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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANDERSON GONÇALVES BARBOSA DA SILVA O JOGO DE LOST COM O TEMPO: Uma análise do universo audiovisual SÃO PAULO 2015

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI ANDERSON GONÇALVES BARBOSA DA SILVA

O JOGO DE LOST COM O TEMPO: Uma análise do universo audiovisual

SÃO PAULO 2015

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ANDERSON GONÇALVES BARBOSA DA SILVA

O JOGO DE LOST COM O TEMPO: Uma análise do universo audiovisual

Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dra. Maria Bernadette Cunha de Lyra.

SÃO PAULO 2015

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FICHA CATALOGRÁFICA

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ANDERSON GONÇALVES BARBOSA DA SILVA

O JOGO DE LOST COM O TEMPO: Uma análise do universo audiovisual

Dissertação de Mestrado apresentado à Banca Examinadora, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre do Programa de Mestrado em Comunicação, área de concentração em Comunicação Audiovisual da Universidade Anhembi Morumbi, sob a orientação da Profa. Dr. Maria Bernadette Cunha de Lyra

Aprovado em ----/-----/-----

Profa. Dra. Maria Bernadette Cunha de Lyra

Prof. Dr. Gelson Santana

Prof. Dr. Wilton Garcia Sobrinho

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente a Deus, que permitiu que eu chegasse até aqui; a

minha noiva Dayana que esteve comigo todo o tempo; ao meu pai Armendes, minha

mãe Iraci, minha irmã Nathalia assim como minha nova família, Adelicia, Fabiana e

Lucas, Clara, Dudu e Lalá que tudo suportaram e apoiaram profundamente todas as

minhas decisões; a minha orientadora Profa. Dra. Bernadette Lyra que me mostrou

as veredas do caminho; ao mentor Prof. Dr. Gelson Santana por sua paciência e ao

Prof. Dr. Wilton Garcia Sobrinho pelos preciosos apontamentos; a querida

Alessandra Marota que sempre me auxiliou em tudo o que precisei; ao Prof. Dr.

Rogério Ferraraz e Prof. Dra. Laura Cánepa pela orientação; aos queridos Prof. Dr.

Renato Pucci e Profa. Dra. Sheila Schvarzman pelo seu constante incentivo; aos

fantásticos Prof. Dr. Vicente Gosciola e Profa. Dra. Maria Inês Carlos Magno por

permitirem o meu ingresso ao programa; ao amigo Prof. Me. Renato Tavares pela

oportunidade única de estar aqui; aos mestres Prof. Me. Daniel Gâmbaro, Profa. Me.

Thaís Saraiva, Prof. Me. Ricardo Matsuzawa, Prof. Me. Cláudio Yutaka, Prof. Dr.

Maurício Monteiro, Prof. Me. Daniel Siqueira e Profa. Me. Priscila Gubiotti, pelo

incentivo ao ingresso, amizade e auxílios constantes; a minha terapeuta Márcia pela

ajuda; aos gestores Prof. Me. Marcelo Moreira, Prof. Me. Jander Zaneratto e Clóvis

Prestes pela compreensão e ajuda quanto as missões profissionais. aos amigos e

colegas de profissão Nilson Takasi, Holyver Yoshida, Rosana Parede, Juliana

Donatiello, Marcelo Ribeiro, Wilson Nunes, Thiago Yamazaki, Maria Eugênia Borges,

Bruno Botas, Bruno Bragante, Marília Folgoni, Barbarah Martins, Flávio Pinto e

Thalles Gimenez por dividirem os pesos da caminhada; aos amigos Michel Botto,

Daniel Felix, Marcio Quiriano, Vera Santos, Natália Oliveira, Paloma Quintão, Paulo

Andrade, Wagner Benedetti Jr., Vagner Amaral e Mariana Jechiu por permanecerem

ao meu lado mesmo com a ausência; as amigas mestrandas Juliana Midori e Nayara

Vasconcelos pelo apoio nas horas de desespero; aos mestrandos Valdeci Gama,

Gabriella Moura, Rafael Navarro, Matheus Tagé, Flávio Ferreira e Joselaine Santos

pelo companheirismo; aos colegas Prof. Dr. Valdecir Becker, Prof. Me. Renato

Coelho, Prof. Me. Nivaldo Ferraz e Profa. Me. Danielle Pinni pelas conversas e

conselhos; enfim, aos que tornaram com sua ajuda esse sonho possível e palpável.

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RESUMO

A série audiovisual Lost (2004-2010, J. J. Abrams, Damon Lindelof, Carlton Cuse) optou por inovar perante a um cenário de incertezas. Os criadores desenvolveram uma obra transmidiática que permitiu a exploração do universo ficcional da série e multiplicaram as formas de interação entre público e obra. O objetivo de “O jogo de Lost com o tempo: Uma análise do universo audiovisual” é utilizar conceitos de jogos como ferramentas para visualizar a relação entre Lost e seu público. O espectador, convidado a tornar-se um jogador capaz de caçar, coletar e reordenar os fragmentos de história monta seu próprio quebra cabeças que contem respostas dos enigmas e mistérios propostos. O tempo é visto mais de perto, tanto como elemento estruturador da narrativa quanto matéria das peças do jogo, permite aos jogadores empregarem sua própria experiência para completar lacunas deixadas propositalmente na narrativa. Assim Lost deve ser jogado caso o espectador deseje ter experiência completa proposta pelos seus criadores.

Palavras-chave: Lost, análise de série audiovisual, som e imagem, estratégias

narrativas, jogo, tempo.

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ABSTRACT

Lost is an audiovisual series (2004-2010, JJ Abrams, Damon Lindelof, Carlton Cuse) that opted for innovate in front of a uncertainties scenario. The creators have developed a transmedia work that allowed the exploration of series’s fictional universe and multiplied the interaction between viewers and the show. The goal of "O jogo de Lost com o tempo: Uma análise do universo audiovisual" is to use the game concepts as tools for view the relationship between Lost and its audience. The spectator is invited to becoming a player able to hunt, collect and reorder the history fragments to mount your own particular puzzle game that containing answers about the enigmas and mysteries proposed. In a closer, the time can be seen as structuring element of the narrative and substance of the game pieces, allowing players to use their own experience to complete gaps left intentionally in the narrative. Lost must be played if the spectator wants to have complete proposal experience by its creators.

Key-words: Lost, audiovisual series analyses, sound and image, narrative strategies,

game, time.

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES Ilustração 1 - Elementos ficcionais propostos na reunião para elaboração da história, em 02 de fevereiro de 2004 ....................................................................................... 26 Ilustração 2 - Cartazes de “Procura-se”, que divulgaram a série na convenção Comic Con em San Diego, CA em 2004 ............................................................................... 31 Ilustração 3 - Desenvolvimento de técnicas narrativas apresentadas na primeira reunião da equipe criativa de Lost em 02 de fevereiro de 2004 ................................ 39 Ilustração 4 - Analogia das obras do universo ficcional distribuídas em uma esfera 43 Ilustração 5 - Analogia dos elementos estruturais e o universo ficcional ................... 45 Ilustração 6 - Série como centro da narrativa transmidiática, orbitada pelas suas extensões ................................................................................................................... 53 Ilustração 7 - Distribuição da narrativa por temporada da série e extensões ........... 59 Ilustração 8 - O homem de preto joga Senet com seu irmão Jacob ......................... 84 Ilustração 9 - John Locke, o verdadeiro exibe as peças de gamão em 1x01 The Pilot, enquanto o Homem de Preto exibe as pedras que o simbolizam e ao seu irmão Jacob, em 6x04 The Substitute .................................................................................. 85

LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Extensões de LOST quanto ao seu status de canonicidade ficcional ..... 48 Quadro 2 - Divisão dos jogos, segundo Roger Caillois .............................................. 84

LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 - Espectadores no Horário Nobre por Sessão, de 1952 até 2007 .............. 20

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

A.R.G. – Alternate Reality Game, ou jogo de realidade alternativa

D.H.A.R.M.A. – Referente a Department Of Heuristics And Research On Material Applications Initiative, Ou Departamento de Heurística e Pesquisa de Aplicações Materiais – Departamento da fundação ficcional Hanso que explora as características da ilha de Lost. DVD – Digital Video Disc, ou disco de vídeo digital

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SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................ 13

2. A TRAJETORIA DAS SÉRIES TELEVISIVAS: A GÊNESE DE LOST ....... 16

2.1 Convergência de meios ........................................................................ 16

2.2 A queda de audiência das grandes redes ......................................... 20

2.3 O nascimento de Nowhere ................................................................ 22

2.4 Quando Nowhere tornou-se em Lost ................................................. 25

2.5 A conquista da base de fãs ................................................................ 28

2.6 Uma narrativa transmidiática ............................................................. 33

2.7 A criação do universo ficcional .......................................................... 36

2.8 A expansão do universo ficcional ...................................................... 44

3. O UNIVERSO DE LOST ............................................................................. 47

3.1 As obras do universo ficcional de Lost .............................................. 47

3.2 Status de canonicidade das obras ..................................................... 49

3.3 Obras da narrativa transmidiática ...................................................... 52

3.3.1 Jogos de realidade alternativa ...................................................... 54

3.3.2 Mobisodes – Missing Pieces ......................................................... 57

3.3.3 Mock-documentaries “Os seis da Oceanic” e “Mistérios do Universo” ........................................................................................................... 57

3.4 Distribuição da narrativa transmidiatica ............................................. 58

3.4.1 Descrição da narrativa em períodos ........................................... 60

3.4.2 Período de 2000 a.c. à 1881 ...................................................... 60

3.4.3 Período de 1881 à 1954 ............................................................. 62

3.4.4 Período de 1954 à 1977 ............................................................. 62

3.4.5 Período de 1977 à 2004 ............................................................. 65

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3.4.6 Período de 2004 à 2007 ............................................................. 71

3.4.7 Período após 2007 ..................................................................... 78

4. O JOGO DO TEMPO .................................................................................. 82

4.1 O jogo na diegese .............................................................................. 82

4.2 Categorias dos jogos na diegese ....................................................... 84

4.3 O jogo na narrativa de Lost ................................................................ 90

4.4 A natureza do jogo de Lost ................................................................ 94

4.5 A paidia e o ludus .............................................................................. 97

4.6 O tempo como recurso narrativo ..................................................... 100

4.7 O jogo do tempo .............................................................................. 102

4.8 Estratégias para a construção do jogo ............................................ 103

4.8.1 Anacronias: Analepse ............................................................... 106

4.8.2 Utilização das prolepses ........................................................... 108

4.8.3 Acronia ...................................................................................... 109

4.9 Jogar com Lost ................................................................................ 111

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 115

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................. 122

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1. INTRODUÇÃO

Lost estreava na televisão aberta dos Estados Unidos em 22 de setembro de

2004 sem a pretensão de ser o que viria a ser: um programa que transformaria as

relações dos espectadores com as séries televisivas. A história da sobrevivência

após a catástrofe foi o combustível principal de Lost, mas não o único. A série,

conseguiu inovar na forma de representação audiovisual de uma narrativa complexa,

multifacetada, multitemática e em sintonia com as formas de expressão que

borbulhavam no início do século XXI.

A série televisiva foi composta de 118 capítulos com 43 minutos de arte cada.

Somente o episódio piloto exigiu um orçamento equivalente ao de um longa-

metragem com custo aproximado entre 12 e 14 milhões de dólares. A produção

cuidadosa utilizou uma estrutura gigantesca com mais de 150 personagens que

gravaram durante seis anos no Havaí. Esse respaldo permitiu o desenrolar de uma

trama gigantesca, formada das histórias entrelaçadas desses personagens. Ao

utilizar recursos narrativos avançados, a série instiga a investigação das minúcias de

seu universo ficcional, o que incita a busca de pistas para o desfecho da história.

Há contemporaneidade entre os autores da série J. J. Abrams, Damon

Lindelof e Henry Jenkins, já que o autor estuda de perto as questões em relação ao

processo de convergência de meios no início dos anos 2000, mesma época em que

os criadores de Lost escreviam a série. O “ar do tempo” indicava que obras que

fossem distribuídas por várias mídias poderiam ser uma aposta vantajosa para quem

quisesse investir nesse território pouco explorado, enquanto os medos dos agentes

produtores eram muitos. Evasão de público (e receitas) para outras mídias, questão

dos direitos autorais, detalhes de sinergia entre empresas do mesmo conglomerado

etc. Mas ao utilizar um cenário inicialmente desfavorável, Lost superou as incertezas

em relação aos caminhos que deveriam ser seguidos. A série conseguiu apresentar

soluções criativas que não só reverteu os índices decadentes de audiência como

angariou milhões de fãs pelo mundo.

Ao optar pela narrativa transmidiática, Lost diversificou suas instâncias

criativas, como a produção de jogos de realidade alternativa, livros com histórias

complementares, documentários ficcionais, jogos de videogame etc. Além das

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próprias equipes criativas, espectadores juntavam esforços em fóruns e

comunidades online para compartilhar os conhecimentos inerentes a série em busca

da elucidação dos mistérios da narrativa ao seu desenrolar. A disseminação da

informação em outras plataformas ampliou a abrangência da série e aprofundou as

possibilidades de experiência do espectador.

Dada a relevância e opções da série, esta pesquisa busca dentre as diversas

obras que formam o universo ficcional de Lost, como se desenvolve uma narrativa

transmidiática que concatena fragmentos advindos das mais diversas fontes em um

sentido. Na série audiovisual em específico, pretende-se supor a presença do jogo

que se desenrola entre os criadores e os espectadores e, através de suas formas,

como se estabelecem as regras e incentivos ao ato de jogar. A compreensão dos

termos desse pacto permite a complacência do espectador/jogador em vários níveis

de interação e justifica seus atos.

Completados dez anos da exibição do episódio piloto é perceptível o papel

fundamental que os produtos audiovisuais televisivos exercem na constituição do

imaginário cultural. As mudanças das formas de expressão utilizadas imprimem um

registro audiovisual valioso, que cunham sua presença no cerne daquele tempo e

daquele espaço. Com o distanciamento necessário do estudo, o audiovisual oferece

vestígios dos costumes, comportamentos, preocupações e aspirações da sociedade

em que está inserida. Graças a especificidade do meio e as decisões de produção,

sejam narrativas ou estéticas, é possível traçar caminhos até as origens das

escolhas de agora e buscar tendências que indiquem caminho para o futuro.

O objetivo geral da pesquisa é analisar as formas narrativas da série

televisiva de Lost e utiliza o viés do jogo como ferramenta. O objetivo específico é a

busca do tempo como matéria própria do jogo, deflagra sua participação tanto como

estrutura da narrativa, elemento ficcional e contribuição do jogador quanto a sua

experiência. Para conquistar esses objetivos, partiremos do contexto do começo do

século XXI em relação a convergência dos meios e o seu papel quanto as suas

especificidades. Através de dados de produção da série, traçar como da emergência

da situação surgiu um projeto transmidiático do porte de Lost, além de como

constitui-se tal narrativa e estabelecem-se seus elementos e seu universo particular.

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No segundo momento, explorar as mais diversas obras que são parte

integrante do universo ficcional de Lost. Além de uma visão geral sobre cada uma,

estabelecer como os fragmentos de história contribuem para a narrativa e como eles

são distribuídos em um quadro abrangente que faz um paralelo entre tempo real e

tempo narrativo. Em síntese, um relato detalhado da narrativa organizada

cronologicamente apresenta os personagens principais e suas ações no decorrer

das seis temporadas televisivas.

E na terceira parte, evidenciar o jogo e suas categorias como temática

diegética e estruturação narrativa simultaneamente. Ao levar em consideração as

formas audiovisuais, encontrar evidências da sua presença na construção da

narrativa transmidiática, encontrar sua natureza e seus tipos em Lost. A partir deste

preceito, refletir sobre como o jogo espalha os fragmentos de tempo por todo o

universo ficcional, e utiliza os como peças do jogo. Por fim, evidenciar a morfologia

temporal da narrativa intermedia a apresentação da historia e ao final do capítulo,

evidenciar a possibilidade de se jogar com a série de formas diferentes conforme a

vontade do jogador.

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2. A TRAJETORIA DAS SÉRIES TELEVISIVAS: A GÊNESE DE LOST

Lost é a televisão pensada fora da caixa.

Henry Jenkins (2010)

2.1 Convergência de meios

A televisão mudou. A grande caixa preta em posição central na sala de estar

das famílias deu lugar a um aparelho híbrido, em forma de janela e em frente aos

sofás. Já não há chiados e nem fantasmas característicos das ultrapassadas

transmissões analógicas, mas sim alta definição de imagem e de som, traz conteúdo

interativo gratuito através das grandes emissoras de TV aberta. A tecnologia oferece

possibilidades ímpares ao somar aos simples receptores de outrora recursos

impressionantes tomados de empréstimo dos computadores pessoais e telefones

celulares.

A forma do aparelho de tevê não remete mais a de um cubo. Atualizou-se a

um quadro, um retângulo de espessura ínfima e análogo a uma janela com imagem

e sons que convidam a imersão em um outro mundo. Um mundo composto de

fragmentos tão díspares quanto os milhões de computadores que formam a rede da

internet, sustentado pela informação que utiliza a luz como transporte e que caminha

em fibras ótica. Um outro universo de formas particulares acessível através do

controle remoto em formato de textos, imagens, sons e vídeos.

Desde que a digitalização da transmissão da TV tornou-se realidade, a

revolução tecnológica provocou fortes discussões em torno dos conceitos

cristalizados de especificidade televisiva baseados no meio técnico. O que diferencia

os meios e o que os categoriza “[...] estaria ontologicamente ligada à sua gênese

tecnológica” (CAPANEMA, 2008), ou seja, as características de um meio seriam

definidas através de suas particularidades técnicas.

A especificidade do cinema estaria baseada na imagem química, revelada a

partir da exposição da película sensibilizada com partículas de prata à luz. Sua

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profundidade de campo1 reduzida traria a possibilidade de trabalhar artisticamente

os planos de uma imagem aumenta a capacidade de representação, e sua imagem

panorâmica permitiria a exploração das escalas de planos, movimentos de câmera e

plano-sequência (BAZIN, 1958). Ainda em relação a imagem cinematográfica, a

teoria em questão prevê que exista uma maior latitude2 particular da película, a

relação entre sombras e luzes demonstram um constructo imagético mais graduado.

A tela gigantesca com infinidade de detalhes somados a um som trabalhado,

transmitido por vários autofalantes, produzido com riqueza de timbres e texturas

seriam pensados para envolver tecnicamente o espectador sentado

confortavelmente em uma poltrona de uma sala escura.

Em contraste com o cinema, a especificidade da televisão consistiria em

possuir uma imagem “mosaicada” (MCLUHAN, 1974), “achatada” (BAZIN, 1958),

baseada em captação e transmissão eletrônicas. Seria um “meio frio” (BAZIN, 1958),

de ruim leitura e baixa resolução, além de ter um som deficiente. Outras

características particulares incluiriam a “narrativa veloz, a exploração dos cortes, o

privilégio de planos fechados e uma linguagem mais oral do que visual [...]”

(CAPANEMA, 2008, p. 195). Outro ponto importante estaria na apreensão do

conteúdo, que ao contrário do cinema, aconteceria em ambiente privado, sujeito a

distúrbios, carente de atenção, justifica um característico “caráter redundante de

repertório” (CAPANEMA, 2008, p. 195).

De forma semelhante, o rádio, a fotografia, e o teatro possuiriam suas

especificidades baseadas em características técnicas. Essa abordagem, porém

confere demasiada importância aos detalhes tecnológicos (WILLIAMS, 1975). O

“determinismo tecnológico” seria insuficiente para explicar as modificações de um

meio, principalmente na era da digitalização e convergência das mídias, pois a

televisão, desde sua origem analógica estaria apta a incorporar outros meios em

suas formas de expressão, como fotografias, transmissões de rádio, filmes feitos

para o cinema, grafismos eletrônicos e textos. Assim, a partir dos primórdios das

1 Capacidade ótica maior ou menor de manter a nitidez de uma imagem em perspectiva de planos subjacentes. 2 Capacidade da câmera em reconhecer diferentes níveis de luz.

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primeiras transmissões, a TV vem se constituir híbrida, fato corrente desde antes da

era da digitalização da informação.

O papel técnico da transformação de informações, imagens, textos e sons em

bits seria o de proporcionar uma maior facilidade de intercâmbio entre diversos

suportes independentemente de sua especificidade. Assim, as categorias anteriores

de diferenciação tecnológica dos meios já não serviriam nesse contexto, já que a

mesma matéria digital os permearia. Prova é o fato de que a televisão se vale de

recursos ditos outrora do cinema, como imagem de alta definição e a utilização dos

aparelhos de som de alta definição que equipam as salas domésticas preparadas

para exibição de filmes, o que continua, contudo, a ser televisão. A profundidade de

campo reduzida é expressão de programas televisivos assim como as imagens em

vídeo destituídas dessa particularidade, que permeiam os filmes como fragmentos

documentais. Os gêneros se misturam, os atores e diretores transitam por entre os

meios, obras são adaptadas em um e outro. Esse intercâmbio facilita um processo

de convergência dos meios e borra limites, o que possibilita a hibridização dos

aparelhos outrora díspares e da idealização de produtos que ultrapassam a

individualidade da mídia.

Henry Jenkins cunha o conceito de convergência dos meios: “fluxo de

conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos

mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de

comunicação(...)” (2009, p. 27), tendência sem retorno de imbricação entre eles. O

resultado é a transformação do meio, que se apodera de formas de expressão,

tecnologia e produção dos outros que multiplicam as possibilidades. Jenkins é

enfático ao afirmar que “convergência não ocorre por meio de aparelhos, [...] ocorre

dentro dos cérebros de consumidores individuais e em suas interações sociais com

os outros” (2009, p. 28), e destaca a importância das trocas de informação entre

indivíduos, além de desmistificar a teoria de que a convergência aconteceria por

meio técnico, através caixas únicas centralizadoras, capazes de deter as

especificidades das mídias anteriores.

Um efeito particular da convergência através da chegada de novos meios

parece livrar o anterior de demandas imputadas pela cultura de uma sociedade, e

livra-o de uma utilização menos adequada ao destacar aspectos ontológicos de seu

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uso. Caso da fotografia que libertou a pintura de sua obrigação de retratação do real

e possibilitou vários dos movimentos vanguardistas do rádio que usurpou a

apresentação de notícias que ocorriam nos cinemas através dos vídeos de

atualidades, o que o faz evoluir.

O conteúdo de um meio pode mudar (como ocorreu quando a televisão substituiu o rádio como meio de contar histórias, deixando o rádio livre para se tornar a principal vitrine do rock and roll), seu público pode mudar (como ocorre quando as histórias em quadrinhos saem de voga, nos anos 1950, para entrar num nicho, hoje) e seu status social pode subir ou cair (como ocorre quando o teatro de desloca de um formato popular para um formato de elite), mas uma vez que um meio se estabelece, ao satisfazer alguma demanda humana essencial, ele continua a funcionar dentro de um sistema maior de opções de comunicação. (JENKINS, 2009, p. 39)

Essa complementação, facilitada pelo intercâmbio de certas demandas

oferece sobrevida ao meio, o que potencializa caraterísticas ontológicas e direciona-

o gradativamente a um nicho. No caso da televisão, a possibilidade das produções

“ao vivo” facilita a interação do público e, desde a implantação da televisão digital,

permitem que essa interação seja feita pelo próprio aparelho. Vantagem para uma

transmissão de eventos ao vivo, como shows e esportes e para formatos específicos

como programas de auditório, reality-shows3 e game-shows,4 cuja participação do

público amplia as possibilidades desses programas. Já a transmissão de filmes e

séries previamente gravados, mesmo que concebidos para exibição televisiva

ganham sobrevida quando transferidos para outros suportes como os já obsoletos

vídeo cassetes, os DVDs e os repositórios on-line de mídia distribuídos por

streaming.5

3 Formato de programa que engloba diversos gêneros em torno do cotidiano de um grupo sob a observação das câmeras 4 Formato de programa que retrata a disputa de um prêmio por jogadores. 5 Formato de distribuição de mídia via internet, através de pequenos pacotes de dados, o que possibilita assistir ininterruptamente um vídeo sem, no entanto, carregá-lo no computador.

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2.2 A queda de audiência das grandes redes

A evolução da televisão como meio serve a um publico heterogêneo que não

mais assiste à programação como antes. O aumento da complexidade somado a

interesses diferenciados e os horários cada vez mais distintos da vida moderna

implicaram em uma queda acentuada de audiência das redes de televisão aberta

norte americanas. Ao analisar o gráfico 1 observa-se que a audiência desses canais

sofreu queda constante desde a década de 90 do século passado. Se em 1980, 90%

dos televisores ligados estavam sintonizados em uma das chamadas “Big Three” –

ABC, NBS e CBS - durante o horário nobre, o número caiu para 34% em 2003. O

aumento da diferenciação social agravada pelos milhões de estrangeiros que

imigraram para os Estados Unidos aumentou a diferenciação de interesses do

público e provocou a queda nos números de audiência. (HINDMAN; WIEGAND,

2008)

Gráfico 1 - Espectadores no Horário Nobre por Sessão, de 1952 até 2007

Fonte: Nielsen Media Research (SEIDMAN, 2007)

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21

O estudo cruza dados da audiência das redes com indicadores de

diferenciação social norte-americanas e chega a conclusão que esta hipótese seria

mais pertinente do que a penetração de novas tecnologias nos lares dessa

população como causa da queda. Assim, interesse das grandes redes em manter

uma programação que teria por intuito agradar uma maior parcela dos espectadores

em detrimento a programação de nicho estaria na contramão das preferências

multiculturais e noções comportamentais desse público.

Devemos ter em mente a incompatibilidade de um meio de comunicação de

massa tal como a televisão com as possibilidades de horário altamente

segmentadas exigidas por um público igualmente segmentado. A grade de

programação - que estrutura um dos mais bem-sucedidos paradigmas televisivos

que distribui metodicamente os programas de acordo com o público alvo em um

horário pré-determinado - é vilã ao imputar um evento pontual ao espectador. O

aumento da oferta de canais a cabo responde simbioticamente a essa demanda e

leva parte do público da TV aberta. Dessa forma, a programação chega ao

espectador pagante através da insistência de inúmeras reapresentações diárias e

semanais e repete-se dia após dia. Nesse caso, adaptabilidade da televisão a

complexidade do público é prejudicada por suas características de transmissão de

um para muitos, grade de programação rígida e programação generalista focada em

um público-alvo igualmente genérico.

Cabe lembrar que o estudo em questão é pontual à situação de audiência das

três maiores redes norte-americanas no horário nobre, exatamente das 20:00 as

22:30 e utiliza dados do instituto de pesquisa Nielsen para apontar sua queda. Esses

dados não levam em consideração o público que tem acesso aos produtos feitos

especialmente para a televisão fora das transmissões televisivas, através de outros

meios como canais on demand6 oficiais, vendas desses produtos em DVD e

compartilhamento desse material via internet. Logo, a queda de audiência da

transmissão oficial televisiva não significa necessariamente a queda absoluta de

público desses produtos especificamente. Mas o estudo é de grande valia quando

6 Catálogo de vídeos em um depositório na internet, acessados de acordo com a vontade do espectador

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pretende-se explorar o cenário específico que motivou os executivos da ABC a

criarem a série Lost, e colocá-la exatamente nesse horário de exibição

2.3 O nascimento de Nowhere

Um produto particular que se beneficia com a convergência dos meios é a

série televisiva. Por ser constituída de capítulos de duração igual, é perfeitamente

integrada no paradigma televisivo da grade de programação em catálogos para

exibição sob demanda ou em distribuição em forma de DVDs, e abarca tanto o

espectador televisivo quanto os que utilizam a internet para assistir vídeos. O projeto

das temporadas realiza correções de curso nas narrativas com o retorno de

audiência avaliado a cada exibição, enquanto a distribuição diversificada permite um

incremento de público na sobrevida do produto.

Jean-Pierre Esquenazi afirma que “[...]o único gênero7 ficcional capaz de

manter a regularidade telespetatorial8 é a série (2011, p. 26)”, motivo pelo qual

grandes redes de televisão teriam eleito esse formato como preferido para manter a

audiência de sua programação. Essa leitura regular seria facilitada por certas

características construtivas que permitiriam a integração da série a rotina das

pessoas, em uma espécie de cerimonial realizado em dias e horários pré-

estabelecidos. A grade de programação fixa e a sua comunicação via imprensa seria

de vital importância para o estabelecimento dessa relação (ESQUENAZI, 2011).

A obra serializada, no entanto, não é particular da televisão e esse é um

formato utilizado em muitas outras formas de expressão, como variações musicais

de um mesmo tema, ou pinturas que representavam um conjunto se vistas como

todo. Os folhetins literários semanais nos primeiros jornais populares e as radio

novelas também compartilham dessa forma narrativa. A regularidade de uma

7 Esquenazi define gênero como algo que “está associado a um tipo de modelo narrativo utilizado no interior de um universo cultural característico (ESQUENAZI, 2011, p. 27) 8 Esquenazi toma de empréstimo dos canadenses o termo “telespetaleitura” como equivalente ao termo leitura para televisão, já que o termo “audiência” para ele seria muito superficial (2011, p. 8)

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fórmula, um maneirismo ou gênero em comum facilita o acompanhamento de obras

serializadas. Caso perca-se uma parte, é possível retomar o rumo da narrativa sem

grandes prejuízos.

