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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE ANHANGUERA
MARCELO DIAS PEREIRA
UM ESTUDO SOBRE INTERPRETAÇÕES DAS
DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE
LICENCIATURA EM MATEMÁTICA POR UMA
INSTITUIÇÃO FEDERAL DE SÃO PAULO
São Paulo
2013
MARCELO DIAS PEREIRA
DOUTORADO EM EDUCAÇÃO MATEMÁTICA
UM ESTUDO SOBRE INTERPRETAÇÕES DAS
DIRETRIZES CURRICULARES PARA O CURSO DE
LICENCIATURA EM MATEMÁTICA POR UMA
INSTITUIÇÃO FEDERAL DE SÃO PAULO
Tese apresentada à Banca Examinadora
na Universidade Bandeirante Anhanguera,
como exigência parcial para a obtenção do
título de DOUTOR EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA, sob a orientação do
Professor Doutor Ruy César Pietropaolo.
São Paulo
2013
FOLHA DE APROVAÇÃO
DEDICATÓRIA
Às minhas sobrinhas Yasmin e Isabelly
À minha avó Norma (in memoriam)
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela vida...
Aos meus pais, Rosemary e João, pelos cuidados, educação, confiança...
Aos meus irmãos, Sérgio e Raquel, pelo carinho, reconhecimento, incentivo...
À minha esposa, Débora, pelo companheirismo, paciência, apoio...
Ao meu Orientador, Prof. Dr. Ruy, pela confiança, incentivo, profissionalismo ...
Aos Professores da UFABC, Drª Virgínia e Dr. Márcio, pela atenção e entrevistas ...
Às Bancas de Qualificação e de Defesa, Professores Dr. Ruy, Dr. Armando, Dr.ª
Marlene, Dr.ª Lilian e Dr.ª Nielce, pela leitura do trabalho, contribuições,
questionamentos...
Aos Professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Matemática da
Uniban Anhanguera, Educadores, pelas aulas, exposições de experiências,
discussões sobre a formação de professores...
À Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, CAPES, pelo
incentivo, em forma de bolsa de estudos...
A esses e a muitos outros que participaram direta ou indiretamente do
desenvolvimento da minha vida pessoal, carreira profissional e formação acadêmica,
essenciais para a realização desta pesquisa, meus sinceros e eternos
agradecimentos.
RESUMO
O presente estudo tem como propósito analisar interpretações assumidas pela
Universidade Federal do ABC das atuais Diretrizes Curriculares para a formação de
professores de Matemática, de modo a identificar os pressupostos de formação do
Curso de Licenciatura em Matemática dessa instituição, sobretudo no que se refere
à dimensão prática. Essa Universidade foi escolhida pelo caráter inovador em
relação à trajetória de formação inicial de professores para a Educação Básica, no
Brasil: um estudante que deseja tornar-se professor de Matemática deverá iniciar
seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que não
oferece necessariamente uma formação profissional específica, para depois optar
pela Licenciatura em Matemática. A investigação desse caso foi de cunho
qualitativo, utilizando análises bibliográfica, documental e das entrevistas com
coordenador e docentes do curso. Apresenta também uma síntese das resoluções e
pareceres que normatizam ou normatizaram os cursos superiores brasileiros de
formação de professores para a Educação Básica, desde a segunda metade do
século 20, o que favoreceu a análise do Projeto Pedagógico do Curso investigado.
Para a análise, no tocante aos conhecimentos que devem ser de domínio do
professor, foram consideradas as categorias estabelecidas por Ball, Thames e
Phelps a respeito dos conhecimentos necessários ao professor para o ensino de
Matemática. Identificou-se que, a despeito do pretendido caráter inovador no
processo de formação do professor de Matemática, o plano pedagógico do Curso
não atende a pressupostos da formação docente, defendidos por muitos
educadores, como a adoção da unidade na relação entre a teoria e a prática, e,
tampouco, cumpre integralmente as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para as
licenciaturas em Matemática.
Palavras-chave: Formação de Professores. Teoria e Prática. Licenciatura em
Matemática. Diretrizes Curriculares. Universidade Federal do ABC.
ABSTRACT
The purpose of this study was to analyze the interpretations of the Brazilian
Curricular Guidelines implemented by Federal University of ABC in its Mathematics
teacher certification program in order to identify the premises adopted by the
Mathematics teacher training this institution offers, especially with regard to practical
aspects. This university was chosen because of the innovative approach it has
established toward the initial training of elementary school teachers in Brazil: a
student who wishes to teach Mathematics must start by obtaining a Bachelor’s
Degree in Science and Technology, which does not necessarily provide professional
training in a specific field, before subsequently opting for a teaching certification in
Mathematics. This case study was undertaken with a qualitative perspective by
studying bibliography, documented evidence, and interviews with the program’s
coordinator and teaching staff. It also includes a summary of the resolutions and
opinions that regulate or have regulated, since the second half of the 20th century,
Brazilian post-graduate teacher training programs leading to degrees in Elementary
Education, which was instrumental in analyzing the educational project of the
program we investigated. For this analysis, with regard to the knowledge required of
a Mathematics teacher, the categories established by Ball, Thames and Phelps were
used to define the body of knowledge teachers must master. It was found that,
despite the innovative character intended for the Mathematics teacher training
program, the program’s educational plan does not meet the basic requirements of
teacher education championed by many educators, such as adopting a unity
between theory and practice, nor does it fully meet the current Brazilian Curricular
Guidelines established for Mathematics teacher certifications.
Keywords: Teacher Training. Theory and Practice. Mathematics Teacher
Certification. Curricular Guidelines. Universidade Federal do ABC.
RESUMÉ
Le présent étude vise à analyser les interprétations que fait par l'Université fédérale
de l'ABC des actuelles Lignes Directrices National Curriculum des programmes de
formation des professeurs de mathématiques, afin d'identifier les hypothèses
retenues dans la formation initiale des enseignants à enseigner cette discipline à
l'école primaire et lycée, en particulier ce qui a trait à la dimension pratique. Cette
université a été choisie en raison du caractère innovant de la formation initiale des
professeurs en enseignement élémentaire au Brésil : un étudiant souhaitant devenir
professeur de mathématiques devra débuter ses études par un course en sciences
et technologie, n'offrant pas nécessairement une formation professionnelle
particulière, pour ensuite choisir la formation au titre de professeur de
mathématiques. L’enquête avait un caractère qualitatif, avec des analyses
biographiques et de documents ainsi que des entretiens avec le coordinateur et les
professeurs. Il présente également un résumé, depuis la seconde moitié du 20e
siècle, des résolutions et des avis qui ont établi ou établir des normes pour les cours
d'enseignement supérieur dans la formation des enseignants l'école primaire et
lycée. Dans le cadre de cette analyse, et en ce qui concerne les connaissances que
le professeur doit maitriser, on a pris en compte les catégories établies par Ball,
Thames et Phelps sur les connaissances nécessaires pour l’enseignement des
mathématiques. Malgré le caractère innovant du processus de formation au
professorat en mathématiques, il a été constaté que le project pédagogique du cours
ne répondait pas aux hypothèses de formation soutenues par de nombreux
éducateurs comme l'adoption de l’unité de la relation théorie-pratique ni ne répondait
intégralement aux lignes directrices nationales actuelles des programmes de
formation des professeurs de mathématiques.
Mots-clés: Formation de professeurs. Théorie et pratique. Formation de professeur
de mathématiques. Lignes Directrices National Curriculum. Universidade Federal do
ABC.
RESUMEN
El presente estudio tiene como objetivo analizar interpretaciones asumidas por la
Universidad Federal del ABC sobre las actuales Directrices Curriculares para la
formación de profesores de Matemáticas, de forma que se pueda identificar los
fundamentos de formación adoptados en el Curso de Profesor de Matemáticas de
dicha institución, principalmente en lo que se refiere a su dimensión práctica. Esa
Universidad fue elegida por su carácter innovador en relación a la trayectoria de
formación inicial de profesores para la Educación Básica, en Brasil: un estudiante
que desea tornarse profesor de Matemáticas deberá iniciar sus estudios de
Licenciatura en Ciencia y Tecnología, que no ofrece necesariamente una formación
profesional específica, para luego optar por el Profesorado de Matemáticas. La
investigación de ese caso fue de orden cualitativa, empleando análisis bibliográfico,
documental y entrevistas con coordinador y docentes del curso. Presenta también
una síntesis de las resoluciones y pareceres que rigen o rigieron los cursos
superiores brasileños de formación de profesores para la Educación Básica, desde
la segunda mitad del siglo 20, lo que favoreció el análisis del Proyecto Pedagógico
del curso investigado. Para el análisis, en lo concerniente a los conocimientos que
deben ser de dominio del profesor, se consideraron las categorías establecidas por
Ball, Thames y Phelps en relación a los conocimientos necesarios para la
enseñanza de las Matemáticas. Se identificó que, a pesar del pretendido carácter
innovador del proceso de formación del profesor de Matemáticas, el plan pedagógico
del curso no atiende los requisitos de la formación docente, defendidos por muchos
educadores, como la adopción de la unidad en la relación entre teoría y práctica, ni
tampoco cumple integralmente con las actuales Directrices Curriculares Nacionales
para el profesorado de Matemáticas.
Palabras clave: Formación de Profesores. Teoría y Práctica. Profesorado de
Matemáticas. Directrices Curriculares. Universidade Federal do ABC.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS
ABC – Região paulista formada pelos municípios de Santo André, São Bernardo e São Caetano
BC&H – Bacharelado em Ciências e Humanidades
BC&T – Bacharelado em Ciência e Tecnologia
CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
CCNH – Centro de Ciências Naturais e Humanas
CEB – Câmara de Educação Básica
CECS – Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais
CES – Câmara de Educação Superior
CFE – Conselho Federal de Educação
CMCC – Centro de Matemática Computação e Cognição
CNE – Conselho Nacional de Educação.
CP – Conselho Pleno
DCN – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica
ENEM – Exame Nacional do Ensino Médio
IES – Instituições/Instituição de Ensino Superior
LDB – Lei de Diretrizes e Bases
LDBEN – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996
MEC – Ministério da Educação
PIBID – Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência
PPabc – Projeto Pedagógico das Licenciaturas em Biologia, Física, Química e Matemática da UFABC
Prodocência – Programa de Consolidação das Licenciaturas
Prosup – Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares
SBEM – Sociedade Brasileira de Educação Matemática
SBM – Sociedade Brasileira de Matemática
SiSU – Sistema de Seleção Unificado
UFABC – Universidade Federal do ABC
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
USP – Universidade de São Paulo
LISTA DE FIGURAS
Figura 1 – Fluxo de formação proposto pela UFABC ................................................ 39
Figura 2 – Domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................... 59
Figura 3 – Representação da relação de unidade entre a teoria e as práticas tendo como pressuposto de formação os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................................................................................................................ 72
Figura 4 – Questões históricas que precisariam ser enfrentadas na definição das DCNs, indicadas na Proposta de Diretrizes ............................................................ 123
Figura 5 – Percurso da formação inicial dos professores especialistas .................. 133
Figura 6 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável natureza .......................................................... 159
Figura 7 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável duração ..................................... 162
Figura 8 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável turno .......................................... 162
Figura 9 – Distribuição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado pelas categorias de conhecimentos ........................................... 197
Figura 10 – Composição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado .................................................................................................... 202
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 – Vinculação entre os cursos de formação específica e os bacharelados interdisciplinares da UFABC...................................................................................... 37
Quadro 2 – Associação possível dos conhecimentos necessários ao professor de Matemática com atividades relacionadas ao ensino desta disciplina na Educação Básica ....................................................................................................................... 65
Quadro 3 – Conhecimentos para o ensino de equações no Ensino Fundamental e domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) – uma possível associação ...................................................... 66
Quadro 4 – Relação dos cursos superiores específicos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, de âmbito nacional, e os respectivos anos de suas normatizações ............................................................................................. 90
Quadro 5 – Comparativo das disciplinas matemáticas estudadas no curso formação de professores de Matemática para a Educação Básica na USP e no modelo nacional da Faculdade Nacional de Filosofia ............................................................ 96
Quadro 6 – Comparativo das disciplinas do Curso de Matemática no modelo 3+1 com as do Curso de Licenciatura em Matemática criado em 1962 ......................... 102
Quadro 7 – Comparativo das disciplinas fixadas nos currículos mínimos dos cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica de 1962 e 1974 ................................................................................................................................ 116
Quadro 8 – Associação possível das competências ou habilidades indicadas no Parecer CNE/CES 1.302/2001, para os cursos de licenciatura em Matemática, com os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ................................................................................................ 152
Quadro 9 – Associação possível das disciplinas contendo conteúdos fixados para as atuais licenciaturas em Matemática pelo Parecer CNE/CES 1.302/2001 com os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ................................................................................................ 154
Quadro 10 – Vínculo entre as etapas do estágio curricular supervisionado e as disciplinas de Práticas de Ensino do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC .................................................................................................................... 182
Quadro 11 – Sugestão de atividades extracurriculares e suas respectivas cargas horárias, indicadas no Projeto Pedagógico das Licenciaturas da UFABC .............. 183
Quadro 12 – Síntese da análise de elementos do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................. 190
Quadro 13 – Associação possível das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC com pressupostos teóricos de formação de professores para a Educação Básica ...................................................................... 193
LISTA DE TABELAS
Tabela 1 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do BC&T da UFABC ................................................................................. 41
Tabela 2 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC .............................. 44
Tabela 3 – Proposta do MEC para a distribuição da carga horária de 3.200 horas entre as dimensões de formação em cursos superiores que teriam como egressos professores especialistas ........................................................................................ 132
Tabela 4 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pelas variáveis organização, natureza, regime e modalidade. ................................................................................................................................ 160
Tabela 5 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável carga horária ............................. 161
Tabela 6 – Fluxo ideal de curso das disciplinas obrigatórias da Licenciatura em Matemática da UFABC, com suas cargas horárias semanais e créditos ................ 176
Tabela 7 – Disciplinas eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................................................................................ 177
Tabela 8 – Disciplinas que compõem a prática como componente curricular no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ............................................................ 179
Tabela 9 – Composição do componente conteúdos curriculares de natureza científico-cultural do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................. 181
Tabela 10 – Possível associação entre disciplinas obrigatórias do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC e conteúdos indicados nas Diretrizes Curriculares específicas .......................................................................................... 185
Tabela 11 – Distribuição da carga horária do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC pelos componentes curriculares estabelecidos pela Resolução CNE/CP 2/2002 ..................................................................................................................... 187
Tabela 12 – Percentuais relacionados às disciplinas associadas em cada domínio da categoria dos conhecimentos para o ensino de Matemática ................................... 200
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO ..................................................................................................... 16
1 JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS .. 20
1.1 Sobre as Motivações ....................................................................................... 20
1.2 Sobre o Tema, os Objetivos e a Justificativa ................................................... 25
1.3 Sobre os Procedimentos Metodológicos .......................................................... 32
1.3.1 Caracterização da Instituição proponente do curso investigado ............... 35
1.3.2 Caracterização do curso investigado ........................................................ 40
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS E PESQUISAS SOBRE AS LICENCIATURAS EM MATEMÁTICA BRASILEIRAS APÓS A PUBLICAÇÃO DAS ATUAIS DIRETRIZES CURRICULARES ...................................................................................................... 46
2.1 A formação de professores na visão de alguns referenciais teóricos .............. 46
2.1.1 Os conhecimentos necessários ao professor, segundo Shulman ............. 47
2.1.2 Os conhecimentos para o ensino de Matemática, segundo Ball, Thames e Phelps ................................................................................................................ 57
2.2 Visões da relação entre a teoria e a prática na formação de professores ....... 66
2.3 Os conhecimentos para o ensino de Matemática e a relação de unidade entre a teoria e prática .................................................................................................... 70
2.4 O Processo de Bolonha ................................................................................... 73
2.5 Investigações sobre cursos de licenciatura em Matemática e as Diretrizes Curriculares gerais e específicas – uma revisão bibliográfica ............................... 75
3 UMA ANÁLISE DAS NORMATIZAÇÕES NACIONAIS PARA CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA E UM PANORAMA DESSES CURSOS NO ESTADO DE SÃO PAULO EM 2010 ... 88
3.1 Órgãos federais responsáveis pela normatização da educação superior e Cursos específicos de formação inicial de professores de Matemática ................. 89
3.2 Instituição das grades curriculares de cursos específicos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica até 1960 ............................. 91
3.3 Normatizações nacionais que pautaram a formação de professores de Matemática para a Educação Básica brasileira das décadas de 1960 a 1990 ...... 97
3.4 Normatizações para os cursos de licenciatura em Matemática da década de 2000 ..................................................................................................................... 118
3.4.1 A Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica e alguns fatos que a antecederam ...................................... 119
3.4.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais para os atuais cursos de licenciatura brasileiros ......................................................................................................... 134
15
3.4.3 As Diretrizes Curriculares específicas para os atuais cursos de licenciatura em Matemática brasileiros ............................................................................... 150
3.5 Um panorama das licenciaturas em Matemática no Estado de São Paulo em 2010 ..................................................................................................................... 157
3.5.1 Uma análise descritiva das licenciaturas em Matemática no Estado de São Paulo ................................................................................................................ 158
3.5.2 Caracterização das licenciaturas em Matemática ativas no Estado de São Paulo ................................................................................................................ 163
4 ESTUDO DAS INTERPRETAÇÕES DADAS ÀS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC ................................................................................................. 166
4.1 Análise de elementos do Projeto Pedagógico do Curso investigado ............. 167
4.1.1 Os objetivos e o perfil dos egressos do Curso indicados no PPabc........ 168
4.1.2 A organização curricular indicada no PPabc ........................................... 173
4.1.3 Síntese da análise dos elementos do Projeto Pedagógico do Curso investigado ....................................................................................................... 190
4.2 Análise das disciplinas e da prática proposta no Curso investigado .............. 192
4.2.1 Relação entre os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática e disciplinas indicadas na matriz curricular do Curso ................... 192
4.2.2 A prática explicitada no PPabc e nas entrevistas .................................... 202
4.2.3 Síntese da análise das disciplinas e da prática proposta no Curso investigado ....................................................................................................... 211
CONCLUSÕES ....................................................................................................... 213
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 226
ANEXO A – Transcrição das entrevistas realizadas com a Coordenadora e Professora do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ........................... 231
ANEXO B – Transcrição da entrevista realizada com um Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC ................................................................. 248
ANEXO C – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Bandeirante de São Paulo ................................................................. 256
APÊNDICE I – Análise das ementas para a elaboração do Quadro 12 .................. 258
16
APRESENTAÇÃO
O presente estudo tem como propósito investigar interpretações das
Diretrizes Curriculares Nacionais dos cursos superiores de formação inicial de
professores para a Educação Básica e Diretrizes Curriculares específicas para o
curso de licenciatura em Matemática, assumidas por uma instituição federal no
Estado de São Paulo.
Trata-se de uma investigação inserida na Linha de Pesquisa Formação de
Professores que ensinam Matemática, do Programa de Pós-Graduação em
Educação Matemática da Universidade Bandeirante Anhanguera, com fomento da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), por meio
do Programa de Suporte à Pós-Graduação de Instituições de Ensino Particulares
(Prosup).
Julgamos que a importância de temas que abordem interpretações das
Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura pode ser justificada pelas atuais
preocupações com a formação inicial de professores, demonstradas pelo Governo
Federal e por sociedades científicas, como a CAPES e a Sociedade Brasileira de
Educação Matemática (SBEM), respectivamente. Em 2007, a CAPES passou a
contribuir com a formação de professores para a Educação Básica e um de seus
programas visa ao fomento de projetos pedagógicos inovadores e que articulem a
teoria e as práticas; a partir de 2004, a SBEM passou a realizar fóruns regionais e
nacionais sobre as licenciaturas em Matemática para discutir, entre outros, as
Diretrizes Curriculares desses cursos e as mudanças que vêm sendo implementadas
por eles.
Impulsionadas, talvez, por essas ações da CAPES e da SBEM, observa-se
que algumas pesquisas estão sendo desenvolvidas com o objetivo de investigar
como a formação de professores de Matemática para a Educação Básica vem se
constituindo. O desenvolvimento dessas pesquisas pode ser comprovado por meio
de artigos publicados em, por exemplo, anais de eventos científicos, como nos do
17
último Encontro Nacional de Educação Matemática, realizado em julho de 2013, em
Curitiba.
Os projetos pedagógicos inovadores impulsionados pela CAPES e as
mudanças que vêm sendo implementadas nas licenciaturas em Matemática,
estudadas pela SBEM, assim como pesquisas que estão sendo desenvolvidas com
o intuito de investigar como a formação de professores de Matemática para a
Educação Básica vem se constituindo, estão, em nossa concepção, relacionados às
mudanças que as atuais Diretrizes Curriculares1 visam implementar.
Com o intuito de contribuir para o processo de análise da implementação
dessas Diretrizes, apresentamos nossas reflexões sobre interpretações e
pressupostos adotados por uma instituição pública federal, na formação inicial de
professores de Matemática e, para isso, buscamos respostas para duas questões de
pesquisa, quais sejam:
Como são interpretadas, por uma instituição federal de educação
superior no Estado de São Paulo, as atuais Diretrizes Curriculares
para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo no tocante à
dimensão prática?
Quais são os pressupostos para a formação de professores de
Matemática adotados pela instituição federal proponente do Curso
investigado?
Por apresentar uma proposta de formação inicial de professores para a
Educação Básica diferenciada e pioneira no Brasil, optamos, como objeto de estudo,
pelo Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do ABC2. Nesse
curso, um estudante que deseja tornar-se professor de Matemática deverá iniciar
seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que não tem
como objetivo uma formação profissional específica, para depois optar pela
Licenciatura em Matemática. Concluindo ambos os cursos, esse estudante terá duas
1 Neste estudo, utilizamos o termo Diretrizes Curriculares gerais para nos referirmos às Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, documento comum a todas as licenciaturas, e o termo Diretrizes Curriculares específicas para nos referirmos às Diretrizes Curriculares das licenciaturas em Matemática. 2 Sigla utilizada para identificar uma região paulista formada por três municípios: Santo André, São
Bernardo e São Caetano.
18
titulações: uma de bacharel em Ciência e Tecnologia e outra de licenciado em
Matemática.
Buscando responder às questões apresentadas, organizamos este estudo em
quatro capítulos e uma seção para conclusões.
No capítulo 1, apresentamos as motivações que nos levaram a realizar este
estudo, a relevância e a justificativa para a escolha do tema. Como motivações,
abordamos parte de nossa trajetória profissional, relacionada à experiência que
tivemos como coordenador de um Curso de Licenciatura em Matemática, época em
que foi necessário nos aproximarmos de conhecimentos ainda em construção e
pouco discutidos no âmbito profissional, por se tratarem de assuntos relacionados às
atuais Diretrizes Curriculares, que acabavam de entrar em vigor. Anunciamos,
também nesse capítulo, os objetivos e comentamos as questões de pesquisa, além
de abordarmos os procedimentos metodológicos utilizados, subseção em que
também apresentamos a caracterização da Universidade Federal do ABC, assim
como do Curso de Licenciatura em Matemática por ela proposto.
No capítulo seguinte, abordamos os referenciais teóricos utilizados e
apresentamos uma revisão bibliográfica sobre as pesquisas com temas relacionados
às licenciaturas em Matemática. Como referenciais teóricos, adotamos os estudos
de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) sobre os conhecimentos para o ensino de
Matemática, essenciais, em nossa concepção, na formação dos professores que
lecionarão Matemática na Educação Básica, por relacionarem teoria e prática. Pelo
fato de estudos desses pesquisadores estarem fundamentados nos estudos
realizados por Shulman (1986,1987) a respeito dos conhecimentos necessários ao
professor, esses estudos de Shulman também fazem parte de nossos referenciais,
juntamente com as visões sobre a relação entre a teoria e a prática, apresentadas
por Candau e Lelis (1993).
No capítulo 3, pelo fato de o nosso estudo estar relacionado às Diretrizes
Curriculares gerais para as licenciaturas e específicas para a licenciatura em
Matemática, apresentamos um histórico das resoluções e pareceres que
normatizaram os cursos de formação de professores para a Educação Básica,
desde a segunda metade do século 20. Damos especial atenção aos documentos
19
relacionados aos cursos de formação inicial de professores de Matemática, para
melhor estudar interpretações que são feitas das atuais Diretrizes Curriculares. Esse
histórico nos favoreceu na análise do Projeto Pedagógico do curso investigado.
Caracterizamos, também nesse capítulo, os cursos de licenciatura em Matemática
no Estado de São Paulo, com base em pesquisa que realizamos com dados
coletados no ano de 2010, ao iniciarmos os trabalhos para a realização deste
estudo.
No capítulo seguinte, apresentamos as análises do Projeto Pedagógico do
Curso de Licenciatura em Matemática da Universidade Federal do ABC e das
entrevistas que realizamos. A análise do Projeto Pedagógico contribuiu para que
identificássemos, entre outros, os pressupostos de formação de professores de
Matemática dessa Universidade, ao passo que a análise das entrevistas contribuiu
para que entendêssemos como a teoria e a prática são relacionadas no Curso.
Finalizando, apresentamos nossas conclusões, compostas por uma síntese
da investigação que realizamos, pela organização das respostas às nossas
questões de pesquisa e por nossas reflexões que decorreram desta investigação.
20
1 JUSTIFICATIVA, PROBLEMÁTICA E PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Neste capítulo, apresentamos as motivações que nortearam o
desenvolvimento deste estudo e a justificativa para a escolha do tema. Anuncio os
objetivos e as questões que norteiam o desenvolvimento deste trabalho e abordo,
também, os procedimentos metodológicos.
1.1 Sobre as Motivações
No ano de 1994 formei-me no curso de licenciatura em Ciências com
habilitação plena em Matemática e, em 1995, iniciei minha atuação no magistério
como professor de Matemática do então curso colegial. Três anos depois fui
convidado a lecionar uma disciplina de Álgebra, em um curso com as mesmas
características daquele em que me formei, em uma faculdade particular da grande
São Paulo, na qual atuei até o ano de 2011.
Naquela instituição tive a oportunidade de participar, no final da década de
1990, da transformação daquele curso para o curso de licenciatura em Matemática,
de graduação plena. Na época, não somente a instituição em que eu atuava, mas
todas as instituições de educação superior que tinham cursos de licenciaturas de
graduação curta e/ou plena tiveram de transformar esses cursos em novas
licenciaturas de graduação plena, por força da Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional, de 1996.
Na instituição em que eu atuava, o Curso de Licenciatura em Ciências, com
Habilitação Plena em Matemática, teve seu último vestibular em 1999. A partir do
ano 2000, o vestibular daquela instituição passou a oferecer vagas para o Curso de
Licenciatura em Matemática.
No ano de 2002, a convite da Diretoria daquela faculdade, e com a anuência
da maioria dos professores que compunham o corpo docente dos dois cursos – o de
Ciências e o de Matemática –, passei a exercer, além da docência, a função de
21
coordenador de ambos os cursos. Naquele ano iniciou-se uma nova etapa na minha
carreira profissional, etapa essa que me aproximou mais da área de formação de
professores, uma vez que foi necessário me apropriar de novos conhecimentos
como, por exemplo, sobre gestão de cursos.
Durante o período em que estive como coordenador – 2002 a 2010 –,
juntamente com o corpo docente do Curso de Licenciatura em Matemática daquela
instituição, reformamos, por duas vezes, o Projeto Pedagógico desse curso: a
primeira vez para tentarmos reverter um processo de suspensão do curso, indevida
em minha opinião, determinada por uma Portaria Ministerial no final de 2001, e a
segunda vez para adequar o curso às Diretrizes Curriculares específicas dos cursos
de Matemática, estabelecidas em fevereiro de 2003.
A seguir, faço uma rápida abordagem sobre as experiências vividas em
ambas as reformas.
Em 1996, o Ministério da Educação (MEC) passou a avaliar, por meio de
provas, os estudantes dos últimos anos dos cursos superiores, com a justificativa de
levantar informações para orientar as ações da Secretaria de Educação Superior, no
sentido de estimular e fomentar iniciativas voltadas à melhoria da qualidade de
ensino. Essa avaliação, externa, foi denominada Exame Nacional de Cursos e ficou
popularmente conhecida como Provão. Em suma, o Provão analisava o
desempenho dos cursos, sendo esse inferido pelo desempenho dos alunos do
último ano desses cursos.
De acordo com os critérios fixados pelo MEC, cursos que tivessem obtido
reiteradamente desempenho insuficiente no Provão teriam seus reconhecimentos
suspensos e prazo de um ano para solicitar novo reconhecimento3. Nesse caso,
recebiam a visita de uma comissão para avaliação in loco do curso.
Especificamente para a área da Matemática, o Provão foi aplicado de 1998 a
2003, em todos os anos. Os cursos de licenciatura em Matemática e de licenciatura
em Ciências com habilitação em Matemática eram avaliados por uma mesma prova.
3 Artigo 36 do Decreto 3.860, de 9 de julho de 2001.
22
Além disso, o Provão de uma mesma área com cursos de bacharelado e de
licenciatura, como a área de Matemática, por exemplo, continham questões que
eram comuns aos alunos desses cursos e questões específicas para cada um deles.
Nos Exames da área da Matemática, tanto os alunos da licenciatura naquela
área como os alunos da licenciatura em Ciências com habilitação em Matemática
respondiam a questões comuns às licenciaturas e bacharelado daquela área e a
questões específicas da licenciatura, pois o curso de Ciências, com aquela
habilitação, também formava o professor para lecionar Matemática na Educação
Básica.
Em decorrência de duas insuficientes e sucessivas notas, no antigo Provão,
dos alunos do Curso de Ciências com Habilitação Plena em Matemática da
instituição em que eu atuava, em dezembro de 2001 o Curso Ciências daquela
instituição teve seu reconhecimento suspenso, juntamente com o Curso de
Licenciatura em Matemática.
Autorizado pelo Ministério da Educação em 1999 e tendo sua primeira turma
matriculada no ano seguinte, aquela Licenciatura em Matemática ainda não havia
participado do Exame Nacional de Cursos, diferentemente do Curso de Ciências,
que participara do Provão desde 1998. Mas, mesmo assim, o MEC suspendeu sua
autorização, assim como a autorização do Curso de Ciências, que funcionava
apenas para que os alunos pudessem concluí-lo.
Uma das tarefas a mim delegadas em 2002, ao assumir a coordenação de
ambos os cursos, foi o de reverter aquele processo de suspensão, especialmente
para o Curso de Matemática, uma vez que o de Ciências, a partir de 2003, não mais
teria alunos. Para tanto, eu e os docentes do curso elaboramos uma nova matriz
curricular para a Licenciatura em Matemática e reformulamos o seu Projeto
Pedagógico, com base nas Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de
Professores da Educação Básica (DCN), as quais já tinham sido discutidas pelo
Conselho Nacional de Educação em 2001 e oficializadas no início do ano de 2002.
Com a apresentação do novo Projeto Pedagógico ao MEC e a reestruturação
do corpo docente, este a cargo da Direção da instituição, a reversão do processo de
23
suspensão da Licenciatura em Matemática foi publicada no ano de 2004 e, no ano
subsequente, aquele Curso voltou a ser oferecido no vestibular.
Mas se fazia necessário, novamente, reformular o Projeto Pedagógico
daquele Curso, em virtude do estabelecimento das Diretrizes Curriculares
específicas para os Cursos de Matemática, oficializadas no ano de 2003.
Em ambas as reformulações dos Projetos, foram necessários estudos e
discussões, com o corpo docente do curso, sobre as DCNs e/ou as Diretrizes
Curriculares específicas para cursos de Matemática. Para tanto, alguns materiais
complementares às normas, contidas nas Diretrizes, foram também identificados e
utilizados, como o artigo Reflexões sobre os cursos de licenciatura em Matemática,
de Pires (2002), publicado no periódico Educação Matemática em Revista.
Tal artigo, publicado no ano de 2002, fez parte de uma edição especial
daquele periódico, que é uma publicação da Sociedade Brasileira de Educação
Matemática. Aquela edição especial, número 11A, apresentou somente artigos
relacionados à reorganização dos cursos formadores de professores de Matemática
para a Educação Básica, reorganização essa decorrente da definição e oficialização
das DCNs, pelo Ministério da Educação.
Além dos materiais complementares, foram estudados alguns projetos
pedagógicos de cursos de licenciatura em Matemática de instituições consideradas,
pelo corpo docente do Curso de Licenciatura em Matemática e Direção da
instituição, mais experientes na formação de professores. Porém a maior parte delas
também estava passando pelo mesmo processo de reformulação, devido à recente
normatização, e tais estudos não nos proporcionaram muitos conhecimentos novos.
Diante das modificações acarretadas por aquelas novas Diretrizes, deparamo-
nos com algumas dificuldades para a realização de ambas as reformulações. Cito,
por exemplo, a não explicitação das bases teóricas utilizadas na elaboração das
normas estabelecidas, principalmente nas Diretrizes Curriculares dos cursos de
Matemática.
Por outro lado, surgiam também dúvidas quanto a, por exemplo, como montar
um curso com a carga horária de 2.800 horas, fixada como mínima para um curso
24
de licenciatura, distribuídas em três anos de duração, também fixado como mínimo.
Com o ano contendo 200 dias letivos, isso significaria uma carga média diária de
quatro horas e 40 minutos de atividades, em um curso noturno, o que era
impraticável, uma vez que o horário das aulas noturnas da instituição em que eu
atuava era das 19h às 22h30, com dez minutos de intervalo.
Para resolver tal problema teríamos de aumentar a quantidade de dias letivos
ou propor um curso com duração maior que três anos ou, ainda, propor atividades
externas ao horário das aulas, uma vez que aumentar a carga horária diária das
atividades em uma hora e 20 minutos não era possível, devido ao turno.
Percebi, então, que dificuldades e dúvidas como essas não eram particulares
e passei, com o decorrer do tempo, a me aprofundar mais sobre os assuntos
relacionados às DCNs e Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de
Matemática.
Esse aprofundamento me levou, por exemplo, ao desenvolvimento, em 2005,
no Mestrado, de um estudo que foi posteriormente utilizado para constituir uma
disciplina, quando da segunda modificação do Projeto Pedagógico para a
Licenciatura que eu coordenava. Tal disciplina estava baseada nas Diretrizes, tanto
gerais quanto específicas para os cursos de Matemática, mais exatamente à
interpretação que fizemos – eu e o corpo docente do curso – sobre a inclusão de
conteúdos matemáticos presentes na Educação Básica, no currículo das
licenciaturas.
Daquele estudo, pude identificar os conhecimentos sobre equações que os
alunos ingressantes no Curso de Licenciatura em Matemática que eu coordenava
traziam e, por meio desses conhecimentos, construímos parte do programa de uma
disciplina que havíamos denominado Complementos de Matemática, proposta no
primeiro semestre do curso. Tal disciplina tinha como objetivo, conforme nossa
interpretação das Diretrizes Curriculares, abordar conceitos e procedimentos, assim
como apresentar pesquisas e discutir sobre o processo de ensino e aprendizagem
de assuntos da Educação Básica que seriam objetos de ensino dos futuros
professores.
25
Já decorridos, em média, pouco mais de dez anos das determinações das
Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Matemática e das DCNs, ainda
me vejo discutindo interpretações e pertinências das normas contidas nessas
Diretrizes, para os cursos de licenciatura em Matemática. E tenho consciência de
que não estou só, conforme pudemos constatar nos encontros regionais e nacionais
da SBEM sobre esses cursos.
Associadas às dificuldades que tive para entender partes das normas
nacionais e aplicá-las na elaboração de Projetos Pedagógicos de uma Licenciatura
em Matemática, as discussões da SBEM também me motivaram na realização deste
estudo.
Entendo que conhecer como são interpretadas as atuais leis que embasam
esses cursos, assim como conhecer a formação que é proposta por eles, pode
melhor qualificar os envolvidos na elaboração de toda a estrutura dessas
licenciaturas. Pode, também, melhor qualificar os envolvidos nas avaliações
externas, que, por meio de reflexões baseadas em exemplos e contraexemplos,
poderão melhor direcionar suas atividades a fim de contribuir, com conhecimentos
significativos, na reformulação de projetos pedagógicos. Entendo que ambas as
qualificações citadas poderão implicar a proposição de cursos mais eficientes para a
formação de futuros professores, capazes de reverter o estado negativo da nossa
Educação Básica, principalmente no que se refere ao processo de ensino e
aprendizagem de Matemática.
1.2 Sobre o Tema, os Objetivos e a Justificativa
Este estudo trata da formação de professores e tem como tema
interpretações das Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares
específicas para o curso de licenciatura em Matemática, apresentadas por uma
instituição federal de educação superior no Estado de São Paulo.
Nosso objetivo é analisar, com base no estudo do Projeto Pedagógico do
curso de licenciatura em Matemática proposto por essa instituição e do estudo de
entrevistas a professores desse curso, interpretações assumidas das Diretrizes
Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso, de modo a
26
identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores de
Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão
prática.
Pretendemos, com este estudo, contribuir com reflexões sobre as
interpretações dadas às Diretrizes Curriculares elaboradas pelo Ministério da
Educação, e que são apresentadas por instituições diretamente administradas pelo
mesmo Ministério, interpretações essas que podem ou não servir como parâmetros
para futuras reflexões sobre a formação de professores de Matemática para a
Educação Básica.
Temas associados à formação de professores são, em nossa opinião, de
grande interesse para a área da Educação, haja vista o grande número de
pesquisas e de trabalhos que vêm sendo realizados, sobretudo a partir dos anos de
1990.
Naquela década, houve um grande número de estudos cujo objetivo era
analisar a relação entre as concepções/crenças dos professores e sua prática
pedagógica, e estudos mais recentes procuram investigar os conhecimentos
profissionais dos professores em exercício, partindo do pressuposto de que os
docentes produzem saberes práticos sobre a matemática escolar, currículos e
atividades de ensino.
Com a nova atribuição conferida à CAPES, em 2007, ela passou a contribuir
com a formação de professores para a Educação Básica por meio, por exemplo, do
Programa de Consolidação das Licenciaturas (Prodocência) e do Programa
Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID). Entre outros objetivos, o
Prodocência visa ao fomento de projetos pedagógicos que renovem a estrutura
acadêmica e curricular de cursos de licenciatura e o fomento a propostas de
articulação entre teoria e práticas que integrem a Educação Superior com a
Educação Básica. Já o PIBID busca inserir os futuros professores no cotidiano de
escolas públicas, para proporcionar-lhes oportunidades de criação e participação em
experiências metodológicas, tecnológicas e práticas docentes, com o intuito de
superar problemas no processo de ensino-aprendizagem.
27
Em nosso entendimento, a estrutura acadêmica e curricular de cursos de
nível superior, assim como a articulação entre a teoria e a prática, um dos objetivos
de ambos os projetos – o Prodocência e o PIBID – são elementos que estão
diretamente relacionados à interpretação que é dada das Diretrizes Curriculares dos
cursos de formação de professores para a Educação Básica, pelas instituições de
ensino superior.
Dessa forma, estudos com temas que abordem interpretações das Diretrizes
Curriculares dos cursos de licenciatura e que identifiquem pressupostos de formação
utilizados no ensino de suas disciplinas podem contribuir, por exemplo, para
promover reflexões nos processos de reformulação, ratificação ou construção de
projetos pedagógicos inovadores na estrutura acadêmica e curricular, propiciando
uma melhor articulação entre a teoria estudada na Educação Superior e a prática a
ser desenvolvida na Educação Básica.
No que diz respeito à formação inicial de professores de Matemática para a
Educação Básica brasileira, embora haja pesquisas sobre essa formação, há
necessidade de estudos abordando interpretações e reflexões sobre as atuais
Diretrizes Curriculares, gerais e específicas, e que busquem identificar eventuais
mudanças que vêm sendo implementadas nesses cursos, em face das demandas
do sistema educacional brasileiro.
Tal fato pode ser comprovado, por exemplo, nos Fóruns Regionais e
Nacionais de Licenciaturas em Matemática, realizados pela SBEM, que discutem,
entre outros assuntos, as Diretrizes gerais e específicas desse curso.
No resumo do último Fórum Nacional de Licenciatura em Matemática,
realizado em abril de 2011 na Faculdade de Educação da Universidade de São
Paulo, a Professora Doutora Maria Elisabette Prado, responsável por sintetizar a
produção realizada nos subgrupos de discussão, destacou, dentre outras categorias
discutidas, a de currículo da licenciatura, e nela os seguintes assuntos abordados,
mas que ainda mereciam reflexões futuras: o delineamento do objeto de ensino da
licenciatura em Matemática, a ressignificação das horas de prática de ensino, a
reflexão sobre a reconstrução das disciplinas, a integração do conhecimento
28
pedagógico com o conhecimento matemático, entre outros. (COMISSÃO
ORGANIZADORA, 2011)
Da mesma forma, entendemos que esses temas destacados pela Prof.ª
Elisabette Prado podem estar diretamente relacionados às interpretações que se
fazem das Diretrizes Curriculares gerais e específicas da licenciatura em
Matemática, ou ainda podem estar negligenciados nessas normas, como, por
exemplo, a questão do delineamento do objeto de ensino dessas licenciaturas.
No entanto, identificamos que poucos são os estudos que abordam essas
interpretações sobre a formação inicial de professores, para cursos de licenciatura
em Matemática. Isso talvez possa ser justificado por serem recentes as
normatizações de cursos da educação superior que têm como objetivo apenas
oficializar um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos que devem ser
observados na organização institucional, assim como na elaboração de projetos
pedagógicos desses cursos, ao invés de fixarem suas normas rígidas de criação e
funcionamento, ou estabelecerem cursos como modelo, conforme ocorrido no
decorrer do século 20, como se pode observar ao se fazer um estudo desses
documentos.
Se partirmos de uma análise dos diferentes decretos, pareceres e resoluções
relacionadas à Educação Superior, elaborados ao longo da história, poderemos
identificar a existência de momentos em que os projetos pedagógicos dos cursos de
formação de professores para a Educação Básica deveriam ser únicos, não
poderiam variar de instituição para instituição, pois tinham, inclusive, fixadas as listas
dos conteúdos que deveriam ser trabalhados em cada disciplina, também fixada.
Outros momentos em que apenas eram fixadas as disciplinas e os períodos em que
deveriam ser estudadas. Poderemos identificar, também, momentos em que nada
era fixado ou que apenas foram determinadas as diretrizes para serem observadas,
possibilitando, assim, diferentes interpretações e, consequentemente, a existência
de diferentes propostas de formação, como nos dias de hoje.
Por meio da referida análise, poderemos observar que em dado momento da
história, houve, em cursos de formação de professores de Matemática para a
Educação Básica, a inclusão de conteúdos da matemática dos atuais Ensinos
29
Fundamental e Médio por meio de disciplina fixada com o nome de Fundamentos de
Matemática Elementar e que, com o passar do tempo, essa inclusão foi suspensa
para retornar, com novo enfoque, nas atuais Diretrizes Curriculares. Dessa forma, o
que anteriormente fora trabalhado com caráter de revisão, apesar de ter sido fixado
com outros objetivos além desse, saiu de cena por um período de tempo para
depois retornar, com novos objetivos, que poderão ser alcançados tendo, como
base, um referencial de formação de professores de Matemática para a Educação
Básica, como os estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008).
Também poderemos observar, ainda nessa análise, como a teoria e a prática
se relacionaram na formação inicial de professores para a Educação Básica. Em
dado momento da história, a prática coexistiu com a teoria, de forma totalmente
dissociada dessa, com uma lógica própria e independente, configurando dois polos
na formação de um professor, uma visão dicotômica, portanto. Houve também
momentos em que a prática foi vista como uma aplicação da teoria, uma visão
também dicotômica, mas que associava, de certa forma, teoria e prática, sendo a
prática subordinada à teoria à qual era conferida um grau de importância bem maior.
Além desses, houve momentos em que a teoria e a prática passaram a ser vistas
como uma unidade indissociável, portanto dependentes uma da outra.
Nessa última visão, Candau e Lelis (1993, p. 56) afirmam que “o primado é da
prática, com a diferença de que esta prática implica em um grau de conhecimento da
realidade que transforma e das exigências que busca responder. E este
conhecimento da realidade é fornecido pela teoria [...]”, que da prática se constrói,
ou seja, mesmo tendo prioridade, a prática não se subordina à teoria e, tampouco,
vice-versa.
Portanto, entendemos que este estudo é relevante, especialmente em um
momento no qual a SBEM e a Sociedade Brasileira de Matemática (SBM) vêm
realizando, desde 2011, reuniões conjuntas para escrever uma proposta única de
Diretrizes Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, que será
encaminhada para apreciação do MEC, uma vez que ambas entendem que as
Diretrizes específicas precisam ser revisadas.
30
Particularmente, também somos a favor da revisão das Diretrizes Curriculares
específicas para as licenciaturas em Matemática, uma vez que as Resoluções e
Pareceres que tratam das normas desses cursos são, em nossa opinião,
documentos generalistas em alguns aspectos e omissos em outros. Generalistas,
por exemplo, na determinação, em um mesmo documento, de normas para dois
cursos de naturezas distintas, não deixando clara a identidade de cada curso.
Omissos em não indicarem investigações específicas sobre a formação inicial de
professores para lecionar Matemática, como os conhecimentos necessários ao
futuro docente para exercer sua função, assim como não abordar a relação que
deve – ou não – existir entre esses tipos de conhecimentos e os conteúdos de nível
superior, listados como comuns a todas as licenciaturas. Tal omissão pode, por
exemplo, levar a interpretações equivocadas sobre a formação inicial do professor
de Matemática para a Educação Básica.
Pela revisão dessas Diretrizes Curriculares específicas, entendida como
necessária pela SBEM e pela SBM, e pela não especificidade e omissão contidos
nesse documento, reforçamos a necessidade de estudos como o que apresentamos,
pelo papel que eles podem desempenhar na melhoria das licenciaturas em
Matemática.
Para atingir os objetivos que anunciamos anteriormente, construímos duas
questões de pesquisa. A primeira questão procura identificar a relação entre o
projeto pedagógico de um curso de licenciatura em Matemática com as Diretrizes
Curriculares desse curso:
Como são interpretadas, por uma instituição federal de educação
superior no Estado de São Paulo, as atuais Diretrizes Curriculares
para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo no tocante à
dimensão prática?
A resposta a essa questão não se fixará apenas nos aspectos legais, mas
buscaremos também entender como a instituição relaciona a dimensão prática da
formação do professor de Matemática para a Educação Básica com as teorias
estudadas no seu curso de licenciatura em Matemática.
31
A segunda questão procura identificar a relação entre a formação proposta
por uma licenciatura em Matemática com estudos sobre a formação inicial de
professores para atuar na Educação Básica, em especial, para lecionar Matemática:
Quais são os pressupostos para a formação de professores de
Matemática adotados pela instituição federal proponente do Curso
investigado?
Intrínseca a essa questão, buscamos identificar, além de outros aspectos, em
que medida o curso de licenciatura em Matemática investigado concebe, em seu
projeto pedagógico, disciplinas com características de contemplar conhecimentos
necessários ao ensino de Matemática.
Para responder a essas questões, será necessária a análise dos principais
documentos que abordam as Diretrizes Curriculares Nacionais e as Diretrizes
Curriculares dos Cursos de Matemática, assim como a análise da interpretação que
é dada a essas Diretrizes, por uma instituição de educação superior. A instituição de
educação superior escolhida foi a Universidade Federal do ABC, e os documentos
em questão correspondem a: (1) duas resoluções e os pareceres que as
fundamentam, todos elaborados e aprovados pelo Conselho Pleno do Conselho
Nacional de Educação – a Resolução n.º 1 de 2002, que institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores para a Educação Básica,
com base no Parecer n.º 9 de 2001, e a Resolução n.º 2 de 2002, que institui a
duração e a carga horária desses cursos, que tem como base o Parecer n.º 28 de
2001 –; e (2) uma resolução, fundamentada no seu respectivo parecer, elaborada e
aprovada pela Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação –
a Resolução n.º 3 de 2003, que estabelece as Diretrizes Curriculares para os Cursos
de Matemática e o Parecer n.º 1.302 de 2001.
Para a análise da interpretação que é dada às Diretrizes Curriculares pela
Universidade Federal do ABC, serão necessários referenciais teóricos que abordem
a formação inicial de professores para a Educação Básica, mais especificamente de
professores de Matemática. E em se tratando do que é proposto nas atuais
Diretrizes Curriculares, gerais e específicas para a formação na área de Matemática,
entendemos que os estudos desenvolvidos por Deborah L. Ball, Mark H. Thames e
32
Geoffrey Phelps, a respeito dos conhecimentos para o ensino de Matemática, são
essenciais para nossa investigação, pois associam, no nosso entendimento, teoria e
prática, principal aspecto, a nosso ver, que diferencia as Diretrizes Curriculares
atuais para os cursos de formação de professores para a Educação Básica das
normatizações anteriores.
Cabe ressaltar que os referidos estudos de Ball, Thames e Phelps têm suas
bases teóricas nos artigos que abordam os conhecimentos necessários ao
professor, de Lee S. Shulman, artigos esses que não poderíamos deixar de abordar,
dada a importância deles no referencial citado no parágrafo anterior. Por outro lado,
como entendemos que esses referenciais associam a teoria à prática, faz-se
também necessária a presença, no estudo que apresentamos, de uma referência
que aborde visões sobre a relação entre esses dois elementos, considerados
indispensáveis na formação docente – teoria e prática. Para tanto, utilizamos um
artigo de Vera Maria Candau e Isabel Alice Lelis.
Dessa forma, os trabalhos de Shulman (1986, 1987), de Ball, Thames e
Phelps (2007, 2008) e o artigo de Candau e Lelis (1993) constituem referenciais
para as análises que fazemos.
1.3 Sobre os Procedimentos Metodológicos
Pesquisar é mostrar-se. Pesquisar é um exercício para entendermos o mundo.
Vicente Garnica4
Este estudo não tem como objetivo explicar ou fazer generalizações sobre um
fato, mas analisar, com base no estudo do Projeto Pedagógico de um curso de
licenciatura em Matemática proposto por uma instituição federal e do estudo de
entrevistas a professores desse curso, interpretações assumidas por essa instituição
das Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso,
de modo a identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores
de Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão
prática.
4 GARNICA, Antonio Vicente Marafioti. Algumas notas sobre Pesquisa Qualitativa e Fenomenologia.
Interface – Comunicação, Saúde, Educação. Botucatu, v.1, n. 11: UNESP, 1997.
33
Para tanto, analisamos o projeto pedagógico de uma dessas licenciaturas, em
funcionamento no Estado de São Paulo, com base nas DCNs, nas Diretrizes
Curriculares específicas para os cursos de licenciatura em Matemática e em
pressupostos teóricos relacionados à formação de professores de Matemática para
a Educação Básica, defendidos por muitos pesquisadores em educação matemática,
sobretudo no que diz respeito aos conhecimentos necessários para o exercício da
docência.
Nossa opção por uma instituição federal se justifica no fato de considerarmos
necessária a identificação de interpretações dessas Diretrizes, normatizadas por
órgão vinculado ao Ministério da Educação – o Conselho Nacional de Educação –,
por instituições de Educação Superior também vinculadas ao MEC e
supervisionadas pela Secretaria Executiva desse Ministério. Entendemos que,
supostamente, as instituições federais de Educação Superior deveriam ser
exemplos, no que se refere ao cumprimento das normatizações elaboradas e fixadas
pelo Governo Federal e, por esse motivo, identificar as interpretações que elas
fazem dessas normatizações é, em nossa concepção, conveniente.
Dessa forma, escolhemos o Curso de Licenciatura em Matemática da
Universidade Federal do ABC (UFABC). Essa escolha se deve ao fato de essa
instituição apresentar uma proposta de formação diferenciada e pioneira no Brasil,
em que o aluno inicia seus estudos em um Curso de Bacharelado em Ciência e
Tecnologia, que não tem como objetivo uma formação profissional específica, para
depois fazer a Licenciatura em Matemática.
Em uma primeira leitura, a proposta de formação da UFABC, que por um lado
inova a estrutura acadêmica e curricular dos cursos de licenciatura, conforme
incentiva o Prodocência, por outro lado parece ir de encontro com as DCNs5. Ao
mesmo tempo, o Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC é reconhecido
pelo Ministério da Educação, ou seja, tem um parecer favorável de funcionamento,
elaborado por uma Comissão de Avaliadores do MEC, que analisou o Projeto
5 De acordo com as Diretrizes Curriculares Nacionais, que são discutidas no capítulo 3, a prática
como componente curricular deve estar presente em todo o decorrer dos cursos de licenciatura. Isso parece não ocorrer no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC, conforme análise que é apresentada no capítulo 4.
34
Pedagógico do Curso e o aprovou com nota máxima: uma contradição, a nosso ver,
se realmente essa proposta de formação não contemplar aspectos das DCNs.
Com relação à coleta dos dados, pautamo-nos no Projeto Pedagógico do
referido Curso e nas informações disponibilizadas nas páginas eletrônicas da
respectiva instituição que propõe o Curso, assim como nas informações
disponibilizadas nas páginas eletrônicas do Ministério da Educação. Guiamo-nos,
também, pelas entrevistas que foram realizadas com a coordenadora do curso e
com os seus docentes, as quais foram fundamentais para a análise que
apresentamos no capítulo 4.
Essas entrevistas foram do tipo semiestruturada que, segundo Lüdke e André
(1986, p. 34), “se desenrola a partir de um esquema básico, porém não aplicado
rigidamente, permitindo que o entrevistador faça necessárias adaptações”. Partimos
de um roteiro básico, contendo somente as questões norteadoras, e deixamos que
os entrevistados discorressem sobre os assuntos que já estavam previamente
determinados nesse roteiro. Nos casos em que as falas dos entrevistados não
abordaram espontaneamente todos os tópicos que pretendíamos registrar,
questionamos sobre tais tópicos.
Quanto à análise dos dados, ela foi realizada com base nos referenciais
teóricos adotados, identificados na subseção anterior, e nas Diretrizes Curriculares
gerais para as licenciaturas e específicas para a licenciatura em Matemática.
Pelo exposto, nossa investigação contempla aspectos da abordagem
qualitativa de pesquisa, apresentadas por Lüdke e André (1986), sobretudo por
envolver, pelo contato direto do pesquisador com a situação estudada, a obtenção
de dados predominantemente descritivos e pela análise desses dados seguir um
processo indutivo, em que não se procura buscar evidências para comprovar
hipóteses previamente definidas, mas sim identificar entendimentos a respeito de
aspectos abordados nas atuais Diretrizes Curriculares dos cursos de licenciatura.
35
1.3.1 Caracterização da Instituição proponente do curso investigado
A Universidade Federal do ABC, com sede na cidade de Santo André,
município do Estado de São Paulo, foi criada por uma Lei Federal6 no ano de 2005 e
contava, em 5 de março de 2013, com 27 cursos autorizados, conforme consta do
sítio do Ministério da Educação7, dentre eles o curso de Bacharelado em Ciência e
Tecnologia e o Curso de Licenciatura em Matemática.
O ingresso de alunos na UFABC se dá somente pelo Sistema de Seleção
Unificado (SiSU), que tem o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) como o
processo de seleção nacional.
Ao se cadastrar para concorrer a uma das 1.960 vagas anuais oferecidas pela
UFABC, o candidato tem apenas duas opções de cursos: o Bacharelado em Ciência
e Tecnologia (BC&T) e o Bacharelado em Ciências e Humanidades (BC&H), ambos
bacharelados interdisciplinares8, com carga horária de 2.400 horas, cada um, e
duração mínima de três anos.
Teoricamente9, após ter cursado aproximadamente 35%10 da carga horária
total do BC&T ou da carga horária total do BC&H, o aluno poderá optar por outros
cursos de nível superior. Tais cursos são identificados no decorrer dessa subseção.
Do total de vagas disponibilizado por ano para o ingresso na UFABC, 50%
são destinados a alunos oriundos das escolas públicas e 50% são destinados para
ingresso universal, conforme afirma Rosa (2013), pró-reitor de graduação da
instituição, ao fazer uma apresentação dos bacharelados interdisciplinares da
UFABC.
Ambos os bacharelados têm disciplinas obrigatórias comuns, o que possibilita
a integração de alunos desses cursos, em algumas disciplinas oferecidas.
6 Lei Federal n.º 11.145, de 26 de julho de 2005.
7 http://emec.gov.br.
8 Abordamos sobre esse tipo de bacharelado mais à frente.
9 Ao aluno é proposta uma ordem de disciplinas a cursar. Entretanto, ele não é obrigado a seguir essa
ordem. 10
Neste ponto o Projeto Pedagógico do BC&T diverge do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática. No Projeto da Licenciatura, após cursar 25% da carga do BC&T, o aluno pode optar pelo Curso.
36
Conforme constava, em março de 2013, no sítio do MEC, o BC&T, o mais
antigo dos dois bacharelados interdisciplinares da UFABC, cujo início se deu em
2006, tem autorização para receber anualmente 1.560 novos alunos, distribuídos
nos períodos diurno e noturno11. Desse total, 1.125 vagas são destinadas para o
campus de Santo André e as demais vagas são destinadas para o campus de São
Bernardo do Campo, outro município do Estado de São Paulo. Já o BC&H, iniciado
em 2009, pode receber anualmente 400 alunos, distribuídos nos períodos diurno e
noturno, somente no campus de São Bernardo do Campo.
Uma vez cursando o BC&T ou o BC&H, denominados pela UFABC de cursos
de ingresso, o aluno, ao concluir parte das disciplinas obrigatórias, conforme
explicitamos acima, poderá escolher até três outros cursos de graduação da UFABC
para uma formação específica. Ao concluí-los, os alunos poderão obter um segundo,
um terceiro, ou um quarto diploma de graduação, uma vez que ambos os
bacharelados interdisciplinares concedem diplomas de nível superior aos seus
egressos.
Consta dos Projetos Acadêmicos das graduações da UFABC que todos os
cursos por ela propostos contêm disciplinas obrigatórias, disciplinas de opção
limitada – disciplinas que constam de uma relação preestabelecida – e disciplinas de
opção livre – disciplinas em que o aluno pode escolher dentre todas as disciplinas
oferecidas pela UFABC. As disciplinas obrigatórias do BC&T e do BC&H são parte
das disciplinas obrigatórias para os cursos de formação específica que o aluno
poderá optar, ao passo que algumas disciplinas dos cursos de formação específica –
licenciaturas, por exemplo – podem ser contadas como de opção limitada ou de
opção livre para o BC&T ou o BC&H.
O Quadro 1 apresenta os cursos existentes na UFABC, em 2013, e a
vinculação entre os cursos de formação específica e os dois cursos de ingresso, os
bacharelados interdisciplinares. Todos os cursos são propostos por três centros: o
Centro de Ciências Naturais e Humanas (CCNH); o Centro de Matemática,
Computação e Cognição (CMCC); e o Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências
11
As informações sobre os períodos foram identificadas no Projeto Pedagógico e em Rosa (2013).
37
Sociais (CECS). Os bacharelados interdisciplinares não são de responsabilidade de
um único Centro e congregam professores desses três Centros.
Os cursos oferecidos pelo CCNH são os Bacharelados e as Licenciaturas em
Ciências Biológicas, em Física, em Química e em Filosofia. Os oferecidos pelo
CMCC são o Bacharelado e a Licenciatura em Matemática e os Bacharelados em
Ciência da Computação e em Neurociências. Já os cursos oferecidos pelo CECS
são os Bacharelados em Ciências Econômicas, em Planejamento Territorial, em
Políticas Públicas e em Relações Internacionais, além dos oito cursos de
Engenharia.
Quadro 1 – Vinculação entre os cursos de formação específica e os bacharelados interdisciplinares da UFABC
Bacharelados interdisciplinares (cursos de ingresso)
Cursos Vinculados (cursos de formação específica)
Bacharelado em Ciência e Tecnologia Bacharelado em Ciências Biológicas (BC&T) Bacharelado em Física
Bacharelado em Matemática Bacharelado em Química Bacharelado em Ciência da Computação Bacharelado em Neurociência Licenciatura em Ciências Biológicas Licenciatura em Física Licenciatura em Matemática Licenciatura em Química Engenharia Aeroespacial Engenharia Ambiental e Urbana Engenharia Biomédica Engenharia de Energia Engenharia de Gestão Engenharia de Informação Engenharia de Instrumentação, Automação e Robótica Engenharia de Materiais
Bacharelado em Ciências e Humanidades Bacharelado em Filosofia (BC&H) Bacharelado em Planejamento Territorial
Bacharelado em Políticas Públicas Bacharelado em Relações Internacionais Bacharelado em Ciências Econômicas Licenciatura em Filosofia
Fonte: Página eletrônica da graduação da UFABC: http://prograd.ufabc.edu.br/cursos
O ingresso de docentes na UFABC é realizado por meio de concursos.
Somente professores com titulação mínima de doutorado, conforme estatuto interno,
é que podem participar dos concursos. Portanto, todos os docentes dessa instituição
são, no mínimo, doutores formados.
A UFABC não é organizada por departamentos, como outras universidades.
Os concursos ocorrem para seleção de professores das disciplinas dos 26 cursos e
38
os docentes selecionados são vinculados, normalmente, ao Centro responsável pelo
curso. Sendo assim, podem existir, por exemplo, professores das áreas de
Matemática, Física e Química nos três Centros.
Os bacharelados interdisciplinares não tinham, até março de 2013, Diretrizes
Curriculares específicas normatizadas pelo Conselho Nacional de Educação. São
cursos novos no rol de cursos de graduação brasileiros e propostos pela primeira
vez no ano de 2006, tendo como pioneira a UFABC. Dessa forma, essa instituição
se pautou em resoluções e leis já existentes para construir os Projetos Pedagógicos
do BC&T e do BC&H.
O BC&T da UFABC somente teve seu reconhecimento pelo MEC no ano de
2012, após o CNE se manifestar sobre essa modalidade de bacharelado por meio
de um Parecer12 que examinou os Referenciais Orientadores para os Bacharelados
Interdisciplinares e Similares, documento produzido por um Grupo de Trabalho
designado pelo MEC, em 2010.
Os Bacharelados de Ciência e Tecnologia e de Ciências e Humanidades da
Universidade Federal do ABC estão autorizados pelo MEC a conceder os títulos de
Bacharel em Ciência e Tecnologia e Bacharel em Ciências e Humanidades,
respectivamente. Porém esses títulos não qualificam profissionalmente os egressos
desses cursos para uma profissão específica, uma vez que esses bacharelados não
têm como objetivo a graduação profissionalizante, que ficaria a cargo de um
segundo ciclo de estudos.
A Figura 1 apresenta o fluxo de formação proposto pela UFABC envolvendo
os bacharelados interdisciplinares e as graduações de formação específica.
12
Parecer CNE/CES n.º 266, de 6 de julho de 2011.
39
Figura 1 – Fluxo de formação proposto pela UFABC Fonte: Rosa (2013, p. 21)
Conforme consta dos Referenciais Orientadores para os Bacharelados
Interdisciplinares e Similares, a implementação dos bacharelados interdisciplinares
foi inspirada na proposta para concepção da Universidade de Brasília, de Anísio
Teixeira na década de 1960, no Processo de Bolonha e nos Colleges americanos.
Esses cursos têm como objetivo proporcionar, antes de uma formação superior
específica, “[...] uma formação com foco na interdisciplinaridade e no diálogo entre
as áreas de conhecimento e entre componentes curriculares, estruturando as
trajetórias formativas na perspectiva de uma alta flexibilização curricular”. (BRASIL,
2010, p. 4)
O propósito de o aluno cursar primeiro um bacharelado interdisciplinar e após
um curso de formação específica, de acordo com os autores dos Referenciais
Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e Similares, é o de oferecer um
primeiro ciclo de formação com bases conceituais, éticas e culturais, nas grandes
áreas que congregam campos de saberes, práticas, tecnologias e conhecimentos,
como Ciência e Tecnologia. Essa formação objetivaria o desenvolvimento de um
conjunto de competências, habilidades e atitudes, capazes de alicerçar um segundo
ciclo de formação, que seria específica, porém não obrigatória, ou até mesmo
alicerçar um terceiro ciclo de formação, de pós-graduação Lato Sensu ou até mesmo
Stricto Sensu, dependendo da área. (BRASIL, 2010)
40
Dessa forma, deveria ter, ainda segundo os mesmos autores, um currículo
flexível, possibilitando o diálogo entre disciplinas do primeiro com o segundo ciclo,
dando, assim, liberdade para que o aluno pudesse escolher sua trajetória de
formação. (BRASIL, 2010)
1.3.2 Caracterização do curso investigado
O Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC é uma graduação de
formação profissional em área específica do conhecimento, vinculado ao
Bacharelado de Ciência e Tecnologia. Corresponde a um segundo ciclo de formação
universitária que tem como primeiro ciclo o BC&T.
Sendo assim, um aluno somente é aceito nessa licenciatura após cursar parte
do Curso de Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Dessa forma, para caracterizar o
Curso de Licenciatura em Matemática da UFAB, faz-se necessário caracterizar,
antes, o BC&T dessa IES.
O BC&T da UFABC é um curso com carga horária total de 2.400 horas, com
duração mínima de três anos, conforme já abordamos.
Além de ser o pioneiro dos bacharelados interdisciplinares, o BC&T da
UFABC, assim como todos os cursos dessa instituição, apresenta uma característica
pouco adotada por cursos de nível superior brasileiros: tem periodicidade
quadrimestral.
O objetivo geral desse Bacharelado é atender às novas demandas da
sociedade, contemplando os cenários e as oportunidades do mundo moderno, com
uma proposta diferente, segundo a UFABC, daquela que prioriza as disciplinas
clássicas ou que simplesmente incorpora a essas novas disciplinas.
(UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b)
Quanto aos objetivos específicos, o curso pretende:
Ampliar o currículo básico em extensão e profundidade no que diz respeito à Informática, Computação científica, às Ciências Naturais, às Ciências de Engenharia e à Matemática.
Estruturar o currículo profissional de modo a atender as demandas das tecnologias modernas e emergentes e incorporar disciplinas que
41
permitam uma inserção mais rápida dos formandos na sociedade moderna.
Incorporar disciplinas como a História da Ciência, História da Tecnologia e História do Pensamento Contemporâneo com o intuito de desenvolver a capacidade crítica no exercício da atividade profissional e da cidadania.
Estimular e desenvolver nos estudantes as habilidades de descobrir, inventar e criticar, características respectivamente das Ciências Naturais, das Engenharias e das Matemáticas.
Personalizar, ainda que parcialmente, o currículo de modo que o aluno possa desenhar sua formação profissionalizante de acordo com sua vocação e suas aspirações. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b, p. 6)
Como perfil do egresso, espera-se, por meio de “[...] uma formação com forte
base científica e tecnológica [...]” (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009b, p.
8), que o egresso do BC&T esteja habilitado a aplicar os conhecimentos construídos
na realização de tarefas e solução de problemas em organizações públicas, privadas
ou do terceiro setor. Tais conhecimentos poderão ainda ser aplicados, segundo a
UFABC, em atividades de pesquisa em Ciência e Tecnologia e na continuidade dos
seus estudos em cursos de formação específica.
Quanto à organização curricular, as disciplinas obrigatórias, de opção limitada
e de opção livre, assim como as atividades extracurriculares, são contabilizadas por
créditos, sendo cada unidade de crédito correspondente a 12 horas de atividades
acadêmicas: as disciplinas obrigatórias correspondem a 90 créditos; as de opção
limitada correspondem a 57 créditos; as de opção livre correspondem a 43 créditos;
e as atividades extracurriculares correspondem a dez créditos.
A tabela a seguir apresenta a relação entre os créditos e a carga horária das
atividades que compõem o BC&T.
Tabela 1 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do BC&T da UFABC
Atividades Número de créditos Correspondente em horas
Disciplinas obrigatórias 90 1.080 Disciplinas de opção limitada 57 684 Disciplinas de opção livre 43 516 Atividades extracurriculares 10 120
Total 200 2.400
Com relação às disciplinas obrigatórias, elas organizam, segundo a UFABC,
os conhecimentos de cinco dos seis eixos de formação existentes no BC&T. Esses
42
cinco eixos são os responsáveis pela formação científica e tecnológica, ao passo
que um sexto eixo é o responsável pela formação humanística do indivíduo.
Os eixos da formação científica e tecnológica são identificados como:
Comunicação e Informação; Estrutura da Matéria; Energia; Processos de
Transformação; e Representação e Simulação. O eixo da formação humanística é o
de Humanidades e Ciências Sociais Aplicadas. Não há no Projeto Pedagógico do
BC&T, de forma explícita, quais as disciplinas que se relacionam a cada um desses
seis eixos. Por outro lado, Rosa (2013) afirma que as disciplinas obrigatórias
contemplam todos os seis eixos e indica a qual (ou quais) eixo(s) cada disciplina
obrigatória está associada: todas as disciplinas de Matemática fazem parte do eixo
Representação e Simulação.
Com o objetivo de orientar os alunos na escolha da ordem das disciplinas
obrigatórias, consta do Projeto do curso de BC&T a apresentação de um perfil de
formação. Nesse perfil são indicadas, até o quarto quadrimestre, um total de 20
disciplinas a serem cursadas: cinco por quadrimestre.
No quinto, no sexto e no nono quadrimestres, respectivamente, são indicadas
quatro, uma e uma, disciplinas obrigatórias a serem cursadas, e é sugerido que o
aluno complete o total de cinco disciplinas, do quinto ao nono quadrimestre, com as
disciplinas de opção limitada e de opção livre. Portanto, as disciplinas obrigatórias
são em número de 26 e as disciplinas de opção livre ou opção limitada são em
número de 19.
Pelo fluxo de disciplinas proposto no perfil de formação, pode-se afirmar
teoricamente que, a partir do quinto quadrimestre, o aluno já pode fazer as escolhas
de disciplinas visando ao segundo ciclo de formação, uma vez que a maioria das
disciplinas de opção limitada faz parte das graduações vinculadas ao BC&T, por
exemplo, Didática ou Matemática Discreta, ambas obrigatórias no Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC.
Quanto às atividades extracurriculares, a carga horária de 120 horas pode ser
constituída por atividades predeterminadas e distribuídas em três grupos: de
complementação da formação social, humana e cultural; de cunho comunitário e de
interesse coletivo; e de iniciação científica, tecnológica e de formação profissional.
43
Com relação ao estágio, o Projeto Pedagógico do BC&T o coloca como não
obrigatório, mas incentiva o aluno a realizá-lo, como complementação de sua
formação e ajuda para as escolhas profissionais. Caso o aluno opte por realizá-lo,
deve observar uma resolução interna que normatiza tais estágios não obrigatórios.
Após essa visão geral do BC&T, passamos a descrever o Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC.
Em funcionamento desde setembro de 2006, o Curso de Licenciatura em
Matemática da UFABC teve seu reconhecimento concedido pelo MEC no ano de
2012, mais especificamente no mês de outubro, e a renovação desse
reconhecimento concedida, automaticamente, em dezembro de 2012, em virtude
das avaliações do Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior terem sido
satisfatórias, no Ciclo Avaliativo que aplicou o Exame Nacional de Cursos nos
bacharelados e licenciaturas em Matemática no ano de 2011. Apesar de constar no
sítio do MEC a data de funcionamento em setembro de 2006, o curso não teve,
necessariamente, sua primeira turma constituída naquele ano.
De acordo com as informações contidas na página eletrônica do Ministério da
Educação, a Licenciatura em Matemática da UFABC está autorizada a receber
anualmente 40 alunos ingressantes, tem carga horária de 2.808 horas – sendo 1.080
horas de disciplinas do BC&T – e duração de 12 quadrimestres, o que corresponde
a quatro anos. A Licenciatura em Matemática tem disciplinas que são oferecidas nos
turnos matutino e noturno.
Segundo informações da coordenadora, o Projeto Pedagógico para as
licenciaturas daquela IES foi elaborado por quatro professores, três deles
ingressantes na instituição em 2008. A primeira “tarefa” específica daqueles quatro
docentes, na UFABC, foi construir o referido documento.
Um único Projeto Pedagógico foi elaborado para as Licenciaturas em
Ciências Biológicas, Física, Matemática e Química, as primeiras Licenciaturas da
UFABC, e dessa construção participou um professor de cada uma das áreas de
ensino envolvidas, dentre eles, um Educador Matemático. Esse Projeto apenas
apresenta particularidades a cada um dos cursos, ao abordar a distribuição das
disciplinas específicas deles.
44
A organização curricular do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
é composta por disciplinas obrigatórias, disciplinas eletivas – que são as disciplinas
de opção limitada – e disciplinas de opção livre, além do estágio supervisionado e
das atividades complementares, que são denominadas atividades acadêmico-
científico-culturais.
As disciplinas obrigatórias, por sua vez, são formadas por disciplinas do
BC&T, por disciplinas comuns a todas as licenciaturas – denominadas também de
didático-pedagógicas comuns – e por disciplinas específicas da Licenciatura em
Matemática, divididas em didático-pedagógicas específicas e de conteúdo
específico.
Assim como no BC&T, a Licenciatura em Matemática e todos os demais
cursos da UFABC utilizam o sistema de créditos para a contagem da carga horária,
em que cada crédito corresponde a 12 horas de atividades. Na Licenciatura em
Matemática, no total, são 184 créditos de disciplinas, que correspondem a 2.208
horas, e mais 600 horas divididas em estágio supervisionado e atividades
acadêmico-científico-culturais.
A tabela a seguir apresenta informações sobre a distribuição da carga horária
total das 2.808 horas pelos grupos de disciplinas, com seus respectivos créditos,
quando existentes.
Tabela 2 – Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Atividades Número de
créditos Número de
horas
Disciplinas obrigatórias
do BC&T 90 1.080
didático-pedagógicas comuns 21 252
específicas didático-pedagógicas 13 156 conteúdos específicos 38 456
Disciplinas eletivas – opção limitada 12 144 Disciplinas de opção livre 10 120 Estágio supervisionado --- 400 Atividades acadêmico-científico-culturais --- 200
Total 184 2.808
Consta do Projeto Pedagógico uma matriz curricular ideal13 para ser cursada
pelo aluno da Licenciatura em Matemática. Por esse fluxo ideal, que é apresentado
13
O termo ideal é utilizado no Projeto para indicar um fluxo proposto pela UFABC, ou uma carga horária ou duração previamente fixada, mas não necessariamente obrigatórias.
45
no capítulo 4, esses alunos podem optar por essa Licenciatura a partir do quarto
quadrimestre do BC&T14. As atividades acadêmico-científico-culturais,
diferentemente do estágio supervisionado, não fazem parte do fluxo ideal proposto
e, conforme consta do referido Projeto, devem ser realizadas fora dos horários das
aulas. Entretanto, atividades cursadas no período em que o aluno está matriculado
podem ser aceitas, mediante autorização da coordenação do curso.
No capítulo 4 fazemos uma apresentação detalhada do Projeto Pedagógico
da Licenciatura em Matemática da UFABC.
14
Nesse ponto, os Projetos Pedagógicos do BC&T e da Licenciatura em Matemática não convergem: no fluxo ideal contido no Projeto do BC&T essa escolha ocorre, como vimos, somente a partir do quinto quadrimestre.
46
2 REFERENCIAIS TEÓRICOS E PESQUISAS SOBRE AS LICENCIATURAS EM MATEMÁTICA BRASILEIRAS APÓS A PUBLICAÇÃO DAS ATUAIS DIRETRIZES CURRICULARES
Neste capítulo, abordamos os referenciais teóricos utilizados neste estudo e
apresentamos uma revisão bibliográfica sobre pesquisas que discutem cursos de
formação de professores de Matemática para a Educação Básica e aspectos
aludidos nas atuais Diretrizes Curriculares para as licenciaturas.
Ocupamo-nos também do Processo de Bolonha que, conforme consta da
caracterização da UFABC, faz parte das bases para a implementação dos
bacharelados interdisciplinares no Brasil. Ressaltamos que para um aluno ingressar
no Curso investigado, faz-se necessário iniciar seus estudos em um bacharelado
interdisciplinar – o Bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC. Por esse
motivo, julgamos ser necessária essa abordagem.
2.1 A formação de professores na visão de alguns referenciais teóricos
Nos anos de 1986 e 1987, Lee S. Shulman publicou um artigo que seria
considerado um marco na discussão sobre a formação de professores. Nele, o autor
discutiu os conhecimentos considerados necessários para uma boa formação
docente.
Vinte anos depois, tendo como base os trabalhos de Shulman, Deborah L.
Ball, Mark H. Thames e Geoffrey Phelps publicaram, a nosso ver, um importante
estudo para a área da Educação Matemática abordando os conhecimentos para o
ensino de Matemática, necessários aos professores de Matemática da Educação
Básica para o desenvolvimento da sua profissão.
Sobre esses dois estudos é o que discutimos a seguir.
47
2.1.1 Os conhecimentos necessários ao professor, segundo Shulman
Alguns aportes teóricos sobre a formação inicial e continuada de professores
têm suas bases nas ideias de John Dewey (1859–1952), filósofo e pedagogo norte-
americano. Shulman (1986, 1987) é um deles quando se refere aos conhecimentos
necessários ao professor para exercer sua profissão docente15.
Para Dewey, o conhecimento e o seu desenvolvimento estão diretamente
relacionados ao meio social, e, por este motivo, não poderiam ser abordados por
uma filosofia da educação que privilegiasse a dicotomia entre o indivíduo e a
sociedade. Em outras palavras, a educação estaria em função das necessidades
sociais e não deveria ficar restrita à transmissão de conteúdos, uma vez que as
disciplinas escolares, ensinadas como verdades e apartadas da experiência e ação
do aluno, refletiriam o dualismo filosófico entre o indivíduo e o mundo. (CUNHA,
2007)
Dessa forma, para fazer jus ao termo conhecimento, Dewey propôs o
desenvolvimento do método experimental de formação, também denominado
método de descoberta e prova ou, ainda, pensamento reflexivo, como ficou mais
conhecido.
O pensamento reflexivo de Dewey tinha a experimentação como principal
elemento, mas não a experimentação às cegas, e sim aquela em que as condições
presentes do ambiente poderiam ser observadas de modo a se construir
conhecimentos para serem utilizados em situações similares futuras: o aprender
fazendo.
Apoiado em uma das obras de Dewey, intitulada The Child and the Curriculum
e que abordava a diferença entre a compreensão lógica e a compreensão
psicológica – a segunda relacionada aos conhecimentos necessários para se
ensinar e a primeira ao conhecimento próprio dos cientistas –, Lee S. Shulman
apresentou, em 1986, sua hipótese sobre o conhecimento pedagógico do conteúdo.
Formado em Filosofia e em Psicologia, Shulman defendeu a existência de
conhecimentos inerentes à formação do professor. Nos seus estudos, Shulman
15
http://www.leeshulman.net/domains-pedagogical-content-knowledge.html
48
acompanhou o desenvolvimento de professores de variadas disciplinas para o
Ensino Secundário norte-americano. Tal acompanhamento se deu desde uma parte
final da formação inicial dos professores até o primeiro ano de atuação deles.
Em um artigo de 1986 Shulman apresenta três categorias de conhecimentos
como fundamentais e necessárias para que um professor pudesse exercer sua
profissão: a categoria de conhecimento do conteúdo; a de conhecimento pedagógico
do conteúdo e a categoria de conhecimento do currículo. Tais categorias são
abordadas um pouco mais à frente.
Em outro artigo, publicado em 1987, Shulman amplia esse número de
categorias ao concluir que deveria existir uma base de conhecimentos necessários
para lecionar disciplinas do Ensino Secundário e, que nesta base, sete categorias de
conhecimentos precisariam, no mínimo, estar presentes. Estas categorias são:
Conhecimento do conteúdo; Conhecimento pedagógico geral, com especial referência aos princípios e estratégias de gerenciamento e organização de sala de aula; Conhecimento do currículo, com compreensão especial dos materiais e programas que servem como "ferramentas de trabalho" para professores; Conhecimento pedagógico do conteúdo, o amálgama especial do conteúdo e da pedagogia e que está exclusivamente relacionado à area dos professores – a sua própria forma especial de compreensão profissional; Conhecimento de estudantes e as suas características; Conhecimento de contextos educacionais, que vão desde o funcionamento da instituição ou da sala de aula, a governança e o financiamento dos distritos escolares, para o caráter das comunidades e culturas; Conhecimento dos fins educacionais, propósitos e valores, e suas bases filosóficas e históricas (SHULMAN, 1987, p. 8, tradução nossa16)
16
• Content knowledge; • General pedagogical knowledge, with special reference to those broad principles and strategies of classroom management and organization that appear to transcend subject matter; • Curriculum knowledge, with particular grasp of the materials and programs that serve as “tools of the trade” for teachers; • Pedagogical content knowledge, that special amalgam of content and pedagogy that is uniquely the province of teachers, their own special form of professional understanding; • Knowledge of learners and their characteristics; • Knowledge of educational contexts, ranging from workings of the group or classroom, the governance and financing of school districts, to the character of communities and cultures; • Knowledge of educational ends, purposes, and values, and their philosophical and historical grounds.
49
Para a construção da referida base de conhecimentos, Shulman (1987)
destacou a necessidade da observância de quatro fontes que deveriam ser levadas
em consideração:
(1) métodos de estudos em disciplinas de conteúdo, (2) materiais e definições do processo institucionalizado de educação, [...] (3) pesquisas sobre a escolaridade, as organizações sociais, a aprendizagem humana, o ensino e seu desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetam o trabalho dos professores, e (4) a sabedoria da prática em si. (SHULMAN, 1987, p. 8, tradução nossa17)
A primeira fonte citada, a de métodos de estudos em disciplinas de conteúdo,
está associada, segundo Shulman (1987), à categoria de conhecimento do conteúdo
e alicerçada em duas bases: na literatura e estudos acumulados nas áreas do
conteúdo; e nos estudos históricos e filosóficos sobre a natureza do conhecimento
nessas áreas.
Além de conhecer o conteúdo que ensinará, o professor, segundo o autor,
deve entender as estruturas deste conteúdo, os princípios da sua organização
conceitual e os princípios de investigação relacionados aos conteúdos, objetos de
ensino. Deve ter, não apenas uma compreensão profunda sobre tais objetos, mas
uma ampla educação que servirá tanto para estruturar os conhecimentos anteriores,
quanto para facilitar a apropriação de novos conhecimentos.
Shulman (1987) ainda afirma que, devido à diversidade dos alunos, o
professor deve ter uma compreensão flexível e multifacetada do conteúdo que
ensina, a fim de poder explicar um mesmo conceito de formas variadas.
Sobre a segunda fonte, a dos materiais e definições do processo
institucionalizado de educação, Shulman (1987) indica que ela inclui, por exemplo,
os programas de ensino, os livros didáticos, as organizações escolares e
financiadoras da educação, bem como a estrutura da profissão docente. Segundo o
autor, os professores trabalham, necessariamente, em uma matriz criada com vários
elementos para fazer avançar os objetivos da escolaridade e como deles se utilizam,
17
(1) scholarship in content disciplines, (2) the material and settings of the institutionalized educational process, ... (3) research on schooling, social organizations, human learning, teaching and development, and the other social and cultural phenomena that affect what teachers can do, and (4) the wisdom of practice itself.
50
assim como também são utilizados por eles, os princípios, as políticas e os fatos
constituintes de tais elementos precisam fazer parte do conhecimento do futuro
professor. Alguns desses elementos, citados por Shulman (1987), são: os materiais
e as estruturas de aprendizagem, contendo os programas de ensino com suas
possibilidades de utilização e sequências; as organizações profissionais de
professores e suas atividades – como os sindicatos, por exemplo –; as agências
governamentais e seus deveres com relação às instituições de ensino; entre outros.
De acordo com Shulman (1987) não há uma literatura específica para
sustentar a necessidade desta fonte, “mas, se um professor tem de ‘conhecer o
território’ do ensino, então é a paisagem de tais materiais, instituições, organizações
e mecanismos com os quais ele ou ela deve se familiarizar” (SHULMAN, 1987, p. 9,
tradução nossa18). Em outras palavras, reconhecida a naturalidade do fato, esta
fonte deveria, espontaneamente, fazer parte da construção da base de
conhecimentos necessários para a formação inicial do professor.
Quanto à terceira fonte, a das pesquisas sobre a escolaridade, as
organizações sociais, a aprendizagem humana, o ensino e seu desenvolvimento, e
outros fenômenos sociais e culturais que afetam o trabalho dos professores – ou
método de estudo educacional formal –, de acordo com Shulman (1987), ela está
diretamente associada à compreensão e exploração dos resultados de pesquisas.
Está também associada à literatura acadêmica nas áreas do ensino e
aprendizagem, do desenvolvimento humano e nos fundamentos normativos,
filosóficos e éticos da educação.
Segundo Shulman (1987), aspectos normativos e teóricos do conhecimento
acadêmico sobre o ensino, amplamente abordados nos cursos de formação de
professores, são, talvez, os mais importantes, porém representam apenas uma parte
do conhecimento relacionado a esta fonte e, por esse motivo, não podem ser os
únicos aspectos abordados nesses cursos.
Já sobre a última fonte, da sabedoria da prática em si, Shulman (1987) afirma
que ela envolve princípios, ações e padrões elaborados pelos próprios professores
ao longo de sua vivência. De acordo com o autor, é a fonte menos codificada de
18
But if a teacher has to "know the territory" of teaching, then it is the landscape of such materials, institutions, organizations, and mechanism with which he or she must familiar.
51
todas e, por esse motivo, mereceria ser a inspiradora de estudos para o
desenvolvimento de representações codificadas sobre a sabedoria da prática de
professores, pelas comunidades de pesquisa, a fim de contribuírem com elementos
factíveis de serem abordados nos cursos de formação inicial.
Das sete categorias mínimas que comporiam uma base de conhecimentos
necessários na formação inicial de um professor, Shulman (1987) reitera aquelas
três que indicou em 1986 como as principais para o seu estudo: a categoria de
conhecimento do conteúdo, a categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo e
a categoria de conhecimento de currículo. Sobretudo, indica a de conhecimento
pedagógico do conteúdo como a que mais lhe interessava, naquele momento.
Por outro lado, Shulman (1986, 1987) deixa claro que a não inclusão de mais
categorias, assim como outros conhecimentos pedagógicos não identificados por
ele, não tinha a intenção de diminuir a importância da compreensão e da habilidade
pedagógica, pois “um mero conhecimento do conteúdo é provável que seja tão inútil,
pedagogicamente, quanto a habilidade sem conteúdo”. (SHULMAN, 1986, p. 8,
tradução nossa19)
No que segue, apresentamos uma abordagem das três categorias indicadas
por Shulman como as principais para o seu estudo.
Categoria de conhecimento do conteúdo
Shulman (1986, p. 9, tradução nossa20) explica que ela “se refere à
quantidade e organização do conhecimento em si na mente do professor”. Segundo
o autor, este conhecimento não pode apenas estar relacionado aos conceitos de um
conteúdo específico, mas também à compreensão das suas estruturas substantivas
e sintáticas: as segundas sendo o conjunto de formas em que a verdade ou
falsidade, validade ou não validade são estabelecidas, e as primeiras a variedade de
maneiras em que os conceitos e princípios básicos da disciplina são organizados.
Relacionando essas estruturas às responsabilidades do professor, Shulman
(1987) afirma que:
19
Mere content knowledge is likely to be as useless pedagogically as content-free skill. 20
This refers to the amount and organization of knowledge per se in the mind of the teacher.
52
[...] o professor tem responsabilidades especiais em relação ao conhecimento do conteúdo, servindo como fonte primária de compreensão dos assuntos, pelo aluno. A maneira pela qual essa compreensão é comunicada transmite aos alunos o que é essencial sobre um assunto e o que é periférico. [...] O professor também comunica, conscientemente ou não, as ideias sobre as maneiras em que a “verdade”, em um campo, é determinada, além de um conjunto de atitudes e valores que influenciam marcadamente a compreensão do aluno. Esta responsabilidade coloca exigências especiais sobre a profundidade de compreensão, pelo próprio professor, das estruturas do assunto, bem como sobre as atitudes de entusiasmo do professor em relação ao que está sendo ensinado e aprendido. (SHULMAN, 1987, p. 9, tradução nossa21)
Dessa forma, a compreensão das estruturas substantivas pelo professor
poderia lhe proporcionar aquela visão flexível e multifacetada sobre o conteúdo,
possibilitando-o explicar o mesmo conceito de formas diferenciadas, a fim de
atender à heterogeneidade dos alunos. Por outro lado, a compreensão das
estruturas sintáticas poderia proporcionar ao futuro professor a comunicação das
ideias capazes de justificar os fatos relacionados à disciplina.
É ainda relacionada à compreensão destas estruturas pelo futuro professor a
sua capacidade de, além de entender que determinado conceito é daquela forma,
“entender por que ele é daquela forma, por quais motivos sua sentença pode ser
afirmada e sob quais circunstâncias a crença na sua justificativa pode ser
enfraquecida e até mesmo negada”. (SHULMAN, 1986, p. 9, tradução nossa22)
Assim, conhecer o conteúdo, para Shulman (1986, 1987), não é apenas ter o
domínio conceitual da disciplina a ser ensinada.
Categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo
Shulman (1986) afirma que ela compreende aspectos que vão além da
categoria de conhecimento do conteúdo. Tais aspectos, ainda segundo o autor,
21
The teacher has special responsibilities in relation to content knowledge, serving as the primary source of student understanding of subject matter. The manner in which that understanding is communicated conveys to students what is essential about a subject and what is peripheral. […] The teacher also communicates, whether consciously or not, ideas about the ways in which “truth” is determined in a field and a set of attitudes and values that markedly influence student understanding. This responsibility places special demands on the teacher’s own depth of understanding of the structures of the subject matter, as well as on the teacher’s attitudes toward and enthusiasms for what is being taught and learned. 22
The teacher must further understand why it is so, on what grounds its warrant can be asserted, and under what circumstances our belief in its justification can be weakened and even denied.
53
estão relacionados à capacidade de tornar os conteúdos ensináveis: analogias,
ilustrações, exemplos, explanações, demonstrações, enfim, toda forma de
representação e formulação, derivada das investigações e da sabedoria prática, que
possa tornar os assuntos compreensíveis para os alunos.
Alem desses aspectos, Shulman (1986) ainda afirma que esta categoria inclui
também “uma compreensão sobre o que faz a aprendizagem dos tópicos serem
fáceis ou difíceis” (SHULMAN, 1986, p. 9, tradução nossa23). Para tanto, segundo o
autor, nessa categoria de conhecimento estão incluídos estudos de concepções e
pré-concepções de alunos sobre os conteúdos mais ensinados, o que poderia
proporcionar aos futuros professores um cabedal sobre estratégias para serem
utilizadas com o objetivo de reorganizar a compreensão dos seus alunos, quando
tais concepções e pré-concepções fossem equivocadas. Deve, ainda, incluir estudos
dos erros mais comuns de alunos, relacionados aos objetos a serem ensinados, o
que poderia dotar o professor de conhecimentos para antecipar-se aos erros e saber
lidar com eles. É nessa categoria, segundo Shulman (1986), que as atividades
fazem com que pesquisas sobre ensino e pesquisas sobre aprendizagem caminhem
lado a lado.
Para Shulman (1987), o raciocínio pedagógico de um professor em atividade,
relacionado ao conteúdo, ocorre em um processo subordinado tanto aos meios para
a educação, quanto aos fins, ou seja, subordinados aos métodos e estratégias
utilizadas para o ensino, e os seus efeitos. Segundo o autor, esse processo contém
seis fases: compreensão, transformação, instrução, avaliação, reflexão e nova
compreensão.
Na compreensão, de acordo com Shulman (1987), espera-se que o professor
compreenda criticamente, de várias formas, quando possível, o que vai ensinar.
Segundo o autor, são deveres do professor entender como determinados tópicos se
relacionam com outros, da mesma área e de áreas diferentes, e compreender os
propósitos do ensino da disciplina.
Porém, segundo Shulman (1987), compreender o conteúdo, assim como seus
propósitos, não distingue um professor de uma disciplina de outra pessoa, e aqui
23
Pedagogical content knowledge also includes an understanding of what makes the learning of specific topics easy or difficult.
54
reside, segundo o autor, a ideia central do amálgama do conteúdo e da pedagogia,
que leva à próxima fase: a da transformação.
Na transformação, as ideias compreendidas pelo professor, segundo Shulman
(1987), devem ser adaptadas para serem ensinadas. Neste processo de preparação
da compreensão pessoal do professor para a compreensão do aluno é que repousa,
segundo o autor, a essência do raciocínio pedagógico.
Nessa fase, o autor indica a existência de uma série de atividades:
preparação de material, com base em um repertório de materiais didáticos
existentes, envolvendo exame e interpretação do texto a ser utilizado; representação
das ideias-chave na forma de analogias, metáforas, simulações e outros; seleção de
métodos de ensino; adaptações das ideias para contemplar a diversidade de alunos,
não somente de habilidades, mas de concepções, expectativas, culturas,
motivações, e outros. (SHULMAN, 1987)
A próxima fase, a de instrução, decorre das fases anteriores, e deve resultar,
segundo Shulman (1987), em um plano ou conjunto de estratégias para lecionar
determinado ponto de uma matéria, unidade de um livro ou mesmo um curso em sua
totalidade. Inclui muitos dos aspectos da pedagogia e envolve, de acordo com o
autor, a organização e a gestão da sala de aula, com todas as suas características
observáveis, documentadas na literatura sobre ensino e aprendizagem.
Por derivar das duas fases anteriores, Shulman (1987) conjectura, baseado
em algumas evidências, que as técnicas de ensino utilizadas na instrução somente
tornam-se acessíveis ao professor quando ele compreende um assunto e o
transforma para ser ensinado.
Não apenas para fornecer notas, conforme afirmou Shulman (1987), a
próxima fase, a da avaliação, deve também fornecer ao professor feedback das
fases anteriores.
Para entender o grau de compreensão de um aluno sobre determinado
assunto, um professor deverá ter uma profunda compreensão do conteúdo ensinado
e do processo de aprendizagem. Por outro lado, a avaliação deve atingir também, de
55
acordo com o autor, o próprio ensino e, como consequência, as fases anteriores.
Somente assim o professor poderia ter acesso à próxima fase, a da reflexão.
Para Shulman (1987), a reflexão é:
[...] o que um professor faz quando ele ou ela revê o ensino e a aprendizagem que ocorreu e reconstrói, reencena, e/ou recaptura os eventos, as emoções, e as realizações. É um conjunto de processos pelo qual um profissional aprende com a experiência. (SHULMAN, 1987, p 19, tradução nossa24)
De acordo com o autor, esse conjunto de processos pode ser efetuado em
grupo ou somente pelo professor, com base em conhecimentos analíticos sobre seu
próprio trabalho a fim de revisar o ensino, observando os meios utilizados e sua
finalidade.
Uma vez revisado o ensino, chega-se, segundo Shulman (1987), ao novo
começo, à fase da nova compreensão dos propósitos do ensino, dos conteúdos a
serem ensinados e dos processos pedagógicos a eles – conteúdos – relacionados.
Mas Shulman (1987) alerta que a nova compreensão não ocorre de forma
automática após a fase da avaliação: ela demanda estratégias de documentação,
análise e discussão. Alerta também que o processo para o raciocínio pedagógico
não ocorre, necessariamente, nessa ordem que foi apresentada ou perpassa por
todas essas fases, mas que a formação inicial de um professor, na sua concepção,
deve contribuir para que o futuro docente pudesse gerenciar esse processo.
Por outro lado, a categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo tem
sido defendida, por muitos pesquisadores, como necessária na formação inicial de
professores, pelo fato de ser a única categoria de saber profissional relacionada
exclusivamente à docência, por conectar os conhecimentos do conteúdo com a
prática de ensino.
Categoria de conhecimento do currículo
Para Shulman (1986),
24
... is what a teacher does when he or she looks back at the teaching and learning that has occurred, and reconstructs, reenacts, and/or recaptures the events, the emotions, and the accomplishments. It is that set of processes trough which a professional learns from experience.
56
O currículo é representado por toda a gama de programas criados para o ensino de determinado assunto e os tópicos em um determinado nível, a variedade de materiais didáticos disponíveis em relação a esses programas, e o conjunto de características que servem tanto como indicações quanto como contraindicações. (SHULMAN, 1986, p. 10, tradução nossa25)
Portanto, não deve ser visto apenas como um rol de conteúdos a serem
abordados, pois tudo o que revela orientações e recomendações para o
desenvolvimento de um conteúdo, exploração de materiais didáticos, recursos e
estratégias alternativas para o ensino e outros, está relacionado, de acordo com
Shulman (1986), ao currículo.
O autor afirma esperar de um profissional experiente a compreensão de
várias formas de abordagens de um mesmo tópico. Espera também que ele seja
capaz de fazer a ligação entre o tópico que está sendo estudado e outros tópicos da
mesma área, assim como que ele esteja familiarizado com os assuntos ensinados
em outras disciplinas, para fazer as possíveis ligações entre aqueles assuntos e o
que está ensinando.
Desta forma, Shulman (1986) distingue dois tipos de conhecimentos nesta
categoria: o conhecimento curricular vertical, o qual permite a articulação entre o que
será estudado e o que já foi, ou que ainda deverá ser estudado, na disciplina ou
área, e o conhecimento curricular lateral, o qual permite a articulação entre o que
será estudado e tópicos que serão estudados simultaneamente em outras disciplinas
ou áreas.
A formação inicial de professores contribuiria, em nossa visão, para a
apropriação, pelos futuros docentes, dos conhecimentos curriculares vertical e
lateral, se abordasse os currículos prescritos por órgãos responsáveis pela
normatização do ensino.
Oliveira (2004) investigou sobre a possibilidade de se conduzir uma disciplina
de conteúdo específico da Matemática, de modo a possibilitar a apropriação do
25
The curriculum is represented by the full range of programs designed for the teaching of particular subject and topics at a given level, the variety of instructional materials available in relation to those programs, and the set of characteristics that serve as both the indications and contraindications …
57
conhecimento pedagógico do conteúdo, definido por Shulman (1986,1987), por
alunos que cursavam Geometria Espacial em uma Licenciatura em Matemática.
De acordo com a referida pesquisadora, a condução de uma disciplina com o
objetivo apresentado no parágrafo anterior proporcionou a aproximação de
licenciandos com a escola básica, no sentido de identificarem, por meio da
observação, dificuldades dos estudantes do Ensino Médio ao trabalharem com a
geometria espacial. Essa observação, por exemplo, direcionou os futuros docentes a
investigarem o papel do erro na aprendizagem de conteúdos específicos da
Geometria e, para isso, várias ações foram necessárias, como o estudo de conceitos
geométricos, a identificação e discussão de reflexões sobre questões relacionadas
ao ensino e aprendizagem da geometria, e outros. Dessa forma, os alunos puderam
exercitar, de acordo com Oliveira (2004), a capacidade de transformar em
ensináveis conteúdos da Geometria.
2.1.2 Os conhecimentos para o ensino de Matemática, segundo Ball, Thames e
Phelps
Com o objetivo de adaptar os estudos de Shulman (1986, 1987) para a
formação inicial do professor de Matemática, Deborah L. Ball, Mark H. Thames e
Geoffrey Phelps apresentaram, em uma das conferências de um simpósio sobre o
desenvolvimento profissional, no ano de 2007, alguns resultados das pesquisas que
vinham realizando no sentido de identificar domínios dos conhecimentos para o que
denominaram de conhecimentos para o ensino de Matemática. Tal conferência se
transformou, no ano seguinte, em um artigo mais detalhado, publicado pelo Journal
of Teacher Education. Ambos os trabalhos receberam o mesmo título.
Criticando a falta de continuidade dos estudos apresentados por Shulman
(1986, 1987), principalmente para melhor definir alguns conceitos por ele propostos,
Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) alertaram que o termo conhecimento
pedagógico do conteúdo vinha sendo utilizado, nos mais de vinte anos após os
estudos daquele autor, de forma ampla. Abrangia vários aspectos diversificados, nas
mais diferentes disciplinas ou áreas, ou até mesmo de forma genérica, como se
todas as disciplinas ou áreas tivessem exatamente as mesmas necessidades.
58
Alertaram também sobre a inexistência de estudos que comprovassem que os
conceitos propostos por Shulman (1986, 1987) poderiam ser utilizados em
disciplinas ou áreas específicas, uma vez que o trabalho desenvolvido por aquele
autor se pautou em extensas observações de ensino de diversas disciplinas.
Dessa forma, justificaram que, na falta de dados importantes, as ações de
reformulação dos cursos de formação de professores ficavam limitadas às ideias das
pessoas que, sem uma base teórica específica, indicavam e fixavam os conteúdos
que achavam necessários à formação inicial de um professor para lecionar uma
determinada disciplina.
Para tentar minimizar esta situação, Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)
apresentaram as definições que já haviam construído para alguns domínios
identificados até então, relacionadas aos conhecimentos para o ensino de
Matemática, com base na análise das respostas que obtiveram de duas questões de
pesquisa:
1. Quais são as tarefas recorrentes e os problemas do ensino de matemática? O que fazem os professores enquanto ensinam matemática? 2. Quais conhecimentos matemáticos, habilidades e sensibilidades são necessários para gerenciar essas tarefas? (BALL; THAMES; PHELPS, 2008, p. 395, tradução nossa26)
Para chegarem às definições que almejavam, os autores estruturaram os
conhecimentos para o ensino de Matemática em termos do trabalho que os
professores executam e não sobre a Matemática em si, uma vez que era fato
incontestável, para eles, que o professor daquela disciplina, assim como das
demais, precisaria saber aquilo que ele ensinaria.
Assim, Ball, Thames e Phelps (2007) entendem que contribuiriam para
identificar, principalmente nas disciplinas Matemáticas da formação inicial, o que os
futuros professores precisariam estudar, a fim de que tais disciplinas pudessem
contribuir na sua formação profissional, além da formação acadêmica. Isso, na
concepção dos autores, levaria ao estabelecimento das prioridades do que deveria
26
1. What are the recurrent tasks and problems of teaching mathematics? What do teachers do as they teach mathematics? 2. What mathematical knowledge, skills, and sensibilities are required to manage these tasks?
59
ser estudado nos cursos de formação e aumentaria a probabilidade de os futuros
professores utilizarem o que aprenderam, quando estivessem ensinando.
Para Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), os conhecimentos para o ensino de
Matemática deveriam envolver alguns domínios, e estes comporiam duas das três
categorias do conhecimento relacionado ao conteúdo, proposto por Shulman (1986,
1987). A figura a seguir apresenta o diagrama que os autores propuseram com os
domínios identificados até o ano de 2008, e os relacionam com as categorias do
conhecimento pedagógico do conteúdo e conhecimento do conteúdo, essa última
também denominada por Shulman (1986) como conhecimento específico do
conteúdo.
Figura 2 – Domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática Fonte: Ball, Thames e Phelps (2008, p. 403) – tradução e adaptação
27
27
60
Para compor a categoria do conhecimento específico do conteúdo de
Shulman (1986, 1987), Ball, Thames e Phelps (2007) propuseram como domínios o
conhecimento comum do conteúdo e o conhecimento especializado do conteúdo. No
artigo apresentado em 2008, os mesmos autores acrescentam o domínio do
conhecimento horizontal do conteúdo que não constava no trabalho de 2007.
Já para compor a categoria que Shulman (1986, 1987) denominou de
conhecimento pedagógico do conteúdo, Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)
propuseram o domínio do conhecimento de conteúdo e de alunos e o domínio do
conhecimento de conteúdo e de ensino. Incluíram também, nesta categoria, a
categoria que Shulman (1986, 1987) denominara conhecimento de currículo, mas no
artigo de 2008 indicaram que esta inclusão estava sendo reestudada.
Apresentamos, a seguir, as definições dos domínios dos conhecimentos
propostos por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008).
Conhecimento comum do conteúdo
Este domínio é definido por Ball, Thames e Phelps (2008, p. 399, tradução
nossa28) como “[...] o conhecimento matemático e as habilidades utilizados em
outros contextos [além] do de ensino”. Por esse motivo, não é um conhecimento
restrito aos professores de Matemática: outras pessoas podem tê-lo, tão bem quanto
esse profissional. Mas é, na concepção dos autores, um domínio necessário para os
docentes que lecionarão Matemática como disciplina escolar.
Esse conhecimento é caracterizado pela compreensão básica da Matemática,
de forma a capacitar o professor no domínio das tarefas que são propostas aos
alunos, na utilização correta de representações, notações e ideias, e na identificação
de erros ou inadequações em materiais didáticos e em produções de alunos.
Conhecimento especializado do conteúdo
Definido por Ball, Thames e Phelps (2008, p. 400, tradução nossa29) como
“[...] conhecimento matemático e habilidades unicamente [utilizados] para o ensino”,
28
… it as the mathematical knowledge and skill used in settings other than teaching. 29
… is the mathematical knowledge and skill unique to teaching.
61
este domínio, segundo os autores, faz-se necessário e é exclusivo dos cursos de
formação de profissionais para o ensino de Matemática.
Conforme caracterizado muito bem por Corbo (2012, p. 47), o conhecimento
especializado do conteúdo
[...] constitui-se da capacidade não apenas de perceber os erros, mas de analisar e identificar prováveis causas desses erros e apresentar, imediatamente, aos alunos, esclarecimentos precisos e respostas convincentes, a fim de ajudá-los a enfrentar e superar suas dificuldades.
Por estar estritamente relacionado ao ensino, que é a prática docente, difere-
se, de acordo com os autores, do conhecimento especializado do Matemático. Por
outro lado, não pode ser considerado na categoria de conhecimento pedagógico do
conteúdo, pois não requer conhecimentos relacionados à aprendizagem dos alunos.
Conforme afirmam Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), este domínio abrange
exigências específicas do trabalho do professor, relacionadas a requisitos
matemáticos bastante específicos que fazem parte de um corpo de conhecimentos
não tipicamente ensinado aos alunos, como conhecer a estrutura matemática de
erros cometidos por alunos. Tais conhecimentos não fazem necessariamente parte
do rol de conteúdos que o futuro professor vai ensinar, mas são necessários a esse
profissional para que desempenhe, com eficiência, a sua principal tarefa: ensinar.
Para nós, a estrutura algébrica dos conjuntos numéricos é um conhecimento
especializado do conteúdo, pelo fato de ela fundamentar, por exemplo, a resolução
de equações pelo procedimento de fatoração, ou seja, embora o professor não
explicitamente ensine aos seus alunos do Ensino Básico essas estruturas, esse
conhecimento é necessário ao professor para que ele produza argumentos
convincentes a fim de mostrar ao aluno que se a, b e c pertencem ao conjunto dos
números reais e cba , então não é sempre que ca ou cb . Não é raro
encontrarmos alunos que fazem, por exemplo, em 111 xx . , o procedimento
incorreto de igualar cada fator do primeiro membro a 1 e responder que 2x ou
0x , na resolução da equação 112 x , como se estivesse procedendo
corretamente à resolução da equação 012 x .
62
Conhecimento horizontal do conteúdo
Conforme explicado por Ball, Thames e Phelps (2008, p. 403, tradução
nossa30), esta dimensão de conhecimento específico do conteúdo refere-se à
[...] consciência de como estão relacionados temas matemáticos sobre a extensão da matemática incluída no currículo. Professores de primeiro grau, por exemplo, podem precisar saber como a matemática que ensinam está relacionada com o que os alunos irão aprender no ensino médio, para serem capazes de definir a base matemática para o que virá depois.
Difere-se, em nosso entendimento, do conhecimento curricular lateral definido
por Shulman (1986, 1987), pois, para Shulman, tal conhecimento proporcionaria
uma relação interdisciplinar. Diferencia-se, também, do conhecimento curricular
vertical, definido pelo mesmo pesquisador, pelo seguinte aspecto: o conhecimento
curricular vertical contribuiria para uma articulação entre o que seria estudado e o
que já foi, ou entre o que seria estudado e o que ainda deveria ser. Ou seja,
capacitaria o professor a mostrar e utilizar, quando em exercício de ensino, as
possíveis ligações entre o conteúdo em estudo com os que já foram ou que ainda
seriam estudados, na mesma disciplina. Já o domínio do conhecimento horizontal do
conteúdo, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), serviria de base para que o
professor pudesse conscientizar-se sobre o que e como deveria ensinar um
conteúdo, de modo a contribuir para que os alunos possam se apropriar de futuros
conhecimentos.
Assim, o conhecimento curricular vertical e o conhecimento horizontal do
conteúdo têm, em nossa visão, objetivos distintos: o primeiro, definido por Shulman
(1986, 1987), capacitaria o futuro professor da Educação Básica para uma atividade
explícita com seus alunos, que é fazer relações entre conteúdos, por exemplo,
matemáticos, ao passo que o segundo, definido por Ball, Thames e Phelps (2008),
capacitaria esse futuro docente de Matemática para uma atividade implícita e própria
do docente, que é definir como ensinar determinados conteúdos, com o objetivo de
propiciar aprendizagens matemáticas que serão necessárias para futuras outras. E
30
Horizon knowledge is an awareness of how mathematical topics are related over the span of mathematics included in the curriculum. First grade teachers, for example, may need to know how the mathematics they teach is related to the mathematics students will learn in third grade to be able to set the mathematical foundation for what will come later.
63
para isso, certo conhecimento sobre o currículo é indispensável, como, por exemplo,
a ordenação dos assuntos e a relação entre eles.
Pode-se observar que as três dimensões até agora definidas tratam de
conhecimentos matemáticos com aspectos que não dependem dos conhecimentos
sobre alunos ou sobre ensino, mas aspectos que exigem, segundo Ball, Thames e
Phelps (2007, 2008), um saber de como o conhecimento é gerado e estruturado, o
que é vital para o ensino.
Os demais domínios, constituintes da categoria de conhecimentos
pedagógicos do conteúdo de Shulman (1986, 1987), relacionam-se, segundo os
autores, às duas dimensões centrais daquela categoria: conceitos e pré-conceitos
que alunos de diferentes idades e origens trazem sobre o aprendizado e formas de
representação e formulação de assuntos para torná-los compreensíveis para os
alunos.
Conhecimento de conteúdo e de alunos
Este domínio é definido por Ball, Thames e Phelps (2008, p. 401, tradução
nossa31) como o que “[...] combina o saber sobre os alunos e o saber sobre a
Matemática”. Associa, portanto, a compreensão da Matemática do futuro professor
ao conhecimento sobre o pensamento matemático dos alunos, consequência das
suas experiências e que é apresentado na literatura acadêmica. O resultado dessa
associação, segundo os autores, seria a capacitação do professor a antecipar e
interpretar erros típicos, a buscar estratégias para a superação deles, pelos alunos,
a escolher exemplos interessantes e motivadores, a prever o que os alunos acharão
fácil ou difícil, entre outros.
No tocante aos erros, por exemplo, Ball, Thames e Phelps (2008) observam
que reconhecê-los faz parte do conhecimento comum do conteúdo, ao passo que
avaliar a sua natureza, principalmente se esse erro for desconhecido, faz parte do
conhecimento especializado do conteúdo, pois exige habilidade de pensamento,
atenção a padrões e outros. Já o prever qual dos erros os alunos estarão mais
propensos a apresentar em determinado ponto da matéria faz parte do
conhecimento de conteúdo e de alunos. Mas os autores afirmam que as fronteiras
31
… is knowledge that combines knowing about students and knowing about mathematics.
64
entre essas dimensões, assim como das demais, são linhas tênues, que permitem
interpretações distintas a respeito dos conhecimentos necessários ao ensino de
Matemática.
Conhecimento de conteúdo e de ensino
Ball, Thames e Phelps (2008, p. 401, tradução nossa32) definem o último
domínio proposto em seus estudos como o que “[...] combina o saber sobre o ensino
e o saber sobre a Matemática”, ou seja, a compreensão de conteúdos específicos de
Matemática combinada à compreensão dos contextos pedagógicos capazes de
interferir no processo de ensino e aprendizagem.
Atividades como fazer uma pausa para esclarecimentos necessários em
determinado tópico e usar uma observação de aluno para fixar um conceito
matemático são exemplos de tomadas de decisões pedagógicas que podem
contribuir na compreensão de conteúdos matemáticos pelos alunos. A escolha de
exemplos para abordar um assunto e a avaliação das vantagens e desvantagens da
utilização de determinadas representações para ensinar algum assunto também são
exemplos de tomadas de decisões didáticas. Essas e outras atividades relacionadas
ao processo de ensino e aprendizagem fazem parte, de acordo com os autores,
desse domínio de conteúdo.
As dimensões do conhecimento especializado do conteúdo, do conhecimento
de conteúdo e de alunos e do conhecimento de conteúdo e de ensino estão, a nosso
ver, diretamente ligadas às pesquisas em Educação Matemática.
Os estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) contribuíram, a nosso ver,
no sentido de complementar os estudos de Shulman (1986, 1987), associando a
estes elementos para o desenvolvimento de atividades intelectuais e práticas que
permitem ao professor de Matemática melhor exercer a sua profissão.
Particularmente, em um curso de formação de professores de Matemática
para a Educação Básica, entendemos como necessária a presença dos domínios ou
das categorias de conhecimentos definidos, respectivamente, por Ball, Thames e
Phelps (2007, 2008) e por Shulman (1986, 1987), para o desenvolvimento de
32
... combines knowing about teaching and knowing about mathematics.
65
atividades inerentes aos futuros docentes, uma vez que eles, em nossa concepção,
poderiam melhor relacionar teorias estudadas na Licenciatura em Matemática com
atividades associadas à prática como componente curricular. Sobre essa relação,
fazemos uma abordagem na subseção 2.3, ao relacionarmos o estudo de Ball,
Thames e Phelps (2007, 2008) com uma das visões que vinculam teoria e prática,
de Candau e Lelis (1993), visões essas apresentadas na próxima subseção.
No quadro a seguir, apresentamos nossa interpretação sobre os estudos de
Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) e de Shulman (1986, 1987), sob os rótulos de
duas perguntas, as quais constam no cabeçalho das colunas.
Quadro 2 – Associação possível dos conhecimentos necessários ao professor de Matemática com atividades relacionadas ao ensino desta disciplina na Educação Básica
33
Quais conhecimentos seriam necessários ao professor para
ensinar Matemática?
Para que, por exemplo, esses conhecimentos seriam necessários?
Conhecimentos matemáticos utilizados não somente em contextos de ensino
Dominar as tarefas propostas aos alunos; utilizar corretamente representações, notações e ideias matemáticas; identificar erros e inadequações em materiais didáticos e em produções de alunos.
I
A Conhecimentos matemáticos utilizados especialmente para o ensino
Compreender estruturas matemáticas necessárias para o ensino.
II
Conhecimentos matemáticos e as relações entre os assuntos estudados nos diferentes anos
Definir o que e como ensinar, de modo a preparar o aluno para o que virá futuramente, em termos de conteúdos.
III
Conhecimentos que articulam saberes dos alunos e conteúdos matemáticos
Identificar conhecimentos prévios dos alunos; buscar estratégias e exemplos para antecipar-se a erros típicos cometidos por alunos; prever o que os alunos acharão fácil ou não.
IV
B
Conhecimentos sobre saberes do ensino de conteúdos matemáticos
Tomar decisões pedagógicas com o objetivo de contribuir na compreensão dos conteúdos como: utilizar exemplos que facilitem a compreensão de determinado assunto e avaliar as vantagens e desvantagens da utilização de determinadas representações na sua abordagem.
V
Conhecimentos sobre currículos elaborados para o ensino de Matemática
Identificar, compreender e analisar pressupostos do currículo que irá desenvolver; conhecer como um dado tema pode ser desenvolvido nas diferentes séries e graus de ensino e sua relação com outros temas matemáticos e de outras disciplinas; conhecer as orientações, as recomendações, as estratégias para o ensino e como explorar diferentes materiais didáticos.
VI C
A: Conhecimento específico do conteúdo, segundo Shulman. B: Conhecimento pedagógico do conteúdo, segundo Shulman. C: Conhecimento do currículo, segundo Shulman. I: Conhecimento comum do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. II: Conhecimento especializado do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. III: Conhecimento horizontal do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos, segundo Ball, Thames e Phelps. V: Conhecimento de conteúdo e de ensino, segundo Ball, Thames e Phelps. VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo, segundo Ball, Thames e Phelps.
33
Assumimos, nesse quadro, com base no artigo de Ball, Thames e Phelps (2008), e com base nas categorias de conhecimentos, definidas por Shulman (1986, 1987), que o domínio de conhecimento de conteúdo e de currículo está contido na categoria de conhecimento do currículo.
66
Com base nas interpretações contidas no quadro anterior, apresentamos um
exemplo de possível associação entre conteúdos que podem ser vinculados ao
assunto equações no Ensino Fundamental e domínios dos conhecimentos para o
ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008). Entretanto,
observamos que não temos a pretensão de admitir essa associação como a única
possível. Nesse sentido, lembramos que Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)
afirmam serem tênues as linhas divisórias dos domínios dos conhecimentos que
definiram.
Quadro 3 – Conhecimentos para o ensino de equações no Ensino Fundamental e domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) – uma possível
associação
Domínio dos conhecimentos para o ensino de Matemática
Conhecimento para o ensino de equações
Conhecimento comum do conteúdo
Conceito de equação. Procedimentos de resolução de equações do 1.º e 2.º graus (raízes de polinômios de 1.º e de 2.º graus).
Conhecimento especializado do conteúdo
Propriedades e Leis associadas às estruturas algébricas. Esses conhecimentos podem contribuir para a não utilização, pelo professor, de procedimentos incorretos na resolução de equações, assim como para ele identificar causas de erros
cometidos por alunos ao resolverem equações, por exemplo, fazer 71x e
71x na resolução da equação 71x.1x , no universo dos reais.
Conhecimento horizontal do conteúdo
Diversos procedimentos de resolução de equações do 2.º grau. Esse conhecimento, quando associado à noção de como são distribuídos os conhecimentos relacionados às equações no Ensino Básico, pode contribuir na definição de bases matemáticas para abordagens futuras sobre resolução de equações. Por exemplo, algumas equações de grau maior que dois podem ser resolvidas pela fatoração. Dessa forma, um professor, ao ensinar aos alunos procedimentos de resolução de uma equação do 2.º grau, pode contribuir para aprendizagens futuras desses alunos abordando, se, além da “fórmula de Bhaskara”, ensinar procedimentos de fatoração na resolução dessas equações.
Conhecimento de conteúdo e de alunos
Erros comuns (conceituais, procedimentais e atitudinais) relacionados a equações e
resolução de equações, apresentados por alunos, como a indicação de 27 x ,
na resolução da equação 7 x2 . O conhecimento sobre esses erros pode
contribuir, por exemplo, na busca de melhores estratégias para o ensino, pelos professores.
Conhecimento de conteúdo e de ensino
Estratégias e recursos associados ao ensino de equações, como as possibilidades e restrições do uso da balança para abordar a equivalência na resolução de equações. Esses conhecimentos podem auxiliar o professor na seleção, organização e elaboração de atividades com o objetivo de promover o domínio, pelos alunos, dos assuntos relacionados a equações.
Conhecimento de conteúdo e de currículo
Indicações curriculares sobre o ensino de equações ao longo das séries; análise dos contextos e das estratégias propostas, visando à intra e a interdisciplinaridade.
2.2 Visões da relação entre a teoria e a prática na formação de professores
Nos trabalhos de Shulman (1986,1987) e de Ball, Thames e Phelps (2007,
2008), pode-se observar que a teoria e a prática estão, quase sempre,
explicitamente relacionadas. Por exemplo, Shulman (1986,1987) afirma que estudos
sobre concepções e pré-concepções de alunos sobre os conteúdos ensinados são
67
uma das bases para o desenvolvimento da categoria de conhecimento pedagógico
do conteúdo que pode proporcionar ao professor a apropriação de noções sobre a
prática letiva. Já Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) apontam os estudos
relacionados aos erros cometidos pelos alunos, como base para o desenvolvimento
das dimensões do conhecimento comum do conteúdo, do conhecimento
especializado do conteúdo e do conhecimento de conteúdo e de alunos, todos eles
também responsáveis pela possível apropriação, pelos professores, de noções
relacionadas à prática letiva.
Sendo assim, não poderíamos deixar de abordar as visões sobre a relação
entre a teoria e a prática, uma vez que essa relação está presente, não somente no
referencial teórico que utilizamos neste estudo, mas também nas DCNs.
A relação entre a teoria e a prática é discutida, segundo Gamboa (1995),
desde a Antiguidade.
Derivada da palavra grega práxis, a prática, na Grécia, não estava
relacionada ao verbo produzir e sim ao verbo agir, uma ação inter-humana
consciente, com fim em si mesma e não produtiva, como o fazer bem ao próximo. Já
a teoria era concebida como uma atividade de estudo, de contemplação de espírito,
de meditação, atividades intelectuais que produziam algo e, portanto, opostas à
prática. Toda atividade produtiva e não intelectual como o trabalho, por exemplo,
não era considerada práxis – prática – e, tampouco, teoria. Era sim poiésis e
somente exercida por trabalhadores, escravos ou não. (CANDAU; LELIS, 1993;
GAMBOA, 1995)
Dessa forma, a práxis consistia no agir, a teoria no contemplar, no estudar, ao
passo que a poiésis consistia no produzir.
Segundo Gamboa (1995), Platão admitia que a política seria a única práxis
digna, desde que fosse impregnada de teoria, ou seja, admitia a vinculação entre a
teoria e a prática, uma vez que essa vinculação transformaria o saber puro em uma
função social. Por outro lado, Aristóteles, um dos discípulos de Platão, defendia que
“a atividade política não poderia ser guiada por princípios absolutos da razão teórica”
(GAMBOA, 1995, p. 33), pois a arte de dirigir os assuntos públicos necessitava da
experiência, ou seja, de um saber fazer as coisas para se alcançar os fins
68
almejados, o que chamou de tékhne – técnica. Assim, não haveria atividade, para
Aristóteles, que relacionasse a teoria e a prática, como eram concebidas. Têm-se,
então, duas visões diferentes para a relação entre a teoria e a prática: uma que as
vinculava e dava primazia à teoria, fazendo da prática a projeção das ideias, e outra
que as isolava e relacionava a prática com a técnica.
A partir do Renascimento, a concepção de prática passou a ser reformulada,
uma vez que o trabalho humano ganhava valor, assim como a técnica. Com o
marxismo, essa concepção se fixa como “uma atividade humana que produz objetos
ou transformações sociais na realidade”. (GAMBOA, 1995, p. 35) Dessa forma, a
práxis passa a consistir em agir, mas não uma ação inter-humana e sim para
produzir algo. Ganha, então, hegemonia sobre a teoria, uma vez que a partir da
prática, selecionadas as ações significativas e compreensivas, passam-se a
desenvolver teorias sobre a ação social. Tem-se, portanto, uma terceira visão sobre
a relação entre a teoria e a prática: ambas caminham juntas, vinculadas e unidas,
oferecendo, uma a outra, elementos para o seu desenvolvimento. John Dewey foi
um dos defensores dessa visão.
De forma geral, as várias maneiras de se conceber a relação teoria e prática
podem ser agrupadas, de acordo com Candau e Lelis (1993), nas três visões
apresentadas, sendo duas delas dicotômicas e uma de unidade.
As visões dicotômicas afirmam haver a separação da teoria e da prática. Na
mais radical, denominada por Candau e Lelis (1993) de dissociativa, o pensar, o
elaborar, o refletir, o planejar, destina-se aos teóricos, ao passo que o executar, o
agir, o fazer, destina-se aos práticos, ou seja, a teoria e a prática são componentes
isolados e cada um deles tem sua própria lógica, como se fossem polos opostos: “a
teoria ‘atrapalha’ aos práticos, que são homens do fazer, e a prática ‘dificulta’ aos
teóricos, que são homens do pensar” (CANDAU; LELIS, 1993, p. 53)
No que se refere à formação dos professores para a Educação Básica, a
teoria e a prática, nessa visão, podem coexistir nos cursos, com a hegemonia da
teoria. Nesse caso, dá-se prioridade à formação teórica, que é feita, em primeiro
lugar, por meio do estudo de autores clássicos para a “aquisição” dos
conhecimentos acumulados pela sociedade, sem se preocupar como esses
69
conhecimentos serão necessários à prática docente. Por outro lado, a prática é
apenas destacada nas poucas disciplinas instrumentais que não se articulam às
disciplinas da formação teórica, pois a máxima é que “para [se] formar um educador
é necessário inseri-lo na prática [docente] e esta irá ditando o processo” (CANDAU;
LELIS, 1993, p. 58). Ou seja, a prática e a teoria estariam desvinculadas e cada uma
teria sua própria lógica: a teoria estudada nas disciplinas não faria menção à prática
e tampouco dela necessitaria; e a prática somente seria iniciada quando o aluno
entrasse em contato com a sala de aula, ou seja, nos estágios.
Particularmente, entendemos que a teoria, nesse caso, seria composta tanto
pelas disciplinas responsáveis pela formação não pedagógica, quanto pela formação
pedagógica. Por exemplo, na formação do professor de Matemática para a
Educação Básica, Cálculo Diferencial e Integral e Didática Geral seriam disciplinas
de base teórica e caberia unicamente ao aluno transpor o que estudou nelas, na
prática docente: não há, nos cursos, a articulação entre elas.
A segunda visão dicotômica é denominada por Candau e Lelis (1993) de
associativa. Nela, a teoria e a prática estão vinculadas, porém a prática é vista como
uma aplicação da teoria, teoria essa que fornece à prática um conjunto de regras e
de normas a fim de “dominar, manipular e controlar a realidade natural e social”.
(CANDAU; LELIS, 1993, p. 53) Nessa visão, há uma relação de autoridade em que,
se houver desvios no produto final, então é a prática que deve melhor se adequar à
teoria para corrigir esses desvios por meio de tecnologias adequadas que, nessa
visão, têm um papel fundamental, pois elas mediarão a passagem da ciência para a
ação, ou seja, elas proporcionarão a aplicação da teoria – a prática.
No que concerne à formação de professores para a Educação Básica, a visão
associativa, também denominada por Candau e Lelis (1993) de visão positivo-
tecnológica, coloca a ênfase na aquisição das tecnologias, pois, segundo essas
autoras, elas proporcionarão o estudo da prática educacional como a aplicação das
teorias pedagógicas.
Sendo assim, entendemos que, nessa formação, existiriam disciplinas
especialmente responsáveis por abordar técnicas de ensino aos alunos, disciplinas
70
essas que estariam vinculadas à prática, mas subordinadas à teoria, que continuaria
sendo composta por disciplinas pedagógicas e não pedagógicas.
A terceira visão de relação entre a teoria e a prática é denominada, por
Candau e Lelis (1993), de visão de unidade. Nessa visão, segundo as referidas
autoras, não há apenas a vinculação entre a teoria e a prática, mas também a união
entre elas, união essa indissociável. Ao mesmo tempo que elas são distintas e
relativamente autônomas, estão associadas por uma relação de dependência
recíproca, em que não é mais a teoria que tem a primazia ou que a prática seja a
sua aplicação. Aqui, a teoria depende da percepção da prática para pensar o
progresso humano e, por sua vez, a prática depende dessa teoria, pois passa a ser
“uma atividade objetiva e transformadora da realidade social” (VASQUEZ apud
CANDAU; LELIS, 1993, p. 56) e, sendo transformadora, ela também cria soluções,
únicas, para dadas realidades.
Na formação de professores para a Educação Básica que adota a visão de
unidade, teoria e prática são trabalhadas simultaneamente com a finalidade inicial de
conscientizar o futuro professor do papel social que ele deverá desempenhar e
sobre sua responsabilidade e compromisso para com a melhoria da qualidade do
ensino. Para expressar a unidade entre os conteúdos teóricos e práticos, todas as
disciplinas do curso seriam pensadas de modo a articular o que ensinar, como
ensinar, para quem ensinar e para que ensinar, levando o professor a compreender
a unicidade entre o pensar e o agir, para que possa desenvolver uma prática
docente criadora de soluções específicas para cada uma das diversas realidades
que ele encontrará. (CANDAU; LELIS, 1993)
2.3 Os conhecimentos para o ensino de Matemática e a relação de unidade
entre a teoria e prática
Os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, definidos por
Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), podem possibilitar, em nossa concepção, que a
teoria e a prática caminhem juntas e se relacionem de modo a uma depender da
outra e vice-versa, o que caracteriza a visão de unidade, como apresentada por
Candau e Lelis (1993).
71
Antes de justificarmos a afirmação do parágrafo anterior, faz-se necessário
apresentarmos nossa concepção sobre a prática, concepção essa fundamentada no
Parecer n.º 15, de 2 de fevereiro de 2005, da Câmara de Educação Superior do
Conselho Nacional de Educação34.
De acordo com o relator do referido Parecer, ao “[...] conjunto de atividades
formativas que proporcionam experiências de aplicação de conhecimentos ou de
desenvolvimento de procedimentos próprios ao exercício da docência”, atividades
essas que devem fazer parte das disciplinas de um curso ou ser o núcleo delas, dá-
se o nome de prática como componente curricular. (BRASIL, 2005, p. 3) Nessas
atividades, ainda segundo o relator, os conhecimentos, as competências e as
habilidades que são abordados ou desenvolvidos no curso de formação, devem ser
colocados em uso no “âmbito do ensino”, ou seja, na área ou campo do ensino.
Entendemos que as atividades em questão podem ser realizadas por meio de
seminários, análises de situações reais ou hipotéticas de ensino, entre outros.
Por outro lado, os estágios supervisionados são, conforme consta do referido
Parecer, “[...] um conjunto de atividades de formação, [...] em que o estudante
experimenta situações de efetivo exercício profissional”. (BRASIL, 2005, p. 3, grifo
nosso)
Dessa forma, entendemos que a prática dos cursos de graduação destinados
à formação professores é um conjunto de atividades em que o futuro docente terá a
possibilidade de ensaiar a aplicação de conhecimentos e de procedimentos próprios
ao exercício da docência ou a possibilidade de experimentar situações reais da
profissão. Portanto, é composta por todas as atividades associadas à prática como
componente curricular e ao estágio supervisionado, conforme definidos no Parecer
n.º 15 da Câmara de Educação Superior do Conselho Nacional de Educação.
Levar em conta os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática
como pressupostos na formação dos professores para a Educação Básica implica,
em nossa concepção, a utilização de um processo de avaliação do aluno em que o
maior peso não pode ser dado à teoria. Nesse processo, julgamos que a teoria –
34
O Conselho Nacional de Educação, que é apresentado e tem seus objetivos e estrutura abordados no capítulo 3, é um órgão do Ministério da Educação com a responsabilidade de normatizar a educação brasileira e tratar de assuntos relacionados a ela.
72
disciplinas não pedagógicas e pedagógicas que servirão de base para a docência –
e a prática têm pesos iguais.
Além disso, para proporcionar o desenvolvimento dessa prática, o que em
nossa visão é o grande diferencial dos cursos de formação de professores para a
Educação Básica, seriam necessários conhecimentos que são construídos sobre
investigações da prática docente, como estudos dos erros cometidos por alunos ao
resolverem equações. Assim, esses conhecimentos que emergem da prática
docente também contribuem para o desenvolvimento da teoria, que pode embasar
novas práticas para os cursos de licenciatura e, consequentemente, novas práticas
docentes, gerando uma relação de dependência entre teoria e prática, o que
contempla a visão de unidade, apresentada por Candau e Lelis (1993).
Na figura a seguir procuramos representar a referida dependência.
Figura 3 – Representação da relação de unidade entre a teoria e as práticas tendo como pressuposto de formação os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática
Fonte: acervo do autor
Identifica-se na figura, por exemplo, que a prática docente contribuiria para o
desenvolvimento da teoria, que fornece elementos para os futuros professores se
apropriarem dos domínios dos conhecimentos para o ensino da Matemática. Esses
73
domínios, por sua vez, contribuiriam para o desenvolvimento das práticas nas
Licenciaturas em Matemática, e essas prática contribuiriam para o desenvolvimento
da Prática docente, que é um objeto de estudo da Educação Matemática. Neste
processo, entendemos haver uma relação de unidade, apresentada por Candau e
Lelis (1993), uma vez que a prática contribui para o desenvolvimento da teoria,
assim como a teoria contribui para o desenvolvimento da prática.
Observamos que na figura 3, há direções que indicariam relações em ambos
os sentidos, tendo as mesmas palavras-chave. Nesse caso teríamos, por exemplo,
que a Psicologia, a Sociologia e a História contribuiriam para o desenvolvimento da
Teoria necessária para a formação dos professores e estruturantes para a Educação
Matemática. Por sua vez, a Educação Matemática contribuiria, também, para o
desenvolvimento da Teoria.
2.4 O Processo de Bolonha
Conforme informamos na subseção 1.3.1, o Processo de Bolonha é um dos
elementos que embasam a implementação dos bacharelados interdisciplinares no
Brasil, conforme consta dos Referenciais Orientadores para os Bacharelados
Interdisciplinares e Similares.
Pelo fato de um bacharelado interdisciplinar – o Bacharelado em Ciência e
Tecnologia – ser o curso que permite ao aluno o acesso à Licenciatura em
Matemática da UFABC, julgamos necessária uma abordagem do Processo de
Bolonha para que melhor possamos entender o caminho para a formação do
professor de Matemática para a Educação Básica, proposto pela Universidade
Federal do ABC.
O Processo de Bolonha:
A Declaração de Bolonha, documento assinado em 1999, propõe reformar a
educação superior europeia com o principal objetivo de possibilitar a “livre circulação
de membros da comunidade universitária num espaço europeu [...], com vistas à
futura consolidação de uma zona de grande mobilidade profissional”.
(UNIVERSIDADE ABERTA, [200-], p. 2)
74
Na referida Declaração, foi proposta a adoção, pelas universidades europeias,
de um sistema de ensino superior cuja formação para o exercício de uma profissão
seria composta de dois ciclos: um primeiro ciclo de graduação, com duração mínima
de três anos, e um segundo, de pós-graduação em nível de mestrado. No decorrer
dos anos, documentos intitulados Comunicados foram assinados por países
europeus no sentido de complementar a Declaração de Bolonha. Em um desses
documentos, o Comunicado de Berlim, de 2003, foi proposta a inserção de um
terceiro ciclo nessa formação: o doutorado.
Os documentos constituintes do Processo de Bolonha abordam, reiteradas
vezes, sobre a importância da aprendizagem ao longo da vida, uma vez que o futuro
“[...] profissional não pode sair de um curso superior com todos os conhecimentos de
que possa vir a necessitar no decurso de sua profissão já que o atual ritmo da
evolução científica, técnica e tecnológica origina [...] rápida desatualização dos
saberes.” (UNIVERSIDADE ABERTA, [200-], p. 9) Em outras palavras, os referidos
documentos ressaltavam a importância da formação continuada que, segundo nossa
concepção, poderia ocorrer por meio da constante reflexão sobre a prática
profissional.
Três grandes princípios são considerados como orientadores do Processo de
Bolonha, de modo a levar os sistemas de ensino superior dos países europeus, cada
vez mais, a convergirem para um processo de formação único, permitindo, assim, a
livre circulação de estudantes, professores e demais membros da counidade
universitária pelas instituições de ensino europeias. Dois desses princípios são: a
generalidade versus a especialidade de formação; e a flexibilidade dos modelos de
formação.
A generalidade ficaria a cargo do primeiro ciclo de formação – a graduação,
que seria desenvolvida de forma interdisciplinar – ao passo que a especialidade
ficaria a cargo do segundo ciclo – o mestrado. A investigação seria a principal
finalidade do terceiro ciclo – o doutoramento.
O desenho de formação com três ciclos, sendo o primeiro ciclo responsável
por uma formação generalista, poderia proporcionar ao aluno, por exemplo, na visão
dos signatários dos documentos do Processo de Bolonha, um maior leque de
75
opções profissionais. Para tanto, algumas estratégias deveriam ser consideradas.
Dentre elas, citamos:
Centrar o ensino em atividades que levariam ao desenvolvimento de
competências, sobretudo, relacionadas à capacidade de refletir, de
resolver problemas, de trabalhar em equipes, entre outras;
Flexibilizar os currículos: os planos de estudos seriam fixados por
áreas de conhecimento, com disciplinas que integrariam o núcleo do
curso, disciplinas que serviriam de suporte a esse núcleo, e disciplinas
que seriam opcionais ou subsidiárias a esse núcleo, com múltiplas
combinatórias possíveis;
Centrar a carga horária no trabalho que o estudante tem de realizar
para adquirir uma determinada formação. Para tanto, essa carga seria
contabilizada em créditos, que seriam associados aos resultados da
aprendizagem do estudante. A quantidade necessária de créditos para
completar cada ciclo de formação, a partir do segundo, poderia ser
efetuada por meio da validação das aprendizagens anteriores.
No que se refere à formação de professores, esse Processo propôs
transformações significativas na estrutura dos cursos superiores europeus com esse
fim. Além disso, propôs mudança na qualificação para um profissional poder assumir
uma sala de aula, nos países signatários dos documentos do Processo de Bolonha:
a necessidade da titulação mínima de mestre.
2.5 Investigações sobre cursos de licenciatura em Matemática e as Diretrizes
Curriculares gerais e específicas – uma revisão bibliográfica
Decorridos, em média, pouco mais de dez anos da implementação das DCNs
e das Diretrizes Curriculares específicas para os cursos de Matemática, poucos são
os estudos que abordam as interpretações dessas Diretrizes, evidenciadas nos
projetos pedagógicos de cursos de formação de professores para a Educação
Básica, sobretudo de professores de Matemática.
76
No sistema de Banco de Teses da CAPES identificamos três pesquisas em
Educação Matemática, em nível de doutorado, relacionadas, de certa forma, a
interpretações feitas dos referidos documentos, por instituições de ensino superior
(IES): Wolff (2007), Marcatto (2012) e Barbosa (2012).
Em se tratando de artigos publicados e que podem ser relacionados a
interpretações, por instituições de ensino superior, das Diretrizes Curriculares dos
cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, citamos
o de Moriel Júnior e Cyrino (2009) e o de Ferreira (2013).
Por outro lado, Gatti e Barretto (2009), a convite da Organização das Nações
Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), apresentaram uma
análise da estrutura curricular de 165 cursos presenciais do país que promovem –
ou promoveram – a formação inicial de professores para a Educação Básica, sendo
31 deles cursos de formação de professores de Matemática.
A referida análise, baseada em dados coletados em uma pesquisa realizada
em 2008 por Bernadete Gatti e Marina Nunes, identificou que em aproximadamente
21% dos cursos de formação de professores de Matemática pesquisados, os
conteúdos comuns, indicados nas Diretrizes Curriculares específicas da licenciatura
em Matemática e relacionados ao Cálculo Diferencial e Integral, à Álgebra Linear,
aos Fundamentos de Análise, aos Fundamentos de Álgebra, aos Fundamentos de
Geometria e à Geometria Analítica, eram supostamente trabalhados em disciplinas
ligadas às práticas como componente curricular, indo ao encontro do que é indicado
nas DCNs, que abordamos no capítulo 3. Identificou também que assuntos da
Educação Básica, conforme consta das Diretrizes Curriculares, eram abordados em
todos os 31 cursos, mas que existiam casos em que as ementas das disciplinas
responsáveis por tratá-los indicavam apenas livros dirigidos aos estudantes do
Ensino Médio como referência bibliográfica. Em nossa opinião, esse fato mostra
indícios de que tais assuntos não estariam sendo abordados sob a óptica do seu
ensino e sim sob a óptica da revisão.
Gatti e Barretto (2009) apresentam, ainda, que em todos os cursos havia
disciplinas que procuravam atender à indicação das DCNs quanto à prática como
componente curricular, mas que pertinente a essas disciplinas elas não encontraram
77
“[...] um projeto intencional que relacionasse aspectos de formação para a docência.”
(GATTI; BARRETTO, 2009, p. 144) Ou seja, essas disciplinas não estavam
necessariamente conectadas à formação profissional do futuro professor.
No que se refere à incorporação da pesquisa na formação do futuro professor,
Gatti e Barretto (2009) registraram que poucos cursos ofereciam disciplinas que
abordavam questões relacionadas a investigações em Educação Matemática, outro
aspecto indicado como essencial na formação do professor para a Educação Básica,
nas Diretrizes Curriculares.
Ao concluir, as referidas pesquisadoras registraram que os 31 cursos
pesquisados estavam formando professores de Matemática para a Educação
Básica, com perfis diferenciados: alguns com formação profunda de Matemática,
que não seria o suficiente para a docência, e outros com formação pedagógica
desconexa da formação Matemática. Para os primeiros futuros professores, Gatti e
Barretto (2009) afirmam que, talvez, eles não se sentissem preparados para
lecionar, ao passo que para os demais, eles necessitariam buscar, por seus meios
próprios, as inter-relações de ambas as formações – Matemática e pedagógica.
Mesmo não estando diretamente relacionado a interpretações que as IES
fizeram das Diretrizes Curriculares, o texto de Gatti e Barretto (2009) mostra,
indiretamente, como algumas IES supostamente colocaram em prática aspectos
indicados, naqueles documentos, como essenciais na formação do professor de
Matemática para a Educação Básica, dentre eles: a inclusão de disciplinas que
abordam conteúdos prescritos para a Educação Básica e da prática como
componente curricular.
Com relação à inclusão de disciplinas que abordam conteúdos prescritos para
a Educação Básica, há indícios de que esses conteúdos eram apenas abordados
como revisão. Quanto à prática, evidenciam-se cursos que, provavelmente,
poderiam conceber teoria e prática como uma relação de unidade – sete dos 31
cursos estudados. Mas também se evidencia a existência de cursos em que a teoria
e a prática estariam ou desvinculadas ou vinculadas, mas de forma dicotômica,
visões dissociativa e associativa da relação entre a teoria e a prática, herdadas das
78
normatizações dos cursos de formação de professores das décadas de 1960 e
1970, como é abordado no capítulo 3.
Sobre esse mesmo aspecto da relação entre a teoria e a prática, Marcatto
(2012), ao estudar 30 projetos pedagógicos de cursos de licenciatura em
Matemática brasileiros, identificou que em apenas metade deles as atividades
relacionadas à prática como componente curricular eram distribuídas em todo o
decorrer do curso, como especificado nas DCNs. Mas essas atividades não
necessariamente estavam inseridas em todas as disciplinas.
Identificou, ainda, que os 30 projetos pedagógicos poderiam ser agrupados
em três conjuntos disjuntos, os quais foram denominados modelos A, B e C. Esses
modelos eram distintos pela forma de distribuição da carga horária destinada à
prática como componente curricular, pelas disciplinas dos cursos.
No modelo A, as disciplinas associadas à prática como componente curricular
tinham a carga horária integralmente contabilizada para essa atividade; no modelo
B, os projetos continham algumas ou todas as disciplinas com parte da carga horária
contabilizada como prática; e nos projetos do modelo C, havia disciplinas cuja carga
horária era totalmente contabilizada como prática e outras com apenas parte da
carga. Os números de projetos pertencentes aos modelos A, B e C eram,
respectivamente, 11, sete e 12.
Entendemos que as IES cujos projetos pedagógicos pertencem ao modelo A
não necessariamente vinculam a teoria à prática, uma vez que contam com
disciplinas associadas à prática e disciplinas não associadas a ela. Mesmo que haja
vinculação entre a teoria e a prática, em nossa opinião, essas instituições
provavelmente não concebem a relação entre esses componentes como de unidade.
Por outro lado, não podemos afirmar como verdade que, no modelo B, exista
instituição que conceba teoria e prática como uma relação de unidade, pois nos
cursos de licenciatura desse modelo, a prática pode estar servindo como aplicação
da teoria, o que vincula teoria e prática, mas as concebe como elementos
independentes, configurando, portanto, uma relação dicotômica. O mesmo ocorre
para as IES cujos projetos pedagógicos pertencem ao modelo C.
79
Marcatto (2012) informa que apenas um, dos 30 cursos estudados, distribui a
carga horária de prática como componente curricular em todas as disciplinas do
curso, exceto no estágio curricular supervisionado. Nesse curso, a pesquisadora
relata que não foi possível identificar, nas ementas das disciplinas, as ações que
seriam associadas à prática. Porém, por meio do estudo do projeto pedagógico do
referido curso, Marcatto (2012) identificou haver um núcleo responsável pelo
planejamento das atividades relacionadas à prática, composto por todos os docentes
e coordenado por um deles. Essas atividades, denominadas de Práticas Educativas,
eram definidas como
[...] situações didáticas em que os futuros professores coloquem em uso os conhecimentos que aprenderam. A PE [Prática Educativa] deverá iniciar na própria instituição formadora, a partir da problematização de questões relacionadas com a prática docente, através dos componentes curriculares da formação, no espaço da sala de aula, podendo variar de uma simples simulação de um problema como também poderá extrapolar para o âmbito das escolas de Educação Básica, aprendendo a lidar com o real, de acordo com o planejamento das atividades. (MARCATTO, 2012, p. 108)
Sendo assim, a IES proponente desse curso pode ter interpretado a relação
entre a teoria e a prática tanto como associativa, em que a prática seria uma
aplicação da teoria, como de unidade: caso a “problematização de questões
relacionadas com a prática docente” fosse pensada como a elaboração de situações
em que a teoria estudada fosse simplesmente aplicada, por meio ou não de
técnicas, teríamos uma relação associativa; caso se partisse dessa problematização,
de ensino e/ou aprendizagem, para serem estudadas e discutidas investigações da
área da Educação Matemática, com o objetivo de buscar possíveis soluções,
poderíamos ter uma relação de unidade.
Supõe-se então, pelo estudo de Marcatto (2012), que a maioria dos cursos de
licenciatura por ela investigados não concebe a relação entre a teoria e prática como
uma relação de unidade, assim como ficou evidenciado na apresentação de Gatti e
Barretto (2009).
Diferentemente de Gatti e Barretto (2009) e de Marcatto (2012), que
realizaram seus estudos com base em amostras de 30 ou mais cursos de
licenciatura em Matemática, Wolff (2007) e Barbosa (2012) têm seus estudos
vinculados, cada um deles, a um único curso, em Estados brasileiros distintos.
80
Wolff (2007) também discutiu a relação entre a teoria e prática, proposta no
Curso de Licenciatura em Matemática de uma Universidade particular, instalada no
Estado do Rio Grande do Sul.
Na Licenciatura em Matemática em questão, a prática como componente
curricular, conforme apresenta Wolff (2007), está presente ao longo da formação,
por meio de determinadas disciplinas que destinam parte de sua carga horária para
essa prática.
As atividades relacionadas à prática, em algumas dessas disciplinas, são
apresentadas por Wolff (2007) e, a partir dessa apresentação, a própria
pesquisadora conclui não haver, necessariamente, vínculos dessas atividades com
os conteúdos estudados nas disciplinas. Um exemplo que citamos são as atividades
relacionadas à prática e que estavam associadas à disciplina Fundamentos de
Álgebra: seleção de problemas lógicos em livros didáticos e entrevistas com
professores do Ensino Fundamental e do Ensino Médio, com o objetivo de coletar
suas visões sobre a validade de tais problemas na formação dos estudantes da
Educação Básica; o produto que deveria ser entregue é a análise das respostas dos
professores entrevistados, com considerações particulares dos alunos, futuros
professores, sobre a importância do tema pesquisado para a escola básica.
(WOLFF, 2007)
Nota-se a total desvinculação entre os conteúdos matemáticos que,
provavelmente, eram estudados na referida disciplina, com a atividade relacionada à
prática como componente curricular, e não somente isso: poderíamos questionar,
por exemplo, sobre o real objetivo dessa atividade “prática” na formação de um
professor de Matemática.
Além de analisar o Projeto Pedagógico do Curso estudado, Wolff (2007)
entrevistou professores que ministravam disciplinas em que a prática fazia parte da
carga horária, com o objetivo de identificar a concepção de prática que tinham. Entre
os professores entrevistados, a pesquisadora encontrou quem não soube articular
sobre o assunto e defendeu a exclusão das atividades relacionadas à prática das
disciplinas; encontrou quem concebia aquela prática como algo que somente
poderia ser trabalhada colocando o licenciando em contato com a escola, com a sala
81
de aula e com o aluno, não necessariamente ministrando aula, mas observando
para ir pensando como atuar futuramente; e quem defendia a prática como
atendimento a alunos com dificuldades em aprendizagem, para que pudesse
orientá-lo e, para isso, demandaria do futuro professor ações de investigação.
Pode-se observar que, mesmo fazendo parte do Projeto Pedagógico do Curso
estudado por Wolff (2007), os professores desse curso têm interpretações distintas,
ou mesmo nenhuma interpretação, sobre prática como componente curricular:
alguns a concebem como atividade que deveria ser realizada em ambiente externo à
universidade e outros a concebem associada à pesquisa, por exemplo.
Sobre a primeira concepção, pode-se sugerir que esteja relacionada à
maneira como a formação de professores vem sendo tratada, desde o século
anterior: houve momentos em que a prática se resumia na Prática de Ensino e esta
era, na maior parte, realizada fora da instituição proponente do curso, apenas em
estágios, como é abordado no capítulo 3.
Do trabalho de Wolff (2007), pode-se inferir que a suposta prática como
componente curricular, mesmo estando presente no interior de todas as disciplinas
do Curso estudado, parece ser atividade desvinculada dos conteúdos das
disciplinas, uma atividade com fins em si mesma, finalidades essas que podem
inclusive ser questionadas sobre a real importância na formação do futuro professor.
A falta de vínculo entre o conteúdo e a atividade prática, proposto, em uma
mesma disciplina, indica a provável coexistência da teoria e da prática, mas com
objetivos e fins que não convergem, o que poderia caracterizar uma visão
dissociativa da relação entre a teoria e prática.
Com objetivo mais abrangente que o de Wolff (2007), a pesquisa de Barbosa
(2012) buscou compreender o processo de implementação do Curso de Licenciatura
em Ciências Naturais e Matemática de um Campus de uma Universidade Federal na
Região Centro-Oeste do Brasil. Consideramos esse objetivo mais abrangente, pelo
fato de o pesquisador não se fixar somente no que diz respeito à relação entre a
teoria e a prática, mas analisar, também, a organização curricular com relação à
formação em Matemática.
82
O Curso estudado por Barbosa (2012) tem como finalidade formar o professor
de Ciências Naturais e Matemática para os anos finais do Ensino Fundamental e, ou
o professor de Matemática, ou o de Física ou o professor de Química, para o Ensino
Médio, buscando superar a disciplinaridade35 na formação e assumindo a
responsabilidade da produção de “[...] práticas que superem a organização curricular
disciplinar e compartimentada do conhecimento [...]”, pelos professores formadores.
(BARBOSA, 2012, p. 15)
No seu estudo, Barbosa (2012) focou a formação de professores de Ciências
Naturais e Matemática para o Ensino Fundamental e de Matemática para o Ensino
Médio. Nesse Curso, o aluno tem uma formação básica nos dois primeiros anos,
comum a todos os futuros professores de Matemática, Física e Química do ensino
básico, e uma formação específica nos dois últimos anos.
Na formação básica, Barbosa (2012) observou que em cada um dos quatro
semestres, havia uma única atividade que trabalhava a prática como componente
curricular, ou seja, essa prática não constava no interior das disciplinas do curso. O
mesmo esquema ocorria na formação específica para o professor de Matemática
para o Ensino Médio.
De acordo com a análise de Barbosa (2012), somente nessas atividades e
nos estágios supervisionados é que era trabalhada a formação profissional do
professor, por meio de, por exemplo, discussão sobre a metodologia de resolução
de problemas, temas atuais sobre educação e seminários, em que os alunos
preparavam e apresentavam aulas com conteúdos da Educação Básica.
Com relação à formação Matemática proposta no Curso, Barbosa (2012)
identificou a existência de “duas matemáticas distintas” e que foram denominadas
pelos alunos entrevistados de matemática da escola e de matemática do
matemático.
35
Conforme Tarcísio Padilha, a disciplinaridade supõe uma clara definição dos contornos dos diversos saberes e obedece a metodologias com limites igualmente demarcados. Para mais esclarecimentos, sugerimos a leitura do artigo intitulado “Da disciplinaridade para a transdisciplinaridade: uma proposta pedagógica”, publicado pela Academia Brasileira de Letras, em: http://www.academia.org.br/abl/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=2880&sid=433.
83
Com relação à matemática da escola, ela seria, na concepção dos alunos
entrevistados por Barbosa (2012), a matemática estudada na formação básica, em
forma de revisão e acompanhada por “algumas coisas mais avançadas”, atividades
relacionadas à justificação, à generalização e a perguntas, do tipo “como funciona?”,
“funciona sempre?”, “por quê?”, relacionadas aos conteúdos que foram
supostamente estudados pelos futuros professores na Educação Básica. Já com
relação à matemática do matemático, ela seria, ainda na concepção dos alunos, a
matemática estudada na formação específica e caracterizada pela prática do rigor
em demonstrações, que, aparentemente, para os alunos entrevistados, não
guardava relação com a matemática da escola e com a formação profissional do
docente para a Educação Básica. (BARBOSA, 2012)
Baseado na apresentação do estudo de Barbosa (2012) não se pode afirmar
que o Curso pesquisado trabalhe teoria e prática de forma articulada. Por outro lado,
com as informações apresentadas pelo pesquisador, poderíamos afirmar que o
curso estudado, especialmente nos dois últimos anos de formação específica, tem
características que mais o aproxima de um bacharelado em Matemática. Não por
cobrar o rigor em demonstrações, mas por não relacionar a suposta matemática do
matemático à formação profissional do docente para a Educação Básica.
Cabe salientar que não somos contra a presença de demonstrações e rigor
matemáticos em cursos de formação inicial de professores de Matemática para a
Educação Básica, desde que essas atividades contribuam para a formação, não
apenas acadêmica, mas também profissional do professor. Portanto, nós
compartilhamos o entendimento de Pietropaolo (2005) sobre a (res)significação da
demonstração em Matemática nos cursos de formação de professores. Para este
Educador Matemático,
[...] as demonstrações nos cursos de professores do ensino básico devem ter um enfoque bem mais amplo do que tem sido dado. Essa amplitude pode ser alcançada se os cursos não utilizarem as provas apenas para [o aluno] aprender mais ou com o objetivo de desenvolver o raciocínio lógico, mas também em sua perspectiva didática, curricular e histórica. Uma das possibilidades seria, por exemplo, refletir sobre a “evolução” do pensamento matemático, no qual se inclui a demonstração, indispensável à Matemática. (PIETROPAOLO, 2005, p. 222)
84
Faria parte dessa amplitude citada pelo referido pesquisador, por exemplo, a
utilização das demonstrações com a perspectiva da compreensão e aprofundamento
de conceitos e procedimentos que, juntamente com a perspectiva pedagógica,
contribuiriam na formação docente para a construção ou utilização de exemplos e
contraexemplos no ensino, para criação de sequências didáticas com atividades
bem ordenadas, para validação das resoluções de situações-problema, entre outras
ações, necessárias à atuação profissional dos docentes da Educação Básica.
(PIETROPAOLO, 2005)
Também com o objetivo de analisar a relação entre a teoria e a prática em
cursos superiores de formação inicial de professores, Moriel Júnior e Cyrino (2009)
apresentam em seu artigo estudo de seis projetos pedagógicos de cursos de
licenciatura em Matemática do Estado do Paraná, em que a teoria e a prática se
revelavam, de acordo com os referidos pesquisadores, articuladas. Das análises que
fizeram, emergiram quatro características que baseavam essa articulação.
A primeira característica consistia na inserção do futuro professor na
realidade escolar, com o objetivo de coletar informações para serem analisadas no
interior de disciplinas do curso. A segunda característica previa o engajamento do
estudante em trabalho de conclusão de curso, abordando tema relacionado à
atividade escolar do professor ou à Educação Matemática. Segundo os
pesquisadores, nessa segunda característica era oferecida a oportunidade para que
o futuro professor relacionasse teorias estudadas ao longo do curso com aspectos
da sua futura profissão, assim como aspectos da área da Educação Matemática.
Quanto à terceira característica, ela consistia em engajar o licenciando na
compreensão e aprofundamento dos conceitos matemáticos que seriam os objetos
de ensino na Educação Básica. A quarta e última característica previa a vivência do
futuro professor em uma formação didático-pedagógica que consideraria a dimensão
matemática, ao invés da formação genérica do ensino, ou seja, uma formação que
estaria diretamente relacionada a conceitos didáticos e pedagógicos da Educação
Matemática e não da educação em geral.
A primeira e a quarta características identificadas por Moriel Júnior e Cyrino
(2009) mostram, segundo nosso entendimento, indícios de interpretação da prática
como componente curricular como uma relação de unidade entre a teoria e a prática,
85
uma vez que a teoria estaria vinculada à prática, mas não teria sobre ela prioridade
e sim dela dependeria, assim como a prática dependeria da teoria, ou seja, uma
relação indissociável.
Já sobre a segunda e a terceira características, não podemos afirmar o
mesmo. Engajar o futuro professor em uma atividade de trabalho de conclusão de
curso, com o objetivo que esse aluno relacione a teoria a aspectos práticos da sala
de aula, parece ser um indicativo de uma visão dissociativa da relação entre a teoria
e a prática. Nessa atividade, será o próprio licenciando que deverá encontrar formas
de associar o que foi estudado na sua formação de nível superior – provavelmente a
teoria – com a prática docente que ele não necessariamente experimentou e que
seria, talvez, observada e estudada em atividades de estágio, por exemplo. Quanto
ao engajar o licenciando no estudo aprofundado dos conceitos matemáticos que
futuramente ensinará, não parece relacionar teoria à prática, mas sim proporcionar
aos estudantes formação relacionada ao domínio do conhecimento comum do
conteúdo, dos estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008).
Seria contradição a não presença de atividades para proporcionar formação
no domínio do conhecimento comum, em um curso de formação inicial de
professores de Matemática, apesar de termos ciência de que esse aspecto nem
sempre seja levado em consideração nesses cursos. Mas apenas engajar o
licenciando na compreensão e no aprofundamento de conceitos matemáticos que
serão objetos de ensino na Educação Básica, em nossa opinião, não é o suficiente
para que o futuro professor compreenda os aspectos relacionados ao ensino desses
objetos matemáticos.
Especificamente relacionado à investigação sobre a prática proposta por
universidades federais do Estado de Minas Gerais, o artigo de Ferreira (2013) traz
uma análise das matrizes curriculares dos cursos de licenciatura em Matemática
oferecidos por cinco universidades. Nesse artigo, há a caracterização desses
cursos, de acordo com a concepção que as IES apresentavam sobre a prática como
componente curricular e sobre os estágios.
Nessas caracterizações, é possível identificar cursos em que a prática como
componente curricular era oferecida apenas em parte do curso e não em toda sua
86
duração, como proposto nas DCNs. É também possível identificar que estágios
supervisionados não eram oferecidos no período indicado nas Diretrizes Curriculares
Nacionais, ou seja, a partir do início da segunda metade do curso.
A conclusão de Ferreira (2013) é de que
A prática docente, os saberes que a compõem, a matemática da escola e todo o universo que permeia o cotidiano da Educação Básica nas escolas, ainda parecem pouco considerados na maioria dos cursos. Os documentos analisados sugerem que as disciplinas ainda são agrupadas em conteúdo específico e conteúdos pedagógicos, com tendência a valorizar mais o primeiro grupo que o segundo, mesmo em se tratando da formação do professor de Matemática e não do bacharel em Matemática. (FERREIRA, 2013, p. 12)
Dessa conclusão, pode-se considerar que a relação entre a teoria e prática,
assumida pelas instituições estudadas por Ferreira (2013), também não é a de
unidade.
Os trabalhos de Wolff (2007), de Barbosa (2012) e de Marcatto (2012), assim
como a apresentação de Gatti e Barretto (2009) e os artigos de Moriel Júnior e
Cyrino (2009) e de Ferreira (2013) são, a nosso ver, relevantes para reflexões sobre
a formação de professores de Matemática para a Educação Básica, sobretudo para
embasar reflexões acerca de como as instituições vêm interpretando a questão da
prática como componente curricular, que é um dos aspectos abordados nas DCNs.
No entanto, esses estudos não focam, necessariamente, um aspecto que
julgamos importante para vincular a prática da licenciatura em Matemática com a
teoria estudada nesse curso, proporcionando-lhes uma dependência recíproca que
caracteriza uma relação de unidade: a presença dos conhecimentos necessários ao
professor que lecionará na Educação Básica, nesse caso, conhecimentos para o
ensino de Matemática, embora parte desses conhecimentos seja levada em
consideração nos citados estudos.
Entendemos que estudos sobre a presença desses conhecimentos sejam
também necessários para identificar se, e compreender como, as pesquisas que
abordam a formação profissional do professor de Matemática para a Educação
Básica estão sendo implementadas nos cursos de licenciatura, por intermédio das
87
interpretações que vêm sendo feitas das DCNs. E nesse sentido é que colocamos
nosso olhar sobre o referido aspecto, mas não somente nele, para que, juntamente
com as pesquisas que citamos, possamos contribuir na busca de melhorias nos
cursos iniciais de formação dos professores de Matemática que atuarão na
Educação Básica.
88
3 UMA ANÁLISE DAS NORMATIZAÇÕES NACIONAIS PARA CURSOS DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES DE MATEMÁTICA
PARA A EDUCAÇÃO BÁSICA E UM PANORAMA DESSES CURSOS NO ESTADO DE SÃO PAULO EM 2010
O objetivo deste capítulo é abordar a constituição das normatizações para os
cursos de graduação específicos de formação de professores de Matemática para a
Educação Básica, do século 20 até a primeira década do século 21, identificando,
por meio de análises comparativas, continuidades e descontinuidades existentes nas
leis, pareceres ou outros documentos oficiais que subsidiaram concepções e
implementações desses cursos.
Para tanto, identificamos, em uma primeira subseção, os referidos cursos
específicos e fazemos uma apresentação dos órgãos do Governo Federal que foram
encarregados de normatizar a educação superior: o Conselho Federal de Educação,
que elaborou e modificou, nas décadas de 1960 e 1970, os currículos mínimos dos
cursos superiores; e o Conselho Nacional de Educação, que elaborou as atuais
Diretrizes Curriculares desses cursos.
Após essa introdução, abordamos alguns aspectos do primeiro curso superior
de Matemática do Brasil, na Universidade de São Paulo, e, em seguida, aspectos
das primeiras normas nacionais que instituíram os currículos mínimos para os cursos
específicos de formação inicial de professores de Matemática para a Educação
Básica das últimas quatro décadas do século passado.
No que se refere à primeira década do século 21, apresentamos o documento
que embasou as atuais DCNs – a Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de
Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível Superior – e fatos que
antecederam a criação desse documento. Após, abordamos as DCNs e as Diretrizes
Curriculares específicas para o atual curso de licenciatura em Matemática.
Observamos que o termo currículo, nesse capítulo, é utilizado para indicar as
disciplinas constantes de um curso – grade curricular. Observamos também que
89
utilizamos o termo Educação Básica conforme definido na Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional de 1996, ou seja, para nos referir aos níveis de educação
anteriores ao nível superior, mesmo que, no decorrer do século 20, esses níveis
tivessem diferentes nomenclaturas e atendessem a diferentes faixas etárias das
definidas hoje para o Ensino Fundamental e Ensino Médio.
3.1 Órgãos federais responsáveis pela normatização da educação superior e
Cursos específicos de formação inicial de professores de Matemática
A Educação Superior, assim como a Educação Básica, é atualmente regida
pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 199636 (LDBEN) e por
normas determinadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE), órgão normativo
e deliberativo de assessoramento ao MEC, com atribuições de “formular e avaliar a
política nacional de educação, zelar pela qualidade do ensino, velar pelo
cumprimento da legislação educacional e assegurar a participação da sociedade no
aprimoramento da educação brasileira.” (BRASIL, 2011)
Criado em 1994 e oficializado em 1995, o CNE, após a promulgação da
LDBEN, formulou e fixou as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos
superiores, dentre eles as atuais licenciaturas, responsáveis pela formação dos
professores para a Educação Básica brasileira.
Desde a sua oficialização, o CNE é composto pela Câmara de Educação
Básica (CEB), pela Câmara de Educação Superior (CES) e pelo o Conselho Pleno
(CP), e suas atribuições são normativas, deliberativas e de assessoramento ao
Ministério da Educação.
O Conselho Nacional de Educação sucedeu outro órgão federal que teve
papel fundamental na formulação e fixação de normas para a educação brasileira
nas últimas quatro décadas do século anterior: o Conselho Federal de Educação
(CFE).
36
Lei Federal n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996.
90
Instituído pela Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 196137, o CFE fixou, dentre
outros, os currículos mínimos e a duração dos cursos de formação de profissionais
liberais e de profissões de cargo público, inclusive os dos cursos superiores de
formação de professores para os então ginásio e científico ou clássico, também
criados por força da LDB de 1961.
Durante a atuação do CFE ocorreram três normatizações no sistema de
ensino de grau superior, relacionadas aos cursos de formação de professores para a
Educação Básica: duas na década de 1960, decorrentes da LDB de 1961 e da falta
de docentes para lecionar no antigo ginásio, e outra na década de 1970, decorrente
de uma Reforma Universitária, fixada em 1968, e da LDB, de 197138.
Anterior ao CFE, portanto antes da década de 1960, não existiu, no Brasil, um
órgão específico com a responsabilidade de normatizar a educação superior: ela era
regulamentada por decretos federais ou estaduais.
Especificamente para formar professores de Matemática para a Educação
Básica, foram normatizados, em âmbito nacional, cinco cursos de nível superior, a
partir do final da década de 1930: o primeiro foi normatizado por decreto; os três
cursos posteriores foram normatizados pelo CFE; e o último curso, o que está
atualmente em vigor, foi normatizado pelo CNE. No quadro a seguir, relacionamos
esses cursos e os respectivos anos de suas normatizações.
Quadro 4 – Relação dos cursos superiores específicos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica, de âmbito nacional, e os respectivos anos de suas
normatizações
Cursos Ano da
normatização
Curso de Matemática, bacharelado e licenciatura (Normatizado por decreto-lei federal – o modelo 3+1)
1939
Curso de Licenciatura em Matemática (Normatizado pelo CFE)
1962
Curso de Licenciatura em Ciências de 1.º grau (Normatizado pelo CFE e reformulado em 1972, pelo mesmo conselho)
1965
Curso de Licenciatura em Ciências de curta duração e de licenciatura plena (Normatizado pelo CFE)
1974
Curso de Licenciatura em Matemática (Normatizado pelo CNE)
2003
37
Lei Federal n.º 4.024, de 20 de dezembro de 1961. 38
Lei Federal n.º 5.692, de 11 de agosto de 1971.
91
Anterior a 1939, alguns estados brasileiros puderam criar e normatizar, na
década de 1930, cursos de graduação específicos para formação de professores.
Para lecionar Matemática na Educação Básica, o estado paulista, ao inaugurar a
Universidade de São Paulo (USP), criou e regulamentou, em 1934, o primeiro curso
de Matemática brasileiro: o Curso de Ciências Matemáticas da USP. Sobre a criação
e normatização desse curso, e dos que estão relacionados no quadro anterior, é o
que abordamos nas subseções seguintes deste capítulo.
3.2 Instituição das grades curriculares de cursos específicos de formação de
professores de Matemática para a Educação Básica até 1960
Até a década de 1930, os professores que tinham formação superior e
lecionavam Matemática na Educação Básica eram, em maior parte, egressos de
cursos de engenharia, os quais tinham como principal modelo os cursos da Escola
Politécnica do Rio de Janeiro. O processo para se estabelecer uma formação
específica para esses profissionais iniciou-se em 1925, com a Reforma João Luiz
Alves/Rocha Vaz39, a qual, entre outras ações, autorizou a criação de universidades
em alguns estados brasileiros, dentre eles, o Estado de São Paulo, que seria o
pioneiro na implementação de um curso de Matemática, no Brasil.
Apesar de a referida autorização ter ocorrido em 1925, somente em 1931 o
Decreto Federal n.º 19.851, que fez parte da Reforma Francisco Campos,
regulamentou a criação de universidades brasileiras e com essa regulamentação os
estados e as instituições particulares passaram a criar e manter essas instituições de
educação superior.
Para a constituição da congregação de uma universidade, o citado Decreto
fixou, entre outras exigências, a existência de, pelo menos, três institutos de ensino
superior, dentre quatro fixados: Faculdade de Direito, Faculdade de Medicina,
Escola de Engenharia e Faculdade de Educação Ciências e Letras. Essa fixação
contribuiu, sobretudo, para a criação de cursos superiores específicos que passaram
a formar professores para a Educação Básica.
39
Decreto Federal n.º 16.782 A, de 13 de janeiro de 1925.
92
Além disso, o Decreto Federal n.º 19.851 de 1931 também determinava que o
programa, a duração e o funcionamento dos cursos de nível superior deveriam ser
fixados pelo Conselho Universitário ou pelo Conselho Técnico Administrativo das
instituições de ensino, ambos também regulamentados nele, ou seja, às instituições
de ensino superior foi atribuída a responsabilidade pela criação do currículo, este no
sentido etimológico de percurso, dos seus cursos.
Uma consequência direta da Reforma Francisco Campos para a educação
superior foi a criação da Universidade de São Paulo, em 1934, que ao invés de
congregar uma Faculdade de Educação Ciências e Letras a desdobrou em uma
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e um Instituto de Educação. Esse Instituto,
a Antiga Escola Normal da Praça, conforme era conhecida em São Paulo, ou
Instituto Caetano de Campos, fora incorporado pela USP, na sua criação,
juntamente com suas escolas anexas destinadas à experimentação, à prática de
ensino e ao estágio profissional. Essa incorporação teve papel fundamental na
criação de cursos superiores de formação inicial de professores para o que
denominamos atualmente de Ensino Fundamental II e Ensino Médio, alguns desses
cursos considerados precursores em nível nacional. A importância desse Instituto de
Educação para a formação inicial de professores brasileiros, especialmente
paulistas, é citada por Ferreira e Santos (2007, p. 76), no artigo intitulado
Contribuições ao estudo da construção da metodologia do ensino de Matemática
como disciplina escolar no Brasil:
A contribuição do Instituto de Educação à USP foi inestimável. Embora se perceba uma nítida separação entre os institutos, buscou-se, por meio de um pensamento renovador, oferecer aos professores primários e secundários uma formação em nível superior. O Instituto de Educação assumiu a responsabilidade em formar professores, voltado exclusivamente para a formação pedagógica, enquanto que a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP ficou restrita à formação teórica e científica oferecida em seus cursos.
Historicamente importante no que se refere à formação específica de
docentes para a Educação Básica, a USP, por meio de seus cursos, promoveu uma
formação, digamos, dualista para os futuros professores: a formação pedagógica e
prática ministrada em um instituto e a formação não pedagógica e não prática
ministrada em outro instituto ou faculdade, formações não necessariamente
vinculadas.
93
O Decreto Estadual paulista n.º 6.283, de 25 de janeiro de 1934, que criou a
USP, também fixou a grade curricular e a duração do primeiro curso de Matemática
brasileiro: o Curso de Ciências Matemáticas, ministrado na Faculdade de Filosofia,
Ciências e Letras. De acordo com o artigo 10.º do referido Decreto, esse curso
deveria ser seriado, com duração de três anos, sendo estudadas as seguintes
disciplinas:
Primeiro ano: Geometria (projetiva e analítica) e Análise Matemática;
Segundo ano: Análise Matemática, Cálculo Vetorial e Elementos de
Geometria Infinitesimal, e Física Geral e Experimental;
Terceiro ano: Mecânica Racional e Elementos de Mecânica Celeste,
Física Geral e Experimental, e História das Matemáticas.
Cabe salientar que em Análise Matemática deveriam ser incluídos, de acordo
com o referido Decreto paulista, os estudos sobre o cálculo de probabilidades e
sobre a estatística.
Para receber a licença para o magistério secundário, o aluno, ao completar o
terceiro ano de qualquer um dos cursos da Faculdade de Filosofia, Ciências e
Letras, dentre eles o Curso de Ciências Matemáticas, precisaria concluir o Curso de
Formação Pedagógica do Instituto de Educação. Esse curso poderia, também, ser
estudado de forma concomitante ao terceiro ano dos cursos da citada Faculdade.
Sobre o Curso de Formação Pedagógica, o decreto de criação da USP não
explicita as disciplinas que deveriam ser estudadas. Apenas indica, no artigo
terceiro, que:
A seção de Matérias de Ensino para os candidatos ao professorado secundário constituirá uma seção autônoma da de prática de ensino e terá por fim o estudo teórico-prático: a) da metodologia da matéria, das dificuldades que lhe são inerentes, e das técnicas e processos para removê-las; b) da importância da matéria para formação mental do adolescente; c) da história do ensino da matéria; d) da correlação de cada matéria com as demais; e) dos princípios e da prática da organização dos programas escolares. (SÃO PAULO, 1934)
Tem-se, portanto, uma primeira fixação de currículo para formação de
professores para lecionar Matemática na Educação Básica, em curso específico no
94
Estado de São Paulo. Embora não possa ser considerado um currículo nacional, o
desenho da formação de professores de Matemática para a Educação Básica que
se propunha na USP foi um exemplo para outras instituições brasileiras. Esse
desenho era o de estudar disciplinas de conhecimento matemático, como
Geometria, Análise Matemática e Cálculo Vetorial, disciplinas de uma área afim à
Matemática, a área da Física, uma disciplina de História da Matemática, além de
uma formação pedagógica de um ano, em um Instituto desvinculado da Faculdade
responsável em ministrar o Curso de Ciências Matemáticas. Essa última formação
era baseada em técnicas e procedimentos, e que levava em consideração, pelo
menos na teoria, a importância da Matemática para a formação dos alunos da
Educação Básica e a relação dessa disciplina com as demais disciplinas que seriam
estudadas pelos alunos nos atuais Ensinos Fundamental e Médio.
Na configuração apresentada, ou seja, três anos de um primeiro curso na
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e um ano de formação pedagógica no
Instituto de Educação, concomitante ou não ao primeiro curso, os cursos de
formação de professores para a Educação Básica vigoraram, na USP, segundo
Ferreira e Santos (2007), de 1934 a 1938.
No ano de 1938, o Instituto de Educação da USP foi extinto em decorrência
de novas diretrizes federais para a formação de professores para a Educação
Básica, em cursos de nível superior, implementadas no Regime de Estado Novo.
Nesse Regime, uniformizaram-se os cursos de formação de professores para
a Educação Básica brasileira tomando-se por base os cursos da Faculdade Nacional
de Filosofia, criada em 1937, no Rio de Janeiro, e reorganizada em 1939, para servir
como modelo nacional. Por esse novo modelo, a formação inicial desses
professores, em nível superior, deveria ser totalmente realizada nas próprias
faculdades de filosofia, ciências e letras, por meio de um curso de Didática,
ministrado àqueles que tivessem concluído o curso de bacharelado: surgia, desse
modelo, a diferença entre os títulos de bacharelado e de licenciatura, de nível
superior, sendo esse segundo conferido apenas ao aluno concluinte do curso de
Didática. (BRASIL, 1939)
95
A Faculdade Nacional de Filosofia era composta, conforme instituído pelo
Decreto-Lei Federal n.º 1.190, de 4 de abril de 1939, por quatro seções
fundamentais, sendo elas Filosofia, Ciências, Letras e Pedagogia, e uma seção
especial, a seção de Didática.
O Curso de Matemática pertencia à seção de Ciências e tinha três anos de
duração. As disciplinas estudadas nesse Curso, fixadas pelo Decreto-Lei Federal n.º
1.190 de 1939 e, portanto, não mais a cargo de serem escolhidas pelas instituições
proponentes desse curso, eram assim distribuídas:
Primeiro ano: Análise Matemática, Geometria Analítica e Projetiva,
Física Geral e Experimental;
Segundo ano: Análise Matemática, Geometria Descritiva e
Complementos de Geometria, Mecânica Racional, e Física Geral e
Experimental;
Terceiro ano: Análise Superior, Geometria Superior, Física
Matemática e Mecânica Celeste.
Já o Curso de Didática, de um ano, constituía-se das disciplinas Didática
Geral, Didática Especial, Psicologia Educacional, Administração Escolar,
Fundamentos Biológicos da Educação e Fundamentos Sociológicos da Educação.
Quanto ao estágio, nada é abordado sobre sua obrigatoriedade no referido
Decreto. Há apenas a indicação de que as aulas práticas seriam realizadas em
laboratórios, gabinetes ou museus. (BRASIL, 1939)
Conforme os artigos 48.º e 49.º do Decreto-Lei Federal n.º 1.190 de 1939, ao
aluno que concluísse o Curso de Matemática de três anos era concedido o diploma
de bacharel em Matemática e a esse, ao concluir o curso de Didática, o diploma de
licenciado em Matemática.
Como a duração dos cursos oferecidos na Faculdade Nacional de Filosofia
era de três anos, com exceção do curso de Didática que tinha duração de um ano,
esse modelo ficou conhecido no Brasil como esquema 3+1. Nesse modelo, em
quatro anos um aluno poderia receber um diploma de bacharel e outro de licenciado,
nessa ordem.
96
No que se refere à formação de professores de Matemática para a Educação
Básica nesse modelo 3+1, pode-se afirmar, com base no Decreto-Lei Federal n.º
1.190 de 1939, que o pressuposto para exercer a função docente era de que o
professor deveria ser um bacharel em Matemática, com um curso complementar de
Didática, ou seja, teoricamente, esse professor deveria ter uma formação acadêmica
que ia além da formação do bacharel. Dessa forma, no primeiro modelo nacional de
formação, não há identidades distintas nos cursos que teriam como egressos o
bacharel e o licenciado em Matemática.
Se comparadas as disciplinas matemáticas do Curso de Ciências
Matemáticas proposto pela USP com as do Curso de Matemática do modelo
nacional 3+1, pode-se observar, por exemplo, que o segundo curso apresenta uma
quantidade maior de disciplinas relacionadas à Geometria, Análise e Física, e a
ausência da disciplina de História da Matemática.
Quadro 5 – Comparativo das disciplinas matemáticas estudadas no curso formação de professores de Matemática para a Educação Básica na USP e no modelo nacional da Faculdade Nacional de
Filosofia
USP
(de 1934 a 1938) Faculdade Nacional de Filosofia
(a partir de 1939)
1º ano Geometria (projetiva e analítica)
Análise Matemática
Análise Matemática Geometria Analítica e Projetiva
Física Geral e Experimental
2º ano
Análise Matemática Cálculo Vetorial e Elementos de Geometria
Infinitesimal Física Geral e Experimental
Análise Matemática Geometria Descritiva e Complementos de
Geometria Mecânica Racional
Física Geral e Experimental
3º ano
Mecânica Racional e Elementos de Mecânica Celeste
Física Geral e Experimental História das Matemáticas
Análise Superior Geometria Superior Física Matemática Mecânica Celeste
Com relação à formação pedagógica, uma diferença que pode ser identificada
é a de que no curso proposto pela USP, essa formação poderia ocorrer
concomitantemente com o terceiro ano do curso, ao passo que no modelo 3+1 ela,
obrigatoriamente, ocorria após o aluno estudar o terceiro ano. Especialmente sobre
os estágios, mesmo que nada fosse abordado sobre sua obrigatoriedade no modelo
3+1, o Decreto Estadual paulista n.º 9.268-A, de 25 de junho de 1938, que extinguiu
o Instituto de Educação da USP e instituiu, nas Faculdades de Filosofia, Ciências e
Letras, a seção de Educação para ministrar o curso de Didática, determinou que os
exercícios práticos dos alunos dessa seção poderiam ser efetuados nos então
97
cursos ginasiais do Estado. Sendo assim, os estágios, que eram feitos nas escolas
anexas ao Instituto de Educação, com sua extinção, passaram a não ser mais
realizados na USP.
As formações do professor de Matemática para lecionar na Educação Básica,
propostas pela USP, até 1938, e pelo modelo 3+1, que passou a vigorar em 1939,
tinham, no nosso entendimento, o mesmo desenho curricular: propunham uma
formação dualista, sendo uma específica em Matemática e outra pedagógica e de
caráter prático40, cursadas à parte da primeira, sem que houvesse vinculação
explícita entre elas. Esse desenho curricular de formação, em que não há conexão
da teoria com a prática, mas ambas coexistem no mesmo curso, configura, a nosso
ver, a visão dissociativa da relação entre a teoria e a prática, abordada por Candau e
Lelis (1993), na qual se enfatiza a formação teórica.
Até 1960, a instituição dos currículos e a duração dos cursos superiores de
formação inicial de professores para a Educação Básica – e consequentemente os
de Matemática – seguiram o caminho indicado pela Faculdade Nacional de Filosofia,
ou seja, o modelo 3+1.
3.3 Normatizações nacionais que pautaram a formação de professores de
Matemática para a Educação Básica brasileira das décadas de 1960 a 1990
Com a promulgação da primeira Lei de Diretrizes e Bases, em 1961, o
sistema de ensino brasileiro foi dividido em três níveis denominados graus:
O grau Primário, composto pela educação pré-primária, para as
crianças com idades até sete anos, e pelo ensino primário, obrigatório,
com duração mínima de quatro anos e possibilidade de ser estendido
para seis anos;
O grau Médio, que abrangia os cursos secundário, técnicos e de
formação de professores para o grau Primário – cada um deles
composto pelos ciclos ginasial, com quatro anos, e colegial com três
anos; e
40
Desenvolvida apenas na forma de estágios.
98
O grau Superior, composto, entre outros, por cursos de formação dos
professores para o grau médio, nas faculdades de filosofia, ciências e
letras de universidades ou de faculdades isoladas.
Para normatizar esse sistema de ensino, a LDB de 1961 criou o Conselho
Federal de Educação e atribuiu-lhe, entre outras funções, a função de elaborar os
currículos mínimos para cursos de grau Superior. Para tanto, esse Conselho
organizou alguns pareceres41 que orientaram o cumprimento das suas funções.
Em um desses pareceres, o de número 292, de 14 de novembro de 1962, o
seu relator faz menção à diferenciação que deveria existir entre os cursos de
bacharelado e de licenciatura, afirmando que esse segundo “é um grau apenas
equivalente ao bacharelado e não igual a este mais Didática, como acontecia até
então no esquema 3+1” (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 48,
grifos do autor). Ainda sobre a diferenciação entre os cursos, o mesmo relator se
utilizou de uma linguagem lógico-matemática para justificar a criação e existência de
três eixos de disciplinas nos cursos de licenciatura – o de conteúdo, o de método e o
de aluno –, assim como a não dissociação das disciplinas relacionadas a eles, como
vinha sendo realizado até então:
Na linguagem da fórmula “ensinar “X” a João”, soa-nos tão absurdo o restritivo “ensinar “X””, em que se ignora totalmente o aluno ao erigir o conhecimento à categoria de fim em si mesmo, quanto o dispersivo “ensinar a João” de certo pedagogismo que vai desaparecendo em nossos dias. Impossível como é abstrair qualquer desses três elementos, sem produzir mutilações irreparáveis, não vemos como fugir às duas únicas soluções possíveis: a de “ensinar X a João”, admissível em determinadas circunstâncias, e a definição geral de “ensinar a João X”, em que João tem precedência sobre X, e ambos ao ensinar. Como este se ajusta a João pela via de X, segue-se que desde logo temos como indiscutível a predominância funcional da matéria sobre o método. Afinal, o “que ensinar” preexiste ao “como ensinar” e de certo modo o condiciona, o que não implica negar validade à metodologia teórica e prática da Educação. Do contrário, já não se cogitaria sequer de um treinamento didático, porque este fluiria, então, inteiramente, das próprias matérias encaradas como tais. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 45, grifos do autor).
41
Cabe aqui ressaltar que todas as normas elaboradas e votadas pelos Conselhos de Educação foram, e ainda são, publicadas via resoluções e cada resolução é embasada em pareceres elaborados pelos conselheiros relatores. De certa forma, os pareceres são mais ricos em detalhes do que as resoluções, que muitas vezes apenas oficializam, de forma resumida, os pareceres.
99
De certa forma, o relator combatia a ideia de se deixar por último o estudo das
disciplinas pedagógicas, modelo que era utilizado, até então no Brasil, nos cursos
superiores de formação de professores para a Educação Básica. Para o relator,
teoricamente, essas disciplinas deveriam estar associadas às demais disciplinas dos
cursos de formação de professores. Porém, como veremos adiante, somente em
uma das disciplinas fixadas em cursos de formação de professores de Matemática
para a Educação Básica há, de forma explícita, menção de se abordar
conhecimentos relacionados aos objetos de ensino dos futuros professores, ou seja,
o “X” a que se refere o relator. Logo, se essa disciplina não estivesse presente no
decorrer de todo o curso, as disciplinas de formação pedagógica continuariam, em
nossa opinião, desvinculadas e restritas a si próprias, mesmo não sendo propostas
somente no final do curso.
Outro assunto também abordado no Parecer CFE 292/62 é o estágio
supervisionado. De acordo com o seu relator:
A Prática de Ensino, esta deve ser feita nas próprias escolas da comunidade, sob a forma de estágios, como os “internatos” do curso de Medicina. Só assim poderão os futuros mestres aplicar os conhecimentos adquiridos, dentro das possibilidades e limitações de uma escola real, e ter vivência do ato docente em seu tríplice aspecto de planejamento, execução e verificação. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 46).
Mediante esse extrato, observa-se que a prática de ensino deveria estar
restrita aos estágios, que teriam como objetivo principal proporcionar ao aluno o
exercício prático. Percebe-se também, desde aquela época, a intenção de utilizar a
experiência das residências dos cursos de Medicina para o estágio nos cursos
superiores de formação inicial de professores, assunto que é atualmente discutido
no Senado, desde 2007, e que começou a ser implementado no Estado de São
Paulo em abril de 2012, por meio de um decreto estadual42.
Ressaltamos, ainda do Parecer CFE 292/62, o discurso inicial do seu relator:
Os currículos mínimos dos cursos de licenciatura compreendem as matérias fixadas no bacharelado, convenientemente ajustadas em sua amplitude, e os estudos profissionais que habilitem ao exercício do magistério dos estabelecimentos de ensino médio. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 45, grifo nosso).
42
Decreto Estadual (SP) n.º 57.978, de 18 de abril de 2012.
100
Com base em todos os argumentos que apresentou, a proposta do relator, no
Parecer CFE 292/62, era de que as licenciaturas mantivessem a duração de quatro
anos, mas não da forma 3+1 como até então ocorria. Desses quatro anos, foi
proposto um mínimo de um oitavo para disciplinas de preparação pedagógica, ou
seja, meio ano, abrangendo: Psicologia da Educação – Adolescência e
Aprendizagem, Elementos de Administração Escolar, Didática, e Prática de Ensino
sob a forma de estágio supervisionado. Essas disciplinas não deveriam ser
agrupadas em um único ano ou semestre, mas deveriam ser distribuídas durante os
quatro anos do curso.
Ao comparar a duração relacionada à formação pedagógica do curso que
propunha no Parecer CFE 292/62 com a dos cursos no modelo 3+1, o relator
indicava que ainda restava um oitavo dessa duração e que esse um oitavo deveria
ser utilizado para “o aprofundamento das especialidades relativas aos diversos
cursos” (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 47).
Na prática, o relator propôs, no Parecer CFE 292/62, um curso com o
correspondente a três anos de disciplinas específicas da área e um ano de
disciplinas pedagógicas e de aprofundamento da área específica, as quais deveriam
perpassar a duração total do curso, ao invés de ficarem agrupadas no último ano.
Quanto à atividade de prática de ensino, ela deveria ser cumprida somente na forma
de estágio e o conteúdo não pedagógico deveria estar baseado no conteúdo do
bacharelado, porém devidamente adaptado à duração do curso.
Tendo como base o Parecer CFE 292/62, tal como redigido e aprovado, e o
Parecer do Conselho Federal de Educação n.º 295 de 14 de novembro de 1962,
este último que tratava especificamente do currículo mínimo para o curso de
licenciatura em Matemática, esse curso foi normatizado pela Resolução CFE sem
número, de 14 de novembro de 1962, com carga horária de 2.200 horas,
integralizada entre três anos letivos, no mínimo, e sete anos letivos, no máximo, com
o seguinte currículo mínimo fixado:
Desenho Geométrico e Geometria Descritiva;
Fundamentos de Matemática Elementar;
Física Geral;
101
Cálculo Diferencial e Integral;
Geometria Analítica;
Álgebra;
Cálculo Numérico; e
Disciplinas pedagógicas, de acordo com o Parecer CFE n.º 292/62.
Quanto aos programas para abordar cada uma dessas disciplinas, de acordo
com a LDB de 1961, eles deveriam ser organizados sob a forma de planos de
ensino, pelos respectivos professores das disciplinas, e aprovados pela
congregação de cada instituição.
Sobre os Fundamentos de Matemática Elementar, o Parecer CFE 295/62
indicava que seriam destinados para:
[...] análise e revisão dos assuntos lecionados nos cursos de Matemática do ginásio e dos colégios não só tendo em vista dar aos licenciandos um conhecimento mais aprofundado desses assuntos como ainda para procurar enquadrá-los no conjunto das teorias matemáticas estudadas [...] (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 622)
De certa forma, podem-se notar, nesse trecho, duas possíveis preocupações
do relator: a primeira é de garantir, ao futuro professor de Matemática, caso ainda
não tivesse, uma formação de conteúdos conceituais dos assuntos que ele
futuramente lecionaria; a segunda é registrar a associação dos conteúdos
matemáticos com as discussões sobre o ensino, decorrentes da Educação
Matemática que se fazia presente no Brasil desde o final da década de 1920, pelas
realizações de Euclides Roxo. Destaca-se, ainda, que nos anos de 1955 e 1957,
conforme Sangiorgi (apud PIRES, 2005), discussões a respeito da Matemática
Moderna ocorreram nos Congressos de Ensino de Matemática, e que no Congresso
de 1962, no Rio de Janeiro, foram aprovadas decisões no sentido de se
experimentar aquela inovação que modificou o panorama do ensino de Matemática
na década seguinte.
Além da disciplina Fundamentos de Matemática Elementar, não houve, de
forma explícita, indicação dos conteúdos a serem abordados nas demais disciplinas.
102
Se comparados o currículo mínimo fixado para o curso de licenciatura em
Matemática, criado em 1962, com o do Curso de Matemática, no modelo 3+1, pode-
se identificar grande diferença. No que se refere às disciplinas matemáticas,
conforme se pode observar no quadro a seguir, inclui-se o desenho geométrico,
mantém-se a geometria analítica e a geometria descritiva, mas exclui-se a geometria
projetiva e os complementos de geometria, em que poderiam ser abordadas a
Geometria Plana e Espacial, por exemplo; reduzem-se as disciplinas relacionadas à
Física; excluem-se as disciplinas relacionadas à Análise Matemática; e incluem-se
disciplinas para se trabalhar o Cálculo Diferencial e Integral, a Álgebra e o Cálculo
Numérico, além de uma disciplina para serem abordados conhecimentos
relacionados aos objetos de ensino da Educação Básica.
Quadro 6 – Comparativo das disciplinas do Curso de Matemática no modelo 3+1 com as do Curso de Licenciatura em Matemática criado em 1962
Curso de Matemática no modelo 3+1, criado em 1939
Curso de licenciatura em Matemática criado em 1962
Dis
cip
linas m
ate
máticas
Análise Matemática ---
Geometria Analítica e Projetiva Geometria Analítica
Geometria Descritiva e Complementos de Geometria
Desenho Geométrico e Geometria Descritiva
Mecânica Racional ---
Física Geral e Experimental Física Geral
Análise Superior ---
Geometria Superior ---
Física Matemática ---
Mecânica Celeste ---
---
Fundamentos de Matemática Elementar
--- Cálculo Diferencial e Integral
--- Álgebra
--- Cálculo Numérico
Dis
cip
linas p
edag
ógic
as
Didática Geral Didática
Didática Especial ---
Psicologia Educacional
Psicologia da Educação – Aprendizagem e Adolescência
Administração Escolar
Elementos de Administração Escolar
Fundamentos Biológicos da Educação
---
Fundamentos Sociológicos da Educação
---
---
Prática de Ensino sob a forma de Estágio
---
Disciplinas para o aprofundamento das
especialidades relativas ao curso
Com relação às disciplinas pedagógicas, não há a indicação de uma didática
específica para o ensino da Matemática, como havia no modelo 3+1, e também são
103
excluídas disciplinas que fundamentariam, supostamente, aspectos básicos da
educação, como os sociológicos. Por outro lado, incluiu-se, explicitamente, o
estágio, que seria a única atividade responsável pela formação, digamos, prática do
futuro professor.
Entendemos que não mais se poderia considerar um licenciado, egresso
desse curso de licenciatura em Matemática de 1962, como um bacharel com algo
mais, como no Curso de Matemática do modelo 3+1, uma vez que a quantidade de
disciplinas matemáticas de nível superior, dessa licenciatura, é visivelmente menor,
quando comparada à quantidade do Curso de Matemática de 1939.
Por outro lado, com a indicação de que os conteúdos das disciplinas do curso
de licenciatura em Matemática seriam os conteúdos do bacharelado, porém
convenientemente ajustados, e com o com o agravante dos conteúdos pedagógicos
não estarem vinculados a esses conteúdos ajustados, não há como afirmar que
esse curso teria conseguido se desvencilhar do bacharelado em Matemática,
criando uma identidade própria. Parece mais ser um bacharelado suavizado, com
algo mais – as disciplinas pedagógicas –, o que não deixa de ir ao encontro da fala
registrada pelo relator, no Parecer CFE 292/62, em que afirmava que a licenciatura
não poderia ser igual ao bacharelado mais Didática, como no modelo 3+1, e sim um
curso equivalente, apenas em grau, ao bacharelado.
Entretanto, não se pode negar a fixação de uma importante vertente na
formação do professor de Matemática para a Educação Básica, que é a criação de
disciplina relacionada a estudos de conhecimentos relacionados aos objetos de
ensino do profissional em formação, mesmo que essa disciplina não tenha sido
utilizada, nas IES, para esse fim e sim para, apenas, revisar esses objetos. Também
não se pode negar a mudança de rumo no que diz respeito à concentração da
formação pedagógica no final do curso, mesmo que essa formação não tenha sido,
necessariamente, vinculada à formação matemática do futuro professor. Vemos, na
normatização do curso de licenciatura em Matemática de 1962, o que podemos
chamar de início de uma mudança de modelos na formação do professor de
Matemática para a Educação Básica.
104
Após três anos da normatização do curso de licenciatura em Matemática de
1962, devido à necessidade de se formar rapidamente professores para ciclo
ginasial, demanda criada em decorrência da obrigatoriedade do ensino de grau
Primário, estabelecida pela Constituição de 1934 e reafirmada nas Constituições de
1937 e 1946, assim como pela LDB de 1961, uma nova modalidade de curso de
formação de professores para a Educação Básica foi criada: as licenciaturas
destinadas à formação de professores para o ciclo ginasial, intituladas licenciaturas
de 1.º grau.
No entanto, cabe o esclarecimento de que nem todos os alunos tinham
acesso ao ginásio em função do exame de admissão ao grau Médio de ensino. Com
a extinção do exame de admissão, iniciada em 1969, e a ampliação significativa do
número de vagas, a necessidade por professores passou a ser muito maior,
sobretudo a partir de 1971, ano em que foi criada a escola obrigatória de oito anos –
escola de 1.º grau, conforme abordamos à frente.
As licenciaturas de 1.º grau, no total de três – Letras, Estudos Sociais e
Ciências – formariam professores para o ciclo ginasial nas seguintes áreas: Línguas;
História e Geografia, Organização Política e Social; Ciências Físico-Biológicas e
Matemática.
Pela urgência em se formar professores de iniciação às Ciências Físico-
Biológicas para o ciclo ginasial, disciplina que fora criada pelo CFE na década de
1960, o curso de licenciatura de 1.º grau em Ciências foi o primeiro a ser efetivado.
No Parecer do Conselho Federal de Educação, n.º 81 de 12 de fevereiro de
1965, que aborda o currículo mínimo do curso de Ciências, o seu relator justifica a
criação prioritária desse curso e caracteriza os seus alunos egressos como
professores polivalentes:
[...]. Teríamos dessa forma uma espécie de professor polivalente que se justificaria sob vários aspectos: em primeiro lugar, o professor ginasial não há de ser um especialista; em segundo lugar, do ponto de vista pedagógico formativo, o ideal seria que, no primeiro ciclo, o mesmo mestre pudesse ocupar-se de mais de uma disciplina; finalmente, porque viria contribuir para resolver o problema da falta de professores. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 563)
105
Criavam-se dessa forma duas categorias de professores habilitados a lecionar
Ciências, Matemática, Biologia, Física e Química no curso secundário: o professor
polivalente, com uma visão limitada sobre conteúdos específicos do curso
secundário, mas, teoricamente, alargada sobre as Ciências em nível do ciclo
ginasial, e que poderia atuar, preferencialmente, nesse ciclo lecionando Ciências ou
Matemática; e o professor especialista, com uma visão, teoricamente, mais alargada
sobre conteúdos específicos do curso secundário, porém limitada sobre as Ciências
para o ciclo ginasial, e que poderia atuar tanto nesse ciclo, com as disciplinas ou
Ciências ou Matemática, quanto no ciclo colegial, lecionando uma de quatro
disciplinas: Matemática, Biologia, Física ou Química. A primeira categoria de
professores seria formada no curso de licenciatura de 1.º grau em Ciências, ao
passo que a segunda categoria seria formada nas licenciaturas específicas para
cada disciplina.
Diferentemente da duração do curso de licenciatura em Matemática, o curso
de licenciatura de 1.º grau em Ciências teve sua duração fixada em três anos.
Quanto à carga horária, nada foi especificado no Parecer CFE 81/65. Mas, por meio
de uma Indicação43 da década de 1970, que abordava a necessidade da revisão da
carga horária dos cursos de licenciatura de 1.º grau, é possível identificar que a
carga horária do referido curso de Ciências era de 2.430 horas.
O Parecer CFE 81/65 trazia, também, uma sugestão de conteúdos e a
distribuição das disciplinas para o curso de Ciências: a Matemática seria estudada
em dois anos, contendo álgebra, aritmética e teoria dos números, geometria
analítica, cálculo, probabilidade e estatística; a Física seria estudada em dois anos e
abordaria a acústica, o calor, a óptica, o magnetismo e a eletricidade, e a mecânica
geral; a Química também seria estudada em dois anos e conteria química geral,
inorgânica, orgânica e analítica; as Ciências Biológicas seriam estudadas nos três
anos e abordariam a biologia geral, a zoologia e a botânica; o Desenho Geométrico
e os Elementos de Geologia seriam estudados em um ano cada; a Instrumentação
para o Ensino seria ministrada juntamente com a Física; e para a Didática do ensino
das Ciências deveria ser dada especial ênfase, com o objetivo de instrumentar o
professor à iniciação do adolescente aos conhecimentos das Ciências.
43
Indicação CFE n.º 7, de 9 de dezembro de 1971. As Indicações eram documentos elaborados pelos Conselheiros com o objetivo de orientar os trabalhos realizados pelos membros do CFE.
106
A Portaria Ministerial n.º 46 de 26 de fevereiro de 1965, que normatizou o
curso de Ciências, licenciatura de 1.º grau, diferentemente do Parecer, fixou, de
forma sucinta, o currículo mínimo por meio da seguinte lista de disciplinas:
Matemática;
Física Experimental e Geral;
Química – Geral, Inorgânica e Analítica, Orgânica;
Ciências Biológicas – Biologia Geral, Zoologia, Botânica;
Elementos de Geologia;
Desenho Geométrico; e
Matérias pedagógicas, de acordo com o Parecer CFE n.º 292/62.
No seu quarto e último artigo, a referida Portaria fixava que:
Enquanto não houver número suficiente de professores com quatro anos de curso e sempre que se registre esta falta, os concluintes da
licenciatura de Ciências poderão lecionar, no 2.º ciclo44
, as
disciplinas estudadas no currículo. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 564)
Sendo assim, a formação de professores para lecionar Matemática em ambos
os ciclos do antigo curso secundário passou a ser aquém da formação proposta na
licenciatura em Matemática criada em 1962, uma vez que as disciplinas
relacionadas à área específica da Matemática, quando comparadas às disciplinas do
curso normatizado em 1962, foram reduzidas. Quanto à formação pedagógica,
manteve-se o que era previsto no Parecer CFE 292/62.
Não bastasse a redução das disciplinas de conhecimento matemático, em
1972, o curso de licenciatura de 1.º grau em Ciências teve sua carga horária
reduzida de 2.430 horas para 1.500 horas, pela Resolução do Conselho Federal de
Educação n.º 1, de 17 de janeiro de 1972, devido a uma solicitação da diminuição de
um ano em todos os cursos superiores do país, feita pelo então Ministério da
Educação e Cultura ao Conselho Federal de Educação. A nova carga horária do
curso deveria ser integralizada em, no mínimo, um ano e meio e, no máximo, em
quatro anos letivos, mantendo-se o currículo mínimo fixado em 1965.
44
Atual ensino médio.
107
As normatizações para os cursos de licenciatura em Matemática e de
licenciatura de 1.º grau em Ciências, que formaram professores de Matemática para
a Educação Básica nas décadas de 1960 e 1970, vigorariam, teoricamente, até
meados de 1970. Tais cursos deveriam ter sido gradativamente extintos devido à
criação de apenas um único curso com o objetivo de formar professores de Ciências
e Matemática para o ciclo ginasial e ou Matemática, ou Física, ou Química ou
Biologia para o ciclo colegial do antigo curso secundário: o curso de licenciatura
curta em Ciências, com suas habilitações plenas.
Decorrente de uma Reforma Universitária ocorrida em 1968 – Lei Federal n.º
5.540, de 28 de novembro de 1968, e Decreto-Lei Federal n.º 464, de 11 de
fevereiro de 1969 – e de uma nova Lei de Diretrizes e Bases promulgada em 1971,
uma nova estruturação dos cursos de formação de professores para a Educação
Básica, assim como uma nova nomenclatura para as etapas do sistema de ensino
brasileiro, foram implementadas.
Quanto aos dois primeiros níveis do referido sistema, a LDB de 1971 os
nomeou de Ensino de 1.º grau, com oito anos de duração, o primeiro nível, que seria
ministrado aos alunos dos sete aos 14 anos, e de Ensino de 2.º grau, com duração
de três ou quatro anos, dependendo das habilitações específicas, o segundo nível.
No seu artigo 30.º, a LDB de 1971 fixou a formação mínima dos docentes
para lecionar nas séries do Ensino de 1.º grau e do Ensino de 2.º grau:
Exigir-se-á como formação mínima para o exercício do magistério: a) no ensino de 1.º grau, da 1.ª à 4.ª séries, habilitação específica de 2.º grau; b) no ensino de 1.º grau, da 1.ª à 8.ª séries, habilitação específica de grau superior, ao nível de graduação, representada por licenciatura de 1.º grau, obtida em curso de curta duração; c) em todo o ensino de 1.º e 2.º graus, habilitação específica obtida em curso superior de graduação correspondente a licenciatura plena. § 1.º Os professores a que se refere a letra "a" poderão lecionar na 5.ª e 6.ª séries do ensino de 1.º grau se a sua habilitação houver sido obtida em quatro séries ou, quando em três, mediante estudos adicionais correspondentes a um ano letivo que incluirão, quando for o caso, formação pedagógica. § 2.º Os professores a que se refere a letra "b" poderão alcançar, no exercício do magistério, a 2.ª série do ensino de 2.º grau mediante estudos adicionais correspondentes no mínimo a um ano letivo.
108
§ 3.º Os estudos adicionais referidos aos parágrafos anteriores poderão ser objeto de aproveitamento em cursos ulteriores. (BRASIL, 1971)
De acordo com o artigo 31.º da LDB de 1971, as licenciaturas de 1.º grau e os
estudos adicionais referidos no artigo imediatamente anterior deveriam ser
ministrados em universidades ou em faculdades isoladas que manteriam cursos de
duração plena. Indiretamente, determinava-se a existência de duas modalidades de
formação em um mesmo curso: a licenciatura de 1.º grau e a licenciatura plena.
Tal fato teve como consequência a Indicação nº 22, de 8 de fevereiro de
1973, do Conselho Federal de Educação, no sentido de orientar os princípios e as
normas a serem observadas na reorganização dos cursos de licenciatura para se
adequarem à LDB de 1971.
Na referida Indicação 22, o Conselheiro que a elaborou observa que, de
acordo com a Lei de Diretrizes e Bases de 1971, as habilitações para o exercício do
magistério deveriam ser cumulativas: formação mínima de 2.º grau para exercício
docente até a quarta série do 1.º grau; mais um ano letivo sobre a formação anterior
para o exercício até a sexta série; licenciatura de 1.º grau, em cursos de Educação
Superior, para exercício docente até a oitava série; mais um ano letivo sobre o ano
anterior para o exercício até a segunda série do 2.º grau; e licenciatura plena para o
exercício docente até o último ano do 2.º grau. Nas palavras do referido Conselheiro,
“pode o menos, quem pode o mais, desde que para um e outro possua habilitação
específica”. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 29, grifo nosso)
Utilizando a observação que fizera sobre as habilidades cumulativas e citando
um dos artigos da Reforma Universitária de 1968, o Conselheiro que elaborou a
Indicação CFE 22/73 justificou a necessidade da reorganização das licenciaturas
existentes na época, as quais, ou formavam o professor para as séries finais do
Ensino de 1.º grau, ou formavam o professor para o Ensino de 1.º e 2.º graus. Tal
reorganização deveria ser no sentido de propor, em um mesmo curso, habilitação
geral, que formaria professores para o primeiro caso, e específica, que formaria o
professor para o segundo caso. Isso faria com que o número de cursos de formação
inicial de professores para a Educação Básica fosse menor.
109
Quanto à constituição dessas novas licenciaturas, o referido Conselheiro
assim explicou na Indicação CFE 22/73:
Em cada licenciatura haverá, portanto, duas ordens de habilitações: a habilitação geral, que denomina o próprio curso e que determina o campo, e habilitações específicas, tantas quantas possíveis e proporcionadas pelo estabelecimento, relacionadas com partes daquele campo cujo estudo se aprofunda, em duração plena, para o ensino de disciplina ou o exercício de especialidade pedagógica. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 32)
Com relação às duas ordens de habilitações, denominou-se licenciatura de 1.º
grau, de curta duração, mais conhecida como licenciatura curta, a que se
encarregaria da habilitação geral, e licenciatura plena a que se encarregaria, além
da geral, de uma habilitação específica.
Tendo por base todas as disciplinas fixadas pelo CFE para os Ensinos de 1.º
e de 2.º graus, cinco licenciaturas foram propostas, em outra Indicação45 de 1973, o
que teoricamente reduziria o número de cursos superiores de formação inicial de
professores para menos de um terço do total que existia à época. Tais cursos foram
denominados Licenciaturas de Educação Geral e distribuídos em três campos:
Campo de Ciências:
(1) Licenciatura em Ciências – habilitação geral em Ciências e específica
em, ou Matemática, ou Física, ou Química, ou Biologia.
Campo de Estudos Sociais:
(2) Licenciatura em Estudos Sociais – habilitação geral em Estudos
Sociais e específica em, ou Geografia, ou História, ou Organização
Social e Política do Brasil, ou Educação Moral e Cívica.
Campo de Comunicação e Expressão:
(3) Licenciatura em Letras – habilitação geral em Letras e específica em,
ou Língua Portuguesa, ou Língua Estrangeira Moderna, ou Língua
Clássica, todas com os necessários estudos literários;
(4) Licenciatura em Educação Artística – habilitação geral em Educação
Artística e específica em, ou Música, ou Artes Plásticas, ou Desenho,
ou Artes Cênicas;
45
Indicação CFE 23, de 8 de fevereiro de 1973.
110
(5) Licenciatura em Educação Física – habilitação geral em Educação
Física e específica em, ou Ginástica e Atletismo, ou Técnicas
Desportivas, ou Recreação.
No que se segue, abordamos o curso de licenciatura em Ciências,
especificamente com relação à formação do professor para lecionar Matemática na
5.ª a 8.ª séries do então Ensino de 1.º grau – licenciatura curta – ou no Ensino de 2.º
grau – licenciatura plena.
Diferentemente do ocorrido na década de 1960, o novo curso de licenciatura
em Ciências foi o segundo a ser normatizado na década de 1970, sendo o primeiro,
o curso de Educação Artística.
Aprovado em 7 de junho de 1974, o Parecer do Conselho Federal de
Educação n.º 1.687 embasou a Resolução n.º 30, do mesmo Conselho, de 11 de
julho de 1974, que normatizou o novo curso de licenciatura em Ciências.
Conforme consta do Parecer CFE 1.687/74, a regra para a criação daquelas
licenciaturas era a formação para uma área do Ensino de 1.º grau e para uma
disciplina do Ensino de 2.º grau. Dessa forma, o curso de licenciatura em Ciências
deveria contar com um currículo contendo uma parte comum, uma parte
diversificada, a Instrumentação para o Ensino – que deveria estar presente em
ambas as partes –, e a formação pedagógica, podendo ser ministrada a posteriori,
em instituições em que o curso de licenciatura em Ciências fosse de modalidade
plena.
A parte comum teria dois objetivos particulares: (1.º) oferecer, por meio de
uma apresentação abrangente do universo científico, bases para o prosseguimento
de estudos com vistas a uma ciência como habilitação específica; e (2.º) constituir-
se de um núcleo suficiente ao preparo do professor polivalente que lecionaria a
disciplina de Matemática e a disciplina de Ciências Físicas e Biológicas e Programas
de Saúde, no Ensino de 1.º grau.
Já a parte diversificada teria como objetivo dar formação específica aos
professores polivalentes para que pudessem lecionar, no Ensino de 2.º grau, uma e
111
somente uma das seguintes disciplinas, dependendo da habilitação estudada:
Matemática, Física, Química ou Biologia.
Para a parte comum, a Resolução CFE 30/74 fixou, como currículo mínimo,
as seguintes disciplinas: Matemática, Física, Química, Elementos de Geologia e
Biologia. Já no Parecer CFE 1.687/74 encontra-se, de forma mais detalhada, o que
deveria ser abordado em cada uma dessas disciplinas:
Matemática: além de uma visão das abordagens clássica e moderna,
conceitos e técnicas do cálculo diferencial e integral, da álgebra das
matrizes e de probabilidade e estatística;
Física: também o clássico e o moderno juntamente com o
experimental e o teórico, formando um conjunto integrado de
conhecimentos;
Química: os principais tópicos da química geral, inorgânica e orgânica;
Elementos de Geologia: os processos endógenos e exógenos de
constituição e evolução do globo terrestre; e
Biologia: conhecimentos de botânica e de zoologia, com ênfase nos
aspectos dinâmicos, e ecologia.
Quando comparada a disciplina Matemática desse currículo mínimo da parte
comum com a disciplina Matemática, fixada em 1965 para o curso de licenciatura de
1.º grau em Ciências, a qual continha álgebra, aritmética e teoria dos números,
geometria analítica, cálculo e probabilidade e estatística, observa-se a supressão da
aritmética e teoria dos números e da geometria analítica, além da troca da álgebra
pela álgebra das matrizes. Especialmente essa troca é devida ao Movimento da
Matemática Moderna que inscreveu o assunto Matrizes no rol da matemática
escolar.
Para a parte diversificada, especificamente para habilitação em Matemática,
foram fixadas, como mínimo, cinco disciplinas, as quais poderiam ser desdobradas:
Cálculo Diferencial e Integral, Álgebra, Análise Matemática, Geometria e Matemática
Aplicada.
Assim como na parte comum, o Parecer CFE 1.687/74 aborda com maior
precisão o que deveria, no mínimo, ser estudado em cada uma das cinco disciplinas.
112
Em se tratando do Cálculo Diferencia e Integral e da Análise Matemática, a
fixação dos mínimos indicava que o primeiro deveria ser abordado no sentido mais
prático e a segunda abordaria o rigor matemático e forneceria a base teórica para o
primeiro, conforme pode ser observado no extrato a seguir, do Parecer CFE
1.687/74:
Cálculo Diferencial e Integral – Em prosseguimento ao estudo iniciado na parte comum, abrangendo derivada e integrais de funções de diversas variáveis. Devem fixar-se os conceitos básicos simultaneamente à apresentação das técnicas imprescindíveis à sua aplicação. Uma apresentação rigorosa e dedutiva dos assuntos focalizados será feita na Análise Matemática. [...] Análise Matemática – Compreendendo os principais tópicos tratados no Cálculo Diferencial e Integral, agora com maior rigor. A matéria servirá para fornecer base teórica ao Cálculo estudado anteriormente com sentido mais prático. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 126)
Pode-se entender que no Cálculo Diferencial e Integral da parte comum
seriam objetos de estudo as derivadas e integrais de funções de uma variável, e que
tanto na parte comum quanto na diversificada, os conceitos e as técnicas deveriam
ser priorizados.
Por sentido mais prático, supomos que talvez a aplicação ocorresse no
interior da própria Matemática, como no cálculo de áreas, no cálculo de volumes e
no estudo das curvas. Essa suposição deve-se ao fato de que a disciplina de
Matemática Aplicada, conforme consta do Parecer CFE 1.687/74, garantiria a
aplicação dos conceitos matemáticos em outras áreas:
Matemática Aplicada – Comportando o estudo das equações diferenciais, com integração de disciplinas matemáticas para análise de problemas do mundo real. É desejável que se focalizem temas da Física, da Biologia e de outros campos com a matemática necessária para resolvê-los. Isto ensejará a abordagem funcional da álgebra das matrizes, das séries de Fourier, das transformadas de Laplace e de Fourier, das equações diferenciais ordinárias e parciais. Também nesta matéria incluem-se os tópicos de Matemática Finita, que geralmente se iniciam com a análise combinatória e conduzem ao estudo de probabilidades (teoria dos conjuntos, permutações e combinações de funções discretas, primeiras noções de “grafos”, redes e álgebra de Boole); o que não impede a sua apresentação individualizada nos currículos plenos, conforme o plano de cada instituição. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 126)
113
Nota-se no extrato anterior a possibilidade do desmembramento da disciplina
em mais de uma para a abordagem do conteúdo fixado. Além disso, entendemos
que presença da probabilidade na parte comum seria a introdução para a sua
aplicação mais abstrata na parte diversificada.
Quanto ao ensino da Álgebra, o Parecer CFE 1.687/74 deixa clara a
importância de se apresentar para o aluno a aplicação da Álgebra Linear em outras
áreas, como a Economia, por exemplo:
Álgebra – Incluindo Álgebra Linear e Estruturas Algébricas (grupos, anéis e corpos). Importa considerar as inúmeras aplicações que a primeira, pela via da teoria das matrizes e da programação linear, vem encontrando na Economia, na Sociologia, nas Ciências Agrárias e na Engenharia. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 126)
Por outro lado, a fixação do mínimo em Álgebra pode ter delineado
oficialmente as tradicionais disciplinas de Introdução à Álgebra, com o estudo dos
grupos, dos anéis e dos corpos, conforme atualmente ainda se observa nas
licenciaturas em Matemática e também nos bacharelados, não somente de
Matemática.
Já com relação à Geometria, ela deveria se basear, por exemplo, no modelo
de Hilbert, em nível de revisão da Geometria Elementar, porém não a abordando
somente de forma axiomática, mas trabalhando sua importância na história, assim
como a importância da Matemática na cultura do mundo ocidental.
Geometria – Consistindo numa revisão da geometria elementar, de um ponto de vista avançado, com um modelo axiomático (v.g.: Hilbert). O estudo terá um sentido histórico, crítico filosófico, dando-se ênfase à importância da matéria, e da Matemática em geral, na cultura do mundo ocidental. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 126)
No que se refere à Instrumentação para o Ensino, o Parecer CFE 1.687/74
deixava claro, pela primeira vez, que ela deveria estar presente em todas as
disciplinas do curso e que todos os professores dela se encarregariam, desde a
parte comum do currículo até a parte diversificada, uma vez que o objetivo
relacionado a essa atividade era o de preparar o futuro professor para sua atuação
profissional. Para tanto, essa instrumentação deveria ocorrer por meio da
114
[...] montagem, avaliação, crítica e melhoria de experiências adequadas à escola de 1.º e de 2.º graus, pelo desenvolvimento de recursos auxiliares para o ensino e pela familiarização do aluno com as técnicas de excursão e outras formas de realizar a pesquisa escolar ou observar aplicações de ciência. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979, p. 127-128)
No que concerne à parte comum, a instrumentação, de acordo com o relator
do Parecer CFE 1.687/74, deveria “infundir ao aluno-mestre a vivência do método
científico em si mesmo e como objeto de ensino” (CONSELHO FEDERAL DE
EDUCAÇÃO, 1979, p. 128), ou seja, deveria proporcionar ao aluno a apropriação
das regras básicas de procedimentos necessários à sua própria formação e
formação dos seus futuros alunos, uma visão positivista de ciência, baseada em
uma “perspectiva técnica que concebe o ensino como uma ciência aplicada”
(PEREZ GOMES, 1998, p. 353). À parte diversificada, caberia dar foco às
características particulares e implicações metodológicas do campo, no caso, o
ensino da Matemática (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979). Nesse ponto
específico da parte diversificada, consideramos um avanço na normatização do
curso de licenciatura em Ciências de 1974 em relação à normatização do curso de
licenciatura em Matemática de 1962, uma vez que para focar os aspectos indicados
seriam necessários, teoricamente, conhecimentos sobre pesquisas da área da
Educação Matemática.
Por outro lado, questionamo-nos: como associar a instrumentação para o
ensino a disciplinas da parte diversificada que não explicitamente abordariam
conhecimentos relacionados aos objetos de ensino do futuro professor, e os
Fundamentos de Matemática Elementar não mais fariam parte do currículo mínimo
do curso? A resposta a essa pergunta não é dada nos documentos do CFE e, talvez
pela falta de uma resposta específica, em alguns cursos – talvez na maioria deles –
essa instrumentação não ocorrera da forma como foi fixada, como é o caso do curso
no qual nos formamos.
Parece-nos familiar essa proposta da Instrumentação para o Ensino, no que
se refere à sua associação a todas as disciplinas do curso, quando a comparamos
com a prática como componente curricular, que consta das Diretrizes Curriculares
Nacionais, conforme abordamos na próxima subseção. E, talvez, pelas mesmas
dificuldades que nos deparamos atualmente, como a de associar essa prática à
115
grande parte das disciplinas da atual licenciatura em Matemática, é que essa
instrumentação não tenha ocorrido da forma como foi normatizada.
Teoricamente, conforme consta no artigo terceiro da Resolução CFE 30/74, a
Instrumentação para o Ensino deveria ser o alicerce para a formação pedagógica,
que era composta pelas disciplinas de Psicologia da Educação, de Didática e de
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau, além da Prática de Ensino sob a
forma de Estágio. Assim como a Instrumentação para o Ensino, a formação
pedagógica não poderia ser entendida como um curso a parte do currículo da
licenciatura em Ciências, mas sim “combinar-se aos aspectos de conteúdo e com
eles formar um todo homogêneo”. (CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, 1979,
p. 128).
Quanto à duração mínima para a formação pedagógica, fixou-se um oitavo da
duração total fixada como horas de trabalho acadêmico do curso de Ciências.
Para se trabalhar todo esse currículo mínimo determinado pelo CFE, a
duração do curso de licenciatura em Ciências foi fixada em 2.800 horas da seguinte
forma:
1.800 horas integralizadas em tempo total variável de dois a quatro
anos letivos, para a licenciatura curta; e
2.800 horas integralizadas em tempo total variável de três a sete anos
letivos, com termo médio de quatro anos, para a licenciatura plena,
admitindo-se aproveitamento de estudos da licenciatura curta.
Na prática, significou que, após cursar a licenciatura curta, com um acréscimo
de 1.000 horas de estudos, o aluno poderia completar a carga para uma habilitação
específica e receberia o diploma de licenciatura plena. Grosso modo, o aluno
estudaria, na melhor das hipóteses, todas as disciplinas do currículo mínimo fixado
para a parte diversificada em Matemática nessas 1.000 horas, o que,
particularmente, consideramos pouco tempo para o conteúdo e atividades que foram
fixados.
Ao se comparar o currículo mínimo do curso de licenciatura em Ciências de
1974 com o fixado para o curso de licenciatura em Matemática de 1962, percebe-se
116
grande diferença entre ambos os cursos que formaram professores de Matemática
para a Educação Básica. O quadro a seguir poderá ajudar na identificação dessas
diferenças.
Quadro 7 – Comparativo das disciplinas fixadas nos currículos mínimos dos cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica de 1962 e 1974
Curso de licenciatura em Matemática
de 1962 Curso de licenciatura plena em Ciências
de 1974
Form
ação n
ão
pe
dag
ógic
a
Desenho Geométrico e Geometria Descritiva
---
Instr
um
enta
ção
para
o E
nsin
o
Fundamentos de Matemática Elementar: análise e revisão de conteúdos da Educação Básica
---
Física Geral
Física: o clássico e o moderno juntamente com o experimental e o
teórico
Cálculo Diferencial e Integral Cálculo Diferencial e Integral
Geometria Analítica ---
Álgebra Álgebra
Cálculo Numérico --
--- Análise Matemática
--- Geometria
--- Matemática Aplicada
---
Matemática: cálculo diferencial e integral, álgebra das matrizes,
probabilidade e estatística
--- Química: geral, orgânica e inorgânica
--- Elementos de Geologia
--- Biologia: botânica, zoologia e ecologia
Form
ação
peda
góg
ica
Psicologia da Educação – Aprendizagem e Adolescência
Psicologia da Educação
Elementos de Administração Escolar
Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2.º grau
Didática Didática
Prática de Ensino sob a forma de Estágio
Prática de Ensino sob a forma de Estágio
Disciplinas para o aprofundamento das
especialidades relativas ao curso ---
No que se refere à formação não pedagógica, observa-se, em primeiro lugar,
uma reserva do currículo para a formação, básica que seja, nas áreas de Biologia,
Química e Geologia, além da Física que já se fazia presente desde os primeiros
cursos de formação de professores de Matemática para a Educação Básica.
Em se tratando especificamente de Matemática, foram excluídas as
disciplinas de Desenho Geométrico e Geometria Descritiva, Fundamentos de
117
Matemática Elementar, Geometria Analítica e Cálculo Numérico. Por outro lado,
foram acrescidas as disciplinas de Geometria e Matemática aplicada, além do
retorno da disciplina Análise Matemática. Diferentemente da fixação do currículo
mínimo do curso de licenciatura em Matemática de 1962, não se sabe os conteúdos
que as disciplinas deveriam abordar.
Ressalta-se a exclusão da disciplina Fundamentos de Matemática Elementar,
incluída no currículo de 1962 para abordar conhecimentos relacionados aos objetos
de ensino dos futuros professores. A falta dessa disciplina acarretaria, em nossa
opinião, dificuldades na implementação da Instrumentação para o Ensino, assim
como havia sido proposta no Parecer CFE 1.687/74 e oficializada na Resolução CFE
30/74, uma vez que, teoricamente, essas eram as únicas disciplinas que abordariam
conteúdos da Educação Básica.
Com relação à formação pedagógica, não há grandes diferenças a serem
pontuadas: apenas observa-se a mudança do nome da disciplina Elementos de
Administração Escolar para Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2.º grau, dado
ao fato, segundo consta em documentos do CFE, de que o foco, com o nome fixado
em 1962, fora dado apenas ao aspecto administrativo da escola e era necessário,
além desse aspecto, abordar o seu funcionamento e objetivos.
Pontuamos o que, em nossa opinião, fora um grande diferencial na fixação do
currículo mínimo do curso de Ciências, da década de 1970, quando comparado aos
outros currículos: a Instrumentação para o Ensino, que pode ser considerada uma
inovação. Nessa inovação, procurou-se, teoricamente, abordar aspectos
relacionados ao ensino de Matemática na Educação Básica por meio da montagem
de atividades, da crítica e da melhoria de experiências, entre outros.
Entendemos que essa instrumentação, ainda que o objetivo proposto para
essas atividades estivesse baseado em uma perspectiva técnica de ensino,
significou o início de um avanço na formação do professor de Matemática para a
Educação Básica. Esse avanço pode ser considerado os primeiros passos no
sentido do que Shulman (1986, 1987) denominou de categoria de conhecimento
pedagógico do conteúdo. Ao mesmo tempo, observamos uma contradição na
proposição dessa Instrumentação para o Ensino e a exclusão de disciplinas, do
118
currículo mínimo, que abordariam conhecimentos relacionados aos objetos de
ensino do futuro professor.
Entretanto, mesmo sendo um diferencial, a presença da Instrumentação para
o Ensino em todo decorrer do curso, assim como fixada, não corrobora para que a
teoria e a prática estivessem vinculadas, de modo a satisfazer a visão de unidade
apresentada por Candau e Lelis (1993), uma vez que é nitidamente visível a não
relação entre os supostos conteúdos que seriam trabalhados nas disciplinas e as
atividades explicitadas no Parecer CFE 1.687/74, com relação à referida
instrumentação.
Com a estrutura e currículo mínimo para o curso de licenciatura em Ciências,
fixados em 1974, as instituições de ensino superior teriam, de acordo com uma
Resolução46 do CEF, até o ano de 1978 para adequar-se ao novo curso de
licenciatura em Ciências, transformando os cursos anteriormente criados. Porém,
como veremos na próxima subseção, isso não ocorreu.
O curso de formação de professores de Matemática para a Educação Básica,
criado na década de 1970, com habilitação curta em Ciências e habilitação plena em
Matemática, formou professores, juntamente com os dois cursos criados na década
de 1960, até o inicio dos anos 2000 quando, por força da Lei de Diretrizes e Bases
da Educação Nacional de 1996, foram extintos, dando lugar aos atuais cursos de
licenciatura em Matemática.
3.4 Normatizações para os cursos de licenciatura em Matemática da década de
2000
O objetivo nesta subseção é abordar as Diretrizes Curriculares gerais para os
cursos superiores de formação de professores para a Educação Básica e Diretrizes
Curriculares específicas, para os cursos de licenciatura em Matemática, decorrentes
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 1996.
Antes, porém, abordamos um documento elaborado por um Grupo de
Trabalho instituído pelo Ministério da Educação e que foi discutido em âmbito
46
Resolução CFE n.º 37, de 14 de fevereiro de 1975.
119
nacional, utilizado como base para a definição das DCNs: a Proposta de Diretrizes
para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em Cursos de Nível
Superior, à qual denominamos neste texto de Proposta de Diretrizes.
A importância desse documento – talvez o primeiro documento elaborado e
discutido, em nível nacional, com entidades representativas da educação e a
sociedade, em geral – nos motiva a abordá-lo de forma específica, uma vez que as
DCNs estão alicerçadas nele.
3.4.1 A Proposta de Diretrizes para a Formação Inicial de Professores da
Educação Básica e alguns fatos que a antecederam
O curso de licenciatura em Ciências, proposto no ano de 1974, foi alvo de
críticas, principalmente por não garantir formação científica e pedagógica mínimas
aos futuros professores dos antigos Ensinos de 1.º e 2.º graus, dado ao
descompasso entre a amplitude do currículo mínimo prescrito pelo Conselho Federal
de Educação e a duração para a integralização do referido curso de Ciências47.
(Curi, 2000)
Ante as críticas e a prematura formação demonstrada por egressos desses
cursos, comentada por Curi (2000), no ano de 1978 uma Resolução48 do CFE
prorrogou, até ulterior deliberação, o prazo para que as instituições transformassem
seus cursos de Ciências de 1.º grau, de licenciaturas em Matemática, Física,
Química, e Ciências Biológicas, em licenciatura em Ciências, de graduação curta
e/ou plena, conforme era previsto em resolução do CFE, de 1975. Essa prorrogação
tinha como objetivo, de acordo com o contido nos documentos oficiais, discutir
melhor esse curso de Ciências.
47
Sobre esse motivo, conjecturamos que os autores da referida crítica a fizessem, não com base no limite máximo de duração de sete anos, mas no termo médio ou no limite mínimo de duração, de quatro e três anos, respectivamente, uma vez que essa duração máxima não fora praticada pela maioria das faculdades particulares e universidades públicas. Entendemos que um curso de licenciatura com cinco, seis ou sete anos, teria menos procura que um curso de três ou quatro anos de uma instituição concorrente, no caso das particulares, e que um curso de sete, seis ou cinco anos não atrairia candidatos para se formar como licenciado nas IES públicas. 48
Resolução CFE n.º 5, de 16 de junho de 1978.
120
Como a ulterior deliberação não ocorreu49, pode-se afirmar que, da década de
1960 até meados da década de 2000, a formação inicial de professores de
Matemática para os atuais anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio
ocorrera em vários tipos de curso: pode ter ocorrido em cursos de licenciatura em
Matemática, criado em 1962, cursos de licenciatura em Ciências de 1.º grau, criado
em 1965 e reformulado em 1972, ou cursos de licenciatura em Ciências, criado em
1974. Todos esses cursos citados, teoricamente, tiveram seu funcionamento regular
até o ano 2005, prazo dado pelo Ministério da Educação50 para que as instituições
de ensino superior obrigatoriamente tivessem que se adequar a uma nova legislação
educacional.
Além dos cursos mencionados no parágrafo anterior, é sabido que os
professores de Matemática para a Educação Básica também puderam ter sua
formação obtida nos Programas Especiais de Formação Pedagógica. Tais
programas foram criados em 199751, com o objetivo de formar, como professores, os
portadores de diplomas de nível superior em cursos relacionados à habilitação
pretendida, tendo em vista a falta de docentes habilitados para atuar na Educação
Básica.
Os referidos Programas foram normatizados com carga horária de 540 horas
e estruturados em três núcleos: o núcleo contextual, que abordaria o processo de
ensino e aprendizagem; o núcleo estrutural, que abordaria, dentre outros, os
conteúdos específicos, sua organização sequencial e avaliação; e o núcleo
integrador, que abordaria os problemas concretos enfrentados pelos alunos, na
prática de ensino52.
49
Tal fato pode ser comprovado por alguns documentos, como no histórico do Curso de Licenciatura em Química da Universidade Federal de Mato Grosso, que cita a consulta feita em 1984 ao Conselho Federal de Educação em que o Reitor solicita a reconversão do Curso de Licenciatura em Ciências para as antigas Licenciaturas de Matemática, Física, Química e Biologia, o que foi autorizado pelo Secretário Executivo do Conselho Federal de Educação, com base na Resolução CFE n.º 5 de 1978, ou seja, como não havia até aquele ano a obrigatoriedade de conversão, a Universidade Federal de Mato Grosso pôde reconverter o Curso de Ciências para as antigas Licenciaturas em Matemática, Física, Química e Biologia. 50
Resolução CNE/CP nº 2, de 27 de agosto de 2004. 51
Resolução CNE/CP n.º 2, de 26 de junho de 1997. 52
Tais cursos serviram também para “capacitar” os licenciados em Ciências de 1.º grau e de Ciências de curta duração a lecionarem no ensino médio, pois qualquer aluno com um diploma de ensino superior poderia cursar esses Programas Especiais para obter uma licença equivalente à licenciatura plena. Esse fato pode ser comprovado no Mérito do Parecer CNE/CP n.º 26 de 2001, em que o
121
Faz-se pertinente registrar que esses Programas, além da formação de
professores da Educação Básica, substituíram os antigos Cursos Superiores de
Formação de Professores de Disciplinas Especializadas no Ensino de 2.º Grau,
Esquemas I e II, criados em 197153, para formar professores dos cursos técnicos do
então 2.º grau, nas áreas econômicas primária, secundária e terciária. Dessa forma,
professores de Matemática para a Educação Básica também puderam ter sua
formação nesses cursos, não específicos para essa formação, mas que foram
utilizados para “capacitar” professores a lecionarem algumas disciplinas na
Educação Básica.
Com a promulgação da Constituição de 1988, uma nova lei federal para
constituir as diretrizes e bases da educação nacional foi sancionada. Tal lei, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996, tinha como objetivo, entre outros,
resolver problemas originados nas normatizações anteriores da Educação Superior,
como os do curso de licenciatura em Ciências, que foi duramente criticado e não
implementado na maior parte das instituições públicas de Educação Superior.
De acordo com o estabelecido pela LDBEN, o ensino brasileiro passou a ser
composto pela Educação Básica – tendo como integrantes a educação infantil, o
Ensino Fundamental e o Ensino Médio – e pela Educação Superior.
Diferentemente da LDB de 1971, que abordou indiretamente a Educação
Superior ao estabelecer as formações mínimas para o exercício da profissão
docente, a LDBEN tratou diretamente o Ensino de nível Superior em capítulo
específico que estabeleceu finalidades e abrangências da Educação Superior,
indicou critérios para o funcionamento de cursos e ainda determinou as atribuições
das instituições de ensino superior. Além disso, abordou elementos relacionados aos
profissionais da educação, em título específico, estabelecendo, dentre outras, a
formação desses profissionais.
relator indica a interpretação inadequada da Resolução que criara aqueles Programas Especiais, o que serviu como uma via rápida para a plenificação de licenciaturas curtas. 53
Portaria Ministerial n.º 432, de 19 de julho de 1971. Esses Cursos deveriam ter sido transformados em Curso de Graduação de Professores da Parte de Formação Especial do Currículo de Ensino de 2.º Grau, licenciatura plena, até 1980, por força da Resolução CFE n.º 3, de 28 de fevereiro de 1977. Mas, na prática, isso não ocorreu em todo o território nacional.
122
No que tange às atribuições concedidas às IES pela LDBEN, a fixação das
grades curriculares, observadas as diretrizes gerais pertinentes, foi uma delas, ou
seja, os currículos mínimos dos cursos de nível superior não mais seriam
determinados pelo CFE.
No artigo 62.º da LDBEN, observam-se os novos rumos indicados para a
formação dos professores para a Educação Básica:
Art. 62. A formação de docentes para atuar na Educação Básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental, a oferecida em nível médio, na modalidade Normal. (BRASIL, 1996, p. 27.839)
Decretava-se, portanto, o fim das licenciaturas de 1.º grau e licenciaturas
curtas, criadas, respectivamente, nas décadas de 1960 e 1970, uma vez que a
formação dos profissionais para atuar em sala de aula, especificamente nos anos
finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, deveria ocorrer em cursos de
licenciatura de graduação plena. Com relação à formação dos profissionais para
atuarem na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental, o
Ministério da Educação proporia, em um documento do ano 2000, que ela também
deveria ser efetuada em curso de nível superior, ao invés do Ensino de nível Médio,
conforme previsto no artigo 62.º da LDBEM.
No Decreto54 que regulamentou, em 1999, o artigo 62.º da LDBEN, é
oficializado que o Conselho Nacional de Educação, o CNE, que substituiu o CFE em
1994, seria o responsável por definir as diretrizes curriculares nacionais para a
formação de professores para a Educação Básica. Além disso, nesse decreto é
indicado que essas diretrizes deveriam “[...] assegurar formação básica comum,
distribuída ao longo do curso, atendidas as diretrizes curriculares nacionais definidas
para a Educação Básica e tendo como referência os parâmetros curriculares
nacionais [...]”, ou seja, deveriam levar em conta os citados documentos na definição
das diretrizes para a formação inicial do futuro professor, profissional que teria esses
mesmos documentos como base para sua função docente. (BRASIL, 1999, p. 5)
54
Decreto n.º 3.276, de 6 de dezembro de 1999.
123
Com base no estabelecido pela LDBEN e nas experiências vivenciadas
historicamente, no ano 2000 um documento intitulado Proposta de Diretrizes
Curriculares para a Formação Inicial de Professores da Educação Básica, em
Cursos de Nível Superior foi encaminhado pelo Ministério da Educação ao CNE para
que fosse avaliado. Esse documento resultou do trabalho de um Grupo composto
por representantes das então Secretarias de Educação Fundamental, de Educação
Média e Tecnológica, e de Educação Superior, do MEC.
Para os autores da Proposta de Diretrizes, algumas questões históricas nos
campos institucional e curricular precisariam ser enfrentadas na elaboração de
diretrizes para os novos cursos de formação inicial de professores para a Educação
Básica, que seriam criados no início deste século. Para identificar essas questões,
elaboramos a Figura 4.
Figura 4 – Questões históricas que precisariam ser enfrentadas na definição das DCNs, indicadas na Proposta de Diretrizes
Dessas questões, abordamos as seguintes:
Campo institucional:
124
A submissão da proposta pedagógica à organização educacional.
Na Proposta de Diretrizes, a organização institucional deveria dar condições à
organização curricular e não determiná-la, como até então ocorria. Exemplo desse
fato, citado no documento, era o funcionamento das licenciaturas como anexos dos
bacharelados, em que se aproveitavam professores e disciplinas comuns, o que
contribuiu para a falta de identidade dos cursos de formação de professores para a
Educação Básica.
Outro aspecto citado pelos autores da Proposta de Diretrizes é a falta de
espaços institucionais para a realização de um planejamento entre as IES e os
campos de estágios que recebem os futuros profissionais da educação.
Lembramos que na fixação dos currículos mínimos, nas décadas de 1960 e
1970, os estágios foram previstos, porém nada fora oficialmente fixado com relação
à responsabilidade de as IES instituírem espaços institucionais para sua realização,
por meio de parcerias com as escolas de Educação Básica que receberiam os
estagiários. Dessa forma, os alunos eram – e ainda continuam sendo, na maior parte
das licenciaturas brasileiras – os responsáveis pela busca de um campo para
estagiar. E, conforme é de conhecimento público, muitas vezes os possíveis campos
para estágios não aceitam a realização dessas atividades ou, quando do contrário,
têm a maior parte dos seus docentes não vendo com bons olhos a presença dos
estagiários em sala de aula, o que acaba contribuindo para a concepção de visões
deturpadas dessa atividade.
Distanciamento entre os cursos de formação e o exercício da
profissão.
A falta de articulação entre os cursos de formação e as escolas de Ensino
Fundamental ou Médio impede, segundo os autores da Proposta de Diretrizes, que o
objetivo de formação profissional dos estágios seja alcançado, uma vez que a falta
de parcerias e convênios, com responsabilidades definidas e compartilhadas, faz
com que os campos de estágio não participem ativamente de um projeto de
formação.
125
Seria necessário, portanto, que as IES com cursos de formação de
professores se aproximassem das instituições de Educação Básica para, em
conjunto, proporcionarem formação adequada aos futuros professores (BRASIL,
2000) e essa aproximação poderia oferecer as condições para a criação dos
espaços institucionais abordados na segunda questão, anteriormente abordada.
Distanciamento entre as instituições de formação de professores e
os sistemas de ensino da Educação Básica.
Para que os futuros professores pudessem ser inseridos no exercício
profissional, com autonomia, os autores da Proposta de Diretrizes advertem que os
alunos das licenciaturas deveriam ser apresentados aos documentos oficiais da
Educação Básica, como Diretrizes, Parâmetros e Referenciais Curriculares,
elaborados pelo Ministério da Educação, assim como as propostas curriculares
estaduais e municipais e demais materiais pedagógicos oficiais. O propósito seria de
se tornarem aptos a trabalhar com eles, tanto em sala de aula quanto nas
preparações de suas atividades. Desse modo, tais documentos precisariam fazer
parte da formação do futuro professor e não renunciados como até então eram,
conforme afirmam os autores da Proposta de Diretrizes.
Vemos, nessa questão a ser enfrentada, a defesa dos autores para a inclusão
de uma das três categorias de conhecimento eleitas por Shulman (1986) como
necessárias à formação do professor: conhecimento do currículo.
Campo curricular:
Tratamento inadequado do conteúdo.
“Uma coisa é conhecer um assunto como mero usuário e outra é analisar
esse mesmo assunto como um professor que vai ensiná-lo.” (BRASIL, 2000, p.26)
Na perspectiva do tratamento inadequado, a Proposta de Diretrizes contém
indicações de que seria necessário quebrar a rotina de se colocar o foco do Ensino
de nível Superior exclusivamente nos conteúdos da área científica em que se
formará o futuro professor. De acordo com autores da referida proposta, os cursos
de formação precisariam contemplar o estudo de conhecimentos relacionados aos
objetos de ensino do futuro professor, considerando-se a transposição didática, de
126
forma a habilitá-lo a identificar obstáculos epistemológicos, obstáculos didáticos55,
relação entre os objetos de ensino e situações do mundo real, entre outros, que não
podem ser ignorados na formação inicial de um professor.
Observa-se, na Proposta de Diretrizes, a crítica que era feita com relação à
falta de disciplinas que teriam como objetivo trabalhar conhecimentos relacionados
aos objetos de ensino dos futuros professores. Como vimos na subseção anterior,
disciplinas com esse objetivo não foram fixadas nos currículos mínimos, assim como
nos currículos dos cursos criados antes das décadas de 1960 e 1970. Quando
aparentemente fixados, como no caso da disciplina de Fundamentos de Matemática
Elementar, no curso de licenciatura em Matemática de 1962, não foram
necessariamente cumpridos os objetivos determinados, que era dar, aos futuros
professores, um conhecimento mais aprofundado dos assuntos matemáticos
lecionados na Educação Básica, e procurar enquadrar esses assuntos no conjunto
das teorias matemáticas. Conjecturamos, com base em nossa experiência e leituras,
que essa disciplina, na maioria dos cursos, tenha servido mais para revisar
conteúdos da Educação Básica.
Desarticulação entre conteúdos pedagógicos e conteúdos de
ensino.
A ideia de dois grupos de disciplinas, um relacionado à formação específica
da área, como ciência, e outro relacionado à formação pedagógica, precisaria ser
superada, assim como a abordagem, apenas, de questões de ordem geral da
didática nas áreas, pois é necessária, para a docência na Educação Básica, a
articulação entre os conteúdos e os seus respectivos tratamentos didáticos. Por
esse motivo, indicavam os autores da Proposta de Diretrizes, a relação entre a
aprendizagem dos conteúdos e a aprendizagem de suas especificidades didáticas
deveria ser o lema na formação de professores. (BRASIL, 2000)
Cumpre lembrar que mesmo presente nos cursos do modelo 3+1 e nos
currículos mínimos fixados nas décadas de 1960 e 1970, as disciplinas de formação
pedagógicas não necessariamente estiveram articuladas às demais disciplinas dos
55
Apesar de os autores da Proposta Curricular não identificarem diretamente as bases conceituais utilizadas para o termo obstáculos, deduzimos que esse termo esteja baseado nos trabalhos de Guy Brousseau, autor relacionado na bibliografia da referida proposta.
127
cursos, sobretudo nos cursos de formação de professores de Matemática, que
tiveram a maioria de suas disciplinas voltadas à Matemática de nível superior. Um
exemplo explicitamente apresentado pelos autores da Proposta de Diretrizes é o
caso da Didática: em nenhum currículo fixado pelo Ministério da Educação na
segunda metade do século anterior há, oficialmente, disciplina de didática específica
da área em que se pretende formar o professor.
Concepção restrita de prática.
A visão “aplicacionista da teoria”, derivada do polo que supervaloriza os
conhecimentos teóricos e acadêmicos e despreza a prática, e a “ativista da prática”,
derivada do polo que despreza a dimensão teórica dos conhecimentos e
supervaloriza os conhecimentos pedagógicos, proporcionam, segundo os autores da
Proposta de Diretrizes, cursos diferentes. A primeira visão proporcionaria cursos de
teorias prescritivas e analíticas que utilizariam os momentos de estágios para a
aplicação dessas teorias na prática. A segunda proporcionaria cursos em que teoria
e prática coexistiriam, mas totalmente desvinculadas (BRASIL, 2000, p. 29). Esses
cursos podem ser associados, respectivamente, às visões associativa e dissociativa
da relação entre a teoria e a prática, abordadas por Candau e Lelis (1993).
Ainda na visão dos referidos autores, uma concepção mais ampla de prática
precisaria ser levada em consideração. Nela, a prática deveria ser entendida como
uma dimensão do conhecimento que estaria presente nos momentos em que se
trabalha a reflexão sobre a atividade profissional e, dessa forma, permearia toda a
formação e não apenas o momento dos estágios. Assim, a ideia que deveria ser
superada é de que a sala de aula é o espaço reservado à teoria, ao passo que no
estágio é que se daria conta da prática. (BRASIL, 2000)
A superação dessa questão apontada pelos autores da Proposta de Diretrizes
acabaria tornando-se a principal característica que diferenciaria a normatização dos
cursos de formação de professores para a Educação Básica, elaborada na primeira
década do século 20, das demais normatizações que já abordamos.
Inadequação do tratamento da pesquisa;
128
Os novos cursos de formação de professores precisariam superar a visão de
professor como aplicador de teorias e passar a enxergá-lo como “um profissional
com domínio sobre sua prática, com autonomia e capacidade para produzir
conhecimento pedagógico e para tomada de decisões.” (BRASIL, 2000, p. 30) Para
tanto, seria necessário, na visão dos autores da Proposta de Diretrizes, que os
novos cursos de formação não apenas apresentassem algumas pesquisas
desenvolvidas na área, mas que capacitassem os futuros professores a interpretá-
las e as utilizá-las na prática pedagógica.
Com a finalidade de enfrentar essas questões históricas – do campo
institucional e do campo curricular –, a vinculação entre a formação e o exercício
profissional deveria ser, na concepção dos autores do documento em questão, a
base para as diretrizes dos cursos de formação inicial de professores para a
Educação Básica. Sendo assim, a relação entre a teoria e a prática precisaria,
conforme consta da Proposta de Diretrizes, permear os novos cursos e, portanto, a
concepção de competências56 deveria ser o núcleo dessas diretrizes, uma vez que
competência estaria relacionada à forma de atuação e não poderia ser construída
apenas pela comunicação de ideias. (BRASIL, 2000)
Para a construção dessas competências, algumas ações deveriam ser
consideradas, segundo os autores da Proposta e Diretrizes, a fim de que as
dimensões de atuação do professor pudessem ser trabalhadas nas licenciaturas,
proporcionado, dessa forma, o aprendizado, dentre outros, dos diferentes domínios
do conhecimento profissional. Com relação a essas ações, os referidos autores
indicam:
Oferecer aos futuros professores, sempre que necessário, condições
de aprendizagem dos conhecimentos da escolaridade básica;
Articular os conteúdos a serem ensinados na Educação Básica com
suas respectivas didáticas;
Ir além da seleção dos conteúdos de ensino da Educação Básica;
Ter as avaliações como orientadoras do trabalho dos formadores.
56
Da mesma forma que os autores da Proposta Curricular não identificam diretamente as bases conceituais utilizadas para o termo obstáculos, não abordam sobre qual concepção de competências estariam utilizando. Entretanto, nas referências bibliográficas são relacionados trabalhos de Perrenoud.
129
Quanto às competências, no total de 30, os autores da Proposta de Diretrizes
as listam em seis dimensões de atuação do professor, a saber: o comprometimento
com os valores estéticos, políticos e éticos, inspiradores da sociedade democrática;
a compreensão do papel social da escola; o domínio dos conteúdos a serem
socializados; o domínio do conhecimento pedagógico; o conhecimento de processos
de investigação; e o gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.
Já como diferentes domínios do conhecimento profissional do professor, os
respectivos autores relacionam: a cultura geral e profissional; os conhecimentos
sobre crianças, jovens e adultos; o conhecimento sobre a dimensão cultural, social,
política e econômica da educação; os conteúdos da área de ensino; o conhecimento
pedagógico; e o conhecimento experiencial.
Sobre a cultura geral, ela abrangeria desde as diferentes produções da
cultura de massa e da cultura popular e erudita, até as informações atualizadas
sobre o que acontece no país e no mundo. Já com relação à cultura profissional, ela
estaria relacionada com aquilo que é próprio do exercício da profissão do docente,
incluindo, por exemplo, o conhecimento sobre as organizações sindicais e as
associações de caráter científico e cultural que congregam os profissionais da
educação. (BRASIL, 2000) Esse domínio de conhecimento, em nossa concepção,
teria como fonte de estudos os materiais e definições do processo institucionalizado
de educação, uma das quatro fontes citadas por Shulman (1987) como necessárias
na construção de uma base de conhecimentos para a formação de professores que
lecionarão disciplinas na Educação Básica. Dentre outras, essa fonte abrangeria a
estrutura da profissão docente, conforme abordamos no segundo capítulo deste
estudo.
Quanto aos conhecimentos sobre crianças, jovens e adultos, os autores da
Proposta de Diretrizes destacam que seria importante que ela enfatizasse uma visão
global, independentemente da etapa da escolaridade que o futuro professor atuaria,
e aprofundasse os estudos sobre as especificidades da faixa etária com o qual se
trabalhará.
Assim como no domínio anterior, entendemos que esse domínio teria como
base de estudos fonte citada por Shulman (1987): a fonte das pesquisas sobre a
130
escolaridade, as organizações sociais, a aprendizagem humana, o ensino e seu
desenvolvimento, e outros fenômenos sociais e culturais que afetam o trabalho dos
professores que, dentre outras, está associada à literatura acadêmica das áreas do
ensino e aprendizagem e do desenvolvimento humano.
Com relação ao conhecimento sobre a dimensão cultural, social, política e
econômica da educação, ela envolveria, por exemplo, conhecimentos sobre o papel
social do professor, a importância dos símbolos, costumes, atitudes, expressões e
valores que os jovens, adultos e crianças utilizam ou confrontam no ambiente
escolar. Ou seja, envolveria assuntos que permitissem que o futuro professor
compreendesse os significados que os alunos, suas famílias e a comunidade
atribuem à escola e aos elementos a ela relacionados, como o ensino e a
aprendizagem, por exemplo57. (BRASIL, 2000)
Sobre os conteúdos das áreas de ensino, os autores do documento advertem
que nas diretrizes não apenas fosse indicado o estudo dos conteúdos conceituais
das áreas de ensino da Educação Básica, denominados por eles de conteúdos
específicos da área, mas também que fossem indicados conteúdos que
possibilitariam ao futuro professor o desenvolvimento do seu trabalho em uma
perspectiva disciplinar e interdisciplinar. Para tanto, as ciências humanas e sociais, a
cultura, as artes e os conhecimentos sobre aspectos da realidade e questões
sociais, constituiriam conhecimentos essenciais para que o futuro professor pudesse
criar as condições e mediações necessárias para o ensino como, por exemplo, as
contextualizações. (BRASIL, 2000)
Em se tratando do penúltimo domínio do conhecimento profissional indicado
na Proposta de Diretrizes – o conhecimento pedagógico –, os autores desse
documento listam vários temas que o comporiam, como, por exemplo, a
transposição didática; o currículo e desenvolvimento curricular; a avaliação das
aprendizagens; e a pesquisa dos processos de aprendizagem e produção de
conhecimento pedagógico pelo professor.
57
Embora não citado nas referências bibliográficas pode-se identificar, nesse domínio de conhecimento profissional, a preocupação investigada por Bernard Charlot, sobre a relação com o saber, que procura, em linhas gerais, compreender como um sujeito dá sentido à sua experiência, principalmente escolar, e como apreende o mundo para construir-se e transformar-se.
131
Dessa forma, esse domínio teria como base três das quatro fontes de estudos
indicadas por Shulman (1987) como necessárias na construção de uma base de
conhecimentos para a formação de professores que atuarão na Educação Básica, a
saber: (1) métodos de estudos em disciplinas de conteúdo; (2) materiais e definições
do processo institucionalizado de educação; e (3) pesquisas sobre a escolaridade,
as organizações sociais, a aprendizagem humana, o ensino e seu desenvolvimento,
e outros fenômenos sociais e culturais que afetam o trabalho dos professores.
Com relação ao último domínio, o conhecimento experiencial, ele seria
referente ao conhecimento construído na experiência e não poderia ser substituído
por conhecimentos sobre a experiência. Seria o elo entre a teoria e a prática, uma
vez que “[...] saber – e aprender – um conceito, ou uma teoria é muito diferente de
saber – e aprender – a exercer um trabalho. Trata-se, portanto, de aprender a ‘ser’
professor” (BRASIL, 2000, p. 58) e teria como fonte de estudos a sabedoria da
prática em si, a quarta fonte citada por Shulman (1987) como necessária na
construção de uma base de conhecimentos para a formação de professores que
atuarão na Educação Básica.
Esses dois últimos domínios de conhecimento – conhecimento profissional e
conhecimento experiencial – podem ser associados, em nossa visão, à categoria de
conhecimento pedagógico do conteúdo, definido por Shulman (1986, 1987).
Além disso, entendemos que as quatro fontes de estudos, definidas por
Shulman (1987) e defendidas por ele como necessárias na apropriação de
conhecimentos para a formação de professores que atuarão na Educação Básica,
se fazem presentes na constituição dos diferentes domínios do conhecimento
profissional do professor, indicados pelos autores da Proposta de Diretrizes.
Ao abordarem a organização curricular, os autores da Proposta de Diretrizes
indicam que a parte prática, fixada em 800 horas por uma Resolução de 199958,
deveria permear todo o curso de formação inicial de professores, em três diferentes
tempos e espaços. O primeiro seria no interior das disciplinas, espaço em que a
aprendizagem deveria ser orientada pela ação-reflexão-ação, cuja principal
estratégia didática seria a resolução de situações-problema. O segundo seria em
58
Resolução CNE/CP n.º 1, de setembro de 1999.
132
estágios, que deveriam ser efetuados em escolas da Educação Básica, com o
principal objetivo de abordar as diferentes dimensões profissionais. E o terceiro seria
em tempo e espaço curricular específico, que deveria ser uma atividade relacionada
aos estágios, mas realizada nas IES, com a participação de todos os docentes do
curso, além dos alunos, em que se promoveria a articulação dos diferentes
conteúdos de formação, mediante a reflexão das vivências pessoais dos
licenciandos, principalmente, nos estágios.
Ainda com relação à organização curricular, consta do referido documento
enviado pelo MEC ao CNE, em 2000, que as DCNs deveriam prever diferentes
dimensões de formação para garantir: (a) uma formação que seria comum a todos
os futuros professores, independentemente das etapas da Educação Básica; (b)
uma formação que seria comum a todos os futuros professores especialistas, ou
seja, aqueles que lecionariam nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino
Médio; (c) uma formação que seria específica para todos os professores da mesma
área; e (d) uma formação em campos específicos de atuação, que poderiam ser
escolhidos pelas IES. A tabela a seguir apresenta como seria dividida a carga
horária de 3.200 horas, definida na mesma resolução que fixou a carga da parte
prática, entre as dimensões de formação em um curso para professores
especialistas em uma disciplina, como Matemática.
Tabela 3 – Proposta do MEC para a distribuição da carga horária de 3.200 horas entre as dimensões de formação em cursos superiores que teriam como egressos professores especialistas
Dimensões Razão Carga horária
Formação comum a todos os professores da Educação Básica 20% 640 horas Formação comum a todos os professores especialistas 5% 160 horas Formação específica dos professores das diferentes áreas/disciplinas de conhecimento
62,5% 2.000 horas
Formação em campos específicos de atuação 2,5% 80 horas Estágios 10% 320 horas
Total 100% 3.200 horas
Fonte: Brasil (2000), adaptado.
Para orientar o percurso da formação inicial dos professores especialistas, os
autores da Proposta de Diretrizes apresentam um quadro indicando o quanto de
cada dimensão de formação deveria ser contemplado, em cada ano do curso. A
figura a seguir ilustra essas quantidades para um curso com duração de quatro
anos, conforme era proposto.
133
1.º ano do curso
A A C C C
E
2.º ano do curso
A B C C C
E
3.º ano do curso
A C C
C D
E D
4.º ano do curso
C C D D
D
E
A Formação comum a todos os professores da Educação Básica
B Formação comum a todos os professores especialistas
C
Formação específica dos professores das diferentes áreas/disciplinas de conhecimento – conteúdos ampliadores (o ir além)
D
Formação específica dos professores das diferentes áreas/disciplinas de conhecimento – perspectiva do ensino e da aprendizagem, incluindo a formação em campos específicos
E Estágios
Figura 5 – Percurso da formação inicial dos professores especialistas
Fonte: Brasil (2000), adaptado.
Observa-se, nas informações contidas na figura anterior, que durante toda a
duração do curso, a especificidade da área ou da disciplina deveria prevalecer em
relação aos conteúdos comuns.
Em ocasiões anteriores ao início da década de 2000, acreditamos não ter
havido, por parte dos órgãos responsáveis pela definição de leis e normas para a
Educação Superior, trabalhos com o objetivo igual ao do que foi realizado pelo
Grupo de Trabalho designado pelo MEC e entregue ao CNE, em 2000, para análise.
Embora não diretamente citados, mas presentes nas ideias apresentadas e,
consequentemente, constituintes das referências bibliográficas, a Proposta de
Diretrizes trazia consigo, mesmo que de forma implícita, conceitos discutidos por
educadores renomados, como, por exemplo, sobre a formação e o desenvolvimento
profissional, de Imbernón, sobre desenvolvimento de competências, de Perrenoud,
134
sobre formação de profissionais reflexivos, de Schön, e sobre formação reflexiva de
professores, de Zeichner.
Caso fornecesse pistas de como articular esses conceitos, particularmente
acreditamos que o referido documento pudesse ter sua utilidade exponencialmente
valorizada.
3.4.2 As Diretrizes Curriculares Nacionais para os atuais cursos de licenciatura
brasileiros
Atualmente, todas as licenciaturas plenas determinadas pela Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de 1996 são normatizadas por documentos gerais e
documentos específicos para cada área ou disciplina ao qual se destina o curso de
formação do professor.
Os documentos gerais para todas as atuais licenciaturas brasileiras
constituem-se da Resolução aprovada pelo Conselho Pleno do Conselho Nacional
de Educação, número 1 de 18 de fevereiro de 2002, que institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica e a
Resolução aprovada pelo mesmo Conselho, número 2, de 19 de fevereiro de 2002,
que institui a duração e carga horária mínimas dos cursos de licenciatura.
A Resolução CNE/CP 1/2002 tem por base o Parecer CNE/CP número 9, de
8 de maio de 2001, com nova redação para o item 3.6, que aborda os estágios, dado
pelo Parecer CNE/CP número 27, de 2 de outubro de 2001. Já a Resolução CNE/CP
2/2002 tem por base o Parecer CNE/CP número 28, de 2 de outubro de 2001.
Nesta subseção abordamos esses documentos, dando, às vezes, maior
ênfase aos pareceres, pois neles temos condições de fazer análises mais apuradas,
uma vez que, geralmente, as resoluções apenas oficializam, de forma resumida, o
que nos pareceres é abordado de forma mais detalhada. É também nos pareceres
que encontramos, na maioria das vezes, os aspectos históricos, as justificativas e a
fundamentação dos elementos que embasam as normas oficializadas pelas
resoluções.
135
Conforme consta do relatório no Parecer CNE/CP 9/2001, uma comissão
formada por conselheiros das duas Câmaras do CNE – Câmara de Educação
Básica e Câmara de Educação Superior – fez 21 reuniões, no período de agosto de
2000 a maio de 2001, para avaliar a Proposta de Diretrizes encaminhada ao
Conselho Nacional de Educação, em maio de 2000, pelo MEC. Dessas reuniões,
participaram, também, dois dos sete integrantes do Grupo de Trabalho que elaborou
a referida Proposta.
Além dessas reuniões internas, nos meses de março e abril de 2001 a
Proposta de Diretrizes foi submetida à apreciação da comunidade educacional em
cinco audiências públicas regionais, uma reunião institucional, uma reunião técnica e
uma audiência pública nacional, as quais congregaram participantes de várias
associações nacionais, sociedades brasileiras – dentre elas, a Sociedade Brasileira
de Educação Matemática –, vários conselhos nacionais, fóruns e outros.
De tais reuniões e audiências, um documento final foi apresentado ao
Conselho Pleno do CNE, que fez a última análise e o colocou em votação,
originando, dessa forma, o Parecer CNE/CP 9/2001, que utiliza, em grande parte, o
texto e a estrutura da Proposta de Diretrizes, com as devidas complementações e,
algumas vezes, supressões ou modificações.
O referido Parecer é iniciado com uma rápida análise do contexto educacional
das décadas de 1980 e 1990, com o objetivo de embasar a proposta das Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, objeto
desse documento.
Na citada análise inicial é destacada a preparação inadequada do professor
como uma das dificuldades encontradas na elaboração de ações para a melhoria da
Educação Básica, elaboração essa vista como uma importante etapa “para a
promoção do desenvolvimento sustentável e para a superação das desigualdades
sociais.” (BRASIL, 2001b, p. 4)
Consta do Parecer CNE/CP 9/2001 que, devido às determinações da LDBEN
e em virtude da elaboração dos Subsídios para a Elaboração das Diretrizes
Curriculares para os Cursos de Formação de Professores, conduzida pela Secretaria
136
de Educação Superior do MEC, as licenciaturas deveriam ganhar “[...] terminalidade
e integralidade própria em relação ao Bacharelado [...]”. (BRASIL, 2001b, p. 6).
Com relação à integralidade própria, entendemos que as licenciaturas não
mais poderiam depender dos bacharelados; seriam cursos independentes, o que
demandaria a definição de currículos próprios que não poderiam ser confundidos
com os do bacharelado e, tampouco, com os dos cursos caracterizados pelo modelo
3+1.
Já quanto à terminalidade, entendemos que as licenciaturas não mais
poderiam ser oferecidas com habilitações obtidas a partir da complementação de
estudos, ou seja, não mais deveriam ser curtas, com a possibilidade de habilitações
complementares, como até então as normas autorizavam, mas sim serem
licenciaturas plenas.
Para tanto, três princípios orientadores foram indicados no sentido de se
transformar a formação de professores em uma formação profissional, sendo essa
entendida como a “preparação voltada para o atendimento das demandas de um
exercício profissional específico que não seja uma formação genérica e nem apenas
acadêmica.” (BRASIL, 2001b, p. 29). Tais princípios eram:
Que a concepção de competência fosse nuclear;
Que houvesse coerência entre a formação oferecida e a prática
esperada do futuro professor, no que concerne, principalmente, à
simetria invertida59 e às concepções de aprendizagem, conteúdo e
avaliação; e
Que a pesquisa fosse um elemento essencial.
Esses princípios já denotariam a diferença entre o curso de formação de
professores para a Educação Básica que era proposto e os cursos que foram
criados anteriormente.
59
Uma explicação sobre o conceito de simetria invertida é apresentada no próprio Parecer CNE/CP 9/2001. Em poucas palavras, o professor aprende a lecionar em lugar similar àquele em que vai atuar, mas em uma situação invertida e isso faz com que deva haver coerência entre aquilo que é feito na formação e o que desse profissional se espera, futuramente. Além disso, o futuro professor viveu, como aluno, a etapa da escolaridade em que vai atuar e, certamente, toda sua trajetória escolar será utilizada para constituir o papel docente que ele exercerá (Brasil, 2001b).
137
Sobre a concepção de competência utilizada, novamente não há
explicitações, assim como na Proposta de Diretrizes. Apenas há a indicação de que
a um profissional não basta ter o conhecimento sobre o seu trabalho, mas que é
fundamental que esse profissional saiba mobilizar tais conhecimentos,
transformando-os em ação e que para se adquirir as competências necessárias a
um professor, há a necessidade da articulação entre a teoria e a prática, por meio da
reflexão. (BRASIL, 2001b)
Com relação à simetria invertida, a relatora do Parecer CNE/CP 9/2001
enfatiza que não se trata de infantilizar a formação inicial do professor, mas sim de
tornar coerente o que se faz na formação e o que se espera que o aluno,
futuramente, desempenhe como docente. Já com relação às concepções de
aprendizagem, conteúdo e avaliação, a relatora reforça a ideia dos autores da
Proposta de Diretrizes ao indicar que todas elas estão relacionadas a competências
para o desenvolvimento da atividade profissional: a primeira, na construção de
significados e na compreensão das razões explicativas relacionadas a determinados
fatos; a segunda, no que se refere ao tratamento das três dimensões dos conteúdos,
essenciais para a aprendizagem – a conceitual, a procedimental e a atitudinal –; e a
terceira, no diagnóstico das lacunas da aprendizagem.
Com relação à pesquisa, é indicado, no Parecer CNE/CP 9/2001, que se deve
focar “o próprio processo de ensino e de aprendizagem dos conteúdos escolares na
Educação Básica” (BRASIL, 2001b, p. 35).
Identificados esses três princípios orientadores, conceber e organizar um
curso de formação inicial de professores para a Educação Básica, de acordo com o
contido no Parecer CNE/CP 9/2001, implicaria “[...] definir um conjunto de
competências necessárias à atuação profissional [...]” do futuro docente e tomá-lo
como norteador “[...] tanto da proposta pedagógica, em especial do currículo e da
avaliação, quanto da organização institucional e da gestão da escola de formação.”
(BRASIL, 2001b, p. 36-37)
Com relação à organização institucional, não abordada explicitamente sob
esse título na Proposta de Diretrizes do MEC, é reafirmado, no Parecer CNE/CP
9/2001, que os cursos de formação de professores da Educação Básica deveriam
138
ser realizados autonomamente, em licenciaturas plenas com identidades próprias,
cujos formadores teriam, em sua jornada de trabalho, tempo e espaço para a
realização de atividades coletivas e individuais de formação. Essa formação, ainda
segundo o referido Parecer, se daria por meio de estudos e investigações sobre
questões relacionadas à aprendizagem dos futuros docentes.
Às instituições proponentes desses cursos, caberiam, conforme conta do
Parecer CNE/CP 9/2001, ações para tornar possível o trabalho de intercâmbios
sistemáticos entre as licenciaturas e as escolas básicas, por meio de projetos de
formação compartilhados, assim como iniciativas, parcerias e convênios para a
promoção de atividades culturais e acadêmicas. Comparada às propostas
apresentadas nos Pareceres que embasaram as normatizações dos cursos criados
na segunda metade do século anterior, observa-se, teoricamente, um avanço no que
diz respeito aos estágios, uma vez que há um indicativo de que essa atividade
deveria ocorrer por meio de parcerias que seriam buscadas pelas IES com as
escolas de ensino básico, não cabendo mais ao aluno a busca de um campo para
estagiar.
No que se refere à organização da matriz curricular, o Parecer CNE/CP
9/2001 difere da Proposta de Diretrizes do MEC que indicava quatro dimensões de
formação60 e, juntamente com os estágios, especificava a razão que cada um teria
de participação no curso. No referido Parecer, há a indicação de seis eixos em torno
das quais se articulariam as dimensões que deveriam ser contempladas nas
licenciaturas, bases pelas quais seriam indicados os tipos de atividades de ensino e
aprendizagem que direcionariam o planejamento e a ação dos professores
formadores dos futuros docentes da Educação Básica.
Tais eixos, cujas razões da duração total não constam indicadas, são:
Eixo articulador dos diferentes âmbitos de conhecimento profissional;
Eixo articulador da interação e comunicação e do desenvolvimento da
autonomia intelectual e profissional;
Eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade;
60
Formação comum a todos os futuros professores, de todas as etapas da Educação Básica; formação comum a todos os futuros professores especialistas; formação específica para todos os professores da mesma área; e formação em campos específicos de atuação.
139
Eixo articulador da formação comum e da formação específica;
Eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos
conhecimentos educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação
educativa; e
Eixo articulador das dimensões teóricas e práticas.
Desse Parecer CNE/CP 9/2001, originou-se a Resolução CNE/CP 1/2002.
Porém, antes da aprovação dessa Resolução, o Parecer CNE/CP 27/2001
reformulou parte do contido no eixo articulador das dimensões teóricas e práticas,
mais especificamente o estágio: de acordo com essa reformulação, os estágios
deveriam iniciar a partir da segunda metade do curso e não no inicio dele, como
proposto no Parecer CNE/CP 9/2001 e na Proposta de Diretrizes do MEC.
De certa forma, essa modificação, a nosso ver, fazia sentido, uma vez que,
teoricamente, no início do curso os alunos não estariam, talvez, preparados para
algumas ações que constituem atividades como essa. E mesmo para as ações
possíveis, como a investigação documental de instituições de Educação Básica, por
exemplo, a falta de uma visão clara, pelo aluno, dos objetivos associados a essas
ações, acaba, muitas vezes, em nossa opinião, fazendo do estágio um conjunto de
atividades desconexas, sem sentido real para quem o faz.
Sobre a Resolução CNE/CP 1/2002, que basicamente oficializou o Parecer
CNE/CP 9/2001, destacamos alguns artigos.
No artigo primeiro é definido o que são as Diretrizes Curriculares Nacionais e
sua abrangência. Juntamente com o artigo sétimo, define-se o grau61 que os cursos
de formação de professores da Educação Básica, de nível superior, deveriam ter –
licenciatura plena –, mesmo os que seriam destinados à formação de professores
para a educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental. Nota-se que a
fixação do Ensino Médio como formação mínima para os profissionais atuarem na
educação infantil e anos iniciais do Ensino Fundamental, conforme consta do artigo
62.º da LDBEN, que citamos anteriormente, foi modificada pelo CNE, de acordo com
a Proposta de Diretrizes.
61
Para o MEC, bacharelados, licenciaturas, tecnológicos, são os graus dos cursos de nível superior.
140
Além disso, o artigo sétimo institui que essas licenciaturas deverão ser
autônomas, com identidades próprias, as quais fariam intercâmbios com as escolas
de Educação Básica, com o objetivo de desenvolver projetos que auxiliassem a
formação docente.
Art. 1.º As Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, constituem-se de um conjunto de princípios, fundamentos e procedimentos a serem observados na organização institucional e curricular de cada estabelecimento de ensino e aplicam-se a todas as etapas e modalidades da Educação Básica. [...] Art. 7.º A organização institucional da formação dos professores, a serviço do desenvolvimento de competências, levará em conta que: I - a formação deverá ser realizada em processo autônomo, em curso de licenciatura plena, numa estrutura com identidade própria; [...] IV - as instituições de formação trabalharão em interação sistemática com as escolas de Educação Básica, desenvolvendo projetos de formação compartilhados; [...] (BRASIL, 2002a, p. 8)
Com relação aos projetos que deveriam ser construídos em parceria com as
escolas básicas, entendemos que eles poderiam funcionar com dupla finalidade: por
exemplo, nos estágios, poderia prever tanto a formação inicial dos licenciandos,
quanto a formação em serviço dos professores da escola básica, que não apenas
receberiam esses alunos como observadores, mas que participariam da sua
formação por meio de reflexões conjuntas com os estagiários e também com os
formadores das licenciaturas.
O artigo segundo da Resolução CNE/CP 1/2002 institui algumas orientações
que norteiam a organização curricular e, de forma implícita, indicam os objetivos
gerais das licenciaturas plenas. Esses objetivos deveriam, por sua vez, ser a base
para seleção de atividades que estariam em torno dos eixos articuladores das
dimensões que precisariam ser consideradas – os seis eixos indicados no Parecer
CNE/CP 9/2001, apresentados no 11.º artigo.
Art. 2.º A organização curricular de cada instituição observará [...] outras formas de orientação inerentes à formação para a atividade docente, entre as quais o preparo para: I - o ensino visando à aprendizagem do aluno; II - o acolhimento e o trato da diversidade; III - o exercício de atividades de enriquecimento cultural;
141
IV - o aprimoramento em práticas investigativas; V - a elaboração e a execução de projetos de desenvolvimento dos conteúdos curriculares; VI - o uso de tecnologias da informação e da comunicação e de metodologias, estratégias e materiais de apoio inovadores; VII - o desenvolvimento de hábitos de colaboração e de trabalho em equipe. [...] Art. 11. Os critérios de organização da matriz curricular, bem como a alocação de tempos e espaços curriculares se expressam em eixos em torno dos quais se articulam dimensões a serem contempladas, na forma a seguir indicada: I - eixo articulador dos diferentes âmbitos de conhecimento profissional; II - eixo articulador da interação e da comunicação, bem como do desenvolvimento da autonomia intelectual e profissional; III - eixo articulador entre disciplinaridade e interdisciplinaridade; IV - eixo articulador da formação comum com a formação específica; V - eixo articulador dos conhecimentos a serem ensinados e dos conhecimentos filosóficos, educacionais e pedagógicos que fundamentam a ação educativa; VI - eixo articulador das dimensões teóricas e práticas. [...] (BRASIL, 2002a, p. 8)
Com relação à seleção dos conteúdos, assim como à ordem que cada
atividade/disciplina deveria ser proposta na matriz curricular dos cursos, o artigo
décimo da Resolução CNE/CP 1/2002 outorga às instituições de ensino superior a
competência para tais ações, encerrando, teoricamente62, o estabelecimento de
currículos mínimos. Por outro lado, recaía sobre essas instituições a transposição
didática dos conteúdos e, para isso, entendemos que elas deveriam guiar-se pelos
três princípios norteadores propostos no Parecer CNE/CP 9/2001 e instituídos no
terceiro artigo da Resolução CNE/CP 1/2002 – a competência como concepção
nuclear na orientação do curso; a coerência entre a formação oferecida e a prática
esperada do futuro professor; e a pesquisa com foco no processo de ensino e de
aprendizagem. (BRASIL, 2001b, 2002a)
Art. 10. A seleção e o ordenamento dos conteúdos dos diferentes âmbitos de conhecimento que comporão a matriz curricular para a formação de professores, de que trata esta Resolução, serão de competência da instituição de ensino, sendo o seu planejamento o primeiro passo para a transposição didática, que visa a transformar os conteúdos selecionados em objeto de ensino dos futuros professores. (BRASIL, 2002a, p. 8, grifo nosso)
62
Sobre essa competência, observamos que ela não foi totalmente outorgada às instituições, pois, conforme abordamos na subseção 3.4.3, existem, para os cursos de Matemática, conteúdos comuns obrigatórios a todas as licenciaturas, como também a todos os bacharelados.
142
Sobre os diferentes âmbitos – ou domínios – de conhecimentos a que se
refere o artigo décimo, eles não são caracterizados na Resolução CNE/CP 1/2002 e
tampouco são explicitamente identificados: eles apenas são citados no parágrafo
terceiro do artigo sexto e somente com a leitura prévia do Parecer CNE/CP 9/2001,
é que se pode identificá-los.
Art. 6.º Na construção do projeto pedagógico dos cursos de formação dos docentes, serão consideradas: [...] § 3.º A definição dos conhecimentos exigidos para a constituição de competências deverá, além da formação específica relacionada às diferentes etapas da Educação Básica, propiciar a inserção no debate contemporâneo mais amplo, envolvendo questões culturais, sociais, econômicas e o conhecimento sobre o desenvolvimento humano e a própria docência, contemplando: I - cultura geral e profissional; II - conhecimentos sobre crianças, adolescentes, jovens e adultos, aí incluídas as especificidades dos alunos com necessidades educacionais especiais e as das comunidades indígenas; III - conhecimento sobre dimensão cultural, social, política e econômica da educação; IV - conteúdos das áreas de conhecimento que serão objeto de ensino; V - conhecimento pedagógico; VI - conhecimento advindo da experiência. (BRASIL, 2002a, p. 8)
Em se tratando da presença dos conteúdos da Educação Básica nos
currículos dos atuais cursos de licenciatura, o artigo quinto indica como deve ser
essa presença e também oficializa que esses cursos superiores têm, como um dos
seus objetivos, garantir a formação das competências do ensino básico ao aluno do
curso superior que ainda não as constituiu, conforme consta da Proposta de
Diretrizes.
Art. 5.º O projeto pedagógico de cada curso, [...], levará em conta que: I - a formação deverá garantir a constituição das competências objetivadas na Educação Básica; [...] III - a seleção dos conteúdos das áreas de ensino da Educação Básica deve orientar-se por ir além daquilo que os professores irão ensinar nas diferentes etapas da escolaridade; IV - os conteúdos a serem ensinados na escolaridade básica devem ser tratados de modo articulado com suas didáticas específicas; [...] Parágrafo único. A aprendizagem deverá ser orientada pelo princípio metodológico geral, que pode ser traduzido pela ação-reflexão-ação e que aponta a resolução de situações-problema como uma das estratégias didáticas privilegiadas. (BRASIL, 2002a, p. 8)
143
Dos incisos III e IV podemos entender que os cursos de formação de
professores devem tratar com profundidade os conteúdos específicos das áreas de
formação, mas, sempre que possível, relacionando os conceitos estudados em nível
superior aos conteúdos que o futuro professor ensinará no Ensino Básico – os
conteúdos ampliadores abordados na Proposta de Diretrizes do MEC.
Já o parágrafo único do artigo quinto indica uma das metodologias que
deveriam estar presentes na maior parte do ensino nas licenciaturas plenas. Por
ação-reflexão-ação, pode-se melhor entender o que seria a prática no interior das
disciplinas, que é abordada nos artigos 12.º e 13.º da Resolução CNE/CP 1/2002.
Art. 12. Os cursos de formação de professores em nível superior terão a sua duração definida pelo Conselho Pleno, em parecer e resolução específica sobre sua carga horária. § 1.º A prática, na matriz curricular, não poderá ficar reduzida a um espaço isolado, que a restrinja ao estágio, desarticulado do restante do curso. § 2.º A prática deverá estar presente desde o início do curso e permear toda a formação do professor. § 3.º No interior das áreas ou das disciplinas que constituírem os componentes curriculares de formação, e não apenas nas disciplinas pedagógicas, todas terão a sua dimensão prática.
Art. 13. Em tempo e espaço curricular específico, a coordenação da dimensão prática transcenderá o estágio e terá como finalidade promover a articulação das diferentes práticas, numa perspectiva interdisciplinar. § 1.º A prática será desenvolvida com ênfase nos procedimentos de observação e reflexão, visando à atuação em situações contextualizadas, com o registro dessas observações realizadas e a resolução de situações-problema. § 2.º A presença da prática profissional na formação do professor, que não prescinde da observação e ação direta, poderá ser enriquecida com tecnologias da informação, incluídos o computador e o vídeo, narrativas orais e escritas de professores, produções de alunos, situações simuladoras e estudo de casos. § 3.º O estágio curricular supervisionado, definido por lei, a ser realizado em escola de Educação Básica, e respeitado o regime de colaboração entre os sistemas de ensino, deve ser desenvolvido a partir do início da segunda metade do curso e ser avaliado conjuntamente pela escola formadora e a escola campo de estágio. (BRASIL, 2002a, p. 8)
Nos três parágrafos do artigo 12.º fica evidente que o estágio não deverá ser
o único momento em que a prática estaria presente: ela permearia todo o curso e
estaria presente em todas as disciplinas, o que basearia o trabalho indicado nos
incisos III e IV do artigo quinto, anteriormente comentado – seria o elo entre os
144
conceitos estudados no ensino superior e os conteúdos a serem ensinados pelos
futuros professores na Educação Básica, o que, talvez, no nosso entendimento,
seria um dos promotores do conhecimento pedagógico do conteúdo de Shulman
(1987).
Já o artigo 13.º indica como essa prática deveria ser conduzida: por meio da
observação e reflexão; e por meio do tratamento da utilização da tecnologia na
prática profissional, assim como do estudo da produção de alunos e a discussão
sobre as práticas de professores. Entendemos que a observação poderia ser
efetuada nos estágios e a reflexão iniciada nessa atividade fosse ampliada, no
coletivo, nas escolas de formação, a partir de discussões para a compreensão da
prática letiva. Quanto à produção de alunos e a discussão sobre as práticas de
professores, entendemos que ela não necessariamente precisaria emergir da
observação direta nos estágios, mas de pesquisas sobre o ensino das disciplinas
das áreas das licenciaturas: seria uma forma de colocar o aluno em contato com as
pesquisas, conforme um dos princípios norteadores propostos no Parecer CNE/CP
9/2001 e instituído no artigo terceiro da Resolução CNE/CP 1/2002.
Especialmente quanto ao estágio curricular, é instituído, conforme previsto na
Proposta de Diretrizes e no Parecer CNE/CP 9/2001, o sistema de colaboração
entre as escolas formadoras e as escolas básicas e que sua avaliação deveria ser
efetuada tanto por uma quanto por outra.
No que concerne à duração e carga horária das licenciaturas, a Resolução
CNE/CP 2/2002, que trata dessas matérias, teve como base o Parecer CNE/CP
28/2001, que consideramos rico em informações.
Cabe salientar que o Parecer CNE/CP 28/2001 dá nova redação ao Parecer
CNE/CP 21/2001. O motivo para essa substituição é indicado no histórico do
Parecer CNE/CP 28/2001: a existência de contradições entre o parecer substituído e
o conjunto das resoluções e pareceres que baseiam a formação docente,
contradições essas identificadas pela Assessoria Técnica da Coordenação de
Formação de Professores, da Secretaria de Educação Superior do MEC.
No Parecer CNE/CP 28/2001 são propostas, entre outros, definições para os
termos duração e carga horária de cursos superiores, sendo o primeiro, “[...] o tempo
145
decorrido entre o início e o término de um curso de ensino superior necessário à
efetivação das suas diretrizes traduzidas no conjunto de seus componentes
curriculares [...]” e o segundo o “[...] número de horas de atividade científico-
acadêmica, [...] expresso em legislação ou normatização, para ser cumprido por uma
instituição de ensino superior, a fim de preencher um dos requisitos para a validação
de um diploma [...]”. (BRASIL, 2001c, p. 2)
Quanto à duração, o relator do Parecer CNE/CP 28/2001 enfatiza que ela é
um tempo mínimo que deve ser observado e não um tempo ideal que deva ser
necessariamente padronizado. Esse tempo ideal, na nossa concepção, deve se
adequar às variações dos Projetos Pedagógicos dos cursos, das condições em que
os cursos são oferecidos, do histórico de aproveitamento dos alunos, e outras
variáveis.
Com o objetivo de justificar a carga horária que estava sendo proposta, o
relator do Parecer CNE/CP 28/2001 citou alguns documentos, como o Parecer
CNE/CP 9/2001 e a LDBEN.
De acordo com o artigo 65.º da LDBEN, na formação docente, exceto a
formação para a educação superior, um mínimo de 300 horas deveria ser utilizado
para a prática de ensino, sendo essa prática discutida no Parecer CNE/CP 9/2001.
Com base na referida discussão, o relator do Parecer CNE/CP 28/2001 julgou
melhor fazer a distinção entre os termos prática de ensino e prática como
componente curricular, deixando o primeiro termo relacionado diretamente ao
estágio.
Quanto à prática como componente curricular, o relator a definiu como “uma
prática que produz algo no âmbito do ensino” que deverá ser planejada logo na
elaboração do projeto pedagógico e estar presente em todo curso, desde o seu
início. (BRASIL, 2001c, p. 9) Era essa a prática que deveria ser entendida como a
prática de ensino indicada na LDBEN. Pela sua importância na formação inicial do
docente, abordada no Parecer CNE/CP 9/2001, a carga horária de 300 horas
deveria, na concepção do relator, ser acrescida em um terço. Dessa forma, foi
proposto um total de 400 horas para essa atividade.
146
Chamou-nos atenção a forma como o relator do Parecer CNE/CP 28/2001
abordou a prática nos cursos de formação de professores para a Educação Básica:
A prática não é uma cópia da teoria e nem esta é um reflexo daquela. A prática é o próprio modo como as coisas vão sendo feitas cujo conteúdo é atravessado por uma teoria. Assim a realidade é um movimento constituído pela prática e pela teoria como momentos de um dever mais amplo, consistindo a prática no momento pelo qual se busca fazer algo, produzir alguma coisa e que a teoria procura conceituar, significar e com isto administrar o campo e o sentido desta atuação. (BRASIL, 2001c, p. 7)
De certa forma, pode-se afirmar que essa concepção de prática insere-se na
categoria de conhecimento pedagógico do conteúdo, abordado por Shulman (1986,
1987), uma vez que a busca para se fazer algo e produzir alguma coisa que a teoria
procura conceituar, em um curso de formação de professores, pode estar
relacionado ao trabalho dos futuros professores tornarem compreensíveis e
ensináveis, aos seus futuros alunos, os objetos de ensino. Esse trabalho,
entendemos fazer parte do amálgama especial entre o conteúdo e a pedagogia,
conforme afirmou Shulman (1987).
Com relação ao estágio, o relator defendeu a nomenclatura de estágio
curricular supervisionado de ensino pelo fato de ser um “tempo de aprendizagem
que, através de um período de permanência, alguém se demora em algum lugar ou
ofício para aprender a prática do mesmo e depois poder exercer uma profissão ou
ofício.” (BRASIL, 2001c, p. 10) Para tanto, uma relação pedagógica deveria existir
entre um profissional formado e um aluno estagiário.
Segundo o relator do Parecer CNE/CP 28/2001, o principal objetivo do estágio
curricular supervisionado de ensino deveria ser a “capacitação em serviço”, o que
exigiria, do futuro professor, a presença nas unidades escolares e o exercício do
papel do professor nas atividades que lhe são devidas, a fim de que esse pudesse
se apropriar de conhecimentos em situação de trabalho. (BRASIL, 2001c, p. 10)
Com relação à carga horária relacionada à atividade de estágio, o relator
utilizou como base um decreto de 1982 que regulamentou a Lei do Estágio63,
sancionada em 1977. O referido decreto, especificamente no seu artigo quarto,
63
Lei Federal n.º 6.494, de 7 de dezembro de 1977, regulamentada pelo Decreto n.º 87.497, de 18 de agosto de 1982.
147
fixava como mínimo um semestre letivo para essa atividade. Dessa forma, o relator
do Parecer CNE/CP 28/2001 propôs um mínimo de 400 horas64 para o estágio
curricular supervisionado de ensino, que deveria ser iniciado a partir da segunda
metade do curso, conforme instituído na Resolução CNE/CP 1/2002.
Após propor a carga para as duas atividades relacionadas à prática, o relator
do Parecer CNE/CP 28/2001 propôs mais uma atividade curricular: o trabalho
acadêmico. Essa atividade seria encarregada de apresentar as bases para o
desenvolvimento das atividades relacionadas à prática como componente curricular
e para o estágio curricular supervisionado de ensino, que deveriam ser regidos pelo
“princípio ação-reflexão-ação”. (BRASIL, 2001c, p. 11)
Conforme consta do Parecer CNE/CP 28/2001, o ensinar a ser professor
deveria ser a principal tarefa das licenciaturas. Para esse aprendizado, ӎ
imprescindível um saber profissional, crítico e competente e que se vale de
conhecimentos e de experiências.” (BRASIL, 2001c, p. 12) Para a apropriação
desses conhecimentos, assim como suporte para a participação das experiências,
uma base teórica, de acordo com o relator de o referido Parecer, seria necessária e
o componente curricular trabalho acadêmico teria como objetivo oferecer essa base,
por meio do ensino presencial.
Para tanto, o relator propôs uma carga de 1.800 horas para o ensino
presencial relacionado ao trabalho acadêmico. Porém, diferentemente das cargas
anteriormente propostas, cujas bases documentais preexistiam e, portanto,
justificava, em parte, a carga horária proposta, não identificamos no Parecer
CNE/CP 28/2001 respostas para o porquê da carga proposta para o referido
componente curricular.
Da mesma forma, não identificamos justificativas para a proposição de 200
horas para o quarto componente curricular, nomeado pelo relator do Parecer
CNE/CP 28/2001 de atividades de caráter acadêmico-científico-cultural.
64
Conjecturamos que essa carga horária tenha sido obtida, por aproximação, levando-se em consideração que um semestre letivo passou a contar, a partir da LDBEN, com 100 dias, e que um período dos cursos de nível superior tem, geralmente, de três horas e meia a quatro horas.
148
Tal componente abarcaria atividades como: seminários, participação em
eventos científicos, visitas, monitorias, estudos de extensão, entre outras, com
orientação docente. De acordo com o relator do Parecer CNE/CP 28/2001, essas
atividades também fariam parte do processo formativo do futuro professor, mas não
precisariam, necessariamente, ser realizadas em sala de aula ou laboratórios no
interior das IES. Juntamente com o trabalho acadêmico, as atividades de caráter
acadêmico-científico-cultural formariam o núcleo de atividades científico-
acadêmicas.
Logo, com os quatro componentes curriculares identificados, os cursos de
licenciatura deveriam ter, no mínimo, 2.800 horas de atividades. Esse número é
menor que as 3.200 horas, contido na Proposta de Diretrizes.
Para o desenvolvimento da carga horária proposta de 2.800 horas, o relator
do Parecer CNE/CP 28/2001 propôs que a duração desses cursos não poderia
ocorrer em tempo inferior a três anos. A justificativa utilizada para essa fixação de
três anos foi o fato de que, até aquele momento, curso algum de graduação havia
sido proposto com duração menor que aquela. (BRASIL, 2001c)
A carga horária e a duração das atuais licenciaturas, propostas no Parecer
CNE/CP 28/2001, foram aprovadas e oficializadas pela Resolução CNE/CP 2/2002,
com quatro artigos, dos quais dois são citados a seguir:
Art. 1.º A carga horária dos cursos de Formação de Professores da Educação Básica, em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, será efetivada mediante a integralização de, no mínimo, 2800 (duas mil e oitocentas) horas, nas quais a articulação teoria-prática garanta, nos termos dos seus projetos pedagógicos, as seguintes dimensões dos componentes comuns: I - 400 (quatrocentas) horas de prática como componente curricular, vivenciadas ao longo do curso; II - 400 (quatrocentas) horas de estágio curricular supervisionado a partir do início da segunda metade do curso; III - 1800 (mil e oitocentas) horas de aulas para os conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; IV - 200 (duzentas) horas para outras formas de atividades acadêmico-científico-culturais. Parágrafo único. Os alunos que exerçam atividade docente regular na Educação Básica poderão ter redução da carga horária do estágio curricular supervisionado até o máximo de 200 (duzentas) horas. Art. 2° A duração da carga horária prevista no Art. 1.º desta Resolução, obedecidos os 200 (duzentos) dias letivos/ano dispostos
149
na LDB, será integralizada em, no mínimo, 3 (três) anos letivos. (BRASIL, 2002b, p. 1)
Comparado à Proposta de Diretrizes do MEC, a Resolução CNE/CP 2/2002
fixou, não somente carga horária menor que a sugerida no documento encaminhado
para análise do CNE, em 2000, mas também período de duração menor.
Entretanto, cabe ressaltar que esses números correspondem aos mínimos e,
de acordo com o relator do Parecer CNE/CP 28/2001, conforme citamos, os
números ideais deveriam estar relacionados às variações dos Projetos Pedagógicos
dos cursos, considerando-se as condições em que os cursos são oferecidos, o
histórico de aproveitamento dos alunos, entre outras variáveis.
Quanto ao período para os cursos se adequarem às novas diretrizes, ele foi
fixado em dois anos. Como a Resolução CNE/CP 1/2002 passou a vigorar em 9 de
abril de 2002, data da sua republicação65, as IES teriam até março ou abril de 2004
para se adaptarem às Diretrizes Curriculares Nacionais. Porém, o artigo 15.º da
Resolução CNE/CP 1/2002, que tratava desse prazo de adequação, foi alterado por
uma Resolução66 de 2004 e nova data foi fixada para 15 de outubro de 2005.
Particularmente, entendemos que as normatizações para os atuais cursos de
licenciatura brasileiros, decorrentes das Resoluções CNE/CP 1/2002 e 2/2002, vão
ao encontro dos estudos realizados por Shulman (1986, 1987), conforme
identificamos no decorrer das últimas subseções. Essa convergência se faz presente
pela decisão de se tornar obrigatória a prática como componente curricular nos
cursos superiores de formação de professores e, de certa forma, explicitar o objetivo
dessa atividade nos referidos cursos.
No entanto, observamos haver descompassos entre as citadas normatizações
e as Diretrizes Curriculares específicas para as licenciaturas em Matemática, as
quais são abordadas na subseção que segue.
65
A Resolução CNE/CP n.º 1 de 2002 foi primeiramente publicada no Diário Oficial da União em 4 de março de 2002. Mas como continha erro de publicação, foi republicada em 9 de abril de 2002. 66
Resolução CNE/CP n.º 2, de 27 de agosto de 2004.
150
3.4.3 As Diretrizes Curriculares específicas para os atuais cursos de
licenciatura em Matemática brasileiros
Além das Diretrizes Curriculares Nacionais, que normatizam todas as
licenciaturas, cada licenciatura para as diferentes áreas do ensino têm Diretrizes
Curriculares específicas que devem ser levadas em consideração.
A diretriz específica para os atuais cursos de licenciatura em Matemática
brasileiros constam da Resolução CNE/CES número 3, de 18 de fevereiro de 2003,
que estabelece as Diretrizes Curriculares para os Cursos de Matemática,
Licenciatura e Bacharelado. Essa Resolução tem fundamentação no Parecer
CNE/CES número 1.302, de 6 de novembro de 2001.
Para entender a Resolução CNE/CES 3/2003, faz-se necessária a leitura do
Parecer CNE/CES 1.302/2001. Tanto um como o outro documento abordam
diretrizes não somente para a licenciatura, mas também para o bacharelado em
Matemática.
Para esta subseção, fixamos-nos nesses dois documentos, no que diz
respeito à licenciatura e no que são comuns a ambos os cursos e, quando
necessário, fazemos algumas comparações entre as normas específicas fixadas
para o bacharelado e para a licenciatura.
Análise dos referidos documentos:
No primeiro parágrafo do Parecer CNE/CES 1.302/2001, o relator procura
deixar evidente que o objetivo do bacharelado difere-se do objetivo da licenciatura
em Matemática:
Os cursos de Bacharelado em Matemática existem para preparar profissionais para a carreira de ensino superior e pesquisa, enquanto os cursos de Licenciatura em Matemática têm como objetivo principal a formação de professores para a Educação Básica. (BRASIL, 2001a, p. 1)
A leitura desse primeiro parágrafo pode deixar a impressão de que as
licenciaturas são cursos que não dão direito ao futuro professor da Educação Básica
de, assim como aos bacharéis, investir em sua formação com o objetivo de lecionar
no ensino superior e realizar pesquisas. Mas ao identificar as competências e
151
habilidades que se esperam desenvolver nos alunos desses cursos, essa impressão
pode ser superada.
Ao indicar o perfil que se pretende dos egressos de ambos os cursos, são
relacionadas, para os bacharéis, as seguintes qualidades: “uma sólida formação de
conteúdos de Matemática” e “uma formação que lhes prepare para enfrentar os
desafios das rápidas transformações da sociedade, do mercado de trabalho e das
condições de exercício profissional”. (BRASIL, 2001a, p. 3).
Já para os licenciados, as qualidades relacionadas são:
visão de seu papel social de educador e capacidade de se inserir em diversas realidades com sensibilidade para interpretar as ações dos educandos;
visão da contribuição que a aprendizagem da Matemática pode oferecer à formação dos indivíduos para o exercício de sua cidadania;
visão de que o conhecimento matemático pode e deve ser acessível a todos, e consciência de seu papel na superação dos preconceitos, traduzidos pela angústia, inércia ou rejeição, que muitas vezes ainda estão presentes no ensino-aprendizagem da disciplina. (BRASIL, 2001a, p. 3)
No que se refere às competências ou habilidades que devem ser
desenvolvidas nos cursos de licenciatura em Matemática, no Parecer CNE/CES
1.302/2001 não há maiores esclarecimentos sobre atividades que poderiam ser
propostas nesses cursos para desenvolvê-las.
Para identificar essas competências ou habilidades e associá-las aos
possíveis domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball,
Thames e Phelps (2008), que, em nossa opinião, promoveriam o desenvolvimento
dessas competências ou habilidades, elaboramos o Quadro 8. Porém, antes de
apresentá-lo, salientamos que não é nossa pretensão indicar essa associação como
única: ela foi elaborada com base na nossa interpretação dos estudos de Ball,
Thames e Phelps (2007, 2008), interpretação essa apresentada na subseção 2.1.2.
Além disso, estamos cientes de que as competências ou habilidades apresentadas
no Parecer CNE/CES 1.302/2001 podem ser associadas a conhecimentos não
abordados por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), e tampouco por Shulman (1986,
152
1987). Entretanto, esses conhecimentos não foram levados em conta para a
elaboração do referido quadro.
Quadro 8 – Associação possível das competências ou habilidades indicadas no Parecer CNE/CES 1.302/2001, para os cursos de licenciatura em Matemática, com os domínios dos conhecimentos
para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)
Competência ou habilidade
Domínio dos conhecimentos para o
ensino de Matemática e atividades relacionadas
I II III IV V VI
Capacidade de expressar-se escrita e oralmente com clareza e precisão
X
Capacidade de trabalhar em equipes multidisciplinares X
Capacidade de compreender, criticar e utilizar novas ideias e tecnologias para a resolução de problemas
X X
Capacidade de aprendizagem continuada, sendo sua prática profissional também fonte de produção de conhecimento
--- --- --- --- --- ---
Habilidade de identificar, formular e resolver problemas na sua área de aplicação, utilizando rigor lógico-científico na análise da situação-problema
X X
Estabelecer relações entre a Matemática e outras áreas do conhecimento
X
Trabalhar na interface da Matemática com outros campos do saber X X
Contribuir para a realização de projetos coletivos dentro da escola básica
X
Conhecimento de questões contemporâneas --- --- --- --- --- ---
Educação abrangente necessária ao entendimento do impacto das soluções encontradas num contexto global e social
--- --- --- --- --- ---
Participar de programas de formação continuada --- --- --- --- --- ---
Realizar estudos de pós-graduação X
Elaborar propostas de ensino-aprendizagem de Matemática para a Educação Básica
X X X X X X
Analisar, selecionar e produzir materiais didáticos X X X X X X
Analisar criticamente propostas curriculares de Matemática para a Educação Básica
X X X X X X
Desenvolver estratégias de ensino que favoreçam a criatividade, a autonomia, e a flexibilidade do pensamento matemático dos educandos
X X X X
Perceber a prática docente de Matemática como um processo dinâmico, carregado de incertezas e conflitos, um espaço de criação e reflexão, em que novos conhecimentos são gerados e modificados continuamente
X X X
I: Conhecimento comum do conteúdo: dominar as tarefas propostas aos alunos; utilizar corretamente representações, notações e ideias matemáticas; identificar erros e inadequações em materiais didáticos e em produções de alunos. II: Conhecimento especializado do conteúdo: compreender estruturas matemáticas necessárias para o ensino. III: Conhecimento horizontal do conteúdo: definir o que e como ensinar, de modo a preparar o aluno para o que virá futuramente, em termos de conteúdos. IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos: identificar conhecimentos prévios dos alunos; buscar estratégias e exemplos para antecipar-se a erros típicos cometidos por alunos; prever o que os alunos acharão fácil ou não. V: Conhecimento de conteúdo e de ensino: tomar decisões pedagógicas com o objetivo de contribuir na compreensão dos conteúdos VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo: identificar, compreender e analisar pressupostos do currículo
que irá desenvolver; conhecer como um dado tema pode ser desenvolvido nas diferentes séries e graus de ensino e sua relação com outros temas matemáticos e de outras disciplinas; conhecer as orientações, as recomendações, as estratégias para o ensino e como explorar diferentes materiais didáticos.
153
Destacamos que a indicação da realização de pós-graduação contribui
diretamente para a superação da possível impressão indicada que se pode ter na
leitura do primeiro parágrafo do Parecer CNE/CES 1.302/2001.
Com relação às competências ou habilidades não relacionadas a um domínio
do conhecimento no quadro apresentado, cumpre esclarecer que elas estão
associadas ao gerenciamento da formação continuada do futuro profissional ou
outra característica não necessariamente relacionada aos conhecimentos para
ensinar Matemática na Educação Básica. Assim, entendemos que os domínios dos
conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007,
2008), não têm como finalidade contemplar todas as competências ou habilidades
indicadas como desejáveis ao professor de Matemática, nos documentos oficiais.
Por outro lado, a identificação, pelo professor egresso de um curso de
licenciatura em Matemática, da necessidade de melhorar sua formação em um ou
mais domínios dos conhecimentos definidos por Ball, Thames e Phelps (2007,
2008), pode levá-lo a buscar uma formação continuada.
Em se tratando da estruturação dos conteúdos curriculares dos cursos, há a
indicação, no Parecer CNE/CES 1.302/2001, de que na licenciatura devem constar
conteúdos comuns a todos os cursos de licenciatura em Matemática do país,
relacionados ao Cálculo Diferencial e Integral, à Álgebra Linear, aos Fundamentos
de Análise, aos Fundamentos de Álgebra, aos Fundamentos de Geometria, e à
Geometria Analítica.
Além dos referidos conteúdos, são indicados, no Parecer CNE/CES
1.302/2001: conteúdos matemáticos presentes na Educação Básica nas áreas de
Álgebra, Geometria e Análise; conteúdos de áreas afins à Matemática, que são
fontes originadoras de problemas e campos de aplicação de suas teorias; e
conteúdos da Ciência da Educação, da História e Filosofia das Ciências e da
Matemática.
154
No que concerne aos conteúdos da Educação Básica, o relator do referido
Parecer deixa claro que eles devem fazer parte dos conteúdos profissionais, ou seja,
que devem ser abordados com o objetivo do ensino pelos futuros professores67.
Com o objetivo de estabelecer uma possível associação entre as disciplinas
contendo os conteúdos fixados para os cursos de licenciatura em Matemática pelo
Parecer CNE/CES 1.302/2001 e os domínios dos conhecimentos para o ensino de
Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2008), elaboramos o quadro a seguir, que
identifica, em nossa concepção, o(s) principal – ou principais – domínio(s) ao qual
poderiam estar associadas essas disciplinas.
Quadro 9 – Associação possível das disciplinas contendo conteúdos fixados para as atuais licenciaturas em Matemática pelo Parecer CNE/CES 1.302/2001 com os domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)
Disciplinas
Domínio dos conhecimentos para o ensino de Matemática
I II III IV V VI
Disciplinas contendo Cálculo Diferencial e Integral X
Disciplinas contendo Álgebra Linear X
Disciplinas contendo Fundamentos de Análise X
Disciplinas contendo Fundamentos de Álgebra X
Disciplinas contendo Fundamentos de Geometria X
Disciplinas contendo Geometria Analítica X
Disciplinas de conteúdos matemáticos presentes na Educação Básica nas áreas de Álgebra, Geometria e Análise
X X X
Disciplinas de conteúdos de áreas afins à Matemática
--- --- --- --- --- ---
Disciplinas da área da Ciência da Educação --- --- --- --- --- ---
Disciplinas da área História e Filosofia das Ciências e da Matemática
X
I: Conhecimento comum do conteúdo II: Conhecimento especializado do conteúdo III: Conhecimento horizontal do conteúdo IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos V: Conhecimento de conteúdo e de ensino VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo
Entendemos que as disciplinas com o principal objetivo de promover
apropriação de conhecimentos comuns do conteúdo deveriam também promover
apropriação de conhecimentos especializados do conteúdo. Caso contrário,
teríamos os futuros objetos de ensino do professor de Matemática abordados
67
Particularmente, acreditamos que a formação de conceitos e procedimentos relacionados à Matemática da Educação Básica, conforme explicitado na Proposta de Diretrizes do MEC, no Parecer CNE/CP 9/2001 e, consequentemente, na Resolução CNE/CP 1/2002, deva fazer parte dessa formação profissional, pois é sabido, especialmente das instituições particulares, que muitos alunos não têm apropriados certos conhecimentos da Matemática da Educação Básica.
155
apenas em nível de revisão. Esse entendimento implica que essas disciplinas
também teriam de promover a apropriação de conhecimentos relacionados a
conteúdo e ensino.
Em se tratando das disciplinas de conteúdos de áreas afins à Matemática,
elas poderiam contribuir no sentido de o professor identificar as possíveis aplicações
da Matemática em áreas não matemáticas, proporcionando o exercício da
interdisciplinaridade. Porém essas disciplinas não poderiam, em nossa concepção,
ser relacionadas ao conhecimento de conteúdo e de currículo, uma vez que não
fazem parte da área específica da Matemática.
As disciplinas da área da Ciência da Educação, por sua vez, não estão
associadas ao ensino de uma determinada disciplina ou área, mas sim ao ensino
como geral, e, na maioria das vezes, quando não sempre, não levam em conta as
especificidades de cada área. Assim, essas disciplinas também não poderiam, em
nossa opinião, estar relacionadas a um dos domínios dos conhecimentos para o
ensino de Matemática, definidos por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), pois todos
eles levam em consideração conteúdos matemáticos.
Não podemos afirmar, com base nas informações disponibilizadas no quadro
anterior, que as disciplinas contendo conteúdos fixados no Parecer CNE/CES
1.302/2001 se concentram no domínio do conhecimento especializado do conteúdo,
pelo fato de o número de disciplinas, com suas cargas horárias, poder variar de
curso para curso, de acordo com o projeto pedagógico de cada IES. Por outro lado,
não identificamos disciplinas que pudessem estar relacionadas aos domínios do
conhecimento horizontal do conteúdo, do conhecimento de conteúdo e de alunos, e
do conhecimento de conteúdo e de currículo.
Com relação ao estágio e às atividades complementares, essa última
referindo-se aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural, o Parecer
CNE/CES 1.302/2001 não apresenta novidades com relação ao que foi abordado no
Parecer CNE/CP 9/2001, oficializado pela Resolução CNE/CP 1/2002.
Sem mais orientações que pudessem contribuir na elaboração dos projetos
pedagógicos das licenciaturas em Matemática pelas instituições de ensino superior,
156
do Parecer CNE/CES 1.302/2001 resultou a Resolução CNE/CES 3/2003, que tem
seus dois primeiros artigos citados a seguir:
Art. 1.º As Diretrizes Curriculares para os cursos de bacharelado e licenciatura em Matemática, integrantes do Parecer CNE/CES 1.302/2001, deverão orientar a formulação do projeto pedagógico do referido curso. Art. 2° O projeto pedagógico de formação profissional a ser formulado pelo curso de Matemática deverá explicitar: a) o perfil dos formandos; b) as competências e habilidades de caráter geral e comum e aquelas de caráter específico; c) os conteúdos curriculares de formação geral e os conteúdos de formação específica; d) o formato dos estágios; e) as características das atividades complementares; f) a estrutura do curso; g) as formas de avaliação. (BRASIL, 2003, p. 01)
Com a publicação da Resolução CNE/CES 3/2003, contrariou-se, em parte,
em nossa opinião, o artigo décimo da Resolução CNE/CP 1/2002, citado
anteriormente, na qual transferia às instituições a competência para a seleção de
conteúdos, uma vez que alguns desses conteúdos, para a licenciatura em
Matemática, foram fixados.
Por outro lado, entendemos que houve avanços quando se comparam as
normatizações ocorridas na primeira década do século 21 e a normatizações
ocorridas nas décadas de 1960 e 1970.
Uma delas é a presença de atividades relacionadas à prática no decorrer de
todo o curso, o que ampliou a concepção de prática, que durante muito tempo
esteve associada apenas ao estágio. Essa ampliação de concepção é, em nossa
visão, a principal característica de modificação entre as duas últimas normatizações,
não somente para os cursos de formação de professores de Matemática para a
Educação Básica, mas de todos os cursos que se propõem a formar professores
para atuar no Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Outro avanço que, em nossa opinião, pode ser identificado é a oficialização
da presença de conteúdos relacionados aos objetos de ensino do futuro professor,
nos cursos formação inicial. Essa presença, juntamente com a ampliação da
concepção de prática, possibilita, por exemplo, a elaboração de projetos
157
pedagógicos que levam em consideração estudos relacionados à formação de
professores, como o realizado por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), que,
conforme defendemos na subseção 2.3, possibilita a aplicação da relação de
unidade, entre a teoria e prática, conforme apresentada por Candau e Lelis (1993).
Entretanto, para fazer desses avanços melhorias na referida formação,
fazem-se necessárias reflexões sobre interpretações das DCNs e das Diretrizes
Curriculares específicas.
Finalizando essa subseção, não podemos deixar de fazer um último
comentário:
Pelo fato de tanto se reforçar a independência dos cursos de licenciatura dos
cursos de bacharelado, apontada em documentos como a Proposta de Diretrizes do
MEC e o Parecer CNE/CP 9/2001, gostaríamos de entender o porquê da definição
de Diretrizes Curriculares específicas, tanto para o bacharelado como para a
licenciatura em Matemática, em um único documento. O mesmo ocorre para os
demais cursos que compunham o antigo urso de Ciências: Ciências Biológicas,
Física e Química. Conforme já nos posicionamos no capítulo 1, acreditamos que
documentos generalistas, como é o caso do Parecer CNE/CES 1.302/2001,
oficializado pela Resolução CNE/CES 3/2003, contribuem de forma negativa para a
criação das identidades dos cursos.
3.5 Um panorama das licenciaturas em Matemática no Estado de São Paulo em
2010
Ao iniciar os estudos para este trabalho, interessamo-nos por conhecer, em
primeiro lugar, como as licenciaturas e os bacharelados em Matemática do Estado
de São Paulo estavam estruturados, após seis anos da normatização das Diretrizes
Curriculares específicas desses cursos. Nosso objetivo era de identificar como as
instituições de ensino, nesse Estado, estavam interpretando as Resoluções CNE/CP
1/2002 e 2/2002 e a Resolução CNE/CES 3/2003, no que se refere, especialmente,
à estrutura das licenciaturas.
158
Para tanto, nos meses de setembro, outubro e novembro de 2009, por meio
do portal eletrônico do MEC68, realizamos a coleta de dados dos cursos de
Matemática autorizados pelo Governo Federal, em âmbito nacional. Especialmente
em relação ao Estado de São Paulo, os dados coletados foram conferidos e
atualizados em junho de 2010, gerando o nosso Banco de Dados de São Paulo.
No mês de setembro de 2010, as informações contidas no Banco de Dados
de São Paulo foram confrontadas com as informações disponibilizadas nos sítios
das instituições de ensino superior. Nessa fase, um novo banco de dados foi gerado:
o Banco de Dados da População Ativa, contendo, além das informações do Banco
de Dados de São Paulo, as informações disponibilizadas pelas instituições de ensino
superior. Todos os cursos de Matemática propostos por instituições paulistas ou
federais atuantes no Estado de São Paulo, identificados nesse confronto,
independentemente de constarem ou não como autorizados no sítio do Ministério da
Educação, passaram a fazer parte do segundo banco de dados.
No ano de 2011 publicamos um artigo contendo as análises quantitativas das
licenciaturas e dos bacharelados constituintes do Banco de Dados da População
Ativa. Nesse artigo caracterizamos os 173 cursos de Matemática daquele banco de
dados, os quais eram propostos por 98 instituições paulistas ou federais. Desse total
de cursos, 140 diplomavam licenciados, 30 diplomavam bacharéis e três conferiam
diplomas de bacharelado/licenciatura. (PEREIRA; PIETROPAOLO, 2011)
A seguir, apresentamos as informações relacionadas apenas às licenciaturas
em Matemática, tanto as identificadas no sítio do Ministério da Educação – cursos
autorizados – quanto as identificadas nos sítios das IES – cursos ativos.
3.5.1 Uma análise descritiva das licenciaturas em Matemática no Estado de São
Paulo
Com base na análise das informações do Banco de Dados da População
Ativa, identificamos 150 cursos de licenciatura em Matemática, autorizados pelo
Ministério da Educação, e 140 cursos ativos nas instituições de ensino superior.
68
http://emec.mec.gov.br/
159
Todos esses cursos são, na figura a seguir, distribuídos de acordo com a natureza,
em instituições públicas e instituições privadas.
Figura 6 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável natureza Fonte: Pereira e Pietropaolo (2011)
De acordo com as informações disponíveis no sítio do Ministério da
Educação, em 2010, dos 150 cursos autorizados no Estado de São Paulo, em
instituições paulistas ou federais, oito eram oferecidos na modalidade a distância, e
142 na modalidade presencial. Desses 150 cursos, um estava estruturado com
regime trimestral, 118 com regime semestral, 28 com regime anual, um com regime
modular e em dois deles o regime não era indicado. Eram ministrados por 110
instituições, sendo 95 privadas – 45 faculdades, 24 centros universitários e 26
universidades – e 15 públicas – seis faculdades municipais, um centro universitário
municipal, uma universidade municipal, três universidades estaduais, três
universidades federais e um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia.
Já de acordo com as informações que estavam disponíveis nos sítios das
IES, os 140 cursos identificados como ativos no Estado de São Paulo, não
necessariamente em funcionamento, eram oferecidos por 96 instituições paulistas
ou federais, sendo 83 particulares – 39 faculdades, 21 centros universitários e 23
universidades – e 13 públicas – cinco faculdades municipais, um centro universitário
municipal, uma universidade municipal, três universidades estaduais, duas
universidades federais e um Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia –.
Destes 140 cursos, sete eram oferecidos a distância. Com relação ao regime, um
era oferecido com regime trimestral, 76 com regime semestral, 13 com regime anual,
um com regime modular e, em 49 deles, o regime não era indicado.
160
Na Tabela 4 observa-se a distribuição dos cursos, ativos e autorizados, de
acordo com a organização – faculdades, centros universitários, universidades ou
instituto federal de educação, ciência e tecnologia –, a natureza – instituições
privadas ou públicas –, o regime – cursos anuais, semestrais, trimestrais ou
modulares – e a modalidade – presencial ou a distância.
Tabela 4 – Cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pelas variáveis organização, natureza, regime e modalidade.
Organização/ Regime Presencial EAD Total
Natureza
Ativo Autorizado Ativo Autorizado Ativo Autorizado
Faculdade/ Semestral 26 34 - 1 26 35
Privada Anual 2 8 - - 2 8
Modular - - 1 1 1 1
Não
indicado 10 2 - - 10 2
Centro Universitário/ Semestral 15 23 1 - 16 23
Privada Anual 3 4 - 1 3 5
Não
indicado 4 - - - 4 -
Universidade/ Semestral 17 42 2 4 19 46
Privada Anual 2 7 - 1 2 8
Não
indicado 31 - 3 - 34 -
Instituições Privadas Total 110 120 7 8 117 128
Faculdade/ Semestral 3 4 - - 3 4
Publica Municipal Anual 2 2 - - 2 2
Centro Universitário/ Semestral 1 1 - - 1 1
Publico Municipal
Universidade/ Anual 1 1 - - 1 1
Pública Municipal
Universidade/ Semestral 6 5 - - 6 5
Pública Estadual Anual 3 4 - - 3 4
Não
indicado 1 - - - 1 -
Universidade/ Trimestral 1 1 - - 1 1
Pública Federal Semestral 3 2 - - 3 2
IFET/ Pública Federal
Semestral 2 2 - - 2 2
Instituições Públicas Total 23 22 - - 23 22
Total 133 142 7 8 140 150
EAD: Ensino a distância
IFET: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia
Com base nas informações contidas na tabela anterior é possível concluir
que, dos 49 cursos ativos cujo regime não é indicado, apenas um é oferecido por
uma universidade pública estadual. Os demais são oferecidos por instituições
privadas, a maioria por universidades.
161
Ainda com base nas informações da Tabela 4, é possível perceber que a
maioria dos cursos de licenciatura em Matemática, independentemente da
organização e da natureza, são oferecidos em regime semestral – 76 de 140 ativos
e 118 de 150 autorizados.
No que se refere a informações sobre a carga horária, foi constatado que ela
estava disponível em 103 cursos ativos e 148 cursos autorizados. Uma possível
distribuição desses cursos pelas cargas horárias pode ser observada na Tabela 5.
Faz-se necessário informar que o curso, tanto ativo quanto autorizado, que
consta com carga horária acima de 500 até 1.000 horas é um curso com grau de
Programa Especial de Formação Pedagógica de Docentes, com habilitação em
Matemática, na modalidade a distância.
Tabela 5 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010,
distribuição pela variável carga horária
Número de cursos
Carga horária, em horas* Ativos Autorizados
Acima de 500 até 1.000 1 1 Acima de 2.000 até 2.500 4 8 Acima de 2.500 até 3.000 67 107 Acima de 3.000 até 3.500 28 24 Acima de 3.500 até 4.000 3 6 Acima de 4.000 até 4.500 - 2
Total 103 148
* não necessariamente de 60 minutos
Tomando-se como parâmetro a carga horária mínima de 2.800 horas, fixada
pela Resolução CNE/CP 2/2002, das amostras de 103 cursos ativos e 148 cursos
autorizados resultam: sete ativos e 13 autorizados com carga horária inferior, 30
ativos e 48 autorizados com carga horária igual, e 66 ativos e 87 autorizados com
carga horária superior.
Em se tratando da duração dos cursos, foi possível identificar, nos sítios, a
integralização de 95 cursos ativos e 148 cursos autorizados e, conforme as
informações contidas na figura a seguir, pode-se afirmar que a duração que ocorre
com maior frequência nos cursos ativos e nos cursos autorizados é de três anos,
considerado o mínimo, segundo a Resolução CNE/CP 2/2002.
162
1
69
3
17
4
1
1
117
2
25
1
1
1
1 ano
3 anos
3 anos e meio
4 anos
4 anos e meio
5 anos
7 anos
Autorizados Ativos
Figura 7 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável duração
Fonte: Pereira e Pietropaolo (2011)
Já com relação à variável turno, informação disponível em 103 cursos ativos e
142 cursos autorizados, que é representada graficamente na figura seguinte, foi
constatado que a maioria das licenciaturas em Matemática do Estado de São Paulo
é oferecida no período noturno e que existem instituições que oferecem o mesmo
curso em dois turnos. Nesses casos, identificou-se não haver diferenças entre as
cargas horárias e durações do mesmo curso oferecido em turnos distintos.
3
22
2
75
1
2
31
8
99
1
1
Integral
Matutino/Noturno
Matutino
Noturno
Vespertino/noturno
Vespertino
Autorizados Ativos
Figura 8 – Amostra dos cursos de licenciatura em Matemática no Estado de São Paulo, Brasil, em 2010, distribuição pela variável turno Fonte: Pereira e Pietropaolo (2011)
163
3.5.2 Caracterização das licenciaturas em Matemática ativas no Estado de São
Paulo
Antes de caracterizar os cursos de licenciatura em Matemática ativos no
Estado de São Paulo, devemos citar dois documentos que são essenciais para os
comentários que apresentamos logo em seguida.
Em 2007, com o intuito de conceituar horas como unidade de carga horária,
diferentemente do conceito hora-aula que estava sendo utilizado para a composição
da carga horária das graduações por algumas instituições, a Resolução CNE/CES
3/2007, especialmente no seu artigo terceiro, pôs fim às interpretações ambíguas
sobre o assunto ao registrar que a carga horária mínima de todos os cursos
superiores, tratadas em resoluções e/ou pareceres que abordavam a matéria, é
mensurada em horas relógio, ou seja, o correspondente a 60 minutos.
Por sua vez, a Portaria Normativa n.º 40 de 2007, do MEC, especialmente no
artigo 32.º, indicou que o projeto pedagógico dos cursos, além de outros
documentos e informações, deveriam ser disponibilizados à sociedade em meio
impresso, na biblioteca das instituições de ensino superior, e em páginas eletrônicas
próprias.
Caracterizando-se as licenciaturas em Matemática ativas no Estado de São
Paulo, podemos afirmar que são, na maioria, cursos noturnos, oferecidos por IES
privadas e integralizados em três ou três anos e meio, sendo três anos o mínimo
fixado por resolução do MEC.
Já com relação à carga horária, foram observados indícios da existência de
mais de sete cursos ativos com carga horária inferior a 2.800 horas, instituída como
mínima pela Resolução CNE/CP 2/2002. Alguns dados coletados nas páginas
eletrônicas de IES apontam a possível utilização do conceito de hora-aula de 50
para informar a carga horária de cursos de licenciatura em Matemática, ao invés da
hora de 60 minutos, conforme ratificado pela Resolução CNE/CP 3/2007.
Dessa forma, mesmo tendo supostamente 96 cursos ativos e 135 cursos
autorizados com carga horária igual ou superior a 2.800 horas, não é possível
afirmar quantos desses cursos cumprem efetivamente a Resolução CNE/CP 2/2002,
164
no que se refere à carga horária, pois, por exemplo, um curso com 3.300 “horas”
indicadas nos sítios, tanto do MEC quanto das IES, pode estar estruturado em
apenas 2.750 horas relógio69.
Um possível procedimento que poderia informar se as cargas horárias
indicadas nos sítios são referentes à hora-aula ou hora relógio seria a análise dos
projetos pedagógicos dos cursos ou das suas matrizes curriculares que estavam, em
2010, disponíveis nos sítios das IES em apenas 63 cursos. Mesmo assim, em muitos
casos, não era possível identificar a real carga horária, pois em alguns desses 63
documentos eram apresentados somente os componentes curriculares, sem suas
respectivas cargas horárias, e isso parece não contrariar o artigo segundo da
Resolução CNE/CES 3/2003, já citado, que normatiza as informações que os
projetos pedagógicos dos cursos de Matemática devem explicitar.
Mas se observadas algumas Diretrizes Curriculares específicas mais atuais,
como a dos Cursos de Direito70, de 2004, veremos que a carga horária das
atividades deve estar visível nos projetos pedagógicos.
Dessa forma, a maior parte das IES não cumpriam, em 2010, o que determina
o artigo 32.º da Portaria Normativa n.º 40 de 2007, no que se refere às informações
disponíveis em páginas eletrônicas. E, se levarmos em consideração que essa
portaria é um dos documentos oficiais que devem ser atendidos para a solicitação
da autorização ou da renovação da autorização dos cursos superiores, podemos
afirmar haver indícios de que ela estava sendo, até 2010, parcialmente
desrespeitada pelas IES.
Por outro lado, em face das divergências de informações existentes nos sítios
do MEC e das IES – conforme é possível observar nas tabelas e gráficos
apresentados nesta subseção – e também em virtude de indicativos de que alguns
documentos estejam sendo desrespeitados, podemos ainda afirmar que há indícios
de que avaliadores do MEC, que deveriam utilizar os documentos oficiais daquele
Ministério para o processo de autorização e de reconhecimento dos cursos, talvez
não estivessem utilizando tais documentos na sua totalidade, até 2010.
69
3.300 × 50 60 70
Resolução CNE/CES n.º 9, de 29 de setembro de 2004.
165
Entendemos que, mesmo havendo a necessidade de reflexões para propor
possíveis modificações no sentido de melhor adequar os documentos oficiais do
MEC para a formação inicial de professores de Matemática, o descumprimento,
ainda que parcial, dos documentos oficiais hoje existentes pode, entre outros
aspectos, dificultar a realização de um debate sobre a real qualidade dos cursos de
licenciatura em Matemática no Brasil.
166
4 ESTUDO DAS INTERPRETAÇÕES DADAS ÀS DIRETRIZES CURRICULARES DO CURSO DE LICENCIATURA EM MATEMÁTICA
PELA UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC
Neste capítulo apresentamos um estudo das interpretações dadas pela
Universidade Federal do ABC às Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes
Curriculares específicas para os cursos de licenciatura em Matemática.
Para tanto, analisamos o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em
Matemática oferecido pela UFABC e as entrevistas realizadas com a professora e
coordenadora do referido Curso e com um segundo professor, que atua na
Licenciatura e no Bacharelado em Matemática da referida instituição. A publicação
de ambas as entrevistas, que têm suas transcrições como Anexos A e B,
respectivamente, conta com as autorizações dos entrevistados, inclusive para
divulgação de seus nomes. Além disso, o roteiro para as entrevistas conta com a
aprovação do Comitê de Ética da Universidade Bandeirante Anhanguera, assim
como este estudo, no geral.
De forma a atingir o objetivo traçado para esta pesquisa, explicitado no
primeiro capítulo, que é analisar, com base no estudo do Projeto Pedagógico do
Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC e no estudo de entrevistas a
professores desse curso, interpretações assumidas por essa instituição das
Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso, de
modo a identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores de
Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão
prática, analisamos:
(1.º) três elementos do Projeto Pedagógico do referido Curso:
objetivos, perfil do egresso e organização curricular. Para essa
análise, tomamos como base as Resoluções CNE/CP 1/2002 e 2/2002
e a Resolução CNE/CES 3/2003, com os respectivos Pareceres que
as fundamentam;
167
(2.º) a prática proposta no referido Curso, composta por atividades
relacionadas à prática como componente curricular e ao estágio
supervisionado, explicitados no Projeto Pedagógico do referido Curso
e delineados nas entrevistas. Para essa análise, tomamos como base
os estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), e de Candau e
Lelis (1993).
Com os resultados dessas análises, respondemos às duas questões de
pesquisas anunciadas no capítulo 1, quais sejam:
Como são interpretadas, pela UFABC, as atuais Diretrizes
Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo
no tocante à dimensão prática?
Quais são os pressupostos para a formação de professores de
Matemática adotados pela UFABC?
4.1 Análise de elementos do Projeto Pedagógico do Curso investigado
Conforme informado no capítulo 1, quatro Licenciaturas da UFABC
compartilham o mesmo Projeto Pedagógico (PPabc): Biologia, Física, Matemática e
Química. Esse documento apenas é personalizado para cada um desses Cursos, ao
abordar a organização curricular e as ementas de suas disciplinas.
Analisamos do PPabc os seguintes elementos: objetivos do curso, perfil do
egresso e organização curricular. Para tanto, estabelecemos duas unidades de
análise:
Os objetivos e perfil do egresso do Curso indicados no PPabc; e
A organização curricular indicada no PPabc.
No que segue, apresentamos a análise de cada uma das unidades
identificadas.
168
4.1.1 Os objetivos e o perfil dos egressos do Curso indicados no PPabc
Nesta unidade, nosso objetivo é analisar a relação entre o que é indicado no
Projeto Pedagógico do Curso investigado e o que está registrado nas atuais
Diretrizes Curriculares para a licenciatura em Matemática, quanto aos objetivos e ao
perfil do egresso para esses cursos.
Nossa análise teve como finalidade identificar se os objetivos e o perfil do
Curso investigado contemplam plenamente o que orientam as atuais Diretrizes
Curriculares, contemplam parcialmente, ou não as contemplam.
Os objetivos do Curso indicados no PPabc:
No Projeto Pedagógico das primeiras quatro Licenciaturas da UFABC, não é
apresentado um objetivo específico para a Licenciatura em Matemática.
Como objetivo geral às quatro licenciaturas – Ciências Biológicas, Física,
Matemática e Química – consta, no PPabc, a formação do aluno em conteúdos
básicos, capazes de fazê-lo alcançar as competências e habilidades necessárias
para lecionar “nas áreas de Ciências Naturais e Matemática” do Ensino Fundamental
II e em uma das modalidades Biologia, Física, Matemática ou Química, no Ensino
Médio. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 6)
Como objetivos específicos, no PPabc consta, também de modo geral às
quatro licenciaturas, o seguinte trecho:
Tendo em vista as mudanças pelas quais passa a sociedade, [...], os cursos de licenciatura da UFABC, têm como metas:
[1.º] Proporcionar ao licenciando uma formação ampla, diversificada e sólida no que se refere aos conhecimentos básicos de suas áreas específicas;
[2..º] Promover, por meio das atividades práticas e dos estágios curriculares vivenciados em diversos espaços educacionais, a integralização dos conhecimentos específicos com as atividades de ensino;
[3.º] Promover a imersão dos licenciandos em ambientes de produção e divulgação científicas e culturais no contexto da educação em ciências e matemática;
[4.º] Formar o educador consciente de seu papel na formação de cidadãos sob a perspectiva educacional, científica, ambiental e social;
169
[5.º] Capacitar os futuros professores para o auto-aprimoramento pessoal e profissional constante. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 6)
Observa-se, pela natureza ampla do PPabc, que os objetivos, tanto geral
quanto específicos, não focam uma determinada área e sim a formação do professor
para lecionar na Educação Básica, nas áreas de Ciências Naturais ou Matemática.
Dessa forma, parece não haver uma identidade própria de objetivos para a
Licenciatura em Matemática e tampouco a qualquer outra Licenciatura, das quatro
que compartilham o mesmo Projeto Acadêmico.
Por outro lado, observa-se, de forma explícita, a inclusão de elementos que
eram identificados como questões a serem enfrentadas no campo curricular, na
Proposta de Diretrizes do MEC, como a concepção restrita da prática aos estágios e
a inadequação do tratamento da pesquisa: ambos estariam representados,
respectivamente, pelo segundo e pelo terceiro objetivos específicos citados.
Observam-se, também, nos objetivos específicos, elementos constitutivos do
Processo de Bolonha, como o indicativo da aprendizagem ao longo da vida, que
pode ser associado ao último objetivo específico citado.
O perfil do egresso indicado no PPabc:
Com relação ao perfil pretendido, assim como nos objetivos do Curso, não há
uma indicação específica para o egresso da Licenciatura em Matemática da UFABC,
mas sim para todos os egressos das quatro licenciaturas que compartilham o
mesmo Projeto Pedagógico.
O PPabc indica 11 competências que, segundo os autores daquele
documento, sintetizam as competências gerais estabelecidas na Resolução CNE/CP
1/2002 e em Pareceres do CNE que abordam as Diretrizes Curriculares dos cursos
de licenciatura em Ciências Biológica, Física, Matemática e Química.
Essas 11 competências são distribuídas em cinco dimensões:
Na dimensão política - atuar profissionalmente com base nos princípios de uma sociedade democrática, que respeita a diversidade social, cultural e física de seus cidadãos.
170
- avaliar criticamente a sua realidade social e participar da tomada de decisões a respeito dos rumos da sociedade como um todo, a partir da consciência de seu papel.
Na dimensão social -promover uma prática educativa que identifique e leve em conta as características de seu meio de atuação, suas necessidades e desejos. -envolver-se e envolver a comunidade escolar por meio de ações colaborativas.
Na dimensão pedagógica -reconhecer e atuar considerando a complexidade do fenômeno educativo que envolve, além dos aspectos técnicos, outros tais como éticos, coletivos e relacionais. -transformar seus conhecimentos acadêmicos específicos em conhecimento escolar. -atuar em diferentes contextos de seu âmbito profissional, fazendo uso de recursos técnicos, materiais didáticos e metodológicos variados. -estar habilitado para enfrentar com sucesso os desafios e as dificuldades inerentes à tarefa de despertar os jovens para a reflexão. -adotar uma atitude de pesquisa baseada na ação-reflexão-ação sobre a própria prática em prol do seu aperfeiçoamento e da aprendizagem dos alunos.
Na dimensão científica -dominar e atualizar-se a respeito dos conhecimentos de sua área específica, assim como perceber e realizar a articulação desses saberes com o contexto mais amplo da cultura.
Na dimensão pessoal e profissional -gerenciar seu próprio desenvolvimento profissional, adotando uma postura de disponibilidade e flexibilidade para mudanças. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 7-8)
Observa-se que as dimensões que constam do PPabc estão relacionadas a
algumas das dimensões71 gerais de atuação do professor, identificadas na Proposta
de Diretrizes, no Parecer CNE/CP 9/2001, e na Resolução CNE/CP 1/2002, no seu
artigo sexto, conforme abordamos no capítulo 3. As dimensões política e social do
PPabc podem ser relacionadas ao comprometimento com os valores inspiradores da
sociedade democrática; a dimensão pedagógica, com o domínio do conhecimento
pedagógico; a dimensão científica do PPabc com o conhecimento de processos de
investigação; e a dimensão pessoal e profissional com o gerenciamento do próprio
desenvolvimento pessoal.
71
O comprometimento com os valores inspiradores da sociedade democrática; a compreensão do papel social da escola; o domínio dos conteúdos a serem socializados, aos seus significados nos diferentes contextos e sua articulação interdisciplinar; o domínio do conhecimento pedagógico; o conhecimento de processos de investigação que possibilitem o aperfeiçoamento da prática; e o gerenciamento do próprio desenvolvimento profissional.
171
Especificamente quanto ao perfil dos egressos das licenciaturas em
Matemática, não identificamos, no PPabc, elementos que fizessem menção ou que
indicassem as competências e habilidades específicas indicadas no Parecer
CNE/CES 1.302/2001 e por nós identificadas na subseção 3.4.3.
A não explicitação das habilidades e competências específicas relacionadas
aos egressos de cada um dos cursos que compartilham itens do PPabc pode
dificultar, ou até mesmo impedir, a identificação das finalidades que essa instituição
propõe para cada licenciatura, pelos que têm interesse em conhecer melhor a
proposta de formação apresentada pela UFABC – alunos, sociedade e
pesquisadores, por exemplo. Segundo o artigo terceiro da Resolução CNE/CP
1/2002, um dos princípios norteadores da formação é ter as competências como
concepção nuclear para orientar a escolha das atividades do curso. Essa escolha,
em nossa concepção, será primordial para atingir as finalidades dos cursos. Dessa
forma, análises que procuram identificar relações entre as competências e
habilidades específicas que se esperam ser desenvolvidas e as atividades propostas
nas licenciaturas, podem ser impossibilitadas.
Relação entre o que é indicado no Projeto Pedagógico do Curso
investigado e o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Consta do Parecer CNE/CES 1.302/2001 que “[...] os cursos de Licenciatura
em Matemática têm como objetivo principal a formação de professores para a
Educação Básica.” (BRASIL, 2001a, p. 1) Presume-se, portanto, professores de
Matemática.
Por outro lado, o objetivo geral do Curso de Licenciatura em Matemática da
UFABC é, conforme consta do PPabc, formar professores para atuar nos anos finais
do Ensino Fundamental, com as disciplinas de Matemática e Ciências, e para atuar
no Ensino Médio, com a disciplina Matemática.
A referida formação não pode ser presumida por meio da leitura dos objetivos
específicos explicitados no PPabc, uma vez que esses objetivos são abrangentes e
podem ser associados a qualquer curso de formação de professores. Mesmo que
alguns objetivos específicos respondam positivamente a questões que deveriam ser
172
enfrentadas no campo curricular, indicadas na Proposta de Diretrizes do MEC, o
objetivo geral explicitado no PPabc parece repetir o passado. No antigo curso de
licenciatura em Ciências, que foi normatizado na década de 1970, os egressos que
optavam pela habilitação plena em Matemática recebiam as mesmas licenças que
são concedidas pelo Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC.
Levando-se em consideração que a promulgação da LDBEN implicou a
extinção do curso de Ciências e a instituição de licenciaturas específicas, como a de
Matemática que tem como objetivo formar professores dessa disciplina para a
Educação Básica, não podemos afirmar que os objetivos do curso de Licenciatura
em Matemática da UFABC, explicitados no PPabc, estejam plenamente em acordo
com os objetivos da Parecer CNE/CES 1.302/2001, que normatiza cursos como a
Licenciatura estudada.
Em se tratando do perfil do egresso, não há relações visíveis que podem ser
identificadas entre as competências e habilidades indicadas no PPabc e as
explicitadas no Parecer CNE/CES 1.302/2001, sobre o mesmo assunto.
Embora haja algumas relações entre as dimensões que agrupam as
competências explicitadas no PPabc e as dimensões gerais de atuação do
professor, identificadas em documentos que normatizam as licenciaturas brasileiras,
a falta de especificidade no Projeto Pedagógico do Curso investigado,
especialmente em relação ao perfil do egresso, leva-nos a afirmar que o referido
documento não contempla explicitamente o que é normatizado pelas Diretrizes
Curriculares específicas da licenciatura em Matemática, sobre o referido assunto.
Concluímos assim que, com relação aos objetivos do Curso de Licenciatura
em Matemática identificados no PPabc, esse documento contempla parcialmente o
que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares específicas para esse curso. Já
com relação ao perfil do egresso, o PPabc não contempla o que é indicado nas
mesmas Diretrizes. Entretanto, pode-se identificar, nos objetivos específicos e no
perfil do egresso indicados no PPabc, respostas propositivas a questões que foram
indicadas, nas Proposta de Diretrizes, como problemas a serem enfrentados nas
novas licenciaturas. Além disso, pode-se também identificar a contemplação de
173
dimensões gerais que foram indicadas como de atuação do professor, nesse
documento ou nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais.
4.1.2 A organização curricular indicada no PPabc
Nesta unidade, nosso principal objetivo é analisar a relação entre o que é
indicado no Projeto Pedagógico do Curso investigado e o que é indicado nas atuais
Diretrizes Curriculares da licenciatura em Matemática, quanto à organização
curricular. Portanto, dividimos essa unidade em categorias, a saber: carga horária,
duração, componentes curriculares e a distribuição das suas cargas horárias, e
conteúdos obrigatórios.
Com relação à carga horária, tendo como base a indicação de 2.800 horas
nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais, nossa análise teve como finalidade
identificar se a carga horária do Curso investigado é menor que 2.800 horas relógio,
igual, ou maior.
Para a duração, a principal finalidade da nossa análise foi identificar se o
Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC tem duração menor, igual ou maior
que três anos, duração mínima indicada nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais
para os cursos de licenciatura:
Em se tratando dos componentes curriculares e a distribuição das suas
cargas horárias72, nossa análise teve como finalidade, além de identificar a
existência ou não desses componentes com as cargas horárias a eles destinadas,
identificar se as atividades relacionadas à prática como componente curricular e ao
estágio curricular supervisionado ocorrem nos tempos definidos pelas Diretrizes
Curriculares.
Na categoria conteúdos obrigatórios73, tivemos como finalidade, com base em
nossa análise, identificar se o Curso investigado propõe disciplinas com o objetivo
72
400 horas de prática como componente curricular no decorrer de todo o curso; 400 horas de estágio curricular supervisionado, a partir do início da segunda metade do curso; 1.800 horas de conteúdos curriculares de natureza científico-cultural; e 200 horas de atividades acadêmico-científico-culturais. 73
Relacionados ao Cálculo Diferencial e Integral, à Álgebra Linear, aos Fundamentos de Análise, aos Fundamentos de Álgebra, aos Fundamentos de Geometria, à Geometria Analítica, aos assuntos
174
de abordá-los, de fato. A forma como são abordados esses conteúdos será
analisada, também, na subseção 4.2.
Para cada uma das quatro categorias de análise apresentadas indicamos,
com base em nossas análises, se o PPabc contempla plenamente o que é
normatizado pelas atuais Diretrizes Curriculares, contempla parcialmente, ou não
contempla esses documentos.
Organização curricular indicada no PPabc
A distribuição das atividades curriculares é o único elemento do PPabc com
particularidades a cada uma das quatro Licenciaturas que compartilham o mesmo
documento.
Conforme abordamos no capítulo 1, a matriz curricular do Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC é composta por disciplinas obrigatórias,
disciplinas eletivas – que são as disciplinas de opção limitada – e disciplinas de
opção livre, além do estágio supervisionado e das atividades acadêmico-científico-
culturais.
Reproduzimos a Tabela 2, apresentada no capítulo 1, no sentido de
resgatarmos algumas informações sobre o Curso investigado.
Distribuição dos créditos, e seus correspondentes em horas, das atividades do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Atividades Número de
créditos Número de
horas
Disciplinas obrigatórias
do BC&T 90 1.080
didático-pedagógicas comuns 21 252
específicas didático-pedagógicas 13 156 conteúdos específicos 38 456
Disciplinas eletivas – opção limitada 12 144 Disciplinas de opção livre 10 120 Estágio supervisionado --- 400 Atividades acadêmico-científico-culturais --- 200
Total 184 2.808
Tabela apresentada no capítulo 1 – reprodução.
matemáticos presentes na Educação Básica – áreas de Álgebra, Geometria e Análise –, às áreas afins à Matemática, e à História e Filosofia das Ciências e da Matemática.
175
Com relação à carga horária, a Licenciatura em Matemática da UFABC tem
2.208 horas de disciplinas – 184 créditos – e mais 600 horas de atividades, divididas
em estágio supervisionado e atividades acadêmico-científico-culturais.
Adicionando-se a carga horária das disciplinas didático-pedagógicas comuns
à carga horária das disciplinas didático-pedagógicas específicas, têm-se, como total,
408 horas – 34 créditos. Essas disciplinas são consideradas, pela UFABC,
atividades de prática como componente curricular, dimensão fixada pela Resolução
CNE/CP 2/2002. Adicionando-se a carga horária das disciplinas obrigatórias do
BC&T com as cargas horárias das disciplinas de conteúdo específico, das disciplinas
eletivas e das disciplinas de opção livre têm-se, como total, 1.800 horas – 150
créditos. Essas disciplinas compõem o componente conteúdos curriculares de
natureza científico-cultural, fixado na mesma Resolução.
Observa-se, nas informações da tabela anterior, a suposta presença de
estratégias adotadas para atingir objetivos do Processo de Bolonha. Uma delas é a
flexibilização do currículo, sendo esse composto por disciplinas que integram o
núcleo do Curso – as disciplinas obrigatórias –, disciplinas que servem de suporte a
esse núcleo – as disciplinas de opção limitada, as quais o aluno faz suas escolhas a
partir de uma lista pré-fixada – e disciplinas opcionais ou subsidiárias a esse núcleo
– as disciplinas de opção livre, que também são escolhidas pelo aluno, mas de
forma livre. A segunda estratégia que pode ser observada é a validação de
aprendizagens ocorridas em formação anterior à formação específica. A UFABC
considera que as disciplinas obrigatórias de um primeiro ciclo de formação – o
BC&T, um curso de formação generalista – compõem a matriz curricular de um
segundo ciclo de formação – a Licenciatura em Matemática, uma formação
específica. Entretanto, diferentemente do Processo de Bolonha, o segundo ciclo de
formação proposto pela UFABC não é um curso de mestrado.
Com relação à distribuição de disciplinas nos quadrimestres, consta no PPabc
uma matriz curricular ideal74 para ser cursada pelo aluno. A tabela a seguir
apresenta esse fluxo ideal com as disciplinas obrigatórias a serem cursadas na
74
Fluxo proposto pela UFABC. Também se refere à carga horária ou duração, previamente fixadas, mas não necessariamente obrigatórias, conforme nota de rodapé no capítulo 1.
176
Licenciatura em Matemática, suas cargas horárias semanais, seus créditos e suas
respectivas classificações nos grupos de disciplina do curso.
Tabela 6 – Fluxo ideal de curso das disciplinas obrigatórias da Licenciatura em Matemática da UFABC, com suas cargas horárias semanais e créditos
Quadrimestre Disciplina obrigatória
Carga horária
semanal T-P-I
Créditos Grupo
1.º Base Experimental das Ciências Naturais 0-3-2 3 B Bases Computacionais da Ciência 0-2-2 2 B Bases Matemáticas 4-0-5 4 B Estrutura da Matéria 3-0-4 3 B
Origem da Vida e Diversidade dos Seres Vivos
3-0-4 3 B
2.º Fenômenos Mecânicos 3-2-6 5 B Funções de Uma Variável 4-0-6 4 B Geometria Analítica 3-0-6 3 B Natureza da Informação 3-0-4 3 B
Transformações nos Seres Vivos e Ambiente
3-0-4 3 B
3.º Bases Epistemológicas da Ciência Moderna 3-0-4 3 B Fenômenos Térmicos 3-1-4 4 B
Introdução às Equações Diferenciais Ordinárias
4-0-4 4 B
Processamento da Informação 3-2-5 5 B Transformações Químicas 3-2-6 5 B
4.º Comunicação e Redes 3-0-4 3 B Fenômenos Eletromagnéticos 3-2-6 5 B Funções de Várias Variáveis 4-0-4 4 B Transformações Bioquímicas 3-2-6 5 B Educação Científica, Sociedade e Cultura 4-0-4 4 DC
5.º Introdução à Probabilidade e à Estatística 3-0-4 3 B Energia: Origens, Conversão e Uso 2-0-4 2 B Física Quântica 3-0-4 3 B Políticas Educacionais 3-0-4 3 DC Matemática Discreta 4-0-4 4 CE
6.º Interações Atômicas e Moleculares 3-0-4 3 B Desenvolvimento e Aprendizagem 4-0-4 4 DC
Geometria Plana e Construções Geométricas
4-0-4 4 CE
Álgebra Linear 6-0-5 6 CE
7.º Estrutura e Dinâmica Social 3-0-4 3 B Didática 4-0-4 4 DC Teoria Aritmética dos Números 4-0-4 4 CE
8.º Ciência, Tecnologia e Sociedade 3-0-4 3 B
Práticas de Ensino de Ciências e Matemática no Ensino Fundamental
4-0-4 4 DC
Cálculo Numérico 4-0-4 4 CE Estágio Supervisionado --- --- ---
9.º Projeto Dirigido 0-2-10 2 B
Práticas de Ensino de Matemática no Ensino Fundamental
4-0-4 4 DE
Fundamentos de Análise 4-0-4 4 CE Estágio Supervisionado --- --- ---
10.º Educação Inclusiva LIBRAS 2-0-2 2 DC Práticas de Ensino de Matemática I 3-0-4 3 DE Fundamentos de Álgebra 4-0-4 4 CE Estágio Supervisionado --- --- ---
177
11.º Práticas de Ensino de Matemática II 3-0-4 3 DE Evolução dos Conceitos Matemáticos 4-0-4 4 CE Estágio Supervisionado --- --- ---
12.º
Práticas de Ensino de Matemática III
3-0-4
3
DE
Fundamentos de Geometria 4-0-4 4 CE Estágio Supervisionado --- --- ---
Total 144-18-195 162 T: número de horas em aulas expositivas presenciais. P: número médio de horas em laboratórios, aulas práticas ou aulas de exercícios, presenciais. I: estimativa do número de horas de trabalhos adicionais, extraclasse. B: Disciplina do BC&T. DC: Disciplina didático-pedagógica comum. DE: Disciplina didático-pedagógica específica. CE: Disciplina de conteúdo específico.
Mesmo tendo como duração ideal 12 quadrimestres, há, no PPabc, uma
indicação de que o aluno, dependendo do seu fluxo de estudos e disponibilidade,
pode concluir qualquer uma das quatro licenciaturas no prazo mínimo de três anos,
ou seja, nove quadrimestres, uma vez que a UFABC “[...] visa dar ao estudante a
possibilidade de individualizar, ainda que parcialmente, o currículo de modo que o
aluno possa desenhar sua formação profissionalizante [...]”. (UNIVERSIDADE
FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 6) Essa informação de nove quadrimestres não
consta do sítio do MEC, que, conforme vimos no capítulo 1, indica periodicidade
única de 12 quadrimestres para o Curso investigado.
A partir do sexto quadrimestre, pelo fluxo ideal, o aluno inicia suas escolhas
pelas disciplinas eletivas e disciplinas de opção livre, sempre totalizando cinco
disciplinas estudadas em cada quadrimestre.
Tabela 7 – Disciplinas eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Disciplina eletiva Carga horária semanal
T-P-I Créditos
Análise Real 1 4-0-4 4 Anéis e Corpos 4-0-4 4 Funções de Variáveis Complexas 6-0-6 6 Geometria Não-Euclidiana 4-0-4 4 Grupos 4-0-4 4 Introdução à Criptografia 4-0-4 4 Introdução à Inferência Estatística 4-0-4 4 Programação Matemática 4-0-4 4 Sequências e Séries 4-0-4 4 Teoria dos Grafos 4-0-4 4 Topologia 1 4-0-4 4 História da Matemática 4-0-4 4 Tendências em Educação Matemática 4-0-4 4
Total 54-0-54 54
T: número de horas em aulas expositivas presenciais. P: número médio de horas em laboratórios, aulas práticas ou aulas de exercícios, presenciais. I: estimativa do número de horas de trabalhos adicionais, extraclasse.
178
Na lista de disciplinas eletivas que o aluno pode escolher, consta um número
de 13 disciplinas. A tabela anterior apresenta essas disciplinas com suas respectivas
cargas horárias semanais e créditos correspondentes.
No que se refere às disciplinas de opção livre, o aluno pode escolher, dentre
todos os cursos da UFABC, quaisquer disciplinas que não estejam listadas como
disciplina obrigatória e disciplinas eletivas do Curso.
As ementas das disciplinas obrigatórias e eletivas são analisadas na próxima
subseção, ao analisarmos a prática proposta no Curso investigado. Entretanto, cabe
neste momento um registro. Particularmente, questionamo-nos sobre a importância
de algumas disciplinas do BC&T na formação do professor de Matemática para a
Educação Básica, como Estrutura da Matéria. Essa disciplina, obrigatória, estuda,
por exemplo, a Teoria Atômica e a Energia Relativista. Esses conteúdos, estudados
em um primeiro ciclo de formação, portanto geral, fundamentariam conteúdos
necessários ao professor para ensinar Matemática? Ou seriam, conforme vimos nos
capítulos 1 e 2, conteúdos de bases conceituais que desenvolveriam um conjunto de
competências para oferecer ao aluno um maior leque de opções profissionais, como
consta dos Referenciais Orientadores para os Bacharelados Interdisciplinares e
Similares ou é defendido no Processo de Bolonha, para um primeiro ciclo de
formação? Não conseguimos argumentos suficientes para responder sim à primeira
opção.
Conforme já abordamos nesta subseção, consta do PPabc que apenas as
disciplinas pedagógicas comuns e as disciplinas pedagógicas específicas compõem
a prática como componente curricular. Essas disciplinas são identificadas na tabela
a seguir. Com base nas informações da referida tabela, pode-se identificar que das
408 horas da prática como componente curricular, a maior parte, 252 horas, é
composta por disciplinas didático-pedagógicas comuns às quatro Licenciaturas que
compartilham o mesmo Projeto Pedagógico. Assim, apenas 156 das 408 horas são
destinadas a disciplinas didático-pedagógicas específicas para a Licenciatura em
Matemática. Levando-se em consideração a carga horária total de 2.808 horas do
curso, tem-se que pouco menos de 5,6% é utilizada para abordar disciplinas
didático-pedagógicas específicas e pouco menos de 9% para abordar disciplinas
didático-pedagógicas comuns. Essa distribuição faz com que aspectos relacionados
179
à didática e à pedagogia gerais tenham predomínio sobre aspectos relacionados à
didática e à aprendizagem em Matemática. Em nossa concepção, a didática e a
aprendizagem específicas deveriam prevalecer sobre a didática e a pedagogia
gerais, em licenciaturas que têm como objetivo formar o professor para lecionar
disciplina(s) uma determinada área.
Tabela 8 – Disciplinas que compõem a prática como componente curricular no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Disciplina Carga horária
(em horas)
Frequência relativa da
carga horária do
componente curricular
Frequência relativa da
carga horária do
Curso
Educação Científica, Sociedade e Cultura – DC 48 11,8% 1,7% Políticas Educacionais – DC 36 8,8% 1,3% Desenvolvimento e Aprendizagem – DC 48 11,8% 1,7% Didática – DC 48 11,8% 1,7% Práticas de Ens. de Ciênc. e Matem. no Ens. Fund. – DC 48 11,8% 1,7% Práticas de Ens. de Matem. no Ens.Fund. – DE 48 11,8% 1,7% Educação Inclusiva LIBRAS – DC 24 5,8% 0,8% Práticas de Ensino de Matemática I – DE 36 8,8% 1,3% Práticas de Ensino de Matemática II – DE 36 8,8% 1,3% Práticas de Ensino de Matemática III – DE 36 8,8% 1,3%
Total 408 100% 14,5%
DC: Disciplina didático-pedagógica comum. DE: Disciplina didático-pedagógica específica.
Observa-se, ainda com relação à prática como componente curricular, que
nos três primeiros quadrimestres não há atividades relacionadas a esse componente
curricular, e que as disciplinas didático-pedagógicas específicas, que compõem esse
componente, estão concentradas nos últimos quatro quadrimestres do curso.
Com o objetivo de identificar os assuntos abordados nas disciplinas didático-
pedagógicas específicas, apresentamos a seguir as ementas das disciplinas
Práticas de Ensino de Matemática:
Práticas de Ensino de Matemática no Ensino Fundamental: O papel
da linguagem na educação matemática. A seleção de conteúdos no
ensino fundamental. Modalidades didáticas: aula expositiva, utilização
de mídia impressa, filmes e outros recursos audiovisuais, literatura,
jogos, debates, estudos do meio, quadrinhos, músicas, entre outros. A
experimentação e a matemática: os laboratórios de ensino. A
resolução de problemas no ensino da matemática. Tendências e
180
práticas de pesquisa em educação matemática. Avaliação em
educação matemática.
Práticas de Ensino de Matemática I: DCN, PCN e PCN+ para
Matemática no Ensino Médio. Temas Estruturadores da Matemática.
Programa e Currículo de Matemática para o Ensino Médio. Livro
Didático e Livro Paradidático. Matemática e Tecnologias aliadas para
o ensino. Planejamento e Avaliação associados aos conteúdos:
Conjuntos; Números Naturais e Números Reais; Funções Afins,
Quadráticas e Polinomiais; Funções Exponenciais e Logarítmicas;
Funções Trigonométricas.
Práticas de Ensino de Matemática II: Matemática: linguagem, ciência
ou componente lúdica do conhecimento humano? Contextualização.
Matemática e Mídia. Jogos e Artes para estudo da Matemática.
Laboratórios de Ensino de Matemática. Resolução de Problemas e
Olimpíadas. Planejamento e Avaliação associados aos conteúdos:
Progressões; Matemática Financeira; Análise Combinatória;
Probabilidade; Geometria Espacial: estrutura axiomática,
perpendicularismo, distância e ângulos; Poliedros; Áreas e Volumes;
Superfícies Regradas e Sólidos de Revolução.
Práticas de Ensino de Matemática III: Pesquisa para formação do
professor-educador. Etnomatemática. Educação Matemática.
Modelagem Matemática. História da Matemática. Planejamento e
Avaliação associados aos conteúdos: Geometria Analítica Plana;
Geometria Analítica Espacial; Sistemas de Equações Lineares;
Matrizes e Determinantes; Números Complexos; Equações
Algébricas.
Com relação ao componente conteúdos curriculares de natureza científico-
cultural, conforme vimos nesta subseção, ele é composto pelas disciplinas do BC&T,
pelas disciplinas de conteúdo específico, pelas disciplinas eletivas e pelas disciplinas
de opção livre, cujas cargas horárias totalizam 1.800 horas. A maior parte da carga
horária desse componente curricular é composta por disciplinas do BC&T, como se
181
pode identificar na tabela a seguir, que apresenta informações sobre a composição
desse componente.
Tabela 9 – Composição do componente conteúdos curriculares de natureza científico-cultural do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Atividades Carga horária
(em horas)
Frequência relativa da
carga horária do
componente curricular
Frequência relativa da
carga horária do
Curso
Disciplinas do BC&T 1.080 60% 38,5% Disciplinas de conteúdo específico 456 25,3% 16,2% Disciplinas eletivas 144 8% 5,1% Disciplinas de opção livre 120 6,7% 4,3%
Total 1.800 100% 64,1%
Consta como de conteúdo específico no PPabc um total de nove disciplinas:
Matemática Discreta, Geometria Plana e Construções Geométricas, Álgebra Linear,
Teoria Aritmética dos Números, Cálculo Numérico, Fundamentos de Análise,
Fundamentos de Álgebra, Evolução dos Conceitos Matemáticos e Fundamentos de
Geometria. Com exceção de Álgebra Linear, com carga horária de 72 horas, as
demais disciplinas são ministradas em carga horária de 48 horas, cada uma.
Entendemos que a composição do componente conteúdos curriculares de
natureza científico-cultural do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
privilegia disciplinas da área da Tecnologia, Biologia, Física e Química.
Considerando-se as disciplinas com conteúdos matemáticos provenientes do
BC&T75, a carga horária de conteúdos matemáticos é de 864 horas, o que
corresponde a 48% da carga de 1.800 horas. Lembramos que nas disciplinas de
opção livre o aluno não é obrigado a escolher disciplinas matemáticas.
Dessa forma, o componente conteúdos curriculares de natureza científico-
cultural do Curso investigado, de acordo com nossa análise, não privilegia,
necessariamente, uma formação matemática.
No que se refere ao componente estágio curricular supervisionado, sua carga
horária total é de 400 horas e suas atividades são divididas em cinco quadrimestres,
com cargas horárias de 80 horas cada, a partir do oitavo quadrimestre.
75
Bases Matemáticas (48h), Funções de Uma Variável (48h), Geometria Analítica (36h), Introdução às Equações Diferenciais Ordinárias (48h), Funções de Várias Variáveis (48h) e Probabilidade e Estatística (36h).
182
Recomenda-se, no PPabc, que as matrículas em cada uma das cinco etapas
do estágio sejam vinculadas às matrículas nas disciplinas de Práticas de Ensino.
Esse vínculo é apresentado na tabela a seguir:
Quadro 10 – Vínculo entre as etapas do estágio curricular supervisionado e as disciplinas de Práticas de Ensino do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Etapas do estágio Disciplinas vinculadas
I do nível fundamental Práticas de Ensino em Ciências e Matemática no Ensino Fundamental II do nível fundamental Práticas de Ensino em Matemática no Ensino Fundamental I do nível médio Práticas de Ensino de Matemática I II do nível médio Práticas de Ensino de Matemática II III do nível médio Práticas de Ensino de Matemática III
Entendemos que a ideia de associar cada etapa do estágio a uma disciplina
da prática como componente curricular é bem pensada. Entretanto, pela flexibilidade
curricular que é oferecida ao aluno, ele não tem, necessariamente, de realizar essas
atividades de forma vinculada. Isso, na nossa concepção, pode levar o estágio a ser
realizado com fins em si mesmo, ou seja, com atividades desconexas das demais
atividades práticas do curso.
No PPabc constam propostas para as atividades a serem realizadas em cada
uma das cinco etapas do estágio supervisionado.
Para a primeira etapa do Ensino Fundamental são recomendadas a
observação da unidade escolar, por meio do reconhecimento do espaço físico, do
projeto pedagógico e do calendário escolar, e a observação da sala de aula, por
meio do contato com o(s) e professor(es) da área de Matemática e Ciências e do
contato com os planejamentos das disciplinas e da observação da sala de aula.
Além dessas duas observações, são recomendadas uma pesquisa sobre os
recursos materiais e didáticos em diferentes espaços educativos, como museus,
editoras, mídias eletrônicas e televisivas, e uma investigação sobre as possíveis
intervenções que podem ser feitas na unidade escolar em que se está estagiando.
Na segunda etapa do Ensino Fundamental são recomendados a observação de
aulas, o planejamento de uma intervenção didática e a própria intervenção, por meio
da regência de uma atividade. Para a primeira etapa do Ensino Médio, recomendam-
se as mesmas atividades relacionadas na primeira etapa do Ensino Fundamental,
porém com foco no Ensino Médio. Já para a segunda e a terceira etapas do Ensino
183
Médio, recomendam-se, em ambas, com foco naquele nível de ensino, as mesmas
atividades relacionadas na segunda etapa do Ensino Fundamental.
Com diretrizes gerais constando no PPabc, cada uma das quatro
Licenciaturas assume as atividades de estágio supervisionado relacionadas à sua
área de formação. Especificamente para a Licenciatura em Matemática, são os
educadores matemáticos que assumem quatro das cinco etapas do estágio
supervisionado: a primeira etapa do Ensino Fundamental, ora é assumida por
educador matemático, ora é assumida por um professor da área de Ciências
Naturais, e ora é assumida por ambos.
Em se tratando do componente atividades acadêmico-científico-culturais,
consta do PPabc que o objetivo principal das atividades relacionadas a esse
componente é a “[...] imersão dos futuros educadores em ambientes de produção
científica do conhecimento [...]”, contribuindo para a formação do docente reflexivo
em sua prática. (UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 21)
Além do objetivo principal, também é indicada a pretensão de que o aluno
participe de atividades que tenham como finalidade a difusão do conhecimento ao
público geral e a formação continuada e, para isso, no PPabc, são sugeridas
atividades com essas características, algumas delas oferecidas na própria IES.
Essas atividades, juntamente com as respectivas cargas horárias, constam de um
quadro no referido documento, o qual é reproduzido a seguir.
Quadro 11 – Sugestão de atividades extracurriculares e suas respectivas cargas horárias, indicadas no Projeto Pedagógico das Licenciaturas da UFABC
Atividade Carga horária
Participação em mini-cursos, oficinas, cursos de extensão, palestras, congressos, semanas pedagógicas e/ou culturais, na UFABC ou em outras universidades.
Carga horária do certificado
Monitoria nas disciplinas da UFABC 50 horas do total, contadas uma única vez
Visitas a exposições, museus, espaços culturais diversos,...
2 horas por espaço visitado
Assistir a filmes do cine-club UFABC e participar dos debates
2 horas por filme, limitada a 10 horas
Assistir ou participar de peças de teatro 2 horas por peça, limitada a 10 horas
Participação em grupos de estudo ou pesquisa 30 horas no total
Participação como voluntário em projetos educacionais e/ou comunitários
3 horas por participação
Participação em visitas técnicas e estudos do meio A critério do professor que acompanha
Participação em projetos de iniciação científica 100 horas por ano, podendo ser contados uma única vez
Fonte: UNIVERSIDADE FEDERAL DO ABC, 2009a, p. 20-21, adaptado.
184
Todas as atividades complementares, segundo o que consta no PPabc,
devem ser acompanhadas de relatório e, a priori, ser realizadas fora do período de
aulas, admitindo-se, quando em período de aulas, somente as atividades
autorizadas pela coordenação do Curso. Não há, no PPabc, indicação de que as
atividades realizadas no BC&T possam ser consideradas na Licenciatura em
Matemática ou vice-versa.
No tocante aos conteúdos que as licenciaturas em Matemática têm de
contemplar, identificamos, por meio das ementas das disciplinas obrigatórias da
Licenciatura investigada, quais disciplinas desse Curso poderiam ser associadas a
eles. Na Tabela 10 apresentamos essa possível associação.
Porém, antes da apresentação da referida tabela, cabe salientar que
disciplinas cujas ementas indicam assuntos que podem ser associados a mais de
uma categoria de conteúdo curricular, foram associadas na categoria cuja maior
parte dos assuntos era evidenciada. Apenas duas disciplinas obrigatórias e
específicas de Matemática não constam da tabela: Matemática Discreta e Cálculo
Numérico. Em Matemática Discreta, não foi possível identificar a categoria que seria
evidenciada pela maior parte dos assuntos: na ementa constam, dentre outros,
assuntos da Matemática presente na Educação Básica, como a análise
combinatória, e assuntos da Álgebra, como relações de equivalência e de ordem. Já
em Cálculo Numérico, a maior parte dos assuntos da ementa não pode ser
associados a alguma das categorias indicadas nas Diretrizes Curriculares
específicas da licenciatura em Matemática, uma vez que essa disciplina implicaria
outra categoria, distinta das existentes no referido documento.
Salienta-se, também, que as ementas das disciplinas de Prática de Ensino de
Matemática I, II e III relacionam conteúdos matemáticos da Educação Básica, mas
não com o objetivo de estudar o ensino e a aprendizagem desses conteúdos e sim
estudar planejamentos e processo de avaliação relacionado a eles. As ementas
dessas Práticas de Ensino de Matemática são analisadas na próxima subseção.
185
Tabela 10 – Possível associação entre disciplinas obrigatórias do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC e conteúdos indicados nas Diretrizes Curriculares específicas
Conteúdo curricular relacionado ...
Disciplina Carga horária
(em horas)
Carga horária
total (em horas)
Frequência relativa da
carga horária total do Curso
ao Cálculo Diferencial e Integral
Funções de Uma Variável
48
144 5,1% Introdução às Equações Diferenciais Ordinárias
48
Funções de Várias Variáveis
48
à Álgebra Linear Álgebra Linear 72 72 2,6%
aos Fundamentos de Análise Fundamentos de Análise
48 48 1,7%
aos Fundamentos de Álgebra
Fundamentos de Álgebra
48
96 3,4% Teoria Aritmética dos Números
48
aos Fundamentos de Geometria
Geometria Plana e Construções Geométricas
48
96 3,4%
Fundamentos de Geometria
48
à Geometria Analítica Geometria Analítica 36 36 1,3%
aos assuntos matemáticos presentes na Educação Básica nas áreas de Álgebra, Geometria e Análise
Bases Matemáticas 48 48 1,7%
às áreas afins à Matemática
Bases Experimentais das Ciências Naturais
36
204 7,3%
Fenômenos Mecânicos
60
Fenômenos Térmicos 48
Fenômenos Eletromagnéticos
60
à História e Filosofia das Ciências e da Matemática
Bases Epistemológicas da Ciência Moderna
36
84 3,0% Evolução dos Conceitos Matemáticos
48
Total 828 29,5%
Das informações da tabela, pode-se observar que, em se tratando de
conteúdos matemáticos, os relacionados ao Cálculo Diferencial e Integral parecem
ter preponderância sobre os demais, como na maioria das licenciaturas em
Matemática, conforme é de conhecimento público: mesmo sendo uma proposta
diferenciada de formação, o Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
parece reservar, no que se refere aos conteúdos matemáticos da Educação
Superior, maior carga para o Cálculo Diferencial e Integral.
186
Por outro lado, observa-se que a Geometria não é a área que menos tem
carga horária no grupo das disciplinas matemáticas, como geralmente ocorre em
algumas licenciaturas em Matemática, que também é de conhecimento público.
Entretanto, observamos a ausência da Geometria no espaço, ou Geometria
Espacial, que não faz parte da relação das disciplinas obrigatórias e tampouco parte
das disciplinas eletivas. Aliás, não faz parte também das disciplinas de opção livre,
uma vez que, analisando-se o catálogo das disciplinas de todos os cursos da
UFABC, não é possível identificar Geometria Espacial ou disciplina semelhante em
cursos dessa instituição, ou mesmo disciplinas que abordem diretamente o assunto.
Apenas na ementa da disciplina Prática de Ensino de Matemática II consta a
Geometria Espacial, mas com o objetivo de estudar planejamentos e processo de
avaliação relacionado a ela, conforme registramos acima.
Relação entre o que indicado no Projeto Pedagógico do Curso
investigado e o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
o Carga horária
O Curso investigado está estruturado com carga horária de 2.808 horas
relógio. Portanto, tem carga maior que 2.800 horas relógio, indicada como mínima
na Resolução CNE/CP 2/2002, que compõe as atuais Diretrizes Curriculares para os
cursos de licenciatura brasileiros. Sendo assim, o PPabc contempla plenamente o
que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares, para essa categoria.
Ressalta-se que as oito horas acima do indicado como carga horária mínima
pelas Diretrizes Curriculares são justificadas pela utilização de unidade de créditos
pela instituição, na contagem das disciplinas cursadas pelo aluno. Essa unidade
corresponde a 12 horas.
o Duração
Com relação à duração do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
observa-se não haver uma determinação de que o Curso deva ser ministrado em um
período fixo de anos. No PPabc, consta que o Curso tem duração ideal de 12
quadrimestres, o que corresponde a quatro anos. Mas o mesmo documento acena
187
com a possibilidade de o aluno concluí-lo em três anos, conforme a duração mínima
fixada pelas atuais Diretrizes Curriculares. Portanto, a duração do Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC é maior que três anos, indicado como
mínima na Resolução CNE/CP 2/2002, documento que compõe as atuais Diretrizes
Curriculares dos cursos de formação de professores para o Ensino Fundamental II e
Ensino Médio. Dessa forma, para a categoria duração o PPabc contempla
plenamente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares.
Destaca-se que, embora informações do PPabc indiquem que o aluno possa
cursar a Licenciatura em Matemática da UFABC em três anos, no sítio do Ministério
da Educação consta que esse Curso tem periodicidade de 12 quadrimestres.
o Componentes curriculares e a distribuição das suas cargas
horárias
Os quatro componentes curriculares fixados na Resolução CNE/CP 2/2002 –
prática como componente curricular; estágio curricular supervisionado; conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural; e atividades acadêmico-científico-
culturais – estão presentes na estrutura curricular da Licenciatura em Matemática da
UFABC, conforme abordamos. A tabela a seguir apresenta a carga horária que cada
um desses componentes contribui no curso.
Tabela 11 – Distribuição da carga horária do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC pelos componentes curriculares estabelecidos pela Resolução CNE/CP 2/2002
Componentes curriculares
Carga mínima
estabelecida pelo CNE (em horas)
Carga praticada no Curso
da UFABC (em horas)
Frequência relativa
Prática como componente curricular 400 408 14,53% Conteúdos curriculares de natureza científico-cultural 1.800 1.800 64,10% Estágio curricular supervisionado 400 400 14,25% Atividades acadêmico-científico-culturais 200 200 7,12%
Total 2.800 2.808 100%
Observa-se que, com exceção da dimensão prática como componente
curricular, os demais componentes contribuem com cargas horárias mínimas,
conforme estabelecidas pela Resolução CNE/CP 2/2002. Assim, pode-se afirmar
que o Curso de Licenciatura da UFABC propõe os quatro componentes curriculares
com as cargas horárias mínimas fixadas nas Diretrizes Curriculares.
188
Por outro lado, a Resolução CNE/CP 2/2002 estabelece que as atividades
que compõem a prática como componente curricular devem ser vivenciadas ao
longo das licenciaturas. De forma mais específica, o Parecer CNE/CP n.º 28 indica
que essas atividades devem estar presentes desde o início até o final da duração do
processo formativo. Já a Resolução CNE/CP 1/2002 indica que não apenas
disciplinas pedagógicas, mas todas as disciplinas que constituem os componentes
curriculares de formação para a docência deverão ter sua dimensão prática.
Ademais, as Diretrizes Curriculares indicam que as atividades do estágio curricular
supervisionado devem ser implementadas no início da segunda metade dos cursos.
Logo, se levarmos em consideração o total de 12 quadrimestres, conforme indicado
no sítio do MEC, o estágio, no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC,
deveria iniciar junto ao início do sétimo semestre.
Ao observarmos o fluxo ideal do Curso, apresentado na Tabela 6,
identificamos que é apenas a partir do quarto quadrimestre que as disciplinas
didático-pedagógicas comuns ou específicas são oferecidas. Levando-se em
consideração que são essas as disciplinas que compõem a prática como
componente curricular do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC,
entende-se que as atividades relacionadas a esse componente estão presentes em
75% dos quadrimestres. Além disso, com base nas informações contidas no PPabc,
identificamos que a dimensão prática não está presente em todas as disciplinas de
formação para a docência, como é o caso, por exemplo, da disciplina Geometria
Analítica. Entendemos que essa disciplina, assim como outras da área da
Matemática, faz parte da formação específica para lecionar Matemática na
Educação Básica, uma vez que contribuiria para a apropriação, pelo futuro
professor, de conhecimentos defendidos como necessários ao ensino, como o
conhecimento especializado do conteúdo, definido por Ball, Thames e Phelps (2007,
2008).
Em relação ao estágio curricular supervisionado, ao observarmos o fluxo de
curso da UFABC – Tabela 6 – constamos que ele tem suas atividades iniciadas no
oitavo quadrimestre, estendendo-se até o final do Curso. Logo, o estágio curricular
supervisionado, no referido Curso, inicia-se mais tarde do que o estabelecido nas
Diretrizes Curriculares.
189
No que se refere aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural,
embora a organização curricular indicada no PPabc contemple a carga horária
mínima especificada para esse componente, 1.080 das 1.800 horas – 60% –
correspondem a disciplinas do BC&T . Considerando que a finalidade do BC&T não
é, necessariamente, proporcionar uma formação específica para um futuro professor
de Matemática lecionar na Educação Básica, não podemos afirmar que o domínio
dos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural do Curso de Licenciatura
em Matemática da UFABC forneça as bases para o desenvolvimento das atividades
relacionadas à prática como componente curricular e para o estágio curricular
supervisionado, conforme consta do Parecer CNE/CP 28/2001.
No que diz respeito ao componente curricular atividades acadêmico-científico-
culturais, entendemos que elas podem contemplar o que é especificado no Parecer
CNE/CP 28/201. No referido documento consta que esse componente abarcaria
atividades como: seminários, participação em eventos científicos, visitas, monitorias,
estudos de extensão, entre outras, com orientação docente e essas atividades
constam do quadro apresentado no PPabc, que por nós foi reproduzido neste estudo
como Quadro 10.
Concluímos então, sobre a categoria de análise componentes curriculares e a
distribuição das suas cargas horárias, que o PPabc do Curso de Licenciatura da
UFABC contempla parcialmente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares.
o Disciplinas contendo conteúdos obrigatórios
Os conteúdos curriculares fixados pelo Parecer 1.302 – conteúdos comuns a
todas as licenciaturas, conteúdos matemáticos presentes na Educação Básica nas
áreas de Álgebra, Geometria e Análise, conteúdos de áreas afins à Matemática, e
conteúdos da História e Filosofia das Ciências e da Matemática – estão presentes
em ementas de disciplinas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC.
Dessa forma, com relação a essa categoria, concluímos que o PPabc do
Curso de Licenciatura da UFABC contempla plenamente o que é indicado nas atuais
Diretrizes Curriculares.
190
Ressaltamos a inexistência de disciplina para o ensino de conteúdos
relacionados à Geometria Espacial, em nossa concepção, indispensável em cursos
que têm como objetivo formar professores de Matemática para a Educação Básica.
4.1.3 Síntese da análise dos elementos do Projeto Pedagógico do Curso
investigado
No quadro a seguir, apresentamos a síntese da análise de elementos do
Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC.
Quadro 12 – Síntese da análise de elementos do Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Categorias de Análise Síntese da análise: o PPabc ...
Un
idad
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perf
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os
eg
res
so
s
Objetivos do Curso
... contempla parcialmente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Perfil do egresso ... não contempla o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Org
an
ização
cu
rric
ula
r
Carga horária
... contempla plenamente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Duração
... contempla plenamente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Componentes curriculares e a distribuição das suas cargas
horárias
... contempla parcialmente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Conteúdos obrigatórios
... contempla plenamente o que é indicado nas atuais Diretrizes Curriculares
Por meio das análises até aqui realizadas, é possível identificar alguns
elementos que embasam as respostas para nossas questões de pesquisa, dentre
eles indicamos:
A UFABC considera que apenas as disciplinas didático-pedagógicas,
um total de dez, compõem a prática como componente curricular do
curso investigado, componente que está presente em apenas 75% da
duração do Curso, conforme o fluxo ideal de disciplinas a cursar. Além
dessas disciplinas, somente no estágio curricular, que está presente a
191
partir do oitavo quadrimestre do curso, há explicitamente a indicação
da existência da dimensão prática.
Conforme o fluxo ideal de curso proposto pela UFABC, a prática como
componente curricular está presente a partir do quarto quadrimestre, de um Curso
com duração prevista de 12 quadrimestres. Não há, explicitamente, dimensão
prática em todas as disciplinas: essa dimensão está restrita em um grupo de
disciplinas pedagógicas gerais e específicas e nos estágios, que são iniciados a
partir do oitavo quadrimestre do Curso.
A UFABC não considera haver perfil diferenciado para os egressos
das Licenciaturas que compartilham o mesmo Projeto Pedagógico.
O perfil dos egressos, com as competências e habilidades, é apresentado de
forma geral para os quatro cursos que compartilham o mesmo Projeto Pedagógico.
Não há um delineamento especifico para os alunos da Licenciatura em Matemática.
Além dos elementos acima relacionados, nossa análise permite afirmar que
mesmo respondendo positivamente a questões que deveriam ser enfrentadas no
campo curricular, indicadas na Proposta de Diretrizes do MEC, como a concepção
restrita da prática aos estágios e a inadequação do tratamento da pesquisa, alguns
problemas indicados no mesmo documento são identificados na UFABC.
Um deles, no campo institucional e que foi abordado na subseção 3.4.1, é a
submissão da proposta pedagógica à organização educacional. Há apenas um
Projeto Pedagógico para quatro Licenciaturas, que é subordinado à organização
institucional da UFABC ao ter parte da matriz curricular comum a quatro licenciaturas
distintas fixada com disciplinas de um Curso de Bacharelado. Em nossa visão, esse
fato contribui de forma negativa para que o Curso de Licenciatura em Matemática
investigado construa sua identidade, uma vez que parte da sua carga horária – mais
de 38% – é composta por disciplinas de Matemática, Ciências Naturais e
Tecnologia, com o objetivo de formar o aluno para diferentes cursos da instituição.
192
4.2 Análise das disciplinas e da prática proposta no Curso investigado
Nesta subseção analisamos as disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC e a prática proposta indicada no PPabc e
delineada nas entrevistas que realizamos.
Sendo assim, elegemos duas unidades de análise:
Relação entre os domínios dos conhecimentos para o ensino de
Matemática e disciplinas indicadas na matriz curricular do Curso; e
A prática explicitada no PPabc e delineada nas entrevistas.
4.2.1 Relação entre os domínios dos conhecimentos para o ensino de
Matemática e disciplinas indicadas na matriz curricular do Curso
Nesta unidade nosso objetivo é analisar a relação existente entre referenciais
teóricos da formação de professores para a Educação Básica, sobretudo de
Matemática, e disciplinas que são indicadas no Projeto Pedagógico do Curso
investigado.
Para tanto, analisamos as ementas das disciplinas obrigatórias e das
disciplinas eletivas e elaboramos o Quadro 13, que apresenta uma associação
possível dessas disciplinas aos domínios dos conhecimentos definidos por Ball,
Thames e Phelps (2007, 2008), às categorias definidas por Shulman (1987), ou a
uma categoria que denominamos de outros conhecimentos, formada por disciplinas
cujas ementas contêm assuntos relacionados, dentre outros, à Tecnologia, à
Biologia, à Física, à Química, e à própria Matemática, como área de conhecimento.
Para a elaboração do referido quadro, procuramos responder à seguinte
pergunta, ao analisar a ementa de cada disciplina: os assuntos relacionados podem
contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de
conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento
definido por Shulman (1987)?
Se a resposta foi não, então associamos a disciplina oferecida à categoria de
outros conhecimentos. Caso contrário, buscamos elementos para associar a
193
disciplina aos domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática, conforme
nossa interpretação desse referencial teórico, caracterizada no Quadro 2 da
subseção 2.1.2, ou para associar a disciplina às categorias de conhecimento de
Shulman (1987). Essa associação pode ser visualizada no Apêndice I. Nele é
possível identificar a qual domínio de conhecimento de Ball, Thames e Phelps (2007,
2008), ou categoria de conhecimento de Shulman (1987), cada assunto, contido nas
ementas analisadas, foi associado.
Com as informações do Quadro 13, montamos um diagrama para identificar a
possível relação existente entre as disciplinas oferecidas na matriz curricular
indicada no PPabc do Curso investigado e pressupostos teóricos de formação de
professores para a Educação Básica.
Chamamos a atenção para a possibilidade de uma mesma disciplina poder,
ao mesmo tempo, dependendo de sua ementa, ser associada a mais de um domínio
dos conhecimentos definidos por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), a mais de
uma categoria de conhecimento definida por Shulman (1987), ou ainda à categoria
por nós denominada de outros conhecimentos.
Lembramos que essa análise está limitada às disciplinas obrigatórias, em
número de 45, e disciplinas eletivas, em número de 13, totalizando 58 disciplinas do
Curso investigado.
Quadro 13 – Associação possível das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC com pressupostos teóricos de formação de professores para a Educação
Básica
Disciplina – Grupo/Carga horária (em horas)
Domínio dos conhecimentos para o ensino de Matemática
S OC
I II III IV V VI
Ob
rig
ató
ria
s
Base Experimental das Ciências Naturais – B/36 X
Bases Computacionais da Ciência – B/24 X
Bases Matemáticas – B/48 X X X
Estrutura da Matéria – B/36 X
Origem da Vida e Diversidade dos Seres Vivos – B/36 X
Fenômenos Mecânicos – B/60 X
Funções de Uma Variável – B/48 X X
Geometria Analítica – B/36 X X X
Natureza da Informação – B/36 X
Transformações nos Seres Vivos e Ambiente – B/36 X
Bases Epistemológicas da Ciência Moderna – B/36 X
Fenômenos Térmicos – B/48 X
Introd. às Equações Diferenciais Ordinárias – B/48 X
194
Processamento da Informação – B/ 60 X
Transformações Químicas – B/60 X
Comunicação e Redes – B/36 X
Fenômenos Eletromagnéticos – B/60 X
Funções de Várias Variáveis – B/48 X
Transformações Bioquímicas – B/60 X
Educação Científica, Sociedade e Cultura – DC/48 X
Introdução à Probabilidade e à Estatística – B/36 X X X
Energia: Origens, Conversão e Uso – B/24 X
Física Quântica – B/36 X
Políticas Educacionais – DC/36 X
Matemática Discreta – CE/48 X X X
Interações Atômicas e Moleculares – B/36 X
Desenvolvimento e Aprendizagem – DC/48 X
Geometria Plana e Construções Geométricas – CE/48 X X X
Álgebra Linear – CE/72 X X X
Estrutura e Dinâmica Social – B/36 X
Didática – DC/48 X
Teoria Aritmética dos Números – CE/48 X X
Ciência, Tecnologia e Sociedade – B/36 X
Prát. de Ens. de Ciênc. e Matem. no Ens. Fund. – DC/48 X X X X
Cálculo Numérico – CE/48 X X X
Projeto Dirigido – B/24 X
Prát. de Ens. de Matemática no Ens. Fund. – DE/48 X X
Fundamentos de Análise – CE/48 X X
Educação Inclusiva LIBRAS – DC/24 X X
Práticas de Ensino de Matemática I – DE/36 X X X
Fundamentos de Álgebra – CE/48 X X X
Práticas de Ensino de Matemática II – DE/36 X
Evolução dos Conceitos Matemáticos – CE/48 X
Práticas de Ensino de Matemática III – DE/36 X
Fundamentos de Geometria – CE/48 X X X
Ele
tiv
as
Análise Real 1 – CE/48 X X X
Anéis e Corpos – CE/48 X X
Funções de Variáveis Complexas – CE/72 X X X
Geometria Não-Euclidiana – CE/48 X X X
Grupos – CE/48 X X
Introdução à Criptografia – CE/48 X
Introdução à Inferência Estatística – CE/48 X
Programação Matemática – CE/48 X
Sequências e Séries – CE/48 X X
Teoria dos Grafos – CE/48 X
Topologia 1 – CE/48 X
História da Matemática – CE/48 X
Tendências em Educação Matemática – CE/48 X
Total de disciplinas 13 18 1 1 10 3 5 44 I: Conhecimento comum do conteúdo II: Conhecimento especializado do conteúdo III: Conhecimento horizontal do conteúdo IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos V: Conhecimento de conteúdo e de ensino VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo S: Categoria de conhecimento definido por Shulman (1986, 1987) OC: Outros conhecimentos
Do Quadro 13 pode-se identificar que do total de 58 disciplinas obrigatórias ou
eletivas, 30 foram associadas a referenciais teóricos de formação de professores ao
195
passo que 44 disciplinas foram associadas à categoria por nós denominada de
outros conhecimentos. Dessas 44 disciplinas, 28 foram somente associadas à
categoria de outros conhecimentos. Fazem parte dessas 28 disciplinas sete da área
da Matemática, que são identificadas no decorrer desta subseção.
No tocante a essas sete disciplinas da área da Matemática, entendemos, com
base na nossa interpretação dos estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008),
que em suas ementas somente há assuntos que não teriam vinculação imediata
com os conteúdos que o futuro docente irá lecionar, ou seja, seriam não
imprescindíveis para a atuação do professor na Educação Básica. Como exemplo de
conhecimentos matemáticos classificados como outros, citamos conteúdos
constantes na ementa da disciplina Funções de Várias Variáveis: derivadas parciais,
derivada direcional, regra da cadeia, gradiente, fórmula de Taylor, noções de
integrais múltiplas, integrais de linha, teorema da divergência e teorema de Stokes.
Os assuntos que compõem a referida ementa, não se associam diretamente a
algum domínio dos conhecimentos para o ensino de Matemática, definidos por Ball,
Thames e Phelps (2007, 2008). O mesmo ocorre com os assuntos das seis demais
disciplinas, assuntos esses que podem ser identificados no Apêndice I.
Cumpre lembrar que nossa análise não se baseou apenas nos nomes das
disciplinas e sim nos assuntos propostos nas suas ementas, o que foi decisivo para
a associação, por exemplo, da disciplina Funções de Variáveis Complexas a dois
domínios dos conhecimentos para o ensino da Matemática e à categoria de outros
conhecimentos. A ementa dessa disciplina contém assuntos como números
complexos, função exponencial, função trigonométrica, logaritmo e integral de linha.
Os quatro primeiros assuntos contribuiriam para a apropriação de conhecimentos
comuns e especializados do conteúdo76, ao passo que o último assunto contribuiria
para a apropriação de outros conhecimentos, nesse caso, matemáticos, mas não
imprescindíveis para a formação do futuro professor para ensinar na Educação
Básica.
76
Lembramos que de acordo com nossa interpretação dos estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), as disciplinas que promoveriam a apropriação de conhecimentos comum do conteúdo também promoveriam a apropriação de conhecimentos especializados.
196
Assunto que suscita discussões a respeito de como deveria ser abordado em
cursos de formação inicial de professores de Matemática para a Educação é o
relacionado a limites. Nosso posicionamento sobre esse assunto é de que o estudo
de conteúdos relacionados a limites, nas licenciaturas em Matemática, é importante.
Particularmente, não associaríamos esse assunto ao domínio de conhecimento
comum do conteúdo, uma vez que ele não é mais objeto de ensino na Educação
Básica, mas o associaríamos ao domínio de conhecimento especializado do
conteúdo, durante o momento em que ele fosse tratado de maneira intuitiva.
Entendemos que para um futuro professor de Matemática da Educação Básica, que
terá as funções como um dos objetos de ensino, o estudo intuitivo de limites pode
contribuir para que ele se aproprie de conhecimentos relacionados à continuidade de
funções, estudo da variação de funções e outros conteúdos associados às funções.
Em se tratando da definição formal de limites, demonstrações das suas
propriedades, e conteúdos mais aprofundados sobre o assunto, entendemos que
fariam parte de conhecimentos, importantes sim, mas que não teriam vinculação
imediata com os conteúdos que o futuro docente lecionaria, ou seja, seriam não
imprescindíveis para a atuação do professor na Educação Básica, mas
imprescindíveis para que esse profissional pudesse dar andamento à sua formação
pós-graduada.
Sendo assim, deixamos clara nossa posição de que não somos contra a
existência de disciplinas abordando assuntos matemáticos que possam contribuir na
formação Matemática, como área de conhecimento, do futuro professor da
Educação Básica. Estamos de acordo com a especificação contida na Proposta de
Diretrizes e oficializada na Resolução CNE/CP 1/2002, abordadas no capítulo 3, que
determina a presença de conteúdos ampliadores nas licenciaturas, ou seja,
conteúdos que vão além do que o futuro professor ensinará na Educação Básica.
Além do objetivo que consta nos documentos citados, que é relacionar os conceitos
estudados em nível superior aos assuntos que o futuro professor lecionará no
Ensino Básico, entendemos que os conteúdos ampliadores teriam também como
objetivo oferecer bases matemáticas para que o futuro professor pudesse prosseguir
sua formação em nível de pós-graduação. Por outro lado, entendemos, também, que
esses conteúdos ampliadores não poderiam exceder, em carga horária, os
197
conteúdos relacionados aos conhecimentos necessários para o ensino na Educação
Básica, definidos e defendidos por educadores, sobretudo, matemáticos.
Com o objetivo de representar a distribuição das cargas horárias das
disciplinas obrigatórias e eletivas pelas três grandes categorias de conhecimentos
utilizadas na elaboração do Quadro 13, elaboramos a seguinte figura.
Figura 9 – Distribuição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado pelas categorias de conhecimentos
Fonte: acervo do autor
Na composição da carga horária da categoria outros conhecimentos, que
totaliza 1.968 horas, identificamos que 864 horas correspondem a carga destinada
somente a assuntos da Tecnologia, da Biologia, da Física ou da Química. Das 1.104
horas restantes:
336 horas são destinadas a sete disciplinas da área da Matemática
cujas ementas são compostas somente por assuntos que entendemos
ser não imprescindíveis, ou seja, que não teriam vinculação imediata
com os conteúdos que o futuro docente irá lecionar na Educação
Básica. Compõem esse grupo as seguintes disciplinas: Introdução às
Equações Diferenciais e Ordinárias, Função de Várias Variáveis,
Introdução à Criptografia, Introdução à Inferência Estatística,
Programação Matemática, Teoria dos Grafos e Topologia 1;
24 horas são destinadas à disciplina LIBRAS, cuja ementa contém
assuntos relacionados por nós a outros conteúdos e assuntos
198
relacionados a uma categoria de conhecimento definida por Shulman
(1987): a categoria de conhecimento de estudantes e suas
características; e
744 horas são destinadas a disciplinas Matemáticas em cujas
ementas foram por nós identificados assuntos relacionados a
domínios dos conhecimentos definidos por Ball, Thames e Phelps
(2007, 2008) e assuntos não imprescindíveis à formação do futuro
professor para a Educação Básica. Compõem esse grupo as
disciplinas Bases Matemáticas, Funções de Uma Variável, Geometria
Analítica, Introdução à Probabilidade e Estatística, Matemática
Discreta, Álgebra Linear, Cálculo Numérico, Fundamentos de Análise,
Fundamentos de Álgebra, Análise Real 1, Anéis e Corpos, Funções de
Variáveis Complexas, Geometria Não-Euclidiana, Grupos e
Sequências e Séries.
Comparadas as ementas das disciplinas do Curso investigado com os
assuntos matemáticos fixados no Parecer CNE/CES 1.302/2001, que estabelece as
Diretrizes Curriculares específicas para a licenciatura em Matemática, observamos
que disciplinas que abordam esses assuntos fixados, com exceção dos assuntos
relacionados à Geometria, constam do último grupo de disciplinas identificadas
acima. Esse fato vai ao encontro da nossa expectativa que decorre da interpretação
que fazemos dos estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), registrada na
subseção 3.4.3, por meio do Quadro 9, de que as disciplinas que abordariam os
assuntos fixados nas Diretriz Curriculares específicas dos cursos e Matemática
poderiam contemplar domínios dos conhecimentos Matemáticos para o ensino,
definidos pelos respectivos educadores.
Com relação às disciplinas que foram associadas somente à categoria de
conhecimentos definidos por Shulman, identificamos que suas ementas contêm
assuntos que podem contribuir, segundo nossa análise, para a apropriação dos
seguintes conhecimentos, definidos pelo respectivo educador no artigo publicado em
1987: conhecimentos de fins educacionais, conhecimentos de contextos
educacionais, conhecimento pedagógico geral, e conhecimento de estudantes e
suas características. As disciplinas às quais nos referimos são: Políticas
199
Educacionais, Desenvolvimento e Aprendizagem, Didática e Educação Inclusiva:
LIBRAS.
Entendemos que a presença de três das quatro disciplinas identificadas no
parágrafo anterior é necessária na formação do futuro professor, não somente de
Matemática, mas de todas as disciplinas para a Educação Básica, por tratarem de
assuntos comuns à formação de docentes de quaisquer disciplinas desse nível de
ensino. Portanto, partilhamos o que preconizaram os autores da Proposta de
Diretrizes e que foi fixado pela Resolução CNE/CP 1/2002. No primeiro documento,
é recomendado que nos cursos de formação de professores fosse reservada carga
horária para tratar assuntos necessários a todos os professores da Educação
Básica, especialistas ou não, o que foi oficializado no segundo documento por meio
da fixação dos eixos que articulariam as dimensões a serem contempladas nas
licenciaturas, sendo um deles, o eixo articulador das formações comum e específica.
Logo, uma das dimensões que devem ser contempladas nas licenciaturas é a
formação comum, da qual entendemos fazer parte as disciplinas Políticas
Educacionais, Desenvolvimento e Aprendizagem e Educação inclusiva: LIBRAS.
Com relação à disciplina Didática, cuja ementa no Curso investigado aborda a
didática geral, entendemos que ela poderia ceder lugar à Didática da Matemática,
uma vez que, além da abordagem de didática específica, nela poderiam ser
abordados, caso necessário, aspectos relacionados à didática geral.
Em se tratando da composição da carga horária da categoria dos
conhecimentos para o ensino de Matemática, que totaliza 1.236 horas, 744 horas
correspondem a uma subcategoria já identificada. A carga horária complementar, ou
seja, de 492 horas, é composta por três tipos de disciplinas: disciplinas Matemáticas
cujos assuntos relacionados nas ementas foram todos associados a domínios dos
conhecimentos definidos por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008); disciplinas
denominadas Práticas de Ensino; e disciplinas de História da Matemática ou da
Educação Matemática. Dez disciplinas compõem essa categoria, a saber: Geometria
Plana e Construções Geométricas, Teoria Aritmética dos Números, Prática de
Ensino de Ciências e Matemática do Ensino Fundamental, Práticas de Ensino de
Matemática I, Práticas de Ensino de Matemática II, Evolução dos Conceitos
200
Matemáticos, Práticas de Ensino de Matemática III, Fundamentos de Geometria,
História da Matemática e Tendências em Educação Matemática.
Com o intuito de identificar a fração correspondente de cada um dos seis
domínios dos conhecimentos para o ensino de Matemática com relação ao número
de disciplinas desta categoria e com relação ao número total de disciplinas
obrigatórias e eletivas, elaboramos a tabela a seguir.
Tabela 12 – Percentuais relacionados às disciplinas associadas em cada domínio da categoria dos conhecimentos para o ensino de Matemática
Domínio Quantidade
de disciplinas
Frequência relativa do número de disciplinas
da categoria (29)
Frequência reativa do
número total de disciplinas obrigatórias e eletivas do
Curso (58)
Conhecimento comum do conteúdo 13 44,8% 22,4% Conhecimento especializado do conteúdo 18 62,1% 31,0% Conhecimento horizontal do conteúdo 1 3,4% 1,7% Conhecimento de conteúdos e de alunos 1 3,4% 1,7% Conhecimento de conteúdos e de ensino 10 34,5% 17,2% Conhecimento de conteúdos e de currículo 3 10,3% 5,2%
Observa-se que todos os domínios dos conhecimentos definidos por Ball,
Thames e Phelps tiveram disciplinas associadas, e que a maior parte das disciplinas
foi associada ao domínio de conhecimento especializado do conteúdo, ao passo que
os domínios de conhecimento horizontal do conteúdo e de conhecimento de
conteúdo e alunos tiveram apenas uma disciplina associada a cada um.
Embora contemplem todos os domínios dos conhecimentos para o ensino de
Matemática, as disciplinas associadas a esses domínios tendem a abordar mais
assuntos relacionados à Matemática como área de conhecimento e menos assuntos
relacionados à formação do docente para a Educação Básica. Associado ao fato de
que a carga horária correspondente às disciplinas associadas somente à categoria
de outros conhecimentos ultrapassar 46% da carga horária total das disciplinas
obrigatórias e eletivas, entendemos que o Curso investigado privilegia a formação
matemática e científica e coloca em segundo plano a formação para lecionar
Matemática na Educação Básica que requer, conforme é defendido por educadores
matemáticos, conhecimentos como os definidos por Ball, Thames e Phelps (2007,
2008).
201
Em se tratando das disciplinas que abordam conhecimentos relacionados a
assuntos matemáticos que serão objetos de ensino dos futuros professores na
Educação Básica, elas foram associadas ao domínio de conhecimento comum do
conteúdo e são em número de 13: Bases Matemáticas, Geometria Analítica,
Introdução à Probabilidade e à Estatística, Matemática Discreta, Geometria Plana e
Construções Geométricas, Álgebra Linear, Teoria Aritmética dos Números, Cálculo
Numérico, Fundamentos de Álgebra, Fundamentos de Geometria, Análise Real,
Funções de Variáveis Complexas e Geometria Não Euclidiana.
Das 13 disciplinas identificadas no parágrafo anterior, foi possível associar
apenas duas à dimensão do conhecimento de conteúdo e de ensino: Geometria
Plana e Construções Geométricas e Fundamentos de Geometria. Na subseção
seguinte é apresentada justificativa para essa associação.
Dessa forma, seriam apenas duas as disciplinas que abordam, ao mesmo
tempo, os domínios do conhecimento comum do conteúdo, do conhecimento
especializado do conteúdo e do conhecimento de conteúdos e de ensino. Associado
à nossa interpretação dos estudos de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008)77, esse
fato corrobora para a seguinte conclusão: a maior parte dos assuntos matemáticos
relacionados ao Ensino Fundamental e Ensino Médio e que constam das ementas
de algumas disciplinas do Curso investigado é abordada em caráter de revisão, e
mesmo que não seja abordada com esse caráter, aspectos relacionados ao ensino
desses assuntos na Educação Básica pouco são abordados pelos docentes dessas
disciplinas.
Ressalta-se que nas ementas analisadas, das disciplinas matemáticas que
abordam conteúdos que serão objetos de ensino dos futuros professores da
Educação Básica, não é possível identificar se a dimensão do conhecimento de
conteúdo e de ensino se faz presente nessas disciplinas. Sendo assim, seria
necessário conhecer a prática de cada docente que ministra essas disciplinas.
Entretanto, informações das entrevistas realizadas, que serão objetos de estudo na
77
Na subseção 3.4.3 apresentamos parte de nossa interpretação sobre os respectivos estudos indicando que as disciplinas com o principal objetivo de promover apropriação de conhecimentos comuns do conteúdo deveriam também promover apropriação de conhecimentos especializados do conteúdo, caso contrário, teríamos os futuros objetos de ensino do professor de Matemática abordados apenas em nível de revisão. Isso implicaria que essas disciplinas também teriam de promover a apropriação de conhecimentos relacionados a conteúdo e ensino.
202
próxima subseção, nos oferecem o suporte para a conclusão que foi registrada no
parágrafo anterior.
Para encerrar essa subseção, sintetizamos, na figura a seguir, a composição
da carga horária de 2.592 horas de disciplinas obrigatórias ou eletivas do Curso
investigado, que decorre da nossa análise.
Figura 10 – Composição da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas do Curso investigado Fonte: acervo do autor
4.2.2 A prática explicitada no PPabc e nas entrevistas
Nesta subseção fazemos as análises de três entrevistas realizadas com
docentes da UFABC que lecionam ou coordenam o Curso de Licenciatura em
Matemática dessa instituição, para entender como a dimensão prática é
desenvolvida no Curso, a fim de identificar a relação entre a teoria e a prática.
Para isso buscamos, nas transcrições das entrevistas que são apresentadas
como Anexos A e B, indícios que revelaram como as atividades associadas à
dimensão prática do Curso são conduzidas, o que possibilitou entendê-la e, assim,
pudemos identificar a qual visão da relação entre a teoria e a prática, apresentada
por Candau e Lelis (1993), o Curso investigado mais se aproxima.
203
As três entrevistas realizadas foram concedidas na própria Universidade
Federal do ABC. Por meio de um roteiro básico contendo somente as questões
norteadoras, deixamos que os entrevistados discorressem sobre os assuntos que já
estavam previamente determinados. Nos casos em que as falas dos entrevistados
não abordaram espontaneamente os tópicos que pretendíamos registrar,
questionamos sobre tais tópicos. O áudio da entrevista foi gravado e posteriormente
transcrito.
Aos entrevistados foi dada a opção de não se identificarem, opção essa
descartada pelos professores, conforme registrado nos Termos de Consentimento
Livre e Esclarecido assinados, os quais são apresentados nos Anexos A e B, junto
às transcrições das entrevistas.
Sobre os entrevistados:
As três entrevistas foram realizadas com dois professores doutores.
Duas entrevistas, em momentos diferentes, foram concedidas pela Professora
Dr.ª Virgínia Cardia Cardoso, Licenciada em Matemática pela Universidade de São
Paulo, Mestre em Educação Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio
de Mesquita Filho e Doutora em Educação pela Universidade Estadual de
Campinas. A Prof.ª Dr.ª Virgínia está, desde 2010, como Professora Adjunto na
Universidade Federal do ABC e, atualmente, coordena o Curso investigado e
leciona, nele, disciplinas didáticas específicas, História da Matemática, Evolução dos
Conceitos Matemáticos ou Tendências em Educação Matemática, além de orientar
estágios.
Na primeira entrevista, cuja duração aproximada foi de duas horas, nosso
principal objetivo foi entender o funcionamento do Curso explicitado no Projeto
Pedagógico. Alguns elementos a respeito da dimensão prática puderam também ser
identificados na entrevista. Entretanto, em nossa análise, houve necessidade de
aprofundar essa dimensão. Desse modo, uma segunda entrevista foi realizada, três
meses depois. Ela teve duração aproximada de 45 minutos.
A terceira entrevista foi concedida pelo Professor Dr. Márcio Fabiano da Silva,
Licenciado em Matemática pela Universidade de São Paulo, Mestre e Doutor em
204
Matemática pela mesma Universidade. O Prof.º Márcio está como Professor Adjunto
na Universidade Federal do ABC, desde 2008, e leciona disciplinas relacionadas à
Geometria, no Bacharelado e na Licenciatura em Matemática.
A prática no Curso investigado:
Conforme identificamos no capítulo 2, entendemos a prática como um
conjunto de atividades em que o futuro docente terá a possibilidade de ensaiar a
aplicação de conhecimentos e de procedimentos próprios ao exercício da docência
ou a possibilidade de experimentar situações reais da profissão. Essas atividades
estariam associadas à prática como componente curricular e ao estágio
supervisionado.
No Curso investigado, conforme já indicamos ao analisar a organização
curricular na subseção 4.1.2, o estágio é regido por um documento único que norteia
as atividades a serem realizadas, dentre elas, a regência. Para essa regência, o
aluno tem, em primeiro lugar, de realizar uma investigação sobre as possíveis
intervenções que podem ser feitas na escola em que está estagiando e, com base
nessa investigação, planejar uma intervenção didática e colocá-la em prática – a
regência. Entendemos que esse conjunto de atividades vai ao encontro da nossa
concepção sobre prática, uma vez que coloca o aluno em situação real da profissão.
Por outro lado, bases teóricas seriam necessárias para o exercício de planejar uma
intervenção didática, e essas bases seriam oferecidas por meio da vinculação,
indicada da Proposta Pedagógica do Curso, das cinco etapas do estágio às cinco
disciplinas de Práticas de Ensino, conforme apresentado no Quadro 10.
Teríamos, então, de acordo com nossa concepção, uma relação entre a teoria
e a prática que poderia ser classificada como de unidade, em que, de acordo com
Candau e Lelis (1993), teoria e prática são trabalhadas simultaneamente com a
finalidade de articular o o que ensinar, o como ensinar, o para quem ensinar e o para
que ensinar.
Entretanto, os alunos do Curso investigado não são obrigados a realizar as
etapas do estágio juntamente com as Praticas de Ensino, uma vez que lhes é
concedida a escolha das disciplinas que querem estudar. Dessa forma, são poucos
205
os alunos que realizam as etapas do estágio juntamente com as Práticas de Ensino,
e isso faz com que a relação entre a teoria e a prática, nesse caso, não ocorra como
planejado e proposto, conforme afirma a coordenadora do Curso investigado:
Nós temos um planejamento geral de estágio, são cinco estágios, ou seja, um estágio dividido em cinco etapas, e o aluno, preferencialmente, tem que fazer junto com as Práticas de Ensino. Mas isso não acontece: na prática não ocorre; depois de todas as disciplinas é que ele terá um tempinho para fazer o estágio. Mas nós indicamos ao aluno: nesse estágio você vai ter que fazer em uma escola de Ensino Fundamental, com tais atividades: horas de regência, horas de observação... [...] Nós fazemos reuniões quinzenais e nessas reuniões eles [os alunos] falam o que viram na escola, o que eles fizeram, como eles acham que poderia ser, por que é assim, por que não é, então, eles têm oportunidade de discutir. O que não temos muito é a oportunidade deles fazerem um estudo mais profundo a respeito daqueles problemas que eles veem lá na escola, como eles poderiam resolver, e de que maneira as teorias que eles viram aqui na UFABC poderiam ajudar: isso nós não temos muito a oportunidade de fazer. Se eles fizessem direitinho, junto com as Práticas de Ensino, teria até como fazer, mas, na prática, não é isso, não funciona. (Prof.ª Virgínia – Anexo A)
Pode-se observar, pelo extrato da transcrição acima, que a liberdade que é
concedida ao aluno para escolher sua trajetória de curso pode invalidar, neste caso,
o plano de formação idealizado no PPabc, de aliar a teoria à prática.
Sendo assim, relacionado ao estágio curricular supervisionado, não se pode
afirmar haver, no plano prático, relação de unidade entre a teoria e a prática.
Em se tratando das disciplinas associadas à prática como componente
curricular, que conforme indicamos na Tabela 8 são em número de dez, analisamos
as disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática, cujas ementas foram
apresentadas na subseção 4.1.2.
De acordo com informações da transcrição da entrevista concedida pela Prof.ª
Virgínia, nas disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática os alunos apresentam
seminários utilizando recursos metodológicos adequados para o ensino de
conteúdos matemáticos. Além do exercício de elaboração e apresentação desse
seminário consta das ementas dessas disciplinas, por exemplo, a experimentação
em laboratórios de ensino em Matemática. Essas atividades caracterizam, em nossa
concepção, a presença da dimensão prática nessas disciplinas, uma vez que para
206
elaborar um seminário como o que é apresentado nessas disciplinas faz-se
necessário o planejamento de aulas, ou seja, há o ensaio e a aplicação de
conhecimentos e de procedimentos próprios ao exercício da docência.
Nas ementas dessas disciplinas – que podem ser visualizadas na subseção
4.1.2 ou no Apêndice I –, identifica-se a presença de, por exemplo, tendências e
práticas de pesquisa em Educação Matemática, avaliação em Educação
Matemática, jogos e artes para estudo da Matemática e Modelagem Matemática.
Esses assuntos, a nosso ver, constituem bases para atividades da dimensão prática
e fazem parte, portanto, da teoria, que embasará a elaboração dos seminários pelos
futuros professores.
Logo, nas disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática, há uma relação
não dicotômica entre a teoria e a prática, ou seja, a teoria e a prática estão
relacionadas, mas a segunda não é simples aplicação da primeira, o que nos
possibilita a afirmar que a relação entre a teoria e a prática existente nessas
disciplinas se aproxima da visão de unidade, conforme discutida por Candau e Lelis
(1993).
Entretanto, nessa relação há pouca participação da área da Matemática, que
teria como responsabilidade fornecer os fundamentos matemáticos para os
conteúdos apresentados nos seminários, como pode ser constatado no extrato a
seguir, em que a Prof.ª Virgínia responde ao questionamento da relação entre as
disciplinas Matemáticas e as disciplinas das Práticas de Ensino da Matemática:
No que se refere às questões didáticas ou metodológicas, diferente de questões institucionais e de outra ordem, nós não temos um diálogo muito grande com os professores que lecionam disciplinas de Matemática, tanto as três específicas para a Licenciatura, quanto as que são compartilhadas com os alunos do Bacharelado, pois, até o momento, todas elas foram ministradas por professores que não ingressaram na UFABC pela área do Ensino e sim por áreas do Bacharelado em Matemática. Até o hoje, não conseguimos que um de nós [educadores matemáticos] assumisse as disciplinas matemáticas específicas da licenciatura, que são os Fundamentos de Análise, Fundamentos de Álgebra e Fundamentos de Geometria, porque estamos sempre com as disciplinas da prática, como as Práticas de Ensino e História da Matemática. Sendo assim, o que acontece: nem todo professor formado no bacharelado em Matemática e que fez o mestrado e o doutorado também nessa área, pura, ou aplicada, tem a visão de que devamos discutir e compartilhar atividades. Daí esse tipo de atividade acaba não
207
ocorrendo: não conseguimos, ainda, que todos os professores da Matemática considerassem algo da prática de ensino em suas aulas e também o contrário, pois não sabemos exatamente o que tem sido feito nas aulas de Matemática. (Prof.ª Dr.ª Virgínia – Anexo A)
Questionado sobre assunto semelhante, o Prof.º Márcio afirma que a sua
participação em atividades das disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática
depende muito de quem leciona essas Práticas. A pergunta dirigida ao Professor
consistia em identificar se havia alguma “conversa” entre as disciplinas da Geometria
que ele leciona e as disciplinas de Prática de Ensino de Matemática:
Isso depende de quem trabalha a disciplina de Prática. Conheço uma professora que trabalha com essa disciplina e que em alguns momentos do curso convida alguns colegas, para participarem, apresentarem temas para os alunos, e mais do que isso, para assistir às apresentações dos trabalhos que os alunos estão produzindo. Então sim, existe essa prática, de alguns professores de Prática aqui da universidade. (Prof.º Dr. Márcio – Anexo B)
Desses extratos, pode-se afirmar que os elementos para as atividades
práticas das disciplinas de Práticas de Ensino – a teoria – são fornecidos por
disciplinas Pedagógicas específicas ou gerais do Curso investigado e que as
disciplinas Matemáticas somente oferecem esses elementos quando solicitada. Esse
fato revela que não ocorre a vinculação entre áreas Pedagógica e Matemática do
Curso ou, quando acontece, é de forma espontânea, não planejada.
Entendemos que em um curso de licenciatura em Matemática, a vinculação
entre as áreas Matemática e Pedagógica deva existir mediante reflexão, tendo como
base a Educação Matemática.
Um fato que nos chamou a atenção na análise das entrevistas e que está
associado à relação entre as disciplinas Pedagógicas e Matemáticas do Curso
investigado é o de nos ementários das disciplinas de Prática de Ensino de
Matemática constarem o planejamento e a avaliação de assuntos matemáticos
presentes na Educação Básica. Esses assuntos, presentes nas ementas de
disciplinas Matemáticas do Curso, constituem os temas indicados para os
seminários. Entretanto, esses assuntos não são necessariamente abordados no
Curso com perspectivas ao ensino:
208
Até agora ninguém da área da Educação Matemática conseguiu dar essas disciplinas [matemáticas], pois estão sempre ocupados com as Práticas de Ensino. Por isso precisamos de mais gente dando aula, senão elas sempre ficarão nas mãos dos Matemáticos. Isso é muito ruim, pelo seguinte: existem disciplinas que são obrigatórias no Bacharelado, mais não são na licenciatura, como é o caso, por exemplo, dessa Análise Real I. A ementa dela é muito parecida com a de Fundamentos de Análise [que é obrigatória para a Licenciatura em Matemática] [...] e, geralmente quem dá uma, quer dar a outra também, mas de forma igual. Então acaba não dando nenhum curso diferente e nós sabemos que isso é ruim para o Projeto Pedagógico e para a formação do aluno: uma visão diferente da disciplina, ele não vai ter. (Prof.ª Dr.ª Virgínia – Anexo A)
Assim, assuntos que serão objetos de ensino do futuro professor na
Educação Básica são abordados no Curso, mas não sob o ponto de vista didático e
pedagógico. Isso, em nossa visão, influencia diretamente a formação do futuro
professor, cuja formação deveria ter a simetria invertida como um dos três princípios
orientadores das licenciaturas, conforme consta do Parecer CNE/CP 9/2001,
abordado na subseção 3.4.2.
A conclusão que decorre da nossa análise, sobre a relação entre a teoria e a
prática nas disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática, é de que há uma
relação que se aproxima da visão de unidade entre a teoria e a prática. Faltaria, para
complementar essa relação, a participação dos docentes da área da Matemática, no
sentido de que a prática de todos esses docentes fosse coerente com o que se
espera da prática do futuro professor na Educação Básica, principalmente ao
abordarem os conteúdos que constituirão os objetos de ensino dos futuros
professores.
Além das disciplinas associadas à prática como componente curricular,
identificamos, por meio da análise das entrevistas, atividades que podem ser
associadas à dimensão prática em três disciplinas do Curso investigado: História da
Matemática, lecionada pela Prof.ª Virgínia, e Fundamentos de Geometria e
Geometria Plana e Construções Geométricas, lecionadas pelo Prof.º Márcio.
Em entrevista concedida, o Prof.º Márcio, docente que leciona há quase três
anos as disciplinas Fundamentos de Geometria e Geometria Plana e Construções
Geométricas, afirma abordar, além do conteúdo relacionado nas ementas dessas
disciplinas, aspectos associados ao ensino de Geometria na Educação Básica. Esse
209
fato nos levou a classificar ambas as disciplinas, na subseção anterior, ao domínio
do conhecimento de conteúdo e de ensino.
Questionado sobre fazer ou não a relação da Geometria estudada no Ensino
Superior com a Geometria que o futuro docente lecionaria na Educação Básica, o
Professor respondeu que a todo o momento ele procura fazer essa relação. No
entanto, o Professor tem uma prática docente que poderia ser considerada
tradicional para o ensino da Geometria, mas que aborda questões relacionadas ao
seu ensino:
Para o curso de Geometria Plana, a gente segue a teoria axiomática de toda a Geometria e, naquele primeiro momento de contato com os alunos, o importante é que eles esqueçam tudo o que sabem sobre aquilo, pois vamos construir essa teoria. E quando os elementos começam a surgir, ângulo, quadrado, enfim, é o momento de refletir como isso apareceu para eles, como foi ensinado, e como é ensinado no Ensino Básico, para que eles façam as relações e depois possam levar isso, também, como professores para a escola. (Prof.º Dr. Márcio – Anexo B)
Para nós, a prática letiva adotada pelo Prof. Márcio pode contribuir no sentido
de levar o futuro professor a conhecer a Geometria do ponto de vista axiomático,
uma vez que na Educação Básica, provavelmente esse aluno não estudou a
Geometria por esse ponto de vista. Por outro lado, solicitar aos alunos para
esquecerem o que sabem sobre o assunto, parece-nos contraditório com a prática
que se deseja desses futuros professores. Pela fala do Professor, pode-se afirmar
que ele aborda a dimensão prática de formação, pois procura discutir assuntos
relacionados ao ensino. Todavia, não foi possível identificar, pela entrevista, como o
Prof.º Márcio relaciona essa prática com a teoria.
Identificou-se, pela entrevista, que o Professor acompanha as propostas
curriculares da educação básica e que ele prima o ensino de conceitos à
apresentação de técnicas ou procedimentos, os quais, segundo o Professor,
decorrem do aprendizado dos conceitos. Para ele, a escola básica “peca” no sentido
de, na maioria das vezes, não ensinar conceitos matemáticos e sim apresentar
técnicas ou procedimentos para a resolução das situações propostas.
Pode-se concluir que a contribuição do Prof. Márcio na Licenciatura em
Matemática da UFABC é fazer com que os futuros professores discutam questões
210
sobre ensino e entendam que os conceitos são mais importantes que as técnicas ou
os procedimentos, conforme o extrato da entrevista, a seguir:
[...] na escola, em geral, o que é feito com função inversa é uma técnica que te ensina a inverter função, mas a escola básica peca nesse sentido, de não abordar os conceitos, e para mim nós aprendemos com os conceitos; a técnica é importante, mas o que fica são os conceitos e isso tem que ser bem trabalhado [...] quando eu vou ensinar função [inversa], a técnica vai aparecer, mas a pergunta é: qual é o conceito disso e como isso apareceu para você? O que é função? [...] Acho que esse é um grande erro, as coisas valem, mas não sabemos por quê. E aqui é o momento de aproveitar a técnica e, com o conceito, mostrar o porquê que isso funciona. Isso aparece em qualquer curso que eu dou. (Prof. Dr. Márcio – Anexo B)
No que se refere à prática letiva da Prof.ª Virgínia, identificamos, por meio das
entrevistas, que em algumas aulas da disciplina História da Matemática, a
Professora discute temas importantes e essa discussão é ampliada pelos seminários
que são realizados pelos alunos. Esses seminários são constituídos de duas partes:
a primeira parte é composta de uma pesquisa para complementar as aulas da
Professora e embasar a segunda parte; a segunda parte é composta por
apresentação de uma aula. Além disso, a avaliação realizada pela professora tem
como objetivo refletir sobre os seminários apresentados e sobre as aulas
ministradas pela Professora, conforme podemos observar do extrato a seguir:
[...] em História da Matemática, eu acabo utilizando mais que as primeiras aulas para exposição de conteúdos. Após as apresentações dos seminários, a turma avalia cada um deles e indica o que acharam mais interessante e o que poderia ser melhorado. No fim, eu aplico uma prova escrita, não cobrando conteúdo específico, mas sim reflexão sobre o que foi apresentado, tanto nos seminários quanto nas minhas aulas expositivas. [...] Nessa disciplina, para os seminários, os alunos têm que apresentar uma primeira parte contendo uma pesquisa histórica relacionada ao tema e uma segunda parte apresentando uma aula relacionada ao tema, em que a História da Matemática é utilizada como recurso metodológico. (Prof.ª Dr.ª Virgínia – Anexo A)
Com base no que é apresentado pela Prof. Virgínia, pode-se afirmar que nas
aulas de História da Matemática há o ensaio da aplicação de conhecimentos e de
procedimentos próprios ao exercício da docência, que, de acordo com nossa
concepção, é uma característica de atividades associadas à dimensão prática. Além
disso, a prática letiva da Prof.ª Virgínia contribui, a nosso ver, para relacionar teoria e
211
prática como unidade, uma vez que a prática, presente principalmente na segunda
etapa do seminário apresentado pelos alunos, é pautada pela teoria, que é
pesquisada na primeira parte do seminário ou estudada nas aulas expositivas da
Prof.ª Virgínia. Por sua vez, a teoria necessária para o desenvolvimento dos
seminários é determinada pela prática que será realizada, ou seja, há uma relação
de dependência mútua entre ambas. Além disso, os alunos são estimulados a
buscar parte da teoria, o que também faz parte da dimensão prática do professor.
Em suma, teoria e prática, no nosso entender, estão unidas, a julgar pelo discurso
da Professora, de forma indissociável, contribuindo para a formação do futuro
professor.
Em se tratando de disciplinas que não fazem parte do grupo da prática como
componente curricular, concluímos que há, em algumas delas, atividades que
podem ser associadas à dimensão prática da formação do professor. Concluímos
também que, em pelo menos uma delas, é observada a relação de unidade entre a
prática proposta e a teoria abordada ou associada a ela.
4.2.3 Síntese da análise das disciplinas e da prática proposta no Curso
investigado
Utilizando como base os pressupostos teóricos sobre os conhecimentos para
o ensino de Matemática, de Ball, Thames e Phelps (2007, 2008), identificamos que o
Curso investigado privilegia a formação matemática e científica e coloca em
segundo plano a formação para lecionar Matemática na Educação Básica, uma vez
que em mais de 46% da carga horária das disciplinas obrigatórias e eletivas são
abordados assuntos das áreas de Tecnologia, de Biologia, de Física, de Química e
da Matemática pura. Identificamos também que muitos dos assuntos matemáticos
relacionados à Educação Básica, que constam das ementas de algumas disciplinas,
são abordados em caráter de revisão. Cabe ressaltar, também, que nas disciplinas
com assuntos relacionados à Educação Básica, aspectos associados ao ensino
pouco são abordados pelos docentes.
No que se refere à dimensão prática da formação do futuro professor,
identificamos que há atividades relacionadas a essa dimensão em três grupos de
disciplinas ou atividades: em cinco das dez disciplinas que compõem, no Projeto
212
Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC, a prática como
componente curricular; no estágio curricular supervisionado; e em pelo menos três
disciplinas que não fazem parte do grupo da prática como componente curricular.
Com relação à unidade entre a teoria e a prática, pode-se afirmar que ela ocorre nas
cinco das dez disciplinas da prática como componente curricular e em apenas uma
das três disciplinas que não fazem parte desse grupo. No que concerne ao estágio
curricular supervisionado, nada se pode afirmar em relação a essa unidade, tendo
em vista a possibilidade de o estudante não realizar as etapas do estágio
concomitantemente com disciplinas da prática como componente curricular,
conforme previsto no Projeto Pedagógico do Curso.
213
CONCLUSÕES
Nesta seção apresentamos uma síntese da investigação que realizamos e
organizamos as respostas às nossas questões de pesquisa, que de certa forma
estão implícitas no capítulo 4 do nosso trabalho. Apresentamos também nossas
reflexões que decorreram desta investigação e destacamos aspectos que, a nosso
ver, necessitam de aprofundamento em investigações futuras, indicando, assim,
possíveis questões de pesquisa não abordadas neste trabalho.
Uma síntese da investigação realizada:
O objetivo estabelecido para o desenvolvimento da presente investigação foi
analisar, com base no Projeto Pedagógico de um curso de licenciatura em
Matemática proposto por uma instituição federal e no estudo de entrevistas a
professores desse curso, interpretações assumidas por essa instituição das
Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares específicas do curso, de
modo a identificar pressupostos relacionados à formação inicial de professores de
Matemática para a Educação Básica, sobretudo no que se refere à dimensão
prática.
Para tanto, escolhemos o Curso de Licenciatura em Matemática da
Universidade Federal do ABC, pelo fato de essa Universidade apresentar uma
proposta de formação diferenciada e pioneira no Brasil. Em uma primeira leitura,
essa proposta inova a estrutura acadêmica e curricular dos cursos de licenciatura,
conforme incentiva órgãos federais de educação. Mas, por outro lado, parece ir de
encontro com as Diretrizes dos cursos de licenciaturas brasileiros e, mesmo assim,
tem o Curso de Licenciatura em Matemática reconhecido pelo Ministério da
Educação, com nota máxima.
A fim de construir uma base para analisar o Projeto Pedagógico do Curso
investigado e as entrevistas realizadas, que constituíram a nossa base de dados,
realizamos, por meio de pesquisa bibliográfica, estudos sobre pressupostos teóricos
214
da formação de professores para a Educação Básica e estudos sobre as resoluções
e pareceres que normatizam ou normatizaram os cursos superiores brasileiros de
formação de professores.
No tocante aos pressupostos teóricos, optamos por escolher o estudo de Ball,
Thames e Phelps (2007, 2008), pelo fato de entendermos que os domínios dos
conhecimentos definidos por esses pesquisadores poderiam melhor relacionar
teorias estudadas na licenciatura em Matemática com atividades associadas à
prática docente. O estudo desses pressupostos e a reflexão sobre eles nos levou ao
exercício de identificar e relacionar conhecimentos associados ao ensino de
equações aos seis domínios de conhecimentos para lecionar Matemática, definidos
por esses pesquisadores, o qual contribuiu para analisarmos as ementas das
disciplinas do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC. No entanto, para
esse exercício, foi necessário ampliar ou ressignificar o domínio do conhecimento
especializado do conteúdo. Consideramos que os objetos matemáticos a serem
ensinados na Educação Básica, e que fazem parte do domínio do conhecimento
comum do conteúdo, devam também fazer parte do domínio do conhecimento
especializado do conteúdo. Consideramos também nesse domínio a inclusão de
conhecimentos matemáticos que, embora o professor dificilmente vá ensinar na
Educação Básica, seriam necessários para o desenvolvimento de estratégias de
ensino, articulação entre diferentes representações do objeto a ser ensinado e
outros. Para analisar a relação entre a teoria e a prática, escolhemos Candau e Lelis
(1993), que afirmam que essa relação pode ser classificada em três categorias:
dissociativa, associativa e unidade. Entendemos que essas categorias podem
favorecer uma análise profícua de como se estabelece a relação entre teoria e
prática em uma licenciatura em Matemática.
Construída a base para a análise, iniciamos o exame dos dados que
coletamos, a fim de identificar subsídios para responder às nossas indagações.
Respostas às nossas questões de pesquisa:
Com base nas análises que constam do capítulo 4, apresentamos, a seguir,
respostas às nossas questões de pesquisa e algumas reflexões provenientes
dessas respostas.
215
Sobre como são interpretadas, pela UFABC, as atuais Diretrizes
Curriculares para o curso de licenciatura em Matemática, sobretudo no
tocante à dimensão prática:
Relembrando o que foi registrado na subseção 1.2, a resposta a essa questão
de pesquisa não tem como finalidade apenas identificar se os aspectos legais,
estabelecidos pelas Diretrizes Curriculares, são cumpridos pela Universidade
Federal do ABC, mas buscar entender como a instituição relaciona a dimensão
prática da formação do professor de Matemática para a Educação Básica com as
teorias estudadas, no seu Curso de Licenciatura em Matemática.
No tocante aos aspectos legais, a UFABC cumpre parcialmente o que é
estabelecido pelas Diretrizes Curriculares Nacionais e Diretrizes Curriculares
específicas dos cursos de Matemática.
Nossa análise revelou que a UFABC não indica, no Projeto do Curso, o perfil
dos egressos e os objetivos específicos da formação inicial de professores de
Matemática para a Educação Básica. A indicação desses aspectos, no Projeto, é
fixada pelas Diretrizes Curriculares específicas dos cursos de Matemática.
Entretanto, no Projeto Pedagógico elaborado pela UFABC, são estabelecidos
objetivos específicos e perfil do egresso apenas de forma geral para quatro
Licenciaturas que compartilham o mesmo documento – Biologia, Física, Matemática
e Química. Esse fato, a nosso ver, não possibilita identificar e analisar a
especificidade e a identidade de cada um dos quatro Cursos.
Por outro lado, identificamos na matriz curricular do Curso disciplinas que
trabalhariam com todos os conteúdos fixados pela referida Diretriz. No entanto, há
um acúmulo de carga horária reservada a disciplinas que não abordariam conteúdos
fixados nessa Diretriz e, tampouco, poderiam ser associados ao ensino de
Matemática na Educação Básica, como é o caso das disciplinas Estrutura da Matéria
e Física Quântica. Ao mesmo tempo, a carga horária das disciplinas associadas ao
ensino de Matemática é pequena. Nossas análises revelaram que não chega a 200
horas a carga horária das disciplinas obrigatórias que, explicitamente em suas
ementas, abordariam o ensino da Matemática, o que acreditamos ser contraditório
em uma Licenciatura em Matemática.
216
Um fato que nos chamou a atenção é a licença que é concedida aos egressos
da Licenciatura em Matemática da UFABC. De acordo com o Projeto Pedagógico, os
alunos formados nesse Curso podem lecionar Matemática e Ciências nos anos finais
do Ensino Fundamental e Matemática no Ensino Médio, licença idêntica à concedida
pelos antigos cursos de Ciências, normatizados na década de 1970 e extintos na
primeira década deste século. Embora não explicitada nas Diretrizes Curriculares
específicas dos cursos de Matemática, entendemos que a licença concedida por um
curso de licenciatura em Matemática tenha de se restringir à sua área de ensino, de
modo a não repetirmos o passado, neste caso, representado pelo citado curso de
Ciências. A possibilidade de um egresso da Licenciatura em Matemática da UFABC
lecionar Ciências no Ensino Fundamental implica a reserva de uma carga horária do
Curso para o estudo de disciplinas relacionadas às áreas de Biologia, Física e
Química. Como é sabido, isso ocorre no Curso que investigamos e acreditamos que,
em decorrência desta reserva, a carga horária para os assuntos relacionados ao
ensino da Matemática fique reduzida.
No que se refere à organização curricular, o Curso de Licenciatura em
Matemática da UFABC contempla parcialmente os quatro componentes curriculares
estabelecidos nas Diretrizes Curriculares Nacionais e as respectivas cargas horárias
mínimas, exigida pelo MEC.
Com relação às atividades acadêmico-científico-culturais, entendemos que o
que é indicado no Projeto Pedagógico vai ao encontro das atividades indicadas nas
Diretrizes Curriculares e não é contraditório ao objetivo que é estabelecido no
referido Projeto.
No tocante ao estágio curricular supervisionado, a instituição propõe que ele
seja iniciado quando mais de 58% do curso tiver ocorrido. Reiteramos que essa
proposta contraria as Diretrizes Curriculares Nacionais, como indicamos no capítulo
4. De acordo com o que é normatizado pela referida Diretriz, as atividades do
estágio devem ser implementadas no início da segunda metade do Curso, o que
corresponde, nesse caso, ao sétimo quadrimestre e não oitavo, uma vez que o curso
investigado tem duração ideal de 12 quadrimestres.
217
Apesar de contrariar as Diretrizes Curriculares, entendemos que o início tardio
das atividades do estágio não acarretaria dificuldades na formação do futuro
professor, pelo contrário. Conjecturamos que esse início seja justificado pela
vinculação das cinco etapas do estágio às disciplinas de Práticas de Ensino, como é
proposta no Projeto Pedagógico, a fim de relacionar a teoria, que supostamente
seria abordada nas disciplinas de Práticas de Ensino, às atividades da dimensão
prática da formação docente, que supostamente seriam propostas nas etapas do
estágio. Essa vinculação, a nosso ver, contribuiria para com a formação do futuro
professor de Matemática da Educação Básica. Entretanto, parece-nos que no plano
prático a referida vinculação pouco ocorre.
Apesar de sabermos que não é este um princípio adotado pela UFABC,
entendemos que, para garantir a suposta relação entre a teoria e a prática proposta
no Projeto Pedagógico, a Universidade poderia cobrar, dos alunos do Curso, o
estudo concomitante de cada uma das cinco etapas do estágio e suas respectivas
disciplinas de Práticas de Ensino.
Em se tratando da prática como componente curricular, reiteramos que a
Universidade Federal do ABC centraliza a carga horária de 408 horas em dez
disciplinas pedagógicas, ao invés de distribuir essa carga em disciplinas
constituintes da formação para a docência, como consta nas Diretrizes Curriculares
Nacionais. Entendemos que essa centralização não contribui para a formação
docente, pois, dessa forma, não há, no Projeto Pedagógico, indicação clara de que
as disciplinas que abordariam assuntos matemáticos que comporiam os objetos de
ensino do futuro professor teriam, necessariamente, de estudar aspectos
relacionados ao ensino desses futuros objetos. Uma vez não tratados esses
aspectos nas disciplinas de Matemática, dificilmente serão tratados nas disciplinas
de Práticas de Ensino, dado o fato de a carga horária dessas disciplinas ser,
praticamente, mínima.
Das dez disciplinas que compõem a prática como componente curricular,
sendo cinco pedagógicas específicas e cinco pedagógicas gerais, temos dúvidas se
quatro delas realmente abordariam assuntos relacionados à dimensão prática de
formação, conforme nossa concepção dessa dimensão. Na análise das ementas
dessas quatro disciplinas, todas pedagógicas gerais, identificamos apenas assuntos
218
que seriam mais relacionados à teoria, como na disciplina Didática. Isso nos leva a
dois entendimentos. O primeiro é de que seria necessária a observação dessas
aulas, no sentido de identificar se há assuntos relacionados à dimensão prática,
abordados em sala de aula, e que não estão explicitamente indicados nas ementas.
O segundo é a necessidade de compreender qual a concepção de dimensão prática
adotada pela UFABC, que faz com que sejam associadas disciplinas, a nosso ver,
puramente de caráter teórico ao grupo de prática como componente curricular.
Entendemos que o simples fato de ser pedagógica não qualifica uma disciplina para
ser associada a esse componente curricular. Por outro lado, entendemos que esse
componente não deva ser somente composto por disciplinas classificadas como
pedagógica.
Sendo assim, uma disciplina de Geometria Analítica, por exemplo, poderia ter
parte da sua carga horária associada à prática como componente curricular se
abordasse aspectos da dimensão prática do professor, como a discussão sobre o
ensino das retas na Educação Básica, do ponto de vista algébrico. Isso, a nosso ver,
justificaria a distribuição da carga horária do grupo de prática como componente
curricular nas disciplinas de formação para a docência e, segundo nossa concepção,
Geometria Analítica poderia ser uma delas.
Nossa forma de entender as atividades associadas à prática como
componente curricular contribuiria, por exemplo, para que esse componente
pudesse permear todo o curso e não apenas estar presente em parte dele, nas
poucas disciplinas que o comporiam, como ocorre no Curso de Licenciatura em
Matemática da UFABC que, conforme abordamos no capítulo 4, tem a prática como
componente curricular presente em somente 75% dos 12 quadrimestres e em
apenas dez disciplinas. Por outro lado, essa forma de entendimento demandaria a
presença de docentes nas disciplinas de formação para a docência, com
permanente preocupação com aspectos de ensino de conteúdos matemáticos na
Educação Básica.
Não podemos deixar de registrar que entendemos ser pequena a efetiva
carga horária reservada a disciplinas específicas da prática como componente
curricular do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC. Reiteramos que
somos a favor, por exemplo, da substituição da disciplina Didática, pela disciplina
219
Didática da Matemática, conforme abordamos no capítulo 4. Essa substituição
contribuiria para o aumento da referida carga horária.
Com relação aos conteúdos curriculares de natureza científico-cultural,
acreditamos que sua composição não privilegia a formação de futuros professores
de Matemática. Como já apresentado na seção anterior, a maior parte da carga
horária do Curso de Licenciatura em Matemática é composta por disciplinas do
Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Por outro lado, a maior parte das disciplinas
desse Bacharelado está associada a áreas distintas da área do Ensino de
Matemática, dentre elas, as áreas de Biologia, de Física e de Química. Como esse
Bacharelado não tem como finalidade a formação para a docência na Educação
Básica, essas disciplinas também não são abordadas tendo como finalidade a
formação para o ensino e, portanto, não se pode afirmar que contribuiriam
diretamente na formação para o egresso do Curso de Licenciatura em Matemática
lecionar Ciências nos anos finais do Ensino Fundamental, como registramos acima,
ao abordar a licença que é concedida pelo referido Curso.
No que se refere às disciplinas matemáticas, a falta da abordagem de
aspectos relacionados ao ensino de assuntos que estão presentes nas ementas,
que constituirão os objetos de ensino do futuro professor de Matemática, nos leva a
acreditar, conforme já registramos no capítulo 4, que esses assuntos são estudados
como revisão ou de forma diferente daquela que se espera que esse futuro
professor ensine. Isso, a nosso ver, não contribui na formação do professor, uma
vez que esse modelo de ensino poderia diretamente influenciar a prática letiva do
futuro docente. Não se pode negar a questão da simetria invertida em cursos de
formação de professores.
Sendo assim, a formação proposta nas disciplinas que compõem o grupo de
conteúdos curriculares de natureza científico-cultural não está necessariamente
associada ao ensino de assuntos matemáticos na Educação Básica e, por esse
motivo, esse componente curricular não caracterizaria uma licenciatura em
Matemática. Tampouco caracterizaria um Bacharelado em Matemática, dada a
presença considerável de disciplinas do Bacharelado em Ciência e Tecnologia.
220
Em pelo menos duas disciplinas pertencentes ao grupo dos conteúdos
curriculares de natureza científico-cultural, relacionadas ao estudo da Geometria,
identificamos atividades que, mediante nossa concepção, podem ser associadas à
dimensão prática. Além delas, também identificamos atividades de dimensão prática
em uma disciplina de opção limitada, a História da Matemática. Logo, a dimensão
prática está presente no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC, não
apenas no estágio curricular supervisionado e na prática como componente
curricular. De certa forma, isso evidencia que a dimensão prática, mesmo quando
não explicitamente identificada nas ementas das disciplinas, é trabalhada por alguns
docentes do Curso, o que entendemos ser positivo para a formação de professores
e reforça nosso entendimento sobre a possibilidade da existência de atividades da
dimensão prática na maior parte das disciplinas de uma licenciatura.
Entretanto, a relação entre as atividades da dimensão prática e as teorias
abordadas no Curso ocorre de forma distinta nas diferentes situações em que essa
dimensão foi identificada. A existência da relação de unidade entre a teoria e a
prática em algumas dessas situações é, a nosso ver, um aspecto que favorece a
formação do futuro professor de Matemática para a Educação Básica. Porém
entendemos que são poucas as situações em que é possível identificar essa
relação. Pela importância que acreditamos ter a relação de unidade na formação do
futuro docente e pelo fato de ela ser perceptível em poucas situações no Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC, entendemos que essa relação mereça
maior estudo e reflexão pelos docentes do referido Curso, de modo que possa ser
exercida de forma coerente por todos e aperfeiçoada continuamente.
Por outro lado, registramos que somente foi possível identificar a relação de
unidade entre a teoria e a prática em disciplina não pertencente ao grupo da prática
como componente curricular mediante entrevista realizada com docentes do Curso.
Entendemos ser importante, como forma de continuidade da investigação que
fizemos, a realização de pesquisas com base em novas entrevistas, com outros
docentes do Curso, para identificar a concepção desses docentes sobre dimensão
prática e identificar se, na prática letiva dos docentes entrevistados, a relação de
unidade entre a teoria e a prática ocorre.
221
Sobre os pressupostos para a formação de professores de Matemática
adotados pela UFABC:
Para identificar esses pressupostos, foi necessária a análise das ementas de
todas as disciplinas do Curso de modo a constatar em que medida elas contemplam
conhecimentos diretamente relacionados ao conteúdo que o futuro professor de
Matemática irá ensinar na Educação Básica.
Nossa análise identificou que a maior parte das disciplinas do Curso pode ser
associada ao domínio do conhecimento comum do conteúdo ou ao domínio do
conhecimento especializado do conteúdo, pertencentes à base dos conhecimentos
para o ensino de Matemática, definidos por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008).
Entretanto, poucas são as disciplinas do Curso que podem ser associadas aos
quatro demais domínios pertencentes a essa base. Esse fato confirma que a UFABC
adota pressupostos de formação no Curso, que não estão necessariamente
atrelados ao ensino da Matemática na Educação Básica.
Conforme registramos na resposta da questão anterior, para UFABC, o
professor de Matemática da Educação Básica deverá ter condições de lecionar
Ciências nos anos finais do Ensino Fundamental. Para tanto, a proposta dessa
instituição é a de que o licenciando em Matemática deva ter formação dita
interdisciplinar para que possa entender de conteúdos básicos de Biologia, Física e
Química, e seu ensino no Ensino Fundamental, além de entender um pouco da
tecnologia e dominar conteúdos da Matemática e seu ensino na Educação Básica.
Essa proposta de formação tem uma característica diferenciada em relação à
trajetória de formação de professores, abordada no capítulo 3, tendo em vista que
propõe mais de uma formação de graduação em um mesmo curso, ao passo que o
movimento dos estudos em formação de professores indica a necessidade das
especificidades desses cursos.
Entendemos que a interdisciplinaridade seja um fator importante na formação
profissional do professor para a Educação Básica. Esse fator proporcionaria
conhecimentos para trabalhar, por exemplo, com projetos, o que possibilitaria,
dentre outros, a aplicação de conteúdos de diferentes áreas, contribuindo, assim,
para que o aluno possa compreender a importância social dos conhecimentos
222
vinculados às disciplinas que estuda na escola básica. Para tanto, é fundamental
uma atitude dos professores formadores frente às demandas necessárias para a
ocorrência dessa abordagem. Entretanto, questionamos se a formação que é
proposta pela UFABC é realmente interdisciplinar para formar um professor de
Matemática ou se é uma justaposição de disciplinas, deixando a cargo do futuro
professor o desenvolvimento de uma postura interdisciplinar.
Para Japiassu (1976, p. 74), “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela
intensidade das trocas entre especialistas e pelo grau de integração real das
disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa.” Nesse sentido, Fazenda
(1979, p. 32) considera que o conhecimento interdisciplinar deve ser uma “lógica da
descoberta, uma abertura recíproca, uma comunicação entre os domínios do saber,
uma fecundação mútua e não um formalismo que neutraliza todas as significações,
fechando todas as possibilidades.” Além disso, se o processo educativo for iniciado
em uma perspectiva interdisciplinar, então o exercício de uma educação
permanente, prolongamento da formação geral e profissional ao longo da vida, terá
melhores condições (PIRES, 2005). Compartilhando desses referenciais, o curso de
Licenciatura de Matemática da UFABC, em nossa visão, não apresentaria uma
abordagem interdisciplinar e sim multidisciplinar.
A formação de professores de Matemática para a Educação Básica necessita,
além de conhecimentos da área da Matemática, conhecimentos relacionados, por
exemplo, à Sociologia, à Psicologia, à História. Essas áreas não estão presentes ou
estão pouco presentes no Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC. O
pressuposto de “interdisciplinaridade” da UFABC, para o seu Curso de Licenciatura
em Matemática, é de que o futuro professor, egresso desse Curso, teria de contar
com uma formação “básica” em Ciência e Tecnologia, com uma complementação
Matemática e pedagógica. Como a ênfase dada às Ciências Naturais e Tecnologias
é grande, e não necessariamente voltada ao ensino na Educação Básica, a
Licenciatura em Matemática da UFABC parece ser um curso complementar a um
bacharelado “interdisciplinar” em ciência e tecnologia que, a nosso ver, não é
caracterizado pela interdisciplinaridade.
O pressuposto de uma formação “básica”, realizada por um Bacharelado
Interdisciplinar em Ciência e Tecnologia e complementada por uma formação
223
específica em Licenciatura em Matemática, pode estar fundamentado no Processo
de Bolonha, que tem como princípios, conforme apresentamos na subseção 2.4, a
generalidade versus a especialidade de formação e a flexibilidade dos modelos de
formação. Como estratégias para que os princípios pudessem ser considerados, as
instituições, de acordo com o referido Projeto, teriam de, dentre outras ações,
centrar o ensino em atividades que levariam ao desenvolvimento de competências e
flexibilizar os currículos, fixando os planos de estudos por áreas de conhecimento,
com disciplinas que integrariam o núcleo do curso, disciplinas que serviriam de
suporte a esse núcleo e disciplinas que seriam opcionais ou subsidiárias a esse
núcleo, com múltiplas combinatórias possíveis.
A centralização do ensino em atividades com o objetivo de levar o futuro
professor a desenvolver competências é um dos três princípios indicados, também,
nas Diretrizes Curriculares Nacionais e, portanto, deveriam fazer parte de todas as
licenciaturas brasileiras. No entanto, reiteramos que as competências específicas
para o egresso do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC não são
identificadas no Projeto Pedagógico. Dessa forma, não sabemos quais são as
competências adotadas pela UFABC para desenvolver um futuro professor de
Matemática.
Por outro lado, a flexibilização do currículo é efetuada apenas em parte pela
UFABC. Essa flexibilização ocorreria somente em disciplinas de opção livre e de
opção limitada, uma vez que a maior parte das disciplinas obrigatórias de cada curso
dessa Universidade é composta pelas disciplinas obrigatórias dos bacharelados
interdisciplinares, responsáveis pela formação “geral”. Com relação ao Curso de
Licenciatura em Matemática da UFABC entendemos ser necessária a reavaliação do
peso que a carga horária das disciplinas da formação “geral” tem na composição da
carga horária total do Curso. Além disso, e o que entendemos ser mais urgente, é a
reavaliação de o Bacharelado em Ciência e Tecnologia ser a formação “básica” para
a Licenciatura em Matemática. Reiteramos que a Educação Matemática é composta,
também, por conhecimentos da área de Humanas.
Palavras finais:
224
Além do Projeto de Bolonha, acreditamos que o pressuposto de formação da
UFABC pode ter sua justificativa em outros aspectos relacionados à educação
brasileira e que merecem ser investigados, uma vez que é sabido que a proposta de
formação pioneira da UFABC é cogitada para ser implementada em outras
instituições de Educação Superior.
Temos ciência, e é amplamente divulgado, que a Educação Básica não
estaria conseguindo atingir objetivos a ela estabelecidos e entendemos como
consequência a dificuldade de acesso dos seus egressos à Educação Superior,
sobretudo pública. Isso faz com que se torne necessário ao poder público tomar
algumas providências, como o estabelecimento de quotas e o financiamento
estudantil, a fim de garantir aos egressos da Educação Básica o estudo de nível
superior. Nesse sentido uma formação em dois ciclos, sendo um primeiro básico,
seria uma forma de promover ao futuro profissional bases para a formação em um
curso de graduação específica. Sendo assim, ao mesmo tempo que garantiria a
constituição das competências objetivadas na Educação Básica, conforme consta do
artigo quinto das Diretrizes Curriculares Nacionais, as instituições de ensino superior
reconheceriam a fragilidade do ensino da Educação Básica.
Em se tratando do plano institucional, uma formação em dois ciclos poderia,
por exemplo, resolver o problema das vagas ociosas existentes em alguns cursos de
graduação. No Estado de São Paulo, algumas licenciaturas fazem parte desse grupo
de cursos.
Instituindo cursos interdisciplinares, como os Bacharelados de ingresso da
UFABC, cursos de formação geral, sem pretensões de formação específica, o
número de alunos ingressantes nas instituições de Ensino Superior poderia ser
aumentado. Isso, em nossa opinião, contribuiria para resolver o problema de acesso
à Educação Superior e a ociosidade de vagas, principalmente de cursos de
instituições públicas. Por outro lado, a realidade da UFABC mostra um possível
problema: todo ano ingressa o número total de alunos na instituição, mas o número
de egressos dos cursos é pequeno. Assim, haveria a necessidade de identificar o
motivo pela qual a UFABC não vem formando alunos no mesmo ritmo em que eles
ingressam na instituição.
225
Ao realizar a análise das entrevistas, pudemos identificar que há a intenção
de se reformular o Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em Matemática da
UFABC, no sentido de acrescentar mais carga horária, aumentando o número de
disciplinas voltadas à formação profissional do futuro professor. Para isso, ações
vêm sendo realizadas, como reuniões para discussão das ementas das atuais
disciplinas e para a escolha de novas disciplinas. Dessas reuniões, participam
professores de algumas áreas, dentre elas, da Matemática e da Educação
Matemática, que na UFABC é denominada Ensino de Matemática. Dessa forma,
vemos um engajamento para a melhoria da formação docente.
A nosso ver, ações como as citadas mostram que, mesmo o Curso tendo o
reconhecimento do MEC com nota máxima, seus docentes estão engajados no
sentido de repensar ou criar elementos para oferecer formação de professores de
Matemática para a Educação Básica com qualidade. Entendemos que mesmo tendo
sua Proposta Pedagógica submissa à organização educacional da UFABC, os
docentes do Curso de Licenciatura em Matemática dessa instituição saberão
administrar as modificações que julgarem necessárias a fim de proporcionar uma
melhor formação aos alunos desse Curso.
226
REFERÊNCIAS
ANDRADE, Sirlene Neves de. Expectativas Institucionais Relacionadas à Transição entre o Ensino Médio e o Ensino Superior para o Caso da Noção de Função Exponencial. Tese (Doutorado em Educação Matemática). São Paulo: Universidade Bandeirante de São Paulo: 2012.
BALL, Deborah Loewenberg; THAMES, Mark Hoover; PHELPS, Geoffrey. Content Knowledge for Teaching: what makes it special? In: Journal of Teacher Education. V. 59, n. 5, p. 389-407, novembro, 2008.
BALL, Deborah Loewenberg; THAMES, Mark Hoover; PHELPS, Geoffrey. Content Knowledge for Teaching: what makes it special? In: National Symposium on Professional Development for Engineering and Technology Education. Illinois State University: 2007.
BARBOSA, Edson Pereira. Leituras sobre o Processo de Implantação de uma Licenciatura em Ciências Naturais e Matemática por Área do Conhecimento. Tese (Educação Matemática). Rio Claro: Universidade Estadual Paulista, 2012.
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ANEXO A – Transcrição das entrevistas realizadas com a Coordenadora e Professora do Curso de Licenciatura em
Matemática da UFABC
Dados da entrevistada:
Prof.ª Dr.ª Virgínia Cardia Cardoso.
Licenciada em Matemática pela Universidade de São Paulo, Mestre em Educação
Matemática pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e Doutora
em Educação pela Universidade Estadual de Campinas. Atualmente é professora
Adjunto I da Universidade Federal do ABC. Tem experiência na área de Educação,
com ênfase em Filosofia da Educação, atuando principalmente com Educação
Matemática, Ensino de Matemática, História da Matemática, Filosofia da Educação
Matemática e Formação de Professores. (Currículo Lattes – adaptado)
Primeira entrevista:
Marcelo: Como é organizada administrativamente a UFABC e como funciona a distribuição/atribuição das aulas?
Prof.ª Virgínia: Aqui na UFABC nós não temos departamentos. Normalmente nas universidades, existem as faculdades e cada uma delas tem seus departamentos que se responsabilizam pelos seus cursos. Aqui é diferente: quando um professor entra por um concurso, ele entra pela vaga de um determinado curso e é vinculado, normalmente, a um determinado centro. Aqui nós temos três centros: o Centro de Matemática, Computação e Cognição, que é o que nós estamos, o CMCC, o Centro de Ciências Naturais e Humanas, e o Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais. Quando vem para cá [para a UFABC] uma pessoa formada em Matemática, um Matemático, um pesquisador em Matemática, ele pode ser de qualquer um dos centros: em todos os centros existem Matemáticos, Físicos, Químicos. Por exemplo, tem Biólogos aqui no CMCC. Então a questão das áreas de conhecimento não está muito definida como de forma tradicional. No CMCC estão associados quatro cursos de graduação: Bacharelado em Matemática, Licenciatura em Matemática, Bacharelado em Neurociências, que é um curso mais novo, e tem o Bacharelado em Computação, por enquanto. Se algum grupo de professores quiser, poderá montar mais cursos de graduação vinculados a esse centro. Temos também [no CMCC] alguns cursos de pós-graduação: Mestrado de Matemática Pura e Aplicada, Mestrado em Ciência da Computação, Mestrado e Doutorado em Neurociências, e tem um curso que não é somente da responsabilidade do CMCC, mas também do CCNH, que é o Curso de Pós-Graduação em Ensino, História e Filosofia das Ciências e Matemática [Mestrado]. A maior parte dos professores desse curso é do CCNH, que tem os cursos de Bacharelado e Licenciatura em Física, Química, Biologia e Filosofia. Então o pessoal da área de ensino [que ingressa na UFABC] vai predominantemente para lá: de educação tem mais gente lá do que aqui. Aqui no CMCC nós temos, por enquanto, somente quatro professores da área de Educação Matemática, que no caso, aqui, chamam de Ensino de Matemática: o Prof.º Plínio Táboas, que foi o primeiro que entrou, no primeiro concurso para
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essa área, em 2008; eu, que fiz concurso em 2009 e assumi em 2010, não foi o segundo concurso, foi o terceiro ou quarto, porque depois do concurso do Plínio, ninguém passou; o Alessandro, que entrou no concurso de 2010; e, de lá para cá, nós fizemos outros dois concursos, em que não entrou ninguém. Amanhã começa um próximo, que espero que entre alguém: são duas vagas. Nós temos, no total, oito vagas para essa área de ensino, sendo que sete são para professor adjunto e uma para professor titular. O concurso para professor titular, nós já pedimos a vaga e já foi aprovada, mas nós ainda não conseguimos abrir, pelo fato de que, no ano passado, em decorrência da greve, ocorreu uma reformulação na carreira do magistério, em todo o Brasil, com novas regras para contratar professor no ensino superior nas universidades federais. E aí o cargo de professor titular passou por essa reformulação e a reitoria terá que aguardar para que essa lei seja implementada, que é a partir de primeiro de março, para contratar o professor titular dentro dessa nova lei. Nesse concurso que começa amanhã, se tiver alguém aprovado e as pessoas assumirem antes de primeiro de março, conseguiremos ainda contratar pela antiga lei, que é um pouco mais vantajosa para quem está entrando, pois a carreira de professor no ensino superior inicia, se não me engano, como auxiliar, depois você passa para professor assistente, depois para adjunto e depois para associado. Nós, como somos todos doutores, já iniciamos como professor adjunto. Só que com essas novas regras, isso não vai mais poder acontecer: mesmo que a pessoa tenha condições de ser adjunto, ela iniciará a carreira do zero, iniciará como auxiliar. Aí não sei mais quanto tempo chegará a professor assistente e depois a professor adjunto. O salário nessa nova lei até que melhorou um pouquinho, muito menos do se estava pedindo, mas em compensação, para quem está começando, ficou pior. E para nós é ruim, pois ficou mais complicado para contratar professor. Se nós já não tínhamos candidatos em outros concursos, agora, então, será muito complicado um professor se interessar nessas condições, pois também não é só isso: a aposentadoria também mudou, pois para uma aposentadoria total o funcionário terá que pagar uma complementação.
Marcelo: Quando a senhora assumiu as aulas, em 2010, o Curso de Licenciatura em Matemática já existia e tinha o Projeto Acadêmico elaborado?
Prof.ª Virgínia: Sim, o curso já existia, assim como o Projeto. A Universidade abriu em 2006 e tinha algumas diretrizes políticas: uma delas é que aqui tivesse cursos de licenciatura. Não lembro bem, mas desde 2006 ou 2007 parece que houve um esforço do MEC em abrir, em faculdades federais, cursos de licenciatura. Tanto é que naquela época, enquanto não tinha a UFABC, mas tinha a Escola Técnica Federal de São Paulo, que passou a se chamar Instituto Federal, eles começaram a oferecer cursos de licenciatura: lá tem agora Licenciatura em Física, Licenciatura em Geografia, Licenciatura em Matemática. E antes, o que acontecia? A escola era uma escola técnica e começou a oferecer cursos; primeiro mais na área técnica, de engenharia, tecnológicos, mas parece que, por determinação do MEC, não sei te dizer bem, essas escolas técnicas federais passaram a institutos federais de ensino superior e a oferecer cursos de educação superior junto com os da área técnica, inclusive a oferecer licenciaturas. E, quando a UFABC foi implementada, já havia essa determinação política: vai ter curso de engenharia, porque a ideia é abrir um polo tecnológico aqui, e licenciaturas. Feito isso, o que aconteceu: as primeiras pessoas que foram contratadas em 2008, como no caso do Plínio, tiveram como a primeira tarefa fazer o Projeto Pedagógico das Licenciaturas, pois antes não havia projeto algum: tinha o Projeto do Bacharelado em Ciências e Tecnologia; estavam fazendo, já, os das Engenharias; mas não havia pessoas contratadas da área da educação para fazer os Projetos Pedagógicos das Licenciaturas. E nesse concurso de 2008 foram contratadas quatro pessoas: um da área da Educação Matemática, o Plínio Táboas; outra da área da Educação em Biologia, que se chama Rosana Louro Ferreira; uma professora da área da Química, Maísa Gonçalves; e um da área de Física, que acho que foi contratado no concurso anterior a 2008, que se chama Marcelo Zanotello.
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Marcelo: Então foi contratado um professor de cada licenciatura e eles elaboraram o Projeto Pedagógico das Licenciaturas, é isso?
Prof.ª Virgínia: Sim. Eles fizeram um único Projeto Pedagógico, congregando quatro licenciaturas. Esse Projeto Pedagógico foi aprovado em 2009, pelo ConsUni, que é o Conselho Universitário, pelo ConsEP, o Conselho de Ensino e Pesquisa, e passou a vigorar em 2009, agosto ou setembro. Era um Projeto Pedagógico só, mas para as quatro licenciaturas: a de Matemática, de Física, de Química e de Biologia. Então, nesse Projeto, existia uma parte comum, que ainda existe, ainda funciona, para as licenciaturas, que é a maior parte do curso, e depois tem uma parte específica para cada licenciatura.
Marcelo: Essa primeira parte é o BC&T que consta do Projeto?
Prof.ª Virgínia: É o BC&T e não apenas isso. Sabe aquelas 400 horas de disciplinas pedagógicas que na lei consta como prática de ensino? Então, essas 400 horas fazem parte do núcleo comum, mas não do BC&T. O BC&T é um curso comum não somente para as licenciaturas, mas para as Engenharias, para os Bacharelados de Matemática, Física, Química...
Marcelo: Então todo aluno faz o BC&T como curso introdutório?
Prof.ª Virgínia: Ou o BC&T ou o BC&H: são dois os cursos introdutórios. O aluno, para entrar aqui, faz primeiro o ENEM, não tem vestibular, e escolhe a vaga dele no SiSU. Ele pode escolher a UFABC aqui em Santo André ou em São Bernardo [do Campo], escolhe o período da manhã ou da noite e escolhe um dentre dois cursos apenas: ou o Bacharelado em Ciência e Tecnologia, ou o Bacharelado em Ciência e Humanidades, que é o mais recente. O que surgiu primeiro, em 2006, foi o BC&T. [Se o aluno escolheu o BC&T], então ele vai fazer 90 créditos de disciplinas comuns obrigatórias, como por exemplo, Funções de Uma Variável, que é o Cálculo I. Essas disciplinas do núcleo comum são tanto para as licenciaturas quanto para os bacharelados e para as engenharias. Se um aluno vai fazer Engenharia de Gestão, então ele vai fazer essas disciplinas também; Licenciatura em Matemática também, assim por diante. Se um aluno escolheu o BC&H, então ele vai fazer outro conjunto de disciplinas, com 96 créditos. A ideia é a mesma: ele faz um núcleo de disciplinas comuns, escolhe o curso específico dele e vai cumprir as disciplinas específicas. Para quem faz o BC&T, tem à disposição, se não me engano, 23 cursos que pode escolher. Ele pode fazer até três cursos juntos. Vamos supor: eu quero fazer Licenciatura em Matemática, Bacharelado em Biologia e Engenharia de Gestão. Ele pode e vai levando esses cursos específicos. Dependendo do curso específico que ele entrar, ele tem também outro núcleo de disciplinas, não tão comum. Por exemplo, nas engenharias, ele tem alguns créditos que valem para todas as engenharias. Então, vamos supor que tenha uma disciplina que chame desenhos e projetos: ela valeria para todas as engenharias. No caso das licenciaturas, ele vai fazer disciplinas que são comuns a todas as licenciaturas, que correspondem àquelas 400 horas de prática de ensino. São aquelas disciplinas como: Desenvolvimento e Aprendizagem; Políticas Educacionais; tem uma prática de ensino que é comum a todas, que é Prática de Ensino de Ciências e Matemática; Educação Científica, Sociedade e Cultura e Cultura; Libras; Didática; tem uma quantidade [de disciplinas] que, independente da licenciatura escolhida, ele vai ter que fazer. Depois, ele vai fazer as disciplinas que são mais específicas daquele curso. No caso da [Licenciatura em] Matemática, nós temos ainda algumas disciplinas que são compartilhadas com o Bacharelado em Matemática, que são obrigatórias tanto para quem faz a licenciatura quanto para quem faz o bacharelado, como: Teoria Aritmética dos Números; Matemática Discreta; Álgebra Linear; Cálculo Numérico; Evolução dos Conceitos Matemáticos. Então existem disciplinas que, na mesma classe, tem alunos tanto do Bacharelado quanto da Licenciatura em Matemática. A Geometria Plana e Construções Geométricas, os Fundamentos de Álgebra, de Análise e de Geometria, são disciplinas somente da licenciatura. Alunos somente da Licenciatura, veremos, por exemplo, na disciplina de Fundamentos de Álgebra, ou então em uma turma de Prática de Ensino em Matemática. Agora, além dessas, o aluno
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deve complementar os seus créditos mínimos para se formar fazendo disciplinas que chamamos de opção limitada e outras que são chamadas de opção livre. Então, por exemplo, o aluno tem que fazer 12 créditos [de disciplinas] desse grupo [disciplinas eletivas – opção limitada – da licenciatura em Matemática, Tabela 6 do Projeto, p. 10-11]. E também tem algumas disciplinas que, aí sim, ele pode escolher à vontade. Por exemplo: eu quero fazer uma da Filosofia, eu quero fazer uma da Engenharia, do Bacharelado de Química, enfim, ele tem 10 créditos que tem de cumprir desse jeito, escolhendo disciplinas que são dadas em qualquer outro curso, que ele pode escolher livremente. Então se ele começou a fazer e não gostou daquela e quer mudar, então muda, pois ele não tem que refazer aquela, porque é livre, ele pode escolher livremente, ele tem é que fazer algumas para completar os 10 créditos.
Marcelo: Essas disciplinas em que têm alunos do Bacharelado e da Licenciatura em Matemática, ao mesmo tempo, são ministradas por Matemáticos ou por Educadores Matemáticos?
Prof.ª Virgínia: Via de regra por Matemáticos. Por quê? Em primeiro lugar, porque temos pouquíssimos professores da área de ensino, trabalhando nessa área [de Educação Matemática]. Para você ter uma ideia, por enquanto, sou eu, e mais três professores: um deles estava ocupando um cargo administrativo e então estava com poucas aulas. Do final do ano para cá, tivemos um professor visitante, que não cheguei a falar. Não é um cargo definitivo: dura um ano e pode ser renovado por mais um ano, e nós esperamos tê-lo por dois anos; ele está nos ajudando, dando aula nos cursos de licenciatura. Por enquanto, o que estamos conseguindo fazer? Estamos dando conta apenas das atividades relacionadas à prática. Estamos com as disciplinas de Práticas de Ensino e orientando os Estágios. Por enquanto, a única disciplina fora dessas que eu consegui dar é Evolução dos Conceitos Matemáticos, que tem mais a ver com História que também é minha área, História e Filosofia [da Matemática].
Marcelo: Essa disciplina tem algo a ver com esta de História da Matemática, que está como eletiva? A História é uma continuação dela?
Prof.ª Virgínia: Não. A Evolução não é trabalhar somente com História da Matemática; nós trabalhamos também a Filosofia da Matemática, com conceitos mais fundamentais: como é que se define de um jeito, como se define de outro jeito, como poderia se pensar de maneira diferente [do ponto de vista matemático]. Essa ementa foi criada mais para um Curso de Bacharelado em Matemática. Então não se colocou [na ementa] nada relacionado à Educação Matemática: usar aquele ponto de vista como recurso pedagógico. Quando eu dei aula dessa disciplina, eu procurei colocar isso: olha, a gente está vendo isso aqui porque na escola básica isso poderia ser tratado dessa maneira, ou então poderia ter essa visão de determinado conteúdo. Por que fiz isso? Porque essa disciplina também é obrigatória para a licenciatura e, mesmo que não tenha na ementa, acho que essa disciplina tem que ter uma entonação para isso, não é? Agora, em outras disciplinas que precisariam também fazer isso, como Fundamentos de Álgebra e de Análise, isso não é feito. Por quê? Porque acabam sendo dadas por Matemáticos.
Marcelo: Essa seria minha próxima pergunta: se existe nas disciplinas Matemáticas a relação entre a teoria e a prática. Existe?
Prof.ª Virgínia: Depende de quem vai dar essa disciplina. Até agora ninguém da área da Educação Matemática conseguiu dar essas disciplinas, pois estão sempre ocupados com as Práticas de Ensino. Por isso precisamos de mais gente dando aula, senão elas sempre ficarão nas mãos dos Matemáticos. Isso é muito ruim, pelo seguinte: existem disciplinas que são obrigatórias no Bacharelado, mais não são na licenciatura, como é o caso, por exemplo, dessa Análise Real I. A ementa dela é muito parecida com a de Fundamentos de Análise [que é obrigatória para a Licenciatura em Matemática]. A ementa delas difere muito pouca coisa e, geralmente quem dá uma, quer dar a outra também, mas de forma igual. Então
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acaba não dando nenhum curso diferente e nós sabemos que isso é ruim para o Projeto Pedagógico e para a formação do aluno: uma visão diferente da disciplina, ele não vai ter.
Marcelo: As disciplinas são escolhidas pelos professores?
Prof.ª Virgínia: Aqui, o problema principal é a falta de professores. O planejamento inicial, quando a universidade foi criada, era de 750 e até agora ela não tem isso: acho que não chega a 500. Só que temos capacidade máxima de alunos no BC&T: entram 1.500 por vez e ninguém sai, porque o pessoal entra e ninguém se forma, pois com essa história de poder fazer três cursos ao mesmo tempo, eles querem mesmo fazer os cursos e não tem como [impedir]. Então não temos aquele fluxo normal de alunos. Assim, existe a necessidade de todos os cursos racionarem as disciplinas e não temos condições de oferecer todas, na frequência como gostaríamos de oferecer. Então acabamos fazendo assim: aqui no Projeto Pedagógico não é obrigatório uma ordem específica das disciplinas, o aluno poderia fazer em qualquer ordem. Mas é sugerida uma ordem nessa tabela aqui [quadro do item 6.2 do Projeto, páginas 11 e 12]. Aqui nós trabalhamos por quadrimestre, então temos aqui os quadrimestres ideais [referindo-se as disciplinas constantes da tabela] e nós procuramos oferecer somente as disciplinas do quadrimestre ideal, porque nós não temos capacidade para dar mais que isso. Por exemplo, nesse quadrimestre em que estamos [primeiro de 2013], por causa da greve, é o terceiro quadrimestre do ano. Então estamos oferecendo disciplinas desse segundo quadrimestre ideal [referindo-se ao quadro no Projeto Pedagógico], do quinto e do oitavo [os alunos ingressantes entram no segundo quadrimestre do ano, o que correspondente ao primeiro quadrimestre ideal. Assim, no terceiro quadrimestre do ano eles estão no segundo quadrimestre ideal].
Marcelo: Então são oferecidas, em princípio, as disciplinas que constam da programação que é proposta ao aluno?
Prof.ª Virgínia: Sim. No primeiro quadrimestre do ano, quais são os quadrimestres ideais? O terceiro, o sexto, o nono e o 12.º, e aí vai, na sequência. Então, dos quadrimestres ideias, nós oferecemos as obrigatórias. Quando sabemos que haverá possibilidade de oferecer disciplinas de opção limitada, ou então uma que está fora do quadrimestre [ideal] e que poderia servir para alguém adiantar seus créditos, nós oferecemos. É o caso, por exemplo, de Fundamentos de Geometria que estamos oferecendo nesse quadrimestre, pois teve um professor que se dispôs a dar isso, e tem também Tendências em Educação Matemática. Essa disciplina não é obrigatória para o Bacharelado e nem consta, na relação deles, como disciplina que poderiam fazer como créditos; seria uma disciplina livre para eles. Agora, para nós, é uma disciplina que é importante [é uma disciplina eletiva], só que é uma disciplina que conseguimos somente oferecer uma vez, que foi no primeiro quadrimestre de 2011; e só agora que vamos oferecer novamente. Quer dizer, em 2012 não foi oferecida e quem estava fazendo disciplina e terminou o curso, acabou ficando sem ela. Agora estamos com esperança de que entrem dois professores novos, e estamos oferecendo para o primeiro quadrimestre de 2013 essa disciplina de Tendências em Educação Matemática.
Marcelo: Como a senhora já disse, quando assumiu, o Projeto Pedagógico já existia. A senhora saberia indicar a origem desse Projeto, como ele surgiu, era um Projeto que veio do Ministério?
Prof.ª Virgínia: Não era um Projeto vindo do Ministério. O grupo daqueles quatro professores foi quem elaborou. Eles pegaram o Projeto do Bacharelado em Ciência e Tecnologia, que foi elaborado em 2006 e teve várias reformulações, a última em 2009, e juntaram às disciplinas obrigatórias desse Projeto de 2009 com outras que achavam ser importantes [para as licenciaturas], ou seja, foi obra desses quatro professores mesmo. Não sei se eles tiveram inspiração de outro lugar: eu imagino que não, pois esse Projeto é diferente dos de outros lugares, mesmo porque, para ser um Projeto para quatro licenciaturas, isso é diferente mesmo.
Marcelo: Eu tenho como ter acesso aos programas das disciplinas?
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Prof.ª Virgínia: Tem. Na página [eletrônica] da UFABC, você tem um link, na graduação, o Catálogo de Disciplinas da Graduação. Vou até te mostrar aqui [a professora mostrou, em seu computador o caminho para acessar o documento]. Todo ano sai uma nova versão, constando todas as ementas de todas das disciplinas da UFABC. Acontece que elas [as disciplinas] mudam, e de vez em quando há uma reformulação nesse catálogo. Aqui nós temos, por exemplo, as Práticas de Ensino, de Biologia, de Ciências e Matemática, de Matemática; você tem as ementas. Só que esse catálogo ainda não está completo, porque como nós estamos fazendo a revisão, acabamos não incluindo aqui as bibliografias; por enquanto tem só as ementas mesmo. Sabemos que esse Projeto tem, na nossa ideia, muitas falhas: falta muita coisa que um professor de Matemática deveria saber e não temos oportunidade de discutir. Então estamos fazendo uma reformulação. Olhe [referindo-se à ementa de uma disciplina do Catálogo, em seu computador]: aqui tem Prática de Ensino em Matemática, o que seria pré-requisito, e aqui o que procuramos trabalhar.
Marcelo: Quando a senhora fala em fazer essa remodelagem, a senhora consegue se juntar com o grupo da Matemática e pensar juntos, ou isso não ocorre?
Prof.ª Virgínia: Ocorre, ocorre sim. O que fazemos é o seguinte: no nosso curso, tem o Colegiado, tem um grupo de professores que é associado ao curso, tem a Plenária, então juntamos os professores, inclusive os Matemáticos puros e aplicados, e até Físicos, para pensarmos na reformulação do Projeto do Curso de Licenciatura em Matemática. Estamos prevendo uma reformulação tanto das disciplinas – quais são disciplinas que devem ser colocadas ou não, ampliar o número de créditos, pois a quantidade total de horas do curso é 2.808 e queremos ampliar um pouco, para 3.000, pois em um curso de quatro anos dá para fazer isso – como também mexer nas ementas, porque sabemos que a primeira concepção do curso ficou ótima, por ser a primeira, mas temos sempre que fazer uma reformulação. Tem também outros problemas que apareceram ao longo do caminho e que antes não estavam previstos. De 2009 para cá todos os cursos de graduação da UFABC já receberam visitas do INEP para fazer a avaliação do curso; alguns fizeram com alguma recomendação, outros não. O nosso curso foi aprovado com louvor, tiramos nota cinco, mas, mesmo assim, nós podemos melhorar. Agora, o pessoal da Biologia, por exemplo, recebeu uma equipe do INEP que fez uma crítica: o curso não pode ter um Projeto Pedagógico unificado com os outros cursos; seria uma espécie de anomalia. As outras equipes não falaram nada, mas o pessoal da Biologia falou que cada curso tem que ter o seu Projeto Pedagógico específico. Então estamos também fazendo essa mudança para atender também essa legalidade: não sabemos se não pode realmente ou se era apenas a opinião daquele grupo [de avaliadores do INEP].
Marcelo: Corre-se o risco de se modificar totalmente a ideia de um período básico para todos?
Prof.ª Virgínia: Em princípio não, porque vamos continuar aceitando aquela parte obrigatória do BC&T e também continuarão valendo aquelas disciplinas comuns a todas as licenciaturas. O que vamos mexer é na parte mais específica da Licenciatura em Matemática, assim como o pessoal da Biologia está mexendo mais na parte específica da Biologia, o que o pessoal da Química já fez e o da Física está fazendo. A estrutura, no geral, não vai mudar. O que vai mudar é a quantidade de disciplinas que será oferecida naquela parte específica do curso e também as ementas dessas disciplinas.
Marcelo: Com relação às disciplinas mais específicas para a Licenciatura em Matemática, o grupo de professores da UFABC consegue abordar alguns pressupostos de ensino e de aprendizagem? Consegue aliar a prática com a teoria?
Prof.ª Virgínia: Por enquanto, tanto eu, quanto o Francisco e o Alessandro, que estamos nas Práticas, estamos tendo que dar conta de tudo o que se relacione com a Matemática. Então, por exemplo, falamos nas aulas de práticas, sobre a História da Educação Matemática, da Didática da Educação Matemática, das práticas de pesquisa em Educação Matemática, acabamos falando de tudo. Mas não era esse o objetivo das Práticas: o objetivo era de eles
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[os alunos] fazerem a prática; e vimos que não dá muito tempo para eles fazerem isso, pois, mesmo com uma quantidade pequena de alunos, eles têm que fazer os seminários, têm que fazer os trabalhos deles e apresentar isso na prática, e vemos que o tempo deles é suficiente para fazerem somente um: não dá tempo de eles reformularem essa prática deles, ou de adquirirem realmente a prática. Então, nessa reformulação do Projeto Pedagógico, o que queremos fazer é exatamente isso: deixar as Práticas de Ensino para eles terem uma prática de ensino, ter uma possibilidade de fazerem essa discussão a respeito da prática que ele vai ter dando aula: dele preparar a aula, de analisar um livro didático, dele preparar o material que vai oferecer na aula. Nós queremos deixar as disciplinas de Prática de Ensino para isso e, assim, oferecer outras disciplinas que não existem [no Projeto Pedagógico], que não estão aqui, e que poderiam dar conta dessa parte teórica: seriam mais informativas, mais formativas, para discutir a respeito das teorias didáticas da Educação Matemática, de abordar as tendências de pesquisa em Educação Matemática. Uma das coisas que queremos é tornar essa disciplina de Tendências em Educação Matemática como uma disciplina obrigatória; outra é colocar uma disciplina chamada Didática da Matemática; outra é colocar uma História, com aspectos mais históricos mesmo. Nas Práticas de Ensino queríamos ter mesmo o aluno na prática, o trabalho dele na prática; que ele pudesse dar a aula dele e que ele tivesse a possibilidade de reformular sua aula.
Marcelo: O estágio para os alunos, futuros professores de Matemática, faz parte de um Projeto comum a todas as licenciaturas ou é específico para a Licenciatura em Matemática? Além disso, vocês conseguem fazer o casamento dos Estágios com as Práticas de Ensino?
Prof.ª Virgínia: O estágio faz parte de um Projeto Comum, não está relacionado a alguma área [específica]. Ele foi organizado pelos quatro professores e nós vamos, aos poucos, aperfeiçoando. Nós temos um planejamento geral de estágio, são cinco estágios, ou seja, um estágio dividido em cinco etapas, e o aluno, preferencialmente, tem que fazer junto com as Práticas de Ensino. Mas isso não acontece: na prática não ocorre; depois de todas as disciplinas é que ele terá um tempinho para fazer o estágio. Mas nós indicamos ao aluno: nesse estágio você vai ter que fazer em uma escola de Ensino Fundamental, com tais atividades: horas de regência, horas de observação... Sempre no primeiro estágio do Ensino Fundamental e no primeiro do Ensino Médio, ele tem que ver o projeto pedagógico da escola, analisar as características da escola, e nos últimos de cada nível ele tem que fazer as regências. Também tem que visitar alguns espaços alternativos, como um museu de Ciências, uma feira de Ciências, uma escola específica para alguma coisa. As orientações relativas à Matemática, Física, Química, Biologia são separadas, e os professores de Matemática entram no estágio dos alunos de Matemática, e cada um faz na sua área. O que fazemos é discutir o que o aluno viu na escola, como ele vê isso na prática, como ele explica isso com alguma teoria, como ele poderia fazer diferente. Ele também tem que fazer atividades na escola, como por exemplo, preparar aula, dar aquela aula, analisar o material que o professor usa na escola, tudo isso ele tem oportunidade de discutir. Nós fazemos reuniões quinzenais e nessas reuniões eles [os alunos] falam o que viram na escola, o que eles fizeram, como eles acham que poderia ser, por que é assim, por que não é, então, eles têm oportunidade de discutir. O que não temos muito é a oportunidade deles fazerem um estudo mais profundo a respeito daqueles problemas que eles veem lá na escola, como eles poderiam resolver, e de que maneira as teorias que eles viram aqui na UFABC poderiam ajudar: isso nós não temos muito a oportunidade de fazer. Se eles fizessem direitinho, junto com as Práticas de Ensino, teria até como fazer, mas, na prática, não é isso, não funciona.
Marcelo: Na maior parte das instituições de ensino superior os alunos têm que procurar as escolas para realizar os estágios: não há uma parceria dessas instituições com o poder público para colocar os alunos em estágios. Como a UFABC trabalha isso? O aluno tem que procurar campos para os estágios? Tem que ser em escola pública, ou pode ser em escola particular?
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Prof.ª Virgínia: Aqui o aluno tem que procurar as escolas em que ele vai fazer os estágios. Pode ser em escola particular, mas nós orientamos que seja, preferencialmente, em escola pública, até porque a atividade de regência, em escola particular, não acontece. Geralmente é só participação, observação da aula: na escola particular fica sempre mais difícil. Mesmo assim alguns alunos já fizeram em escolas particulares em que já eram monitores, professores, e então acabaram fazendo nessas escolas. Uma coisa que é interessante anotar é que nós temos uma Resolução do ConsUNI para estágios, elaborado por aquele grupo de quatro professores que, quando elaboraram o Projeto Pedagógico, já elaboraram a Resolução para ser aprovada no ConsUNI e no ConsEP. Essa Resolução foi aprovada em 2010 e eu já estava aqui e lembro-me da discussão. Na Resolução constava que os alunos somente poderiam fazer em escolas públicas. E os conselheiros do ConsEP reclamaram disso, pois existiriam alunos que poderiam perder chance de emprego em escolas particulares. Então o próprio ConsUNI colocou um item que poderia ser em escolas públicas, preferencialmente, ou em escolas particulares. Quando nós orientamos os estágios tentamos fazer com que eles façam em escolas públicas e a maioria faz, realmente. Só que é o próprio aluno quem vai buscar: então tem aluno que prefere fazer perto de onde mora, ou então próximo de onde trabalha; mas a maioria faz aqui nas escolas próximas do UFABC. Uma coisa interessante é que, quando eu entrei, em 2010, foi a primeira turma de alunos que teriam que fazer estágios; então eu já orientei a primeira turma de estagiários. E tivermos muita dificuldade que as escolas próximas aceitassem os estagiários: os professores não querem os alunos na sala de aula, pois acham que vão atrapalhar, vão ter interferência, enfim. Nós tivemos certa resistência: tem uma escola próxima que chegou a recusar os estagiários dessa primeira turma. Então eles tiveram que ir para escolas um pouco mais longe. Depois, no final de 2010, início de 2011, começou o PIBID. Aí, um grupo de professores daqui foi nas escolas, fez as parcerias, inclusive com essa, e várias outras. E agora, estamos de bem, os estágios estão ocorrendo às mil maravilhas: alguns alunos vão às escolas para fazer o PIBID e outros vão para fazer os estágios. Após o PIBID tivemos parcerias excelentes com as escolas. Mas o problema que eu vejo é o seguinte: muitos alunos que vêm fazer a licenciatura querem também fazer o PIBID e eles acabam fazendo os estágios nas mesmas escolas que o PIBID, o que acaba sendo a repetição do mesmo tipo de atividade; uma hora a atividade é paga pelo PIBID e outra hora, no estágio, não é paga. Assim o aluno não muda de ambiente, não vê outra realidade. Uma coisa que discutimos, na Matemática, seria a possibilidade de fazermos uma espécie de parceria com outras escolas, que não sejam do PIBID, para que os alunos pudessem fazer estágios em locais diferentes, porque outro problema que nós enfrentamos, logo no início, é que muitas dessas escolas em que os alunos fizeram os estágios eram escolas não muito boas, pouco organizadas, que tinham a falta de muitos professores, em que os estagiários chegavam lá para fazer as observações e eram colocados na sala de aula, para dar aulas, porque os professores tinham faltado: isso aconteceu em várias ocasiões. Queríamos mudar para escolas que seriam como escolas modelo, em que pudéssemos recorrer a ela para os alunos fazerem estágios. Só que isso também ficou complicado pela quantidade pequena de professores que nós temos e o acúmulo de atividades. Agora, também tem um dado que nós soubemos até pelo fato do PIBID: escolas públicas, pelo menos estaduais, não fazem parcerias com ninguém, nem com universidades públicas, nem com outro tipo de universidade. O único tipo de parceria que foi feito com escolas públicas, pelo menos as estaduais – não sei as dos municípios, pois cada município é uma lei –, que a Secretaria Estadual de Educação aceitou, foi a do PIBID. E agora tem uma espécie de PIBID estadual também, não me lembro do nome. Fora isso, não tem como você estabelecer uma parceria formal. E não sendo formal, fica muito dependente do bom humor de quem te atende na escola, do professor que vai atender esse aluno: não dá para dizer que temos convênio com essa escola para fazerem o estágio.
Marcelo: A senhora chegou a comentar, na questão da possível reformulação, de ampliar a carga horária do curso. O que vocês entendem da lei sobre a carga mínima de 2.800 horas e sobre o período mínimo de duração de três anos? O que
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especialmente o Curso de Licenciatura da UFABC entende sobre esses mínimos, sobre a interpretação das Diretrizes Curriculares?
Prof.ª Virgínia: Vou dar uma interpretação minha. Eu acho que 2.800 horas, sendo 1.800 horas de disciplinas e as outras 1.000 com atividades práticas, estágios e atividades complementares, é pouco para você formar um professor. Na minha interpretação é uma quantidade de horas muito pequena, ainda mais em um prazo de integralização mínima de três anos. Por quê? Bom, quando eu era coordenadora em uma instituição particular, nós cumpríamos o mínimo do mínimo, caso contrário não conseguíamos alunos: abrir um curso de licenciatura com quatro anos? Imagina, não haveria clientes. E é muito complicado, por que – isso é uma visão minha também – quem é o público que vai fazer licenciatura? Nas universidades particulares é aquele público que não tem como cursar cinco anos de uma engenharia, que é um curso mais extenso. Então vai fazer um curso mais rápido – agora existem os tecnológicos que são mais rápidos ainda: antigamente os mais rápidos eram de três anos –, vai fazer licenciatura, porque depois vai ter um emprego, um curso de nível superior, em um prazo mínimo possível. E é geralmente o pessoal que não tem uma formação básica muito boa, deficitária, estudou em escola pública durante a vida toda, já não tem aquela formação ideal. Então o primeiro ano desses três anos seria uma espécie de alfabetização entre aspas: seria um curso que você teria que preencher lacunas dos conteúdos que ele já deveria saber e, depois, passaria dois anos em um curso mais específico de licenciatura, de nível superior. Então eu acho que três anos, com essa carga horária, é pouco para formar um professor. Para que aceitemos esse público, nós realmente temos que preencher essa lacuna para depois dar um curso que seja suficiente para ele ser professor: ele vai ter que ensinar aquilo. Então tem um tempo de formação aqui que precisa ser ampliado; os dois anos que sobram não são suficientes para formar aquele aluno como professor. E quando eu vim para a UFABC, para um curso de licenciatura de quatros anos, ao conhecer o Projeto Pedagógico me perguntei: por que somente 2.808 horas? – Só para explicar o porquê dessas oito horas, como a unidade de crédito aqui tem 12 horas, então a carga horária é múltipla de 12 –. Então por que colocar uma carga horária mínima? Se o curso é de quatro anos, poderiam ampliar essa carga. E o pessoal do grupo mesmo explicou que, na época da elaboração do Projeto Pedagógico, eles não tinham a perspectiva de quantos professores teriam em cada licenciatura; então eles não podiam ampliar muito a carga horária para depois não ter professores para dar aula nas disciplinas. Dessa forma, num primeiro momento, resolveram deixar essa carga horária mínima. Agora, pela quantidade de professores, ou pelo menos de vagas para contratar professores, já vai ser suficiente para podermos ampliar essa carga horária. E por que nós queremos ampliar essa carga horária? Porque vimos que essas disciplinas que são mais específicas para a licenciatura, e principalmente nas disciplinas em que temos chance para discutir a prática, a didática, os conteúdos que formariam o professor, não somente de Matemática, mas o conhecimento profissional, são mínimas, e assim temos pouca chance de ter contato com isso. Então pensamos que deveria mesmo ser ampliada essa carga, e nessas disciplinas mesmo, e não colocar mais Matemática, mais Física, mais BC&T, mas dar oportunidade para o aluno pensar naquilo que vai fazer na sala de aula, enquanto professor, e nos recursos que ele vai ter. Para você ter uma ideia, nas Práticas de Ensino, nós conseguimos, somente em uma das práticas, falar a respeito, por exemplo, do GeoGebra: em uma aula, baixamos aqui o programa e trabalhamos com ele. Nosso caso aqui na UFABC não é falta de material: nós temos recursos e material com tranquilidade. O que falta é oportunidade para poder estar com o aluno para discutir aquilo; em compensação, Cálculo eles têm até demais: Cálculo, Álgebra, Geometria...
Marcelo: Se, de repente, a senhora quisesse lecionar em uma disciplina de Cálculo neste semestre, haveria problemas com os Matemáticos?
Prof.ª Virgínia: Não, não teria, porque Cálculo faz parte do BC&T e quando é oferecido é oferecido com 30 turmas. Pelo contrário, eles vão dizer ainda bem! Se você quer dar aula de Cálculo vai dar aula daquilo que gosta.
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Marcelo: Então não haverá problemas se um Educador Matemático escolher uma disciplina, digamos assim, dura do núcleo da Matemática para dar aula?
Prof.ª Virgínia: Terá problemas se eu escolher uma disciplina específica do Bacharelado, por exemplo, Análise Real, Geometria Diferencial: aí tem problemas, porque tem, lá no pessoal da Matemática, um professor que sempre quer dar aula daquilo, que é aquela a formação dele, então por que é que você vai querer minha disciplina? Ou então, se você quer dar aula disso, tudo bem, mas sou eu que vou falar pra você como você vai dar aula, enfim. Aqui nós temos um problema contrário: nas disciplinas que são do núcleo do BC&T, todos dão graças a Deus quando alguém quer ficar com uma turma de lá [do bacharelado], agora as disciplinas específicas, todo mundo quer cuidar do seu canteiro. E mesmo para o Curso de Licenciatura, é difícil nós encontrarmos alguém que queira dar aula, mesmo nas disciplinas de Matemáticas: são poucos os professores da Matemática que acabam dando essas aulas, que acabam colaborando. Porque quem entrou numa área mais Matemática mesmo, acha que tem que dar aula de toda Matemática. Não sei em outras universidades, não é uma coisa aberta, mas aqui existe um preconceito: bacharelado é como se fosse a estrela da casa enquanto que a licenciatura, o patinho feio. Não é só na Matemática, mas em outras áreas também é assim: eu pensei que era somente na Matemática, mas na Biologia é assim, na Física, na Química, até na Filosofia.
Marcelo: Levando em consideração que no último exame (ENADE) tanto a Licenciatura quanto o Bacharelado foram as melhores notas do Estado de São Paulo – e parabéns por isso – por que só o bacharelado é a estrela?
Prof.ª Virgínia: Ah, obrigado! Pois é: aí todo mundo ficou feliz, tanto eu quanto eles; mas tem, assim, uma espécie de opinião que bacharelado dá status e licenciatura não. E é muito estranho esse tipo de raciocínio, porque como trabalhei muito em escolas particulares, nós sempre trabalhamos com alunos que visam o mercado de trabalho. Por que nas escolas particulares não existem bacharelados em Matemática? Porque não tem mercado de trabalho para bacharéis em Matemática! E aqui, na Universidade, pelo menos nessa, os alunos querem fazer o bacharelado. E eu pergunto a eles: por que você quer fazer o bacharelado? E eles respondem: porque eu quero fazer o mestrado, o doutorado... Ah, então depois você vai dar aula no ensino superior, não é? Não, quero ser pesquisador. Mas, não existe isso aqui: no Brasil, quem é pesquisador é professor e tem que fazer as duas coisas, e o aluno acaba achando que é possível evitar. E não é pouca gente que acaba tendo essa visão; fora do meio acadêmico, não existe emprego para bacharel em Matemática, existe emprego, e muito, para os licenciados em Matemática. O bacharel em Matemática vai ter que dar aula, do mesmo jeito. Talvez porque os alunos aqui não têm necessidade de se formar rapidamente, eles ainda não pensam no mercado de trabalho.
Marcelo: Bom, uma pergunta que é geral para todas as entrevistas, mesmo conhecendo que na UFABC todos os professores são doutores...
Prof.ª Virgínia: Sim, aqui todos os professores são concursados e doutores. Isso não acontece em outras universidades federais, que têm outra forma de ingresso e que aceitam professores sem doutorado, mas aqui é do regimento interno da universidade, essa é uma determinação.
Marcelo: Uma curiosidade me surgiu. Quando o aluno termina o BC&T, ele tem algum tipo de certificado de conclusão?
Prof.ª Virgínia: Sim, ele tem um diploma, pois o BC&T é um curso superior: é um bacharelado, com 2.400 horas, um curso superior mesmo. Aí, se ele terminar o curso de licenciatura, ele vai ter um diploma da licenciatura.
Marcelo: Então são dois diplomas que o aluno que cursa a Licenciatura em Matemática na UFABC recebe?
Prof.ª Virginia: Sim, são dois diplomas. Mesmo que ele opte somente pela Licenciatura em Matemática, ele vai ter dois diplomas. Ao mesmo tempo em que as disciplinas específicas
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da licenciatura são obrigatórias, para o Bacharelado de Ciência e Tecnologia elas constam como disciplinas de opção limitada ou disciplinas de opção livres. Então, por exemplo, o aluno faz Prática de Ensino de Matemática, com quatro créditos: conta para a Licenciatura em Matemática e para o BC&T; é uma carga horária que conta, ao mesmo tempo, para dois cursos de graduação. E não tem como ele fazer os de licenciatura, terminar o curso de licenciatura, antes que tenha terminado os do bacharelado: obrigatoriamente, ele tem que ter terminado o bacharelado antes.
Marcelo: Existem algumas disciplinas, digamos, de nivelamento, fora do BC&T, para trabalhar as dificuldades dos alunos que entram na Federal?
Prof.ª Virgínia: Não. Como eu falei, o BC&T mudou de grade várias vezes. Até 2008, não tinha nenhum tipo de disciplina de nivelamento. Na matriz curricular de 2009, você tem as disciplinas Bases Matemáticas, Bases Experimentais das Ciências, e essas são as chamadas de nivelamento. Elas foram incluídas no currículo, porque eles perceberam que o aluno, quando entrava já no estudo de Funções de Uma Variável, Cálculo I, tinha já uma série de deficiências. O problema é que, na prática, isso não funcionou. Na prática, precisaria das Bases das Bases Matemáticas, porque essa disciplina acabou se tornando um novo Cálculo, um Cálculo zero, mas ficou sendo tão difícil quanto o Cálculo I ou Cálculo II, porque quem pega essas disciplinas são também os Matemáticos, que acham que aquelas coisas assim, como integral de linha, por exemplo, os alunos já nasceram sabendo. Nós recebemos alunos com formações variadas e, via de regra, eles vão mal em Matemática. A estimativa, aqui no BC&T, de reprovação em disciplinas é próximo dos 60%, em Matemática; mesmo essa disciplina de Bases Matemáticas. Então os alunos, em geral, acabam sentindo dificuldades, e como ninguém ainda aceitou colocar bases em cima de bases, incorporar isso no currículo, então não têm [disciplinas de nivelamento]. Agora o que acontece: nesse ano de 2013 é um ano atípico, pois por causa da greve estamos fazendo reposição e os alunos que ingressarão aqui na UFABC, neste ano, somente iniciarão no final de julho, início de agosto. Então eles ficarão, praticamente, seis meses antes de começar o curso de graduação. E assim, a pró-reitoria de graduação resolveu fazer uma espécie de curso de nivelamento, que não é obrigatório, o aluno se inscreve se quiser, não vai contar crédito pra ele, mas tem a função de introduzir os alunos, aos poucos, na Universidade. E não será apenas Matemática nesse curso, mas há também outros assuntos e a Matemática Básica que ele precisaria para poder enfrentar um curso superior.
Marcelo: Mas isso é atípico, que surgiu de uma questão que vocês estão enfrentando esse ano que é iniciar o ano letivo mais tarde.
Prof.ª Virgínia: É. Geralmente ele inicia tarde mesmo: inicia em maio o ano letivo aqui. Na verdade, o ano letivo começa em fevereiro, só que ainda não saiu o resultado do SiSU. Então nós não teríamos como matricular os ingressantes, logo em fevereiro. Assim nós os matriculamos em maio, que é o segundo quadrimestre. Agora, esse ano, vai ser mais tarde ainda por causa da greve. Então nós ofereceremos, neste semestre, esse curso de nivelamento, mas com caráter de nivelamento mesmo e não é um curso obrigatório, o aluno vem se quiser.
Marcelo: Os Educadores Matemáticos darão aulas nesse curso?
Prof.ª Virgínia: Não, nenhum deles, pois estão com muitas aulas e não têm como assumir esse curso.
Marcelo: Então eles não assumirão por estarem sem condições, é isso?
Prof.ª Virgínia: Isso, mas algo que é digno de nota é que a nenhum dos Educadores Matemáticos foi perguntado a respeito de como deveria ser o currículo, o que deveria ser incluído e como deveria ser abordado. Tudo bem, nós não poderemos dar essas aulas, mas podemos dar um palpite, uma dica, uma indicação do conteúdo que seria importante para ser dado nesse tipo de curso. Não sei de quem foi o Projeto, mas não foi assim: vamos pensar com as licenciaturas... Isso não teve: nem da pró-reitoria de graduação, nem com as
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outras coordenações. As outras coordenações de licenciatura sofrem o mesmo problema que sofremos: têm falta de professores, estão cheias de matérias para oferecer, e não têm conseguindo contratar todos os docentes necessários.
Marcelo: Bom Professora, por hora eu estou satisfeito com nossa conversa e se a senhora quiser colocar mais alguma coisa que não tenhamos abordado, ou alguma observação, enfim. Gostaria de saber se há problemas de identificá-la, no estudo, assim como a UFABC.
Prof.ª Virgínia: Não, não há problema algum. Apenas quero acrescentar que a reformulação de que tratamos está em estudo ainda. Nós constituímos um grupo de trabalho e nesse grupo está eu, alguns professores da Educação Matemática, outros da Matemática e outra da Ciência da Computação. Então estamos ainda fazendo esse estudo e, após ele, ainda tem um longo processo burocrático que temos de enfrentar, até a implantação chegar realmente ao currículo e, nesse meio tempo, pode ser que ainda o Projeto sofra outras modificações: não é uma coisa como favas contadas. Eu espero que não mude muito, mas não é sempre assim o que acontece.
Informações obtidas após a primeira entrevista:
Número total de alunos cursando a Licenciatura em Matemática, no primeiro semestre de 2013: 07 (sete alunos)
Período em que o Curso é oferecido: matutino e noturno.
Carga horária de uma aula: sessenta minutos.
Segunda entrevista:
Marcelo: A senhora poderia comentar sobre as disciplinas práticas que constam no Projeto do curso?
Profª Virgínia: No Projeto atual, nós temos cinco disciplinas que são as Práticas de Ensino. Juntamente com outras disciplinas da parte pedagógica do Curso, elas compõem as 400 horas de prática como componente curricular, embora nem todas as disciplinas desse conjunto sejam práticas [de ensino] de fato: somente as cinco disciplinas recebem esse nome de Prática de Ensino de Matemática. Na verdade, das cinco, a primeira delas chama-se Prática de Ensino de Ciências e Matemática no Ensino Fundamental, que é uma disciplina ministrada para todos os alunos das licenciaturas de Biologia, de Química, de Física e de Matemática. É um professor, ou às vezes dois que a dividem, e que ministram essas aulas para todos os alunos juntos. Essa disciplina tem um foco mais geral, pois trata um pouco da avaliação nas disciplinas de Ciências e de Matemática no Ensino Fundamental, um pouco da análise de livros didáticos, e outros. Desde quando eu entrei na UFABC, em apenas duas ocasiões nós conseguimos fazer uma dobradinha de um professor de Matemática [educador matemático] com um professor de Ciências Naturais: a primeira vez que essa disciplina foi oferecida, com o Prof.º Plínio e a Prof.ª Rosana, da Biologia, e no início desse ano [2013], com o Prof.º Alessandro e com a Prof.ª Cândida, da Física; em todas as outras ocasiões, essa disciplina ficou a cargo de professores das Ciências Naturais. E nisso, é evidente que o professor acaba dando uma ênfase maior para a disciplina da sua área e acaba não dando foco à Matemática. A segunda disciplina é a Prática de Ensino de Matemática para o Ensino Fundamental e nela são abordados conteúdos específicos da Matemática, relacionados ao Ensino Fundamental como, por exemplo, os recursos metodológicos para ensinar determinado conteúdo, com seminários em que os alunos apresentam recursos diferentes da lousa e giz, por exemplo, software, lousa digital, materiais manipuláveis, que temos no Laboratório de Matemática e que é bem equipado. Nós costumamos os alunos a trabalharem com esses materiais na Prática do Ensino Fundamental – esse laboratório é para práticas de ensino de Matemática e cognição. Depois, temos mais três disciplinas denominadas Práticas de Ensino, I, II e III, que são voltadas ao Ensino Médio. De acordo com as ementas, elas são divididas por conteúdos do
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Ensino Médio, não necessariamente em uma ordem específica – Prática I com disciplinas do 1º ano do Ensino Médio, Prática II com disciplinas do 2º ano, e Prática III, do 3º ano –, mas divididas em grandes tópicos do Ensino Médio para não deixar nenhum deles defasado. A ideia é trabalhar também recursos metodológicos diferenciados para os alunos poderem lecionar conteúdos desses tópicos. E nesse caso, fica um pouco mais difícil, pois nem todo recurso como jogos e materiais manipulativos podem ser utilizados nos conteúdos do Ensino Médio. Mas a ideia é também de os alunos apresentarem seminários, fazerem leituras relacionadas a esses conteúdos, como metodologias de ensino, recursos de ensino. Por enquanto, essas disciplinas foram ministradas por quem entrou na área de Ensino de Matemática, que é a área da Educação Matemática: o Prof.º Plínio, eu, o Prof.º Alessandro, o Prof.º Francisco e a Prof.ª Vivili, estes dois últimos, que entraram no concurso realizado após a primeira entrevista que concedi a você.
Marcelo: Nessas disciplinas de Prática de Ensino estuda-se, em algum momento, relação do que o aluno vê em Matemática com o que poderia ser utilizado por ele para ensinar na Educação Básica?
Prof.ª Virgínia: No que se refere às questões didáticas ou metodológicas, diferente de questões institucionais e de outra ordem, nós não temos um diálogo muito grande com os professores que lecionam disciplinas de Matemática, tanto as três específicas para a Licenciatura, quanto as que são compartilhadas com os alunos do Bacharelado, pois, até o momento, todas elas foram ministradas por professores que não ingressaram na UFABC pela área do Ensino e sim por áreas do Bacharelado em Matemática. Até o hoje, não conseguimos que um de nós [educadores matemáticos] assumisse as disciplinas matemáticas específicas da licenciatura, que são os Fundamentos de Análise, Fundamentos de Álgebra e Fundamentos de Geometria, porque estamos sempre com as disciplinas da prática, como as Práticas de Ensino e História da Matemática. Sendo assim, o que acontece: nem todo professor formado no Bbacharelado em Matemática e que fez o mestrado e o doutorado também nessa área, pura, ou aplicada, tem a visão de que devamos discutir e compartilhar atividades. Daí esse tipo de atividade acaba não ocorrendo: não conseguimos, ainda, que todos os professores da Matemática considerassem algo da prática de ensino em suas aulas e também o contrário, pois não sabemos exatamente o que tem sido feito nas aulas de Matemática. E aqui na UFABC, nós temos outro problema: o aluno tem um currículo sugerido, ou seja, uma ordem de disciplinas a serem estudadas que é sugerida, mas nem sempre eles as cumprem nessa ordem e sim na ordem que querem. Muitas vezes, os alunos fazem todas as práticas e somente no final do curso fazem os estágios, que são sugeridos para serem feitos juntos; muitas vezes eles fazem uma prática, depois fazem duas ou três de Matemática, algumas de Engenharia, depois fazem mais uma de prática, ou seja, o aluno que faz a prática de ensino nem sempre é o aluno que está fazendo as disciplinas de Matemática; não podemos contar que é o mesmo aluno que está fazendo essas duas disciplinas ao mesmo tempo [Prática e Matemática]. E nas Práticas de Ensino temos uma coisa curiosa: não sei se por uma questão de encaixe de disciplinas na disponibilidade do aluno ou então por ser considerada uma disciplina mais leve, embora isso seja um tanto pejorativo para alguns alunos, nós temos muitos deles que estão cursando essas disciplinas, mas não querem ser professores e sim engenheiros, e acabam fazendo essas disciplinas para compor a carga horária de disciplinas livres, pois entendem que não serão trabalhosas, não serão difíceis, enfim. Quando o Projeto da UFABC foi pensado, a intenção era de que o aluno pudesse ficar um pouco mais especializado em questões da própria área como, por exemplo, o aluno que quisesse ser um engenheiro espacial, poderia escolher, como disciplina livre, uma disciplina que não constasse como obrigatória ou de opção limitada, mas que agregaria um conhecimento que lhe poderia ser útil. Mas não é isso que acontece: como eles podem fazer qualquer disciplina, tem muito aluno das engenharias que vem fazer disciplinas da prática porque acham que são disciplinas que não vão pesar tanto. E dessa forma, ocorrem alguns problemas: um deles é que, de início, alguns alunos não vêm interessados nas discussões que acontecem nas Práticas de Ensino, e quando descobrem que tem que fazer leituras, apresentar seminários em que devem defender suas
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ideias e expor seus argumentos – coisas difíceis para alunos da área de exatas – vários abandonam essas disciplinas, e isso acontece com frequência. Por exemplo, algumas turmas que iniciam com 10 alunos – considerada uma turma grande para as Práticas de Ensino – acabam encerrando com apenas cinco alunos. Na disciplina de História da Matemática que estou ministrando agora, que iniciou com 50 alunos, hoje temos apenas 30, e ainda nem começamos as apresentações dos seminários; poucos vêm com o interesse em educação, como os alunos da licenciatura em Matemática especificamente. Por outro lado, ocorrem também situações boas: acabamos, às vezes, ganhando alunos, pois tem alunos que cursam aquelas disciplinas com intenção apenas de cumprir a carga de disciplinas livres e acabam sendo conquistados pela forma de pensar diferente e, com isso, percebem que, na verdade, gostam da área do ensino, fazem outras disciplinas dessa área até mesmo para certificarem de que têm gosto pela educação e acabam concluindo a Licenciatura em Matemática.
Marcelo: Constam das ementas das disciplinas de Práticas de Ensino de Matemática I, II e III o Planejamento e Avaliação de conteúdos do Ensino Médio. Esses conteúdos do Ensino Médio são também abordados nessas disciplinas?
Prof.ª Virgínia: Nessas disciplinas de Prática são discutidos métodos de ensino para os conteúdos do Ensino Médio. Discutir ou ensinar esses conteúdos aos alunos da Licenciatura não são objetivos nessas disciplinas.
Marcelo: Tendo em vista que já atuou nas disciplinas de prática, a senhora poderia contar um pouco como são suas aulas nessas disciplinas?
Prof.ª Virgínia: Na primeira aula eu me apresento, peço para os alunos se apresentarem, faço uma apresentação do programa da disciplina e também do que faremos no decorrer do quadrimestre. Geralmente, deixo as primeiras aulas do curso para exposição de conteúdos, por mim mesma, e as demais aulas para apresentação de seminários, cujos temas já são definidos nas primeiras aulas. Nas aulas das disciplinas Práticas de Ensino, eu costumo fazer seminários individuais, pois a quantidade de alunos é pequena. Nesses seminários, o aluno tem que utilizar recursos metodológicos adequados para o ensino do conteúdo que ele apresentará. Nas primeiras aulas, eu abordo sobre a História da Educação Matemática, como ela se constituiu aqui no Brasil, abordo o Projeto Pedagógico da UFABC, indicando qual é a importância da disciplina no Curso, falo a respeito da legislação relacionada ao ensino de Matemática, sobre os Parâmetros Curriculares, sobre os Programas Curriculares do Estado de São Paulo, e fazemos, por exemplo, a análise de livros didáticos, observando o que é que tem nesses livros, relacionado aos itens do PNLD, enfim, comento sobre esses assuntos. Já houve turma em que discutimos alguns recursos, como a resolução de problemas e a utilização do GeoGebra e de materiais manipulativos: teve uma turma que gostou muito de trabalhar com o ábaco. Já em História da Matemática, eu acabo utilizando mais que as primeiras aulas para exposição de conteúdos. Após as apresentações dos seminários, a turma avalia cada um deles e indica o que acharam mais interessante e o que poderia ser melhorado. No fim, eu aplico uma prova escrita, não cobrando conteúdo específico, mas sim reflexão sobre o que foi apresentado, tanto nos seminários quanto nas minhas aulas expositivas.
Marcelo: Além dessas disciplinas relacionadas à prática, há outras disciplinas que abordam características pedagógicas no curso?
Prof.ª Virgínia: Depende muito de quem está lecionando, mas existe uma disciplina que é obrigatória para a licenciatura e para o bacharelado em Matemática que é denominada Evolução dos Conceitos Matemáticos. Quando eu lecionei essa disciplina, e foi somente uma vez, eu também abordei o aspecto pedagógico, pois como é uma disciplina com um apelo histórico grande, acabei comentando como a História da Matemática poderia funcionar como recurso metodológico para seu ensino. A maior parte dos alunos não estava interessada em fazer licenciatura, mas alguns acabaram pensando nessa ideia como uma possibilidade. Além dessa, há a História da Matemática, que não é obrigatória para o
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bacharelado e nem para a licenciatura, mas tem sempre uma quantidade grande de matrícula. Nessa disciplina, para os seminários, os alunos têm que apresentar uma primeira parte contendo uma pesquisa histórica relacionada ao tema e uma segunda parte apresentando uma aula relacionada ao tema, em que a História da Matemática é utilizada como recurso metodológico.
Marcelo: Quando o aluno ingressa na UFABC ele o faz por meio de um dos dois bacharelados interdisciplinares. A Universidade tem como identificar quantos alunos ingressam com vistas a determinado curso, após o bacharelado interdisciplinar?
Prof.ª Virgínia: Não, a Universidade não tem esses números. O que existe é a quantidade de vagas por curso, que no caso das licenciaturas, são 20 para o período diurno e 20 para o noturno. Esses números, de todos os cursos, compõem o número total de alunos que ingressam anualmente na UFABC, ou seja, do número total de ingressantes, são previstos 40 para cada licenciatura, o total de vagas de cada engenharia, e assim por diante. Mas isso não significa que todo ano entra 40 alunos que cursarão futuramente, por exemplo, a Licenciatura em Matemática: pode ser mais ou menos. Os alunos entram e se matriculam em um dos bacharelados interdisciplinares e muitos deles apenas se matriculam no curso específico quando estão terminando esse curso, ou seja, já cursaram diversas disciplinas. Dessa forma, pelo que eu saiba, não há como fazer essa pesquisa no ingresso do aluno na UFABC.
Marcelo: Pelo que a senhora respondeu, então não há como identificar o momento em que um aluno começou a cursar uma licenciatura da UFABC, há?
Prof.ª Virgínia: Não, não há.
Marcelo: Eu posso afirmar que um egresso de uma licenciatura da UFABC começou a cursar essa licenciatura quando entrou em um dos bacharelados interdisciplinares?
Prof.ª Virgínia: A rigor sim, pois um aluno que está se formando em licenciatura começou a cursar quando? Quando ele ingressou aqui, pelo ENEM, mas eu só vou saber que este aluno existe como licenciando, lá no final do curso. Inclusive, pela própria estrutura montada pela Universidade, o aluno não precisa estar matriculado em um determinado curso para fazer disciplinas desse curso. Quando ele tiver uma quantidade grande de créditos, ele pode solicitar a matricula nesse curso, formalmente.
Marcelo: Então a rigor, a prática como componente curricular fica restrita ao se optar por iniciar a licenciatura, é isso?
Prof.ª Virgínia: Ele opta por cursar essas disciplinas. Nem todos que cursam essas disciplinas farão a licenciatura, alguns são das engenharias. Nós temos uma disciplina que é obrigatória para todas as licenciaturas, que é denominada Desenvolvimento e Aprendizagem, cuja ementa aborda a psicologia aplicada à educação, que trata de teorias pedagógicas. Eu não sei dizer o porquê, mais essa disciplina tem uma quantidade de matriculados muito grande. Tanto é que em cada quadrimestre nós oferecemos 50 vagas no período da manhã e mais 50 no período da noite e já tiveram quadrimestres que tivemos que abrir duas turmas no período da manhã e duas no período da noite para dar conta das solicitações dos alunos. Quer dizer, tem uma procura muito grande pelos alunos. Só que a maioria desses alunos não vai fazer licenciatura. Outra disciplina também muito procurada é Libras: tivemos, na primeira vez que ela foi oferecida, mais de 150 solicitações para cursá-la, em cada período – manhã e noite – e nosso problema é que só temos uma professora com certificação para lecionar Libras e, por esse motivo, não tivemos como atender a essa demanda. Muitos que fizeram essa disciplina não eram de cursos de licenciatura. Por outro lado, nas disciplinas obrigatórias de Matemática, para a licenciatura em Matemática, são poucas as procuras: em média dois ou três alunos por quadrimestre.
Marcelo: A respeito das disciplinas relacionadas à prática, a senhora gostaria de comentar mais alguma coisa?
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Prof.ª Virgínia: Acredito que não.
Marcelo: Sendo assim, agradeço mais uma vez pela entrevista.
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ANEXO B – Transcrição da entrevista realizada com um Professor do Curso de Licenciatura em Matemática da UFABC
Dados do entrevistado:
Prof. Dr. Márcio Fabiano da Silva
Licenciado em Matemática pela Universidade de São Paulo, Mestre em Matemática
pela Universidade de São Paulo e Doutor em Matemática pela Universidade de São
Paulo. Desde fevereiro de 2009 trabalha como Professor Adjunto no Centro de
Matemática, Computação e Cognição da UFABC, em Santo André. Tem experiência
na área de Matemática, com ênfase em Geometria Diferencial, atuando
principalmente nos seguintes temas: problemas isoperimétricos, superfícies de
curvatura média constante, espaço hiperbólico e construção de superfícies mínimas.
(Currículo Lattes – adaptado)
Entrevista
Marcelo: Professor, conte um pouco sobre sua formação e trajetória até chegar à Universidade Federal do ABC.
Prof.º Márcio: Sou formado em Licenciatura em Matemática, pelo Instituto de Matemática e Estatística da USP, ingressei em 1996 e me formei em 1999. Durante a Licenciatura eu conheci alguns professores e me interessei em fazer iniciação científica na área de Geometria Diferencial. Tive uma bolsa da FAPESP durante o último ano da Licenciatura e, com isso, o meu caminho foi mudando um pouco em relação ao que eu imaginei quando ingressei no curso, que era ser professor e buscar formação e ferramentas que pudessem me ajudar em sala de aula. Na USP fui conhecendo alternativas, ainda para lecionar, mas com a possibilidade de fazer pesquisas, não na área de Educação, mas em Matemática Pura. Por causa da bolsa e como já estava muito envolvido com esse projeto, acabei tendo a bolsa de mestrado quase que automaticamente aprovada pela FAPESP e segui a pós-graduação, mestrado e doutorado na Matemática, em Geometria Diferencial. Quando estava terminando o doutorado, como tenho um vínculo grande com o interior de São Paulo e por causa da minha família, acabei decidindo por procurar emprego por lá. Consegui em uma universidade municipal, onde trabalhei por 2 anos, até que surgiu a possibilidade de conhecer a UFABC, que tinha sido implantada há pouco tempo: era um projeto inovador e eu tinha amigos que trabalhavam aqui e me convidaram para prestar o concurso. Prestei o concurso em Análise Numérica. Embora eu tenha sido um dos dois candidatos que foram até a última fase do concurso, fui reprovado, juntamente com o outro candidato, por não termos o perfil da área. Mas naquela ocasião fui convidado para me inscrever no processo de professor visitante, onde fui aprovado e ingressei na UFABC, em 2008. No final de 2008 teve um concurso para Geometria, onde prestei e fui aprovado, me tornando professor oficial da UFABC.
Marcelo: Na universidade municipal do interior de São Paulo o senhor lecionou em quais cursos?
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Prof.º Márcio: Lecionei nos cursos de Administração e Licenciatura em Matemática. No primeiro semestre eu tinha duas turmas na Administração e somente uma na Matemática. Depois a coordenadora conheceu um pouco mais do meu trabalho e peguei o turno completo, com todas as noites e sábados o dia todo, basicamente na Licenciatura. Inclusive fui coordenador de um projeto de especialização, que foi aprovado, mas naquele momento acabei me afastando para prestar o concurso da UFABC.
Marcelo: Na Educação Básica o senhor chegou a lecionar?
Prof.º Márcio: Não, oficialmente nunca. Eu sempre estudei em escola pública e a minha decisão pela licenciatura em Matemática e pela carreira de professor foi bem precoce. Aos 13 anos eu já sabia que queria ser professor de Matemática, mesmo sem entender muito qual seria o caminho para isso. E acho que isso estava um pouco relacionado, também, à minha personalidade e coisas que eu fazia na escola: desde a 7.ª série eu ajudava os professores nas atividades, ia para a escola nos horários complementares para estudar com os amigos, até chegar ao ponto de alguns professores, durante o colegial, pedirem para que eu desse aulas, para a minha turma, devido a minha postura autodidata. Isso ocorreu durante dois anos. Isso tudo, claro, nada profissional e sim com a postura de auxiliar as pessoas e a turma.
Marcelo: Na licenciatura que o senhor trabalhou no interior, quais as disciplinas que o senhor lecionou?
Prof.º Márcio: A coordenadora primeiro perguntava qual disciplina eu gostaria de escolher, dentre as que eram oferecidas, e com a minha formação em Geometria eu sempre optava por disciplinas dessa área. Mas como a grade da Geometria não era tão grande, eu acabava também pegando outras disciplinas de formação básica. Já lecionei Cálculo I, Cálculo II, Cálculo III e Cálculo IV, Variáveis Complexas, que também tem muita ligação com a Geometria. Existia um curso oferecido para o último ano, de atividades complementares, mas com a ideia de perceber o que estava faltando para aquelas pessoas, futuros professores, identificando temas que seriam importantes para a formação e que ainda não haviam sido muito bem trabalhados. A ementa era decidida logo na primeira semana, fazendo avaliação diagnóstica e conversando com os alunos.
Marcelo: Nessa época, o senhor chegou a trabalhar com práticas de ensino? As disciplinas que o senhor lecionava estavam associadas à prática, no geral?
Prof.º Márcio: Existia uma orientação nos cursos de licenciatura, que vem do MEC, de que deve-se incluir a prática como sendo componente pedagógico, mesmo nas disciplinas básicas. Então, embora eu não tenha sido professor de prática de ensino, eu conversava com os professores do curso e nós trazíamos isso para as disciplinas. Por exemplo, nas disciplinas de Cálculo, nós buscávamos dar a oportunidade para os alunos discutirem, em sala, os problemas ligados a atuação profissional do professor - não era a típica aula de cálculo. Em grande parte do tempo tínhamos a ementa para cumprir, mas, em alguns momentos, em algumas aulas, tínhamos essa possibilidade, de os alunos resolverem exercícios, de proporem soluções, de discutirem dificuldades que poderiam existir com os seus alunos, e fazer a ligação com alguns outros temas mais básicos. Então, de fato, a prática sempre aparecia nas disciplinas que eu fui professor, mas como um componente pedagógico. Essa era a orientação que tínhamos e eu procurava seguir.
Marcelo: Na UFABC, quais as disciplinas que o senhor leciona e em quais cursos?
Prof.º Márcio: Atualmente, na graduação, temos a obrigação de estar vinculado a um dos dois bacharelados interdisciplinares, que são o Bacharelado em Ciência e Tecnologia e o Bacharelado em Ciências e Humanidades, e nos cursos específicos, podemos nos credenciar em até dois cursos. Eu estou credenciado no Bacharelado em Ciência e Tecnologia, no Bacharelado em Matemática e na Licenciatura em Matemática, isso para a graduação. Na pós-graduação, sou vinculado como docente permanente no curso de Matemática e no Mestrado Profissional em Matemática. A ideia da UFABC, considerando
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seu projeto pedagógico, é que possamos atuar em uma quantidade maior de disciplinas, abranger o conhecimento e tentar abrir o leque e não ficarmos presos a uma subárea. Sou da área de Matemática, mas não fico só com a Geometria. Então nas disciplinas básicas, quase todos nós acabamos atuando: eu já lecionei Funções de Uma Variável, Funções de Várias Variáveis, Cálculo Vetorial e Tensorial, Álgebra Linear, Geometria Analítica. Na Licenciatura, eu tenho sido a pessoa que tem atuado mais com a Geometria, até pela dificuldade: não temos muitos geômetras aqui. De certa forma, tenho conduzido, há quase 3 anos, as disciplinas de Geometria da Licenciatura. No Bacharelado, sou professor de Geometria Diferencial.
Marcelo: As disciplinas de Geometria da Licenciatura têm alguma similaridade com a Geometria que o senhor leciona no Bacharelado ou são totalmente diferentes?
Prof.º Márcio: Especificamente as disciplinas de Geometria do Bacharelado e da Licenciatura são distintas. Por exemplo, a Geometria Plana é uma disciplina oferecida para a Licenciatura e não para o Bacharelado. Claro que o aluno do Bacharelado tem a possibilidade de fazê-la, como uma disciplina optativa, mas ela não consta no currículo do Bacharelado, justamente pela proposta que a disciplina tem. O Bacharelado está buscando, na área de Geometria, aqueles temas que ainda são atuais e são os principais para quem quer se tornar um pesquisador. Então para a área de Geometria, a formação tem que vir basicamente da Geometria Diferencial. A Licenciatura tem a formação para fundamentos ou para construções, já no sentido de trabalhar a Geometria para a formação do professor. Eu tenho essa preocupação ao preparar as aulas: penso nessa necessidade do professor. Então elas são distintas do Bacharelado, não somente na metodologia de trabalho.
Marcelo: O senhor tocou no assunto da metodologia. Atuando, tanto no Bacharelado quanto na Licenciatura, existe, nessa atuação em sala de aula, metodologias ou estratégias diferenciadas para ambos os cursos?
Prof.º Márcio: Devido à formação em licenciatura que tenho, acho que acabo, talvez, pecando no Bacharelado, porque a preocupação com a formação, e mais do que isso, da relação dos temas presentes e que são comuns no ensino universitário com os temas do Ensino Médio, eu acabo levando, também, para o Bacharelado. Acho que isso é uma preocupação que deve haver para o professor que trabalha com as licenciaturas. Então acho que na Licenciatura eu tenho essa atuação e preocupação, só que acabo levando essa metodologia também para os bacharelados. Até porque na UFABC, por exemplo, neste quadrimestre, estou dando o curso de Geometria Plana e Construções Geométricas para 10 alunos e, desses 10 alunos, apenas um é da Licenciatura. Pelo projeto da UFABC, e pelas possibilidades que o aluno tem, acabamos não conseguindo separar isso: estou dando aula em um curso de Licenciatura e tenho ali pessoas que não são da Licenciatura, mas que têm um interesse pelo tema ou até pelo curso. Então minha preocupação é no sentido de olhar para a proposta do curso e quais são os seus objetivos e tentar seguir isso, chamando a atenção, não só para os problemas que deveriam ser do professor, mas também de forma a poder agregar o conhecimento de outras áreas e fazer com que as pessoas se interessem, de alguma forma, por aquilo que leciono. De certa forma, você perde essa noção de que está especificamente num curso de Licenciatura, embora seja da Licenciatura e isso tem que ser levado em consideração: o público acaba sendo muito diferenciado.
Marcelo: Então aquela prática que o senhor tinha na universidade do interior, o senhor a trouxe, um pouco, para a UFABC, mais pela sua formação, é isso?
Prof.º Márcio: Acho que o que foi decisivo para isso é realmente a minha formação, que na verdade foi aperfeiçoada no curso de Licenciatura da USP. Mas, de certa forma, está muito ligada à minha personalidade e aos meus ideais. Essa formação foi muito importante, e acho que ela é que dá essa direção, essa consolidação. Acho que isso vem muito do que eu já praticava, antes de entrar na USP.
Marcelo: Ainda relacionado a essa preocupação com a formação, o senhor trabalha com questões atuais do ensino, como por exemplo, tenta fazer relação entre a
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Geometria do Ensino Superior com a Geometria que, provavelmente, o aluno ensinará na Educação Básica?
Prof.º Márcio: A todo momento isso acontece, e não só nos cursos da Licenciatura. Sempre procuro resgatar a formação que o aluno tem: isso é muito importante, é um elemento que eu levo em consideração nos meus cursos. Então, acho que nos primeiros contatos, das primeiras aulas, é importante nesse sentido: de saber como aquilo foi trabalhado. E eu tenho, também, acompanhado os currículos do ensino básico. Sempre que possível, eu olho para isso, até porque tenho sobrinhos que estão estudando, então eu acompanho. Mas eu sempre começo, quando vou tratar de sistemas, por exemplo, chamando atenção sobre como isso, em geral, é ensinado, como isso é feito lá no Ensino Básico, e qual a proposta que temos para aquele momento. Para o curso de Geometria Plana, a gente segue a teoria axiomática de toda a Geometria e, naquele primeiro momento de contato com os alunos, o importante é que eles esqueçam tudo o que sabem sobre aquilo, pois vamos construir essa teoria. E quando os elementos começam a surgir, ângulo, quadrado, enfim, é o momento de refletir como isso apareceu para eles, como foi ensinado, e como é ensinado no Ensino Básico, para que eles façam as relações e depois possam levar isso, também, como professores para a escola. Isso eu faço, também, por exemplo, no curso de Bases Matemáticas, que tem uma proposta de trabalhar com conteúdos básicos, como função. Quando eu trato de função inversa – na escola, em geral, o que é feito com função inversa é uma técnica que te ensina a inverter função, mas a escola básica peca nesse sentido, de não abordar os conceitos, e para mim nós aprendemos com os conceitos; a técnica é importante, mas o que fica são os conceitos e isso tem que ser bem trabalhado – então, quando eu vou ensinar função, a técnica vai aparecer, mas a pergunta é: qual é o conceito disso e como isso apareceu para você? O que é função? Então, ao fazer a função inversa, tem-se a definição daquilo e mostro porque a técnica funciona, e às vezes isso não é feito na escola. Acho que esse é um grande erro, as coisas valem, mas não sabemos por quê. E aqui é o momento de aproveitar a técnica e, com o conceito, mostrar o porquê que isso funciona. Isso aparece em qualquer curso que eu dou.
Marcelo: Quando o senhor assumiu as disciplinas na UFABC, especificamente na Licenciatura, os programas ou ementas já existiam ou foram construídos pelo senhor? Como ocorreu a construção desses programas: houve uma integração entre os matemáticos e educadores matemáticos?
Prof.º Márcio: Na verdade, o curso de Licenciatura foi aprovado depois que eu já era professor aqui na UFABC. Então existia uma proposta, mas o reconhecimento veio a posteriori. Acho que isso é uma prática comum, começa-se a implementar o curso, tem-se uma estrutura, e depois pede-se autorização e reconhecimento. Mas eu estive presente nessa estruturação da Licenciatura, tentando contribuir pessoalmente para as disciplinas que estavam mais vinculadas à minha área. Então, em certo momento, teve sim uma chamada, por parte da coordenação da Licenciatura, para podermos discutir. E esse é um processo que continua: hoje, a Licenciatura está reconhecida com um conceito máximo, mas nesse momento estamos discutindo, dessa primeira etapa, o que ainda é possível melhorar e onde é que devemos interferir. Eu faço parte de um grupo de trabalho e, nesse momento, estou reformulando e revisando as ementas dos cursos de Geometria, na Licenciatura. Estamos fazendo uma revisão do Projeto Pedagógico da Licenciatura, mais especificamente das disciplinas, propondo reformulações. A Licenciatura não traz, por exemplo, a Geometria Espacial nos conteúdos, e eu acho que a presença dela é essencial para trabalhar alguns conceitos que são fundamentais para o professor: o volume, as técnicas para se calcular volumes, e outros. Então, nesse momento, estamos discutindo isso.
Marcelo: No curso de Licenciatura existem algumas disciplinas que são chamadas de Práticas. Existe alguma “conversa” entre as disciplinas que o senhor leciona na Licenciatura e essas disciplinas de Prática, ou seja, as disciplinas se inter-relacionam?
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Prof.º Márcio: Isso depende de quem trabalha a disciplina de Prática. Conheço uma professora que trabalha com essa disciplina e que em alguns momentos do curso convida alguns colegas, para participarem, apresentarem temas para os alunos, e mais do que isso, para assistir às apresentações dos trabalhos que os alunos estão produzindo. Então sim, existe essa prática, de alguns professores de Prática aqui da universidade.
Marcelo: Falando um pouco dos alunos, o senhor consegue identificar características diferentes entre um aluno de Licenciatura e um aluno de Bacharelado? Os alunos demonstram características diferenciadas?
Prof.º Márcio: Na verdade, vou falar por aqueles alunos que eu já conhecia, que eles já declararam-se da Licenciatura e já estavam matriculados. Então, fui o professor também de alguns desses alunos e eu percebia, na verdade, que eles tinham sim um diferencial e que vinha pela formação pedagógica. Mesmo durante os cursos, quando você tem um aluno e sabe que ele já fez a opção pela Licenciatura, você consegue sim diferencia-lo, porque ele tem outros elementos que traz para a sala de aula. E pelos questionamentos que fazem, você percebe esse diferencial do licenciando, de uma pessoa que já está fazendo disciplinas da Licenciatura, inclusive as pedagógicas. Nesse sentido existem [características diferenciadas]. Agora, se você olhar do ponto de vista conteudista, de resultados obtidos, por exemplo, é mais difícil perceber diferenças: pelos resultados não dá para perceber se um aluno é ou não da Licenciatura; mas pelos questionamentos que são feitos, sim, você consegue diferenciar o perfil – questionamentos pedagógicos, questionamentos de preocupação sobre o que vai ser abordado no curso, enfim.
Marcelo: Com relação à formação que trazem da Educação Básica, daria para identificar esse perfil diferenciado do licenciando?
Prof.º Márcio: Por causa da proposta de formação da UFABC, não dá para identificar, pois os alunos, antes de se matricularem na Licenciatura, fazem o Bacharelado em Ciência e Tecnologia. Assim, somente os que concluíram grande parte do primeiro curso chegam à Licenciatura ou ao Bacharelado em Matemática e, por sinal, são alunos muito bons, que conseguem acompanhar os cursos. Logo, não há como identificar se esses alunos tinham ou não defasagens na formação da educação básica. Para se ter essa informação, seria necessário, logo no início, quando o aluno entra na UFABC, se fazer uma pesquisa sobre a intenção de curso e uma avaliação diagnóstica para conhecer a formação dos alunos. E como isso não é feito, é difícil dar uma resposta a essa pergunta.
Marcelo: Então o Bacharelado em Ciência e Tecnologia acaba sendo uma formação básica para que os alunos tenham possibilidade de estudar em qualquer curso da UFABC, é isso?
Prof.º Márcio: Exatamente. Até pelas possibilidades que o aluno tem, ele pode optar por qualquer engenharia, ou por qualquer outro curso: pode escolher Matemática, pode escolher Biologia, e outros. Nesse momento, dadas as condições de mercado e todas as informações que temos sobre a valorização do professor, quando chega o momento e se opta por um curso como a licenciatura, realmente esse aluno é uma pessoa que tem interesse na área da educação. A minha experiência tem me revelado que esses alunos são muito bons, têm se desenvolvido muito bem e conseguido alcançar resultados muito bons. Por exemplo, se considerarmos o ENADE como instrumento – podemos até fazer críticas a ele, mas é o instrumento que temos –, os alunos foram muito bem nessa avaliação, tiveram resultados muito bons, e em todos os cursos, não somente as licenciaturas.
Marcelo: Aproveitando o encaminhamento que foi dado na resposta anterior, eu pediria que o senhor comentasse sobre a proposta da UFABC, em que primeiro o aluno cursa um bacharelado interdisciplinar e depois um curso de formação profissional.
Prof.º Márcio: Dado ao histórico de como evoluiu a formação de professores, da revolução que foi feita para se pensar em como dissociar as licenciaturas dos bacharelados, questões
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que foram muito discutidas durante minha graduação na USP – eu cursei na USP em um momento em que as disciplinas da Licenciatura não eram mais compartilhadas com as do Bacharelado e as disciplinas pedagógicas eram feitas na Educação, juntando-se todos os cursos –, de fato, quando eu ingressei na UFABC, que tem uma proposta diferente, em que o aluno ingressa em um bacharelado, não de Matemática, mas em Ciências e Tecnologia e depois faz uma opção por uma licenciatura, eu acabei me encantando pela proposta. O ideal é que se tenha um professor de Matemática que consiga lidar com problemas de Química, de Física e de Biologia, e que de alguma forma possa levar isso para a sala de aula, e principalmente possa conversar com as pessoas quando se decide fazer um projeto interdisciplinar. Eu acho que uma pessoa que tenha formação na sua área, mas que também tenha uma visão geral, que consiga olhar as coisas com uma visão mais abrangente, seja desejável pela sociedade moderna. Então temos atuado nesse sentido: de discutir problemas das outras áreas e discutir com colegas aqui de dentro da universidade, pois dentro de um mesmo centro, temos pessoas da Matemática, da Computação e da Cognição. Temos psicólogos, com formação também diferenciada, que podem dar aulas nos cursos de computação, em programação, enfim, o perfil do professor daqui também já é mais abrangente. Então eu sou favorável ao projeto: acho que é muito bem vinda essa formação inicial. Mesmo que o aluno entre aqui querendo ser professor de Matemática, acho que é muito proveitoso que conheça outras áreas e os problemas que existem. Muitas disciplinas partem da crítica do contínuo, mas existem outras disciplinas que abordam os problemas sociais, algumas delas obrigatórias, e entendo que isso contribua bastante para a formação do professor. Mas a realidade tem mostrado que não acontece bem assim. Nossos alunos vêm de um modelo – claro que diferente daquele modelo em que tive da escola pública, que foi até 1995 – em que as questões de interdisciplinaridade surgem com mais força na escola, mas quando o aluno entra aqui, no bacharelado interdisciplinar, ele já tem sim uma intenção de curso e compete a nós, professores, mostrar que ele tem outras possibilidades e que ele pode fazer mais de um curso. Como já disse, sou favorável ao projeto, acho que ele é fantástico, mas penso que, na prática, é muito difícil de ser executado, pois acabamos vivenciando alguns problemas como, por exemplo, os docentes serem, de certa forma, protetores da sua área, ou seja, a pessoa que vai lecionar Matemática quer ensiná-la como se todos os alunos estivessem em um Bacharelado ou Licenciatura em Matemática; o físico tem essa mesma postura: todos têm que ser físicos; o biólogo também; então acabamos exagerando, eu falo por mim e também por muitos colegas. Acabamos trazendo uma força para nossa disciplina e sobrecarregando o aluno de informações, de conteúdos, de avaliações. E a universidade tem mostrado que os alunos não têm conseguido se desenvolver naquele espaço de tempo que é considerado ideal, por exemplo, no curso do BC&T, se formar em três anos – pouquíssimos alunos tem conseguido isso. Como esse projeto é inovador e a universidade ainda é jovem, eu acredito e trabalho no sentido de contribuir para discutirmos o Projeto Pedagógico, de aperfeiçoá-lo, de modo a cumprir o propósito de formação. Acredito sim que a UFABC tem um projeto diferenciado e que tende muito a contribuir na formação dos seus egressos.
Marcelo: Professor, além do que conversamos o senhor gostaria de acrescentar algo?
Prof.º Márcio: Não, acredito que nossa conversa abrangeu meu trabalho aqui na UFABC e como eu tenho atuado no curso de Licenciatura em Matemática. E estou à disposição para esclarecer outras dúvidas que possam surgir.
Marcelo: Há algum problema se eu publicar essa entrevista com o seu nome?
Prof.º Márcio: Não há problema algum.
Marcelo: Eu agradeço pela entrevista.
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ANEXO C – Parecer Consubstanciado do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Bandeirante de São Paulo
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APÊNDICE I – Análise das ementas para a elaboração do Quadro 12
Critério para a análise
Com base na análise das ementas, responder à seguinte pergunta:
Os assuntos relacionados podem contribuir para que futuros professores de
Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e
Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)?
Se a resposta for NÃO, associar a disciplina à categoria de outros conhecimentos.
Caso contrário, associar a disciplina às seguintes categorias:
Domínios dos conhecimentos definidos por Ball, Thames e Phelps (2007,
2008), com base no quadro:
Conhecimentos matemáticos utilizados não somente em contextos de ensino I
Conhecimentos matemáticos utilizados especialmente para o ensino II
Conhecimentos matemáticos e as relações entre os assuntos estudados nos diferentes anos III
Conhecimentos que articulam saberes dos alunos e conteúdos matemáticos IV
Conhecimentos sobre saberes do ensino de conteúdos matemáticos V
Conhecimentos sobre currículos elaborados para o ensino de Matemática VI
I: Conhecimento comum do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. II: Conhecimento especializado do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. III: Conhecimento horizontal do conteúdo, segundo Ball, Thames e Phelps. IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos, segundo Ball, Thames e Phelps. V: Conhecimento de conteúdo e de ensino, segundo Ball, Thames e Phelps. VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo, segundo Ball, Thames e Phelps.
Identificação dos conhecimentos nas ementas:
I: Conhecimento comum do conteúdo. Obs. A ocorrência de I, implica a ocorrência de II
II: Conhecimento especializado do conteúdo.
III: Conhecimento horizontal do conteúdo.
IV: Conhecimento de conteúdo e de alunos.
V: Conhecimento de conteúdo e de ensino.
VI: Conhecimento de conteúdo e de currículo.
Categorias de conhecimentos definidas por Shulman (1987), quais sejam:
o Conhecimento do conteúdo;
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o Conhecimento pedagógico geral, com especial referência aos princípios e estratégias de gerenciamento e organização de sala de aula;
o Conhecimento do currículo, com compreensão especial dos materiais e programas que servem como "ferramentas de trabalho" para professores;
o Conhecimento pedagógico do conteúdo, o amálgama especial do conteúdo e da pedagogia e que está exclusivamente relacionado à area dos professores – a sua própria forma especial de compreensão profissional;
o Conhecimento de estudantes e as suas características; o Conhecimento de contextos educacionais, que vão desde o funcionamento da
instituição ou da sala de aula, a governança e o financiamento dos distritos escolares, para o caráter das comunidades e culturas;
o Conhecimento dos fins educacionais, propósitos e valores, e suas bases filosóficas e históricas
Categoria de outros conhecimentos.
Análise das ementas
Base Experimental das Ciências Naturais (0-3-2)
Recomendação: Não há.
Ementa: O método experimental; Química, Física e Biologia experimentais. Experimentos
selecionados.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Bases Computacionais da Ciência (0-2-2)
Recomendação: Não há.
Ementa: Conceitos básicos da computação e a sua relação com a ciência. Modelagem e simulações
por computador, através da integração com as disciplinas de Base Experimental das Ciências
Naturais e Matemática Básica.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Bases Matemáticas (4-0-5)
Recomendação: Não há.
Ementa: Matrizes e Sistemas Lineares. Conceitos Elementares de Probabilidade. Funções: Definição
e propriedades. Polinômios, Funções Racionais, Funções Trigonométricas, Exponencial e Logaritmo.
Introdução ao Conceito de Limite e Derivada. Técnicas e Exemplos de Derivação.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Estrutura da Matéria (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Macro ao micro (estruturas). Micro ao macro (interações). Teoria Atômica. Modelo de Dalton/
Gay-Lussac. Princípios de conservação de massa e volume. Constante de Avogadro. Loschmidt.
Faraday. Tabela Periódica (Mendeleev). Corpo Negro/Efeito fotoelétrico. Movimento Browniano.
Millikan. Radiações (Röntgen, Becquerel, Curie, Rutherford). Energia relativística. Espectros atômicos
260
(Fraunhoffer a Bohr). Propriedades Ondulatórias: Reflexão, Difração e Interferência e Natureza
ondulatória da matéria. Princípio da Incerteza.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Origem da Vida e Diversidade dos Seres Vivos (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Teorias sobre origem da vida. História do pensamento evolutivo. Taxonomia e filogenia.
Adaptação ao meio e seleção natural. Origem de procariotos e eucariotos. Diversificação dos
organismos vivos. Noções de desenvolvimento embrionário e diferenciação celular. Níveis de
organização dos seres vivos. Organismos e ecossistemas. Biodiversidade e economia.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Fenômenos Mecânicos (3-2-6)
Recomendação: Não há.
Ementa: Leis e grandezas físicas. Noções de cálculo diferencial e integral. Movimento de uma
partícula. Noções de geometria vetorial. Força e inércia. Leis da dinâmica. Trabalho e energia
mecânica. Momento linear. Colisões.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Funções de Uma Variável (4-0-6)
Recomendação: Bases Matemáticas.
Ementa: Limites. Definições. Propriedades. Sequencia e Séries. Limites de sequencia e séries.
Definição do limite via sequencia e séries. Continuidade. Derivadas. Definição. Interpretações
geométrica, mecânica, biológica, econômica, etc. Regras de derivação. Derivadas de funções
elementares. Derivadas de ordem superior. Diferencial da função de uma variável. Aplicações de
derivadas. Fórmula de Taylor. Máximos e mínimos, absolutos e relativos. Análise do comportamento
de funções através de derivadas. Regra de LHôpital. Crescimento, decrescimento e concavidade.
Construções de gráficos. Integral indefinida. Interpretação geométrica. Propriedades. Regras e
métodos de integração. Integral definida. Teorema fundamental do cálculo. Aplicações da integral
definida. Técnicas de Primitivação: Técnicas Elementares. Integração por partes. Mudança de
variáveis e substituição trigonométricas. Integração de funções racionais por frações parciais.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – II
Geometria Analítica (3-0-6)
Recomendação: Não há.
Ementa: Vetores, Coordenadas, Retas, Planos, Circunferência, Cônicas e Quádricas.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Natureza da Informação (3-0-4)
Recomendação: Bases Computacionais da Ciência.
261
Ementa: Dado, informação e codificação. Teorias da Informação. Entropia. Sistemas de Numeração.
Representação analógica e digital. Armazenamento da informação, Noções de semiótica. Introdução
às ciências cognitivas. Informações Biológicas.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Transformações nos Seres Vivos e Ambiente (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Introdução. Meio físico e biomas. Energia e ciclos biogeoquímicos. Adaptação em ambientes
variantes. Ciclos de vida, sexo e evolução. Comportamento social. Estrutura de populações. Modelos
de crescimento e dinâmica populacional. Predação, competição e modelos matemáticos. Coevolução
e mutualismo. ComEixo s. Sucessão ecológica. Biodiversidade, conservação e sustentabilidade.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Bases Epistemológicas da Ciência Moderna (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Conhecimento científico e tecnológico. Metodologia, racionalidade e avaliação de teorias.
Valores e ética na prática científica. Eixos epistêmicos e formas de pensamento. Epistemologia da
experimentação, observação e simulação.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Fenômenos Térmicos (3-1-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Temperatura, calor e primeira lei da Termodinâmica; Teoria cinética dos gases; Entropia e
segunda lei da Termodinâmica.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Introdução às Equações Diferenciais Ordinárias (4-0-4)
Recomendação: Funções de uma Variável.
Ementa: Introdução às equações diferenciais. Noções básicas e terminologia. Modelos matemáticos.
Equações diferenciais de primeira ordem: introdução. Separação de variáveis. Equações
homogêneas. Equações lineares. Equação de Bernoulli. Equações diferenciais lineares de ordem
superior e sistemas lineares. Equações lineares homogêneas com coeficientes constantes. Método
dos coeficientes indeterminados. Aplicação de equações diferenciais de segunda ordem: modelos
mecânicos e elétricos: oscilações, ressonância, movimento ondulatório, princípio de superposição.
Modelos compartimentais. Aplicações: dinâmica populacional, sistemas de interação entre espécies e
modelos de epidemiologia.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Processamento da Informação (3-2-5)
Recomendação: Bases Computacionais da Ciência; Natureza da Informação.
262
Ementa: Noções de organização de computadores. Lógica de programação, algoritmos e
programação (teoria e prática): sequenciamento de operações, decisões e repetições, modularização
e abstração de dados. Processamento de vetores e matrizes.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Transformações Químicas (3-2-6)
Recomendação: Não há.
Ementa: Interações e estados da matéria. Transformações químicas. Aspectos cinéticos das
transformações químicas. Equilíbrio químico.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Comunicação e Redes (3-0-4)
Recomendação: Natureza da Informação; Processamento da Informação.
Ementa: Teorias da Comunicação. Capacidade de canal. Transmissão, Propagação; Ruído. Redes
com fio e sem fio; fibras ópticas (reflexão e refração da luz). Funcionamento da Internet. Meios de
comunicação e difusão de informação. Redes Sociais.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Fenômenos Eletromagnéticos (3-2-6)
Recomendação: Não há.
Ementa: Carga elétrica; lei de Coulomb; campo elétrico; lei de Gauss para o campo elétrico; potencial
elétrico; capacitância; corrente elétrica e resistência elétrica; circuitos elétricos; campo magnético;
campo magnético devido a corrente elétrica (lei de Biot-Savart); lei de Ampère, lei de Gauss para o
campo magnético; lei de Faraday (indução e indutância); corrente de deslocamento, Lei de Ampère-
Maxwell e equações de Maxwell na forma integral.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Funções de Várias Variáveis (4-0-4)
Recomendação: Geometria Analítica; Funções de uma Variável.
Ementa: Convergência e continuidade. Derivadas Parciais. Derivada direcional. Regra da Cadeia.
Gradiente. Máximos e mínimos. Fórmula de Taylor. Noções de integrais múltiplas. Integrais de linha.
Teorema da divergência. Teorema de Stokes.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Transformações Bioquímicas (3-2-6)
Recomendação: Não há.
Ementa: Introdução ao universo das transformações da matéria que ocorrem em sistemas biológicos
a fim de desenvolver uma visão crítica da estreita relação estrutura/propriedades/funções das
biomoléculas nos seus mais diversos níveis e correlacionar processos bioquímicos com as
características macroscópicas dos seres vivos, bem como suas implicações nos diversos ramos do
263
conhecimento científico e tecnológico.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Educação Científica, Sociedade e Cultura (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Possibilidades de atuação do educador (licenciado) e da educação científica na sociedade
atual. Percepção pública da ciência e tecnologia. Divulgação científica. Alfabetização científica:
articulações com a cultura e a construção da cidadania. Globalização e cultura científica. Conexões
entre arte e ciências. A Ciência na sociedade e na cultura: espaços formais e informais de educação
científica.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Introdução à Probabilidade e à Estatística (3-0-4)
Recomendação: Funções de uma variável.
Ementa: Introdução à Estatística. Estatística descritiva. Probabilidade. Variável aleatória discreta e
contínua: binomial, Poisson, normal e exponencial. Teorema do limite central e intervalos de
confiança.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Energia: Origens, Conversão e Uso (2-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Parte I – Origem: Introdução à estrutura da matéria; Conservação de massa em reações
físicas e químicas; Recursos Energéticos primários. Parte II – Conversão: Interação de reação com a
matéria; Conversão de calor em energia mecânica; Conversão de energia potencial gravitacional e
cinética de um escoamento em energia mecânica; Conversão de energia mecânica em energia
elétrica; Introdução às usinas de potência; Motores a combustão interna; Armazenamento de energia;
Eficiência energética. Parte III – Uso da Energia: Transporte de Energia; Uso final de energia; Matriz
energética.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Física Quântica (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Bases experimentais da Mecânica Quântica. Quantização. Modelo de Bohr e átomo de
hidrogênio. Equação de Schrodinger: função de onda, potenciais simples. Equação de autovalores
para potenciais simples. Tunelamento. Relação de incerteza. Átomos. Momento Angular. Números
quânticos. Energia de ionização e Spin. Dipolos magnéticos. Tabela Periódica. Lasers.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Políticas Educacionais (3-0-3)
Recomendação: Não há.
264
Ementa: A Educação escolar brasileira no contexto das transformações da sociedade. Análise das
políticas educacionais e dos planos e diretrizes para a Educação Básica. Estrutura e organização do
sistema de ensino brasileiro. Políticas educacionais e legislação de ensino: LDB, DCNs, PCNs.
Avaliação na educação básica e os instrumentos oficiais: SAEB e ENEM.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – conhecimento de contextos educacionais e conhecimento dos fins educacionais (Shulman)
Matemática Discreta (4-0-4)
Recomendação: Funções de Uma Variável.
Ementa: Teoria Intuitiva dos Conjuntos. Operações com Conjuntos. Álgebra de Conjuntos. Relações.
Relações de Equivalência. Relações de Ordem. Funções. Coleções de Conjuntos. Conjuntos
Numéricos. Cardinalidade. Técnicas de Demonstração: Prova Direta. Prova por Contradição. Indução
Finita. Introdução à Análise Combinatória. Princípio multiplicativo. Princípio aditivo. Permutação,
arranjo, combinação. Princípio de inclusão e exclusão. O princípio da casa dos pombos. Funções
geradoras. Partição de um inteiro. Relações de recorrência.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Interações Atômicas e Moleculares (3-0-4)
Recomendação: Estrutura da Matéria; Transformações Químicas; Física Quântica.
Ementa: A disciplina trata do estudo das propriedades dos átomos, moléculas, e estados
condensados da matéria através do entendimento das ligações químicas que formam os líquidos e os
sólidos e as consequências dessas nas propriedades dos materiais. Os principais tópicos abordados
são: Estrutura de átomos e moléculas (abordagem mecânico-quântica), Princípios de ligações
químicas (abordagem mecânico-quântica), Gases reais, Líquidos e Sólidos Moleculares.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Desenvolvimento e Aprendizagem (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Estudo das teorias psicológicas do desenvolvimento humano e da aprendizagem em Piaget,
Vygotski e Wallon. Aprendizagem e subjetividade. Psicologia do desenvolvimento e relações com a
prática educativa: discussão de problemas de aprendizagem. Consequências para a legislação
educativa.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – conhecimento de estudantes e suas características (Shulman)
Geometria Plana e Construções Geométricas (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Axiomática da Geometria Euclidiana. Congruência de Triângulos. Desigualdades
Geométricas. O postulado das Paralelas. Semelhança de Triângulos. Circunferências. Áreas.
Construções Geométricas. Lugares Geométricos. Isometrias. Homotetias.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática
265
apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – I, II (considerar também V, em decorrência de uma das entrevistas)
Álgebra Linear (6-0-5)
Recomendação: Geometria Analítica.
Ementa: Sistemas de Equações Lineares: Sistemas e matrizes; Matrizes escalonadas; Sistemas
homogêneos; Posto e Nulidade de uma matriz. Espaço Vetorial: Definição e exemplos; Subespaços
vetoriais; Combinação linear; Dependência e independência linear; Base de um espaço vetorial e
mudança de base. Transformações Lineares: Definição de transformação linear e exemplos; Núcleo e
imagem de uma transformação linear; Transformações lineares e matrizes; Matriz mudança de base.
Autovalores e Autovetores: Polinômio característico; Base de autovetores; Diagonalização de
operadores.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I e II
Estrutura e Dinâmica Social (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Estrutura social e relações sociais; Dinâmica cultural, diversidade e religião; Estado,
Democracia e Cidadania; Dimensão econômica da sociedade; Desigualdade e realidade social
brasileira.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Didática (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Teorias de ensino e aprendizagem. Abordagens da relação mediadora entre professor, aluno
e o conhecimento. Formação do professor reflexivo. Organização do trabalho pedagógico na escola.
Projeto pedagógico e planejamento de ensino. Natureza do trabalho docente e profissionalização do
professor. Interdisciplinaridade e educação. Recursos e modalidades didáticas. Questões críticas do
ensino: indisciplina, drogas, diversidade. Avaliação da Aprendizagem.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – conhecimento pedagógico geral (Shulman)
Teoria Aritmética dos Números (4-0-4)
Recomendação: Matemática Discreta.
Ementa: Axiomas de Peano. Indução Matemática. Construção do Conjunto dos Inteiros.
Divisibilidade. Números Primos. Equações Diofantinas. Relação de Congruência. Construção do
Conjunto dos Números Racionais.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – I, II
Ciência, Tecnologia e Sociedade (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Evolução bio-cultural do ser humano: técnicas e tecnologias como dimensões da
humanidade. Metodologia, racionalidade e relativismo. Ciência, tecnologia e inovação como fato
266
social. Indivíduo, Estado e sociedade. Política científica e tecnológica. Valores e ética na prática
científica. Controvérsias científicas.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Práticas de Ensino de Ciências e Matemática no Ensino Fundamental (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Concepções de um bom professor de Ciências e Matemática. Tendências do ensino de
Ciências Naturais e Matemática em diferentes momentos históricos no Brasil e no mundo. Aspectos
teórico-práticos sobre a construção do conhecimento na escola. Propostas curriculares de Ciências e
Matemática no ensino fundamental. Transposição didática. Novas tecnologias e ensino de ciências e
matemática. O livro didático de ciências e matemática: história, pesquisa e referenciais do PNLD.
Identificação e análise de projetos pedagógicos e planos de ensino desenvolvidos na rede municipal,
estadual e particular no ensino fundamental II nas áreas de Ciências e Matemática.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – IV, V, VI, conhecimento pedagógico geral (Shulman)
Cálculo Numérico (3-1-4)
Recomendação: Funções de Uma Variável.
Ementa: Aritmética de ponto flutuante: Erros absolutos e relativos; Arredondamento e truncamento.
Zeros de Funções Reais: Métodos de quebra – bisseção / falsa posição; Métodos de ponto fixo –
iterativo linear / Newton-Raphson; Métodos de Múltiplos passos – secantes. Resolução de Sistemas
de Equações Lineares: Métodos diretos – Cramer / eliminação de Gauss, decomposição A = LU;
Métodos iterativos – Jacobi /Gauss-Seidel. Ajustamento de Curvas pelo Método dos Mínimos
Quadrados: Interpolação Polinomial: Existência e unicidade do polinômio Interpolador; Polinômio
interpolador de: Lagrange, Newton e Gregory-Newton; Estudo do erro. Integração numérica: Métodos
de Newton-Cotes; Trapézios; Simpson; Estudo do erro.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Projeto Dirigido (0-2-10)
Recomendação: Não há.
Ementa: Desenvolvimento de projeto teórico, experimental ou computacional a ser desenvolvido sob
a orientação de um ou mais professores da UFABC. Poderá ser utilizada uma pesquisa desenvolvida
em Iniciação Científica prévia (com ou sem bolsa).
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Práticas de Ensino de Matemática no Ensino Fundamental (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: O papel da linguagem na educação matemática. A seleção de conteúdos no ensino
fundamental. Modalidades didáticas: aula expositiva, utilização de mídia impressa, filmes e outros
recursos audiovisuais, literatura, jogos, debates, estudos do meio, quadrinhos, músicas, entre outros.
A experimentação e a matemática: os laboratórios de ensino. A resolução de problemas no ensino da
267
matemática. Tendências e práticas de pesquisa em educação matemática. Avaliação em educação
matemática.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V, VI, conhecimento pedagógico geral (Shulman)
Fundamentos de Análise (4-0-4)
Recomendação: Funções de Uma Variável; Funções de Várias Variáveis.
Ementa: Construção dos Racionais a partir dos Inteiros. Conjunto dos Reais, Noções de Topologia na
Reta. Conjuntos enumeráveis e não enumeráveis. Limites e sequências numéricas, Sequências de
Cauchy. Séries Numéricas. Critérios de Convergência. Funções Reais. Limites Laterais e Operações.
Funções Deriváveis. Teorema do Valor Médio. Fórmula de Taylor.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – II
LIBRAS (2-0-2)
Recomendação: Não há.
Ementa: Surdez – concepção médica e concepção social; história da comunicação do surdo –
Oralismo, Comunicação Total e Bilinguismo; Modalidade de língua oral e de língua de sinais; LIBRAS
– introdução ao idioma e noções básicas; a escrita do surdo; o papel do intérprete de LIBRAS na
educação do surdo.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – conhecimento de estudantes e suas características (Shulman)
Práticas de Ensino de Matemática I (3-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: DCN, PCN e PCN+ para Matemática no Ensino Médio. Temas Estruturadores da
Matemática. Programa e Currículo de Matemática para o Ensino Médio. Livro Didático e Livro
Paradidático. Matemática e Tecnologias aliadas para o ensino. Planejamento e Avaliação associados
aos conteúdos: Conjuntos; Números Naturais e Números Reais; Funções Afins, Quadráticas e
Polinomiais; Funções Exponenciais e Logarítmicas; Funções Trigonométricas.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – III, V, VI
Fundamentos de Álgebra (4-0-4)
Recomendação: Teoria Aritmética dos Números.
Ementa: Conjuntos e Operações Binárias. Definição de Grupos e exemplos. Subgrupos.
Homomorfismos. Classes Laterais. Grupos Quocientes. Definição de Anéis e exemplos. Subanéis.
Homomorfismo de Anéis. Ideais e Anéis Quocientes. Anéis Euclidianos. Anéis de Polinômios.
Aritmética dos Anéis de Polinômios.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Práticas de Ensino de Matemática II (3-0-4)
Recomendação: Práticas de Ensino de Matemática I.
268
Ementa: Matemática: linguagem, ciência ou componente lúdica do conhecimento humano?
Contextualização. Matemática e Mídia. Jogos e Artes para estudo da Matemática. Laboratórios de
Ensino de Matemática. Resolução de Problemas e Olimpíadas. Planejamento e Avaliação associados
aos conteúdos: Progressões; Matemática Financeira; Análise Combinatória; Probabilidade; Geometria
Espacial: estrutura axiomática, perpendicularismo, distância e ângulos; Poliedros; Áreas e Volumes;
Superfícies Regradas e Sólidos de Revolução.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V
Evolução dos Conceitos Matemáticos (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Matemática anterior e exterior à Grécia Helênica e a natureza empírica; Matemática da
Grécia Clássica e Helênica; O sistema lógico, a noção de prova legítima: indução e dedução e a
abstração conceitual; Os Elementos de Euclides: geometria e números e aplicação do método
axiomático material e rigor; O cálculo e o sistema de números reais: a diferente caracterização dos
objetos e métodos; Matemática abstrata e aplicação da matemática; Estruturas algébricas e o caráter
algébrico e abstrato dos objetos; Geometria não-euclidiana; Método axiomático formal e abstração;
Teoria de conjuntos e fundamentos da matemática.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V
Práticas de Ensino de Matemática III (3-0-4)
Recomendação: Práticas de Ensino de Matemática II.
Ementa: Pesquisa para formação do professor-educador. Etnomatemática. Educação Matemática.
Modelagem Matemática. História da Matemática. Planejamento e Avaliação associados aos
conteúdos: Geometria Analítica Plana; Geometria Analítica Espacial; Sistemas de Equações
Lineares; Matrizes e Determinantes; Números Complexos; Equações Algébricas.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V
Fundamentos de Geometria (4-0-4)
Recomendação: Geometria Plana e Construções Geométricas.
Ementa: O Pensamento Geométrico. Geometria das Transformações. Simetrias: Rotações,
Reflexões, Translações. Ladrilhos e Pavimentações.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – I, II (considerar também V, em decorrência de uma das entrevistas)
Análise Real I (4-0-4)
Recomendação: Sequencias e Séries.
Ementa: Números reais: propriedades e completeza. Sequencias e séries de números reais.
Topologia da Reta: conjuntos abertos e fechados, pontos de acumulação, conjuntos compactos e
conjunto de cantor. Limite de funções reais. Funções contínuas: definição, funções contínuas num
intervalo, funções contínuas em conjuntos compactos e continuidade uniforme. Funções deriváveis:
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definição de derivada, derivada e crescimento local, funções deriváveis num intervalo, fórmula de
Taylor, aplicações da derivada, concavidade e convexidade.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Anéis e Corpos (4-0-4)
Recomendação: Teoria Aritmética dos Números.
Ementa: Definição de Anéis e exemplos. Domínios de integridade e corpos. Subanéis.
Homomorfismos. Ideais e anéis quocientes. Isomorfismos. Corpo de Frações. Anéis Euclidianos. O
anel dos inteiros de Gauss. Anéis de Polinômios. Aritmética do anel dos polinômios. Corpos
numéricos e finitos. Elementos da Teoria de Galois.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – II
Funções de Variáveis Complexas (6-0-5)
Recomendação: Funções de Varias Variáveis.
Ementa: Números complexos. Funções complexas: limite, continuidade, derivação, condições de
Cauchy-Riemann, funções harmônicas. Funções exponencial, trigonométricas e hiperbólicas.
Funções multivalentes, logaritmo. Integral de linha, teorema de Cauchy-Goursat. Formula integral de
Cauchy e consequências. Sequencias e series de funções. Series de Taylor e de Laurent.
Singularidades e Resíduos: Classificação das singularidades de funções complexas. Zeros de uma
função analítica. Cálculo de resíduos e aplicação no calculo de integrais de funções reais.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Geometria Não Euclidiana (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Conceitos primitivos e sistemas de axiomas: incidência, ordem, congruência, continuidade,
paralelismo. Geometria Absoluta: teorema dos ângulos interiores, existência de perpendiculares,
casos de congruência de triângulos e desigualdade geométrica. Espaço Elíptico: trigonometria, áreas,
projeção de Mercator e fórmula dos navegadores. Espaço Hiperbólico: ângulos de paralelismo,
defeitos angulares de triângulos, ultraparalelismo, pontos no infinito, isometrias e modelos do plano
hiperbólico. Espaço projetivo: dualidade, c.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – I, II
Grupos (4-0-4)
Recomendação: Teoria Aritmética dos Números.
Ementa: Definição de Grupos e exemplos: grupos cíclicos, simétricos e diedrais. Subgrupos. Classes
laterais. Teorema de Lagrange. Subgrupos normais e grupos quocientes. Homomorfismos e
Isomorfismos. Grupos de Permutação. Ação de Grupos. Teoremas de Sylow. Grupos Solúveis.
Grupos Nilpotentes. P-Grupos.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – II
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Introdução à Criptografia (3-1-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Criptografia clássica. Tópicos em Teoria dos Números aplicada à Criptografia. Criptografia
de bloco simética: DES, Twofish, IDEA, AES. Criptografia de bloco assimétrica ou de chave pública:
RSA e ElGamal. Modos de operação da Criptografia de bloco. Autenticação de mensagens e
assinaturas digitais.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Introdução à Inferência Estatística (3-1-4)
Recomendação: Introdução à Probabilidade e Estatística.
Ementa: Variáveis aleatórias contínuas: função densidade de probabilidade e função de distribuição
acumulada. Interpretação geométrica da probabilidade. Média e variância de variáveis aleatórias
contínuas. Modelos probabilísticos para variáveis aleatórias contínuas: uniforme, gaussiano,
exponencial, qui-quadrado, t de Student e F de Snedecor. Aproximação normal e o Teorema Limite
Central. População, amostra, parâmetros e estatísticas: os problemas da inferência estatística.
Distribuição amostral da média e da variância. Estimação por ponto e intervalo. Propriedades dos
estimadores. Testes de hipóteses: Erros de 1ª e 2ª espécies. Nível descritivo (P-valor). Testes para
proporções. Testes de Hipóteses para média e Comparação de duas médias (com variância
conhecida e desconhecida). Testes qui-quadrado (aderência, homogeneidade e independência).
Testes para variância.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Programação Matemática (3-1-4)
Recomendação: Álgebra Linear.
Ementa: Introdução: Revisões de álgebra linear e conjuntos convexos. Programação linear:
Modelagem; Resolução Gráfica; Teoremas Básicos; O método simplex; Simplex revisado; Dualidade;
Algoritmos primal-dual e dual-simplex; Análise de sensibilidade.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Sequencias e Séries (4-0-4)
Recomendação: Introdução às Equações Diferenciais.
Ementa: Sequencias e Séries; Limites e Convergência, Continuidade; Sequencias de Cauchy;
Critérios de Convergência; Reordenação de Séries; Séries de Funções; Convergência Pontual
Convergência Uniforme; Representação de funções por séries de potência; Teoremas de Taylor;
Solução em Séries para EDOs: Método de Frobenius.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? ALGUNS – II
Teoria dos Grafos (3-1-4)
Recomendação: Processamento da Informação.
Ementa: Introdução: Noções básicas; grafos orientados, não-orientados, bipartidos; grafos conexos e
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não conexos; Subgrafos e hipergrafos; Estruturas de dados para a representação de grafos.
Caminhos e circuitos em grafos: Circuitos Eulerianos e Hamiltonianos; Caminhos de comprimento
mínimo. Percursos em grafos: Em profundidade; Em largura. Árvores: Conceitos básicos; Árvores
geradoras de grafos; Árvores geradoras mínimas. Exemplos de problemas: Coloração de vértices;
Clique máximo; Conjunto independente de vértices; Caixeiro viajante; Problema do fluxo máximo em
redes.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
Topologia I (4-0-4)
Recomendação: Análise Real I.
Ementa: Topologia do espaço euclidiano, abertos e fechados, aplicações contínuas,
homeomorfismos. Aplicações quociente. Conjuntos conexos e conexos por caminhos. Conjuntos
compactos. Superfícies topológicas. Colagem de superfícies, soma conexa. Classificação das
Superfícies Compactas. Topologia geral, abertos e fechados, bases e prébases. Funções contínuas e
homeomorfismos. Axiomas de Separação e Axiomas de Enumerabilidade. Componentes conexas e
componentes conexas por caminhos. Espaços localmente conexos, localmente conexos por
caminhos. Espaços compactos, sequencialmente compactos e BW-compactos.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? NÃO
História da Matemática (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Origens da matemática; a matemática no Egito e na Babilônia; a matemática Grega; a
matemática Hindu- Chinesa; os Árabes na matemática; A matemática na idade média; a álgebra de
Viete; Fermat e Descartes; origens e desenvolvimento do Cálculo; Newton e Leibniz; a era Bernoulli;
Euler; Cauchy e Gauss; Abel e Galois; Geometrias não-Euclidianas; a passagem do Cálculo para a
Análise; fundamentos: Boole, Cantor e Dedekind; a matemática do século 20 e a matemática
contemporânea.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V
Tendências em Educação Matemática (4-0-4)
Recomendação: Não há.
Ementa: Etnomatemática. O campo de investigação que compreende História, Matemática e
Educação: História da Matemática, História da Educação Matemática e História na Educação
Matemática. Filosofia da Educação Matemática. Informática e Educação Matemática. Educação
Matemática de Jovens e Adultos. Modelagem Matemática na Formação do Educador.
Os assuntos relacionados na ementa podem contribuir para que futuros professores de Matemática apropriem-se de conhecimento definido por Ball, Thames e Phelps (2007, 2008) ou conhecimento definido por Shulman (1987)? SIM – V