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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO PRÓ-REITORIA ACADÊMICA MESTRADO EM DIREITO CAMILA LEITE VASCONCELOS MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI MARIA DA PENHA: UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE Recife 2017

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UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

COORDENAÇÃO GERAL DE PÓS-GRADUAÇÃO

PRÓ-REITORIA ACADÊMICA

MESTRADO EM DIREITO

CAMILA LEITE VASCONCELOS

MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI

MARIA DA PENHA:

UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE

Recife

2017

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CAMILA LEITE VASCONCELOS

MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI

MARIA DA PENHA:

UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

graduação em Direito da Universidade

Católica de Pernambuco – UNICAP, como

exigência parcial para a obtenção do título de

Mestre em Direito.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Montenegro Pessoa de Mello

Co-orientadora: Prof.ª Dr.ª Fernanda Cruz da Fonseca Rosenblatt

Recife

2017

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MONITORAMENTO ELETRÔNICO NO ÂMBITO DE APLICAÇÃO DA LEI

MARIA DA PENHA:

UMA ANÁLISE DO SISTEMA NA CIDADE DO RECIFE

CAMILA LEITE VASCONCELOS

Dissertação defendida em 10 de Março de

2017 como exigência parcial para a obtenção

do título de Mestre em Direito.

___________________________________________________________________

Presidente e Orientadora: Prof.ª Dr.ª Marília Montenegro Pessoa de Mello (UNICAP)

___________________________________________________________________

Examinador externo: Prof.ª Dr.ª Carolina Costa Ferreira (UniCEUB)

___________________________________________________________________

Examinador interno: Prof. Dr. José Luciano Gois de Oliveira (UNICAP)

___________________________________________________________________

Examinadora interna: Prof.ª Dr.ª Érica Babini Lapa do Amaral (UNICAP)

Recife

2017

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AGRADECIMENTOS

Não tem como iniciar os agradecimentos sem fazê-lo primeiramente a Deus. É a Ele quem

devo não só essa vitória como também todas as inúmeras outras que recebo todos os dias de

minha vida. Obrigada Senhor, porque nos momentos mais difíceis que passei ao longo desse

mestrado, nunca me abandonastes! Quando tudo era só escuridão, mostraste-me o caminho

que me levou a vencer, honrando com todas as vossas promessas.

Agradeço ao meu querido marido, Julierme, meu eterno príncipe! Amor, obrigada por estar

sempre ao meu lado me apoiando e embarcando comigo nas minhas travessuras acadêmicas.

Você é o meu maior exemplo de integridade, honestidade e compreensão. Sou a mulher mais

abençoada desse mundo porque Deus me deu o melhor presente da minha vida: VOCÊ! A

construção desse trabalho se tornou mais leve por ter você ao meu lado, ensinando-me a

compilar em planilhas os dados obtidos durante a pesquisa de campo e amparando-me nos

momentos de cansaço.

Pai, o senhor, mesmo com ideias e pensamentos tão seus sempre foi meu maior

impulsionador. Obrigada por todo carinho e orientação dada a mim não apenas durante o

mestrado, mas ao longo de toda minha vida. Muito obrigada por me fazer enxergar a vida

como ela verdadeiramente é, mostrando-me que é possível ser feliz mesmo com todas as

adversidades que possam surgir.

Também não posso deixar de agradecer a minha mãe, minha mainha! Mãe, por mais que a

senhora não se ache sábia, acredite que é no seu colo e nas suas palavras doces onde aprendo

as maiores e mais importantes lições. A senhora é para mim um exemplo de mulher, mãe,

guerreira, vitória e superação. Obrigada por ficar sempre ao meu lado. Eu te amo!

À minha irmã, Jamille. Jam, você é o meu maior orgulho! Você já é o que eu jamais serei,

sinônimo de generosidade, serenidade, integridade, fibra, beleza, inteligência, enfim, as

palavras não são suficientes para descrever o quanto você é maravilhosa. Obrigada por todas

as valiosas dicas que recebi para a elaboração dessa dissertação. Com certeza, esse trabalho

tem muito de você.

Ao meu irmão, João Victor. Mago, obrigada por ser essa pessoa sempre tão disposta a ajudar

o próximo. Obrigada por ter me servido tanto, principalmente no início do mestrado. Você foi

incrível comigo. Sei que não é qualquer irmão que faz o que você fez para mim. Minha eterna

gratidão.

Agradeço ainda aos meus sogros, pelo apoio e pelo carinho a mim despendidos. Obrigada por

me acolherem como uma filha. Eu aprendo todos os dias com vocês.

Não posso deixar de registrar o meu agradecimento à Marília, minha querida professora e

orientadora do mestrado. “Profa”, o meu marco teórico é a senhora. Até hoje não acredito que tive coragem de dizer isso durante a entrevista da seleção do programa de pós graduação.

Mas, de fato, chegando ao final desse ciclo, o meu ponto de partida e a minha referência de

conhecimento, profissionalismo e competência continua sendo a senhora! Obrigada por ter me

acolhido tão bem e com tanto carinho. Obrigada por me deixar fazer parte do seu Asa Branca.

Nunca achei que um dia faria parte dele. Não tenha dúvidas que a senhora cumpriu sua missão

comigo enquanto professora porque hoje eu termino esse mestrado certa do meu enorme

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crescimento não só acadêmico como pessoal também. Quero muito poder continuar

desfrutando dos seus ensinamentos.

À minha co-orientadora, professora Fernanda Rosenblatt. Nem sei o quanto agradecer por ter

aberto as portas da sua casa para me orientar. Obrigada por cada momento dedicado a mim.

As suas colocações a respeito dessa dissertação, sempre tão intensas, foram de grande

contribuição. A senhora é um estímulo para nunca desistir dos meus planos, especialmente os

pessoais. A senhora e Marília deixaram muito de vocês em minha vida.

Agradeço a todos os meus professores do mestrado, em especial ao Professor Luciano

Oliveira por sempre nos fazer enxergar os problemas sociais sob outros olhares e à Professora

Érica Babini, minha professora também da graduação, responsável por plantar a sementinha

da vida acadêmica em meu coração.

À professora Carolina Ferreira que se dispôs carinhosamente a compor a banca da minha

defesa pública dessa dissertação.

Quero agradecer também a todos os colegas do mestrado que de várias formas me ajudaram a

sempre seguir em frente.

Também não posso deixar de agradecer ao meu colega de trabalho, Arthur Benvindo, por ter

me apresentado ao Programa de Pós Graduação em Direito da UNICAP, mostrando-me que o

sonho do ingresso era possível.

Por fim, agradeço a todos os servidores da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e

do Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos por terem sido tão hospitaleiros e

solícitos durante a realização da pesquisa de campo.

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RESUMO

A pesquisa trata da implementação da política de monitoração eletrônica nas ocorrências de

violência doméstica e familiar contra a mulher como meio de efetivar o cumprimento de

medidas protetivas de urgência deferidas com base na Lei Maria da Penha - Lei 11.340/2006.

Com o advento da Lei n° 12.403/2011, a qual admitiu a monitoração eletrônica como medida

cautelar diversa da prisão (Art. 319, inciso IX, do Código de Processo Penal), os magistrados

passaram a aplicá-la alternativamente ao artigo 20 da Lei n° 11.340/2006 que prevê a

possibilidade de prisão preventiva a qualquer momento da instrução penal, presentes os

requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal, conferindo ao agressor uma liberdade

vigiada. Assim, para manter o agressor afastado da vítima, ele passa a ser monitorado

mediante a fixação de um dispositivo eletrônico em seu tornozelo, o qual através da

tecnologia GPS transmite em tempo real a sua exata localização. A vítima, por sua vez,

também passa a portar um equipamento, permitindo precisar a distância entre ela e o acusado.

Pesquisas empíricas realizadas sob o viés da Criminologia Crítica têm apontado a inaptidão

do sistema tradicional de justiça para solucionar os conflitos de natureza doméstica,

principalmente por ele não atender às necessidades das vítimas dentro do processo penal.

Sendo a monitoração eletrônica uma ferramenta a serviço do Direito Penal, procurou-se

investigar se a concessão das medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à medida

cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de combate à

violência doméstica ou se seria uma maneira de punir prematuramente o acusado, colocando-

o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade. Para desenvolver esse

estudo, buscou-se observar a prestação desse serviço na Secretaria da Mulher do Estado de

Pernambuco e no Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos, fazendo um recorte

dos casos relativos à cidade do Recife. Durante a pesquisa de campo foi possível captar as

diretrizes de funcionamento desses órgãos, traçar o perfil das vítimas que participaram da

política de monitoração eletrônica no ano de 2016, bem como entender a percepção delas

sobre a temática a partir dos diálogos ocorridos na Secretaria da Mulher e das conversas

realizadas por telefone. Das informações extraídas do campo, não há como afirmar que essa

medida se apresenta eficiente a todos os casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, tendo em vista que se de um lado não consegue atender aos anseios da vítima, de

outro é um potente instrumento de estigmatização para o agressor. Contudo, isso não é

suficiente para banir a utilização da monitoração eletrônica, pois se verificou situações em

que a medida se mostrou capaz de romper os ciclos de violência até mesmo após o fim do

monitoramento. Portanto, é importante avaliar o caso concreto para se aplicar a monitoração

eletrônica com prudência de modo a proteger a vítima, resguardando o máximo possível os

direitos fundamentais do agressor. O trabalho desenvolvido pelo Poder Judiciário em parceria

com uma equipe multidisciplinar pode auxiliar na identificação dos casos em que a medida se

mostre adequada. É preciso considerar ainda o investimento em técnicas de vigilância menos

invasivas à liberdade, intimidade e privacidade como o botão do pânico, como meio de

proteger a mulher vítima de violência doméstica e familiar.

Palavras-chave: Monitoração Eletrônica; Violência Doméstica; Medidas Protetivas; Mulher.

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ABSTRACT

The research deals with the implementation of the electronic monitoring policy in the

occurrences of domestic and family violence against women as a means of enforcing urgent

protective measures granted based on the Maria da Penha Law - Law 11,340 / 2006. With the

advent of Law No. 11,403 / 2011, which admitted electronic monitoring as a precautionary

measure other than imprisonment (Article 319, clause IX, of the Code of Criminal Procedure),

magistrates began to apply it in alternative to article 20 of the Law No. 11.340 / 2006 which

provides for the possibility of preventive detention at any time during the criminal

investigation, in compliance with the requirements of article 312 of the Code of Criminal

Procedure, granting the offender a probation. Thus, to keep the aggressor away from the

victim, it is monitored by attaching an electronic device to his ankle, which through GPS

technology transmits in real time its exact location. The victim, in turn, also carries an

equipment, allowing to specify the distance between her and the accused. Empirical research

carried out under the Critical Criminology bias has pointed to the inappropriateness of the

traditional justice system to resolve conflicts of a domestic nature, mainly because it does not

meet the needs of victims in criminal proceedings. Since electronic monitoring is a tool in the

service of criminal law, it was sought to investigate whether the granting of protective

measures in favor of women victims linked to the precautionary measure of electronic

monitoring is presented as an effective instrument to combat domestic violence or whether it

would be a way To prematurely punish the accused, placing him in a "virtual prison" and

stigmatizing him before society. In order to develop this study, it was sought to observe the

provision of this service in the Women's Secretariat of the State of Pernambuco and the

Electronic Monitoring Center of Reeducandos, making a cut of the cases related to the city of

Recife. During the field research, it was possible to capture the guidelines for the functioning

of these organs, to trace the profile of the victims who participated in the electronic

monitoring policy in the year 2016, as well as to understand their perception on the subject

from the dialogues that took place in the Women's Secretariat And telephone conversations.

From the information extracted from the field, there is no way to affirm that this measure is

effective in all cases of domestic and family violence against women, given that if on one

hand it fails to meet the victim's wishes, on the other hand it is a powerful Instrument of

stigmatization for the aggressor. However, this is not enough to ban the use of electronic

monitoring, as there have been situations in which the measure was able to break the cycles of

violence even after the end of the monitoring. Therefore, it is important to evaluate the

concrete case to apply the electronic monitoring with caution in order to protect the victim,

protecting to the maximum possible the fundamental rights of the aggressor. The work

developed by the Judiciary in partnership with a multidisciplinary team can help identify the

cases in which the measure proves adequate. It is also necessary to consider the investment in

less invasive surveillance techniques for freedom, privacy and privacy as the panic button, as

a means of protecting women victims of domestic and family violence.

Keywords: Electronic Monitoring; Domestic violence; Protective Measures; Woman.

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LISTAS DE FIGURAS, FOTOS E GRÁFICOS

Figura 1 – Monitoração eletrônica de pessoas em situação de violência doméstica ............... 69

Foto 1 – Botão do pânico para vítimas de violência doméstica e familiar .............................. 71

Foto 2 – Dispositivo S.O.S. ...................................................................................................... 71

Foto 3 – PLP 2.0....................................................................................................................... 72

Foto 4 – Agentes Penitenciários em atividade de vigilância no Centro de Monitoramento

Eletrônico de Reeducandos. ..................................................................................................... 90

Foto 5 – Modelo de tornozeleira eletrônica (TZPR01) contratado pelo Estado de Pernambuco

para ser disponibilizado pela empresa terceirizada Spacecom. .............................................. 106

Foto 6 – Modelo da Unidade Portátil de Rastreamento utilizadas pelas mulheres no Estado de

Pernambuco ............................................................................................................................ 108

Foto 7 – Mapeamento do raio da área de exclusão com base nos pontos fixos ..................... 121

Foto 8 – Mapeamento dos pontos fixos a partir do local de trabalho da vítima .................... 122

Foto 9 – Mapeamento do raio da área de exclusão a partir da residência da vítima .............. 123

Gráfico 1 – Rendimento mensal das mulheres inseridas no programa de monitoração

eletrônica ................................................................................................................................ 105

Gráfico 2 – Ocupação/profissão declarada pela vítima ......................................................... 110

Gráfico 3 – Situação das vítimas no mercado de trabalho..................................................... 111

Gráfico 4 – Escolaridade das vítimas .................................................................................... 112

Gráfico 5 – Estado civil das vítimas ...................................................................................... 112

Gráfico 6 – Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor ............................................ 113

Gráfico 7 – Faixa etária das vítimas que utilizaram a monitoração eletrônica ...................... 113

Gráfico 8 – Raça/Etnia das vítimas monitoradas eletronicamente ........................................ 114

Gráfico 9 – Religião das vítimas ........................................................................................... 115

Gráfico 10 – Filhos da vítima com o agressor ....................................................................... 115

Gráfico 11 – Tipo Penal para aplicação da monitoração eletrônica ...................................... 116

Gráfico 12 – Tempo da primeira agressão até a formalização da denúncia .......................... 117

Gráfico 13 – Tempo de convivência das vítimas com os agressores .................................... 117

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LISTA DE ABREVIATURAS

CEMER - Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos

CIODES - Centro Integrado de Operações de Defesa Social

CNJ - Conselho Nacional de Justiça

CPP - Código de Processo Penal

DEMUL - Delegacia de Polícia da Mulher

DEPEN - Departamento Penitenciário Nacional

GPRS - Serviços Gerais de Pacote por Rádio

GPS - Sistema de Posicionamento Global

INFOPEN - Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias

IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada

LED - Diodo Emissor de Luz

ONG - Organização Não Governamental

PLP - Promotoras Legais Populares

PNUD - Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

SAC - Sistema de Acompanhamento de Custódia

SAC24 - Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 horas

SDS - Secretaria de Defesa Social

SERES - Secretaria Executiva de Ressocialização do Estado de Pernambuco

STF - Supremo Tribunal Federal

TZPR - Tornozeleira Eletrônica

UPR - Unidade Portátil de Rastreamento

VVDFM - Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 11

1 O MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO MECANISMO DE CONTROLE

DO DELITO ALTERNATIVO AO CÁRCERE ................................................................. 14

1.1 A história da monitoração eletrônica como instrumento a serviço do sistema criminal . 14

1.2 Um olhar sobre vigilância eletrônica a partir de contornos criminológicos .................... 18

1.3 Os fundamentos do monitoramento eletrônico no Brasil ................................................ 27

1.4 Previsões legais do monitoramento eletrônico no Brasil ................................................. 32

1.5 Aspectos relacionados à tecnologia de monitoração eletrônica no Brasil ....................... 34

1.6 Modelo de gestão de monitoração eletrônica no Brasil ................................................... 40

2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS NOS CASOS DE VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER ....................................................... 50

2.1 As mudanças processuais penais ocorridas com o advento da Lei nº 11.340/2006 e as

críticas sob o viés criminológico ........................................................................................... 50

2.2 Monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as

implicações em torno dessa aplicação ................................................................................... 57

2.3 A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de violação da

Lei Federal n° 11.340/06 ....................................................................................................... 64

2.3.1 O monitoramento eletrônico no âmbito do processo judicial ................................ 64

2.3.2 O monitoramento eletrônico a partir da instituição das audiências de custódia .... 66

2.4 Aparatos tecnológicos utilizados para prevenir e combater a violência doméstica ......... 68

2.5 Diretrizes para a Central de Monitoração Eletrônica para os casos de violência

doméstica ............................................................................................................................... 73

3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER NA CIDADE DO RECIFE: RELATOS DA

PESQUISA EMPÍRICA......................................................................................................... 78

3.1 Metodologia ..................................................................................................................... 78

3.2 Ainda sobre algumas questões de método e do campo.................................................... 83

3.3 O monitoramento eletrônico nas circunstâncias da Lei Maria da Penha em

Pernambuco ........................................................................................................................... 85

3.4 O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER) .............................. 88

3.4.1 Fluxo de funcionamento do CEMER ..................................................................... 91

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3.4.2 A opinião dos operadores do CEMER sobre a monitoração eletrônica para os

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher ................................................ 96

3.5 A Secretaria da Mulher de Pernambuco .......................................................................... 99

3.5.1 A opinião das técnicas da Secretaria da Mulher de Pernambuco a respeito da

monitoração eletrônica para os casos de violência doméstica e familiar ...................... 104

3.6 A Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento ................................. 105

3.7 Dados relativos à aplicação do monitoramento eletrônico no contexto da violência

doméstica e familiar no ano de 2016 na cidade do Recife .................................................. 109

3.8 Breves comentários sobre as decisões de decretação e revogação do monitoramento

eletrônico prolatadas em 2016 pelo juízo das Varas de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher do Recife ................................................................................................... 117

3.9 O impacto da monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra

a mulher a partir da percepção das vítimas .......................................................................... 124

3.9.1 O problema da vítima e do agressor residirem e frequentarem a mesma

localidade ...................................................................................................................... 135

3.9.2 A possibilidade da revitimização da mulher mediante a aplicação da monitoração

eletrônica ....................................................................................................................... 138

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 143

ANEXOS................................................................................................................................ 147

REFERÊNCIAS.................................................................................................................... 160

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INTRODUÇÃO

A presente pesquisa surgiu da necessidade de investigar o fenômeno da monitoração

eletrônica de pessoas atrelada aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher

como medida de enfrentamento dos conflitos dessa natureza.

O monitoramento eletrônico de pessoas vem sendo utilizado pelo sistema de justiça

criminal desde a década de 1980 nos Estados Unidos como uma ferramenta para controlar a

criminalidade e reduzir a alta população carcerária. No entanto, é curioso o fato do país ter

desenvolvido a tecnologia eletrônica, fazer cada dia mais uso dela e mesmo assim permanecer

em primeiro lugar no pódio dos países que mais encarceram no mundo (OLIVEIRA, 2007, p.

15).

No Brasil, esse mecanismo teve sua discussão iniciada no ano de 2001, mas apenas

em 2010 foi que a medida passou a ser aplicada aos presos na fase de cumprimento de pena

nas hipóteses de saída temporária e prisão domiciliar, conforme previsão da Lei n°

12.258/2010.

Entretanto, por meio de pesquisas realizadas em torno da população carcerária

brasileira, verificou-se que a quantidade de presos provisórios nos estabelecimentos prisionais

era superior a daqueles que já estavam em fase de cumprimento de pena. Diante desse

cenário, surgiu no ano de 2011 a Lei n° 12.403, a qual ampliou as possibilidades de se aplicar

o monitoramento eletrônico, permitindo que ele fosse utilizado como medida cautelar diversa

da prisão (Art. 319, IX, do Código de Processo Penal).

Dois anos depois, no Estado de Pernambuco, a medida cautelar de monitoração

eletrônica já estava sendo empregada alternativamente a prisão nos casos relacionados à

violência doméstica e familiar contra a mulher, tendo em vista que o Artigo 20 da Lei n°

11.340/2006 admite a prisão preventiva do agressor seja durante o inquérito policial ou

durante a instrução criminal.

Nesse contexto, buscou-se na presente pesquisa investigar a aplicação e o

funcionamento da monitoração eletrônica no âmbito da violência intrafamiliar na cidade do

Recife para verificar a contribuição daquela na prevenção e combate do problema vivenciado

pela mulher.

Essa problemática tem como pano de fundo o fato de haverem pesquisas empíricas,

desenvolvidas por Mello (2015), Vasconcellos (2015), Medeiros (2015), Ferreira (2016),

entre outras, as quais sugerem a ausência de aptidão do sistema tradicional de justiça criminal

para aplicar soluções capazes de dirimir o conflito e atender com os anseios das vítimas,

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retirando delas toda a autonomia para participar ativamente na solução do seu problema e

penalizando as mesmas com um suposto discurso de proteção.

O monitoramento eletrônico, por sua vez, existem estudos (PIMENTA, 2015;

MACIEL, 2014; ZACKSESKI, 2015) relacionados à sua pouca capacidade desencarceradora,

na medida em que a sua aplicação vem sendo destinada com mais intensidade aos presos em

fase de cumprimento de pena e às pessoas que não teriam a prisão preventiva decretada. Além

disso, vem se mostrando um artifício com alto poder de estigmatização e exclusão social.

Sendo a monitoração eletrônica uma ferramenta a serviço do Direito Processual

Penal, procurou-se examinar se a concessão das medidas protetivas de urgência a favor da

mulher vítima atrelada à medida cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um

instrumento efetivo de combate à violência doméstica ou se seria uma maneira de punir

antecipadamente o acusado, colocando-o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante

a sociedade.

Para desenvolver esse estudo, essa dissertação foi dividida em três capítulos. O

primeiro capítulo foi elaborado se utilizando do método bibliográfico e documental para

trabalhar o tema da vigilância eletrônica sob o viés da criminologia. Nele constam a origem,

os conceitos, as características e a natureza do monitoramento eletrônico como mecanismo de

controle do delito alternativo ao cárcere, através de equipamentos capazes de transmitir em

tempo real a sua exata localização. Procurou-se tratar sobre os fundamentos para a

implantação desse sistema tecnológico no Brasil, sua previsão legal e por fim como ele

deveria funcionar de modo a evitar danos de ordem física e psicológica ligados aos direitos

fundamentais dos indivíduos sujeitos à vigilância.

O segundo capítulo está voltado para a discussão em torno da monitoração eletrônica

nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as implicações decorrentes

dessa aplicação sobre as partes envolvidas. O discurso para o emprego do monitoramento

eletrônico em sede desse tipo de conflito não está ligado apenas à ideia de desencarceramento,

mas, principalmente, ao fundamento de ter que se proteger a mulher vítima, de modo a

impedir a ocorrência de uma nova agressão. Assim, a monitoração surge nessas circunstancias

como sendo um reforço para o agressor cumprir as medidas protetivas de urgência deferidas

pelo juiz, independentemente dele ter passado pela experiência do cárcere. Esse aspecto

demonstra a importância dessa pesquisa porque a justificativa para aplicação do

monitoramento eletrônico nesses casos é bastante peculiar quando comparado o seu uso por

indivíduos que praticaram crimes de outras naturezas.

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Destacam-se, ainda no segundo capítulo, os aparatos tecnológicos utilizados pelas

Unidades Federativas no monitoramento eletrônico de pessoas envolvidas no contexto da

violência doméstica, tais como a tornozeleira eletrônica, a unidade portátil de rastreamento, o

botão do pânico, o dispositivo S.O.S. e o PLP 2.0. Por fim, são tratadas algumas questões

relacionadas a um modelo de gestão de monitoramento eletrônico específico para as

ocorrências dessa natureza.

O estudo documental e bibliográfico realizado em preparação aos capítulos primeiro

e segundo teve a finalidade de conferir à pesquisadora bases teóricas para inferir seus

resultados, como também para auxiliar na extração das informações e dados colhidos na

pesquisa de campo, a qual será apresentada no terceiro capítulo.

Para atingir os objetivos do presente trabalho, foi desenvolvida uma pesquisa

empírica na Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e no Centro de Monitoramento

Eletrônico de Reeducandos, situados na cidade do Recife/PE. Logo, no terceiro capítulo,

foram traçados os métodos e técnicas através das quais se coletou e interpretou os dados dessa

pesquisa de campo, bem como relatados os principais resultados.

Assim, o último capítulo descreve o funcionamento da Secretaria da Mulher do

Estado de Pernambuco e do Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER)

no tocante a aplicação da monitoração eletrônica nos conflitos de violência doméstica e

familiar contra a mulher e posteriormente expõe o impacto dessa política através da percepção

das vítimas colhida a partir dos diálogos ocorridos na Secretaria da Mulher e das conversas

realizadas por telefone.

Durante a passagem da pesquisadora na Secretaria da Mulher também foi possível ter

acesso aos dados relacionados à escolaridade da vítima, estado civil, renda mensal, filhos com

o agressor, raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com

o agressor, tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que

mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade, etc. Todas essas informações permitem

entender o perfil da mulher envolvida na política de monitoração eletrônica na cidade do

Recife no ano de 2016.

Essa pesquisa teórica e empírica, que se utiliza de análises qualitativa e quantitativa,

permitiu, a partir do referencial da criminologia crítica, compreender que a monitoração

eletrônica, da forma como é concebida hoje, se por um lado consegue contribuir para

combater a violência doméstica em determinados casos, por outro se mostra uma potente

ferramenta capaz de causar consequências desumanas típicas do cárcere em todos os casos em

que é aplicada.

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1 O MONITORAMENTO ELETRÔNICO COMO MECANISMO DE CONTROLE

DO DELITO ALTERNATIVO AO CÁRCERE

De acordo com Alceu Corrêa Junior (2012, p. 25) a vigilância não é algo novo, tendo

em vista que as pessoas sempre pretenderam controlar umas as outras, visando conferir,

organizar ou até mesmo cuidar umas das outras.

As concepções de controle foram se transformando ao longo do tempo, pois a tarefa

de registrar dados relacionados a pessoas e atividades se aperfeiçoavam na medida em que

aumentava a complexidade social.

A formação dos mecanismos de controle e fiscalização existentes na sociedade é

longa e bem diversificada1, por isso é preciso fazer um recorte acerca do conteúdo a ser

explorado nesse estudo, visando alcançar os objetivos delimitados na pesquisa.

Nessa perspectiva, a investigação nesse capítulo se atém ao recurso tecnológico de

vigiar e controlar eletronicamente os indivíduos, independente deles terem ou não vivenciado

a experiência do cárcere, através de equipamentos capazes de transmitir em tempo real a sua

exata localização.

Assim, o capítulo trabalha o tema da vigilância eletrônica sob um viés da

criminologia e depois aborda a respeito dos aspectos gerais e jurídicos desse método de

controle no Brasil. Antes, porém, segue alguns apontamentos acerca do surgimento dessa

nova concepção de vigilância atualmente tão expandida na sociedade.

1.1 A história da monitoração eletrônica como instrumento a serviço do sistema criminal

O controle eletrônico de pessoas aplicado no âmbito criminal foi desenvolvido

inicialmente nos Estados Unidos em 1964 pelo professor Ralf Schwitzgebel, o qual era

membro do Comitê Científico de Psicologia Experimental da Universidade de Harvard, em

Massachusetts, no referido país (KLEIN-SAFFRAN,1995, p 02-03).

Schwitzgebel tinha seus estudos concentrados na área da ciência comportamental e

nessa seara escreveu sobre um sistema eletrônico telemétrico, exposto e discutido dois anos

depois na Revista de Direito de Harvard. No ano de 1969, ele criou e registrou um modelo de

sistema de monitoramento eletrônico em Cambridge juntamente com William S. Hurd, o qual

também fazia parte do citado comitê.

1 Sobre a história da vigilância, vide Alceu Correa Junior (2012, p. 18)

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Esse protótipo era composto por transmissores individuais portados por cada usuário

do sistema, por estações receptoras e uma estação base. Na medida que o transmissor

acionava a estação receptora, o sistema indicava a localização da pessoa em um mapa na

estação base. Esses testes foram feitos em jovens infratores a partir de áreas geográficas

determinadas que continham as estações receptoras (GABLE; 2005, p. 01).

Esses transmissores individuais eram formados por dois dispositivos, sendo um a

bateria e o outro o emissor responsável por enviar os sinais indicadores da localização do

indivíduo. O local onde o usuário estava aparecia em uma tela instalada na estação receptora

das informações. Cada aparelho pesava cerca de um quilo e enviava à estação base um sinal

único, diferenciando-se uns dos outros para individualizar cada sujeito que estava portando o

aparelho. Esse monitoramento eletrônico conseguia transmitir sinais a uma distância de até

quatrocentos metros (BLACK, SMITH; 2003, p. 01).

A partir de então, o Dr. Schwitzgebel passou a estudar sobre a mudança de padrões

comportamentais mediante a aplicação de equipamentos eletrônicos como meio de se obter

um comportamento socialmente aceitável (KLEIN-SAFFRAN,1995, p 25-26).

Nessas pesquisas sobre o “comportamento eletrônico”, Schwitzgebel defendia que o

sistema de monitoração eletrônica podia ser utilizado como uma ferramenta terapêutica para o

infrator, pois julgava a sua criação como uma medida que diminuiria a violação de direitos

individuais, proporcionaria mais privacidade, bem como uma reintegração social mais célere.

Além disso, também era um recurso eficiente na redução de crimes (DOHERTY, 1994, p. 05).

Assim, o mecanismo eletrônico criado por Schwitzgebel foi lançado a princípio como

uma medida alternativa à prisão, mas tinha aspirações futuras de substituir o cárcere de forma

definitiva.

(...) quando específicos comportamentos delinquentes puderem ser previstos com

exatidão e / ou controlados com os criminosos em seus próprios meios sociais, o

encarceramento não será mais necessário como um meio de controle

comportamental e de proteção social (SCHWTIZGEBEL; 1964, apud U.S.

CONGRESS; 1988, p. 33, tradução nossa)2.

Na década de 1970 nesse mesmo país onde tudo começou, o sistema de

monitoramento eletrônico já era utilizado para observar a localização de pessoas que se

encontravam em liberdade condicional, doentes mentais e voluntários adeptos à pesquisa

(KLEIN-SAFFRAN, 1995, p. 26).

2 when specific offending behaviors can be accurately predicted and/or controlled within the offender’s own environment,

incarceration will no longer be necessary as a means of controlling behavior and protecting society.

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Relativamente aos infratores em liberdade condicional, tratava-se de 16 (dezesseis)

jovens voluntários reincidentes em práticas criminosas, os quais permitiram acoplar em suas

camisas o dispositivo eletrônico. Depois de instalado, o aparelho transmitia sinais para a

estação receptora situada na casa dos usuários, a qual era encarregada de redirecionar essa

transmissão à estação base apresentando os resultados em uma tela (OLIVEIRA, 2007, p. 14).

Schwitzgebel e os demais pesquisadores que trabalhavam com ele nessa pesquisa

avaliaram de forma muito satisfatória a experiência e por isso passaram os anos seguintes

tentando aprimorar o modelo de monitoração eletrônica. Até mesmo o irmão de Schwitzgebel,

Robert Schwiztgebel, ajudou nessa empreitada acrescentando ao protótipo inicial a

capacidade de transmitir sinais táteis e possibilitar duas formas de comunicação codificada

(GABLE; 2005, p. 01).

Outro aprimoramento feito por Ralph Schwitzgebel e demais pesquisadores no

sistema de vigilância foi à inclusão de sensores para o monitoramento fisiológico. Assim,

além do modelo permitir obter a localização do usuário, passou a informar as suas condições

fisiológicas, tais como a frequência cardíaca. O motivo de se criar essa comunicação

bidirecional era porque Schwitzgebel acreditava que a aplicação da vigilância eletrônica

conseguiria diminuir a reincidência não só em razão dos infratores saberem que estavam

sendo monitorados, mas também pelo sistema indicar a necessidade de uma intervenção das

autoridades quando fosse detectadas alterações dos níveis hormonais ou a presença de

álcool/drogas na corrente sanguínea (KLEIN-SAFFRAN, 1995, p. 26).

Em que pesem às inovações trazidas como instrumento para se prevenir a ocorrência

de novos comportamentos criminais e combater a reincidência, os modelos apresentados até

então apresentavam custos altos e demandava um agente fiscalizador para cada sujeito em

monitoramento. Esses obstáculos tornavam a implantação da tecnologia inviável

(DOHERTY, 1994, p. 05).

Apesar dos estudos de monitoramento eletrônico de pessoas terem se iniciado na

década de 1960, apenas em 1983 foi implementado pela primeira vez no sistema criminal por

determinação do juiz Jack Love, o qual buscou instituições tecnológicas, pedindo para

criarem uma pulseira capaz de monitorar o transgressor. Depois de criado, o juiz ordenou que

o aparelho fosse implantado na perna do infrator, o qual havia violado uma ordem de

proibição do Segundo Distrito Judicial de Albuquerque, no Novo México (OLIVEIRA, 2007,

p. 15).

Essa ideia do magistrado surgiu após ler uma história em quadrinhos do personagem

“Homem Aranha”, o qual foi monitorado pelo vilão ao ter um bracelete fixado no braço.

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Segundo Edmundo Oliveira (2007, p.15), o desejo do referido magistrado foi evitar que os

indivíduos condenados por embriagues ou por delitos econômicos (crimes de colarinho

branco) fossem conduzidos a prisões superlotadas e violentas, tornando o cárcere

extremamente prejudicial e desproporcional à conduta praticada.

A medida proposta pelo juiz Jack Love teve que enfrentar diversas questões de

ordem ética, legal e econômica, tendo em vista que o bracelete seria utilizado para monitorar a

conduta de pessoas, as quais estavam submetidas ao controle do Direito Penal (DOHERTY,

1994, p. 09).

Mesmo com essas dificuldades, a experiência de monitoração eletrônica com a

instalação de braceletes evoluiu e ao final o Instituto Nacional de Justiça dos Estados Unidos

concluiu que o equipamento operava corretamente, era viável como alternativa à prisão e

representava uma redução de despesas para o sistema penal quando comparado ao cárcere.

Após essa aprovação vários programas de monitoramento eletrônico começaram a surgir nos

Estados Unidos e diversos Estados-Membros desse país passaram a aderir o sistema

(DOHERTY, 1994, p. 08).

Dentre os fatores que possam ter estimulado a criação e a ampliação do programa de

monitoração eletrônica de pessoas no plano criminal nos anos 1980, identificam-se dois

bastante evidentes, quais sejam: o aumento da população carcerária decorrente da prática de

delitos mais simples e a expansão da infra-estrutura tecnológica de processamento de

informação (GABLE, 2005, p. 01).

Com a superpopulação de presos, as autoridades começaram a buscar meios

alternativos de cumprimento de pena. Paralelamente a isso a tecnologia avançava, tanto que

com a substituição do telefone analógico pelo digital, permitiu-se integrar com mais qualidade

as informações em computadores com melhor funcionalidade e menos dispendiosos (GABLE,

2005, p. 01).

Outro fator que só se tornou claro alguns anos depois foi a possibilidade de o

monitoramento eletrônico transformar a natureza do próprio homem, educando-o e

condicionando suas ações. Esse argumento era bem explorado na seara política (LILLY;

NELLIS, 2012, p. 02).

Assim, a utilização de uma tecnologia relativamente barata aliada a um discurso de

transformação de comportamentos inadequados e a necessidade de se encontrar medidas

alternativas à prisão construíram um cenário social e político favorável à evolução da

monitoração eletrônica nos Estados Unidos entre as décadas de 1980 e 1990.

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No ano de 1998 no referido país, cerca de setenta e cinco mil pessoas que haviam

passado por prisões já estavam fazendo uso do monitoramento eletrônico. Também nesse

período, já existiam em torno de vinte empresas disponibilizando o equipamento (GABLE,

2005, p. 01).

Diante desse cenário, a vigilância eletrônica se expandiu rapidamente por todos os

Estados Unidos e posteriormente ganhou a simpatia de outros países que resolveram

recepcionar a criação norte-americana, adequando-a a realidade do seu sistema penal.

Atualmente, vislumbra-se a presença da monitoração eletrônica de pessoas em países

como França, Inglaterra, Bélgica, Escócia, Itália, Portugal, Noruega, Holanda, Coreia do Sul,

Nova Zelândia, Austrália, África do Sul, Israel, Singapura, Argentina, México, Canadá, Chile,

Colômbia e Brasil (PIMENTA, 2015).

Por outro lado, chama a atenção o fato que apesar do programa ter se firmado e

expandido a partir dos argumentos da necessidade de reduzir a população carcerária e os

custos do sistema penal, os números apresentados pelo International Centre of Prison Studies3

mostram os Estados Unidos como o país com a maior população carcerária do mundo,

sugerindo que o foco da medida são os interesses do Estado e não os objetivos utilizados para

alcançar a implantação da monitoração eletrônica.

1.2 Um olhar sobre vigilância eletrônica a partir de contornos criminológicos

Como mencionado, os Estados Unidos foram pioneiros na técnica da vigilância

eletrônica, tendo em vista a necessidade de se buscar soluções que atendessem aos clamores

sociais, políticos e culturais relacionadas à criminalidade pelas quais o país passava ao longo

do século XX.

Nesse período, o Estado, através do governo e do poder legislativo, buscando

alcançar objetivos políticos, passaram a aprovar leis cada vez mais severas, utilizando o

discurso de que os sujeitos descumpridores da lei não estavam sendo punidos suficientemente,

visto que a criminalidade e a ausência de segurança continuavam sendo fenômenos presentes

em todo lugar retirando a paz social. Esse discurso de injustiça e impunidade sempre se

acomodou bem com o sentimento popular, o que legitimava a necessidade de castigo e

controle.

Garland (2005, p. 277) analisou toda a mudança sucedida no âmbito do controle

social do crime durante as décadas de 70, 80 e 90, não só nos Estados Unidos como também 3 Informação disponível em <www.prisonstudies.org>, acessado em set. 2016.

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no Reino Unido. Segundo o autor, “a arquitetura institucional da modernidade penal

permanece firmemente no lugar, como também o aparato estatal da justiça penal”. Entretanto,

ocorreu uma redefinição do papel das instituições ligadas à justiça penal, as quais passaram a

traçar novas metas e prioridades.

Os estudos de Garland (2005, p. 279) revelam que tanto nos Estados Unidos quanto

na Inglaterra, o sistema de justiça criminal se expandiu de maneira notória entre as décadas de

1980 e 1990, não apenas no diz respeito ao número de ocorrências penais como também aos

empregos e gastos relacionados com a construção de cárceres. Registrou-se ainda um

enrijecimento das penas privativas de liberdade em virtude do aumento de sua duração, o

crescimento das chances de se retornar ao presídio depois de concedida a liberdade

condicional e a ampliação da quantidade de execuções de pena de morte nos Estados Unidos.

Diante dessa atividade expansionista pautada na busca de se proporcionar proteção

aos cidadãos e punição aos infratores, o discurso que ganhou relevância pela sociedade e

pelos políticos sob os aspectos do delito e da pena nas três últimas décadas do século XX

foram os meios para se alcançar uma segurança efetiva, reduzir o hiperencarceramento, a

necessidade de prisões menos dispendiosas e a aplicação de outras medidas penais capazes de

apresentar melhores resultados na diminuição dos delitos.

Dessa forma, o foco passou a ser a aplicação de restrições para reduzir o delito,

evitando que pessoas se tornassem vítimas. Em outras palavras, o objetivo era gerenciar o

risco de acontecer o crime. Nesse sentido, as instituições de liberdade condicional

intensificaram a vigilância dos encarcerados que eram postos em liberdade, deixando à

margem as necessidades deles e ao mesmo tempo aumentando o controle sobre os mesmos

para diminuir os custos e potencializar a segurança. Em suma, não se priorizava mais a

reabilitação do ofensor, visto que o alvo era o delito, conforme explana Garland:

A probation se afastou de sua missão original, às vezes descrita como “assistir,

aconselhar e amparar” aos delinquentes que merecem isso, e fixou prioridades que

refletem o novo clima penológico: mudar a conduta dos delinquentes; reduzir o

delito e conseguir que as comunidades sejam mais seguras; proteger o público e

apoiar as vítimas. Os cursos de treinamento, os manuais de operações e os

indicadores de desempenho de funções e objetivos modificados continuam

avançando nesta direção, assim como as alterações legais que definiram a probation

como um castigo obrigatório para os tribunais penais mais que como uma medida

discricionária para substituir a condenação. A prática da probation inclui cada vez

mais novas formas de controle intensivo, incluindo o uso de pulseiras e rastreamento

eletrônicos, os toques de recolher e os testes sobre o consumo de drogas

(GARLAND, 2005, p. 290).

Em meio aos discursos políticos punitivistas e a necessidade de se conter o número

de crimes, crescia um setor que estudava alternativas para promover a prevenção do delito e a

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segurança. Esse campo de estudo procurou atrelar o trabalho desenvolvido pela justiça penal

com as atividades desempenhadas pela comunidade para encontrar medidas capazes de

diminuir as possibilidades de se cometer um delito. Para tanto, o caminho para minimizar

essas oportunidades foram trilhados a partir da maximização do campo de controle formal do

delito a ser implementado de modo eficientemente organizado. Ressalte-se que a finalidade

desse setor de prevenção não buscava condenar, reprimir ou ressocializar pessoas, mas sim

aplicar medidas para evitar a ocorrência de fatos criminosos e consequentemente afastar

indivíduos de situações criminógenas, levando em consideração a relação entre custo e

benefício.

Diante dessa sensação de insegurança inseminado na sociedade aliado ao descrédito

do plano social pregado pela sistemática welfarista4, a qual já não apresentava resultados

práticos satisfatórios para os cidadãos, a nova tecnologia de vigilância estava à disposição,

apresentando-se como uma ferramenta adequada para combater os problemas da segurança

pública.

Paralelamente a esses movimentos havia também a influência das ideias da filosofia

a respeito da ciência penal sobre a formação da vigilância eletrônica como um mecanismo de

controle social. De acordo com Faustino Gudín Rodríguez-Magariños (2007, p. 95), não é

possível isolar as invenções tecnológicas para o exercício da vigilância do campo filosófico

por uma razão bem simples: a implementação da vigilância eletrônica foi favorecida pelos

pensamentos filosóficos empíricos utilitaristas.

Para demonstrar essa influência filosófica relativa ao controle social do crime

mediante técnicas de vigilância, o filósofo inglês Jeremy Bentham (1748-1832) foi pioneiro

ao apresentar “O Panóptico” no ano de 1791, o qual propôs a implantação de vigilância

onipresente para se atingir o controle social sem precisar fazer uso da violência física sobre os

prisioneiros.

Nas cartas em que o autor explana os princípios utilitaristas no campo da imposição

da pena em face do cometimento de um delito, ele sustenta que para manter a ordem em

locais onde existe uma grande concentração de pessoas, tais como nas prisões, a ferramenta

mais indicada por ser eficiente é a coação psicológica. Com ela, não se necessitaria fazer uso

da violência física para conservar o bom funcionamento do ambiente. Percebe-se que diante

4 Garland (2005, p.297) argumenta que no âmbito penal uma característica básica do Estado de Bem Estar Social (Welfare

State) é a seguinte: as medidas penais, sempre que possível, devem ser intervenções destinadas à reabilitação e não castigos

negativos e retributivos. Ainda segundo o mesmo autor, a criminologia welfarista almejava estruturar de forma sólida a

ordem social por meio da integração social, reinserindo os infratores na sociedade através da educação moral e de técnicas

ressocializadoras capazes de adequar o comportamento de acordo com os padrões sociais. Contudo, reagindo a essa velha corrente criminológica surgiram novos pensamentos que se opõem a visão welfarista da modernidade penal.

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da necessidade de se aplicar um castigo, Bentham procura aquele que seja mais útil, mas ao

mesmo tempo menos doloroso; tanto que ele imagina uma prisão com arquitetura anelar de

modo a colocar os encarcerados em uma condição em que se sentissem constantemente

vigiados, ainda que não estivessem sendo, pois os inspetores não seriam vistos. Em termos

concretos isso seria feito mediante a construção de uma estrutura física em forma de círculo

onde existiriam várias celas ao redor e no centro haveria uma torre capaz de conferir ampla

visibilidade ao observador sem ser visto pelos indivíduos (FOUCAULT, 2010, p. 191).

Em outras palavras, essa coação psicológica emergiria nos prisioneiros apenas a

sensação de estarem sendo inspecionados a todo momento, ainda que por um dado instante

não estejam. Quanto maior o tempo de efetiva vigilância, maior são as chances de se sentir

sempre em observação, inibindo assim comportamentos inadequados. Porém, o prisioneiro

não tem como saber se naquele exato momento está sendo observado, já que os vigilantes não

ficam expostos a ele. Por isso, a denominação dada por Bentham em sua obra faz alusão ao

núcleo da formação da ideia dele de “ver sem ser visto”, vigiando com apenas um olhar todos

os fatos que ocorrem dentro de um estabelecimento e fazendo com que a ordem seja mantida

(FOUCAULT, 2010, p. 191).

David Lyon (1994, p. 63) afirma que “o Panóptico” de Bentham representa uma

paródia secular da onisciência divina, em que o observador é, como Deus, invisível”.

Outros benefícios indicados por ele diz respeito à diminuição da quantidade de

vigilantes e um controle maior sob estes, uma vez que os guardiões passam a ser

inspecionados pelo público em geral. Para isso, Bentham aduz que o estabelecimento deverá

estar sempre com as portas abertas à visitação, permitindo o aumento do número de vigilantes

não apenas em relação aos encarcerados como também aos inspetores.

No âmbito do sistema carcerário, Foucault (2010, p. 165-185) analisa os meios de

vigilância e padronização de hábitos estabelecidos por várias instituições (escola, igreja,

fábrica, hospital e prisão), as quais utilizando os recursos da vigilância hierárquica, da sanção

normalizadora e do exame, conseguem controlar o corpo e a mente dos prisioneiros. Ao

utilizar essas técnicas, o referido autor narra à formação de uma sociedade disciplinar, a qual

está voltada para a correção e modificação da conduta humana, tornando-a dócil e

domestificada.

Para essa compreensão, Michel Foucault5 (2010, p. 186) faz sua análise sobre o

projeto criado por Jeremy Bentham não só descrevendo o Panóptico, mas examinando o

5 Michel Foucault aborda a estrutura panóptica em sua clássica obra Surveiller et Punir: naissance de la prison (1975).

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pensamento dele através dessa “sociedade disciplinar”. Segundo ele, nos séculos XVII e

XVIII a sociedade vivenciou um permanente crescimento do alcance de normas disciplinares,

atingindo todo o corpo social. Para Foucault (2010, p. 198), o Panóptico seria um desenho de

uma estrutura composto por poderes onde se utilizaria técnicas de disciplinamento em

substituição a outros que já foram empregados, como meio para individualizar e apontar a

exclusão.

Ainda de acordo com Foucault (2010, p. 191), a arquitetura panóptica segue o

modelo da “visibilidade inverificável”, fazendo com que os olhos do detento enxerguem a

torre de vigilância, contudo sem ter a certeza se naquele exato momento está sendo realmente

vigiado. Mesmo havendo a dúvida acerca se está ou não sendo observado, ele precisa ter a

consciência de que pode sempre estar sob vigilância, pois essa fé gera um resultado essencial,

qual seja, provoca no prisioneiro um estado de constante monitoração de modo a garantir o

exercício e a eficiência do poder. Portanto, para o panóptico não é importante quem detém o

poder porque o interesse maior é fazer com que os indivíduos continuem submetidos à

estrutura panóptica. Sobre essas questões Michel Foucault ressalta a multifuncionalidade do

panóptico, lecionando que:

Uma sujeição real nasce mecanicamente de uma relação fictícia. De modo que não é

necessário recorrer à força para obrigar o condenado ao bom comportamento, o

louco à calma, o operário ao trabalho, o escolar à aplicação, o doente à observância

das receitas. Bentham se maravilha de que as instituições panópticas pudessem ser

tão leves: fim das grades, fim das correntes, fim das fechaduras pesadas: basta que

as separações sejam nítidas e as aberturas bem distribuídas. O peso das velhas “casas

de segurança”, com sua arquitetura de fortaleza, é substituído pela geometria simples

e econômica de uma “casa de certeza” (FOUCAULT, 2010, p. 192).

Em todas essas funções é possível aprimorar o funcionamento automático do poder

ao diminuir a quantidade de pessoas que o exercem e ao mesmo tempo aumentar o número

daquelas sobre as quais o poder é aplicado. A força do Panóptico repousa em jamais interferir,

visto que ela é exercida de maneira espontânea e silenciosa, devendo monitorar todos os

ambientes onde se deseja sustentar o domínio e o controle. Ainda quando ninguém esteja

vigiando, o controle continua sendo mantido, pois o que realmente importa é que os detentos

estejam submetidos a um poder, onde eles mesmos são detentores (FOUCAULT, 2010, p.

192).

Verifica-se que para o mesmo autor a arquitetura panóptica é um instrumento capaz

de tornar mais forte qualquer sistema de poder, uma vez que proporciona contenção de

pessoal, material e tempo ao passo que é eficiente por possuir natureza preventiva, andamento

constante e aparatos automáticos (2010, p. 195).

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Além disso, ressalta-se a existência da fiscalização exercida pelo público sob as

instituições panópticas até mesmo nas prisões, onde existe a necessidade de se manter sempre

fechada. Em análise do esquema panóptico, Foucault (2010, p. 196) aduz a possibilidade

desses estabelecimentos serem inspecionados sem empecilhos ainda que de maneira eventual,

mas incessante, não apenas pelos controladores nomeados como também por qualquer

indivíduo, pois a sociedade tem o direito de averiguar ela mesma como se dá essa dinâmica

nas instituições. Em razão disso, Foucault afasta qualquer chance de se transformar o alto

poder decorrente do sistema panóptico em tirania, visto que ele estaria sempre disponível para

exame por parte do “grande comitê do tribunal do mundo” como meio de ser

democraticamente controlado. Na medida que se permite a sociedade vigiar os próprios

vigilantes, é ela quem controla o poder.

Inobstante os efeitos positivos que se pode extrair da proposta de Bentham, a

implicação mais interessante do Panóptico para Foucault seria:

induzir no detento um estado consciente e permanente de visibilidade que assegura o

funcionamento automático do poder. Fazer com que a vigilância seja permanente em

seus efeitos, mesmo se é descontínua em sua ação; que a perfeição do poder tenda a

tornar inútil a atualidade de seu exercício; que esse aparelho arquitetural seja uma

máquina de criar e sustentar uma relação de poder independente daquele que o

exerce; enfim, que os detentos se encontrem presos numa situação de poder de que

eles mesmos são os portadores. Para isso, é ao mesmo tempo excessivo e muito

pouco que o prisioneiro seja observado sem cessar por um vigia: muito pouco, pois

o essencial é que ele se saiba vigiado; excessivo, porque ele não tem necessidade de

sê-lo efetivamente (2010, p. 191).

Nessa linha, Foucault percebeu que a “alma” do indivíduo pode ser controlada com a

disciplina, pois esta é capaz de transformar o comportamento e a motivação do sujeito que

está exposto a uma área de plena visibilidade. A possibilidade de estar sendo observado faz

com que a pessoa se conscientize por ela mesma das suas limitações de poder, fazendo-as

funcionar automaticamente sobre si mesma. A submissão à vigilância seria uma espécie de

armadilha construída subjetivamente pelos próprios sujeitos.

Bentham enxerga o Panóptico como sendo uma maneira de se conseguir um

encarceramento perfeito, um projeto particular que não deixa brechas. No entanto, Foucault

parte de outra ótica, pois o compreende como uma forma de se estabelecer as relações de

poder com o cotidiano das pessoas, um modelo generalizável de funcionamento.

Michel Foucault vislumbra o sistema panóptico como um modelo ideal de poder

disciplinar, principalmente por este poder se encontrar presente nas instituições modernas,

tanto que ele suscita que não há motivos para se surpreender com o fato das prisões se

parecerem com as fábricas, escolas, quartéis e hospitais e todos esses se assemelharem as

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prisões. “Devemos ainda nos admirar que a prisão se pareça com as fábricas, com as escolas,

com os quartéis, com os hospitais, e todos se pareçam com as prisões?” (2010, p. 187). Por

isso, Foucault enxerga o poder panóptico nas mais diversas instituições da realidade social,

enquanto para Bentham esse sistema era apenas uma pretensão.

Feita essa relação entre a vigilância, o poder panóptico e a sociedade disciplinar,

cabe então interligar esses institutos com a vigilância na sua forma eletrônica. David Lyon

(1994, p. 68), buscou fazer essa análise demonstrando a partir da vigilância eletrônica a

função panóptica dela e assim apontou a segurança e o controle da criminalidade na sociedade

moderna como as áreas mais contempladas pela doutrina de Bentham6. Para ele, a criação de

técnicas avançadas proporcionadas pelo conjunto de computadores deu origem a uma nova

concepção de vigilância.

A partir das formulações de Stanley Cohen (apud LYON, 1994, p. 68) no tocante as

transformações relativas ao controle do crime desde as últimas décadas do século XX, é

possível verificar que as premissas panópticas são reais nas técnicas de observação e controle

tecnológicas. A principal prova disso é a promoção da vigilância eletrônica executada por

meio de tornozeleiras ou pulseiras eletrônicas instaladas nos indivíduos com baixa

periculosidade, os quais poderão obter uma liberdade vigiada a partir de qualquer lugar, tais

como, casa ou trabalho. Ao analisar a vigilância eletrônica sob a ótica panóptica, constata-se

uma estreita relação, tendo em vista que os infratores estão sob alto controle, contudo não

sabem precisar se naquele dado instante o monitoramento está acontecendo7.

Estabelecendo ainda conexão entre a vigilância eletrônica e o desenho do panóptico,

percebe-se que segundo Faustino Gudín Rodríguez-Magariños (2007, p. 98), o prisioneiro

está sempre visível ao olhar do monitorador, entretanto, sob o modo eletrônico essa vigilância

ultrapassa os muros do estabelecimento prisional, denominando esse novo espaço de

vigilância de ciberespaço. De acordo com a figura do panóptico, a única realidade concedida

ao infrator para receber disciplinamento é aquele espaço físico arrodeado de barreiras, porém

com o surgimento dos dispositivos eletrônicos esse lugar deixa de ser físico e ganha uma

característica virtual. Com efeito, as pessoas monitoradas são colocadas no meio social com

um dispositivo eletrônico instalado em seu corpo, o qual seria a sua prisão. Só que nesse caso

6 Dentro das sociedades contemporâneas, David Lyon identifica outras áreas para se encontrar a função panóptica a partir do

monitoramento direto realizado através de câmaras e computadores, tais como o local de trabalho no mercado capitalista em que se vigiam os subordinados e a utilização de informação transacional capaz de direcionar a conduta do consumidor. Para o

autor, essa expansão do poder panóptico de vigilância é decorrente do uso da tecnologia da informação. 7 Outros estudos mencionados por Lyon também relacionam práticas de vigilância ao Panóptico, como é o caso nos Estados

Unidos do Centro Nacional de Informação de Crimes e da base de dados de instituições como o Departamento de Defesa, a

Agência Central de Inteligência, a Agência Nacional de Segurança, o Departamento Federal de Investigação e a Receita Federal.

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as grades são invisíveis para o monitorando, mas sempre observada pelos agentes

fiscalizadores.

Desse modo, esse sentimento de vigilância constante na arquitetura panóptica

também está presente na monitoração eletrônica ao utilizar mecanismos que permitem

controlar o indivíduo a todo instante e de várias as formas, pois esse controle não decorre

apenas de um dispositivo eletrônico em si com capacidade para rastrear a localização, mas

também da coação psicológica que o monitoramento eletrônico gera no usuário a ponto de

torná-lo vigiado pelo sistema criminal, pela sociedade e acima de tudo por ele mesmo. Por

isso, esse sistema não significa exatamente menos vigilância e mais liberdade para o vigiado.

Desse modo, restam evidentes as contribuições dessas premissas filosóficas na

construção das técnicas contemporâneas de controle e vigilância no âmbito do sistema penal.

No entanto, em que pese à presença dessa conexão entre o passado e o presente, afirmar que

esse modelo está apto a resolver os problemas relacionados à criminalidade e à segurança

pública remete a outro debate capaz de pôr em xeque não apenas o esquema atual de

monitoramento de infratores como também os fundamentos utilizados por Foucault para se

alcançar a ordem social com a sociedade disciplinar.

Apoiar o monitoramento eletrônico sob o argumento de que essa sistemática garante

a manutenção da ordem por condicionar comportamentos adequados pode acarretar uma série

de restrições e violações de garantias fundamentais e estabelecer uma relação de poder

sustentada e dominada tanto pelas pessoas vigiadas quanto pelo sistema criminal (Estado),

ocultando o papel de cada um ao tornar todos ao mesmo tempo vigilantes e vigiados.

Luciano Oliveira (2011, p. 324) ao escrever uma crítica sobre a obra de Foucault

retrata bem essa realidade quando cita a situação desmantelada do Complexo Penitenciário de

Bangu, no Estado do Rio de Janeiro, onde os atos praticados pelos encarcerados causaram

retração dos agentes penitenciários, os quais eram intimidados ao escutarem que eles ainda

cairiam na Avenida Brasil8. Ao invés da prisão instituída nos moldes de Foucault

proporcionar a obtenção de “corpos politicamente dóceis e economicamente produtivos”, o

caos tomou conta do lugar, pois a figura dos vigilantes e vigiados se tornou confusa a ponto

de se questionar quem realmente estava controlando e sendo controlado.

Ainda hoje a vigilância eletrônica apresenta receios e discussões acerca dos possíveis

efeitos colaterais que podem surgir com a sua utilização, especialmente quanto à violação de

direitos fundamentais ligados à dignidade da pessoa humana, intimidade, privacidade e

8 No mês de julho do ano de 2003, o coordenador de segurança do Complexo sofreu um atentado e foi morto a tiros em plena Avenida Brasil.

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liberdade. Dessa forma, não se pode negar a existência de críticas e oposições a sua aplicação,

os quais, segundo Alceu Correa Junior decorre normalmente de fatores de natureza panóptica,

conforme ele explica:

Bentham utilizou uma lógica cartesiana ao considerar que o ser humano poderia ser

medido e controlado como uma máquina e, assim, propôs impessoalidade,

classificação abstrata e poder automático no Panóptico. De fato, tais características

podem ser encontradas com maior ênfase na vigilância eletrônica, mormente em

razão do uso da tecnologia da informação. Assim, os críticos dessa “nova” forma de

vigilância apontam a dispensa do conhecimento individual, o caráter instrumental, a

invasão de certas áreas da vida privada e que isso gera deterioração das liberdades

pessoais e democráticas. (2012, p. 43)

Não há como duvidar da presença das premissas utilitaristas e panópticas na

vigilância eletrônica de pessoas no plano criminal. Elas são claras, conforme explanado, e não

podem ser ignoradas. O Panóptico de Bentham não pode ser visto como um projeto que ficou

no passado sem qualquer efeito na atual conjectura social. Por outro lado, isso não pode ser

sinônimo de eficiência e eficácia do sistema de controle social no âmbito penal,

principalmente porque segundo Luciano Oliveira (2011, p. 324) a proposta de Foucault de se

instituir a prisão em substituição aos suplícios como método punitivo e ressocializador de

delinquentes se mostra fracassada, já que não conseguiu se formar de maneira satisfatória em

lugar nenhum do mundo.

Assim, é importante seguir o conselho dado pelo referido autor ao fazer sua crítica à

obra de Michel Foucault:

(...) para cada objeto sociológico, em determinado momento, há obras que são

incontornáveis. E seria impensável escrever sobre prisão depois de 1975 sem a

passagem obrigatória por uma obra paradigmática como Vigiar e punir. A questão

não é dela se servir, mas servir-se sem ser servil (OLIVEIRA, 2011, p. 322).

Apesar de existir na modernidade métodos punitivos e de controle do delito pautados

em técnicas panópticas, como a prisão e o monitoramento eletrônico, até que ponto eles são

suficientes para formar a “sociedade disciplinar” sustentada por Foucault?

Luciano Oliveira (2011, p. 313) parte da hipótese de que o Brasil não é uma

sociedade disciplinar porque a vigilância, o controle e o adestramento não serviram para frear

os altos níveis de violência. Ele fundamenta os seus argumentos citando algumas frustradas

tentativas brasileiras de se implantar prisões pautadas na sistemática apresentada por Foucault

que ao final só trouxeram o caos para dentro dos estabelecimentos prisionais, tais como

promiscuidade, superlotação e sujeira. Importante destacar que o objetivo de Oliveira não é

desmerecer a qualidade da obra de Foucault, mas sugerir uma leitura mais adequada,

especialmente com a realidade brasileira.

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Outrossim, defender o monitoramento eletrônico de pessoas como uma técnica para

se domesticar e manter um grau aceitável da criminalidade é extremamente perigoso porque

ele pode se mostrar uma reforma alheia à racionalidade que se quer dotar a lei penal, levando

ao retorno dos tempos anteriores a prisão onde se punia através do corpo, se é que sempre não

foi assim.

1.3 Os fundamentos do monitoramento eletrônico no Brasil

Nas últimas décadas a sensação de medo e insegurança por parte da coletividade

aumentou sensivelmente a ponto de acarretar uma obsessão para se vigiar e controlar mais.

Esses sentimentos arraigados na sociedade conduzem a promoção do discurso de

enrijecimento da pena, recrudescimento do poder punitivo e encarceramento em massa,

amplamente divulgado pela mídia e defendido por alguns políticos.

Com o aumento do número de presos e a imposição de sentenças penais cada vez

mais longas, o Estado passou a enfrentar problemas com o excesso de pessoas encarceradas.

O Brasil, por exemplo, ocupa o quarto lugar no pódio dos países com maior população

prisional segundo o relatório do Infopen de 20149 (BRASIL, 2015a).

A legislação penal foi adaptada ao longo do tempo, onde diferentes métodos de

punição foram utilizados, desde a violência física até a aplicação de princípios humanitários

que visam a ressocialização e consequente recuperação de infratores. A prisão, mecanismo

disciplinar fundamentada em seu papel de aparelho transformador de indivíduo, através da

restrição de liberdade daquele, também foi, necessariamente, alvo de constantes estudos, os

quais visam a sua adaptação as novas necessidades sociais.

A superpopulação carcerária, os custos do encarceramento, a corrupção do aparelho

estatal, além de estruturas deficitárias e número insuficiente de profissionais envolvidos com

o sistema, são problemas que tornam imperiosa a necessidade de implantação de novas

formas de cumprimento de penas. É comum escutar que, ao invés de reinserir de forma

adequada o infrator na sociedade, os estabelecimentos prisionais são verdadeiras

“universidades para o crime”.

A problemática enfrentada pelo sistema prisional brasileiro, o qual é rotineiramente

caracterizado tanto pela violação de direitos, como pelo fracasso na recuperação e na

9 Ainda segundo International Centre for Prison Studies (ICPS), o Brasil permanece atrás apenas dos Estados Unidos (2,266 milhões de presos), China (1,640 milhões de presos) e Rússia (717 mil presos).

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reintegração dos infratores, torna necessária a reformulação de políticas públicas aliadas aos

movimentos de controles sociais atuais.

A cobrança decorrente da “cultura do medo” existente na sociedade faz com que haja

a procura por mecanismos eficientes para implantar no sistema penal visando punir

rigidamente o infrator e conferir segurança. Meios de comunicação em massa, incentivados

por interesses de mercado, promovem uma falsa realidade social para se atingir êxito

comercial ou até mesmo aumento dos índices de audiência, fazendo com que o “medo do

crime passe a ser maior do que a possibilidade real de ser vítima de um delito” (SOUZA,

2013, p. 12).

A busca por soluções que atendam às novas necessidades impostas pela evolução

social faz com que diversas possibilidades de inovações sejam consideradas. A tecnologia é

cada vez mais utilizada como alternativa para a minimização de problemas sociais.

Surge então, caminhando ao lado da evolução tecnológica, o monitoramento

eletrônico, que consiste no uso de um dispositivo eletrônico por parte do indivíduo, o qual, a

partir de uma central, é monitorado via satélite, controlando a sua exata localização, e

evitando que o mesmo se distancie ou se aproxime de locais predeterminados.

Nesse sentido, o monitoramento eletrônico passa a ser visto como uma opção para

solucionar a questão da superlotação, deixando os estabelecimentos prisionais de serem os

únicos espaços de controle e vigilância de pessoas que infringiram a lei. Nos dizeres de

Tourinho Neto (2009) “num mundo altamente tecnológico, no qual a velocidade da

informação avança na luz do tempo real, não se pode mais pensar em prisão em termos de

masmorras e grades. As grades deverão ser virtuais”.

Portanto, a partir de 1983 nos Estados Unidos, deu-se início a expansão e a

consolidação dessa tecnologia eletrônica no âmbito da execução penal, especialmente nas

etapas de progressão do cumprimento de pena, por diversos países como África do Sul,

Alemanha, Andorra, Argentina, Austrália, Bélgica, Brasil, Canadá, China, Colômbia,

Dinamarca, Escócia, Espanha, Estados Unidos, França, Holanda, Itália, Portugal, Reino

Unido, Suécia, Suíça, Tailândia, etc (PIMENTA, 2015).

Posteriormente, esse controle eletrônico também passou a ser empregado não apenas

nos presos em fase de cumprimento de pena, como também nos indivíduos encarcerados

provisoriamente, pois pesquisas davam conta de que o número de presos provisórios era bem

maior quando comparado com aqueles já sentenciados (INFOPEN).

No entanto, apesar de o monitoramento eletrônico ter sido instituído para atuar no

problema do hiperencarceramento, pesquisa publicada pelo Instituto de Pesquisa Econômica

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Aplicada (IPEA) acerca do excesso de prisão provisória no Brasil (BRASIL, 2015b),

demonstra que o monitoramento eletrônico pouco tem contribuído no desencarceramento e na

concretização dos direitos constitucionais de liberdade, presunção de inocência, devido

processo legal e ampla defesa.

Verificando o percentual da monitoração de acordo com os regimes de cumprimento

de pena ou medidas aplicadas, constatou-se que 82,86% das pessoas vigiadas eletronicamente

se encontram na fase da execução penal, seja em prisão domiciliar (25,91%), regime

semiaberto em trabalho externo (19,89%), regime semiaberto em prisão domiciliar (1,77%),

saída temporária (16,57%), regime fechado em prisão domiciliar (1,77%) ou livramento

condicional (0,17%). As medidas cautelares diversas da prisão e as medidas protetivas de

urgência para os casos de violência doméstica somam juntas 12,63%, indicativo que

demonstra a monitoração eletrônica servindo como instrumento de ampliação do controle

penal e recrudescimento do poder punitivo, já que vem sendo utilizado de maneira tão amena

nesse aspecto.

Desse modo, é possível ter se vendido a ideia de uma tecnologia com fins de

desencarceramento de presos provisórios, mas que na verdade só tem contribuído para

ampliar o controle penal.

A pequena aplicabilidade da monitoração eletrônica nas medidas cautelares diversas

da prisão evidencia que o objetivo declarado do desencarceramento até hoje não foi

alcançado, pois apresenta pouco efeito na redução do número de presos provisórios no país.

De acordo com os dados do mencionado diagnóstico, do total de 607.731 pessoas

encarceradas, 250.213 se tratam de presos provisórios. Em termos percentuais, 41% das

pessoas com sua liberdade restringida estão presas sem uma condenação (BRASIL, 2015a).

Números e tabelas contidas no relatório indicam que São Paulo é o Estado com o

maior número de pessoas monitoradas com os serviços voltados para a fase de cumprimento

de pena. Já o Espírito Santo, em termos proporcionais, é o estado que apresenta maior nível de

pessoas monitoradas que estão respondendo a processo criminal, correspondendo a um

percentual de 95,8% dentre aqueles que cumprem medidas cautelares diversas da prisão e

medidas protetivas de urgência.

13 Unidades da Federação, dentre elas: Alagoas, Amazonas, Ceará, Espírito Santo,

Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro e

Rondônia; informaram não concentrar os serviços de monitoração eletrônica apenas na

execução penal.

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Para Carolina Ferreira (2011, p. 02), o debate que levou a aprovação do

monitoramento eletrônico no Brasil coaduna com a teoria do Direito Penal Simbólico, o qual

pressupõe que o enrijecimento das leis penais é capaz de alcançar os objetivos da prevenção

geral negativa. Nos dizeres da mencionada autora:

Quando se compara o argumento empregado – de que o uso da “pulseira” ou

“tornozeleira” reduzirá a criminalidade – quando, na realidade, seu uso se direciona

a, no máximo, 5% da população carcerária (considerando as estatísticas referentes ao

regime aberto e de prisões domiciliares), sem compromisso com a redução do

encarceramento, é difícil perceber a real necessidade do monitoramento eletrônico

de presos, a não ser para reforçar mecanismos de seletividade próprios do sistema

penal (FERREIRA, 2011, p. 02).

Percebe-se assim que a vigilância de pessoas em situação de cumprimento de

medidas judiciais se situa dentro de um debate maior acerca da descarcerização e da

construção de políticas públicas de racionalização do poder punitivo.

Outro fundamento utilizado para se implantar a monitoração eletrônica como um

artefato de “promoção da liberdade” estaria ligado à redução dos custos do Estado, pois o

acusado encarcerado representa em termos financeiros para a entidade pública uma despesa

superior quando comparado com o gasto do serviço de monitoramento eletrônico. Na pesquisa

realizada por Izabella Pimenta (2015) com a finalidade de contribuir com a formulação de um

modelo de gestão de monitoração eletrônica de pessoas no Brasil, esses valores variam entre

as unidades federativas de R$ 167,00 a R$ 660,00 por mês. A média do custo é de R$ 301,25

e a mediana é de R$ 240,95. Entretanto, explicando essa suposta diminuição de despesas, a

referida pesquisadora esclarece que:

Algumas defesas acerca da ampliação dos serviços de monitoração costumam se

pautar na ideia da redução de custos. Mesmo que a monitoração eletrônica possa

sugerir uma “economia” de recursos se comparada aos custos do sistema prisional,

como ela prevalece na execução, isso pode implicar uma duplicação nos gastos

(PIMENTA, 2015, p. 41).

Ora, se as pesquisas demonstram que a monitoração eletrônica está sendo muito mais

aplicada durante a etapa de execução de pena, então essa medida na verdade gera um aumento

de gastos com esses sentenciados, já que antes da implantação dela, os sujeitos ficavam presos

em suas residências e obtinham a saída temporária em regime semiaberto sem a instalação do

equipamento eletrônico. Portanto, somado aos dispêndios já existentes do sistema prisional, o

Estado passou a suportar também os gastos com o monitoramento eletrônico10.

10 Outro aspecto legal que enrijeceu a concessão do benefício da saída temporária em regime semiaberto foi a inserção dos §§

1º e 3º no artigo 124 da Lei de Execuções Penais (Lei n° 7.210/84), ocorrido com a criação da Lei 12.258/2010, a qual passou a exigir o cumprimento de algumas obrigações, fato que evidencia um aumento do rigor penal no deferimento da medida

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Para exemplificar como o uso dessa técnica de vigilância aplicada na fase de

cumprimento de pena pode representar uma elevação dos custos por parte do Estado com o

indivíduo sentenciado, basta imaginar esse homem que está em regime semiaberto sendo

contemplado com o benefício de passar o dia das mães em sua casa. Antes do advento da lei

que autoriza o monitoramento eletrônico, ele iria obter a saída temporária sem fazer uso de

qualquer equipamento de controle. Ou seja, o sujeito saía para o espaço público e voltava para

o estabelecimento prisional sem qualquer gasto para o Estado. No entanto, a partir da

implementação da medida eletrônica, a saída temporária ficou condicionada a instalação de

um dispositivo eletrônico de modo que além dos dispêndios já existentes com o sentenciado,

somou-se também a despesa relativa à atividade de vigilância eletrônica.

Esse argumento da redução de custos poderia até ser utilizado, a princípio, para os

casos de aplicação do monitoramento eletrônico como medida cautelar substitutiva da prisão

processual, tendo em vista que nessas situações ao invés da prisão ocorreria a monitoração.

Mesmo apresentando uma diminuição de despesa, é preciso ter cautelar com a aplicação desse

recurso, pois não é em qualquer caso que a prisão preventiva poderá ser substituída pela

monitoração eletrônica. Além do mais, esse sistema de vigilância eletrônica poderá ter a

participação de pessoas, as quais não teriam a prisão cautelar decretada. Por isso, a

necessidade do cuidado para se aplicar o monitoramento eletrônico nessas circunstâncias de

modo a não gerar consequências sociais nefastas para o indivíduo relacionadas à

estigmatização, preconceito, discriminação e exclusão social.

Inobstante o fundamento da implantação do monitoramento eletrônico se justificar na

redução de custos, as pesquisas acima mencionadas demonstraram que o Brasil,

especificamente vem percorrendo o caminho contrário, uma vez que a medida acarretou o

aumento de despesas para o sistema de execução penal.

Portanto, alguns dos discursos favoráveis à implementação do monitoramento

eletrônico no Brasil foram o desafogamento do sistema carcerário, custos com o monitorando

menor que com um preso e ausência de qualquer processo de estigmatização em razão do

dispositivo eletrônico não ser ostensivo. Além disso, seria um instrumento capaz de efetivar

os direitos humanos, individualizar a pena, contribuir na reinserção social.

Entretanto, segundo as pesquisas apontadas acima, o modo como essa política vem

sendo empregada tornaram esses argumentos e as hipóteses legais dessa medida uma

ferramenta de controle alternativa à liberdade e não um instrumento alternativo à prisão

conforme se prega, pois vem sendo utilizado como um aparato jurídico a serviço da expansão

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do controle penal que priva o indivíduo da sua liberdade e torna mais rigoroso a fase da

execução da pena.

Insta registrar que os objetivos da fase de cumprimento de pena devem ser

alcançados com base no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. Assim,

durante a execução da pena é fundamental que as ações estejam voltadas a promoção da

ressocialização e garantia da integridade física, moral e social da pessoa submetida ao

monitoramento eletrônico.

Entretanto, seja pela ingerência estatal na vida privada desses cidadãos ou pelo efeito

estigmatizante ocasionado pelo uso de tornozeleiras no meio social, fato é que essa técnica de

controle da criminalidade vem violando o direito à intimidade por ser um mecanismo de

exposição pública das pessoas que respondem a processo criminal ou foram condenadas.

Nesse sentido, ao invés de manter a inclusão social daqueles indivíduos que respondem

processo em liberdade ou promover a ressocialização daqueles já sentenciados, na verdade a

medida contribui para aumentar o processo de estigmatização.

1.4 Previsões legais do monitoramento eletrônico no Brasil

Conforme explanado no tópico anterior, a possibilidade de redução da população

carcerária, aliada a aplicação de novas tecnologias, passou a ser vista como uma alternativa

para a gestão prisional, tornando a monitoração eletrônica peça fundamental na engrenagem

do sistema penitenciário.

Para estabelecer essa sistemática, no ano de 2001 começou a surgir no Brasil os

primeiros projetos de lei relacionados ao monitoramento eletrônico. Contudo, apenas em 2010

foi que a temática passou a ter previsão legal por meio da Lei n° 12.258, a qual alterou a Lei

de Execução Penal, passando a permitir a possibilidade de aplicação da medida em dois casos

específicos, quais sejam: saída temporária ao preso que estiver cumprindo pena em regime

semiaberto (art. 146-B, inciso III); e quando a pena estiver sendo cumprida em prisão

domiciliar (art. 146-B, IV).

O projeto da referida lei contemplava ainda outras possibilidades para se deferir o

monitoramento eletrônico, quais sejam: aplicar pena restritiva de liberdade a ser cumprida nos

regimes aberto ou semiaberto, ou conceder progressão para tais regimes; aplicar pena

restritiva de direitos que estabeleça limitação de horários ou de frequência a determinados

lugares; conceder o livramento condicional ou a suspensão condicional da pena.

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Contudo, esses pontos foram vetados pela Presidência da República, levando a crer

que a finalidade da medida se pautava em intensificar o controle comportamental daquelas

pessoas que já se encontravam em liberdade, apenas aumentando os custos da etapa de

cumprimento de pena.

Desse modo, a referida lei acrescentou no Capítulo I, do Título V da Lei de

Execuções Penais, a Seção IV, denominada “Da Monitoração Eletrônica”. Além das hipóteses

de aplicação previstas no Art. 146-B, incisos III e IV, incluiu-se também o Art. 146-C, o qual

prevê as obrigações do usuário do equipamento eletrônico, dentre elas destacam-se: receber

visitas do servidor responsável pela monitoração eletrônica, responder aos seus contatos e

cumprir suas orientações; abster-se de remover, de violar, de modificar, de danificar de

qualquer forma o dispositivo de monitoração eletrônica ou de permitir que outrem o faça; e

informar, de imediato, as falhas no equipamento ao órgão ou entidade responsável pela

monitoração eletrônica.

O parágrafo único do Art. 146-C contém as sanções processuais que podem ser

sofridas pelo monitorando caso ele descumpra as obrigações. A penalidade atribuída pelo juiz

pode ser desde uma simples advertência até a regressão do regime. Já o art. 146-D da Lei de

Execuções Penais traz as duas hipóteses de revogação da vigilância eletrônica: quando se

tornar desnecessária ou inadequada; se o acusado ou condenado violar os deveres a que fica

sujeito durante a sua vigência ou cometer falta grave.

Questão curiosa é que a Lei n° 12.258/2010 não trouxe nada a respeito da

necessidade do consentimento do indivíduo em fase de cumprimento de pena em se sujeitar a

vigilância eletrônica. Sobre esse aspecto, o Conselho Nacional de Justiça através do Plano de

Gestão para o funcionamento de Varas Criminais e de Execução Penal, destacou que

O mais importante, de toda sorte, é que o monitoramento eletrônico seja medida

condicionada à aceitação do acusado ou condenado, de modo que caberá ao próprio

interessado direto na questão, por sua livre e espontânea vontade, fazer a escolha

entre continuar o cumprimento da pena em estabelecimento carcerário ou em regime

domiciliar, condicionado, porém, a monitoramento eletrônico. É uma alternativa que

dependerá, sempre, da vontade do acusado ou condenado (BRASIL, 2009, p. 9).

Até então, a possibilidade de aplicação dessa alternativa eletrônica estava adstrita à

fase de execução penal. Contudo, no ano de 2011, a Lei n° 12.403 alterou o Código de

Processo Penal, admitindo a monitoração eletrônica como medida cautelar diversa da prisão

(Art. 319, inciso IX) a ser imposta ao indivíduo que praticou crime como forma de evitar a

decretação da prisão preventiva quando a medida se apresentar suficiente e adequada ao caso

concreto.

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Com o advento da mencionada lei, houve a ampliação das possibilidades de

aplicação da medida aos indivíduos não sentenciados, seja na fase do inquérito policial e/ou

durante a ação penal. Mais um vez, percebe-se uma tendência em recrudescer o controle sob

aqueles que deviam estar em liberdade. Quer dizer, como sugeriu Fernanda Rosenblatt11, “a

boa intenção parece ter sempre sido não prender ao invés de soltar”.

Essa lei não contemplou nada referente ao uso ou ao objetivo da monitoração

eletrônica para os presos provisórios, deixando a critério do juiz determinar as circunstâncias

de aplicação desde que em consonância com a possibilidade dela substituir a prisão cautelar.

Nesse interim, o monitoramento eletrônico passou a ser utilizado para as seguintes

finalidades: como detenção, o indivíduo é mantido em um lugar predeterminado, em sua casa

por exemplo; como forma de restrição de liberdade, o indivíduo é impedido de frequentar

áreas ou locais previamente estabelecidos, e aproximar-se de determinadas pessoas, muito

utilizado nos casos de violência doméstica; e por último, como meio de vigilância, o

indivíduo é constantemente monitorado, porém sem restringir a sua movimentação (BLACK,

SMITH; 2003, p. 01-02).

Também no ano de 2011, a Presidência da República publicou o Decreto n° 7.627, o

qual regulamenta a monitoração eletrônica de pessoas prevista no Decreto-Lei n° 3.689, de 3

de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e na Lei n° 7.210, de 11 de julho de 1984 –

Lei de Execução Penal.

Em que pese à boa intenção desse decreto no sentido de fazer com que todos os

atores envolvidos com essa política desenvolvam suas ações em respeito à integridade física,

moral e social da pessoa sob monitoramento, esse instrumento legal é incompleto porque

preveem apenas aspectos gerais sem adentrar especificamente na gestão do funcionamento do

programa. Assim, por si só essa regulamentação é insuficiente para inibir violações desses

direitos.

1.5 Aspectos relacionados à tecnologia de monitoração eletrônica no Brasil

O artigo 2º do Decreto n° 7.627, de 24 de novembro de 2011, contém a seguinte

definição: “Considera-se monitoração eletrônica a vigilância telemática posicional à distância

de pessoas presas sob medida cautelar ou condenadas por sentença transitada em julgado,

executada por meios técnicos que permitam indicar a sua localização”.

11 Em uma reunião de orientação.

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Para Carolina Costa Ferreira (2011), trata-se da “possibilidade de utilização de

equipamento de vigilância indireta”, como a própria lei aponta. Na realidade, seria a

implantação de equipamentos eletrônicos, tais como tornozeleiras ou pulseiras colocadas no

corpo daquele que cometeu crime, para que os órgãos de execução penal possam fiscalizar os

seus movimentos.

Existe no mercado algumas opções técnicas de vigilância eletrônica, quais sejam:

uma pulseira, uma tornozeleira, um cinto e um microchip que é instalado no corpo humano,

mas este último ainda está em fases de testes nos Estados Unidos e na Inglaterra (OLIVEIRA,

2007, p. 24). No Brasil, a tornozeleira é a ferramenta que vem sendo utilizada para essa

finalidade e permanece instalada na perna do infrator durante o período determinado na

decisão judicial, não podendo ele próprio retirar em hipótese alguma sob pena de cometer

uma violação das regras impostas e ter decretada a sua prisão.

Constantemente a tornozeleira emite sinais luminosos que indicam se a bateria do

equipamento está descarregando, se está sem sinal, se o monitorado está em uma área de

exclusão, etc. Além de a bateria ser recarregável na energia elétrica, o dispositivo também é

composto por fibras óticas capazes de identificar qualquer tentativa de retirar o equipamento

ou dano provocado para alegar mau funcionamento. Nesses casos, sinais contendo essa

informação são transmitidos à Central de Monitoração para a adoção de providências cabíveis

para essa hipótese.

Entretanto, um artefato com qualidades funcionais seguras por si só não é suficiente

para ser fixado nas pessoas. É importante que se criem equipamentos avançados capazes de

evitar danos físicos e morais para cumpridor da monitoração. Para tanto, é necessário que o

governo do Estado disponibilize para a Central, tornozeleiras com peso leve e que causem o

menor desconforto possível.

Visando eliminar violações de direitos fundamentais do sujeito monitorado, é

pertinente levar em conta um formato discreto para o dispositivo com vistas a causar o menor

impacto possível seja para a pessoa em monitoramento, seja para as pessoas no seio social,

amenizando a discriminação ainda hoje muito presente nesses casos.

Para não causar lesões corporais, o material de confecção deverá ser anti alérgico por

se tratar de um dispositivo usado sem interrupções até o fim da medida. Logo, não se pode

admitir que a tornozeleira gere qualquer prejuízo a saúde daquele contra quem a medida foi

imposta.

Depois de instalada, apenas os operadores da Central podem retirar a tornozeleira

mediante determinação da autoridade judicial. Assim, o sujeito sob monitoração não pode

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tirar o equipamento sequer para fazer sua higiene pessoal. Além disso, já foi visto que o

dispositivo não pode obstruir a rotina do indivíduo, como o lazer de tomar um banho de mar,

por exemplo. Por isso, a tornozeleira precisa ser resistente à água, ao ponto de ficar submersa

e continuar funcionando. O dispositivo eletrônico precisa ainda ter capacidade para suportar

impactos mecânicos e as variações climáticas de frio e calor.

Como dito, a tornozeleira funciona mediante uma bateria, a qual necessita ser

recarregada diariamente. Essa recarga dura em média duas a três horas, fazendo com que a

pessoa permaneça parada para que um cabo seja conectado a energia. Como meio de amenizar

esse inconveniente é recomendada a aquisição de equipamentos com baterias capazes de

diminuir a quantidade de recargas ou que admitam o carregamento sem restringir a

movimentação da pessoa monitorada através de dispositivos portáteis para renovar a bateria.

Para operacionalizar esse monitoramento, a tecnologia Global Positioning System -

GPS vem sendo utilizada por todos os estados da federação que implementaram o sistema.

Contudo, o surgimento da tecnologia de monitoração eletrônica ocorreu por meio da rádio

frequência, a qual não possui capacidade para monitorar toda a movimentação naquele exato

momento. Para esse tipo de tecnologia, a vigilância se restringe a constatar se a pessoa

monitorada está em um lugar permitido em um determinado tempo e por isso se adequava

melhor a situações voltadas para a detenção. (Black & Smith, 2003; John Howard Society,

2000 apud CSC, 2007). Por essa razão, buscou-se aprimorar o sistema visando à utilização de

uma ferramenta mais avançada com capacidade de indicar em tempo real toda a

movimentação do indivíduo, intensificando a vigilância na sociedade. O produto desse

aperfeiçoamento é o posicionamento global por satélite, mais conhecido como GPS.

Desse modo, esse artifício hoje permite fiscalizar o deslocamento do monitorado

durante 24 horas por dia em tempo real. Somado a isso, é possível estabelecer áreas de

inclusão e exclusão, de modo a determinar os locais que o indivíduo poderá frequentar nos

exatos termos da decisão judicial. As áreas de inclusão são aquelas onde o monitorado deve se

manter nos horários determinados na decisão judicial, enquanto que as áreas de exclusão são

aquelas proibidas para a circulação ou permanência do monitorado. Qualquer

descumprimento nesse sentido gera uma violação por parte do sujeito. Assim, essas áreas

podem ser programadas em total consonância com a determinação judicial mediante a

indicação dos lugares onde a pessoa pode ou não frequentar e permanecer. O mérito para se

concretizar isso é da tecnologia GPS, bastando que o sistema ativo esteja em funcionamento.

Apenas para fins de esclarecimento, o Sistema de Posicionamento Global (GPS)

possui formatos ativo e passivo. Eles funcionam de modo parecido, no entanto, enquanto o

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sistema ativo monitora o sujeito por 24 horas no exato momento das suas ações, o passivo tem

o seu funcionamento reduzido, pois as informações são armazenadas durante um dia e

somente transmitidas quando o monitorado insere o equipamento em uma base situada em sua

casa, repassando as informações à central de controle. Só então o monitorador terá acesso aos

locais frequentados pelo usuário durante aquele dia, podendo identificar as violações de áreas

e em sendo o caso, adotar as providencias cabíveis para manter em ordem o funcionamento do

programa (OPPAGA; 2005, p. 02).

De acordo com a Correctional Service of Canada (apud PIMENTA, 2016, p. 20), seja

qual for o sistema utilizado (ativo ou passivo), a operacionalização do sistema GPS ocorre

mediante o recebimento de sinais transmitidos por diversos satélites, os quais irão triangular

uma posição e apresentar esse local para a central de monitoramento.

Depois que a medida é deferida na esfera judicial, o infrator é conduzido do

estabelecimento prisional até o centro de monitoramento para que o dispositivo seja instalado

em seu tornozelo. Também é possível que o sujeito seja conduzido da própria audiência de

custódia ou ainda seja intimado a comparecer a central para esse fim.

Após a fixação do equipamento, o monitorado é instruído das regras que precisa

seguir para não violar o sistema e consequentemente não sofrer punições por essas razões. Ele

também é cientificado que o aparelho emite sinais que são enviados constantemente ao centro

de monitoração capaz de precisar a sua geolocalização12. Assim, a pessoa sob vigilância tem

consciência de que a central sabe se ele está se movimentando nas áreas permitidas (áreas de

inclusão) e ao mesmo tempo se está se mantendo distante dos locais proibidos (áreas de

exclusão).

Os indivíduos submetidos à vigilância deverão obedecer a normas e procedimentos,

tais como: respeitar os limites e horários definidos pelo juiz, controlar a carga da bateria, ter

cuidado com a tornozeleira para não causar danos; pois qualquer violação nesse sentido pode

gerar descumprimento e motivar uma resposta da central de monitoramento como por

exemplo, uma notificação, advertência, comunicação ao juiz, lançamento de fuga e

acionamento da polícia, os quais serão adotados segundo os critérios de cada central.

12 De acordo com Izabella Lacerda Pimenta (2016, p. 21) “Geolocalização ou localização georreferenciada é um recurso

capaz de revelar a localização geográfica por meio de endereço IP, conexão de rede sem fio, torre de celular com a qual o

telefone está conectado, hardware GPS dedicado que calcula latitude e longitude da informação enviada por satélites

no céu. No caso da monitoração eletrônica, essa informação é compartilhada com as empresas que prestam serviços às Centrais ou as próprias Centrais de Monitoração Eletrônica”.

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Destarte, o monitoramento eletrônico consiste em medida amparada pela tecnologia

para prevenir e intimidar a prática delituosa, ficando o agente em observação constante quanto

a sua localização, bem como seu deslocamento.

Nos ensinamentos de Izabella Lacerda Pimenta (2015, p. 24), a monitoração

eletrônica pode ser entendida da seguinte forma:

Em linhas gerais, a monitoração eletrônica que vem sendo desenvolvida no Brasil

combina soluções em hardware e software, consistindo na implantação de um

dispositivo eletrônico no corpo do indivíduo (indiciado ou condenado) que passa a

ter restrições em sua liberdade, sendo observado – monitorado – por uma central de

monitoração criada e gerida pelo governo do Estado.

Argumentando acerca da necessidade de se elaborar um modelo de gestão capaz de

servir como um direcionamento para os atores (juízes, promotores, defensores, operadores da

central de monitoração, etc) envolvidos nessa questão, a mesma autora conceitua monitoração

eletrônica como sendo:

(...) os mecanismos de restrição da liberdade e de intervenção em conflitos e

violências, diversos do encarceramento, no âmbito da política penal, executados por

meios técnicos que permitem indicar de forma exata e ininterrupta a geolocalização

das pessoas monitoradas para controle e vigilância indireta, orientados para o

desencarceramento (PIMENTA, 2017, p. 6).

A ideia ainda hoje propagada pelos meios de comunicação sobre o monitoramento

eletrônico é a de que essa medida foi criada com o fito de promover o desencarceramento e

assegurar direitos fundamentais daquele que praticou crime, evitando que o indiciado ou

condenado fosse retirado subitamente do seu meio social e fazendo com que o mesmo

mantivesse os vínculos sociais. Caso estivesse preso, a medida serviria também para restaurar

as relações do indivíduo com a sociedade.

Os funcionários das centrais de monitoração desenvolvem seu trabalho de fiscalização

através de grandes telas de televisão, as quais transmitem sistematicamente o conteúdo

registrado em um banco de dados que armazena informações exatas e instantâneas acerca do

comportamento e dos locais frequentados pelos monitorados. Devido à transmissão constante

de dados é evidente que a monitoração eletrônica pode se apresentar como uma ferramenta

poderosa de estigmatização e seletividade, principalmente se for usada de maneira desmedida,

pois se corre o risco de gerar perseguições e prisões injustas. Exemplo disso seria atribuir ao

sujeito monitorado a responsabilidade por uma prática criminosa ou torna-lo o principal

suspeito ao verificar que ele se encontrava nas proximidades do local da ocorrência. Além

disso, os críticos desse aparato tecnológico argumentam que esse sistema guarda dados

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extremamente pessoais e o acesso a essas informações torna mais propícia a violação de

diversos direitos.

Relativamente à atividade de execução da monitoração eletrônica pelas Centrais de

Monitoramento, ainda não existe um protocolo de âmbito nacional contendo diretrizes de

fluxos com as medidas que devem ser adotadas diante de cada caso concreto de modo a

orientar uniformemente os agentes penitenciários e os funcionários terceirizados que

trabalham na central, o que por vezes, pode ocasionar violações de direitos fundamentais.

Atualmente, observa-se 19 unidades da federação com os serviços de vigilância

implantados, das quais 17 delas estão em pleno funcionamento e as duas restantes se

encontram em fase de testes. A propagação dessa política é tão evidente que 7 unidades

federativas já possuem projeto para aderir os serviços. Apenas o Amapá não possui projeto

nessa perspectiva (PIMENTA, 2015).

De acordo com o diagnostico publicado pelo Conselho Nacional de Justiça, as

Unidades da Federação não trabalham com o total da capacidade prevista para a monitoração.

De acordo com o resultado apresentado no final de 2015, a nível nacional é possível

monitorar simultaneamente 40.431 pessoas, porém em todo Brasil apenas 45% desse total está

sendo utilizado.

Denota-se ainda do referido diagnóstico que a política de monitoração eletrônica no

tocante ao gênero é predominantemente voltada para os homens, pois 88% das pessoas

monitoradas são do sexo masculino. Comparando esse percentual com a pesquisa

desenvolvida pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Brasil, 2015) nas varas

criminais, concluiu-se que quanto maior o rigor penal, maior a presença do público

masculino.

No que diz respeito à equipe de profissionais que executam o serviço de fiscalização

eletrônica, dados demonstram que há uma prevalência de agentes penitenciários, seguida de

funcionários da empresa contratada. Constata-se ainda a pouca presença de profissionais

ligados à área psicossocial, tais como psicólogos e assistentes sociais, indicando que o objeto

da política de monitoramento não é o monitorado, mas sim o Estado.

As preocupações e pontos críticos da política de monitoramento eletrônico já foram

citadas ao longo do presente estudo, mas podem ser neste momento reafirmadas de forma

sintética por ser importante esclarecer que o seu cerne se encontra nas seguintes questões:

O monitoramento eletrônico não mantém os laços sociais dos monitorados, nem

tão pouco o exercício de atividades profissionais e educacionais;

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A monitoração eletrônica não observa o seu elemento fundamental de construção

que é o princípio da dignidade da pessoa humana;

A condução da política não é pautada nos princípios da necessidade, adequação,

individualização da pena e da medida;

Por outro lado não se pode desprezar por inteiro a tecnologia, pois é preciso extrair

dela aquilo que convém. Além do mais, se a política de monitoramento eletrônico tiver

diretrizes de fluxos uniformes, de esfera nacional, talvez seja possível evitar ou pelo menos

amenizar os efeitos indesejados advindos do mau uso do sistema. Dessa forma, é essencial a

formulação de um protocolo acerca da aplicabilidade do monitoramento eletrônico, o qual

deverá conter a forma de trabalho dos operadores da central de monitoração, os atos a serem

adotados para cada caso de violação, dentre outros aspectos. Se devidamente regulamentada e

observada, a monitoração eletrônica pode coexistir com a proteção de direitos fundamentais

mínimos.

1.6 Modelo de gestão de monitoração eletrônica no Brasil

Uma razão da política de monitoramento eletrônico ser concebida hoje como uma

ferramenta a mais para acentuar o controle penal e consequentemente intensificar os

processos discriminatórios e estigmatizantes advindos da instalação da tornozeleira em um

indivíduo é justamente a ausência de diretrizes de funcionamento a ser utilizado

nacionalmente pelas Centrais de Monitoração Eletrônica, bem como pelo Poder Judiciário e

todos os demais órgãos ou instituições envolvidos com a temática.

Apesar do seu potencial desencarcerador, a monitoração eletrônica carece de normas

e protocolos claros e específicos sobre estes serviços, o que a torna passível de entendimentos

diversos do ponto de vista da legislação e dos direitos das pessoas que estão sendo

monitoradas.

Dessa forma, apesar da regulamentação legal da temática oferecer uma visão geral

acerca de como deve transcorrer a medida de monitoramento eletrônico, o Brasil ainda não

dispõe de um documento jurídico capaz de direcionar essa política de maneira padronizada

por todos os atores envolvidos nacionalmente, desde a preparação para a instalação do

dispositivo eletrônico até o momento da retirada dele, bem como o procedimento a ser

adotado para as hipóteses mais corriqueiras de incidentes (violações provocadas pelo sujeito

em monitoramento).

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A importância de se uniformizar esse tipo de serviço é para que se possa “extinguir

ou minimizar, tanto os processos discriminatórios e estigmatizantes suscitados pelo uso do

equipamento, quanto pelo inadequado acompanhamento da medida, o que as tornam mais

vulneráveis a novos processos de criminalização” (PIMENTA, 2015, p. 46).

O fato de cada Unidade Federativa ter atualmente a liberdade para adotar os seus

próprios fluxos de funcionamento - o que obviamente acarretará tratamentos diferentes para o

mesmo tipo de incidente - demonstra um risco real e iminente de se violar direitos do

monitorado, o qual muitas vezes pode ter sua situação processual prejudicada ao ser punido

por problemas no equipamento. Uma simples descarga da bateria, por exemplo, poderá gerar

um alerta de que o monitorado está em situação de fuga, chegando ao acionamento da polícia

e à prisão do monitorado, enquanto na verdade pode se tratar apenas de um contratempo

enfrentado pelo usuário. Assim, observa-se que o uso da monitoração eletrônica, em muitos

casos, não consegue gerar consciência do erro praticado, apenas causa danos físicos,

psicológicos e limita a integração social do monitorado.

Nesse sentido, no caso de descarregamento da bateria da tornozeleira, como também

para outras situações semelhantes, não existe um procedimento estabelecido contendo as

providências que o operador deve adotar para que o monitoramento volte a ocorrer

normalmente antes de se acionar a polícia para recolher o indivíduo em vigilância a um

estabelecimento prisional. O que há é uma intensificação punitiva em decorrência do

excessivo controle disciplinar.

A ausência de estrutura adequada, além da falta de experiência e qualificação dos

operadores das centrais de monitoramento eletrônico, também são fatores que implicam no

necessário aprimoramento da gestão da informação no âmbito da política de monitoração

eletrônica de pessoas. Em decorrência disso, muitos estudiosos têm se posicionado contra a

implantação do monitoramento eletrônico ou o seu uso em casos extremamente restritos. Para

essa corrente, existe apenas o aumento de custos “sem retirar do cárcere quem nele não devia

estar”, pois a medida apenas estaria contribuindo para a seletividade do Direito Penal

(FERREIRA, 2011).

A ausência de um protocolo a ser seguido para o início, acompanhamento e fim da

medida cautelar acarreta a adoção de providências distintas em cada unidade da federação.

Essa característica favorece a ocorrência de uma série de violações legais relacionadas com os

direitos fundamentais da pessoa submetida ao sistema. Izabella Lacerda Pimenta (2015, p. 6)

afirma que existem muitos problemas relacionados aos dados pessoais e localização do

monitorado, principalmente quando as informações são compartilhadas com instituições de

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segurança pública. Essa partilha de elementos termina por gerar formas abusivas de

tratamento, quando por exemplo, o monitorado passa a ser o primeiro suspeito pelo fato de

fazer uso do equipamento eletrônico, prática recorrente cometida pelas polícias brasileiras.

19 (dezenove) unidades da federação possuem centrais de monitoramento

implantadas, sendo que em 02 (dois) Estados, os serviços estão em fase de teste. Mesmo sem

protocolos claros sobre esse tipo de serviço, a monitoração tem se espalhado rapidamente.

Essa política de expansão se dá através de convênios firmados entre o Departamento

Penitenciário Nacional e as Unidades da Federação (PIMENTA, 2015, p.10).

Como o discurso de recrudescimento das penas ainda está bastante relacionado à

dinâmica do sistema de monitoramento eletrônico, uma das formas de garantir a sua adequada

aplicação é justamente quebrando essa relação através de um modelo de gestão padronizado.

A efetividade dessa medida cautelar só ocorrerá com a instituição de órgãos providos com

metodologias e profissionais capacitados para acompanhar de forma apropriada o

cumprimento da medida. Claro que a qualificação dos operadores do monitoramento precisa

ser voltada para a prática de atos compatíveis com a redução da exclusão social.

Esse manual metodológico precisa ser desenvolvido em parceria com os diversos

atores envolvidos nessa política e em observância dos fundamentos presentes no Decreto-Lei

n° 7.627/2011, o qual, como já dito, orienta a execução das Leis n° 12.258/10 e 12.403/11.

Assim, as práticas adotadas para o funcionamento da medida cautelar devem ser formuladas

especialmente com base nas seguintes orientações legais:

Art. 3º. A pessoa monitorada deverá receber documento no qual constem, de forma

clara e expressa, seus direitos e os deveres a que estará sujeita, o período de

vigilância e os procedimentos a serem observados durante a monitoração.

Art. 5º. O equipamento de monitoração eletrônica deverá ser utilizado de modo a

respeitar a integridade física, moral e social da pessoa monitorada.

Art. 6º. O sistema de monitoramento será estruturado de modo a preservar o sigilo

dos dados e das informações da pessoa monitorada.

Art. 7º. O acesso aos dados e informações da pessoa monitorada ficará restrito aos

servidores expressamente autorizados que tenham necessidade de conhece-los em

virtude de suas atribuições (Decreto-Lei nº 7.627/2011).

Além da obrigação de seguir os dispositivos legais retro mencionados, os operadores

da política devem se nortear também pelas diretrizes lançadas pela Resolução 213/2015

expedidas pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual enfatiza os princípios que devem estar

presentes durante o procedimento de aplicação e acompanhamento da monitoração eletrônica

e demais medidas cautelares diversas da prisão. Dentre eles, destacam-se: reserva da lei ou da

legalidade, subsidiariedade e intervenção penal mínima, presunção de inocência, dignidade e

liberdade, individuação (respeito às trajetórias individuais e reconhecimento das

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potencialidades), respeito e promoção das diversidades, responsabilização, provisoriedade,

normalidade e não penalização da pobreza.

Essa resolução também aborda diretrizes específicas para os procedimentos de

monitoração eletrônica que tratam não apenas da figura da pessoa em monitoramento como

também dos princípios próprios da política (Efetiva alternativa à prisão provisória,

Necessidade e Adequação, Provisoriedade, Menor dano, Normalidade) e da atuação das

Centrais de Monitoração Eletrônica.

Especialistas e representantes do sistema de justiça criminal do Brasil em parceria

com o Departamento Penitenciário Nacional (Depen), o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e

o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) estão desenvolvendo estudos

relacionados ao monitoramento eletrônico para apresentar um modelo de gestão de pessoas

visando orientar os procedimentos a serem adotados pelo Poder Judiciário e Executivo,

especialmente no tocante aos métodos de trabalho das Centrais de Monitoração Eletrônica

estruturadas nas unidades federativas que utilizam o sistema, as quais são responsáveis pelo

acompanhamento dessa medida cautelar.

A elaboração de um modelo de gestão foi anunciado por Victor Martins Pimenta,

Coordenador-Geral do Programa de Fomento às Penas e Medidas Alternativas do

Departamento Penitenciário Nacional em entrevista concedida à EBC Agência Brasil, em 08

de dezembro de 2015, o qual na oportunidade enfatizou:

Estamos trabalhando em um modelo de gestão para a monitoração eletrônica, que

incorpore uma metodologia especifica para o acompanhamento desses cumpridores.

Isso envolve essencialmente a presença e o papel de equipe psicossocial no

acompanhamento, a definição de fluxos, de procedimentos, de forma como lidar

com evento-resposta em caso de incidentes de descumprimento de medidas. O grupo

vai trabalhar também questões como o uso e compartilhamento de dados obtidos

durante o monitoramento (PIMENTA, 2015a).

O referido coordenador também integra esse plano de trabalho estabelecido por um

Acordo de Cooperação Técnica, celebrado entre o Conselho Nacional de Justiça e o

Ministério da Justiça em abril de 2015, com o propósito de “compor e estruturar as diretrizes e

a promoção da política de monitoração eletrônica de pessoas, em consonância com o respeito

aos direitos fundamentais” (BRASIL, 2015c).

A principal justificativa para se montar esse modelo é a necessidade de se

proporcionar mais dignidade e efetividade durante o cumprimento da pena ou de uma medida

cautelar, enxergando o monitoramento eletrônico a partir da perspectiva do

desencarceramento e não como uma ampliação do poder punitivo do Estado.

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Para que o modelo de gestão de pessoas em monitoramento seja eficiente é

necessário identificar os procedimentos de funcionamento adotados pelas Centrais de

Monitoração Eletrônica nas Unidades Federativas executoras desse serviço de vigilância. Isso

permitirá detectar práticas passíveis de causar violação de direitos e consequentemente afastá-

las quando da produção de um procedimento padronizado.

Esse procedimento precisa contemplar as atividades que vão desde o momento em

que os operadores do sistema recebem a ordem judicial para a instalação do equipamento até a

retirada deste.

Assim, para preservar os direitos constitucionais do indivíduo a ser monitorado é

preciso se estabelecer como e por quem será feito o primeiro atendimento dele no

departamento responsável por executar o monitoramento eletrônico, se ele será avaliado por

psicólogos e assistentes sociais com o objetivo de verificar se o mesmo está apto para ter

fixado em sua perna uma tornozeleira, como ele será acompanhado ao longo do período em

que estiver monitorado e as providências a serem tomadas para cada hipótese de violação das

regras do sistema. Enfim, uma vez sendo a monitoração eletrônica algo já concreto dentro do

sistema de justiça criminal, é preciso traçar essas e outras diretrizes e fluxos de modo a torna-

la verdadeiramente uma medida desencarceradora, em especial de presos provisórios,

garantido a eles a proteção de seus direitos fundamentais.

Por meio das pesquisas desenvolvidas por Welliton Maciel (2014), Izabella Pimenta

(2015) e Maria Wedja Martins da Silva (2014) a respeito do monitoramento eletrônico, é

possível extrair da descrição do campo realizada por esses pesquisadores o funcionamento das

Centrais de Monitoração Eletrônica e consequentemente entender a dinâmica de outros

Estados apontando o que pode ser melhorado em prol da proteção de direitos, conforme se

comenta nas linhas abaixo.

Quando um juiz determina a medida da monitoração eletrônica contra um sujeito,

estando preso ou solto, ele é cientificado dessa decisão seja no momento da audiência ou

posteriormente através de mandado de intimação entregue por oficial de justiça.

Logo que a pessoa é cientificada da decisão do magistrado, ela deve comparecer a

Central de Monitoração Eletrônica para receber o primeiro atendimento e dar início ao

cumprimento da decisão judicial, oportunidade em que geralmente acontece a instalação da

tornozeleira, o cadastro no sistema, o recebimento de instruções e o conhecimento dos demais

serviços disponibilizados a ela. Normalmente, ocorre também nessa etapa o agendamento para

o sujeito em monitoramento ser atendido por uma equipe multidisciplinar formada por

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psicólogo, assistente social e advogado. Entretanto, esse atendimento só acontece quando o

Estado disponibiliza profissionais para esse fim.

Quanto à implantação da tornozeleira, ela pode acontecer tanto na própria Central de

Monitoramento como também nas dependências do fórum ou do estabelecimento prisional. É

conveniente que haja a formulação de uma parceria entre os Poderes Executivo e Judiciário

no sentido de se proceder a instalação no próprio fórum, pois isso evitaria conduções

coercitivas ou escoltas, ao passo que possibilitaria o acoplamento do equipamento

imediatamente após a audiência.

No que diz respeito às instruções do sistema e de uso do dispositivo, o ideal seria o

monitorando as receberem na forma escrita e verbal para só depois o operador da Central

proceder com a entrega dos equipamentos composto por carregador e bateria portátil, e com a

coleta da assinatura do monitorando em um termo de uso e responsabilidade da tornozeleira

eletrônica, comprometendo-se a devolvê-la em perfeito estado de conservação ao final da

medida.

Como o monitoramento é eletrônico, existe um sistema criado para essa atividade.

Sendo assim, é preciso inserir as informações do monitorando, cadastrando-o no sistema. Esse

trabalho é feito por agentes penitenciários ou por profissionais da empresa terceirizada

contratada pelo Poder Executivo para prestar o serviço de vigilância e disponibilizar os

equipamentos necessários.

O funcionário responsável pelo cadastro do monitorando no sistema precisa seguir as

condições constantes na decisão judicial, uma vez que é o magistrado quem definirá as

proibições, os limites e as permissões. É no momento do cadastro que o sujeito poderá

fornecer dados pessoais (nome, endereço, telefone e tipo de relação) dos seus familiares ou

amigos, vizinhos, etc, para ser um meio a mais de contato e auxílio no procedimento de

incidentes casuais. Entretanto, é preciso que a entrega de informações de outras pessoas

vinculadas ao indivíduo sob monitoração seja entendida como uma faculdade dele, não

devendo ser o mesmo obrigado a repassar tais dados.

Ressalte-se ainda a necessidade de se proteger os dados pessoais coletados pela

equipe da Central e de se cientificar o indivíduo acerca da proteção que é dada a aqueles. É

importante que essa ciência seja feita de forma verbal como também mediante a assinatura de

um termo de tratamento e proteção de dados pessoais. Esse ato é uma forma de evitar a

estigmatização do indivíduo, visto que o compartilhamento de informações do monitorando

com outras instituições pode torná-lo suspeito da prática de outros crimes pelo simples fato

deles já terem sido presos ou estarem fazendo uso de um equipamento de vigilância.

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Cumpridas essas etapas, o primeiro atendimento é finalizado com a liberação do

indivíduo, o qual só retorna a Central se for para ser acompanhado pela equipe

multidisciplinar, se houver; para a retirada do equipamento; ou a pedido dos operadores do

sistema para tratar sobre falhas dos dispositivos ou possíveis violações das regras, como será

tratado mais a frente.

A existência de um grupo multidisciplinar voltado para o acompanhamento dos

indivíduos monitorados eletronicamente se mostra bastante importante porque os

profissionais irão escutar a pessoa e analisar aspectos relacionados à condição física, social e

psicológica como meio de auxiliar na construção de uma rotina capaz de fazê-la cumprir

corretamente o período sob monitoração. Além disso, é verificado o grau de compreensão do

indivíduo acerca dessa vigilância e a necessidade de inseri-lo em programas ou tratamentos.

Isto posto, durante o atendimento essa equipe de apoio deve proporcionar ao

monitorando o direito de falar os seus anseios e dúvidas. Seria um espaço de escuta e não

apenas de orientação em torno da medida e do equipamento. Na medida que o indivíduo

encontra um espaço onde ele possa expressar o que sente, onde ele possa perguntar e não

somente ouvir regras para serem obedecidas, isso pode tornar a monitoração eletrônica menos

penosa.

Outro aspecto essencial desses atendimentos pelas equipes multidisciplinares é a

possibilidade de perceber se a medida cautelar de monitoração eletrônica é ou não adequada

para a pessoa em monitoramento, levando em conta a sua aptidão para o cumprimento das

regras do sistema. Pode acontecer, por exemplo, do sujeito trabalhar ou estudar em locais

onde não há sinais de GPS ou telefonia celular; ou restar comprovado que o monitoramento

causará nefastas lesões de ordem psicológica; ou do monitorando residir e ter uma rotina de

lugares muito próximo da vida da vítima nos casos de violência doméstica. Nesse último caso,

a medida precisa ser reavaliada, pois o sistema ficará sempre indicando a aproximação dos

envolvidos, pondo em xeque a proteção que a medida cautelar se propõe a conferir. Nessas

condições, a equipe multidisciplinar da Central de Monitoração informará a situação para o

juiz que proferiu a decisão, o qual analisará a possibilidade de se substituir a medida, pois

como já visto, a rotina do monitorando deverá ser resguardada ao máximo assim como a sua

integridade física e psicológica.

Nesse interim, não se pode admitir que a inadequação da medida de monitoramento

para um caso específico acarrete a piora da situação processual do sujeito a ponto de ensejar a

substituição da monitoração eletrônica pela prisão preventiva.

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Um ponto que não pode deixar de ser abordado no momento de ser formular um

modelo de gestão é a adoção de medidas capazes de fazer o indivíduo permanecer na sua

rotina de vida, relacionando-se normalmente com outras pessoas. É fundamental que o

cumpridor interaja com a sociedade, seja no trabalho, no lazer, na escola, na igreja, no

esporte, enfim, em todos os lugares onde ele possa desfrutar dos seus direitos sociais.

Essa prática concede a minimização de vulnerabilidades e uma abertura maior para a

inclusão social, pois evita o enfrentamento de obstáculos no dia a dia que possam surgir como

efeito colateral do sistema de monitoramento. As normas relativas à política de monitoração

não proíbem os indivíduos de terem uma rotina sadia, mas para garantir isso não se pode

deixar de galgar meios de se reduzir as possíveis consequências, as quais podem ser nefastas

para uma vida em sociedade, principalmente no que diz respeito à possibilidade de se

intensificar a marginalização com novos processos de criminalização.

Como a rotina da pessoa sujeita ao monitoramento precisa ser preservada como

forma de garantir seus direitos, ela deve comparecer a Central de Monitoração com a menor

intensidade possível e quando estritamente necessário de modo a não atrapalhar o seu

cotidiano. Entretanto, o monitorando precisa ser orientado a comparecer à Central se houver

dúvidas quanto ao significado dos sinais emitidos pelo equipamento eletrônico ou se ele achar

que a tornozeleira apresenta problemas de funcionamento. Esse ato evita a configuração de

violação do sistema.

Durante o cumprimento da medida cautelar é comum ocorrer algum incidente, o qual

é entendido como sendo todo fato capaz de prejudicar o perfeito processamento da

monitoração eletrônica nos termos das normas pré-determinadas. Os incidentes podem ou não

ter necessidade de se comunicar ao juiz e esse ato dependerá das circunstâncias do caso

concreto.

Os incidentes são decorrentes do próprio indivíduo em monitoramento, o qual de

modo doloso ou culposo ocasiona a violação das regras da medida. Entretanto, esses fortuitos

também podem ser provenientes de interferências alheias à pessoa em monitoramento,

oriundas de falhas ou defeitos do dispositivo tecnológico, não cobertura do GPS em

determinada área, ausência de sinais de telefonia celular, como também aspectos ligados à

geografia do tipo mata fechada, material da construção de um imóvel, variações climáticas,

etc. Quando o indivíduo trabalha em local onde não há sinal de telefonia e/ou GPS, ou essas

ondas são instáveis, haverá a concretização do incidente.

Como apontado no início desse tópico, o modelo de gestão de pessoas em

monitoramento precisa abarcar pelo menos os incidentes mais corriqueiros experimentados

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pelas Centrais de Monitoração Eletrônica como também traçar um protocolo para trata-lo com

a finalidade de reaver a normalidade do monitoramento. Esses planos de ação estão

relacionados ao tempo de espera, contato telefônico, advertência verbal, acionamento da

polícia, comunicação ao juiz, etc.

Por exemplo: se um indivíduo sob monitoração deixa a bateria da tornozeleira

descarregar, quanto tempo os técnicos da Central de Monitoramento devem esperar até adotar

a próxima medida? Qual a próxima medida a ser adotada? Supondo que seja o contato

telefônico, até quantas vezes se deve tentar ligar para o monitorando? Qual o intervalo entre a

realização de uma ligação e outra? É preciso fazê-lo comparecer a Central para receber uma

advertência verbal? Em quais circunstâncias? É preciso comunicar o episódio ao juiz? Em

quais circunstâncias?

Especificamente quanto à necessidade de comunicar o evento ao magistrado, pode-se

afirmar que quando a Central consegue solucionar o incidente fazendo com que a medida da

monitoração volte a fluir de acordo com os padrões estabelecidos, a comunicação não é

imprescindível. Por outro lado, se mesmo depois de seguido todo o protocolo, o incidente não

for sanado, o juiz precisa ser imediatamente comunicado, pois nesse caso estar-se-á diante de

uma violação.

No tocante ao contato telefônico feito pela Central com a pessoa em monitoramento

em face de um incidente, é prudente que os técnicos tentem ligar várias vezes com espaços de

tempo razoáveis, não sendo adequado tentar se contatar apenas uma vez ou várias vezes em

curto período, pois não se pode esquecer que apesar de ser uma tecnologia considerada segura

a monitoração eletrônica faz uso de dispositivos suscetíveis de defeitos, tais como ausências,

interrupções ou falhas de sinais.

Quando a Central de Monitoração não consegue falar com o indivíduo, ela pode

acionar outras pessoas relacionadas a ele, mas somente aquelas cujos dados tenham sido

prestados pelo monitorado de maneira espontânea.

Por fim, no que concerne a intervenção da polícia diante de um incidente, ela deve

está atrelada as peculiaridades de cada situação, as quais vão se demonstrando com o

acompanhamento ordenado da monitoração pelos operadores da Central. O mais importante

são as equipes terem a sensibilidade de adequar o protocolo ideal para cada tipo de incidente

buscando sempre a manutenção ou o restabelecimento regular da medida.

Da leitura dos estudos dos pesquisadores da monitoração eletrônica de pessoas,

verificou-se que os casos mais corriqueiros de incidentes e violações são: violação de áreas de

inclusão e/ou exclusão; detecção de movimentação sem sinal de GPS e/ou perda de sinal de

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celular; falha de comunicação do equipamento ou detecção de falsa geolocalização; não

comparecimento da pessoa em datas agendadas ou em situações emergenciais para substituir

o equipamento de monitoração; descarga completa da bateria; não cumprimento de horários

e/ou de restrições a locais específicos; danificação do equipamento, ruptura/violação da tira de

fixação ou do invólucro do equipamento de monitoração eletrônica (MACIEL, 2014; SILVA,

2014; PIMENTA, 2015).

Portanto, para padronizar as providências a serem tomadas em cada um desses casos

e consequentemente conferir o mesmo tratamento a todos os monitorados de modo a observar

especialmente o princípio da presunção de inocência, faz-se necessário que especialistas

elaborem e divulguem um manual de procedimentos para os serviços de monitoramento de

pessoas. O que se buscou nesse tópico foi apenas trazer alguns pontos bases, os quais são de

suma importância que estejam contemplados nesse plano de funcionamento.

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2 MONITORAMENTO ELETRÔNICO DE PESSOAS NOS CASOS DE VIOLÊNCIA

DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER

2.1 As mudanças processuais penais ocorridas com o advento da Lei nº 11.340/2006 e as

críticas sob o viés criminológico

Não é novidade afirmar que a Lei n° 11.340/06, popularmente conhecida como Lei

Maria da Penha13, foi considerada por parte do movimento feminista brasileiro14

uma grande

conquista por ser um forte instrumento jurídico de combate à violência de gênero contra a

mulher.

Antes do advento da referida lei no Brasil, conflitos domésticos estavam submetidos

às práticas e tratativas previstas na Lei 9.099/95 (Lei dos Juizados Especiais), especificamente

quando as agressões praticadas pelos agressores eram consideradas de menor potencial

ofensivo. Não há dúvidas de que, para aquele dado momento histórico, tratou-se de um

avanço, pois permitiu que a violência praticada dentro dos lares se tornasse evidente no meio

social pela grande quantidade de casos levados aos Juizados Especiais Criminais.

No entanto, apesar da atenção dada pelos Juizados ao contexto doméstico,

permitindo que esposas, irmãs, filhas, pudessem recorrer a algo que desse a esperança de fazer

cessar a violência sofrida dentro de casa, ao longo da aplicação da lei foi possível perceber

que esta não foi capaz de reprimir, prevenir ou mesmo diminuir as agressões. A possibilidade

de substituir a pena privativa de liberdade por uma pena restritiva de direitos, por exemplo,

permitiu que a violência de gênero passasse a ser vulgarizada, fazendo imperar o sentimento

de impunidade em algumas mulheres, as quais passaram por diversas vezes pelos Juizados

sem que tenham obtido a solução para o seu problema. Além do mais, surgiu a crítica de que a

Lei 9.099/95 não compreendia as peculiaridades da violência doméstica.

Para efetivar os direitos fundamentais das vítimas de violência doméstica no Brasil, a

luta dos movimentos em defesa dessas mulheres foi delineada no sentido de intensificar a

punição no âmbito do Direito Penal, buscando-se retirar certas prerrogativas legais, como a

possibilidade de substituição das penas e a transação penal.

Aliado a esses movimentos, os meios de comunicação propagavam a sensação de

insegurança e a necessidade de implantação de medidas punitivas adequadas para coibir a

13 A Lei n° 11.340/2006 foi batizada com o nome de uma mulher chamada Maria da Penha Maia Fernandes em homenagem a

sua história de vida relacionada à violência doméstica que sofreu durante anos no casamento e a sua busca incessante para

concretizar o sentimento de justiça em face da violência vivenciada. 14 É possível falar em diferentes correntes ou em diferentes feminismos brasileiros (ANDRADE, 1999).

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criminalidade, permitindo que se utilizasse do rigor penal como ameaça para evitar o

cometimento da violência.

Os episódios de violência doméstica sofridos por Maria da Penha passaram a ser

amplamente difundidos pela mídia, tendo esta passado a explorar o assunto do conflito

intrafamiliar e implantar equivocamente na consciência das pessoas que todas as mulheres

violentadas no plano doméstico possuíam histórias de vida semelhantes à de Maria da Penha.

Além do mais, a dramatização atribuída pela televisão, jornais e revistas ao discurso

sensacionalista acerca da dor, sofrimento e superação dessa vítima desencadeou sentimentos

de raiva e medo nos telespectadores/leitores, os quais passaram a aprovar a necessidade de

uma lei capaz de punir com rigor os conflitos dessa natureza. Sobre esse ponto, Carolina

Salazar de Medeiros afirma que:

Como efeito de tanta divulgação, portanto, as pessoas passaram a se compadecer

com o drama da violência de gênero; visualizavam-se como potenciais vítimas e

demonizavam os possíveis agressores. Ademais, paralelamente à história de Maria

da Penha, nos meios de comunicação, mais casos dramáticos que envolviam a

violência contra a mulher ganhavam espaço, as críticas que o Estado brasileiro já

recebia em razão do banal tratamento dado à violência contra a mulher no âmbito

dos JECrims eram potencializadas e as ações Estatais no que tange ao tratamento da

violência doméstica contra a mulher mais descreditadas (MEDEIROS, 2015, p. 34).

Foi diante desse clamor público aliado a um contexto político favorável a investidas

punitivo-repressivas que a Lei n° 11.340/2006 foi editada e colocada em vigor no

ordenamento jurídico brasileiro.

A Lei Maria da Penha foi vista como uma grande vitória por ser um instrumento

normativo aparentemente sensível ao contexto da violência doméstica, principalmente por

afastar a dor da injustiça presente no seio social. Na medida em que o agressor passou a

receber uma punição rígida, houve a propagação da ideia de que caso cometesse o crime nas

circunstancias dessa lei, sanções mais severas como a prisão poderiam ocorrer, até mesmo

quando se tratasse de uma simples ameaça ou injúria.

Além do enrijecimento penal, por ter uma natureza também assistencialista e

protecionista, a Lei n° 11.340/2006 foi celebrada por ampliar às mulheres o acesso à justiça,

bem como por lhes facilitar a obtenção de medidas protetivas de urgência de maneira rápida.

A Lei Maria da Penha não trouxe novidades relacionadas com a criação de novos

tipos penais, mas descriminou as formas de violência doméstica contra a mulher, cujas

definições foram inseridas nos artigos 5º e 7º15 do referido instituto legal. Nesse liame, os

tipos penais inseridos no Código Penal quando cometidos nas circunstâncias da Lei n°

15 Esses artigos conceituam as formas de violência doméstica, as quais podem ser físicas, psicológicas, sexual, patrimonial e

moral.

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11.340/2006, passariam a ser regulados por esta e não mais pelo disposto na Lei 9.099/95.

Essa amarração possibilitou a aplicação da Lei Maria da Penha a praticamente todos os

crimes, demonstrando-se uma estratégia de enrijecimento muito mais fácil do que impor uma

agravante específica para cada conduta criminal relacionada à violência praticada contra a

mulher.

Apesar da Lei n° 11.340/2006 não ter criado um novo tipo penal de modo a definir a

violência doméstica cometida em face da mulher, esse aparato legal tornou a punição mais

severa nos crimes preexistentes ao aumentar a pena-base em abstrato dos crimes praticados

nas suas formas previstas passando de seis meses a um ano, para três meses a três anos.

A referida lei em seu artigo 41 proibiu expressamente a aplicação da Lei n° 9.099/95

nas ocorrências de violência doméstica aplicada contra a mulher. Com o afastamento dos

Juizados Especiais Criminais nesses conflitos houve, por consequência, o desaparecimento da

crítica relativa à banalização desse conflito pela ausência de uma punição real. Além do mais,

juntamente com o advento da Lei 11.340/2006 nasceu à noção de que o Direito Penal seria a

tábua de salvação para prevenir e combater o problema social da violência doméstica.

Contudo, apesar de toda essa estrutura jurídica montada para prevenir a violência

doméstica contra a mulher, atualmente se vislumbra vários aspectos que dificultam a

concretização da finalidade da lei, impedindo que a mesma cumpra o seu papel originário, de

cunho e discursos nitidamente punitivistas, que na verdade se mostraram inadequados para

resolver conflitos de caráter doméstico.

Com efeito, a exploração midiática da narrativa de Maria da Penha inseriu no seio

social a mensagem de que todo o crime sofrido pelas mulheres no plano doméstico possuía

um caráter desumano e grave. Todavia, essa ideia se opõe as conclusões levantadas por várias

pesquisas16, as quais comprovam que a grande maioria dos crimes ocorridos nas circunstâncias

da Lei n° 11.340/2006 são leves e desprovidos de crueldade mesmo que praticados de forma

frequente, ou seja, as corriqueiras ocorrências dessa natureza são classificadas como sendo de

menor potencial ofensivo. Em razão disso, é incorreto afirmar que todas as mulheres vítimas

de um crime leve desejam a criminalização do seu respectivo agressor como igualmente quis

Maria da Penha.

As pesquisas desenvolvidas por Marília Montenegro ao longo da última década

revelam de forma clara que na maioria das vezes a solução apresentada pelo sistema

16 O Relatório Anual do Conselho Nacional de Justiça (2010) e os registros do Ministério Público do Rio Grande do Sul,

indicam que as lesões corporais de natureza leve e a ameaça são os crimes mais cometidos contra mulher no contexto da violência doméstica e familiar no Brasil (CAMPOS; CARVALHO, 2011, p. 163-165).

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tradicional de justiça não coincide com a vontade da vítima (MELLO, 2015). Não parece

difícil concluir que na maioria dos casos tudo que a mulher deseja é quebrar o ciclo de

violência do qual é vítima. Isto é, o encarceramento do agressor não é o objetivo

primordialmente buscado. Não há intenção de retribuir o mal sofrido com uma punição

imposta pelo Estado, mas tão somente buscar meios de cessar com os ciclos de violência de

modo a manter a instituição familiar firme e em paz. Quando acontece do seu companheiro

ser preso, normalmente ela é a primeira a visitá-lo na penitenciária e a primeira a tentar tirá-lo

daquele lugar, sendo por isso mal interpretada e taxada como “mulher que gosta de apanhar”,

enquanto na verdade ela só gostaria de viver em paz na sua casa com o seu marido e com os

seus filhos. Até mesmo nos casos em que a mulher deseja a separação, inexistem dados

empíricos a sustentar como regra o desejo da vítima de violência doméstica pela persecução

criminal do agressor.

Esquece o sistema tradicional de justiça criminal que, diferentemente de outros

crimes, nos quais as partes não se conhecem, como é o caso do roubo, por exemplo; aqueles

cometidos nas circunstancias da Lei Maria da Penha trazem consigo uma relação de

afetividade entre a vítima e o imputado (MELLO, 2015). Ao mesmo tempo em que o crime

acontece, existe também uma relação doméstica integrada por pessoas que não somente

passam por problemas, mas também constroem afeto. Entretanto, o manuseio do Direito Penal

não é sensível a essa situação, ou seja, não contempla a relação afetiva presente no polo ativo

e passivo do crime.

Por isso, o resultado desses estudos leva a percepção de que a especificidade

objetivada pela Lei Maria da Penha não é sensível às particularidades da violência doméstica

ao conferir o mesmo tratamento jurídico a situações brandas e graves, mas que foram

generalizadas através do passado de Maria da Penha.

Dessa forma, vendeu-se para a sociedade a imagem de uma legislação voltada para a

emancipação feminina, mas que logo se mostrou perpetuadora da violência, especialmente

para aqueles casos que se enquadravam como sendo de natureza leve, servindo apenas para

amenizar os clamores da população induzidos por uma falsa sensação de insegurança e

impunidade. (WUNDERLICH; CARVALHO, 2010, p. 10-11). Assim, a vítima é quem passa

a sofrer com o caráter punitivista encruado na Lei n° 11.340/2006 na forma abaixo transcrita:

O resultado atinge não apenas o sujeito criminalizado mas transfere-se aos

familiares por vias diretas e indiretas. De forma direta, a criminalização em si já

resulta em pelo menos duas privações relevantes para a família do agente

criminalizado. A primeira delas é a privação da presença afetiva. O cárcere não

aparta apenas o indivíduo dos seus – esse afastamento é uma via de duas mãos em

termos de sofrimento, já que também a família fica privada do convívio do

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encarcerado. A segunda é a privação da segurança econômica (...) vez que é ele,

encarcerado, na maioria das vezes, arrimo de família. Ademais, (...) resulta que a

exclusão que obsta a obtenção de trabalho e renda; que promove a rejeição em

grupos sociais de convivência (igreja, escola, clubes); que facilita a formação de

subculturas resultantes da criminalização também atinge os familiares do

encarcerado, durante e depois do cumprimento da pena (HERMANN, 2002, p. 56-

57).

A intenção do Estado pode até ser de “proteger” essa mulher por meio da aplicação

da legislação, mas a realidade empírica em torno da aplicação da Lei Maria da Penha revela

um cenário no qual a vítima é colocada diante de outras situações de vulnerabilidade, já que

muitas vezes é o agressor o responsável por prover as necessidades da casa, como também

poderá ser atribuída a ela a responsabilidade de ter colocado o pai dos seus filhos na prisão.

Com isso, ao invés de proteger, o sistema retributivo é quem passa a dar continuidade ao

processo de violência que a mulher terá que suportar.

A impossibilidade de utilizar a Lei dos Juizados no contexto da violência doméstica

altera significativamente o modo de resolução do problema, uma vez que as benesses de

caráter despenalizadoras não estão mais aptas para atuar na celeuma. Nesse diapasão, seja

qual for o crime praticado e a respectiva pena a ser aplicada já não cabe mais a elaboração do

termo circunstanciado de ocorrência. Em contrapartida, o inquérito policial será instaurado

nos moldes do Código Processual Penal, as partes serão ouvidas a termo e as provas

materializadas em um caderno investigativo. Ao final, tudo será encaminhado para o

Ministério Público para que o promotor avalie a presença dos requisitos necessários para a

promoção da ação penal.

Os principais crimes ocorridos no cotidiano doméstico se relacionam com a lesão

corporal leve e a ameaça, para os quais era possível a utilização da transação penal, como

também da suspensão condicional do processo e a composição civil de danos presentes na Lei

n° 9.099/95. Contudo, com a vedação mencionada na Lei Maria da Penha, tais institutos

deixaram de ser uma alternativa. Diga-se de passagem, que inobstante as críticas referentes à

banalização do conflito, por meio dessas medidas despenalizadoras era permitido a vítima

atuar de alguma maneira na decisão do seu conflito, especialmente na audiência preliminar,

onde a mesma tinha espaço para falar17.

Com a edição da Lei Maria da Penha houve a mudança da natureza da ação penal

para os crimes que envolviam a lesão corporal leve e apesar de toda a discussão em torno do

assunto a princípio permaneceu a possibilidade da vítima se retratar diante da ação penal,

condicionando o processamento à representação dela. Permitir a ação penal possuir natureza

17 Nesse sentido, vide MELLO, 2015.

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pública condicionada a representação concedia a vítima um certo poder de decisão no

desfecho do seu caso, mesmo que fosse apenas durante uma etapa do processo. Além disso, a

vítima fazia da sua representação uma ferramenta para conseguir adequar, ainda que

minimamente, a solução aplicada pelo Poder Judiciário aos seus anseios. Sobre essa questão,

Carolina Salazar Medeiros pontua que:

Como a procedibilidade da ação penal estaria nas mãos das vítimas, e,

consequentemente, a possibilidade de condenação e prisão do agressor, abrir-se-ia,

pois, a oportunidade de uma espécie de “conciliação civil”, a qual, além de mais

eficaz para a solução dos problemas vivenciados nas relações domésticas –

seja para a separação, seja para reconciliação – melhor atenderia os interesses

da vítima, na maioria das vezes não voltados para a punição do agressor (2015, p.

38).

Entretanto, no ano de 2012, o Supremo Tribunal Federal ao julgar a Ação Direta de

Inconstitucionalidade n° 4424, proposta pela Procuradoria Geral da República, tornou a

natureza da ação penal para os casos envolvendo violência doméstica pública incondicionada,

retirando da vítima a decisão da procedibilidade da ação e consequentemente limitando ainda

mais a participação ativa dela dentro do seu processo, tornando-a uma figura inócua e sem

qualquer voz.

Dessa forma, o STF ao invés de impedir a ampliação do poder punitivo do Direito

Penal e a expropriação do conflito, terminou por intensificar o rigor para atender aos clamores

da população que naquele dado momento não vislumbrava (e talvez até hoje não vislumbre)

as consequências nefastas que essa decisão implicou na vida das mulheres vítimas da

violência doméstica.

A partir de então, a Lei Maria da Penha deixou de atender definitivamente com as

propostas apresentadas por ela quando da sua entrada em vigor porque deixou de

corresponder às expectativas de boa parte das vítimas (MEDEIROS, 2015, p. 37).

Segundo Marília Montenegro (2015, p. 219), é possível afirmar que apesar dos mais

variados argumentos relativos a essa insatisfação todos eles caminham para um mesmo

aspecto que é a apropriação por parte do Estado do conflito doméstico a ele apresentado. Em

outras palavras, na medida em que a mulher procura a delegacia de polícia para registrar a

ocorrência, principalmente se ela tiver sofrido uma lesão corporal ainda que seja de natureza

leve, o sistema penal retira dela o poder de decidir o destino do seu problema. Além disso,

minimiza a complexidade do conflito por não levar em conta as suas peculiaridades

subjetivas, refletindo apenas a uma resposta punitiva, qual seja: a aplicação de uma pena

privativa de liberdade.

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Ainda sobre as alterações provocadas pela Lei n° 11.340/2006 cabe dizer que essa

medida viabilizou a decretação da prisão preventiva dos agressores domésticos, inclusive para

aqueles casos mais simples considerados de menor potencial ofensivo. Dessa forma, a prisão

preventiva passou a ser aplicada em qualquer situação de violência doméstica praticada contra

a mulher, não mais se destinando apenas a casos excepcionais de maior gravidade. Ademais, a

referida lei proibiu a prestação pecuniária ou o pagamento de multa a título de condenação,

banindo as hipóteses de se substituir as penas privativas de liberdade por restritivas de direito.

A ideia presente no seio social é de que essa rigorosidade encontrada na Lei n°

11.340/2006, a qual agrava significativamente a situação do agressor, levaria a redução da

violência praticada contra a mulher, já que ele fica passível a prisão. Assim, o medo de ser

encarcerado, em tese, intimidaria a prática da violência. Essa possível saída de prevenção e

punição encontrada para o problema da violência doméstica legitimou a inserção do Direito

Penal dentro das relações familiares mesmo com a existência do princípio da intervenção

mínima presente no sistema de justiça criminal.

Entretanto, conforme já mencionado, mesmo diante de tamanho enrijecimento

pesquisas empíricas vem a cada dia ratificando a incompatibilidade entre as soluções

oferecidas pela lei e os anseios das vítimas de violência dessa natureza (MELLO, 2015).

Os estudos de Elena Larrauri (2011, p.1-28) sugerem que também na Espanha o

sistema penal para prevenir e combater a criminalidade doméstica e familiar contra a mulher

não vem apresentando bons resultados, especialmente pela não redução dos números de

homicídios praticados contra as mulheres por seus companheiros mesmo diante da existência

da Lei Orgânica n° 11/2003, conhecida pela sua rigidez no trato das ocorrências de violência

doméstica e que também serviu de inspiração para a edição da Lei brasileira n° 11.340/06. A

pesquisa da mencionada autora remete à conclusão de que as mulheres vítimas de violência

doméstica não consideram o sistema tradicional de justiça capaz de resolverem os seus

problemas, visto que impõem soluções que não atendem as suas necessidades.

Portanto, por trás de todo o discurso pregado por movimentos sociais em busca de

uma legislação capaz de conferir autonomia e segurança para as mulheres, o que existe é um

recrudescimento da criminalização que só serviu para apaziguar os clamores, já que a

violência doméstica e familiar cometida contra a mulher ainda é algo tão presente no seio

social mesmo após dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Diante desse cenário, Marília Montenegro verificou ao longo da última década que

não será por meio do Direito Penal que a mulher encontrará a solução para a agressividade

cometida pelos seus maridos, companheiros, filhos e irmãos, já que a mudança de

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comportamento almejada por ela (e pelo coro do senso comum) só será alcançada através da

educação, com a desconstrução do patriarcalismo arraigado na sociedade, bem como com a

aplicação de ações preventivas (MELLO, 2015, p.198).

Por outro lado, também seria incorreto afirmar que após dez anos em vigor, a Lei n°

11.340/06 trouxe apenas retrocessos na busca pelo respeito de direitos à mulher, já que nesse

instrumento legal existem medidas de proteção que se atrelados a outros meios (como a

monitoração eletrônica, por exemplo) podem impedir a prática de uma nova violência para

casos específicos. Entretanto, é preciso ter cautela quando se fala de medidas protetivas de

urgência e monitoramento eletrônico, pois nesse contexto existe uma série de aspectos que

precisam ser objeto de discussão e análise, conforme se fará mais a frente.

Por hora, é preciso concluir esse raciocínio afirmando que por mais bem intencionada

que sejam as medidas protetivas de urgência trazidas pela Lei n° 11.340/2006, elas podem

proporcionar uma sensação de proteção para a vítima, mas podem também ocasionar uma

punição mais rígida ao agressor antes mesmo do término da ação penal, uma vez que essas

medidas implicam limitações de direitos fundamentais a depender da forma de aplicação e do

tempo que o processo pode durar. Nesse aspecto, é preciso investigar se a concessão das

medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à medida cautelar de monitoramento

eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de combate à violência doméstica ou se

seria mais uma maneira de punir prematuramente o acusado, colocando-o em uma “prisão

virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade.

2.2 Monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher e as

implicações em torno dessa aplicação

Como já explanado, a Lei n° 11.340/2006 foi concebida com a finalidade de

combater a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher. Nesse sentido,

modificou em vários aspectos o tratamento jurídico conferido as situações dessa natureza.

Dentre as diversas alterações cabe mencionar o afastamento da competência dos Juizados

Especiais Criminais, deixando esse tipo de violência de fazer parte dos crimes considerados

de menor potencial ofensivo; a possibilidade do agressor ser preso em flagrante delito e ser

mantido preso preventivamente; o impedimento do mesmo ser beneficiado com o instituto da

transação penal e a proibição de se imputar a ele uma pena de cesta básica. Portanto, a lei

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prevê a implantação de Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e nessa

linha altera o Código Penal, o Código de Processo Penal e a Lei de Execução Penal.

Em meio às dificuldades de concretização da finalidade da lei estudadas por diversas

pesquisadoras como Marília Montenegro (2009, 2010, 2012), Fernanda Bestetti (2014, 2015),

Carolina Salazar (2014) e Débora Ferreira (2015), as quais demonstraram que o papel

originário da Lei Maria da Penha se mostrou inadequado para resolver conflitos de caráter

doméstico, surge a monitoração eletrônica declarando ser mais um instrumento a serviço da

mulher capaz de combater e prevenir de forma efetiva a violência.

As inovações da Lei Maria da Penha foram além das transformações jurídicas de

âmbito penal e processual penal, pois se inseriu por meio desse instrumento legal a

possibilidade do juiz conceder a favor da vítima medidas protetivas de urgência quando ela se

encontrar nas condições previstas no Art. 5º dessa lei ou mesmo na iminência de sofrer a

violência18

.

Nessa linha, ao sofrer uma violência física ou psicológica ou estando prestes a ser

vítima, a mulher poderá se dirigir a uma delegacia de polícia e requerer a seu favor que a

autoridade policial solicite ao juiz o deferimento de medidas protetivas de urgência de modo a

protegê-la de seu marido, companheiro, filho ou irmão.

As medidas protetivas de urgência se propõem a garantir a mulher e aos seus

familiares uma proteção para evitar ser vítima de novas práticas de agressão. O

processamento para concessão deve ser célere para que seja capaz de cessar a violência. Por

essa razão, possui natureza de ação cautelar. O magistrado poderá concedê-las em qualquer

fase processual, seja durante o inquérito policial ou já no processo judicial. Essas medidas

estão previstas no Art. 22 da Lei n° 11.340/200619

, contudo o juiz poderá determinar outros

mecanismos de proteção não previstos nesta lei, não se tratando assim de um rol taxativo.

Além disso, a autoridade judicial pode determinar a aplicação de várias medidas ao

mesmo tempo, ou seja, de forma cumulativa. A concessão de uma ou muitas medidas

18 De acordo com o Art. 5º da Lei n° 11.340/2006, fica configurado como violência doméstica e familiar contra a mulher

qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano

moral ou patrimonial, no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação íntima de afeto, em que o agressor conviva ou tenha convivido com a agredida. Ressalte-se que essa lei também se aplica a violência ocorrida entre mulheres em

uma relação homoafetiva. 19 Dentre as medidas protetivas de urgência, vale destacar: I - suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com

comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003; II - afastamento do lar,

domicílio ou local de convivência com a ofendida; III - proibição de determinadas condutas, entre as quais: a) aproximação

da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor; b)

contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação; c) freqüentação de determinados

lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida; IV - restrição ou suspensão de visitas aos

dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar; V - prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

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protetivas irá depender da análise e da necessidade do caso concreto. De qualquer forma, é

fundamental que ao conceder medidas protetivas de urgência ele respalde a sua decisão, tendo

em vista que se de um lado são garantidos direitos à vítima, de outro, o juiz restringe direitos

do agressor, como a liberdade de locomoção. Por isso, deve ser aplicada de maneira

excepcional e em caráter cautelar.

Um exemplo claro disso é quando o juiz defere as medidas protetivas de urgência

cumulativamente com a medida cautelar de monitoramento eletrônico em face do agressor.

Nessas circunstâncias, é importante ouvir as partes envolvidas no conflito para constatar a

necessidade de se monitorar o indivíduo, pois, por limitar direitos só deve ser utilizada em

último caso.

Na verdade, essa medida eletrônica foi um meio encontrado e já implantado em

quase todas as unidades federativas para efetivar o cumprimento de medidas protetivas

concedidas a favor da vítima de violência doméstica e familiar. Sob essa ótica, seria um

reforço para a concretização das medidas protetivas de urgência de modo a não torna-las

palavras inócuas dentro de uma decisão judicial.

Visando garantir a efetivação das medidas protetivas de urgência, os agentes

engajados nessa política de enfrentamento passaram a visualizar a utilização do

monitoramento eletrônico como uma alternativa capaz de conferir proteção as mulheres

vítimas sem ter que prender preventivamente o agressor, principalmente quando ele

descumpria a decisão que conferia medidas protetivas à mulher.

Com o advento da Lei 12.403/2011, o uso dessa tecnologia foi regulamentada como

medida cautelar anterior à condenação, sendo uma das medidas que devem ser privilegiadas

em detrimento da prisão preventiva. Assim, mesmo sem previsão legal específica nesse

sentido o juiz passou a aplicá-la alternativamente ao artigo 20 da Lei n° 11.340/2006 que

prevê a possibilidade de prisão preventiva a qualquer momento da instrução penal, presentes

os requisitos do artigo 312 do Código de Processo Penal.

Para a coordenadora do Movimento Permanente de Combate à Violência Doméstica

e Familiar, conselheira Ana Maria Amarante, em entrevista concedida a Regina Bandeira

(2015) para o Conselho Nacional de Justiça, “tornozeleiras eletrônicas, botões com

tecnologias sofisticadas e até aplicativos de celulares têm contribuído com o Judiciário para

salvar a vida de mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil”, pois segundo ela,

auxiliam no combate à violência, evitam novas agressões, aumentam o sentimento de

segurança das mulheres, reduzem as ocorrências letais e permitem a prisão em flagrante dos

agressores.

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Mesmo sem dados científicos e empíricos que comprovem essa eficiência do

monitoramento eletrônico no combate a violência doméstica, esse tipo de discurso impregnou

o senso dos atores envolvidos nessa política de enfrentamento e atrelado a esses fundamentos,

vem se alastrando continuamente no Brasil e em outros países, como a Espanha, por exemplo

(GONZÁLEZ BANQUÉ; LARRAURI, 2008).

Por outro lado, a pesquisa realizada por Welliton Caixeta Maciel (2014) sobre os

mecanismos de vigilância nos episódios de violência doméstica em Belo Horizonte/MG

demonstrou que a utilização dos equipamentos eletrônicos também podem levar a processos

de estigmatização dos indivíduos a ela submetidos, tendo ou não passado pela experiência do

encarceramento em prisões comuns. O referido pesquisador constatou ainda que o uso da

monitoração pode contribuir para a (re)afirmação dos vínculos de afetividade e dependência

entre as partes envolvidas. Assim, ao invés do dispositivo desenvolver a função de garantir o

cumprimento da medida protetiva, colaborando com o rompimento do ciclo de violência

doméstica, ele poderia também ser um mecanismo de manutenção das relações por meio da

judicialização.

De acordo com a pesquisa feita por Izabella Pimenta (2015, p. 22) “a monitoração

eletrônica não é uma ferramenta capaz de resolver e extinguir violências no âmbito doméstico

e familiar porque não viabiliza a administração dos conflitos que são essencialmente

relacionais”. Para a referida consultora é preciso buscar a solução para o problema da

violência doméstica e familiar contra a mulher em um campo onde não se vislumbre apenas o

controle e a punição (2015, p. 40).

Não há como negar a existência do argumento de que a monitoração eletrônica pode

ser considerada como uma boa ferramenta de auxílio para proteger a mulher diante das

situações em que sua integridade física e psicológica se encontra vulnerável. Todavia, estudos

em torno da temática, dentre eles os desenvolvidos por Welliton Caixeta (2014) e Izabella

Lacerda Pimenta (2015), vem comprovando que o sistema de monitoramento ainda não é o

remédio ideal para curar o problema da violência de gênero, já que não se trata apenas do fato

do homem ser fisicamente mais forte que a mulher a ponto de conseguir impor a vontade dele

sobre a dela, mas algo que está intimamente interligado a posição que ela ocupa na arquitetura

social.

Por ser considerado um artefato utilizado para se estabelecer o controle penal, a

monitoração não consegue ser a solução para os conflitos domésticos cometidos contra a

mulher, pois o sistema tradicional de justiça criminal não está apto a resolver problemas dessa

natureza porque ao aplicar o método subsuntivo deixa levar em consideração os vínculos

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afetivos existentes entre o autor e a vítima. Como consequência disso, vislumbram-se medidas

judiciais que não resolvem a celeuma e muito menos atendem as necessidades da mulher.

Nesse liame, o monitoramento está para ajudar na proteção em face de uma situação violenta,

contudo não atua nas causas da relação conflituosa. Portanto, o fato do homem se encontrar

sob monitoração não significa dizer que o conflito está dirimido.

O estudo desenvolvido por Welliton Caixeta Maciel (2014) demonstrou que essa

medida cautelar não sensibiliza o agressor no sentido de gerar sentimento de consciência do

mal praticado. Através dos depoimentos prestados a pesquisa dele pelos indivíduos que

estavam cumprindo medida de monitoração decorrente de práticas de violência doméstica,

percebe-se de maneira evidente que a visão deles é que o monitoramento eletrônico é

concebido como uma forma de se controlar e de se punir com mais rigor aquele que praticou

um crime, ou seja, é sinônimo de castigo, pois não é um equipamento que vai impedi-lo de

praticar uma nova violência contra a mulher, caso assim deseje.

Dessa forma, se utilizada de maneira ilimitada, ao invés de conter a violência, pode

até mesmo acentuar o problema doméstico. Coadunando com a pesquisa do referido autor,

Izabella Pimenta ressalta que:

Por se tratar de medida que impõe severas restrições e punições à pessoa monitorada

eletronicamente, ela pode, até mesmo, motivar outras formas e níveis de violência.

Determinadas condições impostas sem a devida análise individualizada podem

igualmente provocar ou acentuar vulnerabilidades, implicando, por exemplo,

restrições em tratamentos de saúde, no desenvolvimento de atividades laborais,

educativas, comunitárias, dentre outras (PIMENTA, 2017, p. 57).

Em Recife, por exemplo, se visualizam com clareza restrições capazes de colocar a

pessoa em monitoramento em uma situação vulnerável de mobilidade, visto que a área de

exclusão pode variar de um raio de 2000 a 5000 metros, conforme se verificou nas decisões

judiciais analisadas ao longo da presente pesquisa e que serão abordadas em momento

próprio. Pelo fato do Recife ter uma área territorial de 218 km² não é raro o sistema acusar

constantes violações de áreas, especialmente quando os pontos fixos que o agressor deverá se

manter afastado ficarem situados geograficamente em locais que perfazem praticamente toda

a área da cidade.

Como pontuado, o dispositivo utilizado para se observar o agressor é a tornozeleira, a

qual transmitirá informações para a Central de Monitoramento acerca dos lugares por onde ele

está transitando em tempo instantâneo. Para evitar um evento de violência, quase sempre, o

indivíduo fica impedido de se aproximar da residência da vítima, como também dos locais de

trabalho ou outros lugares de permanência dela, denominados de áreas de exclusão.

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Qualquer aproximação desses lugares é imediatamente identificada pelos operadores

da Central, os quais entram em ação para que a situação retorne ao cumprimento da medida

nos exatos termos da decisão judicial. Com efeito, além das ferramentas para se constatar

violações de áreas de exclusão, a Central de Monitoramento precisa estar capacitada para

enfrentar esses incidentes de modo a garantir o afastamento do agressor respeitando direitos

fundamentais dele e ao mesmo tempo preservar a integridade física e psicológica da vítima.

Assim, é como se o indivíduo estivesse em uma prisão com grades, pois ele não pode

se locomover para qualquer local para não alarmar o sistema. Consequentemente, fica

impedido de desenvolver normalmente as suas atividades cotidianas e próprias de todo ser

humano como trabalhar, estudar, ir ao médico, praticar um esporte, ir à igreja, ter um lazer,

etc.

Nesse sentido, essa punição ainda é voltada para restringir a sua sociabilidade, pois

os impedem até de se relacionar intimamente com outra pessoa como se percebe com a leitura

do diálogo abaixo extraído da pesquisa de Welliton Maciel (2014, p. 194):

W: Mas depois que você tirar a tornozeleira, você acha que a sua vida vai mudar

muito?

Monitorado 3: Seguir minha vida, voltar para a sociedade de novo, quero seguir o

meu caminho de novo.

W: Quando você fala (Fulano) ‘voltar para a sociedade de novo’, você está falando

como se você não estivesse nela...

Monitorado 3: Eu não tenho liberdade nenhuma, eu não tenho liberdade no jogo,

não tenho liberdade num restaurante, entendeu? Se eu for num lugar que a pessoa

vai te revistar você fica constrangido com aquilo ali [a tornozeleira], o cara bate a

mão: ‘o que é isso aí?’ Você vai mostrar e tal e infelizmente... Peraí. Você não tem

direito de namorar. Se você está com uma menina, uma mulher, um exemplo, se vê

isso aqui [a tornozeleira] o que ela vai pensar? Como é que você vive desse jeito?

‘Peraí, esse cara é um agressor, esse cara é mau’. Sei lá, ‘um bandido’ entendeu?

Com isso aqui você não vive não, isso aqui é pior do que você estar preso. Você

anda pra tudo quanto é lugar, mas você anda, sabe como é que é... com aquele

negócio na cabeça e tal, sei lá, pra mim isso não funciona

Acontece também, do homem residir próximo à vítima, fazendo com que haja

constantes violações. É comum solicitar a ele que efetue a mudança do seu endereço para

outros bairros ou até mesmo outras cidades, obstaculizando a participação em atividades

laborativas e educacionais e até mesmo no processo de integração social, deixando de atender

os objetivos declarados quando da implantação da tecnologia.

Ora, é comum o agressor ter parentes, amigos ou um trabalho nas imediações onde

ele sempre habitou. É da natureza humana construir laços no local onde se fixa com fins

habitacionais. Nesse interim, quando ocorre o fim do relacionamento entre ele e a sua

companheira, geralmente ele tende a se manter nessa mesma região. Uma vez monitorado por

meio de tornozeleira eletrônica, surge o impasse das constantes violações de áreas,

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dificultando não apenas a realização do monitoramento em si quanto também o objetivo de

manter o indivíduo incluso no meio social, já que as regras da monitoração eletrônica o

impede de viver com regularidade a sua rotina.

Para que a Central de Monitoração consiga prestar um serviço de maneira uniforme,

cumprindo não somente com a função de proteger a vítima, mas também de observar direitos

do sujeito sob monitoração, é preciso traçar diretrizes de funcionamento, prevendo as

providências que devem ser adotadas para cada violação praticada ou ao menos para aqueles

incidentes mais frequentes, tais como descarrego da bateria e aproximação das áreas de

exclusão.

Atualmente, verificou-se através das pesquisas de Izabella Pimenta (2015) que ficam

a cargo dos gestores das Centrais relacionarem as circunstâncias em que irão comunicar ao

magistrado uma determina violação. Isso permite que as Centrais de cada unidade federativa

adotem regras próprias, podendo acarretar decisões inadequadas com alto poder de gerar

estigmatização, discriminação, além de infrações de direitos fundamentais relacionados à

dignidade da pessoa humana, intimidade, devido processo legal e presunção de inocência.

A vítima, por sua vez, ainda que por um bem maior, também termina sofrendo

alguns efeitos advindos da monitoração, visto que ela também passa a ser monitorada através

da Unidade Portátil de Rastreamento (UPR) e de posse do equipamento precisa assumir o

compromisso de zelar pelo dispositivo, comprometendo-se a devolvê-lo em perfeitas

condições de uso. Além disso, também precisa transportar consigo e recarregar diariamente a

UPR. Portanto, a monitoração eletrônica só poderá ter pleno êxito se não apenas o agressor,

mas a ofendida também se submeter às regras do sistema.

Ocorre que não existe qualquer previsão legal que se exija perguntar a vítima se ela

gostaria de fazer uso de um equipamento eletrônico, o qual transmitirá a sua localização e lhe

acarretará o cumprimento de responsabilidades. Dessa maneira, não seria incorreto afirmar

que o magistrado para não encarcerar o indivíduo, pode impor a vítima sem o consentimento

dela uma medida cautelar de monitoração eletrônica, a qual não está suficientemente clara se

é para desencarcerar ou protegê-la mediante a imposição de ter que participar de um programa

de vigilância.

Nesse sentido, é possível vislumbrar essa ausência de permissão da mulher - não

dando a ela oportunidade para falar sobre o seu desejo de querer ver ou não o monitoramento

eletrônico atuando em seu conflito - uma forma de retirar a autonomia/empoderamento tão

defendida pela Lei n° 11.340/2006. Neste ponto, adentrar-se-ia novamente na discussão da

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inaptidão do sistema de justiça criminal para resolver os problemas de natureza doméstica por

não ser sensível aos reais anseios das vítimas.

Para não incorrer nessa celeuma, basta que os juízes passem a questionar a vítima

sobre a medida e posteriormente acompanhar os efeitos advindos do monitoramento

eletrônico, pois só as experiências vão poder mostrar até que ponto essa tecnologia é útil para

os casos de violência doméstica e familiar.

Como se trata de uma realidade extremamente recente, visto que em Recife/PE, por

exemplo, o monitoramento eletrônico envolvendo casos de violência intrafamiliar contra a

mulher se iniciou no final do ano de 2013, é muito cedo para se extrair qualquer conclusão a

respeito. No momento, o que se pode fazer é descrever como esses processos vem se

desenvolvendo na atual conjectura e relacioná-los com as pesquisas já existentes em torno dos

dez anos de vigência da Lei Maria da Penha.

Fato é que já existe uma vasta literatura referente à monitoração eletrônica.

Igualmente para a violência de gênero. Contudo, no âmbito acadêmico e institucional ainda

são poucos os estudiosos dedicados a fazer essa relação entre a monitoração eletrônica e a

violência doméstica.

2.3 A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de violação da

Lei Federal n° 11.340/06

2.3.1 O monitoramento eletrônico no âmbito do processo judicial

Atualmente, não existe no ordenamento jurídico brasileiro uma legislação específica

prevendo as hipóteses de aplicação do monitoramento eletrônico para os conflitos de

violência doméstica e familiar. Todavia, essa ausência legal não foi obstáculo para os

magistrados aplicarem a medida cautelar, respaldando suas decisões nos termos do Art. 20 da

Lei Maria da Penha c/c o Art. 319, IX, do Código de Processo Penal.

No entanto, não há um tratamento jurídico no plano nacional estabelecendo como

deverão ocorrer os procedimentos e nem as hipóteses de cabimentos em que se deve aplicar o

monitoramento eletrônico para situações dessa natureza. Em outras palavras, quais os

requisitos a serem preenchidos pelo caso concreto para conferir ao juiz a possibilidade de usar

a ferramenta tecnológica como meio de inibir novos ciclos de violência? Quanto tempo

poderá durar o monitoramento? Qual a distância mínima que o agressor deverá se manter

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afastado da vítima para não causar violações? O agressor precisa ser reincidente nas

agressões? São questionamentos ainda sem resposta por parte do Poder Legislativo.

Assim, como esses parâmetros não foram estabelecidos caberá ao juiz avaliar o caso

concreto e ter a sensibilidade de impor medidas razoáveis, de modo a proporcionar a proteção

necessária à vítima e ao mesmo tempo sem restringir demasiadamente os direitos do agressor.

Para suprir essa abertura legal, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná e

Pernambuco regulamentaram a monitoração eletrônica de pessoas no âmbito da Justiça

Criminal através de uma Instrução Normativa. Nesse documento criou-se uma seção

específica para tratar a medida cautelar na seara das condutas praticadas nas circunstâncias da

Lei Maria da Penha.

A autora desse estudo realizou uma consulta online em busca de instruções

normativas expedidas por Tribunais de Justiça de outros Estados adeptos do monitoramento

eletrônico, contudo nada foi encontrado.

Em análise das instruções normativas do Estado do Paraná e Pernambuco, tombadas

respectivamente sob os números 09/2015 e 15/2016, verificou-se que o monitoramento

eletrônico é visto como a necessidade de oferecer maior proteção à mulher vítima de violência

doméstica com aplicação de alternativas capazes de dar efetividade às medidas protetivas de

urgência previstas na Lei n° 11.340/06.

Nesse sentido, seja no início, no meio ou fim do processo, caso o agressor venha a

descumprir as medidas protetivas de urgência decretadas a favor da vítima, é possível ao

magistrado recorrer ao monitoramento eletrônico para forçar o agressor a cumprir os termos

da decisão judicial, sob pena de ter decretada a prisão preventiva.

Especificamente em Pernambuco, a instrução normativa trouxe mais duas hipóteses

de cabimento para a monitoração eletrônica nos incisos I e II do Art. 9º: risco iminente à vida

e à integridade física e psicológica da vítima; conduta contumaz e reincidente do agressor.

Trata-se de possibilidades alternativas, bastando que apenas uma delas esteja presentes para

ensejar a imposição da medida cautelar.

Se o agressor está respondendo o processo judicial em liberdade e a vítima informa

ao juiz que aquele não vem cumprindo com as medidas protetivas ou que sua vida está em

risco, o magistrado pode determinar a monitoração eletrônica como medida alternativa à

prisão preventiva, independentemente dele já ter vivenciado a experiência do cárcere.

Caso o autor da violência esteja preso, o juiz poderá conceder a sua liberdade

provisória, aplicando a medida cautelar de monitoramento eletrônico.

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Tanto a instrução normativa do Paraná como a de Pernambuco regulamentam

questões relacionadas ao prazo de duração da medida, distâncias a serem respeitadas,

obrigações de cada órgão envolvido na política, as regras a serem seguidas pelos

monitorandos, etc. Contudo, constata-se mais uma vez a ausência de normas uniformes a

serem aplicadas igualmente para todos os usuários do sistema de vigilância e sem qualquer

estudo técnico desenvolvido por especialistas capazes de avaliar até que ponto os direitos dos

indivíduos estão sendo respeitados.

2.3.2 O monitoramento eletrônico a partir da instituição das audiências de custódia

Há muito tempo que a audiência de custódia se encontra prevista em tratados

internacionais ratificados pelo Brasil, dentre eles a Convenção Americana de Direitos

Humanos, a qual em seu art. 7º, 5., reza que: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser

conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer

funções judiciais...”

A audiência de custódia20

no Brasil é disciplinada pela Resolução 213, de 15 de

dezembro de 2015, criada pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual prevê que toda pessoa

presa em flagrante delito deverá ser apresentada a autoridade judicial no prazo de 24 horas,

seja qual for o motivo ou a natureza que gerou a prisão. Essa audiência permite que o

indivíduo preso seja ouvido pelo juiz antes deste deliberar se o autuado será ou não mantido

preso e consequentemente encaminhado para um estabelecimento prisional. Assim, a referida

Resolução regulamenta o processamento dessa audiência realizada pelo magistrado em

relação ao preso, levando-se em consideração as conjunturas que ocorreu a prisão21

.

No momento em que o preso for apresentado, a autoridade judicial caberá verificar a

prisão sob o viés dos princípios da legalidade, da necessidade e da adequação para ao final

decidir pela manutenção da prisão ou pela concessão da liberdade. Caso o juiz entenda pela

liberdade do indivíduo, ele ainda deliberará acerca da aplicação ou não de outras medidas

cautelares, dentre elas o monitoramento eletrônico. Portanto, o juiz possui três possibilidades

de decisão, quais sejam: converter a prisão em flagrante em prisão preventiva, conceder a

liberdade mediante imposição de medida cautelar e por fim, conceder a liberdade sem

aplicação de medida cautelar.

20 Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Justiça, em parceria com o Ministério da Justiça e o Tribunal de Justiça do

Estado de São Paulo, lançou o projeto Audiência de Custódia. 21 Vide artigo 8º da Resolução 213, o qual elenca as atribuições do juiz em relação ao preso durante a audiência de custódia.

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Entretanto, por ser uma medida “desencarceradora” que busca assegurar direitos

humanos e evitar uma eventual antecipação de pena, a autoridade judicial só deve decidir pela

permanência da prisão “quando não for cabível a sua substituição por outra medida cautelar”

(Art. 282, § 6º, CPP).

No ano de 2016 na região metropolitana do Recife, os juízes começaram a deferir

medidas protetivas a favor da vítima de violência doméstica atreladas com a medida cautelar

de monitoramento eletrônico durante a audiência de custódia. O objetivo é evitar a demasia da

prisão provisória para os casos menos graves, como forma de cumprir com os princípios

constitucionais e processuais penais ligados a liberdade, a presunção de inocência, o devido

processo e a ampla defesa.

Na prática, após a audiência de custódia, uma equipe se desloca até o fórum para que

o custodiado já saia de lá monitorado. No entanto, também é comum o indivíduo ser escoltado

à Central de Monitoração Eletrônica para se proceder com a instalação da tornozeleira.

Como geralmente a mulher não está presente na audiência de custódia, o juiz

determina que a vítima seja intimada para comparecer à Central com fins de pegar a UPR ou

outro equipamento disponibilizado pelo Governo do Estado. Em Recife, por exemplo, as

mulheres comparecem a Secretaria da Mulher para tomarem posse da Unidade Portátil de

Rastreamento, ou seja, o local onde se instala o dispositivo no homem não é o mesmo onde a

mulher se dirige para pegar o seu equipamento.

Um dos principais cuidados que deve ser observado pelo juiz é o deferimento da

monitoração eletrônica, de forma excepcional, ou seja, em último caso, visando à promoção

da liberdade, quer para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, quer para

as demais ocorrências de maneira geral.

Outro ponto importante da Resolução 213/2015 é que ela traz regramentos

específicos e complementares que devem ser atendidos pelos atores diante das situações de

medidas protetivas de urgência, em especial quando a Unidade Portátil de Rastreamento

estiver com uso disponível pela mulher, pois nesses casos além das cautelas necessárias em

todo monitoramento para se prevenir violações de direitos, em se tratando de violência

doméstica deve-se ainda evitar que as áreas de exclusão possuam um dimensionamento

extenso, de modo que o raio não ultrapasse 300 metros, salvo se a realidade da situação

demonstre ser imperioso estabelecer áreas maiores como meio de prevenir incidentes. Por

vezes, até um raio com distância menor pode ensejar a mudança de endereço do indivíduo e

consequentemente a exclusão social, por isso não se pode deixar de analisar com muito

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cuidado o caso concreto, pois é preciso aplicar a medida para proteger a mulher, mas ao

mesmo tempo proporcionando a inclusão social da pessoa sob monitoração.

A mulher, por outro lado, não pode ser obrigada a fazer uso do equipamento como

também não pode sofrer nenhum tipo de punição se optar por interromper a medida, ou seja, a

Resolução proíbe o atrelamento da monitoração ao uso da UPR por parte da mulher.

2.4 Aparatos tecnológicos utilizados para prevenir e combater a violência doméstica

No contexto da violência doméstica, várias técnicas e equipamentos de

monitoramento eletrônico podem ser aplicados. Dentre eles, encontra-se aquele que é de uso

exclusivo do homem, como também aqueles apropriados para a mulher em situação de

violência. O funcionamento e as especificidades de cada um deles serão expostas abaixo.

Nos Estados brasileiros prestadores do serviço de monitoramento eletrônico,

verificou-se por meio das publicações do Conselho Nacional de Justiça (2015) e pelo Canal

de Ciências Criminais (2015) que a forma mais corriqueira de se aplicar essa medida nos

casos de violência doméstica e familiar contra a mulher é através da combinação de dois

equipamentos: a Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento.

No caso da tornozeleira eletrônica o juiz determinará qual a área territorial que o

agressor deverá se manter afastado e o perímetro que ele poderá circular. São as áreas de

inclusão e exclusão que poderão variar de 250 a 5000 metros. O dispositivo fixado no homem

permitirá que os agentes de segurança detectem a aproximação dele de modo a intervir e

evitar o encontro com a vítima.

Já a mulher fará uso da Unidade Portátil de Rastreamento (UPR), um dispositivo

com as mesmas funcionalidades da tornozeleira eletrônica. Opera-se por sistema GPS,

contudo ainda não se encontra presente em todos os Estados que utilizam a monitoração

eletrônica. Em Pernambuco essa ferramenta já vem sendo disponibilizada às mulheres. No

ano de 2015, a pesquisadora verificou perante a Secretaria da Mulher do Estado de

Pernambuco a existência de 50 (cinquenta) UPR, as quais estavam sendo utilizadas no Recife

e Região Metropolitana. Já no ano de 2016 essa quantidade passou para 100 (cem) unidades.

Nesse caso, não apenas o agressor como também a vítima passam a ser monitorados

mediante a integração de várias tecnologias, como a localização GPS e a comunicação GPRS

(rede celular).

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Segundo a Spacecom, empresa responsável por disponibilizar o sistema e os

equipamentos de monitoramento eletrônico, a UPR normalmente tem a finalidade de

assegurar o cumprimento de medidas protetivas de urgência deferidas a favor da vítima,

obrigando o agressor a permanecer afastado dela. Em termos práticos, o esquema de

monitoração é formado pela Central de Monitoração, de onde é feito o rastreamento das partes

envolvidas no conflito, bem como da Unidade Portátil de Rastreamento e da Tornozeleira

eletrônica, conforme se visualiza na figura abaixo:

Figura 1 - Monitoração eletrônica de pessoas em situação de violência doméstica

Fonte: Spacecom Monitoramento S/A.

De posse dos dispositivos, tanto a ofendida quanto o agressor possuem o dever de

seguir regras para proporcionar a eficiência do sistema. Quando eles cumprem corretamente o

disciplinamento do monitoramento, o sistema consegue identificar a localização dos mesmos,

de modo a indicar através de alarmes a possibilidade de qualquer encontro físico. Em outras

palavras, a UPR fornecida à vítima e a tornozeleira instalada no agressor consegue obter a

localização deles em tempo real, permitindo a Central evitar essa aproximação ao entrar em

contato com os atores e com as demais instituições de apoio.

Se apenas a mulher estiver portando o dispositivo não haverá como monitorar o

agressor, fazendo-se essencial que a tornozeleira esteja acoplada a ele para que a monitoração

se torne possível. Por outro lado, o cumprimento de medidas protetivas de urgência deferidas

cumulativamente com a monitoração eletrônica é possível de acontecer somente com o

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agressor em monitoramento, uma vez que é essencial a vítima não ser obrigada a fazer uso da

UPR. Por vezes, esse equipamento também não está disponível para as mulheres, seja pela

pequena quantidade de unidades em relação à demanda, seja pelo fato do Estado ainda não ter

adquirido essa tecnologia. De qualquer forma, existindo a tornozeleira, já é admissível se

proceder à monitoração se baseando no cumprimento das áreas de exclusão.

Com efeito, é evidente que se tanto a vítima quanto o agressor estão sob

monitoramento é muito mais fácil mensurar a distância entre eles e evitar o contato, pois a

Central de Monitoração se comunica com ambos para informar a aproximação. No caso da

indisponibilidade do dispositivo ou da recusa da vítima em usá-lo, também existe a

possibilidade de se monitorar o agressor para fazê-lo se manter distante das áreas proibidas,

contudo é inviável verificar a distância entre eles. Nessa esteira, Izabella Lacerda Pimenta

enfatiza que:

Nessa direção, deve-se considerar que a UPR, quando disponível nos serviços de

monitoração, não é de uso compulsório pela mulher em nenhuma fase do processo.

A recusa em utilizá-la não pode gerar punições ou sanções à mulher em situação de

violência doméstica e familiar, sobretudo porque a Lei Maria da Penha, a Lei das

Medidas Cautelas, tampouco a Lei da Monitoração Eletrônica não obrigam-na a

utilizar esse tipo de equipamento para que seus direitos e proteção social sejam

acessados e garantidos. Assim, quando for identificada a necessidade de uso da

monitoração eletrônica como mecanismo de acompanhamento no cumprimento de

medidas protetivas de urgência, a medida deverá ser aplicada pelo Juiz e

acompanhada pela Central de Monitoração eletrônica, independentemente da mulher

utilizar, ou não, a UPR (2017, p. 57).

Outra tecnologia utilizada é o “Botão do Pânico”. De acordo com o Conselho

Nacional de Justiça (2016), ele é formalmente chamado de Dispositivo de Segurança

Preventiva, o qual também só é concedido à mulher mediante autorização judicial. Trata-se de

um microtransmissor com GPS e recursos para gravar som ambiente caso seja acionado pela

mulher. Apertando o botão por três segundos, um sinal será enviado a central de

monitoramento e uma equipe de policiais se desloca até o local mediante as coordenadas

dadas pelo equipamento.

Nesse caso, verifica-se que esse dispositivo está em consonância com o princípio da

liberdade, privacidade e intimidade, pois não se monitora a localização da mulher e nem do

agressor. A geolocalização só será obtida quando o equipamento é acionado pela vítima em

uma situação iminente de agressão.

Em matéria publicada pelo Conselho Nacional de Justiça (2016) sobre esse aparelho,

a juíza Hermínia Maria Silveira Azoury afirmou que “O uso do botão resulta em dois efeitos:

inibidor para os agressores e encorajador para as mulheres voltarem às atividades rotineiras,

como trabalhar ou mesmo sair à rua”.

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No Brasil, o botão do pânico já se encontra disponível em algumas comarcas dos

Estados do Espírito Santo, São Paulo e Maranhão. Em Pernambuco, a implantação está na sua

fase inicial na comarca da cidade de Jaboatão dos Guararapes/PE com 50 (cinquenta)

unidades.

Foto 1 – Botão do pânico para vítimas de violência doméstica e familiar

Fonte: g1.globo / EPTV

Já o Dispositivo S.O.S. vem sendo usado no Estado da Paraíba. De acordo com o

Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba (2014), normalmente a mulher fica portando o

dispositivo pelo prazo de 180 dias, podendo esse período ser renovado mediante autorização

judicial. O aparelho funciona com três opções de botões, sendo um verde, para indicar que

tudo está bem; um vermelho para sinalizar uma iminência de agressão; e um amarelo para ser

acionado quando a mulher perceber que o agressor está próximo.

Foto 2 – Dispositivo S.O.S.

Fonte: Tribunal de Justiça da Paraíba

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Interessante destacar é que essa tecnologia pode ser fornecida pela Justiça como

também pela Delegacia da Mulher. Atualmente, os demais dispositivos eletrônicos utilizados

como instrumento de combate à violência doméstica só são disponibilizados mediante

autorização judicial. Assim, o fato de uma delegacia de polícia poder entregar um

equipamento de proteção sem a necessidade de aguardar uma decisão judicial confere amplo

acesso a rede de proteção, desburocratizando o processo.

Por fim, existe ainda o PLP 2.0, conhecido por ser um sistema desenvolvido para

celulares que possuem Android, podendo ser acionado se a mulher se sentir ameaçada. Essa

tecnologia também consegue gravar som e imagem, podendo ser instalado a uma rede de

pessoas privadas para segurança pessoal e cadastrar até cinco telefones da rede de proteção. A

medida é concedida a vítima mediante autorização judicial. O pedido de socorro é feito

agitando o telefone ou com quatro toques no botão liga/desliga do aparelho.

A sigla PLP significa Promotoras Legais Populares. Trata-se de lideranças femininas

treinadas pela ONG Themis Gênero e Justiça, as quais possuem a missão de orientar as

mulheres das suas respectivas comunidades.

Esse aplicativo foi idealizado por essa Organização Não Governamental sem o uso

de recursos públicos. Quando a mulher faz o pedido de socorro, um sinal de aviso é enviado à

central do serviço 190 da Polícia Militar, contendo as informações pessoais dela, a localização

por meio do GPS e o nome do agressor. Assim, os operadores do serviço de emergência terão,

automaticamente, acesso a todo o histórico de violência da mulher, permitindo adiantar o

atendimento à vítima.

Foto 3 – PLP 2.0

Fonte: Sul 21

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Essa tecnologia está sendo utilizada pelos Estados do Rio Grande do Sul e São Paulo,

segundo as matérias publicadas pela Sul 21 e pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio

Grande do Sul.

2.5 Diretrizes para a Central de Monitoração Eletrônica para os casos de violência doméstica

Para que o acompanhamento do monitoramento eletrônico seja executado de maneira

qualificada, faz-se necessária a estruturação de uma Central de Monitoração Eletrônica por

parte do poder Executivo Estadual, a qual ficará incumbida da administração e controle dessa

medida cautelar.

Segundo as diretrizes de políticas nacionais de monitoração eletrônica encontradas

no Decreto Lei n° 7.627/2011 e na Resolução 213/2015, as atividades da Central de

Monitoração deverão ser desenvolvidas em um local específico para o seu fim. Ou seja, para

concretizar os termos das decisões judiciais em que se determinou o monitoramento

eletrônico, não é adequado ter no mesmo estabelecimento questões relacionadas a meios de

execução de pena, tais como Centros de Detenção Provisória, Prisões ou Penitenciárias, tendo

em vista que a monitoração deve ser entendida como uma medida de desencarceramento,

especialmente para os presos provisórios22

.

Além do mais, o prédio da Central deve ser instalado em um local onde o acesso seja

fácil, com diversidades de linhas de transportes públicos e se possível nas proximidades do

Fórum Criminal para evitar conduções coercitivas.

Como já mencionado, a Central deverá ser composta por profissionais

multidisciplinares com capacidade para executar suas atividades primando pela integridade

física, psicológica e social do indivíduo em monitoramento. Seja qual for a atribuição de cada

um, todos possuem a obrigação de enxergar o indivíduo vigiado como um ser dotado de

direitos e não somente de obrigações. O discurso deles na Central deve ser voltado para

extinguir a visão punitivista da monitoração eletrônica, prevenindo-se nesse sentido que a

medida seja executada como um castigo, praticando atos que afaste o isolamento social, a

segregação, a discriminação e a violação de direitos fundamentais relacionados à saúde,

educação, assistência judiciária, trabalho, renda e qualificação profissional, convivência

familiar e/ou comunitária. 22 Surge aqui mais uma problemática identificada por Izabella Pimenta (2015, p.), pois ela vislumbrou que atualmente o

monitoramento eletrônico está sendo muito mais utilizado na fase de execução da pena do que durante a fase processual, o que demonstra apenas a expansão do controle penal por parte do Estado.

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Em caso de violações das regras da monitoração eletrônica cometida pela pessoa em

monitoramento, as Centrais devem adotar o procedimento fornecido pelo protocolo, não

podendo os operadores proceder de maneira distinta ao determinado na metodologia, sob o

risco de se praticar violações de direitos do monitorado. Ora, se já foi comprovado que a

ausência de fluxos e diretrizes de âmbito nacional tem alto poder para ensejar infrações de

direitos relacionados à pessoa23

, não há como permitir que os operadores das Centrais deixem

de seguir as normas estabelecidas nos planos de ação, os quais atualmente ainda estão em fase

de elaboração (PIMENTA, 2017).

É relevante também que a Central solicite a presença da pessoa monitorada apenas

em situações excepcionais e estritamente necessárias. Ela só deve fazer o encaminhamento do

monitorado para rede de proteção depois de esclarecido sobre o que se trata e de acordo com a

vontade dele. Ressalte-se ainda que todos os serviços prestados pela Central precisam conferir

ao sujeito sob vigilância, total confidencialidade e sigilo, de modo a proteger todos os dados

pessoais informados. Qualquer divulgação nesse sentido pode ser catastrófica para o

monitorando por poder ocasionar discriminação e outros prejuízos de ordem moral e

psicológica. Logo, é fundamental que os dados pessoais dos indivíduos sejam resguardados ao

máximo, sendo permitido o acesso apenas aos operadores das Centrais e quando necessário

para desenvolver as respectivas funções na forma estabelecida pelas diretrizes24

.

Além desses e outros aspectos gerais, o Decreto Lei n° 7.627/2011 e a Resolução 213

de 2015 do Conselho Nacional de Justiça apontam as seguintes atribuições para as Centrais de

Monitoração Eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher nas

situações em que ela também está sendo monitorada através da UPR:

Acompanhar as medidas protetivas aplicadas, efetuando acolhimento e

encaminhamentos das mulheres em uso de UPR para a rede de proteção da mulher

sempre de forma voluntária a partir das especificidades de cada caso, visando a

reversão de vulnerabilidades sociais.

Agendar procedimentos e encaminhamentos, evitando longos períodos de espera e

permanência das pessoas monitoradas na Central, sobretudo das mulheres em

situação de violência doméstica que optarem pela utilização da UPR.

Agendar procedimentos e encaminhamentos em dias e horários distintos para as

pessoas monitoradas e para as mulheres em situação de violência doméstica,

evitando eventuais descumprimentos das medidas protetivas de urgência.

Disponibilizar estruturas indispensáveis, antes, durante e após qualquer tipo de

atendimento/procedimento, como: banheiros feminino e masculino; sala de espera

com número suficiente de cadeiras para comportar demandas agendadas e

espontâneas, incluindo sala de espera reservada unicamente para mulheres em

23 Nesse sentido, vide Izabella Lacerda Pimenta no Relatório de Implementação da Política de Monitoração Eletrônica de

Pessoas no Brasil, ano 2015. 24 Vide “Diretrizes para Tratamento e Proteção de Dados na Monitoração Eletrônica de Pessoas”, em

http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/politicas-2/monitoracao-eletronica-1/arquivos/diretrizes-para-tratamento-e-protecao-de-dados-na-monitoracao-eletronica-de-pessoas.pdf

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situação de violência doméstica; bebedouros; iluminação adequada; ventilação

condizente com as condições climáticas locais; serviços de limpeza.

Garantir a compreensão acerca da utilização adequada do equipamento individual de

monitoração eletrônica e da UPR, visando minimizar os incidentes de violação e os

danos físicos, psicológicos e sociais às pessoas monitoradas.

Portanto, aspectos ligados à estrutura e ao funcionamento da Central de Monitoração

Eletrônica devem focar a preservação e garantia de direitos da pessoa em monitoramento seja

qual for a natureza da medida ou a etapa em que se encontre o processo.

A mulher em situação de violência doméstica também deve ser sujeito principal da

Central quando a decisão judicial disponibilizar a ela a Unidade Portátil de Rastreamento.

Nesses casos, a Central conscientiza a mulher da existência de programas de apoio e proteção,

pois havendo interesse por parte dela, procede-se ao encaminhamento. Quando da elaboração

de um modelo de gestão de pessoas de monitoração eletrônica, é recomendável que os

operadores das Centrais de Monitoração chamem as mulheres portadoras da UPR pelo seu

próprio nome e não de “vítima” ou qualquer outro substantivo que reafirme essa condição

retirando dela o empoderamento/autonomia contemplada na Lei n° 11.340/2006.

Assim, como o sistema de monitoração envolve diretamente a mulher é fundamental

que ela também tenha ciência de todos os efeitos práticos oriundos do seu processo e seja

orientada acerca do funcionamento da medida cautelar. Da mesma maneira que existem

procedimentos direcionados ao monitorando, há também processos específicos para as

mulheres protegidas por essa política, quais sejam: comparecimento ao Juizado ou Vara de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; primeiro atendimento na Central de

Monitoração Eletrônica, possíveis encaminhamentos; e, tratamentos de incidentes.

Quando o juiz defere medidas protetivas de urgência a favor da mulher juntamente

com a monitoração eletrônica, ela é solicitada a comparecer a Vara de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher, pois é lá que a mesma tomará ciência da medida e receberá as

primeiras informações acerca dos procedimentos e da Unidade Portátil de Rastreamento. É

importante a formulação de uma parceria entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário para

que a mulher tenha um espaço para ser ouvida pela equipe multidisciplinar da Central de

Monitoramento na própria Vara. Logo após ser cuidadosamente inteirada, a mulher poderá

decidir se irá fazer ou não uso na UPR.

A decisão da mulher em não fazer uso do dispositivo eletrônico não pode ensejar

qualquer tipo de punição para ela, nem mesmo a revogação do deferimento das medidas

protetivas de urgência. Obrigá-la ao uso seria uma forma de violar a Lei Maria da Penha por

estar retirando dela o empoderamento e os direitos reconhecidos legalmente.

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O primeiro atendimento da mulher pode ocorrer nas dependências do próprio fórum

quando existe um posto da Central de Monitoração Eletrônica instalado nas dependências

deste. É nesse momento que a mulher recebe orientações acerca do programa de vigilância,

permitindo que ela entenda por completo todos os aspectos das medidas protetivas de

urgência e da monitoração eletrônica. Esse primeiro atendimento acontece logo depois da

audiência que determinou a medida cautelar diversa da prisão ou assim que ela receber a

intimação da decisão decretando a medida.

Além das orientações prestadas à mulher, ela também deverá ser avaliada pela equipe

multidisciplinar. Os profissionais deverão levar em consideração a situação física da mulher,

bem como a sua condição social e psicológica, local de moradia e a necessidade de ter que

encaminhá-la para ser incluída em programas de proteção ou tratamentos específicos.

Ressalte-se que esses encaminhamentos só devem ser feitos de acordo com a vontade da

mulher, dando sempre a ela liberdade de escolha, não se podendo impor ou coagir a

frequentar qualquer tipo de programa ou tratamento.

Caso a mulher deseje utilizar a UPR, o equipamento deverá ser entregue logo após o

primeiro atendimento. Ela também é cadastrada no sistema de monitoramento e uma vez

inserida passa a ser monitorada.

É importante que antes da mulher receber o equipamento, ela assine um documento

que contenha as orientações a serem seguidas durante o tempo da medida. Os dados pessoais

dela não podem deixar de ser preservados, por isso é interessante que ela assine um

documento dando ciência desse direito.

A mulher só deve comparecer a Central de forma eventual e diante das seguintes

necessidades: reparos técnicos e substituições na unidade portátil de rastreamento; devolução

da unidade portátil de rastreamento no prazo final da medida; ou, caso opte por interromper o

uso da UPR (PIMENTA, 2015).

A Central de Monitoração Eletrônica e o Poder Judiciário precisam manter uma

relação constante capazes de trocar informações e adotar posicionamentos ágeis para que o

sistema funcione de forma ideal e consequentemente garanta a proteção eficiente e necessária

à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

Objetivando aprimorar cada vez mais a política de monitoração eletrônica

envolvendo situações de violência doméstica, recomenda-se a Central a realização de estudos

de casos periodicamente, visando estudar e definir o melhor tratamento a ser aplicado a

determinados casos, propiciando acompanhamentos e encaminhamentos mais adequados.

Entretanto, para se desenvolver essa atividade é fundamental uma gestão de informações, ou

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seja, é preciso que todos os procedimentos executados pela Central de Monitoração estejam

atualizados e informatizados.

Portanto, o presente capítulo pretendeu propiciar uma compreensão a respeito da

monitoração eletrônica de pessoas, especialmente quando a situação real está relacionada com

a violência doméstica e familiar praticada contra a mulher no Brasil. Buscou-se formar uma

compreensão acerca da vigilância e a sua inserção no sistema penal em face dos clamores por

mecanismos capazes de proporcionar resultados eficientes no combate à criminalidade.

Inobstante os estudos já realizados demonstrando a incapacidade da monitoração eletrônica no

enfrentamento da violência doméstica - por ser utilizada como uma ferramenta de manutenção

do controle penal - o ajustamento da política mediante a implantação de protocolos que

assegurem direitos fundamentais do agressor podem torna-la eficiente na função de proteger a

mulher vítima; sem no entanto, atuar nas causas do problema em razão da sua inaptidão.

Por isso, nesse tópico, procurou-se apontar algumas medidas mínimas com base nos

estudos desenvolvidos por pesquisadores da área para aplicar a monitoração eletrônica da

maneira mais adequada possível, ou seja, diminuindo ao máximo os processos de

estigmatização, seletividade, discriminação e novas criminalizações.

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3 MONITORAÇÃO ELETRÔNICA NOS CASOS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E

FAMILIAR CONTRA A MULHER NA CIDADE DO RECIFE: RELATOS DA

PESQUISA EMPÍRICA

3.1 Metodologia

Com base no que já foi discorrido nos capítulos anteriores, a presente pesquisa tem

como objetivo explorar a contribuição da monitoração eletrônica para os conflitos envolvendo

violência doméstica e familiar cometida contra a mulher. De forma mais específica, como

vem ocorrendo à aplicação dessa medida cautelar diversa da prisão na cidade do Recife e

consequentemente o impacto provocado nas vítimas a partir da percepção delas.

É difícil se estabelecer hipóteses para esse tipo de pesquisa porque inúmeras são as

variáveis que podem ser encontradas no campo de observação, o que termina refletindo

diretamente no resultado do trabalho. Mesmo assim, a pesquisadora ousa estabelecer duas

hipóteses sem descartar a possibilidade de se obter um terceiro resultado que se coloque entre

elas, quais sejam: 1ª) A concessão das medidas protetivas a favor da mulher vítima atrelada à

medida cautelar de monitoramento eletrônico se apresenta como um instrumento efetivo de

combate à violência doméstica, por conferir a esta constante proteção e ao mesmo tempo ser

capaz de gerar senso de responsabilização para o agressor. Nesse sentido, as vítimas

enxergam o monitoramento eletrônico como uma medida altamente positiva por conseguir

retirá-la dos ciclos de violência sofridos na relação intrafamiliar. 2ª) Diante do fato do

monitoramento eletrônico estar sendo utilizado como uma ferramenta do Direito Penal e

Processual Penal, essa medida cautelar não serve para solucionar os conflitos domésticos e

familiares praticados contra a mulher, tendo em vista que já restou comprovado por meio de

outras pesquisas científicas que os referidos ramos do Direito não estão aptos a aplicar uma

solução ao problema de modo a satisfazer aos anseios da vítima. Assim, o monitoramento

eletrônico serviria apenas como mais uma maneira de punir prematuramente o acusado,

colocando-o em uma “prisão virtual” e estigmatizando-o perante a sociedade.

Para desenvolver corretamente essa investigação, evidentemente foi necessário

adotar um método que se adequasse as pretensões da pesquisadora. Na ideia de se elaborar

uma pesquisa de cunho científico, o conceito de método pode ser definido segundo Regis

(1995, p. 71) como sendo “a ordem que se deve impor aos diferentes processos necessários

para atingir um fim dado”. Já Abbagnano (1962, p. 641) vislumbra o método como o

“procedimento de investigação ordenado, repetível e auto corrigível que garanta a obtenção de

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resultados válidos”. Com efeito, para se atingir resultados representativos de uma dada

realidade é necessário promover uma pesquisa criteriosa, devendo-se afastar qualquer fator

capaz de pôr em risco a credibilidade do estudo. Para isso, é fundamental determinar os meios

de investigação e a ordem da pesquisa.

Por outro lado, o pesquisador não deve abrir mão da liberdade de utilizar todos os

métodos que julgar necessários para alcançar o objeto da pesquisa, contudo sem desprezar o

rigor no momento de aplica-lo e ao mesmo tempo alinhá-lo com o problema em estudo. Nesse

contexto, vale a lição de Bourdieu (2012, p. 25-26) ao apresentar a diferença entre rigor e

rigidez, pois segundo o referido autor um “monoteísmo metodológico” exagerado

caracterizado por procedimentos planejados a serem seguidos fielmente pode se tornar um

verdadeiro obstáculo para obtenção da verdade. Assim, relativamente à construção de uma

pesquisa científica, enquanto a rigidez prega a execução de um único método a ser seguido à

risca, o rigor está voltado à ideia de que incumbe ao pesquisador escolher o(s) método(s) a

ser(em) aplicado(s) ao longo da pesquisa de acordo com as dificuldades e facilidades

vislumbradas no campo empírico, permitindo “modificar, sempre que necessário, os planos

de pesquisa abstrata e previamente pensados a fim de dar forma e adaptar o objeto de

estudo” (BOUDIEU, 2012, p. 27).

Esse conceito se adequa bastante com a presente pesquisa, uma vez que como o

objeto é algo pouco explorado no meio acadêmico, especialmente pelo recorte feito na cidade

do Recife, a pesquisadora não tinha qualquer noção do que iria encontrar na experiência

empírica, impossibilitando a eleição de uma técnica prévia para respaldar os processos de

exploração.

Becker (1999, p. 12-14) retrata bem essa questão ao defender que o pesquisador não

precisa se vincular as técnicas metodológicas pré-moldadas, tendo em vista que para o

referido autor é plenamente possível inovar o método com base nas orientações já existentes

de modo a criar fórmulas que atenda as necessidades das pesquisas desenvolvidas por cada

sujeito e combata os obstáculos que possam surgir ao longo dessa tarefa.

Inobstante esses argumentos, até mesmo pelo objeto declarado na pesquisa, fica

evidente que ela tem caráter exploratória-descritiva, tendo como finalidade identificar,

compreender e interpretar o fenômeno investigado. De acordo com Gil (1996), a pesquisa

exploratória tem por objetivo conferir familiaridade com o problema de modo a torná-lo

explícito. Para Zikmund (2000), os estudos exploratórios, geralmente, são úteis para

diagnosticar situações, explorar alternativas ou descobrir novas ideias. Esses trabalhos são

geridos durante o estágio inicial de um processo de pesquisa mais amplo, em que se procura

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esclarecer e definir a natureza de um problema e gerar mais informações que possam ser

adquiridas para a realização de futuras pesquisas conclusivas.

Já a fase descritiva, descreve as características que envolvem o fenômeno a partir das

observações e levantamentos realizados (CERVO et. al, 2007). Esse tipo de pesquisa, segundo

Selltiz et al. (1965), busca descrever um fenômeno ou situação em detalhe, especialmente o

que está ocorrendo, permitindo abranger, com exatidão, as características de um indivíduo,

uma situação, ou um grupo, bem como desvendar a relação entre os eventos.

Inserindo esse argumento na presente pesquisa, a ideia no início era apenas observar

a aplicação do monitoramento eletrônico nos casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher, entretanto ao adentrar no campo se encontrou um acervo de dados relacionados à

temática, os quais não puderam passar despercebidos aos olhos da pesquisadora. Assim,

passou a ser fundamental fazer uma pesquisa documental direta, tornando a mesma além de

qualitativa, quantitativa também.

No que diz respeito à natureza do método, percebe-se que a pesquisa é qualitativa e

quantitativa. A união dessas duas técnicas permite alcançar completamente a finalidade do

estudo, já que o método qualitativo busca, segundo Becker (2014, p. 186-188) descrever ou

mesmo demonstrar a dinâmica cotidiana de determinadas instituições, ao passo que o método

quantitativo centraliza o seu processo na descoberta e na explicação de certos fatos sociais

através de números e padrões estatísticos. Alinhando a teoria a presente pesquisa, percebe-se

que será descrito o funcionamento da Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco e do

Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER) no tocante a aplicação da

monitoração eletrônica nos conflitos de violência doméstica e familiar contra a mulher e

posteriormente será exposto o impacto dessa política através de dados estatísticos

relacionados à escolaridade da vítima, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor,

raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor,

tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e

acusado eram parceiros íntimos), idade, etc.

Em relação à técnica de coleta de dados esta pesquisa optou por observação e

conversas informais para se compreender a política de monitoração eletrônica a partir da

percepção da vítima, pois esses métodos permitiram entender com intensidade os fenômenos

sociais com base na interpretação dos significados atribuídos pelas atoras envolvidas. Em

outras palavras, através desses métodos foi possível se inserir em uma cultura, interpretar um

determinado comportamento e descrever as impressões da pesquisadora inserida naquele

ambiente.

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A observação, segundo Cervo & Bervian (2002), é aplicar atentamente os sentidos

físicos a um amplo objeto, para dele adquirir um conhecimento claro e preciso. Para esses

autores, a observação é vital para o estudo da realidade e de suas leis. Sem ela, o estudo seria

reduzido a “[...] à simples conjetura e simples adivinhação”. A observação também é

considerada uma coleta de dados para conseguir informações sob determinados aspectos da

realidade. Ela ajuda o pesquisador a identificar e obter provas a respeito de objetivos sobre os

quais os indivíduos não têm consciência, mas que orientam seu comportamento (MARCONI

& LAKATOS, 1992). A observação também obriga o pesquisador a ter um contato mais

direto com a realidade.

Trabalhando nesse sentido, durante a passagem na Secretaria da Mulher do Estado de

Pernambuco, o diário de campo se tornou a melhor ferramenta para se registrar não apenas

fatos comuns como também inusitados, especialmente as impressões da pesquisadora em

torno dos acontecimentos.

Como a pesquisa de campo se desenvolveu na Secretaria da Mulher do Estado de

Pernambuco e era nesse local que a pesquisadora tinha contato com as mulheres em

monitoramento, optou-se por não entrevistá-las na presença das técnicas desse órgão, pois se

percebeu o alto risco de gerar respostas incompatíveis com os reais sentimentos delas e

consequentemente concluir algo não correspondente à verdade. Portanto, a ideia principal era

observar o ato e somente conversar informalmente com as mesmas quando a pesquisadora

percebesse que a mulher estava se sentindo muito a vontade para falar.

Como no local da pesquisa de campo, a pesquisadora normalmente sentia a inibição

das mulheres, tentou-se conversar com elas por telefone25 na tentativa de compreender

verdadeiramente o sentimento delas a respeito do monitoramento eletrônico. Logo de início,

não se acreditou no sucesso dessa técnica, mas no final surtiu o efeito desejado, como pôde

ser colocado ao longo desse capítulo.

Toda a descrição presente nesse capítulo é produto daquilo que foi registrado ao

longo de 4 (quatro) meses frequentando o local investigado e por isso se trata da interpretação

da pesquisadora acerca dos acontecimentos naturais do cotidiano. Por ser a visão da estudiosa

a partir da experiência vivenciada, procurou-se conferir precisão aos relatos para que eles 25 Judith E. Sturges e Kathleen J. Hanrahan, ambas de Universidades da Pensilvânia, Estados Unidos, publicaram uma nota

de pesquisa relatando os resultados de uma comparação de entrevistas presenciais com entrevistas telefônicas em um estudo

qualitativo. O estudo foi concebido para os agentes correcionais relatarem suas percepções das visitas realizadas aos presos

de uma determinada prisão. O desenho original do estudo exigia que todas as entrevistas fossem presenciais, mas as

contingências de trabalho de campo exigiram uma adaptação e metade das entrevistas foi feita por telefone. Bibliografia

anterior sugerida indicava que esses dois modos de entrevista podem produzir resultados diferentes. Contudo, a comparação

das transcrições das entrevistas não revelou diferenças seja nas presenciais, seja nas telefônicas. Portanto, concluíram que

entrevistas realizadas por telefone em uma pesquisa qualitativa podem ser utilizadas de forma produtiva (2004, p. 107).

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sejam transparentes, respaldados em evidencias e consequentemente aceitáveis, ainda que

passíveis de contestação e controle (OLIVEIRA, 2000, p. 26-28).

Como frisado, ao longo da observação dedicada ao local do campo, vislumbrou-se a

possibilidade de se proceder a uma pesquisa documental na própria Secretaria da Mulher, pois

durante o funcionamento desse órgão, verificou-se que para cada caso relativo à aplicação do

monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, as

técnicas abriam uma pasta onde inseriam todo o histórico do procedimento. Não era apenas a

narrativa da violência sofrida pela mulher como também todas as informações capazes de

formar o perfil da mulher submetida a essa política de enfrentamento. Diante dessa ocasião, a

pesquisadora requereu acesso aos dados relacionados a todas as mulheres monitoradas no ano

de 2016 na cidade do Recife, não havendo qualquer tipo de objeção nesse sentido.

Durante a análise dos documentos que retratavam as vítimas, vislumbraram-se em

algumas pastas as decisões judiciais responsáveis por decretar o monitoramento eletrônico. E

mais uma vez, a pesquisadora se viu na necessidade de analisar os fundamentos utilizados

pelos juízes para a imposição da medida cautelar diversa da prisão.

Ao todo, no ano de 2016, foram monitorados eletronicamente 162 (cento e sessenta e

dois) casos de violência doméstica e familiar contra a mulher no Estado de Pernambuco, dos

quais 63 deles são referentes à cidade do Recife. Como o recorte da pesquisa foi a cidade do

Recife, todas as ocorrências dessa área foram analisadas e os resultados compilados em

planilhas demonstrativas, conforme se observa ao longo desse capítulo.

Relativamente às decisões judiciais, dentro da Secretaria da Mulher foi possível

estudar 36 (trinta e seis) decretações para a monitoração eletrônica, as quais também possuem

as percepções da pesquisadora realizadas a partir de conhecimentos técnicos jurídicos, mas

também sob o ponto de vista do referencial teórico da criminologia crítica. Também no citado

órgão, encontrou-se 14 (catorze) decisões revogando a medida cujos fundamentos também

foram apontados.

Visando compilar e examinar todos os resultados frutos da pesquisa para em seguida

alcançar os percentuais estatísticos, utilizaram-se planilhas e gráficos criados no Excel,

software específico para esse fim. Na medida que as variáveis (idade, religião, cor, renda

mensal, filhos com o agressor, etc) foram se apresentando à pesquisadora, buscou-se inseri-las

cada uma em planilha específica e em seguida passou-se a alimentá-la conforme os processos

pesquisados. Assim, quanto às técnicas de análise de dados esta pesquisa fez uma descrição

simples dos dados obtidos.

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Verifica-se de maneira cristalina que essa coleta de dados desagua no método

indutivo, tendo em vista que a partir do estudo de casos particulares, buscou-se extrair

conclusões gerais. Ou seja, o exame do perfil de cada mulher monitorada no ano de 2016,

permite alcançar informações, as quais podem ser consideradas verdades universais.

Igualmente ocorre com a análise das decisões judiciais que decretou o monitoramento

eletrônico nos conflitos de ordem doméstica e familiar contra a mulher.

Como as incursões de campo da pesquisadora se iniciaram no mês de setembro de

2016, foi possível interagir com 17 mulheres na busca de se compreender o monitoramento

eletrônico sob a ótica delas, cujo conteúdo também foi exposto em tópico específico. Desse

quantitativo, 07 (sete) delas tiveram contato com a pesquisadora nas instalações da própria

Secretaria da Mulher, já as 10 (dez) demais fizeram suas colocações sobre o programa de

monitoração eletrônica durante as conversas realizadas por telefone. Ressalte-se que 17 foi o

número de mulheres com as quais a pesquisadora interagiu, pois durante a permanência no

local do campo, o fluxo de vítimas foi maior que esse.

Por fim, vale enfatizar que a presente pesquisa não necessitou de autorização do

Comitê de Ética em Pesquisa, visto que qualquer nome ou informação capaz de identificar os

atores envolvidos na investigação foram totalmente suprimidos dos resultados da pesquisa.

3.2 Ainda sobre algumas questões de método e do campo

De início, acreditou-se que o local da pesquisa de campo ocorreria no Centro de

Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER), situado na Rua Gervásio Pires, n° 850,

Santo Amaro, Recife-PE, responsável pela gestão do Monitoramento Eletrônico. Na verdade,

a denominação indica ser a Central de Monitoração Eletrônica, tão mencionada no segundo

capítulo dessa dissertação. Portanto, no dia 03 (três) de agosto de 2016, a pesquisadora se

dirigiu até o CEMER para verificar a possibilidade de se inserir naquele local de trabalho,

apenas para observar a dinâmica do serviço. Na oportunidade, já ficou evidente que apenas os

homens que praticaram violência doméstica e familiar frequentavam aquele departamento,

tendo em vista que as mulheres vítimas adquiriam o equipamento e recebiam instruções na

Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco, situada na Rua Cais do Apolo, n° 222, Bairro

do Recife, Recife-PE.

Procurou-se ir apenas mais uma vez ao CEMER para entender as atribuições dessa

repartição, pois a proposta da pesquisa é estudar a monitoração eletrônica na cidade do Recife

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a partir da percepção das mulheres que fizeram uso do sistema. A segunda visita aconteceu no

dia 21 de dezembro de 2016. Nesse dia, a pesquisadora sentiu a necessidade de frequentar

aquele local por mais alguns dias, não só para observar o desenvolvimento do serviço, como

também para conversar mais com os funcionários do local, visto que durante a passagem na

Secretaria da Mulher, verificou-se que algumas vítimas atribuíam ao CEMER a

responsabilidade pela pouca eficiência do monitoramento eletrônico. Nesses dias houve um

grande acolhimento da pesquisadora nesse local, em especial pela coordenadora que não

mediu esforços para explicar toda a dinâmica do sistema. Além da narrativa de diversos casos

reais, cujos discursos, adiantem-se, corroboram bastante com os aqueles presentes no trabalho

de Welliton Caixeta Maciel (2014), em Belo Horizonte; foram também repassados vários

dados relativos aos aspectos formais relacionados ao quantitativo de operadores e atribuições

dos setores, os quais serão apontados em tópico específico.

Em 12 de setembro de 2016, a pesquisadora começou a frequentar a Secretaria da

Mulher, pois é nesse órgão onde se encontram todas as informações relacionadas ao processo

de monitoração das mulheres. É por meio dessa Secretaria que as vítimas recebem a Unidade

Portátil de Rastreamento (UPR), o único equipamento disponibilizado às mulheres vítimas de

violência pelo Estado de Pernambuco, mediante decisão judicial.

A partir de então, a pesquisadora passou a frequentar a Secretaria da Mulher de duas

a três vezes por semana, perdurando até meados de janeiro de 2017. Nesse período, foi

possível entender como se dá o funcionamento desse órgão, especificamente no tocante ao

monitoramento eletrônico. Além disso, presenciou-se o atendimento das mulheres no

momento da entrega e devolução do dispositivo eletrônico, onde foi possível conversar com

as mesmas na tentativa de compreender o impacto da política na violência vivenciada por

elas.

Ainda na Secretaria da Mulher também se realizou o levantamento de dados relativos

à escolaridade, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião,

orientação sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência

sofrida, tipificação, tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram

parceiros íntimos), idade, etc.

Como as decisões judiciais que deferiram medidas protetivas cumuladas com o

monitoramento se encontravam anexadas na pasta de cada mulher atendida pela Secretaria,

tornou-se essencial analisar os fundamentos utilizados pelos juízes no momento da decretação

da medida.

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Desde já, vale salientar a total colaboração de todos os agentes inseridos nesse

serviço, os quais não se mediram a fornecer qualquer tipo de informação solicitada pela

pesquisadora, acolhendo esta com empenho na rotina das atividades.

Ainda no início das incursões de campo, a pesquisadora também chegou a ir na 1ª

Delegacia de Polícia da Mulher (DEMUL), situada na Rua do Pombal, Praça do Campo,

Santo Amaro, Recife/PE, para compreender o fluxo da monitoração eletrônica na esfera

policial. Entretanto, conversando com a delegada de polícia titular, a mesma afirmou que uma

vez formalizado o inquérito policial e remetido para as Varas de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher (VVDFM), a delegacia não recebe informações do desfecho que foi

dado para o caso. Assim, verificou-se não existir uma troca de informações entre a DEMUL e

a VVDFM, de modo que se o juiz determinar medidas protetivas de urgência a favor da

mulher cumulada com a medida cautelar de monitoração eletrônica, a delegacia especializada

não toma ciência disso. Por essa razão, descartou-se qualquer possibilidade de continuar

frequentando esse órgão por não existir informações capazes de fomentar o núcleo da

pesquisa.

3.3 O monitoramento eletrônico nas circunstâncias da Lei Maria da Penha em Pernambuco

A possibilidade de se monitorar eletronicamente os indivíduos que cometem

violência doméstica e familiar contra a mulher no Estado de Pernambuco surgiu como uma

medida de enfrentamento para reduzir o número alarmante de feminicídios ocorridos na

região no ano de 2013. Trata-se de uma das ações do Programa Justiça para as Mulheres:

agora e sempre, cujo lançamento se deu em 23 de setembro de 2013. Em suma, o referido

programa visou fortalecer as táticas presentes no plano estadual para prevenir, punir e

erradicar a violência contra as mulheres, de modo a promover a integração entre todos os

atores envolvidos no combate a esse tipo de agressão.

Os órgãos responsáveis pela aplicação, administração, gestão e execução do

monitoramento eletrônico no Estado são: o Centro de Monitoramento Eletrônico de

Reeducandos, o qual faz parte da Secretaria Executiva de Ressocialização; a Secretaria da

Mulher de Pernambuco, através da Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência de Gênero

e as Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, ligadas ao Tribunal de Justiça

de Pernambuco.

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O primeiro deferimento da medida cautelar de monitoração eletrônica em Recife

ocorreu em 10 de dezembro de 2013 por intermédio da decisão judicial proferida pela Dra.

Marylúsia Feitosa, juíza da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da

Capital.

Objetivando regulamentar a monitoração eletrônica na proteção das mulheres em

situação de violência doméstica e familiar no Estado de Pernambuco, em 05 de agosto de

2015, editou-se a Portaria Conjunta SJDH/SECMULHER – PE N° 050, a qual trata sobre a

atuação da Secretaria Executiva de Ressocialização – SERES, através do Centro de

Monitoramento Eletrônico de Reeducandos – CEMER, com fundamento no Art. 319, inciso

IX, do Código de Processo Penal combinada com a Lei n° 11.340/06.

De forma sucinta, a referida portaria, assinada pelo Secretário de Justiça e Direitos

Humanos e pela Secretária da Mulher de Pernambuco, disciplina a responsabilidade dessas

Secretarias relativamente ao monitoramento eletrônico, bem como as atribuições dos demais

órgãos envolvidos com a política (Anexo A).

Diante da necessidade de normatizar o uso da pulseira/tornozeleira eletrônica pelos

presos em saída temporária, em prisão domiciliar e pelos beneficiários da monitoração

eletrônica enquanto medida cautelar diversa da prisão (como é o caso da violência doméstica),

o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco publicou a Instrução Normativa

n° 15/2016, de 11 de julho de 2016, fundamentada entre outras questões, na necessidade de

conferir maior proteção à mulher vítima de violência doméstica, nos termos da Lei Federal n°

11.340/2006, com a aplicação de alternativas capazes de dar mais efetividade às medidas

protetivas de urgência previstas nessa lei (Anexo B).

Essa instrução normativa foi expedida pelo Tribunal de Justiça em razão da

utilização de monitoramento eletrônico ser disciplinada por decisão do Juízo competente, o

qual determinará as restrições impostas ao monitorado dentro do Estado de Pernambuco.

Dentre as seções inseridas do referido instrumento legal, a Seção I do Capítulo II, traz no Art.

9º as normas referentes ao cabimento da monitoração eletrônica em decorrência de violência

doméstica e familiar, o qual reza:

Art. 9º. A medida cautelar de monitoramento eletrônico aplicada em decorrência de

violação da Lei Federal nº 11.340/06 deverá ser determinada sempre que o juízo

competente constatar quaisquer das seguintes situações:

I - risco iminente à vida e à integridade física e psicológica da vítima;

II – conduta contumaz e reincidente do agressor;

III- descumprimento de medida protetiva de urgência.

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§1º No ofício que encaminha a decisão de monitoramento eletrônico para os órgãos

responsáveis pelo monitoramento, a saber Centro de Monitoramento Eletrônico de

Reeducandos – CEMER e Secretaria da Mulher de Pernambuco, deverão constar:

I- os dados pessoais atualizados da vítima e do acusado, inclusive seus números de

telefone e endereço;

II- a área de inclusão, que corresponde ao raio em que o acusado deverá permanecer

durante um determinado horário, na forma estabelecida nesta instrução;

III- a área de exclusão, que corresponde ao local de circulação proibida ao acusado,

na forma estabelecida nesta instrução, e que deverá ser definida nos seguintes

termos:

a) área de exclusão fixa, que poderá variar de 2 (dois) a 5 (cinco) km (quilômetros)

de raio, a critério do juiz;

b) área de exclusão móvel, com 500 (quinhentos) metros de raio.

§2º Toda vítima contemplada com o Programa de Monitoramento Eletrônico deverá

ser encaminhada à Secretaria da Mulher de Pernambuco para atendimento

psicossocial, inclusive aquelas que não expressem o desejo de participar do referido

programa.

§3º Na hipótese de não ser possível disponibilizar imediatamente o dispositivo de

monitoramento eletrônico para a vítima de Violência Doméstica e Familiar, fica a

Secretaria da Mulher de Pernambuco juntamente com o Centro de Monitoramento

Eletrônico de Reeducandos – CEMER responsáveis pelo agendamento de nova data.

Da leitura desse dispositivo, vislumbra-se a possibilidade de se decretar o

monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica não apenas para assegurar o

cumprimento de medidas protetivas de urgência como também não precisa que a conduta seja

contumaz e reincidente. Alargou-se a hipótese de aplicação do monitoramento eletrônico para

o autor da violência quando este representar um risco iminente à vida, a integridade física e

psicológica da vítima.

Com efeito, o inciso primeiro do artigo nono torna extremamente ampla a viabilidade

da decretação dessa medida cautelar diversa da prisão, tendo em vista que se um homem

comete uma ameaça, por exemplo, pela primeira vez, já é possível ter contra si a monitoração

eletrônica, a qual deve ser vista como alternativa última antes da prisão buscando evitar a

limitação de direitos relacionados à pessoa humana, conforme já dissertado. Entretanto,

percebe-se que esse raciocínio não se coaduna com a citada hipótese legal.

Outra questão trazida pela Instrução Normativa diz respeito aos requisitos que

deverão estar presentes na decisão judicial para que a monitoração eletrônica se torne

concreta, já que cabe ao juiz determinar as restrições imputadas ao indivíduo a ser

monitorado, tais como se este está preso ou solto, o motivo da concessão do benefício, o

prazo da monitoração eletrônica, áreas de inclusão e/ou exclusão, os locais específicos cujo

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acesso e permanência da pessoa monitorada sejam vedados, as rotas obrigatórias entre as

áreas permitidas, os horários de permissão ou proibição de acesso e permanência em cada

local bem como horário de recolhimento à residência, o endereço e horários de deslocamento

na hipótese de autorização para trabalho e/ou estudo, os locais e limites máximos de

aproximação de vítimas ou testemunhas, etc.

Quando o magistrado deixa de apontar questões dessa natureza na decisão judicial, o

monitoramento se torna inviável, tendo em vista que para que o Centro de Monitoramento

Eletrônico de Reeducandos consiga verificar se o indivíduo está respeitando as determinações

judiciais, os operadores do sistema precisam ter conhecimento delas, até mesmo para fazer o

cadastro das áreas e distâncias no Sistema de Acompanhamento de Custódia (SAC24)26

, o

qual é o programa utilizado para realizar o monitoramento.

Portanto, após o deferimento da medida, as Varas de Violência Doméstica e Familiar

contra a Mulher encaminham uma cópia da decisão judicial, bem como um ofício à Secretaria

Executiva de Ressocialização e à Secretaria da Mulher, contendo os dados atualizados da

vítima e do acusado, a justificativa legal para a aplicação da monitoração eletrônica, a duração

da medida cautelar cujo prazo costuma variar entre 90 a 120 dias podendo ainda ser

prorrogado pela justiça pelo tempo necessário para garantir a segurança da vítima, as áreas de

exclusão para o agressor (casa, trabalho, escola e outros locais de circulação frequentes da

mulher), o tamanho dessas áreas de exclusão que poderão ter uma área fixa variando entre 2 a

5 quilômetros e uma área móvel que normalmente é de 500 metros.

3.4 O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER)

Conforme já mencionado, a pesquisadora frequentou por alguns dias a Central de

Monitoração Eletrônica do Recife, especialmente no mês de dezembro de 2016. Mesmo a

passagem tendo sido curta, as visitas foram bastante enriquecedoras em termos de

conhecimento das diretrizes adotadas por esse órgão, visto que foi possível observar as

atividades desenvolvidas pelos funcionários do local, bem como conversar informalmente

com os mesmos.

26 O Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 Horas (SAC24) é uma solução completa de hardware e software para

monitoramento eletrônico de indivíduos, concebido e desenvolvido pela Spacecom. O sistema é composto de diferentes

modelos de dispositivos a serem portados pelas pessoas em monitoramento, que atendem a normas nacionais e internacionais,

e de um software de monitoramento disponível via interface web para a central de monitoramento responsável, que pode ser

da própria Spacecom. Permite o acompanhamento em tempo real dos sujeitos monitorados, criação de áreas de controle para

restrições comportamentais, além de várias outras opções que propiciam as autoridades responsáveis a vigilância e o controle dos acusados.

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O Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos é vinculado a Secretaria

Executiva de Ressocialização do Estado de Pernambuco (SERES) e tem a responsabilidade de

administrar, executar e controlar o monitoramento eletrônico dos indivíduos que tiveram

decretado contra si essa medida cautelar diversa da prisão.

Conforme já mencionado, essa Central funciona na Rua Gervásio Pires, no bairro de

Santo Amaro, em Recife; dividindo-se internamente através dos seguintes setores:

permanência; operação e controle; e a ala de monitoração e gerência. Importante pontuar que

a denominação desses setores foi atribuída pela pesquisadora com o objetivo de explicar o

funcionamento do local, tendo em vista que no prédio do CEMER o único setor nomeado é a

permanência.

A arquitetura do Centro é composta por térreo e primeiro andar. Na parte de baixo se

encontra a permanência e a sala de operação e controle. É na permanência que os indivíduos a

serem monitorados ou já em monitoramento ficam esperando atendimento. A sala de operação

e controle é utilizada pelos funcionários da SpaceCom, empresa contratada pelo Estado de

Pernambuco para prestar o serviço de monitoração eletrônica, fornecendo os equipamentos e

mantendo o funcionamento do programa eletrônico. O CEMER conta com dois funcionários

da empresa terceirizada para atenderem a demanda. São eles quem procede com a instalação

da tornozeleira eletrônica e verificam se o sistema está funcionando corretamente. Também

são nesses dois setores onde os monitorandos tomam ciência das regras que precisam seguir

para a manutenção da medida, as quais serão explicadas oportunamente.

No primeiro andar funciona a ala de monitoração e a gerência. Tudo se situa em um

mesmo ambiente. A ala de monitoração possui quatro grandes telas acopladas em

computadores. Cada tela é observada por um agente penitenciário, o qual trabalha em regime

de plantão de 24/72 horas. Existe ainda nessa ala um funcionário de cada unidade prisional

que trabalha em regime de expediente e são responsáveis por compilar informações dos

respectivos monitorandos.

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Foto 4 – Agentes Penitenciários em atividade de vigilância no Centro de Monitoramento Eletrônico de

Reeducandos.

Fonte: SERES/CEMER

Conectando todos os setores existe a gerência formada pelo gestor (normalmente um

agente penitenciário com função gratificada) e demais servidores contratados pelo Estado

através de uma seleção simplificada. São eles quem mantém contato com o Poder Judiciário e

demais órgãos envolvidos pela política de monitoração eletrônica, como a Secretaria

Executiva da Mulher, por exemplo.

Restou claro que no ambiente do CEMER não existe equipe multidisciplinar

composta por advogados, assistentes sociais e psicólogos para procederem com as etapas de

atendimento aos homens nas fases de início, durante e pós-monitoramento.

A pesquisadora também questionou se em Recife existia algum centro de

atendimento para acolher os indivíduos em monitoramento decorrente de violência doméstica

e familiar praticada contra a mulher, obtendo resposta negativa nesse sentido. Portanto, de

maneira sintética, quando o magistrado defere medidas protetivas de urgência a favor da

mulher cumulada com a medida cautelar diversa da prisão de monitoração eletrônica, o

atendimento para o agressor se resume a instalar a tornozeleira nele, orientá-lo sobre o

manuseio do equipamento e os lugares permitidos e proibidos.

De maneira bem objetiva, no que diz respeito ao monitoramento eletrônico oriundo

dos conflitos ocorridos nas circunstâncias da Lei Maria da Penha, é de competência do

CEMER cumprir o teor das decisões judiciais proferidas pelos juízes das Varas de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher, proceder com o registro das vítimas e dos autores dos

fatos no Sistema de Acompanhamento de Custódia 24 horas (SAC24), ligar e desligar a

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tornozeleira eletrônica do agressor e a Unidade Portátil de Rastreamento da vítima, executar a

manutenção nesses aparelhos, construir as áreas de exclusão e/ou inclusão no SAC24 com

base na decisão judicial que deferiu a medida, acompanhar a locomoção dos envolvidos

através do referido sistema, comunicar ao juiz competente as violações das regras da

monitoração eletrônica como também para a Secretaria da Mulher, acionar o Centro Integrado

de Operações de Defesa Social (CIODS)27

em caso de violações cometida pelos agressores

com o objetivo de recolhê-los ao estabelecimento prisional e informar as Varas de Violência

Doméstica e a Secretaria da Mulher o cumprimento da medida cautelar ao término do uso dos

equipamentos eletrônicos.

3.4.1 Fluxo de funcionamento do CEMER

Considerando a necessidade de regulamentar a monitoração eletrônica no Estado de

Pernambuco, o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco publicou a

Instrução Normativa n° 15, de 11 de julho de 201628

, a qual, dentre várias providências prevê

as atribuições de cada entidade envolvida nessa política. No que diz respeito especificamente

ao CEMER, o artigo 6º dispõe em seus incisos que fica sob a incumbência do citado órgão a

obrigação de verificar o cumprimento dos deveres legais e das condições especificadas na

decisão judicial que autorizou a monitoração eletrônica; enviar ao juiz relatórios

circunstanciados relacionados à pessoa em monitoramento no período estabelecido, a

qualquer momento determinado pelo juiz ou quando a situação exigir; adequar e manter

programas, bem como equipes de multiprofissionais com o objetivo de acompanhar e apoiar o

indivíduo monitorado; informar a pessoa monitorada as regras que precisa seguir para não

cometer violações e auxiliá-la na reintegração social; comunicar imediatamente ao juiz

competente sobre fato que possa ensejar a revogação da medida ou a modificação de suas

condições, ou seja, deixar o juiz ciente dos incidentes cometidos pelos monitorandos que

podem dar causa a decretação da prisão preventiva.