Do ponto de vista de produção, as séries televisivas obedecem a uma lógica

chamada por Esquenazi de “troca televisiva”. Essa seria uma interação entre

grandes redes e seus patrocinadores, o público e os efetivos produtores. A única

constante que se mantem é o interesse das redes em manter o telespectador que

acompanha o programa, a fim de assegurarem que a regularidade da audiência

persista para além de mudanças do contexto externo (ESQUENAZI, 2011). Essa é

uma preocupação permanente das redes comerciais, pois a verba publicitária

necessária para a sua sobrevivência depende dessa constante. Por esse motivo a

cada temporada, as relações são avaliadas e as mudanças de curso narrativo, de

produção ou direção são planejadas e executadas.

A escolha de produzir uma série foi utilizada pela rede de televisão ABC para

tentar reverter o seu quadro de queda de audiência crônico quando ocupava o

quarto lugar entre as grandes emissoras de televisão aberta norte-americanas em

2003. A ideia sobre uma nova série que contaria sobre de sobreviventes em uma

ilha deserta nasceu do próprio presidente da rede, Lloyd Braun durante uma reunião

da equipe criativa e executivos da rede (BARRETO, 2010). Após várias ideias

recusadas, o presidente sugeriu um programa inspirado no filme Castaway (O

Náufrago, 2000).

A transformação do formato de programas seriados na televisão, que abre

margem para a exploração mais profunda das possibilidades do “gênero serial”

(ESQUENAZI, 2011), permite extrapolar o limite de tempo de duração de um filme.

As possibilidades do desenvolvimento mais complexo da narrativa é uma vantagem

além de desenvolver de melhor forma o universo ficcional e a profundidade de

personalidade dos personagens. O projeto foi aprovado pelo vice-presidente da

companhia, Thom Sherman.

O roteirista Jeff Lieber foi contratado para escrever a sinopse e o roteiro do

episódio piloto. A narrativa teria como foco a rotina de dez personagens, vítimas de

um acidente aéreo em uma ilha deserta no meio do oceano Pacífico. O drama

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acompanharia o dia-a-dia de “dois meio irmãos, um médico, uma mulher grávida, um

viciado, um militar, uma patricinha mimada, um fugitivo e um picareta” (BARRETO,

2010) em uma tentativa de reestabelecer uma sociedade primordial a partir do

destroços da tragédia. A exploração da rotina dessa grande quantidade de

personagens implicaria mais tempo para se construir e explorar os traços de

personalidade de cada um. Assim, o combustível para manter o interesse do público

no programa estaria no cotidiano da sobrevivência desses, retratados através de um

ponto de vista hiperrealista.

Apesar do consenso sobre o tema da série e a visão adotada, a cena de um

tubarão que devoraria um dos personagens foi retirada imediatamente, sob o risco

de chocar e afastar os espectadores logo no começo da série. O clima de reality-

show permearia a ficção e daria a obra ares do programa Survivor (2000), graças ao

ambiente de ilha deserta e as tentativas desesperadas de sobrevivência. A

constituição de novas e primordiais relações sociais visa a preservação do grupo e

supera as diferenças, o que traça o paralelo da trama com o romance inglês The

Lord Of Flies (O Senhor das Moscas, Willian Goldwin, 1954). Assim, Lieber

organizou grande parte da estrutura do programa e incluiu o número e perfis básicos

dos personagens e os conflitos que permeariam o avançar dos capítulos. Apesar de

seguir o acordado pelos diretores da rede, seu não foi aceito depois de pronto.

Um dos motivos da recusa seria a margem de permissividade criativa ímpar

que a ABC mantinha em seu histórico, fato que ia contra a proposta prosaica demais

desse projeto. A série Twin Peaks (Twin Peaks, 1992-1993), exibida no começo dos

anos 90 fora criada com liberdade pelo diretor de cinema David Lynch e chocou por

apresentar um mundo não convencional, mas pertinente aos fãs do diretor. Desde o

início a obra não foi pensada para atingir uma massa de espectadores, mas um

nicho específico. O movimento que teria sido inaugurado com televisões a cabo

como a HBO (ESQUENAZI, 2011) permitiria uma nova estratégia de criação de

produtos para o público segmentado, mais ousadas e refinadas em termos

ficcionais. As soluções do roteiro de Jeff não estavam de acordo com essas novas

diretrizes e o roteiro foi descartado. Apesar possível incoerência em termos de

estratégia pela ABC tratar-se de televisão aberta, Esquenazi afirma que “os novos

projetos de séries são melhores e suscetíveis de atrair um público mais abastado”

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(2011, p. 52) desperta também o interesse dos patrocinadores. Essa tentativa de

aumentar os lucros destoaria de uma outra maneira anterior, baseada em produzir

programas a partir de fórmulas desgastadas voltadas para atingir a massa.

Um fato curioso é o nome inicial que o projeto recebeu: Nowhere, em

tradução livre, lugar algum. A ideia original focaria a narrativa na expiação do

sofrimento das pessoas, ignora as particularidades do local onde estavam. Lieber

conseguiu seus créditos como criador da série por ter desenhado boa parte da

estrutura inicial, já que o seu roteiro do episódio piloto guarda algumas semelhanças

com piloto final que realmente foi produzido.

2.4 Quando “Nowhere” tornou-se Lost

J.J. Abrams, diretor da série Alias (Alias: Codinome Perigo, 2002-2006), foi

contratado para continuar o projeto após a dispensa de Jeffrey Lieber. Abrams

possui algumas peculiaridades reconhecidas, como a capacidade de “expandir os

limites do universo narrativo...” de uma série já estabelecida, como fez em Felicity,

onde “transformou a heroína universitária em espiã” (PORTER; LAVERY, 2007, p.

18). Graças a um manejo literário diferente de seu antecessor, adicionou

profundidade a personalidade dos personagens já estabelecidos, mistura pessoas

de várias nacionalidades aos sobreviventes e aumenta as chances de empatia com

o público. Outra ferramenta recorrente utilizada pelo diretor são as conexões de seus

trabalhos com elementos correntes da cultura pop (VAZ, 2003) o que cria referências

que extrapolam os limites de seus mundos ficcionais, através de sinais internos

reconhecido pelos espectadores.

Abrams utiliza como recurso fragmentar as narrativas em “situações breves e

pessoais que tocam as pessoas” (KEVIN DILMORE, 2005, p. 21). A multiplicidade

das situações do cotidiano confere força e realismo ao avanço narrativa além de

fugir de uma hipotética dicotomia básica de caráter psicológico dos personagens. Os

caminhos escolhidos por J.J. culminam em seus trabalhos não terem somente um

gênero, mas uma mistura deles. Assim, o gênero serve ao propósito da narrativa, e

não ao contrário. Diferentemente do que alguns críticos da série afirmaram ao

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questionar se a equipe de J.J. Abrams sabia os caminhos que sua narrativa tomaria

ao inserir elementos aleatórios a fim apenas de manter os mistérios do programa, o

roteirista Javier Grillo-Marxuach divulgou detalhes das primeiras reuniões criativas

entre eles, momento em que grande parte da mitologia de Lost foi desenvolvida.

Ilustração 1 - Elementos ficcionais propostos na reunião para elaboração da história, em 02 de fevereiro de 2004

Fonte: The Grillo-Marxuach Design Bureau

É interessante observar a quantidade de elementos diferentes elencados para

compor a nova atmosfera de mistério para a série: Um lugar de localização

desconhecida, portal dimensional para outros mundos semelhante ao mito do

triângulo das bermudas, habitada por uma organização desativada que haveria

realizado experimentos científicos bizarros além da conclusão da primeira

temporada cunhada como primeiro momento crucial na narrativa, ou seja, o encontro

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dos sobreviventes com a escotilha. Nesse cenário, o local em que os personagens

se encontram torna-se tão importante quanto eles. O espaço ganha história,

personalidade e trajetória, e eleva o status da agora fantástica ilha de Lost. Essa

mudança foi de fundamental importância e expandiu os limites do universo narrativo

da série para além da televisão.

O projeto começava a tomar proporções incompatíveis com a disponibilidade

de Adams que, até então acumulava a direção de Alias, assim a direção da série foi

designada ao roteirista Damon Lindelof, fã confesso de J.J. Escrever o episódio

piloto era o próximo desafio encabeçado pela dupla e acompanhado de perto pelos

roteiristas de Alias, Jesse Alexander e Jeff Pinkner. A série foi aprovada pela ABC

quatro dias depois, e o roteiro do episódio piloto ficou pronto após doze semanas.

(PORTER; LAVERY, 2007). A sinergia entre os dois ao complementarem-se permitiu

que as ideias iniciais de Abrams se materializassem em forma de filme com Lindelof.

A visão complementar permitiu a realização do programa através de um cuidado

particular com a fotografia e cuidadosa, adicionadas a uma montagem precisa.

Carlton Cuse juntou-se a equipe e ofereceu uma dinâmica para os

personagens através do contraponto do pensamento lógico de Lindelof. Trouxe

consigo um vasto repertório, utilizado como repositório de situações narrativas. As

viagens no tempo formam soluções de extrema importância para o desenvolvimento

do programa. A morte simulada de alguns personagens, a aparição de personagens

falecidos previamente e até a eliminação de personagens principais foram

reaproveitados de outras séries em que Cuse trabalhou. A parceria com Lindelof

trouxe o equilíbrio entre a visão do mundo lógico e espiritual, assim como a oposição

retratada através dos personagens Jack e Lock, um homem da ciência e um homem

de fé (PORTER; LAVERY, 2007).

Preparar o espaço onírico que transformaria “Lugar Algum” em Lost exigiria

um investimento gigantesco e o presidente da ABC Lloyd Braun estava disposto a

pagar o preço. O orçamento do episódio “1x01 Pilot” foi o maior da história da

televisão, em um valor de aproximadamente 12 milhões de dólares (PORTER;

LAVERY, 2007). A construção desse espaço e a disposição dos elementos foram

fundamentais conforme Abrams afirma: “independente do que quisermos fazer em

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Lost, temos de abastecer esse mundo com todos os elementos, pistas e indícios”

(VAZ, 2003, p. 78)

A equipe criativa de Lost dispôs de pouco tempo entre a aprovação do roteiro

final e a exibição do episódio piloto. O trabalho foi simultâneo, já que enquanto a

escolha dos atores acontecia, os roteiristas redesenhavam os personagens de

acordo com os tipos físicos e trejeitos deles. Jorge Garcia, que fez o teste para viver

o galã Sawyer ganhou um personagem personalizado graças a seu carisma. Yunjin

Kim, que tentara fazer teste de Kate também ganhou um personagem por falar

coreano (BARRETO, 2010). Assim, o grande elenco se constituíu a partir de atores

pouco conhecidos. "Não incluímos atores famosos porque eles tirariam a

verossimilhança do mundo da ilha.", disse Carlton Cuze (BARRETO, 2010). A

estratégia, além de distribuir a atenção do público entre os muitos personagens

aumentou a identificação entre ator e papel personalizado.

As locações foram estabelecidas no Havaí e a equipe técnica encontrou

dificuldades para construir o cenário na floresta tropical. Os roteiristas decidiram

então inverter as cenas de praia com as de campo, a fim de facilitar a produção. O

cenário contava com uma fuselagem de avião e dezenas de figurantes (BARRETO,

2010). O resultado foram dois episódios de quarenta e dois minutos de duração, que

iniciam com a icônica cena em que o personagem Jack abre o olho, deitado ferido

em meio a um bambuzal. Mas, apesar do piloto gravado, nada garantia que a série

seria exibida, já que o ceticismo dos outros diretores da ABC era grande quanto a

aceitação de uma série tão complexa.

2.5 A conquista da base de fãs

Uma série deve passar por alguns desafios antes de realmente ser aprovada

e produzida. Testes de audiência mediante a apresentação do episódio piloto, apoio

dos executivos das emissoras, estratégias de marketing e anúncios para adequar o

horário de exibição aos fãs em potencial. O passo mais delicado para a aprovação

da série é a conquista de uma base sólida e comprometida de fãs, conquistados

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através de um “envolvimento interativo” estabelecido pelos criadores e roteiristas da

série (PORTER; LAVERY, 2007).

A forma escolhida para se estabelecer essa ligação, antes mesmo da estreia

oficial no dia 22 de setembro de 2004, foi “instigando os espectadores a decifrar as

pistas ocultas e os símbolos secretos que podem revelar a complicada mitologia da

série” (PORTER; LAVERY, 2007, p. 152). A equipe criativa propunha como prêmio

pela dedicação dos fãs, a descoberta dos segredos escondidos nas entrelinhas das

ações de marketing do programa. Segundo o autor, essa postura criou uma “rede

engajada de fãs ativos”, capazes de “investir esforços, dinheiro e esforços”,

motivados por uma trama amada por ser “inovadora e capaz de criar jogos”.

Todavia, essas comunidades de discussão não são um movimento que surgiu

com a digitalização da televisão e sua convergência com a internet. Obras que

suscitam discussões acerca de seu universo ficcional tem origem anterior a própria

criação da TV. O que ocorre é que as reuniões que ocorriam em espaços físicos

públicos como refeitórios, bares e lares agora estão inseridas no espaço virtual,

devido a sua facilidade de acesso e capacidade de registro. Assim, a informação

partilhada em tempo real passa a ter um alcance global e não mais local.

Cada comunidade se mantém mais ou menos independente e intercambia as

informações entre si. Essas comunidades fanáticas não são mensuráveis pelos

métodos de levantamento de audiência de um programa televisivo, já que sua

atuação transcende o meio e foge do escopo de suas medições. No caso de Lost, as

informações sobre os testes dos atores vazaram na internet e começaram a

provocar especulações. A seleção de Dominic Monaghan para o papel de Charlie

Piece e uma posterior entrevista do ator onde declara que o episódio piloto da série

fora o mais caro da história incitaram a curiosidade dos internautas sobre o

programa (PORTER; LAVERY, 2007).

O vazamento de boatos de forma não-oficial tornou-se uma das estratégias

mais bem-sucedidas para a divulgação da série. A informação sobre a aparição de

um urso polar no primeiro episódio inaugurou a constante especulação dos fãs sobre

o significado daquilo. Esses fãs organizaram-se em fóruns de discussão em sites a

fim de compartilhar essas informações.

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Em maio de 2004, os fãs se convenceram que a série seria cancelada antes de ser exibida. Em resposta, organizaram um movimento a favor da série e publicaram um abaixo-assinado para a ABC e a Touchstone. A campanha começou em um dos primeiros sites de fãs, Lost-TV.com, e 69 fãs em potencial assinaram em favor do programa; na época em que o piloto era exibido em testes de audiência (PORTER; LAVERY, 2007, p. 153).

Em um momento de transformações profundas advindas da digitalização da

televisão, nem uma série já com seu episódio piloto produzido e gravado que utiliza

um dos maiores orçamentos da história, produzido através de uma ideia inicial do

próprio presidente da empresa e pronto para ser exibido tem garantida a produção

de sua temporada e inserção na grade de programação. Absolutamente tudo é feito

mediante a aprovação do público em testes direcionados com o intuito de convencer

os patrocinadores a investir capital nesse produto em formas de anúncios. Muitos

pilotos são produzidos e nem chegam a ser exibidos por motivos que variam desde a

não aceitação nesses testes de audiência, mudança de diretoria, falta de espaço na

grade de programação ou não conformação com estudos de gênero feitos para

aquele horário específico. A mobilização precoce dos fãs foi um fator decisivo para

os executivos que contrataram oficialmente doze episódios e mais o piloto. para ser

exibida ao término da temporada de Alias (PORTER; LAVERY, 2007).

Nesse período específico de incertezas em relação ao que iria ocorrer, com a

audiência televisiva, de mudanças de paradigma quanto a especificidade da

televisão e de seu papel na sociedade, da convergência dos meios em sua forma

mais borbulhante, arriscar tanto capital em um produto de nicho realmente não era

uma ideia unânime entre os executivos da ABC. Os superiores de Lloyd Braun,

Michael Eisner, presidente e executivo-chefe da Disney proprietária da rede ABC,

descreveu Lost como "um projeto louco que nunca vai funcionar''. Bob Iger, adjunto

de Eisner cravou o conceito da série “Esta é uma perda de tempo” (CRAIG, 2005).

Tal ceticismo custou o emprego de Braun por permitir a extravagância de viabilizar

algo tão grande naquela situação.

A preocupação dos executivos em contraste com a crença da equipe de

Braun foram desafios encontrados tanto para a equipe criativa da série quanto para

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a equipe de marketing da emissora. Uma ação publicitária orquestrada para a

divulgação de Lost começou a tomar forma. A ABC distribuiu informações oficiais

através do próprio canal de televisão, além de sites na internet a fim de suscitar

discussões. Segundo Lavery, “ajudou no efeito de polinização cruzada que ocorreu

entre diversas comunidades inter-relacionadas” (2007, p.154). A presença dos

criadores da futura série à convenção Comic-Con em San Diego fora divulgada com

pôsteres e utilizou do conhecido estereótipo de cartazes de procura-se eternizados

pelos filmes de velho-oeste. Além dessa campanha, a equipe dispôs mil mensagens

em garrafas com informações sobre a série e distribuiu-as em praias de grande

movimento e estimulou “os banhistas a se perderem em Lost” (PORTER; LAVERY,

2007, p.154).

Ilustração 2 - Cartazes de “Procura-se”, divulgou a série na convenção Comic-Con em San Diego, CA em 2004

Fonte: "I Am LOST" Fliers (ANDALONE, 2010)

O fato do equilíbrio consolidado entre os agentes propostos por Esquenazi

(2011) (produtores, executivos das redes, anunciantes e público) ser perturbado

graças ao intermédio de canais de comunicação mais eficientes foi percebido pela

equipe criativa. O fluxo imediato de informações propicia a leitura de reações do

público em relação ao produto audiovisual e é medido a cada passo da produção.

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Os financiadores do projeto utilizaram esses números como metas e o papel do

público alterou o equilíbrio estabelecido. A resposta foi imediata e essencial para a

consolidação de Lost como série. A concretização do projeto em programa só foi

possível nessa condição, quando o consumidor em potencial foi conquistado por

essas estratégias e demonstraram a fidelidade antes mesmo dela entrar no ar.

Assim, o público que apoiava a série criou outros caminhos de divulgação e

colaborou ativamente para a sobrevivência do projeto.

Essas comunidades cresceram e conseguiram entrevistas exclusivas com os

criadores e os futuros colaboradores da série, e vieram a se tornar meios de

transmissão de informações. Antes de sua estreia, a série de televisão Lost já era

rodeada por comunidades satélites, originárias de um outro meio: o mundo da

internet. J.J. Abrams, em entrevista revelou sua estratégia em uma entrevista em

2005 “A Internet alterou de verdade o modo como assistimos TV. Instantaneamente,

milhares de pessoas reagem e criam um consenso sobre o que gostam ou que não

gostam. É impossível não pesquisar, e é uma estupidez não ouvir os fãs (VEITCH,

2005)”.

Ao ultrapassar a especificidade televisiva, o seu paradigma de meio de

transmissão em massa de um-para-muitos, a série criou veredas de

retroalimentação criativa, que se não alterariam o curso da narrativa principal, pelo

menos instigavam a sua exploração. A equipe criativa jogou com a forma da

narrativa para absorver além dos fãs através do produto principal televisivo,

convocar os fãs que gostariam de expandir seus conhecimentos através de outras

mídias.

Lost usou várias estratégias de marketing viral. A consequência da criação da

propaganda para a divulgação culminou na possibilidade do transbordo de

elementos ficcionais em espaços estranhos ao suporte televisivo. O objetivo de

visualização e fixação de uma marca é almejado tanto para produtos físicos quanto

programas televisivos ou filmes. Espalhar a marca em locais onde normalmente ela

não estaria instiga, no mínimo a curiosidade, o que proporcionou resultados

impactantes. Assim, colocar garrafas que boiavam na praia ou os pôsteres que

simulavam o desaparecimento dos personagens fictícios feitos de forma a

parecerem peças reais provocaram estranhamento e abriram a porta para a

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extrapolação do mundo ficcional, por imputar sua presença em suportes físicos do

mundo real fora de um espaço delimitado para a ficção sem aviso prévio.

Assim, a equipe de marketing da rede ABC abriu a possibilidade de integrar

futuros anunciantes a um projeto que abrangeria várias áreas do conglomerado de

empresas subsidiadas pela Disney, estratégia sintonizada com características

particulares do programa. Para essa dissertação, o ponto relevante são as

características da narrativa que desenham um universo suficientemente complexo e

coeso a ponto de poder ser explorado dessa forma, descrito e experimentado em

várias mídias concomitantemente.

2.6. Uma narrativa transmidiática

Lost é uma marca distribuída em diferentes suportes, utilizada por várias

empresas do conglomerado Disney/ABC, licenciada como “franquia de mídia”. Derek

Johnson define uma franquia de mídia como

O meio pelo qual os produtores de mídia corporativa produzem sinergia e dessa estrutura surgem as estratégias narrativas da narrativa transmídia que estendem as experiências em vários sites da experiência cultural. Posicionados como parte de uma mesma história, os vários componentes da narrativa transmídia tornam-se a arte de construir mundos 9.

Assim, através de licenciamentos comerciais, outras podem explorar seus

personagens, cenários, histórias para criar narrativas derivadas em formas de outros

produtos. As adaptações que ocorrem como de romances para filmes, ou de

histórias em quadrinhos para jogos de videogame integram essa categoria. Mediante

a acertos econômicos, pode ocorrer de os autores originais não terem mais controle

de sua obra a partir do momento em que ela é licenciada em forma de franquia.

Equipes criativas diferentes assumem o controle daquela adaptação naquele suporte

9 Tradução minha

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específico, alteram projetos e definem traços mutantes ao projeto inicial. Muitas

vezes, as comunidades de fãs estranham tais intervenções e renegam os produtos

adaptados. Esses são motivos que levam a não necessariamente, uma franquia de

mídia respeitar premissas estabelecidas pela equipe de criação original. Jenkins

revela que

O atual sistema de licenciamento normalmente gera obras redundantes (não permitindo novos antecedentes dos personagens ou novo desenvolvimento de enredo), diluídas (solicitando ao novo meio de comunicação que duplique, sem originalidade, experiências mais bem realizadas pelo antigo), ou permeadas de contradições grosseiras (falhando em respeitar a consistência que o público espera da franquia). Essas falhas explicam por que as sequencias e as franquias têm má reputação. (JENKINS, 2009, p. 146)

Johnson e Jenkins falam sobre sinergia, palavra que reflete um

posicionamento da indústria do entretenimento em integrar suas diversas empresas

horizontalmente. “Um conglomerado de mídia tem um incentivo para espalhar a sua

marca ou expandir suas franquias em tantas plataformas diferentes de mídia quanto

possível. [...]” (JENKINS, 2007). Essa tendência nos leva a uma categoria das

franquias de mídia, chamada de cross-media, ou através de mídias. Esse termo

designa os produtos multimodais que estão presentes em várias mídias, como por

exemplo os filmes Bruxa de Blair (The Blair Witch Project, 1999) e Matrix (The

Matrix, 1999) (JENKINS, 2009).

Segundo Gary Hayes, existem quatro níveis de cross-media: “Cross-media

1.0 – Empurrado”, que seria a simples colocação do mesmo produto em outro

suporte, com pequenas modificações; “Cross-media 2.0 - Extras”, conteúdo

complementar produzido pelos próprios produtores; “Cross-media 3.0 – Pontes”, o

conteúdo de outra plataforma - opcional ou fundamental - complementa a narrativa

principal e convida o espectador a continuar sua experiência e investigá-lo; “Cross-

media 4.0 – Experiência”, uma conjunção dos três primeiros níveis em um ambiente

de interação tal como um jogo

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É também aqui que o conteúdo é distribuído em várias plataformas, de forma não-linear e sem as mãos do produtor – cria-se um ambiente muito parecido com um jogo, dentro do qual os participantes ‘vivem’, seguindo o próprio caminho e personalizando a experiência. O cross-media 4.0 típico é um jogo de colaboração co-criativa com o público através de diversos dispositivos, que evolui e desenvolve uma vida própria. Embora tenda a sofrer fortes intervenções do autor, os gatilhos e convites cross-media são parte da experiência, no sentido da audiência criar suas próprias pontes. (HAYES, 2006)

Esses quatro níveis compõe as possibilidades de interação do espectador

com a série Lost. Parte-se da mais básica, através do contato possibilitado por uma

mídia diferente do que a própria televisão, - streaming e download10 de episódios

pelos sites oficiais, os boxes de DVDs e Blu-rays - e fruição do programa através de

computadores, tablets e smartphones, a série permite aprofundar essa relação e

disponibiliza vídeos com conteúdos complementares a série como os making of,

cenas excluídas, entrevistas com os diretores e atores etc. No terceiro nível,

romances publicados em paralelo com a exibição televisiva, websites fictícios

produzidos com o mesmo fim, repositórios enciclopédicos de informações sobre a

série convidam o espectador a fazer ligações entre as diversas mídias. E no último

nível, a experiência da participação nos A.R.G.s11 através de pistas espalhadas no

mundo real. Lost oferece os quatro níveis de cross-media através de vários produtos

dentro da mesma franquia de mídia.

Lost pode ser categorizado em uma outra subdivisão das narrativas cross-

media, como afirma Glauco Madeira de Toledo. O termo transmedia storytelling

designa algumas particularidades diferentes, que o difere de cross-media, como

podemos observar a partir dos apontamentos de Jenkins:

Narrativa transmidiática representa um processo onde os elementos integrantes de uma ficção são dispersos de forma sistemática por múltiplos canais de distribuição com a finalidade de criar uma

10 Formas de assistir vídeos na internet, seja em tempo real – streaming – ou através do arquivo baixado no computador – download. 11 Alternate Reality Game, jogo de realidade alternativa

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experiência de entretenimento unificada e coordenada. Idealmente, cada meio faz sua contribuição distinta para o desvelamento da história” (JENKINS, 2007)

Logo, para um produto ser considerado transmedia storytelling, não deve ser

somente apresentado em mídias diferentes, mas ter sua narrativa distribuída por

essas mídias. Os produtos envolvidos devem estar coordenados com o objetivo de

oferecer ao público uma “compreensão aditiva”12 do conteúdo através da inserção

de novos elementos de informação que auxiliem a compreensão da narrativa.

2.7 A criação do universo ficcional

A criação de uma narrativa transmídia guarda modos distintos de construção

da narrativa clássica tradicional, como ressalta Jenkins

Na maioria das vezes, as histórias transmidiáticas são baseadas não em personagens individuais ou tramas específicas, mas sim em complexos mundos ficcionais que podem sustentar múltiplos personagens interrelacionados e suas histórias. Este processo de construção de mundos incentiva um impulso enciclopédico tanto nos leitores quanto nos escritores. Somos atraídos a dominar o que há para se saber sobre um mundo que sempre se expande para além do nosso alcance. Este é um prazer muito diferente do que nós associamos com o desfecho encontrado em narrativas mais classicamente construídas, onde esperamos sair do cinema sabendo tudo o que é necessário para dar sentido a uma história em particular” (JENKINS, 2007).

A equipe criativa de Lost busca a criação de um universo ficcional ao invés de

uma narrativa linear. As informações não estão disponíveis ao final da série

televisiva. Muitos dos mistérios propostos dependem da coleta de pistas espalhadas

em outros produtos para serem resolvidos. Quanto maior o empenho do espectador

12 Termo cunhado pelo game designer Neil Young, presente em “O game designer Neil Young cunhou o termo “compreensão aditiva” para se referir à forma como cada novo texto adiciona um novo elemento de informação que nos obriga a rever a nossa compreensão da ficção como um todo.” (JENKINS, 2007)

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em resolver essas questões, maior a profundidade que ele pode mergulhar. Esse

tipo de narrativa costuma exigir mais do seu espectador já que ele precisa se dedicar

mais para atingir as “camadas” mais profundas. A diminuição do mercado a ser

atingido é um risco para esse tipo de narrativa, como alerta Neil Young (JENKINS,

2009, p. 175), por isso a criação da base sólida de fãs era uma das maneiras menos

arriscadas de garantir o futuro de Lost. Na visão dos executivos da ABC, o

espectador casual poderia se frustrar por não ter a sua disposição e por um só canal

as informações necessárias para decifrar a narrativa.

Construir universos ficcionais é uma técnica que não foi originada pelo cinema

ou pela televisão. É um movimento baseado em técnicas de criação de plataformas

como o videogame. Quem cria um universo ficcional deixa de pensar em criar

somente uma história ou um personagem, como diz Jenkins no relato de uma

conversa com um experiente roteirista:

Quando comecei, era preciso elaborar uma história, porque, sem uma boa história, não havia um filme de verdade. Depois, quando as sequencias começaram a decolar, era preciso elaborar um personagem, porque um bom personagem poderia sustentar múltiplas histórias. Hoje, é preciso elaborar um universo, porque um universo pode sustentar múltiplos personagens e múltiplas histórias em múltiplas mídias (JENKINS, 2009, p. 159).

