universidade candido mendes pÓs-graduaÇÃo … gomes de araÚjo.pdf · 5 resumo esta monografia...
TRANSCRIPT
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
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SOCIEDADE, AMOR E PECADO
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Por: Elizabeth Gomes de Araújo
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Orientador
Profª. Mary Sue Pereira
Rio de Janeiro
2007
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE <>
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SOCIEDADE, AMOR E PECADO
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Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Docência do
ensino superior sob orientação da professora
.............
3
AGRADECIMENTOS
A minha amada mãe, que soube ser
mãe e pai, doando seu amor e sua
juventude em função do meu bem-
estar.
A todos os meus familiares, pelo apoio
e confiança que sempre demonstram.
A todos os meus amigos, cujo carinho
e compreensão foram importantes.
5
RESUMO
Esta monografia dirige seu olhar pesquisador sobre o tema do amor
exposto em três romances de Eça de Queirós: O crime do Padre Amaro
(1875), O primo Basílio (1878) e Os Maias (1888), uma questão que
enquadra o panorama da sociedade lisboeta do século XIX.
Segundo as correntes cientificas e filosóficas que enfatizam os princípios
realistas, Eça expõe problemas concretos de seu tempo, sem preconceitos ou
convenções. Apresenta seus personagens compostos de desvios morais
decorrentes de uma realidade cuja sociedade se encontra em decadência. Nos
romances o ambiente assume um relevo excepcional: suas cidades e
províncias ligam-se à vida dos personagens, seres pecadores, que são
moldados a partir do ambiente em que se encontram, sendo passíveis ou não
de transformações em seu comportamento, no decorrer da narrativa.
O amor no texto eciano, que se instaura como realista, manifesta-se
como um sentimento decorrente de forças naturais que têm, por conseqüência,
o sofrimento e o pecado.
6
METODOLOGIA
Este trabalho monográfico busca analisar pontos temáticos expostos nos
romances: O crime do Padre Amaro, O primo Basílio e Os Maias de Eça de
Queirós, sob a visão das novas idéias estética do século XIX, em pontos que
discutem a sociedade, o ambiente e seus habitantes, o desejo feminino e
masculino vinculados ao sentimento do amor.
Impregnado de espírito crítico, Eça aponta os erros existentes nos
personagens que habitam os três romances, pretendendo a denúncia e a
reforma social. O amor aparece desvinculado dos sentimentos românticos,
dando este a representação de instinto natural existente em todo ser vivo. A
sociedade aparece à margem das leis sociais e divinas, refletindo a decadência
de um sistema político falido. As cidades narradas condicionam os homens. As
ambientes freqüentados por ele e a influência de vícios e maus hábitos
explicam a sua natureza, sendo o meio social o causador da degradação moral
de cada indivíduo.
Com base para a análise desses pontos temáticos abordados nas obras
de Eça de Queirós, fez-se uso de pressupostos teóricos nos estudos de
Antonio Candido (1968), que apresenta a construção do personagem; de
Gastom Bachelard (s.d), que revela a importância da construção dos
ambientes; de Alberoni (1997), que explana as diferentes formas de desejo
existentes entre homem e mulher numa relação amorosa e Saraiva e Lopes
(1976) que apresentam conceitos da história literária portuguesa. Calcado
nesses pressupostos teóricos, o trabalho teve como objetivo verificar o
ambiente em que viviam os personagens e sua influência na formação de
caráter dos indivíduos e nas mudanças de seus comportamentos, com a
pretensão de responder se o homem forma a sociedade decadente ou se a
sociedade que transforma o homem em um ser transgressor. Para isso, foi
7
necessária a apresentação do ambiente e a explanação de alguns
personagens na caracterização do circuito social contido nas narrativas.
Buscou-se verificar também o sentimento do amor, que é apresentado nos
romances de forma crua e cruel. Diante da impossibilidade da plena e feliz
realização amorosa que ocorre entre os protagonistas expostos nas três obras,
a análise transcorreu com o objetivo de responder a reflexão em que se
pergunta se existem diferenças entre o desejo do homem e o da mulher
quando vivenciam uma paixão. Embora a paixão entre os personagens fosse
recíproca, a análise dos romances revela que sua realização não depende
somente dos amantes e de seus desejos, está, também, atrelada aos costumes
e às convenções sociais, que possibilitam ou impedem a concretização da
paixão eterna e feliz entre aqueles que amam.
8
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 09
CAPÍTULO I - O Realismo em Portugal 10
CAPÍTULO II - O ambiente social na construção
dos personagens 17
CAPÍTULO III – Um sentimento chamado amor 34
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45
FOLHA DE AVALIAÇÃO 46
INTRODUÇÃO
9
Este trabalho tem como objetivo estudar pontos temáticos expostos em
três romances de Eça de Queirós, O crime do Padre Amaro (1875), O primo
Basílio (1878) e Os Maias (1888), em questões que discutem a sociedade, a
mulher portuguesa e os conturbados relacionamentos amorosos narrados sob
a ótica dos princípios realistas do século XIX.
O estudo mais profundo da obra de Eça de Queirós permitiu apreender
suas intenções de revelar um panorama da sociedade lisboeta em diferentes
épocas. A maneira de ver o mundo que o cercava resulta na criação de um
estilo próprio e adequado às novas idéias estéticas da época (sua obra é uma
vasta fonte de riqueza para os estudantes e professores de Literatura, que se
deleitam ao analisarem a construção detalhada dos personagens, ambientes,
espaços e principalmente com uso da linguagem e suas muitas possibilidades.)
Cada um destes romances expõe um determinado aspecto
considerado marca da sociedade portuguesa do século XIX: O romance mais
polemico de Eça O crime do Padre Amaro mostra a influência do clero na
burguesia provinciana; em O primo Basílio vemos uma família lisboeta
fragilizada pelo adultério feminino; e em Os Maias, a alta burguesia lisboeta
ociosa e parasitária.
Diante deste panorama social, o clero aparece-nos desvirtuado de seus
princípios morais, convertendo a religião numa cumplicidade de vícios ocultos.
A família aparece viciada pela sua defeituosa constituição e pela ausência de
vida social das mulheres. E a burguesia reduz-se à intriga de indivíduos que se
entrelaçam em um meio social medíocre.
CAPÍTULO I
10
O REALISMO EM PORTUGAL
O Realismo ocorre em meio a circunstâncias históricas dinâmicas, por
se verificarem profundas alterações no campo da ciência, da filosofia, e nas
estruturas artísticas e sociais. O mundo físico passa a ser visto e avaliado sob
o ponto de vista da ciência. Desenvolvem-se algumas correntes filosóficas e
científicas de destaque como o Evolucionismo, de Darwin, segundo o qual, o
meio ambiente condiciona a vida de todos os seres, permitindo que apenas os
mais fortes sobrevivam; o Positivismo, de Auguste Comte, para o qual o único
conhecimento válido é o que vem das ciências; e o Determinismo, de Hippolyte
Taine, que defendia a tese de que o comportamento humano está
condicionado ao meio, raça e momento histórico.
Nas artes, começavam a ter lugar aspectos dessa nova realidade. O
Realismo manifestava-se pela representação anti-sentimentalista e objetiva
dos dados reais, promovendo uma visão crítica dos valores religiosos e sociais.
Na pintura, o povo torna-se tema freqüente, demonstrando uma identidade
entre a verdade artística e a social. A obra de arte passa a ser um meio de
protesto contra a ordem social e os desmandos das classes dominantes
existentes na época.
A partir de 1860, em Portugal, surge uma nova geração de escritores,
estudantes da Universidade de Coimbra, influenciados pelas novas idéias de
engajamento com o propósito de reformar a sociedade, que acatam o
realismo como combate aos ideais românticos existentes, aos quais atribuem
a responsabilidade pelo atraso do seu país.
Em 1861, Antero de Quental, inspirado pelos novos ideais de reforma,
reúne estudantes das diversas faculdades de Coimbra numa associação que
denominou Sociedade do Rio e, em 1855, publica as Odes Modernas. Antero
de Quental cria a polêmica Questão Coimbrã (1865/1866), e considera a
11
discussão dos problemas sociais uma responsabilidade do escritor,
transformando a literatura em instrumento de reflexão crítica, voltada para a
realidade social de seu tempo. Sob o desejo ardente de renovação, na
Conferência do Cassino, Eça de Queirós decreta a linha de pensamento do
grupo, com a palestra “A Literatura Nova: o Realismo como nova expressão da
arte”, cujo objetivo é defender a idéia de uma arte comprometida com a
realidade social e aliada à ciência. Eça de Queirós estabelece o alicerce da
literatura portuguesa: ser a expressão da revolução nas artes. Defende idéias
de uma nova arte em Portugal que propõem a reação aos falsos sentimentos e
emoções que dominavam a literatura da época; esta expressão nova será uma
lei, um roteiro do pensamento humano no espaço do belo, do bom e do justo,
pautado no real histórico.
Para Eça, o realismo na arte dever ser adequado ao seu tempo, retratar a
vida contemporânea. A arte não deve ser destinada a causar impressões
passageiras; nega, assim, a arte pela arte; deve ser análise e busca da
verdade absoluta com a finalidade de corrigir e ensinar.
A nova arte defendida pelo romancista português volta-se para o ideal de
justiça e verdade, visando a solução de problemas sociais. Surge a concepção
de uma arte comprometida, que deveria ser uma arma de reforma e ação
social, de modo a construir uma sociedade perfeita, calcada nos moldes
científicos.
1.1 Eça de Queirós
O romancista português José Maria Eça de Queirós nasceu em 25 de
outubro de 1845, em Póvoa de Varzim. Após a morte de seus avós, por
quem foi criado até os dez anos de idade, é internado no Colégio da Lapa,
no Porto. Na juventude, com apenas dezesseis anos, ingressa na
Universidade de Coimbra para cursar Direito, local onde conhece e torna-se
amigo de Antero de Quental. Aos vinte e um anos, já formado, transfere-se
para Lisboa onde se estabelece como advogado. Em 1867, é convidado a
12
dirigir o jornal Distrito de Évora, experiência que levou Eça, ainda jovem,
a tomar consciência dos problemas existentes em seu país e preparar-se
para futura e brilhante carreira literária.
Em parceria com Ramalho Ortigão, funda a revista de crítica social As
Farpas (1871). Dois anos depois, participa de forma dinâmica e decisiva das
Conferências no Casino Libonense, as quais almejavam e clamavam por
mudanças imediatas nas artes.
Com a publicação do romance O crime do Padre Amaro em 1875,
inaugura, em Portugal, o Realismo na literatura. Considerado um dos
maiores ficcionistas do Realismo português, Eça teve como objetivo uma
literatura compromissada em intervir na realidade social. Crítico feroz da
sociedade portuguesa de seu tempo, passeia pelo humor e o trágico,
denunciando com elegância, ironia e sarcasmos as mazelas, hipocrisias e
comportamentos nocivos existentes na época. Destaca-se com um dos
grandes artistas que moldaram a língua portuguesa e pode-se dizer que das
suas mãos saíram a técnica e os paradigmas estilísticos ainda hoje mais
correntes da língua literária.
Em 1900, morre em Paris, a 16 de agosto, deixando uma obra
inconfundível que representa um marco expressivo no Realismo universal.
1.2 O romance realista
O romance como gênero literário tem um extraordinário privilégio de
maleabilidade, pois se adapta a todas as naturezas, abrange todos os
assuntos e visa diferentes objetivos. Ora é a paixão, ora a busca da verdade,
ora os desencontros e desilusões; não está sujeito a inconvenientes e não
conhece outros perigos a não ser a sua eterna liberdade. O século XIX
configura-se inegavelmente o período mais glorioso da história do
romance. Depois das inesgotáveis experiências dos
13
românticos, o romance foi revestido de novas formas, passando a explanar
novos conteúdos estéticos e literários. Com os autores realistas, a obra
romanesca aspira aos estudos científicos dos temperamentos e dos meios
sociais.
Os personagens do romance realista são geralmente apresentados
através de um retrato, mais ou menos minucioso quanto à fisionomia, ao
vestuário, ao temperamento, ao caráter, ao modo de vida do personagem
em causa. Balzac deixou em muitos de seus romances esta interpretação do
retrato dos personagens em um determinado meio social.
Os personagens ou situações representativas de uma época histórica
permitiram que fossem estabelecidas relações dinâmicas entre o texto e a
totalidade histórica em que a obra se insere. Sendo assim, embora a arte
crie seres ficcionais, esses seres, por possuírem reações, comportamentos,
sentimentos típicos de uma determinada realidade histórica, passam a
referir-se ao verossímil que se instala na obra ficcional. Os heróis altivos e
dominadores, característicos das narrativas românticas, cedem lugar a
indivíduos em constante quebra e conflito com determinadas questões
sociais contemporâneas (homossexualismo, adultério, sadismo, corrupção
de valores morais).
O texto realista não é apenas construído pela narração de fatos que
transformam uma determinada situação inicial, mas também com a
descrição que tem por função representar personagens, objetos e vários
aspectos geográficos e histórico-sociais. A descrição é o principal recurso de
que o autor romancista dispõe para conceber o espaço em que transcorrer a
narrativa, por isso, num romance realista, as descrições são muito
freqüentes e fundamentais.
O mundo definido e representado pela narração torna-se inconcebível
fora do fluxo da temporalidade. É freqüente no romance português do século
XIX, figurar na abertura do capítulo inicial uma indicação de tempo,
caracterizando por delimitações estritamente cronológicas relativas ao
14
calendário do ano civil – anos, meses dias, horas, ou por informações
apresentando um significado cósmico – ritmo das estações, ritmo dos dias e
das noites e até por dados concernentes a uma determinada época, e
ocorrem também as referências de espaço (lugares, vizinhanças, traçado de
interiores ou exteriores, espaço aberto ou fechado, salas, quartos etc.)
A casa que os Maias vieram habitar em Lisboa, no
outono de 1875, era conhecida na vizinhança da rua de S.
Francisco de Paula, e em todo o bairro das Janelas
Verdes, pela casa do Ramalhete ou simplesmente o
Ramalhete.(Eça, 2001,p.9).
Outro recurso de que os romancistas se servem com freqüência é a
analepse, que permite esclarecer ao narratário sobre os antecedentes de
uma determinada situação, e desempenhou uma função muito relevante no
romance realista quando, na apresentação dos personagens, auxilia na
análise, sob a visão positivista, das forças determinantes-hereditariedade,
influência do meio, constituição filosófica e temperamental - que modelam
aqueles personagens.
O pai de Amaro tinha morrido de apoplexia; e a mãe, que
fora sempre tão sã, sucumbiu, daí a um ano. Tinha uma
irmã mais velha que desde pequena vivia com a avó em
Coimbra, e um tio, merceeiro abastado do bairro da
Estrela. Mas a senhora marquesa ganhara amizade a
Amaro; conservou-o em sua casa, por uma adoção tácita;
e começou, com grandes escrúpulos, a vigiar a sua
educação.(Eça,1971,p.29).
.
15
Com uma linguagem que se caracteriza pela utilização de imagens
denotativas e construções que obedecem á ordem direta, o romance realista
constitui a forma artística representativa de um mundo desmistificado e
desdivinizado, onde o herói problemático exprime uma nova realidade.
1.3 O romance realista eciano
Adaptando-se aos novos ideais revolucionários nas artes, o romance de
ficção deixa de ter a função de entretenimento e prazer para tornar-se uma
arma de combate e crítica às instituições que constituíam a sociedade
burguesa. O movimento objetivava o desmascaramento dos males sociais, era
comum a obra organizar-se sobre teses sociais, buscando explicações para os
problemas observáveis na sociedade. O artista arquitetava suas histórias como
um cientista, e o raciocínio tornava-se a matéria prima dos romances. O lado
prosaico da vida passava a ser tema freqüente da literatura, tendo como meta
retratar a sociedade contemporânea do século XIX.
Ao longo de sua carreira dentro das propostas revolucionárias
literárias realistas, Eça de Queirós se preocupou em construir textos nos quais
pudesse estabelecer críticas à sociedade portuguesa, a oposição ao clero
português, e denúncias contra a passividade com que aquela sociedade
aceitava a decadência vigente.
Com base nas teorias realistas, Eça desenvolveu uma interação entre
o homem e ambiente físico, de modo que cada ambiente influência na
formação de caráter dos personagens, que se manifestam literariamente por
carregarem: traços de hostilidade, cinismo, passividade, sensualidade como
explicação e para justificativa de seus comportamentos.
Intencionalmente, este escritor realista apresenta ao seu público leitor
personagens que se revelam sínteses de pessoas reais, são calcados na dura
realidade portuguesa de seu tempo, donos de desvios de caráter que
comprometem sua conduta social e religiosa, promovendo, por influência do
.
16
meio em que vivem, o rompimento de todo e qualquer modelo social
padronizado.
Do ponto de vista estilístico, Eça de Queirós é um autor sempre presente
na cultura de língua portuguesa, pela versatilidade que soube desenhar em
suas descrições, pela riqueza vocabular, pela sutileza com que capta, mediante
a palavra certa e a imagem inovadora, os matizes do psicológico. Seu texto
seduz pela sensorialidade, pela renovação do sentido, pelos recursos fônicos.
A adjetivação e as associações através das quais surge uma descrição, uma
cena, um quadro, produz um sentido humano às coisas inanimadas e induzem
o leitor a uma representação do mundo. Eça de Queirós inseriu no romance o
pitoresco, a audaciosa desarticulação da língua e a ironia na crítica aos valores
estabelecidos. Por todas essas qualidades sua obra é referência e objeto de
estudo, até os dias atuais, pelos estudantes de Letras.
Por suplantar os limites de realismo crítico, a obra eciana representa
uma das melhores tradições progressistas de século XIX, na vivacidade de
suas denúncias, na profunda individualização de seus personagens, através
das quais o autor revelou suas próprias idéias e sentimentos. Sua arte
persegue os desígnios a que se destinara, fustigando um mundo que se
tornara tenso pelo acúmulo de erros e de vícios.
CAPÍTULO II
17
O AMBIENTE SOCIAL NA CONSTRUÇÃO DOS
PERSONAGENS
Eça de Queirós, criador de seres fictícios habitantes de paisagens reais,
em rígida obediência aos preceitos do Realismo, procura fazer coincidir o
espaço físico existencial com o caráter de seus personagens. A descrição
detalhista e minuciosa elaborada por Eça junta elementos diegéticos
dinamizadores da construção romanesca as quais ajudam a caracterizar os
personagens e revelar suas atitudes mentais, a criar uma atmosfera favorável
para o desenrolar do conflito e são influentes na organização da trama.
É manifestação própria das preocupações de objetividade do romance
realista a caracterização e a localização detalhada do espaço físico ou cenário
onde agem os personagens, cujos movimentos nos vão proporcionando o
desdobrar da ação, o seu ritmo e o seu tempo. Nos romances em análise o
espaço físico não é puramente estético ou gratuito: gera o diálogo, dinamiza a
ação, projetando-se, muitas vezes, no seu comportamento e estado de espírito.
A sociedade é sempre criticada. As profissões e ocupações, as classes sociais,
a religião, sofrem o crivo do olhar agudo que desvenda até mesmo os mais
íntimos e obscuros pontos.
A humanidade que caracteriza os indivíduos da sociedade observada
explode em cada circunstância de modo inesperado. Neste campo está a
paixão, o adultério, o incesto, ambição. Todos temas de escárnio, sátira e
ironia, são elementos que, em obras como O crime do Padre Amaro, O primo
Basílio e Os Maias, dizem respeito ao espaço social português. O estilo de
Eça determina o surgimento de um retrato que se fixa pela negatividade, onde
o homem é um produto das circunstâncias que o envolvem, as obras em
analise acabam por estabelecer uma identidade de um povo.
2.1 – As cidades
18
Observador implacável da sociedade portuguesa, Eça de Queirós
construiu amplos painéis sociais, onde retrata a sociedade portuguesa do
século XIX e por este procedimento desenha a identidade do povo português,
revelando sua maneira de viver e de ser.
Com o romance O crime do Padre Amaro, o autor tinha a intenção de
apresentar um quadro crítico da vida portuguesa, compondo um cenário de
todas as mazelas da sociedade de seu tempo, o clero desregrado e a pequena
burguesia de Leiria. Eça de Queirós mostra em detalhes o provincianismo do
ambiente humano da cidade, os aspectos que demonstram a monotonia de um
povo desprovido de interesses, distanciado da modernidade que aflorava em
toda Europa, e a caracterização de ambientes físicos cujos traços derivam dos
personagens que deles são responsáveis. A descrição do ambiente físico
retrata o espaço no qual seu romance está inserido e acaba por produzir maior
veracidade aos seus escritos. Belas e famosas cidades portuguesas e
províncias do interior do país aparecem descritas em muitos de seus grandes
romances. Em O crime de Padre Amaro, o primeiro e o mais polêmico
romance de Eça, a história se passa, em quase toda a sua totalidade, na
cidade provinciana de Leiria, interior de Portugal. O autor descreve com muita
veracidade os personagens e o espaço ao qual pertencem e consegue
apresentar em minúcia o ambiente provinciano da Leiria da metade do século
XIX. O autor exibe a praça das Arcadas, o coração de Leiria, funcionando como
um marco importante na vida da província. Local onde se inicia toda a
problematização da trama novelesca, a praça tornou-se o local onde se davam
acontecimentos marcantes na vida de alguns personagens como a chegada de
Amaro à cidade.
Eram quase nove horas, a noite cerrada. Em redor da
Praça as casas estavam já adormecidas: das lojas
debaixo da arcada saía a luz triste dos candeeiros de
petróleo, entreviam-se dentro figuras sonolentas,
caturrando em cavaqueira, ao balcão. As ruas que vinham
dar à Praça, tortuosas, tenebrosas, com um lampião
19
mortiço, pareciam desabitadas. E no silêncio o sino da Sé
dava vagarosamente o toque das almas.(Eça,2001,p.24)
Em Os Maias, personagens como Carlos Eduardo, João da Ega, o Teles
da Gama e outros, foram estudantes em Coimbra e tiveram suas vidas
renovadas pela placidez que envolvia a cidade. Vivamente presente na
memória de cada um, a cidade era sinônimo de instrução, conhecimento e de
mudança de vida; não há como negar a importância com que o autor retrata
Coimbra, cidade capaz de estabelecer novos princípios na vida de cada
personagem.
Carlos, naturalmente, não tardou a deixar pelas mesas,
com as folhas intactas, os seus expositores de medicina.
A Literatura e a arte, sob todas as formas, absorveram-no
deliciosamente. Publicou sonetos no instituto – e um
artigos sobre o Partenon; tentou, num atelier improvisado
a pintura a óleo. (Eça,2001,p.62)
Lisboa é um grandioso cenário de magia e estilos criadores. A
pormenorização de certos ambientes, como a descrição de deslocações dos
personagens através de Lisboa, permitiu situar e determinar locais capazes de
constituírem um roteiro bastante preciso da geografia novelística queirosiana
de Lisboa, tal como o passeio de Luísa e do conselheiro Acácio em O primo
Basílio. O autor eterniza a cidade ao mundo subjetivo do leitor, tornando-a
intimamente conhecida e quase visualizada. Seus personagens são tão cheios
de vida, que se identificam plenamente com a vida da cidade de Lisboa. No
romance Os Maias, o personagem Maria Eduarda retrata bem este sentimento
ao manter um enorme desejo em seu coração; rever o sol de Lisboa.
Mas a triste senhora continuava a choramingar. O que
realmente apetecia era Lisboa, as suas novelas, os
santos devotos do seu bairro, as procissões passando
20
num rumor de pachorrenta penitência por tardes de sol
e de poeira.(Eça,2001,p.17)
O leitor transporta-se para a narrativa e identifica com certa precisão a
localização de muitos pontos da Lisboa antiga, percebe-se neste momento a
intenção do autor em perpetuar a cidade, deixando-a intacta ao longo dos
tempos. A sociedade portuguesa se modificaria, mas o sol de sua
esplendorosa Lisboa estaria eternizado na vida de seus personagens e de
cada leitor.
Os tons de otimismo, na descrição de cenas urbanas nos romances
realistas, são raros. A cidade de Lisboa irá refletir o sentimento que percorre a
obra – o sentimento de caducidade econômico-social da pátria e da
degenerescência da raça, através de uma lente impiedosamente inquisitorial.
O romance O primo Basílio tem seu espaço físico caracterizado na
belíssima capital do país; porém os lugares em que vivem os personagens não
assumem um destaque excepcional de “quase personagens” como em Os
Maias. Percebe-se certa despreocupação do autor em descrever com precisão
a localização dos bairros, das ruas; Lisboa aparece como um lugar comum
onde seus personagens vivem toda a problematização que nos desvenda o
romance. A cidade adquire um caráter universal, pois em qualquer lugar do
mundo existe uma “Lisboa”, cuja terra é profanada pelos mais impuros
sentimentos de uma sociedade. Esta terra comum a todos os povos dá à vida
um dos mais importantes personagens do romance, o conselheiro Acácio,
homem que personifica a mediocridade vazia numa linguagem preciosa.
Ao descrever a caracterização geográfica do cenário onde atuam os
personagens, o romancista leva não só o leitor português a uma viagem pelas
regiões de Portugal, familiarizando-o com sua terra e seu povo, com seus
costumes, hábitos e mazelas, mas conduz, pelos mesmos caminhos, aqueles
outros leitores de todo o mundo que mergulharem nas páginas,
encantadoramente escritas, de suas narrativas.
21
2.2 – Ambiente e personagens
Eça de Queirós é freqüentemente chamado por seus leitores e
estudiosos de moralista e crítico da sociedade. Através da ironia sutil, de
sarcasmos, de sátiras de maior ou menor contundência, o autor desvela as
máscaras individuais e sociais e expõem os ridículos, as vaidades, as
incongruências observáveis nos comportamentos particulares e nos valores
instituídos na sociedade.
A idéia subjacente ao julgamento de um escritor moralista e critico da
sociedade é sempre a de que, por trás da ironia ou da sátira, está a intenção
de corrigir os desvios sociais. Em outras palavras, a crítica se dá a partir da
pressuposição de uma perfeição anterior, objeto da inspiração do ironista. A
ironia eciana está relacionada à existência de uma oposição entre o real e o
ideal, entre o que é e o que deveria ser. Percebe-se facilmente seu estilo
irônico nas últimas páginas de sue romance O crime do Padre Amaro, com a
cena de dois padres infames e o aristocrata reacionário, confraternizando-se e
congratulando-se por Portugal não se dobrar às tentações do liberalismo e
socialismo.
-A verdade, meus senhores, é que os estrangeiros
invejam-nos ... E o que vou a dizer não é para lisonjear as
vossas senhorias: mas enquanto neste país houver
sacerdotes respeitáveis como vossas senhorias, Portugal
há de manter com dignidade o seu lugar na Europa.
Porque a fé, meus senhores, é a base da ordem! (Eça,
1971,p. 487)
Em sua prática irônica Eça desmistifica, desvela formas carentes de
valor, não obstante tidas com significativas por indivíduos isoladamente ou por
grupos sócias. Neste ponto, a ironia é a negação da história, pois ele submete
os fatos a um minucioso exame que acaba por revelar a sua falsidade e falta
de substancia. Romance cujo enredo é um simples pretexto para combater os
22
sacerdotes, há uma desmistificação de clero, representado pela personagem
do padre Amaro. Um padre, que deveria se símbolo de amor e santidade, tem
nas páginas do romance o esvaziamento de sua postura eclesiástica, através
de uma narrativa reveladora dos mais profanos sentimentos de um indivíduo
escravizado pelos dogmas religiosos. Na audácia do tema, o autor desvenda
as mazelas que infamavam a vida eclesiástica, os desejos de Amaro
contrariando sua fé, os cônegos bem nutridos, contrastando com a pobreza
que assombrava as aldeias, e a beatice tolamente dispostas a qualquer
sacrifício para servi-los.
Amaro apresenta o indivíduo que tem seus desejos reprimidos pelas leis
sacerdotais, mas não deixa de praticá-los uma vez que encontra muitas
facilidades nesta hipócrita sociedade em que se insere. Realização artística do
realismo em terras portuguesas, O crime do padre Amaro alude às
fragilidades da alma humana dotada de desejos, emoções, sentimentos e
manias, em uma narrativa de denuncia contra uma vida aparentemente
religiosa cultuada pelos párocos que exerciam grandes influencia sobre a
sociedade lisboeta. Ao narrador não escapa nem mesmo o livro de rezas
Cânticos de Jesus, “obrazinha beata” na qual os padres encontravam
refrigério para seus mais profundos conflitos carnais.
Quando descia para seu quarto, ia sempre exaltando.
Punha-se então ao ler os Cânticos a Jesus, tradução do
francês publicada pela sociedade das Escravas de Jesus.
É uma obrazinha beata, escrita com um lirismo equívoco,
quase torpe – que dá à oração a linguagem da luxuria:
Jesus é invocado, reclamando com as sofreguidões
balbuciantes de uma concupiscência alucinada: “Oh!,
vem, amado do meu coração, corpo adorável, minha alma
impaciente quer-te! Amo-te com paixão e desespero!
Abrasa-me! ... (Eça,1971,p.94)
23
Disposto a tornar os padres odiosos, e transportando o leitor a uma
visão mais critica do clero, na primeira edição do romance, este autor realista
faz com que Amaro lance ao rio o filho recém-nascido. Tendo sido recriminado
pelo absurdo da cena, na segunda edição corrigida, Eça deixa sutilmente
subentendido que Amaro entrega seu filho nas mãos de uma “tecedeira de
anjos” para que esta exerça o juízo sobre o destino da criança. Apesar de ter
cortado a polemica cena, encontram-se muitas outras que nos causam
verdadeira repulsa, como é o caso do trecho em que nos relata o almoço que o
Cônego Dias oferece ao Padre Amaro.
Um pobre então viera à porta rosnar lamentosamente
padre-nossos; enquanto Gertrudes lhe metia ao alforje
metade de uma broa, os padres falaram dos bandos de
mendigos que agora percorriam as freguesias.
- Muita pobreza por aqui, muita pobreza! – dizia o bom
abade – Ó Dias, mais este bocadinho de asa!
- Muita pobreza, mas muita preguiça – considerou
duramente o Padre Natário. (Eça,1971,p.106)
O lado obscuro e perversos dos párocos se evidência nesta cena ao
demonstrar a indiferença com que tratavam os pobres. Sob uma visão
eclesiástica deturpada, contrastando com a vida regalada dos párocos tem-se
a pobreza visualizada não como uma eficiência social mas como fruto a
preguiça individual. Em Os Maias, a problemática é abordada sob a ótica da
alta sociedade através das personagens de Maria Eduarda e Carlos da Maia.
- Socialista, legitimista, orleanista. – dizia ela – qualquer
coisa, contanto que não haja gente que tenha fome!
Mas era isso possível? Já Jesus, mesmo, que tinha tão
doces ilusões, declarara que pobres sempre os haveria...
24
- Jesus viveu há muito tempo, Jesus não sabia tudo...
Hoje sabe-se mais, os senhores sabem muito mais... É
necessário arranjar-se outra sociedade, e depressa, em
que não haja miséria. Em Londres, às vezes, por aquelas
grandes neves, há criancinhas pelos
portais a tiritar, a gemer de fome...É um horror! E em
Paris então! (Eça,2001,p.237)
Observa-se que tanto a pobreza quanto a fome incomodam a sociedade,
mas este incômodo pode ser analisado em duas perspectivas. Primeiramente,
pode-se compreender que o personagem Maria Eduarda, em seu diálogo, pode
representar uma parte a sociedade que realmente se compadece dos
necessitados e deseja que algo seja feito para que esta realidade mude; por
outro lado, o personagem pode representar outra parte dessa sociedade que
vê na pobreza e na fome uma ameaça e destronar o reinado da glória de seu
país. Para estes, o problema tem solução com a formação de uma nova
sociedade sem miséria. A fome é um índice de que não só a política social do
país com também a própria sociedade estão fazendo vítimas, que muitas
vezes são fatais.
Em outra cena, há o retrato do comportamento desta sociedade diante
da escravidão. O personagem João da Ega acreditava no progresso da
civilização por meio da escravidão dos negros.
- V. Ex. pois é em favor da escravatura?
Ega declarou muito decisivamente ao sr. Sousa Neto que
era pela escravatura. Os desconfortos da vida, segundo
ele, tinha começado com a libertação dos negros. Só
podia ser seriamente obedecido quem era seriamente
temido...Por isso ninguém agora lograva ter seus sapatos
bem envernizados, o seu arroz bem cozido, a sua escada
bem lavada, desde que não tinha criados pretos em quem
fosse lícito dar vergastadas... Só houvera duas
civilizações em que o homem conseguiria viver com
25
razoável comodidade: a civilização romana e a civilização
especial dos plantadores da Nova Orleães. Por Que?
Porque numa e noutra existira a escravatura absoluta, a
sério com o direto de morte! (Eça, 2001,p.252)
Percebe-se o tratamento que o negro recebia dentro da sociedade
portuguesa. O negro era visto como um escravo carente de direitos e que vivia
à mercê de uma sociedade dominadora e preconceituosa. Por comida e de um
lugar para dormir, sujeitava-se à crueldade de seus senhores. O desconforto
provocado pela libertação dos escravos trouxe certas privações à nobreza da
sociedade portuguesa e muitos já se queixavam amargamente dos criados
modernos por não serem tão submissos ao serviço escravo com os negros
eram.
Em O primo Basílio, o conflito entre as duas classes sociais está
retratado na relação dos personagens Luísa e Juliana. Típica senhora
sentimental, profundamente ociosa, Luísa é ameaçada por Juliana, uma criada
insaciável por vingança e chantagem. Juliana, apesar de personagem
secundária, concentra em si a causa dramática do conflito central no romance.
Seu caráter e sua história possuem uma autenticidade surpreendente, como se
representasse a classe explorada e sofredora dos criados em contra ponto com
a vida regalada de seus senhores. Na verdade, o personagem não
constitui um símbolo universal de uma classe escravizada; observa-se que se
trata de um caso pessoal, pois o seu passado é que lhe justifica todo o
azedume que cultiva contra todos, principalmente contra sua patroa.
Servia havia vinte anos. Como ela dizia mudava de amos,
mas não mudava de sorte. Vinte anos a dormir em
cacifos; a levantar-se de madrugada, a comer os restos, a
vestir trapos velhos, a sofrer os repelões das crianças e
as más palavras das senhoras, a fazer despejos, a ir para
o hospital quando vinha a doença. (Eça,1982,p.42)
26
O personagem de Juliana representa o fruto de uma sociedade que tem
como única finalidade o seu próprio benefício. Ao negar oportunidade aos
menos favorecidos, esta sociedade tende a sofrer as conseqüências de ter
formado um individuo que não conhecerá os limites da razão. Juliana é mais
uma vítima desta diferença social, e vê a oportunidade de chantagear sua
patroa como um meio de diminuir todas as suas necessidades. Eça de Queiros
não transformou o personagem em um ícone de sua classe, mas Juliana
representa a esperança de uma classe sofrida, que encontra sua realização no
exercício do poder, mesmo que seja por meios desonestos.
O autor, neste romance, aborda um tema polêmico na sociedade: O
adultério. Luísa vivia um casamento morno sem maiores envolvimentos,
rotineiro, e naufraga no adultério ao se aproximar de seu antigo namorado, o
primo Basílio. Ao mencionar esta ruptura dos princípios morais dentro do
casamento, Eça demonstra uma das causas de a sociedade estar se
corrompendo. Totalmente nas mãos da empregada, Luísa torna-se uma
verdadeira presa de Juliana. Os papeis se invertem, todo o domínio que Luísa
exercia sobre Juliana se fragiliza por ter Luísa infringido as leis matrimoniais. A
criada assume o papel de dominadora e a patroa torna-se desprovida de
respeito e dignidade. O adultério é capaz de levar o indivíduo às mais
.
degradantes humilhações. O individuo se torna vulnerável diante das falsas
bases em que estavam fincada as relações sociais e éticas de cada ser.
As relações sócias e éticas estabelecidas em uma sociedade repleta de
censura, trazem a juízo novos princípios que são atribuídos ao indivíduo de
forma a torná-los cúmplices de uma conduta desvirtuosa. A ética dos princípios
religiosos transcediam as virtudes que tornam um homem digno e sensato
diante da sociedade. No romance O crime do Padre Amaro percebe-se
claramente este conflito em João Eduardo.
- Meu rapaz, tu podes ter socialmente todas as virtudes;
mas, segundo a religião de nosso país, todas as virtudes
27
que não são católicas são inúteis e perniciosas. Ser
trabalhador, casto, honrado, justo, verdadeiro, são
grandes virtudes; mas para os padres e para a igreja não
contam. se tu fores um modelo de bondade mas não fores
à missa, não jejuares, não te confessares, não te
desbarretares para o senhor cura – és simplesmente um
maroto. (Eça,1971,p.243)
Nesta cena, Eça leva-nos a pensar a respeito dos valores estabelecidos
pela igreja e também pela sociedade portuguesa. O personagem de João
Eduardo era um homem reto, bondoso e verdadeiro, mas não tinha uma vida
religiosa; por isso estava sendo rejeitado pelo meio social que freqüentava.
Apesar de se poder considerar um personagem secundário, João da
Ega em Os Maias está fixado num mundo em que desfruta dos hábitos
adúlteros, imorais e ociosos da sociedade. É um personagem a quem dedica
tempo e atenção, fazendo-o intervir na intriga, revelendo seu íntimo, o que
pensa e sente. O personagem é muito expressivo, e muitas vezes assume o
papel de porta-voz, e alter-ego do romancista, que sempre quando possível,
faz seus comentários diante da posição que a sociedade assume. Percebe-se
.
esta interação do personagem com o autor neste diálogo entre Afonso e João
da Ega.
Afonso, no entanto, perguntava também ao Ega pela
comédia. O que! Já abandonada? Quando acabaria o
bravo John de fazer bocados incompletos de obras-
primas?... Ega queixou-se do país, da sua indiferença
pela arte. Que espírito original não esmoreceria, vendo
em torno de si esta espessa massa de burgueses,
amodorrada e crassa, desdenhando a inteligência,
28
incapaz de se interessar por uma idéia nobre, por uma
frase bem-feita?(Eça,2001,p.247)
Nota-se neste personagem desinteresse pela arte, pelo novo, tornou o
indicador de uma sociedade deformada. Para o Realismo, a arte é vida para os
movimentos sociais, propõe, condiciona e determina as idéias as quais formam
diferentes costumes. Uma lei, um roteiro do pensamento humano, a arte pode
ser a diretriz de cada sociedade
2.3 – As mulheres
Eça de Queirós não poderia deixar de se referir às mulheres de seu
tempo. E retrata-as sem piedade, uma vez que muitos de seus personagens
femininos, carregando o estigma do pecado, foram condenadas e punidas com
o sofrimento e a morte. Em suas narrativas, a mulher nada tem da fragilidade
romântica. Nos romances de Eça encontra-se uma mulher ambígua, astuciosa
e interesseira, ou ingênua, inocente e inconsciente, presa aos costumes sociais
medíocres e mesquinhos.
Em O primo Basílo, Luísa se envolve em um relacionamento adúltero;
em O crime do padre Amaro, Amélia se entrega de corpo e alma a um amor
que infringe as leis da igreja e, no romance Os Maias, Maria Eduarda se
envolve em um relacionamento incestuoso. Expoentes do universo feminino,
Amélia, Luísa e Maria Eduarda representam o estereótipo da mulher do século
XIX, privada de liberdade e do desenvolvimento da razão, que vivia à mercê de
suas emoções.
Co-protagonista do romance, Amélia é um ser humano comum com
fraquezas e defeitos. Aparece na narrativa como sendo uma das moças mais
bonitas da cidade de Leiria, morava com sua mãe, a Senhora Joaneira, e
sempre viveu em um meio devoto. Percebe-se que Amélia é um personagem
esférico e dinâmico, pois apresenta sérios conflitos íntimos, por ter se
apaixonado pelo padre, transformando-se ao longo do romance, podendo o
leitor acompanhar o se amadurecimento.
29
Ela com efeito, já não pensava no senhor pároco com a
comoção de outrora: o terror do pecado, a influência
penetrante do abade, aquela brusca separação do meio
devoto em que o seu amor se desenvolvera, o gozo que
sentia numa serenidade maior. Sem sustos noturnos e
sem a inimizade de Nossa Senhora, tudo concorrera para
que o fogo ruidoso daquele sentimento se fosse reduzindo
a alguma brasa que ainda rebrilhava surdamente.
(Eça,1971,p.426)
Amélia cometera um erro ao se relacionar amorosamente com um
padre, apesar de ser menos culpada que Amaro, foi sobre ela que recaíram
todas as punições. Primeiro, foi mandada para o isolamento no sítio da Ricoça,
onde passou os meses mais delicados de sua gravidez. Perturbada, não tinha
sossego. De dia sentia medo; de noite era atormentada por pesadelos em que
se via mãe de monstros. Assim que nasce seu filho, é afastada dele e sofre
terríveis dores. Amélia é afligida por todos os seus pecados, recebendo, como
recompensa pelo seu amor proibido, a morte.
Luísa manifesta o determinismo social característico do movimento
realista. A condição de sua existência transformou-a em um ser capaz de
transgredir as leis matrimoniais para satisfazer os prazeres de seu coração.
...Como desejaria visitar os paises que conhecia dos
romances – a Escócia e os seus lagos taciturnos, Veneza
e os seus palácios trágicos; aportar às baías, onde um
mar luminoso e faiscante morre na areia fulva; e das
cabanas dos pescadores, de teto chato, onde vivem as
Grazielas, ver azularem-se ao longe as ilhas de nomes
30
sonoros! E ir a Paris! Paris sobretudo! Mas qual! Nunca
viajaria de certo; eram pobres, Jorge era caseiro, tão
lisboeta! (Eça,1982,p.39)
Sua relação com Basílio preenche seu tédio de mulher romântica,
educada para ser uma boa esposa, que tem como distração a leitura de
romances. Nota-se, no decorrer da narrativa, que o personagem não expressa
desejos sinceros, não tem o vigor da paixão e trai por ação do desejo, não por
amor. Eça, impiedoso, transforma Luisa em marionete: o personagem rompe
os laços sagrados de seu casamento ao se aventurar em um mundo
desconhecido. O episódio em que Luísa esconde a carta de Basílio, com a
chegada de Juliana, é inverossímil, pois, naturalmente, não tem sentido uma patroa assustar-se com a presença da criada, nem tão pouco, como segue a
narrativa das cartas tão importantes, jogá-las no lixo, ou esquecê-las no bolso
do vestido, como em outro episódio, já que o conteúdo das referidas cartas era
tão comprometedor. No romance, o personagem faz as vontades de seu
onisciente e onipotente criador, que, ao inseri-la num contexto social profano,
leva-a para a destruição.
Ao cometer o crime de adultério e, de certa forma, o pecado da luxúria,
Luísa, por esta dupla culpa, fora punida com maior rigor que Amélia. Mesmo o
adultério tendo sido prazeroso, Luísa não se sentia verdadeiramente feliz, e
logo se decepciona com o amante. Com a partida de Basílio, fica à mercê de
Juliana que transforma sua vida em um inferno de canseiras, trabalhos e
humilhações. Além de seu sofrimento físico, também sofre com os pesadelos, o
que não lhe permite paz ao dormir. Sua morte é pior que a de Amélia; sua
agonia é mais longa e suas dores mais intensas.
- Oh! Minha pobre cabeça! – gritou ela.
As fontes latejavam-lhe, e uma cor ardente, seca,
esbraseava-lhe o rosto.(...)
Jorge ficou junto ao leito, taciturno, cortado de
pressentimentos, de sustos, suspirando às vezes. (...)
31
Luísa agitava-se no leito, apertando as mãos na cabeça,
torturada pela dor crescente, cheia de
sede.(Eça,1982,p.235)
Com uma participação mais discreta em Os Maias, o narrador dá a
Maria Eduarda, uma biografia mais atribulada, capaz de servir de suporte para
a confusão que permite o envolvimento dos dois irmãos. Filha de mãe
desertora, a jovem Maria vive até os dezesseis anos de idade num colégio
próximo de Tours. Ainda em França, casa com um irlandês de quem fica viúva
na guerra contra os alemães. Conhece então Castro Gomes, que acompanha
até Lisboa, onde se estabelece como esposa do fidalgo. Envolve-se com
Carlos, que, nem depois de saber da ilegítima união com Castro Gomes irá
abandoná-la. Carlos e Maria Eduarda vivem um período de felicidade pacífica
até que chega o Guimarães, com os comprovantes do parentesco. Endeusada
pelos olhos de Carlos, Maria Eduarda aparece-nos descrita como uma senhora
de porte nobre, elegante e sensual, dotada de espírito e virtuosa de
encarnação.
Parecia não ter em França, onde vivia, nem interesse nem
lar; e era realmente como a deusa que ele ideara,
.
sem contatos anteriores com a terra, descida de sua
nuvem de ouro, para vir ter ali, naquele andar alugado da
Rua de São Francisco, o seu primeiro estremecimento
humano.(Eça,2001,p.239)
Diferente dos outros personagens femininos, Maria Eduarda é descrita
em poucos traços, seu passado é quase desconhecido, o que contribui para o
encanto que a envolve. Uma vez descoberta toda a verdade da sua origem,
curiosamente, o seu comportamento mantém-se afastado da crítica de
32
costumes. Pode-se considerar este personagem como um estereótipo do
modelo perfeito de mulher do século XIX; enquanto que Amélia e Luísa
carregam o estigma do pecado e são condenadas e punidas com o sofrimento
e a morte.
Enquanto Amélia e Luísa foram gravemente castigadas, Maria Eduarda,
a mais inocentes das três pecadoras, será punida com menos rigor. Isenta de
culpa no incesto, não morre como as outras, mas parte parta uma vida
desconhecida, toda vestida de negro. A dor que a personagem sentiu não foi
no seu físico, mas foi uma dor humilde e muda no fundo de sua alma. Na
impossibilidade de seu amor, reside a morte de toda a sua existência.
Alguns sujeitos pararam, com curiosidade, ao ver sumir-
se naquela carruagem de luxo, fechada, misteriosa, uma
senhora que parecia tão bela, de ar tão triste, coberta de
negro.(Eça,2001,p.439)
Nesses três romances, a narrativa não termina com a morte de Amélia e
Luísa, ou com a partida de Maria Eduarda. Após os sofrimentos e as perdas, o
autor na voz do narrador, faz referência aos personagens masculinos. Amaro
encontra-se tempos depois com o cônego Dias: e está muito bem disposto e
bem instalado numa paróquia; Basílio retorna de passagem a Portugal, no
mesmo dia do enterro de Luísa, e apenas se aborrece por ter perdido o seu
divertimento, lamentando não ter trazido sua amante, e Carlos Eduardo,
desfrutando as riquezas herdadas, aparece de volta a Portugal, mais gordo e
bem disposto. Enquanto seus parceiros seguiram vidas próprias sem maiores
perturbações, as mulheres queirosianas foram denunciadas como símbolos de
corruptibilidade e por todos os seus pecados severamente punidas.
33
CAPÍTULO III
Um sentimento chamado amor
O amor está em tudo. Na ficção, o amor foi sempre um dos grandes
temas da literatura universal, em todos os seus gêneros, desde a Antiguidade
clássica até a literatura contemporânea. Por ser universal o tema do amor
revela-se sempre atual e é fonte de expiração dos artistas que o descrevem de
várias formas, caracterizando-o como a grande e eterna busca do ser humano.
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Sentimento indecifrável que nasce entre dois indivíduos, tomados pelo
anseio de encontrar no outro o que difere de si, mas que o preenche. O amor
gera na pessoa que ama a sensação agradável de bem-estar e de satisfação
consigo mesma, fruto da valorização pessoal que é dada pelo outro. Os
amantes ansiosos, pelo desejo de se tornarem completos, iguais, um só,
experimentam o sentimento de angústia proporcionada por esse desejo
impossível de ser realizado. Nesta crença da realização desse desejo
inatingível, o amor pode existir.
Sentimento ambíguo que transita entre o sublime e o cruel, entre o
divino e o demoníaco, ilumina a vida dos enamorados e faz com que o coração
se expanda e transborde de alegria e de vontade de transformar o mundo. Seu
efeito é imobilizador, algumas vezes, provocando no sujeito que ama, um
êxtase, de permanente prazer. O ser que ama contempla e almeja o que ama e
por ele se sacrifica, submete-se, renuncia. Também é paixão que atormenta a
mente e o corpo dos que amam, conduz muitos a um impasse, a um escândalo
ou a uma tragédia. O amor apaixonado é perturbador das relações pessoais;
arranca o indivíduo das atividades mundanas e gera reações impulsivas em
busca da realização da paixão. Corajoso, o ser apaixonado quer e deseja
intensamente o que ama.
Tema envolvente, o amor aparece nos textos literários em histórias que
falam de pessoas que amam outras pessoas mas que, por algum motivo, não
conseguem realizar esse amor. Histórias que se tornam inesquecíveis pelo
que têm de trágico. Casais de amantes que, impedidos de ficar juntos por
vários motivos, constroem uma história de amor que emociona o leitor. Os
romances desse gênero trazem a visão idealizada do amor, sentimento
romântico, que transita entre duas faces contrárias do amor: o amor como um
sentimento capaz de transformar toda as coisas e a sua lamentação.
Confrontando com os romances desse gênero, Eça de Queirós
apresenta o amor desvinculado do sonho romântico com final feliz, das
promessas de amor eterno e desejo realizado. Desta forma, o amor no
romance eciano aparece vinculado à paixão, ao desejo carnal, ao sofrimento e
o trágico.
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3.1 – Amor pecado
Na vida de uma cidade provinciana, surge um amor proibido entre um
pároco e uma jovem beata. Logo que chega a cidade de Leiria, Amaro se
encanta pela formosura de Amélia. A presença da jovem desperta-lhe desejos
e cria fantasias sob possíveis desfrutes.
O páraco sempre teve pronunciada sua sexualidade e, mesmo no
seminário, entediado pela rotina e acuado pelo temor a Deus, via manifestar-se
nele a curiosidade, o interesse pelo sexo oposto. Os estudos, os jejuns, as
penitências podiam domar-lhes o corpo, dar-lhe hábitos maquinais, mas dentro,
os desejos moviam-se silenciosamente e mesmo a imagem da Virgem Maria
não lhe passava desapercebida.
Na sua cela havia uma imagem da Virgem coroada de
estrelas, pousada sobre a esfera, com o olhar errante pela
luz imortal, calcando aos pés a serpente. Amaro voltava-
se para ela como para um refúgio, rezava-lhe a salve-
rainha; mas, fincando a contemplar a litografia, esquecia a
santidade da Virgem, via apenas diante de si uma linda
moça loura; amava-a; suspirava; despindo-se,
olhava-a de revés lubricamante, e mesmo a sua
curiosidade ousava erguer as pregas castas da túnica
azul da imagem e supor formas, redondezas, uma carne
branca.(Eça,1971,p.36)
O padre, o eterno excluído dos sonhos femininos, no romance de Eça de
Queiros assume ao mesmo tempo, o papel de vítima e carrasco de um amor
impossível, melhor definido como uma infração canônica. Embora conhecedor
de seus compromissos que impossibilitavam o seu envolvimento com uma
36
mulher, o pároco não mede esforços para saciar os seus desejos e acaba por
consumar o pecado latente em sua alma.
Habituada a admirar e valorizar os santos, o ambiente eclesiástico,
Amélia apaixona-se não só pelo homem como também pelo padre, título que
conferia a Amaro uma distinção tal que, em conjunto com a figura jovem e
agradável, torna-se irresistível.
Mas era sobretudo admirável nas bênçãos; passava
devagar as mãos sobre o altar como para apanhar,
recolher a graça que ali caía do Cristo presente, e atirava-
a depois com um gesto largo de caridade por toda a nave,
por sobre o estendal de lenços bancos de cabeça, até ao
fundo onde os homens do campo muito apertados, de
varapau na mão, pasmavam para a cintilação do sacrário!
Era então que Amélia o amava mais, pensando que
aquelas mãos, aquela voz, com que ele lhe chamava
filhinha, recitava agora as orações inefáveis, e parecia-lhe
melhor que o gemer das rebecas, revolvia-a mais que os
graves do órgão!(Eça,1971,p.289)
.
A perspectiva do envolvimento amoroso entre os amantes muda quando
Amaro descobre que Senhora Joaneira mantinha um caso com o Cônego Dias.
Percebe-se que toda o sentimento devocional que cultivava por Amélia cede
lugar a um sentimento de pura satisfação carnal, perverso e egoísta.
Impossibilitada de ter amaro pelo casamento e livre do pecado, Amélia
se torna uma vítima da culpa que lhe fora imposta pela religião; sofre até às
últimas conseqüências o amor por este, que, sendo padre, faz dela uma
pecadora.
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3.2 – Amor adultério
O romance O primo Basílio traz um tema clássico da literatura mundial,
o adultério. A infidelidade pode partir da mulher que rouba o homem da outra,
ou que, simplesmente, abandona e troca o seu companheiro por outro de maior
valor. Existe um adultério cuja única função é adulterar. Adulterar o casamento
e as relações afetivas em que está baseado.
Jorge e Luísa são casados há três anos e, apesar da tranqüilidade do
casamento, ele se mostra bastante intransigente quanto às amizades e o estilo
de vida da esposa. O narrador deixa transparecer, logo nas primeiras páginas,
que o casamento dos personagens não está alicerçado em um amor puro e
verdadeiramente capaz de suportar ao tempo e a distância; parece mesmo se
tratar de uma união de comodidades e conveniências onde o amor não
encontra lugar para aportar. Percebe-se a intenção do autor em retratar o
casamento com um relacionamento fundamentado em interesses e
banalidades.
Quando sua mãe morreu, porém, começou a sentir-se só;
era no inverno, e o seu quarto nas traseiras da casa, ao
sul, um pouco desamparado, recebia as rajadas do vento
na sua prolongação uivada e triste; sobretudo à noite,
quando estava debruçado sobre o compêndio os pés no
capacho, vinham-lhe melancólicas lânguidas; estirava os
braços, com o peito cheio de um desejo; quereria enlaçar
uma cinta fina e doce, ouvir na casa o frufru de um tecido!
Decidiu casar. Conheceu Luísa, no verão, à noite, no
passeio. Apaixonou-se pelos seus cabelos louros , pela
sua maneira de andar, pelos seus olhos muito grandes.
No inverno seguinte, foi despachado, e casou, Sebastião,
o seu íntimo, o bom Sebastião, o Sebastião, tinha dito,
com uma oscilação grave da cabeça, esfregando
vagarosamente as mãos.
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- Casou no ar! Casou um bocado no ar!(Eça,1982,p.8)
Entregue a uma vida de tédio e se sentindo muito sozinha, com a
viagem de seu marido, Luísa é surpreendida com o retorno de seu primo e
antigo namorado Basílio. O sedutor, recém chegado do Brasil, é malicioso e
cheio de truques para atrair a futura amante, explorando sua vaidade fútil. Ao
perceber a vida que Basílio poderia lhe proporcionar, Luísa se vê cada vez
mais tentada a ceder aos cortejos de seu primo. Em pouco tempo, Basílio
envolve Luísa e faz com que reviva a paixão de solteira. Tornam-se amantes,
encontram-se freqüentemente em um quarto alugado especialmente para este
fim. Ela é uma mulher superficial e fútil: o amor que a liga a Jorge e depois a
Basílio é leviano, constituído apenas de sensações e interesses.
Basílio, vive uma vida de muitos prazeres e desfrutes; é um homem livre,
descuidado da vida e das paixões, e compara a fidelidade conjugal a uma
demonstração de atraso das mulheres de Lisboa frente aos hábitos
supostamente liberais e modernos das senhoras de Paris.
Transgredindo as leis matrimoniai, Luísa se entrega à banalidade de um
relacionamento adúltero, fundamentado em desejos e luxúrias que a destinam
à culpa de um pecado fatal.
.
3.3 – Amor proibido
Devido a sua origem familiar e posição econômica, Carlos Eduardo da
Maia é o representante da alta burguesia lisboeta. Freqüentemente envolvido
em conturbados relacionamentos amorosos, o personagem vive uma vida
próspera que lhe possibilita uma existência ociosa em Lisboa. Em meio a suas
intrigas de amor, o belo médico se vê perdidamente apaixonado por uma jovem
senhora muito misteriosa.
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Tendo adoecido a governanta de Maria Eduarda, o médico passa a
freqüentar assiduamente a casa e tem a oportunidade de se aproximar de sua
amada. Endeusada pelos olhos de Carlos, Maria Eduarda aparece descrita
pelo narrador como uma senhora de porte nobre, elegante e sensual, dotada
de espírito e virtuosa de coração.
Parecia não ter em França, onde vivia, nem interesse nem
lar; e era realmente como a deusa que ele ideara, sem
contatos anteriores com a terra, descida de sua nuvem de
ouro, para vir ter ali, naquele andar alugado da Rua de
São Francisco, o seu primeiro estremecimento humano.
(Eça,2001,p.239)
Embora estivesse temeroso por não ser correspondido em seus
sentimentos, Carlos se declara a Maria Eduarda que acaba em seus braços,
entregue à sua paixão. Desejando uma felicidade mais íntima, tornam-se
amantes e reféns de um sentimento que lhes arrebata a alma, o amor. Carlos
amava incondicionalmente a Maria Eduarda que lhe correspondia este amor e
a cada dia, a cada encontro, sentiam os dois a supremacia de um amor perfeito
dilacerar seus corações.
O amor que sentiam um pelo outro aquecia suas almas e alimentava
seus sonhos; um amor puro, sem interesses e solícito em todos os momentos.
Embora se trate de um amor puro, em Os Maias, o amor é retratado como nos
romances românticos, onde os casai apaixonados desfrutam a plenitude de um
amor puro e sublime, e a senhora amada é considerada um ser angelical, de
uma beleza única.
Sem imaginar o que o destino lhes reservava, o casal vive um período
de incomparável amor e felicidade pacifica até que chega o Guimarães, com
os comprovativos do parentesco. A semelhança de seus nomes esconde a
concordância de seus destinos. Carlos e Maria Eduarda resultam da união
infeliz de um pai fraco e suicida com sua mãe aventureira e adúltera. Apartados
pelo destino, reencontram-se vivendo um amor incestuoso. Impossibilitados de
40
extravasar o que sentiam um pelo outro, os irmãos acabam se afastando
definitivamente e, com eles, todos os sonhos e desejos de uma vida a dois.
Carlos e Maria Eduarda jamais poderiam se tornar reféns deste
sentimento, pois o amor que sentiam um pelo outro não sobreviveria ao
corrosivo pecado que dilacerava suas almas proibidas de amar.
CONCLUSÃO
A razão deste trabalho de pesquisa é sensibilizar os docentes de
Literatura para importância e necessidade deste tipo de trabalho em sua
formação acadêmica. Uma monografia exige esforço e dedicação por parte de
quem faz, porém permiti um conhecimento mais profundo e exato sobre o tema
abordado, capacitando cada vez mais o professor, que deixa de ser aquele que
simplesmente passa conhecimentos, e passa a ser um especialista que
domina um tema e o explana com maior segurança.
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O corpo docente deve estar sempre inclinado ao ato de pesquisar, ao
trabalho monográfico, pois somente através da pesquisa ampliam-se
conhecimentos, excluem-se dúvidas e aperfeiçoam-se os profissionais de
ensino.
O docente que está continuadamente em movimento: estudando,
pesquisando e aprofundando-se em temas será mais capaz de explanações
seguras e de qualidade..
De acordo com a importância desta pesquisa monográfica podemos
concluir que ao escrever seus romances, Eça de Queirós estabeleceu
características específicas e individualizadoras, quer de conteúdo, quer de
forma. Percebe-se a extremar preocupação do autor com a construção das
obras. Desta zelosa preocupação resultaram obras reconhecidamente
primorosas pela coerência interna, pela força impressiva e pelo acabamento
estilístico. Fato que fizeram de suas obras objeto valioso para estudos analítico
dos estudantes de Letras.
O romancista demonstra profundo conhecimento sobre os temas
propostos, explanando de forma pormenorizada atitudes, atividades,
características que compõem de maneira precisa seus personagens,
desnudando-os, denunciando suas virtudes e desvios sociais e morais,
possibilitando o olhar crítico do público leitor.
Dentro das possibilidades diversas do movimento realista, que Eça de
Queirós soube com perfeição explanar, define-se este autor como o melhor
romancista social do realismo português. Dono de inegáveis atributos
artísticos, abordou temas e problemas sociais e morais da realidade
portuguesa de sua época, desvendando sua decadência e amoralidade.
Pelos estudos realizados, pela pesquisa desenvolvida e exporta nesta
monografia, conclui-se que estes romances de Eça de Queirós, pelo caráter
reflexivo proporcionado pela visão crítica do autor, denuncia e propõe o
42
estabelecimento de uma sociedade mais justa com o olhar voltado para o
progresso.
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
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Rio, 1971.
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43
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1982.
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1976.
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1984.
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44
VIDDLER, George Clayton. Os princípios da sedução. Rio de Janeiro: Rocco.
1993.
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 2
AGRADECIMENTO 3
DEDICATÓRIA 4
RESUMO 5
METODOLOGIA 6
SUMÁRIO 8
INTRODUÇÃO 9
CAPÍTULO I
O Realismo em Portugal 10
1.1 – Eça de Queirós 11
45
1.2 – O romance realista 12
1.3 – O romance realista eciano 15
CAPÍTULO II
O ambiente social na construção dos personagens 17
2.1 – As cidades 18
2.2 – Ambiente e personagens 21
2.3 – As mulheres 28
CAPÍTULO III
Um sentimento chamado amor 34
3.1 – Amor pecado 35
3.2 – Amor adultério 37
3.3 – Amor proibido 38
CONCLUSÃO 41
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 43
ÍNDICE 45
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
Título da Monografia: Sociedade, amor e pecado
Autor: Elizabeth Gomes de Araújo
Data da entrega:
Avaliado por: Conceito: