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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU INSTITUTO A VEZ DO MESTRE APRENDIZAGEM X FRACASSO ESCOLAR: UM OLHAR PSICOPEDAGÓGICO Por: Ana Paula Salomon Orientador Prof. Vilson Sérgio de Carvalho Rio de Janeiro 2009

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

APRENDIZAGEM X FRACASSO ESCOLAR: UM OLHAR

PSICOPEDAGÓGICO

Por: Ana Paula Salomon

Orientador

Prof. Vilson Sérgio de Carvalho

Rio de Janeiro

2009

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

APRENDIZAGEM X FRACASSO ESCOLAR: UM OLHAR

PSICOPEDAGÓGICO

Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do

Mestre – Universidade Candido Mendes como

requisito parcial para obtenção do grau de

especialista em Psicopedagogia.

Por: Ana Paula Salomon

AGRADECIMENTOS

À Deus, pelas oportunidades com que me presenteou e pela força e coragem para a realização dos meus objetivos. À todos aqueles que direta ou indiretamente contribuíram para a construção e realização deste trabalho.

DEDICATÓRIA

Aos meus pais pelo apoio e dedicação que sempre me empenharam. A vocês, meu eterno amor, gratidão e respeito.

RESUMO

O objetivo deste trabalho é tentar compreender de que forma a Psicopedagogia Institucional contribui para a compreensão do processo de aprendizagem no que se refere às causas que levam ao fracasso escolar. Para tanto, foi imprescindível tecer considerações sobre o mesmo nos dias de hoje e entender os motivos pelos quais tem sido um dos problemas educacionais mais estudados e discutidos. Assim, o estudo dos fatores que levam a este fracasso revelou que ele engloba vários contextos e pode assumir uma função dentre de cada um deles, como por exemplo, o espaço escolar, as relações entre ensinante e aprendente, a família e a sociedade. Portanto, não pode ser encarado como uma questão puramente individual, mas social, coletiva. Para a análise destas questões, as contribuições teóricas de Bossa (1994, 2002), Patto (1989), Weiss (2008) foram fundamentais.

Palavras–chave: Psicopedagogia Institucional, processo de aprendizagem, fracasso escolar

METODOLOGIA

Para delinear esse processo de pesquisa recorremos à concepção

construtivista de ciência, que, segundo Chauí (1996) é importante pelo fato de

não estabelecer uma verdade absoluta sobre um determinado fenômeno e nem

apresentar a realidade tal como se configura. Esta concepção oferece

estruturas e modelos de funcionamento desta realidade a fim de possibilitar o

entendimento da mesma e, a partir daí, explicar os fenômenos observados,

podendo estes serem corrigidos ou substituídos por outros mais adequados.

Dessa forma, o entendimento do funcionamento da realidade pesquisada tem

como base a análise do problema proposto, com o objetivo de encontrar

referenciais para explicar os fenômenos observados sem, no entanto,

estabelecer uma verdade absoluta.

Assim, os métodos utilizados para a análise foram pesquisa bibliográfica

de livros, revistas, artigos e sites que tratam sobre o fracasso escolar e o papel

do psicopedagogo na instituição escolar.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO.........................................................................................08

CAPÍTULO I - Conceituando o termo psicopedagogia............................10

CAPÍTULO II - O processo de aprendizagem segundo a perspectiva

psicopedagógica......................................................................................19

CAPÍTULO III – A construção do conceito de infância e o surgimento

da escolaridade........................................................................................29

CONCLUSÃO..........................................................................................39

BIBLIOGRAFIA........................................................................................41

ÍNDICE.....................................................................................................43

8

INTRODUÇÃO

O presente trabalho parte do pressuposto de que a aprendizagem é

primordial para o desenvolvimento da espécie humana, pois através dela o

sujeito se insere na sociedade em que vive e conhece aquilo que é próprio de

seu grupo social.

A conceituação deste termo parece ser uma tarefa difícil, pois se trata de

um tema bastante abrangente. Mas, em linhas gerais, ela pode ser definida

como um processo dinâmico que está voltado para a relação estabelecida

entre ensinante e aprendente no que se refere à busca pelo conhecimento.

A questão do vínculo estabelecido entre ambos precisa ser levada em

consideração, pois será definido como o conhecimento circulará neste meio e

de que forma o educando vai se apropriar do mesmo.

Neste sentido, a compreensão deste processo é de fundamental

importância, visto que qualquer alteração no mesmo interferirá na qualidade de

vida do aprendiz, levando-o a fracassar na escola por não corresponder às

expectativas da instituição.

Por este motivo, a intenção deste trabalho é tentar compreender de que

forma a Psicopedagogia Institucional contribui para a compreensão do

processo de aprendizagem no que se refere às causas que levam ao fracasso

escolar.

A opção em analisar esta questão sob a perspectiva psicopedagógica se

deve pelo fato de que a Psicopedagogia Institucional busca uma compreensão

mais integradora do processo de aprendizagem com uma atuação de natureza

preventiva. O trabalho preventivo, por sua vez, visa o estudo das condições

evolutivas da aprendizagem, apontando caminhos para um aprender mais

significativo. Assim, o estudo dos fatores que levam a este fracasso é

imprescindível para detectar os possíveis obstáculos que estão interferindo o

desenvolvimento da aprendizagem.

9

Para tanto, foi necessário recorrer à conceituação do termo

psicopedagogia e as formas de atuação do trabalho preventivo na instituição

escolar, constituindo o primeiro capítulo deste trabalho.

O segundo capítulo trata do significado do aprender e dos aspectos

essenciais para a compreensão do processo de construção do conhecimento

por parte dos educandos, tomando como base as contribuições teóricas de

Sampaio (2009) e Porto (2006).

Nos dias de hoje, um dos grandes desafios para o sistema educacional

brasileiro é lidar com o problema do fracasso escolar, visto que a sociedade

busca a todo instante o êxito profissional a qualquer custo e a escola, por sua

vez, o sucesso escolar. Isto acaba rotulando aqueles que não se encaixam nos

parâmetros impostos, culpabilizando-os por tal fracasso. Dessa forma, torna-se

pertinente a reflexão sobre estas questões, o que resultou no terceiro capítulo.

Com base nestas reflexões de natureza teóricas, as análises realizadas

sobre o tema proposto delinearam contribuições importantes para o

entendimento acerca das questões que envolvem o processo de aprendizagem

e suas consequências para o desenvolvimento dos educandos.

10

CAPÍTULO I

CONCEITUANDO O TERMO PSICOPEDAGOGIA

A psicopedagogia não é considerada uma ciência e, sim, um campo de

conhecimento, que vem sendo desenvolvido desde a década de 80 no Brasil.

Ela nasceu da necessidade de uma melhor compreensão do processo de

aprendizagem, com o objetivo de responder pelo fracasso escolar. Inicialmente,

o termo parecia sugerir uma aplicação da Psicologia à Pedagogia. Porém, tal

definição não se concretizou, pois apenas estas áreas não são suficientes para

apreender o referido processo.

Segundo Mery (apud BOSSA, 2000), em 1946 foram fundados e

chefiados por J. Boutonier e George Mauco os primeiros Centros

Psicopedagógicos, os quais eram estruturados para unir conhecimentos da

Psicologia, da Psicanálise e da Pedagogia e tratar comportamentos

socialmente inadequados de crianças, tanto na escola como no lar, visando a

sua readaptação. A prática da Psicopedagogia no Brasil tem sido influenciada

pelas ideias dos argentinos, devido à proximidade geográfica e ao acesso à

literatura. Estudos revelam que a preocupação com os problemas de

aprendizagem teve origem na Europa, no século XIX.

O brasileiro Sérgio A. da Silva (apud BOSSA, 2000) afirma que “a

proposta da psicopedagogia veio da Argentina” (p.3). Os psicólogos argentinos

viram a educação como uma área efetiva de trabalho, pois não tinham a

permissão de clinicar nas primeiras décadas deste século. Com isso, passaram

a elaborar uma metodologia sobre a dificuldade de aprendizagem, a qual deu

origem à atual psicopedagogia.

Há alguns pontos em comum na história da Psicopedagogia no Brasil e

na Argentina. Dentre eles, destacam-se: a atividade prática teve início antes da

criação dos cursos em ambos os países, bem como a necessidade de

contribuir para o “fracasso escolar”; Inicialmente, o exercício psicopedagógico

priorizava a reeducação e, posteriormente, assumiu o enfoque terapêutico,

11

além de se estender até a instituição escolar. No Brasil, a psicopedagogia é

ministrada em cursos de especialização, pós-graduação Lato Sensu e há

projetos de Mestrado Profissionalizante em Psicopedagogia Stricto Sensu. Já

na Argentina, a formação ocorre em nível de Graduação, com duração de cinco

anos.

Diversos autores brasileiros e argentinos, como por exemplo, Kiguel e

Fernandéz, respectivamente, apontam para a necessidade de adesão de

conhecimentos específicos de diversas áreas, dentre elas, a Psicanálise, a

Lingüística, a Sociologia, que uma vez articulados, fundamentam a constituição

de uma teoria psicopedagógica.

Isto se explica pelo fato que não haver uma área específica que tenha

surgido com o intuito de responder sobre o problema de aprendizagem

humana. Neste sentido, há o reconhecimento do caráter interdisciplinar da

Psicopedagogia e sua especificidade enquanto área de estudos. A busca pelo

conhecimento em outros campos resulta na criação de seu próprio objeto.

Na tentativa de definição do objeto de estudo da Psicopedagogia, Bossa

recorre a alguns psicopedagogos brasileiros. Kiguel (apud BOSSA, 2000)

afirma que esse “objeto de estudo está se estruturando em torno do processo

de aprendizagem humana: seus padrões evolutivos normais e patológicos –

bem como a influência do meio (família, escola e sociedade) no seu

desenvolvimento” (p. 24). Já Scoz (apud BOSSA, 2000) diz que, “a

psicopedagogia estuda o processo de aprendizagem e suas dificuldades (...)”

(p. 2). O tema da aprendizagem e os problemas decorrentes deste processo

são a causa e a razão da mesma.

Em diferentes momentos históricos, o objeto de estudo da

Psicopedagogia foi entendido de formas variadas. Em um primeiro momento, o

trabalho psicopedagógico priorizava a reeducação, cujo objeto era o sujeito que

não aprendia, além dos sintomas e as dificuldades de aprendizagem

provocadas pelo desinteresse, lentidão, falta de atenção, etc. O objetivo era

reeducar para promover o desaparecimento do sintoma. Porém, observou-se

que o tratamento dos sintomas se revelava insuficiente para o êxito escolar e,

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eles passaram a ser considerados como valores relativos. “Não é mais o

sintoma que se visa, não é mais o desempenho, os bons e os maus resultados

que se consideram, mas a gênese da aprendizagem” (SILVA, 1998; p. 40).

Posteriormente, a noção de não-aprender passou a ser vista como

carregada de significados, levando-se em consideração a singularidade de

cada sujeito ou grupo e o sentido particular de suas características. Dessa

forma, o objeto de estudo procurou se estruturar em torno do processo de

aprendizagem, objetivando a investigação da dificuldade de aprendizagem e a

compreensão deste processo, bem como as suas variáveis. Assim, houve uma

mudança na noção psicopedagógica, passando a considerá-la como um saber

independente dotado de seus próprios instrumentos corretivos e profiláticos.

Em um terceiro momento, a experiência clínica ao estudar o sujeito e

sua história pessoal, procurando compreender a mensagem implícita no não -

aprender, marca a uma nova fase da psicopedagogia. Isto vai exigir uma

redefinição desse campo de estudo, pois o objeto não é mais o processo de

aprendizagem e, sim, o sujeito deste processo, ou seja, o ser cognoscente (ser

em processo de construção do conhecimento) e o objetivo é facilitar a

construção deste ser. Este ser pluridimensional apresenta três dimensões:

emoção, razão e relação, tendo uma implicação interpessoal e contextual. “Isso

implica que esse ser é sujeito na construção do seu próprio conhecimento e de

sua autonomia, ao mesmo tempo em que é determinado pelas dimensões que

o constituem (...)” (SILVA, 1998; p. 40).

As diferentes dimensões que constituem o processo do ser cognoscente

se articulam com o intuito de organizar e modificar o meio. A dimensão

relacional é determinada pela existência do ser em sociedade, ou seja, sua

percepção de mundo, além de suas relações interpessoais e a linguagem que

estabelece com outros sujeitos. Já a dimensão racional diz respeito à

construção das estruturas de pensamento determinada pelas vivências e a

formulação de conceitos pelo sujeito. Enquanto que a dimensão afetiva /

desiderativa é determinada pelo desejo inconsciente, visto que este é a própria

essência da mente.

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Segundo Porto (2006), esse desejo é que impulsionará a aprendizagem

do educando, uma vez que:

“Para aprender, o ser humano coloca em seu organismo herdado, seu corpo e sua inteligência construídos em interação e dimensão inconsciente. A aprendizagem tem um caráter subjetivo, pois o aprender implica desejo de ser reconhecido pelo aprendente. O desejar é o terreno onde se nutre a aprendizagem”. (p. 18)

Dessa forma, entendemos que o desejo é o “motor” da aprendizagem e,

para que não desapareça é importante que seja sempre estimulado.

Neste contexto, torna-se necessário compreender qual é o papel da

Psicopedagogia, de que forma atua no processo de aprendizagem e lida com

as dificuldades decorrentes deste processo.

1.1 - A Psicopedagogia Institucional e o seu campo de atuação Atualmente, muitos educadores brasileiros têm se deparado com vários

problemas nas instituições escolares, pelas quais passam, seja por questões

ligadas à indisciplina dos alunos, falta de recursos materiais, recursos físicos

para efetivar suas propostas ou dificuldades de aprendizagem decorrentes

destes fatores ou não. Com isso, eles acabam se sentindo impotentes diante

das pressões que os bombardeiam de todos os lados e para as quais acabam

não encontrando solução.

Diante destes desafios encontrados nestas instituições públicas e

privadas, “(...) acreditamos que a Psicopedagogia, como área de estudo e

atuação, voltada para a aprendizagem e para as dificuldades que podem surgir

neste processo, tem muito a colaborar para aperfeiçoar e ampliar as

possibilidades da escola” (BARBOSA, 2001; p. 63). Para tanto, é necessário

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uma ação preventiva das dificuldades de aprendizagem, tanto para contribuir

na melhoria da qualidade de ensino / aprendizagem quanto para superar os

problemas instalados.

Segundo Visca (apud PORTO, 2006), que é considerado o pai da

Psicopedagogia, há dois tipos de medidas preventivas, a primária e a

secundária. Aquela se preocupa em manter ou desenvolver condições efetivas

de aprendizagem, além de controlar os fatores que impedem o bom andamento

do processo. Enquanto que esta visa contribuir para o não agravamento das

dificuldades existentes ou a recuperação das mesmas. A ação preventiva

precisa considerar os problemas presentes na escola, como: dificuldade de

aprendizagem, violência no interior da escola, indisciplina e vê-los como

sintomas que apresentam obstáculos a serem eliminados.

Neste contexto, Barbosa (2001) sinaliza que faz parte da investigação

psicopedagógica conhecer o funcionamento da instituição escolar como um

todo, a fim de encontrar meios para solucionar os sintomas que estão

impedindo o desenvolvimento da aprendizagem. Além disso, é necessário

levantar questões que contribuam para a compreensão das causas apontadas

pelos sintomas, ampliando o olhar sobre a instituição para a busca das

possíveis soluções. Assim,

“A psicopedagogia no âmbito da instituição, ao escolher uma forma preventiva de ação, transforma a atenção individual em grupal, analisa os sintomas, considerando a gama de relações que existem numa instituição e propõe projetos de atuação que apontem para uma mudança global, sem deixar de atender casos concretos que aparecem como sintomas das tensões existentes na instituição”. (p. 64)

Uma das formas de atuação psicopedagógica que permite ao ensinante

e ao aprendente sistematizar o trabalho a ser desenvolvido através do

planejamento, execução e avaliação da ação de aprender é o Projeto de

Trabalho. Este pode assumir um papel preventivo à medida que possibilitar ao

15

professor um retorno à sua aprendizagem, no sentido de prepará-lo para uma

atuação eficaz junto aos seus alunos. “A revisão do aprender do professor

possibilita uma melhor análise do aprender dos alunos, tornando-o mais apto

para compreender e intervir no processo de aprendizagem dos mesmos”

(BARBOSA, 2001; p. 67).

Uma proposta de ação pedagógica que inclua o Projeto de Trabalho na

instituição, voltado para o ensino-aprendizagem, requer o envolvimento do

professor e dos alunos com as suas tarefas, de modo que as mesmas ao

serem contextualizadas historicamente façam sentido em suas vidas

(BARBOSA, 2001).

Conforme já foi mencionado, o Projeto de Trabalho possui etapas a

serem seguidas: o planejamento subsidia a realização do projeto através da

relevância do tema, dos objetivos a serem alcançados, dos materiais a serem

utilizados e a forma de obtê-los; do cronograma, da divulgação dos resultados,

etc. Já a execução se refere às tarefas a serem realizadas, bem como a divisão

e a apresentação; ao passo que a avaliação pressupõe discussão e reflexão

contínua sobre as aprendizagens obtidas, além daquele conhecimento que

precisa ser aprofundado. Esta forma de trabalho possibilita a percepção por

parte dos alunos dos conteúdos a serem aprendidos, permitindo a participação

dos mesmos no planejamento e na avaliação. Isto acaba despertando o

interesse deles por se sentirem co-responsáveis no desenvolvimento do

processo de trabalho.

Portanto, o Projeto de Trabalho é “uma forma de atuação

psicopedagógica que tem o objetivo de contextualizar o conteúdo a ser

aprendido, integrar cognição e afeto (...), visando o desenvolvimento das

ciências e do ser humano” (BARBOSA, 2001; p. 71).

Outra forma de contribuição da Psicopedagogia Institucional é buscar a

construção de um espaço que favoreça a redução do fracasso escolar ao

analisar a dinâmica da Instituição escolar e os fatores que interferem o

processo de aprendizagem.

16

Primeiramente, a psicopedagogia foi reconhecida por sua intervenção

clínica. Mas, a necessidade de uma melhor compreensão deste processo levou

ao aumento da ação nas escolas, aliada a uma prática de prevenção e

assessoramento aos pais, professores e a toda comunidade escolar. Dessa

forma, “a atuação psicopedagógica institucional auxilia o resgate da identidade

da instituição com o saber mediando e resgatando o processo de ensino-

aprendizagem” (PORTO, 2006; p. 9).

Pelo fato da psicopedagogia se voltar para os problemas de

aprendizagem, o psicopedagogo precisa orientar seus estudos com o intuito de

entender como se aprende, quais os fatores influenciam a aprendizagem, para

se ter uma noção de como tratá-los e preveni-los.

Segundo Porto (2006), o trabalho na instituição escolar apresenta duas

vertentes: um deles está voltado para um grupo de alunos que apresentam

dificuldades na escola. Este trabalho consiste em reintegrar o aluno ao

ambiente de sala de aula, respeitando as etapas de seu desenvolvimento.

Além disso, visa integrar as funções cognitivas ao afetivo a fim de levar o

educando à aprendizagem de conceitos, de forma gradual e sistemática, de

acordo com os objetivos da aprendizagem formal. O outro tipo de trabalho trata

de questões relacionadas à assessoria aos pedagogos, orientadores e

professores com o intuito de trabalhar as relações existentes entre professor e

aluno, bem como procedimentos didático - metodológicos e as diferentes áreas

do conhecimento.

Nesse sentido, Bossa (2000) afirma que há diferentes níveis no trabalho

preventivo. Primeiramente, o psicopedagogo analisa as questões didático -

metodológicas da instituição e observa se estão de acordo com a realidade da

mesma, detectando os problemas de aprendizagem. Para exemplificar este

primeiro nível, Bossa cita uma situação específica relacionada à alfabetização.

Para ela, com o surgimento de novas teorias acerca da mesma, o referido

profissional trabalharia juntamente com os professores e demais profissionais

da escola na elaboração de métodos de ensino adequados a esse conteúdo

específico, além de orientar os professores quanto à incorporação desses

novos conhecimentos e a realização de um trabalho de aconselhamento junto

17

aos pais. No segundo nível, ele passa a tratar dos problemas de aprendizagem

detectados, como por exemplo, aqueles decorrentes de transtornos no

processo de leitura e escrita, através da criação de um plano de diagnóstico e

intervenção da instituição educacional. O objetivo é intervir nesta e encontrar

meios para que tais transtornos sejam eliminados. Já o terceiro nível é o

momento de trabalhar especificamente com o indivíduo ou grupo que

apresenta o problema de aprendizagem, através de um procedimento clínico.

Neste caso, o psicopedagogo atua diretamente com estes, tratando do

problema já instalado e evitando que outros apareçam.

Portanto, a partir da definição dos três níveis de prevenção no

trabalho psicopedagógico institucional, Bossa (2000) se refere ao primeiro nível

como o ideal, por ser o ponto chave da intervenção do psicopedagogo na

escola. Mas, um aspecto inerente aos três níveis e que pode ser visto como

uma estratégia de ação de sucesso é o diagnóstico. Assim,

“a organização da intervenção psicopedagógica em nível institucional tem início no diagnóstico onde, através de um olhar alimentado por esse campo de conhecimento, é possível identificar as dificuldades, os obstáculos, relações e possibilidades dos sujeitos envolvidos na instituição” (ESCOTT apud PORTO, 2006; p. 118)

É importante que a investigação diagnóstica leve em consideração à

modalidade de aprendizagem de cada aluno, permitindo ao educador a

organização de um planejamento de ensino adequado à realidade de cada

educando. Segundo Alicia Fernández (2001), “todo sujeito tem a sua

modalidade de aprendizagem (...), que significa uma maneira pessoal para

aproximar-se do conhecimento e constituir o saber” (p. 8). A reflexão acerca

das dificuldades que a criança traz consigo permite ao educador que contribua

para a sua superação e, dessa forma, fomente o desenvolvimento da

autonomia e aprendizagem da mesma.

Outro ponto a observar é que em nosso sistema educacional, o

conhecimento tem se limitado ao aprendizado de conteúdos a serem

18

transmitidos, se constituindo em uma assimilação repetitiva e mecânica da

realidade. Isto acaba prejudicando o processo de autoria de pensamento por

parte dos educandos e até mesmo dos professores, quando são obrigados a

atender a burocratização deste sistema e não conseguem estabelecer um

espaço de diálogos e trocas de conhecimento entre eles. Fernández (apud

PORTO, 2006) define como autoria, “o processo e o ato de produção de

sentidos e de reconhecimento de si mesmo como protagonista ou participante

de tal produção” (p. 90). O referido processo ocorre quando há criação de um

espaço favorável onde cada sujeito se sinta acolhido e respeitado a tal ponto

em que possa expressar suas idéias e opiniões.

Para que isso aconteça, o psicopedagogo precisa atuar como um

mediador capaz de sintetizar as várias áreas do conhecimento, a fim de

proporcionar à equipe escolar subsídios necessários para nortear o trabalho

pedagógico. Além disso,

“Repensar a prática pedagógica em uma dialética constante entre pensamento e ação, à luz da teoria psicopedagógica, traz ao educador a possibilidade da prevenção das dificuldades de aprendizagem, na medida em que viabiliza construção de uma ação voltada para as reais necessidades dos alunos” (PORTO, 2006; p. 118).

Essa prática leva esse profissional a recorrer a teorias que lhe ajude a

entender a dinâmica do processo de aprendizagem, bem como as influências e

representações que o acompanham.

Dessa forma, podemos compreender que o campo de atuação da

psicopedagogia é a aprendizagem e, em linhas gerais, o papel do

psicopedagogo é detectar possíveis problemas no processo de ensino-

aprendizagem, favorecer a integração e a troca entre os envolvidos, visando à

melhoria da qualidade de ensino e o desenvolvimento integral dos educandos.

Além disso, é essencial o entendimento acerca de como os sujeitos aprendem

e como nós também aprendemos. Este assunto será melhor explicitado no

capítulo a seguir.

19

CAPÍTULO II

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM SEGUNDO A

PERSPECTIVA PSICOPEDAGÓGICA

Os estudos e as pesquisas científicas, que têm a intenção de

compreender a definição de aprendizagem e suas características, revelam que

esta se constitui em um processo, indo além da aprendizagem escolar. Além

disso, ela é vista como fator de aprimoramento da espécie humana ao

proporcionar experiências e permitir a transmissão do conhecimento,

garantindo, dessa forma, a continuidade do coletivo, bem como a diferenciação

e a transformação deste.

Segundo Fernández (2001), no processo de aprendizagem estão

envolvidos quatro níveis de elaboração do saber: organismo, corpo, inteligência

e desejo, sendo que a aprendizagem acontece na conjugação destes níveis, de

forma que todos estejam em sintonia. Além disso, ela também fala sobre a

importância do psicopedagogo em analisar o seu próprio aprender, através de

um trabalho de auto-análise das possibilidades e dificuldades no aprendizado a

fim de desenvolver um olhar e uma escuta psicopedagógica.

Neste sentido, esta análise leva o psicopedagogo a obter êxito em seu

trabalho ao buscar o significado do termo aprender para o sujeito, bem como

sua família e a escola onde este estuda. Isto proporciona uma mudança no

modo de agir e pensar com relação à criança, além de uma preocupação em

organizar metodologias com vistas a um melhor desempenho escolar.

O significado do aprender pressupõe uma relação particular do sujeito

com o conhecimento, de maneira que este o transforma e reproduz em função

de seus próprios recursos. Por este motivo, observamos que a aprendizagem

tem uma função integradora e está relacionada ao desenvolvimento

psicológico, além de possibilitar a interação e a adaptação do indivíduo à

realidade, resultando em uma mudança de comportamento deste.

20

Esta mudança é fundamental para a sobrevivência do homem e ocorre

desde o início da vida, pois suas atitudes, habilidades, conhecimentos e a

maneira de viver serão vistas de acordo com o que se aprende. Ela também

proporciona às gerações vindouras, as descobertas e as experiências dos

antepassados, contribuindo para novas descobertas e aperfeiçoamento das

técnicas humanas. “Para que a aprendizagem provoque uma efetiva mudança

de comportamento e amplie cada vez mais o potencial do educando, é

necessário que ele perceba a relação entre o que está aprendendo e a sua

vida” (DROUET, apud PORTO, 2006; p. 41).

Neste contexto, os resultados da aprendizagem aparecem quando o

indivíduo ao adquirir conhecimento, apresenta habilidades para desenvolver o

que aprendeu. Este é adquirido através da busca pela compreensão de “algo

desconhecido” (PORTO, 2006) e, para que este processo aconteça é

necessária a presença do sujeito e do objeto, de forma que aquele se posiciona

e toma para si o objeto apreendido.

“A aprendizagem é, afinal, um processo fundamental da vida. Todo indivíduo aprende e, por meio da aprendizagem, desenvolve os comportamentos que o possibilitam viver. Todas as atividades e realizações humanas exibem os resultados da aprendizagem” (CAMPOS apud PORTO, 2006; p.40).

Sampaio (2009) recorre a Visca, criador da Epistemologia Convergente

(conceito acerca da aprendizagem), para compreender o processo de

aprendizagem e constata que, para que o mesmo apresente resultados

satisfatórios deve haver um equilíbrio e desenvolvimento das estruturas

cognitiva, afetiva e social, sob pena de impedir o desempenho da inteligência

caso ocorra o aparecimento de algum problema nestas estruturas. Para ele, “a

inteligência vai se construindo a partir da interação entre o sujeito e as

circunstâncias do meio social (VISCA apud SAMPAIO, 2009; p. 26). Dessa

forma, a orientação do professor e o contato com outras crianças serão

favoráveis à construção do conhecimento e a vida em sociedade.

21

Segundo a esta mesma autora, o fato de Visca ter recorrido a outros

teóricos para realizar uma conceitualização acerca da aprendizagem a partir de

contribuições das escolas Psicanalítica (Freud), Piagetiana (Piaget) e da

Psicologia Social (Pichon Rivière) se deve ao fato de que apenas o aspecto

cognitivo não é suficiente para compreender o processo de aprendizagem. O

afetivo e o social são estruturas que merecem atenção, uma vez que

influenciam positiva ou negativamente o mesmo. Ele também sustenta que:

“É comum observar como os sujeitos que têm alcançado um mesmo nível intelectual e fazem uso semelhante de sua afetividade, por pertencerem a diferentes culturas, meios sociais ou grupos familiares, apresentam tematizações significativamente distintas. Isto deriva simplesmente do fato de que cada contexto oferece diferentes crenças, conhecimentos, atitudes e habilidades” (VISCA, apud SAMPAIO, 2009; p. 27).

Portanto, o ato de aprender envolve aspectos afetivos, cognitivos e

sócio-culturais, que são considerados essenciais quanto à compreensão e

envolvimento da criança no que se refere ao seu processo de construção do

conhecimento.

“Os aspectos afetivos, juntamente com os cognitivos e biológicos, são comumente identificados como fatores individuais, internos da criança, que isoladamente ou em interação determinam as condições de aprendizagem” (SAMPAIO, 2009; p. 41).

Na busca do conhecimento, a presença do afeto e da cognição são

fundamentais em qualquer atividade a ser desenvolvida, respeitando as

devidas proporções. Eles se estruturam nas ações dos indivíduos, “(...) sendo o

afeto entendido como uma fonte energética necessária para que a estrutura

cognitiva passe a operar, ou seja, sem matéria-prima não podemos realizar um

22

produto” (PORTO, 2009; p. 44). Para que isto aconteça é preciso que haja

emoção adequada para mobilizar o pensamento.

Segundo Porto (2006), as pessoas aprendem com mais facilidade

quando se sentem seguras. O professor, que tem a consciência da influência

que o afeto exerce na construção do conhecimento, trabalha no sentido de

preparar e organizar o ambiente de forma a estimular o interesse da criança em

conhecer o mundo. Assim, a sua ação precisa orientar e levar a criança a

descobrir e a inventar, sem dar conceitos prontos e acabados.

O afeto é também um regulador da ação ao direcionar o comportamento

do indivíduo para buscar ou evitar o contato de certas pessoas ou experiências.

Por este motivo, ele exerce forte influência na interação professor e aluno, visto

que nesta relação tanto este quanto aquele vão construindo imagens um do

outro e atribuindo-lhes certos significados.

No processo de aprendizagem, o professor tem um papel fundamental

que é incentivar os alunos a direcionarem a energia e levá-los a enfrentar os

desafios intelectuais propostos pela escola. Dessa forma, o erro é visto como

algo construtivo, pois é uma forma da criança mostrar como está raciocinando

e como constrói seu pensamento.

Então, o docente tem a oportunidade de repensá-lo junto à criança a fim

de que ela descubra o que deverá ser modificado e seja orientada a fazer as

correções necessárias. “Quantas vezes o aluno erra na sua resposta sem que

a professora note que ele estava de fato pensando, muitas vezes, até

pensando bem. Não devemos supor que a resposta errada indica que a criança

não estava pensando (..)” (CARRAHER, apud SAMPAIO, 2009; p. 53).

Isto é importante para garantir não só uma aprendizagem significativa

para o indivíduo, bem como levá-lo a descobrir o prazer em aprender. Este

prazer não estará relacionado apenas à aprendizagem em si, mas também ao

sentimento de competência pessoal e segurança para solucionar os problemas.

Quanto à compreensão do desenvolvimento cognitivo, importa ressaltar

que na construção do conhecimento estão inseridas a sensação, a percepção e

a imaginação. Estes processos se desenvolvem através da experiência do

23

indivíduo em seu ambiente. A sensação está relacionada aos órgãos dos

sentidos e a forma como se dá a apreensão dos estímulos presentes no

ambiente, como por exemplo, o conhecimento das características dos objetos,

como formas, cores, sons, além dos fenômenos do meio, a temperatura, dentre

outros.

A percepção se refere à organização das informações obtidas através

dos órgãos dos sentidos em categorias determinadas. Estas categorias estão

relacionadas aos atributos dos estímulos, como forma, peso, altura, entre

outros. “(...) a tais características dos objetos, das pessoas e das situações

percebidas, são atribuídos significados que os qualificam e contextualizam,

dotando-os de sentido, como: grande, pequeno, alto, baixo, liso, rugoso, (...)”

(SAMPAIO, 2009; p. 48). O ato de perceber implica proximidade do objeto no

tempo e no espaço, além do acesso direto ao mesmo. Portanto, a percepção

se refere ao conhecimento que se tem do objeto através do contato direto com

os mesmos. Ela se difere da inteligência, por esta conhecer outros aspectos do

objeto mesmo na ausência deste contato.

A imaginação é uma forma de construir imagens mentais sobre o mundo

real ou situações não vivenciadas diretamente. Para que ela se desenvolva é

necessário que o indivíduo tenha acumulado certo número de experiências

aliada à capacidade de simbolização. Além disso, é fundamental a presença de

um ambiente propiciador de liberdade de pensamento, expressão e a

descoberta do novo, sendo a escola um espaço que tem condições de

desenvolver essa habilidade imaginativa ao estimular a criação, a exploração e

a experimentação.

A criança precisa ter oportunidade de contato com os objetos que estão

ao seu redor, para poder agir sobre eles e percebê-los em seus variados

aspectos, e, a partir daí ser capaz de classificar, incluir, seriar, etc. Isto

resultará no conhecimento do modo de pensar dela e perceber se o tema a ser

trabalhado pelo professor despertará a sua curiosidade. Assim, é

imprescindível que ele conheça as etapas de desenvolvimento da criança, pois

se ela ainda não estiver com uma estrutura cognitiva condizente com o que

24

está sendo ensinado, poderá ocasionar falta de estímulo, interesse e rejeição

por parte do aluno (SAMPAIO, 2009).

Piaget foi um dos teóricos que se dedicou ao estudo do desenvolvimento

cognitivo e descobriu as chamadas estruturas de cognição, responsáveis por

constituírem a nossa inteligência e transformar as informações em dados

significativos. Então, a informação transmitida não funciona como um saber

incontestável que deve ser valorizado para o resto da vida, mas ela poderá ser

ressignificada e transformada a partir das experiências de cada um. Para ele,

as etapas do desenvolvimento cognitivo estão classificadas em: período

sensório-motor (do nascimento até os dois anos aproximadamente), período da

inteligência simbólica ou pré-operatória (dos dois anos aos sete, oito anos),

período operatório concreto (dos sete, oito anos aos onze, doze anos) e

período operatório formal ( a partir dos doze anos, com equilíbrio entre catorze,

quinze anos).

O período sensório-motor é caracterizado pela existência de uma

coordenação sensório-motora da ação. A criança até por volta dos oito meses

é incapaz de se diferenciar do mundo, sendo que a afetividade está centrada

no próprio corpo e sua ação. Ele é subdividido em seis subestádios, conforme

salienta Goulart (apud SAMPAIO, 2009; p. 41-43). O primeiro corresponde aos

reflexos próprios do primeiro mês de vida (sucção, preensão, nutrição) e

restringem-se as coordenações sensoriais e motoras. O segundo são as

Reações Circulares Primárias que aparecem entre um e quatro meses e são

caracterizadas pela repetição de um comportamento emitido pela criança e,

embora exista uma intencionalidade, não se percebe uma finalidade

previamente programada. Com isso, constata-se que não se trata de um ato

inteligente. O terceiro é a coordenação de visão e preensão, na qual se iniciam

as Reações Circulares Secundárias, por volta dos quatro meses até os oito

meses. Essa coordenação leva a criança a agarrar e pegar tudo o que está

próximo. O quarto se refere à coordenação dos esquemas secundários,

visando à obtenção de um objetivo novo e se observa atos mais complexos de

inteligência prática. Este se inicia por volta dos oito meses e vai até os onze

meses e a criança ao realizar um ato e obter êxito no mesmo, tenta repeti-lo

25

em outra situação, utilizando o esquema de assimilação. O quinto é a

diferenciação dos esquemas de ação, por Reação Circular Terciária que

resultará na descoberta de meios novos, ou seja, recorrer a novos esquemas

para alcançar seus objetivos, através do tateamento dirigido. Isto acontece por

volta dos onze meses até os dezoito meses. E o sexto é o início da

interiorização dos esquemas e solução de alguns problemas após interrupção

da ação e ocorrência súbita (inicia-se por volta dos dezoito meses a vai até os

dois anos). A criança não usa mais tateios quando está diante de um problema,

mas para, observa, pensa e apresenta uma resposta para atingir sua meta.

No período pré-operatório, existe uma representação ou simbolização e

uma distinção entre significante (imagem mental, palavra, jogo) e significado

(objeto representado), embora não haja uma organização dos objetos em

categorias lógicas e reversibilidade. O termo flor para a criança representa o

que é familiar e não a classe a que pertence a flor. A representação mental, a

partir dos dezoito meses permite a criança reconstituir ações passadas por

meio de narrativas e de representar cenas assistidas por meio do jogo

simbólico ou mímica. Há o egocentrismo infantil, pois para a criança só existe o

seu ponto de vista. Esse pensamento é caracterizado pelo animismo,

artificialismo e o finalismo. No primeiro, ela atribui vida a todos os seres,

inclusive os inanimados. Já no segundo atribui uma origem artesanal humana a

todas as coisas, ao passo, que na terceira, ela pensa que todos os seres e

objetos têm a finalidade de servi-la. Como exemplo, temos a pergunta: “Para

que serve o bolo? Ela responde: - É para “mim” comer”. Além disso, ela é

incapaz de descentrar o pensamento, que é dito estático.

Na prova de conservação de matéria, quando é apresentada a ela a

mesma quantidade de massa em duas bolinhas e uma delas é transformada

em salsicha, não é capaz de responder que ambas têm a mesma quantidade.

Isto se deve ao fato de ainda não haver a reversibilidade (não entende como a

salsicha poderá ser transformada novamente em bola) e nem a conservação

(independente da forma a quantidade não se altera).

26

Entre cinco anos e meio e sete anos, ela já começa a dar respostas

intermediárias e se tudo correr bem, aos sete anos, já estará no período

operatório concreto. Se a criança possuir uma defasagem cognitiva neste

período, será difícil para ela resolver problemas matemáticos, interpretação de

texto e conteúdos próprios da idade.

No terceiro nível, o Operatório Concreto, o pensamento se torna

reversível e conservador, além do egocentrismo regredir e as ações serem

interiorizadas. E no último e quarto nível, o Operatório Formal ou hipotético

dedutivo, o pensamento se torna independente do concreto e, dessa forma, a

verdade é admitida a título hipotético, ou seja, a dedução lógica agora, não se

efetua mais sobre o real percebido, mas sobre hipóteses. Os estádios possuem

caráter integrativo, ou seja, as estruturas construídas em um estádio são

integradas no seguinte.

De acordo com Piaget (apud SAMPAIO, 2009), para que o

desenvolvimento cognitivo ocorra de maneira satisfatória, o sujeito deve passar

por constantes equilíbrios e desequilíbrios, visto que contribui para a sua

adaptação ao meio. Para haver esse equilíbrio é necessário ocorrer

assimilação e acomodação. Aquela consiste na integração de um dado novo a

um esquema já existente e ocorre em qualquer nível de desenvolvimento.

Enquanto que nesta, há modificação e transformação dos esquemas para que

se possa adaptar ao meio. Ambas acontecem em todo sujeito, porém naqueles

que apresentam dificuldade de aprendizagem, há predominância de um sobre

o outro.

Segundo Fernandez (2001), há o aparecimento das modalidades de

aprendizagem do sujeito, quando ocorre o predomínio de um processo sobre o

outro, devido a inibição precoce de atividades assimilativo-acomodativa. A

hipoassimilação acontece quando há permanência de empobrecimento dos

esquemas de objetos, ocasionando um déficit lúdico e criativo. Além disso,

Andrade (apud SAMPAIO, 2009) também revela que o sujeito tem tanto temor

de errar quanto de acertar, pois o erro revela a sua incapacidade e o acerto o

coloca em posição de destaque. Na hiperassimilação ocorre uma internalização

27

prematura dos esquemas com um predomínio lúdico. O sujeito é questionador

e se prende aos mínimos detalhes, mas nem sempre presta atenção à resposta

solicitada, pois já se encontra formulando outra pergunta. Com isso, possui

dificuldade em selecionar, classificar e ordenar fatos mais importantes, além de

lidar com limites, regras e estabelecer vínculos.

Em relação às atividades acomodativas, observa-se que na

hipoacomodação, a criança tem necessidade de repetir a mesma experiência

diversas vezes, porém ela aparece quando o seu ritmo não foi respeitado. O

sujeito tem dificuldade de estabelecer vínculos tanto em nível emocional quanto

em nível cognitivo. Além disso, ele se assusta diante do novo. Enquanto que na

hiperacomodação, a criança por não ter tido oportunidade de trabalhar sua

autonomia, torna-se sem iniciativa, pouco criativa, submissa. Assim, “Identificar

a modalidade de aprendizagem do sujeito é importante, para que o professor

possa rever sua metodologia, tentando adequá-la às dificuldades do aluno,

com o propósito de ressignificar sua aprendizagem” (SAMPAIO, 2009; p. 65).

Outro aspecto importante a considerar no processo ensino /

aprendizagem para diagnosticar se os objetivos propostos para o mesmo estão

sendo atingidos, é a avaliação. Esta se refere à verificação do nível de

aprendizagem dos alunos e apresenta três funções: diagnóstica, formativa e

somativa. A primeira é realizada no início do período letivo ou de um curso com

a finalidade de constatar se os discentes apresentam ou não os pré-requisitos

imprescindíveis para adquirir novos conhecimentos. Além disso, também é

utilizada para detectar problemas de aprendizagem e identificar suas possíveis

causas a fim de saná-los. Já formativa apresenta uma função de controle e é

realizada no decorrer do período letivo, objetivando verificar os resultados

alcançados pelos alunos durante o desenvolvimento das atividades. Por meio

deste tipo de avaliação é possível também identificar deficiências na

metodologia de ensino, visando a uma reformulação no trabalho didático do

professor e, consequentemente, a um aperfeiçoamento. Enquanto que a

terceira tem uma função classificatória e é realizada ao final de um período e

consiste em classificar os alunos tendo em vista sua promoção de uma série

para outra ou de ano para outro.

28

Ao considerar o processo de aprendizagem como uma construção que

permeia o envolvimento do aprendente nos vários contextos em que está

inserido, o psicopedagogo precisa se voltar para a relação estabelecida entre a

escola e a família. A ocorrência de uma dificuldade apresentada pelo sujeito

não pode ser entendida apenas como um problema individual, mas como uma

conjugação de fatores que envolvem o mesmo, a escola e a família e as

implicações decorrentes destas relações.

Assim, torna-se fundamental o conhecimento acerca destes fatores que

interferem no aprendizado a fim de compreender o porquê do aparecimento da

dificuldade neste processo. Este será o assunto do próximo capítulo.

29

CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE INFÂNCIA E O SURGIMENTO DA ESCOLARIDADE

Para uma maior compreensão acerca do desenvolvimento do processo

de aprendizagem, bem como as dificuldades que podem surgir durante o

mesmo, faz-se necessário tecer algumas considerações sobre a construção

histórica do conceito de infância.

Na Idade Média européia, segundo Áries (1978), não havia uma

distinção entre a criança e o adulto. A fase inicial da vida era vista como um

estado de transição para a vida adulta e a criança era considerada “um adulto

em miniatura” executando as mesmas atividades dos mais velhos e até

vestindo os mesmos modelos de trajes destes.

A partir da Idade Moderna, houve o surgimento de uma nova

mentalidade acerca da infância. No meio nobre, a criança passou a ser vista

como um ser inocente, ingênuo e frágil, e como alguém que precisa de

cuidados específicos. Com isso, os pais passaram a se preocupar com seus

filhos pequenos e a dedicar-lhes mais atenção. Nascia então uma nova

concepção de infância e uma aproximação entre pais e filhos, que raramente

existia anteriormente. Os trajes também sofreram uma diferenciação por idade,

sexo e classe social. Porém, nas classes menos favorecidas economicamente,

as vestimentas de adultos e crianças permaneceram indiferenciadas, como na

Idade Média.

A noção de infância aparece nos finais do século XVII – XVIII, pois antes

desse período, conforme vimos, elas não tinham a sua especificidade

reconhecida: a infância se “confundia” com a vida adulta e não havia uma

instituição social encarregada de transmitir os valores e conhecimentos para as

crianças. Elas aprendiam no convívio com os adultos. Segundo Áries (1978), “a

criança aprendia as coisas que devia saber ajudando os adultos a fazê-las” (p.

30

61). A partir do século XVII e durante o século XVIII, ao longo da consolidação

do capitalismo, houve uma tentativa de separar o mundo infantil do mundo

adulto e,

“a escola acabou se sobressaindo como agência através da qual se devia processar a educação infantil e a criança, pertencente às camadas economicamente mais favorecidas, foi sendo apartada dos adultos para isoladamente, dentro dos muros escolares, ir adquirindo sua formação” (ARIÈS, 1978, p. 61).

Com o advento da Revolução Industrial na Europa, no final do século

XVIII, houve mudanças nas relações de trabalho, passando-se do trabalho

escravo ao assalariado. Neste período, ocorreram muitas descobertas técnicas

e científicas, sendo que estas demandavam um maior tempo de preparo

quanto à assimilação das inovações tecnológicas, retardando o ingresso da

criança na produção. Dessa forma, houve a exigência de uma instituição

responsável para esta preparação, a escola, sendo o ensino primário destinado

à formação da mão-de-obra prática, enquanto que o ensino secundário seria

freqüentado por aqueles que tinham condições de segui-lo até o fim, formando

os grupos hegemônicos.

Na segunda metade do século XX, a partir dos estudos da Escola Nova,

houve a incorporação da idéia de trabalho à rotina dos alunos, visando à

preparação deles para a incursão no meio produtivo industrializado. Assim,

eles deveriam passar por um processo educativo que os preparariam para o

futuro, de forma a aprender as regras de conduta para viverem em sociedade.

Nesta sociedade capitalista desigual, somente os que podem ascender

aos níveis mais elevados de ensino são aqueles pertencentes às camadas

mais elevadas da população. A ideologia dominante reproduz a crença num

único modelo abstrato de infância, que é aquela que será escolarizada, bem

cuidada e preparada para uma atuação posterior. A questão que se coloca é

que nem todas as crianças têm as mesmas condições de vida e acesso aos

mesmos níveis de ensino.

31

Por este motivo, o significado de infância deve ser concebido e vinculado

à inserção social da criança na sua classe, para que ela possa ser analisada a

partir do contexto político, cultural, econômico e social que a mesma está

inserida.

A construção do conceito de infância está, portanto, relacionada ao

surgimento e a consolidação do modo de produção capitalista como uma

realidade a constituir-se num futuro próximo, trazendo à tona a idéia de

progresso. “O que você vai ser quando crescer? A pergunta tantas vezes

repetida pelos adultos ajuda a perceber o quanto a infância tem se apresentado

como uma experiência prospectiva, esvaziada de sentido no seu presente”

(PEREIRA, 2003; p.35).

Há uma lógica desenvolvimentista baseada em um referencial evolutivo

como fundamento para o estabelecimento de diferenças entre adultos e

crianças, sendo propagada e reforçada por uma Psicologia da Infância. Essa

lógica trabalha com o posicionamento da criança marcado por um vir-a-ser, e

não pelo que ela representa no exato instante de sua existência. Em

contrapartida, Castro (2001) discute esta questão e propõe uma alternativa

para a compreensão da infância na época contemporânea que não leve em

consideração a necessidade de uma apreensão da trajetória para se atingir a

vida adulta como condição para se entender o sentido da infância.

A autora trabalha com o conceito de ação, considerando a capacidade

de inserção da criança em seus espaços de convivência e a possibilidade de

sua participação e intervenção no mundo de modo a reconstruí-lo, pois “o

sentido da ação humana se reveste, então, deste caráter de intervenção

contínuo e permanente dos sujeitos humanos nos acontecimentos do mundo”

(CASTRO, 2001; p. 31). Neste sentido, tanto o adulto quanto a criança

contribuem no processo de produção e reprodução da vida e da cultura, ao

revelarem a capacidade de agir, o que os caracteriza como sujeitos singulares

e distintos. A diferença entre eles reside na forma como as condições se

estruturam a fim de possibilitar a ação para ambos.

32

De acordo com a lógica desenvolvimentista, a idéia da especificidade da

infância estaria relacionada a uma condição de estado posterior de

crescimento, ou seja, vir a se tornar um adulto. Isto evidencia que a infância é

sentida apenas como uma transição para a vida adulta, remetendo-se inclusive

ao significado de infância na Idade Média.

Segundo esta perspectiva, a inserção social da criança e o

reconhecimento de seus direitos foram deixados para mais tarde, se

constituindo numa etapa de vida em que carece de cuidados e proteção da

família, além de ser vista como incapaz de decidir sobre os seus próprios

desejos. È inegável que a criança, nos primeiros anos de vida, precisa dos

cuidados de seus pais para sobreviver, mas é necessário sinalizar que esse

controle não deve se tornar excessivo a ponto de decidir o que é melhor para

as crianças, transformando a relação em uma prática de dominação. Este tem

sido um artifício para afirmar a imaturidade infantil em uma tentativa de

legitimar a autoridade que as instâncias superiores (a família e a escola, por

exemplo) exercem sobre as crianças.

Não há uma única forma de entender e conceituar o termo infância. Ela

pode ser entendida como categoria social e como “período da história de cada

um”, que se estende do nascimento até aproximadamente dez anos de idade.

O surgimento da idéia de infância com a sociedade capitalista resultou na

mudança na inserção e no papel social da criança em sua comunidade

(KRAMER, 2006).

A conceituação do termo infância encontra suas barreiras quando há a

nomeação de um único conceito, o de infância burguesa, deixando de lado as

pluralidades oriundas deste termo. È importante que as discussões voltadas

para as questões da infância não estejam pautadas numa visão adultocêntrica

(o adulto interfere na vida da criança sem levar em consideração a presença

dela e a sua forma de apreender o mundo), mas que leva em consideração as

suas demandas e aquilo que as constituem (PEREIRA, 2003).

È neste contexto que a instituição escolar está estruturada como um

sistema de ensino, com o objetivo de promover a melhoria nas condições de

33

vida dos sujeitos inseridos na sociedade. Além disso, ela é responsável não

somente para criar e transmitir conhecimentos, mas também promover a

formação de cidadãos críticos e participativos, capazes de intervir na realidade

com a finalidade de transformá-la. Mas, será que ela tem conseguido alcançar

o seu objetivo? Como tem procedido com aqueles que apresentam um mau

desempenho em seu espaço?

3.1- O fracasso escolar e suas causas

Em nossa sociedade, conforme já foi mencionado, um dos grandes

desafios encontrados pelas instituições de ensino é promover melhorias nas

condições de vida dos estudantes. Porém, o que temos presenciado

constantemente, principalmente nos meios de comunicação, é que do ponto de

vista social, dentre os problemas educacionais brasileiros, o fracasso escolar

tem se apresentado de forma alarmante e persistente.

Bossa (2002) nos alerta para a necessidade de analisarmos este

fenômeno particular, porém sintomático, em sua dimensão social e em sua

singularidade. Além disso, esta autora também afirma ao mencionar Cordié,

que o sintoma escolar é uma patologia recente que surgiu com a instauração

da escolaridade obrigatória no fim do século XIX, em virtude das mudanças

econômicas e estruturais da sociedade.

O termo sintoma escolar se refere a um entrave ao sinalizar em nossa

cultura que algo não vai bem na escola e na relação familiar. Este entrave pode

ser decorrente de vários aspectos culturais, sociais, familiares, pedagógicos,

que não existem de forma isolada, pois não há nada que aconteça no âmbito

de um destes aspectos que não interfira nos demais.

A determinação cultural do sintoma na aprendizagem está relacionada

ao papel da escola na formação do sujeito. Esta instituição está “estruturada

em torno de um conceito imaginário – a criança ideal, que projeta na criança

34

real a culpa pela impossibilidade de concretização dos fins a que se destina”

(BOSSA, 2002, p. 12). Com isso, o resultado do não – aprender em nossa

cultura representa uma desvalorização de si mesmo.

Neste sentido, é fundamental pensar em uma escola que considere ao

mesmo tempo o contexto cultural e a dimensão da singularidade do sujeito, a

fim de que possamos entender o fracasso escolar como um sintoma da

contemporaneidade. Isto se deve pelo fato da escola ser uma das instituições

geradoras desse sintoma social, quando ao invés de se preocupar em formar

cidadãos capazes de analisar criticamente a realidade, contribui para perpetuar

as injustiças sociais e levar os indivíduos a sofrerem os efeitos das mesmas.

Bossa (2002) afirma que:

“(...) diante do sintoma escolar, fomos levados a perceber que existe um sentido particular dado pela singularidade individual e determinado pela estrutura de personalidade do sujeito, que encontra em nossa cultura condições e terreno fértil para a sua formação” (p. 13).

Quando se tratar de dificuldade de aprendizagem escolar é essencial

conhecer as possibilidades do sintoma na história particular de cada sujeito a

fim de compreendermos quais os aspectos da personalidade estão

contribuindo para a predisposição na formação desse sintoma.

Bossa (2002) revela ao dialogar com Luzuriaga, que é importante não

considerar no campo das dificuldades de aprendizagem apenas o potencial

intelectual demonstrado pelo sujeito quando está diante da realização de um

exame, em que é obrigado a mostrar o que realmente aprendeu, mas também

o potencial que possui e não pode usar. E ela afirma que somente estudando a

particularidade do sujeito é que poderemos compreender o sentido do sintoma

escolar. Isto se deve pelo fato de haver outros fatores que podem estar

impedindo um bom desempenho intelectual, como por exemplo, a existência de

conflitos afetivos. O importante é que o “sintoma dificuldade escolar” não

permaneça por muito tempo, pois de sintomático, reversível, passa a ser

definitivo e transformado em problema de aprendizagem.

35

Fernandéz (apud PORTO, 2006) ao se posicionar acerca da diferença

entre fracasso escolar e problema de aprendizagem, afirma que: “no fracasso

escolar, a criança não tem um problema de aprendizagem, mas eu, como

docente, tenho um problema de ensinagem com ele” (p. 19). Isto se deve pelo

fato de que “(...) muitas vezes, os profissionais da educação não conseguem

transpor o conhecimento ensinado para a realidade do aprendente” (COSTA

apud PORTO 2006, p. 16). Scoz (apud PORTO, 2006), também revela que:

“Os problemas de aprendizagem não são restringíveis nem as causas físicas ou psicológicas, nem as análises das conjunturas sociais. Épreciso compreendê-los a partir de um enfoque multidimensional, que amalgame fatores orgânicos, cognitivos, afetivos, sociais e pedagógicos, percebidos dentro das articulações sociais” (p. 13).

As primeiras explicações sobre os problemas de aprendizagem

atribuíram aos fatores orgânicos as causas que desencadeavam os referidos

problemas. Esta concepção organicista se deu por terem sido os médicos os

primeiros a se preocuparem com esta temática.

O fracasso escolar está apoiado sobre duas dimensões que se

articulam: a individual, que diz respeito ao aluno, às suas vivências e a sua

estrutura familiar, e a outra, se refere à escola, aos aspectos culturais,

ideológicos e sociais da aprendizagem. Portanto, a dinamicidade entre esses

aspectos é que se determinará a aprendizagem ou a não aprendizagem da

criança.

Neste contexto, podemos observar a existência de uma busca pelo(s)

culpado(s) de tal fracasso, e, na maioria das vezes, ele tem sido visto como um

problema individual, próprio de cada aluno. Com isso, precisamos ter em mente

que o referido fracasso engloba vários contextos e pode assumir uma função

dentro de cada um deles, como por exemplo, o espaço escolar, as relações

vinculares entre ensinante e aprendente, a família e a sociedade. Portanto, não

pode ser encarado como uma questão puramente individual, mas social,

coletiva.

36

Geralmente, ele é definido como um mau êxito, e a criança que não se

encaixa nos parâmetros impostos pelo sistema, acaba sendo rotulada por não

corresponder às expectativas da instituição, passando a ser vista como a

criança-problema. Para tanto, Porto (2006) sinaliza que “é preciso distinguir

aquilo que é próprio da criança em termos de dificuldades, daquilo que ela

reflete em termos do sistema em que se insere” (p. 17).

Weiss (2008) considera a existência do fracasso escolar quando o aluno

apresenta uma resposta insuficiente em relação aquela exigida pela escola. Ela

ainda chama atenção para o fato de que esta questão pode ser analisada por

diferentes perspectivas: a da sociedade, a da escola e a do aluno.

A primeira é a mais ampla e influencia as demais, pelo fato de estarem

inseridas nela. Por este motivo, é importante localizar e interagir com esse

meio, considerando as relações existentes entre a produção escolar e as

oportunidades reais que determinada sociedade oferece às diversas classes

sociais. Esta questão tem sido motivo de preocupação quando os dados

estatísticos revelam que as altas taxas de fracasso escolar são provenientes da

escola pública e de estudantes oriundos das classes populares. Segundo

Weiss (2008) isto pode ser uma evidência de que:

“Na realidade faltam – lhes oportunidades de crescimento cultural, de rápida construção cognitiva e desenvolvimento da linguagem que lhes permita maior inserção num meio letrado, o que, por sua vez, facilitará o desenvolvimento da leitura e da escrita” (p. 16).

A perspectiva da escola, por sua vez, diz respeito à análise da

instituição, sendo apontada como a maior contribuinte para o fracasso escolar.

Isto se deve pelo fato dela ser vista como o reflexo da sociedade na qual está

inserida. Dessa forma, é preciso ter em mente de que maneira o conhecimento

tem sido transmitido e quais interesses visam atender. Se estiver a serviço de

todos indistintamente, ele deverá ser democraticamente socializado. Então,

para que o aluno absorva certos tipos de conhecimentos, dependerá como as

37

condições sociais determinam a qualidade do ensino e como os mesmos

chegaram até ele.

Neste contexto, o docente, que tem um papel fundamental neste

processo, precisa encontrar um ambiente de trabalho favorável para que ele

possa exercer sua função, além de ter o reconhecimento e o respeito por parte

da sociedade, das famílias e dos alunos, a fim de encontrar o prazer em

ensinar e possibilitar o prazer em aprender. Porém, Weiss (2008) ao mencionar

Pichon Rivière fala a respeito das dificuldades de aprendizagem e das

ansiedades vivenciadas pelo sujeito diante de um conhecimento novo. Este

pode ser resultado de uma forma pedagogicamente inadequada de explicitação

do mesmo. Assim,

“(...) quando os conteúdos do programa escolar, ou seja, as informações trazidas para sala de aula são apresentadas aos alunos de forma inadequada, tornam-se objetos de difícil discriminação; eles se confundem com outros conhecimentos já possuídos e não se integram aos mesmos, gerando grande “confusão” e tornando a elaboração do conhecimento mais demorada e difícil” (pag. 21).

A terceira perspectiva está relacionada ao aluno e às suas condições

internas de aprendizagem. Estas condições irão indicar como o conhecimento

tem sido processado pelo mesmo, revelando o seu desempenho em sala de

aula. Se durante o processo de elaboração do conhecimento aparecerem

condutas diversificadas que atrapalhem o referido processo, “(...) pode afetar

apenas a produção escolar em determinada área ou momento da vida escolar,

gerando, assim, o fracasso escolar” (p. 22).

Patto (1989), em A produção do fracasso escolar: história de submissão

e rebeldia revela em uma abordagem sociopolítica, que o cotidiano escolar é o

“cenário” onde se realiza o processo social de produção do fracasso escolar,

resultante de um sistema educacional gerador de obstáculos à realização dos

38

objetivos escolares. Além disso, “(...) as relações hierárquicas de poder, a

segmentação e a burocratização do trabalho pedagógico criam condições

institucionais para adesão dos educadores à simularidade, a uma prática

motivada, acima de tudo, por interesses particulares, a um comportamento

caracterizado pelo descompromisso social” (p. 24).

O surgimento da escola como instituição encarregada de controle

disciplinar sobre as crianças e elaboração de um saber relacionado à infância,

leva a mesma a assumir este poder disciplinar e instituir a norma como uma

forma de obter controle. Isto trouxe como consequência, um mecanismo de

exclusão, pois aqueles que não conseguiam adaptar-se às regras

estabelecidas e ao ideal de obediência e disciplina eram marginalizados e

passaram a serem vistos como fora da norma, isto é, anormais.

Assim, com o nascimento da noção de criança escolar surge a criança

normal e a anormal, ou seja, aquela que não aprende não corresponde à

norma e, portanto, é anormal, excluída.

Diante dos fatos apresentados, pode-se constatar a importância da

atuação do psicopedagogo na instituição escolar, no que se refere à prevenção

do fracasso e das dificuldades escolares, não só do educando como também

dos educadores e demais profissionais envolvidos neste processo. Para tanto,

a intervenção psicopedagógica é necessária para um investimento na melhoria

das relações de aprendizagem e na construção da autonomia dos mesmos.

39

CONCLUSÃO

Ao longo deste trabalho, tivemos a intenção de discutir sobre os diversos

motivos que levam ao fracasso escolar em nossa sociedade e de que forma o

psicopedagogo institucional pode atuar com a função de detectar e prevenir os

possíveis problemas de aprendizagem que surgirem no espaço escolar.

As altas taxas relacionadas ao fracasso escolar, principalmente de

estudantes oriundos das classes populares, têm sido motivo de reflexão por

parte daqueles que realmente se interessam pela questão da qualidade de

ensino em nosso país.

O referido fracasso tem como características a repetência e a evasão

escolar e, para alguns, ele estaria relacionado a uma deficiência física ou

mental. Outros argumentos também surgem como indícios para explicá-lo,

como por exemplo, problemas relacionados à violência e agressividade dos

alunos como consequência de uma desestruturação familiar, além da falta de

um ambiente favorável para o trabalho dos professores. Com isso, torna-se

necessário voltarmos nossa atenção para a estrutura e o funcionamento da

escola, bem como a qualidade e a metodologia de ensino, pois são apontados

como os principais responsáveis pelas dificuldades de aprendizagem.

Para tanto, ao conhecer as causas que levam uma criança a fracassar,

precisamos ter em mente que esta questão deve ser vista sob vários âmbitos,

de maneira que não se estabeleça um único culpado e nem patologize o

aprendente. Isto se deve pelo fato de que muitas vezes não se levam em

consideração problemas, como a estrutura da escola, o método de ensino, as

relações entre ensinante e aprendente, os aspectos sócio-culturais, a história

de vida do sujeito, entre outras variáveis que podem ser indícios deste

fracasso.

Assim, pode-se perceber a importância do trabalho do psicopedagogo

na instituição escolar de forma a promover a aproximação das relações

interpessoais na escola e das mediações entre as famílias, a fim de favorecer a

40

troca de experiências e a presença de todos no espaço escolar, como uma

possibilidade de reflexão e busca por novos caminhos para a educação.

41

BIBLIOGRAFIA

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BARBOSA, Laura Monte Serrat. A psicopedagogia no âmbito da instituição

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43

ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO ...................................................................................02

RESUMO...................................................................................................05

METODOLOGIA........................................................................................06

SUMÁRIO..................................................................................................07

INTRODUÇÃO...........................................................................................08

CAPÍTULO I

CONCEITUANDO O TERMO PSICOPEDAGOGIA...................................10

1.1 – A Psicopedagogia Institucional e o seu campo de atuação..............13

CAPÍTULO II

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM SEGUNDO A PERSPECTIVA

PSICOPEDAGÓGICA........................................................................................19

CAPÍTULO III

A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE INFÂNCIA E O SURGIMENTO DA

ESCOLARIDADE...............................................................................................29

3.1 – O fracasso escolar e suas causas....................................................33

CONCLUSÃO............................................................................................39

BIBLIOGRAFIA..........................................................................................41

ÍNDICE.......................................................................................................43

44

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito: