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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
As políticas de ensino militar e os novos paradigmas da
educação: os construtivistas visitam a caserna.
Por: Jonas Cândido Esperança
Orientador
Profª. Edla Trocoli
Rio de Janeiro
2011
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
FACULDADE INTEGRADA AVM
As políticas de ensino militar e os novos paradigmas da
educação: os construtivistas visitam a caserna.
Apresentação de monografia à
Universidade Candido Mendes como
requisito parcial para obtenção do grau de
especialista em Docência do Ensino
Superior.
Por: Jonas Cândido Esperança.
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AGRADECIMENTOS
....a Ele e a ti sem os quais não
haveria o eu.
4
DEDICATÓRIA
.....a todos aqueles que acreditam
na educação como uma fonte inesgotável
de descobertas e conquistas.
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RESUMO
Este trabalho tem a intenção de analisar a necessidade de se
compreender a influência do ensino na formação dos militares brasileiros e por
conseguinte de sua relação com a sociedade.
Durante muitos anos as escolas brasileiras eram tuteladas pelo poder
dirigente de militares que levaram para o espaço acadêmico civil o modelo de
escola praticado na caserna. É importante que se compreenda como as
mudanças ocorridas no país após a década de oitenta, foi acompanhada pela
pedagogia castrense, pois se o país mudou, as instituições incumbidas de
defendê-lo também haveriam de mudar.
As mudanças pelas quais o mundo, como um todo, e o Brasil, em
particular, vem passando em termos sociais, políticos e econômicos, exige um
reposicionamento do Estado em relação a manutenção da sua soberania e da
proteção das suas riquezas. As Forças Armadas, constitucionalmente definidas
como guardiãs da nação, devem estar preparadas de acordo com os ditames
da sociedade que, em última análise, é a sua mantenedora.
A vida militar e consequentemente a forma de ensino realizado nas
Forças Armadas deve ser pensado pelo objetivo a que se destina, assim como
suas especificidades e características de emprego.
Ao abordarmos a história do ensino militar, da sua legislação normativa
e de suas integrações com as demais comunidades acadêmicas, verificamos
que são inexequíveis as pretensões de se democratizar a educação nos
quartéis nos mesmos moldes da educação realizada na educação nacional,
pois cada uma tem as suas particularidades. A metodologia utilizada no ensino
militar, salvo raras exceções, estão em conformidade com a cultura do povo
brasileiro e com a os anseios da sociedade.
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METODOLOGIA
A lida diária nos últimos vinte e seis anos como militar da Marinha do
Brasil, nos nove anos após a graduação em Pedagogia e, principalmente nos
quarenta e três anos de aprendizagem na escola da vida, nos traz sempre a
necessidade de reflexão sobre as diversas formas de aprender e de ensinar
que nos são outorgadas, ora pelas necessidades, ora em caráter voluntário.
A partir da observação das práticas pedagógicas nos estabelecimentos
de ensino na caserna e na esfera civil e da leitura de artigos e publicações a
respeito do ensino militar, nasceu o desejo de comparar e compartilhar ideias e
impressões, contidas neste trabalho.
A pesquisa teve como arcabouço a legislação educacional existente,
assim como produções historiográficas sobre o assunto. A revisão da literatura
ancorou a análise teórica e o entrelaçamento de autores militares e civis, dos
mais antigos aos mais contemporâneos.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I -
O ENSINO MILITAR NO BRASIL 11
CAPÍTULO II -
PROFISSÃO E FORMAÇÃO MILITAR 20
CAPÍTULO III –
EM BUSCA DA INTEGRAÇÃO 25
CONCLUSÃO 31
BIBLIOGRAFIA CONSULTADA 35
ÍNDICE 38
FOLHA DE AVALIAÇÃO 39
8
INTRODUÇÃO
“onde existe uma história das escolas militares? história
do que se ensina e como se ensina? (...) Interessa-nos –
a todos nós – saber como foram educados os militares
que por tanto tempo nos educaram. Ou não?” (Lopes,
1987, P.71)
Este estudo tem a finalidade de analisar as leis de ensino das Forças
Armadas brasileiras e as possibilidades de seu cumprimento, tanto a luz da
Estratégia Nacional de Defesa (END), quanto da sua missão constitucional. Em
verdade as práticas pedagógicas nos intramuros dos quartéis seguem uma
dinâmica própria, com características e finalidades distintas daquelas
observadas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB) que,
inclusive, em seu art. 83 define que “o ensino militar é regulado em lei
específica, admitida a equivalência de estudos, de acordo com as normas
fixadas pelos sistemas de ensino”(BRASIL,1996).
Soma-se a isto, o fato de que, os princípios basilares das Forças
Armadas são a hierarquia e a disciplina e cada Força traça sua política de
ensino, ou equivalente, enfatizando a preservação das tradições nacionais e
militares, a qualificação dos recursos humanos para o emprego específico,
além é claro, de conter a visão que suas lideranças, de forma individual, tem
da educação.
Segundo Clausewitz "a guerra é pois um ato de violência destinado a
forçar o adversário a submeter-se à nossa vontade" (1996, p. 7). Considerando
que os militares são, em sua essência, profissionais preparados para a guerra,
há de se entender que a filosofia de sua formação, seu treinamento e os
conteúdos das disciplinas ensinadas nas escolas castrenses objetiva em sua
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natureza, não a formação de um ser violento, mas alguém que deve estar
pronto para fazer a guerra. O mesmo autor nos afirma que:
"A guerra é uma carreira precisa. E, por mais gerais que
sejam suas interferências, até mesmo se os homens de
uma nação aptos para o serviço abraçassem essa
carreira ela não deixaria de ser menos diversa e distinta
das outras atividades humanas" (CLAUSEWITZ, 1996,
p.189).
Esta visão, de um general do século XVII, encontra ecos ainda na
atualidade, senão vejamos o que escreveu ELIA (200?), outro Oficial-General,
em pleno século XXI:
"(...) o militar integra um especial corpo da
Administração pública onde, por imperativo moral e
constitucional, o dever é sempre anterior ao direito, a
obediência um princípio basilar à consecução dos
propósitos de sua missão. Dessa forma a Lei Maior lhe
impõe restrições e deveres específicos não exigidos
dos demais cidadãos" .
As pesquisas educacionais que abordam o ensino militar no nosso
país, apesar de não serem insipientes se mostram, de certa forma, bastante
dispersas sob alguns aspectos. Um deles é no que tange a atualidade, pois
grande parte do material produzido é eminentemente historiográfico e propõem
uma volta no tempo, revisitando principalmente a época do Brasil Império.
Outro aspecto é o da abrangência, autores como, Ludwig (1998) e
Trevisan (1987) limitam suas abordagens a formação da classe de oficiais das
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Forças Armadas, além de tratarem, de forma generalizada, a organização das
estruturas de ensino nas esferas da Marinha, do Exército e da Aeronáutica.
Isto se mostra um equívoco ao se esquadrinhar as três legislações que
dispõem sobre o assunto. Pois mesmo que mostrem semelhança numa visão
geral, ao se debruçar sobre as normas específicas de cada instituição pode se
verificar diferenças significativas entre elas.
No entanto, não serão aqui rebatidas ou discutidas as pesquisas já
existentes a respeito do assunto nem tampouco pretendemos esgotar o tema,
que constitui um terreno bastante rico e que suscitará ainda muitos debates,
tanto nos meios acadêmicos quanto nos meios militares.
O desafio desta pesquisa é tentar expor os princípios norteadores do
ensino realizado nos quartéis, sua relevância e praticidade, as tendências
pedagógicas que tradicionalmente e institucionalmente regem as modalidades
de ensino e balizam os currículos dos diversos cursos. Não serão analisados
os perfis dos discentes nem os docentes, mas sim as mudanças em
andamento no seio da caserna no que diz respeito ao novo olhar sobre as
práticas didáticas que irão influenciar na atuação dos atores do processo de
ensino-aprendizagem e suas possíveis interações com as demais instituições
de ensino e pesquisa.
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CAPÍTULO I
O ENSINO MILITAR NO BRASIL
Veremos neste capítulo como a educação militar, desde sempre,
pautou o processo de ensino-aprendizagem em duas concepções pedagógicas
que se complementam para atender a exigência das características da
formação do “profissional das armas”: a Pedagogia Tradicional que se
caracteriza pela moralização dos sujeitos e onde os conteúdos “são
conhecimentos e valores sociais acumulados pelas gerações adultas
repassados ao aluno como verdades” LIBÂNEO (1985, p.23). No enfoque da
preparação técnico-profissional dos alunos têm-se a predominância da
Pedagogia Tecnicista que funciona como modeladora do comportamento do
indivíduo, através de técnicas específicas, integrando-o na máquina social.
Este modelo atua aperfeiçoando a ordem social vigente.
Os conteúdos dos diversos cursos são compostos por informações,
leis e princípios organizados em uma sequência lógica sistematizado em livros
e manuais e cada matéria está separada das realidades sociais.
Estas características ficam bem claras quando a comparamos com a
educação brasileira realizada nas escolas civis nas décadas de sessenta e
setenta. Segundo ARANHA (1996, p.213), os pressupostos da tendência
tecnicista, aplicadas a educação podem ser observados tanto na psicologia
behaviorista, como na filosofia positivista, pois:
"Essas teorias valorizam a ciência como uma forma de
conhecimento objetivo, isto é, passível de verificação
rigorosa por meio da observação e da experimentação.
Aplicadas a educação, volta-se para o comportamento
nos seus aspectos observáveis e mensuráveis. Coerente
com esse princípio, o ensino tecnicista busca a mudança
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do comportamento do aluno mediante treinamento, a fim
de desenvolver suas habilidades".
1.1 - A defesa da colônia
O ensino militar no Brasil remonta ao final do séc. XVII, quando
Portugal necessitava proteger a sua colônia, principalmente o litoral, das
investidas de nações inimigas em busca de nossas riquezas. Como a
metrópole não podia defender as terras brasileiras, os reis lusitanos decidiram
que deveriam ser ensinados aqui a arte da Arquitetura e o manejo e uso da
Artilharia.
Em 1782 a Real Academia de Artilharia, Fortificação e Desenho do Rio
de Janeiro já possuía um curso com duração de seis anos onde se formavam
os militares para as quatro armas (Engenharia, Artilharia, Infantaria e
Cavalaria).
Pressionado por Napoleão, Dom João VI desembarcou no Brasil e,
preocupado com a defesa da Colônia, reorganizou o ensino militar, criando
escolas de nível superior para atender a formação de oficiais da Marinha e do
Exército. A primeira instituição de ensino superior do Brasil foi a Academia
Real da Marinha, atual Escola Naval, fundada em 1808 e, em 1810, foi criada a
Academia Real Militar, que formava a oficialidade do Exército. Nesse período
não havia sistematização na formação das praças, pois estes eram recrutados
nas camadas mais baixas da sociedade, muitas vezes capturados e obrigados
a servir por período indeterminado, haja vista a necessidade de pessoal para
preencher os baixos escalões.
1.2 – O Império e a defesa das classes dominantes
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No período imperial, uma nova perspectiva de ensino toma corpo e são
criadas instituições para a formação de praças destinadas a compor os
quadros da Marinha. Em 1840 são criadas as Companhias de Aprendizes
Marinheiros que recrutava crianças abandonadas, pequenos infratores e
alguns voluntários que eram matriculados por seus pais ou tutores. Eram nas
companhias que alguns negros livres e pais, sem condições de prover
sustentos a sua prole, viam uma das poucas alternativas de aprendizado
gratuito para a infância pobre e ascensão social.
