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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA
SÃO PAULO 2011
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MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO MESTRADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Bandeirante de São Paulo para a obtenção do título de Mestre em Educação Matemática. Orientador: Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado.
SÃO PAULO 2011
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AUTORIZO A REPRODUÇÃO E DIVULGAÇÃO TOTAL OU PARCIAL DESTE TRABALHO, POR QUALQUER
MEIO CONVENCIONAL OU ELETRÔNICO, PARA FINS DE ESTUDO E PESQUISA, DESDE QUE CITADA A
FONTE.
FICHA CATALOGRÁFICA
Barreto, Maria das Graças Bezerra. A formação continuada de matemática dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e seu impacto na prática de sala de aula / Maria das Graças Bezerra Barreto. -- São Paulo: [s.n.], 2011. 194f.: il.; 30 cm. Monografia (Pós-Graduação) – Universidade Bandeirante de São Paulo, Curso de Educação Matemática. Orientadora: Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado 1. Educação Matemática 2. Formação de Professores 3. Contagem I. Título.
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MARIA DAS GRAÇAS BEZERRA BARRETO
A FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA DOS PROFESSORES DOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL E
SEU IMPACTO NA PRÁTICA DE SALA DE AULA
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Bandeirante de São Paulo para a obtenção do título de
Mestre em Educação Matemática
_______________________________________________________ Profª. Dra. Maria Elisabette Brisola Brito Prado (Orientadora)
Universidade Bandeirante de São Paulo __________________________________________________________
Profª Dra. Maria Tereza Carneiro Soares (Membro Externo) Universidade Federal do Paraná
_________________________________________________________
Profª Dra. Angelica Fontoura Garcia Silva (Membro Interno) Universidade Bandeirante de São Paulo
Biblioteca
Bibliotecário: _____________________________________________
Assinatura: __________________________ Data: ___ / ___ / 2011
São Paulo, ___ de ________________ de 2011
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Ao meu amado e amigo Gustavo e aos meus queridos
filhos, Alessandro, Sheila, Marcelo e Vinicius, minhas
fontes de amor, compreensão e alegria.
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Agradecimentos
À Professora Maria Elisabette Brisola Brito Prado minha eterna gratidão pela sua dedicação, incentivo, exigência, paciência e carinho com que me ensinou e se tornou em pouco tempo uma grande amiga. Às Professoras Maria Tereza Carneiro Soares e Angelica Fontoura Garcia Silva pela dedicação na leitura e pelas valiosas sugestões oferecidas no exame de qualificação. Ao corpo docente do Programa de Estudos de Pós-Graduação em Educação Matemática, que contribuíram de alguma maneira para ampliar o meu aprendizado, sobretudo, Nielce Meneguelo Lobo da Costa, Ruy Cesar Pietropaolo, Vera Helena Giusti de Souza, Maria Helena Palma de Oliveira e Veronica Yumi Kataoka. À reitoria da Universidade Bandeirante de São Paulo pela bolsa que custeou parte desse trabalho. À amiga Suzete de Souza Borelli, companheira de estudos, trabalhos e incentivadora para a realização desta pesquisa. À grande amiga Ana Maria Gentil, companheira de estudos, pela leitura dedicada e sugestões carinhosas. À querida e grande amiga Marisa Silvestre Moura, amiga nos melhores e piores momentos da minha vida, que apesar de não concordar, respeita meus quereres, é e será sempre meu porto seguro. À Maria Isabel de Souza Santos, Diretora da Divisão de Orientação Técnica de São Miguel Paulista, por permitir a realização da pesquisa. Às Coordenadoras Pedagógicas, pela acolhida carinhosa e pela disposição em ajudar. Às queridas sete professoras, amigas e colaboradoras, peças-chave para o desenvolvimento desta pesquisa. Às amigas, Rosa, Silvana, Denise e Conceição, que me apoiaram direta e indiretamente. À Carmen Valéria de Andrade Barreto, pelo carinho a mim dispensado e competência com que revisou o texto. Aos meus pais João e Julia, mesmo ausentes, muito presentes na minha vida e no meu jeito de ser. À Tia Wilma, meus familiares e amigos, dos quais precisei me afastar para poder me dedicar integralmente ao mestrado.
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“Ando devagar porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz, quem sabe só levo a certeza
de que muito pouco sei, ou nada sei. [..] Cada um de nós compõe a sua história
Cada ser em si carrega o dom de ser capaz e ser feliz”. (Almir Sater e Renato Teixeira)
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A Formação Continuada de Matemática dos professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental e seu impacto na prática de sala de aula
RESUMO
Essa investigação teve como objetivo analisar os aspectos da Formação Continuada de Matemática de forma a compreender as relações dessa formação com os processos de mudança das práticas dos professores. Para esse fim, foi realizado um revisitar ao espaço da escola, com o propósito de identificar o que impulsiona o professor dos anos iniciais a superar suas dificuldades e/ou medos da Matemática e conseguir reconstruir sua prática. A pesquisa, de natureza qualitativa, foi realizada com sete professoras que ensinam Matemática em quatro escolas municipais de São Paulo. Para o levantamento de dados foram aplicados questionários e entrevistas semiestruturadas, utilizadas as narrativas sobre a trajetória profissional e os registros de acompanhamento e observação da prática e dos encontros de formação continuada ocorridos na escola. A investigação pautou-se em estudos teóricos centrados nos conceitos de Nóvoa, Imbernón, Ponte, Serrazina, Alarcão e Tardif que abordam, a formação continuada dos professores na perspectiva reflexiva de Schön e Zeichner, bem como as ideias de Shulman e Ball sobre o conhecimento do conteúdo matemático. Especificamente, foram enfatizadas as ideias de Vergnaud, Nunes e Bryant, Lerner e Sadovsky, Brizuela e Panizza sobre o ensino e a aprendizagem do Sistema Decimal de Numeração e o uso das estratégias de contagem por meio de problemas. Os resultados desta pesquisa confirmaram que as professoras foram mostrando de forma gradativa indícios de mudança no discurso e na prática, ampliando a compreensão de como se aprende e como se ensina Matemática. Foi possível constatar que a participação na formação propiciou uma prática diferenciada do anteriormente praticado, demonstrando estarem mais atentas com a aprendizagem dos alunos e preocupadas em investigar como eles pensam e sabem os conteúdos matemáticos. No processo de formação na escola ficou evidenciado que, para provocar mudanças, é preciso que o papel do formador adquira um novo aspecto, envolvendo saberes culturalmente abrangentes, apresentando domínio do conhecimento matemático, demonstrando facilidade em transitar pelos diferentes conhecimentos e reconhecendo as especificidades desse professor, um aprendiz, e ao mesmo tempo, um profissional prático. Nesse sentido, o formador deve assumir o papel de parceiro avançado, avanço em conhecimentos de Matemática, de Didática, de Psicologia, de Didática da Matemática e de Educação Matemática. Enfim, um formador que reconheça a formação como um palco onde os atores possam experienciar situações reais, desvelar seus saberes e se envolver com os prazeres das descobertas que os saberes matemáticos provocam uma dialogicidade entre o ensinar e o aprender. Palavras-chave: Educação Matemática. Formação de Professores. Sistema de Numeração Decimal. Contagem. Mudança nas Práticas.
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Mathematics Continuing Education for initial year’s teachers and its impact on classroom practices
ABSTRACT
This investigation aimed to examine aspects of the Mathematics Continuing Education for teachers in order to understand the relationship of this education with the process of changing teacher’s practices in public schools of São Paulo city, Brazil. Envisioning this, there was a revisit to the school space, in order to identify what drives the teacher of the initial years to overcome their difficulties and/or fears of mathematics and be able to reconstruct their practice. The research, qualitative in nature, was conducted with seven teachers who teach mathematics in the early years in four municipality schools. Questionnaires and semi-structured interviews were used to survey data, as well as the narratives of professional life and the records of observance of continuing education meetings, which took place in the school, and the following classroom practice. The research was based on theoretical studies focused on the concepts of Nóvoa, Imbernón, Ponte, Tardif, Serrazina and Alarcão which addresses on the continuing education for teachers in Schön and Zeichner's reflexive perspective, as well as Shulman and Ball's ideas about knowledge of the mathematical content. Specifically, we emphasize the ideas of Vergnaud, Nunes and Bryant, Lerner and Sadovsky, Panizza and Brizuela on teaching and learning decimal number system, as well as counting strategies through mathematical problems. The results confirmed that teachers did gradually change their classroom practices, widening their understanding of how to learn and teach mathematics. It was found that the continuing education provided an improved practice, a more attentive and investigative approach to the student’s way of thinking and knowing mathematics. In the meetings that took place at the school space, it did become evident that, to induce those changes, a new continuing education instructor complexion is needed. A complexion that shows mastery and easy transit in the midst of the mathematical knowledge and content, one that recognizes the dual nature of their pupil-teacher, being an apprentice and a functional professional at the same time. Thus, the continuing education instructor should take the role of an advanced partner, advanced in the mathematical knowledge, didactics, psychology, mathematical didactics, and mathematical education. Finally, an instructor who thinks of continuing education as a stage on which actors can experience real situations, to reveal their knowledge and engage with the pleasures of the discoveries that mathematical knowledge provokes, a dialogue between the teaching and learning. Keywords: Mathematics, continuing education, Problem solving, counting, practices
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LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 1: Conjunto de formas geométricas. Arranjo A. 76
Figura 2: Conjunto de formas geométricas. Arranjo B. 76
Figuras 3 e 4: Sondagem de números de março/2011 126
Figura 5: Detalhe da figura 6. Números coringa 127
Figura 6: Números coringa 128
Figura 7: Aluno C 129
Figura 8: Aluno D 129
Figura 9: Aluno E 129
Figura 10: Aluno F 129
Figuras 11 e 12: Contagem da Coleção de Tampinhas 134
Figuras 13 e 14: Tabela e gráfico da atividade “Eu sou assim...” 136
Figuras 15 e 16: Gráficos da atividade “Eu sou assim...” 136
Figura 17: Jogo de Trilha 138
Figura 18: Contagem de coleções fixas 139
Figuras 19 e 20: Representação pictórica e contagem na solução dos
problemas 148
Figura 21: Contagem na solução de problemas. Mãozinha. 149
Figuras 22 e 23: Contagem na solução de problemas com estrutura aditiva. 150
Figuras 24 e 25: Representação icônica na solução de problemas. 152
Figura 26: Movimento pendular entre os saberes. 164
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LISTA DE TABELAS E QUADROS
Quadro 1 CRONOGRAMA DE PESQUISA – DRE- SMP.................................... 97
Quadro 2 Perfil dos atores da formação.............................................................. 117
Quadro 3 Análise de sondagem de números de março/2011............................ 129
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SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ................................................................................................................. 13 CAPÍTULO 1.......................................................................................................................... 16
HISTÓRIA DE UMA FORMAÇÃO ..................................................................................... 16 CAPÍTULO 2.......................................................................................................................... 24
PERGUNTAS QUE NÃO SE CALAM... ............................................................................ 24 CAPÍTULO 3.......................................................................................................................... 39
REFLEXÕES À LUZ DA TEORIA: SABERES DOS PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA ................................................................................................................... 39 3.1 NORMAL, MAGISTÉRIO OU PEDAGOGIA: ESPAÇO DE SER E FORMAR-SE PROFESSOR..................................................................................................................... 42 3.2 FORMAÇÃO CONTINUADA DE MATEMÁTICA: EXPLORAÇÃO E DESCOBERTAS50 3.3 PROBLEMAS A RESOLVER: CONTA, RECONTA, REVELA E DESVELA OS NÚMEROS ......................................................................................................................... 67
3.3.1 Da recitação à contagem: um resgate didático ..................................................... 73 3.3.2 Resolver Problemas: o conta e reconta................................................................. 78
CAPÍTULO 4.......................................................................................................................... 84 INVESTIGAÇÃO NA ESCOLA: UMA DINÂMICA DE AÇÃO E REFLEXÃO ................... 84 4.1 FORMAÇÃO CONTINUADA: UM DESPERTAR INVESTIGATIVO DA PRÁTICA DE SALA DE AULA.................................................................................................................. 85 4.2 LER E ESCREVER – CONHECENDO OS DOCUMENTOS OFICIAIS DE MATEMÁTICA.................................................................................................................... 89 4.3 PROJETO INTENSIVO NO CICLO I – PIC.................................................................. 90 4.4 GUIA DE PLANEJAMENTO E ORIENTAÇÕES DIDÁTICAS PARA O PROFESSOR DO 2º, 3º E 4º ANOS – CICLO I ........................................................................................ 91 4.6 CADERNOS DE APOIO E APRENDIZAGEM - MATEMÁTICA................................... 93 4.7 UM CAMINHO DE INDAGAÇÃO: FORMAR, OBSERVAR E TRANSFORMAR.......... 95 4.8 FORMAÇÃO NO ESPAÇO DE FORMAÇÃO – A ESCOLA ...................................... 100 4.9 NARRANDO CONVERSAS E HISTÓRIAS DE VIDA DE PROFESSORAS QUE ENSINAM MATEMÁTICA ................................................................................................ 101
CAPÍTULO 5........................................................................................................................ 118 ESCOLA - ESPAÇO DE FORMAÇÃO DA/PARA PRÁTICA.......................................... 118
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................ 160 REFERÊNCIAS ................................................................................................................... 167 ANEXOS .............................................................................................................................. 176
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APRESENTAÇÃO
Para melhor compreensão do caminho percorrido por esta pesquisadora, no
Capítulo 1 será encontrado um breve histórico de minha trajetória profissional como
professora de matemática e, posteriormente, como formadora de matemática para
professores que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Momentos diferentes, mas complementares, permitiram tecer minhas crenças e
consolidar minhas verdades no delinear de um caminho envolto por concepções e
valores. Tais momentos desencadearam reflexões e indagações que deram
propulsão e ritmo a esta investigação. No capítulo 2, elucidarei como as questões que brotavam em minha mente e
dinamizavam o meu pensar transformaram-se em objetivos norteadores de metas a
serem alcançadas. O sustentáculo da análise e da argumentação foram as
pesquisas mais significativas dos últimos tempos, que apresentavam uma
preocupação com os saberes matemáticos, a identidade, a trajetória profissional dos
professores que ensinam matemática, bem como a qualidade de sua formação
inicial e continuada com relação ao ensino desta disciplina. A constatação da falta
de pesquisadores matemáticos, que demonstrem interesse pela qualidade do ensino
de matemática realizado por estes professores, tornou-se um alerta de grande
importância a ser considerado pelo mundo acadêmico. Constatei também a
ausência de estudos envolvendo formação de formadores desses professores e
sobre o currículo de matemática que permeia o fazer do professor e o aprender
daqueles que, em um amanhã bem próximo, serão profissionais em nossa
sociedade. As pesquisas apresentadas fortaleceram a certeza de que o caminho
traçado era seguro e promissor sobre a importância de um estudo mais aprofundado
sobre a importância do Sistema de Numeração Decimal e da contagem imbricados
ao resolver problemas, e vice-versa, a importância de resolver problemas para
desvendar os segredos das leis que governam os números decimais. Este assunto
despertou o interesse de algumas investigações, mas parece ainda suscitar de muita
investigação na e da prática que estão ocorrendo nas escolas.
No capítulo 3, apresentarei o embasamento teórico que elucidou e delineou
meu caminho investigativo. Um universo de estudos e investigações acadêmicas
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das últimas décadas que colocaram-me diante de ideias e análises de Nóvoa, Tardif,
Schön, Imbernón, Ponte e Alarcão, autores que colaboraram para a análise objetiva
da prática do professor na escola, sua reflexão e sua formação. Para destacar a
importância da formação voltada para a realidade escolar e as práticas ali
estabelecidas, abrandei minha sede de saber nos estudos realizados de Serrazina,
Fiorentini, Nacarato e Pimenta. A análise subjetiva, que envolveu uma escuta atenta,
um olhar sensibilizado e relações acolhedoras, foi reforçada e justificada em
pensares filosóficos, estudos reflexivos e teorias advindas de Paulo Freire, Rubens
Alves, D’Ambrosio, Morin, Vergnaud, Nunes e Bryant, Lerner e Sandovsky,
Teberosky, Brizuela, Panizza, Moreno, Machado, Soares e Pinto, entre outros.
No capítulo 4, contarei os caminhos percorridos pela Formação Continuada
de Matemática para os professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental da
DRE São Miguel Paulista, da Secretaria de Educação de São Paulo, com relação
aos saberes produzidos, aplicados e narrados pelos participantes. Envolveu também
o delinear da concepção que fundamenta os documentos oficiais utilizados por
esses professores. Esse processo desafiador e motivador despertaram nesta
formadora a curiosidade em saber como estavam as práticas de sete professoras
pertencentes a um dos grupos de formação continuada e deu a oportunidade para a
realização de uma formação continuada de matemática no ambiente escolar.
Formação essa que ocorreu durante os horários coletivos de estudos dos
professores, nos quais estavam as sete professoras envolvidas, e o desenrolar da
pesquisa abarcou observação de sala de aula e intervenção da
formadora/pesquisadora. Sobre a visita à escola narrarei os estudos de matemática
desencadeados pelas necessidades de cada grupo-escola, a organização das
atividades investigativas e as ações observadoras reflexivas sobre a prática.
No capítulo 5, trarei a análise do papel desempenhado e o caminho percorrido
por esta pesquisadora/formadora de professores. Foram momentos importantes de
análise e reflexão e a oportunidade de verificação na prática das teorias defendidas
com clamor pela formadora. Vivenciei papéis que se entrelaçam, difíceis de separar,
em um misturar e confundir. Para observar melhor esses papéis foi necessário um
afastamento sem contaminação, ação privilegiada da pesquisadora. Um afastar
temporário da formadora, atenta e desafiadora quando provoca e aprende com as
professoras e que, ao mesmo tempo, investiga quando observa e interpreta cada
passo dado por cada uma delas.
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Na conclusão final, será apresentado o resultado de minha pesquisa,
envolvendo não só as dificuldades, os desafios e as conquistas encontrados nas
práticas das sete mulheres, professoras que ensinam matemática nos diferentes
contextos, mas também retratarei as dúvidas que surgiram sobre essa inusitada
experiência que se mostrou, ao mesmo tempo, rica em dados e necessitada de
outros olhares investigativos e acolhedores.
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CAPÍTULO 1
HISTÓRIA DE UMA FORMAÇÃO
Esse capítulo apresenta um caminho repleto de crenças, saberes e diferentes
quereres que foram constituindo e sendo constituídos a cada observação, a cada
novo conhecimento. Este processo foi gradativamente evoluindo frente aos desafios
enfrentados, estudos do como ensinar matemática e como se dá o aprender
matemática, a cada novo conhecimento teórico-prático e, principalmente, do como
organizar um espaço de reflexão do/sobre o “fazer matemática” na sala de aula.
Este processo, que foi sendo desenhado com traços constituídos por erros e
acertos, alinhavado com incertezas, numa proporcionalidade muito maior que as
certezas, costurado com a agulha do acreditar que todos aprendem matemática e
transpassado pela linha da cor da luta por uma educação mais igualitária é que foi
urdindo a tessitura da minha trajetória profissional.
Desde 1990, venho realizando encontros de formação continuada de
professoras do Ensino Fundamental e Médio que ensinam matemática nas redes
públicas e particulares de várias cidades de São Paulo e de todo o Brasil.
Durante essa minha trajetória profissional, tenho encontrado professores dos
anos iniciais do Ensino Fundamental, denominado na Prefeitura de São Paulo de
Ciclo I. Estes professores, ao serem questionados sobre sua relação com a
Matemática declararam que, sem sombra de dúvida e sem titubear, não gostavam
dessa disciplina. Afirmaram também que a opção pelo Magistério ou Pedagogia
ocorreu para fugirem de suas garras, como se desconhecessem o fato de não só
terem que estudá-la e também ensiná-la a seus alunos.
Na busca de compreender essa aversão apresentada pelos professores e por
muitos alunos, tenho pesquisado que os motivos para essa relação conflituosa
provêm de diversos fatores. Segundo Davis e Hersh (1988), o fato de a Matemática
ser utilizada como filtro social para a seleção de alunos e profissionais pode ser um
dos motivos. Apontam a atitude contraditória do professor de Matemática dizendo
“para quem ama a Matemática, ensinar Matemática deveria ser uma festa”, (p.108) o
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que nos ajuda a compreender a postura de sedução pessoal e êxtase particular e
solitário de alguns professores frente à Matemática. Sem compartilhar esse
momento mágico com os alunos, abre-se um abismo na relação professor-
aprendizagem-aluno e colabora-se para que a maioria dos “alunos sintam pouca
atração pela Matemática” (p.108 ).
Por outro lado, Sztajn (2002) em um ato de recordação de seus professores,
faz referência a um em especial, bem humorado, que falava baixinho e quando
escrevia no quadro celebrava sua “festa matemática para um indivíduo apenas”.
Cobria-o “com exercícios, com demonstrações incríveis e com problemas que ele
decidia inventar ali na hora” (p. 17) e todos os conteúdos apresentados giravam em
torno da sua escolha, “criando novos eixos, reescrevendo as equações”. Este
parece ser um exemplo perfeito do modelo de professor de Matemática apontado
pela maioria dos professores dos anos iniciais. No entanto, podemos encontrar
também professores apaixonados por esta área de ensino, que mostram como os
conhecimentos da disciplina fazem parte do nosso cotidiano e até apresentam como
utilizá-los em aplicações mais complexas. Porém, esta atitude mais dinâmica parece
ainda ser insuficiente para proporcionar um ensino que ajude seus alunos a se
apropriar da linguagem matemática, utilizando-a para compreender e transformar a
realidade em que estão inseridos.
Apesar de encontrar diversos estudos e pesquisas sobre o processo de
ensinar e o processo de aprender Matemática, elas me levaram a refletir sobre “o como” a Matemática é ensinada nos anos iniciais. As múltiplas dificuldades e lacunas do aprender do professor têm aprofundado cada vez mais o abismo de
incertezas no seu ensinar e reproduzem um grande vale de dúvidas no seu
aprender, verbalizada e demonstrada durante as formações.
Será que a lacuna deixada permite que se perpetue o privilégio atribuído a
algumas pessoas serem consideradas como “as escolhidas” por gostarem e
compreenderem com certa facilidade alguns conteúdos matemáticos? São esses
indivíduos “especiais” que acabam sendo definidos socialmente como “sábios” ou
“os melhores”, título validado pelo ensino de muitos professores especializados
nesta área de conhecimento e pelo uso como filtro social das avaliações
classificatórias em seleções muito concorridas.
O desabafo dos professores que ensinam matemática nos anos iniciais tem
repercutido em forma de eco no contexto dos encontros de formação em que atuei e
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atuo. O depoimento desses professores tornou-se a alavanca impulsionadora do
meu refletir e da busca por novos estudos e caminhos alternativos que
colaborassem com eles para a apropriação dos conteúdos a serem ensinados e a
compreensão da trajetória percorrida por cada aluno em sua aprendizagem.
Considero esta busca mais um desafio que vem se somar a outros que tive
em minha vida pessoal e profissional: trilhei diferentes caminhos, enfrentei
obstáculos, estudei e levantei hipóteses e busquei soluções possíveis de serem
colocadas em prática.
Em 1985, fui eleita coordenadora pedagógica de uma escola municipal de
São Paulo, onde eu exercia até aquele momento o papel de professor de
Matemática. Já nessa época, buscava grupos de formação e estudos que
trouxessem reflexões sobre abordagens diferenciadas para ajudar o aluno a
aprender Matemática, principalmente aqueles que tinham muitas dificuldades. Ao
lidar com alunos que guardavam na memória um caminho de insucesso e
frustrações matemáticas veio a certeza do quanto a minha formação inicial havia
sido precária. Eu me sentia à deriva frente a tantas dificuldades encontradas na
minha prática de sala de aula. Tinha de lidar diariamente com as diferenças de
conhecimento apresentadas pelos alunos, as convicções do desconhecimento e a
consciência intensificada pelo discurso – “você nunca vai saber fazer, pois não faz
nada certo”, ouvido no decorrer dos anos de escolaridade, e também as frustrações
envolvidas pelo cansaço ao lidar com o mito historicamente constituído que abrange
o acertar e o errar nas aulas de matemática.
Essa provocação causada pelo caos pedagógico encontrado na escola
particular e pública possuía uma temporalidade especial, movimentando-se em um
tempo que desconhecia lentidão, que desconhecia passividade, acomodação. Um
tempo que exigia decisões rápidas, novos valores, novas parcerias para novos
estudos que permitiram um mergulho nos mistérios que a Matemática encerra e o
construir de uma nova estrada na qual ela pudesse ser apresentada aos alunos de
uma forma mais agradável, clara, inteligível e palpável. Um ensinar que dialogasse
com o aprender dos alunos, um verdadeiro processo dialógico.
Em 1990, participei de uma seleção no Núcleo de Ação Educativa – NAE 2,
zona norte da cidade de São Paulo, para exercer, em caráter comissionado, a
função de supervisora de ensino. Nessa ocasião, também tive o prazer de participar
de um grupo de estudo de professores que tinha como tarefa implantar o Projeto de
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Interdisciplinaridade nas unidades daquela região. Esse grupo participava de
encontros semanais na Divisão de Orientação Técnica – DOT - Ensino
Fundamental, para estudar e discutir a formação matemática dos professores do
município de São Paulo. O grupo teve a orientação do então Secretário da
Educação na época, o ilustre Prof. Paulo Freire, em encontros mensais. Foi uma
experiência única, reflexiva, dialógica.
Após alguns anos, pude compreender o verdadeiro sentido da palavra
dialogicidade, ao ouvir embevecida o Prof. Paulo Freire (1990) envolvido por uma
cálida serenidade ao falar, que lhe era peculiar, e pela segurança de um mestre que
pratica com seus discípulos a teoria que defende. Ele explicava pausadamente,
mastigando cada palavra: “É o diálogo onde os dois lados sabem ouvir e estão
dispostos a falar”. É um momento de cumplicidade, no qual cada um se envolve
numa escuta disposta a compreender o que o outro está falando. O saber ouvir
implica momentos intermediários de silêncio, sem pressa, sem atropelo. O saber
falar envolve a compreensão do poder de silenciar, da intenção de complementação,
de ampliação. Muitas vezes, concluía a conversa afirmando convicto que era a favor
“do sonho, da utopia, da liberdade de quem recusa a acomodação e não deixa
morrer o gosto de ser gente”. Esta experiência marcou profundamente o meu gosto
de “ser gente” que lida com gente, que muitas vezes calou a fala do outro, pois
assim era mais fácil se impor, e que, a partir daquele momento, aprendeu a ouvir e a
degustar o silêncio para poder falar.
Em 1996, recebi um convite para trabalhar na DOT – Ensino Fundamental
para atuar na formação continuada de professores e participar da elaboração de
documentos curriculares que norteariam o trabalho nas escolas da rede municipal da
cidade de São Paulo.
Em 2005, ao me aposentar, dei continuidade ao trabalho que fazia na
elaboração de material de Matemática, que compunha o Programa Ler e Escrever Prioridade na Escola Municipal1.
A Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, desde 2007, vem
apresentando, em seu projeto de ação para implementar este Programa, momentos
pontuais de formação continuada para os professores de Ensino Fundamental Ciclo 1 Programa Ler e Escrever Prioridade na Escola Municipal é um conjunto de livros destinados aos anos iniciais do Ensino Fundamental, intitulados Guias de Planejamento e Orientações Didáticas para o professor de 2º, 3º e 4º anos e o Projeto Intensivo do Professor no Ciclo I, para alunos e professores dos 3º e 4º Anos.
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I, nas áreas de Matemática e Língua Portuguesa. Este projeto envolveu encontros
de Formação Continuada de Professores que ensinam Matemática e Coordenadores
Pedagógicos e fui formadora em duas Diretorias Regionais de Educação - DRE (São
Miguel Paulista e Penha). Os percursos compartilhados nos encontros de formação
de professores da DRE São Miguel Paulista deram origem ao contexto da minha
pesquisa. Durante dois anos, fui formadora no Projeto de Formação Continuada, no qual
pude observar que, quando ela ocorre de forma centralizada envolvendo uma maior
abrangência de escolas, é muito mais difícil obter um conhecimento real do impacto
ou da mudança de postura do professor na prática de sala de aula. Pensar uma
formação que atenda a necessidades dos professores com relação à área de
conhecimento e, ao mesmo tempo, garantir uma nova postura na sala de aula eram
grandes desafios a serem vencidos a cada término dos encontros.
O fato era que a exigência de um relatório escrito, reflexivo no qual
esperávamos que seriam descritos todos os momentos do processo de ensino e de
aprendizagem, os diferentes procedimentos apresentados por alguns alunos, os
“erros” apontados por outros no entanto, não cumpria sua função. O relatório
produzido era simples, básico, sem muitos detalhes ou descrições. Ao lê-los, não
conseguia apascentar os devaneios que instigavam a minha curiosidade a respeito
do que havia acontecido na sala de aula de cada uma daquelas professoras: “De
que maneira foram realizadas as atividades propostas?”, “Como a professora
organizou e planejou a aula?”, “Quais consignas foram pensadas?”, “Que
intervenções foram praticadas?”, “Em quais momentos?”.
Essas questões provocavam novas inquirições silenciosas e reflexivas acerca
do caminho, sobre o “como” a formação deveria transcorrer, a fim de sensibilizar o
professor a valorizar cada vez mais os caminhos preciosos de sua prática. Como
muni-lo para que pudesse se sentir capaz de perceber e interpretar o pensar, o
fazer, o agir e reagir, o falar e o silenciar dos alunos? Como transformar seu olhar e
seu ouvir para que estejam atentos e esta atenção facilite o registro de cada
movimento, de cada descoberta e de cada fala ocorrida neste espaço precioso e
produtivo, a sala de aula.
Como as questões não encontravam respostas nos relatos e relatórios,
continuam a “pulular” em minha mente novas indagações: “Como posso conquistar-
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lhes a confiança para que possam vencer as dificuldades e a vergonha de se despir
pedagogicamente e relatar oralmente e por escrito aulas reais de matemática?”.
Nas reuniões de organização e estudo na DOT, ocorriam discussões muito
interessantes sobre essas questões, mas não suficientes para provocar avanço. A
metodologia do projeto propunha reflexão e vivência pelo professor dos diferentes
momentos de sala de aula. Inicialmente realizavam sequências de atividades nas
quais o seu pensar e fazer a matemática eram colocados em evidência.
Posteriormente, refletiam em grupo sobre cada dificuldade apresentada e,
finalmente, era feito o fechamento com a apresentação dos estudos mais recentes
sobre os procedimentos e intervenções necessários para uma aprendizagem mais
consciente.
As questões e as reflexões sobre o caminho percorrido permeavam os
encontros como se fossem nimbos ou nuvens escuras prestes a se desmanchar em
chuvas. Isso ocorria, embora os professores, durante a formação, estivessem sendo
levados a apurar seus olhares para que percebessem e aproveitassem todos os
momentos relevantes durante a realização das atividades pelos alunos e
convencidos a observarem atentamente o desempenho de cada aluno no grupo
durante a circulação pela sala de aula.
No decorrer dos encontros, os professores cada vez mais narravam
oralmente com entusiasmo as diferentes soluções apresentadas pelos alunos para
uma determinada situação-problema, mas continuavam a esconder suas
dificuldades, a camuflar seus medos, a disfarçar suas inseguranças e receavam,
ainda, explicitar suas dúvidas.
O silêncio recaía sobre suas posturas. Muitas vezes, sua presença no
encontro de formação era silenciosa e pouco participativa.
Tanto nas falas dos grupos durante a realização das tarefas e, muitas vezes,
na ausência de vozes frente aos questionamentos propostos, era possível perceber
as falhas advindas da formação inicial. Elas eram explicitadas, muitas vezes,
durante a conceituação dos conteúdos ou nos procedimentos apresentados como
solução e certamente compreendidos de forma inadequada.
Esta lacuna é um fator preponderante que acentua as dificuldades no ensino
de muitos dos conteúdos de Matemática, principalmente nos procedimentos
utilizados para resolverem problemas. Dificuldade essa que se sobressaía tanto
durante a realização das atividades no decorrer da formação, quanto nas aplicações
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22
em sala de aula das atividades sugeridas como tarefas que, no encontro seguinte,
deveriam ser trazidas e compartilhadas no grupo durante as reflexões.
No momento de retomada da “teoria aplicada à prática” eu percebia muitas
vezes que as tarefas acabavam sendo encaminhadas de forma inadequada, e não
atingiam os objetivos propostos. Este fato fez ressurgir novas dúvidas a respeito dos
encaminhamentos realizados durante as atividades em sala de aula e sobre a
validade das tarefas propostas durante a formação.
Dando margem a novas ponderações, surgiu um questionamento: as
dificuldades, dúvidas e incertezas desses professores teriam origem na história de
cada um, com relação à Formação de Matemática durante a Educação Básica e
nos cursos de Pedagogia e/ou na ausência de discussões conjuntas sobre a
disciplina em questão no espaço escolar? Seriam esses fatores motivos
preponderantes na redução da quantidade de aulas de Matemática apresentados na
rotina da sala de aula, principalmente nos anos iniciais do Ensino Fundamental?
Essa situação também foi constatada por Serrazina (2009)2: os professores
participantes dos encontros de formação coordenados por ela deixavam fora de sua
sala de aula o resultado das reflexões realizadas sobre o ensinar matemática
baseado em estudos inovadores. Os professores que participaram da formação só
voltavam a procurá-la, ou se interessavam pelos procedimentos que exploravam a
forma de ver, pensar e calcular dos alunos através de boas atividades, quando seus
alunos iam participar de avaliações institucionais onde seriam checados os
procedimentos e saberes de cada um.
A professora Serrazina enfatizou que alguns professores, muitas vezes,
participavam da formação continuada apenas para ampliar seu conhecimento, mas
não tinham nenhuma intenção de transformar a própria prática. Afirmou confiante
que, para que isso ocorra, há necessidade de se rever o formato da formação para
proporcionar a real transformação das práticas pedagógicas.
Frente a este panorama, meu trabalho foi o de formar, observar e interagir
com um grupo de sete professoras que ensinam Matemática nos anos iniciais, que
atuam em quatro escolas sob a jurisdição da DRE São Miguel Paulista. Este material
deu corpo, forma e nuance a minha pesquisa. 2 Durante a apresentação da palestra feita no Programa de Pós Graduação em Educação Matemática da UNIBAN, em novembro de 2009, no II SIEMAT – Seminário Internacional de Educação Matemática. A professora Serrazina coordena um trabalho de formação em Portugal, com ênfase no desenvolvimento profissional de professoras de Matemática atuando nas séries iniciais.
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23
MINHAS INDAGAÇÕES
A partir dessas considerações, surgem várias dúvidas que não se calam e
precisam ser respondidas com relação ao trabalho de sala de aula do professor que
ensina Matemática nos anos iniciais. Esclarecer os motivos que levam o professor a
buscar novos conhecimentos e novos caminhos para melhorar seu desempenho e o
do aluno na sala de aula é essencial:
• Será que a superação do professor que ousa no fazer está relacionada à
insatisfação com a própria prática e/ou com os resultados de
aprendizagem?
• Esta insatisfação seria a alavanca que o impulsiona a buscar a formação?
• A mudança na forma de ensinar reflete na aprendizagem do aluno?
• Maior conhecimento da área influencia na aceitação da mudança na
prática?
• Diante de novas dificuldades, o professor retornará a algumas antigas
práticas?
Apesar das perguntas serem amplas cercearam meu universo investigativo
como pano de fundo e balizaram os caminhos traçados para elucidar a seguinte
questão:
• Quais aspectos da Formação Continuada de Matemática contribuem para a
compreensão das relações dessa formação com os processos de mudança
das práticas dos professores participantes?
É nesse contexto que está ocorrendo um revisitar ao espaço de formação,
para que seja possível fazer uma releitura desse processo e acompanhamento da
relação teoria-prática presente em sala de aula.
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CAPÍTULO 2
PERGUNTAS QUE NÃO SE CALAM... Neste capítulo, as perguntas que estimulam o meu pensar e fazer motivaram
a busca por teorias que pudessem ajudar-me a compreendê-las e transformaram-se
em objetivos que nortearam e norteiam o meu estudo e minha pesquisa.
Algumas das questões serão respondidas sob a luz da teoria e muitas outras
pelas observações e análises advindas do contato direto com os professores
participantes no decorrer dos nossos diálogos, numa escuta atenta e observação
sensível as suas ansiedades, conflitos, verdades e mudanças. Falas preciosas que
foram consideradas por esta pesquisadora como o aclamar de vozes estrondosas ou
silenciosas, repletas de verdades ou pedidos de ajuda, clamores tão pouco ouvidos
e valorizados pelas pesquisas.
No meu garimpar teórico tenho encontrado muitos estudos e investigações
acadêmicas, nas últimas décadas, cuja preocupação tem sido a formação de
professores e principalmente, a Formação de Professores que ensinam Matemática.
Pesquisas com reflexões e constatações valiosas, subsídios importantes que
direcionaram o meu foco para a formação do professor que ensina Matemática nos
anos iniciais. Esse professor, é considerado “polivalente” por alguns estudiosos,
talvez por ter a responsabilidade de desempenhar diferentes tarefas sem a
compreensão de sua totalidade. Professor polivalente, segundo os estudos de Lima
(2007), são “sujeitos capazes” de ensinar as diferentes áreas do conhecimento que
compõem o currículo nacional e também “apropriar-se de valores inerentes ao ato
de ensinar crianças pequenas”, interagir e comunicar-se qualitativamente bem com
os educandos” (p.65). Enfim, cabe-lhes a responsabilidade de ensinar todas as
áreas do conhecimento sem serem especializados em nenhuma.
A formação inicial tem oferecido a esse professor conhecimento superficial
sobre todas as áreas, mesmo assim, ele consegue superar suas dificuldades e
ensinar os diferentes assuntos, inclusive utilizando diferentes linguagens. Nessa
complexidade de conceitos e princípios a ser ensinado, um muro se ergue - a
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Matemática, tratada muitas vezes com excessivo cuidado e cautela, adiada o quanto
for possível, e se puder, até evitada.
Pesquisadores acadêmicos sensibilizados com esse problema têm apurado
seus ouvidos ao clamor dos professores e demonstrado uma preocupação com as
formações e saberes dos docentes que ensinam matemática nos anos iniciais do
Ensino Fundamental.
Com relação a esse assunto encontramos em Nacarato e Paiva (2008) um
convite empolgado aos pesquisadores de Educação Matemática e a evidência da
condição real dos “professores que ensinam matemática”, termo utilizado pelos
educadores matemáticos, para se referirem aos professores polivalentes – aqueles
que ensinam matemática nos anos iniciais. Segundo as autoras, os professores que
ensinam matemática “vêm merecendo pouca atenção dos pesquisadores da área, o
que se nota pelo pequeno número de pesquisas voltadas a esses profissionais”
(p.20).
Essas estudiosas ressaltam ainda a necessidade do olhar acadêmico para a
formação de matemática desses professores e para suas condições de trabalho,
bem como para a formação do formador de professores, seja na formação inicial ou
continuada.
Com relação a essa preocupação, considero Serrazina (1999) a porta-voz do
meu pensar ao alertar sobre a necessidade de investigações contextualizadas. Esta
autora declara que: são necessários mais estudos sobre os professores do 1º ciclo na sua faceta de professores de Matemática, quer no nível da formação inicial quer da formação contínua. Por outro lado, devem ser realizadas investigações que relacionem o conhecimento dos professores com o contexto escolar e a aprendizagem dos alunos”. (SERRAZINA, 1999, p. 126)
Investigações que aconteçam na escola permitindo ao formador/pesquisador
uma leitura da realidade do contexto escolar, repleto de elementos objetivos e
subjetivos, cuja especificidade exige uma postura do investigador mais próxima dos
parceiros e atores da escola.
Para isso, os cursos de formação inicial de professores dos primeiros anos do
Ensino Fundamental precisam ter olhar perscrutador para seus currículos e
direcionar o holofote para a ação investigativa – o estágio, ponte que interliga o
aluno – futuro professor – um investigador/observador e os atores que compõem a
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realidade do contexto escolar. Trata-se de um processo recursivo e dinâmico que
valoriza o observar e ser observado, o aprender e ensinar, o compartilhar estudos e
o estudar com/no coletivo da escola propiciando uma parceria reflexiva e produtiva
entre as partes envolvidas: instituição – futuro professor – professores e equipe
escolar.
Há necessidade de se ressaltar também a importância de uma proposta
pedagógica bem estruturada e bem desenvolvida, nos cursos de Magistério e de
Pedagogia, para a formação dos futuros professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental. Esses, além de dominar a metodologia do ensino da Matemática,
precisam também conhecer com profundidade os conceitos e procedimentos
básicos desta disciplina para uma atuação mais segura, eficaz e envolvente.
Os conhecimentos matemáticos abordados no curso de Pedagogia foram
objeto de estudo de Mello (2008). Ao analisar as ementas dos cursos de Pedagogia,
a pesquisadora percebeu que a maioria delas priorizava as questões metodológicas
do ensino de Matemática, como essenciais para a formação do professor dos anos
iniciais. Diante desse fato e com o propósito de verificação e aprofundamento,
escolheu, como estudo de caso, um curso que apresentava a disciplina Metodologia
do Ensino Fundamental II: Matemática e Ciências. Após análise, enfatiza
conclusivamente que: para haver um adequado ensino de Matemática nos anos iniciais, é preciso que o curso de formação inicial ofereça oportunidades para consolidar e aprofundar [...] o conhecimento dos conteúdos matemáticos, didáticos desses conteúdos e conhecimento do currículo de matemática. Além disso, desenvolver atividades práticas que possam levar aos professores a reflexão e teorias que as fundamentem [...] devem levar em conta as experiências anteriores dos professores e favorecer a discussão e reflexão de sua própria experiência, para que o ensino e a aprendizagem de matemática sejam significativos. (MELLO, 2008, p.103)
Após o estudo realizado, a autora assegura que não pode afirmar se os
alunos do curso analisado saem munidos de um conhecimento matemático com
fundamentação suficiente e sólida que possibilite se tornarem bons professores
“ensinadores” de Matemática.
Como podemos perceber, muitas dúvidas pairam ao derredor da Formação
de Matemática. Reflexões e discussões têm sido realizadas sobre os saberes de
Matemática mais adequados que devam compor o currículo oferecido nas
formações inicial e continuada e sobre as práticas eficientes de sala de aula, um
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conhecimento que vem constituindo e tem constituído a prática atual dos
professores atuantes em nossas escolas públicas e particulares.
No entanto, é na formação continuada que deveríamos fincar nossa bandeira
branca que, ao ser agitada, trouxesse a todos os envolvidos uma tranquilidade e
confiança dos saberes. Que acionasse o impulso para enfrentar as dificuldades e as
diversidades da sala de aula, bem como a segurança do fazer ao ensinar
matemática. Ela deveria representar a propulsão dos “quereres”, das curiosidades,
das descobertas, dos diálogos abertos, das investigações de novos conhecimentos
e de novas metodologias, das práticas reflexivas que subsidiassem fazeres que
deixassem marcas profundas nos educandos, vistos como ser integral e dos
“gostares” em sonhar e conviver com o diferente.
Com base nessas reflexões e em estudos realizados, essa investigação tem
como objetivo principal analisar a Formação Continuada de Matemática de forma a compreender as relações dessa formação com os processos de mudança das
práticas dos professores participantes.
Dentro desse amplo cenário investigativo focarei a lente para o propósito de
identificar o que impulsiona o professor dos anos iniciais a superar suas dificuldades
e/ou medos da Matemática e conseguir reconstruir sua prática.
Encontrei nos estudos de Esteves (2007), considerações que dialogam com
as minhas observações enquanto formadora, a constatação da precariedade do
conhecimento matemático dos professores e de sua prática, que fizeram parte de
sua investigação, no qual conclui: sem a contribuição dos cursos de formação, tanto inicial como continuada, os professores não aprofundam nem ampliam seus conhecimentos matemáticos, por isso, muitas vezes, buscam em suas experiências como alunos os alicerces para esse ensino, como observado em nossa investigação (ESTEVES, 2007, p. 127).
A metodologia adotada por seus professores, na época em que foram alunos,
acaba sendo o modelo fundante3 às suas dificuldades e incertezas e que revela
marcas antigas deixadas pelas compreensões ou incompreensões matemáticas e
constituindo-se em alicerces a sustentar o ensino dos conteúdos pouco dominados
ou nunca aprendidos.
Muitas vezes, esses alicerces didáticos têm como subsídio vivenciar o ensino
sob um foco tradicional e elaborar compreensões inadequadas de conceitos 3 Fundante utilizado no sentido de fundir, moldar.
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matemáticos importantes para sua prática. Os professores carregam histórias
recheadas de incertezas e inseguranças e as revelam quando são colocados diante
de desafios que vão além de suas possibilidades e compreensão. Igualmente fazem
histórias, as de seus alunos que, como as suas, explicitam frustração e desânimo
frente às escolhas pedagógicas do fazer e impotência diante do “não-fazer”.
Os dilemas enfrentados pelos professores muitas vezes interferem nas
tomadas de decisões ou intervenções diante das dificuldades apresentadas pelos
alunos, no que se refere ao caminho a ser percorrido ou durante a elaboração de
atividades complementares a serem aplicadas. Estas mesmas situações foram
percebidas em professores no início de carreira investigadas por Silva (2009) que
constatou o que eles apontam como dificuldade: “recriar exercícios”, mas o que mais chamou a atenção foi com relação à didática do ensino da matemática que, de uma maneira ou de outra, a maioria dos sujeitos aponta como dificuldade. Em relação ao conteúdo de Matemática, que os professores tiveram em seu curso de Pedagogia ou Magistério a maioria cita que não tem lembrança do conteúdo trabalhado ou quando se lembra, diz que aplica a atividade, mas não percebe sucesso (SILVA, 2009, p. 122)
O que foi percebido nas formações continuadas é que esses dilemas e
dificuldades não afligem apenas os professores no início de carreira, mas se
perpetuam pelo fazer profissional em muitos professores que já exercem a profissão
há algum tempo.
As lacunas deixadas pela formação inicial e percebidas no conhecimento
matemático do professor que ensina matemática foram motivos de reflexão e
investigação realizadas também por Pinto (2010), que afirma serem professores sem
a formação específica carregando a grande responsabilidade de ensiná-la. Após
análise, assegura que: as lacunas no processo formativo colocam os futuros professores diante do desafio de ensinar conteúdos específicos, sem o devido preparo. Como não recebem uma base sólida de conhecimentos, as concepções sobre a Matemática e sua prática de ensino ficam comprometidas para a atuação em sala de aula (PINTO, 2010, p.27)
Sala de aula, espaço privilegiado que favorece a percepção do imediato
ocorrido, das descobertas do professor e do aluno, da opção de novos caminhos e
do desabrochar de novas teorias. Na observação atenta desse ambiente privilegiado
se constituirá mais um objetivo, com um olhar minucioso, com um “zoom” mais específico que balizará o meu foco ao buscar compreender a mudança na prática
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dos professores. Neste caso, especificamente, o trabalho com problemas,
compreendendo a organização do sistema de numeração decimal e as estratégias
de contagem.
Resolver problemas foi tema bastante explorado e discutido no decorrer das
formações de Matemática, coordenadas por mim. Este tema atendeu as
expectativas da maioria dos professores participantes, pelo fato de gerar muitas
dúvidas e desencadear muitas dificuldades.
Propor um problema envolve desafiar o sujeito a compreender o enunciado,
colocar em prática seus conhecimentos matemáticos relacionados com o enunciado
e fazer escolhas. Para os professores, a causa das dificuldades dos alunos está
vinculada a um único problema: o não saber ler, logo não saber interpretar. Panizza
(2006) refuta esses argumentos quando alega que, com frequência, “se costuma
atribuir a dificuldade dos alunos na interpretação de enunciados a problemas de
‘leitura compreensiva’, como se a compreensão de textos matemáticos fosse uma
‘aplicação’ de uma capacidade geral de leitura” (p.28).
Ler matematicamente envolve a compreensão de um sistema simbólico,
motivo pelo qual optei por investigar a organização do sistema numérico e de seu
funcionamento. A partir daí, delinear um percurso que vai da compreensão das
regras à busca de regularidades para compreender as funções dos diferentes tipos
de números visando quantificar aspectos da realidade e, principalmente, utilizar a
contagem.
Proponho, nas formações, que uma boa prática de Matemática deve trabalhar
com problemas. Partindo dessa premissa, o professor estará propiciando a
construção de diferentes conhecimentos matemáticos (não lineares), favorecendo a
compreensão e a interpretação das relações matemáticas contidas nos enunciados
e despertando a autoconfiança para escolher os cálculos e procedimentos mais
adequados a serem realizados.
Para transformar a prática matemática em uma ação mais envolvente, ao
invés do reforço da já praticada, busquei conhecê-las com mais profundidade, bem
como a qualidade das formações que as produziram ou efetivaram.
Durante o acompanhamento dos profissionais de uma escola pública, Bertucci
(2010), com o propósito de compreender as necessidades formativas e o
desenvolvimento das práticas de aprender e de ensinar matemática, constatou
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sinais profundos deixados pela matemática nos saberes dos professores que
ensinam matemática, como sendo marcas do tempo de estudante, sendo a maioria negativa em face das experiências que tiveram; por isso, geralmente, não gostam de Matemática. O agravante para o enfrentamento desse desafio é que a maioria dos professores que opta por cursar Pedagogia, e antigamente o Magistério, o fazem por fuga da área de exatas, da Matemática. E, após sua formação, tem que lidar com o ensino desta disciplina. (BERTUCCI, 2010, p. 149)
Nesse sentido, ressalta a necessidade dos responsáveis pelos cursos de
formação inicial, a Pedagogia, revisarem suas propostas com relação à formação do
professor e do gestor e incluírem saberes dos conteúdos matemáticos como objetos
de ensino e de aprendizagem na escola e não apenas suas metodologias.
Apesar de alguns professores mostrarem-se interessados em participar
continuadamente de formação, a autora verificou que “são poucas as oportunidades
de formação na área do ensino de Matemática para os professores que a ensinam
nas séries iniciais” (p. 150). Bertucci acredita e defende que uma prática
diferenciada de formação continuada pode acontecer na escola. Uma escola que
propicie um ambiente formador em seus horários coletivos, mantendo uma relação
diferenciada entre gestores atentos e comprometidos com o ensinar e o aprender e
a universidade. Prática esta ainda não reconhecida e valorizada pelas políticas
públicas. Finalmente, afirma que, a prática pode ser vista como alavanca inicial e
meta final de reflexão, uma responsabilidade de todos os atores da escola:
professores, alunos e gestores. Mas o papel principal cabe à intervenção, que
deverá ser balizada pela teoria, pela reflexão, pelo estudo e pela análise. Somente
assim será possível aportar em um ensino de qualidade e obter um retorno
qualificado, diferenciado e transformador dessa prática e dos sujeitos que a
praticam.
A intervenção gera, na sala de aula, momentos de dúvidas e tensão. Saber o
momento adequado de intervir para que o aluno aprenda e, ainda melhor, saber o
como intervir são questões que pairam sem muitas assertivas advindas do professor.
Em Machado (2009), encontrei reflexões importantes a respeito da
necessidade de uma proposta de formação continuada para professores que
ensinam matemática que ressalte a identidade, valorize a prática, considere seus
anseios diante da formação e construa competências para transformá-los em um
Educador Matemático. Após análise dos dados pesquisados, garante que “a
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formação continuada é um processo primordial para a profissionalização do
professor. É através dela que o professor passa a ser autônomo, reflexivo e crítico”
(p.84). Afirma que, para que ocorra essa transformação profissional, deve ser
oferecida efetivamente uma proposta pedagógica elaborada coletivamente que
ajude a superar as dificuldades da prática de ensinar matemática e mobilizar
saberes teóricos e práticos. A autora conclui que: formar-se professora é estar em busca do reencantamento da educação por meio de momentos para reflexão sobre a sua prática. Esse reencantamento surgirá sempre em um processo de formação continuada. É nesse momento que o professor que ensina matemática passa a se sentir educador em matemática. O reconhecimento da importância de um processo de formação continuada que [...] possa mostrar ao professor que ensina matemática nas séries iniciais uma matemática com significado e não como um apanhado de regras e técnicas. (MACHADO, 2009, p.85)
O “reencantamento da educação”, retratado pelo autor, convida-nos a refletir
e relembrar os encantamentos despertados pela quimera de “Ser Professor”, disseminada durante a formação inicial, Escola Normal/Magistério ou Pedagogia.
Tornar-se intelectualmente competente para sermos capazes de determinar o que o
outro deveria aprender e podermos definir futuros repletos de alegrias e realizações.
Porém, muitas vezes, esse processo acaba se transformando em um amontoado de
fracassos e medos. Incutiram em nossas mentes estudantis que o “gostar”
despertado pelo “querer” e temperados pela “curiosidade” de novos conhecimentos,
colocados na forma do “bem” planejado, fariam de cada um de nós - futuros
professores - excelentes e competentes profissionais.
No entanto, ao ir para a sala de aula a realidade se apresentava distinta, bem
mais dura. A prática diária tornava-se, a cada etapa, uma sucessão de desencontros
e desencantos. Um descerrar lento, em doses homeopáticas, da verdade nua e
crua: o quão difícil era e é ensinar. Um ensinar dialogando com o aprender.
Apesar das técnicas aprendidas e praticadas, cada batalha perdida era como
um “anulador” das vitórias e conquistas adquiridas. O cotidiano praticado embotava
a paixão germinada no início de carreira, como um extirpar dos brotos tímidos de
cada fazer e transformava-o em um ensinar que frustrava a tão procurada
competência profissional e amargurava os envolvidos nesse processo - professor e
aluno - provocando desilusão e desgostos.
A motivação inicial apagava-se e o praticado afastava-se pouco a pouco do
diferente, da audácia, da investigação, do diálogo, do acreditar no outro e em si
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mesmo. O praticado se contentava em fazer igual, em disseminar modelos sem o
compromisso de aprender com alegria e prazer.
A formação continuada é vista por muitos desses professores que,
inconformados com a sua atuação, rebelaram-se contra a estagnação profissional e
buscaram a luz da reflexão, uma maneira de vencer a desilusão. Perceberam que o
espaço coletivo favorecido pela formação, regado por muito estudo e diálogo,
despertava em cada um o re-encantamento e a “fome” do aprender mais e do fazer
diferente.
Para melhor compreender o termo “fome”, foi em Rubem Alves (2004) que encontrei, com muita galhardia, a explicação metafórica para despertar a vontade, a
motivação, a “fome” do aprender: que para se entrar numa escola, alunos e professores deveriam passar por uma cozinha. Os cozinheiros bem que podem dar lições aos professores. [...] os banquetes não se iniciam com a comida que se serve. Eles se iniciam com a fome. A verdadeira cozinheira é aquela que sabe a arte de produzir fome (ALVES, 2004, p. 20)
O autor consegue explicar com simplicidade e profundidade o cerne da
motivação, termo tão criticado e também tão procurado pelos professores. Em sua
lógica prossegue numa poética “inocente” e sutil: Toda experiência de aprendizagem se inicia com uma experiência afetiva. É a fome que põe em funcionamento o aparelho pensador. Fome é afeto. O pensamento nasce do afeto, nasce da fome. [...] É o eros platônico, a fome que faz a alma voar em busca do fruto sonhado. (ALVES, 2004, p. 20)
Muitas vezes, este é um grande problema para os professores, o de como
provocar a “fome” de aprender e fazê-los saborear o aprendizado como se saboreia
uma manga madura que ao escorrer pelos dedos nos induz a lambê-los ávidos, para
não perder nenhuma gota do seu néctar, do aprender, do descobrir. É a busca desta
mágica, deste tesouro perdido que muitos professores se sentem impulsionados a
participar de formações continuadas, principalmente as específicas de Matemática.
Formação rara e escassa em seu oferecimento.
Para eles, os precursos da formação continuada podem ser comparados aos
“caminhos nunca dantes navegados”4, na procura de novas formas de olhar para o
antigo, de outros fazeres, de novos aprenderes e do despertar de novos quereres.
Formação, pensada e repensada na qual a principal intenção é o escutar e o falar.
4 Famosa frase da ilustre poesia “Os Lusíadas”, de Luís Vaz de Camões
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Falar dos anseios, das dificuldades, das desilusões e de outras coisas que envolvem
o mundo escolar e muitas vezes nossa vida pessoal. Uma formação cujo propósito é
o de despertar e acalentar a alma educadora adormecida com o propósito de
expandir saberes dominados e praticados a fim de poder impregná-los de prazer.
Alguns possíveis fatores que interferem na qualidade da prática foram frutos
da análise de Garcia Silva (2007), explicitados como conhecimento do conteúdo a
ser ensinado, as crenças e concepções a respeito do ensino e aprendizagem, bem
como a reflexão em grupo. A deficiência do conhecimento matemático pelos
professores dos anos iniciais foi motivo de sua reflexão frente aos resultados
apresentados pelos diversos levantamentos realizados durante as formações
continuadas sob sua coordenação e através dos dados de pesquisa e sobre a qual
considera que: na formação inicial de professores há a necessidade de inserir conteúdos específicos da Matemática, contemplando tanto os conhecimentos dos conteúdos como os conhecimentos pedagógicos e curriculares (GARCIA SILVA, 2007, p. 281).
Durante sua investigação, percebeu que, em determinados conteúdos
matemáticos, o conhecimento dos professores se igualava ao conhecimento do
aluno, inclusive apresentando os mesmos erros, situação verificada durante a
realização das atividades pelos professores e através dos testes realizados pelos
alunos. Conclui que a formação deve ser um processo contínuo e o grupo deve ser
potencializado para que produzam mudanças substanciosas e “não apenas
superficiais”, senão todo o entusiasmo e envolvimento inicial perdem-se e rescinde a
continuidade de intenção dos participantes em aprender.
Uma formação que amplie o conhecimento dos conteúdos matemáticos a ser
explorado pelos professores em sala de aula, bem como reflita e investigue o como
os conceitos e procedimentos matemáticos estão sendo abordados pelas
professoras que ensinam matemática nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Nesse sentido, Poloni (2010) contribui com reflexões a respeito da
importância da formação na escola e da manifestação das professoras com relação
ao estudo de Geometria no “desejo de aprender. Esse desejo vinha imbuído da
vontade de fazer mudanças em suas práticas de sala de aula visando o melhor
aprendizado de seus alunos” (p.185 ).
A estudiosa ressalta que o professor que se vê como aluno – tal qual o
aprendiz, abre-se para o novo, observa com atenção cada detalhe dos
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acontecimentos no ambiente ao seu redor e seleciona todas as informações úteis.
Esse movimento do aprendizado do novo, desconhecido para ele, torna-o mais
tolerante frente às dificuldades apresentadas pelos alunos. Destaca
conclusivamente a importância da formação continuada na escola favorecendo: reflexão tanto sobre os conteúdos matemáticos quanto sobre a prática das professoras. Em termos de formação, entendemos que seria bastante importante que outras atividades tivessem sido planejadas pelas professoras e aplicadas em sala de aula para posterior retorno às sessões de reflexão (POLONI, 2010, p. 191)
Em muitas situações, percebemos que os professores aplicam as atividades
que lhe são fornecidas pelos pesquisadores e até discutem as facilidades e
dificuldades encontradas ao aplicarem, mas somente ao elaborarem novas
atividades é que eles verdadeiramente avaliam como se deu o apropriar ou não dos
novos conhecimentos.
Sentelhas (2001) investiga se alunos de 5 e 6 anos podem se apropriar do
significado de um número com dois algarismos e do valor posicional de sua escrita.
Apresenta um tripé teórico envolvendo Vergnaud (1994), Lerner e Sandovsky (1996)
e Doaudy (1989) como fontes de sustentação para a observação sobre como o
aluno se comporta frente a leitura, escrita e comparação e uso de regularidades de
números de dois algarismos e a necessidade de memorização da sequência para
justificar resultados. Com relação aos professores, observa que o conteúdo proposto
“não é habitual” na rotina da Educação Infantil e considera que: Tenhamos contribuído aos professores quanto à compreensão de que um trabalho alicerçado em situações bem elaboradas e respaldado por um quadro teórico, que forneça os instrumentos didáticos apropriados para a realização da tarefa de ensinar, garante aos alunos a compreensão de conceitos e procedimentos considerados problemas essenciais na Educação Matemática (SENTELHAS, 2001, p. 128)
Vale ressaltar que, atualmente, alunos com a idade pesquisada pela autora,
encontram-se sentados nos bancos dos primeiros anos do Ensino Fundamental,
onde o brincar é pouco permitido e o estudar é coisa muito séria. Entretanto, o
conteúdo assinalado por ela continua encontrando resistência em ser trabalhado
pelos professores. Ainda é muito difícil os professores perceberem a importância de
ensinar matemática, principalmente durante o início do ano letivo, e raramente com
propostas de ações que atendam as observações destacadas pelos estudos de
Lerner e Sandovsky, Nunes e Bryant, Panizza, Brizuela e outros.
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Guimarães (2005) identificou dificuldades dos professores-alunos de um
Programa de Qualificação ministrado pela Universidade, com relação à
compreensão da estrutura do Sistema de Numeração Decimal. Os professores-
alunos eram professores dos anos iniciais do Ensino Fundamental. Relata que
depoimentos de professores levaram-na a acreditar que era muito marcante a ideia de que os números de unidades, dezenas, centenas etc. que compõem um número corresponde ao algarismo que representa o número de elementos em cada ordem do ábaco. Por exemplo, no caso do número 4382, a ideia mais comum era que ele contém 2 unidades e não 4382 unidades. (GUIMARÃES, 2005, p. 93).
Tais respostas também ouvidas nas formações continuadas em que atuei. A
autora finaliza afirmando que, diante das respostas obtidas nas as atividades
propostas, pode constatar um déficit de formação, deixando claro que os
professores não tinham pleno domínio dos conceitos e conteúdos matemáticos relativos ao Sistema de Numeração Decimal. Sua compreensão [...] era inadequada [...] Tal situação de déficit favorece o uso generalizado e indiscriminado do livro didático, de práticas mecânicas, sem apoio no contexto e no concreto e desconsiderando o potencial construtivo dos alunos (GUIMARÃES, 2005,p.98).
Ampliando um pouco mais os estudos encontrei em Agranionih (2008) uma
investigação sobre as concepções presentes no processo de construção da
compreensão do valor posicional e da apropriação da escrita convencional em uma
interação entre o aluno e a escrita numérica. Ela verificou que os alunos se
aproximavam do valor posicional do número, mas que isso não se dava logo de
imediato, e sim através de “situações didáticas” que provocassem reflexões sobre a
organização e regularidades dos números. Situações que exigissem sucessivas
tomadas de decisão. Enfim, foram necessárias atividades desafiadoras que
colocassem o aluno em conflito e propiciassem que ele explicitasse tudo o que sabia
pois, segundo ela, “ficou claro que as notações, por si só, não são “transparentes” às
crianças” (p.206). Finaliza indicando a necessidade de novas pesquisas para
responder com mais profundidade as análises realizadas, “naturais incompletudes
de um trabalho de pesquisa” (p.207).
Como nossos alunos pensam sobre a organização numérica mediam
questionamentos que têm despertado a curiosidade dos professores atualmente. Até
então, muitos acreditavam que treinar bastante a escrita simbólica dos números era
suficiente para que os alunos os escrevessem convencionalmente. Os cadernos
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viviam abarrotados de escritas numéricas que tomavam páginas e mais páginas,
como se o treino constante e desordenado fosse ação pedagógica suficiente para a
apropriação das regras que permitiam adentrar os segredos do mundo numérico.
Segredos não desvendados geravam acúmulos de dúvidas e erros diante das
situações-problema propostas.
Na busca de desvendar novos segredos e de encontrar novos parceiros no
aprofundamento do trabalho com números, descobri nos estudos de Grein Santos
(2004) reflexões de como está sendo feito o trabalho com contagem. Segundo ela,
contagem não é ato isolado: Contar não é simplesmente pronunciar números em sequência ou apontar e numerar objetos; é um ato reflexivo, é quantificar, com definição de parâmetros e prioridades; é perceber diferenças e semelhanças entre os elementos da natureza, categorizá-los, compará-los, enumerá-los e classificá-los, definindo os pontos comuns e os divergentes, o que pressupõe a elaboração de critérios, princípios e normas (GREIN SANTOS, 2004, p. 13).
Grein Santos propôs aos educadores aproveitarem o momento de contagem
como um espaço de descoberta, de exploração, de conhecimento. Realizou um
estudo aprofundado das publicações dos teóricos que ressaltam a importância da
contagem para o conhecimento numérico. Enfatizou que número é registro de ações
e descobertas expressas pelo gesto, fala ou escrita. Portanto, a noção de número é
construída na medida em que são proporcionadas situações de contagem, de
comparação e ordenação numérica, e seu aprender é uma construção em processo.
Para a pesquisadora, a “contagem é um meio eficaz de estimular a
descoberta do mundo” (p. 23). A investigação por problemas matemáticos, ou
procedimentos para obter um resultado necessitam de atividades de “colocar, retirar,
comparar, explorar, medir, acrescentar, diminuir, em que se quantificam grandezas,
analisam-se situações, comparam-se possibilidades; aquilatam-se as favoráveis à
mensuração de fatos, circunstâncias e ideias” (p.24). Separar Matemática da vida
cotidiana é impossível, ela possibilita descobrir os segredos e as incógnitas do
mundo ao redor.
Grein Santos assegura que qualquer ambiente permite descobertas
quantitativas, mesmo que ele seja culturalmente pobre. Em contato com as
educadoras participou do planejamento sugerindo atividades de contagem para
serem vivenciadas pelos alunos e observou a aplicação da atividade planejada em
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sala de aula. Em sua conclusão faz algumas ponderações importantes destacadas a
seguir:
1. o pesquisador deve considerar na realização de um trabalho conjunto, o
conteúdo e o método para seu ensino, o educador, em suas reações e a
interferência do pesquisador.
2. um trabalho conjunto necessita de um tempo mais longo para a realização
para que as transformações ocorridas possam se sedimentar e tornarem-
se mais estáveis.
3. a contagem deve ser intensamente pesquisada, pois pode contribuir para
o enriquecimento das atividades propostas inicialmente e colaborar com a
aprendizagem numérica dos alunos.
Finaliza afirmando: A formação de educadores implica em compreender o sentido de forma e ação (Bicudo, 2003). Esse modelo dual talvez permita compreender a complexidade e importância do trabalho conjunto, entre pesquisador e educador, uma vez que ele envolve ao mesmo tempo esses dois aspectos que se complementam e interdependem. Embora se possam elaborar estratégias para tentar utilizar melhor o tempo é preciso aguardar as mudanças e peculiaridades de cada situação. São elas que devem embasar as novas proposições. (GREIN SANTOS, 2004, p. 216)
A essencialidade ressaltada da contagem na apropriação dos números
revalida o empenho que tenho tido em convencer os professores a resgatarem
atitudes em sala de aula que permitam colocar os alunos cada vez mais diante de
situações diferenciadas de contagem.
No trabalho de Senna e Bedin (2006) encontrei mais uma fonte de reflexão
sobre a importância da contagem, sua relação ao conceito de númerosidade e a
observação do como esse processo ocorre espontaneamente nos alunos. Afirmam
que “a contagem um a um exige utilização da memória imediata” (p. 7) e a
dificuldade que elas encontram em nomear os números cujos nomes não
apresentam lógica e regularidade. Observaram, como muitos de nós, que os alunos
demoram a memorizar certos números, como por exemplo, o número treze e que
lembram-se facilmente do dezesseis (dez + seis).
As autoras concluem que o conceito de númerosidade está associado ao
desenvolvimento da contagem e aos princípios que a envolvem dando grande
abertura para a compreensão das quantidades, que
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requer da criança que associe a nomeação dos números de acordo com a sua ordem, a coordenação dos nomes dos números com a identificação dos objetos no conjunto e a contagem única de cada objeto. Ao final da contagem, a criança deverá perceber a correspondência com o total de objetos pertencentes ao conjunto (p.11).
Quando os alunos entenderem que o último número falado está relacionado
ao total de objetos do conjunto, neste instante, estará compreendida a quantidade
numérica. Segundo afirmação das autoras, “esta habilidade auxiliará a criança na
tarefa de resolução de problemas aritméticos” (p.12).
Estes estudos e reflexões, aliadas a minha experiência com Formação
Continuada de Matemática para professores dos anos iniciais do Ensino
Fundamental, colaboraram na investigação e observação de como as estratégias
utilizadas na Formação Continuada propiciaram, ou não, algum impacto na melhoria
das práticas de sala de aula.
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CAPÍTULO 3
REFLEXÕES À LUZ DA TEORIA: SABERES DOS PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA
No Capítulo 3 apresentarei os estudos que colaboraram para a re-
organização das minhas verdades e a fundamentação da minha leitura do mundo
percebido e observado durante a pesquisa. Tal conhecimento foi ampliado pelas
análises da condição do trabalho do professor por Nóvoa (1997), pelos saberes
profissionais dos professores ressaltados por Tardif (2000; 2002), da teoria de
Shulman (1986) ampliada pelas investigações de Ball (2008; 2009) e pelas ideias
reflexivas de Nacarato e Paiva (2008). Saberes integrados pelo conceito de
profissional prático-reflexivo de Schön (1997), Alarcão (1996) e Zeichner (1997);
substanciados pela proposta de trabalho contextualizado e de formação permanente
de Imbernón (1998; 2009); baseados na realização do trabalho de grupo e na
valorização do outro no processo de aprendizagem e da reconstrução da prática
realçado por Saraiva e Ponte (2003), Oliveira e Ponte (1997). Nas ideias de
Serrazina (1999; 2002), Oliveira e Serrazina (2002) e Ponte (1995; 1998) a respeito
da ressonância no ensinar das experiências que os professores vivenciam, busquei
colaboração para embasar a observação e a análise das práticas das professoras
participantes. O pensar desses autores e pesquisadores que ressaltam na formação
continuada do professor a qualidade da relação entre teoria e prática, também foram
abalizados e puderam fomentar minhas escolhas metodológicas de ação e de
análise dos dados obtidos nessa pesquisa.
Ao analisar os relatos orais e escritos e as observações da prática mergulhei
na riqueza dos registros das trajetórias das práticas narrativas e de análise das
narrativas advindas de Fiorentini (2003), Freitas e Fiorentini (2007), Fiorentini e
Cristovão. (2006); Fiorentini et al. (2009); na profundidade do poder da palavra de
Paulo Freire (2000) e complementei com a veia poética de Rubem Alves (2004;
2007) com o propósito de despertar uma sensibilidade que favoreceu uma
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interpretação, organização e narrativa que particularizaram os resultados da
pesquisa.
Ainda resgatei aportes teóricos que tinham a preocupação com um currículo
de Matemática mais adequado para os anos iniciais e enfocavam práticas eficientes
e de qualidade. Finalmente, para favorecer a análise das sequências didáticas,
abordei a importância de despertar no professor um olhar mais atento a estudos
mais significativos a respeito do Sistema de Numeração Decimal e da influência da
contagem para sua compreensão e conceitualização e ainda a necessidade deste
conteúdo para melhorar a própria capacidade e a dos alunos em resolver problemas.
A prática de resolver problemas, abordada não apenas com o enfoque de um
amontoado de contas, mas como um caminho desvelador do saber e desafiador, ao
permitir aos alunos repensarem princípios e leis que regem o universo numérico que
os rodeiam e buscarem outros procedimentos que os ajudem a encontrar uma
solução. As ideias e estudos de Ifrah (1997), Vergnaud (2009), Nunes e Bryant
(1997), Nunes et al. (2005), Brizuela (2006), Panizza (2006), Magina et al. (2008),
Moreno (2006), Machado (1990), Soares e Pinto (2008) ajudaram nessa empreitada.
A prática do professor e sua qualidade têm sido objeto de muitos estudos e
discussões. Quando essa qualidade é percebida pelos seus pares da comunidade
escolar e validada pela sociedade, esse profissional fica com um rótulo de “bom
professor”. No entanto, se o resultado de seu trabalho tiver uma avaliação
insatisfatória, a atenção da sociedade é voltada para a figura do professor, como se
fosse o fazer inadequado de sua prática o único responsável pelo fracasso escolar
dos alunos.
Paralelamente, pude perceber que o mesmo acontece com relação aos
professores que ensinam Matemática nos anos iniciais. Eles sentem seu trabalho
observado e avaliado pelos colegas dos anos posteriores, principalmente, pelos
especialistas, depois, pelos gestores da instituição (diretores, coordenadores
pedagógicos), e, finalmente, em última instância, pelos órgãos administrativos
educacionais. Estes órgãos fundamentam sua avaliação no desempenho
apresentado pelos alunos nas diversas avaliações institucionais ocorridas durante o
ano letivo.
Apesar de terem sido preparados para serem professores “polivalentes”, com
competência em todas as áreas do conhecimento, a lente da avaliação, seja
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institucional ou da comunidade, está sempre focada para o trabalho realizado na
alfabetização (ler e escrever) e na Matemática (contar e operar).
Uma questão que paira sobre os ares escolares é o porquê do olhar
meticuloso e analítico direcionar sua vigilância apenas para estas duas áreas do
conhecimento. Uma resposta rápida e impulsiva se faz ouvir e incita o pensar: ou as
outras áreas têm uma importância menor. Ou a magnitude de uma delas (Língua
Portuguesa ou Matemática) está relacionada às suas diferenças. Ou há uma
interdependência. Ou existe supremacia de uma delas. No entanto, o discurso mais
ouvido nas escolas extirpa qualquer dúvida que paira: “só é possível aprender
matemática quando o aluno dominar a língua materna”. A supremacia da língua
materna se faz presente.
Com relação à dependência entre elas encontramos nos estudos de Machado
(1998) a afirmação de que: ...a Matemática e a Língua Materna representam elementos fundamentais e complementares, que constituem condição de possibilidade do conhecimento, em qualquer setor, mas que não podem ser plenamente compreendidos quando considerados de maneira isolada ( MACHADO, 1998, p.83).
Asseveração tão importante para o universo educativo, mas que tem sido
esquecida ou desconsiderada