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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ATRAVÉS DO BRINCAR MÁRCIA MARÍLIA DE OLIVEIRA MATTOS Rio de Janeiro, RJ, Fevereiro de 2003.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ATRAVÉS DO BRINCAR

MÁRCIA MARÍLIA DE OLIVEIRA MATTOS

Rio de Janeiro, RJ, Fevereiro de 2003.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PRÓ-REITORIA DE PLANEJAMENTO E DESENVOLVIMENTO

DIRETORIA DE PROJETOS ESPECIAIS

INSTITUTO DE PESQUISAS SÓCIO-PEDAGÓGICAS

APRENDIZAGEM SIGNIFICATIVA ATRAVÉS DO BRINCAR

MÁRCIA MARÍLIA DE OLIVEIRA MATTOS

Trabalho monográfico apresentado como

requisito parcial para obtenção do grau de

Especialista em Psicopedagogia.

Orientadora: Prof. Fabiane Muniz

Rio de Janeiro, RJ, fevereiro de 2003.

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À minha família, pelo incentivo e

compreensão nos momentos de dificuldades.

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AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas deveriam ser mencionadas nesta página, uma vez que este trabalho é

fruto não só das informações teórico/técnica adquiridas, como também da minha formação ao

longo da vida, para a qual contribuíram meus pais e meus amigos.

A mestra Fabiane Muniz, minha orientadora, sou grata pelo apoio e pelo estímulo em

meu trabalho, que com dedicação, firmeza e delicadeza que lhe são características, apontou as

minhas falhas, mostrando-me novos horizontes.

As irmãs e funcionárias que abriram as portas da Instituição com total confiança.

A todas as crianças da Instituição, que sem elas não haveria razão de ser este trabalho.

A todos, os meus mais sinceros agradecimentos.

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RESUMO

O objetivo deste trabalho foi analisar a importância do brincar em crianças de três a

cinco anos de idade em uma Instituição de amparo à infância no Rio de Janeiro. Com base nos

conceitos teóricos sobre o brincar a partir da ótica de Winnicott, Wygotsky e Piaget,

compreende-se o que representa o brincar para o desenvolvimento destas crianças. A partir

das observações feitas, concluiu-se que a Instituição tem um modelo assistencialista de guarda

e proteção, privilegiando a comida e a higiene, em detrimento das concepções sobre o

psiquismo infantil, bem como o das formas de expressão e atuação das crianças no mundo

externo. A intervenção psicopedagógica teve o intuito de mostrar a necessidade de abrir

espaço para o brincar, transformando-o e ressignificando-o, no intuito de resgatar um sujeito

ativo, motivado, que pode participar ativamente da construção do conhecimento e de si

próprio, como ser cognoscante.

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SUMÁRIO

I. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 07 II. FUNDAMENTOS TEÓRICOS............................................................................. 09 2.1 Conceito de brincar.............................................................................................. 09 2.2 Evolução do brincar............................................................................................. 10 2.3 Dimensões do brincar........................................................................................... 12 2.4 As teorias sobre o brincar..................................................................................... 13 2.4.1 A atividade lúdica para Winnicott...................................................................... 14 2.4.2 Brincar para Vygotsky...................................................................................... 15 2.4.3 Piaget e o jogo.................................................................................................. 19 III. EXPERIÊNCIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE AMPARO À INFÂNCIA........... 28 3.1 Objetivo............................................................................................................... 28 3.2 Desenvolvimento.................................................................................................. 29 3.2.1 Metodologia..................................................................................................... 29 IV. ANÁLISE DA FUNÇÃO EDUCATIVA DA INSTITUIÇÃO ATRAVÉS DA OBSERVAÇÃO DO BRINCAR................................................................................

31

4.1 O contexto onde se desenvolveu o estudo............................................................. 31 4.2 Sujeitos................................................................................................................ 34 4.3 O brincar e as interações das crianças na Instituição.............................................. 36 4.3.3 O brincar visto pelo adulto............................................................................... 36 4.3.2 Criando espaço para o brincar........................................................................... 39 V. UMA PROPOSTA PSICOPEDAGÓGICA - POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES DE SUA IMPLANTAÇÃO NA INSTITUIÇÃO................................

49

5.1 Uma visão histórico-social das creches para a compreensão da Instituição............ 49 5.2 A intervenção psicopedagógira............................................................................. 54 VI. CONCLUSÃO..................................................................................................... 58 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS........................................................................ 60

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I. INTRODUÇÃO

Brincar é uma realidade cotidiana na urda não só das crianças, como dos adolescentes

e dos adultos Para que brinquem, é importante que não sejam impedidos de exercitar a sua

imaginação. A brincadeira expressa a forma como o indivíduo reflete, ordena, desorganiza,

destrói e reconstrói o mundo ao seu modo. É também um espaço e um tempo onde as crianças

podem expressar de modo simbólico suas fantasias, seus desejos, medos, sentimentos e os

conhecimentos que se vão construindo a partir das experiências que vivem.

O jogo é considerado um fenômeno universal presente em todas as formas de

organização social, das mais primitivas às mais sofisticadas. Em estudos antropológicos

furam observadas brincadeiras infantis de tribos africanas, crianças hindus, esquimós e índios

mexicanos Esta visão antropológica é imprescindível, quando procura-se compreender o jogo

em diferentes culturas, pois comportamentos entendidos como lúdicos apresentam

significados diferentes em cada cultura. Para a criança européia, a boneca ter-n o significado

de um brinquedo, um objeto, suporte de brincadeira, para os índios tem o sentido de símbolo

religioso.

Nas brincadeiras de faz-de-conta, o objeto adquire a função de signo, com

características e histórias próprias, que ficam à mercê das necessidades e desejos das crianças

Os significados atribuídos a um objeto, comportamento e situação não são gerais, mas

específicos de um sujeito em um determinado momento de sua história. O predomínio do

significado sobre o objeto e sobre a ação / situação observada, a partir do aparecimento da

brincadeira, introduz o pensamento infantil num mundo totalmente novo, independente das

restrições situacionais próprias das crianças. Livre, o pensamento pode imaginar, criar,

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inventar e representar Enfim, transformar-se num instrumento para a compreensão e

transformação do mundo objetivo.

Wìnnicott destacou a importância do fogo para o desenvolvimento emocional da

criança, como uma atividade importante frente às pressões originárias do meio sócio-cultural.

Para este autor; o brincar é universal, facilita o crescimento e, conseqüentemente, a

saúde; conduz a relacionamentos grupais, é uma forma de comunicação consigo mesmo e

com os outros

De acordo com Vygotsky (1984), o brinquedo fornece a estrutura básica para as

mudanças das necessidades e da consciência. O desenvolvimento da criança é determinado

pela ação na esfera imaginativa, pela criação de intenções voluntárias, pela formação de

planos da vida real e pelas motivações - aparecendo tudo nos brinquedos A criança

desenvolve-se, essencialmente, através do brincar. Neste sentido, o brinquedo ¡onde ser visto

como uma atividade condutora que ocasiona o desenvolvimento da criança, contribuindo

significativamente para o desenvolvimento cognitivo.

Considerando a atividade e o pensamento adaptado como formas de equilíbrio entre

assimilação e acomodação Piaget, define o jogo como aquela atividade em que a assimilação

predomina sobre a acomodação. Como os processos assimilativos e acomodativos intervém

em qualquer pensamento, o jogo é explicado a partir do pensamento visto como um todo, no

qual a assimilação predomina sobre a acomodação. Deste modo, todos os comportamentos

inteligentes podem se converter em jogo, bastando, para tal, que se repitam por assimilação

pura, sem visar uma adaptação ao real. Analisando a gênese do jogo no desenvolvimento

infantil, Piaget afirma que ele evolui por relaxamento do esforço adaptativo, ou seja, da

acomodação, e pela realização da atividade pelo prazer único de dominá-las, prazer que é

decorrente do sentimento de eficácia e poder.

A brincadeira simbólica, por ser zona fronteiriça entre a realidade e a fantasia, entre o

eu e o outro, entre o consciente e o inconsciente, muito próximo do sonho, dá realmente

condições à criança de representar situações carregadas de afeto e emoção, de viver os medos

e as tensões do outro, de inverter papéis e assim, compreender melhor as relações vividas.

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II. FUNDAMENTOS TEÓRICOS

2.1 Conceito de brincar

Brincar é uma forma básica da comunicação infantil na qual as crianças inventam o e

elaboram os impactos exercidos pelos outros. As crianças têm no brincar a sua forma

preferencial de interpretação do mundo e dos outros. Quando isto não acontece, pode ser um

indicador de psicopatologia. Crianças autistas, psicóticas ou com neurose grave não são

capazes de brincar.

O termo brincar origina-se do latim vinculum, que quer dizer laço, união, tendo uma

especificidade que nas línguas estrangeiras não possuem: os verbos spielen (alemão), to play

(inglês), jouer (francês) e jugar (espanhol) que significam tanto brincar quanto jogar e

também são usados para definir outras atividades como a interpretação teatral ou musical.

Ferreira, (1986,pg 286) define o termo brincar como “divertir-se infantilmente,

entreter-se com jogos de crianças”. Brincar também tem conotação, na nossa língua, de

gracejar, zombar ou tomar parte nos folguedos de carnaval. O termo jogar em português

abrange tanto as definições de brincar quanto as de várias outras atividades, de modo parecido

ao das línguas já referidas, sendo mais freqüentemente usado para definir os passatempos e

divertimentos subordinados a regras.

O termo latino ludus é de maior amplitude, pois remete às brincadeiras, aos jogos de

regras, às competições, à recreação e ás representações teatrais e litúrgicas (Cunha,

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1982:482). Dele deriva para o português o termo lúdico, que quer dizer aquilo que se refere

tanto ao brincar quanto ao jogar.

O jogo é objeto de estudo das mais diversas ciências como a Pedagogia, a Psicologia a

Sociologia a Psicanálise e Antropologia.

2.2 Evolução do brincar

Quando se pensa na evolução do brincar é interessante voltar até a antigüidade, época

em que o brincar era uma atividade característica tanto das crianças quanto dos adultos,

representando para ambos uma parte importante da vida. As crianças participavam das

festividades, lazer e jogos dos adultos, porém tinham, ao mesmo tempo, uma área separada de

jogos. Estes aconteciam em praças públicas; espaços livres; sem a interferência do adulto, em

grupos mistos de crianças de faixas etárias diferentes.

Vários autores apontam as brincadeiras daquela época como fórmulas condensadas de

vida, modelos em miniatura da história e destino da humanidade. A brincadeira era o

fenômeno social do qual todas as pessoas participavam e é mais tarde que ela perde seus

vínculos comunitários e seu simbolismo religioso, tornando-se individual.

O jogo é considerado um fenômeno universal presente em todas as formas de

organização social, das mais primitivas às mais sofisticadas. Em estudos antropológicos

foram observadas brincadeiras infantis de tribos africanas, crianças hindus, esquimós e índios

mexicanos Esta visão antropológica é imprescindível, quando procura-se compreender o jogo

em diferentes culturas, pois comportamentos entendidos como lúdicos apresentam

significados diferentes em cada cultura. Para a criança européia, a boneca tem o significado

de um brinquedo, um objeto, suporte de brincadeira, para os índios tem o sentido de símbolo

religioso.

Houve época em que o jogo foi considerado como uma conduta instintiva, biológica,

por não guardar qualquer relação de presença com os aspectos culturais e também por ser

observado em algumas espécies de animais como os macacos.

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Durante o advento do Cristianismo, que impunha uma educação disciplinadora em que

se privilegiava a memorização e a obediência, o jogo também fora marginalizado, tanto

quanto a prostituição e a embriaguez.

No século XV com o Renascimento, reconsiderou-se as atividades físicas como

exercícios de barra, corridas, jogos de bola parecidos com o futebol e o golfe, que tinham sido

excluídos na Idade Média

No século XVIII com o surgimento do movimento científico, os jogos foram sendo

criados para auxiliar o ensino de ciências para príncipes e nobres. Com a divulgação dos

jogos, antes limitados à realeza e à aristocracia, estes passam a servir de instrumento de

doutrinação do povo.

Com o término da Revolução Francesa no início do século XIX, surgiu uma nova

pedagogia com os teóricos Rousseau, Pestalozzi e Froebel. Com este último autor, o jogo é

compreendido como objeto e ação de brincar, baseado na liberdade e espontaneidade, onde a

criança manipula brinquedos para aprender conceitos e desenvolver habilidades.

Confrontando passado e presente, não há dúvida quanto ao fato de a criança continuar

a brincar - desde a criança da cidade até a criança do interior ou do campo, desde a criança

mais estimulada e com melhores condições econômicas até a criança de rua ou a criança

institucionalizada - todas procuram espaços e formas de expressar-se e descobrir o mundo

através da brincadeira. Nesses diferentes contextos, as crianças estabelecem relações com o

mundo, transformando, através do brincar, seus significados.

Hoje, pode-se entender o brincar corno um conceito e um instrumento transdisciplinar

que atravessa toda e qualquer prática com crianças podendo permitir um verdadeiro diálogo

interdisciplinar, É um elemento cultural do qual derivam a arte, o direto, esporte a religião e a

reflexão filosófica.