Aos aprendizes eram ensinadas as primeiras letras, praticavam
exercícios físicos e lidavam com atividades próprias do ofício dos marinheiros.
Destaca-se que na sociedade da época um percentual ínfimo das crianças na
mesma faixa etária frequentava a escola.
No Exército havia muita dificuldade de substituir os recrutas, que eram
mantidos aprisionados e obrigados a servir por vários anos, e suas fileiras
eram preenchidas com a camada mais baixa da sociedade. Nas palavras de
Alves:
“A revolta daqueles indivíduos com o serviço militar a que
foram literalmente arrastados confundia-se com a
ausência de qualquer instrução que os habilitasse a lidar
com as ordenanças ou com os novos armamentos.”
(ALVES 2001, p.152).
A educação militar brasileira, baseada no modelo alemão, tinha a
função de incutir no indivíduo o sentimento de patriotismo, pois segundo essa
visão, o serviço militar era um tributo que se prestava à nação e a simples
passagem pelas fileiras já atribuía a ao indivíduo uma formação de qualidade.
Ainda segundo Alves, a intelectualidade imperial propunha que este tipo de
educação fosse capaz de:
“Sedimentar virtudes para formar o cidadão. O amor à
pátria era, então, resultado de uma experiência que se
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colocava para além dos conteúdos escolares. A
abnegação proveniente das situações em que se punha
em risco a própria vida, o sacrifício do cotidiano nos
quartéis que forçava o indivíduo a abrir mão de desejos e
exigências, o desinteresse gerado pela atitude de colocar
o bem da pátria a cima do seu próprio constituiriam um
método de formar o cidadão.” (ALVES 2001, p.160).
Como podemos verificar o ensino militar não diferia muito daquele
realizado nas escolas civis no que diz respeito ao ingresso. O ensino superior
era destinado à aristocracia, os oficiais eram provenientes das famílias ricas
enquanto o ensino elementar, para a formação de mão-de-obra, ficava para os
as camadas mais pobres da sociedade.
A concepção militar estava baseada no pensamento positivista. O
patriotismo e o amor à nação estavam acima de qualquer causa humana. A
pátria era vista como a família do jovem e da criança.
A educação militar naquele período já cumpria dois papéis
concomitantes: o primeiro era angariar trabalhadores para a caserna e, o
segundo, disciplinar e manter a ordem da sociedade. A disciplina rígida era
elemento primordial a ser ensinado. Apesar de esse período estar circunscrito
ao século dezoito, em muito se assemelha a educação espartana da Idade
Antiga. Durante o império muitas mudanças ocorreram, escolas e cursos foram
criados para atender as necessidades que iam nascendo. A Guerra do
Paraguai, a profissionalização dos militares e a crescente interferência dos
militares, principalmente daqueles pertencentes ao Exército, na vida política
nacional.
Tornou-se cada vez mais necessário que as lideranças militares
tivessem uma formação científica, em detrimento da técnico-profissional, isto
fez com que idéias positivistas cada vez mais tomassem conta da vida nos
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quartéis, politizando a ala mais jovem do Exército. Nesta época foram
introduzidas as disciplinas Moral e Sociologia.
1.3 – A República e as mudanças
No início do século XX as Forças Armadas sentiram a necessidade de
se modernizar. Jovens oficiais foram enviados à Alemanha e depois à França,
onde tomaram contato com práticas militares vanguardistas.
Este intercâmbio fez com que ocorressem importantes mudanças. O
ensino passou a ser escalonado no tempo, permitindo entre os cursos,
períodos específicos de aplicação dos conhecimentos adquiridos, adequando-
se o saber militar, à maturidade e ao grau de experiência profissional dos
alunos. Esta prática perdura até os dias de hoje, onde os militares são
submetidos, ao longo da carreira, a cursos e estágios, atualizando-se
constantemente e aprendendo cada vez mais.
Durante todo o século passado as Forças Armadas foram apenas
acompanhando a evolução das formas de combate e se adequando as
mudanças nos cenário internacional. Durante este período houve um equilíbrio
entre a valorização da formação científico-humanista e a técnico-profissional,
principalmente do oficialato, preparando-os para enfrentar os desafios da
ciência e da tecnologia, sem descuidar do prepara para a condução da guerra.
No entanto, fica claro que, a forma de ensinar e aprender continuou
seguindo uma tendência que irmanava a didática tradicional onde a prática
pedagógica é estática, não há questionamento da realidade e das relações
existentes, e a tecnicista, na qual a valorização é da tecnologia, o professor é
um mero especialista na aplicação de manuais, enquanto o aluno reage a
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estímulos de forma a corresponder às respostas esperadas pela escola, para
que possa avançar ao próximo estágio.
1.4 - Século XXI: preparação para a guerra moderna
As escolas de formação dos militares no nosso país vêm passando por
uma transformação no que diz mais respeito a forma do que ao conteúdo.
Enquanto no Exército essa transformação recebeu o título de "modernização",
na Marinha e na Força Aérea ela é apenas uma das diretrizes que estão
orientando o emprego e preparo das forças para atuarem em nome do Estado.
Uma característica bastante peculiar da educação ministrada nos
quartéis é modelar o comportamento humano através de técnicas específicas e
preparar intelectualmente e moralmente os alunos de forma que cada um
reproduza os valores sociais e culturais acumulados pelos antepassados.
No entanto, a Estratégia Nacional de Defesa (END) considera que uma
das habilitações que o novo militar deve possuir é a seguinte:
“(...) cada combatente deve ser treinado para
abordar o combate de modo a atenuar as formas rígidas e
tradicionais de comando e controle, em prol da
flexibilidade, da adaptabilidade, da audácia e da surpresa
no campo de batalha. Esse combatente será, ao mesmo
tempo, um comandado que sabe obedecer, exercer a
iniciativa na ausência de ordens específicas e orientar-se
em meio às incertezas e aos sobressaltos do combate - e
uma fonte de iniciativas - capaz de adaptar suas ordens à
realidade da situação mutável em que se encontra”.
(END,2008, p.8)
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Ora para atender aos ditames da END, as escolas militares deveriam
rever suas práticas pedagógicas, pois para a sua implementação haveria a
necessidade de que fossem atualizadas ou formuladas as Propostas de
Política de Ensino para as Forças Armadas, em particular no nível de altos
Estudos. Para que tais políticas fossem elaboradas, em consonância com a
LDB, a Marinha, o Exército e a Aeronáutica foram “convocados” a rever suas
leis de ensino, adequando seus respectivos sistemas aos interesses nacionais,
que nasceram com a mudança do regime político vigente no país, assim como,
das transformações sociais, econômicas e culturais que ocorreram no mundo
nas duas últimas décadas.
Destaca-se que uma das ações estratégicas, que segundo a END, irão
orientar a sua implementação é a Lei de Ensino de Defesa que possui como
um de seus objetivos específicos:
“XIII – o aprimoramento do perfil dos militares das Forças
Armadas, por meio da valorização dos princípios da
iniciativa e da flexibilidade, nos cursos militares de
carreira” (BRASIL, 2005)
Os cursos militares de carreira são aqueles que irão propiciar ao
militar, conhecimentos técnico-profissionais necessários para que exerçam a
atividade militar e que servirão, via de regra, como requisitos para a ascensão
aos diversos níveis hierárquicos.
Como, a maioria dos estudos publicados, está voltada para a formação
das lideranças militares brasileiras, cabe a nós fazermos algumas colocações a
respeito da formação das duas classes de militares, sejam eles oficiais ou
praças.
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Os militares se dividem em duas classes distintas, a de oficiais e a de
praças. Cada uma destas classes tem a sua destinação dentro das forças, no
entanto, nada impede que a Praça hoje seja o oficial de Amanhã.
Os oficiais são preparados ao longo da carreira para exercerem as
funções de comando, chefia e direção enquanto que às praças cabe a rigorosa
observância das prescrições dos regulamentos que lhes são pertinentes,
exigindo-lhes inteira dedicação ao estudo e ao aprendizado técnico-
profissional.
Os militares ditos de carreira, que são aqueles da ativa que, no
desempenho do serviço militar, tenham vitaliciedade assegurada ou
presumida, iniciam as suas carreiras, de uma forma geral, nas escolas de
formação, onde são iniciados na ciência e na arte da guerra, na profissão das
armas desde os momentos iniciais até os últimos postos ou graduações. Pela
atual legislação o tempo de efetivo serviço de um militar de carreira é de 30
anos, podendo ser prorrogado segundo critérios específicos.
Os cursos de formação de oficiais, normalmente são realizados por
adolescentes e jovens, em regime de internato ou semi-internato, em um
ambiente organizacional que preza pelas tradições nacionais e militares e ao
culto a memória dos antepassados. São realizados concomitantemente com o
ensino médio e o superior (graduação), ou seja, sua duração pode ser de três
a sete anos.
Quanto à formação de praças, normalmente são realizados por jovens
entre dezessete e dezenove anos e difere do curso de oficiais porque são
eminentemente profissionalizantes e de formação militar, dificilmente
excedendo o período de um ano.
A partir da formação, os militares de carreira, podem realizar diversos
cursos que podem ser de especialização, aperfeiçoamento, e ainda cursos de
pós-graduação e os de altos estudos militares, estes dois últimos destinados
apenas a oficiais e civis assemelhados. Como cada força possui seu próprio
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sistema de ensino, outros cursos podem fazer parte de sua estrutura de
ensino.
Cabe ressaltar que existe ainda uma modalidade de ingresso nas
fileiras militares que é realizado através de concurso para o pessoal que já
possui cursos de graduação realizados nas diversas instituições de ensino
superior no país, que podem se candidatar dentro das habilitações requeridas.
Estes, após um pequeno curso de formação/adaptação, com duração de cerca
de um ano são integrados a força e passam a desempenhar, também, suas
atividades militares com o aproveitamento da formação civil.
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Capítulo II
A PROFISSÃO MILITAR
Neste capítulo serão apresentadas algumas características universais
do profissional militar, seus deveres e direitos específicos, constitucionalmente
estabelecidos, que o diferencia dos demais cidadãos.
As escolas de formação militar desenvolvem diversas atividades:
formaturas, aulas, reuniões, manobras, exercícios físicos e inspeções. Não se
trata, apenas, de uma situação acadêmica, em que, o aluno tem a liberdade de
se retirar a qualquer momento segundo sua própria vontade. Durante todo dia,
estão presentes os encargos e deveres, as condições de disciplina e a
exposição aos riscos do treinamento militar, em qualquer nível. Percebe-se que
o aluno de uma organização militar de ensino é antes de tudo um futuro militar.
Não podemos nos esquecer que atualmente no Brasil, salvo as escolas
militares de cunho assistencial e preparatório, a idade de ingresso nas fileiras
militares ocorre mediante concurso público, do qual participam milhares de
jovens, que já tiveram sua formação inicial e carregam em sua bagagem
cultural, a base nacional comum.
“Os valores e as atitudes próprios do militar e a
necessária capacitação profissional serão desenvolvidos
por meio do serviço diário, da orientação constante, de
um cuidadoso e realístico programa de ensino e de
instrução, que abrange aulas, conferências, exercícios
práticos e manobras, em que o risco estará sempre
presente, como em qualquer atividade militar.” (BRASIL,
1980).
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Os objetivos dos sistemas educacionais das Forças Armadas são a
formação e o aperfeiçoamento do combatente, visando a formação do chefe
militar, para os diferentes níveis hierárquicos e a especialização de técnicos.
A Doutrina Militar é um conjunto de conceitos, princípios, normas,
métodos, processos e valores, que tem por finalidade estabelecer as bases
para a organização, o preparo e o emprego das Forças Armadas.
Como podem conviver no mesmo espaço a rigidez dos regulamentos
militares e a proposta democrática do ensino?
2.1 – Militar um seu diferente, mas normal.
Juntamente com a profissão médica, a advocacia e o ministério
religioso, a profissão militar é considerada uma das quatro profissões
“clássicas”, no sentido de que foram as primeiras a reunir, no mundo Ocidental,
aquele conjunto de características que são típicas de uma profissão no sentido
atual do termo.
Janowitz defende que:
“(...) a profissão militar implica todo um estilo de vida
muito próprio, cuja apertada regulamentação coloca em
relevo a coesão grupal, a lealdade e o espírito marcial. A
eficiente manutenção da doutrina neste sentido é
facilitada pela vivência socialmente fechada dos militares,
a qual ajudou a manter as características e valores e
valores que lhes são próprios, mesmo perante as
mudanças tecnológicas e políticas que foram ocorrendo."
(JANOWITZ, 1967, p 13; grifo nosso).
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As normas militares vigentes no Brasil, praticamente comum às três
forças, podem ser comparadas a um contrato de trabalho. Cada indivíduo que
incorpora para seguir a carreira das armas, aceita, de forma inconteste, um
modo de vida que especial, com regras rígidas e, como já vimos, diferente da
do cidadão comum. No entanto estas regras que não ferem, de forma alguma,
princípios morais, éticos e humanitários, são vistas por muitos como difíceis de
se aceitar em uma sociedade democrática.
Assim como ao participar de um processo seletivo, para ocupar um
cargo ou função em qualquer empresa, pública ou privada, aceitamos as
imposições e regras de conduta estatuídas e já sedimentadas naqueles que
nelas já trabalham, na carreira militar não é diferente. Normas, regulamentos,
prescrições e tradições já arraigadas no corpo da tropa serão por cada novo
membro, aprendida e assimilada, criando uma espécie de solidariedade
orgânica, como ilustra Durkheim (1988, p. 80):
“Com efeito, é da natureza das tarefas especiais escapar
a ação da consciência coletiva; porque, para que uma
coisa seja objeto de sentimentos comuns, a primeira
condição é que ela seja comum, isto é, que esteja
presente em todas as consciências e que todas possam
representá-las de um único ponto de vista.”
Para que se possa entender este contrato de trabalho é preciso
conhecer algumas características universalmente aceitas da profissão militar,
as quais passamos a enumerar.
1 – Risco - Durante toda a sua carreira, o militar convive com risco.
Seja nos treinamentos, na sua vida diária ou na guerra, a possibilidade
iminente de um dano físico ou da morte é um fato. O exercício da atividade
militar exige o comprometimento da própria vida.
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2 - Sujeição a preceitos rígidos de disciplina e hierarquia - Ao
ingressar nas Forças Armadas, o militar tem de obedecer a severas normas
disciplinares e a estritos princípios hierárquicos, que condicionam toda a sua
vida pessoal e profissional.
3 - Dedicação exclusiva e disponibilidade permanente - O militar
não pode exercer qualquer outra atividade profissional, devendo estar
disponível para o serviço ao longo das 24 horas do dia, sem direito a
reivindicar qualquer remuneração extra, compensação de qualquer ordem ou
cômputo de serviço especial.
4 – Mobilidade geográfica - O militar pode ser movimentado em
qualquer época do ano, para qualquer região do país, indo residir, em alguns
casos, em locais inóspitos e destituídos de infraestrutura de apoio à família.
5 – Vigor físico - As atribuições que o militar desempenha, não só por
ocasião de eventuais conflitos, para os quais deve estar sempre preparado,
mas, também, no tempo de paz, exigem-lhe elevado nível de saúde física e
mental. O militar é submetido, durante toda a sua carreira, a periódicos
exames médicos e testes de aptidão física, que condicionam a sua
permanência no serviço ativo.
6 – Formação específica e aperfeiçoamento constante - O exercício
da profissão militar exige uma rigorosa e diferenciada formação. Ao longo de
sua vida profissional, o militar de carreira passa por um sistema de educação
continuada, que lhe permite adquirir as capacitações específicas dos diversos
níveis de exercício da profissão militar e realiza reciclagens periódicas para fins
de atualização e manutenção dos padrões de desempenho.
7 – Proibição de participar de atividades políticas - O militar da
ativa é proibido de filiar-se a partidos e de participar de atividades políticas,
especialmente as de cunho político-partidário.
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8 - Proibição de sindicalizar-se e de participação em greves ou em
qualquer movimento reivindicatório - O impedimento de sindicalização
advém da rígida hierarquia e disciplina, por ser inaceitável que o militar possa
contrapor-se à instituição a que pertence, devendo-lhe fidelidade irrestrita. A
proibição de greve decorre do papel do militar na defesa do país, interna e
externa, tarefa prioritária e essencial do Estado.
9 – Restrições a direitos trabalhistas - O militar não usufrui alguns
direitos trabalhistas, de caráter universal, que são assegurados aos
trabalhadores, dentre os quais incluem-se: remuneração do trabalho noturno
superior ao diurno; jornada de trabalho diário limitado a oito horas;
obrigatoriedade de repouso semanal remunerado; e remuneração de serviço
extraordinário.
10 – Vínculo com a profissão - Mesmo quando na inatividade, o
militar permanece vinculado à sua profissão. Os militares na inatividade,
quando não reformados, constituem a "reserva" de 1ª linha das Forças
Armadas, devendo se manter prontos para eventuais convocações e retorno
ao serviço ativo, conforme prevê a lei, independente de estarem exercendo
outra atividade, não podendo por tal motivo se eximir dessa convocação.
Estas exigências típicas da atividade militar ainda são extensivas aos
seus familiares, afetando a educação dos filhos, a manutenção de relações
duradouras e dificultando a criação de uma identidade com o local onde reside,
pois em algumas situações os deslocamentos são realizados em períodos de
três anos, em média.
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Capítulo III
BUSCANDO A INTEGRAÇÃO
Assim como a LDB estabelece as diretrizes da educação nacional,
para orientar a formação dos profissionais militares as Forças Armadas
também possuem leis específicas que regulam os seus respectivos sistemas
de ensino.
Ora, é perfeitamente aceitável que a classe militar, pelas
especificidades e diante das graves responsabilidades constitucionais que lhe
são conferidas, assim como o rol de direitos individuais que lhes são vedados,
possua uma regulamentação de ensino diferenciada daquelas que ditam o
ensino nas instituições regulares do âmbito civil. Isto posto, analisaremos,
neste último capítulo, as leis de ensino das Forças Armadas e suas possíveis
divergências com a doutrina militar vigente, realçando os aspectos relativos
aos meios de manutenção da disciplina.
3.1 – A obrigação e a devoção
Para orientar o ensino em prol do cumprimento de sua missão
constitucional, as leis de ensino das Forças Armadas foram promulgadas e
regulamentadas para atender a nova visão sobre a defesa nacional.
Constitucionalmente as Forças Armadas são assim definidas:
“Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha,
pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições
nacionais permanentes e regulares, organizadas com
base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade
suprema do Presidente da República, e destinam-se à
defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais
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e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.
(BRASIL, 1988; grifo nosso)
O Exército e Marinha já tiveram suas leis sancionadas, em 1999 e
2006, respectivamente, com redação posterior a Constituição de 1988 e a LDB
em vigor. Quanto a Aeronáutica, embora tramite no Congresso Nacional
projeto de lei, ainda está em vigor a lei de 1986. Ressalta-se que segundo a
END as propostas das novas políticas de ensino das três forças deveriam ser
apresentadas até 30 de junho de 2009, atualizadas e ou reformuladas.
As novas redações das leis de ensino trazem muitas mudanças em
relação as anteriores. As constantes alterações inseridas por reformas feitas
por iniciativa dos extintos ministérios militares, de forma individual, não
poderão mais ocorrer pois, agora subordinadas ao Ministério da Defesa,
deverão perseguir os objetivos descritos na Política de Ensino de Defesa
(PEnsD), das quais destacamos “ desenvolvimento da mentalidade e da
doutrina de operações conjuntas, por intermédio do ensino; e interação entre
cursos congêneres das Forças Armadas e da Escola Superior de Guerra, com
ênfase nos cursos de altos estudos” (BRASIL, 2005).
Desta forma os sistemas de ensino têm por finalidade qualificar
recursos humanos para a ocupação de cargos e para o desempenho de
funções na paz e na guerra, com características próprias realizados em seus
estabelecimentos de ensino ou em outras organizações civis ou militares,
nacionais ou estrangeiras.
Os sistemas de ensino das forças têm em comum, na fundamentação
de seus princípios:
- pluralismo pedagógico;
- avaliação integral e contínua;
- profissionalização contínua e progressiva;
- titulações próprias ou equivalentes ou equivalentes a outros sistemas
de ensino; e
27
- integração a educação nacional.
Acrescente-se a estes a preservação das tradições nacionais e
militares e a observância das virtudes e valores militares.
Chamamos atenção para o item que fala sobre pluralismo pedagógico,
pois segundo o decreto que regulamenta a lei de ensino do Exército, em seu
Art. 13, inciso I, estabelece que os currículos e programas do Sistema de
Ensino do Exército devem:
“favorecer a participação discente nas atividades de
ensino-aprendizagem planejadas por intermédio do
trabalho em grupo, da pesquisa, de jogos educacionais e
de outros procedimentos centrados no aluno”
De maneira semelhante, a Política de Ensino da Marinha, aprovada por
portaria do Comandante da Força, destaca entre seus objetivos fundamentais
“favorecer as condições essenciais ao desenvolvimento de competências, do
pensamento criativo e do espírito crítico do aluno, considerando-o como figura
principal do processo ensino aprendizagem.”(2009)
Para efetuar uma analise crítica destas “normatizações” devemos
buscar dentro da própria instituição militar a conceituação de suas bases de
sustentação, quais sejam a hierarquia e a disciplina, sem as quais, sua missão
estaria seriamente comprometida:
“Art. 14. A hierarquia e a disciplina são a base
institucional das Forças Armadas. A autoridade e a
responsabilidade crescem com o grau hierárquico.
§ 1º A hierarquia militar é a ordenação da autoridade, em
níveis diferentes, dentro da estrutura das Forças
Armadas. A ordenação se faz por postos ou graduações;
dentro de um mesmo posto ou graduação se faz pela
antigüidade no posto ou na graduação. O respeito à
28
hierarquia é consubstanciado no espírito de acatamento à
seqüência de autoridade.
§ 2º Disciplina é a rigorosa observância e o acatamento
integral das leis, regulamentos, normas e disposições que
fundamentam o organismo militar e coordenam seu
funcionamento regular e harmônico, traduzindo-se pelo
perfeito cumprimento do dever por parte de todos e de
cada um dos componentes desse organismo”
(BRASIL,1980).
Encontramos neste momento a ferramenta que vai garantir a
manutenção da hierarquia e da disciplina nas instituições militares: o
regulamento disciplinar.
O regulamento disciplinar, exclusivo de cada força, define quais são as
transgressões disciplinares; quais serão as punições possíveis; e como se dará
o cumprimento das mesmas.
3.2 – Educar e Punir
A estrutura da escola militar é semelhante a uma organização militar
qualquer. Seus servidores estão sujeito a autoridade do comandante e a este
cabe julgar e punir quaisquer transgressões disciplinar que, em termos gerais
pode ser caracterizada como a violação de preceitos da ética, dos deveres e
das obrigações militares, na sua manifestação, mas elementar e simples,
desde que isso não constitua crime.
A punição disciplinar tem dupla finalidade; a da correção e a da
prevenção.
Nesse contexto, a pena disciplinar, segundo Lazzarini (1992, p. 402):
29
"(...) é a sanção imposta ao funcionário faltoso, tendo por
fim a correção sua, além da prevenção que sua aplicação
enseja. A correção faz sentir ao autor do fato punido a
incorreção do seu procedimento e a necessidade de
melhorar a sua conduta. A prevenção está no sentido de
que a pena procura evitar que o faltoso volte a
transgredir, servindo, ainda, de exemplo, de alerta a todos
os outros funcionários, mostrando-lhes as consequências
da má conduta."
Em um estabelecimento de ensino o papel destinado ao comandante é
comparável a de um diretor de uma escola pública, só que com muito mais
poderes. O aluno é antes de mais nada um militar em formação e suas
atitudes devem ser condizentes com o que a instituição e de forma geral a
sociedade, espera dele.
Segundo Sun Tzu:
"(...) um general que não ousa punir, que fecha os
olhos para a desordem, que teme que os seus
soldados estejam sempre vergados sob o peso do
trabalho, não ousando, por essa razão, impor-lhe
novas tarefas, é um general fadado ao insucesso. Os
subordinados devem sempre ser punidos. É preciso
que sofram provações. Se quíseres tirar partido do
serviço dos soldados, mantém-nos sempre ocupados,
não permitas que fiquem ociosos. Pune-os com
severidade, mas sem rigor excessivo. Ministra
castigos e trabalho, mas com discernimento” (TZU,
2008, p. 86).
30
Se um aluno comete uma transgressão disciplinar, seu tratamento será
igual ao de um militar qualquer, será submetido ao processo legal para que
seja julgado e punido. Tais punições podem variar de uma repreensão ou
admoestação, até a aplicação de penas que restringem a liberdade, inclusive
com a prisão por até trinta dias.
Vemos assim que há uma contradição em propor em sua legislação
uma didática democrática se a instituição já possui em sua essência e
pacificado em sua legislação a prática da coerção para manutenção da ordem
natural vigente e do status quo.
O Comandante é o responsável por tudo que acontece em sua
unidade, é o responsável por mostrar o exemplo a ser seguido, por garantir o
respeito à hierarquia e à disciplina. O comandante possui a responsabilidade
da árdua tarefa de punir, com justiça, para garantir a reeducação do militar
contraventor e a manutenção da disciplina no seio da tropa.
No entanto, a rigidez do regime disciplinar e a severidade das sanções
não podem ser confundidas com supressão de direitos.
Os recursos humanos educados com habilidades e competências
necessárias a sua práxis, são o fundamento de qualquer força armada e
refletem os anseios da sociedade. O ensino militar, principalmente na fase de
formação dos militares, pode converter alunos ineptos em excelentes
estrategistas e em profissionais altamente qualificados , pois o educar bem tem
o poder de formar e de transformar homens, suas idéias e seus ideais.
31
Conclusão
Os acontecimentos históricos ocorridos durante os governos militares
afastaram a sociedade brasileira das discussões a respeito da defesa nacional.
Este afastamento ocasionou uma composição deformada da imagem do militar
brasileiro, de como se dá a sua formação e das realidades educacionais na
caserna.
As mudanças ocorridas após a promulgação da Constituição Federal
em 1988 e a evolução da geopolítica mundial nos últimos anos, exigiram uma
nova postura dos militares frente a sociedade e do país frente a questão da
defesa nacional. A Marinha, o Exército e a Aeronáutica foram subordinados a
um comando único, com a criação do Ministério da Defesa e seus papéis no
contexto estratégico precisavam se adequar a nova ordem. Neste novo cenário
as instituições militares, que antes agiam isoladas do restante da sociedade,
hoje passaram a compor um mosaico onde são co-participantes de um quadro
maior integrados por vários segmentos da sociedade, passando pelas
instituições de ensino e pesquisa. Isto faz com que a revisão dos seus próprios
métodos de ensino e pesquisa sejam revistos e acompanhem os ditames da
visão de unicidade proposta pela Política Nacional de Defesa, possibilitando a
interação com outros órgãos governamentais, instituições de ensino e a
propria sociedade civil.
Esta integração, embora já existisse em outros tempos, por associação
de algumas instituições de ensino, principalmente escolas técnicas e algumas
universidades com instituições militares, hoje passou a ser um imperativo da
END, pois dela depende, e muito, os esforços para o desenvolvimento de dois
aspectos consideráveis que são: a participação maior da sociedade nos
assuntos de defesa, antes relegado aos militares, e o fomento da indústria
nacional de defesa.
Mesmo que esta integração tão desejada entre as instituições de
ensino e pesquisa embora seja incentivada e articulada, existe uma certa
32
relutância por parte dos muitos civis em adentrarem aos quartéis em busca de
algo novo. Ainda existem reminiscências de um período em que o estereótipo
dos centros de ensino, de instrução e escolas militares era o de que só se
reproduziam o passado, o autoritarismo, as ideologias de intervenção e de
totalitarismo estatal. Reside aí um grande engano.
A realidade dos quartéis não é o mesmo do período do regime que
governou o país nas décadas de sessenta e setenta. É imprescindível que se
desfaça a imagem do militar brasileiro que é apenas, e tão somente, um
membro do grande aparato de repressão do Estado, que suas ações são
guiadas de forma automatizada.
As escolas castrenses buscam a preparação e o aperfeiçoamento do
indivíduo para exercer o seu papel social. Este indivíduo entrou para as fileiras
militares quando poderia ter entrado em uma universidade, em uma empresa
multinacional ou em outro emprego público.
Nas leis de ensino editadas antes de 1988, predominava um vazio de
objetivos, suas letras alçavam somente as bases da organização burocrática
do ensino, se limitando ao enfoque administrativo. Após este marco, as leis de
ensino militares circunscreveram uma diversidade de assuntos que passam
pela valorização do corpo docente e pelo contínuo aperfeiçoamento do
processo ensino-aprendizagem. Isto é, sem dúvida , uma marca indelével da
nova visão introduzida por profissionais que foram recrutados no seio da
sociedade e que, formados pelas diversas universidades espalhadas pelo país,
semearam idéias que foram ao encontro das necessidades de reorganização
das formas, não de se ensinar nos quartéis, mas de como tornar as práticas
educacionais intramuros, compreensíveis para aqueles que não possuem a
vivência dos quartéis.
As políticas de ensino militares se comprometeram com a educação
nacional, cabe agora, aos diversos segmentos da educação nacional olharem
para as diversas matizes que compõem a grande rede de ensino militar.
O ensino militar é realizado de diversas formas, como já vimos, desde
o ensino fundamental, médio, profissionalizante, graduação, especialização,
mestrado e doutorado, ou seja, é um grande universo paralelo da educação
33
nacional. Esse universo paralelo possui muitos pontos de contato que
necessitam ser explorados.
No Art. 2º da LDB , em seu inciso XI está estabelecido o princípio da
“vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas
sociais”(BRASIL,1996). Embora possam parecer estranhas as propostas de
ensino militares se aproximam, e muito, desta assertiva uma vez que em no
ambiente das Forças Armadas, além de se priorizar o ensino, o faz de forma
correlata ao labor diário e atrelado a carreira profissional, também preza, como
qualidades de inerentes a seus membros, o culto pela verdade e a
responsabilidade como fundamento da dignidade pessoal. A ética Militar e os
Valores Militares são atributos que ultrapassam os muros dos quartéis e talham
a vida social daqueles que, mesmo sem a farda, devem fazer da sua conduta
um exemplo de cidadania.
A convivência do ensino civil com o ensino militar poderá ser bastante
profícuo e representativo de uma mudança de posições que antes eram
antagônicas, mas hoje podem se complementar.
O fato de possuir fortes tendências tradicionalistas e tecnicistas não
quer dizer que o ensino militar seja ineficiente, incapaz ou autoritário. Segundo
Bordieu:
“O ensino de um ofício ou, para dizer como Durkheim, de uma <<arte>>,
entendido como <<prática pura sem teoria>>, exige uma pedagogia que não é
de forma alguma a que convém ao ensino dos saberes.” (BORDIEU,201, p. 22)
Os diversos cursos ministrados na Marinha, no Exército e na
Aeronáutica, seguem uma dinâmica que, embora não sejam as mesmas das
instituições de ensino civis, guardam muita semelhança nas suas práticas. A
preocupação constante com a avaliação do ensino e da aprendizagem, o
grande desenvolvimento da orientação pedagógica e educacional, assim como
34
a preocupação em atualizar os conteúdos curriculares e a própria forma de
utilizar as modernas técnicas de educação a distância (EAD).
Embora a END aponte para uma integração, principalmente, na área
tecnológica, entendemos que algumas ciências deveriam buscar também esta
integração. Ainda carece neste país de uma sociologia que estude o habitus
militar; uma pedagogia que entenda o fazer e o ensinar dos professores /
instrutores nas salas de aula dos quartéis, e que compartilhe das experiências
e práticas bem sucedidas em prol do desenvolvimento social.
Não podemos nos esquecer soldados são cidadãos, funcionários do
Estado e por ele devem zelar. Estes cidadãos não nasceram soldados, nem
sofreram lavagem cerebral. Os soldados de hoje são as crianças de ontem,
que como todas as outras frequentaram uma escola onde a educação era
pautada no currículo nacional comum a todos os alunos das redes de ensino.
Outros concluíram o ensino médio, profissionalizante ou até mesmo o superior,
antes de se aventurarem na vida militar. Finalmente temos que o intercâmbio
entre as instituições acadêmicas de ensino e de pesquisa trará dividendos para
toda a sociedade brasileira tanto em termos de participação ativa nas decisões
sobre a soberania e a defesa nacional, pois um povo educado é um povo
politizado.
35
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14. Lei nº 9394 de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da
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15. Lei nº 9786, de 1999. Lei de Ensino do Exército. 1999
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Paulo: Glçobal, 1987.
38
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO 02
AGRADECIMENTO 03
DEDICATÓRIA 04
RESUMO 05
METODOLOGIA 06
SUMÁRIO 07
INTRODUÇÃO 08
CAPÍTULO I
O ensino militar no Brasil 11
1.1 – A defesa da colônia 12
1.2 – O Império e a defesa das classes dominantes 12
1.3 – A República e as mudanças 15
1.4 – Século XXI: preparação para a guerra moderna 16
Capítulo II
A profissão militar 20
2.1 – Militar um ser diferente, mas normal 21
Capítulo III
Buscando a integração 25
3.1 – A obrigação e a devoção 25
3.2 – Educar e punir 28
CONCLUSÃO 31
BIBLIOGRAFIA CITADA 35
ÍNDICE 38
FOLHA DE AVALIAÇÃO 39
39
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: Instituto a vez do mestre – Universidade Candido
Mendes
Título da Monografia: As políticas de ensino militar e os novos
paradigmas da educação: os construtivistas visitam a caserna.
Autor: Jonas Cândido Esperança
Data da entrega: 16/04/2011
Avaliado por: Conceito: