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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
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RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO CONSUMIDOR
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Por: Ana Marta Campos Netto dos Reys
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Orientador
Prof. Carlos Afonso Leite Leocadio
Rio de Janeiro
2009
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
INSTITUTO A VEZ DO MESTRE
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RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO DO CONSUMIDOR
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Apresentação de monografia ao Instituto A Vez do
Mestre – Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Responsabilidade Civil
Por: Ana Marta Campos Netto dos Reys
AGRADECIMENTOS
Agradeço à minha família e meus
amigos pelo apoio.
DEDICATÓRIA
Para meu marido Álvaro e minha filhinha
Mirella, ainda em meu ventre
RESUMO
O presente artigo tem por finalidade analisar, através de um estudo crítico, o
instituto da responsabilidade civil no Direito do Consumidor, em face do
sistema introduzido pela Lei 8078/90, o Código de Defesa do Consumidor,
esclarecendo os limites da responsabilidade do fornecedor de produtos e
serviços, responsabilidade esta que é objetiva, onde não se fala em
demonstração de culpa, mas sim em demonstração do nexo causal.
METODOLOGIA
Através do método bibliográfico, objetiva-se estudar como o Código de Defesa
do Consumidor libertou-se do jugo da culpa, adotando, para a responsabilidade
civil, a moderna teoria do risco, o risco do consumo.
Analisaremos o que seria o fato e o vício do produto, e como a teoria do risco
atirou o risco do consumo sobre os ombros do fornecedor, protegendo de
forma extraordinária o consumidor.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08 CAPÍTULO I – Responsabilidade Civil:
origem, conceito, espécies 12 CAPÍTULO II – Responsabilidade Civil:
Teoria Subjetiva x Teoria Objetiva 21 CAPÍTULO III – A Responsabilidade Civil Objetiva
no Direito Moderno 24 CAPÍTULO IV – Surgimento do Direito do Consumidor 29 CAPÍTULO V – A Responsabilidade Civil no Código de Defesa
do Consumidor pelo fato e pelo vício do produto e do serviço 54
CAPÍTULO VI – Causas de exclusão da responsabilidade
do fornecedor 61 CONCLUSÃO 69 BIBLIOGRAFIA 71 ÍNDICE 73
8
INTRODUÇÃO
A vida em sociedade pressupõe um complexo de relações ensejadas
por interesses de toda ordem. Quando um interesse protegido pelo direito sofre
uma lesão injustamente, torna-se imperioso o retorno ao seu estado anterior,
torna-se imprescindível seu ressarcimento pelo agente que o lesionou.
Isto porque o objetivo maior de nossa ordem jurídica é proteger tudo
aquilo que está na esfera do lícito e rechaçar tudo aquilo que for por ela
considerado ilícito, e para atingir tal objetivo, ela impõe deveres, que podem
atingir pessoas determinadas ou podem atingir a todos, indistintamente.
A responsabilidade é o dever secundário de reparar o dano causado
pela violação, pelo descumprimento de uma obrigação anterior estipulada pelo
Direito, pelo descumprimento de um dever jurídico originário.
Tradicionalmente, se estuda a responsabilidade civil em uma dupla
perspectiva: de um lado, ligada à figura da obrigação e seu inadimplemento,
em que a responsabilidade aparece como dever secundário, e de outro, se
estuda a responsabilidade ligada à ocorrência de um ato ilícito, fazendo nascer
um dever de ressarcimento para aquele que deu causa ao dano. Há ainda a
responsabilidade com raiz na própria lei.
O fundamento, a idéia da responsabilidade civil, presente em qualquer
sociedade, está vinculada ao neminem laedere, preceito moral que significa
não lesar o próximo, e à noção de reparação do dano a terceiro. Pode ter
origem em ato ilícito (responsabilidade por ato ilícito, que é também chamada
de extracontratual), na inexecução de contrato (responsabilidade contratual),
ou na própria lei (responsabilidade legal), como exposto acima.
As três espécies têm em comum a indenização pelo dano causado,
que é a reparação civil. Esse dano causado rompe o equilíbrio jurídico-
econômico existente anteriormente entre o agente e a vítima, fazendo nascer a
necessidade imperiosa de se restabelecer esse equilíbrio, o que se procura
fazer colocando o prejudicado, no máximo possível, à situação anterior à lesão.
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Assim, o interesse em restabelecer o equilíbrio econômico jurídico alterado
pelo dano é a causa geradora da responsabilidade civil.
Se a natureza da reparação, do ressarcimento, é patrimonial, está
configurada a responsabilidade civil, que possui este nome para que não seja
confundida com a responsabilidade criminal.
O presente estudo se calca em uma das várias faces da
responsabilidade civil, que é a responsabilidade nas relações de consumo, a
responsabilidade civil do Código de Defesa do Consumidor. Tal
responsabilidade adveio de fatores estreitamente ligados à mudança do modo
de vida em sociedade numa civilização industrial. A produção passou a ser
feita em série, e não mais sob encomenda unitária, multiplicando-se, por
conseguinte, a potencialidade danosa, sobre a qual se funda toda a experiência
normativa. Era preciso mudar certos princípios tradicionais da responsabilidade
civil e os esquemas de tutela jurisdicional para resolver os inúmeros problemas
decorrentes das relações de consumo e atingir os objetivos colimados pelo
Código de Defesa do Consumidor: respeito à dignidade, saúde e segurança;
proteção dos interesses econômicos e a melhoria da qualidade de vida e
atendimento das necessidades dos consumidores. Enfim, impunha-se a
adoção de um sistema mais moderno e em melhor sintonia com a sociedade
de consumo.
È bom ressaltar que a conotação principal deste Código é garantir a
efetiva e integral reparação dos danos causados pelo fornecedor de produtos e
serviços ao consumidor, seja nas relações de consumo exclusivamente
individuais, seja nas que envolvem interesses individuais homogêneos,
interesses coletivos e até mesmo interesses difusos. Devido a este fator, a
posição do consumidor foi fortalecida por institutos de Direito substantivo e
adjetivo, situação esta que, tempos atrás, poderia ser considerada pulverizada
e enfraquecida pela parte contrária economicamente mais forte e, graças ao
Diploma Consumerista, esta situação se tornou mais eqüitativa e justa. O
Código de Defesa do Consumidor vivencia suas ações a partir do
reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo,
procurando proteger o consumidor de eventuais prejuízos ocasionados pelo
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fato do consumidor ocupar, na relação de consumo, uma posição tão fraca e
suscetível de ser lesada. A filosofia básica do Código de Defesa do
Consumidor é reconhecer esta vulnerabilidade, procurando igualar o
consumidor, nas relações de consumo, ao fornecedor. Deverão ser criadas, de
acordo com as necessidades, delegacias de polícia especializadas para
atendimento às vítimas de crimes de consumo. Instituir-se-ão promotorias de
justiça de defesa do consumidor, em complemento ao Ministério Público. Na
área do poder judiciário se programa a criação de juizados especiais de
pequenas causas e de varas especializadas. No entanto tais realizações só
serão possíveis através de incentivos, não apenas do Estado, mas
principalmente da conscientização de nós, consumidores, que apesar de
ocuparmos uma posição mais fraca nas relações de consumo, contamos hoje
com uma importante arma de proteção, o Código de Defesa do Consumidor.
Outrossim, estudaremos que a responsabilidade adotada pelo Código
de Defesa do Consumidor é a objetiva, fundada em uma das espécies da
moderna teoria do risco. Veremos que o Código de Defesa do Consumidor
adotou uma posição afinada com estudos e legislações modernas que estão
presentes nos países industrializados, e abandonou o tradicional conceito de
culpa, consagrando, como dito, a responsabilidade civil objetiva do fornecedor
pelo fato do produto no art. 12. Nesta esteira, cabe aqui uma observação.
Alguns autores continuam a afirmar ser a responsabilidade subjetiva a norma-
base em nosso direito, tratando as hipóteses objetivas como exceções. O
Código de defesa do Consumidor, fazendo da responsabilidade sem culpa
regra para as relações de consumo, evidentemente conduzirá ao isolamento,
cedo ou tarde, aqueles que, quase todos, ainda insistem em afirmar a tese da
prevalência da responsabilidade subjetiva. A amplitude de abrangência das
chamadas relações de consumo é imensa e, fosse pouco, o Código ainda é
aplicável, no campo da responsabilização, a todas as vítimas de evento
danoso. Nossa exposição, entretanto, não se centrará na afirmação que acaba
de ser feita, que é, sim, ponto de partida para uma preocupação mais
específica, ou seja, o exame do papel da responsabilidade objetiva no
ordenamento jurídico consumerista.
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Como tal Código criou uma sobreestrutura jurídica multidisciplinar,
aplicável a todas as relações de consumo, onde quer que vierem a ocorrer,
seja no direito público ou privado, contratual ou extracontratual, material ou
processual, seu campo de incidência é muito vasto. porém ele estabeleceu
uma disciplina uniforme para todas as relações de consumo. É bom lembrar
que, hoje em dia, qualquer fato jurídico pode ensejar uma relação de consumo:
seja relacionado à saúde, à segurança, aos transportes, alimentação,
medicamentos, moradia, e assim por diante. Não seria correto o legislador
retirar dos múltiplos diplomas legais tudo aquilo que se relaciona com os
direitos do consumidor, concentrando-o em um minissistema jurídico. Por isso,
o Código de Defesa do Consumidor, sem retirar as relações de consumo do
campo do Direito onde por natureza se situam, irradia sobre elas a sua
disciplina, ou seja, a nova disciplina do CDC alcança as relações de consumo
onde quer que venham a ocorrer.
Por derradeiro, além de estudarmos a responsabilidade civil nas
relações de consumo, que é objetiva, estudaremos a responsabilidade pelo fato
e pelo vício do produto e do serviço.
12
CAPÍTULO I
RESPONSABILIDADE CIVIL:
ORIGEM, CONCEITO, ESPÉCIES
Iniciamos este capítulo abordando as origens históricas da
responsabilidade civil, que se caracterizava pela reação conjunta do grupo
contra o agressor, pela ofensa a um de seus componentes, na forma de
vingança coletiva - Lei de Talião.
A expansão da responsabilidade civil se realiza sob formas e direções
diversas, em uma evolução tridimensional: quanto aos seus fundamentos,
passa a basear-se não somente na culpa, mas, também, no risco, passando
assim, a não ser apenas subjetiva, mas, também, objetiva, ampliando-se a
indenização de danos sem existência de culpa; em relação a sua extensão ou
área de incidência, onde a tendência é pelo aumento do número de pessoas
responsabilizadas pelos danos causados e o número de beneficiários da
indenização, evoluindo, no sentido de estabelecer uma solidariedade entre
comitentes e prepostos, pais e filhos menores, transportadores e causadores
de dano, seguradores e terceiros culpados; quanto à sua profundidade ou
densidade, na qual a reparação se desenvolve, de maneira que, atualmente, o
direito pretende cobrir o dano em todos os seus aspectos, restaurando a
situação como estava anteriormente ao evento, constituindo não só em repor o
dano material, como o dano moral.
Em sua evolução histórica, pode-se dizer que inicialmente a
responsabilidade civil se caracterizava pela reação de todo o grupo aos seus
agressores em uma forma de vingança coletiva. Evoluindo, depois, para o
direito de vingança privada, reconhecendo à vitima a seguinte máxima
expressa pela Lei do Talião: "si membrum rupsit, ni cum eo pacit, talio esto", ou
seja, se alguém arrancasse um membro de outrem e não entrasse em acordo
com a parte ofendida para indenizá-la, seria aplicada a famosa pena de Talião:
"olho por olho, dente por dente". Neste caso, a responsabilidade não dependia
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de culpa, apresentando-se como uma reação do lesado contra a causa
aparente do dano, para evitar eventuais abusos, e ao poder público cabia
apenas declarar quando e como a vitima poderia exigir o direito a retaliação,
produzindo na pessoa que lhe causou o dano um outro dano idêntico ao que
sofrera.
Posteriormente, admitiu-se que o agente escapasse à vingança da
vitima, mediante o pagamento de uma quantia em dinheiro (poena). O Estado
passa a intervir, fixando o valor do prejuízo, quando o delito fosse público,
relativo à res pública, ou deixando a cargo de quem sofrera o dano quando
este fora efetivado contra o interesse de particulares. A Lei das XII Tábuas
passa a obrigar a vitima a renunciar a vingança e a aceitar a indenização.
À partir daí, a responsabilidade penal e civil, pena e reparação, até
então, confundidas desde a sua origem, tenderiam a se tornar separadas,
definindo-se a ação contra o causador do dano, como ações públicas ou
privadas: a autoridade pune, a vitima é indenizada.
Durante a idade média, a vingança privada continua a ser dominante.
Porém, é neste período que se desenvolve a idéia de dolo e de culpa stricto
sensu, mediante uma elaboração dogmática da culpa, que levou Beaumanoir a
admitir que loucos e crianças não podem ser punidos porque não sabem o que
fazem.
Mesmo com o desenvolvimento da responsabilidade individual no
domínio penal à partir do fim da idade média, a responsabilidade civil só será
definida como tal, durante o século XVIII, devido as influências das idéias
iluministas que passam a expressar a liberdade individual. Pode-se dizer que a
teoria acerca da responsabilidade civil só se define com o direito francês,
através da pessoa de Domat que estabeleceu o princípio expresso no Código
Civil da França de 1804, que serviu de base para todo o direito moderno sobre
o assunto, sob o qual o homem é o garante de qualquer ação sua.
Em seu art. 1382, o Código Francês estabeleceu o princípio geral da
responsabilidade civil: "tout fait quelconque de l’homme, que cause à autrui un
dommage, oblege celui par la faute duquel il est arrivé, à le réparer" (qualquer
ação humana que cause a outrem um prejuízo obriga à reparação deste por
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parte daquele por cuja culpa tal ação aconteceu), fundamentando a
responsabilidade civil como a razão que consiste em se reparar o dano por
parte de quem cometeu o ato culposo, que não constituí nem um crime, nem
um delito, cabendo a responsabilidade civil sobre todos os prejuízos e danos
que possam ocorrer por ação de qualquer pessoa, seja por imprudência,
negligência, ignorância daquilo que deve ser sabido, ou outros atos culposos
do mesmo gênero, por muito ligeiros que eles possam ser, devem ser
reparados por aquele sobre quem recai a imprudência ou outra culpa que lhes
deu lugar, restabelecendo-se o equilíbrio alterado pelo fato causador, ficando
definida como uma responsabilidade individual, oposta, portanto, à
responsabilidade coletiva que caracterizava o direito primitivo.
Adentrando na responsabilidade civil no Direito Romano, a Lex Aquilia
estabeleceu as bases de uma reparação extracontratual, criando uma forma
pecuniária de reparação do dano, estabelecendo um valor, impondo, assim,
que o patrimônio do lesante suportasse o ônus da reparação, e esboçando,
também, a noção de culpa como fundamento da responsabilidade, isentando o
causador do dano de qualquer reparação, caso não lhe fosse atribuída
qualquer tipo de conduta culposa.
As origens da responsabilidade civil são procuradas na Lex Aquilia,
sendo a primeira, geralmente, também chamada de responsabilidade aquiliana,
sendo que, na realidade, a noção moderna do que seria a responsabilidade
civil se desenvolvera entre os séculos XVI e XIX, tomando maior definição com
o código de Napoleão, mesmo porque no direito romano, a Lex Aquilia, não
conseguiu distinguir claramente as responsabilidades civil e penal.
Provavelmente, a Lex Aquilia apareceu por volta do século III A.C. para
sancionar como delito privado um certo número de fatos precisos que passam
a ser designados como de damnum iniuria datum (dano causado ilicitamente),
de forma geral, qualquer destruição ou deterioração de uma coisa alheia,
como, por exemplo a morte de um escravo ou animal, a multa devida à pessoa
lesada era sobre o mais alto valor que a coisa tivesse durante o ano, ou para
certas coisas, durante o mês, desde que o dano tenha sido causado corpore
(pelo contato do corpo do delinqüente) e corpori (por lesão material). Com o
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passar do tempo, a jurisprudência deu uma larga extensão a Lei Aquiliana,
abrangendo qualquer dano causado, em lugar dos fatos limitados visados pela
lei, porém, continuando, ainda, a conservar um caráter misto, de pena e
reparação de danos.
Quanto ao conceito de Responsabilidade Civil, grandes são as
dificuldades que a doutrina tem enfrentado para conceituá-la. Autores existem
que se baseiam, ao defini-la, na culpa.
Pirson e Villé conceituam a responsabilidade como a obrigação imposta
pelas normas às pessoas no sentido de responder pelas consequências
prejudiciais de suas ações. Sourdat a define como o dever de reparar dano
decorrente de fato de que se é autor direto ou indireto.
Savatier a considera como a obrigação de alguém reparar dano
causado a outrem por fato seu, ou pelo fato das pessoas ou coisas que dele
dependam.
Outros, como Josserand, por exemplo, a vêem sobre um aspecto mais
amplo, não vislumbrando nela uma mera questão de culpabilidade mas sim de
repartição de prejuízos causados, equilíbrio de direitos e interesses, de sorte
que a responsabilidade, na concepção moderna, comporta dois polos: o
objetivo, onde reina o risco criado, e o subjetivo, onde triunfa a culpa.
Ante essas dissensões doutrinárias, a responsabilidade é a obrigação
de reparar um dano, seja por decorrer de uma culpa ou de uma outra
circunstância legal que a justifique, como a culpa presumida, ou por uma
circunstância meramente objetiva.
Com base nessas considerações, poder-se-á definir a responsabilidade
civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral
ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de
pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda.
Quanto às espécies, a responsabilidade civil se divide em duas: a
responsabilidade contratual por inadimplemento da obrigação e a
responsabilidade extracontratual.
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Quanto à primeira, ela consiste na falta da prestação devida ou no
descumprimento, voluntário ou involuntário, do dever jurídico por parte do
devedor.
Todo aquele que voluntariamente infringir dever jurídico estabelecido
em lei ou em relação negocial, causando prejuízo a alguém, ficará obrigado a
ressarci-lo ( CC, art.186) , pois uma vez vulnerado direito alheio, produzindo o
dano ao seu titular, imprescindível será uma reposição ao statu quo ante ou
reequilíbrio ao desajuste sofrido.
A responsabilidade do infrator, havendo liame obrigacional oriundo de
contrato ou de declaração unilateral de vontade, designar-se-á
responsabilidade contratual; não havendo vínculo obrigacional, será
denominada responsabilidade extracontratual ou aquiliana.
A responsabilidade contratual se funda na ocorrência de dolo ou culpa
nela se articulando dois fatores: o dever jurídico violado e a imputabilidade do
agente.
A responsabilidade contratual funda-se na culpa, entendida em sentido
amplo, de modo que a inexecução culposa se verifica pelo seu
descumprimento intencional, havendo vontade consciente do devedor de não
cumprir a prestação devida, com intuito de prejudicar o credor (dolo), ou pelo
inadimplemento do dever jurídico, sem consciência da violação, sem intenção
deliberada de causar dano ao direito alheio, havendo apenas procedimento
negligente, imprudente ou omisso (culpa), prejudicial ao credor.
Sendo a culpa em sentido estrito, o principal fundamento da
responsabilidade contratual, o dever de indenizar apenas surgirá quando o
inadimplemento for causado por ato imputável ao devedor. Daí a necessidade
de se apreciar o comportamento do obrigado, afim de se verificar, para a exata
fixação de sua responsabilidade, se houve dolo, negligência, imperícia ou
imprudência de sua parte.
São pressupostos da responsabilidade contratual: obrigação violada;
nexo de causalidade entre o fato e o dano produzido e culpa e prejuízo ao
credor.
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Um dos princípios fundamentais do direito contratual é o princípio da
obrigatoriedade da convenção, sendo assim, as estipulações feitas no contrato
deverão ser fielmente cumpridas, sob pena de execução patrimonial contra o
inadimplente.
O ato negocial é intangível, por ser uma norma jurídica, constitui lei
entre as partes, a menos que ambas as partes o rescindam voluntariamente ou
haja a escusa por caso fortuito ou por força maior, não se poderá alterar seu
conteúdo, nem mesmo judicialmente, admitindo-se apenas que seja contida
pelo magistrado em circunstâncias excepcionais ou extraordinárias que
impossibilitem a previsão da excessiva onerosidade no cumprimento da
prestação.
Portanto, as obrigações devem ser cumpridas. O devedor está
obrigado a efetuar a prestação devida de modo completo, no tempo e lugar
determinados no negócio jurídico. O credor tem o direito de exigir o seu
cumprimento na forma convencionada.
O adimplemento da obrigação é a regra e o inadimplemento, a
exceção, por representar no direito obrigacional um rompimento da harmonia
social, capaz de provocar a reação do credor, que poderá utilizar-se de certos
meios para satisfazer o seu crédito.
Quando o devedor não cumprir a prestação devida, voluntária ou
involuntariamente, teremos o inadimplemento da obrigação.
Se o descumprimento da obrigação for oriundo de fato imputável ao
devedor, haverá a inexecução voluntária. Se for por dolo ou culpa do devedor,
haverá a inexecução intencional.
Se o descumprimento do dever jurídico decorrer de evento estranho à
vontade do devedor, será involuntário, por configurar-se caso fortuito ou força
maior, não originando, em regra, a sua responsabilidade.
O Código Civil, nos artigos 389 e 394, admite dois modos de
inadimplemento voluntário: o absoluto, se a obrigação não for cumprida, nem
podendo sê-lo, e o credor não mais tiver possibilidade de receber aquilo a que
o devedor se obrigou, como no caso de ter havido perecimento do objeto por
culpa do devedor. O inadimplemento absoluto será total, se a obrigação deixou
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de ser cumprida em sua totalidade. Será parcial se a obrigação compreender
vários objetos, sendo apenas um deles entregue, porque os demais pereceram
por culpa do devedor. O segundo modo é o inadimplemento relativo, que
ocorre quando a obrigação não foi cumprida no tempo, lugar e forma devidos,
porém poderá sê-lo, com proveito, para o credor, hipótese em que se terá a
mora. A mora consiste no retardamento do pagamento.
Nessas duas situações deve o inadimplente responder por perdas e
danos, para recompor o patrimônio do credor lesado pelo descumprimento da
obrigação. Se a inexecução foi completa, terá o ressarcimento total; se
incompleta o ressarcimento será parcial, proporcional ao prejuízo causado ao
credor.
Segundo Caio Mário da Silva Pereira (2003,p.115), “somente quando
não for possível obter o devido, é que se dará a transformação da prestação no
seu equivalente pecuniário, que suprirá a ausência de execução direta.”
Indenizar o prejuízo não é o mesmo que restaurar o objeto da
prestação, nem implicaria a sua conversão no equivalente pecuniário. Às vezes
isso ocorre, outras não. Uma forma de indenizar não exclui a outra, portanto
nada impede ao credor perseguir a coisa devida, se esta for possível, e as
perdas e danos, caso em que estas são solicitadas juntamente com a
obrigação principal.
Conforme o Código Civil, artigo 186, todo aquele que voluntariamente
infringir dever jurídico estabelecido em lei ou em relação negocial, causando
prejuízo a alguém, ficará obrigado a ressarci-lo.
O devedor está vinculado à relação obrigacional, exonerando-se dela
pelo pagamento direto ou indireto, ou ainda, pelo caso fortuito ou força maior,
oriundos de fato que não lhe seja imputável (ausência de culpa).
O Código Civil, no artigo 393, trata do princípio da exoneração do
devedor pela impossibilidade de cumprir a obrigação sem culpa sua, pois prevê
sua irresponsabilidade pelos danos decorrentes de caso fortuito ou de força
maior. Assim, o credor não terá direito a qualquer indenização, salvo se: as
partes convencionarem expressamente que o devedor responderá pelo
cumprimento da relação obrigacional, mesmo ocorrendo força maior ou caso
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fortuito, prevalecendo assim a vontade dos contraentes; o devedor estiver em
mora (CC, art. 399), por não ter efetuado o pagamento no tempo, lugar e forma
estipulados, devendo, então, responder não só pelos prejuízos causados pela
sua mora, mas também pela impossibilidade da prestação, resultante de força
maior ou caso fortuito ocorridos durante o atraso, exceto se provar isenção de
culpa, ou que o dano sobreviria mesmo que a obrigação tivesse sido
desempenhada no momento oportuno; o mandatário, não obstante proibição do
mandante, se fizer substituir na execução do mandato, pois pelo Código Civil,
art. 667, § 1º , deverá responder ao seu constituinte pelos prejuízos ocorridos
sob a gerência do substituto, embora provenientes de força maior ou caso
fortuito, salvo se provar que os danos sobreviriam, ainda que não tivesse
havido substabelecimento ou se o devedor tiver de cumprir obrigação de dar
coisa incerta e, antes da escolha, não poderá alegar perda ou deterioração da
coisa, ainda que por força maior ou caso fortuito (CC, art. 877).
O caso fortuito e a força maior nem sempre têm efeito extintivo do
liame obrigacional, pois em certas circunstâncias o devedor não se exonerará,
sob a alegação de perda ou deterioração da coisa devida por acontecimento
inevitável. Se o evento extraordinário não trouxer a impossibilidade total da
prestação, eximir-se-á o devedor apenas da parte atingida.
Verificados tais pressupostos essenciais à determinação de dever de
reparar, a indenização deverá equivaler ao valor do bem jurídico lesado, a fim
de se evitar enriquecimento ilícito por parte do credor.
Em relação à responsabilidade extracontratual, delitual ou aquiliana, é
preciso asseverar que ela decorre de uma violação legal, ou seja, de lesão a
um direito subjetivo ou da prática de um ato ilícito, sem que haja nenhum
vínculo contratual entre lesado e lesante.
Resulta da inobservância da norma jurídica ou de infração ao dever
jurídico geral de abstenção atinente aos direitos reais ou de personalidade, ou
melhor, de violação à obrigação negativa de não prejudicar ninguém. Para
obter reparação do dano sofrido, o lesado deverá demonstrar que o lesante
agiu com imprudência, imperícia ou negligência.
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A responsabilidade civil extracontratual possui certas modalidades:
quanto ao seu fundamento, ela se divide em subjetiva, que se funda na culpa, e
objetiva, ligada ao risco; em relação ao agente, a responsabilidade
extracontratual pode ser direta (ou simples), oriunda de ato da própria pessoa
imputada, e indireta (ou complexa), que é aquela resultante de ato de terceiro
sob seu vínculo legal de responsabilidade, ou de fato de animal e de coisa
inanimada sob sua guarda.
Esclarecidas as espécies de responsabilidade civil (contratual e
extracontratual), é de asseverar que no regime do Código de Defesa do
Consumidor, a responsabilidade tanto pode ser contratual como
extracontratual, conforme o evento danoso decorra do inadimplemento de uma
obrigação contratual ou advenha da violação de direitos assegurados na
legislação protetiva do consumidor, respectivamente.
Cumpre registrar que a antiga dicotomia das responsabilidades
contratual e extracontratual não foi considerada no Código de Defesa do
Consumidor, que apresenta regime unificado, com vistas a se proteger por
igual os consumidores que, sejam credores contratuais ou não, expõem-se aos
mesmos riscos.
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CAPÍTULO II
RESPONSABILIDADE CIVIL:
TEORIA SUBJETIVA X TEORIA OBJETIVA
Em matéria de responsabilidade civil, duas eram as teorias: a subjetiva,
mais antiga, e a objetiva.
De acordo com a teoria clássica, o principal pressuposto da
responsabilidade civil subjetiva é a culpa. A noção de culpa está
intrinsecamente ligada à idéia de responsabilidade. Tal teoria entende que o
autor do dano somente teria declarada a sua responsabilidade se agisse com
culpa ou com dolo.
Segundo a teoria subjetiva, por essa concepção clássica, o ônus de
provar a culpa do autor do dano é da vítima; a vítima só conseguirá a
reparação do dano por ela sofrido se provar a culpa do agente. Se alguém
sofria um dano, causado por outrem, e buscava a reparação deste dano,
deveria fazer a prova da culpa do autor do dano. A culpa era o substrato da
responsabilidade civil, e era a vítima quem deveria fazer a sua prova.
Os danos causados sem culpa não ensejavam nenhuma reparação,
devendo a vítima resignar-se e suportar o prejuízo, como se fosse um castigo
dado por uma fatalidade. Não existia, para essa teoria, responsabilidade sem
culpa provada ou presumida do agente. A idéia de culpa se identificava com o
comportamento subjetivo caracterizado pela negligência, imprudência,
imperícia, ou pelo dolo.
A culpa se mostrava como uma couraça que tinha a qualidade de
proteger aquela pessoa que houvesse causado um dano sem culpa, liberando-
a da obrigação de responder, em virtude de a considerar inocente, deixando a
vítima abandonada à sua própria sorte. A obrigação de arcar com os danos e
prejuízos possuía caráter sancionatório, pois se buscava castigar mais aquele
que causou o prejuízo, que agiu com reprovação, com culpa, do que proteger a
quem restou vítima do evento danoso.
22
A teoria subjetiva, portanto, além de deixar sem reparação os danos
causados sem culpa, deixava para a vítima o peso da prova da culpa do autor
do dano, prova essa muitas vezes impossibilitada em função do próprio dano,
entre outros motivos. O desenvolvimento da indústria, assim como o aumento
populacional geraram novas situações que não podiam mais ser amparadas
pelo conceito tradicional de culpa.
O surgimento do fenômeno da industrialização trouxe grandes e
intensas transformações em toda a estrutura social. Começaram a surgir
questionamentos acerca dos fundamentos teóricos e práticos da concepção
individualista e subjetivista, porque tal concepção se mostrava cada vez mais
insuficiente quando o dano era causado por uma atividade lícita ou pelo fato de
uma coisa. Várias vezes o causador do dano escapava absolutamente ileso de
qualquer tipo de responsabilidade, e isso não mais estava sendo aceito pela
sociedade.
Assim, ao final do séc.XIX temperou-se a teoria subjetiva com a teoria
objetiva.
A teoria objetiva continua levando em consideração a idéia de culpa, a
culpa continua sendo um elemento fundamental da responsabilidade, só que a
teoria objetiva promoveu uma inversão do ônus da prova.
Pela teoria subjetiva, quem tem que provar a culpa do autor do dano é
a vítima, já pela teoria objetiva a culpa do autor do dano é presumida. O autor
do dano, nesta teoria, só se alforriará do dever de indenizar a vítima se provar
que não teve culpa. Ele tem que fazer a prova da não culpa.
Autores há que enfocam a teoria objetiva sob um outro prisma, o
prisma da responsabilidade independentemente de culpa, como o mestre
Cavalieri, em que diz o seguinte (2000, p. 141):
Também na responsabilidade objetiva teremos uma conduta ilícita, o dano e o nexo causal. Só não será necessário o elemento culpa, razão pela qual fala-se em responsabilidade independentemente de culpa. Esta pode ou não existir, mas será sempre irrelevante para a configuração do dever de indenizar. Indispensável será a relação de causalidade porque, mesmo em sede de responsabilidade objetiva, não se pode responsabilizar a quem não tenha dado causa ao evento.
23
É importante ressaltar, porém, que a responsabilidade subjetiva não foi
afastada pela responsabilidade objetiva. O que deve ficar claro, em termos de
responsabilidade a ser adotada pelo Código de Defesa do Consumidor, é que a
teoria subjetiva impunha ao consumidor um grande e difícil ônus, o de provar a
culpa do autor do dano. Tal prova muitas vezes não era obtida, e o consumidor
suportava sozinho os prejuízos advindos da relação de consumo por ele
realizada.
Geralmente, a reparação pelos danos era negada pela falta de uma
relação contratual direta entre o causador do dano- fornecedor, e a vítima, ou,
então, porque a vítima não tinha como provar a culpa do fornecedor.
Assim, chegou-se à conclusão de que a teoria subjetiva não era a
teoria adequada para ser aplicada nas relações de consumo.
24
CAPÍTULO III
A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA
NO DIREITO MODERNO
A Revolução Industrial foi responsável por uma grande modificação nos
meios de produção, estabelecendo um sistema econômico de base industrial e
alterando a organização social e política.
O período inicial desse processo revolucionário coincide com a
Consagração da responsabilidade fundada na culpa, através do Código Civil
francês e das teorias formuladas por Domat e Pothier, que influenciaram de
forma significativa toda legislação positiva ocidental.
Nessa época, a teoria da responsabilidade objetiva, que sobrevivera
até mesmo após os avanços da teoria subjetiva, chegou ao “quase”
desaparecimento, em razão das influências do direito canônico e da filosofia
escolástica.
Contudo, no final do século XIX, fatos importantes demonstram a
imprestabilidade da responsabilidade fundada na culpa para resolver
satisfatoriamente todos os conflitos de interesse.
Com isso, ocorre a revitalização da teoria objetiva, determinada por
dois fatores principais: um de caráter material e outro de caráter filosófico.
O caráter material, diz respeito à expansão do “maquinismo”,
decorrente da Revolução Industrial, e que teve seu auge no final do século XIX,
pois o número crescente de pessoas acidentadas no exercício da atividade
profissional nas fábricas, nas minas de carvão, nas estradas de ferro, de navios
a vapor e outras atividades que tinham potencial de perigo para o operador e
até mesmo para a população usuária, fez com que se tornasse impossível a
comprovação da culpa do empregador pelos empregados toda vez que
houvesse dano.
Em síntese, se um acidente isolado pode-se atribuir ao infortúnio,
afinal, acidentes sempre ocorrem; o mesmo não se deve fazer quando casos
25
idênticos se multiplicam, deixando milhares de vítimas desamparadas,
perturbando o equilíbrio social. E foi o que ocorreu no final do século passado,
com os avanços tecnológicos, que determinaram as mudanças nos meios de
produção.
O segundo fator principal é de cunho filosófico. O direito individualista,
calcado no liberalismo jurídico ultrapassado e em concepções de moralidade
equivocadas, não atendendo aos interesses da sociedade, cede espaço ao
socialismo jurídico.
Essa nova concepção produziu duas importantes mudanças: a primeira
diz respeito à diminuição, quanto à importância dada à vontade real,
enfraquecendo a teoria subjetivista; a segunda diz respeito à predominância do
interesse da sociedade sobre o individual, de forma que, se alguém, pela sua
atividade, cria um risco para a sociedade, esta deve se defender, dando àquele
os encargos que decorrem dos danos que porventura venham a ocorrer.
O grande aumento do número de vítimas e de acidentes deixava claro
que o sistema jurídico vigente (com a responsabilidade fundada na culpa, onde
quem tinha que fazer a prova dessa culpa era a parte mais prejudicada, a
vítima) não havia acompanhado o progresso tecnológico, e a realidade jurídica
estava em descompasso com a realidade social.
A máxima de que a prova cabe a quem alega dificultava as teses
defendidas pelas vítimas em juízo, bem como a pressão e influência dos
empresários que detinham o poder econômico. Entretanto, havia casos em que
simplesmente não havia culpa, logo não havia a quem atribuí-la.
Diante de tal quadro, era colocado o seguinte questionamento, que
aguardava a manifestação dos magistrados da época: na indústria moderna,
seja qual for, são inevitáveis os desastres e as doenças profissionais, que
vitimam operários, por mais diligentes e cuidadosos que sejam, sendo assim,
quem é que deve ser responsável pelas conseqüências desses desastres e
doenças, dado que estes são, por assim dizer, o passivo das atividades
econômicas que enriquecem desmedidamente as empresas? Será lícito que os
patrões enriqueçam, sem compensação alguma, com o sacrifício da
26
integridade e até a vida dos seus operários, as quais não ficam pagas com os
respectivos salários?
Respondendo a estas indagações, ninguém em sã consciência pode
afirmar que devem os operários e suas pobres famílias suportar, resignados e
sem reparação alguma, os nefandos efeitos dos acidentes de trabalho, ao
passo que os capitalistas vão acumulando egoisticamente os seus lucros.
Sem nenhuma dúvida, essa desigualdade existente na época
penalizava exclusivamente o lado mais fraco, a vítima, que não conseguia
demonstrar a culpa de seus patrões e, como conseqüência, não lograva êxito
na demanda judicial.
Essa situação fez com que a crise social se agravasse, provocando
uma reação dos estudiosos de Direito e, especialmente, dos magistrados, a
quem a capacidade deu a incumbência de distribuir a justiça.
Posto o problema, tentou-se uma solução buscando a inversão do ônus
da prova, aplicando-se a responsabilidade contratual, ficando a cargo do
empresário demonstrar que o fato danoso adveio de caso fortuito, força maior,
ou ainda por culpa da vítima.
Mas, como dissemos anteriormente, havia um número bastante
expressivo de casos em que, simplesmente, não havia como atribuir a culpa
nem ao empresário, nem à vítima, e nem a um eventual caso fortuito.
Tal situação cada vez mais ia sendo combatida pela sociedade, por se
afastar dos anseios de justiça social, pois penalizava o trabalhador, que ficava
desamparado, e às vezes inutilizado para o desempenho de qualquer futuro
trabalho.
O princípio da responsabilidade pela culpa se mostrava insuficiente
para resolver o problema do dano causado durante o exercício da atividade
industrial.
As teorias objetivas, então, começavam a ser esboçadas, por volta do
ano de 1888. Contudo, é a partir dos estudos dos franceses Saleilles e
Josserand, em 1897, que a nova teoria ganha maior dimensão e adeptos.
Saleilles destacava a fragilidade de um sistema fundado na culpa,
considerando-a demasiadamente estreita para a solução de problemas
27
decorrentes de acidentes do trabalho, e, assim, inteiramente insuficiente para
ser tida como fundamento geral da responsabilidade.
Para ele, a responsabilidade é uma conseqüência lógica de haver
criado o risco, de modo que aquele que cria deve responder por suas
conseqüências.
A importante ajuda de Josserand foi ter descoberto no próprio texto do
Código Civil da França, nos arts. 1385 e 1386, que tratava da ruína de
edifícios, a responsabilidade por fato de coisas inanimadas, pelo que a vítima
não estaria obrigada a demonstrar a culpa do ofensor para obter a justa
indenização.
Josserand, deste modo, demonstrava de forma clara e inequívoca que
o Código Civil Francês não havia adotado de forma exclusiva a
responsabilidade aquiliana, já que o mesmo Código consagrava regras de
responsabilidade objetiva.
Assim, de maneiras diferentes, os dois autores demonstraram que a
responsabilidade civil não tinha como fundamento o fato de ter agido com
culpa, mas simplesmente o fato de ter realizado um ato danoso que causou
prejuízo a outrem.
O espectro de justiça distributiva e comutativa foi determinante para a
consolidação da responsabilidade civil fundada na teoria objetiva, não só para
os danos decorrentes de acidentes de trabalho, mas também para outras
atividades, inclusive no Brasil, que a adota também para a responsabilização
nas relações advindas do ato de consumir.
Na responsabilidade objetiva, destaca Caio Mário que seu fundamento
ético reside na caracterização da injustiça intrínseca da ofensa a um bem
jurídico pelo fato oriundo do titular de um patrimônio, ao qual se imputará o
dever de ressarcir. (DA SILVA PEREIRA, 2003).
Ainda salienta o mestre que a teoria do risco não suprime a idéia moral;
pelo contrário, invoca a moral - uma nova moral, solidarista, corporativa, cristã,
despida do velho egoísmo de burgueses democráticos, individualistas,
capitalistas. (DA SILVA PEREIRA, 2003).
28
Desta forma, a teoria objetiva já fazia parte do dia a dia dos estudiosos
de Direito e também da vida da sociedade, e traduzia mais um passo na busca
de uma sociedade mais solidária e justa.
29
CAPÍTULO IV
SURGIMENTO DO DIREITO DO CONSUMIDOR
A proteção do consumidor, mesmo que sem essa denominação,
remonta à Idade Antiga. Registros históricos a exemplo do Código de Hamurabi
– Babilônia que datam do século XVIII A.C., apontam para a existência de
regras para tratar questões de cunho familiar e sucessório, bem como questões
patrimoniais. Assuntos relativos ao preço, qualidade e quantidade de produtos,
também são mencionados. Tem-se ainda anotações sobre decisões
envolvendo direitos e obrigações de profissionais liberais, arquitetos, cirurgiões,
etc. e autônomos, como os empreiteiros, com penas tanto pecuniárias como,
nos casos mais graves, com castigos corporais e até a morte.
No século XIII, A. C., o Código de Massú – Índia, estabelecia sanções
para os casos de adulterações de alimentos.
Na Idade Média, século XV – França, os mesmos casos eram tratados
com castigos físicos aplicados aos falsificadores.
No século XVII, o microscópio passou a ser um grande aliado dos
consumidores no auxílio da análise da água, alimentos e adulterações,
principalmente de especiarias.
No final do século XIX, o movimento de defesa do consumidor, já
sendo tratado com essa denominação, ganhou força nos Estados Unidos em
virtude do avanço do capitalismo. Surgia o mundo industrializado. Como marco
inicial da defesa do consumidor tem-se resumidamente o resultado da união de
reivindicações trabalhistas tendo em vista a exploração do trabalho das
mulheres e crianças e pela atuação direta frente ao mercado de consumo,
realizada por meio de boicote a produtos como exigência do reconhecimento
de direitos enquanto trabalhadores e seres humanos.
Em 1891 por iniciativa de Josephine Lowel foi criada a New York
Consumers League, atual Consumers Union, que ao adquirir uma identidade
30
própria, deu início efetivo ao movimento consumerista, que se espalharia ao
longo do século XX para todo o mundo.
Já no século XX é importante destacar alguns fatos que impulsionaram
o movimento que continua até os dias de hoje em evolução.
Em 1906, nos Estados Unidos, foi elaborada a Regulamentação Para
Inspeção de Carne e a Lei de Alimentos e Medicamentos.
Em 1927, foi criada a FDA (Food anda Drugs Administration) que
passou em 1938 a abranger atribuições e competências também do segmento
de cosméticos. A atuação do FDA tem repercussão no mundo inteiro, sendo
um dos órgãos mais respeitados e poderosos do mundo.
A década de 60 foi o grande marco mundial para os consumidores.
Logo no início e no próprio ano de 1960 foi criada a IOCU – International
Organization of Consumers Unions, atualmente denominada de CI –
Consumers International. A IOCU foi inicialmente composta por cinco países:
Austrália, Bélgica, Estados Unidos, Holanda e Reino Unido. O Brasil
atualmente participa da IOCU por meio da Fundação Procon e do IDEC.
Em 15 de março de 1962, o presidente dos Estados Unidos, John F.
Kennedy encaminhou mensagem ao Congresso Nacional Americano
reconhecendo os direitos dos consumidores (segurança, informação, escolha e
a ser ouvido). Em sua homenagem o Dia Mundial dos Direitos do Consumidor
passou a ser comemorado nesta data.
Em 1964, e ainda nos Estados Unidos, Esther Peterson foi designada
como assistente do Presidente Lyndon Johnson para assuntos de
consumidores. Esther Peterson por mais de cinqüenta anos lutou e participou
ativamente de vários movimentos, incluindo-se nesses o de consumidores. Na
mesma época Ralph Nader deu inicio a um trabalho que culminou em
denúncias que apontavam falhas de segurança nos automóveis americanos.
Em 1965 publicou um livro sobre o assunto – Unsafe Any Speed. Pelas lutas
que iniciaram ambos passaram a sofrer grandes oposições e até perseguições.
O tempo e a história entretanto se encarregaram de reconhecer o grande
trabalho desenvolvido que tem continuado a se difundir por todo o mundo.
31
No ano de 1965 foi criada na Malásia a primeira organização de
consumidores em países em desenvolvimento – Selangor and Federal Territory
Consumers Association.
Na década de 70, os países menos industrializados passaram a
receber um volume grande de informações sobre legislações, movimentos,
associações de consumidores etc., em virtude do avanço tecnológico dos
meios de comunicação.
Ainda nessa década, outro assunto passou a ser motivo de
preocupação dos consumidores: a preservação do meio ambiente.
Em 1985, a Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas,
adotou a Resolução 39-248, que estabeleceu Diretrizes para a Proteção do
Consumidor ressaltando a importância da participação dos governos na
implantação de políticas de defesa do consumidor.
Os anos 90 demonstraram a importância da defesa do consumidor em
função da grande transformação econômica e tecnológica mundial. A
globalização e a informática alcançaram todos os países indistintamente,
levando cada vez mais informação sobre movimentos, direitos e acesso a
produtos e serviços oferecidos à população. O movimento dos consumidores
passou a se difundir em grande escala nos países em desenvolvimento com
ênfase aos trabalhos preventivos e educativos, despertando o interesse pelos
valores da cidadania.
O surgimento no Brasil do Direito do Consumidor se deu pela
contemplação de dispositivos nas normas legais, codificadas ou esparsas, que
mesmo de forma tímida acenavam para o que atualmente denominamos de
proteção e defesa dos consumidores. Pode-se citar o Código Comercial de
1840, que em seus Artigos 629 e 632 estabeleceu direitos e obrigações dos
passageiro de embarcações:
Interrompendo-se a viagem depois de começada por demora de conserto de navio, o passageiro pode tomar passagem em outro, pagando o preço correspondente à viagem feita. Se quiser esperar pelo conserto, o capitão não é obrigado ao seu sustento; salvo se o passageiro não encontrar outro navio em que comodamente se possa transportar, ou o preço da nova
32
passagem exceder o da primeira, na proporção da viagem andada. (Art.631, in fine).
O Código Civil de 1916, em seu artigo 1245 também já estabelecia
critérios de responsabilidade do fornecedor: “o empreiteiro de materiais e
execução responderá, durante 5 (cinco) anos, pela solidez e segurança do
trabalho, assim em razão dos materiais, como do solo, exceto, quanto a este,
se, não o achando firme, preveniu em tempo o dono da obra."
Movimentos de iniciativa popular nos anos 30 e 50, embora
relacionados à falta e ao alto preço dos produtos já traziam noções básicas de
proteção aos consumidores.
O marco dos anos 60 é sem dúvida, a Lei Delegada nº 4 de 1962 que
vigorou até 1998 e visava assegurar a livre distribuição de produtos.
Na década de 70 tem-se a promulgação e implementação de normas
direcionadas ao segmento de alimentos (Decreto-lei 986/69) saúde (Decreto-lei
211/70), e habitação (Lei 6649/79 – locação e 6676/79 – loteamento).
Os anos 80 foram marcados por profundas transformações políticas e
pelos planos econômicos com intensa participação popular, nas questões
envolvendo consumo. Regulamentos setoriais, normas técnicas e de Boa
Prática, dentre outros também difundiam direta e indiretamente a proteção dos
consumidores. Diversas entidades civis se organizam e despontam em
segmentos específicos, como a Associação de Inquilinos Intranqüilos; a
CAMMESP - Central de Atendimento aos Moradores e Mutuários do Estado de
São Paulo; Associação Intermunicipal de Pais e Alunos, dentre outras. Em
1987 é fundado o IDEC - Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor e em
1989 é instituída a Comissão de Defesa do Consumidor da OAB - São Paulo.
No início dos anos 90 foi sancionada a Lei 8078, conhecida como
Código de Defesa do Consumidor, que também criou o Departamento de
Proteção e Defesa do Consumidor, da Secretaria de Direito Econômico do
Ministério da Justiça. Outras entidades civis passam a atuar na proteção e
defesa dos interesses de associados, a exemplo da Associação das Vítimas de
Erros Médicos; ANDIF - Associação Nacional dos Devedores de Instituições
Financeiras e ANMM - Associação Nacional dos Mutuários e Moradores. Nesta
33
década também é criado o BRASILCON - Instituto Brasileiro de Política e
Direito do Consumidor , entidade de caráter técnico, científico e pedagógico.
Agora vamos nos ater quanto a participação da sociedade no
surgimento e na elaboração do Código de defesa do Consumidor.
Em nossa sociedade mais do que em outras, antes da década de
oitenta, não se pode dizer que houvesse significativo clamor social a exigir
qualquer das formas de intervenção do Estado na órbita privada, no sentido de
se promover maior proteção ao consumidor.
Essa falta de exigência social, certamente, era decorrência de uma
problemática de ordem cultural. Com efeito, não havia, de um modo geral, uma
conscientização acerca dos problemas emergentes das relações de consumo
com especificidade, além do que a maioria da população alheava-se dos meios
eficazes de se exercer a pressão social devida.
Como uma conseqüência dessa falta de exigência social, a legislação
relativa aos direitos do consumidor era inespecífica, genérica ou esparsa.
Mas, cogita-se que, sobretudo a partir das duas últimas décadas, em
decorrência das crescentes facilidades de acesso à informação, cada vez mais
brasileiros têm-se conscientizado dos problemas sociais que afligem a
sociedade de que participam, o que tem importado em um engajamento
consideravelmente maior na luta pela cidadania e direitos dela decorrentes.
Nesse contexto, diversamente do que ocorrera em outras épocas,
pode-se dizer que a evolução do tratamento legal à tutela do consumidor
verificada na década de oitenta contou com satisfatória participação da
sociedade. Com efeito, por ocasião da elaboração da Constituição Federal de
05 de outubro de 1988, já se podiam contar diversos organismos, inclusive
governamentais, imbuídos de promover proteção ao consumidor, a exemplo do
CNDC, CONAR, CNI, Anfavea, ABINEE, PROCON’s, etc.
Antes mesmo da promulgação da vigente Lei Magna, o então
Presidente do CNDC - Conselho Nacional de Defesa do Consumidor -
constituiu comissão de juristas, com o objetivo de elaborar o Anteprojeto de
Código de Defesa do Consumidor, denominação adotada em face dos
trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte.
34
Uma vez esboçado, o primeiro anteprojeto foi amplamente divulgado,
tendo sido remetido a pessoas e entidades da sociedade ligadas ao assunto e
debatido em várias capitais do país, de sorte que muitas foram as críticas e
sugestões recebidas. Desse trabalho integrado e participativo, decorreu a
reformulação do anteprojeto, que foi publicado no Diário Oficial da União, de 04
de janeiro de 1989.
Não obstante, com a publicação, outras sugestões e críticas ao
anteprojeto advieram dos diversos segmentos interessados da sociedade, as
quais, tendo sido consideradas pela Comissão, ensejaram novas revisões.
Enviado o anteprojeto ao Congresso, diversos Deputados e Senadores
apresentaram projetos, o que ensejou a instituição de uma Comissão Mista do
Congresso Nacional, encarregada de consolidar os projetos legislativos
existentes e apresentar o Projeto do Código de Defesa do Consumidor. Em
decorrência dessa consolidação, amplamente discutida em debates públicos,
foi formulado o substitutivo da Comissão Mista, que veio a tornar-se o Código
de Defesa do Consumidor.
É oportuno salientar que a inovação legislativa em comento não surgiu
senão em um contexto de outras significativas conquistas no âmbito jurídico e
social que têm acompanhado os avanços políticos, com a democratização e
gradual aprimoramento da democracia.
Assim, merece registro o fato de que, nesse contexto de mudanças que
incrementaram sobremodo o ordenamento jurídico pátrio, especialmente na
última década, quer facilitando instrumentalmente o acesso à justiça, quer
trazendo novos direitos e garantias substanciais, surgiram verdadeiras
conquistas sociais, entre as quais figuram: a Lei da Ação Civil Pública (Lei nº 7
347/85); a Constituição Federal de 1988; o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei nº 8 069/90); o Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8
078/90); a nova Lei do Inquilinato (Lei nº 8 245/91); a nova Lei Orgânica do
Ministério Público da União (Lei Complementar nº 75/93); a Lei dos Juizados
Especiais Cíveis e Criminais (Lei nº 9 099/95).
Concluindo, com as Revoluções Industrial e Tecnológica alterando a
sociedade, problemas relacionados aos atos de consumo iam aparecendo e se
35
intensificando, tais como a existência de produtos defeituosos no mercado,
práticas comerciais desleais e abusivas, o desenvolvimento do crédito, e etc.
Isso tudo instaurou um acentuado desequilíbrio entre fornecedores e
consumidores, e tornava-se imperiosa a criação de mecanismos de proteção e
defesa dos consumidores, que eram a parte mais fraca da relação. Assim, a
proteção do consumidor transformou-se em postulado político, e a partir dos
anos 50 e 60 é que os consumidores passaram a ser encarados como um
problema social, daí o aparecimento de organismos de defesa dos
consumidores, que tanto resultavam da livre iniciativa quanto do impulso do
Estado. Com isso, não estamos afirmando que no direito tradicional não
existiam normas aplicáveis às relações de consumo. O que ocorreu foi que
com a passagem da sociedade liberal para a pós-industrial houve a adoção de
um novo modelo de direito do consumidor, que alguns chamam de modelo
adaptador, que, reconhecendo a ineficácia do modelo anterior, viu no
consumidor um sujeito de direitos específicos e lhe atribuiu direitos
fundamentais, como o direito à segurança, à informação, à escolha, e o direito
de ser ouvido. O direito do consumidor surgiu, portanto, da necessidade de
adequação do direito tradicional às novas realidades impostas pelo
desenvolvimento da indústria. Tal direito buscou inspiração nos Direitos Civil,
Comercial, Penal, Processual, Financeiro e Administrativo. Não obstante a
diversidade de fontes, é mantido coeso pela idéia sempre presente de proteger
os consumidores das partes mais fortes. Os eixos principais da proteção do
consumidor, segundo Sílvio Luiz Ferreira da Rocha (2001, p.25), podem ser
traduzidos pela proteção contra práticas comerciais desleais e abusivas;
informação, formação e educação do consumidor; representação, organização
e consulta; proteção do consumidor contra produtos defeituosos e perigosos.
Segundo esse mesmo autor (2001, p.25):
A responsabilidade civil do fornecedor se insere neste último eixo, de proteção do consumidor contra produtos defeituosos e perigosos, representando um dos mais significativos aspectos da proteção do consumidor, porque tem a finalidade de reparar o consumidor dos prejuízos causados pela introdução de produtos defeituosos no mercado.
36
Apesar de nosso país ser ainda um grande concentrador de riquezas,
possuir ainda um grande número de miseráveis, podemos dizer que a
sociedade brasileira de hoje é uma sociedade de consumo, e conforme os
dizeres de Guilherme Couto de Castro (2000 ,pág 79), “talvez se possa dizer
que em toda a nossa história não houve, no campo do direito das obrigações,
lei tão importante, em termos de mudança de enfoque, quanto a lei nº
8078/90”, que iremos agora analisar.
O Código de Defesa do Consumidor, lei nº 8.078/90 de 11 de setembro
de 1990, em vigor a partir de 11 de março de 1991, nasceu por ser uma
garantia constitucional insculpida no art 5º, XXXII, da Constituição da República
Federativa do Brasil de 1988, assim redigido: “O Estado promoverá, na forma
da lei, a defesa do consumidor”.
Ele veio à lume para cumprir um comando constitucional, ou seja,
quando se elaborou a constituição federal de 1988, que foi a constituição
cidadã, o legislador constituinte determinou que o legislador ordinário, em um
prazo de seis meses, elaborasse uma lei, de aplicação necessária, já que é de
ordem pública, que protegesse o consumidor nas relações de consumo, que
hoje fazem parte do nosso dia a dia com grande intensidade.
A Carta de 1988, pela primeira vez em nossa história constitucional,
inseriu o direito do consumidor dentre os direitos e as garantias, no referido art.
5º, inciso XXXII, reconhecendo o anseio da sociedade por mais justiça social, e
a seguir, no art. 170, V, a Constituição da República colocou a defesa do
consumidor entre os princípios gerais da ordem econômica, no mesmo patamar
dos princípios da soberania nacional, da propriedade privada, da livre
concorrência, dentre outros.
Pinto Ferreira (pág. 128-129) e José Cretela Jr. (1998, pág. 158,
Saraiva, 1998) justificam a norma constitucional pelo “custo de vida ocasionado
pela inflação”, e Celso Ribeiro Bastos (1989,pág.158) “pela reparação dos
danos, pela responsabilidade por dano causado aos consumidores”.
O legislador constituinte, percebendo a necessidade de se compensar
a vulnerabilidade do consumidor diante do fornecedor, determinou que se
elaborasse uma legislação de proteção ao consumidor. A posição que ocupava
37
o consumidor, até então enfraquecida perante a parte contrária, que era mais
forte em vários aspectos, como veremos adiante, foi fortalecida com institutos
de direito material e processual que foram introduzidos no ordenamento jurídico
pátrio em prol do equilíbrio das partes.
O claro objetivo do legislador constituinte era, assim, o de que fosse
implantada uma política nacional das relações de consumo, nos dizeres do
mestre Sérgio Cavalieri, (2000, pág. 357), “uma disciplina única e uniforme
destinada a tutelar os interesses patrimoniais e morais de todos os
consumidores”, pois enquanto o produtor é de regra organizado, juridicamente
bem informado, e tipicamente um litigante habitual (no sentido de que o
confronto judiciário não representará para ele episódio solitário, que o encontre
desprovido de informação e experiência), o consumidor, ao contrário, está
isolado; é um litigante ocasional e naturalmente relutante em defrontar-se com
o poderoso adversário.
O CDC, também chamado de CODECON, veio para desfazer os
perversos efeitos advindos do mercado de consumo, dando ao consumidor, em
compensação à sua fragilidade tríplice, de acordo com o que estudaremos
adiante, situação de igualdade jurídica perante o fornecedor.
O CDC vivencia suas ações a partir do reconhecimento da
vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo, procurando proteger
os consumidores de eventuais prejuízos ocasionados pelo fato de ocuparem,
na relação de consumo, uma posição tão fraca e suscetível de ser lesada.
A filosofia básica do Código consiste no reconhecimento da
vulnerabilidade, e na busca incessante de igualar o consumidor, nas relações
de consumo, ao fornecedor de produtos e serviços.
E esta vulnerabilidade, como dissemos acima, não é única, mas sim
tríplice: é econômica, é técnica, e é fática.
A vulnerabilidade econômica é a mais clara de todas: o consumidor é a
parte economicamente mais fraca nas relações de consumo. Claro que há
exceções, mas de uma maneira geral, o consumidor possui meios mais parcos
do que o fornecedor de produtos ou de serviço.
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Muitas vezes o consumidor, por falta de informações técnicas sobre o
produto ou o serviço que ele precisa adquirir no mercado, é enganado pelo
fornecedor. Há, portanto, um direito do consumidor, que não era respeitado no
passado, a ser informado eficazmente sobre a potencialidade e os riscos do
produto oferecido, sob pena de se evidenciar a vulnerabilidade técnica do
consumidor.
A vulnerabilidade fática se mostra em casos nos quais o consumidor
precisa de um produto ou de um serviço que é monopolizado no mercado, ou
seja, quando o consumidor tem que se sujeitar às imposições do fornecedor
monopolista, sem poder negociar as condições do contrato, sem poder
escolher dentre as opções que melhor satisfaçam suas necessidades.
A liberdade de contratar se vê comprometida sempre que existe uma
situação de desigualdade. De que adiante a liberdade de contratar se as partes
não são econômica, técnica e faticamente iguais?
Assim, a evolução da sociedade fez com que houvesse uma verdadeira
revolução na teoria dos contratos.
No séc. XIX, prevalecia o dogma do princípio da autonomia da vontade.
As partes deveriam ser livres para contratar, e o Estado só deveria velar pela
liberdade dessas partes, e não interferir no conteúdo dos contratos. Era o
Estado liberal clássico, que assistia indiferente à formação dos contratos. A
liberdade era o único requisito que se exigia para se garantir o equilíbrio e a
justiça dos contratos.
Com o passar dos tempos, se constatou que essa era uma das mais
terríveis faláceas, já que as partes podem ser absolutamente livres, e o
contrato resultar imensamente injusto e desigual.
Aos poucos se percebia que não era a liberdade que garantia o
equilíbrio dos contratos, mas sim a igualdade, igualdade essa fática,
econômica, técnica e jurídica. Quanto maior essa igualdade, mais equilibrado o
contrato.
O Estado, até então liberal, passou a ser um Estado intervencionista,
passou a interferir nos contratos para compensar a provável fragilidade de uma
das partes. O Estado moderno torna a parte econômica, técnica ou faticamente
39
mais fraca em juridicamente mais forte, a fim de compensar a fragilidade
existente na relação contratual.
Alguns autores chegaram a sustentar a inconstitucionalidade do CDC,
sob o argumento de que ele rompia o princípio constitucional da isonomia,
porque tratava uma parte diferentemente da outra, o que a nosso ver é um
equívoco. Isonomia não consiste em tratar a todos igualmente, mas sim em
tratar igualmente os iguais e desigualmente os que são desiguais.
O CDC é a porta de entrada de alguns valores novos no sistema
jurídico brasileiro, como o princípio da defesa coletiva dos direitos do
consumidor, o princípio da inversão do ônus da prova, o princípio da facilitação
da defesa, o princípio da transparência, o da boa fé objetiva, o da segurança,
princípios tais que sempre induzirão o fornecedor ao ônus direto de prestar
informações claras e adequadas ao consumidor.
Em relação ao princípio da defesa coletiva dos direitos do consumidor,
vale ressaltar a legitimidade que o CDC confere ao Ministério Público para a
defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas das relações
de consumo.
Tal legitimidade veio a consagrar o que a Carta de 1988 já estabelecia,
ou seja, veio a ratificar a função de defensor dos interesses coletivos e difusos
que o MP possui.
O CDC se refere ao MP, no art. 82, sem distinguir, o que leva a crer
que quando o dano ou a perspectiva de dano for de âmbito nacional, ou
mesmo regional, virá a ocorrer a atividade do MP federal; bem como virá a
ocorrer a atividade do MP estadual quando o dano ou a sua perspectiva for de
âmbito local, ou ainda regional, dependendo do caso.
No que concerne à aferição dos direitos do consumo, um dos maiores
campos é o da informação. Antes de 1991, quando uma pessoa ia às compras,
ou ia contratar, tinha que tomar todos os cuidados, porque valia a velha frase “o
direito não socorre aos que dormem”, ou seja, se não prestasse atenção àquilo
que fazia ou comprava, que não viesse depois o consumidor reclamar, porque
o erro era seu.
40
Desde 1991, é aquele que exerce alguma atividade que deve informar
a todos que com ele contratam sobre os riscos, ônus, expectativas possíveis,
vindas do produto introduzido no mercado. Não informando, não prevenindo, é
o empresário que vai pagar, e não mais o consumidor, daí a importância da
informação dada pelo fabricante do produto. Nossa lei é cristalina no art. 12:
não basta a mera informação, esta deve ser adequada.
Além de ser a porta de entrada de tantos novos princípios, o CDC tem
um vastíssimo campo de incidência. Apesar de algumas vozes em contrário,
entendemos que ele será aplicado sempre que se estiver em face de uma
relação de consumo, qualquer que seja a área do direito onde esta relação
venha a ocorrer. É errado tratar o CODECON como uma área setorizada, como
um microssistema.
E relação de consumo, no dizer de Cavalieri, é (2000, p.361) :
A relação jurídica, contratual ou extracontratual, que tem numa ponta o fornecedor de produtos e serviços e na outra o consumidor; é aquela realizada entre o fornecedor e o consumidor tendo por objeto a circulação de produtos e serviços. Havendo circulação de produtos e serviços entre o consumidor e o fornecedor, teremos relação de consumo regulada pelo CDC.
Uma das inovações mais extraordinárias do CDC está no campo da
responsabilidade civil, que analisaremos especificamente adiante.
No que se refere à responsabilidade civil do fornecedor, o CDC
distinguiu claramente o que seria o fato do produto ou do serviço de o que seria
o vício do produto ou do serviço.
O Código de Defesa do Consumidor brasileiro é considerado um dos
mais avançados do mundo e, por isso, estabelece uma forte relação com a
observância dos Direitos Humanos. Nos últimos anos no Brasil, houve um
grande avanço com relação aos Direitos Humanos em todas as áreas, e a
Defesa do Consumidor não ficou de fora, tendo em vista que os Direitos do
Consumidor foram assegurados por lei, dessa forma acabando com o
sofrimento e o constrangimento que muitos consumidores sofriam.
41
Segundo o Procon de São Paulo, um dos mais atuantes do Brasil, é
necessário que o consumidor tome certos cuidados básicos, a seguir
discriminados.
Em relação aos produtos, sempre que o consumidor se dispõe a
comprar um bem deve tomar os seguintes cuidados básicos: comparar preços
e condições de pagamento; verificar e testar a qualidade do que quer comprar;
exigir a discriminação da mercadoria, seu valor, data de entrega, tudo por
escrito; quando receber a mercadoria em sua casa, se não for exatamente o
que viu na loja, recuse. Exija e só aceite o que comprou.
Quanto aos serviços, falar de sua prestação, é falar de diversas
atividades que estão presentes em nossa vida diariamente. Do encanador ao
jardineiro, da escola aos bancos, da luz elétrica à água encanada. Todas essas
atividades têm as suas regras de conduta estabelecidas. O importante é
prestar atenção a todos os detalhes que envolvem os serviços que você está
contratando. Sempre que puder, faça um contrato por escrito, guardando com
você uma cópia desse documento. Ele será muito útil no caso de surgir algum
problema.
Outro fator importante, é quanto ao arrependimento. Ao comprar um
produto ou contratar um serviço por meio de: reembolso postal (anúncio em
revistas, TV, jornais, etc.), pedido por telefone, vendedores na porta da sua
casa ou de seu trabalho e outros meios fora de um estabelecimento comercial,
o consumidor tem direito de se arrepender da compra ou da contratação no
prazo de sete dias, contados a partir do recebimento do produto ou da
assinatura do contrato. Nesse caso, o consumidor deverá devolver o produto
ou suspender o serviço e terá direito à devolução do valor pago, com correção
monetária.
Em relação a proteção contratual, preocupado com a vulnerabilidade
socioeconômica do consumidor, o CDC estabeleceu normas procurando
garantia, equilíbrio e igualdade nas relações de consumo, principalmente nas
que são regidas por contrato de adesão. Relembrando, contrato de adesão é
aquele cujas cláusulas foram estabelecidas unilateralmente pelo fornecedor de
produtos ou serviços, sem que o consumidor pudesse discutir ou modificar
42
substancialmente seu conteúdo. Nesse sentido, o CDC disciplinou os contratos
de adesão entre fornecedor e consumidor, tendo como base os seguintes
princípios: a irrenunciabilidade, aonde são nulas as cláusulas contratuais que
estabeleçam renúncia, pelo consumidor, de direitos assegurados pelo CDC; o
equilíbrio contratual, em que são nulas as cláusulas que estabeleçam
desvantagens contratuais em relação ao consumidor; a clareza, em que as
relações de consumo devem desenvolver-se de forma clara e transparente. O
consumidor precisa ter exato e completo conhecimento das obrigações
assumidas nos contratos e a Interpretação mais favorável ao consumidor, pois
como o contrato de adesão é elaborado unilateralmente pelo fornecedor, o
CDC estabeleceu que as cláusulas contratuais devem ser interpretadas
favoravelmente ao consumidor.
Em face dos princípios anteriores, o CDC estabelece que os contratos
de adesão devem: ser impressos em termos claros, com letras de caracteres
bem legíveis, de modo a facilitar sua compreensão pelo consumidor; conceder
destaque às cláusulas que limitem direitos do consumidor. Além disso, não são
permitidas as cláusulas que: diminuam a responsabilidade do fornecedor em
caso de dano ao consumidor; proíbam o consumidor de devolver o produto ou
reaver a quantia já paga por um produto ou serviço defeituoso; transfiram
responsabilidade para outras pessoas além do fornecedor; coloquem o
consumidor em desvantagens exageradas, incompatíveis com a boa-fé e a
eqüidade; estabeleçam a obrigatoriedade de somente o consumidor apresentar
provas num eventual processo; proíbam o consumidor de recorrer diretamente
a um órgão de proteção ao consumidor ou à justiça, sem antes recorrer ao
próprio fornecedor ou a quem ele determinar; autorizem o fornecedor a alterar
preço, depois de fechado o negócio; permitam ao fornecedor a modificação de
qualquer parte do contrato sem a autorização do consumidor; estabeleçam a
perda das prestações já pagas por descumprimento de alguma obrigação do
consumidor, quando já estiver prevista a retomada do produto pelo fornecedor.
Toda declaração de vontade (cartas, recibos, etc.) nas relações de
consumo, vinculam o fornecedor ao seu cumprimento.
43
Ainda, a Portaria n° 3, de 15.3.2001, da Secretaria de Direito
Econômico, ampliou o elenco de cláusulas consideradas abusivas ao
consumidor: a que estipule presunção de conhecimento por parte do
consumidor de fatos novos não previstos em contrato; a que estabeleça
restrições ao direito do consumidor de questionar nas esferas administrativa e
judicial possíveis lesões decorrentes de contrato por ele assinado; a que
imponha a perda de parte significativa das prestações já quitadas em situações
de venda a crédito, em caso de desistência por justa causa ou impossibilidade
de cumprimento da obrigação pelo consumidor; a que estabeleça cumulação
de multa rescisória e perda do valor das arras (garantia ou sinal de um
contrato); a que estipule a utilização expressa ou não, de juros capitalizados
nos contratos civis; a que autorize, em virtude de inadimplemento, o não
fornecimento ao consumidor de informações de posse do fornecedor, tais
como: histórico escolar, registros médicos, e demais do gênero; a que autorize
o envio do nome do consumidor e ou seus garantes a cadastros de
consumidores (SPC, SERASA, etc), enquanto houver discussão em juízo
relativo à relação de consumo; a que considere, nos contratos bancários,
financeiros e de cartões de crédito, o silêncio do consumidor, pessoa física,
como aceitação tácita dos valores cobrados, das informações prestadas nos
extratos ou aceitação de modificações de índices ou de quaisquer alterações
contratuais; a que permita à instituição bancária retirar da conta corrente do
consumidor ou cobrar restituição deste dos valores usados por terceiros, que
de forma ilícita estejam de posse de seus cartões bancários ou cheques, após
comunicação de roubo, furto ou desaparecimento suspeito ou requisição de
bloqueio ou final de conta; a que exclua, nos contratos de seguro de vida, a
cobertura de evento decorrente de doença preexistente, salvo as hipóteses em
que a seguradora comprove que o consumidor tinha conhecimento da referida
doença à época da contratação; a que impeça o consumidor de acionar, em
caso de erro médico, diretamente a operadora ou cooperativa que organiza ou
administra o plano privado de assistência à saúde; a que estabeleça, no
contrato de venda e compra de imóvel, a incidência de juros antes da entrega
das chaves; a que preveja, no contrato de promessa de venda e compra de
44
imóvel, que o adquirente autorize ao incorporador alienante constituir hipoteca
de terreno e de suas acessões (unidades construídas) para garantir dívida da
empresa incorporadora, realizada para financiamento de obras; a que vede,
nos serviços educacionais, em face de desistência pelo consumidor, a
restituição de valor pago a título de pagamento antecipado de mensalidade.
Com relação aos prazos de reclamação, o prazo para o consumidor
reclamar do defeito do produto ou serviço é de: até 30 dias para produto ou
serviço não-durável. Ex. alimento, excursão, etc; até 90 dias para produto ou
serviço durável. Ex. eletrodoméstico, prótese dentária, veículo, etc.
Esses prazos serão contados a partir do recebimento do produto ou
término do serviço.
Se o defeito não for evidente, dificultando a sua identificação imediata,
os prazos começam a ser contados a partir do seu aparecimento. Ex. ferrugem
sob pintura, vícios redibitórios (oculto).
Com vistas à dissecar ao máximo o nosso Diploma Consumerista, é
necessário nos atermos agora, a certos conceitos fundamentais expressos no
Código de Defesa do Consumidor.
O primeiro deles é quanto a relação de consumo. As relações de
consumo são relações jurídicas. Importante frisar, inobstante, que o seu caráter
jurídico é preponderantemente instrumental e não, finalístico. Tal assertiva
vale, em verdade, para qualquer relação jurídica, eis que, como pontifica o
eminente Miguel Reale (1976, p.210), "o Direito é mais instrumento de vida do
que finalidade de vida". Não se perca de vista que a relação jurídica é uma
espécie de relação social. Ora, como assinala o renomado mestre (1976,
p.210), "a rigor, ninguém se relaciona na sociedade visando a fins estritamente
jurídicos. São fins morais, religiosos, econômicos, estéticos, artísticos,
utilitários, que determinam a conduta humana".
Assim, embora atenda a finalidades diversas, geralmente econômicas,
as relações de consumo têm inegavelmente caráter jurídico instrumental, na
medida em que são vínculos intersubjetivos reconhecidos e tutelados pelo
ordenamento jurídico, que os provê de segurança e estabilidade.
45
Restando assente que as relações de consumo têm efetivamente uma
natureza jurídica, resta saber qual ou quais ramos do Direito albergam o
conjunto de normas que as disciplinam.
Não se pode olvidar o fato de que os institutos jurídicos disciplinados
pelo referenciado Código (Lei nº 8.078/90) são preexistentes e atendem de
forma preponderante a outras disciplinas jurídicas. À guisa de ilustração,
registre-se que os contratos privados, a responsabilidade civil e os vícios
redibitórios servem ao Direito Civil e ao Direito Comercial; a responsabilidade e
as sanções administrativas, a seu turno, pertencem ao Direito Administrativo; a
responsabilidade e as sanções penais atendem ao Direito Penal; os institutos
processuais, por sua vez, não são estranhos ao Direito Processual Civil.
Sensível ao caráter interdisciplinar do, assim chamado, "direito do
consumidor", José Geraldo Brito Filomeno (1998, p.53) propõe a denominação
"direitos do consumidor", no plural, porque, conforme pondera, "congregam
uma gama variada e complexa de institutos jurídicos e conceitos que
pertencem a outros ramos da ciência jurídica, constituindo, o Código brasileiro
a respeito, um verdadeiro microssistema de direitos do consumidor”.
É de se registrar que a existência de um conjunto orgânico e sistêmico
de normas legais destinado especificamente às relações de consumo não
revela senão a preocupação do Estado em adequar os institutos jurídicos à
realidade de ditas relações, caracterizadas, como afirmado antes, pelo
desequilíbrio, fruto da desigualdade existente entre os sujeitos que delas
participam em posições antagônicas. Nesse sentido, vale dizer, por exemplo,
que a liberdade contratual plena, assentada na autonomia da vontade, no pacta
sunt servanda e na igualdade formal das partes, institutos imperativos no
Direito Civil, encontram, no CDC, restrições que protegem os interesses do
consumidor em face de sua hipossuficiência. Outrossim, cite-se, ainda
exemplificativamente, que a responsabilidade civil por acidentes do consumo é
objetiva, ao contrário do que se dá nas relações ordinárias regidas pelo Código
Civil, em que, via de regra, a responsabilidade é assentada na culpa, sendo,
pois, de índole subjetiva.
46
Assim, reconhecendo-se o considerável e merecido valor do chamado
"direito do consumidor", mas não, a sua autonomia disciplinar, cumpre
acentuar, com Thierry Bourgoignie, lembrado por Filomeno, que ele (o direito
do consumidor) vale pelo reconhecimento de um sem número de direitos ao
consumidor e pela elaboração de um conjunto normativo específico, para a
realização dos objetivos do movimento que visa assegurar a promoção dos
interesses do consumidor.(apud FILOMENO, 1998)
Conhecido o caráter interdisciplinar que marca a natureza jurídica das
relações de consumo em face exatamente da variedade de normas que as
disciplinam, cumpre, neste passo, precisar o seu conceito, a fim de que, em
sendo apurados os elementos que as integram, seja possível visualizar, com
maior acuidade, a essência dessas relações jurídicas.
As relações de consumo são definidas com bastante precisão por
Nelson Nery Júnior, (1988, p.33) como "aquelas que se formam entre
fornecedor e consumidor, tendo como objeto a aquisição de produtos ou
utilização de serviços pelo consumidor".
A fim de que sejam visualizados todos os elementos das relações
jurídicas de consumo, propõe-se o seguinte conceito: são relações que
obrigam consumidor e fornecedor, tendo, por objeto, produtos ou serviços,
adquiridos ou utilizados pelo consumidor como destinatário final.
Com efeito, do conceito em epígrafe, extraem-se os elementos
mesmos da relação de consumo, quais sejam, os sujeitos, o objeto, o vínculo
obrigacional e o elemento teleológico.
Os sujeitos são o consumidor e o fornecedor. O objeto compreende
produtos ou serviços. O vínculo obrigacional, que Miguel Reale entende por
vínculo de atributividade, vem a consubstanciar, nas relações de consumo, o
liame havido entre fornecedor e consumidor, com respaldo no ordenamento
jurídico, que confere a cada sujeito o poder de pretender ou exigir as
prestações recíprocas.( REALE, 1976).
O elemento teleológico, a seu turno, vem inserto na expressão
destinatário final, a qual quer significar que, para a configuração de uma
relação de consumo, fornecedor e consumidor devem-se obrigar, com a
47
finalidade de retirada do produto ou serviço do mercado. É importante a
verificação do elemento teleológico, porque, segundo Nelson Nery Junior, se a
aquisição foi para que o adquirente pudesse exercer outra atividade, não terá
adquirido como destinatário final, e, conseqüentemente, não terá havido
relação de consumo. Em verdade, é elemento da conceituação legal de
consumidor, todavia preferiu-se explicitá-lo no conceito das relações de
consumo, assumindo-se o risco do pecado da redundância, tendo em vista que
se afigura como elemento essencial à caracterização das ditas relações.
(NERY JR, 1998)
Em segundo lugar vem o consumidor. Sujeito das relações de
consumo, o consumidor é definido pelo Código (art. 2º, caput), como sendo “a
pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como
destinatário final”. Trata-se de um conceito amplíssimo, que tem como única
restrição o já analisado elemento teleológico das relações de consumo.
Considera-se consumidor o destinatário final do produto ou serviço, ou seja, o
usuário ou utente, isto é, aquele que faz uso do bem ou serviço, com
destruição imediata ou, de forma permanente, sem destruição imediata.
Observe-se que, para a caracterização do consumidor, faz-se mister que se
verifique a finalidade consignada ao consumo.
Como visto, se alguém adquiriu produto ou serviço e exerceu outra
atividade onerosa sobre o mesmo, não é considerado consumidor, eis que o
objeto da operação terá persistido no mercado, ou seja, terá havido apenas
uma intermediação do bem ou serviço.
Por outro lado, se, após a operação originária, houver operação não-
onerosa com terceiro sobre o mesmo bem ou serviço, não será desvirtuado o
caráter de consumidor do partícipe de ambas as operações em relação à
primeira. Mas também, o terceiro merecerá a proteção do CDC, eis que
também é destinatário final e, portanto, consumidor. Diante disso, pode-se
asseverar, de forma simplista, que consumidor não é meramente quem adquire
o produto ou serviço pagando o preço correspondente, mas também aquele
que efetivamente o fruirá.
48
Oportuno frisar-se que tais ilações só são possíveis em face do caráter
objetivista que a Lei nº 8.078/90 imprimiu ao conceito de consumidor, o qual
não teria limitações senão na destinação do objeto da relação, sem se importar
com quaisquer limitações de índole subjetiva.
Ainda dentro do conceito de consumidor, é preciso expor a controvérsia
doutrinária a respeito da inclusão da pessoa jurídica neste conceito.
Dentro dessa ótica legal objetivista, à luz do conceito acima
apresentado, as pessoas jurídicas também podem participar das relações de
consumo na condição de consumidoras, dispondo, por conseguinte, da
proteção do Código.
Conforme assinala James Marins, a doutrina européia, apesar de
admitir que, de modo lato, as pessoas jurídicas podem ser consideradas
consumidoras, podendo atuar como tal no mercado de consumo, entende que
a legislação protetiva deve alcançar apenas as pessoas físicas e morais, quais
sejam, entidades assistenciais, de beneficência, etc. Segundo acentua, tal
entendimento doutrinário reflete-se na legislação européia de um modo geral.
(MARINS,1993).
No entender do mencionado autor, no ordenamento jurídico pátrio, é
induvidoso que, tendo em vista a inclusão das pessoas jurídicas no conceito
legal de consumidor, tais entes, sem qualquer restrição, na qualidade de
adquirentes ou destinatários finais de produtos ou serviços, merecem a
proteção da Lei nº 8.078/90.(MARINS, 1993).
Tal entendimento, também compartilhado por J. M. Othon Sidou, tem
prevalecido na doutrina.(OTHON SIDOU, 1997).
Sem embargo de sua plausibilidade, é de se dizer que esse
posicionamento não é coerente com o caráter protetivo que marca a legislação
consumerista.
É certo que não há menção, no aludido conceito legal, à
hipossuficiência do consumidor. Também é certo que uma pessoa jurídica pode
adquirir ou utilizar produtos ou serviços como destinatária final. Contudo, em
que pese a inclusão da pessoa jurídica no conceito legal de consumidor, não
se pode olvidar a correspondência que deve existir entre o modelo jurídico e a
49
experiência, o que, in casu, traduz-se no fato de que, tratando-se de uma lei
que visa à proteção do consumidor, em face da desvantagem com que este
participa da relação de consumo, não se pode deixar de avaliar in concreto a
posição econômica da pessoa jurídica, a fim de se lhe reconhecer ou não a
condição de consumidora.
Ora, como afirma, com admirável lucidez, Lopes (1992, p. 79):
Uma grande empresa oligopolista não pode valer-se do Código de Defesa do Consumidor da mesma forma que um microempresário. O Código de Defesa do Consumidor, não veio para revogar o Código Comercial ou o Código Civil no que diz respeito a relações jurídicas entre partes iguais, do ponto de vista econômico.
Diante disso, Lopes propõe o seguinte critério para que se considere a
pessoa jurídica como consumidora e, portanto, mereça a proteção do CDC:
que os bens adquiridos pelo ente sejam bens de consumo e não bens de
capital e que, entre fornecedor e consumidor, haja um desequilíbrio em
detrimento deste.(LIMA LOPES, 1992). Sobre o critério que apresenta,
sentencia que (1992, p.79) “este critério, cuja explicitação na lei é insuficiente,
é, no entanto, o único que dá sentido a todo o texto. Sem ele, teríamos um sem
sentido jurídico".
Por derradeiro, ainda dentro do conceito de consumidor, é preciso
definirmos o que é consumidor por equiparação.
Prevê o parágrafo único, do artigo 2º, do Código de Defesa do
Consumidor, in verbis: "Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas,
ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo".
Tal extensão conceitual revela a ampla dimensão do conceito de
consumidor, já assinalada em linhas anteriores. Neste dispositivo, permite-se à
coletividade consumidora, seja um conjunto indeterminado de pessoas, seja
um grupo, classe ou categoria determinada, albergar-se da proteção do
Código, facultando-se-lhe o exercício dos direitos do consumidor.
Na mesma linha, o CDC, além de promover a equiparação em
comento, prevê a defesa coletiva ( artigo 81, parágrafo único e artigo 82 do
CDC), instrumentalizando-a com a ação civil coletiva (artigos 83, 87, 91 usque
50
95, do CDC.) e garantindo sua eficaz exeqüibilidade através de execução
(artigos 95 usque 98, do CDC) coletiva e individual.
Também se equiparam aos consumidores as vítimas do fato do produto
ou serviço objeto de uma relação de consumo. Tal equiparação, que vem
expressa no artigo 17, do Código de Defesa do Consumidor, autoriza terceiros
(bystanders), isto é, estranhos à relação entre consumidor e fornecedor, a
acionar este pela responsabilidade civil por danos materiais ou pessoais
decorrentes de defeitos intrínsecos ou extrínsecos do produto ou serviço.
Enfim, ex vi do artigo 29, do CDC, são também equiparadas ao
consumidor as pessoas expostas às práticas comerciais previstas nos
Capítulos V e VI, do Título I, da Lei nº 8078/90 , as quais compreendem a
oferta, a publicidade, as cláusulas gerais dos contratos, as práticas comerciais
abusivas, cobranças de dívidas e contratos de adesão, bancos de dados e
cadastros de consumidores. Portanto, os estranhos à relação de consumo
podem albergar-se da proteção do Código contra essas práticas comerciais,
como se consumidores fossem.
Saliente-se que, não há óbice a que as equiparações previstas nos
artigos 17 e 29, do Código, abranjam as pessoas jurídicas e a coletividade de
pessoas.
Terceiro importante conceito é o de fornecedor. Prevê o artigo 3º, da
Lei nº 8078/90, a conceituação do fornecedor como o outro participante da
relação de consumo, verbis:
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
Com vistas a se promover a proteção máxima ao consumidor, o
conceito legal fornecedor é de larga abrangência. Mas, poder-se-ia, sem
prejuízo de tal amplitude e respeitando-se os lindes legais, asseverar
sinteticamente: fornecedor é todo ente que provisiona o mercado de produtos
ou serviços, destinando-os ao consumo (MARINS, 1993).
51
Na conceituação de fornecedor, com o elenco das diversas atividades
econômicas de provisão do mercado, o legislador adotou critério econômico e
objetivo. Com efeito, não há índole subjetivista, sendo relevante apenas, para a
configuração do fornecedor, que o ente, desenvolvendo atividade civil ou
mercantil, seja responsável pelo oferecimento, entrada ou intermediação de
produtos ou serviços no mercado, com profissionalidade.
A exigência da profissionalidade vem ínsita no termo legal "atividade",
que não pode ser entendido senão como a prática de atos continuados e
habituais, no caso, atos de comércio ou de indústria. Entretanto, ressalte-se
que, mesmo os que exercem a mercancia de forma irregular, como, por
exemplo, os vendedores ambulantes e os camelôs, podem ser reputados
fornecedores, sujeitando-se, pois, à legislação consumerista. Isso se dá,
porque a ausência de registro no órgão competente, embora importe restrições
ao agente da atividade, não é da essência do conceito de comerciante (29),
logo, com maior razão, não há que constituir óbice à caracterização de
fornecedor.
Merece algumas considerações a inclusão dos entes
despersonalizados no conceito de fornecedor. Ora, consistindo a personalidade
jurídica exatamente na capacidade in abstracto de ser sujeito de direitos ou
obrigações, é, em princípio, de se dizer que os entes despersonalizados, não
sendo aptos a contrair obrigações, não se obrigariam, portanto, em face da Lei
nº 8078/90. Não obstante, se tais entes não são dotados de capacidade
jurídica in abstracto, detém-na in concreto, desde que a lei preveja de modo
expresso. Assim, exercendo atividades de oferecimento de bens ou serviços ao
mercado consumidor, tais entes participam de relações de consumo, sendo
hábeis a assumir obrigações, por previsão expressa do artigo 3º, da Lei nº
8078/90.
Observe-se, ainda, que, no conceito de fornecedor, além de constar a
pessoa jurídica privada, são também inclusas as públicas, o que quer dizer que
o Poder Público, quer por si, quer pelas empresas públicas bem como as
concessionárias e permissionárias de serviços públicos (v.g. empresas de
transporte coletivo, telefonia, radiodifusão, televisão, energia elétrica, etc.),
52
sujeita-se à disciplina do Código, em participando de relações de consumo.
Assim, pode-se dizer sinteticamente que os entes ligados ao Poder Público
serão considerados fornecedores em razão de serviços ou produtos que
disponibilizem no mercado mediante tarifa ou preço público, eis que só assim
podem participar de relações ditas de consumo, haja vista que, nessa
condição, agem à maneira dos particulares, isto é, sem que prevaleça o poder
de império do Estado.
O Código, no artigo 12, prevê expressamente o elenco de fornecedores
passíveis de responsabilidade por danos. São discriminados o fabricante, o
produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador.
Como é de se observar, tal elenco é, sem dúvida, mais restrito do
aquele que se dessume da conceituação legal de fornecedor apresentada pelo
artigo 3o, do Código.
A doutrina classifica os fornecedores responsáveis, ou seja, aqueles
sujeitos a participar, no pólo passivo, da relação jurídica de responsabilidade
civil, nas seguintes categorias: fornecedor real, envolvendo o fabricante, o
produtor e o construtor; fornecedor aparente, que compreende o detentor do
nome, marca ou signo aposto no produto; fornecedor presumido, abrangendo o
importador e comerciante de produto anônimo. ( MARINS, 1993;
DENARI,1998).
O fornecedor real é o que efetivamente participa da realização e
criação do produto acabado ou parte componente, abrangendo assim o
fornecedor final e o intermediário (MARINS,1993). A teor do que dispõe o
parágrafo 2o, do artigo 25, do CDC, o fabricante de peça ou parte componente
responde solidariamente com os demais fornecedores, segundo sua
participação no evento lesivo.
O fornecedor aparente, por sua vez, aparece como o produtor ao
consumidor, na medida em que, ao apor seu nome ao produto assume a sua
fabricação, bem como os riscos envolvidos. Diante disso, pode ser
responsabilizado diretamente (MARINS,1993).
Por fim, o fornecedor presumido é geralmente aquele que adquire
produtos anônimos, industrializados ou não, para vender ao mercado de
53
consumo. Geralmente, são importadores e comerciantes. A lei admite, por
ficção, que assumam a condição de fabricantes, para que, em defesa do
consumidor, possam-lhes ser imputada a responsabilidade pelos acidentes de
consumo. Caso não houvesse tal ficção legal, dificilmente, o consumidor lesado
poderia ser ressarcido, já que seria praticamente impossível comprovar o liame
de causalidade entre o dano e a conduta do verdadeiro fabricante. Vê-se que o
elenco legal do multicitado artigo 12 excluiu o comerciante. Não obstante, o
mesmo também se sujeita à responsabilização, mas, nos termos do artigo 13,
de forma meramente subsidiária, isto é, quando for impossível responsabilizar-
se o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador, seja porque estes não
possam ser identificados (neste caso, segundo a doutrina, é considerado
fornecedor presumido), seja porque, tratando-se de produtos perecíveis, o
comerciante não os conservou adequadamente.
Por derradeiro, não poderíamos deixar de falar neste capítulo, que trata
do nosso Código de defesa do Consumidor, do importante e famoso princípio
da desconsideração da personalidade jurídica.
Por determinação expressa do artigo 28, do CDC, é prevista a
possibilidade de o Juiz desconsiderar a personalidade jurídica das sociedades,
permitindo que seja atingido o patrimônio dos sócios ou acionistas, para a
satisfação dos direitos lesados. É a consagração legal da disregard doctrine,
isto é, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica. O mencionado
dispositivo prevê as hipóteses em que há margem para se aplicar a superação
da personalidade jurídica da empresa, quais sejam, abuso de direito, excesso
de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito, violação do estatuto ou contrato
social e má administração ensejadora de falência, estado de insolvência,
encerramento ou inatividade da pessoa jurídica. Como não poderia deixar de
ser, para que se aplique a regra em comento, é necessário que tais eventos
ocorram em detrimento do consumidor.
54
CAPÍTULO V
A RESPONSABILIDADE CIVIL NO CÓDIGO DE DEFESA
DO CONSUMIDOR PELO FATO E PELO VÍCIO DO
PRODUTO E DO SERVIÇO
O Código de Defesa do Consumidor, como dito, introduziu a
responsabilidade objetiva do fornecedor ao estabelecer no art.12 a
responsabilidade civil independentemente da existência de culpa. Assim, o
legislador pretendeu que a vítima de um dano provocado em razão da entrada
de um produto em circulação, a fim de ser indenizada, não fosse obrigada a
demonstrar que o fabricante, produtor, construtor ou importador agiu com
culpa.
Todavia, tal afirmativa não quer dizer que a vítima não tenha o ônus de
provar certos fatos, já que a responsabilidade objetiva não elimina o problema
da prova.
O que acontece é que o Código de Defesa do Consumidor reduziu o rol
dos fatos a serem provados pela vítima. A vítima deve provar tão somente o
dano e o nexo de causalidade entre o dano e o produto defeituoso. Tal prova
do nexo de causalidade inclusive pode ser obtida através de presunções, a
serem valoradas pelo juiz. Presume-se o defeito do produto, cabendo ao
fornecedor o ônus de provar a sua inexistência, ex vi do disposto no art.12, §3º,
II do citado diploma legal. A discussão da culpa é estranha às relações de
consumo.
Além das presunções poderem ser alegadas em favor do consumidor,
será possível obter do juiz a inversão do ônus da prova, direito previsto no
art.6º, VIII, de modo a atribuir ao fornecedor o ônus de demonstrar a
inexistência de nexo causal entre o defeito e o dano.
Assim andou bem o referido Código, pois, com efeito, a prova da
existência do defeito é em muitos casos difícil de ser feita, como por exemplo
55
nos casos em que decorre muito tempo entre o momento em que o produto foi
colocado em circulação e o momento em que foi consumido pela vítima.
O Código de Defesa do Consumidor previu duas espécies de
responsabilidade: a primeira, pelo fato do produto ou do serviço, com
regramento previsto nos artigos 12 a 17, e a segunda, pelo vício do produto ou
do serviço, com regramento previsto nos artigos 18 a 25.
A responsabilidade pelo fato do produto ou do serviço é decorrente de
danos materiais ou pessoais provocados pelo produto ou serviço, sendo
denominados acidentes de consumo. Nessa direção, a doutrina entende que o
fato do produto é todo e qualquer acidente provocado por defeito de produto ou
de serviço que causar dano ao consumidor ou a terceiros, que são a ele
equiparados para esse efeito, como visto linhas atrás.
O fato do produto é o efetivo dano causado ao consumidor pelo
produto, como uma televisão nova que ao ser ligada explode causando
queimaduras no consumidor.
O fato do produto, segundo o mestre Sérgio Cavalieri, (2000, pág. 367)
“é o acontecimento externo que causa dano material ou moral ao consumidor,
decorrente de um defeito no produto.”
Continua o renomado jurista dizendo que tal defeito pode ser de três
ordens: de concepção, de produção e de comercialização. Na primeira ordem
se incluiriam os defeitos na criação, no projeto e na fórmula do produto. Já na
segunda ordem estariam inclusos os defeitos na fabricação, construção e
montagem do produto. E na terceira ordem, os defeitos de informações,
publicidade e apresentação do produto (CAVALIERI FILHO, 2000).
Tais danos resultantes dos defeitos do produto são os chamados
acidentes de consumo, que, segundo o mestre supracitado (2000, p.368), “se
materializam através da repercussão externa do defeito do produto, atingindo a
incolumidade físico-psíquica do consumidor e o seu patrimônio.”
A grande maioria dos acidentes de consumo são causados pela
introdução no mercado de produtos nocivos à saúde ou segurança do
consumidor.
56
Assim, toda vez que houver um dano decorrente de uma relação de
consumo, dano esse produzido por um produto que foi introduzido no mercado
com defeito, ou que chegou às mãos do consumidor com defeito, o Código Civil
ficará afastado.
Nas palavras de Cavalieri (2000, p. 368):
O fundamento dessa responsabilidade deixa de ser a relação contratual para se materializar em função da existência de um outro tipo de vínculo: o produto defeituoso lançado no mercado e que, numa relação de consumo, contratual ou não, dá causa a um acidente consoante artigo 12 do Código do Consumidor.
Pode parecer, ao menos aos leigos, que se o produto já porta um
defeito, não há que se falar em responsabilidade objetiva, em responsabilidade
sem culpa, já que a própria existência do defeito traduziria a presença da culpa
do introdutor do produto no mercado.
Só que o que deve ficar claro, em termos de responsabilidade civil do
fornecedor, é que a noção que a lei traz de defeito, no §1º do art. 12, não é a
noção de um produto em si viciado, mas sim é uma noção muito mais
abrangente; é a noção de um produto que não atenda às justas e legítimas
expectativas do consumidor, ou às exigências de modernização e
aperfeiçoamento buscadas pela lei.
De Castro, dá um exemplo que ilustra claramente o que estamos
querendo dizer com a idéia de defeito ( 2000, p. 82):
Imagine-se um brinquedo, um arco e flecha para crianças. Pode ser que, alguns garotos ao brincar, resolvam tirar as borrachinhas que protegem a flecha ligeiramente pontiaguda, e acabem ferindo um ao outro. O brinquedo, do ponto de vista estático, é perfeito, mas deveria ter sido antevista a possibilidade de retirada, fácil, da borracha; todos os testes de adequação e previsão de segurança, em relação ao mercado próprio, deveriam ter sido feitos: a) velocidade da flecha e possibilidade de machucar; b) possível retirada da borracha e conseqüências, pois o público é infantil, etc.Há, portanto, dever indenizatório objetivo, a cargo do fabricante.
Os artigos 12, § 1º, e 14, § 1º, da Lei nº 8.078/90 definem
respectivamente produto defeituoso e serviço defeituoso. O produto e o serviço
57
são considerados defeituosos quando não oferecem a segurança que deles
legitimamente se espera. Devem ser levadas em consideração para a
configuração da característica de defeituoso algumas circunstâncias, a saber:
apresentação do produto e o modo de fornecimento dos serviços; o uso, os
resultados e os riscos que razoavelmente deles se esperam e, finalmente a
época em que foram disponibilizados no mercado.
A responsabilidade principal é do fabricante, produtor, construtor ou
importador. Como analisado precedentemente, o comerciante só responde
subsidiariamente, quando os responsáveis principais não puderem ser
identificados, ou quando o mesmo não conservar adequadamente os produtos
perecíveis. Aquele que efetivar o pagamento da indenização, conserva o direito
de regresso contra os demais obrigados, na medida de sua participação, eis
que nos termos do parágrafo 1o, do artigo 25, combinado com o parágrafo
único do artigo 7o, do CDC, a responsabilidade é solidária.
A ação de responsabilidade civil por danos causados por fato do
produto ou do serviço é sujeita a prazo prescricional de cinco anos. O dies a
quo de contagem do prazo é o dia em que restaram conhecidos o dano e sua
autoria.
Com relação à responsabilidade por vício do produto ou do serviço, o
Código de Defesa do Consumidor, em seus artigos 18, 19 e 20, prevê a
responsabilidade civil do fornecedor por vício do produto ou do serviço, ao
mesmo tempo em que disciplina as respectivas sanções a serem impostas por
iniciativa do consumidor a ser ressarcido.
Já o vício do produto ou do serviço são as pequenas anomalias que
não chegam a causar danos ao consumidor, mas afetam a qualidade ou o
desempenho do produto ou do serviço, frustrando a justa expectativa do
consumidor. Se compro uma televisão a cores, mas ela só apresenta o preto e
o branco, há um vício no produto. Não chegou a ser causado um dano, mas o
consumidor ficou frustrado em suas expectativas.
O vício é uma característica inerente, intrínseca do produto ou do
serviço em si. O defeito é um vício acrescido de um problema extra, alguma
coisa extrínseca, que causa um dano maior que simplesmente o mau
58
funcionamento, o não funcionamento, a quantidade errada, a perda do valor
pago.
Assim, quando a anomalia resultar apenas na deficiência do
funcionamento do produto ou do serviço, mas não coloca em risco a saúde ou
a segurança do consumidor, não se fala em defeito, mas em vício. Portanto,
fato do produto ou do serviço está ligado a defeito, que por sua vez está ligado
a dano.
O legislador previu a responsabilidade solidária de todos os que
intervierem no fornecimento de produtos ou serviços. Diante disso, o
consumidor, destinatário final, em razão da solidariedade passiva, tem direito a
responsabilizar o fornecedor imediato do bem ou do serviço, seja o fabricante
ou até mesmo o comerciante. Aquele que efetivamente responder pelos danos
conservará direito de regresso contra os demais coobrigados, na medida de
sua participação no evento.
A lei prevê sanções para a reparação do vícios do produto e do serviço,
dotando o consumidor do direito de exigir do fornecedor responsável que as
cumpra. As sanções variam, conforme se trate de vício de qualidade ou de
quantidade do produto ou de qualidade do serviço, da seguinte forma: no caso
de vício de qualidade do produto, concede-se ao fornecedor o prazo de 30
(trinta) dias, para que substitua as partes viciadas do produto.
Expirado o prazo, sem que o vício tenha sido sanado, são previstas as
seguintes sanções, alternativamente exigíveis pelo consumidor (art. 18, § 1o,
CDC): substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas
condições de uso; restituição imediata da quantia paga, monetariamente
atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; abatimento proporcional
do preço. Sanções alternativamente exigíveis no caso de vício de quantidade
do produto (art. 19, CDC): substituição do produto por outro da mesma espécie,
marca ou modelo; complementação do peso ou medida; abatimento
proporcional do preço; restituição imediata da quantia paga, com correção
monetária, acrescida de perdas e danos. Sanções alternativamente exigíveis
no caso de vício de qualidade do serviço (art. 20, CDC): reexecução dos
serviços, sem custo adicional e quando cabível; restituição imediata da quantia
59
paga, com correção monetária, acrescida de perdas e danos; abatimento
proporcional do preço.
O direito à reparação em face de vícios do produto ou serviço se sujeita
aos seguintes prazos decadenciais: 30 (trinta) dias, tratando-se de produto ou
serviço não-durável, e 90 (noventa) dias, tratando-se de produto ou serviço
durável.
Registre-se que tais prazos, no caso de vícios aparentes ou de fácil
constatação, começam a contar a partir da entrega efetiva do produto ou do
término da execução do serviço. Tratando-se de vícios ocultos, o prazo começa
a contar no momento em que for evidenciado o defeito.
A relativa exigüidade dos prazos decandenciais, pode induzir à errônea
impressão de que o recurso ao Judiciário deva ser uma medida a ser tomada o
mais urgente possível sob pena de se perder a oportunidade de fazê-lo.
Pertinente esclarecer-se que aquelas sanções em epígrafe podem e devem
ser, antes, exigidas extra-judicialmente. Tal procedimento, de per si, não
estimula o fornecedor a esperar e impor delongas com o fito de ver o tempo
passar e fazer operar-se o decurso daqueles prazos. Ocorre que o fornecedor
chamado à responsabilidade extra-judicialmente não se estimula a lançar mão
de semelhante ardil, na medida em que a reclamação, comprovadamente
formulada perante ele pelo consumidor, faz com que o curso do prazo
decadencial seja obstado (suspensão) até a resposta negativa correspondente.
Aproveitando o ensejo, é preciso estabelecer diferenças entre os dois
tipos de responsabilidade previstos no Diploma Consumerista. Com relação a
responsabilidade pelo vício do produto ou do serviço, tais vícios podem
inquinar a qualidade ou a quantidade dos produtos ou serviços, ensejando, por
igual, a responsabilização do fornecedor. Aqui, diferente do que se dá na
responsabilidade por fato do produto ou do serviço, a responsabilidade decorre
de vícios inerentes, intrínsecos, aos bens ou serviços, os quais provocam o
dano na própria coisa, isto é, in re ipsa. Na responsabilidade pelo fato do
produto ou do serviço, o defeito ultrapassa o limite valorativo do produto,
causando danos à segurança e/ou à saúde do consumidor. Já na
60
responsabilidade pelos vícios do produto, o vício não ultrapassa tal limite,
versando sobre a qualidade ou quantidade do produto.
Portanto, o Código de Defesa do Consumidor, não é demais frisar,
abandonou corajosamente as teorias da culpa. Corajosamente sim, porque o
Código Civil brasileiro tem como sua regra geral a teoria subjetiva, configurada
no seu art. 159, e apenas excepcionalmente a objetiva. Porém, o CDC se
libertou do questionamento acerca da culpa, questionamento esse tortuoso, já
que a culpa possui elemento subjetivo, e adotou para a responsabilidade civil a
moderníssima teoria do risco, que é o risco do empreendimento, para alguns
autores, como Sérgio Cavalieri Filho, ou o risco do consumo, para autores
como Sylvio Capanema. Tal teoria adotou como fundamento da
responsabilidade civil não mais a culpa, mas sim o nexo causal, como dito
acima.Como vimos,o que é preciso saber é se o dano sofrido pela vítima
decorreu realmente da conduta do autor do dano. A vítima do dano, que é o
consumidor, só precisa provar o dano e o nexo causal, e mais nada. O
fornecedor do produto que causou o dano ao consumidor deve, para se livrar
da indenização, provar não que não teve culpa, mas sim provar a ocorrência de
um fato que rompa o nexo causal entre o fato e o dano. Assim, vê-se que é
muito mais objetivo discutir a existência ou não de um nexo causal do que a
existência ou não de culpa. Adotando a teoria do risco, O CDC protegeu
extraordinariamente o consumidor. (art. 12)
61
CAPÍTULO VI
CAUSAS DE EXCLUSÃO DA RESPONSABILIDADE DO
FORNECEDOR
Prevendo as várias manobras que o fornecedor de produtos poderia
criar para romper o nexo causal, o legislador limitou quais seriam os fatos
capazes de rompê-lo. Assim, o fornecedor só se livrará de indenizar o
consumidor se provar a ocorrência de um dos fatos que estão previstos
expressamente na lei, no art. 12 do CDC. São eles:
1. O fornecedor se livrará da indenização se provar que não foi ele que
colocou o produto no mercado, em casos por exemplo como a falsificação,
furto ou roubo de seus produtos, haja vista que é a colocação do produto no
mercado que assinala o início de sua responsabilidade. Aqui merece ser
lembrado que o fornecedor também será responsável por produtos distribuídos
a título gratuito.
2. O fornecedor se livrará da indenização se provar que foi ele que
colocou o produto no mercado, mas que o produto não tinha defeito. Isto
porque é princípio assente da doutrina que o fornecedor deve ser
responsabilizado apenas se o seu produto se mostrar defeituoso em relação ao
uso normal e típico, ou razoável.
3.O fornecedor se livrará da indenização se provar que houve culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro.
Aqui o CDC, ao nosso ver, cometeu um equívoco, ao falar em culpa
exclusiva do consumidor ou de terceiro. Foi um ato falho do legislador, que
deveria ter dito fato exclusivo do consumidor ou de terceiro, e não culpa. Mas
isso não causos prejuízos ao consumidor.
Ao falar em culpa exclusiva, vê-se que o CDC afastou inteiramente a
culpa concorrente.
Para a grande maioria dos autores, em relações de consumo não há
que se falar em culpa concorrente. Ainda que se prove que o consumidor tenha
62
contribuído para a ocorrência do dano, com um comportamento inadequado,
como muitas vezes realmente ocorre, o fornecedor vai ter que indenizar
integralmente o consumidor; a negligência do consumidor não mitiga e nem
exclui o encargo reparatório do fornecedor.
O fornecedor só se exonerará se o dano decorrer integralmente de
comportamento do consumidor, só a falha exclusiva do consumidor é
liberatória. No caso de culpa concorrente, a excludente não seria aplicável,
permanecendo íntegra a responsabilidade do fornecedor.
Isto porque a maioria dos autores não admite a culpa concorrente nas
relações de consumo por considerar que na responsabilidade objetiva não
pode haver concorrência de culpas. Já que na responsabilidade objetiva não há
que se falar em culpa, como agora falarmos em concorrência de culpas?
A responsabilidade do fornecedor nos casos de culpa concorrente se
traduz em uma grande conquista para os consumidores, haja vista que em boa
parte dos acidentes do consumo haverá erro de diligência por parte do
consumidor. De Castro, traz um interessante caso ocorrido nos EUA a respeito
deste assunto (2000, p. 87):
Stella Liebeck entrou em uma lanchonete de uma das maiores redes do mundo para tomar o seu café da manhã e, ao tentar adoçá-lo, acabou derrubando o café contra seu próprio corpo, sofrendo queimaduras graves. Naturalmente, moveu ação indenizatória contra a loja, que rebateu salientando ter sido a própria vítima que derrubou café em si mesma, em razão de sua pressa e distração; ademais, o café era quente pois o inverno era rígido, e as pessoas o queriam assim, e não morno ou frio. Resultado: a empresa foi condenada a pagar (...) setecentos mil dólares. A estratégia da autora foi a de provar quantas vezes a cadeia de lojas já tinha recebido reclamações contra queimaduras em eventos similares (foram várias), salientando que a previsão do calor do café já tinha, portanto, que considerar a possibilidade, testes deveriam ser feitos destinados à aferição da menor temperatura e, ainda se não pudesse, em média, baixá-la muito, as advertências deviam ser expressas.
63
Porém, há autores que entendem de modo diverso, como por exemplo
os autores que admitem a culpa concorrente como causa capaz de minorar a
responsabilidade do fornecedor.
Em relação à exoneração do fornecedor pelo caso fortuito e pela força
maior, há controvérsia. Há duas correntes a esse respeito.
A 1ª, mais favorável ao consumidor, diz que caso fortuito e força maior
não estão elencados no art.12 como capazes de romper o nexo causal, e como
o artigo é “numerus clausus”, havendo caso fortuito ou força maior, o
fornecedor não estará liberado da indenização. Antônio Herman Vasconcelos
Benjamin afirma que “o Código adotou um sistema de responsabilidade civil
objetiva, o que não quer dizer absoluta. Por isso mesmo prevê algumas
excludentes, em numerus clausus.”
A 2ª entende que caso fortuito continua sendo um tradicional fato que
rompe o nexo causal, e como o próprio CDC fala em ato de terceiro, o que é
um caso fortuito senão uma espécie de ato de terceiro?
Então, por essa interpretação teleológica, tal corrente entende que o
fortuito, embora não expressamente referido no CDC também seria capaz de
romper o nexo causal e exonerar o fornecedor. As hipóteses elencadas no
Código de Defesa do Consumidor não seriam taxativas. Outras seriam aceitas,
recorrendo-se, para tanto, às regras de interpretação sistemática e lógica.
Ainda dentro do tema da exclusão da responsabilidade do fornecedor
de produtos e serviços, outra questão que se coloca, de forma controvertida, é
a que diz respeito ao risco de desenvolvimento, definido por Benjamin como
sendo (1991, p. 67):
o risco que não pode ser cientificamente conhecido no momento de lançamento do produto no mercado, vindo a ser descoberto somente após um certo período de uso do produto e do serviço. É defeito que, em face do estado da ciência e da técnica à época da colocação do produto ou serviço em circulação, era desconhecido e imprevisível.
64
Quem deve arcar com os riscos do desenvolvimento, se o fornecedor
ou o consumidor, é questão polêmica, e há ponderáveis argumentações em
ambos os sentidos.
De acordo com aqueles que adotam esta causa de exclusão de
responsabilidade, o fornecedor não seria responsável sempre que conseguisse
provar que o estado dos conhecimentos científicos e técnicos, quando da
colocação do produto no mercado, não permitia a constatação do defeito do
produto.
Alegam ainda os defensores desse entendimento que, fazer o
fornecedor responder pelos riscos do desenvolvimento podia inviabilizar a
pesquisa e o progresso técnico-científico, frustrando o lançamento de novos
produtos.
Porém, seria demasiado injusto financiar o progresso às custas do
consumidor. Em nossa opinião, razão assiste àqueles que entendem que por
se tratar de causa de exclusão bastante controvertida, para que pudesse ser
aceita, deveria estar prevista expressamente no CDC, no art.12, § 3º.
Concordamos com Antônio Hermen de Vasconcelos e Benjamin,
quando sustenta que o CDC não inclui os riscos de desenvolvimento entre as
causas exonerativas da responsabilidade do fornecedor, riscos estes que nada
mais são do que espécies do gênero defeitos de concepção.
Assim, entendemos que os riscos do desenvolvimento devem ser
vistos como um dos casos de fortuito interno, e por isso não exonerativo da
responsabilidade do fornecedor.
Assunto polêmico também é o que diz respeito ao recall. O art. 10, §
1º do Codecon positivou o dever do fornecedor de comunicar imediatamente ao
consumidor sobre a periculosidade que os produtos e serviços apresentam,
quando somente após a introdução no mercado tiver conhecimento dela.
Tal artigo deflagra o dever de informação que o fornecedor tem em
relação ao consumidor, de fornecer uma informação adequada e clara acerca
de seus produtos e serviços.
Coloca-se à discussão a questão de saber se a informação posterior,
quando o consumidor é alcançado antes do evento danoso,exclui ou não a
65
obrigação de indenizar em face da hipótese de conseqüente acidente de
consumo, por fato resultante de defeito de insegurança.
Se, logo imediatamente após tomar conhecimento da periculosidade, o
fornecedor divulga as informações necessárias ao uso seguro do produto ou
serviço, sua responsabilidade pode ser eliminada se alcançado a tempo o
consumidor. Porém, mesmo assim a exclusão da responsabilidade do
fornecedor ficaria condicionada ao estudo do caso concreto.
O mesmo não ocorre em se tratando de periculosidade exagerada; o
bem que possua uma periculosidade acima dos riscos normais e previsíveis
não pode permanecer nas mãos dos consumidores, porque nenhuma
informação ou advertência será capaz de acabar com tais riscos, e o
consumidor estará na iminência de sofrer danos à sua saúde ou segurança.
Sendo assim, o fornecedor tem de providenciar, às suas despesas, a
retirada do produto do mercado, ou recompor a normalidade e segurança na
fruição, substituindo a peça com defeito, nos casos em que isso for possível.
Assim, os fornecedores têm usado a técnica do recall, que consiste no
chamamento do consumidor para que proceda à troca do componente com
defeito, que está comprometendo a segurança do produto.
Ao proceder a recall para substituir a peça, o fornecedor deve informar
especificamente acerca da periculosidade e dos riscos iminentes de dano ao
consumidor, e deve advertir expressamente para as conseqüências que podem
advir da permanência inadequada com o produto.
Em relação à responsabilidade do fornecedor, questiona-se se a
responsabilidade do fornecedor permanece, mesmo após a realização de
advertência pública quanto à existência de periculosidade do produto ou do
serviço introduzido no mercado.
Acreditamos que a comunicação da periculosidade, no formato exigido
pela lei, não desvencilha o fornecedor da responsabilidade decorrente de
acidente do consumo, mesmo que a comunicação lhe anteceda, tendo em vista
a responsabilidade objetiva adotada pelo CDC, que assenta-se na idéia de que
os custos sociais da atividade empresarial devem ser suportados pelo
fornecedor.
66
A responsabilização do fornecedor decorreria tão somente do fato de
ter introduzido o produto perigoso no mercado, pouco importando se o fez sem
culpa, e decorreria também porque já teria descumprido o dever de segurança,
insculpido no art.8º do CODECON.
Outra questão que se coloca é: quem responde finalmente pelo fato do
produto? É o comerciante, que vende o produto ao consumidor, ou o
fabricante, que colocou o produto defeituoso no mercado?
O comerciante é um mero intermediário, ele adquire o produto do
fabricante, quase sempre fechado em uma embalagem, ou enlatado, nem o vê,
como ocorre por exemplo nos grandes supermercados, e o vende ao
consumidor final.
O CDC estabeleceu que pelo fato do produto quem responde é o
fabricante, ou o produtor, ou o construtor, ou o importador, porque são os
sujeitos mais importantes das relações de consumo, já que são esses sujeitos
que dominam o processo de produção e introduzem a coisa perigosa no
mercado, e, subsidiariamente, responde o comerciante, ou seja, o comerciante
em princípio não responde pelo dano causado pelo produto que ele vendia,
porque ele não participou da cadeia de produção de tal produto. Assim, cabe
ao fabricante ou produtor assumir os riscos de todo o processo de produção e
do ciclo do consumo.
Importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor
conceituou fornecedor de modo bastante amplo, de maneira a embarcar todos
os participantes do ciclo produtivo-distributivo, em seu art. 3º. Conforme
acentua Cavalieri (2000. p. 368):
Tem-se dito que o Código criou três modalidades de responsáveis: o real (fabricante, construtor, produtor); o presumido (importador); o aparente (comerciante). Tratando-se de responsabilidade pelo fato do produto, todavia, o art. 12 do Código responsabiliza somente o fabricante, o produtor, o construtor e o importador.
67
Em havendo mais de um fabricante para um mesmo produto, ou mais
de um sujeito causador do dano ao consumidor, todos responderão
solidariamente pela reparação.
A importância prática da solidariedade é que o consumidor pode
escolher livremente um destes personagens para contra este deduzir sua
pretensão indenizatória, pode escolher livremente quem acionar, e se o
condenado a indenizar não tiver sido diretamente o responsável, ele regredirá
contra o diretamente responsável.
Houve uma exclusão da responsabilidade do comerciante em via
principal porque ele, nas relações de consumo em massa, não possui
influência ou controle sobre a segurança ou qualidade das mercadorias.
Mas há situações em que o comerciante responde pelo fato do serviço
ou do produto, e o CDC as enumera, em seu art. 13. Aqui estão tais situações:
A primeira delas é se o comerciante coloca no mercado produtos que
não tenham a indicação do fabricante. Sem a indicação do fabricante, o
consumidor não teria outra pessoa a não ser o comerciante para acionar.
A segunda delas é quando o comerciante vende produtos que
contenham a indicação do fabricante, mas de modo incompleto, que não
permita a sua perfeita identificação.
A terceira é quando o comerciante não respeita as regras de
conservação do produto recomendadas pelo fabricante.
Estas são as três hipóteses em que o comerciante responde pelo fato
do produto. São casos, como pudemos observar, em que o comerciante, com a
sua conduta, concorreu para a ocorrência do acidente do consumo.
Vale ressaltar que a inclusão do comerciante como responsável
subsidiário veio a alargar o rol dos direitos do consumidor, veio a aumentar o
rol dos coobrigados, visto que o consumidor poderá acionar não só o
fabricante, mas também o comerciante.
Pelo vício do produto é diferente. Vício não é dano, mas sim um
defeito. E aí sim, pelo defeito, o consumidor pode reclamar contra o
comerciante, não precisando ir contra o fabricante.
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Ao contrário do Código Civil, em relação aos prazos o CDC adotou um
prazo prescricional único, para toda e qualquer espécie de dano: cinco danos.
Cinco anos a partir do efetivo conhecimento do dano e de sua autoria. Quanto
aos vícios, não se trata de um prazo de prescrição, e sim de decadência.
As ações de responsabilidade civil podem ser individualmente
ajuizadas, pelo consumidor que sofreu o dano, como podem ser ajuizadas
coletivamente, pelo Ministério Público, por uma associação de consumidores,
ou por um daqueles legitimados para propor as chamadas ações coletivas,
como acima estudamos.
69
CONCLUSÃO
As relações de consumo, na grande maioria das vezes, traduziam
relações díspares entre o consumidor e o fornecedor de produtos e serviços,
ante a desigualdade técnica, fática e econômica que regia tais relações. O
presente estudo tentou mostrar como tais desigualdades foram encaradas pelo
moderno Código de Defesa do Consumidor, a lei 8078/90.
Como demonstrado, a grande conquista em termos de
responsabilidade civil no CDC foi a adoção da moderna teoria do risco do
consumo, que tem como fundamento o nexo causal, e não mais a culpa.
Por isso, a avaliação que hoje fazemos do CDC é positiva, sem ser
"romântica": muito se caminhou rumo à efetivação dos direitos escritos na Lei,
porém restando muito, muito mesmo, por fazer. No início de sua vigência,
parcela dos empresários acusaram-no de ser uma lei severa que inviabilizaria a
atividade econômica, parcela dos publicitários taxavam o Código de censura à
liberdade de expressão, e, passadas quase duas décadas, o CDC provou ser
um instrumento que serve prioritariamente ao cidadão, equilibrando as "forças"
entre o consumidor e o fornecedor, a partir da redução da indiscutível
vulnerabilidade daquele frente a esse.
Mas a Lei mostrou também ser muito útil para o setor produtivo, que
teve um forte incentivo em direção ao aprimoramento de seus produtos e
serviços, de suas práticas comerciais e seus contratos de adesão - diminuindo-
se aqueles que pretendem lucrar às custas de lesar e enganar o consumidor,
abre-se espaço para os fornecedores sérios.
O Código propiciou vitórias significativas aos consumidores em todas
as áreas que expressamente pretendeu defender, resumidos em: proteção da
vida, saúde, segurança, informação, educação, proteção contra práticas e
cláusulas contratuais abusivas, reparação de danos, facilitação da defesa dos
direitos, qualidade dos serviços públicos.
Nessa linha de proteção máxima ao consumidor, a inovadora legislação
consumerista refletiu, de forma significativa e profícua, os avanços da teoria da
70
responsabilidade civil, acarretando considerável repercussão social. Como a
culpa "lato sensu" decorre do dolo ou da imprudência, negligência ou imperícia
do agente, dificilmente o consumidor, vulnerável frente ao fornecedor, lograva
demonstrá-la. Não havia uma regra expressa que previsse responsabilidade
sem culpa ou que, pelo menos, autorizasse a inversão do ônus da prova.
A responsabilidade do fornecedor, hodiernamente, refoge à disciplina
tradicional do Direito Civil. O advento do novo Código marcou a evolução do
instituto da responsabilidade civil, que ganhou novos contornos na legislação
pátria, na medida em que a responsabilidade fulcrada na culpa cedeu espaço
para a responsabilidade objetiva. Assim, a reparação de danos independe da
avaliação da conduta do agente imputado.
O regime da responsabilidade civil nas relações de consumo, conforme
vigora atualmente, reflete a relevância do aspecto social e do interesse coletivo
que não devem ser olvidados na atividade empresarial, que não se sujeita
simplesmente a regras de Direito Privado.
Outrossim, ao adotar a teoria do risco, atirando todo o risco do
consumo sobre os ombros do fornecedor, o CDC protegeu extraordinariamente
o consumidor.
Foi tal proteção que procuramos analisar, juntamente com uma tomada
de conscientização acerca dos direitos dos consumidores, direitos esses que
ao longo do tempo vão ganhando força, e vão se tornando sustentáculos de
uma sociedade cada vez mais preocupada com a efetividade da justiça!
71
BIBLIOGRAFIA
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normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2001.
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ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I – Responsabilidade Civil: origem, conceito, espécies 12
CAPÍTULO II – Responsabilidade Civil:
Teoria Subjetiva x Teoria Objetiva 21 CAPÍTULO III – A Responsabilidade Civil Objetiva
no Direito Moderno 24 CAPÍTULO IV – Surgimento do Direito do Consumidor 29 CAPÍTULO V – A Responsabilidade Civil no Código de Defesa
do Consumidor pelo fato e pelo vício do produto e do serviço 54
CAPÍTULO VI – Causas de exclusão da responsabilidade
do fornecedor 61 CONCLUSÃO 69 BIBLIOGRAFIA 71 ÍNDICE 73