O contador de histórias passa a se tornar um “arquiteto”, que foca agora em

desenvolver mundos que contenham as histórias distribuídas em mídias distintas.

Esse “universo é maior do que o filme, maior, até do que a franquia – Já que as

especulações dos fãs também expandem o universo em várias direções. “

(JENKINS, 2009, p. 158)

Um universo ficcional é formado fragmentos relativamente independentes e

que contenham uma fração do universo contidas neles próprios. Como fractais, que

em sua diminuta individualidade guardem o código genético do todo. As obras, são

suficientemente flexíveis aos diferentes estilos dos suportes de representação sem

no entanto, perder a essência do conjunto (JENKINS, 2009). Em termo macro, seria

como se os criadores de um universo ficcional pudessem tecer uma trama de

espaço e tempo particulares, formada de elementos ficcionais reconhecíveis entre as

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obras. No ambiente com espaço-tempo criado, desenrolam-se as múltiplas histórias

dos personagens entrelaçadas e permeadas pelo universo e pelas mídias que as

suportam. Os autores da série, Damon Lindelof e J.J. Abrams utilizaram técnicas

narrativas que permitiram a equipe da ABC transformá-la um produto transmídia, já

que o código genético do universo ficcional já estava inserido na narrativa televisiva.

O desenvolvimento desse código foi uma preocupação da equipe criativa desde os

primeiros rascunhos, e sua forma sugerida desde as primeiras reuniões.

Os elementos narrativos que estruturam o universo ficcional da série devem

ser revelados o quanto antes, para a constituição desse espaço de forma

consistente. Em Lost, muitos deles estão presentes desde o primeiro episódio.

Abrams afirma que “Quando você escreve um piloto, você cria um espaço onírico...

Você quer povoar aquela área com o máximo de objetos divertidos, assim, quando

tiver de viver ali durante os próximos anos, não ficará entediado” (STAFFORD;

BURNETT, 2004, p. 5). Essa é uma fala interessante do criador, que discorre

exatamente sobre a elaboração de um espaço de sonhos. “Preencher o espaço com

objetos divertidos”, em relação a construção do universo pode ser entendido como a

constituição dos pontos de sustentação da trama, comuns a outros produtos

subsequentes da série televisiva por meio desses elementos “divertidos”. A

necessidade de não ficar entediado denota preocupação em trabalhar com

elementos que permitam a criação de algo lúdico, através do não esgotamento das

funções narrativas desses elementos em um tempo curto, o que provoca o tédio

criativo. Devem ser elementos de sustentação fortes o suficiente para ancorar várias

linhas narrativas, das mais variadas origens, promover o prazer do criador que, ao

criar essas linhas que pode “brincar” com seus “brinquedos” por um tempo sem

enfadar-se. E por final, J.J. fala na quantidade desses objetos, e que buscou ter

esse espaço o mais preenchido possível com essas âncoras. Além de conseguir

algo consistente, quanto mais o público tiver contato com esses elementos, mais

facilmente ele pode identificá-lo em outras obras pertencentes ao universo,

estabelece-se o fluxo narrativo entre elas. Esses elementos fornecem convenções

reconhecíveis para os fãs, e distribuem-se entre as diversas formas que constituem

o produto audiovisual.

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Ilustração 3 - Desenvolvimento de técnicas narrativas apresentadas na primeira reunião da equipe criativa de Lost em 02 de fevereiro de 2004

Fonte: The Grillo-Marxuach Design Bureau (GRILLO-MARXUACH, 2015)

Podemos perceber na ilustração 3 a preocupação em se estabelecer certos

paradigmas a esse universo ficcional específico:

• “Incorporar tensão em cada elemento do show” – Estabelecer um clima de

apreensão através de tensões entre os elementos ficcionais, sejam eles

personagens, histórias, objetos, planos de câmera e edição, trilha sonora etc.

• “Achar motores para a historia dentro do mundo [ficcional]” – Encontrar

motivação para o desenrolar da história dentro dele próprio. As unidades motrizes

acabam por incentivar as ações dos personagens a um desfecho em comum ao

avançar pela narrativa principal.

• “Nós podemos criar um modelo? “ – O estabelecimento de um padrão

narrativo para os episódios da série sem, no entanto, ferir as potencialidades

narrativas particularidades desses elementos.

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• “Nós podemos ter saltos narrativos na temporada intermediária? “- Esse

questionamento gerou os saltos temporais vivenciados a partir da quarta temporada

da série, justificados diegeticamente pela desalocação da ilha no tempo no momento

em que a roda congelada é girada.

• “Não contar a história de forma serializada” – Resultou na maneira de contar

a história que mistura os conceitos de série e seriado em um mesmo produto. As

pequenas histórias seriam esgotadas em um só episódio, como em um seriado, ao

mesmo tempo que uma grande história permaneceria pela temporada inteira. Ainda

teríamos uma grande história principal que se desenrolaria concomitantemente por

todo o universo ficcional.

• “Estabelecer um “clima” que podemos repetir toda semana” – Criar uma

fórmula, um tom reconhecível e replicável para cada episódio da série. Como a

utilização dos flashbacks ou da cena de abrir de olhos dos personagens ao início de

alguns episódios.

• “Tenham calma, contem as histórias passo-a-passo” – Aqui, uma

recomendação para o foco nos detalhes das histórias narradas. A importância de

uma narrativa sincopada, exibida sem pressa para o espectador.

• “O programa acontece em tempo real: 30 dias na ilha equivalem a uma

temporada” – Recomendação para que o relógio da narrativa seguisse, de forma

análoga ao tempo real

• “Necessidade de diferenciar o que constitui cenas e o que constitui as

histórias” – Manter claro o que elementos são importante para o desenrolar da

história, e o que é necessário somente para a constituição de cenas sem

consequências.

• “Não ter como objetivo algo que possa destruir a premissa do programa

como um show de sobrevivência” – Aqui uma proibição clara a qualquer elemento

que destrua a premissa básica do programa.

Estes paradigmas da série televisiva acabam por constituir as “leis” do

universo ficcional de Lost, estatuto que visa reger a ordem particular das diversas

formas de representação criadas dentro dele. Glauco Madeira de Toledo empresta

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conceitos da arte e da religião para definir a importância dessas leis para a coesão

do universo ficcional: A “bíblia ficcional” e o “cânone ficcional”

O guia utilizado por produtores de ficção onde constam as normas que delimitam o que faz ou não parte do universo criado por eles, ou mesmo quais regras e leis da física se aplicam ali, recebe a denominação de “bíblia”. A escolha desse nome remete a um livro que seria considerado sagrado, que deveria ser seguido, ou que teria todas as respostas. Seria, enfim, o livro “das revelações” relativo ao universo ficcional. Essa aproximação entre o fã de ficção e as pessoas religiosas (apontadas acima por Baker) lembra que os fãs levam realmente suas discussões e deduções muito a sério, criando brigas por divergências de opinião e proporcionando debates realmente aprofundados a respeito não só da história em questão, mas também de narrativa, psicologia, física ou mesmo cartografia relativa ao universo. A bíblia ficcional é uma importante fonte de informações num caso como esse. (TOLEDO, 2012, p. 36)

O “livro da lei” estabelecido pelos criadores é a palavra final e arbitrária sobre

a “realidade” que pertence aquele universo e é necessária quando a criação não é

somente de uma pessoa. Equipes criativas distintas precisam da “bíblia” ficcional

para se guiar quanto o desenvolvimento de obras que pertencerão ao universo

ficcional. O “livro das revelações do universo ficcional” não deve ser exposto aos fãs

sob pena de destruir as possíveis especulações referentes ao não conhecimento

dessas regras. O cuidado com esse fator foi tanto que Damon Lindelof instrui a

equipe criativa para “nunca mostrar para a audiência como o mágico faz seus

truques”13, referência a nunca revelar o funcionamento das leis internas que regem o

universo do programa.

Toledo conceitua o “cânone ficcional”, como conjunto de obras definidas pela

autoridade dos criadores que compõe o universo ficcional sem ferir a “bíblia” (2012,

p.33). As obras pertencentes ao universo, mas que imputam incoerência com as leis

da “bíblia” podem ser desconsideradas como integrantes canônicas e categorizadas

como “obras apócrifas”. Logo, para fazer parte do “cânone” o conteúdo deve

13 Conforme demonstrado na ilustração 1 na página 27

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necessariamente ser submetido e aprovado pelo crivo dos proprietários dos direitos

de criação do universo, sejam eles uma equipe criativa ou um único autor.

Essa concentração do poder sob a decisão das leis, além de marco de

legitimação e consistência do universo protege comercialmente a franquia. Somente

uma equipe autorizada pelos donos do universo pode decidir sob a inclusão de

obras no “cânone”, ou até mesmo alterações estruturais na “bíblia”. Assim a inclusão

de obras criadas por fãs chamadas também de fanfiction no “cânone” oficial torna-se

impraticável, por mais bem-feitas e fiéis às leis da “bíblia” que sejam. O “cânone” e a

inclusão de obras e as leis são particulares e propriedade dos donos do universo

ficcional.

Há casos de rebelião dos fãs acerca das decisões dos criadores. Alguns

passam a aceitar que obras não-oficiais ou apócrifas integrem o universo da obra.

Cria-se então um “cânone paralelo”, aceito somente pela comunidade que o apoia e

composto inclusive de obras não-oficiais que tentam respeitar as leis da “bíblia”

ficcional. Esse é um ponto delicado pincipalmente em relação ao universo de Lost,

pois as soluções propostas pelos fãs para os enigmas da série acabaram por serem

mais críveis e pertinentes para a narrativa do que os desfechos oficiais.

O conceito de “inteligência coletiva” de Pierre Levy, “Uma inteligência

distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real,

que resulta em uma mobilização efetiva das competências” (2007, p. 28) foi capaz,

não somente de decifrar os mistérios instaurados pela equipe criativa quanto criar

soluções mais eficazes e coerentes com a “bíblia” ficcional da série, fato que

decepcionou alguns fãs (BARBOSA, 2010b) e instaurou uma crise de representação

em relação aos autores. O roteirista Javier Grillo-Marxuach, cansado das

especulações sobre a série não ter sido planejada previamente com as soluções dos

mistérios revelou as fotos das anotações da primeira reunião criativa, como prova de

que eles sabiam o desfecho do programa desde o começo, e de que o capítulo final

seria daquela maneira (2015).

Mas a inteligência coletiva não tem um controle. Se não há divulgação oficial

da “bíblia” ficcional sob pena de debelar os mistérios da narrativa, esses fãs criam

repositórios enciclopédicos com informações coletadas, para que sirvam de guia

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para as especulações chegarem o mais próximo possível dos segredos do mundo

ficcional e a aglutinação dos dados tabulados geram listas, tabelas, perfis de

personagens, topografia do lugar. Alguns podem ser publicados como “guias não

oficiais”, tais como o livro de Lynnete Porter e David Lavery, “Desvendando os

Mistérios de Lost”, ou criam-se enciclopédias em formato wiki14 tal como a Lostpedia.

Esses guias não-oficiais, são como mapa para quem queira adentrar o universo ou

mesmo aprofundar-se nele.

Chegamos então na classificação que nos servirá de guia para categorizar as

obras de Lost. Dividiremos os produtos paralelos que compõe o universo ficcional

em “canônicos”, “apócrifos” e “repositórios”. Essa categorização nos servirá de guia

para estabelecer quais deles ajudam na instituição do universo ficcional da série e

futuro estabelecimento do espaço do jogo. Na ilustração 4, uma analogia da

distribuição das obras pertencentes ao universo ficcional em uma esfera. Essas

estão representadas pelos pontos verdes. As obras pertencem ao universo, mas

somente as canônicas podem estar contidas nele. As apócrifas não pertencem a

esfera enquanto a natureza do repositório seria a própria fotografia

Ilustração 4 - Analogia das obras do universo ficcional distribuídas em uma esfera.

Fonte: Dusty Sphere (RECTANGLEWORLD, 2012)

14 Coleção de documentos em hipertexto ou o software colaborativo usado para criá-lo (CHOATE, 2008, p. 1)

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2.8 A expansão do universo ficcional

Constituído o universo ficcional, instituídas as leis que o regerão e o seu

funcionamento ratificado através da “bíblia” ficcional, os donos desse universo

passam a construir elementos narrativos que permeiem as obras e instiguem a sua

identificação e rastreamento. Esses elementos estruturais ancoram as narrativas e

servem de pontes para a compreensão do universo ficcional.

Criar o universo permite que o espectador possa “escolher o seu próprio

caminho”, através do contato opcional com as extensões narrativas. O termo

“compreensão aditiva” de Neil Young designa “à forma como cada novo texto

adiciona um novo elemento de informação que nos obriga a rever a nossa

compreensão da ficção como um todo” (JENKINS, 2007) e torna a experiência de

fruição da narrativa mais real e interativa.

Propositalmente, existem espaços vagos entre as extensões e as obras que

formam o universo ficcional. Essas lacunas, também chamadas de gaps (JENKINS,

2007) são o espaço de ação dos fãs. Esses espaços tornam o universo expansível,

já que não imputam de obras prontas e cristalizadas, mas

[...], a inserção planejada de lacunas inquietantes no universo diegético para motivar os fãs a deduzir, planejar, imaginar, buscar no mundo ficcional conhecido qualquer indício de como aqueles vãos poderiam ser preenchidos de forma coesa e congruente com o material produzido pelos realizadores (TOLEDO, 2012, p. 28)

É curioso pensar que tanto no universo em que vivemos quanto em sua

representação ficcional, grande parte de sua constituição é espaço vago. O espaço

é previamente pensado para acomodar diversas experiências dos inúmeros

espectadores entre as obras estabelecidas e induz cada um a criar suas próprias

pontes necessárias à compreensão do universo, de acordo com sua vontade e seu

nível de interação. Dada a existência dos repositórios de informações, é facultado ao

espectador aceitar as pontes já previamente estabelecidas ou questionar as

soluções não-oficiais e criar outras teorias por outros caminhos. Longe de uma

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narrativa una, criam-se caminhos paralelos limitados apenas pela imaginação dos

fãs, e expande-se o universo ficcional a um nível imprevisível pelos criadores.

Na ilustração 5, há outra analogia, dessa vez das extensões que estruturam o

universo ficcional. Os pontos representam esses elementos. No centro em vermelho,

a representação da série televisiva que os concatena. As linhas são as possíveis

ligações que podem ocorrer com ou sem a interferência do produto principal ou seja,

da série televisiva. E entre eles, a existência proposital de espaços vagos.

Ilustração 5 - Analogia dos elementos estruturais e o universo ficcional

Fonte: Electrosphere (HAVEY, 2008)

Esses são preceitos importantes que demonstram possibilidades do universo

ficcional. A partir dos paradigmas estabelecidos e utilizar os elementos formadores

desse universo como balizadores, é possível traçar histórias paralelas,

subsequentes ou concomitantes com a narrativa principal, sem trair a coerência de

uma linha mestra. Dentro desse espaço expansível, desenvolver experiências

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múltiplas e particulares, apesar dos elementos estruturais estabelecidos de forma

fixa. Dessa forma, borra-se os limites entre real e ficcional que distribuem artefatos

diegéticos entre mídias diferentes e instigam o contato com a narrativa da série fora

do espaço comumente destinado a ela, a caixa preta da televisão. Após um projeto

coordenado de narrativa transmidiática, Lost acaba por integrar várias obras em um

universo que pode ser experimentado, compreendido e vivenciado conforme a

vontade do espectador.

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3. O UNIVERSO DE LOST

Tudo no universo caminha de forma indireta. Não existe linha reta.

Ralph Waldo Emerson (1870)

3.1 Obras do universo ficcional de Lost

Após instituir o seu universo ficcional, a narrativa transmidiática deve permear

as obras que fazem parte desse universo que criam a chamada “compreensão

aditiva”. As extensões narrativas podem oferecer conteúdo fundamental ou

complementar a compreensão dos espectadores. A técnica de como distribuir essas

informações entre as mídias e as diversas obras ainda suscitam dúvidas entre os

criadores desse tipo de narrativa.

[...] Produtores transmidiáticos têm encontrado dificuldades para atingir o delicado equilíbrio entre a criação de histórias que façam sentido para os espectadores da primeira vez e da construção de elementos que melhoram a experiência de pessoas que recebem informações em múltiplas mídias. (JENKINS, 2007)

Assim, torna-se um desafio conseguir criar uma narrativa que consiga

convencer tanto os espectadores do produto principal quanto dos fãs que

acompanham o universo ficcional através de outros canais. Em Lost, o produto

principal é a série televisiva. Outras obras têm seu conteúdo narrativamente

derivado e orbitam-na apesar de suas especificidades. Se soluções aos mistérios da

ilha forem ofertados somente aos que tem acesso as outras obras, os espectadores

assíduos da série televisiva podem se sentir traídos. Em contrapartida, os fãs que

buscarem se aprofundar no universo e não tiverem como recompensa conteúdos

relevantes oriundos das extensões também podem se frustrar. Assim, o equilíbrio da

distribuição de informações entre as diversas obras torna-se o ponto crítico de toda a

arquitetura do universo ficcional transmidiático.

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O quadro 1 classifica as obras de acordo com sua canonicidade, obras estas

que ajudam a construir a narrativa Lost. Apesar de todas as obras serem ligadas de

alguma forma ao universo ficcional, somente as canônicas podem constituir uma

narrativa crível em relação à “bíblia” ficcional15 e aceitas como oficiais pela base de

fãs.

Quadro 1 - Extensões de LOST quanto ao seu status de canonicidade ficcional

EXTENSÃO STATUS DE CANONICIDADE

Website da empresa aérea Oceanic Airlines Descanonizado

Diário do sobrevivente Apócrifos

Romances “LOST: risco de extinção”,

“LOST: identidade secreta” e “LOST -

Sinais de Vida”

Apócrifos

Romance metaficcional “Bad Twin” Canônico

A.R.G. “Lost Experience” Canônico

Mobisodes “LOST: Missing Pieces” Canônico

A.R.G. “Find 815” Canônico

A.R.G. “Octagon Global Recruiting” Canônico

Videogame “LOST - Via Domus” Parcialmente canônico

Repositório “LOST University” Não pode ser chamado de canônico

Mock-documentary “Os Seis da Oceanic -

Uma Conspiração de Mentiras”

Canônico

Mock-documentary “Mistérios do Universo – A Iniciativa D.H.A.R.M.A.”

Canônico

Repositório Lostpedia Não pode ser chamado de canônico.

Fonte: Glauco Madeira de Toledo (2012)

15 Glauco Madeira de Toledo define “bíblia ficcional” como: “O guia utilizado por produtores de ficção onde constam as normas que delimitam o que faz ou não parte do universo criado por eles, ou mesmo quais regras e leis da física se aplicam ali, recebe a denominação de “bíblia”. A escolha desse nome remete a um livro que seria considerado sagrado, que deveria ser seguido, ou que teria todas as respostas. Seria, enfim, o livro “das revelações” relativo ao universo ficcional.” (2012, p. 36)

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3.2 Status de canonicidade das obras

Segundo o quadro 1 (TOLEDO, 2012), algumas obras que são parte do

universo de Lost não pertencem ao “cânone”. Os critérios para a exclusão vão desde

a criação destas não estar vinculada aos canais oficiais ou conter informações que

violam a “bíblia” ficcional.

Dentre essas obras, está inclusive o website da empresa fictícia Oceanic

Airlines, excluído do “cânone” mesmo após fazer parte dele. O site, que era

acessado pelo domínio www.oceanic-air.com16 continha informações ficcionais

dispostas de forma semelhante a um site de qualquer empresa aérea real, mas com

informações pertinentes a serie. O motivo para a descanonização foi a apresentação

de duas mensagens de socorro escondidas no código fonte da página, por um

suposto sobrevivente chamado Sally. A mensagem é: “Se alguém encontrar esta

mensagem, por favor saiba que eu estou vivo e preso em uma ilha em algum lugar

do Pacífico Sul. Por favor, envie ajuda em breve. As coisas estão ruins. E elas estão

cada vez pior.... Eu sobrevivi a um terrível acidente aéreo e estou preso em uma ilha

em algum lugar do nordeste da Austrália e do sudoeste do Havaí. No caso de eu

nunca ser encontrado, por favor avise meu destino aos meus pais”17. Como não há

referência alguma a tal personagem no universo ficcional, torna-se inverossímil um

sobrevivente ter alterado o website da empresa. Como resultado, a obra foi

descanonizada pelos produtores da série. (TOLEDO, 2012)

O diário do sobrevivente foi uma sessão no site de Lost, ficcionalmente escrito

pela personagem Janelle Granger. Trazia comentários do cotidiano de um

sobrevivente condizente com os eventos que aconteciam na ilha. A linha da escrita

termina no fim da primeira temporada, quando a escotilha é aberta. Na segunda

temporada, um outro sobrevivente parece assumir o diário. O personagem Chris

Dobson teria encontrado o diário e continuado as anotações e um relato confuso

tornou a história incompatível com a mitologia da série, sem objetividade ou adição

16 Domínio desativado pela ABC, agora disponível em <http://archive.bigspaceship.com/oceanic-air/>. 17 Disponível ao acessar o código fonte do website <http://archive.bigspaceship.com/oceanic-air/>

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na compreensão da narrativa. O conteúdo foi removido do site e os supostos

personagens jamais citados na série. Os criadores revelaram em um podcast oficial

que a autoria dessa obra foi designada a equipe de marketing da própria emissora, e

que não participaram da criação. Logo, por não condizer com a narrativa e não ser

reconhecida pelos donos do universo ficcional, a obra é classificada como apócrifa.

Os romances LOST: risco de extinção, LOST: identidade secreta e LOST -

Sinais de Vida, diferentemente de Diários dos Sobreviventes são livros publicados

entre 2006 e 2007 e contam histórias paralelas de personagens secundários. LOST:

risco de extinção, Cathy Hapka, 2006, conta a vida de Faith Harrington. A

ambientalista acaba por embarcar no fatídico voo 815 da empresa Oceanic após seu

namorado Oscar assassinar seu orientador de PHD, Dr. Arreglo. O motivo do crime

é a ajuda do doutor a uma empresa química chamada Q Corp. Na ilha, Faith

interage com John Locke durante os dois primeiros dias após o acidente.

LOST: identidade secreta, Cathy Hapka, 2006, é sobre o sobrevivente Dexter

Cross, que antes de embarcar no avião que caiu na ilha fingia ser de uma família

rica para os amigos da faculdade e para a sua namorada Daisy. Ela descobre a

farsa e eles brigam. Ao cair na ilha, Dexter perde parte da memória, e a recupera

somente ao ver sua própria imagem e a da namorada em meio a floresta tropical.

LOST - Sinais de Vida, Frank Thompson, 2007, descreve a vida de Jeff

Hadley, um artista e professor famoso que pinta quadros e faz esculturas de

mulheres nuas e utiliza-se disso para relacionar-se sexualmente com elas. Após

uma vida de conquistas e abandonos ele sofre o acidente e cai na ilha de Lost. Vive

então em uma caverna e tem surtos psicóticos com seu passado. Os três romances

contam histórias paralelas que pouco tem haver com a narrativa principal, e os

projetos outrora integrado com os produtores da série acabaram por desvirtuarem-

se. Assim, segundo a classificação de Toledo são consideradas apócrifas.

O jogo “LOST - Via Domus”, jogo lançado em 2008 para videogames e

computadores é outra obra que não está no “cânone”. Escrito e dirigido por Gadi

Pollack, assume o ponto de vista do personagem Elliott, um fotojornalista

apaixonado por sua colega Lisa. O jovem descobre segredos sobre Zoran Savo e

Thomas Mittlewerk, nomes ligados a Fundação Hanso para tentar escapar do

guarda costas Beady Eyes que pretende destruir as provas e matar Elliott. O jogador

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que comanda os movimentos do personagem passa a interagir com personagens

principais da ilha, lidando com situações chave da narrativa principal. A

“canonicidade ficcional” é afetada, pois no jogo Elliott lida com passagens enquanto

na série as situações ocorrem com personagens diferentes. A jogabilidade é limitada

a caminhar pela ilha e as interações com os personagens principais pré-

estabelecidas. Toledo considera o jogo parcialmente canônico por não adicionar

conteúdo a série além do mapa real da ilha a ser explorado pelo jogador.

Os repositórios LOST University e Lostpedia não podem ser considerados

canônicos por não contar parte da história ou adicionar a narrativa. LOST University,

lançado em 2009 na Comic-Con foi um site que simulava uma universidade, com

cursos on-line ministrados por pessoas ligadas a equipe de Lost. Os cursos eram

divididos por semestre e abordavam assuntos como “Física Introdutória sobre

Viagem Temporal”, “Escrita Antiga na Parede” e “Inspiração e Expressão com Jack

Bender”. Ao matricular-se, o “aluno” deveria fazer um teste, cujo resultado

desbloquearia as videoaulas de apoio para uso no disco blu-ray integrante do box da

quinta temporada da série.

Já a Lostpedia é um exemplo de enciclopédia colaborativa. As informações

advindas de conhecimento empírico de vários fãs, boletins oficiais, matérias

jornalísticas, resumos de congressos e feiras são disponibilizadas gratuitamente na

internet. A biografia dos personagens, sinopses de episódios, descrição de objetos

de cenas permitem um mapeamento detalhado dos elementos da série. A

enciclopédia segue o modelo colaborativo e é gerida sob o modelo wiki, baseada

uma política para publicação de conteúdo e moderação. Qualquer pessoa pode

escrever um artigo e aumentar a base de dados, o que, colateralmente pode gerar

incongruências. O empirismo apaixonado, a falta de fontes e aplicação de teorias

pessoais, levam a não uniformidade do texto. A distorção de alguns conteúdos e a

autoria de fãs impedem que Lostpedia possa ser considerada canônica, apesar de

ser um repositório valiosíssimo sobre o universo ficcional.

Essas obras participam do universo ficcional de Lost, mas não pertencem ao

seu “cânone”, logo estão fora da esfera representada na ilustração 4. Para

estabelecer a narrativa principal de Lost, serão descritas as obras que, além de

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pertencerem ao “cânone” propiciam o “conhecimento aditivo”, compondo a narrativa

transmidiática.

3.3 Obras da narrativa transmidiática

Ainda segundo o quadro 1, as obras que compõe a narrativa transmidiática no

universo ficcional de Lost são:

o A série televisiva;

o O romance metaficcional “Bad Twin”;

o O A.R.G. “Lost Experience”;

o O A.R.G. “Find 815”;

o O A.R.G. “Octagon Global Recruiting”;

o Os mobisodes “LOST: Missing Pieces”;

o O mock-documentary “Os Seis da Oceanic - Uma Conspiração de

o Mentiras”;

o O mock-documentary “Mistérios do Universo – A Iniciativa D.H.A.R.M.A.”.

Apesar do programa televisivo ser a obra principal, é pertinente ao sucesso

da narrativa transmidiática que cada extensão, além de contribuir com a

“compreensão aditiva” contenha uma experiência independente. Jenkins ressalta

que “[...] O ideal é que cada episódio deve ser acessível em seus próprios termos,

mesmo quando faz uma contribuição única para o sistema narrativo como um todo. “

(JENKINS, 2007). Assim, a cada obra é assegurada existência individual, mas

mantida certa ligação ao corpo principal. Essa ligação não é direta, mas realizada

através de elementos chave, distribuídos pelas obras. O fã é induzido a reconhecer

esses sinais, e estabelecer o fluxo narrativo a partir da série televisiva, extensão

mais importante do universo ficcional de Lost.

Na ilustração 6, a série é representada por uma grande esfera orbitada pelas

extensões, lugares que os espectadores podem visitar para adquirir informações

complementares à narrativa.

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Ilustração 6 - Série como centro da narrativa transmidiática, orbitada pelas suas extensões Fonte: Elaborada pelo autor

A série televisiva é composta de 118 episódios distribuídos em seis

temporadas, e foi transmitida pela rede de televisão ABC entre os anos de 2004 e

2010. Durante as temporadas a trajetória e relações entre personagens são

apresentadas assim como mistérios inerentes à ilha. Ruinas misteriosas, fragmentos

de civilizações perdidas e personagens enigmáticos recheiam a trama. Os saltos no

tempo, característicos de ficção científica contrabalanceados com referências

religiosas, completam o caleidoscópio de referências que formam o corpus da série.

Grande parte da estrutura narrativa está na série televisiva. Tanto o ritmo quanto o

estilo da narrativa estão impressos nela.

O romance metaficcional Bad Twin, Laurence Shames, 2006, é um livro real

que foi publicado como sido escrito pelo personagem Gary Troup, morto no episódio

piloto e que também existe diegeticamente como manuscrito lido pelos personagens

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Sawyer e Hurley. Conta a história do detetive particular Paul Artisan, de carreira

decadente que investiga o sumiço de um dos irmãos Widmore. Os gêmeos de

personalidade “oposta” precisam estar juntos para que o pai divida a herança. Cliff

Widmore tem revelações sobre a própria vida, natureza humana e filosofia apoiado

por Artisan na trajetória da busca pelo irmão. O que possibilita a sua contribuição ao

universo ficcional é a utilização de elementos registrados pela equipe de Lost como

base da história. Esses elementos são a fictícia família Widmore, a Fundação

Hanso, os malfadados números, o restaurante Mr. Cluck’s Chicken Shack e os

personagens Penny Widmore e Cindy Chandler. O romance usa a lacuna deixada na

série sobre a origem da família Widmore e de seu interesse na ilha, além da

propriedade do navio negreiro Black Rock por Alvar Hanso. A história não adiciona

fatos novos a narrativa principal de Lost, mas o romance é utilizado pelo A.R.G. Lost

Experience como alvo do protesto de anúncios reais feitos pela empresa fictícia

Hanso Foundation.

3.3.1 Jogos de realidade alternativa

Os A.R.G.s Lost Experience, Find 815 e Octagon Global Recruit foram jogos

de realidade alternativa criados pela equipe de Lost entre 2006 e 2008. Dario

Mesquita define A.R.G.:

Meio as possibilidades de formatos disponíveis para exploração da transmídia, há uma que detém todas as características da série [...], pois nela são encontradas as potencialidades da narrativa casadas numa roupagem de jogo lúdico, em que a realidade ficcional se transmuta com o cotidiano do espectador para torná-lo parte do universo fantasioso: o A.R.G., ou Alternate Reality Game (MESQUITA, 2010, p. 226).

Ao integrar o espectador ao universo ficcional, o A.R.G. potencializa a

utilização das experiências particulares do público, e as direciona a um objetivo:

Encontrar pistas que revelem o enredo da história contada. Ao participar dos atos, o

espectador é convidado a interagir com os elementos ficcionais e escolhe os

caminhos que melhor lhe satisfizer rumo a meta.

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O A.R.G. Lost Experience aconteceu no intervalo entre a segunda e a terceira

temporada da série em 2006. Em resumo, o jogo constituiu-se de peças publicitárias

que continham pistas e senhas encadeadas que se seguidas corretamente poderiam

esclarecer mistérios da narrativa principal de Lost. O jogo começou com a exibição

de um comercial informativo no intervalo do episódio 2x20 Two for the Road. O

número de telefone mostrado ao final do anúncio levava a uma senha a ser colocada

no website da Fundação Hanso e daria acesso a outras informações escondidas na

página. No mesmo mês, “Bad Twin” foi lançado e a fictícia fundação comprou

anúncios em vários jornais. Esses anúncios continham mensagens de repúdio a

obra que denegriria a imagem da empresa. Então, várias peças publicitárias de

empresas ligadas a série passaram a esconder códigos de acesso a sites, e

liberavam vídeos, entrevistas e podcasts com conteúdo relevante. No decorrer do

jogo, um ator caracterizado como executivo da empresa foi a um programa de

entrevistas sem identificar-se como personagem, e repudiou o romance. Após um

tempo, a hacker revelou-se como a ativista Rachel Blake, que lutava contra supostas

atrocidades cometidas pela fundação. Apareceu em carne e osso na feira Comic-

Con e acusou os criadores de conspiração durante um painel de discussões em

torno da série. Cartazes foram colados na cidade de San Diego, CA e indicariam que

o A.R.G. “não era um jogo”. Barras de chocolates foram distribuídas com códigos e,

no último “ato”, a personagem Rachel encontra Alvar Hanso, suposto presidente da

fundação, que revela a ela ser seu pai.

Find 815, o segundo A.R.G. de Lost gira em torno de Sam Thomas

especializado em tecnologia da informação, em busca de sua namorada Sonya. O

personagem começa a receber e-mails com dicas sobre o desaparecimento do avião

após a empresa aérea Oceanic Airlines afirmar que as buscas por sobreviventes

estariam encerradas e que os passageiros da aeronave estariam mortos. Ele, então,

embarca em uma misteriosa expedição de busca com destino a Fossa Oceânica de

Sunda, Indonésia. Após várias reviravoltas, Sam descobre que o real motivo da

expedição é encontrar o “Black Rock”, navio negreiro desaparecido em 1881. Ao

chegar ao local, Sam controla um robô, que encontra o avião no fundo do mar, com

os passageiros mortos a bordo. O jogo não foi produzido pela ABC, mas terceirizado

por uma empresa chamada Hoodlum. Assim, os criadores de Lost negaram

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participação na sua criação. A interação era bem menor do que em Lost Experience,

e foi realizada por sites e vídeos. Sua contribuição ao universo ficcional veio ao

extrapolar uma passagem da narrativa principal: um avião comercial foi comprado

por Charles Widmore e colocado no fundo do oceano repleto de cadáveres retirados

de um cemitério. Na série, podemos constatar que esse artifício foi utilizado para

esconder a existência e a localização da ilha pela empresa dos Widmore.

O terceiro A.R.G. de Lost, chamado de Octagon Global Recruiting ocorreu

entre a quarta e a quinta temporada. Começou com um comercial de televisão em

nome de Octagon Global Recruiting que convidava o espectador a participar do

processo seletivo para trabalhar na empresa. Na Comic-Con 2008 em San Diego,

durante um painel de Lindelof e Cuse foi exibido uma gravação de uma suposta

transmissão secreta do passado, em que o personagem Pierre Chang clama pela

reconstrução da Iniciativa D.H.A.R.M.A., ao prever sua morte e de seus

companheiros pela purgação. Na convenção, uma suposta funcionária da empresa

de recrutamento cadastrava os fãs e liberava o acesso ao site do projeto. Assim o

candidato era submetido supostos testes admissionais e avançava no processo. O

jogo foi cancelado em 25 de novembro e a explicação oficial foi a de que a Iniciativa

D.H.A.R.M.A., sem recursos financeiros havia sido vendida para a franquia Lost. A

contribuição do jogo para o universo ficcional foram a revelação do nome verdadeiro

do personagem Pierre Chang, a revelação morte dos membros da Iniciativa e que,

através de alguma anomalia, Chang tinha contato com o futuro.

Esses três A.R.G. oferecem uma interface diferente de contato com a série e

utilizam elementos diegeticos fora do espaço ficcional. O ato de seguir e decifrar as

pistas, possibilita uma nova camada de compreensão e interação entre espectador e

criadores. O A.R.G. integra também os anunciantes à narrativa através de

associações das empresas não-ficcionais com fictícias, como no caso da Jeep que

forneceria os veículos da Iniciativa D.H.A.R.M.A., ou da Verizon, fornecedora de

telecomunicações. O ponto negativo é que a imersão dos fãs foi uma experiência

sentida apenas nos locais em que o A.R.G. foi disponibilizado, fato que privou um

público maior das sensações de conquista dos jogos. É possível observar também

que o primeiro A.R.G. Lost Experience foi o melhor contextualizado e engendrado, e

no decorrer da série, a estratégia perdeu força com os dois A.R.G.s subsequentes.

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3.3.2 Mobisodes – Missing Pieces

Os mobisodes Missing Pieces foram pequenos episódios com duração de um

minuto e meio a três, em treze episódios desenvolvidos pela produção de Lost para

a exibição em celulares. Patrocinados pela empresa de telefonia Verizon, foram

distribuídos inicialmente para seus clientes, e disponibilizados após no site da ABC18.

São extensões que complementam os episódios com cenas que parecem ter sido

excluídas do episódio original. O pioneirismo da ação trouxe problemas com os

sindicatos dos atores, que não sabiam como seria a distribuição dos lucros em uma

plataforma como essa. Em relação ao conteúdo, os mobisodes não são essenciais

para a compreensão da história, mas adiantam informações que somente seriam

fornecidas na série tempos depois, como os poderes paranormais de Walt, a relação

de Juliet com os sobreviventes e até uma cena anterior ao mostrado no episódio

1x01 “The Pilot Part.1”. Essas cenas não mudam o curso da narrativa mas

aprofundam momentos não essenciais dos personagens principais.

3.3.3 Mock-documentaries “Os seis da Oceanic” e “Mistérios do Universo”

Os mock-documentaries ou mockumentaries “são um tipo de ficção que se

apropria dos procedimentos estilísticos do documentário e/ou da reportagem

jornalística. “ (CÁNEPA; FERRARAZ, 2013, p. 85), o que gera um produto ficcional

com estética semelhante a algo jornalístico. A utilização desse modus operandi dá a

obra “ares” de documento fatual, quando na verdade, não passa de uma criação

fictícia. No universo ficcional de Lost, há dois exemplos de peças nesses moldes: Os

seis da Oceanic: Uma Conspiração de Mentiras e Mistérios do Universo – A

Iniciativa D.H.A.R.M.A.

Os seis da Oceanic: Uma Conspiração de Mentiras foi lançado como vídeo

bônus nos boxes de DVDs e Blu-rays da quarta temporada. O documentário ficcional

18 Os Mobisodes eram acessados através do endereço eletrônico disponível em <http://abc.go.com/primetime/lost/missingpieces/index?pn=index>

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contesta a versão “oficial” da história que a companhia Oceanic Airlines sustenta do

acidente aéreo. Para preservar seus amigos e a própria ilha Jack, Sun, Kate, Aaron,

Hurley e Saiyd combinaram mentir sobre as condições da queda do avião para a

imprensa. O vídeo contesta esses “fatos”, com especialistas e testemunhas, e

deflagra uma possível “conspiração” engendrada por empresas poderosas aliadas

ao governo. Contribui para o universo ficcional ao fornecer um outro ponto de vista

sobre a aceitação passiva dessa versão absurda do acidente contada pelos

sobreviventes, o que aumenta a coesão ficcional.

Mistérios do Universo – A Iniciativa D.H.A.R.M.A. utiliza recursos estéticos

dos documentários exibidos nos anos 80 pela ABC sobre mistérios e mitos, e conta

a história da Iniciativa D.H.A.R.M.A. como se fosse uma organização secreta e de

fins escusos. A narrativa induz a dúvida da realidade de tal instituição através de

depoimentos de pessoas sobre o desaparecimento de conhecidos, compra de armas

e mantimentos ligados a instituição. Outra associação feita é a da D.H.A.R.M.A. com

a região conhecida como “Área 51” nos Estados Unidos, famosa por ser cercada de

teorias da conspiração. A contribuição do mock-documentary ao universo ficcional foi

a de fornecer profundidade histórica a uma instituição fictícia e endossar sua aura de

mistério e evidenciar uma visão privilegiada do fã de Lost, que acaba por ter mais

conteúdo sobre a Iniciativa do que os supostos produtores do documentário.

Ambos os filmes pretendem valorar a ficção através da estética documental.

São paródias explícitas para os fãs. Mas provocam ao dar contornos fatuais a

acontecimentos diegeticos. O estranhamento está em sintonia com os intuitos dos

A.R.G.s, e o permear entre ficcional e não-ficcional utilizado como característica que

integra essas extensões perfeitamente no contexto do universo ficcional.

3.4 Distribuição da narrativa transmidiática

A narrativa de Lost é constituída por elementos distribuídos entre a série

televisiva e as extensões canônicas. Para manter o universo coeso e respeitar a

“bíblia” ficcional, somente extensões canônicas participam da narrativa e a

oficializam como transmidiática. Dada a importância do conteúdo, ele pode ser

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recorrente em mais de uma mídia, aprofundado em uma outra ou estar

completamente disposto na série se instituído como fundamental.

Ilustração 7 - Distribuição da narrativa por temporada da série e extensões.

Os blocos representam histórias diferentes de que a série trata e as cores o

período em que elas ocorrem na diegese. A narrativa é apresentada no tempo

presente, com o espectador que observa as histórias em terceira pessoa, salvo

exceções em que a câmera subjetiva é utilizada como recurso. Os períodos

retratados são fragmentados em cenas, e distribuídos pelos capítulos e temporadas,

e utilizam recursos de montagem, como flashbacks, flashforwards e flashsideways.

MÉDICO PASTOR

JACOB/M.I.B.

Série

PERÍODO 2004-2007*

EXTENSÕES

PERIODO 2000ac -1881*

1a Temporada (2004/2005)

Sobrevivência

2a Temporada (2005/2006)

Exploração

3a Temporada (2006/2007)

Os “Outros”

5a Temporada (2008/2009)

Redenção

4a Temporada (2007/2008)

Liderança

6a Temporada (2009/2010)

Batalha final

MOCKUMENTARY Os Seis da Oceanic

(2008)

MOCKUMENTARY Mistérios do Universo

(2009)

ROMANCE Bad Twin (2006)

A.R.G. Lost Experience (2006)

A.R.G. O.G.R. (2008)

A.R.G. Find 815 (2007/2008)

MOBISODES Missing Pieces

(2007)

EXÉRCITO OUTROS

BLACK ROCK INFÂNCIA DE JOHN LOCKE

INICIATIVA D.H.A.R.M.A.

D.H.A.R.M.A. O FAROL

O PEQUENO BEN LINUS

TEMPLO

DOBRA DO TEMPO

PURGAÇÃO

EXPEDIÇÃO FRANCESA

PERÍODO 1977-2004*

PERÍODO 1881-1954*

PERÍODO 1954-1977*

CONSTANTE

A QUEDA DE LOCKE

ESCOTILHA

IRMÃ

GRÁVIDA

CASAL KWON

O GOLPISTA

A FUGITIVA

O MÚSICO

TORTURADOR

MÁ-SORTE

PERÍODO >2007*

FUTURO PARALELO

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3.4.1 Descrição da narrativa em períodos

Os períodos retratados em Lost imbricam-se em uma longa narrativa, iniciada

diegeticamente em aproximadamente 2000 anos antes de Cristo, com fatos

ficcionais que remetem seguramente a 2007 e outros sem qualquer marcação

temporal. A seguir um panorama da narrativa organizada dos períodos em

sequência.

3.4.2 Período de 2000 a.c. à 1881

Jacob/M.I.B, a história de Jacob e o homem de preto - Há 2000 anos, uma

náufraga chamada Cláudia acordou em uma ilha tropical. Uma desconhecida

ofereceu-lhe água e fez seu parto. Após o nascimento das crianças, ela foi

assassinada pela parteira. Nasceram Jacob e um bebê sem nome.

Aos treze anos, os meninos encontraram um jogo e começaram a jogar. O

menino sem nome, que veste sempre preto teve visões de sua verdadeira mãe

envolta em luz. Começou a segui-la. Ela mostrou-lhe a aldeia dos outros, e afirmou

que vieram do outro lado do mar assim como eles. O menino de preto, confuso, vai

tirar satisfações com a mulher que os criou. A mulher fala que não há nenhum outro

lugar, mas que na ilha existem habitantes que são corruptos, matam e destroem. A

sua missão é proteger a luz que está em na caverna, a mesma luz que cada ser

humano possui uma parte. Ela diz que os outros querem essa luz e se tentarem

pegá-la, a luz dos seres humanos apaga e a escuridão domina o mundo. O menino

de preto, alertado pelo espírito da mãe tenta alertar Jacob sobre as mentiras, mas

Jacob fica bravo e bate nele. O menino de preto implora a Jacob para viver com os

outros, mas Jacob prefere ficar onde está. A mulher fica irada e jura que o menino

de preto jamais sairá dali.

Dezessete anos depois, Jacob fia tecidos enquanto o homem de preto

trabalha num projeto para deixar a ilha. Em um dos encontros com Jacob, afirma que

realmente "seu" povo é ganancioso e ambicioso. Jacob avisa à mãe que o irmão

quer deixar a ilha. Ela vai ao seu encontro quando o homem de preto explica como

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sairá de lá. Como nunca localizou a caverna onde repousa a luz, decidiu cavar

poços em locais onde o magnetismo era anormal a fim de atingi-la por baixo. Em

seguida, desenvolveram uma roda de madeira que interferiria na luz, o que permitiu

a saída de lá. Esse êxodo não é uma opção para a falsa mãe dos meninos. Ela bate

com a cabeça do filho em uma pedra a fim de desacordá-lo e mata os outros

habitantes da ilha, além de destruir o mecanismo. Após o acontecido, ela leva Jacob

para a porta da caverna sagrada, e afirma que ele nunca deverá entrar lá. Faz o

encantamento para que Jacob vire o guardião da ilha. Ao retornar à sua morada, a

mulher vê a destruição e do jogo só resta uma pedra branca e uma negra. O homem

de preto esfaqueia a mãe e com ela agonizante, pergunta porque ela não quer que

ele deixe a ilha. Ela responde que é porque ama-o, agradece e morre em seguida.

Jacob vê a cena e bate em seu irmão que reafirma que Jacob não pode matá-lo.

Mas na verdade, não é isso que Jacob pretende. Ele joga o irmão na caverna, o que

destrói sua alma e transforma-o no terrível monstro de fumaça. O corpo sem alma é

disposto ao lado da falecida falsa mãe, e inicia-se o perpétuo jogo entre os dois,

além do mandato de Jacob como protetor da ilha19.

Black Rock e o escravo navegante - Richard Alpert (Ricardo, Ricardus) foi um

pobre aldeão que vivia com sua esposa no século XIX. Quando ela adoeceu, ele

cavalgou até a casa de um médico e implora por ajuda. Por não ter dinheiro, em um

ato de desespero ele golpeia o médico e rouba a medicação necessária. Mas a

salvação chegou tarde. Por matar o médico, Ricardo foi preso e condenado a morte.

Nem o padre perdoa seus pecados. Ao invés disso, vende-o como escravo para um

navio mercador. Com sádicos marinheiros e muitos outros como ele, o navio Black

Rock entra em uma tempestade e é jogado contra uma estátua enorme por uma

onda gigante. Ao acordar, Richard ainda acorrentado assiste ao monstro de fumaça

matar os marinheiros ao seu redor. Em sua forma humana, o homem de preto

convence o rapaz que ele morreu e está no inferno e para reencontrar seu amor,

precisa matar o diabo que se esconde na base da estátua. Incumbido da missão,

Richard vai de encontro a Jacob que prova que eles não estão no inferno. Ao

perceber que o rapaz foi ludibriado pelo seu inimigo, o protetor da ilha propõe um

19 Episódio 6x15 “Across The Sea”

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acordo: Richard viverá para sempre em troca de seus serviços de representante

entre ele e seus candidatos. Ele aceita e torna-se imortal também, e passa a exercer

a missão com fidelidade por muitos anos. 20

3.4.3 Período de 1881 a 1954

O exército dos "Outros" - Em 1954, liderados por Richard Alpert, o grupo dos

“Outros” protegem a ilha de invasores a mando de Jacob. Eloíse Hawking e Charles

Widmore pertencem ao grupo quando recebem os visitantes do futuro: John Locke,

James Sawyer, Juliet Burke, Miles Straume, Charlotte Lewis, Daniel Faraday. O

grupo acredita que esses estranhos viajantes são do exército americano

interessados na bomba de hidrogênio que possuem. Daniel é físico e se oferece

para desativar a bomba, já que sua casca rachada provoca queimaduras de

radiação. A ideia seria depositar chumbo na rachadura e concretar a bomba para

torná-la inócua. John Locke visita Richard e lhe entrega uma bússola e afirma que foi

o próprio Alpert que lhe deu o objeto no futuro. Diz que é o novo líder de seu grupo

no futuro, e pede para Richard confirmar ao lhe visitar assim que nascer, dois anos

depois21.

3.4.4 Período de 1954 a 1977

A infância de John Locke - Emily Locke é mãe de um menino prematuro

depois de ser atropelada. Depois de dias de luta no hospital, o bebê John é dado à

adoção e quem cuida dos trâmites é Richard. Após alguns anos, ele vai visitar o

menino, e se surpreende em como John joga gamão tão bem. Vê um desenho de

uma fumaça preta que atinge um homem no chão feito pelo garoto. Oferece alguns

objetos a John e pergunta quais "já pertencem” a ele. Quando o menino pega o tubo

de sementes, a bússola e a faca, Richard sai transtornado e diz que a criança não

20 Episódio 5x09 “Ab Aeterno” 21 Episódio 5x03 “Jughead”

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está pronta ainda. Quando adolescente, Locke só quer ser igual aos outros garotos

e diz a um professor que insiste que ele vá para uma escola de cientistas: "Não me

diga o que não posso fazer"22.

A Iniciativa D.H.A.R.M.A. - No início dos anos 70, a fundação Hanso

financiou o projeto de dois estudantes de doutorado, com o intuito de integrar

estudos de cientistas do mundo. As áreas de conhecimento passavam por

meteorologia, psicologia, parapsicologia, zoologia, eletromagnetismo e estudos

sociais. O nome do projeto é iniciativa D.H.A.R.M.A., sigla para Departamento de

Heurística e Pesquisas em Aplicações Materiais23. Através de uma instalação no

subsolo de uma igreja em Londres construída sobre uma área com acúmulo de

energia eletromagnética é possível localizar a ilha, já que esta conta com

propriedades semelhantes.

A estação Farol24 - Nessa ilha é possível o estudo e possível alteração dos

números da Equação de Valenzetti - 4 8 15 16 32 43 - que prevê a extinção da raça

humana. Vários recrutas viajam frequentemente para a ilha e constroem uma

estrutura gigantesca, com várias estações de estudo com propósitos específicos,

inclui linhas de comunicação com torre de transmissão, serviço automatizado de

entrega de suprimentos e uma comunidade organizada com escola para os filhos e

uma pequena vila para as famílias dos trabalhadores. As viagens são feitas através

de um submarino entre continente e ilha, e respeita sempre a janela de eventos

aberta aleatoriamente e detectada pela estação Farol. A convivência com os

habitantes originais da ilha não é pacífica, já que eles os consideram invasores. Mas

uma trégua é firmada, o que impede que os grupos se machuquem.

O pequeno Ben Linus - Ben é filho de Roger Linus e Emily Linus que morreu

ao dar à luz ao garoto, motivo pelo qual o pai culpou o menino a vida toda. Foi para

a ilha quando o Roger decidiu trabalhar na D.H.A.R.M.A. Ben é dedicado, mas se

distrai ao ter visões de sua mãe falecida pela janela da escola. Seguir essa visão é o

22 Episódio 4x11 “Cabin Fever” 23 Episódio 2x03 “Orientation“ 24 Episódio 5x06 “316”

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que o leva a conhecer Richard Alpert. Depois da movimentação da ilha feita em

2004, Sawyer, Miles, Juliet, e Jim Kwon são realocados de seu tempo para 1974 e

são recebidos como novos recrutas por Pierre Chang, infiltram-se entre os

trabalhadores e levam uma vida normal até 1977. Após a queda do avião da Ajira

Airlines em 2007, Jack Shephard, Kate Austen e Hurley Reyes também chegam do

futuro25. Sawyer, que já ocupa um lugar de chefia na iniciativa, integra seus amigos.

Só Sayid Jarrah que por não ter chegado junto deles, não consegue ser integrado.

Ele é então preso e torturado, e o jovem Ben ajuda-o a fugir da prisão. Ciente de sua

missão, Sayid dá um tiro em Ben e foge26. O menino está entre a vida e a morte,

quando Kate doa sangue para salvá-lo. A médica Juliet Burke tenta curá-lo, mas não

consegue. Eles decidem então levar o menino para Richard Alpert, que os alerta

sobre o menino perder a inocência. Ele diz que se levarem-no, ele será "para

sempre um de nós"27.

O templo - Há um templo secreto ilha, um lugar cercado por cinzas onde o

monstro de fumaça não pode entrar. Richard leva Ben ao lugar e cura o menino

graças as propriedades das águas especiais do templo. Charles Widmore desaprova

que o menino esteja ali, mas Alpert afirma que Jacob assim o quis28. Na vila

D.H.A.R.M.A., Daniel Faraday chega a 1977 em um submarino e um incidente

acontece: Na construção da estação orquídea, um colaborador sofre um colapso

cerebral ao perfurar o poço29. Desorientado, Faraday implora para que Charlotte

Lewis, ainda uma criança, jamais volte à ilha. A Iniciativa D.H.A.R.M.A. descobre que

os viajantes do futuro são infiltrados e perseguem-nos, mas Daniel segue seu plano:

encontrar a bomba de hidrogênio desativada vinte e três anos antes e detoná-la para

destruir o bolsão de energia acumulada. Assim, o acidente eletromagnético que

aconteceria trinta anos depois e vitimaria o avião da Oceanic Airlines nunca

aconteceria, fato que alteraria o passado dos viajantes. Para tentar descobrir a

25 Episódio 5x06 “316” 26 Episódio 5x10 “He's Our You” 27 Episódio 5x11 “Whatever Happened, Happened” 28 Episódio 5x12 “Dead is Dead” 29 Episódio 5x01 “Because You Left”

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localização da bomba, eles vão até o acampamento dos outros e ameaçam Richard,

mas Eloíse Hawking revida, e mata próprio filho que ainda não havia nascido30.

A dobra do tempo - Eloíse encontra o diário de Faraday e entende a

gravidade da situação que foi criada. Decide então colaborar e indica o local da

bomba. Miles descobre que Pierre Chang é seu pai. Perdoa-o ao descobrir que ele

evacuou a ilha impedir que seu filho e mulher morressem pela liberação de energia.

Muitos da D.H.A.R.M.A. além da jovem Charlotte e o bebê Miles fogem no

submarino31. Eloíse, grávida de Daniel, é impedida por Richard de ajudar na

detonação. Os viajantes do futuro retiram o núcleo da bomba e levam-no até o poço

perfurado na futura Estação Orquídea. No caminho, Sayid é baleado por um

funcionário da D.H.A.R.M.A. Jack joga a bomba no buraco, mas não há detonação.

Ao invés disso, uma anomalia magnética começa a atrair os metais em volta e

arrasta Juliet para o fundo do poço. A fim de detonar a bomba, a médica bate no

núcleo com uma pedra e uma explosão acontece, libera a energia eletromagnética

da ilha e dobra o futuro ao criar uma linha alternativa de tempo32.

3.4.5 Período de 1977 a 2004

A purgação - A vida continua na Iniciativa D.H.A.R.M.A., após o incidente da

construção da estação Orquídea ser superado. Vídeos de instrução gravados por

Pierre Chang são produzidos para instruir os novos recrutas. Após alguns anos, Ben

leva seu pai para passear e mata-o com gás venenoso. Os “Outros” também liberam

gás pela ilha através da estação Tempestade protegidos por máscaras e macacões

especiais, e matam os funcionários remanescentes da iniciativa D.H.A.R.M.A., com

exceção dos dois que trabalhavam isolados na estação Cisne. Essa estação tinha

30 Episódio 5x14 “The Variable” 31 Episódio 5x16 “The Incident part 1” 32 Episódio 5x17 “The Incident part 2”

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por função liberar parte da energia eletromagnética acumulada no bolsão da ilha o

que impede sua explosão33.

A expedição francesa - A torre de transmissão da D.H.A.R.M.A. transmite

incessantemente uma gravação que contém os números da Equação de Valenzetti.

Um grupo de cientistas franceses liderado por Danielle Rousseau, uma jovem

grávida, chegou a ilha em meio a uma tempestade que danificou seu barco34. Ao

firmarem um acampamento provisório, encontram Jin Kwon e ajudam-no35. O

monstro de fumaça sai de sua morada abaixo do templo e começa a matar um por

um. Ao final, Robert infectado pela maldade do monstro tenta matar a própria

esposa, mas Danielle reage e mata-o primeiro36. Ela vai até a torre de transmissão e

altera a mensagem para um pedido de ajuda em francês, dois dias antes de dar a

luz a pequena Alex37. Sua filha é sequestrada por Ben uma semana depois38, o que

faz a francesa permanecer á sua procura por anos. Danielle fica paranoica e constrói

inúmeras armadilhas para se proteger dos “Outros”. Ben leva a bebê ao

acampamento, mas Charles Widmore afirma que a vontade de Jacob é que a

matem. Ben diz que se fosse verdade, Widmore já o teria feito. Três anos depois, os

“Outros” expulsam Charles da ilha. Ele jura que um dia, Ben deverá escolher entre a

ilha e a menina39.

A constante - Desmond Hume, escocês, abandonou a futura esposa no altar.

Entrou no monastério e após um tempo descobriu que aquela não era sua vocação.

Conheceu então Penny Widmore filha de Charles, que agora é um rico empresário40.

Ao pedir permissão para casar com sua filha, Desmond é humilhado e acuado e

desiste da moça. No futuro ele tem uma chance de retornar e alterar essa parte do

33 Episódio 3x20 “The Man Behind The Courtains” 34 Episódio 1x09 “Solitary” 35 Episódio 5x04 “The Little Prince” 36 Episódio 5x05 “This Place Is Death” 37 Episódio 1x09 “Solitary” 38 Episódio 5x12 “Dead Is Dead” 39 Episódio 5x12 “Dead Is Dead” 40 Episódio 3x17 “Catch-22”

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seu passado e chega a comprar um anel de compromisso, mas é alertado por Eloise

Hawking sobre sua missão e desiste de fazê-lo41. Decide então servir a guarda

britânica quando, em um outro retorno temporal vai até a Universidade de Oxford

conhecer Daniel Faraday para buscar ajuda em relação as viagens temporais que

ocorrem na ilha. Confronta mais uma vez Charles que lhe fornece o novo endereço

de Penny. Desmond vai encontrá-la e pede que ela lhe dê seu número de telefone

para que, dali a oito anos ele ligue para ela42. Três anos depois, Desmond é

desligado do exército, e Charles tenta suborná-lo para esquecer sua filha43.

A queda de Locke - Ao tentar integrar-se a uma comunidade rural, John Locke

percebe que não consegue matar um outro ser humano44. Descobre que seu

verdadeiro pai, Anthony Cooper é um golpista que forja a própria morte para não

pagar uma dívida. Ao ajudar o pai com o golpe a fim de ganhar seu amor, ele perde

a confiança de sua noiva Helen. O pai também o abandona45. Após alguns anos, ele

vive deprimido e perde os benefícios fornecidos pelo governo por não querer fazer

terapia. Descobre que Antony Cooper pretende dar outro golpe, propor casamento a

uma senhora e roubar todo o seu dinheiro. Vai tirar satisfações com o pai e é

empurrado, cai da janela do oitavo andar e fica paraplégico. Cooper foge para o

México46.

A escotilha - Desmond chega aos Estados Unidos e decide entrar em um

concurso de volta ao mundo de barco organizada por Charles para recuperar sua

honra; Libby Smith paga-lhe um café e doa-lhe o barco do falecido marido. Penélope

encontra-o em um estádio e diz que Desmond foge. Ele conhece Jack Shephard no

mesmo lugar e depois parte em viagem. Em meio a uma tempestade, Desmond

acorda na ilha e Kevin o encontra. O funcionário da Iniciativa D.H.A.R.M.A. utiliza

uma roupa contra radiação e leva Desmond para dentro da estação Cisne. Instrui

41 Episódio 3x08 “Flashes Before Your Eyes” 42 Episódio 4x05 “The Constant” 43 Episódio 2x23 “Live Together, Die Alone part 1” 44 Episódio 3x03 “Further Instructions” 45 Episódio 2x17 “Lockdown” 46 Episódio 3x13 “The Man from Tallahassee”

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sobre digitar os números da Equação Valenzetti em um terminal e apertar o botão

vermelho a cada 108 minutos. O mecanismo libera energia eletromagnética que

vazou no incidente da estação Orquídea trinta anos antes. Desmond percebe que

está sendo enganado por Kevin após três anos sem parar de apertar o botão. Na

briga, ele bate a cabeça do companheiro em uma pedra e volta já com o contador do

computador zerado. Os objetos metálicos são atraídos para a parede e após digitar

os números o mecanismo teoricamente funciona, mas o descuido provoca a queda

do avião da Oceanic na ilha47.

O médico pastor - Jack Shephard, filho de Christian Shephard, é um cirurgião

especializado em operações de coluna. Subjugado por seu pai, ele tenta manter o

controle, mas nem sempre consegue. Apesar disso é um excelente profissional, e

salva inclusive a vida de sua futura esposa Sarah vítima de um acidente de carro48.

Por falta de tempo, o casamento deles acaba, e Jack acha que Sarah tem um caso

com seu pai49. O médico vira um alcóolatra e denuncia o pai por matar uma paciente

grávida por operá-la bêbado50. Christian foi para a Austrália após descobrir que tinha

uma filha lá, Claire Littleton. Jack foi encontrar com o pai e o encontrou morto em um

beco. Decidiu levar o corpo de volta aos Estados Unidos, mas teve problemas ao

embarcá-lo no avião da Oceanic51.

A irmã grávida - Claire Littleton viveu na Austrália até um acidente automotivo

deixar sua mãe em coma. O pai Christian, ao saber da situação, sugeriu eutanásia,

fato o que a ofendeu grandemente52. Sem rumo na vida engravidou de seu

namorado que após algum tempo abandonou-a. Decidiu dar o filho a adoção, mas

desistiu na última hora. Um vidente fornece a passagem de avião para que Claire

47 Episódio 2x24 “Live Together, Die Alone part 2” 48 Episódio 2x01 “Man Of Science, Man Of Faith” 49 Episódio 3x01 “A Tale Of Two Cities” 50 Episódio 1x11 “All The Best Cowboys Have Daddy Issues” 51 Episódio 1x05 “White Rabbit” 52 Episódio 3x12 “Par Avion”

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entregue seu filho para um casal em Los Angeles53. Ela pega o voo 815 da Oceanic,

grávida de oito meses.

O casal Kwon - Jin Kwon, coreano, filho de um pescador pobre e uma

prostituta54 casou-se com Sun Kwon, e foram parabenizados por Jacob durante a

recepção dos convidados55. Para obter a permissão do pai da moça para o

casamento, Jin foi obrigado a ser um capanga, o que desencadeou ações

controladoras em relação a esposa, além de atribuir a falta de filhos a mulher apesar

dele ser estéril56. Sun é acostumada a mentir para se livrar dos problemas desde

criança57 e sufocada pelo marido pretende aprender inglês e fugir para os Estados

Unidos. Seu professor de inglês torna-se amante e pretende fugir com ela. O pai de

Sun surpreende os dois na cama e manda Jin matá-lo, mas ele não tem coragem. O

amante se mata58. Sun considera abandonar Jin, mas percebe que ainda o ama

quando embarcam no voo 815 da Oceanic Airlines59.

O golpista - James Sawyer é um americano do Tenessee que vive de golpes.

Adora dar apelidos e seu jeito machista esconde suas virtudes. Sua infância foi dura,

pois o pai de John Locke seduziu sua mãe e quando seu pai descobriu a matou e se

suicidou em seguida. No enterro, Jacob deu-lhe as condolências. Mais velho,

também passou a enganar mulheres para roubar dinheiro. Conheceu Cassidy e teve

uma filha com ela, Clementine. Ele não admitiu a paternidade, mas abriu uma

poupança onde depositou dinheiro para a criança. Na Austrália, encontrou Christian

Shephard e beberam juntos antes de Christian morrer. Após uma briga de bar, foi

deportado da Austrália no voo da Oceanic60.

53 Episódio 1x10 “Raised by Another” 54 Episódio 3x18 “D.O.C.” 55 Episódio 5x16 “The Incident part1” 56 Episódio 2x16 “The Whole Truth” 57 Episódio 3x02 “The Glass Ballerina” 58 Episódio 3x02 “The Glass Ballerina” 59 Episódio 1x07 “In Translation” 60 Episódio 1x16 “Outlaws”

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A fugitiva - Kate Austen foi criada pela mãe e o padrasto até eles se

separarem. A mãe voltou a viver com seu pai biológico, um alcóolatra que abusava

da mulher e tentava abusar dela também. A situação a levou a incendiar a casa

enquanto o pai dormia e sua mãe a denunciou para a polícia. Um agente federal

começou a persegui-la, mas ela escapou todas as vezes61. Kate reencontra sua mãe

que diz pra ela nunca mais voltar62. A mãe de Kate fica doente e a fugitiva tenta

visitá-la, mas ela grita para denunciar a filha. Na tentativa de escapar, seu primeiro

namorado, Tom é assassinado63. Ela tenta se reestabelecer em vários lugares sem

sucesso. No seu último refúgio na Austrália é denunciada e capturada pelo agente

federal, que prende e leva-a de volta para os Estados Unidos no voo da Oceanic.

O músico - Charlie Peace foi da famosa banda de rock Drive Shaft, mas seu

vício em heroína atrapalhou a carreira e a relação com seu irmão, Liam. Em 1996

encontrou Desmond enquanto tocava violão na rua e salvou uma mulher de ser

assaltada64. A banda acabou depois que Liam foi a uma clínica de reabilitação e

tentou superar o vício. Charlie foi a Austrália para tentar convencer o irmão a voltar

para a banda, mas com uma família constituída, ele não aceitou. Charlie comprou

uma passagem no voo da Oceanic e se drogou no banheiro do avião65.

O torturador - O corajoso Sayid Jarrah, filho de um herói iraquiano, serviu o

exército como torturador por muitos anos66. Reencontrou sua paixão de infância

Nadia, e no momento em que deveria torturá-la ajudou-a a escapar67. Foi preso pela

CIA e teve que se infiltrar em um grupo terrorista em troca de informações sobre

Nadia. Pegou o voo da Oceanic para encontrar a amada na Califórnia depois de

procurá-la por sete anos68.

61 Episódio 2x09 “What Kate Did” 62 Episódio 3x15 “Left Behind” 63 Episódio 1x22 “Born To Run” 64 Episódio 3x21 “Greatest Hits” 65 Episódio 1x07 “The Month” 66 Episódio 2x14 “One Of Them” 67 Episódio 1x09 “Solitary” 68 Episódio 1x20 “The Greater Good”

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Má sorte - Hurley Reyes desenvolveu uma patologia alimentar depois do

abandono do pai69. Após um acidente com duas mortes, Hurley começou a comer

compulsivamente e entrou em um estado catatônico. Foi internado no Instituto de

Saúde Mental Santa Rosa, onde Libby também está, mas eles não se encontram.

Os médicos tentam convencer o rapaz de que o acidente não foi sua culpa. Hurley

inventa um amigo imaginário que age em seus desejos suicidas inconscientes70.

Quando sai do instituto mental, Hurley ganha na loteria ao jogar os números da

equação de Valenzetti, mas o dinheiro lhe traz muito azar71. Depois que um meteoro

cai no seu restaurante de fast-food durante uma entrevista ao vivo72. Hurley entende

que os números são amaldiçoados. Na busca por respostas ele vai até a Austrália e

na volta, pega o voo da Oceanic 815.

3.4.6 Período de 2004 a 2007

Sobrevivência (primeira temporada) – Em 2004, o voo 815 Oceanic Airlines

que ia de Sydney, Austrália com destino a Los Angeles, EUA cai na praia da ilha.

Jack tenta socorrer as outras vitimas apesar de também estar ferido. Hurley retira

comida que restou no avião e distribui para os feridos. Sayid organiza a retirada e

organização dos pertences da fuselagem. Kate ajuda Jack a suturar seu ferimento.

Locke joga gamão com Walt Lloyd, filho de Michael Dawnson. O golpista Sawyer fica

alheio a tudo e lê calmamente seu livro. O cenário e desolador. Há vítimas feridas

espalhadas pela areia junto a pedaços da fuselagem do avião e se assustam

quando o monstro de fumaça derruba arvores pelo caminho.

Quando Jack, Kate e Charlie decidem procurar o rádio do avião para pedir

ajuda, encontram o piloto do Oceanic 815 ainda com vida. Além de o comunicador

não funcionar, eles são obrigados a fugir do monstro de fumaça que mata o piloto ao

69 Episódio 3x10 “Trícia Tanaka Is Dead” 70 Episódio 2x18 “Dave” 71 Episódio 1x18 “Numbers” 72 Episódio 3x10 “Trícia Tanaka Is Dead”

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jogá-lo sobre uma copa de arvore. Os sobreviventes começam a explorar a ilha e

encontram vestígios das instalações da Iniciativa D.H.A.R.M.A. tais como uma torre

de rádio e ursos polares. As relações começam a ficar complicadas, pois eles têm

que defender um ao outro para sobreviverem e os segredos que eles escondem

atrapalham a confiança mútua. Eles encontram Danielle que ainda procura a filha

enquanto javalis famintos invadem o acampamento à noite.

Ethan, um dos "Outros" infiltra-se no acampamento com o intuito de raptar

Claire para aplicar-lhe remédios antiabortivos. Quando a água acaba, os

sobreviventes são obrigados a procurar outro lugar para viver. Enquanto Sawyer

esconde remédios e Jim impede Sun de interagir com as outras pessoas. As

privações começam a provocar alucinações em uns e afetar a saúde dos demais.

Após o rapto, Claire é encontrada com amnésia e Charlie começa a cuidar dela. É

quando se apaixonam. Ethan exige que devolvam sua refém e em um conflito, é

morto pelos sobreviventes.

Jin e Michael decidem construir uma jangada para deixar a ilha, mas a

embarcação é incendiada pelos "Outros" durante a noite, o que provoca sérias

desconfianças entre eles. Shannon Rutherford se apaixona por Sayid, mas seu

irmão Bonnie Carlyle é contra o relacionamento. Locke acha na floresta uma

escotilha no chão durante o acidente que mata Boonie. Claire entra em trabalho de

parto e Aaron nasce saudável. Danielle Rousseau alerta o grupo sobre os “Outros”,

habitantes nativos da ilha, raptores de bebês. Jin, Sawyer, Michael e Walt constroem

outra embarcação para sair da ilha. O grupo se separa já que alguns sobreviventes

passam a ir morar nas cavernas que Jack encontrou ao seguir a visão de seu pai

morto. A jangada dos sobreviventes é baleada pelos outros enquanto Locke explode

a porta da escotilha.

Exploração (segunda temporada) - Walt é sequestrado pelos "Outros"

enquanto Jin e Sawyer desaparecem. Os sobreviventes descem pela escotilha e

chegam a estação Cisne, que está vazia. Passam a habitá-la e revezam para digitar

o código e apertar o botão a cada 108 minutos conforme o vídeo de instrução

encontrado. Os "Outros" obrigam Jin e Sawyer a levá-los para o acampamento e

Michael foge pela floresta em busca do filho e encontra o outro grupo de

sobreviventes, os quais estavam na cauda do avião, e decidem juntar-se ao grupo

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principal. Ana Lúcia, policial e líder destes, faz Saiyd refém, mas logo o iraquiano se

liberta. Mr. Eko, um padre ex traficante de drogas, resgata Sawyer e leva-o de volta

ao acampamento. Então descobre que Charlie continua viciado em heroína, o que

abala Claire. Charlie sonha que o filho de Claire, Aaron está em perigo e prevê uma

doença que aflige o menino. Jack, Locke e Sawyer vão atrás de Michael floresta a

dentro. Hurley se apaixona por Libby, sobrevivente do outro grupo e Sun é ferida em

uma tentativa de rapto. Danielle aparece novamente e leva Saiyd como prisioneiro

para tentar descobrir se o iraquiano é um dos "Outros". Claire e Kate tentam

descobrir a cura para Aaron. Jack e Locke mantém o "Outro" como prisioneiro em

segredo do resto dos sobreviventes.

Sun revela a Jin que está grávida. Ana Lúcia interroga o preso, "Henry Gale",

que afirma que chegou a ilha em um balão. Ela, Charlie e Saiyd vão a selva

confirmar se a história de "Henry" é verdadeira. Locke deixa de apertar o botão para

ver o que acontece e as portas de aço fecham as saídas da escotilha o que prende

suas pernas. O refém Henry digita o código e salva Locke. Ao chegar da selva, os

sobreviventes descobrem que a história do prisioneiro é falsa. Hurley revela sua

compulsão por comida, e seu amigo imaginário incentiva-o a pular de um penhasco.

Libby salva-o por pouco. O falso Henry admite que é um dos "Outros", então os

sobreviventes decidem fazer uma troca: O falso Henry por Walt. Jack e Kate

resgatam Michael da selva enquanto Lock questiona sua fé na ilha, pois acredita que

voltou a andar por um propósito. Michael mata Ana Lúcia e Libby com tiros enquanto

o falso Henry foge. Para buscar respostas, Locke e Mr. Eko vão a floresta e

encontram um ponto de interrogação no chão; o pingo o lugar onde o monomotor

nigeriano que carregava o irmão de Eko caiu. Embaixo do avião, outra escotilha. A

estação Pérola, uma sala de controle que vigia a estação Cisne. Michael convence

Jack a resgatar Walt. Mr. Eko desiste de construir a igreja. Jack e Saiyd planejam

atacar os outros.

Desmond retorna a ilha depois de tentar escapar com seu o Elizabeth. Os

“Outros" capturam Kate, Sawyer, Jack e Hurley auxiliados por Michael. “Henry Gale”

é, na verdade, Ben Linus do bando dos “Outros”. Na escotilha Locke decide não

apertar o botão mesmo com os alertas de Mr. Eko e Desmond. Uma gigantesca

descarga eletromagnética toma conta da ilha, e Desmond aciona um sistema de

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emergência que destrói a estação Cisne. Dois pesquisadores detectam essa

atividade na Antártida e avisam Penny Widmore, namorada de Desmond sobre a

localização da ilha.

Os “Outros” (terceira temporada) - Os sobreviventes feitos prisioneiros tem

tratamentos diferentes. Jack deve operar Ben para retirar-lhe um tumor da coluna;

Sawyer e Kate quebram pedras; Hurley é libertado e volta para o acampamento. A

"Outra" Juliet Burke sugere a Jack que mate Ben na mesa de operação, mas o

médico salva o líder deles. A filha de Ben, Alex Rousseau ajuda Kate e Sawyer a

fugir. Quando um grupo de resgate sai do acampamento para salvar Jack encontram

outra estação D.H.A.R.M.A., “A Chama”, uma instalação de comunicação entre a ilha

e o continente. Roubam mapas do lugar se autodestrói. De posse da localização

exata da vila onde os “Outros” se escondem, seguem viagem até serem parados por

uma cerca supersônica de proteção que impede o monstro de fumaça entrar no

local. Locke é capturado por Ben e explode o submarino que levaria Jack e Juliet

para fora da ilha. Os "Outros" abandonam esse lugar e deixam Juliet para trás. Ela é

integrada ao grupo de sobreviventes apesar de operar como agente infiltrada. Claire

está muito doente, condição invariável para grávidas na ilha e Juliet utiliza a estação

médica "O Cajado" para aplicar medicamentos. No mesmo lugar, faz um ultrassom

em Sun e descobrem que o filho é realmente de Jin apesar de sua suposta

esterilidade.

Locke enxerga que sua missão é obedecer às instruções proferidas pela ilha.

Para isso, deve liderar o grupo dos “Outros”. Ben quer uma prova que Locke pode

fazê-lo. Matar seu próprio pai, que está amordaçado na ilha. John convence Sawyer

a matá-lo ao revelar que se trata do mesmo homem que provocou a morte de seus

pais. De posse do corpo, Locke vai ao grupo e descobre que Jacob é quem

comanda-os: Para provar que diz a verdade, ele e Ben vão para uma cabana. Ao

chegar, Ben fica enfurecido quando Jacob também fala com John e, no caminho de

volta atira nele e o joga na vala coletiva dos mortos da Iniciativa D.H.A.R.M.A. Juliet

monta uma armadilha para os "Outros" que desejam raptar as mulheres grávidas

entre os sobreviventes e coloca dinamite nas suas barracas enquanto Desmond

prevê a iminente morte de Charlie.

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Naomi, uma paraquedista aparece na floresta e diz que está em um navio

mandado por Penny para resgatar Desmond. A comunicação entre ela e a

embarcação é feita através de um telefone, mas está interrompida graças a

interferência da estação “O Espelho” e a torre de transmissão. Para reestabelecer a

comunicação os sobreviventes decidem desligá-las. O grupo dos "Outros" divide-se

para impedir os sobreviventes. Na torre de transmissão, Naomi consegue contato

com o barco, mas é assassinada por Locke que não quer sair da ilha. Ben é

capturado enquanto Alex e Danielle se reencontram. Dos sobreviventes que

pretendem desativar a estação, Charlie consegue falar com Penny que afirma que

não mandou barco nenhum a ilha. Após uma explosão ele morre afogado não sem

antes avisar Desmond sobre a situação.

Liderança e polaridade (quarta temporada) - O grupo racha. Locke não

deseja contatar o barco nem partir e Jack sim. Kate rouba o rádio via satélite e o

navio manda um helicóptero para a ilha com Miles Straume, Daniel Faraday,

Charlotte Lewis e Frank Lapidus a bordo. Esse grupo demonstra conhecer todo o

histórico dos sobreviventes e Sayid faz um acordo para irem ao barco. O helicóptero

parte, mas o voo perde a orientação dos instrumentos em uma tempestade

eletromagnética. Por causa disso, a consciência de Desmond volta ao passado e ele

desmaia. O chefe de comunicações do navio tem um colapso pelo mesmo motivo.

Desmond encontra Faraday no passado e o cientista informa que ele deve encontrar

algo que está em seu passado, presente e futuro para se estabilizar, senão os saltos

temporais causarão sua morte. Ao ligar para Penny, ele consegue se reestabelecer

no tempo.

Daniel e Charlotte tornam o gás da estação Tempestade inerte, salva os

sobreviventes de uma nova purgação. Bem, ainda prisioneiro, manipula Locke para

libertá-lo e livre, monta uma emboscada para matar Danielle Rousseau. Ao ver a

morte da mãe e do namorado, Alex grita que é filha de Ben e é capturada por

mercenários que estavam no navio; eles vão de encontro a Linus que não cede: Eles

matam-na. Claire vê o fantasma de Christian Shephard e segue-o até a cabana. Na

verdade, o Homem de Preto é quem está na forma de Christian. Os mercenários

decidem incendiar a ilha, mas antes que o façam são mortos pelo monstro de

fumaça. Sayid encontra um bote e leva os sobreviventes para o navio cargueiro. Ben

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sabe que o navio foi mandado por Widmore, por isso infiltrou Michael que finge ser o

faxineiro do navio com a missão de explodir o barco. Linus vai até a estação

Orquídea, desce e gira a roda de madeira e desaloja a ilha do tempo. O piloto Frank

Lapidus tenta salvá-los no helicóptero, mas a aeronave cai na água. Michael coloca

uma bomba no navio que explode. Os sobreviventes são resgatados pelo barco de

Penny que navegava ali perto.

Resgatados na Indonésia, os seis sobreviventes decidem mentir sobre o

destino do voo da Oceanic para proteger os que ficaram. No funeral de Christian,

Jack descobre que Claire é sua irmã. Sun dá à luz a sua filha, Jin Yeon. Após mover

a ilha, Ben acorda no deserto e vai para a Tunísia. Sayid reencontra Nadia e se

casa, mas ela morre. Desolado, começa a trabalhar como assassino de aluguel de

Ben, e mata quem está em torno de Charles Widmore. Ben encontra o antigo inimigo

e diz que matará sua filha assim como Charles fez com a sua, já que não pode

matá-lo diretamente. Kate visita Cassidy e lhe entrega o dinheiro da poupança feita

por Sawyer, e após isso é julgada por matar Wayne. Ela assina um acordo que se

compromete a não deixar a Califórnia por dez anos. Hurley começa a ter visões de

Charlie e, perturbado, volta para o manicômio. Jack vai visitá-lo e Hurley afirma que

eles devem voltar a ilha. Jack e Kate ficam noivos, e vão morar juntos com Aaron,

mas Jack começa a ficar paranoico e se vicia em drogas, o que termina a relação.

Redenção (quinta temporada) - Daniel explica que o passado não pode ser

alterado, mas que os sobreviventes estão se movem no tempo por causa da "roda

congelada" girada por Ben. Richard Alpert afirma que, para salvar a ilha da

destruição, os que saíram devem retornar e que Locke deve morrer. Charlotte,

exposta a mais tempo que os outros aos saltos no tempo começa a sangrar. Em um

dos saltos, Daniel consegue então contato com Desmond que está na escotilha e

pede para ele encontrar sua mãe na Universidade de Oxford quando sair da ilha. Os

que ficaram lá não sabem em que tempo estão. Daniel quer ir à estação Orquídea

em uma tentativa desesperada de parar os saltos no tempo, mas é tarde. Charlotte

morre em seus braços. No lugar em que costumava ficar a estação há um poço.

Locke desce por uma corda e em outro salto temporal, o poço desaparece com ele

dentro. O fantasma de Christian aparece e instrui-o a girar a roda de madeira o que

coloca a ilha de volta em seu eixo. É isso que John faz.

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Fora da ilha, Locke tenta convencer os outros a voltar, mas é assassinado

por Ben. Jack descobre a morte de John obituário do jornal e tenta suicídio. Walt e

Sayid vão visitar Hurley no manicômio e ele também está convencido que devem

voltar a ilha. Jack tenta convencer Kate a voltar, mas ela não lhe dá ouvidos. Ele

invade a funerária e encontra Ben, que afirma que eles vão voltar e levar o corpo de

Locke também. Sun encontra Widmore e encomenda a morte de Linus, mas esse

convence-os a voltarem. Kate deixa Aaron com a avó materna e parte. Com

instruções de Eloíse Hawking guiada pela estação Farol, eles pegam o voo 316 da

Ajira Airlines pilotado por Lapidus e pousam novamente na ilha.

O inimigo toma a forma de Locke e revela que Ben "o" matou. Enquanto

Jack, Kate, Hurley e Sayid vão parar em 1974, Sun e Lapidus descobrem que os

amigos estão no passado quando o fantasma de Christian Shephard lhes mostra

uma foto antiga, de seus amigos com macacões da D.H.A.R.M.A. Após o susto de

ver "Locke" vivo, Ben invoca o monstro de fumaça para lhe julgar sobre a morte de

Alex. O inimigo afirma que Ben deve obediência a "Locke". Ambos encontram

Richard, e pedem para ver Jacob. A intenção de "Locke" é matá-lo. O inimigo

convence Ben a esfaquear Jacob e jogar seu corpo nas chamas.

A batalha final (sexta temporada) - Com a explosão da bomba, voltam para

2007. Jacob em espírito pede para os sobreviventes levarem Sayid ao templo para

curá-lo. Jack descobre o seu propósito quando vê que foi observado e toma

consciência da sua missão. O homem de preto monta um grupo de seguidores para

sair da ilha no avião da Ajira e mata os que não querem lhe seguir. Charles Widmore

está em um submarino, observa a situação e pretende usar Desmond para derrotar

o monstro. Sawyer tenta enganar o homem de preto e o joga contra Charles para

roubar o submarino e fugir com os amigos, mas ele percebe. Quando chegam a ilha,

o avião está cheio de explosivos. "Locke" prontamente desarma as bombas e

engana os sobreviventes que tentam fugir no submarino. A embarcação explode e

mata Jin, Sun e Sayid.

A sabotagem revolta os sobreviventes. Jacob reaparece em espírito e passa

seu poder a Jack. O inimigo quer matar Widmore por acreditar que os candidatos

estão mortos, mas Ben atira em Charles por trás matando-o antes. Agora o homem

de preto pretende matar Desmond, ultimo vestígio da proteção de Jacob na ilha. Na

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busca pelo escocês encontra Jack. Inicia-se a batalha final. Os três descem pela

caverna até a fonte de luz e Desmond é o único que consegue desligar a fonte,

graças as suas capacidades de resistência eletromagnética. Em seguida acontecem

terremotos e a ilha começa a desmoronar. O resto dos sobreviventes foge para o

avião. Jack pode agora atingir o homem de preto, que volta a ser mortal. Depois de

uma luta intensa, Kate acerta um tiro no inimigo. Jack muito ferido, despede-se de

Kate que vai para o avião. Hurley e Ben ajudam Jack a ir para a fonte. Ele passa os

poderes para Hurley, salva Desmond e realiza a tarefa mortal de religar a luz da ilha.

O avião consegue decolar e salva os sobreviventes enquanto Jack morre no mesmo

lugar onde caiu quando do acidente do Oceanic 815.

3.4.7 Período após 2007

Futuro alternativo - O voo da Oceanic 815 pousou normalmente em Los

Angeles enquanto a ilha, destruída jaz no fundo do oceano. Jack tem um filho e não

é um bom pai. Ele tenta encontrar o corpo de Christian Shephard que foi extraviado

enquanto Kate foge do agente ao roubar um taxi. Claire está no banco de trás e ela

leva moça até o hospital. Locke perde seu emprego na fábrica de caixas de Hurley,

mas consegue outro como professor substituto na mesma escola em que Ben Linus

dá aulas. Ben Linus encontra uma oportunidade de conseguir o cargo de Diretor da

escola em que leciona se chantagear o atual diretor, mas na iminência de prejudicar

sua melhor aluna, Alex Rousseau, ele escolhe o bem da menina. Jin e Sun estão

infelizes. O pai de Sun obrigou Jin a entregar uma maleta com dinheiro para um

mercenário, pagamento esse que seria para o assassinato do próprio Jin. Com o

extravio da maleta, os mercenários o fazem refém. Enquanto isso, Sayid manipula

Nadia a casar com seu irmão. Depois de anos de reclusão ele se considera uma

pessoa boa, mas uma dívida com um agiota que o irmão contraiu o faz matar os

credores, os mesmos mercenários que aprisionam Jin. Sawyer é um bom policial é

parceiro de Miles Straume. Relaciona-se com Charlotte, mas a magoa. No final, tem

seu carro atingido pela fugitiva Kate e a prende.

Charles Widmore e Desmond se dão muito bem. Charles, casado com Eloíse

Hawking, tem dois filhos, o músico Daniel Faraday e Penélope Wildmore. Charlie

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Peace é contratado para fazer um show beneficente na casa dos Widmore.

Desmond, seu homem de confiança de confiança deve acompanhar o músico até a

mansão, mas Charlie alucinado tenta matá-lo. Desmond começa a ter flashes de sua

trajetória na ilha durante uma ressonância magnética, e vai procurar por Penny.

Eloíse não permite o encontro pois acredita que Desmond não está pronto.

Desmond encontra Daniel que descreve uma hipotética catástrofe impedida por uma

bomba de hidrogênio, e que não sabe como conhece essa história, já que é músico

e nunca estudou física. Incentiva Desmond a procurar Penny. Ao encontrá-la, ele

desmaia e acorda na ilha, dentro do submarino. Hurley encontra Libby internada em

um hospital psiquiátrico e ao beijá-la relembra os momentos que passaram juntos na

ilha. Após a revelação, Desmond vai até a escola onde Ben dá aulas e atropela John

Locke. John ferido é levado ao hospital que Jack trabalha. Sawyer interroga Kate.

Claire quer doar seu filho para adoção, mas a advogada de Desmond, Illana

intervém. Miles vai a casa de Nadia prender Saiyd, mas ele foge. Illana leva Claire

para a leitura do testamento de Christian Shephard e revela a Jack que ela é sua

irmã. Jack recebe uma ligação urgente, para que opere John Locke. Jack quer

descobrir como John ficou paraplégico e chega ao seu pai Anthony Cooper, que está

em estado vegetativo. O acidente que o deixou dessa forma foi a queda de um avião

que John pilotava. Locke não quer encarar a situação de ter ferido o pai, mas Jack o

incentiva a tentar operar a coluna para voltar a andar.

Jack acorda e percebe um sangramento enquanto Locke retorna à escola.

Desmond encontra Ben, espanca-o até Ben lembrar da ilha. Alex intervém e leva o

professor a sua casa para conhecer sua mãe, Danielle Rousseau. Desmond se

entrega a policia e Sawyer o prende e coloca-o na mesma cela de Sayid e Kate. Os

três presos serão transferidos, mas no caminho, Ana Lúcia liberta-os em troca de

suborno pago por Hurley. Eles se dirigem a casa dos Widmore. Desmond leva Kate

para a igreja de Eloíse e diz que é seu amigo, e que só quer partir. Hurley sequestra

Charlie em um hotel e vai para lá também. Jin e Sun se lembram da ilha quando a

médica Juliet faz um ultrassom. Boonie finge uma briga para reapresentar Sayid e

Shannon, que se beijam ao lembrar da ilha. No concerto, Daniel se apresenta a

Charlotte, e toca piano. Charlie vê Claire que começa a ter contrações e entra em

trabalho de parto. Kate socorre a moça e eles se lembram de tudo quando Aaron

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nasce. Eloíse pergunta a Desmond se ele levará Daniel quando partir, e ele diz que

deixará o rapaz ficar. No hospital, a cirurgia de Locke termina e, ao mexer os pés,

John se lembra da ilha. Juliet e Sawyer se encontram no hospital e se recordam

também. Jack chega ao concerto e encontra Kate e tem flashes do passado, mas

resiste a entender. Locke chega a igreja, e Ben pede desculpas pelo que fez a ele.

John o perdoa, e anda até a igreja. Kate leva Jack para ver o seu pai. Jack olha o

caixão que está vazio e se assusta ao ver o pai em pé. Pergunta porque Christian

está ali, se havia morrido, e Christian revela que eles estão mortos. Jack chora e

pergunta onde estão, e é informado que é um lugar que eles se encontram para

lembrar e poder esquecer. Christian diz que eles irão seguir em frente, para um lugar

a se descobrir. Ao descer, eles se cumprimentam e uma luz toma o recinto, e

absorve-os.

A narrativa de Lost é de viés edificante através das dificuldades extremas

enfrentadas pelos diversos sobreviventes submetidos a essas condições. Enaltece a

redenção perante revisitar as memórias dos momentos bons e ruins, superar o

passado e seguir em frente. Renega a um nível inferior as rusgas e disputas perante

ao objetivo de ser absorvido pela luz. Ao meu ver, para atingir tal objetivo utilizou de

alguns princípios básicos.

Segundo a máxima de que “o passado não pode ser alterado” proferida pela

personagem Eloíse Hawking a Desmond Hume, a história assume como lei o

principio básico da casualidade. Assim como o princípio de ação e reação de Isaac

Newton quanto ao movimento dos corpos, onde “toda ação gera uma reação igual

ou contrária” Lost procura encadear seus eventos em uma lógica. Através do

cruzamento das várias histórias paralelas, toda e qualquer ação passada dos

personagens gera uma reação presente, igual ou contrária. Conforme o avanço da

série, uma mudança de comportamento pode ser observada direciona-os a outro

caminho. Enquanto ocorre um evento de pouca importância para um personagem,

de forma sincronizada e muitas vezes no mesmo lugar acontece um fato que muda a

vida de outro. O universo ficcional da ilha reflete a premissa de um cosmo finito e

organizado em que os personagens atuam como engrenagens que trabalham juntas.

Uma pequena ação displicente de um provoca um incrível estrago no outro, assim

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como um ato heroico e suicida pode ter por resultado somente passar uma

mensagem.

Ainda há um caráter determinista na série que incomoda e engessa os

destinos dos personagens, somente quebrado pelo livre arbítrio de cada um. Se o

tempo de ilha é a tensão da manipulação desses personagens, a realidade paralela

é o alívio através de escolhas diferentes realizadas na dimensão etérea. O destino

final dos personagens não ignora a casualidade e perdoa suas dívidas com o

passado. Muito pelo contrário, eles pagam com a vida pelos erros que os levaram

para a ilha já que segundo o próprio personagem Jacob, são desgraçados e suas

vidas estão quebradas para sempre. Os erros só podem ser redimidos com o

sacrifício e em outro plano que não o físico. A oportunidade de mudança aparece

através do despertar de Desmond, uma espécie de anjo do tempo que liberta essas

almas perdidas em um ciclo ininterrupto de erros para a ascensão. Todavia alguns

ainda não estão preparados. Daniel Faraday e Ana Lúcia são deixados para trás, e

no caso do físico a culpa nem seria sua, já que vários dos erros foram cometidos

pela sua mãe. Se Desmond Hume é o anjo do tempo, Eloise Hawking é seu o

demônio por ter consciência do mecanismo. Esse fato não a livra do carma de seus

erros e a condena a vivê-los ininterruptamente pela eternidade.

Lost utiliza rupturas para mudar a trajetória da historia, seja no campo das

ações ou de espaço-tempo. O trauma desencadeia as mudanças de curso, como a

explosão da bomba atômica que dobrou a linha do tempo e os acidentes aéreos

trouxeram os sobreviventes à realidade da ilha. A ação pós-traumática confere

realismo nas ações extremas dos personagens, justificáveis pelas situações

extremas vividas por eles. Ao longo dos seis anos, Lost contrastou o realismo de sua

estética ao misticismo e a ficção científica, sem demonstrar em que ponto

exatamente a história terminaria. O penoso trajeto até a salvação não foi unânime,

mas chegou em algum momento e por diversos caminhos.

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4. O JOGO DO TEMPO

A teoria diz muito, mas não nos trás mais para perto dos segredos do “Velho”.

Eu, pelo menos estou convencido que “Ele” não joga dados

Albert Einstein (2015)

4.1 O jogo na diegese

O jogo é um elemento bastante presente diegeticamente em Lost. Suas

formas estão para a diegese como elemento estruturador; cerceiam, definem o tom

da história e assuntos recorrentes em vários episódios. A ambivalência torna-se

presente como função de desenho da personalidade dos personagens até para

compor as situações que os rodeiam além de levantar conflitos éticos e morais

conforme o avanço da narrativa. Os momentos de relaxamento encontram também

no jogo um reduto, das brincadeiras criadas pelos sobreviventes para escaparem da

dura realidade da ilha aos divertidos jogos de palavras que o personagem Sawyer

faz recorrentemente para apelidar os companheiros.

Inicialmente, a mitologia da série propõe que existam dois lados em uma

batalha épica. Jacob, o imortal protetor onipotente contra o Homem de

Preto/Monstro de Fumaça, que volta a sua aparência humana quando deseja. Por

muitos anos eles só tem a companhia mútua e para passar o tempo criam jogos e

apostas entre eles a partir de um antigo tabuleiro de Senet73, conforme ilustração 8.

O único desejo do Homem de Preto é deixar a ilha, mas não pode fazer isso sem

matar Jacob e o protetor do lugar viverá pela eternidade para que isso não aconteça.

Jacob observa através d’O Farol a vida de pessoas que estão desgraçadas e

procuram um motivo para viver. Como pode sair quando quiser, recruta possíveis

substitutos para sua missão de proteger a ilha e infiltra-se em suas vidas além de

73 É um dos mais antigos jogos de tabuleiro conhecidos e remonta ao Antigo Egito, cerca de 4000 anos atrás.

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influenciar em suas decisões. O monstro acredita que os que chegarem na ilha terão

maldade, por isso julga os corruptos e os mata.

Ilustração 8 - O homem de preto joga Senet com seu irmão Jacob.

Fonte: Lost-Media.com (2010)

No momento oportuno, os escolhidos viajarão na exata rota da ilha, que é

invisível no mundo real e só acessível em uma conjuração de espaço e tempo. Para

que um personagem se torne um possível substituto, ele deve ser tocado por Jacob

em algum momento de sua vida. Dessa forma, é impossível que seja morto pelo

Homem de Preto. As pessoas chegam à ilha através da janela de eventos cruzada

através de acidentes aéreos ou náuticos. A esperança de liberdade do Homem de

Preto é eliminar Jacob e seus possíveis substitutos para poder sair. Como não pode

matá-los diretamente, semeia a discórdia para que se eliminem. Jacob prefere

observar o jogo à distância e torce para que suas prévias intervenções façam do

livre arbítrio de cada um o resultado de sua substituição. Na história, pessoas

chegam na ilha e seus destinos são selados com a morte, algumas imediatamente e

outras muito tempo depois.

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O macabro jogo mítico justifica o fato de que duas forças de igual potência,

que não possam atingir-se diretamente, e precisem de peças para que as jogadas

aconteçam. A balança74 representa essa situação inicial de estabilidade. Logo, para

que os lances ocorram e o jogo aconteça, Jacob e o Homem de Preto precisam que

os sobreviventes dos desastres sejam suas peças, manipulados até encontrarem o

próprio destino na ilha. Constitui-se, diegeticamente um jogo milenar de agonia, uma

competição que selará o destino dos personagens.

4.2 Categorias dos jogos na diegese

Roger Caillois estabelece as categorias básicas de jogo, descritas no quadro

abaixo:

Quadro 2 - Divisão dos jogos, segundo Roger Caillois

DIVISÃO DOS JOGOS

AGÔN (Competitividade)

ALEA (Sorte)

MIMICRY (Simulacro)

ILINX (Vertigem)

PAIDIA

Algazarra Agitação Risadas

Pipa Paciência

Palavras Cruzadas

LUDUS

Corridas Lutas Atletismo

Não

-regu

lam

enta

das Cara ou coroa

Cantigas Trava-línguas

Imitações infantis Ilusionismo Bonecas Brinquedos Máscaras Disfarces

“Piruetas” infantis Carrossel Balanço Dança

Boxe Esgrima Futebol

Bilhar Damas Xadrez

Apostas Roleta Loterias em geral

Teatro Artes de espetáculo em geral

Toureiros Atrações de feiras Esqui Alpinismo Acrobacias Competições

esportivas em geral

Fonte: Roger Caillois, (1990)

74 Episódio 6x04 “The Substitute”

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Segundo o quadro de Caillois, a batalha entre Jacob e o Homem de Preto

está categorizada como agon, uma competição ou batalha regulamentada. Outra

instância de batalha em consonância com essa categoria de jogo é a de John Locke,

que percebe que pode mexer suas pernas outrora paralisadas no episódio piloto75 e

que propõe uma partida de gamão ao personagem Walt. Ele apresenta duas pedras

de mesmo tamanho e cor diferente, uma branca e uma preta. Pedras semelhantes

são vistas na mão do Homem de Preto disfarçado de Locke76, representado uma

série de simbolismos que definiriam o estilo da série desde o início.

Ilustração 9 - John Locke, o verdadeiro exibe as peças de gamão em 1x01 The Pilot, enquanto o Homem de Preto exibe as pedras que o simbolizam e ao seu irmão Jacob, em 6x04 “The Substitute”

Fontes: The Growning Arts (2012) Desmond Is My Constant (2010)

O uso das cores preto e branco que simbolizam o jogo de agon é frequente

nos enfrentamentos subsequentes na série. Jacob é o bebê que utiliza branco,

enquanto o Homem de Preto veste preto, fato que perdura pela infância dos

personagens e continua após adultos, o que sela o lado de cada um no jogo. Locke

inicia a série como um homem de fé e utiliza roupas claras, enquanto Jack, o homem

75 Episódio 1x01 “The Pilot part 1” 76 Episódio 6x04 “The Substitute”

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da ciência veste roupas predominantemente escuras. Fato idêntico ocorre com o

próprio Locke, que depois de morto e copiado pelo Homem de preto começa a

utilizar trajes escuros condizentes com sua personalidade malévola. Ben Linus, que

utiliza roupas claras veste-se tons escuros quando manipulado pelo Homem de

Preto, assim como Saiyd. Constantemente as paletas claras e escuras são

alternadas pelos personagens conforme o lado que suas ações seguem naquele

momento. Esse movimento a dualidade intensifica-se com o decorrer da série e

quase não se vê tons vibrantes nas roupas dos personagens durante sexta

temporada.

Os movimentos do jogo diegético ocorrem episódio a episódio e destituem um

lado como detentor de uma moral essencialmente boa ou ruim. Os interesses

efêmeros e profundos da própria sobrevivência definem em qual lado o personagem

em determinado momento. Enquanto crença e a fé movem alguns, a ciência e a

lógica motivam outros. Personagens essencialmente bons mentem deliberadamente,

como Sun ao trair seu marido77, enquanto outros essencialmente maus redimem-se

como Michael que ao sacrificar-se pelos amigos78. Outro exemplo de dualidade é o

de Ben Linus, que após ser manipulado e matar Jacob se arrepende, e ajuda a

derrotar o Homem de Preto. Conflitos éticos perseguem os personagens todo o

tempo, como a permanente fuga de Kate, os desentendimentos de Locke e Jack

com seus respectivos pais, o desejo de vingança que move Sawyer e Saiyd e a luta

contra a insanidade perpetuada por Hurley. Os personagens travam batalhas

internas tremendas a fim de superar traumas. A oposição e o conflito dão o tom ao

caminhar da história, como algo constante e de soluções pontuais e culminam na

resolução desses conflitos somente após o último episódio79.

A categoria do jogo de agon não é a única presente em Lost. Alea, o jogo de

sorte e azar é personificado pelo personagem Hurley. Eventos cunhados

fundamentalmente nesse tipo de jogo fazem a vida do personagem variar da mais

pura glória ao inferno em questão de instantes, o que ocorre ao acaso como em uma

77 Episódio 3x02 “The Glass Ballerina” 78 Episódio 4x08 “Meet Kevin Johnson” 79 Episódio 6x18 “The End part 2”

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roleta nefasta. Hurley é agraciado pela sorte a ponto de ganhar na loteria e

amaldiçoado da mesma forma por eventos aleatórios que ocorrem então, como o

infarto de seu avô, o incêndio da casa que comprou para a mãe, do melhor amigo ter

fugido com sua namorada e o suicídio de seu contador logo após um meteoro

destruir o restaurante que acabara de comprar80. Esses extremos entre sorte e o

azar são atribuídos aos números “amaldiçoados” que Hurley utilizou em no seu

bilhete de loteria e foram obtidos através de uma transmissão de rádio pirata.

O elemento que simboliza o jogo de alea em Lost é a sequência numérica “4

8 15 16 23 42”. A sequência completa é o exato número da escotilha em que vive

Desmond e o código do computador que precisa ser digitado a cada 108 minutos.

Mais do que isso, a cada vez que numerais são vistos, digitados, solicitados,

lembrados, são invariavelmente a sequência de dígitos ou ao menos parte dela. A

obsessão por esses números faz com que cada evento randômico de Lost seja um

caminho que leve fatidicamente um dos personagens para a ilha.

Há uma associação da contingência com o destino invariável na série. No

A.R.G. “The Lost Experience” fica claro que esses números são parte de uma

suposta equação que prediria a extinção da humanidade, a equação de Valenzetti.

O propósito da Iniciativa D.H.A.R.M.A. seria o de revertê-la através de testes

científicos, objetivo que falhou miseravelmente com a morte de seus integrantes. A

inevitabilidade do evento futuro questiona a própria existência de sorte e azar,

amarra os pequenos momentos a convergência de um único ponto. Essa visão nega

o livre-arbítrio dos personagens e pressupõe a manipulação como um caminho pré-

estabelecido rumo ao objetivo inexorável, fato que significa para Hurley a própria

loucura.

Se Jacob tocou cada um de seus possíveis substitutos para fornecer-lhes

proteção contra o Homem de Preto, essa poderia ser também a maldição da perda

do livre-arbítrio, já que cada hipotética escolha converte invariavelmente ao destino

fatídico. A manipulação da sorte dos personagens não seria direta, mas através da

alteração de normas do próprio universo que os cercam, e utilizam como ferramenta

80 Episódio 3x10 “Tricia Tanaka is Dead”

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eventos tipicamente aleatórios que ocorrem em suas vidas. O plano maquiavélico de

Jacob basear-se-ia em quebrar as regras do acaso do universo que rodeia cada um

de seus escolhidos a fim de vencer a batalha contra seu irmão, o que destrói a

presença do jogo de alea sua forma pura na trajetória dos escolhidos.

Se através do jogo de alea que Jacob manifesta sua estratégia, o Homem de

Preto utiliza o mimicry para ludibriar os personagens ao ser destituído de um corpo

humano após seu irmão jogá-lo na caverna de luz. A constituição de um monstro de

fumaça negra, amorfa, com força e tamanho descomunais81 é uma entidade imortal

enquanto não se apague a luz da ilha e pode tomar a forma de qualquer ser humano

que desejar contanto que o cadáver esteja na ilha. O Homem de Preto utiliza a

técnica da imitação para manipular primeiramente Jack ao tomar a forma de seu pai

Christian Shephard82. Em seguida, mata Mr. Eko na forma de seu irmão Yemi, morto

anos antes83. Faz o julgamento de Ben Linus quando este permite que os

mercenários matem sua filha Alex84 e engana Claire ao imitar seu pai, pois a moça

está paranoica85 por perder seu filho Aaron. Ao convencer Ben Linus a matar Locke

e trazer o corpo de volta à ilha o Monstro inicia a batalha final, com a aparência de

John Locke. Sua tática funciona muito bem até que Ilana descobre que o verdadeiro

Locke está morto86 o que de nada adianta, já que Ben mata Jacob em seguida.

Ao invocar a forma de entes queridos, o Monstro desestabiliza

emocionalmente os personagens e torna-os suscetíveis às suas manipulações.

Como em um jogo de máscaras em que não se percebe a identidade real do

manipulador, o Homem de Preto profana a forma conhecida daquele para quem se

deve algo e obtém a obediência à custa da culpa pessoal. Ao afirmar que os

sobreviventes são maus, o Monstro ataca os personagens pelo ponto mais fraco de

seus relacionamentos mais conturbados, justamente onde uma ação de negligência

81 Episódio 6x15 “Across The Sea” 82 Episódio 1x05 “White Rabbit” 83 Episódio 3x05 “The Cost Of Living” 84 Episódio 5x12 “Dead is Dead” 85 Episódio 6x08 “Recon” 86 Episódio 5x12 “Dead is Dead”

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ou subserviência gerou uma fissura impossível de ser sanada pela morte da outra

parte.

O Homem de Preto age ao personificar um simulacro (BAUDRILLARD, 1991),

a representação da pessoa morta, no sentido de uma forma sem substância ou

imagem destituída de realidade. Nada mais resta de quem se foi como representado

pelo nome do episódio 5x12 “Dead is Dead” onde o que “morreu morto está”, a não

ser por fragmentos de lembranças que residem no próprio manipulado envelopado

pela forma reconhecível do Homem de Preto.

As simulações ganham corpo pelos atores que mudam profundamente o seu

papel, como o ator Terry O’Quinn que se transforma da quinta para a sexta

temporadas quando o Monstro assume sua forma. Antes, demonstra em sua

atuação uma atitude de esperança e determinação através de diálogos que abrem

espaço ao livre-arbítrio. Após o ato, passa a ter atitudes de dominação em suas

conversas, e objetiva sempre um sentido claro de devoção pelo medo. A atriz Tania

Raymonde que faz a rebelde e constantemente amedrontada Alex ao interpretar o

Monstro muda completamente, olha fixamente para seu pai Ben Linus enquanto

espera um pedido de perdão para poupar-lhe a vida. Além da atuação distinta, a

máscara é reconhecida pelos tons escuros das vestes dos simulacros, como ocorre

com Sayid como relata o personagem Dogen em relação a possessão: “ - [...]“a

escuridão” tomou o corpo de Sayid e quando ela chegar ao seu coração, tudo o que

o Sayid é será perdido”87.

A quarta categoria de jogo ilinx é exceção em Lost, pois o clima de tensão na

ilha é quase que permanente. Raros são os episódios em que os personagens

permitem-se abrir mão de suas duras realidades a fim de brincar. O personagem

James Sawyer possui um humor ácido e dificilmente chama um companheiro pelo

nome ao inventar apelidos ligados com características físicas ou a profissão destes.

O motivo é que Sawyer evita relacionamentos e escapa de conversas sérias ao

desrespeita o interlocutor e utilizar o sarcasmo muitas vezes. Com o passar do

tempo essa caraterística imprime ao personagem uma imagem de despreocupação

87 Episódio 3x06 “What Kate Does”

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e segurança a ponto de compartilhar com Hurley e Charlie a maioria dos momentos

de descontração da série.

Hurley monta um campo de golfe para descontrair com os seus amigos88.

Hurley, Charlie, Sawyer e Jin encontram uma perua Kombi azul celeste com os

logotipos da Iniciativa D.H.A.R.M.A., o corpo do pai de Ben, Roger Linus, cervejas e

mapas. Ao consertar o veículo e empurrá-lo morro a baixo, os personagens podem

sentir a vertigem de uma montanha russa, uma desconexão momentânea com o

risco de morte iminente da sobrevivência substituído pela sensação de deleite89. Ao

saber da iminência de sua morte predita por Desmond, Charlie lista os cinco

melhores momentos de sua vida que inclui momentos de infância com o irmão Liam

e termina na noite em que conheceu seu grande amor, Claire90. Esse episódio tem

caráter redentor e de lembrança revivida, já que recapitula vários momentos bons de

Charlie pouco antes de seu sacrifício91. Essas poucas mudanças de clima não

fornecem necessariamente um cenário consistente para o estabelecimento do ilinx

como elemento diegético.

A categoria de jogos que impera sobre os outros e organiza diegeticamente a

história de Lost é justamente o agon em suas várias instâncias. A ameaça constante

do Monstro com seus truques, a influência da sorte por Jacob e os raros momentos

de deleite dos personagens complementam a série como movimentos da grande

batalha entre os irmãos. Como peças manipuladas, os personagens são induzidos e

trocam de lado com frequência na busca de sobreviver e conquistar poder ou obter

sua redenção ao final do jogo.

4.3 O jogo na narrativa de Lost

O jogo é elemento estruturador da história e da narrativa. O conjunto das

obras de Lost pode ser encarado como jogo, e o espectador é convidado a jogar e

88 Episódio 1x09 “Solitary” 89 Episódio 3x10 “Tricia Tanaka Is Dead” 90 Episódio 3x21 “Greatest Hits” 91 Episódio 3x22 “Through the Looking Glass”.

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utilizar elementos do universo ficcional e das obras. Desde o início da série, autores

frequentemente designam a narrativa transmidiática de Lost como jogo, ambiente

em que a experiência proposta pelos seus criadores é obtida plenamente:

Tanto o consultor criativo Jeff Pinkner [...] quanto Lindelof reconhecem que a atual tendência narrativa de Lost é moldada, talvez pela primeira vez na televisão, no mundo ficcional dos videogames. Como nos videogames – em que os jogadores adquirem novas armas e habilidades dentro de uma geografia digital própria e aprendem mais a respeito do jogo a partir da experiência dos jogadores on-line – tanto os personagens de Lost quanto a audiência adquirem sucessivamente as “armas” necessárias ao jogo. (PORTER; LAVERY, 2007, p. 31).

Assim, os criadores de Lost esperam de seu espectador uma postura

semelhante à de um jogador que experimenta o jogo e torna-se habilidoso através

do aprendizado dos sinais e pistas deixados pelos mais variados lugares do universo

ficcional. Esse comportamento segue o caráter investigativo típico dos personagens

na diegese que aprendem e apreendem as particularidades dos ambientes em que

estão inseridos. O jogar é possível graças as técnicas de construção de mundos

inerentes tanto a Lost quanto aos jogos de videogames.

Há várias formas de se caracterizar o jogo. Enquanto para Roger Caillois “o

termo jogo designa não somente a atividade específica que nomeia, mas também a

totalidade das imagens, símbolos ou instrumentos necessários a essa mesma

atividade ou ao funcionamento de um conjunto complexo” (CAILLOIS, 1990), para

Neva Leona Boyd é interessante distinguir o “ato de jogar (to play)” e “o conjunto de

regras estipulados que formam o próprio jogo (game)” (BOYD, 1971). Seguiremos os

conceitos de Boyd compartilhados por Bernadette Lyra92, que distingue quando a

palavra são empregada na atividade do jogo (play) ou em suas regras (game).

Ainda segundo Johan Huizinga, há certas características inerentes a forma do

jogo:

92 Bernadette Lyra compartilha da divisão de Boyd em seu artigo “Os jogos dos filmes”, onde define Game, jogo ordenado por regras em oposição a play, jogo livre.” (2005).

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Numa tentativa de resumir as características formais do jogo, poderíamos considerá-lo uma atividade livre, conscientemente tomada como "não-séria" e exterior à vida habitual, mas ao mesmo tempo capaz de absorver o jogador de maneira intensa e total. É uma atividade desligada de todo e qualquer interesse material, com a qual não se pode obter qualquer lucro, praticada dentro de limites espaciais e temporais próprios, segundo uma certa ordem e certas regras. Promove a formação de grupos sociais com tendência a rodearem-se de segredo e a sublinharem sua diferença em relação ao resto do mundo por meio de disfarces ou outros meios semelhantes. (HUIZINGA, 2000, p. 16).

Ao considerar o jogo como ação, Huizinga utiliza o conceito de play e isola o

ato de jogar da vida habitual como ato excepcional e de imersão. É interessante

destacar o caráter de gratuidade da atividade, suas particularidades espaço-

temporais e seu estatuto. Há ainda uma auto-identificação do jogador como tal,

assim como a formação de grupos especializados que se reconhecem e se

orgulham dessa condição. Lost acaba por preencher esses pré-requisitos através de

fatores construtivos que competem também aos jogos como o fato de quem

acompanhar a série não obtém lucros de qualquer espécie, possuir seu próprio

espaço-tempo além de contar regras particulares estabelecidas pela “bíblia” ficcional

e seu “cânone”. Somadas a isso, as comunidades de fãs engajadas promovem

encontros através das convenções físicas e virtuais através dos fóruns e

enciclopédias digitais altamente especializados. Então Lost é algum tipo de jogo

experimentado opcionalmente pelos fãs que se dispuserem a entendê-lo dessa

forma.

A ideia de que Lost pode ser jogado pode inicialmente contrastar com o

formato de seu produto principal, a série televisiva. Henry Jenkins relata em seu blog

que, em uma conversa com dois game designers, Jane McGonigal e Ian Bogost a

possibilidade de Lost ser um game que institui níveis ou fases que ocorrem

simultaneamente (JENKINS, 2006). O grande objetivo do jogo é resolver enigmas

como o significado dos números, o que há na escotilha, o experimento social ou o a

existência do purgatório através de um complexo quebra-cabeças, que exige peças

a serem coletadas para auxiliar a resolução. Ao final, o jogador obtém como

resultado um mapa reconstituído de acordo com a sua própria experiência.

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Na forma de série televisiva e em paralelo, desenrola-se uma história de

fundo bem construída com diversos personagens e seus pontos de vista, que são

utilizados como portas de entrada para que o espectador possa experimentar a ilha

de acordo com eles. E na sua base, o cotidiano dos sobreviventes, com suas

disputas e políticas cotidianas necessárias para o estabelecimento de uma mínima

sociedade construída a partir dos destroços do acidente que os vitimou. Jenkins

ainda avalia essa estratégia como sistema equilibrado, onde Lost coloca prazer e

interesses um contra o outro. O prazer de uma descoberta em um nível seria

concebido como contrapartida ao adiamento da resolução do enigma em outro. Aliar

esses dois modelos de jogo, incentivaria o engajamento e a participação dos fãs

com o desenrolar da série (2006).

A jogabilidade de Lost está atrelada ao nível que o espectador deseja entrar

no seu universo ficcional. O potencial jogador surge do interesse do espectador

casual, que se torna fã e imerge no universo ficcional a ponto de tornar-se um fã

hardcore. E os níveis pré-estabelecidos de Lost atendem os mais diversos públicos,

do espectador casual através da identificação com personagens ou com a sua

rotina, do fã que deseja montar o quebra-cabeças e descobrir os enigmas até o fã

hardcore, incessante a sua busca de detalhes que remontem o seu próprio mapa

ficcional a perfeição.

Smith enaltece a forma como Lost trabalha seus níveis de interação a fim

tornar seu universo acessível tanto aos espectadores casuais quanto aos fãs mais

engajados:

Lost magistralmente emprega progressão gradual do mundo e empresta convenções estruturais de videogames para criar um ambiente que incentiva a exploração. Este ambiente impulsiona os fãs hardcore a buscar mais informações, procurar conexões e obter uma melhor compreensão do mundo ficcional (SMITH, 2009).

Esse é um vestígio de que o universo ficcional de Lost pode ser expansível ao

possuir características de escalabilidade. A progressão desse mecanismo pode ser

controlada diretamente pelos criadores através do uso do “cânone”, mas a sua

exploração só aumenta de forma autônoma e participativa. Compartilha com o

videogame as estruturas convencionais do jogo e sua arquitetura de níveis a serem

explorados, e expansões criadas a posteriori, perfeitamente integradas ao contexto

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original. E tem em sua atividade alguns aspectos particulares inerentes a qualquer

outro jogo.

4.4 A natureza do jogo de Lost

Roger Caillois define que a natureza da atividade do jogo (play) é livre,

delimitada, incerta, improdutiva, regulamentada e fictícia, passível de categorização

de acordo com a divisão em que o jogo se adequar (1990). Esses parâmetros estão

presentes em Lost da seguinte maneira:

Liberdade – Huizinga afirma que “antes de mais nada, o jogo é uma atividade

voluntária. Sujeito a ordens, deixa de ser jogo, podendo no máximo ser uma imitação

forçada” (HUIZINGA, 2000, p. 11). O jogador deve ser voluntário e o gozo do jogo

depende fortemente disso. Qualquer coação ou obrigação descaracteriza o jogo

(play) como tal. Em Lost, quem acompanha a série é livre para fazê-lo e deixar de

fazê-lo a qualquer momento, assim como o aprofundamento nos níveis do universo

ficcional feito de livre e espontânea vontade, sem nenhum ônus de qualquer forma.

Quando se explora as pistas ao buscar a revelação dos enigmas ou elucidação do

quebra-cabeças, nada impede o jogador de parar sua busca imediatamente e voltar

a acompanhar a narrativa apenas pela televisão ou deixar a série de forma definitiva.

Há então, uma relação prazerosa estabelecida entre o jogador e o jogo (game), que

inspira fidelidade sem nenhum contrato estabelecido formalmente.

Delimitação - É necessário que o jogar (play) ocorra em um "(...)espaço

consagrado ao jogo (game) [...], a barreira absoluta que o deve separar do espaço

restante, enquanto durar a partida ou a audiência[...]” (CAILLOIS, 1990, p. 13).

Huizinga vai mais longe, e afirma que “o jogo distingue-se da vida comum tanto pelo

lugar quanto pela duração que ocupa” (HUIZINGA, 2000, p. 13). Há, portanto, limites

muito bem definidos, tanto na constituição do espaço onde acontece o jogo (play)

quanto no tempo em que ele ocorre. O “lugar sagrado”, também nomeado como

“círculo mágico” por Huizinga é particular ao jogo e contem peculiaridades distintas

do mundo cotidiano. Em Lost, esses espaços são os originais das obras que compõe

o seu universo ficcional, como a televisão, os sites de internet, os livros, e os

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videogames. Cabe aos A.R.G.s exceção por possuírem espaços compartilhados

com o mundo real sem fronteiras muito bem definidas, tais como anúncios em

revistas, os outdoors e os intervalos comerciais da televisão. Mas há oura fronteira

precisa e estabelecida que cerceia essas atividades: o tempo. Os “Jogos de

Realidade Alternativa” que compõe o universo ficcional de Lost têm data precisa de

início e término, com anúncios oficiais desses eventos, normalmente anunciados em

convenções oficiais específicas93 entre fãs e criadores: “O jogo inicia-se e, em

determinado momento, "acabou". Joga-se até que se chegue sucessão, associação,

separação. “ (HUIZINGA, 2000, p. 13). O jogo (game) é, dessa forma, inserido no

“círculo mágico”, cujas linhas delimitadoras são os próprios espaço-tempo privados

onde há fatalmente uma duração e um lugar reservados a ação de jogar (play).

Ficção - Esse princípio permite morrer94 várias vezes ao decorrer de uma

partida, sem que a integridade física ou mental do jogador seja de fato atingida. A

ação do jogador deve ser “...acompanhada de uma consciência específica, e de uma

realidade outra, ou de franca irrealidade em relação a vida normal. “ (CAILLOIS,

1990, p. 30). A certeza da ficção protege o jogador de colapsar ao ser exposto ao

jogo (game), apesar de certos jogos brincarem justamente com a perda

momentânea dessa certeza. Durante o tempo do jogo, a imersão quer borrar as

fronteiras entre realidade e ficção ao enganar a percepção através de sinais

sensíveis. No caso de Lost, enquanto a série televisiva não esconde seu caráter

ficcional, as suas extensões fazem justamente o contrário, a fim de “[...] desorientar

o jogador em relação a veracidade dos fatos narrativos e propositalmente multiplicar

seu potencial de gerar desorientação em seus espectadores (TOLEDO, 2012, p. 14)

A proteção da barreira ficcional é abalada enquanto dura o jogo (play), mas é

retomada logo após o término deste. A plena confiança no reestabelecimento da

ordem natural possibilita ao jogador atingir um estado de vertigem comparável,

nesse instante, ao pânico de experimentar essas mesmas sensações no mundo real.

93 Os A.R.G.s de Lost foram anunciados nas convenções Comic Con em São Diego 94 Termo dado a consequência de uma falha em uma jogada que impede o jogador de continuar. O jogador deve possuir novas “vidas” para dar seguimento a sua jornada.

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Incerteza - Em qualquer jogo não é fornecida nenhuma garantia de que o

jogador atingirá o seu objetivo. Independentemente se a meta do jogo for derrotar

um inimigo ou acertar uma combinação em diversos números aleatórios, é próprio

do jogo não garantir um resultado. Esse é o princípio que norteia o incentivo a

participação através da teórica igualdade inicial de possibilidades aos jogadores, e

os incentiva a doarem-se ao máximo em busca do objetivo. Dentro da comunidade

organizada de fãs de Lost, os jogadores puderam organizar os repositórios com

informações minuciosas sobre a série e adquiriam status dentro do grupo ao postular

teorias e publicar conteúdo relevante ao universo ficcional. Essa competição em

busca de elucidar os enigmas foi instigada desde o início pelos criadores da série,

porém o último episódio95 acabou por não resolver todas as questões abertas pela

série, fato que causou frustração em alguns fãs (VERSIGNASSI, 2010).

Improdutividade – Rege ao princípio que não é característica do jogar (play)

produzir algo, “[...]porque não gera nem bens, nem riqueza nem elementos novos de

espécie alguma; e, salvo alteração de propriedade no interior do círculo dos

jogadores, conduz a uma situação idêntica à do início da partida;” (CAILLOIS, 1990,

p. 29). Esse é a estrutura dos chamados “jogos de azar”, em que a perda da maioria

se converte em ganho para a minoria, sem contanto haver riqueza gerada além da

depositada no início da empreitada. Isso se deve ao jogo (play) ser “[...]uma função

que facilmente poderia ser dispensada, é algo supérfluo. Só se torna uma

necessidade urgente na medida em que o prazer por ele provocado o transforma

numa necessidade. “ (HUIZINGA, 2000, p. 11). Assim, o gozo é instigado pelo jogo

(play) ao jogador, mas arcado por ele. Esse investimento realizado por quem joga

pode ser realizado por meio de tempo somente, ou de tempo e bens. Atentemo-nos

ao fato de nos referirmos apenas ao ato de jogar (play), já que o jogo (game)

estabelecido em Lost foi claramente constituído com o intuito de gerar lucros através

de licenciamentos, publicidade, distribuição e direitos (VALOR ONLINE, 2006).

Regulamentação – Característica fundamentadora da estrutura do jogo

(game), o conjunto de regras cria a ordem do espaço delimitado pelo “círculo

mágico”, conforme destaca Huizinga:

95 Episódio 6x17 “The End part 1” e 6x18 “The End part 2”

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Reina dentro do domínio do jogo uma ordem específica e absoluta. E aqui chegamos a sua outra característica, mais positiva ainda: ele cria ordem e é ordem. Introduz na confusão da vida e na imperfeição do mundo uma perfeição temporária e limitada, exige uma ordem suprema e absoluta: a menor desobediência a esta “estraga o jogo”, privando-o de seu caráter próprio e de todo e qualquer valor. (HUIZINGA, 2000, p. 14)

Há, portanto, um caráter inflexível e essencialmente formal das regras jogos

(game) desse tipo. Elas são elaboradas através de estatutos e manuais, e os

criadores do jogo são seus juízes em última instância. Lembremos da reunião inicial

de Lost onde Damon Lindelof institui que os espectadores não conheçam os

“truques” que rejam o universo ficcional96. Sobra aos jogadores não a “bíblia

ficcional” com as regras oficiais a serem seguidas, mas uma reconstituição desta,

através de uma série de normas inerentes aos elementos ficcionais já estabelecidos.

Uma convenção firmada ao redor das âncoras fixadas pelos criadores, através dos

símbolos, códigos e cerimoniais comuns as obras do universo ficcional.

Caillois, no entanto chama atenção para uma aparente contradição: os jogos

são “ou regulamentados ou fictícios” (1990, p. 29). Como poderia o jogo

desenvolvido por Lost contemplar essas duas características? Jenkins encontra dois

jogos ao invés de um, em andamento simultaneamente: um jogo de enigmas e um

quebra-cabeças (JENKINS, 2006). Assim, o quebra-cabeças assume a característica

de ficção, montado de forma lúdica pelo jogador e pode perdurar por quanto tempo o

jogador assim o desejar. E o jogo de enigmas, altamente regulamentado, com

espaço e tempos rigidamente definidos, findo com a exibição do último episódio da

série onde tudo o que poderia ser revelado fora de fato.

4.5 A paidia e o ludus

96 De acordo com a ilustração 1 na página 27

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Entre esses vetores opostos estariam dispostos os jogos (play) de acordo

com suas características primárias. Bernadette Lyra alerta para uma bipolaridade

existente entre a improvisação (paidia) e as regras (ludus) quando a possibilidade do

jogo (play) está presente nos filmes:

As regras do ludus são organizadas de modo a ir, progressivamente, exercitando os jogadores no domínio do funcionamento do jogo, rumo a uma solução apaziguadora, à medida que vão dominando as dificuldades propostas. O mesmo ocorre com alguns filmes que primam pelos encaixamentos, articulações e pistas intrincadas ao longo da narrativa, exigindo do espectador uma postura atenta. Em outro tipo de filmes, o elemento visual ou sonoro é que desencadeia a experiência dos espectadores. Em geral, são filmes espetaculares, com muitos efeitos especiais, acúmulo e pirotecnia de imagens e de sons. Tais filmes criam nos espectadores uma espécie de desordem e agitação imediatas, voltadas para o ato de ver e ouvir, que remete a paidia. (LYRA, 2005, p. 2)

As regras do jogo (game) de enigmas de Lost solicitam ao seu jogador

extrema atenção para que a sua resolução seja de fato alcançada. As pistas são

deixadas em forma de código e a resolução destes depende diretamente da

visitação de mais de uma das obras do universo ficcional. Na franquia, os elementos

que cumprem esse papel são os números, logotipos da Iniciativa D.H.A.R.M.A., a

empresa Oceanic Airlines, os nomes Hanso e Widmore, os tabuleiros dos diversos

jogos, livros, sobrenomes de personagens, etc. Esse jogo (play), alinhado com o

conceito de ludus recompensa os seus jogadores pelo entendimento a fidedignidade

às suas regras.

Já no jogo (play) de quebra-cabeças, em que o objetivo final é restituir uma

história de Lost a partir das peças distribuídas na narrativa transmidiática as regras

não estão completamente claras e a paidia ganha parte do espaço. Existe vãos

entre as peças que o jogador deve preencher para linkar97 os elementos fornecidos.

Para Glauco Madeira de Toledo, deixar espaços não preenchidos entre os

elementos narrativos seria uma estratégia proposital...

97 Fazer uma ligação, vincular, levar através de um link

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[...]vinculada à potencialidade expansiva do universo narrativo transmidiático, a inserção planejada de lacunas inquietantes no universo diegético para motivar os fãs a deduzir, planejar, imaginar, buscar no mundo ficcional conhecido qualquer indício de como aqueles vãos poderiam ser preenchidos de forma coesa e congruente com o material produzido pelos realizadores. (TOLEDO, 2012, p. 28)

Os jogadores compartilham suas descobertas no espaço destinado as

comunidades especializadas a fim de testar suas hipóteses e se promover com os

avanços. Se mesmo assim os resultados dessa busca não resultarem em ligações

convincentes os fãs são capazes de ir além e produzir seu próprio material. Essas

soluções quando exteriorizadas chegam a ser produzidas e divulgadas em forma de

vídeos, filmes e livros e recebe o nome de fanfiction (STEFANELLI, 2015). Elas não

pertencem ao “cânone” ficcional das obras da franquia, mas agregam ao universo

ficcional outros pontos de vista, o que aumenta o repositório enciclopédico. Outra

vertente dessa prática são as teorias que buscam em fontes alheias ao universo

ficcional para dar sentido aos marcos estabelecidos através da interpretação

(BARBOSA, 2010a). Essas teorias podem ser disponibilizadas em acervos digitais

como a Lostpedia, ou livros ditos “guias não-oficiais, como Desvendando os

Mistérios de Lost (Novo Século, 2007) e Tesouros Enterrados de Lost (Novo Século,

2008). Existem também outros livros, focados em visões multidisciplinares dessas

teorias como “Lost e a Filosofia: A Ilha tem suas Razões” (Madras, 2008) e “Looking

for Lost: Critical Essays on the Enigmatic Series” (McFarland, 2011), exemplos de

repositórios não-oficiais que procuram oferecer atalhos de compreensão e caminhos

estabelecidos que pretendem facilitar ou até elucidar as ligações faltantes. As

hipóteses são compartilhadas nas comunidades de Lost, e as mais coerentes

resistem a debates e fóruns, o que as torna até mais verossímeis que soluções

apresentadas pelos criadores originais.

A inteligência coletiva (LEVY, 2007) representada por pelas comunidades de

fãs é capaz de juntar as peças do quebra cabeças de maneira eficiente e em muito

menos tempo do que o previsto98, o que faz o trabalho dos criadores algo

98 Dario Mesquita em seu artigo “Realidade Ambígua: Imersão em The Lost Experience” relata a o depoimento da produtora de A.R.G.s Elan Lee que conta como o jogo The Beast, planejado em três partes, onde um quebra-cabeças elaborado para ser resolvido em um dia, outro em uma semana e

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especialmente complicado. As experiências dos inúmeros jogadores somadas

expandiriam as suas capacidades a ponto de superar facilmente os obstáculos

impostos pelos criadores, o que reduz drasticamente o tempo do jogo (play). Os

A.R.G.s de Lost são exemplos de jogos (game) jogados coletivamente. Para evitar

que um jogo (play) dure menos do que deveria, os criadores atuam para limitar a

atuação da inteligência coletiva em suas extensões ao liberar eventos conforme uma

agenda e faz essa extensão ter alcance limitado.

O fundamento dos jogos (game) de Lost é comum, já que tanto as

informações que resolvem os enigmas quanto as peças do quebra-cabeças são

formadas por fragmentos perdidos de tempo. Para a elucidação dos enigmas, deve-

se reconstituir uma linha temporal através das peças perdidas, que expliquem da

melhor forma a história de Lost.

4.6 O tempo como recurso narrativo

Ao tratar do estudo de narrativas audiovisuais, o tempo é uma dimensão

indissociável desta, cuja função de casualidade encadeie os eventos diegéticos em

uma trajetória inteligível para o espectador99. As manobras que os criadores de Lost

utilizam em sua obra imbricada necessitam da exploração de alguns significados do

termo “tempo”, mesmo que sua conceitualização em gênese não seja algo

consensual. A estranheza a definição é tanta que vários sinônimos que definem o

tempo cobrem apenas em parte o seu significado. Vive-se o tempo, mede-se o

tempo, sente-se o tempo, mas o distanciamento necessário para pensá-lo torna-se

um exercício de abstração. Bernard Piettre traz a indagação como questão

constante na história da humanidade, a partir da máxima de Santo Agostinho:

outro que ficaria provavelmente sem solução até que os produtores dessem as respostas foram solucionados em um dia de jogo. (2010, p. 233) 99 Explicação construída a partir da definição de Johson-Lewis que cita Cameron: “Narratives are a "temporal arrangement of causally linked events" (2011, p. 15)

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O tempo é, certamente, um dos mais antigos enigmas, senão de interrogação humana, ao menos da filosofia. Conhecemos a palavra de Santo Agostinho: “Por conseguinte, o que é o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; porém, se quero explicá-lo a quem me pergunta, então não sei”. Nada, ao mesmo tempo, é mais familiar, mais próximo de nossa experiência cotidiana, do sentimento mesmo de nossa existência; e também nada de mais estranho e inatingível. (PIETTRE, 1997, p. 11)

Ao partir de uma abordagem multidisciplinar, Piettre resgata definições

históricas até chegar a Bergson, com duas definições de tempo: “[...]o tempo

abstrato, que não é senão um número – o tempo do relógio, o tempo medido em

física... – e o tempo concreto que passa, chamado então “duração”, duração

experimentada, vivida pela consciência” (1997, p. 46). Esses dois conceitos são

distintos em natureza e aplicação. Dessa forma, o tempo matemático e numérico...

[...]não é apreendido em sua realidade temporal efetiva orientada a um futuro ainda desconhecido; é colocado dentro do espaço, diante de nós, passado e futuro sendo simultaneamente presentes à consciência. O tempo matematizado não é mais tempo. Não, o único tempo que existe, é aquele que eu experimento, muito concreta e realmente, com a consciência aguda de que o presente não é idêntico ao passado e o futuro não será igual ao presente. (PIETTRE, 1997, p. 47)

De acordo com Bergson o “tempo”, previsto e explicitado em geometria ou em

um gráfico “é destituído de sua realidade temporal efetiva orientada a um futuro

ainda desconhecido;” (BERGSON, 1908) o que implicaria que, nesse sentido, não

pudesse ser considerado realmente “tempo”. Expliquemos: o “tempo mensurável”

estaria reintegrado ao espaço e indissociável dele, pois de outra forma não seria

possível apreendê-lo. A medida é absoluta, e unidades relativas entre si possibilitam

a previsão de um futuro através da extrapolação dessas unidades. Se o futuro do

“verdadeiro tempo” só acontece no momento em que se concretiza, não é viável

qualquer previsão quanto sua realização. A “duração”, essa sim matéria do

“verdadeiro futuro” em síntese não é mensurável.

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102

Ao extrapolar esses conceitos para a narrativa, o tempo empregado na

construção e explicitado no momento em que os fatos narrativos estão no papel não

pode ser outro senão o tempo abstrato, matemático, isento de “duração”. Se os fatos

narrativos se encontram “presentes a consciência” e depositados em um espaço,

seja esse uma obra física ou o universo ficcional, não haveria mais futuro no seu

sentido verdadeiro, pois o futuro já realizar-se-ia naquele instante. Da mesma forma

o passado manteria em sua condição de anterior ao presente somente na dimensão

espacial de fatos encadeados preliminarmente. A sensação da memória somente é

conquistada a partir da experiência, da “duração” desses fatos narrativos pelo

espectador. O “tempo” narrativo da história é dissociado do “tempo” de fruição da

obra, esse sim particular de cada um, cuja matéria é a “duração” e experiência

própria.

4.7 O jogo do tempo

O “tempo” de Lost pode ser definido como dois “tempos” distintos, o “tempo

narrativo” e o “tempo de duração” da experiência de fruição da obra, é possível

dessincronizá-los e assumir uma estética narrativa condizente com essa condição. O

“tempo narrativo” é substância do jogo graças a sua maleabilidade e

descaracterização, já que ao aprofundar as consequências dessa premissa não

haveria sentido em categorizar fatos narrativos como passado e futuro. O motivo é

que eles, independentemente do instante em que ocorrem na linha temporal

diegética não estariam em outro “tempo” senão no presente. Receberiam essas

conotações apenas quando apresentadas e experimentadas pela consciência dos

espectadores/jogadores que, a partir do contato e contingência, os classificaria como

tais.

Os criadores da série trabalham o recurso do “tempo narrativo” com maestria,

e o utilizam como meio técnico e estético para estruturar tanto a narrativa quanto o

jogo de quebra-cabeças proposto através da fragmentação, moldagem do ponto de

vista dos personagens alternados e desordenação dos fatos narrativos.

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103

4.8 Estratégias para a construção do jogo

A quebra do tempo, em pedaços menores, permite que se constitua uma

narrativa semelhante a uma colcha de retalhos formada pelos fragmentos. De

acordo com o caráter transmídia da série, os criadores espalham os elementos pelo

universo ficcional, e cabe ao espectador/jogador a função de coletá-los pelas obras

e remontá-los conforme sua própria experiência, como relata Jenkins:

Para viver uma experiência plena num universo ficcional, os consumidores devem assumir o papel de caçadores e coletores, perseguindo pedaços da história pelos diferentes canais, comparando suas observações com as de outros fãs, em grupos de discussão on-line, e colaborando para assegurar que todos os que investiram tempo e energia tenham uma experiência de entretenimento mais rica. (JENKINS, 2009, p. 49).

O jogo (play) de quebra-cabeças consiste justamente em remontar os

elementos em uma ordem que satisfaça o desejo do jogador pela busca do sentido,

e utiliza a própria experiência para completar as lacunas, ou gaps deixados

propositalmente entre fragmentos. Gérard Genette evidencia a utilização dessas

lacunas como recurso narrativo: “tais lacunas anteriores poder ser elipses puras e

simples, ou sejam, falhas na continuidade temporal. “ (1995, p. 49).

Essas elipses são as falhas na linha do tempo utilizadas pelos criadores de

Lost para inserir fragmentos posteriores omitidos em um primeiro momento. Se

forem essenciais para a história, os fragmentos estarão representados dentro da

própria série televisiva ou espalhados em qualquer obra canônica do universo

ficcional se forem apenas complementares. A elipse caracteriza o real espaço de

expansão do universo e a abertura onde a “duração” do contato do espectador com

a obra faz diferença. Ao inserir sua própria expertise em lugar da elipse, o jogador é

capaz de juntar as peças do quebra-cabeças, e automaticamente mais habilitado a

resolver o jogo (game) de enigmas.

Um outro recurso de falha na linha temporal narrativa que Genette prevê é a

utilização de paralipses no lugar de elipses, quando a “narrativa não salta, como na

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elipse, por cima de um momento, passa ao lado de um dado. “ (GENETTE, 1995, p.

50). Esse recurso foi utilizado em pelo menos dois momentos cruciais para a

narrativa. Um exemplo claro é quando Homem de Preto personificado em um John

Locke adulto manipula Richard Alpert em 1954, com a intenção de desacreditar uma

futura aliança entre eles100. Esse fato explica o porque de Richard visitar Locke

recém nascido101, já que só se conheceriam sessenta anos depois. Outro exemplo é

o episódio centrado em Desmond Hume102 que, através de analepses externas e

internas elucida o acidente eletromagnético que levou a queda do Oceanic 815. A

outra perspectiva é oferecida algum tempo depois da exibição da narrativa principal,

e não completa nenhuma omissão. A função da paralipse é expandir a narrativa

descreve um evento simultâneo ao ponto de vista principal. A utilização desse

recurso revela outro pilar constituinte do jogo do tempo, que é narrar as histórias de

Lost no presente como “tempo narrativo”. Essa característica evidencia a incerteza

quanto a classificação temporal dos fragmentos de tempo e é sacramentada através

de escolhas em relação ao ponto de vista e a focalização narrativa.

Lost utiliza a estratégia de centralizar cada episódio em um personagem ou

situação, e desenha a narrativa através de seu próprio ponto de vista. Segundo

Genette “o ponto de vista do narrador é o lugar onde estão evidenciadas a sua voz e

seu humor”. (1995). Logo no primeiro episódio da série103 assumimos a perspectiva

de Jack após o acidente, e acompanhamos o inicial desespero de um médico que

tem obsessão por consertar as coisas em seu ímpeto de ajudar os outros

sobreviventes. O episódio imputa ao espectador experimentar como esse

personagem vivenciou tal evento traumático. Trata-se da caracterização de um

narrador em primeira pessoa, mas com focalização externa em que a história é

centrada no personagem, mas não contada através dele. E vários outros episódios

seguem essa premissa, que molda o ponto de vista narrativo através de aspectos

particulares e jornadas de cada um. Os episódios que não são centrados em

100 Episódio 5x03 “Jughead” 101 Episódio 4x11 “Cabin Fever” 102 Episódio 2x24 “Live Together, Die Alone part 2” 103 Episódio 1x01 “The Pilot part 1”

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personagens contam a história de uma situação específica como Exodus104, que

narra sobre as tentativas de deixar a ilha através da balsa e da explosão da

escotilha. Esses episódios assumem pontos de vista intermitentemente de vários

personagens que lideram os grupos.

As escolhas narrativas oferecem ao espectador pontos de vista diferentes e

complementares e preenchem o “tempo narrativo” com “duração narrativa”, em um

embuste que visa restituir o hipotético “tempo completo” inexistente nesse caso. Se

há a possibilidade de estar com os personagens nas suas experiências das

situações cotidianas do universo ficcional, a intenção de induzir a experiência de

fruição por esses caminhos é clara. Cada personagem guia estabelece uma janela

moldada por suas características psicológicas, o que torna possível enxergar o

mundo diegético de uma forma particular. Para construir essa possível sensação,

Lost não emprega muitos planos de câmera subjetivos. É mais comum a visão

conformada ser estabelecida através de ritmos de montagem distintos. Há exemplos

claros de como os episódios centrados em Kate105, que utilizam um ritmo frenético de

montagem entrecortada, o que mimetiza os constantes movimentos de fuga que são

montados com ritmo ligeiramente contrastante aos episódios centrados em Sun106,

onde a montagem é lenta bastante condizente com o curso de sua personalidade

aparentemente calma.

E um terceiro pilar está na manipulação do “tempo narrativo” propriamente

dito. Graças a existência desses dois tempos distintos, torna-se possível manipulá-lo

a fim de complexificar a narrativa. Genette chama essa distorção entre “tempo

narrativo” e “tempo de experiência” de anacronia:

[...] ordem de disposição dos acontecimentos ou segmentos temporais no discurso narrativo com a ordem de sucessão desses mesmos acontecimentos ou segmentos temporais na história, na medida em que é indicada explicitamente pela própria narrativa ou

104 Episódios 1x23 “Exodus part 1”, 1x24 “Exodus part 2” e 1x25 “Exodus part 3” 105 Episódio 2x09 “What Kate Did” 106 Episódios 3x02 “The Glass Ballerina” e 3x18 “D.O.C.”

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pode ser inferida deste ou aquele indício indirecto. (GENETTE, 1995, p. 33).

A anacronia (GENETTE, 1995), apesar de não ser um recurso narrativo

recente tornou-se uma marca registrada de Lost, e seu impacto na narrativa desafia

os espectadores/jogadores ansiosos em reconstituir uma linha do tempo única que

reordena os fatos narrativos cronologicamente107. A possibilidade dessa meta é

procurada na reconstituição ordenada da narrativa serial, descrita em minúcias no

Capítulo 2. Para manipular o “tempo narrativo” e desorientar o espectador/jogador,

Lost utiliza os recursos anacrônicos de analepse, prolepse e acronia108, vastamente

nomeados bibliograficamente como flashbacks, flashforwards e flashsideways.

4.8.1 Anacronias: Analepse

Lost utiliza da técnica de encadear a narrativa através de fatos ficcionais

desconexos temporalmente, mas unidos por uma intenção, ou um tema. Em vários

episódios em que há tensão ou em momentos decisivos, os personagens

focalizados no episódio retornam a situações pregressas onde sentimento

semelhante mostrou-se presente. Sayid relembra dos momentos em que serviu o

exército iraquiano enquanto tortura Ben Linus que se passa pelo suposto “Henry

Gale”109. Charlie recorda momentos com o irmão Liam, quando este descobriu que

era pai e mudou suas atitudes. Em paralelo na ilha, o roqueiro coloca o bebê Aaron

em risco ao extrapolar suas boas intenções110. As experiências vivenciadas por Saiyd

107 Do original “The desire to see the series unfold chronologically has manifested in fanculture in a number of places. Lostpedia, the fan maintained Lost wiki, has a detailed page dedicated to archiving the series chronologically.” (JOHNSON-LEWIS, 2011, p. 18) 108 A escolha por termos oriundos da literatura estão de acordo com a visão do autor Ryan Howe, estudioso das implicações do tempo na narrativa de Lost, descritas no livro Looking for Lost: Criticai Essays on the Enigmatic Series (2011)

109 Episódio 2x14 “One Of Them”, 110 Episódio 2x12 “Fire+Water”,

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107

e Charlie são exemplos de como são experimentadas pelo público no tempo

presente, em flashes, intercaladas com os eventos na ilha.

Gérard Genette descreve a analepse como “[...] toda a ulterior evocação de

um acontecimento anterior ao ponto da história em que se está” (1995, p. 38), ou

seja, o acesso a qualquer fato narrativo anterior ao ponto presente. Em Lost, os

criadores utilizam a analepse para estruturar os episódios das três primeiras

temporadas em conjunto com a narrativa principal. Quando o alcance dessas

evocações tem amplitude limitada e elas não atingem o ponto do tempo presente da

narrativa principal, constituem-se as analepses externas cuja função está em

esclarecer algum fato narrativo. Na série, a maior parte das analepses está nesse

segmento, de retrospecção a fatos isolados provocados por gatilhos de estresse ou

tensão ao personagem. O caráter da falta de reflexão prende-o na situação cíclica

de reviver momentos traumáticos indefinidamente ao repetir erros passados que

implicam em dor e sofrimento como consequência de ações presentes.

O uso da analepse111 trabalha em conjunto com o estabelecimento de vários

personagens principais e de várias nacionalidades diferentes, fato que visa

aumentar a identificação do espectador ao personagem. Ao assumir o mesmo ponto

de vista do personagem, torna-se possível eliminar os pré-julgamentos e

percebermos padrões de seu comportamento. O resultado da utilização desse

método construtivo é isolar a intenção maléfica ou benéfica dos personagens,

aprofundar suas características psicológicas e adicionar imprevisibilidade a suas

ações, já que as situações do cotidiano da ilha podem despertar ações inesperadas

decorrentes de enfrentamento ao fato presente.

Quando há colisão ou coincidência entre o limite posterior e o ponto do tempo

presente durante uma analepse, há a caracterização de uma analepse interna e

completiva que:

[...] compreende os segmentos retrospectivos que vêm preencher mais tarde uma lacuna anterior da narrativa, a qual se organiza, assim, por omissões provisórias e reparações mais ou menos

111 Também referenciada como flashback

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108

tardias, segundo uma lógica narrativa parcialmente independente da passagem do tempo. (GENETTE, 1995, p. 49).

Em contrapartida das analepses externas, as analepses internas reencontram

os fatos presentes a fim de completar os espaços deixados propositalmente na

narrativa. As reconstituições de fatos estão na série Lost representadas por capítulos

específicos112, que representam uma série de analepses internas cuja função

esclarece a conturbada relação entre Ben Linus e Charles Widmore, ou através dos

mobisodes “Lost: Missing Pieces”, que inserem cenas complementares ao

entendimento de passagens da história.

Outra implicação da utilização dessa técnica é o constante entrelaçamento

das analepses externas, onde pelo menos um personagem está presente na

retrospectiva do outro sem, no entanto, que eles tenham conhecimento disso. Esses

“desencontros”, ou encontros suspensos em eterno potencial geram a premissa de

que as trajetórias entre os sobreviventes já estavam previamente amarradas. A

estranha sensação de cruzamento anterior de destinos é contestada posteriormente

pelo descobrimento da provisão de Jacob e sua manipulação do livre arbítrio alheio,

o que contesta a existência prévia de destinos estabelecidos aos personagens.

No entanto, não é percebido em Lost nenhuma intenção de elucidação dos

fatos narrativos. As analepses internas completivas são parciais, o que mantem

espaço para intervenções e contradições.

4.8.2 Utilização das prolepses

A partir da quarta temporada uma nova técnica é utilizada na construção dos

episódios sem aviso prévio. Genette conceitua prolepses como “[...] toda manobra

narrativa consistindo em contar ou evocar de antemão um acontecimento ulterior”

112 Episódio 5x12 “Dead is Dead”

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109

(1995, p. 38), o que em Lost é denominado como flashforwards113. O adiantamento

temporal das consequências das ações dos personagens não deve ter caráter

premonitório ou de profecia, porém nostálgico. É exatamente o sentimento

demonstrado por Jack no primeiro episódio da quarta temporada114, quando prefere

para Kate, fora da ilha as emblemáticas palavras: “- Nós temos que voltar”. Não

havia evidências de que a ilha era um lugar inserido na “realidade” ficcional, e nem

que os sobreviventes sairiam de lá em algum momento, e o primeiro contato do

espectador com um personagem alocado em um ambiente externo foi nesse

momento. Há imediatamente o choque da surpresa, pois o fato dos sobreviventes

estarem fora da ilha é ratificado nas demais prolepses decorrentes. E a necessidade

do retorno complica mais ainda qualquer tentativa de reconstituição.

Essas prolepses são internas, pois antecipam ações que estão presentes no

corpo da narrativa principal. Com o uso desse recurso é estabelecida uma narrativa

secundária, que conta a história de como a integração dos sobreviventes e a

colaboração em torno do plano de retornarem a ilha é executada, consequência de

suas vidas no mundo exterior serem miseráveis com a constante lembrança dos

amigos que deixaram para trás. Está implícita uma missão pessoal que não fora

cumprida, e que a liberdade só seria conquistada após terminarem o que haviam

começado. Integradas às analepses, as prolepses reforçam o sentimento de eterno

retorno, até que alguma ação que quebre esse ciclo seja tomada para libertá-los. No

decorrer da temporada, há alternância entre prolepses e analepses sem

identificação prévia do que são. A desorientação provocada ao espectador/jogador

precede uma análise consciente de casualidade desses atos.

4.8.3 Acronia

É a sexta temporada que apresenta a acronia como recurso narrativo. De

volta ao voo do Oceanic 815, os passageiros seguem viagem normalmente e têm

113 Acontecimentos futuros são exibidos como se ocorressem no presente, fato que desorienta o espectador. 114 Episódio 4x01 “The Beginning of the End"

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110

uma inquietante sensação de dejavu. Diferentemente do desfecho do episódio

piloto115, dessa vez o voo pousa normalmente no aeroporto de Los Angeles com os

passageiros estão a salvo116. Ao final do episódio, a câmera desce até o fundo do

mar onde jaz a ilha, afundada. No decorrer da trama, os personagens alternam entre

esse lugar onde o avião nunca caiu e a já conhecida trajetória trilhada na ilha de

Lost, intermitentemente. Porém, as histórias e personalidades dos personagens

estão ligeiramente diferentes. Enquanto no local etéreo os personagens tomam

atitudes distintas do que estão acostumados, na ilha eles continuam a batalha final

contra o Homem de Preto. Se na história da ilha continua a linha narrativa principal,

paralelamente o espectador é surpreendido por uma explicação inquietante: Eles

estão mortos e suas mentes póstumas criaram um lugar intangível para lembrarem

das coisas que aprenderam juntos e continuar com suas caminhadas117. A igreja no

final do episódio é o símbolo da liberdade já que os que despertaram são tomados

por uma luz que invade o templo. Finalmente os sobreviventes encontraram a

redenção.

Acronia é o segmento narrativo sem tempo, sem data, conforme afirma

Genette: “Essa sucessão não mantém nenhuma relação com a ordem temporal dos

acontecimentos que a compõe, ou, simplesmente, uma relação de coincidência

parcial” (1995, p. 77). Diferentemente de um epílogo que estaria caracterizado como

uma prolepse externa aos fatos narrativos do presente, a acronia é a representação

da “duração” - no sentido da experiência - dos personagens, e não do tempo

mensurável. É utilizado como recurso em Lost para representar um espaço imaterial,

destituído do espaço em que se dão as ações cotidianas centradas na ilha, também

chamado de realidade paralela. O que ocorre nesse outro lugar é definitivo e implica

em uma outra ordem de acontecimentos quando comparado a prisão de

comportamentos cíclicos que enclausura os sobreviventes em sua estadia na ilha.

As ações centradas no perdão e no despertar os encaminham a outro nível de

percepção e libertação em um tempo desconectado da narrativa principal.

115 Episódio 1x01 “The Pilot part 1” 116 Episódios 6x01 “LA X part 1” e 6x02 “LA X part 2” 117 Episódio 6x18 “The End part 2”

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111

A anacronia e distorção do “tempo narrativo” embaralham as peças do

quebra-cabeças, e tornam a caçada por conexões entre os elementos mais

complicada. Por outro lado, motiva o espectador a tornar-se jogador e penetrar as

várias camadas do universo ficcional. Como no jogo a participação dos jogadores é

facultativa, mas se o espectador decidir não se envolver com as questões

particulares da narrativa e manter-se alheio é grande a chance de que assistir a

série seja uma tarefa confusa e desestimulante.

4.9 Jogar com Lost

Uma vez que se decide jogar (play), Lost há varias formas de se fazê-lo.

Existe a possibilidade de escolher um ou mais personagem como avatar e

reestabelecer uma linha temporal que faça sentido pela perspectiva dele. A partir

dessa escolha, estudar as referências inseridas em seu sobrenome, nos nomes dos

capítulos e nas obras citadas nos diálogos dos episódios em questão, resgata

fragmentos do mundo real para montar um perfil de personagem compatível. No

caso de escolhermos, por exemplo o personagem John Locke, podemos linkar seu

nome ao do filósofo inglês homônimo, e encontra-se relações de como o empirismo

explicado pelo segundo é simbolizado pela constante busca por experiências do

primeiro. O personagem Locke é um homem de fé, e seu ponto de vista é um prisma

constante que guia os outros sobreviventes rumo as descobertas dos mistérios da

ilha. Uma das mais famosas postulações do filósofo John Locke é sobre a mente

humana, que “seria como um quadro em branco sem ideias inatas, uma tabula

rasa118;” Esse é exatamente o nome do terceiro episódio da primeira temporada,

onde Kate tem a oportunidade de escrever uma nova história após o acidente, já que

o oficial de justiça que fazia seu traslado para o presídio morre na ilha.

118 Do original “Locke begins his first major works, Essays Concerning The Human Understanding, with several arguments against the Cartesian notion of innate ideas. He claims that the mind is a tabula rasa, a black tablet or “white paper, void of all characters, without any ideas; [...]” (BAIRD, 2010, p. 538)

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112

As conexões são numerosas a ponto de encontrarmos na narrativa de Lost

características de hipertexto:

“Da bíblia a Stephen King, Lost revela sua hipertextualidade. Algumas referências podem ser facilmente descartadas como cômicas ou lunáticas, mas a sua abrangência obriga reflexão por parte do fã. (HOWE, 2011, p.59)”119

Graças a essa característica fortemente referencial, é possível também

avançar no jogo (play) através pontos de referência conhecidos e espalhados pelo

universo ficcional. Esses elementos contêm movimentos pré-estabelecidos e a visita

desses lugares pelos personagens implica avanços na exposição da geografia da

ilha ou informações sobre os enigmas. Nos marcos existem pistas que ajudam a

resolver os enigmas da trama, entre eles estão as estações da Iniciativa

D.H.A.R.M.A., a estátua da deusa Tawret, a vila dos “Outros”, a praia ou as

cavernas. Nesse caso, os fragmentos de tempo narrativo estão distribuídos em

forma de relatos históricos, objetos de cena (props), vídeos de instrução ou

fotografias. Esses elementos estão distribuídos por todas as obras do “cânone”, e

auxiliam no avanço do jogo (play). Outras funções dos pontos de referência são: as

rupturas diegéticas, como as jornadas ao navio Black Rock em busca de dinamite, à

“roda congelada” da estação D.H.A.R.M.A. “A Orquídea”, ou ao poço em que está

enterrada a bomba “The Jughead”, que têm a clara intenção de romper uma barreira

ou mudar o curso da trajetória corrente; Adoração ou epifanias, como o “Templo

Sagrado”, a “Igreja de Eko” e “A Cabana”; Contato com o mundo exterior

representado pelos meios de transporte, tais como o barco “Elizabeth”, o

“Submarino”, o “Navio Cargueiro”, a “Torre de transmissão” ou a “Balsa”. A cada vez

que um personagem visita tais locações, informações do tipo correspondente podem

ser resgatadas.

O único personagem que não segue um padrão de percepção temporal é

Desmond Hume. Enquanto as analepses servem de meras reflexões para os outros,

119 Do original “From the Bible to Stephen King, Lost revels in its hypertextuality. Some references might easily be dismissed as comical or whimsical, but their pervasiveness compels contemplation from the dedicated audience member.” (HOWE, 2011, p. 59)

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Hume estabelece-se fisicamente no período em questão e revive a experiência do

momento. É como um coringa, um avatar de valor diferenciado. Por deter o livre-

arbítrio de alterar o presente através de ação ativa nas viagens do tempo, é

referenciado como “A Variável” por ser o único capaz de reverter o resultado da

equação de Valenzetti e salvar os personagens do fim iminente. Mas é como “A

Constante” que cumpre seu papel ao encontrar cada alma no espaço etéreo e ajudar

no despertar destas ao caminho da salvação. Mesmo dotado de livre-arbítrio e

capacidade de alterar os eventos, Desmond é alertado por Eloíse Hawking sobre a

impossibilidade de mudar o passado, pois “ - O que aconteceu, aconteceu”. Essa é

uma das regras estabelecidas no jogo do tempo de Lost: não é possível alterar o

passado de nenhuma forma. Manter a ideia de casualidade simplifica o jogo e evita

os paradoxos temporais temidos pelos criadores da série120.

E a última forma de jogar o jogo do tempo de Lost caracteriza-se por assumir

o ponto de vista de uma das entidades mitológicas, ao reconstituir a linha de tempo

em um nível macro. Como vários enfrentamentos representados na série, como a fé

contra a ciência, a sorte contra o azar, o bem contra o mal, Jacob acredita na

casualidade e no livre arbítrio enquanto o Homem de Preto é determinista, e ambos

são capazes de destruir tudo ao seu redor para provar que estão certos e vencer o

jogo que começaram a mais de dois mil anos.

Imbricam-se no jogo o “tempo narrativo” e o “tempo de duração”. Opcional ao

espectador, a decisão de jogar o jogo (game) do tempo de Lost aumenta a

experiência, amplifica as sensações e aprofunda o jogador no universo ficcional. É

de se supor nesse caso que o último episódio da série não encerre o “tempo de

experiência” do jogador com a obra, indica apenas a propensão de não haver mais

elementos canônicos novos que redefinam o mundo ficcional. No entanto, a

presença das elipses e paralipses possibilitam a fruição de Lost pelo tempo em que

o jogador desejar, inclui aprofundar-se nas obras e repositórios online. Outra

possibilidade é quebrar as regras do jogo (game) e criar suas próprias obras não-

120 Entrevista concedida por Carlton Cuse e Damon Lindelof a revista Enterteinment Weekly: “Paradoxos criam problemas. [...] “Esse show já é bastante confuso assim como está”. Para realmente ter personagens viajando através do tempo, tudo tem que ser manuseado muito habilmente.” (JENSEN, 2008)

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canônicas para resolver as lacunas e teorias próprias que respondam os enigmas

deixados em aberto.

Uma vez estabelecida as regras do jogo (game,) é possível resgatá-las e

jogar, indefinidamente. O “gozo” do jogo é obtido através do contato inicial com a

obra ou o acesso as memórias recorrentes da primeira partida. Aventurar-se pelo

universo ficcional e caçar pistas é algo recompensador não pela “sorte” de se

encontrar com algo novo, mas por “enfrentar” a si próprio, desafiar-se a fazer melhor.

E caso houver frustração por não encontrar explicação, é possível “imitar” os

criadores e inventar a próprias regras já que “A própria existência do jogo é uma

confirmação permanente da natureza supra lógica da situação humana” (HUIZINGA,

2000, p. 7), situação vista constantemente em Lost.

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5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O tempo não é só de essência. Ele é a essência.

Pierre Chang, personagem de Lost no vídeo de instrução do A.R.G. Octagon

Global Recruiting, 2008

Lost é um programa pensado para existir além da televisão. O projeto do

show não se limita as especificidades do meio em que se apresenta graças ao

momento de sua criação, já a transição entre tecnologias trouxe uma série de

incertezas para o ambiente corrente. Se a tecnologia prometia inúmeras

possibilidades ao adicionar recursos emprestados de outros aparelhos e através de

conectividade via internet, os conteúdos televisivos poderiam estar aptos a utilizarem

dessas faculdades.

Um projeto que não se beneficiasse do hibridismo e expansão dificilmente

conseguiria adaptar-se ao cenário, pois o próprio público através de suas escolhas

sinalizou que fosse dessa forma. Para agradar espectadores e conseguir audiência,

os criadores precisaram atender a demandas muito mais fragmentadas, além de

atuar em uma televisão dividida entre firmar sua estratégia de programação em

nicho ou projetos generalistas.

Assim nasceu Nowhere, com a missão de reverter um quadro de decadente

audiência através de um produto audiovisual seriado que pudesse ser distribuído de

várias formas posteriormente. O motor do programa proposto pelo, então, presidente

da empresa era baseado e um formato semelhante a um reality-show que utilizaria a

temática de sobrevivência. O fato do primeiro roteiro ter sido descartado demonstra

que desde o início eles esperavam por algo diferente. Nesse momento, não somente

o roteiro, mas o projeto inteiro foi posto em cheque e se talvez não tivesse sido

sugerido por alguém do escalão de Lloyd Braun, nunca sairia do papel.

Mas acabou que aconteceu o contrário. Uma nova equipe de criação foi

estabelecida e diretores mais criativos foram chamados, com ideias que

extrapolavam o obvio e elementos oriundos de diversas fontes conectados por um

só lugar, a misteriosa ilha no Pacífico. Para uma audiência díspar, a escolha de

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fragmentar a narrativa foi acertada e resultado foi produto oriundo da mistura de

vários gêneros diferentes, conforme o personagem e a situação em questão. O tom

também foi alterado, pois o hiperrealismo fora substituído por uma mitologia com

ares de ficção científica.

Depois de aprovado, o projeto ganhou um episódio piloto, o mais caro

realizado até então. Em uma época de incertezas, a permissividade do presidente

da ABC com Lost custou-lhe o emprego. No entanto, o grande orçamento

possibilitou aos criadores constituírem um espaço bem construído e de caráter

lúdico, com vários elementos que possibilitariam a sua expansão para outras mídias.

Apesar do tempo de produção ser curto mesmo para padrões televisivos, as

soluções encontradas pela equipe criativa acabaram por definir traços da série como

por exemplo adaptar os personagens a atores relativamente desconhecidos, o que

resultou em um refinamento de atuação marcante e determinante.

Enquanto estava ainda em gestação, Lost já havia conversado com seus

possíveis fãs, contatos oriundos de estratégias de divulgação bem-sucedidas. O

programa criou uma atmosfera de mistério e estabeleceu pistas publicitárias em

locais incomuns, expôs notícias de bastidores e concedeu entrevistas cifradas. O

mérito, nesse caso, foi o de estabelecer prematuramente uma base de fãs, sólida o

suficiente para garantir a exibição de um produto de inicialmente de nicho. Mais do

que isso e através da proliferação desses, a série conquistaria seu espaço também

na internet e nas páginas de jornais e revistas, e caminhou por vários meios de

forma paralela.

Após a estreia bem-sucedida e já estabelecida como série, amarrar a

narrativa entre as mídias ao invés de manter as pontas soltas foi outro acerto. A

estratégia começou tímida, mas abarcou várias empresas que trabalharam

coordenadamente para produzir conteúdo de forma articulada. O foco da série em

personagens distintos voltou-se para o espaço construído na ilha, o que consagrou

definitivamente a narrativa para o estabelecimento de um universo ficcional. A partir

dessa atitude, espalhar os elementos ficcionais entre as diversas mídias foi o

próximo desafio.

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Conseguir tal feito, a partir da série consagrada, foi fruto de um planejamento

prévio senão da narrativa transmídia em si, pelo menos da instituição de elementos

ficcionais suficientemente abrangentes e consistentes para dar suporte a essa

possibilidade. Disseminar as leis regimentais desse espaço entre inúmeras

instâncias criativas exigiu a concepção de uma “bíblia” ficcional detalhada e a

instituição de jurisdição sobre um “cânone”, em que os criadores originais arbitrariam

sobre o pertencimento ou não da obra criada à narrativa transmidiática de Lost.

Aceitar a autoria dos fãs, como parte constituinte da série, foi um problema dos

produtores, que preferiram marginalizar essas criações e não se influenciar por elas.

Escolher criar um universo ficcional implica não definir um só caminho que o

espectador deva seguir. A narrativa é aberta, e os espectadores devem poder

definem por onde querem caminhar, e os caminhos não são definidos como veredas

estreitas, pelo contrário. Deve-se haver espaço vago o suficiente para acomodar a

experiência dos espectadores contanto que os objetivos do destino que se queira

chegar estejam bastante claros. Força-se o espectador a investigar, propor soluções

de enigmas, montar peças até descobrir uma forma de ligar pontos a fim de suprir

lacunas.

Equilibrar a narrativa entre o produto serial televisivo e as obras satélites foi

outro desafio. Prover conteúdo essencial em outro meio que não a televisão trairia a

dedicação do espectador exclusivo enquanto fornecer somente conteúdo

complementar aos fãs transmidiáticos os frustraria. Várias tentativas foram

realizadas e através do “cânone”, os criadores filtraram as obras que deveriam ser

levadas em consideração ao reconstituir a narrativa e as obras que não fariam parte

dessa reconstituição. Produtos como websites das empresas fictícias, romances que

utilizam elementos ficcionais, jogos de videogame, repositórios de informação online

e em livros fazem parte do universo ficcional, mas não adicionam fatos narrativos

confiáveis, portanto não pertencem ao “cânone”. A narrativa caminha pela série

televisiva, pelo livro Bad Twin, pelos três jogos de realidade alternativa, pelos

episódios feitos para celular e pelos dois mock-documentaries. Essas são obras

oficiais que adicionam informação confiável as tentativas de reconstituição da

narrativa pelos fãs.

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A distribuição da narrativa entre as temporadas da série televisiva e as obras

do universo ficcional ocorreu de forma variada. Se por um lado, a maior parte da

história foi contada na televisão, informações importantes só estavam nas

extensões, como no caso da resolução do mistério dos números. Se o espectador

televisivo foi respeitado e sua dedicação recompensada pela preferência de

conteúdo, a experiência completa de Lost pode ser conquistada através da fruição

de várias obras diferentes.

Uma estratégia construtiva do universo ficcional de Lost para torná-lo

navegável tanto pelo acompanhamento da série quanto da experiência completa é

estabelecer níveis diferentes de participação e cabe ao espectador decidir o quanto

de contato quer com esse universo. Se espectador preferir apenas a fruição

televisiva, haverá contato com esse nível de construção. Se houver interesse em se

tornar um fã e adquirir conhecimentos suplementares, repositórios online estarão a

disposição e guias ajudarão a se encontrar na teia de mistérios. Agora, se o fã for

extremo em suas intenções e desejar interagir em minúcias, os detalhes estarão

espalhados pelas obras ficcionais e a dedicação lhe renderão uma perspectiva

avançada sobre a série.

Ao escolher a opção de ser um fã extremo, o espectador poderá se portar

como um jogador apto a identificar sinais e elementos ficcionais entre as obras a fim

de constituir seu próprio repertório de conhecimento inerente. Quanto mais contato

com o universo ficcional, mais experiência se adquire. E esse conhecimento pode

ser utilizado para confrontar outros jogadores em fóruns na internet, estabelecer

enciclopédias e guias, além de criar novas e mais coerentes teorias para resolver o

jogo.

Aliás, a narrativa flerta com o jogo desde a diegese, em que a mitologia

principal é uma batalha épica de dois irmãos que enreda os demais personagens. As

formas da série são organizadas e respeitam os lados da guerra e os personagens

obrigados a tomar partido em algum momento de suas trajetórias. Outras categorias

de jogos são contempladas pela diegese, como o jogo de sorte, o de imitação. O

jogo de vertigem quase não é contemplado pela série.

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Ao distinguir o ato de jogar (play) do jogo em si (game), é possível encontrar a

regulamentação do jogo e as possibilidades de interação do jogador com Lost.

Vários aspectos que definem a natureza do jogo são inerentes ao universo ficcional

da série, como: a liberdade que um jogador tem de jogar ou não jogar, a limitação do

jogo a um espaço delimitado e um tempo definido, seu caráter ficcional e findo, as

incertezas de êxito ao jogador quanto ao resultado do jogo, a improdutividade

generalizada do ato de jogar e a rígida regulamentação do jogo em si. E se Lost é

um jogo, o elemento que constitui a sua matéria é o tempo.

O universo ficcional é formado por fragmentos perdidos de tempo que devem

ser reorganizados para que façam algum sentido. Esses pedaços de tempo flutuam

em espaço vago, e os jogadores devem caminhar pelo universo para captá-los.

Torna-se extremamente necessário identificar de qual tempo se fala: se depositados

sobre uma folha de papel ou ao ocupar qualquer lugar do universo ficcional, os

fragmentos temporais são constituídos de um “tempo espacializado”, indissociável

do espaço e inapto a receber denominações tais como passado e futuro já que estão

presentes a consciência desde o momento em que foram criados. Para adquirir

status de um tempo real, eles devem ser experimentados pelo espectador, que lhes

confiará “duração”, restituir ao tempo a sua própria essência.

O tempo narrativo pode ser manipulado de acordo com a vontade do criador.

O tempo da experiência é de domínio do jogador. O jogo acontece pelo

estabelecimento de convenções que permitam ao jogador experimentar o tempo

narrativo de formas pré-estabelecidas a fim de conquistar o objetivo de reordená-lo

conforme a cronologia de um sentido, o estabelecimento do espaço conhecido e a

resolução dos enigmas propostos. A partir desse pressuposto, uma série de

estratégias são utilizadas para estabelecer o jogo:

o Elipses e paralipses temporais que criam lacunas na narrativa passíveis de

especulação;

o Deslocamento do ponto de vista narrativo para o ponto de vista dos

personagens a fim de possibilitar experiência subjetiva através de diferentes

ritmos de montagem.

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o Utilização de anacronias, como analepses, prolepses e acronias a fim de

confundir o espectador quanto a localização temporal dos fatos ficcionais, o

os une somente por uma temática em comum.

O jogador de Lost deve criar conexões entre elementos ficcionais. Pode

adquirir mais pistas conforme avança por suas investigações. Para facilitar a

compreensão do jogo e evitar paradoxos temporais, os criadores estabeleceram a

casualidade como regra e para testar essa hipótese criaram Desmond, o

personagem coringa. Na diegese, ele é sempre impedido de mudar o passado, e

alerta o jogador de que não há quebra de regras na reconstituição do tempo.

Segundo essa lei, mesmo que um fato passado esteja teoricamente presente a

percepção ele não deixa de ser passado, portanto não pode ser alterado. Nada

impede o jogador de quebrar as regras, mas desafiar-se e manter-se no jogo trará

um prazer inerente.

Esse estudo aponta para estratégias de construção narrativa que visam à

expansibilidade, fragmentação e complexificação, que fogem das especificidades

limitadoras dos meios que as exibem. O advento do estudo das formas de jogo é

uma ferramenta para esclarecer as relações do público transmídia com os produtos

audiovisuais, e pode ser de grande auxílio para se explorar narrativas complexas

para que continuem compreensíveis para seu público.

Extensões dessa pesquisa permitiriam notar como anacronias entre o tempo

narrativo e o tempo de experiência parecem ser uma tendência estética recorrente

dos produtos audiovisuais do século XXI, possibilidade que denuncia a referência de

tempo do ser humano se deslocar do tempo da natureza para um tempo abstrato. O

espectador poderia estar cada vez mais preparado para lidar com um tempo sem

lastro. Outra vertente seria considerar os estranhos efeitos decorrentes dessa

manipulação, como estetização de linhas de tempo paralelas, eliminação gradual da

casualidade e determinismo em narrativas e o tratamento corriqueiro dos paradoxos

temporais, como algo contornável ou até inexistente.

Lost continua a ser Lost em diferentes níveis: desafia, desorienta e joga. A

série foi a instituição de novidade nos caminhos televisivos e inseriu complexidade

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em um meio linear. Se a convergência acontece na cabeça do espectador, a

divergência garante um nível diferente de diversão. Através desse processo de

criação consolidou-se um estilo que marcou uma época e angariou milhões de fãs

pelo mundo. Em um tempo de degradação de audiência, Lost selecionou

exemplares ímpares de espectadores que aceitaram o convite para se perder em

seus mistérios. Lost poderá ser jogado por muito tempo enquanto houver interesse

dos jogadores.

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ANEXOS

Quadro 3 – Lista de episódios citados

Temporada Episódio Nome

1 1 The Pilot part 1

1 5 White Rabbit

1 7 In Translation

1 7 The Month

1 9 Solitary

1 10 Raised by Another

1 11 All The Best Cowboys Have Daddy Issues

1 16 Outlaws

1 18 Numbers

1 20 The Greater Good

1 22 Born To Run

1 23 Exodus part 1

1 24 Exodus part 2

1 25 Exodus part 3

2 1 Man Of Science, Man Of Faith

2 3 Orientation

2 9 What Kate Did

2 12 Fire+Water

2 14 One Of Them

2 16 The Whole Truth

2 17 Lockdown

2 18 Dave

2 23 Live Together, Die Alone part 1

2 24 Live Together, Die Alone part 2

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3 1 A Tale Of Two Cities

3 2 The Glass Ballerina

3 3 Further Instructions

3 5 The Cost Of Living

3 6 What Kate Does

3 8 Flashes Before Your Eyes

3 10 Tricia Tanaka is Dead

3 12 Par Avion

3 13 The Man from Tallahassee

3 15 Left Behind

3 17 Catch-22

3 18 D.O.C.

3 20 The Man Behind The Courtains

3 21 Greatest Hits

3 22 Through the Looking Glass.

4 1 The Beginning of the End

4 5 The Constant

4 8 Meet Kevin Johnson

4 11 Cabin Fever

5 1 Because You Left

5 3 Jughead

5 4 The Little Prince

5 5 This Place Is Death

5 6 316

5 9 Ab Aeterno

5 10 He's Our You

5 11 Whatever Happened, Happened

5 12 Dead is Dead

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5 14 The Variable

5 16 The Incident part 1

5 17 The Incident part 2

6 1 LA X part 1

6 2 LA X part 2

6 4 The Substitute

6 8 Recon

6 15 Across The Sea

6 16 Across The Sea

6 17 The End part 1

6 18 The End part 2