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2.3 Dimensões do brincar

As crianças através das brincadeiras vão se comunicando e adquirindo experiências

tanto internas como externas. E isto é muito importante para suas vidas, pois desta forma vão

construindo suas personalidades. Através do brincar, pode-se estar onde não se está; ser o que

não se é; pode-se experimentar o lugar do outro, o lugar do medo, do desejo, do sonho, de

outras realidades que não a real.

Quanto mais se amplia a realidade interna de urna criança mais ela precisa de

organizar sua realidade externa. Assim como, quanto mais se desenvolve a sua realidade

eterna mais ela tem necessidade de uma organização interna, ágil e coerente, a fim de arquivar

suas experiências e usá-las de maneira correta no presente. A maneira de arquivar o vivido

torna-se progressivamente internalizada, sistêmica, abstrata e lógica.

A criança, através da formação e utilização das diversas manifestações simbólicas-

linguagem, imagem mental, brincadeira simbólica, desenho representativo, imitação do

modelo, fabulação lúdica - , adquire condições de, gradativamente, ir se percebendo como

alguém que constrói a própria história de vida de maneira ativa e interativa, com a crescente

tomada de consciência da lógica subjacente às suas ações.

A maneira como uma criança brinca ou desenha reflete sua forma de pensar e sentir,

como está se organizando frente à realidade, construindo sua história de vida, conseguindo

interagir com as pessoas e situações de modo original, significativo e prazeroso, ou não.

Enfim, a ação da criança ou de qualquer pessoa reflete sua estruturação mental, o nível de seu

desenvolvimento cognitivo e afetivo-emocional. Expor-se de forma simbólica à :situações que

ameaçam ou pressionam a criança, de experimentar a tensão e o desequilíbrio frente a essas

posições, dá à criança a possibilidade de se reorganizar e de vir controlá-las de forma ativa.

A capacidade infantil de criar e brincar só faz fortalecer a importância das atividades

lúdicas no processo de construção de conhecimentos plenos de valores, sentidos e

significados. Quando a criança brinca, ao mesmo tempo em que desenvolve sua imaginação,

pode construir relações reais entre elas e elaborar regras de organização e convivência.

Paralelamente a esse processo, ao reiterar situações de sua realidade, modifica-as de acordo

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com suas necessidades. Ao brincar, a criança vai construindo a consciência da realidade, ao

mesmo tempo em que já vive a possibilidade de transformá-la. É através do brincar que se

processa a organização do sujeito, que nasce e se desenvolve a linguagem, que se dá o

aprendizado e o conhecimento do mundo.

O brincar, como atividade dominante da infância, tendo em vista as condições

concretas da vida da criança e o lugar que ela ocupa na sociedade, é, fundamentalmente, a

forma pela qual começa a aprender. Em segundo lugar, é onde tem início a formação de seus

processos de imaginação ativa e, ainda; onde ela se apropria das funções sociais e das normas

de comportamento que correspondem a certas pessoas.

Quando o brincar é compreendido como um modo de aprender, abre-se espaço para a

criança usar a sua imaginação, sua fantasia, sua criatividade para criar brinquedos e

brincadeiras. Quando o profissional propicia um espaço para brincar com a criança, conhece

melhor como ele pensa, sente, o que já sabe, como utiliza este saber e como aprende. Brincar

é um caminho privilegiado de expressão e de apreensão da realidade, que com a função de

representá-la dá-lhe um sentido, permitindo a entrada no simbólico e nos processos de

complexidade da vida.

2.4 As teorias sobre o brincar

As abordagens teóricas que investigam os processos internos ligados ao

comportamento lúdico salientam a importância do jogo para o desenvolvimento infantil. O

cego foi estudado por historiadores (Ariès, Caillois, Jolibert, Manson e Margolin), filósofos

(Aristóteles, Dewey, Platão e Schiller), lingüistas (Cazden, Vygotsky e Weir), antropólogos

(Bateson, Brougère, Henriot, Schwartzman e Sutton-Smith), psicólogos (Bruner, Fein, Freud

Jolly, Piaget e Sylvia) e educadores (Chateau, Vial e Alain).

Segundo Kishimoto (1994), hoje, na área da educação infantil, o que prevalece é a

visão evolutiva. Os psicólogos têm dado importância ao papel do jogo na formação das

apresentações mentais e no desenvolvimento da criança, principalmente na faixa etária de

zero a seis anos.

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Alguns destes teóricos são Winnicott, Piaget e Vygotsky . Segundo Winnicott, através

do brincar a criança usufrui da sua liberdade de criação e se organiza para o início de relações

emocionais, favorecendo o desenvolvimento de contatos sociais. Estes dois últimos

pesquisadores mostram a importância do jogo para o desenvolvimento intelectual ao

favorecer a descentração da criança, a aquisição de regras, a expressão do imaginário e a

posse do conhecimento.

2.4.1 A atividade lúdica para Winnicott

VVirmicott (1979) observou, na sua prática clínica, que as crianças além de terem

prazer no brincar; serviam-se das atividades lúdicas para dominar as angústias, controlar as

idéias ou impulsos que levam à angústia se não forem controlados. Segundo este autor, a

angústia é sempre um fator dominante na atividade lúdica infantil. Quando a angústia é

excessiva, a brincadeira torna-se compulsiva ou repetitiva ou fornece uma gratificação

sensual. Para controlar a angústia, a criança pode recorrer aos objetos chamados transicionais,

recurso que a libera e a impede de ficar presa no corpo, adoecendo.

Winnicott (1975) define objeto transicional como a representação do seio ou o objeto

da primeira relação. O objeto transicional é representativo da primeira possessão "não-eu",

lendo carro a mais importante função, a formação da ilusão, suporte de mediação simbólica

entre a mãe e a criança. Esta ilusão acontece quando a mãe se adapta às necessidades do bebê,

sobrevindo a junção entre a que o bebê imagina e o que a mãe completa, dando a ilusão à

criança de que aquilo que ela cria existe na realidade. O bebê escolhe alga externa com a

permissão da mãe, para constituir-se na primeira possessão “não-eu", de modo que se

estabelece um espaço intermediário entre os dois. Na medida em que a criança vai ao poucos

dominando a linguagem, o objeto transicional perde seu significado, e outras formas de

expressão passam a representar a entrada do sujeito no universo simbólico.

O objeto transicional é não só a primeira possessão "não-eu" como constitui-se no

símbolo e na primeira experiência do brincar.

Santa Roza (1993, pág.55) analisa os fenômenos transicionais como:

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“precursores das operações simbólicas, apontando para um momento de transição a partir da real irá surgir uma série de jogos com o caráter de ocultação. Estes se desdobram em várias brincadeiras de desaparecimento e reaparecimento: ocultar a rosto com uma fralda e desvendá-lo, deixar cair abjetas para a adulto resgatar; lançá-las á distância, abrir e fechar caixas e portas, jogos mais complexas de esconde-esconde, ande o prazer reside na ocultação e deslindamento da própria corpo ou da corpo do adulto”.

Winnicott (1975) considera que os objetos e os fenômenos transicionais fazem parte

da esfera da ilusão que está na origem da experiência, pois no que a mãe se adapta às

necessidades de seu bebê, possibilita-lhe a ilusão de que existe de fato aquilo que cria.

Segundo Winnicott, é nesta primeira relação mãe/bebê que se estabelece um espaço

potencial, no qual o bebê cercado de confiança, pode brincar criativamente para se separar da

mãe e, ao mesmo tempo, continuar ligado a ela simbolicamente A capacidade da mãe de

atender às necessidades do bebê é que propicia os sentimentos de confiança das pessoas e no

meio ambiente em geral, possibilitando a separação do "não-eu" a partir do eu. A criança se

utiliza do jogo como um intermediário entre ela e a mãe, usando o espaço potencial para

brincar e o uso de símbolos para entrar para a cultura. Este espaço potencial é a união entre

duas formas de realidade: a realidade psíquica e a realidade externa, o subjetivo e o objetivo.

Segundo o autor; o bebê ê um ser potencialmente criador, cuja primeira produção é de

seu próprio corpo. Seu primeiro meio de vida é seu corpo, resultante da inscrição no

organismo biológico. Na essência do brincar encontra-se a fusão primeira do bebê ao corpo

materno como a matriz do processo criativo. Este processo tem repercussões até a vida adulta.

A brincadeira do adulto está relacionada com a sua capacidade de lidar de forma lúdica com

seus próprios pensamentos; esta capacidade abre o espaço da criatividade e do humor que

compõem a brincadeira e o jogo do adulto.

2.4.2 Brincar para Vygotsky

Dentro do enfoque evolutivo, temos Vygotsky, com sua abordagem sócio-cultural,

muito influenciado por Friedrich Engels, que destacou o papel crítico do trabalho e dos

instrumentos na transformação da relação entre os homens e o meio ambiente.

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Os instrumentos são importantes na concepção teórica marxista, que considera o

trabalho como processo básico da diferenciação da natureza humana. Os instrumentos

possuem valor, na medida em que sendo elementos externos ao homem, têm a função de

transformar a natureza.

No livro "Dialética da Natureza'', Engels expôs alguns conceitos importantes que

foram desenvolvidos por Vygotsky.

Vygotsky afirma que a origem das funções psicológicas superiores se deve ao

surgimentos dos instrumentos e dos signos pelas trocas sociais. Na história do homem,

representações mentais constituem-se em estruturas complexas denominadas sistemas

simbólicos, que abrangem os signos compartilhados por membros de um mesmo grupo social.

O indivíduo toma posse destes sistemas simbólicos construídos socialmente, pela interação

ativa com o meio social. Na troca com os outros indivíduos e consigo próprio, vão se

internalizando conhecimentos, papéis e funções sociais, permitindo assim, a constituição de

conhecimentos e da própria consciência. A mediação indivíduo/objeto do conhecimento não

passa apenas pelas estruturas cognitivas, mas abrange as interações, fetos, relações sociais e

situações de ensino, construindo-se o conhecimento numa mediação intersubjetiva. O grupo

ao qual o indivíduo pertence transmite-lhe as formas de perceber o real e lhe permite obter

signos que vão fazer a mediação entre o indivíduo e o segundo. É um processo que vai do

plano social - relações interpessoais - para o plano individual, interno - relações

intra-pessoais. Signos são para Vygotsky, "instrumentos psicológicos", que se orientam para o

próprio indivíduo e se dirigem ao controle de ações psicológicas, tanto do próprio sujeito,

quanto de outras pessoas.

Com esta análise, o autor considera que a capacidade para simbolizar é herdada pelo

homem a partir do grupo social.

Ao nascer, a criança já faz parte de uma história e de uma cultura: a história e a cultura

dos seus familiares próximos e distantes que se constituem como figuras importantes na

construção do seu desenvolvimento e na transmissão da herança cultural.

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Na linguagem, comunicação, documentos escritos ou outras representações

simbólicas.

Vygotsky destaca na sua teoria, a importância da linguagem nos processos de

pensarnento, estudando a interação entre funções internas e externas da linguagem. O

percurso da linguagem é da atividade social, interpsíquica, para a atividade individualizada,

intrapsiquica. Primeiro, a criança usa a fala socializada, com o objetivo de comunicar, de

manter uma relação social A medida em que vai ocorrendo o desenvolvimento da criança,

linguagem passa a ser utilizada como instrumento de pensamento, com a função de adaptação

pessoal. Em um determinado momento, a criança começa a se utilizar de uma ela egocêntrica

que se torna cada vez menos parecida com a fala social; assim que começa aquela

desaparecer. A fala egocêntrica segue a atividade da criança, começando a ter uma função

pessoal, ligada às necessidades do pensamento. Quando se tenta resolver problemas difíceis,

as crianças e os adultos também recorrem às vezes à verbalização em voz alta.

O autor considera a linguagem como um instrumental básico para a construção de

conhecimentos, pois ela age para modificar o desenvolvimento e a estrutura das funções

psicológicas superiores. Como destaca Kohl (1997 pág 47):

“...para Vygotsky, o surgimento dessa possibilidade não elimina a presença da linguagem sem pensamento (como na linguagem puramente emocional ou na repetição automática de frases decoradas, por exemplo), nem do pensamento sem linguagem (nas ações que roerem a usa da inteligência prática, de pensamento instrumental). Mas o pensamento verbal passa a predominar na ação psicológica tipicamente humana....”

Para Vygotsky, a linguagem é a principal mediadora entre o indivíduo e o objeto do

conhecimento. Em cada situação de interação, o indivíduo está naquele determinado

momento, levando consigo diferentes interpretações que faz do mundo exterior.

Nos estudos de Vygotsky em relação ao brincar, destaca-se a importância do

"faz-de-conta” no desenvolvimento da criança: brincar de casinha, de escolinha e brincar com

o cabo de vassoura como se fosse um cavalo. O brinquedo serve como uma representação

uma realidade ausente, ajudando a criança a separar objeto e significado. Desta maneira, o

brinquedo promove uma passagem entre a ação da criança com objetos concretos e suas ações

com significados.

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Segundo Vygotsky e Leontiev (1988), as atividades lúdicas não estão simplesmente

ligadas ao prazer.. A imaginação e as regras são características que definem a brincadeira.

Não existe brinquedo sem organização e sem motivo. A situação imaginária tem uma lógica

previamente estabelecida, mesmo não sendo formal. No âmbito do "faz-de-conta", existem

regras que devem ser seguidas, o que significa que nem todo comportamento pode ser aceito

quando se participa de uma brincadeira. Paralelamente a este processo ao reiterarem situações

de sua realidade, modificam-nas de acordo com suas necessidades. Cria-se o espaço do

imaginário e assim pode-se diferenciar e elaborar as diversas partes do universo do

faz-de-conta e o que pertence ao mundo exterior. O que na vida real é natural, no brincar

estabelece-se através de regras, contribuindo para que a criança compreenda os diferentes

papéis que representa. É neste espaço que ela vai inserir-se no desenvolvimento do

conhecimento e da cultura, fazendo a assimilação e a recriação da experiência sócio-cultural

dos adultos.

Tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras

estabelecidas, o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. Quando

ela utiliza a imaginação através da atividade livre, a iniciativa é desenvolvida, os desejos são

expressos e as regras sociais internalizadas.

Vygotsky (1984 pág 97) define a zona de desenvolvimento proximal como:

“a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes”.

Este conceito é importante porque ressalta o valor das trocas interpessoais na

constituição do conhecimento e o quanto a aprendizagem influencia o desenvolvimento em

qualquer situação de interação. O mais experiente oferece ao outro os instrumentos que vão

lhe permitir desenvolver conhecimentos e habilidades.

2.4.3 Piaget e o jogo

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Piaget foi um dos estudiosos da questão da origem e construção do conhecimento.

Com uma concepção interacionista de desenvolvimento destaca que o organismo e o meio

exercem ação recíproca. Um influencia o outro e essa interação provoca mudanças sobre o

indivíduo. A noção de interação em Piaget traz consigo uma concepção nova de organismo.

Segundo Piaget, há três tipos de estruturas no organismo humano. Primeiramente, as

estruturas totalmente programadas, como as do aparelho reprodutor, como por exemplo a fase

de maturação sexual e a possibilidade de reprodução da espécie. Em segundo lugar, as

estruturas parcialmente programadas, como as do sistema nervoso, cujo desenvolvimento e

construção dependem já em grande parte do meio. E por último, as estruturas mentais,

próprias para o ato de conhecer, que não estão programadas no genoma; sua "construção"

depende das solicitações do meio.

A interação organismo versus meio, acontece através do processo de adaptação com

seus dois pólos: assimilação e acomodação.

A assimilação se refere à tentativa feita pelo indivíduo de solucionar uma determinada

situação, fazendo uso de uma estrutura mental já formada, isto é, a nova situação ou o novo

elemento é incorporado e assimilado a um sistema já pronto. É a atualização de um ;aspecto

do repertório comportamental ou mental do indivíduo numa determinada situação

Na acomodação, o indivíduo transforma-se para adaptar-se ao ambiente. É um

processo de modificação de estruturas antigas com o objetivo de solucionar um novo

problema de ajustamento para uma nova situação.

Os processos de assimilação e acomodação são complementares e estão presentes

durante toda a vida do indivíduo, permitindo um estado de adaptação intelectual. É impossível

ocorrer uma situação em que haja assimilação sem acomodação, pois dificilmente um objeto é

exatamente igual a outro já conhecido, ou uma situação exatamente igual a outra.

O processo de adaptação intelectual é um processo bastante dinâmico que sempre

abrange a assimilação e a acomodação, possibilitando um crescimento; um desenvolvimento

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pessoal, na medida em que o indivíduo vai obtendo uma competência e uma flexibilidade

cada vez maiores para lidar com as situações da vida prática.

Quando nascem os bebês possuem alguns reflexos, como chupar e agarrar. Herdam a

estrutura biológica e neurológica que determinam seu modo de reagir ao ambiente. A criança

por possuir uma imaturidade neurológica e psicológica, não tem um conhecimento realidade

externa (objetos, pessoas e situações) ou de seus estados internos (fome, frio, etc), percebendo

o mundo inicialmente de forma caótica. A partir de um equipamento biológico hereditário, a

criança irá formar estruturas mentais com o objetivo de organizar este caos de sensações e

estados interno desconhecidos.

No aspecto orgânico, o corpo é formado de várias estruturas unitárias como por

exemplo, células que se organizam em elementos maiores como os órgãos, ou em sistemas de

funcionamento como aparelhos. No aspecto mental, a estrutura unitária básica é o esquema

que pode ser simples, como por exemplo, sugar o dedo quando este encosta nos lábios, ou

complexo como a solução de problemas de Matemática.

O esquema pode ser tanto uma seqüência específica de ações motoras realizadas por

um bebê, como estratégias mentais para a solução de problemas. Enfim, o esquema constitui a

unidade estrutural da mente, que assim como as unidades estruturais biológicas - dinâmica e

variada em seu conteúdo.

Na organização mental do sujeito existe um processo denominado equilibração das

estruturas cognitivas ou apenas equilíbrio, que será modificada à medida em que o indivíduo

for obtendo novas maneiras de compreender a realidade e de atuar sobre ela. É um processo

de equilibrações sucessivas que tem como última aquisição, o pensamento operacional

formal.

Segundo Piaget, todo conhecimento é uma construção resultante das ações das

crianças. Há três tipos de conhecimento: conhecimento físico, conhecimento lógico-

1cilemático e o conhecimento social.

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O conhecimento físico diz respeito a ação da criança sobre os objetos, pois o

conhecimento destes não pode ser adquirido diretamente da leitura, da observação de imagens

de ouvir o que as pessoas dizem.

O conhecimento lógico-matemático é o conhecimento construído a partir do pensar da

criança sobre as experiências com eventos e objetos, quando ela constrói relações entre eles.

Quando por exemplo, a criança dispõe espacialmente as fichas de várias formas e faz a

contagem dando sempre o mesmo número, ela constrói o conceito ou o princípio de que o

número de objetos em um conjunto permanece o mesmo, independente da disposição dos seus

elementos.

O conhecimento social é o conhecimento sobre o qual os grupos sociais ou culturais

chegam a um acordo por convenção, estabelecendo regras, leis, moral, valores, ética e o

sistema de linguagem. O conhecimento social é construído pelas crianças na interação umas

com as outras e com os adultos, e não, das ações sobre os objetos como acontecem cone cus

conhecimentos físico e o lógico-matemático.

Para o autor, a compreensão de regras sociais, assim como a lógica, a moral e a

linguagem não são inatas e nem estabelecidas pelo meio externo. São construídas pelos

indivíduos ao longo do processo de desenvolvimento, processo este entendido como

mudanças de estágios que permitam não só a assimilação de objetos de conhecimentos

compatíveis com as possibilidades já construídas, através da acomodação, ruas também

sirvam como ponto inicial para novas construções (adaptação).

Esse processo de desenvolvimento compõe-se de uma série de estágios, podendo

variar a idade de início e término de cada um. Cada estágio representa um modo característico

de lidar com um aspecto particular do meio-ambiente. O pensamento de uma criança e o seu

modo de reagir ao meio dependem do estágio em que ela se encontra no momento.

Inicialmente, a criança é mais dependente da experiência física e sensória-motora nos

primeiros anos de vida, quando ela ainda não faz a representação simbólica (linguagem).

Nesta etapa, a interação com o meio ambiente acontece, basicamente, no nível

sensório-motor. À medida que o bebê explora o meio, através de seus reflexos, o

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desenvolvimento prossegue. Uma variedade de objetos é colocada na boca ou chupada em

função do reflexo de sucção. Estes comportamentos reflexos ativos permitem ao bebê

construir suas primeiras diferenciações em seu meio.

Neste estágio, a relação entre sujeito e objeto, inicialmente, não faz diferença entre o

seu “eu” e o mundo exterior. Estes são um único bloco indiferenciado, não existindo a

consciência de si próprio e nem do mundo. A consciência de si, dos objetos, de espaço, de

tempo e de causalidade, passam a ser estruturadas a partir das experiências sensório-motoras.

A estrutura sensório-motora é a base para o surgimento de uma nova estrutura a

concreta. A passagem do primeiro estágio para o segundo estágio é caracterizada pela

interiorização dos esquemas formados no período anterior e pelo aparecimento da função

simbólica que é resultante da capacidade da criança de formar imagem mental, que

possibilitará a representação.

Segundo Piaget, a imagem mental é uma representação mental de uma ação ou ato

específico; é um esquema, uma imitação interiorizada de uma ação sensório-motora explícita.

Ela representa a evocação simbólica da realidade ausente.

O segundo estágio, operatório-concreto, que se estende do período de dois a onze /

doze anos pode ser subdividido em dois subestágios:

O primeiro subestágio, de preparação; que vai do período de dois a sete / oito anos é

caracterizado por condutas pré-operatórias. Neste período, inicia-se o pensamento com

linguagem, o jogo simbólico, a imitação diferenciada, a imagem mental e as outras formas de

função simbólica. Esta representação crescente consiste numa interiorização progressiva das

ações, executadas até este momento de maneira puramente sensório-motora. As ações

interiorizadas, porém, não atingem o nível das operações reversíveis, pois no plano da

representação, inverter as ações é mais difícil. Aos sete, oito anos, em média, a criança atinge

a lógica e as estruturas operatórias concretas. Estas operações concretas; organizadas em

estruturas reversíveis, apresentam operações de classe e das relações.

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O segundo subestágio, vai de sete / oito anos a onze / doze anos, correspondendo

praticamente à idade em que a criança começa a freqüentar a escola elementar. Este Período

será marcado por grandes aquisições intelectuais de acordo com a teoria piagetiana.

Corresponde ao nascimento das operações, de ações representativas que se tornam reversíveis

e pela organização das operações em estruturas de conjunto, inicialmente simples, que vão se

tornando cada vez mais complexas.

As operações mentais consistem em transformações reversíveis (toda operação pode

ser invertida) que resulta na obtenção da noção de conservação ou invariância (objetos

continuam sendo iguais a si mesmos apesar das modificações aparentes). O julgamento que

antes era dado pela percepção, torna-se conceitual.

Em função da capacidade adquirida, de formação de esquemas conceituais, de

esquemas mentais verdadeiros, a realidade passará a ser entendida pela razão e não mais pela

assimilação egocêntrica, como era na fase anterior. Assim, a tendência lúdica do pensamento,

típica da fase anterior, quando o real e o fantástico se misturavam nas explicações fornecidas

pela criança, será substituída pela atitude crítica. A criança não irá mais tolerar contradições

no seu pensamento, ou entre o pensamento e a ação como antes; sentirá necessidade de

explicar logicamente suas idéias e ações.

A partir dos doze anos, período das operações formais o adolescente será capaz de

formar esquemas conceituais abstratos (conceituar amor; justiça, democracia e outros) realizar

com eles operações mentais que seguem os princípios da lógica formal, e assim, adquirir

capacidade para criticar os sistemas sociais e criar novos códigos de conduta discutir os

valores morais de seus pais e construir os seus próprios (aquisição da autonomia). O

adolescente adquire consciência do seu próprio pensamento, refletindo sobre ele, justificando

através da lógica os julgamentos que faz. Este tipo de pensamento permite a operação lógica

baseada em possibilidades, hipóteses (raciocínio hìpotético-dedutivo); o pensamento podendo

estender-se ao infinito. Estas e outras aquisições são responsáveis em grande parte pelas

mudanças que acontecem no comportamento do adolescente, ajudando-o na busca da

identidade e da autonomia pessoal.

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Assim, o desenvolvimento para Piaget, irá seguir determinados estágios caracterizados

pela aparição de estruturas originais e de uma forma de equilíbrio, que dependem das

construções anteriores, mas delas se distinguem. Cada período responde a determinadas

características que são modificadas em função de uma melhor organização, efetivando-se a

evolução mental no sentido de uma equilibração sempre mais completa e de uma

interiorização progressiva.

É a partir da compreensão da conduta global, que Piaget analisa as várias teorias

explicativas sobre os jogos e classifica-os conforme suas estruturas, em: jogos de exercícios,

jogos simbólicos e jogos de regras, correspondendo aos estágios da inteligência sensório-

motora, pré-operatória e operatória. E assim conclui, que o jogo predomina na infância em

função da própria estrutura de pensamento da criança. Segundo o autor, (apud Ferreira, 1996

pág. 32).

Os jogos de exercícios originam-se na vida do bebê e perduram até por volta dos

dezoito meses, envolvendo a repetição de ações e conjunto de comportamentos pelo próprio

prazer da atividade motora e não, para o aperfeiçoamento dos esquemas.

Segundo Piaget (apud Ferreira, 1996 pág. 33):

“Os jogos de exercícios originam-se nas reações circulares que, a princípio, não têm o caráter lúdico, mas que se transformam em jogos quando a criança reproduz o esquema por mero prazer, o que se constata pelas reações afetivas da criança expressas, por exemplo com sorrisos”

Ao final deste período, embora a criança permaneça bastante egocêntrica,

autocentralizada em seu entendimento da realidade, já terá realizado uma boa caminhada, pois

o jogo de exercício amplia a função da assimilação para além da adaptação atual.

Durante o primeiro subestágio do operatório concreto, o jogo simbólico ou brincadeira

do faz-de-conta é uma atividade importante na criança, que consiste numa “assimilação” de

algum objeto por meio de imagens imitativas. Ao brincar de faz-de-conta, a criança representa

diferentes papéis transformando-se em mamãe, papai, policial, entre outros. Durante a

atividade lúdica, a criança utiliza um objeto para representar algo que imagina, sendo

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observável nas conversas e brincadeiras com amigos imaginários. Por exemplo, uma cadeira

pode se transformar em um carro assim como pode ser um barco.

Piaget (apud Kishimoto, pág. 40),

“A brincadeira de faz-de-conta é inicialmente uma atividade solitária envolvendo o uso idiossincrático de símbolos: brincadeiras sociodramáticas usando símbolos coletivos não aparecem senão no terceiro ano de vida. No modelo piagetiano, o faz-de-conta precoce envolve elementos cujas combinações variam com o tempo: comportamento descontextualizado, como dormir, comer; 2) realizações com outros, como dar de comer ou fazer dormir o urso; 3) uso de objetos substituídos, como blocos no lugar de boneca e 4) combinações seqüenciais imitando ações desenvolvem o faz-de-conta”.

O jogo proporciona à criança a oportunidade de ressignificar a realidade apreendida

pelos esquemas sensório-motores. No jogo, a imaginação deturpa a realidade, assimilando-a

aos desejos e interesses da criança, através de símbolos que lhe permitem lidar com a

realidade, tanto no aspecto afetivo quanto no cognitivo. A medida que a criança experimenta

o papel do outro, agindo “como se” fosse o outro, mas sabendo que é ficção, passa

simbolicamente, para o outro ponto de vista, em função da alternância de papéis. Este

movimento contribui para a reversibilidade operatória, que caracteriza a estrutura mental

lógica.

O jogo é uma assimilação do real ao eu por oposição às atividades ditas “sérias”

como: trabalho, pesquisa científica e esporte que equilibram a assimilação e a acomodação,

atividades que são controladas pela realidade e pela sociedade.

Enfim, Piaget (apud Kishimoto, pág.40),

“assegura que o desenvolvimento do jogo progride de processos puramente individuais e símbolos idiossincráticos privados que derivam da estrutura mental da criança e que só por ela podem ser explicados. Com o advento da capacidade de representação, a assimilação fica não só distorcida, mas também fonte de deliberados faz-de-conta. Assim, o jogo de faz-de-conta leva a criança a rever sua experiência passada para a satisfação do ego mais do que a subordinação à realidade”.

Para que surjam as brincadeiras simbólicas torna-se necessário o domínio de processos

imitativos. É com a imitação diferida que aparecem as primeiras brincadeiras de “fingir”, que

implica na imitação representar a realidade, mas se diferenciar dela. A imitação, enquanto

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processo de representação, vai se tornando cada vez mais variada e complexa, transformando-

se num sistema de símbolos que irá revelar-se no jogo simbólico no qual há a preponderância

do pensamento assimilador e egocêntrico. No jogo, por não haver adaptação ao real, não se

necessita tanto da acomodação; existe interesse subjetivo, e a conduta egocêntrica se satisfaz

com a imagem simbólica, lúdica, e podendo alguma coisa ser representada por uma outra.

Ao sete, oito anos, a criança terá um conhecimento real, correto e adequado de objetos

e situações da realidade externa (esquemas conceituais), com imagens cinéticas e de

transformação, que permitem prever ou antecipar seqüências em movimento. Desta forma, a

criança poderá trabalhar de modo lógico. Com o processo de construção e evolução da

imagem mental, inicia-se o jogo de regra, que permanecerá e desenvolver-se à durante toda a

vida do indivíduo, pois segundo Piaget, é a atividade lúdica do homem socializado.

A evolução da prática e da consciência da regra pode ser dividida em três

etapas primeira, quando crianças de até cinco, seis anos de idade, não seguem as regras

institucionais, mas estão mais preocupadas com a satisfação motora ou de fantasias ;as

quando jogam a amarelinha, por exemplo.

A segunda etapa pode ser caracterizada por crianças que possuem um respeito quase

religioso pelas regras, e qualquer modificação destas é proibida ou vista como “trapaça". Por

outro lado, as crianças também são bastante "liberais" na aplicação de regras, tanto que,

muitas vezes, introduzem uma variante sem um acordo anterior com os outros jogadores para

possibilitar obter uma vitória e não estranham quando no final do jogo "todo mundo ganhou".

As crianças desta fase jogam mais umas ao lado das outras do que contra ou com as outras.

Apesar da aparente contradição, isto ocorre porque as crianças não assimilaram ainda o

sentido da existência das regras, por isto não seguem à risca, atribuindo ainda, uma origem

totalmente estranha à atividade e aos jogadores do grupo.

A terceira e última etapa, é quando os jogos de regras são regulados por certas normas,

que mesmo sendo herdadas de gerações anteriores, podem sofrer modificações para o grupo

em um determinado momento, de acordo com uma combinação prévia. Este comportamento

corresponde à concepção adulta do jogo.

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Enfim, o percurso para a aquisição de conhecimentos e construção de si próprio é

dado assim, pelo brincar. Da ação à operação, passando pela representação, a criança

experiência a crescente transformação do conhecimento e de suas habilidades, percebendo o

outro e a ela mesma, resultando na totalidade do seu ser.

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III. EXPERIÊNCIA EM UMA INSTITUIÇÃO DE AMPARO À INFÂNCIA

3.1 Objetivo

Este trabalho tem o objetivo de analisar o brincar em uma Instituição que atende às

crianças carentes e compreender o que representa o brincar para o desenvolvimento destas

crianças.

Pretende-se refletir sobre o brincar como uma forma de interação social e como

linguagem promotora da criatividade e da imaginação das crianças, analisando as

oportunidades de interação destas com seus pares e com o ambiente. feita, ainda, a avaliação

do espaço reservado ás crianças para a atividade do brincar na Instituição e as conseqüências

para o desenvolvimento infantil; considerado a partir de uma concepção interacionista do

desenvolvimento.

Dentro desta perspectiva integralìzadora da criança, em que é acentuado o caráter

histórico-social e cultural da infância, a intervenção psicopedagógica focaliza a brincar no

cotidiano institucional infantil, objetivando redimensionar o brincar da criança usuária do

espaço institucional.

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3.2 Desenvolvimento

3.2.1 Metodologia

Do ponto de vista metodológico, a observação aparece couro o instrumento principal

de trabalho, complementado pelo domínio de referenciais teóricos apropriadas à interpretação

das situações e/ou fenômenos observados e enriquecidos pelos sumários sociais. A pastora

adotada, com a participação mais ativa do observador incluiu uma escuta apurada e

sensibilidade para captar aspectos emocionais (sentimentos, interesses, emoções, entre

outros).

Foram observadas as atividades das crianças, estabelecendo-se o contato direto entre

observador e pesquisado. Registraram-se as atividades exploratórias, interacionais e criativas

que ocorreram durante as brincadeiras de faz-de-conta e recreação livre, acompanhou-se a

evolução dos comportamentos lúdico, gráfico e computacional do grupo do setor B.

Acompanhou-se o desenvolvimento do cotidiano das crianças em dois momentos. No

primeiro momento, foi observado o dia a dia institucional dos menores, sem alterar sua rotina.

O objetivo deste primeiro momento foi estabelecer um bom vínculo institucional,

levando em conta não apenas as características psicológicas e sociais das crianças, mas

também, as características dos membros da equipe e da própria instituição. É preciso que o

profissional esteja sempre alerta a estas questões, para que possa melhor compreender a todos

e a ele próprio durante a execução de um bom trabalho psicopedagógico, pois nele estão

sempre incluídos os conteúdos de natureza emocional: vínculo, processo, ansiedade,

resistência, limite, etc. Essa metodologia considerou o contexto em que se desenvolveu a ação

pedagógica: família, instituição, comunidade.

Em um segundo momento, adotou-se uma atitude de intervenção mais ativa,

estabelecendo-se estratégias que possibilitassem ás crianças usar o espaço do brincar,

transformando-o num espaço de descobertas, de imaginação, de criatividade, enfim, num

lugar em que houvesse o prazer de aprender. Nesta segunda etapa, em horários previamente

combinados com o psicólogo e a coordenadora pedagógica, foram desenvolvidas atividades

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de brincar organizadas pelo pesquisador, enriquecidas pelo diálogo com o corpo técnico As

atividades foram escolhidas em função dos recursos, :materiais disponíveis e também por

constituírem formas de manifestação da função simbólica, traduzindo múltiplas possibilidades

de variação. Foram utilizados vários materiais como argila, canetas hidrocor, papel de

computador e brinquedos doados à Instituição. Para a utilização do computador, foi adquirido

o software COELHO SABIDO - maternal. Este é um software de iniciação ao computador

para crianças do pré-escolar, que possibilita a interatividade e a exploração de nove atividades

repletas de imagens coloridas.

Visando examinar de modo sistemático os diversos meios que o brincar permite a

criança utilizar na construção do conhecimento, foi feita uma análise qualitativa dos

desenhos, modelagens e dos relatórios das observações das atividades lúdicas. Todo o

material lúdico, além de ter um caráter dinâmico que se altera em função da cadeia simbólica

e imaginária das crianças; tem um potencial relacional que pode ou não desencadear relações

muito positivas nas crianças.

O papel do psicólogo foi de fazer a mediação entre a criança e seu objeto de

conhecimentos, abrindo um espaço onde o brincar pudesse ser efetivamente explorado corno

uma forma básica da comunicação infantil.

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IV. ANÁLISE DA FUNÇÃO EDUCATIVA DA INSTITUIÇÃO ATRAVÉS DA

OBSERVAÇÃO DO BRINCAR

4.1 O contexto onde se desenvolveu o estudo

Trata-se de uma experiência desenvolvida em uma Instituição filantrópica fundada em

1978, assistida espiritualmente pelo Cônego da Basílica Nossa Senhora de Lourdes e

administrada pelas Irmãs de Congregação de Nossa Senhora do Bom Conselho de Maricá.

Esta Instituição existe há vinte anos; atualmente localiza-se em uma rua de um bairro

de classe média da Zona Norte, próxima a um morro. Tem uma boa localização, pois

encontra-se perto da saída do túnel que liga a Zona Norte ao subúrbio, atendendo a uma

demanda da população do Rio de Janeiro, de preferência que não resida na Baixada

Fluminense. Esta restrição deve-se a que este trabalho está sob a jurisdição do Juizado da

Comarca do Rio de Janeiro para onde semestralmente são enviados relatórios das crianças.

O objetivo primordial da Instituição é o atendimento às famílias carentes, através do

acolhimento de suas respectivas crianças em regime de internato. Atualmente, é desenvolvido

um trabalho sócio-educacional voltado principalmente ao atendimento destas famílias com o

acompanhamento do desenvolvimento de cada criança, assim como o(s) do(s) membros) de

suas famílias. Dentro deste trabalho sócio-educativo a Instituição proporciona a sua clientela,

promoção de reintegração com a família e da auto-estima, assistência religiosa, moral e

educacional.

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A Instituição tem capacidade para o atendimento de até sessenta crianças, mas no

momento acolhe cinqüenta menores. Esta redução acontece em função das novas exigências

do Juizado de Menores que propõe uma mudança para um regime de semiinternato até o final

do ano de 2001.

O corpo administrativo é composto por três irmãs e cinco atendentes para os quatro

setores; o corpo técnico é formado por um nutricionista, um assistente social, um médico, um

psicólogo, um dentista e três professores.

A Instituição é dividida em:

SETOR A - berçário - oito crianças, duas funcionárias e uma irmã supervisora;

SETOR B - crianças de três a cinco anos e uma funcionária;

SETOR C - crianças de seis a oito anos e uma funcionária;

SETOR D – crianças de nove a doze anos e uma funcionária.

SETORES DE APOIO.

• lavanderia com uma funcionária;

• cozinha com duas funcionárias;

• costura com uma funcionária;

• limpeza com duas funcionárias;

• serviços gerais com um funcionário;

• secretaria com uma funcionária;

• transporte com um motorista.

Há ainda locais que servem à recreação, ao apoio pedagógico e à alimentação:

• sala de vídeo;

• pátio 1 (rema-rema e trepa-trepa);

• pátio 2 (várias mesas e cadeiras);

• sala de informática;

• sala de música;

• sala de aula;

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• sala do pré-escolar;

• 21 refeitórios : um para os funcionários e outro para as crianças;

• biblioteca;

• capela.

A rotina da instituição

• levantar – 5:30h

• café – 6:30h

• recreação – 7:20h

• sala do jardim – 8:00h

• banho – 10:00h

• almoço – 11:00h

• descanso no dormitório – 12:00h

• sala de vídeo – 14:20h

• lanche – 15:00h

• jogos educativos – 15:30h

• modelagem com massa – 16:20h

• jantar – 17:00h

• recreio – 17:40h

• banho – 18:30h

• lanche – 19:30h

• repouso – 20:30h

As atividades do setor B são feitas sob a orientação da coordenadora pedagógica, de

acordo com a programação do quadro abaixo Entretanto, devido às numerosas solicitações da

Instituição à coordenadora, a grade de horários das atividades mantém iria flexibilidade

compatível com suas atribuições.

SETOR B

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HORÁRIO: 15:30 / 16:30 h ATIVIDADES DIRIGIDAS SEGUNDA- FEIRA Jogos educativos: quebra-cabeça, jogos de encaixe

e/ou colagem TERÇA- FEIRA Massa de modelar (do simples manuseio à criação

de formas) QUARTA- FEIRA Recreação: brincadeiras de roda, músicas infantis

ao som de CD ou fita cassete. Brincadeiras dançantes, brincar com bola e contar estórias.

QUINTA- FEIRA Idem anterior SEXTA- FEIRA Massa de modelar

4.2 Sujeitos

Inicialmente, o grupo do Setor B tinha dez crianças, de ambos os sexos, com idades

variando de três anos e dois meses a quatro anos e onze meses, internadas em média meses.

Uma delas, por já ter completado a idade de cinco anos, foi transferida para o Setor C no ano

de 2001. Depois de algum tempo, uma menina foi promovida do Berçário para o Setor B. Em

maio de 2001, a tia de um dos meninos conseguiu a guarda do sobrinho, ocorrendo o seu

desligamento da Instituição. Neste mesmo mês, um par de crianças do Berçário deslocou-se

para o Setor B. Atualmente, o grupo continua sendo, em média, de dez crianças internadas.

Com a análise dos dados dos sumários sociais do grupo do Setor B, segue abaixo o

quadro sócio-econômico (abordagem quantitativa) das famílias.

Amostra Mês de nov. 2000 Pai ausente 8 Mãe e pai ausentes 1 Padrasto 1 Crianças que têm irmãos na Instituição 5 Crianças sem Irmãos 2 Ativ. Profissional: doméstica/faxineira 10 Mãe: única provedora na família 7

Segundo a análise dos sumários sociais do mês de novembro de 2000, observa-se que:

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• 90,0% das crianças não tem pai, seja por abandono, desaparecimento ou morte,

• a presença da mãe é evidente nos finais de semana, exceto em apenas um dos casos por

falecimento;

• a estrutura da família com a presença da figura masculina aparece em um dos casos;

• sete mães são as únicas provedoras dos seus lares, residindo em casa de cômodos, de

“favor" na casa dos outras, quarto de aluguel ou casa de parentes;

• a Instituição assiste, também, sete dos irmãos menores devido às condições precárias das

famílias, em que a única fonte de renda das mães vem da atividade de doméstica ou de faxina.

O observador escutou dos profissionais da Instituição que a situação social e familiar

das crianças é a responsável pelas dificuldades por elas apresentadas, como por exemplo a

falta de limites. Os profissionais descreveram a maioria das famílias como tendo

características da família disfuncional (Macedo, 1990).

Segundo Macedo (1996), pode-se entender como saudáveis as famílias funcionais

(que promovem o crescimento dos seus membros), onde o ambiente é acolhedor, continente,

podendo as relações entre seus membros serem caracterizadas como amorosas, carinhosas e

leais. Já nas famílias disfuncionais, o ambiente é disjuntivo e os relacionamentos assumem

características de ódio, culpa e vingança, bloqueando assim, o crescimento de seus membros;

entende-se a funcionalidade como um continuum; com os mais variados graus até o máximo

de disfuncionalidade.

Ainda segundo o autor, o contexto social é muito importante na definição das

características estruturais e funcionais da família. As necessidades atendidas principalmente

pela família referem-se à sobrevivência (segurança física, alimentação e moradia). A família

também atende às necessidades relativas ao desenvolvimento cognitivo e emocional dos seus

componentes através da transmissão de um senso de flor, de ser aceito "como é", de ser

cuidado, e um senso de ligação afetiva permanente. Estas finalidades básicas da família

variam em função da sociedade a que pertence.

Esta é uma Instituição peculiar, porque as crianças só vêem suas famílias nos finais de

semana e algumas outras, não têm o acesso regular às suas casas. O ingresso na Instituição,

representa um importante marco no desenvolvimento do processo separação-individuação da

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criança no seu crescimento, acrescida de não ter a presença da mãe diariamente, seu porto

seguro.

Devido às condições sócio-econômicas e afetivas das famílias das crianças e os

contatos familiares restritos aos finais de semana, cresce neste contexto a importância do

brincar dentro da Instituição para estes menores. O brincar, como atividade dominante da

infância, tendo em vista as condições concretas da vida da criança e o lugar que ela ocupa na

sociedade, é, fundamentalmente, a forma pela qual começa a aprender. Através do jogar e do

brincar a criança descobre que pode aprender e, assim, chegar à autonomia na construção de

seu processo de conhecimento. É brincando que tem início a formação de processos de

imaginação ativa e, por último, onde ela se apropria das funções sociais e das normas de

comportamento que correspondem ao seu grupo social.

4.3 O brincar e as interações das crianças na Instituição

4.3.3 O brincar visto pelo adulto

O contato com as crianças da instituição iniciou-se em novembro de 2000.

Inicialmente, as observações foram feitas com todas as crianças dos setores B e C das 8:30h

às 10:00 h, no período da recreação livre.

Em um segundo momento, as observações das atividades lúdicas organizadas pelo

pesquisador, podem ser divididas em 2 etapas:

a) Abrangendo todo o grupo do Setor B.

b) Divisão aleatória em dois grupos do Setor B.

Quando o pesquisador chegou à Instituição, observou que as crianças dos Setores B e

C estavam sempre na sala de vídeo assistindo alguma programação na televisão pela manhã,

mesmo em dias quentes e ensolarados. Todas as crianças ficavam sentadas no chão em

silêncio sob os cuidados da funcionária responsável que não permitia conversas e em uma

aproximação mais afetuosa por parte de algumas crianças em relação ao pesquisador.

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Também não podiam ter acesso aos brinquedos que se localizavam nas prateleiras da estante

da sala. Esta era arrumada de uma forma tal, que as crianças não podiam interferir, nem

modificar a organização do ambiente para construir um conhecimento novo.

Não era dada importância ao arranjo do ambiente para fazê-lo acessível à criança,

contrariando os estudos sobre o desenvolvimento infantil que destacaram esta ocupação com

o ambiente, onde a criança deve manipular os objetos (brinquedos) e se engajar em atividades

lúdicas como um recurso básico para a sua formação. De acordo com a concepção

sócio-interacionista de desenvolvimento, este se constrói na e pela interação da criança com

outras pessoas de seu meio ambiente, principalmente com aquelas mais envolvidas afetiva e

efetivamente em seu cuidado. Contudo, na Instituição observada; pode-se perceber que este

adulto não se reconhece como tendo um papel de destaque na relação com a criança para

ajudá-la na construção da identidade.

Depois de três encontros, foi sinalizado à coordenadora pedagógica o pouco espaço

que era reservado ao brincar. A partir deste momento, as funcionárias passaram a oferecer

duas caixas de papelão com alguns poucos brinquedos (alguns inadequados para a idade como

"pinball" e jogo de damas). Porém a relação com os brinquedos se fazia de modo

estereotipado, redutor, rotineiro e sem interação com as crianças. As crianças começaram

utilizar os brinquedos existentes, como por exemplo: bonecas-bebê, bolo plástico de

chocolate, alguns poucos pratos e copos de plástico. Havia exemplares múltiplos de

bonecas-bebê e tipo Susie lacrados que não eram apresentados às crianças. Entretanto, a

conduta das funcionárias continuava sendo a mesma que anteriormente, de passividade, só

saindo deste papei para exercer a sua autoridade em caso de brigas ou choro. Atitude das

responsáveis pelas crianças se restringia a permanecer o tempo todo sentadas sem

providenciar um ambiente lúdico que oferecesse experiências favoráveis ao desenvolvimento

pleno das potencialidades das crianças, assim como sua integração social. Durante a recreação

livre, as funcionárias não brincavam nem incentivavam o grupo a brincar, pelo contrário, a

repressão era a tônica.

O desenvolvimento da ludicidade das crianças ficava, assim, prejudicado, devido à

falta de capacidade lúdica das funcionárias que não sabiam e/ou não gostavam de brincar.

Acreditavam que o brincar é perda de tempo, apenas um “passatempo" até a hora de ir tomar

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o banho às 10:00h. Esta postura é reflexo de uma visão higienista que valoriza o atendimento

das necessidades básicas das crianças que são o banho, a comida e o sono, concepção

tradìcionalista das creches, típica do período que vai até aos anos 50. Isto implica em uma

assistência impessoal ou mecânica, o que pode significar para a criança, hostilidade ou

indiferença.

Foi possível observar em várias ocasiões que, para as funcionárias responsáveis pelas

crianças, é muito difícil compreender a importância da experiência do brincar e portanto,

autorizá-la. No início das observações, quando era pedido para que a funcionária não

guardasse os brinquedos, pois havia um intervalo de 50 minutos de recreação até a mora do

banho, ela não cedia. A funcionária não conseguia mostrar-se disponível para acompanhar as

crianças, estar junto delas, apreciar suas brincadeiras e valorizar cada “nova” descoberta de

coisas feitas por elas.

Constatou-se que; esta relação dos adultos com as crianças não oferecem condições de

segurança afetiva, essenciais para o desenvolvimento de um ser saudável e capaz de encontrar

a auto-afirmação do seu "eu" psicológico, base para todo o desenvolvimento posterior.

Percebeu-se que o adulto não conseguiu ser mediador na relação criança - meio e interagir

com ela, auxiliando-a na construção de significados. Este adulto não criava estímulos de

ordem afetivo-social que fossem adequados ao desenvolvimento das crianças,

propiciando-lhes o crescimento intelectual em condições ótimas de saúde e integridade

psicossocial do indivíduo em formação.

A Instituição exerce sobre o brincar um verdadeiro patrulhamento, restringindo o

tempo dedicado a esta atividade ou usando “regras" que impedem ou reprimem a livre

expressão do afeto, da imaginação e da ilusão das crianças, como por exemplo, a troca de

plantão das funcionárias dos Setores, que obriga a rotina das crianças (como por exemplo

banho e o repouso) a ser feita em função deste horário e não obedecendo às necessidades das

crianças. As crianças não tinham autorização para tocar nos brinquedos considerados caros e

que ficavam expostos na frente da entrada do pátio externo e quando conseguiam burlar a

vigilância e tentavam brincar com eles, eram reprimidas pela funcionária responsável. Estes

brinquedos deixavam de ter a função de brinquedo; na medida em que não podendo ser

manipulados, não favoreciam a interação e nem a troca de experiências. Devido ao tempo

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restrito aos brinquedos, muitas crianças apresentavam uma agressividade na relação com o

outro que parece ser uma reação direta ou indireta à frustração. As crianças despojadas dos

seus brinquedos não tinham como exprimir os sentimentos agressivos pela via do brincar e

acabavam por fazê-lo de forma real nas interações com as outras crianças. Algumas delas

foram capazes de transformar objetos r brinquedos (seus chinelos, papel de bala) e inventar

brincadeiras que lhes davam prazer.

Nunca foi observado a presença mais ativa das funcionárias com propostas de algum

tipo de atividade lúdica para que a criança pudesse construir conhecimentos e esquemas

cognitivos (relacionar objetos, classificá-los, justificar, explicar e tirar uma conclusão). Assim

sendo, dificultou-se à criança construir-se como sujeito, possuidor de características próprias,

de um mundo simbólico que a diferencia dos outros A percepção que as funcionárias têm do

seu papel na Instituição é de quem "toma conta" de crianças; significando desta maneira, a

predominância da visão assistencial, típica do período compreendido entre 1930 e 1950. Para

exemplificar, em um certo dia de verão, a funcionária que assumiu o grupo, tirou a blusa de

todos os meninos alegando que estava muito calor (de fato estava), entretanto, nenhuma

criança havia se queixado de calor ou fora consultada se gostaria de retirar uma das

vestimentas. As crianças não reclamaram, como se estivessem acostumadas a serem

despojadas de tudo: do contato diário com a família, das suas próprias roupas, dos seus

próprios brinquedos e do brincar, na Instituição. Esta capacidade das crianças de "excessiva"

adaptação às regras do ambiente, às pessoas e ao instituído, limita a espontaneidade do ser

cognoscente.

4.3.2 Criando espaço para o brincar

Entende-se que as atividades “livres” devam fazer parte da programação diária de

todos os grupos de crianças na Instituição, na medida em que oferecem oportunidades para

que elas possam agir numa esfera de faz-de-conta, do espaço imaginário. Como as crianças

precisam absorver a sua cultura, elas brincam repetidas vezes, para assimilar significações, o

que faz a imitação ter urna importância muito grande.

Geralmente, o processo de transmissão dessas brincadeiras surge através de uma

cultura infantil que apesar de única, é oriunda da cultura do mundo adulto e cujos elementos

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são incorporados por um processo de aceitação e nela mantidos com o correr do tempo. O

faz-de-conta permite à criança, que ainda não entende o mundo adulto, apropriar-se de uma

linguagem comum, ligando o mundo da realidade subjetiva com o da realidade objetiva.

Considera-se a brincadeira das crianças como uma forma de fazer cultura e de

inserção no mundo dos adultos através de uma atividade que é livre e imaginativa por

excelência. Pode-se ilustrar com a brincadeira de faz-de-conta que uma das crianças propôs,

levando o pesquisador até uma pequena escada de acesso que leva a um segundo pátio, no

qual a ponta do corrimão, sendo na altura ideal do tamanho das crianças, pôde ser

transformado em chuveiro, o que acarretou vários "banhos" para todo o grupo durante o

período de recreação livre. Desta maneira, brincando repetidamente através da imitação,

estavam reproduzindo sua vida cotidiana Esta repetição construtiva é que permite

modificações (acomodações) para a formação de novos esquemas; e a vivência novamente do

conflito para tentar resolvê-lo e assimilar o conhecimento.

Foram observadas crianças que brincavam no pátio com o tabuleiro e as peças do jogo

de damas e que, por ainda não entenderem as regras deste jogo, transformava-os em bandeja

com cafezinhos e servia-os para o pesquisador . Os brinquedos e os jogos não são objetos que

trazem um saber pronto e acabado, mas são objetos que trazem um saber em potencial. Este

saber potencial pode ou não ser ativado pela criança. Estes objetos são dinâmicos porque se

alteram em função da cadeia simbólica e imaginária da criança, trazendo em seu bojo, um

potencial relacional que podem ou não desencadearem relações entre as pessoas.

Estes jogos de faz-de-conta oferecem às crianças oportunidades de libertá-las dos

constrangimentos do meio externo imediato e darem os primeiros passos para organizarem

seus pensamentos de maneira independente e coerente. O faz-de-conta cria na imaginação um

mundo dominado por "significados", no qual a ação nasce das idéias mais que das percepções

das coisas. No brinquedo, os objetos perdem sua força determinante da ação e a criança age

independente daquilo que vê,

No início de março de 2001, o grupo do Setor B que já se dividia em dois grupos para

a realização das atividades de modelagem e de desenho, passou também a desmembrar-se

para uma melhor observação do pesquisador durante as atividades lúdicas pois quando o

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grupo ficava completo, as crianças ficavam muito excitadas com a novidade dos materiais

apresentados. Os brinquedos oferecidos pela Instituição foram os mais variados :

bonecos-heróis, bonecas tipo Barbie, estojos de maquiagem, ponei, blocos mágicos, pequenos

cubos de papelão colorido do Mac Donald's, panelas, talheres, pratos, ferro de passar roupas

entre outros.

Inicialmente, as crianças mostravam a curiosidade natural em deslacrar os brinquedos,

mas, brincavam sozinhas com suas descobertas sem interagir umas com as outras. A interação

com o pesquisador acontecia quando requisitavam a sua ajuda para consertar, como por

exemplo quando a cabeça da boneca se separava do corpo ou quando desprendia a armadura

do boneco-herói ou ainda quando era preciso auxílio para achar um objeto. Uma das crianças

achou o brinquedo perdido e entregou ao colega. Esta atitude social, extremamente

conveniente à vida em grupo, deveria ser estimulada, pois, ::tido as crianças internas na

Instituição, esta precisa ser educadora. É importante que a valorização da dimensão ética

possa ser adquirida a partir da convivência no grupo social, pois a cooperação depende; em

parte, do desenvolvimento cognitivo, porém, este não é condição suficiente. De maneira geral,

as crianças durante o ato de brincar não persistiam na solução dos problemas advindos do

relacionamento; pediam logo um auxílio ao agente da mediação.

Quando se oferecia oportunidades para que as crianças focassem sua atenção para

eliminar o "erro " (desmembramento da boneca) e a tarefa era solucionada, ficavam muito

felizes com esta conquista.

A valorização da descoberta para a construção do conhecimento só é possível dentro

de uma concepção interacionista, onde o indivíduo se constitui e constrói a medida que

interage com o meio. Deste modo, a criança tem a possibilidade de ampliar o seu universo

simbólico a medida que interage com adultos, outras crianças e objetos culturais. Por

exemplo; uma das crianças ao brincar com uma das suas escolhas, que consistia em um ovo

com um pinto dentro, que só piava quando o ovo era destampado, reconheceu o ladrão e

conseguiu fazer previsões após algumas tentativas.

Partindo da concepção de que as crianças podem se comunicar de várias formas como

por exemplo, através do desenho e da modelagem, a primeira atividade escolhida foi o

desenho, executado no papel tipo formulário contínuo com canetas de ponta porosa grossa

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coloridas. A atividade desenvolve-i-se no pátio coberto onde existiam muitas mesas com

cadeiras. Apesar de o espaço ser generoso, as crianças não solicitaram ao pesquisador

desenhar no chão, mostrando um tipo de comportamento adquirido em punção das restrições

impostas pela Instituição, pois desenhar no chão caracteriza uma liberdade maior do corpo no

espaço.

Foi observado que as crianças só atribuíam um significado simbólico a respeito dos

desenhos quando inquiridas pelo pesquisador, e não espontaneamente. Quando alguma

criança dizia que tinha feito uma minhoca, outras crianças reproduziam o mesmo desenho,

revelando-se assim, o processo de imitação, aparecendo então, vários autores de minhoca..

Ficou evidenciado também que, neste estágio, a criança verbaliza e denomina as próprias

produções, demonstrando a convergência entre a expressão oral e gráfica, por exemplo, um

traço é uma minhoca. Algumas crianças encontravam-se na fase que Luquet denominou de

realismo fortuito, quando a criança descobre uma analogia formal entre um abjeto e seu

traçado. Um dos meninos, por exemplo, mesmo não tendo a princípio a intenção de fazer uma

minhoca; representava algo que denominou de minhoca. Em quase todos os momentos,

exceto na representação da minhoca, as crianças, quando desenhavam, não tinham a intenção

de representar objetos, mas sim explorar o surgimento das cores no papel, quer dizer, a

produção do sinal físico era a descoberta mais importante que estava sendo feita, e não a

representação simbólica.

Na expressão artística das crianças, os diferentes traçados e grafismos se equivaliam e

se fundiam uns nos outros, pois os pensamentos das crianças são animistas e mágicos,

refletindo este processo na representação plástica. Exemplificando, no desenho da criança

mais velha deste grupo, o mesmo traçado de uma “bolona” é o de uma lua, assim como o

traçado de uma barata e de um sol.

Arno Stern (apud Méredieu, 1995) observou que a imagem do boneco está subjacente

a todas as principais figuras do desenho infantil. De fato, foi observado em algumas crianças a

produção gráfica de figuras circulares englobando outras figuras e círculos com irradiação,

iniciando o processo para a evolução da figura do boneco. As crianças tinham prazer no gesto

de desenhar, de preencher com pontos e traçados a superfície do papel, associando a este o

prazer da inscrição, a satisfação de deixar uma marca.

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Como Mèredieu (1995, pág.9) observou, “Signos, marcas: obter a posse do mundo

por meio da inscrição da ferida simbólica imposta ao objeto”.

Inicialmente, quando a atividade de desenho foi proposta, várias canetas foram

inutilizadas pelas crianças, tamanha a pressão exercida pelas mãos, ainda sem o controle

motor fino. Alguns desenhos eram de ordem pulsional, com bastante vigor no traçado, já que

os seus gestos eram essencialmente motores. As garatujas feitas pelas crianças de forma

desordenada, não se limitavam ao papel, estendiam-se pela mesa. Com o decorrer dos meses,

isto deixou de ocorrer, assim como os pedidos de papel feitos compulsivamente diminuíram

sua intensidade. Nos primeiros contatos com a atividade, observava-se ainda, que as crianças

tinham pouco interesse no sentido das suas produções, tão entretidas ficavam no manejo de

matérias e cores.

Nos últimos encontros, observou-se que durante a atividade de desenho executada

pelas crianças, havia maior interação entre elas, inclusive com comentários sobre os desenhos

feitos pelos colegas. Como por exemplo, o de uma criança quando comentou que o desenho

da outra parecia sangue e não um sol que era a real intenção gráfica de quem tinha desenhado.

Outro momento de interação do grupo pôde ser observado quando uma das crianças avistou

um morro e as colegas começaram a comentar que era o Morro do Macaco (nome de um

morro próximo à Instituição) e a perguntar se o pesquisador morava neste morro.

Observou-se também, que muitas crianças já faziam um desenho com intencionalidade

representativa, como por exemplo, quando um menino disse: “Vou fazer a salinha da Vaneth”

(coordenadora pedagógica). O desenho também pode ser compreendido, conforme Piaget

(apud Mèredieu 1995, pág. 37) descreveu: “da ação à representação, na medida em que evolui

de sua forma inicial de exercício sensório-motor para sua forma segunda de jogo simbólico ou

jogo de imaginação”.

Mèredieu (1995) complementa:

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“mas o desenho só entra na categoria dos “jogos simbólicos” quando permite à criança exprimir um pensamento individual. O processo de socialização transforma depois o desenho de imaginação em desenho de observação. A assimilação do real ao eu ainda predomina no rabisco, com o sujeito procurando principalmente marcar seu próprio poder sobre os objetos”

Outra atividade desenvolvida pelas crianças foi a modelagem, oferecida a elas com o

intuito de possibilitar experiências com materiais diferentes. Nesta segunda etapa, algumas

crianças do Setor D se aproximaram do primeiro grupo e participaram espontaneamente das

atividades com a argila. Por estarem na faixa etária dos dez, onze anos, demonstraram muita

satisfação ao verem o seu produto final, que já apresentavam consistência e formas

definitivas, mas exigiam uma execução cuidadosa, como por exemplo, uma cesta de flores a

feita por uma pré-adolescente.

A argila, além de enriquecer a sensibilidade tátil infantil porque sua consistência

permite o prazer de se sujar, também propicia outras experiências emocionais como a

descarga agressiva para dar vazão à sua experiência emocional. Como se sabe, em certas

etapas da primeira infância, a criança gosta de brincar com coisas sujas e por vezes com os

próprios excrementos (correspondente á fase sádico-anal). Duas crianças, apesar da

linguagem quase inaudível, chegaram a verbalizar a palavra "cocô" quando se depararam com

o manuseio do material, o que provocou risos no grupo.

Quando uma das crianças manuseou a massa e percebeu que o formato era semelhante

a um barco, assim o denominou. Um outro menino fez uma moto e depois, reproduziu o ronco

da moto andando, com o seu próprio recurso vocal. Segundo Lowenfeld (1977), este período

corresponde à passagem da simples atividade formativa das coisas para o pensamento em

forma de imagens.

Em meados de 2001, ainda havia crianças que, por se encontrarem numa fase

transitória para o jogo do faz-de-conta, comiam a argila de fato, denunciadas pelos colegas

que se admiravam deste tipo de comportamento. Uma das crianças confeccionou um revólver

e matou o pesquisador por duas vezes; para em seguida comer a argila.

É interessante notar, que através da manipulação da argila e o contato íntimo com esta,

as crianças assimilavam o mundo à sua volta. As idéias se formavam dentro das crianças, a

partir das relações destas com o meio ambiente, através de uma exclusiva experiência. A

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partir da modelagem, as crianças expressavam melhor o “como” elas sentiam o mundo de

coisas. A manipulação da argila, de forma livre, constituiu-se numa experiência gratificante,

pois fez com que as crianças se sentissem capazes de alterar as formas de uma textura

permeável executando as suas próprias produções e “crescessem” com elas.

Em meados deste ano de 2001, as crianças já brincavam do faz-de-conta,

mostravam-se mais soltas e exploravam o manuseio da argila no espaço físico do pátio, de

modo mais livre como, por exemplo, jogando a massa no chão ou colocando esta em cima de

um carro descoberto perdido no pátio, dizendo que o motorista levava uma pedra enquanto

dava movimento ao carro.

Além do desenho e da argila, utilizou-se a informática. Esta forma de interação com as

crianças, com a mediação da tecnologia, propiciou situações e ferramentas virtuais que

contribuíam para a autonomia de busca, vivências, enriquecer-ido a avaliação de como a

criança vê e interpreta a realidade. Acreditando que esta ferramenta virtual poderia ajudar a

criança explorar suas potencialidades e encontrar novos carrinhos para uma aprendizagem

integrada e prática, foi escolhido um software (Coelho Sabido - Maternal) com o intuito de

desenvolver diferentes saberes a partir de um processo interativo onde a mediação é um fator

extremamente importante. As crianças que aprendem através da mediação obtém uma

flexibilidade de pensamento e de autonomia para aprender, pois a mediação internaliza

necessidades e orienta para o uso das capacidades. Se for feita uma leitura piagetiana, quanto

maior a possibilidade e a capacidade de interação, maior será a auto-regulação, de autonomia,

pois o social e o cognitivo integram-se um ao outro.

Trabalhando com o software escolhido obteve-se urra integração de som, imagem e

vídeo, impossível de ser obtida quando se trabalha fora do computador, por exemplo, com

papel e lápis, onde a produção fica restrita aos limites da folha.

Segundo Pierre Lévy (apud Weiss, 2000 pág 498),

“Novas maneiras de pensar e de se relacionar estão sendo elaboradas no mundo das telecomunicações e da informática. As relações entre os homens, o trabalho, a

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própria inteligência dependem na verdade,da metamorfose incessante de dispositivos informacionais de todos os tipos. Escrita, leitura, visão, audição, criação, aprendizagem são capturados por uma informática cada vez mais avançada”

Em meados de março de 2001, as crianças do Setor B estavam bastante ansiosas com a

possibilidade de manusear o computador, pois só quem tinha acesso à sala de informática

eram os grupos dos Setores C e D. Para uma melhor observação na relação criança

/computador e as diferentes esferas cognitiva afetiva e social o grupo foi divido em várias

duplas com uma proposta de atendimento de trinta minutos para cada dupla. Assim como

ocorreu na modelagem, várias crianças do Setor D se aproximaram e quiseram também

participar.

Como estes eram momentos de muita exclusividade com as crianças, algumas delas

aproveitavam estas ocasiões para ter um contato físico maior com o pesquisador, sentando no

seu colo; pedindo para que as envolvessem nos braços, enquanto elas manuseavam o mouse.

Outras crianças, enquanto aguardavam o colega no uso do computador, mostravam-se mais

interessadas em explorar o ambiente da sala de Informática, a janela, o sofá e o armário de

portas de vidro, e depois perguntavam : "Quem senta neste sofá ?" e “O que é aquilo?" e

abriam e fechavam a cortina curiosas a este movimento. As perguntas eram respondidas pelo

pesquisador, sempre que solicitado. Uma das crianças mostrou-se encantada em ter visto por

duas vezes a sua imagem refletida na porta de vidro do armário.

As escolhas das atividades do jogo foram feitas de forma aleatória pelas crianças em

função de figuras que pareciam ser mais significativas para elas, como por exemplo: o trem

para alguns meninos. O jogo "trem das letrinhas" consistia na chegada do trenzinho com três

vagões, cujas portas tinham a inscrição de uma letra. Abaixo do trilho, existiam três chaves

com a insígnia de uma letra que correspondia à abertura da porta cujo símbolo fosse igual.

Quando a chave correspondia à porta adequada, esta abria com uma figura, que iniciava com

a letra indicada, fazendo movimentos. As crianças que fizeram a escolha deste jogo tiveram

seus acertos muito mais em função do acaso do que de conhecimento. No final de cada

seqüência de acertos, as figuras dos vagões movimentavam-se ao som de uma música, o que

proporcionava às crianças uma alegria muito grande, em que batiam palmas e cantavam.

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Ao observarem as primeiras imagens do jogo no computador, muitas crianças

exclamaram encantadas que era um desenho (desenho animado de TV); não percebiam que

podiam interagir com as figuras através dos jogos.

Algumas crianças diante do menu da tela, escolheram sem uma reflexão, a figura do

castelo que era uma atividade mais fácil do que o do trem. O jogo "castelo das bolhas"

consistia em uma série de bolhas, uma delas contendo um animal; esta devia ser estourada

para que o animal pudesse caminhar para aparecer na janela superior do castelo. E assim

sucessivamente até completar cinco animais nas janelas, finalizadas com uma contagem. Nem

todos os animais foram reconhecidos, como por exemplo, o tigre, identificado como cachorro

por uma das crianças e corrigido pela colega mais velha. Esta mesma criança corrigiu o

colega na contagem, pois ele só sabia contar até três mostrando que as crianças já ensinavam

umas às outras. Neste jogo, elas conseguiram perceber a seqüência do percurso dos animais

em direção ao surgimento destes nas janelas.

O jogo "caixas mágicas" cujo objetivo é igualar três figuras de determinado animal

escolhido previamente, as quais devem ser extraídas de cada uma das três caixas, trouxe

várias dificuldades às crianças. Escolhe-se uma figura de animal e, a partir dessa escolha,

explora-se cada uma das caixas, seqüencialmente, com o auxílio do mouse, até que três

animais iguais, conforme a escolha prévia anterior, sejam finalmente obtidos. Entretanto, em

função de não terem ainda adquirido completamente o conceito de semelhanças combinadas a

um controle maior do mouse, houve uma grande seqüência de erros, apesar de não serem

paralisantes. As crianças continuaram suas tentativas.

Na proposta construtivista, o erro é considerado como natural no processo de

aprendizagem, suscitando reflexões e discussões sobre eles em vez de correções, contribuindo

assim, para a aquisição de novos conhecimentos.

Uma das figuras escolhidas no menu foi a do elefante, que levava ao jogo

"esconde-esconde''. A criança tinha que reconhecer pelo som; a voz do animal e encontrar a

mãe. Havia um cesto que continha um bebê animal coberto, que produzia o som de acordo

com a sua espécie, para ser levado à sua mãe e ser escolhido dentre os quatro animais adultos

apresentados na tela. Quando todos os bebês eram encaminhados corretamente, uma música

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era tocada. Apesar de as crianças desconhecerem os animais como a ovelha a galinha, tinham

a percepção correta da semelhança entre o filhote e a mãe. Entretanto, não foram capazes de

perceber que o animal maior era a mãe e o menor o filho.

Este jogo suscitou ansiedade nas crianças, pois a tarefa proposta envolvia o conteúdo

temático do bebê separado da mãe. Uma das crianças, por ter perdido os pais e não ter o

conhecimento do falecimento da sua mãe, chorou durante este jogo; assim, constatou-se, que

na relação da criança com o computador, pode-se perceber também o comportamento afetivo,

além do cognitivo e social.

O “teatro dos dedos" foi outra opção clicada pelas crianças que queriam um jogo que

“falasse”. Algumas crianças estimuladas pelas músicas cantadas pelo coelho, acompanhavam

a coreografia dos dedos espontaneamente, umas até levantando-se. Este jogo teve uma

aceitação bastante grande, mais que o anterior; pois as músicas simples ganhavam vida com a

dramatização através das mãos, lembrando muito os momentos de recreação que são

vivenciados em uma pré-escola. Este jogo foi o que trouxe mais dificuldades no manuseio do

mouse, necessitando da ajuda do pesquisador.

Na maioria das vezes, as duplas revezavam-se de maneira bastante cordial. Raramente,

as crianças se impacientavam para obter o comando do mouse. O nível de atenção e o foco na

tarefa eram bastante altos, só se dispersando quando as crianças não detinham o controle do

manuseio do mouse; pois este estava em uso com o colega.

Uma função do tempo disponível e da divisão do grupo em diversas duplas, as

crianças não vivenciaram os mesmos jogos, pois o processo decisório mesmo que ainda não

refletido, era estimulado pela pesquisadora.

Do que foi possível explorar, este software mostrou-se uma ferramenta bastante

eficaz, na medida em que foi utilizado de maneira coerente com um contexto de

aprendizagem mediada.

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V. UMA PROPOSTA PSICOPEDAGÓGICA - POSSIBILIDADES E LIMITAÇÕES

DE SUA IMPLANTAÇÃO NA INSTITUIÇÃO

5.1 Uma visão histórico-social das creches para a compreensão da Instituição

O atendimento assistencialista é encontrado com muita freqüência em instituições que

atendem à população de baixa renda, em que os cuidados físicos são assegurados e as crianças

são "guardadas" durante a jornada de trabalho da mãe. A partir de uma concepção inatista do

desenvolvimento, estas instituições acreditam que as crianças se desenvolvem naturalmente,

tanto em seus aspectos sociais, quanto intelectuais, emocionais e psicomotores. Este modelo

"maternal" vem sendo questionado por recentes estudos que propõem uma concepção

interacionista do desenvolvimento e da aprendizagem, no qual a criança deixa de ser pensada

apenas como um indivíduo em desenvolvimento, para alcançar o estatuto de sujeito de sua

própria história. compreendendo a criança como um ser ativo, com potencialidades físicas,

cognitivas, afetivas e sociais, esta abordagem valoriza a experiência trazida pela criança,

levando-a progressivamente à autonomia.

Numa sociedade capitalista como a nossa, a infância é vista como uma fase não

produtiva do homem e o brincar como atividade especifica das crianças; neste contexto, a

creche é concebida como um lugar de abrigo destas, obedecendo a conceitos marcados,

históricas e socialmente por valores que se perpetuam numa práxis assistencialista e

emergencial, não existindo espaço para considerar o brincar como uma atividade séria.

Para se analisar o espaço reservado ao brincar, objetivo deste trabalho, é necessário

compreender o funcionamento da instituição sob uma visão histórico-social, conhecendo um

pouco mais da história das creches.

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As modificações do papel da mulher no grupo social, com suas características

econômicas, políticas e culturais vão repercutir na organização da família e na origem das

instituições voltadas à criança, tais como as creches e as de amparo. Com a chegada da

industrialização na segunda metade do século XIX, um número grande de mulheres foi

trabalhar nas fábricas. As que tinham filhos, solucionaram o problema do ter com quem

deixá-los, pagando vizinhas para cuidá-los.

Até o início do século XX, o atendimento de crianças em creches processava-se da

mesma maneira que nos asilos e internatos. O atendimento dirigia-se a filhos de mães

solteiras que não tinham condições de criá-los. Isto acarretava, nas mães, sentimentos de

culpa e/ou pecado, gerando instituições de caridade para abrigar seus filhos.

Nas décadas de 30,407 e 50, as poucas creches que funcionavam eram entidades

filantrópicas que recebiam ajuda financeira das famílias ricas de cada lugar e ajuda

governamental. Nesta época, as necessidades das crianças eram vistas somente sob o crisma

assistencial / custodial, havendo preocupação maior com a alimentação, higiene e segurança

física das crianças. O desenvolvimento intelectual não fazia parte dos objetivos no

atendimento.

No período de 1930 até 1960, alguns grupos sociais politicamente influentes,

começaram a construir creches visando a promoção do bem-estar social e tentando evitar a

marginalidade e a criminalidade das crianças.

A partir da década de 50, o país iniciou o processo de industrialização, levando as

mulheres (professoras, funcionárias públicas, etc.) a entrarem no mercado de trabalho,

tentando assim, a demanda por creches para seus filhos.

A partir de 1964, com os sucessivos governos militares, intensificou-se a assistência

ao menor carente e à sua família, com órgãos criados pelo governo como a LBA e a

FUNABEM. Com a ajuda governamental às entidades filantrópicas, muitas destas começam a

rever o papel da creche e passaram a incluir, nos seus objetivos, a educação normal das

crianças. Estas preocupações foram influenciadas pela teoria dominante na época, que era da

"privação cultural', que tentava explicar o problema das camadas sociais mais carentes.

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Pensava-se que as condições precárias das crianças de famílias de baixa lenda poderiam ser

superadas através de uma "educação compensatória", sem alterar as estruturas sociais. A

partir deste momento, algumas creches e pré-escolas públicas, que faziam o atendimento à

classe popular, passaram a se preocupar com a estimulação cognitiva e o preparo para a

alfabetização.

Nesta época, paralelamente à assistência pública, o número de pré-escolas particulares

foi aumentando, passando a conceber o desenvolvimento infantil como um todo, no qual a

criatividade e a sociabilidade são valorizadas. Este enfoque apoiava-se em estudos da

Psicologia que destacavam a importância do período de zero a seis anos como crucial para o

desenvolvimento e a construção do conhecimento da criança. Desta maneira, o enfoque dado

pela assistência pública diferia da assistência particular, pois enquanto na primeira a visão era

de carência e deficiência, na segunda, as crianças ocupavam ambientes estimuladores e eram

percebidas como tendo um processo dinâmico de viver e desenvolver-se.

Por volta de 1975, começou uma nova política de atendimento, em função das mães

trabalhadoras que faziam reivindicações para que o governo e as empresas se organizassem

para manterem creches. A partir do movimento feminista, a creche foi conquistada como

direito do trabalhador, acarretando a organização de um maior número delas, mantidas e

geridas diretamente pelo governo com maior participação das mães no trabalho desenvolvido

na creche.

Nos últimos anos, com as negociações trabalhador/patrão, aumentou o número de

creches mantidas pela indústria, o comércio e por órgãos públicos para os filhos de seus

empregados. Algumas empresas pagam creche particular para os filhos dos seus funcionários.

Estas creches têm uma visão educacional, em que os desenvolvimentos cognitivo, emocional

e social devem ser garantidos às crianças. Também é detectado no país, um aumento de

creches comunitárias, muitas vezes sem vínculo com o governo e geridas pela própria

comunidade usuária.

Na Constituição de 1988 (apud Oliveira, 1992), repensou-se as funções sociais da

creche como uma instituição educativa: “um direito da criança, uma opção da família e um

dever do Estado”

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Esta concepção difere da visão tradicional da creche como um favor prestado à criança

pobre; em que se coloca no lugar da família e exerce um papel assistencial.

Na Instituição pesquisada, as crianças estão afastadas de pessoas significativas como

por exemplo suas mães e suas prioridades pessoais, submetendo-se a rotinas e normas pouco

ou nada individualizadas, compartilhando seu espaço físico, intimidade e moções com seus

colegas e um adulto com pouca ou nenhuma qualificação profissional “materna”.

As relações tutelares se constituem no eixo central da Instituição, enfoque diferente

modelo pedagógico interacionista, proposto pela pesquisadora, onde a brincadeira simbólica

vem a ser a manifestação mais importante infantil do pensamento simbólico.

O brincar ameaça este sistema institucional tradicional, seu papel e seus canais de

comunicação, na medida em que estimula um pensar crítico e criativo, contribuindo para o

processo de construção da cidadania.

Segundo Château (apud Ferreira, 1996, p.141), “Por meio de suas conquistas no jogo,

a criança afirma seu ser, proclama seu poder e sua autonomia”

Isto significa, que o brincar por ser livre, não admite uma dominação. E através do

brincar que a criança experiência a liberdade de criação. A brincadeira é uma atividade do

homem na qual as crianças são incluídas, via interação social, na cultura de uma sociedade.

Inicialmente, a criança aprende a brincar por quem lhe dá os primeiros cuidados. O adulto,

principalmente a mãe, se faz brinquedo para a criança. Brincando a criança vai aprendendo a

ser o real parceiro das brincadeiras. E assim, a brincadeira constitui um espaço de

socialização, onde a criança vai, gradativamente, dominando as relações com o outro e sendo

introduzida no espaço e no tempo particulares ao jogo. Bateson 1977 (apud Brougére, 1995)

percebeu que essa brincadeira era uma metacomunicação, na medida em que seu par

concordava sobre as formas de sua comunicação e apontavam para a negociação de uma

brincadeira. Só o simples fato de oferecer um brinquedo pode acarretar em uma brincadeira,

espaço próprio onde as atividades vão adquirir um outro significado.

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O caráter dinâmico da cultura leva a compreender que qualquer que seja a

característica da instituição educacional (internato, creche, pré-escola ou escola), deve ser

Percebida não só como espaço e instrumento de transmissão de conhecimentos, mas

principalmente, de produção de novos saberes. Também este espaço deve ser identificado

como lugar de agentes sociais que interatuam, com interesses e objetivos muitas vezes

conflitantes, quer dizer, como prática social construída coletivamente.

Observou-se, na Instituição, que certa vez, uma das crianças (a mãe tinha falecido, e

ele não tinha sido comunicado) quando brincava com uma boneca-bebê, foi interrompida por

uma das irmãs religiosas que estava presenciando a cena de que não poderia brincar com a

boneca. "Isto é coisa de mulher, não é brinquedo de homem". Concluiu-se, assim, que a

liberdade do brincar foi determinada institucionalmente a partir da construção social e história

que se tem do que é ser homem e o que é ser mulher.

Desta maneira, têm-se presente apenas um dos aspectos do processo de aprendizagem

que é a repressora, segundo Sara Paín (1985). A autora considera a educação, a

interdependência de quatro funções: mantenedora, socializadora, repressora e transformadora.

A primeira, mantenedora, em que através do processo ensino-aprendizagem, a pessoa

continue a história que é transmitida pelas conquistas culturais do homem.

A segunda, socializadora, na qual através da linguagem e do meio social o indivíduo

passa a se constituir em sujeito, que, identificado com o grupo obedece as mesmas normas.

A terceira, repressora, constituindo-se em uma instância educativa que controla e

conserva o que se pode conhecer, com a finalidade de manter e repetir as limitações dadas por

um poder que é auferido segundo as classes e grupos sociais.

E por último, a função transformadora. quando a estrutura se opõe, gera movimentos,

que aquele busca encaminhar por meio de compensações estabilizadoras. Estas oposições se

colocam de maneira determinante ás consciências, quando são consideradas por grupos

localizados no ponto da ruptura.

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Em decorrência destas quatro funções na educação, a aprendizagem pode ser

compreendida como uma prática transformadora e de qualidade e, ao mesmo tempo, como um

processo alienante.

5.2 A intervenção psicopedagógira

Neste trabalho, é proposta uma intervenção psicopedagógica que valoriza o ambiente

institucional como espaço de crescimento mútuo, de desenvolvimento da afetividade,

solidariedade, criatividade e auto-realização de todos os sujeitos através de uma nova visão do

brincar. Acreditamos que não são apenas as crianças que crescem e aprendem, mas todos

constroem conhecimentos e, nesse processo, têm dúvidas e dificuldades, fazem progressos e

reestruturam suas ações para conquistar os objetivos traçados. Na medida em que todos os

funcionários possam sensibilizar-se com a proposta de um novo paradigma, as crianças

poderão usufruir os múltiplos aspectos do desenvolvimento cognitivo, afetivo, social e

simbólico através do brincar.

As crianças através do brincar poderão vivenciar suas estratégias de aprendizagem

cabendo às funcionárias a mediação e a facilitação deste processo; organizando o ambiente

físico e social para que ocorra a interação da criança com o conhecimento. Desta forma, o

espaço institucional alcançará o status de um centra de produção de cultura.

A Instituição está fundamentada em grande parte nas crenças e costumes do seu grupo

social (no caso; religioso também), o que faz com que organize o ambiente dentro de suas

concepções a fim de favorecer o desenvolvimento de comportamentos que consideram

apropriados para a idade das crianças. Os brinquedos que têm a função de. brincadeira, por

exemplo, ficavam em exposição no acesso ao pátio externo, justificando e esta organização

espacial em função de um modelo de classe burguesa; no qual os brinquedos servem para

enfeitar as prateleiras dos quartos. Quer dizer, a Instituição mediada pelos signos

(significados culturais) que atribui à situação, influenciam uma relação com o ambiente. E

através dessa relação mudam seu próprio comportamento colocando-o sob o seu controle.

Quando houve a intervenção do pesquisador, os brinquedos deixaram de ser expostos e,

portanto, não mais cobiçados pelas crianças. Esta mudança de atitude da Instituição talvez

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possa ser compreendida como um dos primeiros passos conquistados para se descobrir

futuramente o brincar como parceiro do aprender. A disposição do lugar dos brinquedos, o

material proposto e a atitude de quem torcia conta tão importantes na criação de um espaço de

invenção, de curiosidade e de experiências diversificadas.

A mudança torna-se ainda mais necessária, quando a comunidade é carente de uma

educação libertadora e desalienante. As estruturas de alienação no saber são modos de ação

socialmente determinados (hábitos; repetições, estereótipos, cláusulas obrigatórias e

palavras-chave) que estruturam o que escutar, o que dizer e o que fazer em um determinado

momento. O mesmo conteúdo que as funcionárias aprenderam durante a sua vida para

formá-la e informá-la, pode, de outra forma desinformá-la e esbarrar com as novas

necessidades de atuação na formação das crianças.

Os funcionários da Instituição se constituem a partir das relações e interações que

estabelecem tanto com as crianças, como com as famílias e demais profissionais deste espaço

e de maneira diferente conforme compreendam seus papéis na instituição e junto às crianças.

Como as percepções dos seus papéis são dinâmicas, podem ser modificadas través de espaços

de reflexão, onde poderão ver-se como pessoas que apenas "tomam conta" de crianças ou

como agentes transformadores. Esta segunda opção remete ao papel da monitora que é aquela

que coordena as experiências e a aprendizagem através do brincar e não apenas quem cuida

das crianças. O vínculo estabelecido entre a monitora a criança é essencial para o processo de

aprendizagem, através dele a criança encontra possibilidade de entrar em contato com uma

postura (a da monitora) que opera como modelo. É repensando a atitude de todos aqueles

envolvidos direta ou indiretamente core crianças que se pode ressignificar o brincar na

Instituição a partir de uma nova concepção de infância em que as crianças são cidadãos,

sujeitos de direitos, considerados como pessoas em desenvolvimento e tratados com

prioridade absoluta segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069 / 90).

Na medida em que as funcionárias passem a reconhecerem-se e serem reconhecidas

como monitoras, as crianças deixam de ser compreendidas como objetos a serem atendidos e

passam a ser contextualizadas no mundo como sujeitos. Na relação dialética monitora/criança,

vão se construindo, transformando-se e desenvolvendo-se a partir de novas vivências. É, pois,

simultaneamente, que o adulto aprende a se conhecer e criança, compreendendo que as

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relações destes não são acessórias mas essenciais para uma aprendizagem significativa. A

partir das novas percepções deste adulto, modificando o seu próprio comportamento,

colabora-se para o processo de individuação das crianças.

O modo da Instituição conceber a criança, representa uma estrutura de alienação no

saber, baseada em estereótipos, estigmas e preconceitos. A visão da Instituição não

corresponde ao que a criança é, na realidade. Esta está em um outro lugar, tendo de ser

resgatada através da fala na relação monitora/criança e profissionais da educação/criança. É a

própria criança que tem de dizer quem ela é, do que gosta, com o que quer brincar etc. A

modificação neste processo não é fácil, porque, para a instituição, a imagem que se tem da

criança é a própria criança. A Instituição não se dá conta que, sendo uma imagem, é um

estereótipo, uma construção na linguagem. Não percebe que a imagem da criança é uma

produção sua, uma interpretação sua de quem é esta criança. A criança está em um outro

contexto, que deve ser resgatada através da própria relação dos profissionais com as crianças.

Assim como também deve ser resgatada a ludicidade das funcionárias, pois quando não

sabem e/ou não gostam de brincar, dificilmente conseguirão desenvolver a capacidade lúdica

das crianças. Elas partem do princípio que “brincar é bobagem de criança”. Antes de lidar

com o mundo lúdico das crianças, é preciso desenvolver a própria lucicidade de quem está em

contato com elas, sendo este um processo que precisa ser pacientemente trabalhado. Assim

como é bastante difícil a tomada de consciência quando se trata de nós, perdendo-se a

compreensão quando se está diretamente implicado na situação.

A transformação de discurso em prática não é uma operação simples pois a

implementação de uma postura pedagógica vai depender do nível de conflito existente entre

seus aspectos conscientes (aqueles sobre os quais os indivíduos são capazes de falar) e

inconscientes (o acesso é mais difícil). São as diferentes posturas pedagógicas que refletem

como o mundo interno e externo são concebidos. Dividem-se em dois grupos: as reprodutoras

(manutenção do status quo) e as inovadoras transmissão de novos modelos de perceber e

interpretar o que se experiência). Quando foi observado, por muitas vezes, a indiferença das

funcionárias quanto ao brincar ou não brincar das crianças é como revelasse uma pedagogia

igualitária; assim como as atitudes de irritação refletissem uma pedagogia discriminatória.

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A proposta da pesquisadora foi colocar; de fato, no centro do mundo a criança,

tentando captar os seus sentimentos, seus desejos e fantasias, repensando e articulando todo

um conjunto de concepções, atitudes, comportamento e práxis que determinam o olhar e as

ações de quem está mais diretamente em contato com o mundo infantil. A partir desta visão, a

identidade da Instituição passa a ser educativa, valorizando-se as transformações tanto na

desenvolvimento quanto no psiquismo da criança. Dentro deste contexto surge, naturalmente,

o brincar que deveria permear o cotidiano institucional. A Instituição carece de uma definição

sobre o seu papel social e educacional no desenvolvimento da criança e cujas ações

transparecem concepções inadequadas da infância e do psiquismo infantil, bem como das

formas de expressão e atuação da criança no mundo externo. A Instituição não tem

consciência no lúdico em uma perspectiva educativa, o que ficou caracterizado na pouca

valorização do espaço para o brincar que é oferecido à criança. A experiência de usufruir de

um espaço para brincar; incluindo as atividades de desenho, modelagem e informática,

permitindo que a criança resgate, organize e constitua sua subjetividade mostrou-se profícua.

A criança brincando com o significado, para elaborar suas angústias (nível inconsciente) e

para mediar simbolicamente a internalização, resulta em saltos qualitativos no seu

desenvolvimento.

Com base nessas considerações, pode-se dizer que brincando também se ensina e

aprende. Quando brinca, o sujeito é contaminado pela alegria e pelo prazer, e assim, aprende

mais. Segundo Mrech, 1998 (in Kishimoto, pág. 155):

“Há um novo no brincar, nos brinquedos e jogos infantis que precisa ser resgatado pelos educadores e pesquisadores infantis. Um novo que sempre existiu. Um novo que pertence ao registro do real, mas que por nossas construções de linguagem, sempre tentamos apreender à nossa moda, perdendo muitas vezes, irremediavelmente a criança, o brincar e o brinquedo”.

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VI. CONCLUSÃO

O objetivo deste trabalho foi observar o brincar dentro de um contexto institucional,

enfocando os procedimentos dos sujeitos em situações típicas do brincar que levam á

aprendizagem, respeitando a singularidade de cada criança que brinca.

É muito comum, as instituições comprometidas com o atendimento às crianças

naturalmente marginalizadas, não terem uma visão do processo educacional da criança;

cerceando a liberdade de ação desta, desde os seus primeiros meses de vida até a época de

deixar a instituição.

Com base nas observações "in loco" das atividades exploratórias, interacionais e

criativas que ocorreram durante as brincadeiras das crianças de três a cinco anos, pôde-se

concluir o pouco espaço que é dado ao brincar e a necessidade de uma proposta educacional

onde a atividade lúdica seja importante tanto para o desenvolvimento cognitivo quanto para a

constituição do sujeito.

Observou-se que a Instituição funciona dentro de uma prática assistencialista, em que

se privilegia uma boa assistência médica, odontológica e alimentar. A intervenção

psiopedagógica faz-se necessária, no intuito de reformular a concepção deste modelo e uma

reflexão sobre o papel das funcionárias quanto à atenção dispensada ao brincar da criança na

construção do seu desenvolvimento bio-psíco-social, que não pode ser reduzida apenas a uma

presença física mas sim de mediador. Com o auxílio do adulto, as brincadeiras em situações

estruturadas, podem gerar estratégias adequadas para o desenvolvimento do potencial do ser

humano para descobrir; relacionar e buscar soluções, estimulando o funcionamento mental em

suas diferentes constituições.

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O brincar em instituições para crianças carentes é fundamental, na medida em que

suas privações culturais e familiares permeiam as suas vidas, restando-lhes pouco espaço para

brincar. Defender o brincar é uma obrigação de todos aqueles que estão comprometidos com

uma educação transformadora e de qualidade das crianças, na medida em que ao brincar estas

preservam sua subjetividade única e sua liberdade de expressão, reassegurando-lhes o lugar

de sujeitos, sujeitos que têm desejos e vozes.

Percebeu-se que esta Instituição tão singular pode vir a possibilitar o desenvolvimento

de um trabalho criativo e, ao mesmo tempo, formador de crianças sujeitos seu próprio

acontecer histórico. Viabilizar o brincar como uma via de acesso privilegiada para

conhecimento da criança, um mediador capaz de diminuir as distâncias entre pessoas de

diferentes classes sociais, dando-lhes oportunidade de juntos experimentar os diferentes

elementos da vida cultural e desenvolver as trocas necessárias à aprendizagem.

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