Inobstante as atribuições acima elencadas, verificou-se que o CEMER foi quem

estabeleceu seus próprios protocolos de funcionamento e procedimentos em casos de

violações praticadas pela pessoa em monitoramento. A pesquisadora solicitou acesso a esse

27 O Centro Integrado de Operações de Defesa Social é responsável por realizar a coordenação dos meios operacionais dos

órgãos operativos da Secretaria de Defesa Social (SDS), Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros e Instituto de

Criminalística. 28 Esse documento pode ser vislumbrado no anexo B da presente dissertação.

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protocolo visando estuda-lo, contudo o gestor negou esse pedido sob a alegativa de que nesse

documento continham diretrizes de funcionamento, as quais se publicadas e acessadas pelos

indivíduos em monitoramento, estes podiam encontrar brechas para driblarem o sistema e

acobertarem a autoria de práticas delitivas. Assim, por exemplo, quando o agressor da

violência doméstica adentra em uma área de exclusão, o protocolo reza que ele tem um

determinado espaço de tempo para sair daquela localidade. Só depois de ultrapassado esse

tempo é que o CEMER considera o incidente como uma violação e adota as providências

cabíveis para evitar a suposta tentativa de se praticar o delito. Nesse sentido, supondo que o

homem em monitoramento tem um prazo de 15 (quinze) minutos para se evadir da área

proibida e dentro desse tempo ele comete uma violência contra a mulher, a Central não vai

adotar as medidas necessárias para coibir esse ato. Foi com base nesse exemplo que se

fundamentou o indeferimento do pleito da pesquisadora.

Apesar da falta de acesso da pesquisadora ao protocolo do fluxo, não apenas o gestor

como também os demais integrantes do departamento afirmaram que uma simples violação de

área de exclusão ou mesmo um descarregamento da bateria da tornozeleira podem ensejar a

prisão do indivíduo. Essa possibilidade da revogação do monitoramento eletrônico para a

decretação da prisão preventiva pelos motivos ora aludidos também foi verificada quando da

análise dos documentos arquivados na Secretaria da Mulher, a serem explanados

posteriormente.

Conversando com a coordenadora do departamento, constatou-se que todo e qualquer

tipo de incidente é comunicado ao juiz competente, entretanto, procuram fazer as ressalvas

necessárias. Assim, se um homem está sendo monitorado em decorrência de violência

doméstica e mensalmente precisa ir a um consultório médico situado em uma área de

exclusão, essa violação é informada ao magistrado, contudo advertem que o monitorando

informou previamente o motivo de ter adentrado em um campo proibido. Nesses casos

excepcionais, os operadores do sistema procuram monitorar com mais intensidade a

movimentação do indivíduo quando ele precisa estar dentro da área de exclusão.

Um dos casos relatados à pesquisadora foi um monitoramento por violência

doméstica em que o agressor por causa da medida, mudou-se de Recife para uma chácara no

bairro de Aldeia, Camaragibe/PE (Região Metropolitana de Recife), visando evitar qualquer

tipo de violação, já que a juíza havia estabelecido uma distância com área fixa de 5 km. E em

determinados locais dentro da chácara, o monitorando entrava na área de exclusão. Diante

dessa situação, o CEMER informava o incidente à magistrada, entretanto deixavam claro que

o mesmo estava em sua casa. Esse caso retrata bem a inadequação e a má utilização do

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monitoramento eletrônico, pois se percebe com clareza a medida servindo como instrumento

de castigo e exclusão social, ou seja, conferiu-se nesta situação uma natureza totalmente

oposta daquele ideal pregado pelos estudiosos da temática visto nos capítulos anteriores dessa

dissertação.

Ainda no tocante aos protocolos elaborados pelo CEMER, ficou evidente que toda

ação dos funcionários para casos de incidentes depende muito das circunstâncias do caso

concreto. Também restou nítido como os operadores do sistema passam a ter uma

familiaridade com cada história que chega ao Centro porque o sistema de monitoramento

eletrônico permite adentrar intensamente na intimidade das pessoas em vigilância, de tal

modo que passam a conhecer o comportamento dos indivíduos e nesse sentido identificar a

medida a ser adotada para restabelecer a normalidade da monitoração. Assim, se um indivíduo

não tem o hábito de violar as regras, mas em determinada ocasião entra em uma área proibida,

os operadores dão alguns minutos de tolerância antes de tomar alguma atitude. Mas, para

fazerem isso eles levam em conta às condições do caso concreto, quais sejam: o

comportamento habitual do indivíduo, o nível de periculosidade do agente, a história que o

levou a estar sendo monitorado, como também o local onde o sujeito está naquele dado

instante, já que se estiver na casa da vítima, por exemplo, a ação é imediata no sentido de

acionar o Centro Integrado de Operações de Defesa Social (CIODS), o qual proporciona

atendimento prioritário para as ocorrências de violência doméstica e familiar contra a mulher

enviando viaturas da polícia militar para a localização apontada pelo CEMER.

Especificamente para as hipóteses de violência doméstica na cidade do Recife foi

notória a possibilidade de adoção de medidas por parte do CEMER objetivando prender o

agressor em casos graves de violação das regras estabelecidas judicialmente, ocasionando o

recolhimento do indivíduo em estabelecimentos prisionais. Ocorrendo a prisão, o juiz

competente é oficiado para decidir se revogará a medida com a decretação da prisão

preventiva ou se aplicará outra alternativa que julgar cabível. Diferentemente acontece na

cidade de Jaboatão dos Guararapes/PE, pois o Poder Judiciário dessa cidade orientou o

CEMER no sentido de não efetuar a prisão do agressor ainda que ele esteja na porta da vítima.

Nessas situações, o CEMER deverá apenas informar o incidente ao magistrado para ele

proferir a decisão acerca do caso.

Ressalte-se que quando o autor da violência doméstica de maneira dolosa ou não se

aproxima da vítima, os operadores do Centro envia mensagem de texto para o número do

celular fornecido pela mulher, como também procuram fazer contato telefônico com ela e em

sendo o caso acionam a polícia militar. Como já dito, toda ação vai depender das condições

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concretas, tendo o programa de monitoramento capacidade para fornecer as informações

necessárias para se avaliar o nível de gravidade do caso. Com efeito, o sistema de

monitoramento consegue precisar o local e a distância exata entre os envolvidos, a velocidade

deles e até mesmo a altura em que estão em relação ao solo.

Ficou evidente ainda que o CEMER possui uma boa interação não só com o Poder

Judiciário como também com a Secretaria Executiva da Mulher. Existem acesso e

comunicação fácil e rápido entre os operadores do Centro e os magistrados, e com as

funcionárias da Secretaria da Mulher. Para tornar o serviço eficiente, esses órgãos

encaminham a documentação necessária para o monitoramento por e-mail, dispensando o

envio de ofícios de forma física.

Quando o juiz na própria audiência, seja de custódia ou não, defere medidas

protetivas de urgência cumulada com a medida cautelar de monitoração eletrônica, os

servidores da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Capital entram em

contato com o CEMER por meio telefônico, informando a decretação da medida e o envio da

decisão para o respectivo e-mail. Em seguida, o profissional da empresa terceirizada vai até o

fórum e instala a tornozeleira no agressor. Dessa forma, o autor da violência doméstica já sai

das dependências do Poder Judiciário monitorado, evitando a condução ou a escolta do

mesmo para o CEMER. No dia seguinte, ele precisa comparecer a Central para os operadores

fazerem o cadastro no sistema SAC24. Em Jaboatão do Guararapes, o juiz dá um prazo de 24

horas após a audiência para que o agressor compareça ao Centro para a implantação do

dispositivo, ou seja, uma equipe do CEMER não se desloca até o fórum dessa cidade e o

sujeito não sai de lá monitorado.

Conforme pontuado no primeiro capítulo, Izabella Lacerda Pimenta (2015) enfatizou

a possibilidade de violações de direitos fundamentais decorrentes da ausência de diretrizes e

fluxos de funcionamento de âmbito nacional, visto que cada Estado adota as suas próprias

regras procedimentais. Entretanto, percebe-se a falta de uniformização da política de

monitoração eletrônica até mesmo dentro da mesma Unidade Federativa, como o que ocorre

entre Recife e Jaboatão dos Guararapes, por exemplo.

Já quando o infrator se encontra preso, os próprios agentes penitenciários são quem

promovem a condução dele até a Central de Monitoração, pois nesses casos a concessão da

liberdade está condicionada a instalação da tornozeleira eletrônica.

A Secretaria Executiva da Mulher também fica ciente de toda essa movimentação,

visto que todos os ofícios expedidos pelo Poder Judiciário e pelo CEMER são encaminhados

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com cópias para ela em razão de caber a mesma o atendimento à mulher, conforme será

explanado em momento próprio.

No tocante a retirada da tornozeleira ao final do prazo da monitoração eletrônica

estabelecido pelo juiz, o CEMER tem adotado a seguinte sistemática: se o monitorando não

praticou qualquer incidente ao longo da monitoração, o dispositivo é retirado sem qualquer

determinação judicial nesse sentido e o magistrado é cientificado por meio de ofício. Por

outro lado, se o monitorando cometer qualquer violação, o CEMER pede autorização ao

magistrado para retirar o equipamento.

A pesquisadora pôde acompanhar alguns atendimentos feitos pelo CEMER aos

indivíduos que estavam presos e foram conduzidos até a Central para a instalação da

tornozeleira eletrônica. Na primeira visita, presenciou-se 03 (três) atendimentos, sendo 02

(dois) deles decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Na

segunda visita, foi possível observar o processo de implantação da medida em apenas um caso

relacionado a conflito doméstico.

Em todas as situações, o procedimento aconteceu da seguinte forma. Os agressores

foram levados a Central pelos agentes penitenciários. Como já escrito, quando a condução é

feita dessa maneira é porque os indivíduos se encontravam presos. Por isso, percebeu-se que

todos eles chegaram algemados. As algemas só eram retiradas no momento de se instalar a

tornozeleira e os agentes penitenciários só iam embora depois da fixação do dispositivo.

Antes da fixação do equipamento, um dos operadores do CEMER confere a documentação

apresentada pelos agentes penitenciários para só depois autorizarem o acoplamento do

equipamento. Após esses atos, o monitorando recebe as instruções a serem seguidas dali por

diante, assina o termo de uso e responsabilidade, recebe um pequeno papel contendo o

significado de cada luz que aparece na tornozeleira e depois vai embora.

A Central de Monitoração Eletrônica só faz contato telefônico com o monitorando e

se ele violar alguma regra. Caso isso não ocorra, o contato só ocorre no momento de se retirar

o equipamento.

Assim, não se identificou qualquer atividade por parte do CEMER ou outro órgão

para promover a reintegração do monitorando. Existe apenas a explicação dos deveres a

serem seguidos pelo indivíduo para usar o dispositivo, os quais destacam-se: permanecer em

áreas que transmitam o sinal para o satélite, recarregar diariamente a bateria da tornozeleira,

responder aos contatos da Central de Monitoramento, abster-se de remover, violar e danificar

o dispositivo, não frequentar bares, casas noturnas e estabelecimentos semelhantes, etc.

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Nos casos de violência doméstica e familiar restou evidente uma sensibilização por

parte dos agentes penitenciários e dos demais operadores do CEMER com relação à situação

de vida desses homens em monitoramento, pois durante o atendimento é comum eles

relatarem o que os levou àquela condição (de terem ficados presos e agora vigiados

eletronicamente), principalmente quando há o cumprimento de vários meses de prisão. Em

outras palavras, como se não fosse suficiente o tempo vivido pelo sujeito na prisão, ele ainda

teria que fazer uso de um equipamento altamente potente em causar discriminação e

preconceito pela sociedade.

Assim, de acordo com os próprios acusados, depois de passar entre três a cinco

meses presos, agora teriam que ser vigiados através de um equipamento, alegando muitas

vezes sequer ter encostado na vítima.

Frise-se que essa solidariedade dos funcionários do CEMER para com os autores da

violência intrafamiliar advém do fato daqueles não enxergarem estes como criminosos e

também por já terem presenciado várias situações da mulher querer punir o homem ao

provocar violações das normas do monitoramento eletrônico de modo a atribuir a

responsabilidade ao monitorando.

3.4.2 A opinião dos operadores do CEMER sobre a monitoração eletrônica para os casos de

violência doméstica e familiar contra a mulher

A pesquisadora não poderia deixar de dar enfoque a essa visão das pessoas que

trabalham no Centro de Monitoramento Eletrônico de Reeducandos acerca da aplicação dessa

medida cautelar para os casos de violência doméstica.

Diferentemente dos relatos das experiências de outras Unidades da Federação, em

Recife, verificou-se uma preocupação e um empenho por parte dos operadores do CEMER

para monitorar corretamente as partes envolvidas em um conflito de natureza doméstica

mesmo sendo corriqueiro os constantes alarmes de violações de áreas. A pesquisadora não

presenciou aquele discurso de dizer: “Ahh... quando é Maria da Penha a gente não dá tanta

importância, já que as violações acontecem direto!”

Entretanto, no dia a dia das atividades desse departamento ficou latente a inversão de

papéis entre vítimas e agressores nos discursos de diversos operadores, pois atribuem a

mulher a culpa pelas falhas na monitoração, como também por querer provocar

propositadamente uma punição mais rígida ao sujeito sob monitoração.

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Os casos que efetivamente demandam um cuidado maior, onde a vítima precisa de

uma proteção intensa são, segundo sugestão dos funcionários, casos excepcionais. Não é que

os operadores afirmem isso expressamente. Trata-se da percepção da pesquisadora, pois

durante os diálogos não foi relatado um caso sequer em que a vítima foi salva de uma

violência em razão do monitoramento. Por outro lado, casos de violações ensejados pelas

mulheres e artifícios utilizados por elas para gerar a prisão do agressor foi pauta constante das

conversas. Dentre tantos narrados, uma situação tratava de um homem que estava sob

monitoração e trabalhava fazendo o marketing do clube de futebol do Santa Cruz. Durante um

dos jogos, a mulher vítima adquiriu bilhetes de todas as alas do estádio objetivando se

aproximar do monitorando e consequentemente acarretar a prisão do mesmo, pois ela sabia

que ele estaria lá e o tempo de duração do jogo de futebol seria o suficiente para ensejar a

ação policial. Já em outro caso, a vítima ficou esperando o monitorando em frente a Central

porque ele se aproximaria dela e na concepção desta o agressor seria imediatamente preso.

Conforme já mencionado, através da Unidade Portátil de Rastreamento os operadores

da Central de Monitoração conseguem observar a movimentação da mulher. Por isso, não raro

eles percebem imediatamente quando a vítima deixa de carregar o equipamento,

especialmente quando ela afirma trabalhar fora, mas a UPR não sai de dentro da residência

dela29

. Normalmente isso acontece quando a mulher já tem restabelecido o relacionamento

com o agressor.

Os técnicos do CEMER também sentem dificuldades para conseguir contato com a

vítima em caso de incidente causado pelo autor da violência. Segundo os mesmos, esse

problema ocorre pelo fato das mulheres não fornecerem um telefone pessoal que permita falar

com ela imediatamente.

Outra violação comum cometida pela vítima é deixar o equipamento descarregar.

Quando isso passa a ser uma constante, os operadores deixam de acreditar na necessidade da

monitoração eletrônica, tendo em vista que a pessoa que mais deveria zelar pelo

funcionamento do dispositivo, na verdade é a primeira a violar as regras do sistema. Por essa

razão, o CEMER passou a registrar os incidentes cometidos pela vítima e informar para o

respectivo juiz.

No pensamento dos técnicos do CEMER, a eficácia do monitoramento eletrônico

depende da real adesão da mulher ao programa. Ela precisa considerar a medida importante

para preservar a vida dela e consequentemente seguir corretamente as instruções de uso da

29 O SAC24 permite os operadores do CEMER visualizar a hora exata da última vez que a Unidade Portátil de Rastreamento foi transportada.

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UPR, caso contrário o monitoramento se torna inviável. Frise-se que essa ideia destoa com os

argumentos da consultora Izabella Pimenta (2015), a qual conforme discorrido no capítulo

anterior prega que a vítima não pode ser obrigada a fazer uso do dispositivo sob pena de gerar

contra ela mais uma agressão, devendo-se em caso de recusa ou mau uso do equipamento por

parte da mulher, proceder-se ao monitoramento apenas do homem, vigiando-o através das

áreas de exclusão.

Também foram citadas várias situações, as quais a monitoração eletrônica se

mostrava inadequada. Alguns agressores não conseguem compreender corretamente o

significado das quatro cores de luzes (verde, azul, roxo e vermelho) que podem aparecer na

tornozeleira, causando nessa linha uma série de incidentes desprovidos de culpa. Em outros

casos acontece da própria profissão obstaculizar o uso do equipamento. Como exemplo foi

narrado o caso de um mergulhador, o qual adentrava no mar diariamente a uma profundidade

de mais de dois metros, causando a quebra do dispositivo. Foi visto no capítulo anterior que o

monitoramento eletrônico deve servir como ferramenta de inclusão social, de reintegração, de

modo a não obstruir a rotina cotidiana do monitorando. Contudo, para esse caso específico, a

única maneira disso não acontecer seria com a revogação da medida. O juiz responsável pelo

processo foi cientificado da situação, mas mesmo assim manteve o monitoramento.

Infelizmente, não existe uma equipe psicossocial em Recife para avaliar questões

desse gênero e elaborar relatórios para serem encaminhados aos respectivos juízes no sentido

de cientificá-los a respeito da impossibilidade da permanência da medida cautelar por causar

danos de ordem material e psicológica.

Dessa forma, não existe em Recife um órgão montado por profissionais das mais

diversas áreas com qualificação para acolher, acompanhar e prestar auxílio nos planos

jurídicos e sociais. Também não há grupos de apoio nesse sentido. A ausência de equipes

multidisciplinares impede que o juiz avalie com eficiência a possibilidade de revogar a

medida antes de findado o prazo determinado na decisão que decretou a monitoração

eletrônica, já que o magistrado não recebe informações do indivíduo relativas ao período em

que ele esteve monitorado. Ou seja, o juiz não sabe dizer se o sujeito se adaptou bem as regras

do sistema, se o monitoramento causou grandes transtornos no âmbito profissional, se a

medida cautelar gerou senso de responsabilização, se ele possui condições psicológicas para

suportar os efeitos negativos da medida relacionados ao preconceito e a discriminação, se a

rotina foi preservada, etc. Não havendo violações do sistema, presume-se que tudo transcorre

normalmente.

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Portanto, durante os diálogos com os funcionários do CEMER, percebeu-se um

sentimento de solidariedade deles para com a situação do cidadão em monitoramento,

especialmente para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, pois acreditam

que o autor do fato termina sendo rotulado severamente como se tivesse cometido um crime

considerado de grande gravidade, conforme se vislumbra na fala abaixo:

Funcionário 1: O problema que ocorre perante a sociedade é o rótulo de quem usa a

tornozeleira é bandido, que é uma realidade para a grande maioria de que utiliza,

porém com a criação da lei Maria da penha também utiliza o monitoramento o

agressor e assim acaba recebendo um rótulo de bandido sendo que nunca matou,

roubou e etc. São vítimas de preconceito sim porque não é fácil arrumar emprego,

quando chegam e olham a tornozeleira não contratam.

Por outro lado, ficou perceptível a estigmatização sofrida pelos indivíduos em

monitoramento advinda dos próprios operadores do Centro ao explicarem a pesquisadora que

se ocorrer um assalto a uma agência bancária, por exemplo, é possível verificar se havia

algum monitorando nas proximidades do local para considerar a possibilidade dele ter sido o

autor do crime.

A discriminação institucional praticada pelos agentes do Estado foi perceptível,

demonstrando a falta de preparo para acompanhar respeitosamente os indivíduos que estão

passando pelo processo de monitoramento.

3.5 A Secretaria da Mulher de Pernambuco

Conforme mencionado logo no início do presente capítulo, o foco da pesquisa de

campo da presente dissertação se desenvolveu na Secretaria da Mulher de Pernambuco,

situada na Rua Cais do Apolo, no Bairro do Recife, Recife/PE. Entretanto, ao longo do

levantamento bibliográfico, acreditava-se que esse estudo ocorreria no Centro de

Monitoramento Eletrônico de Reeducandos (CEMER), já que este é o órgão responsável pela

gestão da monitoração eletrônica. Mas, ao chegar no CEMER, verificou-se que a entrega das

Unidades Portáteis de Rastreamento às mulheres vítimas de violência doméstica e familiar se

dava na Secretaria da Mulher.

Como o objetivo dessa investigação se pautou em analisar a contribuição do

monitoramento eletrônico para os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher na

cidade do Recife a partir da concepção da vítima, nada mais adequado do que mudar o local

do campo para a Secretaria da Mulher.

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O ato de entregar a Unidade Portátil de Rastreamento em um local distinto de onde

se atende os agressores para a instalação da tornozeleira é visto como algo positivo por

propiciar a mulher vítima de violência um lugar em que a mesma possa se sentir mais

acolhida e segura, sem o temor de topar com o agressor.

A primeira visita a esse órgão aconteceu em 12 de setembro de 2016. Ele se encontra

instalado em três andares (3º, 4º e 5º andar) de um edifício empresarial e dentre as diversas

atribuições que possui, está à obrigação de realizar o atendimento àquelas mulheres

beneficiadas pela política da monitoração eletrônica.

A princípio a pesquisadora buscou entrar em contato com a Ouvidoria da Secretaria

da Mulher para saber como podia passar a frequentar aquele local. A surpresa foi grande em

virtude da imensa presteza e disponibilidade para atender a todas as demandas da

pesquisadora. Curioso é que a Ouvidoria desse órgão não se limita a receber chamadas de

denúncias, elogios, sugestões e críticas, como se costuma observar em outras repartições

públicas. O papel dela vai muito além, pois é quem compila e disponibiliza todos os dados

estatísticos relacionados à violência de gênero com fundamento na Lei da Transparência.

Assim, após apresentar os pleitos para desenvolver a pesquisa, logo na primeira

visita a pesquisadora foi encaminhada para a Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência

de Gênero, departamento inserido na Secretaria da Mulher e responsável por estabelecer

contato com as vítimas com o intuito de proceder com a entrega dos aparelhos eletrônicos.

Além dessa tarefa, cabe ainda a essa Diretoria fazer o acompanhamento das mulheres

contempladas pela referida medida cautelar, encaminhá-las para atendimento no Centro

Especializado de Atendimento à Mulher mais próximo da residência delas, enviar as fichas

cadastrais das mesmas ao CEMER e transmitir os termos assinados pelas vítimas relativos à

entrega, devolução ou recusa dos aparelhos ao CEMER e as respectivas Varas de Violência

Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Ressalte-se que a Secretaria da Mulher recebe as mulheres de todas as Varas de

Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Estado de Pernambuco, encaminhadas

para pegar a Unidade Portátil de Rastreamento. No entanto, logo nos primeiros dias

frequentando esse órgão, a pesquisadora constatou que a monitoração eletrônica só vem sendo

aplicada cotidianamente pelas varas das comarcas de Recife, Jaboatão dos Guararapes,

Camaragibe, Olinda, Igarassú e São Lourenço da Mata. A pesquisadora não encontrou

registros de monitoração eletrônica por violência doméstica nas cidades da Zona da Mata,

Agreste e Sertão.

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A Diretoria Geral de Enfrentamento da Violência de Gênero se situa no 4º andar do

prédio onde se encontra instalada a Secretaria da Mulher. Esse departamento é composto por

uma diretora e quatro técnicas do Programa Justiça para as Mulheres: punição para os

agressores30

, sendo aquela ocupante de um cargo comissionado e estas contratadas mediante

uma seleção simplificada. Depois de apresentada a elas, estabeleceram-se os dias para que a

pesquisadora se inserisse naquele ambiente de trabalho visando explorar a política. Os dias

foram acordados nos moldes do agendamento feito para as mulheres comparecerem à

Secretaria, permitindo assim o contato com as mesmas. Dessa maneira, não era todo dia que

se fazia entrega de equipamento. Tudo dependia da demanda e por isso as técnicas foram

extremamente gentis ao ligarem para a pesquisadora com antecedência para dizer quando

aconteceriam os atendimentos. Não se presenciou mais do que quatro entregas e/ou

devoluções de dispositivos por dia. Além disso, é muito comum as mulheres não

compareceram no dia marcado, seja para pegar ou devolver o equipamento.

Quando as mulheres não compareciam, a pesquisadora aproveitava para investigar

melhor o cotidiano da Secretaria, além de explorar o arquivo contendo as especificidades de

cada caso relacionado ao monitoramento eletrônico.

Nos meses seguintes foram extraídas diversas informações relacionadas ao

funcionamento do monitoramento eletrônico dentro da Diretoria, bem como dados

relacionados às vítimas que lá frequentavam, tais como escolaridade, estado civil, renda

mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião, orientação sexual, profissão/ocupação,

vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência sofrida, tipificação, tempo do

relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade, etc.

Somado a isso, foi possível conversar com algumas mulheres no momento da devolução do

dispositivo eletrônico, o que permitiu entender melhor o impacto da monitoração eletrônica

diante da violência sofrida por elas. Todo esse conteúdo será abordado de forma específica em

um tópico próprio. Por ora, vale retornar aos aspectos gerais do monitoramento eletrônico sob

o viés da Secretaria da Mulher.

O trâmite da monitoração eletrônica no interior da Diretoria (Sec. da Mulher) se dá

da seguinte maneira: as técnicas desse departamento recebem por e-mail ofício da Vara de

30 O Programa Justiça para as Mulheres e Punição para os Agressores é um conjunto de ações articuladas entre diferentes

poderes e instituições para fortalecer e ampliar as medidas adotadas pelo Estado no enfrentamento da violência de gênero.

Trata-se de ações integradas entre os Organismos Municipais de Políticas para as Mulheres, o conjunto das Secretarias

Estaduais, e os sistemas de Segurança Pública e Justiça, pactuadas no âmbito da Câmara Técnica para o Enfrentamento da

Violência de Gênero contra as Mulheres do Pacto pela Vida. Reúne estratégias inovadoras que concorrem para a efetivação

da aplicabilidade da Lei Maria da Penha: (i) Patrulha Maria da Penha; (ii) 190 Mulher; e (iii) Monitoramento Eletrônico de

Agressores. As ações são desenvolvidas em parceria com a Secretaria de Defesa Social e com a Secretaria de Justiça e Direitos Humanos.

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Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher e cópia da decisão judicial que concedeu o

monitoramento eletrônico. Em seguida, a vítima é contatada por telefone para comparecer à

Secretaria da Mulher no dia e horário marcado.

Quando a vítima chega à Secretaria da Mulher, é encaminhada para a citada diretoria,

onde são colhidos todos os dados pessoais, bem como os endereços (residência, trabalho,

escola, etc), os quais serão cadastrados no SAC24 e servirão como área de exclusão fixa para

o agressor. Após ser instruída acerca de como funciona as regras do monitoramento

eletrônico, ela assina um termo de uso caso decida por aderir ao programa e em seguida

recebe o equipamento eletrônico. Esse termo de uso compromete a mulher não só a cumprir

as regras do sistema como também a zelar e devolver a UPR em perfeito estado de

funcionamento.

Entretanto, é comum as vítimas não desejarem portar a UPR. Nesses casos, a mulher

assina um termo de recusa, não sendo elas obrigadas a fazerem parte do monitoramento

eletrônico. Como já pontuado, obrigar a mulher a integrar a política seria o mesmo que

praticar contra ela mais uma violência, reprimindo a autonomia e o empoderamento defendido

pela Lei Maria da Penha. Independentemente de qual termo a mulher assine (termo de uso ou

recusa), todos eles são encaminhados pela Secretaria da Mulher ao CEMER e a respectiva

Vara de Violência Doméstica.

Geralmente quando a mulher recusa participar dessa política de enfrentamento, o juiz

revoga a medida cautelar por entender que se a mulher não quer portar o dispositivo é porque

a sua integridade física e psicológica não corre perigo, o que pode não ser verdade em

determinados casos concretos.

Findando o atendimento, as técnicas encaminham para o CEMER um ofício

contendo os endereços fixos informados pela mulher para que aquele faça a inclusão no

sistema informatizado de vigilância. Esses locais ficarão proibidos de serem frequentados

pelo agressor, o qual ficará obrigado a manter uma distância variável de 2 a 5 quilômetros. A

definição exata desse raio é determinada na decisão judicial.

Durante o processo de vigilância, as técnicas da Diretoria entram em contato com as

mulheres portadoras do dispositivo eletrônico para verificarem se a medida está transcorrendo

normalmente. Segundo as referidas técnicas, o ideal seria as mulheres comparecerem a

Secretaria da Mulher para serem questionadas a respeito. Contudo, muitas delas possuem

limitações financeiras para arcar até mesmo com a passagem de ônibus razão pela qual o

acompanhamento é feito por telefone.

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Quase sempre, as técnicas encaminham as vítimas para receberem acompanhamento

psicológico e social nos Centros de Referências de Atendimento à Mulher do município

residente, tendo em vista que a Secretaria da Mulher não dispõe de equipe multidisciplinar

composta por psicólogos, assistentes sociais e advogados. Mesmo sendo devidamente

encaminhadas, as técnicas relatam que dificilmente as mulheres buscam auxílio nesse sentido.

Com o término do prazo estabelecido judicialmente para a monitoração eletrônica, as

operadoras agendam com as mulheres o dia para se dirigir a Secretaria com o fito de devolver

a UPR. Nessa oportunidade, elas também assinam um termo de devolução do equipamento e

respondem a uma pesquisa de satisfação.

No que diz respeito a essa pesquisa de satisfação, acreditou a pesquisadora que seria

possível compreender verdadeiramente a percepção das vítimas em torno dessa estratégia de

enfrentamento. No entanto, ao analisar as pesquisas, verificou-se que nem sempre as respostas

inseridas no questionário correspondiam com a realidade do caso concreto. Assim, por

exemplo, constava nas respostas que durante o processo de monitoração não haviam ocorrido

violações por parte do agressor, mas ao observar os registros contidos nas respectivas pastas,

vislumbrou-se a presença de incidentes.

Além do mais, normalmente a pesquisa se limitava a assinalar um “x” nas opções

disponibilizadas, não se registrando uma opinião clara e precisa em torno da política enquanto

garantidora do cumprimento de medidas protetivas. Outro fator que deixa a pesquisa sem

credibilidade diz respeito ao fato de ser a própria técnica quem lia e inseria as respostas das

perguntas no questionário. Esse método de aplicação do questionário pode constranger a

mulher a responder de maneira falsa. Por esses motivos, a pesquisadora sentiu a necessidade

de conversar com essas mulheres para compreender realmente se a monitoração contribuiu ou

não na prevenção e combate da violência doméstica e familiar.

Um dado contido nessa pesquisa e que foi confirmado pelas técnicas da Secretaria da

Mulher durante os seus discursos está relacionado a algumas mulheres considerarem a

eficácia do monitoramento eletrônico regular e não ótima, atribuindo essa culpa ao CEMER,

por ter permitido o acusado se aproximar da vítima sem adotar providências nesse sentido.

Assim, elas atribuem a relativa ineficácia do monitoramento eletrônico aos operadores do

sistema e não ao próprio monitoramento em si. Entretanto, conforme discorrido no tópico

3.4.2 (opinião dos operadores do CEMER), os operadores do CEMER impõem as vítimas a

responsabilidade pela não eficiência da monitoração, principalmente por não seguir

corretamente as instruções recebidas da Secretaria da Mulher.

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Relativamente ao quantitativo das Unidades Portáteis de Rastreamento (UPR),

identificou-se que no ano de 2015 havia 50 (cinquenta) aparelhos disponibilizados para serem

utilizados como instrumento de reforço para o cumprimento de medidas protetivas de

urgência pelo agressor em todo o Estado de Pernambuco. Já no primeiro semestre do ano de

2016 esse número passou a ser de 100 (cem) unidades. No dia a dia do funcionamento da

Secretaria da Mulher, esporadicamente essa quantidade se apresentou insuficiente para

atender a demanda. Nessas hipóteses, a mulher ficou aguardando a devolução do equipamento

por outra vítima.

3.5.1 A opinião das técnicas da Secretaria da Mulher de Pernambuco a respeito da

monitoração eletrônica para os casos de violência doméstica e familiar

Analisando os discursos das técnicas da Diretoria Geral de Enfrentamento a

Violência de Gênero durante a permanência da pesquisadora nesse departamento, percebeu-se

que todas foram unânimes em afirmar que o monitoramento eletrônico é uma medida muito

eficaz de enfrentamento da violência doméstica porque ao saber que está sendo

constantemente vigiado o agressor procura se manter afastado da mulher por existir o risco

dele ser preso caso descumpra a medida.

O principal fundamento desse argumento está relacionado com o fato de não ter

havido feminicídios nos casos em que houve a vigilância eletrônica desde quando a política

foi implantada. De fato, a pesquisadora obteve a relação das mulheres vítimas desse crime

entre os anos de 2013 a 2016, e nenhuma delas estava na época beneficiada por essa estratégia

de enfrentamento.

Um obstáculo relatado por elas para a implantação do monitoramento eletrônico para

os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher diz respeito à dificuldade de se

colocar a tornozeleira no agressor quando o mesmo se encontra solto, pois é comum se

esquivar de receber a intimação judicial ou mesmo quando regularmente intimado deixar de

comparecer ao CEMER. Quando o imputado está preso ou quando a medida é decretada em

audiência não há incidentes, pois no primeiro caso ele é conduzido pelos agentes do sistema

penitenciário ao CEMER e no segundo os funcionários da empresa Spacecom se deslocam até

o fórum, permitindo que o indivíduo já saia dessas dependências monitorado.

Por outro lado, durante as explicações dadas a pesquisadora restou latente um

número razoável de recusas por parte das vítimas por acharem a medida desnecessária para os

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0%

9%

35%

26%

24%

6%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Até 1/4 Sal. Mínimo

Maior de 1/4 até 1/2 Sal. Mínimo

Maior que 1/2 até 1 Sal. Mínimo

Maior que 1 até 2 Sal. Mínimos

Maior que 2 Sal. Mínimos

Sem rendimentos

Renda mensal das vítimas

seus casos. De acordo com as técnicas, muitas das mulheres não querem o monitoramento por

ter restabelecido o relacionamento, por causa dos filhos ou por não acreditarem correr o risco

de terem sua integridade física infringida. De acordo com os dados fornecidos pela Ouvidoria

da Secretaria da Mulher, no ano de 2016, das 78 (setenta e oito) mulheres, 15 não quiseram

adquirir o equipamento na cidade do Recife;

Também é muito comum as mulheres pegarem o equipamento, mas não enfrentarem

com seriedade as regras do monitoramento, guardando-o dentro de casa e consequentemente

deixando de transportar a UPR para onde forem.

As técnicas argumentaram ainda realizar o atendimento às mulheres das mais

diversas classes sociais, não se restringindo o monitoramento eletrônico a vítimas mais

carentes. Entretanto, analisando as informações prestadas pelas mulheres em monitoramento

no momento do primeiro atendimento pela Secretaria da Mulher, constatou-se que no que diz

respeito ao recebimento de renda mensal, das 63 (sessenta e três) mulheres beneficiadas pelo

programa no ano de 2016 na cidade do Recife, 35% delas possui renda mensal maior que

meio e até um salário mínimo. Ou seja, apesar de existirem mulheres com diferentes classes

sociais amparadas pela monitoração eletrônica, o maior número delas se concentra naquelas

economicamente mais necessitadas. Esse parâmetro pode ser visualizado com mais clareza no

gráfico abaixo:

Gráfico 1 – Rendimento mensal das mulheres inseridas no programa de monitoração eletrônica

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

3.6 A Tornozeleira Eletrônica e a Unidade Portátil de Rastreamento

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A tornozeleira eletrônica utilizada pelo Estado de Pernambuco é fornecida pela

empresa terceirizada Spacecom. De acordo com as informações prestadas pela referida

companhia31

, trata-se de um equipamento a ser portado no tornozelo do indivíduo composto

por um único sistema com tecnologia 100% nacional e com características adequadas à

realidade brasileira.

Segundo a Spacecom, trata-se de um dispositivo capaz de transmitir e armazenar

com muita segurança as informações, além de ser de fácil manuseio, resistente e com

dimensões pequenas.

Foto 5 - Modelo de tornozeleira eletrônica (TZPR01) contratado pelo Estado de Pernambuco para ser

disponibilizado pela empresa terceirizada Spacecom.

Fonte: Spacecom

Os servidores da empresa recebem as informações de localização (GPS) por

intermédio da rede de telefonia celular (GPRS) e em seguida são disponibilizadas via

interface web. A partir de então, as Centrais de Monitoração passam a ter acesso a todos os

dados de monitoramento em tempo real de qualquer computador conectado a internet.

O referido aparelho apresenta ainda uma alta sensibilidade para identificar possíveis

fraudes cometidas pelo usuário por possuir diversos mecanismos capazes de inibir a conduta e

garantir a integridade do sistema. Dessa forma, o sistema de monitoramento eletrônico além

de transmitir as informações de posições e de diversos status, consegue também detectar

quando há ruptura da tira de fixação da tornozeleira, violação do invólucro e movimentação

sem sinal de GPS. Portanto, o aparelho identifica sinais mínimos de danificação e sua

integridade ou qualquer forma de manipulação imprópria32

.

No que diz respeito às especificações técnicas, a tornozeleira é construída com

material robusto e com condições para suportar altos impactos. A cinta de fixação possui

31 http://www.spacecom.com.br/?s=mon&ss=1p 32 Quando o indivíduo em monitoramento rompe a tornozeleira, o sistema SAC24 gera imediata e simultaneamente para as

telas dos computadores um alarme de violação, tanto para a unidade prisional quanto para a central de monitoramento

responsável. A central de monitoramento pode, adicionalmente, entrar em contato com o responsável pelo monitorando e

notificar a violação. Todas as informações do dele, inclusive sua última localização com coordenadas, ficam disponíveis on-line no sistema SAC24 e é possível fazer a busca pela última localização no mapa.

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107

fibras ópticas em seu interior, as quais quando rompidas emitem sinal de alerta para o

CEMER. No momento da instalação do equipamento no indivíduo, a cinta é ajustada de

acordo com o tamanho do tornozelo dele. Os funcionários são orientados a deixar uma folga

equivalente à espessura do dedo indicador.

Quanto às dimensões, o objeto possui em média 10 (dez) centímetros de altura, 07

(sete) centímetros de largura e uma espessura de 02 (dois) centímetros.

Inobstante ser o dispositivo desenvolvido com materiais hipoalergênicos, a

pesquisadora verificou que principalmente no início do uso do equipamento, é comum

surgirem pequenos ferimentos no local onde a tornozeleira é instalada. Tanto que, os

funcionários da terceirizada orientam o sujeito a usar uma meia por baixo para evitar o

contato direto com a pele.

Visando preservar a rotina do usuário, a tornozeleira foi desenvolvida à prova

d´agua, suportando uma profundida de 2 (dois) metros, segundo relatado por um dos

funcionários da Spacecom. Pesa menos de 200 (duzentos) gramas e aguenta temperaturas

climáticas extremas (-5º C até 55º C).

Dependendo das condições de uso, a bateria possui durabilidade mínima de 1.000

recargas. Sobre esse aspecto, os monitorandos são orientados a recarregarem o equipamento

diariamente durante duas a três horas. Ou seja, o sujeito em monitoramento é obrigado a ficar

conectado a energia por esse período de tempo, o que não deixa de ser uma limitação dos

direitos fundamentais dele. É uma liberdade vigiada, mas que em determinados momentos,

torna o usuário prisioneiro onde as grades é a energia elétrica.

A tornozeleira também dispõe de LEDs33

de sinalização, os quais indicam para o

usuário a falta de sinal de GPS, tendo ele que se deslocar imediatamente para um local onde

há essa sinalização, caso contrário será gerada uma violação. O equipamento também aponta

sinal luminoso quando o usuário tiver que entrar em contato com o supervisor e quando o

nível da bateria estiver baixo.

Além das sinalizações luminosas, a tornozeleira também emite vibrações e alertas

sonoros para indicar movimento sem GPS, nível de bateria baixo, descumprimento das regras

de áreas de inclusão e exclusão e necessidade de chamada de contato para o supervisor.

Esses sinais luminosos, vibratórios e sonoros funcionam simplificadamente da

seguinte forma: LED azul e verde, tudo funcionando corretamente; LED vermelho, significa

que o nível da bateria está baixo; LED roxo, indica a necessidade de entrar em contato com o

33 O LED é um componente eletrônico semicondutor, ou seja, um diodo emissor de luz (L.E.D = Light emitter diode), mesma tecnologia utilizada nos chips dos computadores, que tem a propriedade de transformar energia elétrica em luz.

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supervisor. Já um bip prolongado (facilmente distinguível dos demais bips) mais uma

vibração quer dizer que ocorreu violações de áreas de exclusão e/ou inclusão. Quando não há

sinal de GPS, houver requisição para contato com o supervisor ou a bateria estiver

descarregando, o dispositivo também emite três bips mais uma vibração a cada cinco minutos.

Por fim, registre-se que durante as visitas no CEMER foi verificado que a

tornozeleira eletrônica é compreendida pelos técnicos do CEMER como um instrumento

eficiente para indicar a distância, o horário e a localização do usuário, além de outras

informações úteis à fiscalização judicial do cumprimento da medida cautelar. Por outro lado,

vale ressaltar que a tornozeleira não consegue evitar uma fuga, contudo, conforme as

premissas de Bentham explanadas no capítulo anterior, é capaz de criar um poder sobre o

sujeito, deixando-o submisso as regras do sistema de monitoramento, seja por estar

constantemente em vigilância, seja pelo receio de retornar para as prisões físicas.

Na monitoração eletrônica de casos envolvendo violência doméstica, a Unidade

Portátil de Rastreamento é o dispositivo utilizado pelas mulheres vítimas, tendo como função

indicar para a Central de Monitoramento qualquer aproximação do agressor. Resolveu-se não

abordar a UPR em um tópico específico, tendo em vista que em termos de especificações

técnicas, a tornozeleira e a UPR possuem grandes semelhanças, diferenciando-se apenas no

modo de se transportar os equipamentos, pois enquanto a mulher possui a liberdade de se

locomover portando o referido objeto na mão ou na bolsa, o homem terá o seu dispositivo

fixado no tornozelo através de uma pulseira, não podendo retirá-lo em qualquer hipótese.

Foto 6 – Modelo da Unidade Portátil de Rastreamento utilizadas pelas mulheres no Estado de Pernambuco

Fonte: Spacecom.

As dimensões desse dispositivo são as mesmas da tornozeleira eletrônica,

diferenciando-se apenas na largura, a qual é de 06 (seis) centímetros, um centímetro a menos

por não ter a necessidade de um adaptador para afivelar a cinta que envolve o tornozelo.

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Frise-se que em ambos os aparelhos eletrônicos existem dois tipos de emissões de

sinais, quais sejam: os luminosos e vibratórios. Cada emissão de luz e vibração possui o

mesmo significado para os dois equipamentos, conforme explicado em linhas acima.

3.7 Dados relativos à aplicação do monitoramento eletrônico no contexto da violência

doméstica e familiar no ano de 2016 na cidade do Recife

De acordo com os registros levantados pela pesquisadora na Secretaria da Mulher do

Estado de Pernambuco, no ano de 2016, 162 (cento e sessenta e duas) mulheres da cidade do

Recife e Região Metropolitana compareceram ao referido órgão para participarem do

programa de monitoração eletrônica. Em razão de o estudo possuir como recorte a cidade do

Recife, verificou-se que desse total, 63 (sessenta e três) representa a quantidade de mulheres

que foram monitoradas juntamente com seus algozes nessa localidade. Portanto, a

investigação se pautou nesses 63 (sessenta e três) casos.

Conforme já explanado, a pesquisadora pretendia apenas utilizar o método da

observação para desenvolver a pesquisa de campo. Entretanto, quando da imersão na

Secretaria da Mulher, surgiu a oportunidade de examinar os arquivos relativos a

procedimentos de monitoração eletrônica já findados. Para cada mulher envolvida no

processo, as técnicas abrem uma pasta para anexar documentos relativos ao seu caso.

Manuseando essas pastas, a pesquisadora concluiu de imediato a necessidade de traçar o perfil

dessas vítimas monitoradas, pois em cada unidade continha uma anamnese indicando

escolaridade, estado civil, renda mensal, filhos com o agressor, raça/etnia, religião, orientação

sexual, profissão/ocupação, vínculo/parentesco com o agressor, tipo de violência sofrida,

tempo do relacionamento (nos casos em que mulher e acusado eram parceiros íntimos), idade,

etc. Além desses dados, em 36 pastas foram encontradas as decisões judiciais que decretaram

a monitoração eletrônica, cujo conteúdo também foi objeto de análise da pesquisadora e será

descrito no próximo tópico. Por ora, vale se concentrar na demonstração do perfil da vítima

monitorada eletronicamente.

Carolina Medeiros (2015, p. 89) especificamente quanto ao perfil da mulher vítima

de violência doméstica e familiar que procura o Poder Judiciário na cidade do Recife, inferiu

da sua pesquisa de campo realizada em uma Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher da Capital que a grande maioria das mulheres pertence a classes sociais mais baixas.

Como pôde ser verificado no gráfico 1 (tópico 3.5.1), essa realidade também se confirmou nos

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110

3% 3%

6% 6% 6%

3% 3%

6% 12%

21% 12%

3% 6%

12%

0% 5% 10% 15% 20% 25%

AgricultoraAtendente

Aux. AdministrativoCobradora de ônibus

ComercianteContabilista

Coord. De CursosCostureira

DiaristaDo lar

DomésticaOp. De Caixa

RecepcionistaVendedora

Ocupação das vítimas

casos monitorados eletronicamente. Inobstante a afirmação das técnicas da Secretaria da

Mulher no sentido de atenderem as vítimas de variadas classes sociais, o maior número delas

ainda se reporta a uma situação de carência econômica, significando um percentual de 41% se

somadas as que não auferem renda e aquelas percebendo até um salário mínimo. Além do

mais, mesmo aquelas que recebiam uma remuneração acima de dois salários mínimos, do

total de mulheres monitoradas em Recife no ano de 2016, nenhuma delas percebiam valores

de monta, tendo em vista não possuírem ocupação com grandes perspectivas de ascensão

profissional e econômica, como se vislumbra a seguir:

Gráfico 2 – Ocupação/profissão declarada pela vítima

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

Importante esclarecer que todas as profissões mencionadas pelas 63 (sessenta e três)

vítimas foram inseridas no gráfico 2, o qual demonstra que 45% das mulheres dedicam as

suas atividades a afazeres domésticos (do lar, diarista e doméstica), ratificando a informação

do baixo nível de rendimentos delas e consequentemente a ausência de independência

econômica.

Para não deixar dúvida quanto à reduzida independência financeira da mulher em

tempos modernos, foi traçada a situação das vítimas de violência doméstica no mercado de

trabalho, as quais passaram pelo processo de monitoração eletrônica cujo resultado revela que

32% delas se encontram desempregada e nenhuma delas representa a figura da mulher

empregadora dotada de autonomia. Ou seja, elas normalmente estão subordinadas

profissionalmente a outra pessoa, quase sempre, a um homem. Vale esclarecer que o fato de

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111

35% delas terem declarado ser autônoma não significa dizer que todas possuem plena

independência financeira, pois conforme mencionado, as profissões declaradas pelas vítimas -

costureira, diarista, vendedora, por exemplo - não são valorizadas em termos financeiros.

Assim, de acordo com o disposto nos capítulos anteriores, a ausência de independência e

autonomia em vários aspectos, dentre eles a econômica, é em muitos casos um obstáculo para

se libertar do ciclo de violência.

Gráfico 3 – Situação das vítimas no mercado de trabalho

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

Ressalte-se ainda que esses dados corrobora com a realidade observada pela

pesquisadora, pois durante as visitas à Secretaria da Mulher era extremante corriqueiro as

mulheres relatarem dificuldades financeiras até mesmo para pagar o transporte público para

irem ao mencionado órgão objetivando pegar ou devolver o GPS.

A profissão declarada pela vítima durante o atendimento na Secretaria da Mulher é

reflexo do reduzido grau de escolaridade das mesmas, pois 69% delas não possuem o ensino

médio completo. O maior número de mulheres participantes da política de enfrentamento do

monitoramento eletrônico pararam os estudos durante o ensino fundamental I (1º ao 5º)34,

representando um percentual de 24% do total.

34 As variáveis do gráfico 3 foram elaboradas com base na anamnese criada pela Secretaria da Mulher do Estado de

Pernambuco, a qual aparentemente utilizou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei n° 9.394/1996) para

identificar o grau de escolaridade das vítimas de violência doméstica inseridas no programa de monitoramento eletrônico. De

acordo com a referida lei a educação escolar é dividida em educação básica e educação superior. A educação básica é

formada por três estágios, quais sejam: a educação infantil, o ensino fundamental e ensino médio. O ensino fundamental

também pode ser repartido em dois ciclos, sendo um composto por cinco anos (1º ao 5º ano) e o outro pelos quatro últimos

anos (6º ao 9º ano). Depois de cursados esses nove anos, o aluno passa a cursar o ensino médio, o qual normalmente tem duração de três anos e é considerado o último estágio da educação básica (BRASIL, 1996).

21%

9%

0%

32%

0%

0%

35%

3%

0%

0%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40%

Assalariada c/ carteira

Assalariada s/ carteira

Trabalhao Eventual/Biscate

Desempregada

Empregadora

Aposentada

Autônoma

Pensionsita

Estagiária

Estatutária

Situação das vítimas no Mercado de Trabalho

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112

9%

21%

12%

3%

3%

21%

6%

24%

3%

0% 5% 10% 15% 20% 25%

Ensino Superior Completo

Ensino Fundamental 2 Incompleto

Ensino Fundamental 2 completo (6º ao 9º)

Não Alfabetizada

Ensino Profissional/Tecnológico

Ensino Médio Completo

Ensino Médio Incompleto

Ensino Fundamental 1 Incompleto

Ensino Fundamental 1 completo (1º ao 5º)

Escolariedade das vítimas

Gráfico 4 – Escolaridade das vítimas

Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco

Quanto ao estado civil das mulheres (Gráfico 5), mais da metade (56%) declararam

serem solteiras e 21% afirmaram ter uma relação conjugal concebida pelo casamento ou pela

união estável. Esses dados também demonstram concordância com as informações obtidas

pela pesquisadora Carolina Medeiros (2015, p. 94) na Vara de Violência Doméstica e

Familiar contra a Mulher na cidade do Recife, comprovando assim a veracidade do presente

estudo. Especificamente quanto ao estado civil das mulheres, a referida pesquisadora

verificou que 52,5% eram solteiras e 35,1% mantinha uma relação conjugal, seja pelo

casamento, seja pela união estável.

Gráfico 5 – Estado civil das vítimas

Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco

Buscando ainda entender a relação da vítima com o agressor (Gráfico 6), identificou-

se que durante o monitoramento eletrônico 41% das mulheres monitoradas estavam sendo

afastadas dos seus respectivos ex-companheiros, 35% dos seus ex-maridos e 6% dos ex-

namorados. Irmãos e cunhados representam nessa ordem o percentual de 6% e 3%. Não se

15%

56%

21%

6%

0%

3%

0%

0% 10% 20% 30% 40% 50% 60%

Casada

Solteira

Divorciada

União Estável

Separada de Fato

Viúva

Outro

Estado civil das vítimas

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113

vislumbrou monitoração eletrônica no ano de 2016 decorrentes de violência doméstica e

familiar praticadas por pais, tios, filhos, avôs, sogros ou agregados.

Gráfico 6 – Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor

Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco

Também se procurou analisar a faixa etária de maior incidência do monitoramento

eletrônico decorrente da violência doméstica e familiar contra a mulher (Gráfico 7). Os

números demonstraram que essa concentração se dá entre 30 e 35 anos de idade, totalizando

um índice de 26%.

Gráfico 7 – Faixa etária das vítimas que utilizaram a monitoração eletrônica

Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco

0%

6%

9%

15%

26%

12%

12%

15%

6%

0%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

< 18 Anos

entre 18 e 20 anos

entre 21 e 25 anos

entre 26 e 30 anos

entre 31 e 35 anos

entre 36 e 40 anos

entre 41 e 45 anos

entre 46 e 50 anos

entre 51 e 55 anos

acima de 55 anos

Idade das vítimas

3%

35%

3%

41%

0%

0%

3%

6%

0%

6%

0%

0%

0%

0%

3%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Conjuge

Ex-Conjuge

Companheiro/a

Ex-Companheiro/a

Filho/a

Concubinato

Namorado/a

Irmã/o

Agregado/a

Ex-namorado/a

Pai

Sogro/a

Avó/ô

Tio/a

Cunhado/a

Vínculo de parentesco das vítimas com o agressor

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114

Entretanto, não se pode menosprezar os indicadores relativos às demais faixas, pois

eles são expressivos e comprovam a existência da violência doméstica e familiar e a utilização

da monitoração eletrônica pelas mulheres vítimas nas mais variadas idades. Importante

enfatizar que as faixas menor que 18 anos e acima de 55 anos se apresentaram zerados,

contudo isso significa apenas que no ano de 2016 não foram encontradas mulheres com essas

idades fazendo uso da monitoração eletrônica, pois é bem sabido que a violência doméstica e

familiar atinge as mulheres de todas as faixas.

No tocante a orientação sexual das vítimas que fizeram uso do monitoramento

eletrônico no ano de 2016 na cidade do Recife, os dados mostram que todas elas eram

heterossexuais. Não se registraram no citado ano casos de monitoração eletrônica envolvendo

relações homoafetivas.

O gráfico 8 apresenta os percentuais relativos a raça/etnia das mulheres inseridas no

sistema de vigilância. O destaque foi para a cor parda, com 47 pontos percentuais do total de

vítimas monitoradas. As mulheres que se declararam brancas foram de 35%, negras 12% e

indígena 3%.

Gráfico 8 – Raça/Etnia das vítimas monitoradas eletronicamente

Fonte: Secretaria da Mulher do Estado de Pernambuco

Um dado que chamou a atenção da pesquisadora diz respeito à quantidade de

mulheres de religião evangélica monitoradas eletronicamente em razão de ter sofrido

violência doméstica e familiar. Curiosamente 41% das vítimas que passaram pelo processo de

vigilância eletrônica se declararam evangélicas. Esse percentual coincidiu com o número de

mulheres católicas (41%), conforme se visualiza no gráfico abaixo:

35%

12%

3%

47%

0%

3%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45% 50%

Branca

Preta

Indígena

Parda

Amarela

Outra

Raça e Etnia das vítimas

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115

Gráfico 9 – Religião das vítimas

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

A presença de mulheres evangélicas participantes da monitoração eletrônica é

interessante porque normalmente elas recebem influência religiosa e bíblica de manter o

casamento sob qualquer circunstância. No entanto, esse percentual tão significativo demonstra

que essas mulheres não estão aceitando silenciar diante da violência sofrida mesmo que isso

acarrete o fim do matrimônio.

Relativamente à existência de filhos das vítimas com os indivíduos monitorados,

verificou-se a presença deles em 62% dos casos. Desse percentual, 57% possuía um filho,

29% das relações tinham dois filhos e 14% três filhos (Gráfico 10). Segundo os relatos das

técnicas da Secretaria da Mulher, a presença de filhos na relação é quase sempre suscitada

pelas mulheres como justificativa para se recusarem a participar do programa de monitoração.

Gráfico 10 – Filhos da vítima com o agressor

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

Outro aspecto que não podia deixar de ser observado diz respeito ao tipo de violência

sofrida pelas mulheres que ensejou a aplicação do monitoramento eletrônico. No momento do

Não Possui Filhos 38%

Dois Filhos 18%

Três Filhos 9%

Um Filho 35%

Possui Filhos 62%

Filhos da vítima com o agressor

41%

41%

0%

6%

0%

0%

12%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35% 40% 45%

Católica

Evangélica

Ateia

Espírita

Matriz Africana

Agnóstica

Outra

Religião das vítimas

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levantamento desses dados, a pesquisadora constatou não se tratar de um único tipo penal

específico, mas sim de um conjunto de crimes praticados pelos agressores. Claro que em

termos processuais normalmente se vê a combinação de dois ou três tipos penais, porém a

análise da vítima tem como marco aquilo que foi pronunciado por ela na Secretaria da

Mulher. Assim, na maioria das situações a mulher disse ter sofrido violência física, sexual,

patrimonial, moral e psicológica, representadas pelos crimes de lesão corporal, estupro, dano,

difamação, injúria, calúnia e ameaça. Mas, de forma excepcional, a pesquisadora também se

deparou com casos da vítima afirmar ter sofrido apenas ameaça ou lesão corporal. Essa fala

das mulheres vale ser destacada porque quando a monitoração eletrônica era decretada em

sede de audiência de custódia, algumas das mulheres ainda chegavam a Secretaria da Mulher

com os ânimos aflorados e falavam sofrer vários tipos de agressões. Entretanto, a

pesquisadora percebeu que esse discurso não era o mesmo no momento de devolver o GPS.

Algumas delas demonstraram estarem cansadas por terem que transportar o referido objeto e

felizes por se livrar dele.

Segue abaixo o gráfico 11 demonstrando os delitos de maior incidência para

aplicação da monitoração eletrônica a partir do relato das mulheres na Secretaria da Mulher:

Gráfico 11- Tipo Penal para aplicação da monitoração eletrônica

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

O tempo que leva da primeira agressão até a formalização da denúncia perante a

delegacia de polícia está representada pelo gráfico abaixo. Da análise dos números, constata-

se que em 26% dos casos a mulher leva de um a dois anos para registrar a denúncia contra o

agressor. No entanto, com menos de cinco anos mais da metade formalizam a agressão

perante a delegacia de polícia.

28%

2%

7%

17%

5%

15%

25%

1%

1%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

Ameaça

Calúnia

Dano

Difamação

Estupro

Injúria

Lesão Corporal

Pertubação da Tranquilidade

Vias de fato

Tipo Penal

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Gráfico 12 – Tempo da primeira agressão até a formalização da denúncia

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

Também se levantou as informações relativas ao tempo de relacionamento da vítima

com o agressor até o momento da aplicação da tornozeleira eletrônica (Gráfico 13),

evidenciando-se que em 32% dos casos a monitoração eletrônica é aplicada quando a

convivência se encontra entre 5 e 10 anos, conforme apresentado abaixo:

Gráfico 13 – Tempo de convivência das vítimas com os agressores

Fonte: Secretaria da Mulher de Pernambuco

3.8 Breves comentários sobre as decisões de decretação e revogação do monitoramento

eletrônico prolatadas em 2016 pelo juízo das Varas de Violência Doméstica e Familiar contra

a Mulher do Recife

Nesse tópico serão tecidos alguns aspectos identificados durante o exame das

decisões judiciais que decretaram o monitoramento eletrônico para os casos de violência

15%

26%

15%

9%

21%

3%

12%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30%

Até 1 ano

Entre 1 e 2 anos

Entre 2 e 3 anos

Entre 3 e 4 anos

entre 5 e 10 anos

entre 10 e 20 anos

entre 20 e 30 anos

Há quanto tempo dura as agressões

9%

3%

12%

6%

32%

15%

24%

0% 5% 10% 15% 20% 25% 30% 35%

Até 1 ano

Entre 1 e 2 anos

Entre 2 e 3 anos

Entre 3 e 4 anos

entre 5 e 10 anos

entre 10 e 20 anos

entre 20 e 30 anos

Tempo de convivência das vítimas com o agressores

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doméstica e familiar praticado contra a mulher. Conforme já introduzido, foram analisadas 36

decisões proferidas pelos juízes das três Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a

Mulher da Capital e pelos magistrados da Central de Audiência de Custódia. Logo de início a

pesquisadora não tinha noção sobre o que exatamente iria avaliar. Contudo, nas primeiras

leituras restou claro que mereciam ser expostas as circunstâncias do caso para a imposição da

medida cautelar de monitoração eletrônica, os motivos utilizados pelos magistrados, o prazo

que perduraria a medida, as distâncias fixas e móveis a serem observadas pelo monitorado e

algumas outras questões pontuais.

Da 1ª Vara foram analisadas 10 (dez) decisões, enquanto da 2ª Vara se estudaram 8

(oito) decisões e por fim a 3ª Vara foram 3 (três). Já da Central das Audiências de Custódia,

encontraram-se 15 (quinze) decisões judiciais.

Além dessas 36 decisões judiciais, também foi possível extrair 14 (catorze) decisões

judiciais revogadoras do monitoramento eletrônico, cujos fundamentos também serão

apontados nas linhas a seguir.

No que diz respeito às circunstâncias em que se determinou a aplicação da

monitoração eletrônica, encontrou-se três momentos: a) quando é lavrado contra o autor da

violência o auto de prisão em flagrante delito, sendo ele conduzido para a audiência de

custódia; b) quando mesmo devidamente intimado das medidas protetivas de urgência o

agressor não as cumpre; e, c) quando o indivíduo se encontra preso preventivamente pela

prática de violência doméstica e o juiz pretende conceder a sua liberdade provisória.

Relativamente ao ponto “a”, quando o juiz presidente da audiência de custódia

recebe o flagrante, o primeiro aspecto avaliado por ele é a legalidade do ato formalizado pela

autoridade policial. Ultrapassada essa etapa e não havendo nenhum constrangimento ilegal, o

magistrado passa a analisar a possibilidade de concessão de liberdade provisória (com ou sem

fiança) ou a conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva nos termos do artigo 310,

incisos II e III e parágrafo único do Código de Processo Penal. Assim, ausentes os requisitos

para decretar a prisão preventiva, o juiz concede a liberdade provisória. Entretanto, sob o

argumento da necessidade de se garantir a integridade física e psicológica da vítima, o juiz

determina juntamente com a liberdade o monitoramento eletrônico como medida cautelar

diversa da prisão respaldado no artigo 319, inciso IX, do Código de Processo Penal.

Os magistrados procuram fazer uma busca no sistema JUDWIN para identificar

possíveis ações penais tramitando contra agressor, bem como verificam a ausência de uma

contumácia de monta capaz de ensejar a decretação da prisão preventiva, ou ainda frisam a

primariedade do indivíduo, a ausência de antecedentes criminais e até mesmo a indicação de

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ocupação lícita por parte do autor; mas, nada disso é suficiente para evitar a imposição da

monitoração eletrônica. Esses aspectos são fundamentos apenas para não converter a prisão

em flagrante em prisão preventiva, pois em nenhuma decisão se vislumbrou alguma

justificativa para não se decretar o monitoramento eletrônico ou aplicar qualquer outra medida

disposta no artigo 319 do Código de Processo Penal. Ou seja, para todos os casos de violência

doméstica e familiar praticado contra a mulher, ausentes os requisitos para a decretação da

prisão preventiva, concede-se a liberdade provisória sempre cumulada com a monitoração

eletrônica. Com efeito, percebe-se claramente essa medida cautelar sendo aplicada como

regra, enquanto na verdade deveria ser exceção, conforme prega os doutrinadores

mencionados no capítulo anterior. Além disso, a ordem do monitoramento eletrônico nessas

circunstâncias é extremamente perigosa, tendo em vista que - mesmo não encontrando em

nenhuma dessas decisões o fundamento legal contido no artigo 9º, inciso I, da Instrução

Normativa n° 15/2016 do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, o qual prevê a

possibilidade de se determinar a medida cautelar de monitoramento eletrônico em decorrência

de violação da Lei Federal n° 11.340/2006 quando a situação demonstrar risco iminente à

vida e à integridade física e psicológica da vítima - é possível o magistrado impor a medida

cautelar diante da ocorrência de um ato isolado não representativo da realidade das partes

envolvidas, visto que como explanado no segundo capítulo, o Direito Penal aplicado nesse

caso pelo juiz não foi criado para contemplar as histórias de vida ou as relações de afetividade

existentes entre o autor e a vítima da violência doméstica e familiar.

Adentrando na circunstância “b”, vale destacar o seguinte dado: os processos de

violência doméstica e familiar podem se prolongar durante muitos anos e o motivo não é

apenas decorrente do abarrotamento judicial, mas sim porque a relação violenta pode persistir

durante muito tempo, o que demonstra mais uma vez a inaptidão do sistema criminal de

justiça para solucionar o conflito, já que mesmo diante da existência de um processo judicial,

novas violações não deixam de acontecer35

. Essa afirmação tem origem no fato da

pesquisadora ter encontrado decisões judiciais decretando o monitoramento eletrônico no ano

de 2016, contudo o processo se referia a 201336

. Enquanto as medidas protetivas urgência

estiverem vigentes, a vítima através da delegacia ou do seu advogado pode informar ao juiz o

não cumprimento delas por parte do agressor requerendo a decretação da prisão preventiva ou

a medida cautelar de monitoramento eletrônico. Essa é uma possibilidade legal prevista no 35 Ainda sobre esta questão, vale relembrar os ensinamentos de Welinton Caixeta Maciel (2014), o qual em sua dissertação de

mestrado em Antropologia questionou a judicialização de conflitos domésticos e familiar como meio de manutenção das

relações violentas. 36 Importante notar que o autor do fato pode viver por anos assombrado por um processo judicial em que figura na condição de réu.

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artigo 9º, inciso III, da Instrução Normativa n° 15/2016 e em termos percentuais representa

41,67% do total das decisões analisadas para se deferir a monitoração eletrônica. Portanto,

quando o juiz é informado dentro do processo judicial que deferiu medidas protetivas de

urgência que o agressor continua infringindo a lei e/ou a ordem judicial, a decisão é no

sentido de se impor a monitoração eletrônica mediante uso de tornozeleira.

Por fim, a terceira circunstância encontrada para se determinar a monitoração

eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar praticada contra a mulher acontece

quando o autor do fato se encontra preso preventivamente, seja em virtude de uma prisão em

flagrante ou por descumprimento de medidas protetivas de urgência ou ainda por não

atendimento de ordem judicial. Nessa situação, o juiz verifica a necessidade legal de colocar o

indivíduo em liberdade para a prisão não se tornar um constrangimento ilegal. Normalmente,

essa possibilidade ocorre quando o defensor/advogado do acusado atravessa uma petição nos

autos pedindo a liberdade provisória, fundamentando o pleito em excesso de prazo da prisão

ou na ausência de requisitos para se manter a custódia preventiva. Essa hipótese foi a que se

apresentou em menor número, com apenas 16,6% do total das decisões analisadas.

A hipótese de se aplicar o monitoramento eletrônico a um indivíduo que se

encontrava preso preventivamente transmite a ideia de continuidade da punição. Ora, muitos

agressores passam vários meses encarcerados porque sequer possuem condições financeiras

para contratar um advogado particular e mesmo depois de ter vivenciado as mazelas do

cárcere, em “liberdade” terá que fazer uso de uma tornozeleira eletrônica. Como se não

bastasse ter que enfrentar a discriminação e o preconceito de ser um ex presidiário, agora terá

que suportar também as consequências advindas do equipamento eletrônico.

Em análise do prazo da medida cautelar, a Instrução Normativa n° 15/2016, reza em

seu artigo 24 que o prazo máximo de uso do equipamento de monitoração eletrônica será de

120 (cento e vinte) dias, podendo ser renovado quantas vezes forem necessárias, aferindo-se a

necessidade e a adequação. Do total das decisões analisadas, na grande maioria delas o juiz

estabeleceu que a vigilância deveria durar o tempo mais elevado da medida, significando um

percentual de 52,8%. Contudo, ainda que de forma tímida foram encontradas decisões com

prazo de 60 e 90 dias. Ressalte-se também que em duas decisões o juiz estabeleceu o

monitoramento eletrônico por prazo indeterminado, o que afronta o procedimento previsto no

referido artigo da Instrução Normativa. Já em outras três decisões o prazo foi omitido,

deixando o magistrado de observar o disposto no artigo 17, inciso III, da IN n° 15/2016. Ora,

a ideia da citada Instrução Normativa é justamente regulamentar a monitoração eletrônica no

âmbito da Justiça Criminal do Estado de Pernambuco, normatizando o uso da tornozeleira de

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modo a padronizar os procedimentos e consequentemente evitar violações de direitos

fundamentais do indivíduo, no entanto, percebe-se que em alguns casos não se adotou o

disciplinamento, não sabendo dizer a pesquisadora se é mais grave esquecer de inserir o prazo

na decisão ou estabelece-lo por prazo indeterminado.

De acordo com o artigo 9º, § 1º, inciso III, “a”, da Instrução Normativa 15/2016, a

área de exclusão fixa poderá variar de 2 (dois) a 5 (cinco) quilômetros de raio a critério do

juiz. Nas decisões averiguadas a maior parte delas continha área fixa de 2 (dois) quilômetros,

sendo 5 (cinco) uma determinação excepcional. Em termos percentuais isso significa 66,67%

e 16,67%, do total de decisões analisadas. Esse talvez seja o ponto mais crítico no momento

de se formular a decisão, visto que o juiz precisa estabelecer a distância de modo a não deixar

o monitorado impossibilitado de se locomover na cidade. O cuidado deve ser maior quando se

estabelecem várias áreas fixas, tais como residência da vítima, local de trabalho e residência

de familiares, por exemplo. A depender da localização desses lugares, a área de trânsito do

indivíduo poderá ser potencialmente restringida, prejudicando a preservação da rotina do

mesmo e consequentemente a inclusão social. De acordo com os operadores do CEMER é

comum haver constantes violações de áreas por excesso de fixação da distância, como foi o

caso do cidadão que foi morar em Aldeia, Camaragibe/PE, com o intuito de evitar invasão de

área proibida, mas mesmo dentro de alguns cômodos da sua residência ocasionava incidentes.

Para comprovar o alto grau desse risco de imobilidade, a pesquisadora escolheu

aleatoriamente um caso do ano de 2016, inseriu os endereços das áreas de exclusão fixa no

google maps e traçou o raio de cinco quilômetros sobre cada ponto, conforme estava

determinado na decisão judicial. O resultado se verifica no print das telas logo abaixo:

Foto 7 – Mapeamento do raio da área de exclusão com base nos pontos fixos

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Constam na imagem acima quatro pontos marcados no mapa, os quais representam

os seguintes locais: residência da vítima, residência de familiares, trabalho da vítima e

residência do agressor. As partes em conflito residem no bairro do Alto Santa Terezinha,

Recife/PE. O local de trabalho da mulher se situa no bairro do Espinheiro da mesma cidade.

Na Rua Nossa Senhora de Fátima reside à mãe da vítima. A partir de cada um desses pontos,

o agressor precisa manter uma distância de um raio de 5 (cinco) quilômetros.

Foto 8 – Mapeamento dos pontos fixos a partir do local de trabalho da vítima

Fonte: Arquivo Pessoal

A pesquisadora traçou os raios das fotos 8 e 9 a partir do endereço da vítima e do

local de trabalho dela. De imediato, constata-se que o agressor ficará constantemente violando

a área de exclusão referente ao local de residência da vítima, visto que ele reside bem próximo

a ela. Percebendo isso, o juiz diminuiu a distância para o raio de 1 (um) quilômetro apenas

com relação a esse trecho entre os dois pontos. Em que pese essa decisão, verifica-se que o

indivíduo em monitoramento fica proibido de circular em todas as demais vias do bairro onde

reside, inviabilizando-o de se relacionar com a comunidade a qual ele rotineiramente convive.

Além do mais, observando o mapa encontram-se pelo menos seis bairros englobados pela área

de exclusão, tornando a monitoração eletrônica praticamente uma prisão domiciliar. De

acordo com essas rotas, é impossível o monitorando sair da sua residência sem transitar por

locais proibidos, acarretando violações do sistema.

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Foto 9 – Mapeamento do raio da área de exclusão a partir da residência da vítima

Fonte: Arquivo Pessoal

Dialogando essa realidade com a teoria disposta no primeiro capítulo da presente

dissertação, fica evidente a presença de características de uma arquitetura panóptica podendo

esse tipo de vigilância ensejar processos de estigmatização dos indivíduos a ela submetidos,

independentemente deles terem vivenciado a prisão entre muros, pois por meio desses

mecanismos de observação se busca confinar o sujeito e não contribuir com a ressocialização

e inclusão social.

Já no que diz respeito à área de exclusão móvel, o artigo 9º, § 1º, inciso III, “b”, da

Instrução Normativa 15/2016 determina uma distância com 500 (quinhentos) metros de raio,

devendo o juiz indicar exatamente essa extensão. Inobstante a regra observada na maioria

maciça das decisões, também foram encontradas algumas com área de exclusão móvel de 600

(seiscentos) metros e 1 (um) quilômetro de raio, acarretando também nesses casos limitação

extrema da liberdade do monitorando.

Das decisões estudadas em nenhuma delas se encontrou fundamentos relacionados

aos supostos benefícios da tornozeleira eletrônica para justificar a sua aplicação, como por

exemplo, a necessidade de se garantir direitos fundamentais do acusado e gerar a inclusão

social dele. O foco dessas decisões é o controle e a proteção da vítima, os quais são

alcançados mediante a restrição de direitos do agressor.

Depois de analisar os aspectos das decisões que decretaram a monitoração eletrônica

mediante o uso de tornozeleira, a pesquisadora também procurou dar enfoque às razões

atribuídas pelos magistrados para revogarem a medida. As causas foram bem diversificadas,

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dentre elas se encontrou a prescrição do delito, decorrido prazo da medida, excesso de prazo

da medida, acordo entre vítima e agressor em audiência, por não mais persistirem os

pressupostos da medida cautelar, comparecimento da vítima na Vara requerendo a revogação

da medida, requerimento formulado pelo advogado do monitorando pedindo a revogação da

medida com fundamento no compromisso assumido de observar as medidas protetivas de

urgência, arrependimento da vítima em ter registrado o boletim de ocorrência. Salvo na

fundamentação de prescrição do delito, em todas as demais decisões de revogação do

monitoramento eletrônico, manteve-se as medidas protetivas de urgência. Em alguns casos,

verificou-se a opinião da vítima acerca da revogação da medida, mas não foi a regra.

Dentre esses fundamentos o que mais se destacou foi o excesso de prazo da medida.

O juiz estabelecia prazo de 120 (cento e vinte dias), mas foi comum encontrar indivíduos

monitorados há seis meses. A pesquisadora esperava encontrar um número maior de

revogações decorrentes do requerimento da vítima, já que muitas delas rejeitam participar do

sistema de monitoração eletrônica, conforme pontuado anteriormente. Contudo, não foi o

caso. A maior parte delas se mantiveram firmes no programa de vigilância até a revogação

ocorrer por razões diversas. Dessa forma, para compreender esse e outros aspectos, no

próximo ponto serão analisados os discursos pregados pelas mulheres quando do

comparecimento na Secretaria da Mulher para a devolução do equipamento.

3.9 O impacto da monitoração eletrônica nos casos de violência doméstica e familiar contra a

mulher a partir da percepção das vítimas

Durante o período que a pesquisadora frequentou a Secretaria da Mulher do Estado

de Pernambuco, percebeu-se que o fluxo de mulheres naquele ambiente não era diário. Ou

seja, não era todos os dias que chegavam mulheres para receber ou devolver o GPS. Por

vezes, esses atendimentos aconteciam entre duas a três vezes por semana. E por dia, a

pesquisadora presenciou o número máximo de quatro mulheres. Nas demais horas do dia, as

técnicas se ocupavam em acompanhar a monitoração eletrônica, organizar os dados e arquivar

as informações de cada caso específico.

Para receber as vítimas no citado órgão, as técnicas agendavam por telefone o dia e a

hora do comparecimento e isso facilitava muito a observação da pesquisadora, pois permitia a

esta estar no ambiente no tempo marcado. Por isso, foi possível interagir com algumas delas,

conversando de maneira informal, principalmente aquelas que estavam devolvendo o

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equipamento, pois era possível extrair delas a experiência da monitoração eletrônica. Primeiro

a pesquisadora observava todo o atendimento, deixando as técnicas desenvolverem o trabalho

delas e só ao final perguntava algo sobre o período em monitoramento quando encontrava

espaço para isso.

Apesar de ter conseguido captar todo o funcionamento da diretoria responsável pelo

programa do monitoramento eletrônico, bem como ter obtido contato com algumas das

mulheres inseridas nessa política, a pesquisadora sentiu a necessidade de contatar mais

algumas delas para tentar traçar as opiniões mais frequentes das mulheres em torno da

monitoração eletrônica. Esse acesso a um número maior de mulheres se tornou para a

pesquisadora fundamental porque não era em todos os atendimentos que existia espaço para

conversar com elas. Além do mais, como as mulheres e a pesquisadora sempre estavam na

presença das técnicas isso por vezes inibia de alguma forma tanto as perguntas quanto às

respostas.

Portanto, na medida que o prazo da pesquisa de campo estava chegando ao fim sem

que a pesquisadora estivesse satisfeita com as informações adquiridas no referido

departamento, a pesquisadora resolveu telefonar para algumas delas na tentativa de marcar um

encontro para conversar sobre a experiência delas. Entretanto, dois obstáculos tornaram essa

possibilidade inviável. A primeira dificuldade foi à falta de disponibilidade dessas mulheres.

Em alguns casos se percebeu que se tratava de uma desculpa para evitar o encontro. Já a

segunda dificuldade foi o acesso da pesquisadora a alguns bairros da periferia do Recife. O

receio de chegar a certos locais considerados perigosos desestimulou a seguir com o plano de

conversar pessoalmente com outras vítimas. Em razão desses fatores, procurou-se fazer esse

diálogo através de ligações telefônicas. Surpreendentemente as mulheres se mostraram bem

dispostas a responderem as perguntas formuladas, permitindo assim extrair alguns conceitos

sobre a monitoração eletrônica com base nas percepções das delas.

A pesquisadora entrou em contato com 10 (dez) mulheres. Antes de telefonar,

elaboraram-se algumas perguntas para serem dirigidas durante a conversa. Mas, optou-se por

não determinar a ordem das indagações. A ideia era fazer os questionamentos de acordo com

a oportunidade, ou seja, na medida que o diálogo estava fluindo. Essa técnica teve por

finalidade deixar que as mulheres se sentissem mais a vontade para falar segundo a

conveniência delas, evitando perguntas e respostas mecânicas. Foram conversas sem

formalidades a ponto de chegar a se falar sobre outros assuntos para só depois dialogar sobre

o monitoramento eletrônico propriamente dito, pois isso permitiu quebrar um pouco o receio

de falar com uma pessoa desconhecida. A pesquisadora se identificou como uma estudante da

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temática e pediu a ajuda delas para discorrer a respeito. Importante destacar que nessa

pesquisa não foram inseridos qualquer tipo de informação capaz de identifica-las, até porque

o objetivo é compreender um pouco da experiência passada por elas relativamente ao

monitoramento eletrônico em face da violência doméstica e familiar enfrentada, sendo

irrelevante qualquer dado de identificação pessoal.

Depois de ouvir cada uma delas, não só após as ligações como também pessoalmente

na Secretaria da Mulher, de imediato a pesquisadora identificou a presença de quatro grupos

de mulheres em sede de monitoração eletrônica, quais sejam:

O primeiro grupo se caracteriza pela presença de mulheres plenamente satisfeitas

com o programa de monitoração eletrônica, pois essa estratégia de combate conseguiu pôr um

fim nos ciclos de violência. O segundo grupo se classifica pela boa avaliação feita pelas

mulheres a respeito do monitoramento eletrônico, mas que em seus discursos revelaram ainda

sofrer algum tipo de violência durante e/ou depois de cessada à vigilância. O terceiro grupo é

aquele cujas mulheres não acreditam na eficácia da política de enfrentamento ora estudada,

contudo demonstraram melhor qualidade de vida depois de ter passado pelo monitoramento

eletrônico. O quarto grupo nasceu da crença da ineficácia da monitoração eletrônica por esta

não ter proporcionado a saída dos ciclos de violência.

Adentrando nos argumentos utilizados pelas mulheres que afirmaram estar bastante

satisfeita com o programa de monitoração eletrônica (grupo1), elas alegaram que a medida

cautelar diversa da prisão foi decretada porque os respectivos agressores descumpriam

constantemente as medidas protetivas de urgência a ponto de a situação ficar insustentável. A

partir de então, as vítimas informavam ao magistrado a falta de obediência da ordem judicial e

este por sua vez decretava a monitoração eletrônica mediante o uso de tornozeleira eletrônica.

A pesquisadora identificou três formas dessas mulheres darem ciência do

descumprimento ao juiz: registrando outro boletim de ocorrência, indo pessoalmente à Vara

de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para conversar com o juiz ou

peticionando nos autos através de advogado devidamente constituído.

De posse da Unidade Portátil de Rastreamento e tendo conhecimento de que o

agressor se encontrava com a tornozeleira eletrônica devidamente instalada, as vítimas desse

grupo falaram se sentirem seguras com o monitoramento eletrônico, como também satisfeitas

com todo o funcionamento do sistema, especialmente por terem sido contatadas nas eventuais

violações, momentos em que receberam instruções sobre as providências a serem adotadas,

tais como fechar a casa, procurar um lugar seguro, etc.

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Em determinados casos, o homem chegou a ser preso por desobedecer às regras do

sistema mediante a ação rápida da polícia militar. Por isso, recomendam o monitoramento

eletrônico para outras mulheres, bem como passaria novamente pelo programa, já que desde o

início do monitoramento e mesmo após o seu término não houve mais intercorrências de

violência. Para exemplificar as mulheres que integram o grupo de defesa da monitoração

eletrônica pelo fato deste ter cessado a violência após o fim da medida, segue abaixo uma

parte da conversa ocorrida entre a pesquisadora e uma das vítimas:

C: A senhora se sentiu segura durante o tempo em que estava com o GPS?

Vítima 1: Com certeza! Porque aí ele não poderia chegar próximo de mim,

entendeu? E querendo ou não, deu para eu resolver bastante coisa porque era uma

situação bastante complicada. Eu já estava com a medida protetiva, aí quando ele

recebeu o papel para colocar a pulseira eu estava indo trabalhar que era na mesma

rua onde eu moro só que no final da avenida, ele esperou eu passar para dizer como

era que eu botava um negócio daquele nele porque aquilo ia prejudicar ele, que ele

podia perder o emprego. Aí depois que ele colocou, ele parou de me ameaçar.

C: Depois que o agressor tirou a tornozeleira, ele parou com as agressões?

Vítima 1: Parou, parou sim! Ele ficou mais calmo depois que eu abri mão do carro e

da loja. Durante os três meses da pulseira, ele teve que se mudar para a casa da irmã

dele. Não houve violação durante o período do monitoramento. Só que hoje ele

ainda quebra porque eu ainda tenho medida protetiva e a mãe dele mora na mesma

rua que eu. Mas, como ele não me incomoda e passa pouco tempo lá na casa da mãe

dele, eu deixo para lá.

C: A sua vida ficou melhor depois do monitoramento eletrônico?

Vítima 1: Com certeza, com certeza!

C: A senhora recomendaria o monitoramento?

Vítima 1: Com certeza, com certeza!

A ênfase no diálogo com a vítima 1 se justifica porque se tratou de um caso onde a

mulher estava sendo constantemente ameaçada de morte pelo fato dela ter colocado um fim

no casamento depois do marido ter lhe aplicado um golpe de mais de R$ 200.000,00

(duzentos mil reais) ao realizar um empréstimo em nome da vítima. Depois desse estopim,

vítima e agressor, mesmo separados, continuaram administrando um comércio, mas todas as

vezes que ela o impedia de levar todo o apurado do dia, terminava sendo ameaçada. Quando

não aguentou mais a situação, dirigiu-se à Delegacia da Mulher e registrou a ocorrência contra

o marido, o qual depois de descumprir diversas vezes a medida protetiva de urgência, teve

decretado contra si a cautelar de monitoração eletrônica mediante o uso de tornozeleira. O ex-

casal permaneceu monitorado até meados do mês de maio de 2016.

Desse pequeno trecho, é possível perceber que pelo menos até a data dessa entrevista

ocorrida em dezembro do ano de 2016, a monitoração eletrônica foi eficaz para combater a

violência sofrida pela vítima. Entretanto, para conseguir proteger a integridade física e

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psicológica dessa mulher, o agressor teve que alterar o seu endereço e deixar de frequentar a

casa da sua mãe durante o período do monitoramento.

Outro grupo de opiniões semelhantes (grupo 2) foi formado quando algumas

mulheres alegaram estar muito satisfeitas com a política de monitoração eletrônica, pois

durante o período de monitoramento ou deixaram de sofrer todo tipo de violência ou tiveram

uma melhora significativa da qualidade de vida. Por isso, aprovam o programa e recomendam

a participação de outras mulheres.

Presenciando uma devolução do GPS na Secretaria da Mulher de Pernambuco, a

mulher expôs para a técnica - a qual realizava a pesquisa de satisfação feita ao final do

programa - que a monitoração foi muito eficaz na vida dela porque apesar de ainda conviver

sob o mesmo teto do companheiro, não sofreu mais agressões físicas. Mencionando as

mesmas palavras da vítima, “as pisas pararam de acontecer”, restando apenas às injúrias do

tipo “fulano é macho seu” e ainda as palavras relacionadas à atividade da prostituição. No

caso dessa vítima, ela sofria violência física de natureza doméstica e familiar desde os seus 14

(catorze) anos quando estava grávida de 8 (oito) meses do seu primeiro filho com o

companheiro. Em meio a um dos ciclos de violência, ela saiu fugida para a casa da mãe com

medo de morrer. Por essa ocasião, o juiz determinou a medida cautelar de monitoração

eletrônica e durante a medida ela resolveu voltar para a sua casa com medo de perder a

propriedade do imóvel para o agressor, motivo pelo qual ainda hoje se encontram os

envolvidos no conflito residindo no mesmo ambiente. Assim, apesar de ter sido ela a

responsável por ter quebrado as regras do sistema de monitoramento eletrônico, a mulher se

sente satisfeita com o programa por ter deixado de apanhar do companheiro. Por essa razão,

ela recomenda a política para outras mulheres como também passaria novamente por ela caso

fosse necessário. Essa última afirmação foi proferida quando a pesquisadora encontrou um

espaço para questioná-la sobre qual era a preferência dela entre o agressor ser preso ou usar a

tornozeleira, momento em que ela sem titubear respondeu dizendo preferir a tornozeleira, pois

aquele homem apesar de tudo era o pai dos filhos dela e seu único desejo se limitava à saída

dele de dentro da casa dela.

Nas entrevistas, também surgiram outras mulheres que aprovaram o monitoramento

eletrônico mesmo com marido/companheiro ter tentado agredi-las - de forma física, moral,

patrimonial ou psicológica - durante o processo de vigilância:

C: A senhora acha que o monitoramento eletrônico foi capaz de lhe proteger?

Vítima 2: Eu gostei do monitoramento porque ele achava na mente dele que eu

estava sendo monitorada pelo satélite, mesmo ele não estando com a tornozeleira,

ele achava que eu estava sendo vigiada. Então, muitas vezes ele deixou de me

esfaquear ou tentar me matar por esse motivo. Quando ele estava drogado, criava

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coragem e vinha até o meu portão, eu mostrava o aparelho a ele e dizia: “venha,

venha!”, aí ele ia embora.

C: Depois do monitoramento eletrônico, a senhora deixou de ser agredida?

Vítima 2: Na verdade, ele se encontra preso porque ele não foi colocar a

tornozeleira e vivia rondando minha casa. Aí eu fui procurar a juíza e ela mandou

prender ele.

Entretanto, dentro desse mesmo grupo 2, também se encontraram mulheres

satisfeitas com a monitoração eletrônica porque durante a medida tudo transcorreu muito bem.

Não houve relatos de qualquer tipo de violência, mas após o fim da medida cautelar, o status

anterior ao período da monitoração voltou a predominar, em alguns casos em um nível mais

tênue, já em outros no mesmo grau de antes do monitoramento. No primeiro caso, quando

elas narraram como estava a vida depois da saída da monitoração eletrônica, revelaram que

não eram mais incomodadas pelos seus maridos ou ex companheiros, mas sempre percebiam

eles por perto como se estivessem vigiando-as quando estavam passando na rua, por exemplo.

Uma delas afirmou que todos os dias quando sai de casa para trabalhar, encontra o ex

companheiro sentado em um banco público. O mesmo acontece quando ela retorna no final do

dia. Quando ele a vê abaixa a cabeça e não diz nada, enquanto ela faz o mesmo gesto. Mesmo

os agressores não manifestando qualquer ato de violência, as vítimas afirmaram se sentirem

desconfortáveis com a situação, pois é como se a qualquer momento tudo pudesse voltar a

acontecer. Esses encontros, sejam eles voluntários ou a simples rotina/hábito do indivíduo,

acontecem pela mesma razão mencionada pelo gestor do CEMER: o fato dos envolvidos

habitarem na mesma localidade.

Conforme pontuado, dentro desse grupo 2 existem ainda os casos mais preocupantes

caracterizados pelo retorno da violência no mesmo patamar anterior ao início do período do

monitoramento eletrônico. Registre-se, mais uma vez que mesmo diante dessas

circunstâncias, as mulheres aprovam a monitoração eletrônica por terem vivenciado

momentos de tranquilidade durante os meses de vigilância. Várias mulheres apresentaram

uma fala semelhante ao diálogo abaixo:

C: A senhora considera que o monitoramento eletrônico foi útil?

Vítima 3: Sim, pois foi os 120 dias que eu tive sossego!

C: O monitoramento eletrônico conseguiu lhe proteger de novas violências?

Vítima 3: Conseguiu sim, porque eu consegui ter um pouco de liberdade. Foi 120

dias com ele distante de mim porque ele sabia que não podia se aproximar. Foi

realmente o único período que eu tive sossego nesses últimos três anos e meio. Foi

um descanso para mim. Saber que ele estava longe e eu podia chegar e conversar

com um vizinho ou uma pessoa na rua já era muita coisa.

C: Depois do monitoramento eletrônico sua vida ficou melhor:

Vítima 3: Não, voltou tudo ao que era antes. Deixei de ter sossego.

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C: Mesmo com o retorno da violência, a senhora remendaria o monitoramento

eletrônico para outras mulheres?

Vítima 3: Com certeza! Recomendaria sim porque foi muito bom saber que eu

podia andar na rua sem que ele pudesse chegar junto de mim.

A história de vida da Vítima 3 é parecida com a grande maioria dos casos

vislumbrados pela pesquisadora enquanto agente de segurança pública37, pois é bastante

comum o autor da violência cessar temporariamente a prática de novas agressões físicas ou

verbais quando ele se encontra submetido a uma ordem judicial como é o caso das medidas

protetivas cumuladas com a medida cautelar de monitoração eletrônica. Todavia, após

ultrapassar os períodos críticos de âmbito processual, como a possibilidade de ser preso, por

exemplo, progressivamente a violência volta a acontecer e a vítima acaba retornando a

delegacia de polícia. Nesses casos, percebe-se que a vigilância eletrônica não foi capaz de

eliminar o conflito de natureza doméstica e familiar, pois serviu apenas como um paliativo, já

que baniu as práticas consideradas criminosas apenas enquanto vítima e autor estavam

portando os equipamentos de vigilância.

Portanto, apesar das mulheres do grupo 2 visualizarem a monitoração eletrônica

como um instrumento positivo, a medida não se mostrou eficiente no combate da violência

doméstica e familiar, uma vez que durante e/ou depois da vigilância eletrônica as vítimas

continuaram sofrendo ataques, especialmente relacionadas aos crimes de ameaça e injúria,

segundo os relatos.

Findada as entrevistas e a pesquisa de campo também foi possível formar o terceiro

grupo de mulheres (grupo 3), as quais não se sentiram seguras durante o período do

monitoramento eletrônico, bem como não viram mudanças ao comparar as suas condições de

vida antes, durante e depois da medida eletrônica. Apesar delas não reconhecerem uma

melhoria na qualidade de vida após o término do monitoramento eletrônico ou ao menos à

diminuição da violência decorrente do programa de vigilância, essa característica se encontra

implícita nos seus discursos. Em outras palavras, para esse grupo de mulheres o

monitoramento não foi e nem é eficaz para resolver o seu problema. Elas não reconhecem a

benesses no programa em suas vidas, no entanto em suas falas isso se encontra aparente.

Segue abaixo um exemplo do pensamento das mulheres do grupo 3:

C: A senhora acha que a monitoração eletrônica foi eficiente para o seu caso?

Vítima 4: Na verdade eu acredito que se ele quisesse fazer alguma coisa teria feito

porque isso é uma coisa que sei lá... assim sabe, se existisse a vontade dele fazer

37 A pesquisadora é servidora pública e ocupa o cargo de escrivã da Polícia Civil do Estado de Pernambuco desde o ano de

2012 e se encontra lotada na 46ª Circunscrição Policial até requerer o seu afastamento por curso, visando concluir a presente dissertação.

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alguma coisa comigo isso (a monitoração eletrônica) não teria adiantado muito não

porque daqui que ligasse, chegasse, já teria acontecido qualquer coisa. Não acho que

é muito eficiente não. Mas, em nenhum momento ele tentou nada não, sabe?

C: Você se sentiu segura quando soube que ele estava com a tornozeleira?

Vítima 4: Não me senti segura. Na verdade, foi indiferente.

C: Depois da tornozeleira eletrônica a sua vida ficou melhor?

Vítima 4: Eu não sei te dizer ao certo. Mas, ele não me procurou mais. Ele me

deixou em paz. Eu acredito que a tornozeleira funciona psicologicamente, pois só o

fato da pessoa saber que está sendo monitorada, aí já não se aproxima porque sabe

que não pode, né? Sabe que está sendo rastreado.

Analisando essa entrevista, fica claro que após a monitoração eletrônica o sujeito

deixou a vítima “em paz”, o que demonstra uma melhoria na vida dessa mulher após a

participação dela no programa de vigilância. Mas, mesmo diante da afirmação dela, a mulher

não enxerga o rastreamento eletrônico como algo positivo porque não seria um aparelho o

obstáculo capaz de frear uma ação violenta do sujeito. A visão dessa vítima chama a atenção

porque ela está na faixa etária entre vinte e trinta anos, a escolaridade é mediana (ensino

médio incompleto), e mesmo assim teve uma percepção interessante a respeito do

monitoramento eletrônico ao dizer que “a tornozeleira funciona psicologicamente”. Com

efeito, para as vítimas desse grupo a ausência de eficiência e eficácia do monitoramento

eletrônico está relacionada não só com as atividades dos órgãos de gestão e controle do

sistema, como também com a falta de crença na vigilância em si como meio de combate da

violência doméstica e familiar cometida contra a mulher.

O último grupo identificado durante a pesquisa (grupo 4) é marcado pelas mulheres

que não acreditam na eficácia da monitoração eletrônica por esta não ter libertado as mesmas

dos ciclos de violência. Algumas vítimas atribuem essa culpa a própria Lei Maria da Penha, a

qual para elas deveria ser mais rígida, pois veem constantemente os seus agressores

descumpri-la e não receberem a punição correspondente. Já outras, aduzem que o problema

está nos órgãos gestores das medidas, os quais deixaram os agressores se aproximarem delas

sem adotar qualquer atitude nesse sentido. Esse grupo de mulheres chamou a atenção

especialmente pela revolta presente no tom de voz das vítimas. A simples leitura das

entrevistas abaixo por si só já transparece o sentimento dessas mulheres.

C: O monitoramento eletrônico foi útil para a senhora?

Vítima 5: Moça, é o seguinte. Esse negócio não serviu de nada pra mim, entendeu?

O pai da minha menina veio aqui atrás de mim. Ele torou a pulseira da perna dele e

não deu nada pra ele. Ele nem sequer foi preso. Ele torou a tornozeleira e disse que

caiu jogando bola. Ele disse ao povo que veio até aqui na casa da avó dele. Tudo

mentira porque nem parente ele tem aqui. Não deu em nada. Ele veio aqui perto da

minha casa quando ele tava com o aparelho no pé. O papel aqui tá dizendo que ele

violou três vezes esse negócio, mas ninguém ligou pra mim. Eu já fiquei sabendo

que ele tava por perto pela boca do povo lá de baixo.

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C: Você se sentiu segura quando estava com o equipamento?

Vítima 5: Moça, eu vou ser sincera com a senhora. Pra mim não serviu de nada

porque o homem veio aqui em baixo na minha casa e não deu em nada pra o cara. A

polícia não chegou nem aqui. Eu fiquei presa sem sair de casa com medo dele.

C: Em algum momento ele lhe agrediu durante o período do monitoramento?

Vítima 5: Ele não conseguiu porque eu fiquei sem sair de casa. Mas, ele ficou me

ameaçando pelo telefone e ainda hoje ele me ameaça pelo WhatsApp. Tá tudo

gravado aqui no meu celular aí no dia 17 vai ser minha audiência aí eu vou levar

tudo pra o juiz.

C: Como ele fazia para ver os filhos durante o período do monitoramento

eletrônico?

Vítima 5: A senhora pensa que ele liga pras meninas, é? Ele não dá nem uma bolsa

de leite pras meninas quanto mais ligar pra elas.

C: A sua vida ficou melhor depois do monitoramento eletrônico?

Vítima 5: Pra mim ficou do mesmo jeito, viu moça? Porque depois que ele chegasse

e me matasse isso ia ficar por isso mesmo.

C: A senhora gostaria de passar novamente pelo monitoramento eletrônico?

Vítima 5: Queria, mas dessa vez eu queria que ele torasse a tornozeleira e fosse logo

pro COTEL.

C: A senhora gostaria então que ele fosse preso?

Vítima 5: Queria muito pra ele me deixar em paz!

C: Se ele se comprometesse a lhe deixar em paz, mesmo assim a senhora queria que

ele fosse preso?

Vítima 5: Queria, moça, porque eu vivi com ele e sei que ele não é de confiança.

O sentimento da vítima 5 é de total descaso do seu problema por parte do poder

público e o único motivo dela desejar a prisão do seu ex-companheiro é porque ela não

encontrou alternativa para se libertar das agressões dele. Na opinião dela, nem mesmo a

monitoração eletrônica foi capaz de evitar o medo vivenciado por ela durante as três vezes

que o agressor apareceu nas imediações da sua residência e nem tão pouco as ameaças que

continuou recebendo em seu celular durante a sua participação na política de enfrentamento.

Segundo ela, como nenhuma medida foi tomada, inclusive pelos órgãos de gestão, não há

como dizer que ela está satisfeita com a estratégia de combate à violência doméstica e familiar

contra a mulher.

Outro caso de insatisfação que se insere no grupo 4, pode ser vislumbrado a seguir:

C: O juiz perguntou se a senhora gostaria de participar do monitoramento

eletrônico?

Vítima 6: A juíza me avisou que iria colocar ele em liberdade e iria colocar a

tornozeleira nele. Ela disse que era isso que podia fazer por mim porque ele não

poderia ficar preso não.

C: A senhora entendeu como funcionava o GPS? Explicaram isso para a senhora na

Secretaria da Mulher?

Vítima 6: Eu entendi como funciona, mas eu não entendi como isso iria impedir ele

de fazer alguma coisa contra mim porque mesmo que ele chegue perto e o

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monitoramento mude de cor, não tem nenhuma polícia perto, você liga e ninguém

aparece.

C: A senhora precisou acionar o policiamento?

Vítima 6: Eu não precisei porque eu evitava sair de casa. Eu deixei de trabalhar, eu

deixei de ir na cidade, eu deixei de fazer muitas coisas com medo dele. Porque eu

tinha medo dele me ver e não respeitar o aparelho.

C: A senhora quis o monitoramento eletrônico?

Vítima 6: Eu quis o monitoramento eletrônico porque foi a única opção que o juiz

me deu.

C: Você se sentiu segura com o monitoramento eletrônico?

Vítima 6: Não, de maneira nenhuma. Porque eu vejo aí muitos que usam

tornozeleira eletrônica e mesmo assim mata a mulher, mata filho. E não empata de

fazer as coisas. Eu que me privei de muitas coisas. Eu deixei de sair, eu deixei de

trabalhar, eu mudei minha vida totalmente já pra não me bater com ele. Mas, ele

continuou com a vida dele normal, com a tornozeleira ou sem.

C: Ele tentou se aproximar de você durante o tempo em que ele estava usando a

tornozeleira?

Vítima 6: Eu o vi na rua uma vez, mas não deixei que ele me visse. Aí me afastei.

C: E o pessoal do CEMER não encontrou em contato com você para informar a

aproximação, não?

Vítima 6: Não. Depois que me deram o aparelho, não fizeram nenhum contato

comigo. E sobre descarregamento, já aconteceu do meu ficar três, quatro dias

descarregado sem ninguém ter ligado. Eu acho que se o meu ficava descarregado e

não entravam em contato, o dele também ficava e vice versa. Eu já deixei justamente

para ver se ia fazer alguma diferença o meu aparelho três a quatro dias descarregado

e depois eu botei pra carregar, mas não teve sinal nenhum.

C: Você acha que sua vida ficou melhor depois do monitoramento?

Vítima 6: Pra mim, ficou na mesma!

C: Se ele voltasse a lhe agredir, você gostaria de passar pelo monitoramento

novamente?

Vítima 6: Não. Eu queria que ele fosse preso para pagar pelo que ele fez. Se a

justiça não pode obrigar ele a pagar pelas coisas que ele quebrou na minha casa, pelo

menos que ele pague ficando preso.

C: Você recomendaria o monitoramento eletrônico para alguém que estivesse

passando por uma situação semelhante a sua?

Vítima 6: Não, de jeito nenhum. Eu acho que essa Lei Maria da Penha tá muito

vaga. Ela tinha que ser mais firme, mais rápida. Só eu sei o que eu passei! O povo da

delegacia só dão crédito a você se você chegar lá sangrando, morrendo com ele do

lado pra ser preso.

A fala da vítima 6 é muito presente entre as mulheres do grupo 4, pois muitas alegam

a necessidade de ter que mudar totalmente a sua rotina para não encontrar com o agressor.

Elas desaprovam o monitoramento eletrônico porque são punidas ao terem suas vidas

privadas, tendo que deixar de sair de casa ou trabalhar para não topar com o indivíduo na rua

e correr o risco dele desrespeitar as regras da monitoração eletrônica. Assim, como a própria

vítima 6 afirmou, ela entendeu o funcionamento do aparelho, contudo ela não sabe como

aquele equipamento impediria uma violência contra ela. Por isso, ela não se sentiu segura

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durante o período em que portou o GPS e acha que a situação do seu problema continuou na

mesma após passar pelo programa eletrônico.

Esse grupo 4 é composto por espécies de vítimas, as quais todas elas ouvidas

desejam a punição do agressor. Elas têm o sentimento de vingança porque assistem os seus

algozes driblando as normas legais para continuarem ameaçando, injuriando e perturbando o

sossego das mesmas.

Na verdade esse desejo de ver os agressores punidos foi algo encontrado na grande

maioria das mulheres que participaram do monitoramento eletrônico. Algumas ficam

satisfeitas ao vislumbrarem esse tipo de vigilância como uma pena, já outras enxergam esse

método apenas como uma forma de garantir a sua integridade física.

Frise-se ainda que esses quatro grupos de mulheres, as quais passaram pela política

de enfrentamento ora estudada, foram formados de acordo com as percepções da pesquisadora

a partir dos discursos expostos pelas referidas vítimas, não sendo algo extraído de qualquer

órgão público ou literatura nesse sentido.

Outro ponto a ser esclarecido é que todas as mulheres, as quais a pesquisadora teve

contato só haviam passado pelo processo de monitoração eletrônica uma única vez.

Dizer que essa técnica de combate aplicada aos casos de violência doméstica e

familiar contra a mulher é uma medida eficaz para combater conflitos dessa natureza é

extremamente perigoso. Afirmar que essa medida cautelar é ineficiente para os problemas

doméstico e familiar contra a mulher também pode ser considerada uma visão muito

extremista. A partir da descrição feita pela pesquisadora quando do contato com as mulheres

no campo, percebe-se que cada caso é único. As circunstancias que permeiam uma

determinada situação de violência é peculiar. Portanto, em determinadas ocorrências o

monitoramento eletrônico pode até servir como uma estratégia de ação eficaz para garantir a

proteção da vítima e libertá-la dos ciclos de violência. Entretanto, não se pode desprezar a

ocorrência de processos de criminalização, estigmatização e discriminação comumente

vivenciado pelos homens em fase de monitoramento, com consequências que podem

ultrapassar esse período.

Já em outros casos, de acordo com a visão das vítimas a monitoração eletrônica se

apresenta totalmente ineficaz, pois independentemente das restrições e/ou violações de

direitos inerentes à figura masculina, as mulheres continuaram sofrendo diversos tipos de

práticas consideradas legalmente criminosas, bem como não se sentiram protegidas com a

referida política de enfrentamento em estudo. Conforme mencionado pela vítima 6, até sua

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rotina teve que ser alterada para evitar se encontrar com o ex companheiro durante o período

de vigilância.

Se existissem equipes multidisciplinares específicas para o atendimento das partes

envolvidas no processo de monitoramento eletrônico decorrente de conflitos de natureza

doméstica e familiar capazes de avaliar os casos em que essa medida se mostrasse adequada a

ponto de garantir a integridade física e psicológica da mulher e ao mesmo tempo evitasse a

violação de direitos fundamentais do homem, talvez fosse possível ponderar com mais afinco

a respeito desse instrumento de reforço atualmente utilizado como combate ao problema.

Ocorre que, hoje não existem equipes psicossociais para essa finalidade na cidade do Recife,

acarretando com mais facilidade a violação de direitos ligados aos princípios da dignidade da

pessoa humana, liberdade, intimidade, privacidade, entre outros, em prol da proteção das

mulheres vítimas.

Portanto, feita essa separação entre as mulheres para melhor analisar a contribuição

do monitoramento eletrônico com base nas opiniões delas e compreender o impacto dessa

técnica na vida dessas vítimas, serão tratados nas linhas a seguir os principais problemas de se

monitorar eletronicamente as partes envolvidas em conflitos de ordem doméstica e familiar,

os quais foram identificados a partir das falas das referidas atoras e durante as visitas ao

CEMER.

3.9.1 O problema da vítima e do agressor residirem e frequentarem a mesma localidade

Nas incursões realizadas no CEMER no mês de dezembro de 2016, o diretor do

referido departamento relatou a existência de um sério problema a ser enfrentado para

monitoração envolvendo situações de violência doméstica, qual seja: o fato do monitorando

frequentar e ter uma rotina muito próxima das áreas de exclusão (residência da vítima e dos

familiares desta, local de trabalho, faculdade, etc), ou seja, dos locais proibidos. Esse

problema torna a monitoração extremamente difícil, pois o sistema fica indicando constantes

violações, acarretando a necessidade de o indivíduo ter que mudar o local de residência. O

referido gestor sugere aos monitorandos que procurem o juiz responsável pelo processo para

requerer a diminuição da distância dos pontos fixos, mas esse pleito raramente é atendido.

Normalmente, mesmo quando vítima e agressor já não estão residindo na mesma

casa, o homem continua frequentando locais próximos à residência da vítima, pois é muito

comum ele ter naquela localidade parentes e amigos habitando na área, afinal de contas foi

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nessa região onde o indivíduo e a sua ex companheira estabeleceram relações sociais durante

o tempo da relação matrimonial.

Por essas razões, não raro, o homem possui familiares residindo no mesmo bairro da

vítima, emprego, relações de amizade, enfim, a rotina dele está atrelada aos mesmos locais

frequentados e habitados pela vítima. E, no momento de se fixar as áreas de exclusão, o

homem termina tendo o seu cotidiano diretamente afetado de modo a excluí-lo da

comunidade, a qual ele se encontrava inserida.

Assim, se de um lado é possível garantir a segurança da vítima através de uma

estratégia com técnicas panópticas, de outro a monitoração eletrônica peca por não honrar

com a sua proposta de proporcionar a reintegração mediante a inclusão social, já que lhe é

vedado ter um emprego nas áreas de exclusão estabelecidas judicialmente, bem como

frequentar a casa de familiares inseridas nas proximidades dos locais de passagem proibida, o

que é totalmente repudiado por muitos estudiosos da temática, dentre eles Izabella Pimenta

(2015), a qual enfatizou a preservação da rotina e o contato com a família como um dos

fatores que estimulam o monitorando a seguir corretamente as regras da vigilância eletrônica.

Analisando os diálogos entre as vítimas e a pesquisadora, verifica-se que o problema

da mulher e do autor da violência habitarem na mesma localidade é um ponto encontrado em

vários discursos das conversas, pois foi relatado pela própria vítima a necessidade do homem

ter que alterar a sua residência, mudando-se para casa de outro parente enquanto estava sendo

monitorado. A pesquisadora escutou casos até mesmo comoventes do monitorando ter

perdido oportunidade de emprego e ter sido preso em razão do local do trabalho se situar em

uma área de presença proibida. Nesse sentido, os trechos abaixo comprovam:

C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou

teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?

Vítima A: Ele foi preso porque ele arrumou um trabalho de pedreiro perto do meu

trabalho. Aí ele foi preso por ter descumprido o monitoramento. Ele não tentou fazer

nada comigo. Eu ainda fui lá na vara falar, mas ele continuou preso.

C: A senhora tomou conhecimento se o agressor teve que mudar de endereço?

Vítima B: Eu fiquei sabendo que ele foi para São Lourenço, o pai dele mora lá,

porque o aparelho não parava de apitar e ninguém pôde fazer nada para ajudar a ele.

Ele tinha pedido lá na Secretaria para diminuir a distância entre eu e ele, que o

espaço era grande e não tinha isso tudo. Por isso, não parava de apitar.

C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou

teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?

Vítima C: Eu não soube de nada não. Mas com certeza, sem dúvida ele deve ter tido

problema com isso. Porque as pessoas quando olharam... minha família mesmo

ficaram horrorizada, dizendo que eu tinha culpa por ele tá usando a tornozeleira. Eu

não tive culpa, ele que não obedeceu a primeira ordem: fique longe! Ele não

obedeceu. A minha família própria ficou contra mim, dizendo que ele não era

bandido para eu permitir que ele use. Eu dizia que era minha vida que estava em

risco.

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Durante as visitas ao CEMER, ficou evidente que qualquer descumprimento

praticado pelos envolvidos na política são comunicados ao juiz competente mediante o envio

de ofício. Assim, quando a distância entre as residências do autor e da vítima é pequena

também é dado conhecimento à autoridade judicial, já que as violações do sistema são

constantes. Porém, de acordo com os operadores da Central de Monitoramento instalada na

cidade do Recife, esse aspecto nunca foi usado como argumento para revogar a medida

cautelar. No máximo e muito raramente o magistrado diminui a distância entre os pontos

fixos.

Portanto, mesmo quando o juiz tem ciência do alto risco do monitoramento

eletrônico não ser eficiente na sua função de garantir a proteção da vítima, ele mantém a

vigilância eletrônica, permanecendo ela a mercê de novas agressões. Esse posicionamento

reforça a ideia que as mulheres do grupo 3 tem a respeito da monitoração, qual seja: uma

ferramenta capaz de exercer um poder psicológico sobre o sujeito, fazendo emergir uma

sensação de medo de sofrer um mal maior (de ser preso, por exemplo) caso venha a se

aproximar da mulher. Esse argumento, por sua vez, desagua na conclusão de que não é uma

tornozeleira eletrônica o artefato responsável por gerar o reconhecimento ou senso de culpa

pela conduta praticada contra a mulher, mas sim o objeto utilizado para produzir

comportamentos virtuosos.

Ao invés de produzir sentimento de responsabilidade, a implantação do equipamento

no corpo do homem pode até emergir nele uma revolta maior. A pesquisadora presenciou uma

instalação do aparelho em um indivíduo na Central de Monitoramento, cujo motivo havia sido

o descumprimento de medidas protetivas de urgência. O homem não falava absolutamente

nada, apenas balançava a cabeça fazendo sinal de que havia entendido as explicações

repassadas pelo funcionário da empresa terceirizada. Porém, as feições daquele homem eram

extremamente claras e demonstravam o quanto ele estava inconformado com aquela situação.

Após a saída do monitorando, os próprios atendentes pediram que os agentes penitenciários

acompanhassem com mais cuidado o cliente.

Sobre essas questões vislumbradas no campo, Foucault (2007) analisa a vigilância

com base nos fundamentos da estrutura panóptica, como uma forma de inibir comportamentos

desvirtuados mediante a aplicação de um poder disciplinador ao conferir à punição um caráter

estratégico de dominação da alma capaz de gerar docilidade e domestificação.

No caso, a monitoração eletrônica, mencionada por Welliton Caixeta Maciel (2014)

como uma prisão virtual, seria utilizada como um poder disciplinador que atinge o

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psicológico do sujeito e transforma o seu comportamento. Alinhando ainda as teorias de

Foucault com os resultados de campo da pesquisadora, verifica-se que a medida eletrônica

permite obter um controle sobre o interior do indivíduo e funcionaria no sentido de

transformá-lo. Uma prova simples disso para a pesquisadora foi quando a vítima relatou que

quando o agressor chegava à porta da sua casa e ela mostrava o GPS, ele ia embora mesmo

estando sob o efeito de drogas. Outro exemplo pôde ser extraído do trecho de uma das

entrevistas realizadas pela pesquisadora:

C: A senhora e o seu ex-marido se encontraram durante o período do monitoramento

eletrônico?

Vítima D: A gente sempre frequenta os mesmos locais, aí teve uma vez que a gente

se encontrou, mas quando ele me viu, ele saiu. Eu não precisei acionar nenhuma vez

a polícia. O sistema alarmava direto porque minha casa era bem próxima da dele.

Desse modo, essa transformação do sujeito é intensamente trabalhada por Foucault

(2010, p. 123) quando ele afirma que essa arquitetura de vigilância age sobre aquele que

abriga, dar domínio sobre o seu comportamento, reconduz até eles os efeitos do poder, oferece

a eles um conhecimento, modificando-os. Completando essa ideia, ele ensina:

“(...) importa estabelecer presenças e ausências, saber onde e como encontrar os

indivíduos, instaurar as comunicações úteis, interromper as outras, poder a cada

instante vigiar o comportamento de cada um, apreciá-los, sancioná-lo, medir as

qualidades ou os méritos. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar”

(FOUCAULT, 2010, p.123)

Ainda segundo Welliton Maciel, esse método tecnológico de dominação também é

considerado uma prisão, pois esta não se resume a um local físico com muros e grades, mas

sim todas as formas de punições organizadas pelos membros de uma sociedade. Relacionando

esse fundamento com a vigilância eletrônica, percebe-se que o debate dela não está adstrito ao

controle dos homens mediante o uso de equipamentos, mas inserido em algo muito mais

amplo que são as espécies de condutas que essa forma de observação pode produzir.

(MACIEL, 2014)

3.9.2 A possibilidade da revitimização da mulher mediante a aplicação da monitoração

eletrônica

Inobstante o desprezo relacionado às severas restrições dos direitos fundamentais dos

sujeitos monitorados, tais como a dignidade da pessoa humana, liberdade (ir e vir), intimidade

e privacidade; por vezes a mulher também passa a sofrer com os efeitos colaterais advindas do

programa de monitoração eletrônica decorrentes de violência intrafamiliar, pois termina tendo

alguns dos seus direitos limitados. Não que essa limitação seja provocada diretamente pelo

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próprio Estado, mas vem se apresentando como um aspecto negativo oriundo da medida

cautelar em si.

Durante os diálogos com as vítimas participantes dessa política de enfrentamento,

verificou-se que as mulheres de alguma forma são penalizadas pela sua própria família ou

pelos parentes do agressor pelo fato deste está sendo obrigado a ter fixado em sua perna um

equipamento considerado apenas para uso de “bandidos”. Nesse sentido, o que era para ser

um instrumento de proteção física e psicológica à mulher, termina acarretando a promoção de

mais uma violência, só que agora praticada pela comunidade próxima das partes envolvidas.

Fazendo uma comparação entre a pesquisa desenvolvida por Marília Montenegro

(2009, 2010, 2012) e Carolina Medeiros (2015) acerca do fenômeno da revitimização da

mulher durante os processos judiciais decorrentes de violência doméstica e o estudo da

monitoração eletrônica aplicada aos conflitos dessa natureza, também é possível constatar a

presença desse efeito durante a aplicação dessa medida cautelar, tendo em vista que a mulher

é punida pela comunidade quando o seu marido ou ex companheiro passa a usar a tornozeleira

eletrônica, pois tentam fazê-la se sentir culpada pelo sofrimento enfrentado pelo autor da

violência.

Não raro, os familiares do autor do fato como também da própria vítima pedem para

a mulher recusar o monitoramento eletrônico. Conforme mencionado no início do presente

capítulo, 78 (setenta e oito) mulheres poderiam ter sido monitoradas juntamente com os

respectivos agressores na cidade do Recife no ano de 2016. No entanto, desse total 15

(quinze) mulheres recusaram a medida, restando 63 (sessenta e três) vítimas que aderiram o

programa e permanecerem nele até o final do prazo estipulado judicialmente.

Não há como afirmar que dessas 15 (quinze) mulheres, todas elas tenham recusado a

monitoração eletrônica por ter recebido algum tipo de influência de familiares e/ou amigos.

Porém, quando elas chegavam para devolver o equipamento antes do término do prazo

imposto pelo magistrado e respondiam a pesquisa de satisfação da assistência recebida

durante o programa, em várias situações essa questão ficava bem latente, pois era comum elas

relatarem que gostava muito da mãe do ex parceiro e esta havia conversado com vítima para

“deixar isso pra lá”, pois ele estava sofrendo muito preconceito com a tornozeleira.

Por outro lado, nada dentro do contexto da violência intrafamiliar contra a mulher

pode ser generalizado, pois também se constatou através da transcrição dos discursos

extraídos das entrevistas com as mulheres que nem todas estão absorvendo essa sensação de

culpa, predominando na consciência delas a necessidade de preservar as suas integridades.

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C: A senhora tomou conhecimento se ele sofreu algum tipo de constrangimento ou

teve problemas no emprego ou algo parecido por causa da tornozeleira eletrônica?

Vítima C: Eu não soube de nada não. Mas com certeza, sem dúvida ele deve ter tido

problema com isso. Porque as pessoas quando olharam... minha família mesmo

ficaram horrorizada, dizendo que eu tinha culpa por ele tá usando a tornozeleira. Eu

não tive culpa, ele que não obedeceu a primeira ordem: fique longe! Ele não

obedeceu. A minha família própria ficou contra mim, dizendo que ele não era

bandido para eu permitir que ele use. Eu dizia que era minha vida que estava em

risco.

C: A família dele pediu para a senhora retirar a medida do monitoramento?

Vítima D: As meninas ainda pediram, mas não insistiram muito não. E eu não vou

fazer um negócio desse não porque quem passou pela situação e até hoje tá sofrendo

as consequências sou eu. A gente mulher fica com aquela paranoia de ter que passar

por uma delegacia, de ser humilhada, mas se eu tivesse tido essa atitude antes, logo

no começo, eu não tinha passado por nada disso.

Portanto, mesmo quando a vítima não recebe o apoio da comunidade, algumas delas

têm permanecido firmes com o seu propósito, seja de resguardar a sua vida, seja de punir o

agressor pelo mal causado. Entretanto, mesmo quando a vítima não sede as investidas das

pessoas do seu convívio a violência contra ela não deixou de ser perpetrada na medida em que

ela passa a ser alvo de críticas pelo seu posicionamento.

Apesar de todo esse aparato tecnológico ainda é difícil dizer até que ponto essa

tecnologia é eficiente na prevenção e combate da causa. Na pesquisa realizada por Welliton

Caixeta Maciel (2014), há relatos de vítimas narrando que a tecnologia salvou vidas ou

mesmo foi capaz de evitar novos ciclos de violência. Por outro lado, consta também registros

de situações em que as partes envolvidas em conflitos domésticos submetidas à monitoração

burlavam o sistema para ficarem juntos, já que havia restabelecido o relacionamento.

Observou-se ainda que na maioria dos casos a fixação da tornozeleira eletrônica não

gerou senso de responsabilização da conduta praticada, pois o sentimento que surge no

monitorado é o constrangimento em ter que fazer uso do equipamento. Há relatos de homens

no sentido de preferirem a prisão a terem que se submeter ao olhar de discriminação das

pessoas nas ruas.

Não há como negar que a tornozeleira inibe algumas práticas sociais como ir

à praia, relacionar-se intimamente com outra pessoa, forçando o indivíduo a usar calças

compridas para evitar ser alvo do preconceito da sociedade.

Além do mais, em muitas situações o monitorado reside no mesmo bairro da vítima,

fazendo com que a central receba sinais constantes de alerta, impedindo identificar quando de

fato se trata de situação que necessita de atuação, comprometendo a proposta da política.

Normalmente, é solicitado ao agressor que mude o local da sua residência, contudo a ausência

de condições financeiras é sempre apontada como motivo para não se atender ao pedido.

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Welliton Maciel (2014) também registrou as opiniões dos operadores da central de

monitoramento eletrônico, os quais afirmaram que a monitoração eletrônica para os casos de

violência doméstica só são positivas na minoria das situações.

Portanto, é difícil dizer se a monitoração eletrônica cumpre o seu papel declarado

para enfrentar a violência doméstica, tendo em vista ser um mecanismo capaz de salvar vidas,

mas ao mesmo tempo um instrumento muito potente para estigmatizar o monitorado,

limitando a sua interação social e a continuidade das suas relações afetivas, onde envolve toda

a discussão do poder simbólico em cima da questão.

Independente de a vítima estar ou não portando a UPR é preciso que o atual sistema

de justiça pondere a necessidade de se aplicar a tornozeleira ao autor da violência de acordo

com o caso concreto, pois ao deferi-la para todos os casos, corre-se um grande risco de causar

o agravamento não apenas do conflito doméstico como também de gerar situações de

vulnerabilidade para a pessoa sob monitoração. Antes de decidir pela aplicação, é acertado

ouvir as partes e compreender o nível de gravidade do problema a partir do serviço prestado

por profissionais psicossociais, pois só assim será possível encontrar as medidas mais

apropriadas para conter a violência.

Portanto, o monitoramento eletrônico só deve ser aplicado depois de descartadas

outras medidas menos prejudiciais ao indivíduo. Em outras palavras seria dizer que a

monitoração é residual frente às demais hipóteses previstas em lei como preconiza a

Resolução nº 213 de 2015 expedida pelo Conselho Nacional de Justiça:

A aplicação da monitoração eletrônica será excepcional, devendo ser utilizada como

alternativa à prisão provisória e não como elemento adicional de controle para

autuados que, pelas circunstâncias apuradas em juízo, já responderiam ao processo

em liberdade. Assim, a monitoração eletrônica, enquanto medida cautelar diversa da

prisão, deverá ser aplicada exclusivamente a pessoas acusadas por crimes dolosos

puníveis com pena privativa de liberdade máxima superior a 04 (quatro) anos ou

condenadas por outro crime doloso, em sentença transitada em julgado, ressalvado o

disposto no inciso I do caput do art. 64 do Código Penal Brasileiro, bem como a

pessoas em cumprimento de medidas protetivas de urgência acusadas por crime que

envolva violência doméstica e familiar contra a mulher, criança, adolescente, idoso,

enfermo ou pessoa com deficiência, sempre de forma excepcional, quando não

couber outra medida cautelar menos gravosa. (BRASIL, 2015)

Paralelamente ao monitoramento eletrônico é fundamental que tanto a mulher quanto

o autor do conflito doméstico sejam encaminhados para atendimento por equipes formadas

por psicossociais na tentativa de prevenir ou pelo menos minimizar os danos psicológicos.

Para o cumpridor do monitoramento esse acompanhamento é muito importante não só para

evitar traumas psicológicos oriundos do uso da tornozeleira como também para ajudar o autor

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a ter senso de responsabilização pelo mal cometido. Já para a mulher esses profissionais

podem auxiliar a respeito de diversos aspectos, dentre eles na questão relacionada à

autonomia/empoderamento.

O oferecimento desses serviços permite que a política de monitoramento eletrônico

esteja voltada para o sujeito em monitoramento, deixando-se de lado as pretensões

expansionistas-punitivas estatais, as quais já demonstraram ser causadoras de danos físicos,

sociais e psicológicos, voltados para a tortura, estigmatização, seletividade e discriminação.

Com efeito, se o objetivo de se acoplar uma tornozeleira é meramente punitivo, o sujeito

deixa de ser o foco para dar lugar ao Estado enquanto responsável pelo controle penal.

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CONCLUSÃO

A monitoração eletrônica de pessoas utilizada pelo sistema de justiça criminal é algo

ainda recente na realidade brasileira, já que ela só tem seis anos de previsão legal. Mesmo

assim, essa medida já apresenta resultados insatisfatórios como ferramenta de combate à

criminalidade. A prova disso é a permanência dos altos níveis de violência presente no meio

social mesmo após a implantação de alternativas tecnológicas dessa natureza.

As pesquisas empíricas dão conta de que o monitoramento eletrônico como meio de

controle social do delito assim como a prisão são mecanismos fracassados para promover a

ressocialização e comportamentos socialmente aceitáveis, o que desconstrói todo modelo

proposto por Foucault de uma sociedade disciplinar.

Diante do pouco tempo de sua aplicabilidade e emprego em quantidade moderada no

Brasil, o monitoramento eletrônico ainda caminha rumo a sua forma ideal de utilização. Por

isso, ainda é possível manuseá-lo na tentativa de minimizar os efeitos físicos e psicológicos

devastadores decorrentes das mazelas do cárcere. Não é que se defenda o monitoramento

eletrônico mediante a fixação de dispositivos eletrônicos no corpo daquele que praticou um

delito, pois como os estudos científicos em torno do tema sugerem, trata-se de um

instrumento capaz de gerar sérios problemas de estigmatização, novos processos

criminalizantes e exclusão social.

No entanto, a monitoração eletrônica é real, já está presente no meio social. Não há

mais como voltar atrás e bani-la do sistema. Além disso, por mais que seja compreendida

como uma prisão virtual, ela ainda se apresenta bem melhor que o cárcere na sua modalidade

física. Afinal, a prisão se mostra desumana demais como resposta a prática delitiva.

Da forma como a monitoração vem sendo utilizada hoje, fica nítido o caráter

expansionista do controle penal, a qual tem como foco punir e minimizar as hipóteses de se

cometer o delito, sem priorizar ou até mesmo levar em conta a pessoa do infrator.

Nesse sentido, já que a monitoração eletrônica é algo concreto na sociedade, é

preciso extrair dela as suas potencialidades, conferindo a mesma uma natureza diferente do

castigo, da humilhação, da estigmatização, da seletividade, do preconceito, da discriminação,

da exclusão, etc.

Ao longo da presente pesquisa foi discorrido que o início do monitoramento

eletrônico de pessoas no Brasil se deu com o advento da Lei n° 12.258 de 2010, a qual

permitiu que a tecnologia fosse aplicada no âmbito penal nas hipóteses de saída temporária e

prisão domiciliar. Em 2011, ocorreu uma ampliação dessas possibilidades ao se admitir

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através da Lei n° 12.403 à aplicação da vigilância eletrônica nos presos provisórios como

medida cautelar diversa da prisão. A partir de então, os juízes passaram a empregar a

monitoração eletrônica aos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher,

alternativamente ao Art. 20 da Lei Federal n° 11.340/2006, a qual permite a prisão preventiva

do agressor em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal.

Essa medida judicial foi instituída para forçar o agressor a cumprir com as medidas

protetivas de urgência, protegendo a mulher de sofrer novos ciclos de violência. Desse modo,

procurou-se através da presente pesquisa investigar se de fato a monitoração eletrônica podia

ser uma ferramenta de combate à violência intrafamiliar ou se seria mais um meio de se punir

prematuramente o agressor, visto que existem pesquisas empíricas comprovando a inaptidão

do sistema de justiça criminal para resolver conflitos de cunho doméstico, já que aplicam

soluções incompatíveis com os anseios das vítimas.

Para averiguar essa questão, a pesquisadora se inseriu nos órgãos do Estado de

Pernambuco responsáveis pela administração e execução da medida e fez um recorte dos

casos para estudar especificamente aqueles afetos a cidade do Recife. Das informações

colhidas do campo, verificou-se que mesmo sendo um artefato a serviço de um Direito Penal

incapaz de solucionar o problema da violência doméstica, não há como repudiar por completo

esse método, pois de acordo com as vítimas que participaram dessa política de enfrentamento,

existe um número significativo delas, as quais aprovam a sistemática por ter sido capaz de

cessar ou até mesmo amenizar a violência sofrida por anos no relacionamento.

Inobstante o fato dessa medida cautelar no âmbito da violência doméstica e familiar

contra a mulher está sendo aplicada com moderação - inclusive pelo Estado de Pernambuco,

já que no ano de 2016 só foram monitorados 162 casos, dos quais 63 foram do Recife -, se é

para utilizá-la que seja pelo menos em consonância com os direitos fundamentais do agressor.

Da análise das decisões judiciais identificaram-se situações em que o infrator passou meses

preso por descumprir as medidas protetivas de urgência e ao ser posto em “liberdade” foi

compelido a usar uma tornozeleira eletrônica, como se a prisão por si só já não fosse o castigo

suficiente para puni-lo e conferir a ele o rótulo de bandido.

Uma vez monitorado, constatou-se ainda o problema das constantes violações

indicadas pelo sistema de monitoração, já que é comum vítima e agressor frequentarem e

permanecerem na mesma localidade. Essas violações das áreas de exclusão são decorrentes da

grande distância estabelecida pelo magistrado na decisão judicial sem observar as

peculiaridades do caso concreto. Em outras palavras, antes de deferir a monitoração eletrônica

dentro de um processo de violência doméstica e familiar contra a mulher é preciso que o juiz

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analise com cautela se para aquele caso específico a medida cautelar pode surtir o efeito

esperado, pois alarmes constantes apontados pelo sistema pode tornar a monitoração ineficaz

ao não ser possível identificar com veracidade quando se estará realmente diante de um

evento que precise de intervenção.

Além dessa insegurança funcional da monitoração eletrônica, surge a privação

extrema da liberdade de ir e vir do infrator, o qual fica impedido de ter uma rotina nos moldes

anterior à prisão e ao monitoramento.

Outra questão que precisa ser ajustada diz respeito à necessidade do governo do

Estado disponibilizar equipes multidisciplinares para acompanhar o processo de monitoração

eletrônica e cientificar o magistrado sobre o desenvolvimento da medida. Como enfatizado,

não é toda pessoa que se adequa a esse tipo de política de enfrentamento, seja por questões

psicológicas, físicas ou profissionais. Sem esses profissionais para prestar apoio às partes, o

cumprimento da medida se torna muito mais penoso e o juiz por sua vez não tem

conhecimento das inviabilidades que permeiam o caso concreto para revogar a decisão ou

adotar outra medida para tornar admissível o monitoramento.

Não há dúvidas que a monitoração eletrônica é um fenômeno capaz de retirar a

privacidade e a intimidade não só do agressor como da mulher também, já que ambos portam

dispositivos eletrônicos e por isso podem ser localizados a qualquer hora do dia em tempo

real. Nesse sentido, seria interessante investir em equipamentos tecnológicos menos invasivos

como o botão do pânico, por exemplo, o qual só transmite a exata localização da vítima

quando ela aperta o botão do aparelho em razão de uma ameaça iminente.

Se a tornozeleira eletrônica é aplicada também para surtir no indivíduo uma coação

psicológica, o botão do pânico também consegue desempenhar essa função porque ao ter

conhecimento de que a mulher está portando o dispositivo, ele sabe que ao se aproximar dela,

a vítima apertará o botão e consequentemente a polícia é acionada.

Portanto, são latentes as inúmeras violações de direitos fundamentais causadas pelo

uso de uma tornozeleira eletrônica, em especial por não haver uma aplicação padronizada

para extinguir ou minimizar esses efeitos. No entanto, seria incoerente concluir se tratar de

uma ferramenta de todo ruim, inclusive para o enfretamento da violência doméstica, uma vez

que como visto, várias mulheres aprovaram a sistemática.

Destarte, o ajuste da medida é fundamental para proporcionar a proteção à vítima

sem desrespeitar os direitos do infrator, pois da forma como ela vem funcionando hoje pode

até proteger vítima, mas em compensação traz uma punição desproporcional à conduta

praticada e não gera senso de responsabilização do mal cometido.

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Uma maneira de fazer essa adequação seria através da implantação de um modelo de

gestão de monitoramento eletrônico de pessoas contemplando todas essas questões de modo a

direcionar as atividades de todos os atores envolvidos com essa política por meio de um

protocolo a ser seguido uniformemente no plano nacional.

A implantação de técnicas menos invasivas aliada ao trabalho de profissionais

multidisciplinares capacitados para aturem no acompanhamento da medida e somado a um

modelo de gestão de pessoas em monitoramento contendo diretrizes de fluxos e

funcionamento, podem contribuir para tornar a vigilância eletrônica menos desumana e talvez

mais aceitável por aqueles que são contrários à medida.

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ANEXO A – Portaria Conjunta SJDH/SECMULHER – PE N° 050, DE 05 DE AGOSTO

DE 2015

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ANEXO B – INSTRUÇÃO NORMATIVA N° 15/2016

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