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Universidade
Católica de
Brasília Virtual
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO
LATO SENSU EM DIREITOS HUMANOS: PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA
A VÍTIMAS E A COLABORADORES DA JUSTIÇA
Especialização
POSSIBILIDADES DE INSERÇÃO DE USUÁRIOS EM POLÍTICAS
PÚBLICAS DE FORMA SEGURA: A EXPERIÊNCIA DOS PROVITAS
ESTADUAIS NA ARTICULAÇÃO COM AS POLITICAS DE SAUDE E
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Autor: Simone de Paula Araújo
Orientador: Prof. Msc. Nome completo do Orientador(a)
BRASÍLIA 2009
SIMONE DE PAULA ARAÚJO
POSSIBILIDADES DE INSERÇÃO DE USUÁRIOS EM
POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMA SEGURA: A
EXPERIÊNCIA DOS PROVITAS ESTADUAIS NA
ARTICULAÇÃO COM AS POLÍTICAS DE SAÚDE E
ASSISTÊNCIA SOCIAL
Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação Lato Sensu em Direitos Humanos: Proteção e Assistência a Vítimas e a Colaboradores da Justiça da Universidade de Brasília, como requisito parcial para obtenção do certificado de Especialista em Direitos Humanos. Orientador: Thiago Brazi Brandão Co-orientador:
Brasília 2009
Universidade Católica de Brasília
Monografia de autoria de Simone de Paula Araújo, intitulada “POSSIBILIDADES DE
INSERÇÃO DE USUÁRIOS EM POLÍTICAS PÚBLICAS DE FORMA SEGURA: A
EXPERIÊNCIA DOS PROVITAS ESTADUAIS NA ARTICULAÇÃO COM AS
POLÍTICAS DE SAÚDE E ASSISTÊNCIA SOCIAL”, apresenta como requisito parcial para
obtenção do certificado de Especialista em Direitos Humanos: Proteção e Assistência a Vítimas e a Colaboradores da Justiça da Universidade Católica de Brasília, em outubro de 2009, defendida e/ou aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:
_______________________________________________________
Prof. (Titulação). Carlos Daniel Seidel
Orientador
Especialização em Direitos Humanos : Proteção e Assistência a Vitima e a
Colaboradores da Justiça – UCB
_______________________________________________________ Prof. (Titulação). Thiago Brazi Brandão
Orientador
Especialização em Direitos Humanos : Proteção e Assistência a Vitima e a
Colaboradores da Justiça – UCB
_______________________________________________________ Prof. (Titulação). (nome do membro da banca)
Orientador
Especialização em Direitos Humanos : Proteção e Assistência a Vitima e a Colaboradores da
Justiça – UCB
Brasília
2009
Dedico esta monografia a todas e todos
que de alguma forma contribuíram e
contribuem com a política de Proteção á
Testemunhas e Vítimas Ameaçadas e em
especial as Equipes Técnicas e aos
Apoios Técnicos por serem estes que
estão na labuta cotidiana na
implementação do Provita.
AGRADECIMENTO
Primeiramente agradeço a Deus e as forças do universo por me darem energia,
persistência, perseverança durante esses 5 anos de desafios e conquistas enquanto assistente
social do Provita/RJ.
Esta monografia foi realizada nos embates do cotidiano da minha vida pessoal e
profissional, onde as práticas cotidianas apresentavam-se a todo tempo como dragões a
devorar a minha capacidade intelectual de dar conta da teoria x pratica.
Entretanto além das forças cósmicas, recebi energia e incentivos de algumas pessoas,
seja com palavras, seja com gestos, seja com abrigo, seja com revisão ortográfica, seja com
empréstimo do computador, e até mesmo com distanciamento - pessoas estas: minhas irmãs
Cristina e Danielly, minha grande amiga e irmã Laurinda, minha amiga Patrícia, minha amiga
e companheira de trabalho Lílian, minha irmã e amiga Bianca, minha amiga astral Telma e
especial a minha filha Milena.
Em especial e com grande estima a mim mesma, que apesar dos momentos de
sensibilidade e lágrimas, de medos, de insegurança, segui em frente, talvez não como gostaria
mas com o que foi possível construir.
Enfim, agradeço a todos aqueles que de alguma forma me auxiliam direta ou
indiretamente nessa trajetória na busca de uma sociedade humanitária, justa e igualitária.
EPÍGRAFE
Hoje, na crise do projeto humano, sentimos
a falta clamorosa de cuidado em toda parte.
Suas ressonâncias negativas se mostram
pela má qualidade de vida, pela penalização
da maioria empobrecida da humanidade,
pela degradação ecológica e pela exaltação
exarcebada da violência. Não busquemos o
caminho da cura fora do humano. O ethos
está no próprio ser humano, entendido em
sua plenitude que inclui o infinito. Ele
precisa voltar-se sobre si mesmo e
redescobrir sua essência que se encontra no
cuidado. Que o cuidado aflore em todos os
âmbitos, que penetre na atmosfera humana
e que prevaleça em todas as relações! O
cuidado salvará a vida, fará justiça ao
empobrecido e resgatará a Terra como
pátria e mátria de todos.
(Leonardo Boff)
RESUMO
Referência: ARAUJO, Simone de Paula. Possibilidades de inserção de usuários em políticas públicas de forma segura: a experiência dos Provitas Estaduais na articulação com as políticas de Saúde e Assistência Social. Especialização em Direitos humanos: Proteção e Assistência a Vitimas e Colaboradores da Justiça. Universidade Católica de Brasília. Rio de Janeiro. 2009.
Cediço é que o atual contexto de implementação da política econômica neoliberal no Brasil influência de forma extremamente relevante nas estruturas e relações sociais. Esta política traz consigo, a desproteção trabalhista, o desemprego, a supressão dos direitos já conquistados e conseqüentemente acelera as desigualdades sociais, aflorando o crescimento das mazelas humanas, que seja: a pobreza, a violência, a discriminização. Tais características influenciam consideravelmente na formatação das políticas públicas (Assistência Social, Saúde, Educação), assim como na sua implementação e avaliação. É nesta realidade que está inserido o Programa de Proteção á Testemunhas e Vítimas Ameaçadas, que tomou “forma e corpo” com a contribuição de diversos atores lutas desde a Declaração Universal dos Diretos Humanos até a criação do Programa Nacional dos Direitos Humanos. Com este estudo pretendeu-se problematizar, a partir do contexto posta acima, as práticas cotidianas dos Provitas Estaduais no que diz respeito a inserção dos usuários da rede protetiva nas políticas públicas, de forma segura e qualitativa, especificamente na Assistência Social e na Saúde, visto serem estas de mais demandas por parte dos usuários. O que se verificou é que existe grande informalidade quanto a inserção dos usuários do Provita, onde nem sempre se consegue a qualidade nos atendimentos nas rede de serviços públicos, quiçá segurança e sigilo, tal situação fragiliza por demais o Programa. Entretanto constatou-se que dentro da medida do possível os Provitas empenham-se em executar as atividades do Programa de forma ética e comprometida.
Palavras Chaves: Políticas Públicas. Neoliberalismo. Direitos Humanos
Abstract
Reference: ARAUJO, Simone de Paula. Possibilities of users insertionin public policy in safe way: Provitas Estaduais experience in articulation with Health and Social Assistence politics. Specialization in Human Rights. Protection and Assistence to Victims and Justice Cooperators. Universidade Católica de Brasília. Rio de Janeiro. 2009.
Cediço is that the current context of implementation of the neoliberal economical politics in Brazil influence in an extremely relevant way in the structures and social relationships. This politics brings with itself, the labor lack of protection, the unemployment, the suppression of the rights already conquered and, consequently, it accelerates the social inequalities, contribuiting to the growth of the human sore spots, that is: poverty, violence, discriminização. Such characteristics influence considerably in the public politics formatting (Social Attendance, Health, Education), as well as in their implementation and evaluation. The Program of Protection to Witnesses and Threatened Victims is inserted in the reality, that took “form and body” with the contribution of several actors (instituitions, social groups, civil society association) fights from the Universal Declaration of the Direct Humans to the creation of the National Program of the Human Rights. This study intended to problematize, starting from the context mentioned above, the daily practices of State Provitas concerning the insertion of users into the protective net within the public politics, in a safe and qualitative way, specifically in Social Attendance and in Health, once these are the most important demands on the part of the users. Besides, it was noticed, on one hand, that it is not always possible to offer neither qualified service nor safety and secrecy, and on the other hand a great amount of informality; as a result, the Program turns too much fragile. However, it was verified that The Provitas severely work on executing the activities of the Program in ethical and comitted way as possible.
Key words: Public politics. Neoliberalismo. Human Rights
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ......................................................................................................................09
CAPÍTULO I ..........................................................................................................................14
1 As Políticas Públicas no Brasil e Direitos Humanos ..........................................................14
1. 1 Neoliberalismo e seus impactos: a supressão dos direitos e o recorte da violência ........14
1.2 Políticas Públicas: para que servem?.................................................................................21
1.3 Dos instrumentos em defesa dos direitos humanos à Construção do Provita ...................26
CAPÍTULO II .........................................................................................................................31
2 Provitas Estaduais e as Políticas de Saúde e Assistência Social ........................................31
2. 1 A estrutura de funcionalidade dos Provitas .....................................................................31
2.2 Políticas de Assistência Social e Saúde: Ambigüidades e desafios .................................35
2.2.1 A Política de Assistência Social e a LOAS ..................................................................35
2.2.2 A Política de Saúde no Brasil .......................................................................................44
CAPÍTULO III .......................................................................................................................58
3. A práxis cotidiana dos Provitas Estaduais quanto a inserção dos usuários nas Políticas
Públicas ..................................................................................................................................58
CONCLUSÃO ........................................................................................................................71
REFERÊNCIAS BIBLIOGÁFICAS ......................................................................................74
APÊNDICE A .................................................................................................................. ....................................77
Introdução
O presente trabalho é fruto das indagações quanto a real situação em que se
encontram os Programas de Proteção no Brasil, no que se refere ao acesso e
garantias de atendimento na Rede de Serviços Públicos, que sejam no recorte da
política do Sistema Único de Saúde e da Assistência Social. Para tanto, verificou-se
junto aos diversos Provitas Estaduais como acontece e quais estratégias as Equipes
Técnicas utilizam para garantir os atendimentos em Rede Pública aos
usuários/testemunhas de forma segura e qualitativa, tendo base as legislações
referentes Lei nº 9807/99, e SUAS e SUS, no que se refere à disponibilidade de
serviços públicos.
Um dos objetivos do Programa de Proteção, além de assegurar a vida da
testemunha “a prova”, a sua integridade física e psicológica, é de proporcionar a
testemunha/usuário subsídios para que a (o) mesma (o) possa se reinserir social,
econômica e culturalmente no local de proteção, assim como ter acesso de forma
cidadã e segura aos serviços públicos de Saúde, Educação e Assistência Social.
Porém, para entendermos um pouco sobre esta realidade, que está inserida em
contextos variados, que sejam a violência, as desigualdades sociais, o
neoliberalismo, a violação de direitos, o desemprego, o subemprego, a
criminalização da pobreza.
Consideramos pertinente apresentar no primeiro capítulo de forma, muito sucinta,
as Políticas Públicas no Brasil e os Direitos Humanos, iniciando a discussão a partir
do tema “Neoliberalismo e seus impactos: a supressão dos direitos e o recorte
da violência”. Neste, o debate deu-se no sentido que as reformas estruturais de
cunho neolIberal – centradas na desregulamentação dos mercados, na abertura
comercial e financeira, na privatização do setor público e na redução do Estado –
assumem numa convergência forçada nas medidas recomendadas a nível
internacional, que ganham força de doutrina constituída e aceita por praticamente
quase todos os países do mundo , inclusive o Brasil. Desta forma, o ajuste neoliberal
não é apenas de natureza econômica, mas faz parte de uma redefinição global do
campo político-institucional e das relações sociais. Trata-se de uma crise global de
um modelo social de acumulação, cujas tentativas de resolução têm produzido
transformações estruturais que dão lugar a um modelo diferente – denominado
neoliberal – que inclui a informalidade no trabalho, o desemprego, o subemprego, a
desproteção trabalhista, e , conseqüentemente, acirra as desigualdades sociais e
suprime os direitos já conquistados, na CF/88, contribuindo para o aumento das
mazelas humanas, principalmente a violência, na sua estrutura e subjetividades.
Para realizar tal debate, amparamos as discussões apresentadas sobre este tema,
em autores como IAMAMOTO (2003), CARVALHO (2003) , LAURELL (1997),
HUBERMAM (1986), POCHMANN (2004), SOARES (2003), TOLEDO (1997),
ALMEIDA (2001- 2002), BRASIL (2004).
Ainda neste capitulo, no item “Políticas públicas: para que servem?”, as
discussões ocorreram em torno do que se entende sobre Política Pública, por que
surgiu, seus impactos na realidade, sua estrutura na perspectiva neoliberal, enfim,
tentou-se explicitar um pouco sobre a formulação, a implementação das políticas
públicas no atual contexto, e para tal feito, buscou-se embasamento teórico sobre o
tema nos seguintes autores: FARIA (1999), SOUZA (2006).
No item 1.3, apresentamos um breve panorama sobre os instrumentos em defesa
dos direitos humanos à Construção do Provita, partindo da Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948), apresentando as questões e os atores envolvidos na
caminhada dos direitos humanos, assim como contextualizando-a com os momentos
marcantes da política, da economia, da cultura, da religião, de forma a situá-los até a
construção do entendimento de que se fazia necessária a construção de uma
política pública que atendesse as vítimas e testemunhas de crime.
Diante de todos os avanços alcançados ao longo da construção histórica quanto
a conquista de direitos, os episódios de violações dos direitos humanos continuam
marcando a sociedade brasileira.
É neste contexto que emerge o Programa Nacional de Direitos Humanos,
apoiando a criação de Programas de Proteção a Vítimas e Testemunhas de Crimes
nos estados brasileiros, estabelecendo um novo contexto no que se refere à luta
contra a impunidade.
A participação da sociedade civil nas discussões e debates sobre direitos
humanos contribuíram de forma muito significativa na concepção e execução de
uma política pública de proteção a testemunhas. A partir deste marco, começam a
ser implantados paulatinamente os Provitas nos estados brasileiros, assim como se
regulamenta tal política através da promulgação da Lei federal 9807/99.
Já no segundo capitulo, denominado “Provitas Estaduais e as Políticas de
Saúde e Assistência Social”, explicitou-se inicialmente a estrutura e como funciona
o Provita de uma forma geral, de acordo com as orientações da Lei Federal 9807/99
e com os Manuais de Procedimentos, de documentos de “Boas Práticas”
constituídos, principalmente pelo GAJOP e pelas equipes técnicas interdisciplinares
estaduais. No item “Políticas de Assistência Social e Saúde: Ambigüidades e
desafios” divide-se em dois subitens, sendo o primeiro “A Política de Assistência
Social e a LOAS”, no qual contextualizou-se esta política pública no Brasil, tendo
como referência os principais instrumentos de regulamentação (LOAS e CF/88) que
contribuíram para a construção da assistência social, como política de proteção
social e de direitos. Assim como também tentou-se apresentar as características e
concepções da regulamentação da política de assistência social para a área da
política pública e não como política assistencialista e não política.
Para tanto, explicitou-se as implicações de tais características e concepções:
quanto aos papéis e responsabilidades do Estado e da sociedade civil; frente ao
modelo econômico instaurado a partir dos anos 90 – o neoliberalismo; assistência x
assistencialismo; inclusão social x exclusão social; direitos conquistados x
regressão dos direitos. As análises deste tema foram desenvolvidas seguindo as
contribuições de YAZBEK (2004), FERREIRA (2000), SPOSATI (1994 - 1995).
O segundo subitem “A Política de Saúde no Brasil”, percorreu-se sobre as
transições ocorridas nas Políticas de Saúde, desde o inicio do séc XX, onde a
“questão saúde” não era tratada como questão pública e a população trabalhadora
vivia em condições sanitárias precárias, na qual as epidemias atingiam a população
de forma avassaladora, tendo como conseqüência intervenções autoritárias e
preconceituosas por parte do Estado para “tratar da questão saúde”, até a
regulamentação do então denominado SUS (Sistema Único de Saúde)
regulamentado na CF/88 e na Lei Orgânica da Saúde (Leis 8.080/91 e 8.142/91),
que apresenta a garantia da Saúde como um direito de todo cidadão independente
da sua condição social e contributiva. Essa conquista trouxe consigo inúmeros
desafios, contradições, utopias, que se expressam: na descentralidade
administrativa e política das ações de saúde; na integralidade das ações; na
prevenção e manutenção da saúde/cura da doença; na baixa qualidade dos serviços
de saúde em instituições públicas; na implementação do controle social; na
privatização e terceirização da saúde; no acesso e disponibilidade de serviços
prestados à população; na implementação efetiva das Conferências e Conselhos de
Saúde; e por fim, tantas outras questões que fazem parte deste contexto, e que
influenciam diretamente na efetividade e qualidade dos serviços de saúde
disponibilizados à população. Ressaltando o modelo econômico neoliberal, que
reafirma e contribui para a precarização do Sistema Único de Saúde, em favor do
mercado, do Capital. Para tanto, buscou-se a contribuição de LUZ (1991),
OLIVEIRA JR. (1998), BRAVO(1999 - 2006).
No terceiro e último capítulo, intitulado de “A práxis cotidiana dos Provitas
Estaduais quanto a inserção dos usuários nas Políticas Públicas”, é o momento
em que realizou-se a análise das seguintes perguntas : Como acontece e quais os
caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os
atendimentos em Rede Pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo
como base o SUAS e o SUS no que se refere á disponibilidade de serviços? Diante
das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos, quais
os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços?
Seja público ou privado.
Como metodologia para aplicação das referidas perguntas, enviou-se as mesmas
via fax para todos os Provitas Estaduais, a fim de que se pudesse minimamente
obter dados e subsídios sobre a prática cotidiana para então ensaiar uma análise
sobre como acontece o acesso dos protegidos na rede de serviços públicos de
forma segura e qualitativa.
Quanto a pesquisa contendo as respostas dos Provitas Estaduais realizou-se a
tabulação através de Quadros, onde estes foram identificados por números. A partir
das respostas apresentadas buscou-se algumas sinalizações existentes nos
contextos de cada Provita, que também estão explicitados nos Quadros (ver Quadro
A - 01 ao 07).
Realizou-se a análise das informações e conteúdos obtidos de forma a
aproximar-se da realidade, sendo certo que o referido trabalho levou em
consideração que os resultados objetivos são permeados por sujeitos reais que
estão inseridos em uma sociedade revestida de contradições políticas, econômicas e
sociais, e que por este motivo torna-se mínima a possibilidade de retratar a realidade
em sua totalidade. Entretanto, a análise das informações obtidas através de alguns
Provitas Estaduais possibilitou uma tentativa de aproximação da realidade.
No debate das discussões dos resultados da pesquisa realizou-se a explicitação
breve sobre a relação e as dimensões existentes entre Estado e Sociedade Civil,
que muito tem haver com a história do Programa de Proteção no Brasil, pois é a
partir desta relação que o referido Programa toma “cara e corpo”, definindo sua
funcionalidade.
Desta forma tentou-se realizar a apresentação das respostas casadas com
algumas observações quanto ao tema a que esta monografia se propõe.
CAPITULO I
As Políticas Públicas no Brasil e Direitos Humanos
1.1 Neoliberalismo e seus impactos: a supressão dos direitos e o recorte da
violência
Na atualidade, no mundo contemporâneo/hipermoderno, está em evidência a
cultura do medo, da violência. Deve-se considerar que ela é parte de expressões
baseadas em relações sociais. Cediço que essas relações estão atreladas às
relações de produção da vida material. As mudanças nas relações de produção da
vida material estão correlacionadas a uma modificação no modo de convivência
entre os indivíduos e deles com a sociedade, ambos frutos do mesmo processo
histórico, não se desvinculando um do outro.
Como aponta Iamamoto & Carvalho, apud Marx, 2003, p.30)
As relações sociais, de acordo com as quais os indivíduos produzem, as relações sociais de produção alteram-se, transformam-se com a modificação e o desenvolvimento dos meios materiais de produção, das forças produtivas. Em sua totalidade as relações de produção formam o que se chama de relações sociais; a sociedade e, particularmente, uma sociedade num determinado estágio de desenvolvimento histórico, uma sociedade com um caráter distintivo particular.
O neoliberalismo como modelo sócio-econômico político predominante
registra uma mudança, segundo suas perspectivas e intenções no corpo social,
determinando seus conceitos e valores, entendo-se que essa mudança se expressa
no campo ideológico iminentemente na perspectiva de que a cultura dominante é a
cultura da classe dominante.
Este modelo sócioeconômico pode ser determinado como um modelo
capitalista político-econômico-ideológico que se caracteriza na separação entre
Economia e Estado, que sejam, as atividades econômicas devem ser geridas e
controladas pelas leis do mercado sem a intervenção/regulação do aparelho estatal.
Essa distinção entre economia e política remete ao mecanismo de despolitização
das relações sociais.
O modelo liberal originou-se a partir das teorias clássicas do séc. XVIII, sendo
consagrado por Adam Smith, a partir da publicação em 1776, no seu livro A riqueza
das nações. Tal publicação representou uma repulsa à política mercantilista da
época, de restrição e regulamentação da economia, dando ênfase a o mercado livre
e a concorrência a que a chamava de liberdade individual.
Conforme cita Huberman,
Todo homem, desde de que não viole as leis da justiça, fica perfeitamente livre de atender aos seus interesses da forma que desejar, e colocar tanto sua indústria como o capital em concorrência com os de outros homens, ou ordem de homem” (Huberman apud Smith, 1986, p.143).
A ascensão e expansão da classe burguesa como classe dominante se deu
com a sustentação desse discurso ideológico, sendo este o modelo predominante
nos séculos XIX até as primeiras décadas do século XX. Logo dentro desta
ideologia, as relações sociais são postas como imutáveis, desconsiderando o
homem como sujeito social.
Desta forma, o modelo liberal pauta-se no tripé: naturalismo, individualismo e
razão natural que o sustentam, de acordo com Toledo (1997, p.72). No qual há uma
crença numa natureza imutável, separando a sociedade em dois lados, econômica
(produtores) e política (cidadãos), sendo orientada por leis naturais, no qual as
ações individuais constroem a sociedade e a adição destas possibilitará o bem estar
da população. Assim, o progresso da sociedade está baseado em uma razão
natural, pautada na naturalidade das ciências, utilizando um conceito abstrato de
liberdade e descontextualizando-a, desconsiderando que a sociedade seja
permeada por relações sociais.
Ou seja, não consideram o homem como sujeito social, o que implica em não
legitimar que a sociedade é fruto das relações históricas, e que há um processo de
desigualdade econômica entre os sujeitos.
A partir da Depressão de 1929, que foi a grande crise do capitalismo, o
modelo liberal perdeu seu vigor, e se manteve quase que estático no período
identificado como Guerra Fria, e consequentemente deu-se o surgimento e a
constituição do Welfare State1.
1 O Welfare State, também conhecido como Estado de Bem-estar social, se caracteriza por um Estado forte e
interventor, sendo o modelo dominante entre os anos 50 e 60, marcado por uma política de pleno emprego,
A ascensão do Welfare State, que precede ao neoliberalismo, acompanha a
história do capitalismo do século XX e suas diferentes conformações obedecem aos
distintos arranjos políticos-sociais que os paises capitalistas adotaram nos seus
ordenamentos sociais.
No qual POCHMANN enfatiza
As criticas ao liberalismo deram vazão ao processo de desmercantilização da sociedade capitalista conduzido por forte pressão social organizada e operada por um novo tipo de Estado. Em outras palavras, consagrou-se a importante politização das ações de natureza pública executadas pelo Estado, com a finalidade de restringir o papel das forças do livre mercado ( 2004, p. 04)
Entretanto, o modelo econômico-político liberal despertou a partir de meados
da década de 70 e se consolidou nas décadas seguintes, tendo a contribuição das
crises dos Estados nacionais e o fim das potências socialistas. Uma das principais
bandeiras da política liberal pautava-se na privatização do Estado gerando a
redução dos gastos nos serviços sociais e desregulamentação e flexibilização da
economia.
As estratégias concretas idealizadas pelos governos neoliberais, segundo
Laurell (1997, p. 163), para reduzir a ação estatal no terreno do bem-estar social
são: a privatização do financiamento e da produção dos serviços; cortes dos gastos
sociais, eliminando-se programas e reduzindo-se benefícios; canalização dos gastos
para os grupos carentes; e a descentralização em nível local.
Conceitualmente igual ao formulado no século XVIII, o novo liberalismo
apresentou algumas diferenças de forma muito singular na transição do século XX
para o século XXI.
Esse novo liberalismo mostrou sua “cara” extremamente imbuído de que o
Estado de bem-estar social pertence ao setor privado e que a intervenção do Estado
somente deve estar pautada na minimização da pobreza, focalizando e produzindo
uma política assistencialista ou de beneficência pública. Dentro desta política impera
ações governamentais sobre programas sociais direcionados para determinadas
camadas da sociedade, sejam aqueles que estejam em condição de extrema
pobreza ou indigência. Assim a universalidade, a igualdade e a gratuidade de
serviços sociais são suprimidos na teoria neoliberal.
crescimento do salário médio e consumo em massa, sendo considerados por alguns estudiosos como os “anos
Outra diferença muito marcante deste novo modelo neoliberal está
relacionado ao avanço tecnológico da microinformática, desenvolvimento da robótica
e até mesmo dos meios de comunicação. Segundo Fiori (1997, p. 202), há alto nível
de sofisticação científica, tanto do ponto de vista matemático e formal; da força
ideológica e teórica precedendo os avanços expansivos do capital; das condições
hegemônicas sem precedentes, quase que universal; legitimação de uma selvagem
vingança do capital sobre a política e o trabalho.
Ouro fator extremamente relevante refere-se ao discurso de Estado mínimo
que tal modelo apresenta, entretanto, na prática, remete-se há um a Estado forte,
controlador e autoritário, no sentido de garantir isenções, privatizações e benefícios
fiscais ao grande capital, assim como em despolitizar as classes e movimentos
populares, com a diminuição e redução das forças sindicais, flexibilização das leis
trabalhistas, desmobilização da classe trabalhadora e um discurso ideológico da
valorização do mercado em detrimento à democracia.
Ou seja, é muito forte que a condição política para êxito do projeto neoliberal
é a desmobilização das classes trabalhadoras e dos movimentos sociais, espaços
estes de organizações reivindicatórias e partidárias. Neste contexto, o foco
neoliberal está em desmantelar as instituições de bem-estar social, visto que estas
são as bases das ações coletivas e solidárias que diminuem a força desagregadora
da competição entre indivíduos no mercado de trabalho. Atrelado a essa
necessidade política, soma-se o objetivo econômico de sucatear as instituições
públicas para estender os investimentos privados a todas as atividades econômicas
rentáveis.
O que segundo SOARES (2003, p. 37)
a crise de acumulação capitalista na segunda metade da década de 1970 provocou o ressurgimento da ideologia liberal – antes adotada pelo Keynesianismo no pós-30 como forma de sair da crise-, agora travestida de um conservadorismo político aliado a um ultraliberalismo econômico na defesa da superioridade do mercado diante do Estado. A estratégia conservadora do neoliberalismo para superar a crise era de eliminar a busca dos assalariados na luta por uma distribuição da renda a seu favor, desenterrando os tradicionais mecanismos de “mercado”.
Para tanto, tratava-se de desmontar os mecanismos de proteção ao trabalho,
base sobre a qual se sustentava a maioria dos Estados de bem-bestar.
dourados”. Entretanto, esse desenvolvimento só foi visível nos países denominados como de primeiro-mundo.
Segundo Toledo (1997, p.80-81), no plano cultural e político, o neoliberalismo
é
a combinação do conservadorismo e autoritarismo. Conservador no sentido de dar ênfase aos valores tradicionais como idealização da família, respeito às hierarquias, culto à filantropia em detrimento a direitos sociais, satanização do Estado e da coletividade. Por conseguinte, e fundamentalmente reproduz contradições entre liberdade e igualdade, em que a desigualdade econômica é um fator necessário para funcionar a liberdade econômica, construindo o mito da mobilidade social onde só os “sujeitos bons” através de seus esforços pessoais conseguem essa ascensão, individualizando problemas e não levando em consideração todo o processo estrutural de desigualdade.
O avanço dessa ideologia e de suas perspectivas no Brasil tem contribuído
para elevar os índices de misérias, indigências e redução dos salários e
“empobrecimento generalizado da classe trabalhadora e na incorporação de novos
grupos sociais à condição de pobreza ou extrema pobreza”.(Laurell, 1997, p.151).
Os Estados nacionais são submetidos a constantes ajustes fiscais e diminuição
considerável de investimentos em políticas públicas de combate à desigualdade,
geralmente a mercê de imposições do grande capital representado principalmente
nas figuras jurídicas do Fundo Monetário Internacional e Banco Mundial. Esse
contexto tem propiciado o surgimento e crescimento de um grupo de indivíduos que
possuem pouquíssimas possibilidades de (re) inserção sócio-econômica.
Na verdade, o neoliberalismo tem demonstrado que o livre mercado ao invés
de garantir a liberdade e igualdade econômica, tem provocado o crescimento das
grandes corporações do capital e acirrado a pauperização e miséria das populações
menos favorecidas.
Para tanto, Toledo (1997, p.84) afirma que
O neoliberalismo realmente existente não é senão o Estado do grande capital que, por meio da derrota da classe operária, impôs ruptura ou limitações aos pactos corporativos do pós-guerra; implantou uma nova disciplina fabril e uma austeridade salarial, também nos gastos sociais; e descontou sobre os trabalhadores os custos da crise.
Logo, o neoliberalismo tem marcado profundamente a questão do trabalho,
precarizando substancialmente o mesmo. Trabalho aqui é entendido como
ferramenta de inserção social e construção de própria identidade do ser social no
capitalismo, como produto de relações históricas. São elevados os índices de
desemprego e subemprego, flexibilização dos direitos trabalhistas conquistados a
partir de lutas da classe trabalhadora, enfraquecimento dos sindicatos e associações
trabalhistas e redução do poder de compra dos salários.
E nesse contexto do mundo do trabalho é que estão entrelaçadas as
questões relativas a estereótipos de classe/gênero/etnia e principalmente as
diferenças de classes, sejam os grupos de jovens, negros, de mulheres, de
deficientes, as classes pauperizadas não conseguem ter acesso ao trabalho de
forma digna e igualitária. Esses grupos geralmente são oriundos de comunidades
periféricas e propositalmente são estigmatizados pelo discurso da classe dominante
(principalmente através da mídia) como pessoas perigosas, incapazes e
inferiorizadas (classe subalterna). São essas pessoas que geralmente constituem os
usuários atendidos pelos Provitas.
No Brasil, a opção política pelo neoliberalismo deu-se após a ditadura militar,
com a democracia política no período conhecido como Nova República. Iniciou-se no
Governo Collor de Melo e intensificou-se nos oito anos de Governo do Fernando
Henrique Cardoso, com políticas de ajustes fiscais, pagamento de juros excessivos,
submissão a determinações do FMI, privatização de empresas estatais, e corte nos
gastos com políticas sociais, especialmente saúde, educação e assistência. Tal
opção política tem contribuído drasticamente para aumento o desemprego e miséria,
assim como o acirramento das desigualdades sociais entre ricos e pobres. Na
atualidade, apesar do discurso contrário, o Governo Lula tem desenvolvido um
processo de continuidade desse modelo político.
Esse processo tem gerado e acentuado as situações de conflito e provocado
um crescimento exponencial da violência. Violência aqui entendida como produto de
relações sociais, entre sujeitos históricos, inseridos de forma desigual nos aspectos
de gênero/etnia/classe, constituindo um conjunto complexo, heterogêneo e
contraditório. Quando ocorre uma situação de violência, ocorre um momento de
quebra, ruptura entre indivíduos, um movimento/ação de tornar sujeitos históricos
em objetos; isto é, transportar pessoas em coisas, como alguém passivo de ser
manipulado, modelado, consumido, tirando dele sua capacidade de desejar, ter
sentimento; alienar.
Onde ALMEIDA (2002) destaca
... as ações humanas que se exercem sobre eles não se dirigem tanto ao que têm de seres corpóreos, físicos e sim a seu ser social; ou seja, à sua condição de sujeitos de determinadas relações sociais, econômicas, políticas, que se encarnam e cristalizam em determinadas instituições; instituições e relações que não existem, portanto, à margem dos indivíduos concretos. (...) A práxis esbarra no limite oferecido por indivíduos e grupos humanos. A violência se insere na práxis na medida que se faz uso da força, pois a ação violenta é exatamente a que tende a vencer ou a saltar um limite através da força. (...) O corpo é o objeto primeiro e direto da violência, mesmo que esta, a rigor, não se dirija em última instância ao homem como ser.
Ora, diante desta realidade, cediço é que o neoliberalismo proporciona e
contribui para o acirramento das relações de violência, quer seja: através da
implantação de uma ideologia direcionada para a cultura do individualismo, quer
acrescentadas as características históricas de nossa sociedade de desigualdades
sociais extremadas. Tal ideologia encontra o cenário ideal para sua propagação e
enraizamento, que se concretiza na aplicação de uma política excludente,
intensificando os processos de desilusões, incertezas, falta de perspectivas das
classes desfavorecidas, adquiridos e reafirmados por situações de desemprego,
miséria, fome, exclusão social, tendo como conseqüência o acirramento dos conflitos
e lutas pela própria sobrevivência, ou por um mínimo de condições do indivíduo ser
socialmente aceito por sua comunidade, ou seja, ser reconhecido enquanto “ser
alguém” pelo meio em que vive e até mesmo de obtenção de poder através da
violência. Neste contexto o outro é visto como concorrente, desigual, no limite como
inimigo a ser combatido, alienado, destruído, ocorrendo a coisificação do outro.
A esta realidade acrescenta-se ainda algumas características particulares,
conforme aponta ALMEIDA (2001, p.7-8) como
... dimensões continentais e fronteiras, e espaço aéreo e marítimo desprotegidos à expansão internacional do tráfico de armas e drogas; constituição arquitetônica das favelas, favorecendo a ocupação e domínio do narcotráfico; naturalização de práticas violentas e , sobretudo, pela doses cruéis de violência e corrupção praticados pelos agentes do Estado, absorvendo, mesmo vinte anos depois, algumas práticas utilizadas pelo regime ditatorial. Acrescenta-se a esses fatores a questão da impunidade no Brasil, que permanece como obstáculo à democracia e a justiça, e é naturalizada pela sociedade.
Toda essa exposição sobre o neoliberalismo, seus efeitos e impactos não são
meramente abstratos, externos, superficiais. Eles estão materializados nos usuários,
especialmente ao analisar o perfil dos usuários em que o PROVITA atende. Trata-se
de pessoas que vivenciam processos de exclusão, desigualdades, preconceitos e
estigmas; pessoas que não possuem, na maioria das vezes, um mínimo de noção de
cidadania e direitos, reproduzindo um caráter de favor/clientelismo da política pública
existente em nossa sociedade.
Essas pessoas são aquelas que compõem os grupos mais vulneráveis de
jovens, mulheres, negros, estão constantemente em risco de perder o direito civil
mais fundamental e particular, que é o direito à vida, quiçá ter acesso às políticas
públicas de Saúde, Educação e Assistência Social.
Embora o contexto seja desfavorável, surgem também as formas de
enfrentamento a essa realidade. O próprio surgimento dos PROVITAS e a
homologação da lei 9807/99 sintetizam esse movimento.
1.2 Políticas Públicas: para que servem?
As últimas décadas registraram o ressurgimento da importância do campo de
conhecimento denominado políticas públicas, assim como das instituições, regras e
modelos que regem sua decisão, elaboração, implementação e avaliação. Vários
fatores contribuíram para a maior visibilidade desta área. O primeiro foi a adoção de
políticas restritivas de gasto, que passaram a dominar a agenda da maioria dos
países, em especial os em desenvolvimento. A partir dessas políticas, o desenho e a
execução de políticas públicas, tanto as econômicas como as sociais, ganharam
maior visibilidade. O segundo fator é que novas visões sobre o papel dos governos
substituíram as políticas keynesianas do pós-guerra por políticas restritivas de gasto.
Assim, do ponto de vista da política pública, o ajuste fiscal implicou a adoção de
orçamentos equilibrados entre receita e despesa e restrições à intervenção do
Estado na economia e nas políticas sociais. Esta agenda passou a dominar a partir
dos anos 80, em especial em países com longas e recorrentes trajetórias
inflacionárias como os da América Latina. O terceiro fator, mais diretamente
relacionado aos países em desenvolvimento, como o Brasil, é que ainda não se
conseguiu formar coalizões políticas capazes de equacionar minimamente a questão
de como desenhar políticas públicas que impulsionem o desenvolvimento econômico
e de promover a inclusão social de grande parte de sua população. Respostas a
este desafio não são fáceis nem claras ou consensuais. Elas dependem de muitos
fatores externos e internos, sejam culturais, políticos, econômicos. No entanto, o
desenho das políticas e as regras que regem suas decisões, elaboração e
implementação, também influenciam os resultados dos conflitos inerentes às
decisões sobre política pública.
Desta forma FARIA (aput, Melo, 1999), aponta
Na verdade, há hoje uma babel de abordagens, teorizações incipientes e vertentes analíticas que buscam dar inteligibilidade à diversificação dos processos de formação e gestão das políticas públicas em um mundo cada vez mais caracterizado pela interdependência assimétrica, pela incerteza e pela complexidade das questões que demandam regulação. No Brasil, porém, apesar do boom das últimas décadas,o campo de análise de políticas públicas ainda é bastante incipiente, padecendo de grande fragmentação organizacional e temática e tendo uma institucionalização ainda precária.
Para tanto, em uma análise mais objetiva e prática da questão, no que se refere
à formulação, implementação e avaliação das políticas públicas, torna-se necessário
ressaltar a diferenciação entre Estado e Governo.
Entende-se Estado como o conjunto de instituições permanentes como órgãos
legislativos, tribunais, exército e outras que possibilitam a ação do governo; e
Governo, como o conjunto de programas e projetos que partem da sociedade
(políticos, técnicos, organismos da sociedade civil e outros) e propõe para a
sociedade como um todo, configurando-se a orientação política de um determinado
governo que assume e desempenha as funções de Estado por um determinado
período.
Ou seja, política pública é o Estado implantando um projeto de governo, através
de programas e de ações voltadas para setores específicos da sociedade.
O Estado não pode ser reduzido à burocracia pública aos organismos estatais
que conceberiam e implementariam as políticas públicas. As políticas públicas são
compreendidas como as de responsabilidade do Estado - quanto à implementação e
manutenção a partir de um processo de tomada de decisões que envolvem órgãos
públicos e diferentes organismos e agentes da sociedade civil relacionados à política
formulada ou implementada. Neste sentido, políticas públicas não podem ser
reduzidas a políticas governamentais.
Quando as políticas públicas sociais se referem a ações que determinam o
padrão de proteção social implementado pelo Estado, voltadas, em princípio, para a
redistribuição dos benefícios sociais visando a diminuição das desigualdades
estruturais produzidas pelo desenvolvimento socioeconômico. As políticas sociais
têm suas raízes nos movimentos populares do século XIX, voltadas para os conflitos
surgidos entre capital e trabalho, no desenvolvimento das primeiras revoluções
industriais.
As políticas públicas de uma forma geral se situam no interior de um tipo
particular de Estado. São formas de interferência do Estado, visando a manutenção
das relações sociais. Portanto, assumem "feições" diferentes em diferentes
sociedades e diferentes concepções de Estado. É impossível pensar Estado fora de
um projeto político e de uma teoria social para a sociedade como um todo.
Pode-se sintetizar política pública como “o que o governo escolhe ou não fazer”,
ou seja, decisões e análises sobre políticas públicas implicam responder às
seguintes questões: quem ganha o quê, por quê e que diferença faz.
Nesse sentido, a concepção neoliberal de sociedade e de Estado que se
inscreve no mundo contemporâneo absorve o movimento e as transformações da
história do capitalismo e resume a máxima tão conhecida atualmente “menos Estado
e mais mercado”. Nesta concepção de Estado e Governo, reduz-se ou até mesmo
aniquila-se o Estado de Bem estar social, através da defesa enfática das liberdades
individuais, justificando o mercado como regulador da riqueza e da renda.
Por conseguinte, na teoria neoliberal, políticas públicas são as ações do Estado
na tentativa de regular os desequilíbrios gerados pelo desenvolvimento da
acumulação capitalista - são consideradas um dos maiores entraves a este mesmo
desenvolvimento e responsáveis, em grande medida, pela crise que atravessa a
sociedade contemporânea. A intervenção do Estado constituiria uma ameaça aos
interesses e liberdades individuais, inibindo a livre iniciativa, a concorrência privada,
e podendo bloquear os mecanismos que o próprio mercado é capaz de gerar com
vistas a restabelecer o equilíbrio. Nesta perspectiva, o livre mercado é apontado
como grande equalizador das relações entre os indivíduos e as oportunidades na
estrutura ocupacional da sociedade.
Coerentes com estes postulados, os neoliberais não defendem a
responsabilidade do Estado em relação à formulação e implementação de políticas
públicas em termos universalizantes, mas de uma forma segmentada, restritiva,
paliativa e de má qualidade, tal como encontram-se os sistemas de Saúde, de
Assistência, de Educação pública no país. Outro fator relevante diz respeito à
transferência, por parte do Estado, da responsabilidade de execução das políticas
públicas às esferas privadas. Tal situação é entendida como uma forma de aumentar
a eficiência administrativa (teoricamente qualificar o serviço, já que este não
funciona) e de reduzir custos.
Enfim, o processo de definição de políticas públicas para uma sociedade reflete
os conflitos de interesses, os arranjos feitos nas esferas de poder que perpassam as
instituições do Estado e da sociedade como um todo.
Há alguns elementos importantes deste processo insistentemente incorporado
na análise das políticas públicas que dizem respeito aos fatores culturais,
econômicos, e a aqueles que historicamente vão construindo processos
diferenciados de representações, de aceitação, de rejeição, de incorporação das
conquistas sociais por parte de determinada sociedade, principalmente daqueles
grupos que sempre ficaram à margem da sociedade, vivenciando todas as formas de
exclusão. Com freqüência, localiza-se aí procedente explicação quanto ao sucesso
ou fracasso de uma política ou programa elaborado; e também quanto às diferentes
soluções e padrões adotados para as ações públicas de intervenção nas questões
sociais mais complexas e emblemáticas.
Pode-se, então, resumir política pública como o campo do conhecimento que
busca, ao mesmo tempo, "colocar o governo em ação" e/ou analisar essa ação e,
quando necessário, propor mudanças no rumo ou no curso dessas ações. A
formulação de políticas públicas constitui-se o estágio em que os governos
democráticos traduzem seus propósitos e plataformas eleitorais em programas e
ações que produzirão resultados ou mudanças no mundo real.
As políticas públicas repercutem intimamente nas inter-relações entre Estado,
Economia e Sociedade.
A relação entre Sociedade e Estado, o grau de distanciamento ou aproximação,
as formas de utilização ou não de canais de comunicação entre os diferentes grupos
da sociedade e os órgãos públicos – que refletem e incorporam fatores culturais,
como acima referidos – estabelecem contornos próprios para as políticas pensadas
para uma sociedade. Indiscutivelmente, as formas de organização, o poder de
pressão e articulação de grupos sociais no processo de estabelecimento e
reivindicação de demandas são fatores fundamentais na conquista de novos e mais
amplos direitos sociais, incorporados ao exercício da cidadania. 2
2 Os Conselhos de Direitos são espaços que foram criados com o propósito de garantir a participação da
sociedade civil na elaboração das políticas públicas, de forma paritária – Governo/Usuários dos serviços/
Sociedade civil,
No seu íntimo, a concepção de políticas públicas, segundo Souza (2006, p.06)
Guiam-se para o locus onde os embates em torno de interesses, preferências e idéias se desenvolvem, isto é, os governos. As políticas públicas de uma forma geral tende a uma perspectiva de que o todo é mais importante do que a soma das partes e que indivíduos, instituições, interações, ideologia e interesses contam, mesmo que existam diferenças sobre a importância relativa destes fatores. Assim, do ponto de vista teórico-conceitual, a política pública em geral e a política social em particular são campos multidisciplinares, e seu foco está nas explicações sobre a natureza da política pública e seus processos. Por isso, uma teoria geral da política pública implica a busca de sintetizar teorias construídas no campo da sociologia, da ciência política e da economia. Se admitirmos que a política pública é um campo holístico, isto é, uma área que situa diversas unidades em totalidades organizadas, isso tem duas implicações. A primeira é que, como referido acima, a área torna-se território de várias disciplinas, teorias e modelos analíticos. Assim, apesar de possuir suas próprias modelagens, teorias e métodos, a política pública, embora seja formalmente um ramo da ciência política, a ela não se resume, podendo também ser objeto analítico de outras áreas do conhecimento, inclusive da econometria, já bastante influente em uma das subáreas da política pública, a da avaliação, que também vem recebendo influência de técnicas quantitativas. A segunda é que o caráter holístico da área não significa que ela careça de coerência teórica e metodológica, mas sim que ela comporta vários "olhares". Por último, políticas públicas, após desenhadas e formuladas, desdobram-se em planos, programas, projetos, bases de dados ou sistema de informação e pesquisas.Quando postas em ação, são implementadas, ficando daí submetidas a sistemas de acompanhamento e avaliação.
O que está em cheque não é uma simples questão de abordagem sobre política
pública, mas da clareza sobre concepções metodológicas que implicam
pressupostos, conceitos, posturas teóricas, sistematizações intelectuais, proposições
políticas, enfim, concepções que formatam a realidade e a perpetuação de um
modelo de sociedade, imbuída de desigualdades sociais.
Logo, em um Estado de inspiração neoliberal, as ações e estratégias sociais
governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em
programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e
escolhas individuais”, não usufruem do progresso social. Assim, tais ações
freqüentemente não se propõem a alterar as relações estabelecidas na sociedade.
Numa sociedade extremamente desigual e heterogênea como a brasileira, a
formatação e implementação das políticas públicas possui importante papel, quiçá
melhor, papel fundamental quanto a estabelecer como prioritários programas e
ações universalizantes, que possibilitem a incorporação de conquistas sociais pelos
grupos e setores desfavorecidos, visando à reversão do desequilíbrio social.
Tais expectativas se colocam em relação direta com os pressupostos e
parâmetros adotados pelos órgãos públicos e organismos da sociedade civil com
relação ao que se concebe por Estado, Governo e Políticas Públicas.
1.3 Dos instrumentos em defesa dos direitos humanos à Construção do
Provita
Para tratar deste tema, partiu-se do recorte da Declaração Universal dos Direitos
Humanos (1948)3, onde no Brasil, até a década de 1970, o tema não vingou nas
esferas das políticas governamentais e não governamentais. Nesse período
composto pela ditadura militar, tem-se a supressão de direitos civis e políticos e
concomitantemente com uma compreensão crescente da imposição de um modelo
econômico excludente que avançava sobre os direitos sociais e econômicos da
população, que começavam a emergir forças de resistência que levantavam as
discussões sobre direitos humanos. Ressalte-se que dentre os grupos denominados
“defensores de direitos humanos”, a Igreja Católica foi um espaço considerável de
resistência desde o início da ditadura militar, com a organização da Comissão
pastoral de Direitos Humanos em várias dioceses. Fato é que muitas dessas
comissões, posteriormente, tornaram-se organizações não governamentais
implicadas com o tema direitos humanos. Outros grupos religiosos, como os
presbiterianos, luteranos e metodistas também participaram ativamente desse
momento político , porém a vertente católica teve contribuição considerável nas
décadas de 1970 e 1980, visto que articulou os movimentos estudantil, sindical-
operário e popular, contribuindo por exemplo no que foi as “Diretas já” (1984) e
(1985) no fim da ditadura militar .
Um outro momento histórico marcante quanto ao reconhecimento dos direitos e
de políticas públicas foi a Assembléia Constituinte e a promulgação da Constituição
Cidadã em 1988. Os capítulos I, II e IV – Titulo II – da Constituição consagram o
Estado Democrático de Direitos, expondo uma gama de direitos civis, sociais e
políticos. A constituição da Republica Federativa do Brasil estabelece como objetivos
da República: “construir uma sociedade livre, justa e solidária; garantir o
3 O conceito atual de Direitos Humanos foi confirmado com a realização da Conferencia Mundial sobre Direitos
Humanos. Na ocasião foram elaborados a Declaração e o Programa de Ação de Viena.
desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as
desigualdades sociais e regionais; promover o bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de descriminação” (Art. 3º).
Como fundamentos do Estado democrático de Direito o texto constitucional afirma “a
soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do
trabalho e da livre iniciativa e o pluralismo político. Os direitos sociais incluem
educação, saúde, moradia, trabalho, lazer, segurança, previdência social, proteção à
maternidade e à infância e a assistência aos desempregados” (Art. 6º).
Contudo, contribui Benevides
Nossa Carta Magna reflete, assim, uma feliz combinação de direitos humanos e de direitos do cidadão, de tal sorte que lutar pela cidadania democrática enfrentar a questão social no Brasil praticamente se confunde com a luta pelos direitos humanos. Temos uma bela Constituição Social o que, sem dúvida, representa um avanço considerável em relação à historia de um país regado com sangue de escravos. No entanto, ainda hoje, a realidade brasileira explode em violenta contradição com aqueles ideais proclamados. Sabemos todos que vivemos num pais marcado por profunda desigualdade social, fruto de persistente política oligárquica e da mais escandalosa concentração de renda.
Ora, apesar da CF/88 ter posto avanços quanto ao reconhecimento formal dos
direitos, ainda persiste cotidianamente a violação a estes direitos no país.
Avançando, tem-se a Conferência Mundial da Organização das Nações Unidas,
realizada em Viena no ano de 1993, na qual o Brasil presidiu o comitê responsável
pela redação final do documento da Conferência. Consiste da Declaração de Viena
que “todos os direitos humanos são universais, indivisíveis, inter-dependentes e
inter-relacionados” (Art 5º). Expressando-se desta forma, além de revelar um
avanço na própria concepção - mais sistêmica holística – de direitos humanos, o
“Programa de Ação” da Conferência de Viena abriu espaço para aquilo que muitas
organizações não-governamentais, comprometidas com direitos humanos, tem
chamado de “o direito à criação de direitos” (Bakker 2008) 4.
Pode-se afirmar que a Declaração Universal de 1948 foi primordial para o
processo de legitimação dos direitos humanos, porém a Conferência de Viena
fomentou avanço, quando afirmou
4 Bakker, Nicolau João é associado do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular e ex-conselheiro do
Condel/SP.
A Conferencia Mundial sobre Direitos Humanos vê com bons olhos o progresso alcançado na codificação dos instrumentos de direitos humanos, que constitui um processo dinâmico e evolutivo, e recomenda vigorosamente a ratificação universal dos tratados de direitos humanos existentes. Todos os Estados devem aderir a esses instrumentos internacionais e devem evitar ao máximo a formulação de reservas (nº 26)
5.
Quanto a adesão a tratados, convenções, declarações de direitos humanos, o
Brasil avançou, porém foi em 1985 com restabelecimento da democracia formal, foi
que em alguns estados do país surgiu de certa forma um clima favorável de diálogo
entre governos e instituições de direitos humanos. Alguns Estados declararam
explicitamente a abertura política para a discussão sobre direitos humanos, como foi
o caso de São Paulo e do Rio de Janeiro, (1983-1987).
Houve avanços ainda, no início da década de 1990, quando o governo brasileiro
ratificou conforme lê-se na CF/88 os principais textos do direito internacional dos
direitos humanos, que sejam: a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a
Tortura (1989), a Convenção sobre os Direitos da Criança (1990), o Pacto
Internacional de Direitos Civis e Políticos (1992) e a Convenção Americana sobre
Direitos Humanos e a Convenção Americana contra a Tortura e Outros Tratamentos
ou Penas Cruéis e Degradantes (1993).
É na década de 90, que a discussão sobre direitos humanos começa a tomar
“corpo e cara‟. Nesse sentido o papel das entidades não governamentais a nível
nacional e internacional foi fundamental para a constituição dos avanços obtidos. No
Brasil, em 1993, aconteceram diversas reuniões entre Governo e Sociedade Civil,
por solicitação de ONGs que participaram da Conferência de Viena. Na ocasião, a
solicitação foi aderida pelo então Ministro da Justiça Mauricio Corrêa. Pode-se dizer
que estas reuniões foram precursoras no que se refere a estabelecer uma agenda
nacional de direitos humanos.
Foi neste período que referências a um Programa de Proteção surgiram e
começaram a ser inseridas em documentos governamentais e não-governamentais,
sobre direitos humanos no país. Assim como também, em 1993, um relatório do
Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (USP) e da
Comissão Teutônio Vilela indicou:
5 Conferencia Mundial sobre os Direitos Humanos. Declaração e programa de Ação de Viena (1993). Fonte:
(http://pfdc.pgr.mpf.gov.br)
Tanto no massacre da candelária quanto no de Vigário Geral e em qualquer caso no futuro que envolva violência policial, as autoridades estaduais devem oferecer e providenciar, quando necessário, efetiva proteção para as testemunhas, que podem, do contrário, sentir-se intimidadas e não oferecer evidências relevantes.
Posteriormente, em 1995, estas duas entidades elaboraram um relatório
sugerindo a elaboração de um Programa Federal de Proteção a Testemunhas,
assim como a criação dos programas estaduais. Outra contribuição marcante que
não pode-se deixar de citar foi surgimento do Movimento Nacional de Direitos
Humanos (MNDH), fundado na cidade de Petrópolis (RJ) em 1982, com a
participação de mais ou menos 400 entidades. Algumas destas ONGs são gestoras
atuais do Programa de Proteção.
Na década de 90, o MNDH em 1993, no Espírito Santo, diante da realidade
referente à abrangência do crime organizado e até mesmo devido à infiltração
destes nos poderes governamentais, iniciou a “Campanha Nacional contra a
Impunidade”, que posteriormente resultou na criação do Fórum Permanente contra o
Crime Organizado/Reage Espírito Santo.
No ano de 1995, o então Presidente da Republica Fernando Henrique Cardoso,
em discurso no Dia da Independência, explicitou sobre a preparação de um Plano
Nacional de Direitos Humanos, a ser constituído em diálogo com a sociedade civil.
Muitos foram os episódios de violações dos direitos humanos marcados na
história do Brasil, mesmo diante do reconhecido avanço existente quanto ao tema,
que sejam: Carandiru, Candelária, Vigário Geral, Corumbiara, Eldorado dos Carajás,
que engrenaram as discussões sobre direitos humanos no país. Ressalte-se que foi
então nesse período (nas décadas de 1980 e 1990), que aumentaram os índices de
violências e atrocidades que envolviam agentes de órgãos destinados ao combate
da violência.
Assim em 1996, foi publicado o Programa Nacional de Direitos Humanos, tendo
como uma das propostas a implantação de serviços específicos para o atendimento
de vítimas e testemunhas ameaçadas, estabelecendo no capítulo que trata da “Luta
contra a Impunidade”, “apoiar a criação nos Estados de programas de proteção de
vitimas e testemunhas de crimes, expostas a grave e atual perigo em virtude de
colaboração ou declarações prestadas em investigação ou processo penal”.
A experiência pioneira do Programa de Proteção, no que diz respeito a uma
concepção brasileira de políticas públicas de proteção a testemunhas, quanto a
elaboração e execução, deu-se no estado de Pernambuco por intermédio do
Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP).
Tão logo, diante da emergência de um Programa de Proteção e dos
significativos resultados obtidos no estado de Pernambuco, em 1998 foi celebrado
convênio com o Ministério da Justiça, através da Secretaria Nacional de Direitos
Humanos, no intuito de apoiar uma iniciativa inédita e de fomentar em outros
Estados a implantação do Programa de Proteção.
E assim tal política foi se difundindo, e gradativamente sendo implantado nos
estados da federação brasileira. Atualmente, o Programa de Proteção está presente
em 17 Estados, que são os programas estaduais, mas também existe o Programa
Nacional, que atende casos de estados que não possui o Programa ou que tenha
dificuldades especificas.
Mais adiante, em Recife, foi realizado o I Encontro Interestadual, onde após este
evento o GAJOP enviou Projeto de Lei Federal à Secretaria Nacional de Direitos
Humanos do Ministério da Justiça, que em setembro de 1997 chegou ao Congresso
Nacional. E então os projetos de Lei existentes relativos ao Programa – nº 610/95,
1.348/95, 3.599-A/97 e 4.264/98 – passaram por transformações até a vigente Lei
Nacional nº 9.807 de 13 de Julho de 1999, que
Estabelece normas para a organização e a manutenção de programas especiais de proteção a vitimas e a testemunhas ameaçadas institui o Programa Federal de Assistência a Vítimas e a Testemunhas ameaçadas e dispõe sobre a proteção de acusados ou condenados que tenham voluntariamente prestado efetiva colaboração à investigação policial e ao processo criminal.
Capitulo II
Provitas Estaduais e as Políticas de Saúde e Assistência Social
2. 1 A estrutura de funcionalidade dos Provitas
Atualmente funcionam 17 Provitas Estaduais, nos seguintes estados Acre,
Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás,
Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Pará, Paraná, Pernambuco, Rio de
Janeiro, Santa Catarina e São Paulo, e, o Protege no Rio Grande do Sul. Ressalte-
se que o Estado que não possui o referido Programa tem o suporte a nível Federal
para atendimento as testemunhas e vítimas ameaçadas6.
De uma forma geral, o Provita tem sua operacionalização e funcionamento de
acordo com A Lei 9807/99, na seguinte estrutura: Conselho Deliberativo, Órgão
Executor e Equipe Técnica Interdisciplinar.
O Conselho Deliberativo (Condel) é um órgão colegiado composto por
representantes do Ministério Público, do Poder Judiciário, de outros órgãos públicos
e de entidades da sociedade civil com destacada atuação na área de direitos
humanos ou segurança pública. É um órgão que tem instância decisória superior,
cumprindo ao mesmo um parecer final sobre a deliberação das solicitações de
ingressos, exclusões e desligamentos, como acerca das demais providências de
caráter geral relacionadas ao cumprimento do Programa.
O Órgão Executor ou Entidade Gestora, geralmente é uma entidade da
sociedade civil, salvo no caso do Protege, onde o órgão executor é a Secretaria de
Segurança Pública. É o órgão executor que administra os recursos financeiros
advindos do Governo Federal e do Governo do Estado, assim como realiza a
seleção e contratação dos funcionários que compõem o Programa e tem como
função a articulação com outras entidades da sociedade civil no que concerne à
formação e manutenção da rede solidária de proteção.
Os profissionais que atuam no Provita são: coordenadores, apoio técnico e
equipe técnica, esta última é imprescindível que seja composta pelas áreas do
Direito, Psicologia e Serviço Social, visto que a proposta metodológica de trabalho
6 Inclui-se aqui a testemunhas e seus familiares. Leia-se núcleo familiar sendo o mesmo que
testemunhas/vitimas/familiares.
do Provita no que se refere à composição da equipe técnica é desenvolver um
trabalho interdisciplinar7 entre estas três áreas.
Sobre o modo de funcionamento, conforme Art. 5º da Lei 9807/99, atribui
legitimidade para apresentar solicitação de ingresso no Programa ao próprio
interessado, ao Ministério Público, ao Delegado de Policia, ao Juiz e aos demais
órgãos públicos e privados com atribuições de defesa dos direitos humanos. Tal
solicitação é apresentada ao órgão executor, que realiza o procedimento de triagem
com a testemunha ou vítima 8, que posteriormente “monta” um processo de inclusão
(parecer técnico interdisciplinar) instruído da manifestação do Ministério Público (Art.
3º da Lei 9807/99) e dos pareceres jurídico e psicossocial do caso, para então
remeter o processo à avaliação do Conselho Deliberativo. Dependendo da gravidade
do caso, se não houver possibilidade de atendimento imediato da solicitação de
triagem, o órgão executor pode requerer aos órgãos de segurança pública (conforme
o caso) que sejam providenciadas medidas cautelares para garantir provisoriamente
a segurança da testemunha. (Art. 5º II 3ºda Lei 9087/99).
Deliberando o Condel pelo ingresso do núcleo familiar na Rede de Proteção,
este é retirado do seu local de origem e inserido, com a observância de normas de
sigilo e confidencialidade em um Local de Proteção9, podendo antes passar por um
local de Pouso Provisório10, conforme as particularidades de cada caso ou situação.
É pré-condição para inserção e permanência no Programa de Proteção que a
testemunha esteja à disposição da Justiça para quaisquer esclarecimentos, quando
necessários. Resumidamente, há alguns requisitos para ingresso e permanência no
Programa de Proteção, conforme determinação da Lei 9807/99: a) Situação de risco
– A pessoa deve estar “coagida ou exposta à grave ameaça” (art 1º caput). É
necessária a existência de elementos significativos que demonstrem a probabilidade
de que a coação ou ameaça possa vir a ocorrer; b) Colaboração – A situação de
risco em que se encontra a pessoa deve decorrer numa relação de causalidade, da
colaboração por ela prestada a procedimento criminal em que configura como vítima
ou testemunha (art. 1º, caput); c) Conduta compatível e personalidade – Os usuários
do Programa devem ter personalidade e condutas compatíveis com as restrições de
7 A interdisciplinaridade,, a multidisciplinaridade e transdisciplinaridade são temas transversais a pratica
cotidiana dos Provitas, assim como serve sempre de debates nos seminários e encontros. 8 O procedimento de triagem é variável quanto a sua execução nos diversos Provitas, em alguns estados quem
realiza o procedimento é a equipe técnica, em outros a coordenação do Programa. 9 Entende-se por Local de Proteção a cidade onde o núcleo familiar irá residir após o seu ingresso no Programa.
comportamento a eles inerentes (art. 2º, parágrafo 2º), que sejam de não pôr em
risco a si mesmo, a equipe técnica e toda e Rede de Proteção. Podendo ocorrer a
exclusão quando qualquer membro do núcleo familiar (seja a testemunha ou familiar)
reiterar conduta incompatível, conforme (art 10, II “b”); d) Inexistência de limitações à
liberdade – Estão excluídos os “condenados que estejam cumprindo pena e os
indiciados ou acusados sob prisão cautelar em qualquer de suas modalidades” (art.
2º, § 2), visto que é necessário que a pessoa esteja no gozo de sua liberdade; e)
Anuência do protegido – A adesão ou desligamento são voluntários, ou seja, o
ingresso no Programa, juntamente com as restrições de segurança e demais
medidas adotadas terão a ciência e concordância da pessoa a ser protegida (art 2º,
§ 3).
Existem alguns instrumentos que são utilizados quanto a exercer “um contrato”
de cumprimento das condutas do protegido e do protetor, como por exemplo: o
Termo de Compromisso, que é composto detalhadamente pelas cláusulas de
Normas e Regras do Programa de Proteção.
Na ocasião dos translados e deslocamentos em audiências ou atividades afins, o
Provita providencia todo o aparato de segurança de acordo com análise de risco e
conforme exigências do caso.
Existe ainda a possibilidade de “Permuta”, que devido às dimensões geográficas
do Brasil, facilitam uma proteção de forma mais abrangente e segura, tornando-se
uma modalidade de proteção bastante eficaz. O sistema de proteção possibilita a
permuta de núcleos familiares entre as diversas redes de proteção, providenciando o
deslocamento do núcleo para um outro Estado, garantindo o sigilo do local onde foi
acolhido, firmando sua segurança e integridade.
O Local de Proteção é escolhido, dentro da medida do possível, de acordo com
as características sociais, culturais e psicológicas do núcleo familiar com vistas a
facilitar a adaptação à nova realidade de vida. Juntamente com tal escolha, é
realizado um mapa de risco a nível nacional sobre a abrangência do grupo
denunciado. O Programa disponibiliza, de modo geral, auxilio com: moradia
devidamente mobiliada, pagamento de despesas referentes aos serviços de água e
luz, alimentação, vestuário, material escolar, medicamentos, serviços médicos e
odontológicos, educação, cursos profissionalizantes, acompanhamento psicológico,
social e jurídico. O valor referente às despesas mensais do núcleo familiar (luz,
10
Entende-se como Pouso Provisório – Parcerias com Hotéis, Pousadas, Entidades Religiosas, etc.
água, condomínio, lazer, etc) denomina-se Planilha Mensal de Despesas (PMD),
conforme Art. 7º V – ajuda financeira mensal para prover as despesas necessárias à
subsistência individual ou familiar, no caso de a pessoa protegida estar
impossibilitada de desenvolver trabalho regular ou de inexistência de qualquer fonte
de renda. Esta planilha é formatada de forma a se aproximar o máximo da realidade
social e econômica do núcleo familiar antes de ingressar no Programa, como
também é avaliada constantemente nas visitas domiciliares (VD) realizadas pela
Equipe Técnica Interdisciplinar.
Por meio destas visitas periódicas (VD), a proposta da Equipe Técnica é
operacionalizar o desenvolvimento do acompanhamento psicossocial junto ao
núcleo familiar, que terá como desdobramento a possibilidade de inserção em um
novo lugar e rede social de relações.
Nesse sentido, a Equipe Técnica tem como objetivo facilitar por meio de
intervenções técnicas a adequação do núcleo familiar à nova realidade, que seja:
realizar planejamento orçamentário familiar; facilitar os vínculos entre os usuários e
protetor11; informar sobre os equipamentos comunitários que poderão ser utilizados
de forma segura; apoiar a inserção em entidades religiosas; adotar providências
para garantir o ingresso de crianças e adolescentes na rede pública de educação,
como acompanhar a adaptação e desempenho escolar; incentivar o retorno aos
estudos, assim como a realizar cursos profissionalizantes, entre outras medidas.
E nesse contexto, nesse “novo mundo” do núcleo familiar, que os profissionais
do Programa de Proteção tentam dar suporte e fornecer os meios disponíveis para
que os usuários formulem e implementem alguma forma de projeto de vida
autônomo e independente, quanto a garantir a sua qualidade de vida quando já não
mais estiverem inseridos no Programa de Proteção por qualquer das razões
indicadas no Art. 10 da Lei 9807/99.
Então, para que tal propósito seja alcançado, é fundamental a inserção desses
usuários na rede de serviços públicos, seja: Educação, Saúde, Assistência Social,
Cultura, como também em atividade laborativa.
11
Objetivamente denomina-se Protetor: uma pessoa que reside na cidade onde o núcleo familiar esta acolhido.
Que obtém de forma clara informações sobre o Programa de Proteção. Que possui minimamente algum
envolvimento com trabalhos sociais, religiosos, ou afins. Sua figura é fundamental em casos emblemáticos, no
que se refere a facilitar a inserção do núcleo familiar à nova realidade, dando suporte cotidiano quanto a criar
novos vínculos, a ter acesso a rede de serviços, etc.
2.2 Políticas de Assistência Social e Saúde: Ambigüidades e desafios
2.2.1 A Política de Assistência Social e a LOAS
No que se refere à Política Social, cediço é que com a promulgação da
Constituição de 1988 (CF/88), teve-se a construção de um novo olhar sobre a
concepção da Assistência Social no Brasil, que seja como política social pública.
Sendo Regulamentada pela LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) em
dezembro de 1993 e concebida na CF/88 enquanto Seguridade Social: política
pública de proteção social , ou seja, política de direitos, universal e de
responsabilidade estatal, composta pelo tripé: Saúde, Previdência e Assistência
Social.
Tal concepção introduz de forma muito significativa a transposição da política de
assistência social como política assistencialista e não política para a área da política
pública.
A CEF/88 estabelece em seu Art.194 “A seguridade social compreende um
conjunto integrado de ações de iniciativas dos poderes públicos e da sociedade,
destinada a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e á assistência
social”. E no Art. 203 “A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social”.
A LOAS – Lei nº 8742 de 07/12/93 em seu Art. 1 estabelece “A assistência
social. Direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento
às necessidades básicas”. Apresenta como pressupostos a atuação no campo dos
direitos sociais, universalização de acesso, responsabilidade estatal,
descentralização político administrativas, superação do assistencialismo,
participação da sociedade civil/controle social e ampliação do protagonismo dos
usuários; afirmando novos paradigmas para a política de Assistência Social quanto a
garantia de cidadania, proteção social, caráter não contributivo, necessidade de
integração entre o econômico e o social e primazia da responsabilidade do Estado
na universalização de direitos e de acesso aos serviços. Estabelece-se assim um
novo desenho institucional e de controle social: descentralização, planos e fundos,
comando único, criação de conselhos paritários e deliberativos, arenas públicas de
negociação e controle social.
Resumidamente de acordo com Yazbek (2004, p. 13)
Nesse sentindo, pode-se afirmar que a LOAS estabelece uma nova matriz para a Assistência Social brasileira, iniciando um processo que tem como perspectiva torná-la visível como política pública e direitos dos que dela necessitarem. A inserção na Seguridade aponta também para seu caráter de política de proteção social articulada a outras políticas do campo social voltadas para a garantia de direitos e de condições dignas de vida. Desse modo, a Assistência Social configura-se como possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e espaço de ampliação de seu protagonismo.
Mas para que realmente tal proposta se configure efetivamente, a Assistência
Social deve ser pensada não de forma isolada e com fim em si mesma, mas na
articulação com outras políticas sociais, já que como política de Estado “cabe à
Assistência Social ações de prevenção e provimento de um conjunto de garantias ou
seguranças que cubram, reduzam ou previnam exclusões, riscos e vulnerabilidades
sociais (Sposati, 1995). Ou seja, a tal política passa a ocupar o lugar de
possibilidades e condições favoráveis com vistas a objetos específicos tão
enraizados na sociedade brasileira, que sejam: o combate à pobreza, à
discriminação e à subalternidade econômica, cultural e política., por meio de
serviços, benefícios, projetos, de um conjunto de programas direcionados para a
proteção social, atendendo de forma heterogênia, através da rede de segurança
(composta por órgãos do governo e por entidades da sociedade civil) um vasto
conjunto de necessidades dos segmentos mais empobrecidos da sociedade. Não
mais de forma secundária como sempre foi tratada historicamente as questões
sociais, mas de forma a romper com as ações clientelistas e assistencialistas. Ora,
uma política de Assistência Social pautada na efetivação de direitos e provimentos
de mínimos sociais de inclusão.
Há alguns outros fatores fundamentais quanto a configuração e recomposição
efetiva da política de Assistência Social, que é a descentralização com a primazia do
Estado, enquanto novo desenho institucional desta política; o planejamento e
controle de forma compartilhada e paritária através dos Conselhos, Conferências e
Fóruns; a disponibilidade de recursos federais e estaduais e principalmente no
orçamento público municipal. Na concretude dos direitos sociais, a municipalização
tem como objetivo viabilizar a descentralização das políticas, facilitar o planejamento
de ações que atendam as particularidades do município, contribuindo para a
inclusão social local, aproximando os serviços sociais da população que deles
necessita.
Em suma, a CF/88 introduziu inovações que foram materializadas com a
LOAS, como a recomposição do campo assistencial com base nos princípios de
descentralização e participação da sociedade na elaboração e no controle da política
de assistência social.
Princípios estes que estão na base do reordenamento dos dois grandes eixos de
sustentação da estrutura organizacional da assistência social como política pública
a redefinição da relação do poder público central (Governo Federal) e os poderes
públicos locais (Estados e Municípios), e, também, a recomposição da relação entre
Estado e Sociedade Civil, que envolve duas dimensões: o papel das entidades não-
governamentais prestadoras de serviços de assistência social e o papel dos
Conselhos, Conferências e Fóruns na gestão democrática da política de assistência
social (FERREIRA, 2000, p. 143).
Nesse sentindo Yasbek (2004, p. 16) aponta
Com a descentralização e a recomposição do campo socioassistencial na esfera publica, reoderna-se a estrutura organizacional da Assistência Social no país, trazendo a participação de entidades privadas para uma nova relação, que por sua vez implica nova regulação do Estado, já que estas entidades também viabilizam a política como parte do “sistema descentralizado e participativo da Assistência Social.
Cada esfera governamental tem como comando único a descentralização que
orienta o reordenamento institucional na área da assistência social. A esfera federal
tem como função a articulação e a coordenação e as normas gerais das ações entre
as três esferas de governo. Á coordenação e execução dos Programas cabem as
esferas estaduais e municipais (LOAS artigo 11). A LOAS estabelece a hierarquia
de competências entre os níveis de governo ao indicar o papel e as
responsabilidades de cada uma das instâncias do poder público.
Um dos pontos positivos que esta distribuição de competências apresenta é a
delimitação dos papéis evitando que ocorra um paralelismo e a concorrência das
ações governamentais. Outro ponto é o reconhecimento das esferas locais como
instâncias autônomas de poder sem contudo, isentar o Governo Federal da sua
responsabilidade técnica, política e financeira pela condução geral da política. O
principal risco trata-se da tendência de reduzir a descentralização a uma simples
transferência das responsabilidades aos Estados e, principalmente, aos municípios,
sem se preocupar com a responsabilidade de transferir recursos financeiros,
humanos e materiais.
As proposições da legislação referentes à recomposição das relações entre
Estado e Sociedade Civil remete-se a refletir sobre duas dimensões desta relação.
Uma é a relação entre Estado e mundo da filantropia, tradicionalmente ligado à área
assistencial. “Ainda inegavelmente, nos anos mais recentes, esta presença, além de
se diversificar em relação às tradicionais práticas filantrópicas, vem assumindo uma
posição de crescente relevância no incipiente sistema de Proteção Social do país”
(Yasbek, 2004, p. 17). A outra diz respeito aos mecanismos de participação e
controle que a sociedade dispõe para fazer valer o dever legal à política de
assistência, o que implica discutir o papel e as atribuições dos conselhos paritários
de gestão e das conferências instituídas pela LOAS, como também os Fóruns de
defesa da política social. Quanto à funcionalidade dos Conselhos, dos Fóruns, estes
representam um canal importante de organização e participação da sociedade civil,
com vistas ao acompanhamento da implementação da política pelo poder público.
São espaços de articulação de entidades da sociedade civil, com o intuito de
acompanhar o desenvolvimento da política, identificar os entraves a sua efetivação e
construir coletivamente estratégias de defesa do direito à assistência social. Porém,
tal funcionalidade não se pode desconsiderar, que apesar de alguns avanços, ainda
existem “problemas de localismo nesse processo, dificultando a realização de
direitos e muitas vezes se expressando no coronelismo político e religioso” (Yasbek,
2004).
Sendo assim, a relação entre o poder público e as entidades assistenciais no
Brasil foi marcada pelo princípio do dever moral, orientada pela lógica da filantropia e
de benemerência, sendo mediada por entidades do setor filantrópico. Ou seja, a
política assistencial implementada pelas organizações não-governamentais e, em
grande parte, pelas governamentais, por não constituírem um direito social,
orientava-se sem exigências de planejamento que indicasse claramente suas
funções, os benefícios e beneficiários, o orçamento e seus critérios de aplicação e
distribuição, bem como sua forma de gestão (FERREIRA, 2000, p. 145).
Logo, mesmo com o reconhecimento legal da assistência como direito, é
evidente que não provoca inversão automática dessas práticas, fortemente
enraizadas na cultura da política brasileira.
Atualmente há um risco fortemente explícito nessa relação entre Estado e
Sociedade Civil. Devido a essa transferência de responsabilidades, evidenciada por
alguns fenômenos como a proliferação das organizações não-governamentais
reforça-se uma lógica da sociedade em detrimento de uma lógica do Estado (apud
FERREIRA, 2000, p.146), além do grande apelo ao principio da solidariedade e do
voluntariado como fundador das relações sociais. Para que não haja o risco de
retrocedermos nos avanços conquistados e garantidos na legislação e instituirmos
um processo de refilantropização das políticas sociais de modo geral e da
assistência social, mais especificamente, as entidades assistenciais devem atuar
como colaboradoras e não como substitutas da ação governamental.
Yasbek, (2004, p. 17) contribui de forma significativa afirmando que
É nesse contexto de expansão de iniciativas solidárias que caracterizam a sociedade brasileira nos anos 1990 que se tornam evidentes as inspirações neoliberais das ações do Estado face à necessidades sociais da população. Uma rápida caracterização desses programas revela sua direção compensatória, centrada em situações-limites em termos de sobrevivência e direcionados aos mais pobres dos pobres, incapazes de competir no mercado. Estes programas (muito dos quais permanecem) caracterizam-se por ações erráticas, tímidas e sobretudo marcadas por alternativas seletivas e privatistas que sequer cumpriram o papel de amenizar as condições de pobreza da população brasileira.
Partindo desta análise, realizou-se o apontamento tímido avaliativo da política de
assistência, quanto ao seu potencial real de inclusão social, tendo como parâmetros
as ambigüidades e desafios postos na efetividade das mesmas, em especial
enquanto política de direito e não de benemerência, voluntária e filantrópica.
Nesse sentido aponta Yasbek (2004, p.18)
Trata-se de uma reflexão que, sobretudo, “não permite que se possa decidir sobre estes processos conseguiram modificar lugares de poder demarcados tradicionalmente, e portanto oferecer abertura para construir outros, ou se eles são apenas gestões bem-sucedidas das necessidades, encobertas pelos signos de uma nova forma de legitimação” (Paoli, 2003). Ou seja, em que medida esses dez anos de LOAS realizaram direitos, questionaram o lugar da subalternidade e da exclusão social e permitiram o protagonismo de seus usuários?
Teórica e eticamente falando, a
assistência social como política pública se ocupa do provimento de atenções para enfrentar as fragilidades de determinados segmentos sociais, superar exclusões sociais e defender e vigiar os direitos mínimos de cidadania e dignidade. É política de atenção e defesa de direitos: o direito a sobrevivência em padrões éticos de igualdade construídos historicamente em uma dada sociedade (SPOSAT, 1994, p. 10).
Não significa, entretanto, que a assistência social tenha se revelado em um
conjunto sistemático de ações, com regularidade de serviços e com capacidade de
mobilizar recursos e iniciativas redistributivas de rendimentos ou assecuratórias de
acessos regulares. No Brasil, essas políticas vêm sendo marcadas pela
provisoriedade e descontinuidade das ações e, via de regra, estão limitadas aos
sintomas fenomênicos da pobreza, ou seja, as iniciativas que, historicamente,
caracterizam a assistência social são de corte epidêmico incapazes de alcançar a
matriz das demandas a que se destinam. Assim, não se estabelece relação de
correspondência entre causa e efeito.
Historicamente, esta conceituação da assistência social, enquanto política
pública, não encontra correspondente na realidade brasileira, que seja na sua
regulação como política pública. A trajetória desta política não a identifica como
estratégia consagradora de acesso regular ou como um direito social. Não obstante,
ser a desigualdade social um fenômeno de matriz fundamentalmente estrutural,
derivada de um modelo de desenvolvimento excludente e socialmente perverso, o
Brasil ao longo dos vários anos vem servindo-se de ações assistencialistas para o
enfrentamento das questões sociais.
Desse modo, estão nas entranhas da Assistência Social algumas constatações
que servem de parâmetro para avaliar as ambiguidades e desafios: 1) assistência x
assistencialismo – com a nova concepção da Assistência Social posta pela LOAS,
remete-se necessariamente ao questionamento quanto a tradição assistencialista e
clientelista que vem perdurando historicamente nas ações na área social. Logo, a
identificação da Assistência Social com assistencialismo e filantropia é um desafio a
ser enfrentando cotidianamente, que seja, essas ações em si mesmas não realizam
direitos. Apesar da LOAS apresentar a questão do comando único como forma
estratégica para se alcançar os objetivos desta política, como política pública de
ações contínuas, ainda perduram em todo o país ações pulverizadas, descontínuas,
sem impacto ou efetividade. Tais concepções e práticas vêm contribuindo para
reiterar a tradição não política, de benemerência, filantrópica da assistência social
ampliando as dificuldades em inscrevê-la como Política Social Pública. 2)
Financiamento – A disponibilidade de recursos para assistência social ainda é
tratado de forma secundária pelo Estado, situação esta que fragiliza o planejamento
das ações sociais de forma mais continua e eficaz. O desafio posto está no sentindo
de assegurar mecanismos de financiamento e de transparência que permitam o
controle social e a participação social. 3) Inclusão x exclusão – cediço é que existe
na implementação das ações assistenciais uma enorme barreira histórica quanto a
contribuição efetiva das mesmas para a inclusão social, que seja num sentido de
superar as ações que visam esta política de forma fragmentada e seletiva dos
usuários, focalizadas nos mais pobres entre os pobres, o que não favorece a
ampliação da qualidade dos serviços prestados á população, quer pela fragilidade
existente nas ações integradas e intersetoriais, quer pela ausência da qualidade dos
serviços prestados, assim como não contribui para o favorecimento do protagonismo
e emancipação dos usuários desta política.
Esta última nos remete a tentar pensar e avaliar num sentido mais prático e
real sobre as condições de vida da população-alvo, sob a perspectiva de sua
inclusão/exclusão social, quanto os impactos da Política de Assistência Social nesta
realidade.
Portanto, nesse sentido, a Assistência Social
tanto pode constituir-se em possibilidade de reconhecimento público da legitimidade das demandas de seus usuários e direito social dos que dela necessitarem (mecanismo de inclusão, direito radical á vida), como pode reiterar a exclusão social (pelo favor e pelo enquadramento dos pobres). Ou seja, os limites entre inclusão/exclusão são difusos, contraditórios e subordinados a processos e interesses econômicos, políticos e culturais que permeiam as relações sociais na sociedade capitalista (YAZBEK, 2004, p.21)
É importante observar que o perfil dessa política expressa forças sociais em
conflito. A assistência social, a exemplo das demais políticas sociais, faz parte do
“processo estatal de alocação e distribuição de valores” (ABRANCHES, 1989, p. 10).
Portanto, o campo da assistência social, diferentemente do que possa parecer, é
uma arena de luta de interesses contraditórios. De um lado, movimentam-se os
representantes do capital, os quais tentam inibir iniciativas que ofereçam óbices ao
alargamento da rentabilidade econômica; de outro, movimentam-se, com menor
mobilidade e menos alternativas, os que aspiram por justiça social, que sejam os
movimentos sociais, associações, etc.
Essa abordagem conceitual situa a assistência social no trato histórico das
classes sociais, no campo de produção e reprodução das relações sociais que
configuram a vida na sociedade.
O resultado desse embate entre interesses em conflito representado por sujeitos
desiguais é o que conforma a trajetória da assistência social que vem exibindo, nas
diferentes conjunturas, uma feição assistencialista, por condicionar os assistidos a
situações de dependência continuada e por transformá-los em clientela. As
atividades assistenciais, mesmo quando desagregadas de intencionalidades política
e ideológica malsãs, têm contribuído para omitir nas relações sociais, aspectos que
precisam ser desvendados, teórica e politicamente.
Neste sentido, persistir com ações eventuais para combater demandas de matriz
estrutural revela-se o pendor de governantes para a ratificação de relações sociais
reiteradoras da exclusão social. Adotar medidas assistenciais como mecanismo de
enfrentamento das desigualdades sociais, sem estabelecer diferenciações entre
demandas estruturais e demandas eventuais, já é, em si, assistencialismo,
sobretudo quando se observa que ao longo de várias décadas, as ações na área da
assistência social tem se revelado tão episódicas quanto incertas, destituídas de
possibilidades concretas para promover alterações substantivas no viver dos grupos
sociais mais pobres, pois são pensadas de forma sobreposta à política econômica e
interesses financeiros.
Isto é mais grave quando o fator determinante para esse caráter assistencial não
é exatamente a falta de recursos financeiros ou técnicos, mas o indisfarçado
descompromisso com as parcelas subalternizadas, a ausência do interesse para
reduzir as desigualdades sociais.
Ora, a efetivação e legitimação da assistência social no campo do direito social é
um grande desafio, devido às contradições.
Entretanto, registra-se que apesar das dificuldades estruturais, políticas-
econômicas e sociais, alguns atores sociais envolvidos com a assistência social
debruçaram-se na elaboração do Plano Nacional da Assistência Social (PNAS –
2004) que traz consigo possibilidades de propiciar a discussão do processo de
reestruturação orgânica da política pública de assistência social na direção do
SUAS, ampliando e resignificando o atual sistema descentralizado e participativo. No
PNAS vários aspectos foram destacados de forma a reafirmar a relevância da
assistência social não como benemerência , mas como uma política de direito e
proteção social. Para tal construção coletiva, levou-se em consideração na
discussão e construção do Plano: 1) a análise situacional - composta pelos aspectos
demográficos; a família e individuo; proteção integral; equidade; pessoas com
deficiência e investimentos da assistência social na esfera pública. 2) a política
pública de assistência social - definição dos princípios e diretrizes da LOAS; dos
usuários dos serviços; da assistência social e as proteções afiançadas; da proteção
social básica; da proteção social especial; da proteção social especial de média
complexidade; da proteção social especial de alta complexidade e da gestão/SUAS.
Em 2005, a criação da Norma Operacional Básica do SUAS (NOB/SUAS - 2005)
teve como objetivo garantir a consolidação da gestão compartilhada, o co-
financiamento e a cooperação técnica nas esferas estadual, municipal e federal,
regulando o sistema de disponibilidade de serviços aos cidadãos. Ou seja, normatiza
os princípios organizativos de proteção social, de defesa social e institucional, da
vigilância e rede sócio-assistencial, da gestão compartilhada de serviços na três
esferas do governo, dos instrumentos de gestão e financiamento.
Se por um lado os instrumentos e avanços constitucionais apontam para o
reconhecimento de direitos e permitem trazer para a esfera pública a questão da
pobreza e da exclusão, transformando constitucionalmente essa política social em
campo de exercício de participação política, por outro, a inserção do Estado
brasileiro na contraditória dinâmica e impacto das políticas econômicas neoliberais
colocam em andamento processos desarticuladores, de desmontagem e retração de
direitos e investimentos públicos no campo social, sob forte pressão dos interesses
financeiros internacionais.
Enfim, este modelo de assistência social vigente no Brasil é, contudo, uma
construção histórica, expressão de uma sociedade precariamente democrática que
exibe, sem reservas, os dramas dos excluídos e a insensibilidade dos dirigentes
para as demandas sociais. Como ação subalternizadora, decorrente da relação
clientelista que estabelece, a assistência social vem auxiliando na construção e na
manutenção da cultura do não-direito, em que as ações continuam sobrepostas,
pulverizadas, descontínuas e em sua maioria sem efetividade. Isto é mais
preocupante quando a grande maioria das ações assistenciais são financiadas com
recursos estatais, através da ação direta de governantes nas três esferas (união,
estados e municípios) ou por meio de entidades não governamentais, mediante
convênios firmados entre as partes e vem sendo administrada como favor e não
como política de direito, com estratégias sócio-políticas vocacionadas para
perspectivas de promoção social, agregadoras de alteridade, de forma a minimizar
as desigualdades sociais.
2.2.2 A Política de Saúde no Brasil
Com relação às Políticas de Saúde tem-se um grande conteúdo de mudanças
e transições positivas e negativas, que influenciaram a vida e a saúde da população
desde o início do século XX até os dias atuais. Para se entender um pouco das
políticas atuais, precisa-se conhecer um pouco de como elas se deram durante
esses anos.
No início do século XX, não existiam hospitais públicos, apenas entidades
filantrópicas, mantidas por contribuições e auxílios governamentais. As pessoas com
melhores condições financeiras contavam com a assistência médico-familiar. O
hospital que havia, até então , contava apenas com trabalho voluntário, sendo um
“depósito de doentes” que eram isolados da sociedade com o objetivo de não
“contagiá-la".
Nas primeiras décadas do século XX, houve um crescimento econômico que
gerou um processo de urbanização desordenada no Brasil, num contexto histórico
em que as condições sanitárias eram precárias. Era um período de crise sócio -
econômica, pois a febre amarela, entre outras epidemias, ameaçavam a economia
agroexportadora brasileira, prejudicando principalmente a exportação de café. Os
navios estrangeiros se recusavam a atracar nos portos brasileiros, o que também
reduzia a imigração de mão-de-obra. Segundo Scliar (1985, p. 45) “para reverter a
situação, o governo criou medidas que garantissem a saúde da população
trabalhadora através de campanhas sanitárias de caráter autoritário”.
Somado a essa realidade da saúde, a população trabalhadora vivia em
precárias condições de vida, submetida a longas jornadas de trabalho e exploração
da mão-de-obra feminina e infantil. Essa situação criava certa insatisfação no
operariado, levando a várias greves em 1917/1919 visando a reivindicação de
melhores condições de trabalho.
O governo, preocupado com essa insatisfação do operariado urbano, iniciou a
regulamentação do trabalho, a partir da década de 10, criando as Caixas de
Aposentadoria e Pensões (CAPs), considerada a semente do sistema previdenciário
atual. Foi a primeira vez que o Estado interferiu para criar um mecanismo destinado
a garantir ao trabalhador algum tipo de assistência. Todavia, o direito às CAPs era
desigual, pois elas eram organizadas somente nas empresas que estavam ligadas à
exportação e ao comércio (ferroviárias, marítimas e bancárias), atividades que na
época eram fundamentais para o desenvolvimento do capitalismo no Brasil.
Somente na década de 20, é que se deu a primeira medida concreta, em nível
nacional, para a criação do sistema de saúde pública.
Como afirma Luz (1991, p.79)
A Diretoria Geral de Saúde Pública organizada pelo médico sanitarista Oswaldo Cruz, que tenta resolver o problema sanitário, implementando, progressivamente, instituições públicas de higiene e saúde. Oswaldo Cruz adotou o modelo das 'campanhas sanitárias' (inspirado no modelo americano, mas importado de Cuba), destinado a combater as epidemias urbanas e, mais tarde, as endemias rurais.
As campanhas de saúde pública eram organizadas de tal forma que
assemelhavam-se a campanhas militares, dividindo as cidades em
distritos,encarcerando os doentes portadores de doenças contagiosas e obrigando,
pela força, o emprego de práticas sanitaristas. Esta situação levou à "Revolta da
Vacina", no Rio de Janeiro, quando a população revoltou-se com a obrigatoriedade
da vacina contra a varíola.
A partir de 30, o Estado recebeu fortes pressões por parte de intelectuais e
militares para a criação de novos serviços na área de Saúde Pública, culminando em
1931 com a criação do Ministério de Educação e Saúde. Nesta fase, a Saúde
Pública definiu seu papel, e os burocratas e as classes que apoiavam a Revolução
Constitucionalista obtiveram grandes privilégios políticos.
Considerados o marco da medicina previdenciária no Brasil, foram criados em
1930 os Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPs), os quais, diferentemente das
antigas Caixas, são organizados por categorias profissionais, não mais por
empresas. A mudança que ocorreu não foi somente nas siglas, mas também na
forma de administração. Enquanto a CAP era formada por um colegiado de
empregados e empregadores, a direção dos IAPs cabia a um representante do
Estado, sendo assessorado por um colegiado sem poder deliberativo, o qual ainda
era escolhido pelos sindicatos reconhecidos pelo governo.
Os recursos dos IAPs eram arrecadados através de desconto salarial
compulsório, para criar um fundo que, investido, gerava a massa de recursos
necessários para pagar as aposentadorias e pensões, sendo administrado por
representantes dos trabalhadores. Portanto, os IAPs eram financiados pela
contribuição do trabalhador, das empresas e, teoricamente, também pelo Estado.
Em 1937, Getúlio Vargas decreta "Estado de Sítio", fecha o Congresso e
cancela as eleições presidenciais, instalando o Estado Novo que dura até 1945.
Nesse período, cria-se o Ministério do Trabalho e a legislação trabalhista imposta
por Vargas.
A ação do Estado no setor da saúde se divide claramente em dois ramos: de
um lado a saúde pública, de caráter preventivo e conduzida através de campanhas;
de outro, a assistência médica, de caráter curativo, conduzida através da ação da
previdência social.
Segundo Luz (1991, p.80)
Percebe-se que a saúde pública caracterizou-se, neste período, pelo centralismo, verticalismo e autoritarismo corporativo, enquanto que as instituições de previdência social tinham no clientelismo, populismo e paternalismo uma fórmula que deixou seus resquícios na atual estrutura de saúde.
O período de 1945 a 1964 caracterizou-se pela crise do regime populista e
pela tentativa de implantação de um projeto de desenvolvimento econômico
industrial. Após o término da II Guerra Mundial, Getúlio Vargas deixou o poder e se
promulgou a constituição de 1945. O General Dutra assume a presidência, mas
Vargas foi eleito em 1950. As condições de saúde da maioria da população
continuavam precárias.
Surgiram propostas por parte do governo João Goulart, no início dos anos
60, de reformas de base, incluindo reformas no setor saúde, mas a reação política
do setor conservador levou ao golpe militar de 1964.
Segundo informações da Secretaria de Saúde de São Paulo (1992)
Na década de 60, a influência americana na área da saúde refletiu-se na construção de um modelo semelhante aos padrões americanos, no qual a construção de grandes hospitais e equipamentos concentrou o atendimento
médico de toda uma região, colocando em segundo plano a rede de postos de saúde, consultórios e ambulatórios, cujos custos eram bem menores. Havia uma tendência de construção de hospitais cada vez maiores em quantidade e extensão.
Alguns IAPs dispunham de recursos, o que possibilitou a construção dos seus
próprios hospitais, mas algumas empresas não estavam satisfeitas com o
atendimento médico oferecido. Foi a partir desta situação, que surgiu a medicina de
grupo (convênios), ou seja, empresas particulares, cuja finalidade era prestar
serviços médicos aos funcionários das empresas que os contratavam.
O período do Regime Militar e o "milagre brasileiro" (1967-1973) caracterizou-
se pelo desenvolvimento econômico acelerado, desordenado, com baixos salários,
favorecendo os trabalhadores especializados, os técnicos e os quadros superiores
empregados nos setores de ponta da economia. A centralização e concentração do
poder institucional conformou um novo modelo de saúde, segundo Luz (1991, p.81)
“de medicalização que aliou campanhismo e curativismo numa estratégia de
medicalização social sem precedentes na história do país”.
O arrocho salarial, o êxodo rural, a miséria, os acidentes de trabalho, a
mortalidade infantil, a incidência dos casos de hanseníase, varíola e poliomielite
cresceram muito no período militar. Durante o período da ditadura, agravaram-se as
condições de saúde da população, tanto pelo aumento da miséria nas cidades,
quanto pela mudança de ênfase dos investimentos em saúde.
Em 1966 o governo unificou todos os IAPs num sistema único, o INPS
(Instituto Nacional de Previdência Social), passando a concentrar todas as
contribuições previdenciárias, incluindo as dos trabalhadores do comércio, da
indústria e dos serviços. Para Cohn (1996) “tal intuito passou a gerir todas as
aposentadorias, pensões e assistência médica dos trabalhadores do país. Com esta
unificação, a arrecadação da previdência aumentou tanto, que passou a ser quase
igual à do orçamento nacional”.
Em 1968 o governo anunciou linhas de financiamento a fundo perdido para a
construção de hospitais particulares, visando aumentar o número de leitos e atender
os trabalhadores inscritos na Previdência Social. Neste mesmo período, o governo
aumentou o atendimento para trabalhadores rurais através do FUNRURAL (Fundo
dos Trabalhadores Rurais), mas que poucos anos mais tarde seria extinto.
Na década de 70, a Previdência Social teve sua maior expansão em número
de leitos disponíveis, em cobertura e no volume de recursos arrecadados e também
o maior orçamento da história, utilizado sem controle pelo governo militar,
financiando hospitais particulares, obras faraônicas e permitindo fraudes, porque não
havia fiscalização dos serviços médicos executados pela rede privada. Em
contrapartida, os diversos serviços de Saúde Pública foram obrigados a fechar ou a
trabalhar com um mínimo de recurso.
Em 1977, num movimento burocrático de unificação da Previdência (INPS),
da administração financeira (IAPAS) e da assistência médica (INAMPS) em um
único órgão, o governo revelou a crise no setor da saúde. A criação de todos esses
órgãos dificultou ainda mais o controle do orçamento da Previdência, favorecendo o
desvio de verbas e a corrupção, já que era praticamente inexistente a fiscalização.
A construção ou reforma de inúmeras clínicas e hospitais privados, com
financiamento da Previdência Social, e o enfoque à medicina curativa, fez com que
multiplicassem, por todo o país, as faculdades particulares de medicina. O ensino
médico passou a ser desvinculado da realidade sanitária da população, voltado para
a especialização e a sofisticação tecnológica e dependente das indústrias
farmacêuticas e de equipamentos médico-hospitalares. Quando o INPS foi criado,
em 1966, o governo liberou verba a fundo perdido para empresas privadas
construírem hospitais, depois o INPS enviou seus segurados para estes hospitais,
isto é, a Previdência financiou e sustentou estes hospitais por 20 anos.
Posteriormente, estes proprietários consideraram-se capitalizados e se
descredenciaram do INPS. O dinheiro da previdência não era mais suficiente para
cobrir os gastos com assistência médica e o número de leitos diminuiu, portanto, um
dos motivos da falência da Previdência foram os custos crescentes, determinados
pela privatização da rede.
Luz (1991, p.83) ressalta ainda
No final da década de 70 e início de 80, sindicatos e partidos iniciaram uma fase de agitação, questionando a saúde e as políticas de saúde no Brasil. Acadêmicos, cientistas e "tecnocratas progressistas" debatiam em seminários e congressos as epidemias, as endemias e a degradação da qualidade de vida da população. A discussão tomou força com os movimentos populares (associação de moradores, de mulheres, sindicatos, igreja e partidos políticos), que passaram a exigir soluções para os problemas da saúde criados pelo regime autoritário.
Na década de 80, surgiram vários projetos que pretendiam estender a
cobertura dos serviços de saúde para toda a população, com ênfase na saúde
pública. Em todos eles havia uma idéia de integração da Saúde Pública com a
assistência ética individual e por isso foram combatidos pelos grupos médicos
privados e pela própria burocracia do INAMPS, porque esses últimos anos foram
também de crescimento para as indústrias médicas, da medicina de grupo e o seu
interesse não era o de um sistema público de saúde que funcionasse e sim o de
uma assistência médica privatizada onde ela pudesse agir sem maiores escrúpulos.
A partir de 1983, a sociedade civil organizada reivindicou, junto com um
Congresso firme e atuante, novas políticas sociais que pudessem assegurar plenos
direitos de cidadania aos brasileiros, inclusive direito à saúde, visto também como
dever do Estado. Segundo Luz (1991, p.84) “pela primeira vez na história do país, a
saúde era vista socialmente como um direito universal e dever do Estado, isto é,
como dimensão social da cidadania”.
Os profissionais da área da saúde começaram a reivindicar uma transferência
efetiva de responsabilidade, com poder e decisão, para estados, municípios e
distritos, contrariando a tendência centralizadora, historicamente dominante desde o
início do século. Com essa nova visão e percepção sociais da descentralização
institucional em saúde, teve-se a possibilidade de superar a concepção puramente
geopolítica do processo e a tendência a limitar a descentralização aos aspectos
meramente executivos da política institucional.
Desta forma Luz (1991, p. 88)
Para evitar esses limites, o projeto de reforma sanitária propunha, em 1986, a criação de "conselhos municipais" e "interinstitucionais" de gestão dos serviços de atenção médica. Esses conselhos supunham participação popular, através de representantes da "comunidade organizada", no planejamento, gestão e avaliação dos serviços de saúde.
O SUDS (Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde), aprovado em
1987, foi o antecessor do SUS (Sistema Único de Saúde). O SUDS surgiu sob a
forma de convênios do INAMPS com as Secretarias Estaduais de Saúde. Entretanto,
estes convênios passaram a ser um forte instrumento político, pelo qual o governo
começa a reagir ao assinar o convênio com determinados municípios pelos mais
variados motivos políticos.
As Conferências Nacionais de Saúde existem por lei desde 1941, mas foi
somente em 1986 que os trabalhadores da saúde e os representantes dos
movimentos populares puderam participar. Após a VIII Conferência Nacional da
Saúde é que ocorreu a aprovação da Reforma Sanitária, depois de recursos, abaixo-
assinados etc., e a instituição do SUS (Sistema Único de Saúde) na Constituição de
1988.
A Carta Magna de 1988 garante a saúde como direito de todos e um dever do
Estado, tendo os usuários acesso igualitário e universal às ações de promoção,
prevenção e recuperação da saúde. As instituições privadas têm sua participação de
forma a complementar os serviços do SUS. Seus princípios básicos são a
descentralização, com delegação de poderes para os níveis estatal e municipal,
tendo o atendimento integral com maior enfoque a atividades preventivas.
Uma das etapas para a implementação do SUS no Brasil é a municipalização
da saúde, ou seja, que o município se responsabilizasse em administrar o dinheiro
arrecadado e também promover ações em saúde.
Entretanto, segundo (PAIM, 1992, p.40)
existiam especialmente três grandes obstáculos para que este processo não ocorresse: o primeiro era a questão financeira, pois os gastos com saúde no Brasil são incompatíveis com a real necessidade, além de variar muito a destinação das verbas em períodos de crise. O segundo relaciona-se com a capitalização da saúde, onde há grande expansão dos seguros de saúde privados, podendo desfigurar os serviços públicos e expandir a mercantilização da saúde. O terceiro obstáculo para implementação da municipalização da saúde diz respeito à ambigüidade dos textos legais, quando não se deixa claro, em certos momentos das Normas Operacionais Básicas, quais são os compromissos e responsabilidades destas instituições privadas para com a população.
Enquanto estes obstáculos não forem resolvidos, o modelo médico -
assistencial continuará predominando no país. Segundo Paim (1992, p.40) “eles
conspiram contra os princípios da universalidade, eqüidade e integralidade na
atenção à saúde consagrados na Constituição”. Entretanto uma das formas para
reverter o quadro é a participação popular nos Conselhos de Saúde que existem nos
municípios e nos Estados. As tentativas de implantar o SUS, como ele realmente é,
ao invés de partir do governo federal (que possui os recursos necessários), partiu
(com grandes dificuldades) de alguns governos municipais.
Segundo Oliveira Jr. (1998), a arrecadação para a seguridade social
“aumentou de 6% do valor do PIB de 1988 para 11% no ano de 1996. No entanto,
estas contribuições também têm sido destinadas para outros Ministérios, chegando a
representar 3% do PIB no governo Collor”.
Para Oliveira Jr. (1998) “o SUS, apesar de ser legalmente democrático, já
nasceu com descrédito da população, sendo considerado pelos formadores de
opinião como o sucessor do fraudulento INAMPS”. No entanto, o que iria realmente
impedi-lo de funcionar seria a Norma Operacional Básica de 1991 (NOB 01/91),
editada pelo presidente do INAMPS, que restringe a lei de criação do SUS, prevendo
que os fundos deveriam ser passados automaticamente para os municípios,
segundo os critérios populacionais, o perfil epidemiológico e demográfico, a
complexidade da rede de serviços, etc. A NOB 01/91 fazia com que os municípios
recebessem pela produção de serviços, prática que ainda hoje ocorre no Brasil.
Para que as barreiras da descentralização fossem superadas, a NOB 01/96
surge para mudar as formas de repasse das verbas, além de incentivar novos
modelos de atendimento à saúde, a melhoria de qualidade e a mensuração das
ações desenvolvidas, o que substitui a avaliação quantitativa arcaica de
procedimentos de saúde. Ela cria a gestão plena, em que os municípios assumem,
além da assistência, ações da Vigilância Sanitária e Epidemiológica.
O SUS - Sistema Único de Saúde está definido na Constituição Federal de
1988 e na Lei Orgânica da Saúde (leis 8.080/91 e 8.142/91), e representam uma
ruptura ao modelo de saúde e ao modelo de gestão do sistema de saúde, vigentes
até aquele momento. O SUS representa a implantação de um novo modelo de
atenção à saúde: “A saúde é um direito de todos. Todo cidadão, sem distinção, tem
direito ao acesso aos serviços e ações de saúde. É o princípio fundamental da
universalidade”.
Neste novo modelo de saúde, a prevenção e a manutenção da saúde (cura
da doença) devem ser complementares. Além disso, as ações de saúde devem
considerar a globalidade da situação (sanitária, social, econômica, cultural, etc.) e a
globalidade da pessoa (físico, psíquico, social). Igualmente, qualquer cidadão deve
ter direito ao acesso a todos os serviços, dos mais simples aos mais complexos. É o
princípio básico da integralidade das ações.
O SUS representa também a implantação de um modelo novo de gestão do
sistema de saúde, que deve contemplar a descentralização administrativa e política.
Ou seja, o município é o gestor principal, articulado com outros níveis de gestão
(federal e estadual). Porém, municipalização não pode confundir-se com
prefeiturização. A direção política do SUS no município não é de responsabilidade
exclusiva do poder executivo (Prefeitura ou Secretaria da Saúde). Essa direção tem
que necessariamente ser compartilhada com a sociedade, através das Conferências
e do Conselho de Saúde, ou seja, os conselhos foram propostos numa conjuntura
de mobilização da sociedade civil e foram implementados, “a partir dos anos 1990,
num cenário de regressão dos direitos sociais e de destruição das conquistas
históricas dos trabalhadores em nome da defesa do mercado e do capital” (BRAVO,
2006, p. 76). Municipalização não é apenas descentralização administrativa. É
também desconcentração e partilhamento de poder. Por isso, a implantação do SUS
implica necessariamente em participação e controle social.
A sociedade e a comunidade, através de seus representantes e organizações
civis são também responsáveis pela condução das políticas de saúde.
No processo de implantação do SUS, o controle social12 tornou-se
secundário. No entanto, na prática concreta da implantação do processo de
municipalização, deu-se prioridade à descentralização financeira. Para uma grande
maioria dos municípios (felizmente existem exceções), a possibilidade e a busca de
recursos federais foi muito mais importante, e a municipalização transformou-se,
sobretudo na sistemática como o governo federal passou a repassar os recursos
financeiros para os municípios.
O sistema de repasse de recursos inicialmente implantado, e vigente até
agora, caracterizou-se pelo pagamento por serviços prestados, reforçou a
característica convenial do sistema de saúde , ou seja, como se o município fizesse
o trabalho em nome do Ministério da Saúde e não porque é de sua
12
O Termo controle social, na sua expressão literal, foi empregado inicialmente na sociologia com um
significado praticamente oposto daquele em que é hoje utilizado. Seu autor provável é um sociólogo americano
chamado Eduardo Ross que, no final do século passado, introduziu a expressão para referi-se a “uma dominación
social voluntária y plananeada para cumplir uma función enla sociedad”(Instituto de Estudos Políticos, 1976)
A noção de controle social, na tradição sociológica clássica, tem sido usada por diversos autores para designar,
grosso modo, os processos de influência da sociedade (ou do coletivo) sobre o indivíduo.
Controle social aqui é claramente o do Estado sobre a sociedade, pré suposto, incapaz sequer de compreender o
alcance técnico das medidas. Dos interesses dos indivíduos e grupos da sociedade em saúde cuida o Estado,
portanto exclusivo da verdade técnica e do poder decisório e executivo. A participação não chega a ser passiva; é
como alvo.
Mas nem por isso, para além dos desígnios do Estado, grupos sociais assim “alvejados” deixaram de reagir ao
papel a eles imposto engajando-se numa espécie de „contra participação” com caráter de resistência, muitas
vezes ativa, às medidas sanitárias a eles dirigidas, como foi o caso da revolta popular contra a vacinação
antivariólica obrigatória, ocorrida no Rio de Janeiro no ínicio do século(Costa,1990).
responsabilidade. Isso vem reforçando o modelo “curativo”, baseado no binômio
quanto mais doença mais dinheiro.
O processo inicial acabou também fortalecendo um modelo gerencial
autoritário, embora descentralizado (prefeiturização do SUS).
Os mecanismos institucionais de controle social (Conferências e Conselhos
de Saúde) só se viabilizaram, avançaram e passaram a ter um real papel no SUS
onde havia um movimento social organizado e forte no setor saúde e nos municípios
de administrações comprometidas com o movimento de reforma sanitária.
Entretanto,
O Projeto de Reforma Sanitária, elaborado a partir de meados dos anos 1970, está perdendo a disputa para o projeto voltado para o mercado ou privatista hegemônico a partir da década de 1990 (BRAVO, 2006, p. 78). A Reforma Sanitária tem como uma de suas estratégias o Sistema Único de Saúde (SUS) e foi fruto de lutas e mobilização dos profissionais de saúde, articulados ao movimento popular. Sua preocupação central é assegurar que o estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado democrático e de direito, responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte pela saúde. (BRAVO, 1999, p 77)
O SUS e as demais áreas da Seguridade Social (Previdência e Assistência
Social) são políticas sociais que constitucionalmente possuem um caráter
essencialmente público, e não simplesmente estatal. Nesse sentindo o envolvimento
e comprometimento da sociedade civil no controle social através da participação
efetiva nos Conselhos, Fóruns, é fundamental para desmobilizar (ou pelo menos
tentar) as políticas neoliberais que vêm devorando os direitos civis, políticos e
sociais já instituídos. “Este é o terreno em que se inscreve a luta por direitos e, em
particular, pelo direito à saúde, em um cenário que descaracteriza a cidadania ao
associá-la ao consumo e à posse de mercadorias” (BRAVO, 2006).
O caráter democrático e a participação social são duas diretrizes essenciais à
seguridade social e, portanto ao sistema de saúde. O envolvimento de entidades
populares na discussão e definição das políticas de saúde não é nenhum favor ou
concessão do poder público. É uma conquista e uma necessidade.
O direito à cidadania é muito mais que escolher quem decide o direito ao
acesso a padrões mínimos de vida e bem estar social. Cidadania implica em direito à
participação plena e permanente e em poder discutir e decidir quais são os padrões
desse bem-estar.
Além disso, tem que ser considerado também que é a sociedade quem
custeia os serviços da saúde. Se é ela quem paga, ela precisa também ser ouvida e
participar. Até pouco tempo, justificava-se que a população não tinha competência
técnica para opinar, que apenas médicos e técnicos tinham o conhecimento
necessário para determinar o que fazer em termos de saúde.
Diante desta trajetória das Políticas de Saúde, notou-se que o sistema de
saúde brasileiro tem inúmeros problemas e desigualdades, baixa qualidade, dá
ênfase à doença, hospitalização e tratamentos químicos, prefere os atendimentos
particulares, faz cobranças indevidas, tem poucos recursos. É um modelo que vem
sendo implantado durante toda a história das Políticas de Saúde no Brasil, mesmo
que muitas vezes disfarçado. E ultimamente este modelo vem sendo reforçado pelas
políticas neoliberais, que só querem lucrar com as doenças, e enriquecer médicos,
farmácias, planos de saúde privados.
Conforme aponta BRAVO (2006, p.79)
O projeto saúde articulado ao mercado ou reatualização do modelo médico assistencial privatista está pautado na política de reajuste que tem como principais tendências a contenção dos gastos com racionalização da oferta e a descentralização com isenção de responsabilidade do poder central. A tarefa do Estado, nesse projeto, consiste em garantir um mínimo aos que não podem pagar. Ficando para o setor privado o atendimento dos que tem acesso ao mercado. Suas principais propostas são: caráter focalizado pata atender às populações vulneráveis por meio do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços de nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento.
Deve-se levar em consideração que as ações de saúde têm como alvo a
população, que é quem sabe ou quem necessita dos serviços, e que o direito à
saúde está garantido em lei pelo Sistema Único de Saúde – SUS. Porém, apesar de
estar pautado na CF/88 que a Seguridade Social tem na sua formulação caráter
solidário, coletivo e universal, estes estão sendo substituídos e delineados por
valores corporativistas, focalistas e individuais, dando suporte para a consolidação
do projeto neoliberal, onde há um desfinanciamento das políticas de saúde e
enraizando a submissão das mesmas às políticas econômicas.
A lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, Art. 2º e Art.3º afirma que “a saúde
é um direito fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições
indispensáveis ao seu pleno exercício. Afirma também que a saúde depende da
alimentação, da moradia, do saneamento básico, do meio ambiente, do trabalho, da
renda, da educação, do transporte e do lazer”.
Sendo assim pode-se afirmar que a Saúde é um estado de completo bem-
estar físico, mental e social e não meramente a ausência de doença ou enfermidade.
Recentemente, a OMS desenvolveu uma nova definição de saúde que
reconhece os laços entre o indivíduo e seu meio ambiente.
Valendo-se se várias hipóteses, pode-se dizer que saúde é habilidade de
identificar e realizar aspirações, satisfazer necessidades, e de mudar ou interagir
com o meio ambiente, logo, saúde é um recurso para a vida diária, não o objetivo de
viver. Saúde é um conceito positivo enfatizando os recursos pessoais e sociais,
assim como as capacidades físicas.
Nessa perspectiva, saúde não é somente uma responsabilidade do tradicional
setor “saúde”, mas de todos os setores e instituições que podem influenciar o bem-
estar dos indivíduos e das comunidades.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) entende (apud ALVES, 1986, p.14)
Saúde Pública é a ciência e a arte de prevenir as doenças, de prolongar a vida e melhorar a saúde e a eficiência mental e física dos indivíduos, por meio dos esforços organizados da comunidade, tendo em vista o saneamento do meio ambiente, a luta contra as doenças que apresentam importância social, o ensino aos indivíduos das regras da higiene pessoal, a organização dos serviços médicos e de enfermagem com a finalidade do diagnóstico precoce e do tratamento preventivo das doenças, assim como por em execução as medidas sociais convenientes para assegurar a cada membro da coletividade um nível de vida adequado à manutenção da saúde, de forma que cada indivíduo possa usufruir o seu direito à saúde e a longevidade.
Esse breve esclarecimento do conceito de saúde e saúde pública remete ao
questionamento sobre a qualidade na saúde.
Desta forma conclui-se que o sistema de atendimento à saúde precisa se
adequar às necessidades da população em busca de uma prática de compromisso,
na qualidade dos serviços prestados.
Haja vista que os problemas do sistema de saúde são inúmeros, e o que se
busca é a plena vigência do SUS, a Saúde Pública deveria atuar integrada às
demais políticas sociais, conforme definição da VII Conferência Nacional de Saúde.
A questão da Saúde, no país, constitui-se hoje uma demanda formal da
população e um espaço concreto de busca de cidadania, e não simplesmente a cura
da doença biológica, mas também a cura da “doença social”.13
O SUS não pode limitar-se à visão estreita e imediatista das ações
meramente curativas e ao modelo médico-hospitalar tradicional, mas deve pressupor
toda uma integração de forças sociais responsáveis e engajadas em atividades
preventivas, no saneamento básico, na educação, na habitação, no provimento de
um mercado de trabalho, etc.
O avassalador modelo político e sócio-econômico dos dias atuais, como a
globalização da economia, o enxugamento do Estado, as privatizações e a
terceirização, coloca o sistema de saúde em cheque. Neste contexto adverso, um
dos desafios é que o compromisso tem que ser com o debate público, a participação
democrática possibilita aos cidadãos organizados interferir e deliberar nas questões
de interesse coletivo, assim como ter como objetivo a superação ou minimização da
precariedade das ações e serviços de saúde. Tal participação é apropriada (ou
deveria ser) nos espaços dos Conselhos, pois este em sua concepção original tem
como premissa ser um mecanismo de democratização de poder de forma a
estabelecer novas relações entre Estado e sociedade civil, de forma a introduzir o
fortalecimento da esfera pública e assim assegurar que Estado de fato assuma seu
papel, atuando em função da sociedade e não do capital.
Porém, esse mecanismo de democratização, os Conselhos de Sáude, para
além dos objetivos para os quais foram pensados, são usados pelos diversos atores
que o compõem muitas das vezes de forma equivocada, negando este espaço como
possibilitador de transformações sociais, assim como também há diversas
concepções com relação à efetividade dos Conselhos.
Outro desafio posto é referente à desmobilização que ocorreu com o
movimento sanitário (e com as organizações sociais de uma forma geral) visto ser
este fundamental para discussão e implementação da política da política de saúde e
reforma sanitária.
Entretanto,
O movimento popular tem priorizado a disputa com o poder local e também encontra-se com difuculdades de mobilização e organização de uma agenda que contemple as políticas sociais e a saúde em particular. Suas
13
Entende-se aqui “doença social” como toda e qualquer tipo de exclusão (desemprego, falta de saúde, falta de
lazer, etc)
lutas tem se concentrado nas reivindicações locais por políticas setorizadas e, muitas vezes assistencialistas (BRAVO, 2006, p. 82)
Logo, diante do exposto pode-se sinalizar que a lógica da Saúde não se
formata simplesmente com as leis básicas de mercado, ou de interesses individuais,
mas com problemas contextuais e profundos, que a sociedade tem que resolver a
curto e médio prazo, sob a pena de acentuar enormes diferenças sociais e de
inviabilizar o SUS.
Capitulo III
A práxis cotidiana dos Provitas Estaduais quanto a inserção dos
usuários nas Políticas Públicas
3.1 Metodologia
De forma a atender e se cumprir a que se propõe essa monografia, utilizou-se
como instrumento e técnica a aplicação de um questionário com duas perguntas
estruturadas (fechadas) com as equipes técnicas dos Provitas estaduais. Que sejam:
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita
cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede Pública aos
usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no
que se refere à disponibilidade de serviços?
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais
atendimentos, quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos
usuários na rede de serviços? Seja público ou privado.
Ressalte-se que a preocupação quanto a formulação e estruturação das
perguntas basearam-se na busca metodológica de realizar uma pesquisa qualitativa,
conforme enfatiza Minayo (2001, p. 15)
... é necessário afirmar que o objeto das Ciências Sociais é essencialmente qualitativo. A realidade social é o próprio dinamismo da vida individual e coletiva com toda a riqueza de significados dela transbordante. Essa mês realidade é mais rica que qualquer teoria, qualquer pensamento e qualquer discurso que possamos elaborar sobre ela. Portanto, os códigos das ciências que por sua natureza são sempre referidos e recortados são incapazes de a conter. As ciências sociais, no entanto, possuem instrumentos e teorias capazes de fazer uma aproximação da suntuosidade que é a vida dos seres humanos em sociedade, ainda que de forma incompleta, imperfeita e insatisfatória. Para isso, ela elabora o conjunto de expressões humanas constantes nas estruturas, nos processos, nos sujeitos, nos significados e nas representações.
As duas perguntas acima citadas foram formuladas de forma que se pudesse
saber como tem acontecido e como realmente se encontram as práticas cotidianas,
levando em consideração as especificidades de trabalho de cada estado, de cada
ONG executora, de cada equipe técnica perante a realidade quanto a
implementação e efetividade das políticas públicas, tendo como pano de fundo a
execução dos Programa de proteção a Testemunhas.
Após a elaboração das referidas questões, inciou-se a fase exploratória da
pesquisa (MINAYO, 2001, p. 26), onde as questões foram enviadas para todos os
Estados que possuem o Programa de Proteção, através de fax. Tal envio iniciou-se
no final do mês de Junho/09. Na oportunidade do envio, houve uma prévia
explicitação do que se pretendia com a realização de tal pesquisa. Dentre os 17
Programas de Proteção existentes, obteve-se o retorno dos Estados do Ceára,
Bahia, Pará, Amazonas, Acre, Paraná e Alagoas. Ressalte-se que durante os meses
de julho e agosto/09 foram realizados alguns reenvios de ofícios de forma a reiterar
as questões, assim como também se realizou a sensibilização quanto a necessidade
de retorno dos referidos Programas, num sentindo de que realmente se tivesse
condições de ensaiar uma análise sobre a realidade em nível nacional.
Quanto ao não retorno de alguns Estados, não se pode deixar de registrar que
muitas são as dificuldades enfrentadas pelos Programas de Proteção, as quais
podem ter contribuído para dispersar o retorno da pesquisa, tais como: mudança ou
redução da equipe técnica, período de renovação de convênio, etc, porém fato é
que o não retorno de alguns Provitas certamente prejudicará o desenvolvimento do
trabalho quanto a aproximação da realidade.
Registrou-se a tabulação das respostas apresentadas pelas equipes estaduais,
em quadros demonstrativos (ver Apêndice A quadros 1-7).
Para a realização do ensaio sobre a análise das respostas apresentadas pelos
Provitas Amazonas, Pará, Bahia, Ceará, Paraná, Alagoas e Acre, inicialmente
apresentou-se algumas sinalizações percebidas quanto as duas questões: 1) Como
acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza
para garantir os atendimentos em Rede Pública aos usuários de forma segura e
qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere à disponibilidade de
serviços? 2) Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais
atendimentos, quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários
na rede de serviços? Seja público ou privado.
Com relação ao Provita do estado do Amazonas, uma grande conquista foi a
garantia de favorecer aos usuários que estão na rede de proteção, uma moradia
própria, visto que acredita-se que tal garantia é primordial para reinserção social,
facilitando aos usuários e seus familiares, por época do desligamento, tenham pelo
menos um lugar próprio para morar, já que durante a estadia dos mesmos na rede
de proteção residem em imóveis alugados. Outra sinalização é referente à utilização
ou não dos serviços disponíveis no SUS e no SUAS, devido à necessidade de um
cadastro nacional, criado como forma de integralidade das ações desenvolvidas,
mas que no caso dos usuários do Programa de Proteção, tal cadastro pode fragilizar
a segurança dos mesmos e de seus familiares. Tal fragilidade contribuiu para a
utilização de serviços privados ao invés da rede pública. Interessante ainda é que a
colocação referente ao SUAS – alguns usuários são orientados a não buscar os
serviços oferecidos – já que alguns necessitam de cadastro nacional e também por
que todos os usuários recebem uma planilha que ultrapassa o valor de referência
para obter os benefícios (Provita/AM). Tal encaminhamento possui certa lógica,
quanto a não “duplicação” de utilização de verba pública pelos usuários da rede de
proteção, porém não se pode perder de vista que a inserção de alguns usuários em
certos benefícios (INSS/LOAS) é fundamental para o pós-desligamento. Apareceu
no Provita/AM como instrumento para viabilizar o acesso dos usuários e seus
familiares – reunião com os colaboradores – entende-se colaboradores como as
diversas instituições que fazem parte da vida cotidiana de qualquer cidadão
(Educação, Saúde, Lazer,etc). Como foi colocado, o primeiro contato é através da
informalidade, para que em seguida se crie o mínimo de vinculo institucional. Esta é
uma questão que não pode ficar à parte das discussões na equipe quanto a
formação de rede de serviços, principalmente num sentido de consolidar a “parceria
formal”, para que esta não fique apenas na “amizade ou informalidade” de um ou
outro técnico com determinada instituição, mas que possa ser firme o suficiente
quanto a garantia do serviço qualitativo e seguro.
No quadro 2, estão expostas as respostas do Provita/Pará que, de certa forma,
vão ao encontro das discussão da relação ente Estado e Sociedade Civil, assim
como apresentam ainda, mesmo que dentro do que se acredita como “ideal” no
atendimento aos protegidos, que urge a necessidade de uma articulação a nível
nacional para que realmente se possa inserir os usuários na rede de serviços de
forma segura e qualitativa – O atendimento na rede de serviços é um enorme
desafio, pois não há efetivação de estratégias ou mecanismos que diferenciem o
atendimento do “cidadão comum” para o usuário do Provita (Provita/Pará). O Provita
Pará apresentou como possíveis instrumentos de viabilização de acesso à rede de
serviços, o Termo de Cooperação Técnica, mas que não foi efetivado; outro
instrumento que tem muita relevância nas práticas cotidianas para que realmente o
Programa de Proteção tenha excelência no que se propõe é – Certo é que seria
necessária uma Macro Articulação entre os ministérios, afim de que fosse
regulamentado “o caminho a seguir” para um atendimento mais eficaz. O certo é que
precisamos dessa retaguarda estatal, ou seja uma parceria de fato horizontal e
harmônica entre Estado e Sociedade Civil organizada (Provita/Pará). Nesse
sentindo, o Provita/Pará explicita o pano de fundo que paira sobre as práticas
cotidianas das equipes técnicas – a relação entre Estado e Sociedade Civil –
principalmente no que se refere à execução do Programa de Proteção – onde
mesmo que de forma subjetiva ou até mesmo objetiva política e economicamente,
conforme visto no início deste capítulo, o Estado acaba por ser o “repassador da
verba” para execução do Programa e a Sociedade Civil “que dê conta” da execução
- e que acione a rede solidária de serviço para então atender aos usuários nos
serviços que teoricamente seriam da alçada do Estado - Infelizmente este é um “nó”
da rede nacional e uma grande fragilidade das equipes estaduais que não têm a
retaguarda necessária do Estado (Provita/Pará).
Quanto as respostas do Provita/Bahia iniciamos – Embora o Provita BA tenha
onze anos de execução, ainda não possuímos acesso aos serviços públicos, como
saúde, educação e assistência de forma segura, que possibilite aos usuários um
atendimento sem risco, no que pese a Secretaria de Saúde e a Secretaria de
Desenvolvimento Social terem assento no Conselho Deliberativo do Provita. Neste
contexto em que se tem duas Secretarias de peso quanto aos serviços mais
utilizados pelos usuários e seus familiares, a situação apresentada deveria ser ao
contrário, que seja Provita/BA deveria ter/possuir o acesso de forma segura nestas
áreas. Ficou-se aqui registrado o estranhamento, porém nada mais podê-se
expressar, visto que não se possui subsídios suficientes para tal análise diante de tal
realidade. Ainda o Provita/BA como estratégia em atender as demandas postas
quanto ao acesso qualitativo e seguro possui parceria com uma Universidade, que
garante o cadastro do usuário de forma segura, entretanto, o ponto positivo é que
disponibiliza os atendimentos, mas que como ponto negativo, há demora na
marcação das consultas e não há atendimento de pronto-socorro. Destaca-se ainda
- Cumpre ressaltar que tal contexto, com certeza, não difere do que acontece na
maioria dos Estados, até porque as equipes técnicas, no que pese o seu empenho
na abertura de rede, determinados serviços públicos, necessariamente, terão que
ser articulados e, por via de conseqüência garantidos institucionalmente, não
somente dentro do âmbito estadual, mais em esfera nacional, como forma dos
usuários terem o acesso seguro às políticas públicas, bem como outras ferramentas
necessárias á inserção social, como a CTPS (Provita/BA). Nesse sentido o
Provita/BA reforça as colocações da equipe do Provita/Pará quanto a necessidade
de uma discussão de tal assunto não só a nível local, mas no âmbito nacional, na
busca de estratégias mais consistentes e efetivas quanto a inserção dos usuários na
rede pública de serviços.
No que diz respeito ao Provita/Ceará, nota-se que uma certa estrutura firmada
entre Estado e Sociedade Civil (entidade executora do Provita/CE) – Para
atendimentos dos nossos usuários no SUS lançamos mão de um termo de
Cooperação Técnica entre a gestora do Provita/CE e a Secretaria de Saúde do
Estado do Ceará (Provita/CE). Esse procedimento não surgiu como um passe de
mágica, mas através de reuniões que foram formatando o acesso dos usuários da
rede protetiva em caráter sigiloso e assim seguro. Como instrumento facilitador de
tal acesso o Provita/CE expõe a utilização do Termo de Cooperação que é
extremamente facilitador do acesso sigiloso e prioritário, seja na rede de serviços
públicos ou privados. Entretanto, apesar dos caminhos seguidos na formatação de
uma “pareceria” formal, e até mesmo política de chamamento do Estado para se
pensar conjuntamente as estratégias a serem utilizadas quanto ao acesso sigiloso e
seguro dos usuários nos setores públicos (saúde, educação, assistência social, etc)
ainda assim há alguma dificuldade - Além das dificuldades estruturais da Política de
saúde Publica (falta de medicamentos, demora marcação de consultas, atendimento
insatisfatório) encontramos resistências de alguns profissionais que se recusam a
realizar atendimento prioritário e sigiloso, tornando necessária a realização de vários
contatos para tentarmos agilizar os atendimentos. Em alguns casos, já solicitamos o
intermédio da Promotoria de saúde. Diante de tal situação ficou perceptível que
pouco se sabe sobre o Programa de Proteção, principalmente os funcionários
públicos, o que acaba por imperar muitas das vezes os atendimentos dos usuários,
seja na apresentação de posturas anti-éticas, alertando para toda a instituição sobre
o protegido; seja na apresentação de “medo” perante o atendimento ao protegido,
como se ele representasse ameaça. Quanto a utilização dos serviços do SUAS, o
Provita/CE realiza contato com os coordenadores do Serviço Social, para
posteriormente encaminhar os usuários da rede protetiva.
No Quadro 5, estão as respostas do Provita/Paraná, quanto abertura de rede de
serviços o contato inicial é realizado pela coordenação geral (não ficou claro se este
coordenador é do Programa ou da entidade gestora), uma visita in loco na instituição
na qual se busca a parceria, para apresentar o Programa, levando-se em
consideração o sigilo acerca do mesmo. Firmada a parceria, os usuários são
inseridos nos serviços da instituição e acompanhados pela Assistente Social (não
ficou claro se este profissional é da instituição ou do Programa). O cadastro do
usuário/testemunha nestas instituições é realizado com o nome verdadeiro, de
forma discreta, sem privilégio perante os cidadãos que não estão inseridos na rede
protetiva. Em situações de emergência de saúde, os usuários utilizam o serviço de
pronto atendimento de emergência, denominado posto Vinte Quatro Horas. Aqueles
usuários que não podem ser expostos a cadastros nacionais utilizam a rede privada
de saúde, com custos menores, face parcerias e contatos. Interessante se faz
ressaltar que o Provita/PR diante das respostas, também faz parte daqueles
“provitas” que diante da dinâmica um tanto especifica que envolve o programa de
proteção vão cotidianamente desenvolvendo estratégias para que o usuário consiga
ser atendido na rede de serviços públicos de forma qualitativa. Aparentemente tais
parcerias são informais, no que se refere a realmente fazer o chamamento dos
setores públicos ( as Secretarias de Saúde, Educação, Assistência Social,etc) para
implicação e discussão de um política pública direcionada para aqueles que
necessitam do atendimento de forma sigilosa. Com relação aos instrumentos
utilizados para enfrentamento das dificuldades cotidianas, o Provita/PR realiza
acompanhamento de cada caso, entrevistas, ofícios de esclarecimentos, ressaltam
que a dificuldade maior é quando o usuário não pode ser identificado no âmbito
nacional, porque não temos forma sigilosa através de código. Essa é uma discussão
extensa que merece certo debruçamento sobre todas as questões que a envolvem e
que deveria ser pensada a nível macro da política de proteção a testemunha no
Brasil. O Provita/PR apresentou que a procura de rede é continua, é concorda-se
que este é um trabalho desafiador, na qual a situação é muito mais ampla, visto que
na verdade as equipes dos provitas devem se debruçar na abertura e na
manutenção das redes de serviços de forma sistemática, o que não é muito fácil
diante da dinâmica de trabalho do Programa de Proteção.
O Provita/Alagoas apresentou suas respostas de forma bastante enxugada, mas
quanto a questão da saúde, apresentou com relevância quanto a real situação em
que se encontram muitos dos serviços públicos a nível nacional, trazendo - Como é
de conhecimento geral, muitas das vezes é difícil contar com os atendimentos de
saúde na Rede Pública para os usuários do Programa. Essa dificuldade diz respeito
principalmente ao difícil acesso e demora na marcação de consultas no SUS, assim
como principalmente, na continuidade do tratamento (como exames, retorno,etc).
Esta é uma realidade que está posta para todos os cidadãos brasileiros, e que está
embebida de um processo histórico de desmantelamento do que é público quanto a
qualidade de atendimento. Outro fator apresentado é quanto a feitura e utilização do
cartão do SUS pelos protegidos, que por ser um cadastro nacional, dificulta o acesso
dos mesmos aos serviços de saúde. Logo, como forma de garantir o atendimento ao
usuário de forma segura, as estratégias encontradas pelo Provita/AL são: realização
de parcerias com médicos de confiança e utilização de serviços particulares com
preços acessíveis à realidade financeira do Programa.
Para finalizar, propositalmente deixou-se por último o Provita/Acre que também
apresentou suas respostas de forma sucinta que seja: – nessas parcerias firmadas é
indicado um colaborador institucional que intermediará o acesso dos usuários, bem
como as possíveis demandas apresentadas por esta equipe. Essa indicação é de
fundamental importância , pois ela garantirá o sigilo do programa, sabendo que os
dados cadastrais de cada usuário ficarão registrados apenas em sistema local,
resguardando a identidade do protegido em rede nacional. No que se refere aos
atendimentos dos usuários, é formalizado a solicitação à instituição sendo
prontamente atendida. Assim, até o presente momento, não tivemos dificuldades em
viabilizar o acesso à rede de serviços públicos ou privados. Não encontrou-se
palavra para expressar os sentimentos quanto a realidade apresentada pelo
Provita/AC, num sentido de satisfação quanto a realização dos atendimentos aos
usuários de forma qualitativa e segura.
Surpreendeu a realidade apresentada pelo Provita/AC, visto que diante das
realidades apresentadas pelos outros Provitas - de dificuldades internas, externas,
políticas, má qualidade dos serviços públicos, etc. quanto a manifestação de
garantia de acesso seguro dos usuários do Programa de Proteção aos serviços
públicos. A primeira sensação é que tal realidade é surreal. Diante disto questiona-
se: O Provita/AC funciona mesmo no Brasil? Como o Provita/AC consegue tal
façanha? Quais estratégias e caminhos foram percorridos para se chegar ao nível de
não se ter dificuldades de acesso a rede de serviços públicos? Tantas outras
perguntas surgem, e que dariam provavelmente páginas e páginas de discussão.
Entretanto, cumpre-se aqui registrar com relação ao que foi apresentado pelo
Provita/AC é que as boas práticas devem ser divulgadas para todos os Provitas,
para que realmente possa construir mesmo que minimamente alguns procedimentos
a nível estadual e federal.
Tratando-se do objetivo principal da qual esta monografia se propõe, que seja
verificar junto aos diversos Programas de Proteção como acontece e quais
estratégias as Equipes Técnicas utilizam para garantir os atendimentos em Rede
Pública aos usuários/testemunhas de forma segura e qualitativa, tendo base as
legislações referentes Lei nº 9807/99, e SUAS e SUS, no que se refere à
disponibilidade de serviços, tendo como pano de fundo todas as questões que
envolvem este contexto, que sejam: efetividade das políticas públicas,
estigmatização dos usuários, criminalização da pobreza, efetividade da justiça,
neoliberalismo frente às desigualdades sociais e as políticas públicas, as
subjetividades do processo do Programa de Proteção, relação Estado/Sociedade
Civil, fragmentação das ações, busca de práticas interdisciplinares, entre outras
questões.
Cediço é que todas essas questões estão entrelaçadas nas práticas cotidianas
do Programa de Proteção, porém cada uma delas dariam certamente algumas
dissertações. Entretanto, para a análise dos dados da pesquisa se estabeleceu nas
respostas apresentadas pelas equipes estaduais as dimensões existentes na
relação Estado/Sociedade civil14, quanto a execução de políticas públicas, aqui
voltadas para o Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas Ameaçadas.
Para tanto, e assim movimentar as discussões deste capitulo, no que se refere á
análise dos dados obtidos, explicitou-se um pouco sobre as ONGs (Organizações
não governamentais), no que elas se propõem, assim como sobre o papel do Estado
frente à execução de políticas públicas, mais especificamente no campo dos direitos
humanos.
14
Sociedade Civil aqui é entendida como entidades de promoção e desenvolvimento comprometidas com a
cidadania e defesa dos direitos civis – as ONGs – que tem sido um dos pólos importantes na formulação e
implementação de questões nesse debate. As ONGs na sua concepção natural condenam o campo da filantropia
brasileira pelo que ele tem, no mínimo, de mantenedor da ordem vigente e, no máximo, de clientelista, religioso,
corrupto,etc.
O termo ONG começou a ser usado, em meados da década de 80, para
identificar um conjunto de entidades que veio se formando a partir dos anos 70,
misturando cristianismo e marxismo, militância e profissionalismo, dentro de um
quadro de crescente cooperação internacional não governamental, ao qual se ligam.
São organizações de caráter não representativo e que crescem referidas ao campo
das novas associações e movimentos sociais do período autoritário. Nos últimos
anos têm-se assistido a uma significativa multiplicação e diversificação dessas
entidades, principalmente na década de 90.
Desta forma, no que se refere a entidades que hoje executam o Programa de
Proteção a Testemunhas e Vítimas Ameaçadas, DUTRA (2008, p. 40) expõe:
Ao final da década de 70, alguns movimentos do campo dos direitos humanos começam a se institucionalizar, dando origem às primeiras entidades de defesa dos direitos humanos no país. Entre elas, nomeio algumas que, ... têm grande importância nesta área. A Sociedade Paraense dos Direitos Humanos (SDDH) despontou no cenário nacional em 1997. Nos anos subseqüentes, foram criadas a Sociedade Maranhese de Direitos Humanos (SMDH) e o Centro de Defesa dos Direitos Humanos de Petrópolis (CDDH), ambos em 1979, e, um pouco mais tarde, no ano 1981, o Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (GAJOP), com sede em Recife, e a Associação de Advogados de Trabalhadores Rurais do estado da Bahia (AATR), criada em 1982. Isto para citar apenas algumas entidades que marcavam o momento político em diferentes regiões do território nacional.
Essas entidades são o resultado da institucionalização dos movimentos sociais,
onde cada uma delas desde o seu surgimento, desenvolviam ações significativas no
campo da luta contra as violações do direito à vida, à liberdade política, à violação
de direitos civis, políticos e sociais.
Então, no contexto brasileiro, pode-se dizer que “ONG” é um termo que evoca o
mundo da militância, da política, da modernidade, da cidadania, e que
historicamente é carregado com um sentido de “anti-governo”, ou oposição.
Inicialmente as ONGs tornaram-se atores reconhecidos no cenário político e social,
em certo momento aparece como modelo por excelência do setor sem fins lucrativos
na realidade brasileira.
Assim de acordo com Landim (1993), “Ong, assim como associação, indica
compromisso com a sociedade civil organizada, movimento social, transformação
social existindo, para servir a grupos e movimentos sociais exteriores a ela”.
Quanto a institucionalização dos movimentos sociais, principalmente de algumas
entidades (ONGs) que atualmente executam o Programa de Proteção, Dutra (2008)
afirma que a concepção de direitos humanos que pautou a criação destas
instituições compreende avanço se comparada com o sentido atribuído à questão
pela burguesia.
Para além da defesa das bandeiras de lutas, alguns fatores favoreceram ou/e
contribuíram para o processo de institucionalização dos movimentos sociais, que
segundo Dutra (2008) pode-se pensar que, com tais bandeiras, esses sujeitos
poderiam continuar suas lutas sem, necessariamente, optarem pela via institucional
... Concorreram para o processo de institucionalização de movimentos sociais ...os
seguintes fatores: A preocupação com a continuidade das atividades; a demanda
por orientação técnica advinda dos movimentos sociais e a necessidade de uma
formalidade que tornasse possível angariar fundos para o desenvolvimento de
projetos sociais.
Ora, a opção pela institucionalização possui alguns aspectos relevantes, que
sejam a legalidade e legitimidade frente à sociedade, quanto a representatividade
em espaços coletivos; fomentou a criação de novos movimentos populares;
protagonismo e reconhecimento a nível nacional e internacional; ampliação de
atividades; remuneração àqueles que trabalhavam voluntariamente e ainda
conforme DUTRA (2008, p. 68)
Ainda sobre a atuação das ONGs brasileiras, Teixeira (2002), ao trabalhar os processos basilares relativos á sua visibilidade e importância, afirma que entre eles esta a tentativa de construção de uma gestão publicas mais consolidada e democrática. Esta tentativa, no caso das entidades em questão, aliada ao protagonismo recém conquistado, se fez presente em acontecimentos importantes da história do país. Registra-se a participação de seus membros nas Diretas Já, no ano de 1984, que contou com grande mobilização popular e, posteriormente, na Assembléia Nacional Constituinte, convocada no ano de 1987, entre outros atos políticos também muito significativos, que ocorreram neste período. Todos esse processo foi resultante de um conjunto de mobilizações de setores da sociedade civil e culminou na promulgação da Constituição Federal de 1988, a qual abarcou significativas reivindicações em prol de direitos das classes populares.
Buscou-se até aqui muito sucintamente explicitar um pouco da trajetória das
instituições (ONGs) que atualmente executam o Programa de Proteção, no intuito de
demonstrar a importância das mesmas nas conquistas relativas ao estabelecimento
de direitos e garantias fundamentais, como os direitos civis, políticos, sociais e os
mecanismos para proteção dos mesmos.
Quanto ao Estado, conforme já explicitado no primeiro capitulo, este com o
advento do neoliberalismo reafirma o conservadorismo e a dominação e
favorecimento do capital sobre, principalmente, as políticas públicas. Ou seja, as
forças neoliberais influenciam negativamente em diversas esferas da vida social,
destarte que de forma significativa quanto ao direcionamento e implementação de
políticas e ações na área de direitos humanos.
O neoliberalismo, nas suas entranhas, adota como estratégia do sistema
capitalista para administrar suas crises financeiras: desvalorização do que é público,
gerando abertura para as privatizações, retração da intervenção estatal em políticas
sociais, diminuição de concursos públicos e redução e escassez de recursos para a
área social. Tais crises servem de pretexto para justificar a retirada do Estado
quanto à sua responsabilidade na implementação de políticas sociais quanto as
expressões da chamada “questão social”, estabelecendo em primeiro plano o capital
e em segundo as ações relativas à igualdade de acesso e a universalidade dos
serviços.
Desta forma há uma retração das ações do Estado e uma ampliação das ações
da sociedade civil frente a ações relativas à área social.
Onde DUTRA enfatiza
Parte da ação do estado volta-se para o financiamento de serviços sociais a serem executados por segmentos da sociedade civil
15. Nesta perspectiva...
a política neoliberal como estratégias de sobrevivência do capitalismo, iniciou um investimento na “parceria” com organizações não-governamentais.Este caminho foi percorrido com intensidade no governo de Fernando Henrique Cardoso e teve continuidade com Luis Inácio Lula da Silva, que assumiu a Presidência da Republica em janeiro de 2003. A partir da difusão da idéia de necessidade de recuperação da governabilidade e da governance
16, o ocorre é a transferência de responsabilidades do Estado da
área social para estes “novos sujeitos coletivos17
”. Para Montaño (2001) e Behring (2003), a transferencai de responsabilidade para segmentos da sociedade civil contribui para a supressão da noção de direitos sociais, sendo este um dos objetivos do neo liberalismo. Passa-se de uma visão não-contratualista, onde há, entre outros aspectos, a retração da participação do Estado.
A proposta quanto ao conteúdo citado acima, referente à trajetória das entidades
que hoje executam o Programa de Proteção, assim como na retração do Estado
15
A outra parte, que não se constitui em objeto para este estudo, volta-se para a realização de projetos sociais
residuais que buscam atingir os mais pobres, a partir de critérios rígidos de inexistência de renda. Trata-se da
focalização das políticas sociais, fenômeno abordado por Montaño (2001), Behring (2003), entre outros autores. 16
Para Behring (2003), p. 173) este conceitos não podem ser confundidos. Governance refere-se a capacidade de
financeira e administrativamente do Estado para governar, enquanto o conceito de governabilidade está ligado à
idéia de legitimidade. 17
Não por acaso, Teixeira (2002) lembra que nos discursos realizados pelo ex-presidente do Brasil, Fernando
Henrique Cardoso, as ONGs eram frequentemente citadas como portadoras de qualidade e eficiência, ambas
características, na visão de FHC, em escassez no Estado.
frente à execução de políticas públicas, foi pensada no sentido de explicitar, que
existe uma correlação dialética no contexto da “aproximação” “parceria” “convênio”
entre a Sociedade Civil e o Estado. E que nesse sentido, a elaboração de “políticas
públicas” de direitos humanos segue a mesma orientação de outras áreas. Todas
são dotadas de ambigüidades. “Atendem parcialmente as demandas da população,
garantindo alguns direitos e, paralelamente, funcionam como forma de sobrevivência
do capital, na medida em que contribuem para legitimar determinadas posturas e
compromissos, tornando viáveis projetos que têm como objetivo livrar o Estado de
sua obrigação de garantir direitos” (Dutra, 2008, p. 75).
Conforme exposto no primeiro capitulo, alguns instrumentos e órgãos
governamentais ao longo da trajetória da história da construção, elaboração e
implementação de políticas direcionadas para o campo dos direitos humanos, que
sejam eles: Secretaria Nacional de Direitos Humanos (1997), Comissões de Direitos
Humanos (em âmbito federal, estadual e municipal), Programa Nacional de Direitos
Humanos (lançado em 1996 e atualizado em 2002). Com relação a esses
instrumentos Dutra (2008) revela uma leitura um tanto interessante onde coloca
“estes instrumentos governamentais como potenciliadores da retração do Estado –
gerou as condições necessárias para que o objetivo de transferência de
responsabilidades para setores da sociedade civil fosse alcançado. Programas
vinculados à área dos Direitos Humanos passaram a ser financiados pelo Estado e
executados por organizações não governamentais” (Dutra, 2008). Como por
exemplo, o Programa de proteção a Testemunhas e Vitimas Ameaçadas,
implementado em alguns estados nacionais entre o final da década de 90 e os
primeiros anos de 2000.
Tal cenário causa impactos tanto para o Estado como para instituições
envolvidas neste processo, e principalmente para os usuários dos serviços
prestados por ambos atores, trazendo mudanças significativas nesses espaços.
Ora, voltando-se para as questões de ordem prática do cotidiano que requerem
respostas imediatas no que se refere aos atendimentos e acompanhamentos dos
usuários do Programa de Proteção, talvez a mais fundamental (relacionada ao
presente trabalho) delas seja: como diante do contexto atual quanto ao Estado
mínimo para execução de políticas públicas qualitativas; e a sociedade civil
assumindo o papel de executar políticas públicas sem o aporte estrutural
(fornecimentos de serviços qualitativos) do Estado, pode-se dar conta de atender as
testemunhas e seus familiares de forma segura e qualitativa? Este questionamento
está interligado com as duas questões apresentadas às equipes estaduais dos
Provitas, na pesquisa realizada, onde de forma geral ficou perceptível que não há
um procedimento “padrão”, sendo utilizado pelas equipes que responderam as duas
questões citadas no inicio deste capitulo, mas que em todas elas ficou explicito que
há grande comprometimento quanto a se pensar em estratégias que possibilitem a
garantia, muitas das vezes, mínima de atendimento seguro e qualitativo aos usuários
e seus familiares que se encontram acolhidos na rede de proteção.
Desta forma, registra-se que os contextos históricos de formulação e
implementação, tanto da Assistência quanto da Saúde foram e são fortemente
influenciados pela política econômica neoliberal, no qual há uma grande supressão
dos direitos sociais e conseqüentemente acontece a desqualificação das políticas
públicas, não só para o usuário do Programa de Proteção, mas para toda a
população que destes serviços necessitam. Este é umas das grandes dificuldades
enfrentadas pelos Provitas Estaduais quanto a articulação com as políticas públicas,
enfrentar uma estrutura muito maior e tão enraizada na sociedade brasileira.
Outra dificuldade está relacionada à confusão existente na definição de papéis
Estado/Sociedade Civil, no qual o Programa é uma política pública de Estado
executada por organizações da sociedade civil. A sociedade civil executa uma
política pública, mas não consegue garantir aos usuários da rede protetiva o acesso
a outras políticas públicas tão fundamentais para o desenvolvimento e reinserção
dos mesmos.
Considerações finais
Nos capítulos que se seguiram buscou-se realizar um pequeno ensaio sobre
as Políticas Públicas no Brasil, de forma direcionada para o campo dos Direitos
Humanos, assim como sobre os impactos do neoliberalismo na regressão dos
direitos e também na questão violência. Tal explicitação somente evidenciou e
reafirmou que os contextos históricos políticos-econômicos que envolveram os
diversos atores na busca da efetividade dos direitos humanos e mais
especificamente na criação do Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas
Ameaçadas influenciaram consideravelmente na elaboração e implementação das
políticas públicas no Brasil nesta área.
Quanto a efetiva execução das redes de serviços, inicialmente há de se
considerar as peculiaridades de cada Provita estadual, onde ficou evidente que
apesar de todos os Estados serem regidos por uma Lei Federal, cada estado
desenvolve articulações, alianças, parcerias de forma que avaliam ser o ideal, no
intuito de garantir a qualidade dos atendimentos dispensados às testemunhas. Tais
particularidades não ofuscam as práticas cotidianas junto aos usuários, mas
ressaltam que apesar de todos os entraves existentes na relação Sociedade Civil e
Estado, os Provitas Estaduais reservam características marcantes de
comprometimento, articulação e criatividade frente aos inúmeros desafios cotidianos.
Desta forma a que se fazer a nível estadual e nacional uma avaliação desses
10 anos de existência do Programa de Proteção, visto que muitas mudanças
ocorreram em nossa sociedade e que deve-se questionar: O Programa consegue
cumprir com o que se propõe quanto a proteção e reinserção social das
testemunhas? Será que não se faz urgente a articulação estadual e federal para que
se possa realmente se ter procedimentos que garantam essa reinserção social das
testemunhas e seus familiares? Será que são os Programas Estaduais que tem que
dar conta da inserção dos usuários na rede de serviços públicos de forma segura ou
será que o ideal seria se pensar a nível de Ministérios (Saúde, Educação,
Assistência Social,etc) um procedimento nacional para garantir tal acesso? Entre
outras questões.
Entretanto, para além da avaliação do Programa, de projetos, de
procedimentos, de estratégias e mesmo de políticas públicas aqui propostas, é
fundamental se referir às chamadas “questões de fundo”, as quais informam,
basicamente, as decisões tomadas, as escolhas feitas, os caminhos de
implementação traçados e os modelos de avaliação aplicados em relação a uma
estratégia de intervenção governamental qualquer, aqui em questão o Programa de
Proteção a Testemunhas e Vitimas Ameaçadas.
Sendo assim, torna-se urgente reverter este cenário de informalidade dos
acessos das testemunhas aos serviços públicos, pois fazendo uma auto-critica, é
visível a partir de algumas “boas práticas”, tomá-las como referências para a uma
construção mais eficaz e com maior abrangência nos estados brasileiros, visto que
alguns estados tem construído experiências extremamente relevantes de
enfrentamento das questões de fundo referentes a execução do Programa de
Proteção. E desta forma as “questões de fundo” devem ser desveladas seja a nível
de Estado, seja a nível da Sociedade Civil e a nível federal na busca de minimizar as
fragilidades existentes no Programa de Proteção a Testemunhas e Vítimas
Ameaçadas brasileiro.
Frente a realidade atual, de “transformações políticas” - no qual diversas
entidades/ONGs que possuem grande relevância no campo dos direitos humanos,
estão “entregando o Programa”; onde a violência e o crime têm se apresentado em
formas tão diferenciadas e subjetivas; das dificuldades de assinaturas de firmar
convênios, entre outras questões - acredita-se ser este o momento propício para
uma auto-avaliação a nível micro e macro, para reverter o quadro de “descrédito” em
que hoje se encontra o Programa de Proteção. E desta forma não pode-se deixar de
registrar que o Encontro realizado no estado de Alagoas (2009), segundo alguns
participantes foi um momento de discussões intensas, profundas e fundamentais
para possíveis transformações na implementação do Programa de Proteção.
No decorrer do desenvolvimento da referida monografia, surgiram novas
questões relacionadas ao Programa de Proteção, que certamente são de extrema
importância na busca de maior qualificação desta política pública/serviço, tão
fundamental para as pessoas que dele necessitam, assim como para a minimização
da impunidade tão enraizada na sociedade brasileira. Como exemplo: “As diferentes
articulações políticas das instituições que excutam o Programa influenciam na
qualificação dos serviços prestados pelo mesmo”; “Como os usuários se percebem
enquanto usuários/testemunhas e usuário/cidadãos quando são orientados a buscar
serviços públicos, já que não podem ser identificados? Qual o papel dos Conselhos
deliberativos? Do status ao envolvimento e comprometimento real na execução do
Provita. Tais questões podem suscitar num melhor aprofundamento e
desenvolvimento dos procedimentos realizados na execução do Programa de
Proteção.
Enfim, é sem dúvida que o Provita em sua complexidade, em que se
misturam as discussões sobre as políticas de segurança pública, políticas de direitos
humanos, políticas sociais é um campo rico e denso, e que está a exigir um maior
refinamento teórico, técnico e operativo de todos os atores que dele fazem parte –
Governo Federal, Estadual e Municipal, Condel, Equipe Técnica, Entidade Gestora e
Usuários. Este é dos maiores desafios.
Voltando-se para a execução mais prática do Programa quanto a uma melhor
articulação do Provita com as Políticas de Assistência e Saúde, registra-se o
apontamento de algumas recomendações: 1) A nível macro - articulação entre os
órgãos/ministérios das referidas áreas a nível federal como intuito de dialogar sobre
procedimentos facilitadores da inserção dos usuários/testemunhas nos serviços
públicos de forma segura e qualitativa; articulação e troca de experiências através de
seminários, encontros, fóruns virtuais, entre as equipes estaduais. 2) A nível micro –
utilização da rede solidária, através de parcerias firmadas com os diversos setores
da sociedade, em especial as Secretarias Estaduais (Saúde, Assistência, Educação,
Trabalho, habitação), privilegiando a formalidade, o sigilo, a qualidade do serviço, a
autonomia e a reinserção dos usuários/testemunhas.
Evidencia-se, a partir do exposto que existem caminhos possíveis e variados
quanto a reinserção dos usuários/testemunhas de forma segura e qualitativa, seja a
nível macro ou micro e que ambos estão intrinsecamente vinculados ao cotidiano
das práticas do Programa de Proteção. E que se constata que as equipes estaduais
a partir da demanda que surge, caso a caso, vão estabelecendo, criando, recriando
esses caminhos.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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APÊNDICE A
QUADRO 1
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de serviços?
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou privado
SINALIZAÇÕES
AMAZONAS
O usuário é orientado a buscar os serviço por conta própria
Esporadicamente quando o usuário não consegue atendimento a equipe entra em contato como Posto de Saúde, ambulatório, ou profissional da área para viabilizar o atendimento
Quando necessário cadastro local, em que o usuário precise apresentar comprovante de residência –utiliza-se o endereço da Entidade executora (Sede oficial e não o escritório da Equipe)
Exames mais complexos e utilização de medicamentos que precisam de cadastro nacional – não se utiliza o SUS e sim a rede particular
Quanto ao SUAS – os usuários são orientados a não buscar os serviços oferecidos – já que alguns necessitam de cadastro nacional e também por que todos os usuários recebem uma planilha que ultrapassa o valor de referencia para obter os benefícios
Para os usuários que receberam casa própria – foi realizado uma reunião com a Superintendência de Habitação do Estado sendo garantindo o sigilo quanto a exposição dos dados dos
Instrumento: Reunião com colaboradores pelo caminho da informalidade e amizade, sendo em seguida construído o mímino de vínculo institucional entre o Programa e a Entidade/Secretaria
Autonomia x segurança
Utilização do SUS e SUAS x cadastro nacional
Utilização do SUAS x utilização de verba publica
Conquista/aquisção da casa própria x “parceria” com Estado local
usuários e fotografia
QUADRO 2
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de serviços?
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou privado
SINALIZAÇÕES
PARÁ
O atendimento na rede de serviços é um enorme desafio, pois não efetivação de estratégias ou mecanismos que diferenciem o atendimento do „cidadão comum” para o usuário do Provita
Já se pensou em Termos de Cooperação Técnica – com intuito de facilitar ao acesso prioritário, contudo nunca foram efetivados
SUS – sabemos que não é seguro o acesso, pois este mantém um banco de dados em nível nacional, principalmente para procedimentos mais complexos que necessitam da confecção do cartão do SUS
As articulações que garantem os atendimentos são frutos de relações com parceiros governamentais e não-governamentais pontuais
Infelizmente este é um “nó” da rede nacional e uma grande fragilidade das equipes estaduais que não tem a retaguarda necessária do Estado
Certo é que seria necessária uma Macro Articulação entre os ministérios, afim de que fosse regulamentado “o caminho a seguir” para um atendimento mais eficaz
Por exemplo: uma documentação específica para acionar as unidade de saúde e/ou hospitais da rede publica ou ainda um cadastro diferenciado para os usuários matriculados na rede de ensino publico
O certo é que precisamos dessa retaguarda estatal, ou seja uma parceria de fato horizontal e harmônica entre Estado e a Sociedade Civil Organizada
Na rede privada, temos obtido bons resultados (como valores diferenciados e acesso rápido) junto a profissionais liberais, clínicas e laboratórios particulares engajados à luta dos direitos humanos
Há uma boa contra partida oferecida pela sociedade civil, mas que não representa muito na totalidade, pois a maioria dos serviços é via rede publica, devido ao numero significativo de demandas cotidianas
Utilização do SUS x cadastro nacional
Garantia de atendiemtno x articulação com parceiro ONG e outros
Execução do Programa x papel do Estado
QUADRO 3
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou
SINALIZAÇÕES
serviços? privado
BAHIA
Embora o Provita BA tenha onze anos de execução ainda não possuímos acesso aos serviços públicos, como saúde, educação e assistência de forma segura, que possibilite aos usuários um atendimento sem risco, no que pese a Secretaria de Saúde e a Secretaria de Desenvolvimento Social terem acento no Conselho Deliberativo do Provita
Em relação á saúde – temos uma parceria com o serviço de uma Universidade que realiza o cadastro do usuário de forma segura, mas o usuário tem que apresentar RG. Ponto positivo: disponibiliza atendimento de baixa a média complexidade, inclusive tratamento odontológico . Ponto negativo: demora na marcação das consultas e ausência de pronto-atendimento, já que se trata de um serviço para atender servidores e alunos.
Na área de educação os usuários são matriculados com seus nomes verdadeiros
Quando a demanda é emergente, não resta alternativas que não o encaminhamento ao SUS ou atendimento na rede privada
Cumpre ressaltar que tal contexto, com certeza, não difere do que acontece na maioria dos Estados, até porque as equipes técnicas, no que pese o seu empenho na abertura de rede, determinados serviços públicos, necessariamente, terão que ser articulados e, por via de conseqüência garantidos institucinalmente, não somente dentro do âmbito estadual, mais em esfera nacional, como forma dos usuários terem o acesso seguro ás políticas publicas, bem como outras ferramentas necessárias á inserção social, como a CTPS
Rede solidária (parcerias) x serviços públicos
Utilização de serviços públicos x segurança
Inserção social x acesso a serviços
Equipe Técnica x abertura de rede
QUADRO 4
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de
SINALIZAÇÕES
refere a disponibilidade de serviços?
serviços? Seja público ou privado
CEARA
Para atendimentos dos nossos usuários no SUS lançamos mão de um termo de Cooperação Técnica entre a gestora do Provita/CE e a Secretaria de Saúde do Estado do Ceará
Estratégias: Um representante da Secretarias de Saúde faz o primeiro contato com o responsável pela unidade de saúde que fica sendo o elo entre a unidade de saúde e a equipe; reunião com o responsável pela unidade de saúde; manter contato com o Serviço Social da unidade de saúde, sendo este profissional facilitador na maioria dos casos; contatos com a coordenação dos Postos de Saúde solicitando cadastro diferenciado (nome abreviado, utilização do endereço da entidade gestora,etc)
Esse procedimento surgiu devido uma recomendação por escrito do Secretario de saúde do Município de Fortaleza após reunião com Diretores de Hospitas. Nessa ocasião, ficou acertado que as pessoas pertencentes ao Provita terão atendimento prioritário nos hospitais municipais em caráter sigiloso
Para isso há uma comunicação previa da gestora do programa diretamente ao hospital para envolvimento do Serviço Social na agilização do atendimento. Dificuldade – esse tipo de procedimento é uma relação informal estabelecida que fica e mercê da disponibilidade de cada coordenador do Posto
Quanto ao SUAS – realizamos contato com os coordenadores das unidades de Serviço Social
Além das dificuldades estruturais da Política de saúde Publica (falta de medicamentos, demora marcação de consultas, atendimento insatisfatório) encontramos resistências de alguns profissionais que se recusam a realizar atendimento prioritário e sigiloso,, tornando necessária a realização de vários contatos para tentarmos agilizar os atendimentos. Em alguns casos, já solicitamos o intermédio da Promotoria de saúde
Acreditamos que assinatura do Termo de Cooperação é um dos instrumentos que facilita o acesso sigiloso e prioritário dos usuários na rede de serviços, seja publico ou privado, devido a possibilidade de construirmos relações institucionalizadas e não informais.
Utilização de instrumentos formais x acesso à serviços
Parcerias x acesso a serviços
Utilização de instrumentos x construção de relações institucionalizadas e não informais
QUADRO 5
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de serviços?
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou privado
SINALIZAÇÕES
PARANÁ
A estratégia inicial é o contato com o responsável pelo serviço que é feito pela coordenação geral através de uma visita „in loco” – apresenta o programa de forma sigilosa, dentro dos critérios do Órgão. Logo após são agendados os atendimentos que são acompanhados pela Assistente Social
As consultas e ou atendimentos são feitos com o nome verdadeiro, e ingressam sem nenhum privilégio, apenas de maneira discreta e muitas vezes com horário marcado
No sistema SUS os atendimentos primários de saude são feitos na rede publica municipal, que funciona com um atendimento no posto de saúde local, onde o usuário faz um cadastro e recebe uma visita na residência do agente de saúde.
Caso o usuário necessite de atendimento especializado é encaminhado na primeira consulta. Tem também um pronto atendimento de emergência , denominado posto vinte quatro horas
Os caso que não podem ser expostos a cadastros nacionais utilizam a rede privada de saúde, com custos menores, face parcerias e contatos.
A rede do SUAS esta vinculada às Prefeituras Municipais e dependendo do tipo de atendimento a Assistente Social faz uma visita para verificar a exigência do serviço, depois encaminha o usuário com o endereço e horário. Na rede do SUAS estão cursos profissionalizantes, atendimentos a grupos, benefícios diversos
As dificuldades são sanadas a partir de acompanhamentos de cada caso.
Os instrumentos são a entrevista, ofícios de esclarecimentos, abordagem pessoas com os responsáveis
A procura de rede é continua
A dificuldade maior é quando o usuário não pode ser identificado no âmbito nacional, por que não temos forma sigilosa através de código.
Utilização de instrumentos (acompanhamento de casos, entrevistas, reuniões) x viabilização de acesso a serviços
Visita in loco x construção de parceria
Exposição dos usuários x acesso serviços publicos
QUADRO 6
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de serviços?
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou privado
SINALIZAÇÕES
ALAGOAS
Como é de conhecimento geral, muitas das vezes é difícil contar com os atendimentos de saúde na Rede Publica para os usuários do Programa. Essa dificuldade diz respeito principalmente ao difícil acesso e demora na marcação de consultas no SUS, assim como principalmente, na continuidade do tratamento (como exames, retorno,etc)
Existe grande dificuldade em marcar consulta com certas especialidades medicas
A depender do grau de risco e avaliação feita pelas equipes envolvidas no caso, não podem utilizar o cartão SUS por perigo de rastreamento, o que dificulta mais ainda o acesso a esses serviços
Quando o usuário não pode utilizar o cartão SUS, tentamos articular com alguma médico parceiro e de confiança para que a consulta, ou pelo menos os primeiros encaminhamentos sejam feitos de forma sigilosa
Para alguns desses médicos nos falamos sobre o Programa e a condição de testemu nhás dos usuários, porém na maioria dos casos procuramos falar o mínimo possível, geralmente se referido a entidade gestora, utilizando historia de cobertura – raramente é mencionado o nome e a dinâmica do Provita
Para algumas demandas de saúde, física e mental, também utilizamos o serviço particular com profissionais competentes, de confiança e que cobram um valor mais acessível á realidade do programa- que são utilizados com freqüência para os nossos usuários.
Utilização de serviços públicos x segurança
Dificuldade de acesso seguro à serviços públicos x utilização de rede privada de serviços
QUADRO 7
PROVITA
1. Como acontece e quais os caminhos e estratégias que o Provita cotidianamente utiliza para garantir os atendimentos em Rede pública aos usuários de forma segura e qualitativa, tendo como base o SUAS e o SUS no que se refere a disponibilidade de
2. Diante das dificuldades apresentadas no que se refere a garantir tais atendimentos quais os instrumentos utilizados para viabilizar o acesso dos usuários na rede de serviços? Seja público ou
SINALIZAÇÕES
serviços? privado
ACRE
Quanto aos procedimentos realizados nos encaminhamentos de usuários a Rede Publica de Saúde e Assistência Social, informamos que somente em junho/2008 o Provita/AC iniciou suas atividades efetivamente no Estado do Acre – a partir de então iniciou-se o processo de firmar parcerias com as instituições
Nessas parcerias firmadas, é indicado um colaborador institucional que intermediará o acesso dos usuários, bem como as possíveis demandas apresentadas por esta equipe. Essa indicação é de fundamental importância , pois ela garantirá o sigilo do programa, sabendo que os dados cadastrais de cada usuário ficarão registrados apenas em sistema local, resguardando a identidade do protegido em rede nacional
No que se refere aos atendimentos dos usuários, é formalizado a solicitação a instituição sendo prontamente atendida. Assim, até o presente momento não tivemos dificuldades em viabilizar o acesso à rede de serviços públicos ou privados
Único estado que não possui dificuldades em acessar serviços publicos