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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE ANHANGUERA
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM
CONFLITO COM A LEI
VALDIR LOURENÇO DE MIRANDA
ENVOLVIMENTO E RESPONSABILIDADE DA FAMÍLIA NO ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO EM MEIO ABERTO: Visão sistêmica e intervenção
São Paulo
2013
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE ANHANGUERA
DIRETORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
PROGRAMA DE MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM
CONFLITO COM A LEI
VALDIR LOURENÇO DE MIRANDA
ENVOLVIMENTO E RESPONSABILIDADE DA FAMÍLIA NO ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO EM MEIO ABERTO: Visão sistêmica e intervenção
Dissertação de mestrado apresentada à
Banca Examinadora como exigência dos
requisitos do Programa de Mestrado
Profissional Adolescente em Conflito com a lei
da Universidade Bandeirante Anhanguera
para obtenção do título de Mestre em Políticas
e Práticas com Adolescentes em Conflito com
a Lei. Orientador: Prof. Dr. Adalberto Botarelli.
Linha de Pesquisa: Modelos e Práticas de
Intervenção.
São Paulo – SP
2013
FOLHA DE APROVAÇÃO
MESTRANDO VALDIR LOURENÇO DE MIRANDA
ENVOLVIMENTO E RESPONSABILIDADE DA FAMÍLIA NO ATENDIMENTO
SOCIOEDUCATIVO EM MEIO ABERTO: Visão sistêmica e intervenção
BANCA EXAMINADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
________________________________________________
Presidente e Orientador: Prof. Dr. Adalberto Botarelli
(UNIBAN ANHANGUERA-SP)
_____________________________________
1º EXAMINADOR: Profª.Dra. Isa Maria Guará
(UNIBAN ANHANGUERA-SP)
____________________________________________
2º Examinador: Prof. Dr. João Clemente de Souza Neto
(Universidade Presbiteriana Mackenzie)
Dedico este trabalho,
Ao Professor Dr. Adalberto Botarelli, pela sua imensurável paciência,
perseverança e, sobretudo sua capacidade de partilha das experiências,
conhecimentos e saberes, de forma generosa e incondicional.
À minha família que sempre me apoiou e acreditou em meus propósitos e
ideais. Família esta que me inspira na ousadia de abordar este tema como
fonte inesgotável de estudos e descobertas e especialmente por ser o lugar
onde eu me fortaleço e recarrego minhas energias para poder dar
continuidade a minhas buscas.
Aos meus amigos de décadas que souberam compreender a minha ausência
no decorrer desta construção, que me apoiaram e se orgulham de mais esta
vitória como se fossem deles próprios e a minha equipe de trabalho que
sempre incentiva e me apoiaram nesta conquista me dando o suporte no
cumprimento de minhas metas e prazos.
Agradeço,
À Gerente do SMSE Esperança e Alegria, aos Técnicos e todo o quadro de
funcionários pelo carinho e generosidade com que me receberam neste
serviço.
Aos meus professores e em especial à Professora Isa Guará que alimentou
meu interesse nos assuntos pertinentes aos modelos e práticas de intervenção
em medidas socioeducativas em meio aberto.
A todos os funcionários do Programa de Mestrado Adolescente em Conflito
com a Lei e aos colegas de curso.
À Casa do Cristo Redentor, que me recebeu como um de seus membros,
acreditando em minhas potencialidades, mesmo sabendo das minhas
limitações decorrentes do presente estudo.
Enfim, a todos aqueles que acreditaram e dividiram comigo bens imensuráveis:
o conhecimento, compreensão, amizade e incentivo.
RESUMO
MIRANDA, Valdir Lourenço de. Envolvimento e responsabilidade da
família no atendimento socioeducativo em meio aberto: Visão sistêmica e
intervenção. Dissertação (Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com
a Lei). UNIBAN-ANHANGUERA. São Paulo, 2013.
A presente dissertação expõe estudo que traduz a necessidade de
instrumentalização dos profissionais que se encontram em contato direto com o
acompanhamento aos adolescentes em cumprimento de medidas
socioeducativas no meio aberto, sendo que procura colocar em evidência
algumas propostas de atuação que seriam peculiares a este regime de
atendimento. Sobretudo no que se refere aos níveis de responsabilização e
envolvimento dos familiares no acompanhamento a ser prestado nos diversos
programas. Quanto a estes aspectos, no SINASE a exigência de um plano
individual de atendimento do adolescente coloca esta instituição como
corresponsável, no entanto tais atendimentos poderiam ser mais eficazes se
houvessem metodologias que permitissem reconhecer e valorizar o potencial
da mesma no que seria a proposta de responsabilização que o referido plano
formaliza, com isto procuramos demonstrar que faltam procedimentos
operacionais e instrumentos que facilitem este tipo de abordagem, sendo
necessário contribuir com modelos e práticas que melhorem a eficácia de
atendimento prestado pelos técnicos responsáveis pelo acompanhamento das
medidas. Os procedimentos adotados pelo presente estudo se aproximam de
uma pesquisa aplicada na qual a análise documental, a observação e alguns
fragmentos de intervenção foram explorados de maneira contextualizada e
circunstancial, e o modelo teórico que apresentamos envolve uma perspectiva
sistêmica e o papel da família, bem como a relação deste adolescente com sua
comunidade, tendo em vista este momento impar como possibilidade de
constituição da identidade. Em relação aos casos exemplares, procuramos
demonstrar o envolvimento familiar a partir de estudos que realizamos na Ages
Associação Gaudium Et Spes, entidade tradicional ligada à Pastoral do Menor
e que tem se destacado no sistema de garantias em defesa da criança e do
adolescente pela forma com que procura inserir o núcleo familiar. Como
resultado, apresentamos instrumental que poderia ser utilizados como
ferramenta de intervenção para o referenciamento de uma matriz relacional do
envolvimento familiar. Com este modelo procuramos responder aos
questionamentos sobre o que deve ser a intervenção com as famílias, bem
como suas metodologias e conteúdo. Esperamos obter como desdobramento
da proposta a possibilidade de contribuir com um insumo técnico do que deve
ser o conteúdo socioeducativo voltada para os familiares e que seria pertinente
à dimensão pedagógica da medida de liberdade assistida.
Palavras-Chave: Adolescente, Família, Intervenção, Conflitualidade,
Autonomia.
ABSTRACT
MIRANDA, Valdir Lourenço de. Family involvement and responsibility in
social and educational care in an open environment: Overview and
systemic intervention. Dissertation (Master Professional Adolescents in
Conflict with the Law). UNIBAN-ANHANGUERA. São Paulo, in 2013.
This thesis presents a study that reflects the need to provide tools for
professionals who are in direct contact with the monitoring of compliance to
adolescents in educational measures in an open environment, and aims to
highlight some proposals for action that would be peculiar to this regime care.
Especially in relation to levels of accountability and involvement of family
members in the monitoring to be provided in the various programs. On these
aspects, in SINASE the requirement of an individual plan of care the teenager
poses as co-responsible, however such care could be more effective if there
were methods that allow to recognize and value the potential of this same
proposal accountability that the plan formalizes. Our finding results from the
analysis of several issues that go beyond the methodological issues itself, and
reveal themselves in daily relationships established with the monitoring of the
measure, and which relate to the legal framework that requires the participation
of the family, but actually ends up being unclear the operational point of view,
even with regulations in the area of public policy that values. We demonstrate
that not only lacks operational procedures and tools that facilitate this type of
approach, and we seek to contribute to improving the effectiveness of this
service in order contributions of family involvement, we contextualize cool with
regulations that would be central not only in the sense of family have a
responsibility in fulfilling the measure, but also because it represents the bonds
of belonging that are essential for this teen does not terminate in infractions,
because it would be a place of protection and bonding significant. The
theoretical model that we present involves a systemic perspective and the role
of the family in contemporary society, and the relationship of this teenager with
his community in order this unique moment as a possibility of formation of
identity. Regarding exemplary cases, we demonstrate the involvement of family
from studies conducted in association Ages Gaudium Et Spes, traditional entity
linked to Pastoral do Menor and has excelled in the system of guarantees in
defense of children and adolescents by the way seeking to enter the household.
We present a proposal for intervention and instrumental that could be used as
an intervention tool for referencing a relational matrix of family involvement. We
believe her as instrumental diagnostic assessment that will be the
interdisciplinary model of action and monitoring to intervene in vinculares
highlighted weaknesses in each moment lived by the family from then establish
a structured intervention in their relationships as a way to empower- them. In
presenting this model that seeks to respond to questions about what should be
intervention with families as well as their methodologies and content, as a result
we expect to be able to contribute with a technical input to be content that is
relevant to the childcare pedagogical dimension of the measure of probation.
Keywords: Adolescent, Family, Intervention, conflict, Autonomy.
Lista de Siglas e Abreviaturas
ACL - Adolescente em Conflito com a Lei
CASA - Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
CDCA - Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente
CF - Constituição da República Federativa do Brasil
CMDCA - Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
CNAS - Conselho Nacional de Assistência Social
CONANDA - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
CRAS - Centro de Referência de Assistência Social
CREAS - Centro de Referência Especializado de Assistência
ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente
FEBEM - Fundação do Bem-Estar do Menor
LOAS - Lei Orgânica da Assistência Social
MSE - Medidas Socioeducativa
MDM - Movimento em Defesa do Menor
ONG - Organização Não Governamental
PIA - Plano Individual de Atendimento
PNBEM - Política Nacional do Bem Estar do Menor
PSC - Prestação de Serviço à Comunidade
PSB - Proteção Social Básica
PSE - Proteção Social Especial
SEDH - Secretaria de Estado do Direitos Humanos
SEADS - Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social
SGDCA - Sistema de Garantia de Direito da Criança e do Adolescente
SINASE - Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SUAS - Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde
Sumário
Introdução .......................................................................................................13
Capítulo I
QUESTÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
1.1 Apresentação...............................................................................................20
1.2 Tema do Projeto de Pesquisa e Implicações ..............................................24
1.3 Hipótese e Situação Emblemática da Conflitualidade ................................18
1.4 Metodologia ................................................................................................31
Capítulo 2
A FAMÍLIA NO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
2.1 Considerações sobre o atendimento socioeducativo..................................36
2.2 Considerações sobre o atendimento socioeducativo .................................53
2.3 Considerações sobre o Marco Situacional da família .................................56
2.4 A Adolescência em diferentes perspectivas ...............................................63
Capítulo 3
PERSPECTIVA SISTÊMICA NO CAMPO SOCIOEDUCATIVO
3.1 Situação Emblemática ................................................................................65
3.2 Bronfenbrenner e a Ecologia do Desenvolvimento Humano ......................67
3.3 Contextualização Histórica da Adolescência e Apontamentos sobre a
Adolescência e a Conflitualidade ......................................................................69
3.4 Brofenbrenner e o Campo Socioeducativo .................................................73
3.5 Bronfenbrenner e os modelos e práticas da socioeducação ......................82
Capítulo 4
A SISTEMATIZAÇÃO DE UM MODELO DE RESPONSABILIZAÇÃO
DURADOURA EM SERVIÇOS DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVO EM
MEIO ABERTO
4.1 Elementos do Campo Empírico ..................................................................89
4.2 Registro Descritivo ......................................................................................94
4.3 Registro Reflexivo .....................................................................................103
4.4 Estudo de Casos .......................................................................................106
4.6 Considerações Finais ...............................................................................114
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................................118
ANEXOS .........................................................................................................122
INTRODUÇÃO
Quando nos ocupamos dos regimes de atendimento das medidas
socioeducativas preconizadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente nos
deparamos com vários marcos legais e regulatórios que sugerem a efetiva
participação, bem como o envolvimento e a responsabilidade da família
enquanto instituição protetora e que denotam clara preocupação com o
processo de desenvolvimento das crianças e dos adolescentes que são
colocados prioritariamente sob seus cuidados. Mas como tornar esses marcos
operacionais?
O SINASE, caracterizado como um sistema transversal,
multidimensional e vinculado à efetiva capacidade articuladora intersetorial,
também contribui para que esta indagação se torne ainda mais premente de
ser respondida, pois propõe mudanças no sistema socioeducativo.
Não há como ficar indiferente a este questionamento acerca do
envolvimento familiar, mas esta discussão mostrar-se-á pouco produtiva se não
representar aportes para a elaboração de novas propostas que tenham de fato
condições de contemplar a efetiva participação da família na construção de
metodologias que atendam às necessidades do adolescente que cumpre
medida socioeducativa, em especial no regime em meio aberto.
Neste sentido, procuramos dar relevância à participação do núcleo
familiar no processo de cumprimento da medida socioeducativa, tomando-a
como âncora afetiva e fonte dotada de potencialidades no processo de
ressignificação de valores destes adolescentes em conflito com a Lei e, ao
mesmo tempo, procuramos ser propositivos e ensejar possíveis soluções
metodológicas para sua abordagem.
Não há como negar que falar em proposta de abordagem guarda uma
relação muito íntima com a minha vivência profissional e as situações
presenciadas no meu convívio com técnicos e outros diversos atores do
movimento de defesa e garantia de direitos, especificamente no que tange às
medidas socioeducativas em meio aberto.
Também destaco que ainda muito jovem enxergava as ações da
pastoral da criança como fenômeno inexplicável de desprendimento, me
perguntando, por muitas vezes quem eram aquelas pessoas completamente
altruístas que sem ganhar nada em troca dedicavam-se um dia inteiro em
função de dar atenção àquelas mães e crianças que faziam uso deste
equipamento, sendo que o compromisso com a ação que procura superar os
problemas era mais importante que fundamentações teóricas. Esta experiência
foi de grande aprendizado para mim e serviu de referência, pois me enchia de
idéias do que no futuro poderia fazer para entrar na causa e na defesa de
crianças e adolescentes.
É por isto que a preocupação com o projeto de vida de crianças e
adolescentes em situação de risco social, físico e psicológico tem sido minha
companheira no decorrer da trajetória profissional e foi um dos fatores
preponderantes também para esta abordagem que aqui procuro sistematizar.
Dessa forma, procuro considerar a relevância do núcleo familiar no
acompanhamento sistemico do regime de atendimento das medidas de
proteção e de responsabilização no meio aberto, pois tenho me envolvido não
somente com adolescentes nesta condição, mas também com seu núcleo de
convivência familiar e comunitária, dentro ou fora do meio institucional.
Desde o meu primeiro contato com situações de acompanhamento das
medidas socioeducativas que aconteceu no período entre os anos de 2000 e
2008, em que tive a oportunidade de trabalhar como responsável técnico em
instituições responsáveis pelo acolhimento de crianças e adolescentes, esta
relevância do núcleo familiar e a melhor maneira de empreendê-la sempre me
inquietaram. Notei que, talvez, esta situação poderia não necessariamente
estar implicada nas motivações apenas dos membros da família, mas também
envolver questões de abordagem, sobretudo, em relação à operacionalização
do regime de atendimento.
Em muitas destas situações, deparei-me com tais casos, em que
algumas famílias, não só demonstravam verdadeiro desinteresse pelo
acompanhamento de seus filhos adolescentes, como atribuíam toda a
responsabilidade daquela situação apenas à equipe técnica envolvida com o
atendimento.
Ao me deparar com esta situação, eu, enquanto técnico, me via na
emergência de identificar e analisar concepções, modelos e técnicas de
abordagens, não apenas dos adolescentes, mas também na forma de
envolvimento das famílias como forma de compreender quais seriam as forças
e possibilidades de desenvolvimento que esta instituição poderia potencializar.
Hoje, ao retomar funções relacionadas ao acompanhamento de medidas
socioeducativas, percebo que pouco se avançou no que diz respeito ao
envolvimento e sensibilização do potencial colaborativo da família no processo
de cumprimento da medida socioeducativa de adolescentes autores de ato
infracional.
É por isto que me empenhei em destacar a importância de eleger este
tema, tendo como emergência identificar e analisar concepções, modelos e
técnicas de abordagens, não apenas dos adolescentes, mas também na forma
de envolvimento de suas famílias.
E para que este elemento diferencial representado pela interação entre
familiares e técnicos produza o efeito positivo que seria desejável, a interação
com cada uma das famílias de adolescente em acompanhamento precisa de
uma instrumentalização que permita não apenas uma individualização da
abordagem, mas também o reconhecimento das responsabilizações
implicadas. Por esta razão, nossa hipótese inicial é que um programa
socioeducativo, voltado para o regime aberto, pode ser mais eficaz se houver
empenho metodológico que busque reconhecer e valorizar o envolvimento da
família em sua execução, sem que para isto haja a necessidade de culpabilizá-
la.
Na intenção deste construto, perceberemos que o resultado do estudo,
tendo a família como núcleo de potencialidades na execução da medida
socioeducativa, articula-se fundamentalmente na esteira histórica do
desenvolvimento de políticas públicas que consolidam a infância e a
adolescência como prioridade absoluta.
Ao considerarmos a emergência do aprimoramento técnico das práticas
de abordagem, adotamos o princípio de que não basta levarmos em
consideração apenas as determinações dos atributos pessoais e sociais dos
envolvidos, ou seja, nos interessamos por abordagens contextualizadas,
imediatas e de longo prazo, a fim de contemplar a solidariedade e a
capacidade de reflexão, tornando-se também necessário prover as condições
materiais para que todas essas abordagens sejam efetivas.
Enfim, como a ideia central da pesquisa é focar os serviços de medidas
socioeducativas em meio aberto, como forma de dar visibilidade às ações
desenvolvidas que envolvam a família, natural ou de referência, nos
deparamos com o desafio de buscar um campo empírico que nos permitisse
problematizar a questão e elucidar as necessidades operacionais que poderiam
se revelar em seu cotidiano de relações.
A Lei 12.594/2012 (SINASE) demanda de todos os operadores do
sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente um duplo esforço
de interpretação e implantação, uma vez que o texto legal, em grande parte,
não é linear nem autoexplicativo, nem resulta da positivação de uma doutrina
sólida sobre execução de medida socioeducativas.
A AGES, em sua proposta para a construção de um plano
socioeducativo, tem como norteadores fundamentalmente os objetivos aludidos
na cito Lei, em seu art. 1.º, §2º, onde busca essencialmente trazer o
adolescente à responsabilização do ato cometido de forma a reintegrá-lo à
sociedade, desaprovando indubitavelmente a conduta delituosa por ele
praticada.
Já no que diz respeito às responsabilizações preconizadas pelo
SINASE, o SMSE observado faz referência à garantia de direitos por meio da
elaboração e cumprimento do PIA – Plano Individual de Atendimento com a
efetiva participação do adolescente. A própria Lei diz que a medida tem como
escopo a responsabilização do adolescente quanto às consequências de seu
ato.
Nos serviços de atendimento às medidas socioeducativas em meio
aberto, tanto o plano de intervenção a ser desenvolvido pelos programas,
quanto os membros da equipe em suas práticas diárias, demonstram
esclarecimento quanto à importância de se comprometerem com a constituição
de referências duradouras para o adolescente e sua família, dificultando a
compreensão de quais seriam os entraves que têm prejudicado estes
procedimentos.
Ao buscarmos responder a estes questionamentos, notamos a
necessidade de estudar o cotidiano e a práxis profissional de um serviço de
acompanhamento destas medidas e, foi assim, que traçamos minha
aproximação com AGES – Associação Gaudium Et Spes, entidade tradicional
ligada à Pastoral do Menor e que tem se destacado no sistema de garantias
em defesa da criança e do adolescente pela forma com que procura inserir o
núcleo familiar.
Quanto aos procedimentos que pudessem favorecer o entendimento
acerca dos processos envolvidos, chegamos à constataçãode que seria
pertinente explorar os registros dos dados observados em diferentes
momentos. Neste sentido, notamos a necessidade de estudar aspectos
descritivos, em que nos atemos ao detalhamento do perfil institucional,
procurando nos ater aos detalhes que se concretizam em suas práticas e um
outro de cunho reflexivo, em que nos voltamos para uma interpretação destes
mesmos aspectos, com impressões colhidas e constatações decorrentes de
especulações e sentimentos sobre problemas, ideias, impressões, dúvidas,
incertezas, surpresas e decepções, todos relacionados aos eventos
presenciados.
O objetivo maior deste estudo, que aqui apresentamos, é encontrar
subsídios e ferramentas colaborativas no processo de acompanhamento e
execução da medida socioeducativa, tendo como foco central o envolvimento e
responsabilização do núcleo familiar como potencializador na formação de
caráter, bem como a identidade do adolescente em conflitualidade. Neste
sentido, faremos uso do modelo defendido pela teoria bioecológica de
Bronfenbrenner, na tentativa de sistematizar instrumentos que objetivem a
referida participação da família e da comunidade no acompanhamento das
medidas socioeducativas.
Achamos pertinente observar fatores da realidade do adolescente e sua
família, pois em nossa percepção sentimos falta do que é processual na
realidade do adolescente infrator, razão pela qual, em nossa busca por
referenciais teóricas, nos identificamos com a teoria sistêmica bioecológica de
Urié Bronfenbrenner. Diante desta carência, a proposta foi observar, no
processo, a díade do adolescente com o seu meio de forma situacional com
vistas a operacionalizar a medida a partir de insumos que ele próprio, o
adolescente, traga para o técnico que o acompanha.
Propomos a construção de uma matriz situacional, onde o técnico tenha
condições de observar o adolescente em diversos momentos dentro de sua
própria realidade e, desta forma, intervir, quando necessário, de forma
assertiva e focada.
Enfim, neste construto acadêmico, apresentamos propostas voltadas
para os modelos e práticas de intervenção em programas socioeducativos,
tendo como foco central identificar padrões qualificados de atenção ao núcleo
familiar de adolescentes em conflitualidade.
No primeiro capítulo, declaramos nossa intenção de um estudo voltado
para os modelos e práticas de intervenção em programas socioeducativos,
tendo como foco central identificar padrões qualificados de atenção ao núcleo
familiar de cada adolescente em cumprimento de medida socioeducativa bem
como abordagem de modelos e instrumentais que permitam dar visibilidade às
metodologias que enalteçam os aspectos relacionais da medida.
No segundo capítulo, apresentamos a família, através da lente dos
marcos legais que a colocam na centralidade matricial da assistência, de onde
provêm serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica
e/ou proteção especial para elas, bem como para todo indivíduo e grupos que
dela necessitarem.
No terceiro capítulo, apresentamos a proposta da perspectiva sistêmica
e seu teórico, Urie Bronfenbrenner, aproximando a teoria bioecológica do
desenvolvimento humano à socioeducação aos processos de cumprimento de
medida socioeducativa em meio aberto e a um pouco da historicidade do
adolescente em conflitualidade.
Enfim, apresentamos, de forma sintética, os conceitos de família através
de uma breve retomada histórica, onde iniciamos o entendimento dos
processos proximais que envolvem família, comunidade e adolescente em
programas de serviço de medidas socioeducativas em meio aberto.
E, no quarto capítulo, apresentamos a sugestão de um instrumental que
possibilite visualizar a díade do adolescente, por meio do qual analisamos duas
situações de atendimento com seus respectivos estudos de casos, tendo como
foco o acompanhamento familiar, através da análise de relatórios elaborados
pelos profissionais de referência da família e suas intervenções, almejando, ao
final da pesquisa, ter conseguido subsídios para a construção de uma matriz
relacional do acompanhamento do adolescente que possa ser útil no
acompanhamento da medida e permita cruzar informações pertinentes e
duradouras para a construção do Plano Individual deste referido adolescente.
CAPÍTULO 1
QUESTÕES METODOLÓGICAS DA PESQUISA
1.1 Apresentação
Com a presente pesquisa, nos voltamos para os modelos e práticas de
intervenção em programas socioeducativos, tendo como foco central identificar
padrões qualificados de atenção ao núcleo familiar de cada adolescente em
cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto.
Partimos do pressuposto de que é a partir do envolvimento ativo e
sistematizado desta instituição que se potencializarão as pactuações
construídas em cada plano individual de atendimento (PIA), desde que tal
envolvimento se dê em cooperação direta com os técnicos responsáveis pelo
acompanhamento formal das condicionalidades do regime de atendimento.
Para que este elemento diferencial representado pela interação entre
familiares e técnicos produza o efeito positivo que se deseja, a interação com
cada uma das famílias de adolescente em acompanhamento precisa de uma
instrumentalização que permita não apenas uma individualização da
abordagem, mas também o reconhecimento das responsabilizações
implicadas.
É o que buscamos com o presente estudo, abordar modelos
instrumentais que permitam dar visibilidade às metodologias que privilegiam os
aspectos relacionais e a medida dos laços existentes, não apenas entre as
pessoas do núcleo familiar do adolescente em conflito com a Lei e os
operadores da medida, mas também o contexto social no qual se encontram
inseridos, de maneira que não se evidencie somente as lacunas existentes,
mas também suas soluções.
Nossa hipótese inicial é de que um programa socioeducativo, voltado
para o regime aberto, pode ser mais eficaz se houver empenho metodológico
que busque reconhecer e valorizar o envolvimento familiar em sua execução,
sem que para isto haja a necessidade de culpabilização da instituição família.
Esperamos que a articulação exemplar dos aspectos metodológicos, que
buscamos abordar neste estudo voltado para questões de intervenção, consiga
reunir elementos que contribuam para uma operacionalização técnica que
permita avanços na elaboração do PIA. Contribuem para isso, os
procedimentos adotados por nós que se aproximam de uma pesquisa aplicada
na qual a análise documental, a observação e alguns fragmentos de
intervenção são explorados de maneira contextualizada e circunstancial.
Estabelecemos como foco a proposição de um modelo que qualifique o
olhar técnico do operador que acompanha o cumprimento de cada medida,
sendo nosso propósito contribuir para instrumentalizar e capacitar as diversas
tarefas de abordagem, desde o momento da acolhida até o encerramento da
medida.
Quanto à fonte dos dados, partimos da abordagem dos marcos legal e
teórico que procuram inserir a família no cuidado e responsabilização. Quanto
ao descompasso destes com o marco lógico que norteia a intervenção,
procuramos nos ocupar do regime de medida em meio aberto e, para o
referenciamento de um plano de atendimento, contamos com a colaboração da
AGES – Associação Gaudium Et Spes, entidade ligada à Pastoral do Menor,
que tem se destacado no sistema de garantias em defesa de Direitos com a
preocupação de inserir o núcleo familiar.
Tendo em vista a abordagem das ferramentas e estratégias utilizadas
pelos técnicos operadores no âmbito desta entidade, foi possível termos como
destaque as dinâmicas com avaliação positiva quanto ao efeito da baixa
reincidência. Com base nestes dados, foi possível construirmos uma proposta
de instrumental que nos permitisse observar o relacionamento dos
adolescentes em atendimento com o seu entorno objetivando dar visibilidade
dentre as atividades, àquelas que poderiam ter potencial de sucesso no
contexto socioeducativo a que se propõe.
Quanto à abordagem empírica, deu-se por meio de pesquisa qualitativa,
que aborda fragmentos exploratórios e de aplicação, com intervenção
colaborativa e aspectos exploratórios de base compreensiva, tendo nos
permitido averiguar quais são os casos exemplares em abordagens bem
sucedidas e a possibilidade de sistematizá-las.
Tomamos como referência o plano de atendimento da AGES –
Associação Gaudium Et Spes, entidade tradicional ligada à Pastoral do Menor,
tendo em vista a abordagem das ferramentas e estratégias utilizadas pelos
seus técnicos, procurando dar destaque às dinâmicas com avaliação positiva
que nos permitam observar a díade do adolescente com o seu entorno e com
isto dar visibilidade a ações e intervenções com potencial de sucesso neste
contexto.
Com base no pressuposto do protagonismo de crianças, adolescentes e
famílias, faz-se imprescindível a valorizaçãoda autonomia, do compromisso e
da responsabilidade individual, familiar e de grupo, incentivando a promoção
humana e o resgate da própria dignidade.
A associação entre seus diversos serviços de atendimento à criança e
ao adolescente dispõe de dois programas de aplicação e acompanhamento de
medidas socioeducativas, dos quais um é o Serviço de Medida Socioeducativa
em Meio Aberto Esperança e Alegria – MSE/Pirituba, que atua sob a
supervisão e convênio com o Centro de Referência de Assistência Social –
CRAS da Prefeitura do Município de São Paulo e em conformidade às
determinações das Varas da Infância e Juventude (VEIJ), e o outro é o
Departamento de Execução da Infância e Juventude (DEIJ), pautando seu
regimento no art. 22 da Lei do Direito à Convivência Familiar e Comunitária.
Neste espaço tivemos a colaboração da gerência para permanecermos
pelo tempo que fosse necessário para realizarmos nossas observações e
estudos empíricos fundamentais paraa construção desta pesquisa.
Permaneci em campo, de outubro de 2012 a junho de 2013,
acompanhando o serviço, sendo que, de dezembro de 2012 a fevereiro de
2013, tive a oportunidade de vivenciar uma imersão na qual estive como
técnico, acompanhando o cumprimento de medida de um pequeno grupo de
adolescentes, tendo acesso a todo o processo da medida, da acolhida ao
encerramento, nosso objeto direto de estudo e análise.
Esta experiência acrescentou muito conhecimento e ajudou nossa
compreensão do campo de estudo, com especial destaque à fala dos técnicos
responsáveis pelos cumprimentos de medida no serviço.
Tomamos como referência teórica deste nosso construto acadêmico as
teorias do desenvolvimento e adotamos como referência a teoria bioecológica
de Urie Bronfenbrenner, pois ela oferece um modelo que nos permite elaborar
unidades de análise satisfatórias no que se refere à trama de relações.
Além disso, sua abordagem dos aspectos vinculares em uma proposta
de desenvolvimento humano, nos revelou ser metodologicamente rigorosa, a
ponto de permitir vislumbrar a construção de níveis contextualizados de
responsabilização, a partir de tais parâmetros, tendo em vista um instrumental
que possa nos subsidiar tecnicamente para uma “práxis” socioeducativa.
Abordarmoso contexto familiar e comunitário e os processos em que as
medidas se operacionalizam neste âmbito nos permitiu estabelecer unidades
de análise e prospectar modelos e práticas que lhes seriam adequadas.
Ao apresentarmos como perspectiva a análise do papel que o núcleo
familiar tem desempenhado, ou que pode vir a desempenhar no
acompanhamento das medidas socioeducativas em meio aberto, partimos do
entendimento de que a forma como estas medidas são operacionalizadas pelos
profissionais do SMSE acabam por afetar a vida de todos os envolvidos com a
realidade sociocomunitária de cada adolescente.
Ao elegermos este tema, notamos a emergência de identificar e analisar
concepções, modelos e técnicas de abordagens, não apenas dos
adolescentes, mas também na forma de envolvimento das famílias.
É por isto que a proposta de Bronfenbrenner nos chamou a atenção,
pois segundo ele esta instituição é um lócus determinante e funciona como
força motriz para o desenvolvimento humano fazendo com que as forças
subjetivas e objetivas que ele mobiliza exerçam forte influência no
desenvolvimento, desde a primeira infância até a fase adulta.
1.2 Tema Escolhido e suas Implicações
Ao buscar especialização na área, busquei não somente um documento
que pudesse me qualificar como mestre, mas um programa que pudesse me
subsidiar na prática diária, tanto no sentido técnico, quanto no sentido
acadêmico, e fui feliz ao ingressar no programa de mestrado adolescente em
conflito com a Lei, objeto dos meus desejos intelectuais e acadêmicos desde a
criação de sua primeira turma em 2008.
A grade de disciplinas, como pensei, não me decepcionou e fico muito
confortável em dizer que a disciplina intitulada “Instituições formadoras de
subjetividade”, não menosprezando a riqueza e o conteúdo das demais,
ajudou-me a elucidar o que vem a ser esta instituição denominada família de
forma a compreender sua historicidade ao longo dos tempos e o não menos
importante papel ideológico exercido por ela na formação da subjetividade em
cada indivíduo.
Abordar os diversos processos e dilemas em que o núcleo familiar se
constitui já tem sido uma grande preocupação em toda a minha trajetória
profissional e foi um dos fatores preponderantes para este enfoque.
Sua relevânciase volta à análise do núcleo familiar, bem como às
diversas possibilidades de acompanhamento ao regime de atendimentodas
medidas de proteção, uma vez que o técnico não se envolve somente com o
adolescente nesta condição, mas também com seu núcleo de convivência
familiar, comunitária e ou institucional.
Nos anos de 2003 a 2008 tive a oportunidade de trabalhar como
responsável técnico de abrigos e nos casos em que tínhamos que acompanhar
cumprimento de medidas, muitas vezes, deparei-me com tais situações, em
que algumas famílias não só demonstravam verdadeiro desinteresse pelo
acompanhamento de seus filhos adolescentes, como atribuíam toda a
responsabilidade da situação à equipe técnica envolvida com o caso.
Hoje atuo como Gerente de um SAICA – Serviço de Acolhida Institucional para
Crianças e Adolescentes e, embora os tempos sejam outros, vez ou outra,
ainda me deparo com realidades semelhantes.
Naquela época, tínhamos outras situações muito mais
comprometedoras, em que o profissional também não acreditava no próprio
adolescente, condenando-o ao risco da marginalidade.
Sendo assim, decididamente, o que me fez traçar todo um
caminhocrítico que culminou nesta proposta de pesquisa foi a fala de uma
dirigente de uma das instituições, na qual atuei como coordenador da equipe
técnica, cuja a afirmativa a respeito de um determinado adolescente, vale
destacar, trazia aspectos como não tendo “conserto”, que sua marginalidade
era inata, era “índole”, e que estava em seu “sangue”.
Não poucas vezes, ouvi de certos adolescentes sob a minha tutela, a
afirmação de que não iriam ao atendimento dos centros de acompanhamento
das medidas em meio aberto porque acreditavam que iriam andar um tempão
pela cidade somente para assinar um livro, sendo que os técnicos apenas
ficavam insistindo para eles “tomarem um lanche”.
Ao me deparar com estas questões, que ainda parecem inertes no
tempo, apenas constato que existe a necessidade de encontrarmos
instrumentais que possam evidenciar outras possibilidades de abordagem para
estes adolescentes que cumprem media socioeducativa em meio aberto, em
especial nos casos em que seus vínculos familiares estão preservados.
Tal plano, que tem como objetivo o tracejo de metas concretas e
realizáveis para a conquista da autonomia e, sobretudo, da responsabilização
presente e futura por parte do adolescente, encontra grande dificuldade no que
consiste à concretude das propostas por ele traçadas.
Dentre os demais inúmeros elementos que dificultam sua
operacionalização, há o distanciamento da família, descaso ou ineficiência de
serviços estatais e baixa capacitação técnica dos operadores do sistema de
justiça se considerarmos as necessidades da adolescência e suas
peculiaridades.
Conscientes de que uma intervenção sempre é uma ação socieducativa
que busca promover a inclusão de um determinado indivíduo ou, melhor
dizendo, é um processo que requer leitura da realidade e uma clareza muito
grande do que se quer intervir, buscamos por diversos caminhos encontrar
uma abordagem teórica que pudesse nortear nossa busca por insumos que
permitissem uma defesa de que a família, nas suas diversas peculiaridades,
constitui-se como uma fonte de potencialidades no curso do desenvolvimento
humano.
Ao nos atermos aos aspectos teóricos do desenvolvimento,
conseguimos localizar e identificamos na teoria bioecológica de Urié
Bronfenbrenner, baseada em aspectos estruturantes que se articulam com
processos relacionais, um grande potencial de capacitar a abordagem dos
técnicos e fornecer subsídios para os modelos e práticas de intervenção em
regimes de atendimento para medidas socioeducativas, sobretudo,em meio
aberto.
Ater-se aos Programas em meio aberto é estratégico, pois nestes
serviços de atendimento às medidas socioeducativas, tanto o programa quanto
os membros da equipe, tem possibilidades concretas de passarem a constituir
uma referência duradoura para o adolescente e sua família.
Por esta razão, nos chamou a atenção a possibilidade de estudar o
cotidiano (práxis) da AGES, pois poderíamos desenvolver uma dimensão
aplicada das questões teóricas e também qualificar o trabalho desenvolvido
nestes centros de acompanhamento, que teriam como contrapartida avanços
na necessidade de planejar a forma de acolher e acompanhar a execução da
medida.
É por isto que as análises e propostas metodológicas, que constam
desta dissertação, resultam da tentativa de inserirmos as ideias de
Bronfenbrenner no debate sobre a operacionalização das medidas
socioeducativas, entendendo que este teórico pode trazer contribuições se
considerarmos seus estudo acerca do desenvolvimento humano, com
expressivo destaque às implicações que dizem respeito à família de forma
sistêmica e processual.
Reforçamos que a pertinência prática se dá em função de este
respeitado teórico abordar temas relacionados ao desenvolvimento humano de
modo sistêmico, ou seja, não se dedicou ao estudo da família de maneira
isolada, mas a colocou em perspectiva e destacou sua função e estrutura como
determinante para o desenvolvimento de uma subjetividade, que teria como
base o modo de se relacionar, o que torna particular a cada sujeito um modo
de ser, e isto, em um campo de experiências de base social que se articula em
torno de sistemas interdependentes.
Entendemos que fazer um estudo sob a ótica da bioecologia, elaborado
por Bronfenbrenner, é no mínimo inovador para qualificar as práticas
socioeducativas e procuramos aferir isto no decorrer de nossa relação
cotidiana, estando próximos ao equipamento de execução – SMSE.
Sendo assim, toda a perspectiva desta pesquisa pautou-se na
possibilidade de compreensão das unidades de análise que o autor nos propõe
em sua proposta metodológica, em que busca compreender como se dão as
interações que permitem o envolvimento sistêmico, sobretudo, dos processos
de interação, que fazem parte da rotina de relações sociais diárias de um
adolescente, sejam elas junto ao núcleo de convivência familiar ou no círculo
comunitário ao qual pertence.
A teoria bioecológica procura caracterizar e definir conceitualmente o
desenvolvimento, ao identificar estruturas interpessoais que contextualizam as
relações de forma sistêmica e que poderiam se configurar de maneira
específica no contexto do cumprimento de medidas socioeducativas, em
especial no regime de acompanhamento em meio aberto.
O advento da Lei 8.069, de 1990, que institui o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), inaugurou um vasto campo de estudo e pesquisa na área
da defesa e garantia de direitos a crianças e adolescente em que se ressalta,
sobretudo, a atenção e os cuidados com os adolescentes em conflito com a lei,
e destacam-se as garantias processuais e o respeito à condição peculiar de
sujeitos em situação de desenvolvimento.
A respeito deste marco legal, temos aparticipação de familiares e de
membros da comunidade em seu acompanhamento e responsabilizações, que
precisa ser bem mais articulada enquanto eixo fundamental para a execução
das medidas socioeducativas, no entanto, seus aspectos penais e protetivos
ainda dependem de modelos adequados de intervenção para que sua
execução possa ser operacionalizada e, com a Lei 12.594 (SINASE), de 2012,
as condições para a criação de meios apropriados de gestão pública puderam
ser abordadas de forma mais incisiva.
Ao pensarmos na família neste contexto, consideramos a possibilidade
dela ter maior protagonismo na adequação dos modelos de intervenção, mas
questionamos, em que medida, há neste, do marco legal, elementos
quepermitam inserir sua participação e já de antemão, esclarecemos que há
sim, no entanto, não sabemos em que medida encontramos tal atuação e se é
valorizada, ou ainda se há respaldo para isto em outras regulamentações,
como na assistência social ou na saúde, áreas que tem procurado valorizar a
participação da família.
Mesmo sabendo de formalizações legais, ainda resta a mesma questão
das necessidades de operacionalizar e sistematizar metodologias de
atendimento, com instrumentos que facilitem sua abordagem.
Quanto ao SINASE, em que pese à escassez da dimensão educativa
apresentada neste seu ordenamento jurídico, nota-se que, a partir do marco
legal, as questões da proteção social tiveram poucos avanços. Acreditamos
que nem tampouco os esforços da organização administrativa do sistema
socioeducativo nos permitirão sistematizar a necessidade que as questões
operacionais no campo socioeducativo implicam.
Quanto às responsabilizações da rede de proteção, caberia, portanto,
um olhar um pouco mais criterioso do que o atualmente dispensado aos
modelos e práticas que estão sendo colocados e suas possibilidades de
reelaboração, pois ainda não temos no Brasil uma linha de pesquisa
consolidada voltada para estes aspectos, ou mesmos avaliação e
monitoramento de programas com vistas à validação de experiências e
tecnologias “que funcionam” na aplicação da justiça juvenil. (GUARÁ, 2010).
Para confirmar o fato, basta constatar qual é a cultura de avaliação e
sistematização de projetos de intervenção em vigor, que na verdade é muito
pouco consistente, enquanto que a ação socioeducativa para os adolescentes
em conflito com a lei tem sua especificidade regulada a partir dos marcos
legais da proteção especial. Sua abrangência teórica e operacional precisa ser
compreendida em uma amplitude muito maior, já que ela envolve processo
relacional de caráter educativo que tem merecido poucos cuidados.
Estes aspectos foram detalhados em uma revisão da literatura sobre
intervenção socioeducativa realizada por Guará (2010), na qual ficou
demonstrado que é muito baixo o número de estudos sobre a realidade
brasileira em que se focaliza este tema, tendo sido localizadas com mais
facilidade produções sobre os sujeitos envolvidos – adolescentes, o direito e
suas especificidades e, também, análises críticas focadas nas instituições que
os atende.
Como agora temos o desafio de implementação do SINASE,
acreditamos que este debate pode avançar isto porque os pontos relevantes
desta lei são justamente os parâmetros que ela anuncia em termos de incentivo
ao planejamento para o cumprimento de medidas em meio aberto em
detrimento da restrição de liberdade. O que implica ir além do aspecto penal e
resgatar aspectos pedagógicos das medidas, com vistas a assegurar uma
responsabilização conjunta dos vários agentes no sentido de um acolhimento
que seja capaz de promover a inclusão dos adolescentes por meio do apoio e
do acompanhamento que se fizer necessário para que seus direitos sejam
traduzidos não em intenções, mas em ações concretas.
1.3 Hipótese e Situação Emblemática da Conflitualidade
Embora haja marcos legais que regulamentem a participação e o
envolvimento da família em programas de medidas socioeducativas, faltam
ainda metodologias de atendimento que facilitem a sua abordagem de tal forma
que, mesmo com a inovação de novas diretrizes, a exemplo do SINASE 2012,
muito pouco das atividades desenvolvidas nestes referidos serviços, tem
possibilitado ao técnico uma dinâmica que lhe permita esta aproximação,
mesmo que sistemática, junto à família do adolescente em conflito com a Lei.
Entendemos que tal questão envolvendo a família num processo de
responsabilização sempre foi problemática, mas hoje a questão fica ainda mais
premente, a partir desta responsabilização que o PIA institui.
Nossa hipótese é que as famílias constituem um lócus privilegiado para
a investigação e análise, mesmo que conservadoras, dentro de um processo
dinâmico sociocomunitario, fazendo com que as individualidades desapareçam
e, de forma refratária, elas só venham à tona quando um evento externo a
provoca, portanto, acreditamos que o programa socioeducativo poderia ser
mais eficaz se houvesse metodologias para conhecer e valorizar o
envolvimento e a responsabilidade da família na execução da medida.
Segundo Botarelli (2002), verifica-se nas leis, uma série de medidas que
implicam a instituição familiar na proteção integral das crianças e adolescentes
e ao qualificá-las enquanto sujeito de direitos, é determinante na proteção e
atenção, reforçando-se os vínculos como fundamentais para o
desenvolvimento.
Embora haja um marco legal que exige a participação da família nos
programas de atendimento ao adolescente em conflito com a Lei, pouco se tem
de concreto no que tange envolver o núcleo familiar, não somente como
responsável, mas como parte do processo.
Há também regulações na área da assistência e da saúde que valorizam
a participação da família e a sua matricialidade e, mesmo assim, hoje não
temos dados sistematizados sobre as metodologias existentes e a qualidade
das mesmas.
Há exigências de um plano individual de atendimento, estipulado pelo
SINASE 2012, aqui, no caso do programa socioeducativo, o PIA é do
adolescente e a família entra como responsável, mas nas regulações da
assistência social existe uma proposta de um PIA para a família, de um plano
individual de acompanhamento familiar.
Acreditamos que os eventos que circundam o desenvolvimento do
adolescente e a capacidade protetora e protetiva da família derivam de uma
característica dinâmica e processual, em que os resultados provem de
desdobramentos contínuos.
Nosso enfoque se deve ao entendimento a partir dos marcoslegais da
saúde, educação e assistênciade que a família é um núcleo de proteção
estratégico e por estar atrelada aos vínculos comunitários, precisa, portanto,de
táticas de abordagem que sejam apropriadas e aplicadas por membros de uma
equipe técnica designada para acompanhamento do processo de execução da
medida que precisa ter uma adequada compreensão do ambiente em que o
adolescente transita.
Neste sentido, os técnicos responsáveis já têm como instrumento o PIA,
que permite, respeitando o fato de que o PIA é do adolescente e a família entra
apenas como potencializadora, destacar a relevância que a família do
adolescente, autor de delitos, tem, bem como a necessidade dela ser envolvida
no processo de cumprimento da medida como elo de responsabilização
pactuada e permanente. Mas, ainda caberia saber quais as dificuldades para a
operacionalização deste pacto e para fomentar modelos práticos que
incrementem sua participação neste núcleo vincular, visando elaborar e ajudar
a cumprir um plano de responsabilização construído de forma colaborativa.
1.4 Metodologia
Optamos por realizar uma pesquisa qualitativa (MINAYO, 1994), de
forma exploratória e de base compreensiva, tendo como princípio a relevância
dos programas de atendimento na rede de apoio familiar e sociocomunitário
dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, apostando que o
que torna oportuno o trabalho com a família é justamente a construção da
responsabilização de cada plano individual de atendimento – PIA.
Para isto, realizamos estudo documental a partir de análises em
relatórios técnicos de acompanhamento, elaborados pelos profissionais que
acompanham o cumprimento da medida e o envolvimento familiar, bem como
uma leitura cartográfica do território por onde o adolescente circula e interage
no seu dia a dia. Acreditamos que esta prática poderá contribuir para dar
visibilidade às intervenções do técnico que acompanha o adolescente que
cumpre a medida socioeducativa, bem com o papel que a família assume no
processo de execução desta referida medida.
Neste estudo, é apresentado levantamento de dados legais e
ordenamentos jurídicos onde a família é contemplada, a exemplo do SUS,
SUAS e outras, até chegarmos ao advento do SINASE com vistas a entender
que papel é este que a família ocupa nos processos de execução de medidas
para adolescentes em conflito com a Lei e, sobretudo, qual é o seu
protagonismo diante a realidade posta.
São justamente estas questões práticas que têm motivado nossa atual
proposta de analisarmos modelos e práticas de intervenção que tenham como
destaque o fomento do papel que o núcleo familiar desempenha ou poderia vir
a desempenhar no acompanhamento das medidas socioeducativas em meio
aberto.
Com isto, estamos partindo do entendimento de que o desenvolvimento
destas práticas depende da forma como as medidas são operacionalizadas na
ação profissional dos responsáveis por sua aplicação e acompanhamento, pois
acabam por determinar e afetar a vida de todos na matriz relacional dos
envolvidos com a realidade sociocomunitária de cada adolescente em
particular, já que estão todos, de certa forma, envolvidos com o processo de
execução e responsabilização do ato cometido por ele.
Quanto a esta matriz relacional dos envolvidos com a realidade
sociocomunitária destes adolescentes, o ECA já traduziu tal necessidade de
envolvimento na defesa e garantia de direitos das crianças e adolescentes,
princípio este, aliás, que já é contemplado na Constituição Federal de 1988 e
regulamentado pela LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social) Lei n. 8.742, de
1993).
Esta constatação nos permite afirmar que não é possível dissociar a
ação do técnico, responsável pelo acompanhamento da medida, da
necessidade de compreensão dos arredores por onde o adolescente circula,
sendo primordial contextualizar tais envolvimentos na operacionalização de
qualquer uma das medidas.
E é assim que notamos a emergência de nos aproximarmos das
problemáticas que envolvem o acompanhamento técnico nas relações do
adolescente, autor de ato infracional, com o aparato de aplicação das medidas,
sobretudo, no que se refere à efetividade de seu cumprimento no regime de
atendimento em meio aberto.
Isto se deve ao caso de termos, neste regime, aspectos singulares que
dizem respeito ao fato de sua abrangência depender de outras formas de
atenção e cuidados de proteção, sob pena de virem a comprometer a
reconstituição de vínculos sociofamiliares e comunitários.
Ser efetivo do ponto de vista da ação pedagógica e da garantia de
direitos não é apenas uma questão que envolve escolhas ou motivação, pois
ao buscar por este tipo de “expertise”, o técnico pode fracassar por questões
alheias à sua intencionalidade, no que dizem respeito as questões difíceis de
serem nomeadas. É fundamental trabalhar com a realidade e os insumos que
ela traz no acompanhamento do adolescente infrator.
Estamos frisando a necessidade metodológica de a equipe técnica poder
dimensionar estes riscos, para não incorrer em idealizações e ou subjetivismos
que possam negar as imponderações a que está submetida, já que esta
mesma realidade potencializadora é cheia de desafios que envolvem não
apenas a formulação técnica de práticas de abordagem, mas também
indicações que viabilizem sua concretização.
Concorre, para isto, o cenário atual em que ainda é preciso conviver no
âmbito das vinculações comunitárias sistêmicas com a influência cada vez
mais feroz das organizações não formais, de cunho criminoso ou não, e que
tem se constituído, cada vez mais, em uma questão desafiadora, para a
sociedade brasileira como um todo, e que está, necessariamente, articulada a
um quadro social, cultural, político e econômico também conturbado.
Com exceção das propostas metodológicas sobre práticas
socioeducativas, os eventos associados a este cenário conturbado já têm sido
amplamente discutidos no cenário acadêmico, político e social. Cabe
mencionarmos, a exemplo, o caso que ficou conhecido como “a gangue das
garotas da Vila Mariana”, quando em 02 de agosto de 2011, um conceituado
jornal de São Paulo veiculou matéria, em que relatava uma onda de roubos e
furtos na região de uma conhecida rua de comércio da Vila Mariana, na zona
sul de São Paulo, na qual se destacou a participação de crianças e
adolescentes que teriam promovido os referidos arrastões, mediante a
denominação de “Gangue das Garotas”.
Chamamos a atenção para este episódio em particular, por considerá-lo
exemplar ao permitirdar relevo ao tema “família” e despertar a atenção para a
complexidade que tais relações envolvem, pois, aponta a necessidade de
lançarmos mão de propostas que visem ações práticas, sobretudo, no sentido
de abordar questões pertinentes às necessidades de ampliar a capacidade
protetiva do núcleo familiar. Considerando-se que, na ocasião, a família foi
culpabilizada, tendo as crianças recebido ordem de acolhimento institucional e
suas mães acionadas penalmente, sem que se tivessem problematizado
ferramentas de inserção social menos sancionatórias, a partir de uma lógica
socioeducativa, com empenho por resultados favoráveis no que se refere ao
êxito da não reincidência de práticas delituosas.
Quanto a estes aspectos, Costa (2011), em sua dissertação de mestrado
intitulada “Fortalecendo a Capacidade Protetiva da Família do Adolescente em
Conflito com a Lei”, em que procurou abordar aspectos organizativos desta
questão, nos apresenta alguns resultados acerca da situação vivenciada pelos
gestores no contexto da cidade de Santo André/SP, e o fez com estudos
realizados em situações que envolvem famílias de uma região que é
emblemática por estar inserida na área metropolitana da capital do Estado de
São Paulo.
Nota-se que sua pesquisa apresentou uma reflexão sobre o significado
que a capacidade protetiva da família tem no âmbito da atenção social aos
adolescentes em conflito com a Lei, em que avalia a desproteção e os riscos
sociais a que a família e seus membros estão expostos, mesmo com
articulação de gestão para a garantia dos direitos, como a Lei Orgânica de
Assistência Social – LOAS.
Seus dados reforçam a convicção de que ainda restam alguns
aprofundamentos, no que se refere aos aspectos operacionais do envolvimento
familiar nos procedimentos e práticas socioeducativas, que destaquem suas
capacidades protetivas e protetoras.
Ao nos ocuparmos da qualidade do modelo de intervenção, estamos
considerando esta crítica, posta por Costa (2011), como aprofundamento, a
partir da responsabilização da família e comunidade e seus determinantes para
o sucesso da medida, que precisa ser devidamente apoiado pelo suporte de
uma rede de proteção estatal.
CAPÍTULO 2
A FAMÍLIA NO ATENDIMENTO SOCIOEDUCATIVO
2.1 Considerações sobre o atendimento socioeducativo
O resultado do estudo, tendo a família como núcleo de potencialidades
na execução da medida socioeducativa, articula-se fundamentalmente na
esteira histórica do desenvolvimento de políticas públicas determinantes e
destinadas à consolidação do paradigma da prioridade absoluta.
Segundo Costa (2011), uma sociedade reconhece determinados riscos
sociais e exige que o Estado intervenha no processo de combate às
desigualdades e à pobreza, assumindo (o Estado) a responsabilidade pela sua
defesa e proteção (da sociedade). Os consensos, pactuados por esta
sociedade, definem o que considera por princípios de justiça, de equidade, de
solidariedade, de inclusão social, e os limites suportáveis para a desigualdade
social.
A primazia do Estado na condução e organização da proteção social fica
clara no conjunto dos objetivos a serem alcançados. Essa inscrição da
assistência social como política da seguridade social inaugura seu
reconhecimento como área de responsabilidade pública pela vigilância e
garantia do direito às seguranças sociais, à proteção da dignidade humana
(bem como combate às suas violações), às populações vulnerabilizadas pela
contingência etária e por fragilidades da convivência familiar e societária.
A Defesa Social e Institucional também ampara e vigia as situações
sociais que violem direitos e provê a oferta de serviços socioassistenciais que
processem direitos socioassistenciais.
A centralidade do papel do Estado na condução da política tem o caráter
de garantir que acessem, com igualdade de condições, as pessoas que dela
necessitarem, cabendo-lhe estruturar e resguardar para que as atenções
sociais demandadas sejam garantidas por toda a Rede de Proteção
Socioassistencial, com o objetivo da proteção ao ciclo de vida de indivíduos,
atuando de forma a prevenir diferentes estágios de desproteção social, com
apoio às fragilidades decorrentes dos eventos humanos e sociais que podem
incorrer em exposição dos sujeitos sociais a riscos e vulnerabilidades,
processando, em seu interior, direitos socioassistencias.
A ela se somam organizações e entidades sociais de Assistência Social
que operam serviços, programas e projetos, o que não exclui a
responsabilidade pública do Estado pela proteção social de seus cidadãos: na
realidade, realiza a extensão de suas funções de caráter público a parceiros
cofinanciados pelo orçamento público. A nova relação público-privado, aqui
entendido, tem por objetivo romper com uma organização do trabalho de
caráter subalternizante da população demandatária, com a fragmentação das
ações e desvinculação da garantia de direitos.
Entendemos que, em nossa hipótese inicial, defendemos o papel da
família como lugar privilegiado de potencialidades, propulsoras de mudanças
no desenvolvimento do adolescente, vale trazer à luz de nosso entendimento
as questões legais que a colocam em evidência e, dentro desta premissa, falar
sobre o seu papel protetivo e protetor, além da responsabilidade que esta
carrega, quase que “geneticamente” com o devido cuidado de não
responsabilizá-la em demasia.
A primeira referência na legislação federal sobre serviços sociais surge
na Carta Constitucional de 1934, com o Estado obrigado a assegurar “o
amparo aos desvalidos e destinar 1% das rendas tributáveis à maternidade e à
infância”. A criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) e a
inserção da Assistência Social na agenda governamental, em pleno Estado
Novo, pelo Decreto-Lei n. 525, de 01.07.1938, definem sua função de órgão
consultivo do governo e das entidades privadas, e de estudo dos problemas do
Serviço Social.
Costa (2011) relata que a CF/1988 trouxe, à geração do presente e do
futuro, um compromisso no sentido de consolidar a direção de um modelo de
proteção social brasileiro. Um sistema de proteção ancorado na concepção de
seguridade social e nela, a Assistência Social, direito do cidadão e dever do
Estado, são Políticas de Seguridade Social, não contributiva, que provê os
mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
Segundo esta autora, a inclusão da política de assistência social, como
afiançadora de direitos e como um campo de proteção social não contributivo,
implica um modelo, uma direção, um caminho a ser percorrido, um vir a ser
com vistas a uma política de proteção social que permita que a família como
cidadã consiga desenvolver o seu papel de protetora, o que se expressa por
meio de três funções: proteção, defesa e vigilância social e, neste caso,
resguardadas pela PNAS – Política Nacional de Assistência Social em
consonância com a LOAS e seus dispositivos.
Concordamos ainda com a autora, quando esta põe em destaque que
seus objetivos se realizam de forma integrada às demais políticas setoriais,
entendendo que ela sozinha não fará o enfrentamento das situações de
desproteções dos indivíduos, deixando de ter o caráter processual e de
transição para as demais políticas públicas, pois traz, em sua gênese, os
alicerces programáticos de política pública, dever do Estado e direito dos
cidadãos (ãs).
A política de Assistência Social objetiva:
I) Prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social
básica e/ou proteção especial para famílias, indivíduos e grupos que dela
necessitarem;
II) Contribuir para ampliar acessos a bens materiais e imateriais,
processando direitos socioassistenciais básicos e especiais; e
III) Assegurar que as ações tenham centralidade na família e garantam a
convivência familiar e comunitária. Como responsabilidade do Poder Público,
deve alcançar os cidadãos em suas necessidades extensivamente, ou seja,
para além do seu domicílio, nas ruas, nos espaços institucionais de guarda e
cuidados, não se limitando ao formal, mas também atuando sobre a
transgressão, violações e agressões.
O modelo de proteção social não contributiva que o país consagrou
desde a CF/1988, assenta-se em princípios tais como o da universalidade e
equidade e isto quer dizer que os direitos de proteção social podem ser
acessados por qualquer cidadão, em qualquer lugar do país e em iguais
condições de acesso.
Outro princípio, sobre o qual neste trabalho lidaremos com maior zelo, é
o da matricialidade familiar. Previstano art. 203 da CF/1988, a assistência
social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de
contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho (...).
Ao considerar que em 1964, instituía-se a Política Nacional do Bem
Estar do Menor (PNBEM), que já era uma política voltada ao adolescente em
conflito com a Lei, Palheta (2011) faz alusão aos movimentos populares
datados de 1970 de onde, supostamente, efervesceram ideias que colocaram
em cheque esta política nacional e culminaram com a elaboração do Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Segundo levantamento, Palheta (2011), ambos, o Movimento em Defesa
do Menor (MDM) data de 1974 e a Declaração do Ano Internacional da Criança
em 1979, podem ser considerados grandes marcos no processo de construção
do movimento social que catalisou a defesa dos direitos da criança e do
adolescente (MSDCA), bem como sua imersão na esfera pública, para poder
contrapor o que vinha se perpetuando de forma sectária ao longo dos séculos,
em que a criança e o adolescente eram tratados nas normativas jurídicas como
objeto e não como sujeito de direitos.
Em seu estudo, a autora aborda o papel da Sociedade Civil na mudança
do paradigma da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção
integral na garantia de direitos humanos ao adolescente em conflito com a Lei.
É possível notar sua relevância ao demonstrar que muitos marcos importantes
passam despercebidos por operadores do SGDCA (Sistema de Garantia de
Direitos da Criança e do Adolescente), como a democracia participativa como
elemento fundante das práticas de transformações da relação Estado e
Sociedade Civil como ampliação da cidadania, fator crucial para a mudança
doutrinária que culmina posteriormente com promulgação do ECA – Estatuto
da Criança e do Adolescente.
Com o final da doutrina da situação irregular anteriormente adotada no Código de Menores, as crianças e os adolescentes passaram a ter uma “categoria jurídica, titulares de direitos, observado a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Palheta (2011).
Com o processo de redemocratização, tem início uma mudança na
atitude do governo brasileiro em relação aos direitos humanos, cujo
fundamento ético reside na igualdade entre todos. Palheta (2011).
Sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), vale frisar que
surge com a ratificação da Convenção sobre os Direitos da Criança em 1990,
sendo que, com a posterior promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social
(LOAS), em 1993, ambos provocaram rupturas em relação às concepções e
práticas assistencialistas e institucionalizadoras, ao reafirmarem a
responsabilização da família e da sociedade no que tange à seguridade social
dos direitos de crianças e adolescentes, permitindo com este processo a
possibilidade de rompimento de antigos paradigmas culpabilizantes.
Crianças e adolescentes passaram a ser vistos como sujeitos de direitos
de maneira indissociável do seu contexto sociofamiliar e comunitário, tendo
garantido, assim, o direito a uma família, cujos vínculos devem ser protegidos
pela sociedade e pela intervenção estatal.
Não será a primeira vez que a intervenção do Estado é abordada como
possibilidade de reorganização, a exemplo do “Welfare State”, resultado de
uma necessidade de reorganização interventiva, logo após a II Guerra Mundial,
aliás, tal intervenção fez com que a família fosse redescoberta como instância
de proteção, colocando-a, hoje, na centralidade dos sistemas de garantia de
direitos.
O dinamismo do aprimoramento deste sistema de garantia de direitos
levou a várias atualizações deste aparato legal, como em 2006, com a reunião
de regras e critérios ordenados com vistas à redução das complexidades de
atuação dos atores sociais envolvidos com a aplicação das medidas
socioeducativas, que deu origem a um “subsistema” específico ao qual se
denominou Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), de
caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro e administrativo que procurou
envolver desde a apuração do ato infracional cometido pelo adolescente até a
aplicação e execução de medidas protetivas e socioeducativas.
Anteriormente ao SINASE vir a ser Lei, tivemos em 2009 outro
importante passo para o aprimoramento da Doutrina de Proteção Integral, pelo
advento da Lei 12.010, que abordou o Direito à Convivência Familiar e
Comunitária e apresentou uma série de novos dispositivos ao ECA, que se
justificam pela necessidade de um implemento em Políticas de ordenamento de
eixos estratégicos e complementares, que perfazem a análise da situação e
dos sistemas de informação descentralizados e participativos, introduzindo um
novo olhar sobre a realidade dos adolescentes em conflitualidade relacionados
ao atendimento socioeducativo.
O Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de
Crianças e Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, marco nas
políticas públicas no Brasil, rompe com a cultura da institucionalização de
crianças e adolescentes fortalecendo o paradigma da proteção integral e da
necessária preservação de vínculos familiares e comunitários.
No que se refere à oferta de uma atenção específica ao adolescente em
conflito com a lei, Cunha (2012) trouxe em seu construto para a obtenção do
título de Mestre, informações que mostram que a Tipificação Nacional dos
Serviços Socioassistenciais, através da Resolução n. 109, de 11.11.2009,
regulamenta o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de
Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços
à Comunidade (PSC) e apresenta algumas orientações para o trabalho de
acompanhamento aos adolescentes em cumprimento de medida, dentre seus
objetivos:
Realizar acompanhamento social a adolescentes durante o cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida e de Prestação de Serviços à Comunidade e sua inserção em outros serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais; Criar condições para a construção/reconstrução de projetos de vida que visem à ruptura com a prática de ato infracional; Estabelecer contratos
com o adolescente a partir das possibilidades e limites do trabalho a ser desenvolvido e normas que regulem o período de cumprimento da medida socioeducativa; Contribuir para o estabelecimento da autoconfiança e a capacidade de reflexão sobre as possibilidades de construção de autonomias; Possibilitar acessos e oportunidades para a ampliação do universo informacional e cultural e o desenvolvimento de habilidades e competências; Fortalecer a convivência familiar e comunitária(Resolução n. 109/2009).
Desse modo, o serviço tem como finalidade o acompanhamento dos
adolescentes em cumprimento de medida, bem como a promoção da atenção
socioassistencial e o acesso aos direitos que possibilitem a ressignificação dos
valores, tanto na vida pessoal, quanto social dos adolescentes.
Conforme regulamenta a Tipificação Nacional dos Serviços
Socioassistenciais (2009), a responsabilidade de execução da medida fica a
cargo do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS),
municipais, ou no caso em que o município não tenha como ofertar, o serviço
poderá ser conferida a outra instituição, desde que a responsabilidade pela
fiscalização e coordenação seja realizada pelo Centro de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS).
Seguindo o que está disposto no art. 90 do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA)1 e na Lei 12.594, de 18.01.2012, as entidades não
governamentais podem atuar na execução das medidas socioeducativas. No
entanto, as mesmas devem agir de forma articulada, de modo que em sua
atuação trabalhe em sintonia com os órgãos públicos corresponsáveis pelo
atendimento dos adolescentes, autores de ato infracional, e suas famílias,
como é o caso do Centro de Referência Especializado de Assistência Social
(CREAS), Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e o Centro de
Atenção Psicossocial (CAPS).
O SINASE discorre sobre as atividades que deverão ser desenvolvidas
pelas entidades executoras de medidas socioeducativas em meio aberto e
1 “Art. 90. As entidades de atendimento são responsáveis pela manutenção das próprias
unidades, assim como pelo planejamento e execução de programas de proteção e socioeducativos destinados a crianças e adolescentes, em regime de: I - orientação e apoio sociofamiliar; II - apoio socioeducativo em meio aberto; III - colocação familiar; I V - abrigo; IV - acolhimento institucional; V - liberdade assistida; VI - semiliberdade; VII - internação.”
também estabelece os requisitos a serem cumpridos, no que se refere à
estrutura física e humana das entidades de atendimento.
Portanto, o serviço de medida socioeducativa em meio aberto (MSE)
poderá ser executado por outras entidades, desde que, integrado com os
demais órgãos públicos responsáveis (saúde, educação, assistência social,
lazer e outros) e com Sistema de Garantia de Diretos (SGD), que promovam a
inserção dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na
comunidade e também viabilizem a aquisição de seus direitos sociais.
Quanto ao SINASE, que havia sido instituído como diretriz em 2006,
tornou-se Lei 12.594, em janeirode 2012, porém, sem a ênfase que se
esperaria nos aspectos socioeducativos, revelou-se um aparato impregnado de
aspectos sancionatórios e penais, mesmo com avanços em aspectos
administrativos da medida. Por esta razão, esta Lei demanda de todos os
operadores do sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente um
duplo esforço de interpretação e implantação.
De acordo com pesquisa recente, Cunha (2012), enquanto política
pública destinada à inclusão do adolescente em conflito com a lei, o SINASE
trabalha na articulação das diferentes áreas da política social, em seu conjunto
ordenado de princípios e regras de caráter jurídico, que abrange tanto o
processo de apuração do ato infracional, como a execução da medida
socioeducativa, como ilustra figura a seguir:
O SINASE E O SISTEMA DE GARANTIA DE DIREITOS
Fonte: SINASE (ABMP, 2008, p.23apud CUNHA, 2012).
Três objetivos das medidas socioeducativas foram declarados em lei
(art. 1.º, § 2.º):
I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previsto em lei.
Sobre os aspectos legais, também é preciso analisar o impacto do SUAS
– Sistema Único de Assistência Social, que se traduz em um sistema
descentralizado e participativo, com o qual tem se buscado a unidade e a
totalidade da ação pública, com o propósito de superar a fragmentação e a
sobreposição das ações governamentais e não governamentais, voltadas ao
adolescente em conflito com a Lei, sem perder de vista as diversidades
regionais, as peculiaridades do município e a especificidade do território e da
população nele existente.
Com este marco legal da assistência social, temos algumas
complexidades na aplicação das medidas, as quais passaram pelo impacto do
processo da gestão municipal, em paralelo as diretrizes operacionais do
SINASE. Mesmo que este caminhar, na última década, tenha sido a passos
muito lentos, é possível afirmarmos que, com a sua homologação em 2012
como Lei reguladora das medidas, pode inspirar nos operadores do SGDCA
novas possibilidades para o imaginário de significativas mudanças, no que
tange à política socioassistencial para este público específico.
De acordo com Cunha (2012), no que tange à participação da família no
processo de acompanhamento da medida socioeducativa, relata que, diante
das dificuldades que as envolvem no contexto atual, bem como da necessidade
de políticas públicas que visem atender e acompanhar as famílias nesse
período tão importante se percebe a importância de compreender os modos de
participação das famílias destes adolescentes em conflito com a lei, em
cumprimento de medidas.
Coloca-se, assim, a necessidade de políticas públicas de
acompanhamento que sejam capazes de potencializar e fortalecer a função
protetiva da família, conforme estabelece o Estatuto da Criança e Adolescente
(ECA)3 em seu Capítulo III, Seção I, art.19.
O Estatuto da Criança e Adolescente (ECA) enfatiza a família como a
primeira instituição de socialização da criança, bem como dos laços de
dependência emocional dos mesmos. A Lei 12.594, de 18 de janeiro de 2012,4
que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE) e
regulamenta a execução das medidas destinadas a adolescente que pratique
ato infracional e altera dispositivos da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990, dispõe
sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), e dá outras providências,
enfatiza a importância da “participação das famílias no processo de
cumprimento das medidas”, bem como o acompanhamento das mesmas no
programas.
A participação ativa da família e da comunidade na experiência
socioeducativa constitui uma das diretrizes pedagógicas do Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE), no que se refere ao atendimento do
adolescente em conflito com a lei, de modo a que todas as ações e atividades
devem ser programadas com base na realidade familiar e comunitária dos
mesmos, numa iniciativa conjunta – programa de atendimento, adolescentes e
familiares.
O documento é enfático ao taxar que tudo o que é objetivo na formação
do adolescente deve ser extensivo para a sua família: “Portanto, o
protagonismo do adolescente não se dá fora das relações mais íntimas. Sua
cidadania não acontece plenamente se ele não estiver integrado à comunidade
e compartilhando suas conquistas como a sua família” (p. 89).
3“Art. 19. Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio de sua família
e, excepcionalmente, em família substituta, assegurada a convivência familiar e comunitária, em ambiente livre da presença de pessoas dependentes de substâncias entorpecentes.” 4Disponível em: [www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm]. Acesso
em: 15 jun. 2012.
É importante que os programas que ofertam atendimentos aos
adolescentes em conflito com a lei e suas famílias, tenham um olhar específico.
Eles devem olhar a família como um núcleo de potencialidades e competências
capazes de assumir o seu papel de ator principal, tendo como premissa o
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE), enquanto sistema
integrado que articula as três esferas importantes para o desenvolvimento e
execução dos programas de cumprimento das medidas socioeducativas sendo
elas: o Estado, a comunidade e a família.
Nesse sentido, ressaltamos a importância da díade do técnico que
acompanha a medida junto ao adolescente e seu núcleo familiar, para que se
compreenda o contexto no qual o adolescente está inserido. Sobre isto o
SINASE5 integra:
A rede de proteção à criança e ao adolescente, e esta deve ser também uma rede de proteção à família (que na forma das Leis 8.069/90 e 8.742/93 e da Constituição Federal tem direito a especial proteção por parte do Estado), devendo as abordagens ser realizadas preferencialmente de modo a manter ou reintegrar a criança/adolescente no seio de sua família (SINASE, 2012).
Neste sentido o SINASE é beneficiado pela Política Nacional de
Assistência e o SUAS, que consolidam uma rede integrada e sistemática de
proteção (básica e especial), em que unidades públicas do CRAS (Centro de
Referência de Assistência Social), CREAS (Centro de Referência
Especializado de Assistência Social), são definidas em tipificações de
vulnerabilidade que articulam serviços de continuidade voltados ao
atendimento de necessidades básicas de acordo com a previsão do PNAS (art.
23).
Tecendo relações com estes aspectos, Costa (2011) apresenta diversas
contribuições, no que tange ao processo de municipalização da política de
assistência na região do Grande ABCDM e, mesmo constituindo uma realidade
específica em relação ao espaço em que tomo como campo para o diálogo
5 Disponível
em:[www.crianca.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/politica_socioeducativa/sinase_25abr2012.pdf]. Acesso em: 10 out. 2012.
empírico, evidencia-se o quanto é relevante apropriar-se de suas contribuições
acerca do sistema que provisiona e acompanha as Medidas Socioeducativas
dentro do SUAS.
Ao considerar as desigualdades territoriais como estratégia para o
enfrentamento das desproteções, segundo Costa (2011), opera-se proteções
afiançadoras de prevenção a riscos sociais, desenvolvendo potencialidades e
capacidades, aquisições, fortalecimentos de vínculos familiares e comunitários,
de modo a garantir mínimos sociais, onde a política da Assistência objetiva:
prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica
e/ou proteção especial para famílias, indivíduos e grupos que dela
necessitarem; contribuir para ampliar acesso a bens materiais e imateriais,
processando direitos socioassistenciais básicos e especiais; assegurar que as
ações tenham centralidade na família e garantam a convivência familiar e
comunitária.
Salienta ainda que, como responsabilidade, o Poder Público, deve
alavancar os cidadãos em suas necessidades extensivamente, ou seja, para
além do seu domicílio, nas ruas, nos espaços institucionais de guarda e
cuidado, não se limitando ao formal, mas também atuando sobre a
transgressão, violação e agressões, haja vista que o risco social a que estes
adolescentes se expõem não advém de individuais, mas coletivas nos espaços
das relações humanas e sociais.
Uma sociedade reconhece determinados riscos e exige que o Estado
intervenha no processo de combate às desigualdades e à pobreza, assumindo
a responsabilidade pela sua defesa e proteção. Os consensos, pactuados por
esta sociedade, definem o que considera por princípios de justiça, de equidade,
de solidariedade, de inclusão social, e os limites suportáveis para a
desigualdade social, Costa (2011).
Ao trazermos esta contribuição, que versa acerca do Estado e da
Proteção Social, o fazemos exclusivamente no intuito de estabelecer um
entendimento do diálogo que se estabelece entre a Política de Assistência
Social e o SINASE. Assim, a centralidade de proteção social à família e seus
membros poderá ser mais bem visualizada nos processos em que a atenção
social está voltada à construção e acompanhamento de um Plano Individual de
Atendimento ao adolescente, objeto maior de nosso estudo, que
temporariamente encontra-se em conflitualidade.
Ao fazer menção a tais observações, temos o intuito de estabelecer que
o PIA não se trata apenas de um manual que direciona o acompanhamento da
medida, bem como o cumprimento da medida, nossa intenção é estabelecer o
que, em diversos escritos, pode se encontrar, ou seja, que o PIA é mais que
um documento, é um construto diário, um contrato entre partes, onde o
adolescente que cumpre a medida socioeducativa em meio aberto assume
compromissos voltados a sua responsabilização diante do ato cometido.
Esta responsabilização deve, impreterivelmente, ser construída
respeitando os pares que o adolescente elege para pactuar seu compromisso e
é este momento em que a família aparece neste Plano Individual, como
parceira do Serviço de Medida e, conseqüentemente, do técnico que faz a
abordagem na chegada do adolescente.
Aqui, quando nos referimos à família como parceira,o fazemos no intuito
de esclarecer que, no cumprimento da medida, o PIA é do adolescente e,
sobretudo, que a responsabilização deve ser atribuída a ele, processo em que
a família vai aparecer como fonte potencializadora de possibilidades diádicas
que poderão, ou não, resultar no sucesso do cumprimento com resultados
perseverantes e duradouros. Em outras palavras, a família, teoricamente, trará
insumos que fortalecem a díade do adolescente com o serviço de medida e
com o técnico que assume um papel de referência para este adolescente.
Falar sobre o PIA e a sua construção pode render dias, páginas, mas
não é o nosso intuito esgotar todas as possibilidades desta construção nem
mesmo cansar o nosso leitor. A seguir, apresentamos um fluxo do PIA para
melhor esclarecer ao leitor o que é e como se dá a construção do tão
mencionado Plano Individual de Atendimento:
De acordo com a Lei nº 12.594, a entidade de atendimento ao
adolescente em conflito com a lei deverá elaborar um “projeto específico”, que
compreenda as diversas etapas do processo de cumprimento da medida.
No que tangeao Plano Individual de Atendimento (PIA), que trouxemos
acima como modelo apresentado no Caderno de Fluxos Operacionais
Sistêmicos – Proteção integral e atuação em rede na garantia dos direitos de
crianças e adolescentes (2011), cabe mencionarmos que a elaboração do PIA
tem por base os marcos legais do SINASE, ECA, PNAS, LOAS e a Convenção
sobre os diretos da criança, e compreende o processo de avaliação
interdisciplinar, objetivos declarados pelo adolescente, atividades de integração
social, capacitação profissional, bem como a integração e apoio às famílias dos
adolescentes.
Quando acreditamos, e aqui defendemos, que a família é um importante
espaço protetivo que oferece uma gama de insumos potencializadores para o
acompanhamento da medida, defendemos que, ao nos aproximarmos da teoria
bioecológica, constatamos que se o técnico responsável pela construção do
PIA junto do adolescente tiver informações consistentes e claras acerca da
díade do referido adolescente com a família e com seus pares, a avaliação dos
eixos norteadores do desenvolvimento deste, numa proposta bioecológica pode
assumir proporções que ressignificarão as expectativas deste adolescente no
que tange o seu protagonismo.
A construção do Plano Individual para cumprimento de medida
socioeducativa, tendo como norte a relação bilateral do adolescente que
cumpre a medida e o seu meio de convivência e transição, fará com que os
resultados deste PIA sejam consistentes e objetivos, pois ao observar a díade
do adolescente, o técnico de referência terá subsídio imediato para intervir de
forma assertiva e duradoura.
Se, na forma da Lei, o PIA deve ser individual, a saber, art. 35 da Lei
12.594/2012, estabelece o princípio da individualização do atendimento,
considerando-se a idade, capacidade e circunstâncias pessoais do
adolescente, tal princípio vai se consolidar de forma enérgica no PIA,
sobretudo, no que diz respeito à construção da autonomia deste referido
adolescente, respeitando a bagagem que ele carrega consigo.
De acordo com Guará, ao tratar o assunto em recente documento
denominado “Dossiê SINASE” (2012), publicado na revista acadêmica do
programa de Mestrado Adolescente em Conflito com a Lei –
Uniban/Anhanguera, como instrumento que traduz o direito subjetivo em
propósitos e em ações objetivas do, para e com o adolescente, o PIA
estabelece metas individuais e ações técnicas dos profissionais, no sentido de
acolher, dar apoio, facilitar, acompanhar e incluí-lo em programas, projetos,
atividades ou serviços durante a execução do Plano, devendo portanto, a
construção do PIA partir do rigoroso exame da situação pessoal, social e
familiar do adolescente, seja para melhor conhecê-lo em todas as dimensões,
seja para buscar as melhores oportunidades nos programas e serviços locais.
Somos enfáticos e concordamos que, ainda lançando mão de uma visão
sistêmica para a construção do PIA do adolescente autor de ato delituoso,
passível de medida socioeducativa de responsabilização e ressignificação de
valores, que o PIA:
• Não é um diagnóstico nem tão pouco relatório burocrático, mas um
mapa de situação, capaz de servir como norte para as intervenções a serem
feitas;
• Não é um plano de ação com vistas a encaminhamento tão somente
aos serviços e programas da rede de proteção;
• Este deve ser um reflexo do projeto pedagógico da instituição para com
o adolescente usuário de seus serviços;
• Deve ser um instrumento singular que permita a promoção de avanços,
correções e interdições quando necessárias no processo de cumprimento da
medida por parte do adolescente em conflito com a Lei;
• E deve além de tudo isso, garantir o mínimo de privacidade e
acolhimento na discussão e revelação de aspectos internos, metas de
superação individuais e confidencialidade absoluta.
Por fim, diante destas observações, é nosso interesse maior desenvolver
meios de capacitação, através de insumos teóricos e instrumentais que sirvam
de apoio aos técnicos, para a difícil tarefa de elaboração de um PIA, tomado de
boa escuta, registro e atualização de informações que possam preencher
lacunas antes encontradas no Plano Individual do adolescente, decorrentes da
ineficiência no discernimento da ação socioeducativa a ser acompanhada.
2.2 Considerações sobre o atendimento socioeducativo
Em nosso construto teórico, chamamos a atenção para o pouco tempo
que o serviço de atendimento tem para envolver família, bem como a rede
social que circunda o desenvolvimento do adolescente que está em
cumprimento de medida socioeducativa, lembrando que a medida deve,
impreterivelmente, ter uma duração de seis meses.
De acordo com as contribuições de Cunha (2012), as instituições de
cumprimento de medida assumem particular importância no processo, na
medida em que devem atuar na preparação dos adolescentes para o convívio
social e no exercício de seu papel de suporte para suas vidas.
A autora menciona, ainda, que em meio a esse contexto, tendo em vista
os direitos legalmente assegurados, compete ao Estado, através dos seus
agentes públicos, atuar de forma a prestar toda assistência, acolhimento à
família do adolescente, fornecer todas as informações que se fizerem
necessárias, no sentido de fortalecer o convívio dos mesmos com as suas
famílias, viabilizar os direitos previstos na legislação e promover o
estreitamento dos laços familiares.
Todavia, é preciso destacar que as medidas socioeducativas de
Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) têm por
finalidade acompanhar, orientar e apoiar o adolescente, bem como a sua
família, buscando sempre a transformação do adolescente e o fortalecimento
dos vínculos familiares e comunitários.
Neste propósito de entendermos como se dá a participação da família no
processo, que diz respeito ao adolescente cumpridor da medida, achamos
pertinente situar esta família nos parâmetros legais e conceituais que garantem
a ela sua oportunidade de se colocar como responsável, protetora e protetiva
no trato com sua prole, dando respectiva importância ao apoio estatal que esta
mencionada família recebe.
A Constituição Brasileira de 1988 postula em seu art. 226, §4.º, que:
“Entende-se como entidade familiar a comunidade formada por qualquer um
dos pais e seus descendentes”. Também o Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), no art. 25, define como família natural “a comunidade
formada pelos pais ou qualquer deles e seus descendentes”.
De acordo com levantamento feito por Costa (2011), a formatação dos
padrões de proteção social ganha materialidade por meio da provisão de bens,
serviços e benefícios destinados aos cidadãos, podendo alcançar a
redistribuição de recursos, como renda, saúde, educação, cultura, entre outros,
contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população, dando
mostras do desenvolvimento de uma sociedade.
A inserção das políticas sociais brasileiras no processo de
redemocratização, após o advento da Constituição de 1988, traz ao cenário
nacional o estabelecimento do paradigma do tripé da seguridade social,
incorporando três políticas de proteção social: a saúde, a assistência social e a
previdência social.
A promoção da articulação dos direitos relativos à saúde, à previdência,
à assistência social, afiança o compromisso com a garantia de segurança e
proteção aos cidadãos, diante de riscos como a doença e a pobreza,
relacionada à insuficiência de renda, ao desemprego ou à incapacidade para o
trabalho, incluindo no sistema como segurados especiais, os cidadãos oriundos
da economia familiar e atividade rural.
A Carta Constitucional de 1988 eleva a Assistência Social ao status de
Política de Estado (arts. 203 e 204), regulamentada por meio da Lei Orgânica
da Assistência Social (Lei 8.742/1993). Os processos, mecanismos e
instrumentos de sua operacionalização encontram-se, mais recentemente,
definidos e regulamentados na Política Nacional de Assistência Social (PNAS –
2004), e na Norma Operacional Básica (NOB/2005).
No tripé da Seguridade Social, amplia-se o acesso de cidadãos sem
exigência de contribuição prévia, ampliando as possibilidades de acesso
daqueles que estavam fora dos tradicionais mecanismos de seguridade social.
A Assistência Social, assim, se insere como política social não contributiva,
direito a todos aqueles que desta necessitarem, em decorrência da
vulnerabilidade social ou da violação de direitos, independentemente de sua
condição de contribuinte à seguridade social, devendo ser prestada por meio
de serviços contínuos e disponíveis em todo o território nacional.
Estas Leis e Normativas citadas têm, por conseguinte, dar suporte à
família para que ela exerça o seu papel protetivo e protetor, podendo-se dizer
que não importa se a família é do tipo “nuclear”, “monoparental”, “reconstituída”
ou outras. Segundo Costa (2011), deve-se ultrapassar a ênfase na estrutura
familiar para enfatizar a capacidade da família de, em uma diversidade de
arranjos, exercer a função de proteção e socialização de seus adolescentes de
forma dissociada da condição em que ela se postula instituição familiar.
De acordo com outra pesquisa realizada por Claudia Fonseca,
Professora Doutora do programa de pós graduação em Antropologia Social da
UFRGS, em que aborda as “Concepções de Família e Práticas de
Intervenção”, explora a família como foco de intervenção e, neste seu trabalho,
sugere, num primeiro momento, algumas pistas analíticas que podem ajudar o
técnico a perceber dinâmicas familiares em grupos populares do Brasil.
Descobrimos, assim, que, da perspectiva espacial, redes de parentesco se
estendem além do grupo consanguíneo e da unidade doméstica para esferas
mais amplas. Da perspectiva temporal, as pessoas se inserem em uma
sucessão de gerações, possibilitando projeções para o futuro ou resgates de
elementos do passado.
E para trazermos a família à sua responsabilidade de acompanhamento
da medida socioeducativa, responsabilidade cuja Lei do SINASE bem
especifica como regime de coparticipação, lembramos que,na proposta da
socioeducação a ser desenvolvida por um determinado serviço de medida, as
referências da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente
são fundamentais para a definição de deveres desta família, bem como do
Estado e da sociedade em relação à criança e ao adolescente, sem esquecer,
entretanto, que a definição legal não supre a necessidade de se compreender a
complexidade e a riqueza dos vínculos familiares e comunitários.
Em suma, vale dizer neste sentido, que, quando é requisitada a
presença do responsável pelo adolescente nas medidas socioeducativas,
devemos lembrar que a família, neste aspecto, pode ser as que se constituem
a partir de fortes vínculos de afetividade e, nestes casos, as obrigações mútuas
serão construídas por laços simbólicos e afetivos, não sendo necessariamente
constantes, além de não contarem com reconhecimento legal e nem
pressuporem obrigações legais.
2.3 Considerações sobre o Marco Situacional da família
Como nosso objeto de pesquisa é o adolescente em conflito com a Lei,
faz-se pertinente situar nosso leitor sobre algumas concepções acerca da
instituição família, dada a sua relevância como parte do processo de
responsabilização do adolescente pelo ato cometido.
Segundo Botarelli (2002), na perspectiva sócio-histórica, não há como
negar a importância da família, tanto nas relações sociais como na vida
emocional dos indivíduos, pois “é na família, mediadora entre o indivíduo e a
sociedade, que aprendemos a perceber o mundo e a nos situarmos nele”, Reis
(1989). Importante salientar que, nesta época em que Botarelli tratou da
questão sócio-histórica que tanto se aproxima de nosso fundamento teórico, as
pesquisas pautadas no modelo bioecológico ainda estavam muito tímidas no
campo acadêmico.
Canevacci (1987), um estudioso da família na abordagem dialética, a
partir de uma ótica interdisciplinar, descreve bem a trajetória teórica sobre essa
instituição, tomando como ponto de partida a antropologia cultural em suas três
escolas (evolucionismo, funcionalismo e estruturalismo), explicadas por
Botarelli (2002), a partir do levantamento teórico feito por ele.
Evolucionista=> Dimensão histórica e destruição da crença nas
concepções de família como eternas e com atributos teleológicos.
Funcionalista => ao buscar explicar os fatos sociais por meio de sua
específica função em cada grupo, a família foi elevada à instituição
fundamental e isolada da história. Nessa proposta, a família já nasceria com a
marca da função e da instituição, e sua crise estaria circunscrita ao
funcionamento de um dado sistema.
Estruturalista => afirma-se a supremacia da afinidade como fundamento
das relações de parentesco, e com investigações posteriores, Lévi-Strauss,
descreve como modelo ideal uma família em que os membros são ligados
entre si por:
a) vínculos legais; b) vínculos econômicos, religiosos e outros tipos de deveres e direitos; c) uma precisa rede de direitos e proibições sexuais, e um conjunto variável e diferenciado de sentimentos psicológicos, como o amor, o afeto, o temor, etc. (LÉVI-STRAUSS apud CANEVACCI, 1987, p. 28)
Para estes autores, a crise da família é tomada como expressão de crise
da modernidade:
A família sofre com isso, como qualquer particular que aspira a sua própria emancipação: não haverá emancipação da família se não houver a do todo. (ADORNO e HORKHEIMER,1973, p. 147)
De acordo com Botarelli (2002), esses autores ligam o destino da família
ao contexto social:
É ilusório pensar que se possa realizar uma família de pares e iguais numa sociedade em que a humanidade não é autônoma e na qual os direitos humanos ainda não tenham sido realizados numa medida mais concreta e decisiva do que a atual. (ADORNO; HORKHEIMER, 1973).
Reis (1989), ao aprofundar-se em uma abordagem sócio-histórica,
reafirmou a necessidade de estudar todos os fenômenos que circunscrevem a
família... “(...) é, portanto, impossível entender o grupo familiar sem considerá-
lo dentro da complexa trama social e histórica que o envolve” (REIS, 1989).
Ainda sobre este autor, é importante registrar que ao abordar a trama
social e histórica da família, há três pontos críticos que sempre deveram ser
considerados:
1. Família enquanto estruturação social: Não se trata de fenômeno
biológico e natural, é criada por homens em relação. A mesma assume formas
e funções diferenciadas em lugares e tempos distintos e apresenta
representação socialmente construída, a qual orienta a conduta de
seusmembros.
2. Família e função protetora: um dos aspectos que legitima a
organização familiar é o fato de ser constituída a partir da necessidadematerial
de proteção biológica (comer, vestir, abrigar e repousar).
3. Família e controle ideológico: por ser a família a instituição em que os
indivíduos são educados a reproduzir as suas funções sociais e biológicas, a
família participa do projeto mais amplo da sociedade em que está inserida,
influenciando o padrão de comportamento e todas as outras relações fora do
ambiente familiar.
Então, como mencionado anteriormente, a partir destes levantamentos
se faz pertinente registrar a semelhança da concepção sócio-histórica com a
nossa proposta de uma pesquisa que aborde a socialização, sobretudo ao
notarmos a preocupação com as relações intersubjetivas e os processos de
constituição do sujeito determinados pela vida social e pela história, pois
propõe que o ser humano apenas se constitui enquanto tal a partir de relações
estabelecidas com os demais seres humanos.
É amplamente reconhecida a importância da família no cuidado e no
bem-estar de seus integrantes e essa importância adquire contornos ainda
mais decisivos no caso dos indivíduos mais vulneráveis, como as crianças, os
adolescentes, os idosos e os doentes, razão pela qual tomamos o cuidado de
teorizar a família como um lócus privilegiado de potencialidades para o
acompanhamento do adolescente em cumprimento de medida socioeducativa
em meio aberto.
O direito fundamental à convivência familiar está consagrado nas
normas e instrumentos legislativos. No entanto, a plena efetivação desse direito
coloca problemas de ordem prática a serem enfrentados por todos os
integrantes do “Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente”
que, mais do que nunca, precisam unir esforços e articular ações na busca das
mais variadas soluções, por intermédio da implementação de políticas públicas
que venham a garantir o adequado exercício deste direito em suas diversas
formas, sem jamais perder de vista as regras e princípios que norteiam a
matéria.
A análise cujo foco é a família é o caminho mais coerente, dentro das
expectativas que se construíram ao longo da convivência com o equipamento
que nos recebeu para o estudo endógeno de seus meios, no que tange à
execução da medida socioeducativa e ao acompanhamento das famílias dos
adolescentes atendidos por este SMSE.
Neste contexto pretende-se testar a validade de um modelo que facilite a
visualização deste trajeto diário realizado pelo adolescente e seu núcleo
familiar, de forma que as contribuições do núcleo de onde advém o
adolescente, também possam dar visibilidade para cada etapa e para cada
intervenção dos técnicos ou programa, no qual a medida é executada.
Acreditamos em uma família refratária e, no quadro abaixo, temos um
fluxo explicativo, botarelli (2002) em que esta proposta de visualização está
baseada, nela é tomado como base o processo família comunidade;
comunidade família, dando destaque para as interações do núcleo familiar e
o seu meio de convivência.
Embora o contexto que Botarelli tomou como base de análise tenha sido
o campo afetivo, notamos ser pertinente esta mesma abordagem no que se
refere ao entendimento sobre a responsabilização, no intuito de ilustrar o
quanto o microssistema familiar, que veremos no próximo capítulo, ainda é
conservador quando se trata de eventos intrafamiliares, ou seja, a família tende
a guardar para si os conflitos internos e, na contrapartida, os serviços
disponíveis pelo mesossistema, por não conhecerem a realidade intrafamiliar
deste público, acabam por caminhar em direção oposta:
Fonte: Adalberto Botarelli, Exclusão e sofrimento: o lugar da afetividade em programas de
atendimento às famílias pobres (2002).
Apesar do Sistema de Garantias de Direitos, preconizado pelo ECA, no
qual o adolescente torna-se sujeito de direitos e merecedor de atenção ímpar
diante da condição de encontrar-se em desenvolvimento, lembramos que esta
lei, como se sabe, implica também em uma necessária colaboração e
responsabilização da família e da comunidade (ECA, art. 92) para contribuir
com o seu processo de formação total, pois o intuito é capacitá-lo para a vida
adulta e, especificamente, no que se refere aos adolescentes envolvidos com
delitos, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, “(...)
reafirma a diretriz do Estatuto sobre a natureza pedagógica da medida
socioeducativa” e suas consequências.
A importância da convivência familiar e comunitária de acordo com a Lei,
desperta a ideia da inexorável importância para o desenvolvimento do
adolescente que, teoricamente, não pode ser concebido de modo dissociado
de sua família e de todo o seu contexto de vida, cabendo a esta a difícil tarefa
de colaborar para que estes adolescentes sejam capazes de construir a sua
identidade individual e coletiva em contexto que lhe é familiar.
Com isto, nosso foco se volta para a ausência ou invisibilidade do
protagonismo da família em programas de acompanhamento de medidas
socioeducativas, ou seja, não apenas descrever, mas encontrar através das
práticas desenvolvidas e do olhar dos técnicos, de que forma a família tem
participado do processo de ressocialização do adolescente.
Nesta proposta, pretendemos avaliar, a partir da hipótese de que o
espaço nos programas em meio aberto é potencialmente maior para a ação
socioeducativa que a construção do Plano Individual do adolescente, que será
facilitado pela capacidade interativa, que o serviço pode proporcionar a
exemplo da educação, a saúde e, até mesmo, no campo profissionalizante.
O SINASE discorre sobre as atividades que deverão ser desenvolvidas
pelas entidades executoras de medidas socioeducativas em meio aberto e
também estabelece os requisitos a serem cumpridos, no que se refere à
estrutura física e humana das entidades de atendimento.
Portanto, o serviço de medida socioeducativa em meio aberto (MSE)
poderá ser executado por outras entidades, desde que, integrado com os
demais órgãos públicos responsáveis (saúde, educação, assistência social,
lazer e outros) e com o Sistema de Garantia de Diretos (SGD), promova a
inserção dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa na
comunidade e também viabilize a aquisição de seus direitos sociais.
Nestes aspectos o técnico do serviço de medida assume um papel
preponderante e de grande importância para o potencial de desenvolvimento
do adolescente que cumpre medida, com vistas ao reconhecimento do dano
causado e sua responsabilização presente e futura, de modo a pensar a
construção de seu projeto de vida de forma sustentável e duradoura.
Embora Bronfenbrenner não fale em seu construto teórico de temas que
tratem da socioeducação, sua visão sobre os conceitos acerca do
desenvolvimento humano, traz certo conforto em saber que há possibilidades
de se trabalhar de forma a envolver o adolescente e a família a partir de sua
realidade, uma vez que Bronfenbrenner acredita que o modelo bioecológico
explica componentes essenciais das interações no desenvolvimento humano
propondo um maior enfoque na compreensão relacional das dimensões e
propriedades, tanto da própria pessoa, como dos diversos contextos.
Cunha (2012) relata em sua dissertação que a participação ativa da
família e da comunidade na experiência socioeducativa constitui uma das
diretrizes pedagógicas do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(SINASE), no que se refere ao atendimento do adolescente em conflito com a
lei, bem como estabelece que todas as ações e atividades devem ser
programadas com base na realidade familiar e comunitária dos mesmos, numa
iniciativa conjunta – programa de atendimento, adolescentes e familiares.
Salienta, ainda, que é importante que os programas que ofertam
atendimentos aos adolescentes em conflito com a lei e suas famílias, tenham
um olhar específico. Eles devem olhar a família como um núcleo de
potencialidades e competências capazes de assumir o seu papel de ator
principal, tendo como premissa o Sistema Nacional de Atendimento
Socioeducativo (SINASE), enquanto sistema integrado que articula as três
esferas importantes para o desenvolvimento e execução dos programas de
cumprimento das medidas socioeducativas sendo elas: o Estado, a
comunidade e a família.
Nesta perspectiva, encontramos a necessidade defendida em nosso
construto, do envolvimento do técnico que acompanha o adolescente no
cumprimento de sua medida com o núcleo familiar de onde este advém, pois é
importante que o adolescente em cumprimento de medida conte com a
oportunidade de estar próximo de sua família, de modo que supere suas
dificuldades durante o período de cumprimento da mesma.
E neste sentido, acreditando que a pessoa faz parte de um “todo maior”,
é que no capítulo que segue abordaremos com mais riqueza de detalhes
questões que possibilitem uma intervenção duradoura e com resultados
positivos no cumprimento da medida socioeducativa aplicada ao adolescente
em conflito com a Lei, no intuito de implementar abordagens contextualizadas,
bem como do aprimoramento dos processos interventivos que possam dar
conta de uma articulação duradoura entre as instituições e a comunidade.
Neste sentido, as teorias de desenvolvimento são as que acabam por
ganhar relevo, possibilitando o reconhecimento de experiências com resultados
positivos.
2.4 A Adolescência em diferentes perspectivas
Para a maior parte dos estudiosos do desenvolvimento humano, a
adolescência é um período de mudanças físicas, cognitivas e sociais e as
indefinições do período revelam o quanto é difícil precisá-la, justamente pelo
fato de não poder restringir as mudanças orgânicas ou hormonais, período em
que o adolescente se baseia, se questiona e adota modelos do comportamento
adulto, conforme dispõe Aberastury (1981).
Há de se ter um cuidado especial ao trazer esta tese abordada no
parágrafo anterior, evitando assim patologizar a adolescência e as
características que a envolvem, focando desta forma uma possibilidade de
compreensão do adolescente em sua totalidade. Cole & Cole (2003) ilustram
que os teóricos modernos da adolescência tentam explicar como os fatores
biológicos, sociais, comportamentais e culturais estão interligados na transição
da infância para a idade adulta, o que reforça uma tese defendida por
Vygotsky, segundo o qual a pesquisa, no seu caso psicológica, nunca deveria
se limitar a uma especulação sofisticada e a modelos laboratoriais divorciados
do mundo real.
Nesse sentido, temos que reconhecer a fusão (mistura) entre a
modernidade e a pós-modernidade, onde assim como a infância, a
adolescência é também compreendida como uma categoria histórica carregada
de significados e significações que estão bem longe de serem essencialistas.
De acordo com Pitombeira (2005), a naturalização da adolescência somente
pode ser compreendida quando inserida na história que a gerou.
Retomemos rapidamente à história para identificarmos elementos que
nos ajudem a pensar e entender melhor o adolescente e a adolescência como
uma fase com características peculiares e únicas, distintas dos outros
momentos desenvolvimentais e, embora diversos autores pensem a
adolescência como idade cronológica, percebe-se que é incontestável o fato de
que não é possível falar de uma homogeneidade entre as linhas históricas e os
termos definidores de tempo quando tecemos reflexões acerca do adolescente
em conflitualidade.
Enfim, para entendermos o adolescente e suas peculiaridades, não é
suficiente apenas colocá-lo em evidência, é necessário encontrar e entender
uma definição válida em todos os momentos de sua história de vida, seu
caráter fisiológico, psíquico e jurídico. A adolescência deve então ser pensada
além da idade cronológica, da puberdade e das transformações acarretadas
pelo fenômeno. Segundo Ozela (2003), é necessário superar as visões
naturalizantes presentes na psicologia e entender a adolescência como um
processo de construção sob condições histórico-culturais específicas.
Neste sentido, se entende que o adolescente envolve uma compreensão
que se fundamenta em uma compreensão processual, esta perspectiva é
importante para que nos permita enfatizarmos as questões sistêmicas a ela
relacionadas a partir do que postula Bronfenbrenner (1943), e que suscita uma
avaliação apropriada do status da estrutura social e exige que sejam levados
em conta o indivíduo e o grupo como unidades orgânicas em desenvolvimento,
o queserá abordado no próximo capítulo em que as questões sistêmicas que
isto envolve poderão ser melhor exploradas.
CAPÍTULO 3
PERSPECTIVA SISTÊMICA NO CAMPO SOCIOEDUCATIVO
3.1 Situação Emblemática
No Capítulo anterior procuramos discutir a inserção do núcleo familiar
no processo de responsabilização inerente à natureza pedagógica das medidas
socioeducativas e procuramos demonstrar que os procedimentos imediatos são
necessários, mas não suficientes.
Este aspecto é determinante para a qualidade da intervenção, pois do
ponto de vista pedagógico, faz-se necessário pensar e prever a sua
continuação, em longo prazo, inclusive ao concluir a execução da medida, já
que na ação efetiva e inclusiva dos técnicos não caberia somente aproximar os
membros de um núcleo familiar por meio de ações coercitivas que o marco
legal impõe, mas ir além e proporcionar condições concretas para que a
estruturação do vínculo de fato aconteça. Não basta atuar isoladamente nas
relações, mas promover a mediação e cooperação em função do contexto em
que se inserem os núcleos familiares.
Desta maneira notamos a necessidade de abordagens contextualizadas,
imediatas e de longo prazo, e os programas de intervenção, e seu
aprimoramento técnico ficam em evidência, pois precisam de referenciais que
lhes permitam intervenções imediatas com o cunho de situar os envolvidos em
relação aos níveis de responsabilização, enquantoas de longo prazo
permitiriam evitar o isolamento e promover instâncias de articulação entre as
instituições e entre os membros da comunidade, a fim de contemplar a
solidariedade e a capacidade de reflexão, e torna-se também necessário prover
as condições materiais para que todas essas abordagens sejam efetivas.
Ao considerarmos a emergência do aprimoramento técnico das práticas
de abordagem adotamos o princípio de que não basta levarmos em
consideraçãoapenas as determinações dos atributos pessoais e sociais dos
envolvidos, pois isto dificultaria expectativas de mudança, com possibilidade de
redirecionamento de seus papéis sociais.
É necessário habilitar-se para que a abordagem permita romper o ciclo
de envolvimento com o ato cometido a que o núcleo familiar encontra-se
submetido ao ser atendido em um posto de LA. Quanto a este envolvimento é
necessário questionar atuações que têm como foco o comportamento e a
linearidade da causa e efeito, que seriam insuficientes para compreender os
fatores a eles relacionados.
É neste sentido que as teorias de desenvolvimento ganham relevo como
possibilidade de reconhecimento de experiências que seriam marcantes do
ponto de vista negativo ou positivo para que o envolvimento com atos
infracionais permaneça ou venha a ser superado.
Como este processo de desenvolvimento é complexo, ao envolverem-se
na elaboração do PIA, os técnicos precisam estar aptos para levarem em
consideração os vários níveis de ambientes interligados entre si para
apreender o processo a ele relacionado.
É por isto que a visão sistêmica de Bronfenbrenner nos chamou a
atenção, a despeito deste autor não tratar da adolescência diretamente em seu
construto teórico, pois aborda o desenvolvimento humano de modo geral,
sendo que o princípio da sua visão sistêmica consiste na compreensão do todo
a partir de uma análise global das partes:
O desenvolvimento social não se aplica somente ao indivíduo, mas também à organização social da qual ele faz parte(BRONFENBRENNER, 1943).
Segundo Bronfenbrenner (1943), variações ocorrem não somente no
status social de determinada pessoa dentro de um grupo, mas também na
estrutura de seu grupo, ou seja, na frequência, intensidade, ritmo e base de
inter-relações que mantêm o grupo coeso, mas distinto dos demais. Pensando
nesta premissa reafirmamos a necessidade da individualidade no processo de
acompanhamento de adolescentes em conflito com a Lei, pois a
homogeneidade pode bloquear a possibilidade de uma leitura da díade de
determinado adolescente.
Quando nos referimos a esta necessária rejeição da homogeneidade, é
justamente para que no exercício do acompanhamento da medida bem como a
elaboração do PIA do adolescente, o técnico de referência não corra o risco de
fazer desta construção um “copia e cola” dado o habitus6 adquirido na
repetição de histórias que se assemelham.
O autor ainda se refere ao status da estrutura social como propriedades
interdependentes, mas a devida atenção deve ser dada a estas duas variáveis,
para que o processo de desenvolvimento social seja compreendido.
Bronfenbrenner (1943).
3.2 Bronfenbrenner e a Ecologia do Desenvolvimento Humano
Bronfenbrenner, notável pesquisador que ficou celebre pelo esforço em
oferecer novas perspectivas teórico para a pesquisa sobre o desenvolvimento
humano, trabalhou com várias pesquisas transculturais realizadas na Europa
Ocidental e Oriental, na URSS, Israel, República Nacional da China e em
outros países e durante muitos anos tentou modificar, desenvolver e
implementar políticas, que pudessem influenciar a vida das crianças e de suas
famílias.
No estudo do comportamento humano parece que há uma
homogeneidade em defesa de que o desenvolvimento humano é um produto
da interação entre o organismo e seu meio ambiente, mas para Bronfenbrenner
as teorias enfatizam a qualidade das pessoas e negligenciam o ambiente, que
geralmente surge apenas como atributo e não como elemento de estudo. Além
de que as teorias sobre processos interpessoais seriam um grande avanço.
6"O conceito de prática em Bourdieu e a pesquisa em educação. Em 1972, Pierre Bourdieu, no
seu Esquisse d’une Theorie de la Pratique, dizia-nos que o habitus não seria o único princípio de explicação da prática"(Telmo Humberto Lapa, 1980).
Ecologia humana seria construir o contexto adequado tanto no nível da
teoria, como no trabalho empírico, para poder fazer convergências entre
abordagens naturalísticas e experimentais. A questão envolve metodologia e a
solução que ele nos propõe é superar a dicotomia entre os métodos naturais e
os experimentos controlados em laboratório.
Para Bonfrenbrenner o ambiente também exerce influência no
desenvolvimento da pessoa, sendo este um processo de mútua interação e a
pessoa em desenvolvimento constante molda-se, muda e recria o meio no qual
se encontra.
Trata-se de dimensõespor ele concebida como uma série de estruturas
encaixadas em que cada peça contém ou está contida na outra e tais níveis
estruturais compõe uma ecologia humana composta por sistemas que são: o
microssistema, o mesossistema, exossistema e o macrossistema, ambientes
que não estão numa distância maior ou menor da pessoa, não são mais ou
menos relevantes na vida do indivíduo como ilustra figura abaixo:
A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em estudos com
famíliasFonte: [http://www.slideshare.net/npedro/teoria-ecolgica-desenvolvimento-
humano-brofenbrenner].
Nesta perspectiva sistêmica, Bronfenbrenner reconhece a relevância dos
fatores biológicos e genéticos no desenvolvimento e faz uso de uma
metodologia que se constrói com forte bases no PPCT – Pessoa, Processo,
Contexto e Tempo, onde a definição de papéis, as expectativas e o próprio
conceito de papel, assum em grande importância no desenvolvimento humano
e não se referem apenas ao conteúdo, mas também a relação entre as partes
envolvidas.
3.3 Contextualização Histórica da Adolescência e Apontamentos
sobre a Adolescência e a Conflitualidade
Historicamente encontraremos respaldo para iniciarmos a reflexão sobre
a adolescência no legado de Ariès (1978) que afirmou então, ser a infância
uma invenção da sociedade o que, na verdade, em suas palavras traduz-se no
fato de que as condições socioculturais, antigamente desenhavam
(estipulavam) o que seria a infância (ainda não se falava na idade intermediaria
que precedia a idade adulta) sendo assim, um erro querermos fazer uma
análise de todas as infâncias a partir de um mesmo referencial.
Para Áries (1978), somente após a implantação do sentimento da
infância, no século XIX, tornou-se possível a emergência da adolescência
como uma fase com características peculiares e únicas, tal qual a que
abordamos atualmente e distinta de outros momentos desenvolvementais.
Para Calligaris (2000) a adolescência não é separada da infância, elas são
compreendidas como categorias construídas historicamente, tendo nesse
sentido uma multiplicidade de emergências que corrobora com os paradigmas
da modernidade e pós-modernidade.
Nesse sentido, não se pode compreender a adolescência simplesmente
pondo-a em evidência, há a necessidade de buscar não uma definição válida
para todos os momentos históricos, mas sim compreender o fenômeno da
adolescência a partir da sua historicidade, entendendo que cada adolescente
traz na construção de sua identidade, toda uma bagagem histórica, ainda que
pouca, carregada de subjetividades que deverão compor a sua história de vida,
estas bagagens indiscutivelmente reflete um aprendizado adquirido no seu
próprio meio desde o seu nascimento.
A compreensão da adolescência é, sem dúvida, permeada pela ideia
popular (senso comum) de “aborrescência, rebeldia e atrevimento”, e de um
modo geral, existe sim, a compreensão de que enquanto a infância é
relacionada ao “melhor tempo da vida”, a adolescência se configura como um
momento em que, naturalmente, o indivíduo torna-se alguém muito chato e
difícil de lidar, nos remetendo a ideia de que o adolescente vive em seu mundo
interior uma fase de “tempestade e tormenta” o que os leva teoricamente ao
desvio do que se espera do indivíduo socializado e diante deste pensamento,
não é possível deixar de trazer à reflexão os esforços inconfundíveis de Becker
(1960) ao tratar o desvio a partir da perspectiva sociológica, traduzindo o
desvio como um comportamento que contraria o esperado por um determinado
grupo social.
Historicamente, entender a adolescência, segundo Ozella (2003) é
entendê-la como um processo de construção sob condições histórico-culturais
específicas, ou seja, pensar que a adolescência deve ser vista e compreendida
como uma categoria construída socialmente, a partir das necessidades sociais
e econômicas dos grupos sociais que lhe constituem como pessoas e sob uma
perspectiva pós-moderna.
É possível dizer que o conhecimento se constrói nas contingências
demandadas da sociedade e isso significa pensar que todos nós estamos
engajados na construção de significados ao invés de estarmos engajados na
descoberta das verdades, compreendidas somente como uma
correspondência, uma representação enquanto a modernidade nos apresenta
os saberes como sendo produzidos a partir de discursos dominantes ao longo
do tempo, localizados nos limites do projeto do que se denomina modernidade
e por nós incorporados passando a fazer parte deste panorama [adolescência]
em destaque e trazendo influências sobre a compreensão teórica acerca desse
grupo etário.
Heywood (2004), ao contrário da visão simplista de Ariès, mostra no seu
trabalho que já no século XII, estudos apontam que havia indícios de um
investimento social e psicológico nas crianças e que condição básica que
favoreceu a “inauguração” da adolescência ocidental do século XX foi,
principalmente, a possibilidade de usar da ajuda financeira dos jovens que
passaram a dedicar maior tempo à formação profissional, segundo Schimidt
(1996).
A virada para o século XX traz consigo a invenção de uma adolescência
representada como uma fase carregada de transformações nas quais o
movimento das décadas 60 (hippie), 70 e 80 (movimentos juvenis), entre
outros, contribuíram para formar um discurso sobre o que é ser adolescente,
Abramo (1994).
Embora no Brasil o cuidado com a infância parece realmente ter
começado no século XIX intensificando-se nos séculos seguintes, Fontes
(2005), no século XVI já se discutia as condições de vida das crianças
europeias trazidas para o Brasil ou até mesmo quando se abordava o cotidiano
das crianças livres ou escravas no Brasil Colônia e Império Brasileiro. É no
Brasil colônia que surge um termo que conceituará a criança desvalida e a
partir de então: menor (crianças e adolescentes pobres, pertencentes às
famílias com estrutura diferente da convencional), utilizado para designar faixa
etária associada, pelo código de menor de 1927.
Neste estudo, não temos condição de esgotar o tema da conflitualidade,
por isso optamos pelo recorte de alguns apontamentos específicos que a nosso
ver seriam apropriados para uma compreensão sistêmica no que se refere à
adolescência e o ato infracional. Neste caso nos interessa especialmente a
relação entre estes eventos enquanto construção social e reflexo de uma
sociedade em constante mudança. Segundo Cirino (1984) o conceito de
adolescente em conflito com a Lei parece indicar uma qualidade do sujeito,
como traço ou característica pessoal que diferenciaria o adolescente infrator ou
desviantes do “adolescente normal” embora saibamos que a qualidade infrator
não constitui propriedade intrínseca de adolescentes específicos, mas rótulo
atribuído pelo sistema, caso contrário determinado indivíduo, já traria em sua
genética, indícios de sua tendência ao desvio.
Diante deste fato é inegável não voltarmos a nossa reflexão às
contribuições sociológicas que os estudos de Becker (1960) trouxeram ao falar
sobe a sociologia do desvio, outsiders, onde o comportamento classificado
como desviante traduz-se em um comportamento que foge ao que se é
esperado por um determinado grupo social.
O ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 103
discorre sobre o ato infracional a que fazemos alusão como sendo: “Ato
infracional, a conduta descrita como crime ou contravenção penal” e ratifica sua
descrição no artigo 104 que trata da inimputabilidade daqueles cujo a idade
não tenha atingido ainda os 18 anos (maioridade penal) e o princípio de
brevidade, artigo 106, nenhum adolescente deverá ser privado de sua
liberdade senão em flagrante ou por ordem escrita devidamente fundamentada
pela autoridade judiciária competente.
Esta leitura correlaciona-se com o SINASE – Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo para a regulamentação das medidas em meio
aberto, destinadas aos adolescentes que pratiquem o ato infracional,
entendendo por medidas socioeducativas aquelas previstas no artigo 112 da
Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1.990 (Estatuto da Criança e do Adolescente),
no intuito de promover, por conseguinte, a responsabilização por parte do
adolescente, a sua integração social e a desaprovação de sua conduta
infracional. Acrescentamos aqui que é de extrema relevância lançar mão das
medidas alternativas previstas na Lei, que possam substituir a medida de
internação, tomando esta última como excepcionalidade.
A compreensão das mencionadas Leis somadas à tese da construção
social do comportamento desviante para entender o adolescente em
conflitualidade e o universo que o permeia é ainda mais importante que o
conceito de normalidade do desvio na adolescência explorada por muitos
acadêmicos, se pensarmos o crime como fenômeno social e a criminalização
do adolescente como fenômeno de minoria Cirino (1984).
Salientamos que somente o adolescente (pessoa com idade entre 12 e
18 anos de idade) é passível de cometer o ato infracional entendido como
transgressão das normas estabelecidas que em face de sua peculiaridade não
possa ser caracterizada enquanto crime. Ainda que o adolescente se encontre
sujeitos a todas as consequências dos seus atos não é passível de
responsabilização penal cabendo-lhe, nesses casos, medidas socioeducativas
conforme SINASE 2012, cujo objetivo é a tentativa da reinserção social, de
fortalecimentos dos vínculos familiares e comunitários.
Com o respaldo do SINASE, acreditamos que as ações cujo objetivo é o
de produzir novos padrões de socialização e, portanto novos processos de
subjetivação para o adolescente e suas complexas conflitualidades, deverão
pautar-se pelo entrelaçamento das diversas áreas do conhecimento além de
ações que efetivamente reflitam a perspectiva socializadora da medida
socioeducativa.
A construção de um Plano Individual de Atendimento (PIA) para o
adolescente levará em conta, necessariamente, todo o contexto que as
condições sociais oferecem, traçando uma linha histórica da própria existência
do adolescente envolvido, buscando o necessário envolvimento familiar e
comunitário nas perspectivas de um projeto de vida que possa privilegiar os
direitos humanos do adolescente, enquanto cidadão dotado de possibilidades e
potencialidades.
3.4 Brofenbrenner e o Campo Socioeducativo
Na definição do teórico, a ecologia do desenvolvimento humano envolve
o estudo científico da acomodação progressiva, mútua, entre um ser humano
ativo, em desenvolvimento, e as propriedades mutantes dos ambientes
imediatos em que a pessoa em desenvolvimento vive, conforme esse processo
é afetado pelas relações entre esse ambiente, e pelos contextos mais amplos
em que os ambientes estão inseridos.
(...) os conjuntos de processos através dos quais as particularidades da pessoa e do ambiente interagem para produzir constância e mudança nas características dela no curso de sua vida(BRONFREBENNER, 2001).
É inegável o fato da existência de um considerável número de pesquisas
que tratam do tema família e em especial no Brasil, porém, há uma escassez
considerável quando se trata de falar sobre o núcleo familiar de modo a tratar
das questões pertinentes ao adolescente em conflito com a Lei de forma que
nos propomos diante desta premissa, trazer para as análises que constituem
esta dissertação, um olhar embasado na teoria bioecológica de Urie
Bronfenbrenner.
Bronfenbenner, não deixou em seu legado nenhum estudo que trate
exclusivamente do tema “família”, tão pouco sobre as questões de
conflitualidade juvenil, traduzidos neste estudo em adolescentes, mas
cuidadosamente tratou do desenvolvimento humano, colocando o indivíduo em
uma posição articuladora na qual ele é apresentado como parte e processo ao
mesmo tempo, ou seja, o indivíduo como eixo estruturante de seu
desenvolvimento.
Bronfenbrenner formulou sua teoria de desenvolvimento, publicada no
final da década de 70, expondo ao campo científico importante premissas para
o desenvolvimento de pesquisas em ambientes em ambientes naturais.
Considerando a possibilidade de fazer intervenções na realidade do
adolescente em conflito com a Lei e seu núcleo familiar, tomamos para
analises no campo socioeducativo o princípio diádico que Bronfenbrenner
caracteriza em seus estudos como momento privilegiado de observação capaz
de intervir sempre que achar conveniente. Os encontros diádicos, enfrentados
pelo indivíduo enquanto sujeito, traduz uma característica capaz de mostrar a
partir de uma observação detalhada de que forma se deu determinada situação
e o seu resultado.
Para Bronfenbrenner, ao estudar sobre o comportamento humano, as
investigações sobre o desenvolvimento “fora do contexto”, focalizavam
somente, a pessoa dentro de um ambiente restrito e estático, sem a devida
consideração das múltiplas influências dos contextos em que os sujeitos
viviam. Bronfenbrenner (1977) e esta sua inquietação transcende o marco
cronológico para encontrarmos em sua teoria insumos que nos permitam o
estudo de possibilidades no que tange a abordagem do núcleo familiar no
processo de execução da medida socioeducativa.
Ao trazer o modelo bioecológico, Bronfenbrenner nos permite através do
que em seu construto teórico, chamou de “processos proximais” entender as
questões pertinentes a família do adolescente que está em cumprimento de
medida socioeducativa, bem como as relações que existem no meio
intrafamiliar e fora dele, entendendo o núcleo familiar propriamente dito como
microssistema defendido na teoria de Bronfenbrenner.
Bronfenbrenner apresentou seu pensamento acerca da Teoria
Bioecológica descrevendo suas ideias precursoras propondo novos
delineamentos de pesquisa destinados à complexidade inerente a ela. O
modelo bioecológico é uma evolução do sistema teórico para estudo cientifico
do desenvolvimento humano ao longo do tempo definido como fenômeno de
continuidade e de mudança nas características biopsicológicas dos seres
humanos como indivíduos e grupos.
Estas referências nos permitirão estudar os processos familiares e
comunitários lançando mão do Modelo Bioecológico, onde o desenvolvimento
do indivíduo é definido como fenômeno de continuidade e de mudança
biopsicológica dos seres humanos e seus grupos, pois qualquer contexto para
o desenvolvimento humano inclui não apenas suas condições objetivas, mas
também a maneira na quais essas são experienciadas subjetivamente pelas
pessoas que vivem neste ambiente, Bronfenbrenner (1979).
Segundo Bronfenbrenner, a energia que movimenta os processos
proximais e que por consequente funciona como força motriz do
desenvolvimento humano vem de fontes muito mais profundas e que estão
situadas principalmente dentro do microssistema e que se traduz para nossa
leitura em família, motivo pelo qual elegemos o núcleo familiar como lócus
privilegiado de estudo e pesquisa acerca do adolescente em conflito com a Lei.
O processo de desenvolvimento do indivíduo se dá a partir de sua
interação com o ambiente, desta forma, tanto o indivíduo afeta e influencia o
meio como é influenciado e afetado constantemente por ele, num processo de
troca sistêmica contínua.
Diante de tal premissa posta por Bronfenbrenner, a ideia de localizar o
adolescente e sua família numa perspectiva cartográfica dá maior clareza ao
fato de colocarmos a família como núcleo potencializador para o sucesso da
ressignificação de valores e o êxito da não reincidência do adolescente em
conflitualidade, entendendo que o método permitirá a visualização do
adolescente e sua família interagindo com o grupo (comunidade) onde vive.
Se na nossa proposta de intervenção elegemos a família como mola
propulsora para os processos desenvolvimentais pelos quais o adolescente
passa durante sua busca de identidade na construção do “eu”, esclareceremos
para nosso estimado leitor que a necessidade de explicitar os processos
proximais bem como o modelo processo-pessoa-contexto defendidos por
Bronfenbrenner se faz necessário para que se compreenda a importância da
análise diádica que propomos no acompanhamento da medida socioeducativa.
Anteriormente ao falarmos da díade da família, falávamos da interação
da família e a comunidade onde está inserida bem com a dinâmica de
interação desta no seu cotidiano e necessidades. A nossa proposta agora é
adentrar como mais riqueza de detalhes nesse fenômeno descoberto e deixado
por Bronfenbrenner em sua teoria bioecológica do desenvolvimento humano
que é a díade.
Bronfenbrenner tratou deste núcleo, família, remetendo-se a ele como
microssistema, ou seja, ao falar do microssistema, referiu-se á um padrão de
atividades, papéis e relações interpessoais experienciados pela pessoa em
desenvolvimento num dado ambiente com características físicas e materiais
específicos, ou seja, um ambiente ou local onde o individuo possa estabelecer
interações face a face, motivo pelo qual caracterizamos a família como
microssistema, embora não seja ela somente que compõe este meio, há
outros, a exemplo da escola, creche e outros a depender do meio de
convivência de cada um.
Fica evidente que Bronfenbrenner aponta elementos em sua definição
de que o microssistema é possuidor de elementos que inevitavelmente
influenciará o desenvolvimento de seus membros a partir da relação
estabelecida entre determinado indivíduo em desenvolvimento e seus pares.
Esta característica é muito comumente encontrada, ou melhor, observada
entre os adolescentes e seus iguais, reforçando a importância da existência de
uma relação bidirecional entre duas pessoas, que caracteriza ou estabelece
condições mínimas para uma díade.
Anteriormente havíamos mencionado sobre a díade e informamos que
de acordo com o nosso teórico, esta seria uma unidade básica de análise, ou
seja, a estrutura mais simples e, consequentemente, como o contexto mais
imediato do desenvolvimento humano.
Segundo Bronfenbrenner (1996), a díade pode configura-se em uma
díade observacional ou “uma díade de atividade conjunta e esclarece que uma
díade de atividade conjunta apresenta condições especialmente favoráveis
para aumentar a motivação na busca e aperfeiçoamento da atividade quando
os participantes não mais estão juntos”.
Sendo o nosso objeto final de estudo, o adolescente que cumpre medida
socioeducativa em meio aberto e o importante papel de sua família com vistas
a encontrar subsídios tangentes às boas práticas, devemos trazer uma das
mais expressivas contribuições da abordagem teórica a que nos respaldamos
refere-se às propriedades atribuídas ao potencial de desenvolvimento da díade
e no nosso caso especificamente a díade de atividade conjunta, são três
características essenciais: reciprocidade, equilíbrio de poder e relação afetiva.
Reciprocidade A maneira como os participantes interagem entre si,
como um influencia no desenvolvimento do outro, pois quando um membro de
uma díade sofre um processo de desenvolvimento, o outro também o sofrerá.
Neste sentido é que apostamos na proximidade da família ao programa
responsável pela aplicação da medida, como potencializadora junto as
intervenções que visem a responsabilização presente e futura por parte do
adolescente frente ao delito por ele cometido.
Vale ressaltar que de acordo com Bronfenbrenner, em uma relação
diádica pode ocorrer de um membro ser mais influente que o outro, porém a
ideia de reciprocidade sempre fará sugestões para a igualdade de poder.
Equilíbrio de Poder Consiste em alternância de influência entre os
membros participantes da díade, vale aqui ressaltar que a díade será sempre
entre dois indivíduos e que dentro da proposta de alternância pode se constatar
a existência de um equilíbrio de poder. E Bronfenbrenner (1996), enfatiza que
há evidências sugerindo que a situação ótima para aprendizagem e o
desenvolvimento é aquela em que o equilíbrio do poder gradualmente se altera
em favor da pessoa em desenvolvimento, em outras palavras, quando esta
última recebe uma crescente oportunidade de exercer controle sobre a
situação.
Relações Afetivas Sentimentos diferenciados e duráveis entre os
membros de uma interação diádica. Para que este processo ocorra tais
relações de afetividade devem ser positivas e genuínas onde o antagonismo
mútuo, os sentimentos de raiva, rejeição e outras emoções percebidas como
negativas poderão ser prejudiciais e consequentemente comprometer os
processos de ensino-aprendizagem.
Como o estudo tratou de observar as atividades socioeducativas em
meio aberto dando ênfase maior ao envolvimento por parte da família neste
processo, sabendo que Bronfenbrenner não trata deste tema em seu construto
é importante associar sua teoria desenvolvimentista do tema mencionado de
forma didática e cautelar, e neste sentido trazemos mais uma vez a
característica principal de nosso estudo que é a díade, para ressaltar que a sua
capacidade de servir como um contexto efetivo para o desenvolvimento
humano vai depender fortemente da presença de uma terceira participação, a
exemplo das medidas socioeducativas onde o técnico media as situações que
culminam com a efetivação da medida em si.
Neste sentido de observação da díade do adolescente e da família deste
adolescente, lembramos que o técnico, aqui designado a terceira pessoa deste
processo diádico, deve sem nenhuma sombra de dúvida trazer para sua
observação o contexto de onde emerge este adolescente.
Segundo Bronfenbrenner, “o desenvolvimento humano ocorre no
contexto de um crescente jogo de pingue-pongue psicológico entre duas
pessoas que são loucas uma pela outra”, e reforça que de preferência, deve
haver uma participação/interação de muitos adultos entre si e neste caso em se
tratando de medida socioeducativa, com o adolescente em questão.
Bronfenbrenner prossegue falando sobre o microssistema, no nosso
caso especificamente a família do adolescente que neste construto,
defendemos como forte potencializadora da díade do adolescente, que além
das atividades e interações diádicas, estão também os diversos papéis que são
experienciados pelo adolescente no decorrer de sua pueridade, onde o papel é
visto como um conjunto de atividades e relações esperadas de alguém que
ocupa uma determinada posição na sociedade, assim como outros em relação
a esta pessoa, Bonfenbrenner (1996).
Como o papel da medida socioeducativa na vida do adolescente tem por
finalidade maior a responsabilização consciente do ato cometido, não é de
forma alguma obsoleto trazer o conceito que Bronfenbrenner deixou ao
considerar que os papéis são elementos críticos do microssistema, na medida
em que estimulam e influenciam o processo de desenvolvimento e
aprendizagem.
Uma coisa que tem que ficar muito clara ao nosso caro leitor é que
estamos tratando neste construto, do papel fundamental que a família tem
como potencializadora no processo de cumprimento de medidas
socioeducativas de adolescentes em conflito com a Lei, portanto, ao trazer as
contribuições da teoria bioecológica para nossa realidade socioeducativa, é
natural que tratemos todos os aspectos do que foi teorizado por
Bronfenbrenner em suas considerações acerca do desenvolvimento humano a
partir de uma visão sistêmica.
Como nossa crença maior é a de que o meio é o que mais contribuirá
para o sucesso da medida socioeducativa cumprida pelo adolescente em
conflitualidade, se faz necessário dar continuidade a uma breve elucidação do
que é a mencionada teoria sistêmica da bioecologia. Se até o momento
tratamos tão somente do microssistema, até mesmo por ser ele nossa mola
propulsora, trataremos na sequência do que propicia o desenvolvimento do
individuo num todo de acordo com a tese de que o desenvolvimento humano
se dá por completo a partir do PPCT – Pessoa Processo Contexto Tempo,
defendido por Bronfenbrenner.
De acordo com Bronfenbrenner, um segundo nível desta cadeia
desenvolvimentista é o mesossitema que tem a ver com as interrelações entre
os contextos em que o indivíduo participa, tais como a interrelação da família
com a escola e a igreja, por exemplo, que são os mesmos conceitos-chave
apresentado no microssistema, ou seja, as atividades molares, as estruturas
interpessoais e os papéis. As forças do mesossistema são originadas nas inter-
relações de dois ou mais ambientes.
Segundo Bronfenbrenner, para que exista o mesossistema, é necessário
que haja, pelo menos, uma interconexão, ou seja, a pessoa em
desenvolvimento deverá fazer parte de dois ambientes diferentes. No campo
da socioeducação podemos ver esta relação mencionada nos processos de
envolvimento do núcleo familiar de onde oriunda o adolescente que cometeu o
ato delituoso e os recursos estatais a sua disposição, bem como a comunidade
onde estão localizados.
Outros conceitos referem-se aos elos de vinculação entre os
microssistemas, por exemplo, um mesmo individuo envolvido em mais de um
ambiente como é o caso muitas vezes do adolescente que está em busca de
sua identidade e para isso tem a necessidade de se parear a outros grupos
distintos do seu microssistema de origem formando laços primários, laços
secundários ou laços indiretos o que é considerado na visão sistêmica como
uma ligação intermediária.
Na teoria bioecológica de Bronfenbrenner, defende-se que para efeitos
do desenvolvimento humano, pressupõe-se que os ambientes
microssistêmicos que compõe mesossistema devam se comunicar, ou seja,
toda informação deve impreterivelmente ser partilhada. A partir deste
pressuposto é que em nosso construto defendemos a construção de um
instrumental que seja suficientemente capaz de registrar esta comunicação, ou
seja, esta interação dos ambientes pelo qual o adolescente transita com a
finalidade de extrair dos mesmos os diversos potenciais diádicos que
contribuirão para com o sucesso da medida socioeducativa.
Apostamos que o sucesso da medida socioeducativa, dar-se-á em
função no número de diferentes contextos nos quais o adolescente tenha
oportunidade de participar, bem como a qualidade potencializadora que sua
família possa dedicar-lhe como sendo uma díade primária no processo de
cumprimento da medida socioeducativa.
No terceiro contexto de acompanhamento do adolescente em
conflitualidade, encontraremos de acordo com a visão bioecológica, o
exossistema que se traduz um ou mais ambiente que não envolve o
adolescente como participante ativo. Há eventos que afetam ou são afetados
pelo adolescente de forma indireta como, por exemplo, o trabalho dos pais ou o
círculo de amigos do irmão mais velho, razão pela qual ao falarmos da família
deste adolescente, a colocamos de forma refratária e conservadora.
Quando falamos desta família refratária e conservadora é para ilustrar o
fato de que na maioria das vezes, este microssistema guarda para si os
eventos que envolvem seu adolescente autor de delitos, talvez para evitar a
“exposição” ou ainda por não ter mesmo conhecimento suficiente para inserção
na rede social de que dispõe.
No quarto nível estrutural, já que estamos falando das questões
sistêmicas do desenvolvimento do adolescente em conflitualidade, podemos
falar do macrossistema, que se refere à consistência observada dentro de uma
dada cultura ou subcultura na forma de conteúdo de seu micro, meso e
exossistema, constituindo assim como em qualquer outro sistema de crença ou
ideologia subjacente a estas consciências.
3.5 Bronfenbrenner e os modelos e práticas da socioeducação
As menções sobre a relação e a participação da família na proteção
social é um debate antigo e tem ganhado força na atualidade. É comum hoje
em algumas áreas da política pública ter a família como foco estruturante, no
qual ela assume uma centralidade, mas, no entanto há sempre que se
examinar o modo como essa família tem garantido o seus direitos ou
desempenhado o seu papel como grupo primário de proteção social dos seus
pares, sobretudo, quais são as dinâmicas internas e externas ou quais são os
meios que essa família encontra para desempenhar este papel.
Sobre o risco de que se a gente não fizer uma análise endógena e
exógena também, podemos partir para culpabilização da família, ou seja,horas
ela é a culpada, horas recebe o rótulo de família desestruturada ou no jargão
popular, “só podia dar nisso”, enfim, o modo como muitas vezes não só o
senso comum, mas o próprio operador do sistema de justiça coloca,
culminando na marginalização do adolescente em função da sua família.
Trouxemos estas admoestações na intenção de trazer a teoria
Bronfenbrenniana para nosso construto, uma vez que para o autor, o poder
público é um braço importantíssimo no desenvolvimento do indivíduo e sendo
assim, analisar o envolvimento e a participação da família na gestão pública, no
que tange a seu papel protetivo e protetor diante da realidade em que os
Serviços de Atendimento de Medida Socioeducativa recebem seus
adolescentes, bem como as suas dinâmicas internas e externas diante da
realidade posta, traduz uma relevância impar na visão sistêmica abordada pela
teoria de Bronfenbrenner.
No campo das ciências humanas segundo Simionato e Oliveira(2003), a
família tem se constituído objeto de pesquisa por inúmeras áreas, a exemplo
da antropologia, a sociologia e com merecido destaque especificamente neste
contexto em que estamos trabalhando, a psicologia, uma vez que pautamos
nosso embasamento teórico na própria, ousando trazer Bronfenbrenner para a
prática do trabalho com adolescentes em conflito com a Lei, envolvendo seu
núcleo familiar que Bronfenbrenner, chamou na construção de sua teoria
bioecológica de microssistema.
Para aproximarmos nosso objeto de Bronfenbrenner, ressaltamos que
em seu modelo bioecológico, a representatividade está embasada em quatro
aspectos multidirecionais inter-relacionados, o que é designado modelo PPCT:
“pessoa, processo, contexto e tempo”.
Quando Bronfenbrenner fala de pessoa ele refere-se ao fenômeno de
constâncias e mudanças na vida do ser humano em desenvolvimento no
decorrer da sua existência. Enquanto processo ele trata como ligações entre
diferentes níveis, constituídos pelos papéis e atividades diárias da pessoa em
desenvolvimento, no qual para que o desenvolvimento ocorra é preciso
participação ativa em interações progressivamente mais complexas, recíproca
com o outro e com o meio imediato a que está inserido.
No que diz respeito ao contexto de desenvolvimento, o autor se refere
ao meio ambiente de uma forma global no qual o indivíduo está inserido e no
qual ele se relaciona classificado por Bronfenbrenner como micro, meso, exo e
macrosistemas e que adiante detalharemos.
Ao tratar do fator tempo, Bronfenbrenner fala do entendimento deste
como o desenvolvimento no sentido de historicidade, ou seja, como ocorreram
as mudanças nos eventos no decorrer dos tempos devido os fatores externos
que tendem pressionar a pessoa em desenvolvimento.
Embora Bronfenbrenner, quanto ao desenvolvimento, enfatizasse as
questões do conteúdo ao contrário dos modelos tradicionais, ou seja, sua
ênfase é o conteúdo destes processos como é o que é percebido pela pessoa,
recentemente, Bronfenbrenner e Morris (1998) revisaram e complementaram,
definindo como desenvolvimento “o processo que se refere à estabilidade e
mudanças nas características biopsicológicas dos seres humanos”.
Bronfenbrenner dá destaque ao grande mérito das relações entre
pessoas e estabelece estas relações como condição mínima para a formação
de uma díade, razão pela qual estamos elegendo este autor como
embasamento teórico para pesquisa que foca as relações as quais estão
envolvidas o adolescente em conflito com a Lei que é o objeto maior de análise
neste momento.
Neste construto teórico que pretendemos tratar das relações de
envolvimento da família enquanto núcleo potencializador para o sucesso da
medida socioeducativa, daremos uma ênfase muito especial as questões da
díade do adolescente e o meio por onde ele se movimenta, pois, se a intenção
maior é a questão da visibilidade, trazer aos olhos deste leitor o conceito de
díade e sua importância no desenvolvimento humano, sobretudo nas relações
onde o adolescente é protagonista é de extrema relevância.
Brofenbrenner (1996) ressalta que o mais importante para se dar início a
formação de uma díade é que quando um dos membros do par passa por um
processo de desenvolvimento, automaticamente estará contribuindo para a
ocorrência do mesmo processo no outro, ou seja, para ele “uma díade é
formada sempre que dois indivíduos observam as atividades um do outro ou
delas participam”.
A teoria diz que uma díade por si só já tem uma importância
incontestável enquanto elemento que favorece o desenvolvimento humano,
podendo contribuir como fator gerador para a formação de outras estruturas
interpessoal maiores dependendo de sua potencialidade.
Por ser o nosso foco de estudo as medidas socioeducativas que tem
como meta a responsabilização presente e futura do ato cometido por parte do
adolescente que cumpre a medida, daremos relevo de destaque a díade
observacional para que consigamos visualizar de que forma acontece a díade
do adolescente e seus pares, bem como familiares e operadores que o
acompanham. Pretendemos com isto medir em que conta se dá dentro das
situações díadicas observada, as questões de reciprocidade, de afetividade e
de equilíbrio de poder, que constituem a díade em sua essência.
Um dos conceitos que dentro da díade, Bronfenbrenner e Morris (1998)
em sua revisão vai nos apresentar é a importância do conceito de processos
proximais, ressaltando que a análise das relações de reciprocidade entre
pessoas da família e suas crianças deve considerar os processos proximais,
neste caso fazendo referência ao nosso objeto de pesquisa, o adolescente no
seu meio de convivência.
No modelo bioecológico, o conceito de processos proximais tem um
significado especifico. Segundo Bronfenbrenner (1999), para que estes
processos ocorram, a pessoa tem que se ocupar de uma atividade de
desenvolvimento e para ser efetiva esta atividade tem que acontecer em uma
base bastante regular por um longo período de tempo, envolvendo mais de
uma pessoa e devendo haver algum grau de reciprocidade entre elas.
A pessoa em desenvolvimento molda-se, muda e recria o meio no qual
se encontra. O ambiente também exerce influência no desenvolvimento da
pessoa, sendo este um processo de mútua interação, Bronfenbrenner (1996).
Bronfenbrenner concebe o ambiente ecológico como uma série de estruturas
encaixadas, em que cada peça contém ou está contida noutra. Tais
representações têm como objetivo explicar os níveis estruturais do mapa
ecológico, anteriormente mencionados que são: o microssistema, o
mesossistema, o exossistema e o macrossistema.
O microssistema, segundo definição de Bronfenbrenner, “é um padrão
de atividades, papéis e relações interpessoais experiênciadas pela pessoa em
desenvolvimento num dado ambiente com características físicas e matérias
especificas e que em nosso conceito estruturante, definimos como sendo o
núcleo familiar de onde o adolescente em conflito com a Lei advém.
Entendemos que este núcleo familiar e dotado de potenciais que podem
impulsionar o desenvolvimento ou não, do adolescente.
Este núcleo será considerado neste estudo como ambiente propicio para
uma relação bidirecional entre duas pessoas que é a condição mínima para a
ocorrência de uma díade, considerada por Bronfenbrenner como uma unidade
básica de análise, estrutura interpessoal mais simples e consequentemente,
como o contexto mais imediato do desenvolvimento humano.
Neste sentido, Bronfenbrenner (1996) fala sobre a díade de atividade
conjunta que se encaixa perfeitamente na atividade sobre a qual estamos
escrevendo, ou seja, a medida socioeducativa em meio aberto e o
envolvimento do adolescente no processo de autonomia e responsabilização
presente e futura, pois segundo este teórico, esta díade apresenta condições
especiais favoráveis não apenas para a aprendizagem, mas também para
aumentar a motivação na busca e aperfeiçoamento da atividade quando os
participantes não mais estão juntos dados a força do seu potencial de
desenvolvimento.
Como anteriormente mencionado, há três características encontradas na
díade que tem uma atenção maior dentro deste estudo e que segundo
Bronfenbrenner são essenciais: reciprocidade, equilíbrio de poder e relação
afetiva, dada a peculiaridade que é o campo de estudo, hora apresentado.
As questões da reciprocidade estão relacionadas à maneira como os
participantes interagem entre si, como um influencia o desenvolvimento do
outro. Em uma relação diádica, um membro pode ser mais influente que o
outro, embora a ideia de reciprocidade sugira igualdade de poder. O ideal
então é que essa maior influência seja alternada entre os participantes da
díade, havendo então um Equilíbrio de Poder, Bronfenbrenner (1996).
Para Bronfenbrenner, na medida em que ocorrem interações diádicas,
desenvolvem-se sentimentos diferenciados e duráveis entre seus membros e
para que os processos de desenvolvimento ocorram em favor do indivíduo, as
relações afetivas devem ser positivas e genuínas. Neste sentido, as famílias
ainda que inconscientes se fechem a realidade apresentada pelo adolescente
podendo comprometer a positividade do processo de construção da identidade
deste e neste momento a necessidade de rejeição à família por parte do
adolescente poderá se tornar ainda mais fortalecida e dentro desta
necessidade poderá buscar a sua auto imagem em pares de grupos externos
que reflitam a sua auto afirmação.
Para Bronfenbrenner, as díades primárias existem para os participantes
mesmo que eles não estejam fisicamente juntos e a capacidade de uma díade
servir como um contexto efetivo para o desenvolvimento humano vai depender
fortemente da presença de uma terceira participação, pois o ambiente também
exerce influência no desenvolvimento da pessoa, sendo este um processo de
mútua interação.
O desenvolvimento humano ocorre no contexto de um crescente jogo de pingue-pongue psicológico entre duas pessoas que são loucas uma pela outra, e reforça que, de preferência, deve haver a participação/interação de muitos adultos entre si (...) (BRONFENBRENNER, 1990).
Tais níveis estruturais compõem uma ecologia humana composta por
sistemas que são: o microssistema, o mesossistema, exossistemae o
macrossistema.
O microssistema, em termos de suas características, envolve
expectativas de atividades e relações recíprocas. As expectativas não se
referem apenas ao conteúdo da atividade, mas também às relações entre as
duas partes e oconceito de papel envolve uma integração dos elementos de
atividade e relação em termos de expectativas societais, sendo assim, tem
suas raízes no microssistema de ordem mais elevada e em suas estruturas
institucionais e ideológicas associadas. É neste contexto, na existência de uma
relação bidirecional ente duas pessoas que se estabelece as condições
mínimas para a ocorrência de uma díade.
O mesossistema, na teoria de Bronfenbrenner, tem a ver com as inter-
relações entre os contextos em que o indivíduo participa ativamente, tais como
a inter-relação da família com a escola e a igreja. Para análise das forças
existentes no mesossistema utilizam-se os mesmos conceitos apresentados na
análise do microssistema que são as atividades molares, as estruturas
interpessoais e os papeis.
Para que exista o mesossistema é necessário que haja pelo menos, uma
interconexão de dois microssistemas e a rede social primária é o próprio
mesossistema.
Segundo Bronfenbrenner, para os efeitos de desenvolvimento,
pressupõe que os ambientes macrossistêmicos que compõe o mesossistema
devem comunicar-se, ou seja, toda a informação ou mensagem deve ser
intencionalmente transmitida de um ambiente para outro e partindo deste
pressuposto, a nossa investigação empírica propõe a construção de um
instrumental que seja capaz de deixar registradas estas comunicações de
modo a permitir que outros “atores” do sistema de justiça consigam entender a
mensagem que traduz a intervenção e o fator gerador da ocorrência ainda que
em outro momento em casos de egressos que por ventura, reincidam.
Para Bronfenbrenner (1996), o potencial de promoção do
desenvolvimento do mesossistema será aumentado diante das seguintes
condições:
a) se a transição para o novo ambiente for feita na companhia de uma
ou mais pessoa com quem já estabeleceu relações em contextos anteriores;
b) se as exigências nos diferentes contextos forem compatíveis;
c) se os papéis, atividades e díades em que a pessoa se envolvem
permitem o desenvolvimento de processos de confiança mútua, orientação
positiva e consenso de objetivos entre contextos e um equilíbrio de poder
promotor de pessoa em desenvolvimento.
O exossistema, terceiro contexto apresentado por Bronfenbrenner, diz
respeito a um ou mais ambientes que não envolvam a pessoa em
desenvolvimento como um participante ativo, como por exemplo, o local de
trabalho dos pais ou a sala de aula de um irmão mais velho. Diante deste fato,
se faz pertinente focalizar, a família que de acordo com a nossa hipótese tende
a agir de forma refratária e conservadora, objetivando amenizar os aspectos
diversos e estranhos que dentro deste pensamento teórico possa comprometer
o potencial de desenvolvimento do núcleo familiar com o exossistema através
destes canais.
Como mencionado anteriormente o macrosssitema se refere à
consistência observada dentro de uma determinada cultura ou subcultura na
forma e conteúdo de seu micro, meso e exossistemas.
Por esta razão, tão importante como observar as díades estabelecidas
pelo adolescente no território por onde ele transita, é o fato de que o técnico
necessita deinstrumentais teóricos e metodológicos para poderse capacitar na
prática de atuação perante o processo de acompanhamento da medida na
relação diádica a ser estabelecida com cada adolescente em particular e é isto
que pretendemos explorar no próximo capítulo.
Capítulo 4
A Sistematização de um Modelo de Responsabilização Duradoura
nos Serviços de Medida Socioeducativo em meio aberto
4.1 Elementos do Campo Empírico
Como a idéia central da pesquisa é focar os serviços de medidas
socioeducativas em meio aberto como forma de dar visibilidade às ações
desenvolvidas e que envolvam a família, natural ou de referência de forma
sistemica, nos deparamos com o desafio de buscar um campo empírico que
nos permitisse problematizar a questão e elucidar as necessidades
operacionais que se revelam em seu cotidiano.
Sua estruturação se estabelece no acompanhamento da medida, e diz
respeito ao marco legal que exige a participação da família, que, no entanto
acaba sendo pouco explicitados mesmo havendo regulações na área das
políticas públicas que a valorize, foi desta maneira que acabamos nos
aproximando da AGES – Associação Gaudium Et Spes, entidade tradicional na
defesa dos direitos de crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade,
ligada à Pastoral do Menor e que tem se destacado no sistema de garantias
pela forma com que procura inserir o núcleo familiar nas dinâmicas voltadas a
valorização da dgnidade humana.
Com a abordagem dos programas desenvolvidos nesta instituição,
devidamente respaldado por alguns técnicos que de uma forma etica e
profissional representou tanto a instituição quanto a equipe do SMSE
Esperança e Alegria, foi possível verificar os casos de maior representatividade
a partir de um acompanhamento sistematizado realizado no decorrer de minha
estadia neste referido serviço de medida socioeducativo, localizado em Pirituba
Zona Oeste de São Paulo.
Em setembro de 2012, fiz contato com o SMSE e na ocasião,
precisamente em outubro de 2012, estive no serviço para conhecer, falar da
minha proposta de pesquisa e pedir campo para análise, após conversar com
dois membros da equipe de técnicos e conhecer os outros que estavam em
suas atividades, fui apresentada a gerencia que me recebeu prontamente, e a
qual apresentei minha proposta de acompanhamento do SMSE com fins
acadêmicos.
Nos foi concedido então a oportunidade de acompanhar a rotina do
SMSE e consequentemente me aproximar dos atendimentos realizados. Uma
das técnicas que me recebeu, e que infelizmente não se encontra mais no
serviço, apresentou-me o SMSE, falou das necessidades e angústias
profissionais e do desejo da equipe de técnicos em ter uma ferramenta que
possibilitasse uma visibilidade mais concreta do trabalho executado com o
adolescente em conflitualidade no momento do cumprimento de sua medida,
pois segundo seu “desabafo”, todosos esforços e intervenções, bem
sucedidadas ou não, culminavam em um procedimento cartorial onde a
exigência era apenas a de um relatório informativo ou de encerramento que
traduzia seis meses de abordagens e interações diversas em uma pagina
suscinta cuja leitura de interesse se resumiria unicamente de duas, ou não
mais que três linhas em que se relatavam assertivas sobre o adolescente ter
cumprido ou não a medida, não possibilitando uma abertura ampla capaz de
permitir destacar o adolescente enquanto pessoa e em seu estado de
desenvolvimento.
A partir daí procurei estar presente em todas as terças-feiras,
estrategicamente, pois é na terça-feira que acontece a acolhida e a
“interpretação da medida”, ou seja, é o dia reservado para receber o
adolescente encaminhado pelo DEIJ, para o cumprimento de medida.
De outubro até 22 de dezembro de 2012 estabeleci esta rotina semanal
e após esta data, a convite da Gerente responsável pelo serviço assumi como
técnico de referência de um pequeno grupo de adolescentes, num total de sete,
recém chegados para cumprimento de medida onde permaneci no período de
22 de dezembro de 2012 a 7 de fevereiro de 2013, data em que me afastei do
SMSE Esperança e Alegria para assumir a Gerencia de um Serviço de
Acolhida Institucional para Criança e Adolescente, bem como organizar o
material empirico coletado.
Ao me dedicar a ser um observador dos aspectos que operacionalizam
a medida socioeducativa em seus procedimentos diários, como parte da rotina
na função de técnico, tive acesso as pastas e documentos e isso me permitiu
uma análise documental do marco lógico das intervenções realizadas, ou seja,
o contato com a família existiu de fato. Esta constatação foi de significativa
relevância no sentido de respaldar a necessidade de se obter consentimento
para podemos nos valer da fonte de dados documentados que tais famílias
poderiam nos disponibilizar.
Além destes procedimentos também pude estar presente nos encontros
com os grupos de pais que acontece uma vez ao mês no serviço, além de
diversas reuniões com os técnicos responsáveis pelo acompanhamento das
medidas e que está a mais tempo atuando neste SMSE especificamente. As
reuniões dos técnicos para alinhamento e discussão de casos, acontecem
todas as sextas-feiras, ou, via de regra, deveriam acontecer salvo alguns
eventos que fogem a rotinas da equipe, como capacitações ou reuniões fora do
espaço e ou da região.
Tendo o consentimento da gerência responsável pelo serviço, nos
ocupamos não somente da análise documental, mas da vivência do técnico e
suas dinâmicas de trabalho, desde a acolhida do adolescente, no momento da
“interpretação da medida”, até o encerramento da mesma. Tomamos como
ponto inicial, o considerável número de casos que na época era acompanhado
por cada técnico e a diversidade observada nos vínculos familiares e decidimos
que seria melhor eleger casos exemplos para podermos fazer um
aprofundamento de características similares e que poderiam favorecer
configurações complementares, mesmo com resultados que poderiam ser
conflitantes ao serem confrontados os dados obtidos com cada processo.
Inicialmente passamos a acompanhar o serviço de medida as terças-
feiras, dia da semana reservado para acolhida dos novos adolescentes
encaminhados para cumprimento de medida sócio educativa em meio aberto. É
nesta ocasião que o técnico realiza a “interpretação da medida”, termo jurídico
adotado para nomear o momento em que este faz a leitura das ações que
futuramente serão realizadas de acordo com a determinação do juizado na
presença do adolescente e o responsável por ele.
No momento em que é feito esta acolhida, o técnico apresenta também
o serviço de medida e seus espaços, bem como o instrumental (PIA) que
deverá ser preenchido ao longo da medida, fazendo com que o adolescente
inicialmente tome ciência do que garantirá o encerramento da medida com
sucesso e as peculiaridades do processo.
Uma vez que nesta mesma data o adolescente toma conhecimento do
técnico que ficará como referência acompanhando o seu processo, é pertinente
ressaltar que na rotina diária do técnico cabe acompanhar o dia-a-dia do
adolescente registrando informações que ele próprio traz e outras percebidas
no que refere-se a sua aderência as atividades da medida, tais como escola,
profissionalização, regularização de documentos e encaminhamentos na
áreada saúde, quando necessário.
Ao técnico cabe ainda em sua rotina, realizar visitas freqüentes ao
espaço de convívio do adolescente e conduzir os assuntos pertinente a ele nos
mais diversos órgão e espaços por onde o adolescente transita e seu processo
judicial junto ao DEIJ.
Periodicamente a equipe de técnicos se reúnem para discussão de
casos, este fato acontece sempre às sextas-feiras e tem como objetivo
compartilhar com todos, os casos e experiências além é claro de reavaliar as
ações propostas e a forma como elas estão sendo executadas. No momento
em que os técnicos se reúnem para discussão de casos também é feito
cronograma do que é viável implantar para enriquecimento da medida e
apropriação por parte dos adolescentes do que é proposto a eles. Nos
mencionados estudos de casos, os técnicos trocam informações acerca dos
casos acompanhados por eles e as dificuldades/soluções no intuito de haver
um consenso e um alinhamento nas ações tomadas de modo a ter uma
unifomização no procedimento técnico adotado por todos os técnicos do SMSE
a que nos referimos.
Nos encontros de sexta-feira, também são planejados os encontros dos
pais e os assuntos a serem abordados, após uma breve avaliação do encontro
anterior e os pontos de relevância que merecem ser retomados e acentuados
com mais intensidade.
Os encontros com familiares tentam tratar de assuntos que contribuam
para a desmistificação de que o adolescente cumprindo medida é um marginal,
além de trabalhar com os familiares a cultura da possibilidade, na qual o SMSE
coloca o adolescente como uma possibilidade de sucesso e que neste
processo de valorização, ter a familia como aliada é fundamental.
A desmistificação do que é direito, por exemplo, é um tema sempre
abordado nas formações, com o intuito de mostrar a familia o que é indivíduo
sujeito de direito, termo repetidamente dito pelos técnicos aos pais e familiares
dos adolescentes que cumprem medida neste SMSE.
Outro tema dos encontros que também merece relevancia, de acordo
com a prática da AGES, é a espiritualidade, encontro no qual se procura
explorar as possibilidades de entendimento por parte da familia quando se fala
de conforto, pois, a AGES acredita que o momento de cumprimento da medida
pelo adolescente é dificil e fragiliza de modo especial todo o grupo familiar que
o assiste e acompanha o adolescente, necessitando em sua maioria de uma
palavra amiga que o ajude a conforta a sua angústia.
E depois de observamos em detalhe a missão proposta pela
organização, optamos por analisar a trajetória de duas famílias sugeridas pelo
técnico do SMSE por se tratar de casos em que a prática teve um resultado
positivo ao final da medida.
Com esta iniciativa, a possibilidade de observar o processo diádico em
sua unidade de análise para cada caso e suas potencialidades nos permitiu
adequar nossa proposta de abordagem das questões sistêmicas a partir da
teoria bioecológica tendo o núcleo familiar como nossa maior fonte de
possibilidades de estudo e compreensão.
Ao buscarmos procedimentos que pudessem favorecer o entendimento
acerca dos processos envolvidos , chegamos à constatação de que seria
pertinente explorar os registros dos dados observados em diferentes
momentos e neste sentido evidenciou-se a necessidade de explorar aspectos
descritivos em que nos atemos em primeiro lugar no detalhamento do perfil
institucional procurando nos concentrar nos “por menores” que se concretizam
em práticas cotidianas que precisam ser detalhadas que reúnam subsídios
para um outro aspecto analítico de cunho reflexivo, que nos permita
voltarmos para uma interpretação destes mesmos aspectos, com impressões
colhidas e constatações decorrentes de especulações e sentimentos sobre
problemas, ideias, impressões, duvidas, incertezas e surpresas , todos
relacionados aos eventos presenciados.
4.2 Registro Descritivo
Ao nos ocuparmos da necessidade de compreender a vivencia do
regime de acompanhamento em meio aberto nos aproximamos da AGES -
Associação Civil Gaudium et Spes, mais especificamente na unidade deServiço
de Medida Socioeducativa em Meio Aberto Esperança e Alegria – MSE/Pirituba
hoje com aproximadamente 130 atendidos e que atua sob a supervisão e
convênio do Centro de Referência de Assistência Social – CRAS da Prefeitura
do Município de São Paulo, Sub Prefeitura de Pirituba e em conformidade às
determinações da Vara Especial da Infância e Juventude (VEIJ) e o
Departamento de Execução da Infância e Juventude (DEIJ).
A AGES - Associação Gaudium Et Spes, Termo que significa Alegria e
Esperança em Latim e que trata fundamentalmente das relações da Igreja
Católica e o ambiente onde ela atua, é uma entidade sem fins lucrativos da
Pastoral do Menor da região Episcopal Lapa da Arquidiocese de São Paulo,
desde sua fundação em doze de maio de 1982, tem como preocupação a
defesa e garantia dos direitos da criança e do adolescente com vista a
formação integral do cidadão de posse de seus direitos e de sua dignidade
humana. Seu trabalho teve inicio com moradores de rua e crianças em situação
de vulnerabilidade e hoje alem deste serviço tambem atua com atendimento de
alta complexidade, ou seja, com um serviço de acolhida institucional para
crianças e adolescentes e uma república jovens, além dos dois SMSE
localizados em regiões diferenciadas.
Dos diversos serviços assistenciais em prol da criança e do adolescente
o SMSE que nos recebeu para os estudos empíricos está localizado em
Pirituba, zona oeste de São Paulo e atende adolescentes em cumprimento de
medida socioeducativa em meio aberto e prestação de serviços à comunidade,
da região dos bairros de Pirituba e São Domingos, este segundo um bairro cujo
a maioria da população e de classe média .
O SMSE Esperança e Alegria está localizado em uma região de fácil
acessoem Pirituba, próximo ao centro comercial, e o público atendido é misto,
com classes econômicas bem diversificadas, possui convênio de parceria
técnico financeiro firmado com a SMADS da região oeste para atendimento de
noventa adolescentes, porém, o total em média, como mencionado
anteriormente é sempre maior que o acordo firmado em função da demanda
distribuída por região o que se traduz em média de atendimento que oscila
entre vinte e sete e trinta casos por técnico. Ressalvamos que esta estimativa
resulta da observação feita entre 2012 e 2013, pois, tais dados podem mudar
muito rapidamente a exemplo do periodo entre os meses de dezembro e
janeiro em que a frequencia e muito pouco em funçao das festividades de final
de ano onde boa parte do público atendido viaja para comemoração fora.
O SMSE Esperança e Alegria, conta com uma equipe de técnicos num
total de seis, na ocasião dividida em: 03 Psicólogos, 01 Socióloga e 2
pedagogos e cada um destes profissionais acompanha um grupo, como
mencionado no parágrafo anterior, de aproximadamente 27 adolescentes que
cumprem medida socioeducativa e PSC. Além do quadro técnico, o SMSE
conta em seu quadro com 01 gerente, 02 Assistentes Administrativos e 01
operacional.
Um dado observado e considerado de muita relevancia nos processos
de acompanhamento da medida sócioeducativa, segundo a fala dos técnicos, é
a questão da rotatividade no quadro de técnicos, dos seis profissionais que
faziam parte da equipe técnica so serviço no inico das visitas realizadas por
mim, somente dois permanecem na organização, sendo que um foi convidado
por outra organização com uma proosta de salário melhor, dois saíram para
trabalhar em seu próprio negócio e um mudou-se para outro estado.
Ao nos aproximarmos da AGES e sua história, Tomamos os técnicos do núcleo
de Pirituba como informantes privilegiados, onde em sua rotina diária, além de
nos permitir analisar alguns dados emblemáticos do acompanhamento
realizado como visitas familiares, entrevistas e atendimentos, nos ajudou a
eleger situações significativasde adolescentes de familias diferentes em que,
mesmo tendo se empenhado em sua intervenção e obedecendo aos mesmos
padrões de abordagem, não obteve o mesmo resultado no tempo esperado
esperado, nos permitindo, entender qual o desdobramento em cada situação
singular da vida dos adolescentes em questão foi relevante a ponto de
potencializa outras situações.
Adotar como referência de análise situações significativas de
acompanhamento escolhidas a partir do enfoque dos profissionais que se
debruçam sobre eles, nos permitiu visualizar de forma sistêmica os
fundamentos que embasaram cada ação tomada na abordagem com
determinada família, como escuta direcionada, participação nas escolhas e
orientações focais e assertivas, além de termos conseguido analisar os
desdobramentos em seu núcleo de convivência, para podermos vislumbrar até
que ponto tais intervenções contribuíram ou não para o sucesso da medida e
sua durabilidade, embora para sabermos desta referida durabilidade o tempo
de acompanhamento e análise deva ser bem maior que o estimado para este
estudo específico.
É importante salientar que hoje no SMSE Pirituba, embora a proposta
seja a de trabalhar com a medida socioeducativa de um modo que a família
esteja muito mais próxima e engajada nas atividades disponibilizadas pelo
serviço, a única ação formalizada junto à família do adolescente e que remete a
uma possibilidade de visibilidade, mesmo que ainda muito tímida, são
encontros mensais que acontece na ultima sexta feira de cada mês, nos quais
se reúnem pais e responsáveis para uma atividade em grupo onde se discutem
temas pertinentes ao serviço de acompanhamento da medida.
Estes encontros de família acontecem toda última sexta-feira de cada
mês e eu tive a oportunidade de participar de todos eles. O encontro dos pais é
um momento reservado para que se abordem temas diversos cuja temática é
sempre voltada a adolescencia e sua peculiaridade, neste sentindo, trazer a
temática trabalhada para a realidade do adolescente em conflito com a Lei e o
cumprmento da medida socioeducativa, seu objetivo maior é fazer com que a
família entenda o processo do adolescente e suas necessidades enquanto
sujeito de direito em constante desenvolvimento. Consiste prioritariamente em
desmistificar o paradgma da criminalidade infanto juvenil no panorama da
atualidade através de uma liguagem acessivel às famílias atendidas pelo
SMSE.
Em 23 de janeiro de 2013, além de participar, palestrei sobre as
questões legais que são da responsabilidade do técnico e da família (material
anexo). Nesta data tive a oportunidade de falar com todos os pais presentes
sobre questões que envolvem a negligencia tanto da família quanto do serviço
de medida na pessoa do técnico de referência do adolescente, cujo tema foi “O
que são as Medidas Socioeducativas e quais são os papéis dos Técnicos e das
Famílias”, onde o objetivo foi Trazer aos pais informações sobre o que são as
Medidas Socioeducativas, desmistificar e esclarecer as Medidas de Liberdade
Assistida e Prestação de Serviço à Comunidade, além de esclarecer quais são
os papéis das famílias e dos técnicos socioeducativos numha reflexão sobre
as responsabilidades dos adolescentes e das famílias durante todo o processo
de cumprimento das Medidas Socioeducativas.
Foi impressionante a participação dos pais no desenrolar do tema. O
mito da medida para “assinar” começou a ser esclarecido para os pais e mães
presentes de maneira pontual e didática.
De acordo com o parecer da equipe técnica, percebeu-se que no
cotidiano os pais estão fragilizados com todo o sofrimento que o ato infracional
cometido pelos filhos suscita e essas famílias, na maioria das vezes, chegam
com muitas dúvidas sobre as Medidas Socioeducativas. Portanto considerou-
se de grande relevância o tema para o Encontro de Famílias, para que as
famílias se inteirassem sobre o assunto e que pudessem tirar muito de suas
dúvidas.
Acompanhando os encontros observei que nos grupos de pais,
realizados mensalmente é perceptivel como a aderência por parte da família é
deficiente, a média de pessoas nestes encontros eram aproximadamente entre
20 e 27 presentes, o que é grosso modo um absurdo se levarmos em conta o
fato de que só o convênio firmado é para 90.
Uma das situações comuns e que nos encontros de pais fica muito
evidente e a ausência da figura masculina, uma vez que boa parte do público
participante era composta por mães, avós, tias e enfim, é muito nítido o
reduzido número de participantes do sexo masculino. Neste sentido é possível
é possível que o leitor tenha uma falsa impressão de que a maioria dos
adolescentes em conflito com a Lei venha de núcleos familiares desconstruídos
e este fato não é uma regra.
Outro fato importante que pude observar e que na fala dos participantes,
nas famílias em que o adolescente não era filho único, a expressão “tenho mais
filhos e só este deu errado”, parece que se tornou um jargão ou então a fala às
vezes tomava outra conotação, “eu não sei onde eu errei, criei tantos filhos e
só este deu no que deu”, reforçando o que anteriormente mencionei ao falar de
uma família refratária e resistente aos recursos disponibilizados pelo
mesossistema. Situações e conversas como estas são comuns nos encontros
e o cuidado para não se deixar influenciar tem que ser redobrado, até mesmo
pelas “histórias de vidas” dos presentes.
Dentre todas as histórias e depoimentos que ouvi e presenciei nos
encontros mensais com as famílias dos adolescentes, uma em especial
despertou o desejo de investir no estudo das questões sistêmicas por se tratar
de uma senhora que sempre estava presente nos eventos organizados pelo
SMSE e a sua desenvoltura ao conversar com o técnico de referência do seu
filho que na época estava cumprindo medida socioeducativa L.A e PSC.
Meu interesse aumentou ao descobrir que na verdade tratava se da
história de dois adolescentes de famílias distintas que segundo investigação,
cresceram e viveram juntos e coincidência ou não, também infracionaram
juntos, o que não é com certeza nenhum fenômeno extraordinário, mas o
envolvimento da família, na figura das duas mães que acompanharam a
medida foi de certa forma decisivo na tomada de decisão por parte dos
adolescentes em se responsabilizar pelo delito cometido bem como a iniciativa
de mudança de atitude, cada adolescente a sua maneira, frente a construção
do plano individual de cada um.
Depois de acompanhar o trabalho dos técnicos em outros casos,
encontrar estas duas famílias e suas peculiaridades fez com que voltássemos
para o estudo e compreensão das situações apresentadas, sendo que a
unidade de análise que nos pareceu mais viável foi voltra-se para aspectos
relacionaisdestes adolescentes com os seus meios de convivência, como é que
se deu em cada um dos casos a participação da família. O próprio aspecto
da Lei nos permite constatar que a medida e suas condicionalidade diz
respeito ao menino, sendo que sua execução envolve regimes administrativos
de responsabilizações diversas em que a participação da família no
acompanhamento se torna determinante , sendo necessário entender o que se
passa neste processo. Ainda nestes encontros mensais, num total de nove
acompanhados desde que chegamos ao SMSE, descobrimos a necessidade
de investir estudos acerca do papel potencializador que o núcleo familiar
exerce sobre as o processo de desenvolvimento do adolescente, longe de para
isto, sugerir a família como única responsável pela razão das quais o
adolescente chega ao cometimento do delito, mas como parceira no processo.
Sabemos que há outros fatores, estatais e comunitários que partilham, ou
deveriam partilhar, esta responsabilidade sobre este indivíduo do qual nos
apropriamos como objeto de estudo e que estes nem sempre estão disponíveis
ou mais absurdamente falando, muitas vezes a família sequer se apropria
deste direito.
Tomamos este cuidado na responsabilização da família para que não
pareça que a culpa do adolescente ter cometido um ato estranho a norma
social, seja somente dela, até mesmo pelas observações feitas no campo de
estudo e nosso objeto. Percebemos que muitas das famílias cujo membro de
seu núcleo tenha se envolvido em ações delituosas, não tem consciência da
responsabilidade estatal nem tão pouco dos serviços que este “estado” lhe
disponibiliza.
Ao trazer a necessidade de voltar nossos estudos para a família do
adolescente em conflitualidade, buscamos uma base teórica que pudesse nos
aproximar das “entrelinhas” que permeiam o processo de cumprimento e
execução da medida socioeducativa de forma a perceber detalhes do cotidiano
da realidade do adolescente e sua família, e dada a percepção desta falta do
que é processual na realidade do adolescente infrator, nos identificamos com a
teoria sistêmica bioecologica de Urié Bronfenbrenner.
Para descrever nossas observações iniciais, achamos pertinente
demonstramos com o fluxo abaixo, o processo de cumprimento da medida
socioeducativa em meio aberto desde o que se denomina “acolhida” ao
encerramento da medida, numa realidade em que há colaboração e evidências
de pertencimento por parte do adolescente no cumprimento da medida:
Fluxo de Atendimento Socioeducativo SMSE Esperança e Alegria –
Pirituba
Neste fluxo fica mais fácil entender o caminho que levou o adolescente
ao SMSE, ou seja, o adolescente comete o delito e é levado à delegacia que
por sua vez registra a ocorrência e encaminha ao Ministério Público, ficando o
Adolescente Autor de ato infracional
Delegacia
Ministério Público
Reincidência = Departamento de
Execussão da Inf. e Juv. - Fundação Casa
Arquivamento – Remissão -
Representação
Vara Especial da Infância e da Juventude
CREAS – SMSE
AGES
PSC – Prestação de Serviços a
Comunidade
Família
responsável pelo adolescente, incumbido de apresentá-lo à justiça, sendo o
adolescente primário ele vai receber uma sansão disciplinar chamada
advertência e simultaneamente a remissão, sendo o adolescente reincidente a
promotoria vai ouvir e representar sendo o adolescente encaminhado ao VEIJ –
Vara Especial da Infância e da Juventude, onde o Juiz ouve e determinar a
sansão/medida a ser aplicada e encaminhar para o DEIJ – Departamento de
Execução da Infância e Juventude que por sua vez fará a distribuição dos
casos recebidos para os SMSE’s de sua abrangência.
O Serviço de Medida Socioeducativo, ao receber o adolescente
encaminhado pela Vara Especial da Infância e Juventude, apresenta ao
adolescente o que é o serviço é a medida a ser cumprida, ou seja, faz a
“interpretação da medida”. Neste primeiro momento, que é o momento da
acolhida, o técnico faz uma abordagem investigativa com a finalidade de
levantar informações sobre a constituição do núcleo familiar, mas ressalto que
nas recepções que puderam ser acompanhada por mim, ficou a impressão de
que o intuito da entrevista era mais de levantar informações sobre a situação
econômica da família do que o envolvimento do adolescente com esta, o
mesmo que papel cada membro deste circulo representa para o adolescente.
Na ocasião é estabelecido a agenda de atendimentos nos quais serão
verificado os encaminhamento a serem feitos bem como os acordos acerca do
PIA e em casos de PSC – Prestação de Serviços a Comunidade, neste caso o
SMSE que não trabalha com PSC, encaminha o adolescente a instituição
parceira que fará a acolhida do adolescente para o cumprimento da medida
sempre acompanhado pelo técnico de referencia
Este fluxo de atendimento foi observado na entidade, reiterando que
este fluxo não se difere dos demais serviços que acompanham a aplicação da
medida socioeducativa, nos permitiu uma leitura da rede de proteção que
circunda o adolescente e seus familiares, bem como entendimento de papéis
dos “atores” do sistema de justiça na compreensão da dinâmica dos
instrumentos e políticas público voltadas ao acompanhamento deste
adolescente em situação de conflitualidade, além de ter permitido identificar se
as instituições envolvidas com o acompanhamento e operacionalização da
medida desenvolvem metodologias apropriadas em suas propostas
pedagógicas, que possam estimular o exercício da cidadania de forma
participativa e potencializadora.
As conversas com os profissionais do serviço trouxeram à tona uma
inquietação que é a necessidade de uma metodologia que pudesse dar
visibilidade ao trabalho por eles realizado no processo de acompanhamento de
medidas socioeducativas em meio aberto. De acordo com a narrativa dos
técnicos, as intervenções feitas nos processos de cumprimento de medida
nunca aparecem dando a impressão de que quase nada foi ou é feito. Assim
como o envolvimento familiar e comunitário, bem como as intervenções
duradouras ou de sucesso como instrumento potencializador na intervenção
de casos que se assemelham na rotina do SMSE.
Não obstante a mencionada necessidade relataram também a
dificuldade em acompanhar o egresso de forma pontual com vista a evitar a
reincidência por falta dos adolescentes enfatizando mais uma vez a
emblemática proximidade da família ao serviço e via de regra, do serviço ao
núcleo de convívio familiar do adolescente, dificuldade acompanhada de perto
na fase empírica de nosso estudo.
A sensação que fica é de que o adolescente que cumpriu sua medida,
ao termino desta simplesmente vira uma página e o próprio serviço arquiva e
embora haja regulamentações que prevêem o acompanhamento pós-medida
deste adolescente, o serviço não dispõe de recurso suficiente para dar
continuidade ao acompanhamento minimamente necessário a familia deste
egresso e via de regra potencializa-la para eventuais intervenções futuras.
Ao acompanharmos a realidade do SMSE, percebemos além dos
registros citados, que uma dificuldade maior, que via de regra deve se estender
a outros serviços de garantia de direitos é a construção do PIA com o
adolescente tendo a efetiva participação de sua família, pois, em todas as
acolhidas acompanhadas por mim, no momento da interpretação da medida foi
explicado ao responsável pelo adolescente que o acompanhava, o que seria na
realidade aquele “roll” de perguntas a respeito da vida do adolescente. Além da
percepção cartorial que o técnico tem do PIA, ou seja, da visão de que é mais
uma ferramenta burocrática, tem a dificuldade de encaixar o núcleo familiar de
convivência do adolescente no instrumental, ou por que este núcleo é ausente,
ineficiente ou por qualquer outra razão por mínima que seja.
Teoricamente o PIA tem início na “acolhida”, momento onde se faz a
leitura da medida e esclarece as dúvidas do adolescente e do responsável que
o acompanha, inicialmente ele começa apenas com uma triagem para saber de
onde vem o adolescente e a estrutura familiar que o ampara, situações de
moradia, “percapita”, etc. De acordo com informações adquiridas através da
escuta dos técnicos que manuseiam este instrumental, ele é engessado e
complicado de entender e por este motivo, normalmente os SMSE´s fazem uso
de ferramentas como ficha de registro e livros de ocorrências que
posteriormente deve nutrir o preenchimento do PIA.
O PIA faz parte da pasta que é criada para o adolescente que chega ao
SMSE e em seu princípio metodológico deve ser construído com o adolescente
e deve registrar todos os eventos que fazem parte do acompanhamento da
medida com vistas a responsabilização consciente do adolescente infrator.
Foi possível perceber que o paradigma da medida cuja a característica e
denominação é apenas “assinar”, ainda encontra dificultadores no próprio meio
de cumprimento. E estes dificultadores são diversos: hora pela rotatividade,
hora pelo afastamento do próprio adolescente, hora pelos recursos limitados
além de outros fatores que são preponderantes e incondicionais.
4.3 Registro Reflexivo
Com o acompanhamento e a observação da rotina diária do SMSE,
percebemos que o estudo sobre as questões anteriormente relatadas precisam
ser pautadas no debate sobre a conflitualidade e a socioeducação para que se
permita a operacionalização e interação da família e da comunidade como
parte de fundamental importância no processo de ressignificação dos
adolescentes em conflitualidade colocada em destaque, em recente pesquisa
Guará, (2010) demonstra haver “metodologias ou abordagens que estão” em
nível embrionário e constituem pistas sobre o que pode ser melhorado e
concordamos, entretanto, tais experiências não estão sendo organizadas como
metodologias a serem disponibilizadas para os programas de intervenção
socioeducativa.
Com isto podemos entender os papéis dos atores envolvidos e
compreender a dinâmica dos instrumentos e políticas públicas voltadas ao
acompanhamento deste adolescente em conflitualidade bem como identificar
se as instituições destinadas ao cumprimento e a assistência da medida
desenvolvem suas propostas visando estimular o exercício da cidadania de
forma democrática.
Requer entender o processo na perspectiva de quem executa e
acompanha a medida e de como chegaremos ao desenvolvimento de modelos
de abordagem, com resultados e práticas satisfatórios a ponto de que sirvam
de arcabouço para a construção de um instrumental, que é a nossa proposta,
capaz de qualificar e dar visibilidade à ação dos operadores da Medida
Socioeducativa, sobretudo que possa ser partilhado com outros programas
para que a intervenção bem sucedida em um pequeno circuito e até então
oculta, sirva de parâmetros para desafios semelhantes e possa ser difundida.
Quanto à família, além dos marcos regulatório, entendemos que sua
presença é fundamental em qualquer que seja o estágio em que se encontra o
cumprimento da medida, salientamos que quando fazemos menção a família,
estamos imaginando uma família que transcende a genealogia da palavra.
Entendemos ainda o quanto é difícil abordar questões que tratem da sua
função protetiva e protetora no que tange o seu importante papel no
acompanhamento e execução da medida socioeducativa sem descartar o
suporte por parte das instituições estatais que fazem a manutenção do
mesossistema, ou mesmo sem colocar em uma situação na qual ela é vista
como vilã ou culpada. Pensando nesta ótica, não podemos também deixar de
tomar o cuidado de não recorrer em questões que a rotulem de família
desestruturada.
Neste sentido, falar sobre família como foco rico em potencialidas de
intervenção exige aprofundar a discussão sobre o que é uma família e como
ela pode servir ou não de recurso em programas de intervenção, Fonseca,
(apud Revista Saúde e Sociedade, maio de 2005). Segundo esta autora, da
perspectiva temporal, as pessoas se inserem em uma sucessão de gerações,
possibilitando projeções para o futuro ou resgates de elementos do passado.
Passa-se então a considerar uma teoria da prática e as implicações
metodológicas de uma análise centrada em “modos de vida”, arraigados numa
situação de classe, o que culmina na culpabilização do adolescente pura e
simplesmente pelo ato sem considerar o contexto do ocorrido e os reflexos
absorvidos por este adolescente.
Esta contribuição nos permite ilustrar esta temática a partir de uma visão
antropológica o que anteriormente nos referimos ao que chamamos de família
desestruturada, pois sabemos que o que hoje temos como definição para o que
seria uma “família desestrurada” poderá amanhã ser uma família que tenha
conseguido transpor as suas dificuldades do dia a dia, se potencializandoem
relação aos às impedimentos sociais.
Neste sentido a atitude ao trabalharmos com famílias é a de não
desistirir logo nas barreiras imediatas, mas ao contrário, buscar alternativas
para incluí-la no processo de cuidados para não recorremos a velha mesmice
de que o “Estado” vem sendo ao longo dos anos o maior violador dos direitos
fundamentais de que estas são titulares, o “insight” consiste em buscar juntos
alternativas que possam potencializar os indivíduos enquanto cidadãos de
direito.
Chegamos a conclusão, após acompanhar o SMSE Esperança e
Alegria, que responsabilizar o adolescente pelo ato cometido, de forma eficaz e
duradoura, trazendo sua família para integrar o processo de forma
potencializadora é responsabilizá-los através de ações sociopedagógicas que
justifiquem as ações e necessidades de entendimento pelo conjunto de fatores
que permeiam a sua realidade.
Podemos dizer ainda que para o trabalho socioeducativo ter êxito, é
necessário que haja a articulação de todas as políticas públicas em benefício
do adolescente conforme já preconiza o SINASE/2012, comprometimento dos
profissionais/técnicos que acompanham a medida, ressaltando neste item que
tal comprometimento deve sem dúvida alguma, ser percebido pelo adolescente
e deve sem sombra de dúvida interferir na relação que este profissional vai
estabelecer com o adolescente e sua família.
Perceber que a adolescência é uma fase do desenvolvimento humano
caracterizado por inúmeras transformações, conflitos e potencialidades, é um
sentimento muito eminente no SMSE observado e consideramos que é valido,
pois, o principio para que o profissional/técnico obtenha êxito em suas
intervenções deve se pautar primordialmente na tese de que a adolescência
não é uma realidade homogênea, ela é uma fase marcada por grandes
conflitos e diversidades.
4.4 Estudo de Casos
Preocupados com a qualidade das reflexões acerca do nosso objeto de
estudo, realizamos estudo documental de um número considerável de
atendimentos, porém, até mesmo com a sugestão do próprio serviço de
medida, tomamos para analise dois casos no mínimo extremamente curiosos
de dois adolescentes que por coincidência do destino ou casualidade,
partilharam uma vida em comum, ou seja, cresceram juntos, tiveram a infância
juntos, estudaram juntos chegaram a adolescência e infracionaram também
juntos.
Nosso interesse maior nestes dois casos é o de entender, sabido que os
dois foram juntos cumprir a medida, e que os resultados foram diferentes até
mesmo no tempo de cumprimento, qual a díade que potencializou a
sensibilização de um dos adolescentes com vistas a não reincidir no delito,
sabendo que as intervenções foram pertinentes e pontuais.
Neste caso a leitura da díade, que adiante explicaremos em detalhes,
poderá auxiliar na visualização da intervenção do técnico, bem como as
contribuições da família como núcleo gerador de possibilidades:
Adolescente: A
IM: 22/05/2012
Enc: 01/04/2013
ACOMPANHAMENTO
Atendimentos: Nestas ocasiões, o adolescente demonstra, dentro de suas
possibilidades, atenção nas orientações proferidas pela equipe. Não
apresentou problemas relacionados à freqüência neste núcleo, participando
inclusive de atividades grupais.
Comportamentos: Do ponto de vista comportamental, o adolescente é muito
educado e colaborativo, apesar da aparente timidez.
Situação Familiar: Reside com a genitora e uma irmã. Os genitores são
separados, e a genitora é a mantenedora do lar. O genitor do adolescente não
contribui com a renda familiar e a genitora participa ativamente no processo
socioeducativo, comparece em todos os Encontros de Família desenvolvidos
pelo Serviço, ocorridos uma vez ao mês, além de manter contato telefônico.
Escolarização: Aprovado no ano letivo, o fato foi comemorado com muita
alegria pela família, uma conquista merecedora de todo o empenho e esforço
do adolescente em estudar para acompanhar a turma.
Trabalho e Profissionalização: Continua inserido em atividade laborativa com
vínculo empregatício. Trabalha em uma empresa através do programa Gente
de Futuro, cujo objetivo é promover a inclusão social de jovens que cumprem
medidas socioeducativas.
Adolescente:B
IM:24/05/2012
Enc: 18/04/2013
ACOMPANHAMENTO
Atendimentos: O adolescente compareceu em todos os atendimentos de
forma adequada, sempre se apresentando de forma educada, colaborativa,
comunicativa e atento as orientações proferidas pela equipe, porém permanece
envolvido no “movimento”, como se referem ao grupo de pareamento a que
pertence e é bem articulado.
Situação Familiar: Continua residindo com os pais e o irmão, em casa própria.
O relacionamento com os familiares não apresenta conflitos, e a manutenção
do lar é garantida pelos genitores que lhe proporciona um padrão estável de
classe média.
Acompanhamento familiar: Desde o primeiro momento a família participou do
processo de cumprimento da medida socioeducativo do adolescente de forma
efetiva, comparecendo em todas ocasiões de atendimentos e mantendo
contato direto por telefone. Vale dizer, que nos dias de atendimento individual
com a família, a genitora que com bastante orgulho sempre fazia questão de
expressar sua confiança no filho, ressaltando seu caráter, conduta e
comportamento.
Escolarização: Com relação à escolarização após intervenção realizada pela
equipe deste Serviço junto a Diretoria de Ensino foi viabilizada vaga escolar. O
adolescente está matriculado e cursando o 1º Ano do Ensino.
Profissionalização/ Trabalho: Atualmente está regularmente empregado no
Instituto Brasileiro de Aprendizagem Profissional – IBRASA. Trabalha com
vínculo empregatício de segunda a sexta-feira no horário das 08h00minh às
14h15min.
4.5 Possibilidades de instrumentalização do atendimento à luz da
perspectiva sistêmica
Acreditamos que a análise a partir de uma visão sistemática,
fundamentada na teoria bioecológica de Bronfenbrenner, é o caminho mais
coerente dentro das expectativas que se construíram ao longo da convivência
com o aparelho que nos recebeu para um estudo endógeno de seus meios no
que tange a execução da medida socioeducativa e o acompanhamento das
famílias dos adolescentes atendidos por este SMSE.
Neste contexto apresentado, no qual uma das necessidades maior é a
construção do PIA trazendo a família como coparceira no processo de
execução da medida socioeducativa com vistas a uma responsabilização
duradoura, pretendemos testar a validade de um modelo que facilite a
visualização da díade cotidiana do adolescente e seu núcleo familiar de forma
que as contribuições do núcleo de onde advém o adolescente também possa
dar visibilidade para cada etapa da intervenção dos técnicos, ou programa no
qual a medida é executada.
Apesar do Sistema de Garantias de Direitos preconizado pelo ECA no
qual o adolescente torna-se sujeito de direitos e merecedor de atenção impar
diante da condição de encontrar-se em desenvolvimento, lembramos que esta
lei, como se sabe, implica também em uma necessária colaboração e
responsabilização da família e da comunidade (ECA, Art. 92) para contribuir
com o seu processo de formação total, pois o intuito é capacitá-lo para a vida
adulta, e especificamente no que se refere aos adolescentes envolvidos com
delitos, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE, “...
reafirma a diretriz do Estatuto sobre a natureza pedagógica da medida
socioeducativa” e suas consequências.
A importância da convivência familiar e comunitária de acordo com a Lei,
desperta a ideia da inexorável importância para o desenvolvimento do
adolescente os quais, teoricamente não pode ser concebido de modo
dissociado de sua família e de todo o seu contexto de vida, cabendo a esta a
difícil tarefa de colaborar para que estes adolescentes sejam capazes de
construir a sua identidade individual e coletiva em contexto que lhe é familiar.
Com isto nosso foco se volta para a ausência ou invisibilidade do
protagonismo da família em programas de acompanhamento de medidas
socioeducativas, ou seja, não apenas descrever, mas encontrar através das
práticas desenvolvidas e do olhar dos técnicos, de que forma a família tem
participado do processo de ressocialização do adolescente.
A família tem participação tanto no êxito, como no fracasso das
intervenções feitas, em que pese o pouco tempo em que se é concedido para o
acompanhamento deste processo, nós voltaremos para a compreensão do
universo empírico fazendo consultas em relatórios elaborados em
atendimentos tendo como finalidade buscar indícios que nos permitam traçar
uma trajetória sistematizada destas interações.
Como nossa proposta é o estudo do núcleo familiar onde o adolescente
que cumpre medida socioeducativa neste serviço está inserido, como
potencializadora, buscamos elaborar um instrumental em que tentaremos dar
visibilidade a cada intervenção feita pelo técnico, em que pese sua eficiência
ou fracasso, no esforço de trazer a família para participar do processo em todo
o decorrer do cumprimento da medida, além de permitir visualizar de forma
concreta como está a díade do adolescente em seu processo de
desenvolvimento.
Segundo Bronfenbrenner, com o auxílio das informações abaixo
conseguiremos ver como o adolescente está se percebendo parte do meio em
que vive e com o cruzamento das informações de pessoas que fazem parte da
sua rotina é possível ter a noção clara das influencias direta no processo de
ressignificação e subjetivação do “Eu” do adolescente que cumpre medida
socioeducativa em meio aberto.
A Matriz Relacional, que tem por finalidade subsidiar o técnico no
cruzamento de informações referente ao adolescente com a intenção de traçar
o perfil cartográfico de suas relações micro e macro extenso é o que fará visível
a díade do adolescente em seu universo de forma situacional.
Eixo Estruturante permite ver de maneira clara e objetiva as situações
diadicas do adolescente o que possibilita a transferência da informação para o
relatório com mais clareza, é situacional, ou seja, ele pode ser feito
periodicamente e o resultado se apresentará de forma alterada ou não.
MÃE PAI TÉCNICO ESCOLA ENTIDADE
NÃO HÁ RELAÇÃO
INTENSIDADE DAS RELAÇÕES
ADOLESCENTE
FORTE NORMAL FRÁGIL
MATRIZ RELACIONAL
EIXOESTRUTURANTE
Adolescente A
Na matriz apresentada parao “adolescente A”, o eixo estruturante
permite mostrar a díade do adolescente com o seu meio.
Como ela é situacional, no momento em que ela foi construída
percebemos pontos de fragilidade e ou inexistente na díade deste adolescente
com as pessoas e órgãos que fazem parte da sua rotinae o cerca como se
pode observar na legenda, por exemplo, a díade deste adolescente com seu
pai é bem frágil enquanto com a mãe e com o técnico sua díade é bem forte.
Este identificação de uma díade forte com o técnico de referência é um
bom indicio de que a reciprocidade desta díade permite uma intervenção
assertiva e sem traumas no processo de responsabilização pelo ato cometido
por parte do adolescente, pois para esta díade ser forte como se apresenta,
além da reciprocidade, o equilíbrio de poder e a afetividade, também possuem
MÃE PAI TÉCNICO ESCOLA ENTIDADE
NÃO HÁ RELAÇÃO
INTENSIDADE DAS RELAÇÕES
ADOLESCENTE
FORTE NORMAL FRÁGIL
MATRIZ RELACIONAL
EIXOESTRUTURANTE
um grande potencial de desenvolvimento positivo na aplicação e
acompanhamento da medida.
Os indícios apurados na análise do eixo estruturante foram fundamentais
para o técnico identificar onde sua intervenção deverá ser feita com prioridade
e posteriormente transferir o relato para o PIA deste adolescente.
Adolescente B
Na matriz apresentada parao “adolescente B”, o eixo estruturante
permite mostrar a díade do adolescente com o seu meio e suas peculiaridades.
No momento em que ela foi construída percebemos através do eixo
estruturante traçado que há uma grande semelhança na díade deste
adolescente com o técnico de referência assim como com a mãe. Percebe-se
ainda em ambos os casos que a díade tanto do adolescente “A” como o
adolescente “B” apresentaram uma díade com potencial negativo referente a
MÃE PAI TÉCNICO ESCOLA ENTIDADE
NÃO HÁ RELAÇÃO
INTENSIDADE DAS RELAÇÕES
ADOLESCENTE
FORTE NORMAL FRÁGIL
MATRIZ RELACIONAL
EIXOESTRUTURANTE
entidade, ou seja, não reconhecem a entidade, mas a pessoa do técnico e este
fato acaba privilegiando a intervenção positiva no processo de cumprimento da
medida.
Este identificação de uma díade forte com o técnico de referência é um
bom indicio de que a reciprocidade desta díade permite uma intervenção
assertiva e sem traumas no processo de responsabilização pelo ato cometido
por parte do adolescente, pois para esta díade ser forte como se apresenta,
além da reciprocidade, o equilíbrio de poder e a afetividade, também possuem
um grande potencial de desenvolvimento positivo na aplicação e
acompanhamento da medida.
Os indícios apurados na análise do eixo estruturante foram fundamentais
para o técnico identificar onde sua intervenção deverá ser feita com prioridade
e posteriormente transferir o relato para o PIA deste adolescente.
4.6 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em nossas considerações, gostaríamos de deixar registrado que as
nossas observações acerca da possibilidade de se trabalhar com a visão
sistêmica, preconizada pelo teórico que norteou nosso estudo, Uriê
Bronfenbrenner, ratifica a necessidade de um olhar mais detalhado para as
potencialidades do núcleo familiar na vida do adolescente em conflitualidade e
consequentemente a observação detalhada da díade do adolescente com o
meio no qual interage.
Acreditamos que a família, resguardada no seu papel protetivo e
protetor, amparada por mecanismos estatais, é elemento incondicionalmente
potencializador para o sucesso das medidas socioeducativas em meio aberto,
bem como, aparato fundamental na formação da identidade do adolescente
frente aos mecanismos desviantes que incidem diretamente sobre a sua
condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Para que isso se concretize na realidade da medida é importante que
haja uma maior articulação no sentido de envolver a família do adolescente em
conflitualidade e as ações promovidas pelo Serviço de Medida Socioeducativo
designado à execução e acompanhamento da sanção estipulada, seja ela LA
ou PSC.
Os marcos regulatórios da assistência à criança e ao adolescente, seja
em qual situação este se encontra, já preconiza a necessidade de mudança do
meio no qual o indivíduo está inserido SINASE (2006), para que este próprio
indivíduo possa mudar, e este proposto vem ser reafirmado e sedimentado pela
Lei SINASE (2012).
Lamentavelmente o que trazemos a discussão não é nenhuma
novidade. Mudar ou propor mudança deste paradigma tutelar que reluta em
trabalhar a individualidade do adolescente vem se perpetuando de tal forma
que em certas situações tem se a impressão de que trazer o adolescente
infrator para a importância de se responsabilizar pelo seu ato é algo
absurdamente fora da realidade dos SMSE’s.
Diante do que se observou em nosso acompanhamento das atividades
voltadas ao cumprimento da medida socioeducativa neste SMSE, ousamos
dizer que é necessário buscar novas estratégias que tenham como foco trazer
a família do adolescente que cumpre sua medida no Esperança e Alegria para
participar do processo de acompanhamento da medida bem como desmistificar
o fato de que a medida é para “assinar”.
È objetivo do serviço de medida socioeducativo da AGES, no espaço
Esperança e Alegria, sensibilizar a família do adolescente da importância de
sua presença no decorrer da medida no intuito de fazer com que o adolescente
se responsabilize pelo ato cometido tanto presente como futuramente.
Ao apresentarmos esta proposta de instrumental, pretendemos propor
uma forma de organizar a abordagem dos técnicos para com o Adolescente, e
desta forma construir um plano piloto para que ele seja incluído de forma
experimental no uso cotidiano dos técnicos.
Nossa intenção maior é com isto demonstrar sua pertinência de poder
cruzar várias informações, as quais facilitariam a elaboração e atualização do
Plano Individual dos adolescentes em cumprimento de medida, sobretudo
servirá como registro matricial de caráter situacional no qual a qualquer tempo
o técnico poderá retornar para inteirar-se do passo a passo e do impacto de
uma determinada intervenção ou encaminhamento, e ainda para outros
mapeamentos que necessitem da visibilidade de processos em curso ou
efetivado com as famílias destes adolescentes.
Dado a brevidade da medida socioeducativa em meio aberto, não foi
possível testar o instrumental e por este motivo nos propomos a deixar no
serviço de medida que nos permitiu as análises empíricas o instrumental a ser
supervisionado no intuito de avaliar sua efetividade, ressaltando que a
relevância maior será a observação da díade do indivíduo e de que forma se dá
a abordagem sistêmica neste meio, bem como sua eficácia ou não.
Quanto aos técnicos, constatamos que os profissionais do serviço
acompanhado em nossa jornada empírica, são comprometidos e se
identificaram com facilidade a proposta teórica da visão sistêmica de
Bronfenbrenner. Embora tenhamos encontrado alguns posicionamentos
críticos à nossa estadia, em nenhum momento tal fato comprometeu a validade
da observação.
Embora tenhamos encontrado neste SMSE a necessidade de um
investimentomaior nas questões sistêmicas do processo que envolve o
cumprimento da medida socioeducativa, e considerando a falta de visibilidade
do trabalho do técnico, é importante deixar claro que esta realidade não é
somente deste SMSE, pois é uma das lacunas inerentes ao processo de
cumprimento da medida socioeducativa, ou seja, percebe-se que a família é
uma exigência para a chegada do adolescente no serviço que aplicará e fará o
acompanhamento da medida estipulada, porém, a sua permanência no
processo é não se dá como o esperado ou preconizado pela Lei do SINASE
2012.
A construção de uma ferramenta colaborativa do trabalho técnico que
permita a abordagem e a visualização de vínculos familiares esocietais de
adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa, vem de encontro a
proposta do programa de mestrado profissional, cujo intencionalidade é
encontrar ferramentas que possam servir de instrumentos para o trabalho de
outros profissionais que atuam no cumprimento da medida, desta forma
proporcionando a ampliação da capacidade protetiva do núcleo familiar, uma
vez que não basta ser família, ela precisa ter garantias de queconsegue
exercer o seu lugar de primeiro ambiente onde as pessoas estabelecem as
suas relações recíprocas, afetivas e autônomas como defendemos ao trazer
para nossa pesquisa a visão sistêmica da teoria bioecológica.
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ANEXO 1
Tabela 1. Definições das cinco proposições cruciais para odesenvolvimentopositivo
Proposições Definições
Proposição 1
Proposição 2
Proposição 3
Proposição 4
Proposição 5
As crianças necessitam participar de atividades progressivamente mais complexas e recíprocas com uma ou mais pessoas com quem desenvolvam relações de apego mútuo, irracional e emocional. Tais pessoas comprometem-se com o seu bem-estar por toda a vida. Estas atividades devem ser regulares e por um longo período, o que virá a propiciar desenvolvimento humano nas diferentes dimensões: intelectual, emocional, social e moral.
A consolidação dos padrões interacionais mencionados na proposição 1 (progressivamente complexos e sob condições de forte e mútuo apego), aumenta o repertório de respostas da criança à outras características do ambiente imediato físico, social e simbólico. Isso a "convida" à exploração, manipulação, elaboração e imaginação, o que acelera o seu crescimento psicológico.
A disponibilidade e envolvimento de um outro adulto que também se engaja na atividade conjunta com a criança - uma terceira parte que ajuda, encoraja, reforça, dá status, expressa admiração e afeto pelo cuidador mais próximo - é muito importante para a manutenção dos complexos padrões de atividade e interação da criança em desenvolvimento (“na dança da família, o tango é dançado a três”, Bronfenbrenner, 1990, p.34).
A troca de informações, comunicação em dupla-via, ajuste e confiança mútua entre os principais ambientes nos quais as crianças e seus pais vivem são condições essenciais para o efetivo processo de "criação" da criança na família e nos outros ambientes de seu espaço ecológico. Estes ambientes são: a casa, os programas de cuidado às crianças, a escola, os pais e os locais de trabalho dos pais.
As políticas públicas e práticas sociais e educativas devem garantir lugar, tempo, estabilidade, status, reconhecimento, sistema de crenças, costumes e ações que apoiem as atividades e processos de “criar" a criança não só pelos pais, mas também por outros cuidadores, tais como, professores e outros profissionais da educação e saúde, parentes, amigos, vizinhos, pessoas da comunidade e os órgãos econômicos, sociais e políticos de toda a sociedade.
ANEXO 2
A abordagem ecológica de Urie Bronfenbrenner em estudos com famílias
Fonte: [http://www.slideshare.net/npedro/teoria-ecolgica-desenvolvimento-humano-
brofenbrenner].