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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A lateralidade e o esquema corporal como um único fator psicomotor Por: Aline de Amurim da Silva Orientador Profª Mary Sue Rio de Janeiro 2007

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A lateralidade e o esquema corporal como um único fator psicomotor

Por: Aline de Amurim da Silva

Orientador

Profª Mary Sue

Rio de Janeiro

2007

2

UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A lateralidade e o esquema corporal como um único fator psicomotor.

Apresentação de monografia à Universidade

Candido Mendes, como requisito parcial para

obtenção do grau de especialista em

Psicomotricidade.

Por: . Aline de Amurim da Silva

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos aqueles, que em um

trabalho de formiguinhas, onde cada

um tem um papel importante no

funcionamento da colônia, me

ajudaram a realizar este projeto.

4

DEDICATÓRIA

.....Dedico este trabalho ao meu filho

Arthur, pelas horas de ausência.

5

EPÍGRAFE

Se tivesse mais tempo, escreveria uma carta mais curta.

Blaise Pascal (1623-1662)

6

RESUMO

O presente trabalho trata-se de uma revisão bibliográfica sobre a

lateralidade e o esquema corporal, objetivando-se analisar se são

componentes psicomotores individuais ou um único componente. A

Psicomotricidade é a integração superior da motricidade, produto de uma

relação inteligível entre a criança e o meio, instrumento privilegiado através do

qual a consciência se forma e materializa-se. A lateralidade é a propensão que

o ser humano possui de utilizar preferencialmente mais um lado do corpo do

que o outro. O esquema corporal, trata-se do conhecimento que o indivíduo

tem das partes do seu corpo. A lateralidade e o esquema corporal

desenvolvem-se na criança de forma concomitante e interdependente, devendo

ser desta forma encarados como um fator psicomotor único e essencial.

7

METODOLOGIA

Na presente monografia, optou-se como metodologia à referência

bibliográfica, buscando o assunto em livros, artigos e na internet. Expondo

desta forma as idéias, opiniões e definições de alguns dos mais renomados

autores em Psicomotricidade.

8

SUMÁRIO

Introdução 9

Capítulo I – A Psicomotricidade 11

Capítulo II – A Lateralidade 18

Capítulo III – O Esquema Corporal 27

Conclusão 34

Bibliografia 35

9

INTRODUÇÃO

A Psicomotricidade é a integração superior da motricidade, produto de

uma relação inteligível entre a criança e o meio, instrumento privilegiado

através do qual a consciência se forma e materializa-se.

A monografia foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica, onde se

propôs verficar qual o pensamento dos principais autores, a respeito da

lateralidade e do esquema corporal, como áreas psicomotoras independentes,

ou não.

Para o desenvolvimento deste terabalho, foram levadas em

consideração, primariamente duas Autoras, devido à suas visões diferentes e

intrigantes, além de estimuladoras:

FARIA (2004), afirma que a lateralidade, e a direcionalidade são

características desenvolvimentais que não podem ser dissociadas; enquanto

uma reflete a dominância de uma parte do corpo sobre a outra equivalente, a

segunda representa o sentido de orientação no espaço, sendo que estas duas

características são referência para a estruturação da consciência corporal e da

consciência espaço-temporal. Concomitantemente, HAYWOOD e GETCHELL

(2004), afirmam que a lateralidade é a consciência de que o corpo tem dois

lados distintos, que podem se mover independentemente, tratando-se de um

componente da consciência corporal.

O Primeiro Capítulo relata as mais novas definições de

Psicomotricidade, assim como algumas das mais antigas definições sobre o

tema.

No segundo capítulo foram abordados os pensamentos sobre o

esquema corporal, imagem corporal e imagem do corpo, como sendo um único

fator Psicomotor.

10No terceiro, e último capítulo constam às definições sobre a lateralidade,

a qual é vista como sinônimo do termo lateralização, os tipos de lateralidade, e

as hipóteses para sua definição na criança.

11

Capítulo I

A Psicomotricidade

1.1- Um breve histórico

Em sânscrito a palavra corpo significa embrião - garbhas; em grego,

karpós quer dizer fruto, semente, envoltura; no latim corpus, quer dizer tecido

membranoso, envoltura da alma, embrião do espírito. Apesar dos diferentes

significados, não se registra na história da humanidade, um ser que tenha

existido ou vivido sem um corpo. E pelo fato de o corpo ser tão complexo e

fundamental à existência do homem, que vários poetas, filósofos e estudiosos

se dedicaram a conhecer e desvendar seus prazeres e mistérios.

Descartes (1596-1650) questionou o dualismo corpo-mente, sendo o

corpo uma coisa externa que não pensa, e a alma, a substância pensante que

não participa de nada que pertence ao corpo. Descartes acreditava haver uma

separação entre mente e corpo, mas ambos funcionariam juntos,

aparentemente em perfeita harmonia.

Diferentemente de Descartes, F. Maine de Biran (1766-1824), filósofo e

psicólogo francês, identifica que a alma precisa do corpo para assumir sua

intencionalidade. Afirma que é o corpo que possibilita à alma tomar consciência

de sua existência, sendo o movimento um componente essencial da formação

do Eu.

Mais tarde explode o conhecimento nas áreas voltadas para o estudo do

cérebro e suas funções, período identificado como localizacionista, onde se

atribuia a cada sintoma uma localização cortical correspondente, surgindo

assim o modelo anatomoclínico. Sendo a maior preocupação o mapeamento

cerebral, pois o corpo era visto como uma máquina e o interesse da ciência era

voltado para a estrutura desta máquina. Wernick, em 1900, emprega pela

primeira vez o termo Psicomotricidade.

12 Na França, o psiquiatra Jean Martin Charcot (1888), por meio de

pesquisas realizadas acerca do membro fantasma em amputados, investiga o

imagiário referente à integridade corporal do homem, dando importância ao

conceito de inconsciente, que mais tarde virá a ser definido de maneira mais

rigoroso por Freud.

A França passa a ser, para a Psicomotricidade, o grande centro de

estudos e pesquisas no avanço dessa ciência. E foi na França que Ernest

Dupré (1907), neurologista, estabeleceu uma correlação entre motricidade e

inteligência.

A palavra Psicomotricidade surge no final do século XIX, mas ainda

relacionada com zonas do córtex cerebral; e situada mais além das regiões

motoras, sua definição, inicialmente, tem base nos fundamentos neurológicos.

Entretanto, as contribuições de Dupré, assim como as de Freud e de Wallon,

vêm humanizar o corpo, reduzindo o domínio neurológico e abrindo cada vez

mais espaço para o fortalecimento da Psicomotricidade.

Henry Wallon, em 1925, estuda a relação do movimento com o afeto e

com a formação do caráter para o desenvolvimento infantil, considerando o

tônus como a ponte entre o mundo biológico e o mundo psíquico; e é ao tônus,

que ele atribui a grande importância de ser o primeiro veículo de comunicação

com o bebê. Wallon dá sequência aos seus estudos, propondo etapas

evolutivas para o desenvolvimento infantil.

Com Sigmund Freud, médico e psicanalista, o imaginário do homem

passa a ser valorizado e é introduzido o conceito de inconsciente. Afirma que o

corpo (biológico) é a fonte das pulsões, centro das relações do Ser com o

mundo. Salienta também a importância das relações de afeto para o

desenvolvimento e formação da subjetividade; o corpo passa a ser visto não

somente humanizado, mas singular, único, subjetivado.

Arnold Gesell, na década de 1930, elaborou uma escala de

desenvolvimento infantil, com características motoras, conduta adaptativas,

linguagem e conduta pessoal-social, referente a cada ano de idade.

13 As contribuições de Jean Piaget por meio da psicologia e da biologia

vieram auxiliar na estruturação do desenvolvimento humano em fases,

considerando o processo maturacional do Ser, tanto em nível físico como em

nível cognitivo, afetivo, motor, linguistico, moral e social (MATTOS e

KABARITE, 2005).

Júlio de Ajuriaguerra traz um novo olhar sobre o corpo e sobre os

distúrbios psicomotores. Ele delimita com clareza os transtornos existentes,

une o desenvolvimento psicológico infantil ao neurológico e alerta que o corpo

não é ferramenta ou objeto; afasta definitivamente a Psicomotricidade da visão

do dualismo cartesiano e do período localizacionista. Retira o hífen e dá à

palavra Psicomotricidade uma unidade, e define na época a Psicomotricidade

como:

“Uma técnica que, por intermédio do corpo e do movimento, dirige-se ao ser na

sua totalidade. Ela não visa à readaptação funcional por setores e, muito

menos, à supervalorização dos músculos, mas à fluidez do corpo no seu meio.

Seu objetivo é permitir ao indivíduo melhor sentir-se e , por meio de um maior

investimento da corporalidade situar-se na espaço, no tempo, no mundo dos

objetos e chegar a uma modificação e a uma harmonização com o outro”

(Ajuriaguerra, 1977)

A partir da década de 1970, fizeram a história da interação corpo-mente:

Bérgès, Diatkine, Jolivet, Leibovici, Jean Le Boulch, Germaine Rossel, Dalila

Costallat, André Lapierre, Bernad Aucouturier, Aleksander Luria, Pierre Vayer,

entre outros.

A Psicomotricidade acompanha a história do corpo e da humanidade,

identificando que o homem é o seu corpo, diferente da visão cartesiana que

propunha o homem e seu corpo. O homem, Ser falante, fala de seu corpo e vai

adquirindo consciência disto e atribuindo a si e ao mundo, que o ajuda a se

perceber, significados, isto é, valores (MATTOS e KABARITE, 2005).

14

1.2- Por que Psicomotricidade?

O corpo reflete o orgânico, o emocional, o neurológico, pois sem esta

totalidade, ele não existe.

Um corpo humano de características próprias e únicas, individuais,

organizadas e em organização, prontas a novas adaptações, programador e

processador, disponível à aprendizagem.

Os potenciais humanos são apoiados nas áreas básicas da

Psicomotricidade, seu estudo e pesquisa constantes do esquema e da imagem

corporal, da lateralização, da tonicidade, da equilibração e coordenação, são

enriquecidos instrumentalmente, estimulando o sentimento de competência, de

auto-estima, entendendo o ser humano em constantes e complexas

adaptações, fazendo-o concluir que é amado e aceito, tornando-o

transformador e produtor social.

Psicomotricidade compreende no fundo uma mediação corporal e

expressiva, na qual o reeducador ou terapeuta observa e compensa condutas

motoras inadequadas e inadaptadas em situações geralmente ligadas a

diversos problemas: de desenvolvimento e maturação psicomotora, de

aprendizagem e de âmbito psico-afetivo.

A Psicomotricidade subtende uma concepção holística de aprendizagem

e de adaptação do ser humano, que tem por finalidade, associar

dinamicamente, o ato ao pensamento, o gesto à palavra, o símbolo ao conceito

(http://www.ispegae-oipr.com.br).

1.3- O que é a psicomotricidade?

A Psicomotricidade pode ser definida como o campo transdisciplinar que

estuda e investiga as relações e as influências recíprocas e sistêmicas entre o

psiquismo e a motricidade. Baseada numa visão holística do ser humano, a

15Psicomotricidade encara de forma integrada as funções cognitivas, sócio-

emocionais, simbólicas, psicolinguísticas e motoras, promovendo a capacidade

de ser e agir num contexto psicossocial. (http://www.appsicomotricidade.org).

É a ciência que tem como objeto de estudo o homem através do seu

corpo em movimento, e em relação ao seu mundo interno e externo. Está

relacionada ao processo de maturação, onde o corpo é a origem das

aquisições cognitivas, afetivas e orgânicas. É sustentada por três

conhecimentos básicos: o movimento, o intelecto e o afeto.

Psicomotricidade, portanto, é um termo empregado para uma concepção

de movimento organizado e integrado, em função das experiências vividas pelo

sujeito cuja ação é resultante de sua individualidade, sua linguagem e sua

socialização( http://www.psicomotricidade.com.br).

Na Psicomotricidade o psíquico e o motor não são uma consequência

linear um do outro, são os dois componentes, complementares, solidários e

dialéticos, da mesma totalidade sistêmica, encarando o corpo e a motricidade

como componentes essenciais da estrutura psicológica do Eu, na medida em

que é na ação que o mesmo toma consciência de si próprio e do

mundo(FONSECA e MARTINS, 2007).

1.4- Definições

Atualmente ainda são utilizadas várias definições sobre a

Psicomotricidade. Ao longo dos anos elas foram se complementando. Cada

grande autor além de citar sua própria definição, não deixa de citar a de seus

mestres. Eis algumas, entre vários autores:

“Psicomotricidade é uma neurociência que transforma o pensamento em

ato motor harmônico. É a sintonia fina que coordena e organiza as ações

16gerenciadas pelo cérebro e as manifesta em conhecimento e aprendizado.

Psicomotricidade é a manifestação corporal do invisível de maneira visível”.

"A Psicomotricidade se conceitua como ciência da Saúde e da

Educação, pois indiferente das diversas escolas, psicológicas, condutistas,

evolutistas, genéticas, etc. ela visa a representação e a expressão motora,

através da utilização psíquica e mental do indivíduo." Prof. Dr. Júlio de

Ajuriaguerra

"A Psicomotricidade em seus meios e fins jamais se esquece da união

psico-afetivo-motora e atua sobre este conjunto, pois os transtornos

psicomotores têm as mais diversas manifestações". Profª. Drª. Gisele Soubiran

"Psicomotricidade é a ciência de síntese, que com a pluralidade de seus

enfoques, procura elucidar os problemas, que afetam as interrelações

harmônicas, que constituem a unidade do ser humano e sua convivência com

os demais". Profª. Drª. Dalila Costallat

"O trabalho psicomotor beneficia a criança no controle de sua

motricidade, utilizando de maneira privilegiada a base rítmica associada a um

trabalho de controle tônico e de relaxação cautelosamente conduzido." Prof. Dr.

Jean Le Boulch.

"A Psicomotricidade é a otimização corporal dos potenciais neuro, psico-

cognitivo funcionais, sujeitos as leis de desenvolvimento e maturação,

manifestados pela dimensão simbólica corporal própria, original e especial do

ser humano". Profª. Drª. Maria Beatriz da Silva Loureiro.

"A Psicomotricidade nos leva a abandonar em reabilitação,a visão

clássica e racional, onde o processo terapêutico é realizado só com a cabeça e

o corpo é visto como objetivo final. O conceito psicomotor emerge sobre o

17princípio de que o indivíduo conhece, comunica, aprende, opera e se adapta a

realidade externa, através de dois tipos de funções corporais que não podem

nunca ser separadas: a função tônica e a função motora. A função motora

através da ação e a tônica através da expressão qualitativa da ação." Prof. Dr.

Franco Boscaini

"A Psicomotricidade visa privilegiar a qualidade da relação afetiva, a

mediatização, a disponibilidade tônica, a segurança gravitacional e o controle

postural, à noção do corpo, sua lateralização e direcionalidade e a planificação

práxica, enquanto componentes essenciais e globais da aprendizagem e do

seu ato mental concomitante. Nela o corpo e a motricidade". Prof. Dr. Vitor da

Fonseca.(http://www.ispegae-oipr.com.br).

Para Picq e Vayer (1977), existe um estreito paralelismo entre o

desenvolvimento das funções motoras e o desenvolvimento das funções

psíquicas, e eles definem a psicomotricidade como a relação entre o

pensamento e a ação, envolvendo também a emoção.

18

Capítulo II

A Lateralidade

2.1- Antes da lateralidade, a linha média.

Ao nascimento, o neonato apresenta tônus flexor fisiológico, com seu eixo

orientado para alinha média. Este padrão é chamado por Beziers (1994) de

enrolamento, pois, quaisquer que sejam os movimentos do recém nascido ele

sempre passa e repassa por esse enrolamento-endireitamento, reagrupando-

se espontaneamente.

Antes de desenvolver a lateralidade, a criança deve estar orientada para a

linha média, onde o eixo corporal é o centro organizador do movimento

voluntário e da postura.

Desde o nascimento há registros das sensações corporais. Do reflexo

motor ao movimento voluntário, o percurso, não somente da construção do eixo

corporal, da orientação para a linha média, pode ser melhor organizado pelo

toque, pelo olhar do outro. Onde é evidente que exista o pressuposto de um

substrato biológico, uma integridade neurológica que permitam esses

acontecimentos (SANTOS, 2002).

Em torno do quarto mês a criança é capaz de levar as mãos à linha média

e contemplá-las, coordenadamente com a atitude da cabeça e do corpo. A

criança brinca com as mãos e é capaz de segurar um objeto, que é trazido à

boca, pode ser largado, o que embora ainda acontece casualmente na maioria

dos casos (FLEHMIG, 2000).

Levar as mãos à linha média para buscar um brinquedo pode ser

chamado de alcance, também denominada coordenação óculo-manual,

começa a se desenvolver no final do segundo e início do terceiro mês de vida

do lactente, estando completo aproximadamente no quarto mês de vida

(BRANDÃO, 1992).

19 O alcance é uma atividade primordial para o desenvolvimento motor,

sensorial, cognitivo e emocional, pois permite a exploração de objetos,

movimentação de segmentos corporais e a conquista exploratória do meio

(CARVALHO, 2004).

A noção de linha média do corpo, que depende da integração bilateral, é

uma aquisição básica à orientação no espaço e um instrumento fundamental

para a organização diferenciada de ações complexas, de onde emergem as

grandes aprendizagens humanas (FONSECA, 1995).

2.2- Histórias sobre a lateralidade

O termo lateralização vem do latim e quer dizer “lado”, e vem sendo

tema de estudo de muitos autores. Desde o “privilégio sagrado” da mão direita

como imperativo moral à rejeição da mão esquerda como “profana”,

“tenebrosa” e “oculta”, até as transcendências mitológicas e bíblicas, “o

universo tem um lado bom, forte e nobre e um lado mau fraco e reles”, “um

lado ativo e másculo e outro passivo e fêmeo, etc, as dicotomias não param de

surgir em várias fontes bibliográficas.

Muitas pessoas não integram que vivemos em um mundo orientado para

a direita; onde a mão sempre foi sinônimo de supremacia e conservação,

ligada desde sempre aos fatores da criação. Em todas as raças, em diferentes

culturas e em diferentes países, os seres humanos em grande parte usam a

mão direita para realizar as tarefas mais “precisas” e mais “nobres”. No Inglês

antigo, por exemplo, a mão direita é denominada como strong hand, e o termo

rigth é sinônimo de correto e de bom.

Em Espanhol, Alemão, Francês e Eslavo, o mesmo ocorre; em espanhol

o termo derecha quer dizer destra, que significa decente e conveniente.

Entretanto um significado bem diferente é dado para o termo esquerda. Sinister

hand, em inglês e em espanhol zurda, significam não ser inteligente. Em latim

20ou italiano, o termo sinistra quer eufemisticamente dizer ameaçadora,

demoníaca, desleal, desafortunada e descoordenada.

Em basco, escuerdi (esquerda) quer dizer “metade de uma mão”. Em

muitas línguas o termo “esquerda” significa oblíquo, virado, torcido, sujo, fraco

ou mau. Nas culturas indo-européias e greco-latinas, a significação da direita e

da esquerda atravessam esta dicotomia, que reflete o dualismo tradicional

(bem-mal, corpo-espírito, motor-psíquico, instinto-intelecto, arte-ciência,

mistério-lógica, magia-religião, emocional-racional, etc).

Vários são os exemplos, do uso do lado direito em inúmeros aspectos da

nossa experiência sócio-histórica, desde os rituais religiosos aos confrontos

nas guerras, à colocação dos talheres, às normas de etiqueta e de diplomacia.

Desde a pré-história, pois desenhos rupestres e egípcios são férteis em evocar

o uso da mão direita. A análise de ferramentas e armas paleolíticas, sugerem

que foram feitas por e para a mão direita (FONSECA, 1995).

A preferência de uma das mãos, é em grande parte condicionada

culturalmente e poderia ter sido também historicamente condicionada. Uma

pessoa sinistra teria tido uma desvantagem considerável quando as espadas

eram usadas do lado esquerdo. Ainda existe um pouco deste costume no

posicionamento europeu da mulher em relação a seu acompanhante

masculino, estando a mulher sempre do lado direito, sendo que isto era para

prevenir que a espada do homem fosse enrolada nas volumosas saias

femininas (ECKERT, 1993).

Estudos feitos em utensílios usados pelo homem na idade da pedra,

mostram que estes não utilizavam uma preferência manual particular, e que

havia um número igual de canhotos e destros. Foi na idade do bronze que

começou a surgir uma preferência pelo lado direito. Isto é explicado pelo fato

de que os camponeses tiveram que se adaptar a ferramentas que não eram

mais feitas por eles, mas por pessoas específicas.

Outra explicação para a predominância da destralidade, seriam as

técnicas de guerra, onde se ensinavam aos homens a pegar a espada ou a

21lança com a mão direita, enquanto a esquerda protegia o coração com o

escudo ( OLIVEIRA, 2001).

2.3- Lateralidade

A lateralidade é a propensão que o ser humano possui de utilizar

preferencialmente mais um lado do corpo do que o outro em três níveis: mão,

olho e pé. Isso significa que existe um predomínio motor, ou melhor, uma

dominância de um dos lados. O lado dominante apresenta maior força

muscular, mais precisão e mais rapidez. É ele que inicia e executa a ação

principal. O outro lado auxilia esta ação e é igualmente importante. Na

realidade os dois não funcionam isoladamente, mas de forma complementar.

Quando pregamos um prego em uma parede, a mão auxiliar segura o

prego enquanto a outra, com precisão e força muscular suficiente, bate o

martelo; quando escrevemos, uma mão segura a folha enquanto a outra

escreve, entre outros diversos exemplos(OLIVEIRA, 2001)

A lateralização manual surge no fim do primeiro ano, mas só se

estabelece por volta dos 4/5 anos (FONSECA, 1995).

Jocian (1998), afirma que a lateralidade é a capacidade motora de

percepção integrada do dois lados do corpo, sendo o elemento fundamental de

relação e orientação com o mundo exterior.

A leteralidade liga-se ao desenvolvimento do esquema corporal. A

predominância de um dos lados do corpo se faz em função do hemisfério

cerebral.

Só a partir do momento em que os movimentos se combinam e

organizam numa intenção motora é que se impõe e justifica a presença de um

lado predominante que irá ajustar a motricidade. A lateralidade da criança irá

impor-se com as experiências de complexidade crescente com que se defronte

(COSTE, 1977).

22Para Le boulch (1992), a lateralidade é função da dominância

hemisférica, tendo um dos hemisférios a iniciativa da organização do ato motor,

que incidirá no aprendizado e na consolidação das praxias; e que esta

capacidade funcional, suporte da intencionalidade, será desenvolvida de

maneira fundamental nessa época da atividade de investigação, durante a qual

a criança vai confrontar-se com seu meio.

Romero (1988), define a lateralidade como predomínio de um lado do

corpo sobre o outro, sendo utilizada com maior regularidade para referir-se à

predominância de uma mão sobre a outra, por ser mais frequente.

Para Negrine (1986) a lateralidade é por um lado uma bagagem inata, e

por outro, uma dominância espacial adquirida; e enfatiza que a lateralidade é

vista apenas quanto à habilidade da mão, do pé e do olho; e que a lateralidade

deve ser propiciada pela experiência vivida, sem influências que possam vir a

contrariar a dominância original. Já Romero (1988), coloca que a lateralidade

deve ser considerada também a nível auditivo. E segundo Negrine (1986) a

lateralidade corporal relaciona-se ao esquema do espaço interno do indivíduo,

que capacita a utilizar um lado do corpo com maior facilidade que o outro, em

atividades que exijam habilidade, caracterizando-se por uma assimetria

funcional.

Faria (2004) acredita que a lateralidade tem um determinante genético,

porém se estabelece de acordo com a educação, e que a definição da

lateralidade está diretamente relacionada com o conhecimento corporal, pois

entende por lateralidade o predomínio de um lado do corpo sobre o outro.

A lateralidade e a direcionalidade são duas características

desenvolvimentais que não podem ser dissociadas. Enquanto a primeira reflete

a dominância de uma parte do corpo sobre a sua outra parte equivalente, a

segunda diz respeito ao sentido de orientação no espaço, como conhecimento

de direita esquerda, de cima e de baixo, entre outros. Essas duas

características são, por sua vez, referência para a estruturação da consciência

corporal e da consciência espaço temporal (KREBS, 2004).

23Para Ajuriaguerra (1980), lateralização é a expressão de um predomínio

motor relacionado com as partes do corpo que integram suas metades direita e

esquerda, predomínio es te que por sua vez se vincula à aceleração do

processo de maturação dos centros sensório-motores de uma dos hemisférios

cerebrais.

Harrow (1983), define que lateralidade é a consciência interna que a

criança tem dos lados direito e esquerdo de seu corpo, não se tratando de um

conceito adquirido, mas de programas de atividades cuja finalidade é o

desenvolvimento de acuidades sensoriais e habilidades motoras, já que a

criança é exposta a uma grande quantidade de estímulos que aumentam esta

consciência. Como ela utiliza ambos os lados de seu corpo em muitos tipos de

atividades, desenvolve a eficiência nos movimentos e aumenta seu vocabulário

motor. Dominância lateral diz respeito ao lado do corpo que tem primazia em

uma determinada atividade. O hemisfério dominante do cérebro é oposto ao

lado dominante o corpo.

Coste (1992) coloca que é somente a partir do momento em que os

movimentos se combinam e se organizam numa intenção motora que se impõe

e justifica-se a presença de um lado do corpo predominante, que ajustará a

motricidade.

Fonseca (1995), afirma que a identificação da predominância seletiva de

um dos lados do corpo reflete a qualidade da integração sensorial, quer

intracorporal (vestibular e tátl-cinestésica), quer extracorporal (visual e

auditiva), daí sua importância na organização funcional da psicomotricidade e

na atividade mental superior; afirma também que a lateralização é

consequentemente um produto final da organização sensorial e um processo

central psicomotor, na medida em que o cérebro tem de processar primeiro

cinco sensações, antes de processar informações mais complexas – símbolos.

De acordo com Ayres (1977), a disfunção da integração bilateral pode

comprometer o desenvolvimento da dominância manual. Quando uma criança

não atinge a dominância manual numa idade adequada, a presença de sinais

disfuncionais intra ou inter-hemisféricos pode interferir com o desenvolvimento

24psicomotor e com o potencial cognitivo. A criança percebe seu próprio corpo

por meio de todos os sentidos.

Meur e States (1989), destacam a existência de três tipos de

lateralidade:

a) lateralidade homogênea – a criança é destra ou canhota do olho, ouvido, da

mão e do pé;

b) lateralidade cruzada – a criança é, por exemplo, destra do olho e da mão, e

canhota do pé.

c) ambidestra – a criança é forte tanto do lado direito quanto do lado esquerdo.

Coste (1992) define quatro tipos de lateralidade:

a) destralidade verdadeira – a dominância cerebral encontra-se à esquerda;

b) sinistralidade verdadeira – a dominância cerebral está à direita;

c) falsa sinistralidade – é o caso em que o indivíduo adota a sinistralidade em

consequência de uma paralisia ou de uma amputação, que tornou impossível a

utilização do braço direito;

d) falsa destralidade – é o caso em que a organização é inversa da observada

na falsa sinistralidade

2.4- Hipóteses sobre a prevalência manual

2.4.1 – Hereditariedade

Esta teoria tenta explicar a preferência lateral pela transmissão

hereditária.

Chamberlein fala em uma predisposição herditária. Trankell acredita em

uma hereditariedade do tipo mendeliano, tendo a destralidade um caráter

dominante, embora cientificamente não tenha sido provada esta hipótese.

25Zazzo estudou gêmeos homozigóticos e, segundo sua teoria, deveriam

ter a mesma dominância, só que isto não foi verificado em todos os casos. Aqui

há a questão, se a ação educativa poderia ter exercido influência sobre eles.

Este tipo de transmissão ainda permanece desconhecido. Para muitos

pesquisadores com Ajuriaguerra e Guillarme o fator hereditário não deve ser

rejeitado, mas também não se pode considerá-lo como desempenhando um

papel único (OLIVEIRA, 2001).

2.4.2 – Hipótese da dominância cerebral

Segundo esta teoria, existe uma dominância em um dos lados do

cérebro, e que funciona de forma cruzada. Isto quer dizer que, no destro,

encontramos uma dominância do córtex cerebral esquerdo; e no canhoto, o

hemisfério cerebral direito controla e coordena as atividades do lado esquerdo.

Esta conclusão foi tirada dos estudos realizados por Broca em indivíduos

afásicos; onde afasia significa a perda da capacidade de usar e compreender a

linguagem oral e escrita. Ele verificou que um distúrbio no hemisfério cerebral

esquerda provocaria um prejuízo na linguagem e uma paralisia do lado

direito(hemiplegia). Existiria, portanto, uma correlação entre a preferência

lateral e domínio hemisférico (OLIVEIRA,2001).

2.4.3 – Influência do meio

Segundo esta hipótese, a preferência por uma determinada lateralidade

se dá através do aprendizado. Aprendemos a escrever com a mão direita ou

esquerda, de acordo com o nosso meio, seja por imposição, por imitação, por

questão afetiva, etc. Segundo este raciocínio, então, não deveria haver

problema algum oriundo da escolha da mão preferencial, o que não se verifica

(BUENO,1998).

26

2.5 - Diferença entre a lateralidade e o conhecimento esquerda-

direita.

A lateralidade é a dominância de um lado em relação ao outro, a nível de

força e precisão , e conhecimento esquerda/direita é o domínio dos termos

direito e esquerda.

O reconhecimento direita-esquerda, refere-se ao poder discriminativo e

verbalizado que a criança tem do seu corpo, como um universo espacial

interiorizado e socialmente mediado.

A criança para poder aprender, necessita de uma noção do corpo

interiormente conscientizada dos dois lados do corpo e das suas diferenças e

posições relativas. Não basta ter aprendido que um lado é direito e o outro é

esquerdo, é preciso manter as relações entre ambos De forma controlada e

discriminada.

Sem a noção do corpo reconhecida na sua lateralidade interna e externa

não é possível estabelecer relações corretas com o mundo em redor. Tem de

se dar no interior do corpo a conscientização da noção de direita e esquerda

para projeta-la fora do organismo e, consequentemente, para a orientar

direcionalmente e espacialmente (FONSECA, 1995).

27

CAPÍTULO III

O Esquema corporal

A de Meur e States (1989), relatam que a criança percebe-se e percebe

os seres e as coisas que a cercam, em função de sua pessoa. Sua

personalidade se desenvolverá graças a uma progressiva tomada de

consciência de seu corpo, de seu ser, de suas possibilidades de agir e

transformar o mundo à sua volta, com isso a criança se sentirá bem na medida

em que seu corpo lhe obedece, em que o conhece bem, em que pode utilizá-lo

não somente para movimentar-se, mas também para agir.

Logo uma criança que se sinta bem disposta em seu corpo, e capaz de

situar seus membros uns em relação aos outros, fará uma transposição de

suas descobertas: progressivamente localizará os objetos, as pessoas, os

acontecimentos em relação a si, depois entre eles.

Toda evolução é marcada por uma conscientização progressiva do

próprio corpo, como uma realidade distinta do meio circundante. Até os 6

meses, a criança sente prazer em descobrir por acaso as partes do seu corpo

tocando nelas; aos 10 meses, a criança situa um objeto colocado sobre as

partes móveis do seu corpo (mão, perna), mas é incapaz de localizá-lo sobre

as partes imóveis; a sua sensibilidade ainda está muito pouco elaborada. É

graças às manipulações a que os outros submetem o seu corpo que a criança

o identificará gradualmente; ela realiza os seus primeiros movimentos através

do movimento do outro, depois é em virtude da imagem do outro em

movimento que ela aprende a mover-se. Assim, o esquema corporal é

resultado da experiência do corpo do qual o indivíduo toma pouco a pouco

consciência e da maneira como o corpo se põe em relação ao meio (COSTE,

1992).

Para Vayer (1984), “esquema corporal é a organização das sensações

relativas ao seu próprio corpo, em relação com os dados do mundo exterior”.

28 Le Boulche (1992) relata que a maioria dos autores utilizam dois

conceitos, o de esquema corporal e o de imagem corporal, partindo de

posições dualistas.. Afirma que a ambiguidade trazida por esta dupla

terminologia cria a impressão de que existiria um corpo neurológico e um corpo

espiritual, e teria que se fazer um esforço para unir os dois corpos; e que

alguns psicanalistas, em especial os seguidores de Melaine Klein, preferem

usar o conceito “imagem do corpo” como propriedade da psicologia, deixando

aos neurologistas a expressão “esquema corporal”, de ressonância mais

mecanicista. Entretanto, Leboulch não aceita esta alternativa; ele acredita que

a confusão já existe quando se usa o termo imagem do corpo, sendo evidente

que o corpo material e subjetivo é o centro deste conflito.

Le Boulch, citado por Oliveira (2001), propõe três etapas do esquema

corporal:

1ª Etapa – Corpo Vivido (até 3 anos de idade)

Esta etapa corresponde à fase da inteligência sensorio-motora de

Jean Piaget. Um bebê sente o meio ambiente como fazendo parte dele mesmo.

Não tem a consciência do “eu” e se confunde com o espaço em que vive. À

medida em que cresce, com um maior amadurecimento de seu sistema

nervoso, vai ampliando suas experiências e passa, pouco a pouco, a se

diferenciar de seu meio ambiente. Nesse período a criança tem uma

necessidade muito grande de movimentação e através desta vai enriquecendo

a experiência subjetiva de seu corpo e ampliando a sua experiência motora.

Suas atividades iniciais são espontâneas, isto é, não pensadas.

De início, portanto, a criança passa pela fase de vivência corporal.

Ela corre, brinca, trabalha seu corpo. Essa etapa é denominada pela

experiência vivida pela criança, pela exploração do meio, por sua atividade

investigadora e incessante. Ela precisa ter suas próprias experiências e não se

guiar pelas do adulto, pois é pela sua prática pessoal, pela sua exploração que

se ajusta, domina, descobre e compreende o meio. Este ajuste significa que a

criança mesmo sem a interferência da reflexão, adequa suas ações às

29situações novas, isto é, desenvolve uma das funções mais importantes que é a

“função de ajustamento”. A criança adquire também uma verdadeira memória

do corpo a qual, por sua vez, é responsável pela eficácia dos ajustamentos

posteriores.

2ª etapa – Corpo Percebido ou descoberto (3 à 7 anos):

Corresponde à organização do esquema corporal devido à

maturação da “função de interiorização”, aquisição esta de imensa importância

porque auxilia a criança a desenvolver uma percepção encontrada em seu

próprio corpo.

A função de interiorização permite também a passagem do

ajustamento espontâneo, citado na primeira fase, a um ajustamento controlado

que por sua vez, propicia um maior domínio do corpo, culminando em uma

maior dissociação dos movimentos voluntários. A criança com isso passa a

aperfeiçoar e refinar seus movimentos adquirindo uma maior coordenação

dentro de um espaço e tempo determinado.

A criança percebe as tomadas de posições e associa seu corpo

aos objetos da vida cotidiana. Ela chega a representação metal mental dos

elementos do espaço e isto é possível graças à primeira fase de descobertas e

experiências vividas pela criança. Ela descobre sua dominância e seu eixo

corporal. Passa a ver seu corpo como ponto de referência para se situar e

situar os objetos em seu espaço e tempo. Este é o primeiro passo para que ela

possa, mais tarde, chegar à estruturação espaço-temporal.

A criança passa a ter acesso a um espaço e tempo orientado à

partir de seu próprio corpo, chegando assim à representação dos elementos do

espaço, descobrindo formas e dimensões. Neste momento assimila conceitos

como embaixo, acima, direita, esquerda.

303ª etapa: Corpo Representado ( 7 a12 anos).

Nesta etapa observa-se a estruturação do esquema corporal. Até

este momento, a criança já adquiriu as noções do todo e das partes do seu

corpo (que é percebido através da verbalização e do desenho da figura

humana), já conhece as posições e consegue movimentar-se corretamente no

meio ambiente com um controle e domínio corporal maio. A partir daí, ele

amplia e organiza seu esquema corporal.

No início desta fase a representação mental da imagem do corpo

consiste numa simples imagem reprodutora. É uma imagem do corpo estática e

é feita da associação estreita entre os dados visuais e cinetésicos. A criança só

dispõe de uma imagem mental do corpo em movimento a partir de 10/12 anos,

significando que atingiu uma representação mental de uma sucessão motora.

Neste período a imagem do corpo passa a ser antecipatória, e

não apenas reprodutora, revelando um verdadeiro trabalho mental, devido à

evolução das funções cognitivas. Logo, a imagem do corpo representado,

permite a criança de 12 anos dispor de uma imagem de corpo operatório, que é

o suporte que a permite efetuar e programar mentalmente suas ações em

pensamento. Torna-se capaz de organizar, de combinar as diversas

orientações.

Le Boulch apresenta outro fator, correspondendo ao estágio das

operações concretas, que é a passagem da centralização do corpo, isto é, da

percepção de um espaço orientado em torno do corpo próprio à

descentralização, à representação mental de um espaço orientado, onde o

corpo está situado como objeto; quer dizer, os pontos de referência não estão

mais centrados no corpo próprio, mas são exteriores ao sujeito, podendo ele

mesmo criar os pontos de referência que irão orientá-lo (OLIVEIRA, 2001).

De acordo com Fonseca (1995) o esquema corporal deve ser

reconhecido como resultante da organização do input sensorial tátil-

31cinestésico, vestibular e proprioceptivo, numa imagem interiorizada e

estruturada, de onde emerge uma representação mental, que em si, constitui-

se num marco de referência que precede todas as relações com o exterior. O

autor relata também a importância da propriocepção, pois com uma

propriocepção difusa, desintegrada e vulnerável exige que os movimentos se

realizem com mais vigilância e com mais controle visual.

Para Henry Wallon, a emoção é o elemento inicial para a consciência,

considerando a emoção manifestações orgânicas eliciadoras de significados.

Desta forma, as sensações do corpo vão permitindo ao indivíduo despertar sua

sensibilidade para um mundo externo a si próprio, que vai sendo incorporado à

sua consciência por meio da crescente apreensão de suas partes corporais.

Onde, embora reconhecidas e individualizadas, as partes do corpo não são

imediatamente integradas pelas crianças em sua individualidade física, e ao

individualizar seus próprios órgãos, a criança sabe apenas justapô-los a si

mesma.

Wallon refere também, que a sensibilidade cutânea parece ser

fundamental para a constituição do esquema corporal. A criança entre os

quatro meses e um ano e pouco parece sentir um grande interesse em apalpar

a si mesma. Em primeiro lugar leva as mãos à boca, após três ou quatro

semanas ao peito e por volta dos nove meses às coxas. Ao descobrir dessa

maneira seus órgãos, tratando-os muitas vezes como objetos estranhos, como

no caso de crianças que mordem o próprio braço e gritam assustadas pela dor

sentida.

Antes de andar, entre nove e dezenove meses, a criança faz dos pés

brinquedos, demonstrando que, enquanto não descobre e faz uso de uma parte

de seu corpo, este tem para ela uma espécie de exterioridade e

individualidade. A criança apresenta curiosidade e alegria nas suas

aprendizagens perceptivas e motoras conseguidas por meio de investigações

sobre si própria e sobre os objetos que a rodeiam. Não pode haver

identificação do próprio corpo sem identificação simultânea dos objetos

exteriores a ele. Para delimitar seu domínio, o desenvolvimento cinestésico tem

32necessidade de referências no desenvolvimento visual. Embora distintos, os

dois processos são complementares no domínio das formações psíquicas.

Com isso, Wallon afirma, que para cada indivíduo certos sistemas sensoriais

de referência podem prevalecer sobre outros, originando grandes diferenças

individuais, e conclui que o domínio do esquema corporal pode ser

considerado, como alongando-se do domínio cinestésico ao domínio visual,

resultando das relações do indivíduo com o meio, sendo sua extensão

correspondente à diversidade das experiências vividas por cada indivíduo

(AZEVEDO, 2002). Wallon refere-se ao esquema corporal não como uma

unidade biológica ou psíquica, mas como uma construção, elemento de base

para o desenvolvimento da personalidade da criança (FONSECA).

O esquema corporal não é um conceito aprendido, que se possa

ensinar, pois não depende de treinamento. Ele se organiza pela experenciação

do corpo da criança. Ele é uma construção mental que a criança realiza

gradualmente, de acordo com o uso que faz de seu corpo. É um resumo e uma

síntese de sua experiência corporal (OLIVEIRA, 2001)

O conhecimento do próprio corpo não depende unicamente de

desenvolvimento cognitivo, mas também da percepção, formada tanto de

sensações visuais, táteis, sinestésicas e, também, em parte da contribuição da

linguagem, que ajuda a precisar os conceitos, estabelecendo a distinção entre

seu eu e o mundo exterior. Paralelamente ao conheciento e à interiorização do

resto do esquema corporal, aparece e se define a lateralidade.

“O esquema corporal é um elemento básico indispensável para a

formação da personalidade da criança. É a representação relativamente global,

científica e diferencia da que a criança tem de seu próprio corpo.”

WALLON, 1968.

HAYWOOD e GETCHELL (2004), afirmam que a lateralidade é a

consciência de que o corpo tem dois lados distintos, que podem se mover

independentemente, tratando-se de um componente da consciência corporal.

33 Jocian Bueno (1998), resume as características do esquema corporal e

da lateralidade, como ocorrendo em conjunto:

• Com dois anos a criança começa a adquirir a noção de sua totalidade

corporal, adquirida por meio da experiência sensório motora típica da

idade. Começa a integrar a noção de seu corpo e nomear suas partes.

• Com três anos começa a apresentar sua tendência à dominância do

hemisfério cerebral.

• Com quatro anos tem consciência do seu eixo e de que possui dois

lados, como também membros superiores e inferiores. Já tem noção de

sua frente e costas. Consegue reproduzir a figura humana de forma

compreensível. Orienta-se no espaço em diversos sentidos e diferentes

posições, reproduzidos em novos movimentos.

• Com seis anos já é capaz do conhecimento de direita e esquerda em si

mesma e de executar movimentos e atividades com os membros

superiores e inferiores. Já brinca com os jogos de orientação simples e

com pontos de referência diferentes, começando a cruzar instruções e

transpor para o papel. Na fase de cinco a sete anos, em relação ao

esquema corporal, consegue expressar diferentes posições no corpo,

relacionar objetos a partes do mesmo e reproduzir movimentos e

atividades de mímica.

• Aos sete anos começa a projetar a noção de lateralidade no espaço.

• Com oito anos consegue projetar a lateralidade no outro, atingindo a

reversibilidade.

34

Conclusão

A criança conhece e descobre o mundo Através do corpo, é por ele que

ela experimenta sensações e as demonstra. Ela necessita de uma boa entrada

das percepções para responder adequadamente aos estímulos, e com uma

integração sensorial adequada terá uma maior capacidade de interagir com o

meio que a cerca.

Concluímos, após uma ampla pesquisa bibliográfica, que a criança

precisa assimilar que tem dois lados em seu corpo, “duas mãos” que podem

agir juntas ou separadas, antes de definir qual a melhor “perna para chutar

aquela bola”. A lateralidade e o esquema corporal desenvolvem-se na criança

de forma concomitante e interdependente, devendo ser desta forma, encarados

como um fator psicomotor único e essencial.

35

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38

Índice

Folha de Rosto 2

Agradecimentos 3

Dedicatória 4

Epígrafe 5

Resumo 6

Metodologia 7

Sumário 8

Introdução 9

CapítuloI

1- A Psicomotricidade 11

1.1- Um breve histórico 11

1.2- Por que Psicomotricidade? 14

1.3- O que é a psicomotricidade? 14

1.4- Definições 15

Capítulo II

2- A Lateralidade 18

2.1- Antes da lateralidade, a linha média 18

2.2- Histórias sobre a lateralidade 19

2.3- Lateralidade 21

39

2.4- Hipóteses sobre a prevalência manual 24

2.4.1 – Hereditariedade 24

2.4.2 – Hipótese da dominância cerebral 25

2.4.3 – Influência do meio 25

2.5 - Diferença entre a lateralidade e o conhecimento

esquerda-direita 26

Capítulo III

3 – O esquema corporal 27

Conclusão 34

Bibliografia 35

Índice 38