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Caminhadas de universitários de origem popular UNIR Universidade Federal de Rondônia UNIR

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Caminhadas de universitários de origem popular : UNIR / organizado por Ana Inês Souza,Jorge Luiz Barbosa, Jailson de Souza e Silva. — Rio de Janeiro : Universidade Federaldo Rio de Janeiro, Pró-Reitoria de Extensão, 2009.88 p. ; il. ; 24 cm. — (Coleção caminhadas de universitários de origem popular)

Ao alto do título: Ministério da Educação. Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade. Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade eas Comunidades Populares.

Parceria: Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.ISBN: 978-85-89669-49-8

1. Estudantes universitários — Programas de desenvolvimento — Brasil. 2. Integraçãouniversitária — Brasil. 3. Extensão universitária. 4. Comunidade e universidade — Brasil. I.Souza, Ana Inês, org. II. Barbosa, Jorge Luiz, org. III. Silva, Jailson de Souza e, org. VI.Programa Conexões de Saberes : Diálogos entre a Universidade e as Comunidades Populares.V. Universidade Federal de Rondônia. VI. Universidade Federal do Rio de Janeiro. VII.Observatório de Favelas do Rio de Janeiro.

CDD: 378.81

Copyright © 2009 by Universidade Federal do Rio de Janeiro / Pró-Reitoria de Extensão.O conteúdo dos textos desta publicação é de inteira responsabilidade de seus autores.

Coordenação da Coleção: Jailson de Souza e SilvaJorge Luiz BarbosaAna Inês Sousa

Organização da Coleção: Monique Batista CarvalhoFrancisco Marcelo da SilvaDalcio Marinho GonçalvesAline Pacheco Santana

Programação Visual: Núcleo de Produção Editoria da Extensão – PR-5/UFRJ

Coordenação: Claudio BastosAnna Paula Felix anniniThiago Maioli Azevedo

I

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Ministério da Educação

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

Programa Conexões de Saberes: diálogos entre a universidade e as comunidades populares

UNIR

Pró-Reitoria de Extensão - UFRJ

Rio de Janeiro - 2009

Organizadores

Jailson de Souza e Silva

Jorge Luiz Barbosa

Ana Inês Sousa

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Alemmar Ferreira da Fonseca

Alexandre Aparecido da Silva Néres

Ana Gleice Costa da Silva

Ana Paula A. de O. Moura

Carla Caroline da Silva Nunes

Carlos Henrique Teixeira

Franciane Farel da Silva

Francinei Ferreira da Silva

Geicyane Morais dos Santos

Helena Pereira Leite

Janaína Ferreira de Lima

Juliana Rocha Monteiro

Leandro Corrêia

Luciana Colares da Silva

Lucinéia Miranda Sanches

Luiz Gonzaga Junior

Marilene Pinheiro Craveiro

Patrícia dos Santos Lima

Regilane Lacerda Gonçalves

Rosemari Nazaré da Silva Paz

Rosimeire Ferreira do Nascimento

Sales Conceição de Melo Nogueira

Suelen da Costa Silva

Terezinha Andrade da Costa

Walkyria Rodrigues Ramos

Coleção

AutoresPresidente da RepúblicaLuiz Inácio Lula da Silva

Ministério da EducaçãoFernando HaddadMinistro

Secretaria de Educação Continuada,Alfabetização e Diversidade – SECAD

André Luiz de Figueiredo LázaroSecretário

Armênio Bello SchmidtDiretoria de Educação para a Diversidade - DEDI

Leonor Franco de AraújoCoordenação Geral de Diversidade – CGD

Programa Conexões de Saberes:diálogos entre a universidade eas comunidades populares

Jorge Luiz BarbosaJailson de Souza e SilvaCoordenação Geral

Márcio SeccoCoordenação Geral do Programa Conexões de Saberes/UNIR

Universidade Federal de Rondônia

José Januário de Oliveira AmaralReitor

Maria Ivonete Barbosa TamborilVice-Reitora

Josélia Gomes NevesPró-Reitora de Cultura, Extensão e Assuntos Estudantis

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Prefácio

A sociedade brasileira tem como seu maior desafio a construção de ações que permi-tam, sem abrir mão da democracia, o enfrentamento da secular desigualdade social e econô-mica que caracteriza o país. E, para isso, a educação é um elemento fundamental.

A possibilidade da educação contribuir de forma sistemática para esse processo impli-ca uma educação de qualidade para todos, portanto, uma educação que necessita ser efeti-vamente democratizada, em todos os níveis de ensino, e orientada, de forma continua, pelamelhoria de sua qualidade. No atual governo, o Ministério da Educação persegue de formaintensa e sistemática esses objetivos.

Conexões de Saberes é um dos programas do MEC que expressa de forma nítida a lutacontra a desigualdade, em particular no âmbito educacional. O Programa procura, por umlado, estreitar os vínculos entre as instituições acadêmicas e as comunidades populares e,por outro lado, melhorar as condições objetivas que contribuem para os estudantes univer-sitários de origem popular permanecerem e concluírem com êxito a graduação e pós-gradu-ação nas universidades públicas.

Criado pelo MEC em dezembro de 2004, o Programa é desenvolvido a partir daSecretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade (SECAD-MEC) e repre-senta a evolução e expansão, para o cenário nacional, de uma iniciativa elaborada, nacidade do Rio de Janeiro no ano de 2002, pela Organização da Sociedade Civil de InteressePúblico Observatório de Favelas do Rio de Janeiro. Na ocasião constitui-se uma Rede deUniversitários de Espaços Populares com núcleos de formação e produção de conhecimentoem várias comunidades populares da cidade. O Programa Conexões de Saberes criou,inicialmente, uma rede de estudantes de graduação em cinco universidades federais,distribuídas pelo país: UFF, UFMG, UFPA, UFPE e UFRJ. A partir de maio de 2005, ampliamoso Programa para mais nove universidades federais: UFAM, UFBA, UFC, UFES, UFMS,UFPB, UFPR, UFRGS e UnB. Em 2006, o Ministério da Educação assegurou, em todos osestados do país, 33 universidades federais integrantes do Programa, sendo incluídas: UFAC,UFAL, UFG, UFMA, UFMT, UFPI, UFRN, UFRR, UFRPE, UFRRJ, UFS, UFSC, UFSCar,UFT, UNIFAP, UNIR, UNIRIO, UNIVASF e UFRB.

Através do Programa Conexões de Saberes, essas universidades passam a ter, cada uma,ao menos 251 universitários que participam de um processo contínuo de qualificação comopesquisadores; construindo diagnósticos em suas instituições sobre as condições pedagógi-cas dos estudantes de origem popular e desenvolvendo diagnósticos e ações sociais emcomunidades populares. Dessa forma, busca-se a formulação de proposições e realização de

1 A partir da liberação dos recursos 2007/2008 cada universidade federal passou a ter, cada uma, aomenos 35 bolsistas.

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práticas voltadas para a melhoria das condições de permanência dos estudantes de origempopular na universidade pública e, também, aproximar os setores populares da instituição,ampliando as possibilidades de encontro dos saberes destas duas instâncias sociais.

Nesse sentido, o livro que tem nas mãos, caro(a) leitor(a), é um marco dos objetivos doPrograma: a coleção “Caminhadas” chega a 33 livros publicados, com o lançamento das 19publicações em 2009, reunindo as contribuições das universidades integrantes do Cone-xões de Saberes em 2006. Com essas publicações, busca-se conceder voz a esses estudantese ampliar sua visibilidade nas universidades públicas e em outros espaços sociais. Esseslivros trazem os relatos sobre as alegrias e lutas de centenas de jovens, rapazes e moças, quecontrariaram a forte estrutura desigual que ainda impede o pleno acesso dos estudantes dascamadas mais desfavorecidas às universidades de excelência do país ou só o permite para oscursos com menor prestígio social.

Que este livro contribua para sensibilizar, fazer pensar e estimular a luta pela constru-ção de uma universidade pública efetivamente democrática, um sociedade brasileira maisjusta e uma humanidade cada dia mais plena.

Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade

Ministério da Educação

Observatório de Favelas do Rio de Janeiro

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Sumário

ApresentaçãoMárcio Secco ........................................................................................................ 9

CaminhadaAlemmar Ferreira da Fonseca ............................................................................ 11

Tendo que aprenderAlexandre Aparecido da Silva Néres ................................................................. 13

A saga de uma estudante de origem popularAna Gleice Costa da Silva ................................................................................. 15

Uma das caras do BrasilAna Paula A. de O. Moura .................................................................................. 19

Retratos de uma vida acadêmicaCarla Caroline da Silva Nunes .......................................................................... 21

Eu sou um estudante de origem popular - minha vida, meus estudosCarlos Henrique Teixeira ................................................................................... 23

A trajetória da vida escolar de uma “estudante universitáriade origem popular” (EUOP)Franciane Farel da Silva .................................................................................... 25

Início de um históriaFrancinei Ferreira da Silva................................................................................ 29

Mais que uma mudança, a realização dos meus sonhos...Geicyane Morais dos Santos .............................................................................. 31

É preciso saber viverHelena Pereira Leite ........................................................................................... 34

Minha trajetóriaJanaína Ferreira de Lima ................................................................................... 36

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Trajetória escolar de aluno de origem popularJuliana Rocha Monteiro ..................................................................................... 39

Caminhada rumo a universidadeLeandro Corrêia .................................................................................................. 41

Minha caminhadaLuciana Colares da Silva ................................................................................... 45

Estudar na federal? Porque não!!! Basta querer e acreditarLucinéia Miranda Sanches ................................................................................ 48

Muito mais que um sonhoLuiz Gonzaga Junior ........................................................................................... 52

CaminhadaMarilene Pinheiro Craveiro ............................................................................... 54

Nuances de mimPatrícia dos Santos Lima .................................................................................... 57

Mudanças imagináveis...Regilane Lacerda Gonçalves ............................................................................. 63

Juntando minhas conexõesRosemari Nazaré da Silva Paz ........................................................................... 65

Minhas caminhadasRosimeire Ferreira do Nascimento .................................................................... 67

A conquista esperada!Sales Conceição de Melo Nogueira .................................................................. 69

EspecialSuelen da Costa Silva ......................................................................................... 74

A buscaTerezinha Andrade da Costa .............................................................................. 78

Nada é por acaso... tudo está escritoWalkyria Rodrigues Ramos ................................................................................ 81

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Apresentação

Universidade Federal de Rondônia 9

O programa Conexões de Saberes iniciou na Universidade Federal de Rondônia em2006. Apresentou-se, desde o seu aparecimento, como a principal política de permanênciade estudantes em nossa instituição. Neste livro aparecem as trajetórias de 25 alunos bolsistas.Apesar de estes ensaios serem escritos a partir da vivência subjetiva de cada autor, esta obranão deve ser tomada como uma simples coletânea de histórias de vida. Estes ensaios nãodevem ser lidos como relatos individuais, e sim como recortes de uma trajetória comum apraticamente todos os estudantes universitários de origem popular. As histórias da Ana, doSales, da Alemmar, do Leandro... são aqui apresentadas como memórias de uma mesmaexistência, que junto a tantas outras que apareceram na primeira edição do Caminhadas, ejunto a todas aquelas que sequer foram escritas ou publicadas, formam uma unidade, que éo conjunto de referências a partir do qual é possível afirmarmos a identidade dos estudantesde origem popular.

A Universidade não conhece seus estudantes, e os estudantes não conhecem aUniversidade. O programa Conexões de Saberes que propõe um diálogo entre sabercientífico e saberes populares visa justamente promover o reconhecimento de doislugares que devem ser vistos como diferentes, mas que devem ao mesmo tempo interagir.O conhecimento acadêmico geralmente está colocado como mais certo, mais verdadeiro,mais rigoroso, mais universal e objetivo, contrastando com o saber popular, marcadopela particularidade e subjetividade. A afirmação do saber acadêmico comomelhor frente a outras formas anula o aluno, tornando suas experiências algo menosimportante, ou em certos momentos estas experiências podem ainda aparecer comoobstáculos ao aprendizado da forma certa de se fazer experiências. O saber acadêmico,por ser “impessoal”, percebe a todos como iguais em capacidade intelectual, oque a princípio bastaria para garantir o progresso da ciência pela formação das novasgerações de estudantes.

A Universidade aparece a muitos dos estudantes que publicam seus ensaios nestacoleção como um sonho distante, quase irrealizável. Muitos relatam que não sabiamexatamente o que iriam encontrar quando realizassem seu sonho. O meio acadêmicoaparece ao estudante de origem popular como algo de difícil acesso. “É um mundonovo”, nas palavras de um dos autores. A dissociação entre as realidades acadêmica epopular gera ao mesmo tempo uma dissociação da auto-imagem dos alunos. Ao entrarno espaço acadêmico os alunos de origem popular tendem a buscar uma identificaçãocom os que habitam este mundo dos sonhos. Esta identificação geralmente ocorre pelanegação de sua condição popular. No duelo dos mundos a Universidade se impõe!Quem perde é o estudante, que se afasta de sua comunidade e nem sempre conseguepenetrar no espaço acadêmico.

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Nestes ensaios a marca foi a liberdade. Nenhum dos estudantes foi forçado a seguirmétodos específicos, nem escolas, mas tão somente a forma que percebiam como maisadequada para apresentarem sua trajetória. A rememoração e a afirmação da história de cadaum destes estudantes tem como principal objetivo para nós a construção de uma identidadeque possibilite a transformação do ambiente universitário.

Márcio Secco

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Universidade Federal de Rondônia 11

Alemmar Ferreira da Fonseca*

Olá, meu nome é Alemmar Ferreira da Fonseca, nasci em 10 de julho de 1967, nacidade de Nova Olinda do Norte, Amazonas.

Filha de uma ex-lavadeira, agora funcionária pública e, um pai que eu amo, mas, quepor circunstâncias de sua doença se tornou mendigo e já não o vejo há algum tempo.

Em minha infância conversava bastante conosco e nos fazia ver a necessidade deestudarmos, pois ele não teve a oportunidade de continuar seus estudos e não pôde realizarseus sonhos e teve que se contentar com o que lhe ofereceram: um cargo na coletoria.

Minha mãe estudou até a quarta série, com esse estudo chegou a ser professora em suacidade, com o casamento tudo ficou diferente, as coisas ficaram difíceis, meu pai começoua beber e a fugir de casa, o que resultou em sua condição atual.

Comecei a estudar aos 3 anos de idade num grupo escolar na cidade de Axini noAmazonas com a professora Linduina, segundo me contam eu logo acompanhei a turma eaprendi a ler e escrever, foram alguns meses, até viajarmos para outra cidade.

Em 1975 comecei o ensino fundamental, na escola Padre Chiquinho, na quinta sériepassei para a Escola Estudo e Trabalho, nessa escola desisti após sofrer um acidente na aulade educação física, daí em diante não faço nem um tipo de atividade física. Essa escola nãoaparece em meu histórico escolar porque lá perderam os meus documentos, passei muitosanos esperando que a secretaria resolvesse a situação, o que não aconteceu.

Dez anos depois já em 1995, resolvi fazer o supletivo modular, pois nele eu faria meuhorário e poderia ir esporadicamente pegar explicações com o professor na escola, foi ótimopara mim que tinha quatro filhos e ninguém com quem deixá-los, fazia e vendia artesanatose trabalhos manuais para sustentá-los. Em seis meses fiz de quinta à oitava série, em 1996concluí o ensino médio no supletivo multi seriado da escola Getulio Vargas, então usei afrase que quando ouço me faz refletir o quanto sou ignorante: “acabei meus estudos.”

Nunca casei, amasiei-me três vezes, a ultima já dura 6 anos, essa pessoa é casada láno nordeste, sua esposa é bem sucedida e de tanto ouvir isso resolvi estudar e buscar fazero melhor que puder em tudo que for fazer. Fiz alguns cursos na área em que trabalhava, umdia entrei no correio e era o último dia das inscrições para o vestibular, me inscrevi,comecei a estudar, porém, não me parecia suficiente, encontrei na rua um panfletoanunciando uma revisão de matéria para o vestibular, fui lá, me matriculei, então mefaltou tempo para freqüentar.

Caminhada

* Graduando em Letras Espanhol.

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12 Caminhadas de universitários de origem popular

Pedi demissão do emprego, apostei em mim e passei no vestibular, no curso de LetrasEspanhol, pensei em não cursar, não tinha renda para permanecer na universidade. Foiquando Jeová me abriu outra janela, montei uma lanchonete que toquei até o terceiroperíodo, quando um dia li no mural que estavam selecionando bolsistas para o ProgramaConexões de Saberes foi a salvação, vi ai chance de dedicar mais tempo à minha formaçãoe desenvolver projetos de ações afirmativas dentro da minha comunidade, e quem sabeajudando algumas pessoas que como eu não tinham esperança de se graduar, mostrando queisso não necessariamente é privilégio de ricos. Quero atuar onde for preciso, e,quando nãoestiver apta em qualquer assunto, sentirei prazer em pesquisar fazendo o possível para serútil na comunidade onde vivo.

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Universidade Federal de Rondônia 13

Alexandre Aparecido da Silva Néres*

Meu nome é Alexandre Aparecido da Silva Néres, tenho 21 anos, nasci no dia 05, domês de maio, do ano de 1985, natural de Porto Velho-RO. Aos 2 anos de idade fui morar commeus avós e logo tive que sair de Porto Velho. Fui com eles para Boa Vista, capital deRoraima, mas em um prazo de tempo muito curto, tivemos que ir para outra cidade, e assimmudamos para Goiânia.

Pelo que posso dizer, foi o começo de minha trajetória, lá entrei no pré-escolar e porestarmos muito longe de nossa família procuramos ir para um local mais perto, e mais umavez, nós nos mudamos, só que dessa vez para o estado de Rondônia, na cidade de Vilhena.Vilhena fica mais perto de Porto velho, onde meus outros familiares moravam. Minha mãe-avó decidiu que ali, talvez, nós fixaríamos residência.

Em Vilhena estudei a 1ª e 2ª série do ensino fundamental, no período da tarde. Lá tivebons colegas de rua, jogava bola, tomava banho de rio, entrava nas casas abandonadasapenas para ver o que tinha dentro. A molecada adorava quando achava bolsa, carteira, tudoera uma alegria. Nessa época, minha mãe-avó trabalhava numa pizzaria, ia quase todos osdias, mais ou menos as 18:00. Eu ficava em casa, sozinho, boa parte da noite, enquantominha mãe provia nosso sustento. Éramos apenas, minha mãe e eu.

Depois conheci um dos homens mais formidáveis do mundo, sujeito simples, tranqüilo,de alegria contagiante. Seu nome: José Leal Ciqueira. Entrou na nossa família, e logo queeu vi, era ele quem eu queria que fosse meu pai. Naquele momento estava tudo certo, tinhaum pai, o qual não era qualquer um, era o pai que todo filho gostaria de ter quando se temcerto problema. Como naquelas horas que você tenta colar aquela “pipa”, pois, ele chega,pega na sua mão e mostra: “Meu filho é assim que se faz”. Nunca chegou a levantar a mãopara me bater e sempre estava de braços abertos para me dar carinho. Esse é meu pai!

Papai trabalhava muito no garimpo de cassiterita, se não estou enganado era na Bolívia.E novamente, só que dessa vez, minha mãe e também meu pai decidiram, trocamos decidade. Fomos para o Mato Grosso, morar no interior, numa cidadezinha chamada Pontes eLacerda. Lá estudei da 3ª à 5ª série, meus pais trabalhavam na escola onde eu estudava, meupai era vigilante e mamãe vendia iogurte. E com esse dinheiro e com o salário do meu pai,tivemos condições para comprar uma casa. Em todas as nossas viagens, não tínhamos casaprópria. Enfim, o sonho de minha mãe foi realizado. Ela comprou uma casa em Cuiabá,onde completei meu ensino fundamental.

Tendo que aprender

* Graduando em Letras - Espanhol pela UNIR

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14 Caminhadas de universitários de origem popular

Boa parte da minha vida foi indo e vindo de uma cidade para outra. Logo, universidadepara mim, era um sonho distante, pois achava que seria muito difícil eu conseguir entrar emuma Universidade Federal, pois, que chances teria eu, CONTRA OS FILHOS DA CLASSEMÉDIA ALTA? Os quais possuem toda estrutura para galgarem os melhores lugares nasuniversidades. Porém, como um gigante, atravessei todas as barreiras, e também contandocom a sorte, hoje estou na tão sonhada universidade. E vejo que, com dedicação, tenhocapacidade de fazer qualquer curso.

O Conexões de Saberes dá possibilidades a muitos jovens como eu, fazendo com quepermaneçam em seus cursos e ainda mais, tentarem mestrado e doutorado, mostrando quetudo é possível, porque o que eu percebo é que, falta visão e perspectiva de um futuro promissor.

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Universidade Federal de Rondônia 15

Ana Gleice Costa da Silva*

Vou pedir licença pra contar a minhahistóriaComo uma estudante tem suasperdas e suas glórias...

Minha história inicia-se no dia oito de setembro de 1985, sou a segunda filha de cincoirmãos: Anatécia, Ana Gleice que sou eu, Alan, Anacele e Ana Kássia.

Comecei a freqüentar a escola com três anos de idade, na época meus pais eramautônomos, trabalhavam em uma lanchonete que servia refeições, às margens da BR-364,minha mãe cuidava da cozinha e atendia ao público, meu pai fazia as compras repondo oestoque e de certa forma era nosso motorista.

Tínhamos que acordar às três da manhã, sorte que tínhamos carro próprio, não eramuito bom ter que tomar banho nesse horário, mas meu pai fazia o possível para tornartudo divertido.

Quando chegávamos a lanchonete, minha mãe arrumava um colchão no chão evoltávamos a dormir, às vezes quando nos atrasávamos meu pai fazia feira com a gentedormindo no carro, à tarde íamos à escola. Quando completei quatro anos meu pai adotouum menino, era o sonho de ele ter um filho, nós estudávamos em escolas particulares. Eu eminha irmã estudávamos no SESI e meu irmão na Santa Marcelina uma escola de freiras.Meus pais eram ocupadíssimos, mas todo domingo após o meio dia eles se dedicavamtotalmente a nós.

No SESI cursei o pré I, pré II e pré III, a mensalidade da escola estava ficando acima doorçamento, eu e o Alan fomos estudar no Antônio Ferreira, uma escola municipal e minhairmã foi pra escola Rio Branco que é estadual, ambas tinham ótima reputação.

Um fato muito interessante que me recordo quando entrei na escola aconteceu nosegundo dia de aula, meu pai é semi-analfabeto e minha mãe cuidava da lanchonete, nahora da matrícula meu pai cometeu um equívoco, me inscreveu na segunda série.Considerando-se a minha idade eu iria para a alfabetização (eu tinha cinco anos), a professorame pediu pra ler uma historinha e eu não sabia ler, ela ficou surpresa e eu apavorada,começando a chorar. Entra na sala a diretora, psicóloga e mais algumas mulheres, perguntaramminha idade, e chegaram à conclusão de que eu estava na série errada. Levaram-me aosprantos para a sala de alfabetização, eu com medo que meu pai brigasse, quase não soltava

A saga de uma estudante de origem popular

* Graduanda em Química pela UNIR

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16 Caminhadas de universitários de origem popular

a barra da saia da supervisora, até chamarem meu irmão que estudava na sala e depois deconversarem muito comigo me convenceram a entrar e estudar. Na hora da saída falaramcom meu pai e explicaram toda situação. Durante o período da tarde eu e minha irmãfreqüentávamos o balé no teatro municipal, era o sonho do meu pai que nos tornássemosbailarinas, como a mensalidade também se tornou muito cara, tivemos que abandonar.

Minha mãe estava ficando doente pelo esforço grande que fazia, teve sérios problemasde coluna, a partir desse fato muita coisa começou a mudar. Começamos ir à escola deônibus, minha irmã tinha que nos deixar na escola e depois ir estudar para que meu paipudesse ficar ajudando minha mãe na lanchonete. No início detestávamos, estávamosacostumados a andar sempre de carro, mas era até divertido ir para a escola de ônibus, pelocaminho tinha muitas árvores frutíferas, e esse era um de nossos lanches, meu irmão subiaem pé de manga, de jambo, de castanholas, de ingá, e eu ficava segurando o nosso materialescolar e olhando para ver se alguém aparecia, e quando os donos apareciam era umacorreria só, nossa bolsa era uma sacola de supermercado e não tínhamos vergonha, outrofato engraçado de minha infância de que me recordo foi quando estávamos na segundasérie, as coisas ainda estavam difíceis, meu irmão inventou de fazer robôs de sucata paravender na escola, diariamente durante o nosso percurso juntávamos fio de telefone,brinquedos velhos e qualquer tipo de matéria-prima para a construção dos robôs, em uma denossas coletas ao retornar da escola, avistamos em uma lixeira um monte de fios de telefonetodos coloridos e sem muito pensar metemos a mão para pegá-los, a lixeira ficava em frentea um pequeno condomínio, uma das moradoras nos avistou e chamou-nos para sua casa,chegando lá, a senhora da casa nos ofereceu uma bandeja de cachorro quente e refrigerantes(imaginava ela que estávamos catando comida no lixo e ficou com pena), o mais legal é queainda comprou um de nossos robôs. Estudei na escola Antônio Ferreira até a quinta série,foram anos divertidos, a média da escola era sete, para mim só servia se eu tirasse de oitopara cima, sempre adorei quando nas reuniões de pais e mestres, minha mãe olhava meuboletim e ficava muito orgulhosa, o único problema era o fato de gostar de conversardurante as aulas.

Quando estava na primeira série nasceu a terceira filha, Anacele, senti muito ciúmedela afinal eu era a caçula e agora ela tinha tomado o meu lugar assim eu imaginava, oengraçado era que minha mãe tomava anticoncepcional e engravidou, após o parto minhamãe fez uma laqueadura, a partir daí iniciou-se o tempo mais difícil que passamos, osmédicos diziam para minha mãe que se ela quisesse ver os filhos crescerem deveria parar detrabalhar, por que sua coluna estava muito debilitada, lembro que nessa época mudamos debairro, fomos morar na zona leste da cidade, em um bairro pouco habitado (tinha mais matoque casas), chamado de Mariana, assim que a Anacele nasceu mamãe tinha que sair pedindomamão pelas casas do bairro para poder fazer vitamina para minha irmã e muitas vezes elaouvia “não”, diziam que as frutas eram para as galinhas, até que encontrou emprego defaxineira em uma escola (apesar de todos os médicos dizerem que ela não devia nem sonharem trabalhar), meu pai ficou desempregado, não consegui manter o ritmo da lanchonetesem minha mãe, eu e meu irmão para economizar as passagens de ônibus passávamos pelafrente ou por baixa da roleta.

Quatro anos após a laqueadura, mamãe engravidou da quarta filha, Ana Kássia, quaseentrou em desespero devido as nossas condições financeiras. Graças a Deus meu paiencontrou um emprego e minha mãe ganhou todo o enxoval de minha irmã, depois que

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acabou o resguardo minha mãe teve que voltar a trabalhar, carregava com ela Anacele edeixava a bebê conosco, minha irmã teve que estudar no período da manhã e eu no períododa tarde, para cuidar do bebê. Eu gostava de estudar pela manhã, a experiência de estudar atarde era horrível. Eu só tinha dez anos e tinha que cuidar de um bebê. O bom era que ela nãoera muito chorona. Isso começou a afetar os estudos, eu comecei a faltar às aulas, por que àsvezes minha irmã se atrasava e eu só poderia sair após ela chegar. Meu rendimento foicaindo, minha mãe percebeu e conversou com a vizinha para que ela desse um apoio, apartir daí tudo foi se ajeitando.

Após a quinta série minha mãe me transferiu para uma escola mais próxima de casa.Dava para ir de bicicleta. Era uma instituição filantrópica, uma escola de freiras chamadaMarcelo Candia. Só se entrava por seleção e eu fui uma das selecionadas. O material didáticoera muito caro, mais como meus pais eram velhos conhecidos das freiras, eu ganhei todo omaterial. Foi a escola que mais gostei, devido a estrutura e ao ensino. Meus pais conseguiramemprego na escola e praticamente a família toda estava de alguma maneira relacionada coma mesma. Fiquei na escola durante três anos, porque só havia o ensino fundamental, o únicogrande problema era que minha mãe continuava a ser faxineira e isso só prejudicava cadavez mais sua coluna. Durante esse período minha mãe estudava a noite e com muito sacrifícioterminou o magistério, foi nessa escola que me apaixonei por Ciências, futuramente porBiologia, tudo devido a uma professora que tive de Ciências chamada Cláudia.

Quando fiz quinze anos minha mãe me propôs uma festinha ou uma viagem para acasa da minha avó que mora em Manaus, eu preferi a viagem por que sairia mais em conta,acabei ganhando duas festas surpresa, uma na escola outra realizada por vizinhos (uma festarealizada com trinta reais, e pode ter certeza a melhor que já tive).

Quando cheguei a Manaus, estudei em uma escola estadual Maria da Luz Calderaro,não era o mesmo ritmo do colégio das irmãs, não tinha com quem apostar quem tirasse anota mais alta como fazia em minhas escolas anteriores. A maioria só queria tirar a médiaque agora era seis. Eu acabei ficando desmotivada, apenas me interessava matérias queninguém gosta como Biologia, Química, Física e Matemática. Passei um ano em Manaus,devido a problemas familiares, fui obrigada a voltar. Retornando, fui matriculada na escolaGetúlio Vargas. Essa acabou com meu interesse estudantil, os meus professores faltavammuito, minhas matérias preferidas eram levadas “a pagode”, quase não tinha aula e eu entreino ritmo de estudar só para passar. Quando finalizei o terceiro ano recebi uma medalha dealuna nota dez, e nem sei por que! Se a escola soubesse do meu histórico escolar saberia queeu não era nem um terço do que havia sido. Nessa época fazia um curso de informática comduração de um ano em uma instituição para pessoas de origem popular. O nome era CentroSalesiano do Menor. É uma instituição que oferece cursos profissionalizantes. Fiz seismeses de datilografia e um ano de informática. Quando prestei vestibular pela primeira vezfui influenciada por esse curso, e me inscrevi para informática. Por ser meu primeiro vestibularaté que alcancei uma boa pontuação. Teria passado para outro curso. Terminado o anoletivo e o curso de informática, pensei em ficar em casa de papo para o ar, mas minha mãeprecisava de uma ajudante.

Minha mãe não trabalhava mais como faxineira. Conversou com a diretora da escolae apresentou toda sua problemática relacionada à coluna, e a irmã tentou aposentá-la,porém não houve êxito. Então ofereceu a cantina da escola para que minha mãe trabalhasse,não é tão pesado como fazer faxina, mas deveria pagar um aluguel. Fui ajudá-la nessa

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18 Caminhadas de universitários de origem popular

empreitada. A escola só funciona em dois horários. Como meu sonho era ser bióloga, resolvique iria fazer um novo vestibular. Sabia que precisava estudar mais, os cursinhos pré-vestibulares eram muito caros e ainda tinha o transporte. Então propus à irmã Carmen,diretora do colégio, que me deixasse assistir as aulas do terceiro ano que fora implantado.Devido a minha boa conduta de ex-aluna ela me recebeu muito bem, então fiquei comoouvinte. Estudava durante a manhã, ajudava minha mãe na hora do recreio que era a horamais crítica, e no período da tarde. Me inscrevi no vestibular, mas não em biologia, que erao curso que eu queria fazer, pois havia um problema: o curso era em período integral. meinscrevi para Química que era uma paixão de segundo plano, devido ao incentivo de minhamãe. Fiz o vestibular e fui aprovada.

Estou me descobrindo cada vez mais e me apaixonando pelo curso. Logo podereicontribuir financeiramente em casa e dar um pouco de descanso para meus pais. Auniversidade não era bem o que eu imaginava, um sentimento de decepção me envolveu.Descobri que passar no vestibular não era a parte mais difícil. A pior parte é tentar permanecere concluir o curso. Eu participo de um grupo de universitários chamado UNA (Universitáriosem ação), e a primeira ação do grupo foi montar um curso pré-vestibular comunitário emnossa comunidade. Estou lecionando Química e na universidade sou bolsista do ProgramaConexão de Saberes. O projeto é muito bonito e se preocupa tanto com a entrada quanto apermanência de estudantes de origem popular na universidade. O projeto proporciona umatroca de conhecimento popular com o conhecimento científico, fazendo este enlace e issoo torna tão bonito. Já havia participado de alguns movimentos, pastoral da juventude, masnada que despertasse tanto o interesse pela luta do meu povo como o Conexões.

Meus irmãos e meus pais ainda estão na escola Marcelo Cândia, apenas minha irmãAnatécia reside em Manaus. Ela está na UFAM, concluindo o curso de Letras Português.

Depois de passar por tanta coisa e que com certeza temos muito a passar, nunca demosdesgostos a nossos pais, todo sofrimento e alegrias que tive contribuiram para formar ocaráter que tenho. Não serei uma bailarina como queria meu pai, mas com certeza terá muitoorgulho de ter uma Química bem conceituada, uma ótima profissional, feliz e realizada.

Essa história não é para causar tristeza ou lágrimas em ninguém. Tudo que busco éincentivar os leitores para que sintam força para sempre levantar das quedas da vida, porquesempre vale a pena, sempre há uma luz no fim do túnel.

E ESSE É APENAS O COMEÇO DA MINHA SAGA ESTUDANTIL...

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Ana Paula Ascuí de Oliveira Moura*

Assim como a maioria dos alunos de origem popular encontrei algumas dificuldades nodecorrer dos meus estudos e desde muito cedo a palavra NÃO passou a fazer parte da minha vida.

Sou a caçula de uma família de cinco filhos, onde quatro são mulheres. Nasci e vivi atémeus dezoito anos no município de Guajará Mirim, fui crida pela minha mãe e pelos meusavós. Atualmente tenho vinte e um anos e posso dizer que tive uma boa infância. Nessa faseera destaque nas minhas turmas por apresentar facilidade em aprender. Ingressei na primeirasérie do ensino fundamental lendo e escrevendo muito bem.

Recordo que foi nesse período que conheci o que é o medo de perder alguém, quandotinha seis anos minha mãe foi operada do coração, uma cirurgia muito delicada, sofri muitoe ainda sofro ao imaginar o que seria de mim e dos meus irmãos se ela tivesse morrido.

A partir da quinta série passei a não ser mais uma aluna exemplar, porém continueitendo responsabilidade e isso era reconhecido pelos professores.

Na quinta série aprendi o que era gazetar aula, adorava esportes e sempre fugia para assistir aosjogos escolares, devo esse amor a um professor de educação física que amava o que fazia e sempreconseguia contagiar quem estava a seu lado. Infelizmente nem todos eram iguais a ele. Nessa sériedeparei-me com uma realidade totalmente diferente da que tinha tido até então. A maioria dos meusprofessores não ensinava nada, não possuíam domínio sobre a turma, era um horror! Na sétima eoitava séries as coisas pioraram, diante dessa situação percebi que para passar no vestibular teria quemudar de escola, continuar na que eu estava representava um erro, talvez irremediável.

Dos meus irmãos eu sempre fui a mais decidida e a mais estudiosa. Cresci com acerteza de que iria cursar uma universidade, é esse objetivo que me move até hoje e que mefez ganhar a confiança da minha família.

No ano de 2001, já no ensino médio, mudei para outra escola, também pública, com ointuito de fazer magistério, porém no ano em que iria começar o curso, o mesmo foi extinto.Essa nova escola possuía uma ótima reputação, era mais estruturada e organizada, a maioriados alunos eram de classe média alta.

Os professores tinham uma preocupação especial com o colegial e o motivo dessapreocupação era o vestibular. Eles eram muito exigentes, a maioria queria trabalho digitadoe se esqueciam que numa sala de quase quarenta alunos apenas dois possuíam computador.Ficava revoltada com essa exigência, não entendia como um docente poderia cobrar de umaluno o que ele não tinha, nem poderia ter. A escola possuía um laboratório de informáticae era quase proibida a entrada de alunos.

Uma das caras do Brasil

* Graduanda em em Espanhol pela UNIR.

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20 Caminhadas de universitários de origem popular

Nessa nova escola não era permitido tirar fotocópia. Nesse ano comecei a receber umapequena pensão do meu pai e com esse dinheiro comprei com muito sacrifício todos oslivros em suaves prestações.

Sofria para estudar matérias como Física, Matemática e Química, mas adorava estudarLiteratura e por ela deixei de lado os esportes.

Passei para o segundo ano, sempre pensando no vestibular. Um certo dia resolvi fazerum curso de inglês, adorava o idioma, fiz um semestre sem muitas dificuldades para pagar,no segundo não foi tão fácil assim, acabei saindo do curso. Como eu era uma aluna aplicada,a dona do curso deu-me uma bolsa por um semestre. Quando o prazo da bolsa acabou tiveque sair porque não tinha condições financeiras para continuar. Esse curso foi muitoimportante na minha vida, através dele desenvolvi o interesse por idiomas.

Entrei para o terceiro ano, este foi o ano mais louco da minha vida, tantas decisões,tantas dúvidas. Comecei a estudar e ler muito, não fiz cursinho, estudei sozinha. Às vezes,ia para a casa de um amigo estudar com ele e com outro colega. Nossa turma tinha quasequarenta alunos e somente três passaram no vestibular da Unir, e um deles sou eu.

O momento mais difícil desse período foi escolher o curso. Muitas pessoas ao saberemde minha escolha ficavam decepcionadas e diziam que eu tinha potencial para coisa melhor,que Letras não dava dinheiro. Existe um enorme preconceito com quem escolhe cursar Letras,as pessoas acreditam que quem faz esse curso não teve a chance de fazer outro, o que no meucaso não é verdade. Esse curso realmente não era o que eu gostaria de fazer, porém foi o que euescolhi dentro de várias possibilidades. Amo o meu curso, não sei se me dará dinheiro ou fama,somente tenho a certeza de que sairei da Universidade Federal de Rondônia com o meudiploma na mão e com o objetivo de ser uma das melhores profissionais na minha área.

No dia 19 de janeiro de 2004, vim para Porto Velho com duas malas, duas caixas delivros e muito medo. Durante os seis primeiros meses fiquei hospedada na casa de umaamiga, cuja mãe é minha madrinha. No segundo semestre desse mesmo ano, minhas aulas naUniversidade começaram e passei a morar sozinha, meu pai começou a me ajudar e minhamãe passou a sustentar duas casas, a minha e a dela.

Sofri com a saudade, com a distância e com as dificuldades financeiras. Muitas vezespensei em desistir do curso, isso não aconteceu graças ao apoio que sempre tive dos meusamigos e da minha família, e que hoje tenho do Conexões.

Ter ingressado no Programa Conexões de Saberes me fez ver que assim como eumuitas pessoas também possuem dificuldades em se manter na universidade, e algumascom problemas muitos maiores que os meus. Passei a enxergar melhor o que está ao meuredor, refletir sobre minha origem e rever meus conceitos. Ações afirmativas como essasdevem ser criadas e ampliadas a todas as universidades, alcançando cada vez mais alunosde origem popular, pois acredito que começa pela educação a solução para as desigualdadestão presentes em nossa sociedade.

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Carla Caroline da Silva Nunes*

Tenho 20 anos, sou brasileira, e me chamo Carla Caroline da Silva Nunes e quero compartilhara minha história que é igual à de muitos que são como eu estudantes de origem popular. Tive altose baixos em minha vida antes de ingressar na tão esperada e sonhada universidade. Onde estou no5º período do curso de Ciências Biológicas na Universidade Federal de Rondônia.

Meus Pais

Antes de começar meu relato sinto que é necessário falar sobre a pessoa mais importanteda minha vida e que me ensinou tudo o que era necessário para eu encarar este mundo tãoperverso e cheio de desigualdades: minha mãe. Ela nasceu na cidade de São Luiz no estadodo Maranhão, e foi criada pela avó, pois perdeu sua mãe muito cedo. Por condições financeirasnão teve oportunidades de estudar. Pode concluir somente o ensino primário (estudou até a4a série), pois precisava trabalhar pra ajudar no sustento da casa.

Era um trabalho muito difícil, ela saía de madrugada e só voltava à noite, o que elafazia? Quebrava babaçu que é uma fruta bastante comum no nordeste, deste extraía o óleoque é usado para a venda. Mas foi quando trabalhava como empregada doméstica que suavida tomou um novo rumo.

Sua patroa viria para uma cidade bem distante dali chamada Porto Velho. Minha mãenunca havia se afastado da sua avó e mal sabia que essa seria a última vez que a veria comvida. Mas parece que o seu destino estava ali naquela cidade, pois este foi o lugar aonde elaviria constituir uma família. Sim, pois foi aqui que ela conheceu meu pai. Ah, meu pai... oque falar sobre ele. Bem meu pai se separou da minha mãe quando eu tinha apenas 4 anos deidade e desde então nunca se preocupou com o que realmente acontecia comigo, pois suaatual mulher não permitia que ele me desse muita atenção, e ele nunca deu muita importânciapara o que acontecia comigo.

Quando nasci

Eu nasci no dia 5 de julho de 1986 sou a filha caçula e sempre tive incentivos emrelação aos meus estudos. Minha mãe me ensinou que o estudo abre muitos horizontes queera o único caminho para se ter um futuro melhor (e eu nunca duvidei disso), e tentava comtodas as suas forças e investimentos garantir que nada me faltasse. Como ela não teveoportunidade de estudar, queria que comigo fosse diferente e graças a Deus foi, pois sou aprimeira da família a entrar em uma universidade.

Retratos de uma vida acadêmica

* Graduanda em Ciências Biológicas pela UNIR.

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Vida escolar

Eu sempre estudei em escola pública, com exceção do prézinho e a 1ª série que fiz emescolinhas particulares do meu bairro. Conheço de perto as condições precárias do nossosistema de ensino básico e agora do ensino superior. Estudei da segunda à quarta série naescola Herbert de Alencar. Ficava perto da minha casa, possuía uma ótima infra-estrutura eprofessores capacitados, pois era particular e acabara de passar a ser estadual. Existiamalguns professores federais na escola, que continuavam a dar aula mesmo durante as grevesque eram bastante comuns.

A partir da quinta até oitava série eu fui estudar em uma escola municipal longe daminha casa e comecei a precisar de condução.

Minha mãe sempre arcou com todas as minhas despesas escolares. Meu pai ajudavacom menos da metade do valor que era usado para comprar as cartelas dos meus passesescolares. Ele sempre mostrou certo descaso pela minha educação. Pouco procurava saberse faltava algo em minha casa. Porém com uma mãe guerreira como a minha pouco meimportava a ajuda do meu pai.

Fiz o meu ensino médio na escola Castelo Branco. Aí foi dureza! A escola já tinha atradição de todo ano ter greve, e as aulas só acabavam em janeiro. O primeiro e o segundoanos foram tranqüilos, mas no terceiro ano, que era o “Terceirão”, pois era a preparação parao vestibular da única federal que existe no estado, o meu professor de Física só chegou nomeio do ano e deu a matéria de qualquer jeito, por não ter tido uma base boa em CiênciasExatas. Bem antes de chegar ao terceirão já pensava em fazer algo ligado à Biologia, mas,na verdade o meu sonho profissional só será realizado quando eu estiver cursando medicina,que é um curso de alto nível, onde infelizmente estudantes de origem popular ainda sãoraros. Qual será a fonte do problema? Uma pergunta que ficará sem resposta.

É triste reconhecer que por não ter uma boa base no ensino público não estou apta a meinscrever em cursos de prestígio social e maior concorrência. Pelo fato de as universidadespúblicas do Brasil não estarem abertas às comunidades populares, por essa mentalidade erradaque tive, sempre pensei que se não fizesse um cursinho pré-vestibular privado não passaria novestibular. Fiz minha mãe desembolsar 110 reais por mês para pagar o meu cursinho. Mas hojeeu sei que não é um cursinho e nem quanto ele custa que faz com que você seja aprovado emum vestibular ou qualquer outra prova, e sim sua capacidade e força de vontade.

Por isso hoje junto com o Conexões de Saberes luto pela implantação de cursinhospré-vestibulares e quero contribuir ajudando estudantes de origem popular a terem acessoe permanência na universidade da minha cidade.

Contando com projetos de ações afirmativas como o Conexões de Saberes, que vemtentando fazer com que as universidades brasileiras sejam para o povo e pelo o povo, seique a missão de chegar à universidade já foi cumprida, pois hoje sou uma universitária, seique permanecer ali é uma tarefa árdua, porém a caminhada está só começando...

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Carlos Henrique Teixeira*

Meu nome é Carlos Henrique Teixeira, e nasci na cidade de Humaitá, no estado doAmazonas, no dia três de julho de 1986. Aos dois anos de idade meu pai abandonou minhamãe deixando para trás dois filhos, eu e minha irmã. Aos meus quatro anos, nos mudamospara Porto Velho, Rondônia, e passamos a morar com minha avó materna, uma mulherbatalhadora, que então passou a custear minha vida e meus estudos.

Morávamos em uma casa humilde em um bairro típico de periferia, onde iniciei minhavida escolar aos sete anos. No começo foi difícil, mas graças aos incentivos por parte daminha mãe, Dona Eliana e da minha avó, Dona Sebastiana, duas mulheres que tiveram umavida sofrida e pouca escolaridade, mas que tinham a consciência da importância da escolapara uma pessoa. Elas me passaram isso da melhor maneira possível, e não tive dificuldadesde aprendizagem nas séries iniciais do antigo primeiro grau, pois passei a estudar para seralguém na vida e poder retribuir à minha família tudo que fizeram por mim.

Aos doze anos vi minha avó morrer, e vi também, surgir uma nova fase na minha vida.Minha mãe passou a trabalhar como doméstica para nos sustentar. Foi um períodocomplicado, marcado por perturbações, mas depois minha mãe teve mais uma criança, quetrouxe alegrias às nossas vidas. Agora éramos quatro, eu mamãe e minhas duas irmãs.

Continuei meus estudos sempre em escolas públicas próximas de casa, e terminei em 2001o ensino fundamental, e mesmo sendo em uma instituição de ensino periférica muito criticada,acreditei que o aluno faz a escola e dela recebi a base necessária para seguir em frente.

Em 2002, comecei ensino médio na escola Marcos Freire, onde estudei por dois anosprocurando sempre aprender o máximo possível para não reprovar e terminar logo os meusestudos. Nesse intervalo de tempo passei a trabalhar em horta, estudando no período damanhã e trabalhando à tarde, para ajudar em casa.

No ano de 2004 me transferi para Escola Marcelo Cândia, visando à conclusão daterceira série do ensino médio. Continuei trabalhando, porém agora comecei a dar maioratenção ao vestibular.

Chegar à universidade era um sonho que foi evoluindo continuamente, no decorrer daminha vida. Nessa última escola, tive apoio e incentivo necessário para prestar meu primeirovestibular. Não foi possível fazer um curso pré-vestibular, mas confiei em tudo que aprendi,e passei para Matemática na Universidade Federal de Rondônia. Trabalhar com os númerose com raciocínio lógico sempre me fascinou, e Matemática era a matéria onde conseguia asmaiores notas.

Eu sou um estudante de origem popular

minha vida, meus estudos

* Graduando em Matemática pela UNIR.

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Em 2006 comecei o curso, e em virtude dele saí da horta, com isso passei a enfrentardificuldades em termos de transporte tendo que faltar várias aulas. Mas com ajuda da minhamãe e de amigos consegui contornar essa crise, passei então a dar aulas de reforço adquirindocerta “estabilidade”.

No mesmo ano por iniciativa da diretora da Escola Marcelo Cândia, Irmã Carmem,surge um grupo de universitários, comprometidos em realizar ações voltadas para ZonaLeste de Porto Velho, lugar onde moro. Como uma das nossas primeiras ações, vi nascer umcurso pré-vestibular comunitário, do qual participo ajudando na coordenação, assim comoministrando aulas de matemática.

Hoje estou aqui escrevendo este ensaio. Continuo morando no Ulisses Guimarães, umbairro da Zona Leste, com minha mãe e minhas duas irmãs sendo que a mais velha, a Leda,também já está na faculdade. Estou no quarto período de Matemática, tenho muitos sonhose projetos para realizar, e tenho principalmente, muito orgulho de ser um estudanteuniversitário de origem popular e de ter chegado até aqui.

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Universidade Federal de Rondônia 25

Franciane Farel da Silva*

Meu nome é Franciane Farel da Silva, tenho 19 anos de idade e curso Pedagogiana Universidade Federal de Rondônia, mas para chegar onde estou preciso contar comotudo começou.

Meu pai Francisco Xavier da Silva 42 anos e minha mãe Eudalina Farel da Silva 38anos, se conheceram, se apaixonaram e namoraram, isso há uns 20 anos atrás, logo meconceberam então nasci no dia 9 de maio de 1987 na maternidade Dr. Cláudio Fialho nomunicípio de Guajará-Mirim interior de Rondônia. Depois que nasci o romance não deucerto, pois meu pai era um simples funcionário de uma loja, assim não teve condiçõesfinanceiras para construir um lar, seu desejo era levar minha mãe para morar com ele na casade sua mãe Marina (in memorian), mamãe não aceitou assim cada um foi viver sua vida.

Depois de 01 ano e 08 meses que nasci, mamãe conheceu o Luiz que hoje é o meuquerido paizinho. Me refiro assim a ele porque o considero e gosto muito dele como se elefosse meu próprio pai. Resolveram então se casar e foram morar numa casa alugada em Guajará-Mirim mesmo. Nesta época ele era funcionário dos Correios, coincidência ou não, ele trabalhavajunto com o meu pai que já estava em melhores condições e já havia casado também.

No ano de 1990, meus pais (Luiz e Eudalina), resolveram vir morar em Porto Velho,pois meu pai (Luiz) havia sido aprovado no concurso do Ministério Público do Estado paravigilante, assim viemos para cá e fomos morar em uma casa alugada. Estavam começandotudo de novo e as coisas não estavam fáceis, mas mesmo assim, em 1991 quando eu estavacom 4 anos de idade, me matricularam em uma escola particular chamada CentroEducacional Peter Pan, onde comecei a estudar o pré-I.

Eu não estava acostumada a viver longe da minha avozinha Vitorina então pedi paravoltar para Guajará-Mirim pra ficar com ela. Vovó trabalhava em uma escola chamada IrmãMaria Celeste, nessa escola havia a Creche Moranguinho, um lugar muito lindo e aconcheganteonde em 1992 fiz o pré-II com 5 anos, tenho ótimas lembranças dessa escolinha, me recordoaté da professora a quem eu chamava de tia Rosa. Ela foi a melhor professora que tive até hoje,era muito atenciosa, carinhosa e dedicada. Aprendi muito com ela.

Em 1993, meus pais já estavam bem estabilizados, então mamãe me trouxe de voltapara Porto Velho, onde fiz a alfabetização na mesma escola, Peter Pan. Sinceramente nãotenho boas lembranças deste ano, a professora era exigente, e com isso se tornava muitochata. Eu nem entendia o que ela falava direito, pois era espanhola e até me chamava de

A trajetória da vida escolar de uma “estudante

universitária de origem popular” (EUOP)

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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26 Caminhadas de universitários de origem popular

Franción. Neste mesmo ano muitas coisas aconteceram. Meu pai (Luiz) saia bem cedo paratrabalhar, e eu também estudava pela manhã. Algumas vezes mamãe me levava na escolaque era bem perto de casa, mas para chegar lá tinha que atravessar uma avenida muitomovimentada. Certo dia eu tive que ir sozinha para a escola e ao atravessar a rua não olheipara os lados, e um carro que vinha em alta velocidade freou praticamente em cima de mim.Caí no chão de susto. Só me lembro que tinha 3 tios meus no ponto de ônibus, um deles meviu, veio me ajudar e me levou até a porta da escola. Levei um choque muito grande, fiqueiparalisada, não conseguia nem falar. Quando me recuperei falei para a diretora o que haviaacontecido e resolveram me levar para casa. Mamãe ficou muito assustada e até me deuumas broncas por não ter tido atenção ao atravessar a rua. Minha avó logo ficou sabendo doacontecido e também ficou preocupada comigo, conversou com meus pais que entraram emconsenso e resolveram que eu devia ir morar com vovó em Guajará-Mirim, pois lá eu iria praescola junto com ela e não havia tanto perigo.

Já em 1994 quando tinha 7 anos de idade comecei a fazer a 1ª série do ensinofundamental na escola Irmã Maria Celeste, onde minha avó trabalhava. Eu era muitointeligente e esforçada, a professora gostava muito de mim, e sempre me dava muito maisatenção do que aos outros alunos, e eles reclamavam disso. Era eu quem sempre ganhava osbombons deliciosos que a professora levava para quem fizesse todas as atividades certinhas,para quem se comportasse e para quem respondesse todas as perguntas durante as aulas.

Fiz a 2ª série na mesma escola em 1995. Eu tinha 8 anos, continuei muito inteligentee esforçada, isso chamou a atenção da professora que resolveu me mudar de sala e mecolocar em uma sala onde a turma era mais comportada. Até tinha uma outra Franciane látambém que era inteligente igual a mim.

Em 1996, quando tinha 9 anos, fiz a 3ª série na escola Irmã Maria Celeste até o mês desetembro, pois vovó se aposentou e resolveu se mudar para Porto Velho. Então fui concluira 3ª série no Peter Pan. Foi difícil chegar quase no fim do ano e continuar estudando,principalmente porque não conhecia a professora e os 5 alunos da sala, mas deu tudo certoo nome da professora era Regina. Tinha 15 anos. Por isso achei bem legal e diferente, poisestava acostumada sempre com professoras mais velhas. Regina era meio maluquinha, gostavade cantar, contar histórias e fazer brincadeiras na sala de aula. Os colegas de sala tambémeram legais e me receberam muito bem.

No ano seguinte fiz a 4ª série na mesma escola, foi bem legal tive 3 professoras e sótinha 4 alunos na sala. Lembro-me ainda hoje das coisas que aprendi lá.

Já em 1998, para mim o ano mais esperado, fui para o ginásio de 5ª a 8ª série. No anoanterior havia sido inaugurada uma grande Escola Estadual, o João Bento da Costa. Essaescola estava sendo muita elogiada, pois era a maior do estado. Ela tinha umas 45 salas, eera de dois andares. Então minha mãe tratou logo de fazer minha matrícula lá, mas paraconseguir uma vaga no JBC como todos chamavam, precisei fazer uma entrevista com odiretor, pois havia muita gente querendo uma vaga. Graças a Deus passei na entrevista econsegui minha vaga na escola.

Lá permaneci estudando da 5ª série até o 3º ano do ensino médio, logo no 1º dia deaula da 5ª série me surpreendi muito, pois havia mais de 40 alunos na sala de aula e eu nãoestava acostumada com isso. Havia uns alunos grandes com até 15 anos de idade, e eu tinhasó 10 aninhos. Mas foi muito bom, eu me dei bem. Neste ano não fiquei para recuperação emnenhuma matéria e só tirava notas boas em Matemática, pois a professora era a Elizabeth,

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uma professora muito inteligente e atenciosa. Sempre que eu tinha dúvidas ela estavapronta pra me ajudar, então fui aprovada e passei de ano. A 6ª série foi melhor ainda, algunscolegas que tinham estudado comigo no ano anterior estavam na minha sala, então já nosconhecíamos e um ajudava o outro.

Na 7ª série eu estava com 13 anos, isso no ano de 2000. Sempre fui uma aluna dedicadae fazia todos os trabalhos e atividades, sempre sozinha. Não havia quem me ajudasse, poismorava com vovó e ela sabia bem pouco. Com isso alguns colegas gostavam de colar asminhas atividades e até na hora das provas ficavam olhando para minha prova. Falavam queeu era muito inteligente. Tudo o que eu fazia estava certo, mais não era bem assim, eutambém tinha algumas dificuldades. Neste ano também passei em todas as matérias e fuiaprovada para a 8ª série.

A 8ª série foi um ano muito bom, neste ano tivemos aula de Português com o ProfºNazareno que é um cara muito legal, digo isso porque ele nos ajudou muito, mas depoisfalarei mais dele.

No ano seguinte em 2002, eu fui para o 1º ano do 2º grau. Esse ano foi bom apesar deter sido meio conturbado para mim, pois estava passando por alguns problemas familiaresque me afetaram um pouco, ao ponto de eu ser reprovada em Português no fim do ano.Lembro-me que fiquei desesperada e chorei muito, mas nem tudo estava perdido, pois naescola no fim de todas as provas do final do ano os professores faziam uma Reunião doConselho, em que analisavam o caso de cada aluno que havia reprovado e esse Conselhofoi a minha salvação, pois todos os professores já me conheciam e sabiam que eu sempre fuidedicada. Com exceção da disciplina de Português, eu tinha notas boas em todas as outrasnaquele ano, e nos outros também. Com isso entraram num consenso e resolveram me daruma chance. Minha maior felicidade foi quando minha mãe foi na escola pegar o Boletim efazer minha matrícula. Eu estava como aprovada no 1o ano, isso foi demais!

O 2º ano pra mim significou muito, pois eu já estava me preparando para o vestibularda UNIR. Estudava muito, mas mesmo assim fiquei para recuperação em Matemática no 2ºsemestre. Tive que estudar muito para alcançar uma boa nota. Enfim consegui e com muitoêxito fui aprovada para o 3º ano que seria o último.

No 3º ano fiz o famoso terceirão que é a preparação para o vestibular, principalmenteo da UNIR, onde todos desejam entrar. Tenho ótimas lembranças deste ano, principalmentedos professores que eram muito exigentes, mas hoje vejo que era para o nosso bem, poisse eles não tivessem pegado no pé, hoje a maioria de nós não estaria na Universidade. Oprofessor de Português era mais uma vez o Nazareno. Com ele aprendi muito bem a fazerredação, pois toda vez que ele nos pedia para redigir sobre diversos temas, ao fazer acorreção riscava a folha toda e ainda escrevia uns recadinhos abusados no final. Lembrodisso com muito prazer porque foram os recadinhos dele que me ajudaram na redaçãopara o Vestibular.

O professor de Matemática se chamava Neizinho, era um professor bem jovem e bonito.Isso chamava a atenção das alunas, e apesar de ser muito inteligente era meio doido, isso nobom sentido. Acho que nunca o esquecerei, pois foi ele quem me deu a notícia de que euhavia sido aprovada no Vestibular da UNIR. A matéria de História Geral e Regional era dadapelo professor Tadeu, um gordinho muito bacana. Tenho certeza que pra sempre vou lembrardele. Em suas aulas ele nem utilizava livro, pois já o tinha todo na cabeça. Isso era incrível!O professor de Geografia Geral e Regional era o meu querido professor Arimateia, um

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professor muito bom que me ajudou muito! Esse ano estudei mais do que nunca. Estudavapela manhã com umas amigas, a tarde ia para a escola e a noite ainda fazia um cursinho pré-vestibular, que com muito esforço meus pais conseguiram pagar. Aos sábados e domingosnada de passeio como era antes, eu só estudava muito!

Concluí o ensino médio em 2004, no fim do mesmo ano fiz o meu 1º vestibular daUniversidade Federal de Rondônia para Pedagogia e graças ao meu bom Deus e meu próprioesforço consegui ser aprovada nas duas fases.

Em 2005 comecei a estudar na famosa UNIR. Tudo era novidade. Mas sinceramenteesperava mais da universidade. No começo de 2006 quando eu estava no 3º período, meinscrevi para o Programa Conexões de Saberes e fui selecionada. Hoje estou no 5º períodode Pedagogia e estou muito satisfeita com o curso e com o programa, pois além de serbeneficiada com a bolsa ainda tenho a chance de trabalhar com as comunidades popularese cada vez mais ampliar meus conhecimentos para uma melhor formação acadêmica.

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Francinei Ferreira da Silva*

Eu me chamo Francinei Ferreira da Silva, nasci em Porto Velho, no Estado de Rondônia.Minha família possui herança negra e indígena, no entanto meu pai é um típico nordestino.Nascido no estado do Ceará, estudou em escola Salesiana e concluiu seus estudos. Já minha mãenasceu no estado do Acre, é filha de uma seringueira cabocla e de índio. Nunca freqüentou a escola.

Meus pais sempre incentivaram todos os seus oito filhos a estudarem, pois, tinhamplena consciência de que os estudos eram a garantia de um futuro promissor. Logo quandoentrei na escola, foi justamente no ano em que meus pais se separaram. Minha mãe retornoupara o estado do Acre, e conseqüentemente meu pai assumiu a responsabilidade de criar eeducar os filhos. Esse foi sem dúvida uns dos momentos mais difíceis para mim, pois,chegou a comprometer meu rendimento escolar. Até mesmo por que a professora na épocaera muito tradicional, ela dividia a sala de aula em duas partes, do lado direito sentavam osalunos que sabiam ler, e do lado esquerdo as crianças que não dominavam a leitura.

Contudo, certo dia a professora escreveu algumas palavras no quadro negro, e cadaaluno era chamado para fazer a leitura destas palavras. Quando chegou a minha vez, conseguiler todas as palavras. Por isso no dia seguinte passei a sentar no lado direito da sala de aula.Essa situação era horrível!

Assim meu desempenho escolar cada vez mais foi evoluindo positivamente no decorrerdas séries seguintes. Quando eu estava na quarta série, a escola passava por algumas mudanças,pois no ano seguinte teríamos um número maior de disciplinas, e os alunos teriam que seadaptar a essa nova etapa. Aconteceu algo inovador na escola. Duas professoras se reunirame planejaram uma aula de orientação sexual, aplicando ainda o método tradicional deseparar meninos e meninas em salas diferentes para a aula. Mas valeu a pena ouvir asinformações, que na época não eram esclarecidas.

Quando passei para o antigo ginásio fiquei muito feliz, pois finalmente iríamos ter adisciplina de Educação Física que seria prática com recreação em três dias da semana comjogos e exercícios físicos. Mas, nem tudo era só alegria. Logo no primeiro dia de aulaprática o professor pediu que formássemos uma fila e aconteceu que eu e mais duas alunasnão estávamos com o tênis adequado para a aula, e por isso o professor pediu que nosretirássemos da quadra para aguardar o término da aula, para respondermos à chamada. Mas,apesar desse fato constrangedor, quem mais sofria eram os portadores de deficiência física,que iam para aula prática, mas não participavam de nenhum momento da aula, mas ficavamsentados nos bancos observando as atividades até o final da aula.

Início de um história

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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Ainda nessa época acontecia no país um grande debate sobre a possibilidade demudar a forma de governo da época. Más enquanto não acontecia o plebiscito, na escola, osalunos negros sofriam muita discriminação por parte dos outros alunos que faziam várioscomentários, de que o tempo da escravidão ia voltar, e que todos os negros só serviriam paraatender aos pedidos dos brancos e do rei. Foi sem dúvida uma época muito difícil.

Quando passei para a oitava série fui transferida para outra escola pública, foi o piorano letivo que tive na minha vida escolar, começando pela estrutura da escola que na épocaera bastante precária. O acontecimento mais válido foi o festival folclórico da escola, que sófoi realizado graças ao esforço do professor de Língua Portuguesa que nos ensinou a dançado maracatu. O sucesso foi tão grande que até hoje o professor expõe a história dessa dançafolclórica pela cidade.

Posso afirmar com muito orgulho que poder estudar para me formar professora foi amelhor fase de minha vida escolar. Eu tive um ensino de primeira. Logo no primeiro ano deestudo comecei o estágio de observação em uma escola pública, e durante um mês tive quefazer anotações do cotidiano de sala de aula e dos funcionários da escola. No segundo eterceiro ano realizei os estágios de participação e regência. Foram os mais marcantes, poisjá poderia participar ativamente das aulas.

Finalmente concluí o ensino médio e não fiz o vestibular logo em seguida, pois tinhaa necessidade de trabalhar. Preparei vários currículos e levei as escolas privadas, e durantedois anos não consegui nenhuma vaga para trabalhar.

No ano de mil novecentos e noventa e nove, a campanha da fraternidade da igrejacatólica se referia a educação. Foi então que surgiu a idéia de formar uma turma de educaçãode jovens e adultos, e fui voluntária nesse projeto por dois anos. Depois de um bom temponessa mesma igreja, me tornei aluna no curso pré-vestibular comunicação, e durante novemeses de estudos nasceu a grande oportunidade de ingressar na Universidade pública, ondehoje curso Pedagogia.

No terceiro período fiz inscrição para o programa Conexões Saberes, e fui selecionada.Fiquei feliz, pois essa é uma oportunidade que veio para contribuir para minha permanênciana Universidade e ampliar meus conhecimentos.

O programa Conexões de Saberes é uma forma de ação afirmativa que tem como alvoestudantes de origem popular, e que oferece bolsa para que desenvolvam atividades de extensãojunto às comunidades, para estreitar os laços entre saber científico e o saber popular.

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Geicyane Morais dos Santos*

Meu nome é Geicyane Morais dos Santos, nasci na cidade do interior do Amazonaschamada Humaitá. Pacata, conservadora e muito aconchegante, porém com poucasoportunidades para os jovens que lá residem. Na data de 08/02/1987 minha mãe após sofrerdurante os nove meses de gravidez por ter contraído a malária, uma doença muito comumno interior do Amazonas, que se não cuidada pode matar, me deu à luz. Por conseqüênciatambém nasci com malária. O diagnóstico do médico, ao ver-me, foi que eu não sobreviveria.Porém, por um milagre de Deus, como diz a minha avó materna, estou aqui para narrarminha história que apesar de difícil é muito interessante.

Minha mãe chama-se Maria Inês de Jesus Campos de Morais. Seu pai foi soldadoda borracha e sua mãe trabalhava na roça de variados tipos de grãos. Ambos eramanalfabetos, porém já existia a consciência do valor da educação. Minha mãe, uma mulherbatalhadora que me serve como um grande exemplo, pois, apesar de todas as dificuldadesencontradas, estudou e após ter três filhos e um casamento frustrado que durou malsucedidos 15 anos, passou no vestibular da Universidade Federal do Amazonas para ocurso de Pedagogia. Hoje ela é especializada em Psicopedagogia e professora concursadado estado do Amazonas. Já meu pai Ottonerson Rodrigues dos Santos é analfabeto e foigarimpeiro de ouro durante muito tempo. Hoje segue a profissão de pedreiro na cidade dePorto Velho-RO.

Em Humaitá cursei até o segundo ano do ensino médio.No ano de 1993, comecei a estudar na alfabetização da Escola Estadual Cândida

Areal Solto. Lembro-me nitidamente do meu deslumbramento pela minha sala de aula,pois ela tinha desenhos lindíssimos na parede do fundo. No horário do recreio, antes desairmos para merendar, cantávamos essa musiquinha que até hoje não me sai da memória.Era assim:

Meu lanchinho,Meu lanchinho,Vou comer,Vou comer,Pra ficar fortinho,Pra ficar fortinho e crescerE crescer.

Mais que uma mudança,

a realização dos meus sonhos...

* Graduanda em Letras pela UNIR.

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32 Caminhadas de universitários de origem popular

Minha professora chamava-se Tereza, e com sua ternura fez com que eu me encantasseainda mais pela escola, o que foi fundamental para toda minha vida escolar. Acredito que apartir daquele momento tive vontade de ser professora. Além de minha mãe que tambémexerce essa profissão, estudei nessa escola todo meu primário. A matéria que mais gostavae na qual sempre obtive boas notas foi Língua Portuguesa.

Com onze anos de idade mudei de escola, passei a estudar na Escola Estadual DomBosco, onde concluí o ensino fundamental. Novamente deparei-me com um corpo docentemuito bom. Aos quinze anos de idade começava o ensino médio na Escola Estadual ÁlvaroMaia. Até então havia sido uma boa aluna, com boas notas, nunca havia tirado notasvermelhas, e nem ficado de recuperação. A única matéria em relação a qual nunca tive muitaafinidade foi Matemática. Já nessa época, meus pais estavam separados havia alguns anos,e minha mãe criava sozinha, com muitas dificuldades, a mim e a meus dois irmãos.

Em 2004 mudei para Porto Velho, capital de Rondônia, que fica a 200 k de distânciade minha querida cidade, deixando para trás minha família e meus amigos.

Estando aqui em Porto Velho as dificuldades foram inevitáveis, pois é uma realidadetotalmente diferente. Concluí o ensino Médio na Escola Estadual de Ensino Fundamentale Médio Jonh Kennedy. Nessa escola encontrei inúmeras dificuldades, tais como: notasbaixas, fiquei de recuperação em Matemática e me sentia rejeitada pois a turma que euestudava já tinha todo um histórico juntos. Nesse período iniciou um cursinho pré-vestibularcomunitário na Igreja São Cristóvão. A partir daí comecei a estudar pela manhã o terceiroano, no qual não reprovei, mas também não tirei muito proveito, e à noite, fazia o cursinhopré-vestibular, que em compensação, foi muito proveitoso.

Lembro-me que tinha uma amiga que estudava no terceiro ano comigo e se inscreveupara o mesmo curso que eu, Letras-Português e todos sem exceções acreditávamos comconvicção que ela iria passar no vestibular e eu, como era considerada uma aluna fraca,obviamente não passaria. No entanto, essa situação fez com que me esforçasse ainda maispara poder prestar o vestibular com mais confiança.

Quando realizei a primeira etapa, ao sair da sala tive a certeza que estava na segundaetapa, a qual, em minha opinião, seria mais complicada. Quando terminei a prova discursivafiquei decepcionada, pois não havia gostado de uma das quatro redações que havia redigido,e para completar minha agonia, encontrei com aquela minha amiga que estava a sorrir edisse que a prova estava muito fácil. Naquele momento invadiu-me uma tristeza profunda,afinal tinha me esforçado tanto para não conseguir!

Passaram-se dois dias após ter saído o resultado final do vestibular quando fui visitarminha amiga para lhe dar os parabéns, pois acreditava que ela havia passado, e também parafazer um currículo no seu computador para poder correr atrás de emprego. Mas ao chegar emsua casa tive uma grande surpresa quando ela me disse que estava muito feliz, e que quasenão acreditava que eu havia passado e ela não.

Aquele foi um dos dias mais felizes da minha vida, porque eu finalmente iria ser alguém.Mas logo no primeiro período senti o peso de estar cursando uma faculdade, as

dificuldades financeiras foram cada vez se agravando mais, afinal moro de favor na casade um primo (Waldiney). Não conseguia arranjar emprego por falta de cursos comoinformática, por falta de experiência, e por não ter disponibilidade para trabalhar emtempo integral, pois meu curso é no período da tarde. Cheguei ao ponto extremo dequerer desistir e voltar para casa de minha mãe e nunca mais passar necessidades como

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estava passando. Foi quando fui à Assistência Social da Universidade e expliquei minhasituação. Passei a trabalhar na qualidade de voluntária da universidade para ganhar osvales transportes e o almoço.

Quando surgiram as inscrições para o Programa Conexões de Saberes visualizei achance de me manter na universidade e a oportunidade para aquelas pessoas que tambémestão desacreditadas e que têm o potencial para entrar em uma universidade federal.

Agora faltam apenas dois anos para que eu conclua meu curso e ao terminar pretendoexercer minha profissão de professora na minha cidade.

Apesar de jovem aprendi que não devo desanimar por mais que alguém tente mederrubar, pois as dificuldades estão aí para serem vencidas.

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Helena Pereira Leite *

“Quem espera que a vida seja feita deilusão, pode ate ficar maluco oumorrer na solidão é preciso ter cuidadopara mais tarde não sofrer épreciso saber viver.”

Roberto e Erasmo Carlos

Meu nome é Helena Pereira Leite nasci no município de Tarauacá, no estado do Acre,no dia 18/10/1983, sendo a mais nova de uma família de oito filhos, eu e meu irmão Helenofomos os únicos a nascerem em um hospital. Heleno veio a falecer aos sete meses de vidapor conta de uma pneumonia. Quando tinha ainda cinco anos, meus pais mudaram para omunicípio de Porto Velho, no estado de Rondônia, em busca de uma vida melhor. No iníciomorávamos com uma amiga de meus pais, mas logo fomos morar no bairro Ulisses Guimarães,que fica um tanto afastado do centro da cidade. Na época, o bairro se encontrava em face deocupação com poucas casas.

Apesar de algumas privações posso dizer que tive uma infância maravilhosa, poisaprendi com meus pais muitos valores. Mesmo trabalhando o dia inteiro, souberam educara mim e a meus irmãos muito bem. Eu ficava sob os cuidados de meus irmãos Célio e Biana,que eram um pouco mais velhos. Nós fazíamos nossas tarefas de casa e íamos brincar na ruacom nossos colegas, com os quais aprontávamos de tudo, mas é claro que eram apenascoisas saudáveis.

Comecei a estudar aos sete anos na escola Marcos Freire na qual fiz a primeira esegunda série tendo reprovado no primeiro ano por conta do nervosismo no teste de leitura,como minha mãe não deixou que eu refizesse o teste tive que repetir o ano.

Na terceira série tive que ir para escola São Francisco de Assis, pois havíamos nosmudado para uma outra casa a qual fica próxima da escola, nessa estudei até a quarta série.

A quinta série, fiz na escola Jorge Teixeira como tive de ir morar com minha irmã, nobairro Agenor de Carvalho, para cuidar de minha sobrinha, para que ela pudesse trabalhar,fui estudar na escola Orlando Freire onde fiz a sexta e sétima série.

Terminei o ensino fundamental na escola Jorge Teixeira, pois minha irmã estavatrabalhando em uma padaria na casa de meus pais, devido a ausência do ensino regular noperíodo noturno fiz o ensino supletivo para não perder o ano escolar.

É preciso saber viver

* Graduanda em Biologia pela UNIR.

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Como estava trabalhando e em meu bairro não havia o ensino médio regular noperíodo noturno tive que ir estudar no centro da cidade, na escola Castelo Branco, tendoque enfrentar uma hora de viagem de ônibus tanto na ida quanto na volta. Nesta época meudesempenho caiu muito, pois como acordava cedo e ia deitar tarde ficava mais dormindo doque acordada em sala da aula. No segundo ano do ensino médio voltei a morar com meuspais e deixei de trabalhar.

Tudo teria sido muito bom se eu não tivesse por infantilidade ido morar com um rapazque havia conhecido na escola. Terminei o segundo ano e tive que parar, pois depois de doismeses morando com esse rapaz engravidei, e assim parei de estudar. Mesmo depois que tivemeu filho não tinha com quem deixá-lo para poder estudar, fiquei apenas pouco mais dedois anos com o pai de meu filho e voltei a morar com meus pais.

Mas meu filho só fez crescer em mim a vontade de cursar o ensino superior e seralguém na vida. Eu sempre fui muito incentivada por meus professores a fazer uma faculdade.

Voltei à casa de meus pais, retomando os estudos, iniciando um novo ciclo de vida naescola Marcelo Cândia, uma instituição filantrópica das irmãs Marcelinas, sem dúvida uma dasmelhores do estado. Nessa escola fiz grandes amigos entre os quais, meus professores de Químicae Língua Portuguesa (Roberto e Eunice), sem esquecer é claro da irmã Carmem, que junto comesses professores estava sempre disposta a ajudar seus alunos a realizarem seus objetivos.

Na escola Rio Branco, freqüentei o cursinho pré-vestibular Juntos Pra Unir, ondetambém encontrei bons amigos. Como passava o dia inteiro na escola, foi muito bom ocursinho ser oferecido no período da noite. Estudei muito e fui aprovada no curso deCiências Biológicas na Universidade Federal de Rondônia.

Este foi só o princípio de minhas realizações estudantis. Pretendo seguir em frente eenriquecer ainda mais meu currículo profissional e pessoal. No momento estou ministrandoaulas de Biologia em um cursinho pré-vestibular comunitário que é oferecido por um grupode universitários que moram na zona leste da cidade e colaboradores. Este grupo nasceugraças á uma reunião convocada pela irmã Carmem que queria que os acadêmicos dosbairros próximos à escola Marcelo Cândia se reunissem e convivessem dividindo seusproblemas e assim se ajudassem.

Este grupo chegou à conclusão de que poderiam fazer mais e assim nasceu o pré-vestibular ROCA (resgatando o ontem para conquistar o amanhã). Há no grupo responsávelpelo cursinho, o UNA, muita amizade e respeito entre os integrantes que dividem seusproblemas e procuram ajudar como podem os amigos. Foi assim que ficamos sabendo doConexões, um soube e avisou a todos os outros da seleção para projeto que só veio somar aonosso projeto de cursinho pré-vestibular, o ROCA. Foram selecionados para o Conexõessete integrantes do UNA, sendo que continuam seis pois um acabou passando em um concursopúblico. O Conexões é um dos projetos mais audaciosos que já conheci já que este não estávoltado a elite acadêmica e sim para os que chegaram à universidade tendo que ultrapassarvários obstáculos como a falta de igualdade na preparação para o vestibular. Espero que oConexões consiga atingir todos os seus objetivos e se isso acontecer vou passar a acreditarque este país ainda tem jeito.

Dedico meu esforço diário a todos que de alguma forma contribuíram na minha caminhadaem busca de meus sonhos, principalmente aos meus pais, professores e amigos. Peço perdãoao meu filho por não dedicar o tempo necessário a ele, mais sei que irá entender que o que façoé para que no futuro possa haver oportunidades diferentes e melhores para ele.

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36 Caminhadas de universitários de origem popular

Janaína Ferreira de Lima*

Lembro de uma foto minha juntamente com outros alunos em uma exposição culturalna escola SESI, mas o que mais me chama a atenção naquela foto é a lancheira marrom dos“ursinhos carinhosos” que seguro firmemente em minha mão. Isso me faz lembrar que fuialuna destaque entre as turmas de alfabetização por ter criado uma história em forma dedesenho, hoje não lembro que desenho fiz, mas lembro de ter ganhado uma lancheira queaté então não havia tido, pelo fato de não precisar levar lanche para a escola, pois minhamãe trabalhava como merendeira, o que facilitava na hora de repetir o lanche no recreio.

Estudei no SESI durante quatro anos porque os filhos de funcionários recebiamdescontos nas mensalidades e até mesmo bolsa integral e teria continuado nessa escola seminha mãe não tivesse sido demitida,

Passamos a freqüentar uma escola pública bem próximo da minha casa, lá era tudomuito diferente, as instalações físicas do prédio, os alunos, os professores, enfim, a regaliaque usufruíamos antes não mais tínhamos à disposição. Na escola atual não havia sequeruma quadra para a Educação Física. Lembro que brincávamos de queima e pula tábua emum espaço de areia ao redor da escola. Tínhamos sim um parquinho bem do ladinho daescola, mas eram poucos os momentos de lazer ali naquele local. Por ser bem pequeno nãocabia a grande quantidade de alunos, por isso tínhamos que revezar.

Não demorou muito para me acostumar com a nova escola, já havia chegado à primeirasérie praticamente alfabetizada. Então não encontrei dificuldades nas séries seguintes.

No ano em que cursei a quarta série contrai uma doença típica da região denominadamalária. Faltei uma semana de prova, além de ter que ouvir a minha turma me chamando otempo todo de “magricela”. Naquela turma todos sem exceção tinham um apelido e o meumudou, porque havia emagrecido em torno de uns três quilos. Na semana seguinte tive quefazer as provas sozinha em uma sala com um professor substituto, felizmente fui aprovadaem todas as disciplinas.

A escola onde cursei meu primário não possuía o ginásio, então novamente tive quemudar de escola. Fui para o Petrônio Barcelos, uma outra escola pública, que também ficavapróxima a minha casa.

Acredito não ter dado muito trabalho para meus pais neste período, apesar do fato deter ficado em uma das turmas onde só havia alunos um ou dois anos mais velhos do que eu,e um pouco mais bagunceiros que os das outras turmas. Consegui um bom rendimentonesse 5º ano. A escola promovia eventos culturais, como torneios, festas, feiras culturais. Os

Minha trajetória

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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alunos da 8a série às vezes promoviam discoteca, para arrecadar fundos para formatura. Comcerteza todos gostavam muito da idéia, ainda mais pelo fato de que os professores liberavamos alunos nos dois últimos tempos de aula. A escola tinha uma biblioteca que eu visitavaalgumas vezes para emprestar livros de literatura, até hoje tenho a lista de livros que li nodecorrer desses quatro anos. Foram muitos livros pára-didáticos, devo isso a uma queridaamiga, que desde o colegial me incentivou a ler. Fui tomando gosto pela leitura, e quandojá tínhamos lido os poucos livros da biblioteca da escola, passamos a nos dirigir à bibliotecamunicipal e até nas lojas do Sebo onde procurávamos livros baratos e interessantes.

Recordo-me que na oitava série a maior parte dos alunos ao bater o sinal para ointervalo, corriam para a fila do refeitório, pois o lanche era muito bem preparado, masmuitas vezes não podíamos repetir pois era pouco. A diretora administrava bem aquelaescola. No ano 2000 já havia sido instalado o laboratório de informática, onde passávamosuma boa parte dos horários vagos aprendendo a manusear um pouco o computador. Nesteúltimo ano fizemos uma formatura bem simples, realizada no refeitório da escola. Nãotínhamos muito dinheiro, então fomos nós, alunos, que cuidamos dos preparativos para afesta, enfeitamos o refeitório e servíamos os convidados. A escola nos ajudou na medida dopossível. Enfim saí daquela escola e até hoje me orgulho de ter estudado ali.

A diretora da escola ainda tentou nos ajudar, pedindo vagas nas escolas de nívelmédio mais próximas do bairro, porém todas já estavam lotadas. Meu querido pai teve quese dirigir até a secretaria de educação para ver qual a possibilidade de conseguir uma vagaem uma escola de ensino médio. Eu ainda fui a umas duas escolas, mas acabei mematriculando em uma escola distante da minha casa, perto do centro. Mas já sabia queestudaria ali apenas por um ano.

