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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU” O AUTISMO: DO PONTO DE VISTA PSICOPEDAGÓGICO Por: CAROLINA PACHECO MONTEIRO Orientadora Profa. Geni Lima Rio de Janeiro 2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O AUTISMO:

DO PONTO DE VISTA PSICOPEDAGÓGICO

Por: CAROLINA PACHECO MONTEIRO

Orientadora

Profa. Geni Lima

Rio de Janeiro

2011

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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES

FACULDADE INTEGRADA A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”

O AUTISMO:

DO PONTO DE VISTA PSICOPEDAGÓGICO

Apresentação de monografia à Universidade Candido

Mendes como requisito parcial para obtenção do grau

de especialista em Psicopedagogia.

Por: Carolina Pacheco Monteiro

3

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus pois sem ele não sou nada, aos meus

pais Jorge e Lúcia e também aos amigos. Agradeço a

todos eles pelo apoio em todas as escolhas e decisões

na vida, mesmo que às vezes equivocada, sem o apoio

e orientação deles ficaria muito difícil seguir na estrada

da vida, como diz a musica: “Ninguém pode ser feliz

sozinho”.

Um agradecimento especial ao casal Marcia e Antonio

Sinval por toda ajuda nesse processo de

desenvolvimento deste trabalho, muito obrigada pela

ajuda e orientação.

Agradecimento também à orientadora Geni Lima por

todas as orientações nas quais fizeram com que esse

trabalho pudesse ser realizado.

4

DEDICATÓRIA

Dedico à Deus, aos meus pais e amigos, os quais

estão sempre dispostos a me ajudar e me apoiar

nas decisões que tomo na vida.

5

RESUMO

Segundo SCHWARTZMAN (1995) uma minoria de distúrbios ou

patologias, que são os psiquiátricos, causam mais confusão, perplexidade,

ansiedade e incomodam as pessoas do que qualquer outro tipo de patologia.

Qualquer doença tem o seu preconceito social, sofrimento ou estigma, porém

umas mais do que as outras. A tuberculose já foi motivo de vergonha e terror

entre famílias, mas atualmente não provoca mais este impacto, por ser facilmente

tratável. A lepra não teve este êxito e o homem ainda a estigmatiza. A sífilis e

outras doenças transmissíveis apesar de tratáveis geram escárnio, pois têm a ver

com sexo, um outro tabu ainda para muitos. Outras doenças indicam até status,

como o infarto ou a úlcera gástrica, e são relacionadas a pessoas ativas,

dinâmicas, do tipo executivo que, devido a inúmeras e importantes atividades,

não resistiram ao stress. O câncer possui destaque, pois ao mesmo tempo

atemoriza e intriga. Fala-se em novos tratamentos, sendo que para alguns tipos já

se descobriu a cura. A esperança é um fato concreto.

Apesar dos males do ser humano, nenhum se defronta com tantas

marcas e preconceitos, tanta desinformação, fantasia e absurdos como as

doenças ditas psiquiátricas. Chega-se inclusive ao ponto de questionar se muitas

doenças, como a esquizofrenia, seriam realmente uma patologia ou apenas uma

nova forma adaptativa de vida. Ou seja, uma alteração normal, em meio a uma

sociedade doente.

Identifica-se uma úlcera, diagnostica-se uma pneumonia, mas o

suicídio não passa de um acidente. Esta situação agrava-se ainda mais pelo fato

das doenças psiquiátricas serem as mais negadas inclusive pela própria

comunidade médica. Em conclusão, doenças psiquiátricas ou comportamentais

são reconhecidas e diagnosticadas com enorme dificuldade. Não que sejam

difíceis a sua identificação, mas elas mexem e nos obrigam a questionar áreas

muito sensíveis do ser humano, ou seja, o nosso próprio comportamento.

E uma delas, que para muitos é a mais trágica, a que causa maior

indecisão e provoca o maior tumulto emocional é a síndrome do autismo.

6

Essa perplexidade confunde e pode alterar a objetividade científica dos

profissionais, tanto na área da medicina quanto da pedagogia. Chega a abalar

profundamente o funcionamento emocional dos pais e familiares das crianças

portadoras. É impossível permanecer indiferente ou cientificamente neutro, daí,

não se formar uma opinião ou parecer único perante o autismo. Eles

simplesmente incomodam, confundem, machucam e intrigam os profissionais e

familiares.

O tratamento e o prognóstico variam caso a caso. O transtorno autista

é permanente, até o presente momento, não tem cura. O diagnóstico precoce do

autismo permite a indicação antecipada de tratamento. A gravidade do autismo

oscila bastante, porque as causas, não sendo as mesmas, podem produzir

significativas diferenças individuais no quadro clínico.

A terapêutica pressupõe uma equipe multi- e interdisciplinar –

tratamento médico (pediatria, neurologia, psiquiatria e odontologia) e tratamento

não-médico (psicologia, fonoaudiologia, pedagogia, terapia ocupacional,

fisioterapia e orientação familiar), profissionalizante e inclusão social, uma vez

que a intervenção apropriada provoca uma considerável melhora no tratamento.

O certo é que a base da terapêutica presume o envolvimento da família.

A demora no processo de diagnóstico e aceitação é prejudicial ao

tratamento, uma vez que a identificação precoce deste transtorno do

desenvolvimento permite um encaminhamento correto e influencia

significativamente na evolução da criança.

O sucesso do tratamento depende exclusivamente do empenho e

qualificação dos profissionais que se dedicam ao atendimento destas pessoas.

Tal quadro de autismo não é estático, alguns sintomas modificam-se, outros

podem diminuir e vir a desaparecer, porém outras características poderão surgir

com a evolução do indivíduo. Portanto avaliações sistemáticas e periódicas são

aconselhadas.

7

É primordial o investimento da sociedade no indivíduo portador de

autismo, toda a intervenção produzirá benefícios importantes e perenes.

Abordar este tema é de fundamental importância e o maior

desempenho depende da motivação em mostrar que essas crianças podem se

relacionar com a sociedade, a partir de escolas normais e não com a sua

segregação ou isolamento em escolas especializadas. Este trabalho tem como

objetivo mostrar a importância do pedagogo na Educação da criança autista. Pois

é de extrema importância retirar o autismo dos guetos e trazer para a luz de

debates as dificuldades enfrentadas por crianças e famílias inteiras, visando a

inserir o tema de maneira sadia para que os pedagogos possam ajudar a sanar o

preconceito e a melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida dessas

crianças.

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METODOLOGIA

Foram seguidos os seguintes procedimentos metodológicos para a

realização deste projeto, consistindo, inicialmente, de pesquisa bibliográfica em

livros e revistas especializadas, com base, em um primeiro momento, nos

seguintes autores: Eugênio Cunha (autor de “Autismo e Inclusão: psicopedagogia

e práticas educativas na escola e na família”), Silvia Esther Orrú (autora de

“Autismo, linguagem e educação” e “ Autismo. O que os pais devem saber?”),

Julio Romero Ferreira (autor de “A nova LDB e as necessidades educativas

especiais”), Mônica Kassar (autora de “Situação da educação especial no Brasil

diante da legislação existente” e “Ciência e senso comum no cotidiano das

classes especiais”) e, ainda, outros autores que foram consultados ao longo da

pesquisa.

Foram ainda realizadas consultas em revistas especializadas em

Educação Especial, como as revistas “Psicologia em Estudo”, "Revista Brasileira

de Educação Especial" e artigos técnicos, bem como a busca na internet, em

sítios que tratam de forma científica e técnica de assuntos relacionados aos

portadores de autismo, sua educação e métodos psicopedagógicos, como os

Cadernos Cedes (Centro de Estudos Educação e Sociedade).

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO

10

CAPÍTULO I - A problemática do autismo e as teorias segundo os pontos de vista da psicologia e da medicina

13

CAPÍTULO II – O autista nos contextos pedagógico, educacional e cognitivo e a sua convivência nos vários círculos sociais

33

CAPÍTULO III – O processo pedagógico para a integração e o desenvolvimento do autista na sociedade

52

CONCLUSÃO

76

ÍNDICE

80

FOLHA DE AVALIAÇÃO

82

10

INTRODUÇÃO

Algumas questões são levantadas no tocante ao tema autismo, tais

como: Quais os caminhos para a integração dos autistas junto à sociedade? E

quais as práticas que podem funcionar, proporcionando um convívio sadio e que

beneficie a todos, partindo do contexto escolar em direção aos seus lares?

Para respondê-las, ou iniciarmos o trabalho proposto por esta

pesquisa, foi considerado que para educar uma criança autista, e assim iniciar o

seu processo de inserção na sociedade, é preciso levar em consideração a falta

de interação com o grupo, comunicação precária, dificuldades na fala e a

mudança de comportamento que apresentam essas crianças.

A chance de abordar ainda a importância do momento de atividades

em grupo, levantando a possibilidade de integração com outras crianças

portadoras de necessidades especiais ou não, bem como a validade de um

momento em que o autista seja observado à distância, a fim de atentar para o

aumento na sua autoconfiança e liberdade, são alguns dos pontos focados na

pesquisa, como ações benéficas ao desenvolvimento do autista.

Justificando a linha de pesquisa tomada para esse trabalho, define-se

que o termo autismo é proveniente da observação de um conjunto de

comportamentos agrupados numa tríade principal: comprometimentos qualitativos

na comunicação, dificuldades na interação social e atividades restrito-repetitivas.

O autismo tem demandado estudos e questionamentos, permanecendo ainda

obscuro para grande parte dos educadores. A motivação que leva a abordar este

tema consiste em tratar de um assunto de extrema relevância para no contexto

educacional e pedagógico em que a sociedade encontra-se envolvida.

Uma criança típica aprende por meio de brincadeiras, com os pais,

com os colegas e professores na escola. Faz amizades e adquire habilidades

motoras e cognitivas. Simplesmente vivendo ela aprende. As impressões na

criança penetram em sua mente pelos seus sentidos e a formam. Para uma

11

criança autista as coisas não são bem assim. Há uma relação diferente entre o

cérebro e os sentidos e as informações nem sempre geram conhecimento.

Para o aluno com autismo, o que mais importa é a aquisição de

habilidades sociais e a autonomia. Para que a criança não se torne um adulto

incapaz de realizar tarefas simples do dia-a-dia, ela precisa aprender atividades

que a tornará mais independente durante seu crescimento. Essas atividades são

escolhidas em razão da sua utilidade. Escovar os dentes ou vestir-se é

necessário aprender. Entretanto, podem existir atividades ou habilidades

específicas que poderiam ser treinadas, fazendo parte de um currículo funcional e

prático.

Como objetivo geral é apresentada a necessidade de desenvolvimento

de métodos de aprendizagem que permitam que a sensibilidade dos autistas seja

despertada, fazendo do ambiente um espaço para modelar a vida do indivíduo,

em busca do sucesso por meio da preparação do educador e da articulação entre

escola e família, tendo por foco os seguintes objetivos específicos: descrição da

problemática do autismo e as teorias, segundo a psicologia, relativas a esse

distúrbio comportamental; apresentação dos mais variados contextos,

pedagógicos, educacionais e cognitivos, que mostrem a convivência de autistas

em vários círculos sociais, suas evoluções e estagnações; e ainda, a análise de

casos concretos de desenvolvimento e integração de autistas.

A hipótese trabalhada leva a conhecer que o autista não se adapta ao

mundo externo, é preciso que no ambiente escolar ele tenha uma rotina

estruturada, que faça com que se situe no espaço e tempo. O educador também

deve fazer parte dessa rotina, compreendendo que a mesma não é uma restrição

a sua criatividade, tornando-se primordial a co-participação paterna e materna,

contemplando estratégias e ações que funcionam no sentido de potencializar os

seus esforços para atingirem objetivos propostos para a criação da criança e sua

inserção nos diversos grupos sociais com os quais porventura possa se

relacionar.

12

Ao delimitar a pesquisa tratou-se da necessidade de uma visão voltada

para interação e integração, no ambiente educacional e familiar, tendo em vista

que uma criança com autismo manifesta dificuldades em três áreas: a interação

social; a linguagem para a comunicação social e o jogo simbólico ou imaginativo.

O autismo caracteriza-se por uma dificuldade acentuada nos

processos de aquisição das habilidades, causando um prejuízo severo em

diversas áreas do desenvolvimento, que constituem a interação social,

comunicação verbal, não verbal e comportamental.

Nesta perspectiva, a colaboração entre os profissionais e a família é

fundamental para a consecução do objetivo principal – que é o bem-estar da

criança enquanto criança e mais tarde do cidadão socialmente integrado.

Defendendo um ensino inclusivo, a escola tem que se preparar quer ao

nível da comunidade educativa, quer ao nível das estruturas, no nível estrutural e

pedagógico, para receber estas crianças, dar-lhes e proporcionar-lhes a aquisição

de novas competências.

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CAPÍTULO I

A PROBLEMÁTICA DO AUTISMO E AS TEORIAS SEGUNDO OS PONTOS DE VISTA DA PSICOLOGIA E DA

MEDICINA

“Autistas junto aos perfeitamente "interados", deprimidos com os contentes, negros mais brancos, homos ao lado de heteros, altos, baixos, gordos demais e magros na medida; ricos e pobres com os remediados no meio; espinhentos, dentuços, lindos, feios, apenas bonitos, normais, louros, acajus, punks, clubbers, engravatados; fêmeas, machos, velhos, jovens e os na "flor da idade"; mancos, atletas, para ou tetraplégicos; gagos, mudos, cegos, surdos; obsessivos, compulsivos, tímidos ou medrosos, sensíveis e tudo o mais que possa tornar um ser desigual de um outro ou, melhor ainda, da maioria, só demonstram como a tolerância é a palavra chave para a sobrevivência dentro de uma cultura de paz.”

(http://www.parallax.com.br/anjosdebarro/orgulho/)

1.1 - DEFINIÇÃO CONCEITUAL DO ESPECTRO DO AUTISMO

Segundo GAUDERER, (1993) o termo “autismo” tem origem da

palavra grega “autos”, que significa “próprio” ou “em si mesmo”, acrescido do

sufixo “ismo” direciona para uma compreensão de orientação ou estado de

alguém que tem tendência para se alienar da realidade exterior, voltada para um

comportamento de concentração permanente em si próprio.

Segundo cita MAZZOTA (1996) em 1906, Plouller inseriu a expressão

autista na literatura médica e psiquiátrica. Mas foi Bleuler, em 1911, o primeiro a

propagandar o termo autismo para referir-se ao quadro de esquizofrenia, que

consiste na limitação do relacionamento humano com o mundo externo.

KANNER (Apud CEDES, 1989), um psiquiatra norte-americano,

pesquisou crianças que se encontravam na sua unidade psiquiátrica e

apresentavam comportamentos diferenciados de todas as outras, com quem

tinha mantido contato, observou a frequência de comportamentos estereotipados

e ritualistas, além de dificuldades ao nível da linguagem e socialização.

14

Na sua descrição sobre os comportamentos dessas crianças, Leo

Kanner, chamou a atenção para, pelo menos três das características que

considerou importantes, conforme citadas em sua obra “Distúrbios Autísticos do

Contato Afetivo”.

Em uma delas, a da comunicação com fins particularmente sociais,

KANNER (ibidem., pág. 23) relata a falta de habilidade das crianças para se

relacionarem de uma maneira vulgar com outras pessoas em qualquer situação,

desde os primeiros momentos de suas vidas; em outra, a da linguagem falada,

destaca uma falha no uso da comunicação com o propósito de se relacionarem e

ainda o obsessivo e ansioso desejo pela manutenção da rotina.

Segundo KANNER (ibidem, pág. 26), o autismo possuía como causa

os comportamentos de pais muito intelectualizados, pessoas emocionalmente

frias, distantes e com pouco interesse nas relações humanas da criança, que não

buscavam estreitar o relacionamento afetivo com seus filhos. É relevante salientar

que algumas das especulações da publicação original de Kanner, com o tempo,

mostraram-se incorretas.

Posteriormente, mencionou a ecolália – fala de papagaio – linguagem

extremamente literal, uso estranho da negação, inversão pronominal e outras

perturbações da linguagem.

ASPERGER (Apud LEBOYER, 1991) fez referência a um conjunto de

comportamentos evidenciados por algumas crianças que pareciam apresentar

características semelhantes às de Kanner. A definição de autismo de Asperger,

denominada de “psicopatia autística”, é mais ampla e abrangente do que a de

Kanner, considerando casos com patologia orgânica severa e identificável, e

mesmo outros que se situam no limite da normalidade.

ASPERGER (ibidem, p. 56) teorizava que elas se distinguiam das

crianças com autismo à proporção que não eram tão perturbadas, apresentavam

habilidades especiais, desenvolvendo fala com forte apelo gramatical em uma

15

idade precoce, não apresentavam sintomas antes do terceiro ano de vida e

tinham uma boa avaliação clínica.

Apesar de os dois autores apresentarem descrições diferenciadas,

ambos destacaram pontos particulares e dificuldades nas adaptações e

evoluções sociais, e prestaram uma atenção especial aos movimentos repetitivos

e a aspectos do comportamento e funcionamento cognitivo.

A principal diferenciação entre um indivíduo com autismo de alto

funcionamento e um outro com transtorno de Asperger é que o com autismo

possui nível intelectual maior que o verbal e atraso na aquisição da linguagem. Na

prática clínica, a distinção terá pouca importância, porque o tratamento é

basicamente o mesmo.

“De inteligência normal, estes rapazes tinham uma dificuldade marcada nas relações interpessoais. Quando se esperava que partilhassem os jogos com outras crianças ou se integrassem numa roda de brincadeiras, eram vistos sozinhos, preocupados de forma obsessiva com o objeto do seu interesse. A linguagem também era peculiar: embora por vezes usassem expressões ou vocábulos muito sofisticados, por outro lado não entendiam os ditados mais comuns ou as metáforas mais óbvias. As crianças com Asperger não compreendiam porque não dizemos o que pensamos, e pensamos o que não dizemos. A entoação era monocórdica sem as flutuações emocionais que dão colorido à nossa voz. A sua coordenação motora era tão pobre que se viam sistematicamente excluídos da participação em jogos coletivos, sem que, de resto, isso parecesse preocupá-los excessivamente. Em momentos de maior emoção apresentavam movimentos repetidos e estereotipados que lhes conferiam um aspecto bizarro.” (ASPERGER Apud Leboyer, op. cit., ibidem, pág. 60).

Asperger observou que estes rapazes compartilhavam traços

importantes com as crianças autistas.

Havia um grupo reconhecido por Asperger com indice de inteligência e

linguagem superior à média, embora as características dos indivíduos fossem

próximas – as crianças com estas características têm síndrome de Asperger.

Porém, as suas apreciações ficaram desprezadas até aos anos 1990 quando

Lorna Wing, uma psiquiatra norteamericana, deu ênfase ao trabalho de Asperger

e ressaltou a sua importância.

16

Desde então o estudo e o reconhecimento desta problemática se

aperfeiçoou consideravelmente, e as suas características clínicas e problemas

relacionados foram mais bem enquadrados.

WING (Apud LEBOYER, 1991) definiu o síndrome de Asperger com

seis critérios de diagnóstico:

1 - A comunicação verbal é correta, mas pedante e estereotipada;

2 - Ao nível da linguagem não verbal apresentam: gestos inadequados,

pouca expressão facial e voz monótona;

3 - No que tange à interação social, esta apresenta falta de empatia e

não é recíproca;

4 - Resistência à mudança e preferência de ações que estabelecem a

mesmice;

5 - Demonstram uma postura incorreta, considerando a coordenação

motora, movimentos desastrados e por vezes estereotipias;

6 – São detentores de uma boa memória mecânica e os seus

interesses são especiais e circunscritos.

Hoje a síndrome de Asperger tem uma classificação diferenciada do

autismo no DSM IV – TR (Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações

Mentais).

A noção de um espectro altístico, baseado na tríade de perturbações

apresentada por WING (ibidem, p. 19), é primordial para o processo educativo e

cuidados das crianças com autismo ou outras perturbações típicas do

desenvolvimento.

A criança autista vive isolada, em um mundo criado por ela mesma,

geralmente são incapazes de estabelecer um relacionamento pessoal normal.

Contudo, podem demonstrar uma ligação muito forte com os objetos, revelando,

ainda, alterações ao nível da comunicação, comportamentos rotineiros e

estereotipados, podendo, também, apresentar comportamentos como: resistência

em suportar alterações de ambiente, mutismo, inibição motora, apego a imitação

17

de sons ou de movimentos, recusa em procurar ou aceitar carinhos, dificuldade

em criar amizades etc.

CUNHA (2010) descreve que alguns estudiosos atribuem a alterações

bioquímicas, outros associam a disfunções metabólicas hereditárias, meningites,

encefalites, rubéola contraída antes do nascimento, ou até a lesões cerebrais

como causadoras do autismo. Porém não é muito certo e existem dúvidas na

relação do autismo com estas doenças. O autismo é aceito como uma anomalia

global do desenvolvimento infantil que se prolonga por toda a vida e evolui com a

idade, sendo um distúrbio neurofisiológico e a sua causa é desconhecida.

O autismo origina de uma perturbação no desenvolvimento do sistema

nervoso, provocada antes do nascimento, que afeta o funcionamento cerebral em

diferentes regiões: as capacidades de interação social e de comunicação são as

mais afetadas.

Muitos dos autistas não mantém comunicação verbal, possuindo uma

grande dificuldade no entendimento da linguagem, devido à dificuldade na

entonação da voz e das atividades gestuais, como mímicas, dos outros com

quem se relacionam. Noutros casos o uso que fazem da linguagem é muito

limitado e inapropriado. No que diz respeito à comunicação não verbal, há uma

acentuada incapacidade na sua utilização. As pessoas com autismo têm uma

grande dificuldade, ou mesmo incapacidade, de comunicar, tanto de forma verbal

como não verbal.

Ainda é destacado por CUNHA (ibidem., pág. 11) que o isolamento

social é outra marca do autismo. Outra particularidade comum no autismo é a

insistência na repetição. O balançar do corpo, os gestos e os sons repetitivos são

vulgares, sendo mais frequentes em situações de maior ansiedade. Por isso é

que as pessoas com autismo seguem rotinas, por vezes de forma rígida, ficando

muito perturbadas quando algo impede ou modifica essas rotinas.

18

A maioria dos autistas tem também retardo mental, com níveis

significativamente baixos de funcionamento intelectual e adaptativo. Cerca de

trinta por cento dos autistas pode sofrer também de epilepsia.

1.2 - LINHAS DE PENSAMENTO SOBRE A SINDROME DO AUTISMO

BAPTISTA (2002) ressalta que a causa - ou causas específicas - do

autismo são ainda desconhecidas, sabe-se, contudo que tem uma linha genética

importante e que à determinante genética seriam acumulados fatores adicionais

(do seu meio e/ou do exterior) que eventualmente poderiam conduzir ao autismo

e que podem colaborar para a sua expressão.

Durante toda a vida a grande totalidade dos autistas será sempre

incapaz de administrar de forma autônoma a sua pessoa e bens, pelo que

possuem necessidade do apoio de outros, que no mínimo devem permitir a

expressão máxima das habilidades individuais.

A partir dos anos 1960 e com a pesquisa científica baseada, sobretudo

em casos de gêmeos e nas disfunções genéticas relacionadas ao autismo

(esclerose tuberosa, X-frágil, neurofibromatose, fenilcetonúria e diversas

anomalias cromossômicas), descobriu-se a existência de um fator genético

multifatorial e de causas orgânicas que estavam ligadas a sua origem.

Fatores prénatais – como o hipertiroidismo e a rubéola materna - e

durante o parto - como infecções graves neonatais, prematuridade, baixo peso ao

nascer, traumatismo de parto - também podem influenciar no surgimento das

perturbações do autismo.

GAUDERER (1993) esclarece que existe uma grande incidência de

epilepsia na população autista (vinte e seis a quarenta e sete por cento) enquanto

na população em geral a ocorrência é de cerca de meio por cento.

Atualmente, alguns pesquisadores estudam acerca de anomalias nas

estruturas e funções cerebrais de homens e mulheres autistas e tem-se

caminhado para o entendimento de que não há ligação causal entre

19

comportamentos e ações dos pais e o aparecimento das perturbações da

síndrome autista e não se encontra relacionado com a raça, a classe social ou a

educação familiar, podendo, no entanto, desenvolver-se em crianças que até

então pareçam “normais” – conhecido como “Autismo Secundário” – onde

apresenta um nível de regressão inexplicável.

MARQUES (2000) escreve que nos anos 1950 e 1960, iniciou-se o

entendimento de que o distúrbio emocional poderia estar num ambiente próximo

da criança e não sucedia de uma perturbação biológica, que poderia traduzir-se

numa resposta sem relação a um ambiente desagradável, mais do que a um

problema inato. Entretanto, a criança se abrigava no seu espaço particular em

resposta ao tratamento frio e obsessivo que recebia do ambiente em que estava

inserida, porém, com o desenvolvimento das pesquisas científicas, chegou-se a

conclusão de que o autismo não é um distúrbio do contato afetivo, mas sim um

distúrbio do desenvolvimento.

MARQUES (ibidem., pág. 64) ainda cita que esta linha de raciocínio

foi defendida por vários pesquisadores tais como: EISENBERG (1956), que

compreendia o autismo como uma reação ao relacionamento familiar; BOATMEN

e SUZEK (1960) que indicavam que o autismo se devia à falta de estimulos, à

rejeição parental; à ausência de calor afetivo ou à existência de conflitos

intrapsíquicos, resultantes de relações desviantes da família; e BETTELHEIM

(1967), que defendia que o autismo era a falta de habilidade de “sair de si” e de

vivenciar o mundo externo, por falta de autoconfiança para o fazer. Isto porque os

pais atuavam com fatores inibidores dessa autoconfiança, destruindo o

sentimento de partilha e a satisfação de relações com o “outro” e com o meio

social da criança (Apud MARQUES, p. 68).

Por volta da década de 1970, começaram a surgir modelos e

pesquisas que levantavam a questão dos resultados, questionando assim a

credibilidade desta ideia. A exigência de casos de maltratos infantis pelos pais, e

que eram negligenciadas, não davam base a um quadro de autismo.

20

Daí partiu para uma crítica forte sobre a abordagem psicogênica do

autismo, até porque não existiam informações que comprovassem que o autismo

decorresse de comportamentos do seio da família. Além de que a maioria dos

defensores desta teoria se fundamentou no estudo das interações paternas e

filiais, após a criança ter sido diagnosticada como autista, sem haver qualquer

apoio empírico que mantivesse o autismo como consequência de padrões de

relação familiar desviante.

A associação do autismo a fatores orgânicos também levantou a

discussão sobre as teses que defendiam uma causalidade de fatores parentais

na parte clínica responsável pelo autismo. KANNER (Apud CEDES, 1989)

abandonou essa ideia, recuperando a base genética explicativa da sindrome

autista, acabando por defender a existência de um problema inato, que impedia a

relação adequada com o meio em que vive.

BAPTISTA (2002) comenta que as investigações recentes,

direcionam para uma origem neurológica da perturbação.

Estudos realizados evidenciam uma teoria biológica e se baseiam na

ideia de que o autismo surge relacionado a uma gama de distúrbios biológicos,

como paralisia cerebral; rubéola; meningite e epilepsia. Assim, o autismo tem

origem a partir de uma perturbação em áreas especificas do sistema nervoso

central, que vai afetar a sua comunicação, a evolução cognitiva e intelectual, bem

como o relacionamento interpessoal. Pode-se então aceitar a presença de um

caráter multi-causal, ou seja, de perturbações biológicas diversas, como

provocadoras do autismo.

1.3 - DESENVOLVIMENTO TEÓRICO DO AUTISMO

WING (Apud LEBOYER, 1991) menciona que as pessoas com autismo

têm três grandes grupos de perturbações, a tríade de perturbações no autismo

manifesta-se em três domínios que são:

Domínio social: o desenvolvimento social é perturbado, diferente dos

padrões habituais, especialmente o desenvolvimento inter-relacional. A criança

21

com autismo pode isolar-se, mas pode também interagir de forma estranha, fora

dos padrões normais.

Domínio da linguagem e comunicação: a linguagem pode ter desvios

semânticos e pragmáticos. Muitas pessoas com autismo (estima-se que cerca de

cinquenta por cento) não desenvolvem linguagem durante toda a vida. A

comunicação, tanto verbal como não verbal, é deficiente e desviada dos padrões

habituais.

Domínio do pensamento e do comportamento: comportamentos

ritualistas e obsessivos, possui dependência por rotinas, atraso intelectual e

ausência de jogo imaginativo, bem como rigidez do pensamento e do

comportamento, além de uma fraca imaginação social.

O autismo é uma patologia com uma evolução gradual, percebe-se

que no tocante aos bebês autistas, estes não demonstram grande interesse pelo

contato, não sorriem, não olham para os pais, podendo apresentar problemas ao

nível da alimentação, do choro e do sono.

Ao brincar, não utilizam o jogo social nem o jogo de faz de conta. Ou

seja, não interagem com os outros, podem não dar resposta aos desafios ou às

brincadeiras que lhe fazem. Não utilizam os brinquedos na sua função

própria. Quando começam a engatinhar podem fazer movimentos repetitivos

(bater palmas, rodar objetos, mover a cabeça de um lado para o outro).

Com um ano de idade poderão demonstrar um interesse obsessivo por

objetos específicos, revelam comportamentos estereotipados e repetitivos e até

atrasos ao nível da locomoção. Geralmente só a partir dos dois anos de idade é

que se podem constatar dificuldades de comunicação – verbal e não verbal.

Depois dos dois anos de idade a criança autista tem tendência a

utilizar padrões repetitivos de linguagem, a inverter os componentes das frases, a

não brincar normalmente, a isolar-se, até os cinco anos de idade o

comportamento autista tende a tornar-se mais óbvio. A criança não fala ou ao

falar, utiliza a ecolalia, invertendo os pronomes.

22

Como regra geral, ainda segundo WING (ibidem, p. 32), dos seis

anos de idade até à adolescência os sintomas mais perturbadores podem

diminuir, contudo o problema não desaparece totalmente. Há crianças que falam

corretamente, mas não utilizam a linguagem na sua função comunicativa,

continuando a mostrar problemas na interação social e nos interesses.

Os adolescentes juntam às características do autismo os problemas

típicos da idade. Podem melhorar as relações sociais e o comportamento ou, pelo

contrário, podem voltar a fazer pirraças, mostrando auto-agressividade ou sendo

agressivos com outros indivíduos.

Os adultos com autismo possuem a tendência de ficar mais estáveis se

são mais competentes. O contrário observa-se nos menos competentes, com QI

baixo, continuam a mostrar características de autismo e não conseguem viver

independentemente.

Considerando que o mundo é uma ameaça para si, no estado adulto,

o autista não consegue integrar-se na vida normal – fechando-se no seu mundo

interior, onde se sente mais seguro. Por vezes, neste período, o autista pode

regredir e até voltar a manifestar comportamentos infantis.

As pessoas idosas com autismo apresentam os problemas de saúde

das pessoas idosas acrescidos das dificuldades de os comunicarem. Os

problemas de comportamento podem por isso sofrer um agravamento. Além

disso, perdem muitas vezes o interesse pelas atividades físicas e têm menor

motivação para praticar esportes, o que não contribui para melhorar a sua

qualidade de vida. Por outro lado, o seu comportamento pode tender a estabilizar-

se com a idade.

De acordo com SCHWARTZMAN (1995), não existe o tratamento para

o autismo, concentrando-se apenas em tentar desenvolver na criança/jovem

aptidões e competências aos níveis da linguagem e da sociabilização. Podem,

contudo, utilizar-se psicofármacos em situações de agressividade, autodestruição

ou convulsões.

23

A National Society for Autism Children (ASA) (Apud MAZZOTA,

1996), considera o autismo como uma inadequabilidade de desenvolvimento, que

se manifesta de um modo grave, durante toda a vida.

1.4 – OUTRAS TEORIAS ALTERNATIVAS

FRITH (Apud BAPTISTA, 2002) definiu o autismo como sendo uma

deficiência mental específica que pode ser enquadrada nas Perturbações

Pervasivas do Desenvolvimento e que, de um modo qualitativo, afeta as relações

sociais. Inúmeros teóricos e pesquisadores, abraçam a ideia de que a dificuldade

no estabelecimento de vínculos no desenvolvimento sócio-afetivo e,

consequentemente, em todo o processo de comunicação e a tendência do autista

para estereotipar ou possuir um leque restrito de interesses, resultam de

disfunções da evolução cognitiva.

A definição feita pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos

Mentais – DSM-IV-R/2002 afirma que a deficiência autista tem base na presença

de um desenvolvimento comprometido ou acentuadamente anormal do

relacionamento social e da comunicação e um conjunto muito restrito de

atividades e interesses. As demonstrações do transtorno variam imensamente,

dependendo do nível de evolução e da idade cronológica do indivíduo.

De acordo com BAPTISTA (ibidem, pág. 45) pode-se afirmar que,

resumidamente, uma criança com autismo evidencia determinadas disfunções

relativas aos processos associados com a resposta de estímulos internos e

externos, assim como os processos reproducionais são igualmente afetados.

Concluindo-se que uma criança com autismo manifesta dificuldades em três

pontos: a interação social; a linguagem para a comunicação social; e o jogo

imaginativo.

STEFFENBURG E GILLBERG (Apud MARQUES, 2000), concluíram

que pode haver um gene responsável pelo autismo, produtor de incapacidades

variáveis, que é relacionado a uma variedade de anomalias cromossômicas, tais

como a síndrome de Down e o X-frágil.

24

No entanto, MARQUES (2000) menciona na sua obra outros autores,

LOTTER (1964); WING e GOULD, (1979); COLTEMEN e GILLBERG (1985), que

referem que a esclerose tuberosa é a perturbação genética mais provável no

autismo. (Apud MARQUES, ibidem, pág. 16).

Contudo, de acordo com SCHWARTZMAN (1995) conclui-se que

apesar das diversas anomalias genéticas encontradas nos portadores de

autismo, a forma como essa anomalia afeta o desenvolvimento cerebral ainda

não foi descoberta.

Conforme CUNHA (2010), nos últimos tempos, ocorreram avanços

significativos na localização e identificação da área cerebral afetada, graças a

investigações no campo da neuropatologia, possibilitando o surgimento de novas

pesquisas que estão relacionadas com a compreensão do fundamento

neurológico do autismo. Ressalta-se a existência de um defeito congênito no

sistema nervoso central que afeta o comportamento sócio-emocional, o que pode

ainda produzir má-formações ao nível do sistema sensorial e motor, originando

atrofia, resultando os defeitos linguísticos associados ao autismo. Assim, as

características cognitivas e linguísticas da síndrome autista são uma

consequência do desenvolvimento perturbado, e por isso não são primárias.

As conclusões destas pesquisas direcionam para uma anormalidade

na evolução cerebral, apurada quando do nascimento e desenvolvida ao longo da

infância, em termos de comportamento e desenvolvimento da linguagem.

MARQUES (2000) também cita que não é surpreendente que as

áreas que apresentam anomalias a nível cerebral, em pessoas com autismo,

sejam aquelas que envolvem o comportamento emocional e a comunicação,

assim como o controle da atenção, orientação perceptível e ação.

Afirma, ainda, que as pesquisas neuroquímicas têm se revelado

inconclusivas. Todavia a investigação continua, para encontrar uma outra

explicação para a perturbação do autismo.

25

TSAI (Apud SZABO, 1999) chama a atenção para que fatores não

favoráveis, ocorridos nos períodos pré, peri, e pós-natal, podem estar

relacionados ao autismo. Hemorragias, após o primeiro trimestre de gravidez, uso

de medicação, alterações no líquido amniótico e gravidez tardia, são fatores que

podem estar associados com a perturbação do espectro do autismo.

O individuo portador do espectro do autismo não reconhece dados

novos, caso estes não sejam apresentados tal como da primeira vez, se não

forem demonstrados por uma representação mental anterior, apresentando

dificuldades generalizadas na aprendizagem.

Por volta dos anos 1980, surgiu uma nova teoria psicológica

explicativa do autismo, a “Teoria da Mente”, de autoria de Uta Frith, Alan Leslie e

Simon Cohen, teorizando que os portadores de autismo demonstram uma falha

ou atraso do progresso da competência de compartilhar com as ideias dos outros

indivíduos, ou seja, estão limitadas por certas competências sociais

comunicativas e imaginativas. Isto implica em uma incapacidade de

autoconsciência e alterações a nível das relações interpessoais. (MARQUES,

2000, p. 19).

SZABO (ibidem, pág. 73) propôs uma teoria psicológica alternativa

com fundamento na falta de capacidade específica da criança para se desligar

dos objetos, presentes no seu campo de percepção. A criança sente dificuldade

em deixar de lado o observável e inovar alternativa a essa situação.

A reação autista resultaria do controle de um número limitado de

estímulos, contrariamente aos sujeitos ditos normais, levando por isso a que os

seus comportamentos fossem muito seletivos. O fato das diferentes situações de

relacionamento social obedecer a estímulos complexos, variáveis e distintos,

explica o comportamento inter-relacional das crianças com autismo pela

impossibilidade de controlar mais que um número limitado de estímulos,

desencadeando uma comunicação inter-relacional seletiva, apenas em função de

estímulos controlados.

26

Em 1986 surgiu um novo pensamento denominado de função

executiva definida como um conjunto de operações cognitivas, que contêm a

planificação, a flexibilidade e a memória ativa, quando de uma resposta,

desenvolvidas no córtex pré-frontal.

Segundo teoriza SAMPAIO (2011), no autismo, perturbações com

este índice vão levar ao atraso no progresso da mentalização do outro como

parte de um todo, traduzindo uma incapacidade global no gerenciamento da

informação. Esta hipótese parte da existência de certas competências de

mentalização, bem como de uma dificuldade de processamento adequado de um

conjunto de estímulos.

Partindo da ideia de Kanner, que descreve o autismo com base na

ausência de contato afetivo, surge uma outra conceituação, admitindo como fator

médico uma diminuição na capacidade de relacionamento interpessoal, em

especial na relação afetiva, que reconhece a redução da mentalização, mas

ratifica que existe um outro mais abrangente, ao nível de um sistema complexo e

mais profundo, que não permite à criança estabelecer um relacionamento

subjetivo com aqueles que a cercam.

O autor admite que ocorre um atraso inato, responsável pela falta de

capacidade da criança com autismo se relacionar com os outros. Por esta razão

as crianças não possuem experiências sócio-afetivas necessárias para o

desenvolvimento das bases cognitivas necessárias à compreensão social,

levando os portadores da síndrome de autismo a não serem sensíveis às

necessárias experiências sociais, no primeiro ano de vida, de forma a poder

desenvolver os fundamentos para a compreensão social posterior.

Ressalta MARQUES (2000) que é unânime a existência de condições

médicas variadas que podem predispor o desenvolvimento de uma patologia

desta natureza. Como tentativa para desvendar este mistério, foi apresentado um

modelo designado “Modelo de Patamar Comum”, (figura 1), pois traz a hipótese

de que existem várias causas (algumas não identificadas) provavelmente

responsáveis pelas áreas cerebrais afetadas e que provavelmente seriam as

27

regiões responsáveis pelo progresso normal da comunicação, do funcionamento

social e do jogo imaginário.

Figura 1 – Modelo de Patamar Comum Fonte: MARQUES, 2000, pág. 69.

Há cientistas que atribuem as incapacidades típicas do autismo a

uma barreira em regular a atenção. Estudos realizados sugerem que, os

indivíduos com autismo são hiperseletivos na leitura do ambiente, concentrando-

se em detalhes e não no objeto como um todo.

Em suma, MARQUES (ibidem, pág. 73) depois de todas as teorias

apresentadas anteriormente, afirma que não existem explicações claras, objetivas

e verdadeiramente elucidativas que expliquem os fatores etiológicos,

responsáveis pelos casos de autismo.

É possível que exista uma associação com o atraso mental, uma vez

que as condições médicas também tornam os sistemas cerebrais, necessários ao

normal desenvolvimento intelectual.

1.5 - DIAGNÓSTICO DAS PERTURBAÇÕES RELATIVAS AO AUTISMO

Conforme aponta SZABO (1999), o autismo caracteriza-se por uma

diminuição na evolução significativa nos processos de aquisição das habilidades,

28

causando um prejuízo rígido em diversas áreas do desenvolvimento, que

constituem o relacionamento interpessoal, a comunicação verbal e não verbal e,

ainda, a comportamental.

Esse comportamento é externado por meio da falta de contato visual

e emocional com os outros individuos; ausência de fala; estereotipias; obsessão

por rotinas familiares; fascinação por objetos; e utilização do interlocutor como

mediador de situações e/ou uso do objeto.

Segundo SAMPAIO (2011) as características principais dos autistas

parecem residir nos domínios social, cognitivo e lingüístico. Isto é nas dificuldades

de desenvolvimento da comunicação verbal e não verbal, relacionamento social e

atividades lúdicas.

BEREOHFF (1991) ressalta que as características comportamentais

que distinguem as crianças autistas das que apresentam outros tipos de

anomalias do desenvolvimento, relacionam-se basicamente com a sociabilidade,

o jogo, a linguagem, a comunicação no seu todo, bem como o nível de atividade e

o conjunto de interesses.

Para SAMPAIO (2011), as características da criança com autismo

manifestam-se a partir do seu nascimento, raramente chora, não reage à

companhia da mãe, não responde a sorrisos, demonstra desinteresse por

objetos, é tida como estranha, pois por vezes as vocalizações iniciais podem não

surgir ou estar atrasadas.

A criança com autismo pode ainda demonstrar alguns

comportamentos estereotipados, tais como: dificuldade na interação com as

outras crianças; obsessão por determinados objetos; gira objetos de forma bizarra

e peculiar; evita o contato visual; resiste ao contato físico (não gosta que lhe

toquem ou que a abracem); pode ser hiperativa ou extremamente passiva e

agressiva e/ou auto-agressiva, conforme apresenta a figura 2.

29

Figura 2: Sintomas do Autismo Fonte: http://autismo-br.com.br/home/sintomas.htm

De acordo com SAMPAIO (2011), atualmente, leva-se em

consideração que a classificação de autismo tem por fundamento o

comportamento, sendo este a expressão sintomática final de uma perturbação

cerebral provocada por diferentes tipos de lesões e mantendo-se sempre a tríade

de incapacidades de comunicação, interação social e comportamento.

Assim, para que se possa diagnosticar a perturbação autista, tem que

se verificar a existência de alguns critérios que são demonstrados em seguida. O

sujeito tem de demonstrar pelo menos seis dos doze sintomas expressos na

apresentação, sendo pelo menos dois destes da área social e um para cada uma

das categorias da comunicação/linguagem e dos comportamentos/interesses. De

acordo com a Associação Americana de Psiquiatria, pelo menos um dos sintomas

manifesta-se antes dos três anos de idade.

30

Segundo o DSM-IV-TR/ 2002 (ORRÚ, 2011):

I - Se enquadrar em um total de seis (ou mais) dos seguintes itens:

(1) Comprometimento qualitativo em interação social, com pelo

menos duas das seguintes características:

a) forte comprometimento no uso de múltiplos comportamentos não

verbais que regem a interação social, tais como contato olho a olho, expressões

faciais, posturas corporais e gestos;

b) falha no progresso de relacionamentos interpessoais apropriados à

idade;

c) ausência da busca espontânea em dividir os divertimentos,

interesses e empreendimentos com outras indivíduos.

(2) Comprometimento qualitativo na comunicação/linguagem, em pelo

menos um dos seguintes itens:

a) atraso ou ausência total no progresso da linguagem falada (sem a

tentativa de compensá-la por meio de comunicação gestual ou mímica);

b) forte comprometimento na habilidade de iniciar e conservar uma

conversação, naqueles que conseguem falar;

c) linguagem estereotipada, repetitiva ou idiossincrática;

d) ausência de capacidade, adequada à idade, de realizar jogos de

faz-de-conta ou imitativos.

(3) Padrões de comportamento, interesse ou atividades repetitivos ou

estereotipados, em pelo menos um dos seguintes aspectos:

a) preocupação limitada a um ou mais padrões de interesse

estereotipados e restritos, anormalmente, tanto em intensidade quanto no foco;

b) fixação aparentemente inflexível em rotinas ou ritual não funcional;

c) movimentos repetitivos e estereotipados;

d) preocupação persistente com partes de objetos.

II - Atraso ou funcionamento anormal, antes dos três anos, em pelo

menos uma das seguintes áreas: interação social, linguagem de comunicação

social e jogos simbólicos ou imaginativos.

III - O distúrbio não se enquadrar na Síndrome de Rett ou no

Distúrbio Desintegrativo da Criança.”(ORRÚ, ibidem., pág. 39).

31

Já o Sistema clínico formal da Organização Mundial de Saúde (OMS) –

Classificação Internacional das Doenças (CID-10/2000) (ORRÚ, 2011), define

que trata-se de um transtorno global do desenvolvimento caracterizado por: a) um

progresso anormal ou alterado, manifestado antes da idade de três anos, e b)

apresentando uma perturbação característica do funcionamento em cada um dos

três domínios seguintes: interações sociais, comunicação, comportamento

focalizado e repetitivo. Além disso, a deficiência se acompanha comumente de

numerosas outras manifestações não específicas, como por exemplo: fobias,

perturbações de sono ou da alimentação, crises de pirraça/birra ou agressividade

(auto-agressividade) e ainda traça critérios de diagnóstico a seguir especificado:

I - Anomalias qualitativas na interação social recíproca, manifestas

em pelo menos dois dos sintomas seguintes:

a) Falta de capacidade em usar adequadamente o olhar, a expressão

facial, gestual e os movimentos corporais nos relacionamentos sociais;

b) Falta de capacidade em estabelecer relacionamentos com os

pares que impliquem um compartilhamento mútuo de interesses, de atividades e

emoções;

c) Procura raramente os outros em busca de conforto e afeto/carinho

e caso de ansiedade, desconforto, ou sofrimento;

d) Inexistência de procura espontânea para compartilhar alegrias,

interesses ou sucesso com os outros;

e) Ausência de reciprocidade social e emocional, que se manifesta

por respostas perturbadas ou anormais às emoções dos outros; ou ausência de

modulação do comportamento em função do contexto social.

II - Problemas qualitativos de comunicação/linguagem, manifestada

em pelo menos um dos sintomas seguintes:

a) Atraso ou ausência total do progresso da linguagem falada, não

acompanhada por uma tentativa de compensação por outras formas de

comunicação/linguagem alternativa, como a gestual ou a mímica;

b) Ausência do jogo espontâneo de “faz de conta” ou do jogo social

imitativo;

c) Incapacidade de iniciar ou conservar uma conversa;

32

d) Utilização estereotipada e repetitiva da linguagem, utilização

idiossincrática das palavras e das frases;

III - Comportamento, interesses e atividades restritas, repetitivas e

estereotipadas, manifestação de pelo menos um dos quatro sintomas seguintes:

a) Ocupação obsessiva por um ou vários centros de interesse

estereotipados e limitados;

b) Adesão aparentemente compulsiva de hábitos e rituais específicos

e não funcionais;

c) Atividades motoras estereotipadas e repetitivas;

d) Preocupação persistente e não funcional com partes de objetos,

elementos ou peças de um jogo (ORRÚ, ibidem, pág. 40).

33

CAPÍTULO II

O AUTISTA NOS CONTEXTOS PEDAGÓGICO, EDUCACIONAL E COGNITIVO E A SUA CONVIVÊNCIA

NOS VÁRIOS CÍRCULOS SOCIAIS

“Há pessoas as quais não é fácil conviver, mas que jamais se podem abandonar.”

Thomas Mann

2.1 - ASPECTOS INERENTES AO DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA COM AUTISMO

ORRÚ (2010), cita que para se ter um melhor entendimento sobre o

autismo e as implicações contidas no quadro sindrômico, objetivando a educação

da criança autista, é preciso ter conhecimento sobre ao evolução normal da

criança e desenvolvimento de suas funções, para que haja diferenciação do que

seja realmente um comportamento autista. Compreendendo suas características

principais, seus limites, seu potencial, suas necessidades e prioridades que

precisam ser estudadas e trabalhadas, com o objetivo de se permitir ao individuo

com autismo, uma maior base emocional e nível de desenvolvimento global mais

próximo da normalidade.

ORRÚ (Ibidem, pág. 9) comenta que pessoas com autismo

apresentam, desde cedo, um distúrbio severo do desenvolvimento,

principalmente, relacionado a sua linguagem e relacionamento social. Mas, por

outro lado, podem demonstrar incríveis habilidades motoras, musicais, de

memória e outras, que muitas vezes, não estão acompanhando a sua idade

cronológica, apresentando-se bem mais avançada do que deveriam estar.

Alguns autores têm se dedicado ao estudo do autismo desde a fase

fetal, por meio das anamneses – que são entrevistas realizadas pelo profissional

de saúde ao seu paciente, buscando um ponto inicial no diagnóstico de uma

34

doença – e, também, entrevistas realizadas com mães de crianças autistas sobre

seu período gestacional.

De acordo com PIAGET (Apud BARROS, 1991), o desenvolvimento

infantil ocorre de forma evolutiva, dentro de um determinado período temporal,

respeitando a individualidade pessoal, independente de raça, sexo ou grupo

social a que pertença. Contudo, não é assim que se sucede com a criança

portadora de autismo. Seu crescimento e evolução se dá de uma forma distinta e

não padronizada.

Enquanto um bebê de dois a quatro meses de idade já possui

habilidade para responder a estímulos, tanto internos quanto externos, tais como:

chorar quando sente fome ou dor, manifestar um comportamento diferente

quando não está confortável, reconhecer a voz de sua mãe e é capaz de

reproduzir em si mesmo as expressões produzidas pelos adultos, um bebê

autista, nem sempre reagirá da mesma maneira.

O desenvolvimento psicossocial do ser humano ocorre, naturalmente,

desde cedo, iniciando-se a partir do vínculo materno e produzindo por meio do dia

a dia com a mãe ou com aqueles que o cercam, experiências variadas que o

levam a ter sensações de confiança, bem estar, amor ou sensações que sejam o

contrário das mencionadas, que muito contribuirão para a formação do indivíduo.

GASPAR (1998) comenta que pessoas com autismo, em geral, reagem

de forma diferente. Falta-lhes o discernimento emocional, a empatia com o outro

e a manifestação do desejo por algo. Percebe-se o desinteresse e a falta de

iniciativa ainda na fase de bebê, diante de móbiles pendurados ou outros objetos

posicionados em seus berços. Normalmente, por volta dos quatro aos oito meses

de idade, a criança já demonstra o desejo de tentar pegar o objeto, alcançando e

trazendo-o próximo a si, levando-o à boca ou jogando-o ao chão, o que não é

observado nos autistas.

A linguagem apodera-se do homem, desenvolvendo-se diariamente

por meio dos relacionamentos e do diálogo que temos com outras pessoas desde

35

pequenos. A partir do nascimento, a criança se expressa por meio de pequenos

ruídos guturais, murmúrios, sorrisos, balbucios até dizer uma e depois, várias

palavras no decorrer da evolução de sua linguagem.

Todavia, na maioria das vezes, observa-se retardo no desenvolvimento

da comunicação de crianças com autismo ou regressão da capacidade de fala

que já possuía, indo ao extremo do emudecimento em certos casos,

“...como é o caso de A.C., (4 anos) que passou naturalmente pelas fases da linguagem até completar dois anos de idade. Mas pouco tempo depois se emudeceu. Ao contrário do exemplo anterior, E.M. (9 anos), com autismo e síndrome de West, é uma criança que tem aos poucos, desenvolvido sua fala. Verbaliza várias palavras, canta diversas músicas, usa pequenas frases para se expressar e responde a perguntas simples, o que equivaleria ao desenvolvimento normal de uma criança com três anos de idade. Não coincidindo com ambos os casos citados, W.S. (6 anos) e R.T. (8 anos), nunca falaram, enquanto, E.C. (5 anos), apenas emite sons.” (GASPAR, op.cit, p. 15 ).

Crianças autistas que não demonstram outras síndromes ou lesões

comprometedoras da evolução motora podem apresentar atrasos para

começarem a andar, existem casos relatados de crianças que andaram aos dois

anos de idade, sem nunca terem rastejado ou engatinhado. Mas, nota-se a

necessidade de estimulá-los com exercícios específicos realizados por

fisioterapeutas e/ou outros estímulos globais que o levem a andar, registra-se o

caso de crianças que andaram, aproximadamente, com quatro anos.

SCHWARTZMAN (1995) ressalta que é comum que crianças autistas

possuam apego inadequado a determinadas rotinas e objetos. Por isso é preciso

que se realize um trabalho por meio de especialistas capacitados, para que se tire

proveito do uso desse apego rotineiro. A fixação em realizar determinadas ações,

repetir permanentemente certas atividades, preferir usar as mesmas roupas etc.,

são problemas de comportamento característicos dessas crianças que devem ser

trabalhadas diariamente pelos pais e professores, buscando o intuito de alterar

tais rotinas por outras úteis e adequados ao momento, tendo em vista o

desenvolvimento de sua autonomia, iniciativa e compreensão daquilo que está

fazendo ou do que precisa fazer.

36

Para a pessoa com autismo, a puberdade e a adolescência também

podem representar um período difícil de transição. GRANDIN (1999) comenta

esta época como a pior fase de seu comportamento, a partir de sua primeira

menstruação. KYRKOU (1995), em seu estudo sobre os sintomas relacionados

com o ciclo menstrual em mulheres com autismo, explica que pessoas com

autismo reagem de maneira distinta ao período menstrual, tanto na fase da

adolescência como posteriormente e isto em cada ciclo.

Os ataques de pânico, inquietude, cólicas causam uma situação mais

propícia à hipersensibilidade do que ansiedade, ocorrendo de modo mais intenso

em pessoas com a síndrome que possuam forte comprometimento na

comunicação, pois não conseguem expressar o que estão sentindo ou o local

onde se concentra a dor.

Pouco se fala sobre o jovem e o adulto com autismo, mas sem dúvida

nenhuma, eles também chegam a essa idade e muitas vezes, chegam esperando

por algo, assim como a maioria daqueles que têm a mesma idade. GRANDIN

(ibdem, p. 26) relata que sentia-se isolada e que não sabia se iria encontrar

alguém para se relacionar amorosamente. Em razão da complexidade que sentia

ser as relações pessoais, optou por ficar sozinha e dedicar-se a estudos sobre

autismo e sobre a vida animal.

ORRÚ (2010) ressalta que a sociedade costuma estigmatizar os

indivíduos como "normais", quando exercem uma profissão, são casados e

possuem filhos, mesmo que, preconceituosamente, sejam tidas e, não raramente

evitadas, por se apresentarem como "esquisitas" ou distintas da maioria das

pessoas conhecidas, com rotinas exageradamente marcadas, chamadas de

alienadas por outras com quem convivem, confusas no falar, complicadas nos

relacionamentos interpessoais e com tendências ao isolamento, podem ser

pessoas com características do autismo.

É bem possível e não muito difícil, encontrarem-se habilidades

especiais que se contrastam com as diferenças comportamentais existentes na

pessoa com autismo em diversas outras áreas.

37

“Temple Grandin era e é espetacular na área de zootecnia e construção de certas aparelhagens utilizadas com animais. David Hefgott tinha um talento único para o piano, Einstein, possuidor de diversos traços autísticos, até os três anos não havia articulado palavra alguma e só passou a se expressar de modo fluente aos dez anos, fora um gênio da ciência. W.F. (26 anos) com seis anos de idade já lia e escrevia de tudo, interessando-se por enciclopédias que mostrassem o corpo humano, hoje, está no último ano medicina, especializando-se em neurocirurgia. R.F (12 anos), com síndrome de Asperger, possui uma habilidade fantástica para memorizar números de telefone, datas de aniversário, cálculos de calendários, nomes e cores das bandeiras mundiais.” (KYRKOU, op.cit,,p. 46).

CUNHA (2010) cita que no filme: "Rain Man", com Dustin Hoffman, é

mostrada a contagem de cartas e palitos de fósforos por um autista de alto-

funcionamento, fato este, verídico em autistas que mantêm sua capacidade visual

aguçada.

Habilidades especiais como estas, podem surgir inesperadamente,

sem conhecimento de sua origem. Elas devem ser canalizadas da melhor forma

possível, a fim de se aproveitar o potencial contido nelas para o fortalecimento

psico-emocional do indivíduo com autismo, aumentando as possibilidades de

uma crescimento social mais qualitativo, de modo que tal capacidade lhe seja

prazerosa e funcional em sua vida.

SAMPAIO (2011) comenta que o autismo é umas das síndromes mais

severas, comprometedoras e incapacitantes, no que diz respeito à evolução

mental da criança. Não é difícil de vir acompanhada de outras patologias e

condições clínicas relacionadas. Por não ser diagnostica através de exames

laboratorias, o seu processo de reconhecimento é dificultado, retardando seu

diagnóstico e afligindo os pais da criança.

Para que se realize um diagnóstico seguro desta síndrome, é preciso

uma vasta investigação genética até longas observações comportamentais da

criança. Para fins de um diagnóstico mais preciso, têm-se utilizado os critérios do

CID 10, DSM IV e escala CARS para autismo, além da observação do

comportamento, já que a mesma é definida atualmente como uma "síndrome

comportamental com etiologias múltiplas e curso de um distúrbio de

desenvolvimento" de acordo com GILLBERG (Apud MARQUES, 2000). Até 1989,

dizia-se estatisticamente que, a síndrome acometia crianças com idade inferior a

38

três anos, com predominância de quatro crianças a cada dez mil nascidas.

Manifestava-se em indivíduos do sexo masculino, sendo a cada quatro casos

confirmados, três do sexo masculino e um caso para o feminino.

Segundo GASPAR (1998), o autismo tem sido detectado em vinte

crianças a cada dez mil nascimentos, número que vem aumentando nos últimos

anos, em razão de maiores estudos e divulgações sobre a síndrome que atinge

indivíduos de todo o mundo, não se restringindo a raça, etnia ou grupo social.

De acordo com a ASA - Autism Society of América, (Apud MAZZOTA,

1996) o autismo é um distúrbio de desenvolvimento, permanente e severamente

incapacitante. No Brasil, devem existir, estatisticamente, cerca de sessenta e

cinco mil a cento e noventa e cinco mil autistas, baseado na proporção

internacional, já que nunca se realizou algum censo em nosso país.

De acordo com o preceituado por CUNHA (2010) o autismo

compreende um conjunto de comportamentos agrupados numa tríade principal:

comprometimentos na comunicação, dificuldades na interação social e atividades

restrito-repetitivas. Alguns sinais externos no educando, já mencionados no

capítulo I, ajudam o reconhecimento do transtorno.

O autismo é tratável. Há casos em que os sintomas foram revertidos

amplamente, possibilitando inclusão escolar e social. Aparecendo desde o

nascimento ou nos primeiros anos de vida, proveniente de causas biológicas

desconhecidas, o autismo tem demandado muitos questionamentos. Possuindo

distintos níveis de gravidade, está relacionado com outros sintomas que

começam na infância, mas é absolutamente certo que o diagnóstico precoce, o

tratamento especializado e a educação adequada melhoram a qualidade de vida

em qualquer fase de comprometimento.

Conforme SCHWARTZMAN (1995), a criança cria modelos próprios de

relacionamento com o mundo exterior. Em consequência do convívio, podemos

dizer que todos nós possuímos uma mente sociável, que nos possibilita fazer

ligações apropriadas com o mundo ao redor. Nossa razão consulta

39

constantemente nossa memória social para monitorar o comportamento. Ao

chegarmos a um local qualquer, por exemplo, percebemos de maneira global o

ambiente, porque aprendemos a ver as coisas não isoladamente, mas

relacionadas, num contexto de convivências. Nos conduzimos,

consequentemente, de acordo com o que é socialmente adequado. Todavia, no

mundo autístico, nem sempre isso ocorre. Na maioria das vezes, em decorrência

do isolamento, há uma fixação em detalhes específicos, percebidos menos em

razão do conhecimento social e mais por causa do estímulo que o indivíduo

recebe de determinado objeto ou situação. Isto provoca comportamentos

peculiares.

Assim CUNHA (2010) ressalta que o autista passa a ter uma relação

singular com tudo que é externo. Fixa-se em rotinas que trazem segurança, não

interage normalmente com outras pessoas, incluindo aí os pais, e nem manuseia

objetos da forma adequada, gerando problemas na cognição, com reflexos na

linguagem, na escrita e em outras áreas.

Aprende de forma distinta, pois há uma relação diferente entre o

cérebro e os sentidos e as informações nem sempre geram conhecimento.

CUNHA (ibidem, p. 58) comenta que os objetos não exercem atração

em razão do seu propósito, mas em razão do estímulo que promovem. Assim,

uma tesoura passa a ser apenas um objeto de contato sensorial, perdendo

qualquer outra funcionalidade. A criança típica aprende que um lápis chama-se

lápis, podendo ela desenhar com ele ou também simbolizar um aviãozinho, mas a

criança autista tem dificuldade para entender o fim a que serve, o que simboliza,

dar-lhe nome e, por isso, passa a ter prejuízos na comunicação.

O autista, quando vê uma bola, por exemplo, não deseja chutá-la ou

jogá-la com a mão, como todos normalmente aprendem, mas cria formas

distintas de manuseio, ele precisa aprender a função de cada objeto e o seu

manuseio correto. As estereotipias causam atraso na evolução psicomotora.

Diante disso, tudo passa a ter valor pedagógico: os usos, as habilidades e as

atividades mais simples do dia a dia.

40

Determinantes externos não formam um fator de origem do autismo,

mas eles podem reforçar os sintomas. O ambiente modela a vida do indivíduo, é

uma fonte de sentimentos, de estímulos e de aprendizagens. Por isso, a

reeducação comportamental do autista tem um papel importante, mas todo

sucesso depende da preparação do professor e da articulação entre escola e

família, além do afeto e do amor, imprescindíveis na educação.

Para ilustrar o que falamos, usaremos um exemplo citado por CUNHA

(ibidem, pág 51.), o ocorrido com Filipe, um menino autista de oito anos.

“O garoto pouco se comunicava, possuía algumas estereotipias, fixava-se em rotinas e mantinha-se, na maioria das vezes, isolado das outras crianças. Era a festa do seu aniversário. Um colega da escola trouxe-lhe um pacote bem enfeitado com reluzente papel, que continha um caro brinquedo: presente de quem ama. Filipe, então, correu até ao amigo, tomou-lhe o pacote das mãos e começou a abri-lo. Todos aguardavam para ver a sua reação diante de tão atraente brinquedo. Para surpresa geral, após abrir o pacote, deixou o brinquedo cair no chão, rasgou o cintilante invólucro, fixou-se em um pedaço que trazia um desenho, e passou a brincar com aquele resto de papel, como se fosse o melhor da festa.” (CUNHA, op.cit, ibidem, pág.51).

CUNHA (ibidem, pag. 58) ainda cita o seguinte caso:

“Kim Peek não consegue abotoar os botões de sua camisa. Para tarefas simples do dia-a-dia depende da ajuda dos outros. No entanto, sua habilidade para leitura e memorização é descomunal, ao ponto de guardar os códigos postais das principais cidades dos EUA e memorizar os livros que lê: já são mais de sete mil obras. Tão difícil quanto fazê-lo aprender as tarefas simples da vida diária é incluí-lo nas relações sociais. Foi inspirado nele o personagem que Dustin Hoffman interpretou no filme Rain Man. Assim como Peek, muitos autistas, classificados como de alto funcionamento, demonstram-se embaraçados no convívio social. Possuem dificuldades para interpretar emoções dos outros e para expressar as próprias.” (CUNHA, op.cit, ibidem, pág.58).

GASPAR (1998) declara que por outro lado, alguns observam, por

alguns momentos, o objeto de estudo e guardam os mínimos detalhes. Suas

regras de raciocínios são impossíveis de serem compreendidas pela mente de

pessoas normais. Sem nunca terem estudado, conseguem aprender em questão

de minutos o que uma mente normal levaria dias ou talvez meses.

Mas nem todos os autistas têm uma mente prodigiosa. A grande

maioria não é assim. Entretanto, todos têm muita dificuldade de interação social.

O autismo possui níveis distintos de gravidade e está relacionado com outros

41

sintomas que começam na infância. Há casos severos de alteração do

comportamento e de auto-agressão, mas é absolutamente certo que a interação

entre escola e família altamente relevante.

2.2 - DISMISTIFICANDO A SÍNDROME DO AUTISMO

Segundo SAMPAIO (2011) alguns se arriscam em dizer que a pessoa

autista é aquela que vive em um mundo à parte. Essa afirmação não está

completamente errada, já que autismo é um distúrbio do desenvolvimento,

dificulta a linguagem, seja verbal ou visual, e não interage com o que ocorre ao

seu redor. Porém, os pais de crianças autistas não devem se prender a esses

aspectos, e sim buscar maneiras de estimular seu cognitivo e torná-las mais

independentes.

De acordo com a ASA - Autism Society of América, (Apud MAZZOTA,

1996), o autismo é um distúrbio de desenvolvimento, permanente e severamente

incapacitante. Contudo, embora haja limitações e inabilidades, antes de ser

autista, esse indivíduo é um ser humano.

Na falta de um trabalho multidisciplinar que veja a pessoa com autismo

como um ser bio-sociopsico-histórico-cultural, a mesma atravessa o estigma das

incapacidades e inabilidades como sendo os direcionadores de seu destino

durante toda sua vida. Logo, leva-se em conta muito mais os aspectos

sintomáticos da síndrome do que a procura de estratégias interventivas para a

superação das dificuldades encontradas. A exclusão social do autista emerge das

concepções pré-conceituadas a respeito das “coisas” que essa pessoa não

consegue fazer.

As concepções são responsáveis pelo contorno da visão de mundo por

parte do ser humano. São fundamentadas em base teórica, científica e empírica.

Sendo assim, o ser humano abraça a crença do que lhe é transmitida por outrem,

esquecendo-se, na maioria das vezes, de investigar outras áreas que podem

contextualizar melhor a delimitação de seu problema.

42

Voltando para a questão autismo x ser humano, pleiteamos contra o

pré-conceito que, baseado nos aspectos sintomáticos da síndrome, exclui a

pessoa autista do direito à vida junto com outras pessoas sem o autismo. Como

exemplo, já foi citado anteriormente a tendência ao isolamento como uma das

características do autismo.

Segundo GAUDERER (1993) o desenvolvimento pedagógico de um

autista, especialmente, se for uma criança, deve ter em conta os seguintes

objetivos:

1. Promover uma evolução normal

a) Cognitivo

b) Linguagem

c) Social

2. Promover a aprendizagem

3. Diminuir a rigidez e a estereotipia

4. Eliminar comportamentos desadaptativos inespecíficos

5. Aliviar o sofrimento familiar

6. Educar e consciencializar a sociedade para a aceitação do indivíduo.

Após se estabelecer o objetivo principal, que é “a promoção do

desenvolvimento normal”, deve-se buscar a sua aplicação, tendo em conta toda a

informação sobre os fatores que otimizam o crescimento, de forma a elaborar

medidas para diminuir ou atenuar os aspectos relacionados com a perturbação

do espectro do autismo.

A criança com espectro de autismo tem como principal característica a

dificuldade de socializar, como já foi referido anteriormente. Para quebrar esse

paradigma é necessário promover momentos que favoreçam a comunicação,

como por exemplo: brincadeiras, mímicas, expressões faciais etc.

Mas para que tal aconteça, é necessário que exista um bom

relacionamento entre o adulto e a criança, ou seja, os programas de intervenção

43

precoce devem, sempre que possível devem decorrer no meio ambiente onde

vive a criança.

A intervenção precoce destina-se a crianças até a idade escolar que

estejam em risco de atraso de desenvolvimento, manifestem necessidades

educativas especiais ou deficiência. Consiste na prestação de serviços

educativos, terapêuticos e sociais a estas crianças e às suas famílias com o

objetivo de minimizar efeitos negativos e prejudiciais ao seu desenvolvimento.

A intervenção precoce pode iniciar-se entre o nascimento e a idade

escolar, no entanto há muitas vantagens em começar o mais cedo possível.

Existem três razões fundamentais; quanto mais cedo se iniciar a

intervenção maior é potencial de desenvolvimento de cada criança; para

proporcionar apoio e assistência à família nos momentos mais críticos e para

maximizar os benefícios sociais da criança e família.

A investigação nesta área já demonstrou que grande parte das

aprendizagens e do desenvolvimento ocorre mais rapidamente na idade pré-

escolar. O momento em que é proporcionada a intervenção é, por isso,

particularmente importante já que a criança corre o risco de perder oportunidades

de desenvolvimento durante as fases mais propícias. Se esses momentos não

forem aproveitados, mais tarde a criança pode vir a manifestar maiores

dificuldades de aprendizagem.

De acordo com SAMPAIO (2011), estudos recentes acentuam o fato

de que o potencial de cada criança só é completamente manifesto se houver a

identificação precoce e uma intervenção programada e individualizada.

A intervenção precoce deve resultar no desenvolvimento de melhores

atitudes familiares relativamente a eles mesmos e ao seu filho com deficiência.

Deve proporcionar mais informação e melhores competências para lidar com a

sua criança, e incentivar a libertação de algum tempo para o descanso e lazer.

44

Um outro motivo que justifica a importância da intervenção precoce diz

respeito aos ganhos sociais alcançados. O incremento do desenvolvimento da

criança envolve a diminuição das situações dependentes de instituições sociais, o

aumento da capacidade da família para lidar com a presença de um filho com

deficiência, e o possível aumento das suas capacidades para vir a ter um

emprego.

A intervenção individualizada e dirigida às necessidades específicas da

criança também surge associada a bons resultados, o que não significa

necessariamente um trabalho de um para um. As atividades de grupo podem ser

estruturadas de forma a ir ao encontro das necessidades educativas de cada

criança.

2.3 - BUSCANDO QUALIDADE DE VIDA

Fundado em 2006 no Brasil, o Projeto Pipa atua com meninos entre

cinco a treze anos de idade. O método utilizado é conhecido como Terapia de

Vida Diária (TVD) que tem por objetivo o desenvolvimento do autista, por meio de

exercícios físicos, artísticos e atividades realizadas dentro de casa, ou seja, busca

preparar a criança para uma vida adulta mais autônoma, porém monitorada. Um

dos diferenciais deste método é que os atendidos não fazem o uso de medicação

para o controle comportamental.

SAMPAIO (2011) menciona que este Projeto trabalha com a filosofia

de que cuidar da criança com medicamentos é o mesmo que fazer um tratamento

duradouro, sempre será necessário o remédio para o seu controle, enquanto as

atividades oferecidas por meio da instituição promovem bem-estar e a sua

evolução.

O TVD foi criado no Japão em 1966 pela professora Kiyo Kitahara ,

doutora honorária em pedagogia. O método é utilizado no país oriental, nos

Estados Unidos, no Uruguai e há 4 anos no Brasil, trazido pela professora Takako

Saegusa. Abrange diversas atividades, entre elas aprender a trocar e dobrar o

45

uniforme, servir água na sala para os colegas, varrer o quintal e as disciplinas de

português e matemática.

A educação física é baseada em exercícios que promoverão equilíbrio,

força, segurança e concentração, que podem ser adquiridos no monociclo, por

exemplo, o que segundo os administradores do Projeto por meio das atividades

físicas proporcionam um repouso mais tranquilo no decorrer da noite, conforme

exemplifica SAMPAIO (Ibidem, pág. 41):

“Tal é o fato que Rodrigo conseguiu deixar o tratamento com remédios e melhorou o equilíbrio no seu comportamento. Angélica diz que ele precisava de medicamento para a hiperatividade. “A dosagem o deixava mole, não havia evolução. Quando cheguei ao Pipa, a professora disse que era necessário retirar o remédio gradativamente e trabalhar com a autoestima dele. O Rodrigo passou a ser ativo, a andar de bicicleta, no monociclo, a escrever e hoje não utiliza nenhuma medicação para autismo.

Angélica percebeu que havia algo de errado com seu filho quando tinha 1 ano e 10 meses. Segundo a mãe, ele parou de falar e tinha um olhar vago. O diagnóstico veio depois de uma série de exames. Até os 9 anos era comum Rodrigo não ter postura em locais públicos, atualmente esses acontecimentos são mais raros e Angélica afirma que aprendeu a lidar com a situação e ter palavras de comando para que o filho possa atendê-la. “Sou segura em ir a qualquer lugar, porque ele compreende mais e assimila o que deve ser feito”. As atividades de vida prática são ações para viver em sociedade e aprender a se comportar. No almoço as crianças recebem orientação de como manusear talheres e copos, como sentar-se à mesa, a ter responsabilidade em lavar a louça que sujou e a organizar o local. Para ensiná-las a conviver socialmente, elas passam a frequentar feira livre, restaurante e locais que há barulho para acostumá-las em ambientes externos. O autista possui uma hipersensibilidade auditiva, que o latido de um cão, ou a buzina de um carro, pode significar um som até 90% mais alto.” (SAMPAIO, op.cit., p.41).

Ainda segundo o relato de uma outra mãe participante do Projeto,

destaca SAMPAIO (ibidem, pág. 44):

“Agora tenho voz e palavras de comando e, assim, ele passou a me obedecer. Aprendi que devemos evitar falar “não”, mas ter frases diretas, como “tira a mão da boca”’. Um dos grandes feitos pelo menino é ter paciência em esperar as pessoas terminarem a refeição para depois se levantar da mesa. A mãe diz que é uma conquista que emociona.” (SAMPAIO, op.cit. p. 44).

O Projeto Pipa faz todas as tarefas em coletivo e uma das vertentes é

que os pais façam o trabalho ensinado na escola em casa, porque é necessário

um desenvolvimento contínuo. O aluno deve se habituar àquela postura em

qualquer lugar, mesmo que seja em casa. A família precisa colaborar, pois a base

46

do projeto é a parceria com os pais e familiares no desenvolvimento da criança

autista.

A Associação de Amigos dos Autistas (AMA) atende atualmente cento

e setenta e seis pessoas entre três a trinta anos. Na mesma linha de trabalho do

Pipa, a Associação promove atividades que permitam o autista chegar a mais

possível autonomia na sua vida diária estimulando a comunicação. Entre as

diferenças das instituições é que a AMA não adota o método da abdicação do

medicamento e trabalha individualmente o aluno.

Quando o aluno é matriculado, ele passa pelo procedimento Perfil

Psicoeducacional Revisado (PEP-R), que é a avaliação do aluno e suas

capacidades e a partir disso, será montada a estrutura das ações pedagógicas.

O sistema utilizado é o Tratamento e Educação para Autistas e

Crianças com Deficiências Relacionadas à Comunicação (TEACHH). É uma

abordagem educacional e precisa ser usada por quatro horas ao dia, e tem como

pilar a estimulação para a comunicação e a independência do autista, que tem a

deficiência na interação social e no uso da imaginação. O método acomoda o

comportamento da pessoa por organizar as estruturas da rotina no período que

passa na Associação e se tiver o cognitivo preservado, pode até desenvolver a

área de aprendizado acadêmico, como ler e saber contas simples de matemática.

O TEACHH dá a capacidade de previsibilidade para a criança.

Outro método adotado é o Análise Aplicada do Comportamento (ABA).

É uma abordagem terapêutica, que procura identificar as habilidades que o

autista já possui e daí por diante, através da repetição, fazer a criança aprender

novos conceitos. Para a comunicação entre professor e aluno, utiliza-se a Troca

de Figuras (PECs), onde recebe e envia informações sobre o ambiente por meio

de figuras explicativas. Ainda há os Materiais Sensoriais Monteserroriano. São

instrumentos concretos que facilitam a alfabetização e os princípios básicos da

matemática, como as barras de madeira que poderão representar os números

(duas barras = 2), além do aprendizado por meio da fonética.

47

A aproximação com os pais é por intermédio das reuniões ou quando

eles procuram pela área pedagógica, que está disponível para ouvi-los e saber do

que ocorre em suas casas.

2.4 - CARACTERIZAÇÃO DA REALIDADE PEDAGÓGICA

SAVIANI (1997) destaca que o reconhecimento da participação e

colaboração dos pais no processo educativo das crianças com necessidades

educativas especiais, é um fator decisivo na promoção do seu desenvolvimento.

Todos estão de acordo com este princípio, pais, médicos e educadores, contudo

ao longo da história nem sempre foi assim. Tal como o conceito de necessidades

educativas especiais (NEE) e as modalidades de atendimento às crianças com

NEE, também o papel dos pais tem vindo a ser alterado e encarado de diferentes

formas. Isto é, tal como se passou da iniciativa privada à intervenção do Estado

na educação das crianças com NEE, também a família passou de responsável

pelo problema da criança (causa desse problema) a participante ativo, e com

direitos adquiridos, no processo de desenvolvimento/aprendizagem dos seus

filhos.

Nas décadas de 1940/1950, os pais das crianças com NEE eram

considerados responsáveis, causadores do estado da criança. Estas ideias

fomentavam uma enorme culpabilização e propiciavam o aparecimento de

ressentimentos, falta de confiança e baixa auto-estima que dificultavam a

interação entre pais e profissionais.

O Ministério da Educação e do Desporto (BRASIL, 1994) publicou que

nos anos 1950/1960, os pais tinham um papel passivo, a responsabilidade

educacional e terapêutica dos filhos cabia quase inteiramente aos profissionais.

A partir dos anos 1970, pais e profissionais tomam consciência da

necessidade de que os primeiros participem ativamente nos programas

educativos dos filhos.

48

KREBS (1995) refere que a família funciona como meio cultural de

crescimento e bem estar de todos os seus membros.

A família não pode ser encarada isoladamente, (cada elemento é

influenciado e influencia os outros), mas também não deixa de ser uma das

variáveis mais importantes da comunidade pois interage e reflete.

Segundo o Modelo da Ecologia do Desenvolvimento Humano de

Bronfenbrenner, - demonstrado na figura 2 onde apresenta todos os mecanismos

de interação - a família é entendida como um sistema no qual os diferentes

elementos podem estar agrupados em subsistemas, funcionando de acordo com

as regras e formas de comunicação específicas. Daí que qualquer mudança no

comportamento de um dos membros da família influencie cada membro

individualmente ou, mesmo o grupo como um todo. (KREBS, ibidem. p.34).

Figura nº 2: Modelo da Ecologia do Desenvolvimento Humano de

Bronfenbernner Fonte – retirado do site: http://www.scribd.com/doc/11169212/MODELO-

BIOECOLOGICO-DO-DESENVOLVIMENTO-DE-URIE-BRONFENBRENNER

49

KREBS (ibidem, pág.39) ainda cita que este modelo faz referência a

um conjunto e níveis ou sistemas ecológicos que estabelecem interligações,

afetando a família e a sua dinâmica, influenciando-as e sendo influenciados por

elas. Estes níveis dividem-se em: microssistema, dentro do qual se faz referência

às influências entre os diversos membros da família ou entre os colegas ou

professor/aluno; mesossistema onde se geram interações entre dois ou mais

contextos como sendo a família e a comunidade; exossistema onde a realidade

dentro da qual o indivíduo não se encontra inserido mas que por ela poderá ser

influenciado, isto é o local de trabalho dos pais da criança que a podem

influenciar negativamente; e por último o macrossistema onde estão englobados

os sistemas anteriores, e um conjunto de valores e crenças culturais da

sociedade, fatores sociais mais abrangentes que têm impacto na educação da

criança.

KREBS (ibidem, p. 41) ainda conclui que, Bronfenbernner defende que

o desenvolvimento humano é um conjunto de sistemas aninhados em que a

pessoa em desenvolvimento é, ao mesmo tempo, capaz de ser influenciada por

esses sistemas, como também determinar mudanças que neles ocorrem.

Considerando a caracterização do meio; instituição; família e criança, é

possível perceber que o meio torna-se importante para compreendermos que um

Jardim-de-infância não pode estar isolado da sua realidade. O meio pode permitir

inúmeros fatores de desenvolvimento, nomeadamente, desenvolver a capacidade

de inserção da criança, permitindo um conhecimento das suas atitudes, valores

ou crenças.

O meio engloba, não só os locais físicos da localização geográfica do

Jardim-de-infância, mas também a sua família. O meio, considerando a

comunidade, é tudo o que está perto da criança e que pode permitir o seu

desenvolvimento.

O termo Jardim de infância foi criado pelo alemão Friedrich Froebel,

tendo desta forma, segundo o Caderno CEDES (1989), surgido a concepção de

educar crianças, de idade inferior a sete anos, em ambientes especialmente

50

criados para tal. Assim os Jardins de Infância surgiram com o objetivo de

estimular o desenvolvimento das crianças, tendo em vista que

“...a educação pré-escolar é a primeira etapa da educação básica no processo de educação ao longo da vida, sendo complementar da ação educativa da família, com a qual deve estabelecer estreita relação, favorecendo a formação e o desenvolvimento equilibrado da criança, tendo em vista a sua plena inserção na sociedade como ser autônomo, livre e solidário.” (CEDES, op.cit, pág. 18).

Tendo em vista a caracterização da família, considera-se que ela é a

primeira instituição educativa da criança, visto que é no seio dela que se inicia o

processo de socialização.

Desde o seu nascimento as crianças vão gradualmente reconhecendo

os seus familiares, mas os seus pais são sem dúvida os sujeitos que irão

promover as primeiras aprendizagens, os primeiros contatos com o mundo e a

sua educação.

Ainda segundo o Caderno CEDES (ibidem, pág 22):

“A finalidade da educação é antes de tudo permitir à criança que descubra a pessoa que pretende ser, e graças à qual poderá sentir-se satisfeita consigo própria e com a sua maneira de viver... A criança deveria ser capaz de fazer na vida tudo aquilo que lhe parece importante e desejável; estabelecer com os outros relações construtivas, satisfatórias e mutuamente enriquecedoras; suportar de modo adequado as tensões e dificuldades que inevitavelmente virá a encontrar ao longo da sua vida. Para tudo isso, os pais não são somente os primeiros formadores da criança mas também os seres pelos quais ela se poderá orientar.” (CEDES, op. cit. p. 22).

Observou-se, com o estudo realizado, que o autismo é um distúrbio do

desenvolvimento que vem sendo estudado pela ciência há mais de sete décadas.

Entretanto, sobre este distúrbio ainda permanecem, no próprio âmbito da ciência,

divergências e questões a serem respondidas.

Experiências realizadas com crianças autistas demonstram que várias

delas, embora tenham linguagem, não demonstram interesse em comunicar. Daí

a importância de o educador intervir de forma a mostrar o porquê de comunicar e

como comunicar, criando diversas situações no ambiente escolar para encorajar

sua resposta.

51

As considerações feitas sobre a aquisição da linguagem da criança

com perturbação do espectro de autismo mostram, também, um aspecto

importante desse processo que está ligado ao papel do adulto e, principalmente,

do educador: possibilitar, desde o nascimento da criança, interações

interpessoais desafiadoras que lhe proporcionem o desenvolvimento de suas

capacidades, principalmente da linguagem, que lhe permitirá a comunicação e,

consequentemente, melhor integração social.

Pode-se concluir que esta patologia afeta sobretudo a área da

comunicação e da linguagem, logo o ato de socialização encontra-se

comprometido.

BAPTISTA (2002) afirma que para haver uma intervenção adequada, é

importantíssimo apostar na formação e sensibilização de toda comunidade

educativa e fornecer às escolas os recursos materiais, espaciais e humanos

necessários.

No entanto, nem todos os profissionais estão preparados para, zelar

por estas crianças e trilhar o caminho da formação para que consigam dar

respostas adequadas às “crianças diferentes” que aparecem na escola.

A inclusão destas crianças só será alcançada quando a sociedade e os

próprios professores mudarem de atitude em relação às pessoas com NEE.

52

CAPÍTULO III

O PROCESSO PEDAGÓGICO PARA A INTEGRAÇÃO E O DESENVOLVIMENTO DO AUTISTA NA SOCIEDADE

Se desejamos compreender e ajudar uma criança autista, devemos por um lado, perceber que somos parte deste ambiente no qual esta criança tem que viver e crescer e, por outro lado, tentar ver seu comportamento, desempenho, habilidades e incapacidades em relação ao que é sempre perfeito nela, a vivência de sua própria personalidade.

(http://www.pedagogiaaopedaletra.com)

3.1 - A LDB E O SEU RELACIONAMENTO COM A EDUCAÇÃO ESPECIAL

SAVIANI (1997) interpreta os limites da nova Lei de Diretrizes e Bases

(LDB) principalmente como omissões, pelo fato de ela não incorporar dispositivos

que apontem para a necessária transformação da estrutura educacional.

De acordo com FERREIRA (1997), o fato de a nova LDB reservar um

capítulo dedicado à educação especial parece importante para uma área tão

pouco contemplada, historicamente, no conjunto das políticas públicas do Brasil.

O relativo destaque recebido reafirma o direito à educação, pública e gratuita, das

pessoas com deficiência, condutas típicas e altas habilidades. Na década de

1960, destacava-se o descompromisso do ensino público; já na década seguinte,

a legislação apenas indicava um tratamento especial a ser regulamentado pelos

Conselhos de Educação - processo que se estendeu no decorrer daquela

década.

Certo é que a legislação, por si, não assegura direitos, especialmente

num contexto em que a educação especial tem diminuta expressão política no

contexto da educação geral, reproduzindo talvez a pequena importância que se

concede às pessoas com necessidades especiais - ao menos aquelas chamadas

de deficientes - em nossas políticas sociais. Daí se entendem manifestações,

comuns na área, de que postulam que a legislação fundamental já está dada e se

trata de fazer cumpri-la.

53

São também comuns as preocupações com o caráter potencialmente

segregador e discriminatório de legislações específicas para o assunto. A

referência específica em uma lei geral da educação é importante para o Brasil,

onde o acesso à educação das pessoas com deficiência é escasso e revestido do

caráter da concessão e do assistencialismo.

O Ministério da Educação (BRASIL, 1991), em seus documentos, vinha

trabalhando com a indicação de que o alunado considerado especial inclui

aqueles com deficiência, condutas típicas e altas habilidades. A referência às

necessidades educativas especiais requer maior atenção a fim de confrontar as

leituras e discutir as implicações de uma eventual revisão das próprias noções de

aluno e educação especiais. É o desafio de conhecimento e práticas

desenvolvidos nos espaços identificados com a educação especial, integrar

contribuindo com a educação geral, sem criar novos espaços para acomodar

procedimentos de segregação em nome da necessidade de um ensino

especializado e, de outra parte, sem diminuir a problemática da deficiência à

dimensão do ensino.

Declara FERREIRA (1997) que um tema de importância relevante é a

questão de professores com especialização adequada em nível médio ou

superior, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração.

Esse ponto mereceu atenção no desafio de entender o papel do professor

especializado em uma proposta integradora, que teoricamente pediria um

educador mais polivalente.

De acordo com MAZZOTA (1996), a discussão das habilitações da

pedagogia, também em educação especial e inclusive por categoria de

deficiência, passará a refletir as pressões advindas das discussões acumuladas

sobre a revisão da formação do pedagogo, bem como do docente, de um lado, e

das indicações da LDB, de outro. Ambas, de diferentes perspectivas,

enfraquecendo a ideia da formação de um especialista em educação especial

como habilitações da pedagogia. E ainda que prevaleça a figura do especialista,

em um tipo de formação ou em outro, é provável que ela não se limite à ideia de

54

um condutor de classes especiais de determinada categoria de alunos especiais,

dentro das instituições ou nas escolas comuns.

3.2 – EDUCAÇÃO ESPECIAL: ALGUMAS IMPLLICAÇÕES KASSAR (1988) ressalta que a concomitância dos setores público e

privado no campo educacional pode ser vista desde o início da história da

educação brasileira.

Ao abordar o aspecto educativo de pessoas portadores da Síndrome

de Autismo, faz-se necessária, uma retrospectiva histórica, que passa pela

seleção natural, eliminação de crianças mal formadas ou deficientes em várias

civilizações, marginalização e segregação promovidas na Idade Média, até um

período marcado por uma visão mais humanista na Europa após a Revolução

Francesa, para se chegar ao século XIX, aos primeiros estudos sobre

deficiências.

No Brasil, a preocupação com a educação da pessoa considerada

especial data de fins do século XIX, com a implantação de duas instituições

públicas: uma em Salvador e outra no Rio de Janeiro.

Logo no início do século XX são criadas as escolas privadas de

atendimento, como o Instituto Pestalozzi no Rio Grande do Sul, criado em 1926.

Em 1954 funda-se, no Estado do Rio de Janeiro, a primeira Associação de Pais e

Amigos dos Excepcionais-Apae, também com a caracterização de instituição

particular assistencial.

A preocupação direta e abrangente do Estado brasileiro com a

educação do aluno especial ocorre posteriormente na história do Brasil, mais

especificamente, no início da década de 1960.

Segundo KASSAR (ibidem, pág. 22), a síndrome do autismo pode ser

encontrada em todo o mundo e em famílias de qualquer apresentação racial,

étnica e social. Não se conseguiu até agora provar nenhuma causa psicológica,

ou no meio ambiente destas pessoas que possa causar o transtorno. Os

55

sintomas, causados por disfunções físicas cerebrais, podem ser verificados pela

anamnese, quando apresentam os seguintes sinais: reações anormais às

sensações, ainda são observadas alterações na visão, audição, tato, gustação,

dor, olfato, equilíbrio e maneira de manter o corpo; distúrbios no ritmo de

aparecimento de habilidades físicas, sociais e linguísticas; fala ou linguagem

ausentes ou atrasados; e considera-se, ainda, certas áreas específicas do

raciocínio, presentes ou não.

Hoje, não se pensa mais no autismo como algo incurável e já é

impossível se falar de atendimento à criança especial sem considerar o ponto de

vista pedagógico. Essas crianças necessitam de ensinamentos claros, precisos e

os programas devem ser essencialmente funcionais, quer dizer, ligado

diretamente ao portador da síndrome.

KASSAR (ibidem, pág. 34) aborda que esta matéria é de importância

fundamental e o resultado depende da motivação em mostrar que essas crianças

podem se relacionar com a sociedade. Reforçando a ideia da convivência de

portadores de autismo em escolas normais e não a sua separação ou isolamento

em escolas especializadas. A autora ressalta ainda que

"é de extrema importância retirar o autismo do gueto e trazer para a luz de discussões as dificuldades enfrentadas por crianças e famílias inteiras. Inserir o tema de maneira consistente para que os pedagogos possam ajudar a sanar o preconceito e a melhorar o desenvolvimento e a qualidade de vida dessas crianças". (KASSAR, op.cit, pág. 37).

3.3 - FORMAÇÃO DO EDUCADOR NO CURSO DE PEDAGOGIA: A

EDUCAÇÃO ESPECIAL

Segundo CARTOLANO (1998), a formação do professor de educação

especial não deve ser desenvolvida isoladamente. Ao contrário, é preciso

considerá-la como parte integrante da formação dos educadores em geral e

submetê-la, portanto, aos mesmos debates que se vêm fazendo nesse círculo,

seja a nível nacional, estadual ou regional.

A Constituição Cidadã Brasileira (BRASIL, 1988) garantiu, em seu Art.

206, a igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola: a

56

educação como direito de todos é dever do Estado e da família (Art. 205),

devendo estender-se também à especialização do atendimento educacional, quer

dizer, aos deficientes (Art. 208, III), de preferência na rede regular de ensino. Isso

significa que quando se pensa na formação do professor, deve-se, também,

pensar em uma escola que dê a todos uma mesma formação básica, uma vez

que o que pretende-se formar, em primeiro lugar, é o profissional qualificado, o

professor preparado para lidar com o aluno, seja ele “normal” ou “deficiente”.

Mas não é tão simples assim, e o sabemos através da história da

escola e da sociedade que a acolhe.

Na sociedade atual, cheia de tradições culturais e de práticas sociais

discriminatórias, historicamente pensando, a educação especial não tem se

apresentado, em geral, como parte do conteúdo curricular da formação básica,

comum, do educador; quase sempre é vista como uma formação especial

reservada àqueles que desejam trabalhar com alunos portadores de

necessidades especiais, diferentes, indivíduos divergentes sociais, deficientes.

Quando se fala em educação especial, é importante ressaltar que,

historicamente, ela vem acompanhando os progressos não só da medicina,

biologia e psicologia, mas também da pedagogia, tendo procurado atingir sujeitos

concretos – ou seja aqueles ditos normais, bem como aqueles conhecidos como

deficientes.

Desta forma, como profissionais do seu tempo, os educadores de hoje

não podem fugir dessa realidade social e, muito menos, perder o foco da

viabilidade histórica de um projeto de transformação. Uma boa formação teórica e

prática, básica e comum a todos, independente da clientela que atenderão no

futuro, permitirá uma leitura crítica não só da educação e das propostas de

alerações nesse campo, mas também um pensamento claro das determinações

sociais, políticas e econômicas nelas presentes.

O profissional que trabalha com educação especial deve ser, em

primeiro lugar, bom professor: qualificado, dono de um saber reconhecido

57

socialmente, e competente no seu campo profissional. Além disso, há de ser

também um professor voltado para as práticas sociais que vigoram atualmente,

dotado de uma clara consciência de sua realidade histórica e dos problemas dela

oriundos. Somente dessa maneira poderá contribuir para a diminuição da

segregação e da exclusão dos diferentes pela sociedade capitalista em que

vivemos.

Segundo JANNUZZI (1995), a historicidade da educação dos

deficientes tem nos mostrado que sua marginalização é determinada por um

conjunto de forças sociais - econômicas, políticas, culturais, ideológicas - que

convencionam os limites entre normalidade e anormalidade. Cientes disso,

pesquisadores em ciências como medicina, psicologia, não relegando as

contribuições da sociologia, têm colaborado para a fixação de resultados mais

apurados, tanto qualitativos como quantitativos, para designar os deficientes, os

segregados socialmente e para propor soluções em busca da superação das

diferenças. Vai-se constituindo, assim, todo um corpo de educadores

comprometidos com a área.

A consagração da discriminação já na própria formação de um e de

outro, já aparece na graduação em pedagogia, o que se tem, em geral, é a

formação dos educadores em dois ramos distintos: aqueles que irão atuar no

ensino regular e aqueles que atuarão na educação especial. Temos, neste início

de século, muitos desses cursos de pedagogia organizados de forma dual ou até

por áreas de deficiência.

Levanta-se a questão do que fazer para que a formação do profissional

da educação possa contribuir para a redução da segregação do aluno autista.

CARTOLANO (1998) propõe que em primeiro lugar é preciso reavaliar

a própria noção que temos do saber, do conhecimento. O que se vê e se aprende

do mundo é sempre histórico, dependendo do tempo e do lugar, portanto, das

tradições culturais, dos interesses de grupos, da nossa herança de vida, das

circunstâncias que nos possibilitam apreendê-lo, da nossa constituição física -

genética, neurológica, fisiológica. Nesse sentido, nosso conhecimento está

58

sempre em constante reorganização, sendo, portanto, inacabado. E diante da

aceleração das mudanças, das novas descobertas das ciências e das tecnologias

modernas, é preciso que estejamos sempre de abertos a novas pesquisas,

buscando novas respostas que nos ajudem a reavaliar o velho, a rotina e a

enfrentar o novo.

“Daí a necessidade de conhecer, divulgar e tornar acessível toda

tecnologia que facilita o rompimento de barreiras entre o normal e o que não é

considerado como tal” (JANNUZZI, op.cit., pág. 4). Esse pensamento traz a ideia

da busca do conhecimento não só relativa às novas teorias educativas, mas

também aos movimentos sociais pela melhoria da formação do educador e a

produção teórica que resulta deles.

Porém, não basta conhecer apenas a teoria. É preciso usar esse

conhecimento para atuar na realidade e transformá-la, sempre dentro dos limites

e das circunstâncias em que nos encontramos.

Portanto, nosso conhecimento está sempre em constante mudança,

sendo, nesse sentido, inacabado. E diante da aceleração das alterações, das

novas descobertas científicas e tecnológicas, é preciso que estejamos sempre de

espírito aberto à pesquisa, acreditando na busca de novas respostas que nos

ajudem a reavaliar o velho e a enfrentar o novo.

A pesquisa e a produção do conhecimento, desenvolvendo o

pensamento, devem tornar-se o eixo norteador de um trabalho o mais

interrelacional possível, articulando professores e alunos nessa tarefa de

construção social da busca do conhecimento e da inclusão social.

CARTOLANO (1998) trabalha o pensamento de que o estímulo por

uma boa formação do profissional da educação que valorize, ao mesmo tempo, o

trabalho pedagógico e a formação teórica traz, certamente, um grande ânimo

para enxergarmos que há muito ainda a realizar.

“A “Formação de Professores para a Educação Especial” foi planejada, desde a origem, como uma habilitação e como curso interdisciplinar e contou, nesse sentido, não só com professores de

59

todos os departamentos da Faculdade de Educação, mas também docentes de outras faculdades e institutos da Unicamp. Os alunos, depois de cumprirem as disciplinas da formação geral e comum (filosofia, história, psicologia, sociologia, didática, estrutura e funcionamento do ensino, além de fundamentos da educação especial), passavam a partir do 6° semestre, a cursar disciplinas específicas daquela formação. Essas disciplinas, sem a pretensão de constituírem um estudo especializado de aspectos psicológicos, orgânicos ou sociais da deficiência, enfocavam-na de uma perspectiva histórica, segundo a qual o conhecimento se constrói na relação ética, política, estética, corporal, lingüística etc., do homem com a natureza e com a sociedade, buscando sua transformação. No entanto, estamos preocupados, hoje, com a ausência de uma formação mais específica do educador, para atuar mais diretamente com os deficientes mais lesados, aqueles que nem sequer chegam à educação formal.

Queremos deixar claro que o profissional que estamos formando não deve ser um mero aplicador de métodos e técnicas de ensino nem alguém que irá trabalhar somente com crianças excepcionais. Ao contrário, ele deve ser preparado, através de uma formação inicial básica e comum aos demais profissionais da educação, para atuar não só em classes do ensino regular, freqüentadas ou não por alunos com as chamadas “necessidades especiais”, mas também em escolas especiais - instituições especializadas - e em classes especiais. Como deve acontecer em todo trabalho pedagógico, esse professor precisa ter sempre postura de busca, de análise da sua prática pedagógica, para reformulá-la quando necessário e quando as circunstâncias o exigirem. Deve estar sempre aberto a fazer revisões no seu referencial teórico, de modo a acompanhar o desenvolvimento das ciências e as descobertas da tecnologia para seu campo de atuação.” (CARTOLANO, op.cit., pág. 12)

Não sendo um técnico ou especialista, mas sendo possuidor de uma

formação básica comum, o profissional para a educação especial é, em primeiro

lugar, um especialista da educação que deve saber buscar o específico na

totalidade do conhecimento socializado. Sua formação dar-se-á sempre no

confronto da teoria com sua prática pedagógica e com a pesquisa daí produzida.

3.4 – PROPOSTAS EDUCACIONAIS PARA O AUTISTA

SCHWARTZMAN (1995) ressalta que o diagnóstico sobre autismo

apresenta algumas controvérsias, assim como sua própria definição. No entanto,

apresenta, três definições que podem ser consideradas como adequadas:

Nos dias de hoje, entre todas as situações da vida de uma pessoa com

necessidades especiais, uma das mais críticas é a sua entrada e permanência na

60

escola. Ainda hoje, embora mais sutil, pratica-se a "eliminação" de crianças

deficientes do ambiente escolar.

No início do século XX, a questão educacional passou a ser abordada,

porém, ainda é muito contaminada pelo estigma do julgamento social. Por tudo

isso os professores agora estão sendo preparados para adaptar a criança com

necessidades especiais para prolongar a sua permanência na escola dita normal.

Muitas crianças já estão recebendo atendimento especializado

promovido pelas Associações de Pais e Amigos – ABRA (Associação Brasileira

de Autismo), ASTECA (Associação Terapêutica Educacional para Crianças

Autistas) e AMA (Associação de Pais e Amigos do Autista). Todas essas

instituições ajudam o educador a atuar dando o apoio pedagógico necessário.

ORRÚ (2010) cita que existem muitas atitudes que podem ser feitas

pelo autista. A principal é acreditar que ele tem capacidade para aprender.

Também é preciso saber que ele enxerga o mundo de uma forma distinta, mas

vive no mesmo mundo que todos nós. Alguns autistas, mesmo raros, conseguem

se formar, constituir família e ter uma vida profissional normal. Há indivíduos

autistas que nunca suspeitaram que o fosse. Por outro lado, devido a sua grande

dificuldade em se comunicar, eles muitas vezes têm um desempenho escolar

fraco.

Nos casos mais graves, devido à desinformação dos pais e

profissionais da Medicina e da Educação, a criança autista fica condenada a viver

em um mundo que não consegue entender. O papel do professor na pré-escola é

fundamental. Nesses casos, podem crescer frustradas e responder ao mundo

com gritos e com agressões; muitas vezes, se auto-agridem, machucam-se, para

descarregar sua frustração em não ser compreendido, por isso é melhor

identificar o mais cedo possível que a criança é autista. É a partir desse

diagnóstico que é preciso estabelecer uma estratégia educacional para superar

as dificuldades da criança de forma que ela possa se integrar e fazer como está

acontecendo. Desta forma, pretendemos investigar qual é o papel da pedagogia

na escolarização da criança autista.

62

família. Um dos principais objetivos é esse, a família e o trabalho na escola é a

interação de ambos para estimular a criança, onde alcança total progresso e é

dessa forma que as escolas estão realizando o seu trabalho.

A escola tem o seu papel no nível educacional. São elaboradas

estratégias para que aqueles alunos – autistas - consigam desenvolver

capacidades de poderem se integrar com as outras crianças ditas normais. Mas

além disso, a família tem também um papel relevante, porque são os que têm

mais experiência em lidar com as crianças, principalmente, porque as crianças

autistas necessitam de muito mais atenção, durante vinte e quatro horas. Os pais

podem encorajar a criança a se comunicar espontaneamente, por meio de

situações que estimulem a necessidade de comunicação. Não se deve antecipar

tudo o que a criança precisa, deve-se criar momentos para que ela sinta a

necessidade de pedir aquilo que precisa. Muitas vezes, a profissão e o horário

não facilitam, mas é importante dispensar algums momentos para que as

crianças possam se sentir queridas e mostrar o que aprenderam.

ORRÚ (ibidem, pág. 62) chama a atenção para que devem-se

considerar as muitas deficiências de interação, comunicação e linguagem e as

alterações da atenção e do comportamento que podem ser apresentadas por

crianças autistas, a programação psicopedagógica a ser traçada precisa estar

centrada nas necessidades observadas, deve-se atentar para que o aluno

descobria quais canais de comunicação podem ser desenvolvidos e utilizados. Na

realidade, os problemas encontrados na definição de autismo, refletem-se na

dificuldade para a construção de instrumentos precisos e adequados para um

processo de avaliação e condutas.

CARTOLANO (1998) menciona que é fundamental a preparação

pedagógica através de um programa adequado de diagnose e avaliação dos

resultados globais no processo de aprendizagem, já que a criança especial se

caracteriza pela falta de uniformidade no seu rendimento, levando-se em

consideração o nível de desenvolvimento da aprendizagem que geralmente é

lenta e gradativa.

63

Portanto, caberá ao professor adequar o seu sistema de comunicação

a cada aluno, respectivamente. Antes de chegar à sala de aula, o aluno deve ser

avaliado pela supervisão técnica, para colocá-lo num grupo adequado,

considerando a sua idade cronológica, desenvolvimento e nível de

comportamento.

Com toda essa metodologia, a criança pode reagir violentamente

quando pressionada e diante disso, é preciso levar em conta, se o programa está

tendo resultados positivos, se precisa haver outras mudanças, bem como algo

que não prejudique a ambos.

O professor deve ser consciente de que é necessário ter uma postura

que não seja agressiva, muita paciência, transmitindo segurança e controle da

situação, e, acima de tudo, muito amor pelo que está fazendo.

A importância do ensino estruturado é ressaltada por Eric Schopler

(GAUDERER, 1993), no método TEACCH (Tratamento e Educação para Autistas

e Crianças com Deficiências relacionadas à Comunicação).

Com certeza, é bom ter em mente que, normalmente, as crianças à

medida que vão se desenvolvendo, vão aprendendo a estruturar seu ambiente,

enquanto que as crianças autistas e com distúrbios do desenvolvimento,

necessitam de uma estrutura externa para aperfeiçoar uma situação de

aprendizagem.

Segundo CUNHA (2010), observam-se progressos inesperados em

outras áreas, como por exemplo, a participação voluntária de alunos normais na

preparação de programas de tratamento do aluno especial que por si só já é um

fator positivo.

3.5 - OS MÉTODOS DE ENSINO PARA A ESCOLARIZAÇÃO DO ALUNO AUTISTA

Um dos métodos de ensino mais utilizados no Brasil é o TEACCH – já

mencionado anteriormente, que foi desenvolvido no início de 1970 pelo Dr. Eric

Schopler e colaboradores, na Universidade da Carolina do Norte e hoje está se

64

tornando conhecido no mundo inteiro. Em primeiro lugar o TEACCH não é uma

abordagem única é um projeto que tenta responder às necessidades do autista

usando as melhores abordagens e métodos disponíveis. Os serviços oferecem

desde o diagnóstico e aconselhamento precoce dos pais e profissionais até

Centros Comunitários para adultos com todas as Etapas Intermediárias,

Avaliação Psicológica, Salas de Aulas e Programas para Professores.

Existem poucos projetos no mundo que podem alegar trinta anos de

experiência com pessoas autistas. O TEACCH se mantém evoluindo, desafiando

os diagnósticos negativos dos médicos ao dizerem que a criança não evolui,

adicionando nova descobertas de pesquisa. Só que apenas são utilizadas

somente as técnicas que foram comprovadas em ampla escala, porque o método

não trabalha com uma técnica isolada. Não iremos encontrar ninguém dizendo

que irá "curar" o autismo.

O Ministério da Educação (BRASIL, 1991), descreve que segundo

pesquisa realizada, verificou-se que as Escolas Regulares no Município de Porto

Velho (RO) estão aceitando com mais dedicação às crianças com diagnóstico de

autismo, porque os educadores estão se aperfeiçoando e tendo mais didática

para trabalhar com elas e com a estimulação elas aprendem com mais facilidade,

e o apoio da equipe pedagógica que é de fundamental importância. É possível,

ainda, encontrar-se algumas instituições que possuem resistência, mas o trabalho

em equipe tem surtido efeito e com o auxílio também da AMA na prática

pedagógica ensinando a trabalhar com o TEACCH (Método dos Cartões). É

fundamental que os educadores tenham conhecimento de Psicologia do

Desenvolvimento e aprendizagem e que sejam orientados para uma atuação

adequada nos graves distúrbios de comportamento que apresentam as crianças

autistas. Em primeiro lugar, pelo fato de o problema ter deixado de ser

considerado apenas do ponto de vista médico e terapêutico o pedagógico

também faz parte da Equipe Multidisciplinar, qualquer que seja o nível de

funcionamento das crianças, tem se valorizado por uma educação escolar mais

estruturada. Com isso as crianças menos comprometidas têm se tornado mais

sociáveis, usando construtivamente as habilidades aprendidas, apesar da

65

persistência de alguns sintomas. Fazem-se necessárias turmas especiais de

verdade, com metodologia própria para as necessidades de cada aluno especial.

A atividade com a criança autista impõe, ao educador, desafios

contundentes, dentre os quais, o de lidar com a questão do tempo e a sua

articulação com a emergência do sujeito. A atividade clínica demanda do

profissional, em primeiro lugar, uma tolerância com respeito à temporalidade

singular que caracteriza o mundo destas crianças. Quando existe informação a

reação é oposta, a família ajuda e a Escola ajuda ao autista, todos trabalhando

juntos chegam a um trabalho singular, pois todo autista é único. Sabemos que o

tratamento não esgota o problema porque não é doença, então não tem cura, é a

partir dele que se começa um trabalho que irá ser para vida toda. Nas fases da

vida do autista vai passar vários profissionais, vários educadores e de cada um,

uma experiência.

CUNHA (2010) cita que o aluno autista necessita descobrir a função de

cada objeto e o seu manuseio adequado. Em razão dessas características, o

espaço escolar poderá ser explorado, tornando-se um ambiente extremamente

pedagógico. A atuação dos profissionais da escola é fundamental, uma vez que,

muitos casos de comportamento autístico foram percebidos primeiramente em

sala de aula.

O grande foco na educação escolar deve estar no processo de

aprendizagem e não nos resultados, porque nem sempre eles virão de maneira

rápida e como esperamos. É preciso atentar para a carga afetiva do aluno,

observando aquilo que possui funcionalidade para ele. Talvez, fazer contas em

um caderno não tenha sentido algum, mas relacionar datas com fatos, números

de telefone ou qualquer outra atividade que traga sentido, poderá ser um

caminho para a aprendizagem matemática.

Normalmente, a concentração para atividades pedagógicas é muito

pequena. Mas ainda que seja exíguo o tempo de atenção, a perseverança em

repeti-lo dia após dia, de maneira lúdica e agradável, produzirá resultados. O

66

aluno carece de uma educação individualizada, com ênfase na mudança de

alguns comportamentos e aprendizado de outros.

CUNHA (2010), ainda ressalta que muito raramente o autista irá

interagir pelo olhar. Para receber o seu olhar, o professor precisa fisicamente

abaixar-se até ele e olhá-lo nos olhos, ficando na sua estatura. Isto é muito

significativo, porque é preciso atrair para educar. A figura masculina no ensino do

menino autista é muito importante, porque a imitação e o condicionamento são

mais enfatizados, o que torna a educação realizada por um homem

extremamente relevante. Isto não obscurece, todavia, a importância da mulher,

ao contrário, ratifica que as diferenças devem ser somadas. A mulher sempre nos

faz lembrar o amor.

A escola poderá planejar um currículo funcional para a vida prática,

trabalhando tarefas que devem ser administradas em perfeita sintonia com a

família, começando por aquelas que são mais importantes aprender. Inicialmente,

algumas de maior facilidade até o pleno domínio. Posteriormente, acrescenta-se

uma nova tarefa. Em muitos casos, o indivíduo com autismo não possui

autonomia para realizar coisas simples e cotidianas, como escovar os dentes ou

vestir-se.

É natural que rotinas sejam mantidas e quebradas. Ao mesmo tempo

em que representam um porto seguro para o autista e, por meio delas, pode-se

criar processos de ensino e aprendizagem, também, de quando vez, precisam ser

rompidas para que o aluno autista descubra o mundo fora de seus muros. Não se

faz isso sem amor e afeto. Sem a segurança que as negociações pedagógicas

possibilitam na relação entre o professor e o aluno.

KASSAR (1988) Para a construção de um currículo na escola é

necessário verificar quais habilidades necessitam ser conquistadas. Desenvolver

a capacidade de concentração do aluno será o primeiro passo do educador, pois

o que mais impede o aprendizado do autista é a falta de atenção ao que lhe é

falado.

67

Algumas abordagens pedagógicas em pessoas com autismo são de

base comportamental. No entanto, não devem aprisioná-las a condicionamentos

específicos - nem podem ter caráter invasivo - antes, devem livrá-las das

limitações comportamentais que lhes trazem dano, procurando interferir

precocemente para promover o desenvolvimento escolar, de forma que haja

autonomia o mais cedo possível. O ponto mais importante é tornar o aprendizado

agradável e afetivo.

Falar de forma serena, explícita, nomeando objetos e atividades,

buscando cativar a atenção, olhando sempre nos olhos do aluno. Estimular a

necessidade de conversação do autista, deixá-lo motivado a dar vida ao seu

desejo. Falas objetivas são mais bem compreendidas. Nem sempre o autista

compreende expressões subjetivas ou do tipo “não faça isso!” O melhor é

mostrar-lhe o que fazer, dando funcionalidade às ações.

É fundamental que a educação seja centrada prioritariamente no ser

humano e não na patologia, tornando necessário um currículo que transcenda os

entendimentos de déficit e torne a prática pedagógica rica em experiências

educativas.

É normal o autista tentar esquivar-se para fugir ou até irritar-se e usar

de birras para não fazer o que é pedido. Lidar com birras não é fácil, mas quanto

mais tempo os comportamentos danosos durarem, mais difícil será tratá-los.

Muitos são os fatores que os motivam, dentre os quais, o barulho, mudança de

rotina, excesso de estímulos, incertezas, ansiedades, conflitos e frustrações.

Com uma criança típica, uma boa conversa pode reverter essa tendência.

Todavia, em um quadro de autismo as coisas não são tão simples. É preciso

incansável perseverança para redirecionar as condutas e ensinar a forma

adequada de expressar sentimentos e desejos. Qualquer criança quando

descobre que uma birra funciona a seu favor, poderá utilizar esse artifício para

conseguir o que deseja.

CUNHA (2010) A observação é extremamente relevante na avaliação

do grau de autismo. Na escola, deve-se utilizar o afeto e atentar para os

68

estímulos peculiares do autista para conduzi-lo ao aprendizado, porque na

educação quem mostra o caminho é quem aprende e não quem ensina.

Ainda que o espectro demande cuidados por toda a vida, o derrotismo

é o maior inimigo da criança, bem como do adulto. É fundamental que a

educação não seja centrada apenas na patologia, mas principalmente no

indivíduo. O processo educacional limitado à concepção do déficit pode tornar a

prática pedagógica restritiva, mas apoiada nas necessidades do autista.

Uma criança típica aprende por meio de brincadeiras, com os pais,

com os colegas e professores na escola. Faz amizades e adquire habilidades

motoras e cognitivas. Simplesmente vivendo ela aprende. As impressões na

criança penetram em sua mente pelos seus sentidos e a formam. Para uma

criança autista as coisas não são bem assim. Há uma relação diferente entre o

cérebro e os sentidos e as informações nem sempre geram conhecimento.

3. 6 - A FORMAÇÃO DE PROFESSORES E A EDUCAÇÃO DE AUTISTAS

Segundo ORRÚ (2011) uma das responsabilidades do educador é a de

intervir na vida humana por meio da reflexão e da ação reflexiva, geradoras de

estratégias pedagógicas para o bem comum do educando. Logo, se é impossível

fazer de conta que o autismo não existe, certamente podemos, enquanto

educadores, nos dispormos à busca de maneiras inovadoras, facilitadoras,

diferenciadas e produtivas para a construção de uma melhor qualidade de vida

para a pessoa com autismo.

Para tanto, somente será possível tal ação, se nos despojarmos dos

pré-conceitos estabelecidos como definidores de destinos. É imprescindível que o

educador e qualquer outro profissional que trabalhe junto à pessoa com autismo

seja um conhecedor da síndrome e de suas características inerentes. Porém, tais

conhecimentos devem servir como sustento positivo para o planejamento das

ações a serem praticadas e executadas e não como desculpas para o abandono

à causa. Tomando as palavras de JANNUZZI (1992):

69

“Esta tarefa educativa é provavelmente a experiência mais comovedora e radical que pode ter o professor. Esta relação põe à prova, mais do que nenhuma outra, os recursos e as habilidades do educador. Como ajudar aos autistas a aproximarem-se de um mundo de significados e de relações humanas significativas? Que meios podemos empregar para ajudá-los a comunicarem-se, atrair sua atenção e interesse pelo mundo das pessoas para retirá-los do seu mundo ritualizado, inflexível e fechado em si mesmo?

Quando percebermos que dentre muitas coisas que precisam passar a ter significado para o autista, muitas outras também precisam ser apropriadas e compreendidas por nós, é que transformamos a condição de excluído em seu mundo para incluído em nosso mundo. Deste modo, teremos modificado as nossas próprias vidas, pois nos abrimos para uma nova concepção de mundo.” (JANNUZZI, op. cit, pág. 76).

Na Experiência de Aprendizagem Mediatizada, não se concebe a

possibilidade de haver indivíduos estáticos ou imutáveis. Portanto, esta

intervenção a ser realizada pelo educador se conduzirá de modo intencional nos

sistemas disfuncionais de alunos com necessidades específicas, interagindo em

sua realidade, em um processo de modificação, para que suas condições de

funcionamento cognitivo sejam estruturadas, potencializando-os em suas

capacidades adaptativas. A não conformidade proposta por esta teoria

desenvolvida por Reuven Feuerstein, dá subsídios para que pessoas com

necessidades especiais também sejam trabalhados de forma educativa, estando

sujeitos a serem modificados através do mediatizador que procurará transformar

sua situação de isolamento e maneirismo em interação e equilíbrio, num processo

contínuo de enriquecimento mútuo e fortalecimento do eu, potencializando suas

habilidades específicas através da mediatização intencional e recíproca.

JANNUZZI (1992) apresenta o entendimento de que crê que, para

promover a educação à pessoa com autismo, é preciso, antes de mais nada,

promover transformação na vida pessoal e profissional do educador como forma

de inovar o processo educativo junto ao aluno com autismo.

Para tanto, parte-se de três categorias com o fim de enriquecer o

processo pelo qual se dá o conhecimento científico da prática docente. São elas:

a reflexão na ação do educador, a conscientização do que seja a profissão

docente e a inovação como resultado das práticas investigativas.

70

Para que esta vontade de empregar os métodos ocorra,

gradativamente, na educação de pessoas com autismo, é preciso refletir sobre o

paradigma normalidade/anormalidade. Esta reflexão visa explorar as questões

voltadas para o preconceito que parcializa as ações de muitos profissionais,

limitando a concepção de novas ideias, novas formas de trabalho, diferentes

buscas para a resolução de problemas. O educador desmotivado e inseguro

sobre sua função a exercer, em geral, tende a cumprir seu horário de trabalho e

dirigir-se a seu lar sem ânimo para inovar. É de suma importância que a reflexão-

na-ação alcance, não apenas os professores em sua prática docente, mas,

inclusive, seja hábito dos coordenadores e diretores dos estabelecimentos de

ensino. A valorização por parte dos dirigentes, relacionada à responsabilidade

intelectual do educador, deve andar junto com a valorização de sua prática diária.

Ambas, refletirão no entusiasmo do educador contra a rotina que o persegue.

De acordo com BAPTISTA (2002), o ato de conhecer seu aluno, de

participar de sua vida e de atribuir atenção às suas necessidades específicas,

contribuiu, imensamente, para mediatizar o processo de ensino e aprendizagem.

Nota-se que as características inerentes à síndrome do autismo passam a ser

melhor detectadas, conhecidas e compreendidas pelos educadores. Isto prova

que, apesar do conhecimento científico adquirido por meio de leituras, estudos e

orientações, a prática docente junto a esse aluno com autismo, intensificou o grau

de conhecimento já possuído.

Entretanto, não são apenas esses dois fatos que dão origem ao

sucesso no trabalho do educador. É preciso que teoria e prática caminhem lado a

lado, acompanhadas pela ação reflexiva. Esta tripla união insere outros

significados na vida do educador, pois sua forma de enxergar o aluno é

transformada e dirigida por princípios e valores que trarão profundidade em suas

ações.

Como a vida é, terminantemente, cheia de surpresas e de

possibilidades, mesmo que o educador se mantenha dedicado no aprender

através de conhecimentos científicos e por meio de sua prática reflexiva,

momentos de incertezas podem surgir. Porém, são essas situações que, as

71

vezes, se apresentam meio emaranhadas, que constroem degraus para a

superação de si próprio. Tais momentos devem ser encarados como desafios

encorajadores, determinantes de uma nova busca a respostas não imediatistas,

mas construtivas para a contínua mutabilidade do ser humano.

“No relato de todas as educadoras percebemos que, no início do trabalho junto aos alunos com autismo, todas passaram por momentos de intensa insegurança, medo, sentimento de incapacidade e desânimo. Quando iniciamos a nova proposta com as educadoras, solicitamos que anotassem todas e quaisquer atitudes de seus alunos que lhes fossem marcantes ou lhes parecessem importantes em um caderno destinado para este fim. Notamos que nos fixaram os olhos como quem perguntava: "anotar o que?". De propósito, não demos muitos exemplos sobre o que anotar. Tínhamos a intenção de provocar-lhes um desafio que as incitassem a observar e conhecer seus alunos. O fato de serem alunos com autismo parecia deixá-las sob certo impacto, pois, afinal de contas, pareciam não reagir ou não se importarem com o que quer que fosse que elas fizessem. Porém, num silêncio inquiridor, as educadoras tomaram posse dos cadernos. Explicamos que os mesmos serviriam para o nosso acompanhamento sobre o desenvolvimento dos alunos. Porém, nossa intenção ia além disso. Pensávamos na possibilidade de uso das anotações realizadas para momentos não planejados em que o conhecimento na ação pudesse nascer a partir de reflexões solitárias e, finalmente, em reflexões coletivas.” (BAPTISTA, op. cit., pág. 101).

Esta experiência mostra que "o profissional reflexivo constrói de forma

peculiar o seu próprio conhecimento profissional, o qual incorpora e transcende o

conhecimento emergente da racionalidade técnica" (BAPTISTA, ibidem, pág.

112). Deste modo, entende-se que a utilidade do conhecimento teórico adquirido

durante a formação docente ocorre de maneira significativa a partir do enfrentar

de situações cotidianas que, lentamente, alicerçam o pensamento prático do

educador através da reflexão na ação e também pela reflexão sobre a ação

exercida.

Afirma GASPAR (1988) que a chance de recolher o aluno com autismo

do isolamento que o caracteriza depende da qualidade da relação do educador

com o mesmo. Por isso, é importante que o educador contenha uma revelação e

expressão interessantes, de modo a cativar esse aluno.

72

Esta não é uma tarefa fácil para o educador, no entanto, também não

é impossível de ser realizada.

O universo da educação de um aluno com autismo é, deveras,

complexo para ser abordado de forma singela. Toda a pessoa que se forma para

assumir a responsabilidade de ser um educador precisa ser compromissado com

a causa que faz dele um profissional. Porém, o educador que recebe um aluno

com autismo em sua sala de aula necessita exercitar e preservar algumas

características em sua personalidade como parte indissolúvel de seu

compromisso com a educação.

Acredita-se que uma das características indispensáveis do educador

compromissado com a educação é manter-se com uma postura que o abranja

como um todo, isto é, ter uma filosofia de vida que implique sua maneira de ser e

de ver o mundo. Deste modo, reflete-se às ações, tendo sempre em vista o

ensino e a educação da pessoa com autismo, levando-se em conta seu potencial

e habilidades específicas como pontos de partida.

Idealizar como deve ser a educação no país é diferente de preparar

profissionais para efetuarem seu trabalho dentro de uma realidade fria e diferente

do que foi idealizado. A formação do docente não pode acontecer desvinculada

do contexto sócio-cultural que o contorna, não pode ocorrer de forma

fragmentada à realidade vigente. Caso se dê desta maneira, o docente encontrar-

se-á desajustado e inapto para assumir seu posto de educador, pois sua

formação não corresponderá às exigências do real cotidiano.

Pessoas com autismo manifestam dificuldades para manter relações.

Aqui, o termo "relações" abrange desde um determinado indivíduo, objeto e, até

mesmo, determinados momentos ou situações em que se encontram inseridas.

Para tanto, é importante que o aluno tenha previsibilidade dos acontecimentos

diários. Isto não quer dizer que, por um dado motivo, o educador não possa fazer

alterações em seu planejamento. Contudo, em geral, o ser humano sente-se bem

quando é respeitado e aprecia o momento em que é avisado sobre a

impossibilidade de realização de um compromisso, anteriormente, marcado.

73

Um fator de suma importância é a observação constante do educador

para o aluno e seu modo de interagir com os símbolos visuais. Nem todas as

pessoas com autismo manifestam boa tolerância para com esse recurso ou para

com as formas citadas de sua utilização. Logo, seu uso não precisa ser regra

padrão, mas deve ser contextualizado individualmente, objetivando benefícios

para essa pessoa.

De acordo com BEREOHFF (1991), para educar uma criança autista, é

preciso levar em consideração a falta de interação com o grupo, comunicação

precária, dificuldades na fala e a mudança de comportamento que apresentam

essas crianças.

Neste sentido a autora descreve que “é básico que a programação

psicopedagógica a ser traçada para estas crianças, esteja centrada em suas

necessidades” (BEREOHFF, ibidem, s/pág).

A autora em questão diz que há várias técnicas de ensino para

crianças com autismo. Essas técnicas têm o objetivo de prevenir ou reduzir as

deficiências primárias. Desta forma:

“Educar uma criança autista é uma experiência que leva o professor a rever e questionar suas idéias sobre desenvolvimento, educação normalidade e competência profissional. Torna-se um desafio descrever um impacto dos primeiros contatos entre este professor e estas crianças tão desconhecidas e na maioria das vezes imprevisíveis.” (BEREOHFF, op. cit., s/pág).

CUNHA (2010) cita que a criança com autismo é especialmente atraída

por objetos que giram e balançam. O educador deve aproveitar o próprio fascínio

que os objetos exercem e ensiná-la o uso correto. Não deve permitir que

permaneça absorta em seus movimentos repetitivos. Para isso, vai necessitar de

muita paciência e não esperar resultados imediatos. O grande foco na educação

deve estar no processo de aprendizagem e não nos resultados, porque nem

sempre eles virão de maneira rápida e como esperamos.

74

A educação na escola deve ser vivenciada na sala de recursos e na

sala comum com os demais alunos. Normalmente, a concentração para

atividades pedagógicas é muito pequena. Mas ainda que seja exíguo o momento

que a criança permanece concentrada, ele deve ser repetido dia após dia, de

maneira lúdica e agradável, para não haver enfado e irritabilidade. Ela precisa

receber uma educação individualizada, com ênfase na mudança de alguns

comportamentos e aprendizado de outros.

É normal a criança sentir-se desconfortável e intimidada em um

ambiente novo. É normal buscar apoio nas coisas ou movimentos que lhe atraem.

É normal a birra quando alguém a contraria. É normal o medo e a raiva ganharem

proporções traumáticas. O professor tem que aprender a lidar com a realidade do

mundo autista. Nessa relação, quem aprende primeiro é o professor e quem vai

ensinar-lhe é a criança.

Para o aluno com autismo, o que mais importa é a aquisição de

habilidades sociais e a autonomia. Para que a criança não se torne um adulto

incapaz de realizar tarefas simples do dia-a-dia, ela precisa aprender atividades

que a tornará mais independente durante seu crescimento. Essas atividades são

escolhidas em razão da sua utilidade. Escovar os dentes ou vestir-se é

necessário aprender. Entretanto, podem existir atividades ou habilidades

específicas que poderiam ser treinadas, fazendo parte de um currículo funcional e

prático.

Um currículo funcional para a vida prática compreende tarefas que

podem ser administradas, em perfeita sintonia, em casa e na escola, mediante as

etapas que devem ser alcançadas. Cada etapa superada demanda um novo

desafio. Lista-se uma série de afazeres cotidianos que precisam ser realizados. O

que é mais importante aprender naquele momento deverá ser priorizado.

Inicialmente, alguns de maior facilidade até o pleno domínio. Posteriormente,

acrescenta-se uma nova tarefa. Ainda que a criança não aprenda perfeitamente o

que se busca ensinar, ela estará trabalhando sempre a interação, a comunicação,

75

a cognição e os movimentos. Poderá haver mais erros do que conquistas, mas o

trabalho jamais será em vão.

De acordo com CEDES (1989), a fala do professor precisa ser serena,

explicita e sem pressa. Ele deve sempre utilizar comandos de voz, nomeando os

objetos e as atividades. É relevante que os comandos tenham alguma função.

Por exemplo: se o aluno subir na cadeira, poderá não ter sentido para ele o

professor dizer “não faça isso!”, porque nem sempre saberá o que fazer ao ouvir

o “não”. O certo é dar-lhe um objetivo, dizendo: “coloque os pés no chão!”.

Brinquedos pedagógicos ou materiais sensoriais adquirem grande

importância em todo o processo de aquisição de saber. Um exemplo são os

materiais montessorianos de encaixes geométricos, que são articulados em

ordem de tamanho, espessura e peso, utilizados em escolas do ensino comum,

mas que podem ser manipulados por qualquer aluno. Geralmente a criança

autista obedece aos seus próprios esquemas mentais ao realizar os encaixes,

porém, devido ao manuseio das peças que estimulam também a função

cognitiva, aos poucos ela aprende a encaixá-los obedecendo à espessura,

tamanho e peso. O bom material leva o aprendiz a exibir comportamentos e

habilidades que vão variando até atingir formas mais refinadas.

76

CONCLUSÃO

Fica claro que, encorajar os educadores a se tornarem profissionais

reflexivos, proporcionando liberdade para exprimirem seus sentimentos, suas

idéias, expandirem sua criatividade, tomarem decisões a partir de seu

conhecimento e vivência diária com o aluno é fundamental para um processo de

formação reflexiva contínua e de transformação consistente. O espaço para gerar

reflexão é indispensável.

Assim, o educador aprende a refletir-na-ação a partir do instante em

que começa a fazê-lo. Essa atitude permitir-lhe-á perceber, organizar, transformar

e reestruturar suas ações quer sejam a nível intencional, estratégico ou

hipotético. Então, sim, obter-se-á uma educação diferente, não por imposição ou

por modismo, mas apoiada na prática reflexiva de seus professores.

Tal como nos encontramos hoje, fica-nos claro que a formação do

educador não se dá de um dia para o outro. Ela é um processo contínuo e não

acabado que perpetua mesmo após a sua passagem pela academia. Portanto, os

conhecimentos que são construídos e internalizados durante a formação

acadêmica, as práticas reflexivas, o diálogo aberto com os colegas da mesma

profissão ou de outras áreas profissionais, a troca de experiências vivenciadas, o

abrir-se à criatividade, as leituras e estudos complementares, a transformação

consciente de si próprio e de suas ações, a sede pelo saber, a humildade para

aprender com todos, o respeito pelo ser humano e o compromisso com a

escolha, função e ação da profissão docente é que constituem o educador num

processo generoso da vida humana, capaz de modificar-se, provocar

modificações no outro, modificar o próprio ambiente e, assim, modificar as

estruturas de um país.

Neste caminho percorrido junto aos educadores e aos alunos,

acentuou-nos a realidade de que o conhecimento científico é produto de um

processo de construção coletiva. Pois, como pesquisadores, inserimo-nos no

contexto histórico e social dos sujeitos e juntos descobrimos caminhos e

77

alternativas de trabalho que implicam em transformações profundas, tanto na vida

dos alunos com autismo como em nossas próprias vidas.

Para o ensino superior fica este mesmo desafio: gerar inquietações

que provoquem a busca de respostas para a superação de si mesma, enquanto

formador do futuro profissional docente que, a partir dos conhecimentos

adquiridos e vinculados com a experiência pessoal e coletiva, venha a se

transformar para proporcionar transformações ao outro. Tais desafios podem ser

apresentados pela imersão na pesquisa e na ação.

Ainda não encontramos a linha finita deste horizonte. Este é um dos

braços de um grande rio que desemboca no oceano. Colocar um ponto final

neste trabalho é impossível e contraditório a nossos princípios norteadores. O

conhecimento não tem limites. Muitas interrogações sobre as possibilidades e o

modo de educar-se uma pessoa com autismo continuam aflorando.

Esperamos que este trabalho colabore para suscitar críticas e

questionamentos a outros profissionais, com o propósito de dar continuidade a

investigação a respeito do aluno com autismo e sobre a prática docente voltada

para o objetivo de educá-lo e inseri-lo nas atividades sociais. Também desejamos

que nossa experiência evidencie a relevância da ação reflexiva para o profissional

docente no seu cotidiano.

E tal como Reuven Feuerstein, insistimos que "a mudança é a

característica mais estável dos seres humanos" (Apud ORRÚ, 2010, p. 80).

Quanto aos nossos alunos, podemos dizer que continuam nos

desafiando dia após dia. Não cabe a este trabalho narrar ou discutir os resultados

já constatados nesse processo de ensino e aprendizagem pelo qual estamos

passando. Apenas podemos aguçar curiosidades sobre os desafios e surpresas

que cada um deles nos têm proporcionado. Cabe a nós, educadores, a entrega

de nós mesmos à paixão de conhecer melhor nossos alunos. Esta paixão que

supera as barreiras e abrilhanta os olhos é redimensionada para o sorriso que

atrai os alunos ao profissional docente.

78

BIBLIOGRAFIA

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SZABO, C. Autismo - um Mundo Estranho. São Paulo. Edicon, 1999.

80

ÍNDICE FOLHA DE ROSTO 2 AGRADECIMENTOS 3 DEDICATÓRIA 4 RESUMO 5 METODOLOGIA 8 SUMÁRIO 9 INTRODUÇÃO 10

O AUTISMO: DO PONTO DE VISTA PSICOPEDAGÓGICO

CAPÍTULO I

A problemática do autismo e as teorias segundo os pontos de vista da psicologia e da medicina 13 1.1 – Definição conceitual do espectro do autismo 13

1.2 – Linhas de pensamento sobre a síndrome do autismo 18

1.3 – Desenvolvimento teórico do autismo 20

1.4 – Outras teorias alternativas 23

1.5 – Diagnóstico das perturbações relativas ao autismo 27

CAPÍTULO II

O autista nos contextos pedagógico, educacional e cognitivo e a sua convivência nos vários círculos sociais 33 2.1 – Aspectos inerentes ao desenvolvimento da criança com autismo 33

2.2 – Desmistificando a síndrome do autismo 41

2.3 – Buscando qualidade de vida 44

2.4 – Caracterização da realidade pedagógica 47

CAPÍTULO III

O processo pedagógico para a integração e o desenvolvimento do autista na sociedade 52 3.1 – A LDB e o seu relacionamento com a educação especial 52

3.2 – Educação Especial: Algumas implicações 54

3.3 – Formação do educador no curso de pedagogia: A educação especial 55

3.4 – Propostas educacionais para o autista 59

3.5 – Os métodos de ensino para a escolarização do aluno autista 63

3.6 – A formação de professores e a educação de autistas 68

CONCLUSÃO 76 BIBLIOGRAFIA 78 ÍNDICE 80 FOLHA DE AVALIAÇÃO 81

81

FOLHA DE AVALIAÇÃO

Nome da Instituição: Universidade Cândido Mendes – Projeto A Vez do Mestre.

Título da Monografia: O autismo: Do ponto de vista psicopedagógico

Autor: Carolina Pacheco Monteiro

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