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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” INSTITUTO A VEZ DO MESTRE LEI 10.639/03 E O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL Por: Lygia de Oliveira Fernandes Orientadora Profª Geni Lima Rio de Janeiro 2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

LEI 10.639/03 E O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL

Por: Lygia de Oliveira Fernandes

Orientadora

Profª Geni Lima

Rio de Janeiro

2010

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

LEI 10.639/03 E O PAPEL DO ORIENTADOR EDUCACIONAL

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em Orientação

Educacional e Pedagógica

Por: . Lygia de Oliveira Fernandes

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AGRADECIMENTOS

Agradeço aos meus pais pelo apoio, aos amigos o incentivo. Ao meu amor sou

grata pela paciência e compreensão, e ao meu Deus, força da natureza, sou

sempre e eternamente agradecida pela proteção, zelo, força e energia. Ao

AXÈ que me movimenta só posso dizer obrigada.

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DEDICATÓRIA

às crianças, negras em especial, que

passeiam pelo chão da escola e plantam

por nele seus sonhos e esperanças

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RESUMO

Esta pesquisa se propõe a investigar a problemática racial no contexto escolar.

A partir da sanção da Lei 10.639/03, que torna obrigatório o ensino de História

da África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira

e o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do

Brasil analisada aqui como uma conquista dos Movimentos Negros brasileiros

e dos negros, em particular, bem como da sociedade mais ampla, inicia-se um

questionamento sobre o papel do orientador na implementação da referida lei e

nas práticas exercidas no cotidiano escolar. Ciente da importância da inclusão

dos conteúdos acima citados nos currículos escolares, o presente trabalho

limitar –se –á as estratégias que podem ser adotadas o orientador para

desenvolver o tema dentro dos muros da escola.

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METODOLOGIA

Por meio da pesquisa bibliográfica o presente trabalho tenta apresentar

um panorama geral sobre a problemática racial no âmbito da Educação. A

população negra que constitui a maioria, se não quase, da população brasileira

analisada em vários momentos como marginal, aqui será examinada como

protagonista, pois através da promulgação da lei que altera a Lei no 9.394, de

20 de dezembro de 1996, e ainda estabelece as diretrizes e bases da

educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a

obrigatoriedade da temática "História e Cultura Afro-Brasileira", o povo negro e

afro descendente passa a ser alvo de preocupações dentro do contexto

escolar.

Devido ao tempo restrito e com o intuito de fazer um trabalho que

contribua verdadeiramente para o dia a dia dos profissionais de educação, em

especial o Orientador Educacional, a presente pesquisa por meio de

pesquisadores e pesquisadoras da atualidade que se dedicam a falar de temas

ligados a diversidade e relações raciais, faz um diálogo com documentos

oficiais do Estado Brasileiro que se refere à promulgação da Lei 10639/03 e o

seu respectivo desenvolvimento e implementação. De modo a inserir o

Orientador Educacional nessa pauta de discussão, esta pesquisa, além de

apresentar uma proposta de ação para que este profissional perceba que é

possível tratar das africanidades brasileiras no contexto escolar, mostra por

meio de teorias atuais que o orientador, assim como os demais profissionais

de educação deve estar atento para a diversidade étnico cultural presente

entre os muros da escola.

A bibliografia básica que confere suporte a esse estudo contempla

autores como Canen (2002), Kabengele Munanga (2004, 2005), Mônica Lima

(2006), Nilma Lino Gomes (2005), Ahyas Siss (2003, 2009), Garcia (2002).

Ainda que outros autores expoentes na área não tenham sido utilizados, seus

trabalhos não foram desconsiderados e ao longo do texto alguns podem ser

encontrados.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 08

CAPÍTULOI - A Formação da Identidade Nacional e os Impactos na Educação:

Contextualizando a discussão 12

CAPÍTULO II - As Relações Raciais e a Educação 17

CAPÍTULO III - Lei 10.639/03: A África na Escola 22

CAPÍTULO IV – O Papel do Orientador Educacional para formar crianças e

jovens intolerantes ao preconceito e orgulhosos de seu pertencimento étnico

racial 30

CONSIDERAÇÕES FINAIS 36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 38

ÍNDICE 41

FOLHA DE AVALIAÇÃO 42

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INTRODUÇÃO

A educação incorpora diversas formas e modelos, e os professores,

professoras e demais profissionais, a frente do processo educativo, não são os

únicos responsáveis pelo seu exercício. A escola não é detentora exclusiva do

ator de educar, pois o mesmo pode ocorrer em diversos setores da sociedade:

no âmbito familiar, no ambiente de trabalho, nos movimentos sociais, na

comunidade, nas instituições escolares e atualmente a tecnologia midiática

tem ensinado bastante aos jovens, crianças e adultos. Apesar de considerar

essa dimensão mais ampla da educação, o presente trabalho concentrará seus

estudos nas relações educacionais existentes dentro dos muros da escola e

não necessariamente dentro da sala de aula, pois o ato de ensinar perpassa

toda a estrutura escolar. Desta forma a instituição escolar, aqui será analisada,

como um espaço de aprendizado e partilha de conteúdos, saberes escolares,

valores, crenças e hábitos, assim como espaço de partilha e disseminação de

determinados preconceitos, sejam eles étnico raciais, de gênero e classe e/ou

de idade.

Ao considerar a escola como locus privilegiado de relações podemos

perceber que na História do Negro no Brasil encontramos uma escola de

caráter bastante ativo e permissivo diante da discriminação e do racismo.

Como prova disso, dois exemplos podem mostrar nitidamente esse modo

peculiar da escola tratar as pessoas de descendência africana: em 1854, o

Decreto n º 1.331 estabelecia a não admissão de escravos nas escolas

públicas, e a instrução de adultos negros dependeria da disponibilidade de

professores; anos mais tarde, em 1878, o Decreto nº 7.031- A estabelece aos

negros o período noturno para os estudos. Além disso, “é importante lembrar

que o acesso dos escravos a alfabetização era freqüentemente negado sob

pena de morte, e apenas poucas oportunidades culturais eram oferecidas

como sucedâneo para outras formas de autonomia individual negadas pela

vida nas fazendas”.1

1 GILROY, Paul. Atlântico negro: Modernidade e Dupla Consciência, 2001: p. 160.

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A arbitrariedade de medidas e estratégias com o propósito de afastar o

negro da escola, tomadas ao longo da História, atinge a população afro

descendente brasileira até os dias de hoje por meio da negação de conteúdos

que façam referência a ancestralidade africana da humanidade. Com vista

disso, uma legislação promulgada que tornou obrigatória a inclusão dos

estudos em História da África e Cultura Afro brasileira nos diferentes níveis de

ensino demonstra a preocupação do Estado Brasileiro e da população em

geral de afastar da escola toda e qualquer postura permissiva a discriminação

e ao racismo2. Isso não quer dizer que a escola é o nascedouro das diversas

formas de discriminação, porém ainda que não brote do chão da escola o

racismo, as desigualdades e as discriminações correntes na sociedade,

perpassam por ela essas e outras formas desqualificadoras dos seres

humanos (Brasil, 2004).

As relações existentes na sociedade, onde vivem os profissionais da

educação, acabam por refletir nos cotidianos escolares, onde atuam esses

profissionais. O que se vê nas relações educacionais muitas vezes não é

favorável ao reconhecimento e valorização da diversidade étnica e cultural

existente em nosso meio social. A escola, com a sua lógica de uniformização e

homogeneidade, muitas vezes não valoriza as diferenças existentes em seu

espaço cotidiano. Rezas, hinos, comemorações de datas cívicas e/ou de

cunho religioso somente caminham para a valorização de uma determinada

cultura, descuidando e esquecendo outras manifestações culturais correntes

em nosso cotidiano. Isso significa que a busca por uma identidade racial negra

acaba por ser negligenciada em favor de uma pretensiosa identidade branca,

julgada superior. Aos indígenas e negros, na maioria das vezes, é reservado o

folclore, o estigma de exótico e primitivo.

O intercurso sexual entre as raças3 promovido pela política de

miscigenação no início do século XX possibilitava aos negros retintos, ou como

2 Lei Nº 10.639, De 9 De Janeiro De 2003.

3 Segundo Petronilha Beatriz Silva a raça assume nesse contexto um sentido político além de informar como determinadas características físicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre

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em boa parte das ocasiões, possibilitava a negras retintas se relacionarem com

indivíduos brancos produzindo indivíduos mais claros e possivelmente mais

aceitos em uma nação em formação que almejava a cor e cultura européia.

Para por fim a essa ideologia que ainda se encontra presente no imaginário de

uma determinada parcela da população é necessário promover uma nova

consciência na população negra brasileira capaz de livrá-la da passiva

aceitação da superioridade cultural branca (Munanga, 2004) .

Assim, o objetivo deste trabalho não é discutir sobre as estratégias de

impedimento ao acesso da população negra aos bancos escolares, tão pouco

verificar o número de crianças e jovens negros ingressos e egressos do

sistema ensino regular. O que proponho é a discussão sobre os olhares e as

práticas pedagógicas em relação ao corpo negro discente. Para isso será feita

uma análise sobre as estratégias que a escola, na figura do orientador

educacional, tem adotado para combater o racismo e as discriminações. Das

últimas décadas do século XX ao dias atuais, apesar de todos os avanços nas

discussões e posturas em relação ao negro, a escola está realmente

preparada para acolher o negro e formá-lo orgulhoso de sua história

ancestral?Como o orientador planeja a sua prática de modo a inserir no

cotidiano da escola práticas que valorizem a diversidade e a multiculturalidade

existente em nossa sociedade?

O maior número de crianças e jovens negros e negras ingressos na

escola representa um avanço da escola brasileira e também uma vitória para a

comunidade afro brasileira, no entanto um grande desafio há de ser vencido: a

permanência e o sucesso de todos. Crianças e jovens negros e negras,

cotidianamente se deparam como um ambiente escolar pouco favorável ao seu

sucesso e bastante inibidor ao desenvolvimento pleno de suas potencialidades

cognitivas. Desta forma, a fim de estender as discussões sobre as relações

raciais existentes no campo educacional, será feito uma reflexão sobre a

instituição escolar e as relações raciais que ocorrem no seu interior de modo a

outras, influenciam, interferem e até mesmo determina o destino e o lugar social dos indivíduos no interior da sociedade brasileira. Ao ser usado com conotação política, o termo raça permite, por exemplo, aos negros valorizar a característica que difere das outras populações e romper

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proporcionar reflexões sobre os discursos educacionais voltados à formação

de indivíduos abertos a pluralidade cultural e ao repúdio e combate de

preconceitos.Além disso, a partir da Lei 10.639/03, será proposto uma breve

reflexão a cerca do reconhecimento e a valorização da cultura negra na escola.

O mundo em que vivemos tem se caracterizado por grandes conflitos

relacionados à afirmação das identidades plurais em sociedades cada vez

mais diversas e desiguais. A escola ao dar visibilidade ao caráter plural e

multicultural da sociedade pode, com certeza, contribuir para a formação de

indivíduos intolerantes ao racismo e orgulhosos de seu pertencimento racial.

Pensando na contribuição do orientador educacional para a formação desse

sujeito capaz entendedor da diversidade, será feito, por meio de uma breve

retomada histórica e exame de dados atuais, uma análise geral sobre o papel

deste profissional na construção das identidades brasileira e negra.

CAPÍTULO I

RESUMO

com as teorias raciais que foram formuladas no século XIX e que até hoje povoam o imaginário popular.

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O capítulo que introduz este trabalho vem mostrar –nos os impactos

educacionais advindos dos valores civilizatórios afro brasileiros. De modo a

averiguar o processo de reestruturação social proporcionado pela presença na

sociedade brasileira de um patrimônio imaterial africano, traduzido em saberes

e práticas, o conceito de diáspora é analisado aqui a partir de significados

relacionados a dispersão de pessoas, encontro com o mar, união de culturas e

formação de identidades. Para fundamentar essa discussão autores como

Gilroy ( 2006), Canclini ( 2008), Lopes ( 2004).

A Formação da Identidade Nacional e os impactos na

Educação: contextualizando a discussão “Diego não conhecia o mar. O pai, Santiago Kovadloff, levou-o para que descobrisse o mar.

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Viajaram para o Sul. Ele, o mar, estava do outro lado das dunas altas, esperando. Quando o menino e o pai enfim alcançaram aquelas alturas de areia, depois de muito caminhar, o mar estava na frente dos seus olhos. E foi tanta a imensidão do mar, e tanto seu fulgor, que o menino ficou mudo de beleza. E quando finalmente conseguiu falar, tremendo, gaguejando, pediu ao pai: -Me ajuda a olhar”

(Eduardo Galeano)

Essa pequena história tem por objetivo maior ilustrar as reflexões

apresentadas ao longo deste texto, cuja principal temática é fazer uma análise

da relação entre os elementos culturais de descendência africana presentes na

cultura brasileira herdados de um passado de misérias e glórias, e os

processos educativos formais pelos quais, se não todos, a maioria de nós,

passamos.

Na história acima citada, Diego, o menino que nunca tinha visto o mar,

ciente de suas limitações para apreciar a beleza do que avistava pediu ao pai

que lhe ajudasse compreender a maravilha que estava diante de seus olhos.

Assim como aquele menino que queria orientações de alguém mais experiente

para ensiná-lo a olhar e entender a grandeza do que não lhe era familiar,

nossos jovens e crianças espalhados pelos espaços das escolas também

precisam de auxílio para entender o mundo que os cercam. Desta forma, nada

mais conveniente questionar o papel da escola em relação as suas formas de

ajudar a construir um olhar “entendedor” das tradições e contradições que

compõe a cultura brasileira.

Assim como o pai de Diego, cujos ensinamentos foram solicitados por

seu filho, a escola tem como principal atividade educar olhares para que seus

freqüentadores sejam capazes de enxergar flores onde a sombra do

preconceito e a ignorância só permitiam ver espinhos. A beleza dos

componentes da cultura brasileira impregnada de elementos de descendência

africana, somente poderão ser realmente enxergados partir de uma

reeducação do olhar tanto de quem ensina, como daquele que aprende.

As idéias de Galeano foram tomadas de empréstimos para ilustrar a

formação da identidade nacional, devido ao grande significado que o mar

possui na memória afro descendente. Ele, o mar, foi testemunha de um

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aviltante comércio de seres humanos que desencadeou em um processo de

aproximação entre localidades que há milhões de anos a natureza apartou

(LOPES, 2004). Esse comércio, cujo cenário era o oceano Atlântico, tinha uma

característica interessante e brutal de coisificação de homens e mulheres que

por ele eram submetidos.

Contam histórias que antes de embarcar nos grandes navios negreiros

que atravessariam o Atlântico, os negros escravizados eram obrigados a dar

voltas em uma árvore, denominada “Árvore do Esquecimento”. Depois de

caminhar em volta da árvore por algumas vezes supunha-se que os escravos

perderiam a memória e esqueceriam seu passado, suas origens e sua

identidade cultural para se tornarem seres sem nenhuma vontade de reagir ou

se rebelar. Por ironia dos acontecimentos, ao passear pela História podemos

notar a falha deste procedimento de perda de memória, pois além de não

esquecer suas origens, os negros e negras instalados forçosamente em terras

brasileiras criaram formas alternativas de vida contrárias a realidade da

escravidão, e recriaram suas formas de ver e interpretar o mundo.4

O primeiro pressuposto, para se iniciar uma análise do processo de

reestruturação social, de mistura intercultural proporcionado por essa dinâmica

de deslocamento de pessoas, é o navio negreiro. O navio deve ser visto como

"um sistema vivo, microcultural e micropolítico em movimento que coloca em

circulação, idéias, ativistas, artefatos culturais e políticos".5 O movimento

proporcionado pelo navio contraria a noção de identidades fixas, estáticas e

estáveis que se opõem a qualquer descolamento da formação do sujeito para

identidades flexíveis, conseqüentemente inacabadas, como afirma Hall (2006),

a identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma

fantasia.

No livro “Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana”, Nei Lopes define

diáspora como um reinventar de um povo por meio da memória de um lugar,

4 Ver em Atlântico Negro Rota dos Orixás (75 mim), documentário dirigido por Renato Barbieri

em 1998.

5 GILROY, Paul. Atlântico Negro: Modernidade e Dupla consciência, 2006, p.38.

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de um clima, de um passado, de uma história. “O termo diáspora serve

também para designar, por extensão de sentido, os descendentes de africanos

nas Américas e na Europa e o rico patrimônio cultural que construíram.” 6 Na

viajem entre a costa africana e os portos americanos de desembarque de

escravos não era permitido aos negros carregar seus pertences, portanto só

lhes restava trazer em suas memórias aquilo que lhes era mais significativo

para a reconstrução de suas identidades.

Sob a idéia chave da diáspora nós poderemos então ver não a raça, e sim formas geopolíticas e geoculturais de vida que são resultantes da interação entre sistemas comunicativos e contextos que elas não só incorporam, mas também modificam e transcendem. (GILROY, 2006, p: 25)

A diáspora é um conceito que está intimamente ligado ao processo de

escravidão, pois por meio dele milhões de africanos e africanas foram

espalhados pelos mais diversos lugares através de várias rotas. Dos principais

portos africanos localizados no golfo do Benin, Angola, São Tomé, Senegal e

Moçambique (CONCEIÇÃO, 2006) os traficantes comercializavam escravos

para as Américas tendo o lucro como principal objetivo. Os escravistas

estavam interessados exclusivamente na força de trabalho dos africanos.

Contudo, alheio a essa incansável busca por lucratividade, nos porões dos

navios os africanos, pertencentes a vários grupos étnicos com distintas formas

culturais, traziam consigo, além de músculos, principal interesse dos

traficantes, idéias, sentimentos, tradições, mentalidades, hábitos alimentares,

ritmos, canções, palavras, crenças religiosas, formas de ver a vida. Esses

costumes aproximados pela dinâmica brutal da escravidão foram recriados em

terras brasileiras e se desenvolveram em uma cultura de aspecto híbrido7 e

dinâmico.

O conceito da diáspora remete à formação de culturas que não podem

ser denominadas como pertencentes a uma fronteira restrita e sim estruturas

6 LOPES, Nei. A Enciclopédia Brasileira da Diáspora Africana, 2004, p. 236

7 Entende-se por hibridação os “processos socioculturais nos quais estruturas ou práticas

discretas, que existiam de forma separada, se combinam para gerar novas estruturas, objeto e

práticas. ( CANCLINI, 2008:p. XIX)

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que se desenvolveram e deram origem a um sistema de comunicações

marcado por fluxos e trocas culturais. Esse fluxo de pessoas, característico do

processo diaspórico e, por conseguinte a troca de idéias, histórias e memórias,

remete ao sentimento de desterritorialização da cultura em oposição à idéia de

uma cultura territorial fechada.

Gilroy (2006) não analisa a diáspora como a representação de uma

forma de dispersão catastrófica, ele analisa esse processo como uma ação

que redefine a mecânica cultural e histórica do pertencimento de um povo a

uma determinada localidade. Para Gilroy a diáspora rompe a seqüência dos

laços explicativos entre lugar, posição e consciência, e conseqüentemente

rompe também com o poder do território para determinar a identidade. Pensar

no conceito de diáspora é pensar em multiplicidade, ou mais especificamente,

em identidade multicentradas e /ou híbridas pois, “(...) frequentemente a

hibridação surge da criatividade individual e coletiva”, como postula Canclini

(2008). Esse mesmo autor afirma que

Estudar processos culturais, por isso, mais do que levar-nos a afirmar identidades auto - suficientes, serve para conhecer formas de situar-se em meio á heterogeneidade e entender como produzem as hibridações (CANCLINI, 2008: p.24).

Quando as fronteiras parecem dissolvidas, as velhas certezas e

hierarquias de identidade são postas em questão. Desta forma, o processo da

diáspora provocou um alargamento das fronteiras identitárias, antes

estreitadas por certo essencialismo sedento por homogeneizar homens e

mulheres. Os sujeitos compostos por uma identidade unificada e estável passa

a possuir então várias identidades, sendo elas às vezes contraditórias. O

processo da diáspora, estritamente vinculado ao trabalho escravo nas

Américas, ajuda a compreender a construção da identidade nacional brasileira,

pois para além dos traumas causados pela truculência desse processo, essa

experiência fez surgir novas formas de pensamento.

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CAPÍTULO II

RESUMO

Ser negro remete a um sem números de significações e identificações. Esses

modos e formas de pertencer a um determinado grupo étnico racial significa

estar inserido em um ser e estar no mundo que interfere significativamente nos

processos educacionais. De acordo com dados do IBGE, do ano de 2004,

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convivem de maneira pouco pacífica em nossa sociedade grupos étnicos

distintos, entre eles brancos, negros e indígenas. Para construir uma nação

compreesiva e sensível a diversidade cultural e racial existente em seu espaço

é necessário caminhar rumo a uma educação anti racista capaz de trabalhar

as variedades culturais sem dissolver as marcas identitárias dos diversos

grupos que a compõem. De modo a não confundir variedade com mistura e

não transformar multiplicidade em unidade este capítulo fará uma reflexão

sobre a raça nos meios escolares.

As Relações Raciais na Educação “O silêncio da escola sobre as dinâmicas das relações raciais tem permitido que seja transmitida aos (as) alunos (as) uma pretensa superioridade branca, sem que haja questionamento desse problema por parte dos (as) profissionais de educação e envolvendo o cotidiano escolar em práticas prejudiciais ao grupo negro”

(BRASIL, 2006)

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Identificar-se ao grupo negro remete a idéia de pertencimento e

coletividade, significa estar inserido em categorias que diferem o sujeito de

outros grupos. Os grupos identitários ainda que construídos socialmente

designam uma identidade pessoal. Desta forma, quando identificado com o

grupo étnico racial negro o indivíduo é inserido em uma rede de significações ,

e quando mal percebidas ou mal interpretadas essas identidades incorporam

significados e imagens estereotipados, que interferem na visão do sujeito

negro em relação a si, aos outros e ao mundo que o cerca.

Seja nos meios acadêmicos ou aos olhos do senso comum, o negro é

incorporado ao processo histórico da construção da sociedade brasileira em

uma perspectiva de escravo, vinculado ao trabalho servil, ou analisado como

objeto exótico e caricato. Já África mostrada nos meios de comunicação em

geral, incluindo os livros didáticos, muitas vezes é mostrada homogênea,

marcada por conflitos, arrasada pela fome, por um clima hostil, e pelas mais

diversas enfermidades; com um passado, considerado primitivo, e presente,

avaliado com certo pessimismo. Quando a escola por meio de histórias infantis

e/ou apresentação de ilustrações inadequadas enfatiza aspectos folclóricos

e/ou estereotipados da cultura negra favorece para a legitimação de tal

informação. (LEMOS, 2001)

Os livros didáticos, são bons exemplos da caracterização negativa que o

negro pode adquirir na escola. Descendentes dos livros de leitura do início do

século passado, os livros didáticos que deveriam adquirir um caráter de

parceria com o profissional da educação em sua prática pedagógica muitas

vezes se mostra como vilão no processo de construção do conhecimento por

propagar informações preconceituosas dos negros e contribuir para a sua

baixa auto-estima.

“Recentemente, tivemos notícia do papel importante desempenhado pelo Ministério de Educação e do Desporto, ao fornecer uma extensa lista com livros didáticos impróprios para serem usados na educação de jovens e crianças . Este trabalho originou o Guia de Livros Didáticos de 5ª a 8ª series ( ...) Ao ser divulgada a lista de livros que incorriam nos pontos levantados acima, vimos que as editoras se disseram perseguidas. Para nós não existe perseguição maior que a imposta aos afro descendentes e explicitadas nos livros(...).”

(LEMOS, 2001, p:32)

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O pouco mais de um século que nos separa da Lei Áurea não foram

suficientes para resolver uma série de problemas discriminatórios forjados ao

longo dos quatro séculos de regime escravocrata. Ainda hoje, permanece na

ordem do dia a luta pela participação equitativa de negros e negras nos

espaços sociais e pelo respeito à humanidade dessas mulheres e homens

reprodutores e produtores de cultura. (BRASIL,2006)

“Convivem, no Brasil, de maneira tensa, a cultura e o padrão estético negro e africano e um padrão estético e cultural branco europeu. Porém, a presença da cultura negra e o fato de 45% da população brasileira ser composta de negros (segundo o censo do IBGE) não têm sido suficientes para eliminar ideologias, desigualdades e esteriótipos racistas. Ainda persistem em nosso país um imaginário étnico racial que privilegia a brancura e que valoriza principalmente as raízes européias da sua cultura, ignorando ou pouco valorizando as outras culturas não brancas.” (BRASIL, 2004, p14)

Ainda de acordo com a fonte citada acima è importante insistir que se

entende por raça a construção social forjada nas tensas relações entre

brancos e negros, muitas vezes simuladas como harmoniosa, escamoteada

pela ideologia da falsa democracia racial. O conceito de raça, portanto, nada

tem haver com o conceito biológico cunhado no século XVII e atualmente

superado. Assumir-se enquanto negro, além de deter traços físicos

característicos ,como a cor da pele e a textura do cabelo, trata-se de uma

escolha política. A identidade negra é construída a partir de uma identificação

a um passado histórico em que os escravizados africanos protagonizaram,

além de uma identificação com os membros de um grupo protagonistas de

uma situação estigmatizada que levou a negação de sua humanidade e a

interiorização de sua cultura. (MUNANGA,2004)

“(...) pensar em raça também é pensar em estratégias de resistência, de luta por representação, por justiça social, por currículos que contribuam para subverter a lógica da discriminação, desvelando mecanismos de construção das diferenças e preparando futuras gerações para uma cidadania multicultural.” (CANEN,2001, p:63)

A identidade racial jamais será um produto acabado, e sim um processo

em construção. A escola, espaço de formação de identidades, não pode

ignorar as tensões que são geradas pelas lutas por representação das

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identidades. As relações educacionais não podem esquivar-se da pluralidade

cultural e das tensões relacionadas a ela. Os currículos escolares não podem

prosseguir culturalmente cegos, construídos sobre uma noção de

universalidade que nada mais é do que uma construção simbólica, a partir de

valores raciais e culturais dominantes. (Canen, 2001).

A escola deve trabalhar no sentido de valorização e reconhecer as

práticas pluriculturais e desafiadoras de preconceitos e estereótipos, de modo

a desvincular de certos grupos ou indivíduos pertencentes a minorias étnicas

ou comunidades religiosas imagens depreciativa ou conceitos que venham a

prejudicar a auto estima desses grupos ou indivíduos. O reconhecimento da

contribuição do negro e seu papel na cultura nacional não podem ficar restritos

à comemoração de datas históricas _ como o dia 20 de novembro, Dia da

Consciência Negra, ou odia 13 de maio, no qual comemora-se a data da

abolição oficial da escravatura _ também não pode restringir - se ao

reconhecimento e valorização de expressões artísticas, culinárias, folclóricas e

outras, calando discussões sobre processos discriminatórios que, ao longo da

história, marginalizam a identidade negra, e que precisam urgentemente serem

superados.

A escola deve caminhar rumo a uma educação anti racista, capaz de

trabalhar as variedades culturais sem dissolver as marcas identitárias dos

diversos grupos que a compõem, sem transformar multiplicidade em unidade,

ou variedade em mistura. A educação rumo ao anti-racismo diferencialista

estaria coerente ao projeto de sociedade equitativa que a escola pode se

propor a desenvolver, ainda que de acordo com Canen ( 2001) a tensão

dialética entre ambas as concepções universalista e diferencialista poderia ser

o caminho perseguido nos discursos e práticas multiculturais.

O anti-racismo diferencialista consiste em buscar a construção de uma

sociedade igualitária baseada no respeito das diferenças tidas como valores

positivos e como riqueza da humanidade. Oposto a esse, o anti-racismo

universalista busca a integração na sociedade nacional, baseando-se em

valores universais do respeito à natureza, sem discriminação de cor, raça,

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sexo, religião, classe social, etc, e é chamado integracionismo fundamentado

no indivíduo universal (MUNANGA, 2004). Uma das medidas decorrentes

favoráveis a perspectiva diferencialista do anti-racismo, é a fundação de

escolas diferenciais para identidades específicas.

No Brasil podemos citar um exemplo para ilustrar a possibilidade da

elaboração de uma escola que contemple de modo a diversidade cultural

existente na sociedade. A Mini Comunidade Oba Biyi fundada em 1978 pelo

Mestre Didi, que consiste em um espaço alternativo de educação para as

crianças vinculadas aos tradicionais terreiros da Bahia pode ser considerado

um exemplo de medida educacional anti- racista diferencialista. A criação

desse espaço educacional se fez necessária devido a necessidade de se criar

uma linguagem pedagógica capaz de superar o hiato entre o universo cultural

das crianças das comunidades - terreiros e a escola . (LUZ, 1997)

“A Mini Comunidade Oba Biyi caracteriza-se como a primeira proposta de educação no Brasil que considerou, na sua composição curricular, a dinâmica da pulsão pluticultural (...) O projeto e a experiência da Mini Comunidade Oba Biyi foram desenvolvidos durante dez anos, e a sua propsta não estava condicionada no sentido lato, mas sim como alternativa de educação paralela à educação formal do Estado. As crianças, portanto freqüentavam a partir dos sete anos um turno das escolas oficiais, mas encontravam no espaço Oba Biyi possibilidades de aprender a enfrentar a rejeição, o recalque e o complexo de inferioridade contidos na ideologia pedagógica que estrutura e faz funcionar o ensino no Brasil.” (LUZ, 1997, p: 200/2001)

Apesar da discussão sobre as pluralidade cultural estar na pauta de

discussão de vários setores da sociedade há muito tempo, encontramos

muitos educadores que pensam que discutir sobre relações raciais não é tarefa

da educação. Para que a escola consiga avançar na relação entre saberes

escolares/ realidade social/diversidade étnico-cultural é preciso que os

educadores compreendam que o processo educacional também é formado por

dimensões como a ética, as diferentes identidades, a diversidade, a

sexualidade, a cultura, as relações raciais, entre outras

A identidade do negro que foi, e a ainda é, marginalizada no processo

de construção da identidade nacional e no acesso a bens materiais e

simbólicos usufruídos por camadas dominantes da população, não pode

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encontrar na escola de hoje em dia empecilhos para a sua construção e

desenvolvimento. A identidade negra pode ser construída a partir do resgate

da cultura do grupo, da busca de um passado histórico comum que por muito

tempo foi negado e falsificado, de um estudo da participação positiva do grupo

negro na construção do Brasil.

A memória pode ser considerada a instância que armazena as

experiências positivas e negativas e que formam o patrimônio cultural de cada

pessoa. A memória, vinda das experiências com a escola, a igreja, os meios de

comunicação, com as expressões orais – piadas, música, anedotas – mantém

em evidência uma clara referência ao passado escravo vivido pela

ancestralidade negra no Brasil. A introjeção desse passado fragmenta

negativamente a identidade da criança negra quando ela quer reconhecer-se

no passado e imaginar-se no futuro (Andrade, 2005), por isso faz –se

necessário o papel da escola para formar um povo simpático a diversidade e

estritamente contra a preconceitos e discriminações.

CAPÍTULO III

RESUMO

Para que e para quem as escolas são projetadas? Quais são os pilares

que sustentam a identidade de uma escola? Perguntas que deveriam estar

cotidianamente entre os pensamentos de todos os profissionais da educação,

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não somente do orientador educacional estarão aqui neste capítulo como pano

de fundo para maiores reflexões. A lei 10. 639 / 03 anteriormente definida

como uma conquistas por meio da luta de determinados segmentos da

população em busca de exercício pleno da cidadania funcionará como

argumento para a introdução de saberes e práticas por muito tempo

marginalizados entre os muros da escola.

Lei 10.639/03: A África na Escola “(...)uma escola para os patinhos?Para os cisnes? Uma escola para a granja mas tendo como padrão, referência os patinhos? Ou os cisnes? Ou uma escola para todos /as os/as habitantes da granja? Destacamos estas questões, pois a opção em atender a Lei nº 9394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional acrescida do Artigo A, graças a Lei nº 10639/03, não implica necessariamente uma escola inclusiva, sem racismo, sem etnocentrismo , sem exlusões. É bom que se lembre isso.

(TRINDADE, 2007)

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O regime escravista causou muitos danos aos descendentes de negros

africanos devidos às recorrentes violações dos direitos civis e humanos desses

povos. Danos psicológicos, já que milhões de homens e mulheres africanos,

vítimas do tráfico negreiro, passaram pela traumatizante experiência de serem

retirados forçosamente de sua terra natal, separados de suas famílias e

levados para terras desconhecidas. Além de danos materiais, sociais e

políticos, a população negra sobre até os dias de hoje desvantagens

educacionais, pois de acordo com dados estatísticos, além de estarem na

parcela mais pobre da população, os negros e negras tem menos anos de

estudo e menor expectativa de vida.

“Escravidão e grande propriedade não constituíam ambiente favorável à formação de futuros cidadãos. Os escravos não tinham os direitos civis básicos à integridade física, à liberdade, à própria vida, já que a lei o considerava propriedade do senhor, como os animais. À população legalmente livre faltavam quase todas as condições para o exercício dos direitos civis, sobretudo a educação, pois dependia dos grandes proprietários para morar, trabalhar e defender-se contra o arbítrio do governo e de outros proprietários. Quanto aos senhores não se pode dizer que fossem cidadãos. Eram livres para votarem e serem votados nas eleições municipais. Mas faltava-lhes o próprio sentido da cidadania, a noção de igualdade de todos perante a lei.” (CARVALHO, 1998, p. 19)

Abolida, oficialmente, a escravidão inúmeras políticas viriam para

agravar os danos sofridos pela população negra devido à diáspora. Através

das políticas de branqueamento, implantadas em fins do século XIX e início do

século XX, acreditava-se na possibilidade de liquidar a população negra das

terras brasileiras, seja fisicamente através da mestiçagem, pela mistura do

sangue negro com o sangue branco, estimulado pelas políticas migratórias

européias, seja culturalmente com a injeção de valores da civilização ocidental

européia na formação cultural brasileira.

O primeiro reconhecimento do negro na formação da sociedade

brasileira se deu a partir da década de 30 do século XX. Gilberto Freyre,em

sua tese de doutoramento Casa Grande e Senzala, promove grande impacto

no pensamento social das elites com o mito da democracia racial, cuja criação

pode ser considerada como um meio para a desmobilização de conflitos

sociais em potencial. Enquanto aquele autor considerava o negro como

contribuinte nas bases formadoras da sociedade e da cultura brasileira,

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enfatizava o colonizador português como herói humanizador, e também

glorificava a mestiçagem como etapa do branqueamento da população

brasileira: uma nova forma de conceber a questão racial no Brasil (PEREIRA,

2006)

A partir da década de 50 inicia uma modificação dos estudos das

relações raciais no Brasil com a participação da população negra na superação

da discriminação e das desigualdades sociais. O desafio na época era a

construção de uma sociedade efetivamente justa e democrática, e o estudo da

História da África foi essencial para embasar teoricamente esse desafio, pois é

nesse estudo que se encontram manifestações, comportamentos, expressões

de sentimentos, formas de organização e de convivência comunitária que

sobreviveram à escravidão e que estão presentes em nosso dinâmica social

brasileira.

“ (...) a História da África oferece àqueles que se debruçarem com seriedade sobre os seus conteúdos a possibilidade de ampliarem seus horizontes, descolonizarem suas consciências e se capacitarem a compreender melhor o processo histórico no qual foi gerada a globalização contemporânea e que, hoje, desafia interpretações, no Brasil e no mundo.” (PEREIRA, 2006, p. 8)

A lei 10.639/ 03 ( Art.26 – A) da LDB – Lei de Diretrizes e Bases da

Educação Nacional, considerada uma política reparadora, uma conquista anti

discriminatória no campo educacional, devido a luta dos movimentos sociais e

do movimento negro em especial, vem cumprir um papel fundamental na

formação do povo brasileiro. Ao obrigar o ensino e o estudo da História da

África e dos Africanos, a luta dos negros no Brasil, a cultura negra brasileira e

o negro na formação da sociedade nacional, resgatando a contribuição do

povo negro nas áreas social, econômica e política pertinentes à História do

Brasil, esta lei passa a suprir a necessidade do povo brasileiro de se conhecer

melhor, para ser melhor e construir uma sociedade melhor.

A lei 10639/03, promulgada devido à demanda da comunidade afro

brasileira por reconhecimento valorização e afirmação de direitos, não

possibilita somente o acesso ao estudo de um passado histórico vez por outra

esquecido ou escondido, mas também permite uma formação cidadã,

responsável pela construção de uma sociedade mais justa e democrática.

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A publicação das Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação

das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura Afro –

brasileira e Africana, no ano de 2004, veio para regulamentar a alteração

sofrida na Lei 9394/1996 de Diretrizes e Bases na Educação. Com esta

publicação espera-se concretizar as políticas educacionais que se preocupam

verdadeiramente em efetivar uma educação plenamente democrática

estabelecida na Constituição Federal e na Lei de Diretrizes e Bases da

Educação nacional, além de valorizar e reconhecer a diversidade racial

existente em nossa sociedade.

O reconhecimento da comunidade afro - brasileira implica na valorização

de tudo aquilo que a distingue dos demais grupos étnicos. Reconhecer,

também significa ser sensível ao sofrimento causado pelo processo de

desqualificação que determinado grupo étnico é atingido cotidianamente por

diversas formas: apelidos depreciativos, brincadeiras, piadas de mau gosto

sugerindo incapacidade, ridicularização de trações físicos, textura do cabelo

e/ou desmerecimento das religiões de matrizes africanas.

“A sanção da Lei 10.639/03 e da Resolução CNE/CP1/2004 é um passo inicial rumo à separação humanitária do povo negro brasleiro, pois abre caminho para a nação brasileira adotar medidas para corrigir os danos materiais, físicos e psicológicos resultantes do racismo e de formas conexas de discriminação.” (CAVALLEIRO, 2006, In: Orientações e Ações para a Educação das Relações Étnico – Raciais, p.19)

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação, a escola tem a

responsabilidade de discutir a questão racial, pois a mesma se faz presente

enquanto uma instituição social responsável por assegurar o direito à

educação de todo e qualquer cidadão e garantir igual direito ao acesso às

histórias e culturas que compõem a nação brasileira, portanto, deve a escola,

se posicionar contra toda e qualquer forma de discriminação. A luta anti racista

se apresenta como uma bandeira fundamental para a escola, já que estão

acessíveis a ela conhecimentos científicos, registros culturais diferenciados,

referencias necessárias para o conhecimento do passado histórico da

população, enfim instrumentos apropriados para formar um povo consciente

dos processos que o formaram.

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Para se obter êxito na formação de crianças e jovens conscientes de

sua descendência africana, a escola e seus professores não podem

improvisar. A escola e seu corpo de profissionais têm que desfazer-se da

mentalidade racista e discriminadora secular, superando o etnocentrismo

europeu. Entende-se aqui por etnocentrismo europeu a visão de que a Europa

é o centro do mundo, esta visão de mundo perde seu sentido, quando

aprendemos com o estudo da pré história africana que lá , provavelmente, se

encontram as origens do homem sobre a terra. (CONCEIÇÃO, 2006)

“As pesquisas arqueológicas, que vem tendo êxito desde a década de 1960, levaram à descobertas em 1974 , no Quênia, do esqueleto de uma mulher a quem apelidaram de Lucy, que seria a Eva da humanidade. Essa pesquisa foi feita pela Universidade da Califórnia que investigou o material genético de 189 mulheres de diversas etnias e concluiu que todas seriam descendentes de uma única, Eva, que teria vivido na África entre 160 e 200 mil anos atrás.” (CONCEIÇÃO, 2006, p.9)

Para a real efetivação da lei e o real reconhecimento da comunidade

negra no espaço escolar, é necessário pessoal qualificado, adoção de políticas

educacionais, estratégias pedagógicas de valorização da diversidade e

principalmente professores que se sintam apoiados ao tratar do assunto, pois

iniciativas individuais farão do assunto um tema esporádico e muito

provavelmente o tratará em seu aspecto folclórico, dando destaque somente a

elementos artísticos e culinários do grupo étnico estudado.

O ensino da História Africana e Cultura Afro brasileira se demonstram

necessário e obrigatório, de modo a proporcionar ao povo brasileiro o

conhecimentos de suas origens, a descolonização de pensamentos e

consciências, além da ampliação de horizontes o que leva a uma melhor

compreensão do processo histórico pelo qual passamos. (PEREIRA, 2006)

Quando falamos em discriminação étnico-racial nas escolas,certamente

estamos falando de práticas discriminatórias,preconceituosas,que envolvem

um universo composto de relações raciais pessoais entre os estudantes,

professores,direção da escola,mas também o forte racismo repassado através

dos livros didáticos.Não nos esquecendo,ainda,do racismo institucional,

refletido através de políticas educacionais que afetam negativamente o negro.

(SANT’ANNA, 2004).

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CAPÍTULO IV

RESUMO

Este capítulo tenta sistematizar as discussões levantadas ao longo de

todo o trabalho incluindo nesse cenário, mais enfaticamente, a figura do

orientador educacional. A participação do orientador educacional será

questionada como fundamental para o planejamento e a elaboração de um

ambiente escolar acolhedor e intolerante em relação a qualquer tipo de

discriminação e preconceito. A partir de uma perspectiva do currículo, o

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multiculturalismo crítico que baseia suas teorias na superação de uma visão

pouco problemática da diversidade cultural, analisará as possibilidades da

construção de uma educação verdadeiramente democrática.

O Papel do Orientador Educacional para formar

crianças e jovens intolerantes ao preconceito e

orgulhosos de seu pertencimento étnico racial

“ _ Lá eles não gostam da gente!”

( Depoimento de uma criança pertencente a uma comunidade de terreiro quando perguntada

sobre o motivo que lhe fez abandonar a escola – LUZ, 1998)

As instituições formais de ensino foram historicamente criadas no Brasil

com o propósito de formar a identidade da nação brasileira. E a professora

primária assumiu essa papel de construtora da identidade da nacional por meio

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de diversas estratégias, como difusão de símbolos pátrios, modelos educativos

higienistas, além do ensino de uma moral que nos aproximava do povo que

gostaríamos de ser. ( MÜLLER, 2006)

O país em fins do século XIX e início do século XX busca em teóricos

europeus razões e explicações para a situação racial no Brasil. O objetivo era

receber propostas para a construção de uma nacionalidade brasileira

considerada problemática devido as suas nuances de cores e sua diversidade

cultural. Passado o ano de 1888, os pensadores brasileiros diante de uma

diversidade racial em terras brasileiras, se depararam essa questão: a

construção de uma nação e de uma identidade nacional.

“(...) posso afirmar que os debates sobre a construção da nação brasileira terminaram por definir a escola primária pública como espaço privilegiado para a modelagem da população que aqui vivia. Essa modelagem tinha um conteúdo fortemente civilizatório, principalmente no que se referia aos aspectos morais e éticos, privilegiando uma nova ética do trabalho.” (MÜLLER, 2006, p. 188)

A diversidade racial e cultural para a elite da época era uma barreira a

ser ultrapassada para a construção de uma nação que sonhava possuir

características fenotípicas e culturais europeias. Desta forma, políticas de

branqueamento foram implementadas, como a política da mestiçagem

considerada uma fase transitória para a construção de uma nação brasileira

branca. O estímulo a imigração européia seria um passo importante rumo ao

branqueamento da população, pois assim esperava-se uma predominância

quantitativa branca que misturada ao quantitativo negro, inventaria um Brasil

mestiço, futuramente branco.

Ainda que houvesse uma minimização da população negra em terras

brasileiras, algo faltaria, pois a diversidade racial trazia consigo uma

heterogeneidade cultural, o que significava um obstáculo à formação de

sentimentos nacionais. Existia a necessidade portanto de inculcar nas mentes

desse povo diverso o sentimento e a identidade nacional.

A escola foi uma via escolhida para a construção dessa tal identidade

nacional, e os programas escolares, de história pátria, moral e cívica,

reproduziam a história oficial e conferiam a negros, índios e mestiços o mesmo

papel subalterno e inferiorizado que lhes era dado pela maioria de nossas

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elites intelectuais. (MÜLLER, 2006) Os livros de leitura, percussores nos livros

didáticos, eram instrumentos utilizados nos programas escolares em difundir

uma imagem depreciativa e preconceituosa de negros e índios. (LEMOS,

2001)

A escola, até a década de sessenta do século XX, um espaço

privilegiado no qual a população foi modelada, não poderia ter somente

programas escolares que enaltecessem o branco e desvalorizasse o índio e o

negro, desta forma além dos programas escolares a escola teve um importante

agente construtor da identidade da nação: a professora primária. A professora

primária foi responsável pela difusão dos símbolos pátrios, pela execução dos

rituais cívicos , assim como pela propagação dos mitos de origem e dos heróis,

ela foi um agente responsável pela construção da nação, um agente difusor de

elementos pátrios e disciplinadores. (MÜLLER, 2006)

A professora primária, além de todas as suas atribuições, também

necessitava ter a aparência física, estética, social e moral de uma nação que

sonhava – se erguer, porém que ainda não éramos, e não somos até hoje. A

fórmula do branqueamento cultural da época era: professores fenotipicamente

europeus e programas escolares de grande valorização do branco.

Nesse mesmo contexto, início primeiras décadas do século XX surge a

figura orientador educacional, denominado supervisor educacional. Esse

profissional que migrava de profissões como o jornalismo, medicina ( SAVIANI,

1999) tentava implantar na educação as mesmas resoluções implantadas no

campo da engenharia e das finanças.

“No plano federal, a Reforma João Luís Alves, de 1925, , cria pelo Decreto n. 16.782 – A, o Departamento Nacional do Ensino e o Conselho Nacional de Ensino, em substituição ao Conselho Superior, que entre 1911 e 1925, era o único órgão encarregado da administração escolar. A importância do referido decreto se deve, pois, ao fato de que, com essas medidas, se começa a reservar a órgãos específicos, de caráter técnico, o tratamento dos assuntos educacionais. ( SAVIANI, 1999 ,p. 26)

Passado quase um século o perfil dos profissionais da educação dos

primeiros anos de escolarização mudou. Por meio de um estudo quantitativo,

conclui – se que a maior parte do professorado na Educação Infantil, e nas

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Séries Iniciais do Ensino Fundamental tem cor e sexo, o corpo docente nessa

etapa da escolarização, onde a criança inicia o processo de construção de

identidades, é feminino e negro (TEIXEIRA, 2006). Apesar dessa presença

negra nos anos iniciais de escolarização, muitas vezes questões relativas ao

negro não estão incluídas no planejamento pedagógico docente ou no plano

de ação da unidade escolar.

As séries iniciais do ensino fundamental, assim como todo o processo

de escolarização é a etapa em que a criança e o jovem está em processo de

desenvolvimento cognitivo, social e emocional. Nessa fase, esses sujeitos

podem congregar com mais facilidade toda e qualquer tipo de mensagens, seja

ela positiva ou negativa, e isso inclui as mensagens com conteúdos

discriminatórios presentes nas nossas relações sociais cotidianas. As atitudes

de preconceito étnico dentro da escola podem comprometer a identidade e

autoestima da criança negra.

Pensando nisso, o orientador educacional deve estar ciente da sua

importância de criar um ambiente formador de indivíduos capazes de não se

calarem mediante o racismo. O profissional da educação que possui o cargo

de orientador educacional tem como função principal participar do

planejamento e da construção de uma escola que possa contribuir

significativamente para a formação cidadã de seu corpo discente.

“(...) o currículo da escola, no que respeita a inclusão de disciplinas optativas e

atividades extraclasse; a distribuição das diferentes séries no prédio por períodos; o uso ou não de salas ambientes nas quais os professores permaneceriam e para quais os alunos se deslocariam ; a problemática da disciplina e o código disciplinar; os critérios de avaliação, de promoção e de atribuição de notas ou conceitos; os cronogramas das atividades. É importante que ele participe, pois ativamente de todas as decisões de ordem técnica a serem tomadas no âmbito escolar.” ( GIACAGLIA & PENTEADO, 2000, P 17)

A escola possui a sua dimensão político cultural, por isso tudo que a ela

pertence seu objetivo e ele está em algo fundamentado. O orientador

educacional ao se propor conhecer todas dimensão da escola e a comunidade

que ali frequenta pode estar traçando um caminho para a elaboração de um

espaço que valorize a diversidade.

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“Quem definiu que se deve conhecer a história da Europa Ocidental ou

dos Estados Unidos, ao invés da Europa Oriental ou dos países africanos de

onde vieram os escravos para o Brasil ?”(AZEVEDO, 2002, p. 55) Seletiva e

discriminadora a escola em seu currículo oficial ou oculto decide quais bens

culturais serão ensinados e ministrados na escola o que acaba por reproduzir

uma marginalização existente na sociedade. Ao invés de batuque violino, nos

livros infantis heróis brancos e europeu e na hora da prece orações cristãs,

tudo isso indica a sociedade que se quer e aquela que se deseja rejeitar. Por

isso quando a criança de terreiro diz que na escola oficial ninguém gosta dela,

pode-se refletir sobre a permissividade do orientador e também dos demais

membros da instituição escolar para proporcionar esse tipo de postura.

“Numa escola democrática, busca-se reverter a seletividade e a discriminação; busca-se encontrar os meios que garantam a todos a apropriação do conhecimento da leitura e da escrita, e seu sentido estrito e em seu sentido mais amplo, de forma crítica. E a procura desses meios traz consigo a exigência natural da participação de todos nessa procura. Em decorrência , as relações de saber e de poder se democratizam.” ( AZEVEDO, 2002, p. 59)

Para caminhar rumo a edificação de uma escola verdadeiramente

democrática o orientador deve ser capaz de identificar os aspectos que

orientam a formação social e trabalhar significativamente todos esses

conhecimentos. De que maneira então o orientador educacional pode lidar

comas questão em relação a formação cultural diversa do povo brasileiro?

Ainda de acordo com Azevedo ( 2002) temos de fazer esse diagnóstico junto

com os demais profissionais da escola e discuti-lo., pois somente quando

alcançarmos essa compreensão é que vamos avançar na construção de uma

escola de qualidade e com metodologias de ensino diferenciadas.

Uma educação que respeite e contemple o repertório cultural de seus

educandos possivelmente terá mais êxito do que aquela cuja ação tem por

objetivo reduzir as diferenças por uma prática homogeinezante. Como alerta

Canen (2001), não podemos continuar com currículos monoculturais, racial e

culturalmente cegos, construídos sobre uma noção de universalidade que nada

mais é do que uma construção simbólica, a partir de valores raciais e culturais

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dominantes. O orientador educacional deve ser aquele que faza ponte entre os

hiatos de universos culturais distintos.

Uma perspectiva de educação baseada na valorização da diferença é

um atributo primordial no que diz respeito ao ensino dos valores que permeia a

sociedade brasileira cuja origem vem de além mar. Para o ensino de

identidades raciais multireferenciadas e a formação de práticas educativas anti

racistas é necessário diálogos que promovam intercâmbios sem sentimentos

de superioridade, além principalmente do estudo da recriação das diferentes

raízes da cultura brasileira que nos encontros e desencontros de umas com as

outras se refizeram e hoje não são mais jejês, nagôs, bantus; mas brasileiras

de origem africana.

Com o intuito de instigar a reflexão, levanto as questões apresentadas

acima para que de algum modo em um futuro próximo passa-se a identificar

uma cultura escolar de reconhecimento dos valores civilizatórios africanos,

assim como a sua prática, pois não basta integrar no currículo escolar novos

conteúdos referentes a variedade de culturas existente em nossa sociedade,

deve –se transformar o chão da escola. Uma das atribuições do orientador

educacional pode ser a de tornar a escola um ambiente acolhedor e educador

de posturas e falas que ao invés de aviltar ou agredir possa elogiar, acariciar.

O orientador educacional pode sim transformar a escola em um espaço que os

indivíduos e sujeitos que ali estão passem a gostar de todas as “gentes”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Discutir a diversidade cultural e racial dentro do espaço escolar é algo

que está na pauta de reinvindicações daqules que lutam por uma educação

verdadeiramente justa e democrática. Mesmo assim, pouco se estuda sobre

África, em quaisquer segmentos de ensino, e quando o faz é por meio de

estereótipos. Estudiosos e a população em geral muitas vezes se mostram

incapazes de reconhecer o continente africano como matriz geradora da

humanidade e termina por qualificar o continente como atrasado, miserável,

ignorante, exótico e/ou violento.

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O espaço escolar pode ser compreendido como um local privilegiado no

combate ao racismo e a discriminação racial, e os profissionais de ensino,

principalmente o orientador educacional, cuja função prioritária é trabalhar

junto com os alunos com o propósito de auxiliá-los em seu desenvolvimento e

em parceria com o professor, precisa permitir que a escola cumpra

devidamente seu papel.

O educador ciente que a desqualificação sofrida pelo negro entra pelo

portão da frente da escola e empenhado a zelar pela auto-estima da criança

negra deve estar atento para a complexidade que envolve o processo de

construção de identidade negra em nosso país. Pois de acordo com Müller

(2006), a construção de nossa identidade inicia quando começamos a

conhecer a nossa história.

No passado foi retirado das nossas memórias escolares tudo o que se

referia à produção cultural africana ou indígena. Hoje em dia apesar do

advento da lei 10. 649/03 quando algum conteúdo positivo referente a esses

grupo étnico é transmitido na escola, o é, na maioria das vezes, como folclore,

como uma celebração ritual antiga e/ou muito atrasada, ou então muito

miscigenado.

Para que haja a construção e a afirmação da identidade negra na

escola, há de se criar uma pedagogia que seja capaz de contemplar a história

e a cultura de um povo que sempre foi subjugado por uma história parcial.

Essa pedagogia que trata de modo positivo a história e a cultura afro brasileira

e não deve somente subjugá-los e minimizar seus valores ao folclorismo ou

extremismo. Educar crianças para um bom relacionamento com o seu corpo e

a sua história pode ser um caminho adequado para a construção de uma

sociedade verdadeiramente democrática.

Diante da Lei 10639/03, a qual obriga toda instituição de ensino seja ela

pública ou privada ao ensino de História da África e Cultura Afro brasileira, o

orientador educacional em parceria com o corpo docente deve compartilhar

com os mesmos suas dificuldades, deficiências, erros, acertos e vitórias ao

trabalhar o tema racial no espaço escolar.

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Longe de esgotar a discussão sobre as atribuições do orientador

educacional no que tange a formação de indivíduos conscientes de seu

pertencimento, finalizo prematuramente este trabalho ciente de que a idéia de

uma identidade brasileira mestiça, fruto das misturas de povos e raças,

ausência de conflitos entres brancos e negros reforça a falácia da ideologia da

democracia racial. (MUNANGA, 2004) Essa mestiçagem, acreditada por

muitos, que diluiu, e ainda dilui a linha demarcatória entre brancos e negros

legitima o discurso encontrado nas escolas de que não é necessário exaltar a

negritude por não haver diferenças entre as raças.

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO __________________________________________ p. 02

AGRADECIMENTO _________________________________________ p. 03

DEDICATÓRIA _____________________________________________ p. 04

RESUMO __________________________________________________ p.05

METODOLOGIA______________________________________________p.06

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SUMÁRIO__________________________________________________ p.07

INTRODUÇÃO_______________________________________________p.08

CAPÍTULO I________________________________________________ p.12

CAPÍTULO II________________________________________________ p.18

CAPÍTULO III________________________________________________ p.24

CAPÍTULO IV________________________________________________ p.30

CONSIDERAÇÕES FINAIS ____________________________________ p.36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS _______________________________p.38

ÍNDICE _____________________________________________________p.41

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes / Instituto A vez do

Mestre

Título da Monografia: A lei 10. 639/03 e o papel do Orientador Educacional

Autor: Lygia de Oliveira Fernandes

Data da entrega: 01 de outubro de 2010

Avaliado por: Geni Lima Conceito: