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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU” PROJETO VEZ DO MESTRE SABER E PODER NA IGREJA: Da produção de verdades à impossibilidade de pensar OBJETIVOS: O objetivo deste estudo é analisar de que forma a educação e os valores cristãos, trazidos para o Brasil desde os primeiros jesuítas influenciou na formação de nossos valores. Como sociedade relacional, a brasileira apresenta traços culturais marcantes, herdados deste tipo de pensamento dogmático como a concentração de poder e o paternalismo, por exemplo.

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATU SENSU”

PROJETO VEZ DO MESTRE

SABER E PODER NA IGREJA:

Da produção de verdades à impossibilidade de pensar

OBJETIVOS:

O objetivo deste estudo é analisar de que forma a

educação e os valores cristãos, trazidos para o

Brasil desde os primeiros jesuítas influenciou na

formação de nossos valores. Como sociedade

relacional, a brasileira apresenta traços culturais

marcantes, herdados deste tipo de pensamento

dogmático como a concentração de poder e o

paternalismo, por exemplo.

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AGRADECIMENTOS

A minha mãe, Marcia, que com muita paciência e carinho

acompanhou este estudo , ao professor Marco Larosa, que

com simplicidade e experiência me indicou o caminho para a

elaboração do texto e a todos os meus amigos que

contribuíram com idéias importantes: Marilene, Denise,

Gisele, Alcery, Alexandra e Cristina Maria.

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DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho a todos que aqueles que contribuem

para que o saber seja compartilhado e, não mais

concentrado nas mãos de poucos.

Karina Gaspar.

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RESUMO

Ao analisarmos a forma pela qual a Igreja Católica produziu e instaurou

suas verdades, anulando ou restringindo a possibilidade do pensar do sujeito,

procuraremos buscar, historicamente, as fases deste processo de consolidação de

suas idéias.

Desde o seu surgimento, ao buscar propagar os valores do Cristianismo, a

Igreja pretendeu tornar-se universal. Para tanto, tornou-se uma das maiores

proprietária de terras na Europa e construiu templos para as práticas religiosas

também na América espanhola e portuguesa.

No caso do Brasil, ao unir-se ao Estado , esta instituição estabeleceu

importantes relações com os governantes , participando ativamente das decisões

políticas

Ao submeter seus fiéis às suas verdades, tornou-os meros espectadores de

suas práticas e de suas vidas, postura esta que se reproduz no ambiente de

trabalho. Sem ter acesso à educação formal, a maioria dos fiéis/funcionários

acaba por se submeter ao discurso dominante, supostamente verdadeiro.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

HISTÓRICO 16 CAPÍTLO II IDEOLOGIA E CONHECIMENTO 27 CAPÍTULO III O PODER DA IGREJA NO BRASIL 35

CAPÍTULO IV CRENÇAS E DOGMAS NAS EMPRESAS BRASILEIRAS 51

CAPÍTULO V 59

CONFLITOS RELIGIOSOS NAS EMPRESAS

CONCLUSÃO 63

ANEXOS 65 BIBLIOGRAFIA 70

ÍNDICE 72 FOLHA DE AVALIAÇÃO 74

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INTRODUÇÃO

Quando tentamos investigar as relações existentes entre o saber, isto é,

entre uma espécie de “arquivo vivo” de informações e conhecimentos produzidos

em um determinado lugar e período de tempo, e o poder com suas mais variadas

e exóticas formas de atuação, temos na Igreja e em toda a sua estrutura

hierárquica e de propriedades, um exemplo bastante esclarecedor de como esta

relação entre o conhecimento e quem domina sempre esteve presente na história.

Nas diferentes sociedades, ocorrem variações na forma como tais valores

são tratados. Entretanto, sua proximidade é irrefutável. Por isso nos parece

importante começar este estudo pela Igreja que ao longo dos séculos criou

normas, estabeleceu crenças e superstições, elegeu e levou à ruína reis e

imperadores.

Segundo Michel Foucault1, somente uma genealogia possibilitará tal

análise . Isto é, buscando nos acontecimentos passados a origem do que ocorre

no momento no qual nos detemos a investigar, não nos limitando a optar por um

discurso unitário, o que já seria sinônimo de um discurso “verdadeiro” é que

poderemos compreender melhor as relações existentes em um determinado

espaço e tempo.

É preciso que partamos do seguinte princípio: existem várias maneiras de

se buscar através da história os fatos que desencadearam a relação de saber e

poder tal como ela se apresenta na instituição eclesiástica. A genealogia é por si

1 Neste capítulo utilizamos principalmente sua obra Microfísica do Poder (ver bibliografia).

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7só , este mapeamento das microregiões e das pequenas formas de poderes que

se escondem atrás da figura de um rei ou de um papa.

A procura pela origem das relações entre o que se sabe e o que se pode

saber tanto para seguidores quanto para seus superiores escondem uma infinita

rede de crenças, de leis morais, proibições e práticas que ocultam um mecanismo

de repressão ideológica que não se exerce portanto, de cima, do que governa,

para baixo, para os que são governados. É antes uma troca, uma conformidade

dos que se submetem.(FOUCAULT,1993, P 181)

O poder não se limita às regras e leis oficiais. Ele não se exerce somente

através dos mecanismos “visíveis”. Mesmo nas instituições, onde as regras a

serem cumpridas parecem claras, o que o torna efetivo, realizável, são as suas

formas de coerção e repressão produzidas por um discurso que exalta a fraqueza

e a moral, artifícios relacionados à criação divina, sendo portanto inquestionáveis.

A maioria dos historiadores vêem na igreja uma rígida hierarquia, portanto

uma distribuição clara de poder e de saber, visto que só os religiosos mais

poderosos teriam acesso a determinadas obras, proibidas, consideradas

perigosas.

Todavia, o que uma análise do poder em uma pequena instituição , em um

mosteiro por exemplo, tal como o fez Umberto Eco em O Nome da Rosa, esconde

atrás das leis oficiais, leis muito mais eficazes, baseadas em crenças, se

utilizando da ignorância da maioria.

Ao acreditar na instituição enquanto uma criação divina, religiosos e fiéis se

submetem às verdades por esta produzida. Eles não pensam nem questionam as

entrelinhas do discurso:

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“E a instituição responde: você não tem por que temer

começar; Estamos todos aí para lhe mostrar que o discurso

está na ordem das leis, que há muito se cuida de sua

aparição; que lhes foi preparado um lugar que o honra mas

desarma; e que, se lhe ocorre ter algum poder, e de nós, só

nós, que ele lhe advém”. (FOUCAULT, 1999, p 7).

Em O Nome da Rosa , romance histórico , temos todos os elementos que

Foucault se utiliza para questionar esta estrutura de dominação, a produção

excessiva de discursos “verdadeiros”, a detenção do saber, do conhecimento,

sobretudo os que estão registrados nos livros.

Tendo como cenário a Itália do século XIV, a obra retrata as intermináveis

disputas internas por poder e também por idéias e discursos que se tornariam

hegemônicos.

O mosteiro de Melk é o palco onde uma série de assassinatos precisam ser

investigados. Para tal missão, é convocado um ex- inquisidor Guilherme,

conhecido por sua grande capacidade de interrogar pessoas e delas conseguir

informações preciosas para a conclusão de processos. Sua fama de ser um

pensador que não se limita à idéias da Igreja, de buscar na literatura e na filosofia

árabe conhecimentos que ultrapassam a lógica aristotélica, inquestionável neste

período, o tornava especial, diferente da maioria daqueles que constituíam tal

ordem e que em sua grande maioria não passavam de repetidores, daquilo que

liam na bíblia e nada mais.

A biblioteca de Melk é o símbolo de que os que dominavam este mosteiro

só interessava manter longe dos demais monges os conhecimentos de medicina,

bruxaria, filosofia e história contidos em suas inúmeras prateleiras, guardados

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9como um bem inestimável e perigoso elemento para a maioria dos fiéis que

habitam esse microcosmo.

O conhecimento era visto como uma espécie de sedução. Entretanto, ele

era um diferencial, um instrumento de poder na medida em que o sujeito que

detém o saber, que exercita sua capacidade de pensar, consegue enxergar além

do meio no qual está inserido. Ele antes, ultrapassa a linha imaginária entre o

interior, isto é o local, comunidade a qual pertence e o mundo externo e analisa a

complexidade das relações existentes.

A biblioteca enquanto local proibido, onde estão guardados uma

multiplicidade de discursos, de idéias e visões de mundo que variam de

sociedade para sociedade, precisava afastar de seus corredores possíveis

sujeitos pensantes, que questionassem os valores e práticas eclesiásticas.

Ao criar idéias, ao desconstruir verdades, normas tão rígidas como o

celibato e as autoridades papal, por exemplo, que até então teriam origem divina,

são ameaçadas por aqueles que conseguem sair do plano das crenças para o do

pensamento. Duvidar do poder constituinte, de sua legitimidade torna-se possível

ao perceber que na história e nas diferentes sociedades, regras não existem a

priori: são as instituições que as inventam e o hábito que as instauram2.

Para “salvar” os segredos da biblioteca dos olhos de curiosos, o universo

de crenças e superstições no qual os monges estavam envolvidos foi muito bem

aproveitado por aqueles que sabiam como reproduzir as invenções e reprimir o

desejo de saber:

2 O filósofo empirista escocês do século XVIII, David Hume em seu Tratado da Natureza Humana, afirma que é através do hábito que tanto as leis morais, políticas , quanto as verdades se constituem através do hábito. É a prática sem reflexão que leva o sujeito a crer que tudo “sempre foi como está” ou que Deus criou e manteve tal estrutura por sua vontade.

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10 “Diverti-me folheando alguns livros (...) Havia um

livro de segredos, escrito creio que por Alberto Magno, senti-

me atraído por algumas curiosas miniaturas e li páginas

sobre o modo como pode ungir o pavio de uma lâmpada a

óleo, e os refúgios que dela provêm provocarem visões (...).

Pelas vidraças, e em alguns pontos, transparece uma luz

flébil. Muitos se perguntam o que seja, e falou-se em fogos-

fátuos, ou nas almas dos bibliotecários, monges finados que

voltam para visitar o seu reino. Muitos aqui acreditam nisso.

E acho que são lâmpadas preparadas para as visões. Sabes,

pega-se a cera da orelha de um cão e com ela se unge um

pavio; quem respira a fumaça dessa lâmpada acreditará ter

uma cabeça de cão, e se tiver alguém ao seu lado, terá visto

uma cabeça de cão (...) Alguém na biblioteca é muito

astuto.” (ECO,1980, p. 93)

O poder do discurso dominante acabava por convencer os menos letrados

de que almas assombravam a biblioteca, associando os livros ao pecado e sua

leitura à mortes misteriosas3. O discurso constrói uma armadilha na qual caem os

que não possuem argumentos para refutá-lo e também aqueles que o aceita

como verdade, como bem inquestionável.

Foucault afirma que o poder ao longo da história apresentou-se de duas

maneiras: a primeira, através da figura imponente de um soberano. A segunda,

tratava-se do poder disciplinar, do controle rigoroso de todos aqueles envolvidos

no processo.

O poder do soberano, foi o que prevaleceu até meados do século XVIII ,

pois a presença de papas, bispos e reis, que tendo sua autoridade legitimada pela

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11vontade divina , tornavam-se tiranos que abusavam incessantemente de seu

poder. O poder do soberano, de origem divina, somente com sua presença já

causava temor e um certo sentimento de respeito por aqueles que são seus

subordinados.

Todavia, apesar de todo o medo, o temor que estes líderes causavam, a

dominação era um processo claro na medida em que se podia identificar com uma

certa facilidade as relações de poder: líderes e liderados mantinham esta relação

, partindo do princípio de lealdade e fidelidade por parte dos liderados: que detinha

o poder deveria ser obedecido4.

Apesar dos artifícios utilizados pela igreja para limitar o conhecimento ,

guardá-lo a “sete chaves”, diferente do poder disciplinar que trataremos no

capítulo a seguir, a existência ou antes, a presença de um soberano já bastava

para alimentar a crença de que tal pessoa possuía um poder irrefutável.

A dificuldade do acesso às informações assim como a grande quantidade

de crenças e superstições e a vontade de verdade5 , vontade desesperada do

sujeito de acreditar em alguma coisa, contribuíram , principalmente na Idade

Média para manter o conhecimento na mão de poucos e tomar a grande maioria

seguidores, espectadores das decisões destes soberanos6.

O discurso que produz conhecimento, permanece restrito aos que

subjugam os indivíduos para que possam garantir a manutenção deste sistema

3 Os monges que penetravam na biblioteca à noite eram misteriosamente assassinados. 4 No capítulo 5, analisaremos como este tipo de relação em que concentração de poder se reproduz atualmente nas empresas brasileiras. 5 O termo vontade de verdade, muito utilizado por Michel Foucault tem origem nas obras do filósofo alemão Friedrich Nietzsche para definir a vontade, o desejo do homem de estar constantemente acreditando em alguma coisa, por mais absurda que ela possa parecer. 6 Paul Gilbert em Introdução á Teologia Medieval, defende os teólogos medievais, na medida em que, segundo ele, a Bíblia, o principal livro na Idade Média, nos países católicos, foi amplamente divulgado, pois ó

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12eclesiástico. Ele é acessível a uma minoria, a mesma responsável pela produção

de crenças, de temores que associam o saber ao pecado, ao demônio:

“Não se trata de dominar os poderes que aqueles que têm,

nem de conjugar os acasos de sua aparição, trata-se de

determinar as condições de seu funcionamento, de impor

aos indivíduos que o pronunciam certo número de regras e

assim de não permitir que todo o mundo tenha acesso a eles

(...) ninguém entrará na ordem do discurso se não satisfizer

a certas exigências ou se não for, de início qualificado para

fazê-lo. Mais precisamente: nem todas as regiões do

discurso são igualmente abertas e penetráveis; algumas são

altamente proibidas (diferenciadas e diferenciantes),

enquanto outras parecem quase abertas a todos os eventos

e postos, sem restrição prévia, à disposição de cada sujeito

que fala”.(FOUCAULT,1999,p.37)

O discurso funciona portanto, em dois níveis: o que se mostra a todos,

aquilo que é permitido falar, comentar e o discurso oculto, mais reservado. É a

este segundo que nos referimos ao citar as instituições como produtoras de

verdades e como grandes criadoras de artifícios que afastam a maioria de seu real

significado.

Nos mosteiros e conventos, como o retratado em O Nome da Rosa, onde

os monges que não obedeciam às normas e buscavam livros proibidos eram

punidos com páginas envenenadas, pelos poucos que sabiam do poder de

questionar contido naqueles volumes, em outras instituições como a família, a

escola e a clínica, a concentração do poder e das informações necessárias para

através da disseminação dos ideais cristãos e do conhecimento da palavra divina, o homem poderia ser convertido e seguir os ensinamentos da Igreja.

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13que sejam possíveis mudanças em sua estrutura, também são reservadas a

poucos .

O que procuraremos mostrar no seguinte estudo é como esta forma de

dominação do saber foi fundadora da cultura brasileira e incorporada aos valores

desta sociedade. A forma como tais valores diminuem gradativamente a

autonomia do sujeito e faz com que este reproduza a relação que tem com a

religião na empresa, com o chefe é o nosso objetivo maior.

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CAPÍTULO I

Histórico

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HISTÓRICO

Antes de buscarmos as relações entre o saber e o poder na Igreja Católica,

no caso do Brasil, é preciso que busquemos em sua história, a forma pela qual tal

relação ocorreu. Isto é, “O Nome da Rosa”, livro no qual Umberto Eco descreve os

artifícios utilizados pelos eclesiásticos para afastar os estudiosos da própria Igreja

de livros considerados perigosos na Idade Média, entre os séculos IV e XIV, da

era Cristã, reflete apenas um determinado período de existência desta instituição.

É na Palestina, anexada pelos romanos em 64 a.C. uma das “prováveis” datas de

surgimento do Cristianismo:

“Seu princípio é marcado pelo nascimento de Jesus

Cristo. Na Palestina, muitos acreditavam na vinda de um

Messias, ou Cristo, anunciado pelos profetas como aquele

que daria ao povo judeu o domínio sobre a terra”(PILETTI,

2000, p.98).

O Cristianismo começou a espalhar-se entre os judeus, o que fez com que

alguns deles formassem uma comunidade dentro da judaica. Muitas foram as

investidas contra estas novas idéias e práticas, até então pouco conhecidas. No

ano de 64 em Roma, Nero ordenou uma grande perseguição aos cristãos ,

justificando-a pelo fato de que estes não cultuavam os deuses protetores de

Roma e duvidavam da origem divina do poder do imperador.

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A implacável perseguição levou centenas de cristãos à fogueira e às

torturas como a exposição às feras e sentar-se em uma cadeira em brasa

(Entretanto, os convertidos aumentavam na mesma intensidade das

perseguições:

“Muitos crentes tombaram mártires de sua fé, durante

essas perseguições, mas a Igreja não foi destruída. A luta

deu-lhe novas forças. Anos de perseguição fortaleceram-lhe

a organização e seus adeptos se convenceram de que sua

Igreja (eclesia) era uma e indivisível, instituição peculiar e

poderosa, um Estado divino (civitas dei) isolado dos reinos

deste mundo. À medida que a decadência d império se

acentuava, a força da Igreja crescia. A filiação ao Estado

trazia apenas sofrimentos, ao passo que a filiação à Igreja

representava um conforto material e moral. A doutrina de

Cristo exigia que todos amassem o próximo, e a Igreja

organizada auxiliava todos os seus crentes”

(ROSTOVTZEFF, 1967, 282/283).

Somente no século IV, em 313 o imperador Constantino autorizou que os

cristãos manifestassem sua religião. Tal período, foi o da decadência do Império

Romano que utilizou-se de tal “política” para controlar os mais pobres que

acreditavam que o sofrimento terreno levaria ao paraíso celeste. Em 391, o

imperador Teodósio aboliu, outras práticas religiosas, tornando o Cristianismo a

religião oficial (ROSTOVTZEFF, 1967, 282/283).

A queda do Império Romano em 453, marca o início da Idade Média, ou

“Idade das Trevas”, na medida em que este período é associado ao domínio da

Igreja sobre a educação, a ciência e a medicina.

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Os filósofos gregos Platão e Aristóteles, tiveram suas obras traduzidas para

o latim para que os padres e bispos pudessem estudar suas idéias. Entretanto, tal

domínio desta instituição sobre o conhecimento só serviu para “guardar a sete

chaves” a grandeza e a importância destas obras.

A importância político- cultural da Igreja não se limita mais na Idade Média

ao plano espiritual como poderíamos pensar a princípio. É neste período, a partir

do século IV, com a ruralização , isto é, o processo de valorização e

redistribuição de terras , em que a Igreja, essencialmente urbana, se transfere

para feudos, transformando seus superiores em senhores feudais.

Os membros do clero, os homens mais cultos da Alta Idade Média , eram

preparados para ocupar cargos importantes politicamente, o que ameaçaria a

autoridade do rei. O ensino também era submetido e criado a partir dos valores a

Igreja:

“Os mosteiros tornaram-se verdadeiros pólos culturais

na Idade Média. Suas bibliotecas preservavam obra dos

escritores da Antigüidade grega e romana. Ao lado de cada

mosteiro, geralmente havia uma escola, que atendia à

população pobre da região. Em geral, os freqüentadores

acabavam convertidos ao cristianismo”(PILETTI,2000,

p.106).

Em Idade Média- Nascimento do Ocidente, Hilário Franco Jr. explica como

a instituição exercia um enorme controle sobre os indivíduos:

“Em uma sociedade essencialmente agrária, a Igreja era a

maior dona de terras. Destacava-se, portanto no jogo de

doação e recepção de feudos. Controlava ainda as

manifestações mais íntimas da vida dos indivíduos. A

consciência, pela confissão; a vida sexual, com o

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18casamento; o tempo, pela imposição do calendário litúrgico;

o conhecimento, com o controle das artes, das festas, do

pensamento; a vida e a morte, administrando o

sacramento”(FRANCO JR, 1994, p.71/72).

O século VII é marcado pelo surgimento da religião que hoje mais cresce

no mundo: o Islamismo. Nascido na cidade de Meca, em 570, Maomé foi o

fundador e o profeta do Islã. Ele era o chefe, pois o Estado ao qual governava no

Oriente Médio, seguia o regime teocrático , isto é, o chefe político e religioso são

uma só pessoa.

O que nos parece fundamental no surgimento e na disseminação da

doutrina islâmica, é o fato de que esta surge como uma ameaça ao Cristianismo.

Ao contrário das idéias pré- estabelecidas pela Igreja, sua hierarquia rígida e os

textos sagrados inacessíveis para a maioria dos fiéis, o Islã desponta como uma

religião voltada para as descobertas, as conquistas de terras que Maomé

apontava como objetivos a serem buscados.

A expansão islâmica deu-se por terra, em vasta região do Oriente Médio e

da África e no plano científico com a tradução de obras fundamentais como as

dos filósofos gregos e do investimento na construção e no aprimoramento das

embarcações. Enquanto isso, o Cristianismo perdia seus domínios...

Alguns séculos depois, sobretudo no XI, consolidada a integração de

germânicos e romanos e, formados os novos reinos europeus, a cultura medieval

alcança seu esplendor através da criação das primeiras universidades e catedrais

góticas.

O renascimento do comércio entre as cidades que tinham nos servos

expulsos pelos senhores feudais, a mão-de-obra necessária. Na busca de novas

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19terras, em meio a este cenário que começava a ser desenhado, a Igreja iniciou as

Cruzadas que tinham por objetivo, no século XI, para combater os infiéis islâmicos

e a expansão destes.

O principal objetivo destas expedições era conquistar Jerusalém, local

sagrado, a “terra santa” servia como “pano de fundo” de um grande interesse

material: o controle das rotas comerciais das mercadorias orientais, mais

conhecidas como especiarias.

Tais expedições foram primordiais para a expansão da Europa, sobretudo

a reconquista do Mediterrâneo que durante séculos , foi dominado pelos

muçulmanos. As riquezas em moedas financiaram a criação de companhias

mercantis

Toda essa reorganização econômica do clero, o renascimento das cidades

e o controle das rotas comerciais foram fundamentais para que os europeus

iniciassem suas aventuras pelo mar, em busca de novas terras e poder que

culminou com as grandes expedições à América nos séculos XV e XVI.

Entretanto, a Baixa Idade Média, entre os século XVI e XVII, enquanto período de

mudanças , não isentou a instituição religiosa de um enfraquecimento, sobretudo

financeiro.

O acúmulo de riquezas e propriedades era mal vista pelos cristãos. Eles

propunham um retorno aos ideais de Jesus, a valorização dos votos de pobreza e

de uma vida simples, sem o luxo que padres e bispos ostentavam. É neste

contexto que surgem os movimentos heréticos7, que no século XIII começam a

ser combatidos pelos Tribunais8 da Inquisição:

7 O termo heresia significa qualquer doutrina ou movimento que se afaste dos dogmas estabelecidos por um sistema religioso. Pelo próprio significado da palavra heresia, dentro deste entendimento, que é mais aceito entre os estudiosos é a opção de quem se afasta do dogma escolhendo outro caminho; uma outra realidade espiritual e religiosa.

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20“As pessoas acusadas de heresia eram presas,

submetidas a interrogatório e freqüentemente a torturas

cruéis. Quem fosse considerado herege ou adepto de

bruxaria podia ter seus bens confiscados e ser condenado à

morte na fogueira, em praça pública. A punição servia para

espalhar terror e assim forçar as pessoas a se submeterem

às normas e à autoridade da Igreja” (PILETTI, 200,p.140).

Não se pode deixar de notar a influência do renascimento comercial e

urbano no aparecimento das heresias, no século XII. Grande parte delas,

floresceram no ambiente urbano e o crescimento demográfico, facilitando novos

agrupamentos, era um fator de propagação das idéias. O renascimento cultural do século XII, com traduções de obras do grego, hebraico e árabe foi outro

grande impulso, embora não tenha influenciado as heresias populares.

A causa do grande número de movimentos heréticos pode ser vista como

necessidade de tentar alertar a sociedade cristã para o fato de que os seus

representantes estariam desvirtuando a imagem da religião que Cristo fundou, de

acordo com a crítica herética.

Com as grandes navegações e o surgimento do capitalismo comercial,

baseado no produtor independente e no crescimento do trabalho assalariado, a

Europa Ocidental inicia a Idade Moderna. As artes renascem9 na Península Itálica

do século XIV, preocupada em mostrar e discutir não mais o plano divino e, sim,

a mundo concreto e a grandeza do homem.

O Renascimento é um período marcado pela efervescência literária,

buscando quebrar os vínculos existentes entre a Igreja e as universidades. Nicolau

8 Ver anexo 1.

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21Maquiavel, com O Príncipe na Itália, Willian Shakespeare com Romeu e Julieta, na

Inglaterra e Miguel de Cervantes, com Dom Quixote na Espanha, inauguram uma

nova forma de pensar, criticando respectivamente as formas e estratégias de

governar e propondo novas, em Romeu e Julieta são as intermináveis rivalidades

entre famílias centro da história que discute o fato de que tantas mortes ocorrem

em vão e que a origem do conflito já teria se perdido no tempo. Em Dom Quixote,

os romances de cavalaria, tão admirados na época medieval, são a causa da

loucura de um guerreiro sem exército que dá nome à obra.

O que nos importa no Renascimento é de que forma ele influiu nas

relações entre a Igreja e seus fiéis. O homem moderno assume as rédeas de sua

própria história. E a Igreja ? O poder sobre todas as idéias e ações humanas que

antes eram totalmente controlados, começa a perder a força desde o crescimento

as cidades, o que possibilitou aos católicos romanos trocarem experiências e

idéias com povos de outras religiões.

O cristão do século XVI, grande maioria na Europa, começou a criticar a

imoralidade do clero, o luxo das instalações onde viviam os religiosos e a cobrar

destes, uma vida mais simples.

As “irregularidades” eram inúmeras: padres quebravam o voto de castidade,

vendiam o batismo e a confissão e trocavam favores religiosos por políticos10.

Entre as reformas propostas, está a da Alemanha, liderada pelo monge Martinho

Lutero que, cansado de tantos “pecados” cometidos por seus colegas e superiores

e, influenciado pelas obras de Santo Agostinho11, começou a denunciar os abusos

9 O pensamento renascentista valorizava as artes da Antiguidade , o teatro grego, a literatura e a filosofia. tendo o racionalismo como conjunto de suas idéias, buscava afastar-se das crenças medievais. 10 Em Toda a História, Nelson Piletti afirma que o baixo clero, com pouca formação, cometia atos anticristãos, entre estes, cobrar pelo batismo . Papas , promoviam guerras, viviam no luxo e quebravam o voto de castidade. 11 Considerado um dos mais importantes pensadores do Ocidente, Agostinho de Hipona, mais conhecido como Santo Agostinho, escreveu duas importantes obras: Confissões e Cidade de Deus. Na primeira, relata

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22cometidos pelos representantes da Igreja. Lutero pregava a autonomia dos fiéis

tanto para ler a Bíblia e interpretá-la quanto para se comunicar com Deus. Tal

postura contrariava a Igreja, que concentrava saber neste livro sagrado e o poder

sobre os indivíduos:

“Assim vemos que a fé basta a um cristão. Ele não

precisa de nenhuma obra para se justificar. Se ele não

precisa de nenhuma obra, ele está certamente desobrigado

de todos os mandamentos e de todas as leis; se está

desobrigado deles, é certamente livre .Esta é a liberdade

cristã, é unicamente a fé que a cria, o que não quer dizer que

podemos ficar ociosos ou fazer o mal, mas não precisamos

de nenhuma obra para nos justificar e alcançar a

felicidade”(LUTERO, 1959, p.65/66).

A Reforma de Lutero, assim como a de Calvino, prepararam a mentalidade

européia para mudanças políticas ainda maiores.

Com o fortalecimento das cidades e do comércio e o confisco de terras da

Igreja, nos séculos XVI e XVII, assistimos ao surgimento daquilo que se

convencionou chamar de Antigo Regime. Marcado pelo Estado Absolutista , que

surge após o Estado feudal e antecede o Estado Burguês. É nele que começam a

aparecer de forma clara as três camadas sociais: o clero a nobreza e o povo.

Entretanto, o clero tinha seus próprios privilégios, tribunais e assembléias.

Recebia os dízimos (tributos) da população e não pagava talha (um tipo de

contribuição ao Estado (PILETTI, 2000, p.171).

parte de sua vida mundana, antes da conversão ao Cristianismo, sonho de sua mãe, Santa Mônica. Também são marcantes também sua análise sobre o tempo e a conversa direta com Deus.

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23Com a consolidação do Estado Absolutista, o século XVII inicia-se com a

crença de que somente esta forma de poder seria capaz de manter a paz, a

harmonia e a justiça na sociedade.

Assim como no século anterior, o racionalismo continua a dominar o

pensamento . A produção cultural se desvinculou da Igreja para se tornar laica.

Era possível pensar sem os dogmas e orientações religiosas. O pensamento

alcança sua autonomia no século XIII, quando filósofos e escritores criam o

Iluminismo. Utilizando apenas a razão, eles propunham uma análise crítica tanto

do indivíduo quanto do mundo social e político no qual estavam inseridos. Entre

eles, podemos citar o francês Rousseau e Voltaire, criticavam os dogmas

religiosos e pregavam o fim do clero.

Estes pensadores prepararam a Europa para um período de tolerância

religiosa, que tornou possível a utilização do conceito de liberdade para designar

os direitos naturais que devem ser garantidos a cada cidadão ao nascer: todo

indivíduo passa a ser dono de direitos naturais concedidos ou pelo Criador ou pela

Natureza. Esse foi o maior legado da modernidade. Um novo tipo de Estado, o

Estado de Direito, regido por uma constituição livremente estabelecida. A

reorganização política propiciou o surgimento da democracia representativa.

No século XIX, o surgimento das novas ciências como a sociologia, a

psicologia e a biologia, para explicar as relações do homem que nem a religião

nem a ciência anterior deram conta sozinhas, o nome de Augusto Comte é

fundamental, na medida em que ele afirmava que há um progresso na

humanidade e na ciência. Trata -se de uma relação que vai progredindo ao longo

da história, desde a fase mitológica até a progressiva científica.

O século XX, marcado por duas guerras mundiais, assiste a um novo

crescimento das religiões. O homem que desde o século XVI, buscava afastar-se

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24de Deus, começa a buscar um consolo metafísico12 para as tragédias que assolam

o mundo e o vazio em que o individualismo moderno e a competitividade tem

transformado as relações sociais.

A Igreja Católica tenta renovar-se e adequar-se ao “mercado religioso” onde

as ofertas são inúmeras, sobretudo os pentecostais na América Latina e o Islã na

Europa e nos Estados Unidos .

Os séculos em que a Igreja influenciou o mundo ocidental, isto é, desde a

sua fundação, teve reflexos também na formação da mentalidade do povo

brasileiro que veremos nos capítulos seguintes.

Também nos parece importante, compreender que ideologia é esta que

preocupa-se em vincular o saber do homem à Deus. Entretanto, sabemos que

esta relação entre o saber e o poder que a Igreja deteve por tanto tempo, pode ser

enfocada de várias outras maneiras, priorizando aspectos diferentes destes aqui

adotados.

12 Termo utilizado pelo filósofo alemão do século XIX , Arthur Schopenhauer para designar a busca do

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25

CAPÍTULO II

Ideologia e Conhecimento

homem por respostas através da metafísica religiosa.

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26

IDEOLOGIA E CONHECIMENTO

A história do Cristianismo confunde-se com a história do Ocidente. Ao

pensarmos da Igreja enquanto instituição cristã concentradora de poder material

(terras, construções como mosteiros e Igrejas) e espiritual (a crença absoluta dos

indivíduos no poder), a primeira imagem que visualisamos é a Idade Média.

Entretanto, a influência da Igreja Católica não se limita a estes 10 séculos ,

por muitos historiadores denominado o “Século das Trevas”. Do Império Romano

até os dias atuais , é possível analisar infinitos momentos históricos onde a

instituição eclesiástica mostrou seu poder.

O que nos parece importante analisar, para que possamos melhor

compreender como o saber pôde ficar por tanto tempo restrito, preso às

autoridades do clero, é buscarmos na ideologia da Igreja, isto é, no seu

“...processo de racionalização – um autêntico mecanismo de defesa- dos

interesses (...) tendo por objetivo justificar o domínio exercido e manter coesa a

sociedade, apresentando o real como homogêneo, a sociedade como indivisa,

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27permitindo com isso evitar os conflitos e exercer a dominação”.(JAPIASSU, 1990,

p.128).

Esta foi a justificativa para que tal estrutura tenha se mantido. Uma das

hipóteses que nos parece provável é a do historiador brasileiro Hilário Franco

Júnior13, ao afirmar que só através da análise do imaginário dos fiéis, podemos

investigar o processo pelo qual funciona esta “armadilha metafísica”.

Em um mundo simbólico, rodeado por demônios, anjos, o medo do inferno,

a culpa excessiva por pecados, muitos ainda nem cometidos, o homem acaba por

se submeter à esta instituição que se propõe a salvá-lo a levar sua alma, após a

morte a um paraíso onde desfrutará de tudo o que lhe foi privado no plano

terreno.

A primeira frase da Bíblia, parece iniciar e concluir a importância que a

religião católica assume na vida de seus fiéis: No princípio, Deus criou o Céu e a

Terra. Gênesis 1.1

Ao criar o céu e a terra, Deus passa a ser o maior responsável por sua

criação e os homens, também feitos de acordo com a vontade divina , devem

obedecê-lo e, consequentemente, seus representantes na terra.

Enquanto Criador, Deus acaba por transformar-se no legislador, no guia

espiritual dos homens. Por isso, aqui na Terra, bispos, padres e papas

representam este poder divino e podem julgar os cidadãos de acordo comas leis

de Deus contidas no livro “sagrado”.

Começa-se assim a se desenhar o mecanismo de controle: o exercício de

seu poder só se torna eficaz por saber aproveitar-se e manipular as dúvidas que o

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28homem tem sobre sua origem e acerca do que lhe é possível esperar após a

morte. O discurso eclesiástico passa, portanto, a ser o verdadeiro . E enquanto

verdadeiro, o único, o insubstituível.

Ao invés de denunciarmos esta forma de poder, é preciso que

compreendamos como o discurso deste poder funciona. Isto é, como essa guerra

de forças tanto no que deve ser adequada ao objetivo que se quer alcançar

quanto as “pequenas- grandes” formas coercitivas, restritivas como a produção e

disseminação de crenças.

Voltemos à biblioteca de Melk em O Nome da Rosa . Que tipo de ideologia

se esconde por trás de um acervo, o melhor da Europa, segundo o narrador, que

limita o conhecimento produzido pela humanidade a tão poucos estudiosos ?

Hoje, sabe-se que ao longo da história, apenas o alto clero usufruía de

privilégios reais. Muitos homens e mulheres que se dispunham a levar a vida

apenas “louvando o senhor”, possuíam uma escolaridade precária e se

alimentavam de forma inadequada.

O que tornaria então tal estrutura tão rígida, em épocas, com exceção da

inquisição, em que não haviam punições materiais para os que ignoravam os

padrões da Igreja ou contestavam seu princípios ? Os artifícios utilizados como

forma de controlar a multidão de fiéis e atrair novos “irmãos” parece estar no livro

sagrado, a Bíblia.

Coleção de metáforas, muitas incompreendidas por aqueles que tentaram

segui-la, algumas nos parecem ser fundamentais, como a imortalidade da alma,

por exemplo.

13 JUNIOR, Hilário Franco. A Idade Média- Nascimento do Ocidente. São Paulo: Brasiliense, 1994.

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29O conceito de imortalidade da alma, encontra-se no centro da relação

dominador- dominado. É ela que os aproxima, consolida e torna possível a

manutenção deste micro- sistema.

Ao partir do pressuposto de que a alma é imortal e que no dia do Juízo

Final , todos serão devidamente julgadas e, de acordo com o seu modo de vida

na Terra, irão para o céu, o inferno ou o purgatório, o homem começa a limitar

suas ações, impulsos e paixões das mais variadas formas.

O padre, o bispo ou qualquer outro eclesiástico, independente da época e

do local, são a representação do poder divino. Não se torna portanto difícil

compreender que, para se viver a imortalidade no paraíso, estabelece-se relações

infinitas de transcendência. Isto é, ele projeta no padre ou no bispo, poderes da

sua devoção, de origem transcendente.

O mortal, servo de Deus, crente na Igreja, destituído de sua capacidade

de pensar, encontra-se em uma posição questionável, mas nem por isso

desconfortável14.

2.1 Não cobiçarás...

Entre os pecados capitais, também é possível identificar um dos pilares do

Cristianismo: a cobiça. Este desejo de ter, parece ser a própria representação do

mal.

Na medida em que a Igreja tornou-se uma proprietária de terras, líder

política e do saber erudito, formal, o desejo do consumo, em suas mais variadas

formas, deveria ser afastado da grande maioria.

14 Em A Ordem do Discurso, Michel Foucault aponta as instituições oficiais como as que levam o indivíduo a não mais pensarem por si mesmos.

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30A Igreja sim, deveria acumular riqueza, construir novos “templos”. Afinal,

com Jesus Cristo e São Francisco de Assis, exemplos de simplicidade e amor ao

próximo, todos deveriam seguir estes exemplos, para a instituição “acima de

qualquer suspeita”.

A preguiça também pode ser analisada do ponto de vista dos mecanismos

de controle. O homem deve trabalhar, servir a quem o dar de comer. O que muitas

vezes é interpretado como a necessidade de não contestar o chefe, o gerente15.

Se o trabalhado é uma benção, o suposto abençoado deverá agradecer e louvar

por ele, em contestar a multiplicidade de relações de injustiça, exploração e

anulação da singularidade das criações que este processo envolve.

No Evangelho de São Mateus (19,16,26) , há uma retomada do tema da

riqueza e da salvação:

“Então Jesus disse aos seus discípulos: em verdade

vos digo que um rico dificilmente entrará no reino dos Céus.

E vos digo ainda: é mais fácil um camelo entrar pelo buraco

de uma agulha do que um rico entrar no Reino de Deus.”

(GAARDER, 2000, p.150).

O conceito de riqueza material associado à um pecado, está presente não

só nas palavras de Cristo. Ela ultrapassa o meio material e acusa o intelecto, a

faculdade de pensar de ser uma manifestação do mal.

Por isso, Friedrich Nietzshe16, em sua obra O Anticristo, livro no qual

critica os princípios e mecanismos de ação do Cristianismo, ele associa a Igreja

Católica e seus aparelhos, ideológicos e materiais à fraqueza:

15 Em O estilo brasileiro de administrar,os autores mostram como a concentração de poder destrói a autonomia dos indivíduos (ver bibliografia). 16 NIETZSCHE, Friedrich, filósofo alemão do século XIX, foi um dos maiores críticos do Cristianismo. É de sua autoria a frase : “Deus está morto”.

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31“O Cristianismo tomou o partido de tudo o que é fraco,

baixo, incapaz, e transformou em um ideal a oposição aos

instintos de conservação da vida saudável, e até corrompeu

a faculdade daquelas naturezas intelectualmente poderosas,

ensinando que outros valores superiores do intelecto não

passam de pecados, desvios e tentações.” (NIETZSCHE,

2001, p.40).

A instituição enquanto “proprietária” do discurso verdadeiro e representante

do “todo poderoso”, começa a classificar os homens , no que mais tarde, vemos

como certa facilidade na vida social: líderes e liderados desempenham papéis

claramente distintos17.Os primeiros, assemelham-se ao alto clero, que determina o

que a grande maioria deverá fazer e se submeter. O segundo grupo, acostumado

com a sua própria postura de rebanho, é condicionado a seguir regras , leis e

punições estabelecidas pelos líderes:

“No Cristianismo, os instintos dos servos e dos

oprimidos colocam-se em primeiro lugar: são as castas mais

baixas que nele procuram salvação. Nele, pratica-se como

ocupação, com remédio contra o aborrecimento, a casuística

do pecado, a autocrítica, a inquisição da consciência.”

(NIETZSCHE, 2001, p.59).

O homem reduz-se, diante desta instituição, torna-se um incapaz de mudar

seu destino, atormentado por pecados e sempre preocupado em cumprir as

normas “sagradas”.

Dos mosteiros da Idade Média às constantes modificações do homem

contemporâneo, o mais grave é o quanto tantas crenças paralisam o pensamento,

17 Em O Estilo Brasileiro de Administrar, há uma ampla discussão sobre a relação entre líderes e liderados .

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32instaurando dogmas. As relações de senhor- escravo ou dominador- dominado

acaba por naturalizar-se no cotidiano dos indivíduos. Isto é, a educação religiosa,

da qual trataremos a seguir e a forma pela qual a família estruturou-se de modo

patriarcal e hierarquizada, fez com que o homem , enfraquecido de corpo e

espírito, aceitasse a exploração, as injustiças e as autoridades com maior

facilidade.

O Anticristo como já anunciara Nietzsche, está encarnado em práticas que

geram dependência, maltratam o corpo, ao condenar seus desejos, e sobretudo,

aniquilam o pensamento, acusando-o de herege, como tão radicalmente fizeram

os inquisidores nos séculos XVI ao XVIII.

O poder mantém-se apoiado em inúmeros artifícios:

“ Nós sabemos, a nossa consciência sabe agora, o que

valem essa sinistras invenções dos sacerdotes e da Igreja,

para que serviram (...) as noções de “além”, de “juízo final”,

de “imortalidade da alma”, da própria “alma” são

instrumentos de tortura, sistemas de crueldade de que se

serviram os sacerdotes para se converterem em senhores e

para manterem seu poder.” (NIETZSCHE, 2001, p.73)

Do discurso verdadeiro à uma imensa rede de crenças, de práticas

punitivas, que causaram temor ou arrependimento, a Igreja soube utilizar a

inocência que a boa- fé de seus seguidores para adequá-los aos seus interesses.

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CAPÍTULO III

O Poder da Igreja no Brasil

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O PODER DA IGREJA NO BRASIL

Para que possamos analisar de que forma a educação católica que se

instaurou no Brasil e foi fundamental para a formação da mentalidade e do

pensamento social brasileiro, é necessário que não nos esqueçamos da

importância desta instituição ao longo da história.

A chegada dos jesuítas em terras brasileiras, foi o ponto de partida para a

consolidação de um modelo educacional, social e espiritual muito diferenciado

daquilo que os primeiros habitantes, os índios, estavam acostumados.

Diferente do monge medieval, que se preocupava sobretudo com a

contemplação e com orações diárias, o missionário jesuíta pretendia a salvação

através da ação. Isto é, converter o maior número de homens às suas verdades

era o essencial para garantir o reconhecimento no dia do juízo final18.

18 O Cristianismo deste período inaugura a necessidade de torná-lo uma religião universal.

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35A princípio, os indígenas eram vistos como um grupo homogêneo que foi

designado pelos jesuítas, de “GENTIO”, não tendo sido percebidas suas

diferenças .

A primeira tentativa de catequese foi através de visitas à aldeias, mas pelo

número e missionários, que era pequeno para este serviço, as grandes distâncias

a serem percorridas além do convívio dos índios com suas raízes, a catequese

tornou-se nula, pois por mais que fosse tentado transmitir a doutrinação , esta

perdia-se nos costumes do gentio livre em suas aldeias19. Nesta primeira

tentativa, o que importava era o número de índios convertidos, ou seja, o número

de batizados , o que supõe-se “nominação”; entretanto, isso não lhe dá a

“individualidade”. A nominação dos índios desaparece e , para os jesuítas, o

nativos são “gentios”, “inimigos”, “aliados” ou “cristãos”.

No século XVI era idéia geral que a civilização era o aprimoramento do

homem. Esta civilização é trazida aos jesuítas através da cristianização. O jesuíta

acreditava que a natureza era algo perigoso e estranho mas apta a ser

modificada por Deus e era nela que em que vivia o “selvagem”, com sua cultura

“animal”. Três pontos são terrivelmente combatidos na “cultura índia” e todo tem

relação com o corpo: o incesto, o canibalismo e a nudez, o que na concepção

jesuítica era falta de controle, regras e aproximação com a “animalidade” , que

criam uma série de dúvidas quanto a racionalidade e humanidade do gentio.

Diante dessas incertezas é questionado o sucesso da catequese,

entretanto, defensores apoiam-se no seguinte: os índios eram homens, possuíam

almas criadas por Deus e eram mais fáceis de serem convertidos que os hereges,

pois enquanto os primeiros não conheciam Deus, os segundos o renegavam.

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36Os jesuítas pretendiam fazer a conversão pelo “convencimento” através de

práticas pedagógicas. Porém, quando sentiram que o resultado era desanimador,

partiam pela conversão por bem ou pela força. A “lei” imposta aos indígenas era:

deixar o canibalismo; tornar-se monogâmico; acabar com rituais e feitiçarias;

trocar a nudez por vestimentas e largar o nomadismo20.

Manoel da Nóbrega, chefe dos primeiros jesuítas a desembarcarem no

Brasil em 1549, foi o articulador da catequese no Brasil e foi a partir de seu “Plano

de Colonização”, dez anos após a sua chegada que se pode compreender a

mudança de relacionamento com os indígenas e a primeira delas é a criação

dos aldeamentos , onde índios de diferentes tribos eram reunidos para serem

mais facilmente convertidos.

A população não aceitava bem as aldeias, pois as mesmas dificultavam o

aprisionamento e consequentemente a escravização dos “selvagens”, mas apesar

desta posição, as aldeias multiplicaram-se, sendo seu maio número na Bahia.

A incorporação da conversão pela força coexistiu com a idéia de

convencimento. Com a criação do sistema de aldeias jesuíticas, a economia , a

religião, o lazer , o trabalho..., são substituídos por “uma nova força de

homogeneidade centralizada” , onde as aldeias dos missionários eram tidas como

territórios cristãos “quase municipais”.

O s sacramentos eram muito respeitados: o batismo que era o primeiro, e o

que dava a cristandade, o sinal de conversão; o matrimônio, que acaba com a

poligamia e a confissão, que daria a penalidade aos pecados praticados.

19 As línguas e a diversidade cultural das tribos, com tipos de sociedades distintas, dificultaram uma aproximação imediata .Foi então necessário, a “criação” de uma língua híbrida, mistura de tupi cm latim, e de uma linguagem teatral para apresentar aos futuros cristãos os valores desta religião. 20 Clássico da Antropologia brasileira contemporânea, O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios, de Luiz Felipe Baêta Neves, trata da catequese e da pedagogia utilizada pelos jesuítas do Brasil (ver bibliografia).

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A evangelização destruía os valores indígenas considerados coisas do

diabo adotando elementos culturais da civilização cristã ocidental21. Com a

continuação do trabalho de catequese, muitos índios e algumas tribos inteiras

“converteram-se” ao catolicismo, mas mesmo na chamada “conversão perfeita” os

missionários continuaram a designá-los “índios” embora “conversos”.

3.1- A Pedagogia Jesuítica

A pedagogia dos jesuítas estava codificada na famosa Ratio studiorum

(plano de estudos), redigida pelo próprio Santo Inácio de Loyola, mas cuja

elaboração definitiva data de 1559 após mais de meio século de experiência no

campo educacional.

O plano de Estudos previstos pela Companhia de Jesus abrangia três

cursos distintos: Teologia, Filosofia e Humanismo. Sendo este último, o mais

propagado no Brasil- Colônia. Os currículos destes cursos eram formados

basicamente a partir do Direito Canônico e da História Eclesiástica, o que

demonstra u m desprezo total pelos fatos da vida, pelos problemas cotidianos,

pelo trabalho especializado, desprezo enfim, pelo presente e pelo futuro. Visando

apenas a formação do homem para o conhecimento divino e não para si mesmo e

para sua nação.

Também é importante observar que os livros que chegavam ao país ,

passagem por um rigoroso processo de seleção, antes que os estudantes

pudessem ter acesso a eles: “Em plano simétrico, os jesuítas introduziram os

primeiros livros na Colônia, mas livros de natureza especial e alcance

restrito”.(NEVES, 1978,p.14).

21 A fé que propagavam, completamente estranha da existente na América, tinha que , inexoravelmente, determinar um choque de culturas e a desintegração dos valores nativos.

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A pedagogia utilizada consistia na repetição. Repetir incansavelmente as

palavras proferidas pelos professores. Tal prática ocorria nos dois níveis em que

Foucault divide o poder: o da soberania e o da disciplina:

“São instrumentos reais de formação e de acumulação

do saber; métodos de observação, técnicas de registro,

procedimentos de inquérito e de pesquisa, aparelhos de

verificação. Tudo isso significa que o poder, para exercer-se

nestes mecanismos sutis, é obrigado a formar, organizar e

por em circulação um saber, ou melhor, aparelhos de saber

que não são construções ideológicas.” (FOUCAULT, 1993,p.

186).

O que Foucault nos mostra, é que o poder “originado” no soberano e

legitimado por leis rígidas e uma grande crença no modelo estatal, é substituído

nos século XVII e XVIII por outros procedimentos e aparelhos de dominação ,

como a vigilância constante.

No Brasil Colonial, as duas formas de poder coexistiram: havia tanto

punições físicas quanto de anulação da cultura local:

“A disciplina nos colégios era rigorosa. Os jesuítas

empregavam: repreensões, reclusão ou privação de recreios

e castigos corporais. O âmbito da pena disciplinar era

grande: castigava-se moralmente (...) pelo impedimento do

lazer/descanso (...), pela dor corporal... inclusive o

tronco.”(NEVES, 1978, p.150).

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39 A missão jesuítica só é interrompida com a expulsão deste pelo Marquês

de Pombal. Em 1759, por questões políticas. Muitas escolas e seminários tiveram

suas atividades paralisadas.

3.2- A Inquisição como forma de poder

Desde a descoberta das terras brasileiras e sua ocupação, a presença do

Cristianismo foi marcante. Junto com os jesuítas, os índios vêem chegar inúmeras

embarcações trazendo portugueses atraídos pelas histórias contadas sobre o que

seria o “paraíso terrestre”.

Entretanto, é no século XVIII que país passa por um grande

processo de investigação que já dominava os países cristãos da Europa: a

Inquisição.

Fruto da perda de fiéis que a Igreja sofreu com a Reforma

Protestante , o Santo Ofício22, criado em 1536 em Portugal, tinha como função

combater as heresias. Ou seja, julgar e condenar aqueles que discordavam da

doutrina cristã.

Como colônia portuguesa, o Brasil também fez parte da área de atuação

do tribunal. Porém, neste caso, só houveram visitações23 de um inquisidor que

eras auxiliado por “espiões” que habitavam estas terras. A condenação também

era dada de acordo com os interesses econômicos:

“Pessoas de família , amigos, moradores de uma

mesma vila, eram denunciados à Mesa do Santo Ofício.

Muitas vezes os inquisidores recebiam informações sobre

suas conexões internacionais ou sobre seus bens. Na posse

do Registro do nome desses portugueses, os Inquisidores

22 O Santo Ofício foi o tribunal criado para julgar os “infiéis”. 23 As Visitações consistiam na presença periódica de um inquisidor enviados pela Coroa

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40podiam controlar também suas finanças e se apoderar de

seus bens em Portugal ou no Brasil.”(NOVINSKY, 1992,

p..XVI).

Como manipulação econômica e ideológica, a Igreja utilizou a fé , através

da Inquisição para subjulgar aqueles que discordavam de seus dogmas. Tal

processo durou até o século XVIII.

3.3- O Império Brasileiro e a Igreja

A constituição de 1824 assegurava a união entre Estado e Igreja. Ou seja, o

imperador era o responsável pela nomeação de padres e bispos que em seguida,

eram aprovados pelo Vaticano. Somente em 1827, a relação de padroado passa a

ser entre o Império brasileiro e a Igreja. D. Pedro I, oficializa o Catolicismo como a

religião do país:

“O Império incorporou a tal ponto o clero aos quadros

do Estado, que transferiu aos funcionários da província a

prerrogativa de regulamentar o funcionamento da Igreja em

nível local.’(GAARDER,2000,p.282)

A insatisfação da Igreja é fundamental para desestabilizar o Império: a

condenação de padres ao trabalho forçado por quererem expulsar maçons de

suas irmandades, causou polêmica e revolta nesta instituição que resolveu apoiar

a causa republicana24.

Nos parece importante observar que o Brasil imperial não possuía sequer

uma única universidade. No Rio de Janeiro, em 1814, a Biblioteca Pública é aberta

a freqüentadores em geral. Em Minas Gerais, só em 1824, houve a aprovação de

24FREIRE, Gilberto. Ordem e Progresso Rio de Janeiro: José Olímpio, 1974.

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41uma lei para a criação em São João d’El Rei de uma biblioteca! E as obras que a

formaram , vinham da coleção de um bispo falecido em São Paulo.25

A história intelectual do Brasil não pode ser dissociada da religiosa na

medida em que a educação transformava o sistema de idéias em sistema de

dogmas e crenças.

A independência, portanto, não inaugura uma nova política educacional na

medida em que tanto projetos como idéias propostos na Assembléia não se

concretizaram. Com poucas escolas, aulas Régias insuficientes e sem um

currículo regular, algumas escolas de nível superior com acesso restrito as elites.

A Assembléia Constituinte de outubro em 1823, autorizou a liberdade de

ensino, sem restrições e se comprometeu a garantir a instrução primária a todos

os cidadãos. Entretanto quem eram estes cidadãos em uma sociedade que

excluía mulheres, escravos e a camada mais pobre ?

Em 1825 , foram criados os primeiros cursos jurídicos, o que demonstrava

um real interesse em romper com a metrópole portuguesa. Entretanto, só após a

abolição da escravidão e a Proclamação da República sob influência anglo-

americana, há a separação entre Igreja e Estado e o surgimento de instituições

educacionais não católicas.

Se a abertura dos portos favoreceu o contato e a troca de informações com

outras culturas, a República, reafirmando os ideais de progresso, inicia o processo

de liberdade religiosa no Brasil.

3.4- A proclamação da República e a Ordem Religiosa no Brasil

25 MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira .São Paulo: Cultrix, 1978. Vol II p.129-135

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42A influência político- ideológica da Igreja no Brasil Republicano , é

facilmente compreendida através das palavras do deputado pela Província de

Pernambuco, Joaquim Nabuco:

“Em 1879, discutia-se na Câmara dos Deputados o

problema das relações da Igreja com o ensino superior no

Brasil. Um dos oradores exclamou(...) : “Não sou inimigo da

Igreja católica, notem os nobres deputados .Basta ter ela

favorecido a expansão das artes, ter sido o fator que foi na

História, ser a Igreja da grande maioria dos brasileiros e da

nossa raça, para não me constituir em seu adversário.

Quando o catolicismo se refugia na alma de cada um, eu o

respeito: é uma religião de consciência... Mas do que sou

inimigo é dêsse Catolicismo político, esse Catolicismo que se

alia a todos os governos absolutos.”(FREIRE, 1974, p.515).

Crítica ao controle social exercido pela Igreja . no discurso de Joaquim

Nabuco, na Câmara a 16 de julho de 1880, são tratados de assuntos como :

“A liberdade religiosa relacionada com o casamento

civil, com a organização da família, com a emigração. Não se

compreendia país progressivo e livre, eu que “em toda a

imensa força que decorre do poder de autorizar e impedir os

casamentos “estivesse” nas mãos do poder clerical”, por

forma que “todas as questões relativas à constituição da

família” dependessem de “tribunais eclesiásticos.””(FREIRE,

1974, p. 516).

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43 A aliança entre a Igreja Católica e o Estado no sistema de ensino também

foi duramente criticada por Rui Barbosa e Joaquim Nabuco, entre outros anti-

clericais, influenciados pelo positivismo26:

“[...] eu ontem mesmo votei contra a verba dos

seminários [...]. Mesmo porque, nesses seminários os

meninos se tornavam padres por persuasão hábil de parte

dos mestres, sendo educados “em uma atmosfera especial

de misticismo, isolados de todas as ambições e aspirações

patrióticas (FREIRE, 1974, p.517).”

Apesar de toda a influência do Catolicismo no cotidiano dos brasileiros, a

criação de associações beneficentes espíritas. Protestantes e evangélicas,

sobretudo a partir de 190027, propiciaram a fundação de colégios religiosos que

seguiam a metodologia dos anglo-saxãos e dos americanos, que eram vistos

pelos brasileiros como símbolo de progresso. Entretanto, estas manifestações não

chegaram a abalar o alicerce da fé católica.

Com a separação entre Igreja e Estado , houve uma queda na procura por

seminários. Foi preciso “importar” padres estrangeiros, o que ocasionou algumas

no sistema educacional:

“Outro aspecto novo da educação nos colégios

católicos (...) foi o relevo dado à educação física dos meninos

e dos adolescentes. No Anchieta [em Nova Friburgo, Rio de

Janeiro], nos primeiros anos, já os alunos jogavam o foot-

ball.”(FREIRE, 1974, p.579).

26 O Positivismo. Foi um sistema filosófico elaborado pelo francês Augusto Comte que tinha como núcleo sua célebre teoria dos três estados, isto é, o homem passaria por três etapas: a teológica, a metafísica e a positiva.. 27 FEIRE, Gilberto. Ordem e Progresso. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1974. p.535.

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44No final dos mil e oitocentos, Jesuítas, Beneditinos, Salesianos,

Maristas, na sua maioria estrangeiros, que tentaram contar o crescente

aumento das instituições protestantes de origem anglo- saxônicas. O Colégio

Progresso, no Rio de Janeiro, parece ser um bom exemplo de como este tipo

de mentalidade se distinguia dos valores e práticas católicas:

“Era um colégio em que não havia castigos: inovação

no meio brasileiro (...) . Para casos graves, uma pequena

retenção além das horas de aula ou privação de saída ao

sábado para alunos pensionistas.”“(FREIRE, 1974, p.582).

3.5- A Igreja no Brasil do Século XX

Do passado colonial, de uma sociedade patriarcal e escravocrata, da

união entre Igreja e Estado, o Brasil chega ao século XX como um país

rigorosamente católico.

Em 1915, há um momento de entusiasmo dos Republicanos pela

educação. Era preciso repensar o Brasil , recuperar o amor pela pátria. O principal

foco de preocupação, era a escola primária que seria responsável por esta grande

mudança social e pela valorização de nossa língua, cada vez menos portuguesa e

mais brasileira. Alfabetizar os brasileiros significaria também dar a estes o direito

do voto, assumindo portanto a sua cidadania.

É de Miguel Couto, a frase que melhor resume esta preocupação: No Brasil,

só há um problema nacional: a educação do povo.(FAUSTO, 1990, vol 9, p.263).

A explicação dos republicanos era a seguinte:

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45

“O fenômeno oligárquico era conhecido dos

educadores, bem como as dificuldades da situação

econômico- financeira e os empecilhos para o

desenvolvimento de uma sociedade aberta. No entanto,

estes eram problemas derivados da incultura reinante no

país: as oligarquias só podem ser combatidas pelo

esclarecimento que a educação proporciona, pois elas se

sustentam graças à ignorância popular (...). Os empecilhos à

formação de uma sociedade aberta encontram-se na grande

massa analfabeta e na pouca disseminação da escola

secundária e superior, que impedem o alargamento na

composição das “elites.” (FAUSTO, 1990, vol 9 p.263).

Reformas educacionais ocorrem simultaneamente em vários estados. A

euforia característica deste período que se manifesta através de congressos e

publicações da área educacional, dão origem, a partir de 1927 ao movimento

conhecido como Escola Nova que surge para se opor á escola tradicional28.

Ao colocar o aluno como centro do processo de aprendizagem, a Escola

Nova pretende implantar novos valores na escola, novas matérias e métodos.

Apesar da construção e disseminação de idéias e propostas inovadoras, governo

da primeira República não se apresentava estruturado de forma adequada:

“No plano estadual, encontra-se uma situação muito

próxima da federal. Freqüentemente denominada Inspetoria

Geral de Instrução Pública, existia uma seção junto às

28 É importante lembrar que as idéias positivistas e cientificistas , já em destaque no período imperial, foram decisivas para a substituição gradual de uma educação estritamente religiosa, por instituições laicas como o Colégio Pedro II, fundado em 1834. A reforma curricular promovida por Benjamim Constant em 20, parece reafirmar esta mudança: as matérias “humanistas”, que incluíam teologia, por exemplo, foram substituídas pelas “científicas”.

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46secretarias do interior ou da Agricultura, Indústria e

Comércio.(...)Arrastavam-se impotentes diante dos jogos

políticos locais e quase sempre eram, dirigidas por pessoas

alheias à atividade educacional.”(FAUSTO, 1990, vol 9,

p.267).

Outra mudança que nos parece significativa no currículo das escolas,

ocorre no ensino primário, que deixa de ter duas disciplinas religiosas: a história

sagrada e a doutrina cristã, priorizando o ensino das ciências.

O novo regime (Republicano) representou para a Igreja uma ambigüidade

se por um lado poderia ser o fim do padroado, marcante no período imperial,

poderia também ser uma ameaça aos valores e á credibilidade da Igreja: os

bispos viram com “bons olhos” a possibilidade de se livrar da cobrança do dízimo

pelo governo e da interferência do Estado nos negócios da Igreja.

O movimento escolanovista não era uma manifestação isolada. Ele crescia

na medida em que idéias positivistas, cujo grandes representantes eram os

intelectuais Benjamim Constant e Demétrio Ribeiro, anti- clericais que pregavam

amplas reformas ideológicas e educacionais.

A nova constituição, que passou a vigorar em 1891, fez concessões

importantes à Igreja:

“Os bens da Igreja foram poupados, as ordens e

congregações admitidas sem reserva alguma (...) Assim foi

possível à Igreja Católica receber subvenções da

administração pública, durante o período republicano, a título

de ajuda a obras de beneficência” (FAUSTO, 1990 vol 9, p.

328).

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47

Tais medidas foram muito favoráveis à instituição eclesiástica: a separação

do Estado propiciou a nomeação de religiosos e a criação de novas dioceses.

3.6- Getúlio Vargas e o Poder

Após séculos de intensa dominação por parte da Igreja sobre o saber

produzido no Brasil, o Estado laico, com intelectuais preocupados em participar de

reformas educacionais, o crescimento do ensino público e a valorização do

pensamento científico,. O que parecia ser um passo decisivo para a autonomia

dos brasileiros, o início de sua liberdade de pensar e de escolher seu futuro,

esbarra na crise da bolsa de valores de Nova Iorque em 1929. Isto é, a década de

30 inicia-se com a grande depressão que foi um verdadeiro colapso no sistema

financeiro que atingiu inúmeros países. O desemprego, a miséria e a descrença

no futuro, acabaram por facilitar o surgimento de Estados totalitários29 . No Brasil,

Getúlio Vargas assume este papel de ditador.

Apesar de todo um movimento de contestação das oligarquias que

exploravam o povo e multiplicavam os miseráveis, de toda uma geração de

intelectuais que denunciavam esta realidade, como Rachel de Queiroz30,

Graciliano Ramos31 e Jorge Amado, buscaram denunciar:

“Em verdade este romance e o anterior , Terras do sem-

fim, formam uma única história: a as terras do cacau do sul

da Bahia. Nesses dois livros tentei fixar com imparcialidade e

paixão, a economia cacaueira, a conquista da terra pelos

29 Os exemplos mais expressivos são: Na Itália, Mussolini, na Argentina Perón e na Espanha Franco que governou até 1973. 30 Rachel de Queiroz , em sua obra O Quinze, retrata as dificuldades e as injustiças sofridas pelo povo nordestino. 31 Em Vidas Secas, ,Graciliano Ramos retrata um nordestino já sem esperança. A perda de identidade e de perspectiva dos personagens também um traço marcante desta obra.

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48coronéis feudais no princípio do século (...) Esse drama da

conquista feudal é épico, e o da conquista imperialista é

apenas mesquinho, não cabe culpa ao romancista.”(NICOLA,

1997, p.252.)

A estrutura de dominação e anulação do sujeito na sociedade brasileira,

inicialmente realizada pelo convencimento, na catequese dos índios até o

totalitarismo de Vargas, tem nas décadas seguintes, sobretudo de 60 e 70, uma

tentativa de aniquilar a criatividade, o pensamento e a educação do Brasil,

através do Regime militar.

A censura de livros, proibição de filmes e manifestações culturais em troca

de uma aparente harmonia social, é mantida através de práticas socialmente

questionáveis, como a perseguição e a prisão de professores de disciplinas como

a história e a filosofia.

Obras clássicas e contemporâneas, músicas como as de Caetano Veloso e

Chico Buarque, eram “rigorosamente” analisadas pelos responsáveis pelo controle

ideológico.

A abertura política, na década de 80, não trouxe grandes modificações

para a educação brasileira, na medida em que o “método” adotado pelos militares

já havia se enraizado nas escolas.

É a partir da década de 90, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares

Nacionais que começa-se a questionar o retorno do ensino religioso no Brasil. Se

de forma obrigatória ou não, tal passo parece representar a necessidade de

valores mais estáveis como os da religião. A destruição progressiva da autonomia

intelectual do brasileiro por suas instituições, sobretudo o Estado e a Igreja, é

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49atualmente, perceptível e carece de amplas reformas em todos os segmentos da

sociedade.

CAPÍTULO IV

Dogmas e crenças nas empresas brasileiras

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50

DOGMAS E CRENÇAS NAS EMPRESAS BRASILEIRAS

A trajetória que percorremos até aqui, de mostrar a importância da Igreja

enquanto formadora de opinião e detentora da verdade, isto é, da palavra divina,

inquestionável, acaba refletindo toda a sua influência, no caso do Brasil, em suas

organizações.

Como podemos perceber, no breve histórico da Igreja no Brasil, nossa

raízes culturais são muito profundas em relação a esta instituição. Para relacionar

a cultura nacional com a cultura organizacional, isto é, das empresas, optamos

pela obra O Estilo Brasileiro de Administrar que nos parece resumir de forma

satisfatória a multiplicidade de relações existentes nestas organizações.

Quando buscamos a origem da sociedade brasileira, encontramos duas

características fundamentais: a escravidão e a família patriarcal. Como país

baseado na mão- de- obra escrava , o Brasil foi o último país da América a abolir

este sistema.

Este tipo de trabalho forçado, que reprimia e humilhava os liderados32, tem

raízes profundas na nossa história. O “primeiro capítulo” data do período Jesuíta,

sobretudo no século XVI. Os índios eram obrigados ou pagos com espelhos e

pentes, por serviços que prestavam durante dias, sem horário para dormir e se

alimentar e sem direitos.

Séculos depois, vieram os negros da África, que passaram a constituir uma

relação de dominador- dominado, com o senhor seu dono, assim como os índios.

32 Liderados no sentido de escravos que obedeciam as comandos de um líder.

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51Este tipo de relação entre um líder que detém o poder e seus subordinados, acaba

por criar uma rígida hierarquia social.

Este processo de verticalização33 da sociedade, isto é, o que lidera

concentra toda a possibilidade de decisão e também a responsabilidade sobre

estas34.

A sociedade e, em um microcosmo, a empresa verticalizada, além de

reproduzir a relação líder- liderado, dá continuidade às práticas da família

patriarcal, onde o “pai- patrão” define os papéis que o restante da família deverá

representar.

O paternalismo , herança da família patriarcal, aparece nas empresas

através de práticas em que o chefe/pai, além de distribuir as funções, toma as

grandes decisões e isenta seus subordinados tanto de pensar e de ter uma

opinião sobre determinado assunto, quanto de assumir os riscos de possíveis

mudanças.

Na medida em que nossa sociedade é relacional, o Brasil pode ser incluído

na lista dos países que valorizam o coletivismo, diferente portanto, da norte-

americana, extremamente individualista35.

Herança da comunidade católica, que se instalou no país; nossa

sociedade se edificou sob os princípios da desigualdade ou diversidade cultural,

a relação com base das ações e a conclusão no grupo daqueles que atendem

aos interesses do líder deste.

33 Verticalização como sinônimo de hierarquização. 34 Ver anexo 2. 35 Ver anexo 3.

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52 O paternalismo, presente também no ritual religioso- o padre determina, na

confissão, o que será preciso para livrar-se de seus pecados, ter alguém que

lidere e que em troca desta postura, cobre apenas obediência dos demais, é uma

idéia corrente e antiga em nossa sociedade.

Ao contrário do modelo protestante, adotado pelas treze colônias que

centra a capacidade de crescimento e realização no indivíduo, na medida em

que Deus está dentro dos homens, nossa colonização portuguesa e católica,

apresenta um Deus transcendente, com a qual é possível relacionar-se.

Isto significa que o homem católico não tem dentro de si seu próprio Deus.

Antes, ele necessita pedir, “conversar”. Com este poder divino que o transcende: o

que nos permite afirmar que nossa unidade básica não está baseada no indivíduo,

mas na relação (BARROS, 1996, p.47).

A relação de intimidade entre o brasileiro e Deus , também ocorre no plano

institucional Conhecer alguém ou ser parente, que trabalhe em uma determinada

instituição, pode facilitar a resolução de um problema. Ou seja, no Brasil, como já

dizia Getúlio Vargas, “para os meus amigos tudo, para os inimigos, a lei” .

O personalismo, que nada mais é do que se considerar a relação que

determinada pessoa tem com o grupo em questão, para chegar-se a uma

decisão, algo muito presente e comum em nossas organizações, acaba por

favorecer o paternalismo já citado: o pai patrão protege os “filhos” subordinados e,

com isso, reforça a concentração do poder de decisão e da responsabilidade em

suas mãos e mantém seu carisma, sua imagem de “bonzinho”.

O pai como autoridade máxima na família brasileira, reproduz esta

hierarquia na empresa. Entretanto, é preciso considerarmos que este não é um

fenômeno recente:

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53 “Vimos, historicamente as atitudes típicas do

relacionamento familiar invadirem o espaço público,

conformando também o sistema burocrático brasileiro.

Este se viu invadido em suas posições e cargos por

pessoas de confiança, ou das relações pessoais das

famílias no poder. A competência e mérito, através do

concurso público, que estão na base do sistema racional-

legal, na formação dos quadros burocráticos do sistema”

(BARROS, 1996, p.40).

Em O Poder da Igreja no Brasil , tentamos mostrar o quanto esta

instituição foi marcante na constituição dos valores de nossa sociedade. Foi

possível observar que o poder material (terras, capelas, cemitérios) e o poder

espiritual (batismo, casamento, confessionário) eram os instrumentos que

tornaram possível este processo de dominação e de infantilização do povo que

iniciou-se com a catequese dos índios, sem levar em consideração as

particularidades de cada tribo e a inteligência destes nativos36.

A união da Igreja com o Estado, mantida até a República Velha, o regime

totalitário de Getúlio Vargas, seguido de anos de ditadura militar, serviu para

anular a autonomia dos indivíduos que passaram a ter na Igreja e, posteriormente,

no Estado, a instituição responsável por todos os benefícios e malefícios que

ocorrem na sociedade.

A concentração de poder, fruto de uma sociedade patriarcal e paternalista,

torna o sujeito um mero espectador. Enquanto observador daquilo que o cerca, o

brasileiro se limita a acatar as decisões “superiores” sem contestá-las.

36 Em O Combate dos Soldados de Cristo na Terra dos Papagaios, Baêta Neves nos mostra o quanto este processo de catequização foi violento para a cultura indígena, tentando substituir seus hábitos, sua religião e sua forma de se organizar em sociedade.

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54 No caso do Brasil, a figura divina também assume um importante papel de

líder. Herança de uma religião que, por tantos séculos, centralizou o saber e o

poder:

“Deus e o tempo são para nós recursos inesgotáveis.

Um Deus que é brasileiro, a quem está entregue a nossa

sorte, pois caberá a ele dar uma solução aos nossos

problemas, bastando para isto, só esperar” (BARROS, 1996,

p.43).

Esta atitude de esperar, de ter esperança, demonstra o quanto o

espectador se isenta de qualquer reponsabilidade. O chefe, o governo, ou até

mesmo Deus, tomará as decisões mais adequadas.

Em uma sociedade onde há a valorização de um discurso “verdadeiro”, é a

distribuição ou grau de saber, de instrução, que irá determinar quem terá o poder.

O gerente que trabalha tanto com o presidente da organização quanto com os

demais funcionários, ao reter as informações, assemelha-se ao padre ou bispo,

que além de serem conhecedores das informações ou “revelações”, só a transmite

de acordo com os interesses.

É importante observarmos que, sem ter acesso ao conhecimento, e

temendo uma atitude ameaçadora de alguém hierarquicamente superior, fiéis e

funcionários adotam atitudes semelhantes de apenas observar.

4.1- “Deus é brasileiro”

Marcada por séculos de submissão que a escravidão proporcionou, e por

uma religião rigidamente hierarquizada, ao afirmar que Deus é brasileiro, o

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55espectador adota além de uma posição estática, uma total isenção de

compromisso com o presente e a falta de um planejamento futuro.

O pouco acesso à educação formal, isto é, às instituições de ensino como a

escola e a universidade, impossibilitam o sujeito de ter uma visão crítica do mundo

que o cerca, de suas práticas religiosas e de seu trabalho. Ao esperar que Deus

condene as injustiças e modifique a ordem estabelecida, o funcionário, assim

como o fiel, transfere seu poder de decisão, de mudança par este Deus ou gerente

que concentra e realimenta o processo de dependência de seus subordinados.

O Cristianismo, denunciado por Nietzsche como o criador de idéias fracas

e da anulação do pensamento e do sujeito, também foi o responsável pelo centro

do processo do estilo brasileiro de gerenciar/administrar: a impunidade.

4.2 A Impunidade

Desde que chegou em terras brasileiras, a Igreja Católica , representada

pelos jesuítas entre outros grupos missionários, adotou atitudes tirânicas sob o

pretexto de converter os índios. Posteriormente, como vimos nos capítulos

anteriores, controlou a entrada de livros no país e o acesso as obras que vinham

de Portugal e da Europa. Os poucos que podiam estudar, filhos da elite, só

podiam ler os assuntos e livros que passavam pela aprovação dos superiores.

Ao centralizar o saber o poder, a Igreja retirou dos fiéis a capacidade de

contestar suas práticas e crenças. Das missões à inquisição, das confissões

forçadas à repreensão pela culpa e pelo controle das idéias, a instituição

eclesiástica deu origem a um modelo gerencial único, onde impera o medo de

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56participar e contestar, a infantilização da maioria e sobretudo, a impunidade dos

líderes37.

Gerentes reproduzem nas organizações o que os padres praticam em suas

paróquias. Esta estrutura de longa duração enraizou-se de tal forma na cultura

brasileira que passou a ocupar o espaço que Foucault já chamara a atenção

definindo-o como o espaço verdadeiro.

É preciso que as organizações comecem a desconstruir estas crenças que

se enraizaram, sobretudo, na cultura brasileira. Cabe aos gerentes, educadores e

aos encarregados da área de recursos humanos, tornar cada funcionário um ser

humano dotado de consciência crítica, que pense e repense sua prática e suas

idéias.

37 Ver anexo 4.

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CAPÍTULO V

Conflitos Religiosos nas Empresas

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CONFLITOS RELIGIOSOS NAS EMPRESAS

Nenhum homem é igual a outro homem. Todo ser humano é um Estranho ímpar. Carlos Drummond de Andrade.

O caminho que até aqui percorremos, serviu para nos mostrar o quanto os

valores da Igreja Católica influenciou a formação do pensamento social e cultural

brasileiro.

A forma como estes valores se enraizaram e se mostram nas organizações,

micro, pequena e de grande porte, são facilmente identificáveis, na medida em

que o paternalismo, a submissão e uma postura até certo ponto ingênua, é

praticada pelos funcionário.

Um outro problema que nos parece tão carente de discussão quanto esse,

é crescente número dos fiéis de Igrejas Pentecostais no país que outrora, era

essencialmente católico, sobretudo a partir dos anos 80, com a vinculação de

cultos em rádios e canais de televisão em rede nacional38, assim como a

construção de “templos” grandiosos, levou muitos fiéis a seus cultos e começou a

incentivar a intolerância religiosa em um país conhecido por conviverem em seu

território crenças, hábitos e valores tão diferenciados, fruto de sua formação

múltipla.

Assim como as idéias e princípios católicos influenciaram e influenciam as

estruturas das empresas, esta intolerância dos “convertidos” pentecostais e a

difícil adaptação por parte dos grupos católicos, espíritas e de outras

denominações, acaba criando o preconceito religioso.

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É importante pensarmos, de que forma este preconceito pode prejudicar

uma organização. Em um mundo cada vez mais competitivo, onde o capital

intelectual é a ferramenta primordial para inovações, que atraem novos clientes e,

consequentemente , novos lucros, o trabalho em equipe, agrupa e soma as

competências e saberes de cada um com o objetivo comum de “sair na frente do

concorrente”; isto é, ter vantagem competitiva.

É preciso tirar da cabeça do trabalhador que ele está na organização só

para executar tarefas; ele também precisa aprender a pensar. E essa mudança de

mentalidade requer o abandono de preconceitos.

A sociedade pós- capitalista, assim como a denomina Peter Drucker39 em

suas obras, não valoriza mais a propriedade ou os bens tangíveis. A era das

informação exige a constante transformação do saber em fazer. A especulação

financeira flutuante e imprevisível, necessita de organizações “mutantes” que se

adaptem com facilidade, que seus funcionários tenham uma postura flexível em

suas atitudes e decisões

Para trabalhar e vencer a eterna competitividade, é preciso que o ambiente

organizacional seja estável e a equipe não seja um “monte” de funcionários

obrigados a trabalhar junto e que não aceitam a forma de ver o mundo do outro e,

sobretudo, sua religião. Os pequenos conflitos cotidianos levam a empresa a

perder a confiança de seus próprios colaboradores, a perder idéias, produtividade

e lucro.

Abandonar crenças em prol da criatividade e da mudança, é garantir o

futuro de seu trabalho.

38 No Cadernos de Antropologia e Imagem, número 7, publicado pela EDUERJ em 1998, há diversos artigos sobre a expansão das Igrejas com o auxílio dos meios de comunicação. 39 Peter Ducker é um dos autores ais lidos e respeitados na área de Administração e de Gestão do Conhecimento.

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5.1 Prevenção do Conflito

O conflito religioso nas organizações pode ser evitado , quando a equipe de

Recursos Humanos ou de Recrutamento e Seleção, responsável pela contratação

de novos funcionários, explica ao candidato as metas ou objetivos da mesma e

afirma a importância de um REAL espírito de equipe, motivada e voltada para o

crescimento e desenvolvimento dos produtos ou serviços que esta presta a seus

clientes.

Ao ingressar no novo emprego, este funcionário precisa deixar do lado de

fora da empresa suas crenças religiosas e ver os outros colegas como pessoas

que estão trabalhando pela realização de um mesmo objetivo, de um mesmo

sonho. Não adianta contratar a melhor empresa de consultoria de Recursos

Humanos do mercado, se não explicar a funcionário novo que discussões e

“panelinhas” por conta de credos religiosos não serão toleradas na medida em

que prejudicam todo o processo de funcionamento da organização.

Os conflitos causados por religiões distintas, podem surgir em qualquer tipo

de organização. Por isso é necessário encará-lo como um problema possível de

ocorrer e juntar ferramentas para preveni-lo. Combatê-lo , poderá ser a

conseqüência de um prejuízo.

5.2 Qualidade de vida no ambiente organizacional

Alguns valores, parecem universais, importantes em todas as culturas e

civilizações. Entre estes , estão o respeito ao próximo, a valorização e o respeito à

vida, a preservação do meio ambiente e do ecossistema, a liberdade de expressão

e o direito de ser diferente.

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Estes valores precisam ser trabalhados nas atividades de treinamento,

aperfeiçoamento e promoção de funcionários, para que estes não pensem que um

produto ou serviço atinge um nível de excelência apenas através de seu criador. É

a partir do respeito, da consideração com o outro e até mesmo da valorização das

diferenças, que um planejamento estratégico, seja qual for o seu fim, atingirá o

sucesso desejado.

Em um ambiente de tranqüilidade e compreensão, as idéias surgem com

maior clareza. A troca de informações e experiências com alguém que é diferente

de nós, que tem por exemplo, outra religião, propicia a ambos, um crescimento

intelectual e pessoal .

Entretanto, este tipo de troca, requer o abandono de atitudes dogmáticas,

preconceituosas e de um hábito cruel, tão cruel como a Inquisição: o julgamento.

Julgar o outro, só aumenta a distância entre os integrantes da equipe, e diminui a

qualidade do trabalho. Valorizar as diferenças, a multiplicidade das maneiras de

pensar é multiplicar as possibilidades de criação e inovação , fundamentais em um

mundo cada vez mais competitivo e instável.

O preconceito religioso não permite ao funcionário dogmático pensar e

entender além da aparência das coisas. A ausência do pensamento, faz com que

as escolhas sejam responsabilidade de terceiros: Deus, o patrão, o pastor, etc.

Sem a liberdade de escolha, presas ao preconceito e às certezas e verdades

únicas, anula-se a criatividade , os sonhos e a capacidade de se transformar a si

mesmo, a empresa e a sociedade.

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62

CONCLUSÃO

Ao buscarmos na história da Igreja Católica e de suas relações com o

Estado e os indivíduos no Brasil, os valores e crenças que compõe os

subsistemas presentes nas empresas e no modelo gerencial nacional, nos foi

possível chegar a algumas conclusões.

A influência dos ideais católicos na cultura brasileira, estão presentes desde

o seu começo, com a chegada dos primeiros portugueses. Com o processo de

catequização “radical” adotado pelos jesuítas, eles tentaram anular as

manifestações tanto culturais quanto religiosas dos nativos.

A catequese é o começo de um processo político- educacional elitista e

excludente, na medida em que, desde o século XVI, só os filhos de homens que

ocupavam cargos importantes tinham acesso a uma educação de qualidade.

A falta de investimentos da cultura brasileira, no sentido de preservá-la e de

desenvolvê-la, é facilmente identificável quando pensamos a história de um país

que até a chegada da família real não possuía bibliotecas públicas. O saber

guardado em livros nos mosteiros, levava os indivíduos a uma postura ingênua

diante da desigualdade social e intelectual de nosso país.

Como na biblioteca de Melk, de Umberto Eco, os padres e bispos do Brasil,

ensinavam a não pensar através de métodos de valorizavam a repetição e, não a

criação. Na busca por um discurso verdadeiro, o brasileiro optou por se identificar

com a verdade da religião.

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63Nas organizações, não poderia ser diferente. A separação entre líderes e

liderados, a concentração de poder nas mãos de quem tem mais saber e a

certeza da impunidade para os que comandam, levam os subordinados à postura

de rebanho, de espectador.

A crença de que quem manda sabe mais e tem mais capacidade de decidir

o que é melhor para a empresa , acaba por levar os funcionários s delegar seu

poder e sua responsabilidade ao seu “superior”.

O paternalismo característico das sociedades onde há grande concentração

de poder, se exprime no Brasil através do chefe de família, do gerente da

organização ou do padre de determinada paróquia, assim como outrora era

representado pelo senhor de engenho e, posteriormente, pelo senhor de escravos.

O medo de modificar a estrutura vigente e o comodismo que se instaura

entre estes espectadores, que evitam conflitos e discussões com receio de perder

o emprego, é fruto de séculos de escravidão, ditadura e desigualdade social.

Entretanto, em um mercado cada vez mais instável e competitivo, a

adaptação e as mudanças, são primordiais para a própria sobrevivência da

organização. Desprender-se de suas próprias crenças, despir-se de seus

preconceitos , criar , inovar e ousar deverão ser as metas daqueles que começam

a fazer a história e a economia do século XXI, pós- capitalista, pós- dogmatismo.

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ANEXOS

Índice de anexos

Anexo 1

Anexo 2

Anexo 3

Anexo 4

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ANEXO 1

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ANEXO 2

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ANEXO 3

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ANEXO 4

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BIBLIOGRAFIA

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70KUNZE, Michael. A caminho da fogueira- da vida e morte no tempo da caça às bruxas. Rio de Janeiro: Campus, 1989. LAROSA, Marco Antonio et al. Como produzir uma monografia passo a passo... siga o mapa da mina. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2002. LUTERO, Martinho. In: GOTHIER e A TROUX (org.) Les Temps Moderns.Liège: H. Dessain, 1959. P.65-66. MARTINS, Wilson. História da Inteligência Brasileira.vol I e II. São Paulo: Cultrix, 1978. MOTTA, Fernando C. Prestes. Jeitinho brasileiro, controle social e competição in: Revista de Administração de Empresas. São Paulo: Jan/mar. De 1999. NIETZSCHE, Friedrich. O Anticristo. São Paulo: Martin Claret, 2001. P.40. NOVINSKY, Anita. Rol dos Culpados- fontes para a história do Brasil/ século XVIII Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1992.

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TAVARES, Maria das Graças de Pinho. Culura Organizacional: uma abordagem

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VELOSO, Marisa. Leituras Brasileiras. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

HISTÓRICO 16

CAPÍTULO II

IDEOLOGIA E CONHECIMENTO 27

2.1. Não cobiçarás... 30

CAPÍTULO III

O PODER DA IGREJA NO BRASIL 35

3.1 A Pedagogia Jesuítica 37

3.2 A Inquisição como forma de poder 39

3.3 O Império Brasileiro e a Igreja 41

3.4 A Proclamação da República e a Ordem Religiosa no Brasil 42

3.5 A Igreja no Brasil do Século XX 45

3.6 Getúlio Vargas no Poder 47

CAPÍTULO IV

DOGMAS E CRENÇAS NAS EMPRESAS BRASILEIRAS 51

4.1 Deus é brasileiro 55

4.2 A Impunidade 56

CAPÍTULO V

CONFLITOS RELIGIOSOS NAS EMPRESAS 59

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725.1 Prevenção do Conflito 61

5.2 Qualidade de vida no ambiente organizacional 61

CONCLUSÃO 63

ANEXOS 65

BIBLIOGRAFIA 70

ÍNDICE 72

FOLHA DE AVALIAÇÃO 74

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Conceito Final:

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ATIVIDADES CULTURAIS

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SABER E PODER NA CLÍNICA: DA INSENSATEZ À

ALIENAÇÃO

O que pretendemos analisar no seguinte capítulo, é a relação do louco e de sua

loucura com o poder médico que pressupõe saber e conhecer a fundo as

verdades do homem insano.

Para que possamos investigar melhor as mudanças pelas quais o tratamento

psiquiátrico passou, utilizaremos a concepção de Michel Foucault em História da

Loucura, , dividindo em dos momentos primordiais a intervenção dos médicos

através do discurso científico.

Em um primeiro momento, na época clássica, da alta idade média até o

final do século XVIII, o louco era associado ao erro, à noite e às idéias e práticas

demoníacas. Era preciso acorrentá-lo. Encerrá-lo em um silêncio absoluto onde

não fosse possível manifestar seus desejos, suas fantasias, diminuir suas

angústias.

No século XIX, com o surgimento de inúmeras correntes científicas,

impulsionadas pela crise religiosa e a decadência dos valores metafísicos,

sobretudo após Kant veremos como a revolução que Pinel40 promoveu ao

40.

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76“libertar” os loucos, manteve o determinismo clássico, sob um outro discurso, de

certa maneira, até mais convincente.

O saber- discurso e o poder- ação que tanto atraía os médicos, acabou por

torná-los tiranos das mentes. Doentes eram classificados ou julgados, com ou

sem correntes, de acordo com a limitada capacidade destes profissionais e de

interesses de autoridades que utilizavam laudos médicos para fins políticos.

No jardim das espécies, o médico classifica seus dentes. É ele, e somente

ele, clínico geral e mais tarde psiquiatra, que julga e condena a insanidade que

tanto atordoa a sociedade.

Da idade média até o século XIX, é possível constatar os artifícios utilizados pela

medicina para conter as dores, a alegria e sobretudo a imaginação do louco.

Neste período em que a igreja era o Estado, as outras instituições como

universidades e hospitais eram controlados e dirigidos de perto por líderes

eclesiásticos.

O discurso hegemônico baseava-se nas noções de culpa, castigo e pecado, assim

como em crenças e superstições que variavam de almas penadas demônios

terríveis, o que tornava difícil para a população européia41 contestar tais idéias.

Os que discordavam ou questionavam estas crenças, eram banidos do

convívio: considerados loucos, eram julgados e condenados por crimes como a

heresia ou a bruxaria. O louco, o bruxo e o pecador representavam ameaças à

linguagem e ás práticas oficiais.

As crenças religiosas, como vimos no capítulo anterior, que serviam para

afastar a maioria do saber contido nos livros, e utilizada para explicar a loucura:

ora o louco é um “sábio”, um místico, ora um ser demoníaco. É preciso classificar

como insanos os que contestam as instituições e a forma como o poder é

distribuído na sociedade.

41 É importante lembrarmos que a região da Europa a que nos referimos, trata-se da Ocidental e que durante a idade média, o tipo de sociedade predominante era a feudal , o que dificultava o acesso a informações sobre outros povos e religiões. O discurso verdadeiro era o da Igreja.

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77 O discurso do louco, diferencia-se da linguagem criada pelas instituições.

Ele desafia a lógica do pensamento ocidental, tão valorizada e tão limitada.

O médico medieval não possuía a autonomia que seus colegas de

profissão, séculos depois adquiriram nas sociedades laicas: ainda eram

submetidos à igreja e aos seus líderes.

A função médica no que viria a ser o hospital psiquiátrico, era encarcerar as

manifestações de liberdade. O louco é livre de convenções sociais, de valores

religiosos e principalmente, desvencilhado de qualquer possibilidade de anular sua

imaginação criadora.

No jardim das espécies insanas, o louco é daqueles raros tipos difíceis de

classificar, de enquadrar em um tipo ou perfil. O louco é o outro do médico, e o

avesso as verdades vigentes.

O poder contido no discurso oficial é intensamente utilizado para neutralizar o

saber do louco. A insanidade, na idade média, era demoníaca, maldita e malvista:

Antes do século XVIII, a loucura não era sistematicamente internada, e era

essencialmente considerada como uma forma de erro ou de ilusão. Ainda no

começo da idade clássica, a loucura era vista como pertencente às quimeras do

mundo; podia-se viver no meio delas e só se seria separada no caso de tomar

formas extremas ou perigosas. Nestas condições compreende-se a

impossibilidade do espaço artificial do hospital em ser um lugar privilegiado, onde

a loucura podia e devia explodir sua verdade42.

A noite e todo o conjunto de simbolismos que ela traz, esconde a ação da loucura,

a sua “nova ” linguagem indecifrável e talvez por isso, indesejável.

No século XIX, a possibilidade do surgimento da psicologia, inicia-se com a

passagem da subjetividade clássica, do louco que guarda sua loucura em si

mesmo, no seu interior , para a objetividade através da qual seria possível a ele,

exteriorizar suas idéias, medos e desejos43.

42 FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder Rio de Janeiro: Edições Graal , 1993. P.120. 43

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78A psicologia nascida da objetivação da insanidade é a transformação dos

binômios, fundamentais na idade média, como por exemplo, verdade- erro, ser e

não- ser, pelo triângulo homem, sua loucura e sua verdade.

Para que o homem alcance a sua própria verdade, ele deverá passar pelo homem

louco. O delírio, tradicionalmente ligado ao erro, nada mais é que uma

manifestação desta verdade: nele estão contidos elementos da personalidade do

homem que poderão revelar sua essência, seu passado repleto de experiências,

agradáveis ou negativas, mas que de alguma forma acabaram por levá-lo à

loucura.

A verdade oculta44 do louco, poderia ser conhecida através de seu discurso,

analisada e culpada pelo poder médico:

Não há possibilidade de exercício de poderem uma certa economia dos discursos

de verdade que funcione dentro e a partir desta dupla exigência. Somos

submetidos pelo poder à produção da verdade e só podemos exercê-lo através da

produção da verdade (...). Somos obrigados pelo poder a produzia a verdade,

somos obrigados ou condenados a confessar a verdade ou a encontrá-la45 .

O que poderia parecer uma grande revolução na psiquiatria do século XIX, com a

libertação dos loucos por Pinel de suas grades e correntes, e a substituição de

violência pelo ato de escutar o silêncio e a inquietação a loucura, acaba por

encaminhar-se ao outro extremo:

O asilo construído pelo escrúpulo de Pinel não serviu para nada e não

protegeu o mundo contemporâneo contra a grande maré a loucura (...) Se libertou

o louco da desumanidade de suas correntes, acorrentou ao louco o homem e sua

44 45 FOUCAULT, Michel. Micorfísica do Poder Rio de Janeiro: Edições Graal , 1993. P.180

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79verdade. Com isso, o homem tem acesso a si mesmo como ser verdadeiro, mas

esse ser verdadeiro só lhe é dado na forma a alienação.46

O que significaria então tamanha mudança ? Significaria afirmar que as correntes

tornaram- se invisíveis. O controle exercido pelos médicos substituiu as práticas

agressivas por uma tranqüilidade alienante.

O louco, distante de sua real liberdade, experimenta no silêncio dos sanatórios a

alegria de caminhar livre de castigos físicos. Os discursos científicos exaltavam a

importância deste câmbio na terapêutica.

A verdade, no século XIX, estava oculta em alguma região sombria da imaginação

do louco. Ela assemelha-se à uma revelação futura. O médico precisa agora

escutá- lo, sem entretanto reintegrá-lo ao convívio social:

Era através de suas palavras que se reconhecia a loucura dos loucos . Ela era o

lugar onde se exercia a separação; mas não eram nunca recolhidas nem

escutadas. Jamais, antes do fim do século XVIII, um médico teve a idéia de saber

o que era dito, por que era dito nessa palavra47.

Se o louco é o reflexo de sua sociedade enferma, como afirma Michel Foucault,

cabe ao médico, detentor de “fórmulas absolutas”, observá-lo como um

experimento de laboratório. Daí o surgimento de asilos. Neles, com seus lindos

jardins, o louco é um objeto de estudo, livre das correntes e preso a um doutor que

decide seu destino, isto é, que tratamento poderá acalmá-lo, torná-lo manso e

subjulgá-lo,

Mas o louco desvenda a verdade terminal do homem: ele mostra até onde

puderam levá-lo as paixões, a vida em sociedade, tudo aquilo que o afasta de uma

46 FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. P. 522. 47 FOUCAULT, Michel .A Ordem do Discurso .São Paulo: Edições Loyola, 1999. P. 11/12.

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80natureza primitiva que não conhece a loucura. Esta está sempre ligada a uma

civilização e ao seu mal-estar48

O poder do discurso cientificista poderá ser medido através desta falsa

transformação: o louco liberta-se de sua insanidade para prender-se nas

armadilhas da alienação.

48 FOUCAULT, Michel. História da Loucura. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999. P. 512