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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS PROJETO A VEZ DO MESTRE A AGRESSIVIDADE INFANTIL E A PSICOMOTRICIDADE SANDRA SOUZA DOS SANTOS PROF. MARCO ANTONIO CHAVES Rio de Janeiro, RJ, maio/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A AGRESSIVIDADE INFANTIL E A PSICOMOTRICIDADE

SANDRA SOUZA DOS SANTOS

PROF. MARCO ANTONIO CHAVES

Rio de Janeiro, RJ, maio/2002

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A AGRESSIVIDADE INFANTIL E A PSICOMOTRICIDADE

SANDRA SOUZA DOS SANTOS

Trabalho Monográfico apresentadocomo requisito parcial paraobtenção do Grau de Especialistaem Psicomotricidade.

Rio de Janeiro, RJ, maio/2002

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO............................................................................................ 03

CAPÍTULO I. CONHECENDO A PSICOMOTRICIDADE............................ 05I.1 O Surgimento da Psicomotricidade no Brasil.......................................... 05I.2 Conceitos de Psicomotricidade segundo diferentes autores.................. 06

CAPÍTULO II. A FUSIONALIDADE E A AGRESSÃO.................................. 08II.1 O Nascimento da criança e a sua relação com o adulto........................ 08II.2 A Busca da Identidade e a Agressividade............................................. 11II.3 A Segurança Ontológica........................................................................ 12II.4 A Fusionalidade na Relação a três ....................................................... 13

CAPÍTULO III. DESEJO DE AFIRMAÇÃO E OS OBSTÁCULOSENCONTRADOS PELA CRIANÇA.............................................................. 15III.1 A Criança diante do julgamento do adulto............................................ 17III.2 O Papel do Adulto................................................................................. 19III.3 Da agressividade ao acordo................................................................. 19

CAPÍTULO IV. SOCIALIZAÇÃO.................................................................. 22

CAPÍTULO V. O BRINQUEDO E O JOGO SIMBÓLICO............................. 26

CONCLUSÃO.............................................................................................. 30

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS............................................................. 31

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INTRODUÇÃO

A agressividade infantil é uma realidade marcante em nossas

escolas, ou melhor, em nossa sociedade.

Vivemos em uma sociedade onde cada vez mais os meios de

comunicação influenciam no desenvolvimento e assim no comportamento de

crianças e adultos. A criança aprende aquilo que ela vivencia, e vivenciar hoje

em dia, podemos dizer, é assistir desenhos violentos ou ficar horas em frente a

um vídeo-game. E aí perguntamos: Como fica a relação desta criança com a

família, com os objetos e os espaços que a rodeiam? Não sabendo se

comunicar com o seu mundo, a criança faz o que lhe resta, agride de várias

formas, às vezes até por uma questão de defesa ou pelo simples fato de tentar

compreender ou ser compreendida pelos outros.

Em nossas experiências de Educação Física com crianças,

defrontamo-nos com o problema da agressividade, mas infelizmente a escola,

de um modo geral, ainda desconhece os fatores que levam uma criança a

tornar-se agressiva e acaba utilizando aqueles velhos métodos de regras

disciplinares, em que a punição, em vários graus é a meta final de quem a

transgride.

Sendo o tema desconhecido por muitos, principalmente da área

educacional, acredito que através deste estudo, poderemos conhecer melhor o

comportamento agressivo a fim de proporcionar à criança, através da

psicomotricidade juntamente com a Educação Física escolar, um bom

desenvolvimento físico, cognitivo, afetivo e social.

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Este estudo tem por objetivo esclarecer os principais fatores

responsáveis pela agressividade infantil, aceitar e reconhecer essas pulsões de

vida e reencontrá-las em seu nível mais primitivo, isto é, ao nível corporal.

Não existe aqui a intenção de ensinar uma fórmula para acabar com

a agressividade, até porque, tentar acabar com ela é destruir parte integrante

da pulsão de vida e movimento, é destruir todo o dinamismo da afirmação da

pessoa, mas sim de compreendê-la e orientá-la para investimentos aceitáveis

pela sociedade.

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CAPÍTULO I – CONHECENDO A PSICOMOTRICIDADE

1.1 O Surgimento da Psicomotricidade no Brasil

No Brasil, nas décadas de 40 e 50, o interesse inicial era pelo

diagnóstico psicomotor e vários segmentos já discutiam, qual a área

profissional que se utilizaria da ação psicomotora?

No mundo, aos poucos ela vai se caracterizando não apenas como

um trabalho reeducativo, delimitando uma diferença dessa postura à uma outra

– terapêutica.

A técnica instrumental dá vez a globalidade corporal, dando

importância a relação, a emoção e a afetividade.

Neste momento a relação com a psicanálise se torna mais estreita,

aquecida pelas posturas de Lapierre e Aucoutourier.

A partir de 1965, com o retorno de profissionais que iam ao exterior

participar de cursos e eventos, começam a surgir as técnicas reeducativas. As

influências vinham de escolas diferentes e métodos variados para a utilização

da ação psicomotora.

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A primeira proposta no Brasil de uma formação específica em um

método de Psicomotricidade parece ter sido iniciado em 1968, com a vinda de

Simone Ramain – Método Ramain.

Em 1969 no Instituto Helena Antipoff já iniciavam a abordagem

psicomotora em áreas distintas como: na educação, reeducação ou

treinamento.

Cada vez mais a utilização do corpo como instrumento da ação

psicomotora era ampliada por diversas áreas e com a entrada da

Psicomotricidade nos currículos de ensino de 3o grau, em várias capitais do

país e a chegada de Françoise Desobeau (França), convidada para um

Seminário sobre “Terapia Psicomotora”, os rumos se ampliaram

aceleradamente, abrindo um espaço na ação psicomotora, que antes

valorizava a técnica e agora tinha como um prisma a abordagem tônico-

emocional, revelando as atividades espontâneas, e o jogo e o simbolismo.

O ano de 1982 foi marcado pelo 1o Congresso Brasileiro de

Psicomotricidade.

Hoje, a Psicomotricidade representa uma ciência das mais

respeitadas por diversas áreas e segmentos, incorporada a vários cursos

superiores, e com inúmeros cursos de Pós-graduação.

1.2 Conceitos de Psicomotricidade segundo diferentes autores

“A Psicomotricidade quer destacar a relação existente entre a

motricidade, a mente e a atividade e facilitar a abordagem global da criança por

meio de uma técnica”. (De Meur e Staes);

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“A Psicomotricidade é um meio inesgotável de afinamentoperceptivo-motor que põe em jogo a complexidade dosprocessos mentais, fundamentais para a polivalência preventivae terapêutica das dificuldades de aprendizagem”. (Vítor daFonseca);

“Psicomotricidade é uma ciência que tem por objetivo o estudo do

homem, através do seu corpo em movimento, nas relações com seu mundo

interno e externo”. (S. B. P);

“É a comunicação que faz de mim como um todo, corpo e eu,

corporeu, que se torna possível ao outro me reconhecer como sujeito e não

como um objeto”. (Cardoso, Santos);

“A Psicomotricidade não é exclusivamente de um novo método,ou de uma escola, ou de uma corrente de pensamento, nemconstitui uma técnica, um processo, pois tal pode levar-nos aum novo afastamento da concepção unitária do homem. Visa,segundo a reflexão de M. Vial, fins educativos pelo emprego domovimento humano”. (Vítor da Fonseca);

“A Psicomotricidade é uma reação contra 20 séculos de culturadualista, contra uma mística teológica que culpabilizou o corposeparando-o da alma, contra a fria lógica cartesiana quepensou poder fazer do homem um puro espírito racionalista”.(André Lapierre);

“A Psicomotricidade é a realização do pensamento através do ato

motor, preciso, econômico e harmonioso”. (Ajuriaguerra).

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CAPÍTULO II – A FUSIONALIDADE E A AGRESSÃO

2.1 O Nascimento da Criança e a sua Relação com o Adulto

Para compreendermos a agressividade, precisamos estudar um

pouco mais sobre o desenvolvimento infantil, observando quais são os fatores

que influenciam o surgimento do comportamento agressivo na criança. Aqui

daremos destaque a formação da identidade a partir da vida embrionária até

alguns anos após o nascimento.

A partir da formação do sistema nervoso as primeiras sensações

que o feto registra são do tipo fusional, ou seja, a criança vive num estado de

indiferenciação total; ela é parte não separada do corpo da mãe. A textura do

meio líquido e da placenta que existe ao seu redor constitui um meio que a

envolve em sua totalidade. Trata-se portanto da vivência de uma sensação de

plenitude fusional difusa e sem limite.

Assim, o eu corporal não pode existir como espaço separado; não

podem ser percebidos limites entre o interior e o exterior, entre o eu e o não-eu.

Com suas necessidades fisiológicas satisfeitas, a criança não tem

necessidade, nem desejo, nem frustração: ela não espera nada do exterior.

Está num estado de bem-estar difuso, de plenitude.

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O traumatismo do nascimento vai arrancá-la brutalmente deste

estado de plenitude fusional através de um número enorme de sensações

vindas do exterior como: a luz, o frio, o ar, os odores, o contato com outros

corpos e objetos, e em seguida as sensações orais, anais e uretrais. O recém-

nascido fica mutilado de tudo que envolvida e protegia seu corpo e que fazia

parte integrante da sua totalidade, da sua plenitude fusional. O lactente é um

corpo que sofre em sua prematuridade orgânica e só sobrevive graças ao

corpo do outro.

A criança não encontra uma certa plenitude fusional senão em

contato de todo seu corpo com o corpo do adulto. Para que esse contato seja

funcional, é preciso que sua superfície envolva de algum modo todo o corpo do

bebê, como se o corpo dele com o corpo do adulto fosse um só.

“Esse diálogo corporal tônico é fundamental e sua qualidade vai

influenciar todo o futuro da criança1”.

A partir do momento em que a criança uniu e separou seu corpo do

corpo do outro, seu comportamento muda profundamente; ela deixa de ser um

“bebê” e passa a procurar situações fusionais mais conscientemente e de

forma mais ativa; é ela que vai a procura do corpo do adulto, ela quer tomar e

possuir o corpo da mãe, o corpo do adulto amado, complemento indispensável

à sua falta. Este período da vida da criança ela é extremamente possessiva e é

a impossibilidade de possuir totalmente e definitivamente esse corpo que vai

contribuir, em grande parte, ao nascimento da agressividade.

Esse contato fusional não pode ser permanente. Existem momentos

de ausência vividos inicialmente como um sofrimento e uma perda. Essa

alternância de presença e ausência vai provocar o medo, a angústia da perda,

pois nesta idade a criança não adquiriu ainda a noção de permanência do

objeto e qualquer ausência sensorial representa para ela um desaparecimento

1 LAPIERRE e AUCOUTURIER. Fantasmas corporais e Prática Psicomotora. Pág. 12.

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total, a uma “morte”. Aparece então um desejo inconsciente de retorno ao

estado fusional de plenitude (pré-natal).

Essa procura do corpo do outro vai tomar formas cada vez mais

simbólicas, substitutivas da fusão corporal. Esta necessidade do corpo do

outro, oculta no inconsciente, é encontrada constantemente em qualquer adulto

normal, exprimida pelo seu modo de agir, em situações de regressão e

principalmente em todas as situações emocionais da vida: grande alegria,

desespero, pavor e etc.

Não conseguindo realizar o desejo de posse do corpo do outro a

criança conhece a frustração, e assim reage com agressividade.

Esta agressividade rapidamente se transfere ao objeto. As crianças

gostam de dar, mas não gostam que alguma coisa lhes seja tomada, sabendo

defender o objeto que um outro quer lhes tomar. Esta agressividade é muito

comum nas crianças até aproximadamente os dois anos de idade.

O desejo de agredir parece ser essencialmente um desejo de

afirmação e de dominação. Esta agressão contra outras crianças é a projeção,

o reconduzir de um desejo de agressão contra o corpo do adulto, da mãe, do

pai, do educador.

É muito importante que o adulto vá rompendo esta relação inicial

através da frustração gradativa, não aceitando mais ser permanentemente o

complemento da falta da criança e esta por sua vez vai reagir contra esta

ruptura, não aceitando deixar de ser o desejo funcional dos pais, esta situação

apesar de conflitante é indispensável para a obtenção da autonomia e da

identidade.

“A identidade nos aparece de fato como um re-nascimento, umnovo nascimento, isto é, uma nova ruptura da fusionalidadeprimitiva. Renascimento incessante na medida em que somos

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contínua e novamente tomados no desejo funcional dos outros:suas palavras, suas idéias, suas seduções, suas agressões”2.

2.2 A Busca da Identidade e a Agressividade

A procura da identidade através da agressão é uma tentativa de

ruptura do acordo funcional, mas por outro lado, não é ruptura da relação, da

comunicação. Necessito do outro para afirmar minha identidade contra ele. É

também o outro que me concede minha identidade permitindo opor-me a ele.

“A Criança só pode atingir a identidade se já conheceu a fusão.”3

Percebemos então uma cumplicidade nesta agressão recíproca, um

prazer corporal compartilhado, a escuta dos parâmetros da vida do outro e de

sua própria: o peso, o calor, o contato, a respiração, a voz.

Observando as brigas as crianças pequenas na escola ou fora dela,

percebemos que elas possuem um caráter particular de um contato muito

íntimo; elas se agarram, rolam uma sobre a outra, se apertam até conseguir

imobilizar um ao outro, surgindo assim um desejo funcional. Seu

comportamento em relação ao corpo do adulto é o mesmo. O comportamento

agressivo mas distanciado é também um distanciamento em relação ao corpo

do outro, é uma nova fuga da fusionalidade.

A fusão apóia-se numa problemática conflitante do inconsciente. Ela

é segurança, refúgio, bem-estar, prazer, felicidade regressiva. Por outro lado, a

fusão é também abandono, dependência, vazio, perda do eu corporal,

autodestruição e morte simbólica, é angústia.

2 Idem, Pág. 27.3 Idem, Ibidem.

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2.3 A Segurança Ontológica

Somente através da procura e da afirmação de sua identidade e

autonomia é que a criança poderá adquirir a certeza de sua identidade e assim

a sua segurança ontológica como dizem os existencialistas, e assim ela poderá

liberar de novo o seu desejo fusional e se abrir à penetração dos outros.

Um fato bastante importante a ser destacado é em relação a criança

muito insegura, ela é pouco permeável ao desejo do outro e se mantém

geralmente na defensiva. Ela se torna também pouco permeável ao desejo do

professor em fazê-la aprender. Sua agressividade recalcada torna-se oposição.

Se não for permitido à criança exprimir-se numa vivência simbólica, esta fase

agressiva não poderá desaparecer sem deixar seqüelas.

Esta agressividade vai evoluir progressivamente na medida da

simbolização de sua relação fusional com o adulto e vai resultar na “crise” da

adolescência, que é oposição ao desejo fusional dos adultos de fazer penetrar

no adolescente seus conceitos e seu modo de via. Através desta oposição, a

adolescente defende sua identidade. Quando ele tiver adquirido sua identidade

(Segurança ontológica), isto é, quando se tornar ele mesmo um adulto, é que

poderá resstabelecer com seus pais e com os adultos em geral, uma relação

menos conflitante. A não-conformidade com o desejo dos pais deixará de ser

algo culpável (o que mantinha sua agressividade), e sim como a expressão

normal de sua autonomia e de sua liberdade.

“A agressividade nos aparece em suma como uma procura euma defesa da identidade. No momento em que a identidadefor realmente adquirida, aceita pelo outro e não for maisameaçada, a agressividade, que não pode ser confundida como recalque da agressividade, nos parece portanto como umsinal de maturidade”4.

4 Idem, Pág. 29.

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2.4 A Fusionalidade na relação a três

O que falamos até aqui sobre a fusionalidade, foi em relação a fusão

da criança com o outro, numa relação de dualidade. Geralmente a mãe é a

parceira privilegiada das relações fusionais e na medida em que ela permanece

ou não como a única parceira, o desenvolvimento da personalidade da criança

será provavelmente diferente. A criança tem necessidade de uma situação

privilegiada na qual ela está certa de encontrar e reencontrar, quando desejar,

um complemento a sua falta, um local de segurança.

Por outro lado, se a criança não conseguir sair da exclusividade

desta relação dual, prolongando-se por muito tempo, ela será limitada

freqüentemente por toda a sua vida, em suas possibilidades de comunicação.

Seu espaço fusional vai se reduzir a uma só pessoa e esta cumplicidade num

espaço fusional fechado vai se manifestar em certas psicoses onde a criança

não está literalmente separada da mãe, sendo um e outro prisioneiros desta

relação de fusão corporal.

Nestas condições, a criança não pode estabelecer um espaço

fusional com uma outra pessoa a não ser a sua mãe. Perdendo assim a

possibilidade de autonomia e de comunicação social simbólica.

Por sorte, sabemos que isto não acontece com a maioria das

crianças, mas percebemos que de que fato a criança encontra dificuldade de

estabelecer uma relação fusional com dois adultos ao mesmo tempo. A criança

têm o seu preferido, que está sempre perseguindo, ou vão de um ao encontro

do outro.

O estabelecimento de um espaço fusional comum e simultâneo com

dois adultos ao mesmo tempo, parece ser a situação mais enriquecedora e

mais segura para uma criança, porém este fato só é possível se esses dois

adultos tiverem eles próprios um espaço fusional comum, resultante de um

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acordo fusional entre eles. Isto só poderá acontecer numa relação com um

casal parental (ou outro) muito unido.

A principal vantagem desta fusionalidade a três é que ela prepara a

criança a aceitar um espaço fusional mais aberto, preparando a criança para

abertura ao grupo e à vida social.

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CAPÍTULO III – DESEJO DE AFIRMAÇÃO E OS OBSTÁCULOS

ENCONTRADOS PELA CRIANÇA

A partir do momento em que a criança descobre seu poder de agir,

sobre seu corpo e deste sobre os objetos e sobre o outro, ela quer exercer

esse poder. Seu desejo, então, não é mais ser reconhecida como objeto, mas

também como sujeito, que age e é dono de seus atos.

“A agressividade é o resultado de um conflito entre o desejo de

afirmação pela ação e os obstáculos e interdições que essa afirmação

encontra”.5

Essa agressividade é uma maneira de relacionar-se com o outro,

uma comunicação. É provavelmente o mais primitivo e espontâneo modo de

comunicação face ao outro, quando este é desconhecido. É um meio de “dar” e

de “receber”, mesmo que chutes, empurrões, socos e etc.

Após descobrir o seu poder de ação sobre o seu corpo e sobre o

mundo que está a sua volta, a criança vai logo encontrar obstáculos,

resistências e oposições.

O comportamento agressivo é necessário na medida em que se

opõe a outras vidas as quais deve disputar seu espaço e seus meios de

existência.

5 LAPIERRE e AUCOUTURIER. A Simbologia do Movimento. Pág. 61.

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É preciso que a criança encontre muito cedo e por muito tempo a

resistência do objeto aos seus desejos. É através desta experiência, que a

criança vai conhecer o que chamamos que frustração e assim poder superar,

contornar e aceitar os obstáculos.

Esse aspecto está sempre presente no jogo livre com os objetos,

quando por exemplo a criança não consegue acertar um alvo com a bola ou

quando não suporta o peso de um objeto e etc. É através desses e outros

fatores que modificamos o gesto ou a estrutura do movimento para adaptarmos

ao real, ao objeto tal como ele é.

As primeiras reações são reações de revolta contra o fracasso, com

agressividade; pouco a pouco a criança aprenderá a paciência e a

perseverança que asseguram a realização do desejo.

A criança deve se confrontar com outras dificuldades como a de

espaço, de relacionamento com o outro, com o grupo e assim aprender com

sua própria experiência os limites de sua liberdade em oposição à dos outros.

“É esta confrontação de seu desejo com o real (através do objeto, do

espaço e do outro) que falta à criança super-protegida, que diante de cada

dificuldade esperará passivamente a ajuda do adulto…”6

Não temos dúvida de que o comportamento excessivamente

agressivo evidencia um desequilíbrio. Em relação a esse problema, Ana Freud7

acha que “conseguindo-se ativar o desenvolvimento da libido atrasada ou

doutro modo perturbada, produzir-se-á então automaticamente a mistura de

agressividade e libido e pôr-se-á um fim às exteriorizações destrutivas”.

Vale destacar que, na teoria psicanalítica, duas pulsões são

fundamentais: sexualidade e agressividade. A primeira serve à conservação,

6 Idem, Pág. 46.

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reprodução e ligação de vida; a agressividade serviria ao fim inverso, quer

dizer, à decomposição de ligações e à destruição.

Quando, em nossas aulas, nos deparamos com crianças muito

agressivas, entendendo o desequilíbrio apontado pela psicanálise entre libido e

agressividade, tendemos a concordar com ela. Porém, como entrar em contato

com essas crianças? Uma barreira aparentemente intransponível nos separa

delas. Temos medo delas como elas o têm de nós. Independentemente de

qualquer conceito teórico prévio entendemos que lhes falta um exercício de

amor, carinho, atenção, justiça e etc.

3.1 A Criança diante do Julgamento do Adulto

A criança não encontra apenas obstáculos materiais, resistências

objetivas na realização de seu desejo de agir, ela encontra também a recusa, o

proibido, o julgamento do adulto, e a partir desse julgamento, descobre a culpa.

O adulto não se contenta de proibir, ele tem a necessidade de

justificar essa proibição por um julgamento moral: “isso é ruim” – “que feio” –

“você é malvado” – “assim eu não vou gostar mais de você”, etc.

A proibição moral imposta e proferida pelo adulto, é vivida pela

criança como uma ameaça de rejeição.

Verbalizada ou não, essa ameaça existe no inconsciente do adulto,

mesmo se seu consciente a nega, e é isso que a criança ressente. Essa

ameaça representa simbolicamente, uma ameaça de morte. É a própria base

da chantagem afetiva que o adulto exerce constantemente, de forma mais ou

menos inconsciente, sobre a criança e sobre o adulto. Para afastar essa

7 FREUD, Ana. Psicanálise para pedagogos. P. 101.

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ameaça, é preciso que a criança se proíba de cometer o ato condenado e até

mesmo o desejo desse ato. Assim nasce a culpabilidade do desejo.

Percebe-se até aqui um condicionamento perfeito no qual o agente e

automaticamente cada vez que renasce o desejo do ato. Este Superego rígido

vai bloquear toda a possibilidade de expressão autêntica e espontânea.

Tudo isso, nos leva a tentar adotar uma atitude de “não-julgamento”.

Mas essa atitude dificilmente pode ser adotada de início, tem

também o desejo de ser julgada. O julgamento, que a situa no desejo do outro,

lhe dá segurança.

A existência do desejo e do medo alimentam um estado de

ansiedade e dependência. É muito importante tentar ajudar a criança a sair

dessa dependência ansiosa, do julgamento do adulto e de seu próprio

julgamento que não passa de interiorização deteriorada do julgamento do

adulto. É necessário que a criança aprenda a assumir sua liberdade e a julgar

conscientemente seus atos.

Isto não quer dizer que tudo seja permitido; mas a função da

proibição cega, exercida pelo Superego, deve ser o máximo possível trazida ao

nível do eu consciente. Cabe ao “eu” julgar, aceitar, renunciar, ou recusar em

função das conseqüências reais de seus atos nas circunstâncias presentes,

ficando claro que, dentre essas conseqüências, está excluída a rejeição do

educador, base da chantagem afetiva.

Podemos verificar que as situações regressivas, durante as quais

são simbolicamente transgredidos um certo número de proibições, em

presença e com a aprovação do animador, podem ajudar no

descondicionamento e na liberação. O fato desse desejo poder exprimir-se na

ação, mesmo de forma simbólica, com a aceitação do educador, que

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desempenha o papel de pai, pode contribuir para desculpabilizá-lo, no caso

aqui à agressão.

3.2 O Papel do Adulto

Sendo o papel do adulto favorecer o desenvolvimento de todos os

aspectos da personalidade da criança, de início e antes de tudo ele deve, nas

variadas situações educativas, criar um clima a uma relação que correspondam

às necessidades fundamentais da criança: segurança e autonomia.

E este clima de confiança recíproca está ligado, à sua própria

pessoa.

Por que certos adultos são aceitos facilmente pela criança, enquanto

outros têm dificuldade de conseguir isso e alguns não conseguem jamais?

A atitude do adulto diante de seu cliente. É uma atitude de respeito,

de aceitação da criança, tal como ela é, e de confiança nas suas

possibilidades. Tal atitude, que se pode chamar “presença”, é sentida instintiva

e espontaneamente pela criança, com quem se estabelece uma relação, nos

dois sentidos, de simpatia e de afeição (Condição de todo clima educativo

verdadeiro).

3.3 Da Agressividade ao Acordo

A criança só poderá chegar ao acordo se for permitido a ela explorar

de todas as formas o mundo ao seu redor. É somente nessas condições que a

expressão se torna autêntica, livre, espontânea, que as atitudes de fuga,

inibição ou de oposição desaparecem.

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Liberada de sua agressividade primária que ela pode exprimir e de

sua agressividade secundária, reacional, pela aceitação do adulto, a criança

está disponível para a busca do acordo.

A procura do acordo é inicialmente, e durante muito tempo, uma

procura de adaptação corporal e motora, não estruturada anteriormente, não

programada intelectualmente, deixando lugar a todas as iniciativas

espontâneas. É somente nessas condições que obtemos uma situação de

adaptação recíproca totalmente centrada no outro, nos outros e não numa

instrução qualquer pré-estabelecida e por isso intelectualizada.

Através da não-programação das atividades podemos estabelecer,

entre as crianças, uma comunicação direta, espontânea, improvisada, não

mediatizada por uma instrução formal que dificulta a relação com o outro. É

aprender a confiar na sua espontaneidade e na dos outros na troca, na criação

de uma harmonia de comunicação.

Se um líder se impõe, no início, através da sua gestualidade,

progressivamente é recusado em proveito de uma divisão mais harmoniosa

das iniciativas. O acordo perfeito só se realiza, com todo o seu valor emocional

quando, não se sabe mais quem comanda.

Muitas situações permitem aproximar esse acordo, a dois ou em

grupo. Vejamos alguns exemplos de atividades que podem ser utilizadas a fim

de chegarmos ao acordo.

• A criação livre, com ou sem objetos, de diversos ritmos musicais.

• As trocas de objetos (por exemplo bolas) numa busca da harmonia do

gesto e da trajetória.

• A animação em comum de um ou de diversos objetos.

• As buscas de simultaneidade ou de alternância nos saltos das bolas.

• As buscas de equilíbrio recíproco, direto ou através dos objetos.

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• Diferentes diálogos gestuais.

• Todas as buscas de ritmo, não somente com instrumentos de

percussão, mas com o solo, com os objetos mais diversos, com o gesto,

cada um podendo improvisar, no ritmo coletivo do grupo, as

interpretações mais diversas.

• As buscas no prolongamento do gesto do outro.

• A construção de estruturas onde cada um intervém sucessivamente

completando e respeitando o trabalho do outro; estruturas corporais de

movimentos imobilizados, estruturas de objeto, estruturas plásticas.

A busca de comunicação livre e não mediatizada deve ser a tela de

fundo constante de todo o trabalho do grupo e da aula.

Essa dinâmica de trocas deverá, é claro, continuar e ser investida

numa pedagogia coerente, ao nível do trabalho intelectual, num trabalho de

grupo onde as relações de ajuda precedem as relações competitivas. Tudo isso

de maneira livre e não imposta, respeitando aqueles que preferem trabalhar só,

mas sempre atentos e prontos a acolhê-los.

“O acordo deve ser um prazer e não uma obrigação. É o prazer de

ser aceito ao mesmo tempo como sujeito e como objeto do desejo do outro; um

ensaio de harmonização dos desejos”8.

8 LAPIERRE e AUCOUTURIER. Op. cit. Pág. 66.

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CAPÍTULO IV – A SOCIALIZAÇÃO

“O homem é um ser social. Para se chegar a isso, no entanto,deve-se levar em conta o tempo de maturação biológica, ascoordenações espaço-temporais, a formação da imagemcorporal, o desenvolvimento do pensamento, dossentimentos…”9

O desenvolvimento não se processa, de acordo com uma simples

relação numérica. Não se contam em dias ou anos os períodos do

desenvolvimento, mas em produções que têm a ver com as condições

biológicas, sociais, ecológicas, econômicas, culturais, ou seja, as condições de

vida.

Os indícios do comportamento social da criança são visíveis desde

cedo, bastando que se observe com atenção seus atos, especialmente os

relacionados ao brinquedo.

“Desde o início do desenvolvimento psicomotor inicia-se o processo

de socialização, uma vez que o equilíbrio da pessoa só pode ser pensado pela

/ e na relação com outrem”10.

9 FREIRE, João Batista. Educação de Corpo Inteiro. Pg. 160.10 LE BOUCH, J. Educação Psicomotora. Pág. 37.

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Entre os primeiros indícios de socialização , marcados no brinquedo

pela regularidade de reprodução de certas ações e o jogo social de

cooperação, existe uma intensa atividade de construção das regras que

acompanha a criança desde o surgimento da linguagem até o final da primeira

infância. Além disso, o que não falta são as regras disciplinares vindas dos

adultos, às quais a criança cede quase inevitavelmente.

É na fase escolar, mais ou menos dos 7 aos 11 anos de idade, que a

regra, tal como deve ser utilizada socialmente, se manifesta com evidência. O

comportamento social, regulado por normas de convívio aceitas por um grupo,

tem no espaço da atividade física (mais precisamente da Educação Física

escolar), especialmente no jogo, um espaço privilegiado de manifestação. É

evidente, que a ação do professor não é simplesmente submeter as crianças

às regras adultas, mas sim, estimulá-las a utilizá-las como recurso de convívio.

Não se deve cair na ilusão, de que a criança, só porque tem 7 anos

e entrou na escola, consegue praticar as regras. Ter ou não condições de

compreender o uso das regras dependerá de suas condições anteriores de

vida. A escola, não colabora muito com a socialização dos seus alunos. Mantê-

los imobilizados em carteiras, submetendo-os a um conjunto de regras,

incompreensível para as crianças, além de impor tarefas de realização

individual, não são os ingredientes adequados para uma eficiente socialização.

“A maneira mais eficaz de levar um indivíduo a integrar-se num

grupo é desenvolver primeiramente suas aptidões pessoais e consolidar sua

imagem do corpo”11.

Tal afirmação contradiz profundamente o conceito de que as

crianças, para aprender os conteúdos escolares, precisam estar sentadas,

imóveis e em silêncio. Seria difícil a um indivíduo, em tal postura, tanto integrar-

se num grupo, como desenvolver suas aptidões pessoais ou consolidar sua

11 Idem, Ibidem.

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“imagem do corpo”. Quando a integração em grupo ainda é insuficiente,

também o serão as aptidões pessoais e a imagem corporal. Seguem, esses

elementos, um desenvolvimento mais ou menos paralelo, ou seja, um não é

causa do outro.

É através da busca do acordo que a criança poderá chegar a uma

verdadeira socialização que não é somente submissão a uma regra comum,

mas a possibilidade de trocas autênticas com os outros, de compreensão, de

aceitação e de respeito.

Essa socialização é adquirida pouco a pouco através das fases de

evolução que podem, a cada instante, colocá-la em questão. É seguindo e

respeitando a evolução dessas fases que ajudaremos a criança a ultrapassá-

las.

Cria-se em todo o grupo, em toda classe, em toda comunidade,

relações afetivas preferenciais. Inicialmente é o par, o amigo, o colega. É com

aquele, ou com aquela que o acordo é mais fácil ou menos difícil. Vamos

aceitar e favorecer essa relação para que seja descoberto o prazer do acordo.

Mas esse acordo freqüentemente vai ser feito em detrimento dos

outros; é estar a dois contra os outros. Essa nova fase de agressividade é

também uma etapa, talvez a colocação do outro à prova, a descoberta da

confiança.

Depois, sem que cessem por isso os laços privilegiados, os pares

vão reencontrar-se, associar-se e estruturar-se em grupos mais numerosos,

indo às vezes até a constituição, dentro da classe de dois grupos hostis, com

freqüente conflito de líderes.

As crianças descobrem então o “clã”, o bando fortemente

estruturado na sua solidariedade e seu acordo interno, mas muito agressivo

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para tudo que lhe seja exterior. É uma etapa habitual de socialização da

agressividade. Esse novo código moral, garantido pelo grupo, permitirá a

desculpabilização da transgressão.

Uma educação mais aberta, uma melhor aceitação da criança,

permite atenuar essa fase de oposição agressiva.

A fixação nesse estágio é perigosa; ela conduz ao fanatismo, ao

racismo, ao facismo, à guerra.

A conduta adotada deve ser a mesma da agressividade individual;

não proibir, mas favorecer uma expressão simbólica. São os jogos de

enfrentamento dos grupos, nos quais aparecem as noções de companheiros e

adversários, a noção de equipe.

Nessa conquista do mundo, o outro não deve ser obstáculo, mas sim

uma ajuda.

Muito cedo, a criança deve ser confrontada com as dificuldades

reais, aprender a cooperar com os outros em uma tarefa comum. É construir

em conjunto, criar em conjunto, a partir dos objetos, da matéria; procurar

resolver em grupo as dificuldades em vista de um objetivo comum; repartir as

tarefas, cooperar em uma organização, em uma pesquisa, em um estudo. É

adquirir conhecimentos para colocá-los em uma tarefa comum; ao serviço dos

outros e não para dominá-los.

É nesse espírito, quando a agressividade interna for liquidada, que o

grupo torna-se plenamente produtivo e pode ascender ao prazer comum de

uma obra comum.

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CAPÍTULO V – O BRINQUEDO E O JOGO SIMBÓLICO

Como vimos anteriormente, o brinquedo simbólico pode minimizar e

muito, o problema da agressividade infantil.

No jogo simbólico a criança pode resolver conflitos e realizar desejos

que não foram possíveis em situações não lúdicas. Ou seja, no jogo simbólico

pode-se fazer-de-conta aquilo que na realidade não foi possível.

As atividades de psicomotricidade diferem de outros tipos de terapia,

no sentido de que tem como ponto fundamental de partida o corpo, que age

numa relação direta com os objetos, os sons, o espaço, e os outros.

O gesto, o movimento, o agir, tomam então uma significação

simbólica; é a satisfação simbólica dos desejos mais profundos, os mais

autênticos.

Trata-se de um simbolismo direto, vivido, interiorizado, que não

passa mais pelas estruturas lingüísticas e não é necessariamente verbalizável.

Essa expressão simbólica espontânea dos conflitos, vivida e aceita

pelo grupo, freqüentemente é suficiente para resolvê-los sem que uma

explicação verbal seja necessária.

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“O jogo na atividade autônoma é a expressão essencial da

criança”12.

Mesmo sendo normal utilizar o jogo da criança para favorecer a

evolução dos diferentes aspectos de sua personalidade, se bem que para a

criança este seja sempre um jogo, pois ela o pede. O adulto, nem por isso deve

monopolizar a ação da criança e buscar uma maneira permanente atingir um

objetivo educativo, através da ação.

O adulto deve sempre lembrar que há um segundo aspecto no jogo

e isso em todas as etapas da evolução da criança: é o jogo espontâneo, o jogo

pelo prazer, o jogo que permite a criança, pela liberação dos conflitos, ser ela

mesma.

O adulto deve pensar também na necessidade de autonomia da

criança e favorecer a atividade lúdica, como meio de expressão livre e

espontânea. Este mesmo adulto que quase sempre intervém, mesmo porque é

ele quem escolhe os brinquedos, não deve esquecer que a criança prefere

freqüentemente usar a imaginação com objetos simples, a utilizar os

brinquedos mais elaborados.

O jogo da criança torna-se, portanto, um meio de expressão total, ao

mesmo tempo corporal e verbal. Favorecendo a brincadeira, expressão

autêntica da criança, permite-se-lhe dar vazão à sua imaginação e à

criatividade. O jogo é livre, criação contínua, a imaginação transforma as

situações que se adaptam diante dela e essas situações novas são vividas por

sua vez como uma realidade.

Assim, o jogo livre, com qualquer forma e significado, é um dos

meios de expressão espontânea da criança e esta expressão espontânea tira

muito proveito das atividades lúdicas. Ela é indispensável em todos os casos,

12 VAYER , Pierre. O Diálogo Corporal. Pág. 180.

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para assegurar o equilíbrio emocional e relacional da criança, e por isso

mesmo ela contribui para favorecer o desenvolvimento de sua personalidade e

sua integração progressiva na sociedade das outras crianças e na dos adultos.

“O jogo é um caso típico das condutas negligenciadas pelaescola tradicional, dado o fato de parecerem destituídas designificado funcional. Para a pedagogia corrente, é apenas umdescanso ou o desgaste de um excedente de energia. Mas estavisão simplista não explica nem a importância que as criançasatribuem aos seus jogos e muito menos a forma constante deque se revestem os jogos infantis, simbolismo ou ficção, porexemplo”13.

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CONCLUSÃO

O objetivo principal desta pesquisa foi entender porque algumas

crianças apresentam um comportamento agressivo e de que forma ela é ou

deve ser tratada pelos adultos. Cabe então a nós adultos, principalmente os da

área educacional, conhecermos melhor a criança para poder ajudá-la a

desenvolver-se em todas as suas potencialidades.

É através da psicomotricidade que é considerada por muitos como

uma técnica, que se dirige pelo exercício do corpo e do movimento, valorizando

o ser em toda a sua totalidade, que podemos tentar solucionar ou minimizar o

comportamento agressivo das crianças, através do que a criança melhor sabe

fazer, brincar. É através do movimento que a criança começa a conhecer a si

própria e o mundo que está ao seu redor, e é através da interação com os

indivíduos mais experientes do seu meio social, que a criança constrói suas

funções mentais superiores ou forma sua personalidade.

Precisamos entender que o desenvolvimento infantil acontece

através de um diálogo e o primeiro diálogo que a criança vivencia é o diálogo

corporal. É através do corpo que a criança vai conhecer o mundo que a rodeia,

e é através dele que ela vai expressar os seus desejos, as suas angústias, os

seus medos, as suas frustrações, as suas alegrias, ou seja, as suas emoções.

É através deste corpo que a criança vai exteriorizar aquilo que ainda não

13 PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Pág. 158.

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consegue definir e expressar através da palavra e para isso, muitas vezes, ela

utiliza o recurso que conhece para se defender, a agressão.

O principal “remédio” para qualquer tipo de comportamento infantil,

normal ou anormal, agressivo ou não, sem dúvida nenhuma é o amor.

Portanto, o relacionamento afetivo, do seu meio social e principalmente entre o

psicomotricista e a criança, é a chave fundamental para o bom

desenvolvimento do trabalhado de psicomotricidade.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Alves. Niterói, s.d.

FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro. São Paulo: Scipione, 1989.

FREUD, Anna. Psicanálise para Pedagogos. Lisboa: Martins Fontes, 1994.

LAPIERRE, A. & Aucouturier, B. A Simbologia do Movimento. Barcelona: Ed.

Científico Médico, 1977.

__________. Fantasmas Corporais e Prática Psicomotora. São Paulo: Mande,

1984.

MORIZOT, Regina. História e rumos da Psicomotricidade no Brasil. Apostila do

Curso de especialização em terapia psicomotora. Rio de Janeiro: CETA,

1992.

PIAGET, Jean. Psicologia e Pedagogia. Rio de Janeiro: Forense Universitária,

1985.

VAYER, Pierre. O Diálogo Corporal. São Paulo: Manole, 1984.

WINNINCOTT, D. W. O Brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1975.