas, in site www.bacen.gov.br

Batista Jr., Paulo Nogueira, Mitos da “Globalização”, Rio de Janeiro, 1998, p.9

Fiori, José Luis, O vôo da coruja – uma critica não liberal à crise do Estado

desenvolvimentista. Rio de Janeiro. EDUERJ.1995

Gonçalves, Reinaldo, Globalização e desnacionalização. São Paulo. Paz e

Terra.1999. p.185

Hobsbawm, Eric J. Nações e Nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro. Paz e

Terra. 1990. p.38

Oliveira, Francisco de, Crítica a Razão Dualista, Petrópolis, Editora Vozes

Ltda,1988, p.76

Pereira, Luiz Carlos Bresser. A Reforma do Estado dos anos 90: Lógica e

mecanismos de Controle. Brasília: Ministério da administração Federal e

Reforma do Estado, 1997. p.11

Pereira, Luiz Carlos Bresser. Ob. cit.p.19

Pereira, Luiz Carlos Bresser. Ob. cit. P.42

Revista Conjuntura Econômica. Rio de Janeiro.FGV, maio 1995

Page 40: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO … · desde o Governo Collor, e sobretudo, a partir de 1994 no Governo de Itamar Franco, com o Plano Real, e logo depois, em

40Skidmore, Thomas, Brasil: De Getúlio a Castelo, Rio de Janeiro, 1988, Editora

Paz e Terra, p.57

Sodré, Nelson Werneck. Brasil: Radiografia de um modelo. Rio de Janeiro.

1987. Editora Bertrand Brasil S.A.. p.36

Sodré, Nelson Werneck. Obra cit.p.160

Wainwright, Hilary. Uma resposta ao neoliberalismo, Rio de Janeiro, Jorge

Zahar Ed. 1998. p. 38