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UNIVERDIDADE CÂNDIDO MENDES INSTITUTO A VEZ DO MESTRE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU A ESTRATÉGIA DO GRUPO PÃO DE AÇÚCAR EM SUA ASSOCIAÇÃO COM O CASINO Michelle Ramos da Silva Brasília 2016

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UNIVERDIDADE CÂNDIDO MENDES

INSTITUTO A VEZ DO MESTRE

PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU

A ESTRATÉGIA DO GRUPO PÃO DE AÇÚCAR

EM SUA ASSOCIAÇÃO COM O CASINO

Michelle Ramos da Silva

Brasília

2016

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Michelle Ramos da Silva

A ESTRATÉGIA DO GRUPO PÃO DE AÇÚCAR EM SUA ASSOCIAÇÃO

COM O CASINO

Monografia apresentada ao Instituto A Vez do Mestre como requisito parcial para a obtenção do título de especialista em Gestão Estratégica e Qualidade. Orientador: Mario Luiz

Brasília, abril de 2016

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Resumo

O presente trabalho aborda os modelos de formulação da estratégia

empresarial dos grupos Casino e Pão de Açúcar, incluindo seus aspectos

históricos, desde o surgimento de cada uma dessas partes, sua evolução e

crescimento até os dias atuais, quando os grupos se associaram. Por conta de

conflitos de estilo de gestão e estratégia entre os dois conglomerados, e em

grande medida pela diferença entre os dois principais executivos de cada um

dos lados, acabou-se criando uma situação de disputa interna que culminaria

com a saída de um dos sócios do negócio. Este trabalho trata não apenas das

questões de aspectos de como se traçam orientações estratégicas, mas

também como as próprias características pessoais dos indivíduos acabam por

criar campos onde uma ou outro planejamento das ações se desenvolve,

tomando para isso, principalmente os conceitos de formulação de estratégia

de MINTZBERG (2010); RUMELT (2011) e WHEELER (2014).

Palavras chave: Estratégia, gestão, aquisições.

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Summary

This paper discusses the development of business strategy models of Casino

and Pão de Açucar groups, including the historical aspects, since the

foundation of each company, the evolution and growth until the present day,

when the groups were associated. As a result of management style and

strategy conflicts between the two conglomerates, besides the differences

between the two top executives from each side, ithere was a an internal dispute

situation that culminated with the withdrawal of one business partner. This work

includes not only issues about strategic guidelines drawing, but also how

personal characteristics can create fields action planning take shape, taking to

it, especially the strategy formulation concepts of Mintzberg (2010), Rumelt (

2011) and WHEELER (2014).

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Metodologia

A presente pesquisa terá um caráter exploratório descritivo e qualitativo.

A metodologia utilizada neste estudo será a pesquisa bibliográfica. O

livro base para a coleta de dados será a biografia de Abílio Diniz de autoria de

Cristiane Correa além dos documentos disponibilizados na área de RI do

Grupo Pão de Açúcar e matérias de jornais.

A fundamentação teórica da pesquisa se baseará nas obras de

MINTZBERG (2010); RUMELT (2011) e WHEELER (2014).

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Sumário

RESUMO ............................................................................................................................................... 3

SUMMARY ............................................................................................................................................ 4

METODOLOGIA .................................................................................................................................. 5

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................................... 6

CAPÍTULO I .......................................................................................................................................... 7

A FORMAÇÃO DE ESTRATÉGIA COMO UM PROCESSO DE NEGOCIAÇÃO. ...................... 7 1.1 MAS AFINAL, O QUE É ESTRATÉGIA? .................................................................................................. 7 1.2 ESTRATÉGIA E PODER .......................................................................................................................... 9

CAPÍTULO II ......................................................................................................................................13

A FORMULAÇÃO DA ESTRATÉGIA DO GRUPO PÃO DE AÇÚCAR .....................................13 2.1 BENCHMARK COMO ESTRATÉGIA .................................................................................................... 13 2.2 O PODER COMO ESTRATÉGIA .......................................................................................................... 15 2.3 AQUISIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ....................................................................................................... 16

CAPÍTULO III.....................................................................................................................................20

A FORMULAÇÃO DA ESTRATÉGIA DO GRUPO CASINO ......................................................20 3.1 A INOVAÇÃO COMO ESTRATÉGIA .................................................................................................... 20 3.2 A AQUISIÇÃO COMO ESTRATÉGIA ................................................................................................... 21

CAPÍTULO IV .....................................................................................................................................25

A FORMULAÇÃO DA ESTRATÉGIA DO GRUPO PÃO DE APÓS A ASSOCIAÇÃO COM O GRUPO CASINO ................................................................................................................................25

CONCLUSÃO ......................................................................................................................................30

BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................................35

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Introdução

A associação do Grupo Pão de Açúcar – GPA com o grupo francês

Casino foi um dos mais comentados do mercado de varejo mundial. A

associação com o Casino foi um negócio de US$ 1,7bilhão e terminou com

troca de acusações entre os sócios e a saída de Abílio Diniz do grupo que ele

ajudou a fundar e se expandir.

Com uma estratégia agressiva de negócios, baseada em benchmark e

aquisições, o Grupo Pão de Açúcar tornou-se um grupo varejista de capital

aberto, com faturamento de R$ 11,2 bilhões em 2012. O rápido crescimento e

expansão do grupo sempre teve à sua frente um único estrategista: Abílio

Diniz. Desde a abertura da primeira unidade do Pão de Açúcar, em 1959, até

o acordo com o Grupo Casino, Abílio Diniz esteve à frente da gestão

estratégica do Grupo.

Entender de que forma foi traçada essa estratégia e as implicações

dessa estratégia na relação com o sócio é o objetivo deste trabalho. Pretende-

se também lançar um olhar em como os interesses de cada sócio influenciam

o planejamento estratégico em empresas com controle compartilhado.

Para se entender como a gestão estratégica do Grupo Pão de Açúcar

transformou o comando da companhia e levou a dissolução da sociedade com

o Casino, necessário se faz entender a formação de estratégia como um

processo de negociação.

Nesse contexto, é de suma importância analisar a formulação da

estratégia do Grupo Pão de Açúcar e do Grupo Casino e como os interesses

de cada grupo influenciaram a gestão da companhia.

O Grupo Pão de Açúcar considerou os interesses do Grupo Casino ao

elaborar a estratégia da companhia? Quais lições ficaram desse rumoroso

caso de aliança estratégica?

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Capítulo I

A formação de estratégia como um processo de negociação.

1.1 Mas afinal, o que é estratégia?

No mundo da administração de empresas a formulação de estratégia

costuma ser apresentada na forma de Planejamento Estratégico, conforme

preconizado pelo grupo de Administração Geral da Harvard Business School.

Analisa-se o ambiente interno com suas forças e fraquezas, analisa-se o

ambiente externo com suas ameaças e oportunidades e então a mágica da

estratégia acontece.

É claro que a importância do Planejamento Estratégico não deve ser

ignorada, assim como a matriz SWOT é uma relevante ferramenta de análise

de ambiente. Mas basta um olhar um pouco mais atento para se perceber que

a formulação de estratégia deve ir pouco além dessa forma.

Longe de se querer negar a importância dos pensadores dessa escola

de formulação de estratégia, os quais trouxeram uma forma sistematiza de se

analisar ambientes. Mas estabelecer uma ordem ao caos é, de alguma forma,

estreitar a visão do todo.

MINTZBERG (2010) reflete sobre esse modelo de etapas estanques

proposto e ressalta que “esta escola oferece pouco espaço para visões

incrementalistas ou estratégias emergentes, as quais permitem que a

“formulação” continue durante e depois da implementação.”(pos. 985)

Uma das razões pelas quais houve um refinamento na formulação de

estratégia vem da própria maneira como os mercados se rearranjaram no

mundo globalizado. Multinacionais, transnacionais, papper companies,

arranjos produtivos locais, cooperativas, joint ventures, tudo isso parece muito

moderno, mas já é passado. Hoje fala-se de consumo cooperativo, start-ups,

mudanças disruptivas, desbancarização.

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As mudanças tem ocorrido na velocidade da luz e nesse novo cenário

a estratégia tem que ser capaz de se adaptar com rapidez. Assim, o

planejamento estratégico vai além do desenho de uma matriz SWOT. Deve-se

pensar em estratégia como algo mais amplo e mais dinâmico. MINTZBERG

explicita esse quadro com clareza.

“O ambiente externo não é uma espécie de pera a ser colhida da árvore da avaliação externa, mas sim, uma importante e, às vezes, imprevisível força a ser levada em conta. Algumas vezes as condições mudam de forma de inesperada, tornando inúteis as estratégias pretendidas. Outras vezes, os ambientes são tão instáveis que nenhuma estratégia pretendida é útil.”(MINTZBERG, 2010, pos. 1194)

Richard Rumelt faz uma reflexão válida sobre o que é estratégia e como

o conceito vem sendo esvaziado nas organizações.

“Apesar do fragor de vozes querendo equiparar a estratégia com ambição, liderança, “visão”, planejamento ou a lógica econômica da concorrência, na verdade a estratégia não é nada disso. O núcleo do trabalho de estratégia é sempre o mesmo: descobrir os fatores críticos em uma dada situação e conceber um meio de coordenar e focar as ações para lidar com esses fatores.”(RUMELT, 2011, pos. 191)

Essa miopia que frequentemente embota a visão sobre o que é

estratégia foi abordada por Henry Mintzberg, em sua obra Safari da Estratégia:

um roteiro pela selva do planejamento estratégico.

“No limite, a formulação de estratégias não trata apenas de valores e da visão, de competências e de capacidades, mas também de militares e de religiosos, de crise e de empenho, de aprendizado organizacional e de equilíbrio interrompido, de organização industrial e de revolução social.” (MINTZBERG, 2010, pos.482)

Apesar de aparentemente antagônicos, os autores trazem aspectos

importantes para a formulação de estratégia. RUMELT (2011) busca uma

definição pontual, despindo o conceito de estratégia de todos os acessórios

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que tiram seu foco. MINTZBERG (2010) vai além na sua definição, não

ampliando o significado do termo, mas acrescentando em sua visão toda a

gama de conhecimento e perspectivas a ser utilizado na formulação de

estratégia.

Importante ressaltar também que na análise dos citados autores não há

uma rejeição ao método proposto pela escola de design. Ambos reconhecem

a importância da análise de ambientes e ”que a estratégia representa uma

adequação fundamental entre oportunidades externas e capacidade interna”

(VENKATRAMAN e CAMILLUS, apud MINTZBERG, 2010, pos 1286), mas

ambos acrescentam toda a matiz de influência de ambientes e pessoas e a

dinâmica dessas relações na formulação e implantação de estratégia.

1.2 Estratégia e Poder

Em Safari da Estratégia, Mintzberg classifica a formulação de estratégia

em dez escolas diferentes considerando a perspectiva de cada uma. Essas

escolas também podem ser classificadas em dois grupos segundo sua

natureza: podem ser prescritivas, com ênfase em como as estratégias devem

ser formuladas, ou descritivas, que focam em descrever como as estratégias

são de fato formuladas.

Dentre as escolas classificadas, a Escola de Poder apresenta a

formulação de estratégia como um processo de negociação. A política

organizacional e o exercício do poder nas organizações são uma espécie de

eminência parda na formulação de estratégia. Assim, poucos estudos foram

desenvolvidos a respeito da influências destes nas estratégias das

companhias.

Essa escola de natureza descritiva lança um olhar mais aguçado sobre

como o poder e a política influenciam o estabelecimento de estratégia de uma

companhia. Segundo Mintzberg,

“se a formulação de estratégia é um processo de planejamento e análise, cognição e aprendizado,

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também é um processo de negociação e concessões entre indivíduos, grupos e coalizões em conflito.” (MINTZBERG, 2010, pos. 5354).

Mintzberg, apresenta a escola de poder a partir das seguintes

premissas:

“ 1 A formulação de estratégia é moldada por poder e política, seja como um processo dentro da organização ou como o comportamento da própria organização em seu ambiente externo. 2 As estratégias que podem resultar desse processo tendem a ser emergente e assumem mais a forma de posições e meios de iludir do que de perspectivas. 3 O poder micro vê a formulação de estratégia como a interação, por meio de persuasão, barganha e, às vezes, confronto direto na forma de jogos políticos, entre interesses estreitos e coalizões inconstantes, em que nenhum predomina por um período significativo. 4 O poder macro vê a organização como promovendo seu próprio bem-estar por controle ou cooperação com outras organizações, pelo uso de manobras estratégicas, bem como de estratégias coletivas em vários tipos de redes e alianças.” (MINTZBERG, 2010, pos 6013)

Mintzberg esclarece que quase todas as organizações são políticas,

ainda que moderadas ou ocasionais. Entretanto ele apresenta uma situação

em que o aspecto político prepondera na formulação de estratégia.

“É em épocas de mudanças difíceis, quando o poder é sempre realinhado de maneira imprevisível, que surgem as arenas políticas em organizações até então saudáveis. Nessas condições, muitas coisas mudam de dono, e as pessoas sentem-se particularmente inseguras. Tudo isso cria conflitos políticos, em especial na formulação de estratégia, onde as apostas são altas.”(MINTZBERG, 2010, pos 5445)

A Escola de Poder trata de como as relações e interesses entre grupos,

organizados ou não, que agem interna ou externamente à companhia

influenciam a construção e implementação de estratégias. Obviamente que a

disputa de poder entre grupos internos das organizações já foi alvo de muitas

análises e discussões. E também é intrínseco ao processo de planejamento a

influência dos interesses dos indivíduos que o elaboram. BOLMAN e DEAL

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(1997) formularam as seguintes proposições a respeito da política

organizacional:

“1. Organização são coalizões de vários indivíduos e grupo de interesse. 2. Existem diferenças duradouras entre os membros de coalizões, em valores, crenças, informações, interesses e percepções da realidade. 3. A maior parte das decisões importantes envolve a alocação de recursos escassos – quem obtém o quê. 4. Recursos escassos e diferenças duradouras dão ao conflito um papel central nas dinâmicas organizacionais e tornam o poder o recurso mais importante. 5. Metas e decisões emergem de barganhas, negociações e manobras em busca de posições entre os diferentes públicos de interesse.”(BOLMAN e DEAL apud MINTZBERG, 2010, p. 5406)

O movimento político que há dentro da organização e que influencia a

estratégia é chamado por Mintzberg (2010) de “poder micro”. A dinâmica

estabelecida pela influência do poder micro na elaboração de estratégia é

melhor compreendida pelas definição dos termos “resvalamento político” e

“deriva política”. “Resvalamento significa que as intenções, de alguma forma, são distorcidas na implementação; deriva [...] significa que, com o passar do tempo, uma série de acomodações ‘relativamente razoáveis’... provocam, cumulativamente, mudanças que alteram de forma fundamental’ as intenções originais.”(KRESS et al, apud MINTZBERG, 2010, pos 5425)

Por sua vez, o ”poder macro” estabelece a dinâmica política das

organizações com o ambiente externo. Assim, ao se utilizar do pode macro, as

organizações podem, segundo Pfeffer e Salancik (2010) “adaptar-se e mudar

para cumprir requisitos ambientais, ou ... tentar alterar o ambiente de forma

que este fique adequado às suas capacidades” (PFEFFER e SALANCIK, apud

MINTZBERG, 2010, pos 5715).

Bons exemplos deste exercício estão nas estratégias que envolvem

fusões e aquisições. O mercado se volta cada vez para mais para modelos de

gestão em que comprar empresas é o caminho mais rápido para agregar peças

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novas na engrenagem corporativa para manter a máquina competitiva.

Tomando por exemplo a Google, a empresa de tecnologia anunciou em agosto

de 2015 uma reestruturação radical, em que a própria empresa original, que

oferece os serviços de busca e e-mail, se tornou uma entre as dezenas de

empresas menores adquiridas nos últimos anos.

Criada para ser a cabeça da holding, a Alphabet passou a congregar

uma miríade de empresas e serviços que passam por biotecnologia, geração

de energia, robótica, operadora de telefonia, provedor de conexão de Internet

e aeronáutica. A mudança permitiu que essas quase 20 empresas, em

diferentes estágios de desenvolvimento e modelos de negócios, pudessem ser

organizadas e estruturadas, diluindo riscos, permitindo a ascensão de

executivos ao posto de CEOs e maior transparência aos investidores. “Uma

grande parte da motivação por trás da iniciativa parece ser reestruturar o

Google de uma maneira que torne a empresa mais claramente compreensível

para quem está de fora, em especial investidores e analistas financeiros”, (IDG

Now, 2015).

Dada a velocidade como acontecem as fusões e aquisições no ramos

de tecnologia, a preocupação em se manter organizada e clara perante ao

mercado denota que apesar de adotar metodologias pouco ortodoxas nestes

processos de expansão, inclusive abrindo mão de análises de grandes

consultorias, a Alphabet tem uma visão clara de estratégia para o seu

conglomerado.

Por outro lado, em ramos mais maduros e com participantes mais

simétricos, processos de fusão e aquisição necessitam de um componente

estratégico ainda mais rebuscado. Segundo Martin Sikora, empresas se

fundem e acabam aumentando sua escala de atuação, mas o importante,

porém, é saber se a fusão lhes dá uma vantagem competitiva relevante ou

apenas maior poder econômico (SIKORA apud Knowledge Warton, 2005).

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Capítulo II

A formulação da estratégia do Grupo Pão de Açúcar

2.1 Benchmark como estratégia

O Grupo Pão de Açúcar teve seu início em 1948 com a inauguração da

doceria Pão de Açúcar, pelo imigrante português Valentim dos Santos Diniz,

pai do jovem Abílio Diniz, com então 11 anos de idade.

Abilio Diniz, primogênito dos cinco filhos de “Seu Santos“ e “Dona

Floripes, teve um importante papel na construção desse gigante do varejo, com

faturamento de R$ 72,8 bilhões em 2014. Foi em 1959, numa tentativa de evitar

a ida para os Estados Unidos do aluno do curso de administração da Fundação

Getúlio Vargas, que Seu Santos sugeriu ao filho a abertura de um mercado

com autoatendimento. O momento foi retratado por Cristiane Correa, no livro

”Abilio, determinado, ambicioso, polêmico”:

“Para convencê-lo, seu Santos o levou até uma unidade do Peg-Pag localizada na rua Joaquim Floriano, esquina com avenida São Gabriel, no bairro do Itaim (muitos anos depois, com a compra do Peg-Pag pelo Pão de Açúcar, essa mesma loja faria parte do império da família Diniz). Abilio viu pela primeira vez o que era o auto serviço. Até então, os clientes que frequentavam as mercearias e vendas de bairro eram atendidos por funcionários no balcão. Em geral, entregavam suas listas de compras e recebiam os mantimentos e produtos de limpeza que precisavam. No supermercado, o funcionamento era diferente. O consumidor podia circular livremente pelos corredores e pegar direto das gôndolas os produtos que lhe interessavam. Bastava coloca-los num cesto ou carrinho e passar no caixa para pagá-los.”(CORREA, 2015, p.38)

Em 1959, foi inaugurado o primeiro supermercado da rede - em frente

à doceria, na avenida Brigadeiro Luiz Antônio, nos Jardins, em São Paulo. A

segunda unidade do Pão de Açúcar foi inaugurada em 1963, no bairro

Higienópolis. A terceira unidade foi aberta após a aquisição de um concorrente

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falido. “No final de década de 1960 o Pão de Açúcar já somava mais de

sessenta lojas em dezessete cidades ”(CORREA, 2015, p.41). Em 1969, o

Grupo Pão de Açúcar expande suas atividades para Europa, com a abertura

de uma loja em Lisboa.

Esse apetite pelos negócios direcionava Abilio Diniz rumo a incessante

busca de conhecer o mercado de varejo pelo mundo. Em 1967, ele viajou até

Paris para conhecer Marcel Fournier, cofundador do Carrefour. Fournier

apresentou a ele uma loja do Carrefour e detalhou o passo a passo da

operação. Essa estratégia de benchmark é descrita da seguinte forma:

“Abilio sempre foi adepto de uma regra para impulsionar o crescimento de sua empresa: copiar, copiar, copiar. Num tempo em que benchmark era um termo quase desconhecido no Brasil, ele não hesitava em ‘se inspirar’ nos concorrentes. Primeiro, em redes brasileiras como Peg-Pag e Sirva-se. Depois, em exemplos internacionais. Era comum que viajasse para a Europa e os Estados Unidos em busca de referencias e novidades para o Pão de Açúcar – de novas formas para expor os produtos nas gôndolas a processos mais eficientes para controle dos estoques.” (CORREA, 2015, p.42)

Quatro anos após conhecer a operação do Carrefour, Abilio inaugura o

primeiro hipermercado do Grupo Pão de Açúcar. A bandeira Jumbo abriu sua

primeira unidade no ABC Paulista. Com um custo oito vezes maior que um

supermercado, o Jumbo tinha mais de 50 mil itens distribuídos em 9.500

metros quadrados e uma frente de caixa com 34 posições de atendimento.

Abilio demonstrava uma verdadeira obsessão pelo pioneirismo. Ele

resume seu empenho em mapear a concorrência da seguinte forma:

“Sempre fui ver de perto tudo o que podia. Sempre quis conhecer mais. A frase ‘Quero ser melhor amanhã do que fui hoje’ nunca foi apenas retórica para mim. Estive em quase todas as redes da Europa. Conheço profundamente o varejo nas principais regiões dos Estados Unidos. Fui ver até como operavam redes em países distantes como Rússia e China (...). É difícil falar um negócio desses, mas deve existir muito pouca gente

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no mundo que visitou tanta loja de supermercado quanto eu.” (DINIZ apud CORREA, 2015, p. 43)

2.2 O Poder como Estratégia

Para se contextualizar a estratégia do Grupo Pão de Açúcar na escola

de poder, necessário se faz delinear o jogo político exercido pelos grupos de

poder dentro da organização.

A estratégia adotada pelo Grupo Pão de Açúcar era personificada na

figura de Abilio Diniz. Os primeiros anos do grupo mostram como o espírito

empreendedor de Abilio ditava o ritmo de crescimento do grupo. Mintzberg

aborda a relação estratégia x empreendedorismo da seguinte forma:

“Alguns autores importantes há muito associam a estratégia como empreendedorismo e descrevem o processo em termo de criação da visão pelo grande líder. Mas, se a estratégia pode ser uma visão pessoal, então sua formulação também precisa ser entendida como um processo de obtenção do conceito na mente de um indivíduo.” (MINTZBERG, 2010, pos. 449)

A respeito do líder estrategista, Michael Porter postula que

“O principal estrategista de uma organização tem que ser o líder – o CEO. Grande parte do pensamento empresarial enfatiza a noção de distribuição de poder e conquista do envolvimento de muitas pessoas. Isso é importante, mas a distribuição de poder e o envolvimento não se aplicam ao principal ato de escolha. Para ser bem-sucedida, uma organização deve ter um líder muito forte que esteja disposto a fazer escolhas e a definir o que vale a pena. Descobri que há uma relação notável entre estratégias realmente boas e líderes verdadeiramente fortes.” (PORTER, apud MINTZBERG, 2010, pos. 1008)

Abilio Diniz, em sua trajetória, incorporou esse modelo em sua prática e

jamais abriu mão do papel de líder estrategista da companhia. Entretanto é

importante ressaltar, conforme alerta Rumelt, que liderança e estratégia não

são a mesma coisa.

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“A liderança e a estratégia podem estar reunidas na mesma pessoa, mas não são a mesma coisa. A liderança inspira e motiva o autossacrifício. (...) A estratégia é a arte de formular quais os propósitos que valem a pena ser buscados e que, ao mesmo tempo, são passíveis de realização.” (RUMELT, 2011, pos. 1645)

Essa disparidade será tratada neste trabalho se mostrará fatal na

história do Grupo Pão de Açúcar e a atuação do próprio Abilio Diniz.

2.3 Aquisição como Estratégia

A relação do Grupo Pão de Açúcar com o ambiente externo merece uma

especial atenção. Se por um lado os conflitos internos criados pelo poder micro

são facilmente identificáveis nas organizações, o poder macro e seu “processo

de influenciar ou negociar com o ambiente externo em vez de reagir a ele”

(Mintzberg, 2010, pos. 5730) é um dos traços mais característicos da Escola

de Poder. As fusões e aquisições nesse contexto são tratados como uma

política para se obter poder e controle, indo além de uma visão econômica.

A estratégia de expansão dos negócios do Grupo Pão de Açúcar se

apoiava em dois pilares: abertura de novas lojas em pontos estrategicamente

escolhidos por Abilio Diniz e aquisição de redes concorrentes. Sobre a

aquisição enquanto estratégia, Rumelt traz uma reflexão relevante.

“Nas empresas, por exemplo, muitas fusões e aquisições, investimentos onerosos em novas instalações, negociações com fornecedores e clientes importantes e projetos organizacionais em geral são considerados atos ‘estratégicos’. Entretanto, ao falar de ‘estratégia’, você não deve apenas querer marcar o grau de autoridade do tomador de decisão. Na verdade, o termo ‘estratégia’ deve significar uma resposta coesa a um desafio importante. Diferentemente de uma meta ou decisão isolada, a estratégia é um conjunto coerente de análises, conceitos, políticas, argumentos e ações que respondem a grandes desafios.”(RUMELT, 2011, pos. 283)

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No caso do Grupo Pão de Açúcar a aquisição de concorrentes era de

fato estratégica. A compra da rede Eletroradiobraz em 1976 exemplifica com

clareza o uso da aquisição como estratégia para se atingir a liderança no setor.

“A Eletro era a segunda maior rede de supermercados e hipermercados do país, com faturamento cerca de 20% menor que o do Pão de Açúcar. A aquisição, portanto, tinha potencial para mudar a cara do setor – e deixar a empresa do clã Diniz isolada na primeira colocação. A revista Exame estampou em reportagem da época que essa aquisição ‘tinha proporções comparáveis ao impacto que teria no setor automotivo a compra da Ford pela Volkswagem, ou, no setor financeiro, se o Bradesco comprasse o Itaú.” (CORREA, 2011, p.48)

As dificuldades financeiras que a Eletro estava enfrentando foram a

razão de sua venda ao Grupo Pão de Açúcar, em 1976. Mais interessante que

isso é o fato de que a Eletroradiobraz havia se endividado com o então BNDE

para suportar os altos investimentos em propaganda, marketing e expansão

da rede para fazer frente a sua principal concorrente: o Grupo Pão de Açúcar.

Exemplo similar é apresentado por Rumelt em sua obra Estratégia Boa,

Estratégia Ruim. Rumelt relata como os Estados Unidos desenvolveram uma

estratégia que utilizava seus pontos fortes para explorar as fraquezas

soviéticas, criando uma vantagem competitiva. Após ler o documento intitulado

“Estratégia para Competir com os Soviéticos no Setor Militar da Contínua

Disputa Militar e Política”, Rumelt (2011) destacou que “(...) o documento

argumentava que ter uma verdadeira estratégia competitiva significa engajar-

se em ações que impusessem custos exorbitantes para o outro lado.” (pos.

715).

É impossível afirmar com base na literatura disponível que o Grupo Pão

de Açúcar tenha adotado essa estratégia deliberadamente, mas é inegável que

em ambos os casos o desfecho foi o mesmo. Sobre a relação dos Estados

Unidos e União Soviética, Rumelt (2011) concluiu anos após a leitura do

documento que “(...) estava claro que a União Soviética se desestabilizara

porque tinha ido além do limite. Ela estava quebrando econômica, política e

militarmente.” (pos. 727). O mesmo se deu com a Eletro.

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De forma intencional ou não, o Pão de Açúcar se aproveitou de diversas

fraquezas do Eletro, como a gestão menos sofisticada. Apesar de surgir no

anos 40 em São Paulo, assim como o seu futuro concorrente, a Eletroradiobraz

foi inicialmente um ponto de consertos de rádios e outros eletrodomésticos. A

segunda geração de donos iniciou a diversificação com a a venda de

eletrodomésticos e em seguida confecções, impulsionando a expansão da

empresa, que se manteria essencialmente familiar até o fim dos anos 60. E

apesar de trazer ex-empregados de grandes redes de varejo nos EUA para dar

consultoria ao Eletro, o grupo manteve em grande medida executivos de seu

próprio corpo de empregados.

No início dos anos 70, o Eletro abriu o seu capital e expandiu ainda mais

sua atuação. Era forte no segmento de eletrodomésticos, móveis e presentes,

moda e confecção, supermercados e hipermercados, além disso atuava no

ramo de concessionárias de veículos, empréstimo pessoal, financiamento e

investimento, construção civil, agropecuária e mercado financeiro. Mesmo

assim, às vésperas do seu fim, em 1976, o grupo sofria com problemas de

crédito ao cliente, logística e custos operacionais, apesar de se aproximar do

faturamento do Grupo Pão de Açucar. Seria o caso em que, dado o tamanho

de cada uma das partes, seria muito mais um caso para fusão do que para

uma aquisição.

A compra do Eletro marcou o início de uma era aquisições rápidas

dentro do ramo de varejo de alimentos como as redes Superbom, Peg-Pag,

Mercantil, Bazar 13 e Morita. Além disso o Grupo Pão de Açucar entrou com

novas marcas e diferentes modelos de atendimento no varejo como o

Superbox, o Minibox e posteriormente, o Extra.

Já nos anos 90, após o IPO da companhia em 1995 e emissão de ADRs

na bolsa de Nova Iorque em 1997, o Grupo Pão de Açúcar, com um reforço de

caixa de mais US$ 180 milhões, iniciou uma nova onda de aquisições muito

maior que a anterior. Foram 35 redes em 15 anos: desde pequenas redes

familiares até redes maiores como o Barateiro que tinha 32 lojas.

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Essa voracidade aquisitiva do Grupo Pão de Açúcar acabou obrigando

os outros players a se movimentarem para manter posição. Essa

movimentação gerou uma concentração maior do faturamento nas grandes

redes. As cinco maiores detinham, em 1997, 27% do mercado. Em 2001,

depois das aquisições, passaram e deter 40% do faturamento.

Como forma de manter sua posição frente ao avanço dos concorrentes,

o Grupo Pão de Açúcar necessitava de mais capital. A ideia de se associar a

um varejista estrangeiro era vista com bons olhos. Era a oportunidade de obter

mais capital e acessar mercados internacionais. Assim, em 1996, o Grupo Pão

de Açúcar inicia as negociações para a venda de uma participação minoritária

ao grupo francês Casino. A associação se concretiza em 1999, com a venda

de 24,5% do GPA ao Casino.

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Capítulo III

A formulação da estratégia do Grupo Casino

3.1 A Inovação como Estratégia

O Grupo Casino teve sua origem em 1892, quando Geoffroy Guichard

torna-se o único proprietário de um empório em Saint-Étienne, França. Seis

anos depois Guichard, que já havia construído um depósito com o objetivo de

organizar as operações de seu empório, inaugura uma sucursal em Veauche.

Na sequência ele unifica seus negócios na empresa Societé des Magasins de

Casino et Établissements Économiques d’Alimentation, cujo nome comercial é

Guichard-Perrachon.

A história do Grupo Casino mostra um papel importante da inovação em

sua estratégia de crescimento. Em 1901, como forma de driblar a escassez de

fornecedores de qualidade, Guichard lança produtos com a marca Casino,

surgindo daí o conceito “marca de supermercado”. Já em 1902 eles criaram

uma estratégia de fidelização de clientes. Essa dedicação em inovar fez com

que a empresa completasse 22 anos de existência com 460 lojas em

operação, com uma média de instalação de quase duas lojas por mês.

A busca por qualidade levou a Guichard-Perrachon a criar, em 1927,

um laboratório de controle de qualidade. Essa obsessão por qualidade se

traduzia em números. Ao se aposentar, no final dos anos 20, Geoffroy

Guichard já havia multiplicado exponencialmente seu patrimônio, que agora

contava com 20 fábricas, 9 centros de distribuição, 998 lojas próprias e 505

afiliadas.

Em 1948, com a França ainda em processo de recuperação pós 2a

Guerra Mundial, o grupo abriu a sua primeira loja no modelo de mercado de

autosserviço, sistema consolidado nos EUA na década anterior pela rede de

mercados King Kullen, que em grande medida popularizou o modelo de

mercados atual, com seções especificas, baterias de caixas e custos reduzidos

de operação. Este modelo só chegaria ao Brasil alguns anos depois onde os

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grandes canais de venda eram os empórios, mercearias e armazéns de secos

e molhado. Em 1951, a então gigante Tecelagem Parahyba criou o Mercado

dos Operários, que usava o sistema americano, mas atendia apenas os

empregados da empresa. Dois anos depois surgiram o Sirva-se e o

Supermercado Americano, ambos em São Paulo e abertos para o público em

geral. O Pão de Açúcar lançaria seu primeiro supermercado apenas no fim da

década, em 1959.

Enquanto isso, o Grupo Guichard-Perrachon lançava mão de uma

estratégia em que buscava diferenciais competitivos sobre a concorrência. A

empresa foi pioneira na criação de sistemas logísticos de refrigeração para o

setor, incluindo os balcões refrigerados, e na indicação do prazo de validade

para consumo dos produtos, que só se tornaria obrigatória na França três

décadas depois. No início da década de 50, o Casino inicia a entrega em

domicílio de produtos frescos, uma novidade, até então. E em 1984, reforçando

seu compromisso com a qualidade, apresentou seu lema “garantia de

satisfação ou o dobro do dinheiro de volta”.

3.2 A Aquisição como Estratégia

Em 1925, Guichard-Perrachon incluiu a aquisição de concorrentes

como parte da estratégia de rápida ampliação com a compra da Rede

L’Épargne, que possuía 300 lojas na região de Tolouse. Essas lojas se

somavam não só às lojas próprias, mas também a uma rede afiliada, algo

semelhante a franquias, que vendiam os produtos Casino. Esse mix permitia

uma expansão extremamente agressiva. Em 1914, a Guichard-Perrachon

possuía 460 lojas próprias e 190 afiliadas. Cinco anos depois já eram 520

pontos e 264 afiliados. Em 1929, quando o fundador Geoffroy Guichard se

aposentou dos negócios do grupo, os números haviam saltado para uma rede

de 998 pontos de venda do grupo, além de 505 lojas associadas.

Pouco antes do início da Segunda Grande Guerra, em 1939, as lojas

próprias, adquiridas ou implantadas pela Guichard-Perrachon já eram 1670,

além das 839 afiliadas. Com a conflito, há uma interrupção clara na expansão

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da rede, tendência que se manteria inclusive no pós-guerra, em que a

modernização e a adoção de novidades tecnológicas, como a introdução de

balcões refrigerados e depósitos climatizados, deram a tônica. Ou seja, o

investimento em expansão e aquisição é reorientado para logística e

infraestrutura. Nos anos 60, entram em cena novos modelos de negócio, como

rede de cafés e em 1970 o grupo expande sua atuação na capital, Paris, por

meio de sua subsidiária SOMACA, ao mesmo tempo em que inaugura seu

primeiro hipermercado. Em 1976, o grupo inicia a internacionalização da

empresa, com a implantação do Grupo Casino nos Estados Unidos.

A década de 80 marcaria um novo impulso na expansão da Guichard-

Perrachon/Casino. Em 1984, é realizada a aquisição da Thriftimart, que

controla a marca Smart & Final. A temporada de compras segue nos dois anos

seguintes com a aquisição do grupo CEDIS, do ramo de hipermercados e a

atacadista Etablissements Deloche e segue até 1991, com a aquisição da La

Ruche Méridionale. Esta seria a grande última grande aquisição do grupo em

um cenário de empresa familiar, já que no ano seguinte a Guichard-Perrachon,

dirigida então pela terceira geração da família Guichard, anuncia a fusão com

o Grupo Rallye S/A, pertencente ao financista e iniciante no ramo de varejo,

Jean-Charles Naouri. As condições do negócio eram a incorporação do Rallye

ao Casino em troca de 30% de participação no Grupo Guichard-Perrachon.

A fusão criou interesse no mercado e cinco anos após a fusão, em 1997,

o grupo se viu seriamente ameaçado por uma tomada hostil durante uma oferta

pública de ações (OPA). Após quatro meses de disputas em bolsa de valores

surgiu uma proposta, conduzida por Jean-Charles Naouri, com participação da

família Guichard e funcionários da empresa, que permitiu a preservação da

independência do grupo Casino, mas com uma inversão de papéis: agora o

Rallye seria o acionista majoritário e cabeça do grupo.

No novo cenário, o Casino se voltou às origens e orientou novamente

seu crescimento para o mesmo segmento em que a havia se consolidado um

século antes: as lojas de bairro. Para viabilizar esta estratégia, as aquisições

foram privilegiadas e o grupo avançou vorazmente adquirindo participações

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significativas em redes locais e mercados de vizinhança e outros pontos de

venda com modelos de negócio diferentes. Franprix, Leader Price, Monoprix,

além do site de vendas on-line Cdiscount, foram algumas das aquisições

realizadas nos anos seguintes, configurando na virada do milênio um modelo

de atuação marcado de multiformatos de proximidade ao consumidor e

presença crescente nas compras on-line. Esta segunda vertente foi baseada

principalmente na Cdiscount, líder de vendas on-line no mercado francês na

época e ainda hoje um dos maiores sites de e-commerce do país, ficando atrás

apenas do gigante global Amazon.

Fora da França, o Grupo Casino buscou um público diverso ao do

europeu. Para isso mirou países com demografia favorável e cenário de forte

crescimento econômico, com mercados considerados ainda em

desenvolvimento. Assim o grupo implantou seu primeiro hipermercado no

Uruguai, em 1997, em parceria com o grupo Disco. Chegou à Argentina em

1998, com a compra de 75% do grupo Libertad, e à Colômbia em 1999, em

parceria com a varejista Éxito. No mesmo ano o Casino fecha seu primeiro

acordo de parceria com a Companhia Brasileira de Distribuição (CBD), dona

da marca Pão de Açúcar, onde passou a responder por 22% do capital votante

em 1999, e conquistando em apenas três anos a liderança no setor de varejo

alimentar na América do Sul, somadas todas as suas participações. Da mesma

maneira, o grupo francês atuou fortemente em aquisições na Ásia, se tornando

líder em diversos países orientais.

No anos seguintes, o Casino continuaria sendo agressivo em sua

expansão, inclusive aumentando rapidamente o tamanho de suas

participações junto aos seus parceiros. Esta tendência se acentuaria ainda

mais a partir de 2005, quando Jean-Charles Naouri, então presidente do

conselho de administração do Casino, assume a posição de CEO de todo o

grupo.

“Jean-Charles Naouri é nomeado diretor-presidente do Grupo Casino e instaura uma organização baseada em circuitos curtos de decisão. Ele redefine a carteira de ativos do Grupo e, paralelamente, consolida a presença

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da empresa no Brasil, na Colômbia, na Tailândia e no Vietnã. (http://www.gpabr.com/o-grupo/jean-charles-naouri)”

Como parte dessa nova gestão, o acordo entre o Casino e o Pão de

Açúcar foi revisto. A empresa brasileira passava por um momento de

dificuldades e o sócio francês entrou com um aporte de R$ 930 milhões, que

somados com o R$ 1,5 bilhão da entrada na sociedade, permitiram que fosse

gerado um acordo nos seguintes termos:

a. Seria criada uma nova holding, que seria a dona do Pão de

Açúcar, chamada Wilkes.

b. A nova controladora teria 50% de participação do Casino e

50% de ações sob o controle de Abílio Diniz.

c. O Casino faria um empréstimo de outros R$ 2 bilhões ao Pão

de Açúcar, que seriam quitados até 2012.

d. Ao final deste prazo, a direção da Wilkes passaria para o

Grupo Casino.

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Capítulo IV

A formulação da estratégia do Grupo Pão de após a associação com o

Grupo Casino

A associação de dois grupos, ambos grandes econômica e

politicamente, enseja o pensamento de que nada pode dar errado. Mas essa

afirmação quase nunca é real e o motivo, com frequência, é o mesmo: cultura.

O que define uma empresa? O que ela vende, quem ela emprega, como ela

produz? Karl Weick (apud Minstzberg, po 6226) esclareceu a questão

explicando que “uma corporação não tem uma cultura. Uma corporação é uma

cultura. É por isso que elas são terrivelmente difíceis de mudar”. Pode-se

observar que grupos que atuam em um mesmo mercado, com operações

muito similares, terão dificuldade de promover a sinergia.

Se promover a sinergia em grupos onde o ganho com a economia de

escala é difícil, formular estratégias é ainda mais complicado. Mintzberg alerta

que “algumas alianças são criadas expressamente para reduzir a concorrência

ou garantir mercados. Também há alianças abertamente políticas, como

quando empresas estabelecidas se juntam para solapar os esforços de

empresas menores.”(pos. 5993)

Nessa situação, traçar um norte para uma organização torna-se uma

tarefa árdua. A Teoria dos Altos Escalões, de Hambrick e Mason (apud

Mintzberg, pos 5677) explica essa dificuldade argumentando que “as

organizações que são consideravelmente similares em tamanho, tecnologia e

linha de produtos com frequência adotam estratégias muito diferentes.” Isso

ocorre pelo fato de que a estratégia nesses casos é ditada pela Alta

Administração, que dado o seu grau de influência na companhia, consegue

fazer com que sua visão de mundo prepondere na formulação da estratégia.

Até o momento este trabalho tem trazido as fusões e aquisições como

uma estratégia que promove o rápido crescimento sem causar danos à

companhia. Uma estratégia que aumenta o poder, por concentrá-lo. Entretanto

é necessária a ressalva de que as fusões e aquisições são traumáticas para

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quem compra e para quem é vendido, em função das mudanças advindas

desse processo. Mintzberg alerta que

“É em épocas de mudanças difíceis, quando o poder sempre é realinhado de maneira imprevisível, que surgem as arenas políticas em organizações até então saudáveis. Nessas condições, muitas coisas mudam de dono, e as pessoas sentem-se particularmente inseguras. Tudo isso cria conflitos políticos, em especial na formulação de estratégia, onde as apostas são altas.”(MINTZBERG, 2010, pos. 5444)

Esse cenário pode ser visto com clareza na rotina da associação do Pão

de Açúcar com o Casino. Com o novo acerto entre os grupos, realizado em

2005, pouca coisa se alterou na rotina da gestão do grupo brasileiro. Mantendo

a estratégia do grupo para si, Abilio Diniz seguiu como cérebro e coração da

empresa. Em grande medida, outras instâncias decisórias eram de baixa

relevância e o poder se encontrava fortemente cristalizado na figura do seu

principal executivo. No entanto, conforme coloca Rumelt, “a liderança e a

estratégia podem estar reunidas na mesma pessoa, mas não são a mesma

coisa “(Rumelt, 2011). E se a liderança ainda era claramente de Diniz, o Pão

de Açúcar agora era parte de uma holding com um parceiro dedicado a uma

agenda própria e mais ampla, dada a sua atuação multinacional.

Para tornar a situação ainda mais complexa, havia no horizonte uma

transição de poder marcada para 2012, quando o Casino assumiria a

administração do Pão de Açúcar. Esse cenário suscita alguns

questionamentos. O principal deles é: ao aceitar o acordo com o Casino, Abílio

Diniz havia traçado um planejamento em que eventualmente poderia

renegociar estas condições ou mesmo encontrar uma saída não-amistosa para

evitar entregar a direção do grupo criado por sua família? Ou apenas ao ver a

aproximação do encerramento de sua gestão, conforme acordo, buscou uma

alternativa de se perpetuar por meio de uma nova fusão? Apesar de os dados

disponíveis não nos oferecerem esta resposta, é púbico e registrado em sua

biografia que ele se via de certa forma intocável em sua posição, desde que

continuasse rentável. Além disso, já nos últimos momentos no grupo que sua

família fundara, buscou conseguir o direito vitalício ao cargo de presidente do

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conselho de administração, tendo em vista a contribuição de sua família e dele

própria à empresa, conforme previsto em estatuto, no que foi rechaçado devido

a um conflito de interesse alegado por seus sócios.

Então, supor que Abílio Diniz não pretendia deixar a liderança do Pão

de Açúcar não é uma possibilidade descabida. De fato, a própria existência do

Grupo Casino passou quase que desapercebida do público. Conforme

noticiário, “os clientes das redes do grupo Pão de Açúcar, descobriram, de

repente, que são consumidores de uma rede varejista francesa chamada

Casino” (Título: Os 7 erros de Diniz Autor: Valenti, Graziella Fonte: Valor

Econômico, 14/07/2011, Investimentos, p. D1).

Após sua reestruturação de 2005, já como parte do Casino, o Pão de

Açúcar seguia em sua normalidade, inclusive trazendo ao mercado novas

marcas próprias como Taeq, com produtos voltados para o bem estar, e

Qualitá, com uma linha de cerca de mil produtos para o dia a dia, de limpeza a

alimentação. No campo das aquisições, também realiza uma operação em

duas etapas para adquirir a rede Assaí, que atua no ramo de “atacarejo“, misto

de atacado e varejo, atendendo desde as compras familiares de maior volume

até o cliente pessoa jurídica de food service, como bares, restaurantes e hotéis.

Em 2009, o GPA passa por um grande momento de expansão, quando

se torna o maior grupo de varejo da América Latina. O movimento se deu ao

terminar a aquisição do Assaí e assumir o controle do Ponto Frio e fazer a

fusão deste com a rede Casas Bahia. Assim o Grupo Pão de Açúcar criou a Via

Varejo para administrar as duas marcas e a Nova Pontocom, empresa de

comércio eletrônico responsável pelas vendas das três marcas na internet.

Este movimento foi aprovado apenas parcialmente pelo Conselho

Administrativo de Defesa Econômica (CADE), que exigiu a venda de parte das

lojas do Ponto Frio para evitar a concentração excessiva de mercado pelo

grupo. Em especial a compra do Ponto Frio se mostrou complexa e demandou

diversas rodadas de negociação, mediadas por uma consultoria americana,

em que apenas a última fase tomou cincos dias de discussão deixando para

trás outros pretendentes ao negócio, como o Magazine Luíza e também a rede

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Insinuante, que estava associada ao Banco BTG na proposta. O sucesso da

negociação, em grande medida, se deu pela atuação direta de Diniz junto a

Lily Safra, então principal acionista do Ponto Frio.

Outro movimento importante no período foi a criação da GPA Malls,

para atuar no mercado imobiliário, visando aproveitar a sinergia entre o

negócio de varejo e o processo de prospectar, negociar e viabilizar a

implantação de novas lojas. Esse segmento de atuação permitiu, por exemplo,

a associação com a construtora Cyrella na construção de condomínios com o

diferencial de possuir acesso facilitado para lojas do Grupo Pão de Açúcar

instaladas nos edifícios.

No entanto, o espírito empreendedor e autônomo de Abílio Diniz o levou

a um terreno pantanoso ao buscar o principal concorrente do Casino para uma

empreitada que permitiria criar uma gigante varejista de R$ 65 bilhões de

faturamento anual por meio da fusão da operação brasileira do Carrefour e o

Pão de Açúcar. “Depois de iniciar um projeto desse porte sem o sócio, por

iniciativa própria, Diniz teria superestimado sua capacidade de convencimento

e subestimado a resistência do Casino”(Valor, 2011).

Segundo o noticiário do período, se valendo de sua relativa liberdade

de traçar estratégias e prospectar negócios sem interferência do sócio francês,

Diniz já estava discutindo a possibilidade desta fusão desde 2009. Mas apenas

em 2011 levou ao assunto a Jean-Charles Naouri, no sentido de ter a

aprovação do Casino. De acordo com Michael Wheeler, entre os pontos

chaves em processos de negociação, estão os preceitos de “não cair na

armadilha do sucesso antecipado“ e também estar seguro que sua estratégia

está alinhada com parceiros (WHEELER, 2014, p. 50). Ao buscar o acordo

com o Carrefour, Diniz avançava sobre estas duas linhas e se colocava

claramente em uma posição complicada. Se ao levar a proposta discutida por

dois anos ao sócio francês, este não concordasse, ele estaria provavelmente

fechando qualquer chance de seguir à frente do Pão de Açúcar, o que de

acabou se dando de fato. Sua única possibilidade de sucesso era fechar o

negócio.

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“(...)Diniz disse ao sócio Jean-Charles Naouri, controlador e presidente do Casino, que queria olhar mais de perto o negócio Carrefour. Na época, Naouri foi categórico ao responder que não havia interesse. Mas o empresário brasileiro decidiu ir adiante. Acreditava que quando apresentasse o negócio pronto e atrativo, o Casino não resistiria e negociaria. Afinal, não seria o primeiro negócio que começaria com alguns problemas.” (Valor, 2011)

Wheeler descreve o comportamento obstinado de negociadores como

Abílio Diniz nos seguintes termos:

“Há muitos tipos de obstinados. Um colega meu de negociação descreve essas pessoas como ‘muitas vezes erradas, nunca em dúvidas’. Lidar com elas é frustrante. Elas fazem seus planos, seguem em frente e continuam seguindo mesmo quando deveria estar claro que é hora de mudar e direção.”(WHEELER, 2014, p.105)

Observando o comportamento de Abílio Diniz com seu sócio, na figura

de Naouri, nota-se claramente o Jogo de Lados Rivais, definido por Mintzberg,

“Jogo de Lados Rivais: mais uma vez jogado para derrotar um rival; ocorre tipicamente quando jogos de alianças ou de construção de impérios resultam em dois grandes blocos de poder; pode ser o jogo mais divisor de todos; o conflito pode ser entre unidades (...), entre personalidades rivais ou entre duas missões concorrentes (...)”(MINTZBERG, apud MINTZBERG, 2010, pos. 5359)

Abílio Diniz chegou a ir à França para apresentar a proposta ao

Conselho de Administração do Carrefour, mas o assunto vazou e a direção do

Casino veio a público informar que não havia espaço para tratativas daquela

fusão e que o projeto do grupo francês era assumir o controle do Pão de Açúcar

no ano seguinte, 2012, conforme estipulado no acordo de 2005. Naouri então

trabalhou obstinadamente em diversas frentes a fim de bloquear eventuais

movimentos do parceiro brasileiro. Uma das principais frentes foi buscar

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adquirir o maior volume possível de ações do Pão de Açúcar, visando não só

aumentar a participação como acionista como também modificar o equilíbrio

das participações, inviabilizando o negócio nos moldes criados por Diniz. O

Casino buscou também um recurso arbitral, por meio da Câmara Internacional

de Comércio, em Paris, o que forçava o brasileiro a trazer à tona a sua proposta

de negócio.

Ficava claro então que a liderança do Grupo Pão de Açúcar estava em

disputa. Se por um lado Abílio Diniz possuía uma liderança carismática e

centralizadora, com uma personalidade exuberante e chamativa, Jean-Charles

Naouri se mostrava quase como um antítese do primeiro. E se ambos

compartilham práticas expansionistas e visionárias, Naouri mostrava uma

estilo muito mais discreto e intelectual que Diniz. Egresso do serviço público

francês e com passagem por empresas da área financeira, ele havia entrado

no mercado de varejo de alimentação de maneira tardia, aos 42 anos, quando

sua empresa de investimentos adquiriu a varejista Rallye em 1991. Nascido na

Argélia, ele é frequentemente descrito como um perfeccionista e um homem

complexo e reservado, que não se mistura muito nos círculos de negócios da

elite francesa”. (O Estado de S. Paulo, 2012)

A atuação de Naouri no ramo de mercados trouxe vários desafetos entre

sócios, já que a sua estratégia expansionista se baseava nas fragilidades de

seus parceiros comerciais, que após a entrada do Casino em seus negócios,

iam tendo o seu poder societário consumido pelo avanço do grupo sobre a

participação dos sócios. Sobre isso, um dos principais associados de Naouri

sentenciou: "Ele não inicia disputas. Elas surgem porque os empresários não

aceitam vender suas companhias quando chega a hora", explica o estrategista

de negócios Alain Minc, (O Estado de S. Paulo, 2012)

Por fim, após o Casino vetar a proposta em uma primeira reunião do

seu conselho, a etapa seguinte seria levar o negócio ao conselho

administrativo da Wilkes, controladora do Grupo Pão de Açúcar, mas Diniz

recuou e retirou a proposta. Sem margem de manobra, Diniz passou o controle

do Grupo Pão de Açúcar para o Casino, mesmo tendo permanecido como

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presidente do conselho. Após diversas desavenças com o grupo Casino, Abílio

Diniz acabou se afastando definitivamente do grupo e colocando suas ações à

venda, encerrando a sua participação acionária de forma gradual até abril de

2014.

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Conclusão

O encontro de duas forças empresariais distintas, mesmo que alinhadas

em um primeiro momento, dificilmente acontece sem choques. Em especial se

exercem suas estratégias empresariais de forma muito distinta. No exercício

de seu poder enquanto principal executivo e liderança do Pão de Açúcar, Abílio

Diniz tentou traduzir em sua atuação como executivo a própria estratégia do

Grupo Pão de Açúcar. E com este nível de direção operou de forma irrestrita

como estrategista e protagonista dos principais lances empresariais de seu

conglomerado desde 1959.

Após a aquisição parcial pelo do grupo francês Casino, o Pão de Açúcar

seguiu com bastante autonomia, expandindo os seus negócios com sucesso

ao ponto de chegar à posição de maior varejista da América Latina, com

negócios multiformato, tanto em unidades físicas como em presença no

comércio eletrônico. Uma vez que este padrão em grande medida já espelhava

o modelo estratégico do sócio francês, podemos considerar que, ao menos

inicialmente, o Casino foi um parceiro que deu ampla liberdade ao sócio Abílio

Diniz, que gozava de prestígio empresarial, trânsito e apresentava resultados

aos associados.

No entanto, conforme exposto, ao se aproximar o prazo em que deveria

ceder a direção do Pão de Açúcar ao sócio francês, cujo o nome até então

dizia muito pouco ao público brasileiro, Abílio Diniz buscou uma nova

movimentação empresarial por meio de uma fusão discutida secretamente e

sem o aval do Casino entre a operação brasileira do Carrefour e do Pão de

Açúcar. Essa nova fusão teria potencial de alterar as cláusulas do acordo de

2005, que originou a holding controladora do Pão de Açúcar, e criar um novo

cenário que permitiria que Abílio Diniz seguisse à frente dos negócios.

No entanto, além das duas partes apontarem posições diferentes e

contrárias sobre o negócio, também se evidenciaram os contrastes entre os

modelos de formulação de estratégia de um e de outro. Se o Casino, apesar

de sua atuação expansionista agia de forma muito mais metódica e

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progressiva, inclusive com diversos exemplos em que entrava nas sociedades

e gradativamente aumentava sua posição na medida em que janelas de

oportunidade surgiam, o estilo de Abílio Diniz era muito mais direto e orientado

para os resultados daquela negociação. Por estas características, exercidas

por décadas a frente do Pão de Açúcar, Diniz se colocava em um posição

privilegiada na elaboração de orientação empresarial, inclusive se colocando

com um “direito natural“ por uma posição de comando do grupo, situação esta

inclusive consignada no acordo acionário entre Casino e Diniz, que garantia a

direção do conselho administrativo do Pão de Açúcar ao brasileiro mesmo

após a data prevista de passagem da direção para o sócio francês. Retomando

Mintzberg, estratégias resultantes de um poder assim, tendem a assumir ”mais

a forma de posições e meios de iludir do que de perspectivas” (MINTZBERG,

2014).

Por outro lado, o estilo de Naouri à frente do grupo francês pode ser

considerado menos drástico, em consonância com a própria personalidade do

executivo, com acordos progressivos de participações que em vários casos

previam distribuição de produtos do Casino, mas que evoluíam para o controle

acionário ou mesmo a incorporação. De fato, por maior que fosse o Grupo Pão

de Açúcar e tivesse protagonismo no mercado brasileiro, ainda assim era

apenas um elemento de uma holding, que por sua vez era apenas uma

pequena parte do conglomerado Casino. Então não seria errôneo supor que

de fato Diniz estaria correto quando afirmou que “ninguém seria maluco de me

tirar do lugar se eu estiver dando dinheiro” (CORREA, 2015). Segundo Diniz,

o próprio Naouri teria sinalizado que seria positivo ele seguir na posição de

chairman do Pão de Açúcar, após o prazo acordado de passagem da gestão

em 2012 (Idem, 2015).

Então, apesar de não haver uma colocação direta das partes sobre isso,

é evidente que a tentativa de Diniz em fazer a fusão, por inciativa própria e

independente, precipitou mudanças nos rumos dos planos de Diniz e Naouri.

Com a conhecimento público das tratativas entre Carrefour e Diniz, o Casino

passou a minar qualquer possibilidade do negócio ser levado adiante, inclusive

com a compra de mais ações do grupo Pão de Açúcar. Já Diniz, mesmo

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desistindo de tentar levar o negócio adiante, acaba por criar um clima em que

mesmo com a indicação de que seguiria no grupo se tornou alvo de

questionamento, acaba tendo que se afastar por questões de conflito de

interesse e vendendo sua participação no Pão de Açúcar.

No entanto, antes do final do prazo, Abilio Diniz começou a fazer

movimentos no sentido que sinalizavam que ele poderia não entregar o

controle do Pão de Açúcar, em especial negociando secretamente um acordo

com o principal rival do Casino, o também francês Grupo Carrefour. Depois de

uma série de desentendimentos entre as duas partes, e de Abílio Diniz

conseguir se manter como presidente do Conselho de Administração mesmo

após entregar o comando da empresa ao Casino, em 2012, um processo

arbitral acabou levando a um acordo em que Diniz deixaria o grupo Pão de

Açúcar e venderia sua participação em forma de ações, o que aconteceu no

início de 2014 e encerrou quase 70 anos de participação da família Diniz no

Pão de Açúcar.

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