No ano de 2002 novamente mudei de escola, passei a estudar na escola Rio Branco,onde cursei o 2º e 3º colegial. No 2º ano conheci uma menina da minha turma que fazia partedo projeto Agente Jovem. Ela me disse como era feito o trabalho com a comunidade, eu meinteressei e desde então passei a ser uma Agente Jovem. Deixei de fazer parte do projetoassim que terminei o terceiro ano. Tenho certeza que aprendi muito durante o tempo que aliestive, e sou muito grata por tudo. Foi somente no terceiro bimestre que comecei a meinteressar pelo tão temido vestibular. Nesse período já havia começado a dar aulas paracrianças de 6 a 8 anos na escola dominical de minha igreja, o que me ajudou na escolha docurso, pois me identifiquei com a área. Fiz minha inscrição, apesar de meu pai ter me ditoque seria melhor fazer somente no ano seguinte. Acho que estava com medo de jogardinheiro fora. Não tirei boas notas no último bimestre do colegial, pois estava me dedicandoao vestibular, mas em compensação passei na primeira fase em um dos vestibulares maisconcorridos, pois naquele ano havia sido feita a unificação de duas outras faculdadesparticulares em um mesmo vestibular. Passei a estudar com mais dedicação para a segundafase. Agradeço as aulas do cursinho Pré-vestibular comunitário da igreja de Nossa dasGraças, pois foi ali que tive oportunidade de obter mais informações para fazer a segundafase, porque na primeira havia estudado em casa. O resultado da segunda fase do vestibularjá havia sido divulgado informava o noticiário da TV. Chuviscava naquela manhã, masmesmo assim minha amiga foi pessoalmente me dizer que tanto ela como eu tínhamospassado, e ali na calçada debaixo da chuva nos abraçamos e festejamos a nossa vitória.Meus pais ficaram muito orgulhosos, afinal eu seria a primeira da família a ingressar em umauniversidade. Passado o obstáculo de ingressar em uma universidade pública, não sabia eu

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38 Caminhadas de universitários de origem popular

que ainda teria que passar muitos outros. Meu pai é motorista, portanto não têm condiçõesde bancar meus gastos com livros, fotocópias, transporte, pois sustenta uma casa com novepessoas, sendo que das cinco apenas duas de minhas irmãs trabalham para ajudar a pagar asdívidas. No segundo semestre recorri à assistência estudantil e passei a ser beneficiada como auxilio transporte, mas como o auxílio não era concedido para os seis meses ficava muitasvezes sem tirar cópias para poder continuar freqüentando as aulas para não reprovar porfalta. Mas sabia que as aulas estavam rendendo pouco. Quando ouvi falar do ProgramaConexões de Saberes percebi que era minha chance de poder continuar freqüentando auniversidade, pois já pensava em desistir do curso para poder trabalhar em período integral.Hoje faço parte do Conexões de Saberes, recebo uma bolsa mensal, que com certeza deixameu pai mais sossegado que eu. O programa além de me ajudar financeiramente nos capacitapara ajudar pessoas que assim como eu precisam ter acesso e permanecer dentro de umauniversidade pública. Agradeço a meu fiel amigo Deus, à minha linda família, meus amigos,por todo amor e incentivo e também aos meus queridos professores que contribuíram naminha caminhada.

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Juliana Rocha Monteiro*

Sou Juliana Rocha Monteiro, natural do estado do Ceará, nascida em 31 de julho de1986, solteira, e moro com meus pais. Morei no Ceará até os meus 10 anos de idade e foi láque iniciei minha vida escolar, no Centro Educacional Lírios dos Vales, localizado nobairro João XXIII, bairro no qual eu morava.

Em 1995 eu e minha família chegamos para morar em Porto Velho. O impacto foi grande,tudo era diferente do que eu estava acostumada: o vocábulo, as estruturas das casas (eu nuncatinha visto uma casa de madeira). Em março do mesmo ano iniciei o ano letivo na minha novaescola: Escola Estadual de Ensino Fundamental Prof.ª Flora Calheiros Cotrin, localizada nobairro Esperança da Comunidade, bairro que moro até hoje. Mas não foi tão fácil assim, asdificuldades surgiram logo no início para conseguir uma vaga. A dificuldade se dá pelo fatoda concorrência ser muito grande, pois a escola era a única no bairro para atender também osbairros vizinhos, ou seja, a demanda de alunos era maior que a oferta de vagas. Ingressando naescola não cessaram as dificuldades: enfrentamos problemas como a falta de professores(problema que continua até hoje), não contávamos com recursos pedagógicos e ainda tínhamosprofessores que ministravam duas ou mais disciplinas. Mas apesar de tudo isso, lembro-medos momentos bons vividos na escola, das amizades feitas que muitas delas cultivo até hoje,dos professores sempre atenciosos comigo, afinal sempre fui uma boa aluna! Adorava a minhaescola, todo mundo compartilhava da mesma condição, não tinha o sentimento de superioridadeentre as pessoas, sentimento esse percebido entre os alunos da minha segunda escola: EscolaEstadual de Ensino Fundamental e Médio John Kennedy.

Estudei na Escola Flora Calheiros da 2ª até a 8ª série apenas, pois esta escola nãooferecia o ensino médio.

Em 2002 tive que me transferir para a Escola John Kennedy, a opção por essa escola foipor ela ser a única que oferece o ensino médio pela manhã, o que me possibilitaria fazer cursono Centro do Menor Salesiano, instituição que oferece cursos profissionalizantes para alunosde comunidades populares, proporcionando uma formação profissional, religiosa e social.

Durante todo o ano de 2002 o meu tempo era dividido entre a escola e o Centro doMenor, neste ano estava cursando o 1º ano do ensino médio, e já começava a minha antipatiapela escola, antipatia essa que durou ao longo dos três anos que estudei no John Kennedy.

No ano de 2003 estava no 2º ano e através do Centro do Menor consegui um estágionas Centrais Elétricas de Rondônia - CERON, onde fiquei estagiando durante um ano equatro meses. Era escola de manhã e trabalho à tarde, essa era a divisão do meu tempo, mais

Trajetória escolar de aluno de origem popular

* Graduanda em Ciências Sociais pela UNIR.

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que divisão era a minha motivação, mais o trabalho do que a escola, confesso. Afinal viviexperiências maravilhosas, marcantes eu diria, marcas que me acompanharão pelo resto daminha vida, pois são experiências profissionais, vivências emocionais, amigos inesquecíveise lembranças que não poderão ser apagadas.

Mas irei voltar a relatar a minha trajetória escolar, que é o fio condutor desse ensaio:eis que chega 2004, o ano da decisão. Estava no 3º ano e com ele vinha o temido vestibulare a difícil decisão pela escolha do curso, essa decisão torna-se mais difícil quando não sepode optar pelo curso tão sonhado, como é o meu caso. Desde pequena desejei cursarJornalismo, mas como o campus de Porto-Velho não oferecia o curso e não teria condiçõesfinanceiras de me manter numa instituição privada, o sonho foi adiado. Tive que optar poroutro curso já que não pretendia deixar de ingressar no ensino superior. Como desejavaentrar na UNIR teria que escolher entre os cursos que ela oferecia no turno da noite, isso mepossibilitaria estudar e trabalhar. Entre as ofertas da UNIR (Administração, Economia, Direito,Contábeis) nenhuma me interessava. Foi quando próximo às inscrições um amigo me disseque iria “abrir” um novo curso na UNIR, em 2004 seria o 1° vestibular para o curso deCiências Sociais. Foi por falta de opção, por ser novo e os outros cursos não me interessaremque decidi prestar vestibular para Ciências Sociais.

Depois das duas etapas do vestibular, consegui ser aprovada. Em 2005 iniciei nauniversidade Federal de Rondônia, na primeira semana de aula não me faltou vontade dedesistir, só não fiz isso porque não sou de desistir fácil.

Nos primeiros dias de adaptação foi complicado, cada professor que entrava dava umnó na minha cabeça, tive dificuldades de assimilar os conteúdos, não tive base que mefortalecesse para entrar na universidade. Apesar das dificuldades, continuo firme no curso eestou participando do Programa Conexões de Saberes, que está proporcionando para mim,estudante de origem popular e para os demais bolsistas, uma oportunidade de permanênciana universidade para que possamos concluir a graduação com uma maior qualificação, paranos tornarmos protagonistas da nossa própria história, e atuantes em nosso espaço de origem.Hoje estou no 4° período de Ciências Sociais e posso dizer com certeza que amo o que façoe a cada dia sinto-me realizada.

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Leandro Corrêia*

A família

Uma família simples, tradicionalista e rural. Assim era a minha família que com opassar do tempo e das transformações da sociedade foi se remodelando de acordo com asnecessidades que encontraram.

Meu pai, Leucir Antônio Correia, sempre foi o patriarca da casa. Barriga-Verde eagricultor por natureza, veio de uma família humilde e teve apenas a 4a série do ensinofundamental. Minha mãe, Lenir Bernardes da Silva Correia, filha de um pernambucanocom uma mineira, e nascida no Paraná, sempre trabalhou na roça, e estudou até a 2a série,também do ensino fundamental. Eles se casaram em 1978 e tiveram três filhos: aprimogênita Liliane, nascida em 1979; eu, nascido em 1982 e a caçula Letícia, quenasceu dois anos depois de mim. Todos os três filhos nasceram no mesmo local, o hospitalBom Jesus em Toledo-PR.

Em busca de uma vida melhor, no final de 1984, saímos do Paraná em direção ao nortedo Brasil. A nossa meta sempre foi ir para o estado de Rondônia, um lugar novo, cheio deoportunidade e muita terra para quem quer trabalhar, assim pensávamos. Durante a viagem,chegamos a morar em dois Estados provisoriamente, no Mato Grosso morando na cidade deRondonópolis, e no Amazonas morando na cidade de Humaitá. Quando chegamos a Rondôniafomos morar primeiro na cidade de Vilhena, no sul do estado, depois migramos para acidade de Espigão do Oeste, e finalmente nos estabilizamos na capital Porto Velho.

A vida não é fácil, principalmente para as pessoas humildes. Ao chegarmos a Porto Velho,meu pai não conseguia emprego em lugar algum, pois além de ter uma escolaridade baixa, ele sósabia dirigir e trabalhar na roça, um currículo nada invejável. Mas meu pai sempre foi um homemotimista e persistente, e nessas condições ele tinha que ser mais ainda. Depois de muita peleja,ele reencontrou um amigo que também veio do Paraná e já estava morando em Porto Velho umbom tempo. Ele trabalhava com conserto de eletrodomésticos e chamou meu pai para trabalharcom ele. Com o passar do tempo meu pai já sabia o ofício tanto quanto ele ou até melhor, entãodecidiu trabalhar por conta própria, não em um lugar fixo, mas como um consertador deeletrodomésticos ambulante, onde saia de casa em casa perguntando, ou gritando na rua semprea mesma frase: “Consertam-se eletrodomésticos: fogão, geladeira, ferro, ventilador etc...”. Comesforço e economizando, conseguimos comprar uma casa de madeira no bairro Ulisses Guimarães,um dos lugares mais afastado do centro da cidade, periferia da periferia.

Caminhada rumo a universidade

* Graduando em Educação Física pela UNIR.

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Hoje os filhos cresceram, minhas irmãs trabalham como vendedoras em uma loja deroupas, minha mãe trabalha como zeladora de uma loja de eletrodomésticos, meu pai trocoua casa que tínhamos por um sítio onde trabalha e passa a maior parte do seu tempo, e eu,antes de estar no Conexões, fazia alguns bicos como dar aulas de reforço para ajudar nasdespezas do meu curso.

A minha família é a base do meu caráter e da minha personalidade. Sempre me ensinaramna prática a ser perseverante, otimista e humilde, fazendo com que eu acreditasse em mim enas coisas que posso fazer.

A escola

Quando comecei a estudar, no ano de 1991, já sabia ler e escrever, minha irmã Lilianejá havia me ensinado e por isso não tive nenhuma dificuldade.

A primeira escola que estudei, era no bairro vizinho, pois, não tinha vaga na escola dobairro onde morávamos. Era uma caminhada de meia hora, mas a distância não me incomodava,a euforia de estar indo finalmente para a escola era maior. Essa escola se chama Marcos de BarrosFreire, e fiquei estudando nela até 4a série do ensino fundamental. Sempre fui um dos melhoresda sala, principalmente na disciplina de Matemática. Nessa escola havia um momento que unsgostavam e outros odiavam, era a hora cívica, aonde no início da aula todos iam para o pátioatear a bandeira e cantar o hino Nacional e o de Rondônia. Eu era um dos que gostavam.

Na 5a série, meu pai conseguiu me matricular na escola Jorge Teixeira de Oliveira, quefica no bairro onde moramos. Nela permaneci até a conclusão do ensino fundamental. Elanão era tão diferente da outra, a não ser pela distância, é claro! Quando estava na 7a série,comecei a freqüentar a PJ (Pastoral da Juventude), um grupo de jovens da comunidade daqual eu participo, a comunidade São Francisco de Assis. A PJ me ajudou bastante,principalmente em não me envolver com a marginalização e as drogas, realidade vivida esentida pelas pessoas do bairro onde moro. Hoje, a maioria dos meus amigos de infânciaestão presos no Urso Branco ou estão mortos.

Em 1998 concluí o ensino fundamental, me lembro que foi a maior alegria, sabendoque ia para um outro nível o ensino médio, a expectativa foi grande.

No ensino médio fui estudar, graças ao esforço do meu pai, na escola pública de maiorprestígio do Estado na época, a escola Rio Branco. Nela havia ar-condicionado, televisores,videocassetes e até interfones em todas as salas, o quadro profissional também era melhor doque as outras escolas que eu já tinha estudado. Mas foi nesse ambiente que eu tive o meu piordesempenho escolar. As pessoas também eram diferentes, metidas e orgulhosas, uma classecom a qual não estava acostumado a lidar. Essa escola fica no centro da cidade, eu tinha quepegar ônibus e demorava em média uma hora a viagem, esse também foi um problema, pois,nessa época só meu pai estava trabalhando e algumas vezes não tinha dinheiro para a passageme muito menos para comprar os materiais que os professores pediam, assim acabei medesestimulando e reprovando pela primeira vez, no 3º ano do ensino médio. Voltei a estudarno ano seguinte na escola Marcos de Barros Freire, aquela mesma que iniciei os meus estudos,passando com êxito desta vez.

Os amigos

Os meus amigos tiveram uma contribuição significativa em minha vida, sempre meajudando quando precisei.

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Tive vários amigos nesses vinte e quatro anos de vida. Uns passaram como umafoguete, outros permaneceram um bom tempo depois se foram e, ainda tem aqueles queestão no meu dia a dia.

Dos amigos que passaram por mim e se foram, vale salientar um dos muitos motivos quehoje eles não estão presentes, a marginalidade. Essa é uma realidade comum nas periferias dePorto Velho, e que infelizmente, as autoridades competentes fecham os olhos para os fatos.

Os que eu posso chamar de melhores amigos são os que até hoje permanecem emminha vida, de uma forma ou de outra, sempre me dando apoio nos momentos difíceis eacreditando em mim.

Nós não podemos nos isolar, precisamos de pessoas ao nosso lado para nos incentivar eajudar percorre esse caminho cheio de obstáculos. Existe um ditado que diz: “Quem caminhasozinho pode até chegar mais rápido, mas quem vai acompanhado, com certeza vai mais longe”.

O caminho do vestibular

Depois que terminei o ensino médio, o foco das minhas atenções se voltou para ovestibular. Por intermédio de um amigo, fiquei sabendo da inscrição de um pré-vestibularcomunitário chamado Amigos, da Paróquia Nossa Senhora das Graças, o primeiro pré-vestibular comunitário do Estado. Apesar do pré-vestibular ser de graça, havia um custocom o transporte e material de estudo, mas nada que impedisse de estudar e estudar bempara o vestibular.

Fiz minha inscrição do vestibular com a ajuda de uma rifa que o próprio cursinhorealizou em prol dos alunos, me escrevendo assim para o curso de Medicina no ano de 2003.

No dia da prova objetiva estava doente, mas mesmo assim fui fazê-la e quando saí dasala já tinha certeza de não ter passado. Não desisti, só fiquei um pouco decepcionado, mascom o apoio e incentivo que recebi das pessoas que passaram fiquei mais animado e comeceide novo. Fiz mais uma vez o pré-vestibular comunitário e ainda formei junto com algunsamigos um grupo de estudos. Desta vez me dediquei mais, fiz simulado, assistir fitas devídeo-documentário, perdi sono e tudo mais.

Então, no ano de 2004 fiz outra vez a inscrição para o vestibular, desta vez para ocurso de Educação Física e no dia 23 de dezembro de mesmo ano, recebi a notícia que tinhapassado. Agora era um universitário.

A Universidade

No primeiro semestre de 2005 comecei a estudar, e é claro que ainda estava naquelemomento onde tudo é alegria, tudo é festa. Mas logo me deparei com a realidade. O custopara se manter na universidade, apesar de ser federal, é alto. A estrutura da universidadetambém me decepcionou muito, falta de livros, material para o próprio curso, alimentaçãoruim e cara, até local para estudar com calma é difícil encontrar. Outro fator que me desagradoufoi a falta de interesse dos alunos em querer mudar essa situação, um conformismo absurdo.

Neste período, no bairro onde moro, eu e alguns amigos começamos a nos encontrarpara falar das nossas dificuldades e experiências na universidade, e com o passar do tempo,vimos que poderíamos estar desempenhando alguma ação para o nosso próprio bairroenquanto universitários. Deste anseio nasceu o grupo U N A – universitários em ação, queé um grupo de universitários que trabalha o lado social da própria comunidade. A primeiraação do U N A foi a criação de um pré-vestibular comunitário.

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Em meados do ano de 2006, o Programa Conexões de Saberes chegou a UNIR, e caiucomo uma luva para muita gente, inclusive para mim. Além de receber uma bolsa para ajudade custo na universidade e fortalecer o conhecimento, o bolsista ainda desenvolve trabalhossociais, se encaixando com o projeto que já participo. O sonho continua!

Meu nome é Leandro Correia, tenho 24 anos, moro no bairro Ulisses Guimarães,periferia da cidade de Porto Velho, faço o 5° período de Educação Física na UniversidadeFederal de Rondônia – UNIR, participo da pastoral da juventude da Arquidiocese de PortoVelho, faço parte da Comissão Justiça e Paz – CJP, sou membro fundador do grupo U N A esou bolsista do Programa Conexões de Saberes.

Agradeço primeiramente a Deus, pela oportunidade de estar escrevendo este pequenorelato, e a todos que me ajudaram em sua composição, seja, participando dos fatos relatadosou me ajudando na sua elaboração escrita.

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Luciana Colares da Silva*

Antes de começar a lhe dizer a história da minha vida, vou lhes apresentar algumaspessoas que são importantes, que marcaram minha vida, que não posso deixar de lembrar!!!!!!

Durante anos tive uma vida tranqüila, meus avós paternos me amavam, meus tios cuidavamde mim, por falar nisso vou lhe dizer os nomes destas pessoas que são muito importantes pra mim:

Meu avô e também meu ídolo se chamava Francisco Ismael da Silva, aprendi a amá-loe até hoje sinto saudades suas, sempre que lembro dele começo a chorar, pois foi um avôextraordinário ao qual devo meu respeito, o meu caráter e a minha vida;

Minha avó Francisca Cila de Sousa Silva cuidou e mim assim que voltei da maternidade,e me acostumei a chamá-la de MÃE. Em meu relato irei usar este substantivo para designá-la. Ela também é muito especial pra mim, me deu muito apoio quando ingressei nauniversidade. Hoje ela tem 66 anos, esbanja vitalidade, gosta de sorrir e é a pessoa maisimportante da minha vida no momento; e...

Tem também meus tios paternos: o mais velho que se chama Antônio Luciano de SousaSilva é uma pessoa muito “gente fina”, quando precisei sempre me deu apoio; tem também omeu tio Jose Audisio de Sousa Silva, ele me chama de Colares, e sempre diz que queria que eufosse a filha dele, e diz uma frase mais ou menos assim: “Essa Colares!!!! Quando ela chegoulá em casa em uma caixinha de sapato, sabia que seria uma pessoa especial”; Tenho outro tioque se chama Jose Tarso de Sousa Silva, ele é uma pessoa muito engraçada, gosta de chamara atenção e tem outras inúmeras qualidades; e por último o meu tio Francisco, ele tem inúmerasqualidades, e também muitos defeitos, mas tenho um enorme carinho e gratidão por ele,minha mãe costuma dizer que ele me carregava no colo todo o tempo até os 5 anos. E ainda...meus irmãos: o Junior e o Joás .

Minha trajetória se resume aqui!!!!!

Relatarei a minha história começando pelo relacionamento dos meus pais, mostrandoassim a minha luta pela vida desde o ventre da minha mãe. Chamo-me Luciana Colares daSilva, tenho 19 anos, nasci em Rondônia, meu pai biológico chama-se Jose de Sousa Silvae minha mãe biológica chama-se Orfa Colares.

Meus pais não tinham a intenção de me querer naquele momento, começaram a errarlogo que houve a relação sem prevenção. Logo foi inútil a minha chegada, minha mãebiológica tentou acabar com a evolução do meu crescimento interrompendo a gravidezcom remédios, chás de todos os tipos, por não saber como assumir a responsabilidade.

Minha caminhada

* Graduanda em Educação Física pela UNIR.

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Tentava fugir e só encontrou uma saída: “me abortar”. Meu pai não se interessava, se eu irianascer ou se iria morrer, pra ele tudo acabaria da mesma forma. Mas meu avô paterno disseque não deixaria que isto acontecesse, e que se fosse preciso cuidaria de mim. Ele cumpriusua palavra e assim começou minha história de vida.

Meu pai biológico tem 3 filhos e se casou com uma pessoa de coração enorme emrelação a qual tenho enorme carinho e respeito. Minha mãe biológica tem também 3 filhase é uma pessoa amarga, por ter uma vida conturbada e problemática. Não tenho nenhumrelacionamento com eles, são dois estranhos comigo.

Aos 3 anos comecei minha vida escolar entrando no jardim de infância em uma escolaparticular. Morava também em um bairro melhor estruturado do que o que estou hoje, masnão durou muito tempo. Tive que sair, pois começaram a surgir muitos problemaseconômicos, então fui para uma escola comunitária perto da minha casa, onde estudei até a3ª série. Nesta escola conheci muitas pessoas das quais lembro até hoje, porém os problemascontinuaram aumentando.

Meu avô ficou muito doente e tivemos que vender a casa, foi necessário comprar outraem um bairro na periferia da capital e lá fui criada dos 4 anos até os dias atuais. Minhainfância foi repleta de fatos tristes, mas também de fatos alegres. Brinquei muito com aminha amiga Walkyria que é também bolsista do CONEXÕES, éramos da igreja e sempretivemos uma harmonia e uma cumplicidade muito grande, apesar de nossas diferenças.

Em 8 de julho de 1998 meu avô, por quem eu tinha um eterno carinho, faleceu devido ainúmeras doenças que ao decorrer de sua vida adquirira. Todas as pessoas em minha casa sentiramo óbito do meu avô, principalmente eu, minha mãe, minha prima e o meu tio. Neste momentocomeçou a verdadeira dificuldade, pois não contávamos com isto. Logo que ocorreu este fatotudo se complicou, eu não tinha mais ajuda financeira pra continuar os meus estudos, minhamãe na época tinha 58 anos, ela não trabalhava e nem era aposentada. Meu tio não trabalhava eminha prima ainda tinha ajuda do pai dela; começava o tempo das “vacas raquíticas”. Quandoaconteceu isso meu pensamento era de largar os estudos e começar a trabalhar para ajudar nasdespesas da casa, mas isso não aconteceu devido à minha força de vontade e da minha mãe.

Ao entrar em 1997, na Escola Estadual João Bento da Costa percebi que alipermaneceria por muito tempo. Lá fiz diversas amizades, com as quais tenho contato atéhoje, algumas amigas marcaram muito minha vida como a Edna, a Tânia, a Sabrina, aRamalha e a Laudiléia; esta foi a que mais me incentivou, afirmando que eu tinha capacidadee que por mais que viessem os contratempos, eu sairia vitoriosa. Alguns professores nãoconfiavam na minha capacidade e nem me davam apoio, por eu ser extrovertida. Mas emnenhum momento negaram ajuda, sempre que pedia explicação eles me ajudavam, e osfuncionários da escola e todos as pessoas que conviviam comigo gostavam de mim. Mas,quando recebi o resultado do vestibular, pude olhá-los e dizer: “CONSEGUI”. Nessa escolafoi implantado um programa de curso pré-vestibular junto ao 3º ano do ensino médio, como objetivo de promover um grande fluxo de estudantes de escola pública à UniversidadeFederal de Rondônia. No ano de 2004 estudei e resolvi prestar o vestibular para EducaçãoFísica e tive a oportunidade de ingressar nesta universidade, é lá onde estou aprendendo evivendo minha vida acadêmica.

Quando ingressei na UNIR, me deparei com diversos problemas, pois ao querer estudarnão imaginava que teria tantos custos. Minha mãe disse que tentaria me ajudar no que elapudesse, mas sua ajuda não adiantava muito.

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Minha vida acadêmica começou a sair dos meus planos, não havia muitas chances decontinuar com o curso, minha chance era conseguir um estágio remunerado, mas não tivemuita sorte. Em um belo dia quando estava passando pelo corredor da universidade olheipara o mural e vi um informativo onde dizia que abriria vagas para ser bolsista de umPrograma com o nome Conexões de Saberes, e a seleção seria feita através da Coordenaçãode Extensão e seriam levadas em consideração as condições sociais e financeiras doscandidatos. Eu achei que ali estaria minha salvação, e fui atrás de saber como seria essaseleção e quando sairia o resultado. Respondi um enorme questionário sócio-econômicoonde perguntavam tudo sobre mim, o que eu fazia até o momento da entrevista. Esperei osdias necessários para conhecer o resultado, que classificaria para uma entrevista com oscoordenadores do programa. Logo recebi a notícia de que tinha sido escolhida pra serbolsista e até hoje agradeço a DEUS por tudo o que aconteceu na minha vida, e o programaque me proporcionou um maior tempo na universidade, e a tentar com pesquisas ajudar aspessoas que passam pelas mesmas dificuldades que estava passando.

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Lucinéia Miranda Sanches*

Agradecimentos

Agradeço ao professor Jailson por ter dado início a este trabalho tão bonito, o ProgramaCONEXÕES DE SABERES, e assim dar a oportunidade de tornar pública, minha e demuitos outros, nossa trajetória de vida até chegar à universidade, sem o mesmo, seriacomplicado ser realizado. Ao meu esposo que me tem dado força nas horas mais difíceis eaos meus filhos pela compreensão. Também a minha mãe, irmãos, cunhados e sobrinhos,que torcem por mim.

Minha família

Lucinéia Miranda Sanches é o meu nome, vim para este mundo aos 21 dias do mês demaio de 1967, no pequeno patrimônio de Marabá, distrito de Tuneiras do Oeste, no estado doParaná. Meu pai, Antônio Nunes Miranda (já falecido) lavrador, filho de mãe solteira, foicriado com parentes. Nunca freqüentou escola como aluno, indo somente como ouvinteporque seus tios não o matricularam por ruindade mesmo, contudo, tinha ele que levar osprimos até a escola, por não poder entrar, assistia as aulas pela janela, e quando chegava emcasa ainda ensinava aos primos a matéria dada na aula que eles não conseguiram entender.

E assim, aprendeu a ler e escrever muito bem, pois, até nos auxiliava nas tarefas de casa.Minha mãe, Anita Leite da Silva, veio de uma família muito pobre e numerosa, teve 22 irmãos, massó restaram 11, o índice de mortalidade era muito grande. Ela, foi à escola poucas vezes e por issolê com muita dificuldade. Dessa união, nasceram 8 filhos, respectivamente: Maria Aparecida (Tiu),Maria Helena (Nena), Noêmia (Queva), Aparecida Izabel (Neném), Arlindo (Lindo), (eu)Lucinéia(Néia), Maria José (Bida) e Aparecido o caçula que faleceu aos nove anos vítima de leucemia.Dentre os sete irmãos somente eu estou cursando ensino superior, os demais, não pretendem.

Minha história

Recordo com muita saudade minha infância, apesar de muita pobreza, na face de meupapai e de minha mamãe sempre havia um sorriso amigo... o violão estava sempre presente...a canção não faltava, as crianças ao seu redor brincavam... dormíamos em quatro numa camade casal, mas éramos muito felizes. Posso dizer, não tive vida farta de regalias, mas, tive obeijo e o abraço carinhoso de meus pais, isso, não tem dinheiro no mundo que pague. Hoje,meu pai já se foi deste mundo, mas, o mesmo violão ainda existe e somente eu, de meus

Estudar na federal?

Porque não!!! Basta querer e acreditar

* Graduanda em Letras - Espanhol pela UNIR.

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irmãos, herdei dele o gosto por música que além do violão, gosto também de órgão. Meustrês filhos também são músicos. E assim, sou muito feliz e com vontade de lutar por maisdifícil que a vida pareça ser.

Comecei a estudar aos seis anos, em 1973, na Escola Municipal Machado de Assis, emMarabá - PR. Lembro-me, do primeiro dia de aula, ansiosa e preparada com lápis e caderno dentrode uma bolsa de tecido azul celeste que minha irmã Nena fez, pintou um detalhe meio borrado porser o primeiro que tinha feito, e lá estava eu, pronta pra estudar. A escola tinha poucas salas, e aminha era de madeira e de assoalho, e quando andávamos fazia barulho. Na segunda série já liamuito bem. A professora dava cartões com textos e fazia a gente ir à frente da sala ler, eu ia, commuita vergonha, mas lia bonitinho, e ficava com pena daqueles que não conseguiam ler.

Faltei muitas vezes as aulas, a necessidade fazia com que meus pais nos levassem paratrabalhar na época da colheita de algodão e demais colheitas. Era muito sofrido, pois agente saía de casa as 4 horas da manhã e só voltávamos às 8 horas da noite naquele frioterrível e em cima de um caminhão que nem sequer tinha cobertura de proteção.

Quando chegávamos no local da colheita, estava tudo molhado de orvalho, mesmoassim, tínhamos que colher, pois era pago por quilo e estando molhado pesava mais. Nahora do almoço, a comida estava gelada, pois, havia sido preparada às 3 horas da manhã, noentanto, éramos conhecidos como “bóias frias”.

Concluí a 4a série em 1977, sem nunca ter reprovado, minha mãe não me deixoucontinuar os estudos. Mas o meu sonho era ser professora.

Minha cidade era composta de duas vendas, a do Milton, a do Sebastião Tiviroli, e algunsbares como o do Francisco Simplício, e o bar do Mané Palito que ficava perto da rodoviária, umafarmácia, um postinho de saúde, uma escola, dois campos de futebol e um bazar.

Aos 10 anos, comecei a trabalhar como babá, aos 14, de doméstica na casa da Mariadas Graças Tiviroli (Gracinha), diretora da escola em que eu estudei, uma pessoa muitolegal (já aposentada) que ainda reside em Marabá. Ela (Gracinha) me ofereceu uma sala deaula para eu lecionar, mas para isso tinha que voltar a estudar. Falei com minha mãe, mas elanão deixou, porque as aulas eram a noite e por eu estar namorando (ela tinha muito ciúmedas filhas). Chorei muito. Uma amiga até ofereceu os livros para que eu não precisassecomprar, mesmo assim não teve jeito perdi essa oportunidade, não por mim, mas por ter queobedecer minha mãe.

Casei aos 17 anos, (com meu primeiro namorado) aos 18, tive meu primeiro filho,Marcos, (hoje com 21 anos, é Cabo no Exército) aos 20, tive minha filha Marcela (hoje com19 anos) linda...

Nesse intervalo de tempo tentei fazer curso supletivo, mas por morar ainda nessepatrimônio e ter que me deslocar para a cidade de Cianorte, desisti. Mudamos para Tapejara,cidade que fica a 12 km de Marabá, no dia 3 de janeiro de 1991. Passamos por muitasdificuldades. Comecei a vender roupa (sacoleira) para ajudar nas despesas de casa e por issonão podia estudar, foram dez anos de luta.

Em 1994, tive o terceiro filho, Lucas Samuel (12 anos). Nessa época já tinha cursosupletivo próximo, assim, comecei a estudar no CEEBJA, (Centro de Estudo Básico paraJovens e Adulto) que era de 5a á 8a série, em seguida, eu e meu esposo, concluímos osegundo grau, com direito a coquetel e tudo, teve aquela de entrar na passarela e fotos emais fotos. Comecei a fazer um curso de magistério à distância em 1999, no colégio JoãoBagosi de Curitiba-PR, pois afinal eu queria ser professora ora!

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50 Caminhadas de universitários de origem popular

No início do curso, consegui um estágio pelo CCEE, de manhã, auxiliava os professoresdas quartas séries, gostava muito de trabalhar com aquelas crianças desinteressadas. Umdeles, chamava Geovani, nunca fazia nada em sala de aula, a professora regente gritavamuito com ele e constantemente chamava sua atenção. Comecei a trabalhar diferente comele, elogiava-o. Pra resumir, Geovani ficou tão dedicado que fazia as atividades primeiroque os demais. Isso chamou a atenção até da diretoria da escola.

A tarde eu era regente de uma sala de pré-escolar. Mas, eu não tinha ainda sequer,aprendido a preparar aula, não sabia por onde começar e muito menos por onde terminar.Auxiliar é uma coisa, ser regente, é totalmente diferente.

As crianças eram muito bagunceiras, eu não sabia como controlá-las. O diretor dessaEscola, nunca procurou me ajudar, mas, me criticava muito, o que causou a revolta demuitos outros diretores, que solicitaram uma professora para me ajudar. Depois desseacontecimento, a vontade de ser professora acabou.(aparentemente)

Quando tinha dois meses que estava trabalhando nesse tormento, surgiu a oportunidadede vir morar aqui em Porto Velho. Meu esposo recebeu um convite para prestar serviços paraas lojas móveis Gazin, tivemos que vir para cá, o mais rápido possível. E colocamos nossamudança em um caminhão e partimos.

Sentimos muita diferença com a forma como os moradores daqui falavam. Quandochegamos, fomos para a casa de uns amigos e lá havia alguns jovens. Começaram a conversarfalando algumas palavras que não entendíamos, e por saber que não estávamos entendendoquase nada do que estavam falando, diziam que tínhamos que tomar cuidado pois, tinhauns “carapanãs” que eram acostumados a carregar a gente enquanto dormíamos. Ficávamospensando: o que seria “carapanã”? Depois, descobrimos que “carapanã” era o que em minhaterra conhecemos por “pernilongo”.

Depois fomos conhecer a famosa cachoeira do Teotônio, uma bela obra de arte danatureza. Vimos “boto cor de rosa”, andamos de barco no Rio Madeira e sempre com medoda sucuri e do jacaré porque aqui não é lenda, é realidade.

O vestibular

Em 2002, me inscrevi no vestibular na Universidade Federal de Rondônia –UNIR- nocurso de Letras Português, mas não passei, em 2003 tentei para o curso de Ciências Contábeisna UNIR e na UNIRON, (queria fugir de ser professora). Passei na UNIRON, mas era particular.Para pagar meus estudos, comecei a trabalhar na loja Casa das Malhas como vendedora.Felizmente não me identifiquei com o curso, estava na sala de Contábeis, mas minha vontadeera estar na sala ao lado, Letras. Sempre me vinha à mente aquele rostinho tão feliz doGeovani (aquele desinteressado da quarta série), fazendo as atividades que eu sugeria, issoera muito gratificante para mim. Eu disse à professora de Contábeis que iria desistir do cursopor não estar me identificando com o mesmo, ela me disse que eu estava no curso erradoporque o meu perfil era pra Letras. Então... em 2004 tentei novamente, mas agora paraLetras Espanhol, já havia prestado vestibular duas vezes na Universidade Federal deRondônia e não tinha conseguido. Passei na primeira fase. Nessa época eu ainda estavatrabalhando na loja. Se aproximava a segunda fase do vestibular. Uma amiga da loja meinformou que na Escola Padre Moretti estava acontecendo curso pré-vestibular gratuito.Então fomos imediatamente procurar a escola para assistir algumas aulas porque só faltavamduas semanas para a tão temida redação do vestibular. Na primeira semana, só teve aula dois

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dias, os professores faltaram, na segunda só pude assistir uma aula, pois trabalhei até maistarde porque era final de ano e a loja estava muito movimentada. Posso dizer que se nãotivesse assistido aquelas três aulas de História de Rondônia, não teria conseguido desenvolveras redações porque a professora trabalhou justamente as questões que caíram na prova.

Saiu a lista dos aprovados e meu nome não estava lá, infelizmente não passei de novo,lamentei e já estava preparada o psicológicamente para tentar novamente. Até que um certodia... minha filha estava fazendo um curso de informática e navegando na internet, viu queno curso em que eu havia me inscrito já estava sendo feita a quinta chamada. Fui na UNIRcentro para saber qual era minha classificação. Eram 20 vagas e eu havia ficado em 26ºlugar, liguei para a secretaria e alguém me disse que era a minha vez e que eu já podia fazera matrícula.

Oh! Como eu fiquei feliz, pois consegui uma vaga na Universidade Federal de RondôniaUNIR, onde tantos gostariam de estar e não conseguem. Hoje aos 39 anos estou no 6ºperíodo e muito feliz por esta grande conquista apesar de ter encontrado dificuldades parame manter estudando.

Assim que ingressei na Universidade, meu marido ficou desempregado e muitasdificuldades vieram, pensei até em desistir. Então comecei a pensar o que fazer para nãoabandonar o curso que consegui com tanto esforço. Comecei a fazer iogurte embalado emforma de geladinho e vender na hora do intervalo. E graças á Deus teve boa aceitação pelosuniversitários e isso tem garantido a mim e minha filha Marcela, que tem 19 anos, cursar o4º período de Enfermagem também na UNIR.

O conexões

Quanto ao Conexões, lí a divulgação no mural que tinha vaga para trabalhar no projeto.Interessei-me a princípio, mas não fui me inscrever porque tinha que disponibilizar vintehoras semanais e como eu tenho que cuidar da casa e levar almoço pra minha filha, não davapra mim, pois a bolsa era de R$300,00 e vendendo iogurte ganho um pouquinho mais.

Mesmo assim fui assistir as reuniões. Entrei como colaboradora. Comecei a perceberque dava pra conciliar meus estudos, minha casa, meus iogurtes e o Conexões. Atualmentesou bolsista do programa.

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52 Caminhadas de universitários de origem popular

Luiz Gonzaga Junior*

O dia da minha matrícula na Universidade trouxe a lembrança de alguns momentos naminha vida.

Lembrei-me dos meus pais incentivando a todos (somos em quatro irmãos) a estudar,pois dificilmente seria possível ingressar em uma particular, já que as condições financeirasnão eram favoráveis.

Desde o início nos foi “encucado” a estudar nas horas vagas, pesquisar nas bibliotecas,para que tivéssemos maiores chances no vestibular.

Minha avó Marcelina trabalhava em uma feira no estado do Maranhão, local deonde quase todos meus familiares vieram. Não tinha condições de manter seus novefilhos em escolas, mesmo que públicas, pois naquela época não haviam tantas escolasrurais, assim sendo, quando vieram pra Rondônia meu pai e seu irmão disseram quecomeçaram a trabalhar muito cedo e tiveram que parar de estudar, mas nós não sabíamoso real motivo. Certo dia, minha tia Sônia nos contou que era muito grata a dois de seusirmãos, que tomaram uma decisão que a ajudou e muito. Como ela era a mais velha,minha avó tinha decidido que ela pararia de estudar pra poder ajudar em casa. Os dois,vendo as condições da época (pobre, mulher e negra) decidiram parar de estudar paraque as expectativas de vida de minha tia aumentassem. Ao contar isso, eu passei aentender o porque meu pai falava que enquanto pudéssemos estudar, nós estudaríamos.E passei a me empenhar ainda mais para chegar onde meu pai não pôde.

Em 1989 começa minha trajetória escolar na E.M.E.F. Padre Ezequiel Ramim,em Alta Floresta, lá permaneci durante dois anos, em 1992 nos mudamos paraAriquemes, local onde residem meus pais e irmãos. No mesmo ano, comecei a estudarna E.E.E.F. Migrantes, terminado o ensino fundamental em 1998 fui transferido deescola para poder concluir o ensino médio na E.E.E.F.M. Heitor Villa-Lobos, ondepermaneceria por dois anos. Depois disso, já em Porto Velho, estudei na E.E.E.F.M.Castelo Branco e por problemas de saúde, tive que ficar dois anos sem estudar, voltandoem 2003 na E.E.E.F.M. São Luiz. Pelo fato de ter ficado esse tempo fora da sala deaula, decidi que voltaria fazendo supletivo e em agosto do mesmo ano terminei oensino médio.

No ano seguinte fazia minha primeira tentativa no vestibular, ao qual infelizmentenão fui bem sucedido, mas isso não fez com que eu desanimasse, no ano seguinte estavanovamente concorrendo a uma vaga e dessa vez tinha me preparado melhor.

Muito mais que um sonho

* Graduando em Espanhol pela UNIR.

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Dias e noites estudando, as vezes só, outras com ajuda de amigos, ou mesmo emcursinho comunitário (Pré Vestibular da Paróquia Nossa Senhora do Amparo), serviram parareforçar tudo o que eu aprendi no ensino fundamental e médio.

Estava chegando a hora, e eu estava realizando um sonho, que já não era só meu,mas também dos meus pais, que por outros motivos não puderam ingressar quando maisnovos. Ainda ouvia a voz de alguns professores dizendo que ainda me viriam por aqui eao mesmo tempo, muito longe, a lembrança daqueles que achavam que isso fosse ficarsomente na vontade, que seria mais um sonho frustrado. A alegria que senti era muitoalém do que a expressada.

Hoje dentro da Universidade, faço parte de um projeto que ajuda alunos, que assimcomo eu, tiveram dificuldades para ingressar e nos prepara também para ajudar formar

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54 Caminhadas de universitários de origem popular

Marilene Pinheiro Craveiro*

No dia 27 de dezembro de 1985 nasce a filha de Luzia Monteiro Pinheiro, uma dona decasa, e de Manoel de Sousa Craveiro, um padeiro. Irmã de Ismael Pinheiro, o caçula e LucilenePinheiro, a mais velha e eu Marilene a do meio com apenas dois anos de diferença de cada um.

Tive uma infância muito boa, fiz tudo que uma criança faria, e sempre tive tudo que umacriança queria apesar dos esforços dos meus pais, era uma criança pobre, mas nunca me faltou nada.

Comecei minha trajetória escolar aos quatro anos de idade estudando na escolaPinóquio. Era uma escola particular e ficava perto do trabalho da minha mãe, euparticularmente adorava, depois da aula ela me levava para passar o resto da tarde com ela,e na escola sempre fui uma aluna muito quieta e calada, e sempre sofri com isso, com adanada timidez. Mas, apesar de tudo, sempre fui uma ótima aluna, dedicada e atenciosa.

Apesar dos esquecimentos de minha mãe, que ocorriam raras vezes, segundo ela, eugostava. Quando ela não podia ir me buscar sempre mandava alguém no seu lugar. Muitasvezes minha tia que também tinha um filho que estudava lá e, além disso, era nossa vizinha,mas eu não gostava quando ela ia, porque ia passar o resto da tarde em casa, e nãoacompanhada da minha mãe como eu queria.

Isso tudo durou apenas um ano. Estudei lá apenas o jardim I. Durante essa mudança aconteceuà separação do meu pai com a minha mãe. Minha mãe sofria muito com meu pai, ela nunca deixoutransparecer, mas nós sabíamos o motivo, pois víamos quando meu pai chegava bêbado em casa.Depois dessa separação fomos morar na casa da minha avó. Ficamos sem parte nenhuma na casaporque meu pai sumiu com tudo, e minha mãe ficou sem saber o que fazer com três filhos e sem casa.

Com um tempo minha mãe se casou novamente com uma pessoa chamada AntônioSousa, meu padrasto. Uma pessoa que eu amo. Nos mudamos e fomos morar em outro bairro,mudei também de escola, era uma escola pública, mas só assim nós três voltaríamos juntospara casa, da escola. Não era perto de casa mas mesmo assim nós íamos. O nome da escolaera Maria de Nazaré, comecei com o jardim II, onde eu era uma boa aluna e sempre ajudavameus colegas de turma a mando da professora, mas eu gostava.

Quando parti para a alfabetização foi muito bom, mas me lembro das grandes dificuldadesque passei, como fazer a letra F por exemplo. Era um problema pra mim, mas meu padrasto meajudou, e finalmente pude dançar a valsa da formatura com ele e enfim concluir a alfabetização.

Passando para a primeira série onde aprendi a ler e a escrever melhor, foi muito tranqüilo,foi um bom ano sem grandes dificuldades. Na segunda série foi legal porque estudei com aminha irmã mais velha, pois ela havia reprovado por dois anos, ela tinha muitas dificuldades.

Caminhada

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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Já a terceira série foi um desastre, pois foi o ano que reprovei. O motivo é que “faltava” àsaulas, ou seja, fugia junto com meus dois irmãos. Não sei onde estava com a cabeça quandofazia esse tipo de coisa! Quando menos esperávamos uma mulher que trabalhava na secretariada escola contou para os meus pais, e aí imaginem o que aconteceu, minha mãe pegou e aínem quero contar, mas pode ter certeza que aprendi, e como aprendi, foi uma lição e tanto,se eu pudesse voltar atrás...

Mas quando tudo se passou fiz novamente a terceira série e enfim passei comtranqüilidade, e fomos estudar em uma escola particular chamada, Dr. Gilberto Mendes deAzevedo, mesmo na quarta série com 11 anos pude observar a grande diferença de classes.Nós passamos muitas dificuldades com a mensalidade da escola, ainda que esta fosse baixa,minha mãe não podia pagar. Era uma escola muito boa, pois além do bom ensino tínhamosconsultas médicas e assistência odontológica.

Como perto de casa havia surgido uma nova escola, que por ser muito grande chamavaatenção de muita gente, e como minha mãe não tinha condições ela resolveu nos matricularlá. Era uma escola estadual, comecei na quinta série, eu ia sempre a pé, o ensino era muitobom e havia muitos professores, tantos que eu tinha dez. Essa mudança de professores foimuito louca, pois desde a quarta série eu só tinha uma professora, a minha quinta série foilegal, e eu me dedicava muito.

Na sexta série também foi um bom ano, pois consegui passar tranquilamente. A sétimasérie que considero um dos melhores anos que passei nessa escola, foi o primeiro ano defeira cultural da escola. Um dos temas escolhidos pela turma foi astrologia, um tema muitolegal, e nós enfeitamos a sala com tapetes, almofadas, estrelas, sol e muito mais. É bomquando a escola realiza esse tipo de evento para a motivação do aluno, dando incentivo aosinteresses, é uma forma do aluno ser organizado e de buscar o melhor em seus trabalhos.

Quando passei para a oitava série tive um pouco mais de dificuldades, no que dizrespeito à matéria senti o peso, e tive um pouco mais de dificuldades para passar de ano,principalmente em matemática, mas enfim consegui ser aprovada e fui para o primeiro anodo ensino médio. Foi quando surgiu o projeto terceirão, que tinha como objetivo ajudarestudantes de origem popular a passarem no vestibular e cursar a Universidade. Este projetosurgiu através dos esforços de alguns professores que já estavam cansados de verem seusalunos saírem da escola sem um preparo suficiente para entrarem na Universidade. Muitosdiziam que era loucura de alguns professores, e que eles queriam apenas ganhar sucesso.

Foi um sonho realizado. Mas a preparação não começava no terceirão, pois a partir doprimeiro ano os alunos já teriam que ser devidamente preparados para que quando chegassemao terceiro ano os professores fizessem só uma revisão da matéria.

Esse esforço todo só para que nós, alunos de comunidades populares tivéssemos odireito de competir legalmente com alunos de escolas particulares. O segundo ano foi maisreforçado ainda, e enfim quando cheguei ao Terceirão. Foi uma grande alegria saber que euteria a minha chance de ir para a Universidade, de cursar a Universidade Federal de Rondônia,meu sonho e de muitos outros alunos.

Antes de começar a estudar no terceirão consegui um emprego, como estagiária nosCorreios. Trabalhar e estudar não é fácil como muita gente pensa. Sofri na pele o que équerer ajudar em casa no momento em que minha família mais precisava e ter que desistirpara estudar, não porque quisesse, mas porque as aulas eram muito intensivas, cansativas, eeu não tinha aquele pique de estudar.

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Comecei a faltar às aulas, não consegui mais acompanhar a turma, e quando percebitudo isso acontecer comigo eu parei e pensei: “e o meu sonho como fica? Tudo que euestudei vou jogar fora e simplesmente vou terminar por terminar o ensino médio?” Tive queparar para refletir um pouco, pensar na minha vida. Mas tenho certeza que eu fiz a coisacerta, pois escolhi o melhor caminho, e nunca vou me arrepender dessa escolha.

Como eu havia perdido muita matéria tive que correr contra o tempo, pois oito mesesjá tinham se passado desde que havia começado a estudar. Tive que correr atrás do prejuízo,comecei a estudar de manhã à tarde e à noite sem me cansar.

No ano anterior tinham sido aprovados 25 alunos no vestibular da UniversidadeFederal de Rondônia, no ano da minha turma de 2004 foram mais de 50 alunos, inclusivepara medicina. Na escola foi uma verdadeira festa, nosso diretor o professor Suammi fezuma promessa de soltar fogos de acordo com a quantidade de alunos aprovados. Acho queele teve um grande prejuízo, fora um de nossos professores que falou que se em 2004 fossemaprovados mais de 25 alunos, o recorde do ano anterior, ele daria uma grande festa .

Tanto a festa como os fogos foram cumpridos, nossos nomes foram colocados no murode nossa escola, assim como já era de costume. O curso que escolhi foi o de Pedagogia, foiuma escolha minha, ninguém opinou na minha escolha. Meus pais adoraram e quandosouberam que eu passei então, foi muito bom dar essa alegria a eles, que ficaram muitoorgulhosos de mim, por saberem que fiz a escolha certa. Muitas pessoas falaram do cursoque eu escolhi que era um curso pobre, um curso fácil de passar, mas eu não ligo e digo commuito orgulho que faço Pedagogia.

Logo que entrei na UNIR me deparei com muitas mudanças, à primeira delas foi o ambiente,um espaço livre, as roupas, pois não se precisava ir de uniforme, as disciplinas que eram totalmentediferentes daquilo que eu estava acostumada a ver, foi a melhor mudança que já fiz.

Eu me casei com uma pessoa muito legal chamada Wesly de Sousa, que é uma pessoamaravilhosa e que me ajudou muito nos dois anos em que fomos namorados. Ele me deuapoio para que tudo isso acontecesse na minha vida.

Quando comecei o terceiro período soube da seleção que o professor Márcio Seccoestaria fazendo, para o Programa Conexões de Saberes, um programa nacional onde seriamselecionados 25 bolsistas que receberiam uma ajuda de custo no valor de R$ 300,00 (trezentosreais). Fiquei interessada, pois os alunos passam muitas dificuldades na hora de comprar umlivro, de tirar uma cópia, e também com passagem porque só no trajeto para a UNIR pegodois ônibus para ir e dois para voltar, por isso para mim foi uma grande oportunidade esseprograma, para diminuir minhas necessidades de estudante.

Fui selecionada para o programa, fiquei muito feliz, minha vida mudou muito desdeque entrei no programa. Percebi que da mesma forma que nós outros querem fazer diferente.Eu pude enfrentar todas as dificuldades mas ainda existem pessoas que precisam dessaajuda, de um simples empurrão, assim como eu um dia precisei dos meus professores, dosquais sempre vou lembrar. Esse será o meu grande objetivo nesse Programa chamadoConexões de Saberes: diálogo entre a universidade e as comunidades populares, sintomuito orgulho de ter sido escolhida para assumir esse papel junto com meus 24 colegas,meus colegas de programa, que juntos daremos esperança para as comunidades populares epessoas que assim como nós querem fazer diferente.

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Patrícia dos Santos Lima*

Todas as histórias populares são iguais...Contudo, cada uma tem seu estranho ímpar.

“O que foi, isso é que o há de ser; e o que sefez, isso se tornará a fazer; de modo quenada há novo debaixo do sol”.

Eclesiastes 1.9

Aquele parecia seu instante de eternidade, naquele instante parecia estar sozinha nasala, naquele momento Patrícia sentiu o peso da sua origem social. Ela estava em suaprimeira aula de Inglês na Universidade.

Mas para situarmos melhor esta trajetória, vamos ao comecinho. Patrícia é candanga,estranha esta palavra?! Mas eu explico ao leitor: candango é a pessoa nascida no DistritoFederal. Pois é, ela nasceu na cidade-satélite de Ceilândia e começou a crescer lá. Bom elaé a segunda filha do senhor Edimar, de origem piauiense e dona Francelice de naturalidademaranhense e por sinal, na época, era muito hiperativa esta criança. Agora chegou o momentodesta personagem entrar em cena.

“Como os leitores devem ter percebido, não venho de uma família grande, mas pequenae simples, muito simples, eu acho. Não pense que quero fazer uma manipulação psicológicapara atingir as emoções de vocês leitores, talvez queira eu despertar, eu ínfima curiosidadequanto à minha pessoa. Então, começando, quero deixar claro que meus pais não estudaramtanto como eu queria que eles tivessem estudado. Meu pai diz que estudou até o ensinocientífico, hoje ensino médio, mas seu histórico só comprova até a 5ª série, porém quem soueu para questionar meu nobre pai. Já a minha mãe era mais interessada em estudar, elacursou até o segundo ano de contabilidade, quer dizer até hoje ela é interessada, pois agoraestá dando continuidade aos seus estudos e deseja também chegar à universidade comotantos. Mas devido às circunstâncias nenhum dos dois tem uma profissão definida.

Na época em que moramos em Brasília e que eu tinha consciência disto, minha famíliapossuía uma condição razoável, então eu comecei a estudar em escola particular. Sempre fuimuito curiosa.

Comecei a estudar com três anos, na semana que antecedia ao primeiro dia de aulafiquei muito ansiosa e contando os dias para o meu primeiro dia na escola. O nome era

Nuances de mim

* Graduanda em Letras - Inglês pela UNIR.

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58 Caminhadas de universitários de origem popular

‘Pimentinha’ fazia jus ao meu comportamento na época. O primeiro dia foi encantador, eume sentia bem naquele ambiente que me colocava em contato com o conhecimento. Antesde ir para o ambiente escolar eu já gostava de rabiscar bolinhas em cadernos que minha mãecomprava justamente para esta finalidade, por isso quando eu iniciei meus estudos eu tinhauma coordenação muito boa.

A minha primeira professora que me ensinou os primeiros símbolos gráficos elogiava-me bastante, o nome dela era Célia, era uma pessoa muito gentil.

Todos os dias eu queria ir à escola, não gostava de faltar. Às vezes fazia a minha mãeme levar à escola até aos Domingos para comprovar que não havia aula, isso aconteceualgumas vezes porque eu como criança não tinha muita noção do tempo, inclusive quandoa minha mãe não me levava para a escola dominical na igreja.

“Na época do inverno, as chuvas são intensas e longas em Brasília, minha mãe teveuma brilhante idéia para não faltar à aula e nem ficar importunando-a, comprou uma capa dechuva, uma sombrinha e umas botas”. Era algo muito engraçado! Que pena que vocêsleitores não estavam lá par assistir a cena ímpar desta trajetória. Ela, a Patrícia, era daspoucas crianças que gostavam do ambiente escolar e que inclusive não chorou em seuprimeiro dia de aula, isto era apenas indício de uma futura paixão pelo conhecimento.

Como as coisas não estavam bem, em Brasília, seus pais resolveram mudar para Teresinano estado do Piauí, deixando muitas coisas pra trás e quando chegaram lá tiveram que recomeçaruma outra vida. Ela não recorda com precisão em que época do ano essa mudança aconteceu,só sabe que foi estudar em escola luterana coordenada por um pastor norte-americano e queera um estabelecimento privado. Ela estava cursando o jardim II. A escola tinha uma estruturamuito boa. Ela ficou nesta escola até a Alfabetização. Que anos singulares, sua adorávelprofessora Isabel foi quem lhe ensinou a ler as primeiras estruturas frasais. Ainda hoje, Patríciapossui a vaga lembrança de uma pequena criatura que marcou seu aprendizado.

Quando eu fui para a 1ª série, foi um primeiro contato com a escola pública, nesta escola nãosenti tanta diferença, a escola e as pessoas eram até legaizinhas, não considere esta palavra pejorativa,é apenas uma maneira carinhosa de descrever o lugar. Naquele mesmo ano eu comecei em umaescola e terminei em outra, por motivos de mudança domiciliar. Nesta última escola o ambiente meassustou um pouco, as pessoas eram frias e indiferentes, a estrutura deixava muitas coisas a desejar,eram pintadas de uma cor sombria, as paredes praticamente eram rabiscadas, a verdade é que oambiente era desmotivador para estudo. Mas estes detalhes não me bloquearam o interesse paraaprender. Mas é claro que muitas crianças iam à escola somente para brincar e passar o tempo.

Durante o meu curso primário nós mudamos várias vezes até que nos estabilizamos emum bairro afastado do centro da cidade. Nesse período eu estudei em várias escolas, porémisto não afetou o meu desempenho escolar, não reprovei em nenhuma série e sempre deiconta do recado. Quando eu estava terminando o primário e no próximo ano começaria oginásio minha mãe achava que seria melhor eu estudar em colégio particular. E foi isso quesucedeu, havia uma escola próxima a minha residência e eu comecei o primeiro ano doginásio nela. A princípio eu tive algumas dificuldades porque o nível de ensino era outro,mas com o tempo superei e comecei a me destacar em minha turma.

Estudei nesta escola até o primeiro semestre da 7ª série. Como eu creio que todomundo sabe que na vida nem tudo são flores, a economia familiar ficou fragilizada e meuspais não puderam mais me manter nessa escola. Conseqüentemente, eu tive que estudar emescola pública novamente.

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Como eu não era dona do meu nariz aceitei a decisão sem reclamar. A escola era bemlonge, a princípio eu ia de ônibus, só que chegou o momento em que o dinheiro para oônibus não estava dando no orçamento familiar. Então como meu pai era bicicleteiro, elemontou uma bicicleta para eu ir ao colégio. A bicicleta não era a dos meus sonhos, masquebraria o galho, e que galho! A final eram cerca de quatro quilômetros de distância. “Sóque às vezes o caiporismo me perseguia e quando acontecia, eu tinha que andar a pé sequisesse de fato ir à escola”.

Foram dois anos e meio bem difíceis, não pelo estudo, mas sim pelas circunstânciasdaquela época. Não sei se já falei, se sim, se não quero abrir um parêntese para que o leitorcompreenda as próximas linhas desta prosa: Patrícia teve toda uma educação cristão-evangélica, significa dizer que era uma pessoa muito diferente tanto no falar quanto novestir. Em virtude desses aspectos da nossa personagem central, ela no último ano do ensinofundamental começou a sofrer preconceito religioso. Durante esse período ela ficou umtanto isolada da turma porque somente algumas pessoas dialogavam com ela. Os outrosalunos a excluíam em razão dos seus costumes religiosos, como vestir roupas compridas enão usar maquiagem e etc.

Com o passar do tempo ela estava desmotivada para ir à escola, conseqüentemente seurendimento escolar baixou. Mas isso tudo só ficou perceptível no final do ano quando pelaprimeira vez ela ficou para recuperação em sua matéria preferida: Matemática. Seus paisficaram surpresos com o fato e conversaram com ela para saber o que estava acontecendo,mas como faz parte da garota ser reservada, ela apenas declarou que havia estudado pouconos últimos meses. Ela estudou bastante para a prova e conseguiu ser aprovada. Pronto! Oensino fundamental estava concluído e agora começaria uma nova etapa: o ensino médio.

Para aquela próxima etapa, aquela cabecinha estava cheia de planos, sendo um delesingressar na Escola Técnica Federal no curso de Edificações. Sem esquecer de um detalhe, emTeresina, em todas as escolas que possuía ensino médio só se ingressava através de examesclassificatórios. Como a criatura era muito teimosa e ainda é um pouco até hoje, ela só seinscreveu para o exame da ETFPI (Escola Técnica Federal do Piauí) na época, hoje CEFET.Digamos que estudou o possível. No dia do exame estava muito nervosa, pois nunca haviafeito uma prova daquele gênero antes. Depois de alguns dias saiu o resultado, para a suadecepção não havia sido aprovada. Claro que foi humilhante, mas o pior não era isso, ela tinhadepositado toda a sua esperança naquele exame e não se inscreveu em outra instituição. Ondeela iria estudar aquele ano? Resolveu ficar sem estudar, ou melhor, não foi possível.

Naquela época ia fazer dois anos que meu pai estava trabalhando em Manaus. Entãoneste mesmo ano ele recebeu uma proposta para trabalhar em Porto Velho no estado deRondônia. A princípio eu adorei a idéia, lugar novo, gente nova, era disso que eu estavaprecisando. Mas depois comecei a pensar, eu já morava naquela cidade há onze anos e nobairro há sete anos. Não seria fácil se desfazer assim, do lugar onde aprendi muitas coisas,das pessoas então, era mais doloroso, eu acho que foi uma época em que fiz mais amigos,diferente de hoje, que parece que fui me introvertendo ao longo dos anos. Aquela saudadeque eu sentia, mesmo sem ter saído ainda era porque na verdade eu não sabia quandoretornaria ali e veria aqueles rostos que convivi durante aquele tempo.

Enfim a decisão foi tomada e eu, minha mãe e minhas duas irmãs tivemos que partir emdireção ao norte do país. Perdão, mas eu acho que ainda não contei aos leitores que eu tenhoduas irmãs, uma mais velha e outra mais nova. Só que nesse jogo familiar quem faz o papel

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60 Caminhadas de universitários de origem popular

da mais velha sou eu, porque a minha irmã mais velha tem microcefalia e requer um cuidadotodo especial. Devido a esse problema tivemos algumas complicações na hora de viajar,mas mesmo assim a viagem ocorreu bem.

Quando eu cheguei a Porto Velho, o outro lado do país, o choque cultural e lingüísticofoi inevitável. Eu estranhei alguns costumes e algumas palavras. E quando eu perguntavaalguma coisa a respeito era motivo de risos. Mas isso foi superado com o tempo. Não foifácil encontrar vagas nos colégios e minha mãe só conseguiu em um colégio bem distantede onde morávamos. Eu estava muito ansiosa, também já estava a um ano de férias. Nopercurso da minha casa até a escola não havia ônibus, então eu ia a pé, não era tão longemesmo, eram só dois quilômetro e oitocentos metros de caminhada todos os dias. Mesmonestas circunstâncias eu era assídua ia mesmo doente, isso fazia parte das minhas metasenquanto estudante.

Eu só agüentei esse ano. Como eu já conhecia algumas pessoas, através de amizadesconsegui uma vaga em um colégio próximo de minha residência, o qual era muito cogitadopara se ingressar nele. Este foi um dos melhores anos de escola apesar de nem todos osprofessores serem competentes. Mas eu procurava ser competente.

No ano seguinte, em virtude do corpo docente dessa escola estar mal estruturado, euresolvi mudar de escola novamente. Porque eu já ia cursar o terceiro ano e queria uma coisamelhor. Como a escola John Kennedy tinha um corpo docente muito bom eu fui estudar lá,nem tinha mais vaga, mas eu não me conformei com o não da pessoa responsável pelasmatrículas e pedi para falar com a diretora e ela me deu a vaga. Apesar de ser uma escolapública, estudava muita gente de classe média baixa, então eu via um grande hiato entre eue meus colegas de turma, mas nós nos entendíamos. A parte mais constrangedora destaépoca é que muitos tinham microcomputador e acesso à internet em casa e entregavam ostrabalhos digitados com tudo que tem direito. E eu fazia os meus manuscritos e a custo demuita pesquisa na biblioteca. Nesse ano meus pais não estavam mais suportando o aluguele compraram uma casa simples ‘no fim do fim’ da cidade, ou seja, em um bairro popular.Como desde que chegamos a Porto Velho não tinha gastos com ônibus, pois morávamossempre no centro da cidade a partir de então, esta seria a próxima despesa em lugar doaluguel. Como vocês devem ter percebido durante esta minha trajetória eu não me envolviem muitas atividades na escola, eu não gostava de participar de gincanas, conta-se às vezesem que participei deste tipo de evento. Não gostava de estar em mobilizações políticas,meu objetivo na escola se resumia apenas em cumprir o meu papel de estudante.

No ano em eu estava cursando o terceiro, eu teria que decidir que curso universitárioiria fazer, era um ano de decisão. Na verdade, eu já tinha os meus planos traçados, meusonho e objetivo era cursar Engenharia da Computação no ITA (Instituto Tecnológico deAeronáutica). “Este desejo parecia impossível, mas eu acreditava em meu Deus e em minhacapacidade, afinal eu estava estudando para isso a um bom tempo”.

As pessoas achavam que era um sonho ingênuo de adolescente que quer crescer e nãopensa nas circunstâncias. E ela trazia um slogan consigo: “Se os pensamentos de meu Deussão altos por que os meus não podem ser também?”. O tempo passou e a inscrição e todos osdocumentos para o exame do Instituto Tecnológico de Aeronáutica chegaram até a sua casa.A emoção de dar este passo estava estampada em seu rosto, só que tinha um detalhe, seacaso ela fosse aprovada passaria cinco anos em São José dos Campos em São Paulo emregime de internato. Outro fator, ela era menor de idade e seus pais teriam que assinar os

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termos de responsabilidade que vinham anexos aos documentos, especificamente paracandidatos enquadrados neste caso. A mãe percebendo as circunstâncias de ficar separadada filha durante muito tempo negou-se a assinar os termos e o sonho de Patrícia foi dissipadono tempo. “Foi duro encarar a realidade e ver meus sonhos desfeitos por uma simplesvontade. Eu fiquei revoltada, mas não podia fazer nada e tive que usar minha segundaalternativa: vestibular da UNIR (Universidade Federal de Rondônia)”.

Seus pais não podiam pagar cursinho Pré-vestibular e ela começou a estudar em casamesmo. Foram três tentativas pra ingressar na Universidade Federal. A primeira vez elatentou para Informática e as outras duas vezes para Letras/Inglês. Ela disse que não conseguedescrever com fidelidade o que sentiu quando foi aprovada, seu nome no jornal, os amigosdando parabéns foi uma sensação ímpar.

“É curioso como eu decidi optar pelo curso de Letras/Inglês, durante meu ensinomédio eu gostava mais das matérias de Matemática, Física e Química, todas voltadas paraárea de exatas. Eu detestava Português e Literatura. Hoje pensando bem se tivesse sidoaprovada para o curso de Informática, eu teria me frustrado, pois hoje sei que não meidentifico com o curso. Escolhi Letras e sou apaixonada por meu curso, apesar de as pessoasfalarem desdenhosamente ‘ser professora’, ganhar pouco.

Eu nunca fiz planos para ser professora, mas as pessoas dizem que tenho um domnato, me elogiam de forma que às vezes fico confusa, pois eu ensino de forma tão naturale espontânea. Eu sei que na época da minha última tentativa para o vestibular foi O Ano,não sabendo eu que era O Ano, naquele período ‘eu olhava ao meu redor as circunstânciase nada sustentava a minha fé, mas eu aprendi algo tremendo: que eu podia fechar os meusolhos, fechar os meus olhos pra tudo que estava ao meu redor. E com olhos do meucoração, a fé que Deus colocou em cada um dos seus filhos, a fé que Ele me deu, a própriafé de Deus. Com esta fé eu pude contemplar, eu pude ver um dos meus sonhos se realizarem:ingressar na universidade”.

O curso em que ela estudaria só entraria no segundo semestre do ano, porém ela nãoficou ansiosa durante o período de espera para ingressar, ficou tranqüila. Quando chegou aépoca do início do curso, ela estava com muitas expectativas a respeito dos professores edas disciplinas. O seu primeiro dia de aula foi muito bom, os professore se apresentaram e osveteranos os recepcionaram dando dicas como funciona o ambiente acadêmico.

“Esse é um dos momentos que mais me marcou quando entrei na universidade, foiminha primeira aula de Língua Inglesa, por isso ela é citada bem no início do ensaio. Omeu Inglês era o básico do básico da minha educação escolar, mas eu tinha uma noçãodo escrito, da fala a fonética soava muito estranho para mim. Quando aquele professorchegou à sala falando Inglês fluente, eu me senti um grão de areia perdido no espaço.Foi uma experiência horrível. Acreditem! Quando eu cheguei em casa estava decidida atrancar o curso, mas a minha mãe convenceu-me a não trancar e realmente não o fiz evaleu a pena o conselho. Claro houve muitas outras dificuldades como as de fotocópias,os livros que tinha que comprar a entrega de trabalhos digitados sem ter computador,tendo que depender do laboratório de informática da universidade, o transporte, enfim,muitas coisas”.

Com o passar do tempo os conteúdos na academia foram ficando mais densos elaquase adotou a filosofia de Salomão em Eclesiastes 12.12 “E, de mais disso, filho meu,atenta: não há limites para fazer livros, e o muito estudar enfado é da carne”.

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“Outro fator que enfrentei e enfrento até hoje são os bombardeios ateístas sobre mim,afinal o Cristianismo faz parte da minha cultura particular e popular, ele está praticamenteintrínseco ao meu ser. Não posso desenraizá-lo de mim assim tão facilmente. Em umdeterminado dia depois de uma discussão com ateístas, com minha fé abalada procureirefúgio no Livro Sagrado e encontrei uma palavra maravilhosa em Romanos 3.3,4 ‘Poisquê? Se alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus? Demaneira nenhuma! Seja sempre Deus verdadeiro e todo homem mentiroso, como está escrito:“Para que seja justificado em tuas palavras e venças quando fores julgado’”.

Assim que ingressou na universidade, Patrícia já foi informada sobre as políticas depesquisa da instituição. Então desde o início do curso já alimentava o desejo de participardo PIBIC. Ao ver o cartaz de seleção para o Programa Conexões de Saberes se inscreveu,pois já desenvolvia atividades comunitárias no seu espaço de moradia.

Como eu já trabalhava no UNA (Universitários em Ação) resolvi unir o útil ao agradável.Depois que entrei na universidade muitas coisas mudaram para mim e ao redor de mim, eproposta do Conexões veio a ampliar esta forma de ver a sociedade diferente. Quero verminha comunidade aliar o conhecimento a suas práticas sociais e assim aos poucostransformar a realidade em nossa volta. Pois eu acredito que assim como “Há esperança paraa árvore, mesmo cortada, mesmo que no chão o seu tronco de velho venha morrer, ao cheirodas águas brotará e dará frutos como a planta nova, os seus ramos se renovarão”, assim háesperança’ para a sociedade considerada perdida.

Talvez o leitor(a) não tenha compreendido as nuances deste ensaio, este entrelaçamentode discurso que deixa no ar a existência de um mediador nesta prosa. Quero declarar-vosque o texto foi produzido por uma única pessoa. O “eu em mim demonstrando como eu soue eu fora de mim demonstrando como eu me vejo”.

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Regilane Lacerda Gonçalves*

A comunidade de Nazaré, o que se poderia chamar de “vila” do distrito, localiza-se a150 km de Porto Velho, tem como acesso principal à via fluvial, através de barcos, voadeirase canoas e é uma localidade simples e muito acolhedora.

Nasci nesta vila, onde morei até os 11 anos, com minha mãe, meu pai e meus irmãos.Comecei a freqüentar a escola muito cedo, pois minha mãe era professora e não tinha comquem me deixar. Fui alfabetizada aos 6 anos pela minha mãe, uma ótima professora que compoucos recursos didáticos e condições precárias da sala de aula conseguia ensinar aosalunos com alegria e força de vontade. Lembro-me que da 1ª à 4ª série, o período queestudei na escola Floriano Peixoto foi ótimo, mesmo sendo uma escola da zona rural comuma precária infra-estrutura de sala de aula, pouco material didático e merenda. Osprofessores utilizavam recursos da natureza para ensinar aos alunos, tínhamos aulas ao arlivre, todos os finais de semanas o professor Maciel organizava brincadeiras para todos,foram muitas as lembranças desse período escolar que ficaram para sempre em minha memóriacomo o desfile cívico, onde os alunos da escola ensaiavam rigorosamente durante um mês,todos os dias depois da aula, com a orientação de todos os professores, para que no dia 7 deSETEMBRO se apresentassem no desfile. Outra lembrança que marcou este período foi aluta dos professores pela complementação do ensino na escola Floriano Peixoto.

Aos 10 anos terminei a 4ª série, fui estudar na capital de Rondônia, quando meu pai falouque já estava matriculada na Escola Duque de Caxias, fiquei muito alegre, mas sabia que asdificuldades seriam imensas, principalmente pelos motivos que me separaram de pessoas muitoimportantes como minha família e colegas. Estava feliz por continuar os estudos, coisa quemeus colegas de classe queriam fazer, mas tinham menos condições que eu, filhos de pescadorese trabalhadores da roça, os pais dos meus colegas diziam que não poderiam mandar seus filhos,pois não tinham como mantê-los na cidade. Assim meu pai falou com uma tia dele, perguntou seeu poderia morar com a sua família em uma casa com 8 pessoas, tive que levar em consideraçãoque morar em uma casa com essa quantidade de pessoas era muito difícil, mesmo sendo parente.

A saudade dos meus familiares queridos era imensa, chorei quase todos os dias dosmeses, porém minha bisavó incentivava, dizia que tudo por que estava passando seria poruma boa causa, porém fiquei nesta casa só por dois meses, logo fui morar com minha tiaRosa Maria e mais seis pessoas inclusive minha avó paterna Francisca. Nesta casa me sentiamais aconchegada, neste período fiquei indo para a escola a pé, tudo para economizardinheiro e ajudar na alimentação da casa onde estava morando.

Mudanças imagináveis...

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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No ano de 1998, pedi para os meus pais me transferirem para São Carlos, no distrito quefica a quatro horas de porto velho, então meu pai me matriculou na escola Henrique Dias. Foium período complicado porque as aulas desta escola só começaram em julho por falta deprofessores, situação que continua até os dias atuais, principalmente pelo motivo da falta deadaptação dos professores nesta localidade rural. Um dos inúmeros momentos difíceis nesteperíodo foram às muitas “pedaladas”, todos os dias tinha que andar quarenta e cinco minutospara chegar a escola, debaixo de chuva e sol, em uma estrada de terra que a maioria do tempoestava com a mato alto e no inverno chovia muito onde se via muita lama.

Lembro-me das histórias das misurias (lendas de assombração) que apareciam naestrada. O medo era imenso, mas graças a Deus existiam mais colegas que iam também debicicleta. O Bosco (um colega desta fase) marcou bastante por me ajudar nas minhasdificuldades, por ser a menor da turma ficava sempre pra trás, ele nunca me deixava sozinhae me chamava de um apelido carinhoso “menina bonitinha de Nazaré” e com muita lutaconsegui terminar a 6ª série.

No ano de 1999, meu pai contou nossas dificuldades para um padre que estava visitandoa igreja de Nazaré, com isso ele conseguiu uma bolsa de estudos em uma escola particularde Porto Velho, foi muito complicado, pois minha mãe tinha muitas despesas, dentre elasfez um empréstimo bancário no intuito de comprar uma casa para que pudesse morar e nãopodia me ajudar com as despesas escolares. Meu pai foi à escola e contou o que estavaocorrendo e as irmãs facilitaram a pagamento destas despesas, os livros que utilizei nesteano foram doados. Na sala de aula tive muita dificuldade, pois o ensino da escola eraavançado e no início não conseguia acompanhar os colegas de sala, minhas notas no 1ºbimestre foram péssimas e por isso tive que fazer aulas de reforço para poder acompanhá-los. Desde esta data as condições financeiras só pioravam, minha mãe foi demitida e o meupai mantinha o sustento da casa, dos meus estudos e dos meus irmãos e esta dificuldadedurou até a conclusão do ensino médio.

No ano de 2003, fiz a inscrição do vestibular para pedagogia e quando fiquei sabendoque tinha passado fiquei muito feliz, por ter vencido mais uma etapa da minha vida, mas asdificuldades vindas do ensino médio foram aumentadas na universidade, pois meus pais sesepararam e ficou instável a nossa situação.

Com a universidade os meus gastos ficaram muito grandes, as fotocópias e o transporteeram o mais necessário naquele momento de início da minha vida acadêmica. Foi assim queem um dia passei pelo corredor e vi um cartaz, onde aconteceria a seleção de bolsistasoriundos de camadas populares, este Programa se chamava CONEXÕES DE SABERES,neste período do conexões ajudou-me muito para que continuasse na universidade.

Agradecimentos

Gostaria de agradecer a todos da minha família;ao Bosco;as irmãs do colégio Maria Auxiliadora;ao padre que conseguiu a bolsa;aos meus colegas de curso;e aos bolsistas e coordenadores do Programa Conexões de Saberes.

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Rosemari Nazaré da Silva Paz*

Minha história deve ser muito comum dentro de nosso grupo. Comecei minha vida escolaraos 6 anos de idade, no Pré-Escolar, na Escola São Luiz que era a mais próxima de minha casa.Nessa época morava no bairro JK III, um bairro que surgiu a partir de invasões. Minha mãe sempreia me deixar na escola juntamente com minha irmã mais velha. Meu outro irmão ela levava para otrabalho e na saída voltávamos sozinhas. Após iniciar a 2ª série do 1° Grau (atual EnsinoFundamental), meu pai comprou uma casa num bairro mais afastado do anterior. Logo mudamosde escola também, que por sinal, era muito distante da minha casa, mas meus primos que jáestudavam nessa escola nos acompanhavam. Essa escola era muito boa, mas por ser uma escolaestadual e estar localizada num bairro popular e muito distante do centro, muitas vezes nãotínhamos aula por falta de energia elétrica, falta de água e na maioria das vezes falta de merendaescolar, pois muitos alunos freqüentavam a escola para obterem alimentação. Fiquei nessa escolaaté meus onze anos de idade, foi quando terminei a 4ª série e tive que mudar de escola.

Permanecemos no mesmo bairro, mas minha nova escola, Risoleta Neves, era muitomais distante de minha casa. Minha mãe trabalhava no Centro da cidade, então todo diaíamos juntas no mesmo ônibus. Isso aconteceu até o final do primeiro semestre quandopassei a fazer o percurso sozinha.

Minha vida mudou muito nessa época, pois conquistei mais liberdade. Sempre quis cursaruma Universidade, mas sempre tive dificuldades em escolher uma profissão, apesar de ser boaaluna, pelo menos nessa época. Minha mãe confiava em mim e dizia que eu não teria problemas,se estudasse passaria. Nessa altura meu irmão ia mudar também para a mesma escola que euestudava, o que significaria que teríamos problemas financeiros, pois as despesas dobrariam, umavez que agora seríamos dois a pegar ônibus, então começamos a ir de bicicleta. Essa foi uma fasemuito difícil, pois a escola era muito longe e em dias de chuva era um Deus nos acuda. Quandoestava no 3° ano, sempre que chegava da aula pegava livros para estudar para o vestibular, pois nãotínhamos dinheiro para pagar cursinho e como eu já tinha feito o ENEM, me considerava umpouco preparada, para ser uma futura acadêmica da Universidade Federal de Rondônia. Nessa fasede minha vida tive o apoio total de minha mãe que fazia o possível e o impossível para me ajudar,ela trazia revistas do trabalho para que eu pudesse ficar por dentro de todas as atualidades.

Em minha escola, havia duas turmas concluindo o 3º ano. Aproximadamente 10 pessoas,cinco de cada turma, inscreveram-se para o vestibular, mais foi grande minha surpresa quandofiquei sabendo que de todos os inscritos em vários cursos, apenas eu havia passado nas duasfases do vestibular, tendo então realizado o meu maior sonho, compartilhado por minha mãe.

Juntando minhas conexões

* Graduanda em Geografia pela UNIR.

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Enfim começaram as aulas e as dificuldades eram as fotocópias, livros, trabalhos etudo isso, além do transporte, faltava dinheiro, e agora?

Para chegar até a Unir, preciso pegar um ônibus da minha casa para o centro da cidade,o outro ônibus para ir ao Campus da Unir, sendo o mesmo trajeto na volta, ou seja, pagar 4passagens por dia, o que pesa bastante no orçamento de minha família, pois além de mim,minha mãe mantinha mais dois irmãos na escola regular.

O Conexões apareceu pra mim numa fase em que eu já estava em dificuldades emminha graduação. Juntando o útil ao agradável, pois pretendo ser Bacharel em Geografia, eestava meio perdida sobre a monografia, o projeto foi uma saída para me manter naUniversidade, fazer minha monografia, e ajudar outras pessoas que estejam passando pelamesma situação que passei, ou até mesmo pior. Em algumas comunidades que conheçobem, pois sempre morei em bairros pobres, e sempre estudei em escola pública, me depareicom esta realidade. E hoje se estou prestes a concluir meu sonho dentro desta Universidadedevo muito a minha mãe, a meus colegas conectados deste projeto.

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Rosimeire Ferreira do Nascimento*

Meus pais são Nordestinos, minha mãe teve 7 (sete) filhos sendo, 4 (quatro) mulherese 3 (três) homens, sou gêmea e minha irmã é mais velha do que eu 1 (uma) hora. Bem vouvoltar ao passado e tentar passar para o papel um pouco de minha trajetória escolar.

Sempre estudei em escolas públicas pois, minha mãe não tinha condições de pagaruma escola particular, bem, todos nós irmãos, concluímos os estudos em escolas públicas.

Iniciei os estudos com 5 anos de idade no jardim próximo de casa. Fiquei 2 anos no jardime só depois fui para a Escola 21 de Abril. Dessa escola fiquei em torno de 5 anos e só sai da escolapara ir para outra escola pública chamada Samaritana, pois nessa escola pude sentir na pele aperda de um ano de estudos, pois havia reprovado. A escola de onde estava vindo era fracademais. Nessa escola fiquei por volta de 4 anos, quando concluí o ensino fundamental então fuipara outra escola e dessa vez havia prometido para mim mesma de que concluiria meu 2° grau naEscola Castelo Branco, mas com o passar do tempo decidi ir para a escola Pública Rio Brancoonde havia me interessado por fazer curso profissionalizante e nessa escola oferecia o curso detécnico em Administração, Contabilidade e Processamento de Dados.

Eu havia me interessado pelo curso de Processamento de Dados e para conseguir avaga tive que passar a noite na escola para pegar uma senha. É as vagas eram limitadas. Essaescola pública era a primeira escola a oferecer cursos profissionalizantes gratuitos e todosestavam querendo estudar nessa escola para ingressar no mercado de trabalho.

Era chegada a grande hora. Quando amanheceu abriram os portões da escola e finalmentehavia conseguido uma senha e fui fazer a matrícula, mas, bateu o desanimo, pois, o curso que euqueria era processamentos de dados e as vagas já havia encerrado e só havia vaga paraContabilidade e Administração e opinei por cursar o curso de Contabilidade. Passado um ano decurso desisti, pois não havia me identificado com o curso. Mais um ano se passou e decidi voltarpara a escola Castelo Branco e nessa escola me interessei pela fanfarra, então decidi participar.De cara havia um campeonato de fanfarra que iria se realizar em Recife foi um grande sonho meuque estava prestes a se realizar, pois nunca se passara na minha cabeça conhecer outro Estado.

Chegando de Recife decidi me dedicar ao máximo nos estudos, pois, queria ir, mas além.Concluí o 2° grau e então veio o sonhado vestibular e eu estudava em casa para o

vestibular, não tinha dinheiro para pagar o cursinho preparatório. Inscrevi-me para ovestibular e desde então não parava de estudar. Chegada a hora das provas fiquei ansiosapelo resultado, havia passado para a segunda fase e comecei a estudar mais ainda, e dessavez não havia sido aprovada , mas mesmo assim não desanimei e tentei pela segunda vez e

Minhas caminhadas

* Graduanda em Pedagogia pela UNIR.

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dessa vez crente de que iria passar, então soube que havia sido aprovada na UniversidadeFederal de Rondônia e o mais legal de tudo é que meu irmão tentou pela primeira vez etambém havia passado e ingressamos na Unir em 2004.

Mas eu e meu irmão nos deparamos com muitas dificuldades sendo que uma delas eraa permanência na universidade sendo que meu irmão cursa um curso de período integral eeu um curso pela manhã. Saí do emprego assim que passei no vestibular, pois, trabalhava odia todo e desde então não conseguia emprego, pois o horário que tinha disponibilidadepara trabalhar era a tarde e a noite. Em 2005 fiquei sabendo do Programa Conexões deSaberes e me interessei pelo programa e decidi me inscrever e passar pelo um teste deseleção. Fui selecionada para a entrevista e depois fiquei aguardando a ligação para saberser iria ser selecionada para atuar no programa. Então veio o resultado e havia sido aprovadapara o Programa Conexões de Saberes com o resultado fui tomada por uma grande emoção.O programa veio em boa hora, financeiramente falando, mas, não só isso, porque o programate desperta para tomar iniciativas e juntos levarmos para a Universidade discussões sobrecotas para negros e indígenas e a iniciativa de juntos também implantarmos uma política deacesso e permanência para os alunos de origem popular.

Através do Programa Conexões de Saberes fomos em 2005 para o Estado do Rio deJaneiro onde se realizou um seminário na UFRJ foi onde encontramos mais alunos queestão atuando no programa em todo o Estado Brasileiro. Foi bom o seminário, pois houveos grupos temáticos (GTs), onde trocamos experiências.

É um compromisso social da minha parte em ajudar o próximo, ou seja, a ingressar nauniversidade e hoje eu sei a importância desse programa então decidi, este ano, atuar nopré-vestibular comunitário.

Tem uma música da Xuxa que desde pequena eu sempre me inspirei que e ¨Lua deCristal¨, principalmente quando diz :

“Tudo que eu fizer eu vou tentar melhor do que já fiz”, ou seja sempre tentar fazer omelhor e nunca desistir de seus planos de seus sonhos.

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Sales Conceição de Melo Nogueira*

A história contada a seguir é baseada em fatos reais, ocorridos no período de 1968e o atual ano que nos situamos. Será narrado através desta, a veracidade de momentosvividos por mim até minha chegada à Universidade. Narrarei uma história como outraqualquer, uma história simples, comum que pode parecer com a sua ou a de quem vocêconheça que tenha origem popular. Minha pretensão não é levá-lo a lágrimas, risos ouentediá-lo, minha perspectiva inicial é tentar contar uma trajetória, trajetória esta queocorre na vida de algumas pessoas, pessoas que sonham, que têm esperanças, que buscamem seus sonhos torná-los ideais de vida, aspirações que levam cada um a lutar para tê-los realizados.

Acreditar nos sonhos é uma constante na minha vida, pois creio que eles são ocombustível que nos move para podermos lutar, correr, brigar e até mesmo mendigar para se teruma oportunidade, um desejo realizado. O sonho se faz ideologia, ele está acima de qualquercrença, regra ou pacto social, acima de Deus e do próprio ser humano. Ele é a força motriz, aessência que envolve corpo e alma, que empurra para frente, que encoraja para a batalha.

Chamarei meu conto de “Retalhos”, pois é assim que a vida de cada um se constitui,como retalhos que no decorrer da história. Cada pedaço representa um momentoindividual da vida e assim forma-se uma linda colcha, dando representatividade à vida,em que todos os momentos se unem e podem ser costurados e juntos formar uma história,história esta que, de forma especial, quero contar, a minha, costurar minha colcha, acolcha de minha vida. Retalhos...

No ano de 1968, em plena ditadura militar no Brasil, mais precisamente no verãoamazônico daquele mesmo ano, meus pais que moravam no interior do Estado do Amazonasresolvem se conhecer e por conseqüência unirem-se por enlace matrimonial. O enlace ocorrerano mês de novembro daquele ano e a partir daí se iniciaria a trajetória de uma nova família,família esta que estou inserido, que amo e honro tanto de maneira imensurável. Pois foi como apoio de todos que dela pertencem que consegui chegar ao Ensino Superior.

Meus pais, logo após o casamento foram viver em um pequeno sítio, onde trabalharampor muito tempo na agricultura de subsistência. E assim, buscando suprir as necessidadesque tinham e que apareciam no decorrer dos anos.

O primeiro filho nascera no ano de 1969, meu irmão que mais tarde ajudara em grandesproporções meus pais na lavoura e em casa. Posteriormente a ele nasceram mais cincofilhos, inclusive eu que no ano de 1984 me fazia presente no seio daquela família.

A conquista esperada!

* Graduando em Ciências Sociais pela UNIR.

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70 Caminhadas de universitários de origem popular

A vida nunca foi fácil conosco, e creio que também não foi e nem é com muitasfamílias de baixa renda, desde cedo meus pais tiveram que contar com o apoio dos meusirmãos na lavoura, de modo que ajudassem no trabalho para não faltar principalmente oalimento em casa. Ajudar no trabalho era regra de casa, mas estudar era uma ordem. Minhamãe nunca abriu mão da educação escolar dos filhos, com muitas dificuldades estudávamos,mas sempre contávamos com o apoio e a gana de nossos pais de nos verem crescer epossivelmente termos um futuro promissor.

Meu pai conseguira um emprego público no município onde morávamos, o que vieramelhorar em grande parte nossa situação, pois iríamos mudar da residência que vivíamospara um local mais próximo a cidade. Ele ainda recebera um lote de terra para onde mudamos.Ainda recordo aquele lugar, um lugar bem grande, uma espécie de chácara onde minha mãee meus irmãos plantavam e criavam animais, eu apenas ajudava em poucas coisas, pois eramuito pequeno e foi ali que iniciei meus primeiros anos escolares.

Comecei a estudar no ano de 1991, na Escola São Domingos Sávio, onde fiz aalfabetização e ano seguinte à primeira série primária. As dificuldades na escola eram muitas,entre elas a falta de material escolar para acompanhar o método de ensino.

Aparecera no final do ano de 1992, uma nova oportunidade para nós, meus irmãosmais velhos que vieram anos antes para Porto velho, com muito esforço conseguiram compraruma casa para nós, a mesma que moramos até hoje. Foi uma surpresa para todos e umamudança que ocorreu muito rápido, nos mudamos em janeiro de 1993 para morarmos paraa capital de Rondônia. Houve hesitação da parte do meu pai que temia vir e não conseguiremprego, enfim, foi possível, minha mãe e meus irmãos convenceram-no a mudar.

Esperávamos muitas mudanças em nossas vidas, elas de fato ocorriam, porém sempreacompanhadas de grandes dificuldades. No ano de 1993, cursei a segunda série primáriana escola Manaus, a mesma escola que conclui as séries que complementavam o ensinoprimário. Quando conclui a quarta série, precisava mudar de escola, pois a que estudavanão atendia o ensino fundamental completo e cursei de quinta a oitava na escola MuriloBraga, da qual tenho muitas saudades de amigos e professores que em minha vida tiveramgrande influência.

Minha pretensão ao concluir a oitava série era fazer o magistério, o curso de capacitaçãopara lecionar nas séries iniciais do ensino fundamental, naquele ano de 2000, a últimaturma do magistério estava se formando e as escolas que ofereciam o curso teriam que aderirao colegial. Meu desejo de ser professor teria que ser adiado, agora seria pensar em um cursosuperior para poder chegar à sala de aula como professor.

No ano de 2001 mudava mais uma vez de escola, agora porque não era oferecido oensino médio e mudei para escola John Kennedy onde concluí o ensino médio. Nessaescola aprendi muitas coisas para a minha formação e para a vida, foi a partir do ensinomédio que pude redescobrir um antigo desejo que tinha e que permanecia escondido.Acreditava que minha vocação era consagrar minha vida buscando a ordenação sacerdotalda igreja Católica. Nesses três anos de ensino médio minha vida virou pelo avesso, queriaser tudo e fazer tudo e acabava deixando pra trás à vontade da ordenação.

Estudando literatura no ensino médio descobri o que gostava de fazer, que era escreverhistórias contadas a partir do contexto dramático do teatro. Procurei unir o útil ao agradávele logo fiz uma oficina de teatro, que com muito esforço conseguia pagar, para descobrir sehavia oportunidade para mim ou não.

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Surpresa! Encontrei-me rapidamente e logo me viera à cabeça ser ator e escritor de peçasteatrais. Mas nem tudo era tão fácil assim, permaneci na oficina no ano de 2003 e pensava emcrescer, pude ver a realidade artística do Estado de Rondônia. Não tínhamos um espaço públicopara nos apresentarmos e tínhamos que buscar patrocínio para levarmos espetáculos para opúblico, mas entre tantas tristezas nos conformávamos com um pequeno espaço de propriedadeparticular para montarmos os espetáculos. Mesmo com tantas dificuldades me apaixonava poraquele mundo tão maravilhoso, não ganhávamos um centavo para nos apresentarmos, pelocontrário pagávamos pelo espaço e ainda pagávamos para o público ir nos assistir.

Ao me deparar com a situação cada vez mais cruel, verifiquei que era necessáriobuscar um futuro mais sólido e deixar o sonho para depois, para realizá-lo como hobby, puradiversão, prazer em fazê-lo. A partir daquela reflexão pude perceber que só com uma formaçãode nível superior poderia conquistar meu sonho e daí sem nenhuma idéia de que cursoescolher, terminei o ensino médio sem prestar vestibular.

Em 2004 a convite de uma amiga, procurei na Paróquia Nossa Senhora das Graçasinformações sobre um cursinho pré-vestibular comunitário que eles ofereciam. Interessei-me e fiz minha inscrição para participar de um processo seletivo que iria ocorrer por termuitos candidatos. Fui aprovado no processo seletivo e comecei a preparação para ovestibular. Ainda confuso não sabia que curso escolher, afinal, a Universidade Federal doEstado não oferecia e nem oferece o curso que sonho fazer: Artes Cênicas. Mas continueiacreditando no futuro e pensei, prestar vestibular para o curso de História, pois acreditavaser menos concorrido, me interessava pelas disciplinas e também para mim naquele ano overbete “tanto faz como tanto fez” se encaixava direitinho no meu perfil de escolha.

Não pude continuar no cursinho pré-vestibular, pois aparecera a oportunidade defazer um curso profissionalizante que me interessava e acabei desistindo no terceiro mês deaula. Um emprego naquele momento era mais importante para mim, pois, estava frustradopor não poder fazer o curso superior dos meus sonhos. Então, minha amiga ao ler o edital dovestibular 2005 da unir, verificara que a Universidade oferecia isenção de taxa. Logo,juntos viemos a Unir e fizemos inscrição para concorrermos a isenção de taxa.

Alguns dias depois o resultado saiu e fui contemplado com a isenção total da taxa deinscrição e assim fui fazer minha inscrição para o vestibular. Em mente o curso que aprincipio iria me inscrever era História, mas na hora exata de preencher o questionárioverifiquei que a UNIR iria iniciar um novo curso em 2005, e sem pensar me inscrevi paraaquele curso novo na Universidade, que eu nem sequer sabia qual era a habilitação queteria, caso fosse aprovado no vestibular e concluir o curso.

Ciências Sociais, esse era o curso que escolhi para prestar o vestibular, sem nem me terpreparado o suficiente encarei com a cara e a coragem o processo seletivo da primeira fase.Um alívio, fui aprovado para a segunda fase, agora precisava me preparar para a segundafase que envolvia a prova discursiva e não me sentia capacitado para encarar a prova quecolocava medo em todos os vestibulandos.

Com uma semana antes da segunda fase do vestibular, voltei ao cursinho da ParóquiaNossa Senhora das Graças para assistir as aulas de redação e de Historia e geografia regional,mais uma vez encarei outra prova sem muita confiança em mim. Mais uma surpresa, fuiaprovado na ultima fase do vestibular da UNIR e agora era só comunicar a todos em casaque havia conseguido uma oportunidade que nenhum de meus irmãos tivera que foi cursaro Ensino Superior numa Universidade Federal.

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72 Caminhadas de universitários de origem popular

Contente pela vitória, no inicio do ano de 2005 fui fazer minha inscrição para ingressarno curso, e em março comecei a estudar, me afastando do teatro. Embaraçado com asdisciplinas, me sentia totalmente perdido no curso, pois tudo era novo para mim e tinhamedo de reprovar. Pensei em desistir, mas a oportunidade que aparecera eu não podia desperdiçare acabei por terminar o primeiro período. As dificuldades no primeiro semestre eram muitas,como adaptações, muitas cópias e pouco dinheiro, compreensão dos textos e dificuldade notransporte, que depois acabei conseguindo auxílio da Universidade, nesse âmbito.

Um pouco mais convencido iniciei o segundo semestre pensando nas vantagens queo curso poderia me oferecer na vida, inclusive trabalhar na área de minha formação paradepois fazer teatro apenas por realização pessoal.

E assim, terminei o segundo semestre intencionado a concluir o curso para buscaratravés dele oportunidades de crescer dentro e fora da vida acadêmica. Encantei-me pelaantropologia e pensei estudar as religiões afro-brasileiras, mas era muito cedo ainda parame decidir, pois o curso dá habilitação em três disciplinas. O segundo semestre foi muitomais gratificante para mim que o primeiro, pois, venci todas as dificuldades que haviaenfrentado no inicio.

O ano de 2006 foi promissor, no ano anterior fui aprovado no ENEM (Exame Nacionaldo Ensino Médio), que fiz pensando em concorrer a uma bolsa no curso de Artes Cênicasque tinha promessas de ser lançado em uma faculdade particular de Porto velho e não foi.Fui contemplado com uma bolsa integral no programa Universidade para todos (PROUNI)do Governo Federal, mas acabei não fazendo o curso por não me identificar com ele, a bolsaera para o curso de Nutrição, que nunca havia pensado estudar curso dessa área. Foi nestemesmo ano que a Universidade abriu inscrições para um novo programa, que por seleçãobuscava vinte e cinco bolsistas.

Participei do processo seletivo e consegui ser contemplado com uma bolsa do programaConexões de Saberes, que atualmente me dá subsídios para continuar na vida acadêmica,entre eles o transporte, cópias dos textos pedidos pelos professores do curso entre outrasnecessidades que são supridas com a bolsa oferecida pelo Conexões de Saberes. Esse Programaveio em boa hora para mim e acredito que para os meus companheiros bolsistas também, pois,acreditamos ter uma graduação de qualidade com perspectivas de permanecer na vidaacadêmica para futuramente estar capacitado para concorrer a vagas em Mestrado e Doutorado.

Minha pretensão agora é concluir meu curso de qualquer maneira para trabalhar naárea de minha formação e com isso conseguir recursos para minha manutenção, ajudar meusfamiliares e a minha comunidade. Espero que consiga ver meu sonho ser realizado, mesmofazendo arte como amador, ainda assim, estarei feliz por fazer o que amo. Um dia, quemsabe, poderei ser memória, objeto de estudo ou até assunto de jornal, no entanto, espero queseja lembrado como alguém que amou as Artes Cênicas de tal maneira que mesmo vendo-adistante da sua realidade sempre alimentou o sonho de poder cultivá-la.

Meu sonho...

Ao descobrir minha paixão pelas Artes Cênicas, a princípio por falta de incentivo àcultura em Rondônia, não sabia o que era teatro e nem como se fazia. Conheci o teatroquando estava no ensino médio, por volta dos 16 anos de idade. Então fazendo oficinasdescobri minhas habilidades artísticas na área cênica e comecei a sonhar com a possibilidadede viver desse trabalho.

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Pensei em ser autor de telenovelas, dramaturgo, enfim, queria expandir minhas históriasde modo que todos pudessem conhecê-las e se emocionar com elas. Mas a realidade é dura,se nem na cidade onde vivo posso mostrá-las imagine para o país ou o mundo?

Hoje sei que nem sempre é possível fazer tudo, é necessário esperar. E com todaesperança eu aguardo o meu dia chegar e aí todos conhecerão o meu potencial de criarpersonagens e através deles fazer as pessoas aflorarem seus sentimentos. Não quero tesouros,apenas necessito ser reconhecido, viver do que gosto e fazer feliz a todos que amo.

Serei uma pagina na história. Quero aplausos, sonho com comentários a respeito domeu trabalho, ser aprovado pela crítica e o que é melhor ter o reconhecimento do públicoque é apaixonado como eu pelas Artes Cênicas. O sonho é a força que faz o ser humanobuscar a felicidade e é pelo meu sonho que eu estou aqui escrevendo e buscandoexperiências, para que um dia, elas possam servir para minha realização pessoal e fazer feliza quem eu possa atingir.

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Suelen da Costa Silva*

Quando nasci, um anjo tortodesses que vivem na sombradisse: Vai, Suelen! Seja “especial” na vida.

O termo “especial” foi uma das primeiras palavras que minha mãe ouviu. Quando eutinha seis meses de idade, tive uma pneumonia e há 21 anos atrás não se podia contar comhospitais e profissionais competentes na área de pneumologia aqui na região Norte, aindamais se tratando de um bebê, meu caso foi rejeitado por alguns médicos, segundo o meu pai,alguns médicos alegaram ter medo de perder uma vida, no começo de carreira, bom elesdiziam que era caso perdido. Até que encontraram um médico em fim de carreira que dizia nãoter nada a perder, tive os cuidados necessários, contudo adquiri a asma desde então. O médicodisse pela primeira vez o termo especial para minha mãe a partir dali nada seria mais o mesmo.

Desde então foi muito difícil, eu era uma criança diferente, isso era visível o tempotodo, fui criada com minha avó e mais cinco crianças, eu não era a mais mimada mais era aque tomava mais remédios, e ficava o tempo todo encapada parecendo um pacote. Nãopodia sair quando a temperatura caia e nem correr muito para não cansar. Então lembro quea brincadeira constante, era brincar de escolinha, minha prima dois anos mais velha que, euera sempre a professora, e ela levava jeito mesmo, tanto que ela é formada hoje em LetrasVernáculas e já é funcionária pública atuando na área de Professora, era vocação mesmo. Eunão gostava muito de brincar disso, mas cá estou também já ministrando aula em Pré-Vestibular Comunitário, e creiam eu acho um máximo.

Devo tudo que eu sou aos cuidados da minha avó, mesmo sendo criada nos moldes darigidez e da palmatória, não tenho nada do que reclamar, o que vale ressaltar é que quando era sóum bebê minha mãe teve que me deixar aos cuidados da minha avó, porque conseguiu umtrabalho de zeladora no funcionalismo público e nessa altura meu pai já havia lhe deixado poroutra, só para comentar acho que meu pai nasceu no país errado, até hoje ele afirma não conseguirficar com uma só mulher, e também não vê nada demais nisso. Bom voltando a minha mãe, essefoi um passo bem difícil, se recuperar de uma separação, deixar um bebê pequeno e com problemasde saúde para poder trabalhar, depois de um tempo como não houve volta com o meu pai, minhamãe resolveu procurar alguém, alguém que infelizmente já tinha outro alguém, e aí veio minhaquerida irmã, e mais um bebê para os braços da minha avó, em seguida o pai de minha irmãmorreu tragicamente em um acidente de carro, e ela não pode conhecê-lo.

Especial

* Graduanda em Letras - Vernáculas

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O que foi resolvido é que minha mãe nos pegaria nos fins de semana e nas férias, assimcomo os meus outros primos, seriam pegos por seus pais. Era difícil, ás vezes quando ficavade castigo minha avó não deixava eu ir com a minha mãe, eu sofria muito, não sei ao certoporque, mas sempre uma admiração muito grande pelo que a minha mãe fazia, ela me levavaás vezes para o trabalho e eu achava legal o que ela fazia, abrir e fechar as portas, ter váriaschaves, como aquelas chaves me deixavam encantadas, não sei ao certo porquê, o que eu seina verdade é que por detrás de cada uma daquelas portas haveriam mundos, e que minhamãe era dona de tudo aquilo, quando tinha que fazer as redações de sala de aula, eu nãosabia o nome da profissão de minha mãe, acho que ela não gostava muito de falar sobre isso.As pessoas a discriminavam por essa profissão, nas lojas quando ela falava o que fazia, aspessoas respondiam Ah, ta! Com um olhar de reprovação.

O que eu sei é que eu gostava tanto dela e queria tanto ver um belo sorriso naquelebelo rosto, que eu fui a melhor aluna da sala, e com um pouco mais de esforço no ensinofundamental cheguei a ser a melhor aluna, pelas maiores médias do colégio. Ela não ligavamuito dizia que era a minha obrigação. E na 5ª serie descobri o belo mundo da Literatura.Comecei por José de Alencar e em algum tempo já estava apaixonada por todo tipo deLiteratura Brasileira. Mas nem só de livros se vive uma adolescente, e assim fiz parte de umgrupo de dança por quatro anos, pelas apresentações do grupo, conheci toda a cidade dePorto Velho, minha cidade natal, percebi que ela era mais feia do que eu imaginava, nãoentendia muito de política mais eu via aquelas belas cidades na televisão e me perguntavapor que não era assim a cidade onde eu morava? Também fiz teatro, e em 1996 em umfestival chamado FEMUT (Festival Estudantil Municipal de Teatro), ganhei o troféu demelhor atriz juvenil. Foi um máximo, um dos momentos mais felizes da minha vida.

Quando minha mãe estava grávida de minha irmã ganhou um terreno no então bairroUlisses Guimarães, as casas foram construídas por meio de multirões, era muito criançatinha apenas quatro anos, mas percebi naquele momento que a união faz a força. Infelizmenteas pessoas esqueceram dessa força, o bairro está inserido na Zona Leste de Porto Velho etodos os problemas imagináveis estão concentrados nessa área: violência, falta desaneamento básico, pessoas com baixo nível de escolaridade, e entre outros meninas queengravidam muito cedo, pessoas sem a menor perspectiva de vida. Os multirões acabaram,as cercas foram levantadas, e hoje os muros foram levantados, cada um quer saber apenas dasua vida ou apenas acha que não há nada que possa ser feito. Eu acho o contrário li odepoimento de Cecília que está no livro Ponto de Vida Cidadania de Mulheres Faveladasde Andréa Paula dos Santos, onde essa mulher especificamente relata sua história de luta, eafirma que “na organização da família, a mulher sempre fica em último plano! Quando faloisso aqui em casa, acham que estou me lamentando, que não sou feliz... não é isso: só achoque deveria ser uma sociedade com tarefas e divisões iguais...” Esse livro relata sobre umprojeto chamado Carolina Maria de Jesus, o nome dessa associação foi escolhido porqueessa personagem se trata de uma favelada negra onde conseguiu a publicação de sua histórianos anos sessenta que como afirma Marisa Lajolo devassou os avessos do desenvolvimentootimista com seu Quarto de Despejo. Essa associação tem como principal intuito construiruma identidade feminina menos mutilada e uma cidadania mais completa segundo tambémMarisa Lajolo Unicamp.1996. Consegui enxergar nesse livro a idealização de um projetopessoal, que as pessoas mais humildes devem ter consciência das oportunidades que podemter ao estudar, que há uma Constituição que não ampara só os ricos, quero muito que a

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comunidade onde moro tenha o conhecimento sobre todos os caminhos antes de escolherema vida do crime, antes de escolherem ser mãe aos 09 anos de idade, quero que eles saibamque merecem respeito, não importa a roupa que vistam, o cabelo que usam, se tem ou nãotem dinheiro. Quero que a alienação seja dissipada, que os olhos se abram para os caminhosque podem ser percorridos além do tráfico, e é por isso que dou aula no Projeto UNA(Universitários em ação), estou agindo para que essas pessoas tenham pelo menos aoportunidade de escolher “o que querem ser quando crescer”. E que elas podem crescer.

Antes de chegar à Universidade tive a oportunidade de estudar em um colégio particular,minha mãe morou junto com o meu ex-padrasto por uns 12 anos e nesse período foi me dadoessa oportunidade. O colégio Dom Bosco tem muros bem altos, quando passava por elesimaginava que nunca ia poder entrar lá dentro, era só gente com uma boa condição financeiraque estudava lá, mas eu entrei, e mais alto que os muros estavam às pessoas. Aos poucosconsegui um bom espaço nos três anos que estudei lá fui condecorada como melhor aluna, eaos poucos fui ganhando a simpatia de todos. Descobri que o aprender não está em carrosimportados, ou dinheiro, está além dos mauricinhos e patricinhas que não dão o mínimo valor,porque tem de sobra, podem estudar em um colégio particular e em uma faculdade particular,eu tinha que absorver o máximo que desse para entrar na Universidade Federal, e assim que aminha mãe se separou ela me pediu para que eu escolhesse um curso que não tivesse muitosgastos, porque agora mais uma vez ela estava sozinha e não ia dá para bancar um curso quegastasse demais. Antes de entrar na Universidade passei quatro vezes pela UTI por paradasrespiratórias, foi aí que comecei a ser dependente de bombinha de asma, para poder continuartendo uma vida normal, essa foi uma alternativa, eu não sei direito o que as pessoas pensamsobre eu usar bombinha, se sabem que asma não pega? Se me olham com pena? Eu não seimesmo, mais sei que atualmente preciso dela para me locomover. Devido aos problemas desaúde tive um bom prejuízo no meu segundo grau e só passei na terceira vez que presteivestibular, fiquei bem frustrada afinal muita gente apostava em mim, a minha mãe chegou afalar para eu desistir de tudo e ficar em casa, a doença estava ficando cada vez mais grave. Euvivia passando mal, mas eu não podia desistir, fui criada em uma família de mulheres muitofortes talvez nem elas saibam o tamanho de sua força. Minha bisavó ficou viúva com 14 filhospequenos e com a graça de Deus está viva, e já criando um bisneto, e já tem tataraneto, criouseus filhos, educou e todos vivem dignamente. Minha avó se separou por motivos de adultériopor parte do meu avó, e criou dois filhos lavando roupa dos outros, minha mãe não desistiu denós, eu e minha irmã e também foi lutar, eu não podia e nem posso desistir.

Em 2005 passei para Letras Vernáculas, desde os dez anos de idade era apaixonada porLiteratura, e quando fiz um cursinho Pré-Vestibular tive um professor que me ajudou adecidir, nunca conversamos mais as suas aulas mudaram o meu modo de ver um professor,ele amava o que fazia, dava aulas com um prazer inimaginável, sempre parecia muitocansado, afinal vida de professor não é fácil, mas sempre com prazer, aí não tinha outraalternativa eu queria mesmo me apaixonar por Literatura; e dou aula desde os 14 anos estouhoje com 21, e com isso acho que o dom já veio imprimido dentro de mim, quase sempre deiaulas como voluntária, a não ser uma ou outra aula particular, ou alguns trabalhos que façopara ajudar a me manter na Universidade. Não é muito fácil estar aqui na Universidade, esseano de 2006 passei por uma cirurgia de apêndice e mais uma vez fui para a UTI por problemasrespiratórios. Não saí do Projeto UNA só dei uma parada, e com a Universidade voltei atempo de não perder o semestre.

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Trabalhei desde os 14 anos na igreja católica e aos 19 percebi que eu queria muitomais do que dar aulas sobre o evangelho e não praticá-las. E como sou chamada por aqui,hoje sou evangélica, toda força que está sobre a minha vida vem de Deus. É impossível nãoacreditar Nele depois de tudo o que passei e sou conivente com a prática do Evangelho deJesus Cristo, sou voluntária na igreja e realizo um trabalho de maior força com as criançasensino elas com Literatura, e com todo o poder de conhecimento que foi adquirido até aqui.

Sou atualmente Bolsista do Conexões de Saberes mas entrei como voluntária, e antesmesmo de receber a bolsa já estava envolvida nas propostas do projeto, sei que aprendereias técnicas para ser uma agente transformadora na minha comunidade, na minha família,por onde quer que eu vá, hoje percebo que não posso ficar apenas olhando como o poeta deum mundo caduco. Sei as dificuldades da comunidade, mas também sei que como em quasetudo essas situações podem ser mudadas, ministro aulas de Literatura, Português e Redaçãono Pré-Vestibular ROCA (Resgatando o Ontem para Conquistar o Amanhã), que é uma açãodo UNA (Universitários em ação). Tento mostrar aos meus alunos que se eu consegui, elespodem ir até mais longe que eu, hoje tenho frutos desse projeto tenho dois alunos queestudam no pavilhão da frente onde fica a minha sala, eles junto com outros que ajudamosa aprovar no vestibular do ano passado são os frutos de um trabalho, uma iniciativa que jádeu certo; e mesmo estando com problemas esse ano porque tivemos uma queda no númerode alunos não paramos e nem vamos parar, vamos pegar as técnicas nesse Programa, porqueeu e mais alguns integrantes estamos participando do Conexões de Saberes para melhorarmosmais o desempenho do nosso Projeto, agora vemos que lá pode ser um local de debatesconscientização dos direitos e muito mais, a ação só não pode é morrer. E finalizo com aspalavras de uma carta aos jovens que diz: “Para todas as grandes coisas, exigem-se: lutaspenosas e um preço muito alto. A única derrota da vida é a fuga diante das dificuldades. Ohomem que morre lutando é um vencedor”.

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78 Caminhadas de universitários de origem popular

Terezinha Andrade da Costa*

Após a morte de minha avó, meu avô sem saber o que seria dos filhos começou aseparar a família, começando pelo meu tio irmão mais velho de minha mãe, que foi morarcom os padrinhos e assim ocorreu com os outros filhos homens. As mulheres tiveram outrasorte, meu avô tratou de casá-las com os rapazes que por elas se encantavam, que semescolha, acabavam se casando muito cedo, daí começa a minha história.

Minha mãe foi casada pelo meu avô, com um rapaz que apareceu na cidade, com quemteve seu primeiro filho que faleceu aos dois meses de idade, acometido de infecção. Apósessa grande perda minha mãe novamente engravidou, me trazendo ao mundo.

Nasci em mil novecentos e sessenta e dois, em um povoado do Amazonas, hoje cidadede Humaitá, em uma maternidade dirigida por freiras que me deram o nome de Terezinha emhomenagem a Santa do dia, ou seja, três de outubro.

Minha vinda trouxe muitas alegrias, pois nasci forte, saudável e muito resistente, euera sua compensação. Porém, meu pai logo nos deixou indo à procura de outras aventuras.Então minha mãe voltou para o seringal, lugar de onde saíra só que dessa vez acompanhadanão mais por aquele jovem, mas sim de sua semente.

A volta para o seringal, representou para meu avô uma grande felicidade, pois naquelemomento ele refletiu o quanto foi precipitado, dando minha mãe aos quatorze anos para umestranho que mal teve tempo de conhecer, neste instante fez a ela uma promessa de quenunca mais a deixaria, e que só a morte os separaria. E assim aconteceu.

No seringal minha mãe conheceu um jovem pelo qual se encantou e que logo contrairianovo matrimonio. Meu avô ficou muito feliz, pois consentiu que minha mãe se casasse denovo, mas dessa vez com o homem que ela mesma escolhera e que mais tarde eu chamaria depai e que me daria uma nova família.

Assim recomecei a minha história, ganhei um novo pai que com a minha mãe concebeumais cinco irmãos.

A vida no seringal apertou e minha família teve que migrar para Porto Velho em buscade melhoras. Vimos morar num bairro chamado Pedrinhas, onde minha mãe se tornoulavadeira e meu pai foi contratado para limpar as terras que na época eram demarcadas, foiele um dos pioneiros nessa atividade que fez com que a cidade crescesse.

Nessa época a vida melhorou, a fartura estava presente, em nossa mesa não faltavaalimento, pois meu avô pescava e conhecia a mata e a cada quinzena vinha carregadode peixe e caça no paneiro, tudo salgado, pois não podíamos comprar uma geladeira.

A busca

* Graduanda em Letras pela UNIR.

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E assim eu fui crescendo, assistindo a tudo e procurando crescer com as dificuldadesque apareciam.

Em minha lembrança, sempre vem àqueles momentos em que, quando meu pai tinhaas atividades interrompidas pelas chuvas, ou seja, durante o período de inverno aqui naregião norte não se podia capinar, ele ia trabalhar em uma padaria, que ao final de cadaexpediente as sobras eram divididas entre os funcionários. E eu o esperava para saborearaqueles pães tão gostosos da minha infância. Minha mãe repartia o que meu pai trazia coma vizinha, pessoa muito humilde, e isso ficara como um grande exemplo para mim desolidariedade. Quando começou a construção do conjunto Ipase, surgiu também o grupoescolar Nações Unidas. Minha primeira escola.

Lá estudei o antigo primário, conheci Salet David, minha primeira professora, que meensinou os primeiros passos dentro do mundo da escrita e da leitura, à qual nunca esqueci.Aliás, nunca esqueci a fisionomia de meus professores, pois vejo que através da docêncianasce o progresso das nações pois através da educação surgem as mudanças, e para mimestão acontecendo agora, nessa nova jornada de minha vida.

Em Porto Velho, estudei até a antiga Quinta Série. Foi quando surgiu a oportunidadede melhorar e viajei para a cidade grande.

Minha mãe conheceu uma família que vinha de Manaus e permitiu que eu viajassecom eles até Brasília, pois estava de férias da escola. Assim fui eu, aventurar e conhecer algodiferente da minha realidade: os candangos.

Essas férias duraram três anos, ou seja, pensei que voltaria logo e acabei ficando por lá.Conheci muita gente boa, voltei a estudar e tive que trabalhar como doméstica. Conheci Lúcia,hoje uma grande amiga, uma pessoa que muito me ajudou, dava conselhos incentivava, cuidavamuito de mim, pois ainda era adolescente o que para ela representavam uma responsabilidade.

Aos dezoito anos concluí o primeiro grau, no GAN, uma escola pública localizadaperto de onde morava na L2 Norte. Disse a Lúcia que queria trabalhar no comércio, queriaser independente, para isso teria que tirar os documentos, assim eu fui.

Com todo apoio de Lúcia, consegui um emprego no comércio e um lugar para tocar avida. Tornei-me emtão, uma pessoa independente.

Quando comecei o segundo grau, dessa vez, longe da Lúcia, percebi que não seria tãofácil, logo tive que optar pelo trabalho, pois tinha que me alimentar e pagar o aluguel. Daícontinuei a vida só trabalhando, foi uma fase muito gostosa, namorei, passeei bastante, fuimuito feliz na terra dos Candangos, afinal de contas vinte e uns é só uma vez.

Comunicava-me com meus pais constantemente, mas bateu um tédio um desassossegono coração, me faltava algo, estava começando a enjoar de Brasília.

Naquele tempo, tinha um amigo que estudava na UNB, o Sinval, que fazia Agronomiae estava voltando das férias que fora passar no Rio de Janeiro, o que ele me disse me tocoutão profundamente e comecei a imaginar que minha vida teria mais sentido se assim ofizesse, disse-me que teria que conhecer o mar até os vinte anos, exatamente a minha idade.

Com ajuda dos amigos e do patrão fui conhecer o mar, Jorge, meu patrão, disse-mecom aquele vozeirão Germânico: “Vai Terezinha conhecer o mar”. Assim eu fui.

Quando cheguei no Rio de Janeiro fui recebida pela família de um amigo, depois deme instalar, em fim fui conhecer o mar, algo magnífico aconteceu dentro de mim, tamanhaera a beleza daquela nova paisagem frente aos meus olhos, realmente Sinval tinha razão,não poderia passar a minha vida toda sem ter conhecido o mar.

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80 Caminhadas de universitários de origem popular

Reencontrei velhos amigos que ali foram, que nem eu, tentar melhoras. Um deles que nãome recordo o nome, mais sua imagem me é bem nítida na lembrança que tinha um singeloapelido de “Jabá”, me convidou para trabalhar no seu bar. Ali fiquei atendendo as pessoas em umambiente bem agradável, muita gente, muito pagode, muita curtição e o inesperado: conheci oque seria o grande amor de minha vida, Luiz Cerino de Almeida, com quem tive duas lindas emaravilhosas filhas, também viveram muitas aventuras, dificuldades tudo que se tem direito emuma vida a dois. Como já dizia Vinícius de Moraes, “Que seja eterno enquanto dure”.

Porém, como um conto de fadas minha história com Cirílo, era assim que eu o chamava,terminou. Após quinze anos, retornei a minha terra natal, Porto Velho, mas não voltei sozinha,trouxe comigo o fruto do lindo amor que vivi no Rio de Janeiro, minhas duas filhas, Camilae a Clariana.

Isso foi em dezembro de mil novecentos e noventa e nove. É, voltei para casa damamãe, que como todas as mães, me acolheu e deu todo apoio que eu precisaria, pois agoratinha duas responsabilidades.

Voltei a estudar, e foi na escola Major Guapindaia que minha história novamenterecomeça. Terminei o ensino médio em dois mil em três, fui presidente da APP, (associação depais e professores) da escola, pois minhas filhas eram alunas e fui convidada para prestar essetrabalho voluntário, onde percebi o quanto é importante o sistema educacional, o que me deua certeza de que tinha que fazer algo para contribuir no desenvolvimento do meu pais.

O incentivo por parte da equipe pedagógica, onde eu dava minha contribuição comopresidente da APP, foi de suma importância, haja visto que minhas intenções não eram de chegartão longe, mas sim de apenas terminar o ensino médio e me empregar para sustentar minhas filhas.

Aos quarenta anos, percebi que não seria tão fácil arrumar um emprego, pois asdificuldades que encontrei por causa da minha origem negra e da minha idade, me dei contade que o futuro seria o estudo. E assim fui.

Fiz cursinho pré-vestibular, durante dois anos, sendo que nos primeiro e no segundovestibular que fiz fiquei na segunda fase, mas minha força de vontade e minha persistênciaem busca do meu objetivo me animaram a tentar mais uma vez.

Na terceira tentativa fui feliz, fui aprovada e fiquei em quinto lugar, das quarentavagas oferecidas pela Universidade Federal de Rondônia, no curso de Letras-Português.

Sinto-me feliz em ter alcançado esse objetivo, hoje sou citada como exemplo portodos que me conhecem. Minhas filhas me olham com orgulho, minha família se transformou,pois todos hoje buscam também alcançar seus objetivos.

Meus pais me apoiam em tudo, peço a Deus que lhes dê muita saúde, pois sinto quetudo que fazem por mim é com satisfação, sem questionamentos, é como se estivessemagradecidos pela minha volta, tal como meu avô, quando minha mãe voltou para o seringal.

É claro que no caminho existem as pedras, elas estarão sempre lá, nos esperando paraserem por nossa vontade, retiradas, nos mostrando que não devemos nos acomodar nem tãopouco desistir de lutar, conto com minha força de vontade, minha família, meus amigos emuita, muita fé em Deus.

Agradeço a Deus por essa pequena fresta, pretendo abrir a porta toda e vislumbrar ummundo melhor, um futuro que eu vou construir com o conhecimento que estou adquirindo,tenho agora outras metas a serem alcançadas, quero alçar grandes vôos, me especializarfazendo um mestrado e um doutorado na área de minha graduação.

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Universidade Federal de Rondônia 81

Walkyria Rodrigues Ramos*

Isso é para que todos saibam e vejam , queforam as mãos do Senhor que fizeram isto...

Eu

Meu nome é Walkyria, nasci no dia 3 de dezembro de 1985, na cidade de Recife emPernambuco, ao meio dia, na Policlínica Santa Clara. Nasci com 12 dias de atraso, minha mãe disseque minha cabeça já estava roxa, se tivesse demorado mais um pouco não teria sobrevivido. Apesardo contratempo, fui uma criança saudável sem muitas complicações de saúde, apenas um princípiode desnutrição quando tinha 1 ano e 6 meses, mas consegui superar isso. Sempre fui alegre eextrovertida, na verdade, essas são minhas características mais marcantes. Sou uma pessoa que amaviver apesar das dificuldades do dia-a-dia. Amo as coisas simples da vida como: música, estar commeus amigos, ler, Internet, assistir filmes, natureza e lógico minha família. Quando era criança, umdos meus sonhos era ser escritora, mas nunca imaginei ter minha vida publicada em um livro, issoé engraçado, pois, não foi algo que planejei, simplesmente aconteceu... morei em Recife até os 8anos , mas meu pai ficou desempregado e conseguiu um emprego aqui em Porto Velho, entãoviemos morar em Rondônia que é um lugar que eu amo. Em Rondônia , conheci pessoasmaravilhosas , vivi os melhores momentos da minha vida e foi em Rondônia que tive oportunidadede realizar um dos meus sonhos: Cursar uma Universidade Federal.

Família

Moro com meus pais e meu irmão. O nome da minha mãe é Vilma, ela tem 41 anos,cursou o segundo grau profissionalizante em saúde, mas nunca trabalhou na área, ela quiscursar faculdade, mas não pôde por ter que cuidar de mim e depois do meu irmão.

O meu pai, Waldir, também tem 41 anos e cursou até a 7ª série do ensino médio, tantoele quanto a minha mãe são apaixonados por leitura, acho que herdei isso deles. Meu paigosta muito de português e pensa um dia em cursar faculdade.

Minha mãe também pensa em um dia cursar faculdade e eu dou o maior apoio para os dois.Eles se conheceram adolescentes, com 19 anos já moravam juntos, e quando tinham 20 anos eunasci. Quatro anos depois nasceu o meu irmão. O nome do meu irmão é Waldir Júnior, acho queeles gastaram muita criatividade pra me dar um nome e o nome do meu irmão é apenas arepetição do nome do meu pai... não foram muito criativos nisso... mas fazer o quê, né?

Nada é por acaso... tudo está escrito

* Graduanda em Biologia pela UNIR.

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O Júnior tem 17 anos e cursa o 1º ano do Ensino Médio, não pensa em fazer faculdade,mas eu e meus pais fazemos de tudo para incentivá-lo a fazer. Tento de tudo pra ele fazerbiologia... um dia ele foi pra campo comigo fazer coleta e saiu se achando “o biólogo”,então sempre que vou pra campo tento levá-lo comigo, quem sabe ele não se decide em serbiólogo? Eu adoraria!

Mudança

Quando meu pai e minha mãe tinham 29 anos, meu pai ficou desempregado e sem amenor perspectiva de emprego em Recife, minha mãe foi trabalhar de babá e a patroa delafez uma proposta para ela vir pra Rondônia com eles. O marido dela tinha uma firma devigilância aqui em Porto Velho, se minha mãe aceitasse meu pai também teria um empregogarantido. Como emprego não se recusa ainda mais na situação em que eles estavam,aceitaram a proposta, e viemos morar em Porto Velho. Minha mãe trabalhou com ela aindauns 5 meses, meu pai trabalhou na firma por 10 anos. Minha mãe trabalhou de vendedorapor alguns anos e hoje trabalha por conta própria, revendendo catálogos e meu pai é segurançade uma concessionária.

Amigos

Não sei se é importante falar deles, mas, com certeza eles são muito importantes pramim. Graças a meu jeito extrovertido tenho facilidade em fazer amigos, mas, verdadeirosamigos não se encontram em qualquer esquina.

Quando me mudei pra Porto Velho, morei no centro da cidade por 6 meses e depois nosmudamos para o bairro onde moro até hoje, Jardim Eldorado. Quando mudei para essebairro fiz muitos amigos, mas alguns em especial, como por exemplo a Luciana, que tambémé bolsista do conexões, eu e a Lu aprontávamos todas quando éramos crianças...correr,pular, até empinar papagaio (pipa)! Hoje nossas lembranças das aventuras vividas na infâncianos rendem muita gargalhada! Também tem a Leilane , uma grande amiga que tambémconheci quando vim morar nesse bairro, ela e sua mãe Tereza sempre me ajudaram eincentivaram de todos os modos possíveis....

Na faculdade também fiz muitos amigos, eu, a Chely, a Márcia e a Roberta nos grudamosdesde o dia do trote, montando o MSB (não vou dizer o que significa!) embora o pessoal dasala desde o primeiro período nos chame de “Meninas Super Poderosas”, mas eu prefiroQuarteto Fantástico! É incrível, mas junto com elas a tristeza passa longe...

Quando decidi a área que queria trabalhar, encontrei uma concorrente que logo setornou minha amiga, a Suzane. A Su me ajudou e ainda me ajuda demais... é meu braçodireito! No começo era só “interesse profissional” (pois temos o mesmo interesse na área dearacnologia e animais peçonhentos), mas depois de uma pequena viagem a amizade sefortaleceu muito e hoje não desgrudo dela por nada! Bem, eu já estava muito satisfeita porter feito quatro grandes amigas na faculdade e pensei que não faria outra grande amiga, poisjá conhecia todo mundo da sala, mas aí apareceu a Gislaine. Foi muito engraçado... juntamos-nos para estudar Fisiologia Animal e não nos desgrudamos mais... foi afinidade instantânea...essas amigas estão sempre do meu lado e me apóiam em tudo... sei que posso contar comelas em qualquer situação, assim como elas podem contar comigo. Muitas das minhasamigas têm uma trajetória de vida muito parecida com a minha, talvez por isso nos demostão bem. E assim como a família influencia na construção do caráter, os amigos também o

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fazem, então resolvi mencionar alguns dos que influenciaram minha vida positivamente.Sem deixar de lado também as amigas que fiz no conexões: Carla, Rosy Bananinha, Helena,Ana Gleice (fofa) e juntamente comigo e a Luciana formam a turma do VUCO-VUCO. Sãoespeciais demais!!!

Estudos

Desde a 1ª série do ensino fundamental até o 3º Ano do ensino médio estudei emescola pública. A alfabetização e a 1ª série eu fiz ainda em Recife. Antes de entrar na 1ª série,estudei em duas escolinhas, uma numa associação de futebol “VETERANO” e numa escolaparoquial “ALICE VILAR DE AQUINO”. Mas o destaque na minha alfabetização foi minhamãe, ela me ensinou a ler e a escrever antes de entrar na escola. Fiz minha 1ª Série na escolaMARIA DE LOURDES RAMOS e como já sabia ler e escrever a primeira série pra mim foimoleza! Eu era ajudante oficial da professora. Comecei a 2ª série nessa mesma escola, masme mudei e terminei a 2ª série em Porto Velho na escola NOSSA SENHORA DAS GRAÇAS,onde estudei até a 4ª série.

Eu era uma aluna dedicada e sempre estava envolvida com as atividades da escola,principalmente nas atividades de música e leitura. Na 5ª série mudei de escola, pois lá nãotinha a 5ª série. Estudei 6 meses na escola JESUS BULAMARQUE HOSANAH, masinaugurou uma escola perto da minha casa, o colégio JOÃO BENTO DA COSTA, ondecursei até o 3º ano do ensino médio.

O J.B.C é uma escola pública, considerada modelo, é a maior escola pública do estado,tem dois andares, 40 salas de aula, na época em que entrei, tinha enfermaria e dentista ealgum tempo depois construíram uma piscina olímpica, onde os alunos faziam aulas denatação, essa escola era muito dinâmica, tinha fanfarra, coral, grupo de dança e sempreoferecia cursos profissionalizantes, como por exemplo, informática, relações humanas e oque eu fiz, serigrafia, todos com certificado pelo SEBRAE, todo mundo queria estudar lá,mas vaga era difícil, até quem reprovava perdia a vaga.

Quando entrei nessa escola era bem rigorosa, só entrávamos na escola se o uniformeestivesse completo, não se entrava sujo ou despenteado, os sapatos deviam estar brilhando, asunhas cortadas, cabelos arrumados, os meninos não podiam entrar de brinco nem boné e asmeninas que usavam saia, como eu, deveriam usar uma saia de no máximo dois dedos acima dojoelho. Todo dia antes de subirmos para assistir às aulas tínhamos que fazer fila, cantar o hinonacional, o hino de Rondônia, o hino da escola e fazer um monte de oração e quando subíamospara a sala ficavam o diretor e os inspetores supervisionando cada detalhe dos nossos uniformes.

Outra coisa engraçada eram algumas disciplinas que estudávamos: técnica de locuçãode Rádio e TV, Educação para o trânsito e xadrez. Mas, com o passar dos anos isso foimudando e quando mudaram o diretor a escola virou bagunça. Enquanto estudei lá, fuienvolvida também com as atividades da escola, entrei na fanfarra, mas como meu pai nãome deixava viajar, tive que sair. Participei do coral e fiz parte da equipe da Rádio da escolacomandada por uma professora muito legal, a professora Glacilda, ela me deu aula dehistória e história de Rondônia desde a 6ª série. Ela é um amor de pessoa , um exemplo deprofissional...sempre tive uma enorme admiração por ela.

No 3º ano fiz o terceirão no J.B.C, nossas aulas não eram como os das outras escolase sim como nos cursos pré-vestibulares. Nossos professores eram todos professores de cursospré-vestibulares de prestígio na cidade e nos davam aula com a mesma dedicação de quando

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ensinavam nos cursinhos. A rotina de estudo era puxada, só fazia o terceirão, não pagueicursinho, mas estudava todos os dias até de madrugada e ainda acordava cedo para assistirao tele curso 2000, mas todo esse esforço valeu a pena. No ano em que fiz vestibular mais de40 alunos foram aprovados para a federal junto comigo. O empenho desses professores emnos ajudar, me motivou a fazer o mesmo por outras pessoas, por isso assim que entrei nafaculdade, comecei a dar aulas em cursinhos pré-vestibulares comunitários.

No final de 2003, prestei vestibular para Biologia, na verdade, eu queria fazer Música,mas como teria que mudar de cidade e não tinha condições para isso, optei por Biologiamesmo, era o único curso que eu me identificava (e não me arrependo da minha escolha!).Em 2004 ingressei na Universidade Federal de Rondônia, foi um sonho realizado...tudo vaidar certo...era isso que eu pensava, mas depois descobri que o difícil não era entrar, o difícilera sair formado! De cara me apaixonei pela Biologia, e graças a essa paixão e pelo apoiodos meus pais pude continuar meus estudos, apesar das dificuldades, pois, meu curso éintegral e não tinha como conseguir emprego, tinha que almoçar na faculdade, comprarvale transporte, tirar fotocópias, mas graças a Deus esses detalhes não me abateram e faltapouco para concretizar meu sonho: ser bióloga.

Conexões

Um dia eu estava andando pela faculdade, quando vi o cartaz de seleção para oprograma, passei e não dei muita importância. Depois de um tempo passei de novo e decideme inscrever, apesar de ter certeza de que não seria selecionada. Fiz minha inscrição eguardei o comprovante na minha bolsa. No dia marcado para sair a lista dos pré-selecionados,eu tive uma prova e depois da prova fui pra casa, nem lembrei da lista .

Quando estava no centro da cidade, quase apanhando o ônibus pra ir para casa,encontrei a Janaína, também bolsista do Conexões, e ela me disse que eu tinha sidoselecionada para a entrevista e meu horário estava marcado mais ou menos para meio dia ejá eram quase duas. Eu fiquei desesperada, subi no ônibus e voltei pra faculdade; cheguei atempo da entrevista, mas continuei sem acreditar que seria selecionada, mas para minhatotal surpresa, eu fui selecionada! Em novembro desse ano, viajamos para o Rio de Janeiro,para participar do II Seminário Nacional do Programa Conexões de Saberes, a viagem foiótima, nós bolsistas nos aproximamos mais, porém o mais importante da viagem foi participardas plenárias e discutir como poderíamos mudar a situação dos jovens de origem popular naUniversidade, ampliando a perspectiva de futuro dos mesmos. O Conexões de Saberes,além de me ajudar financeiramente, têm me ajudado a reconhecer e sentir orgulho de quemsou e também descobrir qual o meu papel na sociedade.

Sonhos futuros

Estou no 7º Período de Biologia, atualmente estou trabalhando com bioquímica dearacnídeos. Tenho um grande interesse na área de Zoologia, principalmente aracnídeos eanimais peçonhentos. Quando terminar a faculdade , quero cursar mestrado , depois querofazer doutorado e pós doutorado também, e além de pesquisadora também quero serprofessora, principalmente de cursos pré-vestibulares. Apesar de ser totalmente apaixonadapela profissão que escolhi, ainda tenho o sonho de me formar em música, mesmo que nãotrabalhe na área, mas a música está no meu sangue...faz parte de mim...e se não puder realizaresse desejo ...acredito que seja uma pessoa frustrada mais adiante.

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Agradecimentos

Bom, essa é minha história, pode não ser assim tão interessante, mas, é minha história.Falei do que julguei interessante e mais importante...e claro muita coisa ficou de fora, poisse fosse escrever tudo, teria que publicar um livro sozinha! Mas é isso... esse é o pouco demim que quero compartilhar com vocês... bom, como toda história tem um autor, eu dedicoesse memorial ao autor da minha história, ao meu Amado Senhor! Te Amo, Pai!!! E teagradeço por tudo Deus! E aos meus pais que sempre estiveram do meu lado me apoiando eincentivando... amo Vocês!

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