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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
AÇÕES POSSESSÓRIAS
Por: Sandra Maria Fialho Goulart
Orientador
Prof. Jean Almeida
Rio de Janeiro
2011
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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
AÇÕES POSSESSÓRIAS
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de especialista em Processo Civil.
Por Sandra Maria Fialho Goulart
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RESUMO
Sendo a Posse a relação de fato entre a pessoa e a coisa, tendo em
vista que a utilização econômica desta é a exteriorização da conduta de quem
procede normalmente como age o dono, não é o possuidor o servo na Posse,
isto é aquele que o conserva em nome de outro ou em cumprimento de ordem
ou instrução daquele em cuja dependência se encontre (art.487 C.C).
Ao analisar a teoria selecionei para o presente estudo discorrer sobre
os tópicos mencionados na introdução deste trabalho por entender que estes
demonstram a relação de dependência do Possuidor que tem de fato o
exercício pleno ou não de algum dos poderes inerentes ao domínio.
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METODOLOGIA
A pesquisa do tema na bibliografia mencionada neste trabalho
procurando fazer um estudo dissertativo e analítico suscinto das “Ações
Possessórias” iniciando-se pelo histórico e tendo como fechamento a análise
destas ações no âmbito da “Posse de Fato”, abordando seus efeitos e
conseqüências para o possuidor.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................. CAPÍTULO I - HISTÓRICO DA POSSE...................................... 1.1 - Natureza jurídica da posse................................................... 1.2 - Função social da posse........................................................ CAPÍTULO II - A POSSE E A PROPRIEDADE........................... 2.1 - Formas de posse.................................................................. 2.2 – Composse........................................................................... 2.3 - Efeitos da posse................................................................... CAPÍTULO III - AÇÕES POSSESSÓRIAS.................................. 3.1 - Procedimentos nas ações possessórias.............................. 3.2 - Requisitos do processo possessório.................................... 3.3 - Ação de manutenção de posse............................................ 3.4 - Reintegração de posse........................................................ 3.5 - Ação de interdito proibitório.................................................. CONCLUSÃO.............................................................................. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA................................................. BIBLIOGRAFIA CITADA.............................................................
08 09 11 22 27 30 35 36 39 39 41 44 45 46 47 48 49
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INTRODUÇÃO
A presente monografia tem por objeto apresentar um estudo sobre a
“Posse” tendo selecionado como objeto do mesmo discorrer sobre: histórico da
posse, natureza jurídica, função social, posse e propriedade, formas de posse,
efeitos da posse e ações possessórias.
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CAPÍTULO I
HISTÓRICO DA POSSE
A origem da posse é historicamente justificada no poder físico sobre as
coisas e na necessidade do homem se apropriar de bens. Diversas teorias
procuram a partir daí, justificar a necessidade de proteção á posse. A cultura
jurídica é profundamente influenciada pelas teorias de Savigny e de Ihering.
Cada qual fornece elementos de identificação dos limites da tutela da posse,
individualizam, a seu modo as figuras do possuidor e do detentor e procuram
justificar a essência da proteção possessória.
Para Savigny os dois elementos agregam-se nas situações em que
alguém atue materialmente sobre a coisa sem o animus de mera detenção ex:
o locatário, comodatário, usufrutuário e outras pessoas que entraram na coisa
em virtude de relação jurídica. Os detentores não teriam direito à tutela
possessória justamente pela carência do elemento vontade, por atribuir muita
ênfase ao aspecto psicológico, anímico, a teoria de Savigny tornou-se
conhecida como subjetiva. Critica-se na teoria subjetiva a excessiva posição do
papel do possuidor na autonomia da vontade pela incondicionada ligação da
posse ao animus domini.
Segundo Savigny refletindo uma posição liberal e individualista vigente
na época, a pessoa era o individuo abstrato que ocupava um dos pólos da
relação jurídica possuindo autodeterminação nas relações econômicas. Esta
visão restrita e unitarista camufla o ser humano concreto, capaz de se
manifestar em uma pluralidade de relações possessórias, nas quais não releva
o exame do animus domini, mas sim a proteção à moradia, ao trabalho, e a
defesa incondicional dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa
humana (SAVIGNY, 1999, p. 23).
O grande mérito de Savigny foi o de projetar autonomia a posse, por
explicar que o uso dos bens, adquire relevância jurídica fora da estrutura da
propriedade privada, e que a titularidade formal deste direito subjetivo não
10encerra todas as possibilidades de amparo jurídico. A posse passa a ser vista
como uma situação fática merecedora de tutela que decorre da necessidade
de proteção à pessoa, manutenção da paz social e estabilização das relações
jurídicas. A posse seria um fato na origem e um direito nas conseqüências, pois
confere ao possuidor a faculdade de invocar os ‘interditos possessórios’
quando o estado de fato for objeto de violação sem que isto implique qualquer
ligação com o direito de propriedade e a pretensão reivindicatória que dela
emanada (SAVIGNY, 1999, p. 23).
Para Rudolf Ihering a base da controvérsia possessória no direito
romano seria para este doutrinador considerar que a posse era o mero
exercício da propriedade. Ele admite a anterioridade da posse em relação a
propriedade para justificar a inferioridade daquela, em relação a esta. Na
prática traz para o direito o determinismo da teoria de Darwin que expressa a
evolução biológica pela necessária precedência na natureza dos seres
inferiores aos superiores. A posse seria o poder de fato e a propriedade o
poder de direito sobre a coisa (IHERING, 2002, p.12).
“O fato e o direito”: esta é a antítese a que se reduz a distinção entre a
posse e a propriedade. A posse não é reconhecida como modelo jurídico
autônomo, pois o possuidor seria aquele que concede destinação econômica à
propriedade isto é a visibilidade ao domínio. A posse é o caminho que
conduziria a propriedade; um meio que conduz a um fim. A propriedade sem a
posse estaria de certa forma paralisada. Não sendo possível conceder espaço
ilimitado à vontade do possuidor, pois a liberdade da pessoa encontra limites
na norma jurídica.
1.1 - Natureza jurídica da posse
Qualquer direito subjetivo tem origem em um fato jurídico, a polêmica
que despertada pela natureza jurídica da posse – fato ou direito – é
intensificada pela inexistência de uma terminologia capaz de distinguir o fato
11jurídico que lhe dá origem do direito subjetivo que o segue. Exemplificando: o
contrato (negócio jurídico) desencadeia o direito subjetivo ao crédito. Na
matéria em questão, o fato jurídico “posse” desencadeia o direito de possuir,
independente de qualquer questionamento sobre a propriedade.
Sendo a posse um direito subjetivo, tem a natureza de direito real
obrigacional? Para Ihering, a posse seria “um direito subjetivo real”, pois
contém os seus três elementos estruturais (IHERING, 2002, p.17):
a) uma coisa como objeto - e não uma prestação;
b) sujeição direta e imediata do objeto ao seu titular – o possuidor atua
imediatamente sobre a coisa, sem necessidade da colaboração de terceiros;
c) eficácia erga omnes - o possuidor tem a faculdade de exigir de todos
da comunidade um dever de abstenção, que consiste no respeito à situação
fática permitindo-lhe o exercício dos elementos constitutivos do direito que
exterioriza.
Na concepção objetivista sendo a posse considerada como a
visibilidade (aparência) da propriedade – o mais amplo dos direitos reais – não
teria outra opção a não ser dotar a posse de natureza real. Seria uma espécie
de relação entre acessório (posse) e principal (propriedade), pois não haveria
propriedade sem posse. Outros doutrinadores de renome, como Darcy
Bessone concebem-na como direito obrigacional com argumentos que
explicam a impossibilidade da oponibilidade do direito do possuidor contra
todas as demais pessoas (BESSONE, 1998, p. 56).
A posse não foi expressamente elencada como direito real, quer pelo
rol de “numeros clausus” do artigo 1225 do Código Civil, quer em legislação
esparsa. Faz parte do conhecimento doutrinário que a tipicidade é uma das
características dos direitos reais. A irregistrabilidade da posse no Ofício
Imobiliário também contraria o presumido caráter absoluto, peculiar a qualquer
direito real. Não há previsão legal de registro de uma posse na Lei n. 6015/73
(Lei de Registros Públicos). Via de conseqüência, a posse seria inoponível
“erga omnes”, carecendo dos atributos da seqüela, preferência e publicidade,
uma vez que os direitos reais imobiliários apenas nascem com o registro. Mas
12ainda, prescindindo das formalidades da propriedade, a sua aquisição e
transmissão só poderiam ser demonstradas por prova testemunhal. O
legislador teria definido a posse como direito obrigacional, sobremodo após a
recente reforma do Código de Processo Civil (Lei 8952/94) que no parágrafo 2°
do art. 10, dispensou a participação do cônjuge do autor e réu pela situação
fática em que se encontra, mas pelo fato do nascimento de relações jurídicas
provenientes do direito subjetivo patrimonial que vem de um título. Ambos são
possuidores jurídicos, em razão de uma titularidade (direito real) ou de um
contrato (direito obrigacional), existe uma terceira dimensão possessória que
não se localiza no universo dos negócios jurídicos que consubstanciam direitos
subjetivos reais ou obrigacionais.
Trata-se de uma posse proveniente de uma situação fática e existencial
de apossamento e ocupação da coisa, cuja natureza autônoma não se
enquadra no exame das teorias tradicionais, assume o poder fático sobre a
coisa, independente de qualquer relação jurídica real ou obrigacional que lhe
conceda substrato, sendo suficiente que legitimamente seja capaz de utilizar
concretamente o bem, haveria uma configuração esta incompatível com os
direitos de natureza real imobiliária, que invariavelmente demandam a
presença do cônjuge nos polos da relação jurídica. No que diz respeito ao
direito de sequela diz o art.1212 do Código Civil que: “ao possuidor esbulhado
de sua posse, não se autoriza a adoção da ação de reintegração de posse”
quando o poder de fato sobre a coisa encontrar-se com o terceiro de boa fé,
que recebeu a coisa ignorando a sua origem ilícita.
Vale dizer se a posse fosse verdadeiramente um direito real, a sequela
seria plena, atingindo até mesmo o terceiro de boa fé como ocorre na
propriedade (art. 1247, parágrafo único do Código Civil) a própria situação
topográfica da posse no novo Código Civil é uma demonstração inequívoca de
sua natureza. Porém o fato de estar regulada no livro dos Direitos das coisas
não indica que seja direito real, pois como observa-se a expressão direito das
coisas indica todas as situações jurídicas em que pessoas exercem poder de
ingerência imediata sobre bens. Se em determinadas situações traduzem
direitos reais, em outras, isto não acontece, como nos direitos de vizinhança.
13Observa-se que a posse se manifesta de maneira plural e pode ser
dimensionada de três maneiras diferenciadas.
Não há necessidade de ser isoladamente classificada com um direito
subjetivo real ou obrigacional: a) quando o proprietário é o possuidor de seu
próprio bem. Aqui a posse é vista como um direito real na visão do art. 1196 do
Código Civil. O direito de possuir é um dos atributos do domínio, que significa o
senhorio de uma pessoa sobre uma coisa, dotando o possuidor do poder de
imediatamente submetê-la ao exercício de sua ingerência econômica.
Portanto, quando o proprietário exerce a posse, manifesta o domínio
sobre o bem por um direito real que se visualiza na situação possessória. O
mesmo se evidencia na situação do usufrutuário, do titular de uma servidão e de
outros titulares de direitos de fruição, que carregam consigo parcelas de domínio e
com elas o direito de possuir. Trata-se de uma posse fundamentalmente jurídica
que merece reconhecimento e proteção independente de sua faticidade, basta a
prova da titularidade. Trata-se de uma posse civil, pois é adquirida pelo título, sem
a necessidade de exercício de atos físicos ou materiais.
Porém se ficarmos limitados nesta perspectiva endossaríamos a tese
de Ihering, no sentido que não haveria pretensão possessória fora do direito de
propriedade ou de direitos reais em coisa alheia. Assim a posse não é
exclusivamente um direito real, mas também o é, pois inegavelmente revela
duas outras situações, b) pode também a posse ser vislumbrada como relação
obrigacional, quando provem de um contrato de locação, promessa de compra
e venda ou comodato, na qual o objeto é a coisa, jamais o direito em si. O
locatário, comodatário e promissário comprador são possuidores (diretos), mas
nenhum deles é o titular de direito real. O fato jurídico que atribui a posse a
estas pessoas; é a relação jurídica obrigacional pela qual o proprietário lhes
concede provisoriamente uma parcela dos poderes dominiais. Seja a posse
vista como direito real ou direito obrigacional, o possuidor não é tutelado pela
situação fática em que se encontra mas em virtude do nascimento de relação
jurídica oriunda do direito subjetivo patrimonial, que é proveniente de um titulo.
Os detentores não teriam direito tutela possessória justamente pela carência do
14elemento vontade, por atribuir muita ênfase ao aspecto psicológico, anímico, a
teoria de Savigny tornou-se conhecida como subjetiva. Critica-se na teoria
subjetiva a excessiva posição do papel na autonomia da vontade pela
incondicionada ligação da posse ao “animus domini”.
Segundo Savigny refletindo uma posição liberal e individualista vigente
na época, a pessoa era o indivíduo abstrato que ocupava um dos pólos da
relação jurídica possuindo autodeterminação nas relações econômicas. Esta
visão restrita e unitarista camufla o ser humano concreto, capaz de se
manifestar em uma pluralidade de relações possessórias, nas quais não releva
o exame do animus domini, mas sim a proteção à moradia, ao trabalho, e a
defesa incondicional dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa
humana. O grande mérito de Savigny foi o de projetar autonomia a posse, por
explicar que o uso dos bens, adquire relevância jurídica fora da estrutura da
propriedade privada, e que a titularidade formal deste direito subjetivo não
encerra todas as possibilidades de amparo jurídico. A posse passa a ser vista
como uma situação fática merecedora de tutela que decorre da necessidade de
proteção à pessoa, manutenção da paz social e estabilização das relações
jurídicas. A posse seria um fato na origem e um direito nas conseqüências, pois
confere ao possuidor a faculdade de invocar os ‘interditos possessórios’
quando o estado de fato for objeto de violação sem que isto implique qualquer
ligação com o direito de propriedade e a pretensão reivindicatória dela
emanada (SAVIGNY, op.cit).
Para Rudolf Ihering a base da controvérsia possessória no direito
romano seria para este doutrinador considerar que a posse era o mero
exercício da propriedade. Ele admite a anterioridade da posse em relação a
propriedade para justificar a inferioridade daquela, em relação a esta. Na
prática traz para o direito o determinismo da teoria de Darwin que expressa a
evolução biológica pela necessária precedência na natureza dos seres
inferiores aos superiores. A posse seria o poder de fato e a propriedade o
poder de direito sobre a coisa. “O fato e o Direito”: esta é a antítese a que se
reduz a distinção entre a posse e a propriedade. A posse não é reconhecida
como modelo jurídico autônomo, pois o possuidor seria aquele que concede
15destinação econômica à propriedade isto é a visibilidade ao domínio. A posse é
o caminho que conduziria a propriedade; um meio que conduz a um fim. A
propriedade sem a posse estaria de certa forma paralisada. Não sendo
possível conceder espaço ilimitado à vontade do possuidor, pois a liberdade da
pessoa encontra limites na norma jurídica de ingerência sócio econômica sobre
determinado bem da vida, mediante a utilização concreta da coisa. A posse
deve ser considerada como fenômeno de relevante densidade social, com
autonomia em relação a propriedade e aos direitos reais. Devemos descobrir
na própria posse as razões para o seu reconhecimento (IHERING, 2002, p. 22).
Observamos que o fenômeno da posse ingressa no direito através de
três situações:
a) a posse real – seria a posse decorrente da titularidade da
propriedade ou de outro direito real;
b) posse obrigacional é a posse que vem da aquisição do poder sobre
um bem em razão de relação de direito obrigacional (locação, comodato) e;
c) posse fática – também chamada de posse natural, exercida por
qualquer um que tridimensional da posse, porém quando o art.1196 do Código
Civil acolhe a teoria objetiva de Ihering – como fez o Código de 1916 “de sua
função social” em relação a moradia é o de conceder um espaço de vida e
liberdade a todo ser humano, independente da questão da propriedade, pois
esta se prende a patrimonialidade e a titularidade.
A natureza jurídica da posse para a corrente que segue a teoria
subjetiva a posse teria “natureza dúplice”, em principio, seria mera situação
fática. Considerada isoladamente, a posse é um fato, pois sua existência
independe das regras de direito, “a função social da posse”: constitui um tema
clássico na doutrina. A dogmática jurídica sofreu fortes abalos no transcurso do
século XX, com a crise do positivismo jurídico que expressava uma noção do
direito como uma técnica imune as transformações sociais. Um ordenamento
concebido em laboratório e baseado em uma pretensa completude de suas
normas não seria capaz de captar os influxos emanados de outros sistemas e
nem ao menos seria sensível aos apelos da sociedade que visa alcançar.
16Atualmente, a ciência jurídica se volta para a perspectiva da finalidade dos
modelos jurídicos. Não há mais um interesse evidente em conceituar a
estrutura dos institutos jurídicos mas em direcionar o seu papel e missão
perante a coletividade, na busca pela solidariedade e pelo bem comum. Enfim
a função social se dirige não só à propriedade, aos contratos e à família, mas
na reconstrução de qualquer direito subjetivo, incluindo-se a posse, como fato
social de grande repercussão para a edificação da cidadania e das
necessidades básicas do ser humano.
Savigny justificava a tutela possessória, em respeito à paz social e à
negação da violência, pela interdição ao exercício arbitrário das próprias razões
e tutela da pessoa do possuidor. Para ele, proteger-se-ia o possuidor não
permitindo a repentina à alteração de uma situação de fato social e
economicamente consolidada pela prática de ato ilícito em afronta as garantias
fundamentais (art.5, XX e LIV, da CF).
Já na visão de Ihering, a tutela possessória justificar-se-ia pelo fato do
possuidor ser um aparente proprietário. A posse é considerada de forma
individualista e patrimonialista em homenagem ao direito superior de
propriedade, as ações possessórias serviriam como uma espécie de controle
avançado em que a ordem jurídica impõe requisitos de exercício cujo
cumprimento assegura a faculdade de invocar a tutela legal. Partindo do
pressuposto de que a todo direito corresponde uma ação que o assegura
(C.Civil art.75) ou observando que o caráter jurídico da posse decorre de que o
ordenamento legal confere ao possuidor ações específicas contra quem o
ameace, perturbe, ou esbulhe, a posse constitui-se num direito real com todas
as suas características de oponibilidade erga omnes, indeterminação do sujeito
passivo, incidência em objeto obrigatoriamente determinado etc. nascendo de
relação de fato converte-se numa relação jurídica. No que diz respeito à
propriedade esta tem como característica o direito de usar, gozar, dispor da
coisa e reivindicá-la de quem injustamente a detenha. Podem estes atributos
reunirem-se numa só pessoa e tem-se neste caso a propriedade em toda sua
plenitude ou simplesmente a propriedade sem qualificativos, mas também pode
ocorrer seu desmembramento transferindo-se a outro uma das faculdades
17como na constituição do direito real de usufruto, ou de uso, ou de habitação em
que o domínio é capaz de favorecer uma proteção ao possuidor, na crença de
que pelo ordenamento seja o possuidor o presumível titular formal do bem
questionado.
Conclui-se que tirar a posse é paralisar a propriedade, e que o direito a
uma proteção jurídica contra tal ato, é um postulado absoluto da idéia de
propriedade. Esta não pode existir sem a proteção, donde se conclui que não é
necessário procurar outro fundamento para a proteção possessória; ela incita à
propriedade em si mesma. Em comum ambas as teorias situam o fundamento
da proteção possessória em elementos externos à posse. As duas concepções
são relativas, já que a finalidade da posse para Savigny se situaria na tutela da
integridade do possuidor, enquanto em Ihering a defesa da posse se justifica
no interesse complementar da tutela da propriedade, apesar do mérito de
ambas em procurar um fundamento autônomo para a proteção possessória.
A posse não é protegida em razão da proibição à violência; ao contrário
por se proteger a posse é que se evita a violência. Toda a ordem jurídica em
sua essência deseja evitar a violência, não se trata de uma peculiaridade capaz
de justificar isoladamente a tutela da posse; proteger a posse como forma de
zelar pela propriedade, não passa de uma forma de relegar o seu aspecto
social.
Darcy Bessone conhecedor do tema, questionava a dogmática jurídica
considerando o contraste entre o “direito e a vida”, especialmente no campo do
direito privado, já que no Brasil, como nação de escassos recursos e conflitos
fundiários teme-se eventuais ataques a propriedade privada. As teorias
sociológicas da posse procuram demonstrar que a “posse” não é um apêndice
da propriedade, ou a sua mera aparência, ao contrário, elas reinterpretam a
posse de acordo com os valores sociais inerentes a ela, como um poder fático
em efetividade, pois passa a ser abstratamente avaliada como uma aparência
de propriedade, reduzida a uma atividade privativa do titular do direito real, a
autonomia da posse é sacrificada na medida em que se insere apenas como
instrumento mais rápido posto a disposição do proprietário para facilitar a
18defesa jurídica de sua situação patrimonial. Não podemos negar que na
maioria dos casos levados ao judiciário, o beneficiário da proteção possessória
é o proprietário, mas isto não permite que se reduza a ampla carga de
efetividade deste modelo jurídico. Tutela-se a posse como direito especial, pela
própria relevância do direito de possuir, em atenção a superior previsão
constitucional do direito social à moradia (art.6 da CF - EC n° 26/01) e o acesso
aos bens vitais mínimos hábeis a conceder a dignidade à pessoa humana
(art.1°, III, da CF), a oponibilidade erga omnes da posse não deriva da
condição de direito patrimonial, mas do atributo extrapatrimonial da proteção da
moradia como local de resguardo da privacidade e desenvolvimento da
personalidade do ser humano e do núcleo familiar (BESSONE, 1998, p. 65).
A posse é também uma extensão dos bens da personalidade. A
moradia é um dos bens que integram a situação existencial de qualquer
pessoa, mas certas condições atribuem a este fato os efeitos de um direito
pessoal, por produzir conseqüências jurídicas (usucapião e ações
possessórias). Por esta visão combinada de posse como fato e direito, a lição
de Savigny denominou-se “teoria eclética”. Savigny sustenta que a tutela
possessória na proteção da pessoa humana que merece ser protegida
de toda forma de violência como conduta antijurídica.
Na concepção de Ihering, conceituando-se direito subjetivo como um
interesse juridicamente protegido, obtém-se definição que identifica a posse
como um interesse legítimo. O interesse na posse é reflexo à tutela da
propriedade. A posse seria a condição econômica de utilização do direito de
propriedade daí conceder-se ao possuidor um direito subjetivo para que ele
sirva em ultima instância à tutela do direito superior de propriedade. A proteção
jurídica seria atribuída por lei àquele que preenche a condição de possuidor,
sendo-lhe deferido o uso das ações possessórias, direito aos frutos e
benfeitorias e em alguns casos, acesso à usucapião.
Entende-se que, para além da concepção da posse como relação de
fato ou mera exteriorização de um direito de propriedade, as normas que
tutelam a posse são a ela direta e imediatamente dirigidas. Portanto, a posse é
19um direito subjetivo dotado de estrutura peculiar, não só a posse é alicerçada
em uma situação de fato, pois outros modelos jurídicos também o são. Porém,
à medida que o ordenamento jurídico concede ao possuidor o poder de
satisfazer o direito fundamental de moradia, naturalmente defere-lhe uma gama
de pretensões que lhe assegurem proteção perante terceiros, o que revela
nitidamente a existência do direito subjetivo de possuir. Qualquer direito
subjetivo tem origem em um fato jurídico, a polêmica que despertada pela
natureza jurídica da posse - fato ou direito - é intensificada pela inexistência de
uma terminologia capaz de distinguir o fato jurídico que lhe dá origem do direito
subjetivo que o segue.
Exemplificando: o contrato (negócio jurídico) desencadeia o direito
subjetivo ao crédito. Na matéria em questão, o fato jurídico “posse”
desencadeia o direito de possuir, independente de qualquer questionamento
sobre a propriedade. Sendo a posse um direito subjetivo, tem a natureza de
direito real ou obrigacional?
Para Ihering, a posse seria “um direito subjetivo real”, pois contem os seus
três elementos estruturais: a) uma coisa como objeto - e não uma prestação; b)
sujeição direta e imediata do objeto ao seu titular - o possuidor atua
imediatamente sobre a coisa, sem necessidade da colaboração de terceiros; c)
eficácia erga omnes - o possuidor tem a faculdade de exigir de todos da
comunidade um dever de abstenção, que consiste no respeito à situação fática
permitindo-lhe o exercício dos elementos constitutivos do direito que exterioriza na
concepção objetivista sendo a posse considerada como a visibilidade (aparência)
da propriedade - o mais amplo dos direitos reais - não teria outra opção a não ser
dotar a posse de natureza real. Seria uma espécie de relação entre acessório
(posse) e principal (propriedade), pois não haveria propriedade sem posse. Outros
doutrinadores de renome, como Darcy Bessone concebem-na como direito
obrigacional com argumentos que explicam a impossibilidade da oponibilidade do
direito do possuidor contra todas as demais pessoas. A posse não foi
expressamente elencada como direito real, quer pelo rol de numeros clausus do
artigo 1225 do Código Civil, quer em legislação esparsa. Faz parte do
conhecimento doutrinário que a tipicidade é uma das características dos
20direitos reais. A irregistrabilidade da posse no Ofício Imobiliário também
contraria o presumido caráter absoluto, peculiar a qualquer direito real. Não há
previsão legal de registro de uma posse na Lei n.6015/73 (Lei de Registros
Públicos). Via de conseqüência, a posse seria inoponível erga omnes,
carecendo dos atributos da sequela, preferência e publicidade, uma vez que os
direitos reais imobiliários apenas nascem com o registro. Mas ainda,
prescindindo das formalidades da propriedade, a sua aquisição e transmissão
só poderiam ser demonstradas por prova testemunhal (PEREIRA, 2005, p.23).
O legislador teria definido a posse como direito obrigacional,
sobremodo após a recente reforma do Código de Processo Civil (Lei n°
8952/94) que no parágrafo 2° do art. 10°, dispensou a participação do cônjuge
do autor e réu nas ações possessórias, exceto nas hipóteses de composse e
atos por ambos praticados, postura esta incompatível com os direitos de
natureza real imobiliária, que invariavelmente demandam a presença do
cônjuge nos pólos da relação jurídica.
No que diz respeito ao direito de a própria situação topográfica da
posse no novo Código Civil é uma demonstração inequívoca de sua natureza.
Porém o fato de estar regulada no livro dos Direitos das coisas não indica que
seja direito real, pois como observa-se a expressão direito das coisas indica
todas as situações jurídicas em que pessoas exercem poder de ingerência
imediata sobre bens. Se em determinadas situações traduzem direitos reais,
em outras isto não acontece, como nos direitos de vizinhança.
Observa-se que a posse se manifesta de maneira plural e pode ser
dimensionada de três maneiras diferenciadas. Não há necessidade de ser
isoladamente classificada com um direito subjetivo real ou obrigacional. a)
quando o proprietário é o possuidor de seu próprio bem. Aqui a posse é vista
como um direito real na visão do art. 1196 do Código Civil. O direito de possuir
é um dos atributos do domínio, que significa que o senhorio de uma pessoa
sobre uma coisa, dotando o possuidor do poder de imediatamente submetê-la
ao exercício de sua ingerência econômica. Portanto, quando o proprietário
exerce a posse, manifesta o domínio sobre o bem por um direito real que se
21visualiza na situação possessória. O mesmo se evidencia na situação do
usufrutuário, do titular de uma servidão e de outros titulares de direitos de
fruição, que carregam consigo parcelas de domínio e com elas o direito de
possuir.
Trata-se de uma posse fundamentalmente jurídica que merece
reconhecimento e proteção independente de sua faticidade, basta a prova da
titularidade. Trata-se de uma posse civil, pois é adquirida pelo título, sem a
necessidade de exercício de atos físicos ou materiais. Porém se ficarmos
limitados nesta perspectiva endossaríamos a tese de Ihering, no sentido que
não haveria pretensão possessória fora do direito de propriedade ou de
direitos reais em coisa alheia. Assim a posse não é exclusivamente um direito
real, mas também o é, pois inegavelmente revela duas outras situações. b)
pode também a posse ser vislumbrada como relação obrigacional, quando
provem de um contrato de locação, promessa de compra e venda ou
comodato, na qual o objeto é a coisa, jamais o direito em si. O locatário,
comodatário e promissário comprador são possuidores (diretos), mas nenhum
deles é o titular de direito real.
O fato jurídico que atribui a posse a estas pessoas é a relação jurídica
obrigacional pela qual o proprietário lhes concede provisória mente uma
parcela dos poderes dominiais. Seja a posse vista como direito real ou direito
obrigacional, o possuidor não é tutelado pela situação fática em que se
encontra, mas pelo fato do nascimento de relações jurídicas provenientes do
direito subjetivo patrimonial que vem de um título. Ambos são possuidores
jurídicos, em razão de uma titularidade (direito real) ou de um contrato (direito
obrigacional). Existe uma terceira dimensão possessória que não se localiza no
universo dos negócios jurídicos que consubstanciam direitos subjetivos reais
ou obrigacionais. Trata-se de uma posse proveniente de uma situação fática e
existencial de apossamento e ocupação da coisa, cuja natureza autônoma não
se enquadra no exame das teorias tradicionais.
É importante mencionar com relação a natureza jurídica da posse a
posição de estudiosos renomados que se aprofundaram no tema e se
22identificaram com as seguintes correntes: “A posse é um fato” que tem sido
sustentada por juristas do porte de Cujacius, Donnelus, Voet, Windscheid, De
Filipis, Trabucchi. “A posse é um direito” defendida por Accursisus, Bartolo,
Ihering, Molitor, Cogliolo, Teixeira de Freitas, Edmundo Lins. “A posse é um
fato e um direito” esta corrente vem amparada por por Savigny, Merlin, Namur,
Domat, Ribas, Lafayette (LINS, 1985, p. 141).
1.2 - Função social da posse
A função social da posse constitui um tema clássico na doutrina. A
dogmática jurídica sofreu fortes abalos no transcurso do século XX, com a crise
do positivismo jurídico que expressava uma noção do direito como uma técnica
imune as transformações sociais. Um ordenamento concebido em laboratório e
baseado em uma pretensa completude de suas normas não seria capaz de
captar os influxos emanados de outros sistemas e nem ao menos seria
sensível aos apelos da sociedade que visa alcançar.
Atualmente, a ciência jurídica se volta para a perspectiva da finalidade
dos modelos jurídicos. Não há mais um interesse evidente em conceituar a
estrutura dos institutos jurídicos mais em direcionar o seu papel e missão
perante a coletividade, na busca pela solidariedade e pelo bem comum. Enfim
a função social se dirige não só à propriedade, aos contratos e à família, mas a
reconstrução de qualquer direito subjetivo, incluindo-se a posse, como fato
social de grande repercussão para a edificação da cidadania e das
necessidades básicas do ser humano.
Savigny justificava a tutela possessória, em respeito à paz social e à
negação da violência, pela interdição ao exercício arbitrário das próprias razões
e tutela da pessoa do possuidor. Para ele, proteger-se-ia o possuidor não
permitindo a repentina alteração de uma situação de fato social e
economicamente consolidada pela prática de ato ilícito em afronta as garantias
23fundamentais (art.5, XX e LIV, da CF). Já na visão de Ihering, a tutela
possessória justificar-se-ia pelo fato do possuidor ser um aparente proprietário.
A posse é considerada de forma individualista e patrimonialista em
homenagem ao direito superior de propriedade, as ações possessórias
serviriam como uma espécie de controle avançado, capaz de favorecer uma
rápida proteção ao possuidor, na crença que pelo ordenamento seja o
possuidor o presumível titular formal do bem questionado. Conclui-se que tirar
a posse é paralisar a propriedade, e que o direito a uma proteção jurídica
contra tal ato, é um postulado absoluto da idéia de propriedade. Esta não pode
existir sem a proteção, donde se conclui que não é necessário procurar outro
fundamento para a proteção possessória; ela incita à propriedade em si
mesma. Em comum, ambas as teorias situam o fundamento da proteção
possessória em elementos externos à posse. As duas concepções são
relativas, já que a finalidade da posse para Savigny se situaria na tutela da
integridade do possuidor, enquanto em Ihering a defesa da posse se justifica
no interesse complementar da tutela da propriedade, apesar do mérito de
ambas em procurar um fundamento autônomo para a proteção possessória
(PEREIRA, 2005, p. 31).
A posse não é protegida em razão da proibição à violência; ao contrário
por se proteger a posse é que se evita a violência. Toda a ordem jurídica em
sua essência deseja evitar a violência, não se trata de uma peculiaridade capaz
de justificar isoladamente a tutela da posse; proteger a posse como forma de
zelar pela propriedade, não passa de uma forma de relegar o seu aspecto
social.
Darcy Bessone conhecedor do tema, questionava a dogmática jurídica
considerando o contraste entre o “direito e a vida”, especialmente no campo do
direito privado, já que no Brasil, como nação de escassos recursos e conflitos
fundiários teme-se eventuais ataques a propriedade privada. As teorias
sociológicas da posse procuram demonstrar que a “posse” não é um apêndice
da propriedade, ou a sua mera aparência, ao contrário, elas reinterpretam a
posse de acordo com os valores sociais inerentes a ela, como um poder fático
24de ingerência sócio econômica sobre determinado bem da vida, mediante a
utilização concreta da coisa. A posse deve ser considerada como fenômeno de
relevante densidade social, com autonomia em relação a propriedade e aos
direitos reais. Devemos descobrir na própria posse as razões para o seu
reconhecimento. Observamos que o fenômeno da posse ingressa no direito
através de três situações (BESSONE, 1998, p. 65):
a) a posse real – seria a posse decorrente da titularidade da propriedade
ou de outro direito real;
b) posse obrigacional – é a posse que vem da aquisição do poder sobre
um bem em razão de relação de direito obrigacional (locação, comodato) e;
c) posse fática – também chamada de posse natural, exercida por
qualquer um que assuma o poder fático sobre a coisa, independente de
qualquer relação jurídica real ou obrigacional que lhe conceda substrato, sendo
suficiente que legitimamente seja capaz de utilizar concretamente o bem.
Haveria uma configuração tridimensional da posse, porém quando o
art.1196 do Código Civil acolhe a teoria objetiva de Ihering – como fez o Código
de 1916 - a posse perde em efetividade, pois passa a ser abstratamente
avaliada como uma aparência de propriedade, reduzida a uma atividade
privativa do titular do direito real.
Autonomia da posse é sacrificada na medida em que se insere apenas
como instrumento mais rápido posto a disposição do proprietário para facilitar a
defesa jurídica de sua situação patrimonial. Não podemos negar que na
maioria dos casos levados ao judiciário, o beneficiário da proteção possessória
é o proprietário, mas isto não permite que se reduza a ampla carga de
efetividade deste modelo jurídico. Tutela-se a posse como direito especial, pela
própria relevância do direito de possuir, em atenção à superior previsão
constitucional do direito social à moradia (art.6 da CF – EC n. 26/01) e o
acesso aos bens vitais mínimos hábeis a conceder a dignidade à pessoa
humana (art.1, III, da CF). A oponibilidade erga omnes da posse não deriva da
condição de direito patrimonial, mas do atributo extrapatrimonial da proteção da
25moradia como local de resguardo da privacidade e desenvolvimento da
personalidade do ser humano e do núcleo familiar.
O doutrinador espanhol Antonio Hernandez Gil situa a posse como o
direito que mais se aproxima da realidade social, por servir o uso e o trabalho
sobre a coisa a necessidades humanas básicas, justifica-se o dever geral de
abstenção perante a situação do possuidor e a garantia do desfrute de bens
essenciais. Faz-se necessário lembrar que o instituto da posse recebe a
influência constitucional vigente como forma de cumprir a sua função de
instituto jurídico, fruto do fato social em si, verdadeira justificação da
personalidade humana e que por isto mesmo é ainda mais comprometida com
os fundamentos e objetivos do Estado Democrático e a efetividade do princípio
da dignidade da pessoa humana. (GIL, 1987, p. 37).
Laura Beck Varela destaca duas conseqüências da leitura do direito
civil constitucional no modelo jurídico da posse (VARELA, 2005, p. 223).
Primeiramente, uma nova percepção da pluralidade de sujeitos possuidores
que se diferencia da noção abstrata do possuidor do art.1196, do Código Civil.
Há o possuidor urbano, o rural, bem como a coletividade de possuidores que
realizam obras de valor social, todos com suas especificidades. O operador do
direito se obriga a lidar com conflitos possessórios de acordo com a
diversidade dos padrões valorativos de cada caso, tendo-se como vetor de
ponderação das lides a proteção a dignidade dos diversos sujeitos possuidores
e na valoração dos efeitos da posse e não em função do direito de propriedade.
Observa-se tensões entre a posse e a propriedade decorrentes de situações
em que imóveis são abandonados por seus titulares, sendo que os possuidores
passam a exercer a ingerência sócio econômica sobre o bem. Há uma
evidencia de conflito entre garantias essenciais em nosso sistema
constitucional. De um lado, o direito fundamental à propriedade (art.5, XXII, da
CF); de outro a função social da propriedade que apesar de omitida pelo titular
formal é concedida por um possuidor, ao deter poder fático sobre o bem (art.5,
XXIII, da CF) esta tensão será por vezes solucionada pela lei (usucapião) ou
pelo magistrado ao ponderar a dimensão dos interesses conflituosos na
situação concreta. Em qualquer caso se formos coniventes com a noção da
26posse reduzida a direito real, invariavelmente estaremos submetendo-a ao
império da propriedade e reduzindo a sua enorme importância social.
A posse não é mensurável por critérios econômicos, pois tutela o
direito à cidadania e vida digna, enquanto que a propriedade acautela o bem na
acepção do objeto como mercadoria com valor de troca, obtida pelo esforço
individual, na base da autonomia da vontade, o direito ao bem é diverso do
direito à propriedade do bem.
A tensão entre a função social da posse e o direito de propriedade,
será visto no Código Civil nos dispositivos legais: art.1238 parágrafo 4º - ao
cuidar da desapropriação indireta judicial em prol de uma coletividade que da
função social a posse; nos parágrafos únicos dos arts.1238 e 1242 C.Civil ao
premiar com a redução do prazo aquisitivo de usucapião, os possuidores que
concedam função social à posse, no art.1210, parágrafo segundo, C.Civil
ao extirpar de nosso direito material o instituto da exceção de propriedade,
privilegiando o enfoque da posse e de sua função social nas demandas
possessórias, em que “o proprietário poderá ser privado da coisa se o imóvel
reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa fé, por
mais de cinco anos”, de considerável número de pessoas, e estas nela
houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços
relevantes considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante a
existência do direito subjetivo de possuir.
27
CAPÍTULO II
A POSSE E A PROPRIEDADE
As escolas tanto as que definem a posse como subjetiva como as que
a identificam como objetiva destacam na posse um poder de vontade, pelo qual
o possuidor age em relação à coisa, dela tirando proveito ou benefício, é um
estado em que o titular procede em termos de lograr a satisfação de seus
interesses, é uma situação que não deixa de ser domínio eminente, embora a
utilização ou fruição da coisa passe ao conteúdo patrimonial de outra pessoa
(domínio útil), pode ainda o proprietário perder a disposição da coisa como na
inalienabilidade por força de lei ou decorrente da vontade, nestes casos diz-se
que a propriedade é menor, plena ou limitada.
O direito de propriedade é em si mesmo uno, a condição normal da
propriedade é a plenitude. A limitação ao gozo ou exercício dos direitos é
excepcional. A propriedade como expressão da senhoria sobre a coisa, é
excludente de outra senhoria sobre a mesma coisa, é exclusiva também. Só
acidentalmente vige a co-propriedade ou condomínio.
A propriedade presume-se plena e exclusiva (C.Civil, art.527) Trata-se
de presunção iuris tantum, que vige até ser dada prova em contrario por parte
de quem tenha interesse na existência da limitação ou do ônus do condomínio.
O direito de usar ius utendi consiste na faculdade de colocar a coisa a
serviço do titular sem modificação de sua substancia, o dono a emprega em
seu próprio benefício ou e terceiro. Serve-se da coisa mas também pode deixar
de usá-la guardando-a ou mantendo-a inerte. Usar não é somente extrair efeito
benéfico, mas também ter a coisa em condições de servir, porem utilizá-la,
uma vez que o uso se subordina as normas da boa vizinhança e é incompatível
com o abuso do direito de propriedade. Modernamente o direito positivo cada
vez mais restringe as prerrogativas dominiais ora limitando a utilização ora
impondo-a em benefício da coletividade.
28Direito de gozar ius fruendi realiza-se essencialmente com a percepção
dos frutos, sejam os que da coisa naturalmente advém como ainda os frutos
civis: pode-se igualmente pressupor no gozo a utilização dos produtos da
coisa, além dos frutos embora uns e outros se diferenciem.
Direito de dispor: é a mais marcante expressão dominial pela maior
amplitude que demonstra. Quem dispõe da coisa mais se revela dono do que
aquele que a usa ou frui, o que levou Landrecht, um estudioso do tema a erigir
a disponibilidade como elemento definidor do domínio, e sempre em termos
compatíveis com a convivência social (PEREIRA, 2005, p. 74)
O art.147 da Constituição Federal de 1946 dispõe que o uso da
propriedade será condicionado a promover o bem estar social. Pelo respeito ao
direito do proprietário dever-se-á promover a justa distribuição da propriedade
com igual oportunidade para todos. Esta tendência tem suas raízes num
movimento que é geral e que aparece no art.157 da Constituição Federal a
título da ordem econômica assentando as finalidades desta, na realização da
justiça social com base em certos princípios considerados essenciais: “a
liberdade de iniciativa”, “a valorização do trabalho como condição de dignidade
humana”, “a função social da propriedade”, “a harmonia e solidariedade entre
os fatores de produção”, “o desenvolvimento econômico”, “e a repressão ao
abuso do poder econômico”; tudo isto estará compreendido num complexo de
limitações ao direito dominial polarizados na tutela de conveniências diversas
dos direitos do dono sob a inspiração do interesse público encontra respaldo
em juristas como: Pescatore, Badaró, Barassi, Ugo Natoli. Esta tendência
subsiste no art. 160 da reforma de 1969. Integra no seu texto a orientação
expropriatória do latifúndio, a faculdade de planejar a reforma agrária por
decreto executivo, a desapropriação da propriedade territorial rural mediante
pagamento em títulos, além de manter o princípio da intervenção no domínio
econômico, limitou a produção de bens supérfluos (PEREIRA, 2005, p. 79).
Estatuto da Terra (Lei 4.504 de 30/11/1964) e sua regulamentação
(Decretos 55286 de 24/12/1964, n° 56.792 de 26/08/1965) complementados
pelo decreto n° 55.889 de 31/03/1965, (Instituto Brasileiro de Reforma Agrária -
29IBRA) e Decreto 55.890 de 31/03/1965 (Instituto Nacional de Desenvolvimento
Agrário – INDA) instituem um complexo de medidas que visam promover
melhor distribuição da terra, a fim de atender aos princípios da justiça social e
do aumento da produtividade. Obviamente criam limitações ao direito de
propriedade e prometem extinguir gradativamente as formas de ocupação e
exploração da terra que sejam contrárias à sua função social. Pelo Decreto
582, de 15 de maio de 1969, foi criado o Grupo Executivo da Reforma Agrária
(GERA), com a atribuição de elaborar projeto para sua efetivação e para as
medidas complementares. E o Decreto-lei 1.110 de 1970 criou o INCRA.
Extinto este e transformado pelo MIRAD, foi absorvido em 1989 pelo Ministério
da Agricultura (PEREIRA, 2005, p. 80)
A Lei n° 4.497, de 6 de abril de 1966, exigia o certificado de cadastro
do IBRA para a venda, hipoteca, arrendamento, desmembramento ou
promessa de venda de imóvel rural.
O Decreto-lei 4.497, de 6 de abril de 1966, exigia o certificado de
cadastro do IBRA para a venda, hipoteca, arrendamento, desmembramento ou
promessa de venda de imóvel rural.
O Decreto-lei n° 2.363, de 21 de outubro de 1987, extinguiu o INCRA e
criou o Instituto Jurídico de Terras Rurais – INTER, vinculado ao Ministério da
Reforma e do Desenvolvimento Agrário – MIRAD, ao qual compete a
supervisão, a coordenação e execução da reforma agrária.
Na outra modalidade um é detentor e o outro o possuidor este
distingue-se daquele pela vontade de ter para si a coisa de proceder a respeito
dela, ou de havê-la por conta própria. Do que vem dizer-se que é um domínio
de fato; e como isto só se pode fazer em nome do direito, tudo se reduz à
intenção de exercitar um direito próprio das coisas. Para esse direito
corresponder a essência da relação possessória deve ter caráter de “direito
real” suscetível de exercício contínuo ou repetido.
Quanto a posse e a propriedade: possuir é aquele que tem o exercício
de algum dos poderes inerentes ao domínio ou propriedade. A posse é o poder
de fato estabelecido pelo exercício de um dos poderes relativos ao domínio. A
30propriedade é o poder de direito poder que só se adquire por título justo e de
acordo com certas regras estabelecidas pela lei. Segundo Ortolan um
Legislation Romaine, propriedade ou domínio é o poder de direito, poder que
só se adquire por título justo e de acordo com certas regras estabelecidas pela
lei é o poder de ocupar a coisa de tirar dela todos os proveitos, todos os
produtos, todos os acréscimos; é o poder de modifica-la, dividi-la, de aliena-la,
de destruí-la mesmo salvo as restrições legais. É o poder de reivindica-la das
mãos de terceiros.
A Posse é a detenção material da coisa com a intenção de possuí-la
como próprio resultado da combinação de dois elementos: a detenção da coisa
e a intenção de possuí-la como sua, como no exercício de um dos poderes
inerentes ao domínio ou propriedade.
O possuidor tem o gozo de todos os benefícios da coisa, mas não pode
aliená-la, não pode destruí-la, não pode fazer uso de direitos concedidos ao
proprietário. O possuidor não tem, repetimos, todos os direitos assegurados ao
proprietário. “A posse é um poder de fato” e “A propriedade um poder de
direito”.
A proteção jurídica da posse. Os direitos relativos as coisas que fazem
parte do patrimônio individual chamam-se “direitos patrimoniais”. Há duas
espécies desses direitos: os que tem por objetivo o poder jurídico de uma
pessoa sobre determinada coisa – os que tem por objetivo o fato de ser uma
pessoa obrigada para com outra a fazer ou não fazer alguma coisa. Os
primeiros chamam-se “direitos reais”, os segundos “direitos das obrigações”.
2.1 - Formas de posse
Sem se desfigurar a sua natureza ou alterar o seu conteúdo, a posse
pode oferecer formas que a qualificam, sujeitando-a a especificidades que são
tratadas peculiarmente pela ordem jurídica. Sempre será conceituada nos
termos da definição que ficou acima deduzida. Mas em razão dos fatores
31acidentais ela apresenta este ou aquele aspecto que determina as suas
formas.
a) Posse justa e posse injusta
Diz-se que a posse é justa quando não lhe pesa a marca de qualquer
dos defeitos típicos, isto é, que não é violenta, clandestina ou precária (C.Civil,
art.489) repetindo-se a noção negativa romana: nec vim, rec clam, nec
precário. Injusta, ao revés a posse viciosa, eivada de uma dessas três pechas.
b) Posse violenta: a que se adquire por ato de força, seja ela natural ou
física, seja moral ou resultante de ameaças que provocam na vítima sério
receio. A violência estigmatiza a posse, independentemente de exercer-se
sobre a pessoa do espoliado ou preposto seu; como ainda do fato de emanar
do próprio espoliador ou de terceiro.
c) Posse clandestina: é a posse que se adquire por via de um processo
de ocultamento, em relação àquele contra quem é praticado o apossamento.
Contrapõe-se-lhe a que é tomada e exercida pública e abertamente. A
clandestinidade é defeito relativo: oculta-se da pessoa que tem interesse em
recuperar a coisa possuída, não obstante ostentar-se abertamente em relação
aos demais. Cabe ressaltar que a violência e a clandestinidade como vícios
relativos, somente podem ser acusadas pela vítima; em relação a qualquer
outra pessoa, a posse produz seus efeitos normais. E, como vícios
temporários, podem ser purgadas, com a sua cessação, desde que não
consista a mudança em ato do próprio possuidor vicioso.
d) Posse precária: é a do fâmulo na posse, isto é daquele que recebe a
coisa como a obrigação de restituir, e arrogar-se a qualidade de possuidor,
abusando da confiança, ou deixando de devolvê-la ao proprietário, ou ao
legítimo possuidor. Este vício como observa o iminente jurista Serpa Lopes,
inicia-se no momento em que o possuidor precarista recusa atender à
revogação da autorização anteriormente concedida (SERPA LOPES, 2007,
p.166).
e) Posse injusta: não se pode converter em posse justa quer pela
vontade ou pela ação do possuidor, quer pelo decurso do tempo. Nada impede,
32porém, que uma posse inicialmente injusta venha a tornar-se justa, mediante a
interferência de uma causa diversa, como seria o caso de quem possui
clandestinamente herdar do desapossado. Reversamente entende-se assim
permanecer, salvo se sobreviver mudança na atitude, como é o exemplo do
locatário, que recusa restituir ao locador, e se converte em possuidor injusto.
Em qualquer caso, a alteração no caráter da posse não provém da
mudança de intenção do possuidor, mas de inversão do título, por um
fundamento jurídico, quer venha de terceiros ou venha da modificação
essencial no direito.
f) Posse de boa fé ou má fé: o conceito de boa fé é fluído. Uns
entendem que ela se resume na falta de consciência de que dado ato causará
dano, e, desta sorte, imprimem-lhe um sentido negativo, equiparando-se à
ausência de má fé. Outros exigem um fatoramento positivo, e reclamam a
convicção do procedimento leal. Nem a própria incerteza satisfaz (PEREIRA,
2005, vol. 72, p.25).
Considera-se de má fé aquele que possui na consciência da
ilegitimidade de seu direito. De boa fé está aquele que tem a convicção de que
procede na conformidade das normas. Esta opinião poderá corresponder à
realidade, mas é também possível que se origine de um erro, de fato ou de
direito, quanto à legitimidade da posse. Não deixará de estar de boa fé o
possuidor que ignora o obstáculo a que possua, ou que equivocadamente
tenha razão de supor sem defeito a sua condição, embora na verdade não
seja. O problema da prova da boa fé, em matéria possessória, não escapa aos
tormentos da demonstração da boa fé em geral (PEREIRA, 2005, vol.72, p.
25). Em virtude do postulado da boa fé nas relações jurídicas, todo aquele que
a invoca, para extrair proveito ou vantagem é bastante que prove a diligência
ou cautela normais, presumindo-lhe a boa fé, e incumbindo ao reivindicante a
demonstração de que o possuidor conhecia os vícios de seu título. É uma
circunstância de fato, que se supõe existir até que o contendor se convença de
que o possuidor possui indevidamente em razão de conhecer o vício ou de ter
havido uma inversão do título gerado da má fé supervenientemente. Arguí-se,
33contra o princípio legal (C.Civil, art.491) a dificuldade de se investigar a má fé,
penetrando no ânimo do agente. Não obstante, o alicerce moral do preceito é
óbvio, pois que, se as circunstâncias induzem a presunção de que o possuidor
não ignora que possui indevidamente, não se deve mobilizar a seu prol o
aparelho jurídico-processual (FULGÊNCIO, 2008, p. 330).
g) Posse com justo título: a palavra título, que, na linguagem vulgar, como
na especializada, usa-se em variadas acepções, aqui, e para os efeitos
mencionados, traz o sentido de causa ou de elemento criador da relação jurídica.
É assim que se diz que a doação ou a compra e venda é título aquisitivo do
domínio; ou que o proprietário o é, de tais bens, a título hereditário. E considera-se
justo o título hábil em tese para transferir a propriedade. Basta que o seja em tese,
isto é independentemente de circunstâncias particulares ao caso. Uma escritura
de compra e venda é título hábil para gerar a transmissão. Se lhe faltarem
requisitos para, na espécie causar aquela transferência, o adquirente que recebe
a coisa possui como título justo porque o fundamento de sua posse é um título
que seria hábil à transmissão dos bens, se não lhe faltasse o elemento que
eventualmente está ausente.
Quem possui com justo título tem por si a presunção da boa fé. Mas é
uma “presunção iuris tantum” e, como tal, ilide-se pela prova contrária,
produzida pelo contendor.
Se a posse originária era injusta, o desconhecimento do defeito
daquele que a recebeu por título hereditário não lhe apaga o defeito porque o
herdeiro, como sucessor universal do defunto, continua na mesma posse, com
os vícios e qualidades que a revestiam. Se a aquisição se der a título singular
(convenção, legado), o mesmo não ocorre, pois que, começando sempre a
posse com o ato aquisitivo, não a corrompem os vícios anteriormente
existentes. É certo que o que o adquirente tem a faculdade de juntar à sua, a
posse do antecessor, mas é mera faculdade de que, somente se utilizará se lhe
convier, e o possuidor é o único árbitro. O título que em tese não seja hábil a
transferir o domínio não é justo, e consequentemente, não tem o condão de
gerar a presunção de bom título.
34h) Posse ad interdicta e ad usucapionem: as fontes, como os autores,
aludem à posse ad interdicta e à posse ad usucapionem. Para que o possuidor
obtenha o interdito que o ampare contra o turbador ou esbulhador, basta que
demonstre os elementos essenciais, corpus e animus, isto é, a existência da
posse; e a moléstia. Mas, para que adquira por usucapião, necessário será
que, além dos elementos essenciais à posse, revista-se ainda esta de outros
acidentais: boa fé; decurso ou trato de tempo suficiente; que seja mansa e
pacífica; que funde em justo título, salvo no usucapião extraordinário; que seja
que seja com ânimo de domínio, tendo o possuidor a coisa como sua, já que é
bastante para os interditos, é insuficiente para o usucapião (FULGÊNCIO,
2008, p. 330).
i) Posse direta ou indireta: a posse, como visibilidade do domínio,
traduz a conduta normal externa da pessoa em relação à coisa, numa
aparência de comportamento como se fosse proprietário, com o objetivo de ter
seu aproveitamento econômico. Este, muitas vezes, tem lugar com a utilização
da coisa por outro. Ocorre assim, para que a coisa possuída cumpra a sua
finalidade, um deslocamento a título convencional, e, então, uma outra pessoa,
fundada no contrato, tem a sua posse sem afetar a condição jurídica do
proprietário, ou do possuidor antecedente. Somente a teoria de Ihering o
comporta pois que basta à determinação da posse que se proceda em relação
à coisa como o faz o proprietário (posse = visibilidade do domínio), e aquele
que a recebe numa destinação econômica usa-a como o faria o proprietário. O
que é importante é que este possuidor não anula a condição jurídica do dono,
de quem recebe o seu título. E é relevante acentuar também, que tal
desdobramento pressupõe uma certa relação jurídica entre o possuidor indireto
e o possuidor direto. Esta situação se explica pelo desdobramento da posse,
considerando-se o cessionário igualmente possuidor. Deste desdobramento
resulta a duplicidade excepcional da posse sobre a mesma coisa. Um
possuidor que cede o uso da coisa, possuidor indireto ou mediano. O outro,
que o recebe por força de contrato, diz-se possuidor direto ou imediato. Várias
são as hipótese desse desdobramento: locação, usufruto, penhor, depósito,
transporte, comodato. Também há a hipótese em que a coisa passa a outrem
35por força de obrigação ou direito, em caso similar aos aludidos. Convém
acentuar que se exclui o dependente, o servidor, que jamais se reputa possuir
para si, porém sempre em nome de outrem e para este.
As posses direta e indireta coexistem; não colidem e não se chocam.
Ambas, mediatas e imediatas são igualmente tuteladas, sendo ilícito ao terceiro
oponente invocar em proveito próprio o desdobramento. Uma vez que
coexistem, é ilícito aos titulares defendê-las, qualquer deles, contra o terceiro
que levante uma situação contrária, pode o possuidor direto invocar a proteção
possessória, como igualmente o possuidor indireto, sem que haja necessidade
de invocar o auxílio ou assistência do outro. Cada um defende a posse como
direito seu, por título próprio, e independente do título do outro.
Mas, se o possuidor indireto molestar a posse direta daquele a quem
transferiu a utilização da coisa, tem o possuidor direto ação contra ele.
2.2 - Composse
Sendo a posse a exteriorização do comportamento, admite-se a
composse em todos os casos em que ocorre o condomínio, e compossuidor os
condôminos. Nas suas relações externas, isto é, nas relações com terceiros os
compossuidores procedem como se fossem um único sujeito não interessando
aos estranhos a relação compossessória indagar do estado de comunhão ou
sua causa, nem apurar o valor da quota de cada comunheiro. A todos os
compossuidores reconhece a lei iguais atributos assegurando-lhes a todos a
utilização da coisa comum, contando que não interfiram no exercício por parte
de outros, ou de qualquer deles, de iguais faculdades. Nenhum dos
compossuidores possuía a coisa por inteiro, porém cada um tem a posse por
fração ideal. Se um perturbar o desenvolvimento da composse, poderá
qualquer dos outros valer-se dos interditos, cujo alcance adstringe-se á
contenção do compossuidor no respeito à posse dos outros. Mas se qualquer
deles entender que o comunheiro excedeu as forças de seu título, explorando
36simplesmente a coisa a maior, os remédios possessórios são inábeis para
apurar a situação, cabendo apena aos interessados o recurso às vias
ordinárias para ressarcimento do prejuízo.
Cessa a composse: pela divisão amigável ou judicial da coisa comum,
uma vez que é ela a conseqüência natural do estado de indivisão e pela posse
exclusiva de um dos sócios que isole, sem oposição dos demais, uma parte
dela, passando a possuí-la com exclusividade, o que implica numa divisão de
fato efetivada com a concordância dos comunheiros e respeitada pelo direito
como um estado transitório, até que a definitiva se realiza, com observância
dos requisitos e formalidades legais (C.Civil, art.508).
A composse é temporária, porém a composse sobre as partes de uso
comum do edifício de apartamentos é perpétua no sentido de que não se
extinguirá enquanto existir prédio como entidade econômica e conjunto útil.
2.3 - Efeitos da posse
Na concepção de Savigny são dois os efeitos: invocação e interditos e
usucapião. Os interditos são os direitos sem a intercorrência de qualquer fator
hexógeno. É bastante que exista a posse independentemente de elementos
acidentais, para que se possa valer das ações possessórias aquele que sofra
uma turbação, um esbulho, ou uma ameaça.
Os interditos, nome pelo qual o pretor romano designava a medida
defensiva com que paralisava a penetração do terceiro na esfera jurídica do
possuidor, ou ações possessórias, designação por que modernamente se
denominam os remédios que resguardam a posse de toda turbação, esbulho
ou ameaça – os interditos ou ações possessórias são efeitos da posse, porque
produto constante e regular desta, independentemente de qualquer outro fato
(LINS, op.cit., p.127). Outros efeitos gera a posse, embora exijam a presença
de elementos qualificadores, modificativos e adicionais. Não são efeitos
exclusivos, mas oriundos da posse condicionada, ou da posse acompanhada
37de algo mais. Não cabe, porém, negá-los, pois que o legislador assim os
considera e proclama (PEREIRA, 2005, p.46):
a) Usucapião, é o modo de aquisição da propriedade. Aquisição pela
posse prolongada e qualificada pela boa fé, decurso de tempo, pacificidade,
animus domini. Não seria então efeito da posse pura e simples. Mas, como
esta lhe é essencial, não há como negar que a posse é requisito do usucapião,
e, pois, que esta é efeito seu.
b) Presunção e propriedade, pelo de ser a visibilidade do domínio, o
possuidor tem por si a presunção de ser dono, até que seja convencido do
contrário. Presunção iuris tantum, sem dúvida, cede à prova contrária. Mas
enquanto está não se der, milita a seu favor a “presunção de propriedade” que o
habilita a repelir o oponente.
c) Percepção dos frutos, ao possuidor de boa fé, enquanto ela durar,
assiste a faculdade de perceber os frutos da coisa possuída. Não é um efeito da
posse exclusivamente; mas como exceção ao princípio, segundo o qual
pertencem ao proprietário os frutos da coisa, o possuidor os perceberá calado na
boa fé; cessada a boa fé ou presumindo-se esta desde a citação para a lide,
cessa pela mesma razão a percepção dos frutos devendo serem restituídos os
frutos então pendentes, com dedução das despesas de manutenção e custeio
assim como os que forem colhidos por antecipação que se presuma maliciosa. O
possuidor de má fé responde por todos os frutos, inclusive aqueles que
culposamente deixou de colher.
d) Direito de retenção, a quem tenha que devolver coisa alheia, reconhece
o direito, em certos casos, recusar a restituição sob fundamento da existência de
um crédito contra o que irá recebê-la. O direito de retenção justifica-se em razão
da equidade que não concorda que o devedor da restituição tenha de efetuá-la
para somente depois ir reclamar o que lhe é devido. Permite-lhe se opor à
devolução até ser pago. Mas, se é seu fundamento, a existência de um crédito
contra o que irá recebê-la. O direito de retenção justifica-se em razão da equidade
que não concorda que o devedor da restituição tenha de efetuá-la para somente
depois ir reclamar o que lhe é devido. Permite-lhe se opor à devolução até ser
38pago. Mas se é seu fundamento, a existência de um débito, nem por isto se nega
que o direito de retenção seja efeito da posse, embora rodeada esta de outros
elementos, pois certo é que, sem ela não tem objeto o direito de retenção.
e) Indenização de benfeitorias, pelo valor das benfeitorias necessárias,
como pelo das úteis autorizadas, o possuidor tem direito a ser indenizado e reter a
coisa até que o seja. Não é, evidentemente um efeito da posse exclusivo, porém
desta aliada as circunstâncias de ter o possuidor benfeitorias na coisa. Se forem
necessárias, isto é, despesas ou obras realizadas na coisa, com o objetivo de
conservá-la, evitando o seu perecimento ou danificação, cabe-lhe o direito de
reaver o seu valor. Se forem úteis como tais consideradas as que aumentam o
cômodo da coisa, cabe indenização ao possuidor de boa fé. Quanto às
voluptuárias de mera reforma para embelezar, ao possuidor de boa fé será lícito
levantá-la desde que não advenha dano à coisa. Até ser indenizado o possuidor
tem o direito de retenção quanto às necessárias, bem como às úteis autorizadas;
mas falta-lhe em relação às voluptuárias.
f) Autodefesa, o possuidor tem a faculdade de repelir o atentador à posse
mantendo-a ou nela se reintegrando pela própria força. Para que se legitime a
reação, o desforço tem de obedecer a certos requisitos, sem os quais a
autodefesa se converte em comportamento anti-jurídico. 1) Em primeiro plano o
imediatismo, isto é, a repulsa à violência sem retardamento, sem permitir que flua
o tempo após o seu início, e antes que o turbador consolide a posição; 2)
proporcionalidade entre a agressão e a reação que deverá conter-se no limite do
indispensável a repeli-la sem que se converta em fundamento de violência
reversa, a semelhança do que ocorre com a legítima defesa. Tendo o titular o
gozo do direito, deve-lhe ser reconhecida a faculdade de defendê-la contra a
agressão de terceiros na medida em que o permita a paz pública. O princípio da
autodefesa denominado também “desforço incontinenti” já está consagrado em
nosso direito positivo (C.Civil, art.502).
39
CAPÍTULO III
AÇÕES POSSESSÓRIAS
Ações possessórias são os meios defensivos assegurados pelo nosso
ordenamento jurídico para repelir a agressão contra quem ameaça, molesta ou
esbulha o possuidor. O CPC no art.920 disciplina o ajuizamento destas ações
que tem caráter próprio e rito especial que de modo geral todos os sistemas
adotam. Inspiram-se no objetivo de resolver rapidamente a questão originada
do rompimento antijurídico da relação estabelecida pelo poder sobre a coisa.
Não se pode deixar de ponderar que a tutela da posse consista também num
fato social com repercussão no universo jurídico e gerando consequências às
partes envolvidas nas respectivas demandas possessórias.
3.1 - Procedimentos nas ações possessórias
No estágio atual do nosso direito processual, o entendimento
dominante nos tribunais é que as sentenças possessórias poderão ser
atacadas pelo remédio adequado que são os embargos de terceiros e seguindo
nesta linha o processualista Guido Arzua complementa que cabe na execução
da possessória, embargos de terceiros na fase de execução de mandado de
reintegração de posse e quanto ao prazo estipulado para oposição dos
embargos de terceiros (art. 1046 CPC) em oposição à execução da sentença
de reintegração deve ser contado da data em que se cumpriu o mandado
reintegratório. O deferimento ou não da medida liminar nas referidas ações se
dá através de decisão interlocutória (recurso de agravo de instrumento). Com a
simplificação do sistema recursal em que se pretende banir o uso do mandado
de segurança contra decisões judiciais o que ocorre é que ainda continua
freqüente a impetração do writ principalmente contra a concessão de liminar
em ações possessórias porque o agravo não dispõe de efeito suspensivo.
Segundo Adroaldo Furtado Fabrício a orientação que tem sido cada vez mais
40predominante é que a ação de mandado de segurança com caráter
complementar e não substitutivo do recurso adequado acolhe o pedido de
segurança e se concede para o efeito de sustar o cumprimento imediato da
decisão até o julgamento do agravo desde que este haja sido interposto. Se o
recurso não foi tempestivamente manifestado, a preclusão processual impede
o reexame da matéria, inclusive por via de mandado de segurança, pois se
assim não fosse, haveria de subverter por completo o sistema de preclusões
sucessivas sem o qual o processo se tornaria caótico e infindável.
A admissibilidade do mandado de segurança contra o ato judicial
agravável, supondo que o recurso tenha sido interposto e que o objeto do writ
seja a suspensão da efetivação da decisão atacada e não o conteúdo desta,
cujo reexame se há de fazer apenas no julgamento do agravo. Sendo as ações
possessórias procedimentos especiais unitários ou seja procedimentos que
englobam numa só relação processual toda a atividade jurisdicional, desde a
cognição até a execução, inexistindo execução de sentença como processo
separado tendente a entrega de coisa certa não se aplicam às ações de
manutenção e reintegração de posse as regras pertinentes a execução forçada
e seus embargos. Não há nos interditos “instância executória” já que a posse é
mantida ou restituída de plano do vencedor da ação mediante simples
expedição de mandado de manutenção ou reintegração; portanto se o
demandado tem benfeitorias a indenizar e pretende exercer, se cabível o direito
de retenção, há de ser requerido no curso da ação por meio da contestação e
nunca por via de embargos de retenção após a sentença porque tais embargos
pressupõe logicamente a existência de uma execução de sentença nos moldes
de condenação a entrega da coisa certa (art. 744 CPC), segundo as normas
dos arts. 62 e 70, n° II é possível ocorrer nas ações possessórias tanto a
nomeação a autoria como a denunciação da lide. Mas as duas intervenções de
terceiros não se confundem nem podem ser utilizadas pela parte
indiferentemente, ao contrário, cada uma delas tem requisitos específicos e
aplicação própria a situações bem definidas visando ainda a objetos diversos.
Assim é cabível a nomeação à autora (art. 62 CPC) quando o réu da ação
possessória não for realmente o possuidor, mas apenas o detentor do bem
41litigioso. Na nomeação à autoria o demandado visa avisa a excluído do
processo e substituído pelo verdadeiro possuidor em nome de quem exerce a
detenção. Na verdade o detentor não tem posse a defender e se coloca
perante o autor como parte processual ilegítima. Já a denunciação da lide só
tem cabimento quando réu da possessória for possuidor embora direta e sem
exclusão da indireta de outro possuidor de onde a primeira se derivou; neste
caso a denunciação da lide não afeta a legitimidade de parte do demandado
nem visa excluí-lo da relação processual possessória. O possuidor indireto (o
locador) é chamado pelo direto ( o locatário) para responder pela obrigação de
assegurar a continuidade da posse direta com as correspondentes vantagens
ou indenização do equivalente se não puder garantir a continuidade.
3.2 - Requisitos do processo possessório
Além do art. 282 do CPC é necessário que o autor ao exemplificar a
espécie de posse e especificar o dano: turbação, esbulho ou ameaça e a
indicação da data, na existência da continuação da posse deve-se provar esta
situação. Estes requisitos juntamente com o art. 282 do CPC é que vão indicar ao
juiz a prova inequívoca ou verossimilhança, faz-se necessária a descrição do
imóvel, o justo título ou outro documento hábil (art. 292 do CPC e art. 928 do CPC
caput) devendo conter a petição inicial todos os requisitos necessários. O juiz
poderá marcar uma audiência de justificação em que o réu é citado a comparecer
para prestar esclarecimentos e suprir as omissões da inicial e então o juiz se for
requerida a medida liminar poderá ou não concedê-la ouvindo o depoimento das
partes na própria audiência concedendo ou não a liminar o juiz no prazo de 5 dias
deve promover a citação do réu e o recolhimento das custas. Uma vez citado o
réu deve apresentar a contestação e seu não comparecimento à audiência de
justificação configura a revelia. Incube o autor provar a sua posse, turbação ou
esbulho ou do esbulho assim como a continuação da posse turbada na ação de
manutenção e a perda da posse na ação de reintegração. Estando a inicial
42devidamente instruída deve o objeto ser especificamente caracterizado de forma
precisa o juiz determinará sem ouvir o réu:
- Expedição ou não do mandado liminar de manutenção ou
reintegração cabendo ao autor promover nos cinco dias subseqüentes a
citação do réu para contestar a ação e pagar as despesas inerentes.
- Determinar que o autor justifique o alegado pelo princípio do livre
convencimento e em sendo ordenada a justificação para o prazo para contestar
contar-se-á da intimação do despacho que defere ou não a medida liminar, se
julgada procedente a justificação prévia o juiz determinará expedição de
mandado de manutenção ou reintegração e sendo julgada improcedente
mandará citar o réu para comparecer a audiência que for designada. A exceção
fica por conta das pessoas jurídicas de direito público contra as quais não será
deferida a manutenção ou reintegração liminar sem prévia audiência dos
respectivos representantes judiciais sendo básicas as normas que dispõe que a
via judicial do procedimento especial é para a ação de reintegração ou
manutenção da posse quando intentada dentro de 1 ano e dia da turbação ou
do esbulho transcorrido este prazo deverá ser proposta no procedimento
ordinário não perdendo contudo o caráter possessório. De acordo com o art.
927 do CPC e seus incisos que dispõe que cabe ao autor da ação de
reintegração provar a sua posse, o esbulho e sua data, bem como a perda da
posse requisitos necessários para o processamento do feito. Não configurada a
violação dos dispositivos de lei apontados, mas mera tentativa de rediscussão
sobre a matéria de prova e interpretação dos fatos da causa é incabível o pleito
rescisório conforme a jurisprudência que se segue:
Ação improcedente TJ MA - AR 005713/2002 - (41.491/2002) - 3°
Câmara Cível - relator Des. Cleones Carvalho Cunha - 10/10/2002 JCPC - 927.
Fungibilidade das Ações Possessórias: é possível conceder providência
possessória sem a necessidade de formação do respectivo processo, ou seja,
permite que o magistrado defira a medida possessória por outra no mesmo
processo, independente da emenda da inicial, por ex.: se afora ação de
interdito proibitório em razão da ameaça ou esbulho, mas quando se percebe já
43ocorreu a perda da posse em razão do esbulho, dessa forma estaríamos
utilizando procedimento diverso o que ocasionaria o indeferimento da inicial,
contudo utilizando-se a fungibilidade se permite que o magistrado conheça da
ação de interdito como se fosse uma ação de reintegração de posse com base
na fungibilidade das medidas cautelares na forma do art. 920 do CPC segundo
o qual a propositura de uma ação cautelar possessória em vez de outra não
obstará a que o juiz conheça do pedido e outorgue a proteção legal
correspondente àquela cujos requisitos estejam provados. Este sincretismo
processual visa em razão da natureza jurídica do processo à pacificação social
com a composição da lide e a efetividade da prestação jurisdicional fins estes
determinados pela própria natureza da prestação jurisdicional. É importante
mencionar que é cabível a cumulação de pedidos possessórios pugnando-se
pela condenação do réu em perdas e danos, cominação pecuniária também
conhecida como “astreinte”, bem como o desfazimento de construção ou
plantação feita em detrimento da posse conforme mencionado no art. 921 do
CPC e seus incisos.
Segundo Wambier isto em nada descaracteriza a natureza possessória
na ação como em todos os casos de cumulação de pedidos, visa-se a
economia processual (WAMBIER, 2001, p. 185). A aplicação de pena
pecuniária para o caso de turbação ou esbulho demonstra a reafirmação da
tutela possessória que motivou a demanda.
Segundo Nery e Marione podem ser reivindicados na ação possessória
a proteção possessória, a indenização por perdas e danos, pela nova turbação,
desfazimento de plantação ou construção realizada em detrimento de sua
posse, sendo correto afirmar que os pedidos devem ser claros e constar
expressamente da peça exordial, assim sendo o juiz que conceder qualquer um
deles sem que o autor tenha pedido expressamente estará julgando de forma
extra-petita (NERY, 2000, p. 1137).
44
3.3 - Ação de manutenção de posse
Esta ação tem finalidade defensiva típica. O possuidor sofrendo
embaraço no exercício de sua condição, mas sem perdê-la, postula ao juiz que
lhe expeça Mandado de Manutenção, provando a existência da posse, e a
moléstia. Não se vai discutir a qualidade do direito do turbador nem a natureza
ou profundidade do dano, porém o fato em si, perturbador da posse. Por isso é
que a manutenção da posse, de acordo com as circunstâncias pode ser
concedido contra o agressor, contra o que se supõe fundado em direito, e até
mesmo contra o proprietário da coisa. Esta circunstância é aparentemente
estranha, pois que pode chegar ao extremo de defender o estranho contra o
verdadeiro dono. Mas é a consequência inevitável da proteção à posse: se em
cada caso se fosse apurar o domínio, a pretexto de tutelar a sua exteriorização,
seria infindável, repetir-se-ia em todos os conflitos prejudicando a defesa da
posse. É motivo de grandes debates se a manutenção pode ser concedida ao
possuidor direto, e, mais longe se é lícito expedir-se contra o indireto.
Goldim Neto, profundo conhecedor do tema sustenta a proteção
possessória entre os dois possuidores, um contra o outro (NETO, 1972, p.
160). Já Orozimbo Nonato e Espíndola negam a tutela da posse por via dos
interditos invocados por qualquer deles contra o outro e afirmam que as
diferenças ou litígios devem dirimir-se por via de outras ações que não as de
natureza possessória (NONATO, vol.90, p. 418). Apesar das opiniões diversas
de estudiosos do tema a defesa da posse deve ser reconhecida como meio de
resguardar a condição do possuidor imediato, seja contra um terceiro, seja
contra o possuidor indireto. Este não pode, em nenhum caso, romper, por sua
força, o estado de fato de que o possuidor direto goza em razão do título que
contemplou a manutenção da posse ao possuidor mediato ou indireto contra
terceiro, mas inadmissível contra o direto, que tem poder sobre a coisa, e não
pode ser considerado turbador da posse indireta. Com relação a moléstia se é
recente e como tal considera-se de menos de ano e dia, dar-se-á a
manutenção liminar, após justificação sumária sem audiência da outra parte.
45Contudo se a posse data de menos de ano e dia, ninguém será mantido
reintegrado senão contra quem não tiver melhor posse. No conflito das posses
considera-se a melhor a que se fundar em justo título ou na falta deste a que
contar maior tempo. E se não for possível apurá-lo o juiz ordenará o seqüestro
da coisa, até que em decisão definitiva fique demonstrado qual a melhor
(C.Civil, art.507).
3.4 - Reintegração de posse
Aquele que é desapossado da coisa tem, para reavê-la e restaurar a
posse perdida, ação de reintegração de posse. Existem duas hipóteses a
considerar: se o esbulhador datar de menos de ano e dia, a ação com o nome
também designada como ação de força nova espoliativa, inicia-se pela
expedição de mandado liminar, para que seja o possuidor prontamente
reintegrado mediante justificação sumária dos requisitos. Após a expedição do
mandado, abre-se ao réu o prazo de defesa.
Se o esbulho é de mais de ano (ação de força velha espoliativa) o juiz
fará citar o réu para que se defenda, admitirá suas provas, que ponderará com
as do autor, e decidirá finalmente quem terá a posse. Nesse caso a sentença
tem efeito dúplice: julgando que o autor não deve ser reintegrado, reconhece a
legitimidade da posse do réu; e vice versa, concedendo a reintegração, repele
a pretensão do esbulhador sobre a coisa. São requisitos desta ação: a
existência da posse e seu título e o esbulho cometido pelo réu, privando
aquele, arbitrariamente da coisa ou do direito (violência, clandestinidade ou
precariedade). Exclui-se da caracterização do esbulho a privação da coisa por
justa causa. O objetivo imediato da sentença é restituir a coisa ao esbulhador,
e, se ela não mais existir, o seu valor.
46
3.5 - Ação de interdito proibitório
É a defesa preventiva da posse, ante a ameaça de turbação ou
esbulho. Consiste em armar o possuidor de mandado judicial, que a resguarde
da moléstia iminente. Não é necessário que aguarde a turbação ou o esbulho.
Pode antecipar-se ao início da violência e obter um julgado que o assegure
contra a hipótese de vir a ocorrer, sob pena de pagar o réu multa pecuniária,
em favor do próprio autor ou de terceiro (uma instituição filantrópica). Com a
cominação do preceito, o réu se contém, e, se não abstiver da moléstia,
automaticamente incidirá na pena (C.Civil, art.501). Mas é necessário que o autor
tenha fundado receio de que a violência virá, cumprindo-lhe, pois, provar os
requisitos: posse, ameaça da moléstia, probabilidade de que venha a verificar-se.
47
CONCLUSÃO
A monografia sobre “Ações Possessórias” direcionou-me ao
entendimento de que a “posse é um fato” reconhecido pelas instituições, é
legítima, e o possuidor deve ser respeitado no exercício desta posse, e em
sendo molestado ou prejudicado deverá ser compensado pelos danos sofridos
e seus eventuais prejuízos, e também terá de ser compensado daquilo que
razoavelmente deixou de ganhar, e é inevitável a sua indenização.
Conclui-se também que não induzem posse, os atos de mera
permissão ou tolerância (C.C. art.497): os primeiros porque resultam de uma
concessão do dominus, por isto mesmo revogável, os segundos porque
representam, uma condescendência ou indulgencia pelas quais nenhum direito
é na realidade cedido. Sendo a posse a visibilidade do domínio, os direitos
suscetíveis de posse serão aqueles sobre os quais é possível exercer um
poder ou um atributo dominial sendo o caso da “manutenção de posse”, “a
reintegração de posse” e o “interdito proibitórios”.
48
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ementário, memórias e formulários. Rio de Janeiro: Gráfica Aurora Ltda, 1952.
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49
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