universidade candido mendes pÓs-graduaÇÃo … silva ferreira.pdf · “meu eixo é meu ser, o...

55
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE EIXO CORPORAL E FONOAUDIOLOGIA Autora: Fernanda Silva Ferreira Orientadora: Fabiane Muniz Rio de Janeiro 2005

Upload: donhan

Post on 28-Jan-2019

213 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

EIXO CORPORAL E FONOAUDIOLOGIA

Autora: Fernanda Silva Ferreira

Orientadora: Fabiane Muniz

Rio de Janeiro

2005

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

EIXO CORPORAL E FONOAUDIOLOGIA

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como condição prévia para a

conclusão do Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu”

em Psicomotricidade.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pelas bênçãos de

todos os dias.

Agradeço os meus pais e irmãs pela

amizade, pelo apoio e pelo amor de

todos esses anos.

Agradeço ao meu marido André pelo

carinho, respeito, amizade e amor

incondicional de todos esses anos.

DEDICATÓRIA

Dedico esta monografia ao meu marido

André que esteve ao meu lado durante

toda essa caminhada, que me incentiva e

apóia tudo que faço.

EPÍGRAFE

“Meu EIXO é meu SER, o RESPIRAR o meu TER e a minha postura o jeito de eu ESTAR neste mundo”.

(Fernanda C. Araujo)

RESUMO

A Fonoaudiologia e a Psicomotricidade têm uma relação antiga, mas

que é conhecida e aceita por poucos.

A ação reeducadora psicomotora atuará na prática da fonoaudiologia em

prol de um atendimento que valorize o indivíduo como uma pessoa capaz de

sentir, movimentar-se e de pensar, ou seja, que não continue a ser visto como

um sintoma.

Este estudo foi dirigido àqueles pacientes que apresentam alguma

patologia fonoaudiológica, através de uma abordagem interdisciplinar, visando

novas conquistas em direção ao atendimento fonoaudiológico.

METODOLOGIA

O presente estudo baseou-se em uma pesquisa bibliográfica, onde

foram realizadas revisão literária e análise crítica dos autores.

Realizou-se também a interpretação das contribuições teóricas sobre o

tema proposto de forma que os indivíduos com alterações no eixo corporal

possam ser reeducados por meio da psicomotricidade.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 09

CAPÍTULO I – A Mecânica do Eixo Corporal 10

CAPÍTULO II – A Psicomotricidade 16

CAPÍTULO III – Transtornos Relativos ao Eixo e a Fonoaudiologia 30

CAPÍTULO IV – Terapia de Eixo Corporal 39

CONCLUSÃO 47

ANEXOS 48

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 51

ÍNDICE 53

FOLHA DE AVALIAÇÃO 55

9

INTRODUÇÃO

A Fonoaudiologia é uma profissão relativamente nova, que vem

aumentando sua área de atuação a cada ano. É dividida em quatro áreas:

Motricidade Oral, Linguagem, Voz e Audição, nas quais a responsabilidade do

Fonoaudiólogo é a de pesquisa, prevenção e tratamento das alterações de

audição, voz e funções vitais como sucção, mastigação e deglutição.

Contudo, muitos profissionais perceberam que cuidar apenas das

queixas apresentadas pelos pacientes focando o local da alteração não dava o

resultado esperado. A partir de então, iniciou-se o estudo da Psicomotricidade,

ciência que tem como objetivo estudar o indivíduo como um todo, sua relação

com o meio em que vive, com os objetos que o rodeia e consigo mesmo.

Há muitos estudos nesta área, porém vou me centrar naqueles em que

a integração corporal é focada, pois é a partir desta noção que os estudos de

Fonoaudiologia evoluíram no que diz respeito ao tratamento de distúrbios

oromiofuncionais, como, por exemplo, a deglutição atípica e o respirador oral.

Nestes casos, observamos o indivíduo como um todo: sua postura

estática e dinâmica, flexibilidade corporal etc. Em quase a totalidade dos casos,

há uma desarmonia entre eixo corporal e as estruturas, como língua e

mandíbula, gerando assim uma alteração fonoaudiológica.

Seguindo esta linha de pensamento, o objetivo desta monografia é

apresentar a importância do eixo corporal na avaliação e terapia

fonoaudiológicas, pois ele é o centro organizador do movimento voluntário e da

postura, condições importantes para uma reabilitação adequada.

10

CAPÍTULO I

A MECÂNICA DO EIXO CORPORAL

Segundo a definição do dicionário Aurélio, ao definirmos a palavra eixo,

esta vem do grego (axon) e diz respeito a “principal linha longitudinal

verdadeira ou imaginária” que divide o corpo humano em partes

aproximadamente balanceadas ou simétricas. Quando se trata do eixo

corporal, este é o responsável pela nossa verticalidade e necessita de um tripé

básico intacto para que esteja em harmonia: bom contato dos pés no chão,

capacidade de movimentações diversas estando em harmonia com os pés e ter

um olhar expressivo, o qual possa captar e expressar sentimentos.

O corpo é uma estrutura em constante movimento. Isso ocorre pelas

diversas articulações que possibilitam os mais variados movimentos, como

enrolamento torção e endireitamento. Essas articulações interligam ossos e,

respectivamente, os músculos presos a eles. Com isso, forma-se um todo

formando uma harmonia, um equilíbrio fisiológico.

As articulações formam unidades de coordenação, fazendo com que o

movimento se propague pelo corpo como um todo.

“O tronco, unidade complexa que tem por centro um eixo mediano e lateralizado, será ele mesmo o ponto de reunião de todas as outras unidades e de contato das unidades homólogas, direita e esquerda, determinando assim o eixo corporal”.1

O eixo corporal é constituído pelo eixo anterior, o qual é constituído por

três ossos: mandíbula, osso hióide e esterno (mais púbis), sendo eles

intercalados por extensas massas musculares, que desse modo permite o

enrolamento da coluna, e também pelo eixo posterior, que tem o objetivo de

sustentação, sendo representado pelo empilhamento dos corpos vertebrais

1 PIRET, S., BÉZIERS, M. M., 1992. p.22.

11

bem como pelos músculos que neles se inserem, equilibrando e dando

resistência ao eixo anterior, permitindo o endireitamento da coluna. Há, ainda a

torção, permitindo a lateralização do tronco.

Quando há a menção de eixo lateralizado, este aborda a noção dos dois

lados do corpo, sem que esteja envolvido a denominação dos lados direito e

esquerdo.

1.1 – Desenvolvimento do eixo corporal

Seu desenvolvimento pode ser descrito pela filogênese (desenvolvimento

das espécies) e pela ontogênese (desenvolvimento do homem). No primeiro

caso, pode-se dizer que a evolução filogenética confunde-se, com relação à

locomoção, com a de alguns animais:

“Inicialmente, rolamos como uma cobra. A seguir, nos arrastamos como um anfíbio (com a cabeça baixa quase tocando o chão) e, depois, como répteis (com a cabeça um pouco mais erguida e o peito quase a tocar o chão). Depois engatinhamos como alguns mamíferos quadrúpedes (...). Finalmente, atingimos a marcha inicial dos quadrúpedes preensores, até chegarmos à marcha cruzada, característica do Homo sapiens”.2

A partir desta citação e de acordo com os estudos de SABOYA, podemos

tirar algumas conclusões:

- houve uma evolução do eixo relativo ao plano horizontal, ou seja, este passou

para a verticalidade, tendo como conseqüência a suspensão do crânio;

- evoluiu do imobilismo para a flexibilidade, associando-se a este fato o

alongamento da coluna cervical e a independência da cabeça;

Atinge-se uma grande flexibilidade do eixo, durante a passagem da

reptação até a chegada do bipedismo.

2 SABOYA, Beatriz, 1995. p. 48-49.

12

- houve a liberação da mandíbula após a liberação da cabeça;

Durante a fase do anfibiomorfismo (libertação do meio aquático) a cabeça

tem pouca mobilidade, assim como a mandíbula. Na fase do sauromorfismo, há

a separação entre a cabeça e a coluna, ocupando aquela a extremidade co

pescoço. Há o aparecimento da musculatura da mandíbula e do osso hióide,

fazendo com que haja mobilidade da mandíbula e da língua.

Na fase do teromorfismo (mudança de répteis para mamíferos), há a

independência da cabeça, mudanças posturais e o aparecimento da

heterodontia. Outro fato importante desta fase é que as funções mastigação e

respiração operam conjuntamente.

Por fim, do pitecomorfismo (postura sentada) ao antropomorfismo

(postura de pé) há a liberação total da mandíbula, redução da face

anatomicamente, do prognatismo, dos molares e pré-molares, bem como uma

expansão craniana.

- e a inclinação da cabeça em relação ao eixo coincide com as proporções da

face/crânio/encéfalo.

A verticalização da cabeça ocorre na passagem do sauromorfismo até o

antropomorfismo, pois o buraco occipital também verticaliza-se. Além disso, a

parte anterior da cabeça chega ao equilíbrio no homem com relação à parte

posterior.

Segundo a ontogênese, o eixo está entre as primeiras formações

embriológicas – o processo Notocórdio – que está totalmente formado na 21a

semana de gestação. A partir deste ponto, há a evolução, diminuindo sua

curvatura conforme passam as semanas: está acentuadamente recurvado na

5a semana até que se formem as duas curvaturas primarias (torácica e sacral),

que serão seguidas pelas duas curvaturas secundárias após o nascimento com

a movimentação do bebê (cervical e lombar).

Ao nascimento, o recém nascido deve descobrir o ambiente exterior, o

mundo dos objetos e das pessoas. Ele precisa fazer experiências para

entender o mundo que está ao seu redor. No início, ele encontra os objetos por

acaso depois ele repete incansavelmente esses encontros para integrá-los e

13

enriquecer os encontros que já fez. Ele experimenta a forma, a textura, o peso,

o volume, a temperatura, o barulho. Ele organiza tudo o que vê, sente,

ressente, entende, toca. Aprende a dominar-se e controlar seus gestos. Um

recém-nascido tem gestos não coordenados, mas pouco a pouco aprende a

controlar-se, o que requer muito esforço e concentração.

Podemos relacionar o desenvolvimento do eixo com o início da

locomoção do recém-nascido34:

“De um modo geral, a evolução tônica da criança desenvolve-se da periferia para o eixo corporal: o recém-nascido caracteriza-se, com efeito, pela hipertonia dos membros (inferiores e superiores) e a hipotonia do eixo corporal. Progressivamente, a repartição ganha equilíbrio, pela tonicidade do tronco e da nuca; é o desenvolvimento das funções piramidais e a mielinização das fibras nervosas que permitem essa evolução”5.

- 1o e 2o meses – o primeiro modo de locomoção do bebê é o rolar, que no

início se dá de prono para supino em bloco, ou seja, não dissocia as cinturas

escapular e pélvica;

- 2o ao 4o mês – o bebê inicia sua retirada da cabeça do chão formando-se,

assim a curvatura secundária cervical. Isto se dá porque o tônus dos músculos

da nuca e do pescoço vai se organizar em função das posições do eixo

corporal. Quando a criança passa da posição deitada para sentada com apoio,

sua cabeça se mantém firme, permitindo a visão do mundo ao seu redor;

- 4o ao 6o mês – os braços auxiliam o levantamento da cabeça, que se dá a

quase 90°, gira em torno do eixo, iniciando a dissociação das cinturas

escapular e pélvica;

- 6o ao 8o mês – início da formação da curvatura sacral e de movimentos

dissociados laterais das cinturas escapular e pélvica em supino e em prono,

dando início ao arrastar, o qual se dá primeiramente em padrão homólogo,

passa pelo homolateral e atinge o padrão cruzado. Consegue se equilibrar em

3 Vide figura 1 em Anexos. 4 Ibid SABOYA, 1995.

14

posição sentada, tendo o tônus da cintura escapular bem desenvolvido,

permitindo uma boa exploração do mundo através da visão e do tato;

- 8o ao 12o mês – inicia o engatinhar, que proporciona a completa formação da

curvatura sacral pela movimentação lateral ântero-posterior, há a dissociação

completa das cinturas escapular e pélvica. Quando sentado, gira em torno de

si, eleva-se com apoio e ensaio os primeiros passos sem apoio;

- 12o ao 14o mês – nesta fase, modela-se a quarta curvatura com o início do

andar, há também o balanceio do eixo para chegar ao equilíbrio que precisa

para um caminhar independente.

Todas as crianças do mundo têm o mesmo desenvolvimento, mas o ritmo

difere duma criança para outra, duma cultura para outra. O desenvolvimento

depende das possibilidades oferecidas pelo ambiente.

A participação da mãe é extremamente importante para o completo

desenvolvimento da criança. Será através da amamentação que a criança

aprenderá sobre seus dois lados – contato físico com a barriga da mãe, a

noção de movimentação da região cervical e do pescoço, enfim, o contato da

mãe faz com que a criança, aos poucos, aprenda sobre seu corpo.

1.2 – Bases da coordenação do eixo corporal

Para que se entenda melhor a mecânica e a coordenação do eixo

corporal, PIRET e BÉZIERS6 desenvolveram um meio pelo qual, através de

elementos esféricos que representam algumas partes do corpo, facilitaram a

explicação a cerca do tema em questão. Este trabalho abrangerá apenas o

tronco, local que se encontra o eixo corporal.

A cabeça e a bacia são consideradas os extremos do tronco e estão

organizadas através de elementos esféricos tensionados pelos músculos

5 COSTE, Jean-Claude, 1981. p.52-53. 6 Ibid PIRET e BÉZIERS, 1992.

15

condutores que as une7. Elas podem se aproximar durante o enrolamento, o

eixo ósseo que as une é a coluna vertebral, onde se encontram músculos que

têm uma relação antagônica entre si: músculos longitudinais flexores

(abdominais) e extensores (espinhais), ambos inseridos em toda sua extensão.

Este movimento é denominado simétrico, pois esta unidade de

coordenação assume uma forma esférica, enrolando-se em torno de si mesma,

e seu deslocamento acontece apenas no plano sagital.

Outro importante movimento possível de ser realizado é aquele em que a

cabeça se orienta para um lado, por exemplo, a esquerda, e a bacia para o

outro, direita. Portanto, há uma torção do tronco em torno de si mesmo. É o

que podemos chamar de movimento recíproco: enquanto um lado se curva, o

outro se estende. Por este motivo, o sistema que assegura a torção é

lateralizado: um lado assegura a flexão, sendo indissociável do outro, que

assegura a extensão.

Entretanto, a torção é indissociável do enrolamento, isto é, aquele ocorre

em qualquer etapa deste último, mas o enrolamento pode estar presente sem

que haja a torção do tronco.

Quanto ao endireitamento, este está presente graças ao antagonismo que

se estabelece entre a cabeça e a bacia, por intermédio dos dois eixos,

garantindo o equilíbrio sagital do tronco.

7 Vide figura 2 em Anexos.

16

CAPÍTULO II

A PSICOMOTRICIDADE

A Psicomotricidade, de acordo com definição da Sociedade Brasileira

de Psicomotricidade (1999), é a ciência que tem como objeto de estudo o

homem através do seu corpo em movimento e em relação ao seu mundo

interno e externo, bem como suas possibilidades de perceber, atuar, agir com o

outro, com os objetos e consigo mesmo. Está relacionada ao processo de

maturação, onde o corpo é a origem das aquisições cognitivas, afetivas e

orgânicas.

A Psicomotricidade é o controle mental sobre a expressão motora.

Objetiva obter uma organização que pode atender de forma consciente e

constante as necessidades do corpo. Esse tipo de educação é justificado

quando qualquer defeito localiza o indivíduo à margem das normas mentais,

fisiológicas, neurológicas ou afetivas. É, também, a percepção de um estímulo,

interpretação deste e elaboração de uma resposta adequada.

Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção

de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo

sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua

socialização.

De acordo com SABOYA8, a psicomotricidade tem uma troca única com o

meio, que envolve três esferas:

- O pensamento gera a palavra e vice-versa;

- O sentimento gera emoção e vice-versa; e

- A sensação gera o movimento e vice-versa.9

8 Ibid SABOYA, 1995. 9 Vide figura 3 em Anexos.

17

Quando há harmonia entre essas esferas, o indivíduo está bem consigo

mesmo e com o mundo que o rodeia. Se um desses elementos não apresenta

uma conexão harmoniosa no ciclo, instaura-se a desarmonia, fazendo com que

o indivíduo não se integre consigo e com o meio ambiente.

Por este motivo, o desenvolvimento psicomotor durante os três primeiros

anos de vida é extremamente importante. Entretanto, aos três anos, as

aquisições da criança são consideráveis: partiu do parasitismo e do

inconsciente absoluto e possui, então, todas coordenações neuromotoras

essenciais: andar, correr, pular, a fala e a expressão, o jogo, o sentido do bem

e do mal. Estas aquisições são, sem dúvida, o resultado de uma maturação

orgânica progressiva, mas, sobretudo, o fruto da experiência pessoal; elas

foram obtidas e são complementadas progressivamente ao tocar, apalpar,

andar, cair e ao comparar. A corticalização em si mesma é uma estreita função

das experiências vivenciadas.

Em todos os estágios que a criança passa, o dinamismo motor é

estreitamente ligado à atividade mental: do ato motor à representação mental

graduam-se todos os níveis de relação entre o organismo e o meio.

2.1 – Breve histórico

Com referência nos estudos de COSTE10, podemos afirmar que o estudo

do corpo humano teve seu início na Grécia antiga com Platão e Aristóteles.

Para estes estudiosos, o corpo nada mais era do que uma certa quantidade de

matéria responsável pela transição entre o mundo existente e a alma, sendo

esta o molde para o corpo.

No século XVII, Descartes estabelece a teoria do indivíduo cartesiano. A

partir deste princípio, corpo e alma são independentes, ou seja, o corpo é algo

10 Ibid COSTE, 1981.

18

externo que não pensa, ação realizada pela alma (o eu), a qual pode existir

independentemente do corpo presente.

Este dualismo corpo x alma teve “fim” no século XIX com o início dos

estudos sobre o cérebro. Entretanto, foi somente no século XX que houve uma

reviravolta neste assunto. Dupré, neurologista francês, estabeleceu a diferença

radical entre a motricidade e seu aspecto negativo, a relaxação, assim como

definiu a debilidade motora, a instabilidade e isolou perturbações tais como os

tiques, as sincinesias e as paratonias.

Alguns anos depois, Wallon aprofunda as relações que unem o tono, o

pano de fundo de todo o ato motor, à trama sobre a qual este se tece, e a

emoção, isto é, a expressão mais primitiva dessa atividade especificamente

humana que é a atividade de relação. Ele mostrou que a toda emoção estão

ligados, ao mesmo tempo, certo comportamento tônico, certas transformações

características das atitudes e reações musculares e viscerais. A partir de sua

obra, foi possível constituir uma técnica terapêutica cujo objetivo era a

reeducação das funções motoras perturbadas.

Uma contribuição importante foi dada por Ajuriaguerra, que definiu com

precisão certos aspectos menos claros da obra de Wallon enfatizando, por

exemplo, a função central da comunicação do tono (diálogo tônico). Por outro

lado, aperfeiçoou um método de relaxação em que os fatores relacionais,

utilizados e analisados com a ajuda de conceitos psicanalíticos, desempenham

um papel determinante na progressão da cura (reeducação psicotônica).

Aquele pesquisador juntamente com Soubiran introduziram essas terapias

originais na França, país onde a Psicomotricidade deu início.

Autores como Freud, Winnicott, Lacan dentre outros deram sua

contribuição para o desenvolvimento da psicomotricidade. A contribuição da

psicanálise foi de grande importância, pois conceitos como imagem corporal,

19

inconsciente etc. foram introduzidos nos estudos da psicomotricidade, levando

a uma reviravolta nas perspectivas clínico-teóricas do campo psicomotor.

2.2 – Os conceitos psicomotores

A Psicomotricidade envolve o desenvolvimento e estruturação de diversas

áreas: tonicidade, equilíbrio, lateralidade, esquema e imagem corporais,

estruturação espaço-temporal, coordenação motora global e fina, e ritmo.

a) Tonicidade

Este é o alicerce fundamental para a psicomotricidade porque é somente

por ela que podemos realizar diversos movimentos, sejam mímicas, posturas

etc. Segundo FONSECA11, “a tonicidade assegura a preparação da musculatura

para as múltiplas e variadas formas de atividade postural e práxica”.

Quando se aborda este conceito, três aspectos devem ser relatados:

- fenômeno nervoso: existe independente da vontade humana, ou seja, é

permanente. O tono muscular é um fenômeno da natureza reflexa que tem sua

origem no músculo, mas cuja regulação esta submetida ao cerebelo.

- movimento: quando relacionamos o tônus com a expressão das emoções, ou

seja, toda e qualquer emoção tem sua origem no domínio postural, ou seja, em

toda atividade tônica. Nota-se uma certa sensibilidade em indivíduos de

qualquer faixa etária ao olhar de outrem, uma palavra dita ou até mesmo à

simples presença o qual provoca uma excitação suficiente para deflagrar um

aumento da tensão e, por conseguinte, reações emocionais que traduzirão o

mal-estar ou a alegria que esse olhar, essa presença ou palavra de outrem

provocaram. Um bom exemplo para ilustrar é o medo do público.

11 FONSECA, Vitor da., 1995.

20

Também há tônus durante o repouso: é a atividade tônica que dá aos

músculos um certo grau de consistência para que a atividade ou postura, seja

no sono ou na vigília, permaneça.

- o diálogo tônico: essa função comunicativa que o tônus assegura encontra

sua origem nos primeiros tempos de vida da criança, quando seu corpo ainda é

apenas o corpo da mãe, o mundo que a cerca. Este diálogo se inicia quando a

criança sente necessidade de algo, sente um incômodo que para ela é um

“sentimento” de agressão, manifesta uma tensão de todo o seu corpo: ela

estende os braços, fecha os punhos, levanta a cabeça, apoiando-se em seu

eixo corporal (retesa o dorso e a nuca). Ao nível neurovegetativo, aparecem o

rubor, o calor, as lágrimas. Ela chora, soluça, perde o fôlego; é a hipertonia de

apelo.

Pois a mãe interpreta como um apelo a ela endereçado o comportamento

da criança. Responde-lhe satisfazendo a sua necessidade de calor, de

conforto, saciando a sua fome. Durante a amamentação, a distensão apodera-

se da criança: deixa de chorar, é claro, e seus membros relaxam, os dedos

afrouxam, seu ritmo respiratório declina. Após a amamentação, quando a

necessidade está satisfeita, o seu corpo está inteiramente descontraído, seu

rosto apaziguado, a respiração é regular e profunda. A criança encontra-se em

estado de hipotonia de satisfação.

“Essas experiências originais que a criança vive em seu corpo serão as que propulsionarão, definitivamente, no universo da comunicação humana, a qual, embora se organize de acordo com o modelo e as leis, o corpo e suas reações estão sempre presentes e intervindo incessantemente, nossas posturas, gestos e atitudes tecem a teia de nossas relações com os outros. Nosso prazer, que é obtido na satisfação aproximada (...) do nosso desejo, provoca uma distensão; e a tensão, ou hipertônus acumulado, é causa de mal-estar”.12

12 Ibid COSTE, 1981.

21

Segundo FONSECA13, cinco fatores podem ser observados durante a

avaliação do indivíduo:

- extensibilidade: pode ser definida como o maior comprimento possível que

podemos imprimir a um músculo afastando as suas inserções;

- passividade: capacidade de relaxamento passivo dos membros e suas

extremidades distais perante mobilizações, oscilações e balanços ativos e

bruscos introduzidos exteriormente pelo observador;

- paratonia: incapacidade de descontração voluntária;

- diadococinesias: função motora que permite a realização de movimentos

vivos, simultâneos e alternados; e

- sincinesias: reações parasitas de imitação dos movimentos contralaterais e de

movimentos peribucais ou linguais.

b) Equilíbrio

Este fator psicomotor é fundamental para que o movimento seja realizado

de modo coordenado. É a base para toda e qualquer ação, seja ficar de pé

(equilíbrio estático) ou andar em marcha (equilíbrio dinâmico). O tripé “visão,

propriocepção e sistema vestibular” é essencial para a manutenção do

equilíbrio.

Por estar em constante interação com o universo extracorporal, é a base

para estruturar qualquer processo humano de aprendizagem.

Para que seu desenvolvimento ocorra sem intercorrências, é de

fundamental importância que a criança tenha liberdade no local onde mora. Ela

precisa descobrir sozinha como conquistar as posturas e posições que deseja.

Desde o sentar até o caminhar. Este último não pode ser realizado com a ajuda

de uma andador, já que a criança terá, a todo o momento, um apoio externo ao

13 Ibid FONSECA, 1995.

22

seu corpo, dificultando e confundindo as informações que chegam ao córtex

cerebral.

Os fatores a serem observados são:

- imobilidade: capacidade de inibir voluntariamente todo e qualquer movimento

durante um curto período de tempo;

- equilíbrio estático: requer as mesmas capacidades da imobilidade; e

- equilíbrio dinâmico: exige uma orientação controlada do corpo em situações

de deslocamento no espaço com os olhos abertos.

c) Lateralidade

É a noção dos dois lados do corpo – direita e esquerda – que se inicia

desde bebê pela experimentação dos dois lados do corpo.14

É difícil falar de uma lateralização manifesta antes dos quatro anos, idade

de ingresso no maternal. É durante o período de “discriminação perceptiva”,

aos dois anos, que se elabora na criança a predominância lateral. É também

nesse período que se realiza a maturação dos principais centros sociais e

motores.

O reconhecimento de direita e esquerda constitui uma primeira etapa na

orientação espacial e inicia-se por volta dos seis anos. É precedida pela

distinção à frente-trás, e contemporânea da conscientização do eixo corporal.

A partir dos sete anos, a criança será capaz de uma descentração mais

importante de seus pontos de referência e será capaz de projetar em outrem

essa discriminação espacial das partes do seu próprio corpo e está completa

14 Ibid FONSECA, 1995.

23

por volta dos dez anos. Ela manipula as noções de direita e esquerda sobre

outrem, sobre o mundo exterior, independentemente da sua própria situação.

Este conceito é bastante confundido com preferência lateral, que é a

preferência por um lado do corpo, denominando-se assim um indivíduo como

sendo destro ou canhoto. A lateralidade pode ser observada na lateralização

ocular, auditiva, manual e pedal.

d) Noção do corpo

Também pode ser denominada somatognosia, compreende recepção,

análise e armazenamento de informações vindas do corpo, reunidas sobre a

forma de uma tomada de consciência estruturada e armazenada

somatotopicamente.

“A noção do corpo, noção crítica, singular e plural, assume um invariante tátil-quinestésico da postura, em que convergem simultaneamente, mas com uma contribuição particular, os anteriores fatores psicomotores da tonicidade, da equilibração e da lateralização. Trata-se de uma contribuição polifatorial que envolve a relação inevitável com o outro e a dimensão geocêntrica da linguagem(...)”.15

A noção do corpo está no centro do sentimento de mais ou menos

disponibilidade e adaptação que temos de nosso corpo e está no centro da

relação entre o vivido e o universo. É nosso espelho afetivo-somático ante uma

imagem de nós mesmos, do outro e dos objetos.

De acordo com os estudos de Wallon, há três etapas da elaboração da

psicogênese do corpo próprio: a especular, a imaginária e a simbólica: num

primeiro momento, essa prova se situa no âmbito da especularidade: nenhuma

relação entre a imagem refletida e a imagem real; num segundo momento se

estabelece uma relação entre a imagem refletida e a imagem real e Wallon a

24

chama de etapa imaginária, que servirá de prelúdio à terceira etapa onde a

criança ascende a uma espécie de compreensão simbólica desse espaço

imaginário. Essas etapas evoluem conforme a idade através do espelho, que

guia as informações percebidas pela criança.

Neste conceito, observam-se: o sentido cinestésico, reconhecimento

direita-esquerda, auto-imagem (face), imitação de gestos e desenho do corpo.

e) Estruturação espaço-temporal

Esta organização é decorrente de duas outras organizações: da

lateralidade e da noção do corpo, já que é necessário primeiramente que se

organize o espaço interno para, depois, reverter esta organização para o

espaço externo.

O indivíduo precisa vivenciar o espaço que o rodeia para que hierarquias

sejam formadas no que se refere a relações e direções espaciais. Num

primeiro momento, a criança localiza-se a si própria, depois localiza os objetos

em relação a si e, por conseguinte, localiza cada objeto sem precisar da

referência corporal.

A estruturação espaço-temporal é um dado importante para uma

adaptação favorável do indivíduo. Ela permite-lhe não só movimentar-se e

reconhecer-se no espaço, mas também concatenar e dar seqüência aos seus

gestos, localizar as partes do seu corpo e situá-las no espaço, coordenar sua

atividade e organizar sua vida cotidiana.

a. o tempo: é, simultaneamente, duração, ordem e sucessão: a integração

desses três níveis é necessária à estruturação temporal do indivíduo. A

estruturação temporal faz-se na criança em duas etapas:

15 Ibid FONSECA, 1995.

25

- evolução das intuições da ordem e da duração no sentido da independência,

em relação à experiência vivida. Multiplicam-se os pontos de referência

temporais exteriores ao ato;

- período das operações formais, que permitem à criança julgar uma duração

por outra, e conceber finalmente um tempo homogêneo, critério de toda a

duração.

b. o espaço: toda nossa percepção do mundo é uma percepção espacial, na

qual o corpo é o termo de referência.

Além disso, o espaço e o tempo formam um todo indissociável: todo e

qualquer ato se desenrola num tempo e num espaço dados.

Desenvolvimento da percepção do espaço tem como referência os

trabalhos de PIAGET, que diz que durante o período das primeiras aquisições

(estágio sensório-motor (0-18 meses)), que se elabora o essencial das noções

espaciais.

- percepção fragmentada – até os quatro meses, a criança só tem acesso a

uma percepção fragmentada, sem relacionamento entre os espaços auditivos,

táteis e visuais.

- coordenação óculo-manual – a etapa da preensão, no desenvolvimento

psicomotor, correlaciona-se com o relacionamento das diferentes situações

espaciais dos objetos circundantes (dezoito meses).

- rumo à percepção projetiva do espaço – a passagem de um espaço

topológico a um espaço “euclidiano” é característica da integração das

estruturas espaciais. Isso é atestado pelo vocabulário da criança: alto, baixo,

perto, longe: antes, depois etc. constituem os conceitos da representação

espacial. São igualmente empregados a propósito do corpo próprio e, em

primeiro lugar, em referência de.

Ao se avaliar este fator psicomotor, observa-se:

26

- organização: refere-se ao cálculo de distâncias;

- estruturação dinâmica: memorizar seqüências visuais de estruturas simples;

- representação topográfica: realizar uma trajetória previamente estabelecida; e

- estruturação rítmica: memorização e reprodução de estruturas rítmicas.

f) Coordenação motora global e fina

A coordenação motora, como movimento coordenado, implica numa ação

conjunto e harmoniosa de nervos, músculos e órgãos com o fim de produzir

ações cinéticas equilibradas, precisas e reações adaptadas à situação.

No trabalho de coordenação, o equilíbrio tem um papel muito importante,

pois o aperfeiçoamento progressivo da realização motora da criança só será

mantido se esta for levada a sustentar um equilíbrio corporal seja em estado de

relaxamento ou movimento.

Ter consciência do corpo é de extrema importância para a execução e o

controle de movimentos precisos que serão executados. A coordenação motora

global pode se dar tanto em posição estática (em repouso), quanto em posição

dinâmica (em movimento). E a coordenação motora fina se dá de forma

segmentar, exige precisão nos movimentos para a realização das tarefas

complexas.

A partir destes dois tipos de coordenação citados acima, outros três são

desenvolvidos: a coordenação visomotora, que é a habilidade de coordenar a

visão com movimentos do corpo, a audiomotora, que é a capacidade de

transformar em movimentos um comando sensibilizado pelo aparelho auditivo e

a facial, responsável pela fala, sucção, mastigação, deglutição e, inclusive, os

olhos; é o primeiro e mais importante modo de comunicação interpessoal.

Ao avaliarmos a coordenação motora global, observa-se:

27

- coordenação oculomanual: coordenação entre referências visuais e

movimentos manuais;

- coordenação oculopedal: coordenação entre referências visuais e

movimentos pedais;

- dismetria: realização dispráxica do movimento por inadaptação visuoespacial

e visuoquinestésica; e

- dissociação: capacidade de realizar movimentos corporais individualmente.

E no fator coordenação motora fina, observa-se:

- coordenação dinâmica manual: destralidade biamnual e agilidade digital;

- tamborilar: dissociação digital em seqüência; e

- velocidade-precisão: movimentos rápidos e precisos de objetos.

28

g) Ritmo

Considerado por alguns um conceito psicomotor, para outros apenas uma

importante etapa do desenvolvimento infantil que está intimamente ligada à

noção espaço-temporal, o ritmo é um importante fator na aquisição da atenção

e concentração, pois obriga a criança a seguir uma cadência determinada. É

uma dimensão fundamental da reeducação psicomotora, e que integra o

espaço e o tempo a fim de estruturar a ação.

Pode ser subdividido em: ritmo motor, que está ligado ao movimento do

organismo, ritmo auditivo, presente na dança, música etc, e ritmo visual,

utilizado principalmente na exploração de um determinado ambiente.

Este conceito está presente quando citamos o desenvolvimento da leitura

e da escrita, já que é necessário um certo ritmo na movimentação das mãos

para escrever(o ritmo em ação no traçado, que depende do ritmo do próprio

corpo, lê-se na rapidez, brevidade ou alongamento dos traços, leves ou

carregados), bem como na leitura. É o fator de estruturação temporal que

sustenta a adaptação ao tempo.

A partir destes fatores forma-se o esquema e a imagem corporais. O

esquema corporal envolve a formação do “eu”, da personalidade da criança,

tomando consciência do corpo e das possibilidades de expressar-se por meio

desse corpo. Seu desenvolvimento se dá por meio da apreensão da imagem

do corpo no espelho, etapa em que a criança começa a perceber e fixar os

traços e identidades diferentes que observou bem como a unir os fragmentos

de seu corpo, e pela exploração e reconhecimento do próprio corpo, esta etapa

pode ser observada pelo desenho de si numa folha de papel: o corpo humano

será representado de acordo com o nível de amadurecimento e o

posicionamento do esquema corporal. Essa progressão é cronológica e foi

descrita por Goodenough. Por volta dos três anos, o desenho apresenta-se sob

a forma clássica do “homenzinho cabeçudo”; depois, a criança adiciona-lhe

29

outros elementos, até o desenho ficar completo, por volta dos onze/doze anos.

A integração do seu próprio corpo e a percepção cada vez mais exata do

mundo exterior estão implicadas, portanto, nessa representação.

Enquanto o esquema corporal se implanta e evolui sobre a maturação do

conjunto neuro-músuculo-esquelético, a imagem corporal tem seu

amadurecimento constante, ou seja, inicia-se quando bebê e vai até a morte.

A imagem corporal diz respeito à percepção e sentimento que o indivíduo

tem de seu próprio corpo, sendo o resultado de tudo aquilo que foi vivido (o

conjunto de sensações sinestésicas construídas pelos sentidos (audição, visão,

tato, paladar)). É a partir da descoberta da imagem corporal que se dará início

ao trabalho do esquema corporal. Um fato importante e que na pode ser

esquecido é que a importância da imagem corporal não está limitada a

imagens visuais, mas como fruto da absorção de experiências vividas.

A imagem corporal se desenvolve desde o nascimento até a morte, dentro

de uma estrutura complexa e subjetiva, sofrendo modificações que implicam na

construção contínua, e reconstrução incessante, resultante do processamento

de estímulos.

Todas as noções mencionadas anteriormente são extremamente

importantes para a noção de eixo corporal – completa aos seis anos de idade.

Seu desenvolvimento se dá em conjunto com alguns conceitos ou à frente de

outros, mas em todos os casos ter como referência o próprio corpo implica

dizer que o indivíduo tem o eixo corporal bem desenvolvido, sendo este o

centro integrador do corpo, do movimento.

30

CAPÍTULO III

TRANSTORNOS RELATIVOS AO EIXO E À

FONOAUDIOLOGIA

“No que se refere à imagem da criança instável, essa se mostra através de um desejo de se fazer notar, de se mostrar interessante, inconsciente, ela busca atrair o olhar do Outro”.

(Jean Bergés)

3.1 Os distúrbios psicomotores

Os distúrbios psicomotores podem ser divididos de dois modos16:

- quanto a sua organização; e

- quanto a manifestações clínicas, distúrbios ou síndromes psicomotoras.

Em psicomotricidade, a organização psicomotora de um indivíduo implica

este estar em seu nível de maturação esperado para sua idade e tendo um

desenvolvimento harmonioso tanto no aspecto motor quanto sensorial. Para

que a criança alcance este desenvolvimento, estruturas neuropsicológicas e

biológicas alcançaram um certo grau de organização, bem como de

funcionamento, para que as funções a serem adquiridas ou previamente

adquiridas permaneçam e se estabilizem. E para que esta situação ocorra, é

fundamental uma boa relação como o mundo exterior.

A importância do meio ambiente na vida da criança está relacionada com

a manipulação e exploração que esta faz, ou seja, se a criança tem uma

liberdade maior de locomoção, seu desenvolvimento será melhor do que

aquela que não pode, levando-se em conta, neste exemplo, duas crianças ditas

normais com relação ao tônus postural.

16 BERGÉS, J. 1984. p.51.

31

As síndromes psicomotoras originam-se pelas condições da experiência

motora e emocional. Manifestam-se no modo em que o indivíduo relaciona seu

movimento e psiquismo. A paratonia é um exemplo: tem como definição

incapacidade à descontração muscular, dificultando o relaxamento: há uma

resistência do corpo em realizar movimentos, podendo haver, inclusive

bloqueios respiratórios. É o inverso da função motora, onde a criança consegue

controlar seus movimentos.

Portanto, pode-se dizer que:

“O distúrbio psicomotor não é uma questão apenas de motricidade, mas também psíquica. Aqui, o corpo é visto como um ‘receptáculo’, um lugar de inscrição do Outro. Esse Outro se denomina geralmente aquele que serve de fio condutor, que introduz esse corpo no universo simbólico. A criança portadora da instabilidade psicomotora não consegue metaforizar seu corpo, representá-lo simbolicamente, ficando atrelado ao desejo e aos demandos do Outro”.17

3.2 Alterações fonoaudiológicas

Os distúrbios psicomotores podem provocar, também, desarmonias e falta

de flexibilidade em nível de reconhecimento do eixo corporal. Estas levam a

desarmonias de cabeça e pescoço, as quais também desarmonizam língua e

mandíbula.

A postura do pescoço está determinada pelos pés, joelhos, eixo corporal e

equilíbrio da cintura e dos ombros. O pescoço necessita estar alinhado com a

coluna, sem estar caído para frente e muito menos para trás, mas sim

perfeitamente equilibrado dentro do eixo corporal. Se o pescoço estiver

alongado para cima, o trato laríngeo também estará alongado, passando a

trabalhar em condições precárias; se estiver enterrado no peito, igualmente o

17 BERGÉS, J. 1984. p.53.

32

trato vocal se vê aprisionado e sem possibilidade de realizar seus movimentos

específicos.

Na região de cabeça e pescoço encontram-se os órgãos

fonoarticulatórios, que fazem parte do eixo anterior. Tanto mais

superficialmente, ao nível do pilar hio-esterno-abdominal, quanto mais

profundamente, ao nível das cadeias músculo-aponeuróticas até o nível do

diafragma. Portanto, conclui-se que alterações posturais provocam alterações

no eixo anterior afetando o funcionamento dos órgãos fonoarticulatórios, e

assim, modificam os sistemas funcionais da deglutição, sucção, respiração,

mastigação, fala, fonação, digestão e do próprio sistema postural:

- postura de cabeça elevada: hióide e laringe passam para uma posição mais

superior, prejudicando, aspectos de motricidade como articulação e deglutição,

bem como a respiração, a voz e a dicção. O músculo digástrico (feixe anterior)

estará mais tenso, haverá compressão do espaço funcional cervical, podendo

afetar a percepção, pois prejudica as análises das coordenadas viso-espaciais;

- postura de cabeça abaixada: o feixe posterior do digástrico estará tensionado,

havendo também distensão do espaço funcional cervical, alterando os mesmos

aspectos mencionados no item anterior.

Portanto, alterações no eixo corporal comprometem a motricidade oral e a

voz, afetando desse modo o perfeito aprendizado do indivíduo. Linguagem e

audição serão citadas por estarem comprometidas em sua psicomotricidade,

não tendo relação com desvios no eixo.

33

a) Motricidade oral

Eixo corporal e motricidade oral são dois aspectos interligados

porque alterações na postura da cabeça e do pescoço acarretam uma

desarmonia entre eixo corporal e o geocentrismo, sendo o inverso também

verdadeiro.

São diversos os distúrbios relacionados à motricidade oral.

Contudo, focar-se-á em três patologias:

- Respiração oral: é a realização da respiração via cavidade oral, sem que o

nariz participe desta ação.

A posição anômala da cabeça e do pescoço faz com que o todo o corpo

acompanhe, sendo observadas pela região das omoplatas elevada e a parte

anterior do tórax deprimida. Por este motivo, há um grande comprometimento

muscular, fazendo com que o indivíduo passe a realizar ciclos respiratórios

mais rápidos e curtos criando, inclusive, uma deficiência de oxigenação. Neste

processo, a ação do diafragma é pequena, levando-o ao relaxamento, o

mesmo acontecendo com o músculo reto-abdominal, que associado à ingestão

constante de ar, leva a criança respiradora bucal a ter uma “barriguinha”.18

- Dislalia: consiste na má articulação das palavras, seja omitindo ou

acrescentando fonemas, invertendo um pelo outro, ou ainda distorcendo

fonemas.

A diminuição de oxigenação afeta também a atenção, afetando desse

modo a percepção. Sendo assim, o indivíduo não consegue emitir

adequadamente um fonema por não conseguir perceber o ponto articulatório

correto, caso da dislalia.

- Deglutição atípica: a deglutição é um mecanismo de ações musculares onde

todos os músculos relacionados com a cavidade oral entram em jogo. Quando

esta sinergia é quebrada podem ocorrer várias anomalias no processo e assim

aparece a deglutição atípica, com interposição lingual ou labial, participação da

18 Vide figura 4 em Anexos.

34

musculatura perioral e sopro em lugar da sucção. Normalmente há uma

respiração oral, em vez da respiração nasal.

Uma má postura leva, também, a alterações no plano oclusal, podendo

levar o indivíduo a adquirir uma deglutição atípica ou uma dislalia19. A

mandíbula tem grande influência no posicionamento do eixo corporal, pois a ele

estão atrelados a musculatura hióidea, o osso hióide e a laringe e, portanto, o

fonoaudiólogo deve estar ciente que qualquer alteração no plano oclusal levará

a uma possível adaptação na postura corporal.

b) Voz

Alterações nesta área têm a mesma origem das aquelas apontadas no

item de motricidade oral, já que os órgãos fonoarticulatórios também são

responsáveis pela fonação.

Pacientes disfônicos apresentam regiões de tensão que devem ser

observadas pelo fonoaudiólogo. As mais freqüentes são:

- cintura escapular: é a região onde mais se observa tensão nos pacientes com

este quadro. Inclinações, anteriorizações ou posteriorizações da cabeça podem

ser observados, levando a anteriorização, levantamento ou abaixamento

excessivo dos ombros, obrigando as estruturas do aparelho fonador a

buscarem compensações;

- face: por ser a parte mais exposta do corpo quando o tem em questão é a

fonação, regiões de tensão na mandíbula e boca são percebidas, como se o

indivíduo quisesse disfarçar sua disfonia;

- peito e costa: observa-se tensão, expansão ou contração na região do peito, e

aumento da massa muscular e desvios na coluna.

Qualquer alteração observada pelo terapeuta se deve às compensações

que o indivíduo faz para poder se comunicar melhor. Um bom exemplo de

35

disfonia que pode ser provocada por um desvio no eixo são os nódulos: um

mau posicionamento laríngeo pode fazer com que as pregas vocais

movimentem-se inadequadamente, provocando um certo atrito e, assim,

desenvolvendo os nódulos.

c) Linguagem

Neste subitem, as patologias não são correlacionadas a alterações do

eixo corporal. Entretanto, se faz necessário apresentá-las, já que nelas há um

distúrbio psicomotor.

De acordo com NASCIMENTO e MACHADO20, uma criança com distúrbio

psicomotor apresenta:

- deficiência na formação de conceitos;

- falhas de percepção (na discriminação de tamanho, na orientação espaço-

temporal, no esquema corporal, na discriminação figura-fundo e na gestalt);

- atraso nos níveis de desenvolvimento motor (sentar, engatinhar e andar);

- alteração no processo do pensamento (dificuldades no pensamento abstrato e

pensamento desorganizado);

- memória pobre;

- atenção deficiente.

Estes fatores, isoladamente ou em conjunto, tem como

conseqüência dificuldades de aquisição da linguagem, tanto na modalidade oral

quanto na escrita. Isso porque as funções mentais superiores atenção,

percepção e memória são dependentes de um bom desenvolvimento

psicomotor, ou seja, não havendo uma boa postura de cabeça, a criança não

conseguirá manter atenção para o que está acontecendo em sua volta e, com

isso, não conseguirá perceber, por exemplo, como são produzidos os fonemas,

19 Vide figura 5 em Anexos. 20 Nascimento e Machado, 1986. p.3.

36

não irá memorizá-los e, portanto, não adquire a linguagem na modalidade oral,

ou esta acontecerá de forma “deturpada”. Por conseguinte, a língua escrita

também não terá um bom desenvolvimento, já que é necessário que a criança

tenha noção correta do fonema para que possa transpô-lo para grafema,

produzindo a escrita.

- Disgrafia: alteração na forma da letra da mesma podendo haver transtornos

no tamanho e na forma das letras etc.

As principais dificuldades apresentadas por indivíduos disgráficos são

dificuldades de organização espaço-temporal, força exagerada durante o ato

de escrita (câimbra dos escritores), letra não-uniforme, harmonia do

movimento. Nestes casos, o terapeuta deve investigar, também, quanto a

lateralidade, esquema corporal etc. que podem estar vinculados àquelas

alterações.

- Gagueira: “transtorno da fluência verbal que pode apresentar como

característica a repetição de sílabas, o bloqueio da palavra, a imobilização pré-

fonatória, e até mesmo um comportamento associado ao seu discurso

verbal”.21

Em grande parte dos casos, a relação do indivíduo com o meio em que

vive está alterado, bem como sua imagem corporal. Não há vontade para

comunicar-se, expressando-se de maneira tímida, pois sua gagueira o

incomoda: para o indivíduo gago, sua gagueira é como um organismo que está

sempre ao seu lado, impedindo-o de se relacionar com os outros.

Mas há também aqueles que não percebem sua gagueira. Seu olhar não

se vê, não percebe os movimentos que seu corpo realiza em quanto fala, a

qual “flui” em um ritmo que é seu, assim como cada pessoa tem o seu ritmo de

falar.

Nesses dois casos, o gago deve perceber que seu esquema e imagem

corporais, sua respiração e seu relaxamento corpóreo, sua organização de

pensamento e espaço-temporal estão alteradas.

21 NAGIB, Leila, 2002. p.57.

37

Alterações de linguagem, como as citadas acima, tem sua gênese na

relação que o corpo tem com o mundo que o rodeia. É através do corpo que o

indivíduo expressa seus sentimentos.

Apesar de a surdez ser uma patologia auditiva, será abordada neste

tópico porque todo o prejuízo do indivíduo é refletido na linguagem do mesmo.

Também não está relacionada às alterações do eixo, mas, como no item

anterior, há distúrbios psicomotores no indivíduo surdo.

A surdez é um importante aspecto na relação do indivíduo com o mundo.

Quando uma criança nasce surda (a mãe contraiu rubéola durante os três

primeiros meses de gravidez, por exemplo) ou a adquire por causa de uma

doença (meningite, por exemplo), todo o seu desenvolvimento será

prejudicado, isto porque não haverá aquisição de linguagem, responsável pelo

desenvolvimento cognitivo-lingüístico da criança.

A audição é uma das grandes responsáveis pela integração do indivíduo

no meio. O desenvolvimento de uma pessoa ocorre pela interação com o outro

através da fala – fala socializada (função interpessoal). Com o passar do

tempo, a criança percebe que não precisa mais do adulto para resolver seus

problemas, e continua a falar, mas agora ela organiza seu próprio

comportamento, falando enquanto age – fala egocêntrica (função intrapessoal).

Esta fala, com o passar do tempo, vai se dirigindo em direção ao início da ação

até que é internalizada, e a criança pára de falar para poder realizar a ação

desejada.

A partir do que foi dito anteriormente, a fala ajuda a criança a controlar o

ambiente e seu próprio comportamento. Nas crianças surdas, isto não

acontece. Seu comportamento é agitado, não consegue focar atenção em um

determinado objeto, e assim, não consegue perceber o que é mais relevante e,

por conseguinte, não aprende, pois o processo de memorização não ocorre,

não havendo, portanto o aprendizado.

38

d) Audição

Quando há referência à parte audiológica do indivíduo na fonoaudiologia,

esta se dá pela avaliação auditiva, bem como prevenção, diagnóstico e

indicação do uso e da seleção de aparelhos auditivos.

Sendo assim, não há patologias auditivas referentes a quaisquer

distúrbios relacionados ao eixo e nem à psicomotricidade.

Não se pode esquecer, portanto, que qualquer patologia que um indivíduo

apresente não está focado somente no local onde o sintoma está presente.

Temos que ter em mente que a alteração pertence a um corpo, a um indivíduo,

e este importante fato nunca pode ser esquecido.

39

CAPÍTULO IV

TERAPIA DE EIXO CORPORAL

CAPÍTULO IV

TERAPIA DE EIXO CORPORAL

“(...) tão-somente a terapêutica oromiofuncional visando uma deglutição saudável traz risco de uma recidiva da problemática, podendo até mesmo diante de excelente prognóstico, ou até não atingir o sucesso esperado. A reeducação psicomotora que leve em consideração o ser em sua totalidade e a terapêutica mencionada, constituem a visão sistêmica desse tratamento fonoaudiológico”.22

4.1 Avaliação e encaminhamentos

Para que a terapia de eixo corporal seja bem-sucedida, é necessário que

o terapeuta realize uma boa avaliação, observando o indivíduo em posição

estática, o qual se inicia durante a anamnese, e em posição dinâmica, através

da realização de movimentos com o corpo, que devem englobar a mobilização

da coluna.

Os exercícios que são utilizados em terapia podem ser utilizados

também no processo de avaliação, pois quando são mal realizados ou até

mesmo não há sua realização, indicam um conhecimento pobre acerca de

seu corpo e, portanto, sua somatognosia encontra-se prejudicada.

Nesta etapa, há o registro do trabalho através de fotos do cliente. Estas

fotos, além de comprovar alguma alteração, são uma comprovação de melhora

do paciente ao comparar o antes e o depois numa segunda avaliação.

Filmagem e desenho da figura humana também são utilizados.

22 SANTOS, Gladis, 2002, p. 97.

40

Caso a alteração de eixo esteja além das possibilidades de intervenção

do terapeuta, encaminhamentos devem ser realizados, principalmente para um

ortopedista e um fisioterapeuta.

“É preciso de um diagnóstico diferencial claro o suficiente para delimitarmos a reeducação psicomotora. Diante de comprometimentos ósteo-musculares, de ordem neurológica ou não, e de estados patológicos na coluna vertebral, devemos seguir orientações do médico que acompanha o caso. E sabermos, de antemão, que encontraremos limitações, não impedimentos, para esse trabalho. A intervenção fisioterápica pode ser benéfica, e, esta sim, realizar o ‘ajustamento postural’ “.23

4.2 Terapia

Antes de iniciarmos com alguns exemplos de terapias visando a

reeducação postural, faz se necessário esclarecer as diferenças entre os

termos educação, reeducação e terapia psicomotoras:

- educação psicomotora: seu olhar está voltado para a formação de base da

criança, se dá basicamente pelo brincar e é desenvolvido na pré-escola e na

escola. O terapeuta tem papel de formador, ou seja, é o agente facilitador do

desenvolvimento psicomotor pelo movimento;

- reeducação psicomotora: seu olhar está voltado para o sintoma (déficit

psicomotor), ocorre pelo treino para que se reestabeleça a função através do

movimento do corpo;

- terapia psicomotora: seu olhar está voltado para o movimento que revela o

distúrbio de desenvolvimento, a terapêutica se desenvolve pelo movimento

livre, espontâneo, muitas vezes no brincar. O terapeuta tem a função, junto

com a criança, de elaborar e resignificar a expressão de fantasmas, emoções,

simbolismos pelo movimento.

23 SANTOS, Gladis, 2002, p. 100.

41

Portanto, o terapeuta nos casos de desvios do eixo corporal tem o papel

de reeducador, pois trabalhará com a movimentação do corpo para que este

retome seu lugar no espaço.

Quando se nota algum distúrbio voltado para o eixo corporal, deve-se

iniciar a terapia o mais rápido possível. Vários autores escreveram sobre

terapia de eixo corporal, dando dicas de atividades de conscientização

utilizando objetos ou apenas o corpo do indivíduo, mas sempre utilizando o

movimento como objeto principal de trabalho.

“O objetivo central da educação pelo movimento é contribuir ao desenvolvimento psicomotor da criança, de quem depende, ao mesmo tempo, a evolução de sua personalidade e o sucesso escolar”.24

Para NASCIMENTO e MACHADO, os transtornos relacionados à linguagem

estão relacionados a um mau desenvolvimento da psicomotricidade da criança,

já que o desenvolvimento psicomotor evolui paralelamente ao desenvolvimento

mental. Por esse motivo, é imprescindível combinar a terapia de linguagem

com a terapia psicomotora: “(...) é de capital importância para a linguagem o

desenvolvimento harmonioso da psicomotricidade”.25

Seus estudos estão voltados para o desenvolvimento das aprendizagens

escolares, sendo assim ocorre a combinação de elementos de aprendizagem

escolar, como plural, gênero, adjetivos etc. com as atividades psicomotoras

propostas pelas autoras. Elas utilizam cartões com desenhos no início de sua

proposta terapêutica, passando logo a seguir para as atividades com o corpo,

utilizando pesos dentre outros objetos para esta fase da terapia. Não podemos

deixar de ressaltar que, para elas, as atividades não têm o intuito de corrigir a

fala, mas de desenvolver a linguagem, já que todos aqueles com atraso

psicomotor apresentam também atraso de linguagem.

24 LE BOULCH, J., 1988, p. 15.

42

Pode-se notar em seu trabalho duas características importantes: o

desenvolvimento da linguagem, fato observado pela verbalização das

atividades propostas e vividas pelo paciente, e o relacionamento entre

terapeuta e paciente, que se dá por meio da troca afetiva.

Nesta proposta terapêutica, temos a ludicidade como meio muito

importante para a realização das atividades, pois fará com que o paciente

aceite-a sem restrições, participando com prazer das atividades propostas.

Entretanto para LE BOULCH, deve-se trabalhar no sentido de devolver a

mobilidade normal às vértebras, partindo do relaxamento voluntário, contudo

não há utilização de nenhum objeto para tal procedimento.

Sua proposta terapêutica se dá exclusivamente pelo movimento em

algumas posições: em quatro apoios, em decúbito dorsal e ventral, e em pé.

Em todas essas posições, o eixo movimenta-se, realizando movimentos de

torção, endireitamento e enrolamento. No início, o terapeuta deve auxiliar o

paciente sempre que este apresentar dificuldades em realizar os movimentos

propostos, depois apenas observar o indivíduo.

É importante frisar que cada profissional deve seguir do modo que achar

mais conveniente, ou seja, não é necessário seguir a mesma ordem proposta

pelo autor em questão. Ele relaciona as atividades naquela ordem alegando

que há uma dificuldade maior de percepção dos movimentos estando em pé ou

sentado, do que em posição de quatro apoios.

Segundo SANTOS, será somente a partir da reorganização que o indivíduo

se conscientizará da gama de ações que pode ser realizada. Para a autora, o

25 NASCIMENTO e MACHADO, 1986, p.17.

43

diferencial desta proposta está no uso da palavra pelo terapeuta, pois articulará

o intelecto, a emoção e o corpo, sendo somente desse modo que o paciente

compreenderá seu funcionamento corporal e, após algumas sessões,

conseguirá a autonomia desejada de suas ações: o que antes era realizado

com o auxílio do terapeuta, passa a ser reconstruído internamente.

Quando o autor organizou os exercícios psicomotores que propõe, seu

objetivo era o de informar aos profissionais da educação que a educação

psicomotora deveria fazer parte da vida escolar da criança desde o momento

que esta entrasse na escola. Para ele, sem as noções psicomotoras, a criança

não consegue aprender e permite prevenir inadaptações anteriormente

estruturadas e as quais se tornam mais difíceis de serem reestabelecidas.

Mais especificamente, os exercícios de mobilização da coluna vertebral

têm o intuito de, através da atenção perceptiva, conscientizar o indivíduo de

seu corpo próprio, levando, assim, a uma representação mental, ou seja, a

imagem do corpo torna-se um referencial cognitivo, servindo, desse modo, à

estruturação espaço-temporal.

Na visão de SABOYA e REICH, um bom terapeuta psicomotor deve

conhecer primordialmente o desenvolvimento da criança, saber avaliar, agregar

os dados das avaliações realizadas para, então, preparar um plano terapêutico

adequado ao caso, abordando todos os pontos importantes apresentados pelo

paciente: sendo a base do plano os talentos do indivíduo, pois será a partir

destas informações que o terapeuta trabalhará suas dificuldades.

Seus trabalhos consistem em avaliar o paciente em posição estática e

dinâmica. Havendo alguma alteração no eixo em posição estática, encaminha-

se o paciente para a fisioterapia. Contudo, se o paciente não puder comparecer

às duas terapias, seja por motivo de horário ou financeiro, elege-se aquela que

44

for mais importante para o indivíduo naquele momento. E, de acordo com

sistema utilizado no serviço público canadense, utiliza-se o método de

supervisão terapêutica, isto é, aquele terapeuta não eleito, supervisionará o

colega uma vez por mês, observando o paciente em conjunto, guiando suas

terapias e dando-lhe dicas do que fazer em sua área.

Para SABOYA e REICH, não existem exercícios únicos para determinada

patologia, já que cada indivíduo é único e, mesmo que duas pessoas possuam

a mesma patologia, os exercícios que são utilizados em uma, podem não servir

para a outra. Por este motivo, a criatividade deve fluir em todo momento,

criando-se novos exercícios, tendo sempre como base aqueles padronizados.

A autora segue alguns passos em sua terapia:26

1o. consciência das habilidades e dificuldades funcionais;

2o. correção e harmonização das funções inadequadas no nível voluntário; e

3o. automatização das funções adquiridas.

Alguns hábitos mentais que caracterizam a expertise terapêutica, segundo

a autora, são: ser sensível ao feedback, procurar a precisão e a exatidão,

persistir mesmo quando as respostas e soluções não estão presentes,

enxergar as situações de forma inconvencional e evitar a impulsividade.27

De acordo com SABOYA e REICH, a terapia deve abordar uma habilidade

de cada vez e depois deve tentar juntá-las:

26 SABOYA, Beatriz e REICH, Angela, 2001. 27 Ibid SABOYA e REICH, 2001.

45

1o. centre na respiração;

2o. centre no eixo;

3o. centre no sensorial;

4o. centre no músculo; e

5o. centre no ponto de contato correto vegetativo ou articulatório.

e depois... Tudo ao mesmo tempo: articular uma palavra, uma boa postura

com uma boa respiração.28

Antes, em patologias orofaciais focava-se apenas na boca para resolver

aquele determinado problema, levando a terapia alguns meses para terminar.

Hoje, com a visão holística da psicomotricidade, a terapia caminha mais rápida,

pois atua no todo, no local de onde “brota” a alteração.

“Uma função motora adequada com ponto correto de articulação depende de uma boa sensibilidade e da adequada percepção topognósica – LOGO – trabalhar esta percepção vai ajudar na realização do movimento correto no ponto exato”.29

Uma ajuda importante para este e outros trabalhos psicomotores é o uso

da palavra orientadora, que são: ordem verbal, modelo visual e apoio corporal.

Porém, quando o paciente está internalizando um movimento, para auxiliá-lo

neste processo, devemos lançar mão da palavra orientadora que ele se

beneficia. E neste caso deve-se pesquisar junto com o paciente aquela

estratégia ou benefício que fará com que ele consiga resultados mais

satisfatórios de acordo com a meta proposta e de acordo com os parâmetros

por ele constituídos, sempre verificando a adequação do parâmetro com a

realidade da tarefa.

28 Ibid SABOYA e REICH, 2001.

46

Os exercícios dos autores citados se complementam, ou seja, o terapeuta

poderá escolher aqueles que precisar, dependendo de cada caso.

Portanto, conclui-se que a terapia a ser desenvolvida com o paciente deve

ser integrada ao sistema postural, já que as alterações do sistema

estomatognático acarretam desvios na coluna cervical, e vice-versa. Com isso,

o equilíbrio do corpo fica comprometido e, então, uma nova postura do eixo

corporal será realizada para que consiga manter-se ereto e obedecer ao

geocentrismo.

29 Ibid SABOYA e REICH, 2001.

47

CONCLUSÃO

A partir dos aspectos mencionados, a terapia das diversas patologias

fonoaudiológicas por meio da reeducação do eixo corporal através da

psicomotricidade é de extrema importância para o tratamento de indivíduos que

apresentam aquele tipo de alteração psicomotora.

Contudo, não podemos esquecer que a psicomotricidade deve estar

presente também naquelas patologias onde o transtorno postural não é

observado.

Portanto, faz-se necessário que o fonoaudiólogo tenha essa visão

holística, para que seu paciente ou cliente não seja visto como apenas um

sintoma, e sim como um indivíduo que apresenta tal distúrbio, para que não

recidivas não ocorram e a melhora seja completa.

48

ANEXOS

Do 1o ao 2o mês

Do 2o ao 4o mês

Do 4o ao 6 o mês

Do 6o ao 8o mês

Do 8o ao 12o mês

Do 12o ao 14o mês

Figura 1 – as setas indicam a movimentação realizada pela criança.

49

Figura 2

Figura 3

50

Figura 4

Figura 5 - está relacionada ao aspecto oclusal do indivíduo, enfatizando através das setas os locais que se encontram fora do eixo.

51

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA

- BEHLAU, Mara e PONTES, Paulo. Avaliação e tratamento das disfonias. São

Paulo: Lovise, 1995.

- BERGÉS, J. “Os distúrbios da organização psicomotora” in Revista do Corpo

e da Linguagem, v.1, no 2, nov 1982. Rio de Janeiro: Editora Icobé. p. 51-56.

- Clínica Odontológica Dr. Rafael Ferreira. <www. drrafaelferreira.blogger.com.

br>, outubro de 2004.

- LA TAILLE, Yves de., OLIVEIRA, Marta K. de., DANTAS, Heloysa. Piaget,

Vygotsky e Wallon – teorias psicogenéticas em discussão. São Paulo:

Summus editorial, 1992.

- LEVIN, Esteban. A clínica psicomotora – o corpo na linguagem. 5a ed.

Petrópolis:Vozes, 2003.

- GILMAN, Sid e WINAMS, Sarah S. “Propriocepção e estereognosia” in

Elementos fundamentais de neuroanatomia e neurofisiologia. 6a ed. Rio de

Janeiro: Manole, 1984.

- LE BOULCH, J. Educação psicomotora – a psicocinética na idade escolar. 2a

ed. Porto Alegre: Artmed, 1988.

- MATURANA, Leonardo. “Imagem Corporal: noções e definições” in

Efdeportes – Revista Digital. <www.efdeportes.com>, abril de 2004.

- NAGIB, Leila. “O fluir psicomotor” in Psicomotricidade clínica. São Paulo:

Lovise, 2002. p.57-63.

52

- NASCIMENTO, Lucia S. e MACHADO, Maria Teresinha C. Psicomotricidade e

Aprendizagem. Rio de Janeiro: Enelivros, 1986.

- PAVÃO, Vânia. “Postura, respiração e voz” in Voz. Diversos enfoques em

Fonoaudiologia. Rio de Janeiro: Revinter. p. 111-123.

- PIRET, S., BÉZIERS, M. M. A coordenação motora – aspecto mecânico da

organização psicomotora do homem. São Paulo: Summus, 1992.

- ROCHA, Mônica. A especificidade da psicomotricidade: a busca de um

paradigma. Dissertação de Mestrado. Rio de Janeiro:UNESA, 1999.

- SABOYA, Beatriz. Bases psicomotoras – aspectos neuropsicomotores e

relacionais no primeiro ano de vida. Rio de Janeiro: Trainel Produções

Culturais e Editoriais Ltda, 1995.

- ________. “A importância do eixo na visão dos distúrbios oro-mio-funcionais –

um enfoque integrador” in Sistema sensório-motor oral: perspectivas de

avaliação e terapia. São Paulo: EDUC, 1987. p.22-57.

- SABOYA, Beatriz e REICH, Angela S.. O eixo e as funções orofaciais: Manual

prático para as disfunções – Teoria e clínica. Rio de Janeiro: Revinter, 2001.

- SANTOS, Gladis. “Eixo corporal e deglutição” in Imagem e esquema corporal

– uma visão transdisciplinar. São Paulo: Lovise, 2002. p. 93-102.

53

ÍNDICE

AGRADECIMENTOS ........................................................................................3

DEDICATÓRIA..................................................................................................4

EPÍGRAFE........................................................................................................5

RESUMO ..........................................................................................................6

METODOLOGIA ...............................................................................................7

SUMÁRIO .........................................................................................................8

INTRODUÇÃO..................................................................................................9

CAPÍTULO I - A MECÂNICA DO EIXO CORPORAL......................................10

1.1 – Desenvolvimento do eixo corporal......................................................11

1.2 – Bases da coordenação do eixo corporal.............................................14

CAPÍTULO II - A PSICOMOTRICIDADE ........................................................16

2.1 – Breve histórico....................................................................................17

2.2 – Os conceitos psicomotores.................................................................19

a) Tonicidade ...........................................................................................19

b) Equilíbrio..............................................................................................21

c) Lateralidade .........................................................................................22

d) Noção do corpo ...................................................................................23

e) Estruturação espaço-temporal.............................................................24

f) Coordenação motora global e fina........................................................26

g) Ritmo ...................................................................................................28

CAPÍTULO III - TRANSTORNOS RELATIVOS AO

EIXO E A FONOAUDIOLOGIA ..............................................30

3.1 Os distúrbios psicomotores ...................................................................30

3.2 Alterações fonoaudiológicas..................................................................31

a) Motricidade oral ...................................................................................33

b) Voz.......................................................................................................34

c) Linguagem ...........................................................................................35

d) Audição................................................................................................38

CAPÍTULO IV - TERAPIA DE EIXO CORPORAL...........................................39

4.1 Avaliação e encaminhamentos..............................................................39

54

4.2 Terapia ..................................................................................................40

CONCLUSÃO .................................................................................................47

ANEXOS .........................................................................................................48

BIBLIOGRAFIA CONSULTADA......................................................................51

ÍNDICE............................................................................................................53

FOLHA DE AVALIAÇÃO.................................................................................55

55

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes

Título da Monografia: Eixo Corporal e Fonoaudiologia

Autor: Fernanda Silva Ferreira

Data da entrega: 09/04/2005

Avaliado por: Fabiane Muniz Conceito: _____