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1 UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” PROJETO A VEZ DO MESTRE A IMPORTÂNCIA DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE NO PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL Por: Vânia das Graças Silva Machado Orientador Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas Rio de Janeiro 2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE NO

PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS

PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL

Por: Vânia das Graças Silva Machado

Orientador

Prof. Ms. Nilson Guedes de Freitas

Rio de Janeiro

2004

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

PROJETO A VEZ DO MESTRE

A IMPORTÂNCIA DA ESTIMULAÇÃO PRECOCE NO

PROCESSO DE APRENDIZAGEM DE CRIANÇAS

PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA VISUAL

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como condição prévia para a conclusão do

Curso de Pós-Graduação “Lato Sensu” em

Psicopedagogia.

Por: Vânia das Graças Silva Machado.

Rio de Janeiro

2004

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AGRADECIMENTOS

A Deus, que orienta e torna possível

todos os atos de nossa vida.

À minha família, que com amor e

dedicação, foi fundamental para esta

minha caminhada e conquista.

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DEDICATÓRIA

.....dedico a todas as crianças portadoras de

deficiência visual, que mesmo sem ver o

azulado do céu e o brilho do sol, sabem

reproduzi-los, em sua imensa alegria de

viver.

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RESUMO

O presente trabalho visa abordar a importância da estimulação precoce no processo de aprendizagem e desenvolvimento de crianças portadoras de necessidades educativas especiais, especificamente deficiência visual. A abordagem do tema tem como centro de análise a construção do conhecimento a partir do desenvolvimento e da conjugação de aspectos que determinarão a qualidade da aquisição de estímulos precoces no processo de aprendizagem da criança deficiente visual. Este estudo aborda o desenvolvimento psicomotor de crianças portadoras de deficiência visual, de idade variável, levantando os dados referentes aos aspectos da incapacidade visual que interferem no desenvolvimento motor e cognitivo, podendo ocasionar atrasos na aquisição de suas etapas evolutivas. O emprego de programas, nos quais se baseia a estimulação precoce, se faz necessário antes que se estabeleçam determinados distúrbios do comportamento e atrasos em seu desenvolvimento neuropsicomotor e para tal, deve contar com equipe multidisciplinar especializada e o envolvimento familiar, pois profissionais e a família devem seguir juntos para alcançar o objetivo maior, que consiste no progresso do desenvolvimento da criança.

Palavra-chave: deficiência visual, aprendizagem, estimulação precoce.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 07

1. DEFICIÊNCIA VISUAL 11

2. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM 29

3. ESTIMULAÇÃO PRECOCE 44

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA 71

ANEXO 74

ÍNDICE 76

FOLHA DE AVALIAÇÃO 78

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INTRODUÇÃO

O interesse por uma questão que diz respeito ao deficiente visual concretizou-

se no decorrer de nossa experiência enquanto estagiária e profissional de Serviço

Social no Instituto Benjamin Constant. Neste período foi possível, através da prática

profissional e de leituras a respeito, identificar com mais clareza as dificuldades

encontradas pelos deficientes visuais em seu processo de desenvolvimento

psicomotor e de aprendizagem.

O ensino especializado no Brasil apresenta-se de maneira precária, onde

técnicos e funcionários não têm treinamento específico para atender as necessidades

especiais dos deficientes.

A tentativa de se trabalhar interdisciplinarmente no setor de Estimulação

Essencial mobilizou estudos que aprofundassem o tema abordado e sua importância

para o desenvolvimento da criança deficiente visual. O conceito de cegueira total é

entendido como sendo a perda completa de visão, sem percepção luminosa, sendo a

visão nula. Enquanto visão subnormal é uma perda significativa da visão que não

pode ser corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico, nem por óculos

convencionais. Dependendo da patologia, o portador de visão subnormal, apresenta

comprometimentos relacionados à diminuição de acuidade e/ou campo visual, à

adaptação à luz e ao escuro e à percepção de cores.

O presente trabalho, que buscou entender e problematizar as questões sobre

deficiência visual, aprendizagem e Estimulação Precoce, visa iluminar a atuação do

profissional de psicopedagogia, a fim de que este possa ter subsídios para discutir,

avaliar e viabilizar a construção de uma prática que realmente seja voltada para a

participação igualitária do portador de deficiência na sociedade, em particular, no

acesso ao atendimento para suas necessidades especiais, que objetive desenvolver ao

máximo suas potencialidades.

Portanto, é importante para o campo da Psicopedagogia, enquanto sistema de

conhecimento e enquanto um sistemático prático de investimento na realidade, a

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análise deste objeto de estudo: a relação entre portadores de deficiência visual,

aprendizagem humana e programas de Estimulação Precoce, o que implica na

abordagem de temas a eles ligados, ou seja, etapas do desenvolvimento humano, com

as características específicas das crianças deficientes visuais, políticas públicas de

prevenção de deficiências e programas de intervenção precoce, para garantir a

construção da cidadania desses portadores de necessidades especiais.

Para se entender o desenvolvimento intelectual e os obstáculos decorrentes no

desenvolvimento das crianças deficientes visuais, o presente trabalho se fixou na

teoria de Jean Piaget, psicólogo suíço, por ser sua obra muito considerada no meio

pedagógico e por ser responsável por uma das maiores contribuições no campo da

psicologia contemporânea, na área específica de comportamento cognitivo. Este

autor demonstra através de quatro estágios, que o ato de pensar é alcançado por

tentativas e erros de qualquer pessoa em se adaptar ao meio. Essa adaptação não é ao

acaso, ela precisa ser estimulada para ter probabilidade de desenvolvimento da

inteligência.

Os princípios de Piaget consideram as experiências sensório-motoras,

adquiridas nos primeiros anos de vida, sendo essenciais para o desenvolvimento

cognitivo da criança. A inteligência consiste na capacidade de adaptação às novas

situações. Isto se dá por dois processos complementares: assimilação e acomodação,

responsáveis pela adaptação ao meio.

Esta teoria estabelece que a estimulação, para ser efetiva não pode ser

realizada isoladamente, mas fazendo parte do mundo da criança, de acordo com

etapas do desenvolvimento infantil, e proporcionando meios que lhes permitam

descobrir, por si mesma novas experiências.

Este trabalho objetiva contribuir para avaliação das possíveis influências da

Proposta de Estimulação Precoce, na formação de uma nova representação dos

deficientes visuais no resgate à sua cidadania, bem como o acesso ao atendimento

especializado de qualidade, enquanto direito social.

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O trabalho realizado teve como proposta a abordagem e a problematização do

atendimento de Estimulação Precoce, girando em torno de termos como: deficiência

visual, prevenção, etapas do desenvolvimento infantil, processo de aprendizagem,

proposta da intervenção precoce e família.

Ao nos aproximarmos do universo do deficiente visual, abordamos o processo

de aprendizagem e desenvolvimento do conhecimento humano, e percebemos o

papel fundamental que o psicopedagogo realiza ao ser inserido na equipe

interdisciplinar que atua no setor de Estimulação Precoce.

O tema é complexo e vai ser discutido na seguinte sistematização: No

Capítulo 1 conceituará deficiência visual, destacando causas e conseqüências,

demonstrando a prevenção como forma de se evitar danos maiores, garantindo a

construção da cidadania dos portadores de necessidades especiais.

Foram utilizados essencialmente os conceitos de Piaget, das fases do

desenvolvimento infantil, sendo feito um recorte no desenvolvimento sensório-motor

e pré-conceitual, porque somente com experiências sensório-motoras integradas e

significativas, a criança deficiente visual poderá conhecer, explorar, elaborar e

organizar o mundo ao redor e encaminhar para sua autonomia e inserção na

sociedade.

No segmento seguinte, capítulo 2, conceituará a aprendizagem, ressaltando as

fases do desenvolvimento infantil, utilizando conceitos de teóricos, como Piaget,

ressaltando o desenvolvimento sócio-educativo da criança deficiente visual e a

importância da prevenção e estimulação na educação e desenvolvimento pleno do

homem, enquanto ser social.

No capítulo 3, aborda-se a Importância da Estimulação Precoce adaptada à

criança deficiente visual abrangendo seu desenvolvimento psiconeuromotor,

linguagem, relacionamento social e afetivo. A relevância da intervenção precoce é

defendida como um mecanismo de prevenção, a fim de se evitar danos maiores,

sendo o desenvolvimento humano um processo sistêmico que perpassa a dimensão

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biofisiológica e cognitiva, mas depende também das experiências significativas –

sociais, afetivas ou cognitivas – como um todo indivisível.

Os progressos científicos alcançados na área de Estimulação Precoce

assinalam a decisiva importância do estabelecimento de programas de intervenção na

primeira infância, devido ao fato desta constituir o período de maior assimilação da

criança. Pode-se afirmar que das aquisições dos primeiros anos depende o

desenvolvimento ulterior do indivíduo.

Neste capítulo se discutirá a importância da equipe interdisciplinar para o

atendimento especializado oferecido a estas crianças, bem como a participação

fundamental da família neste processo de desenvolvimento infantil no campo

psicossocial, objetivando resultados satisfatórios que contribuam para o

desenvolvimento das potencialidades do deficiente visual.

Com este trabalho pretende-se contribuir de alguma forma, para ressaltar a

importância da intervenção precoce, já que poucos trabalhos têm sido realizados em

nosso meio para pesquisar cientificamente os fatores de maior incidência em sua

etiologia sócio-cultural, a fim de propor as medidas necessárias para o

desenvolvimento de programas de Estimulação Precoce e campos afins.

Assim, busca-se produzir um documento útil aos profissionais que lidam com

o tema, uma vida com menos preconceitos sobre si mesmas, já que sofrem o estigma

da sociedade, mas principalmente como instrumento de reflexão da cidadania dos

deficientes visuais.

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1. DEFICIÊNCIA VISUAL

Quem é a pessoa portadora de deficiência? Antes de responder a esta

pergunta, é importante refletir e tentar responder a estas outras: Por que deficiente? O

que é ser deficiente? É ser menos eficiente? E não ser suficiente?

Talvez não sejam perguntas fáceis de responder, e na tentativa de ajudar a

encontrar essas respostas, aqui estão algumas definições importantes:

Deficiente é toda a pessoa que apresenta um ou mais características

perceptíveis que a diferenciem do “padrão de normalidade”. Segundo a Organização

Mundial de Saúde, a deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou

função psicológica, fisiológica ou anatômica.

Incapacidade é a diminuição ou perda de capacidade funcional em termos

normais, em conseqüência de deficiência.

É importante lembrar que deficiência não é doença, ela é, geralmente, uma

seqüela da doença. A deficiência não modifica o ser em sua essência, apenas o limita

em alguns aspectos.

A deficiência Visual total ou simplesmente amaurose, pressupõe completa

perda de visão. A visão é nula, isto é, nem a percepção luminosa está presente

(ROCHA, 1998).

Visão subnormal é uma perda significativa da visão que não pode ser

corrigida por tratamento clínico ou cirúrgico, nem por óculos convencionais. O

portador de visão subnormal, dependendo da patologia, apresenta comprometimentos

relacionados à diminuição da acuidade visual e/ou campo visual, à adaptação à luz e

ao escuro e à percepção de cores (CARVALHO, 2000).

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Entende-se por acuidade visual1 uma medida da capacidade de distinguir

claramente os mínimos detalhes e por campo visual, a área do espaço físico visível

quando o corpo, a cabeça e os olhos estão numa posição estacionária, frente ao

estímulo observado.

Superar as barreiras que afastam a pessoa portadora de deficiência de uma

vida plena, satisfatória em todos os sentidos é uma tarefa árdua, que demanda tempo

e dedicação. Não basta educar, é indispensável envolver a sociedade em todos os

seus segmentos nessa questão, esclarecê-la, prepará-la para um convívio melhor e

mais próximo com as pessoas portadoras de Deficiência, vencendo a terrível barreira

dos preconceitos. E isso só se torna possível quando compreendemos de fato que “o

convívio humano é mais importante do que o próprio viver”.

1.1. Causas e Conseqüências da Deficiência Visual – Prevenção

Com base nas estimativas da Organização das Nações Unidas, dentre 150

milhões de pessoas que compõem a população brasileira, 10%, ou seja, 15 milhões,

são portadoras de algum tipo de deficiência, sendo que 0,5% é de deficiência visual.

Os deficientes visuais se dividem em dois grupos: os de visão subnormal (ou

reduzida) e os portadores de cegueira. A “diferença” entre estes consiste:

a) Visão subnormal ou reduzida: são os que possuem acuidade visual entre 6/20 e

6/60, no melhor olho, depois da correção máxima. Estes, devido ao resíduo visual,

podem ler impressos em tinta. Porém, para tal, necessitam de recursos didáticos,

como utilização da escrita ampliada (maiores do que as letras em caixa alta, no

sistema comum) e de equipamentos especiais, como lentes de óculos para miopia,

hipermetropia, etc.

b) Portadores de cegueira: são aqueles que tiveram perda da visão, em ambos os

olhos, de menos de 0,1 ou 6/60, no olho melhor, correspondente, no Brasil, a

cegueira legal, pois pode se pedir aposentadoria, seguro, etc. O seu campo visual

1 CARVALHO, L. O desenvolvimento normal e anormal da visão. SP: Santa Casa de Misericórdia de

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não ultrapassa a 20 graus, analisando o maior meridiano do melhor olho, mesmo

com a utilização de recursos ópticos. Este, como é considerado cego total ou

possui um resíduo mínimo de visão, necessita ter o seu aprendizado através do

sistema Braille, método de leitura e escrita, além de contar com recursos didáticos

e equipamentos especiais ao processo de ensino - aprendizagem. Deve-se

estimular os sentidos remanescentes como o tato, audição, olfato e paladar,

visando facilitar o pleno desenvolvimento deste portador de deficiência visual.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), estabelece quatro causas básicas

para esta alta prevalência de deficientes em países em desenvolvimento, como o

nosso: “... subnutrição, as doenças transmissíveis, a baixa qualidade de assistência

perinatal e os acidentes (em particular por atos de violência)”.

Segundo dados oficiais da CORDE (Coordenação Nacional para a Integração

da Pessoa Portadora de Deficiência), órgão do Ministério da Ação Social, cerca de:

60% dos casos poderiam se evitados, através de medidas preventivas e de programas

de informação e esclarecimento da população.2

De um modo geral, as causas são congênitas - aquelas resultantes da fase

anterior ao nascimento -; algumas podem ser hereditárias, quer dizer, patológicas que

passam de pai para filho ou através de uma família, doenças transmissíveis ou não;

acidentes em geral (uma destacada causa de deficiências). E um outro complexo que

denominamos de “as mazelas dos países pobres”, com tudo incluído: desde falta de

atenção à saúde, à falta de educação para saúde e da educação como um todo, à falta

de saneamento básico, de acesso aos meios de produção e de trabalho das populações

de baixa renda, onde a desnutrição é relevante na origem de deficiências.

É interessante pensar na prevenção das deficiências em termos de uma

totalidade abrangente, que vai desde as ações relacionadas à promoção da saúde ou

proteção da integridade do organismo em termos orgânicos e psicossociais, até as

ações de habilitação, educação e reabilitação, uma vez constatado um dano. Ações de

São Paulo, 2000. 2 CORDE. Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: MAS, 1986, p. 27.

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prevenção em geral, mas, principalmente, a primária, podem produzir dois

importantes efeitos: 1) redução de gastos com programas de recuperação; 2) redução

do sofrimento para o indivíduo, bem como para as pessoas que o cercam.

A prevenção primária de deficiências se traduz em ações que promovem

melhores condições de desenvolvimento biopsicossocial do indivíduo, no período

pré-natal, perinatal, neonatal e pós-natal, além de significar medidas de proteção

contra agentes causadores de deficiências.

Segundo levantamentos da Coordenadoria Nacional para Integração da

Pessoa Portadora de Deficiência (CORDE, 1986)3 verificou-se, entre outros, os

seguintes agentes potencialmente causadores de deficiências, entre elas, a visual:

a) No período pré-natal: doenças da mãe, como sífilis, rubéola, toxoplasmose

(infecciosas);

• a sífilis congênita resultante da contaminação do feto pela mãe - através da

circulação placentária - pelo “treponema”, após o quarto mês de gestação, provoca

lesões que, ao afetarem os nervos sensitivos, poderão ocasionar a cegueira que pode

se manifestar logo após o nascimento ou em qualquer outra fase da vida do

indivíduo.

• a rubéola é contraída pela mãe nos primeiros meses de gestação e o seu

vírus ultrapassa a placenta e atinge o tecido embrionário e que provoca, em vários

casos, alterações nos órgãos embrionários em processo de formação. O distúrbio

ocular mais freqüente desta doença é a catarata congênita, necessitando de

tratamento cirúrgico urgente para o desenvolvimento das funções visuais.

• a toxoplasmose é transmitida por um protozoário, o “Toxoplasma Gandii”,

através do contato com animais domésticos infectados: cães, coelhos, gatos, pombas.

Pode causar sérias lesões, quando contraída na fase intra-uterina. O feto recebe pela

3 CORDE. Política Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: MAS, 1986, p. 34 -40.

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placenta o protozoário, que, ao se alojar nos tecidos fetais, pode causar sérios

problemas visuais, ocasionando a cegueira.

Exposição da mãe a fatores ambientais prejudiciais, como Raios X,

automedicação (tão comum no Brasil). A título de exemplo, temos a cidade de

Cubatão (SP), em passado recente, onde nasceram diversas crianças com múltiplos

defeitos congênitos, conseqüência da poluição ambiental irresponsável.

Desnutrição materna - deficiências protéicas e vitamínicas:

• a xeroftalmia, devido à avitaminose A, agravada pela desnutrição

proteinocalórica;

• as avitaminoses B e C, responsáveis pela cegueira infantil.

- Gravidez de alto risco;

- Ingestão de drogas prejudiciais ao embrião/feto.

b) No período perinatal: problemas no parto, cuidados inadequados com o recém-

nascido, entre outros.

c) No período neonatal: infecções no berçário faltam de cuidados e de condições

hospitalares, entre outros:

• a “fibroplasia retrolental”, ocorre devido à alta concentração de oxigênio

nas incubadoras.

d) No período pós-natal: doenças do bebê e da criança, como meningite, infecções

dos órgãos sensoriais, etc.

No caso dos deficientes visuais, há outras doenças infecciosas capazes de

gerar tal deficiência:

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- a oftalmia neonatorum se dá através da contaminação das conjuntivas

(membrana que forra a parte externa do globo ocular e a interna das pálpebras) por

germes da mucosa vaginal, durante o nascimento. Deve-se aplicar uma gota de

nitrato de prata a 5% nos olhos da criança (é o método Credé), para se evitar a

contaminação. É um cuidado após o parto de extrema importância.

- o tracoma é uma doença infecciosa que se exterioriza na córnea ocular da

pálpebra onde se formam pequenas granulações vermelhas dando a sensação de areia

nos olhos, oftalmia infecciosa. É conhecido como “doença da sujeira”, daí a

importância de campanhas educativas para se oferecer noções elementares de higiene

à população. Localiza-se no nordeste, oeste de São Paulo e norte do Paraná.

Outros fatores causadores da deficiência visual são:

- o glaucoma, afecção do olho caracterizada por um aumento da pressão intra-

ocular e que dá origem a graves perturbações, como atrofia da retina, podendo chegar

à cegueira. Pode apresentar-se sob formas diferentes, como o glaucoma primário

(agudo, crônico ou congênito) ou o secundário a outras doenças oftalmológicas,

como tumor intra-ocular, catarata, etc. Há necessidade de tratamento médico precoce

e muitas vezes de intervenção cirúrgica;

- o daltonismo resulta da sensibilidade diminuída a certas faixas do espectro

tornando impossível, difícil e/ou muito perigoso para a pessoa, participar de certas

atividades e ocupações que exijam sensibilidade normal às cores distinguidas pelas

pessoas de vista normal. Aqueles que possuem daltonismo têm 10% a 49% de visão;

- problemas de consangüinidade, gerados devido a parentesco próximo dos

pais (por exemplo, casamento entre primos de primeiro grau, pode gerar crianças

com deficiência visual).

Além das ações de prevenção nas primeiras etapas da vida, conforme acima

delineado, também são de grande importância ações de prevenção de doenças que

afetem o sistema neuromotor e/ou os órgãos sensoriais, em qualquer período da vida.

Também de extrema relevância é a prevenção de acidentes na infância e de acidentes

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de trânsito (importância da obrigatoriedade do cinto de segurança), nos quais, entre

outros danos, é muito comum o prejuízo ou perda da visão.

A prevenção secundária refere-se aos procedimentos de diagnóstico precoce e

tratamento imediato ou intervenção para reverter uma condução já instalada. São

necessários programas de detecção precoce e triagem populacional, para

identificação das crianças em risco e seu pronto atendimento por equipe

interdisciplinar, o mais precocemente possível, da criança com deficiência, de forma

a minimizar os danos e a favorecer seu desenvolvimento.

E, a prevenção terciária que procura evitar a incapacidade total, quando já há

alterações anatômicas e fisiológicas instaladas.

Assim, fica bem lógico, portanto, que as ações preventivas primárias e

secundárias devam ser dirigidas às gestantes e aos bebês, pois estas ações

representam o caminho por excelência para se diminuir o grande impacto que o

surgimento de um portador de deficiência impõe a si próprio, à família e a sociedade.

A nível psicossocial, as ações devem visar, prioritariamente, a prevenção primária, o

diagnóstico precoce e o encaminhamento em tempo hábil.

Para a Organização Mundial de Saúde4, todas as ações preventivas têm por

objetivo principal impedir a seguinte progressão:

“doença-> deficiência-> incapacidade-> invalidez.”

Torna-se importante enfatizar que, muitas das doenças oculares como as

demais poderiam ser evitadas se houvessem medidas de saúde pública para a

formação de hábitos e atitudes corretas como higiene, os cuidados médicos e a

alimentação correta. Pois ao esclarecer a população acerca das doenças que podem

ser contraídas e as suas conseqüências, esta população poderia reivindicar por

melhoria das condições de vida, de habitação, de higiene junto às autoridades locais.

4 OMS – Organização Mundial de Saúde. Relatório de análise e estudo sobre as principais causas das deficiências nos países do 3° mundo. Congresso Mundial, Suécia, 1981.

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Há uma série de “sinais”, que podem se diagnosticados nos olhos dos bebês e

considerados indícios de lesões irreversíveis:

pequeninas manchas brancas no globo ocular; lacrimejamento excessivo; fotofobia intensa; córnea muito pequena ou excessivamente grande em relação ao globo ocular; olhos que não acompanham o movimento de pontos luminosos, ou que, com um ‘olho de gato’, apresentam reflexo brilhante e luminoso a um foco de luz direta são indícios da necessidade de pronto atendimento médico, avisos de perigo iminente. (MACHADO, 1993, p. 53).

Para evitar a manifestação dos problemas visuais, deve haver um programa

de ação preventiva abrangente desde a fase embrionária do individuo até a velhice;

pois há distúrbios oculares que ocorrem e se desenvolvem em qualquer fase da vida

do indivíduo, pois dependem das condições biopsicossociais, de trabalho e do meio

ambiente.

A Organização Pan-Americana de Saúde, segundo, Leboulch (1992) em uma

série de estudos internacionais (já não são estatísticas, exclusivamente brasileiras),

fez um levantamento segundo o qual 40% das deficiências poderiam ser evitadas. As

originadas das “mazelas dos países pobres”, onde predominam a falta de atenção à

saúde, à educação, à desnutrição, enfim a falta de um planejamento social e

desatenção com o bem estar do ser humano. É preciso que o Estado elabore e execute

políticas que dêem conta à saúde e à educação dos indivíduos, que os trabalhos de

partos sejam dignamente assistidos, não deixando a criança e a mãe sofrerem,

passando a hora do nascimento, que acarreta na criança deficiência, que haja

preocupação em vacinar meninas a partir de dois até dez anos na imunização contra

rubéola, onde se constata uma causa grave na origem da deficiência visual, tendo o

cuidado de não ser aplicada à vacina no período em que a mulher já pode engravidar.

Através das medidas preventivas, educativas, de higiene ocular e da

utilização dos recursos assistenciais, pode-se reduzir as causas da deficiência visual.

Para uma ação preventiva eficaz necessita-se de conhecimento, identificação do

problema e dos fatores motivadores.

Fica, porém, a questão de como realizar as ações preventivas, principalmente

por terem estas um caráter multi e interdisciplinar. Assim, uma relação das ações de

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prevenção, com a identificação e análise do que está sendo feito na realidade local,

em termos preventivos, poderia facilitar a tomada de decisões no campo da

administração em Saúde Pública.

Pensar em prevenção de deficiências seria muito mais do que aplicar, simples

medidas paliativas, que não remontam a causa do problema, mas refletir que

prevenção não significa evitar doenças. Prevenir significa modificar as condições de

vida, as relações de trabalho, as estruturas civis da cidade e do campo, enfim,

significa lesar interesses poderosos e olhar com audácia para o futuro.

1.2. A Criança Deficiente Visual e seu Desenvolvimento Sensório-

motor

Em uma abordagem Piagetiana (PULASKI, 2001), que parte do princípio de

que a ação é constitutiva do conhecimento, e este construído a partir da ação do

organismo sobre os objetos e serão os sucessivos encontros desse organismo com

diferentes objetos que farão com que se construam esquemas. No início, esses

esquemas são muito simples e provêm do exercício dos reflexos e dos sentidos.

Assim, se constroem, os esquemas de sucção, da visão, da audição, do tato que, ao se

coordenarem com os esquemas motores, possibilitam a construção do esquema de

tocar, pegar, agarrar, etc.

A ação sobre os objetos (aspecto exógeno) dá origem às estruturas mentais

(aspecto endógeno); por outro lado, a construção de novas estruturas possibilita a

construção de novos esquemas.

Uma das decorrências práticas dessa idéia é que, se as estruturas endógenas

são construídas só a partir da ação do organismo sobre o meio, no seu constante

confronto com objetos dos mais diferentes e, se a construção destas estruturas é

necessária para que o pensamento atinja o nível das operações formais, então, deve-

se garantir à criança um ambiente rico em estimulações e em desafios, onde esta

possa ser instigada em aplicar seus esquemas, em modificá-los, em construir, a nível

endógeno, as estruturas necessárias a um conhecimento cada vez maior.

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No caso de crianças com ausência de visão, podem ocorrer algumas

distorções em seu desenvolvimento psicomotor, pois essas deixarão de vivenciar

inúmeras situações onde a visão é, a priori, o ponto referencial para execução das

mesmas.

Portanto, estas desvantagens poderão acarretar na criança deficiente visual,

além de esperados déficits em seu desenvolvimento, atrasos variados em sua

conquista pelo espaço, ou seja, em sua locomoção. Dito de outro modo, os fortes

obstáculos que a cegueira impõe à coordenação das ações, considerando-se

deslocamentos e aproximações espaciais, pode gerar atrasos na construção das

categorias espaço-tempo.

A percepção visual é uma função bastante complexa, que ocorre em três

fases: primária, secundária e terciária. Na fase primária, há a captação da imagem

pelos receptores fotossensíveis localizados na retina. Essa imagem é projetada no

lobo occipital, onde se dá a recepção do estímulo visual. Na fase secundária ocorre o

reconhecimento da imagem projetada, ela passa a ter um significado. Na fase

terciária ocorre uma integração cortical desta imagem “reconhecida” com todos os

outros sentidos (olfato, tato, audição, etc). Portanto, a visão está estreitamente

correlacionada com as outras atividades sensoriais, particularmente com o tato e a

cinestesia.

Ver não é uma função independente, ela está profundamente integrada ao

desenvolvimento psicossomático da criança sua postura, coordenação, inteligência e

personalidade.

Sendo a visão o mais sofisticado e objetivo dos sentidos, permite o

reconhecimento do mundo externo e fornece um relato minucioso, registrando

simultaneamente posição, forma, cor, tamanho e distância.

A visão não pode ser considerada isoladamente, mas conforme a sua

contribuição ao funcionamento sensorial total. A visão é o nosso elo primário de

ligação com o mundo objetivo, proporcionando que os elementos sejam apreendidos

em forma já integrada. Faltando a visão, os sentidos restantes: audição, tato, olfato e

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paladar, têm de funcionar sem a informação e integração que a visão proporciona.

Por conseguinte, os dados originados dos outros sentidos são intermitentes, fugidios,

seqüenciais e, necessariamente, recebidos de forma fragmentada. Não existe uma

compensação sensorial mágica.

Com efeito, inicialmente, os outros sentidos parecem não ter a percepção de

seu ambiente e necessitar de estimulação adicional.

Dentre as modalidades sensoriais, a audição é o único sentido de distância de

que os portadores de deficiência visual dispõem, e tem de funcionar de maneira

inteiramente diferente, sem a informação da visão. Inicialmente, o bebê deficiente

visual não tem controle sobre a presença ou ausência do som em seu ambiente.

Vozes saem do nada e voltam ao nada quando cessam.

De acordo com Pulaski (2001), nos primeiros meses de vida de um bebê

deficiente visual, o som sem a visão não proporciona informações adequadas. Por

exemplo, a localização, fonte e a causa são incessíveis, e não está no poder do bebê

repetir o estímulo a fim de examinar, explorar e verificar as informações.

Os estudos de Fraiberg, Siegel e Gibson (1986)5 sobre crianças portadoras de

deficiência visual mostraram que, no primeiro ano de vida, o bebê deficiente visual

só se dirige para o som meses depois que um bebê vidente se dirige para um estímulo

visual. Quanto às posturas, as fases de desenvolvimento se cumprem dentro dos

limites normais, porém o progresso nos movimentos apresenta atrasos. Assim o bebê

deficiente visual consegue sentar e manter-se de pé com a mesma idade que os bebês

videntes, mas demonstra atraso significativo no que diz respeito a estender as mãos,

engatinhar e em caminhar. Este atraso no desenvolvimento dos movimentos é

compreensível em vista do fato de que o bebê deficiente visual tem de aprender a

conhecer seu ambiente de maneira incomum e difícil; ele precisa aprender a se dirigir

para um estímulo já diminuído, fornecido pela audição, para tentar explorar um

mundo desconhecido e confuso.

5 FRAIBERG, S. Insights from the blind: comparitive studies of blind and sighted infants. New York, 1986.

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O tato, sem a visão, sofre limitações semelhantes à da audição sem a visão. O

incentivo para a exploração tátil é normalmente proporcionado pela visão. A cor, o

padrão decorativo, a forma e a localização são percebidas visualmente e servem para

informar e atrair; estas dimensões não estão disponíveis ao bebê deficiente visual.

Aquilo que é percebido somente pelo tato carece da integração que a visão

possibilita. Os estímulos táteis são encontrados e reencontrados, apenas por acaso,

nos primeiros meses. A atividade tátil proposital do bebê é mínima porque o

ambiente continua desconhecido e pouco convidativo.

Nos primeiros meses, a única informação presente é a do eu, tanto quanto ele

é percebido. Esta percepção de si mesmo permanece ininterrupta pela visão e

disputada somente por confundir informações auditivas e táteis. A boca é, durante

muito tempo, o principal órgão sensorial, e a atenção do bebê que nasceu deficiente

visual fica focalizada internamente e, assim se mantém por causa da ausência de

estimulação alternativa.

A exploração ativa ocorre somente quando a criança deficiente visual se

desloca no sentido de descobrir o mundo exterior, e este desenvolvimento de

mobilidade depende principalmente da informação fornecida pela audição. No

decorrer do desenvolvimento infantil normal, pouca razão existe para se examinar o

conceito de mobilidade. Mesmo nos casos de desenvolvimento retardado, os marcos

do desenvolvimento motores não têm uma ligação crítica com o desenvolvimento

sensorial. No caso extremo de restrição total de mobilidade, a criança vidente ainda

pode explorar e conhecer seu ambiente. O desenvolvimento sensorial prossegue

mesmo sem a mobilidade.

Para a criança deficiente visual, no entanto, a mobilidade é necessária para

estabelecer um elo primário de ligação com o mundo exterior - um elo sem o qual

fica impedido o desenvolvimento auditivo e tátil. A criança deficiente visual tem

pouca evidência da estrutura do espaço que a rodeia, até poder movimentar-se, no

sentido de descobrir essa evidência, aumenta a necessidade de mobilidade para

adquirir informações, mas, ao mesmo tempo, há uma ausência de motivação, que é

normalmente proporcionada pela visão.

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A criança portadora de deficiência visual não consegue se orientar, nem

realizar adaptações em seu sistema muscular, de acordo com as variações de posição,

distância, tamanho e forma. Pela ausência da visão, as combinações autocorretivas de

reforço mútuo entre a visão e as respostas motoras ficam muito comprometidas. Não

existe substituição de um sentido por outro. O conjunto sensorial funciona em

sinergismo, onde nenhum dos sentidos realiza suas funções de forma isolada, eles se

retroalimentam.

A deficiência visual não é apenas a perda de um sentido isolado: é a perda do

sentido que gera a integração de todos os outros. Quando ocorre no nascimento, afeta

a criança no seu desenvolvimento psiconeuromotor. Apesar disto, a criança

deficiente visual tem uma capacidade progressiva de ir-se adaptando a sua

deficiência. Se for bem orientada, desenvolverá suas potencialidades plenamente. A

deficiência visual não pode ser como agente etiológico de alterações cognitivas,

motoras e psíquicas, mas sim, como um fator predisponente à instalação destes

quadros.

Em cada etapa do desenvolvimento, uma capacidade emerge e é trabalhada

pelo organismo, passando a ser integrada em uma escala crescente de

desenvolvimento. Para que isto ocorra, a criança necessita ser encorajada e reforçada

por seus pais. Se não há reforço e motivação, esta criança será invadida por uma

sensação de insegurança e medo. O desenvolvimento psicomotor se realiza pela

combinação do prazer que a criança sente ao ter experimentado algo novo (uma

aquisição motora e/ou sensorial) e o reforço familiar à aquisição feita por seu filho.

Baseando em Piaget, (PULASKI, 2001, p. 39)6, que nos diz que:

o período sensório-motor é o período mais primitivo do desenvolvimento cognitivo porque surgem as primeiras manifestações da inteligência do bebê, em suas percepções sensoriais e em suas atividades motoras.

6 PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget. Uma Introdução ao Desenvolvimento Cognitivo da Criança. N. Y., Copyright, 2001.

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Assim, somente experiências sensório-motoras integradas e significativas

ajudarão a criança portadora de deficiência visual a se conhecer, explorar o mundo,

elaborar e organizar o seu próprio conhecimento rumo à autonomia.

1.3 . A Criança Deficiente Visual e seu Desenvolvimento Pré-

Conceitual (2 a 4 anos)

Para Piaget (PULASKI, 2001)7 a construção da linguagem depende da função

semiótica, ou seja, a capacidade que a criança adquire, por volta de dois anos em

média, de distinguir o significado do significante. Esta distinção é a condição

necessária para a construção da linguagem, mas não é condição suficiente.

Piaget nos diz que:

A construção do discurso não depende apenas dessa capacidade, mas de toda uma organização espaço-temporal e causal das representações. Sem essas organizações que procedem das organizações ao nível das ações, o discurso é impossível. O discurso da criança se inicia como dublando as ações, para depois revelar as organizações dos eventos, dos objetos e das pessoas em relações espaço-temporais e causais.”8

A construção do sistema de significação depende inicialmente da capacidade

da criança de agir e de perceber suas próprias ações e a dos outros para poder imitá-

las. Através da interação com pessoas e objetos, da ação no tempo-espaço e da sua

organização interna, a criança adquire um sistema de significação.

Dessa forma a capacidade de imitar e representar apóia-se no fazer e na

construção do real através da organização das experiências significativas. A criança

só imita os esquemas, se já assimilou aquilo que é significativo.

A formação da imagem mental e o aparecimento das representações

dependem da capacidade da criança em distinguir significado-significante e da

imitação ativa da ação interiorizada. Para isso, torna-se indispensável à presença de

uma pessoa com quem a criança possa identificar-se, para poder imitar e construir o

7 Ibdem 6. 8 RAMOZZI CHIAROTTINO, Z. Psicologia e Epistemologia de Jean Piaget. São Paulo: E. P. U., 1988.

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seu sistema de significação. Da construção do sistema de significação, da

possibilidade de imitação gestual e fônica e de pessoas que compreendam e

interpretem o que as crianças querem expressar, é que surge a imitação dos signos da

linguagem e a comunicação.

A aquisição da linguagem, então, só se torna possível, quando a criança

representa por imagens aquilo que vivenciou, organizou e estruturou no período

sensório-motor. A partir do momento em que a criança puder representar através de

imagens, e, assim, poderá também fantasiar, imaginar, prever e antecipar.

As crianças deficientes visuais poderão encontrar dificuldades para criar, em

sistemas, significação, em virtude da ausência da observação direta de pessoas,

objetos e eventos que levam à interação. Para elas, por exemplo, desde o início do

desenvolvimento, a comunicação pelo sorriso, a percepção da ação materna, para

alimentá-la, do ritual diário, de higiene, estão ausentes.

Da mesma forma, a falta de vivência de situações da rotina e da observação

do ir e vir de pessoas e objetos, bem como a pobreza de informações para apreensão

e compreensão do meio concorre para pouca ação e maneiras estereotipada de agir de

muitas crianças com deficiência visual.

A capacidade de adaptação ao meio que essas crianças adquirem está

diretamente relacionada à qualidade das primeiras interações e comunicações com a

figura materna ou pessoa que cuide delas. A qualidade das mensagens táteis-

cinestésicas recebidas pelo tocar, pegar e carregar transmitem segurança,

tranqüilidade e tornam a criança com deficiência visual mais receptiva.

De forma semelhante, transmitimos nossos sentimentos e humor através da

voz, da variedade de tons e ritmo. As experiências agradáveis constituem a base da

comunicação e são animadores fundamentais para expressão pré-verbal. Assim

motivadas, as crianças usarão as expressões fonéticas do gorjeio, balbucio, choro,

riso e a imitação silábica como forma de interação e comunicação.

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A qualidade da comunicação, do manuseio e a instalação de rotinas diárias

permitem à criança com perda visual perceber indícios que ajudam a antecipar o que

vai acontecer. Estes indícios podem se a voz, passos, cheiro, movimento, a maneira

de pegar ou, quando possível, as imagens visuais remanescentes. Para crianças

deficientes visuais, o reconhecimento do meio pela ação, a descrição do ambiente, a

nossa fala comunicando e o que acontece, vão ser indícios importantes para evitar

que se assustem, frustrem-se e desorganizem-se.

Essas crianças construirão o seu sistema de significação através da conexão

com o real, por meio da integração e reorganização do sistema sensório-motor, pois

as informações táteis-auditivas que recebem não são suficientes para a compreensão

e formação da imagem do todo, para dar noção de ausência e presença dos objetos,

para instalar o comportamento de busca que levará à noção de permanência do

objeto.

A ausência da observação das ações, do movimento do corpo, das expressões

fisionômicas e dos gestos em si e no outro, contribui para dificuldade que as crianças

com deficiência visual encontrem para iniciar a imitação e jogo simbólico. A

representação gestual é imagética, é pré-simbólica, já é manifestação de linguagem.

Antes de adquirir a linguagem verbal, a criança se comunica com o próprio corpo.

Daí a importância da formação e consciência da imagem corporal para estas

crianças. Elas necessitam ter vivências corporais significativas para poderem

organizar suas ações no tempo e no espaço. A construção da imagem corporal advém

também da oportunidade de relacionar-se com crianças de sua idade, para poder

perceber o próprio corpo em relação ao do outro, e construir, desta forma, a noção do

eu-outro e a noção da permanência do objeto.

Tudo que adquire significação – pessoas, ações, objetos, eventos – com os

quais ela interage e se comunica, é o que vai procurar, esperar e solicitar. É isto que

nos sinaliza a construção da sua noção de permanência do objeto e a criação de sua

identidade. A partir disto, ela vai utilizar sua intencionalidade para fazer novas

descobertas.

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Podemos ajudar as crianças deficientes visuais a compreender e construir o

real, a formar a noção de permanência do objeto e a construir o seu sistema

simbólico através da oportunidade de sua ação sobre o meio, da vivência de

experiências multissensoriais significativas e, principalmente, da interação e relação

com pessoas. Para isso, elas necessitam de mensagens sociais adequadas, da

comunicação da mãe ou pessoa que interprete o mundo, que lhe dê segurança e as

motive para a descoberta de novas experiências.

O jogo é simbólico é de fundamental importância para o desenvolvimento

cognitivo e afetivo da criança deficiente visual porque através dele, a criança exercita

o pensamento pré-lógico, comunica-nos a sua compreensão do meio, seus

sentimentos, desejos, fantasias e aprende a lidar com suas emoções e afeto.

Pouca atividade funcional significativa resulta em ausência de função

simbólica e linguagem. Mostram-se inseguras frente ao desconhecido, reagindo

muitas vezes com comportamentos de estereotipias, agressão, grito ou fala

perseverativa e ecolálica.

Torna-se importante identificar as causas e circunstâncias dessas formas de

manifestações ou expressões para que a intervenção profissional, bem como a dos

pais, sejam adequadas.

Devemos considerar ainda que as crianças com perda visual muitas vezes

adquirem experiências segmentadas, sem a oportunidade de vivenciar o

desencadeamento e a seqüência das ações temporo-espaciais, a compreensão das

relações de causa e efeito e a aquisição das representações conceituais.

Essas crianças necessitam de uma pessoa que sirva de ponte, ajudando-as a

participar das situações do começo ao fim, dando pistas e dicas para a compreensão

da origem dos objetos e de suas relações de causa e efeito. Para a criança deficiente

visual é muito difícil compreender as transformações.

Acreditamos, então, que a linguagem constrói-se na relação sócio-afetiva

através da interação com o outro e o meio. Entretanto, não basta apenas a relação e a

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interação com a mãe. A criança com deficiência visual necessita relacionar-se com

crianças videntes e não-videntes de sua idade. Poderá, desta forma, identificar-se,

construir sua própria imagem corporal, testar suas hipóteses perceptivas, simbólicas e

pré-lógicas, representando suas experiências no tempo e espaço através da ação e da

linguagem.

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2. O PROCESSO DE APRENDIZAGEM DA CRIANÇA

DEFICIENTE VISUAL

O corpo é um instrumento que utilizamos para nos relacionarmos com o

ambiente. Por outro lado, é através do corpo que captamos informações que,

integradas, servirão de subsídios na orientação de nosso comportamento.

Os problemas psicomotores influirão na relação eu-mundo, na medida em que

o corpo não consegue captar adequadamente informações do meio ambiente e operar

sobre o mesmo de forma funcional.

Tudo influenciará a formação da identidade do sujeito gerando, sobre a sua

personalidade, traços de ansiedade e sentimento de menos valia, insegurança e auto-

rejeição. Os reflexos de tais problemas no seu desempenho social e intelectual são

óbvios.

As defasagens geralmente apresentadas no desenvolvimento geral das

crianças deficientes visuais (cegas ou de visão reduzida), antes da primeira

intervenção da educação formal, quando comparadas às crianças de visão normal da

mesma faixa etária, demonstram a apresentação da estimulação precoce adaptada a

essa demanda, referenciando sua oportunidade, propriedade e validade como

elemento importante e imprescindível no processo educacional pelo qual passará a

criança portadora de deficiência visual. Essa criança, geralmente, apresenta

desempenhos inferiores na área motora, cognitiva e social-afetiva. A defasagem

apresentada não é inerente a condição de deficiente visual, mas sim função de um

relacionamento familiar inadequado e, principalmente, é causado pela própria

problemática da realização motora. Quanto menos à criança deficiente visual interage

fisicamente no ambiente, menos ela experimenta situações de aprendizagem, menos

oportunidades ela tem de formar conceitos básicos, menos ela relaciona-se com o

ambiente e com as pessoas e mais ela se fecha dentro do “SEU MUNDO” particular

e restrito pela falta de informações visuais.

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A criança deficiente visual deve encontrar inicialmente a própria estimulação

dentro do âmbito corporal, daí em diante ela constitui a maior parte do meio

ambiente encontrando em si o estímulo e a motivação para a ação.

As defasagens no desenvolvimento geral da criança deficiente visual, que se

apresentam como estatisticamente relevantes, são mais acentuadas na área motora.

Estas se dão, não por déficit anátomo-fisiológico inerente à criança congenitamente

deficiente visual, mas sim pela limitação de experiências motoras em diversos níveis.

Como caracterização do estágio de desenvolvimento motor da criança

deficiente visual, apresenta-se com freqüência a seguintes defasagens: equilíbrio

falho, mobilidade prejudicada, esquema corporal e sinestésico não internalizado,

locomoção dependente, postura defeituosa, expressão corporal e facial muito raras,

coordenação motora bastante prejudicada, lateralidade e direcionalidade não

estabelecidas, inibição voluntária não controlada, falta de resistência física, tônus

muscular inadequado e falta de auto-iniciativa para ação motora.

Como respostas sócio-afetivas, apresentam-se freqüentemente o medo de

situações e ambientes não conhecidos, insegurança em relação as suas possibilidades

de ação física, dependência, apatia, isolamento social desinteresse pela ação motora,

sentimento, autoconfiança bastante prejudicada e dificuldade no estabelecimento de

relações básicas do seu “EU” com as pessoas e com o ambiente.

A limitação na captação de estímulos, assim como a falta de relação objeto

visualmente percebido-palavra e a falta de experiências práticas, causam uma

defasagem a nível cognitivo, que tem como característica básica a dificuldade na

formação e utilização de conceitos. Ressalva-se que a defasagem cognitiva é uma

situação conjuntural e não estrutural no desenvolvimento da pessoa portadora de

deficiência visual.

Privada do principal dos sentidos a criança deficiente visual não desenvolve

naturalmente os sentidos intactos de forma compensatória. O tato, as cinestesias, a

audição e o olfato, sem uma adequada estimulação, não atuam de maneira fidedigna

na diminuição na defasagem na captação e elaboração dos estímulos que a

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deficiência visual provoca. Além disso, a impossibilidade da imitação e do

estabelecimento de modelos restringe, ainda mais, a facilitação de seu

desenvolvimento.

A criança deficiente visual tem absoluta necessidade de descobrir, conhecer,

dominar e relacionar o seu corpo com o ambiente e com as pessoas. Só assim ela se

identificará como ser inédito, formando o seu “EU”, interagindo no ambiente e em

seu grupo social, é uma etapa de seu desenvolvimento que não pode ser queimada.

Dela vai depender todo o caminhar de sua maturação. Ela buscará inicialmente a

própria estimulação dentro do âmbito corporal, encontrando aí a motivação para a

ação motora.

O conhecimento do próprio corpo está intimamente vinculado ao

desenvolvimento geral da criança deficiente visual. Ao levá-la, como primeiro passo,

ao conhecimento, controle e domínio do seu corpo, a estimulação precoce irá

embasar e favorecer a evolução dessa criança aspectos como a autoconfiança, o

sentido de cooperação, o prazer de poder fazer e as interfaces dessas valências

afetivas com o seu cotidiano na família, na escola e na sociedade; a estimulação

cumprirá sua função de importante elemento facilitador no caminhar da criança

deficiente visual rumo à sua emancipação social, possibilitando-lhes condições

básicas que capacitem-na futuramente a superar barreiras, de diversos tipos, nuances

e intensidades, que, certamente, lhes serão impostas.

2.1. Conceito de Aprendizagem

O conceito de aprendizagem, segundo Vygotsky (1989, p. 73)9 é que “a

aprendizagem se dá de forma interativa e são muito importantes as trocas

interpessoais na constituição do conhecimento”.

Nesta concepção de aprendizagem e desenvolvimento é de crucial importância

compreender que o não saber da criança, em determinada situação, aponta para

possibilidade de vir, a saber. A criança avança na construção e apropriação de novos

9 VYGOTSKY. L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

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conhecimentos a partir da troca, da relação e da interação com o outro. O papel do

“outro” na construção do conhecimento é de maior relevância e significado, pois o

que o outro diz ou deixa de dizer é constitutivo do conhecimento.

A compreensão desta concepção traz implicações decisivas para prática

psicopedagógica, esclarecendo teoricamente, a importância e o significado da

interação e da interlocução (convivência e diálogo) no processo de apropriação dos

conhecimentos socialmente produzidos.

A aprendizagem se constrói através da organização do vivido, num contínuo

vaivém, num recomeçar incessante, no qual o sujeito, sempre pressionado pela falta,

se abre e se esforça para chegar ao objeto. Ao assimilá-lo cresce, se expande,

experiência novas faltas e volta a ousar agir.

A criança nasce com a possibilidade de vir a estabelecer essa relação com o

objeto de forma estruturada e interativa, mas cabe a ela construí-la através da própria

ação.

Assim, a aprendizagem nasce com a vida e com ela se desenvolve. A passagem

da ação à representação se dá através de um fazer prático e incessante que pouco a

pouco, ao ir organizando o contexto vivido, vai internalizando essa ação.

O ir e vir cresce e se redimensiona com a formação e utilização do símbolo, que

funciona como se fosse o objeto, sem sê-lo, nada tendo de concreto, sendo uma

vecção, significante-significado. Pouco a pouco, a criança aprende a organizar suas

representações verbais e imagéticas em sistema auto-reguláveis e transformáveis.

Essa é a passagem da ação à representação e da representação à operação, que

constitui o processo de abstração reflexiva e vem a ser o grande desafio do homem.

Essa conquista não se dá de forma linear. A expressão “refletir” deveria ser aqui

entendida, segundo Piaget10, em seus dois sentidos: o de pensar sobre e o de espelhar.

10 PULASKI, Mary Ann Spencer. Compreendendo Piaget. Uma Introdução ao Desenvolvimento Cognitivo da Criança. N. Y., Copyright, 2001.

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Na espiral evolutiva, as situações significativas seriam transpostas virtualmente

(espelhadas) para planos superiores, onde seriam mais bem compreendidas (pensadas

mais abstratamente).

Por outro lado às situações vividas, ao trazerem consigo suas “flutuações”

constantes, exigiram um esforço contínuo de adaptação, de inserção das “desordens

locais” na “ordem geral”. O processo evolutivo se caracterizaria assim por um

conjunto de amplos e elevados, conjunto esse sempre regulado pelo próprio sujeito.

A partir dessa perspectiva, os problemas de aprendizagem podem ser vistos

como uma dificuldade em tratar com ordem, autonomia e espontaneidade, os

imprevistos do percurso, os “ruídos”.

A aprendizagem seria, portanto criativa por natureza, descobrindo ou inventando

novos meios de reorganizar a realidade, de readquirir o curso da ordem abalada, sem

perder o caráter pessoal de seu timoneiro. Sua finalidade primeira seria a de conduzir

ao conhecimento de si mesmo, do objeto e, principalmente, da relação sujeito-objeto.

A problemática da aprendizagem, campo e objeto do estudo da psicopedagogia

procura justamente deslindar “por quê e como” uma criança que nasce com uma

herança genética que a impele a ir em busca do conhecimento, chega muitas vezes a

se inibir, se enrijecer, se fechar ou se desorganizar frente ao meio. E se esta for

portadora de necessidades educativas especiais o “mistério” se acentua. Assim,

devemos conhecer as etapas do desenvolvimento infantil para entendermos os

mecanismos da aprendizagem e a importância dos estímulos do meio para construção

do conhecimento.

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2.2. O Desenvolvimento Sócio-educativo da Criança portadora de

Deficiência Visual

Temos encontrado na literatura especializada que a deficiência visual limita

as possibilidades de apreensão do mundo externo, interferindo no desenvolvimento e

aquisição dos esquemas cognitivos e na adaptação ao meio.

Para podermos compreender como a criança deficiente visual constrói seu

conhecimento, é importante refletirmos sobre como se processa o desenvolvimento

cognitivo e as condutas de interação com o meio.

Na concepção piagetiana, a inteligência consiste na capacidade de adaptação

às novas situações. Isto se dá por dois processos complementares: assimilação e

acomodação, responsáveis pela adaptação ao meio.

O bebê já nasce filogeneticamente programado com estruturas reflexas que, a

partir da interação com o meio, do exercício e da função, vão gradativamente se

transformando em ação. Da integridade do sistema perceptivo-motor: sugar, ouvir,

pegar, ver e sentir é que provem o conhecimento do meio ambiente e a possibilidade

de assimilação. Assimilação consiste, então, em conferir significações. As coisas e

fatos é que adquirem significação pelo vivido11.

A construção do conhecimento não é algo adquirido de fora para dentro, algo

que podemos ensinar. Tem origem no orgânico e na troca bioquímica entre o

organismo e o meio. Depende da integração das ações sensório-motoras, que,

coordenadas, ativam, organizam e estruturam o sistema nervoso do organismo

humano.

As estruturas mentais vão ser construídas pela criança através de suas

possibilidades de interação e ação sobre o meio e pela qualidade de solicitação do

ambiente.

11 RAMOZZI CHIAROTTINO, Z. Psicologia e Epistemologia de Jean Piaget. São Paulo: E. P. U., 1988.

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A importância do período sensório-motor (0-2 anos), como base do

desenvolvimento cognitivo, é fundamental na interação com o meio, relação com

pessoas, objetos e acontecimentos, incorporados aos esquemas de ação é que a

criança vai tomando consciência de si, do outro e do mundo ao seu redor.

A formação dos esquemas sensório-motores permite organização e

estruturação da realidade através das experiências motoras e da capacidade de

percebê-las, utilizando os órgãos sensoriais. O conhecimento é construído através do

vivido, do sentido e do significado que os objetos adquirem.

Com a construção da inteligência sensório-motora, a criança passa a um nível

mais elevado - o nível simbólico, isto é, a capacidade de representar. A ação, as

vivências do mundo físico e as experiências de fazer coisas significativas e

contextuais é que possibilitarão à criança representar em nível simbólico.

O desenvolvimento humano é um processo sistêmico complexo, que não

apenas passa pela dimensão biofisiológica e cognitiva, mas, depende também da

relação social e afetiva. O homem se constrói de uma maneira sistêmica, buscando

desenvolver suas possibilidades através de todas as experiências significativas -

sociais, afetivas ou cognitivas como um todo indivisível.

Portanto, cada criança tem sua forma particular de organizar e estruturar o

conhecimento de forma individual e única, alcançando níveis diferenciados de

desenvolvimento em ritmo e tempo próprios.

Temos observado, entretanto, que a ação do sujeito portador de deficiência

visual e sua capacidade de construir conhecimento ficam muitas vezes prejudicadas,

não apenas pela limitação do déficit visual em si, mas, principalmente, pela

qualidade de troca com o meio.

Assim, pelo trabalho de intervenção precoce, tenta-se compreender as

necessidades, facilitar a construção do conhecimento como um todo, através da

interação e comunicação com o outro. Procura-se despertar a curiosidade, o interesse

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pela descoberta do mundo, estimulando a iniciativa e autonomia da criança portadora

de deficiência visual.

Consideramos de extrema relevância abordar e refletir sobre os termos:

prevenção, educação e socialização, entendendo que educar e prevenir representam a

base de uma sociedade mais justa e igualitária, pois são termos intimamente

relacionados ao processo de desenvolvimento do homem, enquanto ser social, e, em

especial, na formação da representação social dos deficientes visuais, na construção

de sua cidadania.

2.3. O Desenvolvimento e a Socialização da Criança Deficiente

Visual na Pré-Escola

O mundo dos deficientes visuais não pode ser criado com o fechar dos olhos.

Esta simples afirmação tem profundas implicações para aqueles que parecem

considerar as crianças deficientes visuais como crianças “normais”, sem a visão.

A minimização do efeito das deficiências também encontra apoio nas atuais

práticas educacionais. A tendência recente de normalização dos deficientes resultou

na ênfase dada às semelhanças e não às diferenças; em movimento em favor da

integração de crianças deficientes, e no descrédito da idéia de excepcionalidade que

impõe práticas educacionais específicas, tais como as referentes a surdos e cegos, às

práticas são freqüentemente consideradas como uma emenda à educação normal.

Assim, no caso dos deficientes visuais, o grande ajuste educacional é o ensino

Braille.

Ninguém questiona os motivos dos educadores em seus esforços para

propiciar experiências normais às crianças deficientes e para reduzir os efeitos

estigmatizantes da Educação Especial. No entanto, a teoria de normalidade pode

distorcer o entendimento da contribuição particular de uma deficiência para o

desenvolvimento total da criança. Não se pode realisticamente assumir o

compromisso de educar a criança “total” enquanto não se tiver compreendido o

desenvolvimento exclusivo de cada criança. Considerar a criança, que nasceu

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portadora de deficiência visual, como sendo uma criança normal sem visão será

impor a ela um conjunto artificial de dimensões, tais como o desenvolvimento

sensorial sem a visão, ou o desenvolvimento afetivo sem a visão. Somente pela

compreensão e aceitação de desenvolvimentos: sensorial, cognitivo da linguagem e

afetivo que lhe são peculiares, é que admitiremos que a criança deficiente visual seja

uma criança “total”.

Para chegar a uma compreensão do desenvolvimento da criança deficiente

visual, são fatores cruciais o grau de deficiência e idade em que essa deficiência

ocorreu. Mesmo dentro do grupo de crianças classificadas deficientes visuais, devem

ser feitas distinções, porque algumas poderão ler material impresso e, portanto,

podem ser consideradas videntes parciais num contexto educacional.

O processo educacional deve começar ainda no berço, através do apoio e

orientação à família para interação com sua criança; uma criança bem adaptada e

integrada à sua família, conseqüentemente, terá condições de adaptar-se e integrar-se

à escola.

A criança deficiente visual pode e deve ser integrada à pré-escola, desde que

tenha condições mínimas de comunicação e interação: condições de explorar e

descobrir o meio, possibilidade de organizar-se para compreender o ambiente à sua

volta.

O processo de integração pré-escolar é possível mediante o exercício da

independência e autonomia da criança portadora de deficiência visual.

Entretanto, não devemos entender “integração” simplesmente como

aproximação física, estar junto. Mas, sim, integração como possibilidade de

comunicação–ação–participação. Há integração quando há interação, quando existe

troca pelo conversar, pela brincar ou pelo compreender.

A importância da integração pré-escolar para a criança deficiente visual

consiste também na oportunidade de conhecer outras crianças de sua idade, com

alterações sensoriais ou não, para que possa conhecer-se e identificar-se com elas. A

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partir de experiências compartilhadas, estas crianças têm a oportunidade de

enriquecer o seu mundo interior e de ampliar suas vivências. Não podemos nos

esquecer que, antes de serem portadoras de uma alteração sensorial, elas são

crianças, têm as mesmas necessidades, embora com maneira diferenciada de

aprender e organizar suas experiências.

Somente através dessa relação solidária: adaptando-se a si mesma, às suas

limitações sensoriais e adaptando-se às pessoas e às coisas é que a criança com

deficiência visual poderá estruturar e organizar seu conhecimento.

O objetivo da integração pré-escolar do portador de deficiência visual é mais

abrangente que proporcionar a oportunidade de socialização; é o de oportunizar o

desenvolvimento máximo de suas possibilidades, dar oportunidade para adquirir

experiências sensório-motoras integradas, noções de espaço-tempo pela vivência

corporal, favorecer a construção do sistema de significação e representação

simbólicas através de atividades funcionais e lúdicas e, principalmente, poder

desenvolver autonomia e independência.

Para que isto ocorra, é importante, segundo Oliveira (1992)12, que a família e

a escola sejam bem orientadas para o processo de integração, evitando-se, assim,

ansiedades, frustrações, discriminações, superproteção ou rejeição.

As atitudes inadequadas e as dificuldades encontradas para a integração estão

mais relacionadas à falta de informação, conscientização e orientação do que ao

processo em si.

Para o processo de integração pré-escolar uma condição básica é a criação de

sala de recursos, com professor especializado na área visual, equipamentos e

materiais específicos para a educação destas crianças, o que, infelizmente, não é uma

prática comum em nosso país. Na impossibilidade, o que se pretende é garantir (pelo

que parece ser mais viável economicamente) a presença de um professor integrador

especializado, como o itinerante, que oriente e acompanhe o processo de integração,

12 OLIVEIRA. Vera Barros. O Símbolo e o Brinquedo: A representação da Vida. Petrópolis: Vozes, 1992.

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desenvolvimento e aprendizagem. A orientação à escola não dispensa o atendimento

às necessidades específicas do aluno portador de deficiência visual.

O sucesso da integração pré-escolar não depende apenas da existência do

professor especializado ou de recursos e equipamentos disponíveis, mas, acima de

tudo, da compreensão das possibilidades, das limitações, das necessidades da criança

e da disponibilidade da escola para assimilação do aluno. Para isso, é importante que

a escola toda seja preparada quando da chegada do aluno portador de deficiência

visual, desde a direção, a coordenação pedagógica, o professor que vai atuar com o

aluno, os demais professores, todas as crianças da escola, enfim todos os envolvidos

no processo.

Poderá haver necessidade de informação ou orientação aos pais dos outros

alunos, tendo em vista o fato de ser ainda pouco freqüente a integração de crianças

portadoras de deficiências em nossas escolas.

Embora a Constituição Federal garanta o acesso de crianças portadoras de

deficiência visual à escola comum, não acreditamos que a integração ocorra

simplesmente por constar em legislação. A integração só ocorrerá de forma adequada

e efetiva, sem medo e receios, quando for desejada por ambas as partes. Nessa faixa

etária, quem faz a escolha e opção pela escola é a família. Cabe aos técnicos orientar

o processo e as adequações necessárias, a fim de garantir a segurança e a utilização

de pontos de referência importantes para sua orientação, organização, autonomia e

independência. É muito importante a ajuda do professor de orientação e mobilidade

para que a integração pré-escolar seja uma experiência positiva, e para que a criança

tenha a oportunidade de participar com segurança de todas as atividades.

É necessário que compreendam que a criança com ausência de visão não

precisa ser superprotegida. Ela necessita vivenciar todas as situações, necessita ter os

mesmos limites estabelecidos, deve ser respeitada como criança “não vidente”, que

tem seu modo particular de perceber, agir e elaborar a realidade.

A meta da educação do pré-escolar portador de deficiência visual deve ser o

desenvolvimento da autonomia. Autonomia significa governar-se a si próprio. Isto

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depende primeiramente da autonomia física, possibilidade de guiar-se e não ser

guiado, possibilidade de locomover-se, de ir e vir, deslocar-se no tempo-espaço para

exercitar sua intencionalidade. A importância de um programa precoce de orientação

e mobilidade, para que, a partir da autonomia física, a criança deficiente visual

conquiste sua autonomia nas demais áreas.

Para o construtivismo sócio-interacionalista, a interação num grupo de

crianças é fundamental para o desenvolvimento cognitivo, considerando que o

raciocínio, antes que ocorra uma atividade interna, é elaborado num grupo de

crianças, como uma discussão que tem por objetivo checar as bases do pensamento, a

partir do ponto de vista de cada um.13

A possibilidade de a criança usar a capacidade de pensar logicamente em

nível pré-operacional e, depois, mais tarde, em nível pré-operacional e abstrato,

depende, principalmente, da autonomia social, intelectual e moral. A criança poderá

tornar-se mais participante e criativa se for estimulada a trocar pontos de vista, a

expressar e refletir suas próprias experiências, sem medo de errar. Isso será possível

se a criança encontrar um professor disposto a compreendê-la, disposto a perceber o

que está sentindo ou pensando, para poder ajudá-la a recriar a realidade, construindo

uma auto-imagem. Infelizmente, isso nem sempre acontece e a criança deficiente

visual vê seu processo de desenvolvimento atrapalhado por fatores internos e do

próprio meio onde está inserida, com profissionais despreparados e inábeis para lidar

com suas necessidades especiais.

A oportunidade de viver em grupo poder participar de jogos e realizar as

atividades de vida diária, independentemente, é que ajudará a criança portadora de

deficiência visual a adquirir autonomia moral, intelectual e social. Desta competência

e autonomia dependerá a aceitação no grupo e a integração pré-escolar.

13 KAMII, C. Uma Inteligência Indivisível. UNICAMP, Departamento de Psicologia Educacional. III Encontro Nacional do Pré e Pró, 1986.

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2.4. Interligação das Áreas de Educação, Assistência Social e

Saúde

Para implantar ou implementar programas multifocais (quando envolve

outros campos adjacentes, como saúde, a nutrição e o aconselhamento familiar) de

estimulação precoce, é necessário desenvolverem-se ações nas áreas conexas à dos

processos já referidos de avaliação e de intervenção.

Torna-se indispensável incluir, entre essas ações conexas as de integração

educacional e de atendimento sócio familiar às famílias de condições precárias nos

âmbitos sócio-econômico e cultural, bem como as de assistência médico-

odontológica e nutricional. Deve-se considerar, ainda, que a existência de uma

criança portadora de necessidades especiais pode gerar, em muitos lares, situações de

“stress” ou acentuar as já presentes, levando a situação de desintegração familiar.

As ações de integração educacional têm como objetivo a conscientização da

comunidade em geral e do sistema regular de ensino para necessidade de aceitar e

viabilizar a integração eficaz e positiva da criança portadora de necessidades

especiais e de sua família durante e/ou após o período de “estimulação precoce”.

Para garantir a eficácia da integração, mais que oferecer à criança e a sua família o

devido acompanhamento, é necessário preparar para o processo tanto portador de

deficiência e sua família quanto o ambiente que irá recebê-los (sociedade e

comunidade escolar).

A assistência médica e odontológica é imprescindível, especialmente devido

ao fato de que as crianças portadoras de necessidades especiais são muito suscetíveis

a doenças e infecções de todo tipo e à dentição frágil e mal implantada. Essa

assistência deve consistir numa modalidade da vigilância regular do desenvolvimento

físico e mental dessas crianças. Ela deve iniciar-se na gravidez e prosseguir após o

nascimento da criança e durante seu crescimento.

Com relação à atenção durante a gestação, destacam-se as ações relativas à

prevenção e assistência à gravidez de alto risco. Deve-se prever um controle médico

mais efetivo para mulheres portadoras de doenças específicas, de problemas de

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consangüinidade, desnutrição, ou de idade. Do mesmo modo, é necessários oferecer-

lhes alimentação apropriada e preparação para adotar o papel de futura mãe, além da

possibilidade de mudanças em seu ritmo de atividades.

Outro tipo de assistência é o que se utiliza com os recém-nascidos nas

maternidades, particularmente com aqueles considerados de alto risco. Vale

acrescentar que se evidenciam claros benefícios para a saúde e o desenvolvimento do

recém-nascido quando ele recebe atenção individualizada por pessoal instruído em

um programa de cuidados intensivos ao bebê que inclua procedimentos de

estimulação.

Da maior importância é a necessidade de se estabelecer um intercâmbio

conveniente de assistência com os serviços materno-infantis da comunidade, a fim de

dar continuidade à vigilância à saúde nos primeiros anos de vida. Nesse aspecto, cabe

destacar a importância da imunização como recurso preventivo.

Para determinarmos tipos de deficiência, os progressos no campo da cirurgia

oferecem a possibilidade de melhorar o estado de saúde, de atenuar ou mesmo

superar distúrbios do desenvolvimento. Do mesmo modo, aperfeiçoam-se

continuamente os aparelhos e instrumentos corretivos, adaptáveis às condições

individuais da criança. Para seu uso apropriado, contudo, esses aparelhos e

instrumentos exigem uma planificação cuidadosa, de modo a se evitarem possíveis

deformações secundárias decorrentes de sua má utilização.

A atenção à saúde se estende também ao campo da genética, dado que existe

um grande número de deficiências de origem congênito-cromossômica e/ou

hereditária. Faz-se mister, portanto, incluir na assistência médica o exame de

cariótipos, não só para melhor identificação do quadro clínico, como também

proporcionar aos pais aconselhamento genético, se for o caso. Outros fatores

determinantes de deficiência de origem congênita, quando detectados, devem receber

atenção da área de saúde durante os períodos pré, peri e pós-natais, juntamente com a

prevenção de doenças infecto-contagiosas.

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Com respeito à alimentação, observa-se que os regimes dietéticos, bem como

os regimes especiais destinados a diminuir a severidade de determinadas deficiências

de origem metabólica, vêm sendo colocados cada vez mais em evidência, na busca

do equilíbrio psicofísico das gestantes e das crianças.

Inclui-se também na assistência alimentar a complementação dietética para

crianças desnutridas, especialmente aquelas que, pela gravidade de seu estado, estão

sujeitas a internação hospitalar. Dependendo da idade e da intensidade da

desnutrição, essas crianças são propensas a serem portadoras de deficiência. Nesses

casos, a complementação alimentar é necessária e o desenvolvimento de um

programa específico de estimulação precoce tende a diminuir consideravelmente tal

risco.

Com respeito à assistência social, há necessidade de uma avaliação precisa

das condições sócio-familiares e das relações interpessoais entre os membros da

família, procedendo-se a um aconselhamento aos pais em relação aos problemas

colaterais detectados. Esse processo tem por objetivo desenvolver um ambiente

favorável para a realização das ações pertinentes ao programa de estimulação. Nesse

aconselhamento, priorizam-se, no papel dos pais, as atividades e as iniciativas para

que eles próprios se constituam como agentes de mudança.

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3. ESTIMULAÇÃO PRECOCE, SUAS PROPOSTAS DE

ATUAÇÃO E A FAMÍLIA

Antes de explicar o conceito de Estimulação Precoce, convém salientar que o

termo em português, não traduz, exatamente, o sentido do vocábulo em espanhol ou

em inglês.

Na prática profissional, vários termos têm sido utilizados para designar o

programa de estimulação precoce, destinado a atender a criança portadora de

necessidade especiais de zero a quatro anos de idade.

Mais recentemente, alguns grupos de profissionais passaram a adotar a

expressão “estimulação essencial” para substituir a “estimulação precoce”, como

tentativa de designar, com clareza, o significado dessa intervenção especial.

A expressão “estimulação precoce” é derivada da tradução dos termos

correlatados do espanhol (“estimulación temprana” e “estimulación precoz”) e

também em inglês (“early stimulation” ou “early intervencion”), mas a idéia básica

de se demonstrar à importância de estímulos e treinamentos adequados nos primeiros

anos de vida, de forma a garantir à criança evolução tão normal quanto possível,

permanece.14

Embora o termo “precoce” possa suscitar alguma dúvida quanto ao seu

significado etimológico, ele preserva em sua essência, a natureza preventiva que é o

objetivo fundamental desse programa. O sentido de “precoce”, neste caso, adjetiva

ações suficientemente antecipadas, tendentes a evitar, atenuar ou compensar a

eficiência de que a criança possa ser portadora e/ou as suas conseqüências. Por outro

lado, a expressão “estimulação precoce” já é consagrada pelo uso, tanto em nosso

meio como internacionalmente, para referir-se ao sentido que se lhe atribui em tais

programas.

14 SILVA, M. L. P. Estimulação essencial? Por quê? Revista Integração. Nº 16, p. 07-14, Brasília: Ministério da Educação e do Desporto, 1996.

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Quanto à designação de “estimulação essencial”, já como substitutivo,

embora constitua uma tentativa válida de evitar aquelas ambigüidades, seu uso está

menos estendido e, além disso, o termo “essencial” talvez não esclareça, com maior

exatidão, o que se quer significar.

Pelo exposto, adota-se a expressão “ESTIMULAÇÃO PRECOCE”,

considerando-a como a mais adequada para esses fins.

Assim, para melhor esclarecimento, o conceito da “estimulação precoce”

adotado, segundo MEC/UNESCO15, é:

Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e ambientais incentivadores que são destinados a proporcionar à criança, nos seus primeiros anos de vida, experiências significativas para alcançar pleno desenvolvimento no seu processo evolutivo.

A análise dos termos contidos nessa definição permitirá melhor compreensão

de seu significado:

1) Conjunto dinâmico de atividades e de recursos humanos e ambientais –

Refere-se a uma seqüência de contatos humanos adequados, como

diálogos e brincadeiras, juntamente com a exploração de objetos e

espaços, com o fim de estimular a criança e enriquecer seu

desenvolvimento global. Nesses procedimentos são incluídos os processos

de avaliação e intervenção (atendimento).

2) Crianças nos seus primeiros anos de vida – Nesses termos estão inseridas

as características do grupo de crianças a que se destina o programa de

estimulação. Nesse documento, o termo “crianças” refere-se às portadoras

de necessidades especiais, cujo desenvolvimento exige atendimento

específico. Os “primeiros anos de vida” referem-se ao período

compreendido entre o nascimento e os quatro anos de idade.

15 MEC/UNESCO. Educação Especial – Um direito Assegurado. Subsídios à elaboração e análise de projetos de Educação Especial, 1995, p. 47.

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A indicação, para os fins da estimulação precoce, baseia-se não só na

infância que esses anos formativos têm para o desenvolvimento pessoal,

mas também pelo fato de que grande parte dos programas e currículos

existentes sobre esta matéria se destina a esses primeiros anos de vida.

3) Experiências significativas – Consistem em vivências resultantes da

interação ativa da criança com os estímulos que o meio oferece para

facilitar-lhe processos evolutivos no próprio desenvolvimento infantil.

4) Pleno desenvolvimento – Considera-se como “pleno” o desenvolvimento

integral das potencialidades da criança, levando-se em conta suas

diferenças em relação aos padrões regularmente previstos. É importante

esclarecer que o propósito da estimulação precoce nesse caso, não é de

“transformar” em “normais” as crianças com necessidades especiais, mas

prevenir, detectar, minimizar, recuperar ou compensar as deficiências e

seus efeitos.

3.1. A Estimulação Precoce e suas Propostas

Apesar da importância e transcendência da estimulação precoce, poucos

trabalhos têm sido realizados em nosso meio para pesquisar cientificamente os

fatores de maior incidência em sua etiologia sócio-cultural, a fim de propor as

medidas necessárias para o desenvolvimento de programas específicos. As

organizações vinculadas à problemática da deficiência visual no Brasil têm tido

oportunidade apenas de se ocupar dos aspectos mais imediatos da assistência e

reabilitação e, por esta razão, a pesquisa científica neste campo de estudo não tem

sido objeto de iniciativas prioritárias.

Constata-se no Brasil, a existência de condições propícias à implantação

destes programas, quer seja pelos serviços gerais de assistência materno-infantil e

educação geral e especial dirigidos à criança, em seus primeiros anos, quer seja pelo

envolvimento da comunidade no campo das deficiências.

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Os programas de estimulação precoce poderão ser efetuados, tanto nos

serviços especialmente organizados, quanto na rede de recursos gerais, aproveitando-

se destes últimos, parte da dotação regular de pessoal e da população atendida.

Para que a implantação dos serviços de estimulação precoce e sua

implementação sejam efetivas, é indispensável que as associações científicas, as

autoridades oficiais, os profissionais que atuam no campo, enfim, todos aqueles

envolvidos na problemática das pessoas com deficiências tomem para si a

responsabilidade de orientar esforços e unir vontades, para que o progresso científico

seja patrimônio comum e possa beneficiar a todos, especialmente àqueles que dele

mais necessitam.

As contribuições sobre estimulação precoce chegam a isolar uma variedade

de fatores ambientais que explicam o aparecimento de deficiências ou que colocam a

criança em situação de alta vulnerabilidade perante as mesmas e apresentam técnicas

de detecção e programas de intervenção pertinentes. Chegam a conclusões que

poderão servir de base para o desenvolvimento destes programas, como a de que as

capacidades intelectuais não são apenas desenvolvidas por ambiente rico em

estimulação, mas também por reforços positivos, quando acompanhados apenas de

um mínimo de restrições desnecessárias, e por convivência estável e regular com

aqueles que têm a criança a seus cuidados. Há acordo geral entre os autores, quanto

ao fato de que, quanto mais cedo a criança portadora de deficiências ou vulnerável às

mesmas, for detectada e submetida a programas de estimulação, tanto melhor será o

prognóstico de sua reabilitação.

Atualmente, com o desenvolvimento de novos conceitos sobre a área

cognitiva, baseados nos princípios de PIAGET e comprovados por análise fatorial

das funções cognitivas, desenvolvem-se procedimentos e instrumentos, mais

específicos de detecção e avaliação precoces em crianças pequenas, tanto normais,

quanto de alto risco ou com deficiências. Estes conceitos colocam em evidência que

a criança, desde os primeiros anos, revela indícios de desenvolvimento de suas

capacidades mentais (atenção, percepção, memória, etc), sensoriais, estímulos

sensoriais.

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A partir das idéias básicas dos trabalhos realizados em torno do tema de

estimulação precoce, vários programas, serviços e currículos têm sido implantados.

Seu principal objetivo é o de impulsionar o desenvolvimento das habilidades básicas

das crianças portadoras de necessidades especiais, em seus primeiros anos de vida, a

fim de prevenir ou minorar os déficits de que são, ou poderão ser portadoras,

possibilitando-lhes um processo evolutivo tão equilibrado quanto possível.

Em relação aos programas de intervenção, estes têm variado

substancialmente, a fim de atender às necessidades das crianças e seus familiares.

Apresentam diferentes fundamentações teóricas, objetivos e modelos educativos

diversos. Os elaborados para crianças portadoras de deficiências e seus pais contam

com uma gama de propósitos, cada um deles baseados em uma justificativa

específica.

A diversidade desses propósitos é determinada pela natureza dessas

populações, e também pela orientação teórica dos intervencionistas e pelas normas

sociais.

Os programas de estimulação precoce, também denominados programas de

intervenção, vão se tornando cada vez mais indispensáveis, não só às crianças

portadoras de deficiências, como também à grande população de alto risco, ou

vulnerável e mesmo às consideradas normais. Os resultados da aplicação dos

mesmos evidenciaram duradouros benefícios para o ulterior desenvolvimento do

indivíduo, desde que a ação estimuladora destes programas se efetue nos primeiros

anos de vida, de forma regular e sistemática, sem descontinuidade e sem

interferência de fatores francamente negativos.

Esta interferência decorre do fato de que, quando tais programas são iniciados

já na primeira infância, seus efeitos são mais intensos e duradouros do que aqueles

implantados em crianças maiores, ainda que em idade pré-escolar. Ademais, é

importante considerar que as crianças culturalmente carentes são mais beneficiadas

pelos mesmos do que as procedentes de ambientes mais favorecidos.

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Quanto ao Brasil, existem alguns projetos em andamento e, principalmente,

real motivação para o desenvolvimento destes serviços. Contam aqueles com pessoal

que vem sendo capacitado através de seminários, cursos intensivos e até de

especialização. Nos mesmos, são apresentados exemplos de programas de atividades

para crianças menores de quatro anos, com especificação dos princípios e objetivos

da estimulação precoce, métodos e sessões de atividades, participação dos pais, papel

da equipe multidisciplinar e especialmente, aspectos específicos dos currículos

pertinentes. Além disso, constata-se a existência de muitos serviços de estimulação

precoce, ainda em formação em vários Estados da União, particularmente realizados

pelas APAE’s (Associação dos pais e amigos dos excepcionais), pela Sociedade

Pestalozzi do Brasil e pelos órgãos responsáveis pela Educação Especial das

Secretarias de Educação.

Em geral, a organização dos currículos de intervenção leva em conta não só

os conhecimentos existentes sobre estimulação precoce e outros campos afins, como

também as necessidades individuais da criança portadora de deficiência e de seu

meio ambiente; estabelece ainda continuidade com os currículos de outros recursos

da comunidade, a fim de prever seqüência no atendimento da criança em fase

posterior de seu desenvolvimento. Determinam-se, para aqueles, linhas teóricas, as

quais têm como referência às abordagens cognitivas, sócio-afetivas,

comportamentais e psiconeurológicas, elaboram seus currículos tendo em vista uma

dessas abordagens ou integrando algumas delas.

Acrescenta-se aqui a importância da escolha da linha teórica conforme as

necessidades e característica individuais da criança em atendimento. Assim, nos

casos em que os resultados da avaliação multidisciplinar revelam distúrbios no

desenvolvimento cognitivo, há evidências de que a abordagem piagetiana seja a mais

indicada.

Com a finalidade de estabelecer as diretrizes que fundamentem os programas

de estimulação, há necessidade de determinar a natureza desses programas, em suas

modalidades unifocal e multifocal. A primeira modalidade centraliza-se em um

conjunto sistematizado de atividades e de recursos estimuladores destinados a

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incentivar o desenvolvimento eficaz do processo evolutivo da criança. A segunda se

caracteriza pela concorrência de ações estimuladoras e também por suas interligação

com as áreas da educação, da assistência sócio-familiar, da saúde - incluindo

alimentação. Estas áreas são interligadas.

Estudos recentes comprovam que a modalidade multifocal é a mais indicada

para crianças portadoras de deficiência e, sobretudo, para aquelas provenientes de

segmentos sociais carentes.

Do exposto, sugere-se como mais conveniente para nosso país à modalidade

multifocal, já que ela apresenta maior probabilidade de sucesso no trabalho com

crianças portadoras de necessidades especiais.

Faz-se mister caracterizar também os processos básicos dos programas de

avaliação e de intervenção, em especial deste último, cujas ações se apóiam nos

chamados currículos de intervenção precoce.

Os dois processos devem se desenvolver com forte inter-relacionamento,

envolvendo ações recíprocas e complementares. Assim que forem obtidos os dados

iniciais da avaliação, formulam-se e aplicam-se, quando necessárias, as estratégias de

intervenção, cujos resultados são submetidos, por sua vez, à avaliação,

desenvolvendo, dessa forma, as relações necessárias entre os dois processos. A

espera da conclusão de todo o processo de avaliação e conseqüente demora do início

da intervenção pode agravar os efeitos da deficiência da criança desmotivar os

familiares, entre outras conseqüências negativas.

Entende-se por avaliação a detecção clínica da provável deficiência e a

apreciação operativa do desenvolvimento da criança e das condições de seu

ambiente, levando-se em conta a influência recíproca entre ambos (criança-meio).

Por intervenção (atendimento), entende-se o oferecimento à criança de

recursos ambientais apropriados (físicos, tecnológicos, materiais e humanos) a

proporcionar-lhe interações ativas que ensejem mudanças significativas em seu

processo evolutivo.

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Deve-se destacar, na avaliação, as habilidades e as potencialidades que

venham a ser detectadas mais do que as deficiências. Isto é, os aspectos positivos,

mais que os negativos devem ser buscados nessa tarefa de apreciação. No processo

devem analisar-se também os fatores de risco presentes, sobretudo os de caráter

ambiental, que possam ser removidos ou atenuados, uma vez que eles podem, com

grande probabilidade, bloquear o desenvolvimento infantil. Paralelamente a essa

análise são identificados os fatores de proteção, que constituem o principal alicerce

da promoção do desenvolvimento da criança junto a seus familiares.

Para o êxito do programa de estimulação precoce, é necessário que técnicas e

procedimentos de avaliação e de intervenção sejam relacionados com cuidadosa

atenção, em função das características de cada criança e das peculiaridades de seu

ambiente de convivência, dependendo das características específicas de cada

deficiência para sua aplicação.

3.1.2. Programa de Intervenção Precoce

Aspecto importante, que não pode ser esquecido na organização dos

programas, são as contribuições teóricas que fundamentam não somente a

determinação dos seus objetivos, mas também a escolha dos meios para alcançá-los.

A título de exemplo, citam-se os princípios da teoria de PIAGET, os quais

consideram as experiências sensório-motoras, adquiridas nos primeiros anos de vida,

essenciais para o desenvolvimento cognitivo da criança. Esta teoria estabelece que a

estimulação, assim concebida, para ser efetiva não pode ser realizada isoladamente,

mas fazendo parte do mundo da criança, de acordo com as etapas do

desenvolvimento infantil, e proporcionando meios que lhe permitam descobrir por si

mesmas novas experiências.

Destacamos a necessidade de possibilitar à criança uma variedade de

experiências sensoriais e motoras para que possa desenvolver percepções

discriminadas dos estímulos que lhe são apresentados. Partindo dessas idéias, esta se

deve oferecer todo um conjunto de conceitos que permite explicar o mecanismo da

aquisição daquelas percepções, desenvolvimento de conexões apropriadas. Assim

algumas etapas são necessárias para o sucesso do programa estimulação precoce:

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• Planejamento: O planejamento da organização e do funcionamento dos

serviços de estimulação precoce requerem a adoção de medidas preliminares de

importância, que permitirão delinear os objetivos a atingir e analisar os meios e

recursos disponíveis para tal fim. Dentre as decisões a serem tomadas, destacam-se

as que se relacionam com o exame das necessidades e das possibilidades existentes

para implantação destes serviços; quais sejam:

- pesquisa da população alvo: crianças a serem beneficiadas, seu número

aproximado, suas principais características pessoais, tipos de deficiência que

apresentam, condições de seu ambiente sócio familiar de maior significação, entre

outras;

- levantamento dos serviços e recursos comunitários institucionais (hospitais,

escolas, creches) disponíveis, capazes de possibilitar o encaminhamento dessas

crianças e seus familiares aos programas de avaliação e intervenção existentes ou,

ainda, de dar continuidade aos trabalhos a serem organizados;

- verificação das disponibilidades de recursos humanos, principalmente para

constituir a equipe multiprofissional responsável pelo efetivo desenvolvimento do

programa, e averiguação da possibilidade de seu treinamento específico, tanto em

serviço como em outras instituições que possam servir de modelos eficazes;

- verificação da existência de associações profissionais ou de voluntários,

clubes de serviços, entre outros, que possam cooperar com o desenvolvimento do

programa;

- verificação das possibilidades e condições de locais, instalações,

imobiliário, materiais técnicos e brinquedos necessários, considerando também

instituições congêneres com períodos ociosos, facilidade de acesso e de transporte

coletivo, assim como proximidade dos recursos comunitários que sirvam de apoio ao

programa;

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- estudo das populações técnicas e educacionais relativas ao tema e dos

documentos e requisitos legais necessários à implementação do programa em

questão;

- verificação de condições para que as Secretarias de Educação, estaduais e

municipais, promovam a implantação ou implementação do programa de

Estimulação Precoce dentro do atendimento de Educação Infantil:

• reconhecendo oficialmente aqueles criados, ou a serem criados, por

iniciativas governamentais,

• registrando aqueles promovidos ou já instalados por iniciativas não

governamentais.

- análise dos recursos financeiros disponíveis aos estados e municípios por

intermédio da Secretarias de Saúde (SUS ou similar); de Assistência Social e da

Educação incluindo, entre outros, os diferentes tipos de subvenções e convênios com

entidades públicas e privadas, como também as doações e outras fontes de auxílio

econômico, para cobrir as despesas que advenham da implantação e do

funcionamento desses serviços.

Uma vez obtidas e analisadas essas informações, faz-se necessário estabelecer

as linhas básicas para a elaboração dos aspectos operativos do programa, processo

que compreende a formulação dos objetivos a serem alcançados, a determinação da

população a ser beneficiada, a definição das linhas mestras a serem adotadas para sua

organização e funcionamento, as atividades e os recursos didáticos a serem

empregados, entre outras ações de planejamento.

Seja qual for o plano de organização formulado, este deverá ter a suficiente

flexibilidade para adaptar-se às flutuações das necessidades dos usuários e as

possibilidades locais, assim como ao ritmo do progresso técnico e científico no

campo. Para tanto, será necessário revisar periodicamente, e reformular se for o caso,

o plano previsto, procurando sempre estabelecer as relações do trabalho que se efetue

com o que se antecipe para o futuro. Faz-se mister que os dirigentes e organizadores

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se mantenham atualizados, tanto em relação aos progressos da ciência e da

tecnologia aplicáveis, quanto às condições da população e dos locais destinados à

estimulação precoce.

De acordo com os diferentes tipos de serviço a serem realizados e com os

recursos comunitários e institucionais disponíveis, os locais mais indicados para

instalação desses programas podem ser:

- instituições que prestam atendimento educacional a crianças portadoras de

necessidades especiais;

- unidades hospitalares para mães de alto risco;

- unidades hospitalares para crianças desnutridas;

- unidades hospitalares pediátricas e/ou neonatais;

- berçários, creches, postos de saúde;

- pré-escolar, clínicas psicológicas e outros.

O planejamento deverá proceder-se à organização desses programas,

baseando-se na conjunção dos dados já obtidos com a determinação da natureza, dos

processos e dos princípios orientadores previstos. Serão estabelecidos os objetivos a

serem alcançados, especificadas as atividades a serem desenvolvidas nos processos

de avaliação e de intervenção, designado o pessoal técnico e definidas suas funções,

e estabelecida a interligação com as áreas de educação, assistência social, saúde,

incluindo alimentação.

O processo de avaliação destina-se a conhecer o desenvolvimento da criança

em suas diferentes áreas, e também as condições do meio ambiente em que ela se

desenvolve. Compreendem ações de compilar e analisar dados significativos sobre a

evolução da criança e seu estado atual, seu potencial e seus déficits, relacionando-os

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com os fatores de proteção de alto risco, complementados com verificação das

características do ambiente em que vive.

As atividades específicas desse processo são assim sintetizadas:

- análise das informações obtidas na triagem, efetuada conforme os critérios

de elegibilidade estabelecidos;

- seleção e aplicação das técnicas e procedimentos de avaliação previstos para

a criança atendida, incluindo a anamnese, os exames psicoeducacionais da criança, o

estudo sócio familiar, exames médicos e outros que se fizerem necessários de acordo

com cada caso;

- análise e interpretação dos dados coletados, em função dos parâmetros

preestabelecidos;

- integração dos dados conforme as áreas mais significativas do

desenvolvimento da criança e conforme os elementos inibidores e/ou estimuladores

do meio em que vive;

- elaboração de recomendações para o plano individual de intervenção,

estabelecendo prioridades e propondo esquemas e procedimentos aplicáveis;

- reavaliação periódica da criança e de seu ambiente para verificar os

resultados que vão sendo alcançados com a aplicação do correspondente plano

individual de intervenção, também para formular novas recomendações, se for o

caso.

Com referência aos processos de intervenção, o atendimento tem por

finalidade proporcionar à criança condições para alcançar seu pleno

desenvolvimento, mediante experiências significativas resultantes de seu contato

com as pessoas, objetos e espaços. Ao lado desse objetivo incluem-se aqueles

relacionados com as mudanças de atitudes das pessoas de seu convívio,

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particularmente aquelas que assumem a função mediadora (facilitadoras) nesse

processo, ou seja: os pais, familiares, educadores, atendentes e outros.

3.2. Estrutura e Funções da Equipe Interdisciplinar

A complexidade do conhecimento moderno e os impressionantes sucessos da

pesquisa interdisciplinar estimularam as ambições científicas e, por conseqüência,

um interesse crescente pela interdisciplinaridade. Cada dia é maior o número de

grandes especialistas intelectuais insatisfeitos, percebendo indagações além dos

limites de seu domínio tradicional, interessados em compreender o impacto de sua

ciência sobre o conhecimento de um modo geral.

A pesquisa interdisciplinar é caracterizada pelas conexões substantivas entre

componentes e sistemas. Exige especialistas altamente competentes e exige a

participação da teoria de sistemas.

Uma equipe interdisciplinar é, portanto, um grupo altamente diferenciado,

porém aglutinado pela visão sistêmica.

A primeira característica de uma equipe interdisciplinar se refere à

flexibilidade da estrutura organizativa, que deve ser capaz de se adaptar às

necessidades e aos recursos de cada programa particular, especialmente com relação

ao número e demais características da população a ser atendida.

A dinâmica de funcionamento da equipe deve se basear em uma atuação e

uma cooperação efetiva entre seus integrantes, com real motivação de atender às

crianças e a suas famílias. Trata-se de uma abordagem transdisciplinar,

fundamentada na superação dos limites dos campos de conhecimento de cada

especialidade, conservando, contudo, o núcleo básico da atuação de cada uma.

Para se ter à garantia de um atendimento global junto às crianças, os serviços

contam, freqüentemente, na estrutura de sua organização, com um Conselho Técnico,

constituído de profissionais de diferentes especialidades, além dos próprios diretores

dos centros e representantes dos pais cujos filhos são assistidos por estes serviços.

Considera-se necessário que todos os participantes destes Conselhos contem com

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real experiência no campo e integrem comissões para supervisionar os programas em

desenvolvimento.

Com relação ao pessoal que atua nestes centros, chama-se atenção para a

formação profissional dos diretores, a qual se refere a diferentes campos de

especialidades (medicina, psicologia, serviço social, pedagogia, etc) e se relaciona

com os objetivos a serem alcançados nas atividades desenvolvidas por estes recursos

comunitários. Além disto, destaca-se a formação da equipe interdisciplinar de

detecção, diagnóstico e intervenção. O êxito da mesma tem sido comprovado quando

se constata a experiência que os especialistas possuem diretamente com crianças,

sobretudo nos primeiros anos de vida, e também quando utilizam a abordagem

transdisciplinar. Entende-se esta por colaboração entre profissionais, através de

constante troca de informações, em diálogo aberto, rompendo, de alguma forma, as

fronteiras do campo de especialização próprias de suas respectivas profissões.

Verifica-se a necessidade de formação interfásica para os elementos da equipe, a fim

de que seja possível esta inter-relação de experiências.

As equipes interdisciplinares contam com uma variedade de profissionais que

vão sendo paulatinamente incorporadas, à medida que surgem as necessidades

durante a evolução das crianças atendidas e de suas respectivas famílias. Além dos

especialistas sobejamente conhecidos que fazem parte destas equipes (psicólogos,

assistentes sociais e médicos - em suas especialidades de neonatologia, pediatria

oftalmologia, etc), inclui-se a participação de outros (fonoaudiólogos, educadores de

primeira infância, psicopedagogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais,

enfermeiras), como também dos próprios pais das crianças atendidas, que atuam mais

diretamente nos programas de intervenção, seja no lar, no próprio serviço ou nos

recursos de atendimento geral da comunidade. Ao lado da atuação dessas equipes, os

programas destacam a importância dos trabalhos científicos sobre o assunto.

Entre os critérios a serem utilizados na seleção destes especialistas, destaca-se

a experiência no campo da Educação Especial, nas áreas de assistência a primeira e

segunda infância, bem como dos problemas sociais e assistenciais oriundos desta

problemática da deficiência em nosso país. Considera-se de importância o nível de

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transdisciplinaridade alcançado pela equipe. O conceito de equipe para estes

serviços, não envolve a idéia de que todos os especialistas mencionados tenham

necessariamente que atuar como funcionários regulares e permanentes. Muitos deles

podem, inclusive, desempenhar suas funções específicas, ocasionalmente, conforme

as necessidades dos programas.

No que concerne à finalidade relacionada com os trabalhos científicos, esta se

caracteriza principalmente pelo aproveitamento dos dados acumulados no decorrer

das atividades de atendimento, colocando sempre a pesquisa a serviço da criança e

não esta a serviço daquela.

Em relação à formação de pessoal, este se refere ao treinamento de

profissionais integrados nos programas e serviços ou a estágios de estudantes

provenientes de instituições de ensino que preparam especialistas que irão atuar no

campo.

Especial atenção deve ser dada às normas de ética profissional que se

relacionam com a realização e publicação de pesquisas, observância que também é

aplicável às outras finalidades desses serviços.

O trabalho que se realiza através do processo transdisciplinar, não se reduz

apenas à determinação do diagnóstico, é a proposição de diretrizes para intervenção.

Esta finalidade, apesar de sua importância, é somente uma parte de todo o complexo

de atividades realizadas para chegar a compreensão integral da criança e seus

familiares.

Para facilitar o desenvolvimento eficaz das tarefas da equipe e propiciar a

mútua cooperação de seus integrantes, é preciso especificar as principais funções

comuns a todos e as específicas de cada membro da equipe. É importante, em

benefício principalmente das próprias crianças em atendimento, evitar a participação

concomitante de mais de um profissional durante as intervenções individuais.

Algumas responsabilidades próprias a cada profissional podem ser executadas por

outro, mas sempre com a supervisão daquele responsável pela área.

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Por se tratar de um Trabalho de Conclusão de Curso de pós-graduação em

Psicopedagogia, abrangeremos as funções comuns a todos os membros da equipe

interdisciplinar de intervenção precoce, e em especial, da nossa área de formação.

• Funções comuns a todos os membros da equipe:

- Participar da triagem das crianças elegíveis para o programa conforme

critérios previamente estabelecidos;

- encaminhar sempre que possível os casos não elegíveis, a outras

modalidades de atendimento disponíveis na comunidade;

- participar dos processos de avaliação, conforme as respectivas

especialidades, e integrar os resultados de cada campo profissional em um parecer

conjunto;

- tomar parte ativa nos processos de intervenção, mediante ações e/ou

orientações relativas aos planos individuais de atendimento, de acordo com o campo

específico de atuação profissional;

- elaborar relatórios individuais sobre os resultados da avaliação e da

intervenção efetuadas, para fins de intercâmbio com outros profissionais;

- prestar informações e orientações aos familiares e, para fins de

desenvolvimento do programa;

- participar efetivamente das reuniões de equipe, para planejar e apreciar o

desenvolvimento dos processos de avaliação e planos individuais das crianças em

atendimento;

- propiciar a complementação do atendimento, sempre que necessário, por

meio do encaminhamento a outros profissionais e/ou modalidades de atendimento

disponíveis na comunidade;

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- encaminhar, com relatórios e recomendações específicas, as crianças que

finalizam o programa a outras modalidades de atendimentos disponíveis na

comunidade, de modo a proporcionar-lhes complementação e continuidade no

atendimento recebido;

- tomar parte ativa nos estudos sobre estimulação precoce e nos cursos de

reciclagem sobre o tema, e também na divulgação dos programas pertinentes,

destacando seus benefícios e características;

- orientar e supervisionar as atividades realizadas por estagiários no campo de

sua especialidade profissional;

-zelar pelo restrito cumprimento dos princípios de ética profissional, tanto nos

aspectos referentes à intimidade e privacidade das crianças e de suas famílias, quanto

nos que se referem a seus direitos inalienáveis.

• Funções específicas do Psicopedagogo, entre outras:

- avaliar as oportunidades educacionais oferecidas à criança por sua família,

bem como as práticas e experiências enriquecedoras que possa ter no lar;

- avaliar o desenvolvimento psicoeducacional da criança, relacionando-o à

sua freqüência a berçários, creches, escolas maternais ou instituições de atendimento

especializado;

- elaborar e executar planos individuais de intervenção para o atendimento a

crianças com dificuldades de aprendizagem;

- avaliação do ambiente sócio-familiar, através de entrevistas com os pais,

incluindo dados sobre a família, sua estrutura, relações interpessoais, condições

sócio-econômicas e atitudes em relação à criança assistida, entre outras informações

que possam influenciar, de uma ou de outra forma, o desenvolvimento da criança;

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- aconselhamento aos pais em relação aos problemas colaterais que possam

surgir no lar, a fim de proporcionar um ambiente favorável ao desenvolvimento dos

programas estabelecidos;

- assistência aos familiares na aceitação da criança com suas necessidades

especiais e no envolvimento dos mesmos nos procedimentos de diagnóstico e de

intervenção indicado;

3.3. O Processo de Acompanhamento da Estimulação Precoce na

Família

Todo mundo tem, ou já teve uma família. É uma entidade óbvia para todos.

Mas isso não significa que saibamos dizer o que ela é. Como se pode definir esta

palavra e mais exatamente o conceito que a engloba? Como essa instituição variou

através da História e pôde apresentar formas e finalidades numa mesma época e

lugar?

Podemos considerar a família como um sistema aberto e composto,

envolvendo o movimento de todas as energias de seus componentes e que influem no

constante processo de interação interpessoal. Ao pensarmos na família, destacamos

as figuras paterna e materna, o que é compreensível, embora na dinâmica familiar

façam parte os irmãos e outros parentes, especialmente os que mantêm contactos

significativos entre si.

A família é um sistema aberto porque recebe influências, tanto do mundo

interno, isto é, dos próprios indivíduos que integram o grupo familiar, quanto do

mundo externo, isto é, das normas e valores que regem o sistema social, no qual a

família está inserida. A família é mais que o somatório de seus componentes, porque

as trocas de vivências e de informações entre seus membros energizam o grupo como

um todo, tornando-a um sistema composto. A relação entre as partes não é de

somatividade, e sim circularidade. Cada parte modifica a outra afetando a dinâmica

familiar.

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Inúmeros são os fatores que interferem nas relações familiares e numerosas

são as causas de instabilidade nessas relações.

A família é tida como fundamental no desenvolvimento social e psicológico

da criança e do homem. A medida em que a criança cresce e se desenvolve física,

pessoal e intelectualmente, também cresce no aspecto emocional. O seu

reconhecimento do ambiente, das pessoas e coisas existentes nele, assim como as

reações ao ambiente à sua pessoa, irão determinar em grande extensão, como ela irá

funcionar como pessoa. Em relação às outras áreas de desenvolvimento, os primeiros

anos são cruciais para a vida emocional da criança.

Um ponto vital a ser considerado é que a criança afeta e influencia os pais e

adultos, da mesma maneira como eles a afetam e influenciam. Em geral, quando os

pais ficam sabendo que seu filho é visualmente limitado, sofrem um grande choque.

Seus primeiros pensamentos são em torno da limitação, da dependência, do

preconceito, da frustração, que deixam de perceber (através de suas próprias

experiências, de literatura sobre o assunto, de consulta técnica-profissional

especializada) que sua criança é uma pessoa com habilidades que podem e devem ser

desenvolvidas e com capacidade para sentir e pensar.

Devido à carga ideológica da cultura ocidental as famílias dos deficientes

passam por fases de adaptação, ou seja, processos onde vivenciam vários sentimentos

como: “Sobrevivência”; “A Busca”; “O Ajustamento” e “A Separação”. E reações

variáveis, como: rejeição, superproteção, paternalismo, piedade, subestimação e,

algumas vezes, os deficientes visuais congênitos sofrem mais com o estigma do que

com a própria deficiência, que está imbuída de valores negativos e que não são

aceitos pela sociedade.

É imprescindível o auxílio dos pais a criança e a si mesmo, a fim de obter um

inter-relacionamento adequado, através do qual o desenvolvimento pessoal e

emocional da criança deficiente visual seja apoiado e aumentado, baseado na

segurança, no amparo e encorajamento. Isto possibilitará que ela progrida e supere a

barreira arbitrária ao desenvolvimento e à aprendizagem. É necessário que toda a

família esteja envolvida e de maneira construtiva.

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A participação e a integração dos pais nos programas de estimulação precoce

é fundamental para o desenvolvimento de seus filhos. Sua integração baseia-se tanto

na necessidade de cooperar nos processos de avaliação e intervenção, como nas

atividades de prevenção e de conscientização da comunidade, previstas pelos

serviços.

A importância dos pais como principais educadores junto à criança e como

indispensáveis elementos de ligação dos serviços com a comunidade deve ser

ressaltado. Aos profissionais, cabe-lhes oferecer todo o apoio e encorajamento

necessário, através da especificação das tarefas que lhes competem, e ajudando-os,

ao mesmo tempo, a diminuir sua ansiedade e modificar as atitudes inadequadas

perante a criança.

Para que o trabalho de estimulação precoce assegure a sua eficácia, junto à

criança portadora de deficiência visual, é de extrema relevância ganhar a confiança

dos pais e conseguir sua compreensão em relação à problemática da criança e,

principalmente, a cooperação dos mesmos, para assegurar a continuidade e

desenvolvimento, no lar, das atividades planejadas.

Para se evitar o desencorajamento dos pais, para a execução de estímulos

visuais, devem ser planejadas metas bem específicas e concretas e, por outro lado,

deve-se levar em conta o ambiente familiar, incluindo usos e costumes, tradição

cultural, rotina diária, condições físicas e tempo disponível dos familiares para o

atendimento de seu filho deficiente visual. Tudo isto não pode passar despercebido

do técnico ou dos técnicos, que atuam nestes programas.

É indispensável que os familiares se sintam motivados e confortados por

aqueles que enfrentam problemas semelhantes, razão pela qual torna-se

imprescindível a realização de sessões regulares de grupos de pais, orientados pela

equipe interdisciplinar, onde poderão contar com a compreensão e ajuda mútua e, ao

mesmo tempo, serem treinados nas atividades que atendem às necessidades comuns,

enriquecidas com os últimos progressos na área da estimulação precoce.

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Tendo em vista estas considerações gerais, um programa mínimo de

treinamento dos pais deve envolver mudanças de atitudes dos mesmos, técnicas de

observação e estimulação, no atendimento da rotina da criança e no seu

desenvolvimento geral, bem como as modificações necessárias no ambiente do lar.

Seguindo os delineamentos dos programas de estimulação precoce no

atendimento às necessidades da criança e sua família, é imprescindível:

• Informar os aspectos essenciais da estimulação precoce, a importância da

avaliação e da intervenção nos primeiros anos de vida e também o valor da

prevenção realizada principalmente através de procedimentos aplicáveis às

deficiências.

• Conhecer a organização e funcionamento dos serviços de estimulação

precoce; filosofia de ação e objetivas; área de atividades, em especial aquelas

diretamente relacionadas com o atendimento da criança e sua família; pessoal

envolvido; técnicas e métodos utilizados, e programas desenvolvidos,

particularmente os que incluem a participação e responsabilidade dos pais.

• Relacionar as atividades treinadas nos programas de estimulação precoce

com a rotina da criança, com ênfase na acomodação e postura da mesma nas

diferentes situações, nos níveis de independência a alcançar os estágios do

desenvolvimento, na estimulação cognitiva sócio-emocional, verbal e motora,

incluídas no processo e, sobretudo, na diminuição dos temores e resistências dos pais

em relação ao filho com deficiências.

• Treinar procedimentos simples e aplicáveis à situação do lar, relacionados

com a estimulação nas diferentes áreas e fases do desenvolvimento infantil,

sobretudo na área visual (onde se localiza a deficiência), com objetos disponíveis e

brinquedos apropriados. Considerar de real importância à estimulação humana do

meio familiar, aproveitando os esforços utilizados pela criança para expressar-se.

Evitar, no contato diário, toda forma de superproteção e excesso de cuidado em

relação a seus intentos para explorar o mundo interior.

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• Enfatizar a importância da estimulação no ambiente da família, onde a

criança se sinta à vontade, sem perigos, para explorar e conhecer o ambiente ao seu

redor.

• Valorizar a estimulação nos ambientes externos, fora do lar e dos serviços,

possibilitando sua sociabilização.

Como já foi dito, a família é fundamental para que a criança se desenvolva e

progrida através do atendimento de estimulação precoce. Os pais deverão receber

apoio e orientação sistemática dos profissionais envolvidos, mas, por mais

qualificados e experientes que sejam estes profissionais, jamais poderão se igualar à

força de motivação dos pais, que na história da Educação Especial, têm sido tão

atuantes para o reconhecimento da igualdade de direitos a que os portadores de

deficiência fazem jus.

Os pais representam os alicerces da educação de seus filhos e verdadeiras

alavancas para que, tanto na escola quanto na comunidade, assumam sua parceria no

processo de formação da cidadania de seus filhos.

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CONCLUSÃO

A Educação Especial caracteriza-se, sempre, por oferecer um atendimento um

tanto padronizado aos indivíduos que reclamam tratamento especializado para suas

necessidades especiais. Considerando-os como pessoas capazes de se desenvolver

através do concurso de teorias da aprendizagem comportamentais fortalecem-se os

estigmas que rotulam cada deficiência.

Sem sombra de dúvidas, as dificuldades no processo de aprendizagem dos

deficientes visuais têm a ver com a de estimulação que lhe foi proporcionado desde

seu nascimento; para isto a família é fundamental.

Mas a posição da criança deficiente visual na família, não é a mesma da

criança normal, sendo permeada pela superproteção e excesso de preocupação. Os

sentimentos de culpa, negação e rejeição são muito comuns nestas famílias.

Examinar a dinâmica de uma família, que tem um filho deficiente é examinar

sistematicamente um conjunto de forças internas e externas em dialética constante.

O clima emocional dos lares de pessoas portadoras de deficiência varia de

família para família, sendo esse aspecto considerado por muitos autores como tão ou

mais importante do que o atendimento especial oferecido a essas crianças.

Muitos pais descobrem as verdadeiras potencialidades de seus filhos, apesar

de suas diferenças e passam a lutar pelo seu reconhecimento e igualdade de direitos

que fazem jus. Mas, a interação social da criança deficiente visual é forçosamente

mais complicada, precisando ser exploradas estratégias que estimulem ao máximo o

crescimento e desenvolvimento dessas crianças. E na sociedade para ser aceita

socialmente, seu comportamento não deve revelar o que lhe falta; é durante a

primeira infância que se acionam esquemas interpretativos de fundamental

importância; a ocorrência de falhas na construção das estruturas cognitivas durante as

etapas evolutivas desse desenvolvimento trará à criança deficiente visual graves

dificuldades e, talvez, irremediáveis fracassos.

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O processo de aprendizagem de uma criança portadora de deficiência visual

requer procedimento e recursos especializados. Para que seu crescimento global se

efetive, verdadeiramente, faz-se necessário que lhes sejam oferecidas muitas

oportunidades de experiências, e inúmeras habilidades devem ser trabalhadas.

A criança deficiente visual ou de visão subnormal precisa ser percebida como

um ser inteiro, dona dos seus pensamentos, e construtora, ainda que em condições

peculiares, do seu próprio conhecimento. Vê-la como um produto de treinamentos

milagrosos é uma distorção que exige uma revisão urgente. Em meio a diversas

propostas de intervenção, prioriza-se a Estimulação Precoce como um dos fatores

decisivos ao desenvolvimento integral dessas referidas crianças.

As tendências atuais dos conhecimentos sobre Estimulação Precoce indicam

pautas positivas em relação as diferentes deficiências, em seu estudo, no que diz

respeito à formulação de conceitos mais precisos, na elaboração de técnicas e

procedimentos para fins de detecção e avaliação, bem como a organização de

programas e currículos de intervenção precoce.

Os conhecimentos atuais, sobre o campo em estudo, permitem delinear as

dimensões no desenvolvimento infantil, em relação à receptividade dos estímulos

essenciais por parte da criança deficiente visual.

É preciso que novas pesquisas sobre o tema sejam realizadas, dentre elas

podemos citar:

• Estimulação essencial ao desenvolvimento infantil, delineando assim as

linhas básicas para organização de novos programas, ou implementação dos

já existentes, para que, de fato, sejam efetivados e tragam benefícios para o

desenvolvimento pleno destas crianças portadoras de necessidades especiais

em seu processo de aprendizagem e construção de conhecimento, para que

sejam inseridos na sociedade.

• Pesquisas brasileiras para diagnóstico precoce e preventivo de deficiências,

especificamente da visual, são fundamentais, pois embora pesquisas de outros

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países possam ser generalizadas, devem ser efetuadas com nossa realidade,

pois são escassos os trabalhos brasileiros de alto risco durante a gravidez,

carências protéicas, prematuridade, desidratação, entre outros como fatores

etiológicos e desencandeantes da deficiência visual. Essas pesquisas irão

indicar pautas e princípios para realização de trabalhos no gênero.

• Novas pesquisas são necessárias, no intuito de se obter melhores

esclarecimentos, no que se refere ao desenvolvimento de crianças portadoras

de deficiência visual associada a outras deficiências, pois há grande

probabilidade de que qualquer lesão primária ou secundária dos receptores

visuais envolvam outras estruturas cerebrais, favorecendo a deficiência

mental.

Capacitar, através de estímulos essenciais ao desenvolvimento, uma criança,

não é condicioná-la, transformando-a num ser automatizado, com respostas

previsíveis e resultados esperados. A Estimulação nasce da independência do perfeito

domínio de si mesmo. Quando se falam na importância de desenvolver capacidades

básicas, fala-se da finalidade máxima de educação especial: dar ao indivíduo

portador de qualquer deficiência as condições essenciais para torná-la uma pessoa

plena, um homem com consciência de si mesmo.

Ao se resgatar o conceito de pessoa na sua condição, enquanto ser humano,

com direito inalienável de exigir ações que permitam sua integração sócio-

econômico-educacional, visando torná-la um ser socialmente útil, numa abrangência

de reciprocidade, com direitos e deveres, fará com que a sociedade e o poder público,

se conscientizem da importância de incorporação da pessoa deficiente na sociedade.

Uma sociedade dita democrática, regida por leis embasada na Constituição,

garantidora de direitos e deveres de todos os cidadãos, inclusive dos portadores de

deficiência, precisa garantir assistência educacional, médica e social a todos os seus

participantes.

Sem uma política ampla de eliminação de barreiras atitudinais, segregadoras,

rotuladoras e discriminadoras, para as pessoas com necessidades especiais, ficará

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inviável a incorporação de todos os segmentos da sociedade numa estratégia bem

definida quanto às metas e prioridades a serem alcançadas, que garantam a todos a

participação ativa e efetiva da sociedade.

Tendo em vista o alcance do desenvolvimento da aprendizagem, o

psicopedagogo é o profissional apto a gerir esse conhecimento. A educação, bem

como o processo de aprendizagem dos portadores de necessidades especiais devem

possuir caráter de equidade e justiça social, representando a universalidade de acesso

aos bens e serviços constituintes dos programas e políticas sociais.

Deve-se estar atento ao pluralismo, que é a expressão do respeito à

diversidade, à participação de grupos estigmatizados e à discussão das diferenças,

cujo reflexo se dá através de manifestações sociais, culturais, teóricas, etc.

A democracia é a socialização da participação e da riqueza socialmente

produzida.

Em termos de Educação Especial, a cidadania visa promover a plena

integração social dos portadores de necessidades especiais, como direito de qualquer

cidadão. Porém, na sociedade brasileira, hoje, enfatiza-se os ditos “indivíduos

normais”, e o deficiente passa a ser um não-cidadão, pois se torna um excluído por

não corresponder às expectativas e potencialidades dos “normais”. Com o

atendimento educacional especializado, a pessoa deficiente adquire a condição de

constituir-se como um ser com particularidades e potencialidades diferenciadas, a

serem garantidas, pois é o direito de ser diferente.

Em uma Instituição que atenda a portadores de necessidades especiais, cabe

ao psicopedagogo atuar junto aos problemas de aprendizagem do educando, bem

como orientar às famílias, visando romper com o estigma e demonstrar que o

deficiente visual possui potencialidades como qualquer outra pessoa.

Considerando que o processo de construção e sociabilização do conhecimento

constitui elemento fundamental para o processo de democratização da sociedade,

precisamos pensar, permanentemente, os conceitos e as perspectivas de

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conhecimento que possam contribuir para a construção da cidadania da pessoa

portadora de deficiência visual, enquanto sujeito de suas representações sociais e

autor de sua história. Um conhecimento que vem a afirmar a condição de cidadania

da pessoa portadora de deficiência visual deve partir da experiência vivida, buscando

manifestação de linguagem que sejam a expressão de sua identidade, reforçando a

capacidade de resistência às visões dominantes, que passam a idéia de que a

cidadania é algo que se recebe do poder político constituído, e não um processo de

conquista sempre em marcha. Neste sentido, o desafio que impõe à educação

especial refere-se não apenas a instrumentalização do educando para o exercício

profissional, mas, fundamentalmente, para a capacidade de afirmação de sua

condição de cidadão. Para tanto, torna-se necessário o conhecimento de seus direitos

e deveres, no processo de busca de identidade do sujeito a partir da transformação e

afirmação das suas visões de um mundo e de si mesmo.

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ANEXOS

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ÍNDICE

FOLHA DE ROSTO 2

AGRADECIMENTO 3

DEDICATÓRIA 4

RESUMO 5

SUMÁRIO 6

INTRODUÇÃO 7

CAPÍTULO I

DEFICIÊNCIA VISUAL 11

1.1 – Causas e Conseqüências da Deficiência Visual – Prevenção 12

1.2 – A Criança Deficiente Visual e seu Desenvolvimento

sensório-motor 19

1.3 – A Criança Deficiente Visual e seu Desenvolvimento

Pré-conceitual 24

CAPÍTULO II

O PROCESSO DE APRENDIZAGEM 29

2.1 – Conceito de Aprendizagem 31

2.2 – O Desenvolvimento Sócio-educativo da criança portadora

de Deficiência Visual 34

2.3 – O Desenvolvimento e a Socialização da Criança

Deficiente Visual na Pré-escola 36

2.4 – Interligação das áreas de Educação, Assistência Social

e saúde 41

CAPÍTULO III

ESTIMULAÇÃO PRECOCE, SUAS PROPOSTAS DE

ATUAÇÃO E A FAMÍLIA 44

3.1 – A Estimulação Precoce e suas Propostas 46

3.1.2 – Programa de Intervenção Precoce 51

3.2 – Estrutura e Funções da Equipe Interdisciplinar 56

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3.3 – O Processo de Acompanhamento da Estimulação

Precoce na Família 61

CONCLUSÃO 66

BIBLIOGRAFIA 71

ANEXO 74

ÍNDICE 76

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FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição:

Título da Monografia:

Autor:

Data da entrega:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Avaliado por: Conceito:

Conceito Final: